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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP CHEDE DOMINGOS SUAIDEN A DECADÊNCIA DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS NO ÂMBITO DAS EXECUÇÕES INSTAURADAS PELA JUSTIÇA DO TRABALHO MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO/SP 2010

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC/SP

    CHEDE DOMINGOS SUAIDEN

    A DECADNCIA DAS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS NO MBITO

    DAS EXECUES INSTAURADAS PELA JUSTIA DO TRABALHO

    MESTRADO EM DIREITO

    SO PAULO/SP

    2010

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    CHEDE DOMINGOS SUAIDEN

    A DECADNCIA DAS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS NO MBITO

    DAS EXECUES INSTAURADAS PELA JUSTIA DO TRABALHO

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Direito das Relaes Sociais: Direito Previdencirio, sob a orientao do Professor Doutor Wagner Balera.

    SO PAULO/SP

    2010

  • BANCA EXAMINADORA

    _________________________________

    _________________________________

    _________________________________

  • Dedico este trabalho ao meu falecido av, por quem tenho eterna admirao e minha me Vera que nunca mediu esforos para me ensinar o verdadeiro sentido da palavra amor.

  • AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar, ao meu querido tio Walter Chede, homem de imensurvel

    conhecimento, por quem nutro, desde sempre, admirao inestimvel, por ter me auxiliado,

    com rarssima preciso, na reviso desse trabalho.

    Aos meus queridos amigos Leonardo, Andr, Rodrigo e Paulo, pela pacincia

    ao longo destes anos. Nunca me desampararam.

    Aos meus amigos Marcello Pedroso e Rodrigo Campos, pela compreenso de

    sempre e pelas construtivas discusses e colocaes que me ajudaram a reforar muitas ideias

    integrantes do presente trabalho.

    Aos amigos que descobri no mestrado, Marcelino e Theodoro, por terem

    compartilhado das dificuldades e dos sucessos durante toda essa longa caminhada.

    Ao meu irmo Ceme, pelo amor incondicional de sempre.

    Especialmente ao meu orientador, estimado Professor Wagner Balera, pelas

    preciosas lies de cada aula, apoio e incentivo ao estudo jurdico.

    Por fim, agradeo a todos meus amigos que, de forma direta ou indireta,

    concorreram para que eu conseguisse chegar at aqui.

  • RESUMO

    So grandes os debates em torno da aplicao da decadncia tributria sobre as

    contribuies previdencirias quando executadas no mbito da Justia do Trabalho.

    Muitas vezes, com base no argumento de resguardar o prprio Sistema de

    Proteo Social, a segurana jurdica posta em segundo plano.

    Como se poder observar neste trabalho, o referido problema acaba por criar

    mais insegurana a todos os cidados, medida que os fins so superestimados em detrimento

    dos meios criados com mecanismos de freios e contrapesos, no sentido de permitir o

    conhecimento prvio das regras que iro reger as relaes sociais.

    Especialmente no mbito do Direito Tributrio, deve-se maior respeito s

    diretrizes estabelecidas pelo Poder Constituinte, sob pena de transformarmos nosso

    ordenamento jurdico em mero sistema jurdico de fachada.

    Neste estudo, objetiva-se identificar quais so os princpios e as regras

    constitucionais e infraconstitucionais que regulam o instituto da decadncia das contribuies

    previdencirias, verificando, ainda, se h alteraes das regras quando da execuo das

    referidas contribuies no bojo de ao trabalhista. E, para tanto, ser necessria uma anlise

    minuciosa de diversas normas jurdicas.

    Busca-se compreender as limitaes constitucionais do prprio Estado quando

    confrontado com as limitaes impostas pelo Poder Constituinte.

    Pesquisar-se- na legislao pertinente quais so os veculos jurdicos que tm

    a capacidade de introduzir normas relativas decadncia das contribuies previdencirias,

    bem como se houve por parte do legislador infraconstitucional a afronta de tais orientaes

    por meio da criao de leis inconstitucionais, a pretexto da proteo da arrecadao destinada

    ao Custeio da Previdncia Social. No final, ser apresentada a concluso do estudo,

    demonstrando como deve ser realizada a aplicao da decadncia das contribuies

    previdencirias, mesmo quando executadas pela Justia do Trabalho, e se o legislador

    brasileiro est atento a tal fato.

    Palavras-chave: Decadncia Tributria, Justia do Trabalho, Segurana Jurdica,

    Contribuies Previdencirias, Sistema de Seguridade Social.

  • ABSTRACT

    Many discussions are held about the statute of limitations on the collection of

    social security contributions when it is executed in the sphere of the Labor Courts.

    Often, based on the argument that the Social Protection System itself should be

    safeguarded, the juridical safety is relegated to second place.

    As this paper will show, said issue creates more unsafety to all citizens to the

    extent that the end is overestimated to the detriment of the means created with mechanisms of

    checks and balances to allow previous knowledge of the rules that will govern the social

    relations.

    Especially within the context of the Tax Law, the guidelines laid down by the

    Constituent Power must be carefully followed otherwise we may turn our legal system into a

    make-believe legal system.

    The purpose of this study lies in identifying the rules in the Constitution and in

    the ordinary law that govern the principle of the statute of limitations and further, if such rules

    change where such contributions are executed in the context of labor claims. To this end, an

    in-depth analysis is required.

    We intend to understand the constitutional limitation of the State itself when

    confronted with the limitations imposed by the Constituent Power.

    The pertinent legislation will be searched for the proper juridical vehicles able

    to introduce rules for the statute of limitations on the social security contributions, and any

    affront to said instructions by the lawmaker, should any unconstitutional law have been

    created on the pretext of protecting the collection of such contributions to finance the Social

    Security. At the end, the conclusion will demonstrate how the statute of limitations on social

    security contributions should be applied even where they are executed by the Labor Courts

    and indicate if the Brazilian lawmaker is alert to said fact.

    Key Words: Statute of Limitations on Taxes, Labor Courts, Juridical Safety, Social Security

    Contributions, Social Security System.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO................................................................................................................10

    2 SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL .....................................................................11

    2.1 A Seguridade Social .................................................................................................11

    2.2 A Sade ......................................................................................................................13

    2.3 A Assistncia Social ...................................................................................................15

    2.4 A Previdncia Social ..................................................................................................17

    2.4.1 Evoluo Histrica da Previdncia Social ......................................................17

    2.4.1.1 No Mundo ..............................................................................................17

    2.4.1.2 No Brasil ...............................................................................................19

    2.4.2 A Previdncia Social na Constituio de 1988 ...............................................21

    2.4.3 Finalidades ........................................................................................................23

    2.4.4 Princpios da Seguridade Social ......................................................................24

    3 AS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS.............................................................27

    3.1 A Natureza Jurdica das Contribuies Previdencirias .......................................27

    3.2 Contribuies Previdencirias, Princpios Constitucionais e

    a Segurana Jurdica..................................................................................................32

    3.2.1 A Segurana Jurdica .......................................................................................33

    3.2.2 Princpios Constitucionais ...............................................................................35

    3.2.3 Caractersticas dos Princpios Constitucionais ..............................................37

    3.2.4 O Princpio da Segurana Jurdica .................................................................41

    3.2.5 A Localizao do Princpio da Segurana Jurdica na Constituio

  • Federal de 1988 .................................................................................................47

    3.2.6 A Segurana Jurdica e os Princpios Constitucionais ..................................52

    3.2.7 O Princpio da Segurana Jurdica no Sistema Constitucional Tributrio..59

    3.2.8 Princpios Constitucionais aplicveis s Contribuies Previdencirias......64

    4 A DECADNCIA EM MATRIA TRIBUTRIA ...................................................... 70

    4.1 A Decadncia............................................................................................................... 70

    4.2 Decadncia no Direito Tributrio ............................................................................ 73

    4.3 Obrigao Tributria e Crdito Tributrio ............................................................75

    4.4 O Lanamento Tributrio ..........................................................................................78

    4.4.1 Lanamento por Declarao ..............................................................................83

    4.4.2 Lanamento de Ofcio .........................................................................................83

    4.4.3 Lanamento por Homologao ..........................................................................85

    4.5 Prazo decadencial do Lanamento Tributrio ..........................................................89

    4.5.1 Artigo 173, do CTN .............................................................................................89

    4.5.2 Artigo 150, pargrafo 4, do CTN ......................................................................91

    5 A EXECUO DAS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS PELA JUSTIA

    DO TRABALHO ............................................................................................................97

    5.1 Evoluo histrica (razes para a alterao legislativa) ......................................98

    5.2 Delimitao das contribuies a serem executadas pela Justia do Trabalho ..102

    5.3 Acordos ....................................................................................................................103

    5.4 Sentenas Declaratrias de Vnculo ......................................................................106

    5.5 A constitucionalidade da alterao de competncia ............................................109

    5.5.1 Princpio da Isonomia ....................................................................................109

  • 5.5.2 Princpio da Separao dos Poderes .............................................................111

    5.5.3 Princpio do Devido Processo Legal ..............................................................114

    5.6 Do procedimento de execuo das contribuies previdencirias ...................... 115

    5.7 A Norma Jurdica Tributria .................................................................................122

    5.7.1 Hiptese de incidncia ....................................................................................124

    5.7.2 Regra Matriz de Incidncia Tributria ........................................................125

    5.7.3 Materialidade na hiptese de incidncia (critrio material) .......................126

    5.7.4 Tempo na hiptese de incidncia (critrio temporal) ................................. .127

    5.7.5 Espao na hiptese de incidncia (critrio espacial) .....................................128

    5.7.6 Pessoalidade na hiptese de incidncia (critrio pessoal) ............................128

    5.7.7 Quantificao na hiptese de incidncia (critrio quantitativo) ..................129

    5.7.8 Anlise do critrio temporal da hiptese de incidncia das

    contribuies previdencirias..........................................................................129

    5.8 A decadncia tributria na Justia do Trabalho ....................................................132

    6 CONCLUSO .................................................................................................................143

    REFERNCIAS .................................................................................................................148

  • 10

    1 INTRODUO

    O presente trabalho tem o escopo de analisar e demonstrar a forma de

    aplicao da decadncia tributria das contribuies previdencirias perante as execues

    instauradas no bojo do processo trabalhista.

