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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rogerio Licastro Torres de Mello Atividades de ofício em grau recursal DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rogerio Licastro Torres de Mello

Atividades de ofício em grau recursal

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rogerio Licastro Torres de Mello

Atividades de ofício em grau recursal

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca

Examinadora como exigência

parcial para obtenção do título

de Doutor em Direito

Processual Civil pela Pontifícia

Universidade Católica de São

Paulo, sob a orientação do Prof.

Doutor João Batista Lopes

SÃO PAULO

2008

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BANCA EXAMINADORA

_________________________________

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_________________________________

_________________________________

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À Patrícia e ao Érico, meus amores.

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Agradecimentos

Consigno minha mais profunda gratidão ao professor João Batista

Lopes, pela orientação plena de erudição, de paciência e de imensa

generosidade intelectual.

À querida professora Teresa Arruda Alvim Wambier, pelas

oportunidades concedidas, pelo exemplo que oferece a todos sobre a beleza

da docência e pelo convívio acadêmico nada menos que fascinante.

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RESUMO

Este estudo tem por escopo compreender quais as matérias que

comportam atuação ex officio em grau recursal e quais as características dessa

atividade de ofício.

Para a adequada definição do objeto de análise desta tese, buscou-se

firmar o entendimento de que não apenas as matérias de ordem pública estão

a permitir atuação ex officio. Com efeito, assuntos vinculados à instrução

probatória e às intervenções de urgência, por exemplo, igualmente justificam a

intervenção judicial de ofício em grau recursal.

Dessa forma, além das atividades voltadas à aferição da admissibilidade

recursal, assuntos como a formação do convencimento judicial mediante

instrução probatória em grau recursal, as intervenções emergenciais, as

atividades correcionais, os poderes atribuídos ao relator em grau recursal e as

atividades de julgamento meritório propriamente ditas foram avaliados nesta

tese.

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ABSTRACT

This paper aims at comprehending which subjects accept ex officio

actuation in appeal instance and which the characteristics of this officious

activity are.

To the adequate definition of the analyzed object in this study, it was

objectified to firm the understanding that not only the public order substances

permit ex officio actuation. Actually, subjects related to the evidence of oral and

written statements and the urgent intervention, for example, justify in the same

way the ex officio judicial intervention in appeal instance.

This way, beyond the activities linked to the survey of appeal

admissibility, subjects as the judicial persuasion by the evidence of oral and

written statements in appeal instance, the urgent intervention and the judgment

activities properly treated were evaluated in this study.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

CAPÍTULO I: UMA VISÃO CONTEMPORÂNEA DA ATIVIDADE JURISDICIONAL E DO

ACESSO À JUSTIÇA ............................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

I.1 - Expectativas contemporâneas acerca da atividade do juizErro! Indicador não definido. I.2 - Uma nova visão sobre a inafastabilidade do controle jurisdicionalErro! Indicador não definI.3 - A atividade de ofício como exigência do princípio do contraditórioErro! Indicador não definCAPÍTULO II: MATÉRIAS QUE AUTORIZAM ATIVIDADE DE OFÍCIO DO JUIZ E

PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CIVIS RELACIONADOS AO TEMAERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

II.1 - Matérias de ordem pública: ainda um assunto polêmicoErro! Indicador não definido. II.2 - O interesse público como justificativa ..................Erro! Indicador não definido. II.3 - Opiniões doutrinárias a respeito. Classificação das normas jurídicasErro! Indicador não dII.4 - Matérias de ordem pública de direito material e de direito processualErro! Indicador não dII.5 - Princípios processuais civis relacionados à atuação de ofício do juizErro! Indicador não d

II.5.1 - Princípio dispositivo (e anotações sobre o princípio da congruência)Erro! Indicador nãII.5.2 - Exceções ao princípio dispositivo verificadas no CPCErro! Indicador não definido. II.5.3 - Princípio inquisitório: contraponto ao princípio dispositivo?Erro! Indicador não definidII.5.4 - Princípio do impulso oficial ............................Erro! Indicador não definido.

II.6 - Atuação de ofício relativamente a outras matériasErro! Indicador não definido. II.7 - “Enquanto não proferida a sentença de mérito”? .Erro! Indicador não definido. CAPÍTULO III: ATIVIDADE DE OFÍCIO DO JUIZ EM GRAU RECURSAL NOS

RECURSOS EM GERAL ........................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

III.1 - Recursos em geral: uma proposta de organização das atividades de

ofício em grau recursal .................................................Erro! Indicador não definido. III.2 – As atividades de ofício de ordenação processual: o juízo de

admissibilidade.............................................................Erro! Indicador não definido. III.3 - Teria o juízo de admissibilidade caráter declaratório?Erro! Indicador não definido. III.4 - Nosso entendimento sobre o assunto.................Erro! Indicador não definido. III.5 - Requisitos de admissibilidade .............................Erro! Indicador não definido. III.6 - Requisitos de admissibilidade intrínsecos...........Erro! Indicador não definido.

III.6.1 - Interesse de agir ...........................................Erro! Indicador não definido. III.6.1.1 - O conceito de prejuízo que autoriza a interposição de recursoErro! Indicador não

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III.6.1.2 - Pronunciamentos judiciais que admitem recurso: a

irrecorribilidade dos despachos.............................Erro! Indicador não definido. III.6.1.3 - Recorribilidade do cite-se?.....................Erro! Indicador não definido. III.6.1.4 - Concessão de tutela antecipada em sentença: recurso cabívelErro! Indicador nãIII.6.1.5 - Princípio da fungibilidade .......................Erro! Indicador não definido.

III.6.1.5.1 - A fungibilidade recursal e a tensão com outros princípios

recursais ............................................................Erro! Indicador não definido. III.6.1.5.2 - Instrumentalidade e aproveitamento dos atos processuaisErro! Indicador nãoIII.6.1.5.3 - Os requisitos para a aplicação do princípio da fungibilidadeErro! Indicador nãIII.6.1.5.4 - Inexistência de erro grosseiro e de má-fé.Erro! Indicador não definido. III.6.1.5.5 - Existe “dúvida objetiva”? .................Erro! Indicador não definido. III.6.1.5.6 - Fungibilidade e atuação de ofício: a aplicação do princípio e

a iniciativa para tanto.........................................Erro! Indicador não definido. III.6.1.5.7 - O prazo recursal e o princípio da fungibilidadeErro! Indicador não definido.

III.6.2 - Legitimidade recursal....................................Erro! Indicador não definido. III.7 - Requisitos de admissibilidade extrínsecos..........Erro! Indicador não definido.

III.7.1 - A inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrerErro! Indicador III.7.1.1 - A partir de quando a renúncia e a desistência produzem efeitos?Erro! Indicador n

III.7.2 - Recolhimento das custas recursais (preparo e deslocamento dos

autos)........................................................................Erro! Indicador não definido. III.7.2.1 - A complementação do depósito deve ocorrer também quando

houver indução da parte em erro ..........................Erro! Indicador não definido. III.7.2.2 - A possibilidade de complementação estende-se ao porte de

remessa e retorno? ...............................................Erro! Indicador não definido. III.7.3 - Adequação formal.........................................Erro! Indicador não definido. III.7.4 - Tempestividade ............................................Erro! Indicador não definido. III.7.5 - Intempestividade por “prematuridade”? ........Erro! Indicador não definido.

III.8 - O art. 515, § 4º, do CPC: a correção das nulidades sanáveis em grau

recursal ........................................................................Erro! Indicador não definido. III.8.1 - A razão de ser do dispositivo legal ...............Erro! Indicador não definido. III.8.2 - A interpretação do art. 515, § 4º, do CPC ....Erro! Indicador não definido. III.8.3 - Nulidades absolutas são sanáveis?..............Erro! Indicador não definido. III.8.4 - A aplicação do art. 515, § 4º, a outros recursos cíveis além da

apelação ...................................................................Erro! Indicador não definido.

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III.8.5 - O prosseguimento do julgamento, quando possívelErro! Indicador não definido. III.9 - As atividades de ofício relativamente ao julgamento do mérito do recursoErro! Indicador nIII.10 - A prescrição e seu conhecimento de ofício pelo órgão jurisdicionalErro! Indicador não d

III.10.1 - A prescrição: razão de ser..........................Erro! Indicador não definido. III.10.2 - A prescrição antes da Lei 11.280/06 ..........Erro! Indicador não definido. III.10.3 - A prescrição após a Lei 11.280/06 .............Erro! Indicador não definido. III.10.4 - O art. 40, § 4º, da Lei 6.830/80...................Erro! Indicador não definido. III.10.5 - A prescrição e a atividade de ofício em grau recursalErro! Indicador não definido. III.10.6 - A aplicabilidade da nova redação do art. 219, § 5º, do CPC aos

processos em curso..................................................Erro! Indicador não definido. III.11 - Atividades de ofício em 2º grau por força do julgamento monocrático

fundado no art. 285-A...................................................Erro! Indicador não definido. III.11.1 - O julgamento “antecipadíssimo” da lide......Erro! Indicador não definido. III.11.2 - Casos idênticos ..........................................Erro! Indicador não definido. III.11.3 - A aferição de identidade de casos como fundamento da apelação do

autor .........................................................................Erro! Indicador não definido. III.11.4 - Jurisprudência do juízo ou do juiz?.............Erro! Indicador não definido. III.11.5 - “Quando a matéria controvertida for unicamente de direito”Erro! Indicador não definIII.11.6 - Desenvolvimento em 2º grau de jurisdição do processo em que se

deu a aplicação do art. 285-A...................................Erro! Indicador não definido. III.11.7 - A aplicabilidade do art. 285-A do CPC em grau recursalErro! Indicador não definido

III.12 - A atuação de ofício do relator com fundamento no art. 557 do CPCErro! Indicador não dIII.12.1 - Frustração da razão de ser do julgamento colegiado?Erro! Indicador não definido.III.12.2 - Jurisprudência dominante: um conceito vagoErro! Indicador não definido. III.12.3 - A jurisprudência dominante pode provir do órgão fracionário e do

tribunal local, desde que conforme ao posicionamento do STJ e do STFErro! Indicador não dIII.13 - O contraditório e a atividade de ofício: embargos de declaração,

decisões do relator com fundamento no art. 557 do CPC e o agravo do § 1º do

art. 557 do CPC............................................................Erro! Indicador não definido. III.13.1 - Contraditório e embargos de declaração....Erro! Indicador não definido. III.13.2 - As decisões do relator fundadas no art. 557 do CPC e o

contraditório ..............................................................Erro! Indicador não definido. III.13.3 - O contraditório no agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPCErro! Indicador não def

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III.14 - A relevante questão de direito do art. 555, § 1º, do CPC: iniciativa oficial

quanto à uniformização de jurisprudência....................Erro! Indicador não definido. CAPÍTULO IV – TEMAS RELACIONADOS ÀS ATIVIDADES DE OFÍCIO NO

PROCESSAMENTO DA APELAÇÃO .......................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

IV.1 - O efeito translativo..............................................Erro! Indicador não definido. IV.2 - A extensão do efeito devolutivo ..........................Erro! Indicador não definido. IV.3 - CPC, art. 515, § 3º: o julgamento do mérito pelo tribunal, em hipótese de

apelação de sentença meramente terminativa.............Erro! Indicador não definido. IV.4 - A jurisdição recursal relativamente aos fatos “novos”Erro! Indicador não definido. IV.5 - As súmulas impeditivas de recursos...................Erro! Indicador não definido. CAPÍTULO V – TEMAS RELACIONADOS ÀS ATIVIDADES DE OFÍCIO NO

PROCESSAMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTOERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

V.1 - A conversão do agravo de instrumento em retidoErro! Indicador não definido. V.2 - A petição do art. 526 do CPC ..............................Erro! Indicador não definido. V.3 - As peças obrigatórias nos agravos de instrumentoErro! Indicador não definido. V.4 - Requisição de informações..................................Erro! Indicador não definido. V.5 - Intimação para contraminuta quando não citado o réu?Erro! Indicador não definido. V.6 - Extensão do efeito translativo no agravo de instrumentoErro! Indicador não definido. V.7 - A irrecorribilidade da decisão que aprecia o pedido de efeito suspensivo

no agravo de instrumento.............................................Erro! Indicador não definido. CAPÍTULO VI - ATUAÇÃO DE OFÍCIO NOS RECURSOS DE EFEITO DEVOLUTIVO

RESTRITO ..........................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

VI.1 - Os recursos de efeito devolutivo restrito.............Erro! Indicador não definido. VI.2 - Recursos ordinários de efeito devolutivo restrito: embargos declaratórios

e embargos infringentes...............................................Erro! Indicador não definido. VI.3 - Embargos declaratórios ......................................Erro! Indicador não definido. VI.4 - Embargos infringentes ........................................Erro! Indicador não definido. VI.5 - Matérias de ordem pública, atuação de ofício e instância excepcionalErro! Indicador não VI.6 - A vocação e o cabimento dos recursos extraordinário e especialErro! Indicador não definVI.7 - O efeito translativo e os recursos excepcionais..Erro! Indicador não definido. VI.8 - O prequestionamento da matéria de ordem pública: necessidade?Erro! Indicador não deVI.9 - Juízo de cassação e juízo de revisão dos recursos excepcionaisErro! Indicador não definVI.10 - A Súmula 456 do STF e o art. 257 do Regimento Interno do STJErro! Indicador não def

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VI.11 - A questão do controle difuso de constitucionalidade em sede de recurso

especial ........................................................................Erro! Indicador não definido. VI.12 - O procedimento do controle difuso de constitucionalidade pelo STJErro! Indicador não dVI.13 - A extensão do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais:

zonas de conflito com o mérito.....................................Erro! Indicador não definido. VI.14 - A repercussão geral no recurso extraordinário: novo requisito de

admissibilidade.............................................................Erro! Indicador não definido. VI.15 - O prequestionamento .......................................Erro! Indicador não definido. CAPÍTULO VII - A ATIVIDADE INSTRUTÓRIA EM GRAU RECURSALERRO! INDICADOR NÃO DEFIN

VII.1 - A relevância da questão ....................................Erro! Indicador não definido. VII.2 - Existe um momento único para a instrução probatória?Erro! Indicador não definido. VII.3 - A previsão legal da atividade de instrução em grau de recursal:

conversão do julgamento em diligência (CPC, art. 560, parágrafo único)Erro! Indicador não defVII.4 - Critérios para a atividade probatória em grau recursalErro! Indicador não definido. VII.5 - O procedimento da instrução probatória recursalErro! Indicador não definido. VII.6 - Que provas seriam produzíveis em grau recursal?Erro! Indicador não definido. VII.7 - A prova documental ...........................................Erro! Indicador não definido. VII.8 - O interrogatório da parte....................................Erro! Indicador não definido. VII.9 - Inspeção judicial ................................................Erro! Indicador não definido. VII.10 - A prova pericial ................................................Erro! Indicador não definido. VII.11 - Instrução probatória no agravo de instrumentoErro! Indicador não definido. CAPÍTULO VIII - TUTELAS DE URGÊNCIA EM GRAU RECURSALERRO! INDICADOR NÃO DEFINID

VIII.1 - Os requisitos comuns e as distinções entre a tutela cautelar e a tutela

antecipada....................................................................Erro! Indicador não definido. VIII.2 - Hipótese especial de concessão de tutelas antecipadas: tutelas de

evidência, não necessariamente atreladas ao risco. Abuso do direito de defesa

e incontrovérsia ............................................................Erro! Indicador não definido. VIII.3 - A tutela cautelar em grau recursal ....................Erro! Indicador não definido. VIII.4 - A tutela antecipada em grau recursal ...............Erro! Indicador não definido. VIII.5 - Momento procedimental para concessão de tutelas de urgênciaErro! Indicador não defiVIII.6 - Zonas de confusão entre as tutelas cautelar e antecipada em esfera

recursal: recursos de cassação, ou em que se pretende apenas a cassaçãoErro! Indicador nãoVIII.7 - Previsibilidade legal das tutelas de urgência em grau recursal: proposta

de sistematização.........................................................Erro! Indicador não definido.

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VIII.8 - Competência para concessão de tutelas de urgência em grau recursalErro! Indicador nãVIII.9 - Competência para providências urgentes em sede recursal excepcionalErro! Indicador nVIII.10 - Urgência e retenção dos recursos excepcionais. CPC, art. 542, § 3ºErro! Indicador nãoVIII.11 - Requisitos .......................................................Erro! Indicador não definido. VIII.12 - Tutela cautelar recursal de ofício....................Erro! Indicador não definido. VIII.13 - Tutela antecipada recursal de ofício ...............Erro! Indicador não definido. VIII.14 - Execução da tutela recursal antecipada .........Erro! Indicador não definido. CAPÍTULO IX - A REMESSA NECESSÁRIA.............ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

CAPÍTULO X - ATIVIDADES CORRECIONAIS ........ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

CAPÍTULO XI - CONCLUSÕES .............................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

BIBLIOGRAFIA ...................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

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INTRODUÇÃO

Tem sido dito e redito, quando se sumarizam os males que acometem o

processo civil contemporâneo responsáveis por torná-lo não efetivo, que o excessivo

número de recursos cíveis representa uma das principais causas de

estrangulamento da atividade jurisdicional.

Trata-se de meia verdade.

A faceta verdadeira dessa convicção parece-nos decorrer da inegável

circunstância de que não faz mais sentido admitir a tramitação integral de um

recurso tirado em face de decisão que apenas fez reproduzir entendimento

pacificado de tribunais excepcionais acerca de determinado tema jurídico. Iniciativas

como as súmulas vinculantes são, neste sentir, novidades atribuidoras de maior

racionalidade ao processo civil.

O perfil falso da asserção, contudo, apresenta-se-nos de meridiana clareza.

Fazer debruçar sobre os recursos cíveis (atribuindo-lhes a pecha de

excessivos, abusivos e outros predicados negativos) a culpa pela morosidade

judicial nada mais é que percepção míope do cenário: afigura-nos evidentemente

equivocado responsabilizar os recursos pela ineficácia de uma justiça

desaparelhada, geralmente desmotivada a curar rapidamente suas vicissitudes.

Seria como culpar o veículo pela ausência de pavimentação nas vias públicas.

Quando do ingresso em vigor do CPC de 1973, que já previa quase que

integralmente o mesmo número de recursos cíveis hoje existentes, não se

experimentava o cenário de desolação hoje percebido, em que se convive com

incríveis pontos de asfixia da jurisdição, como o fato inacreditável de uma mera

distribuição de um recurso tardar anos para se efetivar. É inegável marca de

subdesenvolvimento preferir atribuir-se a um mecanismo processual a culpa pela

letargia do sistema judiciário a buscar-se agigantar esse sistema, de modo a tornar

possível dar fluidez à também gigante demanda que passou a ser-lhe dirigida após a

CF de 1988.1

1 É lapidar, neste sentido, o pronunciamento do insigne professor Egas Moniz de Aragão: “Os que criticam os recursos (...) apóiam-se basicamente em aspectos patológicos do funcionamento do Poder Judiciário, em que sua morosidade assume relevante importância. Todavia o combate à lentidão não se faz com supressão de vias de recorrer, mas com a aceleração generalizada da marcha da máquina judiciária. Se esta, no seu todo, funciona devagar e ninguém se preocupa com o porquê, devagar continuará a funcionar, embora reduzido o número de recursos. Mesmo que se

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Para dar-se vazão a determinado fluxo, é de rigor ampliar o caminho, e não

restringi-lo. Para a assunção de tal mister, cremos ser fundamental incrementar a

gama de atividades de ofício praticáveis pelo juiz.

Entendemos seja conveniente, portanto, situar entre as preocupações com

um processo civil efetivo a sedimentação de uma cultura de que o agir ex officio do

juiz, longe de pôr em risco a imparcialidade judicial, significa tornar mais rápida e

qualitativa a solução de uma lide.

Para tanto, cumpre-nos conhecer mais detidamente quais as atividades

atuáveis ex officio em grau recursal.

O que se colima no presente estudo, neste passo, é entender um tanto

melhor quais as matérias que comportam atuação ex officio do juiz de direito em

grau recursal, quais os princípios que com elas se relacionam (no sentido de permiti-

las, de limitá-las...), quais os problemas e as soluções que o agir ex officio pode

atribuir ao processo civil em grau recursal, à luz das recentes reformas do CPC,

também se revisitando temas que já há muito estão a habitar as discussões

forenses.

Uma nota desmistificadora nos permitimos registrar: se é verdade que as

chamadas questões de ordem pública compõem a majoritária parcela das atividades

de ofício do juiz de direito, fato é que diversas outras, sem serem de ordem pública,

igualmente justificam agir ex officio, seja por opção de política processual, seja para

fins de formação do convencimento do magistrado, seja por conta da necessidade

de intervenção judicial neutralizadora de riscos de perecimento do objeto da

jurisdição.

Buscou-se, também, avaliar o tema sob os influxos das novas expectativas

dos jurisdicionados relativamente ao órgão jurisdicional, sob o novo enfoque com

que podem ser apreendidos os princípios do acesso à justiça e do contraditório.

Em termos de estruturação deste estudo, optamos por abordar os temas

componentes da atuação de ofício nos recursos em geral para, ao depois, tecer

algumas análises atinentes propriamente a certos recursos (apelação, agravos,

recursos de efeito devolutivo restrito).

A tão rara instrução em grau recursal chamou-nos atenção, e a ela dedicamos

um capítulo, na esperança de que se torne prática mais habitual na praxe forense.

chegue à extinção absoluta, que deixará os tribunais entregues à ociosidade, perdurará a lentidão na primeira instância” (ARAGÃO, Egas D. Moniz de. Demasiados recursos?, p. 21).

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Também as tutelas de urgência exigiram-nos avaliação, mormente porque há

as concessíveis de ofício

Essas, pois, as nuanças do presente estudo, que esperamos, com bastante

sinceridade, possa servir ao advogado, ao professor, ao estudante, dado haver sido

acalentado e redigido pelo autor sob essas três perspectivas.

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CAPÍTULO I: UMA VISÃO CONTEMPORÂNEA DA ATIVIDADE JURISDICIONAL E DO ACESSO À JUSTIÇA

I.1 - Expectativas contemporâneas acerca da atividade do juiz

O direito processual civil brasileiro experimenta, há mais de uma década, um

período de notável ebulição, objeto que vem sendo de diversas remodelações

legislativas cuja baliza é, induvidosamente, a atribuição de maior efetividade à

atividade jurisdicional.

Em que pese os estudos acerca da instrumentalidade do processo (e do

conseqüente incremento de efetividade que advém do desenvolvimento de um

processo impulsionado sob o pálio da serventia à dicção e aplicação do direito

material) não serem exatamente recentes,2 parece-nos verdadeiro que tomaram

fôlego após a entrada em vigor da CF de 1988, quando a sociedade brasileira

experimentou a chamada democratização do Judiciário, ao menos em termos de

acesso formal à Justiça.

Com efeito, foi nesse momento histórico que se estabeleceram as premissas

suficientes à criação de legislação de defesa do consumidor, das defensorias

públicas e dos Juizados Especiais, à estruturação e ao desenvolvimento dos

chamados “direitos transindividuais”, entre outras conquistas que permitiram fossem

conduzidas ao Judiciário inúmeras outras questões até então estranhas a um Poder

pouco preparado para a demanda por justiça que lhe seria carreada nas décadas

seguintes.

Muito não tardou, pois, para que crescesse sensivelmente a dificuldade de

obtenção de jurisdição tempestiva, e iniciaram-se, então, as reformas fracionadas do

CPC, a partir de meados dos anos 1990, que perduram até o presente.

Um dos temas mais debatidos em torno dessas reformas respeita à sensível

ampliação dos poderes jurisdicionais, mormente em grau recursal (é, neste sentir,

2 Já no século retrasado, João Monteiro tratou do tema no curso que ministrava na Faculdade de Direito de São Paulo, em que inseriu a brevidade como objetivo principiológico do direito processual. São palavras do autor: “no ponto actual do cyclo já percorrido, é na mais segura e breve adaptação da forma á relação de direito litigiosa, que assenta o melhor systema judiciário, cujas condições fundamentaes devem ser: promptidão, simplicidade, garantia” (MONTEIRO, João. Programma do curso de processo civil, p. 52).

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emblemático o art. 557 do CPC, permissivo de julgamento monocrático em grau

recursal, contrariando a essência dos julgamentos recursais, qual seja, a apreciação

colegiada dos recursos).

É cada vez mais sólida a convicção de que a eficácia que se espera do Poder

Judiciário está umbilicalmente vinculada, em relação de causalidade, com a

qualidade da participação desenvolvida pelo juiz de direito no julgamento das

questões que lhe são conduzidas. O incremento dos poderes do magistrado,

especialmente no que tange à atuação ex officio, além dos tradicionais poderes

ordinatórios, instrutórios e decisórios que já lhe são conferidos,3 é, em nosso sentir,

uma das vias mais rápidas à mitigação da crise de efetividade hoje experimentada.4

Já é hora, ademais, de passar de protagonista a coadjuvante a gélida

burocracia com que são tratadas questões que, para os jurisdicionados, são

escaldantes e não comportam letargia, nem sequer marasmo; não há mais espaço,

decerto, para “el exceso ritual de los tribunales”, mostrando-se cada vez mais “difícil

hallar tribunales que con habilidad y franqueza se deshagan de esas malas

costumbres que llevan a los jueces a un expedientismo agobiante, y cuyos

resultados son una esclerotización indeseable de la justicia”.5

Há no ar uma indisfarçada atmosfera de convite à maior participação do

magistrado cível nas questões que lhe são conduzidas, como pedisse o

jurisdicionado que o juiz fosse ao seu encontro, aproximando-se do problema que

lhe é conduzido e, principalmente, deixando para trás os estigmas da inércia e da

inatividade como regra e como (falsa) premissa de imparcialidade.6 Nesse contexto

é que devem ser entendidas, por exemplo, mudanças significativas do CPC, para

permitir ao magistrado a adoção de medidas de ofício tendentes ao respeito de seus

pronunciamentos (CPC, art. 461, § 5º, v.g.) ou mesmo à sua conservação

(inolvidável, neste sentir, a consumação da idéia de que o poder geral de cautela

autoriza a concessão ex officio de providências cautelares, como se aferirá em

tópico próprio – tópico V.III.12 infra). 3 Para uma ampla visão dos poderes do magistrado, veja-se MIRANDA, Vicente. Poderes do juiz no processo civil brasileiro, p. 323 e ss. 4 Sidnei Amendoeira Jr. afirma que este “ativismo judicial justifica-se, ainda, em função da existência de um dever de participação não só das partes no processo, mas também do próprio juiz, visando com isso à proteção do próprio escopo do processo” (AMENDOEIRA JR., Sidnei. Fungibilidade de meios, p. 91). 5 HERRENDORF, Daniel E. El poder de los jueces, p. 103. 6 “O juiz precisa estar perenemente lembrado de seu solene e patético compromisso com a justiça” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Escopos políticos do processo, p. 188).

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6

Como bem preceitua Dinamarco, deve o juiz moderno compreender que “só

se lhe exige imparcialidade no que diz respeito à oferta de iguais oportunidades às

partes e recusa a estabelecer distinções em razão das próprias pessoas ou

reveladoras de preferências personalíssimas. Não se lhe tolera, porém, a

indiferença”,7 até por ser o juiz de direito, na medida em que atua aplicando

jurisdição, um representante do povo, que é o destinatário maior da pacificação

social que vem à tona por conta da dicção do direito.8

Essa tendência, aliás, manifesta-se em ordenamentos jurídicos nos quais a

participação do juiz historicamente foi um tanto mais passiva, de espera. Não por

acaso, em nações cujo sistema jurídico é o de common law, o tradicional adversary

system (demarcado pela passividade do árbitro, por exemplo) vem cedendo espaço

a uma organização processual denotada por maior participação do juiz de direito.9

Na Inglaterra, por exemplo, tem o juiz iniciativa probatória incomum para um país

que adotou, sempre, o sistema adversarial.10

Cumpre notar, a propósito, que, “em mais de um país, a via para alcançar o

alvo tem passado pelo aumento dos poderes do juiz na direção do feito. É o que

vem11 acontecendo na França, consoante se mostrou, e foi o que aconteceu na

Inglaterra, onde o advento das Civil Procedure Rules de 1998 alterou de modo

significativo o quadro tradicional do processo, até então dominado pelo adversary

system, com a tônica posta na iniciativa das partes (rectius: dos advogados)”. As

notícias concedidas por Barbosa Moreira ilustram bem o fenômeno.

Neste passo, é relevante observar que não pode servir de imunização dos

juízes a essa querença por maiores atividade e resultado o argumento de que uma

postura mais ativa do órgão jurisdicional feriria a imparcialidade que destes se

espera: a atuação mais efetiva do magistrado deverá dar-se sempre atenta à baliza

da isonomia no trato das partes, tendo como parâmetro a “melhoria da qualidade do

7 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 196. 8 PIZZORNO, Alessandro. Il potere dei giudici, p. 95. 9 Para um amplo cenário desta mitigação do adversary system no sistema processual civil inglês, JOLOWICZ, J.A., A reforma do processo civil inglês: uma derrogação ao adversary system, p. 65 e ss. 10 TARUFFO, Michele. Observações sobre os modelos processuais de civil law e de common law, p. 146. 11 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre as recentes reformas do processo civil francês, p. 698.

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7

produto jurisdicional”, porque “não se deve confundir imparcialidade com

passividade”.12

Aliás, a imparcialidade que se almeja da atividade jurisdicional, e que lhe

serve de pressuposto, não pode ser confundida com neutralidade, em sua acepção

de “não engajamento”: a imparcialidade traduz participação com isenção, jamais

ausência de posicionamento.13

O escopo do presente estudo não é o de perder-se em divagações sobre

como a ampliação dos poderes do juiz pode contribuir para o fomento da efetividade

do processo civil; cremos, aliás, que as causas de emperramento da Justiça já estão

suficientemente diagnosticadas, e de alguma forma a comunidade jurídica já pôs as

mãos à obra, prova disso são as reformas seriadas por que vem passando o CPC.

Sobre essas reformas, de se notar que é evidente a maximização dos

poderes atribuídos ao órgão jurisdicional, o que é especialmente refletido pela

criação, por exemplo, da fase de cumprimento de sentença, cujo procedimento está

fortemente impregnado por iniciativa oficial.

Aliás, o fortalecimento da iniciativa oficial parece ser uma das chaves para a

assunção de um processo civil mais profícuo, mais fértil de resultados.14 Esta a

expectativa acerca do juiz moderno: que o órgão jurisdicional participe ativamente

não apenas da dicção do direito, mas também de sua transformação em algo

concreto, de possível fruição pela parte na forma e no tempo oportunos.15

12 PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas da lei processual civil brasileira, p. 46. 13 Neste passo, Marcelo Abelha Rodrigues pondera, a respeito da formação da convicção do magistrado, que vigoraria no processo civil o princípio da verdade real, o que sem dúvida se coaduna com as perspectivas atuais do direito processual (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil, v. 1, p. 74). 14 E não é de hoje que o fortalecimento da iniciativa oficial no processo civil é propugnado. Em 1978, há trinta anos, portanto, ouvia-se de Sálvio de Figueiredo Teixeira que, “dotado hoje o conceito de que a finalidade do processo não é a proteção pura e simples dos direitos subjetivos, mas sobretudo a atuação do direito objetivo, não mais se admitindo o juiz inerte, passivo, a ampliação desses poderes se torna pressuposto fundamental à realização das atividades judicantes, merecendo registro a lição de Sebastião de Souza de que a mesma, no tocante à direção do processo, não é característica do inquisitorialismo, nem do processo dispositivo, mas sim da natureza das funções do juiz” (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O juiz em face do Código de Processo Civil, p. 225). 15 “A livello costituzionale, quindi, sembra concretamente manifestarsi quell’esigenza di ‘democratizzazione’ o di ‘socializzazione’ del processo civile, la quale, traducendosi nel fine di rendere effetiva l’eguaglianza delle parti in giudizio e di evitare loro ‘...per quanto possibile il rischio di soccombere a causa di irregolarità formali della loro condotta processuale..’.” Citando Cappelletti, COMOGLIO, Luigi Paolo. La garanzia costituzionale dell’azione ed Il processo civile, p. 140.

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Quer-se, em suma, um órgão jurisdicional positivamente contaminado pela

lógica do resultado, da realização prática dos direitos. A atuação judicial de ofício,

neste passo, assume peculiar relevo.

Pretende-se neste trabalho, portanto, compreender quais são as feições das

atividades de ofício praticáveis pelo órgão jurisdicional, particularmente em grau

recursal: quais matérias são passíveis de atuação de ofício, por quais razões isto

sucede, quais os princípios e limites que se impõem a este agir ex officio. Procurou-

se, enfim, catalogar situações nas quais o juiz de direito incumbido de julgar um

recurso pode intervir na esfera das partes independentemente de provocação

destas.

Para o desenvolvimento deste estudo, pretendemos tecer apenas breves

notas introdutórias sobre o agir ex officio em geral (seus princípios regentes, suas

justificativas), para passarmos, ao depois, sem delongas, à avaliação das diversas

circunstâncias que, em nosso pensar, estão a admitir participação jurisdicional ex

officio em esfera recursal.

Ab initio, convém situar a atuação de ofício dentro da nova perspectiva do

princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

I.2 - Uma nova visão sobre a inafastabilidade do controle jurisdicional

Tradicionalmente, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional

sempre foi tido como manifestação, em texto constitucional, da concentração, pelo

Estado-juiz, da atividade de dicção de direitos e da aplicação destes aos casos

concretos.

No Brasil, viu-se o legislador constituinte de 1988 compelido a

“reconstitucionalizar” o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, quiçá

por força de um período histórico imediatamente antecedente caracterizado por um

regime de exceção fértil em privar os cidadãos de direitos fundamentais, como o

socorro ao Judiciário e o devido processo legal.16

De fato, em tempos de regimes autoritários recentes no Brasil, verificou-se a

presença de realidades legislativas em que a exclusiva tutela jurídica prestada pelo

16 De desagradável memória, neste sentido, o Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, cujo art. 11 expressamente excluía da apreciação judicial “os atos praticados de acordo com este Ato Institucional”.

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Estado era coibida, especialmente com a auto-exclusão de “atos de força legislativa”

da esfera de apreciação do Judiciário.17

A título informativo, de se registrar que o princípio da inafastabilidade do

controle jurisdicional já constava, às expressas, da Constituição de 1946, em que se

lia que “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de

direito individual”. Se, contudo, a Carta de 1946 é tida como a primeira em que se

inseriu textualmente o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, há lições

no sentido de que “este princípio já poderia ser tido como presente na Constituição

de 1891, porque na verdade estava implícito na sistemática constitucional então

adotada”, em que já se previa a figura do Poder Judiciário como “recurso último para

todas as lesões de direito, provenham elas de onde provierem”.18

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, aliás, é também

referido com freqüência mediante o uso de outra denominação: princípio do acesso

à justiça.

A propósito, pensamos que essa dúplice denominação deva-se à

circunstância de que o princípio em apreço admite, a nosso ver, interpretação sob

dois vieses.

Em um primeiro sentido, a inafastabilidade do controle jurisdicional pode

significar que qualquer espécie de conflito que se estabeleça em determinadas

relações jurídicas tem sua solução confiada ao Estado, em termos de (i) dicção de

direitos e (ii) aplicação coativa destes.19

Em outra acepção, o princípio em referência significa que, vez instado a

exercer sua atividade jurisdicional, dessa incumbência não pode desviar-se o

Estado-juiz.20

A respeito dessa segunda acepção, José Afonso da Silva consigna que se

trata do “direito de invocar a atividade jurisdicional sempre que se tenha como

17 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 198. 18 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 197. 19 Ressalvadas, evidentemente, hipóteses de legítima defesa, de desforço necessário em assuntos possessórios e de embargo extrajudicial nas ações de nunciação de obra nova, três manifestações de autotutela admitidas no direito brasileiro. 20 No dizer de Celso Bastos, “toda lesão de direito, toda controvérsia, portanto, poderia ser levada ao Poder Judiciário e este teria de conhecê-la, respeitada a forma adequada de acesso a ele disposta pelas leis processuais civis” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 197).

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lesado, ou simplesmente ameaçado, um direito, individual ou não, pois a

Constituição não mais o qualifica de individual.”21

Da conceituação clássica do princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional, ou acesso à justiça, percebe-se que se lhe imprimiram definições

pautadas em aspectos exteriores, vale dizer, sem que fosse levada em consideração

a qualidade da atividade jurisdicional cujo acesso é garantido pelo princípio em

relevo.

Com efeito, majoritariamente se considera que o princípio do acesso à justiça

se vê atendido pelo simples franquear, aos jurisdicionados, de vias de acesso ao

Judiciário, como se o simples fato de existirem (i) advogados dativos ou defensoria

pública e (ii) órgãos do Poder Judiciário instalados por si só fosse suficiente para se

considerar atendida essa garantia constitucional.

Essa percepção tradicional e até certo ponto formalista do conceito de

“acesso à justiça” vem cedendo espaço ao enfoque substancial desse princípio

constitucional, no sentido de considerar-se atendida às plenas essa baliza se e

quando os jurisdicionados possam acessar a estrutura jurisdicional não apenas em

termos abstratos, formais, senão também em termos de conteúdo, de efetividade da

jurisdição ensejada à sociedade.22

Positivamente, é cada vez mais expressiva a corrente de estudos que se

debruça sobre o princípio do acesso à justiça não como mera garantia do direito de

invocar o Estado por via da ação, porém como princípio que assegure ao

jurisdicionado acercar-se e usufruir de jurisdição qualitativamente boa, o mais

próximo possível da jurisdição justa.23

21 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 432. 22 Nesta linha de pensamento, afirma Marcelo José Magalhães Bonício, examinando lições de Mauro Cappelletti, que se faz necessário “o alargamento do enfoque normalmente dado à inafastabilidade do acesso à justiça, para que se possa vislumbrar, nesta garantia, também o dever estatal de permitir que todos tenham consciência de seus direitos” (BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo, p. 68). 23 Mauro Cappelletti, cujos estudos sobre o acesso à justiça têm suscitado relevantes reflexões na processualística pátria, traça interessante paralelo histórico acerca da inafastabilidade do controle jurisdicional, confrontando a estrutura de seu conceito nos séculos XVIII e XIX com aquela contemporaneamente verificada. Para Cappelletti, em obra escrita em co-autoria com Bryant Garth, “o conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Nos estudos liberais ‘burgueses’ dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava ‘essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação (...) O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de

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Os estudos sobre a constitucionalização do direito processual civil, aliás,

alçaram-no à categoria dos elementos fundamentais à solução da questão da

ineficácia da atividade jurisdicional tal qual tradicionalmente estruturada: a partir do

texto constitucional de 1988, em que diversos temas processuais passaram a contar

com trato na Carta Política (por todos os exemplos, mencione-se a necessidade de

fundamentação das decisões judiciais, prevista no art. 93, inciso IX, da CF),

percebeu-se o encarecimento de uma idéia de processo impregnado mais do que

nunca por preceitos constitucionais, inclusive como “exigência inafastável para se

alcançar a tutela jurisdicional adequada e efetiva”, como bem observa o ilustre

professor João Batista Lopes.24

Nota-se, em suma, sensível – e benfazeja – evolução do pensamento

individualista de acesso à justiça desde que “as sociedades do laissez-faire

cresceram em tamanho e complexidade”, deixando as sociedades modernas de

pautar-se em visão individualista do direito. O direito ao acesso efetivo tem sido

progressivamente reconhecido como “requisito fundamental de um sistema jurídico

moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de

todos”.25

O pensamento acima reproduzido é revelador no sentido de destacar que o

homem moderno, a sociedade moderna, não mais satisfazem sua querença por

justiça tão-só porque formalmente estão à sua disposição os caminhos que

conduzem ao foro. Evidencia-se a circunstância de que o acesso à jurisdição, ou a

inafastabilidade do controle jurisdicional, estão presentes na qualidade da jurisdição

que se presta, na proximidade entre o processo e o direito material, o primeiro como

conduto ao segundo.26

uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática” (CAPPELLETTI, Mauro, e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. p. 9). 24 LOPES, João Batista. Efetividade da tutela jurisdicional à luz da constitucionalização do processo civil, p. 38. 25 Ambas são asserções de CAPPELLETTI, Mauro, e GARTH, Bryant. Acesso à justiça, p. 11 e 12. 26 Essa tendência deriva, como bem observado por Cappelletti, de uma reação da comunidade processual à histórica imposição de uma escola dogmática, formalista, que identificava o fenômeno jurídico como algo inserto somente no âmbito da norma, reduzido ao aspecto normativo, em que o elemento humano, a interpretação, a subsunção, eram postos de canto (CAPPELLETTI, Mauro. Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee, p. 72).

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Há, neste passo, evidente câmbio de enfoque, dado que a qualidade da

jurisdição que se presta assume relevo cada vez maior quando o objeto de estudo é

a inafastabilidade do controle jurisdicional.27

Em outros termos, quer-se dizer que o princípio da inafastabilidade do

controle jurisdicional, ou simplesmente do acesso à justiça, deve ser observado e

entendido sob o influxo inarredável da instrumentalidade do processo, i.e., com

vistas ao resultado concreto que a atividade jurisdicional pode produzir na vida do

jurisdicionado.28

No Brasil, desenvolveram-se, e desenvolvem-se, aprofundados estudos sobre

a articulação da instrumentalidade processual com o princípio do acesso à justiça.29

Este novel enfoque do acesso à justiça, como dito, lastreia-se nas

conseqüências concretas que são aguardadas do Poder Judiciário. Superado o

tempo em que a mera possibilidade de ingresso em juízo era de per si considerada a

máxima expressão do acesso à justiça, hodiernamente esse princípio tem sua

conceituação pautada pelo resultado.30

Essa evolução do conceito de acesso à justiça, no sentido de atribuir-lhe forte

cunho de conteúdo, de substância, é notada com bastante acuidade em disposições

constitucionais brasileiras reconhecidas como pioneiras pela doutrina estrangeira.

Na temática do direito do consumidor, por exemplo, a Carta brasileira estatui como

inarredável objetivo a defesa do consumidor em juízo, do que defluiram

fundamentais inovações processuais como a inversão do ônus da prova em prol do

27 A propósito, é da qualidade da jurisdição que se oferece e se presta ao jurisdicionado que advirá a confiança no Judiciário, inclusive no sentido de que as pessoas se sintam desestimuladas ao ilícito. Sobre o princípio da confiança, e de como a atuação de ofício pode ser-lhe útil, leia-se WAMBIER, Luiz Rodrigues, e MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre coerção, autoridade e efetividade do processo, p. 391. 28 “Daí falar-se no processo équo e justo, ou seja, aquele instrumento apto a assegurar efetivamente os direitos estabelecidos no ordenamento jurídico material” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório, p. 14). 29 Por todos, destaque-se DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. Da precitada obra colhe-se claramente a necessidade de intensa conexão entre processo e acesso à justiça em termos de conteúdo da jurisdição prestada, porquanto “a eliminação de litígios sem o critério de Justiça equivaleria a uma sucessão de brutalidades arbitrárias que, em vez de apagar os estados anímicos de insatisfação, acabaria por acumular decepções definitivas no seio da sociedade” (p. 359, 360). 30 “E tem-se entendido que o texto constitucional, em sua essência, assegura ‘uma tutela qualificada contra qualquer forma de denegação da justiça’, abrangente tanto das situações processuais como das substanciais” (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, p. 29).

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consumidor litigante reconhecidamente hipossuficiente, o que perfaz vibrante

exemplo de disposição processual a serviço de acesso efetivo à justiça.31

Neste passo, há verdadeiramente acesso à justiça conforme seja o mais justa

(e cronologicamente oportuna) possível a interferência concreta que a atividade

jurisdicional represente na vida do cidadão.

Essa ótica de resultado como elemento definidor do acesso à justiça em sua

concepção atual fez forjar a lapidar expressão “acesso à ordem jurídica justa”.32

A nosso ver, a apreensão contemporânea do conceito de acesso à justiça

exige a justaposição de três fatores: oferta de jurisdição compatível com a demanda

da população, qualidade e oportunidade temporal da jurisdição que se desenvolve e

efetivação, no campo prático, dos provimentos judiciais.33

Entender esse conceito moderno de acesso à justiça, aliás, permite

compreender os entraves que se lhe são impostos na prática.

A desigualdade sócio-econômica que se estabelece muitas vezes entre os

litigantes, fazendo com que nem sempre possa o jurisdicionado fazer-se

acompanhar de advogados de bom nível em juízo, representa evidente obstáculo a

que se respeite a paridade de armas no embate judicial. A ausência de defensoria

pública devidamente organizada em todos os Estados da federação, de modo a

abranger toda a extensão territorial respectiva, igualmente atua como fomentador da

disparidade que se verifica entre o litigante economicamente desfavorecido e aquele

munido de melhores condições patrimoniais, apto a contratar melhores profissionais

da advocacia.

Sem se pretender fazer maiores digressões sobre as causas de

emperramento e de ineficácia que renitem em afetar nocivamente o exercício da 31 Nas palavras de Cappelletti, “La Costituzione brasiliana è, anche a questo proposito, esemplare; essa tiene conto di questa grandiosa trasformazione proclamando fin dalle sue norme iniziali (titolo II sui ‘diritti e garanzie fondamentali’) che ‘la promozione della difesa dei consumatori’ è un dovere fondamentali dello Stato moderno” (CAPPELLETTI, Mauro. Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee, p. 106). 32 Ainda que dilargadamente adotada, a meta da ordem jurídica justa não está a depender apenas do processo. Se é bem verdade que o processo serve de trilha à aplicação do direito, e neste sentido o processo pode ser considerado o criador do liame entre aquele que teve um direito violado e a solução dessa violação, também é verdadeiro que a ordem jurídica, para que seja justa, está a depender do próprio conteúdo do que foi legislado, do que foi erigido à condição de lei em determinada nação, mormente porque o processo “não pode converter-se em instrumento de alteração da ordem jurídica” (LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro, p. 28 e ss.). 33 Nery cogita de “tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio” (NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 132).

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jurisdição, até porque não é este o escopo deste estudo, há que se registrar que

grande parte dos nódulos a serem superados até que se assuma um cenário de

jurisdição qualitativamente adequada residem no interior da própria estrutura

legislativa que rege o exercício da atividade jurisdicional.

Demonstrações agudas dessa constatação de que as origens da lógica de

insuficiência que acoima a jurisdição são-nos oferecidas desde fins de 1994, quando

se iniciaram as reformas fracionadas do CPC de modo a atualizá-lo e adaptá-lo às

novas necessidades dos jurisdicionados. Neste passo, desde a introdução da

antecipação de tutela com a Lei 8.952/94 até a recente alteração do processo de

execução de título extrajudicial (Lei 11.382/06), para destacar apenas duas da várias

alterações havidas no CPC, verificamos que boa parte da evolução que se espera

seja incorporada ao processo deriva de modificações interna corporis da própria

engrenagem processual civil, e não apenas de estrutura material do Judiciário.

Nessa mesma linha de pensamento, convém seja avaliada outra circunstância

que vem sendo ventilada como fator de emperramento da jurisdição: a organização

do sistema processual civil cognitivo sob o paradigma da “ordinariedade”.

De fato, o desenvolvimento da jurisdição de cognição ocorre, in genere,

organizado no trilho do rito ordinário: à quase totalidade das demandas cognitivas

imprime-se o mesmo rito (o ordinário),34 ignorando-se a riqueza de situações e a

diversidade de relações jurídicas que chegam ao Judiciário e que, porque muitas

vezes bastante diferentes umas das outras, talvez não exijam sempre o mesmo

método de apuração do direito aplicável ao caso concreto, como o CPC lhes impõe

atualmente.

José Roberto dos Santos Bedaque, em obra já clássica, invoca o princípio da

“adaptabilidade do procedimento” às necessidades da causa.

Sobre a excessiva “ordinarização” procedimental gerada pelo CPC em sua

conformação atual, pondera Bedaque que “não se admite mais o procedimento

único, rígido, sem possibilidade de adaptação às exigências do caso concreto.

Muitas vezes a maior ou menor complexidade do litígio exige sejam tomadas

providências diferentes, a fim de se obter o resultado do processo (...) Existe, pois,

34 Deveras, são absolutamente minoritárias quantitativamente as hipóteses de ritos não ordinários: tenha-se presente, por exemplo, que o próprio CPC regulamenta de forma excepcional os ritos sumários e especiais, destinando atenção notoriamente maior ao rito ordinário.

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nítida tendência de superação do procedimento ordinário, com a adoção de formas

procedimentais específicas e adequadas ao direito litigioso”.35-36

Em escrito dedicado à análise das tutelas diferenciadas como forma de

atribuir maior eficácia à atividade jurisdicional, o professor Donaldo Armelin registrou

que, “realmente, presentes diferenciados objetivos a serem alcançados por uma

prestação jurisdicional efetiva, não porque se manter um tipo unitário desta ou dos

instrumentos indispensáveis à sua corporificação. A vinculação do tipo da prestação

à sua finalidade específica espelha a atendibilidade desta; a adequação do

instrumento ao seu escopo potencia o seu tônus de efetividade”.37

Reduzindo nosso foco de atenção ao tema deste trabalho, há outra questão

que se vincula umbilicalmente à majoração da eficácia do processo civil como

instrumento condutor à realização do direito material: a atuação de ofício do juiz.

A atuação do juiz no processo civil é impregnada por fortíssimos obstáculos

(mais culturais que legislativos) no tocante à sua iniciativa relativamente (i) aos fatos

da causa e (ii) às provas desses fatos.

Por força da concepção tradicional do princípio dispositivo, vê-se o juiz

habitualmente em compasso de espera, como mero observador do embate travado

entre as partes, para, ao final, eleger qual delas tem razão. Diga-se, contudo, que se

nota a existência de tendência no sentido de conferir ao juiz maiores poderes, de

modo que sua participação seja mais eloqüente quando da estruturação do cenário

fático sobre o qual incidirá o direito material.

Esse movimento também é verificado quanto à intervenção acautelatória do

magistrado sem que exista requerimento expresso da parte, bastando que o órgão

jurisdicional identifique a presença dos pressupostos autorizadores da intervenção

acautelatória.

Igual tendência também é notada no que respeita à instrução processual,

sendo já consolidada a idéia de que o magistrado detém poderes instrutórios amplos

relativamente aos fatos da causa, sendo-lhe permitido determinar a produção de

provas mesmo que não exista requerimento das partes a respeito, bastando que 35 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo, p. 51, 52. 36 Em idêntica orientação de pensamento, afirma Fernando da Fonseca Gajardoni que “hoje, contudo – sem menosprezo às técnicas autocompositivas – o assunto do momento são as variações cognitivas e procedimentais, que, em abandono às formas de ordinarização do processo, criam verdadeiras tutelas jurisdicionais diferenciadas” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Técnicas de aceleração do processo, p. 157). 37 ARMELIN, Donaldo. Tutela jurisdicional diferenciada, p. 45.

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exista um juízo de necessidade do órgão jurisdicional sobre as provas para que seja

formado seu convencimento.

A praxis forense, contudo, nos indica que ainda é prevalecente a idéia de que

a atuação de ofício do magistrado deve limitar-se às matérias de ordem pública, em

regra. Além disso, no mais das vezes, o conceito de “ordem pública” para a doutrina

processual civil de modo a autorizar a atuação de ofício reduz-se às condições da

ação e aos pressupostos processuais, sob pena de argüição de lesão ao princípio

de imparcialidade que se impõe ao magistrado.

Essa concepção tradicional acerca das atividades de ofício do juiz cível como

voltadas exclusivamente às matérias de ordem pública (no mais das vezes

identificadas como condições da ação e pressupostos processuais) é vinculada,

ainda, à idéia de um processo civil de interesse preponderantemente pessoal, que

releva exclusivamente às partes.

O desenvolvimento cada vez mais intenso da idéia de publicização do

processo civil e a conseqüente concepção coletiva de seus resultados motivaram, e

motivam, a linha de estudos tendente ao fortalecimento da atuação de ofício mais

freqüente e ampla do juiz de direito nesse iter a ser palmilhado rumo à assunção do

direito material aplicável ao caso concreto.

Acerca da interessante questão dos poderes atribuídos ao juiz de direito na

condução do processo civil, é perceptível a benéfica linha de pensamento

direcionada a, preservados os poderes tradicionalmente conferidos ao juiz de

direção formal do procedimento (manutenção da ordem processual, impulso oficial

etc.), defender a outorga ao órgão jurisdicional de poderes outros, de condução

material, no sentido de compatibilizarem-se com as partes iniciativas de

esclarecimento da verdade fática, de estímulo e de integração de ofício de eventuais

lacunas probatórias ensejadas pelos litigantes.

No sistema processual civil italiano, ad exemplum, impera um modelo misto,

em que se mesclam nuanças do sistema dispositivo puro (iniciativa e disponibilidade

probatórias concentradas nas partes) e do sistema inquisitivo puro (o juiz dominando

a atividade de investigação dos fatos da causa, quando a lei assim o permitir). Há,

nesse sistema misto, equilíbrio de iniciativas de aferição da verdade entre partes e

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órgão judicante, não se reservando a este último apenas a condição de espectador,

no melhor sentido que se possa atribuir a tal vocábulo (espera).38

O exemplo italiano, aliás, nos é conveniente de todo, especialmente se se

considerar que, na codificação processual civil italiana de 1942, exacerbadas críticas

vieram a lume, especialmente porque não se havia estabelecido o grau desejado de

atribuição de poderes de instrução e de condução material do processo ao juiz.39

Em outras palavras, essa maior participação do magistrado, no sentido de

não se limitar à simples articulação da controvérsia e passar a contribuir para a sua

formação, sua instrução, seu desfecho e sua efetivação, pode ser visualizada como

exigência do próprio princípio do contraditório, que não vincularia, assim, apenas as

partes litigantes, mas o próprio órgão jurisdicional.

O que se quer dizer é que a ligação que se estabelece entre o magistrado e o

contraditório judicial não se esgota com a garantia às partes de manifestação sobre

os atos processuais, o que é (esta garantia) induvidosamente atividade do juiz; há

uma outra faceta do princípio do contraditório relacionada ao órgão jurisdicional, qual

seja, aquela que exige participação do magistrado no próprio debate mantido entre

as partes.

Consoante assevera José Alexandre Manzano Oliani, em profundo estudo

sobre o princípio do contraditório, “pode-se dizer que o julgador tem o dever de

dialogar com as partes durante todo o procedimento, isto é, de ouvi-las antes de se

pronunciar, pois somente assim lhes será assegurada efetiva possibilidade de influir

no resultado do julgamento”.40

A respeito desse novo viés sob o qual deve ser apreendido o princípio do

contraditório em sua relação com o agir ex officio, lançamos algumas idéias no

tópico seguinte.

I.3 - A atividade de ofício como exigência do princípio do contraditório

Em termos de tradição jurídica, o princípio do contraditório historicamente foi

avaliado como atinente apenas e tão-somente às partes litigantes.

38 É o que pensam COMOGLIO, Luigi Paolo, FERRI, Corrado, TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile, p. 211. 39 Conforme noticia CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologías, sociedad, p. 101. 40 OLIANI, José Alexandre Manzano. O contraditório nos recursos e no pedido de reconsideração, p. 47.

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Com efeito, é na esfera jurídica das partes da relação processual que

sobredito princípio produz sua mais relevante conseqüência, mormente porque

contraditar revela necessariamente a idéia de oposição, de contraposição. Na

realidade processual, se contraposição há, esta se manifesta preponderantemente

entre as partes.

Em confirmação a essa idéia arraigada de que o contraditório atine às partes

da relação processual, quase que em regime de exclusividade, tome-se a própria

redação que o legislador constituinte destinou a esse princípio.41

No texto constitucional (art. 5º, inc. LV), percebe-se a expressa referência à

figura dos litigantes como sujeitos ao princípio do contraditório, o que revela a

vocação primária deste às partes (referimo-nos a autor e réu) integrantes da relação

processual.

É bem verdade que, a toda evidência, o direito à contradição efetivamente

deve destinar-se de modo majoritário aos sujeitos processuais “autor” e “réu”, até

porque a bilateralidade de audiência, o direito de ciência e de manifestação acerca

dos eventos processuais é protagonizado pelas partes do processo. Nesse sentido,

bem assevera Nery que, “por contraditório deve entender-se, de um lado, a

necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do

processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que

lhe sejam desfavoráveis”.42

Encimada definição, lastreada no § 177, I, da ZPO austríaca, é contundente

no sentido de, repita-se, denotar como a idéia de contraditório vincula-se muito

proximamente às figuras das partes.

Não se pretende, neste trabalho, palmilhar as trilhas conceituais que

deságuam na definição do princípio do contraditório.

Há, contudo, uma faceta deste vital princípio de direito processual civil que

vem suscitando aguçados estudos: além de dizer respeito às partes litigantes, tem o

contraditório sua força estendida também ao magistrado, não como mero árbitro do

contraditório, senão como necessariamente autorizado, por este princípio, a posturas

41 “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios a ela inerentes” (Constituição Federal, art. 5º, inc. LV). 42 NERY Jr., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 129,130.

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de ofício tendentes à adequada prestação jurisdicional, o que nos permite extrair de

seu conteúdo uma idéia de maximização da atuação ex officio do juiz de direito.43

No campo das provas, ou da instrução processual, por exemplo, ao juiz

pacificamente se confere, hoje sem restrições no direito brasileiro, poder instrutório

robusto, amplo, não no sentido de ser-lhe admitido desgarrar-se do tema da prova (a

controvérsia, que tem sua formação circunscrita à iniciativa das partes), porém para

se utilizar de todos os mecanismos que entender úteis à investigação da

controvérsia, independentemente do que tenha sido proposto pelo jurisdicionado

como meio de prova.44,45

Se, num passado recente, o devido processo legal (cláusula constitucional na

qual se inclui o princípio do contraditório) tinha uma acepção predominantemente

formal, é forçoso admitir que esse modelo não mais funciona atualmente, dado não

satisfazer o que se espera da atividade jurisdicional. Prevalece, hodiernamente, o

paradigma do devido processo legal substancial, o qual, além das garantias

constitucionais vinculadas ao processamento das demandas, encarece

enormemente o próprio produto do processo como veículo para a assunção dos

objetivos constitucionais de harmonização social.46

43 “Visão moderna e adequada de contraditório, portanto, considera essencial para sua efetividade a participação ativa também do órgão jurisdicional. Tanto quanto as partes, tem o juiz interesse em que sua função atinja determinados objetivos, consistentes nos escopos da jurisdição. Os valores determinantes do modo de ser do juiz na condução da relação processual não são os mesmos vigentes no início do século (...) Não mais satisfaz a idéia do juiz inerte e neutro, alheio ao dramma della competizione (...) Em outras palavras, cabe ao juiz conferir conteúdo substancial, não apenas formal, à igualdade das partes, assumindo a direção material do processo” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório, p. 14). 44 “Compreende-se facilmente, ainda, que sequer essa solene garantia constitucional de legalidade vale por si própria, mas como penhor da observância de algo de maior significado substancial, que é o contraditório processual. O cumprimento do devido processo legal, que legitima os provimentos jurisdicionais, legitima-os justamente porque a experiência mostra ao constituinte, ao legislador e a todos, que a observância dessas regras é o caminho mais seguro para a efetividade do contraditório. É indispensável todo o sistema de informes às partes sobre os atos processuais do juiz, dos seus auxiliares e da parte contrária. É indispensável que a esses atos e provimentos possa a parte reagir adequadamente, gerando situações novas, de sua conveniência. É indispensável, também, que entre as partes e o juiz se instale no processo um diálogo construtivo, no sentido de melhor instrução daquele para decidir. Informação mais reação com diálogo –, eis a receita do contraditório, segundo sua moderna conceituação” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 374, 375). 45 “Em face do que dispõe o art. 130 do CPC, a única limitação à atividade do juiz com relação à atividade instrutória é a de que a ele não é dado ir além do tema probatório, ou seja, da lide ou do objeto litigioso” (ALVIM, José Manuel Arruda. Manual de direito processual civil, p. 392). 46 Veja-se, a propósito, tese de doutoramento defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo por SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Condução planejada dos processos judiciais – a racionalidade do exercício jurisdicional entre o tempo e a forma do processo, p. 131.

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Conforme percuciente magistério de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, “a

verdade é que não se pode mais aceitar o Juiz inerte, de braços cruzados, e que

encarava o processo como coisa das partes. E aí está o art. 130 do CPC para

comprovar a proposição (...) Torna-se, assim, palpável a insuficiência do conceito do

contraditório, tal como geralmente entrevisto na doutrina brasileira, ou seja, como

mera ciência bilateral dos atos do processo e possibilidade de contraditá-los. (...)”.47

Nessa linha de pensamento, a concepção moderna do princípio do

contraditório supera às largas a mera asseguração de participação dos litigantes: se

a estes é facultada, por força do contraditório, a participação no duelo processual, do

juiz o princípio do contraditório exige atuação, mormente para a assunção da síntese

que consumará o provimento jurisdicional que do Estado de pleiteia.48

Ao magistrado, por conta dessa moderna concepção do princípio do

contraditório, não é dado postar-se de forma contemplativa, distante, como fora

espectador de um litígio que não lhe diz respeito, como bem afirma Guilherme

Silveira Teixeira.49

Para Maria Elizabeth de Castro Lopes, em alentado estudo desenvolvido

sobre a atuação do órgão jurisdicional e os poderes respectivos, “ao contrário do

modelo tradicional, em que o juiz era mero espectador do conflito, limitando-se a

aplicar as regras legais, o processo civil contemporâneo exige um juiz integrado na

relação jurídica processual, isto é, um participante efetivo do processo”.50

Espera-se do órgão jurisdicional atuação, participação, representação, enfim,

atitude que signifique exercício de poder, e o princípio do contraditório, em sua

concepção contemporânea, parece franquear ao juiz essa linha de conduta.

Essa nova percepção do princípio do contraditório deriva da incessante

evolução que se imprime à interpretação dos institutos processuais civis, que se

47 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O juiz e o princípio do contraditório, p. 8 e 10. 48 GOMES, Sérgio Alves. Os poderes do juiz na direção e instrução do processo civil, p. 84. 49 TEIXEIRA, Guilherme Silveira. A ampliação dos poderes do juiz nas recentes reformas processuais e a necessidade de equilíbrio entre segurança e efetividade do processo, p. 50. 50 LOPES, Maria Elizabeth de Castro. O juiz e o princípio dispositivo, p. 37. Registre-se, porém, que precitada autora vê com reservas a figura do magistrado como fora um investigador de fatos: “Quando se pretende transformar o magistrado em investigador ou pesquisador de provas, desconsidera-se a realidade forense, em que os juízes, sobrecarregados, mal conseguem despachar seus processos. Além disso, ao defender postura autoritária, comprometem-se o equilíbrio, a eqüidistância e a serenidade, qualidades indispensáveis na arte de julgar (...) A hipertrofia dos poderes do juiz atenta contra o princípio da colaboração que deve haver entre os sujeitos do processo, segundo as tendências atuais de diálogo e participação (...) Além do mais, a atual estrutura do Poder Judiciário e o quadro de morosidade da Justiça mostram ser pura fantasia converter o juiz em investigador da verdade real ou pesquisador de fatos” (op. cit., p. 115 e 116).

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desgarram dos influxos havidos quando de sua estruturação legislativa e ganham,

com o passar do tempo, interpretação arejada, atualizada. “Es necesario

persuadirnos cada vez más de que el proceso (...) no es como el legislador lo ha

previsto en abstracto, sino como lo hacen vivir, como lo ‘representam’ (…) los

hombres”.51

Em interessante escrito acerca do princípio do contraditório, Edoardo Ricci

aponta três aspectos sob os quais o contraditório admite avaliação.

O primeiro e segundo aspectos em referência dizem respeito,

respectivamente, (i) à garantia de que as partes possam atuar processualmente

defendendo-se e (ii) à necessidade de que se fomente o debate judicial como forma

de aprimoramento da prestação jurisdicional. O terceiro aspecto, que particularmente

nos interessa, “surge da necessidade de satisfazer, mediante o processo, exigências

de solidariedade e socialidade, sobretudo se, na perspectiva da lei, uma parte

parecer (ou puder parecer) mais fraca do que a outra. A interferência do juiz, embora

concernente em si mesma a ambas as partes, pode ser, de fato, importante, nos

casos em que as partes, não obstante sua igualdade formal, não possuam igual

disponibilidade dos meios de defesa”.52

A idéia de que o princípio do contraditório tem sua manifestação

preponderantemente vinculada garantia de plena participação dos litigantes é,

evidentemente, correta, porém não exauriente, ao menos modernamente. Há, hoje,

um indubitável viés sob o qual pode ser avaliado tal relevante princípio: a

participação ex officio do juiz de direito, fomentando o debate, agindo acerca de

questões de ordem pública ou outras que admitam atuação sem provocação das

partes, enfim, o contraditório, em sua acepção atual, está umbilicalmente conectado

com a atuação jurisdicional de ofício. Trata-se de um novel enfoque da participação

entronizada pelo contraditório: a participação do magistrado à plenitude, no sentido

de obter-se jurisdição de qualidade.Essa maior participação do juiz em decorrência

de uma nova acepção do princípio do contraditório é notada por Dinamarco: “a

participação que a garantia do contraditório impõe ao juiz consiste em atos de

direção, de prova e de diálogo. A lei impõe ao juiz, entre seus deveres fundamentais

no processo, o de participar efetivamente”.53

51 CALAMANDREI, Piero. Proceso y democracia, p. 55. 52 RICCI, Edoardo. Princípio do contraditório e questões que o juiz pode propor de ofício, p. 498. 53 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, p. 131.

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Passemos, doravante, à verificação das matérias que comportam atuação de

ofício por parte do magistrado, examinando suas justificativas e os princípios que lhe

estão a nortear.

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CAPÍTULO II: MATÉRIAS QUE AUTORIZAM ATIVIDADE DE OFÍCIO DO JUIZ E PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CIVIS RELACIONADOS AO TEMA

II.1 - Matérias de ordem pública: ainda um assunto polêmico

A investigação das atividades que comportam atuação de ofício por parte do

juiz de direito tem, induvidosamente, arrimo em um assunto chave, vital: o intrincado

tema das matérias de ordem pública.

A despeito do agir ex officio derivado de outras questões que não as de

ordem pública (e nem sempre, decerto, a atuação de ofício dá-se exclusivamente na

seara dos temas envoltos por normas de ordem pública), é no âmbito destas que se

deposita a maior quantidade de hipóteses de atividades ex officio desenvolvidas pelo

órgão jurisdicional, daí decorrendo o relevo da abordagem deste tema.

Propor-se a enfrentar o tema das matérias de ordem pública é, não obstante,

um imenso desafio. Evidentemente, quando nos lançamos à análise das matérias de

ordem pública, fazemo-lo com o objetivo de investigar com um tanto mais de

aprofundamento um tema jurídico que está inegavelmente vinculado à atuação de

ofício do órgão jurisdicional.

Ab initio, pondere-se que o objetivo deste estudo não é, evidentemente,

cunhar um conceito aplicável às matérias de ordem pública, sendo certo também

que não compreendemos que as atividades de ofício do órgão jurisdicional, como

dito, se dão exclusivamente na órbita das matérias de ordem pública.

Inegável, contudo, que a atuação ex officio dos órgãos jurisdicionais se

desenvolve tendo por força motriz os temas jurídicos de ordem pública, o que por si

só nos anima – e nos compele – a avaliá-lo.

Em que pese seja objeto de inúmeras e cotidianas referências no mundo

jurídico, é notória a existência, ainda hoje, de dificuldades de assunção do conceito

de ordem pública.

De fato, a idéia do que venha a ser matéria de ordem pública assume

variados contornos conforme as diversas manifestações da vida social.

Partindo da premissa de que a ordem pública compõe-se de um complexo

normativo fitado ao estabelecimento de comportamentos que atendam ao interesse

da coletividade em regime de prevalência comparativamente aos interesses

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particulares, identifica-se, verbi gratia, disposições legislativas de ordem pública no

direito do consumidor, em que se pretende coibir práticas empresariais nocivas ao

consumidor, previamente concebido como hipossuficiente relativamente ao

fornecedor. Neste passo, as disposições protetivas do consumidor tendem a

salvaguardá-lo de práticas comerciais abusivas e, quando em juízo, a garantir-lhe

participação em regime de isonomia com o fornecedor mediante disposições legais

que lhe assegurem benefícios processuais neutralizadores da “superssuficiência” da

parte contrária.

Na esfera do direito empresarial, tem-se, ad exemplum, toda a gama de

disposições de ordem pública concebidas para a coibição de atividades

anticoncorrenciais, dado que é interesse da coletividade que a ordem econômica se

desenvolva em condições de disputa leal e igualitária entre os que nela atuam, do

que defluem valores relevantes como maior qualidade das atividades empresariais

desenvolvidas, a razoabilidade dos preços inerentes aos produtos e serviços, o

comportamento leal do empresariado no dia-a-dia mercantil etc.

No âmbito penal, quiçá a rama do direito em que se verificam com mais

freqüência as matérias de ordem pública, percebe-se com robusta clareza o caráter

imperativo atribuído às normas jurídicas penais (porque de interesse público). O

plexo de valores sociais que justificam a edição de regras de ordem pública é

bastante acentuado neste ramo jurídico.

Na esfera do direito da criança e do adolescente, do direito ambiental, do

direito tributário, enfim, nas variegadas ramificações da ciência jurídica existem, com

diferentes matizes de intensidade, matérias de natureza de ordem pública.

Em suma, não importa de que campo do direito se cogite, nota-se a presença

de valores que assumem prevalente interesse público e que, por isso, exigem

regulamentação normativa diferenciada, inflexível e livre do alvitre ou da disposição

dos indivíduos, justamente porque o interesse destes apresenta-se em plano

secundário, subsidiário.54

54 Para Arruda Alvim, “a ‘norma cogente’, ou de ‘ordem pública’, desde que ocorram os pressupostos de seu funcionamento, necessariamente incide no caso concreto, uma vez verificados no plano empírico os fatos a que se referem os seus elementos definitórios, independentemente da vontade dos interessados e mesmo contra tais vontades, que são impotentes (=irrelevantes) para impedir a sua incidência, a qual é, assim, inexorável” (ALVIM, José Manuel Arruda. Manual de direito processual civil, p. 109).

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A propósito, o termo “valor” apresenta considerável relevância no que respeita

à análise das matérias de ordem pública, mormente porque o decantado interesse

público que as justifica é decorrência de um influxo de valores sociais

predominantes.

Deveras, no que se relaciona às matérias que vêm disciplinadas por

legislação de ordem pública, nota-se a presença de valores cuja observância excede

ao interesse meramente das partes individualmente consideradas, porquanto é de

maior relevância o interesse público em cotejo com o interesse singular.

Há, portanto, uma circunstância (o interesse coletivo) que está a justificar o

caráter imperativo, necessário, cogente de determinada matéria jurídica e de seu

regramento. Há, em suma, um fim público movido por interesses gerais,

preponderantes, que exigem disciplina normativa própria, inflexível e insubordinada

à disposição da partes, dado que o interesse destas afigura-se subsidiário.

Há um “fim” a justificar a existência de matérias que relevem à boa

organização sociedade, ou seja, à ordem pública: o interesse público.

II.2 - O interesse público como justificativa

No dizer de Goffredo da Silva Telles Junior, este fim “é o que determina, no

agente, a idéia e o desejo da obra. É o objecto provocador de toda actividade (...) O

fim é a causa das causas, pois que é aquella que, na produção de um effeito, move

todas as outras causas. Sem heresia, podemos dizer que tudo nasce de um fim”.55

Em seqüência, prossegue o ilustre professor asseverando que “o fim da

sociedade é a realização do bem commum. Quem deve estabelecer a ordem que

leva ao bem commum? A resposta se impõe: a própria collectividade, a própria

multidão (...) Os mandamentos da collectividade ou de seu representante, regulando

a actividade dos indivíduos em vista do bem comum, chamam-se leis”, as quais são

“uma ordem de razão promulgada em vista do bem commum, por aquele que

preside os destinos da collectividade”.56

O pensamento acima reproduzido, bastante didático e elucidativo a respeito

do arcabouço de circunstâncias que orienta a atividade normativa de um Estado, em

verdade foi estruturado tendo por objeto as leis em geral, mas, no que tange às 55 TELLES Jr., Goffredo da Silva. A definição do direito, p. 52. 56 TELLES Jr., Goffredo da Silva. A definição do direito, p. 53.

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matérias reguladas por normas de ordem pública, é revelador no sentido de permitir-

nos entrever o enfeixamento de (i) valores preponderantes em determinada

organização social (coletividade) que, justamente por conta desta preponderância,

(ii) necessitam de protetividade tal que enseja sua vinculação a uma espécie

normativa de caráter imperativo.

Irineu Strenger, em estudo intitulado “Da dogmática jurídica”, avalia os

influxos que atuam na sistematização do direito de modo a atribuir-lhe características

de comando, de ordem. Neste passo, pondera o professor que, “interpretando o

dado, o dogmático necessariamente o historiciza enquanto o faz tornar-se parte de

uma consciência unitária que vive, desenvolve-se e está no presente porque está,

ao mesmo tempo, no passado e no futuro. Essa peculiar sistematização não ocorre

em virtude de um mero critério lógico, mas à base de um valor que cada um dos

princípios ordenadores tem e que se modifica em referência às mais profundas

exigências da espiritualidade humana. O momento histórico é, por isso, imanente no

momento sistemático”.57

Discorrendo sobre os valores como fundamentos do direito e cotejando três

formas de justificá-los, Bobbio observa que uma das formas de justificar os valores

“consiste em mostrar que são apoiados no consenso, o que significa que é tanto

mais fundado quanto aceito”.58

57 STRENGER, Irineu. Da dogmática jurídica, p. 26, 27. 58 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 27. Para Bobbio, “há três modos de fundar os valores: deduzi-los de um dado objetivo constante, como, por exemplo, a natureza humana; considerá-los como verdades evidentes em si mesmas; e, finalmente, a descoberta de que, num dado período histórico, eles são geralmente aceitos (precisamente a prova do consenso). O primeiro modo nos ofereceria a maior garantia de sua validade universal, se verdadeiramente existisse a natureza humana e, admitindo-se que existisse como dado constante e imutável, tivéssemos a possibilidade de conhecê-la em sua essência: a julgarmos pela história do jusnaturalismo, a natureza humana foi interpretada dos mais diferentes modos, e o apelo à natureza serviu para justificar sistemas de valores até mesmo diversos entre si. Qual é o direito fundamental do homem segundo a natureza? O direito do mais forte, como queria Spinoza, ou o direito à liberdade, como queria Kant? O segundo modo – o apelo à evidência – tem o defeito de se situar para além de qualquer prova e de se recusar a qualquer argumentação possível de caráter racional: na realidade, tão logo submetemos valores, proclamados evidentes, à verificação histórica, percebemos que aquilo que foi considerado como evidente para alguns, num dado momento, não é mais considerado como evidente para outros, em outro momento. Deve provavelmente ter aparecido como evidente, aos autores da Declaração de 1789, que a propriedade era ‘sagrada e inviolável’. Hoje, ao contrário, toda referência ao direito de propriedade como direito do homem desapareceu nos documentos mais recentes das Nações Unidas. Atualmente, quem não pensa que é evidente que não se deve torturar os prisioneiros? (...) O terceiro modo de justificar os valores consiste em mostrar que são apoiados no consenso, o que significa que um valor é tanto mais fundado quanto mais é aceito. Com o argumento do consenso, substitui-se pela prova da intersubjetividade a prova da objetividade, considerada impossível ou extremamente incerta. Trata-se, certamente, de um fundamento histórico e, como tal, não absoluto:

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Em se cogitando de valores como fundamentos do direito, torna-se essencial

colher o pensamento de Miguel Reale a respeito. No dizer de Reale, “toda regra

jurídica, além de eficácia e validade, deve ter um fundamento. O Direito, consoante

outra lição de Stammler, deve ser, sempre, ‘uma tentativa de Direito justo’, por visar

à realização de valores ou fins essenciais ao homem e à coletividade. O fundamento

é o valor ou fim objetivado pela regra de direito. É a razão de ser da norma, ou ratio

juris. Impossível é conceber-se uma regra jurídica desvinculada da finalidade que

legitima sua vigência e eficácia”.59

Como visto, os valores são parte fundamental da construção de determinada

norma jurídica, porquanto representativos do pensamento comum, ou do anseio

comum vigorante em determinado agrupamento social. Para que sejam

consolidados como valores sociais vigentes, o Estado, como conseqüência de sua

atividade normativa, eleva à condição de normas jurídicas esses valores, o que

acaba por compor matérias de ordem pública.

Percebe-se, de tal arte, que a edificação de determinada norma é

logicamente precedida pela consumação de um valor em determinado núcleo social,

precisamente porque este pretende construir uma realidade jurídica compatibilizada

com a realidade dos anseios sociais.60

Carnelutti, por tais razões, vislumbra um caráter notoriamente construtivo do

direito, na medida em que este (principalmente o direito positivo) destina-se à forja

de um cenário social harmônico com as expectativas do seio comunitário sobre que

incidirá.61

Em primeiras palavras, pensamos haver dois elementos que são

fundamentais para a compreensão das matérias de ordem pública: (i) o interesse

público preponderante e (ii) a necessidade de dispositivos normativos tendentes à

asseguração desse interesse preponderante.

mas esse fundamento histórico do consenso é o único que pode ser factualmente comprovado” (p. 26, 27). 59 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 115. 60 Este o sentido de valor para Pontes de Miranda, na medida em que “o valor é a relação entre o objeto e o sujeito, relação que exprime ou a estimação do objeto pelo sujeito ou a possibilidade de o estimar” (MIRANDA, Pontes de. Sistema de ciência positiva do direito, p. 232). No excerto indicado, o sujeito é a sociedade e o objeto são os anseios ou fins sociais. 61 Preceitua o jurista que “as normas jurídicas não são, por sua vez, outra coisa senão regras do construir; diz-se, aliás, regra posta pelo homem antes que pela natureza; muito melhor seria dizer arbitrária em antítese a regra necessária; porém, em suma, regra também” (CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do direito, p. 23).

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A bem da verdade, essas duas balizas apresentam-se enfeixadas em relação

de clara causalidade: é precisamente o interesse coletivo gerado pela matéria

(primeira baliza) que conduz à constatação da segunda baliza (a cogência,

determinada justamente pela relevância do interesse público).

Nesse sentido, percebe-se que a modalidade de normas que se contrapõem

às de ordem pública (as normas ditas de caráter dispositivo) caracteriza-se

justamente pela disponibilidade que os indivíduos têm acerca de sua incidência.

Neste passo, é fato ser preponderante o interesse particular no âmbito das normas

dispositivas.

Diante da cogência que particulariza as normas de ordem pública, há evidente

destaque ao poder regulador a ser exercido pelo Estado relativamente a essas

matérias, no sentido de zelar pela sua observância, o que evidentemente não

sucede com as chamadas matérias de direito disponível.62

O interesse maior inerente às matérias de ordem pública (sobrelevando o

interesse particular), portanto, justifica que o Estado tenha discernido bem

claramente quais situações estão integralmente submetidas aos seus domínios

regulatórios (temas de ordem pública) e quais fogem a essa regulação estatal

exauriente, em que existe liberdade de auto-regulação pelas partes de suas próprias

relações jurídicas, desde que se mantenham observadas algumas normas de caráter

genérico, principiológico (por exemplo, os indivíduos têm poder de contratar

livremente, desde que se atenda à licitude do objeto, à função social do contrato).

A propósito, sobre essa possibilidade de regramento estabelecido entre

particulares relativamente a temas de direito disponível (porquanto desprovidos de

interesse público preponderante), desde que observadas certas regras

principiológicas, de se conferir a própria disposição do art. 421 do CC.63

Feitos tais registros, pode-se assumir uma conclusão relativamente às

matérias de ordem pública: nelas, releva preponderantemente uma finalidade

62 Em erudito estudo sobre as questões de ordem pública, aponta Gisele Santos Fernandes Góes que “toda lei de ordem pública é imperativa, restando comprometido o interesse geral da sociedade e quando a norma tiver foco individual no processo ou sobre o fato não é, por isso, que deixa de ser de ordem pública” (GÓES, Gisele Santos Fernandes. Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial, p. 78). 63 “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

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pública, coletiva, superior àquela individual que também lhe é inerente, conquanto

dotada de menor importância.64

Identificado um demarcador das matérias qualificadas como sendo de ordem

pública, cremos ser útil ao presente estudo a colação de alguns excertos doutrinários

acerca da conceituação das chamadas normas de ordem pública.

II.3 - Opiniões doutrinárias a respeito. Classificação das normas jurídicas

De conformidade com as considerações acima expostas, as matérias de

ordem pública são inerentes a diversos ramos do direito (administrativo, civil,

processual civil etc.).

Se é verdadeiro que as normas de ordem pública espraiam-se aos diversos

ramos do direito, é certo também que são mais freqüentes na seara do direito

público, em virtude da participação mais intensa do Poder Público neste campo

jurídico.

Nessa linha de pensamento, e adstringindo nosso foco de estudo ao direito

processual civil, de se notar que é vibrante a presença de normas de ordem pública

nessa ramificação do direito, o que se dá, evidentemente, pela função destinada ao

processo civil na ciência jurídica.65

Com efeito, sendo certo que o direito processual civil encerra o conjunto de

normas destinado à disciplina da atividade jurisdicional fitada à pacificação social, é

evidente que se destaca a atuação do Estado nesse ramo jurídico.

A legislação processual civil, pois, está fortemente composta por normas de

interesse público, dado que destinadas ao regramento da atividade de dicção do

direito.

Dessarte, especialmente porque vinculada ao objetivo de justiça (em que

estão inseridos objetivos outros como estabilidade, segurança) que dele se espera,

o direito processual civil está repleto de regras cogentes, prescritivas de condutas

64 Releva, portanto, o bem coletivo, indivisível na sua criação e na sua fruição, conforme pondera LOPES, José Reinaldo de Lima. A definição do interesse público, p. 94. 65 “Mas, conquanto existam, no direito processual civil, algumas normas dispositivas, na sua imensa maioria elas são cogentes. É característica da norma processual civil o não ser possível afastar sua incidência nem às partes, nem ao juiz. Assim, está excluída a possibilidade de um processo convencional” (ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, v. I, p. 109).

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(prazos, formas, condições, pressupostos) atreladas ao desenvolvimento regular do

processo para que este alcance sua finalidade.66

No âmbito processual civil, cediço que é dado ao juiz de direito conhecer de

ofício as chamadas normas de ordem pública de caráter processual (falar-se-á das

normas de ordem pública substanciais oportunamente). Essa, aliás, a clara

expressão do art. 267, § 3º, do CPC, em que se faz referência (i) aos pressupostos

processuais de existência e validade, (ii) aos pressupostos processuais negativos

(inc. V do precitado art. 267) e (iii) às condições da ação.

É inegável, contudo, que existe certa dificuldade de distinção entre as normas

processuais de ordem pública e as que não ostentam essa característica. Sendo

certo que a legislação processual é permeada por diversas regras vinculadas às

formas dos atos processuais e à prescrição de condutas aos sujeitos processuais,

pode-se dizer que essa dificuldade de classificação deriva especialmente da

existência de distintos graus de imperatividade das diversas normas de caráter

processual civil existentes, graus esses de imperatividade que oscilam conforme

oscile, proporcionalmente, o interesse público que se colima proteger.67

De qualquer forma, ampliando-se nosso foco de atenção para outras searas

das matérias de ordem pública, passemos às impressões que juristas de nomeada

nos transmitiram acerca do tema.

66 “As normas processuais são de direito público pelo fato de regerem relações com o Estado, estando este no exercício do poder (supra, n. 8). Isso não significa que todas elas sejam de ordem pública. São de ordem pública todas as normas (processuais ou substanciais) referentes a relações que transcendam a esfera de interesses dos sujeitos privados, disciplinando relações que os envolvam mas fazendo-o com atenção ao interesse da sociedade como um todo, ou ao interesse público. Existem normas processuais de ordem pública e outras, também processuais, que não o são” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. I, p. 69). 67 Pondera Cândido Dinamarco que “não é possível traçar conceitos muito rígidos ou critérios apriorísticos bem nítidos para a distinção entre umas e outras (normas processuais de ordem pública e aquelas que não o são). Como critério geral, são de ordem pública as normas processuais destinadas a assegurar o correto exercício da jurisdição (que é uma função pública, expressão do poder estatal), sem a atenção centrada de modo direto ou primário nos interesses das partes conflitantes. Não o são aquelas que têm em conta os interesses das partes em primeiro plano, sendo relativamente indiferente ao correto exercício da jurisdição a submissão destas ou eventual disposição que venham a fazer em sentido diferente” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. I, p. 69, nossos parênteses). Mais adiante, o ilustre professor consigna que “esses diferentes graus de imperatividade indicam a existência de normas processuais cogentes, ao lado de normas processuais dispositivas – aquelas, com imperatividade absoluta e nenhuma liberdade deixada às partes para disporem de modo diferente, ainda que de acordo; estas, dotadas de imperatividade relativa e portanto portadoras de preceitos suscetíveis de serem alteradas pelos litigantes” (op. cit., p. 70).

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Em termos gerais, identificamos que majoritária parte da atenção devotada ao

assunto “matérias de ordem pública” dá-se quando a doutrina analisa os critérios

pelos quais podem as normas ser qualificadas.

É, de fato, no seio dos estudos sobre a classificação das normas jurídicas que

se localizam com mais proficuidade conceituações a respeito do tema.

Ribas, tratando da vinculação entre os valores morais e os jurídicos, expõe

que, “com effeito, os actos conformes à lei moral e jurídica, produzem em nós um

sentimento agradável, emquanto os actos contrários a ella provocão o sentimento

oposto. O homem justo desperta a sympathia ou espécie de attracção sentimental,

emquanto o perverso gera a antipathia e a repulsão. A approvação ou

condemnação, que de nossos próprios actos faz a consciência, se reflecte na

sensibilidade, em emoções de prazer ou de dor, segundo esses actos são ou não

conformes à lei proclamada pela razão”.68

No pensamento de Ribas, se entrevê que a razão precede a norma moral na

medida em que é ela, razão, que forja o senso de justiça inerente ao homem médio,

que atua sobre seu processo decisório de atuação. Projetando essa construção

intelectual sobre o método de construção das normas, a aglutinação das razões que

compõem a chamada razão coletiva, social, é que geneticamente explica a

existência de normas jurídicas dotadas de caráter imperativo, cogente, de maior

mando comparativamente a outras (ditas relativas ou disponíveis), precisamente

porque representativas de um plexo de valores sociais aos quais a própria

sociedade houve por bem atribuir caráter mais relevante, de interesse público, vitais,

pois, para a mantença da ordem pública.

O valor, no magistério de Ribas, é fruto da razão coletiva vigente em

determinado momento histórico, em que se revelam os anseios inerentes à

sociedade e que, para esta, atuam como condutos à convivência harmoniosa, daí

sendo de rigor sua normatização em caráter imperativo.

Ponderando que norma jurídica (principalmente a lei) é o “direito

objetivamente considerado” e elegendo diversas classificações a seu respeito, do

magistério de Clóvis Bevilaqua colhe-se que as leis podem ser de ordem pública ou

supletivas no tocante à força de sua aplicabilidade na sociedade.69

68 RIBAS, Antonio Joaquim. Curso de direito civil brasileiro, p. 15 (redação original). 69 BEVILAQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil, p. 18.

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Neste passo, seriam supletivas as leis cuja atuação condiciona-se à

manifestação da vontade individual, vale dizer, “seu campo de atuação é o

reservado à autonomia da vontade dos particulares”.70

Já as normas de ordem pública relacionam-se à organização da vida social

em seus diversos matizes (econômico, político, ambiental etc.), regulando a vida do

indivíduo como integrante da coletividade em suas diversas manifestações (em

juízo, no relacionamento com seus pares, no relacionamento com seu cônjuge e

filhos, na ordem econômica, na esfera tributária, entre outras várias situações).71

Miguel Maria de Serpa Lopes, de seu turno, classifica as normas jurídicas

conforme seu conteúdo, caso em que poderiam ser preceptivas (que ordenam),

proibitivas (que vedam) ou permissivas (que permitem ou facultam determinada

ação) e segundo sua força obrigatória, hipótese em que podem existir “normas

cogentes e normas relativas, bifurcando-se estas últimas em normas dispositivas ou

interpretativas e supletivas”.72

Em contida síntese, preceitua encimado autor que seriam cogentes as

normas que se impõem por si mesmas, independentemente de qualquer forma de

arbítrio pessoal ou de facultatividade exercida pelos destinatários delas. De outro

lado, seriam relativas as normas jurídicas cuja observância, pelos indivíduos, não

fosse obrigatória, vale dizer, a respeito de tais normas jurídicas existe margem de

disponibilidade por parte dos destinatários da norma.

As normas de caráter relativo são mais comuns na órbita do direito privado,

visto que, “no Direito Público, todas as leis são, em regra, imperativas, mesmo as

inerentes aos atos jurídicos individuais. Tais normas relativas, como dissemos, são

de duas espécies: ou se destinam a fixar o significado da vontade privada, que

houver sido manifestada de um modo obscuro, e assim suscetível de dar lugar a

70 BEVILAQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil, p. 19. 71 Para Clóvis Bevilaqua, as matérias de ordem pública “umas vezes, referem-se às bases econômicas ou políticas da vida social, como as de organização da propriedade, e as constitucionais; outras vezes, são protetoras do indivíduo no grêmio social, como as de capacidade; outras, sancionam os direitos, quer do indivíduo, quer da sociedade, como as penais e as processuais; ainda outras têm o caráter de polícia jurídica, sempre que repelem as ofensas aos bons costumes; por fim uma classe existe, que assume a feição de ordem pública, em razão de se derivar, necessariamente, da essência de um instituto jurídico estabelecido, como a que impõe o dever de convivência dos cônjuges, que é conseqüência imediata do casamento, segundo compreende a cultura moral de nossos dias” (BEVILAQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil, p. 19). 72 LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil, v. I, p. 47.

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interpretações várias, ou podem servir para suprir a falta ou integrar lacunas

relativas à manifestação da vontade privada”.73

Para Tércio Sampaio Ferraz, “por força de incidência entendemos o grau de

impositividade da norma”. Nesse sentido, seriam cogentes, injuntivas ou imperativas

as normas que vinculam sujeitos sem que lhes seja concedida qualquer autonomia,

dado prevalecer o interesse público sobre o privado.74

Carlos Alberto Bittar aduz serem vários os critérios por meio dos quais podem

ser catalogadas as normas jurídicas, “possibilitando-se, com as divisões, um

entendimento global de sua essência, de que se destacam quanto: à extensão; à

hierarquia; à natureza; ao alcance; à força; à aplicação; à duração; à intensidade da

coação e à sanção”.75

Das diversas modalidades classificatórias sugeridas pelo civilista em apreço,

merecem atenção para o objetivo deste estudo as relativas à intensidade da coação

e à sanção.

No que respeita à intensidade da coação, afirma Bittar que as leis podem ser

classificadas como cogentes e supletivas. Cogentes são as que se impõem

inflexivelmente à sociedade, dado que atreladas à manutenção da ordem social; as

supletivas vinculam-se a relações jurídicas “não essenciais” e são dependentes,

para que vigorem, da adesão da vontade dos indivíduos.76

Relativamente à sanção, o ilustre professor classifica as normas jurídicas em

perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas, na medida em que, respectivamente,

sua infringência acarrete (i) nulidade do ato, (ii) sanção outra do ato que não sua

nulidade e (iii) nenhuma sanção quando de sua não observância. Nota-se, de tal

arte, que predita classificação oscila da nulidade do ato à inexistência de qualquer

conseqüência quando de sua realização ao arrepio da lei que lhe diga respeito (ao

ato).77

Do pensamento de Renan Lotufo, colhe-se pertinente lição acerca do direito

positivo e das leis, em suas diversas acepções classificatórias.

Por primeiro, informa o professor da Faculdade de Direito da PUC/SP que o

direito “cumpre sua função em duas direções fundamentais: 1ª) para que a pessoa

73 LOPES. Miguel Maria de. Curso de direito civil, v. I. p. 49. 74 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, p. 129. 75 BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil,v. 1, p. 29. 76 BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil, v. 1, p. 30. 77 BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil, v. 1, p. 30.

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realize seus fins (substantivos), o que pressupõe (como ser social) a organização e

conservação da comunidade; e 2ª) para que a comunidade realize seus fins

(instrumentais), o que pressupõe (como comunidade jurídica) que faça respeitar e

proteger a pessoa, como indivíduo”.78

Em seqüência, ao apreciar a subdivisão das normas jurídicas, preconiza

encimado doutrinador que as normas são imperativas, ou dispositivas: as primeiras

são as que “prevêem condutas e são de aplicação obrigatória”, ao passo que as

segundas são de aplicação a critério das partes.79

Para o jurista José de Oliveira Ascensão, professor catedrático da Faculdade

de Direito de Lisboa, as normas de ordem pública (por ele chamadas de “regras

injuntivas”) são as que se aplicam haja ou não declaração de vontade dos sujeitos

nesse sentido, o que as distingue claramente das regras dispositivas, em que a

manifestação volitiva tem relevância para fins de aplicação.80

Seriam passíveis de sumarização diversas outras classificações ou

compreensões das matérias de ordem pública, e decerto muitas mais existem.

As opiniões doutrinárias reproduzidas neste tópico, contudo, apresentam-se

aptas quantum sufficit para que desde já seja possível identificar dois caracteres

indissoluvelmente associados às matérias disciplinadas por normas de ordem

pública: relevância transindividual e cogência, ou imperatividade.

Neste passo, tem-se que as normas de ordem pública bem se aproximam do

conceito de normas coercitivas criado por Kelsen, no sentido de se encontrarem “no

ponto central de um sistema jurídico, prescrevendo aos homens determinada

conduta”,81 e essa prescrição de condutas revela-se interessante à observância do

objetivo comum a que aludimos acima.

Entre as classificações das normas jurídicas, das quais buscamos extrair

alguns subsídios para aclarar o conceito de normas de ordem pública, cumpre-nos

tecer registros sobre o corte destas em dois grupos, a saber, o das normas de ordem

pública de caráter substancial e o continente de normas de cunho processual,

porquanto tal análise é interessante para que se saiba se ambas estariam, ou não,

no conjunto das questões que comportam atividades de ofício do juiz de direito.

78 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, v. 1, p. 30. 79 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil, v. 1, p. 54. 80 ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito. Introdução e teoria geral, p. 547. 81 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 30.

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II.4 - Matérias de ordem pública de direito material e de direito processual

Considerando-se que se colima, neste trabalho, catalogar as possibilidades

de atuação judicial de ofício no âmbito recursal, e considerando-se mais que parte

relevante destas atividades se dá em decorrência de temas de ordem pública,

cremos ser merecedora de destaque relevante ponderação: a atuação judicial ex

officio no que atine a assuntos de ordem pública recebe idêntico tratamento em se

tratando de matérias de ordem pública de caráter processual e de caráter material?

As matérias de ordem pública ditas processuais podem ser conhecidas de

ofício e nenhuma polêmica há a respeito, especialmente por força de disposições

legais expressas nesse sentido, a saber, os arts. 267 e 301 do CPC.

Dado se vincularem ao exercício de uma atividade pelo Estado-juiz,

precisamente a atividade jurisdicional, é natural, óbvio até, conferir-se ao magistrado

atuação de ofício acerca de matérias de ordem pública de caráter processual.

Parece-nos, contudo, que a mesma placidez de pensamento não existe

relativamente às matérias de ordem pública de caráter material. O tema destaca-se

atualmente dado serem cada vez mais numerosos os debates judiciais tendo por

objeto relações jurídicas atinentes a matérias de ordem pública de caráter material,

adrede na esfera do direito do consumidor, isto sem se cogitar da tradicional

concentração das matérias de ordem pública de cunho substancial no âmbito das

ações versando sobre direitos indisponíveis (filiação, alimentos etc.).

Com efeito, em torno das matérias de ordem pública de caráter substancial

instala-se polêmica acerca de sua cognoscibilidade de ofício, sendo que pensamos

derivar essa polêmica da intensa vinculação que se estabelece entre normas de

direito material e iniciativa exclusiva da parte na formação da causa de pedir.

Deveras, quando se cogita de norma de ordem pública de cunho processual,

não se está tratando de causa de pedir, vale dizer, ninguém vai a juízo pretendendo

determinado bem da vida com fulcro em norma de direito processual, que serve

apenas à disciplina do trâmite processual. O regramento processual, como cediço,

não é gerador de direitos materiais, e normas processuais não compõem a causa

petendi de uma demanda.

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A causa de pedir, entendida como a razão que faz com que alguém conduza

um pleito à justiça, é composta, como sabido, de fatos e de normas materiais que se

subsumam a tais fatos.

O conceito de causa de pedir secciona-se em causa de pedir próxima (o

fundamento jurídico, legal ou contratual, vale dizer o “título” a que se pede algo, ou a

que título e sob qual fundamento jurídico algo é requerido em juízo) e remota

(basicamente, os fatos que conduziram alguém a juízo). Para José Rogerio Cruz e

Tucci, a causa de pedir remota compõe-se dos fatos dos quais emerge “a pretensão

do demandante”, e a causa de pedir próxima é o encaixe da situação fática “no

ordenamento de direito positivo.82

A fixação da causa de pedir remota e do pedido perfaz atribuição exclusiva da

parte litigante, do que decorre ser vedado ao magistrado conhecer de ofício de

matérias de ordem pública de modo a desgarrar-se da causa de pedir remota e do

pleito de tutela jurisdicional que foram carreados ao Judiciário pelo litigante, sob

pena de afronta ao princípio dispositivo.83

Diga-se, a propósito, que evidentemente nada impede que o magistrado

conheça de ofício de matérias de ordem pública de cunho material como

fundamentação de sua decisão: a estruturação da motivação de um pronunciamento

judicial evidentemente pode conter regras jurídicas de ordem pública de direito

material (até porque, como diz o brocardo, da mihi factum, dabo tibi ius). Em outras

palavras, se a causa de pedir remota (grosso modo, os fatos) é de alteração vedada

ao juiz, a causa de pedir próxima (mormente o fundamento legal) é de livre

disposição pelo magistrado, que seguramente não está adstrito do fundamento

jurídico exposto em exordial.84

O que nos parece terminantemente vedado pelo sistema processual civil

brasileiro, até mesmo como prevenção ao arbítrio e à parcialidade judiciais, é a

cognição de matérias de ordem pública de direito material pelo juiz de modo a 82 TUCCI, José Rogerio Cruz e. A causa petendi na ação de usucapião extraordinária, p. 158. 83 Conforme magistério de Fritz Baur, “são as partes que determinam o que deve ser objeto do processo. O Tribunal não está autorizado a substituir ou a completar este objeto, mesmo que isto seja útil” (BAUR, Fritz. O papel ativo do juiz, p. 188). 83 SATTA, Salvatore. Diritto processuale civile, p. 118. 84 Neste sentido, pondera Bedaque que “afirma-se a possibilidade de o juiz alterar a fundamentação jurídica, sem que isso implique modificação da causa de pedir. Aplica-se a regra iura novit curia, pois o limite à atividade do juiz estaria restrito à matéria fática” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório, p. 32). Registre-se, também neste sentido, o pensamento de TUCCI, José Rogerio Cruz e. A causa petendi no processo civil, p. 160.

