por dentro da fábrica de açúcar

24
Como aumentar a produção de energia elétrica sem novos investimentos Pág. 15 Um novo teste para diagnóstico da cisticercose humana Pág. 20 Propostas para a educação em sociedades indígenas Pág. 22 Por dentro da fábrica de acúcar , Projeto Genoma Cana . .. . va1 sequenc1ar genes relacionados com o metabolismo da sacarose e com a resistência da planta P ág. 8

Upload: pesquisa-fapesp

Post on 08-Apr-2016

276 views

Category:

Documents


50 download

DESCRIPTION

Notícias FAPESP - Ed. 41

TRANSCRIPT

Page 1: Por dentro da fábrica de açúcar

Como aumentar a produção de energia elétrica sem novos investimentos Pág. 15

Um novo teste para diagnóstico da cisticercose humana Pág. 20

Propostas para a educação em sociedades indígenas Pág. 22

Por dentro da fábrica de acúcar , Projeto Genoma Cana

. .. . va1 sequenc1ar genes relacionados com o metabolismo da sacarose e com a resistência da planta Pág. 8

Page 2: Por dentro da fábrica de açúcar

EDITORIAL

Investindo em pesquisa em beneficio da sociedade

A boa ciência e a tecnologia criativa têm sempre um fim social - mais imediato ou mais longínquo, mais claro ou mais encoberto, o que importa é que elas o têm. E entre outras leitu­ras possíveis do material reunido nesta edição do Notícias FA­PESP, ele certamente nos sugere essa da finalidade social das pesquisas científicas e tecnológicas e, por conseqüência, dos investimentos que lhes são destinados.

Tomemos por exemplo, a matéria de capa sobre o lança­mento do Projeto Genoma Cana, no qual estão previstos inves­timentos de R$ 8 milhões. O relato dessa nova iniciativa da FAPESP, com apoio da Copersucar, mostra que o Brasil está entrando uma vez mais em uma área de ponta, e estratégica, da pesquisa científica internacional - a de genoma de plantas. E o faz ocupando, de saída, uma posição de liderança em relação às pesquisas de cana-de-açúcar, dados o porte de seu projeto e a sofisticação da tecnologia (ESTs) que está utilizando. Registre­se que essa liderança foi enfatizada pelos especialistas estran­geiros da área, que se reuniram na FAPESP, nos dias 12 e 13 de abril, e revelaram de pronto seu interesse em estabelecer parce­rias com os pesquisadores de São Paulo.

Mas o projeto Genoma Cana, a par dessa espécie de inter­nacionalidade científica que lhe confere um charme adicional , tem uma outra característica fundamental : seu profundo enrai­zamento na economia nacional. Como se sabe, o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar, responsável por 25% da produção mundial, dos quais 60% saem de São Paulo. Nesse Estado, a agroindústria da cana movimenta R$ 8 bilhões por ano e gera 600 mil empregos diretos.

Ora, são precisamente dados dessa natureza que demons­tram que aumentar substancialmente o conhecimento sobre a cana-de-açúcar- até então não há genes identificados dessa planta -, descobrindo, por exemplo, genes responsáveis pelo metabolismo da sacarose ou pela resistência dessa gramínea a

doenças e pragas, tem notórios efeitos sociais. Porque esse co­nhecimento pode permitir saltos incalculáveis nos programas de melhoramento genético da cana, nos quais o país já tem uma tradição de três décadas, capazes de levar a variedades com teor de sacarose muito mais alto e muito mais resistentes, com po­deroso impacto direto sobre a renda do setor. E sabemos todos que um tal aumento de renda pode beneficiar não só empresári­os e trabalhadores desse setor mas in·igar a economia do país como um todo, que, se politicamente bem administrada, resul­ta sempre em indiscutíveis benefícios sociais.

Tomemos outro exemplo de pesquisa apresentada no ma­terial desta edição: o projeto temático sobre planejamento da operação de sistemas de energia hidrelétrica. As conclusões desse estudo apontam para uma possibilidade real de aumento da produção nacional de energia sem investimentos pesados em grandes obras de engenharia e sem problemas para o meio ambiente. Entendemos que, particulannente num momento em que o país se mostra carente de recursos, mesmo para investi­mentos essenciais, o patente significado económico e social dessa pesquisa chega a dispensar maiores considerações.

Vale a pena perceber o sentido social do investimento em pesquisa também na matéria sobre um novo teste para detecção da cisticercose humana. Simples, prático, barato e eficiente, ele substitui um caro teste importado ou métodos muito mais com­plexos de diagnóstico, inacessíveis à população de baixa renda - justamente a mais atingida por essa doença transmitida pela carne de porco contaminada. E para concluir, sentido social , sentido de construção verdadeira e necessária da cidadania neste país, é o que s·e percebe como pano de fundo do projeto sobre educação dos povos indígenas que estamos noticiando.

Exemplos assim é que têm dado à FAPESP a tranqüilidade de reafinnar que aplicar dinheiro em ciência e tecnologia não é gasto, é investimento. É fonnação de PIB.

Prof. Dr. Celso de Barros Gomes Equipe Responsável Coordenador- Prof. Dr. Francisco

RomeuLandi

Notícias FAPESP é uma publicação mensal da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Conselho Superior

Prof. Dr. Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente)

Dr. Mohamed Kheder Zeyn (Vice-Presidente)

Prof. Dr. Adi/san Avansi de Abreu Prof. Dr. Alain Florent Stempfer Prof. Dr. Antônio M. dos Santos Silva

Dr. Fernando Vasco Leça do Nascimento Prof. Dr. Flávio Fava de Moraes Prof. Dr. José Jobson de A. Arruda Prof. Dr. Maurício Prates de Campos Filho Prof. Dr. Paulo Eduardo de Abreu Machado Prof. Dr. Ruy Laurenti

Conselho Técnico-Administrativo

Prof. Dr. Francisco Romeu Landi (Diretor Presidente)

Prof. Dr. Joaquim J. de Camargo Engler (Diretor Administrativo)

Prof. Dr. José Fernando Perez (Diretor Científico)

2 PESP

Editora responsável- Mari/uce Moura (MTB-2242)

Editora executiva - Maria da Graça Mascarenhas

Editor assistente: Fernando Cunha Arte - Moisés Dorado Capa: Hélio de Almeida Foto: lvson Colaboradores: Carlos Fioravanti,

Margareth Lemos, Mário Leite Fernandes, Mauro Bel/esa, Roberto Medeiros e Rodrigo Arco e Flexa

FAPESP- Rua Pio XI, nº 1500, CEP: 05468-901 -Alto da Lapa São Paulo- SP- Te!: {011) 838-4000 Fax: {011) 838-4117 Este informativo está disponível na home­page da FAPESP: http://www.fapesp.br - E.mail: [email protected].

Page 3: Por dentro da fábrica de açúcar

OPINIÃO -------------

O século da inovação

O Instituto de Pesquisas Tecnológi­cas de São Paulo está comemorando cem anos de existência. Nascido em 1899, no âmbito da Escola Politécnica, inicia uma caminhada rumo ao segundo centenário, ajustando-se à expectativa de que o século XXI será o "século da inovação". Forja, em seus 72 laboratórios, mais de 3 mil ensaios, testes e análises voltados funda­mentalmente para mudanças de rumo na área privada e no setor público.

O !PT está no caminho certo. A ino­vação é a palavra-chave que abre as por­tas do futuro. Estudo recente divulgado pela revista The Economist mostra-a como a melhor alternativa para a expan­são dos negócios. O inovador despreza o investimento especulativo e não faz isso apenas porque é um bom sujeito. Além do gesto construtivo, ele adota uma opção inteligente: as inovações geram muito mais lucro do que meras especulações comerciais. A taxa média de retorno de 17 inovações de sucesso nos Estados Uni­dos , durante uma década, foi de 56 %, enquanto a de todos os investimentos da economia norte-americana, nos últimos 30 anos , ficou em 16%.

Os inovadores japoneses, de olho no consumo doméstico, diminuíram o tama­nho do videocassete lançado em 1974. Eles encolheram tudo: o preço, a emba­lagem e a fita , que se reduziu a três quar­tos de polegada. Este videocassete com­pacto entrou para a história do mercado. É, juntamente com o telefone celular, o produto mais comprado no mundo.

Os Estados Unidos vivem um extra­ordinário momento de prosperidade e a inovação jogará um papel decisivo no prolongamento desta fase auspiciosa. Mais de 50% do crescimento norte-ame­ricano vem de indústrias novas, com pou­co mais de dez anos de existência, que reformularam seus processos.

Embora a inovação possa verificar­se em qualquer área de atividade, ela está mais acentuadamente vinculada à dimen­são tecnológica. A tecnologia exige não apenas atenção das empresas, mas tam­bém das nossas universidades, dos insti­tutos de pesquisas e principalmente dos governos. As recentes notícias sobre o setor de cítricos, que não só se tornou competitivo aqui no Brasil e no mercado internacional, mas a conquista do setor produtivo norte-americano por empreen­dedores brasileiros na região da Flórida, mostra bem como a inovação determina

Jacques Marcovitch

o êxito empresarial e setorial. Hoje, boa parte da capacidade produtiva de cítricos no sul dos Estados Unidos é de proprie­dade de empresários brasileiros.

Em nosso tempo, quando os meios tecnológicos tornam-se obsoletos de um dia para outro, nenhum projeto de gover­no pode deixar de acompanhá-los no mesmo ritmo veloz. Trata-se de uma va­riável política indispensável, pois envol­ve o destino e a soberania dos Estados . A comemoração do primeiro centenário do !PT é uma ocasião propícia para reiterar observações neste sentido, que tenho fei­to de várias formas, em ocasiões diversas, pois este é o procedimento imperativo para quem dirige uma universidade.

Abandonar os cientistas à própria sorte é um erro que pode até afetar a es­tabilidade democrática . Nos países em desenvolvimento, não havendo uma pri­oridade estratégica a programas de Ciên­cia e Tecnologia, o retrocesso é inevitá­vel. Se o Brasil não agir hoje para cons­truir o seu futuro , simplesmente não ha­verá futuro. Não me refiro ao futuro ape­nas como o tempo que sucede ao presen­te, mas como o tempo em que a ciência de hoje vai finalmente produzir seus frutos.

A América Latina e o Brasil foram atingidos pelos vendavais que abalam quase todas as economias do mundo. O governo central empenha-se numa inadi­ável tarefa de ajustar as contas públic<JS. Percebe-se, porém, que esta iniciativa, embora justa, comete dois desvios peri­gosos: corta recursos de programas soci­ais já limitados e diminui drasticamente verbas já escassas na área de Ciência e Tecnologia. Uma exceção e um paradig­ma de consciência estratégica é a FA­PESP, em São Paulo, que a despeito de todas as crises vem zelando exemplar­mente pelo progresso da ciência.

Quando questionam políticas restri­tivas e opostas àquela implementada pela FAPESP, as universidades e institutos de pesquisa não agem em causa própria, mas como braços do Estado. Atuam como nú­cleos onde Ciência e Tecnologia intera­gem diuturnamente para a construção da modernidade. Têm o dever de empreen­der esforços, inclusive na área política.

Os políticos de qualidade serão os in­terlocutores certos para dialogar com a comunidade científica, em busca dos meios adequados de traba lho comum e dos recursos indispensáveis a um proje­to nacional de Ciência e Tecnologia inse-

3 PESP

rido e plenamente relacionado com a co­munidade internacional. É ilusão supor que as causas triunfam por si mesmas e que basta ser justas para alcançar os me­lhores resultados.

A matéria da The Economist registra que o professor Gregory Daines, da Uni­versidade de Cambridge, aponta a inova­ção como a religião emergente no se to r in­dustrial deste final de século. Ela come­ça a ser uma espécie de teologia unifica­dora das políticas de centro, de esquerda e de direita . Cumpre-se a profecia do eco­nomista francês Jean-Baptiste Say, que , por volta de 1800, cunhou a palavra em­preendedor, hoje tão em moda. Ele dizia que o empreendedor "transfere os recur­sos econômicos de uma área de baixa pro­dutividade para uma área onde ela é mai­or e oferece maior rentabilidade".

Cambridge, com mais de 700 anos de existência, tem hoje a maior concentração de alta tecnologia entre as universidades da Europa. O seu Reitor, sir Alec Broers, esteve recentemente na USP e observou que esta posição foi alcançada porque a inovação passou a ser sua prioridade nú­mero um. Toda universidade moderna deve agir assim para criar novas fontes de financiamento, manter o ritmo das pes­quisas e garantir seus objetivos no milê­nio vindouro.

Jacques Marcovitch é reitor da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro A Universidade (lm)possível

Page 4: Por dentro da fábrica de açúcar

NO A NO AS NO AS NO N A~ N NOTAS N A N N

Recado da Nature: América Latina precisa estabelecer cooperação científica A ciência na América Lati­

na foi objeto de um suplemento especial da Nature de 1 o de abril, do qual o Notícias FA­PESP publicará um excerto em uma de suas próximas edições. O suplemento foi destacado no editorial da revista, com um re­cado especial para pesquisado­res e gestores da política de ci­ência e tecnologia na América Latina: é preciso que se faça um esforço de cooperação científi­ca entre os países da região para tornar sua produção científica competitiva.

Segundo o editorial, apesar das recentes dificuldades eco­nômicas do Brasil, a América Latina está em condições de ampliar sua já crescente contri­buição para a ciência mundial. Observa-se ali que as circuns­tâncias do dia-a-dia continuam dificeis para os pesquisadores da região, que seu progresso,

por vezes, parece vacilante, com os governos sempre introduzin­do novos esquemas de apoio a ciência, e não encontrando, de­pois, recursos para mantê-los.

A despeito disso, afirma o editorial, a influência internaci­onal de cientistas latino-america­nos está em franco crescimento e todos os indícios são de que continuará assim.

Pesquisa no Mackenzie A Universidade Presbite­

riana Mackenzie criou uma co­missão especial, a Mackpes­quisa, para organizar um siste­ma de pesquisa. Dirigida pelo reverendo Nilson de Oliveira, a comissão está propondo a constituição de um fundo pró­prio, formado por 2% do orça­mento da Universidade, desti­nado exclusivamente às ati vi-

dades de pesquisa. A idéia é que essa reserva inicial sirva para alavancar novas fontes de recursos.

No dia 28 de abril, o dire­tor presidente da FAPESP, Francisco Romeu Landi, fez uma palestra na Universidade, sobre o funcionamento da Fun­dação, seus di versos programas e como deles participar.

A vez da biblioteca eletrônica Depois do SciELO, a nova

investida da FAPESP em rela­ção a acesso eletrônico de peri­ódicos científicos é o Programa Biblioteca Eletrônica - ProBE, que será lançado em 18 de maio próximo, às 11 horas, na sede da Fundação. Durante a solenida­de, serão assinados os dois con­tratos que formalizam o progra­ma: o primeiro, estabelece um consórcio entre USP, UNESP, UNICAMP, UFSCar, UNIFESP e BIREME, que será a base ope­rativa do programa; o segundo, assinado entre aFAPESPe a El­sevier Science Inc., propicia a disponibilização dos 606 títulos desta editora holandesa, através da RedeANSP, aos pesquisado-

res ligados às instituições con­sorciadas. Isto representa adis­ponibilização desses periódicos para cerca de I 0.500 pesquisa­dores.

O ProBE não ficará restri­to, no entanto, apenas aos peri­ódicos científicos da Elsevier - este é seu primeiro passo. Se­gundo Rosaly Fávero, coorde­nadora operacional do progra­ma, acordos com outras editoras de publicações científicas já es­tão sendo estudados, e poderão elevar a base do ProBE a uns poucos milhares de títulos.

A Adesão das demais bibli­otecas do Estado de São Paulo ao programa está prevista e vai ser analizada pelo consórcio.

Em seguida, vem o recado direto da publicação inglesa: diz ele que, enquanto pesquisa­dores de países amplamente de­siguais da região se empurram para competir e colaborar com seus pares melhor financiados dos Estados Unidos e da Euro­pa, torna-se cada vez mais im­portante que reconheçam o quanto podem aprender com a experiência de seus vizinhos. O editorial admite que, na verda­de, a maioria gostaria de traba­lhar mais estreitamente com seus pares de países vizinhos, mas, acrescenta, há pouco in­centivo atualmente nesse sen­tido. Afinal, é muito mais fácil trabalhar dentro de uma cola­boração internacional se pelo menos uma ponta dessa colabo­ração é adequadamente finan­ciada - leia-se Estados Unidos e Europa.