    Inicialmente, importante introduzir, de modo sucinto, o estudo do sistema de

    seguridade social, j que as contribuies previdencirias so destinadas ao seu custeio,

    especificamente para a sustentao financeira dos benefcios e prestaes concedidas pela

    Previdncia Social.

    Posteriormente, buscaremos definir a natureza jurdica das contribuies

    previdencirias, com a finalidade de estabelecer o regime jurdico a elas aplicvel.

    No terceiro momento, a partir do estudo da segurana jurdica, sero

    verificadas todas as regras e princpios constitucionais aplicveis a essa espcie jurdica.

    Assim, ser possvel caminhar para o estudo da aplicao da decadncia

    tributria com relao s contribuies previdencirias, analisando a forma de nascimento,

    constituio e extino da obrigao tributria.

    Por fim, ser vista a forma de aplicao da decadncia das contribuies

    previdencirias, perante a Justia do Trabalho, com base nas lies doutrinrias apresentadas

    no decorrer do presente trabalho.

  • 11

    2 SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL

    2.1 A Seguridade Social

    O Homem sempre buscou adaptar-se aos mais diversos infortnios da vida.

    Alguns deles so mais frequentes na vida humana, tais como, a doena, a velhice, a fome etc.

    Em razo da constante evoluo da Humanidade, houve imensa transformao

    no formato de proteo social conferido pelo homem ao seu prximo necessitado.

    A assistncia prestada pelos prprios familiares foi sendo abandonada por um

    mecanismo dinmico de proteo estatal, medida que foram comprovados os males

    causados a toda sociedade, quando da aflio de indignidade sofrida por qualquer um de seus

    membros.

    Foi nesse sentido que, aps a revoluo industrial, inseriu-se na sociedade a

    ideia moderna de proteo contra o estado de necessidade causado pelos inmeros acidentes

    do trabalho que dizimavam os trabalhadores1.

    O intuito protetivo criado inicialmente visava a apenas manter um mnimo vital

    e no garantir a integralidade das prestaes recebidas pelo indivduo antes da ocorrncia do

    fato incapacitante.

    Em razo da inexistncia de planejamento individual ou mesmo coletivo para o

    custeio de situaes de necessidade, foi necessria a criao de um sistema protetor amplo e

    obrigatrio que fosse capaz de assegurar a manuteno do indivduo nas situaes

    inesperadas.

    1 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. 6 ed., So Paulo: LTR, p. 19.

  • 12

    Portanto o instinto de sobrevivncia do ser humano levou a sociedade criao

    de sistema contra as privaes e sofrimentos, por meio de tcnicas coletivas de proteo

    social2.

    Assim, foram criados os diversos sistemas de combate indigncia, tais como,

    os modelos de beneficncia, assistncia pblica, socorro mtuo, seguro social e seguridade

    social.

    No caso da beneficncia, a Igreja teve papel importante, medida que

    disponibilizou recursos para auxlio aos necessitados. Tudo em virtude dos valores morais e

    religiosos, que obrigavam a paixo ao prximo como a si mesmo.

    J, a assistncia pblica clama a interveno da coletividade em prol daqueles

    que se encontrem em estado de indigncia, na forma de pura solidariedade social.

    Os socorros mtuos, figura que j existia na Grcia antiga (conhecidas como

    ranoi3, traduzem-se na formao de sociedades mtuas, que concedem benefcios entre

    seus membros que se encontrem desamparados por infortnios da vida.

    A figura do seguro social, concepo mais moderna de proteo social,

    consistia em tcnica de proteo coletiva, que assegurava (apenas4) aos trabalhadores,

    condies mnimas de sobrevivncia, em razo de acidentes do trabalho, doena, invalidez ou

    morte.

    Como ltima etapa da evoluo da proteo social, nasce a seguridade social,

    sistema que visa a assegurar a toda a sociedade uma srie de medidas pblicas, capazes de

    atender a reduo da subsistncia pelo indivduo, especialmente pela ocorrncia de

    determinados riscos sociais, tais como, a maternidade, enfermidade, acidente do trabalho,

    desemprego, invalidez, velhice ou morte.

    Atualmente, a seguridade social em nosso pas, pelos ditames do Constituinte

    originrio, trata-se de verdadeira rede protetiva, com abrangncia nos ramos da sade,

    previdncia e assistncia social.

    2 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. p. 19. 3 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. p. 20. 4 Resultado da origem do seguro social, que veio ao mundo com a revoluo industrial.

  • 13

    Tal configurao estatal est apta a enfrentar os problemas sociais, conferindo

    bem-estar pessoa humana.

    Incompleto estaria se no estabelecesse, tambm, a justia social, que deve

    distribuir a riqueza nacional, de modo a erradicar a pobreza e as profundas desigualdades

    sociais.

    Obviamente que ajustes sero necessrios para que haja a suficiente proteo

    social a todos os cidados envolvidos pelo manto protetor, uma vez que os riscos sociais,

    certamente, iro coexistir infinitamente com a sociedade e, portanto, no h outra sada que

    no o aprimoramento do sistema.

    2.2 A Sade

    A doena, durante as fases histricas de predomnio da religio, era tratada, em

    muitos casos, como castigo divino. Foi somente aps a revoluo industrial, quando a sade

    dos trabalhadores passou a ser sinnimo de continuidade de produo, que houve alterao no

    tratamento da sade5.

    Foi assim que, pela necessidade econmica, a sade alheia passou a ter

    importncia social.

    O conceito de sade foi definido pela Organizao Mundial de Sade como o

    estado de completo bem-estar fsico, social e mental e no simplesmente a ausncia de dores e

    enfermidades.6

    Atualmente, nos termos do artigo 196 da Constituio da Repblica, a sade

    direito de todos e dever do Estado.

    5 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. p. 94. 6 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. p. 94.

  • 14

    Portanto a inexistncia de riqueza pessoal j no mais impede o acesso rede

    pblica de sade, uma vez que dever do Estado garantir a sade a todos os seus cidados.

    Todavia o dever do Estado no exclui o dever das pessoas, especialmente da

    famlia, das empresas e da sociedade em geral na sua assegurao, em respeito ao princpio da

    subsidiariedade.

    A sade tratada em separado da previdncia social. Isso quer dizer que o

    Instituto Nacional do Seguro Social no interfere na organizao ou administrao de

    hospitais ou atendimentos na rea da sade.

    Entretanto a sade parte integrante do sistema de seguridade social que deve

    atuar na promoo, proteo e recuperao da sade.

    No mbito da Seguridade Social, a sade cumpre importante atividade

    reparadora, no somente na dimenso individual, quando o enfoque preventivo e reparador,

    mas tambm na dimenso coletiva, com o estabelecimento de marcos mnimos de defesa e

    fiscalizao da sade pblica. 7

    Com a Lei n 8.080/90, criou-se o Sistema nico de Sade SUS, que

    introduziu conjunto de aes e servios de sade, prestados por seus rgos e instituies

    pblicas, federais, estaduais e municipais, da administrao direta e indireta e das fundaes

    mantidas pelo poder pblico, sendo conferida iniciativa privada a possibilidade de atuar em

    carter supletivo.8

    Haja vista que, com a criao do SUS, foi introduzido, como diretriz, o acesso

    universal e igualitrio, a sade passou a atender todas as pessoas (at mesmo estrangeiros em

    trnsito ou residentes no pas), independentemente de serem beneficirias da Previdncia

    Social.

    7 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. p. 94. 8 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. p. 95.

  • 15

    Dessa maneira, o sistema protetivo visa a garantir a todos as condies

    necessrias para desenvolver suas atividades e, assim, garantir uma melhor qualidade de vida.

    2.3 A Assistncia Social

    O mecanismo de manuteno dos mnimos sociais tratado pela assistncia

    social.

    Trata-se de direito do cidado e dever do Estado, onde a poltica no

    contributiva. realizada atravs de um conjunto integrado de aes de iniciativa pblica e da

    sociedade, para garantir o atendimento s necessidades bsicas, em geral, de pessoas

    consideradas pobres.

    Os pobres, na acepo jurdica do termo, so aqueles que se enquadrarem no

    conceito de sujeito protegido, ou seja, somente sero amparados pela assistncia social

    aqueles que no tiverem renda ou, ainda, proteo familiar para a sua prpria subsistncia9.

    A Constituio Federal define os objetivos da assistncia social nacional

    como10:

    (i) proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e

    velhice;

    (ii) o amparo s crianas e adolescentes carentes;

    (iii) a promoo da integrao ao mercado de trabalho;

    (iv) a habilitao e reabilitao das pessoas portadoras de deficincia

    e a promoo de sua integrao vida comunitria;

    (v) a garantia de um salrio mnimo de benefcio mensal pessoa

    portadora de deficincia e ao idoso que comprovem no possuir

    9 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. p. 102. 10 Artigo 203, da Constituio Federal.

  • 16

    meios de prover prpria manuteno ou de t-la provida por

    sua famlia, conforme disposio da Lei.

    Por meio das diretrizes estabelecidas na Constituio Federal, a assistncia

    social deve manter a dignidade da vida humana de todos os cidados.

    Com isso, o Estado brasileiro estar cumprindo os direitos humanos de todos,

    sem discriminao de qualquer natureza.

    Com base na norma que regulamentou a assistncia social (Lei n 8.742/93),

    foram estabelecidos alguns importantes princpios, que aprimoraram a forma de atuao da

    assistncia social.