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atribuir elastério ao que foi argüido pela parte a título de causa de pedir remota

(narração fática) e ao pedido. Nas palavras de Satta, “come spetta alle parti stabilire i

termini della domanda, cosi spetta ad esse proporre i fatti decisivi della domanda

stessa”.85

Em termos exemplificativos, caso determinada pessoa tenha requerido a

nulidade de cláusula contratual em relação de consumo e tenha, para tanto,

narrados fatos e alegado vício de consentimento, poderá o magistrado, conforme o

que constar dos autos (a narração fática componente da causa de pedir remota e as

provas respectivas), declarar tal nulidade não por vício de consentimento, mas por

existir abusividade de tal cláusula, o que a nulifica de pleno direito (CDC, art. 51).

Seria ilícito de todo, isto sim, determinar, no exemplo sugerido no parágrafo

acima, nulidade de cláusula contratual sem que houvesse qualquer narração fática a

respeito, caso em que estaria o magistrado desgarrando-se por completo da causa

de pedir remota.

Veja-se que o exemplo sugere a adoção de fundamentação de ordem pública

não requerida pelo autor, porém mantendo-se absolutamente intocados a causa de

pedir remota e o pedido de prestação jurisdicional (nulidade de cláusula contratual

em relação de consumo).86

A cognição de matérias de ordem pública de cunho material é autorizada,

neste sentir, desde que não exista ampliação do pedido deduzido pela parte, vale

dizer, desde que seja estritamente adotada como causa decidendi, forte na

constatação de que o juiz está adstrito aos fatos e ao pedido deduzidos pelas partes,

cabendo-lhe, com autonomia, definir o enquadramento jurídico que se lhe apresentar

correto (adstrito, repita-se, aos fatos e ao pedido constantes da causa).

O quanto dito no parágrafo acima advém da idéia de que o mérito da causa

consiste basicamente no pedido de prestação jurisdicional deduzido pela parte, e

85 SATTA, Salvatore. Diritto processuale civile, p. 118. 86 O argumento, com o qual concordamos, foi desenvolvido por SPADONI: “Percebe-se, portanto, que as matérias de ordem pública em que o CPC expressamente autoriza o conhecimento de ofício (...) consistem, todas elas, em fundamentos do julgamento do pedido delimitado pelo autor. Sua cognição e reconhecimento em juízo não têm a virtude de conceder a qualquer uma das partes bem jurídico diverso daquele sobre o qual recai o litígio. Coisa diversa é se declarar ex officio a nulidade de cláusula contratual não englobada no objeto litigioso. Neste caso, não se estará diante de fundamento de julgamento, mas sim de julgamento abrangente de objeto mais amplo do que aquele delimitado pela atividade das partes. Estar-se-á não apenas julgando a lide fixada inicialmente, mas atribuindo-se a uma das partes bem jurídico diverso daquele delimitado pelo autor em sua petição inicial”. É o que observa SPADONI, Joaquim Felipe. Cláusulas abusivas nas relações de consumo e sua declaração judicial: alguns aspectos recursais, v. 4, p. 599.

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precisamente no que tange a esse mérito é que não pode existir qualquer manejo

por parte do magistrado. Acresça-se a isso a impossibilidade de alteração da causa

de pedir remota (os fatos expostos).87

Tal cenário, aliás, é de remansoso acatamento na jurisprudência do STJ:

"Processo civil. Embargos à execução. Cédula de crédito industrial. Limitação dos

juros remuneratórios. Julgamento ultra petita. Inocorrência. Precedentes. Multa por

procrastinação indevida. Propósito de prequestionamento. Recurso parcialmente

acolhido. (...) II – Segundo o princípio consagrado nos brocardos iura novit curia e da

mihi factum dabo tibi ius, ao autor cumpre precisar os fatos que autorizam a

concessão da providência jurídica reclamada, incumbindo ao juiz conferir-lhes

adequado enquadramento legal".88

Neste passo, a admissão da cognição de matérias de ordem pública de cunho

material exclusivamente como causa de decidir (sem que se admita ampliação do

objeto litigioso) existe por força da necessária observância do princípio da

correlação, ou adstrição.

Ipso facto, além de os pedidos deverem ser interpretados restritivamente

(CPC, art. 296), será nula a sentença que se desgarrar do pedido deduzido pelo

litigante, apreciando menos, mais ou fora do que pleiteado em petição inicial (CPC,

art. 460).

Anote-se a existência de opiniões contrárias até mesmo à adoção de matérias

de ordem pública como fundamento da decisão.89

A respeito dos lindes nos quais pode o magistrado movimentar-se quando do

exercício da atividade jurisdicional, cumpre-nos abordar, doravante, importantes

princípios processuais civis atinentes à atuação ex officio.

87 “Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere) que, entre outros significados, tem o de ‘pedir, por preço’ (é a mesma origem de ‘meretriz’ e aqui também há a idéia, do preço, exigência). Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para seu exame” (DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil, p. 33). 88 STJ, REsp n.148.894, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 18.10.1999. Neste sentido, AgREsp n. 213.804, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 27.11.2000, AgRg no REsp n. 612.495, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 24.05.2004, e EREsp n. 198.472, rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 12.06.2000. 89 Negando a possibilidade de cognição de matéria de ordem pública de cunho material em qualquer hipótese, veja-se PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Os recursos e as matérias de ordem pública, v. 7, p. 120.

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II.5 - Princípios processuais civis relacionados à atuação de ofício do juiz

II.5.1 - Princípio dispositivo (e anotações sobre o princípio da congruência)

O primeiro princípio que cremos seja conveniente analisar no que concerne à

atuação de ofício do órgão judicante é, em verdade, um princípio de caráter restritivo

do agir judicial ex officio.

De fato, parafraseando Athos Gusmão Carneiro, “a atividade jurisdicional é

uma atividade provocada”, inexistindo jurisdição sem demanda, salvo exceções

como a abertura de inventário ex officio, prevista no art. 989 do CPC.90

Já se disse que a imobilidade é inerente ao próprio conceito de jurisdição, em

que se prestaria atividade jurisdicional na medida em que existisse pedido da parte,

ou intervenção a pedido da parte.91

Para Bedaque, a inércia da atividade jurisdicional relaciona-se à autonomia

que se reconhece ao indivíduo no curso das relações que este estabelece no

cotidiano. Além de se vincular ao próprio princípio de que a jurisdição deve ser

imparcial, o princípio da demanda justifica-se também pela evidente necessidade de

serem evitadas intromissões indesejadas nas relações privadas.92

A referência ao princípio da demanda por via de outra denominação (princípio

da inércia da jurisdição) existe por conta desse caráter de imobilidade do Estado

relativamente à deflagração da atividade jurisdicional.

De fato, até porque não pode o Poder Público converter-se em “resolvedor

universal de todas as tensões intersubjetivas” que eclodem no cotidiano social, a

jurisdição remanesce em compasso de espera.93 A própria autodeterminação do ser

humano atua como elemento justificador deste cenário, na medida em que ninguém

melhor que o interessado para vindicar a resolução de um conflito jurídico de que

faça parte.

90 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência, p. 7. 91 ROCCO, Ugo. Tratatto di diritto processuale civile, v. I, p. 51. 92 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de Processo Civil Interpretado, p. 38. 93 Conforme registra Marcelo Abelha Rodrigues, o princípio dispositivo prende-se, preponderantemente, à proibição de que exista livre iniciativa do juiz na inauguração de demandas. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil, v. 1, p. 59.

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De nossa parte, observamos que o princípio da demanda, mormente

conforme a redação do art. 2º do CPC,94 não deve ser apreendido conceitualmente

apenas como tradutor da possibilidade de invocação da jurisdição por meio do

exercício do direito de ação. Em outros termos, a possibilidade a todos atribuída de

movimentar a máquina judiciária (subvertendo a inércia que lhe caracteriza por força

do princípio da demanda) não significa “apenas a possibilidade de alguém dirigir-se

ao juiz e formular determinada pretensão”.95

A concepção contemporânea – e mais adequada – do princípio da demanda,

ou dispositivo, revela com grande intensidade que a provocação da atividade

jurisdicional a todos garantida pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal,

muito além de exaurir-se com a propositura da ação e com a disciplina

procedimental das leis processuais, vê-se plenamente satisfeita desde que

atendidos os objetivos de justiça, de resultado e de oportunidade temporal. Em

outros termos, o princípio dispositivo deve ser atualmente compatibilizado com

outros princípios, especialmente o princípio da inafastabilidade da justiça: deve,

obviamente, o juiz manter-se absolutamente no interior dos fatos e pedidos

deduzidos pela parte; se lhe concede, porém, liberdade instrutória para formar sua

convicção e autonomia para a prática de atos ex officio tendentes à assunção de

jurisdição justa, efetiva e oportuna.96

Em expressão já bastante conhecida, a “ordem jurídica justa” deve ser o

móvel da atividade do Estado-juiz. A modelagem constitucional do processo civil

vincula-o fortemente ao resultado que dele se pode augurar, vale dizer, é cada vez

mais robusta a correlação entre demanda e eficácia para que se tenha por atendido

o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Sem receios de exagerações, não há que se falar de atenção plena à

inafastabilidade da jurisdição enquanto experimentarmos o cenário de intensa

94 “Art. 2º Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais.” 95 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de Processo Civil Interpretado, p. 38. 96 Em aprofundada monografia sobre o tema, o professor João Batista Lopes comenta essas novas feições do princípio dispositivo, trazendo à colação pensamento de Cappelletti: “o princípio dispositivo, em sua moderna configuração, significa apenas que a iniciativa das alegações e dos pedidos incumbe às partes, não ao juiz (...); o juiz, a par das funções próprias de diretor formal do processo, exerce um poder de intervenção, de solicitação, de estímulo no sentido de permitir que as partes esclareçam suas alegações e petições, a fim de ficar assegurado um critério de igualdade substancial das mesmas” (LOPES, João Batista. Os poderes do juiz e o aprimoramento da prestação jurisdicional, p. 35).

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dificuldade de obtenção de resultados práticos – e tempestivos – por meio do

processo civil.

Como dissemos, o princípio da demanda, tal qual previsto no art. 2º do CPC,

respeita, primordialmente, ao momento de deflagração da atividade jurisdicional, à

propositura da ação de modo que se inicie a atividade jurisdicional.

Essa imobilidade característica da atividade jurisdicional, se por um lado (o

viés da fase inaugural da ação cível) é tratada no dito art. 2º do CPC, sob o ângulo

da decisão (a fase de encerramento da atividade jurisdicional de 1º grau) é

disciplinada pelo art. 128 de nossa codificação processual civil.97

Ao dispor que a decisão da lide se dará nos lindes da propositura (“o juiz

decidirá a lide nos limites em que foi proposta”), o art. 128 do CPC representa

manifestação do princípio da inércia da jurisdição no plano decisório final, no sentido

de que é vedada a apreciação, pelo órgão jurisdicional, de pedidos não formulados

pela parte.

Há, na dicção do art. 128 do CPC, proibição de o juiz desgarrar-se do pedido

deduzido pelo autor.

O que a lei processual veda ao magistrado, por força do art. 128 em comento,

é que se dê a atividade jurisdicional surpreendente, inovadora, em que o juiz, a

despeito da não constância em petição inicial, vale-se de motivações fáticas outras

que não tenham sido argüidas pelo demandante.

A vedação dessa atividade jurisdicional distanciada da causa de pedir

justifica-se, aliás, pela atenção que se deve manter ao princípio do contraditório:

seria, a toda evidência, julgamento inquisitorial aquele que se lastreasse em

motivação distinta da invocada pelo autor e, portanto, não debatida em bilateralidade

de audiência pelos litigantes.

A propósito, contrariar essa regra fundamental seria criar perigoso atalho para

o arbítrio, haja vista que não haveria limites para o emprego de decisões pelo juiz a

seu bel prazer, permitindo-se fundamentações surgidas à undécima hora, sem que

acerca delas tenha-se manifestado a parte e, pior, sem que tenham sido argüidas

pelos litigantes.98

97 “Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.” 98 Não se refere, neste pormenor, à fundamentação jurídica, cuja invocação, pelo juiz, é livre (da mihi factum, dabo tibi ius).

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Essa limitação de atuação decisória do órgão jurisdicional dá-se em razão do

princípio da congruência, ou adstrição, cujo alcance enseja a simetria entre a causa

de pedir (remota, porque a causa de pedir próxima – o fundamento jurídico – pode

ser “manuseada” pelo magistrado99) e o pedido, de um lado, e a decisão judicial que

for proferida no feito, de outro.

De antemão, perceba-se que o princípio da congruência revela-se com

contornos bem definidos em nosso sistema processual por conta da expressa

proibição de sentenças ultra ou extra petita. Neste passo, convém ponderar que são

rechaçadas sentenças que extrapolem quantitativa (ultra) ou qualitativamente (extra)

o que foi objeto de pretensão do autor em petição inicial.100

Sobre o princípio da congruência, ou da correlação, ou da adstrição, suas

manifestações legislativas situam-se nos arts. 128 e 460 do CPC: como consta do

art. 128 de nosso diploma processual civil, está o juiz, ao decidir o feito, vinculado

aos limites em que fixada a lide pelas partes.

Acerca dessa “fixação da lide”, cumpre-nos estabelecer algumas ponderações

auxiliares na compreensão do princípio da congruência: por congruência, entenda-

se a necessidade de que exista correlação entre o que foi deduzido pela parte a

título de fatos (causa de pedir remota) e de pedido de prestação jurisdicional, e é

sob o influxo desses dois fatores, sem poder de forma alguma alterá-los ou deles

desgarrar-se, é que deverá o magistrado julgar o feito, sob pena de lesão ao

pressuposto processual da imparcialidade.

De fato, “pelo princípio da correlação, concede-se liberdade ao julgador

apenas dentro do espaço da lide, cabendo-lhe, destarte, apreciar as questões

argüidas”, delimitando-se a atividade jurisdicional relativamente ao pedido deduzido

pela parte.101,102

Revigorem-se, aqui, os registros que fizemos acerca da possibilidade de

atuação de matérias de ordem pública de caráter material (capítulo II.4 acima): o juiz

99 Da mihi factum, dabo tibi ius. 100 “Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional.” 101 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Nulidade da sentença e o princípio da congruência, p. 68. 102 CARVALHO, Milton Paulo de. Do pedido no processo civil, p. 162.

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não está vinculado à fundamentação jurídica da demanda, do que decorre que

poderá fazer incidir sobre o feito o fundamento legal que julgar correto.103

A concepção clássica do princípio dispositivo, portanto, manifesta-se

fortemente imbuída de ditamos incidentes sobre a atividade jurisdicional no sentido

de blindá-la quanto à estruturação do objeto da demanda: encontra-se

exclusivamente ao alvitre das partes litigantes o estabelecimento daquilo que será

objeto da atividade jurisdicional. Os elementos da ação conhecidos como causa de

pedir (remota) e pedido estão, a teor do princípio dispositivo, infensos a qualquer

intromissão inovadora do órgão jurisdicional.

Outra ponderação que se faz pertinente no que respeita às influências do

princípio dispositivo sobre a organização legislativa da atividade jurisdicional respeita

ao caráter bifocal do princípio.

Como cediço, não apenas o autor carreia fatos e pedidos à apreciação

jurisdicional.

Ipso facto, é, quiçá, mais comum que o demandante contribua

preponderantemente para a definição do objeto da atividade processual, porquanto é

do autor que partem as alegações fáticas e o pedido de prestação jurisdicional que

delas será decorrente.

Não obstante seja do autor a, digamos, primazia na formação dos limites

objetivos e subjetivos da prestação jurisdicional vindoura (dado ser do autor, via de

regra, o pleito de prestação jurisdicional e em face de quem esta é requerida), fato é

que também o sujeito passivo da lide pode desenvolver atividade processual de

adução de fatos e de pedidos em juízo.

Por primeiro, diga-se que, além de poder deduzir negativas dos fatos

articulados pelo autor, é possível que o réu inove no cenário fático também ao

deduzir os chamados fatos modificativos, impeditivos e extintivos do direito do autor.

São as chamadas defesas substanciais indiretas, em contraponto às chamadas

defesas substanciais diretas (mera negativa dos fatos articulados pelo autor).

Ao valer-se das defesas substanciais indiretas, o réu comporta-se

(processualmente) de modo bastante distinto comparativamente àquele típico das

103 Está o juiz vinculado, isto sim, à “circunferência dentro da qual o litígio é deduzido, discutido e julgado”, conforme aponta MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença, p. 207. Parece-nos escapar a esses limites, evidentemente, a fundamentação jurídica da decisão, que resta à eleição do magistrado, conforme seu convencimento.

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defesas de mérito diretas, mormente porque provoca inovação no cenário fático dos

autos.

Em outros termos, é certo que também ao réu reconhece-se iniciativa de

contribuição fática à relação processual, ao menos em caráter potencial.

Adicionalmente, diga-se que também relativamente à estruturação do pedido

de prestação jurisdicional tem o réu participação.

Tal afirmação estriba-se na circunstância de que não somente o demandante

requer em juízo: o réu, ao postular a rejeição do pedido do autor (com ou sem

resolução de mérito), igualmente deduz pedido, conquanto se trate de pedido de

negação do pleito do autor.

Se os pedidos do réu são majoritariamente de caráter negativo, por assim

dizer, há hipóteses excepcionais em nosso ordenamento em que, no cerne da

mesma relação processual, pode também o demandado formular pedidos positivos,

vale dizer, pedidos não de mera negação do direito do autor, porém de prestação

jurisdicional em face do autor.

Referimo-nos, neste ponto, às ações judiciais ditas de caráter dúplice, em que

ao réu se reconhece a possibilidade de lavrar pretensões condenatórias em face do

autor. São exemplos dessa possibilidade as ações possessórias, de prestação de

contas, renovatória de contrato de locação, revisionais de aluguel, as ações que

admitem processamento sob o rito sumário, bem assim as que são propostas com

fulcro na Lei 9.099/95.

Nessas demandas em que se admite a dedução de pedido contraposto,

mostra-se bastante clara a condição do réu de também ser um postulante em juízo,

vale dizer, de também ser um contribuinte para a formação do pedido de prestação

jurisdicional que será avaliado pelo órgão judicante.

Não por acaso, e como evidência de que também o réu atua com postulante,

é consolidada a lição de que a fase postulatória não se compõe apenas da petição

inicial, senão que a integra também a contestação.

Expostas tais informações, o princípio dispositivo e a conseqüente vedação à

alteração do objeto da demanda pelo juiz dizem respeito, também, à figura do réu,

na medida em que este tem, ou pode ter, iniciativa de adução de fatos e de

postulação em juízo por ocasião de sua atividade de resposta.

Outrora fortíssimo e de aplicação irrestrita em tempos de processo liberal, o

princípio dispositivo vem sofrendo sensíveis alterações em suas feições,

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especialmente a partir do momento em que o direito processual, mercê de sua

autonomia relativamente ao direito civil, passou a ser objeto de estudos apartados

do direito material, do que decorreu sua inserção entre os ramos do direito público,

porquanto respeitante ao exercício de um cometimento estatal de extrema relevância

(a prestação jurisdicional).

Este fenômeno é conhecido por publicização do processo civil, em cuja

esteira foi robustecida a atuação de ofício do juiz de direito, em oposição à lógica do

processo liberal que vigorava anteriormente, em que o magistrado tinha relevância

sensivelmente menor na condução dos feitos.104

II.5.2 - Exceções ao princípio dispositivo verificadas no CPC

II.5.3 - Princípio inquisitório: contraponto ao princípio dispositivo?

Se o princípio dispositivo atua como elemento limitador à atividade judicante

no sentido de impedir-lhe iniciativa do juiz na deflagração de demandas, além de ser

vedada qualquer modificação na postulação conduzida a juízo (no que toca ao

pedido em si), convive o direito processual civil com outro princípio que,

aparentemente, serve de contraponto ao dispositivo: o princípio inquisitório.

É bem verdade que, na seara processual civil, o princípio inquisitório, ou

inquisitivo, tem aplicação bem mais restrita comparativamente àquela verificada na

esfera do direito processual penal.

Com efeito, entre as circunstâncias em que se verifica a presença do princípio

inquisitório no processo civil, tome-se a situação em que são conduzidas à

apreciação da Justiça ações versando sobre os chamados direitos indisponíveis.

Os direitos indisponíveis classificam-se em públicos e privados, sob a ótica

dos direitos materiais.

As relações jurídicas de direito público, vale dizer, travadas pelo Poder

Público, quando levadas a juízo permitem o exercício de atividade jurisdicional

dotada de maiores iniciativas por parte do juiz, dada a maior relevância para a

coletividade que apresentam os direitos públicos.

104 GOMES, Sérgio Alves. Os poderes do juiz na direção e instrução do processo civil, p. 87.

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Diga-se, porque relevante, que também direitos materiais de caráter privado

podem se apresentar indisponíveis, como se dá nas hipóteses de filiação,

paternidade, maternidade e relativamente aos direitos de incapazes em geral.

Para José Rubens Costa, “em se tratando de direitos indisponíveis, vigem os

princípios da verdade material e da inquisitorialidade, como, ressalvadas exceções,

no direito processual penal. Em se tratando de direitos disponíveis, vigem os

princípios da verdade formal e da dispositividade, como, ressalvadas exceções, no

direito processual civil”.105

A propósito do relacionamento que se estabelece entre o princípio inquisitório

e o princípio dispositivo, permitimo-nos indagar se realmente existiria, hoje, um

relacionamento de contraposição entre ambos (daí o ponto de interrogação no título

deste tópico).

Parece-nos que não, mormente considerando-se que ambos os princípios

dizem respeito a momentos distintos do feito: o princípio dispositivo está

umbilicalmente atrelado à apresentação da ação em juízo, à propositura da

demanda, no sentido de vedar-se o início ex officio da atividade jurisdicional e vedar-

se, também, intromissão do magistrado na formação da alegação fática das partes

(há necessária adstrição disto à iniciativa da parte), ao passo que o princípio

inquisitório relaciona-se aos diversos poderes conferidos ao juiz no sentido de

conduzir e instruir o processo de modo que se desenvolva adequadamente a

atividade jurisdicional que lhe foi provocada pela parte ao propor a ação.106

Já em meados do século passado, Satta, em que pese ainda sob os influxos

de um processo civil em que o princípio dispositivo tinha ares absolutos,

manifestava-se no sentido de que o princípio inquisitório deveria ser levado em

consideração também em causas cíveis: “al processo dispositivo si contrappone il

processo inquisitorio, che ha il suo modelo nel processo penale, ma che può

ricorrere anche nelle controversie di carattere civile. Ciò avviene quando, accanto

105 COSTA, José Rubens. Manual de processo civil, v. I, p. 9. 106 “Não há oposição, contraste ou conflito entre a disponibilidade da tutela jurisdicional, que repudia a instauração de processos de ofício pelo juiz, e o princípio inquisitivo, responsável pela efetividade do próprio poder jurisdicional estatal a ser exercido sempre que provocado. Exaure-se aquela no veto à iniciativa oficial, não chegando sequer ao ponto de permitir a unilateral e peremptória revogação da vontade de contar com o processo e com a tutela jurisdicional” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. I, p. 232).

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all’interesse delle parti, vi sia un interesse di carattere generale (l’interesse della

legge) del quale le parti stesse non possono disporre”.107

O que nos parece saltar aos olhos é que existe, hoje, forte aculturação do

direito processual civil no sentido de adaptá-lo às querenças contemporâneas por

uma jurisdição bem mais próxima da realidade: é estreme de dúvidas, hoje, que o

juiz cível tem iniciativa probatória, a despeito daquela incumbente às partes, como

signo de que a jurisdição, muito mais que mera administração de conflitos entre

particulares, atrai enorme interesse público.

Neste sentir, ainda que não vivamos a lógica do juiz dotado de investigação

livre, sentem-se os efeitos da notável evolução dos poderes instrutórios do

magistrado, o que decorreu da atenuação dos rigores do princípio dispositivo. No

atual estágio de desenvolvimento do direito processual civil, ao juiz evidentemente

não é dado intrometer-se na estruturação fática da demanda, porém lhe é dado

atuar com bastante iniciativa na apuração desses fatos, não quedando o órgão

jurisdicional meramente à espera de provas eventualmente solicitadas pelos

demandantes, como que olhando de soslaio para o processo.108

Pensamos, também, que não só apenas diante de matérias de direito

indisponível é que tenha cabimento a atribuição de certa dose de inquisitoriedade ao

juiz moderno: os ditos “direitos disponíveis” também estão hoje a reclamar atuação

de ofício na sua apuração judicial, especialmente porque, quando levados a juízo,

deixam de ser puramente disponíveis, na medida em que a dicção do direito se lhes

atribui, a fortiori, o interesse público inerente a toda e qualquer questão forense (no

mínimo, por se tratar de atividade tendente à pacificação social).109

Há, evidentemente, certo hibridismo no direito processual civil brasileiro: na

formação do cenário fático da causa, na estruturação dos fatos da demanda, não é

dado ao juiz intrometer-se, em regra (vigência do princípio dispositivo);110 na sua

107 SATTA, Salvatore. Diritto processuale civile, p. 108. 108 Apenas à guisa de exemplificação de como se dava a percepção do juiz acerca das provas no processo civil altamente influenciado por uma visão liberal, veja-se o que escreveu Redenti em 1938, expondo o pensamento de uma época: “(...) la legge (salvo qualche temperamento che vedremo) pone la regola, che il giudice non può procedere d’ufficio alla ricerca delle prove” (REDENTI, Enrico. Profili pratici del diritto processuale civile, p. 436). 109 No direito processual civil italiano, conforme noticia Mandrioli, persiste um sistema “dispositivo attenuato”, em que o juiz pode ter iniciativa probatória apenas quando a lei o permitir, como no divórcio (MANDRIOLI, Crisanto. Corso di diritto processuale civile, v. I, p. 103 usque 105). 110 “Il tema del giudizio di merito inizialmente non può essere proposto, come abbiam visto, se non dall’attore, con l’editio actionis (petitum)”. O pleito de prestação jurisdicional tem de ser apreendido

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apuração, contudo, admite-se atuação livre do magistrado no sentido de estruturar

seu convencimento (inquisitoriedade).111

II.5.4 - Princípio do impulso oficial

Ainda no que tange à atuação judicial no curso do processo, há que se

destacar outro princípio, expressamente previsto no CPC, que atine ao

desenvolvimento da relação processual: o princípio do impulso oficial.

De acordo com o princípio sob comento, se o órgão jurisdicional não tem, em

regra, interferência no começo da relação processual, que se dá exclusivamente por

iniciativa da parte quando da propositura da ação, a evolução da relação processual

depende integralmente da atividade do magistrado.

Esse é o modelo processual tradicional dos países de tradição jurídica

romano-germânica, em que a deflagração da jurisdição compete à parte, ao passo

que o desenvolvimento da jurisdição, em termos procedimentais, compete ao juiz de

direito. É a fixação da postulação (adstrita à iniciativa dos jurisdicionados) que

definirá o limite da jurisdição que será apreciada, sendo de controle oficial o iter a ser

seguido até o momento do pronunciamento jurisdicional pretendido.

Da consolidação do direito processual como ramo autônomo da ciência

jurídica, apartado do direito civil,112 necessariamente decorreu sua desconexão do

pelo juiz nem fora, nem além do que fora formulado pela parte (Nec extra, nec ultra) (REDENTI, Enrico. Diritto processuale civile, v. I, p. 181). 111 “No direito brasileiro, pode-se dizer que ainda vigora o princípio dispositivo, como regra fundamental, ou como simples princípio diretivo, sujeito, porém, a severas limitações previstas pelo legislador em inúmeros dispositivos legais que o abrandam consideravelmente, outorgando ao Juiz uma apreciável faculdade de iniciativa probatória” (SILVA, Ovídio A. Baptista da, e GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil, p. 47). 112 A propósito, já tivemos oportunidade de escrever a respeito, reproduzindo pensamento de Chiovenda: “A dissociação entre direito material e processual aqui referida é decorrência de uma ambivalência de fatores, conforme lição de Giuseppe Chiovenda. O jurista peninsular, no início do século XX, identificou duas razões deflagradoras da ciência processual autônoma: (i) a renovação ocorrida no estudo do direito público, no início do século XIX, e (ii) a renovação dos estudos de direito romano havida na Alemanha no mesmo período. Na primeira situação, desencadeou-se uma nova e original visão acerca da estatalidade da atividade processual, com a conseqüente mitigação da idéia de processo ou de atividade jurisdicional orientadas exclusivamente em direção à solução do caso litigioso envolvente das partes. Na esteira dessa ampliação da utilidade do processo (muito além da relação que junge os sujeitos ativo e passivo da demanda), passou a ter valor fundamental a emersão da vontade da lei, como fator conducente, além da neutralização do conflito interpartes, à primazia do ordenamento jurídico como fonte do pacífico convívio social (o chamado caráter dúplice do processo). Da segunda circunstância contribuinte para o surgimento da ação como direito autônomo (o que deu gênese ao processo como ramificação jurídica autônoma), destaca-se a revisitação do direito romano procedida por juristas alemães em meados do século XIX (...) Neste cenário, (...) surge a obra de Oskar Von Bülow (Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias, 1868),

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direito privado, porquanto desvinculada restou a figura do processo do âmbito do

direito civil.

A identificação de uma relação de direito processual autônoma daquela de

direito material se houve no lastro de uma linha de pensamento que enxergou no

processo muito mais que a simples solução de um conflito verificado em uma

relação jurídica mantida entre dois sujeitos.

De fato, a vital contribuição que os estudos acerca da autonomia do processo

deram à ciência jurídica consistiu justamente na atribuição de outro objetivo do

direito processual além da equação do litígio entre as partes: em termos

macroscópicos, além do acertamento da relação jurídica inter partes, a própria

higidez do ordenamento jurídico assumia a condição de objetivo da atividade

jurisdicional.

A partir da consumação desse novo enfoque, em que evidentemente se

sobrepuja o mero interesse particular em fomento do interesse coletivo, estabelece-

se o direito processual definitivamente como integrante da órbita do direito público,

dado que representação de um relacionamento jurídico envolvente das partes entre

si e perante o Estado distinto do relacionamento de direito material controvertido.

Tais informações, que aqui são trazidas tão-só à guisa de relembrança,

denotam que, a partir da publicização do direito processual e de seus objetivos,

passou o Estado a ter manifesto interesse na condução – e na conclusão – do

processo.

Essas circunstâncias conformadoras da atividade processual tal qual esta se

estruturou no interior da ciência jurídica justificam, portanto, a existência do chamado

princípio do impulso oficial, cuja expressão legislativa situa-se no art. 262 do CPC.113

Em termos conceituais, pode-se atribuir ao princípio em apreço a condição

de fio condutor da atividade jurisdicional até que esta atinja seus finais termos, i.e.,

vez proposta a ação, caberá ao órgão jurisdicional a adoção de todos os atos

processuais que lhe caibam, e a provocação das partes para que se desincumbam

dos atos que lhe são típicos, de modo que se encerre a cadeia procedimental com a

prolação da decisão judicial final.

considerada um dos marcos fundadores do processo civil como ramo autônomo da ciência jurídica, em que a tônica foi a referência ao direito de ação como um direito autônomo, de caráter público” (MELLO, Rogerio Licastro Torres de. O responsável executivo secundário, p. 66 e ss., são nossos os parênteses). 113 “Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.”

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Esse enfeixamento de condutas, ou de atos processuais, conduzido pelo juiz

de direito manifesta-se de diversas formas ao longo do processamento de uma ação

cível: há, por exemplo, iniciativas probatórias que são conferidas ao magistrado

(CPC, art. 130),114 iniciativas conciliatórias (CPC, art. 125, inc. IV),115 iniciativas

repressivas de condutas processuais ilícitas (CPC, art. 125, inc. III),116 iniciativas de

direção processual (CPC, art. 125, inc. I)117 e, evidentemente, iniciativas decisórias.

Diga-se, a propósito, que a existência de um princípio do impulso oficial não

significa, como visto, que exclusivamente quedará a cargo do órgão jurisdicional a

propulsão do processo. Também às partes cabem determinados atos processuais

cuja não realização poderá acarretar a extinção da relação processual, como é

exemplo a hipótese de regularização de representação processual (sem o que será

posto fim ao processo sem resolução de mérito).

Da circunstância acima indicada, emerge a conclusão de que o princípio do

impulso oficial não é absoluto, vale dizer, a evolução do processo até que se dê sua

final decisão de mérito encontra alguns obstáculos. Tais óbices verificam-se quando

o prosseguimento do feito, de modo que seja atingida sua função teleológica (o

apaziguamento de relações conflituosas), depende de ato da parte, que, contudo,

renite em praticá-lo. A propósito, não se deslembre que a inação das partes acarreta

a extinção do processo sem resolução de mérito, a teor do art. 267, incs. II e III, do

CPC.118,119

114 “Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.” 115 “Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: (...) IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.” 116 “Art. 125. (...) (...) III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça.” 117 “Art. 125. (...) I – assegurar às partes igualdade de tratamento (...)” 118 “Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...) II – quando ficar parado durante mais de 1(um) ano por negligência das partes; III – quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; (...)” 119 Conforme decidiu o Ministro Franciulli Neto, do STJ, “é cediço que a movimentação da máquina judiciária pode restar paralisada por ausência de providências cabíveis ao autor, uma vez que o princípio do impulso oficial não é absoluto” (STJ, REsp n. 757.000, DJ de 13.03.2006).

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Nessas hipóteses de prosseguimento do processo a depender de iniciativa

das partes, pode-se dizer que o impulso oficial, entendido como dever de o

magistrado animar o prosseguimento do feito, vê-se prestigiado com a instância pelo

juiz à parte para que esta se desincumba do ato que lhe compete. Na inércia da

parte, aí então dar-se-á a extinção do feito, nos termos legais.120

A respeito do princípio do impulso oficial, consigne-se ainda que, como uma

de suas decorrências, deve ser incessante o fluxo processual, sendo que as poucas

paralisações admitidas no curso do processo cível são tidas, dada sua

excepcionalidade, como crises processuais, previstas no art. 265 do CPC como

hipóteses suspensivas do processo. Afora as excepcionais situações arroladas no

art. 265 do CPC (eventos como morte das partes, de seus procuradores, convenção

das partes etc.), não se interrompe o curso do processo.

Há, em doutrina processual, referências apartadas ao princípio inquisitório e

ao princípio do impulso oficial. A existência dessa dualidade de referências poderia

gerar a impressão de que seriam os princípios inquisitório e do impulso oficial

distintos.

Não nos parece correta tal impressão.

A nosso ver, a inquisitoriedade e o impulso oficial devem ser entendidos como

um só tema, dado que atinentes à possibilidade de o órgão jurisdicional, a despeito

de provocação da parte que não a própria propositura da demanda (ex officio, pois),

imprimir andamento ao feito até que este atinja o resultado que dele se espera, a

saber, a resolução do meritum causae, se tal for possível, ou a decisão pela

resolução sem apreciação meritória.

Para sermos precisos do ponto de vista semântico, é bem verdade que a

expressão “inquisitório” avizinha-se mais do mérito da causa, na medida em que se

vincula ao questionamento (inquirição) da própria lide estabelecida entre as partes,

ao passo que a locução “impulso oficial”, de seu turno, vê-se mais aproximada de

aspectos extrínsecos ao mérito, vale dizer, a nosso ver o impulso oficial relaciona-se

preponderantemente com evolução procedimental. Seriam, a título de exemplo,

deliberações judiciais de manifestação das partes, ao passo que do princípio

120 Neste sentido, já se decidiu que “inocorre vulneração ao art. 262 do CPC, quando a movimentação do processo está a depender de providência da parte, mormente quando o magistrado determina o andamento do feito em observância ao princípio do Impulso Oficial” (STJ, REsp n. 27.158, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 22.03.1999).

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inquisitório decorreriam requisições probatórias partidas do próprio órgão

jurisdicional, quando tais provas não tenham sido requisitadas pelos litigantes.

Para a assunção do resultado que se almeja do processo, como dito, poderá

o órgão jurisdicional valer-se de diversas iniciativas oficiais, sejam de mero impulso,

sejam de investigação da controvérsia apresentada pelas partes, do que deflui que,

pragmaticamente, está-se cogitando da mesma coisa quando se avaliam os

princípios inquisitório e do impulso oficial.

II.6 - Atuação de ofício relativamente a outras matérias

A atuação de ofício do juiz de direito não se esgota com as chamadas

matérias de ordem pública.

De fato, há outros temas que admitem agir ex officio e que não se encontram

incluídos no rol dos temas de ordem pública, que relevam grandemente para o

interesse público, e isto se dá, a nosso ver, basicamente por razões de

convencimento do órgão jurisdicional, de urgência ou simplesmente de política

legislativa.

Por primeiro, no que atine ao convencimento do órgão jurisdicional, cediço

que existe verdadeira flexibilização do princípio dispositivo no CPC quanto à

iniciativa probatória oficial. A redação do art. 130 do CPC, neste passo, contém

expressa autorização de determinação de provas por parte do magistrado, o que

revela um fortalecimento da convicção do juiz, que poderá suplantar eventual inércia

das partes no que diz respeito à estruturação intelectual de sua decisão. Destaca-se,

aqui, o paradigma da qualidade da jurisdição que se pretende do magistrado, daí a

razão lógica da norma inscrita no art. 130 do CPC.

No que tange às razões de urgência, a própria conservação do resultado do

processo eventualmente ameaçado por risco de dano autoriza, hoje com pacificação

doutrinária e jurisprudencial, a intervenção acautelatória por parte do juiz de direito.

A razão de ser dessa liberdade para atuação de ofício reside na necessidade de

conservação da finalidade do processo, em que se revela evidente interesse estatal,

na medida em que a jurisdição é um cometimento público que, uma vez provocado,

deixa de dizer respeito exclusivamente aos litigantes, como ocorria no processo

liberal até meados do século XIX. Ainda que não possam ser chamadas de “matérias

de ordem pública”, porquanto não dotadas de disposições legislativas que assim as

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tratem, as situações judiciais envoltas em urgência, tão-somente pelo risco, exigem

intervenção de ofício.

Para maiores apontamentos sobre as tutelas cautelares de ofício (e também

sobre nossa opinião acerca da possibilidade de antecipação de tutela de ofício),

remetemos o leitor ao capítulo VIII deste estudo.

Por derradeiro, uma última categoria que enxergamos passível de atuação de

ofício concentra os assuntos que, em decorrência de política legislativa, comportam

iniciativa oficial para sua apreciação a despeito de provocação da parte. O tônus

marcante desses temas são, induvidosamente, (i) a aceleração que se quer

obsessivamente imprimir às questões judiciais e (ii) a necessidade de se atribuírem

ao magistrado maiores poderes para efetivação de seus provimentos.

Nessa última categoria, indicamos, exemplificativamente, a questão da

prescrição passível de decretação de ofício, a atribuição de poderes ao relator para

apreciação de recursos em substituição ao órgão colegiado e a possibilidade de

medidas de execução indireta de provimentos (imposição de multas e medidas

outras que forcem a parte ao cumprimento de determinações judiciais).

II.7 - “Enquanto não proferida a sentença de mérito”?

Quando da análise do § 3º do art. 267 do CPC, chamou-nos a atenção uma

expressão ali constante, que reproduzimos em destaque a seguir: “o juiz conhecerá

de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a

sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI (...)”.

A indagação que se nos apresenta a respeito é a seguinte: não seriam

conflitantes a possibilidade de cognição de ofício da matéria em qualquer tempo e

grau de jurisdição e a expressão “enquanto não proferida a sentença de mérito” ?

Como algo pode ser cognoscível em qualquer tempo e grau de jurisdição e, ao

mesmo tempo, ficar circunscrito cronologicamente à prolação da sentença de mérito

(apenas poderia dar-se tal cognição de ofício até a prolação da sentença de mérito)?

Pensando-se com mais detença a respeito, nos parece que a expressão sub

examine, cuja redação não é das mais claras, não significa que a apreciação de

matérias de ordem pública estaria preclusa após a prolação da sentença de mérito

(o que de fato não ocorre, consoante consta da própria primeira parte do texto do §

3º do art. 267 do CPC: “em qualquer tempo e grau de jurisdição”), porém que, em

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termos de atuação de ofício, sem que a parte provoque o magistrado, este poderá

apreciar temas de ordem pública desde que não tenha prolatado decisão de mérito.

Uma vez tendo apreciado o mérito da causa, seja em primeiro grau, seja em

segundo grau de jurisdição, efetivamente não é dado ao juiz, de ofício (portanto,

sem provocação da parte), simplesmente chamar de volta os autos à conclusão e

“redecidir” o feito, tomando conhecimento de matéria de ordem pública já tendo,

anteriormente, prestado jurisdição (com a apreciação do meritum causae).

A cognição de matéria de ordem pública após a prolação de decisão de

mérito poderá ocorrer por conta de nova provocação ao órgão jurisdicional mediante

interposição de recurso (por exemplo, em sede de embargos de declaração), quando

então será admissível que o julgador, diante de expressa provocação da parte

recorrente ou por força do próprio efeito translativo peculiar aos recursos, conheça

de matérias de ordem pública e profira decisão extintiva do processo sem resolução

do mérito, substituindo-se a decisão anterior.

No sentido do quanto afirmado no parágrafo acima, veja-se que o art. 463 do

CPC dispõe que, proferida a sentença, o juiz apenas poderá alterá-la para corrigir,

de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo, ou

ainda quando houver a oposição de embargos de declaração (inciso II do art. 463 do

CPC).

Feitos tais apontamentos introdutórios sobre as matérias que podem ser

objeto de atuação de ofício pelo órgão jurisdicional, faz-se de rigor passarmos à

análise das diversas posturas de ofício praticáveis em grau recursal.

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CAPÍTULO III: ATIVIDADE DE OFÍCIO DO JUIZ EM GRAU RECURSAL NOS RECURSOS EM GERAL

Iniciando-se o que chamamos de tentativa de catalogação das atividades de

ofício em grau recursal, passaremos à avaliação das posturas de ofício adotáveis

nos recursos em geral, abordando-se assuntos que se aplicam, em sentido lato, ao

julgamento de diversos recursos cíveis, para, nas partes seguintes deste estudo,

analisarmos temas respeitantes a atuações ex officio atreladas particularmente a

alguns recursos (apelação, agravo e recursos excepcionais).

III.1 - Recursos em geral: uma proposta de organização das atividades de ofício em grau recursal

As atividades desempenháveis de ofício em grau recursal atinem,

basicamente, àquelas inerentes ao juízo de admissibilidade dos recursos e à própria

ordenação do processo e, também, a outras, vinculadas ao julgamento do mérito

propriamente dito dos recursos e às chamadas tutelas de urgência.

O primeiro grupo de atividades judiciais passíveis de prática ex officio, qual

seja, as inerentes ao juízo de admissibilidade dos recursos e à ordenação

processual, apresenta-se como manifestação das condições da ação e dos

pressupostos processuais em segundo grau de jurisdição e, como se aferirá em

tópico seguinte, é composto dos requisitos recursais extrínsecos e intrínsecos,

sempre margeando o mérito recursal, ou melhor, antecedendo-o, como é de suceder

com temas relativos à admissibilidade dos recursos. Quanto à própria ordenação

processual, basta dizer que se trata do exercício do poder de direção do feito em

grau recursal, algo evidentemente objeto de atuação de ofício e a respeito do que

muito não há a dizer.

D’outro turno, o segundo grande grupo que identificamos acerca da atuação

ex officio em grau recursal relaciona-se a matérias atreladas ao julgamento recursal

propriamente dito, que possam ser objeto de decisões enquadráveis na órbita do art.

269 do CPC, seja no que é tangente aos julgamentos propriamente ditos (v.g., o

reconhecimento da prescrição, a cognição, por força do efeito devolutivo, de

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fundamentos não constantes da apelação), seja no que diz respeito à instrução em

esfera recursal.

Por derradeiro, são igualmente merecedoras de atenção as hipóteses de

intervenções de urgência em grau recursal, principalmente as que admitem

desempenho ex officio, como será abordado em sede própria deste estudo.

A título de organização didática deste trabalho, preferimos seccionar o tema

(i) conforme os recursos cíveis, optando por uma parte geral e pela abordagem de

atuações de ofício mais marcadamente ocorrentes nos recursos de apelação, de

agravo de instrumento e de estrito direito, (ii) relativamente à instrução probatória em

grau recursal e (iii) no que respeita às tutelas de urgência.

É o que se expõe em seqüência.

III.2 – As atividades de ofício de ordenação processual: o juízo de admissibilidade

Analogamente ao que ocorre em primeiro grau de jurisdição, também os

recursos sujeitam-se à aferição de determinadas condições e pressupostos para que

se faça possível seu julgamento pelo órgão ad quem.

O exame desses requisitos prévios é denominado de juízo de admissibilidade

dos recursos, vale dizer, trata-se de atividade jurisdicional desenvolvida com o

escopo de verificar se determinadas condições impostas em lei para que seja

admitido o recurso estão presentes. Sendo positiva tal aferição, está o órgão

jurisdicional autorizado à apreciação do chamado mérito recursal.

Nota-se, do quanto sobredito, que o processamento dos recursos está

condicionado ao empreendimento de dois juízos absolutamente distintos, sucessivos

no tempo e atrelados logicamente em relação de condicionante (o juízo de

admissibilidade) e de condicionado (juízo de mérito): ab initio, o recurso é submetido

à aferição de suas condições de admissibilidade; sendo positiva essa aferição,

passa-se ao mérito recursal.

Esse discernimento entre duas esferas distintas do procedimento recursal

(exame de condições recursais e julgamento do recurso propriamente dito) é, hoje,

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pacificamente aceito pela doutrina pátria, sendo diversos os pronunciamentos nesse

sentido.121,122

A bem dizer, a aceitação dos recursos como sendo manifestação do direito de

ação em grau recursal (como fora uma extensão da ação em segunda instância)

permitiu a transposição, para o plano recursal, do regime bifásico de exame da ação

tal qual proposta em primeiro grau: admissão e mérito.

A consolidação da existência desses dois planos também no âmbito recursal,

portanto, permitiu a constatação de que também os recursos têm mérito, vale dizer,

pode-se falar de mérito recursal propriamente dito.

E, neste ponto, insta observar que o mérito dos recursos não

necessariamente se confunde, ou guarda semelhança, com o mérito da ação: se o

mérito da ação é composto por uma pretensão jurídica de direito material do autor

resistida pelo réu (a lide, em síntese), o mérito recursal pode também sê-lo, ou não.

Essa circunstância, mencionada por Flávio Cheim Jorge, é por este ilustrada

de forma clara tomando-se o caso de um recurso de apelação interposto diante de

sentença que julgou improcedente ação de despejo: nessa hipótese, se a pretensão

do autor da ação (rescisão do contrato de locação e despejo do imóvel) foi rejeitada

em primeiro grau, a apelação aforada (em que se pretende a reforma da sentença,

decretando-se o despejo) terá mérito idêntico.123

Não obstante, poderá o réu-locatário identificar, nessa mesma sentença, a

existência de vícios processuais (cerceamento de defesa, exempli gratia) que

justifiquem a interposição de apelação em que se argua, somente, o chamado error

in procedendo. Nesta hipótese, em que o recurso de apelação tem finalidade

exclusivamente anulatória da sentença hostilizada, não há que se falar de identidade

entre o mérito aferido em primeiro grau de jurisdição e aquele constante da

apelação.

121 Sobre o juízo de admissibilidade, pondera Nelson Luiz Pinto: “Como já se salientou, no juízo de admissibilidade apenas se apreciará a possibilidade de o recurso vir a ser examinado em seu mérito, não se indagando se assiste ou não razão ao recorrente. Ainda que de plano se possa constatar a procedência do mérito do recurso, ou, ao contrário, a sua total inviabilidade, isto não deve, de forma alguma, influenciar no juízo de admissibilidade” (PINTO, Nelson Luiz. Recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, p. 74). 122 Há que se destacar, contudo, que é lamentavelmente costumeira a invasão do mérito que se dá no juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais realizado pelos tribunais locais, conforme se verá em capítulo próprio deste estudo. 123 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 63.

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O mérito recursal, portanto, define-se como sendo a pretensão revisora que o

recorrente conduz à instância superior (a anulação ou a reforma do pronunciamento

decisório recorrido), ou seja, o error in procedendo ou o error in judicando que

conduziram a parte à interposição do recurso.

A própria palavra “mérito”, em uma de suas acepções, no sentido de indicar o

que é merecedor, o que é meritório (neste caso, merecedor da atenção do órgão

jurisdicional como ponto central da questão levada a juízo), auxilia a delimitação do

que vem a ser o mérito recursal.

Cumpre registrar que a definição do mérito dos recursos tem grande

relevância porque, na medida em que o mérito recursal importa à circunscrição da

atividade jurisdicional que se desenvolverá em grau de recurso, vê-se clara

manifestação do princípio dispositivo também em seara recursal, quedando o órgão

competente para julgamento do recurso igualmente vinculado à apreciação do que a

parte recorrente requerer, em regra.

Em outras palavras, é da perfeita identificação do mérito recursal que, ao

circunscrever-se o raio de ação do juiz de segundo grau, decorrem princípios

recursais relevantes como a proibição da reformatio in pejus. A importância de se

identificar às claras o mérito dos recursos reside, pois, na própria delimitação dos

poderes revisores do órgão ad quem.

Feitos tais apontamentos, em que se pretendeu aclarar os juízos de admissão

e de mérito dos recursos, pode-se dizer que o juízo de admissibilidade recursal

estrutura-se na verificação de existência dos chamados requisitos recursais, id est,

matérias prévias à própria causa de pedir e ao pedido dos recursos (aquilo que

fundamenta o recurso e o que se pretende do órgão ad quem). Compõem esse juízo

de admissibilidade assuntos como tempestividade, recolhimento das custas

recursais, aspectos formais do recurso, entre outros elementos que serão abordados

mais detidamente em tópico próprio.

Impõe-se, antes de mais nada, abordar interessantíssima questão acerca da

natureza jurídica do juízo de admissibilidade recursal: sua natureza declaratória e as

conseqüências temporais da declaração de inadmissibilidade, se de eficácia ex nunc

ou ex tunc.

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III.3 - Teria o juízo de admissibilidade caráter declaratório?

A indagação estampada no título deste tópico é tormentosa, muito menos por

sua aceitação doutrinária que pelas conseqüências que gera no plano da realidade

processual.

Como sabido, o juízo de admissibilidade dos recursos compõe-se da

verificação dos chamados pressupostos e condições recursais, consistentes em

matérias prévias ao mérito.

Em determinados recursos, esse juízo de admissibilidade ocorre em dois

momentos distintos, a saber, primeiramente perante o juízo a quo e, ao depois, em

espécie de juízo de admissibilidade de repetição, perante o próprio órgão ad quem

(como é o caso das apelações, dos recursos excepcionais). Noutras modalidades

recursais, o exame de admissibilidade ocorre em única oportunidade (agravo de

instrumento, por exemplo).

Insta avaliar, acerca do juízo de admissibilidade dos recursos, sua natureza

jurídica, se de cunho declaratório especialmente, e quais os consectários

cronológicos disso, especialmente para fins de demarcação da preclusão, ou do

trânsito em julgado da decisão de que interposto o recurso inadmitido.

Para Nelson Nery Jr., o juízo de admissibilidade tem caráter declaratório,

sempre, sendo que a decisão de inadmissibilidade nada mais faz senão reconhecer

uma situação preexistente de ausência de pressuposto de admissibilidade do

recurso interposto, como ocorre nos casos de intempestividade e de ausência de

preparo, por exemplo. Para Nery, a decisão que não admite o recurso tem eficácia

ex tunc, retroagindo à data da circunstância geradora da não admissão.124

124 “Quando o juiz ou tribunal declara admissível ou inadmissível um recurso, nada mais faz do que afirmar situação preexistente. Em o não conhecendo porque interposto além do prazo fixado na lei, o tribunal afirma que, quando o recorrente o interpôs, já havia decorrido o prazo para fazê-lo. E isto ocorre com qualquer dos pressupostos de admissibilidade do recurso. A decisão sobre a admissibilidade, seja positiva ou negativa, tem eficácia ex tunc. Na hipótese de o juízo de admissibilidade ser negativo, essa decisão retroage à data do fato que ocasionou o não conhecimento. Disto decorre a seguinte conseqüência: a decisão sobre a admissibilidade do recurso determina o momento em que a decisão judicial impugnada transita em julgado. O recurso não conhecido, por lhe faltar alguma das condições de admissibilidade, faz com que se tenha a decisão impugnada como transitada em julgado no momento em que se verificou a causa do não conhecimento do recurso (eficácia ex tunc), e não no momento em que o tribunal ad quem proferiu o juízo de admissibilidade” (NERY Jr., Nelson. Teoria geral do recursos, p. 266, 267).

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Barbosa Moreira, acerca do tema, igualmente manifesta-se no sentido de que

é declaratório o juízo de admissibilidade recursal, dado que, ao aferir a existência ou

inexistência dos requisitos de admissão do recurso, o tribunal, ou o relator (nas

hipóteses de atuação monocrática deste), tão-só reconhece uma situação que já é

existente, não advindo propriamente dessa decisão o vício gerador da inadmissão,

com produção de efeitos futuros apenas.125

Flávio Cheim Jorge comunga do mesmo entendimento, porém tece

ponderações acerca da eficácia ex tunc da decisão negativa de admissibilidade,

abordando especialmente as deletérias conseqüências que esta pode causar caso

seja defendida irrestritamente a idéia de que o recurso inadmitido não obsta a coisa

julgada, que ocorreria bem antes, como não houvesse sido interposto o recurso tido

por inadmissível.126

Na esteira do pensamento predominante na doutrina processual, não

ousamos distanciar-nos do caráter declaratório do juízo de admissibilidade recursal.

Realmente, ao serem avaliados os pressupostos de admissibilidade dos recursos, o

pronunciamento do órgão jurisdicional não acarreta inovação no mundo jurídico,

como construísse uma nova situação que, antes, inexistia: se admitido ou não

admitido o recurso, fato é que se está meramente declarando algo cuja existência

(no caso de juízo de admissibilidade positivo) ou inexistência (na hipótese de juízo

de admissibilidade negativo) remonta à data de interposição do recurso.

Considerar que do juízo de admissibilidade surgiria uma nova situação

jurídica (como se a intempestividade do recurso não admitido surgisse tão-só após a

125 “Positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente declaratório. Ao proferi-lo, o que faz o órgão jurisdicional é verificar se estão ou não satisfeitos os requisitos indispensáveis à legítima apreciação do mérito do recurso. A existência ou a inexistência de tais requisitos é, todavia, anterior ao pronunciamento, que não a gera, mas simplesmente a reconhece. (...) Quando se diz que faz coisa julgada a decisão ‘não mais sujeita a recurso’ (art. 467), o que se diz, com outras palavras - e ressalvadas as hipóteses em que a própria lei exclui o trânsito em julgado, independentemente de recurso (...), é que a res iudicata se produz desde que não haja, contra a decisão, recurso admissível, ou aquele que acaso o fora tenha deixado de o ser. Recurso inadmissível, ou tornado tal, não tem a virtude de empecer ao trânsito em julgado” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 262, 263). 126 “No entanto, apesar de não deixarmos de reconhecer a natureza declaratória do juízo de admissibilidade do recurso, não podemos simplesmente concordar que o mesmo possui sempre efeito ex tunc. As conseqüências que podem ser geradas pelo fato de se admitir que o juízo de admissibilidade tenha sempre efeito ex tunc, não nos permitem chegar a essa conclusão de forma rígida. Uma decisão definitiva a respeito da admissibilidade do recurso pode durar anos, e, nessa hipótese, caso o recurso não venha a ser admitido pelo tribunal, a parte poderá ter perdido o prazo de 2 anos para interposição da ação rescisória” (JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 60, 61).

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prolação da decisão de inadmissão recursal) seria atribuir-lhe caráter constitutivo, o

que não se afigura correto.

Não obstante, ao se admitir o caráter declaratório do juízo de admissibilidade,

pouca não é a polêmica acerca do momento em que se daria o trânsito em julgado

da decisão impugnada pelo recurso inadmissível.

Uma percepção ortodoxa do tema conduz à conclusão de que, não tendo sido

admitido o recurso, a decisão que havia sido por ele hostilizada transitaria em

julgado como se recurso não houvesse. Nessa linha de pensamento, a eficácia ex

tunc do juízo de admissibilidade (porquanto declaratório) atrairia a coisa julgada, sob

ponto de vista cronológico, para o momento em que teria transcorrido in albis o

prazo do recurso que não foi admitido.

Seria esta, digamos, uma visão tradicional das conseqüências dos

pronunciamentos declaratórios, que classicamente têm eficácia ex tunc.

A mais relevante discussão em torno da eficácia ex tunc do juízo de

admissibilidade é pertinente ao prazo decadencial para propositura da ação

rescisória.

Em suma, dois são os caminhos possíveis, conforme se admita, ou não, a

eficácia ex tunc da decisão negativa de admissibilidade recursal: ou o biênio da

rescisória inicia-se com o trânsito em julgado como não existisse o recurso

inadmitido, ou se considera que tal ocorrerá (o trânsito) quando se der a última

decisão do processo, mesmo que esta derive do julgamento do recurso interposto

contra a inadmissibilidade do recurso original.

É evidente que, caso seja inadmitido determinado recurso, esse juízo

negativo de admissibilidade em realidade tão-só reconhece que o recurso padecia

de vício já quando de sua interposição. De fato, se o caso é de intempestividade,

esta já havia se consumado quando do aforamento do recurso, o que nos conduz a,

na esteira de reiterada doutrina,127 concluir pelo caráter declaratório da decisão

proferida em sede de juízo de admissibilidade.

Essa carga de declaração que caracteriza o pronunciamento decisório

proferido em sede de juízo de admissibilidade traz consigo outra aguda

conseqüência: em termos cronológicos, como sói ocorrer com toda decisão de

127 Por todos, NERY Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 266, 267.

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natureza declaratória, a decisão de inadmissão do recurso é retroativa, vale dizer,

retroage à data de interposição do recurso.

Em se tratando de decisões finais, como as sentenças e os acórdãos, a

característica declaratória da decisão de inadmissibilidade acarreta, aos olhos de

doutrinadores de nomeada,128 o trânsito em julgado da decisão recorrida quando da

fluência do prazo do recurso que acabou sendo inadmitido, e não apenas quando da

intimação da decisão de sua inadmissão, esgotados todos os demais recursos desta

derivados.

Em um cenário de intensa morosidade do processamento dos feitos, como

ocorrente no Brasil, de ordinário é dilargado o lapso de tempo que flui entre a

interposição do recurso e o desenvolvimento do respectivo juízo de admissibilidade,

o que não raro atinge a casa dos meses, dos anos.

A levar-se a ferro e fogo a retroatividade do juízo de admissibilidade e, via de

conseqüência, o passamento em julgado da decisão recorrida desde a data em que

se esgotou o prazo para interposição do recurso inadmitido, prazos importantes

como o da ação rescisória poderão sofrer seriíssimos gravames, até mesmo

poderão ter-se exaurido quando da prolação do juízo de admissibilidade (que, repita-

se, não raramente excede o biênio da rescisória).

Imagine-se, por exemplo, o caso de um recurso especial que tenha sido

admitido na origem, conseqüentemente remetido ao STJ. Sendo nesta corte

submetido à segunda verificação de admissibilidade, decide-se pela sua inadmissão

após o interregno de três anos. Na esteira de entendimentos ortodoxos acerca da

natureza declaratória da decisão de inadmissão recursal (e sua conseqüente

retroação, fazendo com que a decisão recorrida transite em julgado quando da

fluência do prazo original do recurso), já não mais seria possível a propositura da

rescisória.

A discussão, como se percebe, torna-se bastante grave ao interferir

profundamente no cômputo do prazo decadencial para propositura da ação

rescisória, previsto no art. 495 do CPC.129

128 Para Barbosa Moreira, “trânsita em julgado a decisão de inadmissibilidade, a situação da sentença contra a qual se interpusera o recurso, se este foi declarado inadmissível ab initio, é a que ela teria caso não houvesse ocorrido a interposição” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos civis, p. 136). 129 “Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.”

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No âmbito do STJ, há diversos precedentes em que se debateu o tema,

sendo que elegemos alguns mais emblemáticos e que ilustram bem que há

posicionamentos contraditórios a respeito da questão dentro do âmbito deste próprio

tribunal.

Por primeiro, de se mencionar os julgados em que são expostas opiniões

contrárias à tese de que a inadmissão do recurso faz retroagir seu trânsito em

julgado à data de interposição do recurso inadmitido (o trânsito em julgado ocorreria

após a decisão do recurso em que se discute a inadmissão).

Em 1991, o então ministro Athos Gusmão Carneiro relatou recurso especial

respeitante ao tema,130 tendo decidido pela impossibilidade de fluência do prazo

para a ação rescisória enquanto perdurar o debate recursal em instâncias

excepcionais, mesmo que o recurso em trâmite perante a instância excepcional trate

de requisito de admissibilidade (no caso específico, debatia-se intempestividade) e,

mais ainda, mesmo que o desfecho desse recurso seja pela inadmissão.

Nesta decisão, foram utilizados como fundamentos a existência de fundada

dúvida acerca da tempestividade do recurso inadmitido (do que decorreria a boa-fé

do recorrente, no sentido de não lançar mão de recurso com intuito meramente

procrastinatório) e, mais importante, a impossibilidade técnica de aforamento da

ação rescisória enquanto tramitar o debate acerca da admissibilidade do recurso,

dado que, tecnicamente, não teria ocorrido trânsito em julgado, portanto não se teria

configurado plenamente a hipótese de cabimento da ação rescisória, qual seja, a

sentença de mérito transitada em julgado, a teor do caput do art. 485 do CPC.131

Há outro precedente, ementado de maneira mais sintética, em que se elegeu

como exclusivo fundamento para a decisão de não fluência do prazo para a

rescisória a ausência de trânsito em julgado enquanto persistir o agravo de

instrumento interposto diante da decisão de intempestividade da apelação, sem que

se tenha cogitado de dúvida fundamentada acerca dessa intempestividade (a

130 Ementa: “Ação rescisória. Recurso extraordinário não admitido por intempestivo. Início do prazo decadencial. Soluções doutrinariamente cogitáveis. Defesa da boa-fé do demandante. Mesmo se adotada a tese segundo a qual o início do prazo de decadência para a pretensão rescisória não é obstado pela interposição de recurso que venha a ser considerado intempestivo, ainda assim impende considerar a boa-fé do recorrente, naqueles casos especiais em que a própria intempestividade do recurso apresenta-se passível de fundada dúvida. Impossibilidade jurídica do ajuizamento de ação rescisória 'condicional' ou 'cautelar', interposta no biênio para ter andamento somente se o recurso pendente for tido por intempestivo” (STJ, REsp n. 2.447, rel. Min. Athos Carneiro, DJ de 09.12.1991). 131 “Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...).”

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hipótese cuida de apelação tida por intempestiva, de cuja decisão de

intempestividade interpôs-se agravo de instrumento).132

Em decisão mais recente, publicada em fins de 2006 e oriunda da Corte

Especial do Superior Tribunal de Justiça,133 decidiu-se que não comporta

prevalência a tese da retroação do trânsito à data em que este ocorreria nas

instâncias ordinárias (sem a interposição do recurso inadmitido), forte na premissa

de que “desconsiderar a interposição de recurso intempestivo para fins de contagem

do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória seria descartar, por

completo, a hipótese de reforma do julgado que declarou a intempestividade pelas

instâncias superiores, negando-se a existência de dúvida com relação à

admissibilidade do recurso”.134

Anteriormente, já havia a Corte Especial do STJ se pronunciado sobre o

tema, também no sentido de que a decisão apenas transita em julgado quando do 132 “Ação rescisória.Decadência.Prazo. Contagem. Deserção. 1. A interposição de agravo de instrumento contra decisão que considera deserta apelação, impede o trânsito em julgado da sentença, sem retroação dos efeitos daquele recurso a data da decisão agravada. 2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp n. 135.956, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 02.02.1998). 133 Sem que tenha existido unanimidade, contudo, restando vencidos os ministros Eliana Calmon e Luiz Fux. 134 Este precedente está assim ementado: “PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA - PRAZO DECADENCIAL - ART. 495 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - TERMO A QUO - TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE O ÚLTIMO RECURSO INTERPOSTO, AINDA QUE DISCUTA APENAS A TEMPESTIVIDADE DE RECURSO - PRECEDENTES – EMBARGOS REJEITADOS. I - Já decidiu esta Colenda Corte Superior que a sentença é una, indivisível e só transita em julgado como um todo após decorrido in albis o prazo para a interposição do último recurso cabível, sendo vedada a propositura de ação rescisória de capítulo do decisum que não foi objeto do recurso. Impossível, portanto, conceber-se a existência de uma ação em curso e, ao mesmo tempo, várias ações rescisórias no seu bojo, não se admitindo ações rescisórias em julgados no mesmo processo. II - Sendo assim, na hipótese do processo seguir, mesmo que a matéria a ser apreciada pelas instâncias superiores refira-se tão somente à intempestividade do apelo – existindo controvérsia acerca deste requisito de admissibilidade, não há que se falar no trânsito em julgado da sentença rescindenda até que o último órgão jurisdicional se manifeste sobre o derradeiro recurso. Precedentes. III - No caso específico dos autos, a questão sobre a tempestividade dos embargos de declaração opostos contra sentença que julgou procedente o pedido do autor refere-se à alteração do serviço de intimação dos atos judiciais, que antes era feita pelo correio para o advogado residente em outra capital, e que posteriormente passou a ser por meio de publicação de edital. IV - Prevalecendo o raciocínio constante nos julgados divergentes, tornar-se-ia necessária a propositura de ação rescisória antes da conclusão derradeira sobre o feito, mesmo que a matéria pendente se refira à discussão processual superveniente. V - Desconsiderar a interposição de recurso intempestivo para fins de contagem do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória seria descartar, por completo, a hipótese de reforma do julgado que declarou a intempestividade pelas instâncias superiores, negando-se a existência de dúvida com relação à admissibilidade do recurso. VI - Embargos de divergência rejeitados” (STJ, EREsp n. 441.252, rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 18.12.2006).

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julgamento do último recurso pendente, mesmo que neste recurso se discuta a

inadmissibilidade do recurso interposto previamente.135

D’outro turno, no sentido de que a decisão proferida em juízo de

admissibilidade tem natureza declaratória e, portanto, retroage à data do trânsito em

julgado original(como se não houvesse sido interposto o recurso cuja

inadmissibilidade se discute), de se mencionar os entendimentos manifestados pelo

Ministro Luiz Fux.136

III.4 - Nosso entendimento sobre o assunto

Sobre a natureza declaratória da decisão que não admite recurso, nota-se

que o principal debate que lhe é inerente relaciona-se à retroatividade de seus

efeitos à data em que foi publicada a decisão objeto do recurso inadmitido.

Vamos consignar nosso entendimento a respeito.

Por primeiro, a nós nos parece que dúvidas não existem acerca do caráter

declaratório desta decisão, mormente porque põe (a decisão declaratória) à luz uma

circunstância que preexistia, qual seja, o não preenchimento dos requisitos de

admissibilidade do recurso.

135 Ementa: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. TERMO INICIAL DO PRAZO DE DOIS ANOS. TRÂNSITO EM JULGADO. CARACTERIZAÇÃO, PARA AMBAS AS PARTES E COM RELAÇÃO À TOTALIDADE DAS QUESTÕES, APENAS NO MOMENTO EM QUE JÁ NÃO SEJA CABÍVEL NO PROCESSO QUALQUER RECURSO. TRIBUTÁRIO. COFINS. LC 70/91. 1. A Corte Especial do STJ, na apreciação do ERESP 404.777/DF, julgado em 03.12.2003, Rel. p/ o acórdão Min. Peçanha Martins, firmou entendimento no sentido de que somente se considera caracterizado o trânsito em julgado e, portanto, iniciado o prazo para propositura da ação rescisória, quando já não for cabível qualquer recurso. 2. Nos termos do art. 2º da Lei Complementar 70/91, a receita decorrente da comercialização e da locação de imóveis sujeita-se à incidência da COFINS. Precedentes da 1ª Seção. 3. Recurso especial a que se nega provimento” (STJ, REsp n. 597.441, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 06.12.2004). 136 “Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA RESCINDENDA QUE JULGA DESERTO O RECURSO. 1. O prazo decadencial para proposição de ação rescisória é de 02 (dois) anos, contados a partir do trânsito em julgado do acórdão rescindendo, mesmo que este se limite a julgar deserto o recurso, por falta de preparo. 2. Multifários precedentes do STJ: (AGRESP 79877, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 13/08/01; REsp 135956, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 02/02/1998; REsp 203067, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 14/02/00). 3. Ressalva do ponto de vista do relator no sentido de que o juízo de admissibilidade dos recursos realizados pela instância ad quem é meramente declaratório, e tem efeitos ex tunc. Assim, a data do trânsito em julgado retroage ao momento da interposição do recurso inadmissível, que, neste aspecto, equivale ao recurso não interposto. 4. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg no REsp n. 654.368, rel. Min. Luiz Fux, DJ de 25.04.2005).

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No que tange à idéia de retroatividade dessa decisão de inadmissão à data de

intimação da decisão principal (que foi alvo do recurso inadmitido), contudo,

inclinamo-nos a dela discordar, especialmente porque seus efeitos seriam deletérios

e geradores de instabilidade jurídica, nesta hipótese específica de inadmissão

recursal. Evidentemente, trata-se de um posicionamento pragmático de todo, porém

que melhor se compatibiliza com o justo.

Para que fique mais claro nosso ponto de vista, tome-se determinada situação

a título de exemplo, vinculada ao dies a quo da ação rescisória de acórdão que

tenha sido objeto de recurso não admitido no tribunal local, verbi gratia, por

intempestividade, e de cuja inadmissão penda recurso no STJ.

A idéia tradicional de que o pronunciamento judicial declaratório deve produzir

efeitos retroativamente (no sentido de que aquilo que foi declarado considera-se

existente desde a data em que aconteceu no plano dos fatos) provocaria, no caso da

inadmissão de um recurso contra decisão final de mérito (decisão definitiva), a

seguinte situação: (i) se o recurso contra a inadmissão exemplificada acima tardar,

v.g., três anos para que seja julgado e (ii) se for mantida a decisão de inadmissão

pelo STJ, (iii) teria, de conformidade com a corrente de pensamento que defende

irrestritamente a retroatividade dos efeitos da decisão de não admissibilidade

recursal, transcorrido o prazo decadencial de dois anos para a propositura da ação

rescisória (pois, não admitido o recurso contra o acórdão mencionado no exemplo, o

biênio da rescisória seria contado da data em que se deu o trânsito em julgado do

acórdão como se recurso algum houvesse sido interposto).

A nosso ver, de tal cenário surgiriam inegáveis iniqüidades, que buscamos

ilustrar com algumas indagações.

Por primeiro, como poderia ter início a fluência do prazo bienal da rescisória

se, com a pendência do recurso contra a inadmissão, não haveria o trânsito em

julgado, que é condição sine qua non para o aforamento da rescisória?

O próprio caput do art. 485 do CPC é categórico ao impor o trânsito em

julgado da sentença de mérito como condição especial da ação rescisória, do que

decorre que jamais poderia ter fluência o prazo bienal da rescisória se o trânsito em

julgado não ocorreu, mercê da pendência de recurso contra a inadmissão do recurso

principal. A defender-se a tese de que a decisão definitiva de inadmissão faria

retroagir o prazo da rescisória à data de trânsito em julgado original, praticamente

estaria obrigada a parte a cogitar da propositura da ação rescisória

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concomitantemente à pendência de recurso contra a inadmissão, o que seria

evidentemente um despautério, pois não estaria configurada uma condição especial

da rescisória (exatamente o trânsito em julgado).

Pelos mesmos fundamentos expostos no parágrafo anterior, também estaria

ausente outra condição da ação rescisória, qual seja, o interesse de agir, na medida

em que a falta de trânsito em julgado (porquanto pendente recurso contra a

inadmissão do recurso principal) retiraria da parte, para propositura da rescisória,

necessidade dessa medida de impugnação da coisa julgada material, pois esta

última nem sequer estaria configurada!

Adicionalmente, observe-se que o recurso contra a inadmissão, mesmo que

reúna reduzidas chances de acolhimento, jamais pode ser considerado improvido,

ou desconhecido, antes de seu efetivo julgamento pelo órgão ad quem (no caso do

exemplo, o STJ). Caso o Poder Judiciário brasileiro tivesse condições de fazer

tramitar – e julgar – um agravo de decisão de inadmissão do recurso principal em

dias, quiçá poucos meses, até que teria cabimento defender a tese da retroatividade

do trânsito em julgado à data da publicação da decisão que se pretende rescindir,

mas é fato que não contamos, definitivamente, com essa celeridade.

Em singelas palavras, a parte que tenha contra si, no exemplo sugerido,

mantida pelo STJ a decisão de inadmissão do recurso principal após três anos da

intimação do acórdão sofreria as nocivas conseqüências (a decadência do biênio da

ação rescisória) por conta de circunstâncias às quais não deu causa (a notória

morosidade judiciária), caso se defenda a tese de que o trânsito, nesta hipótese,

retroagiria à data da intimação do acórdão como se não houvesse existido o recurso

não admitido.

Observe-se, porque oportuno, que a defesa intransigente da retroatividade da

decisão definitiva do STJ de inadmissão do recurso à data do trânsito original do

acórdão rescindendo (exemplo sugerido) geraria uma situação de intensas

instabilidade e insegurança jurídica.

Mutatis mutandis, seria o mesmo que admitir a ocorrência de prescrição

intercorrente por força da inércia, ou letargia, do Poder Judiciário quando a parte

envidou, e envida, todos os esforços que estão ao seu alcance para o

desenvolvimento do feito. Há, neste passo, diversos precedentes jurisprudenciais no

sentido de que não podem ser impostas à parte situações (a prescrição

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intercorrente, ad exemplum) às quais ela não tenha dado causa (como a morosidade

crônica do Judiciário).137-138

No âmbito doutrinário, há manifestações que, em que pese reconheçam o

caráter declaratório do juízo de admissibilidade dos recursos, posicionam-se pela

não retroatividade desse juízo, de modo que o trânsito em julgado ocorresse quando

da prolação da decisão original, hostilizada pelo recurso não admitido, como se este

nem sequer houvesse sido interposto. O trânsito em julgado, nesta linha de

pensamento, ocorreria tão-só quando do julgamento final e passamento em julgado

da decisão de inadmissibilidade.139-140

No que tange à circunstância de estar-se diante de opinião no sentido de

retirar a retroatividade automática de uma decisão de índole declaratória, há que se

considerar que existe, no sistema, hipótese outra em que pronunciamentos judiciais

declaratórios não necessariamente têm eficácia retroativa, mormente quando houver

possibilidade de instabilidade e insegurança jurídicas.

Guardadas as devidas proporções e restringindo-se o comparativo ao caráter

declaratório do pronunciamento judicial, tome-se o exemplo do que sucede com as

decisões proferidas em ações diretas de inconstitucionalidade, as quais, conforme

expressa disposição da Lei 9.868/99, podem ter eficácia exclusivamente ex nunc,

mormente quando tal atender a razões de excepcional interesse social ou for

necessário à preservação de segurança nas relações jurídicas que serão objeto da

decisão em apreço.141

O conceito que se extrai do art. 27 do precitado diploma legislativo é, a nosso

ver, passível de aplicação, por analogia e para que sejam prevenidas situações de

iniqüidade, às hipóteses dos juízos negativos de admissibilidade recursal, os quais

137 Ementa: “RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. DEMORA NA CITAÇÃO. CULPA DO EXEQÜENTE. INEXISTÊNCIA. - Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos alheios à vontade do autor, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência. (Súmula 106)” (STJ, REsp n. 827.948, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 04.12.2006). 138 Súmula 106 do STJ: “proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.” 139 PINTO, Nelson Luiz. Recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, p. 83. 140 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro, p. 149. 141 Lei 9.868/99, art. 27: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

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não comportam retroação nesta específica situação, ainda que em regra os

pronunciamentos judiciais declaratórios retroajam.

Abordada a questão da eficácia cronológica da decisão de admissibilidade

recursal, passemos à avaliação de algumas questões polêmicas relacionadas ao

tema.

III.5 - Requisitos de admissibilidade

Para que os recursos possam ser processados e julgados, exige-se que

sejam previamente observados determinados requisitos, que refletem no âmbito

recursal as condições da ação e os pressupostos processuais observados em

primeiro grau de jurisdição.

Esses requisitos têm de ser cumpridos pela parte recorrente a fim de que esta

tenha direito a um pronunciamento judicial sobre o mérito recursal. Dessarte, antes

da apreciação do cerne do recurso (a matéria de fundo do recurso, ou seja, a revisão

ou a cassação da decisão recorrida pretendidas pelo recorrente), têm de ser aferidos

aspectos como tempestividade, cabimento, recolhimento das custas cabíveis, entre

outros.

Em suma, ao ser interposto determinado recurso, duas são as posturas

logicamente sucessivas que incumbem ao órgão competente para apreciação

recursal (ou também ao órgão a quo, nos recursos que têm juízo de admissibilidade

duplo, que se inicia no juízo inferior): aferir se estão preenchidas as condições da

ação e os pressupostos processuais em grau recursal, para, positiva esta primeira

verificação, ser julgado o mérito recursal.

Tais condições são comumente conhecidas por requisitos de admissibilidade

dos recursos, que podem ser divididos em intrínsecos e extrínsecos.

Os requisitos intrínsecos são, basicamente, os reflexos em grau recursal das

condições da ação e dos pressupostos processuais: legitimação recursal, interesse

recursal e previsibilidade legal do recuso, que seriam a manifestação da legitimação,

do interesse de agir e da possibilidade jurídica do pedido.

Os requisitos extrínsecos dizem respeito à (i) a observância do prazo

respectivo, (ii) ao recolhimento das custas recursais (preparo e custas de porte de

remessa e de retorno, quando assim o dispuser a legislação específica estadual ou

federal), (iii) à observância da forma escrita e prescrita em lei (com petições de

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interposição e de razões recursais apartadas, verbi gratia) e à inexistência de fatos

impeditivos ou extintivos do direito de recorrer.

Como dissemos anteriormente, uma das mais relevantes atividades

desenvolvidas de ofício pelo órgão jurisdicional recursal respeita ao juízo de

admissibilidade dos recursos, especialmente porque se trata de tema relacionado à

constatação, pelo Estado-juiz, da presença dos requisitos necessários ao exercício

do direito de ação em grau de recurso. Não nos interessa, aqui, enfadar o leitor com

redundâncias sobre as condições da ação e os pressupostos processuais. O objeto

do presente estudo é outro: destacar aspectos importantes, relevantes.

Passemos ao enfrentamento do assunto, buscando destacar o que releva

para o objeto deste estudo.

III.6 - Requisitos de admissibilidade intrínsecos

III.6.1 - Interesse de agir

Conforme asseverado acima, em termos de requisitos de admissibilidade dos

recursos, especialmente os de caráter intrínseco, o operador do direito tem de

avaliá-los como prolongamentos das condições da ação em grau recursal.

Nesse sentido, abordando o assunto à luz da doutrina acerca do interesse de

agir, convém valermo-nos de sua clássica definição, que identifica nesta condição da

ação, para que esta se veja consumada, a coexistência dos fatores necessidade e

adequação.

Em termos objetivos, entende-se o quesito “necessidade” como a

circunstância de ser necessária, útil, à parte litigante a interposição de recurso diante

de determinada decisão por conta da onerosidade, da desvantagem, do prejuízo no

plano jurídico que lhe advém deste pronunciamento decisório, de modo que se faça

imprescindível sua impugnação para que seja revertido este cenário de

prejudicialidade, na medida em que o jurisdicionado dispõe tão-somente do Poder

Judiciário para fazê-lo.

Apenas mediante a interposição de recurso poderá a parte obter a reversão

do quadro que lhe é nocivo.

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O elemento “adequação”, de seu turno, compõe-se da correção do recurso

escolhido pela parte para aviar sua desconformidade com o pronunciamento

decisório, vale dizer, a parte deverá lançar mão do recurso cabível, adequado,

conforme determinação legal, para manifestar sua pretensão recursal, do que

decorrerá a adequação da providência requerida ao Judiciário.142 Trata-se de

manifestação do princípio da singularidade, no sentido de que para cada modalidade

decisória proferível pelo juiz no processo civil caberá um único recurso, com

exclusão de todos os demais.143

Em fidelidade ao escopo do presente trabalho, buscamos destacar aspectos

relevantes acerca dessa condição recursal.

Por primeiro, diga-se que, relativamente ao quesito “adequação”, mostrou-se

infrutífera a pretensão do legislador de 1973 de prever taxativamente um único

recurso em face de cada decisão proferida no feito, tendo sido necessário revigorar

o princípio da fungibilidade previsto no CPC de 1939 para aplacar situações práticas

das quais derivava, e deriva, incerteza acerca do recurso cabível.

Diante do relevo da questão, relegamos a abordagem do assunto

“fungibilidade recursal” a tópico próprio a seguir desenvolvido, e lá faremos os

apontamentos pertinentes, inclusive à vinculação desse princípio com o elemento

“adequação”, inerente ao interesse de agir.

Por ora, cumpre-nos tecer apontamentos acerca do quesito “utilidade”,

componente do interesse de agir, especialmente considerando hipóteses em que

existe polêmica sobre haver ocorrido sucumbência ou não da parte de modo que

esta se veja autorizada a recorrer.

É o que se passa a expor.

III.6.1.1 - O conceito de prejuízo que autoriza a interposição de recurso

A força motriz do sistema recursal, sob o prisma do jurisdicionado, advém da

necessidade de reversão de uma decisão que lhe acarreta prejuízo, nocividade,

situação desfavorável. Em outras palavras, a recorribilidade está umbilicalmente

atrelada, em relação de causalidade, à sucumbência do recorrente, e esta é a índole

142 É o interesse de agir entendido como adequação procedimental (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação – enfoque sobre o interesse de agir, p. 154). 143 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 84.

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do art. 499 do CPC, dispositivo definidor da legitimação recursal e que se pauta nas

figuras da derrota e da prejudicialidade como elementos justificadores do recurso.

Dispõe precitado art. 499 do CPC que “o recurso pode ser interposto pela

parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público”.

No que se relaciona à parte litigante, esta redação legal está envolta na idéia

de que a recorribilidade está condicionada à verificação de derrota judicial, de

sucumbência, vale dizer, apenas estará autorizado ao manejo de recurso aquele que

se vir objeto de decisão favorável à parte contrária, seja no plano do mérito, seja no

plano processual (decisões de caráter processual, meramente terminativas).

Em suma, a possibilidade de recurso, nessa visão tradicional, adviria de um

conceito de sucumbência meramente formal.144

A questão, contudo, não comporta tamanha simplicidade em seu

enfrentamento.

De fato, há que se avaliar se apenas decisões de sucumbência derivada de

sua própria parte dispositiva comportariam recurso, ou se há pronunciamentos

decisórios em que, a despeito da inexistência de sucumbência formal da parte, esta

poderia apresentar recurso.

Em outras palavras, a recorribilidade de determinada decisão está circunscrita

a um juízo formal de sucumbência, ou poderia dar-se também diante de prejuízo

jurídico, substancial, ainda que não formalizado no dispositivo da decisão?

Partindo da análise de que “da interposição do recurso porventura cabível há

de resultar ao recorrente situação mais favorável que a defluente do ato

144 Que deriva de uma interpretação literal do disposto no art. 499 do CPC, pautada na premissa de que a interposição de recurso diante de determinada decisão exige a sucumbência do recorrente constante do próprio dispositivo da decisão de que se quer recorrer. Neste sentido, de modo a ilustrar esta afirmação, veja-se o conteúdo da seguinte ementa: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. REAJUSTE DE BENEFÍCIOS. SÚMULA 260/TFR E ARTIGO 58 ADCT. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. ARTIGO 499 DO CPC. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. REAJUSTE DE BENEFÍCIOS. SÚMULA 260/TFR. - O recurso especial, instrumento processual de dignidade constitucional, sujeita-se aos pressupostos gerais de admissibilidade pertinentes a todos os institutos recursais, em razão do que está subordinado à existência do interesse para recorrer, previsto no artigo 499, do CPC, que pressupõe a sucumbência da parte. - Falece à autarquia previdenciária interesse em recorrer na hipótese em que o Tribunal de origem, embora tenha proclamado o entendimento de que o critério previsto na Súmula 260 do extinto TFR foi reafirmado pelo artigo 58 do ADCT, que consagra o princípio da equivalência salarial, ressaltou, todavia, a impossibilidade de alteração da sentença quanto a esse aspecto em face da ausência de recurso do segurado. - Agravo Regimental improvido” (STJ, AgRg no REsp n. 294.159, rel. o Min. Vicente Leal, DJ de 04.06.2001).

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impugnado”,145 Araken de Assis observa que nem sempre o interesse de agir em

grau recursal deriva de um pronunciamento decisório obrigatoriamente desfavorável

à parte.

Com efeito, há situações em que, a despeito da decisão favorável ao litigante,

remanesce para este um prejuízo no plano jurídico, vale dizer, a decisão não lhe

concedeu o grau de vantagem, de benefício, objetivado.

A título ilustrativo, suponha-se cenário em que o réu contesta determinada

demanda de cobrança suscitando (i) matéria preliminar processual de inépcia da

inicial e (ii) matéria substancial (pagamento da dívida, por exemplo), sendo que a

sentença agasalha apenas o argumento processual (inépcia) e extingue o feito sem

resolução de mérito.

Sob ponto de vista formal, está-se diante de sucumbência do autor, de vitória

do réu, e a análise estritamente literal do disposto no art. 499 (que reconhece o

direito de recurso à parte vencida) não permitiria a interposição de apelação desta

sentença por parte do réu.

Avaliando-se o tema sob o prisma da sucumbência material, isto é, cotejando-

se o que foi argüido pelo réu nesta demanda imaginária com o conteúdo do

pronunciamento decisório, identifica-se sensível disparidade entre o objetivo do

requerido e o que resulta da sentença, especialmente porque não foi apreciado o

argumento tecido pelo demandado e que poderia por fim ao litígio: o pagamento.

Ao sentenciar-se o feito sem resolução de mérito reconhecendo-se a inépcia

da inicial, permite-se que a demanda seja novamente proposta em face do réu, o

que é evidentemente menos interessante do que a decisão de inexistência do débito

por reconhecimento do pagamento, com o que estaria resolvido o mérito e, com o

trânsito em julgado futuro, estaria definitivamente solucionada a controvérsia entre

as partes.

Ao réu mostra-se mais conveniente, na hipótese, o pronunciamento meritório,

pois deste derivará a efetiva solução do caso, com a impossibilidade de rediscussão

futura, com todos os consectários negativos disso derivados (especialmente os

encargos inerentes à existência de nova demanda).

Nessa situação imaginária, é plenamente possível identificar a existência de

certo grau de prejuízo ao réu, a despeito de existir sucumbência formal sua: o

145 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 155.

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argumento que efetivamente resolveria a hipótese a favor do réu, em termos de

mérito, nem sequer foi avaliado, do que decorre a possibilidade de repropositura da

demanda. Há, in casu, evidente dose de prejudicialidade concreta ao réu, em que

pese seja-lhe formalmente favorável a decisão.

Sob enfoque não formal, porém material, o exemplo sugerido permite-nos

perceber que existiria, em tese, utilidade em recorrer e ter seu recurso acolhido,

mormente para que a defesa lastreada no pagamento seja acolhida e veja-se

resolvida a controvérsia em termos de mérito, dirimindo-se definitivamente o conflito.

Sensível a esse conceito de sucumbência material, a jurisprudência do STJ

tem-se mostrado receptiva à recorribilidade em casos de gravame concreto.146

Há, aliás, um julgado bastante ilustrativo do STJ no sentido de que o réu,

mesmo diante de sentença extintiva do feito sem resolução do mérito, tem justo

interesse para a interposição de apelação, de modo que seja apreciada a questão

de fundo: em determinada demanda proposta pelo Fisco com o intuito de quebrar o

sigilo bancário de particular e que foi extinta sem resolução do mérito, decidiu-se

existir interesse recursal por parte do requerido no sentido de ser avaliado o mérito

da causa, de forma que se afaste definitivamente a pretensão do Poder Público,

coibindo-se sua renovação em demanda diversa.147

146 “PROCESSO CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RETENÇÃO LEGAL. AFASTAMENTO. RECURSO DO AUTOR. FALTA DE INTERESSE. RECURSO DO RÉU. ACÓRDÃO. OMISSÃO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO À SENTENÇA. OPOSIÇÃO PELO AUTOR. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO AOS ACLARATÓRIOS DO RÉU. INTEMPESTIVIDADE. PRECLUSÃO DA MATÉRIA VERSADA NA DECISÃO PRIMITIVA. 1 - Caracterizada, in casu, a excepcionalidade da situação, impõe-se o afastamento do regime de retenção legal (art. 542, § 3º, do CPC), a fim de se evitar a prejudicialidade das vias especiais e, pois, a ocorrência de danos notórios tanto ao serviço judiciário, como às próprias partes. Matérias cujos deslindes poderão influenciar todo o curso processual, na medida em que capazes de determinar o desinteresse na propositura de recurso modificativo da sentença, privando as partes da oportunidade de reiteração do processamento das vias especiais. 2 - O interesse recursal, tal como o interesse de agir, é integrado pelo binômio necessidade e utilidade, ligada, basicamente, ao conceito de sucumbência (formal e material) (art. 499 do CPC). Desta feita, o interesse em recorrer demanda, além da contrariedade da decisão à pretensão do recorrente, a ocorrência de gravame concreto, aferível objetivamente; a mera alegação de interesse, abstratamente considerada, não se presta a configurar tal requisito de admissibilidade, não sendo lídimo à parte valer-se de recursos para suscitar debates jurídicos teóricos. Precedentes. 3 - (...) 4 - (...) 5 - Recurso Especial do autor não conhecido; Recurso Especial do réu conhecido tão-somente pela divergência jurisprudencial, mas desprovido” (STJ, REsp n. 709.735, rel. o Min. Jorge Scartezzini, DJ de 20.06.2005). 147 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA OBJETIVANDO A QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO (ART. 267, VI). COISA JULGADA. INTERESSE RECURSAL. APELAÇÃO.

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A sempre precisa lição de Barbosa Moreira exige-nos menção neste trabalho:

“É vencida a parte, sem dúvida, quando a decisão lhe tenha causado prejuízo, ou a

tenha posto em situação menos favorável do que a de que ela gozava antes do

processo, ou lhe haja repelido alguma pretensão, ou acolhido a pretensão do

adversário. Mas também se considerará vencida a parte quando a decisão não lhe

tenha proporcionado, pelo prisma prático, tudo que ela poderia esperar, pressuposta

a existência do feito (...) Em tais condições, devem reputar-se ‘vencidos’ os réus, na

medida em que deixaram de conseguir esse plus, e terão interesse em recorrer para

tentar ainda consegui-lo (...)”.148

Se é bastante perceptível o cabimento da recorribilidade por parte daquele

formalmente vencedor quando a sentença é de caráter processual e o que se

pretende é resolução do mérito (como no exemplo citado), o assunto não comporta a

mesma placidez de pensamento em se tratando de discutir a recorribilidade por

parte do vencedor quando sua vitória deriva de sentença que lhe deu ganho de

causa no mérito, porém sob fundamento outro que não aquele tido pelo demandante

como o mais relevante.

À guisa de exemplificação, tome-se a já controvertida questão da

possibilidade de o réu recorrer da sentença acolhedora de prescrição (que lhe é

favorável, portanto), para que exista pronunciamento sobre a relação jurídica

1. A extinção do processo sem resolução do mérito não faz desaparecer o interesse processual do réu apelante, quando o mesmo pretende ver apreciada a questão de fundo, que em sua ótica, por via reflexa, foi conhecida pelo juiz a quo. 2. Diversamente, o nomen juris é indiferente à caracterização da sentença sobre ser terminativa ou definitiva, porquanto o que interessa é o seu conteúdo. 3. In casu, com exatidão assentou o julgado a quo no sentido de que: ‘AGRAVO DE INSTRUMENTO. SIGILO BANCÁRIO. INTERESSE RECURSAL. APELAÇÃO. RECEBIMENTO. 1. É certo que o que transita em julgado é o dispositivo. Ocorre, porém, que a sentença decidiu, de alguma forma, a questão em debate, ao reconhecer que a União Federal não necessita de autorização judicial para quebra do sigilo bancário dos réus. 2. É fundado o receio da agravante de que, não tendo sido extinto o processo com julgamento do mérito, venha a Fazenda Nacional, posteriormente, renovar seu pedido em ação diversa, já que, da forma como encerrado, não haverá coisa julgada. 3. A situação inversa também é possível, qual seja, se não foi recebido o seu apelo, a ré poderá protocolar ação própria para discutir exatamente a mesma questão, porém objetivando o reconhecimento da impossibilidade da quebra de sigilo judicialmente. Dessa forma, poderia até mesmo se cogitar de litispendência. 4. Mas o principal motivo que leva à existência do interesse em recorrer é que, em segundo grau, nesta Corte, o órgão fracionado pode vir a declarar a necessidade de autorização judicial para o Fisco ter acesso ao sigilo bancário dos réus, ao contrário do posicionamento adotado na sentença de primeiro grau ou mesmo a ausência dos pressupostos legais a permitir o acesso da Receita Federal às movimentações financeiras dos interessados. 5. Agravo de instrumento provido para determinar o recebimento e o processamento do recurso de apelação da ora agravante’. (fls. 70) 4. Recurso especial desprovido” (STJ, REsp n. 836.392, rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.12.2006). 148 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 300.

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debatida em si. O réu pretende do Judiciário não um pronunciamento que ponha

termo à controvérsia por força de uma circunstância cronológica (a prescrição),

porém quer mais, quer a abordagem da quaestio litigiosae de modo que o órgão

jurisdicional, julgando efetivamente o meritum causae, estabeleça que ao requerido

não podem ser imputadas as afirmações do autor.

Mutatis mutandis, a hipótese assemelha-se à possibilidade de apelação, pelo

réu da ação penal, da decisão que lhe absolve por falta de provas, quando o que lhe

interessa é o pronunciamento judicial que reconheça não ter havido o delito, de

modo que seja o réu reconhecido como inocente em termos substanciais, não

apenas por ausência de comprovação, afastando-se qualquer dúvida sobre a autoria

do fato tido por delituoso.

Neste caso, o que releva saber é se há possibilidade de recurso por parte do

vencedor que tem a favor de si sentença resolutiva de mérito, porém com

fundamentação que não lhe seja de todo favorável (como é o caso da prescrição,

em que não se aprecia o conteúdo da controvérsia).

Nelson Nery Jr. manifesta opinião no sentido de que não há, em regra,

interesse recursal para hostilização exclusivamente da motivação da decisão, por tal

ser “inviável no sistema recursal brasileiro”.149O ilustre processualista, trazendo

interessantes apontamentos doutrinários nacionais e estrangeiros, observa que “não

há interesse recursal quando o recorrente pretende atacar somente os motivos da

decisão, não pleiteando a sua alteração substancial ou a sua anulação. Esta é a

opinião dominante, a nosso ver correta, já que os motivos, ainda que importantes

para a decisão da causa, não são alcançados pela autoridade da coisa julgada”.150

Barbosa Moreira e Araken de Assis não discrepam deste pensamento,151-152

bem assim a jurisprudência do STJ.153

149 NERY Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 319. 150 NERY Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 319. 151 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 301. 152 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 161. 153 “Agravo regimental. Embargos à execução. Erro material. Acórdão desta Corte. Ataque contra de fundamentos e considerações da decisão agravada. Parte dispositiva inatacada. Falta de interesse recursal. 1. Descabe a interposição de agravo regimental para, tão-somente, reformar parte da fundamentação e de considerações contidas na decisão agravada, cujo dispositivo, o qual não retificou qualquer erro material eventualmente existente, permanece inatacado, já que não se pretende a modificação do resultado do decisum. Falta, assim, interesse recursal. 2. Agravo regimental não conhecido” (STJ, AgRg nos EmbDiv no REsp n. 94.648, rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 04.08.2003).

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Aponte-se, a respeito, que a recorribilidade de determinada decisão está

adstrita à parte dispositiva desta, forte na previsão legislativa de que não fazem

coisa julgada os motivos do pronunciamento decisório (CPC, art. 469, I), o que, aliás,

é de todo escorreito, porquanto o que interfere, em regra, na esfera do jurisdicionado

é o dispositivo das decisões, não a fundamentação destas.154

Obtempere-se, contudo, que há situações identificadas pela doutrina que

escapam à regra da irrecorribilidade da fundamentação das decisões, especialmente

quando existe possibilidade de gravame ao jurisdicionado em decorrência do

conteúdo da motivação: é o que ocorre em hipótese indicada por Nery, qual seja, a

da sentença que julga improcedente a ação popular por falta de provas, em que o

réu teria interesse recursal para obter sentença de improcedência pautada em

provas que lhe sejam favoráveis, de modo que não se veja sujeito à propositura de

nova ação.155,156

III.6.1.2 - Pronunciamentos judiciais que admitem recurso: a irrecorribilidade

dos despachos

A abordagem do assunto “interesse de agir” exige, também, sejam avaliados

os atos dos quais cabe recurso, e se realmente há pronunciamentos decisórios que

não admitem, em qualquer hipótese, recorribilidade.