A Nature destaca que em-

bora haja muitos exemplos iso­lados de colaboração científica entre os países da região, não há, no momento, qualquer es­tratégia geral para combinar re­cursos de modo a fortalecer a base científica da região. Lem­bra que a colaboração na pes­quisa entre norte e sul é inevi­tavelmente assimétrica, com limites em sua utilidade para a parte mais fraca , lembra que na Europa a cooperação científica desempenhou um papel signi­ficativo no desenvolvimento de capacitações científicas nacio­nais e sentencia: "a América Latina enfrenta agora um desa­fio semelhante". Por fim, apos­ta que se quiserem construir economias competitivas, as principais potências da região - Brasil, Argentina e México - terão de enfrentar a necessi-dade de uma cooperação pan regional.

Físicos, mulheres prejudicadas na carreira

Apenas 6% dos fisicos, nos Estados Unidos, são mulheres. Ainda assim, sua ascensão na carreira tem se revelado doloro­samente lenta. Por quê?, pergun­ta um editorial da Nature de 25 de março passado. A resposta, pelo menos em parte, consta do relatório de uma·pesquisa reali­zada para a Comissão sobre a Situação de Mulheres na Física da American Physical Society e apresentada naquela semana na reunião anual da sociedade, em Atlanta, Georgia.

Segundo o estudo, coorde­nadoporLaurieMcNeil,da Uni­versidade da Carolina do Norte, e Marc Sher, do College ofWil­liam and Mary, na Virgínia, ser parte de um casal de fisicos pode representar um obstáculo crítico aoprogressodamulhernacarrei­ra. E há um grande número de fi­sicas casadas com fisicos, ou seja, 45% delas, enquanto apenas 6% dos fisicos são casados com colegas de profissão. Isso asco­loca com freqüência na delicada situação de ter de procurar em­prego junto com o marido, numa área onde a disponibilidade de vagas não é das melhores. E o resultado é que sua situação pro-

fissional tennina sendo afetada. Em levantamento feito no

ano passado junto a 620 casais de cientistas, sendo sempre um dos parceiros um fisico, nada menos que 60% dos entrevistados dis­seram que um dos parceiros foi obrigado a aceitar um emprego científico de nível mais baixo, um emprego fora da área cientí­fica ou a ficar sem emprego, dada a dificuldade que tiveram para encontrar dois postos científicos no mesmo local.

Parte dos casais relatou que havia sido menos considerado ou absolutamente desconsiderado para postos de trabalho, quando tomava-se claro que constituía wn casal de cientistas da mesma área. As normas contra nepotismo são, freqüente e incorretamente, invo­cadas como motivo para wna ins­tituição não se dispor a ajudar os cônjuges a encontrarem prego ali.

Chamou particularmente a atenção das pesquisadoras algu­mas atitudes sexistas que lhes fo­ram relatadas e que elas acredi­tavam já haver desaparecido.

Por exemplo, um emprega­dor em potencial disse a um can­didato que sua parceira "não de­via estar mesmo trabalhando".

4 PESP

Page 5: Por dentro da fábrica de açúcar

NOTAS NO~AS NO~AS NO,..AS NOTAS W A~ NO~.L NOTAS ) AS NOTAS NOTAS NOTAS NOTAS NOTAS

Tudo pela qualidade das revistas científicas Especialistas dos Estados

Unidos, México e Brasil estive­ram reunidos na FAPESP, de 6 a 8 de abril, discutindo critérios de avaliação e seleção de revistas científicas para sua inclusão em bibliotecas eletrônicas e os im­pactos desses periódicos nos es­tudos sobre a produção científi­ca. A conclusão principal do en­contro foi que qualidade e possi­bilidade de aprimoramento con­tínuo de conteúdo devem ser, no Brasil, os pré-requisitos para a inclusão e a permanência das re­vistas em bibliotecas eletrônicas.

O workshop foi promovido pelo Projeto SciELO - Scienti­jic Eletronic Library Online, co­ordenado pelo Centro Latino­Americano e do Caribe de Infor­mação em Ciências da Saúde -Bireme, com apoio da FAPESP. Iniciado em fins de 1996, o Sei­ELO hoje disponibiliza27 revis­tas científicas nacionais pela In­ternet, segundo a originalidade e mérito científico de seu conteú-

Já foram selecionados os la­boratórios que vão integrar a rede do Projeto Genoma Cana. Vale observar que alguns deles vão trabalhar simultaneamente em seqüenciamento e em anotação de dados. A lista completa dos la­boratórios - que estamos pu­blicandonaseçãodeNotas,por~ que já estavam fechadas as pági­nas da reportagem sobre o Geno­ma Cana quando saiu o resulta­do da seleção - é a seguinte: Coordenador de DNA: Paulo Arruda- Centro de Biolo­gia Molecular e de Engenharia Genética da Unicamp.

Cooperação Internacional: William Lee Bumquist- Centro de Tecnologia Copersucar

LaboratóriodeBioinformática: João Meidanis e João Carlos Se­túbal - Instituto de Computação daUnicamp

Laboratórios de Anotação de Dados: Adilson Leite -Centro de Biolo­gia Molecular e Engenharia Ge­nética, Unicamp

do, a periodicidade adequada para cada área da ciência e a pon­tualidade com que é publicada. Mas, de acordo com Abel Packer, coordenador operacional do pro­jeto, "em situações críticas ou que mereçam uma análise mais detalhada", as revistas passarão a ser submetidas a um comitê nacional de avaliação, que come­çará a atuar no segundo semes­tre, e cuja tarefa será assessorar o projeto exatamente na aplica-

ção dos critérios validados no workshop.

O SciELO também preten­de desenvolver e adotar um sof tware de apoio ao processo de avaliação, similar ao RevMex, apresentado pela representante do Centro Nacional de Informa­ção e Documentação do México, G ladys F aba. "Um sistema como este auxilia o especialista a veri­ficar ponto por ponto, à medida em que lê cada artigo, tudo o que

Os laboratórios do Genoma Cana Antonio Vargas de Oliveira Fi­gueira - Centro de EnergiaNucle­arnaAgricultura, USP Carlos Frederico Martins Menck - Departamento de Microbiolo­gia, Instituto de Ciências Biomé­dicas, USP Eiko Eurya Kuramae-Izioka ­Defesa Fitossanitária, Unesp/ Botucatu Eugênio César Ulian- Centro de Tecnologia da Copersucar Francisco Gorgonio da Nóbrega -Instituto de Pesquisa e Desen- · volvimento, Univap Helaine Carrer - Departamento de Biologia, Esalq, USP Luís Eduardo Aranha Camargo­Departamento de Entomologia Agrícola, Patologia Vegetal e Zoologia, Esalq, USP Luiz Lehman Coutinho- Depar­tamento de Produção Animal, Esalq,USP Marie-Anne Van Sluys - Depar­tamento de Botânica, Instituto de Biociências, USP Paulo Cavalcanti Gomes Ferrei­ra- Departamento de Bioquími­ca Médica, Instituto de Ciências Biomédicas, UFRJ SuzeleideCastroFrança- Depar-

tamento de Biotecnologia Vege­tal, Unaerp

Laboratórios de Seqüencia­mento Celso Luís Marino - Departa­mento de Genétiéa, Instituto de Biociências, Unesp Éder Antonio Giglioti-Departa­mento de Biologia Vegetal, Cen­tro de CiênciasAgrárias, UFSCar Eiko Eurya Kuramae-Izioka -DefesaFitossanitária, Unesp/Bo­tucatu Flavio Henrique da Silva-Depar­tamento de Genética e Evolução, Unifesp Francisco Gorgonio da Nóbrega - Instituto de Pesquisa e Desen­volvimento, Univap Helaine Carrer - Departamento de Biologia, Esalq, USP Luís EduardoAranhaCamargo­Departamento de Entomologia Agrícola, Patologia Vegetal e Zoologia, Esalq, USP Luiz Lehman Coutinho- Depar­tamento de Produção Animal, Esalq, USP Luís Roberto Nunes- Núcleo In­tegrado de Biotecnologia, Uni­versidade de Mogi das Cruzes

s 'SP

se refere à normalização quanto ao conteúdo, atribuindo, ao final, um peso à revista como um todo", diz Packer.

O SciELO, segundo James Testa, diretorde desenvolvimen­to editorial do Institute for Scien­tific Information-ISI, adota o mesmo padrão básico da institui­ção em que ele trabalha- a qua­lidade da publicação - , embo­ra não comercialize seu banco de dados. No caso do ISI, exige-se que a revista seja publicada há pelo menos um ano ou esteja na terceira ou quarta edição. Quan­do surgem periódicos dirigidos a áreas novas da ciência, com cor­po editorial reconhecido pela comunidade científica, flexibili­za-se a aplicação dos critérios, sem abrir mão, contudo, do ne­cessário ineditismo da contri­buição. Limitações de caráter econômico também devem ori­entar a seleção. Segundo Testa, "a base de dados não pode cres­cer indefinidamente".

Manoel Victor Franco Lemos­Biologia Aplicada àAgropecuá­ria, Unesp Maria Helena de Souza Goldman - Departamento de Biologia, USP!Ribeirão Preto Maria Inês Tiraboschi Ferro­Departamento de Tecnologia, UNESP/Jaboticabal Maria Luísa Penteado Nativida­de Targon-Centro de Citricultu­ra "Sylvio Moreira", IAC Marie-Anne Van Sluys- Depar­tamento de Botânica, Instituto de Biociências, USP Maurício Bacci Jr.-Centro de Es­tudosdelnsetosSociais,Institutode Biociências, Unesp!Rio Claro Otavio Henrique Thieman-Ins­tituto de Física, USP/São Carlos Roberto Vicente Santelli - De­partamento de Bioquímica, Ins­tituto de Química, USP Suely Lopes Gomes, Departa­mento de Bioquímica, Instituto de Química, USP Suzelei de Castro França- De­partamento de Biotecnologia Vegetal, Unaerp Walter José Siqueira-Centrode Genética, Biologia Molecular e Fitoquírnica, IAC

Page 6: Por dentro da fábrica de açúcar

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ENTREVISTA

C&T e o setor produtivo

José Aníbal: uma das metas é a integração pequenas empresas por meio da incorporação de tecnologia

A articulação entre a pesquisa científi­ca e o desenvolvimento econômico de São Paulo deve ser intensificada com a transfe­rência de tecnologia, abertura de linhas de crédito e ampliação de mercados, principal­mente para a pequena e média empresa. Para o secretário da Ciência, Tecnologia e Desen­volvimento Econômico do Estado de São Paulo (SCTDE), José Aníbal, este é o grande desafio de sua gestão. Segundo ele, São Pau­lo tem uma enorme capacidade empreende­dora e uma massa crítica de excelente quali­dade para casar a tecnologia que gera com os diferentes setores da economia, benefician­do diretamente o cidadão através da melhor relação qualidade/preço. "A pesquisa básica não deve ser abandonada, mas queremos aco­plar muito mais do que é produzido hoje por nossa Ciência e Tecnologia ao processo pro­dutivo", resume.

Na sua opinião, para atingir esse objeti­vo, programas de estímulo à inovação tecno­lógica, como os que a FAPESP já vem incre­mentando, devem ser melhor explorados à medida em que os diagnósticos da Secretaria evoluírem. "Precisamos identificar os nós para poder desatá-los e, para isso, iremos dis­ponibilizar uma informação ampla sobre o setor de Ciência e Tecnologia do Estado a todos os interessados." De acordo com o se­cretário, há uma cultura que não aproxima as universidades e os centros de pesquisa pau-

listas do setor produtivo e é necessário pro­mover ações específicas para infonnar peque­nos e médios empresários sobre os recursos de que eles podem dispor nas universidades estaduais e institutos de pesquisa paulistas. Isso pode fortalecer a imagem dessas institui­ções e colocá-las em posição mais privilegi­ada para discutir seus problemas atuais mais importantes. "O efeito multiplicador dessa medida deve ser muito grande. O conta to com as empresas também poderá habilitar a uni­versidade para estabelecer novas parcerias, prestar serviços e obter resultados financei­ros disso", conclui José Aníbal.

Um exemplo de bons resultados quan­do esta rede de infonnações funciona com eficiência, segundo o secretário, é o projeto Prumo - Projeto de Unidades Móveis de Atendimento Tecnológico às Pequenas Em­presas do Setor Plástico, financiado pela FAPESP no âmbito do Programa de Inova­ção Tecnológica em Parceria e desenvolvi­do em parceria entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o Sebrae - Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo e o Instituto Nacional do Plástico (INP). Desde o dia I 5 de março o Prumo começou a operar veículos utilitários dotados de equipa­mentos de ensaio e uma equipe formada por um engenheiro e um técnico. O objetivo do projeto é levar tecnologia às pequenas empre­sas transformadoras de plástico, preparando-

6 'SP

as para ganhar novos mercados dentro e fora do país.

A Secretaria tem dois principais univer­sos de ação. O primeiro inclui ações para atrair novos investimentos, ampliar os já existen­tes e solucionar os problemas que possam, eventualmente, levar empresas estabelecidas em São Paulo a sair do Estado. Nesse senti­do, o secretário afirma que se dedicará me­nos à elaboração de planos, para trabalhar mais fortemente sobre os já existentes.

O segundo universo, que engloba a in­tegração competitiva das pequenas e médias empresas através da incorporação de tecno­logia ao processo produtivo, vai mais além. A Secretaria pretende agir diretamente na obtenção de crédito dirigido ao investimen­to, capital de giro e comercialização parare­vitalizar essas empresas. Para isso, de acor­do com o secretário,a Nossa Caixa Nosso Banco já está credenciada junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e o Banco do Brasil já de­monstrou interesse em criar uma linha espe­cial de fmanciamento voltada exclusivamente para setores como os de calçados, plásticos, têxtil, metalmecânica e cerâmica.

Outra frente de atuação envolve o desen­volvimento de mercados, principalmente externos. Nesse ponto, são as exportações que preocupam o secretário. Para ele, essa ativi­dade não pode ser entendida como secundá­ria, mas como condição fundamental para uma integração ativa, e não subalterna, ao mercado globalizado.

Apesar de ter superado em mais de 100% as expectativas na primeira gestão do gover­nador Mário Covas, José Aníbal acredita que o Estado tem todas as condições de atrair ain­da mais recursos da iniciativa privada, mas prefere não quantificá-los. "O investimento virá. Só precisamos criar um ambiente pro­pício para isso. São Paulo tem mercado, re­cursos humanos, infra-estrutura e uma enor­me disposição do governo para disputar esse investimento. Não vamos entrar na guerra fiscal, mas também não ficaremos contempla­ti vos. Vamos agir", conclui.

No futuro, o secretário acredita que São Paulo vai se tomar a capital de serviços do hemisfério sul- uma vocação que deve ge­rar muitos empregos. Para isso, técnicos da SCTDE já estudam alternativas. E uma delas, informa José Aníbal, deve ser posta em prá­tica ainda este ano: um convênio com a Agên­cia Nacional do Petróleo para criar uma ex­tensão, na área química, da Escola Politécni­ca da USP na região do ABC paulista. "Essa estrutura consolidará o pólo petroquímica do ABC", prevê o secretário.

Page 7: Por dentro da fábrica de açúcar

FÓRUNS

Articulação conjunta O Fórum das Fundações de Amparo à

Pesquisa (FAPs) reuniu-se em Brasíli a, no dia 26 de abril, retomando as articulações, iniciadas no ano passado, visando o forta­lecimento e maior participação desses ór­gãos nos sistemas estaduais e nacional de Ciência e Tecnologia. Na pauta da reunião, pe la manhã, estava a di scussão sobre as novas propostas do Ministério da Ciência e Tecnologia para o setor. À tarde, as FAPs reuniram-se com o Fórum Nacional de Se­cretários Estaduais para Assuntos de Ciên­cia e Tecnologia e tomaram conhecimento de sua carta-documento, dirigida ao minis­tro Luís Carlos Bresser Pereira, posicionan­do-se sobre as proposições do Ministério, apresentadas pelo secretário executivo do ministério, Carlos Américo Pacheco (veja ao lado a íntegra do documento).

No encontro das FAPs, um dos vice­presidentes do Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Denis Lerrer Rosenfield, falou da divisão operacional do órgão em três gran­des áreas - Exalas, Humanas e Biológicas -, cada uma de responsabilidade de um vice-presidente. A cada seis meses, um dos vice-presidentes assumiria a coordenadoria­geral das três áreas. A preocupação das FAPs com relação a essa nova estrutura é quanto à possibilidade de descontinuidade adminis­trativa.

Mas um dos temas mais discutidos no encontro foi a relação das F APs com o CNPq. Para os dirigentes das Fundações, o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia vai real­mente se fortalecer quando as F APs estiverem fortalecidas. Isto pressupõe a sua autonomia - problema da esfera dos governados esta­duais - e um diálogo mais amplo e demo­crático com o CNPq, de modo a fazer com que as Fundações participem das decisões de po­lítica científica e tecnológica.