    O primeiro deles determinou a garantia da dignidade humana, a todo custo,

    inclusive sobrepondo as necessidades sociais ordem econmica.

    Em segundo lugar, ficou estabelecida a universalizao dos direitos sociais, de

    modo a permitir a reintegrao do necessitado comunidade. Ou seja, nesse ponto fica claro

    que a assistncia social deve prestar auxlio de modo a incluir o necessitado na comunidade,

    no se tratando, portanto, de prestao que possua caractersticas vitalcias.

    Sua verdadeira finalidade incluso no seio da comunidade, permitindo que as

    demais polticas pblicas alcancem o destinatrio.

    Haver, todavia, prestao de forma continuada (ou vitalcia) em casos de

    impossibilidade de incluso social perquirida pelo sistema de assistncia.

    A norma reguladora, ainda, em ateno especial ao princpio da isonomia,

    constitucionalmente consagrado, quebrou em pedaos qualquer forma de discriminao entre

    as pessoas, especialmente a histrica diferena de tratamento entre as populaes urbana e

    rural.

  • 17

    necessrio, tambm, que haja ampla divulgao dos benefcios assistenciais,

    bem como a forma de acesso, de modo a permitir o resgate da cidadania11.

    Portanto, atualmente, uma vez gerada a necessidade social, o rgo assistente

    dever fornecer ao necessitado as prestaes necessrias para a manuteno da dignidade da

    vida humana, devendo este apenas provar o seu estado de necessidade.

    2.4 A Previdncia Social

    A Previdncia Social o ltimo ramo da Seguridade Social que ser analisado.

    Inicialmente, traz-se a evoluo histrica no mundo e no Brasil desta parte do

    sistema de proteo brasileiro.

    2.4.1 Evoluo Histrica da Previdncia Social

    2.4.1.1 No Mundo

    Na Roma antiga, j existia uma sistema de proteo aos mais necessitados, que

    consistia em uma forma de associao mediante contribuies de uma famlia, em prol de

    seus servos e clientes. 12

    Todavia houve real mudana na concepo do bem-estar social, especialmente

    a partir da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, em 1789, quando a proteo ao

    indivduo passou a ter conotao de direito subjetivo assegurado a todos13.

    11 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. p. 103. 12 HORVATH, Miguel Junior. Direito Previdencirio. p. 21. 13 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, Joo Batista. Manual de Direito Previdencirio, 8 ed., Florianpolis: Conceito Editorial, 2007, p. 34.

  • 18

    A revoluo industrial trouxe para a sociedade a constante preocupao quanto

    sade dos cidados, especialmente dos trabalhadores. neste momento histrico que se

    inicia a conscientizao quanto necessidade de solidariedade entre todos os participantes da

    sociedade.

    As revolues que eclodiram na Europa, no sculo XIX, tornaram

    imprescindvel a incluso de projetos sociais por parte de seus governos, de forma a eliminar

    a explorao do trabalho sem salvaguardas de proteo social.

    Assim, nasce o movimento inicial rumo Previdncia Social14, com a criao

    de normas de proteo em relao ao trabalho, bem como pela instaurao de seguro para os

    trabalhadores em casos de perda da renda pela incapacidade laborativa, mediante a

    contribuio dos empregadores.

    As transformaes nos modelos de proteo foram sendo ampliadas medida

    que diversos pensadores exprimiam a necessidade de maior cobertura estatal relativamente

    aos problemas sociais impostos aos trabalhadores.

    O movimento em prol da ampliao das protees sociais j caminhava a

    passos largos, quando Otto von Bismarck, durante os anos de 1883 a 1889, introduziu normas

    assecuratrias de direitos aos trabalhadores, tais como, seguro-doena, aposentadoria e

    proteo a vtimas de acidentes de trabalho.

    Os primeiros alertas quanto necessidade de alterao dos modelos de

    proteo sobrevieram com a Primeira Guerra Mundial e com a Revoluo Sovitica de 1917.

    Todavia foi com o final da Segunda Guerra Mundial que houve a instituio do

    Estado de Bem-Estar Social (Welfare State).

    A concepo do Estado de Bem-Estar Social definia que todos deviam

    contribuir para que os necessitados pudessem ter amparo social15.

    14 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, Joo Batista. Manual de Direito Previdencirio. p. 36. 15 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, Joo Batista. Manual de Direito Previdencirio. p. 38.

  • 19

    Antes da introduo do Welfare State, reinava entre os sistemas

    previdencirios o chamado modelo bismarckiano ou de capitalizao16, que se referia ao

    sistema de capitalizao onde somente patres e empregados contribuam17, sem que houvesse

    a participao da sociedade como um todo.

    Foi com o Relatrio Beveridge, em novembro de 1942, elaborado por Sir

    William Henry Beveridge, que o novo conceito de seguridade social foi inserido na sociedade.

    No modelo de Beverigde fica instaurado o sistema de repartio simples, onde

    todos contribuem para a criao de um fundo previdencirio18 destinado ao amparo de

    qualquer um que viesse a sofrer infortnios da vida, que impossibilitassem o trabalho e,

    consequentemente, a obteno de renda.

    A partir da incorporao dos ideais dispersados pelos adeptos de Beverigde,

    houve a alterao da Constituio Federal de mais de cinquenta pases, elevando-se a

    universalizao dos direitos sociais categoria integrante do rol de direitos fundamentais19,

    especialmente aps a Declarao Universal dos Direitos Humanos.20

    Entretanto, atualmente, em virtude de problemas estruturais globais, a

    tendncia tem sido a reduo das polticas pblicas de proteo social, seja atravs da

    privatizao total ou parcial da previdncia social, seja, ainda, pela introduo de novas regras

    de ordem econmica (tais como aumento das contribuies ou da idade de aposentadoria, para

    a concesso de benefcios previdencirios), o que tem implicado em retrocesso em matria de

    proteo social.

    2.4.1.2 No Brasil

    Do mesmo modo que ocorreu no resto do mundo, houve lenta transio dos

    sistemas de proteo existentes no Brasil, que tinham natureza exclusivamente

    assistencialistas, para a nova fase marcada pela previdncia social.

    16 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, Joo Batista. Manual de Direito Previdencirio. p. 39. 17 Neste modelo, somente os trabalhadores contribuintes tinham direito s prestaes previdencirias. 18 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, Joo Batista. Manual de Direito Previdencirio. p. 41. 19 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, Joo Batista. Manual de Direito Previdencirio. p. 41. 20 Artigo 25, da Declarao Universal dos Direitos Humanos.

  • 20

    Antes da existncia de um regime previdencirio propriamente dito21, o Brasil

    j registrava algumas formas de concesso de aposentadorias. Em 1888, o decreto n 9.912-

    A, de 26 de maro, j dispunha sobre a concesso de aposentadoria aos empregados dos

    Correios; em 1890, o Decreto n 221, de 26 de fevereiro, estabeleceu a aposentadoria dos

    funcionrios da Estrada de Ferro Central do Brasil; a Constituio de 1891, em seu art. 75,

    concedia aposentadoria por invalidez aos servidores pblicos; e em 1982, a Lei n 217, de 29

    de novembro, instituiu a aposentadoria por invalidez e penso por morte aos operrios do

    Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro22.

    O primeiro aparecimento no Brasil do modelo contributivo de previdncia

    social nasceu com o advento da Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo n 4.682, de 24.01.23),

    que criou as Caixas de Aposentadoria e Penses para os empregados de empresas de estradas

    de ferro, mediante a contribuio destes, das empresas do ramo e do Estado.

    Entretanto foi a Constituio de 1934 que utilizou pela primeira vez o termo

    previdncia, no obstante ainda no tivesse sido inclusa a expresso social, nos termos do

    art. 121, 1.

    A Carta Magna de 1937 empregou o termo seguro social, denominao usual

    daquela poca, embora ainda no houvesse previso do termo previdncia social.

    Foi com a Constituio de 1967 que a expresso previdncia social surgiu

    em nosso ordenamento jurdico, no art. 158, inciso XVI.

    Mais adiante, o inciso XVI, do art. 165 da Emenda Constitucional n 1, de

    1969, passou a prever a proteo da previdncia social para determinadas contingncias

    sociais.

    Com Constituio Federal de 1988, houve a definio, nos termos do artigo

    194, que a Seguridade Social se trata do gnero, do qual a Previdncia Social seria espcie.

    21 No h como considerar a existncia de regime previdencirio, nos modelos em que as aposentadorias so concedidas graciosamente pelo Estado, sem que haja a necessidade de contribuies por parte dos beneficirios, durante o perodo de atividade. 22 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, Joo Batista. Manual de Direito Previdencirio. p. 58.

  • 21

    2.4.2 A Previdncia Social na Constituio de 1988

    Atualmente, verifica-se que esse sistema de proteo tem por fim assegurar aos

    seus beneficirios, mediante contribuio, os meios indispensveis de manuteno, por

    motivos de incapacidade, desemprego involuntrio, idade avanada, tempo de servio,

    encargos familiares e priso ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.23

    Em outras palavras, a Previdncia Social o seguimento da Seguridade Social,

    composta de um conjunto de princpios, de regras e de instituies destinados a estabelecer

    um sistema de proteo social, mediante contribuio, que tem por objetivo proporcionar

    meios indispensveis de subsistncia ao segurado e a sua famlia em casos de ocorrncia de

    determinadas contingncias prevista em lei.24

    A Previdncia Social regida, de forma geral, pelos princpios constitucionais

    da universalidade da cobertura e do atendimento, da uniformidade e equivalncia dos

    benefcios e servios s populaes urbanas e rurais, da seletividade, da distributividade na

    prestao dos benefcios e servios, da irredutibilidade do valor dos benefcios, da equidade

    na forma de participao no custeio, da diversidade da base de financiamento, do carter

    democrtico e descentralizado da gesto administrativa, e, por fim, da regra da contrapartida.