154 “Ação ex empto. Compra e venda de áreas rurais. Natureza da operação. Venda ad corpus ou ad mensuram. Interesse em recorrer. Art. 499 do Código de Processo Civil. Prequestionamento. Cerceamento de defesa. 1. O interesse em recorrer está subordinado aos critérios de utilidade e necessidade. No direito brasileiro, o recurso é admitido contra o dispositivo, não contra a motivação. Havendo sentença inteiramente favorável, obtendo a parte tudo o que pleiteado na inicial, não há interesse em recorrer. 2. Não prequestionado o art. 315 do Código de Processo Civil, o especial não pode ser examinado nessa parte. 3. O dissídio somente serve se pertinente com o tema recursal, ademais de exigir-se a demonstração analítica necessária, no caso, para identificar a similitude fática. 4. O cerceamento de defesa acolhido pelo acórdão não encontrou resistência bastante para ser superado. 5. Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp n. 623.854, rel. Min. Menezes Direito, DJ de 06.06.2005) 155 Dado que o art. 18 da Lei 4.717/65 permite a repropositura da ação popular em caso de improcedência por falta de provas. 156 NERY Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 319.

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Cediço que, em termos legislativos, nem todos os atos processuais havidos

no curso de determinada demanda judicial têm natureza decisória e admitem

submissão ao juízo de revisão ínsito aos recursos.157

Com efeito, os diversos atos que tomam corpo ao longo de um processo

judicial podem partir das partes litigantes, dos diversos sujeitos que atuam como

auxiliares do juízo (peritos, cartorários) e do próprio órgão jurisdicional

(magistrados).

Dessas diversas categorias de atos processuais, tão-só alguns daqueles

praticados por juízes têm color decisório e são potencialmente atacáveis pela via dos

recursos, e mesmo estes nem sempre são recorríveis.

Os pronunciamentos decisórios do juiz vêm arrolados no artigo 162 do CPC:

sentença, decisão interlocutória e despachos.

As sentenças, de conformidade com a redação conferida ao § 1º do precitado

artigo 162 do CPC, são as decisões que põem fim ao processo, julgando ou não o

mérito. Já as decisões interlocutórias são os atos pelos quais o juiz, “no curso do

processo, resolve questão incidente” (CPC, 162, parágrafo 2º), qualificando-se como

despachos todos “os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a

requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma” (CPC, 162,

parágrafo 3º).

Entre os pronunciamentos decisórios do juiz indicados no artigo 162 do CPC,

é possível reconhecer dois grupos marcadamente distintos: os que encerram

conteúdo decisório relevante e os que se destinam à movimentação processual, à

materialização do princípio do impulso oficial. Na primeira categoria encerram-se as

sentenças e as decisões interlocutórias e, na segunda, os despachos.

Trata-se, evidentemente, de uma classificação pautada em regime de

preponderância, até porque há despachos que podem gerar prejuízos, sendo por

isso importantes também.

Esta gradação de relevância que se estabelece entre (i) as sentenças e as

decisões interlocutórias e (ii) os despachos significa que, em termos de ingerência

na esfera das partes, o primeiro grupo é apto a produzir efeitos nocivos aos

litigantes, ao passo que o segundo grupo seria, conforme a communis opinio

157 Confira-se, neste sentido, a atual redação do art. 504 do CPC, com o texto que lhe deu a Lei n. 11.276/06.

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doctorum, inócuo em termos de interferência na vida das partes, dado que destinado

apenas aos pronunciamentos judiciais de movimentação.

Por tais razões, se convencionou a lição de que esse potencial prejuízo a uma

das partes torna passível de recurso a primeira categoria de pronunciamentos

judiciais (sentenças e interlocutórias), ao passo que, por exclusão, são irrecorríveis

os despachos, pelo simples fato de que não acarretariam qualquer gravame aos

litigantes, qualquer que seja seu conteúdo.

O “prejuízo” como fator preponderante para a recorribilidade de alguns

pronunciamentos judiciais é a manifestação, em segundo grau de jurisdição, do

interesse de agir a que estão condicionadas as ações: como vimos em tópico

antecedente, para ver seu recurso viabilizado, tem o recorrente de demonstrar ao

órgão ad quem (i) necessidade e utilidade da intervenção jurisdicional recursal e (ii)

adequação da via processual eleita (a escolha do recurso legalmente previsto para a

hipótese).

O que nos chama a atenção, contudo, é o caráter peremptório com que o

legislador pretendeu impedir a recorribilidade dos despachos, como fossem estes

sempre e irreversivelmente incapazes de gerar qualquer laivo de prejudicialidade ao

litigante.

O tema mostra-se de atual relevância porque, se até há pouco tempo a

irrecorribilidade dizia respeito apenas aos despachos de mero expediente,

hodiernamente tornaram-se irrecorríveis quaisquer despachos, como se observa da

leitura do art. 504 do CPC.

A pergunta que fica é a seguinte: como deve proceder a parte quando, ainda

que excepcionalmente, estiver diante de despacho que lhe cause gravame? A

interpretar-se em termos literais o disposto no art. 504 do CPC, restaria à parte

apenas a via do mandado de segurança, dado que o writ afigura-se a única trilha de

reversão de pronunciamentos judiciais dos quais não cabe recurso.

Nos parece, contudo, que esta não é a melhor solução, ou não pode ser a

melhor solução,158 e neste ponto ousamos divergir da redação expressa da lei.

158 De fato, em tempos de elevado encarecimento da celeridade e da economia processuais, não é nada razoável proibir-se sob qualquer hipótese o cabimento de recursos diante de despachos, sabendo-se que tal relega à parte apenas a via do mandamus, o qual, por ser ação autônoma, detém evidentemente maior complexidade e é exigente de maiores esforços em sua tramitação, tanto da parte quanto do Poder Judiciário.

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Com efeito, se outrora a irrecorribilidade dizia respeito exclusivamente aos

chamados despachos de mero expediente, que efetivamente se limitam a imprimir

curso ao processo (“intime-se”, “digam”, “ciência às partes” etc.) e em nada podem

acarretar nocividade aos litigantes, atualmente também não podem ser objeto de

recuso não só os despachos de mero expediente, mas todos e quaisquer despachos

(nova redação do art. 504 do CPC, conforme Lei 11.276/06).

E aqui bate o ponto.

Em nosso entender, não necessariamente o despacho não gerará prejuízo ao

litigante, especialmente porque, como observam Luiz Wambier, Teresa Arruda Alvim

Wambier e José Miguel Garcia Medina, poderão, sim, ser nocivos ao litigante os

despachos na medida em que estejam incorretos.159

Nesta hipótese, como defender a idéia de irrecorribilidade de um despacho

que, por mais simples que possa ser, esteja equivocado?

Imagine-se, ad exemplum, a hipótese de o magistrado proferir decisões que

de ordinário são despachos (“ao arquivo”, “especifiquem as partes as provas que

pretendem produzir”, “remetam-se os autos ao contador para conferência de

cálculos” etc.)160 mas que estejam eivadas de vícios e possam carrear prejuízo ao

litigante.161

Nessas situações de evidente equívoco, não entendemos correta a incidência

inflexível da irrecorribilidade dos despachos, mormente porque tal concepção

compeliria a parte à impetração de mandado de segurança, o que seguramente

consiste em meio mais custoso (à parte, ao Judiciário, em termos de carga de

trabalho) comparativamente ao recurso.

Em outras palavras, o que se defende aqui não é a recorribilidade ampla dos

despachos, porém a recorribilidade, ainda que em caráter excepcional, dos

despachos evidentemente viciados, errados.

159 WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, v. 2, p. 213. 160 Esses exemplos de despachos constam de jurisprudência colacionada por NERY Jr., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 724, 725. 161 Prejuízos materiais e temporais: o arquivamento indevido, a abertura de uma fase instrutória que não se fazia necessária, o deslocamento dos autos ao contador, etc.

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Nesse sentido, há uma situação emblemática de pronunciamento qualificado

como despacho que, contudo, admite recurso, conforme precedentes do STJ: a

determinação de emenda à inicial.162

Com efeito, ao determinar a emenda de inicial que, contudo, encontra-se

perfeita, está o órgão jurisdicional impondo gravame ao jurisdicionado consistente na

obstrução do processamento da demanda. Se esta, por exemplo, for de caráter

executório (título extrajudicial), poderá o executado ciente da execução, porém não

citado, alienar bens e dificultar sobremaneira a constrição patrimonial em benefício

do exeqüente, dado que são consideradas em fraude as alienações prévias à

pendência da demanda, que se verifica (a pendência da ação) após a citação válida

do executado (inteligência do art. 219 do CPC).163,164

III.6.1.3 - Recorribilidade do cite-se?

Nos tópicos antecedentes, buscou-se suscitar questões relevantes acerca de

um dos componentes do juízo de admissibilidade, qual seja, o interesse de agir.

Nesta toada, tendo-se abordado a polêmica em torno da recorribilidade, ou

não, dos despachos, cremos seja conveniente partir para o enfrentamento de outro

interessante assunto: o enquadramento do “cite-se” entre os pronunciamentos

decisórios e sua recorribilidade.

Em agudo estudo a respeito do tema, Rodrigo da Cunha Lima Freire advoga a

tese da recorribilidade da determinação de citação para a execução,

162 Sobre o caráter de despacho da determinação de emenda à inicial: NERY Jr., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 725. 163 “Processo civil. Recurso especial. Processo de execução. Emenda à petição inicial. Despacho com conteúdo decisório. Recorribilidade. - Em processo de execução, a determinação de emenda à petição inicial para que seja extirpado do título executivo as convenções de comissão de permanência e de capitalização de juros constitui despacho com conteúdo decisório, recorrível de agravo (CPC, art. 522). - Recurso especial a que se dá provimento” (STJ, REsp n. 302.266, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 18.02.2002). 164 Mais recentemente: “PROCESSUAL CIVIL. EMENDA DA INICIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CONTEÚDO DECISÓRIO. PREJUÍZO. 1. Deve ser relativizada, em casos excepcionais, a regra de que o despacho que determina a emenda da petição inicial é irrecorrível, analisando-se se a decisão agravada subverte ou não a legislação processual em vigor de maneira a causar gravame à parte. 2. Recurso especial provido.” (STJ, REsp n. 891.671, rel. Min. Castro Meira, DJ de 15.03.2007)

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consubstanciando seu pensar no caráter interlocutório de tal decisão e no grau de

prejuízo que acarreta ao sujeito executivo passivo.165

De nossa parte, como já asseveramos anteriormente, concordamos

integralmente com a afirmação, especialmente porque a determinação de citação

(ou de intimação, na hipótese de cumprimento de sentença) dista imensamente dos

despachos (e de sua conseqüente irrecorribilidade), ostenta conteúdo decisório

relevante (a aferição da regularidade executiva, digamos, in statu assertionis, ou

seja, em termos de condições da ação e pressupostos processuais) e traz volumoso

prejuízo ao demandado, especialmente nas hipóteses representativas de constrição

patrimonial.166

De mais a mais, o manejo recursal (agravo) diante do “cite-se”, em casos de

patente ilegalidade processual, tem o condão de coibir possível iniqüidade

processual consistente na apreensão de patrimônio do devedor.

Aponte-se, é verdade, que ainda está para ser palmilhada a trilha da

aceitação ampla dos recursos contra decisões de citação, mas notamos movimento

jurisprudencial nesse sentido.167

No sentido de haver conteúdo decisório relevante no “cite-se”, e conseqüente

recorribilidade, remetemo-nos a texto pioneiro da professora Rita Gianesini, em que

se abordam de forma percuciente os exames tecidos pelo magistrado quando de tal

pronunciamento (aferição das condições da ação, dos pressupostos processuais

etc.), inclusive à luz dos prejuízos suportados pelo réu diante de demanda que lhe

seja proposta e que se mostre evidentemente descabida.168

Convém registrar opinião de Teresa Wambier no sentido de que o “cite-se” se

enquadraria no âmbito dos despachos, em regra, excepcionadas as hipóteses em

que haja apreciação de pleito de concessão de liminar.169

165 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. É agravável o ato de ordenar a citação na execução, p. 646 e ss. 166 MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Defesa executiva e recursos: o agravo de instrumento como regra na execução, p. 388. 167 No STJ, identificamos decisão admitindo interposição de agravo de instrumento diante da determinação de citação em execução (REsp n. 212.018). 168 GIANESINI, Rita. Da recorribilidade do cite-se, p. 937. 169 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O novo regime do agravo, p. 81, 82.

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III.6.1.4 - Concessão de tutela antecipada em sentença: recurso cabível

Ainda a respeito do interesse de agir em grau recursal, especificamente em

sua acepção “adequação da via recursal eleita pela parte”, reputamos relevante a

abordagem de outro tema: qual o recurso cabível quando se está diante de sentença

em que se concede tutela antecipada? Caberiam, simultaneamente, recursos de

agravo e de apelação, ou exclusivamente apelação?

Em caso de concessão de tutela antecipada concedida no bojo de sentença,

seria possível escandir neste ato processual praticado pelo juiz dois

pronunciamentos decisórios, sendo um de natureza interlocutória (concessivo da

tutela antecipada) e outro de natureza sentencial?

Por primeiro, diga-se não existir qualquer óbice à concessão de tutela

antecipada em sentença. De fato, o art. 273 do CPC, ao instituir a figura da

antecipação de tutela, não estabeleceu qualquer óbice nesse sentido (como fosse a

tutela antecipada concessível tão-só na fase postulatória), do que deflui, inclusive, a

possibilidade de concessão de tutela antecipada em sede recursal, conforme

exposto em tópico próprio deste estudo.

A inexistência de qualquer empecilho de caráter temporal relativamente à

possibilidade de concessão de tutela antecipada, e sua conseqüente concessão em

sede de sentença, justifica-se também porque, se em momento embrionário do feito

o magistrado não se vê convencido da verossimilhança das alegações do autor, uma

vez palmilhada toda a fase instrutória do feito, poderá o órgão jurisdicional estar

municiado dos elementos informativos hábeis à antecipação da tutela.

Tal cenário (concessão de tutela antecipada em sentença) sujeitava-se, no

passado, a uma deletéria circunstância: de que servia a concessão de tutela

antecipada em sentença se a apelação posteriormente interposta, dotada de efeito

suspensivo como regra, obstaria a imediata fruição dessa medida antecipatória?

Estar-se-ia diante de providência jurisdicional antecipatória absolutamente

estéril, inócua que restaria diante da apelação interposta em ato processual

imediatamente subseqüente. Essa questão não se resolvia com a redação do art.

520 do CPC anteriormente à alteração encetada pela Lei 10.352/01, que inseriu no

texto de precitado dispositivo legal o inc. VII, o qual retirou da apelação o efeito

suspensivo quando esta for interposta em face de sentença em que se confirme (ou

se conceda) antecipação de tutela.

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Com essa modificação legislativa, eliminou-se do sistema das liminares

antecipatórias de tutela uma grave omissão que havia escapado ao legislador de

1994 (ano em que editada a Lei 8.952/94), quando se introduziu no direito

processual civil brasileiro essa relevante inovação.

Anteriormente à inserção do inc. VII no art. 520 do CPC, existia intensa

polêmica acerca do recurso cabível diante da concessão de tutela antecipada no

corpo de sentença, mas já então destacavam-se diversas opiniões no sentido de

que o fato de ser concedida tutela antecipada em sentença não desnatura esta

última como sendo a decisão final do procedimento em primeiro grau de jurisdição,

vale dizer, a antecipação de tutela no bojo de sentença não permitiria a conclusão

de que estar-se-ia diante de duas decisões (uma de caráter interlocutório,

concessiva de tutela antecipada, e outra de natureza sentencial), o que conduziria à

conclusão de que seriam cabíveis agravo e apelação de cada tópico dessa decisão

(agravo diante da tutela antecipada e apelação diante da sentença).170

Posicionaram-se nesse sentido Cândido Dinamarco,171 Teori Albino

Zavascki,172 José Roberto dos Santos Bedaque,173 entre outros doutrinadores.

Em termos jurisprudenciais, pode-se afirmar ser hodiernamente tranqüila a

admissibilidade exclusivamente da apelação em face da sentença em que se

concede tutela antecipada, mormente em prestígio ao princípio da

unirrecorribilidade, ou singularidade, conforme o qual de cada decisão cabe

exclusivamente uma modalidade recursal.174

170 Teresa Arruda Alvim Wambier defende a idéia de que, considerando-se a controvérsia sobre o assunto, é recomendável que se admita a aplicação do princípio da fungibilidade à hipótese de ser concedida tutela antecipada em sentença, diante da confusão que ainda pode estabelecer-se para o advogado médio entre o manejo do agravo de instrumento e da apelação (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O princípio da fungibilidade sob a ótica da função instrumental do processo, p. 775). 171 DINAMARCO, Cândido Rangel. O regime jurídico das medidas de urgência, p. 18. 172 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, p. 108. 173 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Considerações sobre a antecipação da tutela jurisdicional, p. 234 174 “PROCESSO CIVIL - EMBARGOS DECLARATÓRIOS - MULTA - INTUITO DE PREQUESTIONAMENTO - SÚMULA 98 - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - MOMENTO DA SENTENÇA - POSSIBILIDADE - APELAÇÃO - CABIMENTO - EFEITO DEVOLUTIVO - LEI PROCESSUAL NO TEMPO - COMINAÇÃO DE MULTA - EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA - IMPOSSIBILIDADE - ARTS. 588 C/C 659 DO CPC. 1. A insistência na oposição de embargos declaratórios para atender a exigência de prequestionamento explícito, não merece sanção. 2. O recurso cabível contra antecipação de tutela deferida na sentença é a apelação, recebida apenas no efeito devolutivo. 3. Mesmo antes da vigência da Lei 10.352/2001, a apelação contra sentença, que confirma ou defere antecipação de tutela, pode ser recebida sem efeito suspensivo.

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III.6.1.5 - Princípio da fungibilidade

Em se tratando de abordagem do interesse de agir, é impossível não se

cogitar do princípio da fungibilidade.

Um dos temas que se afiguravam mais encarecidos a Alfredo Buzaid quando

da concepção do que veio a ser o CPC de 1973 consistia na criação de um sistema

recursal fechado, do qual não derivasse qualquer espécie de hesitação ao

jurisdicionado quando do manejo dos dispositivos recursais. De cada decisão

caberia um recurso, com exclusão de todos os demais: esse o escopo da

codificação processual civil de 1973.

Em termos de raízes dessa remarcada preocupação com a criação de um

sistema recursal exato, podemos destacar a circunstância de que, no CPC de 1939,

existiam situações de intensa dúvida acerca do recurso cabível, mormente por conta

do caráter multifacetado do recurso de agravo de petição que então existia, cujo

cabimento espraiava-se a diversas espécies decisórias.175

Causava perplexidade à comunidade jurídica de então, também, o grande

número de recursos cabíveis, dado que decisões de natureza interlocutória ou final

por vezes desafiavam a mesma espécie recursal, como ocorrente com o próprio

agravo de petição, que era interponível de sentença que não apreciava o mérito

(CPC de 1939, art. 846) e de decisões de natureza interlocutória, como algumas

previstas pela Lei de Falências em seu vigor de então (Decreto-lei 7.661/45, arts. 19,

79, entre outros).

Diante desse caráter multifário dos recursos conforme sua disciplina anterior

ao CPC de 1973,176 em que não raro surgiam situações controversas acerca do

4. É incabível cominação de multa em execução provisória de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa. É que ‘se o devedor não pagar, nem fizer nomeação válida, o oficial de justiça penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios’ (CPC, Art. 588, cabeça c/c 659)” (STJ, REsp n. 267.540, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 12.03.2007). Neste mesmo sentido, REsp n. 524.017, REsp n. 648.886, entre outros. 175 Na Exposição de motivos do CPC de 1973, Alfredo Buzaid expressamente obtemperou que “o rigor da ciência jurídica depende substancialmente da pureza da linguagem não devendo designar com um nome comum institutos diversos, nem institutos iguais com nomes diferentes. O direito brasileiro, ao nomear os recursos, não observou essa exigência da técnica jurídica. Sob o nome comum de agravo de petição, reúne cinco recursos, cujas condições de admissibilidade são essencialmente diversas”. 176 A propósito, um dos objetivos do legislador de 1973 foi o de justamente simplificar o sistema recursal civil, especialmente mediante redução do número de recursos cabíveis. Confira-se o seguinte

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cabimento recursal, o próprio legislador positivou um princípio destinado a aplacar

tais situações de dúvida da parte quanto ao recurso cabível, admitindo o recurso

incorreto como se o correto fosse. Essa a essência do princípio da fungibilidade

recursal.

O artigo 810 do CPC de 1939 dispunha ser cabível a aplicação do princípio da

fungibilidade sempre que, ressalvada a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte

interpusesse um recurso por outro. No regime do CPC de 1939, existia enorme

confusão quanto ao cabimento dos recursos, dado que a opção por determinado

mecanismo recursal exigia análise do conteúdo decisório (se de mérito, se decisão

terminativa ou definitiva, etc). A dúvida subjetiva autorizava, sob o vigor do CPC de

1939, a aplicação do princípio da fungibilidade.

A propósito, interessante avaliar, sobre essa nobre função do princípio da

fungibilidade, alguns comentários expendidos por Alcides de Mendonça Lima logo

após a entrada em vigor do CPC de 1973, quando se excluiu do texto da legislação

processual civil codificada atual a menção outrora constante do art. 810 do CPC de

1939.

Para o ilustre processualista, “mesmo em face do nosso sistema recursório

atual, ainda é possível a dúvida quanto à cabibilidade do agravo de instrumento e da

apelação, interposto um pelo outro”,177 exemplificando-se tal afirmação com a

famigerada hipótese de indeferimento liminar da ação reconvencional, geratriz de

muitos debates acerca da natureza interlocutória ou sentencial de tal decisão.

A bem da verdade, o espírito do princípio da fungibilidade advém

inegavelmente da idéia outrora mais profícua de que deveriam os recursos guiar-se

pela teoria do recurso indiferente, no sentido de que bastaria a manifestação

impugnativa da parte para que se visse posta em xeque uma decisão, nada mais.178

Entrado em vigor o CPC atual, imaginava-se que não mais existiriam

quaisquer hipóteses de controvérsia acerca do cabimento recursal, do que derivaria

trecho da exposição de motivos do CPC de 1973: “Diversamente do Código vigente, o projeto simplifica o sistema de recursos. Concede apelação só de sentença; de todas as decisões interlocutórias, agravo de instrumento. Esta solução atende plenamente aos princípios fundamentais do Código”. 177 LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis, p. 241. 178 Menção que Alcides de Mendonça Lima faz a pensamento de James Goldschmidt em sua obra Derecho procesal civil. Trad. espanhola da 2ª ed. alemã. Barcelona, 1936. Ver em LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis, p. 245. Este princípio do recurso indiferente também é mencionado por SANSEVERINO, Milton. Fungibilidade dos recursos, p. 181.

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a completa desnecessidade de manter-se o princípio da fungibilidade em nosso

sistema processual civil. Retirou-se, pois, o princípio da fungibilidade do CPC.

A pretensão de encerrar-se, no CPC de 1973, um sistema infenso a situações

de dúvida acerca do cabimento recursal, contudo, sucumbiu à riqueza e à fertilidade

da vida forense: muito não tardou para que surgissem cenários em que os litigantes

objetivamente não reuniam condições de identificar qual o recurso cabível de

determinada decisão.

Em outras palavras, remanesceram no sistema recursal do CPC hipóteses

insolúveis, exigentes de um critério de acomodação que abreviasse rigores atinentes

à adequação recursal.

Bom que se diga, a propósito, que o fato de não existir expressa

previsibilidade legal no CPC acerca do princípio da fungibilidade (tal qual existia no

CPC de 1939, em seu art. 810) não significa, necessariamente, que este tenha sido

excluído de nosso sistema recursal.

É clássica a lição de que “os princípios são ‘verdades fundantes’ de um

sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem

sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter

operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e

da praxis”.179

Como cediço, os princípios são, em verdade, normas superlativas que

produzem influxos sobre a norma posta, positivada; são vetores que atuam

ideologicamente sobre a produção legislativa e sobre a aplicação jurisprudencial,

atuando como pressupostos balizadores da incidência do direito na disciplina dos

comportamentos sociais.

Por conta desse caráter de elemento orientador da própria estruturação

legislativa do direito e da dicção deste pelos órgãos jurisdicionais, há que se

reconhecer antecedência lógica dos princípios jurídicos às normas positivadas, daí

entendermos não ser correta a idéia de que o princípio, para que se reconheça sua

existência e seu vigor, deva estar necessariamente previsto às expressas em lei.

Se imediatamente após a entrada em vigor do CPC de 1973 existia quem

dissesse que havia sido revogado o princípio da fungibilidade dado não existir

referência a respeito em tal codificação, a fertilidade do cotidiano forense culminou

179 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 305.

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por infirmar esta convicção, que se mantinha ainda sob a intensa influência de uma

codificação anterior que continha menção direta ao princípio (o predito art. 810 do

CPC de 1939).180

De fato, situações concretas foram surgindo e controvérsias acerca do

cabimento recursal não puderam ser prevenidas pelo sistema enxuto e

supostamente exato que o CPC de 1973 destinou aos recursos cíveis.

De todas as situações ulteriores ao CPC de 1973 que acabaram por gerar a

necessária persistência do princípio da fungibilidade recursal, quiçá a mais

conhecida seja a atinente ao recurso cabível diante da decisão que indefere

liminarmente a reconvenção, mantendo-se tão-somente o curso da ação principal.

Explica-se melhor a hipótese.

Vez aforada a ação reconvencional, fato é que se cumulam, sob o mesmo

procedimento, duas demandas conexas entre si, por identidade de causa de pedir

ou de objeto. Em virtude dos princípios da celeridade e da economia processuais e

da uniformidade das decisões judiciais, essas duas demandas conexas entre si e

que admitem processamento sob idênticos procedimento e competência são objeto

da mesma instrução probatória e devem ser julgadas em uma só sentença.

Ocorre, todavia, que nem sempre o escopo de julgamento conjunto das ações

principal e reconvencional se mostra factível: tal sucede, por exemplo, quando a

reconvenção padece de vício processual que impeça o exercício da jurisdição, como

a inépcia da inicial.

Nessas circunstâncias, poderá o órgão jurisdicional indeferir a exordial

reconvencional, fazendo persistir apenas a ação principal. Neste ponto, de se

perguntar: qual a natureza jurídica da decisão que indeferiu a inicial da

reconvenção?

Sem pestanejar e com fulcro na tradicional classificação das decisões, dir-se-

ia que tal decisório é sentença não resolutiva do mérito, prevista às expressas no art.

267, I, do CPC.181

180 Nelson Nery Jr. relaciona doutrina e jurisprudência contemporâneas (ou pouco posteriores) à entrada em vigor do CPC de 1973 em que se negou persistência do princípio da fungibilidade por conta da ausência de menção expressa a respeito, tal qual existia no CPC de 1939 (NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 144, 145). 181 “Art, 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: I – Quando o juiz indeferir a petição inicial; (...)”

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Cabe, aqui, relevante observação: para a utilidade do exemplo, pusemos de

lado a polêmica acerca da natureza interlocutória ou sentencial da decisão que

indefere liminarmente a reconvenção. Em contida síntese, tem-se que as duas

correntes sobre o assunto, a nosso ver, contrapõem-se basicamente por conta de

divergência de paradigmas: (i) os que pensam ser interlocutória tal decisão o fazem

adotando por baliza o efeito da decisão relativamente a ambas as relações

processuais (ação principal e reconvenção) conjuntamente (e só “se extinguiria o

processo” caso ambas fossem simultaneamente extintas), (ii) ao passo que os

defensores da natureza sentencial dessa decisão estremam bem distintamente as

relações processuais da ação principal e da reconvenção, do que deriva que a

relação processual reconvencional, na exemplificação proposta, estaria extinta.

A mesma controvérsia estabelece-se no tocante ao julgamento da ação

declaratória incidental previamente ao da ação principal, sem ingresso no mérito.182

Encerrados os parênteses e definindo-se tal decisão hipotética como

sentença,183 o sistema recursal do CPC automaticamente conduz o operador do

direito ao aforamento de recurso de apelação.

A realidade dos autos em que tramitam as hipotéticas ações principal e

reconvencional, contudo, cria um robusto impasse: sendo certo que ação principal e

reconvenção têm curso no mesmo processo,184 vale dizer, nos mesmos autos, em

seqüência de páginas, como separá-las, para fins de julgamento da apelação

relacionada a uma delas?

Diante dessa realidade, e admitindo-se como recurso dessa sentença

sugerida (derivada da inépcia da inicial reconvencional) a apelação, como

compatibilizá-la com o trâmite processual, dado que a apelação tem como regra o

efeito suspensivo e o deslocamento dos autos ao tribunal?

182 De modo a ilustrar com mais fortes luzes o assunto, confira-se interessante precedente do STJ a respeito: “Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. SENTENÇA INCIDENTE. ART. 325, CPC. JULGAMENTO ANTERIOR À AÇÃO POSSESSÓRIA PRINCIPAL. NATUREZA DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - Contra a ‘sentença’ que põe fim à ação declaratória incidental, cabe agravo de instrumento se a ação versar, como no caso, questão prejudicial ao julgamento da principal e for julgada anteriormente a esta, liminarmente ou não, dada a natureza de decisão interlocutória. II - Ocorrendo extinção apenas parcial do processo (v.g., quando indeferida a declaratória incidental, a reconvenção ou excluído um dos litisconsortes), o recurso próprio é o agravo” (STJ, REsp n. 323.405, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 04.02.2002) 184 “Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa”.

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De fato, admitindo-se a apelação como o recurso cabível diante dessa

sentença, que fazer com a necessária suspensividade da apelação e, mais, que

fazer com o deslocamento dos autos ao segundo grau, para reapreciação da

matéria, sabendo-se que a ação principal não foi sentenciada?

De mais a mais, não se pode exigir do advogado médio discernimento de

relações jurídico-processuais distintas entre a ação principal e a reconvenção, que

seguramente é assunto que desgarra do cotidiano forense e exige alguma

profundidade científica para que possa ser apreendido.

Essa situação traduz, evidentemente, um cenário em que a comunidade

processual, e os que atuam no foro em geral, foram surpreendidos por uma hipótese

duvidosa acerca do cabimento recursal, se apelação ou agravo de instrumento.

A controvérsia em torno do tema, aliás, foi amplificada pela jurisprudência.

Deveras, consolidou-se um quadro de grande celeuma em torno do assunto.

Diante dessa situação de evidente hesitação jurisprudencial acerca do

recurso cabível, em que o sistema recursal não foi apto à resolução da controvérsia,

forçosamente revigorou-se o princípio da fungibilidade, que, se outrora claramente

estava fadado à extinção, foi ressuscitado pela variabilidade imensa de situações

oferecidas pelo cotidiano do contencioso cível.

Sensível à necessidade de que os jurisdicionados não se vissem

grandemente prejudicados por conta da controvérsia acerca do recurso cabível

diante de determinada decisão, teve a jurisprudência posterior ao CPC de 1973 de

curvar-se à inafastável aceitação da persistência do princípio da fungibilidade

recursal.

Interessante constatar que foi exatamente essa pretensão de eliminação do

princípio da fungibilidade (não contemplado às expressas no texto do CPC de 1973)

que acabou, diante de situações práticas bastante intrincadas, atraindo robusta

atenção para o assunto: os debates acerca da necessidade, ou não, de expressa

previsão legal a respeito para que se reconhecesse a aplicabilidade do princípio da

fungibilidade recursal não tardaram a chegar ao STF.

Com efeito, poucos anos após a entrada em vigor do CPC de 1973,185

surgiram no STF julgamentos orientando-se pela persistência do princípio da

185 Que, devido à vacatio legis de um ano, entrou em vigor em 1974.

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fungibilidade ainda que não houvesse previsão expressão a respeito na codificação

processual civil.186

Vê-se que paulatinamente foi-se mitigando a interpretação rigorosa que se

difundiu imediatamente após a entrada em vigor do CPC de 1973 no sentido de que

se dera a exclusão do princípio da fungibilidade de nosso sistema processual.

De fato, o próprio Alfredo Buzaid, mentor do CPC de 1973, quando ministro

do STF, acabou por emitir decisões em que abertamente acolheu a tese de que

remanesceu no ordenamento processual civil brasileiro a possibilidade de

fungibilidade recursal diante de hipóteses em que existisse a chamada dúvida

objetiva e não houvesse erro grosseiro, nem sequer má-fé, da parte recorrente.187

O artífice maior do plano de exatidão recursal civil brasileira, do que decorreu

a exclusão, ao menos da redação do CPC, do princípio da fungibilidade, parece ter

assumido a conclusão de que a fungibilidade recursal devesse persistir, dada a

impossibilidade de um sistema recursal perfeito e insusceptível de nódulos de

dúvida.

A aplicação do princípio da fungibilidade, assim, manteve-se possível, ainda

que tenha sido privado de expressa previsão legal.

III.6.1.5.1 - A fungibilidade recursal e a tensão com outros princípios recursais

A incidência do princípio da fungibilidade traduz, por si só, relação de conflito

com outros princípios integrantes da sistemática recursal civil brasileira.

Em realidade, vê-se que vão em direção diametralmente oposta à da

fungibilidade recursal os princípios recursais da singularidade e da correspondência.

186 Em seu voto como relator do RE 91.157-0 (DJ de 24.09.1979), o Min. Xavier de Albuquerque pronunciou-se da seguinte forma: “é irrelevante, para mim, que o vigente Código de Processo Civil não haja reproduzido norma semelhante à do art. 810 do estatuto anterior, pois a fungibilidade dos recursos constitui desdobramento de princípio científico superior, que é o da conversão dos atos processuais. Nada obsta, portanto, a que, não havendo má-fé nem erro grosseiro, e estando satisfeitos os demais requisitos formais, inclusive o relativo ao prazo, seja conhecido como sendo o adequado o recurso inadequado porventura interposto pela parte”. Esta decisão não foi unânime, tendo em vista o posicionamento do Min. Cunha Peixoto no sentido de que, vez retirado do texto codificado o princípio da fungibilidade, não havia que se falar de sua persistência no CPC de 1973. Na segunda turma do STF, no julgamento do RE 91.282 (DJ de 19.10.1979), rel. o Min. Cordeiro Guerra, decidiu-se unanimemente pela persistência do princípio da fungibilidade no CPC de 1973. 187 AI 85.999-3, rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 14.05.1982.

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A tensão que enxergamos estabelecer-se entre a fungibilidade recursal e

sobreditos princípios da singularidade e da correspondência exige breve definição

destes últimos, de modo que se faça mais clara nossa exposição.

No tocante à singularidade recursal, emprestamos de autores que se

debruçaram sobre o assunto suas definições a respeito.

Nelson Nery Jr. pondera que decorre da singularidade recursal que “para

cada ato judicial recorrível há um único recurso previsto pelo ordenamento, sendo

vedada a interposição simultânea ou cumulativa de mais outro visando a

impugnação do mesmo ato judicial”.188

Alcides de Mendonça Lima, de seu turno, ao analisar o princípio da

fungibilidade, acabou por tecer considerações acerca da singularidade como regra

principiológica recursal.

No dizer de Mendonça Lima, “teoricamente, a parte não pode mudar de

recurso, não lhe sendo lícito eleger um meio por outro”.189

Do magistério de Teresa Arruda Alvim Wambier, acerca do cabimento de um

único recurso para cada pronunciamento decisório proferido no curso do processo

civil, colhe-se que “o cabimento recursal, como se disse há pouco, comporta exame

sob dois aspectos: o da recorribilidade e o da adequação do recurso. A decisão deve

ser, em tese, recorrível e a parte se deve valer do recurso adequado, próprio para a

hipótese”.190

Para Flávio Cheim Jorge, o princípio da singularidade revela-se na

constatação de que “as decisões judiciais somente são impugnadas por meio de um

único recurso. Para cada decisão não é permitida a interposição, ao mesmo tempo,

de mais de um recurso”.191

Rita de Cássia Corrêa Vasconcelos consigna que, “para cada pronunciamento

judicial recorrível, existe somente um recurso previsto”.192

No entender de Luiz Orione Neto, o princípio da singularidade manifesta-se

no processo civil por ser certo que, “para cada ato judicial há um recurso específico,

188 NERY Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 119. 189 LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis, p. 240. 190 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro, p. 157. 191 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 166. 192 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa. Princípio da fungibilidade, p. 71.

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sendo, portanto, inadmissível o uso concomitante ou cumulativo de dois ou mais

recursos”.193

Em termos jurisprudenciais, são reiteradas as decisões que prestigiam a

singularidade recursal, inclusive como corolário da relação de encaixe que o CPC

estabelece entre os pronunciamentos decisórios e os recursos cabíveis, atribuindo

um recurso para cada modalidade decisória.194

Além do termo “singularidade”, utilizam-se também as referências

“unirrecorribilidade” ou “unicidade” recursais como indicativas da orientação de cada

decisão conta com o recurso que lhe é adequado.

Ladeando o princípio da singularidade (ou com ele por vezes se confundindo)

está o princípio da correspondência, sobre o qual não identificamos divergências ou

vacilações no sentido de conceituá-lo como o vetor determinante de que a cada

decisão proferida no processo civil se adaptará exclusivamente uma modalidade

recursal, sendo que será precisamente o objetivo da parte que definirá o recurso

cabível.

Haverá, nesse sentido, o estabelecimento de relação de justaposição entre a

sentença, p. ex., e a apelação caso o jurisdicionado pretenda sua reforma ou sua

anulação; buscando-se tão-só o seu esclarecimento por conta de vícios que

impeçam sua intelecção, caberão embargos declaratórios. Observe-se, pois, que

haverá adequação, em regra, de um só recurso diante de cada decisão conforme

seja o objetivo de impugnação manifestado pela parte litigante (como dito, de

anulação, de esclarecimento etc.).

O cabimento do recurso, portanto, será definido pela conjunção de dois

fatores: a natureza da decisão a ser recorrida e o objetivo da parte por intermédio do

recurso.

193 ORIONE NETO, Luiz. Recursos cíveis, p. 172. 194 “RECURSO DE AGRAVO - CUMULATIVA INTERPOSIÇÃO DE DOIS (2) RECURSOS CONTRA A MESMA DECISÃO, FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO POSTULADO DA SINGULARIDADE DOS RECURSOS - NÃO-CONHECIMENTO DO SEGUNDO RECURSO - EXAME DO PRIMEIRO RECURSO - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS RECURSAIS ORDINÁRIAS - DESCABIMENTO DO APELO EXTREMO - SÚMULA 281/STF - DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - AGRAVO IMPROVIDO. - O princípio da unirrecorribilidade, ressalvadas as hipóteses legais, impede a cumulativa interposição, contra o mesmo ato decisório, de mais de um recurso. O desrespeito ao postulado da singularidade dos recursos torna insuscetível de conhecimento o segundo recurso, quando interposto contra a mesma decisão. Doutrina. - O prévio esgotamento das instâncias recursais ordinárias constitui pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário” (STF, AI-AgR n. 639.397, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 29.06.2007).

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Feitos tais apontamentos sobre os princípios que se relacionam à regra

preponderante de nosso sistema recursal acerca da unirrecorribilidade, nota-se que,

basicamente, ao se dispor em legislação que um caminho recursal é adequado à

hostilização de uma decisão, está-se cogitando de interesse de agir em grau

recursal.

Como cediço, o interesse de agir manifesta-se no binômio necessidade e

adequação. Esse último fator relaciona-se à correção técnica da via de impugnação

eleita para determinado pleito de prestação jurisdicional.

Em termos de mecanismos recursais, essa eleição do caminho recursal vê-se

vinculada estreitamente ao princípio da singularidade, na medida em que este, ao

impor a definição de uma modalidade recursal para cada decisão, define o iter

recursal a ser seguido pela parte. Em outros termos, define-se o interesse de agir

em grau recursal precisamente em sua acepção “adequação”.

Pensamos integrar o conteúdo do princípio da singularidade, pois, o interesse

de agir em grau de recurso. Essa circunstância, destarte, opõe esse princípio (e o

correlacionado princípio da correspondência) ao princípio da fungibilidade, dado que

este último orienta-se em sentido exatamente contrário, pois admite a existência de

duas vias processuais para determinada finalidade.

Há, nesse sentir, evidente tensão entre tais princípios.

Essa relação de controvérsia, contudo, não exige necessariamente que se

abra mão, em caráter peremptório, de um princípio para que o outro seja acatado e

aplicado. De fato, dispomos em nosso sistema jurídico de outro princípio que serve à

solução harmoniosa desses choques de regras: o tão em voga princípio da

razoabilidade.

Quando em conflito dois princípios reconhecidos como vigentes em nosso

ordenamento, ambos aplicáveis à hipótese concreta, há que se definir qual

prevalecerá em detrimento do outro.

Essa antinomia que por vezes se estabelece está a exigir sejam sopesados o

bem que se pretende salvaguardar e aquele que, via de conseqüência, se verá

sacrificado.

No embate estabelecido entre singularidade e fungibilidade recursais,

evidentemente há que prevalecer este último (verificadas suas hipóteses de

aplicação, como se minudenciará mais adiante), dado que encerra, a nosso ver, um

bem mais relevante: o acesso à instância recursal, que se vê nebuloso por força de

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coalizão de fatores extrínsecos à parte (a controvérsia jurisprudencial sobre o

cabimento do recurso e a ausência de erro grosseiro).

Há, em suma, a necessidade de prevalência do aspecto finalístico do

processo, de sua instrumentalidade, o que perfaz a justificação ideológica da

fungibilidade recursal.

III.6.1.5.2 - Instrumentalidade e aproveitamento dos atos processuais

A aplicação do princípio da fungibilidade está, a toda evidência, sob a

influência de um fundamental princípio do CPC: o princípio da instrumentalidade do

processo.

De fato, o aproveitamento dos atos processuais no maior grau possível

parece-nos ser a ratio essendi da fungibilidade recursal, dado que a aceitação de um

recurso por outro, em vez de simplesmente se lhe negar conhecimento, revela

prestígio ao processo como instrumento da aplicação da jurisdição.

Permitimo-nos, todavia, algumas ponderações acerca de certos limites que

devem ser estabelecidos ao referido princípio da fungibilidade.

Explica-se melhor.

Cediço que o acatamento de uma modalidade recursal por outra traz consigo

a relativização de uma das condições da ação, qual seja, o interesse de agir,

considerado em grau recursal.

Essa relativização do interesse de agir (em sua acepção “adequação”), diante

da suma importância que as condições da ação assumem no dia-a-dia do foro, exige

justificativa bastante robusta, contundente.

No caso da fungibilidade recursal, essa justificativa materializa-se justamente

na iniqüidade que seria gerada à parte caso esta tivesse não admitido um recurso

(tido como inadequado) a respeito do qual não houvesse, na própria comunidade

jurídica, definição sobre sua adequação.

Em que pese ser reconhecidamente relevante a aplicação da fungibilidade

recursal, há que se admitir que o direito processual civil é permeado, também, por

valor de igual importância: a segurança jurídica, cuja manifestação na ciência

processual se dá por meio da previsão de formas próprias para a prática dos atos

processuais.

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O pré-estabelecimento das formas dos atos processuais confere aos litigantes

previsibilidade de meios, de mecanismos, estipulando-se normas e condições para

que seja exercida a jurisdição. Nessa toada, sendo certo que o direito processual é

enormemente formal não por mero fetiche do legislador, senão por maximização da

garantia das partes relativamente ao método de que dispõe para obter a apreciação

jurisdicional de seu pleito, entendemos que deva ser absolutamente excepcional a

aplicação concreta do princípio da fungibilidade recursal.

O pensamento que expomos acima acerca da absoluta excepcionalidade de

incidência da fungibilidade recursal deriva da constatação de que a aplicação desse

princípio traz consigo uma subversão de um vetor da postura com o que o órgão

jurisdicional deve conduzir sua atividade: ao acatar o abrandamento de uma

condição da ação recursal (o interesse de agir, modalidade “adequação”) em prol da

admissão de um recurso por outro, está o magistrado atuando em franca atenuação

do princípio dispositivo para afastar matéria de ordem pública impeditiva do

processamento recursal, em clara manifestação do princípio da instrumentalidade.

Há, por assim dizer, um controle de admissibilidade recursal às avessas: uma

vez interposto o recurso inadequado, verificando ser a hipótese exigente de

incidência do princípio da fungibilidade, acaba o órgão jurisdicional por mitigar o rigor

das condições recursais para permitir a tramitação de recurso interposto contra

legem, ao menos contra legem processual, na medida em que a lei processual

previa dado recurso para dada decisão e outro foi o recurso manejado pela parte.

Outro argumento que pode ser erguido no sentido de que deve ser exceção a

aplicação da fungibilidade recursal diz respeito à integralidade de ampla defesa do

recorrido.

Persistindo-se na situação tomada a título de exemplo (decisão que indefere

liminarmente reconvenção), imagine-se que a parte reconvinte haja interposto

recurso de apelação, em que há efeito suspensivo como regra na maioria dos casos.

Sendo certo que o recorrido foi intimado a responder um recurso de apelação,

é inegável que a conversão deste em agravo de instrumento, com a intimação

posterior do agravante (ex-apelante) para adequada instrução do recurso, acarreta

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lesão à ampla defesa do recorrido na medida em que não poderá exercer resposta

recursal acerca da formação do instrumento, se adequada ou não.195-196

De fato, ter-se-ia consumado a oportunidade de defesa quando da

apresentação de contra-razões de apelação, em que a parte recorrida, por óbvio,

não teria abordado a questão da composição do instrumento.

Faz-se de rigor, portanto, seja o recorrido instado a novo pronunciamento

quando, por exemplo, foi convertido um recurso de apelação em agravo de

instrumento.

III.6.1.5.3 - Os requisitos para a aplicação do princípio da fungibilidade

A respeito da fungibilidade recursal, cediço que se justifica pela inexistência

de solução adequada por parte do sistema recursal cível diante de determinada

decisão.

Surgindo hipótese de dúvida a respeito do recurso cabível, admite-se o

abrandamento de uma das condições da ação em grau recursal (o interesse de agir,

modalidade “adequação da via eleita”197) de modo que seja processado o recurso e,

forte na instrumentalidade do processo, aprecie-se a impugnação ventilada pela

parte.

Esse abrandamento do interesse de agir em prestígio ao princípio da

fungibilidade não se dá, evidentemente, em qualquer hipótese. Alguns dos requisitos

para tanto já constavam no art. 810 do CPC de 1939198 e, de certa forma, persistiram

após a entrada em vigor do CPC de 1973.

195 Pondere-se que a bilateralidade de audiência poderá, na hipótese, ser respeitada caso o magistrado, após a intimação da parte para formação do instrumento, faculte ao recorrido manifestação a respeito. Entendemos, porém, que relegar o contraditório recursal a mera determinação de cientificação do recorrido é algo dotado de menor garantia comparativamente às contra-razões recursais, estas sim peça processual expressamente prevista no CPC para a lavratura de contradição ao recurso. 196 Para maiores detalhes acerca da formação do instrumento quando da conversão de apelação em agravo de instrumento, confira-se o quanto consignado no tópico “Fungibilidade e atuação de ofício: a aplicação do princípio e a iniciativa para tanto” abaixo. 197 Neste sentido, Fredie Didier diz que o princípio da fungibilidade dos recursos diz respeito “ao requisito de admissibilidade ‘cabimento’”. DIDIER, Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação, p. 37. 198 CPC de 1939, art. 810: “Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma, a que competir o julgamento”.

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Outro requisito, a denominada “dúvida objetiva”, não constava do texto do art.

810 do CPC e passou a merecer mais atenção após a entrada em vigor do CPC de

1973.

Vejamos mais detidamente quais os contornos dessas condições de

aplicação do princípio da fungibilidade.

III.6.1.5.4 - Inexistência de erro grosseiro e de má-fé.

Como dito, parte dos requisitos de aplicação do princípio da fungibilidade já

constava do CPC de 1939 e remanesce até hoje. Cogita-se da inexistência de erro

grosseiro e má-fé.

Para Nery, ainda não se desenvolveu um conceito rematado de erro grosseiro

em doutrina processual civil. Aponta o autor que “a doutrina ainda não isolou o

conceito de ‘erro grosseiro’ na interposição de um recurso por outro, de modo que

não encontramos outro caminho a seguir que não o de inferir o referido significado

das decisões jurisprudenciais”.199

Partindo da premissa exposta acima e avaliando decisões jurisprudenciais a

respeito, Nery estrema duas hipóteses relativamente à espécie de erro que autoriza

a fungibilidade e que não pode cometer o recorrente para que se aplique a

fungibilidade recursal: de um lado, está o erro escusável, ao qual foi induzida a parte

por conta de robusta indefinição jurídica (doutrinária e jurisprudencial) acerca do

recurso cabível para determinada hipótese; d’outra banda, encontra-se o erro

grosseiro, conformado por mera falha profissional do causídico atuante no feito que,

desgarrando-se das normas processuais recursais por desídia, falta de

conhecimento ou ambos, elege recurso notoriamente impróprio para a impugnação

de determinada decisão, sem que a respeito esteja presente controvérsia relevante

em termos doutrinários e jurisprudenciais.

Também apreciando o conceito de erro grosseiro, Rita de Cássia Corrêa de

Vasconcelos verifica algumas circunstâncias que auxiliam em sua conceituação:

“disposição expressa de lei sobre qual o recurso cabível; e haver um entendimento

doutrinário e jurisprudencial pacífico quanto ao cabimento de determinado recurso.

199 NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 162.

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Em verdade, estas circunstâncias servem exatamente para configurar a inexistência

de dúvida objetiva”.200

De nossa parte, manifestamos concordância com a acurada observação da

autora acima citada, dado que a inexistência de erro grosseiro como condição de

incidência do princípio da fungibilidade prende-se, de modo bastante claro, à

ausência de controvérsia acerca de qual o recurso adequado à impugnação da

decisão.

O erro grosseiro, a nosso ver, consiste no manejo de determinado recurso de

modo equivocado em decorrência de pura ausência de conhecimento técnico por

parte do causídico que representa a parte recorrente, vale dizer, há erro na

interposição recursal sem que exista controvérsia relevante a respeito, seja em

doutrina, seja em jurisprudência. Em poucas palavras, não há divergência jurídica a

respeito do recurso cabível à impugnação da decisão.

Na jurisprudência mais antiga do STF201 a respeito do princípio da

fungibilidade utilizava-se repetidamente da expressão “dúvida fundada” como

contraposição ao erro grosseiro, entendendo-se por “dúvida fundada” a situação em

que o recorrente, quando do momento de eleição do recurso, fosse acometido,

surpreendido, por um cenário exterior de consolidada indefinição do recurso apto à

hostilização da decisão.

A nosso ver, a apreensão do conceito de “erro escusável”, porquanto

antípoda do “erro grosseiro”, fornece importantes subsídios à delimitação deste

último.

Neste passo, a escusabilidade do erro decorre da própria gênese desse erro:

a escusa do erro, de modo a excluir o autor das conseqüências respectivas (no caso

dos recursos, a não admissão dos mesmos por inadequação) deriva do fato de que

aquele que erra o faz por conta de motivo alheio, exterior (os dissídios

jurisprudencial e doutrinário), sem que o autor do erro tenha responsabilidade para

200 VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Princípio da fungibilidade – hipóteses de incidência no processo civil brasileiro contemporâneo, p. 82. 201 A título exemplificativo, confira-se o acórdão relatado pelo Min. Sydney Sanches nos autos do AgRg nos embargos no agravo de instrumento 111.547, DJ de 12.12.1986 (Tribunal Pleno). Neste julgado, preceitua-se que o erro que autoriza a recepção de um recurso por outro deva ser escusável, do que se infere que essa escusabilidade do erro contrapõe-se ao chamado erro grosseiro (e, por conseguinte, o define) para fins de aplicação do princípio da fungibilidade.

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tanto. Há, por assim dizer, uma justificativa extrínseca que está a, em termos de

recursos cíveis, induzir a parte à apresentação de um recurso em lugar de outro.202

Ainda sobre o erro grosseiro, entendemos ser conveniente destacar da

jurisprudência do STF em que se enuncia como elemento evidenciador do erro

crasso a interposição, pela parte, de um determinado recurso em contrariedade a

disposição legal que, às expressas, indica qual o recurso cabível para determinada

decisão.203

A inexistência de má-fé como requisito de aplicação da fungibilidade, de seu

turno, se justifica porque práticas mal intencionadas no cotidiano forense poderiam

ensejar a invocação de tal princípio para contornar, verbi gratia, (i) a tentativa de

apresentar recurso de prazo maior por força da perda do prazo para o recurso

correto (de prazo mais exíguo), (ii) a interposição de recurso desprovido de custas

por conta das custas inerentes ao recurso adequado, (iii) a interposição de recurso

dotado de menores formalidades comparativamente ao recurso tecnicamente

escorreito, de maior complexidade em sua formação, entre outras situações que

configurariam mala fide processual.

Tornando à inexistência de erro grosseiro como requisito de aplicabilidade do

princípio da fungibilidade, pensamos que a identificação da existência de

controvérsia jurídica (doutrinária e, principalmente, jurisprudencial) acerca do recurso

correto para impugnar determinada decisão de per si previne o mero erro do

advogado da parte, o chamado erro crasso.

O que se pretende evitar, por força desse requisito (inexistência de erro

grosseiro), é que, em nome da fungibilidade recursal, tolere-se pura falta de

conhecimento técnico do causídico de modo a convolar o recurso errado em recurso

certo.

202 O erro grosseiro, para De Plácido e Silva, “é o erro crasso ou palmar, é o erro que, se mostrando tão despropositado, tão injustificável, tão inadmissível em razão da pessoa que o comete ou que o produz, resulta indesculpável e formulado por maldade, dada a presuntiva certeza de que o fato ou a circunstância de que desviou não pode ser do desconhecimento do agente. O erro grosseiro é o erro indesculpável, é o erro inadmissível, é o erro pratica por má-fé ou por malícia, visto que se deveria saber, que se deveria ter ciência do engano posto em prática” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 313). 203 “Inaplicável ao caso o princípio da fungibilidade dos recursos, o qual, embora subsistente em nosso sistema recursal (RTJ 120/548), não atua e nem incide na hipótese de erro grosseiro, que se configura pela interposição do recurso impertinente em lugar daquele expressamente previsto em norma jurídica própria” (STF, AGRAG 133.262, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 03.08.1990).

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Em outras palavras, a fungibilidade dos recursos não existe para acomodar

meras dúvidas subjetivas, simples estados de hesitação do patrono da parte acerca

das normas processuais recursais.

Essa intolerância a respeito da dúvida subjetiva para a aplicação do princípio

da fungibilidade, aliás, é responsável pela cunhagem de uma locução muito comum

para designar a inexistência de erro grosseiro: de ordinário, há referência à

necessária “dúvida objetiva” para que se aplique o princípio da fungibilidade.

Com essa expressão, em verdade o que se pretende dizer é que a

controvérsia sobre o recurso cabível deve provir da jurisprudência e da doutrina, vale

dizer, é necessário que exista um cenário exterior de incerteza à esfera da parte

quanto à modalidade recursal pertinente.

III.6.1.5.5 - Existe “dúvida objetiva”?

Propagou-se, relativamente ao princípio da fungibilidade, que um de seus

requisitos é a existência da chamada “dúvida objetiva”.

Insta, a propósito, indagar: em que consistiria essa dúvida objetiva?

Por primeiro, há que se suscitar a impropriedade terminológica: não seriam

contraditórios entre si, paradoxais, os termos componentes da expressão “dúvida

objetiva”.

Sem nos arvorarmos detentores de conhecimentos especiais a respeito do

conceito (psicológico, psiquiátrico etc.) de dúvida, parece-nos que sempre o estado

de dúvida será inegavelmente subjetivo, sempre refletindo uma situação

estritamente humana, pessoal, individual, tal e qual a alegria, a tristeza, a ira, o

prazer, a dor.

Em poucas palavras, a dúvida situa-se no interior de um estado de hesitação

tradutor de incapacidade de apreensão cognitiva segura de determinado conceito,

tema, assunto, sempre se considerando, como parâmetro para definição dessa

dúvida, a figura do indivíduo.

Neste passo, diante dessa pessoalidade ínsita à caracterização da dúvida,

vale dizer, diante de seu caráter exclusivamente subjetivo, como é possível admitir

que a dúvida, esse sentimento humano e subjetivo, possa vir aderida do predicado

“objetiva”, que justamente traduz situação não-subjetiva, exterior ao campo da

cognição humana, pessoal.

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Por tais razões, tomando-se a liberdade de estender um assunto que se

iniciou nas aulas ministradas pela professora Teresa Wambier no curso de

doutoramento ministrado na PUC/SP, identificamos a inconsistência terminológica

da expressão “dúvida objetiva”.204

Melhor seria, assim pensamos, o emprego de terminologias como

“controvérsia jurídica”, “dissenso jurídico” ou quejandos, porquanto inconfundíveis

com qualquer estado de hesitação individual, humana.

Encarecemos a idéia de que a controvérsia que autoriza a aplicação do

princípio da fungibilidade jamais pode ser subjetiva (como, a nosso ver, o é a dúvida)

justamente porque é absolutamente inadmissível incidir a fungibilidade recursal

quando existe mera indefinição da própria parte (na figura de seu advogado) acerca

do recurso cabível.

De fato, o mecanismo da fungibilidade não pode existir para remediar

hipóteses de falha técnica, de má-formação profissional do advogado ou de puro

desconhecimento da legislação vigente a respeito dos recursos cíveis. É puramente

a controvérsia da comunidade jurídica (doutrina e jurisprudência) que pensamos

autorizar a incidência do princípio em questão, coibindo-se, dessarte, que falhas do

sistema processual (ou do próprio órgão judicante ao identificar a decisão que

proferiu) imiscuam-se nocivamente na esfera jurídica da parte, impedindo-lhe o

exercício de direito processual (a interposição de recurso).

Vê-se, dessarte, que a fungibilidade recursal, para que incida no caso

concreto, deve exatamente prescindir de subjetividade como fator gerador da

indefinição acerca do recurso cabível, como acima sustentado.

Importa salientar, nesse sentido, que outro requisito jurisprudencialmente

exigido para que se aplique a fungibilidade recursal é exatamente a ausência de erro

grosseiro. O erro grosseiro consiste, em rápidas palavras, na errônea opção pelo

recurso sem que tenha havido qualquer interferência externa respeito (a tal

controvérsia jurídica a que nos referimos acima).

204 Para o professor Marcos Vinícius de Abreu Sampaio, partícipe das aulas ministradas por Teresa Wambier, tampouco são pertinentes referências como “hesitação”, “inconsistência”, dentre outras, relativamente à não pacificidade da doutrina e da jurisprudência sobre o recurso cabível diante de determinada decisão. Tais impressões foram colhidas pelo autor em aula ministrada em data de 15.08.2007 no curso de pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da PUC/SP.

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Essa exigência de ausência de erro grosseiro igualmente corrobora a

constatação de que o princípio da fungibilidade colide com a idéia de falha pessoal,

subjetiva, do causídico atuante no feito.

No tocante à conceituação desse cenário de controvérsia jurídica (doutrinária

e, especialmente, jurisprudencial) que viabiliza a incidência da fungibilidade recursal,

há alguns pontos nebulosos que nos permitimos abordar.

O primeiro deles diz respeito ao tempo necessário para a caracterização

deste estado de controvérsia.

III.6.1.5.6 - Fungibilidade e atuação de ofício: a aplicação do princípio e a

iniciativa para tanto

Pensamos que a fungibilidade recursal exige um momento próprio para que

se veja aplicada e, via de conseqüência, seja aceito o recurso interposto por outro,

que seria o adequado: o juízo de admissibilidade recursal.

Como anotado acima, o princípio da fungibilidade recursal relaciona-se com

uma das condições da ação em grau recursal, qual seja, o interesse de agir, na

medida em que um dos elementos componentes dessa condição da ação, qual seja,

a adequação da via processual eleita, é flexibilizado de modo a admitir a

interposição de um recurso por outro, diante da presença dos requisitos

autorizadores para tanto, já abordados acima.

Sendo certo que as condições da ação em grau recursal têm momento

próprio de aferição (o juízo de admissibilidade), é nesse momento em que ocorrerá o

juízo de conveniência, por parte do órgão jurisdicional, acerca da incidência, ou não,

da fungibilidade recursal.

Como cediço, o juízo de admissibilidade pode dar-se de forma singular ou

duplicada, conforme cada espécie recursal.

Nos casos de recursos dotados de juízo de admissibilidade simples

(embargos de declaração e agravos, por exemplo), esse exame acerca da

fungibilidade recursal ocorrerá quando da interposição do recurso, e nesse momento

haverá o juízo de incidência do princípio da fungibilidade.

Em hipóteses de recursos com juízo de admissibilidade bipartido (ocorrente

tanto perante o juízo a quo quanto perante o ad quem), a aplicação da fungibilidade

recursal poderá ser objeto de avaliação pelo órgão jurisdicional nesses dois

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momentos, tanto na interposição quanto na chegada do recurso à instância superior.

É o que ocorre nos casos dos recursos de apelação e dos recursos excepcionais,

por exemplo, em que a fungibilidade poderá ser objeto de incidência conforme

deliberação das duas esferas de admissibilidade recursal.

Quanto à iniciativa para fazer incidir o princípio da fungibilidade em grau

recursal, é evidente que poderá dar-se tanto por provocação da parte recorrente,

quando esta já no bojo do recurso suscita a presença dos requisitos autorizadores

para tanto (controvérsia sobre o recurso cabível e inexistência de erro grosseiro),

quanto por iniciativa oficial, em que o magistrado aplica a fungibilidade recursal de

ofício, atribuindo elastério ao elemento “adequação” que compõe o interesse de agir.

Quando se aplica o princípio da fungibilidade, algumas posturas de caráter

prático têm de ser adotadas pelo magistrado de ofício, especialmente no que tange

à eventual necessidade de adequação formal do recurso que foi interposto em lugar

de outro.

Com efeito, caso o recurso interposto seja a apelação e o órgão jurisdicional

entenda que o recurso cabível é o agravo de instrumento, decidindo pela aplicação

da fungibilidade recursal, deverá a parte recorrente ser instada a formar o

instrumento, ocasião em que a apelação será convertida em agravo de instrumento,

intimando-se o recorrente à apresentação das peças ditas obrigatórias.205

Ainda sobre a atuação de ofício atrelada ao princípio da fungibilidade, há que

se destacar uma situação que reputamos merecedora de críticas.

No âmbito da jurisprudência do STF vem-se consolidando uma linha de

entendimento no sentido de que, em caso de oposição de embargos de declaração

nos quais se identifique eficácia infringente por parte do órgão jurisdicional, deverão

205 A oportunização para a juntada posterior de peças para formação do agravo (fruto de apelação convertida em agravo por força da fungibilidade) é reconhecida em precedentes jurisprudenciais como o a seguir ementado, relatado por Araken de Assis: “Agravo de instrumento. Falta da decisão de que trata o art. 527, caput, do CPC. Irrelevância porque o mérito pode ser resolvido em favor da parte a quem, provavelmente, a retratação favoreceria. Apelação convertida em agravo, porque interposta dentro do prazo correto, oportunizando o órgão jurisdicional, de ofício, a indicação de pecas (CPC, art. 523, III). Preliminar de não conhecimento fundada na ausência desta indicação na peça recursal. Insubsistência. O requisito do art. 523, III, do CPC se ostenta relativo, porque pode se suprir através do traslado obrigatório (CPC, art. 523, parágrafo único), e não se aplicaria jamais ao caso em que a aplicação do princípio da fungibilidade ensejou a posterior indicação. Revelia. Contestação, em demanda proposta contra dois réus, oferecida antes da citação do co-réu e da juntada do mandado respectivo. Tempestividade manifesta. Aplicação do art. 241, II, do CPC. Agravo provido” (AI 190029140, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, relator: Araken de Assis, julgado em 11.04.1990).

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estes ser convertidos em agravo regimental, especificamente para fins de aplicação

da multa prevista no § 2º do art. 557 do CPC.

A propósito desta linha de entendimento, vemos com grande apreensão a

decisão que converte um recurso em outro (os declaratórios em agravo regimental)

para fins de aplicação de punição patrimonial (a multa do § 2º do art. 557 do CPC),

multa esta que não era prevista na norma de regência do recurso original. Além de

ser absolutamente possível atribuir eficácia infringente aos declaratórios, não nos

parece legítimo aplicar a fungibilidade recursal para fins de punição, o que

afirmamos com arrimo em pensamento de Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, para

quem “o princípio da fungibilidade não pode ser aplicado para agravar a situação do

recorrente, situação que poderia ser considerada, inclusive, como uma espécie de

reformatio in pejus”.206

III.6.1.5.7 - O prazo recursal e o princípio da fungibilidade

Outro assunto polêmico vinculado à aplicação do princípio da fungibilidade diz

respeito ao prazo recursal: respeita-se o prazo do recurso interposto pela parte ou

esta deverá, em caso de dúvida sobre o recurso cabível, balizar-se pelo menor prazo

que se verificar entre os recursos cujo cabimento é objeto da controvérsia

jurisprudencial?

A questão, aliás, pode ser muito bem expressa pelo conteúdo da seguinte

ementa: “Conforme já decidiu esta Corte, para aplicação do princípio da

fungibilidade recursal, ‘um dos critérios utilizados tem sido a escorreita verificação da

tempestividade; por isso, um recurso com prazo de interposição menor é admissível

se interposto no lugar daquele cabível, cujo prazo de oferecimento é mais alongado.

A recíproca, contudo, não é verdadeira.’ No caso, a interposição de apelação ao

invés de agravo impede a incidência do princípio da fungibilidade, tendo em vista a

extemporaneidade do mesmo”.207

Essa linha decisória, bastante expressiva no STJ,208 revela o objetivo de

evitar-se o manuseio ardiloso do princípio da fungibilidade, que ocorreria da seguinte

206 CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de. O princípio da fungibilidade e os embargos de declaração no STJ e no STF, p. 184. 207 STJ, EDcl no REsp n. 464.425, rel. Min. Castro Filho, DJ de 11.09.2006. 208 STJ, EREsp n. 197.857, rel. Min. Paulo Medina, DJ de 16.12.2002, REsp n. 641.431, rel. Min. Luiz Fux, DJ de 17.12.2004.

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forma: escoado o prazo do recurso correto, que seria menor, a parte vale-se de outro

recurso, de prazo maior, e invoca-se o princípio da fungibilidade, pretendendo,

destarte, obviar a preclusão temporal.

Venia concessa, discordamos desse posicionamento.

Se a hipótese é de inevitável aplicação do princípio da fungibilidade recursal

porquanto presentes os requisitos para tanto (a controvérsia sobre o recurso cabível

e a inexistência de erro crasso na interposição), há que se admitir que é

absolutamente defensável, senão até mesmo natural, que a parte possa interpor um

recurso em lugar de outro e que este recurso apresentado tenha prazo de

interposição maior que aquele que seria o adequado, aos olhos do órgão

jurisdicional.

Como é do próprio conteúdo do princípio da fungibilidade recursal, pretende-

se coibir que o jurisdicionado seja vítima de prejuízo no plano jurídico por conta da

inexistência de solução no ordenamento e na jurisprudência processuais civis acerca

do recurso cabível contra determinada decisão (as chamadas “situações de

perplexidade”).

Em outras palavras, se a fungibilidade assenta na premissa de que não pode

ser imputado à parte equívoco relativamente à interposição do recurso, não é

logicamente admissível que a interposição de recurso com prazo maior obste a

incidência deste princípio, pois tal significaria precisamente imputar à parte um erro

que, em verdade, deriva de circunstâncias exteriores (a controvérsia objetiva sobre o

recurso adequado, principalmente).

Se a parte recorrente interpôs recurso de apelação e o recurso correto era o

de agravo de instrumento, há que se admitir que o aforamento da apelação deu-se

em virtude de não existir no sistema pacificidade acerca do recurso cabível, sendo

defensável, por conta da divergência jurisprudencial e doutrinária, que o

jurisdicionado assim o fizesse sem que tal postura fosse reputada erro grosseiro.

Neste caso, a aplicação do princípio da fungibilidade deve dar-se de forma

irrestrita, inclusive aceitando-se que um recurso que foi interposto e que tenha prazo

maior seja aceito por outro, de prazo menor, sem qualquer restrição; a contrario

sensu, exigir-se que o jurisdicionado interponha balize-se sempre pelo prazo do

menor recurso é algo que carreia à parte a nocividade que se quer evitar com a

fungibilidade recursal.

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Existindo controvérsia objetiva (doutrinária e jurisprudencial) sobre qual o

recurso cabível, o prazo que tem de ser considerado para cada recurso é o prazo

que a lei confere ao jurisdicionado para cada peça recursal; quando o órgão

jurisdicional entender por bem praticar a conversão de um recurso n’outro por força

da fungibilidade recursal, pensamos não se poder pretender que tal decisão (a

decisão de aplicação da fungibilidade) tenha produza efeitos retroativos a ponto de

exigir-se que houvesse a parte observado o prazo do recurso que o tribunal entende

seja o correto, até porque o jurisdicionado envolvido nessa situação de perplexidade

do sistema (a controvérsia sobre o recurso cabível) não tinha parâmetros seguros

para saber qual o recurso adequado.

III.6.2 - Legitimidade recursal

Superados alguns apontamentos sobre o interesse de agir, passemos à

abordagem da legitimidade recursal, destacando-se primordialmente aspectos

polêmicos a seu respeito.

Dispõe o artigo 499 do CPC poder dar-se a interposição dos recursos “pela

parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público”.

Dúvidas não pairam quanto à possibilidade de manejo dos recursos pela parte

sucumbente ou vencida: os sucumbentes são os recorrentes por excelência, isto é,

aqueles que suportaram as conseqüências negativas derivadas de determinada

decisão judicial e que pretendem ter sua situação jurídica revista e melhorada pelo

órgão judicial a quem incumbe o julgamento do recurso.

Os legitimados a recorrer por excelência são, dessarte, “o primitivo autor ou o

primitivo réu”.209

A figura do terceiro prejudicado que ostenta legitimidade para recorrer

materializa-se no sujeito cuja esfera jurídica foi ou poderá ser de alguma forma

afetada pelo pronunciamento judicial proferido em determinado processo, do qual

não faça parte esta modalidade atípica de recorrente (e justamente por isto – não

fazer parte do feito – é que será terceiro).210 A situação de interesse jurídico por

209 MOREIRA, Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 291. 210 O conceito de terceiro consiste em um “contraconceito”, como sugere WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O terceiro recorrente, p. 27.

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parte do terceiro prejudicado assemelha-se à condição da intervenção facultada ao

assistente em primeiro grau de jurisdição (artigo 50 do CPC).

O interesse jurídico que autoriza o recurso pelo terceiro prejudicado tem de

necessariamente existir no bojo de uma relação de direitos, integrante de cenário de

relacionamento jurídico do qual façam parte o autor ou o réu da demanda e o

terceiro, não sendo bastante o mero interesse não jurídico, como o econômico, ad

exemplum, ou qualquer outro interesse de fato.

A este respeito, dispõe o parágrafo primeiro do artigo 499: “cumpre ao terceiro

demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação

jurídica submetida á apreciação judicial”.

Como esclarece Barbosa Moreira a respeito dessa confusa redação do art.

499 do CPC, o que terá o terceiro de demonstrar para que seja considerado

legitimado a recorrer é que exista nexo de interdependência entre a relação jurídica

de que o terceiro seja titular e aquela que é objeto da sentença a ser impugnada.211

Para Teresa Wambier, “o terceiro recorrente é, dentre outros, aquele

prejudicado pela coisa julgada ou aquele em cujo patrimônio a sentença proferida

em processo alheio pode ser executada”.212 Fredie Didier observa que “deve o

terceiro demonstrar o nexo entre a relação jurídica de que é titular e a relação

jurídica que se discute no processo, para que daí se vislumbre o interesse jurídico e,

por conseqüência, a sua legitimidade”.213

Terceiro, neste passo, podem ser peritos que tiveram honorários objeto de

decisão que lhes sejam desfavorável, auxiliares do juízo outros que também se

enquadrem nesta decisão, entre outras figuras que não sejam partes da relação

processual, conquanto tenham tido sua esfera jurídica por esta abrangida.

A legitimação do Ministério Público, de seu turno, justifica-se quando este é

parte integrante da relação processual em que foi proferida a decisão a ser

impugnada ou simplesmente quando a atuação do parquet se dá na qualidade de

fiscal da lei (CPC, artigo 499, parágrafo 2o).

Uma questão que se apresenta interessante acerca da legitimação do

Ministério Público para recorrer diz respeito à hipótese em que o recurso do parquet

é aviado para suscitar nulidade do processo devido à não intervenção do MP no

211 Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 294. 212 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O terceiro recorrente, p. 39. 213 DIDIER, Fredie. Recurso de terceiro, p. 120.

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processamento de primeiro grau de jurisdição: a ausência de atuação do Ministério

Público quando tal era obrigatório gera, a fortiori, nulidade do feito?

A respeito do assunto, consolidou-se no STJ o entendimento (correto, ao que

nos parece) no sentido de que a não intervenção do MP em processo no qual a

atuação deste se fazia necessária apenas exigirá decreto de nulidade quando se

comprovar que tenha, efetivamente, ocorrido prejuízo em decorrência da ausência

de intervenção do parquet.214

III.7 - Requisitos de admissibilidade extrínsecos

Estabelecidas considerações acerca de temas relevantes respeitantes aos

requisitos intrínsecos do juízo de admissibilidade, passa-se, doravante, à análise de

assuntos importantes atinentes aos chamados requisitos extrínsecos de

admissibilidade, quais sejam, a inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do

direito de recorrer, as custas recursais, a adequação formal dos recursos e a

tempestividade recursal.

III.7.1 - A inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer

Entre os requisitos de admissibilidade ditos extrínsecos encontra-se a

inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer.

Tais requisitos têm caráter negativo, ou seja, têm de estar ausentes para que

seja admitido o recurso, e são categorizados como extrínsecos por doutrina

abalizada em virtude de não se relacionarem com a decisão de que se quer recorrer,

apresentando-se como circunstâncias alheias, exteriores ao pronunciamento

decisório de que se quer recorrer.215

Cogitar de inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer

significa que deverá haver (i) ausência de renúncia ou desistência da parte ao direito

de recorrer, bem como inexistir aquiescência da parte quanto à decisão, vale dizer,

não poderá haver qualquer ato da parte que permita concluir pelo reconhecimento

jurídico da decisão. 214 Neste sentido, REsp n. 554.623, rel. Min. Menezes Direito, DJ de 11.10.2004. 215 NERY Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 395.

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Importa salientar que a desistência do recurso, ou sua renúncia, vêm

previstas nos arts. 501 e 502 do CPC, respectivamente, e ambas configuram ato

unilateral da parte, que independerá de aquiescência da parte contrária para que

produzam os efeitos deles almejados.

Em termos práticos, os efeitos de uma ou de outra posturas (desistência ou

renúncia) são os mesmos, dado que será gerada decisão de não conhecimento do

recurso, sem qualquer espécie de pronunciamento a respeito do mérito recursal.

Sob análise cronológica, a desistência difere da renúncia porquanto é

pressuposto da primeira a existência de recurso (para só então dele desistir-se), ao

passo que a segunda localiza-se em momento anterior à interposição do recurso.

Ipso facto, desiste-se de algo real, já existente (desiste-se de recurso

interposto); a “renúncia ao direito de recorrer”, conforme indica textualmente a

própria redação do art. 502 do CPC, é ato prévio à interposição do recurso, vale

dizer, a parte que renuncia ao direito de interpor recurso emite declaração de

vontade na qual manifesta sua decisão de não impugnar determinada decisão.

Tratando-se de “atos consistentes em declarações unilaterais de vontade”, a

desistência do recurso ou a renúncia ao direito de recorrer “produzem imediatamente

a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais”, a teor do

disposto no art. 158 do CPC.

Por derradeiro, de se destacar outro fato que acarreta inadmissão de um

recurso: a concordância da parte relativamente à decisão, tácita ou expressamente,

conforme previsão constante do art. 503 do CPC.

Por aquiescência expressa entenda-se a manifestação formal da parte nesse

sentido, formalizada nos autos. Será tácita a concordância (ou mesmo a renúncia,

em caso de recurso já interposto) quando a parte praticar algum ato incompatível

com a vontade de recorrer (CPC, art. 503, parágrafo único), sem qualquer ressalva

ou reserva ao direito recursal.

A título exemplificativo de aquiescência ou reconhecimento tácito da parte

relativamente à decisão, veja-se a hipótese de transação celebrada entre as partes,

ainda que não homologada judicialmente.216

Todos esses atos que inviabilizam a admissão do recurso têm de ser

praticados por advogado munido de poderes especiais, dado que escapam aos

216 Conforme decidido pelo TJ-RS na Ap. cível n. 599250455, rel. Des. Maria Berenice Dias.

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poderes normais incluídos na cláusula ad judicia, tendo, pois, de constar

expressamente na procuração outorgada.217

Destaque-se, sobre a necessidade de procuração com poderes específicos

ao advogado para renúncia ou reconhecimento jurídico da decisão para que estes

produzam efeitos, a existência de decisão no STJ que entendeu desnecessários tais

poderes especiais quando a parte for pessoa jurídica, dado que a organização

necessária ao exercício de atividade empresarial estaria a dispensar esses poderes

especiais para o advogado, pois a direção da pessoa jurídica presumidamente teria

conhecimento dos atos que podem ser praticados pelo causídico no desempenho do

mandato, o que não ocorreria com a pessoa física, que não teria familiaridade com

os temas forenses.218

De nossa parte, venia concessa do entendimento explanado no aresto

referido no parágrafo supra, cremos que não procede a presunção de que os

advogados de pessoas jurídicas não necessitam de poderes especiais para atos

como renúncia recursal ou reconhecimento jurídico da decisão: a presunção de que

empresas estão mais capacitadas a litigar que pessoas físicas não é absoluta e, no

mais das vezes, falsa, pois o grande número de pessoas jurídicas brasileiras é de

microempresas ou empresas de pequeno porte (o que invalida o argumento de que

pessoas jurídicas estão sempre mais estruturadas a litigar que pessoas físicas), a

isso se acrescendo o fato de que o mandato judicial geral (com a cláusula ad judicia)

não contém poderes especiais como os acima mencionados, daí a inafastável

necessidade de poderes específicos para atos como renúncia recursal e

congêneres.

Interessante notar, por fim, que renúncia, desistência ou aquiescência à

decisão, caso ocorrentes em recurso principal ao qual foi aderido outro pela

contraparte (recurso adesivo), acarretarão a inadmissão também deste último, diante

do sistema de dependência do recurso adesivo relativamente ao principal.

217 Nesse sentido, decidiu o STJ no AgRg nos EDecl no REsp n. 422.734, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 28.10.2003. 218 Foi o que se decidiu no REsp n. 341.451, rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 04.08.2003.

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III.7.1.1 - A partir de quando a renúncia e a desistência produzem efeitos?

Algumas considerações são relevantes acerca do momento a partir do qual a

renúncia ou a desistência produzem efeitos, especialmente para fins de início de

fluência do prazo bienal da ação rescisória.

Duas são as linhas de pensamento a respeito: (i) a renúncia ou a desistência

produzem efeitos a partir do momento em que são formalizadas nos autos,

independentemente de qualquer juízo homologatório que se faça a seu respeito, ou

(ii) a renúncia ou a desistência são consideradas perfeitas e acabadas a partir do

juízo homologatório que se faça a seu respeito, produzindo efeitos somente a partir

de então, portanto.

Forte na disposição do art. 158 do CPC, e considerando-se que renúncia e

desistência não estão a exigir, para seu aperfeiçoamento, qualquer ato da parte

contrária (aceitação da renúncia ou da desistência), seus efeitos passam, a nosso

ver, a ocorrer imediatamente, quando da formalização da renúncia ou da desistência

nos autos.

Esse entendimento, aliás, justifica-se pelo fato de que, inexistindo qualquer

condição ao aperfeiçoamento da renúncia ou da desistência recursais (que são,

como dito, emissões unilaterais de vontade), não se apresenta necessária qualquer

espécie de atividade jurisdicional posterior para sua validação, ao menos como

condição de validade e de higidez da renúncia ou da desistência.

A homologação judicial de tais atos terá o condão de encerrar o

procedimento, de finalizar o processo, não funcionando como elemento de validação

da renúncia ou da desistência.

Neste passo, considerando-se que uma das principais, senão a principal,

decorrência da renúncia ou desistência recursais poderá ser o trânsito em julgado da

decisão, insta ressaltar que este ocorreria imediatamente, precisamente quando da

desistência ou da renúncia ao recurso, e não quando da respectiva homologação.219

O prazo da ação rescisória, portanto, teria como dies a quo a ocasião da

renúncia ou da desistência, vale dizer, o seu protocolo (da respectiva petição em

juízo).

219 Sobre não depender a desistência de homologação, ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 169. Para Araken de Assis, o pronunciamento judicial apenas extinguirá o procedimento recursal.

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Tomando-se por base a outra linha de pensamento, estariam a desistência e

a renúncia recursais condicionadas ao posterior juízo de homologação (e trânsito em

julgado da decisão de homologação) que delas se fizer para, apenas então, serem

consideradas aperfeiçoadas.

Trata-se de pensamento que, em que pese contrário à própria disposição do

art. 158 do CPC, parte da premissa de que apenas a chancela do órgão jurisdicional

convalidará a renúncia e a desistência, e a partir da publicação dessa decisão

homologatória é que serão gerados os efeitos correlatos, entre eles o passamento

em julgado da decisão.

Diga-se, a bem da verdade, que há precedentes nesse sentido, roborados por

disposições contidas no Regimento Interno do STF e do STJ, por exemplo.

O art. 21, inciso VIII, do Regimento Interno do STF contém disposição no

sentido de impor a homologação da desistência ou da renúncia recursais aviadas

pela parte,220 e nesta orientação existem decisões tanto no STF quanto no âmbito do

STJ.221

Venia concessa aos pensamentos expostos nesses precedentes, acreditamos

que disposição regimental não tem aptidão para alterar ou infirmar disposição legal

(CPC, art. 158).

Os atos de renúncia ou desistência recursais sujeitam-se precipuamente ao

regime do CPC.

De mais a mais, o fato de os regimentos internos do STF e do STJ atribuírem

ao relator a homologação de tais atos não pode, nem deve, ser lido como condição

220 Regimento Interno do STF, art. 21, inciso VIII: “Art. 21. São atribuições do Relator: (...) VIII – homologar as desistências, ainda que o feito se ache em mesa para julgamento; (...)”. Idêntica disposição é encontrada no art. 34, inciso IX, do Regimento Interno do STJ. 221 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. JULGAMENTO INICIADO E SUSPENSO POR PEDIDO DE VISTA. PEDIDO DE DESISTÊNCIA SUPERVENIENTE. HOMOLOGAÇÃO REQUERIDA PELA RECORRENTE. DEFERIMENTO. POSSIBILIDADE. 1. A homologação de pedido de desistência do recurso pelo recorrente é cabível ainda que iniciado o julgamento e proferido o voto pelo relator. 2. É que o artigo 501 do CPC é textual ao dispor que ‘o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.’ 3. Precedentes: REsp 63.702/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 26.08.1996; REsp 21.323/GO, Rel. Min. Waldemar Zveiter, Terceira Turma, DJ 24.08.1992. 4. Pedido de desistência formulado pelo recorrente homologado, para que produza seus efeitos jurídicos, à luz do disposto no artigo 501 do CPC c/c artigo 34, IX, do RISTJ” (STJ, RMS n. 20.582, rel. Min. Francisco Falcão, rel. para acórdão Min. Luiz Fux, DJ de 18.10.2007)

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de validação destes, dado que isso significaria hipertrofia de tais disposições

regimentais, as quais, repita-se, devem ser entendidas como alusivas à

homologação no sentido de ser relevante para o encerramento do procedimento

recursal.

Como atos jurídicos que são, a renúncia e a desistência sujeitam-se ao

regime de anulação dos atos jurídicos em geral, ou seja, podem ser anuladas em

caso de demonstração de vício de consentimento, e não será em juízo de

homologação que se aferirá todo o circunstancial fático em que engendradas a

renúncia ou a desistência.

De mais a mais, reforça-se o argumento de que a desistência e a renúncia

recursais produzem efeitos desde quando informadas no processo (via petição) com

a seguinte circunstância: ainda que se considerasse, ad argumentandum, que a

renúncia e a desistência recursais produziriam efeitos a partir apenas da

homologação judicial, registre-se que esta decisão tem natureza declaratória, cuja

eficácia ex tunc como regra forçosamente compeliria à aceitação da idéia de que os

efeitos de ambas (desistência ou renúncia) têm seu dies a quo estabelecido quando

de sua formalização nos autos.

No que tange à competência para essa homologação, será do órgão

jurisdicional em que se encontre o feito.

III.7.2 - Recolhimento das custas recursais (preparo e deslocamento dos autos)

Entre as atividades de ofício relacionadas à admissibilidade dos recursos está

a necessidade de recolhimento de custas de preparo e de deslocamento dos autos

(porte de remessa e retorno ou somente retorno, no caso do agravo de instrumento,

em que a própria parte conduz os autos ao tribunal ad quem).

Nota-se, a respeito deste requisito de admissibilidade, certa atenuação ao

longo dos tempos, especialmente porque, se outrora se exigia o recolhimento

integral e de plano das custas recursais sob pena de deserção, com a modificação

inserida no art. 511, § 2º, do CPC (Lei 9.756/98), a insuficiência apenas gerará

deserção caso a parte, intimada, não providencie a complementação respectiva em

cinco dias.

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Desnecessário dizer que foi salutar de todo a modificação em apreço,

especialmente porque, muitas vezes, a necessidade de atualização monetária do

valor da causa (sobre o qual incidirá a alíquota para cômputo do preparo) não se

afigura tarefa simples para o jurisdicionado, mormente quando o tribunal não

dispuser de tabela prática de atualização monetária (como existe em São Paulo, por

exemplo).

Neste aspecto, atribuiu-se maior razoabilidade à legislação, dado que

imprecisões de caráter contábil na atualização do valor da causa para fins de

preparo, gerando-se insuficiência do mesmo, consistem em vícios integralmente

sanáveis, daí a conveniência do § 2º do art. 511 sob comento.

Convém registrar, contudo, que a disposição legal constante do § 2º do art.

511 do CPC, em interpretação literal, ampara apenas a hipótese de insuficiência,

não se subsumindo ao caso de ausência total de preparo. Complementação, com

efeito, em nada se confunde com total ausência de preparo, caso em que o recurso

estará irremediavelmente deserto.

Ademais, observe-se que a complementação do preparo também só será

possível quando o valor original (que se pretende complementar) houver sido

recolhido a tempo, vale dizer, no prazo de interposição do recurso.

Sobre o tema das custas recursais, pensando-o em termos de

instrumentalidade e propondo interessante solução de lege ferenda, reputamos

importante registrar a opinião de Paulo Roberto de Gouvêa Medina no sentido de

que, na esteira do que ocorreu quando da reforma do CPC português, é mais

consentâneo com o direito processual civil moderno um cenário não de deserção do

recurso em caso de ausência de preparo, porém de “conseqüências meramente

obrigacionais, sujeitando a multa o recorrente que não efetuar o recolhimento das

custas no prazo respectivo”.222

O ilustre professor Donaldo Armelin manifestou lição nesse sentido,

observando que “não se compatibiliza com os ideais de Justiça o perecimento de um

direito material em razão de falta de pagamento de uma quantia muitas vezes

irrisória”.223

222 MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. O preparo dos recursos em face da instrumentalidade do processo, p. 916. 223 ARMELIN, Donaldo. Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à Lei 8.038/90, impostas pela Lei 9.756/98, p. 202.

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Em reforço ao conceito acima exposto, especialmente no sentido de

relativizar nulidades como a ausência de custas, vem de ser introduzido no CPC

importante dispositivo: o § 4º do art. 515 do CPC, que será abordado neste estudo

em local próprio, mas que comporta alguma análise já neste tópico dedicado às

custas recursais.

Com o advento deste dispositivo legal, cremos que diversas são as situações

da vida forense em que vícios de caráter procedimental outrora geradores de não

conhecimento do recurso poderão, doravante, ser objeto de determinação judicial de

saneamento, em vez de partir-se diretamente para a inadmissão do recurso.

Com efeito, manifestamos firmemente nosso posicionamento no sentido de

que a norma em apreço deve ser apreendida como regra fomentadora do princípio

do aproveitamento dos atos processuais, no sentido de se extrair do processo o

maior grau possível de utilidade. A propósito, cediço que, ao cogitar-se de utilidade

do processo, obviamente nos referimos à atividade jurisdicional voltada à apreciação

do direito material.

Nesse sentido, destacamos relevante interferência do novel § 4º do art. 515

do CPC no tema das custas recursais: se até recentemente se admitia

exclusivamente a complementação de custas de preparo recolhidas a menor,

doravante entendemos ser possível não apenas a complementação, mas o próprio

pagamento de custas que não teriam sido pagas.

Antes do vigor da Lei 11.276/06 (de que deriva o § 4º do art. 515), apenas era

autorizada a complementação de preparo, vedado o seu pagamento integral em

momento distinto do da interposição. Em outras palavras, caso não houvesse

ocorrido o pagamento do preparo (e aqui não se está cogitando de pagamento

insuficiente), não se afigurava possível fazê-lo em outro momento, dado que o art.

511, § 2º, autoriza apenas a complementação de preparo “insuficiente”.

Com o advento do art. 515, § 4º, em que se permite a correção de nulidades

sanáveis em grau recursal, entendemos que custas recursais em sentido amplo

(sejam custas de preparo, sejam custas de porte de remessa e retorno) não

recolhidas não poderão mais obstar o processamento dos recursos.

Deveras, considerando-se que eventual não pagamento de custas recursais

compõe nulidade sanável, poderá o tribunal, em vez de simplesmente determinar o

não seguimento do recurso, instar a parte recorrente a juntar aos autos as guias

comprobatórias de recolhimento das custas em questão. Para se evitar tumulto

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processual, pensamos que tal possibilidade deve limitar-se a uma vez.

Analogicamente, se é possível a emenda da inicial (a principal peça do feito), por

que não seria lícito fazê-lo relativamente à peça recursal?

Cabe, contudo, uma indagação: se o § 4º do art. 515 do CPC perfaz norma

direcionada à atividade jurisdicional de segundo grau, como lidar com a ausência de

pagamento das custas recursais em primeiro grau de jurisdição, quando da

interposição do recurso de apelação, por exemplo?

O presente questionamento justifica-se pelo fato de que, antes mesmo de

subirem os autos da apelação ao órgão ad quem, poderá ocorrer a inadmissão do

recurso por falta de preparo na instância monocrática, o que objetaria a abertura da

competência recursal do tribunal de modo que este lançasse mão do art. 515, § 4º,

do CPC.

A respeito desta questão, vislumbramos na norma sub examine (CPC, art.

515, § 4º) autêntica nova diretriz a respeito do tema “custas recursais”: a

interpretação sistêmica deste dispositivo tem o condão de tornar menos rigorosos

aspectos como as custas recursais. De fato, se o próprio tribunal poderá determinar,

de ofício, o saneamento de nulidades sanáveis, é de se concluir, a fortiori, que

poderá fazê-lo também a instância singular.224

Ainda no que atinente ao preparo, outra circunstância de iterativa ocorrência

no cotidiano forense terá de ter seu enfoque modificado: referimo-nos às hipóteses

em que, tendo a parte requerido, quando da interposição do recurso, os benefícios

da assistência judiciária gratuita, indefere-se tal pleito e julga-se deserto o recurso.225

De nossa parte, entendemos incorreta tal orientação decisória: caso o pedido

de gratuidade seja deduzido no bojo do próprio recurso, e o órgão jurisdicional haja 224 Neste sentido, confira-se opinião de FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Ausência de preparo e o novo § 4º do art. 515 do CPC: “técnica a serviço da efetividade”, p. 92 e ss. 225 O cenário admite ilustração consoante a seguinte decisão: “PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. POSTULAÇÃO TARDIA, FEITA CONCOMITANTEMENTE COM A APELAÇÃO. PROPÓSITO IDENTIFICADO DE SE ESQUIVAR DA SUCUMBÊNCIA. ABERTURA DE PRAZO PARA PREPARO INCONSISTENTE. INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 511 DO CPC. I. Não se configura nulidade quando o acórdão estadual, como aqui aconteceu, enfrenta as questões essenciais fundamentadamente, apenas com conclusão contrária ao interesse da parte. II. O pedido de gratuidade formulado tardiamente, concomitantemente com a interposição da apelação, não tem o condão de, acaso indeferido, postergar o momento do preparo, que é cogente e expressamente definido pela regra do art. 511 do CPC. III. Deserção da apelação corretamente aplicada. IV. Inexistência de circunstância especial, a demandar solução diversa. V. Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp. n. 434.784, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 16.02.2004).

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por bem indeferi-lo, deverá ser concedida à parte oportunidade para o pagamento

das custas recursais, dado que, como dito, o tema “custas” sempre se revela

nulidade passível de correção, tanto mais após a entrada em vigor do § 4º do art.

515 do CPC.

III.7.2.1 - A complementação do depósito deve ocorrer também quando

houver indução da parte em erro

Quando da publicação da sentença na imprensa oficial, comumente a parte é

informada do quantum a ser recolhido a título de preparo e de porte de remessa e

retorno.

Dessa situação, surge uma indagação: e se o cálculo formulado pelo

Judiciário estiver equivocado? Suportará a parte as conseqüências desta “indução

em erro”?

Cremos que não. Como ocorrente em outras hipóteses (mandado de citação

com prazo de contestação informado à parte como sendo de 20 dias, e não os 15

legais), não é possível estender ao litigante as conseqüências de equívoco incorrido

pelo Estado.

Destarte, a norma do art. 511 do CPC também está a salvaguardar, a nosso

ver, hipóteses de recolhimento equivocado por conta de interferência externa na

esfera jurídica da parte, como a informação errônea, pelo Poder Judiciário, do valor

a ser recolhido a título de custas recursais.226

226 “PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - LOCAÇÃO - APELAÇÃO – PREPARO INSUFICIENTE - DESERÇÃO - INOCORRÊNCIA - DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO E EXISTENTE. 1 - A teor do art. 255 e parágrafos do RISTJ, para comprovação e apreciação da divergência jurisprudencial (art. 105, III, alínea ‘c’, da Constituição Federal), devem ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como juntadas cópias integrais de tais julgados ou citado repositório oficial de jurisprudência. O confronto e a menção ocorreram, o que leva ao conhecimento do recurso e à apreciação deste. Dissídio pretoriano existente entre o v. aresto guerreado e o paradigma trazido à colação. 2 - O pressuposto da deserção é a falta de preparo e não a sua insuficiência, que não equivale a ausência deste. Na primeira, o ato não ocorreu a tempo e modo como prevê o art. 511 do Código de Processo Civil. Na segunda, seja por erro de cálculo do serventuário ou da parte, o ato foi realizado a tempo certo, porém, de modo equivocado, cabendo a complementação. Sendo, no caso sub judice, insuficiente o preparo, afasta-se a deserção. 3 - Precedentes (REsp nºs 192.727/RJ, 203.675/RJ e 204.870/SP). 4 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão a quo, afastar a deserção e determinar o retorno dos autos à Vara de origem para complementação das custas e posterior processamento da apelação” (STJ, Resp n. 236.709, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 28.08.2000).

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III.7.2.2 - A possibilidade de complementação estende-se ao porte de

remessa e retorno?

Questão importante a respeito da possibilidade de complementação atine à

abrangência da expressão “preparo”, constante do § 2º do art. 511 do CPC (“a

insuficiência no valor do preparo”): nela estariam contidas apenas as custas de

interposição (percentual computado sobre o valor da causa, ou sobre o valor da

condenação, conforme legislação estadual a respeito), ou tal expressão abrangeria

também as custas de deslocamento do recurso (porte de remessa e retorno)?

Pensamos ser correta a segunda proposição.

A expressão “preparo” consiste em gênero no qual estão insertas as custas

de interposição e o porte de transporte, induvidosamente. Quando se cogita de

preparo, há que se entendê-lo como conjunto de todas as despesas que incumbirem

ao jurisdicionado quando da necessidade de interposição do recurso.

Esta, aliás, é a orientação consolidada da jurisprudência do STJ, há vários

anos, e a temos como correta.227

Retornaremos ao tema das custas recursais tópicos abaixo, quando será

abordado o novel § 4º do art. 515 do CPC, que em nosso pensar deverá aplicar-se

de maneira instrumental relativamente aos recolhimentos vinculados à interposição

de recursos.

227 “PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ARTS. 183 E 487 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. PREPARO INSUFICIENTE. COMPLEMENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. ART. 511, § 2º, DO CPC. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A teor da pacífica e numerosa jurisprudência, para a abertura da via especial, requer-se o prequestionamento da matéria infraconstitucional. A exigência tem como desiderato principal impedir a condução ao Superior Tribunal de Justiça de questões federais não debatidas no Tribunal de origem. Hipótese em que o Tribunal a quo não realizou nenhum juízo de valor a respeito dos arts. 183 e 487 do CPC, restando ausente seu necessário prequestionamento, o que atrai o óbice das Súmulas 282/STF e 211/STJ. 2. ‘O preparo do recurso diz respeito ao pagamento de todas as despesas processuais para que ele possa prosseguir, inserindo-se também nesse conceito genérico o valor correspondente ao porte de remessa e retorno’ (EREsp 202.682/RJ, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, Corte Especial, DJ 19/5/2003, p. 107). 3. Configurada a insuficiência do preparo – assim considerado em seu sentido genérico, para incluir o porte de remessa e retorno – não se torna imperativa a aplicação da pena de deserção, consoante o art. 511, § 2º do CPC. 4. Recurso especial conhecido e improvido” (STJ, REsp n. 742.950, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 09.10.2006).

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III.7.3 - Adequação formal

Entre os requisitos de admissibilidade extrínsecos localiza-se a adequação

formal, ou regularidade formal.

Trata-se, em suma, de atenção às necessidades impostas por lei

relativamente à formalização de determinado recurso, nisto compreendendo-se,

verbi gratia, a forma (escrita ou oral), a existência de petições de interposição e de

razões recursais, a indicação do pedido de reforma ou de cassação, a formação de

instrumento (no caso do agravo respectivo), com todas as peças que lhe

caracterizam, enfim, são prescrições de cunho formal que devem ser atendidas de

modo que esteja adequado, sob tal aspecto, o recurso.228

Para Barbosa Moreira, “como os atos processuais em geral, a interposição de

recurso deve observar determinados preceitos de forma. São variáveis, no sistema

do Código de Processo Civil, as formalidades prescritas para os diferentes recursos.