Essa questão se tomou mais evidente, a partir da proposta anunciada pelo Minis­tério da Ciência e Tecnologia de transferir para as FAPs a responsabilidade pelo repas­se de parte dos recursos destinados a proje­tos contratados no âmbito do Fundo Nacio­nal de Desenvolvimento Científico e Tecno­lógico (FNDCT) e Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT). Além da crítica por não partici­parem da análise dos projetos e da decisão de sua contratação, os dirigentes das FAPs receiam que as Fundações tenham de arcar com investimentos tradicionalmente feitos pelo governo federal e inviáveis para amai­oria delas, que sofrem com a fa lta de recur-

sos. E as diferentes situações vividas pelas FAPs podem acabar por deteriorar o sistema nacional. O mesmo receio fo i manifestado pelos secretários estaduais de Ciência e Tec­nologia.

Na reunião do Fórum dos Secretários, Carlos Américo Pacheco fa lou sobre os cin­co objetivos do Ministério: consolidação e ampliação do aparato de Ciência e Tecnologia do país; insti tuição de um sistema nacional de inovação; seleção de áreas estratégicas para o país; melhoria da qualidade de vida e prepara­ção do país para a sociedade de informação. A fonna de implementar esses objetivos passa­ria por uma nova agenda de gestão apoiada

principalmente em análise de resultados, um novo padrão de alocação de recursos orçamen­tários e pelo desenvolvimento regional.

A próxima reunião do Fórum das FAPs fo i agendada para os dias 15 e 16 de julho próximo, em Porto Alegre, por ocasião da realização da 51' Reunião Anual da Socie­dade Brasileira para o Progresso da Ciên­cia (SBPC), tendo como tema "A Avalia­ção das Pesqui sas". As FAPs decidiram, também, constituir formalmente o seu Fó­rum. Até julho próximo deverá estar elabo­rado o estatuto da nova entidade. A primei­ra diretoria será eleita na reunião de Porto Alegre.

A CARTA-DOCUMENTO DOS SECRETÁRIOS Senhor Ministro:

Ao mesmo tempo em que cumprimenta Vossa Ex­celência, o Fórum Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia solicita a sua atenção, em nome de todos os secretários presentes na reunião ordinária de26de abril de 1999, realizada em Brasília, para o que segue:

1) Os Secretários manifestam a sua satisfação em saber que o Ministério da Ciência e Tecnologia pretende definira nova política de C&"T para o país. Nesse sentido, o Fórum se propõe a, junto com o MCT, envidar todos os esforços, nos Estados, no sentido de construir uma políti­ca nacional de C& T que tenha como centralidade essa articulação, atraindo a participação de todos os atores re­levantes.

2) Para sistematizar a participação dos Secretá­rios de C&T na construção da nova política, o Fórum deci­diu criar 3 comissões operacionais, segundo as agenaas já definidas pelo MCT para formular a nova política (eco­municadas ao Fórum pelo Secretário Executivo do Minis­tério): a) Gestão de C&T, b) Financiamento de C&T e c) C& T para o Desenvolvimento Regional. Decidiu-se tam­bém criar uma comissão especial para acompanhar are­novação dos incentivos da Lei de Informática (Lei 8248).

3) Em função da decisão anterior, as comissões estão compostas conforme descrito abaixo, com os seus respectivos coordenadores. No momento oportuno, os coordenadores escolhidos no Fórum estarão procuran­do o Ministério para obter mais informações sobre o an­damento dos trabalhos da formulação da política, segun­do as linhas e as agendas propostas pelo MCT, para que os Secretários possam coordenar ações conjuntas com esse objetivo.

As comissões são as seguintes: Comissão de Gestão de C&T: MG (coordenadora

Margareth S. Andrade, Secretária de C& T), SC, PE. Comissão de C& T para o Desenvolvimento Regio­

nal: CE (coordenador: Ariosto Holanda, Secretário de C&T),AM, PA, PE, MT, SC, PB, PI, MS, RO,AL.

Comissão de Financiamento de C& T: RS (coorde­nador: Adão Villaverde), PR, RO, RJ, SP, DF, CE, MS.

Comissão da Lei de Informática de C& T: SP (coorde­nador. José Aníbal P. de Pontes), PR, RJ, PE, BA, DF.

4) Durante a reunião, foram discutidas também as últimas propostas do MCT para que os Estados e regi-

7 PESP

ões assumam encargos e responsabilidades que, histo­ricamente, sempre foram atributos do Governo Federal. Essas propostas podem significar uma mudança que não seja meramente conjuntural no Sistema Federal de C& T, podendo atingi-lo em seu conjunto, com repercussões nos Sistemas Estaduais a ele associados. Os secratários se referiam particularmente às propostas materializadas na posição expressa pelo MCT relativamente aos projetas já contratados com as agências federais de fomento para o ano de 1999, conforme apresentado em reunião com as FAPs.

5) As medidas podem implicar na fragmentação do Sistema Federal de C& T, impedindo a viabilização do desenvolvimento económico, social e auto-sustentável do país. Mais ainda, podem caracterizar um processo de mudança estrutural que implicaria numa paulatina deso­brigação do Estado Nacional com a formulação e o finan­ciamento das ações relacionadas à Ciência e Tecnologia no país.

6) Além da fragmentação, também caberia ser destacado que a adoção da política de repasses para os estados, acarretaria uma sobrecarga às instituições de fomento regionais (FAPs), na medida em que elas pas­sam a arcar com investimentos tradicionalmente deman­dados ao Governo Federal.

7) Neste contexto, o Fórum de Secretários de C& T posiciona-se contrário aos repasses de encargos e responsabilidades, entendendo que os estados não têm condições de suportar tais condições, bem como enten­de ser importante que o Governo Federal cumpra os com­promissos já assumidos. Ao mesmo tempo, o Fórum irá se dirigir a toda a comunidade científica e tecnológica dos estados propondo que a mesma inicie, deforma urgente, em cada região, um amplo debate sobre a política propos­ta. Entende ser necessário que o conjunto da sociedade brasileira participe deste processo, a fim de que seja reto­mado, de forma ampla e democrática, o debate sobre a necessidade objetiva de uma política nacional de C& T.

8) Por fim, é necessário um amplo esforço no sentido de mostrar e pressionar a área económica do Governo Federal, visando viabilizar de forma efetiva alo­cação de mais recursos financeiros às agências de fomen­to do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Fórum Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia

Page 8: Por dentro da fábrica de açúcar

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GENOMACANA

Tecnologia de ponta Com a presença de pesquisadores bras i­

leiros e do exterior, do ministro da Ciência e Tecnologia, Luíz Carlos Bresser Pereira, do Coordenador de Pesquisa Agro pecuária da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, Lourival Carmo de Mônaco, do presi­dente da Copersucar- Cooperativa dos Pro­dutores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo, Homero Correa de Arruda Filho e do presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, a FAPESP lançou oficialmente, nos dias 12 e 13 de abril, o Projeto Genoma Cana. Uma iniciativa conjunta com a Coper­sucar, o projeto prevê o seqüenciamento de genes de grande significado para a agro indús­tria da cana-de-açúcar, especialmente aque­les relacionados com o metabolismo da saca­rose e com a resistência da planta a pragas e doenças. O lançamento foi feito durante um workshop internacional, organizado pelo Dr. William Burnquist, pesquisador da Copersu­car, que reuniu os maiores especialistas em genoma de cana-de-açúcar.

Num dos lados do auditório daFAPESP, Paulo Arruda, coordenador de DNA do Pro­jeto Genoma Cana, olhou os especialistas de várias partes do mundo reunidos em São Pau­lo e comentou: "Para nós, isso é muito bom, pois podemos tirar proveito de outras tecno­logias, que eles já dominam, e atingir mais

facilmente nossos objetivos". Em outro lado, quem falava era Barbara Huckett, do centro de pesquisas da SouthAfrican Sugar Associ­ation, a associação dos produtores sul-africa­nos de cana-de-açúcar. "O convite que recé­bi para estar aqui demonstra uma intenção de compartilhar experiências desde o início", afirmou. "Esta é uma maneira muito especi­al de fazer um bom projeto", acrescentou.

A doutora Huckett não estava sozinha em sua apreciação. Todos os especialistas que participaram do workshop de apresentação do Projeto Genoma Cana à comunidade cientí­fica internacional, no auditório da Fundação, consideraram tímidos seus programas com relação ao brasileiro. E mais. Reconheceram que a verba de US$ 8 milhões destinada ao projeto e a competência já instalada da rede virtual de laboratórios Organização para Se­qüenciamento e Análise de Nucleotídeos (ONSA-de Organizationfor Nucleotide Se­quencing andAnalysis)) colocam o grupo de São Paulo na liderança mundial da pesquisa do genoma da cana-de-açúcar.

Os resultados do workshop já estão co­meçando a aparecer. No fim de abril, de acor­do com Arruda, estavam bem adiantados os entendimentos para uma parceria com Jean CristofGlaszmann, pesquisador do CIRAD, o instituto francês de pesquisas sobre agricul-

tura tropical e subtropical, para um mapea­mento conjunto de elementos identificados pelos pesquisadores de São Paulo; e também com Andrew Paterson, da Universidade da Geórgia, dos Estados Unidos, que acaba de receber uma verba deUS$ 3,5 milhões para fazer o seqüenciamento genético do sorgo. O sorgo e a cana-de-açúcar são geneticamente

Paulo Arruda, coordenador de DNA do Projeto

Page 9: Por dentro da fábrica de açúcar

Ministro Bresser Pereira fala durante lançamento do Projeto Genoma Cana

parentes muito próximos e a cooperação en­tre as equipes de pesquisa dos dois projetas pode resultar em descobertas decisivas, não só para essas plantas mas para as gramíneas em geral. "Com os demais estrangeiros, tam­bém deverá haver interação, em maior ou menor escala, mas ela ainda se está definin­do", informou o coordenador.

"Certamente, há possibilidade de cola­boração entre o CIRAD e o projeto brasilei­ro, que trará um volume enorme de informa­ções para a comunidade científica envolvida com a cana", afirmou Laurent Grivet, do ins­tituto francês, que participou do workshop. "Os Estados Unidos e o Brasil teriam muitos benefícios se coordenassem os programas do sorgo desenvolvidos por nós e o Genoma Cana da FAPESP", declarou Andrew Pater­son, da Universidade da Geórgia. "Juntos, poderíamos aprender como usar melhor os resultados desses importantes projetas. Como líder do projeto do sorgo, fico muito entusi­asmado com essa possibilidade", completou.

Importância econômica . O interesse dos especialistas da Africa do

Sul, Austrália, Estados Unidos e França pre­sentes ao workshop se justifica. O domínio do conhecimento do genomade plantas e das tec­nologias relacionadas com a genética vegetal é atualmente um dos maiores interesses de ci­entistas de todas as partes do mundo. Trata-se de uma área tão estratégica que a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos (NSF) e várias agências de fomento à pesqui­sa norte-americanas se uniram para realizar o Plant Genome lnitiative, um projeto que pro­põe o seqüenciamento genético de todas as plantas de grande importância económica. A NSF, aliás, investiu somente em 1998 nada menos de US$ 85 milhões em seu programa de pesquisas de genoma de plantas.

Para o Brasil, ampliar o conhecimento genético sobre cana-de-açúcar é fundamen­tal para sua economia- o que justifica o em­penho e as iniciativas da FAPESP na área. O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar,

responsável por 25% da produção mundial, e, desse total, 60% saem do Estado de São Paulo. Só nesse Estado, a cana movimenta negócios da ordem de R$ 8 bilhões por ano e é responsável por 600 mil empregos diretos. São Paulo é líder mundial em produtividade da cana-de-açúcar, obtendo o menor custo de produção do mundo, e importante exportador de açúcar. Era natural que um projeto relaci­onado com a cana se seguisse ao sucesso do Projeto Genoma-Xylella, relacionado com a produção de laranja.

"O desafio do próximo século para a humanidade é a ampliação da produção de ali­mentos e fibras de forma amigável com o meio ambiente", declarou o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. "Isso vai de­pender da nossa capacidade de fazer biotecno­logia", acrescentou. Perez lembrou ainda que a idéia de fazer um projeto genomados genes expressos da cana de açúcar surgiu na Coper­sucar e foi trazida à FAPESP pelo profes~or Carlos Vogt, diretor executivo do Uniemp ­Fórum Permanente das Relações Universida­de e Empresa. "A proposta foi analisada pela nossa assessoria, que nos garantiu que o pro­jeto não só era viável como respondia a uma

A partir da esq., Homero de Arruda Filho, Carlos Vogt e Fernando Reinach

9 PESP

atualidade", disse o diretor científico da FA­PESP, assinalando, ainda, que o Projeto Geno­ma Cana tem uma vocação nacional.

Falando na cerimônia de lançamento do projeto, o ministro da Ciência e Tecnologia, Luís Carlos Bresser Pereira, pediu que os ci­entistas defendam as plantas transgênicas, atualmente sob ataque de grupos ambienta­listas. De acordo com o ministro, projetas para mapear os genes de um organismo, quan­do são lançados, recebem o apoio de toda a comunidade científica. Mas, quando os co­nhecimentos obtidos são postos em prática e se avizinham das plantas transgênicas, sur­gem os protestos. O ministro citou especial­mente as exigências do completo conheci­mento das conseqüências das modificações de um organismo antes de seu uso, o chama­dofull knowledge.

"Estamos entre cientistas e sabemos que, pelo menos depois de Karl Popper, uma exi­gência dessas é absolutamente ridícula", disse Bresser Pereira. "Existe conhecimento pro­vável, falseável , mas exigir full knowledge é voltar ao tempo das cavernas", acrescentou. Popper, um filósofo da ciência britânico de origem austríaca, morto em 1994, defendia a idéia de que a atitude científica, diante de uma hipótese, não é procurar casos particulares que a confirmem, mas procurar casos que a tomariam falsa . A ciência progrediria por conjeturas e refutações, num processo que tende ao conhecimento objetivo.

De qualquer maneira, a F APESP não está sozinha no Projeto Genoma Cana. Ele tem a participação da Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), inclusive no financiamento do programa. Não é pouca coisa. A Copersucar pesquisa o melhoramento da cana-de-açúcar há mais de 30 anos. Os conhecimentos adqui­ridos nessas pesquisas estarão à disposição do projeto. "O melhoramento genético da cana­de-açúcar foi um dos primeiros projetas do Centro de Tecnologia da Copersucar, em 1969, e continua até hoje como o programa que detém a maior parcela do nosso esforço", disse o presidente da Copersucar, Homero

Page 10: Por dentro da fábrica de açúcar

Correa de Arruda Filho, acrescentando: "Hoje, os conhecimentos em genética mole­cular passaram a ser aplicados em cana-de­açúcar. O complexo sistema bioquímico que a planta utiliza para produzir açúcar já não é mais uma caixa preta, mas estamos longe de conhecer os 50 mil genes da planta. O Proje­to Genoma Cana da FAPESP veio de encon­tro aos nossos objetivos e necessidades".

Identificação Em princípio, um projeto genoma se

destinaria a descrever e definir todos os ge­nes de uma planta. Não é o que vai acontecer no Genoma Cana. A prioridade é identificar genes relacionados com o metabolismo da sacarose no interior da planta, a resistência da p Janta a pragas e doenças e a tolerância a con­dições adversas de clima e solo. Para isso, será usado o método das Expressed Sequence Tags (EST), uma tecnologia de seqüenciamento mais rápida e baseada apenas nas porções dos genes expressos, que codificam proteínas.

Do genoma total de uma planta, apenas entre I% e 5% se referem a genes expressos. Os outros genes são classificados como junk (lixo), ou seja, genes que aparentemente não têm função , ou estão relacionados apenas com a sobrevivência e a manutenção das cé­lulas. O mesmo método está sendo usado no Brasil pelo Projeto Genoma Humano do Cân­cer, financiado pela FAPESP e Instituto Lu­dwig de Pesquisa sobre o Câncer, e , nos Es­tados Unidos, pelos projetos dos genomas do rato, da soja e do milho.

A estratégia de execução do Genoma Cana é idéia do coordenador de DNA do pro­jeto, Paulo Arruda, professor do Departamen­to de Genética do Instituto de Biologia e di­retor do Centro de Biologia Molecular e En­genharia Genética(CBMEG) da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp). Arru­da optou por realizar a anotação do genoma à medida que as ESTs vão sendo geradas. Isto é, ao mesmo tempo em que os genes da cana­de-açúcar forem conhecidos, doze grupos es­tarão realizando o chamado data mining (mi­neração de dados), ou seja, buscando em ban­cos de dados de todo o mundo genes semelhan­tes, ou já descritos, que possam estar relacio­nados com o metabolismo da cana-de-açúcar ou sua resistência a patógenos ou fatores de estresse, como secas e geadas.