    As normas que regulam a matria so as Leis ns 8.212 e 8.213, de 24 de julho

    de 1991, que tratam das contribuies e dos benefcios da Previdncia Social, e o Decreto n

    3.048/99, que o regulamento da Previdncia Social.

    Os rgos institucionais so: o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e o

    Ministrio da Previdncia Social.

    Ao contrrio do que ocorre na assistncia social ou na sade (onde o segurado

    no precisa ter contribudo para ter acesso prestao), o regime da previdncia social

    23 Redao do artigo 1 da Lei 8.213/91. 24 MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social Custeio da seguridade social; 19 ed. So Paulo: Atlas, 2003.

  • 22

    depende de recolhimentos de contribuies tanto por parte da empresa empregadora quanto

    por parte do prprio segurado.

    E essas contribuies (previdencirias) so o objeto central do presente estudo.

    Ressalte-se, desde j, que ser com os recursos advindos das contribuies

    previdencirias que a Previdncia Social deve assegurar prestaes que possibilitem ao

    segurado condies (ao menos) mnimas de sobrevivncia.

    A Constituio Federal define o sentido do que seriam os meios indispensveis

    manuteno do segurado. Vejamos o que diz o inciso IV do art. 7 da Constituio Federal:

    Art. 7 - So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: IV salrio mnimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais bsicas e s de sua famlia com moradia, alimentao, educao, sade, lazer, vesturio, higiene, transporte e previdncia social, com reajustes peridicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculao para qualquer fim;

    Portanto, segundo a Carta Magna, so meios indispensveis sobrevivncia: a

    moradia, a alimentao, a educao, a sade, o lazer, o vesturio, a higiene e o transporte.

    Essas se constituem em necessidades vitais bsicas que devem ser asseguradas pela

    Previdncia Social.

    De outro lado, as contingncias protegidas constitucionalmente so: doena,

    invalidez, morte, velhice, maternidade, desemprego e a recluso.25

    A previdncia social, pela via da redistribuio da riqueza, visa a alcanar o

    bem-estar do indivduo e da coletividade, pela prestao de benefcios (aposentadorias, etc).

    O nascimento do Direito Previdencirio ocorreu quase que simultaneamente

    com o Direito do Trabalho, tendo objetivos semelhantes, no sentido de reduzir as

    25 Artigo 201, da Constituio Federal.

  • 23

    desigualdades sociais, assegurando-se vida digna, especialmente26, ao trabalhador, mediante a

    distribuio de renda.

    Assim sendo, tendo como finalidade garantir a eficcia do princpio da

    solidariedade, a Previdncia Social assegura ao trabalhador a prestao de benefcios ou

    servios necessrios para amparar o sujeito atingido por determinada contingncia social.

    Saliente-se que o sistema de Previdncia Social no visa a proteger o segurado

    contra todas as contingncias sociais, mas to somente contra aquelas previstas nos textos

    normativos.

    2.4.3 Finalidades

    Segundo entendimento do Professor Wagner Balera, o Sistema Nacional de

    Seguridade Social tem como objetivo a implementao do ideal estgio de bem-estar e da

    justia social, sob o ponto de vista sistemtico, sendo que o legislador adotou tcnicas de

    seguro social (previdncia social) e de seguro privado (previdncia complementar) para a

    construo desta estrutura.27

    A Seguridade Social poltica social que adota como mtodo a economia

    coletiva e, assim, a sociedade integra o conjunto necessrio para atingir os objetivos do

    sistema mediante solidariedade social.

    A solidariedade social nada mais do que contribuio de todos em prol dos

    necessitados. Efetivamente, a Previdncia Social mecanismo de distribuio de renda, no

    intuito de solucionar o problema da necessidade social bsica.

    A Constituio Federal, em seu Ttulo VIII, relativo especificamente Ordem

    Social, dispe o Sistema Nacional de Seguridade Social como conjunto integrado de aes de 26 A previdncia social brasileira permite a incluso, no sistema, de pessoas que no trabalham (estudantes, etc.) ou que no auferem renda (donas de casa, etc.), na figura do contribuinte facultativo. H, no entanto, restries legais para o recebimento de alguns benefcios previdencirios por parte desses contribuintes. 27 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. So Paulo: Ltr, 2006, p. 11.

  • 24

    iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos

    sade, previdncia social e assistncia social.

    Um dos princpios da Seguridade Social, o princpio da universalidade abre a

    oportunidade de que todos os indivduos sejam filiados ao sistema previdencirio mediante

    contribuio. Est na contribuio (previdenciria) a diferenciao bsica entre a previdncia

    e a assistncia social, j que esta ltima independe de contribuies.

    Dentre as normas diretrizes dos planos de previdncia social, podemos citar:

    (i) a cobertura dos seguintes riscos: doena, invalidez, morte,

    includos os resultantes de acidente do trabalho, velhice e

    recluso;

    (ii) a ajuda manuteno dos dependentes dos segurados de baixa

    renda;

    (iii) a proteo maternidade, especialmente gestante;

    (iv) a proteo ao trabalhador em situao de desemprego

    involuntrio;

    (v) a penso por morte de segurado, homem ou mulher, ao cnjuge

    ou companheiro e dependentes.

    Assim, as contribuies previdencirias (objeto do estudo) sero totalmente

    voltadas para que a Previdncia Social atinja os objetivos constitucionais a ela atribudos,

    sendo, portanto, evidente a sua importncia no mbito social.

    2.4.4 Princpios da Seguridade Social

    A Seguridade Social est atrelada a uma srie de princpios gerais

    constitucionalmente previstos no art. 194. So eles: (i) universalidade da cobertura e do

    atendimento; (ii) uniformidade e equidade dos benefcios e servios populaes urbanas e

    rurais; (iii) seletividade e distributividade na prestao dos benefcios e servios; (iv)

  • 25

    irredutibilidade do valor dos benefcios; (v) equidade na forma de participao no custeio; (vi)

    diversidade da base de financiamento e (vii) carter democrtico e descentralizado da

    administrao, mediante gesto quadripartite, com a participao dos trabalhadores, dos

    empregadores, dos aposentados e do Governo nos rgos colegiados.

    Com base nesses princpios gerais, deve ser estruturado o sistema de

    seguridade social ptrio.

    O princpio da universalidade da cobertura e do atendimento garante proteo a

    todos os eventos aleatrios que resultem em diminuio de rendimentos ou aumento de

    despesas dos segurados, garantindo a manuteno da dignidade humana, alm de determinar o

    atendimento a todos os necessitados que possuam direitos perante o sistema.28

    Segundo o professor Wagner Balera, do princpio da universalidade derivam

    todas as demais bases estruturais do sistema29. Em sua concepo, trata-se de pedra

    fundamental em que encontra apoio toda a estrutura.

    At mesmo como decorrncia do princpio da universalidade, vem insculpido,

    em segundo lugar, princpio que determina a uniformidade de benefcios e atendimento s

    populaes urbana e rural. Sendo assim, no pode ocorrer discriminao, no campo da

    aplicao das prestaes ou atendimento da seguridade social, entre as populaes urbanas e

    rurais, devendo os benefcios ser idnticos a ambas as populaes.

    A seletividade traduz-se na seleo do tipo de benefcio necessrio para

    garantir a dignidade da pessoa necessitada. J, a distributividade garante a distribuio da

    riqueza nacional na medida da necessidade de cada um dos participantes do sistema,

    permitindo o alcance do bem-estar social a todos.

    Houve, ainda, preocupao quanto manuteno do valor real das prestaes

    recebidas pelos sujeitos. Assim, no inciso III, do artigo 194, pargrafo nico da Constituio

    Federal, est prevista a irredutibilidade do valor dos benefcios. 28 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. p. 20. 29 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. p. 19.

  • 26

    Tal preceito impede a alterao do valor da prestao recebida pelo indivduo,

    durante o passar dos anos, de modo a garantir para sempre o mesmo padro de vida do

    necessitado. Nas palavras do professor Wagner Balera, isso importa dizer que no podem

    sofrer modificaes nem em sua expresso quantitativa (valor monetrio), nem em sua

    expresso qualitativa (valor real).30

    A Constituio determinou, tambm, que o custeio das prestaes concedidas

    ser efetuado em conjunto tanto pelos trabalhadores, quanto pelos empregadores e pelo Poder

    Pblico, de acordo com a fora financeira de cada um, em respeito ao princpio da isonomia.

    Outrossim, houve preocupao redobrada com relao sade financeira do

    sistema, o que levou o Constituinte a prever a diversidade da base de financiamento, o que,

    por princpios matemtico-financeiro-econmicos, reduz a possibilidade de haver colapso de

    custeio em razo de existncia de fonte nica de financiamento.

    Ressalte-se que, a todo o momento, caber

    [...] ao legislador complementar a faculdade para explorar e identificar, com base no art. 195, 4, combinado com o art. 154, I, da Constituio, outros sinais de riqueza que podero ensejar a cobrana de novas contribuies sociais, a fim de que fique garantida a manuteno ou expanso da seguridade social. 31

    Por fim, verifica-se que a gesto de todo o sistema de seguridade social deve

    ser efetivada democraticamente, ou seja, por toda a sociedade.

    30 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. p. 21. 31 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. p. 22.

  • 27

    3 AS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS

    3.1 A Natureza Jurdica das Contribuies Previdencirias

    Neste captulo ser analisada a natureza jurdica das contribuies sociais, no

    intuito de se verificar qual deve ser o regime jurdico aplicvel espcie.