Às vezes, descreve a lei com certa riqueza de pormenores as características de que

se tem de revestir o ato de interposição (...); noutros casos, as indicações são mais

sucintas”.229

III.7.4 - Tempestividade

Sobre a tempestividade dos recursos, cumpre-nos destacar algumas

questões que se afiguram mais polêmicas, dado que o assunto, em termos gerais,

não suscita discussões relevantes.

Por primeiro, vejamos a questão da intempestividade por prematuridade, que

vem causando surpresa pela freqüência com que tem sido suscitada nos tribunais.

III.7.5 - Intempestividade por “prematuridade”?

Neste tópico, será abordada uma linha decisória que, à parte ser lamentável

demonstração de extremo – e incorreto – apego à literalidade da lei, afigura-se

reveladora de uma orientação de pensamento que definitivamente não tem mais

228 DIDIER Jr., Fredie. Recurso de terceiro, p. 174. 229 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos civis, p. 103.

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cabimento no atual estágio de desenvolvimento do direito processual civil, notável

veículo que este é de acesso à ordem jurídica.

Referimo-nos àquelas decisões que reputam intempestivos recursos

interpostos antecipadamente ao início da fluência do prazo legal, o que chamamos

de intempestividade por prematuridade.

Esse entendimento lastreia-se no fato de que, não tendo havido intimação da

decisão, não estaria o jurisdicionado autorizado à interposição do recurso, dado não

haver surgido a oportunidade para sua apresentação. Não haveria por parte do

litigante, assim, interesse de agir.

Trata-se de pensamento equivocado, como dissemos, com a devida vênia

dos entendimentos em sentido contrário.230

O fato de não ter havido intimação acerca da decisão de que se quer recorrer

em nada retira da parte o interesse recursal, dado que, vez prolatado e constante

dos autos o pronunciamento judicial decisório, sendo, pois, passível de ciência

informal pelo litigante, este tem a opção de antecipar-se à intimação formal de modo

a apresentar seu recurso, até porque não raro transcorre enorme interregno entre a

prolação de uma decisão e sua respectiva intimação, fruto do notório

congestionamento dos serviços forenses.

Em termos jurisprudenciais, o assunto suscita polêmica e inúmeros são os

precedentes em ambos os sentidos.

No STF, por exemplo, é forte e reiterado, já há alguns anos, o entendimento

de que é intempestiva a interposição de recurso antecipadamente à intimação da

decisão.231-232-233

230 Neste sentido, SICA, Heitor Vitor Mendonça. Recurso intempestivo por prematuridade?, p. 144. 231 “A interposição do recurso que se antecipa à própria publicação formal do acórdão revela-se comportamento processual extemporâneo e destituído de objeto. O prazo para interposição do recurso contra a decisão colegiada começa a fluir, ordinariamente, da publicação da súmula do acórdão do órgão oficial (...). A simples notícia do julgamento efetivado não dá início ao prazo recursal” (STF, ADI n. 374-7/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19.02.1993). 232 “- PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. INOPORTUNIDADE DA INTERPOSIÇÃO. - A interposição de embargos declaratórios deve ocorrer com a publicação do acórdão que se deseja impugnar, descabendo aceitá-los antes de tal providência. - Embargos Declaratórios não conhecidos" (STF, EDclAPN n. 101/ES, Corte Especial, rel. Min. William Patterson, DJ de 15.12.1997) 233 “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. RECURSO INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. INTEMPESTIVIDADE. EMABARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. IMPROCEDÊNCIA. 1. O entendimento pacificado nesta Corte é de que o recurso interposto antes da publicação do acórdão é intempestivo.

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No STJ, contudo, a Corte Especial vem de pacificar entendimento no sentido

de que recurso precoce (proposto anteriormente à intimação da decisão) não pode

ser inquinado de intempestivo, até por ser mais do que tempestivo, dado que prévio

à intimação.234-235

Há, não obstante, um detalhe a ser destacado a respeito de uma hipótese de

recursos excepcionais precoces.

No caso de interposição, por uma das partes, de recurso especial diante de

acórdão a respeito do qual pendem de julgamento embargos de declaração tirados

pela parte contrária (do mesmo acórdão de parcial provimento, uma parte interpõe

recurso especial, e a outra embargos de declaração), o litigante que aforou recurso

especial terá de, após julgados os declaratórios, reiterar seu recurso, sob pena de

não conhecimento.

Trata-se, evidentemente, de recurso especial precoce, porquanto interposto

antes da apreciação dos declaratórios opostos pela contraparte, porém o problema,

aqui, não reside na chamada intempestividade por prematuridade, mas sim na

apresentação de recurso especial antes de concretizar-se uma de suas condições,

qual seja, o exaurimento de todos os recursos ordinários interponíveis, a teor do

disposto no art. 105, III, da CF.236

2. Ainda que superada a questão da intempestividade, a decisão objeto dos embargos de declaração não contém o vício da omissão, porquanto a Turma deixou patente que não conhecia da tese relativa ao afastamento do artigo 18, III, da Lei n. 6.368/76, porque não submetida ao Tribunal a quo. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgRg no HC n. 85.314, rel. Min. Eros Grau, DJ de 07.04.2006). 234 “1. Antecipando-se a parte à abertura do prazo recursal pela intimação da sentença, procede com diligência irrepreensível. 2. Tempestivo o recurso oferecido antes da intimação do ato recorrido. 3. Agravo regimental provido” (STJ, AgRg no Ag n. 655.610, rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 01.08.2005). 235 “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS ESPECIAIS ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. TEMPESTIVIDADE. 1. A interposição de recurso independe da publicação do acórdão. 2. Precedente da Corte Especial (AgRgEREsp nº 492.461/MG, julgado na sessão de 17 de novembro de 2004). 3. Ressalva do entendimento diverso da Relatoria. 4. Embargos parcialmente conhecidos e rejeitados” (STJ, EREsp n. 399.695, rel. Hamilton Carvalhido, DJ de 20.06.2005). 236 “AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELA PARTE CONTRÁRIA. AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. NÃO-EXAURIMENTO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. RECURSO INADMITIDO. INDEFERIMENTO LIMINAR DOS EMBARGOS. DECISÃO MANTIDA. 1. A previsão constitucional é clara ao impor como requisito para interposição do recurso especial ter sido a decisão da causa proferida em única ou última instância, vale dizer, é imprescindível ter sido exaurida a jurisdição do Tribunal prolator do acórdão recorrido.

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Na situação acima aventada, trata-se muito mais de questão atrelada ao

esgotamento da instância ordinária exigido para fins de cabimento de recursos

excepcionais que de mera intempestividade por adiantamento da parte. De mais a

mais, a apresentação de recurso especial antes de apreciados os declaratórios

opostos pela parte contrária pode acarretar até a imprestabilidade do especial, caso

dê-se acolhimento dos primeiros e mudança relevante do conteúdo da decisão.237,238

III.8 - O art. 515, § 4º, do CPC: a correção das nulidades sanáveis em grau recursal

III.8.1 - A razão de ser do dispositivo legal

Em 2006, com a entrada em vigor da Lei 11.276/06, modificaram-se, por

acréscimo ou por mera alteração, as redações dos arts. 504, 506, 515 e 518 do

CPC, respeitantes aos recursos cíveis, especialmente à apelação (no caso dos arts.

515 e 518).

Na específica hipótese do art. 515 do CPC, à sua redação acresceu-se o § 4º,

que determinou a possibilidade de o tribunal, por ocasião do julgamento da

apelação, conhecer de nulidades sanáveis, determinando seu saneamento mediante

renovação ou realização do ato processual, a isso se seguindo, quando possível, o

prosseguimento do julgamento da apelação.239

2. A teor do art. 538, do Código de Processo Civil, ‘Os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição de outros recursos, por qualquer das partes.’ 3. Logo, mostra-se necessária a ratificação do recurso especial interposto enquanto não exaurida a jurisdição do Tribunal a quo, não importando o fato de os embargos de declaração terem sido opostos pela parte contrária ou de terem ou não modificado o acórdão recorrido. Precedente da Corte Especial (REsp 776.265/SC, Rel. p/ Acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, ainda pendente de publicação). 4. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg nos EREsp n. 811.835, rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 13.08.2007). 237 FUX, Luiz. Curso de direito processual, p. 1.185. 238 “A preocupação com o especial precipitado somente teria razão de ser caso os embargos tivessem sido acolhidos e com isso a decisão anterior, ao menos em parte, tivesse sido alterada, pois, nessa hipótese, o recurso estaria voltando-se contra decisão que, ao menos com igual contorno, não mais existiria” (FORNACIARI, Clito. A intempestividade do especial não reiterado. Tribuna do Direito, n. 154. 239 “Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 1º (...) §2º (...) § 3º (...) §4º Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.”

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A ratio essendi dessa inovação legislativa tem a ver com o objetivo de se

“conferir eficiência à tramitação dos feitos e evitar a morosidade” que hoje em dia

caracteriza a atividade jurisdicional. Para a reforma da Justiça, “faz-se necessária a

alteração do sistema processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e

celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao

contraditório e à ampla defesa” (é nosso o destaque).240

O que se pretende, inegavelmente, é que possa o tribunal, identificando a

ocorrência de vício processual sanável em grau recursal, desenvolver atividade

jurisdicional corretiva desse vício, sem que seja necessária a determinação de

retorno dos autos à instância monocrática para tal finalidade. A celeridade e a

economia processuais são, a toda evidência, as balizas dessa inovação processual.

Neste passo, parece-nos, por tudo quanto exposto acima, que se operou

sensível atenuação da parte final do parágrafo único do art. 560 (“ordenando a

remessa dos autos ao juiz, a fim de ser sanado o vício”) pelo § 4º do art. 515, ambos

do CPC: no primeiro, dispõe-se ser necessária a remessa dos autos à instância

monocrática com a finalidade de sanação de vícios identificados pelo tribunal, o que

é absolutamente dispensável atualmente, justamente por conta do disciplinado no §

4º do precitado art. 515, autorizador de tal correção no trâmite perante o próprio

tribunal.

Não nos parece mais ser absoluta, portanto, a necessidade de remessa dos

autos ao primeiro grau sempre que se converter o julgamento em diligência, como

ocorria tradicionalmente.

III.8.2 - A interpretação do art. 515, § 4º, do CPC

Volvendo nosso foco de atenção para a aplicabilidade do dispositivo legal em

apreço, algumas ponderações merecem ser lançadas, de modo que se possa

delimitar a esfera de abrangência da norma em questão.

Neste passo, uma primeira palavra merece ser dita respeita ao conceito das

nulidades sanáveis a que se refere o primeiro trecho do § 4º do art. 515 do CPC.

240 Estas são algumas das assertivas constantes da exposição de motivos n. 182 do Ministério da Justiça, relativa ao Projeto de Lei n. 4.724/2004, que gerou a Lei 11.276/06, conforme consulta realizada no endereço eletrônico <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>, consultando-se a “Apresentação do Projeto de Lei pelo Poder Executivo”. Acesso em 19 de maio de 2007.

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Em contida síntese, e talvez se retomando conceituação já expendida neste

trabalho, tem-se que as nulidades processuais são classicamente divididas em

sanáveis e insanáveis, conforme seja possível sua convalidação, ou não, no

desenvolvimento do processo.

Nesse sentido, pode-se afirmar que há gradação de nulidades processuais,

considerando a lei que algumas nulidades processuais são mais nocivas que outras.

Desse escalonamento organizacional das nulidades decorre que vícios processuais

que sejam, por assim dizer, menos agressivos às formas preestabelecidas no CPC

comportam prorrogação, ao passo que vícios que importem violação mais intensa

aos ditames do CPC não comportam prorrogação.

Essa circunstância de existirem nulidades, portanto, de menor e maior

gravidade faz com que exista, por conseguinte, um regime próprio de provocação

das nulidades: as nulidades ditas relativas (atinentes a normas de direito processual

de caráter disponível) têm prazo para sua argüição; d’outro turno, as nulidades

consideradas absolutas não se submetem a preclusão, vale dizer, são argüíveis

(pelas partes ou pelo juiz) em qualquer tempo e grau de jurisdição, dado que com

sua persistência macula a própria higidez da atividade jurisdicional.

São muitas vezes comuns confusões relativamente ao tema das nulidades; o

tema, a bem da verdade, realmente apresenta-se multifacetado. Há, contudo, um

aspecto que não comporta vacilações, especialmente se se pretende atribuir ao § 4º

do art. 515 do CPC sua real força: não só as nulidades relativas são sanáveis, bem

como não só as nulidades absolutas são insanáveis.

De fato, se há esta natural tendência de se entender expressões “sanável” e

“insanável” simetricamente relacionadas, respectivamente, às nulidades relativas e

absolutas, fato é que tal concepção cai por terra diante da constatação de que

também nulidades de caráter absoluto são sanáveis.

Tal asserção torna-se mais palatável ao se revisitarem os conceitos de

nulidades relativas e absolutas.

As nulidades processuais relativas caracterizam-se por sua origem em

normas nas quais prevaleça o interesse das partes litigantes: são, dessarte, normas

de direito disponível pelas partes, sendo que sua violação não eiva o processo de

modo que se considere viciada a própria atividade jurisdicional.

Em geral, as normas processuais instituintes de nulidades relativas não

contêm cominação de nulidade: caso o ato processual seja praticado por outra forma

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que não aquela prevista pela lei processual, ainda assim será considerado válido,

desde que se atinja sua finalidade. A expressão mais acabada dessa realidade vem

consignada no art. 244 do CPC.241

A respeito das nulidades relativas, diga-se também que contam com prazo

para sua argüição (e às vezes, contam também como forma específica, caso da

incompetência relativa, argüível por exceção de incompetência). Caso não haja

argüição da nulidade relativa no momento oportuno (prazo de defesa do réu, por

exemplo, nas hipóteses de incompetência relativa), se dará a prorrogação da

nulidade relativa, id est, haverá sua convalidação, a teor do art. 245, caput, do

CPC.242

No que é pertinente às nulidades absolutas, cediço que são as violações de

normas processuais de natureza indisponível, relacionadas às partes ou ao próprio

órgão jurisdicional. A ocorrência de nulidade absoluta no curso do processo é

impassível de preclusão, vale dizer, jamais são convalidáveis as nulidades

absolutas, porquanto inexiste prazo preclusivo para que as partes ou para que o

órgão jurisdicional promova a suscitação da nulidade absoluta e se dê sua correção.

As nulidades absolutas não se sujeitam a qualquer sorte de prazo preclusivo

para que se dê sua argüição, vale dizer, não se convalidam no curso do processo,

dado não se submeterem ao regime da preclusão temporal. É o que consta do

parágrafo único do art. 245243 e do § 3º do art. 267,244 ambos do CPC.

De conformidade com o texto do § 4º do art. 515 do CPC, são passíveis de

cognição pelo tribunal as nulidades “sanáveis”.

Pois bem: qual a extensão da expressão nulidades “sanáveis”, de modo que

seja possível a atividade saneadora respectiva por parte do tribunal?

241 “Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.” 242 “Art. 245. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.” 243 “Art. 245. (...) Parágrafo único. Não se aplica esta disposição ás nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão, provando a parte legítimo impedimento.” 244 “Art. 267. (...) § 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.”

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III.8.3 - Nulidades absolutas são sanáveis?

Não raro associa-se a expressão “nulidades sanáveis” com as nulidades

relativas, como se apenas estas admitissem saneamento (correção) no âmbito do

processo civil. Nesse sentido clássico de pensamento, as nulidades absolutas

seriam consideradas insanáveis.245

Considerando-se tal linha de entendimento, tão-só as nulidades relativas

seriam passíveis de atividade judicial de ofício em grau recursal.

A defesa dessa concepção, contudo, geraria grande limitação da esfera de

abrangência da norma inserida no § 4º do artigo 515 do CPC, dado que poderiam

ser corrigidas (ou consertadas, conforme referência de Wambier, Talamini e Correia

de Almeida246) na própria segunda instância (sem necessidade de remessa dos

autos ao primeiro grau para saneamento da nulidade) apenas as nulidades relativas.

Aqui, convém registrar de modo bastante demarcado ser este o relevo da

adequada conceituação do que vêm a ser “nulidades sanáveis”: se a possibilidade

existir atividade judicial de ofício em grau recursal no sentido de serem detectadas

as nulidades absolutas (relembre-se o teor do § 3º do art. 267 do CPC), não

constava do CPC qualquer previsão, anteriormente ao § 4º do art. 515, de

possibilidade não só de cognição das nulidades processuais (de ofício as absolutas,

por provocação das partes as relativas), mas também de determinação de que no

próprio segundo grau de jurisdição desenvolva-se atividade jurisdicional saneadora

da nulidade, seja para determinar a realização de ato que não foi praticado em

primeiro grau, seja para determinar a repetição de ato que, em que pese tenha sido

praticado, não veio ao mundo mediante observância dos preceitos legais

processuais.

245 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, 2º v., p. 65. Para o insigne processualista, discorrendo sobre os vícios dos atos processuais, “absolutamente nulos são aqueles atos que não observam requisitos que a lei considera indispensáveis ao bom andamento da função jurisdicional (Liebman). Ressentem-se de vício insanável, pelo que o próprio juiz deve de ofício declarar a sua nulidade, salvo quando a lei autorize a possibilidade de sua convalidação”. “Relativamente nulos são aqueles atos cuja nulidade, sem embargo do vício que os torna inidôneos ao fim visado, somente pode ser declarada por provocação do interessado. Ressentem-se de vício sanável, ou seja, de vício que se desfaz pela superveniência de uma condição que os revalide (Liebman, Bonumá). Assim, a própria falta de argüição do vício pelo interessado, em tempo hábil, revalida o ato”. “Em regra, os vícios dos atos processuais são sanáveis, donde, em regra, as nulidades serem relativas” (op. cit., p. 65). 246 WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, v. 1,, p. 189.

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A confusão que pensamos existir advém do indevido baralhamento do

conceito de nulidades sanáveis e insanáveis com o de nulidades convalidáveis e não

convalidáveis.

Entendemos que o fato de serem convalidáveis ou não as nulidades tem a ver

não com sua sanabilidade, senão com a circunstância de existirem certos vícios

processuais que, se não forem suscitados pela parte interessada, passam a ser

“não-vícios”, porquanto passíveis de prorrogação.

O tempo processual, no que tange às nulidades convalidáveis, assume

função curativa e convola vício processual em “não-vício” processual. O exemplo

rematado dessa situação advém da própria incompetência relativa, que se não

argüida prorroga-se, convolando-se em competente o juízo incompetente

territorialmente ou em razão do valor.

A expressão sanabilidade (nulidades sanáveis ou insanáveis), d’outro modo,

não se vincula à possibilidade de convalidação ou não convalidação (prorrogação ou

não-prorrogação), porém à possibilidade de correção do ato viciado.

Essa possibilidade de correção do ato viciado pode operar-se indistintamente

tanto a respeito dos atos absolutamente nulos quando no que se refere aos atos

relativamente nulos.

Em confirmação ao que ora se afirma, tome-se como exemplo a seguinte

gama de nulidades absolutas que admitem saneamento (são, portanto, sanáveis):

ausência de instrumento de mandato (acarretando falta de pressuposto processual

de existência, qual seja, capacidade postulatória), insuficiência de recolhimento de

preparo recursal, falta de assinatura de petição por advogado, determinação de

remessa de recurso à instância superior sem intimação para apresentação de

contra-razões (lesão ao princípio do contraditório e da ampla defesa) etc.

Perceba-se que, mesmo lavrando-se rápido rol de hipotéticos vícios

processuais de caráter absoluto que podem ocorrer ao longo do processo civil, é

perfeitamente admissível seu saneamento, empregando-se tal termo no sentido de

ser factível sua correção e prosseguimento do feito.

Nesta toada, vê-se às claras que a expressão “nulidades sanáveis” contida no

precitado § 4º do art. 515 do CPC espraia-se às nulidades absolutas e às nulidades

relativas, repita-se, indistintamente, isto é, sem que se adstrinja exclusivamente às

nulidades relativas.

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Nulidades convalidáveis, neste diapasão, são nulidades prorrogáveis

(relativas, portanto). Nulidades sanáveis são nulidades corrigíveis,

independentemente de seu caráter relativo ou absoluto.

III.8.4 - A aplicação do art. 515, § 4º, a outros recursos cíveis além da apelação

Conforme já observado por comentaristas das reformas estabelecidas pela

Lei 11.276/06, a inserção de um § 4º ao art. 515 do CPC no sentido de se permitir a

correção de nulidades sanáveis em grau recursal deve ser entendida como

extensível a todos os recursos cíveis, dado tratar-se de uma regra geral dos

recursos.

O fato, como observa Cássio Scarpinella Bueno, é que, a despeito de constar

no texto do art. 515, § 4º, que, “cumprida a diligência (correção da nulidade sanável),

sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação”,247 deve tal dispositivo

de lei ter sua vigência ampliada para todas as demais atividades recursais,

especialmente porque sua razão de ser (permitir a atividade judicante saneadora de

nulidades sanáveis em grau recursal, em homenagem à celeridade da jurisdição)

assim o exige e porque os demais recursos, além da apelação, igualmente

compõem relevante manancial de hipóteses em que vícios de ordem procedimental

podem ser conhecidos de ofício, e sanados pelo magistrado, permitindo-se o

julgamento do recurso em seqüência.248

Como exemplo de outra disposição que, em que pese figurar exclusivamente

no Capítulo III do Título X do CPC (destinado ao recurso de apelação, a princípio), é

regra geral dos recursos, mencione-se a norma contida no art. 519 do CPC,

determinante do relevamento da pena de deserção em caso de demonstração de

justo motivo para tanto.

A toda evidência, diga-se que a demonstração, pelo recorrente, de justo

motivo impeditivo do recolhimento de valores necessários ao processamento do

247 Nossos parênteses. 248 BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, v. 2, p. 23.

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recurso249 perfaz regra subsumível aos demais recursos cíveis, a despeito de

constar expressamente como disposição típica do recurso de apelação.

III.8.5 - O prosseguimento do julgamento, quando possível

Em trecho final de sua redação, consta do § 4º do art. 515 do CPC que,

“cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação”.

Já registrada nossa convicção de que a regra sob comento aplica-se aos

demais recursos cíveis e não exclusivamente à apelação, cumpre-nos avaliar qual a

amplitude desta locução “sempre que possível” como condição para o

prosseguimento do julgamento do recurso.

A nosso ver, o legislador utilizou-se da expressão “sempre que possível”

como condição para o seguimento do julgamento recursal porque, por exemplo,

pode ocorrer de, uma vez identificada a nulidade sanável, não se desincumbir a

parte da realização ou renovação do ato de modo a corrigi-la. Nesta hipótese, ainda

que tenha existido identificação de ofício de nulidade sanável e ainda que tenha o

tribunal instado a parte à sua correção, não será possível o seguimento do

julgamento recursal.

À guisa de exemplo, tome-se a situação da parte que, provocada a

complementar o depósito do valor de preparo (CPC, art. 511), não o faz: estar-se-ia,

aqui, diante de hipótese clara de impossibilidade de seguimento do julgamento da

apelação.

Há que se observar, ainda, que a locução “sempre que possível” deve-se ao

fato de que a nulidade sanável referida no § 4º do art. 515 do CPC pode ter sua

correção empreendida de ofício pelo magistrado ou pode depender de ato da parte.

Podendo dar-se a supressão da nulidade sanável de ofício, evidentemente se

segue o julgamento recursal após sua realização. É o que ocorre, por exemplo,

quando o tribunal, tendo recebido o recurso de apelação sem contra-razões, afere

que não a subida dos autos deu-se sem a necessária intimação da parte recorrida

para contra-razões: a simples intimação, por iniciativa do tribunal, da parte recorrida

para que responda ao recurso acarretará a correção da nulidade sanável.

249 Seja a que título for: preparo no caso das apelações, custas de interposição no caso de recursos extraordinários, porte de remessa e retorno.

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De se contemplar, ainda, a possibilidade de a nulidade identificada pelo

tribunal quando do julgamento recursal exigir a prática de atos processuais de

competência exclusiva do primeiro grau de jurisdição.

Ad exemplum, imagine-se a hipótese de haver o tribunal, quando do

julgamento da apelação, identificado que não houve intimação escorreita de

litisconsorte acerca da sentença que lhe foi desfavorável: há evidente nulidade (na

medida em que o litisconsorte não foi intimado da sentença), cuja correção (a

intimação da sentença) e atos processuais seguintes devem ser praticados em

primeiro grau de jurisdição, dada sua competência funcional para tanto (juízo de

admissibilidade de eventual apelação interposta por este litisconsorte). Suprida a

nulidade sanável em questão (o que deve ocorrer necessariamente em primeiro grau

de jurisdição, por conta da competência exclusiva deste para o recebimento da

apelação), os autos tornam ao tribunal para prosseguimento da apelação.

Em suma, a locução “sempre que possível” justifica-se pela circunstância de

ser meramente potencial a supressão da nulidade sanável diretamente em segunda

instância, seja porque a parte não logrou cumprir a determinação judicial de

realização ou renovação do ato, seja porque o próprio tribunal não constitui o foro

adequado para a atividade corretiva da nulidade sanável.

III.9 - As atividades de ofício relativamente ao julgamento do mérito do recurso

III.10 - A prescrição e seu conhecimento de ofício pelo órgão jurisdicional

III.10.1 - A prescrição: razão de ser

O sempre instigante tema da prescrição exige dos juristas, especialmente dos

civilistas, redobrada atenção quando de seu trato, especialmente por ser assunto

que admite múltiplas abordagens, conforme se queira tratar dos requisitos para sua

caracterização, das situações que escapam à sua incidência (direitos insubmissos à

prescrição), de suas hipóteses suspensivas e interruptivas e da iniciativa para sua

argüição.

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Os estudos em torno da prescrição são uniformes ao defini-la como instituto

jurídico voltado à pacificação, à estabilização, à harmonização das relações sociais.

A ratio essendi da prescrição, neste sentir, advém da necessidade de que até

mesmo os direitos tidos por violados tenham prazo específico para que se requeira

sua tutela pelo Estado.

Para uma boa definição do instituto da prescrição, valemo-nos da ensinança

de Clóvis Bevilaqua: “Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda

a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso delas, durante um

determinado espaço de tempo”.250

Nota-se, da conceituação acima transcrita, que o que fenece não é o direito

em si, senão a ação que o titular do direito tem a seu dispor para coibir, ou reparar,

violações que inviabilizem o exercício deste direito.251

Em termos legislativos, optou-se no Código Civil vigente pela expressão

“pretensão” como significante de defesa do direito violado, conforme redação do art.

189 do CC.252

Desta forma, vê-se que a estabilização das relações interpessoais assume

relevância tal que mesmo atos infringentes de direitos são, digamos, convalidáveis,

na medida em que as ações judiciais à disposição da parte lesada encontram limites

temporais nos prazos prescricionais.

Este objetivo, digamos, pacificador ínsito à prescrição a torna matéria jurídica

que evidentemente extrapola o interesse das partes envolvidas na relação jurídica

controvertida: há notória intersecção da prescrição com a harmonia da vida em

coletividade, em relação de clara causalidade.

A propósito, a própria circunstância de a prescrição constar no rol do art. 269

do CPC (inciso IV) como uma das hipóteses de extinção do processo com resolução

de mérito, ainda que não exista atividade jurisdicional de julgamento propriamente

dita (como se dá na hipótese do inciso I do mesmo art. 269), explicita o quão

vinculada está a prescrição com a temática da estabilização das relações sociais,

mormente porque, justamente ao ser arrolada como fundamento de sentença 250 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil, p. 286. 251 “O momento de início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo, é determinado pelo nascimento da ação – ‘actioni nondum natae non praescribitur’. AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis, p. 18, nosso destaque. 252 “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular da pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

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passível de formar coisa julgada material, dela deflui o selo da imutabilidade da

decisão judicial e a conseqüente impossibilidade de rediscussão do caso.

Essas informações, se por um lado nos certificam que a prescrição encerra

um objetivo que inegavelmente transcende a relação jurídica entre as partes

(pacificação das relações conflituosas), por outro sempre nos provocaram uma

indagação: por que um tema de tão forte caráter público (porquanto ensejador de

pacificação de relações intersubjetivas) tradicionalmente teve trato legislativo-

processual como fora exclusivamente de interesse das partes (matéria de direito

disponível), impedindo-se atividade jurisdicional de ofício a seu respeito?

Deveras, tradicionalmente a prescrição, salvo interesses indisponíveis (em

benefício de incapaz), em regra sempre foi de argüição pelo litigante.

Para maiores dados a respeito, passemos à avaliação do assunto tal qual

estabelecido anteriormente à Lei 11.280/06.

III.10.2 - A prescrição antes da Lei 11.280/06

Como sobredito, a prescrição, em que pese sua importância excedente dos

limites da relação jurídica travada entre as partes (importância essa concentrada na

estabilização das relações interpessoais), sempre teve abordagem legislativa como

sendo de interesse disponível, exclusivamente privado, infensa à intervenção de

ofício dos órgãos jurisdicionais, em regra.

As duas notas mais marcantes dessa tradição legislativa sempre foram (i) a

disponibilidade da prescrição pelo réu da ação judicial (que poderia ver-se

beneficiado pelo reconhecimento da prescrição ou não, ficando a seu livre talante a

escolha) e (ii) a impossibilidade de cognição de ofício pelo órgão jurisdicional, em

geral.

No que é pertinente ao primeiro aspecto, sua maior expressão legislativa é o

artigo 191 do CC, em que se dispõe que poderá o réu renunciar expressa ou

tacitamente à prescrição, jamais em prejuízo de terceiro e sempre que já se tenha

consumado o prazo prescricional.253

253 “Art. 191. A renúncia da prescrição poderá ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.”

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Esta renunciabilidade prevista no art. 191 do CC, como dissemos, marca a

prescrição, ao menos em aspecto legislativo, como matéria de direito disponível,

especialmente porque as matérias de direito disponível é que são identificadas pela

possibilidade de disposição pelas partes, sem que se cogite de interesse público

envolvido e de intervenção de ofício a seu respeito, conforme já anotamos em tópico

anterior.

O fundamento axiológico da renúncia da prescrição, a nosso ver, reside na

opção que se pretende conceder ao interessado de, a despeito do benefício que a

prescrição lhe acarrete (consistente na extinção do processo com resolução de

mérito, julgando-se a demanda improcedente), mostrar-se possível a superação da

defesa fundada na prescrição para que seja julgado o mérito em sua essência, este

entendido como o acolhimento ou a rejeição do pedido do autor (CPC, art. 269, I).

De modo assemelhado ao que ocorre no âmbito do direito penal, em que o

réu absolvido por falta de provas pode apresentar recurso de apelação da sentença

para que sua absolvição seja fundamentada não na ausência de provas, senão na

aferição de que não houve o cometimento do ilícito penal, a previsão expressa no

artigo 191 do CC tem idêntica finalidade, aplicável à seara cível: permitir que o réu

colha do Judiciário decisão confirmatória de sua “inocência civil”, da não ocorrência

dos fatos afirmados pelo autor.

Já no tocante à iniciativa quanto ao reconhecimento da prescrição, até 2006

esteve arraigado em nossa legislação o impedimento, como regra, à atividade ex

officio do magistrado.

Com efeito, o art. 194 do CC era claro ao dispor que ao juiz não se permitia

conhecer, de ofício, da alegação de prescrição, a não ser em benefício de

absolutamente incapaz.254

Nesse mesmo sentido, apenas observando-se que optou o legislador

processual civil por linguagem inversa, colhia-se da anterior redação do art. 219, §

5º, do CPC que o juiz exclusivamente poderia conhecer da prescrição ex officio em

se tratando de direitos indisponíveis, de caráter não patrimonial.255

254 “Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.” 255 “Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. (...)

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Esse cenário tradicional, entretanto, vem de sofrer sensível mudança após a

entrada em vigor da Lei 11.280/06, instituinte, entre outras alterações, da

possibilidade de cognição de ofício da prescrição qualquer que seja a natureza do

direito debatido entre as partes (disponível ou indisponível). É o que se aborda no

tópico seguinte.

III.10.3 - A prescrição após a Lei 11.280/06

Se, contudo, este era o cenário legislativo vigente até recentemente, certo é

que, na esteira das reformas processuais civis implementadas em 2006, deu-se,

como dito acima, grande modificação de enquadramento da prescrição relativamente

ao modo como se opera sua detecção no processo civil: com a remodelação, pela

Lei 11.280/06,256 do § 5º do art. 219 do CPC, passou a ser admissível o

pronunciamento de ofício do órgão jurisdicional a respeito da prescrição, não

importando se a pretensão prescrita diga respeito a direitos disponíveis ou não

disponíveis.

Diga-se, porque oportuno, que a própria Lei 11.280/06, de modo que se

uniformizassem os dispositivos legislativos respeitantes ao instituto da prescrição,

expressamente revogou o art. 194 do CC, que previa a possibilidade de atividade de

ofício no tocante à prescrição tão-somente no que dissesse respeito a direitos não

patrimoniais.

Não obstante, em que pese a Lei 11.280/06 tenha disciplinado, às expressas,

a revogação do art. 194 do CC, nada foi dito acerca de outro dispositivo do CC

atinente à prescrição, qual seja, o art. 191.

Essa situação vem suscitando debates acerca da eventual existência, em

nossa legislação, de dispositivos legais geradores de situações conflitantes entre si:

de um lado, há o art. 219, § 5º, do CPC (em sua nova redação, advinda da Lei

11.280/06), instituinte da prescrição cognoscível de ofício, e, de outro, o art. 191 do

CC, permissivo da renúncia à prescrição.

Haveria contradição entre os dois dispositivos legais em apreço?

§ 5º Não se tratando de direito patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato.” 256 Publicada no DOU de 17.02.2006 e com vacância de 90 dias.

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A indagação, que foi enfrentada por Rodrigo Mazzei de modo bastante

detalhado,257 pode ser melhor expressa nas seguintes indagações: ao dispor sobre a

possibilidade de pronunciamento ex officio da prescrição, o art. 219, § 5º, do CPC

teria reclassificado tal instituto de nosso ordenamento jurídico como sendo matéria

de ordem pública? Em se respondendo positivamente a primeira pergunta, existiria

matéria de ordem pública renunciável pela parte (o art. 191 do CPC)?

Três possibilidades se apresentam no tocante ao enquadramento da

prescrição atualmente: ou (i) teria sido a prescrição transmudada em “matéria de

ordem pública disponível pela parte” (um tertium genus entre os direitos disponíveis

e os direitos indisponíveis), que a ela poderia renunciar, caso se sustente que

devem ser justapostos os arts. 219, § 5º, do CPC, e 191 do CC, ou (ii) teria sido a

prescrição transmudada em matéria de ordem pública e não haveria possibilidade de

disposição alguma pela parte (renúncia), tendo o art. 219, § 5º, do CPC revogado

tacitamente o art. 191 do CC, ou (iii) simplesmente por uma questão de política

processual, de intuito meramente aceleratório, teria sido permitido decreto de ofício

da prescrição sem que se lhe retire a condição de matéria de direito disponível.

No que se relaciona à primeira linha de entendimento, consistente na idéia de

que a prescrição, por ser decretável de ofício, ter-se-ia requalificado na ciência

jurídica como matéria de ordem pública (deixando de ser de direito disponível),

manifestamos nossa discordância quanto a esta conclusão.

Admitir a conversão da prescrição em matéria de ordem pública pelo simples

fato de ser possível, a partir da Lei 11.280/06, decretável de ofício seria qualificar um

instituto por seus efeitos, e não por seu efetivo conteúdo.

À luz do que expusemos anteriormente sobre o “genótipo” das matérias de

ordem pública, quedou bastante claro que a tonalidade mais marcante destas diz

respeito ao interesse público que é inerente a certos temas jurídicos, de modo que

são estão relevantes não somente para os litigantes que os disputam, porém para

toda a coletividade, daí decorrendo a possibilidade de intervenção de ofício a seu

respeito, além da indisponibilidade pelo jurisdicionado. Direitos vinculados ao estado

das pessoas, a alimentos, aos direitos transindividuais, nesta ordem de raciocínio,

são inalienáveis, impassíveis de deliberação particular no caso concreto.

257 MAZZEI, Rodrigo, FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima, NEVES, Daniel Amorim Assumpção, RAMOS, Glauco Gumerato. Reforma do CPC: leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006, p. 424 e ss.

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Em outros termos, tais matérias jurídicas são de interessa “metaparticular”,

coletivo, público (de ordem pública, portanto), e por isto passíveis de atuação ex

officio, e não porque passíveis de atuação ex officio é que seriam de ordem pública.

O que as qualifica como de ordem pública é sua essência, e não seu efeito, como

apontamos parágrafos acima.

Dessarte, não enxergamos na prescrição características que a possam tornar

um tema de ordem pública, comparável, ad exemplum, aos alimentos, à proteção do

consumidor nas relações com fornecedores, às questões atinentes ao casamento e

à filiação.

Neste passo, argua-se não ser logicamente possível admitir que um tema seja

de ordem pública e, simultaneamente, disponível pela parte: seria um paradoxo

entre termos de uma mesma proposição, dado que o interesse público que denota

as questões de ordem pública é imune a disposições pelo particular. Negamos, pois,

essa possibilidade de um tertium genus (matérias de ordem pública renunciáveis

pela parte).

De mais a mais, o fato de resolver uma querela intersubjetiva por conta de um

fator puramente cronológico, impedindo-se o julgamento do mérito de per sé,

reforça, a nosso ver, esta percepção de que a prescrição não integra a classe dos

assuntos de ordem pública, com o que, por fim, descartamos esta primeira via de

conclusão (conversão da prescrição em matéria de ordem pública).

A segunda linha de pensamento, outrossim, partiria da mesma premissa da

primeira corrente (prescrição convertida em matéria de ordem pública por conta de

seu possível decreto de ofício), porém teria se operado revogação tácita do art. 191

do CC por força da novel disposição do § 5º do art. 219 do CPC, retirando-se

qualquer laivo de disponibilidade a respeito da prescrição por parte do litigante.

Nessa corrente de entendimento, não haveria como se sustentar a existência

do aludido tertium genus formado pela prescrição cognoscível de ofício e renunciável

pela parte, o que seria algo inusitado em termos de matérias de ordem pública,

especialmente porque se estaria admitindo interesse público disponível (renunciável)

pelo particular. Estar-se-ia, como afirmamos supra, diante de um paradoxo.

Nesta linha de pensamento, enquadrando-se a prescrição como novel matéria

de ordem pública, teria havido grave omissão do legislador reformista do CPC

quando da elaboração da Lei 11.280/06, dado que a revogação expressa do art. 194

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do CC258 deveria ter-se estendido também ao precedente art. 191 da mesma

codificação.

Não tendo existido a revogação expressa do art. 191 do CC pela Lei

11.280/06, o pensamento de que não deve haver intervenção da parte relativamente

ao decreto prescricional (renúncia, p. ex.) escora-se no raciocínio de que se aplica à

hipótese o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao CC,259 vale dizer, há que se admitir

que a lei posterior que contenha disposição incompatível com lei anterior provoca a

revogação desta última. Teria, assim, o art. 191 do CC sido revogado tacitamente

pela Lei 11.280/06.Há, na jurisprudência do STJ,260 alguns julgados relativos à

258 Lei 11.280/06, art. 11: “Fica revogado o art. 194 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil”. 259 Lei de Introdução ao CC, art. 2º, § 1º: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. 260 “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. FEITO PARALISADO HÁ MAIS DE 5 ANOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.280/2006). DIREITO SUPERVENIENTE E INTERTEMPORAL. 1. Tratam os autos de agravo de instrumento interposto pelo Município de Porto Alegre em face de decisão proferida pelo Juízo da 8ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre que, reconhecendo a prescrição parcial determinou a extinção do processo executivo referente ao exercício de 1999. O relator do agravo, monocraticamente, confirmou a sentença e negou provimento ao recurso. Inconformado, o Município de Porto Alegre interpôs agravo interno. O acórdão, à unanimidade, negou provimento ao apelo nos termos da decisão monocrática, acrescentando que não se trata apenas de direito patrimonial exclusivo como o regido pelo § 5º do art. 219 do CPC, porquanto atingido o crédito pela prescrição, questões de ordem pública, como as condições da ação, surgem e podem ser suscitadas ex officio em qualquer grau de jurisdição. O município sustenta como fundamento para o recurso especial: a) a decisão atacada deve ser reformada visto que o juiz não pode, de ofício, e neste caso, declarar a prescrição do crédito tributário; b) não foram verificados pressupostos fáticos suficientes, como o conhecimento da data em que se operou a prescrição do crédito. Contra-razões ao recurso especial às fls. alegando, em síntese, que: a) as supostas violações da legislação federal não foram devidamente arrazoadas, sendo aplicável à hipótese a Súmula 284/STF; b) a reforma da decisão a quo demandaria reexame fático-probatório; c) está prescrito o crédito tributário, já que entre a constituição deste, por lançamento direto (IPTU), e a citação do executado, que só ocorreu em 2004 decorreu-se mais de 5 (cinco) anos; d) o ato processual constante na fl. 16v. não representa citação válida. 2. Vinha entendendo, com base em inúmeros precedentes desta Corte, pelo reconhecimento da possibilidade da decretação da prescrição intercorrente, mesmo que de ofício, visto que: - O art. 40 da Lei nº 6.830/80, nos termos em que admitido no ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174 do CTN. - Repugnam os princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Assim, após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo-se segurança jurídica aos litigantes. - Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, nele não incluídos os do artigo 40 da Lei nº 6.830/80. Há de ser sempre lembrado que o art. 174 do CTN tem natureza de lei complementar. 3. Empós, a 1ª Turma do STJ reconsiderou seu entendimento no sentido de que o nosso ordenamento jurídico material e formal não admite, em se tratando de direitos patrimoniais, a decretação, de ofício, da prescrição. 4. Correlatamente, o art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/80 foi alterado pela Lei nº 11.051/04, passando a vigorar desta forma:‘Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional,

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possibilidade de decreto da prescrição de ofício pelo juiz, independentemente de

oitiva da parte contrária, o que nos permite perceber, nesta tendência

jurisprudencial, a acolhida deste pensamento de que a prescrição, nos moldes

atuais, não comporta renúncia pela parte e seu decreto, pelo magistrado, não se

condiciona nem sequer à oitiva do réu, o que é característico, aliás, das matérias de

ordem pública.261

Pelas mesmas razões que sustentamos ao refutar a primeira possibilidade de

entendimento relativamente à rotulação da prescrição como matéria de ordem

pública, rechaçamos também a segunda linha de pensamento, de que a prescrição

comporia, sim, o rol dos temas de ordem pública e ter-se-ia operado revogação

tácita do art. 191 do CC pelo novo art. 219, § 5º, do CPC.

Volvendo nossa análise para a terceira hipótese de resolução do problema,

de se analisar a possibilidade de decreto da prescrição como sendo, sim, matéria

cognoscível de ofício, porém renunciável pela parte, remanescendo seu caráter de

tema de direito disponível.

Por primeiro, avaliando-se a razão de ser da mudança legislativa em apreço

(o novo § 5º do art. 219 do CPC), fato é que a transmudação da prescrição de

matéria não pronunciável de ofício (em regra) em tema passível de atuação de ofício

o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.’ 5. Porém, com o advento da Lei nº 11.280, de 16/02/06, com vigência a partir de 17/05/06, o art. 219, § 5º, do CPC, alterando, de modo incisivo e substancial, os comandos normativos supra, passou a viger com a seguinte redação: ‘O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição’. 6. Id est, para ser decretada a prescrição de ofício pelo juiz, basta que se verifique a sua ocorrência, não mais importando se refere-se a direitos patrimoniais ou não, e desprezando-se a oitiva da Fazenda Pública. Concedeu-se ao magistrado, portanto, a possibilidade de, ao se deparar com o decurso do lapso temporal prescricional, declarar, ipso fato, a inexigibilidade do direito trazido à sua cognição. 7. Por ser matéria de ordem pública, a prescrição há ser decretada de imediato, mesmo que não tenha sido debatida nas instâncias ordinárias. In casu, tem-se direito superveniente que não se prende a direito substancial, devendo-se aplicar, imediatamente, a nova lei processual. 8. ‘Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos’ (REsp nº 814696/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10/04/2006). 9. Execução fiscal paralisada há mais de 5 (cinco) anos. Prescrição intercorrente declarada. 10. Recurso improvido” (STJ, REsp n. 855.525, rel. Min. José Delgado, DJ de 18.12.2006). 261 Conquanto não concordemos com esta posição, dado que o princípio do contraditório, e a oitiva das partes em quaisquer hipóteses (matérias de ordem pública ou de direito disponível), se faz necessária, a nosso ver.

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revela fortemente a tendência das recentes mudanças processuais civis: a baliza

adotada é a da aceleração do trâmite processual.262-263

De fato, vê-se que a crise de eficácia pela qual vem passando o direito

processual civil brasileiro vem provocando sensíveis alterações em assuntos

solidamente arraigados e com feições já estruturadas no direito brasileiro, e neste

contexto é que devem ser avaliadas as alterações legislativas atinentes à prescrição.

A bem dizer, vive-se um momento de intensas subversões de temas

consolidados há décadas na ciência processual civil.

À guisa de exemplificação, note-se que, a teor do artigo 253, II, do CPC,

criou-se a figura do juízo prevento mesmo que a ação esteja extinta (a inusitada

prevenção sem pendência de ação)! A prevenção derivada de ação extinta,

positivamente, é algo absolutamente inédito em termos de legislação processual civil

e, seguramente, exige a mitigação de conceitos fortemente consolidados na ciência

processual civil (como o de que a prevenção exige, para sua caracterização, ação

em curso).

Nesses anos recentes, vimos também a sedimentação de um pensamento

relativizador do princípio do duplo grau de jurisdição, outrora pétreo no processo

civil, tudo em nome da velocidade processual.

É, ao menos pensamos assim, neste cenário de ebulição reformista que

temos de apreender, e dissecar, o instituto da prescrição a um só tempo decretável

de ofício e renunciável pela parte.

Nessa trilha de argumentação, frise-se que pensamos haver-se mantido a

prescrição dentro dos lindes das questões de interesse preponderantemente

particular, conforme argumentamos acima, ao refutar a primeira linha de

262 O parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados publicado em 02.09.05 no Diário da Câmara dos Deputados, p. 43.493, contém o seguinte trecho: “Agora permite-se que o juiz reconheça, de ofício, a prescrição, independentemente da natureza dos direitos em litígio e da capacidade das partes. A providência é salutar, uma vez que, podendo a prescrição ser alegada em qualquer grau de jurisdição (art. 193 do Código Civil), não raro o seu reconhecimento tardio ocasionava a tramitação inócua do processo, gerando uma extinção do feito que poderia ter ocorrido muito antes (art. 269, IV, do CPC)”. 263 Sobre a opção contemporânea pela rapidez da tutela jurisdicional, inclusive mitigando o outrora pétreo sistema da cognição exauriente como conditio sine qua non da atividade jurisdicional, de se ler interessante artigo de ANDOLINA, Italo Augusto. Crisi del giudicato e nuovi strumenti alternativi di tutela giurisdizionale. La (nuova) tutela provvisoria di merito e le garanzie costituzionali del giusto processo, p. 70 e ss.

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pensamento. Ipso facto, não extraímos da prescrição um color de direito

indisponível, de interesse público.264

A circunstância de, hodiernamente, poder o magistrado conhecê-la de ofício

também não a torna, como dissemos, matéria de ordem pública: iniciativa oficial

relativamente a um tema não o torna, a fortiori, de ordem pública, o que ilustramos

com o disposto no art. 293 do CPC, dado que, ainda que a parte não peça

expressamente a incidência de juros legais na condenação pretendida em face do

réu, estes são considerados de ofício como incluídos no pleito condenatório? E juros

são, induvidosamente, matéria de direito patrimonial disponível!

Defendemos, portanto, que a prescrição remanesce no âmbito dos direitos

disponíveis, justificando-se a iniciativa oficial para sua cognição pela necessidade de

atribuição de maiores poderes ao juiz de direito no sentido de serem resolvidas mais

brevemente as ações que lhe são postas pelos jurisdicionados.265

O fato de haver-se tornado matéria cognoscível de ofício pelo juiz de direito,

independentemente de se revestir de caráter patrimonial ou não, de forma alguma

poderia impedir a oitiva das partes interessadas. Não há, pensamos, qualquer

incompatibilidade entre matérias cognoscíveis de ofício e contraditório.266,267

Em adição, de se observar que a renunciabilidade da prescrição, pelo réu,

quando esta o beneficiar (conforme disposto no art. 191 do CPC), não seria

incompatível com a cognoscibilidade de ofício: e se o réu pretender compor-se com

o autor? E se o réu pretender um julgamento da causa propriamente dito, de forma

que se resolva, de vez por todas, o conflito entre as partes?

Registre-se, porque oportuno, que a necessidade de oitiva da parte acerca da

prescrição da pretensão espraia-se também à figura do autor, especialmente para

que o magistrado afira se está presente qualquer causa interruptiva ou suspensiva

da prescrição.

A oitiva da parte autora (que seria prejudicada pela prescrição de sua

pretensão) faz-se evidentemente necessária porque, como cediço, em regra são

264 Neste sentido, DIDIER JR., Fredie. Prescrição ou decadência em recurso extraordinário, p. 118. 265 Remetemo-nos ao estudo desenvolvido a respeito por MAZZEI, Rodrigo, FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima, NEVES, Daniel Amorim Assumpção, RAMOS, Glauco Gumerato. Reforma do CPC: leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006, p. 432. 267 Para um estudo aprofundado do assunto, especialmente sobre a não inserção da prescrição dentre as matérias de ordem pública, leia-se MAZZEI, Rodrigo. A prescrição e a sua pronúncia de ofício: qual a extensão da revogação do art. 194 do Código Civil?, p. 259.

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irretratáveis as sentenças judiciais, o que exigiria, em caso de sentença judicial

extintiva do processo por prescrição derivada de percepção equivocada o

magistrado, a interposição de apelação para sua modificação, o que significaria

imenso prejuízo ao jurisdicionado, levando-se em conta o enorme interregno em

geral exigido para o processamento das apelações.

Sobre a necessidade de prévia ouvida da parte quando do decreto

prescricional, busquemos subsídios na experiência das execuções fiscais.

III.10.4 - O art. 40, § 4º, da Lei 6.830/80

A possibilidade de decreto de ofício da prescrição, em que pese

tradicionalmente tenha sido vedada na disciplina geral do CPC, também

recentemente já fora admitida na seara dos executivos fiscais, antes mesmo da Lei

11.280/06.

Com efeito, a teor do § 4º do art. 40 da Lei 6.830/80, acrescido pela Lei

11.051/04, está autorizado o juiz de direito a “reconhecer a prescrição intercorrente e

decretá-la de imediato”.268

A prescrição decretável de ofício no âmbito das execuções fiscais tão-

somente poderá ocorrer desde que verificada a situação prevista no art. 40 da Lei

6.830/80, que sinteticamente pode ser assim delineada: prevê a legislação em

apreço que o juiz deverá suspender a execução fiscal enquanto não se der a

localização do devedor ou de bens seus que possam ser constritos na execução.

Se, uma vez decorrido este prazo de suspensão, que não poderá exceder o

interregno de um ano, não se der a localização do devedor ou de seu patrimônio

para fins de penhora, será determinado o arquivamento dos autos (art. 40, § 2º, da

Lei 6.830/80).

Após a decisão de arquivamento da execução fiscal, caso haja decorrido o

prazo prescricional, “o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício,

reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato” (art.40, § 4º, da Lei

6.830/80).

268 “Art. 40 (...) (...) Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”

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A Súmula 314 do STF, a propósito, circunscreve com exatidão este

fenômeno: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o

processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal

intercorrente”.

Interessante destacar que o § 4º do art. 40 em questão contém disposição

relevante: o decreto de prescrição não poderá ocorrer sem antes ser ouvida a

Fazenda Pública.

De se perguntar: qual a finalidade dessa oitiva da Fazenda Pública como

condição para que se dê o decreto prescricional de ofício no âmbito dos executivos

fiscais?

Conforme alvitre de jurisprudência abalizada, a prévia ouvida da Fazenda

Pública tem o escopo de apurar-se se há, eventualmente, qualquer causa

interruptiva ou suspensiva do lapso prescricional e que não tenha sido carreada aos

autos. Vê-se, aqui, o acerto da lei: considerando-se que a sentença que porventura

decrete a prescrição é, em regra, irretratável, (dado não se encaixarem às hipóteses

dos arts. 285-A, § 1º, e 296 do CPC), há que se atribuir o maior grau de zelo

possível ao decreto prescricional.269

III.10.5 - A prescrição e a atividade de ofício em grau recursal

Mesmo anteriormente à Lei 11.280/06, já se previa, relativamente à

prescrição, que sua argüição pela parte era possível em qualquer grau de jurisdição.

Esta a norma contida no art. 193 do CC.270

269 “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. DIREITO PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE, A PARTIR DA LEI 11.051/2004. 1. (...) 2. (...) 3. (...) 4. Ocorre que o atual parágrafo 4º do art. 40 da LEF (Lei 6.830/80), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (art. 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe argüir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso, cabendo ao juiz da execução decidir a respeito da sua incidência, por analogia, à hipótese dos autos. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido” (STJ, REsp n. 891.589, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 02.04.2007). 270 “Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.”

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Em decorrência da convolação da prescrição em matéria cognoscível de

ofício (CPC, art. 219, §5º), tem-se que a justaposição de ambos os dispositivos

legais acaba por gerar adicional hipótese de atuação de ofício de grau recursal: a

pronúncia da prescrição.

Sob ponto de vista prático, não identificamos sensível dificuldade para o

decreto prescricional em caráter ex officio quando da pendência de recurso: basta, a

nosso ver, que o órgão jurisdicional recursal identifique a presença da prescrição

para que seja factível seu pronunciamento. O tema que se nos apresenta mais

relevante no que é pertinente à prescrição diz respeito, efetivamente, à sua nova

modelação, decorrente de sua inclusão nos temas conhecíveis de ofício pelo juiz de

direito, consoante se expôs acima.

Como tivemos oportunidade de sustentar quando da abordagem do princípio

do contraditório e de sua moderna conceituação, vemos como inafastável a ouvida

das partes antes do decreto prescricional, especialmente para que seja aferida a

existência de alguma situação desconhecida pelo órgão jurisdicional e que influa na

constatação da prescrição (renúncia, interrupção e outras hipóteses eventualmente

não conhecidas pelo órgão julgador).

III.10.6 - A aplicabilidade da nova redação do art. 219, § 5º, do CPC aos processos em curso

Forte na interpretação do art. 1.211 do CPC, as reformas legislativas de

caráter processual aplicam-se aos processos em andamento, irrestritamente.271

Se, contudo, essa realidade é remansosa no âmbito doutrinário, há que se

destacar a existência de julgados no âmbito da Seção de Direito Público do STJ

excluindo das instâncias excepcionais a aplicabilidade do direito superveniente que

não tenho sido objeto de prequestionamento.272

271 “Art. 1.211. Este Código regerá o processo civil em todo território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes.” 272 “PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. NULIDADE DA CDA. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 219, § 5º, DO CPC. 1. Fundamentação deficiente quanto à eventual violação aos arts. 156, 173 e 174 do Código Tributário Nacional, ao recorrente incumbia-lhe demonstrar de modo claro e fundamentado de que forma as normas federais teriam sido violadas. Óbice da Súmula 284/STF. 2. A Certidão de Dívida Ativa deve preencher todos os requisitos constantes do art. 202 do Código Tributário Nacional-CTN de modo a permitir ao executado a ampla defesa. Ao agregar em um único

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Em outras palavras, a não ser que o direito superveniente componha o

próprio debate agitado no recurso especial (vale dizer, seja o dispositivo legal tido

por violado nas instâncias ordinárias), estaria vedada, na ótica desses precedentes

jurisprudenciais cogitados no parágrafo acima, a aplicação da norma processual

superveniente, surgida ao longo da tramitação processual.

De nossa parte, discordamos de tal posicionamento. Conforme pensamento

que já tivemos possibilidade de explanar neste trabalho e em texto publicado

anteriormente,273 temas jurídicos cognoscíveis ex officio (como as matérias de

ordem pública e outras que, a despeito de não serem de ordem pública, são

passíveis de atuação de ofício) não devem se sujeitar ao requisito do

prequestionamento para que se faça possível sua apreciação em grau recursal

excepcional, especialmente porque seriam evidentemente infensas ao sistema

processual contemporâneo (fortemente lastreado na celeridade) e à própria essência

do instituto da prescrição (como dito, arrimado na firme intenção de coibir a

perpetuação de litígios e querelas entre as partes da relação jurídica) decisões de

cortes excepcionais que, a despeito de estar prescrita a pretensão, lhe dão

seguimento e julgam-na, mesmo quando superveniente lei processual instituinte da

decretação de ofício da prescrição.

valor os débitos originários de IPTU relativos a exercícios distintos impossibilita-se o exercício de tal direito. 3. Segundo o art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil, ‘não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato’. A contrário senso, não pode o órgão julgador, pelo simples transcurso de tempo e sem requerimento da parte interessada, conhecer ex officio da prescrição, quando se tratar de direito exclusivamente patrimonial. 4. Tratando-se de execução fiscal, a partir da Lei n.º 11.051, de 29.12.04, que acrescentou o § 4º ao art. 40 da Lei n.º 6.830/80, pode o juiz decretar de ofício a prescrição, após a ouvida da Fazenda Pública exeqüente. 5. A Lei n.º 11.280, de 16.02.06, deu nova redação ao art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil, para determinar que ‘o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição’. 6. A nova redação do art. 219, § 5º, do CPC, conferida pela Lei n.º 11.280/2006, que entrou em vigor em 16 de maio de 2006, somente poderá ser aplicada, em recurso especial, se esse dispositivo estiver prequestionado na origem. A partir do julgamento do REsp n.º 720.966/ES (12.12.05), a Seção de Direito Público concluiu não ser aplicável, na instância especial, o direito superveniente, em razão do óbice constitucional do prequestionamento. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte” (STJ, REsp. n. 844.610, rel. Min. Castro Meira, DJ de 15.09.2006). 273 MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Recurso especial e matéria de ordem pública: desnecessidade de prequestionamento, p. 231 e ss.

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III.11 - Atividades de ofício em 2º grau por força do julgamento monocrático fundado no art. 285-A

III.11.1 - O julgamento “antecipadíssimo” da lide

Conforme temos afirmado em diversas passagens deste trabalho, a

“aceleração” é a palavra de ordem que vem animando as reformas do CPC.

Sob a ótica do legislador reformista, a efetividade que tanto se aguarda do

processo civil advirá da adesão de maior celeridade ao processamento das

demandas.

Nesta toada, veio à luz o art. 285-A do CPC, determinante da possibilidade de

julgamento do mérito da demanda (i) se a questão for unicamente de direito e (ii) se

já houver sido proferida no juízo sentença de total improcedência em casos

idênticos, caso que em será dispensada a citação e proferida sentença com idêntico

teor da anteriormente prolatada.274

Uma vez proferida a sentença fundamentada no art. 285-A do CPC, poderá a

parte autora interpor apelação, quando então será facultado ao órgão prolator da

decisão o juízo de reconsideração.275 Decidindo-se pela manutenção da sentença de

improcedência liminar, dá-se a citação do réu para apresentação de contra-razões

de apelação.

A propósito deste novíssimo dispositivo legal, que apropriadamente foi

apodado de “julgamento antecipadíssimo da lide” por Fernando da Fonseca

Gajardoni,276 algumas observações merecem ser expendidas, especialmente porque

se trata de temática naturalmente polêmica e cujas disposições legais reguladoras (o

próprio art. 285-A) contêm menos palavras do que seria necessário.

274 “Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1º. Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2º. Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.” 275 Além da possibilidade de reconsideração do art. 296 do CPC (hipótese de reconsideração, pelo próprio juízo monocrático, da sentença de indeferimento da inicial), por força do disposto no § 1º do art. 285-A instituiu-se nova possibilidade de reforma da sentença monocrática pelo juízo prolator. 276 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide, p. 158.

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III.11.2 - Casos idênticos

Uma primeira ponderação carecedora de atenção respeita a um dos

requisitos de aplicabilidade do art. 285-A do CPC: a existência de casos idênticos,

em que a sentença de improcedência do primeiro caso seria meramente reproduzida

no segundo caso. A apreensão desse conceito de “identidade de casos” parece-nos

fundamental para que se aplique adequadamente o julgamento em repetição

preconizado no art. 285-A do CPC.

Ressabido que o CPC dispõe de parâmetros legislativos bem definidos acerca

da figura da litispendência, por exemplo. Essa figura processual, para que seja

configurada, exige que duas demandas sejam idênticas, sendo certo que a

identidade de demandas manifesta-se quando duas ações mantêm os mesmos

“elementos da ação”, quais sejam, as partes, a causa de pedir e o pedido.277

Na hipótese da locução “casos idênticos” referenciada no caput do art. 285-A

do CPC, evidentemente não podem ser exigidos os mesmos requisitos necessários

à configuração da litispendência. Com efeito, as partes obrigatoriamente não serão

as mesmas cotejando-se o primeiro caso (anteriormente decidido pelo juiz) com o

segundo caso (em que será reproduzida a sentença do primeiro caso).

Se, contudo, as partes não são evidentemente as mesmas comparando-se as

demandas anteriormente decididas com a nova ação em que será proferido o

julgamento fundado no art. 285-A do CPC, pensamos que devem coincidir os

elementos “causa de pedir” e “pedido” entre duas ações de modo que a decisão de

uma delas possa ser aplicada à outra ação, posteriormente ajuizada.

De fato, quando a lei institui este conceito novo designado por “casos

idênticos” como condição de aplicabilidade dos julgamentos em repetição, há que

existir simetria entre relações jurídicas controvertidas conduzidas ao Poder Judiciário

(mesmas causas de pedir) e entre as providências pretendidas pelas partes

autoras.278

277 É a dicção do art. 301, §§ 1º e 2º, do CPC: “Art. 301 (...) (...) § 1º. Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. § 2º. Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.” 278 Neste sentido, WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, v. 2., p. 68.

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A propósito, não se deslembre que o caput do art. 285-A do CPC contém a

disposição “reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada” ao se referir à

sentença que será proferida pelo órgão jurisdicional quando da improcedência

liminar. Essa determinação de reprodução de sentenças é, a nosso ver, o elemento

definidor da necessidade de identidade de causa de pedir e de pedido entre

demandas para que a decisão de uma seja simplesmente reproduzida na outra: à

parte a alteração do nome das partes litigantes, o restante da decisão tem de se

adequar às plenas a ambas as demandas.

O intuito acelerador desse dispositivo legal (CPC, art. 285-A), permitindo que

se dêem os julgamentos monocráticos repetidos de improcedência antes mesmo da

triangularização da relação processual (antes da citação do réu), apenas pode ser

aplicado quando também forem repetidas as causas de pedir e os pedidos

constantes das petições iniciais.

Neste passo, caso exista qualquer espécie de distinção fática (causa de pedir

remota) ou de pedido entre determinadas ações judiciais, entendemos não ter

cabimento a aplicabilidade do art. 285-A do CPC, dado que não será possível a

reprodução da sentença de uma demanda em outra. Em outros termos, qualquer

dessemelhança das relações jurídicas controvertidas expostas na inicial ou dos

pedidos nesta deduzidos desnatura a aplicação do julgamento de improcedência

liminar previsto no art. 285-A, dado que não se estará diante de casos idênticos.

III.11.3 - A aferição de identidade de casos como fundamento da apelação do autor

Vez empreendido o julgamento monocrático de mérito com lastro no art. 285-

A do CPC, poderá a parte autora lançar mão do recurso de apelação.

Uma questão interessante merece análise a respeito do conteúdo do recurso

de apelação aforado diante da sentença de improcedência liminar do art. 285-A do

CPC: um dos temas recursais poderá ser a inaplicabilidade do próprio art. 285-A por

dessemelhança de casos. Em outros termos, poderá o apelante argüir que o juízo a

quo incorreu em equívoco ao considerar idênticos casos que não o são.

Para que seja desenvolvida tal sorte de argumentação, entendemos que

deverá constar da sentença de improcedência liminar, obrigatoriamente, ao menos

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uma, ou algumas, referências de casos idênticos anteriormente decididos pelo

magistrado e cujas decisões tenham sido aplicadas ao novo caso.

Em que pese a lei nada diga a respeito, pensamos ser inafastável a menção à

orientação jurisprudencial anterior do juízo de modo que seja possível aferir a

legalidade da aplicação do julgamento arrimado no art. 285-A do CPC: como

determina a própria letra legal (“e no juízo já houver sido proferida sentença de total

improcedência em outros casos idênticos”), a aplicação deste dispositivo legal

apenas terá cabimento quando houver precedente consolidado em casos anteriores

e que se identifiquem com a hipótese sub judice.

Caso seja proferido julgamento com arrimo no art. 285-A do CPC sem que

sejam indicadas as decisões proferidas nos chamados casos idênticos anteriormente

apreciados, estar-se-á diante de um possível fundamento da apelação, no sentido

de impugnar-se a repetição de sentenças dado não ter o autor condições, à míngua

de indicação de precedentes pelo juízo recorrido, de aferir a adequada aplicação do

CPC, art. 285-A. Seria o caso de anulação da sentença recorrida.

III.11.4 - Jurisprudência do juízo ou do juiz?

Outro aspecto do novel art. 285-A do CPC que vem suscitando

questionamentos relaciona-se à existência de precedentes do órgão jurisdicional que

sejam aplicados em série aos casos idênticos.

A pergunta que se faz, basicamente, é a seguinte: a despeito de o caput do

art. 285-A em questão cogitar de precedentes do “juízo”, como deverá dar-se a

aplicação deste dispositivo legal em comarcas cujas varas contam com juízes

titulares e auxiliares? Qual será, nestas circunstâncias, a jurisprudência do juízo, se

são dois os juízes componentes deste juízo?

De nossa parte, considerando que o mote da Lei 11.277/06, ao inserir no CPC

o art. 285-A, é a abreviação do procedimento em primeiro grau de jurisdição, e

considerando ainda que o livre convencimento motivado e a independência

jurisdicional do magistrado devem balizar a aplicação dos julgamentos em série

deste art. 285-A, o que nos parece relevar para que sejam proferidas sentenças de

improcedência liminar pautadas no dispositivo legal em referência é o

convencimento já estabilizado do juiz natural do processo, aquele competente para

proferir seu julgamento conforme determinação das regras de competência.

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De tal arte, somos do entendimento de que a expressão “juízo” constante da

cabeça do art. 285-A, se nenhuma polêmica provoca quando houver apenas um juiz

componente do juízo, deve ser compreendida como “juiz” nas hipóteses de

existência de mais de um magistrado em um mesmo juízo.

Em síntese, em caso de existirem juiz titular e juiz auxiliar em um mesmo

juízo, o entendimento a ser adotado para fins de incidência do art. 285-A do CPC é o

de que prevalecerá o convencimento pessoal do magistrado (o titular ou o auxiliar) já

adotado em casos idênticos, não existindo nenhuma espécie de prevalência do

entendimento do juiz titular sobre o auxiliar ou algo do gênero.

A propósito deste novo artigo do CPC, cumpre-nos propor outro

questionamento: sendo certo que a lei expressamente indica a necessidade de

precedentes do “juízo” como requisito da sentença de improcedência liminar do art.

285-A, e sabendo-se que o conceito de “juízo” confunde-se, em geral, com o de

vara,279 o que ocorrerá quando se derem as transferências de magistrados para

outros juízos ou comarcas? Em outros termos, caso determinado magistrado

ascenda na carreira e se veja transferido de comarca, o juízo que anteriormente

ocupava deixará de ter o entendimento consolidado sobre certo tema que outrora

arrimava os julgamentos proferidos com lastro no art. 285-A?

Nossa resposta é positiva, mormente por considerarmos, como dissemos

acima, que o termo “juízo” empregado no artigo em referência comporta, em

diversas ocorrências práticas, a acepção de “juiz”.

Com efeito, partindo-se da inatacável premissa de que o entendimento sobre

determinada matéria jurídica deriva de convicção pessoal, portanto subjetiva e

intransferível, apenas fará sentido a sentença “(...) e no juízo já houver sido proferida

sentença de total improcedência em outros casos idênticos” contida no art. 285-A,

caput, quando estiver lotado neste juízo o juiz que detenha tal linha de

convencimento sobre a matéria de direito posta em julgamento. Vez tendo sido

deslocado para outro juízo, necessariamente deverá aguardar-se a chegada de novo

magistrado para que se conheça, apenas então, qual será o entendimento do juízo.

279 Neste sentido, já se anotou que “a comarca e a seção judiciária constituem o foro (isto é, território em que o juiz exerce a jurisdição). Num só foro pode haver um ou mais juízos (varas, juntas de conciliação e julgamento etc.) (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, p. 189).

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III.11.5 - “Quando a matéria controvertida for unicamente de direito”

Tendo como caráter distintivo justamente a possibilidade de julgamento com

resolução de mérito em caráter liminar (a chamada improcedência liminar, ou

julgamento antecipadíssimo da lide), a atividade decisória pautada no art. 285-A do

CPC distingue-se por vir ao mundo antes mesmo da citação.

Dessa forma, perceba-se que o fato de ser proferido antes da triangularização

da relação processual torna o julgamento do art. 285-A anterior à própria formação

de qualquer controvérsia, na medida em que apenas se tornarão controvertidos

pontos que forem especificamente impugnados pelo réu em sua peça defensiva.280

A ausência de contestação, aliás, é a geratriz da incontrovérsia, porquanto

não se afigura possível cogitar de controvérsia antes do advento da defesa do réu.

Na cabeça do art. 285-A, contudo, pressupõe-se a aplicação deste dispositivo

legal “quando a matéria controvertida for unicamente de direito”, o que revela certo

descuido do legislador quando da elaboração deste texto legislativo, especialmente

porque não há que se falar de “matéria controvertida” quando se está diante de

hipótese em que a sentença é proferida antes mesmo da citação e à míngua de

contestação (que nem sequer existirá como peça propriamente dita, pois a primeira

intervenção do réu no feito se materializará nas contra-razões), o que impede a

consumação de qualquer controvérsia jurídica.

Percebe-se, do quanto acima exposto, que também neste pormenor haveria

de ter o legislador obrado com mais apuro técnico, especialmente por se tratar de

norma que inova sobremaneira na ordem jurídica processual.

De mais a mais, a possibilidade de o juiz, aplicando o art. 285-A, julgar o

meritum causae antecipadamente à citação do réu subverte uma tradição de nosso

direito processual civil, que, a despeito de lamentavelmente não contar com o devido

prestígio no cotidiano do foro, revela-se umbilicalmente atrelada à própria

capacidade de produção de resultados rápidos por via do processo: a conciliação.

Deveras, percebe-se que toda a estrutura do art. 285-A tem por escopo nada

além que acelerar o trâmite dos feitos em primeiro grau de jurisdição. Aplicando-se

precitado dispositivo legal, quedam inviáveis, exempli gratia, a conciliação por

280 A controvérsia advirá da contestação, dado que “compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir” (CPC, art. 300).

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iniciativa do réu ou o reconhecimento jurídico do pedido (dado que o réu nem sequer

será citado para conhecer da pretensão antes de seu julgamento), sendo que

também não haverá oportunidade para que o juiz concite as partes à conciliação em

audiência própria.

III.11.6 - Desenvolvimento em 2º grau de jurisdição do processo em que se deu a aplicação do art. 285-A

O art. 285-A do CPC inseriu na rotina processual civil brasileira uma nova

sistemática de julgamento, em que é peculiar a prolação de um julgamento de mérito

sem que se tenha formado a relação processual triangular, com a vinda do réu aos

autos. O requerido apenas virá ao processo quando da oportunidade de

apresentação de contra-razões à apelação manejada pelo demandante.

Vez interposta e processada a apelação, a atividade jurisdicional de segundo

grau terá algumas características próprias, decorrentes desta novel espécie de

julgamento de primeiro grau, características essas advindas principalmente da

hipótese de provimento da apelação do autor, e da extensão que este provimento

tiver.

Explica-se.

Quando do aforamento da apelação do autor, o tribunal poderá, em sede de

julgamento da apelação, dar-lhe provimento (i) para simplesmente anular a decisão

recorrida, decidindo pela impropriedade da aplicação do art. 285-A do CPC à

hipótese, ou (ii) dar provimento à apelação para, além de anular a decisão

hostilizada, apreciar o meritum causae.

Esta segunda hipótese é, a nosso ver, manifestamente possível pelas

seguintes razões: se o julgamento de mérito em primeira oportunidade pelo tribunal

é admitido em apelação de sentença meramente terminativa (sem apreciação do

mérito) por força do art. 515, § 3º, do CPC, afigura-se plenamente possível,

evidentemente, a reforma da sentença de improcedência pautada no art. 285-A do

CPC, por se tratar esta última de sentença de mérito. Se é possível o julgamento do

mérito per saltum (CPC, art. 515, § 3º), é logicamente possível a reforma da

sentença de mérito derivada do art. 285-A do CPC.

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Por conta do efeito devolutivo da apelação aviada pelo autor sucumbente,

poderá o tribunal, portanto, reformar a sentença fundada no art. 285-A, dando pela

procedência da demanda (e não apenas decidindo pela anulação da decisão de

primeiro grau), desde que, evidentemente, esteja a causa preparada para tanto

(nesse sentido, deve-se subsumir à hipótese o conceito de causa madura utilizado

no art. 515, § 3º, do CPC, relativo ao julgamento do mérito pelo tribunal quando da

reforma de sentença terminativa).

Sobre esta expressão “esteja a causa preparada para tanto”, para que se dê a

reforma da sentença de improcedência liminar, destacamos um tema que está

atrelado a uma relevante iniciativa oficial do órgão jurisdicional recursal: há de ter

ocorrido o devido contraditório para que se reforme (e não apenas se casse) a

sentença de improcedência liminar.

De fato, como a única manifestação do réu-recorrido no feito terá sido as

contra-razões de apelação, é bem possível que estas se cinjam à argüição de que

foi corretamente lançada a decisão monocrática, no sentido de que foi

adequadamente aplicado o art. 285-A, sem que se aborde o debate meritório.

A respeito da possibilidade de julgamento do mérito da causa quando da

reforma da sentença que julgou a demanda com fulcro no art. 285-A do CPC,

ressalte-se que entendemos ser dispensável o requerimento expresso do apelante

nesse sentido, dado não ser direito disponível pela parte (daí a desnecessidade de

pleito da parte) decidir pelo exercício, ou não, da atividade jurisdicional de

julgamento do mérito, o que, aliás, decorre do princípio constitucional da

inafastabilidade do controle jurisdicional.

Nesta situação, caso o tribunal reforme a sentença para julgar a demanda

procedente, o réu seria colhido pelo sucesso da ação proposta pelo autor sem que

haja se manifestado em termos meritórios, sem que tenha, pois, participado do feito

em regime de contraditório pleno, o que se nos parece robustamente lesivo ao

ditame constitucional da bilateralidade de audiência.

Diante desse cenário, parece-nos que relevante atividade de ofício a ser

desenvolvida pelo juízo recursal quando vislumbrar a possibilidade de reforma da

sentença de improcedência liminar será a intimação do réu para que, caso já não o

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tenha feito em sede de contra-razões,281-282 se manifeste sobre o mérito da causa,

como contestasse o feito.

III.11.7 - A aplicabilidade do art. 285-A do CPC em grau recursal

Há na jurisprudência do STJ um precedente jurisprudencial da relatoria da

Ministra Nancy Andrighi em que, à guisa de repetição da decisão de um recurso

noutro, suscitou-se a aplicação do art. 285-A do CPC.283

A propósito, de se perguntar: procede a aplicação do art. 285-A do CPC em

esfera recursal?

Por primeiro, cumpre observar que a essência de referido dispositivo de

nosso CPC foi concebido exclusivamente para incidência em causas cujo

processamento ainda se encontre em primeiro grau de jurisdição, prova disso é a

própria redação empregada pelo legislador, em que se lêem referências a atos

processuais de primeiro grau como “dispensa de citação”, “sentença de total

improcedência”, “prolação de sentença” etc.

Em adição, cumpre observar que o regime recursal já conta com dispositivo

legal autorizador de célere julgamento de casos assemelhados e os juízes recursais

vêm aplicando-o até mesmo em demasia: cogitamos do art. 557 do CPC, que

permite ao relator do recurso julgá-lo inadmissível, improcedente etc. de forma

análoga à ocorrente quando da aplicação do CPC, art. 285-A, vale dizer, mediante

dispensa de intimação para contra-razões (equivalente à dispensa de citação do art.

285-A), sendo passível de pedido de reconsideração (que permitiria a retratação

prevista no § 1º do CPC, art. 285-A), e advindo de casos similares, ou idênticos,

como se opera quando do julgamento com lastro no CPC, art. 285-A.

Em suma, pensamos, vênia concessa de entendimentos contrários, que a

aplicação do art. 285-A do CPC à esfera recursal não se justifica não propriamente

por incompatibilidade, senão porque os recursos já contam com permissão legal de

julgamento seriado (o art. 557 do CPC). 281 Sobre a possibilidade de o réu apresentar, na própria peça em que aviadas as contra-razões, também os argumentos que comporiam sua contestação, veja-se escrito de GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O princípio constitucional da tutela jurisdicional sem dilações indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide, p. 173. 282 Neste sentido, NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Julgamento liminar de improcedência e o recurso de apelação, p. 216 e ss. 283 STJ, AgRg no AI n. 758.062, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 19.03.2007

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III.12 - A atuação de ofício do relator com fundamento no art. 557 do CPC

Entre as reformas fracionadas por que vem passando o CPC desde inícios

dos anos 1990, causou sensível polêmica a decorrente da alteração do art. 557,

derivada da Lei 9.756/98.

Em virtude de tal diploma legal, foram atribuídos ao relator dos recursos

poderes até então inusuais, especialmente porque autorizadores de julgamentos

monocráticos em grau recursal, desde que verificadas algumas situações

específicas.

Em verdade, os poderes atribuídos ao relator por conta da Lei 9.756/98

ocasionaram profunda atenuação de uma baliza tradicional dos julgamentos

recursais: ao conferir o poder ao relator de decidir monocraticamente os recursos,

acabou o legislador por subverter o princípio de que a atividade jurisdicional de

segundo grau decisória dos recursos poderia dar-se, em regra, mediante julgamento

colegiado.

É bem verdade que, anos antes, com o advento da Lei 9.139/95, já havia sido

conferido ao relator o poder de conceder, monocraticamente, providências

suspensivas de decisões interlocutórias agravadas quando estas fossem geradores

de danos irreparáveis ou de difícil reparação (o chamado efeito suspensivo do

agravo de instrumento). Essa modalidade decisória prevista no art. 558 do CPC,

inicialmente relacionada ao agravo de instrumento, hoje é admitida como inerente a

quaisquer modalidades recursais, bastando que estejam presentes os requisitos

autorizadores respectivos (relevância da fundamentação e periculum in mora).284

Esse poder confiado ao relator recursal de conferir o chamado efeito

suspensivo aos recursos, contudo, não pode ser comparado à magnitude da

mudança imprimida pela redação do art. 557 do CPC conforme a Lei 9.756/98: aqui,

cogita-se de julgamento do próprio recurso sem que se dê a apreciação da questão

284 “O julgamento da causa esgota, portanto, a finalidade da medida liminar, fazendo cessar a sua eficácia. Daí em diante, prevalece o comando da sentença, e as eventuais medidas de urgência devem ser postuladas no âmbito do sistema de recursos, seja a título de efeito suspensivo, seja a título de antecipação da tutela recursal, providências cabíveis não apenas em agravo de instrumento (CPC, arts. 527, III e 558), mas também em apelação (CPC, art. 558, § único) e em recursos especiais e extraordinários (RI/STF, art. 21, IV; RI/STJ, art. 34, V)” (STJ, REsp n. 857.058, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 25.09.2006).

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pelo órgão colegiado, que apenas o fará se provocado mediante interposição do

agravo interno pela parte derrotada.

Além dessa circunstância (a permissão de julgamento do recurso sem a

atuação do órgão colegiado), outras discussões se estabeleceram em torno do art.

557 do CPC, sendo evidentemente relevante a análise de tais temas para os fins

pretendidos neste trabalho, porquanto se está diante de atividade de ofício em grau

recursal relacionada ao mérito recursal.

III.12.1 - Frustração da razão de ser do julgamento colegiado?

Por primeiro, convém analisar a própria situação de se permitir julgamento do

recurso sem atuação do órgão colegiado.

Poder-se-ia dizer que tal procedimento de julgamento monocrático em

segundo grau seria infenso à própria essência da atividade jurisdicional de grau

recursal, que tem na apreciação colegiada do recurso precisamente uma de suas

razões de ser, dado que a matéria decidida em primeiro grau seria novamente

submetida a uma apreciação jurisdicional empreendida (i) por mais de um julgador

(pluralidade de opiniões, ao contrário da opinião singular de primeira instância) e (ii)

por julgadores presumidamente mais experientes na carreira que os atuantes em

primeiro grau de jurisdição.

Essas duas circunstâncias típicas dos julgamentos colegiados sempre foram

consideradas vitais em respeito à própria ratio essendi da atividade jurisdicional

recursal, dado que estão umbilicalmente vinculadas ao objetivo de minoração do

erro que se espera desta instância.

Ao instaurar a figura do julgamento monocrático do recurso de conformidade

com o art. 557 do CPC, seria frustrado este escopo do julgamento recursal.

De nossa parte, pensamos que esta convicção é correta em parte, conforme

seja o fundamento do julgamento empreendido com fulcro no art. 557 do CPC.

Explica-se.

Do conteúdo do caput do precitado art. 557, colhe-se que será possível o

julgamento monocrático do recurso quando este (i) for manifestamente inadmissível,

(ii) improcedente, (iii) prejudicado ou (iv) em confronto com jurisprudência dominante

do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

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Nas hipóteses representadas pelos itens (i) e (iii) acima, não identificamos

qualquer restrição ao julgamento monocrático do recurso: as decisões de

inadmissibilidade deste, ou que o consideram prejudicado, compõem-se de juízos

que não apreciam o meritum causae recursal e, portanto, não acarretam qualquer

espécie de atividade decisória sobre o direito material aplicável à espécie.

Com efeito, a inadmissão recursal gravita em torno de questões como

intempestividade, ausência de recolhimento de custas, incorreção do recurso

interposto (falta de interesse de agir em grau recursal), ausência de respeito à forma

estabelecida para interposição do recurso etc.A atividade decisória que considera

prejudicado um recurso, de seu turno, leva em consideração, também,

circunstâncias alheias ao debate meritório do feito: julgar prejudicado um recurso

significa, sinteticamente, considerá-lo sem objeto por conta de um fato superveniente

(acordo realizado entre as partes, reconsideração em primeiro grau da decisão

agravada etc.).

Nestas duas situações, à míngua de qualquer decisão sobre o mérito do

recurso, não identificamos óbice ao pronunciamento monocrático em grau recursal,

porquanto se está diante de atuação judicial não-meritória.

São, sem dúvida, atividades relevantes, porém em regra não desafiam o

mesmo grau de cognição típico dos julgamentos meritórios e, portanto, têm

capacidade sensivelmente menor de geração de debate jurisdicional a exigir o

julgamento colegiado. Há, por assim dizer, maior grau de objetividade na aferição

dos itens componentes do juízo de admissibilidade recursal, o que reduz a

complexidade da atividade judicante que se exerce nesse momento do feito, ou ao

menos reduz o potencial de temas polêmicos comparativamente ao julgamento de

mérito do recurso.

O cenário nos parece distinto, contudo, quando o julgamento lastreado no art.

557 do CPC ocorre por força dos motivos indicados nos itens (ii) e (iv) acima, em

que há pronunciamento jurisdicional sobre o próprio mérito do recurso.285

Nestes casos, ao contrário do que pensamos relativamente às atividades de

caráter admissional dos recursos (estas sim, a nosso ver, são passíveis de dispensa

285 “O agravo manifestamente improcedente é aquele interposto com a formulação de pretensões contrárias ao texto legal ou a interpretações consagradas na jurisprudência, ou contrárias às provas produzidas nos autos” (NOTARIANO JR., Antonio, e BRUSCHI, Gilberto Gomes. Agravo contra as decisões de primeiro grau, p. 44).

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da apreciação colegiada), cremos que deslocar o julgamento do mérito recursal do

órgão colegiado para, exclusivamente, o magistrado relator do recurso significa

inadmissível lesão à fundamental pluralidade de opiniões que devem compor o

consenso esperado quando do julgamento de recursos.

Deveras, sendo certo que a esfera recursal tem como diferencial qualitativo o

julgamento colegiado, em que é presumidamente menor a probabilidade de

equívocos no exercício do mister jurisdicional em comparação ao juízo singular, é

evidente frustração deste desiderato prever que se dê tal julgamento em caráter

monocrático.

Veja-se, por exemplo, a hipótese em que se prevê o julgamento recursal

monocrático por ser o recurso manifestamente improcedente: esse conceito de

“manifesta improcedência” é altamente subjetivo e o que consiste em manifesta

improcedência para um julgador não necessariamente o será para os outros. Não

obstante, por conta do disposto no caput do art. 557 em análise, poderá o relator

simplesmente entender que o caso é de manifesta improcedência (em juízo recursal

de mérito, portanto), do que decorrerá que nem sequer será possível a apreciação

do recurso pelos demais componentes do colegiado julgador.

Em tendo o julgamento monocrático arrimo no fato de a decisão recorrida

estar em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo

tribunal, do STF ou de Tribunal Superior, pensamos que identicamente haverá

indevida restrição à essência do julgamento monocrático: o fato de a matéria

recursal encontrar-se sumulada ou ser objeto de jurisprudência dominante na própria

corte ou nos tribunais superiores e no STF não significa, a fortiori, que todos os

demais julgadores recursais que poderiam integrar o julgamento (caso este fosse

colegiado) decidiriam no mesmo sentido da decisão adotada pelo relator, seja em

virtude do princípio do livre convencimento motivado,286 seja em decorrência do fato

de que apenas as súmulas vinculantes é que impedem o órgão jurisdicional de

adotar posicionamento diverso do conteúdo desta espécie de súmulas.

Neste passo, convém aduzir que nem as súmulas em geral (de caráter não

vinculante), nem sequer a jurisprudência dominante têm o poder de mitigar o livre

convencimento motivado.

286 Para uma crítica veemente às súmulas vinculantes, que em diversas situações podem acarretar aprisionamento da convicção judicial, veja-se TUCCI, José Rogerio Cruz e. Processo civil: realidade e justiça, p. 133.

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A propósito, é justamente por tal razão que se mostra absolutamente

equivocado o imperativo utilizado na expressão “o relator negará seguimento”

aposta no caput do art. 557 do CPC, pois dá ao intérprete a impressão de que o

relator não conta com qualquer margem de atuação diante de súmulas gerais ou de

jurisprudência dominante de tribunais (superiores ou o STF), como fossem

vinculantes estas duas figuras representativas de precedentes.287

A nosso ver, sendo certo que tão-só as súmulas de caráter vinculante impõem

ao órgão jurisdicional determinada linha decisória, e sendo também certo que tais

súmulas contam com processo próprio de edição (pelo STF, mediante voto de pelo

menos dois terços dos onze ministros que compõem essa corte),288 não nos parece

em conformidade com a Constituição Federal um dispositivo legal (como o caput do

art. 557 do CPC) que estipula em regime de cogência (como indica sua própria

redação: “o relator negará seguimento”) a vinculação do magistrado de segundo

grau ao conteúdo de súmulas gerais (não vinculantes) e de jurisprudência

dominante.

De efeito, parece-nos contraditório um sistema processual que, a despeito da

existência de súmulas que notadamente têm seu processo de formação

especialíssimo (quanto ao tribunal de que provêm, ao quorum de que deriva sua

aprovação, à iniciativa para sua edição, revisão ou cancelamento etc.), permita que

outras súmulas (as gerais, ou não vinculantes) concentrem a mesma capacidade de

restrição ao livre convencimento do magistrado, mesmo que sejam de outra corte (o

STJ, por exemplo) e que não tenham, evidentemente, o caráter vinculante. 287 NOTARIANO JR. e BRUSCHI afirmam que o relator poderá inadmitir ou negar provimento ao agravo nesta hipótese (op. cit., p. 44 e 45). 288 Confira-se, neste sentido, o conteúdo do art. 2º da Lei 11.417/06: “Art. 2º. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei. § 1º O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão. § 2º O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante. § 3º A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária. § 4º No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo.”

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A propósito, o mesmo grau de crítica pode ser tecido ao disposto no art. 518,

§ 1º, do CPC.

Nesta disposição legislativa, também se percebe clara conotação vinculante

atribuída a súmulas que não o são: ao dispor que “o juiz não receberá o recurso de

apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior

Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”, o legislador infraconstitucional

insere no sistema processual indevida ampliação do conceito de súmula vinculante,

dado que atribui às súmulas gerais potencialidade assemelhada àquela ostentada

pelas súmulas vinculantes, no sentido de impor um trilho ao debate jurisdicional de

modo que este não possa desbordar do conteúdo das súmulas do STJ e do STF.

Em adição, de se considerar que a permissão de atividade decisória

monocrática em grau recursal faz-nos acreditar que, em termos práticos, criou-se no

sistema recursal brasileiro mais uma oportunidade de interposição de recurso: da

decisão do relator que nega seguimento, que improcedente de plano ou que dá

procedência ao recurso caberá o chamado agravo interno, previsto no § 1º do art.

557 e no art. 545 do CPC.

Esse agravo interno, aliás, tem por finalidade meramente a apreciação da

correção, ou não, da aplicação do julgamento monocrático do art. 557, sem que

exista qualquer reapreciação do conteúdo da decisão monocrática agravada: provido

o agravo interno, o recurso principal terá seguimento para apreciação pelo órgão

colegiado que originariamente o apreciaria caso não houvesse ocorrido a atividade

monocrática do relator.

Neste passo, não podemos deixar de observar que, a pretexto de se agilizar a

atividade de julgamento dos recursos maximizando os poderes do relator, acabou-se

por criar um elemento a mais de congestionamento forense, dado que ao

jurisdicionado sempre restará a via do agravo interno para aviar sua irresignação

relativamente à apreciação monocrática do recurso.

De qualquer modo, registrado nosso posicionamento crítico à banalização que

vem sendo conferida ao caráter vinculante da jurisprudência sumulada do STF e do

STJ, em que se engendra, por vias oblíquas, ampliação desta polêmica forma de

julgamento seriado e restritivo do livre convencimento motivado, reconhecemos que

está consolidado na jurisprudência o comando inserto no caput do art. 557 do CPC,

especialmente porque, em tempos de assoberbamento da estrutura judiciária, tal

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dispositivo legal converteu-se em poderoso veículo de abreviação da atividade

judicante exercida em grau recursal.

III.12.2 - Jurisprudência dominante: um conceito vago

Um ponto que enseja questionamentos relativamente à apreciação

monocrática do recurso conforme o art. 557 do CPC diz respeito a uma de suas

hipóteses de aplicação: quando o recurso estiver em confronto com jurisprudência

dominante do STF, de tribunal superior ou do próprio tribunal, ou quando a decisão

recorrida estiver em confronto com jurisprudência dominante do STF e de tribunal

superior.

Neste passo, de se perguntar: o que é, afinal, jurisprudência dominante?

Por primeiro, consideramos que o conceito ideal de jurisprudência dominante

é de índole eminentemente numérica, matemática, consistente na aferição de que

determinado posicionamento jurisprudencial prevalece sobre outro, prevalência esta

derivada de aferição quantitativa dos precedentes judiciais.

Este, a nosso ver, o conceito literal, imediato, de jurisprudência dominante.

Luiz Rodrigues Wambier é autor de artigo em que se aborda a controvérsia

em torno do conceito de jurisprudência dominante indicado no art. 557 do CPC.

No pensar de precitado autor, a adoção da jurisprudência dominante como

critério de atuação judicial está intimamente ligado à existência de “uma base

estatística confiável, que permita à sociedade aferir objetivamente, longe dos

humores deste ou daquele julgador, qual efetivamente seja o pensamento

dominante. (...) Por outro lado, é necessário salientar que essa constatação da

jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça com base em dados

objetivos não é difícil de se fazer, mormente se levar em conta a excepcional (e

elogiável) condição em que se encontra o STJ do ponto de vista de sua organização

administrativa”.289

Outra percepção sobre o conceito de jurisprudência dominante não teria

substrato imediatamente quantitativo, estatístico, mas levaria em consideração a

proveniência da decisão do tribunal (de qual órgão do tribunal advém a decisão

289 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Uma proposta em torno do conceito de jurisprudência dominante, p. 86.

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sobre determinada matéria) para que uma certa linha decisória fosse tida por

dominante.

Nesse sentido, a jurisprudência dominante de determinado tribunal seria

aquela decorrente de julgamentos proferidos pelo órgão pleno, no caso do STF,

especialmente diante da função uniformizadora exercida por este órgão.290,291

Esta linha de pensamento é exposta, verbi gratia, por Priscila Kei Sato, que

entende estar o conceito de jurisprudência dominante atrelado ao prévio

pronunciamento a respeito por parte do Pleno do STF (e, no caso do STJ, por parte

também de seu Pleno, em função a ser definida de lege ferenda para este órgão

julgador).292

De nossa parte, concordamos com a opinião de Luiz Wambier no sentido de

que este critério, digamos, qualitativo (lastreado no fato de que o Pleno definiria a

jurisprudência dominante), não seria suficiente à delimitação do conceito de

jurisprudência dominante, sob a fundamentação de que a prolação de um

julgamento único pelo Pleno de modo a uniformizar o entendimento acerca de

determinado debate jurídico não necessariamente refletiria a jurisprudência

dominante.

290 A respeito desta função uniformizadora destes órgãos, confira-se, por exemplo, o disposto no art. 22 do Regimento Interno do STF: “Art. 22. O relator submeterá o feito ao julgamento do Plenário, quando houver relevante argüição de inconstitucionalidade ainda não decidida. Parágrafo único. Poderá o relator proceder na forma deste artigo: a) quando houver matérias em que divirjam as Turmas entre si ou algumas delas em relação ao Plenário. b) quando em razão da relevância da questão jurídica ou da necessidade de prevenir divergências entre as Turmas, convier pronunciamento do Plenário.” 291 Sobre esta função definidora do entendimento jurisprudencial acerca de determinada matéria, o STJ não conta com disposição regimental assemelhada à do Pleno do STF transcrita na nota de rodapé anterior, porém tem disposição acerca do julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência por parte de sua Corte Especial: “Art. 11. Compete à Corte Especial processar e julgar: (...) VI - os incidentes de uniformização de jurisprudência, em caso de divergência na interpretação do direito entre as Seções, ou quando a matéria for comum a mais de uma Seção, aprovando a respectiva súmula (...)” De se observar, contudo, que esta disposição acerca do Órgão Especial do STJ não tem a mesma extensão daquela relativa ao Pleno do STF, seja porque vinculada tão-somente à apreciação do incidente de uniformidade, seja porque o Órgão Especial do STJ não agrega todos os membros desta Corte, o que tornaria inviável falar-se de jurisprudência dominante sem a deliberação da integralidade de seus membros (compõem o Órgão Especial 22 ministros, conforme art. 2º, § 2º, do Regimento Interno do STJ). 292 SATO, Priscila Kei. Jurisprudência (pre)dominante, p. 583.

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Para Wambier, ao menos consoante nossa intelecção de seu pensamento

exposto no citado artigo,293 o conceito de jurisprudência dominante encerra um

fenômeno de natureza cronológica e espacial, vale dizer, advém de um processo de

natural maturação de posições jurídicas ao longo do tempo e considerando-se as

diversas realidades locais que tendem a chegar ao STJ por conta da competência

nacional deste tribunal.