Dezenas de milhares O Projeto Genoma Cana deverá se­

qüenciar pelo menos 50 mil genes, ou 300 mil ESTs. Cerca de duas mil seqüências já foram geradas e a intenção é chegar a20 mil até o fim deste ano. Cada seqüência tem SOO nucleotí­deos ou 0,5 KB, a kilobase, unidade de medi­da dos nucleotídeos. É importante destacar que a utilidade do projeto não pára na cana­de-açúcar. "Já encontramos seqüências do ge­noma da cana que são praticamente homólo­gas às do câncer de mama", disse o professor Arruda. "A proteína indutora da prolactina também está lá. Vamos caracterizá-la, ver o

que ela faz e, quem sabe, enriquecer um ali­mento com essa proteína", completou.

ções entre os laboratórios e o setorde bioinfor­mática. João Carlos Setúbal e João Meidanis, do Laboratório de Bioinformática da Uni­camp, veteranos do Projeto GenomaXylella, vão comandar a parte de bioinformática do

A função de Arruda é gerar as bibliote­cas de cDNA, di stribuir os clones para se­qüenciamento e coordenar o fluxo de informa-

Desfile de cérebros O workshop de abril reuniu no auditório da FAP ESP representantes de alguns dos mais importantes institutos do mundo ligados a pesquisas

com a cana-de-açúcar. Entre os representantes estrangeiros, estavam:

*Stevens Brumbley, pesquisador do Bureau of Sugar Experiment Station, em Queensland, na Austrália. Trabalha com dois projetas genoma,

um relativo à própria cana-de-açúcar e outro a uma bactéria que produz uma doença na planta. Também investiga fatores não-biológicos

que causam estresse na cana.

* Laurent Grivet, do Centre de Cooperation lnternationale en Recherche Agronomique Pour le Development (CIRAD), centro de pesquisas sobre

agricultura tropical e subtropical financiado pelo governo francês. Estuda a contribuição das diversas espécies do gênero Saccharum para a formação do

Saccharum officinarum, a cana-de-açucar comercial.

* Barbara Huckett, da estação experimental da South African Sugar Association, entidade dos produtores sul-africanos. Pesquisa desde 1995 o DNA da cana-de-açúcar, mas com um projeto muito tímido

quando comparado ao brasileiro. Tem apenas uma máquina, capaz de gerar oito seqüências por dia.

*John Manners, do Centro de Pesquisas de Patologia de Plantas Tropicais, do CSIRO, órgão de pesquisas do governo australiano,

e da Universidade de Queensland em Brisbane. Trabalha na identificação dos genes que controlam a formação de sacarose nos

talos da planta da cana-de-açúcar.

* Blake Meyers, pesquisador do Departamento de Biotecnologia da empresa DuPont, nos Estados Unidos. Estuda ESTs de milho e arroz.

Sua empresa tem um banco de dados maior que o Genebank, o site da Internet que dá acesso às seqüências de projetas

genoma feitos por instituições públicas.

* Erik Mirkov, virologista de plantas do Departamento de Patologia e Microbiologia de Plantas da Estação Agrícola Experimental da

Universidade Texas A & M, do Texas, Estados Unidos. Trabalha com seqüências de vírus, tentando obter plantas transgênicas resistentes a vírus e insetos. Um dos seus objetivos é conseguir novas variedades

comerciais resistentes de cana.

*Paul Moore, pesquisador-chefe do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para frutas tropicais e cana-de-açúcar, pesquisador do Centro de

Pesquisas Agrícolas do Hawai eco-fundador do Consórcio Internacional para a Biotecnologia da Cana-de-Açúcar. Trabalha há 30 anos com cana. O Consórcio

já tem um projeto de cooperação com a Copersucar.

* Andrew Paterson, pesquisador do Centro de Pesquisas Riverbend, da Universidade da Geórgia, chefe do projeto genoma do sorgo, financiado pela

Fundação Nacional da Ciência (NSF) dos Estados Unidos. Estuda as relaçõ~s entre os cromossomas de diversas plantas,

especialmente entre a cana, o sorgo e o arroz.

* Jeffrey Tomkins, pesquisador associado e professor assistente do Genomics lnstitute da Universidade Clemson, da Carolina do Sul, Estados Unidos. Seu instituto tem a maior biblioteca de BACs (Bacterial Artificial Chromossomes), vetares que carregam grandes pedaços de DNA, usados para clonar porções

não expressas dos genes, de animais e plantas do mundo.

Io 'ESP

Page 11: Por dentro da fábrica de açúcar

projeto. Nos laboratórios da CBMEG, tam­bém na Unicamp, os biólogos Edson Kemper e André Luiz Vettore estão preparando as bi­bliotecas, ou seja, as coleções de clones do DNA da cana-de-açúcar.

A seleção dos grupos inscritos para par­ticipar do projeto, já foi feita (veja seção NO­TAS, página 5) . "Participar de projetas como este é levar a infra-estrutura e a competência metodológica dos laboratórios para um nível de competição internacional", afirmou Marie­Anne Van Sluys, do Departamento de Micro­biologia da Universidade de São Paulo (USP), um dos inscritos para participar do projeto.

Participarão do seqüenciamento quinze laboratórios, que serão equipados com apare­lhos Perkin Elmer ABI 3 7796, de 96 canaletas, capazes de produzir 200 seqüências por dia. Calcula-se que 100 pesquisadores serão envol­vidos no projeto. As descobertas do Genoma Cana só serão divulgadas quando os pesquisa­dores esgotarem as possibilidades de patentes. Depois disso, serão colocadas num banco de dados público internacional, o Genebank.

Completando vazios O projeto precursor da FAPESP na área dos

genomas, o Genoma Xylella, para o seqüenciamen­to da bactéria Xylel/a fastidiosa, causadora da Cio­rose Variegada dos Citros, a doença do amarelinho, está um ano adiantado com relação ao programa previsto. Os cientistas, atualmente, analisam as se­qüências geradas do genoma e as comparam com outras já descritas e arquivadas em bancos de da­dos internacionais e identificam as próprias desco­bertas. O coordenador de DNA do projeto, Andrew Simpson, já enviou um pedido de patente para os Estados Unidos.

O esforço final é fechar os gaps, ou buracos na seqüência de bases do DNA, do genoma da bactéria. Os cientistas costumam comparar os gaps a peças que faltam num quebra-cabeças. Para se­qüenciar o DNA, foi preciso quebrá-lo em peque­nos pedaços, distribuídos pelos 331aboratórios da rede Onsa. Na montagem final do quebra-cabeças, descobriu-se que o genoma da Xylella era pelo menos 20% maior do que se esperava. Até agora, foram seqüenciados 2,3 MB. A Xylella já é a quinta maior bactéria seqüenciada no mundo.

O Genoma Humano do Câncer, um acordo de cooperação firmado em março entre a FAPESP e o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, se destina a descobrir novos genes, a partir da investi­gação do material genético de tumores canceríge­nos. Deverá, assim, entrar em regiões codificadoras ainda não exploradas do genoma humano. A coor­denação está examinando os grupos que se candi­dataram para participar do projeto, com o objetivo de montar a rede de laboratórios.

Mais dois projetosestãoacaminho. Um é o Ge­noma Funcional daXylella, a verificação das funções dos genes identificados no seqüenciamento e as pro­teínasqueeles codificam. Outro é ogenoma daXan­tomonas campestris, a bactéria causadora do can­cro cítrico, uma das doenças que causam os maio­res prejuízos aos laranjais brasileiros.

CONVÊNIOS

Assinados acordos com instituições francesas

Os projetas temáticos financiados pela FAPESPagorapoderãocontarcomacolabo­ração de jovens doutores franceses com des­tacado desempenho científico ou tecnológi­co. Acordo nesse sentido foi finnado entre a Fundação e o Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil (COFECUB), durante visita do ministro da Educação Nacional, Pesquisa e Tecnologia da França, ClaudeAllégre, a São Paulo, em abril.

A preferência à participação nesses pro­jetos será dada a candidatos franceses que tenham concluído o doutorado até cinco anos antes da solicitação da bolsa. Os seleciona­dos receberão bolsa mensal no valor de R$ 2.570,00.As bolsas serão concedidas por um período de um ano, com a possibilidade de prorrogação anual por até três anos. Será exi­gido do candidato bons conhecimentos de inglês. Apesar de desejável, a proficiência em português não será pré-requisito. As passa­gens de ida e volta serão de responsabilidade doCOFECUB.

OCOFECUBdivulgarájuntoàsuniver­sidades e instituições de pesquisa francesas a relação de coordenadores dos projetas te­máticos em andamento interessados em rece­ber bolsistas para pós-doutoramento em São Paulo. O candidato encaminhará a documen­tação simultaneamente ao coordenador do projeto e ao COFECUB. Caberá ao coorde­nador encaminhar a solicitação de bolsa à FAPESP, que decidirá sobre a concessão·ou não num prazo de três meses.

Na mesma ocasião foi assinado um acor­do entre o Centro de Cooperação Internacio­nal em Pesquisa Agronômica para o Desen­volvimento (CIRAD), da França, e a FA­PESP, com o objetivo de intensificar a cola­boração na área da pesquisa agronômica e ciências conexas aplicadas ao desenvolvi­mento tecnológico e à inovação.

As modalidades de cooperação previs­tas são: intercâmbio de pesquisadores envol­vidos em projetos conjuntos; realização de programas e projetos conjuntos de pesquisa e de desenvolvimento; realização de confe­rências, cursos, seminários e simpósios; di­fusão e valorização dos resultados, métodos e técnicas desenvolvidos e obtidos em con­junto. A implementação dessas atividades ocorrerá através de acordos específicos.

O CIRAD e a FAPESP poderão convi­dar outras instituições de cooperação técni­ca ou de apoio financeiro, comunidades cien­tíficas, acadêmicas ou comerciais para parti­cipar das iniciativas previstas. O Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica da Fran-

.JJIAPESP

ça poderá ser incluído como parceiro no acor­do.

Cooperação em mão dupla A visita da delegação de Claude Allégre

no dia 16 de abril a São Paulo possibilitou a assinatura de diversos acordos de coopera­ção científica, tecnológica, educacional e cultural entre instituições francesas e brasi­leiras, além de compromissos firmados dire­tamente entre os governos francês e brasilei­ro. Na USP, foi estabelecido acordo entre o Conservatoire National des Arts e Métiers (CNAM) e a Escola Politécnica, para coope­ração na área de materiais po I i méricos, sobre­tudo. A USP também assinou um protocolo de intenções com a Fundação Nacional de Ciências Políticas da França para o estabele­cimento de convênio nas áreas de ensino, pesquisa ou extensão de serviços à comuni­dade. Ainda na USP, Allégre, que é um geo­químico de renome internacional, fez a con­ferênciaA Formação da Terra, assistida por mais de 400 pessoas, no Auditório da Escola Politécnica.

No mesmo dia, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp ), Allégre e dirigentes de instituições de pesqui­sa francesas reuniram-se com a diretoria da FAPESP, quando foram firmados os acordos de cooperação. Na ocasião, o presidente do Conselho Superior da Fundação, Carlos Hen­rique de Brito Cruz, fez uma apresentação da agência paulista e o diretor científico, José Fernando Perez, discorreu sobre os diversos programas da F APESP. Foi observado que as prioridades francesas citadas pelo ministro­inovação tecnológica, genoma e incentivo à formação de jovens pesquisadores - são muito semelhantes às adotadas pelaFAPESP.

Em seguida, houve uma conferência­debate sobre formação tecnológica, no Sa­lão Nobre da Fiesp, com a participação do ministro francês, do ministro de Ciência e Tecnologia brasileiro, Luiz Carlos Bresser Pereira, do secretário de Ciência, Tecnolo­gia e Desenvolvimento Econômico doEs­tado de São Paulo, José Aníbal, do presi­dente da Fiesp, Horácio Piva, do diretor de Desenvolvimento Tecnológico da Fiesp, Osíris Silva, e do presidente do Senai, Fá­bioAidar.

Allégre também esteve na Unicamp e no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron em Campinas. Sua visita se estendeu ainda ao Rio de Janeiro, Brasília - onde firmou protocolos de cooperação com o governo brasileiro - e a Manaus.

Page 12: Por dentro da fábrica de açúcar

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

IPT

O berço da tecnologia paulista

O Instituto de Estudos Avançados (IEA­USP), a Academia de Ciências do Estado de São Paulo e a F APESP promoveram, no dia 15 de abril, no auditório da Fundação, o se­minário A Tecnologia e a Retomada do De­senvolvimento, marcando o início das come­morações em homenagem ao centenário do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Na pauta do seminário, o passado - a história do IPT e a sua contribuição pioneira para o desenvolvimento tecnológico do Estado de São Paulo-e o futuro, ou como modernizar sua estrutura e atuação, numa sociedade cada vez mais exigente de competência tecnológi­ca. A homenagem ao Instituto, presenteado pela FAPESP com uma placa de prata, esten­deu-se a dois de seus ilustres pesquisadores, já falecidos: Adriano Marchini e João Luiz Meiller, responsáveis pela inclusão, na Cons­tituição Estadual de 194 7, do artigo que pre­viu a criação da FAPESP e tomou possível o início de seus trabalhos a partir de 1962.

O evento contou com a presença do rei­tor da Universidade de São Paulo, Jacques Marcovitch, do presidente e do superinten­dente do !PT, respectivamente Alberto Perei­ra de Castro e Plínio Assmann, do presidente da Academia de Ciências de São Paulo, Wal­ter Colli, do diretor presidente da FAPESP, Francisco Romeu Landi, do ex-presidente da FAPESP e pesquisador emérito do IEA, Al­berto Carvalho da Silva, do secretário de Co­mércio e Serviços do Ministério do Desenvol­vimento, Indústria e Comércio, Hélio Mattar, e do superintendente da área de operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econô­mico e Social (BNDES), Carlos Gastaldoni.

Criado em 1899, com o nome de Gabi­nete de Resistência de Materiais, o IPT, além

de servir para o estudo prático dos estudan­tes da Escola Politécnica de São Paulo, pres­tava serviços a empresas, especialmente na área de construção civil, e ao governo, em pro­jetas de infra-estrutura, como transporte e energia. Em 1926, foi reorganizado como La­boratório de Ensaios de Materiais e, em 1934, depois de anexado à USP, transformou-se no Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Dez anos depois, tomou-se uma autarquia. Ao longo desses cem anos, o Instituto esteve à frente da pesquisa tecnológica no Estado, nas mais di­versas áreas, colocando a sua competência e o seu acervo à disposição da indústria paul iS­ta. Hoje, segundo seu presidente, Alberto Pereira de Castro, o IPT está empenhado no estabelecimento de parcerias entre equipes técnicas e a indústria para acompanhar as mu­danças em curso. "Essa é uma nova estratégia do Instituto, que veio se somar às antigas, que continuam válidas. A cada mês, o número de casos de êxito está crescendo. Estamos fazen­do um movimento de ascensão, que consiste em focar os problemas da indústria em parce­ria íntima com suas equipes técnicas."

Francisco Romeu Landi, diretor presi­dente da FAPESP, assinalou que os desafios do próximo século exigem não apenas a reci­clagem técnica, com a permanente formação de novos profissionais, mas também uma nova forma organizacional para o IPT. "A exportação e o suporte à pequena e média empresa são vitais para a busca de maior com­petitividade. E para isso é necessária uma nova forma jurídica, maior flexibilidade para realização de trabalhos e uma postura de pes­quisadores sintonizada com a modernidade que aí está", disse.

Para o reitor Jacques Marcovitch, da

12 fSP

USP, esse processo deve serrápido. "Em nos­so tempo, quando os meios tecnológicos tor­nam-se obsoletos de um dia para o outro, ne­nhum projeto de governo pode deixar de acompanhá-los no mesmo ritmo veloz. Tra­ta-se de uma variável política indispensável, pois envolve o destino e a soberania dos esta­dos", afirmou. Abandonar os cientistas à pró­pria sorte, de acordo com Marcovitch, é um erro que pode afetar até a estabilidade demo­crática. "Se o Brasil não pensar seu futuro da mesma fonna como os pioneiros o fizeram, simplesmente não haverá futuro" , disse, re­ferindo-se aos frutos que a ciência pode pro­duzir. Sobre a política federal, Marcovitch assinalou que, embora empenhado correta­mente na tarefa de ajustar as contas públicas, o governo central comete dois desvios peri­gosos: "corta recursos de programas sociais já limitados e diminui drasticamente verbas já escassas na área de ciência e tecnologia, comprometidas na gestão anterior do mesmo governo". Para o reitor da USP, "uma exce­ção e um paradigma de consciência estraté­gica é a F APESP, que, a despeito de todas as crises, vem zelando exemplannente pelo pro­gresso da ciência no âmbito do Estado de São Paulo, com repercussões para o Brasil".