    Saliente-se que a definio da natureza jurdica das contribuies sociais

    permitir, por via indireta, que se identifique tambm a natureza das contribuies

    previdencirias, j que estas ltimas so espcie daquelas.

    tambm importante ressaltar que, para o desenvolvimento do presente

    trabalho, h o interesse de se constatar a natureza jurdica das contribuies previdencirias,

    para que seja possvel identificar o regime jurdico a ser aplicado a essa espcie jurdica.

    Nesse aspecto, so claros os ensinamentos de Geraldo Ataliba32 ao elucidar

    que, somente a partir da identificao da natureza jurdica do objeto em estudo, torna-se

    possvel a identificao do regime jurdico a ser aplicado e no vice-versa:

    Como, entretanto, - conforme a espcie de tributo diversos so os regimes tributrios, dever o exegeta determinar qual a espcie diante da qual se encontra, a fim de lhe aplicar o regime jurdico correto e adequado, em face das normas constitucionais e luz dos princpios que a Constituio prestigia ou adota.

    Em outras palavras: no basta, no suficiente reconhecer o tributo. Deve o intrprete determinar qual a espcie tributria (natureza especfica do tributo, conforme diz o art. 4. do CTN), dado que a Constituio prescreve regimes diferentes, conforme a espcie. Tais regimes caracterizam-se por princpios e regras especiais, constitucionalmente estabelecidos.

    32 ATALIBA, Geraldo. Hiptese de Incidncia Tributria. 5 ed. So Paulo: Malheiros, p. 115.

  • 28

    Da mesma forma, Paulo Ayres Barreto, j fazendo meno ao seu

    entendimento quanto natureza tributria das contribuies, explica que33: As contribuies

    tm natureza tributria por se amoldarem ao conceito de tributo. No a sua submisso ao

    regime tributrio que lhes confere tal natureza. Ao revs, a sua natureza que define o regime

    jurdico ao qual deva estar submetida.

    No mesmo sentido, Eurico de Santi, assevera que34:

    Dizer que o regime jurdico define a natureza especfica do tributo significa incorrer na denominada falcia da inverso do efeito pela causa. Como ensina Paulo de Barros Carvalho: a gua uma substncia composta por dois tomos de hidrognio e um de oxignio, que ferve a 100 graus centgrados, no nvel do mar. No por ferver a 100 graus centgrados que a substncia assume o carter de gua (...). o critrio de sua composio que informa o uso da palavra gua, que designa a substncia gua, e no o efeito de ferver a 100 graus centgrados. Se fosse assim, todo lquido ou slido que fervesse nessa temperatura seria gua.

    Assim, importante a busca pela natureza jurdica das contribuies

    previdencirias, de forma a se obter o entendimento de qual regime jurdico dever ser

    aplicvel a essa entidade jurdica.

    Conforme ensina Srgio Pinto Martins, muitas foram as tentativas de

    enquadramento das contribuies sociais (estando dentro deste gnero, as contribuies

    previdencirias), por meio de diversas teorias que, por no se tratar do objeto especfico do

    presente estudo, so apresentadas abaixo de forma resumida35:

    (i) Teoria do prmio de seguro: considera a contribuio como um prmio

    decorrente de um contrato de seguro, onde o beneficirio paga o

    prmio em troca de cobertura dos riscos cobertos pela seguridade

    social. Entretanto tal teoria pode ser descartada uma vez que as 33 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuies: regime jurdico, destinao e controle. So Paulo: Noeses, 2006, p. 95. 34 SANTI, Eurico de. As classificaes no Sistema Tributrio Brasileiro, in Justia Tributria I Congresso Internacional de Direito Tributrio. So Paulo: Max Limonad, 1998. 35 MARTINS, Srgio Pinto. Direito da seguridade social - Custeio da seguridade social. 19 ed. So Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 90-93.

  • 29

    contribuies no so facultativas, no so objeto de contratos, j que

    se trata de seguro de direito pblico e solidrio;

    (ii) Teoria do salrio diferido: entende que parte do salrio de trabalhador

    repassado seguridade social com a finalidade de constituir um fundo

    (poupana), de forma a possibilitar a subsistncia do trabalhador em

    caso de ocorrncia de um dos infortnios cobertos pela seguridade

    social. Tal teoria pode ser rechaada, na medida em que (a) as

    contribuies no so decorrentes do contrato de trabalho (direito

    privado), mas de direito pblico (de acordo com a Lei), (b) as eventuais

    prestaes so pagas pela autarquia previdenciria (no pelo

    empregador), (c) contribuintes individuais (autnomos) so elegveis

    para o recebimento das prestaes, sem necessariamente terem recebido

    salrios;

    (iii) Teoria do salrio atual: de forma parecida teoria anterior, esta define

    que parte do salrio usufruda imediatamente pelo trabalhador e outra

    parte destinada seguridade social para garantia futura de suas

    necessidades em decorrncia de eventos que o impossibilitem de auferir

    renda. De igual modo, as crticas feitas teoria anterior se aplicam a

    esta teoria.

    (iv) Teoria do salrio social: entendimento de que a contribuio seria

    apenas um salrio social, onde empregados e empregadores constituem

    espcie de poupana forada, sendo o fundo constitudo uma reserva

    coletiva, de forma a no ser permitido ao trabalhador usufruir dos

    recursos do fundo de maneira individual. Tal teoria falha ao deixar de

    lado a caracterstica contributiva do sistema de seguridade social, j que

    afasta a relao entre a prestao a ser recebida e a contribuio do

    obreiro.

    (v) Teoria parafiscal: baseada no entendimento de que as contribuies

    so destinadas a necessidades pblico-privadas, ou seja, so destinadas

    para a o benefcio de um grupo social-econmico, mas com finanas

    contabilizadas paralelamente do Estado, uma vez que no so

  • 30

    destinados para atividades relativas administrao central do Estado,

    embora sejam exigidos diretamente pelo Poder Pblico.36

    (vi) Teoria da exao sui generis: afirma que a contribuio seria uma

    imposio estatal atpica, cogente, prevista no texto constitucional e na

    legislao ordinria. Tratar-se-ia de uma exao sui generis, ou seja,

    uma exigncia com previso em lei, mas no se tratando de tributo ou

    contribuio parafiscal.

    (vii) Teoria fiscal: teoria que define as contribuies previdencirias como

    uma espcie de tributo.

    Exceto com relao ltima teoria que ser vista com maiores detalhes, as

    demais, em suma, no se sustentam uma vez que a contribuio social exigida por uma

    atividade impositiva do Estado (expressamente prevista em lei), no decorrente de contrato

    pblico ou particular, visando preservao de direitos fundamentais, sendo at mesmo

    possvel no haver a devida contraprestao por parte dos beneficirios para o recebimento

    das prestaes (no mbito da sade, previdncia social e assistncia social).

    J teoria fiscal define que as contribuies sociais nada mais so do que

    espcie do gnero tributo.37

    36 Wagner Balera, in A Seguridade Social na Constituio de 1988, So Paulo, Revista dos Tribunais, 1989, pg 51, esclarece que: procurar esconder sob a capa da parafiscalidade, como alguns, a clara natureza especificamente tributria das contribuies sociais pretender confundir as coisas indevidamente. A parafiscalidade no cria um sistema distinto do fiscal para as verbas que o Poder Pblico arrecada com finalidades especficas. E, ainda, Geraldo Ataliba, em Hiptese de Incidncia Tributria, pg. 166, explica que: A designao contribuio parafiscal no retira a um tributo seu carter tributrio. Qualquer que seja o nome com que se batize, toda obrigao pecuniria ex lege em benefcio de pessoa pblica ou com finalidade de utilidade pblica tributo e se submete ao chamado regime tributrio: conjunto de princpios e normas constitucionais, que regulam a exigncia coativa de prestaes pecunirias pelo estado. 37 So vrias as correntes doutrinrias apresentadas com a finalidade de enquadrar as contribuies sociais como espcies tributrias: (i) a corrente dicotmica ou bipartite, onde defendido o entendimento de que somente existem dois tipos de tributos: os impostos e as taxas: ver Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, vol. 1, Lisboa: Livraria Almedina, 1974, p. 42; Pontes de Miranda, Comentrios Constituio de 1969, 3. Edio, vol. II, Rio de Janeiro, Forense, 1987, pg. 362/367; Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributrio, So Paulo, Saraiva, 1963, pg. 346; Wagner Balera ensina, in A contribuio social sobre o lucro, Revista de Direito Tributrio, So Paulo, Malheiros Editores n. 67, pg. 297, que as taxas so diferenciadas das contribuies na medida em que para as primeiras os contribuinte entrega ao poder pblico a exata quantia necessria para a prestao do servio proposto, enquanto que para as segundas a prestao se aproveita a certos trabalhadores e dependentes e de modo global. De outro lado, conforme previso constitucional (vide artigos 167, IV e XI, da CF/88), as

  • 31

    Segundo Paulo de Barros Carvalho38: [...] outra coisa no fez o legislador

    constituinte seno prescrever manifestamente que as contribuies sociais so entidades

    tributrias, subordinadas em tudo e por tudo s linhas definitrias do regime constitucional

    peculiar aos tributos.