No pensar de Cândido Rangel Dinamarco, “(...) jurisprudência dominante será

não somente aquela já estabelecida em incidentes de uniformização de

jurisprudência, mas também a que estiver presente em um número significativo de

julgados, a critério do relator (...)”.294

Também no sentido de que o conceito de jurisprudência dominante ostenta

caráter quantitativo, mencione-se o entendimento de Juvêncio Vasconcelos Viana,

para quem a “jurisprudência dominante será não somente aquela já estabelecida em

incidentes de uniformização da jurisprudência, mas também a que estiver presente

em um número significativo de julgados, a critério do relator".295

Na prática forense, até mesmo por conta da inexistência de balizas bem

sedimentadas a respeito, vê-se que o conceito de jurisprudência dominante

igualmente não conta com definição consolidada, sendo objeto de percepções em

distintos sentidos, o que traz ainda mais celeuma ao assunto.296 Há, por exemplo,

decisões que indicam advir a jurisprudência dominante da inexistência de

precedentes em sentido contrário em determinado tribunal,297 além daquelas no

293 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Uma proposta em torno do conceito de jurisprudência dominante, p. 81 e ss. 294 DINAMARCO, Cândido. O relator, a jurisprudência e os recursos, p. 134. 295 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Os recursos cíveis e as inovações da Lei nº 9.756/98, p. 74. 296 Barbosa Moreira recomenda cautela aos relatores no manejo dos poderes que lhe são concedidos pelo art. 557 do CPC, especialmente porque, como elemento dificultador da definição de jurisprudência dominante, “as teses prevalecentes, de maneira tranqüila, na jurisprudência de um tribunal, é de supor que hajam sido incorporadas à respectiva Súmula. Quanto às que ainda não o foram, o que se presume é que o terreno permanece instável, sem o grau de consolidação suficiente para que salte aos olhos, bem definido, o perfil da paisagem. Incorreria em excesso de afoiteza quem se precipitasse a cortar essa evolução em curso, que a rigor não se sabe aonde conduzirá” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Inovações da Lei 9.756 em matéria de recursos cíveis, p. 325). 297 “EMENTA: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA COM BASE NO ART. 557 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DIVERSO. CESSÃO DE CRÉDITO. EXIGIBILIDADE DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA. ÔNUS DA PROVA RECAI SOBRE O DEVEDOR. NÃO-DEMONSTRAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O conceito de jurisprudência dominante, que autoriza o julgamento monocrático na forma do artigo 557 do Código de Processo Civil, consiste na inexistência de precedente em sentido contrário a

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sentido de que a jurisprudência dominante não se confunde com jurisprudência

pacificada, podendo, evidentemente, existir correntes dissonantes, conquanto exista

uma que seja majoritária (dominante, portanto).298

Conforme entendimento do Min. José Delgado, do STJ, o caráter dominante

da jurisprudência não precisa forçosamente decorrer de pacificidade de determinado

entendimento. No pensar do Min. Delgado, a jurisprudência dominante “(...) tem

aplicação, unicamente, quando a matéria discutida estiver sumulada ou a

jurisprudência predominante reiterada nos órgãos colegiados mesmo existindo

desarmonia isolada, no seio do respectivo Tribunal, do STF e nos Tribunais

Superiores (...)”.299

A nosso ver, à míngua de um serviço de estatística confiável nos tribunais que

permita a estruturação de um serviço de apuração do pensamento dominante na

jurisprudência de determinado tribunal, a apreensão do conceito de jurisprudência

dominante fica essencialmente relegada à verificação que o relator do recurso fizer a

respeito, mediante consulta aos repositórios de jurisprudência (repositórios físicos

como revistas, por exemplo, ou sítios de internet).300

A propósito dessa aferição quantitativa que deve ser realizada pelo relator

quando decide pela decisão pautada na existência de jurisprudência determinante a

respeito do tema. Não há necessidade de a jurisprudência dominante estar sumulada para ser aplicada pelo julgador. 2. No contrato de cessão de créditos, o devedor, através da citação inicial da execução, teve ciência da cessão. A necessidade de notificação tem por escopo apenas evitar que o pagamento seja feito erroneamente ao antigo credor, atual cedente. Precedentes do STJ. 3. Atualmente, o STJ firmou a posição a respeito da exigibilidade de instrumento particular de confissão de Dívida, mesmo que o débito reconhecido pelo devedor seja oriundo de contrato de abertura de crédito (REsp 402140 ⁄ MS e REsp 612476 ⁄ MT). Seguindo esta linha surgiram as súmulas 258, 247 e 300 do STJ. 4. A alegação de impenhorabilidade do bem de família deve vir acompanhada de comprovação dos requisitos exigidos pela Lei nº 8.009⁄90. A empresa Agravante não conseguiu demonstrar que o imóvel era o único bem de moradia da família. 5. Recurso desprovido” (TJ-ES, agravo interno nos emb. decl. na ap. civ. n 35060054133, rel. o Des. Samuel Meira Brasil Junior, DJ de 22.08.2007). 298 Neste sentido, veja-se trecho de acórdão proferido no TJ de São Paulo: “Primeiramente, de se observar que o caput do art. 557 não se refere a jurisprudência pacificada, mas a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior” (TJ-SP, Ag. n. 415.216.5/1-01, rel. Des. Renato Nalini, j. 15.08.2006). 299 STJ, AgRg no REsp n. 204.968, rel. Min. José Delgado, DJ de 01.07.1999. 300 Esta é, também, a opinião de Araken de Assis, para quem “a identificação da jurisprudência dominante incumbe, de modo precípuo, ao relator. Representa tarefa de grande responsabilidade e delicadeza. O emprego de meios eletrônicos, hoje em dia, facilita a pesquisa na maioria dos tribunais. Concebe-se que o recorrente, antecipando-se ao provimento do relator, já indique a orientação jurisprudencial prevalecente nas razões do recurso, e o recorrido impugne a alegação. A divergência não impede o provimento do relator. Em casos de dúvida, remeterá o recurso ao julgamento do órgão fracionário” (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 275).

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respeito de certa questão jurídica, Teresa Wambier nos auxilia com pertinente

orientação: “Não parece exagero sustentar-se que a jurisprudência dominante é

aquela que, em tese, já poderia estar sumulada. É aquela que diz respeito a um

número tal de acórdãos, que permite a inferência no sentido de que a opinião do

tribunal àquele respeito não deve mais se alterar”.301

Entendemos, contudo, que, ao aplicar a determinado recurso o comando

contido no art. 557 do CPC, id est, ao valer-se do conceito de jurisprudência

dominante para decidir monocraticamente em grau recursal, deverá o relator indicar,

obrigatoriamente, diversos precedentes de modo a denotar a predominância da

jurisprudência naquele sentido, para que o jurisdicionado possa aferir a dominância

da jurisprudência indicada.302

Essa clara identificação de alguns precedentes que componham a tal

jurisprudência dominante indicada pelo relator do recurso releva, inclusive, para fins

de eventual agravo interno (art. 557 do CPC, § 1º), em que poderia exercer o

jurisdicionado sua discordância relativamente ao caráter predominante da

jurisprudência citada, mencionando outras decisões em sentido diverso.

Em adição, também em atenção ao princípio da motivação das decisões

judiciais, faz-se importante a demonstração quantum sufficit da jurisprudência

predominante.

Em aprofundada obra monográfica sobre o tema, Fabiano Carvalho assevera

que “a jurisprudência dominante é composta de reiterados julgamentos em um

determinado sentido, sobre tema jurídico definido”,303 importando “seja incontestável

o entendimento do tribunal sobre determinada matéria jurídica”,304 não bastando,

301 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro, p. 563). 302 “TAXA DE SEGURANÇA PÚBLICA. COMBATE A INCÊNDIO. ESTADO DE MINAS GERAIS. ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC. DECISÃO MONOCRÁTICA. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. POSSIBILIDADE. I - Ao relator é possibilitado negar seguimento, monocraticamente, a recurso cuja matéria se encontre em confronto com a jurisprudência dominante do Tribunal. Hipótese dos autos. II - ‘O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 206777/SP, considerou constitucional a cobrança de taxa de incêndio, por entender que preenche os requisitos da divisibilidade e da especificidade e a sua base de cálculo não guarda semelhança com a base de cálculo de nenhum imposto. É esse o entendimento aplicado também pelo STJ’ (RMS nº 21.032/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 01.02.2007). Precedentes: RMS nº 21.607/MG, Rel. Min. José Delgado, DJ de 03.08.2006, RMS nº 21.049/MG, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJ de 09.10.2006, RMS nº 22.632/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 06.12.2006. III - Agravo improvido.” (STJ, AgRg no RMS n. 23.762, rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 20.09.2007). 303 CARVALHO, Fabiano. Os poderes decisórios do relator nos recursos cíveis, p. 145. 304 CARVALHO, Fabiano. Os poderes decisórios do relator nos recursos cíveis, p. 146.

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para tanto, que exista maioria simples de julgados (50% mais um) para que exista

dominância jurisprudencial autorizadora da aplicação do art. 557 do CPC.

Feitos tais apontamentos, nos parece que o conceito de jurisprudência

dominante, em que pese evidentemente de difícil assunção, comporta ao menos

uma redução: é dominante a jurisprudência (i) objeto de incidente de uniformização

por parte do tribunal ou (ii) representativa de linha decisória quantitativamente bem

mais expressiva que outra existente em certo tribunal, sob ponto de vista

estritamente quantitativo, estatístico.

Essa grandeza numérica de que derivaria a jurisprudência dominante, para

que exista efetivamente esta dominância, não nos parece derivar da mera maioria

(algo do tipo metade mais um dos acórdãos de determinada corte), pois isso não nos

parece configurar posição predominante, senão apenas majoritária.

O conceito de dominância extrapola, seguramente, o de majoritariedade, dado

que se revela pela expressividade, pela robustez quantitativa de certa orientação

decisória em cotejo com outra, de modo que seja seguro afirmar qual é o

entendimento prevalente no tribunal.

Essa sedimentação de determinado posicionamento jurisprudencial, de modo

que seja dominante, depende grandemente da verificação em razoável espaço de

tempo de que um tribunal decide em dado sentido, e o faz em percentual

consideravelmente maior que o relativo à outra orientação decisória.305

III.12.3 - A jurisprudência dominante pode provir do órgão fracionário e do tribunal local, desde que conforme ao posicionamento do STJ e do STF

A razão de ser de haver o legislador erigido a jurisprudência dominante à

condição de fundamento para decisão monocrática do relator advém da definitiva

opção (i) por evitar a nefasta repetição de esforço judiciário em temas a respeito dos

quais existe consolidado posicionamento jurisprudencial e (ii) fazer funcionar um

método decisório que impeça o quanto possível a persistência no sistema de

decisões em sentidos distintos quando já exista orientação sedimentada a respeito.

305 Luiz Wambier sugere o percentual de 70% das decisões de certo tribunal em dado sentido para que seja configurada a jurisprudência dominante. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Uma proposta em torno do conceito de jurisprudência dominante, p. 86.

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Em síntese, revela-se claramente a tendência à abreviação e à estabilização

jurisprudencial.306

Por conta dessa finalidade notoriamente uniformizadora, estabilizadora, há

interessante constatação a ser expendida a respeito da aplicabilidade da

jurisprudência dominante como método de julgamento monocrático em grau

recursal.

De fato, ao ler-se o caput do art. 557 do CPC, vê-se que ao relator autoriza-se

a decisão monocrática negatória de seguimento do recurso com base em

jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou de Tribunal Superior.

Uma pergunta surge, contudo, dessa disposição legal: poderia existir decisão

negatória de seguimento do recurso com base em jurisprudência dominante do

respectivo tribunal que destoe do entendimento predominante do STF ou de Tribunal

Superior?

Pensamos que não, especialmente por conta das funções uniformizadora e

abreviadora que defluem, a toda evidência, dessa disposição legislativa (o caput do

art. 557 do CPC). Permitir a existência de decisões monocráticas dos tribunais locais

pautadas na jurisprudência dominante destes (ou de seus órgãos fracionários) seria

autêntico “tiro no pé”, na medida em que restaria inegavelmente frustrada a intenção

estabilizadora e de agilização da norma em apreço.

Deveras, de que serviria o prestígio à jurisprudência dominante do tribunal, ou

de seu órgão fracionário, para fins de decisão denegatória monocrática mesmo que

em desconformidade do STJ ou do STF, se tal cenário, muito ao revés de prevenir

ou abreviar litigiosidade, acabaria por compelir a parte prejudicada a renitir no

embate processual para conduzir essa decisão às cortes excepcionais, com o

escopo de reformá-las?307

306 Araken de Assis cogita, neste passo, da observância do princípio da igualdade como conseqüência da aplicação da regra da jurisprudência dominante por parte do relator dos recursos, com arrimo em opinião de Rodolfo de Camargo Mancuso (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 274). 307 “PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE DÁ PROVIMENTO A RECURSO. DECISÃO RECORRIDA ‘EM MANIFESTO CONFRONTO COM SÚMULA OU COM JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, OU DE TRIBUNAL SUPERIOR’ (CPC, ART. 557, § 1º-A). APRECIAÇÃO DO RECURSO PELO ÓRGÃO COLEGIADO. 1. O caput do art. 557 do CPC autoriza o relator a negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. 2. O § 1º-A do mesmo dispositivo, porém, impõe requisitos mais rigorosos para o provimento monocrático do recurso, determinando que, nesse caso, a decisão recorrida deve estar em manifesto

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Diga-se, aliás, que não se instala a mesma celeuma em torno do §1º-A do art.

557 em exame: em tal disposição legal, referente ao provimento do recurso com

lastro em decisão monocrática do relator, exige-se esteja a decisão recorrida em

desconformidade com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou de Tribunal

Superior, excluindo-se os tribunais locais.

III.13 - O contraditório e a atividade de ofício: embargos de declaração, decisões do relator com fundamento no art. 557 do CPC e o agravo do § 1º do art. 557 do CPC

Buscamos remarcar neste estudo que as atividades ex officio desenvolvidas

pelos órgãos jurisdicionais ocorrem não apenas relativamente a matérias de ordem

pública. Com efeito, diversas outras posturas de ofício podem ser adotadas pelo juiz

de direito, tanto de primeiro quanto de segundo graus de jurisdição, sem que se

cogite de assunto que releve à ordem pública, vale dizer, sem que se revista de

interesse público.

De se admitir, contudo, que é notoriamente expressiva a gama de atividades

de ofício que se dão relativamente a matérias de ordem pública, especialmente

quando o magistrado atua no sentido de fazer observar, no feito que dirige,

princípios constitucionais incidentes sobre o processo.

Dos princípios processuais previstos em texto constitucional, tem-se ser dos

mais marcantes o princípio do contraditório.

De efeito, seja porque vinculado à possibilidade de defesa, seja porque

relacionado ao estabelecimento de diálogo entre os sujeitos da relação processual

(partes e magistrado) de modo que esta se desenvolva em regime de contribuição

informativa plena, é princípio vital à própria qualidade da atividade jurisdicional que

se desenvolve.

confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. 3. Ofende o art. 557, § 1º-A, do CPC, portanto, a decisão monocrática do relator que dá provimento a recurso apenas com base em jurisprudência do próprio órgão fracionário a que se vincula. 4. Recurso especial a que se dá provimento.” (STJ, REsp n. 533.188, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 07.06.2004).

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Tanto maior o grau de debate que existe no processamento do feito, tanto

maior será o acervo de informações, de opiniões, de provas e de elementos de

convicção permissivos de adequada prestação jurisdicional por parte do juiz.

Visto sob o prisma da participação que sua observância enseja, o

contraditório mostra-se peça vital à formação de uma decisão: o embate dialético

estabelecido pelas partes entre si e entre estas e o órgão jurisdicional permite seja

atingida a síntese representada pela decisão.

Apreender o princípio do contraditório apenas como sinônimo de defesa

significa reduzir-lhe a importância, ou ao menos negar extensão a toda sua

relevância. A garantia de ampla defesa é uma decorrência, digamos, imediata do

contraditório; ao ensejar a audiência dos litigantes, o que de per si traduz

oportunidade de defesa, o contraditório assegura a condução de informação ao

processo, e informação é o substrato mais relevante do iter decisório.

Diante dessa perspectiva do princípio do contraditório como condutor de

informação ao processo, e não apenas como veículo garantidor da ampla defesa,

faz-se pertinente avaliar o tema à luz de algumas situações verificadas no

processamento de recursos em que existem controvérsias acerca da necessidade

de oitiva da parte contrária.

Neste passo, verificam-se três hipóteses especiais em que há dúvidas acerca

da necessidade, ou não, de atenção ao princípio do contraditório em esfera recursal,

que podem ser traduzidas na seguinte indagação: cabe a oitiva da parte contrária

nos embargos de declaração, quando das decisões do relator fundadas no art. 557

do CPC e quando do agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC?

Dedicamo-nos ao assunto a seguir.

III.13.1 - Contraditório e embargos de declaração

Recurso destinado ao aclaramento de decisões quando o texto destas padece

de obscuridade, contradição ou omissão (e, portanto, não se vêem aptas à

adequada aplicabilidade), os embargos de declaração não são propriamente um

recurso do qual, vez conhecido e provido, pode ser gerado efeito deletério à parte

adversa, como sói ocorrer com a apelação e com o agravo, para citar dois recursos

cujo provimento produz prejuízo jurídico ao recorrido.

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Diante dessa finalidade integrativa ou esclarecedora das decisões judiciais

que é peculiar aos declaratórios, do que decorre que não contam com eficácia

infringente por natureza (vale dizer, não são destinados à reforma ou anulação de

decisões judiciais), a oitiva da parte contrária não é habitual no processamento

dessa modalidade recursal, nem sequer existindo previsibilidade legal a respeito.

No mais das vezes, entendemos que efetivamente não se faz necessária a

intimação da parte adversa para se manifestar sobre os embargos de declaração. A

correção dos vícios autorizadores desse tipo de recurso cível não produz, de

ordinário, mudanças substanciais no conteúdo da decisão de modo a exigir o

pronunciamento da contraparte.

Essa constante, porém, não é absoluta: como cediço, embora não seja esta

sua finalidade, podem os declaratórios, em caráter excepcional, provocar a mudança

da decisão.

Trata-se do caráter excepcionalmente infringente que podem ter os

declaratórios, ocorrente quando a supressão da omissão, da obscuridade ou da

contradição (ou ainda a correção do erro material) acarretar a mudança da decisão

embargada. É, em verdade, uma conseqüência reflexa do provimento dos

declaratórios.

Tem-se notícia de posicionamentos do passado e do presente dando conta de

que os declaratórios não podem ter eficácia infringente, forte na premissa de que

essa modalidade recursal não tem por natureza o estabelecimento de inovações

relativamente à decisão embargada.

Essa corrente restritiva da eficácia infringente dos declaratórios é bem

delineada por Luís Eduardo Simardi Fernandes, monografista acerca dos embargos

de declaração, para quem “esta interpretação decorre do fato de que o objetivo de

declarar não significa, em hipótese alguma, reformar, adicionar, corrigir ou

estabelecer disposição nova (RJTJSP 92/329). Aliás, deste entendimento não

discrepa Pontes de Miranda que, por igual, preleciona que nos embargos

declaratórios não se pede que se redecida; pede-se que se reexprima (RJTJSP

87/324)”.308

308 FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Embargos de declaração – efeitos infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos, p. 153.

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Se, contudo, no passado e ainda no presente colhem-se posicionamentos

negatórios dessa capacidade infringente dos embargos de declaração, é

sensivelmente maior a corrente em sentido contrário.

Para Sandro Marcelo Kozikoski, “embora não constitua objetivo dos embargos

declaratórios a invalidação ou reforma da decisão judicial (eis que seu propósito

imediato é permitir o esclarecimento ou a complementação da decisão embargada),

não se pode ignorar que, muitas vezes,, seu julgamento conduz a uma verdadeira

alteração do resultado substancial da prestação jurisdicional”.309

Sérgio Bermudes, de seu turno, robora a tese da possível infringência dos

embargos declaratórios: “O efeito infringente dos embargos de declaração constitui

uma conseqüência lógica e inevitável do provimento deles, quando o suprimento da

omissão, o esclarecimento da obscuridade, o desfazimento da contradição

impuserem a modificação do dispositivo embargado”.310

O Prof. Dr. João Batista Lopes, a respeito dos efeitos modificativos que os

declaratórios podem produzir, indica haver sólido reconhecimento doutrinário nesse

sentido: “Atentos a situações especiais, que não comportam solução à luz da

doutrina tradicional, autores como Barbosa Moreira, Pontes de Miranda, Frederico

Marques e Antônio Carlos de Araújo Cintra admitem, em casos excepcionais, a

alteração do acórdão em grau de embargos de declaração”.311

Remata o insigne processualista que “é admissível, excepcionalmente, a

alteração do julgado em sede de embargos declaratórios, quando houver, no

309 KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Embargos de declaração – teoria geral e efeitos infringentes, p. 197. 310 “Pode acontecer que, suprida a omissão, desfeita a contradição, esclarecida a obscuridade, a decisão embargada inevitavelmente mude de rumo e julgue a hipótese de modo diametralmente oposto ao original. (...) No caso em que, por causa do provimento dos embargos de declaração, é inevitável a alteração da parte dispositiva do decisório, seja ela qual for (despacho, decisão interlocutória, sentença ou acórdão), ocorre o fenômeno do art. 512 do Código de Processo Civil: o julgamento proferido nos embargos apaga e substitui o pronunciamento embargado, tomando-lhe o lugar. Aqui os embargos em tudo e por tudo assemelham-se a um outro recurso, conquanto mantenham a natureza de incidente processual de esclarecimento de decisão embargada.(...) O efeito infringente dos embargos de declaração constitui uma conseqüência lógica e inevitável do provimento deles, quando o suprimento da omissão, o esclarecimento da obscuridade, o desfazimento da contradição impuserem a modificação do dispositivo embargado (...) Seria incondizente com a natureza do processo judicial e os princípios da celeridade, utilidade, economia, dele regentes, se o órgão julgador, verificando embora o direito apontado nos embargos declaratórios, se abstivesse de corrigi-los porque isso implicaria a substituição do dispositivo da decisão embargada. Afinal, o sábado foi feito para o homem. Há ocasiões em que o direito processual se vale de certos institutos para alcançar resultado estranho à finalidade deles. Veja-se o processo cautelar, não raramente empregado para a definitiva solução do litígio. O fenômeno também acontece relativamente aos embargos, quando, no julgamento deles, se vai além da marca” (BERMUDES, Sérgio. Efeito Infringente dos Embargos de Declaração, p. 72,73). 311 LOPES, João Batista. Alteração do julgado em embargos de declaração, p.226.

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acórdão, contradição entre o fundamento e o decisum ou em caso de erro material,

cujo reconhecimento não implique reexame de prova ou da tese jurídica adotada na

decisão embargada”.312

A adesão de eficácia infringente, pois, aos embargos de declaração reveste-

se de caráter excepcional, reflexo, indireto, não compondo o cerne desta espécie

recursal. É, antes de mais nada, uma decorrência oblíqua da correção do vício de

contradição, omissão, obscuridade ou erros materiais identificados na decisão

recorrida.

Superadas discussões sobre essa eficácia modificativa indireta, que não mais

hoje têm razão de ser porque amplamente aceita, inclusive em jurisprudência,313

resta a questão atinente à necessidade de ouvida da contraparte nos embargos

declaratórios.

Sem vacilações, entendemos que, vez identificada potencial infringência da

decisão embargada como efeito indireto dos declaratórios, tem de ser instada a

parte adversa a manifestar-se.

De fato, considerando-se que a modificação do conteúdo da decisão como

decorrência indireta dos declaratórios é potencialmente geradora de prejuízos

jurídicos (a própria mudança do conteúdo decisório), é de rigor seja concedido prazo

para manifestação à parte adversa.

Imagine-se, a propósito, o seguinte exemplo: em determinada sentença de

improcedência de ação indenizatória por danos morais, o demandante identifica ter

havido omissão do órgão jurisdicional sobre certa prova documental apresentada

conjuntamente com a inicial. Opostos os declaratórios, o magistrado houve por bem 312 LOPES, João Batista. Alteração do julgado em embargos de declaração, p.227. 313 Dos diversos acórdãos existentes no STJ a respeito da possibilidade de efeitos infringentes nos declaratórios, colhemos o assim ementado: “TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS COM EFEITOS INFRINGENTES. POSSIBILIDADE. PREMISSA EQUIVOCADA. 1. ‘É admitido o uso de embargos de declaração com efeitos infringentes, em caráter excepcional, para a correção de premissa equivocada, com base em erro de fato, sobre a qual tenha se fundado o acórdão embargado, quando tal for decisivo para o resultado do julgamento’ (Terceira Turma, EDcl no REsp n. 599.653, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 22/8/2005). 2. Tratando os autos de mandado de segurança, são incabíveis embargos infringentes, ainda que o acórdão do Tribunal a quo tenha sido divergente na reforma do mérito da sentença, de acordo com o entendimento firmado pela Súmula nº 597/STF e nº 169/STJ. 3. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos” (STJ, EDcl no REsp n. 727.838, rel. Min. Castro Meira, DJ de 25.08.2006). “EMBARGOS DECLARATÓRIOS. ERRO MATERIAL. ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO. 1. Os embargos declaratórios devem ser acolhidos para sanar a existência de erro material. 2. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos” (STJ, EDcl no REsp n. 450.860, rel. Min. João Otavio de Noronha, DJ de 09.10.2006).

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deles conhecer por ter havido a omissão apontada, dando-lhes provimento para,

analisando a prova documental em questão, reconhecer a existência do dano moral,

ou seja, indiretamente tiveram esses embargos eficácia infringente do julgado.

Nessa hipótese exemplificativa, em que não ocorreu qualquer

pronunciamento prévio do órgão jurisdicional sobre a prova documental objeto de

omissão em sentença, o acolhimento dos embargos declaratórios sem que exista

oitiva da parte contrária representará clara negação ao contraditório, pois um

relevante fundamento da decisão terá sido adotado sem que a parte adversa tenha

se pronunciado a respeito.314,315

Sendo potencialmente infringente da decisão recorrida, os embargos de

declaração exigem a participação do embargado, portanto, e há elevadas opiniões

nesse sentido.

Para Dinamarco, sobre a possibilidade de existir modificação do julgado por

conta de declaratórios sem que seja ouvida a parte contrária (embargada), “é

314 Considerando-se, é claro, que a contraparte não tenha se manifestado sobre tal prova em outro momento do procedimento. 315 Confira-se a seguinte ementa, em que a correção de uma omissão teve o condão de alterar o destino da decisão embargada, conferindo eficácia infringente aos declaratórios: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - OMISSÃO - CARACTERIZAÇÃO – EFEITOS MODIFICATIVOS - POSSIBILIDADE - PRIMEIROS ACLARATÓRIOS - OMISSÃO E CONTRADIÇÃO EM ARESTO DESLINDADOR DE AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - CONFIGURAÇÃO - SOCIEDADES COMERCIAIS – DENOMINAÇÕES SOCIAIS - EXCLUSIVIDADE - LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA - MARCAS - PATRONÍMICO DOS FUNDADORES DE AMBAS AS LITIGANTES - PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE - APLICAÇÃO - CONFUSÃO AO CONSUMIDOR AFASTADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - REEXAME DE PROVAS - VALIDADE DO REGISTRO DAS MARCAS DA EMBARGANTE - DECLARATÓRIOS ACOLHIDOS - RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Inexistência de óbice ao conhecimento e acolhimento destes segundos declaratórios, haja vista que o aresto impugnado, resolutivo dos primeiros aclaratórios, incorreu em omissão, na medida em que se restringiu à transcrição integral da decisão monocrática, reiterada quando do julgamento do regimental deslindador da via especial, não analisando, de forma específica, as irregularidades (omissão e contradição) então apontadas. 2. Conferência de efeitos modificativos a estes declaratórios, possibilitando-se o conhecimento dos primeiros, hipóteses nas quais, excepcionalmente, passam a apresentar natureza recursal, deixando de constituir mera providência destinada à correção formal e à integração do decisum, para provocar-lhe alterações substanciais. Precedentes. 3. Deficiência de análise da via especial interposta, verificando-se omissão quanto à questão tangente ao conflito das marcas das empresas litigantes, vez que apreciada tão-somente a proteção à denominação da embargada, bem como contradição aos ditames da Súmula 07/STJ, porquanto reconhecida a confusão ao consumidor mediante o reexame do conjunto fático-probatório. (...) 14. Embargos de Declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para, suprindo a omissão aventada, determinar a análise dos vícios apontados nos primeiros Embargos Declaratórios. Acolhimento destes para, sanadas as irregularidades (omissão e contradição) então apontadas, determinar-se o desprovimento do Recurso Especial, afastando a nulidade dos registros das marcas Odebrecht concedidos pelo INPI à embargante e restaurando, portanto, o v. acórdão de origem” (STJ, EDcl nos EDcl no AgRg no REsp n. 653.609, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 27.06.2005).

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absolutamente ilegítima quando feita sem a parte embargada em contraditório.

Ainda que nada disponha a lei a respeito, a observância do contraditório nesses

casos é de rigor constitucional e viola a garantia do contraditório o julgamento feito

sem oportunidade para a resposta do embargado”.316

Luís Eduardo Simardi Fernandes avalia a questão tecendo algumas

ponderações condicionantes da necessidade de oitiva do embargado em sede de

embargos de declaração.

Para precitado autor, a oitiva do embargado não se fará necessária na

maioria das hipóteses, por conta da incapacidade dos embargos declaratórios de

gerar alteração no conteúdo decisório. Quando, porém, são suscitadas nos

declaratórios matérias não debatidas no feito, sobre a qual não tenha existido debate

entre as partes, faz-se de rigor o contraditório.317

Nesse sentido, confira-se também o pensamento de Luis Guilherme Aidar

Bondioli.318

De nossa parte, entendemos que deverá o magistrado lavrar um exame

prévio da eficácia infringente dos declaratórios, como fosse um juízo de prelibação

acerca desta infringência, de modo a oportunizar a manifestação da parte contrária,

antes mesmo de seu julgamento, quando a matéria ventilada nos embargos de

declaração.

D’outro turno, acreditamos que, ainda que tenha existido prévia manifestação

da parte embargada, em outro momento do trâmite processual, sobre a matéria

objeto dos embargos de declaração dotados de potencial infringência, certo é que a

renovação dessa oportunidade de manifestação da parte contrária se faz necessária

especialmente porque poderá o embargado, além de dizer a respeito da matéria que 316 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, p. 206. 317 “Embora entendamos que a ausência de previsão do contraditório no capítulo do código processual que disciplina os embargos não é razão suficiente para se justificar a desnecessidade da sua observância no julgamento desse recurso, por se tratar de garantia consagrada na Constituição Federal, em seu art. 5º, LV, defendemos a idéia de que não se faz mesmo necessária a oitiva do embargado, exceto quando se suscita, por meio dos embargos de declaração, matéria até então não discutida e, portanto, não submetida ao contraditório, o que só é admissível em relação às questões de ordem pública. E a nossa posição se funda na seguinte constatação: os embargos de declaração têm cabimento quando a decisão se mostra contraditória, obscura ou omissa, como afirma o art. 535 do CPC. Ao se pleitear que o juízo sane esses vícios, o embargante não poderá inovar no processo, trazendo novas alegações, fatos ou provas. Terá ele de se referir àquilo que já foi discutido no feito, mas que deixou de ser devidamente solucionado pelo magistrado que proferiu decisão viciada” (FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Embargos de declaração – efeitos infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos, p. 99). 318 BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Embargos de declaração, p. 239.

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compõe os declaratórios, manifestar-se também sobre os juízos de admissão e de

provimento deste recurso.

A jurisprudência do STJ apresenta diversos precedentes em que se decidiu

ser de rigor a manifestação do embargado, em contra-razões, em hipóteses de

declaratórios com caráter infringente.319

III.13.2 - As decisões do relator fundadas no art. 557 do CPC e o contraditório

O caput e o § 1º-A do art. 557 do CPC estabelecem um sistema de decisões

monocráticas de segundo grau (decisões do relator do recurso) em que (i) poderá

ser negado seguimento ao recurso claramente inadmissível, improcedente ou em

confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF, do STJ ou do próprio

tribunal (hipótese prevista no caput do art. 577 do CPC), ou (ii) poderá dar-se

provimento ao recurso caso a decisão recorrida esteja em confronto com súmula ou

jurisprudência dominante do STJ ou de Tribunal Superior (§1º-A do art. 557 do

CPC).320

Em ambos os casos, haverá decisão monocrática do relator do recurso e,

sobretudo, decisão de plano, ao menos do modo como redigidos os dispositivos

legais em apreço.

319 “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. EXCEÇÃO. PRONUNCIAMENTO DA PARTE ADVERSA. NECESSIDADE. 1. Os embargos de declaração, só em caráter excepcional, têm efeitos modificativos. Aventar tal possibilidade implica, necessariamente, o chamamento da parte contrária para se pronunciar. 2. Recurso especial da autarquia provido para anular os acórdãos de segundo grau que emprestaram efeitos infringentes aos embargos de declaração sem a devida intimação para contra-razões” (STJ, REsp n. 491.311, rel. Min. José Delgado, DJ de 06.05.2003). “PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACORDO FIRMADO APÓS O JULGAMENTO DO RECURSO. EFEITOS MODIFICATIVOS. CABIMENTO. AUDIÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO. I – São admissíveis embargos de declaração, com efeitos modificativos, com o objetivo de obter a homologação de transação celebrada posteriormente à apreciação do recurso, com o respectivo desfazimento do julgamento. II – Recomendável, em atenção ao princípio do contraditório, que se ouça a parte contrária quando apresentados declaratórios em tais circunstâncias” (STJ, REsp n. 296.836, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 07.05.2001). 320 “Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. §1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.”

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À míngua de qualquer disposição a respeito de oitiva da parte recorrida

nessas duas hipóteses sub examine, cumpre-nos avaliá-las à luz da necessidade, ou

não, de atenção ao princípio do contraditório.

Em se tratando de decisão lastreada no caput do art. 557 do CPC,

evidentemente não vislumbramos necessidade de oportunizar-se o contraditório ao

recorrido pois a decisão lhe será favorável, dado que o recurso será inadmitido ou

improvido por conta das circunstâncias naquele dispositivo legal estabelecidas.

Neste passo, sendo certo que a possibilidade de prejuízo jurídico atua como

força motriz da necessidade de contradição, entendemos que as decisões do relator

fundadas na cabeça do art. 557 do CPC, justamente por não serem nocivas ao

recorrido (muito em contrário: lhe serão favoráveis, dado que acarretarão a extinção

do recurso), não estão a exigir intimação para contra-razões.

O cenário, contudo, é outro quando a decisão do relator é a indicada no § 1º-

A do precitado art. 557 do CPC.

Nesta situação, dar-se-á o provimento do recurso por conta de contrariedade

da decisão em face de jurisprudência dominante ou súmula do STF ou de Tribunal

Superior. Em suma, decorrerá do êxito do recurso, portanto, prejuízo imediato no

plano jurídico ao recorrido, sem que exista previsão legal (ao menos no art. 557 do

CPC) acerca da possibilidade de contra-razões ou qualquer outra manifestação do

recorrido a respeito.

De nossa parte, cremos que a inexistência de previsão no CPC acerca da

manifestação do recorrido no tocante às decisões arrimadas no §1º-A do art. 557

não afasta a necessidade de oitiva do recorrido, mormente porque o contraditório,

conforme expusemos acima, ostenta previsão constitucional, o que torna

prescindível disposição infraconstitucional a respeito.

De mais a mais, pensamos ser absoluta infensa à higidez processual a

adoção de decisões de provimento de recursos com fulcro no art. 557, §1º-A, do

CPC à revelia da manifestação do recorrido, dado que este seria alvo de decisão

judicial nociva à sua esfera jurídica sem que pudesse ter-se manifestado a respeito.

A propósito, poder-se-ia cogitar que a existência de decisão contrária a

jurisprudência dominante ou súmulas do STF e de Tribunais Superiores tornaria

inócua a oitiva da parte contrária, pois sua intervenção não alteraria a

desconformidade da decisão recorrida com os procedentes indicados no §1º- A do

precitado art. 557.

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A cogitação indicada acima não procede. Com efeito, não se pode olvidar que

o recorrido, em contra-razões, poderá suscitar, exempli gratia, a ausência de algum

requisito de admissibilidade do recurso interposto, o que por si só já estaria a

justificar a oportunidade de sua oitiva.

Em âmbito jurisprudencial, é sensível a divergência a respeito da

necessidade, ou não, de contraditório nas decisões adotadas com fundamento no

art. 557, §1-A, do CPC.

Por primeiro, de se citar a existência de corrente defensora do respeito ao

contraditório nestas hipóteses, representada especialmente por precedentes

relatados pelo Min. Teori Albino Zavascki, para quem a "a intimação do recorrido

para apresentar contra-razões é o procedimento natural de preservação do princípio

do contraditório, previsto em qualquer recurso, inclusive no de agravo de instrumento

(CPC, art. 527, V). Justifica-se a sua dispensa quando o relator nega seguimento ao

agravo (art. 527, I), já que a decisão vem em benefício do agravado. Todavia, a

intimação para a resposta é condição de validade da decisão monocrática que vem

em prejuízo do agravado, ou seja, quando o relator acolhe o recurso, dando-lhe

provimento (art. 557, § 1º-A). Nem a urgência justifica a sua falta: para situações

urgentes há meios específicos e mais apropriados, de "atribuir efeito suspensivo ao

recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação da tutela, total ou parcialmente, a

pretensão recursal”.321

Em sentido contrário, entendendo não haver violação ao contraditório quando

o relator decide dar provimento ao recurso com fundamento no art. 557, §1º-A, do

CPC, constam os acórdãos relatados pelo Min. Luiz Fux, no sentido de que a

“decisão monocrática adotável em prol da efetividade e celeridade processuais não

exclui o contraditório postecipado dos recursos, nem infirma essa garantia,

porquanto a colegialidade e a fortiori o duplo grau restaram mantidos pela

possibilidade de interposição do agravo regimental”.322,323

321 REsp n. 938.488, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 23.08.2007. Nesta mesma linha, confira-se o REsp 892.320, DJ de 13.03.2007. 322 REsp n. 714.794, DJ de 12.09.2005. 323 Há, também, precedente neste sentido relatado pelo Min. José Delgado, cuja ementa parcial segue: “RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVIMENTO LIMINAR. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE AGRAVADA PARA CONTRA-ARRAZOAR O RECURSO. OBRIGATORIEDADE. ART. 527, V, DO CPC. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. NULIDADE DO ACÓRDÃO. RECURSO PROVIDO.

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De nossa parte, por tudo quanto expusemos, a possibilidade de prejuízo ao

recorrido e de, no mínimo, poder-se suscitar matéria defensiva de caráter processual

(falta de requisitos de admissibilidade do recurso interposto, por exemplo), além de

poder o recorrido argüir que a decisão não está em contrariedade à jurisprudência

do STF e dos Tribunais Superiores, está a justificar a inafastabilidade do

contraditório em hipóteses de aplicação do art. 557, §1º-A, do CPC, não se podendo

olvidar do influxo constitucional (e o contraditório advém de comando constitucional)

a que se sujeita o processo civil moderno.

Desta forma, cremos que o relator do recurso que identifique possível

aplicabilidade do §1º-A do art. 557 do CPC deverá ex officio, antes de proferir

decisão, instar a parte contrária a se manifestar sobre o recurso, sob pena de

nulidade processual insanável.

III.13.3 - O contraditório no agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC

Relativamente ao agravo indicado no § 1º do art. 557 do CPC, vê-se que não

há previsibilidade legal de contra-razões por parte do agravado, o que suscita

algumas indagações sobre a possibilidade de exercício de direito de defesa por

parte do recorrido.

A questão é: inexistindo previsibilidade legal, simplesmente não se admite

resposta a esta modalidade de agravo?

Negativa pensamos ser a resposta.

Conforme asseverado acima relativamente ao recurso de embargos de

declaração e às decisões fundadas no art. 557, §1º-A, do CPC, o fato de não constar

expressamente de lei não acarreta forçosamente a impossibilidade de resposta ao

1. Cuida-se de recurso especial interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul com fulcro na letra ‘a’ da permissão constitucional, contra acórdão do seguinte teor: AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE PROVÊ LIMINARMENTE AGRAVO DE INSTRUMENTO EXECUÇÃO FISCAL. DEPOSITÁRIO. PEDIDO EXPRESSO DE DESCONSTITUIÇÃO DO MUNUS. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA DEPOSITÁRIA QUE SE MOSTRA VANTAJOSA. CONTRARIEDADE A DISPOSITIVOS DO CPC. PROVIMENTO LIMINAR. ARTIGO 557, PARÁGRAFO 1ºA DO CPC. PRELIMINARES. 1. Alijada a preliminar de incabimento do julgamento monocrático por parte do relator do agravo de instrumento, já que há permissivo legal, vale dizer, o parágrafo 1º-A do artigo 557 do CPC. Tema pacífico nesta Corte. 2. Desnecessidade de intimação da parte agravada nos casos do parágrafo 1ºA do artigo 557, já que tal providência não foi prevista no texto do mencionado dispositivo legal. (...)” (STJ, REsp n. 917.564, rel. Min. José Delgado, DJ de 13.09.2007).

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agravo do art. 557, § 1º, do CPC. A existência de cláusula constitucional (art. 5º da

CF) garantindo a bilateralidade de audiência assegura, por si só, a oitiva do recorrido

nesta hipótese, mormente porque pode ser-lhe gerado prejuízo em caso de

provimento do agravo em tela.

A doutrina, a propósito, não discrepa desse pensamento.

Teresa Wambier manifesta opinião no sentido de ser inarredável a

necessidade de atenção ao princípio do contraditório nessa hipótese.324 A

inexistência de previsão sobre a possibilidade de apresentação de contra-razões

fere o princípio do contraditório, para precitada autora.

De Flávio Cheim Jorge colhemos pensamento que, em que pese destinado

originariamente ao agravo regimental, se amolda perfeitamente à hipótese do agravo

previsto no § 1º do art. 557 do CPC: “o direito do contraditório é garantia

constitucional e deverá ser utilizado, mesmo no agravo regimental, sempre que

existir a possibilidade de prejuízo para a parte contrária. Nesse recurso, o que se

verifica é que muitas vezes a necessidade de resposta pela parte contrária é

desnecessária, pois posteriormente lhe será aberta oportunidade para se manifestar

sobre o tema. No entanto, vislumbrando-se a possibilidade de prejuízo, a parte

contrária deve ser necessariamente intimada para responder ao recurso, no mesmo

prazo assinalado para a outra parte recorrer, sob pena de nulidade da decisão

proferida no agravo regimental”.325

Athos Gusmão Carneiro é de pensamento assemelhado ao de Cheim Jorge:

“quanto à ausência de provocação no sentido de ouvida da parte contrária, parece-

nos de regra razoável tal omissão, sob o argumento de que o contraditório já ocorreu

quando do processamento do recurso objeto do julgamento monocrático do relator;

todavia, se o julgamento singular foi ‘de mérito’, não será demasia a abertura de

prazo para a manifestação da parte adversa, a exemplo do procedimento

habitualmente adotado (...) nos casos de embargos de declaração nos quais se

busque, em caráter excepcional, a obtenção do efeito infringente”.326

Para Fabiano Carvalho, é de rigor o contraditório nesta hipótese.327

324 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro, p. 554. 325 JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis, p. 180. 326 CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso Especial, agravos e agravo interno: exposição didática: área do processo civil, com base na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, p. 280,281. 327 CARVALHO, Fabiano. Princípios do contraditório e publicidade no agravo interno, p. 107.

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Por tudo quanto expusemos nos tópicos acima, mantemo-nos favoráveis à

observância do contraditório no agravo previsto no §1º do art. 557.

III.14 - A relevante questão de direito do art. 555, § 1º, do CPC: iniciativa oficial quanto à uniformização de jurisprudência

Ressabido que um dos caracteres mais caros à jurisprudência atual é a

uniformidade,328 no sentido de que quão menor a divergência que se verificar em

termos jurisprudenciais, especialmente em termos de jurisprudências de cortes

excepcionais, maior será a estabilidade derivada da atividade jurisdicional.329

É nesse contexto que devem ser entendidas as reformas recentes por que

vem passando o direito brasileiro, em que foram introduzidas as súmulas vinculantes

na Constituição Federal, as súmulas impeditivas de recursos do art. 518 do CPC,

entre outras modificações que têm o claro escopo de atrelar o julgamento das

instâncias ordinárias ao que restar consolidado no STJ e no STF.

No âmbito das instâncias ordinárias, uma das atividades de ofício praticáveis

pelo órgão jurisdicional recursal é precisamente a proposição, pelo relator do recurso

de apelação ou de agravo de instrumento, de que a questão seja julgada por órgão

colegiado indicado no regimento interno do tribunal e que seja superior àquele

integrado pelo relator proponente, e isso se dá na hipótese de existir relevante

questão de direito, de modo a prevenir ou compor divergências entre câmaras ou

turmas do tribunal.

A proposição pelo relator (de que se dê o julgamento pelo órgão colegiado

superior indicado pelo regimento do tribunal) terá o seguinte procedimento: será

apreciada pelo órgão integrado pelo relator em questão, o qual, em caso de

aprovação, submeterá a proposição ao colegiado superior (seção, pleno ou outros,

conforme disposto no regimento interno), cabendo a este último a deliberação cabal

sobre a transferência de competência proposta. 328 Se atualmente vigora a idéia de que a uniformidade jurisprudencial é benfazeja ao direito, antigamente, mormente quando do ingresso no sistema processual da figura da uniformização de jurisprudência, críticas não lhe foram poupadas, pautadas em suposto caráter secundário da jurisprudência como fonte jurídica, conforme consignou PARÁ FILHO, Tomás. A chamada uniformização de jurisprudência, p. 71. 329 “Para evitar o descrédito e o cepticismo dos jurisdicionados quanto à efetividade da prestação jurisdicional. Evita-se, assim, que a sorte dos litigantes fique na dependência exclusiva da distribuição do feito a este ou àquele órgão” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória, p. 331).

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Para fins de assunção dessa competência, o órgão colegiado destinatário

dessa proposição (a seção, o órgão pleno, o órgão especial etc.) levará em

consideração, como baliza de julgamento, o interesse público, conforme parte final

do § 1º do art. 555 do CPC.

Sobre a extensão desse conceito de interesse público, temos a observar que

se trata de conceito fluido, amplo, o que evidentemente dificulta sua circunscrição.

De qualquer forma, algumas ponderações merecem ser lançadas a respeito.

Toda ação judicial envolve, de certa maneira, interesse público, pela simples

razão de que a composição de um litígio atrai, de per si, o interesse da coletividade,

na medida em que a harmonização das relações conflagradas é algo de interesse

público.

Ocorre, contudo, que há diferentes gradações de interesse público: há aquele

indireto, oblíquo, como expusemos no parágrafo acima, e há o interesse público

direto, imediatamente atrelado ao objeto litigioso de demanda individual que tramite

no foro.

Nesta última categoria, podemos inserir, por exemplo, as hipóteses de litígios

massificados, de contencioso em repetição, em que diversos particulares vão à

justiça em ações individuais que têm por objeto idêntica causa de pedir (reajustes de

ativos financeiros por conta do mesmo plano econômico, questionamentos de

determinado reajuste de tarifa pública, cessação indevida do fornecimento de

determinado serviço, enfim, causas envolventes de questões sociais, políticas ou

econômicas que transcendam o interesse particular dos litigantes): trata-se,

evidentemente, de ações individuais cujos desfechos, além da óbvia relevância para

os litigantes, extrapolarão as esferas jurídicas destes e produzirão influência, em

termos de precedentes, a diversas outras relações jurídicas similares, daí podendo-

se falar de interesse público em proporções assaz maiores que aquele meramente

derivado da pacificação das relações conflituosas.

Diante desse perfil de demandas, é notória a conveniência de existir

uniformidade de entendimento jurisprudencial, daí a ratio essendi da norma sob

análise.

Destaque-se, por derradeiro, que a norma contida no § 1º do art. 555 do CPC,

com redação dada pela Lei 10.352/02, difere daquela do art. 476 do mesmo Código

no seguinte: no caso do precitado art. 476, em caso de necessidade de prevenção

de divergência, ou de pronunciamento sobre questão polêmica no âmbito do

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tribunal, poderá o juiz submeter ao julgamento colegiado a questão jurídica envolta

na celeuma; na hipótese do 1º do art. 555 do CPC, o próprio recurso (e não apenas

a quaestio juris) é que será apreciado para fins de homogeneização jurisprudencial.

Observe-se, ainda sobre o CPC, art. 555, § 1º, que sua aplicação não deve

circunscrever-se às apelações e ao agravo, como consta da letra da lei, mas aos

demais recursos cíveis e até mesmo às ações de competência originária do tribunal,

conforme alvitre de Barbosa Moreira.330

330 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 667.

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CAPÍTULO IV – TEMAS RELACIONADOS ÀS ATIVIDADES DE OFÍCIO NO PROCESSAMENTO DA APELAÇÃO

IV.1 - O efeito translativo

Há um efeito peculiar aos recursos cíveis marcadamente vinculado à

possibilidade de atuação de ofício em grau recursal, particularmente no que tange às

matérias de ordem pública: trata-se do efeito translativo.

A respeito de dito efeito, é curial a reprodução da ensinança de Nelson Nery

Jr., especialmente por se tratar do autor que com mais acuidade cuidou do assunto:

“há casos, entretanto, em que o sistema processual autoriza o órgão ad quem a

julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, ocasião em que

não se pode falar em julgamento extra, ultra ou infra petita. Isto ocorre normalmente

com as questões de ordem pública, que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz e a

cujo respeito não se opera a preclusão (...) A translação dessas questões ao juízo

ad quem está autoriza no CPC 515 §§ 1º a 3º e 516”.331

Para Teresa Wambier, em concordância com Nelson Nery Jr., o efeito

translativo é “resultado do princípio inquisitório”, autorizador de atuação ex officio

relativamente a algumas matérias (de ordem pública ou mesmo outras, que, a

despeito de não serem de ordem pública, comportam atuação de ofício).332

Nelson Luiz Pinto observa, sobre o efeito translativo, que sua ocorrência se

dá “quando o órgão ad quem julgar fora do que foi pedido, sendo normalmente

questões de ordem pública, que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz”.333

Nos dizeres de Ricardo de Carvalho Aprigliano, do efeito translativo decorre

que, “em relação às questões releváveis de ofício, seu reexame (ou exame) não

depende da postura das partes, porquanto, por sua natureza, ocorrerá a

transferência ao órgão ad quem independentemente de menção no recurso”.334

Vê-se que as definições acima reproduzidas acerca do efeito translativo dos

recursos não contêm distinções entre si, verificando-se convergência entre todas no

331 NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 482. 332 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro, p. 336. 333 PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis, p. 41. 334 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos, p. 168.

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sentido de que, em termos bem simples e diretos, do conteúdo do efeito translativo

dos recursos decorre verdadeira exceção do efeito devolutivo, no sentido de que

escapam à regra do tantum devolutum quantum appellatum as matérias passíveis de

atuação de ofício por parte do juiz de direito, as quais, como dissemos em parte

introdutória deste estudo, não se esgotam tão-somente com os temas de ordem

pública.

Há, em outros termos, atenuação do princípio dispositivo no que tange ao

efeito translativo dos recursos, na medida em que, a despeito de argüição da parte

recorrente (rectius, a despeito de não haver o recorrente feito constar, como causa

de pedir e como pedido recursais, a matéria passível de cognição de ofício),

franqueia-se ao órgão jurisdicional atuação sponte propria, e tal se dá por conta do

interesse público imanente a determinados assuntos jurídicos (ordem pública),

porque assim o quis o legislador, por força de política legislativa, como se dá com a

prescrição em geral (veja-se, mais uma vez, capítulo introdutório deste estudo – item

III.10 supra).

O recurso cível em que o efeito translativo se manifesta de maneira mais

evidente é a apelação, até porque se trata do recurso mais abrangente do processo

civil, dado ser o mecanismo recursal apto à impugnação da mais importante decisão

do processo, o que lhe carreia enorme carga de devolutividade (isto é perceptível à

luz dos arts. 515 e 516 do CPC), daí a razão de havermos inserido a análise deste

assunto na parte dedicada às atividades de ofício vinculadas ao recurso de

apelação.

Em que pese apresente-se com bastante robustez em sede de apelação, há

manifestação do efeito translativo também em recursos outros, como no agravo de

instrumento, nos embargos declaratórios e, não sem forte polêmica, nos recursos

excepcionais, consoante abordagem empreendida em tópicos próprios deste

trabalho (vejam-se o tópico V.6 e o capítulo V desta obra).

Não nos parece existir qualquer polêmica sobre a atividade de ofício em grau

recursal acerca das matérias de ordem pública, ou outras passíveis de agir ex officio

em virtude do efeito translativo. O tema conta com placidez doutrinária, aliás,

conforme as confluentes opiniões acima reproduzidas, por exemplo.

Há uma questão, entretanto, que desperta celeumas: haveria efeito

translativo, especialmente na apelação, relativamente a matérias de ordem pública a

respeito das quais tenha existido prévio debate em primeira instância, inclusive com

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julgamento de agravo de instrumento a respeito? Em outras palavras, caso a parte

ré argua, por exemplo, uma preliminar de falta de interesse de agir, exista

indeferimento desta argüição em saneamento e, depois, tenha sido improvido o

agravo de instrumento do réu a respeito (sem interposição posterior de recursos

excepcionais), poderia ser retomada a discussão dessa alegação de falta de

interesse agir em sede de apelação interposta pelo réu?

A resposta é afirmativa, e tal opinião parte de uma premissa bastante

relevante: as matérias de ordem pública são insuscetíveis de preclusão, e a

preclusão é precisamente a característica que advém da ausência de recurso

interposto contra a decisão do agravo de instrumento em que se tenha apreciado

matéria de ordem pública!

Dessa forma, ainda que matérias de ordem pública tenham sido objeto de

pronunciamento anterior e de que não penda mais recurso (agravo de instrumento já

julgado, por exemplo), poderá o órgão jurisdicional recursal conhecer dessa matéria,

sem quaisquer problemas.335

Além das matérias de ordem pública, observe-se que o Prof. João Batista

Lopes manifestou-se (acertadamente) a respeito da inexistência de preclusão pro

judicato acerca da instrução probatória: “o que se pode afirmar com segurança,

portanto, é que, em matéria probatória, o juiz não está sujeito a preclusões”.336

IV.2 - A extensão do efeito devolutivo

Relevante atividade de ofício desenvolvida no âmbito dos recursos relaciona-

se à recepção do recurso, ocasião em que o magistrado aduz em que efeitos recebe

o recurso manejado pela parte.

Em termos legislativos, são dois os efeitos que podem decorrer do recurso

quando de seu recebimento: o efeito devolutivo e o efeito suspensivo.

No que toca ao efeito suspensivo, basta dizer que a recepção de determinado

recurso com esse efeito acarretará a suspensão da eficácia da decisão impugnada,

que poderá produzir efeitos apenas quando julgado o recurso recebido no efeito

335 Neste sentido, APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos, p. 175; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro, p. 337; LACERDA, Galeno. Despacho saneador, p. 168; e LOPES, João Batista. Breves considerações sobre o instituto da preclusão, p. 55. 336 LOPES, João Batista. Breves considerações sobre o instituto da preclusão, p. 49.

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suspensivo e passada em julgado tal decisão. Voltaremos ao tema quando do

exame das tutelas de urgência, mais adiante.

Tornando ao efeito devolutivo, que caracteriza todo e qualquer recurso e até

mesmo confunde-se com o próprio conceito de recorribilidade, diga-se que sua

conceituação advém da própria extensão da impugnação da decisão conforme

articulada pela parte na peça recursal, vale dizer, é o conteúdo do recurso (a

impugnação manifestada pela parte) que definirá, em regra, a atividade que será

desenvolvida no juízo recursal.

Como diz o brocardo latino, devolve-se à apreciação da Justiça, para revisão,

o que estiver impugnado no recurso (tantum devolutum quantum appellatum), em

clara manifestação do princípio dispositivo em esfera recursal, na medida em que

está o órgão jurisdicional autorizado a prestar jurisdição de revisão apenas no

âmbito da impugnação aviada pelo recorrente, em regra.

Carnelutti, comentando os limites da apelação no direito italiano em 1931,

ponderou, comparando o processo a uma construção, que “l’appello è una forma di

rinnovazione. Il processo si rifà. Non si ripara l’edificio già costruito, si ricostruisce

(...) L’appello è infatti una ricostruzione, non una prima costruzione. Si può ricostruire

con gli stessi materiali o con materiali differenti, secondo lo stesso o secondo un

diverso disegno; ma si deve ricostruire sull’area quale un edificio (il processo di primo

grado) era già sorto”. Para Carnelutti, os limites da atuação de reconstrução (o

exame recursal) seriam os mesmos da construção (da lide proposta em primeiro

grau).337

O tema mostra-se evidentemente mais relevante em se tratando de apelação,

dado ser esta o recurso cujo efeito devolutivo apresenta a maior amplitude entre os

recursos cíveis, como dissemos acima.

O efeito devolutivo apresenta-se como verdadeiro balizamento da atuação do

juízo recursal, dele decorrendo a definição dos assuntos passíveis de julgamento

pelo tribunal.

Esta definição, contudo, não deflui diretamente do texto legal, dado que

existe, a nosso ver, certa confusão instalada na criticável redação dos arts. 515 e

516 do CPC.

Confira-se.

337 CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile, v. 4, p. 233.

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O caput do art. 515 do CPC, por exemplo, estabelece que o tribunal

conhecerá a matéria impugnada no recurso, e esta seria a conformação padrão do

efeito devolutivo, como manifestação do princípio dispositivo: a fundamentação do

recurso e o respectivo pedido como “medidas” da atividade judicante a ser

desenvolvida pelo tribunal.

Para Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, “a limitação do mérito

do recurso, fixada pelo efeito devolutivo, tem como conseqüências: a) a limitação do

conhecimento do tribunal, que fica restrito à matéria impugnada (tantum devolutum

quantum appellatum); b) proibição da reforma para pior; c) proibição de inovar em

sede de apelação (proibição de modificar a causa de pedir ou o pedido)”.338

Araken de Assis conceitua o efeito devolutivo da seguinte forma: “A essência

do efeito devolutivo, relativamente aos meios previstos no art. 496, localiza-se na

remessa ao conhecimento do mesmo ou de outro órgão judiciário da matéria julgada

e impugnada e, sob algumas condições, passível de ser julgada no órgão a quo. As

questões subordinadas à iniciativa das partes observam, assim, o tradicional

aforismo tantum devolutum quantum appellatum. Embora o brocardo aluda à

apelação, a diretriz se aplica a quaisquer recursos”.339

Para Gilson Delgado Miranda e Patrícia Pizzol, o efeito devolutivo, além de

ser manifestação em grau de recurso do princípio dispositivo, significa que o órgão

recursal apenas estará autorizado a conhecer, em sua atividade de revisão, do que

constar das razões recursais, “sem ultrapassar os limites do pedido de nova decisão

(mérito do recurso)”.340

Observando a falta de uniformidade que se estabelece em torno do conceito

de efeito devolutivo, Rodrigo Barioni, autor de monografia sobre o tema, conceitua o

efeito devolutivo como gênero do qual o efeito translativo seria espécie: “Pode-se

conceituar efeito devolutivo como o dever de julgamento, por parte de algum órgão

do Poder Judiciário, proporcionado por meio de interposição de recurso admissível,

para apreciação de determinadas matérias objeto do recurso, bem como aquelas

cuja apreciação se faz por força de lei”.341

338 NERY Jr., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado, p. 741. 339 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 221. 340 MIRANDA, Gilson Delgado, e PIZZOL, Patrícia. Teoria geral dos recursos, p. 49. 341 BARIONI, Rodrigo. Efeito devolutivo da apelação, p. 43.

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Para Barbosa Moreira, uma das autoridades em termos de doutrina sobre

recursos cíveis, o efeito devolutivo parte da circunstância de que “a interposição do

recurso transfere ao órgão ad quem o conhecimento da matéria impugnada. Podem

variar, de recurso para recurso, a extensão e a profundidade do efeito devolutivo

(...)”.342

O professor João Batista Lopes leciona que, “quanto ao efeito devolutivo, que,

em regra, só se devolve (ou melhor, só se transfere) ao tribunal o conhecimento da

matéria impugnada pelo apelante (tantum devolutum quantum appellatum”.343

Das diversas definições transcritas, nota-se a existência de uma idéia central

de devolutividade, esta entendida como traslado, reiteração ao Judiciário da questão

julgada pelo órgão a quo, para revisão pelo órgão ad quem nos exatos termos do

que constar das razões recursais. Este o conceito nuclear de efeito devolutivo, e que

vem expressamente previsto na cabeça do art. 515 do CPC.

Obtempere-se, contudo, que essa idéia de devolutividade não esgota toda a

amplitude do efeito devolutivo, dado que a lei prevê o conhecimento de matérias

outras pelo órgão recursal, a despeito de sua constância nas razões recursais, de

estarem expressamente argüidas na fundamentação do recurso. Esta, com efeito, a

inteligência dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 515 e do art. 516 do CPC.

Como primeira dessas exceções ao efeito devolutivo em sua acepção

tradicional (o tribunal apreciaria somente o que constasse da apelação), mencione-

se o § 1º do art. 515: “Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal

todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não

as tenha julgado por inteiro”.

A norma em apreço significa que, independentemente de constarem na peça

recursal, uma vez admitido o recurso (no caso, a apelação, em que tem maior

relevância o assunto), automaticamente poderão ser utilizados como razão de

decidir pelo órgão de 2º grau temas outros, que tenham sido objeto de controvérsia

no procedimento de primeiro grau.

A título exemplificativo, nos utilizamos da seguinte ilustração, proposta pelo

professor João Batista Lopes: “se o réu alegar ilegitimidade de parte e falta de

interesse de agir, e o juiz acolher a primeira preliminar, não precisará examinar a

segunda para extinguir o processo sem julgamento de mérito. Interposta a apelação 342 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro, p. 123. 343 LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil, v. II, p. 179.

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pelo autor, se o tribunal afastar a preliminar de ilegitimidade, terá de examinar a

segunda argüição do réu (falta de interesse de agir) independentemente de recurso

deste”.344

No que se relaciona ao § 2º do art. 515, cuida a hipótese de múltiplos

fundamentos da inicial ou da defesa, mas apenas um deles tendo sido acolhido pelo

juízo a quo quando do julgamento da causa: interposta a apelação, os demais

fundamentos da exordial ou da contestação que não foram objeto de julgamento

estarão automaticamente transferidos à cognição do órgão recursal, que poderá

examinar a espécie com base em tais argumentos, ainda que estes não constem

das razões do recurso.

Verbi gratia, imagine-se caso em que o réu de uma ação de cobrança tenha

fundamentado sua defesa em dois vícios do negócio jurídico (a confissão de dívida,

p. ex.), quais sejam, a coação e a simulação.

Imagine-se também que a sentença tenha sido de improcedência da ação,

tendo o juiz reconhecido coação.

Em caso de apelação por parte do autor, em que se alegue não ter havido

coação, poderá o tribunal rejeitar o apelo para manter a sentença sob o argumento

de que houve simulação, a teor do disposto no art. 515, § 2º, do CPC.

É relevante consignar que esse transporte automático, do juízo recorrido ao

juízo ad quem, de alguns temas constantes dos autos, a despeito de não terem sido

ventilados em apelação ou contra-razões, dá-se tanto no que tange a matérias

disponíveis discutidas nos autos, quanto relativamente a matérias de ordem pública.

A propósito, é relativamente às matérias de ordem pública que se identifica

com acentuada pacificidade essa possibilidade de o tribunal conhecer de assuntos

não ventilados no recurso, e isso decorre do efeito translativo dos recursos,

identificado por Nery e abordado anteriormente neste trabalho.

Sobre o art. 516 do CPC, somos de opinião que tal dispositivo basicamente

reproduz o conteúdo do § 1º do art. 515 antecedente, especialmente por permitir que

se dê apreciação, pelo tribunal, de assuntos debatidos nos autos, mas não

apreciados em sentença.

Uma observação a respeito se faz pertinente: ao fim deste art. 516, sobre as

questões que podem ser apreciadas pelo tribunal ainda que não o tenham sido na

344 LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil, v. II, p. 172.

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sentença recorrida, exige o legislador que não tenham sido decididas (“ainda não

decididas”).

Isso significa que, para fins de exame pelo tribunal, os assuntos não

apreciados em sentença não podem ter sido objeto de debate prévio e de recurso

próprio, já examinado pelo tribunal e estando acobertado pelo selo da preclusão.345

Sobre essa impossibilidade de a parte reiterar, em sede de apelação, assunto

que já estaria acobertado pela preclusão diante de julgamento anterior (em agravo

de instrumento, por exemplo), registre-se que as matérias de ordem pública fogem a

essa restrição, dado não estarem sujeitas à preclusão.

Interpretando o disposto no art. 515, §§ 1º e 2º, do CPC, Barbosa Moreira

traz-nos elucidativa ponderação sobre o efeito devolutivo, em sua acepção

tradicional (o tribunal conhece do que constar em apelação) e, também, sobre os

temas que escapam a esse conceito clássico e podem ser objeto de cognição de

ofício pelo órgão recursal.

Para o insigne processualista, que avalia o efeito devolutivo sob os critérios

da extensão e da profundidade, “o efeito devolutivo da apelação abrange, quanto à

extensão, a ‘matéria impugnada’: tantum devolutum quantum appellatum, (art. 515,

caput). Como o apelante, à evidência, não pode impugnar senão aquilo que se

decidiu, conclui-se desde logo que, em princípio, não se devolve ao tribunal o

conhecimento de matéria estranha ao âmbito do julgamento do órgão inferior (...)346

Sendo inconcebível que no primeiro grau se tenha resolvido o mérito fora dos limites

345 “PROCESSUAL CIVIL. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA. DEVOLUÇÃO COM A APELAÇÃO. DECISÃO ANTERIOR EM AGRAVO. ANÁLISE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. REEXAME DE PROVAS. DESCABIMENTO. FUNDAMENTO. FALTA DE IMPUGNAÇÃO. I - A apelação devolve ao tribunal a apreciação das questões de ordem pública. Contudo, em razão da preclusão, a devolutividade sofre restrições no que diz com questões que já tenham sido decididas em recurso anterior. Sendo assim, se a corte estadual, no julgamento de agravo de instrumento, concluíra pela inexistência de erro na distribuição, é correta sua conclusão no sentido de não poder decidir novamente a matéria, reagitada nas razões da apelação. II - Analisadas as alegações pertinentes à forma de pagamento e correção do débito e existência de mora, a partir do exame dos fatos e da interpretação de cláusulas contratuais, descabe sua revisão no âmbito do recurso especial. Aplicação das súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça. III - Assentada a conclusão do julgado na aplicação do Código de Defesa do Consumidor, era necessária a impugnação a esses dispositivos, sob pena de incidência da Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal. Recurso não conhecido, com ressalva quanto à terminologia” (STJ, REsp n. 742.958, rel. Min. Castro Filho, DJ de 18.12.2006). Neste sentido: REsp n. 408.198, rel. Min. Menezes Direito. 346 Nessa passagem, Barbosa Moreira aduz ser exceção a esta afirmação a possibilidade de o tribunal julgar o mérito, a despeito de ser a sentença meramente terminativa, observada a prescrição do art. 515, § 3º, do CPC (op. cit, p. 134).

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do pedido e da causa petendi, segue-se que o órgão ad quem fica adstrito a esses

limites”.347

Em termos de profundidade, precitado processualista aduz que o efeito

devolutivo compreende, além do que estiver contido nas próprias razões recursais,

“todas as questões relacionadas com os fundamentos do pedido e da defesa”,

tenham sido elas resolvidas na motivação da sentença, as matérias cognoscíveis de

ofício (em geral, matérias de ordem pública) e as matérias que, “não sendo

examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas a despeito de haverem sido

suscitadas e discutidas pelas partes”.348

Feitos todos estes registros, percebemos que a melhor análise tecida acerca

do efeito devolutivo é a de Barbosa Moreira, especialmente porque nos permite

discernir duas perspectivas sob os quais deva ser compreendido este efeito: a

perspectiva horizontal (extensão) e a perspectiva vertical (profundidade).

Em outros termos, nos parece que o conteúdo da apelação, especialmente o

pedido que nela se deduz (cassação e/ou reforma), definirá a atuação que será

desempenhada pelo tribunal (por conseguinte, juízo de cassação ou de reforma,

conforme seja o conteúdo do pedido recursal). Essa a avaliação do efeito devolutivo

sob o prisma da extensão, exceção feita, por óbvio, à possibilidade prevista no § 3º

do art. 515 e às matérias cognoscíveis de ofício.

Se o pedido recursal (cassação ou reforma) orientará a atividade do tribunal

(que, salvo o § 3º do art. 515 e as matérias cognoscíveis de ofício, ficará adstrito ao

pleito do recurso), a fundamentação que será desenvolvida na apreciação do

recurso não está circunscrita somente ao que foi aduzido nas razões recursais,

podendo o tribunal revolver questões fáticas e jurídicas debatidas entre as partes e

ainda não preclusas para motivar sua apreciação do recurso, ainda que, reitere-se,

estas não tenham sido veiculadas na peça recursal. Esta nos parece ser a correta

apreensão do efeito devolutivo sob a perspectiva da profundidade.

Em uma frase, o recurso vincula o tribunal relativamente ao que se pede

(cassação ou reforma, salvo matérias cognoscíveis de ofício e o art. 515, § 3º, do

CPC); não está o tribunal adstrito, contudo, ao fundamento sob o qual se pede,

podendo valer-se de motivação outra que não aquela do recurso, nos termos da

interpretação que fizemos dos §§ 1º e 2º do art. 515 do CPC, acima deduzida. 347 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro, p. 134. 348 Op. cit, p. 134.

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A respeito da não vinculação do tribunal exclusivamente ao julgamento do

recurso (podendo valer-se de informações outras constantes dos autos, desde que

não superadas pela preclusão), pensamos dever-se aplicar o mesmo modus

operandi relativo à não adstrição do juiz à causa de pedir próxima que expusemos

no item II.4 supra: há autonomia do julgador relativamente à formação de sua

convicção no tocante à causa de pedir próxima (os fundamentos jurídicos do

pedido).349

São essas, pois, as noções que apreendemos acerca da extensão e da

profundidade do efeito devolutivo.

IV.3 - CPC, art. 515, § 3º: o julgamento do mérito pelo tribunal, em hipótese de apelação de sentença meramente terminativa

No que se relaciona à outra situação de exceção ao conceito tradicional do

efeito devolutivo, qual seja, o § 3º do art. 515 do CPC, trata-se de alteração

legislativa que causou bastante polêmica quando de sua entrada em vigor.350

De fato, autorizando-se o tribunal a conhecer do mérito da causa mesmo que

este não tenha sido objeto de apreciação em primeiro grau (em que ocorreu extinção

sem resolução de mérito), a um só tempo possibilitou-se discussão sobre eventual

lesão ao princípio do duplo grau de jurisdição e sobre possível hipertrofia do efeito

devolutivo.

Sobre o duplo grau de jurisdição, basta dizer que a acusação de que tal

princípio teria sido lesionado pelo § 3º do art. 515 do CPC acabou sepultada sob o

argumento hoje prevalecente de que tal princípio não tem caráter absoluto.

Para João Batista Lopes, o princípio do duplo grau de jurisdição conta com

caráter constitucional, porém seu exercício não tem disciplina constitucional,

cabendo à legislação de caráter ordinário dispor sobre sua aplicação, do que

349 No sentido de que, no plano vertical, “é amplíssima a devolução”, ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 399, 400. 350 A polêmica, aliás, era inevitável, como sempre ocorre com alteração legislativa que modifica algo sedimentado na cultura jurídica, como era a impossibilidade de o tribunal conhecer do mérito diretamente em decorrência de provimento de apelação contra sentença terminativa. De fato, antes da entrada em vigor do § 3º do art. 515, predominava a necessidade de reenvio ao primeiro grau para julgamento da causa quando fosse anulada sentença processual: “quando la Corte accoglie il ricorso, e cioè cassa la sentenza impugnata, rinvia al giudice di merito per la prosecuzione del giudizio” (SATTA, Salvatore. Diritto processuale civile, p. 345).

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decorre que poderão existir decisões que, ex lege, não necessariamente passíveis

de submissão a uma segunda instância.351

Conforme magistério de Sérgio Shimura, citando Nelson Nery Jr., “a atual

Constituição Federal – ao contrário da Constituição de 1824 – apenas prevê e

admite, mas não cataloga como direito fundamental, nem assegura de modo

absoluto e ilimitado o princípio do duplo grau de jurisdição”.352

Araken de Assis, de sua parte, pondera que o duplo grau de jurisdição seria,

sim, um princípio constitucional, porém não representa “uma imposição constante da

Carta Política”, do que deflui a existência de decisões irrecorríveis no sistema

processual. O duplo grau, assim, não é um direito fundamental ou um direito

absoluto para precitado processualista, do que decorre sua relativização pela

legislação ordinária.353 De se registrar, ainda, a existência de outras opiniões

bastante diretas sobre o caráter constitucional do duplo grau de jurisdição e sobre a

necessidade de fazer-se respeitar tal postulado, opiniões estas pautadas pela

prevalência de uma interpretação constitucional do direito processual civil.

É representante dessa orientação Cássio Scarpinella Bueno, que,

comentando as modificações introduzidas no recurso de agravo pela Lei 11.187/05,

manifestou posição crítica relativamente à irrecorribilidade da decisão conversora do

agravo de instrumento em agravo retido. A despeito de se tratar de comentário

acerca do novo regime do agravo, o raciocínio de Cássio Scarpinella aplica-se

também ao disposto no art. 515, § 3º, do CPC, na medida em que nas duas

hipóteses cogita-se de julgamento em única instância.

Para precitado autor, “o princípio do duplo grau de jurisdição é sim um

princípio constitucional do processo, é dizer, é parte integrante do ‘modelo

constitucional do processo’, quero dizer que ele é um valor arraigado na cultura

daquele que milita no foro diuturnamente”.354

O princípio do duplo grau de jurisdição seria (implicitamente) constitucional

também para Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier.355

351 LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil, v. II, p. 172. 352 SHIMURA, Sérgio Seiji. Reanálise do duplo grau de jurisdição obrigatório diante das garantias constitucionais, p. 605. 353 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 73. 354 BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, v. 1, p. 225. 355 WAMBIER, Luiz Rodrigues, e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à 2ª fase da reforma do CPC, p. 96.

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De nossa parte, entendemos que tais pensamentos (de Cássio Scarpinella e

de Luiz Wambier, Teresa Wambier e José Miguel Garcia Medina) são de todo

procedentes, porém a agressividade do texto legal ao princípio do duplo grau, nociva

até ao próprio conceito de recurso (reexame, revisão), acabou sendo bem vista pela

jurisprudência, sobretudo por funcionar como importante meio de abreviação dos

trabalhos forenses, o que lamentavelmente parece ser a tônica atualmente.356

Em termos de precedentes judiciais acerca da questão de ser constitucional

ou não o princípio do duplo grau, há decisões do STF a respeito da não previsão do

princípio do duplo grau de jurisdição na Constituição Federal, podendo-se dizer

consolidada a jurisprudência de referida Corte nesse sentido.

Em julgamento do STF em que se propugnou a constitucionalidade do

princípio do duplo grau de jurisdição na Constituição Federal por conta de previsão

nesse sentido no art. 8º, 2, letra “h”, da Convenção Interamericana de Direitos

Humanos de São José da Costa Rica (o chamado “Pacto da Costa Rica”), decidiu-se

que “não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo

grau (...) em garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei

Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já,

particularmente, na área penal”.357

356 Ao invés de cassar decisão terminativa para remessa ao primeiro grau, julgamento do mérito e retorno ao segundo grau, o art. 515, § 3º permite ao tribunal resolver desde logo o feito, ainda que não tenha havido julgamento meritório anterior, daí a economia de tempo e de esforço carreada pelo dispositivo, aos olhos de quem o defende. 357 Pela importância do tema e, também, pelo conteúdo da decisão sob exame, entendemos por bem reproduzir na íntegra sua ementa: “EMENTA: I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem concessões que o desnaturem - não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de ‘toda pessoa acusada de delito’, durante o processo, ‘de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior’. 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas. 1. Quando a questão – no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da ordem jurídica internacional – é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional – que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional – não pode ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o

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Há notícias, também, de que é pacífico o posicionamento da Suprema Corte

italiana no sentido de que o duplo grau de jurisdição não consiste em princípio

constitucionalizado.358

O que é de se lamentar é que a idéia de decisão de única instância repugna à

estruturação fundamental do processo civil brasileiro, tradicionalmente afeta a um

sistema de visão e revisão, de exame e reexame, ou seja, de curso e recurso,

sempre sob o paradigma da possibilidade de revisão das decisões como forma de

minoração do erro judiciário.

O que percebemos vivamente nesta triste tendência é que suas justificativas

mais comuns (celeridade, economia processual) partem da premissa de que a

existência de um recurso diante de determinada decisão é algo nocivo e acarreta

letargia processual, o que nos parece falso: a morosidade processual não pode ser

critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito: mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional. 2. Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). 3. Alinhar-se ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com o entendimento - majoritário em recente decisão do STF (ADInMC 1.480) - que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias. 4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a eficácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de admitir. III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. 1. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. 2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho - que não estão em causa – e da Justiça Militar – na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais -, assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores – o STJ e o TSE – estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar. 3.À falta de órgãos jurisdicionais ad quo, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma internacional de outorga da garantia invocada” (STF, RHC n. 79.785, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22.11.2002, merecendo registro o fato de que o julgamento foi do Órgão Pleno, por maioria de votos, vencidos os ministros Marco Aurélio de Mello e Carlos Velloso). 358 A informação é de NUNES, Dierle José Coelho. Comentários acerca da súmula impeditiva de recursos (Lei 11.276/2006) e do julgamento liminar de ações repetitivas (Lei 11.277/2006) – do duplo grau de jurisdição e do direito constitucional ao recurso (contraditório sucessivo) – aspectos normativos e pragmáticos, p. 174.

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atribuída ao recurso em si, porém à crônica dificuldade que tem o Judiciário de

aparelhar-se para dar vazão à crescente demanda por seus serviços, seja em

primeira instância, seja em esfera recursal.

Culpar os recursos pela morosidade da Justiça é postura idêntica àquela de

responsabilizar a chuva pela goteira no telhado mal conservado.

De fato, não há mais recursos que aqueles previstos quando da entrada em

vigor do CPC, há mais de trinta anos, e nem por isso naqueles tempos o

processamento de uma apelação tardava a meia década que hoje se exige, em São

Paulo, para se julgar tal recurso.

De qualquer forma, a idéia de que o duplo grau de jurisdição não é obrigatório

permitiu o desenvolvimento de uma nova atividade de ofício em grau recursal: o

julgamento do mérito diretamente, desde que a matéria seja de direito.

De se observar que a jurisprudência vem admitindo a aplicação do art. 515, §

3º, também às hipóteses de controvérsia fática, não só jurídica, desde que tais fatos

sejam comprováveis por documentação já carreada aos autos.

Com efeito, deve-se, aqui, estabelecer-se analogia com o julgamento

antecipado da lide, que se faz possível tanto em termos de debate estritamente

jurídico, quanto em termos de debate de natureza fática, porém passível de prova

documental já existente nos autos.

Em que pese a parte final do § 3º do art. 515 disponha que será possível o

julgamento direto do mérito pelo tribunal “se a causa versar questão exclusivamente

de direito e estiver em condições de imediato julgamento”, o que daria a impressão

de que apenas nessa hipótese (questão de direito) aplica-se esse dispositivo legal,

entendemos não fazer sentido excluir da esfera dessa norma a questão fática

provada documentalmente.

Ademais, como ponderam Nery e Andrade Nery, mesmo processos aderidos

de outras modalidades probatórias (não apenas documentais) que foram objeto de

sentença meramente terminativa podem ser objeto do julgamento do art. 515, § 3º,

do CPC. Suponha-se a situação de sentença que acolha ilegitimidade de parte após

o empreendimento de toda a instrução processual: trata-se de causa eventualmente

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“em condições de julgamento”, apesar de não se tratar de matéria exclusivamente

jurídica.359

Outro fator que tem de ser sopesado, cuja presença tornará a causa “em

condições de imediato julgamento”, parece-nos ser a necessária aferição acerca de

haver a questão ventilada no recurso sido debatida em adequado contraditório, ou,

no mínimo, ter-se aberto à parte interessada oportunidade para tanto.

Neste passo, esta expressão “estiver em condições de imediato julgamento” a

respeito do feito passível de aplicação do § 3º do CPC, art. 515, estende-se a

fatores, por exemplo, como a existência de citação da parte contrária e a concessão

de oportunidade para apresentação de defesa.

Deveras, não estaria “em condições de imediato julgamento”, por exemplo, a

ação extinta sem resolução de mérito antes mesmo da citação do réu e da

apresentação de defesa por este.

Esta pensamos ser a significação da locução “estiver em condições de

imediato julgamento” constante da parte final do art. 515, § 3º.

Ainda a respeito do polêmico § 3º do art. 515 do CPC, convém avaliar se o

julgamento per saltum do mérito estaria a exigir expresso requerimento da parte

nesse sentido.

Há respeitável parcela da doutrina que entende ser necessário expresso

pleito da parte para que se mostre possível a aplicação do § 3º do art. 515 do CPC.

Araken de Assis,360 acompanhado por Ricardo de Carvalho

Aprigliano,361entende ser conveniente avaliar a oportunidade do julgamento com

fulcro no art. 515, § 3º, do CPC, especialmente no sentido de que não exista prejuízo

à parte por seu próprio recurso (evitando-se, assim, a reformatio in pejus), além do

fato de dever-se interpretar como faculdade do tribunal o empreendimento de tal

julgamento, conforme constante da própria redação do dispositivo legal.

Para outros doutrinadores, o julgamento com supedâneo no § 3º do art. 515

do CPC não necessita de qualquer requerimento da parte recorrente, e nem sequer

pode a ele opor-se o recorrido, dado que o julgamento do mérito da causa não é de

livre disposição da parte.362

359 NERY Jr., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado, p. 742. 360 ASSIS, Araken. Manual dos recursos, p. 396. 361 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos, p. 158. 362 VAZ, Paulo Afonso Brum. Breves considerações acerca do novo § 3º do art. 515 do CPC, p. 92.

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De nossa parte, pensamos que, mesmo diante de todas as críticas que

possam ser tecidas relativamente a tal dispositivo legal, em se acatando plenamente

sua aplicação (o que, hodiernamente, é ponto pacífico, ante a sedimentação

jurisprudencial de que o duplo grau de jurisdição não é princípio constante da CF),

há que se admitir, a fortiori, que a apreciação meritória pelo tribunal per saltum é

indisponível pela parte por conta da própria (i) inafastabilidade do controle

jurisdicional, (ii) porque escapa à esfera de disposição das partes decidir, interposto

o recurso, pela apreciação ou não do meritum causae e, também, (iii) por ser

precisamente este o escopo da norma em apreço: fomentar-se o máximo possível o

julgamento acelerado dos feitos.

Nesse sentido, cite-se a correta opinião de Luiz Manoel Gomes Junior, no

sentido de que não há discricionariedade para a decisão judicial, mostrando-se a

regra do § 3º do art. 515 do CPC um poder-dever do magistrado.363

IV.4 - A jurisdição recursal relativamente aos fatos “novos”

Como regramento geral do processo civil, o momento próprio para a argüição

fática é o da fase postulatória ocorrida em primeiro grau, quando as partes detêm

condições de articulação de fatos em exordial ou em contestação.

Essa limitação procedimental à argüição de fatos revela o claro escopo de

aderir estabilidade à atividade jurisdicional, na medida em que se torna possível fixar

a lide, vale dizer, estabelecer com ares de definitividade sobre qual cenário fático-

jurídico incidirá a atividade do juiz, e também o contraditório que este presidirá.

Essa regra de estabilização da demanda manifesta-se, por exemplo, nas

regras insculpidas no art. 294 do CPC, permissivas de aditamentos do pedido pelo

autor somente antes de ocorrida a citação, e, com muito maior clareza, no art. 264

do CPC, que comanda ser defeso ao autor modificar o pedido ou causa de pedir

remota após a citação, salvo se advier consentimento do réu, antes do saneamento

do feito.

Ulteriormente à fase postulatória em primeiro grau de jurisdição, apenas é

dado cogitar-se de alteração do cenário fático do feito nas hipóteses de (i) fatos ou

direitos supervenientes que sejam modificativos, extintivos ou constitutivos do direito 363 GOMES JR., Luiz Manoel. A lei 10.352 de 26.12.2001 – reforma do Código de Processo Civil, p. 109.

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em debate, cuja cognição pelo órgão julgador poderá dar-se a requerimento da parte

ou ex officio, ou (ii) fatos que, em que pese preexistentes ao início da demanda, não

tenham sido a esta conduzidos por razões alheias à vontade da parte (força maior).

A primeira hipótese (direitos e fatos supervenientes), prevista no art. 462 do

CPC, manifesta-se tanto em primeiro quanto em segundo graus de jurisdição.364

A segunda hipótese encontra-se disciplinada no art. 517 do CPC, permissivo

da alegação de fatos em grau recursal que não tenham sido suscitados

anteriormente por razões de força maior.

Diga-se, por primeiro, que são inconfundíveis os chamados fatos e direitos

supervenientes do art. 462 do CPC com os fatos indicados no art. 517 da mesma

codificação: se os primeiros atinem a situações que inexistiam ao tempo do início da

demanda (e que advieram no seu curso), os segundos são preexistentes à ação

judicial, apenas não tendo sido a esta carreados por motivo de força maior.

No que toca à primeira categoria de situações fático-jurídicas que podem ser

levadas em consideração pelo juízo dos recursos a despeito de não constarem do

feito, muito não há a dizer, dado que se trata de um imperativo da correta prestação

jurisdicional: o advento de fato ou de direito superveniente à demanda e que influa

no desfecho desta terá de ser levado em conta pelo órgão jurisdicional. A

superveniência, no caso, permite a alteração da causa de pedir remota, e é admitida

precisamente por não significar atuação desleal de qualquer litigante.

De fato, não nos parece adequado “cristalizar-se” a atividade jurisdicional,

imunizando-a a partir da propositura da demanda de modo a impedir sejam levados

em consideração, como razão de decidir, fatos ulteriores que possam interferir

decisivamente no julgamento da demanda.

Na situação prevista no art. 517 do CPC, são outras as circunstâncias

autorizadoras da modificação do conjunto fático do processo: nesse dispositivo legal,

encontra-se prevista hipótese de fato não suscitado no trâmite processual por

questões alheias à vontade do litigante (força maior), que não pôde, por justa causa,

manejar em seus arrazoados fatos antecedentes à demanda.

Estes fatos preexistentes são considerados fatos novos para o processo, mas

não fatos supervenientes. São fatos inéditos para a causa, conquanto não sejam

supervenientes a esta. 364 Conforme Revista do Superior Tribunal de Justiça n. 12, p. 290, apud NERY JR., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado, p. 590.

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A norma do art. 517 do CPC permite sejam tais fatos levados em

consideração como razão de decidir desde que seja comprovada a força maior como

fator de sua não apresentação anteriormente, e isso se justifica pela necessidade de

coibição de litigância irresponsável, prevenindo-se situações de dolosa surpresa

processual.

A argüição de fatos supervenientes (art. 462 do CPC) ou novos (art. 517 do

CPC, rectius, inéditos) poderá exigir alguma atividade probatória em grau recursal,

de modo que tais fatos possam ser comprovados. Para que sejam tomados como

causa decidendi, os fatos supervenientes ou novos têm, evidentemente, de ser

submetidos ao contraditório.

Sobre a instrução em grau recursal, confira-se o que expusemos no capítulo

VII deste estudo.

IV.5 - As súmulas impeditivas de recursos

Considerando-se que o objeto do presente estudo é a análise das diversas

atividades de ofício praticáveis em grau recursal, convém avaliar uma postura

adotável ex officio não quando o recurso de apelação encontre-se já em segundo

grau de jurisdição, porém quando ainda tramita em primeira instância, aguardando o

juízo de admissibilidade que nessa esfera se desenvolve. É o que expomos a seguir.

Entre as mais recentes reformas do CPC, especialmente aquelas ocorridas no

ano de 2006, das mais polêmicas é a que resultou na inclusão do § 1º no art. 518 do

CPC pela Lei 11.276/06, em que se prevê que o juiz prolator da sentença poderá

negar o seguimento da apelação quando a decisão recorrida estiver de acordo com

súmula do STF ou do STJ. São as chamadas “súmulas impeditivas de recursos”,

conforme denominação com que a comunidade jurídica definiu este recente

mecanismo processual.

Trata-se de mais uma das inovações processuais civis cujo escopo declarado

é o de acelerar o trâmite processual mediante restrição do procedimento das vias

impugnativas das decisões judiciais, por meio da utilização dos precedentes

sumulados das cortes excepcionais como baliza.

Por força do § 1º do art. 518 do CPC, os recursos de apelação tirados de

sentenças fundamentadas em súmula do STF e do STJ nem sequer subirão à

instância ad quem, dado que lhes negará seguimento o órgão a quo.

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A norma em exame permite ao juízo de primeiro grau de jurisdição o

empreendimento de atividade judicante que já é autorizada ao juízo de segunda

instância por força do art. 557 do CPC. Antecipa-se, em termos de procedimento, o

trancamento liminar do recurso contrário a entendimento sumulado de tribunais

excepcionais.

Interessante notar, como primeira observação, que, apesar do tratamento

legal do § 1º do art. 518 como fora típica postura de juízo de admissibilidade,

parece-nos induvidoso que o pronunciamento do magistrado de primeiro grau ao

negar seguimento a apelações por conta de estar a sentença conforme a súmula de

tribunais excepcionais perpassa pelo mérito recursal, na medida em que, para

apurar se o recurso efetivamente hostiliza sentença lastreada em tais súmulas, será

inevitável o exame de seu mérito. O que o legislador chama de negativa de

seguimento, aliás, muito mais se assemelha a improvimento, dado que o juízo de

valor que se deduz exige a aferição do mérito recursal.365,366

Outra observação que se faz pertinente acerca do dispositivo legal em apreço

respeita à extensão do poder vinculativo das súmulas: em que pese sejam

expressamente vinculantes apenas as súmulas do STF especialmente criadas com

tal finalidade (de vinculação), conforme disciplina do art. 103-A da Constituição

Federal, ao determinar a negativa de seguimento a apelações diante de sentenças

conformes a súmulas do STF e do STJ culminou o legislador por atribuir caráter

vinculante (“o juiz não receberá o recurso de apelação”, é o que diz o § 1º do CPC,

art. 518) a súmulas que não o são originariamente (as chamadas súmulas simples).

Com efeito, estando o magistrado prolator da sentença compelido, conforme

texto legal expresso (o § 1º sob comento), ao não recebimento da apelação caso

sua sentença seja lastreada em quaisquer súmulas (vinculantes ou não) do STF e

do STJ, dá-se evidente vinculação decisória da instância primeira em seu juízo de

admissibilidade recursal a precedentes sumulados desses tribunais, impedindo-se a

adoção de entendimento outro pelo primeiro grau em sede de admissão de

365 Cássio Scarpinella Bueno, conquanto defenda a idéia de que a aplicação do § 1º do CPC, art. 518, integra o juízo de admissibilidade do recurso, não descarta a razoabilidade da idéia que entende tratar-se tal pronunciamento de “improvimento prima facie” (BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, p. 35). 366 No sentido de que a aplicação do § 1º do art. 518 do CPC acarreta juízo de mérito sobre o recurso, WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, v. 2, p. 226.

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apelação, o que é marca característica do sistema de vinculação à jurisprudência

superior.

O problema que advém dessa situação é que as súmulas vinculantes, para

que ostentem tal caráter (não permitir ao magistrado qualquer outra postura que não

o acatamento da súmula vinculante), passam por um processo próprio de edição que

as legitimam, com deliberação específica do STF e com quórum próprio de

aprovação (2/3 dos membros do STF, conforme disposto no art. 103-A da CF), o que

não ocorre com as chamadas súmulas simples, que mesmo assim passam a ter

algum caráter vinculante por conta do art. 518, § 1º, do CPC.367

E mais: o § 1º do art. 518 do CPC atribui caráter vinculativo do juiz de primeiro

grau no sentido de não receber apelações cujo conteúdo se oponha ao de súmulas

das cortes excepcionais também a súmulas do STJ, o que igualmente colide com a

disciplina constitucional das súmulas vinculantes, que têm de ser provenientes

exclusivamente do STF.

Veja-se, neste sentir, que não há, a nosso ver, integral harmonia entre o § 1º

do art. 518 do CPC e o regramento constitucional das súmulas vinculantes, na

medida em que enxergamos atribuição velada de eficácia vinculante a súmulas

simples, além do que também súmulas do STJ teriam tal caráter.

Registre-se, a propósito, que Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery

aduzem que o magistrado de primeiro grau nem sequer estaria obrigado à negativa

de seguimento de apelações mediante aplicação do art. 518, § 1º, do CPC, dado

que as súmulas simples não produzem qualquer vinculação ao juiz de direito.368

Nessa linha de raciocínio, apenas as súmulas vinculantes obrigariam o magistrado à

decisão de não seguimento da apelação com lastro no CPC, art. 518, § 1º, sendo-

lhe facultativo fazê-lo quando o debate envolver súmulas simples do STF e do STJ.

Nesse mesmo sentido de que o magistrado de primeiro grau tem de verificar

com bastante acuidade o conteúdo da apelação tirada diante de sentença que tem

fulcro em súmula do STF ou do STJ, Luiz Wambier, Teresa Wambier e José Miguel

Garcia Medina observam que tal postura mostra-se recomendável especialmente

porque o conteúdo da apelação poderá, muitas vezes, compor-se de

367 Sobre a inconstitucionalidade do dispositivo em estudo, JORGE, Flávio Cheim, DIDIER JR., Fredie, e RODRIGUES, Marcelo Abelha. A terceira etapa da reforma processual civil, p. 215. 368 NERY JR., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado, p. 747.

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questionamento acerca da própria aplicabilidade de determinada súmula ao caso

concreto.369,370

369 WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, v. 2, p. 228. 370 Veja-se também FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima et alii. Reforma do CPC, p. 363.

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CAPÍTULO V – TEMAS RELACIONADOS ÀS ATIVIDADES DE OFÍCIO NO PROCESSAMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

V.1 - A conversão do agravo de instrumento em retido

Entre as recentes modificações havidas no direto processual civil brasileiro,

merecedora de destaque é a significativa alteração do regime de recurso de agravo,

derivada da Lei 11.187/05.

Se outrora ficava a exclusivo critério da parte optar pelo agravo de

instrumento ou pelo agravo sob a forma retida, presentemente este último (agravo

retido) perfaz a modalidade de agravo que em regra pode ser manejada pelo

jurisdicionado, quedando o agravo de instrumento reservado exclusivamente a

hipóteses (i) de urgência, em que a decisão interlocutória é capaz de gerar à parte

dano de difícil ou impossível reparação, ou (ii) de decisões proferíveis após a

sentença e que digam respeito ao recebimento do recurso de apelação (rectius, à

sua admissão ou aos efeitos em que for recebida, conforme redação do art. 522 do

CPC).371,372

Bem se vê que se tornou absolutamente excepcional a interponibilidade do

agravo de instrumento, reservado que está a situações de urgência e a decisões

vinculadas à admissibilidade da apelação.

Nesta toada, do inc. II do art. 527 do CPC dimana que o relator ao qual for

distribuído o agravo de instrumento poderá, em juízo singular e sem possibilidade de

recurso por parte do agravante, convertê-lo em agravo retido, caso não identifique

urgência na apreciação do recurso, ou a hipótese não cogite de decisão atinente à

admissibilidade do recurso de apelação.

Dessarte, uma nova, e importante, atividade de ofício em sede recursal diz

respeito à conversibilidade do agravo de instrumento em retido. 371 Bom que se diga que, anteriormente à Lei 11.187/05, já existia tal possibilidade de conversão de agravo de instrumento em agravo retido, porém sem a imperatividade do inc. II do atual art. 527 do CPC (“converterá...”). Tratava-se de mera opção do julgador, que raramente era consumada. 372 Além da hipótese de urgência, há corrente doutrinária que sustenta o cabimento do agravo de instrumento em hipóteses insuscetíveis de preclusão, como se dá com as matérias de ordem pública. Dado não serem passíveis de preclusão (e o agravo retido tem por escopo evitar a preclusão), sustenta-se que interlocutórias atinentes a matérias de ordem pública desafiaram agravo de instrumento, apenas. Neste sentido, NOTARIANO JR., Antonio de Pádua. A conversibilidade do agravo de instrumento, v. 8, p. 32.

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A relevância de tal decisão avoluma-se ainda mais por conta do fato de que

dela não caberá recurso, restando ao litigante tão-só o aviamento de pedido de

reconsideração, consoante disciplina do parágrafo único do art. 527 do CPC.

A irrecorribilidade com que o legislador trancafiou a parte relativamente à

decisão conversora do agravo de instrumento em agravo retido tem,

induvidosamente, escopo de abreviação do trâmite processual,373 e não foram

poucas as críticas que se lhes destinou a doutrina quando da entrada em vigor da

Lei 11.187/05.

Deveras, e concordamos integralmente com este ponto de vista, torna-se

inescondível a restrição de pleno acesso à justiça gerada por medidas como a

excepcionalidade da interposição do agravo de instrumento, ou a irrecorribilidade da

decisão que o converte em agravo retido, determinando a descida dos autos do

agravo ao primeiro grau para apensamento aos autos da ação principal.

Trata-se, em nosso sentir, de mais uma das manifestações do

subdesenvolvimento nacional que se projeta sobre o ambiente processual civil:

diante do inegável aumento da demanda ao Judiciário (o que é sintoma, de um

modo geral, de sociedade civil mais atenta às suas pretensões e favorecida por

benéfica ampliação do acesso à justiça), opta-se, para corrigir o assoberbamento

dos tribunais, pela imposição de óbices procedimentais ao jurisdicionado

(mergulhando-se de cabeça em diretrizes perigosas, como a irrecorribilidade, com a

qual não estava acostumado o CPC brasileiro), em vez de se ampliar a estrutura

forense (em termos qualitativos e quantitativos), que seria o caminho natural e mais

adequado.374

Em termos pragmáticos, ao empreender esse juízo de aferição do agravo de

instrumento, avaliando-se se há cabimento, o relator do recurso trilha um caminho

intelectual assemelhado àquele ínsito à concessão do efeito suspensivo que

comumente lhe é requerido, existindo entre ambos apenas um discrímen relevante:

se para a concessão do efeito suspensivo exige-se, a teor do art. 558 do CPC, (i)

373 Neste sentido, CARNEIRO, Athos Gusmão. Do recurso de agravo ante a lei 11.187/2005. Neste artigo, o prestigiado autor contextualiza o surgimento do projeto de lei que resultou na Lei 11.187/05, destacando o intuito de abreviação do trâmite processual no que respeita à transformação do agravo de instrumento em recurso de cabimento excepcional (op. cit., p. 38). 374 A propósito deste assunto, recomenda-se a leitura de artigo da professora Teresa Wambier, em que se ressalta a restrição de acesso justiça em decorrência das mudanças no regime do recurso de agravo encetadas pela Lei 11.187/05. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O novo recurso de agravo, na perspectiva do amplo acesso à justiça, garantido pela Constituição Federal, p. 337.

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demonstração de risco e (ii) relevância da fundamentação (vale dizer, algo parecido

com a fumaça do bom direito), para a verificação de cabimento do agravo de

instrumento basta a identificação do risco, em geral, conforme disposto no caput do

art. 522 do CPC.

No tópico V.7 infra se desenvolve análise crítica dessa irrecorribilidade.

V.2 - A petição do art. 526 do CPC

Como é de conhecimento corrente, o recurso de agravo de instrumento exige

dos profissionais da advocacia acentuada atenção e esforços robustos quando de

sua interposição, tanto em termos intelectuais quanto em termos braçais.

De fato, com a maximização dos pleitos de tutelas de urgência (mormente

após a inserção da tutela antecipada no direito brasileiro), especialmente em

primeiro grau de jurisdição, forçosamente tornou-se muito mais amplo o uso do

agravo de instrumento, modalidade recursal que acabou por acompanhar a

popularização dos pedidos de liminares em primeiro grau (estas, indeferidas,

desafiam agravo de instrumento, que por sua vez contém possibilidade de

providência liminar consistente no efeito suspensivo).

Juntada de peças obrigatórias, outras facultativas, petição de interposição

com indicação de peças, dos advogados das partes, recolhimento de custas de

interposição e de porte de retorno, razões recursais etc. Trata-se, a toda evidência,

de recurso que exige do causídico inspiração e transpiração!