Para continuar a ampliaras fronteiras da tecnologia, o diretor técnico do IPT, Vicente Mazzarella, concorda que o exemplo dos des­bravadores do passado deve ser seguido. "Te­mos que mudar, percebendo ou mesmo adi­vinhando a direção e o sentido das mudanças

Page 13: Por dentro da fábrica de açúcar

do mercado, da economia, do mundo, da so­ciedade, nos antecipando a elas", acrescen­tou. Lembrando a contribuição do IPT na in­dústria aeronáutica para a construção e expe­rimentação de planadores e aviões, na déca­da de 30, ele afirmou que o momento atual aponta a direção para onde o Instituto deve ousar e voar mais alto "em grandes temas e em formas de atuação inovadoras, dinâmicas, eficazes eco-responsáveis nos resultados". O Prumo - Projeto de Unidades Móveis de Atendimento Tecnológico às Pequenas Em­presas do Setor Plástico, recém- iniciado por meio de uma parceria entre o IPT, o Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae) e o Instituto Nacional do Plástico (INP), com aporte financeiro da FAPESP, ilustra, segundo Mazzarella, esta nova maneira de trabalhar.

O diretor superintendente do Instituto, PlínioAssmann, lembrou que, para desenvol­ver a sociedade, o IPT abriu caminhos no domínio de tecnologias e, hoje, o conjunto de seus 72laboratórios proporciona uma ampli­tude de atuação muito diversificada para aten­der a esse desafio. Nessa direção, ele infor­ma que o Instituto pretende participar da or­ganização de um complexo de competência tecnológica em conjunto com a USP, come­çando pela implantação de cursos de mestra­do profissional para promover outras associ­ações que permitam interação em todos os campos da tecnologia. "Mestres e alunos são um acervo importante demais para ficar dis­tantes do maior e mais diversificado parque de laboratórios do país", completou.

Para Hélio Mattar, secretário de Comér­cio e Serviços do Ministério do Desenvolvi­mento, Indústria e Comércio, a competência tecnológica alicerçada na produção e na in­fra-estrutura é a base para ambicionar uma participação maior nos mercados globaliza­dos. "Embora exportar mais seja muitíssimo importante, a questão é participar de redes e alianças internacionais, aprender a participar do novo jogo da globalização. Para o Brasil acompanhar esse processo, é preciso acele­rar a transição da etapa de pesquisa e tecno­logia para a etapa do conhecimento e da ino­vação. Só redes integradas que pennitam uma convergência crescente nos interesses e ações do establishment acadêmico-científico, dos institutos de pesquisa, dos usuários finais da tecnologia com apoio financeiro significati­vo poderão propiciar tal processo."

Mattar acredita que, para oferecer mai­or eficiência ao cidadão, é preciso priorizar o funcionamento integrado em redes que envol­vam o setor produtivo, as universidades, os institutos e o governo, voltadas para estraté­gias convergentes e baseadas em conheci­mentos e inovação. "O IPT tem um papel importante nesse esforço, como parceiro de empresas em projetas de desenvolvimento, fornecedor de serviços tecnológicos, centro de referência de informação tecnológica e participante indutor do processo de normali­zação nacional", concluiu.

PROJETO TEMÁTICO

FÍSICA

Novo equipamento ajuda a estudar superficies dos materiais

Na década de 1930, muitos cientistas ainda acreditavam que o silício era um me­tal, devido às suas propriedades elétricas. Estavam errados, porque o material que eles tinham à mão era impuro e eles não sabiam. Só depois da caracterização do material, que levou à produção de um silício puro, sedes­cobriu que ele era um semicondutor. As suas propriedades semicondutoras tomaram po·s­sível a abertura de portas que conduziram aos chips e aos modernos computadores. "Isso mostra como é importante a caracterização dos materiais", diz o fisico George Kleiman, que, com outro fisico , Richard Landers, co­ordena o Grupo de Física de Superficies do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Univer­sidade Estadual de Campinas (Unicamp ).

Caracterizar materiais faz parte do tra­balho de Landers e Kleiman. Há mais de 20 anos, seu grupo estuda as propriedades fisi­cas das superficies dos materiais. A superfi­cie é a "pele" do material, com apenas uma ou duas camadas de átomos e com uma espes­sura de poucos angstroms (um angtrom é um décimo de milionésimo de milímetro), com as quais os materiais interagem com seu meio ambiente. As suas propriedades podem ser muito diferentes daquelas do interior da amostra. Algumas ligas metálicas, por exem­plo, se formam apenas na superficie e não existem na forma massiva. "E um trabalho típico de pesquisa básica, que pode ser a base, no futuro, de materiais inteiramente novos", informa Landers.

13 'SP

Em julho de 1997, o trabalho do grupo ganhou novas perspectivas com a entrada em funcionamento, na mesma cidade de Campi­nas, do Laboratório Nacional de Luz Síncro­tron (LNLS). Passou a ser possível fazer, aqui mesmo no Brasil, experiências que envolvem feixes potentes, mas finíssimos, de raios X ou ultravioletas, e descobrir não só como os elé­trons ficam distribuídos nos átomos do ma­terial, isto é, a sua estrutura eletrônica, mas também a sua estrutura cristalográfica geo­métrica, ou seja, a maneira como seus átomos estão distribuídos no espayo.

Ultra-alto-vácuo Para desenvolver melhor suas pesquisas,

porém, o grupo da Unicamp precisava desen­volver um equipamento especial, uma esta­ção de ciências da superficie, para trabalhar acoplada às linhas de luz do LNLS. Foi onde entrou a FAPESP. Um projeto temático Es­tudo da Estrutura Eletrônica de Ligas Metáli­cas por Luz Síncrotron coordenado pelo pro­fessor Landers e aprovado pela Fundação, colaborou decisivamente para tomar possí­vel a construção do aparelho. Com essa base, o grupo partiu para o trabalho. Aproveitou componentes usados em outros equipamen­tos e comprou alguns novos. Conseguiu, tam­bém, recursos do Programa Nacional de Gru­pos de Excelência (Pronex), da Financiado­ra de Estudos e Projetas (FINEP) e da própria Unicamp. Ao todo, juntou recursos de apro­ximadamente US$ 500 mil.

Page 14: Por dentro da fábrica de açúcar

A estação de ciências da superficie já está em uso em Campinas. Ela trabalha com um espectrômetro de elétrons de alta resolução e um difratômetro de elétrons de baixa energia. Juntos, esses dispositivos permitem a reali­zação de observações bastante detalhadas das propriedades dos elétrons dos átomos da su­perficie estudada. Para evitar impurezas que inviabilizariam as experiências, as amostras ficam numa câmara de ultra-alto-vácuo.

O equipamento fica sob responsabilida­de do grupo da Unicamp, mas já foi usado no LNLS por outros grupos, da mesma Uni­camp, da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e por equipes argentinas. A decisão de partilhar o equipamento com outros grupos permite que os recursos financeiros aplicados pelas agências de fomento alcancem objeti­vos ainda mais amplos.

O equipamento, porém, ajuda a fazer do Grupo de Física das Superficies um dos usu­ários mais freqüentes do LNLS. Seu trabalho segue duas linhas fundamentais. Um é o de que na superficie de um material podem for-

Cinco técnicas Os cientistas usam cinco técnicas

para fazer experiências com o objetivo de entender as

superfícies de materiais. São elas:

Espectroscopia de totoelétrons excitados por Raios X-Permite analisar os fotoelétrons (ou seja, elétrons produzidos pela absorção de luz, ou fótons) arrancados dos níveis de caroço ( elétrons mais próximos do núcleo). Dá informações sobre a composição química da superfície e da região imediatamente abaixo da superfície, dependen­do da energia dos fótons excitadores. Também dá informações sobre a estrutura eletrônica e o am­biente químico dos átomos pesquisados.

Espectroscopia de fotoelétrons excitados por Ultravioleta- Coloca em evidência a banda de valência (ou seja, elétrons que contribuem para as ligações químicas) e os níveis rasos de caroço (elétrons pouco ligados) dos átomos da superfí­cie do material estudado.

Difração de fotoelétrons- Permite saber a posição geométrica dos átomos de uma superfí­cie, incluindo a distância e os ângulos entre áto­mos.

Difração de elétrons de baixa energia- É es­sencial para esclarecer a estrutura cristalográfi­ca da superfície de monocristais, que pode ser bem diferente do arranjo dos átomos das cama­das do interior do material. É útil também para saber como os átomos adsorvidos se posicionam numa superfície.

Espectroscopia de elétrons Auge r- É mui­to útil para controlar a limpeza da amostra do material em estudo. Pode ser utilizada para dimi­nuir ambigüidades na identificação das ligações químicas de átomos superficiais.

a b

Padrões Leed (low Energy Electron Diffraction) de um cristal de Paládio (Pd<111>) (a) antes e (b) depois da deposição de - 2 monocamadas de Cobre

mar-se ligas de natureza às vezes diferentes do resto do material, abrindo a possibilidade de surgirem materiais inteiramente novos, com propriedades desconhecidas. Outro é que as propriedades superficiais de diversas ligas são fundamentais como catalisadores, ou seja, agentes de reações químicas.

"É uma área de pesquisa muito importan­te, pois entre 80% e 90% dos processos indus­triais exigem algum tipo de reação catalítica", diz o professor Kleiman. Os químicos em ca­tálise e os engenheiros químicos vêm fazendo enormes progressos no desenvolvimento de processos catalíticas para aplicações industri­ais. Mas boa parte do entendimento dos pro­cessos de catálise heterogênea ainda é empíri­co. Mesmo em reações bem caracterizadas, ainda não se conhece completamente o papel catalítico de várias superficies.

O professor Kleiman acredita que, num futuro ainda distante, será possível preparar um manual de catálises, com base no enten­dimento dos conceitos fundamentais do pa­pel dos catalisadores nos processos químicos. Assim, será possível otimizar cada reação, sabendo-se com certeza quais as substâncias mais convenientes e mais econômicas que se deve juntar para formar o catalisador. "É ufn futuro distante, mas o problema é muito im­portante", afirma.

Amostras As experiências do grupo seguem um ci­

clo complexo. Começa com a preparação das amostras a ser analisadas. As amostras de ligas metálicas poli cristalinas, ou seja, compostas de pequenos cristais com orientação aleatória, são fabricadas num laboratório existente no próprio Instituto de Física Gleb Wataghin. Para isso, usam-se técnicas metalúrgicas convencionais e equipamentos como um fomo de arco e fusão por meio de feixes de elétrons.

Outros tipos de amostras são modifica­ções das superficies de substratos monocris­talinos, como de cobre, ouro ou paládio, com o objetivo de produzir ligas superficiais. Es­sas modificações são feitas no próprio equi­pamento. O passo inicial é limpar todas as impurezas de superficie por erosão iônica. Para mantê-las limpas, a câmara na qual é feito o processo opera com ultra-alto vácuo. A amostra, então, é aquecida, para reorgani­zar e recristalizar a superficie. Em seguida,

• ~SP

com o uso de um evaporador, um pequeno número de átomos é incorporado à superficie, seguindo a orientação cristalográfica da su­perficie do material.

Todo o processo é acompanhado com cuidado, medindo-se a estrutura eletrônica e o arranjo atômico. Os pesquisadores acom­panham o estado da superficie da amostra e verificam se a superficie fonnada correspon­de mesmo à desejada. Só depois é que come­ça a experiência propriamente dita, quando a câmara que contém o material é acoplada a uma das linhas de luz síncrotron do LNLS. Os pesquisadores usam principalmente as linhas SGM (Espectroscopia de Raios X moles), SXS (Espectroscopia de Raios X Moles II) e TGM (Espectroscopia de Ultravioleta).

A estação de ciências da superficie faci­lita muito o processo. Ela tem mecanismos destinados ao preparo de amostras e para o manuseio dos materiais durante as experiên­cias, como trasladares, dispositivos que mu­dam o ângulo da amostra com relação ao fei­xe de raios vindo da fonte de luz síncrotron. Mesmo assim, a equipe da Unicamp já está pensando em modificações e atualizações tecnológicas. "Pesquisamos numa área mui­to competitiva da Física", diz o professor Kleiman. "Não queremos ficar defasados com relação aos nossos concorrentes".

No projeto temático coordenado por Landers, participam, ainda, outros fisicos do Instituto de Física da Unicamp, o fisico Pe­dro Nascente, do Departamento de Engenha­ria de Materiais da Universidade Federal de São Carlos, o tisico pesquisador de Pós-Dou­torado Jonder Morais, e o doutorando Abner de Siervo, além de outros estudantes e técni­cos do Instituto. Juntos, eles tentam decifrar os enigmas presentes na "pele" dos materiais.

Perfil : Richard Landers, 53 anos, é físico formado pela

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fez doutoramento sobre mecanismos de crescimento de cristais (Universidade de Marselha e nicamp) e pós­doutorado no Labmatório Maurial Lefort (CNRS), Nancy, França. Nos ulti os 3 anos te se dedicado ao estudo dos fenômenos que ocorrem em superfí­cies sólidas e ao desenvolvimento de instrumentação científica relacionada com análise pores ectrosco­pia de elétrons. É professor do Instituto de F1sica Gleb Wataghin, da Unicamp.

Page 15: Por dentro da fábrica de açúcar

PROJETO TEMÁTICO

O Brasil pode aumentar em 3% a produ­ção nacional de energia elétrica, sem grandes obras de engenharia ou problemas para o meio ambiente, como o alagamento dos vales de rios. Parece pouco? Esses 3% correspondem à produção média de uma usina de 2 mil me­gawatts, mais do que gera a usina de Porto Pri­mavera, inaugurada em fevereiro no Rio Pa­raná. Ou ao consumo de 7,3 milhões de con­sumidores residenciais de classe média. Pois saiba: esse aumento muito necessário de pro­dução pode vir de uma simples mudança de conceito.

Trabalhando num projeto temático fi­nanciado pela FAPESP, uma equipe coorde­nada pelo professor Secundino Soares Filho, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), desenvolveu um pro­grama de computador que promete esse au­mento de produção e ainda mais. Ainda não se fez, por exemplo, um cálculo preciso das economias resultantes da aplicação do proje­to. Mas elas podem ser significativas.

A base do projeto está numa mudança de conceito. O Brasil tira 95% da energia elétri­ca que consome das usinas hidrelétricas. Mas a quantidade de água existente nas represas que alimentam essas usinas segue o curso da natureza, aumentando ou diminuindo devo­lume conforme as chuvas e o fluxo dos aflu­entes dos grandes rios. O que a equipe do pro­fessor Soares sugere é a coordenação dessas

águas. As represas perto das cabeceiras dos rios controlariam o fluxo da água de maneira que as situadas mais adiante, perto da foz, fi­cariam sempre cheias. Com reservatórios mais cheios, essas usinas poderiam produzir mais energia. Ou seja, trata-se de uma ques­tão de gerenciamento.

Há ainda um fato r estratégico. "O geren­ciamento mais cuidadoso dos reservatórios contribuiria para reduzir o risco de raciona­mento de energia, previsto para os próximos anos, se os investimentos no setor continua­rem a ser postergados", lembra o pesquisador. Para atender a um crescimento médio no con­sumo de 5% ao ano, serão necessários inves­timentos deUS$ 8 bilhões por ano, até 2007. A proposta da equipe da Unicamp levaria a um aumento de produção equivalente a inves­timentos deUS$ 3,6 bilhões em novas usinas e linhas de transmissão, reduzindo a necessi­dade de novas obras.

Tecnologia própria A tecnologia nesse campo tem, quase

que obrigatoriamente, de ser desenvolvida no Brasil. "Não é uma área em que se possa ba­sear exclusivamente em tecnologia externa", afirma o professor Soares. O país, dependente em 95% da energia hidrelétrica, é um caso raro no mundo. Em quase todos os lugares, a eletricidade vem principalmente de usinas termelétricas, funcionando a petróleo, gás ou carvão e, em alguns casos, como na França,

1s 'SP

de usinas atômicas. Numa usina termelétri­ca, é relativamente fácil relacionar o combus­tível e a geração de energia. Calcula-se quanto a usina vai consumir, encomenda-se o com­bustível necessário e o problema está resol­vido.

Não é o que acontece com a energia hi­drelétrica. O volume de águaquechega à usi­na varia bastante ao longo do ano e pode os­cilar muito, inclusive de um ano para outro. Isso faz com que os responsáveis pelas usi­nas sejam extremamente cautelosos. Se a usi­na gastar toda a água que tem agora para pro­duziromáximodeenergia,podeviruma seca daqui a pouco e a represa não terá água para atender ao consumo. "Se, por outro lado", comenta o pesquisador, "se guardar a água e vier uma cheia, a energia hidráulica que po­deria ter sido usada para gerar eletricidade será desperdiçada."