    Paulo Ayres Barreto defende, com base nas lies de Geraldo Ataliba, que a

    natureza tributria das contribuies sociais se evidencia pelo fato de que se trata de uma

    exigncia coativa de cunho patrimonial, [...] feitas pelo Estado, a serem satisfeitas em

    dinheiro, e que no tenham carter de indenizao, sano por ato ilcito ou obrigao

    contratual.39

    Alm do aspecto acima, defende o referido autor que o entendimento de que as

    contribuies sociais no seriam dotadas de natureza tributria em razo de no constarem

    expressamente nos pargrafos do artigo 145, da Constituio Federal, no convence, medida

    que nesse artigo constam apenas os tributos cuja competncia para instituio pode ser feita

    indistintamente por todos os entes tributantes (Unio, Estados, Municpios e Distrito

    Federal).40

    Alm disso, nota-se que as contribuies esto destacadas no captulo dedicado

    ao Sistema Tributrio Nacional. Neste ponto, explana Paulo Ayres Barreto que o fato de no

    contribuies previdencirias se diferenciam dos demais tributos em razo da destinao constitucional de suas receitas. Neste aspecto, nota-se grande diferenciao das contribuies e impostos, uma vez que enquanto a Constituio veda a possibilidade de vinculao das receitas dos impostos a rgo, fundo ou despesa, com relao s contribuies previdencirias tal vinculao expressa a determinada atividade estatal. (ii) a corrente tricotmica ou tripartite, embasada no entendimento de que existem apenas trs tipos de tributos: os impostos, as taxas e contribuies de melhoria (ou apenas contribuies): ver: Roque Antonio Carraza, Curso de Direito Constitucional Tributrio, 21. Ed., So Paulo, Malheiros, 2005, pg. 491; Sacha Calmon Navarro Coelho, Curso de Direito Tributrio, 9. Edio, Rio de Janeiro, Forense, 2006, pg. 443; (iii) a corrente quadripartite, corrente em que somente existem quatro tipos de tributos: taxas, impostos, contribuies de melhoria e contribuies, sendo os emprstimos compulsrios espcies de impostos restituveis: ver Bernardo Ribeiro de Moraes, Compndio de Direito Tributrio, 2. Edio, Vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, pg. 380; Ricardo Lobo Torres, Curso de Direito Financeiro e Tributrio, Rio de Janeiro, Renovar, 1993; (iv) a corrente quinquipartite, em que haveriam em nosso ordenamento jurdico cinco tipos de tributos: impostos, taxas, contribuies de melhoria, contribuies e emprstimos compulsrios; ver: SPAGNOL, Werther Botelho. As Contribuies sociais no direito brasileiro. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 38 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio,.19. ed. So Paulo: Saraiva, 2005. 39 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuies: regime jurdico, destinao e controle. So Paulo,: Noeses, 2006, p. 95. 40 BARRETO, Paulo Ayres. Op.cit. p. 96.

  • 32

    ser aplicada s contribuies sociais alguns comandos especficos previstos no mencionado

    captulo, no retiraria a sua natureza tributria, uma vez que existem outros tributos (taxas,

    por exemplo) para os quais no so aplicveis todas as disposies constitucionais ali

    previstas, sem que isso implique na excluso de sua natureza tributria.41

    Geraldo Ataliba conclui pela natureza tributria das contribuies, de forma

    inequvoca, medida que:

    A contribuio um instituto jurdico que se constitui essencialmente pela disciplina da passagem compulsria de dinheiros privados aos cofres pblicos, por fora de deciso legislativa. Nesse sentido, corresponde ao conceito genrico de tributo cientfico ou doutrinrio seja qual for a corrente que se adote, ou a idia que de tributo se faa, em termos econmicos ou de cincia das finanas.

    Tambm Wagner Balera clarifica que as contribuies sociais so espcie do

    gnero tributo, in verbis 42: Trata-se de gnero do qual so espcies as contribuies sociais e

    demais modalidades de exaes que se enquadram dentro dessa categoria jurdica.

    Assim, por se tratar de tributo, as contribuies previdencirias atraem para si

    toda a gama de regramentos atinentes aos tributos. Tal identificao ser imprescindvel para

    a concluso do tema proposto no presente trabalho.

    3.2 Contribuies Previdencirias, Princpios Constitucionais e a Segurana Jurdica

    Definido o regime jurdico a ser observado pelas contribuies sociais

    (tributrio), devem ser verificados quais so os princpios constitucionais que sero aplicados

    a tais tributos, com foco especfico nas contribuies previdencirias, que so o objeto central

    da problemtica sugerida pelo presente trabalho.

    41 BARRETO, Paulo Ayres. Op. cit. p. 96/97: No porque, em relao s taxas, no haja submisso ao princpio da capacidade contributiva, que no se apliquem diversas regras imunizantes, que no se considere a possibilidade de sujeio parte final do disposto no art. 146, III, a da Constituio Federal, que, assim, teriam deixado de ter carter tributrio. 42 BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituio de 1988. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 49.

  • 33

    Mas, inicialmente, nos tpicos abaixo ser feita anlise do aspecto jurdico da

    segurana, sob uma ptica constitucional, voltada para o Sistema Constitucional Tributrio.43

    Ser verificada a localizao constitucional do princpio da segurana jurdica,

    bem como as demais regras e princpios que o reforam ou lhe preservam, com a finalidade de

    demonstrar a sua importncia dentro de nosso ordenamento jurdico como um todo, de forma

    a entender, ao final do trabalho, a importncia da aplicao da decadncia no momento da

    cobrana das contribuies previdencirias no mbito da Justia do Trabalho.

    3.2.1 A Segurana Jurdica

    A sociedade, durante toda a sua existncia, sempre buscou a preservao de

    suas relaes sociais, o que, sem dvida alguma, somente se tornou possvel com a

    instaurao da segurana.

    Essa segurana pode ser expressa pela possibilidade de exerccio de um

    determinado direito por certos indivduos ou mesmo pelo cumprimento de deveres pelos

    poderes institudos pela constituio de um pas.

    Como ser visto, inicialmente, o princpio de segurana jurdica decorre da

    prpria noo de Direito.

    Segundo Roque Antonio Carraza, o princpio da segurana jurdica ajuda a

    promover os valores supremos da sociedade, inspirando a edio e a boa aplicao das leis,

    dos decretos, das portarias, das sentenas, dos atos administrativos etc.44

    43 Geraldo Ataliba ensina, in Sistema Constitucional Tributrio. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1968; p. 3, que a noo de sistema se traduz no entendimento de que elementos so atrados em razo de objetivo comuns a agem de forma conjunta, de modo a compor um todo, desempenhando cada um sua funo coordenada com a funo dos outros. Ainda, explica que as Constituies so conjuntos ordenados e sistemticos de normas, construdos em torno de princpios coerentes e harmnicos, ou seja, a Constituio propriamente um sistema. Conclui afirmando que os princpios contidos na Constituio relacionados aos tributos formam o seu prprio sistema, ou melhor, um subsistema constitucional, o tributrio. 44 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributrio. p. 370.

  • 34

    Assim, por estarmos diante de um Estado de Direito, imprescindvel que

    todos os atos praticados pelos Poderes estejam sujeitos legalidade. E como ser visto no

    presente estudo, em se tratando de instituio e cobrana de tributos, sempre dever haver

    sujeio dos Poderes estrita legalidade, especialmente por se tratar de direito de

    expropriao da propriedade dos cidados.

    Note-se que a segurana jurdica capaz de criar condies de certeza e

    igualdade que habilitam o cidado a sentir-se senhor de seus prprios atos e dos atos dos

    outros.45

    O princpio da segurana jurdica somente ser efetivamente respeitado, no

    mbito do direito tributrio, se houver respeito norma tributria, ou seja, tal princpio

    assegurado, apenas e to-somente, caso o Estado, enquanto ente competente para a

    instaurao de tributos e arrecadao de recursos financeiros necessrios para o custeio da

    mquina pblica no viole direitos individuais garantidos constitucionalmente aos

    contribuintes.

    Isso importa dizer, por exemplo, que impensvel a retroatividade de normas

    para alcance de relaes jurdicas passadas, o que traria clima de total insegurana jurdica

    para toda a sociedade, j que no seria impossvel a instaurao de relaes sociais com o

    prvio conhecimento de suas consequncias por parte dos indivduos envolvidos.

    Afinal, as leis em um Estado de Direito representam garantias tanto liberdade

    quanto segurana dos cidados. Em outras palavras, a lei possibilita a previsibilidade do

    comportamento humano, impondo respeito por parte dos prprios cidados e de todos os

    rgos estatais, por meio do cumprimento espontneo ou mesmo pela punio dos infratores.

    Destarte, a segurana jurdica protege de maneira mpar os direitos e garantias

    dos cidados, sempre a partir de normas, afirmando a manuteno de situaes jurdicas de

    acordo com as normas vigentes poca em que foram praticadas.

    45 FERRAZ JR. Trcio Sampaio. Segurana Jurdica e Normas Gerais Tributria. RDT 17-18/51, ANO 5, 1981.

  • 35

    3.2.2 Princpios Constitucionais

    O princpio, no Direito, tem uma importncia maior do que as demais regras

    ordinrias.

    Isso significa que o seu contedo mais qualificado, conforme Celso Bandeira

    de Mello, quando afirma que princpio 46:

    [...] por definio, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico. o conhecimento dos princpios que preside a inteleco das diferentes partes componentes do todo unitrio que h por nome sistema jurdico positivo.

    Dessa maneira, os princpios conferem a harmonia necessria para todo o

    sistema normativo, imprimindo seus efeitos sobre todas as normas. Os princpios, portanto,

    oferecem o contorno de todo o sistema normativo e a sua transgresso ocasiona o rompimento

    de toda a estrutura normativa.47

    Acrescenta Sacha Calmom Navarro Coelho48 que os princpios no

    estabelecem um comportamento especfico, mas um padro, de forma a servir de pauta para a

    interpretao das leis, mas sempre se sobrepondo a elas, ainda mais quando se tratar de

    princpio constitucional cuja aplicao ser sempre obrigatria seja pelo legislador seja pelo

    julgador.

    46 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed., So Paulo: Malheiros, 2002, p. 807 e 808. 47 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. op. cit. p. 808, in verbis: Violar um princpio muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desateno ao princpio implica ofensa no apenas a um especfico mandamento obrigatrio, mas a todo o sistema de comandos. a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalo do princpio atingido, porque representa insurgncia contra todo o sistema, subverso de seus valores fundamentais, contumlia irremissvel a seu arcabouo lgico e corroso de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofend-lo, abatem-se as vigas que o sustm e alui-se toda a estrutura nelas esforada. 48 COELHO, Sacha Calmom Navarro. Curso de direito tributrio brasileiro. p. 89-90.