Entre estas diversas providências ínsitas à interposição do agravo de

instrumento, consta a apresentação, em primeiro grau de jurisdição, e em três dias

após o aforamento do recurso, de cópia deste e dos documentos que o instruíram,

de modo que possa o magistrado desenvolver eventual juízo de retratação. Trata-se

da famigerada petição do art. 526 do CPC.

Nos primórdios das mudanças inúmeras pelas quais tem passado o agravo de

instrumento, a não apresentação dessa petição gerava não conhecimento do agravo

de instrumento, de forma incontornável.375

Não raro, a parte agravante era instada a comprovar perante o tribunal a

apresentação de referida petição em primeiro grau de jurisdição.

375 Redação do art. 526 do CPC conforme a Lei 9.139/95.

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Posteriormente, com o advento da Lei 10.352/01, abrandou-se esse rigor, não

sendo mais automático o não conhecimento do agravo de instrumento em caso de

ausência do petitório do art. 526 do CPC: atualmente, diz a lei que “o não

cumprimento do disposto neste artigo, desde que argüido e provado pelo agravado,

importa inadmissibilidade do agravo” (CPC, art. 526, parágrafo único).

Dessa forma, apenas mediante provocação (e comprovação) do recorrido e

que poderá dar-se o não conhecimento do recurso por força da não apresentação da

petição prevista no art. 526 do CPC.376

Há que se destacar, contudo, que identificamos tendência interessante do

STJ no sentido de relativizar essa exigência legislativa (a apresentação de predita

petição do art. 526 do CPC), com a qual concordamos integralmente, principalmente

por ser de rarefeita ocorrência a reconsideração de decisão por parte do juízo

recorrido.377,378

De nossa parte, temos plena convicção de que se trata de posicionamento

acertado este adotado, e pacificado já, pelo STJ, especialmente porque é inegável

que a petição do art. 526 do CPC releva para a própria parte agravante, no sentido

de ser a exclusiva beneficiária de eventual reconsideração por parte do juízo

recorrido, id est, não há qualquer laivo de nocividade ao recorrido ou à higidez

procedimental do agravo por conta da ausência de tal petitório.

De mais a mais, não é possível que se perca de vista a novel disposição

constante do § 4º do art. 515 do CPC, permissiva da correção de nulidades

sanáveis, conforme já abordado neste estudo, e sem qualquer dúvida temas como 376 Como asseverado por Fredie Didier Jr., a comunicação prevista no art. 526 do CPC consiste em um ônus da parte (e não num dever), vale dizer, a não apresentação do petitório do CPC art. 526 apenas acarretará conseqüência negativa ao recorrente se houver provocação do adversário neste sentido. DIDIER JR., Fredie. Primeiras impressões sobre o par. ún., art. 526, CPC, p. 226. 377 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 526, CPC. DESCUMPRIMENTO. IRRELEVÂNCIA. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL FIRMADA ANTES DA LEI N. 10.352/2002. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Na linha da jurisprudência deste Tribunal, firmada anteriormente à Lei n. 10.352/2002, o descumprimento do disposto no art. 526, CPC não tinha o condão de impedir o conhecimento do agravo. 2. Agravo interno desprovido” (STJ, AgRg no REsp n. 357.356, rel. Min. Denise Arruda, DJ de 24.05.2004). 378 Em decisão anterior à própria Lei 10.352/02, que veio flexibilizar esta exigência, já se notava forte tendência relativizadora desta disposição do art. 526 do CPC, conforme se afere de decisão do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira: “PROCESSO CIVIL. CPC, ART. 526. INTERPRETAÇÃO. RECURSO CONHECIDO PELO DISSÍDIO MAS DESPROVIDO. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. - Segundo passou a entender o Tribunal, o descumprimento da norma do art. 526, CPC, não impede o conhecimento do agravo” (STJ, EREsp n. 172.411, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 28.02.2000).

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complementação de custas, complementação de peças recursais e afins compõem

rol de vícios absolutamente sanáveis, o que, aliás, é absolutamente consentâneo

com o princípio pas de nullité sans grief.

De se lamentar, contudo, que essa percepção instrumentalista do processo

não se espraie a questões análogas, em que ainda se verifica certa herança de

outros tempos do direito processual civil, em que o apego à forma pela forma se

mostrava central. Referimo-nos à problemática das peças instrutoras do agravo de

instrumento, cuja complementação, em hipótese de ausência, é vedada pela

jurisprudência pátria dominante, ainda refratária, conforme nosso sentir, ao espírito

do § 4º do art. 515 do CPC.

É o que se expõe a seguir.

V.3 - As peças obrigatórias nos agravos de instrumento

Conforme asseveramos acima, não identificamos, relativamente às peças que

devem instruir o agravo de instrumento, qualquer espaço concedido pela

jurisprudência no que tange à sua complementação posteriormente à interposição

recursal.

Trata-se, aliás, de tema pacificado no sentido de que o agravo de instrumento

deve ser interposto sem qualquer vício formal no que tange às peças que devem

instruí-lo, conforme se afere da jurisprudência do STJ consolidada acerca do

assunto.379,380

379 “PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PETIÇÃO RECURSAL SUBSCRITA POR ADVOGADO QUE NÃO OSTENTA A CONDIÇÃO DE PROCURADOR AUTÁRQUICO – AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO – TRASLADO INCOMPLETO – JUNTADA POSTERIOR DAS PEÇAS OBRIGATÓRIAS – DESCABIMENTO. 1. A representação processual de município independe de instrumento de mandato, desde que seus procuradores estejam investidos na condição de servidores municipais, por se presumir conhecido o mandato pelo seu título de nomeação ao cargo. 2. A simples menção da condição de advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil indica a contratação do profissional para o caso concreto. Nessa hipótese, é fundamental a procuração. 3. A ausência do translado da procuração outorgada ao advogado do agravante na instrução do agravo de instrumento leva ao seu não conhecimento. 4. Descabe a posterior juntada das peças obrigatórias, necessárias à análise do agravo de instrumento, porque operada a preclusão consumativa. 5. Agravo regimental improvido” (SJT, AgRg no Ag n. 790.516, rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 15.12.2006). 380 Interessante notar que a belíssima norma inserida no art. 515, § 4º, a nosso ver permissiva de supressão de irregularidades sanáveis como a ausência de peças na formação do instrumento do agravo, não se consolidou no âmbito jurisprudencial, como demonstra decisão do STJ datada de fins de 2007, bastante recente, portanto:

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Tal linha de pensamento, em nosso sentir, apresenta-se um tanto deslocada

hodiernamente, o que afirmamos tomando em consideração que hipóteses

absolutamente análogas (custas, especialmente) contam com tratamento

jurisprudencial marcadamente mais liberal, como tivemos oportunidade de afirmar

acima.

E que não se diga, aliás, que as custas admitem complementação por força

de expressa previsão legal (art. 511 do CPC): esse argumento não tem mais

validade após a entrada em vigor do § 4º do art. 515 do CPC, que expressamente

autoriza a correção posterior de nulidades sanáveis, como é a falta de peças

obrigatórias no agravo de instrumento.

Não estamos a defender a interposição de agravos de instrumento

desprovidos de peças, ou desprovidos dos requisitos de admissibilidade; o que

entendemos teratológico é impedir a parte de complementar o instrumento de

agravo, para o que poderia ser concedida ao menos uma possibilidade, como, aliás,

ocorre com a mais relevante das peças processuais, a exordial, cuja emenda é

admitida pelo CPC.

Ainda a respeito da formação do instrumento do agravo, especialmente em se

tratando de agravos aforados em face de decisões de inadmissão de recursos

excepcionais, temos percebido imensa restrição ao conhecimento de tais agravos

com lastro em decisões fundadas em ilegibilidade do carimbo de protocolo

estampado em cópias obrigatórias (como a chancela de protocolo do recurso

inadmitido).

Discordamos também desse posicionamento.

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ADVOGADA SUBSCRITORA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO COM REPRESENTAÇÃO IRREGULAR. SUBSTABELECIMENTO APÓCRIFO. SÚMULA 115/STJ. 1. A advogada subscritora do agravo de instrumento não se encontra regularmente constituída nos autos, uma vez que o substabelecimento que lhe transfere poderes não está assinado pelo substabelecente. 2. A falha na cadeia de representação processual implica a deficiência formal do agravo de instrumento, sendo inviável a posterior juntada de peças, sob pena de ofensa ao princípio da preclusão consumativa. 3. ‘Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos’ (Súmula 115/STJ). 4. Agravo regimental não provido” (SJT, AgRg no Ag n. 930.646, rel. Min. Castro Meira, DJ de 08.11.2007).

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Evidentemente, é certo que assiste total razão ao órgão jurisdicional quando

lavra adequadamente o juízo de admissibilidade. Cumpre-lhe, no desempenho deste

mister, aferir justamente os requisitos de admissibilidade do recurso.

O que nos causa espécie, contudo, é o campo minado que por vezes se

estabelece em detrimento do jurisdicionado, mormente porque diversas nulidades

sanáveis que habitam o recurso (cópias ilegíveis, formação insuficiente do

instrumento) são absolutamente superáveis, corrigíveis, e de ordinário não se

concede oportunidade à parte para sua correção.

Quanto à legibilidade de carimbos de protocolo em cópias que instruem

agravos de instrumento, que poderia fazer a parte? Exigir que seja reforçada a

tintura no maquinário de protocolo do tribunal local? Acalcar protocolos passíveis de

serem rotulados ilegíveis?

Que dizer, então, da imensa subjetividade com que se decide por tal

ilegibilidade, cenário que fica agravado pela circunstância de exigir-se, no STJ, que

os agravos com peças possivelmente continentes de carimbos de protocolo ilegíveis

já venham instruídos com certidão atestando a tempestividade do recurso cuja cópia

tem o tal protocolo ilegível?381 Teria o recorrente de portar-se qual um vidente,

prenunciando ocorrências futuras no processo?

O que nos ocasiona profunda discordância é a lógica da não concessão de

oportunidades de correção de vícios formais, de simplicíssima supressão, o que

revela indiscutivelmente uma linha de conduta jurisprudencial que parece pretender

381 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CARIMBO DO PROTOCOLO DO RECURSO ESPECIAL ILEGÍVEL. TEMPESTIVIDADE. AFERIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ÔNUS DO AGRAVANTE INCUMPRIDO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A correta formação do agravo de instrumento é ônus do agravante, sob pena de não conhecimento. 2. A falta ou a ilegibilidade do carimbo do protocolo da cópia do recurso especial inviabiliza a aferição de sua tempestividade, o que obsta o conhecimento do agravo de instrumento. Precedentes desta Corte de Justiça. 3. O recurso especial está sujeito ao duplo juízo de admissibilidade, de modo que o exame dos requisitos de admissibilidade realizado pelo tribunal a quo não vincula este Superior Tribunal de Justiça, a quem compete processar e julgar o especial, cabendo-lhe, por conseguinte, o juízo definitivo de admissibilidade. 4. O Superior Tribunal de Justiça é o órgão competente para proferir o juízo definitivo acerca dos requisitos de admissibilidade do recurso especial, de modo que cumpre ao agravante, em caso de não ser possível a leitura da data do carimbo do protocolo, juntar, no momento da interposição do agravo de instrumento, certidão na qual conste a data da interposição do recurso especial. 5. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no Ag n. 939.817, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 10.12.2007).

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acumular estatísticas de não conhecimento de recursos (especialmente em esfera

excepcional).382

V.4 - Requisição de informações

Também é integrante do rol de atividades de ofício desempenhadas em

esfera recursal o pedido de informações ao juízo a quo realizado pelo relator do

recurso de agravo de instrumento, de conformidade com o previsto no art. 527, inc.

IV, do CPC.

Trata-se, é verdade, de faculdade do relator do recurso, assemelhada às

informações que são prestadas em sede de mandado de segurança por parte da

autoridade coatora.

A finalidade desse pleito de informações ao juízo recorrido não é outra senão

a prospecção de maiores elementos informativos acerca das circunstâncias em que

proferida a decisão agravada. Nessa oportunidade, poderá o magistrado inferior,

ainda, carrear ao tribunal outros elementos informativos que julgar pertinentes ao

bom desempenho da jurisdição recursal.383

De se observar, porém, que a prestação de informações não é ocasião

adequada para que o juízo recorrido possa deduzir contradição ao agravo de

instrumento, como fossem contra-razões recursais; trata-se, em verdade, de

momento em que busca o tribunal aferir a veracidade de algumas informações

suscitadas pelo agravante e que possam ter relevante influência no julgamento do

agravo de instrumento ou na concessão de efeito suspensivo que seja requerido

pelo agravante.

A não prestação de informações pelo juízo de primeiro grau, ou a não

requisição destas pelo tribunal, em nada prejudica o procedimento do agravo de

382 Neste sentido, é lapidar a notícia veiculada no site do STJ, em data de 18.12.2007: “O Núcleo de Agravos da Presidência (Napre) vai fechar 2007 com mais de 22 mil agravos de instrumento reprovados no exame prévio de admissibilidade. A marca supera em quase 50% a meta de 15 mil análises estabelecida para o primeiro ano de trabalho. Todos os agravos foram rejeitados com base na Resolução número 4 do Tribunal, que permite ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, por decisão unipessoal e antes mesmo da distribuição, negar seguimento aos agravos de instrumento manifestamente inadmissíveis ou sem perspectiva de provimento” (Consulta realizada no endereço eletrônico http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=86024. Acesso em 05 de janeiro de 2008). 383 SALLES, José Carlos de Moraes. Recurso de agravo, p. 139.

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instrumento, dado que, como asseveramos acima, cuida-se de mera faculdade

estatuída em lei.

É interessante notar que as informações, quando pleiteadas, o são na mesma

oportunidade em que deverá ser intimado o agravado para contraditar os termos do

agravo de instrumento, do que deflui que são atos processuais absolutamente

díspares relativamente ao conteúdo que deles se espera: se as informações têm o

fito de, de modo neutro e sem escopo defensivo, produzir informes do sucedido em

primeira instância relativamente à decisão recorrida, as contra-razões de agravo

destinam-se ao reproche do quanto asseverado no recurso.

Há, na prestação de informações por parte do juízo recorrido, necessidade de

observância de imparcialidade plena, sem que se antolhe possível qualquer sorte de

argumentação defensiva da posição processual do agravado, sob pena de lesão ao

dever de neutralidade do magistrado de primeiro grau.

Em termos cronológicos, as informações deverão ser prestadas em 10 dias,

conforme preceitua ao art. 527, inc. IV, do CPC, e, como dito, sua não prestação não

invalida o procedimento do agravo instrumental.

V.5 - Intimação para contraminuta quando não citado o réu?

Há interessante questão no que respeita ao exercício do contraditório quando

da interposição do agravo de instrumento, que se poderia sintetizar na seguinte

indagação: em hipóteses de agravo de instrumento interposto diante de decisão

interlocutória proferida antes da citação do réu, deverá ser este intimado para

apresentar resposta a tal recurso interposto pelo autor?

Trata-se de hipótese em que a atuação judicial ex officio concentra-se na

intimação do agravado para se manifestar sobre o agravo de instrumento, em

prestígio ao princípio do contraditório. Em que pese tenhamos destinado tópico

próprio à abordagem do princípio do contraditório, destacamos aqui a presente

questão por encontrar-se afeta também, e mais especificamente, ao recurso de

agravo de instrumento

Por primeiro, diga-se que a intimação do réu não citado para apresentação de

contraminuta ao agravo de instrumento pressupõe, evidentemente, decisão

interlocutória total ou parcialmente desfavorável ao autor em primeiro grau de

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jurisdição, decisão esta que no mais das vezes terá caráter de urgência (pleito de

liminares cautelares ou antecipatórias de tutela inaudita altera parte).

Em segundo lugar, de modo que o problema seja compreendido em sua

completude, imaginemos o que sucederia caso não houvesse intimação do réu para

resposta ao agravo tirado pelo autor diante do indeferimento, por exemplo, de pleito

de liminar sem a oitiva da contraparte: o agravo de instrumento tramitaria sem

qualquer intervenção do réu não citado e, caso se desse provimento a esse agravo

de instrumento, quedaria revertida a decisão agravada, por conta do efeito

substitutivo ínsito ao recurso de agravo (substituição da decisão agravada pelo

pronunciamento decisório de provimento do agravo de instrumento).

Como conseqüência lógica, em virtude da não participação do réu nessa

instância recursal do agravo de instrumento tirado pelo autor, quedaria preclusa a

decisão sobre a liminar concedida por força do provimento do agravo, sem que

tenha havido qualquer atuação do requerido no procedimento recursal.

Disso decorre que o réu, quando intervier nesse processo após ser citado, já

o encontrará com um cenário definido relativamente à decisão interlocutória benéfica

ao autor por força do julgamento favorável do agravo de instrumento. De fato,

apenas será possível pretender alguma alteração do cenário processual relativo à

decisão interlocutória caso surja fato novo, ou situação jurídica nova que justifique a

cassação da decisão interlocutória favorável ao autor.

Em termos bem diretos, o réu passaria a integrar o processo tendo contra si

consolidada, e preclusa, a questão atinente à interlocutória concedida em prol do

requerente, da qual não mais caberá recurso.

Tal situação é, a nosso ver, inadmissível, mormente porque infensa ao

contraditório, signo de processo civil movido pela participação intensa dos sujeitos

processuais.

O que se nos apresenta correto nesta hipótese é, evidentemente, que seja

dada oportunidade ao requerido para participar, em resposta, do agravo de

instrumento, de modo que a decisão que advier do julgamento deste tenha sido

haurida mediante oitiva (participação) de ambos os litigantes, evitando-se o

pronunciamento unilateral que seria gerado caso o réu não fosse instado a participar

do procedimento do recurso de agravo de instrumento. O princípio do contraditório,

tão caro ao processo civil, restaria, assim, prestigiado, bem como seria desenvolvida

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a atividade jurisdicional aderida de maiores elementos de convicção, decorrentes da

participação de ambas as partes litigantes.

Em termos práticos, o tribunal receberia o agravo de instrumento, apreciaria

eventual pleito de efeito suspensivo e, no tempo exigido até o julgamento final do

recurso (meses, seguramente), deveria diligenciar-se pela citação e, via de

conseqüência, pela intimação do réu para manifestar-se em sede de contraminuta.

A questão, entretanto, não conta com tal percepção em termos

jurisprudenciais, dado que se tem entendido, em diversos pronunciamentos, não

existir qualquer prejuízo à parte ré em caso de provimento do agravo de instrumento

sem sua participação em contraditório, porque não citada.

Com efeito, note-se, à guisa de ilustração, que há entendimento firmado no

STJ no sentido de que é “dispensável a intimação do agravado para contra-razões

em agravo de instrumento quando o recurso foi interposto contra decisão que

indeferiu tutela antecipada sem a ouvida da parte contrária e antes da citação do

demandado”,384o que, conforme as razões que expusemos acima, não nos parece

correto, venia concessa.

V.6 - Extensão do efeito translativo no agravo de instrumento

Interessante questão sobre o agravo respeita à existência de efeito translativo

em tal recurso nos moldes do que sucede com a apelação: ao julgar um agravo de

instrumento, por exemplo, poderia o tribunal extinguir o feito por ilegitimidade

passiva, ou por prescrição, sem que tais argumentos sejam fundamento do recurso?

Adiantamo-nos a dizer que pensamos que sim.De fato, diante de matérias

cognoscíveis ex officio que estejam a viciar o processo ou que possam significar a

extinção do feito com julgamento de mérito (é o caso da prescrição, por exemplo),

384 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE AGRAVADA PARA RESPOSTA. INEXISTÊNCIA DE CITAÇÃO NA ORIGEM E DE REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS. DESNECESSIDADE. 1. A jurisprudência do STJ considera dispensável a intimação do agravado para contra-razões em agravo de instrumento quando o recurso foi interposto contra decisão que indeferiu tutela antecipada sem a ouvida da parte contrária e antes da citação do demandado. Precedentes: REsp 164876/RS, Min. Aldir Passarinho Júnior, 4ª T., DJ 12.02.2001; REsp 205039/RS, Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., DJ 01.07.1999; REsp 189729/RS, Min. Barros Monteiro, 4ª T., DJ 05.04.1999; AgRg na MC 5611/MA, Min. Laurita Vaz, 2ª T., DJ 03.02.2003; REsp 175368/RS, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., DJ 12.08.2002. 2. Recurso especial a que nega provimento” (STJ, REsp n. 898.207, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 29.03.2007).

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não faz sentido impedir o magistrado de atuar ex officio em outros recursos que não

o de apelação, como fosse razoável, por exemplo, apreciar-se o mérito de um

agravo de instrumento quando o relator desse recurso, em percepção ictu oculi, já

tenha notado a presença de impossibilidade jurídica do pedido.

O efeito translativo, nesse sentir, parece-nos permitir ao tribunal a cognição

de ofício de certas matérias também em sede de recurso de agravo de instrumento,

e defendemos também este ponto de vista relativamente aos recursos excepcionais,

consoante se aferirá da leitura de tópico desenvolvido na seqüência deste estudo.385

O processo civil não é dado mais a fetiches, como ocorreria caso fosse

vedado reconhecimento da prescrição pelo juízo do agravo de instrumento,

cerrando-se olhos a algo evidente e provendo-se, ad exemplum, agravo tirado de

ação prescrita.

De mais a mais, não se pode perder de vista o caráter purificador, saneador,

que o efeito translativo empresta ao processo civil, permitindo-se o controle de sua

higidez por parte do magistrado em grau recursal.

Uma observação fazemos, contudo: de modo que seja respeitado o princípio

do contraditório, deverá o órgão jurisdicional de segundo grau instar a parte contrária

a se manifestar sobre a matéria de ordem pública que será avaliada ex officio,

quando tal lhe causar prejuízo, e deverá dar ouvida à parte recorrente antes da

decisão de ofício, quando for o agravante o potencialmente prejudicado, sob pena

de nulidade processual.

Em síntese, não nos parece ser relevante o veículo (o recurso) pelo qual o

órgão jurisdicional conheça de matérias apreciáveis de ofício em grau recursal; o

que se nos afigura relevante é que o magistrado possa fazê-lo, evitando-se o

prosseguimento de demandas acoimadas por vícios de ordem pública.386

385 Neste sentido, FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Falta de pressuposto processual ou de condição da ação – declaração ex officio em agravo de instrumento, p. 956. 386 Em sentido contrário, registre-se a opinião de SANTOS, Evaristo Aragão Ferreira dos. Possibilidade de o tribunal julgar agravo e extinguir o processo conhecendo matéria não objeto do agravo, p. 302. Para o autor, a apreciação de matéria de ordem pública em agravo de instrumento independentemente de provocação da parte violaria o princípio do contraditório e do duplo grau de jurisdição. De nossa parte, pensamos que a questão do contraditório pode ser sanada mediante oitiva prévia das partes, sendo certo que, relativamente ao duplo grau de jurisdição, cediço ser hoje um princípio que a doutrina majoritária refuta como de caráter constitucional. Frise-se, porém, que o artigo ora mencionado foi escrito antes da entrada em vigor do § 3º do art. 515 do CPC, a partir do qual se fortaleceu a idéia de que o duplo grau de jurisdição não tem tônus constitucional.

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Há precedente do STJ nesse sentido, em que se destacou o prestígio ao

princípio da economia processual.387

V.7 - A irrecorribilidade da decisão que aprecia o pedido de efeito suspensivo no agravo de instrumento

Ainda sobre o recurso de agravo de instrumento, convém seja abordada uma

situação derivada de recente mudança legislativa: a irrecorribilidade da decisão

liminar que aprecia pleito de efeito suspensivo ao recurso, conforme conteúdo do

parágrafo único do art. 527 do CPC (com a redação que lhe deu a Lei 11.187/2005).

O assunto chama-nos a atenção porque, além de relacionar-se a um tema

exigente de atividade judicial de ofício (aferição dos requisitos de admissibilidade do

recurso, especialmente a previsibilidade legal do recurso, que in casu inexiste),

revela a lamentável (porém cada vez mais costumeira) tendência de conferir

irrecorribilidade a algumas decisões judiciais.

A respeito da irrecorribilidade, reportamo-nos às críticas já registradas no item

V.1 acima, quando se tratou da irrecorribilidade da decisão conversora do agravo de

instrumento em retido.

Há, contudo, um aspecto que torna gritantemente absurda a vedação de

recurso em face da decisão que aprecia efeito suspensivo ou antecipação de tutela

em sede de agravo de instrumento: ambas as providências integram o gênero das

tutelas de urgência, vale dizer, em geral pressupõem cenário de risco de

fenecimento de algum direito vindicado pelo agravante em primeiro grau de

jurisdição. Nesse sentido, sendo certo que a decisão que apreciará o efeito

suspensivo ou a antecipação de tutela requeridos no agravo de instrumento é, no

387 “PROCESSO CIVIL – AGRAVO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE CONCEDEU LIMINAR EM AUTOS DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 512 DO CPC – AFASTADA – EFEITO TRANSLATIVO DOS RECURSOS ORDINÁRIOS – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL E DO PROCESSO DE RESULTADOS – APONTADA OFENSA AOS ARTIGOS 458, II, E 535, II, DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA – PEDIDO DE SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIA DA COTA DE PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA INSTITUÍDA PELA LEI N. 3.504/97 DE BIRIGÜI – MINISTÉRIO PÚBLICO – ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – PRECEDENTES – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL SUPERADA. Em respeito ao efeito translativo dos recursos ordinários, pode o Tribunal Estadual, ao julgar agravo interposto contra decisão concessiva de liminar, extinguir o processo sem julgamento do mérito, conhecendo de ofício da ilegitimidade da parte, por se tratar de matéria de ordem pública, suscetível de ser apreciada nas instâncias ordinárias. Tal regra privilegia, também, os princípios da economia processual e do processo de resultados. (...)” (STJ, REsp 302.626, rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 04.08.2003).

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mais das vezes, realizada monocraticamente em grau recursal (pelo relator,

exclusivamente), parece-nos, diante da relevância do tema (envolto em urgência),

evidente açodamento legislativo, para dizer o mínimo, taxar de irrecorríveis tais

decisões.

O que se verifica relativamente ao agravo de instrumento (e é de se lamentar

esta constatação) é que, tornado um recurso de imensa relevância no cotidiano

forense (justamente por vir no vácuo das tutelas de urgência concessíveis em

primeiro grau, tornando-se seu paradigma em grau recursal diante do efeito

suspensivo que lhe pode ser aderido),388 o legislador, atendendo a um clamor dos

tribunais acossados pelo número de agravos que passaram a ser aviados (o que é

um absurdo, pois, para dar vazão à demanda por jurisdição, há que se ampliar a

estrutura de produção desta jurisdição), vem restringindo mais e mais a via de

acesso a esse relevante mecanismo recursal, tornando-o excepcional e blindando o

juízo de segundo grau contra recursos tirados em face da conversão do agravo

instrumentado em retido ou da decisão que aprecie tutela cautelar ou antecipada

recursal.

A criatura, contudo, parece ter-se voltado contra o criador: ao impedir o

recurso em face das decisões de conversão do agravo de instrumento em retido ou

atinentes ao efeito suspensivo, o legislador acabou por revigorar, como já dissemos,

o mandado de segurança contra ato judicial.

O tiro, tão grosso o calibre do projétil da irrecorribilidade, caiu no pé, e a

jurisprudência mais esclarecida já notou a autofagia que normas que tais ocasionam

(na sanha de impedir o acesso à justiça, acaba-se por fomentá-lo por vias

oblíquas).389,390

388 Neste sentido, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O novo recurso de agravo, na perspectiva do amplo acesso à justiça, garantido pela Constituição Federal, p. 98. 389 Como bem asseverado pela Ministra Nancy Andrighi, do STJ, a revitalização do mandado de segurança por medidas como a irrecorribilidade imposta no parágrafo único do art. 527 do CPC gera maior atravancamento do judiciário: “As sucessivas reformas do Código de Processo Civil estabeleceram um processo cíclico para o agravo de instrumento: Inicialmente, ele representava um recurso pouco efetivo, de modo que sua interposição vinha sempre acompanhada da impetração de mandado de segurança que lhe atribuísse efeito suspensivo. Visando a modificar essa distorção, a Lei nº 9.139/95 ampliou o espectro desse recurso, tornando-o ágil e efetivo, o que praticamente eliminou o manejos dos writs para a tutela de direitos supostamente violados por decisão interlocutória. - O aumento da utilização de agravos de instrumento, porém, trouxe como contrapartida o congestionamento dos Tribunais. Com isso, tornou-se necessário iniciar um movimento contrário àquele inaugurado pela Lei nº 9.139/95: o agravo de instrumento passou a ser restringido, inicialmente pela Lei nº 10.352/2001 e, após, de maneira mais incisiva, pela Lei nº 11.187/2005.

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Observe-se, ainda, outra impropriedade constante desse malsinado parágrafo

único do art. 527 do CPC: a disposição legal no sentido de que a decisão de

conversão do agravo de instrumento em retido apenas será passível de reforma

quando do julgamento do agravo.

O absurdo dessa disposição, notado por Fabiano Carvalho,391 reside no fato

de que, ao aduzir que a conversão do agravo retido em agravo de instrumento

poderá ocorrer quando do julgamento deste recurso, a lei padece de imensa

inutilidade: ora, quando do julgamento do agravo retido, de nada adiantará convertê-

lo em agravo de instrumento, pois já se estará na iminência do julgamento do

recurso, e já se terão consumado os prejuízos temporais decorrentes da conversão.

É impressionante a vacuidade deste parágrafo único do art. 527 do CPC.

Esta disposição do parágrafo único do art. 527 do CPC recebeu críticas

também por conta de sua alegada inconstitucionalidade, dado que, ao retirar a

possibilidade de recurso (agravo) ao colegiado diante de decisão do relator, teriam

sido lesionados os princípios constitucionais do acesso à justiça e da colegialidade

dos pronunciamentos de 2º grau (CF, arts. 92 e ss). Nessa linha de pensamento,

citemos as valiosas opiniões de Flávio Luiz Yarshell392 e de José Alexandre

Manzano Oliani.393

- A excessiva restrição à utilização do agravo de instrumento e a vedação, à parte, de uma decisão colegiada a respeito de sua irresignação, trouxe-nos de volta a um regime equivalente àquele que vigorava antes da Reforma promovida pela Lei nº 9.139/95: a baixa efetividade do agravo de instrumento implicará, novamente, o aumento da utilização do mandado de segurança contra ato judicial. - A situação atual é particularmente mais grave porquanto, agora, o mandado de segurança não mais é impetrado contra a decisão do juízo de primeiro grau (hipótese em que seria distribuído a um relator das turmas ou câmaras dos tribunais). Ele é impetrado, em vez disso, contra a decisão do próprio relator, que determina a conversão do recurso. Com isso, a tendência a atravancamento tende a aumentar, já que tais writs devem ser julgados pelos órgãos plenos dos Tribunais de origem. - Não obstante, por ser garantia constitucional, não é possível restringir o cabimento de mandado de segurança para essas hipóteses. Sendo irrecorrível, por disposição expressa de lei, a decisão que determina a conversão de agravo de instrumento em agravo retido, ela somente é impugnável pela via do remédio heróico. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, RMS n. 22.847, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 26.03.2007). 390 GOMES JR., Luiz Manoel. O novo regime do agravo de instrumento, p. 118. 391 CARVALHO, Fabiano. Problemas da conversão do agravo de instrumento em agravo retido e inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC, p. 976. 392 YARSHELL, Flávio Luiz. Alterações nas regras que disciplinam o agravo de instrumento: primeiras impressões, p. 63. 393 OLIANI, José Alexandre Manzano. Considerações sobre a (in) constitucionalidade da irrecorribilidade da decisão liminar do relator que atribui efeito suspensivo ou antecipa a tutela recursal no agravo de instrumento e do juízo de reconsideração, positivados pela Lei 11.187, de 19.10.2005, p. 1.023.

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CAPÍTULO VI - ATUAÇÃO DE OFÍCIO NOS RECURSOS DE EFEITO DEVOLUTIVO RESTRITO

VI.1 - Os recursos de efeito devolutivo restrito

Conforme informações já consignadas em outros tópicos do presente estudo,

os recursos cíveis, quanto à amplitude da devolutividade que carreiam ao órgão ad

quem, classificam-se em recursos de devolutividade ampla e de devolutividade

restrita.

A amplitude e a restrição que estão a caracterizar o efeito devolutivo dos

recursos cíveis está vinculada, a fortiori, à existência, ou não, de parâmetros

legislativos que balizem a fundamentação que a parte pretenda desenvolver em sua

peça recursal.

Em outras palavras, quando a legislação processual não contém disposições

exaustivas da fundamentação a ser articulada pelo recorrente, está-se diante de

recurso de fundamentação ampla, amplitude essa que, por conseguinte, espraia-se

também à investigação que será empreendida pelo órgão recursal quando de sua

atividade de revisão da decisão hostilizada.

Essa admissibilidade de fundamentação ampla significa que tem a parte

recorrente maior grau de dispositividade na condução de seu recurso, estruturando

seu pleito recursal em fundamentos (aspectos fáticos e jurídicos da causa)

livremente, sem que existam limites a respeito em legislação. Essa fundamentação,

digamos, livre, ampla, tem por corolário a devolutividade ampla.

Nessa categoria de recursos com fundamentação e efeito devolutivo amplos

estão a apelação, o agravo, o recurso ordinário.

D’outro turno, há os recursos cujos fundamentos atrelam-se a assuntos

predeterminados pela legislação processual, deles não podendo desgarrar-se

recorrente.

Esse pré-estabelecimento das matérias que podem ser agitadas em certos

recursos os torna recursos de fundamentação vinculada à legislação processual civil,

havendo, por conseguinte, evidente restrição do grau de disposição (princípio

dispositivo) atribuído à parte quando do manejo do recurso. A atividade revisora do

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órgão ad quem, pois, sofre conseqüente restrição, dado que a devolutividade é

restrita à fundamentação do recurso imposta por lei.

Nessa categoria de recursos de fundamentação vinculada e de efeito

devolutivo restrito estão os embargos declaratórios, os embargos infringentes e os

recursos excepcionais.

Sobre a circunstância de existirem, para alguns recursos, restrições no

tocante à fundamentação e à devolução de matérias ao órgão ad quem, diga-se que

tal situação decorre das próprias – e distintas – finalidades que os recursos

ostentam, sendo certo que é justamente a finalidade de um mecanismo recursal que

define os assuntos que nele podem ser argüidos.

No sentido de ilustrar que é a finalidade própria ao recurso que lhe define (i)

sua temática e, via de conseqüência, (ii) o que será objeto de apreciação pelo órgão

recursal, tome-se o exemplo dos embargos declaratórios: sendo certo que sua

finalidade é a correção de vícios que impedem a perfeita inteligência da decisão

recorrida (omissões, obscuridades, contradições e erros materiais), óbvio é que não

poderá o embargante desviar-se desses fundamentos recursais próprios aos

declaratórios para pretender o debate em torno do direito material discutido na

decisão a ser embargada. É o objetivo dos embargos de declaração, neste sentir,

que molda seus fundamentos.

Em se tratando de recursos cujo escopo é outro, qual seja, colocar em xeque

o acerto processual ou substancial da decisão recorrida (apelação, v.g.),

naturalmente essa finalidade balizará a esfera de fundamentação, e de

devolutividade, do recurso, que serão amplas, para que seja atingida a utilidade que

a legislação atribui a este recurso.

Restringindo nosso foco de análise aos recursos de fundamentação vinculada

e de efeito devolutivo restrito, sugere-se a seguinte indagação: existindo recursos

(declaratórios, infringentes, recursos excepcionais394) que têm seu embasamento

limitado por lei (a lei arrola exaustivamente o que pode ser discutido nestes

recursos), como se dá o relacionamento dessa limitação de fundamentação com

vícios de ordem pública e outras matérias exigentes de atuação de ofício que não

394 Os fundamentos exclusivos dos recursos de embargos de declaração, embargos infringentes, recursos especial e extraordinário constam, respectivamente, dos arts. 535 e 530 do CPC, e 103, III, e 105, III, da Constituição Federal.

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estejam enquadrados nos fundamentos que a legislação permite sejam neles

desenvolvidos?

Nossa opinião a respeito do tema comporta divisão conforme os recursos de

efeito devolutivo restrito sejam ordinários ou excepcionais.

VI.2 - Recursos ordinários de efeito devolutivo restrito: embargos declaratórios e embargos infringentes

VI.3 - Embargos declaratórios

Modalidade recursal de notória finalidade esclarecedora do texto de decisões

interlocutórias e finais,395além de servir à supressão de erros materiais,396 os

embargos de declaração são recurso de efeito devolutivo restrito porquanto apenas

comportam argüição de omissão, contradição e obscuridade atribuídas à decisão de

que se quer embargar, além dos precitados erros materiais.

Poderiam, porém, os embargos declaratórios acarretar atividade cognitiva de

matérias de ordem pública, ou de outras atividades ex officio do órgão jurisdicional,

que não estejam indicadas nas suas hipóteses de cabimento e que nem sequer

tenham sido argüidas pela parte embargante?397

Pensamos ser afirmativa a resposta.

Por primeiro, registre-se haver duas disposições do CPC que expressamente

autorizam a apreciação de matérias de ordem pública em qualquer tempo e grau de

jurisdição, de ofício: os arts. 267, § 3º, e 301, § 4º.

395 Consideramos já superada a discussão sobre o cabimento de embargos declaratórios diante de decisões interlocutórias: em que pese o art. 535 do CPC trate somente de sentença e acórdão como pronunciamentos decisórios passíveis de embargos de declaração, é evidente e inegável que há diversas decisões de natureza interlocutória (decisão saneadora, decisão que aprecia pleito de tutela antecipatória, decisão que julga incidentes processuais como exceções, etc.) que estão sujeitas aos vícios de obscuridade, contradição e omissão, disto decorrendo que obviamente tais decisões sujeitam-se aos declaratórios. 396 “Os embargos de declaração constituem a via adequada para sanar omissões, contradições, obscuridades ou erros materiais do decisório embargado, admitida a atribuição de efeitos infringentes apenas quando esses vícios sejam de tal monta que a sua correção necessariamente infirme as premissas do julgado, como ocorre in casu” (STJ, EDcl nos EDcl no AgRg no Ag n. 656.335, rel. Min. Massami Uyeda, DJ de 17.12.2007). 397 É claro que não nos interessa a hipótese em que o tema de ordem pública componha justamente a obscuridade, a contradição e a omissão do órgão jurisdicional. Parece-nos relevante avaliar hipótese em que o tema de ordem pública ou exigente de atuação de ofício que seja atacado nos declaratórios nada tenha a ver com os vícios que autorizam tal recurso e que vêm indicados no art. 535 do CPC.

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Referidos dispositivos legais permitem ao órgão jurisdicional conhecer, “de

ofício e em qualquer grau de jurisdição”, “da matéria constante dos ns. IV, V e VI”,

respectivamente os pressupostos processuais positivos, os negativos e as condições

da ação.398 Em rol mais minucioso, o art. 301, § 4º, repete a permissão constante do

§ 3º do art. 267, ressalvando o compromisso arbitral.

Veja-se, portanto, que a atividade judicial de ofício cognitiva de matérias de

ordem pública não está sujeita a preclusão em qualquer grau de jurisdição. Disso

decorre, como conseqüência lógica, que, existindo possibilidade de atuação de

ofício a respeito de determinados assuntos, poderá o juiz fazê-lo também por

provocação da parte interessada.

Há, por assim dizer, relação de continente e de conteúdo entre (i) a admissão

de atuação de ofício e (ii) a admissão da mesma atuação por provocação da parte

interessada, pelo simples fato de que são a permissão maior (atividade ex officio)

traz consigo a permissão menor (atuação por instância do jurisdicionado).

O fato de existir normatização autorizadora de atividade de ofício, como

sustentamos em parte introdutória deste estudo, deriva da relevância ínsita à matéria

que justifica este agir ex officio, porquanto está o interesse público a envolver tal

matéria de modo a torná-la importante para a mantença da ordem pública.

Essa, em contida síntese, a justificação de atuação de ofício no que toca a

temas de ordem pública.

Explicitando um tanto mais a relação lógica que sustentamos acima, é notório

que, diante do interesse público inerente às matérias chamadas ”de ordem pública”,

também poderá do particular partir a provocação ao Estado-juiz para que sobre elas

se pronuncie.

Os fatores que ensejam atuação de ofício do Estado admitem, evidentemente,

atuação por provocação da parte interessada, a qual detém também parcela ideal do

interesse público em que envolta a questão de ordem pública, além do seu interesse

direito e processual de ver esta última apreciada.

De se consignar, porque oportuno, que o relevo público que justifica a

existência de matérias que acabam por transcender o interesse exclusivamente das

partes litigantes justifica serem prescindíveis formas próprias para a argüição ao

órgão jurisdicional das matérias de ordem pública.

398 Excertos extraídos do § 3º do art. 267 do CPC.

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O que se quer dizer é que, seja mediante recurso próprio, seja por petição

simples, a dedução de argumentos relacionados a temas de ordem pública será

hábil a instar o órgão jurisdicional para que se pronuncie a respeito.

No sentido de que as matérias de ordem pública admitem argüição qualquer

que seja o veículo eleito pela parte (inclusive em petitio simplex), tomemos a

experiência vivenciada no âmbito das exceções de pré-executividade, que nada

mais são que simples petitório aviado interna corporis em ação executiva,

suscitando-se a respeito desta vícios que possam, inclusive, ocasionar sua extinção,

como a nulidade de citação, por exemplo.

Observe-se, a propósito da exceção de pré-executividade, que se trata de

caminho materializável em petição simples pelo qual pode ser mitigada a coisa

julgada material, como se verifica da hipótese de argüição de nulidade de citação

cognitiva acima alvitrada.399

Vê-se, portanto, que, sendo admissível sem reservas a argüição de matérias

de ordem pública a despeito da forma eleita, não faz sentido algum impedir fazê-lo

também em peça recursal de fundamentação vinculada, como os embargos de

declaração.

Em termos bem diretos, entendemos que a fundamentação vinculada que é

peculiar a determinados recursos restringe-se às matérias de direito disponível e que

399 Neste sentido, são reiterados os acórdãos do STJ: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DE EXPEDIÇÃO DE EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO. SIMPLES PETIÇÃO APRESENTADA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PROFERIDA EM EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DA EXECUTADA EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO PROLATOR DO DECISUM. NULIDADES. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CABIMENTO. (...) 6. A nulidade por incompetência absoluta do juízo e ausência de citação da executada no feito que originou o título executivo são matérias que podem e devem ser conhecidas mesmo que de ofício, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, pelo que, perfeitamente cabível sejam aduzidas, como in casu o foram, por meio de simples petição, o que configura a cognominada ‘exceção de pré-executividade’. 7. Recurso especial provido” (STJ, Resp n. 667.002, rel. Min. Luiz Fux, DJ de 26.03.2007). “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. OMISSÃO NO JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA. FALTA DE CITAÇÃO. NULIDADE. PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO VÁLIDA DO PROCESSO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. APRECIAÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESACOLHIDO. I - O Tribunal de segundo grau não incorre em omissão ao acolher a preliminar de falta de citação e anular o processo, deixando de examinar o mérito do recurso a ele dirigido. II - A nulidade da execução por falta de citação da empresa sucessora da devedora não alcança os atos anteriores à sua inclusão no pólo passivo da relação processual. III - Na execução, a argüição de nulidade pleno iure, como a falta de citação, prescinde da oposição de embargos, podendo dar-se por simples petição” (STJ, Resp n. 422.762, rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 25.11.2002).

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não autorizem atividade de ofício pela parte, desbordando de tal limitação os temas

de ordem pública e aqueles cognoscíveis ex officio.

Pondere-se que a atividade jurisdicional acerca de matéria de ordem pública

poderá dar-se, de acordo com o que expusemos acima, (i) em decorrência de haver

sido argüida pela parte em sede de embargos de declaração, (ii) de haver sido

argüida após a oposição dos embargos de declaração, quando este pender de

julgamento, ou, o que releva para os fins colimados neste estudo, (iii) ex officio pelo

magistrado que, quando provocado a decidir os declaratórios, identificar vício de

ordem pública ou tema outro exigente de atuação de ofício cuja apreciação se lhe

seja imposta pelo processo.

Por exemplo, imagine-se a hipótese em que, quando do julgamento de

apelação, existam embargos de declaração por conta de alegada omissão;

provocado a decidir os embargos, o órgão recursal nota a existência de vício

insanável, por exemplo, ausência de intervenção do Ministério Público, que se fazia

obrigatória, sendo que tal vício passara desapercebido quando do julgamento da

apelação.

Ainda que não constante das razões dos embargos de declaração e mesmo

que configure assunto diverso daquele que autorize a oposição deste recurso, por

tudo o que sustentamos acima pensamos ser plenamente admissível, senão

inafastável, o desempenho de atividade de ofício em grau recursal no sentido de

reconhecer-se a nulidade do processamento do feito, mormente por conta do efeito

translativo dos recursos.

VI.4 - Embargos infringentes

Previstos no art. 530 do CPC, os embargos infringentes caracterizam-se,

como cediço, por serem recurso de natureza ordinária pelos quais, quando houver

julgamento não unânime em apelação que reforme sentença de mérito ou quando se

der julgamento não unânime de procedência de ação rescisória, a parte derrotada

pretende a prevalência do voto vencido, requerendo o julgamento dos infringentes

pelo órgão designado no regimento interno do tribunal em questão (em regra, o

órgão competente para o julgamento dos embargos infringentes é composto pelos

demais componentes do colegiado – turma ou câmara – integrado pelos julgadores

da apelação ou da rescisória).

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Trata-se de recurso de efeito devolutivo restrito porque a extensão da matéria

que será objeto de devolutividade vincula-se ao que restou decidido no voto vencido:

pelos infringentes, o embargante está condicionado a requerer que prevaleça o

disposto no voto vencido, nada mais.400

Publicado o acórdão derivado de votação não unânime que se enquadre nas

condições do art. 530 do CPC, portanto, serão admissíveis infringentes, cuja

oposição reabrirá a atividade jurisdicional do órgão recursal.

À semelhança do que dissemos relativamente aos embargos declaratórios,

vez opostos os infringentes, poderá o órgão recursal pronunciar-se sobre matérias

que admitam pronunciamento de ofício independentemente de tal constar da esfera

de devolutividade desta modalidade recursal.

Há, também nos embargos infringentes, a presença do efeito translativo, que

permite ao órgão julgador recursal atuar de ofício ainda que não provocado

expressamente, no recurso, para tanto, dada a inexistência de preclusão nesse

sentido.

Há diversos precedentes do STJ nesse sentido, conforme observa Teresa

Arruda Alvim Wambier.401,402

Uma questão relevante acerca da possibilidade de suscitação de matérias de

ordem pública em sede de embargos infringentes relaciona-se à seguinte hipótese:

seria admissível a cognição de matérias de ordem pública mesmo diante de

embargos infringentes incabíveis o intempestivos?

Pensamos que a resposta comporta duas abordagens distintas: (i) na

hipótese de infringentes incabíveis por conta de quaisquer outros fatores que não a

intempestividade, a suscitação de matérias de ordem pública em seu bojo autorizará

a respectiva cognição por parte do órgão jurisdicional, dado que não se operou a

coisa julgada, a despeito do incabimento dos embargos infringentes;403 (ii) de outro

turno, caso intempestivos os infringentes, ter-se-á operado a preclusão máxima da

400 Como bem observa Teresa Arruda Alvim Wambier, colacionando opinião de Barbosa Moreira, a divergência que autoriza os embargos infringentes deve advir não do cotejo da fundamentação do voto vencido com aquela do acórdão, porém das respectivas conclusões. No dizer da ilustre professora, “a verificação da não unanimidade se dá pela conclusão e não pela fundamentação. (...) A defasagem entre o voto vencido e o teor do acórdão pode ser quantitativa ou qualitativa, mas, de todo modo, esta discrepância é a medida da devolução” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, p. 262). 401 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão e embargos de declaração, p. 71. 402 NEGRI, Marcelo. Embargos infringentes, p. 212. 403 NEGRI, Marcelo. Embargos infringentes, p. 212, 213.

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decisão embargada (coisa julgada), o que impedirá qualquer atividade jurisdicional

posterior a este passamento em julgado, mesmo que atinente a matérias de ordem

pública.

VI.5 - Matérias de ordem pública, atuação de ofício e instância excepcional

Como já asseverado neste estudo, diz-se serem matérias de ordem pública

os temas cuja apreciação pelo juiz pode dar-se em qualquer tempo e grau de

jurisdição, mediante provocação da parte ou ex officio.

Em termos de direito processual civil, repise-se que as questões de ordem

pública constantes do CPC têm sua observância obrigatória, sob pena de nulidade.

São as nulidades absolutas, que não se sujeitam ao regime das preclusões e que de

geralmente têm a ver com garantias derivadas do devido processo legal.

Diante da impossibilidade de se submeterem a preclusão lesões a

determinações legais de ordem pública,404 é difundida a convicção de que tais

assuntos admitem argüição (de ofício ou pela parte) ao longo de todo o trâmite

processual, inclusive a despeito de forma previamente estabelecida, conforme

sobredito.405

Evidencia-se, nestes casos, que a higidez processual (a regularidade do

trâmite processual) justifica a inexistência de forma pré-estabelecida para que sejam

argüidas matérias de ordem pública, dado que estas interessam à própria legalidade

da prestação jurisdicional.

A possibilidade de apreciação de matérias de ordem pública em grau recursal

independentemente de sua constância no recurso decorre, como vimos, do efeito

translativo.

Se, contudo, é amplamente aceito o debate de matérias de ordem pública nas

instâncias ordinárias (relegando-se a um segundo plano a forma utilizada para

tanto), no âmbito das instâncias excepcionais afere-se a existência em doutrina e em

404 Fruto do chamado “efeito translativo dos recursos”, conforme leciona Nelson Nery Junior, em NERY JR., Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, p. 415. 405 Noticie-se, aqui, a dificuldade identificada por Rita Dias Nolasco sobre a cognição de ofício de matérias de ordem pública de caráter jurídico-material. Veja-se, a propósito, NOLASCO, Rita Dias. Possibilidade de reconhecimento de ofício de matéria de ordem pública no âmbito dos recursos de efeito devolutivo restrito, p. 463.

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jurisprudência de arraigados óbices procedimentais à sua cognição, mormente se

houver atividade de ofício a respeito.

A verificação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo,

é maciçamente orientada no sentido de condicionar o reconhecimento de infrações a

disposições legais de ordem pública ao prequestionamento destas: caso somente

em sede de recurso especial exista a constatação de que padece o processo de

nulidade absoluta ocorrida, p. ex., em primeiro grau de jurisdição, sem que tenha

havido o prequestionamento na decisão de segundo grau, a apreciação desse

argumento não se mostrará viável em seara recursal excepcional, de conformidade

com a linha de julgamento tradicionalmente adotada nas instâncias superiores e,

especificamente, no STJ.406

De fato, em se tratando de atividade jurisdicional das instâncias excepcionais

(e aqui nos referimos ao STF e ao STJ), não se admite debate sobre temas de

ordem pública caso estes não tenham sido objeto de prequestionamento.407

Essa circunstância de as cortes excepcionais (conforme orientação tradicional

de sua jurisprudência) não apreciarem matérias de ordem pública senão quando

tenham sido prequestionadas exige-nos reflexão acerca do relacionamento entre o

efeito translativo dos recursos e os recursos especial e extraordinário.

VI.6 - A vocação e o cabimento dos recursos extraordinário e especial

Logo após a proclamação de República, em 1889, o Estado brasileiro

organizava-se como federação e, portanto, foram reestruturados seus Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário, de modo a se adequarem à nova realidade

político-administrativa pós-Império. Esse rearranjo do Brasil como federação deu-se

406 Confira-se, a propósito, o rol de julgados constante da nota de rodapé n. 417, a seguir. 407 Em doutrina, há diversas linhas de entendimento a respeito do tema. De se mencionar, por primeiro, os entendimentos no sentido de que as matérias de ordem pública apenas são passíveis de apreciação na instância recursal excepcional desde que objeto de prequestionamento. Neste sentido, MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, p. 76. Há entendimentos mais ampliativos, no sentido de que o prequestionamento seria dispensável, como defendem PINTO, Nelson Luiz. Recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, p. 145, AURELLI, Arlete Inês. Argüição de matéria de ordem pública em recurso especial – desnecessidade de prequestionamento, p. 280, e LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Recurso especial: ordem pública e prequestionamento, p. 741. Já para Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, a matéria de ordem pública pode ser conhecida de ofício em sede de recurso especial, desde que este tenha sido admitido, ainda que por outro fundamento que não o tema de ordem pública. OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso especial, p. 342.

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por clara influência da organização administrativa norte-americana, em que existiam

(como existem até o presente) diversas unidades federativas (os Estados), cuja

considerável autonomia jurisdicional igualmente exigiu a criação de mecanismos

voltados à unificação do direito constitucional (incumbência precípua da Suprema

Corte norte-americana).

Em decorrência dessa nova composição político-administrativa (em que

surgiram as figuras dos Estados federados, também imbuídos de competência

jurisdicional), no Brasil igualmente se criou uma figura recursal dirigida a uma corte

de competência espraiada por todo o território nacional, com a finalidade de

consolidar, em termos de uniformidade, o entendimento jurisprudencial

constitucional.

Surgia, então, a modalidade recursal que hoje conhecemos por recurso

extraordinário, cuja primeira previsão legislativa constitucional deu-se no artigo 59,

parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1891, ainda sem a nomenclatura expressa

de recurso extraordinário (o que apenas veio a ocorrer no Regimento Interno do

STF, também datado de 1891).

Desde 1891 até 1988, ao STF, por intermédio do recurso extraordinário,

incumbia tanto a defesa da uniformidade do texto constitucional quanto a unificação

da interpretação jurisprudencial dada ao direito federal infraconstitucional.

Não obstante, ante o natural assoberbamento que essas funções cumuladas

ocasionaram ao STF, do que decorreu dificuldade cada vez maior de dar vazão ao

exercício de sua jurisdição constitucional, passou a ser candente a necessidade de

criação de outra corte de competência nacional para auxiliar o STF em seu mister de

uniformizar os direitos constitucional e federal.

Como é de corrente conhecimento, dessa circunstância surgiu no cenário

processual civil brasileiro, juntamente com a criação do Superior Tribunal de Justiça,

o recurso especial, que constitui no veículo recursal hábil a extrair desta corte sua

função uniformizadora do direito federal infraconstitucional, esvaziando-se

competência outrora do Supremo Tribunal Federal.408

A necessidade de existir órgão jurisdicional uniformizador do direito federal

infraconstitucional com competência de amplitude nacional (como o é o STJ) decorre

408 Ao STF, previamente à Constituição Federal de 1988, incumbia tanto o controle da constitucionalidade das decisões judiciais quanto a uniformização do direito federal infraconstitucional, sempre por intermédio do recurso extraordinário.

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da própria estruturação administrativa do Estado brasileiro sob a forma federativa: a

existência de diversos Estados da Federação, cada qual com competência

jurisdicional própria para aplicação do direito federal,409 naturalmente exige a

presença de tribunal com escopo unificador do entendimento jurídico

infraconstitucional, de modo a atribuir estabilidade ao conjunto legislativo federal e,

via de conseqüência, às relações sociais por este regradas.

Via recursal de estreita admissibilidade que são, os recursos excepcionais

estão condicionados a diversos requisitos de processamento, tanto aqueles

genericamente impostos a todos os recursos (tempestividade, forma, recolhimento

de custas etc.), quanto os que respeitam tão-somente a essas modalidades

impugnativas de decisão de única ou última instância proferida no âmbito dos

Tribunais de Justiça dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal e dos Tribunais

Regionais Federais.

No que atine a esses requisitos específicos de admissibilidade dos recursos

excepcionais, releva apontar que, diante da absoluta exigüidade de disposições

legislativas a respeito,410 pressupostos como o prequestionamento, a exaustão dos

recursos ordinários, a natureza estritamente jurídica do debate constitucional

(recurso extraordinário) ou federal (recurso especial) que se quer conduzir ao STJ e

a impossibilidade de mero reexame de provas, por exemplo, têm seus contornos

definidos pela doutrina e pela jurisprudência.

Além desses requisitos específicos de admissibilidade dos recursos

excepcionais, não nos olvidemos que sua fundamentação está integralmente

balizada pelos arts. 102, III, e 105, III, da Constituição Federal: as alíneas “a”, “b” e

“c” dos dispositivos legais em apreço conformam as hipóteses de interposição do

extraordinário e do especial respectivamente, o que os torna recursos de

fundamentação vinculada, a contrario sensu da fundamentação livre dos recursos

ordinários, em que fica ao livre talante do recorrente a extensão da impugnação que

se fará da decisão recorrida.

409 E não se deslembre que a competência jurisdicional dos Estados açambarca todas as demandas que não forem da competência da Justiça Federal e das justiças especializadas, o que a torna gigantescamente mais ampla. 410 De fato, os parâmetros atinentes à admissibilidade e ao mérito do recurso especial tiveram sua estruturação conceitual relegada basicamente à doutrina e à jurisprudência, que tiveram, e têm, a missão de formular a exegese do artigo 105, III, da Constituição Federal.

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Os recursos excepcionais, portanto, compõem-se de devolutividade restrita,

atrelada basicamente ao debate jurídico envolvente de interpretação de espécies

normativas constitucionais e federais, afastando-se qualquer possibilidade de

discussão acerca da justiça da decisão hostilizada.

A propósito, já se disse acertadamente que, se os recursos ordinários têm

como preponderante razão de ser a permissão, ao recorrente, da defesa de seu

direito subjetivo, os recursos excepcionais primam pela incolumidade do direito

objetivo constitucional e federal, não servindo diretamente à proteção do direito

subjetivo da parte recorrente, o que pode ocorrer mediatamente, como

conseqüência de seu provimento.

Essa restrita vocação dos recursos excepcionais (servir de via para a

uniformização interpretativa do direito constitucional e federal, sem que se permita

revisão fática, em regra) deriva, evidentemente, da estruturação do nosso sistema

recursal processual civil em dois graus exclusivos de jurisdição ordinária: o

fenômeno jurídico (a controvérsia judicial), composto pelo debate fático-jurídico,

admite cognição somente em duas oportunidades, inexistindo terceira possibilidade

para tanto. A competência excepcional do STF e do STJ, portanto, foi estruturada de

modo que, ao contrário do que sucede nas instâncias ordinárias (primeiro e segundo

graus de jurisdição), não se admita revisão de fatos e provas, senão exclusivamente

atividade judicante voltada à interpretação dos direitos constitucional e federal.

Consistindo a finalidade dos recursos excepcionais na uniformização

interpretativa do direito positivo constitucional e federal, no âmbito dos recursos

extraordinário e especial admite-se exclusivamente o debate jurídico, sendo vedada

a condução de debates fáticos ao STF e ao STJ por seu intermédio.

Por conta dessa situação, os recursos excepcionais são chamados de

recursos de estrito direito e não comportam o manejo de simples debate sobre fatos

ou simples revisitação de provas. Esse o teor das Súmulas 279 do STF e 07 do STJ,

que acabam por definir, conjuntamente com as hipóteses autorizadoras constantes

dos arts. 102, III, e 105, III, da CF, a esfera de devolutividade dos recursos

excepcionais, bem mais restrita que a dos recursos ordinários.

Sem que se pretenda deitar muita tinta a respeito, diga-se que precisamente

essa natureza diferenciada dos recursos excepcionais justifica a existência de

condições de cabimento mais exigentes comparativamente ao que ocorre com os

recursos ordinários.

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Entre essas condições específicas de cabimento dos recursos extraordinário

e especial, o prequestionamento interessa para o escopo do presente artigo. Este

requisito decorreria da locução “causas decididas” em única ou última instância,

constante do inciso III dos arts. 102 e 105 da Constituição Federal.411

A necessidade de prequestionamento para que sejam processados os

recursos excepcionais apresenta-se expressa no conteúdo das Súmulas 282 e 356

do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão

recorrida, a questão federal suscitada” (Súmula 282 do STF) e “O ponto omisso da

decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser

objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”

(Súmula 356 do STF).

Aqui bate o ponto: as matérias de ordem pública, para que sejam argüidas em

sede de recursos excepcionais, igualmente estariam condicionadas ao

prequestionamento respectivo na instância a quo?

É dessa indagação que nos ocupamos nos tópicos a seguir.

VI.7 - O efeito translativo e os recursos excepcionais

Abalizada doutrina afirma consistir o efeito translativo dos recursos na

automática transferência das questões de ordem pública ao tribunal ad quem

independentemente de ter havido decisão a respeito (da matéria de ordem pública)

na instância recorrida e ainda que a parte não tenha abordado tal assunto em seu

recurso.412

Diante de sua atmosfera de devolutividade ampla, a apelação apresenta-se

como a seara em que o efeito translativo manifesta-se de forma mais freqüente.

Conforme dispõem os artigos 515, §§ 1º e 2º, e 516 do CPC, serão automaticamente

carreadas ao órgão julgador da apelação matérias cuja apreciação pelo juiz pode

dar-se de ofício e em qualquer tempo e grau de jurisdição, porquanto são temas

jurídicos ligados à idéia de regularidade do processo civil.

411 Em sintética definição, o requisito do prequestionamento consiste na necessidade de que a matéria versada no recurso especial tenha sido claramente debatida e julgada na decisão recorrida, seja de forma explícita (mediante menção expressa do dispositivo de lei tido por violado, verbi gratia) ou implícita (a despeito de não constar expressamente da decisão recorrida o dispositivo de lei violado, a discussão a seu respeito é identificável claramente no aresto impugnado). 412 NERY JR., Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, p. 415.

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Ocorre, entretanto, que essa translação de matérias de ordem pública à

instância superior, se se acomoda perfeitamente à natureza jurídica da apelação (e

sua ampla devolutividade), mostra-se de intrincada adaptação aos recursos ditos

excepcionais.413

Essa sugerida incompatibilidade entre o efeito translativo e os recursos

excepcionais decorreria de um dos requisitos destes últimos, qual seja, o

prequestionamento: para que seja admitida a jurisdição excepcional do STF e do

STJ, exige-se esteja a questão constitucional ou federal objeto do recurso

excepcional previamente debatida na decisão hostilizada.

Neste passo, a matéria de ordem pública seria conduzida ao julgamento do

STF e do STJ em sede de recurso excepcional no estrito âmbito de cabimento

destes (principalmente a negativa de vigência ou lesão ao texto constitucional ou à

legislação federal, tomando-se o disposto nas alíneas “a” dos artigos 102 e 105,

incs. III, da Constituição Federal). Nestas circunstâncias, pensamos não ser possível

cogitar de translação, dado que (i) haveria provocação da parte, (ii) em recurso

próprio para tanto e (iii) mediante preenchimento de uma de suas hipóteses de

cabimento (a prevista na alínea “a” dos dispositivos constitucionais referidos).

O efeito translativo, conforme definição autorizada que reproduzimos, tem

como um de seus pontos característicos a autorização que se confere ao juízo ad

quem para conhecer de matérias de ordem pública independentemente de que a

parte as faça constar da peça recursal, sendo-lhe admitido, pois, julgar “fora do que

consta das razões ou contra-razões do recurso”, sem que possa se falar de

“julgamento extra, ultra ou infra petita”.414

O requisito do prequestionamento, ao exigir debate acerca do tema

constitucional ou federal na decisão impugnada pelo recurso excepcional para que

este seja admitido, torna impossível a translação na forma delineada no parágrafo

acima, na medida em que a constância obrigatória da matéria de ordem pública no

aresto recorrido (o prequestionamento) e sua abordagem no recurso excepcional

escapam ao efeito translativo (consistente precisamente no contrário: transporte do

tema de ordem pública independentemente de decisão de instância ordinária a

respeito e de abordagem em sede recursal).

413 Registre-se, aliás, que tal adaptação nem sequer é admitida por Nelson Nery Jr. (NERY JR., Nelson, op. cit., p. 420). 414 NERY JR., Nelson, op. cit., p. 415.

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O problema que avaliamos é outro: poderia a matéria de ordem pública ter

seu conhecimento transferido ao STF e ao STJ independentemente de

prequestionamento, em evidente aplicação do efeito translativo em seara recursal

excepcional?

Reservamos o próximo tópico à análise do tema.

VI.8 - O prequestionamento da matéria de ordem pública: necessidade?

A visão jurisprudencial a respeito da apreciação de matérias de ordem pública

independentemente de prequestionamento a respeito demonstra sedimentada

resistência de nossas cortes excepcionais a respeito.

Em regra, o posicionamento é iterativo no sentido de que mesmo os temas de

ordem pública exigem prequestionamento para que se vejam autorizados à sua

apreciação os tribunais excepcionais.

É evidente, nesse sentir, o prestígio que se mantém ao requisito do

prequestionamento.

Na jurisprudência do STF, com efeito, colhem-se diversos e repetidos

precedentes contrários ao julgamento de matérias de ordem pública não

prequestionadas, e não se identificou mudança de posicionamento a respeito, ou

qualquer inclinação nesse sentido.415

415 Nesta linha de decisão, confiram-se as ementas abaixo colacionadas: “1. O prequestionamento é requisito de admissibilidade recursal na via extraordinária, ainda que a questão debatida seja de ordem pública. 2. Além de ser de índole infraconstitucional, constitui inovação à discussão da lide controvérsia relativa à prescrição, não impugnada no apelo extremo. 3. Agravo regimental improvido” (STF, AI-AgR n. 518.051, rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 17.02.2006). “CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. I. - Em se tratando de recurso extraordinário, qualquer questão, inclusive de ordem pública, necessita ter sido discutida e apreciada na instância a quo. Precedentes. II. - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. III. - Ao Judiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando-a. Se, em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da legalidade, inocorrendo o contencioso constitucional. IV. - Agravo não provido” (STF, AI-AgR n. 505.029, rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 06.05.2005). “1. Recurso extraordinário: descabimento: falta de prequestionamento, exigível, segundo a jurisprudência da Corte, ainda que a matéria seja de ordem pública, cuja declaração deva se dar de ofício: incidência das Súmulas 282 e 356: precedentes” (STF, Emb. Decl. no ar. reg. no RE n. 254.921, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13.08.2004). “Agravo regimental. – Em se tratando de recurso extraordinário que exige o prequestionamento como requisito constitucional, qualquer questão objeto dele, inclusive de ordem pública, tem de ser prequestionada (súmulas 282 e 356). – Inexistência no caso de ofensa à Constituição por falta de prestação jurisdicional ou por falta de fundamentação dos acórdãos recorridos. – O recurso extraordinário não é cabível para reexame de prova (súmula 279), nem para o exame da valorização da prova, matéria esta que exige o exame prévio da legislação infraconstitucional, caracterizando-se,

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No âmbito do STJ, de outro turno, observamos que a tendência outrora pétrea

de negar a apreciação de temas de ordem pública não debatidos na esfera ordinária

e não discutidos na decisão objeto do recurso especial vem-se suavizando, dando

lugar a um número cada vez maior de precedentes em sentido contrário, denotando

postura um tanto mais flexível de nossa corte federal.

Ao longo desses quase vinte anos de história do Superior Tribunal de Justiça,

observa-se, deveras, a existência de sensível modificação de orientação dos

julgados relativamente à apreciação de temas de ordem pública argüidos em sede

de recurso especial.

Ipso facto, nota-se que, desde sua criação até recentemente, a jurisprudência

do STJ apresentava-se absolutamente restritiva relativamente à cognição de temas

de ordem pública abordados em recurso especial: caso estes não compusessem a

própria essência do recurso especial (vale dizer, a questão federal seria a própria

lesão de dispositivos do CPC atinentes a matérias de ordem pública) e não tivessem

sido objeto de prequestionamento, sua apreciação não era admitida pela

jurisprudência unânime da Corte Especial.

O que se nota nessa orientação jurisprudencial do STJ é o prestígio inflexível

outorgado às condições de admissibilidade do recurso especial: o requisito do

prequestionamento solidamente estabelecido como elemento condicionador da

cognição de matérias de ordem pública em instância excepcional.

Essa orientação decisória, que ainda hoje persiste, pode ser constatada

mediante consulta de diversos julgados do STJ416 e revela opção pela observância

estrita dos requisitos de admissibilidade dos recursos excepcionais (especialmente o

prequestionamento), prestigiando-os mesmo diante de matérias de ordem pública

suscitadas pela parte recorrente.

A conhecida lição de que “as matérias de ordem pública podem ser

conhecidas em qualquer tempo e grau de jurisdição”, portanto, tem de ser

assim, sua alegação como de ofensa indireta ou reflexa à Carta Magna, o que não dá margem ao cabimento do recurso extraordinário. Agravo a que se nega provimento” (STF, AI-AgR n. 308.273, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 28.03.2003). 416 Confira-se, a título exemplificativo, o teor das decisões proferidas no REsp. n. 117.846, votação unânime, relator o Ministro Adhemar Maciel, DJ de 01.09.1997, no AgRg. no Ag. n. 190.434, votação unânime, relator o Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 13.09.1999, no AgRg. no Ag. n. 286.074, votação unânime, relatora a Ministra Eliana Calmon, DJ de 01.08.2000, no ArRg. no REsp n. 197.814, votação unânime, relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 23.10.2000, no AgRg. no Ag. n. 429.445, votação unânime, relator o Ministro Menezes Direito, DJ de 26.08.2002, além de diversos outros precedentes.

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interpretada, conforme essa linha de julgamento, como adstrita à jurisdição ordinária

(1º e 2º graus jurisdição), não extensiva às instâncias excepcionais.417

Mais recentemente, todavia, na 2ª Turma do STJ vem sendo flexibilizada418

essa exigência de prequestionamento específico da matéria de ordem pública para

que esta possa ser apreciada pelo STJ: vem-se robustecendo, nessa turma, a

orientação jurisprudencial no sentido de que, ainda que a matéria de ordem pública

não tenha sido objeto de prequestionamento, poderá dar-se sua análise pela Corte

Especial desde que tenha sido admitido o recurso especial, vale dizer, ainda que a

matéria prequestionada seja diversa da matéria de ordem pública.

Essa tendência revela abrandamento da exigência de prequestionamento das

matérias de ordem pública para que estas sejam julgadas pelo STJ. Em outras

palavras, a argüição de nulidade absoluta (decorrente da violação de norma de

ordem pública) estabelece-se como questão de aguda relevância e que prescinde de

prévio debate nas instâncias ordinárias para que seja analisada em sede de recurso

especial.

De se destacar a existência de diversos julgados nesse sentido,

especialmente a partir de fins de 2003.419

Observe-se, contudo, que a apreciação de questão de ordem pública não

prequestionada apenas será possível desde que admitido o recurso especial (ainda

que por outro fundamento), dado que estará, assim, aberta a competência

jurisdicional do STJ.

Registre-se que, a contrario sensu, no âmbito da 1ª Turma do STJ remanesce

o posicionamento no sentido de que o prequestionamento é exigido inclusive para as

matérias de ordem pública, e somente quando prequestionadas estas poderão ser

objeto de julgamento em sede especial.420

417 Vide REsp. n. 450.248, relator o Ministro Aldir Passarinho, DJ de 16.12.2002. 418 Para usar expressão utilizada em diversos julgados do STJ. 419 Confira-se o acórdão proferido no REsp. n. 485.969, relatora a Ministra Eliana Calmon, julgado em 11.11.2003, DJ de 04.04.2005. 420 REsp. n. 841.059, relator o Ministro José Delgado, DJ de 19.10.2006, AgRg. no REsp. n. 695.617, relatora a Ministra Denise Arruda, DJ de 04.12.2006.

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VI.9 - Juízo de cassação e juízo de revisão dos recursos excepcionais

Sabido que recursos excepcionais não configuram terceira instância

jurisdicional, no sentido de que seria permitido ao litigante, além dos

pronunciamentos decisórios da primeira e da segunda instâncias, um novo juízo de

revisão integral da causa, mediante devolutividade ampla e plena revisitação dos

fatos e das provas da causa.

Por força do princípio do duplo grau de jurisdição, nosso sistema recursal

baliza-se na existência de duas esferas de discussão ampla, mediante recursos de

fundamentação ampla, da quaestio juris, esta entendida como a controvérsia fático-

jurídica levada a juízo. De se observar que a organização jurisdicional em duas

esferas de dicção ordinária do direito vincula-se à idéia de estabilização, de

definição de um termo para que se desenvolva o debate entre as partes, evitando-se

a perpetuação do litígio.

A existência de instâncias excepcionais, nesse sentir, não está a permitir a

revisitação ampla da causa, mediante rejulgamento de seus fatos e das respectivas

provas: o debate que se admite seja instaurado no STF e no STJ é de caráter

estritamente jurídico, voltado à unificação do entendimento do direito positivo

constitucional e federal, sem que se permita revolvimento do acervo fático-probatório

do feito.

Diante dessa estreita finalidade dos recursos excepcionais, vê-se com

bastante clareza sua contraposição aos recursos ditos ordinários: estes, porquanto

vocacionados ao debate amplo da causa, autorizam um juízo amplo de cognição

(fática e jurídica) do feito, ao passo que os primeiros têm sua finalidade limitada ao

debate jurídico de uniformização do entendimento sobre lei federal e constitucional.

Feitos tais registros sobre o âmbito de debate que se comporta seja feito nos

recursos excepcionais, cumpre seja investigado quais as espécies de juízos

componentes do julgamento dos recursos especial e extraordinário.

Nelson Nery Jr. analisa com bastante clareza a questão e nos traz

interessantes informações a respeito, traçando paralelo com os recursos

excepcionais de outros ordenamentos jurídicos.

Consigna o processualista em referência não existir no sistema recursal

brasileiro um recurso direcionado à corte suprema em que se pretenda

exclusivamente a cassação da decisão por conta de sua contrariedade ao texto

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constitucional, por exemplo, determinando-se a remessa à instância ordinária para

novo julgamento da causa. Nosso sistema recursal excepcional compõe-se,

conforme Nery Jr., de dois juízos sucessivos, quais sejam, (i) de cassação da

decisão lesiva de lei federal ou constitucional, sendo positivo o primeiro juízo, (ii) de

aplicação do direito ao caso concreto (juízo de revisão excepcional).421

José Miguel Garcia Medina também avaliou a questão dos juízos

desenvolvidos em sede recursal excepcional, observando que, conhecido o recurso

excepcional (juízo de admissibilidade), é compulsório o julgamento da causa pela

corte excepcional no sentido de aplicar o direito à espécie, sempre considerando a

vocação dos recursos excepcionais em relação a este juízo recursal meritório: “É

interessante notar que os Tribunais Superiores, ao ‘aplicar o direito à espécie’, não

revolvem os fatos e as provas produzidas, tal como poderia suceder no julgamento

de apelação. Com efeito, os fatos serão reexaminados na medida em que estiverem

descritos na decisão recorrida. Neste caso, o Tribunal Superior não analisará os

fatos com o intuito de conferir se eles ocorreram ou não do modo estabelecido pelo

juízo a quo, mas apenas para extrair as respectivas conseqüências jurídicas dos

referidos fatos”.422

Em outras palavras, o que se verifica desses dois juízos peculiares aos

recursos excepcionais é o seguinte: admitindo-se o recurso excepcional (rectius,

sendo este conhecido), abre-se a via jurisdicional para que a decisão hostilizada

seja reavaliada pelas cortes excepcionais. Num primeiro momento, tem-se o juízo de

cassação; no segundo momento, logicamente posterior ao primeiro, passa-se à

revisão da decisão recorrida.

421 “Não há no processo civil brasileiro, como existe em outros países, recurso de cassação, onde o tribunal superior cassa o acórdão do tribunal inferior e lhe devolve os autos para que seja proferida nova decisão (juízo de cassação separado do de revisão). Os nossos recursos constitucionais têm aptidão para modificar o acórdão recorrido. O provimento, tanto do recurso especial quanto do extraordinário, tem como conseqüência fazer com que o STF e o STJ reforme ou anule o acórdão recorrido (...) O juízo de cassação é o juízo de censura que sofre a decisão ou acórdão impugnado quando, por exemplo, negar vigência a dispositivo constitucional ou de lei federal. O provimento do RE ou Resp, no que tange a esse juízo de cassação, implica a rescisão da decisão inconstitucional ou ilegal. No entanto, esses recursos têm, também, o juízo de revisão, que se constitui no segundo momento do julgamento do RE e do Resp, ou seja, na conseqüência do provimento dos recursos excepcionais. Provido o recurso com a cassação da decisão ou acórdão, é necessário que o STF ou STJ passem a julgar a lide em toda a sua inteireza (revisão)” (NERY Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos, p. 441, 442). 422 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, p. 163.

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Observe-se, a propósito, ser possível traçar um paralelo dos juízos de

cassação e de revisão dos recursos excepcionais com os julgamentos que podem

ocorrer na ação rescisória.

O julgamento da ação rescisória, conforme seja o fundamento de que se

valeu o autor (optando por uma das hipóteses perfiladas nos incisos do artigo 485 do

CPC), poderá adstringir-se à mera rescisão do julgado eivado de nulidade, sem que

se lhe dê substituto mediante atividade de rejulgamento no âmbito da rescisória, ou

poderá articular-se em um duo de atividades jurisdicionais: a rescisão da decisão

seguida do novo julgamento da causa.

Em uma e outra situações temos, respectivamente, o juízo rescindendo

(iudicium rescindens) e juízo rescisório propriamente dito (iudicium rescisorium).

Caso a rescisão da sentença derive de vício processual fundamental que lhe

antecedeu, como se dá na hipótese indicada no artigo 485, II, do CPC

(incompetência absoluta, exempli gratia), necessário que o feito, vez rescindida sua

sentença respectiva, torne à instância inferior para novos processamento e

julgamento da causa, caso em que teria existido somente juízo rescindens.

Existindo, a contrario sensu, vício na sentença rescindenda por prova falsa, por

exemplo, poderá o próprio órgão julgador da rescisória proferir novo julgamento da

demanda, após a devida rescisão da sentença maculada.423

O juízo rescindens da rescisória assemelha-se ao juízo de cassação dos

recursos excepcionais, ao passo que o juízo de revisão destes se parece com o

juízo rescisorium daquela, guardadas, evidentemente, as peculiaridades de cada

mecanismo processual (a rescisória e os recursos excepcionais).

Nesse juízo de revisão que se desenvolve após o conhecimento do recurso

excepcional, de se consignar que não se trata, obviamente, de revisão ampla, tal

qual a ocorrente quando do julgamento dos recursos ordinários, em que é possível

revolver todo o cenário fático-probatório para extração de um novo juízo sobre a

verdade fática.

No juízo revisional dos recursos excepcionais, certo é que são defesas

quaisquer atividades de modificação dos fatos da causa, mediante extração de

novas conclusões acerca das provas produzidas (não se admite investigação no

sentido de se apurar se de tais provas efetivamente deflui a ocorrência de

423 MIRANDA, Pontes de. Tratado da ação rescisória, p. 97.

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determinado fato, p.ex.); o complexo fático-probatório da causa é considerado

consumado nesse juízo de revisão dos recursos excepcionais.

A atividade jurisdicional que se desenvolve no juízo de revisão dos recursos

excepcionais circunscreve-se à reavaliação das conseqüências jurídicas extraídas

dos fatos da causa tal qual estabelecidos nas instâncias ordinárias. Estes, pois, os

limites da cognição que se admite em sede recursal excepcional acerca do plexo

fático-probatório do feito: colocar em xeque as decorrências jurídicas atribuídas aos

fatos pelo órgão a quo, sem que seja possível ao órgão ad quem se imiscuir na

estruturação do fato realizada na instância ordinária.

Essas informações acerca dos juízos passíveis de ocorrência quando do

julgamento dos recursos excepcionais demonstram, aliás, que não é de todo veraz a

afirmação de que é vedada toda e qualquer atividade jurisdicional em esfera

excepcional (STF e STJ) relativamente às provas e aos fatos da causa. A vedação

que existe nesse sentido restringe-se à pura reapreciação fático-probatória do feito,

como fora a esfera excepcional simples terceira instância; não é proibida, a contrario

sensu, atividade de revaloração de provas ou de requalificação jurídica destas e dos

fatos da causa, assumidos pela instância excepcional tal qual consumados na esfera

ordinária.

Ipso facto, a pretensão que se veda em âmbito recursal excepcional é o mero

reexame de provas (esta, v.g., a vedação estabelecida pela Súmula 07 do STJ). A

atribuição, contudo, de novo valor à prova em atenção a uma determinada

disposição legal, longe de ser mero reexame de prova, consiste em revaloração da

prova em adequação ao peso que lhe confere a lei, e esta espécie de atividade

jurisdicional é admitida em sede excepcional, porquanto vinculada à manutenção da

coerência do ordenamento jurídico federal.424

424 À guisa de exemplo, imagine-se hipótese em que o acórdão do tribunal local tenha admitido prova exclusivamente testemunhal de conato cujo valor exceda dez vezes o salário mínimo vigente: haveria, neste exemplo, lesão ao art. 401 do CPC, o que autorizaria recurso especial por violação a dito dispositivo legal. Nesse apelo especial, estar-se-ia conduzindo ao STJ debate sobre provas, porém não para o mero reexame destas, mas sim para que fosse reavaliada a conseqüência jurídica que delas extraiu o órgão recorrido. Essa a distinção entre mero reexame e revaloração de provas. São diversos os precedentes do STJ nesse sentido, dos quais colacionamos alguns para melhor ilustrar nosso argumento: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 535, CPC. OMISSÃO DO ACÓRDÃO. NULIDADE. VALORAÇÃO DA PROVA. INOCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - A valoração da prova, no âmbito do recurso especial, pressupõe contrariedade a um princípio ou a uma regra jurídica no campo probatório, ou mesmo à negativa de norma legal nessa área, o que, no caso, inocorreu.

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Reduzindo nossa atenção ao foco deste estudo, pensamos que é plenamente

admissível a apreciação de matérias de ordem pública de ofício no STJ e no STF

independentemente de prequestionamento, o que se justifica diante deste caráter

bifásico dos julgamentos dos recursos excepcionais, em que existiriam juízos

sucessivos de cassação e de revisão, quedando este último destinado ao

rejulgamento da causa conforme a vocação dos recursos extraordinário e especial

(como visto acima).

Haveria, a nosso ver, efeito translativo também nas instâncias excepcionais.

O que ora afirmamos, além de se revestir de lógica e de bom senso, revela-se

possível também em decorrência da intelecção atual que se vem emprestando à

Súmula 456 do STF.

Essa antiga súmula, datada da primeira metade dos anos 1960, revigorou-se

recentemente de modo a servir de fundamentação à cognição de matérias de ordem

II - Os vícios apontados no acórdão, em sede de embargos declaratórios, devem ser examinados pelo Tribunal, sob pena de nulidade, principalmente se dizem respeito a equivocada interpretação da prova testemunhal produzida. III - Tem-se por prequestionada determinada matéria, a ensejar o acesso à instância especial, quando a mesma é debatida e efetivamente decidida pelas instâncias ordinárias, sendo necessária a interposição de embargos declaratórios sobre a questão, a fim de suprir o requisito, ainda que o vício tenha surgido no acórdão de segundo grau. IV - A verificação da existência ou não do nexo causal entre a conduta da parte e o evento danoso depende do reexame das provas produzidas nos autos, vedado a esta instância especial, a teor do enunciado nº 7 da súmula/STJ. V - Não se caracteriza a divergência jurisprudencial, a autorizar a via do recurso especial, se dessemelhantes as situações fáticas descritas nos arestos paradigmas e no acórdão impugnado” (STJ, REsp n. 132.905, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 11.10.1999). “AGRAVO REGIMENTAL. VALORAÇÃO. PROVA. AUSÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. 1. A chamada ‘valoração de prova’, a ensejar o recurso especial, é aquela em que há errônea aplicação de um princípio legal ou negativa de vigência de norma pertinente ao direito probatório. Pretensão, no caso, de simples reexame de matéria probatória (súmula 07/STJ). 2. Para a análise de afronta a dispositivo infraconstitucional é necessário que a questão federal tenha sido decidida pelo Tribunal de origem. Agravo improvido” (AgRg no Ag n. 217.595, rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 04.06.2001). “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. LEI FEDERAL. OFENSA NÃO CONFIGURADA. DIVERGÊNCIA NÃO CONFIGURADA. CIVIL. FURTO DE COFRE ALUGADO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. VALORAÇÃO DE PROVA. ERRO DE DIREITO INEXISTENTE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. MULTA. FINALIDADE PROTELATÓRIA. NÃO CONFIGURADA. SANÇÃO PROCESSUAL (CPC, ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO). DESCABIMENTO. - Violação à lei federal não configurada. - ‘A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.’ (Súmula nº 7/STJ) - Inviável o recurso especial por sugestão de errônea valoração da prova se não há nos autos qualquer infringência a princípio ou regra probatórios, pois somente o erro de direito quanto ao valor da prova ensejaria o conhecimento do recurso sob tal alegação. - ‘Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório.’ (Súmula nº 98/STJ). - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido” (STJ, REsp n. 192.198, rel. Min. César Asfor Rocha, DJ de 18.12.2000).

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pública em seara excepcional independentemente de prequestionamento, em virtude

da translação que se operaria também nesta fase recursal.

Esse tema é tratado mais amiúde a seguir.

VI.10 - A Súmula 456 do STF e o art. 257 do Regimento Interno do STJ

Conforme asseverado tópicos acima, foi na 2ª Turma do STJ que foram

identificados os primeiros precedentes permissíveis do conhecimento de matérias de

ordem pública em grau recursal excepcional independentemente de seu

prequestionamento, fruto do reconhecimento do efeito translativo dos recursos

também em sede de recurso especial e extraordinário.425 Essa orientação

jurisprudencial está robustamente lastreada em revigoramento que se deu de

entendimento sumulado do STF.

425 Esta orientação decisória da 2ª Turma do STJ, aliás, tem-se mantido em julgados mais recentes: “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. ARGÜIÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284⁄STF. PIS. BASE DE CÁLCULO. SEMESTRALIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. COMPENSAÇÃO ENTRE QUAISQUER TRIBUTOS. IMPOSSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. APLICAÇÃO. 1. Até mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento ex officio, em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas no âmbito do recurso especial se ausente o requisito do prequestionamento. 2. Excepciona-se a regra se o recurso especial ensejar conhecimento por outros fundamentos, ante o efeito translativo dos recursos, que tem aplicação, mesmo que de forma temperada, na instância especial. Precedentes da Turma. 3. Aplicação analógica da Súmula n.º 456⁄STF, segundo a qual ‘O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie’. 4. Embora ausente o prequestionamento dos artigos 2º, 128, 460, 475 e 515, todos do Código de Processo Civil, sendo a alegação de julgamento extra e ultra petita matéria de matéria de ordem pública e conhecido o recurso por outro fundamento, deve a questão ser conhecida e apreciada, em razão do efeito translativo do recurso especial. 5. Se a ação foi proposta antes da vigência da LC 118⁄05, deve a prescrição ser analisada de acordo com a jurisprudência até então dominante (EREsp n.º 327.043⁄DF). 6. A sistemática dos ‘cinco mais cinco’ também se aplica nos casos de tributos declarados inconstitucionais pelo STF, mesmo que tenha havido resolução do Senado nos termos do artigo 52, X, da Constituição Federal (EREsp n.º 435.835⁄SC). 7. Quanto à compensação entre tributos diversos, deve ser observada a legislação vigente à época do ajuizamento da ação (Lei n.º 9.430⁄96, redação original), não podendo ser julgada a causa à luz do direito superveniente, ressalvando-se o direito da parte autora de proceder à compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios (EREsp n.º 488.992⁄MG). 8. Admite-se a inclusão dos expurgos inflacionários na compensação por não se tratar de penalidade, mas apenas a reposição da perda do real valor da moeda, subtraído pela inflação. Precedentes. 9. Recurso especial provido em parte.” (STJ, REsp n. 814.885, rel. Min. Castro Meira, DJ de 19.05.2006).

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A súmula em questão é a de número 456, cujo teor é o seguinte: “O Supremo

Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o

direito à espécie”.

Forte na premissa de que o processo é instrumento a serviço da realização do

direito material, o entendimento sumulado em referência significa que, em se

instaurando a competência jurisdicional do STJ e do STF mediante admissão do

recurso especial ou do extraordinário, questões cognoscíveis de ofício e que não

tenham sido decididas nas instâncias ordinárias comportarão avaliação também

nesta seara.

O teor da precitada Súmula 456 significa que, admitindo-se o recurso

excepcional e passando-se ao seu juízo de revisão, estará a corte excepcional

diante de uma causa a ser julgada (observando-se, é verdade, as feições da

atividade jurisdicional desenvolvida no STJ e no STF), do que decorre que vícios

graves como os atinentes às condições da ação e aos pressupostos processuais

estarão, forçosamente, sob julgamento nessa esfera recursal.

Para a ilustre professora Teresa Arruda Alvim Wambier, em comentários

sobre predita Súmula 456 do STF, “o rejulgar a causa implica o exame, pelo tribunal,

dos demais fundamentos da defesa, de que não se cuidou, por desnecessário, já

que seria suficiente o que foi acolhido”.426 Na esteira desta opinião, sendo possível

conhecer de outros fundamentos de defesa em instância excepcional (e por

fundamentos entendam-se, também, temas de direito disponível), parece-nos

conseqüência lógica a possibilidade de cognição de matérias de ordem pública em

sede excepcional.

A razão de ser desse posicionamento assume lineamentos bem claros: o que

se pretende é que não persistam no sistema jurisdicional situações em que o

irrestrito apego aos requisitos de admissão dos recursos excepcionais possam gerar

convalidação de lesão a matérias de ordem pública.

De mais a mais, que não se esqueça que lesões a normas de ordem pública

são agudamente rejeitadas pelo ordenamento processual brasileiro, a ponto

autorizarem inclusive a impugnação da coisa julgada mediante propositura de ação

rescisória.

426 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória, p. 232.

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Sem receios de exagerações, seria excessivamente fetichista conceber a

convalidação de um vício de ordem pública em sede recursal excepcional

exclusivamente porque ausente prequestionamento a respeito: se um determinado

defeito processual permite, verbi gratia, propositura de ação própria e hostilização da

coisa julgada, que sentido faz impedir tal atividade no interior do processo, em esfera

recursal?

Se é admitida, portanto, a hostilização da coisa julgada mediante aforamento

de ação rescisória quando der-se descumprimento a norma de ordem pública, tem

de ser logicamente admitida a cognição de matéria de ordem pública em sede de

recurso especial, seja por provocação da parte, seja ex officio, mesmo que não

tenha sido prequestionada e desde que aberta a via recursal com a admissão do

recurso excepcional.

Observe-se, também, que o impedimento de cognição de matérias de ordem

pública em instância excepcional independentemente de prequestionamento (mas

desde que admitido o recurso, ainda que por outra matéria) pode caracterizar afronta

à própria vocação dos recursos excepcionais: um recurso especial admitido, por

exemplo, por outra matéria que não de ordem pública, caso se entenda que a

cognição desta é vedada, não poderia gerar falta de uniformidade interpretativa de

lei federal? Se a matéria de ordem pública for a falta de citação, se se impede sua

cognição por falta de prequestionamento, não se está lesionando o art. 267, IV, do

CPC, determinante da extinção do feito sem resolução de mérito por falta de

pressuposto processual de validade?

Em tempos de processo civil orientado à eficácia e à maximização de

resultados, esta nos parece a orientação correta, especialmente porque pode

prevenir, inclusive, a propositura de ações autônomas de impugnação da coisa

julgada por conta de vícios de ordem pública.

A título de registro, diga-se que, se na 2ª Turma do STJ se verificam os

precedentes iniciais no sentido de admitir julgamento de matérias de ordem pública

em esfera excepcional mesmo sem o respectivo prequestionamento, também na 1ª

Turma vêm sendo detectados julgados com esta orientação, mais recentemente.427

427 “(...) 1. Em virtude da sua natureza excepcional, decorrente das limitadas hipóteses de cabimento (Constituição, art. 105, III), o recurso especial tem efeito devolutivo restrito, subordinado à matéria efetivamente prequestionada, explícita ou implicitamente, no tribunal de origem.

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2. Todavia, embora com devolutividade limitada, já que destinado, fundamentalmente, a assegurar a inteireza e a uniformidade do direito federal infraconstitucional, o recurso especial não é uma via meramente consultiva, nem um palco de desfile de teses meramente acadêmicas. Também na instância extraordinária o Tribunal está vinculado a uma causa e, portanto, a uma situação em espécie (Súmula 456 do STF; Art. 257 do RISTJ). 3. Assim, quando eventual nulidade processual ou falta de condição da ação ou de pressuposto processual impede, a toda evidência, o regular processamento da causa, cabe ao tribunal, mesmo de ofício, conhecer da matéria, nos termos previstos no art. 267, § 3º e no art. 301, § 4º do CPC. Nesses limites é de ser reconhecido o efeito translativo como inerente também ao recurso especial. (...)” (STJ, REsp n. 696.302, rel. Min. Luiz Fux, DJ de 13.03.2006). “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EFEITO TRANSLATIVO. CONHECIMENTO DE OFÍCIO DE QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA (CPC, ARTS. 267, § 3º, E 301, § 4º). POSSIBILIDADE, NOS CASOS EM QUE O ACÓRDÃO RECORRIDO EMITE JULGAMENTO SEM NENHUMA RELAÇÃO DE PERTINÊNCIA COM A DEMANDA PROPOSTA. 1. Em virtude da sua natureza excepcional, decorrente das limitadas hipóteses de cabimento (Constituição, art. 105, III), o recurso especial tem efeito devolutivo restrito, subordinado à matéria efetivamente prequestionada, explícita ou implicitamente, no tribunal de origem. 2. Todavia, embora com devolutividade limitada, já que destinado, fundamentalmente, a assegurar a inteireza e a uniformidade do direito federal infraconstitucional, o recurso especial não é uma via meramente consultiva, nem um palco de desfile de teses meramente acadêmicas. Também na instância extraordinária o Tribunal está vinculado a uma causa e, portanto, a uma situação em espécie (Súmula 456 do STF; Art. 257 do RISTJ). 3. Assim, quando eventual nulidade processual ou falta de condição da ação ou de pressuposto processual impede, a toda evidência, o regular processamento da causa, cabe ao tribunal, mesmo de ofício, conhecer da matéria, nos termos previstos no art. 267, § 3º, e no art. 301, § 4º, do CPC. Nesses limites é de ser reconhecido o efeito translativo como inerente também ao recurso especial. 4. No caso dos autos, o acórdão recorrido não tem relação de pertinência com a controvérsia originalmente posta. Trata da incidência de imposto de renda sobre parcela paga pela Petrobrás S/A a título de indenização de horas trabalhadas, enquanto a demanda diz respeito ao pagamento de indenização por supressão de diversas vantagens de trabalhadores do Banco do Estado do Ceará. 5. Recurso especial conhecido para, de ofício, declarar a nulidade do acórdão que julgou a apelação” (STJ, REsp n. 660.519, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 07.11.2005). Relativamente a esta última ementa, notamos que o mesmo Min. Teori Zavascki, em julgado posterior, decidiu em sentido contrário, manifestando a necessidade de prequestionamento da matéria de ordem pública para que esta seja julgada em esfera excepcional, negando, pois, o efeito translativo em recurso especial. É o que consta do EDcl. no ArRg. no Ag. n. 691.757, relator o Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 06.03.2006. Recentemente, o Min. Zavascki manifestou-se mais uma vez no sentido de que não haveria translação em esfera recursal excepcional: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282 DO STF. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. 1. A falta de prequestionamento da questão federal impede o conhecimento do recurso especial (Súmula 282 do STF). 2. Mesmo as questões de ordem pública precisam ser devidamente prequestionadas para que se viabilize o seu exame em sede de recurso especial. Precedentes: AgRg nos EDcl no REsp 850.991⁄RN, 5ª T., Min. Laurita Vaz, DJ de 05.02.2007; AgRg no REsp 862.391⁄MG, 1ª T., Min. Francisco Falcão, DJ de 26.10.2006; AgRg no REsp 439.971⁄RS, 4ª T., Min. Barros Monteiro, DJ de 20.03.2006; AgRg no Ag 405.746⁄SP, 3ª. T., Min. Nancy Andrighi, DJ de 25.02.2002; AgRg no REsp 883.364⁄AP, 6ª T., Min. Paulo Gallotti, DJ de 02.04.2007; AgRg no Ag 725.860⁄RJ, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.09.2006. 3. A competência atribuída pelo art. 105, III, da Constituição Federal ao STJ restringe-se à uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, sendo inviável a apreciação, por esta Corte, de matéria constitucional. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, AgRg no Ag. n. 820.974, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 28.06.2007).

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245

VI.11 - A questão do controle difuso de constitucionalidade em sede de recurso especial

Ao longo do estudo que se desenvolve neste trabalho, busca-se catalogar

diversas atividades que são desempenháveis de ofício pelo órgão jurisdicional

recursal, dado ser um tema que se nos apresenta relevante e de rarefeito trato

doutrinário.

Nesse leque de posturas ex officio que são adotáveis pelo órgão recursal,

identificamos que compõem o agir ex officio do magistrado de grau recursal tanto as

chamadas matérias de ordem pública quanto temas outros que, em que pese não

ostentarem relevo para a ordem pública, autorizam também atuação de ofício (v.g., o

reconhecimento da prescrição e a inclusão dos juros na condenação ainda que a

parte não tenha requerido prevista no art. 293 do CPC).

Dentre esses assuntos que forjam a gama de atividades judiciais exercitáveis

de ofício, destacamos neste tópico o controle difuso da constitucionalidade, vale

dizer, o exame de compatibilidade da legislação infraconstitucional com o texto

constitucional a que estão autorizados os órgãos investidos de jurisdição na

apreciação de cada caso posto sob seu julgamento.

Como cediço, esse controle difuso da constitucionalidade é exercido no caso

concreto, vale dizer, no bojo de litígio jurídico estabelecido entre os litigantes, do que

decorre que eventual declaração de inconstitucionalidade de lei ou qualquer outro

ato normativo havida no caso concreto em exame produzirá efeitos entre as partes

do litígio (eficácia inter partes), ao contrário do que sucede quando do chamado

controle concentrado da constitucionalidade, exercido por intermédio de ação direta

de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade, cuja decisão

que reconheça a inconstitucionalidade de qualquer espécie normativa será oponível

erga omnes.