Atualmente, o planejamento do uso da água é feito a longo, médio e curto prazos pela Centrais Elétricas Brasileiras S. A. - Eletro­brás, a holding do governo federal que cuida do setor. AEletrobrás controla as empresas fe­derais de geração de energia, como a Fumas Centrais Elétricas, a Companhia Hidro-Elé­trica do São Francisco (CHESF) e a Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte). Além disso, tem participações acionárias nas empresas estaduais de geração de energia elé­trica, como a CESP, em São Paulo, e a Copel, no Paraná.

Page 16: Por dentro da fábrica de açúcar

O planejamento de longo prazo traçado pela Eletrobrás tem caráter estratégico e tra­balha com estimativas de produção para os cinco anos seguintes. A análise de médio pra­zo, com uma abordagem tática, enfoca o com­portamento do sistema cinco semanas à frente. Já o estudo de curto prazo, essencial­mente operacional, estabelece o modo de operação das usinas na semana ou mesmo no dia seguinte. "O Brasil não está atrasado nessa área, mas nem sempre as questões técnicas prevalecem", observa o pesquisador da Uni­camp. As usinas brasileiras, lembra ele, ftm­cionam de modo homogêneo, de acordo com a regra de operação "paralela", como um úni­co e imenso pulmão. Todas se esvaziam jun­tas na época de menos chuva, geralmente entre maio e outubro, no Sudeste, e se enchem juntas na época da cheia, entre novembro e abril.

Apoio da Fapesp

MS

~.

GO

MG

PR

Oceano AtlãnUco

A idéia do professor Soares é romper com essa uniformidade no tratamento das usinas e criar novos métodos para otimizar o aproveitamento da água. Essa é a base do projeto temático, Planejamento da Opera­ção de Sistemas de Energia E tétrica Predo­minantemente Hidrelétricos, que ele coor­denou. Esse trabalho, de quatro anos, con­tou com um apoio financeiro da FAPESP no

O programa desenvolvido pelos pesquisadores permite selecionar usinas cujas operações se deseja planejar. Como exemplo, foram escolhidas três grandes usinas do Sistema Sudeste: Fumas e Marimbando (de Fumas Centrais Elétricas) e Água Vermelha (CESP), que se encontram uma após a outra, no Rio Grande (em destaque). O conjunto gerador de energia funciona como se existissem apenas as três. Para um horizonte de 60 meses, são tomadas cinco repetições de uma seqüência de vazões de doze meses (a média do histórico de vazões para as três usinas). Veja os resultados dos exemplos nos gráficos abaixo.

Operação otimizada O gráfico acima mostra o comportamento dos reservatórios das três usinas para atender à demanda de energia elétrica. Água Vermelha e Marimbando permanecem cheias durante os 60 meses, enquanto Fumas diminui seu nível de armazenamento em alguns períodos e seu reservatório encontra·se cheio no final de cada ano. Embora a operação tenha utilizado água de seu reservatório, o volume se recuperou antes do início do período de seca do ano seguinte.

Trajetória de Volumes- Otimizador 110

•oo !10

!!: !lO 70

.s !lO

j so 40

30 - fumas 20 - Marimbando •o - A Vermelha o

o , 2 60

Operação em paralelo T rajetória de Volumes- Operação em Paralelo

110,.----------------------,

100

Os reservatórios são esvaziados em uma proporção única de seu volume útil: se uma das usinas deles perde 10% de seu volume útil, as demais também devem perder 1 0%. Como o volume é medido em porcentagem, reservatórios maiores perdem volumes maiores de seus armazenamentos. O gráfico ao lado apresenta somente uma curva porque , operando em paralelo, os

~ reservatórios de Fumas, Marimbando e o de

0 -1-----~---~---~---~-----l Água Vermelha obedecem ao mesmo ritmo o 12 " 36 •a so de esvaziamento e de enchimento.

CONCLUSÃO A operação em paralelo consome mais água dos reservatórios do que a operação otimizada, para uma mesma demanda. No final dos 60 meses, funcionando em paralelo, os reservatórios não conseguem recuperar-se inteiramente e acabam com menos de 55% do volume útil disponível. A operação otimizada gera o mesmo valor de energia e deixa os reservatórios cheios no final, em condições mais favoráveis para atender a futuras demandas de energia.

valor de R$ 250 mil para cada um dos dois períodos em que foi dividido, empregados sobretudo na aquisição de estações de traba­lho, microcomputadores e outros equipa­mentos de informática. O laboratório com os equipamentos encontra-se na Faculdade de Engenharia Elétrica da U nicamp, mas a pes­quisa também teve a colaboração de pesqui­sadores da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp e da Escola de Engenharia e do Instituto de Ciências Matemáticas e de Com­putação da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos.

Em conjunto, os especialistas criaram, testaram e aprimoraram o chamado Siste­ma de Apoio ao Planejamento Estratégico (Sape), um programa que permite planejar a operação das usinas a longo, médio e curto prazos. Ele está em uso já há dois anos, pelos pesquisadores e por engenheiros de empresas do setor elétrico que passam por cursos de aperfeiçoamento no laboratório da Unicamp. O Sape trata cada hidrelétri­ca individualmente, de acordo com uma regra de operação não paralela, e não de modo homogêneo, como nos programas adotados pela Eletrobrás. Assim, em épo­cas de seca ou de cheia, as usinas em cas­cata, ou situadas no mesmo rio, não enchem e esvaziam seus reservatórios ao mesmo tempo, mas da melhor maneira possível para o conjunto.

As implicações são mais di retas para as chamadas usinas de montante, situadas mais próximas das nascentes dos rios, como Em-

Page 17: Por dentro da fábrica de açúcar

Secundino Soares Filho, que criou um novo

borcação, no Rio Paranaíba, na divisa dos Estados de Minas Gerais e de Goiás, ou Fur­nas, no Rio Grande, perto da fro nteira en-

Aplicações imediatas A pesquisa desenvolvida na Unicamp já ofe­

receu aplicações imediatas. O engenheiro elétrico Clóvis Tadeu Salmazo, que fez um curso de espe­cialização no laboratório do professor Soares, apli­cou os conhecimentos adquiridos no projeto na oti­mização da operação das turbinas das usinas da Copel, a empresa estadual de geração de eletrici­dade do Paraná, onde trabalha. Como parte da sua tese de mestrado, que concluiu em 1996, Salmazo analisou um dia de operação do sistema hidrelétri­co paranaense, formado por três usinas hidrelétri­cas e 631inhas de transmissão. Em seguida, refez a programação do funcionamento das turbinas, procurando reduzir as perdas de produção e de transmissão de energia. Comparou os resultados obtidos na prática, de acordo com as metodologi­as convencionais da empresa, e verificou que se­ria possível obter um ganho de 2,5% no rendimen­to das turbinas.

"Na prática, as expectativas de ganho de ren­dimento das turbinas se confirmaram", diz Salma­zo. O modelo, em uso há dois anos na Copel, teve outra vantagem, a redução dos gastos com manu­tenção das máquinas, segundo ele. A pesquisa de otimização das turbinas, premiada em 1995 no 13' Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica, realizado em Camboriú, no Esta­do de Santa Catarina, provoca um comentário do professor Soares. "As perdas no sistemas hidrelé­tricos são muito maiores na produção do que na transmissão da energia, mas o setor elétrico ainda não se deu conta disso", afirma.

tre São Paulo e Minas. No projeto, seus re­servatórios trabalham mais do que os das usinas de jusante, mais próximas da foz, para regular a vazão do rio. Continuam a produzir energia, mas ao longo do ano per­manecem com o reservatório menos cheio do que as outras. Como controlam a vazão da água, mantêm cheios os reservatórios das usinas de jusante, que podem ass im produzir energia elétrica com mais eficiên­cia. Vale lembrar: quanto mais cheio ore­servatório, maior a energia produzida para um mesmo volume de água que passa pe­las turbinas, pois, quanto maior a queda da usina, maior a pressão da coluna de água sobre as turbinas.

Montante e jusante A equipe da Unicamp sabe que não

será fácil transformar a idéia em realidade. "A melhor solução para o conjunto nem sempre é melhor para as partes, pois pode favorecer uma usina e prejudicar outra", diz ele. A Fumas Centrais Elétricas, por exem­plo, que possui mais usinas de montante, de acordo com as regras da Unicamp produ­ziria menos, para beneficiar as usinas da Cesp, predominantemente de jusante. Mas, como diz o professor Soares, "com o mo­delo em vigor, as usinas de montante, as de jusante e o próprio país estão perdendo". Ele acredita que as novas idéias possam ser mais bem recebidas conforme for avançan­do o processo de privatização das empre­sas de geração de energia elétrica, já em andamento.

Um dos marcos das transformações institucionais do setor elétrico ocorreu em março, duas semanas antes do apagão que deixou às escuras mais da metade do país, quando a Eletrobrás transferiu a coordena­ção nacional do setor para uma empresa

Otimização na tela Uma das telas iniciais do Sape mostra um

esquema com o conjunto das usinas hidrelétri­cas brasileiras em seus respectivos rios. Fica claro, assim, que no Rio Grande, por exemplo, há dez usinas seguidas. Cada uma interfere uma no comportamento da outra. Cada usina possui uma base de dados, que incluem suas caracte­rísticas físicas, o potencial de produção de ener­gia e o histórico das vazões mensais desde 1930. É possível selecionar uma, duas ou até mesmo todas as usinas mostradas no esquema inicial e a seguir solicitar ao programa a forma ótima de operação de cada uma delas. Essas informações abastecem o módulo de otimização do Sape, que elabora gráficos mostrando a melhor forma de operar as usinas, a quantidade de energia a ser gerada e a eventual necessidade de participação das usinas termelétricas, mês a mês.

Em seguida, o módulo de simulação indi­ca as conseqüências do planejamento das usi­nas, segundo diversas formas de visualização de resultados, como o volume do reservatório, a energia gerada e a vazão tanto da usina como do rio. "Testamos alguns modelos de simulação e conseguimos resultados mais favoráveis do que os apresentados pelos modelos da Eletro­brás", diz Marcelo Augusto Cicogna, engenhei­ro civil e um dos autores do programa. Sua pes­quisa de doutoramento consiste na elaboração de uma nova versão de um simulador, que ele pretende concluir em dois anos, capaz de com­parar os diversos modelos propostos para o sis­tema brasileiro. Por enquanto, os programas da Eletrobrás e os da Unicamp não conversam en­tre si. "Aí, sim, vamos poder confirmar o quanto a nossa política de operação é a melhor", diz Ci­cogna.

privada, a Operadora Nacional do Sistema (ONS), formada pelas companhias estatais e particulares do setor elétrico. A essa co­ordenação nacional, que estabelece as di­retrizes sobre as formas de operação das usinas, com ênfase na eficiência do apro­veitamento dos recursos hídricos e energé­ticos, caberia também compartilhar osga­nhos gerados com a nova regra da Unicamp, equilibrando os ganhos e as perdas das usi­nas de modo a compensar o prejuízo de operadoras isoladas que proporcionaram o beneficio coletivo.

Perfil: O professor Secundino Soares Filho, 49 anos, é

engenheiro mecânico, graduado pelo Instituto Tecno­lógico da Aeronáutica em 1972. Fez mestrado e dou­torame()Jo na área de Engenharia Elétrica na Univer­sidade Estadual de Campinas (Unicamp) e P,ós-dou­toramento em sis emas de potência n Universí ade McGill , no Canadá, em 1989 e 1990. É professor titu­lar e chefe do departamento de Engenharia de Siste­mas da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Com­putação da Unicamp.

Page 18: Por dentro da fábrica de açúcar

PROJETO TEMÁTICO

Grande parte das pessoas associa os ftm­gos imediatamente ao mofo de paredes úmi­das ou a alimentos estragados, como o pão embolorado. Poucos se dão conta da impor­tância dos fungos para o equilíbrio dos ecos­sistemas ou mesmo como indicadores das alterações produzidas pelo ser humano no meio ambiente.

De acordo com a bióloga Iracema Hele­na Schoenlein-Crusius, pesquisadora da Seção de Micologia e Liquenologia do Instituto de Botânica da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, as escolhas de locais para conservação da biodiversidade jamais levam em conta as comunidades microbianas: "Isso pode fazer com que importantes espécies de fungos sejam perdidas, com conseqüências desconhecidas para a manutenção da vida nos ambientes terrestre e aquático". O projeto te­mático Estudo de Fungos em Ambientes Ter­restre e Aquático: Uma Contribuição para Avaliação e Conservação da Biodiversidade, coordenado pela bióloga, é o tipo de trabalho que preenche parte dessa lacuna.

O projeto está identificando fungos de dois ecossistemas: a Represa de Guarapiran­ga, na Zona Sul de São Paulo, e o Rio Manjo­linho, em São Carlos, a 300 km da Capital. O estudo da represa está concentrado no Insti­tuto de Botânica, onde Schoenlein-Crusius conta com a assistência do mestrando Chris­tian Wellbaum (Unesp) e da estagiária Mari­lene Domingues. O trabalho no Rio Monja­linho é desenvolvido por MimaJanuário Leal Godinho, professora da Universidade Fede­ral de São Carlos, com a colaboração da mes­tranda Elaine Malosso. O projeto estuda os fungos no ambiente terrestre (solo e folhedo)

e no ambiente aquático (folhedo submerso), comparando a diversidade das micotas (po­pulações de fungos) das duas regiões, que sofreram interferência humana diversa.

Schoenlein-Crusius cita a cientista in­glesa Marta Christensen, que relacionou cer­ca de vinte fimções principais exercidas pe­los fungos na natureza,. Entre elas estão as de decompor a matéria orgânica, mineralizar e imobilizar nutrientes, reservando-os para o ambiente. "Os fungos são importantes para os vegetais, pois transportam nutrientes, pro­movem o intercâmbio de íons e alteram o n'lo­vimento de água e elementos químicos atra­vés das partes aéreas das plantas. Nas raízes das plantas, podem formar associações sim­bióticas, as micorrizas, dinamizando o fluxo

18 •

de nutrientes. Também podem estimular a germinação de sementes, por meio da ruptu­ra do tegument?, (camada protetora de algu­mas sementes).

Mas esses organismos exercem impor­tantes funções também com relação ao solo. Ali, os fungos podem acumular materiais tó­xicos e atuar sobre a pem1eabilidade- uma vez que retêm a umidade- e agregação da terra. E mais. Sua participação na cadeia ali­mentar pode ser direta, pois são consumidos por organismos como os ácaros, e indireta,já que elevam a "palatabilidade" dos substratos para seres que se alimentam de detritos, prin­cipalmente nos ecossistemas aquáticos. A im­portância dos fungos para os animais também se revela no seu papel como predadores (fun-

Page 19: Por dentro da fábrica de açúcar

gos nematófagos e insectícolas) e mutualistas (fungos cultivados em '~ardins" de fonnigas ).

Os fungos apresentam interações com­plexas entre si, acrescenta Schoenlein-Cru­sius: "Os mecanismos de competição entre as espécies envolvem a produção de antibióti­cos, ocupação de espaço por meio do cresci­mento de hifas (filamentos) e síntese de en­zimas específicas para metabolização de di­versos substratos".

Diversidade No âmbito do projeto, foram feitas co­

letas bimestrais de amostras de solo, fo lhedo e água dos ambientes entre agosto de 1997 e agosto de 1998. No caso da represa, isso foi feito em seis pontos, que coincidem com pon­tos de coleta de amostras da Sabesp. Atual­mente o projeto encontra-se na fase de iden­tificação dos fungos presentes nas amostras. Essa fase deve tenninar em julho/agosto deste ano. Depois, será preciso correlacionar os dados de fungos com as variáveis levantadas.

Até abril , foram identificadas 45 espé­cies de fungos presentes no solo e 40 encon­tradas no folhedo submerso da região da repre­sa. Nos riosMonjolinhoeJacaré-Guaçú foram identificadas 20 espécies de fungos aquáticos. Uma surpresa dessa fase do projeto foi a exis­tência de diversas linhagens do gênero Peni­cillium no ambiente terrestre da represa. "Tal­vez essa constatação recomende um estudo mais específico sobre as potencialidades des­ses fungos para, por exemplo, a produção de algum antibiótico ou depuração de efluentes."

O gênero Penicillium é extremamente comum no solo e abrange espécies cosmopo­litas (aquelas que estão presentes em muitos ecossistemas). Entre as utilizações das espé­cies desse gênero na indústria, destacam-se a produção de antibióticos e de queijos ( camen-

bert, brie, gorgonzola e outros). "Para com­preender a elevada incidência dePenicillium no ambiente terrestre e aquático da Represa de Guarapiranga estamos confrontando a ocorrência das suas espécies com as variáveis ambientais que foram determinadas no pro­jeto. Com isso poderemos evidenciar melhor que condições favorecem a presença desse fungo no ambiente", explica Schoenlein-Cru­sius. Isso significa que os pesquisadores em busca de diversas espécies de Penicillium ­quem sabe com potencialidades interessan­tes - , saberão como e onde encontrá-las com maior facilidade.