  • 36

    Alm disso, os princpios jurdicos so enunciados lgicos, que podem estar

    implcitos ou explcitos, mas que sempre vinculam o entendimento e a aplicao das normas

    jurdicas que com eles se conectam.49

    Portanto os princpios jurdicos tm a funo de orientar o sistema jurdico,

    bem como conduzi-lo para o alcance de suas metas.

    Nesse passo, partindo-se do pressuposto de que a Constituio Federal a mais

    importante norma em termos hierrquicos, percebe-se que os princpios constitucionais esto

    acima dos demais princpios de qualquer ordenamento jurdico.

    Isso importa dizer que todos os princpios constitucionais sempre devero ser

    fielmente observados, dentro do mbito do sistema jurdico.

    Esses princpios jurdicos so espcies de normas jurdicas, da mesma forma

    que ocorre com as regras.50

    Os princpios so mais amplos e vagos do que as regras, sendo isso uma de

    suas notas caractersticas.51

    Mas, como visto, os princpios so valores fundamentais da ordem jurdica.

    por eles que so condicionadas as estruturas bsicas, os fundamentos e os alicerces de um

    determinado sistema positivo.52

    Portanto os princpios constitucionais so a referncia para a interpretao e

    soluo de situaes extremas, por meio da orientao na interpretao do sistema normativo,

    seja em tempos de paz, de guerra ou de crises sociais.

    49 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributrio. p.31. 50 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7 ed. Lisboa: Almedina, 2003, p. 1159: [...] as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princpios como sob a forma de regras. 51 As principais distines entre regras e princpios sero mais bem analisadas nos tpicos posteriores. 52 Segundo Luis Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Jnior, Curso de Direito Constitucional. 12. ed., So Paulo: Saraiva, p. 66: Os princpios so regras-mestras dentro do sistema positivo. Devem ser identificados dentro da Constituio de cada Estado as estruturas bsicas, os fundamentos e os alicerces desse sistema. Fazendo isso estaremos identificando os princpios constitucionais.

  • 37

    3.2.3 Caractersticas dos Princpios Constitucionais

    Canotilho faz diferenciao entre princpios e regras da seguinte maneira53:

    (i) Pelo grau de abstrao;

    (ii) Pelo grau de determinabilidade;

    (iii) Pelo carter de fundamentalidade;

    (iv) Pela proximidade da ideia de direito; e

    (v) Pela natureza normogentica.

    Com relao primeira distino feita pelo referido autor, considera-se que os

    princpios possuem grau de abstrao elevado, enquanto as regras possuem abstrao

    reduzida.

    Quanto determinabilidade, explica o tratadista portugus que, para os casos

    concretos, as regras so suscetveis de aplicao direta, enquanto os princpios carecem dessa

    caracterstica por serem vagos e indeterminados.

    No que diz respeito fundamentalidade, os princpios so normas com papel

    fundamental no ordenamento jurdico devido sua posio hierrquica no sistema das fontes

    do direito ou, ainda, pela sua importncia estruturante dentro do sistema jurdico.

    Outrossim, os princpios apresentam-se como vinculantes das ideias de justia

    ou de direito, enquanto as regras apenas correspondem a normas vinculativas com um mero

    contedo funcional.

    53 CANOTILHO, J.J. Gomes. op. cit. p. 1160.

  • 38

    Por fim, explica que os princpios so fundamento das prprias regras, j que

    so normas que esto na base das regras jurdicas.

    Canotilho, ainda, faz distino entre os princpios hermenuticos e os jurdicos,

    da seguinte forma54:

    Os princpios hermenuticos desempenham uma funo argumentativa, permitindo, por exemplo, denotar a ratio legis de uma disposio [...] ou revelar normas que no so expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juzes, o desenvolvimento, integrao e complementao do direito.

    Em seguida, Canotilho explica que os princpios jurdicos tm qualidade de

    verdadeiras normas, distinguindo-se qualitativamente das regras, in verbis55:

    As diferenas qualitativas traduzir-se-o, fundamentalmente, nos seguintes aspectos. Os princpios so normas jurdicas impositivas de uma optimizao, compatveis com os vrios graus de concretizao, consoante os condicionalismos fcticos e jurdicos; as regras so normas que prescrevem imperativamente uma exigncia (impe, permitem ou probem) que ou no cumprida [...]

    Em sntese, existem quatros elementos distintivos dos princpios constitucionais, quais sejam:

    (i) A generalidade, que confere amplitude aos seus predicados, ou seja, permite a ampla

    aplicao a casos concretos.

    (ii) A fundamentalidade, em razo de ser utilizado como fundamento de todo o sistema

    normativo.

    (iii) A interpretao de integrao, j que servem como orientadores na aplicao das

    normas do sistema jurdico.

    54 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7 ed., Lisboa: Almedina, 2003, p. 1161. 55 CANOTILHO, J.J. Gomes . op. cit. p. 1161.

  • 39

    (iv) A objetividade, caracterstica essa que impede a aplicao do contedo dos princpios

    conforme a subjetividade dos aplicadores, uma vez que apresentam substncia

    jurdica prpria.

    Com base nessas caractersticas, notam-se traos distintivos entre os princpios

    e as regras.

    Com efeito, primeiro aspecto distintivo entre eles se d no tocante qualidade,

    uma vez que, enquanto os princpios so carregados de generalidade, as regras so expressas

    por sua concretude.

    Isso no demonstra que os princpios no possam ser aplicados a casos

    concretos. Pelo contrrio, permitem mais vasta aplicao do que as regras, j que possuem um

    alcance semntico mais extenso.

    Discorrendo sobre os princpios constitucionais, Celso Ribeiro Bastos ensina56:

    Os princpios constitucionais so aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurdica. Isto s possvel na medida em que estes no objetivam regular situaes especficas, mas sim desejam lanar a sua fora sobre todo o mundo jurdico. Alcanam os princpios esta meta proporo que perdem o seu carter de preciso de contedo, isto , conforme vo perdendo densidade semntica, eles ascendem a uma posio que lhes permite sobressair, pairando sobre uma rea muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princpio perde em carga normativa ganha como fora valorativa a espraiar-se por cima de um sem-nmero de outras normas.

    Verifica-se, assim, que, por guardarem os valores fundamentais da ordem

    jurdica, os princpios devem sempre ser observados por todo o mundo jurdico.

    As regras, por seu turno, esto adstritas aplicao no seu campo de

    incidncia, que, como j frisado, bem mais restrito. 56 BASTOS ,Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16 ed. So Paulo: Saraiva, 1995, p. 143/144.

  • 40

    O acima asseverado, demonstra, tambm, a diferenciao entre regras e

    princpios com relao forma, j que os princpios so exacerbadamente abstratos e as regras

    possuem uma maior densidade normativa.

    Todo o exposto, ainda, demonstra a terceira distino entre os dois institutos

    em anlise: a aplicao.

    Realmente, enquanto os princpios, por serem mais abstratos, permitem a

    aplicao em diversas situaes; as regras, embora tambm tenham de ampla aplicao,

    possuem uma restrio pr-definida em termos de aplicao.

    A ltima diferena, que pode ser destacada, diz respeito incidncia.

    As regras conflitantes no podem ser aplicadas em conjunto, sendo que uma

    delas dever ser declarada invlida.

    Com relao aos princpios, sempre dever ser buscada a aplicao conjunta de

    todos aqueles inerentes espcie. Isto , caso um dos princpios seja conflitante com outro,

    dever ser feita uma anlise da importncia da cada um dos princpios para se avaliar a

    medida de cada um deles que ser aplicado ao caso.

    Desse modo, os princpios sempre sero aplicados em conjunto, dosando-se a

    medida de cada um de acordo com a situao ftica apresentada.

    Nas palavras de Canotilho57:

    [...] a convivncia dos princpios conflitual (...), a convivncia de regras antinmica; os princpios coexistem, as regras antinmicas excluem-se. Consequentemente, os princpios, ao constiturem exigncias de optimizao, permitem o balanceamento de valores e interesses (no

    57 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7. ed. Lisboa:Almedina, 2003, p. 1161.

  • 41

    obedecem, como as regras, lgica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderao de outros princpios eventualmente conflituantes; as regras no deixam espao para qualquer outra soluo, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescries, nem mais nem menos. Como se ver mais adiante, em caso de conflito entre princpios, estes podem ser objecto de ponderao e de harmonizao, pois eles contm apenas exigncias ou standards que, em primeira linha (prima facie), devem ser realizados; as regras contm fixaes normativas definitivas, sendo insustentvel a validade simultnea de regras contraditrias. Reala-se tambm que os princpios suscitam problemas de validade e peso (importncia, ponderao, valia); as regras colocam apenas questes de validade (se elas no so correctas devem ser alteradas).

    No mesmo sentido, explica Eros Grau58:

    Refere a doutrina ainda, no entanto, antinomias jurdicas imprprias. Aqui, porm, o conflito alinhado entre normas no conduz necessidade de uma delas ser eliminada do sistema. O conflito se manifesta h incompatibilidade entre ambas porm no resulta em antinomia jurdica. Desse tipo, os conflitos entre princpios: a opo do aplicador do direito ou do intrprete por um deles em detrimento do que a ele se ope no implica em desobedincia do outro. Repita-se: esse tipo de conflito no resulta em antinomia. Manifesta-se, aqui, precisamente a situao apontada por Dworkin: a circunstncia de, em determinado caso, a adoo de um princpio, pelo aplicador do direito ou pelo intrprete, implicar o afastamento do outro, que com aquele entre em testilhas, no importa em que este seja eliminado do sistema, at porque repito em outro caso, e mesmo diante do mesmo princpio, este poder vir a prevalecer.