Diante da magnitude que o tema apresenta, pode-se dizer que a

conformidade de qualquer espécie normativa com o texto constitucional é, até

mesmo por imperativo do Estado de Direito (cuja regência maior se dá pelo texto

legislativo fundante, a Constituição), a mais relevante das matérias de ordem

pública, dado que o controle da higidez da Constituição é dever primeiro de qualquer

magistrado.

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Em suma, certo é que o controle da constitucionalidade das leis e dos atos

normativos é exercido de duas formas distintas, sendo igualmente diferentes as

dimensões de eficácia destes controles (controle concentrado, de eficácia erga

omnes, exercitável exclusivamente pelo STF,428 e controle difuso, de eficácia inter

partes, de incumbência de qualquer órgão jurisdicional).

No âmbito dos tribunais, por exemplo, existe a possibilidade (CPC, art. 480)

de o relator, de ofício, uma vez identificada eventual inconstitucionalidade, submeter

a questão à turma ou câmara competente para julgamento do recurso (ou da ação

de competência originária do tribunal).

A propósito, de se perguntar: como está situada a questão no órgão que tem

como finalidade exclusiva a uniformização do entendimento do direito federal

infraconstitucional?

Até 1988, além do controle difuso (por via do recurso extraordinário) e do

controle concentrado da constitucionalidade, ao STF incumbia também a

uniformização do conjunto legislativo federal infraconstitucional, o que ocasionou à

nossa Corte Suprema sensível assoberbamento.

Com a clara proposta de reduzir a carga de atividades do STF, criou-se, na

Constituição Federal de 1988, uma segunda corte de abrangência nacional à qual se

derivou toda a competência recursal uniformizadora do direito federal outrora

relegada ao STF.

Desde então, contudo, uma questão sobre a competência do STJ persiste:

sendo certo que esta corte reúne competência uniformizadora do direito federal

infraconstitucional (este é um dos cometimentos que lhe confere o art. 105 da CF),

poderia haver exercício de controle difuso de constitucionalidade também no âmbito

do STJ?

428 No caso do STF, esta corte exerce o controle da constitucionalidade sob as duas formas, tanto em controle difuso quanto em sede de controle concentrado, neste último caso por via da ação direta de inconstitucionalidade. No dizer de ARAÚJO CINTRA, PELLEGRINI GRINOVER e DINAMARCO, “o sistema brasileiro na consagra a existência de uma corte constitucional encarregada de resolver somente as questões constitucionais do processo sem decidir a causa (como a italiana). Aqui, existe o controle difuso da constitucionalidade, feito por todo e qualquer juiz, de qualquer grau de jurisdição, no exame de qualquer causa de sua competência – ao lado do controle concentrado, feito pelo Supremo Tribunal Federal pela via da ação direta da inconstitucionalidade ou da ação declaratória de constitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal constitui-se, no sistema brasileiro, na corte constitucional por excelência, embora configurada segundo um modelo muito diferente dos europeus” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, p. 195).

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A circunstância de se admitir controle difuso da constitucionalidade no STJ

significaria infração à competência que lhe conferiu a Constituição Federal de dizer,

em caráter uniformizador, o direito federal infraconstitucional (o que excluiria a

apreciação de controvérsias constitucionais)?

Pensamos que não.

Em fundamentação a esse posicionamento, convém aduzirmos algumas

considerações sobre a competência constitucionalmente instituída relativamente ao

STJ no julgamento do recurso especial.

Da leitura do art. 105, inc. III, da Constituição Federal vê-se que compete ao

STJ julgar, em sede de recurso especial, negativa de vigência de lei federal incorrida

pela justiça local. Essa, em linhas gerais, a esfera de cabimento do recurso especial.

Evidentemente, trata-se de competência exclusiva do STJ no sentido de ser-

lhe fixada a função uniformizadora do direito federal.

A circunstância de caber ao STJ o conhecimento de argüição de lesão de lei

federal por força de disposição constitucional expressa não exclui, a nosso ver, a

competência dessa corte para pronunciar-se, difusamente e no caso concreto, sobre

a constitucionalidade de espécies normativas, até porque pensamos que tal

incumbência (o controle difuso da constitucionalidade) não necessita de previsão

legal expressa para que possa o órgão jurisdicional fazê-lo.

A possibilidade de o STJ exercer controle difuso da constitucionalidade,

contudo, é excepcional e não pode constituir o fundamento do recurso especial, vale

dizer, apenas pode dar-se controle difuso da constitucionalidade no STJ desde em

atuação jurisdicional de ofício, tendo sido detectada a violação da Constituição

quando do trâmite do recurso especial no STJ e sem que o debate de caráter

constitucional seja argüido pela parte neste recurso.

Em outras palavras, é evidente que o controle difuso pelo STJ não pode dar-

se por conta de debate constitucional agitado pelo recorrente no apelo especial:

devido às hipóteses de cabimento do recurso especial constitucionalmente previstas,

estaria evidentemente desprovido de falta de interesse de agir (modalidade

adequação) o especial continente de debate constitucional. Não seria admissível,

nesse sentir, o especial, por falta de previsão legal.

Adicionalmente, igualmente não cremos ser possível a existência de atividade

de caráter constitucional no STJ (controle difuso da constitucionalidade) caso já

tenha se instaurado debate constitucional nas instâncias ordinárias: se tal ocorreu (a

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preexistência de debate constitucional em primeiro ou segundo graus), o

jurisdicionado dispõe da via do recurso extraordinário para aduzir alegação de

violação à Constituição.

Nesse cenário, seria defeso ao STJ conhecer de matéria constitucional por

conta de ter sido possível que a parte o fizesse por intermédio de recurso próprio.

Veda-se, pois, o controle de constitucionalidade obliquamente pelo STJ caso a parte

disponha, ou tenha tido à sua disposição, o veículo processual adequado para tanto

(o recurso extraordinário) em decorrência de ter existido debate constitucional nas

instâncias ordinárias.

Em síntese, nos parece que a existência de um controle difuso de

constitucionalidade na Corte Especial exige (i) inexistência de debate prévio acerca

do tema constitucional, (ii) inexistência de debate constitucional em recurso

extraordinário interposto por qualquer das partes e (iii) inexistência de provocação da

parte acerca deste debate constitucional (tem de existir iniciativa oficial).

Nessas hipóteses, caso o STJ conheça da matéria constitucional (a

desconformidade de determinada lei federal perante a Constituição), não haveria

óbice para o exercício desse controle, que se daria incidenter tantum e de ofício.

Há interessante precedente do STF em que se visualiza com bastante clareza

o modus com que o STJ pode exercer algum controle de constitucionalidade das

decisões que lhe são submetidas em sede de recurso especial, precedente este cuja

reprodução julgamos conveniente: “(...) 1. Do sistema constitucional vigente, que

prevê o cabimento simultâneo de recurso extraordinário e de recurso especial contra

o mesmo acórdão dos tribunais de segundo grau, decorre que da decisão do STJ,

no recurso especial, só se admitirá recurso extraordinário se a questão constitucional

objeto do último for diversa da que já tiver sido resolvida pela instância ordinária. 2.

Não se contesta que, no sistema difuso de controle de constitucionalidade, o STJ, a

exemplo de todos os demais órgãos jurisdicionais de qualquer instância, tenha o

poder de declarar incidentemente a inconstitucionalidade da lei, mesmo de ofício; o

que não é dado àquela Corte, em recurso especial, é rever a decisão da mesma

questão constitucional do tribunal inferior; se o fez, de duas uma: ou usurpa a

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competência do STF, se interposto paralelamente o recurso extraordinário ou, caso

contrário, ressuscita matéria preclusa (...)”.429

VI.12 - O procedimento do controle difuso de constitucionalidade pelo STJ

Pondere-se que esse controle difuso da constitucionalidade que se antolha

possível no âmbito do STJ (sem provocação da parte, incidenter tantum e de

argüição ex officio) conta com aspectos procedimentais próprios, conforme se expõe

a seguir.

Detectada pelo relator a existência de questão constitucional que seja

prejudicial à continuidade do julgamento do recurso, deverá ser suscitada a matéria

constitucional perante a turma julgadora, que deliberará sobra o cabimento da

argüição de inconstitucionalidade. Tal deliberação da turma não se direciona ao

mérito da argüição (no sentido de dizer se procede ou não a inconstitucionalidade,

porém apenas haverá uma espécie de juízo de prelibação acerca da argüição).

Considerada cabível a argüição de inconstitucionalidade pela turma julgadora,

haverá remessa da argüição de inconstitucionalidade para o órgão especial do STJ,

para, então, decidir-se sobre a procedência do incidente.

Este iter procedimental consta do art. 200 do Regimento Interno do STJ.430

VI.13 - A extensão do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais: zonas de conflito com o mérito

Em tópico anterior deste estudo, quando tratamos do juízo de admissibilidade

dos recursos, buscou-se estremar de modo bastante claro o exame que se faz dos

429 STF, AgRag n. 145.589-7/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24.06.1994, citado em pertinente artigo doutrinário de autoria do Min. José Delgado (STJ), intitulado Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade, p. 613. 430 “Art. 200. A Seção ou a Turma remeterá o feito ao julgamento da Corte Especial quando a maioria acolher argüição de inconstitucionalidade por ela ainda não decidida. § 1º. Acolhida a argüição, será publicado o acórdão, ouvido, em seguida, o representante do Ministério Público, em quinze dias. § 2º. Devolvidos os autos, observar-se-á o disposto nos §§ 1º e 3º do artigo anterior. § 3º. O relator, ainda que não integre a Corte Especial, dela participará no julgamento do incidente, excluindo-se o Ministro mais moderno.”

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requisitos de admissibilidade recursal comparativamente àquele desenvolvido

quando do julgamento meritório dos recursos.

De um modo geral, ao empreender a aferição de admissibilidade recursal,

especialmente no âmbito dos recursos ordinários, não percebemos impropriedade

na atividade desenvolvida pelo Judiciário, que em regra adstringe-se aos requisitos

de admissibilidade, sem invadir o mérito recursal.

Não obstante, em se tratando de (i) recursos excepcionais, em que (ii) é

dúplice o juízo de admissibilidade (que se dá perante os órgãos a quo e ad quem), a

observação que fazemos da práxis forense indica-nos que é lamentavelmente

corriqueira a indevida intromissão no mérito do recurso especial ou do extraordinário

empreendida nos tribunais locais (quando do primeiro juízo de admissibilidade),

especialmente para negar admissão a tais recursos.

Com efeito, são diversas as decisões do Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo em que se lêem asserções como as seguintes: “inadmite-se o recurso

especial, dado não ter havido a lesão de lei federal invocada nas razões recursais”,

ou ainda “nego seguimento ao recurso extraordinário, pois aplicou o órgão recorrido

corretamente o dispositivo constitucional tido por violado pelo recorrente”.

Tais posicionamentos decisórios destoam, a nosso ver, do que deve

efetivamente pautar o juízo de admissibilidade, em que deve o órgão jurisdicional

manter-se alheio ao mérito do recurso. Ademais, diga-se que, ao estar-se diante de

juízo de admissibilidade local (em recursos excepcionais) que avança ilegitimamente

sobre o mérito do recurso para admiti-lo ou não, consuma-se indevida usurpação de

competência, dado que é da jurisdição exclusiva do STJ e do STF afirmar se

ocorreram ou não as violações de textos legais federais ou constitucionais.431

A essa circunstância acresça-se o fato de que a jurisprudência do STJ

prestigia, já de modo consolidado, essa invasão de competência incorrida pelos

tribunais locais no juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais.432

431 “Não é deferido ao órgão a quem compete o exame da admissibilidade enfrentar a questão de fundo” (FORNACIARI, Clito. Âmbito do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais, p. 63). 432 Neste sentido: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE DO TRIBUNAL A QUO ADENTRAR NO MÉRITO DA QUESTÃO. RECURSO QUE DEIXA DE IMPUGNAR TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. ENUNCIADOS NºS 182 E 83 DO STJ. INCIDÊNCIA NOS RECURSOS INTERPOSTOS PELO PERMISSIVO DA ALÍNEA ‘A’. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.

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Esse posicionamento do STJ arrima-se na premissa de que a Constituição

Federal, ao indicar as hipóteses de cabimento dos recursos especial e

extraordinário, teria miscigenado, de certa forma, o juízo de admissibilidade com o

juízo de mérito dos recursos excepcionais: no art. 105, inc. III, alínea “a”, da CF, por

exemplo, consta que caberá o recurso especial quando a decisão do tribunal local

“contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”, o que significaria, conforme

orientação decisória do STJ, que a admissão do apelo especial com fulcro no citado

dispositivo constitucional estaria atrelada à aferição de negativa de vigência de texto

legal federal, aí residindo a permissão de apreciação do mérito pelo tribunal local

quando da admissibilidade recursal excepcional.433

Essa realidade jurisprudencial consolidada, entretanto, não se compatibiliza

com o conteúdo do juízo de admissibilidade. Aliás, a própria existência de um juízo

de admissibilidade justifica sua distinção comparativamente ao juízo de mérito dos

recursos, caso contrário nem sequer existiria razão para a presença de ambos,

bastando que existisse um único juízo de julgamento dos recursos.

A nosso ver, ao dispor-se em texto constitucional que o cabimento dos

recursos excepcionais dar-se-á nas situações indicadas no inciso III dos arts. 102 e

105 da CF, não se está a permitir a confusão entre admissibilidade e mérito

recursais.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça decidiu ser possível o juízo de admissibilidade adentrar no mérito do recurso, na medida em que o exame da sua admissibilidade, pela alínea ‘a’, em face dos seus pressupostos constitucionais, envolve o próprio mérito da controvérsia. (...)” (STJ, AgRg no Ag n. 615.731, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 01.07.2005). 433 “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – CARÁTER INFRINGENCIAL – RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL – FUNGIBILIDADE RECURSAL – POSSIBILIDADE – ALEGAÇÃO DE INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA POR PARTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL A QUO – INOCORRÊNCIA – RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO – DELINEAMENTO DA COMPETÊNCIA DO RELATOR, NO JULGAMENTO DA DECISÃO MONOCRÁTICA – QUESTÃO NÃO DEBATIDA – PRINCÍPIO DEVOLUTIVO – INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS – VEDAÇÃO NA VIA RECURSAL ELEITA – ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL – IMPOSSIBILIDADE – USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA ATRIBUÍDA AO PRETÓRIO EXCELSO – INADMISSIBILIDADE – PORTARIAS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA E DO MINISTÉRIO DAS MINAS E ENERGIA – PRETENDIDA ANÁLISE – VIA RECURSAL ELEITA – IMPOSSIBILIDADE – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL DE FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS – PRETENDIDA ANÁLISE – VIA RECURSAL ELEITA – IMPOSSIBILIDADE. I – Em nome dos princípios da fungibilidade recursal e da economia processual, é admissível receber, como agravo regimental, os embargos de declaração de caráter nitidamente infringente, desde que comprovada a interposição tempestiva da irresignação e verificada a inexistência de erro grosseiro ou má-fé do recorrente. Precedentes. II – É possível ao Sodalício local adentrar no mérito do recurso especial quando do processamento do juízo de admissibilidade, na medida em que tal exame envolve o próprio mérito da controvérsia, em face dos seus pressupostos constitucionais (CF/88, art. 105, inciso III, alínea ‘a’). Precedentes. (...)” (STJ, EDcl no Ag n. 415.937, rel. Min. Massami Uyeda, DJ de 19.11.2007).

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De fato, registre-se, por primeiro, que a redação do inciso III dos arts.102 e

105 da CF não prevê a permissibilidade de análise meritória em juízo de

admissibilidade de recursos excepcionais: diz apenas que caberá ao STF e ao STJ o

julgamento de recursos extraordinário e especial nas hipóteses arroladas em suas

alíneas, nada mais.

Em segundo lugar, a circunstância de terem tais recursos excepcionais, em

termos gerais, sua propositura vinculada à violação de dispositivos constitucionais

ou federais não conduz forçosamente à permissão de admissibilidade mediante

apreciação meritória. Em nosso entender, a análise que poderá ser exercida pelo

tribunal local acerca da violação da CF ou do conjunto legislativo federal deverá dar-

se nos estreitos lindes do exame do interesse de agir, vale dizer, deverá existir

análise perfunctória, in statu assertionis, (i) da prejudicialidade em tese da decisão

hostilizada e (ii) da adequação do recurso proposto, avaliando-se perfunctoriamente

se consta do recurso a afirmação de lesão de direito positivo constitucional ou

federal, sem, contudo, afigurar-se possível adentrar na ratio de tais argumentos

recursais, no sentido de se lhes conferir provimento ou não.434

Em outras palavras, caberá ao tribunal local, na esfera de competência que

lhe é atribuída em sede de primeiro juízo de admissibilidade dos recursos

excepcionais, perscrutar se existe afirmação, asserção da parte que se encaixe em

alguma das hipóteses previstas nos permissivos constitucionais respectivos (arts.

102, III, 105, III, e alíneas), circunscrevendo-se a uma lâmina entre a aferição de

constarem os argumentos legitimadores do especial e do extraordinário e o

julgamento de mérito, sem contudo perpassá-la, avaliando se tais afirmações

procedem ou não, o que induvidosamente se trata de cometimento constitucional

reservado ao STJ e ao STF.435

Em confirmação a essa impressão de que o exame de admissibilidade dos

recursos excepcionais deve restringir-se ao exame perfunctório, superficial, das

hipóteses indicadas no inciso III dos arts. 102 e 105 da CF, diga-se que o mesmo

ocorre quando, por exemplo, procede-se à admissibilidade do recurso de apelação:

poderá o juízo a quo avaliar, sob a rubrica de interesse recursal e adequação do

434 Veja-se o que leciona a respeito MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, p. 226. 435 Vide MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, v. V,, p. 585 e ss.

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recurso, se estão presentes a afirmação de prejuízo a ensejar o recurso e a

adequação do recurso interposto, jamais julgando-se o mérito recursal.

Adaptando-se essa realidade aos recursos excepcionais, e respeitando-se a

devolutividade estrita destes, pode o tribunal local, em primeiro juízo de

admissibilidade, aferir se parte suscitou alguma das situações arroladas nas alíneas

dos incisos III dos arts. 102 e 105 da CF, além dos demais requisitos de

admissibilidade dos recursos excepcionais, sendo-lhe vedado, contudo, emitir juízo

de valor sobre o acerto ou desacerto destas razões.

Esta é, e sempre foi, a essência dos juízos de admissibilidade, qualquer que

seja o recurso de que se esteja cogitando, inclusive no âmbito dos recursos

excepcionais.436

O entendimento pacificado do STJ, reprodutor de idêntico posicionamento do

STF, escora-se, em nosso sentir, na declarada intenção de evitar-se o açodamento

de nossas cortes excepcionais,437 que, ao permitir o exame meritório pelos tribunais

locais (em sede de primeira verificação de admissibilidade) dos recursos de sua

competência exclusiva, acaba por estruturar um indevido filtro recursal já nas cortes

de origem. Mais uma vez, é de se lamentar que se tenha optado, entre a ampliação

estrutural e a restrição de acesso à Justiça, pela segunda possibilidade.438,439

Interessante notar, ainda a respeito das críticas que se podem tecer acerca

desta confusão indevida entre os juízos de mérito e de admissibilidade, que nos

primórdios da existência do STJ já aconselhava Barbosa Moreira: “Evitando toda e

qualquer confusão ao propósito (dos juízos de admissibilidade e de mérito), dando a

436 Doutrina de nomeada já se posicionou neste sentido. Confira-se, a propósito, FORNACIARI JR., Clito. Processo civil: verso e reverso, p. 157 e ss.; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito no julgamento do recurso especial, p. 163 usque 170; MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, p. 150. 437 “Os fins não justificam os meios! Se a intenção dos tribunais superiores é a de equacionar ou minimizar o volume crescente de recursos intentados perante os tribunais superiores, devem ser encontrados outros meios, como por exemplo, a aplicação da súmula vinculante e a repercussão geral, ambos já consagrados na Carta Magna por força da EC 45” (RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. A conhecida, porém ignorada, distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito nos recursos especial e extraordinário, p. 133). 438 Confira-se, neste sentido, artigo de Miguel Ângelo Barros da Silva, para quem, não fosse essa posição permissiva da indevida confusão entre admissibilidade e mérito dos recursos excepcionais já na origem, “em breve tempo, inevitavelmente se atingiria o estrangulamento do Superior Tribunal de Justiça, mercê do acendrado número de processos submetidos ao seu exame, oriundos de todos os Tribunais do país, nos mesmos moldes do ocorrido com o recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal - de triste memória” (SILVA, Miguel Ângelo Barros da. A admissibilidade do recurso especial, p. 161-169). 439 Nesse sentido, FRANÇOLIN, Wanessa de Cássia. O juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário exercido pelo tribunal local, p. 669.

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cada figura o nome apropriado, muito se contribuirá para a clarificação dos conceitos

e para a boa disciplina da matéria em ponto sensível da sistemática dos meios de

impugnação” (são nossos os parênteses).440

VI.14 - A repercussão geral no recurso extraordinário: novo requisito de admissibilidade

Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, criou-se um

novo requisito de admissibilidade para o recurso extraordinário: a demonstração de

que a questão constitucional tem repercussão geral, vale dizer, releva para o

interesse público e ostenta importância que excede os limites da questão debatida

entre as partes litigantes.441

Parece-nos induvidoso que a finalidade de predito dispositivo legal é a de

servir como filtro à pletora de recursos que chegam ao STF, buscando-se, digamos,

maior apuro qualitativo (no sentido de serem mais relevantes) das questões que

chegam ao Excelso Pretório, de modo que controvérsias constitucionais mais

relevantes não tenham sua apreciação obstada pelo acúmulo de querelas que

chegam ao STF.

Em 2006, com o advento da Lei 11.418, deu-se a regulamentação do instituto

da repercussão geral, mediante inclusão, no CPC, de dois novos dispositivos, quais

sejam, os arts. 543-A e 543-B.

Do caput do art. 543-A do CPC colhe-se que “o Supremo Tribunal Federal,

em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão

constitucional nele versada não oferecer repercussão geral (...)”. Do texto legal em

referência nota-se que a repercussão geral efetivamente consiste em novel requisito

de admissibilidade (tanto que, na falta de sua demonstração, a decisão será de não

conhecimento), porém com uma característica inovadora: ao contrário dos demais

requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, cujo exame é duplo (tanto no

440 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito no julgamento do recurso especial, p. 12. 441 No passado, existia requisito semelhante, no Brasil, relativamente ao recurso extraordinário: a argüição de relevância. Na Alemanha, o acesso aos tribunais superiores condiciona-se à “importância fundamental da causa” (PRÜTTING, Hans. A admissibilidade do recurso aos tribunais alemães superiores, p. 154).

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tribunal a quo quanto no tribunal ad quem), a repercussão geral será examinada

exclusivamente pelo STF, sendo defeso à corte a quo fazê-lo.

Cumpre-nos, aqui, tecer importante distinção: é verdade que o exame da

repercussão geral em si cabe exclusivamente ao STF, no sentido de aferir a

relevância e a transcendência da questão constitucional debatida no extraordinário;

a constância de preliminar recursal em que se fundamenta a existência da

repercussão geral, porém integrará o juízo de admissibilidade que se desenvolve na

origem, no sentido de se apurar se a parte recorrente formulou a alegação de que o

tema debatido no extraordinário apresenta relevância e interesse que excedam

apenas aqueles das partes litigantes.442

442 É o que consta de um dos pouquíssimos precedentes do STF em que se abordou a questão da repercussão geral: “EMENTA: I. Questão de ordem. Recurso extraordinário, em matéria criminal e a exigência constitucional da repercussão geral. 1. O requisito constitucional da repercussão geral (CF, art. 102, § 3º, red. EC 45/2004), com a regulamentação da L. 11.418/06 e as normas regimentais necessárias à sua execução, aplica-se aos recursos extraordinários em geral, e, em conseqüência, às causas criminais. 2. Os recursos ordinários criminais de um modo geral, e, em particular o recurso extraordinário criminal e o agravo de instrumento da decisão que obsta o seu processamento, possuem um regime jurídico dotado de certas peculiaridades – referentes a requisitos formais ligados a prazos, formas de intimação e outros – que, no entanto, não afetam substancialmente a disciplina constitucional reservada a todos os recursos extraordinários (CF, art. 102, III). 3. A partir da EC 45, de 30 de dezembro de 2004 – que incluiu o § 3º no art. 102 da Constituição –, passou a integrar o núcleo comum da disciplina constitucional do recurso extraordinário a exigência da repercussão geral da questão constitucional. 4. Não tem maior relevo a circunstância de a L. 11.418/06, que regulamentou esse dispositivo, ter alterado apenas texto do Código de Processo Civil, tendo em vista o caráter geral das normas nele inseridas. 5. Cuida-se de situação substancialmente diversa entre a L. 11.418/06 e a L. 8.950/94 que, quando editada, estava em vigor norma anterior que cuidava dos recursos extraordinários em geral, qual seja a L. 8.038/90, donde não haver óbice, na espécie, à aplicação subsidiária ou por analogia do Código de Processo Civil. 6. Nem há falar em uma imanente repercussão geral de todo recurso extraordinário em matéria criminal, porque em jogo, de regra, a liberdade de locomoção: o RE busca preservar a autoridade e a uniformidade da inteligência da Constituição, o que se reforça com a necessidade de repercussão geral das questões constitucionais nele versadas, assim entendidas aquelas que ‘ultrapassem os interesses subjetivos da causa’ (C.Pr.Civil, art. 543-A, § 1º, incluído pela L. 11.418/06). 7. Para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção - por remotas que sejam -, há sempre a garantia constitucional do habeas corpus (CF, art. 5º, LXVIII). II. Recurso extraordinário: repercussão geral: juízo de admissibilidade: competência. 1. Inclui-se no âmbito do juízo de admissibilidade – seja na origem, seja no Supremo Tribunal – verificar se o recorrente, em preliminar do recurso extraordinário, desenvolveu fundamentação especificamente voltada para a demonstração, no caso concreto, da existência de repercussão geral (C.Pr.Civil, art. 543-A, § 2º; RISTF, art. 327). 2. Cuida-se de requisito formal, ônus do recorrente, que, se dele não se desincumbir, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, esta sim sujeita ‘à apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal’ (art. 543-A, § 2º). III. Recurso extraordinário: exigência de demonstração, na petição do RE, da repercussão geral da questão constitucional: termo inicial. 1. A determinação expressa de aplicação da L. 11.418/06 (art. 4º) aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência não significa a sua plena eficácia. Tanto que ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal a tarefa de estabelecer, em seu Regimento Interno, as normas necessárias à execução da mesma lei (art. 3º). 2. As alterações regimentais, imprescindíveis à execução da L. 11.418/06, somente entraram em vigor no dia 03.05.07 - data da publicação da Emenda Regimental nº 21, de 30.04.2007. 3. No artigo 327 do RISTF foi inserida norma específica tratando da necessidade da preliminar sobre a repercussão geral, ficando estabelecida a possibilidade de, no Supremo Tribunal, a Presidência ou o Relator sorteado negarem

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Questão sempre desafiadora diz respeito à delimitação de expressões legais

abertas, como o é a repercussão geral. O § 1º do art. 543-A, verbi gratia, dispõe que,

para fins de delimitação do conceito de repercussão geral, deverá ser levada em

consideração a presença, no recurso extraordinário, de questões relevantes “do

ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses

subjetivos da causa”.

Como bem observam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, o conceito

de repercussão geral compõe-se da conjugação de dois elementos, quais sejam, a

relevância da matéria debatida e a transcendência, ou seja, a importância coletiva

do assunto versado no apelo extremo (sob enfoque social, político, econômico) e

sua extrapolação relativamente ao microcosmo das partes litigantes.443

Para José Rogerio Cruz e Tucci, a repercussão geral advém do fato de ter a

matéria constitucional discutida “amplo espectro, vale dizer, abranja um número

expressivo de pessoas”.444

Comentando tema afim (a argüição de relevância), Sérgio Bermudes leciona

que, para se assumir um conceito de relevância (que entendemos ser assemelhado

ao de repercussão geral), “é necessário que o interesse na sua solução (do litígio)

transcenda os lindes do processo, para se projetar na vida social”, havendo-se de ter

“uma visão ecumênica, não paroquial, dos problemas decorrentes da aplicação da

norma jurídica”.445

É bem verdade, sobre a repercussão geral, que o fato de se tratar de conceito

aberto forçosamente exigirá da comunidade jurídica a espera por alguns

pronunciamentos a respeito por parte do STF, no sentido de se ter um número

minimamente razoável de decisões dessa corte por via das quais seja possível pelo

menos aquilatar alguns parâmetros do que venha a ser uma questão que admita ser

inserida no rol de temas com repercussão geral.

seguimento aos recursos que não apresentem aquela preliminar, que deve ser ‘formal e fundamentada’. 4. Assim sendo, a exigência da demonstração formal e fundamentada, no recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03 de maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007” (STF, AI-QO664567, julgamento pelo órgão pleno, DJ de 06.09.2007). 443 MARINONI, Luiz Guilherme, e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 33. 444 TUCCI, José Rogerio Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei 11.418/2006), p. 153. 445 BERMUDES, Sérgio. Direito processual civil – estudos e pareceres, p. 46.

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De qualquer forma, há alguns temas que desde já podem ser evidentemente

arrolados como de repercussão geral: discussões vinculadas a planos econômicos

(debates sobre reajustes de ativos financeiros, como os atinentes aos planos Verão,

Bresser, Collor, etc), a modalidades contratuais que, por natureza, se espraiam a

milhares de pessoas (relações de consumo, como as mantidas com planos de

saúde), a questões de índole política (debates envolventes de temas de direito

eleitoral, por exemplo), a matérias relativas a direitos transindividuais em geral

(como o são discussões que têm como pano de fundo o direito ambiental),446 entre

tantas outras que poderiam aqui ser citadas.

O que também é importante frisar acerca da circunscrição do conceito de

repercussão geral é que, ao contrário de uma primeira impressão que poderia ficar

ao intérprete, a aferição da repercussão geral por parte do STF não consiste em um

poder discricionário, em que o julgador poderia utilizar-se de um juízo de

oportunidade com alto grau de subjetividade para eleger entre essa ou aquela

decisão. Como observam com bastante acuidade Marinoni e Mitidiero, o conceito de

repercussão geral será maturado com a própria existência de precedentes a

respeito, com o que será possível, ao menos por meio do uso de parâmetros, “a

partir de uma paulatina e natural formação de catálogo de casos pelos julgamentos

do Supremo Tribunal Federal”, fazer-se “em face da própria atividade jurisdicional da

Corte, objetivando-se cada vez mais o manejo dos conceitos de relevância e

transcendência ínsitos à idéia de repercussão geral”.447

Ainda sobre o conceito de repercussão geral, insta ressaltar que a legislação

regulamentadora houve por bem eleger uma hipótese em que a relevância e

transcendência da questão versada no recurso extraordinário são pressupostas:

quando a decisão objeto do recurso for contrária a súmula ou jurisprudência

dominante do STF (CPC, art. 543-A, § 3º).448

Essa repercussão geral presumida decorrente de recurso extraordinário

contra decisão que contrarie súmula ou jurisprudência dominante do STF denota o

446 Fredie Didier observa que “é possível pressupor que, em causas coletivas que versem sobre temas constitucionais, haverá a tal ‘repercussão geral’ que se exige para o cabimento do recurso extraordinário” (DIDIER, Fredie. Transformações do recurso extraordinário, p. 988). 447 MARINONI, Luiz Guilherme, e MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 35. 448 Conforme aponta Rodrigo Barioni, trata-se de um critério objetivo para a caracterização da repercussão geral. BARIONI, Rodrigo. Repercussão geral das questões constitucionais: observações sobre a Lei 11.418/2006, p. 219.

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quão encarecidos são, atualmente, os precedentes jurisprudenciais, mormente

porque são os veículos prediletos de nossas cortes para que se dê a abreviação do

trâmite das questões judiciais.

Não deixa de ser interessante notar que, por vias oblíquas, essa repercussão

geral presumida (prevista no § 3º do art. 543-A do CPC) em certas hipóteses poderá

mostrar-se infensa aos conceitos de relevância e transcendência que, de ordinário,

lhe são característicos.

À guisa de exemplo, de se perguntar: que repercussão geral derivaria de uma

decisão local que afrontasse a Súmula 257 do STF (“São cabíveis honorários de

advogado na ação regressiva do segurador contra o causador do dano”)? A nosso

ver, apartada a relevância para o advogado que atue em defesa de direitos de

seguradoras, não se apresenta qualquer repercussão geral em recurso

extraordinário tirado de decisão que afronte a súmula em questão, porém existiria a

repercussão geral pressuposta do CPC, art. 543-A, § 3º, do CPC.

Há, por assim dizer, dois grupos de repercussão geral: a genuína, derivada de

relevância e transcendência do tema versado no extraordinário, e outra, derivada de

uma opção de conveniência do legislador, prevista no § 3º do art. 543 do CPC, que

serve basicamente ao robustecimento de mais um elemento de estrangulamento do

acesso à instância extraordinária.

Em termos práticos, a demonstração da repercussão geral deverá

materializar-se em capítulo preliminar das razões recursais. O exame da

repercussão geral pelo STF se dará em uma das turmas desse tribunal e, se

reconhecida sua presença por voto de, no mínimo, quatro ministros, não é

necessário o julgamento da repercussão geral pelo Plenário (CPC, art. 543-A, § 4º).

A Lei 11.418/06, que trouxe a regulamentação do instituto da repercussão

geral como adicional requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, contém

outras disposições merecedoras de nossa atenção, especialmente porquanto

permissivas de julgamentos seriados de numerosos extraordinários com lastro em

decisão tomada em apenas um, ou alguns poucos, recursos eleitos como

paradigmas.

Referimo-nos, in casu, às situações indicadas no arts. 543-A, § 5º, e 543-B do

CPC.

Na primeira hipótese (art. 543-A, § 5º, do CPC), permite-se que, negada a

existência de repercussão geral em determinado recurso, tal decisão seja

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transplantada para todos os demais recursos que, aos olhos do STF, contenham

debate idêntico ao primeiro, que serão “indeferidos liminarmente”.

Na segunda hipótese, havendo um número considerável de recursos

extraordinários no tribunal local e que sejam por este considerados idênticos,

poderão ser remetidos ao STF, conforme conveniência da corte local, um ou alguns

recursos extraordinários, sobrestando-se o trâmite de todos os demais, que

permanecerão retidos no tribunal a quo; caso o STF considere inexistente a

repercussão geral no recurso paradigma e, portanto, não o admita, serão

considerados inadmitidos todos os demais recursos que permaneceram sobrestados

no tribunal local (CPC, art. 543-B, § 2º).

Caso o STF reconheça a repercussão geral da matéria versada nesse recurso

paradigma e julgue-lhe o mérito, esse julgamento produzirá eficácia vinculante sobre

os tribunais locais, que terão de imprimir idêntico destino aos recursos que ficaram

sobrestados na origem. Perceba-se, aqui, uma nova espécie de julgamento

vinculante, que não advém de súmula.

Em ambas as situações (arts. 543-A, § 5º, e art. 543-B do CPC), nota-se a

existência de um julgamento que se transporta para todos os demais recursos

extraordinários que contenham debate idêntico, estejam estes já no STF (caso do

art. 543-A, § 5º) ou estejam ainda na instância inferior (art. 543-B).

O que nos chama a atenção relativamente a esse julgamento vinculado é a

dificuldade natural de catalogação de recursos extraordinários como sendo todos

relacionados a um mesmo debate jurídico: terá o tribunal local, ou mesmo o STF,

condição de apurar com exatidão a identidade de casos, de modo a definir um grupo

de recursos extraordinários que possam ter decisão única? Cremos ser

imensamente desafiadora tal atividade.

Em complementação à indagação acima exposta, vem-nos incomodando

outra circunstância: a irrecorribilidade da decisão que nega a existência de

repercussão geral (CPC, art. 543-A, caput): parece-nos, como de resto ocorre com

qualquer hipótese de irrecorribilidade, que a decisão de ausência de repercussão

geral desafiará mandado de segurança contra ato judicial, revigorando-se mais uma

vez o mandamus como alternativa aos pronunciamentos decisórios dos quais não

cabe recurso.

De nossa parte, reiteramos nossa ampla discordância relativamente à

existência de decisões irrecorríveis, que apenas servem como solução rápida,

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rasteira e barata em alternativa à crônica ausência de estrutura para a prestação de

adequada jurisdição, em termos qualitativos e quantitativos.

Em termos de direito intertemporal, decidiu-se no Plenário do STF que estão

sujeitos à demonstração da repercussão geral os recursos extraordinários

interpostos em face de decisões cuja intimação tenha “ocorrido a partir de 03 de

maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de

2007.”449

VI.15 - O prequestionamento

Em conclusão a este capítulo destinado às matérias que justificam atuação de

ofício em sede de recursos de efeito devolutivo restrito, faz-se de rigor a abordagem

de tema que seguramente responde por grande parte da dificuldade de ver admitido,

e provido, um recurso especial ou um recurso extraordinário: o prequestionamento.

O objetivo deste estudo não é, evidentemente, o de desenvolver estudos

monográficos sobre cada uma das matérias que admitem atuação de ofício no

âmbito recursal; o que se pretende, em verdade, é avaliar, à luz da conformação

atual, como se comportam alguns institutos atrelados ao agir ex officio em sede de

recursos, e com tal propósito abordamos a figura do prequestionamento.

Em que pese não tenha previsão legal expressa com esta nomenclatura, o

prequestionamento consagrou-se como a expressão doutrinária e jurisprudencial da

locução “causas decididas” constante dos incs. III dos arts. 102 e 105 da

Constituição Federal, relativos, respectivamente, aos recursos extraordinário e

especial.

Em interpretação desta locução “causas decididas”, pacificou-se o

entendimento de que a matéria versada no recurso excepcional (em regra, o debate

federal ou constitucional conduzido ao exame do STJ e do STF) tem de ter sido

previamente cogitada na decisão recorrida, vale dizer, tem de ter sido objeto de

prévia questão (debate, controvérsia) na decisão impugnada. Esta a raiz da

expressão prequestionamento (prévio debate da matéria na decisão objeto do

especial ou do extraordinário).

449 STF, AI-QO664567, julgamento pelo órgão pleno, DJ de 06.09.2007.

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A justificativa desse requisito decorre da tradicional estruturação do sistema

processual civil em dúplice instância: de modo a não converter as cortes

excepcionais em mera terceira instância, às quais pudesse ser aviado um debate até

então não travado no processo, estruturou-se o prévio debate acerca da matéria nas

instâncias ordinárias como requisito de provocação da jurisdição excepcional.

Em suma, sendo certo que o STJ e o STF existem precipuamente para

manter a uniformidade do direito federal e do direito constitucional, e sendo

igualmente certo que os recursos especial e extraordinário atuam como condutos a

tais cortes de decisões potencialmente lesivas a essa uniformidade, exige-se, para a

provocação da atividade judicante dos tribunais excepcionais, a demonstração de

que a controvérsia acerca de dispositivos normativos federais ou constitucionais

tenha efetivamente existido no órgão a quo, vale dizer, tenha sido previamente

questionada a matéria que dá lastro ao especial ou ao extraordinário.450

José Miguel Garcia Medina, em obra dedicada ao assunto, perfila três

possíveis definições da figura do prequestionamento (manifestação do tribunal local

acerca das questões federal ou constitucional, debate travado pelas partes acerca

destas questões e miscigenação dessas duas possibilidades).451 Eduardo Ribeiro de

Oliveira também o faz.452

Parece-nos ser induvidoso, hoje, que a primeira definição é assente, vale

dizer, o prequestionamento consistente na presença, no interior da decisão

recorrida, do debate acerca do direito federal ou constitucional de modo a justificar a

intervenção uniformizadora das cortes excepcionais.453

Essa circunstância, aliás, é que torna absolutamente penosa a satisfação ao

requisito do prequestionamento: não está na esfera de poder do litigante fazer

constar na decisão recorrida a controvérsia de caráter federal ou constitucional de

450 Como noticia Mancuso, reproduzindo magistério de Buzaid, já na origem do recurso extraordinário, que tinha por objetivo manter, nos Estados Unidos da América do Norte, a incolumidade do conjunto legislativo federal em face das decisões dos Estados, evidentemente apenas seria possível a provocação da função jurisdicional uniformizadora da União (rectius, da Suprema Corte) caso houvesse, no âmbito da justiça estadual, prévia questão acerca do direito federal em sentido amplo, vale dizer, prévio questionamento do tema agitado no extraordinário. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e especial, p. 286. 451 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, p. 217. 452 OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Prequestionamento, p. 245. 453 Extraímos tal conclusão do teor das súmulas 282 e 211, do STF e do STJ, respectivamente. Súmula 282 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. Súmula 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”.

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modo a viabilizar os recursos especial e extraordinário. Queda ao exclusivo talante

do órgão jurisdicional fazê-lo, e o máximo cabível ao litigante é opor embargos de

declaração com intuito de prequestionamento, os quais, caso rejeitados, poderão

autorizar a interposição de recurso especial por negativa de vigência ao art. 535 do

CPC (na medida em que a não aceitação de declaratórios para suprir omissão

violaria tal dispositivo legal), nada mais, mantendo-se de lado o debate de fundo,

sobre a lesão de lei federal ou constitucional que o recorrente pretendia constasse

da decisão principal.

Ainda sobre a figura do prequestionamento, cumpre dizer que são

identificadas duas modalidades desse requisito dos recursos excepcionais: o

prequestionamento implícito e o prequestionamento explícito.

Entende-se por prequestionamento implícito o debate federal ou

constitucional estabelecido na decisão recorrida sem que se exija, para a

configuração desse requisito, a constância, no decisum, do dispositivo legal federal

ou da Constituição. No STJ, prevalece a idéia de que basta o prequestionamento

implícito para que seja admitido o recurso especial.454

A contrario sensu, o prequestionamento explícito manifesta-se pela expressa

constância, na decisão, do dispositivo federal ou constitucional tido por violado, e

essa é a concepção dominante no STF.455

Sobre esse posicionamento do STF, não podemos deixar de manifestar nossa

discordância a respeito: o prestígio a esse prequestionamento numérico, conforme

se tem referido a essa vetusta exigência de que conste na decisão recorrida o

dispositivo da Constituição Federal tido por violado, atua como absurdo gargalo no

acesso ao recurso extraordinário. Deveras, deixaria de existir violação ao texto

constitucional caso uma decisão seja, v.g., lesiva ao dever de fundamentação das

decisões judiciais (CF, art. 93, inc. IX) e apenas não mencione o dispositivo

constitucional atinente ao assunto (o dever de fundamentar)? Parece-nos demasiado

fetichista exigir-se, ainda hoje, o prequestionamento numérico... 454 “Têm-se por prequestionado o dispositivo ofendido, quando o acórdão debate o tema nele contido, sendo dispensável a sua menção expressa pelo acórdão recorrido.” (STJ, AgRg no Ag n. 271.073, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 17.12.2004). 455 “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALEGADA VIOLAÇÃO A PRECEITOS INSCRITOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL - RECURSO IMPROVIDO. - A ausência de efetiva apreciação do litígio constitucional, por parte do Tribunal de que emanou o acórdão impugnado, não autoriza – ante a falta de prequestionamento explícito da controvérsia jurídica – a utilização do recurso extraordinário” (STF, AgRg no AI 265.955, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 29.06.2007).

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Há que se destacar, a propósito, que a exigência de constância do dispositivo

legal federal ou constitucional no corpo da decisão que será objeto do recurso

excepcional pode mostrar-se inviável justamente pelo fato de haver-se negado

vigência a tal dispositivo, o que perfaz uma das hipóteses de cabimento dos

recursos especial e extraordinário.

Com efeito, não raro constam das decisões locais asserções como “não cabe

a aplicação à espécie dos dispositivos legais suscitados pelo recorrente...”, o que, a

defender-se ferreamente a posição do STF sobre o prequestionamento explícito,

simplesmente não autorizaria a interposição do recurso excepcional.

Essa diversidade de entendimentos acerca da figura do prequestionamento,

aliás, contribui gigantescamente para a dificuldade de acesso às instâncias

excepcionais, dado que os litigantes se vêem aprisionados ao que bem se entender

acerca do prequestionamento em sede de juízos de admissibilidade locais: ora são

inadmitidos recursos por carência de prequestionamento explícito, ora por ausência

de prequestionamento implícito, convolando-se a esfera recursal excepcional em

autêntica roda viva.456

456 São oportunas, aqui, as palavras de Cássio Scarpinella Bueno a respeito: “O que é de ser destacado aqui e agora é que, enquanto não houver um consenso a respeito do que é prequestionamento, como ele se manifesta perante os jurisdicionados e qual o papel dos embargos de declaração para a fase recursal extraordinária e especial, o acesso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça resta seriamente comprometido. Enquanto for difícil responder à questão “o que é e como se dá o prequestionamento?”, enquanto não houver uma segura uniformidade de entendimentos acerca deste tema, o acesso àqueles dois Tribunais é mais ilusório do que real. É mais declaração de direito do que uma efetiva garantia de direitos constitucionalmente prevista. Trata-se, inegavelmente, de um caso em que a forma parece estar suplantando – e em muito – o conteúdo.” (BUENO, Cássio Scarpinella. Quem tem medo do prequestionamento?, artigo disponível no endereço eletrônico http://www.direitoprocessual.org.br/dados/File/enciclopedia/artigos/processo_civil/Quemtemmedodoprequestionamento.doc. Acesso em 22 de março de 2008.

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CAPÍTULO VII - A ATIVIDADE INSTRUTÓRIA EM GRAU RECURSAL

VII.1 - A relevância da questão

A natureza humana traz consigo um caractere que habita, ainda que em

estado de latência, todas as ações do homem: o erro.

A natural falibilidade das diversas ocorrências em que se vê envolvido o

indivíduo espraia-se também às atividades judiciais, com um fator que lhe agrava: se

o erro individual extrajudicial no mais das vezes percute tão-só na esfera daquele

que o cometeu, na seara das lides forenses podem derivar do erro, especialmente

do erro incorrido pelo órgão jurisdicional, conseqüências robustamente trágicas ao

jurisdicionado, àquele que é objeto da decisão judicial.

Em virtude dessa inafastável circunstância, os sistemas judiciários se

arrimaram em um método intuitivamente útil para minimizar a possibilidade de

ocorrência de equívocos judiciais: a revisão das decisões, tradução do elementar

direito de obter segunda análise crítica sobre determinado pronunciamento

judicial.457

A idéia de revisão, aliás, depreende-se da análise semântica do próprio termo

“recurso”, em que determinada trilha (curso) é novamente palmilhada (a idéia de

repetição advém do prefixo re),458 de modo que se confirme, ou se infirme, sua

correção.

Essa técnica da revisão como fator de redução do erro é maximizada pela

circunstância de atuarem como julgadores de revisão, na maioria das vezes,459

órgãos colegiados compostos por magistrados mais experientes e avançados na

carreira, que põem em debate a decisão proferida pelo magistrado da instância

inferior.

457 “O recurso visa à satisfação de uma tendência inata no gênero humano, qual seja de que, em regra, ninguém se conforma com um julgamento desfavorável. Nos mais comezinhos exemplos cotidianos, encontram-se vestígios ou manifestações deste impulso, ainda que seja a tentativa de reforma pelo próprio julgador, ante novos argumentos que são invocados, imediatamente, pelo atingido ou prejudicado com a decisão” (LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis, p. 127). 458 NERY Jr., Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, p. 171. 459 Diz-se “na maioria das vezes” pois recursos há em que o órgão revisor é o próprio prolator da decisão, como sói ocorrer nos embargos de declaração.

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Busca pelo maior grau possível de acerto e justiça: essa a ratio essendi dos

recursos.

A despeito dessa sua finalidade de minoração da possibilidade de erros

judiciários por conta da função revisora que por seu intermédio é desenvolvida, o

recurso traz ínsita à sua figura uma característica limitadora da interferência do

órgão jurisdicional recursal relativamente ao caso concreto: em termos gerais, não é

ensejada, na via recursal, instrução probatória que possibilite o reexame dos fatos

da causa com a amplitude e profundidade típicas do primeiro grau.

Em outras palavras, na esfera recursal, o órgão jurisdicional em regra recebe

o acervo fático-probatório pronto, tal qual construído em primeiro grau de jurisdição,

o que, de certa forma, permite-lhe meramente a revisão das conclusões extraídas na

instância inferior, sem que esteja avizinhado da prova e, sobretudo, da produção

desta prova.

A ausência desse manejo probatório (id est, do iter probandi percorrido pelo

primeiro grau), limitado que está o órgão recursal à revisão de prova pronta e

acabada tal qual produzida em primeira instância, acarreta, a toda evidência, menor

proximidade do magistrado de grau recursal com a estruturação do cenário fático da

causa.

Não por acaso, diz-se comumente que o juízo de primeiro grau

manifestamente ostenta primazia na cognição dos fatos da causa, mormente por

contribuir ativa e decisivamente para a iluminação desses fatos, quais negativos que

chegam ao fotógrafo para revelação.

Esse distanciamento, por assim dizer, do juízo recursal no que é respeitante à

formação do conjunto probatório atinente aos fatos argüidos pelas partes acaba por

gerar a convicção generalizada de que não tem o órgão jurisdicional de segundo

grau vocação probatória.

Trata-se de uma assertiva desprovida de veracidade.

Vejamos.

VII.2 - Existe um momento único para a instrução probatória?

A investigação da possibilidade de se verificar atividade instrutória em grau

recursal passa pelo debate acerca da oportunidade cronológica da prova, que pode

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ser sintetizada em uma indagação: existe um momento próprio, excludente de

qualquer outro, para o empreendimento da instrução da causa?

Como é de corrente conhecimento, é o juízo de primeiro grau o naturalmente

vocacionado à (i) delimitação dos fatos exigentes de instrução probatória e (ii) à

determinação das espécies probatórias que serão produzidas.

Esse cometimento do juízo de primeiro grau relativamente à instrução

probatória do feito deriva, aliás, da circunstância de que é nessa instância que, ex

lege, verificam-se as fases postulatória e instrutória do processo civil, vale dizer, é

nesse momento processual que serão manejadas pela primeira vez as alegações

fáticas pelas partes, o que forçosamente atrai a atividade probatória quase que

integralmente para esta esfera processual.

A expressão legislativa maior dessa vocação probatória gigantescamente

mais relevante do primeiro grau relativamente ao segundo grau de jurisdição traduz-

se pela circunstância de constar dos arts. 282, inc. VI,460 e 300461 do CPC o direito

de autor e réu, respectivamente em petição inicial e contestação (manifestações

perante o juízo de primeiro grau), pleitearem as provas com que tencionam provar a

verdade de suas argüições.

Em outros termos, considerando-se que a fase postulatória funciona como

ímã natural da fase de instrução,462 não se afigura costumeiro vislumbrar na esfera

dos recursos essa atividade de demonstração probatória da verdade dos fatos,

especialmente porque se espera do juízo recursal atuação revisora de fatos – e de

provas – que já foram argüidos ou produzidos na instância inferior.

A própria organização do CPC, no que respeita às diversas fases da atividade

jurisdicional, ilustra com vivas cores a divisão sólida que se estabelece em nossa

460 “Art. 282. A petição inicial indicará: (...) VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; (...)” 461 “Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.” 462 “Na fase postulatória se expuseram os fatos em que o autor fundamenta seu pedido e o réu sua defesa. É dos fatos que decorre o direito: ex facto oritur ius. Ao juiz expõem-se os fatos, dos quais deduzirá o direito: narra mihi factum, dabo tibu ius. Mas as afirmações dos fatos são das partes interessadas. Tem o juiz, pois, necessidade de saber até onde vai a verdade nessas afirmações. Donde a necessidade da prova dos fatos. Allegare nihil et allegatum non probare paria sunt. À alegação dos fatos segue-se a sua prova: à fase postulatória segue-se a fase probatória, ou instrutória” (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, 2º v., p. 271).

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processualística no sentido de afastar claramente a fase de instrução da fase

recursal: em seqüência topológica, constam as fases postulatória (arts. 282 e 300 do

CPC, principalmente), saneadora (art. 331 do CPC), instrutória (art. 332 e seguintes

do CPC) e, após a decisão e absolutamente estremada das fases anteriores, a

esfera recursal (art. 496 e seguintes do CPC).

A finalidade revisora dos recursos, destarte, tradicionalmente divorciou este

momento do procedimento cível das atividades instrutórias, naturalmente previstas

para a o procedimento de primeiro grau em fase própria, como visto.

Aduza-se, porque relevante, que a idéia de provar uma afirmação está

umbilicalmente vinculada ao momento em que é deduzida a afirmação cuja prova se

pretende. Forte na premissa de que as afirmações são tecidas em fase própria (a

fase postulatória), também a fase instrutória, repise-se, concentra-se em primeiro

grau.

De se afirmar, en passant, que outro óbice poderia ser erguido à possibilidade

de instrução probatória em grau recursal: o princípio do duplo grau de jurisdição.

Considerando-se, de conformidade com o princípio do duplo grau de

jurisdição, que os fatos da causa, e as provas respectivas, devem comportar exame

e reexame com o escopo de se verem minimizados os erros judiciários, a admissão

de instrução probatória em grau recursal frustraria os objetivos estampados no

princípio em apreço, mormente porque, sendo certo que a esfera recursal ordinária é

a última que comporta debate fático-jurídico (ao depois, admite-se apenas o debate

jurídico federal ou constitucional na instância excepcional), eventual atividade

instrutória deflagrada somente em segundo grau estaria privada de um juízo de

revisão.

De nossa parte, acreditamos que nem um, nem outro óbice podem ser

levantados relativamente à instrução probatória em segundo grau de jurisdição.

Por primeiro, relativamente ao duplo grau de jurisdição, relembre-se que

atualmente já se encontra consolidada a idéia de que não se trata de princípio

constitucional absoluto, conforme já aduzimos nos comentários ao § 3º do art. 515

do CPC (veja-se item IV.3 acima). Aqui, colhemos ao menos uma conseqüência

positiva da idéia de que o duplo grau não é direito absoluto: já que é para se negar o

duplo grau com ares absolutos, não seria lesiva a tal princípio a instrução probatória

realizada em grau recursal.

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No que respeita à questão de que existiria uma fase própria, em primeiro

grau, para a colheita da prova, há que se dizer que a fase instrutória monocrática é,

em verdade, o momento em que mais comumente a prova é produzida. É o

momento procedimental em que as partes litigantes têm a faculdade de protestar por

provas com as quais demonstrará suas alegações.

Se, contudo, às partes se confere a oportunidade de provar seus arrazoados

em primeiro grau de jurisdição, somos de entendimento de que tal limitação

cronológico-procedimental não incide sobre a figura do juiz.

Com efeito, a teor do princípio do livre convencimento motivado estampado

no art. 130 do CPC,463 enseja-se ao órgão jurisdicional prestar jurisdição desde que

municiado com os elementos probatórios que melhor lhe convierem.

Perceba-se que o precitado art. 130 do CPC não contém qualquer disposição

no sentido de se limitar ao primeiro grau tais poderes instrutórios do magistrado.

Em seus Comentários ao CPC, Sálvio de Figueiredo Teixeira manifesta

percuciente pensamento a respeito da inexistência de óbices às atividades

instrutórias em sede recursal ordinária, em decorrência da inexistência de preclusão

pro judicato acerca do thema probandum.464 De se observar que, por conta de

julgados do insigne processualista na qualidade de ministro do STJ, passou o tema

da instrução em grau recursal a ter maior visibilidade, sendo que, em seqüência às

lições pioneiras de Sálvio de Figueiredo Teixeira, mencionadas nesses julgados,

outros doutrinadores também se debruçaram sobre o assunto.465

Neste passo, interessante notar que uma das legislações processuais civis

mais avançadas da Europa contém expressa previsão de produção probatória em

grau de apelação, com proposição de provas no próprio juízo da apelação e,

sobretudo, com produção destas provas perante o tribunal (inclusive provas orais).466

463 “Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”. 464 “(...) O juiz, entretanto, somente deverá tomar a iniciativa probatória quando a prova se fizer necessária 'ao conhecimento da verdade que interessa ao melhor e mais justo julgamento da causa'. Essa iniciativa reclama, no entanto, estado de perplexidade do julgador em face de provas contraditórias, confusas, incompletas ou de cuja existência o juiz tenha conhecimento. A iniciativa probatória do juiz pode ocorrer em qualquer fase, uma vez que a mesma não se sujeita à preclusão” (nosso destaque) (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de Processo Civil Anotado, p. 98). 465 Veja-se, neste sentido, o quanto decidido no REsp n. 222.445, reproduzido notas abaixo. 466 É o que dispõe o art. 464 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola (Ley 1/2000): “Artículo 464. Admisión de pruebas y señalamiento de vista. 1. Recibidos los autos por el tribunal que haya de resolver sobre la apelación, si se hubiesen aportado nuevos documentos o propuesto prueba, se acordará lo que proceda sobre su admisión en el plazo de diez días. Si hubiere de practicarse prueba, en la misma resolución en que se admita se señalará

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Entre os autores nacionais que já se dedicaram ao estudo dos recursos,

Flávio Cheim Jorge destaca expressamente a possibilidade de instrução probatória

em fase recursal, em interessante estudo sobre o assunto.467 Gleydson Kleber Lopes

Oliveira igualmente avalia o assunto, manifestando o entendimento (a nosso ver,

correto de todo) de que também o tribunal pode ter iniciativa probatória, ainda que

seja jurisprudencialmente controvertida a questão sobre ser o procedimento no

tribunal adequado à dilação probatória.468,469

Em termos jurisprudenciais, há escassa casuística a respeito do assunto. Em

que pese a existência de decisões judiciais de segundo grau, em sede de apelação,

admitindo sem maiores sobressaltos a instrução probatória em grau recursal, poucas

são as decisões em que são tecidas reflexões acerca do tema.

Os precedentes mais expressivos – e pioneiros – que localizamos acerca da

colheita de provas em grau recursal são da relatoria do ilustre professor Barbosa

Moreira, então desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Diante de sua relevância para o enriquecimento do debate sobre a instrução

probatória em grau recursal, convém sejam colacionadas três hipóteses em que o

insigne processualista decidiu de modo lapidar pela atividade probatória em grau

recursal.

Na primeira hipótese, debatia-se a existência de danos à imagem de um casal

por conta do conteúdo de peça teatral, pretendendo-se indenização por danos

morais.

Ao julgar o feito em grau de apelação, o relator Barbosa Moreira decidiu pela

conversão do julgamento do recurso em diligência de modo que fosse exibida a tal

peça teatral privadamente, para a turma julgadora. Empreendida a exibição, deu-se

a reforma da sentença (que decidira pela procedência da ação indenizatória) para

día para la vista, que se celebrará, dentro del mes siguiente, con arreglo a lo previsto para el juicio verbal. 2. Si no se hubiere propuesto prueba o si toda la propuesta hubiere sido inadmitida, podrá acordarse también, mediante providencia, la celebración de vista siempre que así lo haya solicitado alguna de las partes o el tribunal lo considere necesario. “ 467 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, p. 250 e ss. 468 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Correção de nulidade processual e produção de prova em sede de apelação, p. 173 e ss. 469 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Novos contornos do efeito devolutivo do recurso de apelação, p. 1.013.

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julgar a demanda improcedente, sob a fundamentação de que não existiu qualquer

laivo de danos morais na peça teatral veiculada.470

Na segunda situação, que cuidou de ação reparatória por danos materiais

decorrentes de furto de veículo em oficina mecânica, o julgamento da apelação foi

convertido em diligência para fins de liquidação da sentença de procedência ilíquida,

evitando-se que esta atividade instrutória de liquidação fosse empreendida apenas

em primeiro grau de jurisdição.471

Na terceira hipótese que destacamos, talvez a mais clara delas acerca da

possibilidade de instrução probatória no âmbito da apelação,472 Barbosa Moreira

discerne a limitação que as partes litigantes têm para o pleito de provas (as partes

poderiam fazê-lo em primeiro grau) da iniciativa oficial para fazê-lo: o esclarecimento

de fatos da causa, ou apuração de fatos que sejam fundamentais para o desate do

thema decidendum poderiam ser objeto de instrução probatória pelo órgão de

segundo grau, que não estaria adstrito exclusivamente à fase instrutória monocrática

para tanto e nem lesionaria o princípio da isonomia entre as partes ao deflagrar

atividade probatória em segundo grau de jurisdição, tendente à obtenção de maiores

elementos de convicção que confirmem, ou infirmem, o cenário probatório haurido

em primeiro grau.473

470 Ementa: “Espetáculo que se proibiu, como lesivo da honra e do direito à preservação da intimidade do autor e de sua falecida mulher. Condenação da empresa teatral à reparação de danos morais. Julgamento da apelação convertido em diligência para exibição privada da peça. Verificada a inexistência de ofensa à honra, tampouco se reconhece violação da privacidade, uma vez que os fatos mostrados são do conhecimento geral, ou pelo menos acessíveis a todos os interessados, por outros meios não excepcionais, como a leitura de livro para cuja redação ministrara informações o próprio titular do direito que se alega lesado. Reforma da sentença, para declarar improcedentes os pedidos” (TJRJ, ap. cível nº 1988.001.03920, rel. o Des. Barbosa Moreira, j. em 14.03.1989). 471 Ementa: “Automóvel furtado de oficina em que fora deixado para conserto e que não oferecia suficientes condições de segurança. Responsabilidade do proprietário da oficina, não excluída, nas circunstâncias, pelo alegado caso fortuito. Condenação ilíquida, apesar de certo o pedido. Correção do erro, pela conversão do julgamento do recurso em diligencia, para apurar-se o valor do veiculo, sem necessidade de anular a sentença. Fixação do ‘quantum’ do ressarcimento” (TJRJ, ap. cível nº 1989.001.00766, rel. o Des. Barbosa Moreira, j. em 16.05.1989). 472 “É lícito ao órgão judicial determinar de ofício diligências probatórias que lhe pareçam necessárias para esclarecer melhor fatos relevantes. O exercício desse poder não se submete às mesmas limitações temporais que vigoram para o exercício da faculdade, conferida às partes, de requerer a produção de provas. Tampouco infringe o princípio da igualdade de tratamento dos litigantes, nem o dever de imparcialidade, nem a disciplina legal da distribuição do ônus da prova” (TJRJ, ap. cível nº 1990.001.03067, rel. o Des. Barbosa Moreira, j. em 18.09.1990). 473 “É óbvio que o princípio da imparcialidade não é obstáculo para que o juiz possa determinar prova de ofício. Ao contrário, será parcial o juiz que, sabendo da necessidade de uma prova, julga como se o fato que deveria ser por ela demonstrado não tivesse sido provado”. MARINONI, Luiz Guilherme, e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento, p. 56.

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271

Em suma, pode-se notar, de conformidade com os excertos jurisprudenciais

acima colacionados, que não existe restrição à iniciativa probatória do órgão

jurisdicional no âmbito das instâncias ordinárias. Não há, neste sentir, preclusão pro

judicato quanto à aferição dos fatos da causa, o que, aliás, compatibiliza-se com as

expectativas nutridas acerca do processo civil contemporâneo.474

Insta ressaltar, contudo, que entendemos estar esta produção probatória em

segundo grau condicionada, exclusivamente, à iniciativa oficial: se não existe

preclusão para o órgão jurisdicional das instâncias ordinárias relativamente à

aferição probatória de fatos da causa, há seguramente preclusão para as partes,

mormente por força das disposições dos arts. 282 e 300 do CPC, determinantes da

indicação das provas pelas partes quando da exordial e da contestação,

respectivamente.

VII.3 - A previsão legal da atividade de instrução em grau de recursal: conversão do julgamento em diligência (CPC, art. 560, parágrafo único)

Acerca da instrução em grau recursal, identificamos a existência de previsão

legal a respeito, derivada de interpretação do disposto no parágrafo único do art. 560

do CPC.475

É do conteúdo de precitado dispositivo legal que, quando da decisão dos

recursos, existe a possibilidade de que o tribunal, ao invés de julgar propriamente a

causa em segunda instância, determine a prática de atos tendentes ao aclaramento

e à solução de questões necessárias ao adequado exercício da atividade

jurisdicional.

A esta possibilidade dá-se o nome de “conversão do julgamento em

diligência”.

474 “A jurisdição exerce-se mediante a prática de atos de diversas ordens, dispostos segundo critérios de técnica processual (instruir a causa, sanear o processo, julgar o mérito) e dimensionados segundo certas opções políticas do legislador. No processo civil moderno, que exalta a necessidade de obter resultados, incrementam-se os poderes do juiz no sentido de suprir deficiências das partes e seus procuradores (especialmente em matéria probatória)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. I, p. 332). 475 “Art. 560. Qualquer questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não se conhecendo se incompatível com a decisão daquela. Parágrafo único. Versando a preliminar sobre nulidade suprível, o tribunal, havendo necessidade, converterá o julgamento em diligência, ordenando a remessa dos autos ao juiz, a fim de ser sanado o vício.”

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272

Há que se observar, contudo, que o tratamento legislativo (CPC) que foi

empregado no trato da conversão do julgamento em diligência é insuficiente para

delimitar a extensão das atividades que o tribunal pode desenvolver, ou provocar,

por força deste mecanismo (a conversão).

Com efeito, a leitura do parágrafo único do art. 560 do CPC dá a clara

impressão de que a determinação de conversão do julgamento em diligência aplica-

se exclusivamente a hipóteses de preliminares sobre nulidades supríveis (rectius,

sanáveis), de modo que seja empreendida sua regularização.

Não é essa a única finalidade da conversão do julgamento em diligência.

Ipso facto, a determinação, por força da conversão em diligência, de remessa

dos autos ao juízo de primeiro grau para sanção de vícios processuais consiste em

uma das hipóteses de conversão do julgamento em diligência.

Além da supressão de nulidades sanáveis, também providências

relativamente ao mérito recursal poderão ser determinadas em sede de conversão

do julgamento em diligência.

À guisa de exemplificação, quando do julgamento do recurso, providências

instrutórias poderão ser identificadas como necessárias à adequada decisão do

tribunal.476

Imagine-se a hipótese de ação judicial de rescisão contratual envolvendo

alegação de anatocismo (cômputo de juros sobre juros) que tenha sido objeto de

decisão de procedência em primeiro grau sem a necessária prova pericial, que era

imprescindível à hipótese. Nesse caso, o tribunal, quando do julgamento da

apelação do réu, poderá verificar a imprescindibilidade da prova pericial para o

adequado – e justo – desate da controvérsia, ocasião em que determinará a

conversão do julgamento em diligência para fins de realização da prova pericial.

No sentido de que a conversão do julgamento em diligência é atribuída de

maior amplitude que aquela contextualizada no art. 560, parágrafo único, do CPC,

verifica-se que disposições dos regimentos internos do STJ e do STF, além de

repetirem a autorização constante do CPC (art. 560, parágrafo único), admitem a 476 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. POSSIBILIDADE. Tratando-se de ação de estado, na qual o direito em debate é indisponível, o julgador não pode dispensar a ampla instrução, principalmente quando a feitura da prova foi devidamente requerida pelo autor. Nada impede que o órgão julgador, para evitar decisão em estado de perplexidade, converta o julgamento em diligência para complementação de instrução probatória. Recurso especial provido” (STJ, REsp. n. 208.582, rel. Min. Castro Filho, DJ de 23.05.2005).

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conversão do julgamento em diligência sempre que necessário à decisão da causa,

o que, a nosso ver, melhor expressa a extensão deste relevante mecanismo (a

conversão do julgamento em diligência).477,478

Esse seria, pois, o arcabouço legislativo da atividade instrutória recursal.

VII.4 - Critérios para a atividade probatória em grau recursal

É necessário restar suficientemente claro que nosso posicionamento sobre a

possibilidade de instrução probatória em grau recursal ordinário, principal e quase

que exclusivamente em sede de apelação, não significa estejamos a admitir

instrução probatória recursal ampla, tal e qual sucede em primeiro grau de jurisdição,

como fosse algo natural e corriqueiro na esfera dos recursos.

O que estamos a sustentar é que se faz preciso o estabelecimento de cultura

um tanto mais ampliativa, arejada, no sentido de enxergar sem sustos ou receios a

possibilidade de atos instrutórios em grau recursal.

Quais seriam, contudo, os critérios que poderiam balizar este agir probatório

recursal?

Os parâmetros fundamentais que indicamos como justificadores de instrução

probatória em âmbito recursal partem da premissa de que não se operou a formação

suficiente da convicção do órgão jurisdicional de modo a decidir o tema versado no

recurso. Neste passo, a ratio essendi dessa prova recursal advém do estado de

dúvida que acometa o julgador recursal, (i) seja porque contraditória a prova

produzida em primeiro grau, qualquer a natureza do direito debatido, (ii) seja porque

não foi produzida em primeiro grau prova fundamental ao desate do thema

decidendum.

No primeiro grupo (provas contraditórias produzidas em primeiro grau de

jurisdição), pensamos que as provas recursais têm de ostentar caráter de

esclarecimento em relação a provas produzidas em primeiro grau, porque

contraditórias ou confusas, porquanto geradoras de cenários de perplexidades e de

477 Regimento Interno do STF, art. 140: “O Plenário ou Turma poderá converter o julgamento em diligência, quando necessária à decisão da causa”. 478 Regimento Interno do STJ, art. 168: “A Corte Especial, a Seção ou a Turma poderão converter o julgamento em diligência quando necessária à decisão da causa. Neste caso, o feito será novamente incluído em pauta.”

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274

obstáculo à assunção, pelo julgador de segundo grau, de convicção suficientemente

sólida a respeito da quaestio decidendi.

O fator fundamental a justificar a atividade de provas em grau recursal é

proveniente da necessidade de confirmação, aclaramento, de provas produzidas em

instância inferior e das quais não defluam elementos de convicção suficientes para o

tribunal. Esta, aliás, é a razão de ser da medida de conversão do julgamento em

diligência, em cuja órbita entendemos por bem inserir a possibilidade de instrução

probatória em grau recursal, como acima sustentado.479

A respeito das questões de direito indisponível, pensamos ser ainda mais

justificável a iniciativa probatória recursal, dada a natureza do direito controvertido.

Tome-se o exemplo das ações investigatórias de paternidade, cada vez mais

freqüentes no cotidiano forense. Trata-se de hipótese que se reveste de intensa

relevância, como de hábito sucede com as ações de estado e de capacidade das

pessoas.

Nessas modalidades de demandas, pensamos ser fundamental que se

atribua ao tribunal frisante iniciativa probatória, inclusive para determinar provas não

deferidas na instância a quo, essenciais ao desate sobre a dúvida de paternidade.

Na jurisprudência do STJ, vem se tornando cada vez mais volumosa essa

linha decisória, permissiva de determinações adotadas em esfera recursal acerca de

atos de instrução não praticados em primeiro grau, em se cogitando de debate sobre

direitos indisponíveis, sob a relevante justificativa de que não há preclusão pro

judicato relativamente às provas.480

479 “Processo Civil. Iniciativa probatória do segundo grau de jurisdição por perplexidade diante dos fatos. Mitigação do princípio da demanda. Possibilidade. Ausência de preclusão pro judicato. Pedido de reconsideração que não renova prazo recursal contra decisão que indeferiu prova pericial contábil. Desnecessidade de dilação probatória. Provimento do recurso para que o tribunal de justiça prossiga no julgamento da apelação. - Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC. - A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça. - Não é cabível a dilação probatória quando haja outros meios de prova, testemunhal e documental, suficientes para o julgamento da demanda, devendo a iniciativa do juiz se restringir a situações de perplexidade diante de provas contraditórias, confusas ou incompletas” (STJ, REsp n. 345.436, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 13.05.2002). 480 “INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA EM SEGUNDA INSTÂNCIA. ADMISSIBILIDADE. PODER-DEVER DO JULGADOR. – O Julgador deixou de ser mero espectador da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa que lhe permita determinar a produção de provas, mormente como no caso em que se cuida de

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275

Há, a propósito, que se destacar o entendimento do Ministro Sálvio de

Figueiredo Teixeira, positivamente precursor a respeito da iniciativa probatória em

grau recursal, manifestado em diversos julgamentos de sua relatoria.481

VII.5 - O procedimento da instrução probatória recursal

Quando se cogita de instrução probatória em grau recursal neste estudo, não

se está tratando apenas do típico juízo de insuficiência do conjunto probatório

formado em primeiro grau para, convertido o julgamento em diligência, tornarem os

autos à instância inferior para produção de novas provas, como, aliás, sói ocorrer.

Nosso entendimento sobre a matéria, à luz das reformas recentes do CPC, é

no sentido de que, além da iniciativa para decidir pela necessidade de novas provas,

ação de estado, o autor é menor impúbere e beneficiário da Assistência Judiciária. Entendimento que se aplica também ao segundo grau de jurisdição. Precedentes do STJ. Recurso especial conhecido e provido para, convertendo-se o julgamento em diligência, ordenar a realização do exame de DNA” (STJ, REsp. n. 218.302, rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 29.03.2004). Do conteúdo do voto do relator Barros Monteiro lançado no julgamento do recurso especial acima referido, colhe-se ainda que “o pedido de conversão do julgamento em diligência para a realização do exame de DNA, formulado pelo Ministério Público Estadual, foi indeferido pela Corte de origem, sob o fundamento de que tanto o investigante como o representante do Parquet não o requereram em tempo hábil na fase postulatória, sendo inadmissível pretender inovar-se em segundo grau de jurisdição. A razão assiste ao ora recorrente, uma vez que o Tribunal a quo realmente deixou inobservada no caso a norma do art. 130 do CPC. De há muito, este órgão fracionário do STJ tem entendido que o Juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa que lhe permita determinar a produção de provas. É o que se assentou quando do julgamento dos REsps nºs 43.467-MG e 140.665-MG, ambos da relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.” 481 “DIREITOS CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PROVA GENÉTICA. DNA. REQUERIMENTO FEITO A DESTEMPO. VALIDADE. NATUREZA DA DEMANDA. AÇÃO DE ESTADO. BUSCA DA VERDADE REAL. PRECLUSÃO. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA PARA O JUIZ. PROCESSO CIVIL CONTEMPORÂNEO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ART. 130, CPC. CARACTERIZAÇÃO. DISSÍDIO CARACTERIZADO. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO. I - Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando está diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando, em face das provas produzidas, se encontra em estado de perplexidade ou, ainda, quando há significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes. II – Além das questões concernentes às condições da ação e aos pressupostos processuais, a cujo respeito há expressa imunização legal (CPC, art. 267, § 3º), a preclusão não alcança o juiz em se cuidando de instrução probatória. III - Diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo contemporâneo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. IV - Na fase atual da evolução do Direito de Família, não se justifica inacolher a produção de prova genética pelo DNA, que a ciência tem proclamado idônea e eficaz” (STJ, REsp. n. 222.445, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 29.04.2002).

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276

poderá o órgão julgador recursal conduzir essa instrução probatória, sem que seja

necessária a remessa dos autos à inferior instância.

Essa constatação, em nosso sentir, advém particularmente de dois

dispositivos legais introduzidos no CPC, um mais antigo, outro mais recente: os §§

3º e 4º do art. 515.

Por primeiro, avaliemos os porquês de o § 3º em apreço auxiliar-nos nessa

asserção de que é possível a instrução procedida em segundo grau de jurisdição: ao

permitir que o tribunal, em julgamento de recurso de apelação tirado contra sentença

meramente terminativa, proveja o recurso para apreciar o mérito da causa,

conhecendo-o e julgando-o em primeira oportunidade, já se abriu a trilha para a

instrução probatória diretamente praticada em esfera recursal.

Explica-se.

Se inicialmente a hipótese do § 3º do art. 515 do CPC, em sua redação literal,

referiu-se ao julgamento do mérito pela primeira vez pelo tribunal ao reformar

sentença que não tenha apreciado o meritum causae apenas e tão-só quando a

matéria fosse de direito, a doutrina majoritária culminou por ampliar essa

possibilidade legal também para os casos de debate fático que estejam aptos a

julgamento, vale dizer, que venham ao tribunal devidamente instruídos

documentalmente.

A doutrina, em suma, manifestou-se no sentido de que a regra do § 3º do art.

515 do CPC poderia aplicar-se tanto a questões exclusivamente de direito, quanto a

debates fáticos devidamente comprovados por documentos, por analogia ao que

sucede com uma das hipóteses de julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, inc.

I).482

A partir dessa possibilidade (já solidamente reconhecida em doutrina) de

aferição de provas (no caso, documentais) pela primeira vez quando do julgamento

do tribunal com fulcro no art. 515, § 3º, do CPC, abriu-se a primeira comporta, ao

menos em termos legislativos, para a aferição de provas em primeira oportunidade

pelo juízo recursal, suplantando-se, em termos legais, o dogma do duplo grau de

jurisdição como impedimento à instrução probatória em instância única.

482 Neste sentido, NERY JR., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado, p. 742; DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma, p. 155, 156; MIRANDA, Gilson Delgado. Código de Processo Civil Interpretado, p. 1.613; JORGE, Flávio Cheim et alii, A nova reforma processual, p. 77.

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Mais recentemente, em 2006 (Lei 11.276/06), introduziu-se no art. 515 do

CPC o § 4º, criador da possibilidade de que o próprio tribunal determine providências

corretivas de nulidades sanáveis sob sua própria jurisdição, sem remessa dos autos

ao juízo de primeiro grau.

Em que pese refira-se apenas às nulidades sanáveis, o precitado § 4º vem na

esteira da premissa de simplificação e aceleração adotada pelo legislador quando da

criação do § 3º do CPC e deve, a nosso ver, ser entendido com maior elastério: sua

razão de ser é, precisamente, evitar o deslocamento dos autos à instância

monocrática para a prática de atos processuais que podem ser perfeitamente

realizados sob o juízo recursal, e que não digam respeito tão-somente às chamadas

nulidades sanáveis.

Os §§ 3º e 4º do art. 515 do CPC têm de ser lidos em conjunto, como

atribuidores de maiores poderes ao grau recursal, tanto no que diz respeito ao

julgamento do mérito em primeira oportunidade (§ 3º), quanto no que atine à

dispensa de remessa ao primeiro grau para a prática de atos necessários ao

julgamento da causa (§ 4º). Há que se compreender, aliás, esses parágrafos do art.

515 do CPC como inseridos na tendência processual civil de considerável ampliação

dos poderes do órgão jurisdicional recursal, especialmente do relator.

Luis Guilherme Aidar Bondioli, em amplo artigo acerca da sanação de

nulidades em grau recursal mediante aplicação do § 4º do art. 515 do CPC, oferece-

nos exemplos de nulidades sanáveis vinculadas à atividade probatória (indevido

indeferimento de testemunha, não concessão de oportunidade para que a parte se

manifestasse sobre prova pericial, seja formulando quesitos, seja manifestando-se

sobre o laudo pericial): em que pese precitado autor aconselhe que a

complementação dessas provas deva ser feita em primeiro grau de jurisdição (o que

não nos parece uma imposição do sistema processual atual, por conta do próprio art.

515, § 4º, sob comento), seus exemplos são bastante ilustrativos no sentido de

denotar o quanto a expressão “nulidades sanáveis” constante de precitado § 4º pode

atrelar-se a assuntos probatórios, servindo, mediante interpretação sistemática, de

autorização legal para a prática de atos processuais em segundo grau, sem

obrigatoriamente dever o feito ser remetido à inferior instância para tal mister.483

483 BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Nulidades processuais e mecanismos de controle, p. 34.

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Em suma, cremos que a instrução probatória em grau recursal (produzindo-se

a prova nesta instância) não encontra óbices legislativos, a teor de nossa

interpretação dos §§ 3º e 4º do art. 515 do CPC. O que nos parece mais difícil de

suplantar é a cultura fortemente arraigada em nosso sistema processual civil de que

a prova se produz em primeiro grau: os obstáculos, neste sentir, parecem-nos mais

culturais que legislativos.

Ainda em termos procedimentais, poder-se-ia aduzir que a instrução

probatória em grau recursal estaria adstrita ao procedimento utilizado para tanto na

ação rescisória, regrado pelo art. 492 do CPC, determinante da remessa dos autos

ao primeiro grau para tanto.

Não nos parece obrigatória a analogia, mormente porque, como informa

abalizada doutrina, nem sequer no processamento da ação rescisória está o relator

adstrito à instrução empreendida em primeiro grau: “o dispositivo sob exame não

deve ser entendido como excludente da possibilidade de que o próprio relator

proceda pessoalmente à colheita de alguma prova; ao menos em alguns casos, isso

será até preferível. É bom que o relator se disponha, sendo preciso, a tomar

depoimentos de partes, a inquirir testemunhas, a proceder a inspeções – o que

provavelmente lhe permitirá formar convencimento mais sólido acerca dos fatos

relevantes”.484

Poder-se-ia aduzir, também, que um dos problemas da instrução probatória

empreendida diretamente em grau recursal seria a recorribilidade das decisões

proferidas ao longo desta instrução. Neste caso, pensamos que pronunciamentos

decisórios adotados ao longo da instrução lavrada em segundo grau comportariam

recurso ao órgão colegiado respectivo, tal qual ocorre com as deliberações do relator

passíveis de impugnação a ser julgada pelo colegiado por este integrado.

484 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 198.

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VII.6 - Que provas seriam produzíveis em grau recursal?

VII.7 - A prova documental

No que diz respeito ao tema que será desenvolvido neste tópico, avaliaremos

preponderantemente a questão da produção de provas em grau recursal

relativamente ao recurso que comporta reexame fático amplo: a apelação, dado que

os demais recursos cíveis ou são de estrito direito (recursos excepcionais), ou têm

finalidade aclaradora da decisão recorrida (embargos de declaração), ou não

permitem atividade cognitiva de fatos de forma ampla.

Dada a sua característica de atividade judicial revisionista da decisão

recorrida, é sabido que, no âmbito dos recursos, tradicionalmente não se pratica, em

regra, qualquer atividade instrutória além daquela desenvolvida em primeiro grau de

jurisdição, perante o juízo monocrático.485

Defendemos, contudo, a reversão desse dogma, e tomaremos como

paradigma o recurso de apelação, em cujo processamento verificamos algumas

ocorrências que permitem a conclusão de que há, sim, instrução probatória em grau

recursal.

A toda evidência, a mais comum possibilidade de instrução probatória que

pode ser desenvolvida em grau recursal (de apelação) diz respeito à produção de

prova documental decorrente da proposição de questões fáticas inéditas nos autos,

ou mesmo fatos supervenientes, a teor dos arts. 517 e 462 do CPC e conforme os

requisitos nestes dispositivos indicados.

A respeito deste tema (suscitação de fatos supervenientes ou novos e juntada

de documentos em apelação – arts. 462 e 517 do CPC), já dedicou-se atenção em

tópico próprio (vide IV.4, acima).

Insta ressaltar que, apenas por força dessa realidade legislativa (a

apresentação de fato superveniente ou novo em grau de apelação, com os

documentos correlatos), já se verifica ser possível o desenvolvimento de atividade

instrutória em grau recursal.

Mas uma indagação surge a respeito da instrução em esfera recursal: ao

surgir em grau de apelação a argüição de fato superveniente ou novo, além da

485 A propósito, confira-se BARIONI, Rodrigo. Efeito devolutivo da apelação civil, p. 193

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correlata prova documental, estaria o argüidor do fato novo autorizado a pleitear

outras provas (além da documental), ou estaria a contraparte autorizada a fazê-lo?

Haveria compatibilização, em termos de procedimento, do juízo recursal com a

instrução probatória?

Nesse caso, no que toca à instrução probatória tendente à comprovação do

fato superveniente ou novo afirmado em grau de apelação, há que se estremar duas

hipóteses.

No que tange à prova documental, esta comporta, como dito, produção em

grau recursal sem maiores dificuldades, dado que não se verifica qualquer óbice

procedimental a respeito.

Com efeito, considerando-se que prova documental não exige maiores

solenidades para sua produção (como a designação de audiências, vale dizer, a

realização de atos processuais próprios para que sejam colhidos elementos

documentais), não identificamos qualquer tipo de incompatibilidade da juntada de

documentos em grau recursal com o procedimento do recurso, desde que provada a

justa causa para sua não apresentação anteriormente: de fato, basta à parte que

requeira a juntada do documento para que o órgão recursal inste a parte contrária à

manifestação e, isto feito, avalie a prova documental que lhe é apresentada.

Além da prova documental apresentada pelas partes (nos termos legais,

provando-se justo motivo para não apresentação anteriormente), e em reforço à

iniciativa probatória em grau recursal, cumpre-nos lembrar que poderá o julgador

determinar a exibição de documentos ou coisas e o próprio comparecimento das

partes para prestar informações sobre os fatos da causa (art. 342 do CPC).

Como cediço, o art. 355 do CPC preceitua que poderá o juiz determinar a

apresentação de coisas ou documentos que se achem em poder da parte, ou de

terceiros, e que importem à instrução da causa.486

Em que pese a literalidade do art. 356, caput, do CPC dê a impressão de que

a exibição de documento ou coisa cabe apenas quando houve requerimento da

parte,487 há que se observar que é possível, pensamos, a determinação de exibição

486 “Art. 355. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa, que se ache em seu poder.” 487 “Art. 356. O pedido formulado pela parte conterá: I – a individuação, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa; II – a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam com o documento ou a coisa; III – as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe e se acha em poder da parte contrária.”

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de documentos ex officio, quando, verbi gratia, determinado documento ou coisa são

referidos pela parte e entenda o juiz que sua apresentação em juízo se faz

necessária à boa instrução do feito.

Com efeito, chegando ao conhecimento do órgão jurisdicional recursal a

existência de documento em poder de uma das partes e que tenha aparente

importância para o deslinde do caso, parece-nos evidente que poderá (ou deverá)

ser determinada sua apresentação. E poderá determinar também, e com fulcro

nesse mesmo princípio, a presença da parte em juízo para prestar esclarecimentos,

seja em que juízo for (de primeiro grau ou recursal), a teor do art. 342 do CPC.

De remate, sobre a possibilidade de instrução em grau recursal, valemo-nos

do magistério de Barbosa Moreira: “provado o motivo de força maior, abre-se

naturalmente à parte o ensejo de produzir prova do (s) fato (s) a que se refere a

argüição. Seria, com efeito, inane a permissão de suscitar questões novas, em tal

hipótese, sem a correlata e necessária autorização para a prática de atos

instrutórios”.488

Em outros termos, à possibilidade de argüição de novos fatos em sede

recursal deve ser acrescentada, obrigatoriamente, a possibilidade de prová-los, e

esta nos parece a chave para a idéia de atividade instrutória nos recursos (de

apelação, no caso). Não apenas provas documentais, porém também provas outras

(orais, por exemplo) admitem produção em grau recursal, e as hipóteses de fato

novo ou superveniente, aliadas à interpretação que demos aos §§ 3º e 4º do art. 515

do CPC, estão a justificar tal entendimento.

A seguir, serão verificadas, a título de ilustração, algumas modalidades

probatórias que admitem produção em sede recursal.

VII.8 - O interrogatório da parte

Da leitura do artigo 342 do CPC consta que está o órgão jurisdicional

autorizado a convocar as partes, a qualquer tempo, para prestar esclarecimentos,

em interrogatório, acerca dos fatos constantes dos autos.489

488 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil,, v. 5, p. 450. 489 “Art. 342. O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.”

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Ab initio, cumpre divisar bem claramente o interrogatório de espécie

probatória similar: o depoimento pessoal (CPC, art. 343).

O marco distintivo mais claro, a nosso ver, é o objetivo de uma e de outra

modalidades probatórias: o interrogatório serve ao esclarecimento de fatos da causa,

de afirmações que não tenham restado suficientemente claras quando das

alegações das partes em sede de inicial, defesa e réplica, devendo o juiz (e somente

ele) instar os litigantes a comparecer em juízo para prestar esclarecimentos,

informações; o depoimento pessoal, de seu turno, além se caracterizar por

preponderantemente ser requerido pelas partes, tem por objetivo primeiro a

obtenção da confissão.

Essa distinção de objetivos traz algumas relevantes conseqüências de cunho

prático: a ausência da parte quando de sua intimação para comparecimento em

depoimento pessoal acarreta confissão,490 o que não sucede no caso de ausência

quando da designação de interrogatório (em que, evidentemente, haverá sanção

processual mediante aplicação do art. 14 do CPC, porém não se caracterizará a

confissão).

Outra circunstância bastante importante em se tratando de interrogatório diz

respeito à iniciativa de sua realização.

Como já consignado acima, o interrogatório diferencia-se do depoimento

pessoal por conta de sua exclusiva determinabilidade ex officio,491 ao passo que o

segundo pode também sê-lo, conquanto possa a parte também requerê-lo.

Essa iniciativa oficial exclusiva para a realização do interrogatório das partes

deriva de sua própria vocação: o aclaramento de arrazoados deduzidos nos autos.

Trata-se verdadeiramente de poder conferido ao órgão jurisdicional de coletar

informes que lhe permitam melhor aferição do cenário fático a respeito do qual lhe foi

pleiteada a prestação jurisdicional.

Há no texto do art. 342 do CPC, contudo, passagem que releva para os fins

deste trabalho e que pode suscitar alguma polêmica: “o juiz pode, de ofício, em

490 “Art. 343. Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento. § 1º A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor. § 2º Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará pena de confissão.” 491 Neste sentido, RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil, v. 1, p. 392.

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qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a

fim de interrogá-las sobre os fatos da causa”.

Em doutrina tradicional, encontra-se referência a esse momento de

determinação do interrogatório (sempre mencionado em conjunto com o depoimento

pessoal das partes) como exclusivamente vinculado ao primeiro grau de

jurisdição.492,493

Nota-se, aqui, a tradição da processualística civil de adstringir a instrução

probatória ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, aprisionando-o ao juízo

de primeiro grau e, sobretudo nos casos das provas orais (como é o caso do

interrogatório), à audiência de instrução que ali se realizará.

De nossa parte, somos da convicção de que a expressão “em qualquer

estado do processo” constante do art. 342 do CPC não comporta a leitura restritiva

de que este “qualquer estado do processo” deve ser compreendido como limitado à

sentença, ao encerramento do procedimento em primeiro grau de jurisdição.

Além de não constar tal limitação cronológica no texto legal (o que, em termos

de interpretação literal, infirma o entendimento de que a sentença seria o limite para

a expressão “em qualquer estado do processo”), há que se admitir que também os

fatos geradores do interrogatório não estão adstritos somente ao órgão jurisdicional

de primeiro grau.

Para o desenvolvimento de sua atividade de revisão, o órgão de segundo

grau obviamente está sujeito, também, ao surgimento de dúvidas ou obscuridades

relativamente aos fatos da causa expostos na fase postulatória de primeiro grau

(petição inicial, defesas do réu) e (por que não?) na fase postulatória recursal

(razões e contra-razões recursais).

Há que se admitir que o simples fato de que o órgão de primeiro grau não viu

necessidade de melhor informar-se sobre os fatos da causa em interrogatório não

492 Amaral Santos, por exemplo, entende que, “porque a ordem judicial pode ser expedida ‘em qualquer estado do processo’, é de entender-se que se trate de medida excepcional e urgente, sendo designados dia e hora para comparecimento das partes, diferentemente do depoimento pessoal (...) A ordem e o comparecimento poderão ocorrer antes ou depois do saneamento, antes da audiência ou durante ela, bem como nos processos de exceção de incompetência, de exibição de documento ou coisa (...), de argüição de falsidade (...), no da prova pericial, para esclarecimento dos fatos que constituam seu objeto, no da inspeção judicial (...)” (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, 2º v., p. 441). 493 Vicente Greco Filho, ao tratar do depoimento pessoa e do interrogatório, igualmente dá a entender que o momento oportuno para o requerimento, deferimento e realização de tais provas é o do procedimento em primeiro grau de jurisdição (respectivamente, nas fases postulatória, saneadora e instrutória) (GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 203).

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impede que não seja acometido o órgão de segundo grau de dúvida ou

desinformação que possa adelgaçar sua convicção, ou até mesmo impedir que se

estruture tal convicção.

Não se deslembre, a propósito, que o procedimento em grau recursal inicia-se

com razões das partes (o recurso e a respectiva resposta), as quais naturalmente

podem acarretar necessidades de esclarecimentos que poderão apenas ser

pleiteados pelo órgão competente para o julgamento do recurso.

A título de ilustração, tome-se o exemplo da ação de interdição (CPC, arts.

1.177 e seguintes).

Trata-se de demanda cujo deslinde está fundamentalmente vinculado à

aferição da capacidade do interditando (o sujeito passivo da ação) de praticar os

atos da vida comum.

A aferição da causa de pedir, neste passo, exige a instrução probatória

incidente sobre a própria pessoa do interditando, especialmente porque são

anomalias psíquicas que estão a exigir o aforamento da demanda de interdição.

Nessa modalidade de ação, a citação do requerido se dá não para que seja

apresentada contestação imediatamente, senão para que o interditando comparece

em juízo para que seja interrogado, detalhadamente, sobre sua vida, seus negócios

e tudo o mais que convenha ao juízo neste labor de aferição da higidez mental do

réu, conforme disposto no art. 1.181 do CPC.494

Vê-se que, além da prova técnica que possa ser designada, a ação de

interdição instrui-se mediante prova ora de interrogatório. Neste passo, de se

perguntar: não seria crível que, julgada improcedente a demanda em primeiro grau,

pretenda o órgão de segundo grau, para melhor erigir sua convicção de julgamento,

colher diretamente da parte requerida elementos de informação sobre o que lhe é

imputado? Em demandas com esse perfil probatório, em que da pessoa da parte

partem os elementos de prova, não seria de todo aconselhável que o segundo grau,

quando aberta sua competência recursal, possa interrogar a parte de modo a

confirmar ou infirmar a sentença recorrida?

Entendemos positivamente que sim, que não há nenhum óbice para que se

dê a prática de interrogatórios em segundo grau de jurisdição civil. O mau vezo de

494 “Art. 1.181. O interditando será citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que o examinará, interrogado-o minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens e do mais que lhe parecer necessário para ajuizar do seu estado mental, reduzidas a autos as perguntas e respostas.”

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que todos somos vítimas consistente em identificar oportunidade probatória oral tão-

somente em primeiro grau de jurisdição tem de ser superado, mormente porque

desconsidera um princípio bastante relevante e que tem sido posto de lado no

processo civil: o princípio da oralidade.

VII.9 - Inspeção judicial

Pode o tribunal coletar esclarecimentos fáticos para a formação de sua

convicção mediante inspeção de pessoas ou coisas, de modo a erigir sua convicção

para a boa decisão da causa.495

A aceitação dessa modalidade probatória em segundo grau é estreme de

dúvidas, e tem paradigmas no direito estrangeiro, consoante apontado em erudita

monografia a respeito.496

Trata-se claramente de uma das mais interessantes hipóteses em que o

órgão jurisdicional pode aproximar-se acentuadamente do objeto da prova de modo

a estruturar seu convencimento.

Na inspeção judicial, o magistrado pessoalmente é quem inspeciona a coisa

ou a pessoa em torno dos quais circula a controvérsia judicial.

Cumpre ressaltar, a propósito, que a inspeção judicial não se confunde com a

prova pericial técnica. Se, na primeira, é o magistrado quem se desloca ao lugar em

que se situam a coisa ou a pessoa (ou a coisa ou a pessoa são conduzidas ao juiz)

para lavrar a inspeção, examinando o objeto da prova, na prova pericial tais medidas

(o exame, a inspeção) são empreendidas por terceiro, justamente o perito judicial,

que ao depois trará a juízo suas impressões técnicas sobre o objeto da vistoria

pericial.

Ressalte-se que, a nosso ver, o marco distintivo fundamental entre a inspeção

judicial e a perícia reside na exigibilidade de conhecimento técnico daquele que fará

a inspeção para que se faça possível a extração de conclusões jurídicas do cenário

que será objeto da vistoria. Não sendo possível, portanto, a obtenção de conclusões

senão mediante aplicação de conhecimentos técnicos ao objeto da vistoria,

495 “Art. 440. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa.” 496 NARDELLI, Luis Fernando. Inspeção judicial, p. 140 e ss.

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evidentemente se torna inafastável seja tal vistoria lavrada por perito judicial; caso

contrário, a hipótese comportará inspeção por parte do juiz de direito.

Quando da designação da inspeção judicial, por força do princípio do

contraditório deverá ser dada ciência prévia às partes litigantes para que, querendo,

acompanhem a diligência probatória (CPC, art. 442).497

Trata-se a inspeção judicial de um meio de prova especial, “em oposição aos

meios ordinários. Por estes, os fatos são representados ou reproduzidos ao juiz por

via de intermediários – documentos expositivos ou narrativos, testemunhas, partes,

peritos. A inspeção judicial, diversamente, coloca o juiz diante do próprio fato,

permitindo-lhe percebê-lo pelos seus próprios sentidos”, daí porque seria “prova

direta”.498

Diga-se também que se trata de meio de prova atípico, porquanto sua

iniciativa provém do magistrado, ao passo que os demais meios de prova partem da

própria parte. É, em verdade, um meio de prova que pode ser considerado ulterior

àquelas provas já carreadas ao processo por iniciativa das partes litigantes, o que se

depreende do fato de o próprio CPC dispor que poderá o magistrado buscar – por

via da inspeção – esclarecimentos acerca de pessoas e coisas da causa.499

Quando da conclusão da diligência de inspeção, deverá ser lavrado auto

circunstanciado, em que deverá o órgão jurisdicional relatar pormenorizadamente as

apurações decorrentes da vistoria que pessoalmente empreendeu, podendo, para

tanto, acostar a esse termo circunstanciado desenhos, gráficos ou fotografias, a teor

do artigo 443 do CPC.500

Para um exemplo veemente acerca da utilidade da inspeção judicial

determinada em grau recursal, reportamo-nos à inspeção realizada pela turma

julgadora integrada pelo Prof. Barbosa Moreira quando desembargador do Tribunal

de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, já citada anteriormente.501

497 “Art. 442. (...) Parágrafo único. As partes têm sempre direito a assistir a inspeção, prestando esclarecimentos e fazendo observações que reputem de interesse para a causa.” 498 A lição é de AMARAL SANTOS, Moacyr. Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, p. 350. 499 AMARAL SANTOS, Moacyr. Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, p. 351. 500 “Art. 443. Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, mencionando nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa. Parágrafo único. O auto poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia.” 501 TJRJ, ap. cível nº 1988.001.03920, rel. o Des. Barbosa Moreira, j. em 14.03.1989.

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VII.10 - A prova pericial

Na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo encontra-se

interessante casuística de instrução probatória em segundo grau de jurisdição, para

fins de produção de prova pericial diretamente em grau recursal.