É sabido que há fungos comuns a prati­camente todos os sistemas; outros são raros e alguns são típicos de um determinado siste­ma. Todavia, a diversidade de fungos no solo, na água e no substrato vegetal da represa foi mais uma surpresa para os pesquisadores: "Das 45 espécies de fungos identificados no solo das margens da represa, 32 espécies fo­ram isoladas pela primeira vez na região do manancial".

Ergosterol Um subproduto do projeto está sendo a

quantificação de ergosterol - um esteróide produzido pelos fungos- contido no folhe­do submerso dos dois ambientes aquáticos. "Devido às dificuldades técnicas para sepa­rar o fungo do substrato onde ele se encon­tra, pode-se quantificar a biomassa fúngica através da determinação de moléculas espe­cíficas produzidas por esses organismos e a sua subseqüente relação com a massa mice-1 ia! (filamentos de fungos) seca." Essa quan­tificação do ergosterol em biomassa de fun­gos filamentosos é pioneira no Brasil. Até o momento, a substância só havia sido quan­tificada na formação de associação micor­rízica (fungos e raízes) em eucalipto. "Iiá fa lta de dados no país para se conhecer, com

maior amplitude, a distribuição geográfica, as interações ecológicas e a diversidade dos fungos decompositores de substratos vege­tais, tanto nos ambientes aquáticos quanto terrestres. Essas informações são importan­tes para avaliar a capacidade desses organis­mos para o processamento da matéria orgâ­nica e na dinâmica trófica (nutricional) do ecossistema."

Um dos estudos que derivam desse projeto é a avaliação específica sobre a ca­pacidade de assimilação de certas substân­cias pelos fungos . A represa é submetida à sulfatação toda vez que a Sabesp constata que o teor de clorofi la e número de algas excedeu o limite toleráve l. São lançados sulfato de cobre e peróxido de hidrogênio com a preocupação de evitar que as algas produzam toxinas. "Supomos que esse tra­tamento interfere na diversidade dos fun­gos, porque é um fato r de seleção. Está sen­do feito um estudo com enfoque mais apli­cado: alguns fungos estão sendo testados quanto à tolerância ao cobre e ao peróxido e também quanto à sua capacidade de ab­sorver essas substâncias. Se os fungos so­breviverem a uma quantidade razoável das substâncias e conseguirem retê-las, é reco­mendável um estudo aprofundado sobre a viabilidade de utili zação dessa biomassa fúngica num sistema de filtro biológico, para tratamento de água ou de efluentes industriais."

Perfil: A professora Iracema Helena Schoenlein-Cru­

sius, 37 anos, é bióloga, com pós-graduação (mestra­do e doutorado) em Biologia Vegetal pela Unesp de Rio Claro.Aiém de pesquisadora científica da Seção de Mi­cologia e Liquenologia do Instituto de Botânica desde 1987, é professora credenciada do curso de pós-gra­duação na área de Microbiologia Aplicada da Unesp de Rio Claro.

Desmoronamentos em Guarapiranga A Represa do Guarapiranga, responsável

pelo abastecimento de água de 3 milhões de pes­soas na Grande São Paulo, tem sofrido um proces­so de degradação há anos, em função de loteamen­tos clandestinos, desmatamento e lançamento de esgotos. "Alguns trechos das margens e as peque­nas ilhas estão sofrendo rápido assoreamento, possivelmente em resposta às oscilações do volu­me de água contido no manancial e aos efeitos an­trópicos sofridos pelo solo", diz a bióloga Iracema Schoenlein-Crusius.

Medidas têm sido tomadas para reverter a situ­ação, como é o caso do recém-criado Parque Ecoló­gico do Guarapiranga, com 260 hectares de área, às margens da represa e incorporando parte das várze­as dos rios Embu-Mirim e Piraporinha. Outras medi­das, entretanto, segundo ela, devem ser adotadas com urgência para reflorestar e recuperar o solo da represa- inclusive das ilhas- e restabelecer o equilí-

brio ecológico do ambiente. "O perfil da fertilidade do solo, associado à baixa umidade e às características climáticas da região, podem levar à salinização, ero­são e, conseqüentemente, a eutrofização (acúmulo de fósforo e nitrogénio) do manancial."

Schoenlein-Crusius lembra que, num estudo preliminar realizado no Instituto de Botânica, desco­briu-se que o solo do entorno da represa estava des­moronando.lsso foi constatado na Ilha dos Eucalip­tos, onde os próprios eucaliptos estavam caindo na água, eutrofizando a represa e gerando riscos para as pessoas que utilizam barcos no local. As consta­tações do projeto temático indicam a necessidade de um estudo urgente das propriedades físicas do solo das margens e das ilhas da represa por uma equipe de pedologistas (especialistas em solo), para a recuperação ou melhoria das condições do terre­no e, com isso, garantir a qualidade da água para abastecimento.

Page 20: Por dentro da fábrica de açúcar

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

SAÚDE

Descobrindo o inimigo Uma das doenças mais traiçoeiras do

sistema nervoso central é a neurocisticerco­se. Difícil de ser diagnosticada, só é desco­berta por um teste importado, muito caro, ou por métodos como a tomografia e a punção de líquido cefalorraquiano, complexos e de difícil acesso a pessoas de baixa renda. E são justamente essas pessoas as mais atingidas pela doença. Causada pelas larvas da Taenia solium, a solitária, um parasita que vive no organismo humano, a neurocisticercose tem como intermediário o porco criado em más condições de higiene. No Brasil, estima-se que cerca de 140 mil pessoas sofrem dessa doença, que pode causar lesões cerebrais graves e a morte. É possível que o número de vítimas seja até maior. Como o controle é precário e os sintomas demoram para apa­recer, muitas pessoas podem ter neurocis­ticercose sem saber.

Quadro negro? Nem tanto. Um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Pau­lo (USP) acaba de desenvolver um teste sim­ples, prático, barato e eficiente para desco­brir os portadores da doença. E feito com uma simples amostra de sangue da pessoa e o resultado está pronto em algumas horas. A pesquisa, Purificação e Caracterização de Antigenos de Cisticercos para o Desenvol­vimento de Reagentes Diagnósticos para Cisticercose Humana, é o resultado de uma parceria da equipe com a FAPESP e com o laboratório francês Biolab-Mérieux. Após um ano de trabalho, o grupo da USP desen­volveu o teste, do tipo ELISA (Enzyme­Linked Immuno Sorbent Assay). O teste está em fase de aperfeiçoamento. Dentro de um ano, deverá estar em fase de produto co­mercial.

"Nosso objetivo era desenvolver um teste que pudesse ser aplicado no soro, a parte do sangue onde estão os anticorpos, como uma alternativa à coleta de líquido ce­falorraquiano, retirado por punção lombar", explica a pesquisadora Adelaide José Vaz, professora de Imunologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e coordena­dora do projeto. Segundo a professora, a grande vantagem do teste é que ele pode ser feito na clínica geral, na rede pública de aten­dimento, antes de o paciente ser encaminha­do a um neurologista. Com isso, o diagnós­tico será mais precoce e pode-se conhecer a real situação da doença no país.

Meningite e epilepsia A preocupação com a cisticercose vem

acompanhando a pesquisadora desde 1987, quando ela trabalhava no Instituto Adolfo

Lutz, em São Paulo. Nos últimos 12 anos,jun­tamente com outros pesquisadores do Depar­tamento de Neurologia da Faculdade de Me­dicinada USP, a professora Adelaide aprofun­dou-se no estudo da neurocisticercose, a for­ma mais grave da cisticercose, doença que se desenvolve em pessoas contaminadas com os ovos da Taenia solium, o parasita popular­mente conhecido como solitária. Quando o sistema nervoso central é afetado, o paciente pode apresentar sintomas graves, como a me­ningite, e pode desenvolver epilepsia, o sin­toma mais freqüente, distúrbios mentais e psí­quicos, cefaléia e hipertensão intracraniana.

A doença está diretamente ligada às con­dições de higiene do ambiente. Geralmente, sua incidência é alta em áreas onde não há água tratada e rede de esgoto e atinge pesso­as que não observam cuidados com a higie­ne, como lavar as mãos antes de manipular alimentos, por exemplo. Isso significa que educação sanitária e investimentos em sane­amento básico também são fatores muito importantes para o controle da doença.

"O principal veto r é o próprio homem, que desenvolve a Taenia solium no intestino após ingerir carne de porco contaminada", explica a pesquisadora. Até esse estágio, o problema pode ser tratado e eliminado sem problemas para o paciente. Mas, uma vez ins­talada, a Taenia é uma fonte imensa de peri­go. A cada dia, o hóspede indesejável põe entre30mil a 50 mil ovos microscópicos, que, expelidos com as fezes, invadem o meio am­biente. Se ingeridos por meio de água ou ali­mentos contaminados, os ovos vão transfor-

zo 'SP

mar-se em cisticerco, ou larva, e provocar a doença. Atingindo o cérebro, o que era no primeiro momento um simples parasita pro­voca a neurocisticercose, completando o ci­clo da doença (Veja no quadro o ciclo de con­taminação).

Intermediário No meio do caminho, como hospedeiro

intermediário, geralmente está o porco. Isso porque o animal, que também desenvolve cis­ticercose, é criado com freqüência em peque­nas propriedades sem os cuidados de higiene necessários. Ele costuma ser alimentado com uma mistura de restos de comida, que pode facilmente conter fezes humanas. A carne de porcos criados nessas condições chega clan­destinamente ao consumidor, sem passar pela fiscalização sanitária. Se estiver infectada, leva o parasita diretamente à mesa das pessoas.

Graças à parceria com a FAPESP e o Biolab-Mérieux, que financiaram meio a meio o projeto, num valor de cerca de R$ 80 mil , o novo ELISA para cisticerco já foi tes­tado, com sucesso, em pacientes tratados pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi­cina da USP. "Até agora, só dispomos de um teste importado e caro, o Imunoblot, nem sempre disponível", comenta a professora Adelaide.

Inicialmente, para conhecer melhor a neurocisticercose, os pesquisadores analisa­ram a resposta imunológica humoral, ou a produção de anticorpos, de 59 pacientes, em diferentes fases de evolução da doença, por meio de amostras do líquido cefalorraquiano,

Page 21: Por dentro da fábrica de açúcar

do plasma e da saliva. "A partir de 1990, de­cidimos então estudar o soro, separando-o por um processo de centrifugação", explicou a coordenadora do projeto.

Mas, então, na presença do parasita ori­ginal, a Taenia solium, surgiu a primeira difi ­culdade: como no soro também havia anticor­pos para outros tipos de parasitoses, as rea­ções eram sempre cruzadas e, portanto, ines­pecíficas. Esses primeiros resultados eviden­ciaram a necessidade de que os antígenos de cisticerco fossem purificados, para tornar possível o desenvolvimento dos reagentes diagnósticos.

Multiplicação em camundongos Havia mais um complicador: para obter

o reagente purificado, seria necessário um número bem maior de cisticercos. Até então, eles eram retirados diretamente da carne de porco contaminada, um processo lento, de pouco rendimento e de muito risco. "Resolve­mos o problema cultivando um outro parasi­ta, a Taenia crassiceps, similar à T solium, com a qual tem antígenos comuns", lembra a pro­fessoraAdelaide. Esses cisticercos, inoculados em camundongos, multiplicam-se rapidamen­te no peritônio do animal. Em 90 dias, obtém­se uma quantidade 100 vezes maior que are­sultante do trabalho com a carne de porco.

O reagente purificado é obtido por mé­todos imunoquímicos. O parasita, em extra­to bruto, passa por dois processos: a croma­tografia de afinidade com lectinas e a eletro­forese em gel de acrilamida. No fim, obtêm­se frações purificadas e específicas do cisti­cerco. Com elas, fica aberto o caminho para o teste imunoenzimático, um kit composto por reagentes, soluções e pelo antígeno espe­cífico para cisticercose humana.

Para que o teste possa funcionar satisfa­toriamente em condições de ambulatório, ain­da é preciso aperfeiçoar alguns detalhes, como as di luições ideais e o tempo de incu­bação. Completado esse trabalho, o Biolab­Mérieux pretende começar a produzir o kit em

Ciclo biológico da teníase- cisticercose

Doença de lugares com más condições sanitárias A cisticercose humana é uma das infecções do

sistema nervoso central mais graves e freqüentes. Sua incidência relaciona-se principalmente com fa­tores sócio-econômico-culturais. Constitui um sério problema de saúde pública em regiões de condições sanitárias deficientes e em áreas desenvolvidas que recebem imigrantes de regiões onde a infecção é endémica.

No Brasil, uma análise dos dados publicados de 1915a 1995sobreadoençaconsideracomoárea endémica de neurocisticercose os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Espí­rito Santo e o Distrito Federal. O mesmo estudo clas­sifica como áreas de casos ocasionais os Estados da Bahia, Maranhão, Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

escala comercial. Isso deverá ocorrer ainda dentro de um ano.

Alta letalidade Uma das conseqüências da aplicação do

novo teste será conhecer melhor a situação real da doença. De acordo com dados reco­lhidos pela equipe da USP, existe a possibili­dade de haver um doente para cada 100 mil habitantes no Brasil, com índice de letalida­de bastante alto: entre 15% e 25% das pesso­as que contraem a doença morrem em conse­qüência dela.

A neurocisticercose tem uma evolução crônica. Os sintomas são brandos no começo da infecção e as seqüelas podem aparecer meses ou mesmo anos depois do início da doença. Como não há sintomas específicos, o tratamento é feito de acordo com a doença desenvolvida - corticóides, no caso de me­ningite, anticonvulsivos, se ocorrer epilepsia, antiinflamatórios e analgésicos. Uma vez lo­calizado o parasita, faz-se um acompanha­mento constante da doença até que ele se de­genere, o que pode ocorrer só depois de alguns

ovo

Os fatores que contribuem para a natureza endémica da doença são o consumo de carne de porco infectada, controle precário de fezes de indiví­duos portadores do parasita e presença de hortas e pomares próximos a confinamentos de porcos, espe­cialmente quando irrigados com água contaminada ou fertilizados com fezes humanas.

Também oferecem risco de contaminação fon­tes de água próximas a pocilgas e sanitários, maus hábitos de higiene ambiental e pessoal, inspeção ina­dequada ou ausente de carnes e açougues e educa­ção sanitária deficiente. Embora os suínos estejam associados freqüentemente ao problema, é o homem o único hospedeiro da forma adulta do parasita e o responsável pela manutenção do ciclo parasitário, eli­minando os ovos da Taenía nas fezes.

anos. A cirurgia para remoção do parasita é uma alternativa raramente utilizada, devido aos riscos de uma intervenção desse tipo.

O projeto de inovação tecnológica está sendo desenvolvido no Laboratório de Aná­lises Clínicas e Toxicológicas da FCF/USP. Conta com a participação dos pesquisadores Mauro Peralta, professor titular de Microbi­ologia do Instituto de Microbiologia da UFRJ; José Livramento e LuizMachado, pro­fessores do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP; Walter Fer­reira, professor do Instituto de Medicina Tro­pical e diretor-científico do laboratório Bio­lab-Mérieux; da aluna pós-graduanda Ales­sandra Pardini; e dos alunos em iniciação ci­entífica Thaís Barea e Wesley Correa.

Perfil : A pesquisadora Adelaide José Vaz, de 41 anos, é profes­sora de Imunologia da Faculdade de Ciências Farmacêu­ticas da Universidade de São Paulo, pela qual se formou. É mestra e doutora em Ciências, na área de Imunologia, pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Durante sete anos, foi pesquisadora científica do Instituto Adolfo Lutz. Desde essa época, estuda a cisticercose humana.

Causada pelas larvas da Taenia solium, a solitária, um

parasita que vive no organismo humano, a neurocistircercose tem

como intermediário o porco criado em más condições de higiene

Page 22: Por dentro da fábrica de açúcar

PROJETO TEMÁTICO

ANTROPOLOGIA

Os novos caminhos da educação indígena

Criança Kayapó: a busca de uma política educacional voltada para a diversidade étnica e cultural dos povos indígenas

Já se passaram quase cinco séculos. Mas o Brasil ainda começa a aprender a lidar com a sua variedade étnica e cultural. Especial­mente no caso dos povos que já estavam aqui antes de 1500. Despojados das suas terras e massacrados no tempo da Colônia e também da República, os índios somente foram reco­nhecidos como cidadãos brasileiros plena­mente capazes pela Constituição de 1988. A fronteira entre a promulgação das leis e a transformação da realidade, no entanto, con­tinua enorme. Entre os desafios a ser enfren­tados, está a educação indígena.