    Portanto, com base nas caractersticas acima demonstradas, percebe-se que a

    aplicao dos princpios, embora imprescindvel para manuteno dos valores fundamentais

    da ordem jurdica, no tarefa simples.

    3.2.4 O princpio da Segurana Jurdica

    58 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econmica na Constituio de 1988 (interpretao e crtica). 7. ed., ver. e atual. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 106. No que diz respeito aos conflitos entre regras, explica p. 105/106: [...] o conflito entre regras jurdicas resulta em antinomia, entendida esta como situao de incompatibilidade entre ambas (ambas pertencendo ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo mbito de validade), que conduz necessidade de uma delas ser eliminada do sistema. Antinomia jurdica, pois, situao que impe a extirpao, do sistema, de uma das regras. A deciso, inafastvel, a propsito de qual dessas regras h de ser preservada, ser informada mediante a utilizao do critrio ou dos critrios contemplados, para tanto, no sistema.

  • 42

    Antes de aprofundar o exame do princpio da segurana jurdica, faz-se

    necessrio analisar o contedo do vocbulo segurana diante das acepes cotidianas.

    De acordo com o Dicionrio Aurlio, a segurana tem os seguintes

    significados59:

    1. Ato ou efeito de segurar: 2 [Sin., p. us.: segurao.] 2. Estado, qualidade ou condio de seguro. 3. Condio daquele ou daquilo em que se pode confiar: 4. Certeza, firmeza, convico 5. Confiana em si mesmo; autoconfiana 6. Cauo, garantia; seguro 7. Protesto, afirmao.

    Maria Helena Diniz, em seu Dicionrio Jurdico60, explica que, na linguagem

    jurdica, em geral, segurana significa:

    a) situao do que se acha seguro; b) proteo; c) confiana; d) firmeza; e) pessoa ou coisa que serve de apoio a outrem; f) o que torna algo livre de perigo.

    Portanto o vocbulo segurana tem como significado a certeza, convico,

    confiana etc. a situao de que se acha seguro.

    No mbito da cincia do Direito, a segurana tratada pelo conceito de

    segurana jurdica.

    Nesses termos, consideramos que o Direito tem a finalidade de conferir

    segurana s relaes sociais, de forma a estabilizar as consequncias jurdicas de

    determinados atos61.

    59 Dicionrio Aurlio Eletrnico, Sculo XXI, Verso 3.0, Novembro 1999, verbete: "segurana". 60 DINIZ, Maria Helena. Dicionrio Jurdico, 2 ed. ver. 4 v., So Paulo: Saraiva, 2005, p. 331. 61 Maria Helena Diniz, em seu Dicionrio Jurdico, 2 ed. rev., 4 v., So Paulo: Saraiva, 2005, p. 845, de forma sucinta, ensina que o princpio da segurana jurdica: " aquele dirigido implantao de um valor especfico, qual seja, o de coordenar o fluxo das interaes inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade

  • 43

    Nesse sentido, Celso Antonio Bandeira de Mello explica que62:

    Ora bem, sabido e ressabido que a ordem jurdica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemo, o que devem ou que podem fazer, tendo em vista as ulteriores conseqncias imputveis a seus atos. O Direito prope-se a ensejar uma certa estabilidade, um mnimo de certeza na regncia da vida social. Da o chamado princpio da segurana jurdica, o qual, bem por isto, se no o mais importante dentro todos os princpios gerais de Direito, , indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. Os institutos da prescrio, da decadncia, da precluso (na esfera processual), do usucapio, da irretroatividade da lei, do direito adquirido, so expresses concretas que bem revelam esta profunda aspirao estabilidade, segurana, conatural do Direito. Tanto mais porque inmeras dentre as relaes compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vista do porvir e no apenas de imediatidade das situaes, cumpre, como inafastvel requisito de um ordenado convvio social, livre de abalos repentinos ou surpresas desconcertantes, que haja uma certa estabilidade nas situaes destarte constitudas. Esta segurana jurdica coincide com uma das mais profundas aspiraes do Homem: a da segurana jurdica em si mesma, a da certeza possvel em relao ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano. a insopitvel necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estvel, ou relativamente estvel, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; ela, pois, que enseja projetar e iniciar, consequentemente e no aleatoriamente, ao mero sabor do acaso -, comportamentos cujos frutos so esperveis a mdio e longo prazo. Dita previsibilidade , portanto, o que condiciona a ao humana. Esta a normalidade das coisas.

    Assim, nota-se que o Direito est intimamente ligado noo de segurana.

    Segurana esta que almejada permanentemente pelo Homem, que busca na previsibilidade

    do futuro, o livramento de surpresas repentinas, proporcionando um ordenado convvio social.

    O que se busca, portanto, certa estabilidade nas relaes sociais, garantindo-

    se um mnimo de certeza na vida social.

    social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurdicos da regulao da conduta, tranquilizando os cidados, possibilitando-lhes o planejamento de aes futuras, cuja disciplina jurdica conhecem, confiantes que esto no modo pelo qual a aplicao das normas do direito se realiza." 62 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 105/106.

  • 44

    Destarte, o Direito o instrumento necessrio para a instaurao de segurana

    nas relaes inter-humanas, uma vez que fixa regras pr-definidas para cada uma das

    condutas humanas, permitindo-nos ter a prvia cincia de todas as consequncias de nossos

    atos.63

    Mas de nada adiantaria a existncia do Direito para a garantia da segurana das

    relaes pessoais, se no houvesse a segurana do prprio Direito.

    Realmente, os institutos do Direito devem ser inviolveis at mesmo pelo

    prprio Direito, impedindo que as resolues de conflitos sejam alteradas invariavelmente, de

    acordo com interesses subjetivos das partes envolvidas na contenda.

    Portanto a segurana jurdica e a certeza do direito esto interligadas.

    No entendimento de Jos Afonso da Silva64: Uma importante condio da

    segurana jurdica est na relativa certeza de que os indivduos tm de que as relaes

    realizadas sob o imprio de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja

    substituda.

    Tambm Canotilho ensina que:65

    O princpio geral da segurana jurdica em sentido amplo (abrangendo, pois, a idia de proteo da confiana) pode formular-se do seguinte modo: o indivduo tm do direito poder confiar em que aos seus actos ou s decises pblicas incidentes sobre os seus direitos, posies ou relaes jurdicas alicerados em normas jurdicas vigentes e vlidas por esses actos jurdicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurdicos previstos e prescritos no ordenamento jurdico.

    63 Auxiliadora da Silva Baldoino, em sua dissertao de mestrado, "Segurana Jurdica e Valor", PUC/SP, 1994, explica que: "Quando a segurana se apresenta como a defesa de um interesse individual, ela afasta-se da noo de segurana das instituies mesmas, para ser entendida como uma espcie de certeza jurdica, da qual cada um precisa ter, para que seja possvel uma vida ordenada em sociedade." 64 SILVA, Jos Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros, p. 431. 65 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7. ed. Lisboa: Almedina, 2003, p.257.

  • 45

    Esta segurana, mais restrita ao prprio Direito, pode ser denominada

    segurana jurdica, princpio que est implcito em nossa Constituio Federal.

    Entretanto o fato de ser um princpio implcito no lhe confere menos fora

    que qualquer outro princpio explcito constante do ordenamento jurdico. Nos ensinamentos

    de Jos Souto Maior Borges66:

    O princpio implcito no difere seno formalmente do expresso. Tm ambos o mesmo grau de positividade. No h uma positividade forte (a expressa) e outra fraca (a implcita). Um princpio implcito pode muito bem ter eficcia (=produzir efeitos) muito mais acentuada do que um princpio expresso.

    De outro lado, Canotilho ainda ensina que a preservao da segurana jurdica,

    necessariamente, importa na67 (i) proibio de normas retroactivas restritivas de direitos ou

    interesses juridicamente protegidos, (ii) inalterabilidade do caso julgado, bem como (iii)

    tendencial estabilidade dos casos decididos atravs dos actos administrativos constitutivos de

    direitos. Essas trs condies de respeito ao princpio da segurana jurdica esto atreladas

    atuao dos trs poderes: Legislativo, Judicirio e Executivo, respectivamente.

    No mbito da atuao do Poder Legislativo, existem trs regras que precisam

    ser respeitadas:

    1) O princpio da preciso ou determinabilidade das normas jurdicas:

    necessidade de clareza das normas legais, bem como a exigncia de

    densidade suficiente na regulamentao legal.

    66 BORGES, Jos Souto Maior. O princpio da Segurana Jurdica na Criao e Aplicao do Tributo. Revista Dialtica de Direito Tributrio, no. 22, pg. 25. 67 CANOTILHO, J.J. Gomes. op. cit. p.257 e ss.

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    2) Proibio de pr-efeitos de atos normativos: os atos legislativos e/ou

    normativos no podem produzir efeitos antes de terem entrado em

    vigor.

    3) Proibio de normas retroativas: tendo como ponto de partida a

    durabilidade e permanncia da ordem jurdica, paz jurdico-social e

    das situaes jurdicas, de modo a legitimar a confiana na

    permanncia das situaes jurdicas.

    Com relao aos atos jurisdicionais, a segurana jurdica est atrelada

    essencialmente coisa julgada.

    Nesse ponto, constata-se que, tanto no aspecto formal (impossibilidade de

    interposio de recursos ou reapreciao de questes j decididas sobre relao jurdica

    analisada dentro do processo) quanto no aspecto material (relao decidida impe-se a todos

    os tribunais e autoridades), deve haver estabilidade definitiva das decises judiciais.

    Tambm os atos da administrao devem atentar ao princpio da segurana

    jurdica.

    De tal modo, os atos administrativos devem gozar de tendencial

    imutabilidade que se traduz da seguinte forma68:

    (1) na autovinculao da administ