"Essa proposta significa construir junto com os índios uma forma de educação que trabalhe tanto com a visão de mundo dos po­vos indígenas quanto com a realidade ao seu redor. Realidade agora ampliada pela globa­lização." É o que aponta a antropóloga Ara­cy Lopes da Silva, coordenadora do Mari­Grupo de Educação Indígena do Departamen­to deAntropologia da USP. "Isso significa um projeto de educação no qual o índio seja su­jeito ativo, elaborando e transmitindo oco­nhecimento junto à sua comunidade", afirma a antropóloga.

O Mari ("conhecer", na I íngua Kayapó) é uma das mais atuantes entidades nacionais preocupadas com a educação dos índios. Cri­ado em 1988, o grupo foi formado por antro­pólogos e estudantes que abraçaram a causa indígena no final dos anos 70. Formado atu­almente por 25 pesquisadores, além de cola­boradores ligados a diferentes instituições, o Mari desenvolve projetos de estudos e asses­sorias. Com anos de experiência acumulada

em trabalhos de campo, o grupo é também responsável por um ambicioso programa de pesquisa na área da educação indígena.

Trata-se do projeto temático Antropolo­gia, História e Educação: a Questão Indíge­naeaEscola.lniciadoem 1995,comoapoio da FAPESP, seu objetivo é discutir as possi­bilidades de uma educação para a diversida­de, dentro do universo da história e da antro­pologia. "O projeto surgiu do desafio de trans­formar a experiência da educação indígena em objeto de reflexão acadêmica", dizAracy Lopes da Silva, que é professora da pós-gra­duação em Antropologia da USPe do Depar­tamento de Antropologia da Unicamp.

Linhas de pesquisa As linhas de pesquisa do projeto compre­

endem assuntos como a produção e a trans­missão do conhecimento nas aldeias. "Essa é uma pesquisa que investiga fonnas próprias de aprendizado da criança indígena, como as brincadeiras e os jogos de socialização", diz Aracy.

Outro campo de estudo trata da relação simbólica que os índios têm com a natureza, assim como o uso que seus diferentes povos fazem do meio ambiente. "Esse caminho de pesquisa permite uma discussão mais ampla sobre o conhecimento humano, além da sua contribuição para a questão ambiental, como em projetos de manejo sustentável", aponta a antropóloga.

Também são temas de investigação a organização política dos índios e o ensino da história indígena. "Esse é um pedaço da histó-

2 PESP

ria do Brasil muito pouco conhecido", diz a coordenadora do Mari. Por falar na falta de infonnação sobre a cultura indígena, uma das pesquisas que integram o projeto aponta jus­tamente para a permanência de uma imagem estereotipada dos índios, mesmo com o au­mento do noticiário da mídia sobre o assun­to, depois da EC0-92.

"Muitos dos livros didáticos para o en­sino fundamental ainda reincidem nos mes­mos problemas de sempre, como a ocultação da presença contemporânea do indígena na sociedade ou o estranhamento da possibilida­de de que ele possa sair da ' idade da pedra'", afinna Aracy Lopes da Silva. "Há casos em que o estereótipo tem um valor positivo, como o índio guardião da floresta . Mas isso também tem um lado ruim, cujas conseqüên­cias costumamos ver nos jornais. Se um ín­dio corta uma árvore, ele é condenado por isso, não importa quais eram as circunstânci­as em que o fato ocorreu", diz a antropóloga Mariana Kawall Leal Ferreira, coordenado­ra do Marie autora de uma pesquisa sobre o ensino de matemática entre tribos indígenas.

Trabalho de campo Muitas das pesquisas do Mari são di­

retamente ligadas ao trabalho de campo. O

Aracy Lopes da Silva (à direita) e Mariana Kawall Leal Ferreira: "Uma educação a favor do índio e não contra ele'.

Page 23: Por dentro da fábrica de açúcar

que também gera novos desdobramentos no projeto. "O pesquisadornão visita uma aldeia apenas para recolher informações, indo de­pois embora", diz a antropóloga Mariana Kawall Leal Ferreira, que faz pós-doutora­mento no Departamento de Antropologia da USP. "É comum as comunidades indígenas oferecerem uma troca. Se você está real izan­do uma pesquisa na aldeia, então também deve dar aulas para aquela comunidade", con­ta Mariana Kawall. "Como nem todos os pes­quisadores têm experiência pedagógica, re­solvemos realizar oficinas internas no Mari voltadas para situações como essa", diz a antropóloga.

Outra atividade importante desenvol­vida pelo Mari é a prestação de assessoria para órgãos governamentais e comunidades indígenas. Muitas vezes , o grupo é procu­rado por representantes de aldeias interes­sados na elaboração de projetos específi­cos, como financiamento para programas de uso sustentável do meio ambiente ou sobre problemas de saúde. O trabalho de assessoria também tem interesse acadêmi­co. "São experiências importantes para a reflexão da antropologia política", afirma Aracy Lopes da Silva.

Mudança da realidade O interesse cada vez maior pela edu­

cação indígena vem ao encontro de uma nova realidade experimentada pelos povos indígenas brasileiros. Realidade que é con­seqüência da crescente mobilização dessas populações desde os anos 70. Depois do re­conhecimento constitucional do índio como um cidadão pleno, em 1991, a sua escolari-

Livro destinado ao ensino de matemática em escolas indígenas do país. No detalhe, ilustração feita por estudante índio

zação tomou-se uma atribuição do Ministé­rio da Educação. Mais do que uma operação burocrática, a medida abriu espaço para o de­senvolvimento, pela primeira vez no Brasil, de uma política educacional voltada para a diversidade étnica e cultural dos povos in­dígenas. Afinal , desde a colonização, a edu­cação indígena quase sempre foi um domí­nio exclusivo de missões religiosas.

"A grande vantagem dessa medida é a inclusão da educação indígena no sistema nacional de educação, forçando o governo a criar novos parâmetros curriculares para ás escolas indígenas", afirma Aracy Lopes da Silva. "Uma educação a favor do índio, e não contra ele", diz a antropóloga. "Essa leiga­rante a liberdade de construção de escolas diferenciadas, que atendam às necessidades de cada uma das comunidades, com a parti­cipação dos próprios índios", destaca Ara­cy. "O problema é que muitos quadros das secretarias de educação não estão prepara­dos para lidar com a especificidade dessa nova demanda", aponta a pesquisadora. As­sim, essa é uma equação que somente pode­rá ser resolvida com a participação di reta dos povos indígenas na tomada de decisões. "O exercício desses direitos depende da presen­ça dos índios no comando do processo", afir­ma a antropóloga.

Os números indicam um aumento nes­sa participação. Depois da Constituição de 1988, as organizações indígenas se multipli­caram pelo País. "Uma das pesquisas do gru­po identificou quase 300 organizações e as­sociações indígenas que nasceram nos últi­mos dez anos, muitas das quais formadas por professores índios", aponta a pesquisadora.

23 fSP

Um dos frutos das assessorias presta­das pelo Marijunto a comunidades indíge­nas, assim como do trabalho de grupos de outras universidades e ONGs, é a publica­ção pelo Ministério da Educação de livros elaborados por professores índios.

O Grupo de Educação Indígena da USP também organiza exposições sobre o univer­so dos índios em escolas da rede pública, além de distribuir textos de divulgação ci­entífica. Entre os livros gerados pelas pes­quisas do Mari , está um dos trabalhos de maior fôlego já realizados nessa área no Brasil. Trata-se da obra A Temática Indíge­na na Escola - novos subsídios para profes­sores de 1 o e r graus, organizada por Aracy Lopes da Silva e Luís Donisete Benzi Gru­pioni e editada em conjunto com a Unesco e o Ministério da Educação.

Novos horizontes As populações indígenas pesquisadas

pelo Ma ri abrangem regiões do norte ao sul do País. São povos como os Kaingang (do Rio Grande do Sul), Guarani (litoral de São Paulo), Terena (interior de São Paulo), Ma­xakali (Minas Gerais), Xavante (Mato Gros­so), Xerente (Tocantins), índios do Uaça (norte do Amapá), Timbira (Maranhão) e Tukano (Amazonas).

"Esse é um conjunto diversificado, ten­do cada povo as suas especificidades", apon­ta Aracy Lopes da Silva. Algumas comuni­dades enfrentam situações dificeis, como os índios Guarani , no litoral de São Paulo. "Nessa região, existe uma situação de misé­ria e fome crônica", afirma Mariana Kawall Leal Ferreira. "Pretendemos criarnúcleos de pesquisa voltados para questões específicas dentro da temática comum da educação in­dígena, como a área de saúde e educação", diz Mariana.

O projeto temático desenvolvido pelo Mari também deverá ter outros desdobramen­tos. "Um campo importante que ainda tem muito para ser feito é o da sistematização de informações sobre a situação das escolas in­dígenas", afirma Aracy Lopes da Silva. "Te­mos ainda a intenção de estudar as relações entre arte, estética, cultura material e a edu­cação indígena", diz a antropóloga. Por fim, o grupo também tem como proposta realizar uma análise da extensa bibliografia voltada para a educação, lingüística e antropologia que vem sendo produzida no Brasil.

Perfil: Aracy Lopes da Silva é doutora em Antropologia

Social pela Universidade de São Paulo, onde leciona desde 1974, com pós-doutorado na Universidade de Harvard. Estados Unidos. Foi presidente da Comissão Pró-Índio de São Paulo e atualmente é coordenadora do Mari- Grupo de Educação Indígena da USP. É autora do livro Nomes,e Amigos: da Prática Xavante a uma Reflexão sobre os Jê, e organizadora dos livros A Ques­tão da Educação ln ígena Brasileira e A Questão Indí­gena na Sala de Aula: Subsídios para Professores de 1 o

e 2° Graus.

Page 24: Por dentro da fábrica de açúcar

LIVRO

Um olhar sobre a juventude Olhamos para os jovens de hoje com cer- ciedades regeneram, através da juventude, seu

ta complacência nostálgica. Este olharémoti- estilo de vida. Assim, o jovem deve ser com-vado pela nossa memória do passado, porque preendido como um elo necessário do presen-afmal ninguém resiste à tentação de compa- te com o passado, exatamente porque transita rara geração mais recente com a efervescente de um tempo para outro, encarnando a vaca-juventude dos anos 60 e 70. O resultado é que, ção- transformadora ou conservadora- do nestacomparação,a juventude contemporânea seu próprio tempo. sempre perde, pois acaba sendo qualificada Na segunda parte do livro, temos uma pela "ausência da capacidade de reflexão", pela reavaliação da militância política dos j o-"passividade com relação a valores" ou pela vens nos anos 90. Revelando amplo "falta de empenho transformador". O vício domíniodotema,aautoraanalisatodas desse olhar saudosista está no apego à idéia as possibilidades de constituição da . preconcebida de que haveria uma essência da subjetividade jovem, tanto no perver-"condição juvenil" como portadora de utopi- so cenário mundial, comandado pelara-as e de projetos de transformação social. Atra- cionalidade autoritária da modernidade, vés de uma rigorosa abordagem histórica das quanto no cenário brasileiro, na cultura do formas de militância política da juventude dos medo que caracterizou a "geraçãoAl-5", ague-anos 90, Reinvenções da Utopia, a militân- la que viveu sua adolescência sob a ditadura cia política de jovens nos anos 90, de Janice militar. Formados num momentodedesarticu-Tirelli Ponte de Souza, publicação da Hacker lação completa da sociedade civil brasileira, Editores e FAPESP, tem o mérito de desmisti- em que se conjugaram a busca da neutraliza-ficar e corrigir os vícios desse olhar compla- ção completa da capacidade crítica dos indi-cente que chegou até a contaminar os estudos víduos, o controle voltado para a ausência da sobre o tema. prática política e a consolidação defmitiva da

Nos anos 60 e 70 a efervescência da ju- economia capital is ta de mercado, os indivídu-ventude foi tamanha que chegou mesmo a es- os desta geração sofreram uma dupla e grave timular uma farta produção acadêmica; pou- privação: de seus direitos e do conhecimento cos se lembram de que tínhamos até uma "so- da lógica desta privação. O resultado consti-ciologia da juventude". Já há algum tempo que tu irá parte de pesada herança para as gerações o jovem não era objeto de estudo ou, seguintes- para recuperar a condição de su-pelo menos de pesquisas mais vas- jeitos, os jovens assumiram uma ideologia tas, que situassem a juventude - ~ subjetivista, expressa em pautas indivi-esta condição transitória da vida- duais de comportamentos, o que, em par-como elo de ligação histórica entre o te, seguia a conversão geral da família às ide-passado e o futuro das sociedades. Além ologiasdo bem-estardo corpo, do sexo e do psi-de um pesquisa concreta sobre o comporta- quismo, típicas das sociedades de consumo.A mentopolíticodosjovensnestadécadaqueen- vitória do princípio autoritário se expressaria cerra o século, Reinvenções da Utopia faz noprópriocotidianodosjovens,comasubsti-uma reavaliação completa do próprio concei- tuição do protesto pela apatia descompromis-to de juventude. Há uma essência juvenil? sada do "deixa prá Já" ou do "tudo bem".

Os estudos de diferentes áreas como a O que restou desta ideologia da privaci-psicologia ou a sociologia caracterizaram a dade herdada pela atual geração? Há sinais de juventude como uma condição transitória, movimento político jovem no Brasil, na era da destacando quase sempre alguns de seus tra- globalização e da "modernidade-mundo"? A ços diferenciadores: transitoriedade, ambigüi- resposta está na pesquisa empírica- calcada dade, momento de suspensão da vida social, em amostragem e estudo realizado através do individuação, vivênciadeumacrisepotencial método das histórias de vida em Florianópo-e, por fim, um intrínseco estado de revolta ou !is (SC) - e apresentada na parte final do li-"mal-estar juvenil". Janice Tire IIi demonstra vro. A trajetória de jovens no Movimento Na-que esses traços podem demarcar um certo cional de Meninos de Rua, na Pastoral da Ju-"território" da juventude, mas, vistos como ventude, na União de Negros de SC, no movi-comportamentos inatos, isolados das situações mento Sindical Bancário e até no movimento concretas vividas pelos jovens, não conse- Anarco-Punk é analisada, não apenas a partir guem explicarnada. Intenções, utopias, icono­clastias, projetos, rebeldias, transgressões, são elementos concretos nas relações vividas pela juventude, mas não têm validade científica quando situados fora do tempo e da história. A juventude não é uma essência e sim uma cons­trução sociocultural, a juventude não é, ela se faz. A biografia do jovem cruza-se com a his­

tória e nela confinna sua identida­de, ao mesmo tempo em que asso-

lfJAPESP SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

do seu impacto na sociedade ou, em ai guns casos, do seu reconhecimento pelo governo mas, sobretudo a partir da vivência concreta de gente como Beto, Ana, Eder, lone, Laia, Kiko, Gina, Caco, Téo, Beth, Teca e Bia - nomes fictícios de jovens reais que compõem o painel vivo de trajetórias mi­litantes, na segunda parte do livro.

Distanciados das utopias revolucionári­as, seus depoimentos e histórias mostram que eles são parte de uma geração indi­vidualista, pois só aceitam engajar-se

numa causa coletiva que não interfira na sua autonomia individual. Mas nem por

isso suas pautas reivindicatórias se confun­dem com o centralismo burocrático, com o dogmatismo sindical, com o assistencialismo institucional ou com as bandeiras do senso co­mum da classe média, no seu crônico projeto de ascensão social. Ao contrário do que ocor­reu noutros tempos, a lógica desses jovens não é discursiva, mas visual, suas referências não são utopias revolucionárias e sua organização política é reinventada como uma nova espécie de tribalização. Militância, para eles, é de­dicaçãoàelaboraçãodeprojetossociaisque acabam sendo parte de suas vidas. É uma concepção limitada, talvez a única possível nesta época de fim das utopias - mas atri­bui um papel social à juventude e dá sentido ao imediatismo apaixonado desses jovens. Possuem, finalmente, um discernimento ético que os diferencia e aproxima das gerações re­volucionárias do passado, pois representam uma parcela de nossa juventude que ainda tem a coragem de se envergonhar diante da carên­cia econômica, da discriminação hipócrita, da violência endêmica e da injustiça social.

Só o futuro dirá se esses personagens, brilhante­mente revelados pelo livro Reinvenções da Utopia, serão os multi­plicadores de uma nova ética social,já que eles cla­ramente representam a transiçãoentreumcompor­tamento político superado e um outro, que nossa época ainda não se mostrou capaz de definir completamente.

GOVERNO DO ESTADO DESAOPAULO