Em demandas versando sobre responsabilidade civil decorrente de perda

auditiva promovidas por trabalhadores em face de empresas nas quais obraram, por

exemplo, é curial para a decisão do feito a realização de prova pericial médica, em

que se aferirá o nexo de causalidade entre a redução da audição e as condições de

segurança no ambiente de trabalho.Trata-se, portanto, de debate cujo desfecho

deriva, fundamentalmente, de prova técnica. Caso a demanda ascenda ao tribunal

com conjunto probatório esquálido, ou controvertido, tem sido cada vez mais comum

a determinação de realização de prova pericial em repetição pelo próprio tribunal,

sob sua condução, sem que sejam os autos remetidos ao primeiro grau.

Tomemos a título de exemplo um ilustrativo julgado, cujo trecho mais

relevante reproduzimos abaixo, por sua extrema pertinência:

“Diante do quadro, necessária a realização de nova perícia para completa definição

do caso, que deverá estar fundada em exame de audiometria atualizado.

Isso porque o trabalho pericial, a despeito de afirmar que ‘o autor apresenta uma

disacusia neurosensorial com características de perda auditiva induzida pela

exposição ao ruído’ (fls. 101), não apontou de forma clara e convincente a perda

auditiva e seu caráter, não a classificando diante dos parâmetros da Tabela de

Fowler, critério adotado nesta Câmara Especializada para avaliação de perdas

auditivas.

Na falta de critério científico para apuração da redução da capacidade laborativa em

razão da perda auditiva, a tabela de Fowler continua a auxiliar, por ora, a avaliação

auditiva, para se saber da existência ou não de alguma incapacidade. A

jurisprudência acabou adotando de forma majoritária a Tabela de Fowler, de base

científica e não regulamentar, para a constatação da incapacidade, havendo nesse

entendimento o escopo de evitar que a disacusia se transforme em causa de

concessão liberal de benefício acidentário, sem qualquer parâmetro. Se assim não

fosse, a maioria dos seres humanos seria, em tese, enquadrável na lei acidentária,

por qualquer diminuição de audição, por mínima que fosse.

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Tratando-se de feito da Comarca de Mauá, determino ao Juízo da 4ª Vara Cível que

nomeie novo perito judicial de sua confiança, desde logo, para efetuar esse exame

técnico, com a apresentação do laudo em 30 (trinta) dias, a contar da nomeação.

Fixo honorários do perito em R$ 325,00 (trezentos e vinte e cinco reais).

Intime-se a autarquia para efetuar o depósito no prazo de 10 (dez) dias.

Concedo às partes a oportunidade para a indicação de assistente técnico e

oferecimento de quesitos, sucessivamente, no prazo de 05 (cinco) dias”.502,503

De nossa parte, cremos ser absolutamente consentânea com a atual

conformação do CPC essa linha decisória, especialmente porque processualmente

econômica e representante do “ativismo judicial” que tanto se espera do órgão

jurisdicional.

Veja-se que na hipótese sub judice determinou-se a realização de prova

pericial no próprio trâmite recursal, facultando-se às partes nomeação de assistentes

e fixando-se honorários periciais, tudo em absoluto prestígio ao princípio da

economia processual e, sobretudo, de modo a estruturar mais adequadamente a

convicção daquele que julgará a causa.

VII.11 - Instrução probatória no agravo de instrumento

O parágrafo único do art. 560 do CPC, atinente à possibilidade de conversão

do julgamento em diligência, combinado com o § 4º do art. 515 do mesmo Código,

permite, como sobredito, o saneamento de nulidades sanáveis em grau recursal, no

interior do próprio procedimento recursal, quando possível.

Entre essas hipóteses de conversão do julgamento em diligência, destacou-se

a possibilidade de determinação de atos de instrução, quando tal for necessário à

boa jurisdição recursal.504

502 TJSP, 17ª Câmara de Direito Público, Ap. cível n° 440.944-5/5, rel. Des. Antonio Moliterno, j. em 18.12.2007. No mesmo sentido, veja-se a apelação sem revisão n° 645.949-5/2, do mesmo relator. 503 Neste sentido, há diversos outros julgados: TJSP, Ap. cível n. 698.990 5/1-00, rel. Des. Valdecir José do Nascimento, j. 18.12.2007; TJSP, Ap. cível n° 513.854 5/0-00, rel. Des. Adel Ferraz, j. 18.12.2007; TJSP, Ap. cível n° 880.507-0/7, rel. Des. Oswaldo Cecara, j. 18.12.2007; e diversos outros precedentes. 504 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA CONTÁBIL. NECESSIDADE DA PROVA PARA A SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. Segundo o artigo 130 do CPC, cabe ao julgador determinar quais as provas a serem produzidas para fundar seu livre convencimento. Sendo necessária a prova pericial contábil para o deslinde da

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É óbvio, nesse aspecto, que o recurso em que mais comumente se verifica

iniciativa instrutória é a apelação, por conta de ser via recursal adequada à revisão

da sentença e dos fatos que compõem a lide.

Não obstante, também em outras modalidades recursais além da apelação

verifica-se a possibilidade de alguma instrução. É o caso dos agravos de

instrumento, tanto os tirados diante de decisões interlocutórias de primeiro grau,

quanto os interpostos contra decisões de segundo grau, como os agravos de

decisões denegatórias de recursos excepcionais.

Com efeito, tome-se a situação de um agravo de instrumento que, a despeito

de estar devidamente instruído com as peças ditas obrigatórias, careça de

documentos não obrigatórios, conquanto fundamentais à adequada cognição do

pedido recursal.

Exempli gratia, sugere-se a situação de agravo de instrumento manejado

contra indeferimento de esclarecimentos periciais em que não se juntou cópia do

laudo pericial: é evidente, in casu, que a decisão do tribunal pela pertinência, ou não,

do esclarecimento pericial tem como conditio sine qua non a apresentação, pelo

agravante, do laudo pericial.

Nada obsta que, nessa hipótese, em vez de decidir pelo improvimento do

agravo de instrumento por conta da não apresentação de documento relevante para

o julgamento do recurso, determine o tribunal a apresentação de tal peça facultativa

pelo recorrente, de modo que seja erguido o cenário fático-probatório suficiente ao

julgamento recursal.

No exemplo sugerido, estaria o órgão recursal, lastreado nos arts. 515, § 4º, e

560, parágrafo único, do CPC, desenvolvendo atividade instrutória documental em

grau recursal, em recurso distinto da apelação.505

controvérsia, correta a decisão que determinou a conversão do julgamento em diligência a fim de que a referida prova seja realizada. Agravo de instrumento desprovido” (TJRS, AI nº 70010378412, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, j. em 09.03.2005). 505 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEÇA NÃO PREVISTA EM LEI COMO OBRIGATÓRIA, PORÉM CONSIDERADA PELOS ÓRGÃOS JULGADORES INDISPENSÁVEL AO EXAME DA CONTROVÉRSIA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. COMINAÇÃO INCABÍVEL. NECESSIDADE DE PRÉVIA DILIGÊNCIA OU DETERMINAÇÃO PARA QUE O RECORRENTE COMPLEMENTE A INSTRUÇÃO. CPC, ARTS. 525, I E 560, PARÁGRAFO ÚNICO. I. Se a peça não se acha prevista no art. 525, I, do CPC, como obrigatória, porém se revela indispensável ao exame da controvérsia segundo entendimento do órgão julgador, deve ele ou diligenciar para que ela seja juntada, ou determinar que o agravante complemente a instrução. II. Incabível, pois, o não conhecimento do agravo por ausência de documento não obrigatório, caso de petição que supostamente teria dado origem à prova pericial cujos ônus foram atribuídos à ré.

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III. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp n. 504.113, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 15.03.2004).

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CAPÍTULO VIII - TUTELAS DE URGÊNCIA EM GRAU RECURSAL

As tutelas de urgência compõem um grupo subdividido em tutelas cautelares

e tutelas antecipadas, as quais se assemelham sob ponto de vista teleológico por

serem intervenções jurisdicionais empreendidas antes que se faça possível à parte

aproveitar a tutela principal (o que ocorrerá com o trânsito em julgado, em regra, ou

quando for possível execução provisória da sentença, excepcionalmente), desde

que presentes (i) risco de perecimento de direitos e (ii) demonstração de viabilidade

do direito afirmado (em distintos graus, conforme se trate de tutela de natureza

cautelar ou de natureza antecipada).

A respeito do assunto, soa repetitivo, porém conveniente, aduzir que a ampla

crise de efetividade experimentada no processo civil brasileiro acabou por maximizar

a relevância dessas modalidades de providências, em que o jurisdicionado, premido

pela imensa demora até que se atinja a prestação jurisdicional final, vê-se

naturalmente compelido a depositar suas esperanças em provimentos interinais, de

natureza interlocutória e pautados em juízo sumário de cognição para ver atendida,

ainda que provisoriamente, uma sua necessidade de salvaguarda jurisdicional.

Esse movimento de ampliação da relevância dos provimentos interlocutórios

impulsiona-se desde meados da década de 1990, quando se iniciou a onda de

alterações fracionadas do Código de Processo Civil.

Nesse momento da história recente do processo civil nacional, um dos

aspectos mais encarecidos ao legislador reformista foi a criação da possibilidade de,

presentes requisitos específicos, a parte requerer a antecipação dos efeitos da tutela

que se pretende auferir ao fim do processo (a antecipação da tutela, na

nomenclatura do art. 273 do CPC).

Mitigando o parâmetro da quase nula intervenção concreta na vida dos

jurisdicionados que sempre caracterizou a atuação do órgão jurisdicional na fase

cognitiva,506 seja em primeiro ou em segundo graus de jurisdição, ao juiz foi-se

atribuindo maior carga de poderes de intervenção concreta na esfera jurídica das

partes, tanto no sentido de poder proferir decisões interlocutórias modificadoras da

506 De fato, ao longo do trâmite cognitivo sempre foi mínima, ou nula, a intromissão do juiz no cotidiano das partes, o que apenas vinha a ocorrer na fase de execução de direitos.

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realidade fática em que envolvidas as partes, quanto no respeitante à concreção de

tais decisões.507

O marco inicial dessa tendência, reitere-se, deu-se com a inserção da tutela

antecipada no regime do CPC, quando se atraiu para o processo de conhecimento

relevante atividade de materialização coativa de direitos.508,509

Em decorrência da inserção da figura da tutela antecipada em nosso direito

processual civil, necessária e logicamente deveriam ser ensejados ao órgão

jurisdicional maiores poderes, de modo que se tornasse possível não só a prolação

de decisões antecipatórias de tutelas, senão também a realização prática dessas

providências urgentes, especialmente porque a tutela antecipada, na medida em que

é concessível em fase cognitiva, acabou por deslocar para essa fase do processo

atividades de natureza executiva (concretização coativa de pronunciamentos

judiciais).

Com efeito, na esteira da introdução da tutela antecipada em nosso direito

processual civil de forma generalizada (i.e., no regime do CPC, não apenas nas

relações de consumo como ocorria quando vigorava, a respeito, apenas o art. 84 do

CDC), advieram os dispositivos que permitem ao magistrado adotar posturas de

ofício tendentes à concreção dos efeitos da tutela que se antecipou, e, à guisa de

exemplificação dessa circunstância, citamos o famigerado § 5º do art. 461 do CPC

(medidas de execução indireta determináveis pelo magistrado de ofício, tendentes

ao cumprimento do preceito antecipatório de tutela específica).

Perceba-se, portanto, que a tutela antecipada e, conseqüentemente, a

necessidade de sua execução carrearam ao processo de conhecimento (ou à fase

cognitiva do feito) uma sensível transmudação de atividades, comparativamente à

tripartição tradicional do processo (com bem demarcadas naturezas cognitiva,

executiva e cautelar): iniciava-se a irreversível ampliação do sincretismo no processo

civil brasileiro (miscigenação de atividades cognitivas e executivas). 507 Ad exemplum, a multa diária. 508 Confira-se informação de RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Execução provisória no processo civil, p. 31 e seguintes. 509 Informe-se, contudo, que a antecipação dos efeitos da tutela não se inaugurou no direito brasileiro com a redação do art. 273 do CPC (em que se previu expressamente a possibilidade de antecipação da tutela). Anos antes, quando da entrada em vigor do CDC (Lei n. 8.078/90), no art. 84 deste diploma legal já se dispôs acerca da possibilidade de antecipação da tutela específica nas relações de consumo levadas a juízo. O mérito da inserção da antecipação de tutela também no regime do CPC advém do fato de que foi estendida às controvérsias de outras naturezas (não apenas consumerista) esta possibilidade de adiantamento dos efeitos da providência judicial que se pretende ao final do feito.

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Deveras, adicionalmente à inserção das tutelas antecipadas no regime do

CPC (e a conseqüente executividade dessas medidas), com a entrada em vigor da

Lei 8.952/94 (e a modificação da redação do artigo 461 do CPC), as sentenças

condenatórias de obrigação de fazer e de não fazer passaram a dispensar a

execução autônoma (mediante instauração de relação processual própria), além de

haver-se concedido ao órgão jurisdicional poderes para, ex officio, determinar

medidas (a multa do parágrafo 5º do artigo 461 do CPC, verbi gratia) estimulantes

do cumprimento das decisões antecipatórias de tutela e das sentenças por parte do

réu. Ao depois, por força da Lei 10.444/02 e da conseqüente criação do artigo 461-A

do CPC, espraiou-se às sentenças condenatórias de entrega de coisa a

executividade lato sensu anteriormente aderida às sentenças de fazer e não fazer.

Por fim, com o advento das Leis 11.232/05 e 11.386/06, o sistema da

executividade lato sensu, que até então abrangia as obrigações de fazer, não fazer e

entrega de coisa, estendeu-se também às execuções de pagar quantia certa, com o

que se encerrou a evolução legislativa processual no sentido de consolidar o

hibridismo nas ações condenatórias, com atividades cognitivas e executivas

praticáveis no interior da mesma relação processual.

Essas agudas modificações da própria estrutura do processo civil brasileiro,

que a nosso ver se destacam no interior das reformas processuais experimentadas

há mais de década, acarretaram radical transformação das atividades confiadas ao

juiz na fase cognitiva, como dissemos acima.

Em regra, historicamente deu-se a possibilidade de fruição da tutela

jurisdicional desde que esgotado o procedimento legalmente previsto para tanto: a

cognição plenária, como sinônimo de certeza processual (paradigma de segurança),

sempre foi posta como pressuposto autorizador da atividade jurisdicional de

materialização coativa de direitos (execução), em relações processuais apartadas.

Tradicionalmente, o magistrado sempre se apresentou como mero

administrador da ação de conhecimento, sem maiores intervenções no mundo fático,

dado que tal apenas poderia ocorrer no momento da execução forçada, em regra. A

efetivação dos direitos outrora ocorria tão-só no momento da execução da sentença,

fosse definitiva, fosse provisória.

De fato, se antes das reformas iniciadas nos anos 1990 ao juízo da cognição

eram reservadas quase que exclusivamente atividades de apuração de fatos e de

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subsunção do direito a estes,510 a antecipação de tutela e todas as conseqüências

práticas disso decorrentes geraram, ou até mesmo exigiram, a potencialização de

poderes do magistrado, até porque tais poderes vieram com o escopo de

acompanhar essa novel gama de posturas conferidas ao juiz da cognição.

Estabelecidas tais premissas de avaliação, em que se traz à mostra uma nova

dimensão da fase cognitiva do processo civil, de se aduzir também que, na esteira

desta miscigenação de atividades (executivas, cognitivas) na mesma esfera

processual, acabou-se por criar um cenário propício ao fomento de uma outra

tendência, qual seja, a “popularização” das providências de caráter acautelatório, as

quais, se ainda hoje em regra são requeríveis em ação própria (cautelares

nominadas ou inominadas), passaram a ser admitidas sem sobressaltos por via de

meros requerimentos deduzidos no interior da relação processual, a despeito de

propositura de demanda própria para tanto.

Em corroboração a tal asserção, de se citar (i) a fungibilidade prevista no art.

273 do CPC, inciso VII, entre requerimentos de natureza antecipatória e cautelar,511

e (ii) a possibilidade de concessão, pelo relator, de efeito suspensivo a recursos

diante de situações emergenciais, em que se destaquem risco de dano irreparável

ou de difícil reparação e seja relevante a fundamentação apresentada pela parte.

O marco comum às tutelas cautelares e antecipatórias, como cediço, é o

risco, a emergência, tendo sido em nome desse caráter emergencial estabelecida

legalmente a fungibilidade entre ambas, em elogiável mudança legislativa, mudança

esta absolutamente impregnada pelo princípio da instrumentalidade. De fato,

parece-nos que não faz mais sentido, atualmente, escandir os conceitos de

cautelaridade e de antecipação de tutela como fossem figuras tão distintas: ambas

integram a província processual das tutelas de urgência, como fossem patamares

510 Afora algumas providências liminares concessíveis em ações de rito especial (mencionem-se, a título ilustrativo, as hipóteses de nunciação de obra nova, embargos de terceiro, ações possessórias em geral), o juízo cognitivo, sob ponto de vista prático, não representava possibilidade de alteração da realidade fática, sequer detinha a possibilidade de providências liminares em regra, dado que estas ficavam, em regra, reservadas, como dito, às demandas de rito especial e às ações cautelares. 511 Mencionamos a questão da fungibilidade entre tutela antecipada e providência cautelar para demonstrar que há maior aceitação das “cautelas” concedidas independentemente de ação cautelar própria, pois, ao aplicar a fungibilidade prevista no art. 273, inc. VII, do CPC, o magistrado acaba por admitir a concessão de providências de cunho cautelar independentemente do aforamento de ação para tal mister. A nosso ver, o posicionamento (admissão de providências cautelares independentemente de ação cautelar proposta) é correto e deve ser estimulado, porquanto revela-se muito mais adequado ao que se espera do processo civil moderno: simplicidade, providência, resultado e, portanto, eficácia.

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distintos de uma mesma escala, e como integrantes de um mesmo agrupamento de

providências jurisdicionais (as providências urgentes) é que devem ser estudadas.

No tópico seguinte, avaliaremos as semelhanças e as poucas distinções que

identificamos entre os provimentos cautelares e antecipatórios.

VIII.1 - Os requisitos comuns e as distinções entre a tutela cautelar e a tutela antecipada

Em que pese possam ser qualificadas como integrantes de um mesmo “corte”

do direito processual civil atual (o ramo das tutelas de urgência), consigne-se que

não são idênticas as tutelas cautelares e antecipatórias.

As distinções que identificamos entre ambas atinem (i) aos pressupostos para

concessão e (ii) à finalidade que delas se espera, que se exprime no grau de

intervenção de uma e de outra no plano fático.

Em termos de requisitos básicos para sua concessão, as tutelas de urgência

guardam entre si uma sensível diferença, qual seja, o grau de viabilidade do direito

que tem de ser apresentado pela parte ao órgão jurisdicional.

No âmbito da tutela cautelar, exige-se demonstração de plausibilidade do

direito invocado (“aparência do bom direito”), ao passo que, em termos de

requerimento de tutela antecipada, a lei impõe à parte a demonstração não de

plausibilidade, porém de elevada probabilidade do direito invocado (“prova

inequívoca de sua verossimilhança”).

O outro requisito básico inerente ao requerimento de tutelas ditas de urgência

é comum às cautelares e às tutelas antecipadas: a demonstração de situação de

risco é condição inerente às duas espécies de tutelas.

Sob enfoque finalístico, igualmente se encontra ponto dissonante entre a

tutela de natureza cautelar e a de cunho antecipatório.

Se, por um lado, a tutela cautelar consiste em mero acautelamento, em

preservação do resultado que se espera do processo, em conservação da situação

fático-jurídica de modo a permitir à parte fruir o resultado final do processo (si et in

quantum se materialize este resultado), as tutelas antecipadas caracterizam-se pela

possibilidade de imediata fruição dos efeitos da tutela que se pretende ao fim do

processo, além do próprio acautelamento que lhe é inerente.

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Ultrapassa-se, em caso de concessão de tutelas antecipadas, o mero

acautelamento, adiantando-se uma conseqüência que adviria tão-só quando da

prolação de uma sentença de procedência e quando fosse possível sua execução.

Essa marcante distinção entre ambas, portanto, consiste no grau de

proximidade da providência de urgência com o resultado final esperado pelo

requerente: ou se cogita de simples conservação, sem que se avance no

adiantamento de efeitos da decisão final aguardada pelo requerente (tutela cautelar),

ou se antecipam total ou parcialmente os efeitos desta decisão final, excedendo-se

ao mero acautelamento (tutela antecipada).

VIII.2 - Hipótese especial de concessão de tutelas antecipadas: tutelas de evidência, não necessariamente atreladas ao risco. Abuso do direito de defesa e incontrovérsia

Como dito acima, o imenso interregno que separa a propositura de uma

demanda e sua conclusão, com a entrega ao jurisdicionado do que lhe é de direito,

acabou por atribuir importância de grandes proporções às providências judiciais

concedidas antes do trânsito em julgado ou da possibilidade de execução provisória.

Em regra, essas providências (tutelas cautelares ou antecipadas) justificam-

se pela urgência, pela situação de risco que está a ameaçar o direito invocado pela

parte, de modo que não se mostra possível aguardar, com segurança, o término do

feito para que esse direito se veja reconhecido e protegido.

Há, entretanto, outras duas situações em que se faz possível a antecipação

dos efeitos da tutela final sem que se cogite necessariamente de urgência: o abuso

do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu previstos no inciso II

do art. 273 do CPC.512

Nessas duas hipóteses, colhe-se do próprio texto legal que a urgência não é o

tônus marcante da antecipação da tutela. Leva-se em conta, isto sim, (i) o grau de

maturação do direito da parte, seja porque incontroverso, seja porque o outro

512 “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (...)”

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litigante está apenas a protelar o feito mediante abuso de direito de defesa, à

míngua de argumentos que possa suscitar em defesa de seu direito, e (ii) a

necessidade de coibir o abuso do direito de defesa, o que carreia caráter

sancionatório à tutela concedida nesta hipótese.

São (as hipóteses do inciso II e do § 6º do art. 273 do CPC) situações

especiais de tutela antecipada, que não forçosamente vinculam-se à urgência,

senão à sanção pela litigância irresponsável e à evidência do direito da parte.

VIII.3 - A tutela cautelar em grau recursal

De conformidade com apontamentos já empreendidos neste trabalho, quando

se abordou a questão da instrução probatória em grau recursal, o processo civil,

como ocorrente em regra nos diversos outros ramos do direito, está fortemente

adstrito a convenções, paradigmas, tradições que nem sempre se revelam

adequados, compatíveis com as expectativas atualmente nutridas pela população

relativamente a este fundamental mecanismo de resolução de relações conflituosas.

Destarte, se tradicionalmente a instrução probatória concentra-se no

procedimento de primeiro grau de jurisdição (até porque é nesta instância que

prepondera a atividade de apuração dos fatos), também os requerimentos de

providências acautelatórias permeiam com freqüência gigantescamente maior os

trâmites processuais monocráticos comparativamente ao procedimento recursal.

Esse cenário justifica-se, em nosso pensar, pelo fato de que as situações de

perigo que estão a ensejar um requerimento de prestação jurisdicional cautelar são,

de ordinário, preexistentes ao ingresso do jurisdicionado em juízo: ipso facto, são

mais comuns as hipóteses de propositura de ações cautelares preparatórias

seqüenciadas por ações principais, revelando-se, ao nosso sentir, quantitativamente

menos expressivas as situações de ações cautelares ditas incidentais, em que o

cenário de risco surge no decorrer da ação principal.

Nessa linha de pensamento, se as chamadas ações cautelares incidentais

revelam-se, a nosso ver, muito menos freqüentes que as preparatórias (pois em

regra a parte já ingressa em juízo sob o perigo de determinada ocorrência de modo

que precisa, antes de mais nada, neutralizá-lo para, ao depois, propor a demanda

principal), é sensivelmente muito menos usual o manejo de ações cautelares em

instância recursal.

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É bem possível que essa circunstância derive do fato de que as demandas

encontram-se, em geral, estabilizadas quando atingem a fase recursal, dado que o

momento da postulação (petição inicial, contestação) é que se caracteriza pela

apresentação de situações fáticas (as de risco inclusive) ao juízo.

Não obstante, fato é que as hipóteses de risco de perecimento do direito

vindicado pela parte podem dar-se também a posteriori, em momento mais

avançado da tramitação processual, como o é a fase recursal, e identificamos ao

menos duas razões para que tal ocorra: (i) em nosso sentir, a fase recursal (ordinária

e excepcional) tem tomado a maior parte do tempo do processo, o que

evidentemente atrai a possibilidade de ocorrências que arrisquem o direito debatido

entre as partes,513 e (ii) nas situações de recursos desprovidos de efeito suspensivo

(apelações das sentenças previstas no art. 520 do CPC e recursos extraordinário e

especial), a possibilidade de materialização da sentença em sede de execução

provisória precipita a possibilidade de conseqüências deletérias à parte sucumbente

quando ainda pendente de recurso a decisão, do que pode derivar também a

necessidade de requerimento de providências acautelatórias.

No tocante aos recursos desprovidos de efeito suspensivo, do que decorre a

possibilidade de imediata execução da decisão impugnada, convém a realização de

importante registro.

Especificamente no que toca ao recurso de apelação, cediço que este ainda

ostenta eficácia suspensiva como regra, estando as sentenças em geral impassíveis

de serem executadas quando de sua prolação até que seja julgada a apelação

interposta.

Esse cenário, contudo, tende a modificar-se proximamente, pois se encontra

em trâmite no Congresso Nacional projeto de lei que provocará grande mudança no

regime de execução das sentenças, sob ponto de vista cronológico: cogita-se da

exclusão do efeito suspensivo das apelações como regra, tema objeto do Projeto de

Lei 3.605/04.514

513 No Estado de São Paulo, por exemplo, o tempo médio de processamento de apelações tem sido superior a cinco anos até que se dê seu julgamento. 514 O Projeto de Lei n. 3.605/2004, de iniciativa do deputado federal Colbert Martins, tem por escopo modificar o art. 520 do CPC, conferindo efeito exclusivamente devolutivo à apelação. Este o teor do projeto de lei em apreço, em sua redação original, tal qual apresentado: “Art. 1º O art. 520 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, terá a seguinte redação:

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Esta alteração do CPC se reveste de extrema importância, dado que

modificará significativamente o momento em que poderão ser executadas as

sentenças: se hodiernamente o jurisdicionado vitorioso em determinada demanda

judicial vê-se obrigado a aguardar o trânsito em julgado para que possa executar a

decisão, com a aprovação de encimado projeto de lei será regra, e não mais

exceção, a possibilidade de execução provisória das sentenças, com o que se

deslocará para a fase recursal (para o tribunal, pois), em conseqüência, importante

carga de competência para provimentos acautelatórios recursais (basta dizer que a

apreciação de pedido de concessão de efeito suspensivo à apelação comporá,

seguramente, uma das mais importantes atividades em esfera recursal, quando este

recurso perder a eficácia suspensiva que lhe é de rigor hoje).515

Estabelecendo-se como regra o regime de apelações como sendo dotado

somente de efeito devolutivo, a possibilidade de execução provisória das sentenças

assumirá envergadura gigantescamente maior comparativamente àquela verificada

atualmente, e isso ampliará sensivelmente as situações de risco a que se verão

‘Art. 520. A apelação terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte.’ (NR) Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.” 515 Interessante notar que, na própria justificativa do Projeto de Lei n. 3.605/04, consta reprodução de magistério de Arruda Alvim acerca da premente necessidade de aproximarem-se os momentos (i) da prolação da sentença favorável ao autor e (ii) da sua materialização coativa, ainda que em caráter provisório. Apreciando as reformas introduzidas no sistema processual civil no ano de 2002, mais especificamente as decorrentes da Lei n. 10.444/02, o insigne professor ponderou: “Esta lei é permeada pela intenção de realizar, no plano prático, a efetividade do processo. Colima proporcionar que, entre a decisão e a real produção dos seus efeitos, benéficos ao autor, a quem se outorgou proteção, decorra o menor tempo possível. Tende a que, entre a decisão e a sua eficácia, não haja indesejável intervalo. Não há nela referências ao termo execução, senão que a expressão usada é efetivação (art. 273, § 3.º), como, também, há referência a descumprimento de sentença ou decisão antecipatória (art. 287), ao que devem suceder-se conseqüência (s) coercitiva (s) por causa dessa resistência ilícita, mercê da aplicação do art. 461, § 4.º e 461-A, com vistas a dobrar a conduta do réu, que se antagoniza com o direito do autor e, especialmente, com a determinação judicial. Isto significa que se acentua o perfil do caráter mandamental da disciplina destinada a realizar, no plano prático, o mais rapidamente possível, os efeitos determinados pela decisão” (ALVIM, José Manuel Arruda, e ALVIM, Eduardo Pellegrini Arruda, coordenadores. Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência, p. 3,4). Consta da Justificação do projeto de lei, ainda, intenção que revela todo o escopo da proposta modificadora do art. 520 do CPC: “A par das propostas de alteração do sistema recursal, cremos que a possibilidade de efetivação das sentenças de primeiro grau, independentemente de eventual revisão, em muito contribuiria para a diminuição dos recursos meramente protelatórios. Afinal, se a execução imediata da sentença passar a ser regra, o interesse recursal protelatório diminuirá, principalmente diante das novas regras da execução provisória. Portanto, o que se pretende, com a alteração proposta, é sugerir uma inversão na regra dos efeitos da apelação, conforme previsto atualmente no art. 520 do Código de Processo Civil, ou seja, o recurso deve ser recebido apenas no efeito devolutivo, salvo nos casos de dano irreparável ou de difícil reparação.”

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submetidas as partes sucumbentes: de fato, verificada a possibilidade de execução

provisória das sentenças, em caso de relevância da argumentação e demonstrado o

risco de dano irreparável, será de suma relevância ao recorrente o pedido de adesão

de efeito suspensivo a recurso que tradicionalmente não conta com tal eficácia.

De se consignar, ademais, que a aprovação desse projeto de lei excludente

do efeito suspensivo como regra da apelação mostra-se absolutamente necessária

até em atenção ao espírito das alterações mais recentes realizadas no CPC, em que

se retirou a eficácia suspensiva que tradicionalmente caracterizava mecanismos

como os embargos do devedor, por exemplo, que agora não têm eficácia suspensiva

como regra.516

Vê-se com muita nitidez que, constatada e consolidada a desconfortável

ineficácia que assola o processo civil em seu modelo tradicional, precipuamente

voltado à assunção de um grau elevadíssimo de segurança e de cognição para só

então passar-se a atos de execução, é definitiva a tendência à modernização do

processo civil com vistas à sua aceleração, que vem tomando espaço e envergadura

compatíveis com o anseio por um processo civil que se acerque o máximo possível

da certeza como condição para a execução.517

De nossa parte, manifestamos concordância com esta tendência legislativa, a

qual, a se confirmar a aprovação do Projeto de Lei n. 3.605/04, visa a extinguir o

efeito suspensivo como regra nas apelações cíveis: com efeito, soa até mesmo

contraditório aceitar que, trilhada toda a instrução probatória de primeiro grau e, por

conseguinte, assumindo-se um cenário de cognição do qual seja possível extrair

presunção jurídica em favor de algum dos litigantes, a simples interposição de

516 O mesmo ocorrendo com a peça que substituiu os embargos do devedor na execução de título judicial (cumprimento de sentença), a saber, a impugnação. 517 A propósito desta inalcançável justiça plena por intermédio do processo, colacione-se a opinião do ilustre professor João Batista Lopes, para quem o conteúdo da efetividade que se propugna do processo traduz a necessidade de este servir de condutor à aplicação do disposto na lei material, no ordenamento positivo, enfim, de atuar como trilha para a consecução do disposto no ordenamento jurídico, na forma e no tempo adequados ao tipo do direito controvertido, que pode reclamar uma cognição ordinária e plena, sumária ou eventual, dentre outras, conforme o caso. Referido autor, ao tratar da efetividade do processo, parece atenuar a propalada idéia de que o processo tem de ser o veículo de acesso à ordem jurídica justa, fundamentando tal posicionamento no fato de que o conceito de justo ou injusto que se adere a uma ordem jurídica não encontra nascedouro no Poder Judiciário, mas sim no poder incumbido constitucionalmente de editar normas. A efetividade do processo, assim, significa que o fenômeno processual deve ensejar a aplicação da ordem jurídica em seu real alcance, em sua real dimensão, no tempo adequado, sem que isto, entretanto, acarreta qualquer valoração de justiça dessa ordem jurídica (LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro, p. 21).

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apelação acarrete, de automático, a impossibilidade de obtenção de efeitos

mediante execução provisória desta sentença.

Feitos tais apontamentos sobre a tutela cautelar em grau recursal, passemos

à análise da tutela antecipada em grau recursal.

VIII.4 - A tutela antecipada em grau recursal

A possibilidade de adiantamento dos efeitos do provimento que a parte requer

ao final do feito desde que demonstradas a existência de risco de dano e a

verossimilhança da alegação é tida como das mais revolucionárias alterações por

que passou nosso CPC desde sua entrada em vigor, na primeira metade dos anos

1970.

De fato, a antecipação dos efeitos da tutela pretendida pela parte veio ao

mundo do processo como uma lufada de ar novo, fresco, convertendo-se em

importantíssimo mecanismo de fruição de direitos em momento embrionário do

processo e que se mostram (tais direitos) a um só tempo (i) evidentes (por força da

prova de sua verossimilhança) e (ii) arriscados por dano irreparável ou de difícil

reparação.

Como evidência de que a sociedade, premida pelo imenso interregno de

tempo que uma demanda exige desde seu nascedouro aos seus estertores, ansiava

por mecanismo deste jaez, a própria experiência do cotidiano forense denuncia a

relevância da possibilidade de antecipar-se a tutela requerida pela parte: é imenso o

número de demandas em que se deduzem pleitos antecipatórios de tutela, até

porque em um número nada desprezível de ocasiões é na tutela antecipada que o

jurisdicionado deposita suas esperanças de acessar rapidamente o direito material

enunciado na petição inicial.518

Pelas mesmas razões que aduzimos relativamente às providências de

natureza cautelar, também os pedidos de antecipação de tutela costumam ocorrer

em primeiro grau de jurisdição, quando proposta a demanda. É sensivelmente mais

518 Neste sentido, basta constatar o grau de importância que o mecanismo da tutela antecipada assumiu em demandas propostas contra companhias fornecedoras de planos de saúde para que sejam estas compelidas à prestação de tratamentos previstos em contrato: de ordinário, quando do pronunciamento judicial final, muitas vezes sequer persiste a necessidade declinada em petição inicial, porquanto a parte já fez uso do tratamento médico que lhe foi garantido em sede de tutela antecipada.

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freqüente a hipótese em que o jurisdicionado já ingressa em juízo com a situação de

risco ameaçando-o, daí o porquê de serem mais usuais pleitos de antecipação de

tutela em sede de petição exordial.

Não obstante seja hipótese menos comum, também em sede recursal podem

dar-se pedidos de antecipação da tutela.

Neste pormenor, cumpre discernir bem demarcadamente duas circunstâncias

bastante distintas: (i) o recurso diante da decisão de primeiro grau que negou

antecipação de tutela (ii) do requerimento de tutela em grau recursal.

Quando do requerimento de concessão de tutela antecipada em primeiro grau

de jurisdição, e em caso de denegação desse pedido, a parte prejudicada terá à sua

disposição o recurso de agravo de instrumento, por meio do qual poderá obter do

segundo grau uma providência que lhe foi negada na instância inferior.

Diante do efeito substitutivo do agravo interposto nestas condições, caso esse

recurso seja provido, a decisão do segundo grau substituirá a de primeira instância

que denegou o pleito de antecipação de tutela. Terá sido, assim, concedida tutela

antecipada em benefício da parte por conta do efeito devolutivo derivado do recurso

que interpôs, vale dizer, terá sido concedida tutela antecipada por força do

provimento de um recurso tirado diante de decisão de primeiro grau negatória de tal

pedido.

Cenário distinto dá-se, contudo, quando se cogita de tutela recursal

antecipada.

O que parece apenas um jogo de palavras revela, em verdade, situações

processuais absolutamente díspares, inconfundíveis.

Muito diferentemente de se tratar de concessão de tutela antecipada por

conta do provimento de agravo interposto contra decisão de primeira instância que

negou tal providência, a tutela recursal antecipada consiste no adiantamento, pelo

órgão ad quem competente para julgar o recurso, da providência pretendida pela

parte quando do julgamento final deste.

A título exemplificativo, aduza-se uma hipótese bastante clara de tutela

recursal antecipada: a concessão de efeito suspensivo ativo a recurso de agravo de

instrumento.

Imagine-se, nesse sentido, um caso de aforamento, por um particular, de

demanda contra instituição bancária objetivando a declaração de inexistência de

débito, cumulada com obrigação de não fazer (não informar a órgãos como SPC e

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SERASA a existência da dívida questionada). Para evitar a inserção de seu nome

nos cadastros de proteção ao crédito, o demandante deduz pedido de antecipação

de tutela.

Supondo-se que a tutela antecipada é negada ao autor em primeiro grau, e

supondo ainda que este interponha recurso de agravo de instrumento diante de tal

decisão, é absolutamente necessário que, muito antes do fim do processamento do

recurso, obtenha o autor-agravante alguma providência que obste a inserção de seu

patronímico nos serviços protetivos de crédito.

Sendo certo que o processamento do recurso de agravo seguramente

consumirá meses, a legislação processual (art. 558 do CPC, o qual será objeto de

abordagem mais detida adiante) confere ao jurisdicionado a possibilidade de obter

adiantamento da providência que naturalmente lhe seria concedida apenas quando

do julgamento final (e positivo) do recurso.

Em outros termos, a situação de urgência, somada à relevância da

argumentação, permite ao recorrente o requerimento de que lhe sejam antecipados

os efeitos da tutela que pretende em grau recursal.

A propósito, diga-se que, quando se cogita de tutela antecipada em grau

recursal, está-se tratando de antecipação da própria providência que a parte requer

em seu recurso, providência esta que invariavelmente gravitará em torno de juízos (i)

de reforma ou (ii) de cassação da decisão recorrida.

A antecipação da tutela recursal permite, pois, ao recorrente fruir, ainda que

em estado de precariedade, dos efeitos que adviriam da decisão final do recurso.519

519 William Santos Ferreira, em obra pioneira sobre o assunto, trata com bastante clareza da diferença entre a tutela antecipada prevista no art. 273 do CPC e a tutela recursal antecipada, ponderando que, “para melhor ilustrar esta diferença, exemplifica-se: no caso de um pedido de tutela antecipada indeferida na primeira instância, o autor da ação interpõe agravo de instrumento, e o mérito deste recurso justamente versará sobre a admissibilidade ou não deste pedido de tutela antecipada, dando ou não o órgão ad quem provimento ao recurso (se positivo o juízo de admissibilidade). Até aqui estamos falando da tutela antecipada preconizada no artigo 273 e da devolutividade do recurso. Caso seja dado provimento ao recurso, o que haverá é o deferimento da tutela antecipada não admitida na primeira instância, do que decorre o que podemos denominar tutela recursal. Nos casos de urgência, de que trataremos com mais vagar mais adiante, será imprestável ao recorrente a postulação do efeito suspensivo previsto no artigo 558 do Código de Processo Civil, sendo imperiosa a urgente apreciação do pedido de concessão da tutela antecipada: como não se poderá aguardar o julgamento do mérito do recurso, dever-se-á, por interpretação teleológica do artigo 558 e sistemática, admitir que o relator, se houver pedido expresso do agravante, aprecie e eventualmente defira, provisória e antecipadamente, o que só pelo órgão colegiado no futuro provavelmente será deferido. Com isto, temos a antecipação da tutela recursal, pois o órgão colegiado ainda não julgou o recurso, e, concomitantemente e em decorrência disto, há o deferimento da tutela antecipada, objeto da impugnação recursal” (FERREIRA, William Santos. Tutela antecipada no âmbito recursal, p. 239).

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Se o provimento desse agravo de instrumento tomado como exemplo não

representa a chamada tutela antecipada recursal, a concessão de efeito suspensivo

ativo em seu bojo o é, em síntese.

VIII.5 - Momento procedimental para concessão de tutelas de urgência

Aspecto que se apresenta relevante para fins de compreensão da tutela de

urgência em grau recursal respeita às balizas estabelecidas no CPC relativamente

ao momento procedimental de pedido acautelatório ou antecipatório de tutela no

âmbito dos recursos.

O assunto comporta abordagem diferenciada conforme se trate de tutela

cautelar ou de tutela antecipada.

Sobre as tutelas cautelares, insta dizer que existem disposições legais

expressas admitindo a intervenção acautelatória em grau recursal, quais sejam, os

arts. 558520 e 800, parágrafo único,521 do CPC. Aliás, nem sequer poderia ser

diferente, dado que nada impede que as situações de risco surjam em qualquer fase

do procedimento, inclusive em esfera recursal, o que justifica a possibilidade de

intervenção cautelar anteriormente ao trânsito em julgado ou à possibilidade de

execução provisória da sentença.

No que é pertinente às tutelas antecipadas, contudo, não contamos com a

mesma clareza legislativa sobre o momento de concessão.

É certo que o regramento geral das tutelas antecipadas encontra-se previsto

nos arts. 273, 461 e 461-A do CPC, e todos esses dispositivos têm sua redação

relacionada ao feito quando de seu processamento em primeiro grau de jurisdição,

vale dizer, prevêem a determinação de tutelas em caráter antecipado previamente à

prolação de sentença.

Em confirmação a essa constatação, veja-se o próprio conteúdo dos

dispositivos legais citados, em que se faz referência à figura do juiz, e não tribunal

520 “Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave ou de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara. Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto neste artigo ás hipóteses do art. 520.” 521 “Art. 800. As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal. Parágrafo único. Interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal.”

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(nesse sentido, o próprio caput dos arts. 273 e 461 do CPC), além de estar o

requerimento da tutela antecipada expressamente facultado apenas ao autor, o que

evidencia a formatação, ao menos aos olhos do legislador quando da inserção das

tutelas antecipadas no regime do CPC, de uma providência passível de requisição e

de concessão em primeiro grau de jurisdição.522

Há que se ponderar, contudo, que, em que pese sejam gigantescamente mais

comuns os pedidos de antecipação de tutela em petição inicial ou em estágio do

procedimento anterior à sentença de primeira instância, entendemos ser impossível

restringir tal requerimento apenas a esta fase do processo.

Com efeito, identicamente ao que sucede no âmbito das cautelares, a

situação de urgência pode surgir em diversas fases do procedimento, o que justifica

a possibilidade de antecipação de tutela (e provimentos cautelares) em qualquer

tempo e grau de jurisdição.

Nesse sentido, valendo-nos das ponderações de Cássio Scarpinella Bueno,

considera-se tutela antecipada todo o provimento jurisdicional que permita à parte

fruir os efeitos da tutela pretendida ao final antes que esta seja passível de execução

por conta do trânsito em julgado ou por conta, excepcionalmente, de execução

provisória. Neste passo, considera-se antecipada toda a tutela que permita ao

jurisdicionado usufruir dos efeitos da sentença previamente ao momento em que

esta se mostrar exeqüível, em caráter definitivo ou provisório (impugnada por

recurso de apelação desprovido de efeito suspensivo).523

Por tais razões, em que pese se trate de hipótese de ocorrência rarefeita, não

há nada que impeça a concessão de tutela antecipada em grau recursal,

especialmente porque (i) o risco é inerente a qualquer estágio do processo e (ii) terá

caráter antecipado tudo o que for adiantado à parte (relativamente ao que se requer

como prestação jurisdicional) antes que se faça possível sua execução.

522 Afirmamos isto porque, em âmbito recursal, não se mostra adequada esta referência ao autor como o único dos litigantes que pode pleitear tutela antecipada, concebendo-se que a tutela antecipada recursal pode ser deferida não necessariamente ao autor, senão ao recorrente (que não forçosamente é o autor). Essa circunstância demonstra, a nosso ver, que a concepção primeira do regime das tutelas antecipadas deu-se com olhos voltados ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, pré-recursal, pois. 523 BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela antecipada, p. 32 e ss.

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VIII.6 - Zonas de confusão entre as tutelas cautelar e antecipada em esfera recursal: recursos de cassação, ou em que se pretende apenas a cassação

Sobre os provimentos liminares requeridos em recursos, entendemos ser

conveniente abordar a questão da confusão que se pode estabelecer entre pedidos

de natureza antecipatória de tutela recursal ou de índole cautelar, especialmente em

recursos cuja finalidade é de mera cassação da decisão recorrida.

Explica-se.

Em se tratando de recurso em que se colima tão-só a retirada da decisão

recorrida do mundo jurídico, para posterior reenvio ao juízo a quo para rejulgamento

da causa, certo é que se está diante de intenção recursal de exclusão da decisão

impugnada, não se pretendendo do tribunal outra providência (nova decisão sobre a

questão, por exemplo). Esta a característica dos chamados recursos de cassação,

ou nos quais se pretenda apenas a eliminação da decisão recorrida do mundo

jurídico.

Nessas hipóteses, portanto, o efeito da tutela que se pretende ao final,

quando do cabal julgamento do recurso, é a não produção de resultados pelo

pronunciamento decisório recorrido, em decorrência de sua mera cassação.

Essa circunstância permite-nos a extração de interessante conclusão: em

situações de recursos cujo escopo é tão-só a cassação da decisão recorrida, são

idênticos os conteúdos de um pleito de antecipação de tutela recursal e o de um

pedido liminar recursal de natureza acautelatória, na medida em que em ambas as

hipóteses se operará, se acolhidos os pedidos, o mesmo efeito prático: a não

produção de efeitos por parte da decisão hostilizada.

Não se verifica nesses casos, portanto, o elemento distintivo típico que a

doutrina atribui às tutelas antecipadas comparativamente às providências liminares

de caráter cautelar, dado que nas duas situações está-se diante de hipótese em que

se requer imediata fruição de efeitos que naturalmente adviriam tão-só quando do

julgamento final do recurso.

Neste sentir, nota-se que, por exemplo, a pretensão de adesão de efeito

suspensivo a um recurso de agravo de instrumento que tem finalidade de mera

cassação (a revogação de liminar concedida em primeira instância, verbi gratia)

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ostenta evidente caráter antecipatório de tutela recursal, dado que se requer o

adiantamento, em termos de eficácia, de um provimento final.524

Nessas situações, observa-se que se está diante de campo absolutamente

fértil em termos de fungibilidade recursal, dado que não há razão a justificar qualquer

óbice à concessão de tutela antecipada caso o magistrado entenda ser hipótese de

acautelamento, e vice-versa, pois, como dito, concretamente estar-se-á cogitando de

providências idênticas no plano fático.

Trata-se, pensamos, de cenário em que a fungibilidade entre tutelas de

urgência (cautelar e antecipada) se operará em sentido dúplice, mostrando-se

possível a concessão de medida cautelar em lugar de tutela antecipada e, mais

importante, de tutela antecipada em lugar de cautelar.

Essa segunda via, que não decorre diretamente da redação do art. 273, § 7º,

do CPC (que estaria a permitir apenas a fungibilidade no sentido de se conceder

acautelamento no lugar de antecipação de tutela), antolha-se possível nos casos de

providências de urgência em recursos destinados apenas à cassação de decisão,

tornando-se, pois, mais amplo o espectro de abrangência da fungibilidade entre

tutelas de urgência em grau recursal.

Essa identidade de provimentos, ao menos em termos práticos, que se

estabelece quando da concessão de efeito suspensivo a recurso com exclusiva

finalidade de cassação torna absolutamente inócua a questão do caráter

antecipatório ou cautelar desta liminar recursal, não havendo problemas em termos

de competência para seu deferimento (se do juízo recorrido ou do juízo ad quem), ao

contrário do que ocorre quando o pleito é de antecipação de tutela recursal em

sentido ativo (vale dizer, além da suspensividade, requer a parte providência prática

ativa do Judiciário, no sentido de se lhe conceder o que lhe foi negado

anteriormente), caso em que a competência para deferimento será, conforme

jurisprudência do STJ, do tribunal para o qual se recorre, dado exigir-se, neste caso,

apreciação do mérito recursal.525

524 Nesse sentido, ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação de tutela, p. 253. 525 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CAUTELAR. MANDADOS DE SEGURANÇAS NOS QUAIS SE OBTEVE DECISÕES FAVORÁVEIS À COMPENSAÇÃO DECRÉDITO-PRÊMIO DO IPI. EFEITO SUSPENSIVO ATRIBUÍDO AO RECURSO ESPECIAL FAZENDÁRIO EM SEDE DE JUÍZO PRÉVIO DE ADMISSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA. CONDUTA DO FISCO CONSISTENTE NO CANCELAMENTO DAS COMPENSAÇÕES REALIZADAS SOB O AMPARO DAS DECISÕES SUSPENSAS. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. EXISTÊNCIA.

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VIII.7 - Previsibilidade legal das tutelas de urgência em grau recursal: proposta de sistematização

Uma das primeiras dificuldades impostas aos que se propõem a analisar o

tema das tutelas de urgência diz respeito à inexistência de um trato legislativo

uniforme, organizado.

Esse contemporâneo e relevante tema tem sua estruturação quase que

integralmente relegada à doutrina, que se tem incumbido da identificação de alguma

sistematização positiva sobre as tutelas de urgência.

Nesse importante trabalho de tentativa de organização positiva das tutelas de

urgência, buscando conferir-lhe arcabouço legislativo com o que já está posto em

nosso CPC, mostra-se inafastável a necessidade de entrelaçamento de disposições

legais de modo que seja possível extrair-se do CPC ‘um sistema positivo’ acerca das

tutelas de urgência.

Neste passo, elegemos três balizas das quais buscamos a extração desse

sistema positivo acerca das tutelas de urgência no CPC: (i) competência para

concessão, (ii) requisitos e (iii) execução.

1. A atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial implica tão-somente que o ato decisório recorrido não produza os seus efeitos antes do transcurso do prazo recursal ou do seu trânsito em julgado, vinculando a manifestação do Tribunal de origem a esse âmbito. Por isso que se aduz a efeito ex nunc. É que resta cediço caber ao Presidente do Tribunal a quo, como delegatário do STJ, aferir tão-somente a admissibilidade recursal. A tutela antecipada de mérito só pode ser conferida pelo órgão competente para decidir o próprio recurso, in casu, o E. STJ. 2. Deveras, tanto o E. STF quanto o STJ concluíram ser vedado, a título de cautelar concessiva de efeito suspensivo à decisão de recurso submetido à irresignação especial, providência mais ampla do que a sustação da eficácia do decisum. É que, além dessa fronteira, situa-se o mérito do recurso, superfície insindicável pelo Tribunal a quo, sob pena de usurpação de competência. 3. In casu, o Presidente do TRF da 5ª Região, com supedâneo no poder geral de cautela, emprestou efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário interpostos pela Fazenda Nacional, por vislumbrar fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, uma vez que a sentença concessiva da segurança, confirmada pelo Tribunal, garantiu à empresa a utilização de créditos do IPI, por entender aplicável o Decreto-Lei nº 491/69, em contraposição ao entendimento hodiernamente esposado no STJ. 4. Entrementes, consoante noticia a requerente, "a Delegacia da Receita Federal, seguindo equivocada orientação da Procuradoria da Fazenda Nacional, determinou o cancelamento dos atos compensatórios realizados, conforme demonstrado nos despachos, em parte, ora anexados, proferidos pelo titular do Órgão respectivo, nos quais restou determinado o imediato cancelamento de todos os DARF's emitidos junto ao sistema SIAFI nos autos dos processos administrativos". 5. Desta sorte, forçoso se revela o deferimento da liminar pleiteada, a fim de que seja mantida a suspensão do acórdão recorrido apenas com efeitos ex nunc, impedindo-se novas compensações e preservando-se o statu quo ante. 6. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg na MC n. 12.315, rel. Min. Luiz Fux. DJ de 14.05.2007).

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Nesse labor de eleição de um sistema positivo aplicável às tutelas de

urgência, cumpre sejam abrandados alguns rigores de nomenclatura, especialmente

no sentido de, onde no CPC se lêem referências à “tutela cautelar” ou simplesmente

“cautelar”, ler-se “tutela de urgência”, expressão ampliativa na qual estão incluídas

as hipóteses de antecipação de tutela.

Essa necessidade de adaptação legislativa justifica-se pelo fato de, enquanto

inexistir alocação, no CPC, de disposições legais atinentes às tutelas de urgência,

ser necessário o uso da analogia para fazer incidir disposições legais sobre assuntos

não adequadamente legislados (este é o caso, induvidosamente, das tutelas

antecipadas recursais). Observe-se, a propósito, que o art. 4º da Lei de Introdução

ao Código Civil está a justificar essa opção.526

Destarte, passemos ao enfretamento do tema.

VIII.8 - Competência para concessão de tutelas de urgência em grau recursal

Avaliando-se primeiramente a competência para concessão de tutelas de

urgência em grau recursal, há que se estremar duas possibilidades: recurso

interposto e em trâmite perante o próprio órgão que o julgará (como o agravo de

instrumento, os embargos infringentes) e recurso interposto em órgão a quo, para

admissibilidade e posterior remessa ao órgão ad quem.

Na primeira situação (recurso interposto e em trâmite perante o órgão

competente para seu julgamento), a competência para concessão de providências

de urgência é do relator do recurso, por força de previsão nesse sentido constante

do art. 558 do CPC.

O art. 558 em referência foi concebido inicialmente para aplicar-se ao recurso

de agravo de instrumento e à apelação (quando recebida apenas no efeito

devolutivo, a teor dos incisos do art. 520 do CPC), de modo que essas espécies

recursais contassem com a possibilidade de suspensão da decisão recorrida em

hipóteses de dano grave de difícil ou impossível reparação.

Se, contudo, o art. 558 expressamente contém disposições de caráter

acautelatório (a própria frase “suspender o cumprimento da decisão” constante do 526 “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”

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caput deste artigo carreia-nos essa impressão), a riqueza da práxis forense exigiu

deste dispositivo legal algum elastério, de forma que tal eficácia suspensiva pudesse

ser ampliada a outras espécies recursais, como ocorre, v.g., com os recursos

excepcionais.

Do conteúdo desse dispositivo legal extrai-se, ademais, que é o relator quem

tem competência para providências urgentes no sentido de neutralizar riscos

gerados pela não suspensão da decisão recorrida, o que, de acordo com a

interpretação analógica que sugerimos acima, aplica-se também às tutelas recursais

antecipadas.

Sendo do relator a competência para concessão de medidas recursais

urgentes (cautelares ou antecipatórias de tutela), competirá ao colegiado o

julgamento do recurso que delas for interposto (o agravo à câmara ou turma, salvo

na hipótese do art. 527, parágrafo único) ou da ação principal, nos casos em que as

medidas de urgência (cautelares, por exemplo) forem requeridas mediante

propositura de ação própria (ação cautelar autônoma, incidental), e não no bojo do

próprio recurso.527

De se abordar, d’outro turno, hipótese outra, em que o recurso não se

encontra em trâmite perante o órgão jurisdicional que o julgará, porém está com seu

juízo de admissibilidade em processamento ainda perante o órgão a quo (apelação,

recursos excepcionais).

Nessa hipótese, de se questionar: qual o juízo competente para intervenções

urgentes, o ad quem ou ambos (a quo e ad quem)?

Como primeiro critério para o enfrentamento do tema, entendemos que é

necessário discernir as providências cautelares em grau recursal daquelas

antecipatórias de tutela.

527 Os regimentos internos dos tribunais contemplam, em regra, a competência do relator para providências urgentes, relegando-se ao colegiado respectivo o julgamento de recursos diante de decisões do relator concessivas de tutela cautelar ou antecipada. O Regimento Interno do STJ, p. ex., regula a hipótese em seu art. 34: “Art. 34. São atribuições do relator: (...) V - submeter à Corte Especial, à Seção ou à Turma, nos processos da competência respectiva, medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa; VI - determinar, em caso de urgência, as medidas do inciso anterior, ad referendum da Corte Especial, da Seção ou da Turma; (...)”

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Em se tratando de competência para concessão de providências cautelares

em grau recursal, o tema admite compreensões distintas, sendo possível identificar

dois caminhos, a nosso ver.

O primeiro deles orienta-se no sentido de que têm competência para

determinar providências cautelares em grau recursal tanto o juízo recorrido quanto o

juízo ad quem, sendo que será definido um ou outro conforme os autos tenham ou

não sido remetidos ao juízo superior, que julgará o recurso.

Nessa linha de concepção, a teor do art. 518 do CPC (que, em que pese faça

referência à apelação, seria analogamente aplicado aos demais recursos dotados de

dupla admissibilidade), o juiz de 1º grau pode atribuir efeito suspensivo a recurso

dotado apenas de recurso devolutivo diante da competência que lhe é deferida pelo

precitado CPC, art. 518, caput.528

Além do art. 518 em referência, essa linha de pensamento estaria arrimada

também no art. 558 do CPC.

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery manifestam entendimento no

sentido de que a norma contida no art. 558 do CPC estende-se ao juiz de primeiro

grau, que seria “o primeiro destinatário da norma do par. ún. CPC 558. Interposta a

apelação, pode o mesmo juízo que proferiu o ato impugnado dar efeito suspensivo à

apelação, nos casos do CPC 520, já que ele tem o juízo de admissibilidade diferido

do recurso. Como a competência para proferir, de forma definitiva, o juízo de

admissibilidade da apelação é do tribunal ad quem, com muito maior razão pode o

relator, na função de juiz preparador da apelação, conferir o efeito suspensivo, se a

parte o requerer e se estiverem presentes os requisitos do CPC 558 caput”.529

Em sentido oposto a essa primeira orientação de pensamento, há que se

cogitar da hipótese em que a competência para a concessão de medidas cautelares

em sede recursal caberia apenas à instância competente para julgar o recurso,

independentemente de este encontrar-se ainda em admissibilidade perante o juízo

recorrido.

Essa possibilidade tradicionalmente se pautou na literalidade de duas

disposições legais do CPC, quais sejam, os arts. 463 (em sua redação anterior à Lei

528 NERY Jr., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 746. 529 NERY Jr., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 819.

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11.232/05) e 800, parágrafo único, pois, respectivamente, (i) ao proferir sentença, o

juiz cumpria e acabava o ofício jurisdicional (antiga redação do art. 463 do CPC), e

(ii) vez interposto o recurso, ao tribunal devem ser requeridas medidas cautelares

(inteligência do art. 800, parágrafo único, do CPC).

Sobre esta corrente, de plano diga-se que o fundamento balizado no art. 463

do CPC encontra-se absolutamente superado, dado que tal dispositivo teve sua

redação modificada pela Lei Federal 11.232/05. Atualmente, com a publicação da

sentença, não mais se pode considerar, em termos legislativos, que o juiz cumpre e

acaba seu ofício jurisdicional, especialmente porque, com a extinção da execução

de título judicial mediante constituição de nova relação processual, a fase de

cumprimento de sentença é seqüencial ao julgamento monocrático do feito e apenas

fica postergada em caso de apelação com eficácia suspensiva.

Permanece hígido, contudo, para esta corrente, o fundamento do parágrafo

único art. 800 do CPC, cuja literalidade indica a competência exclusiva do órgão

recursal para providências acautelatórias nesta esfera.530

De nossa parte, essa segunda corrente, em que pese escorada em

disposição literal, não se coaduna com os próprios contornos das hipóteses em que

surge necessidade de intervenção cautelar, além de não se compatibilizar com a

sempre benfazeja economia processual.

Com efeito, em se tratando de hipóteses envoltas em concessão de medidas

cautelares em esfera recursal, não se pode perder de vista que o risco ou o perigo a

serem neutralizados advêm justamente da decisão desafiadora do recurso, passível

de ser posta em prática imediatamente por conta da inexistência de eficácia

suspensiva deste recurso.

Em outros termos, é a decisão cujo recurso não tem efeito suspensivo que

gera o risco a autorizar pleito de medida cautelar ao juiz, o que, a nosso ver, torna

absolutamente penosa para o litigante premido pelo risco a idéia de que apenas o

tribunal poderá conceder, por exemplo, efeito suspensivo ao recurso.

530 Não podemos deixar de destacar, nesta hipótese, a dúvida sugerida pelos autores Mario Dini e Enrico A. Dini: como considerar competente o tribunal que receberá a apelação se esta sequer foi admitida ainda em segundo grau, vale dizer, sequer se sabe se existirá jurisdição recursal (DINI, Mario, e DINI, Enrico A. La denunzia di danno temuto, p. 374)? Pensamos ser esta hipótese assemelhada àquela em que a cautelar é preparatória e sequer se sabe se será admissível a ação principal: a cautelaridade concedida preventivamente perdura até que, eventualmente, se extinga a ação principal.

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A situação de urgência põe-se a exigir imediatidade relativamente ao órgão

jurisdicional, o que, considerando-se o momento em que o recurso se encontra em

admissibilidade perante o órgão a quo, faz-nos defender a idéia de que,

pragmaticamente, há que conferir também ao órgão a quo o poder de conceder

medidas cautelares ao recurso.

De fato, e trazendo-se ao debate a questão da economia processual,

entender que medidas urgentes devem ser requeridas diretamente ao tribunal

(interpretação literal do art. 800, parágrafo único, do CPC) quando pendente de

admissibilidade o recurso na instância a quo significa obrigar a parte a lançar mão de

demandas autônomas para buscar, por exemplo, a adesão de efeito suspensivo ao

recurso, com toda a maior carga de formalidade e tempo que a propositura de uma

demanda exige (propositura da ação perante o Tribunal, distribuição, autuação,

conclusão ao relator etc.).

Sem dúvida, parece-nos imensamente mais conveniente que a concessão de

providências interinais de urgência (de conteúdo acautelatório) formalize-se

mediante pleito deduzido no bojo do próprio recurso, em capítulo específico da peça

recursal, de modo que possa o próprio juízo perante o qual interposto recurso avaliar

o requerimento de tutela cautelar.

Este o panorama que enxergamos relativamente às providências cautelares

quando pendente recurso.

A respeito do debate sobre a competência para concessão de antecipação da

tutela recursal, parece-nos que o cenário merece outro tratamento.

Como cediço, a avaliação do pedido de antecipação de tutela exige do órgão

jurisdicional uma trilha intelectual distinta, mais rigorosa, porquanto não se exige

mera fumaça do bom direito, senão que se apura a prova inequívoca da

verossimilhança. De mais a mais, a intervenção que se produz na esfera jurídica das

partes, em se tratando de tutela antecipada, perfaz um adiantamento de uma

providência de mérito, vale dizer, adianta-se ao jurisdicionado o efeito de um

provimento de mérito (no caso, de mérito recursal), o que é algo absolutamente

distinto da mera conservação ínsita aos provimentos cautelares.

Sendo certo que a concessão de tutela antecipada em grau recursal exige o

exame meritório do recurso, como fora um juízo de prejulgamento recursal, parece-

nos que faleceria competência ao órgão a quo para providências antecipatórias que

tais, sendo absolutamente correta a linha de entendimento do STJ que defende

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falecer ao órgão recorrido qualquer competência para apreciação de pleitos de

antecipação da tutela em grau de recurso. Nesse sentido, confira-se decisão que já

apontamos em nota de rodapé acima, cujo trecho mais relevante ora reproduzimos:

“A atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial implica tão-somente que o ato

decisório recorrido não produza os seus efeitos antes do transcurso do prazo

recursal ou do seu trânsito em julgado, vinculando a manifestação do Tribunal de

origem a esse âmbito. Por isso que se aduz a efeito ex nunc. É que resta cediço

caber ao Presidente do Tribunal a quo, como delegatário do STJ, aferir tão-somente

a admissibilidade recursal. A tutela antecipada de mérito só pode ser conferida pelo

órgão competente para decidir o próprio recurso, in casu, o E. STJ”.531

VIII.9 - Competência para providências urgentes em sede recursal excepcional

O intrincado tema da competência para concessão de medidas urgentes em

recursos carece de avaliação, ainda, sob a ótica dos recursos excepcionais. Sobre o

tema, há diversos precedentes jurisprudenciais do STF que geraram a edição de

duas súmulas a respeito (as Súmulas 634 e 635 do STF), que têm sido adotadas

sem restrições pelo STJ.532

A problemática não reside, evidentemente, nas situações em que o recurso

excepcional já se encontra admitido e sob a órbita de competência do STJ ou do

STF (caso em que, obviamente, a competência para intervenções urgentes seria

destas cortes), porém enquanto ainda pendente de admissibilidade no tribunal local.

A orientação da jurisprudência, nesta hipótese, tem sido no sentido de que,

enquanto se processa o primeiro juízo de admissibilidade no tribunal local, incumbe

exclusivamente a este órgão, na figura de seu presidente, a concessão de medidas

acautelatórias aos recursos sob aferição de admissibilidade.533

531 STJ, AgRg na MC n. 12.315, rel. Min. Luiz Fux. DJ de 14.05.2007. 532 Súmula 634 – “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem”. Súmula 635 – “Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade”. 533 “AÇÃO CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL PENDENTE DE ADMISSIBILIDADE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULAS N.º 634 E 635 DO STF. 1. Medida Cautelar, com pedido liminar, ajuizada com o objetivo de atribuir efeito suspensivo a recurso especial, ainda não submetido ao crivo de admissibilidade pelo Tribunal a quo, interposto

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Nessa direção de entendimento, que verificamos ser prevalecente, dá-se o

seguinte: (i) enquanto pendente de admissibilidade o recurso excepcional no tribunal

local, será a presidência deste a competente para provimentos urgentes, de índole

cautelar, especialmente para atribuir efeito suspensivo ao especial ou ao

extraordinário; (ii) encerrada a admissibilidade no tribunal local, estará esgotada a

jurisdição acautelatória deste, perdendo eficácia a suspensividade eventualmente

concedida nesta seara, caso em que a parte ou terá de propor nova cautelar em

Brasília, em caso de juízo positivo de admissibilidade, para aderir novo efeito

suspensivo ao recurso excepcional, ou terá de pleitear efeito suspensivo ao agravo

de decisão denegatória interposto em caso de inadmissão do recurso excepcional.

contra acórdão proferido em sede de Agravo de Instrumento que manteve decisão que declarou a intempestividade de recurso de apelação. 2. A demanda foi liminarmente indeferida, sob três fundamentos: a) incidência das Súmulas n.ºs 634 e 635, do STF; b) ausência de certidão atestando a retirada dos autos pelo Ministério Público, questão esse endossada pela requerente em sua inicial, para fins de caracterização da suspensão do prazo recursal (art. 180, do CPC); e, portanto, c) a conseqüente incidência da Súmula n.º 07/STJ, porquanto necessário reexame dos documentos juntados autos para se aferir a alegada suspensividade do prazo recursal. 3. No presente Agravo Regimental sustenta a empresa requerente, em síntese, que: a) revela-se desnecessário o reexame de provas para o acolhimento dos pedidos da cautelar porquanto a pretensão da requerente refere-se à questão de direito, qual seja, a discussão acerca da suspensão do curso do prazo recursal à parte quando da retirada dos autos pelo Ministério Público; b) a certidão de fl. 421 atesta que os autos foram retirados pelo Parquet em 16.05.2003 e devolvidos somente em 21.05.2003, o que afasta a intempestividade do recurso de apelação interposto pela ora requerente em 03.06.2003; c) é possível dar efeito suspensivo a Recurso Especial pendente do exame de admissibilidade ante a urgência e excepcionalidade da medida haja vista a iminência do fechamento do estabelecimento comercial. 4. Consectariamente, muito embora seja incontroverso que a própria requerente, na inicial da presente cautelar tenha aduzido inexistir nos autos certidão atestando a retirada dos autos pelo Ministério Público, verifica-se que à fls. 421, realmente, restou assentado que ‘revendo o fichário de movimento de autos, consta que os autos mencionados foram remetidos ao Ministério Público no dia 16/05/03, com respectiva devolução e em seguida para o setor de publicação no dia 21/05/03’. 5. Não obstante, o recurso de apelação teve seu seguimento negado porquanto o procurador da ora agravante, em data anterior à retirada de autos pelo Parquet, em 15.03.2003, teve ciência inequívoca da sentença apelada, motivo pelo qual, interposta somente em 03.06.2003, foi a apelação considerada intempestiva. 6. Fundamentos que descaracterizam o alegado fumus boni juris justificador da medida pleiteada. 7. Ademais, ainda que assim não fosse, subsistiria o fundamento inicial de indeferimento da cautela, qual seja, a incidência das Súmulas n.ºs 634 e 635, do STF, porquanto o recurso especial encontra-se pendente de exame de admissibilidade, o que impõe ao requerente, postular perante a Corte de origem, o pretendido efeito suspensivo ao apelo extremo interposto. 8. A Medida Cautelar de competência originária do STJ tem como finalidade dar efeito suspensivo a recurso especial interposto, se caracterizados o fumus boni juris e o periculum in mora. 9. Compete ao Tribunal de origem à apreciação de pedido de efeito suspensivo a recurso especial pendente de admissibilidade. Incidência dos verbetes sumulares n.ºs 634 e 635 do STF (Súmula 634 – ‘Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem’ ; Súmula 635 – ‘Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade’). 10. Agravo Regimental improvido” (STJ, AgRg na MC n. 9.562, rel. Min. Luiz Fux, DJ de 16.05.2005).

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Em se tratando de pedido de antecipação de tutela, vale a recomendação já

deduzida no tópico acima, no sentido de que apenas o órgão competente para o

julgamento do mérito recursal poderá proceder à antecipação de seus efeitos.

VIII.10 - Urgência e retenção dos recursos excepcionais. CPC, art. 542, § 3º

Entre as situações das quais pode decorrer situação exigente de intervenção

de urgência por parte do órgão jurisdicional em sede recursal, também é merecedora

de destaque a hipótese em que os recursos excepcionais ficam retidos por força do

art. 542, § 3º, do CPC (quando a decisão que lhes deu origem for de natureza

interlocutória).

Essa situação de retenção do recurso excepcional por força do art. 542, § 3º,

do CPC, com efeito, pode ser geradora de risco de dano irreparável ao recorrente,

fruto da possibilidade de imediata produção de efeitos pela decisão recorrida.

Ao recorrente, nessas circunstâncias, cabe a demonstração de urgência em

virtude da possibilidade de imediata eficácia da decisão recorrida, o que seria

incompatível com o regime da retenção. O pleito de “desretenção”, neste sentir, teria

natureza de tutela de urgência, vale dizer, além da aferição de risco, caberá ao

órgão jurisdicional apurar a presença do fumus boni iuris, dada a natureza

eminentemente cautelar desta espécie de tutela de urgência em grau recursal.

Em termos pragmáticos, pensamos serem duas as possibilidades de ação por

parte do jurisdicionado que pretenda não ter seu recurso excepcional retido com

fulcro no art. 542, § 3º, do CPC.

A primeira dessas possibilidades, que se mostra absolutamente menos

freqüente no cotidiano forense, conforme observação nossa, seria o pleito de

desretenção do recurso deduzido no próprio bojo deste, em capítulo preliminar às

razões recursais e com expressa menção na petição de interposição do recurso.

Nessa hipótese, quando do juízo de admissibilidade do recurso excepcional

interposto e cuja retenção seria regra, o órgão jurisdicional a quo, acatando a

argüição de urgência, afastaria a retenção, como medida acautelatória, e passaria

ao exame dos requisitos de admissibilidade recursal. Este pleito de retenção

empreendido no juízo a quo teria fundamento no art. 558 do CPC e, sob ponto de

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vista prático, seria absolutamente mais simples do que a propositura de uma ação

cautelar autônoma com idêntica finalidade.

A segunda possibilidade que identificamos no sentido de coibir a retenção do

recurso excepcional com lastro no art. 542, § 3º, do CPC, é de uso muito mais

comum no foro, e consiste na propositura de ação cautelar perante o órgão

competente para o julgamento do recurso excepcional (STJ ou STF, conforme o

caso).

Trata-se, sem dúvida, de postura muito menos econômica em termos

processuais comparativamente à primeira possibilidade de pleito de desretenção,

especialmente porque é exigente de propositura de ação cautelar em Brasília. Há

que se admitir, contudo, que essa segunda opção de atuação do jurisdicionado

diante da retenção recursal mantém uma vantagem relativamente à primeira: o

pedido de desretenção será apreciado por tribunal distinto daquele que proferiu a

decisão objeto do recurso retido, o que não ocorre quando a pretensão de

desretenção é julgada pelo próprio tribunal a quo.

Impende observar, ainda sobre a desretenção do recurso excepcional, que,

caso concedida, não se operará a imediata subida do recurso, dado que o passo

seguinte à dita desretenção é o desenvolvimento do juízo de admissibilidade.534

534 “PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL RETIDO (ART. 542, § 3º, DO CPC). POSSIBILIDADE. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE RISCO DE DANO IRREPARÁVEL. 1. Revela-se incompatível "reter" recurso contra decisão, ainda que interlocutória, quando ensejadora de dano de difícil e incerta reparação, uma vez que a ratio essendi da regra inserta no § 3º, do art. 542, do CPC deve ser aferida em consonância com o § 4º do art. 522, do mesmo diploma legal, posto introduzida no sistema processual a posteriori (Lei nº 10.352/01). 2. A desretenção do recurso especial é admitida pela Corte com o escopo de evitar a ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como o perecimento do direito. Precedentes do STJ: MC 10470/RJ, desta relatoria, DJ de 13.02. 2006 e MC 8356/DF, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 30.05.2005. 3. Ação Ordinária, com pedido de tutela antecipada, em face da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do Rio de Janeiro, objetivando a cobrança de tarifa da Rodovia dos Lagos na forma e nos horários estabelecidos no Edital e Contrato de concessão firmado com o Estado do Rio de Janeiro. 4. Deveras, na hipótese sub examine, revela- se recomendável o deferimento do provimento de urgência, sob pena de prejudicar a prestação e a efetividade da tutela jurisdicional. 5. Outrossim, a decisão desta corte, que determina a desretenção do recurso especial, não conduz à sua imediata subida, impondo-se, após contra-razões, a submissão do recurso ao juízo de admissibilidade perante o tribunal a quo, que, evidentemente, não fica jungido aos fundamentos que justificaram a inaplicabilidade da retenção. 6. Consoante cediço, para concessão de efeito suspensivo a recurso especial é mister a demonstração do periculum in mora, que se traduz na urgência da prestação jurisdicional e do fumus boni juris, qual a plausividade do direito alegado. Precedentes do STJ. Precedentes desta Corte: MC 6720/RJ, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 17.05.2004 e MC 7195/RJ, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 19.04.2004.

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Desta forma, acatado o pedido de desretenção e ainda pendente de

admissibilidade no órgão a quo o recurso excepcional, pleitos de natureza cautelar

ou antecipatória em grau recursal por parte do recorrente deverão ser aviados, nos

moldes das Súmulas 634 e 635 do STF, ao presidente do tribunal local.

VIII.11 - Requisitos

Em termos de requisitos para concessão de providências de urgência em

grau recursal, não identificamos polêmica relevante a respeito.

Em se tratando de providência de natureza cautelar, basta que sejam

transpostos para a esfera recursal os mesmos requisitos ínsitos às tutelas cautelares

pleiteadas em primeiro grau de jurisdição, vale dizer, o periculum in mora e o fumus

boni iuris. Sobre o periculum in mora e o poder geral de cautela, cumpre seja feita

referência ao art. 798 do CPC.

No que tange às providências de caráter antecipatório de tutela, há que se

projetar para a esfera recursal o que dispõem os arts. 273, 461 e 461-A do CPC,

tanto em termos de requisitos inerentes à concessão da tutela antecipada, quanto

relativamente à adoção de medidas de execução indireta.

Quanto à tutela antecipada, contudo, faz-se necessária alguma atividade de

adaptação, de modo que sua projeção à esfera recursal não se veja obstada por

dificuldades geradas por uma redação legal formatada para o requerimento desta

providência em primeiro grau de jurisdição apenas.

Explica-se.

O art. 273 do CPC cogita de requerimento da tutela antecipada

exclusivamente pelo autor. Tal circunstância poderia dar a impressão de que apenas

o autor poderia valer-se de pedidos de antecipação de tutela.

Para que a aplicação do dispositivo legal (CPC, 273) seja transposta para a

fase recursal, é necessário que a expressão “autor” seja lida como “requerente”, com

o que se torna possível admitir que a tutela recursal antecipada poderá ser requerida

também pelo réu da demanda, que, caso sucumbente em 1º grau e tendo

7. Medida cautelar procedente, apenas, para determinar o regular processamento do recurso especial, submetendo-o ao respectivo juízo de admissibilidade perante a o Tribunal a quo” (STJ, MC n. 9.529, rel. Min. Luiz Fux, DJ de 30.10.2006).

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apresentado recurso, será o requerente de prestação jurisdicional em 2º grau (a

prestação recursal).535

VIII.12 - Tutela cautelar recursal de ofício

Hodiernamente não suscita mais polêmica a questão da concessão de

providências cautelares de ofício, mormente porque se consolidou no direito

processual civil a idéia de que, sendo interesse público a prestação de jurisdição

adequada e tempestiva, integra o rol de atuações de ofício do juiz de direito a

conservação do resultado final aguardado do processo. O poder geral de cautela,

em outros termos, vem à tona tanto por requerimento do litigante, quanto por

iniciativa oficial, quando identificado o risco de perecimento do direito por parte do

magistrado.

A legislação processual civil, a propósito, contém disposição nesse sentido,

expressamente autorizadora de intervenção acautelatória do juiz sem que exista

participação dos litigantes, conforme se apreende do art. 797 do CPC (“art. 797. Só

em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz

medidas cautelares sem a audiência das partes”).

Em termos doutrinários, diversos são os pronunciamentos nessa orientação

de pensamento.536,537,538,539,540,541

Talvez por seu aspecto meramente conservativo, em que não existe

adiantamento de qualquer efeito da sentença final à parte, o acautelamento de ofício

tenha sido aceito sem receios no direito processual civil.

Observe-se apenas que, sem negar a possibilidade de concessão ex officio

de medidas cautelares, há autores que expressamente atribuem caráter excepcional

535 A possibilidade de pedido de tutela antecipada pelo réu seria excepcional, restrita às hipóteses em que o réu pode deduzir pedido contraposto. 536 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil, v. VIII, tomo I, p. 79 e ss. Para o ilustre autor, a figura da preservação dos interesses postos aos cuidados do Estado-juiz justificam a atuação cautelar de ofício (op. cit., p. 83). 537 Rotulando o provimento cautelar, inclusive, de potestade judicial, AIELLO, Michele, GIACOBBE, Giovanni, e PREDEN, Roberto. Guida ai provvedimenti d’urgenza, p. 39. 538 SAMPAIO. Marcus Vinicius de Abreu. O poder geral de cautela do juiz, p. 201 e ss. 539 MESQUITA, Eduardo Melo de. As tutelas cautelar e antecipada, p. 395. 540 LARA, Betina Rizzato. Liminares no processo civil, p. 129. 541 Donaldo Armelin entende que “o juiz não está adstrito rigorosamente ao pedido da parte, porque não se cuida de direito material tutelável engastado no patrimônio do requerente. Ao revés, trata-se de garantir a eficácia do instrumento de prestação da tutela jurisdicional satisfativa” (ARMELIN, Donaldo. A tutela jurisdicional cautelar, p. 111 e ss.).

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à intervenção acautelatória do magistrado, quando tal for necessário à preservação

do próprio escopo do processo (a prestação da jurisdição). Nesse sentido, confiram-

se as lições de Ovídio Baptista,542,543 Humberto Theodoro Júnior544 e Sérgio

Shimura.545

Já a tutela antecipada de ofício, precisamente por consistir em antecipação

dos efeitos do pleito final, é objeto de diversas restrições por parte da doutrina,

especialmente por conta do disposto no caput do art. 273 do CPC, em que consta

que deverá existir requerimento da parte.

Não compartilhamos dessa opinião como regra, conforme passamos a expor.

VIII.13 - Tutela antecipada recursal de ofício

A doutrina relativa à possibilidade de concessão de tutela antecipada de ofício

é majoritária no sentido de negar tal hipótese.

Esse posicionamento restrito à antecipação de tutela ex officio estrutura-se

em duas premissas básicas: (i) conceber-se tutela antecipada de ofício significa

infração ao princípio dispositivo e (ii) há expressa disposição legal adstringindo tal

providência ao pedido do autor (CPC, 273, caput: “O juiz poderá, a requerimento da

parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela”).

Para o professor João Batista Lopes, que expõe com habitual percuciência

seu posicionamento, “em princípio, a tese da admissibilidade se mostra sedutora ao

considerarmos a natureza constitucional de tutela de urgência e a tendência atual de

fortalecimento dos poderes do juiz. Entretanto, ao revés do que geralmente se

sustenta, o princípio dispositivo continua vivo e presente no direito processual civil

contemporâneo. (...) Em verdade, o texto do art. 273 é claro a tal respeito e está em

perfeita harmonia com a regra do art. 2º do CPC que estabelece: ‘Nenhum juiz

prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos

casos e formas legais. A disciplina da matéria adotada pelo legislador difere da

prevista para o processo cautelar em que, em casos especiais, se admite a

542 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. A ação cautelar inominada no direito brasileiro, p. 108. O professor Baptista da Silva trata de intervenções acautelatórias de ofício enunciando hipóteses de risco de extravio de bens penhorados. 543 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Da sentença liminar à nulidade da sentença, p. 78. 544 THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo cautelar, p. 96 e ss. 545 SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto cautelar, p. 55.

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concessão da providência ex officio (art. 797 do CPC). A ratio da proibição da tutela

antecipada de ofício está em que o instituto não foi criado propriamente para

resolver o problema da morosidade da justiça, mas para dividir o ônus da demora

processual, beneficiando o autor que demonstrar a probabilidade da existência do

direito e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação (ou abuso no exercício do

direito de defesa)”.546

Manifestando entendimento nesse mesmo sentido, Antonio Cláudio da Costa

Machado pondera que “não podemos deixar de assinalar que, dizendo caput do art.

273 que ‘o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar (...) os efeitos da tutela

(...)’, fica estabelecida de maneira explícita a proibição da outorga da providência de

ofício e consagrado o princípio da iniciativa da parte, ou dispositivo, na seara

antecipatória”.547

Também Dinamarco,548 Eduardo Arruda Alvim,549 Cesar Asfor Rocha,550 Luís

Henrique Barbante Franzé551 e Talamini552 não discrepam desse pensar.

De nossa parte, manifestamos nosso pensamento no sentido de que a tutela

antecipatória, especialmente porque contém, inequivocamente, caráter acautelatório

também (além do caráter antecipatório do pleito deduzido pela parte),553 mostra-se

passível de concessão de ofício à luz do dever estatal de por em conservação os

resultados possíveis e futuros que são esperados pelos jurisdicionados,554 mormente

na hipótese de debates jurisdicionais envolventes dos direitos indisponíveis e em

situações em que a tutela antecipada recursal tem caráter sancionatório (abuso de

direito de defesa, por exemplo).555,556

546 LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro, p. 66, 67. 547 MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. Tutela antecipada, p. 523. 548 DINAMARCO, Cândido Rangel. O regime jurídico das medidas urgentes, p. 39. 549 ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação de tutela, p. 221. 550 ROCHA, Cesar Asfor. A luta pela efetividade da jurisdição, p. 118. 551 FRANZÉ, Luís Henrique Barbante. Tutela antecipada recursal, p. 165. 552 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos direitos de fazer e de não fazer, p. 357. 553 Como observa WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liminares: alguns aspectos polêmicos, p. 164. 554 Como se dá com toda providência de urgência, que tem nítido caráter instrumental (CUADRADO, Maria Pia Calderon. Las medidas cautelares indeterminadas en el proceso civil, p. 33). 555 Neste sentido de que o provimento de urgência apresenta-se como direito do Estado: “Ancora, quando si dice che il diritto al provvedimento cautelare ‘è un diritto dello Stato’ si fa riferimento al potere del giudice di porre in essere quelle misure che consentono, con il fruttuoso esercizio dell’attività giurisdizionale, l’attuazione dell’ordinamento: tesi questa che ben si armoniza con la concezione obiettiva della natura della funzione giurisdizionale, intesa come attuazione del diritto obiettivo mediante la realizzazione forzata della norma” (TOMMASEO, Ferruccio. I provvedimenti d’urgenza, p. 73,74). 556 Para que se compreenda, e se aceite a concessão de tutela antecipada de ofício em algumas hipóteses, necessário aproveitar pensamentos já bastante estruturados a respeito do poder geral de

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A admissibilidade da tutela antecipada de oficio em certas e excepcionais

hipóteses justifica-se até mesmo em atenção ao dever geral de prevenção que

incide sobre o órgão jurisdicional.557

Compreendendo a tutela antecipada como providência que pode, também,

ser concedida ex officio, notamos a existência de algumas opiniões.

Para José Roberto Bedaque, v.g., “não se podem excluir situações

excepcionais em que o juiz verifique a necessidade da antecipação, diante do risco

iminente de perecimento do direito cuja tutela é pleiteada e do qual existam provas

suficientes de verossimilhança”.558 Para precitado autor, seria veículo de injustiça

afastar, em termos absolutos, a possibilidade de concessão de tutela antecipada em

hipóteses nas quais, mesmos presentes os requisitos autorizadores da antecipação

(o perigo de perecimento do direito, principalmente), não tenha a parte requerido tal

medida, do que deflui a inafastabilidade da atuação ex officio concessiva da tutela

antecipada.559

Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes560 e Luiz Gustavo Tardin561 têm opinião

nesse sentido.

Helena Najjar Abdo manifesta-se no sentido de que a tutela antecipada de

ofício é possível com o fito de coibir-se o abuso do direito de defesa, caso em que

existiria poder do juiz para sua concessão.562

Em reforço à tese de que é possível a antecipação de tutelas antecipadas de

ofício, ao menos em caráter excepcional, destacamos algumas hipóteses previstas

no CPC que, em que pese não ostentem a nomenclatura de tutela antecipada,

parecem-nos inegavelmente hipóteses de incidência deste instituto.

cautela concedido ao magistrado como signo de preservação do resultado final do processo. Torna-se necessário ampliar esta visão também aos provimentos de urgência de caráter antecipatório nos casos de direitos tidos por especiais, como os direitos indisponíveis, dentre outros. Sobre este poder de intervenção emergencial do juiz: “L’estraneità all’ordinamento di una potestà cautelare generale costruita sull’imperium iudicis, che attribuirebbe alla tutela cautelare, in sé considerata, una finalità marcatamente pubblicistica ed alle singole misure cautelari in concreto emesse natura di meri strumenti di mantenimento o ripristino della legalità, balza evidente non appena si osservi che lo spazio cautelare introdotto dall’art. 700, se lascia al giudice un ampio potere discrezionale di congegnare i provvedimenti d’urgenza ‘più idonei’ (...)” (ARIETA, Giovanni. I provvedimenti d’urgenza, p. 57). 557 Sobre o dever geral de prevenção, confira-se MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, p. 58. 558 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência, p. 384, 385. 559 Op. cit., p. 385. 560 Principalmente na hipótese de incontrovérsia do direito, conforme anotado em LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Tutela antecipada sancionatória, p. 92. 561 TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das tutelas de urgência, p. 129,130. 562 ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo, p. 238.

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Por primeiro, vejamos a hipótese de nunciação de obra nova em que a parte

não requer liminarmente o embargo, mas deflua da narração e de provas que

conduzam à verossimilhança o risco de dano irreparável. A própria redação do art.

937 do CPC (“É lícito ao juiz conceder o embargo liminarmente ou após justificação

prévia”) não está a exigir pleito da parte, sendo certo que a própria natureza do

direito debatido (integridade de imóveis vizinhos e, conseguintemente, das pessoas

que estão a habitá-los) justifica tal espécie de intervenção urgente ex officio.

Em segundo exemplo, trazemos como ilustração a figura das liminares em

ações possessórias.563 Nery e Andrade Nery, em comentários sobre o art. 928 do

CPC, são categóricos: “se a parte demonstrou na inicial que a posse é de força nova

e que o procedimento imprimido é o especial, nada obsta que o juiz conceda a

liminar ainda que ela não tenha sido pedida na inicial. O juiz pode concedê-la ex

officio, em nome do princípio do impulso oficial (CPC, 262)”.564

Os mesmos autores, cuidando da questão da liminar em embargos de

terceiro, apontam, sobre o art. 1.051 do CPC, que “o destinatário principal da norma

é o juiz, de sorte que deve decidir de ofício a questão relativa à liminar,

independentemente de pedido da parte. Na decisão não há discricionariedade para

o juiz, pois se trata de ato vinculado à letra da lei: comprovados os requisitos, tem de

deferir a liminar; ausentes estes, deve indeferi-la”.565

A tais menções exemplificativas, acrescemos uma outra situação em que a

medida liminar concedida tem nítido caráter de antecipação de tutela, dado adiantar-

se os efeitos de um provimento exatamente idêntico àquele que se requer ao cabo

do processo: os alimentos liminares, conforme disciplina do art. 4º da Lei 5.478/68:

“Art. 4º. Ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a

serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não

necessita”.

Vê-se, nas situações descritas acima, que o legislador, ainda que

anteriormente à entrada em vigor do art. 273 do CPC com a redação inclusiva da

tutela antecipada no direito brasileiro, já dispôs algumas possibilidades em que se

563 Para o caráter de antecipação de tutela das liminares em ações possessórias, veja-se ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação de tutela, p. 205. 564 NERY Jr., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 996. 565 NERY Jr., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 1.037.

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franqueou ao jurisdicionado a fruição, em caráter liminar e sem a audição da parte

contrária, dos efeitos do provimento final pretendido, e o fez por conta da natureza

dos direitos envolvidos no litígio: nas encimadas hipóteses, destacam-se a proteção

da propriedade, da posse e o direito aos alimentos, em que releva a subsistência. É

inerente a tais classes de direitos um color público, um interesse coletivo veemente.

É evidente que não somos defensores da intervenção antecipatória de tutela

ex officio de forma irrestrita: tal postura tem de ser reservada a circunstâncias

especiais, em que se destaquem, obviamente, os requisitos normais da tutela

antecipada e, principaliter, esteja em debate uma relação jurídica envolvente de

direitos indisponíveis, que ostentem notório relevo público ou situação de

hipossuficiência do demandante, como é passível de verificação quando estão em

juízo consumidores hipossuficientes. Debates envolventes de questões ambientais e

relativas a crianças e adolescentes são, a nosso ver, passíveis de intervenções

antecipatórias de ofício, sempre que estejam sob risco..

VIII.14 - Execução da tutela recursal antecipada

Sendo concedida tutela antecipada em grau recursal, mormente quando se

tratar de antecipação de tutela que não se componha apenas de atos de suspensão

da decisão recorrida (como se dá em recursos de cassação), a concretização de tal

provimento deverá dar-se tal qual ocorre com a materialização da tutela antecipada

concedida em primeiro grau de jurisdição: deverão ser utilizados os ditames

processuais aplicáveis à execução provisória, neste caso com necessidade de

extração de carta de sentença, dado encontrar-se o feito em curso perante o

tribunal.

Quando da execução de tutelas antecipatórias em grau recursal, dessarte,

outra atividade de ofício mostra-se possível nesta fase: para atos de materialização

coativa de direitos em decorrência de providências antecipatórias, poderá o órgão

jurisdicional recursal lançar mão das chamadas medidas de execução indireta, vale

dizer, medidas de apoio ao cumprimento da providência antecipatória,

especialmente as previstas no art. 461, § 5º, do CPC, o qual, observe-se, contém rol

exemplificativo, e não taxativo, consoante indicado pela expressão “tais como”

constante de precitado dispositivo legal antes da sumarização de algumas

providências de execução indireta.

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CAPÍTULO IX - A REMESSA NECESSÁRIA

A despeito da inexistência de consenso sobre sua natureza jurídica

(recurso566 ou mera condição de eficácia da sentença567,568), a figura da remessa

necessária, ou reexame obrigatório, ou duplo grau obrigatório desperta-nos

interesse porquanto envolvente de atividades ex officio por parte do tribunal, daí a

necessidade de ser esse tema abordado no presente estudo.

O instituto em apreço, de conformidade com o trato legislativo que se lhe

destina o art. 475 do CPC, tem por ratio essendi conferir elevado grau de maturação,

de segurança, aos pronunciamentos judiciais de primeiro grau que causem gravame

ao Poder Público (União, Estados, Distrito Federal, Município, respectivas autarquias

e fundações de direito público, consoante literal redação do inc. I do art. 475 do

CPC).

Em termos de cabimento, há um primeiro (e polêmico) aspecto a ser realçado

relativamente à figura da remessa necessária: no silêncio do texto do art. 475 do

CPC, de se indagar se tanto sentenças terminativas quanto definitivas, ou somente

estas últimas, dão azo ao surgimento da remessa necessária.

A polêmica é de tomo e gerou a contraposição de opiniões de relevo no

cenário da doutrina processual civil nacional.

Restringindo seu cabimento exclusivamente às hipóteses de sentenças de

mérito (definitivas) prolatadas contrariamente aos interesses do Poder Público em

juízo, Nery e Andrade Nery sustentam esse ponto de vista aduzindo que “a razão de

ser da proteção do CPC 475 pelo reexame necessário encontra-se na necessidade

de dar-se às referidas sentenças julgamento com maior segurança, reexame esse

que pode não ser necessariamente melhor do que o julgamento de primeiro grau. A

sentença dita processual (CPC 267) caracteriza hipótese de extinção anormal do

processo, cuja conseqüência para a Fazenda Pública será, tão somente, a

imposição de obrigação no pagamento de honorários à parte contrária (CPC 20). O

566 ASSIS, Araken de. Admissibilidade dos embargos infringentes em reexame necessário, p. 122 e ss. 567 Neste sentido, GIANESINI, Rita. A Fazenda Pública e o reexame necessário, p. 917; e TOSTA, Jorge. Do reexame necessário, p. 169. 568 SHIMURA, Sérgio Seiji. Reanálise do duplo grau de jurisdição obrigatório diante das garantias constitucionais, p. 606.

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que interessa, para que incida a proteção, é que o julgamento do mérito seja

desfavorável à Fazenda”.569

Prosseguindo na explanação de sua visão acerca do assunto, consideram tais

autores que a condenação da Fazenda Pública no pagamento de honorários por

conta da extinção da ação sem resolução de mérito consiste em condenação ex

officio, sendo “verdadeiro non sense entender-se que deva subordinar essa

sentença meramente formal à remessa ex officio”.570

Para Barbosa Moreira, de outro turno, não importa o fato de se tratar de

sentença que resolva ou não o mérito: existindo prejudicialidade à Fazenda Pública

por conta de sentença, faz-se de rigor o duplo grau obrigatório.571

Cotejando ambos os pontos de vista, e manifestando nossa singela opinião a

respeito, permitimo-nos discordar, nesse particular, do ponto de vista sustentado por

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery.

De fato, não nos parece adequado que seja descartada como gerador de

prejuízo um pronunciamento sentencial em face do Poder Público pelo simples fato

de que há, apenas, condenação sucumbencial, não existindo deliberação judicial

meritório em desfavor da Fazenda Pública.

A respeito do assunto, diga-se que a sentença sem resolução de mérito

desfavorável à Fazenda Pública gera a esta, positivamente, um prejuízo de ordem

material que pode atingir cifras vultosas e, por conseguinte, atribuintes de pesado

ônus patrimonial à coletividade. Com efeito, não raro os debates travados com o

Poder Público em juízo assumem conteúdos econômicos robustíssimos, o que

potencializa, decerto, eventual condenação sucumbencial da Fazenda Pública

litigante. Esse fator por si só indica-nos a existência de prejudicialidade ao Poder

Público litigante de modo a justificar o reexame necessário mesmo em hipóteses de

sentenças meramente processuais.

De mais a mais, cremos ser impróprio submeter o instituto da remessa

obrigatória exclusivamente às hipóteses em que tenha existindo dicção meritória em

desfavor do Poder Público: o art.475 do CPC ostenta finalidade mais ampla do que

reavaliar, independentemente de recurso voluntário, um pronunciamento no qual

569 NERY JR., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado, p. 622, 623. 570 NERY JR., Nelson, e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado, p. 623. 571 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual – 7ª série, p. 90.

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tenha existido debate conceitual, de tese ou de posicionamento jurídico; a ratio

essendi da remessa necessária parece-nos mais ampla, mais abrangente,

compreendendo, além das decisões meritórias de primeiro grau, decisões

processuais das quais deflua prejuízo material ao Poder Público, e é seguramente

um prejuízo de ordem material a condenação da Fazenda Pública nos ônus

sucumbenciais.572

Há outra circunstância a ser observada no sentido de que mesmo sentenças

processuais desfavoráveis ao Poder Público comportam remessa obrigatória: a

literalidade do inciso I do art. 475 do CPC, em que a palavra sentença é indicada

sem qualquer qualificativo (não existe referência, nesse dispositivo legal, a sentença

“processual” ou “de mérito”, porém apenas menciona-se “sentença”), não nos

permite interpretação a ponto de excluir do conceito de sentença empregado em tal

dispositivo normativo as sentenças extintivas do processo sem resolução de mérito.

Ao referir-se a “sentença”, o art. 475, inc. I, do CPC não discerne sentenças

processuais de sentenças meritórias, do que se conclui não ser dado ao intérprete

fazê-lo.

Corroborando o quanto afirmado acima, colhe-se da Lei de Ação Popular (Lei

4.717/65) um exemplo no qual mesmo sentenças processuais proferidas em

detrimento do Poder Público comportam remessa necessária.

Nesse sentido, de se citar a necessidade de remessa necessária da sentença

que tenha decidido pela carência da ação popular: considerando-se que o autor

popular atua reivindicando a proteção judicial de um interesse público, tem-se no art.

19 da Lei de Ação Popular por lesiva à coletividade a sentença que não tenha

apreciado o pedido deduzido em demanda popular (“A sentença que concluir pela

carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição,

não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal”).

Outra questão importante acerca das atividades de ofício vinculadas à

remessa necessária diz respeito aos limites de atuação do tribunal quando do

recebimento da causa para reavaliação: qual a extensão das matérias que admitem

apreciação do tribunal exclusivamente por força da remessa necessária?

572 Neste sentido, TOSTA, Jorge. Do reexame necessário, p. 238: “É irrelevante para definir a incidência do reexame necessário o juiz ter ou não examinado a questão de fundo, isto é, o mérito da ação. O que importa, em verdade, é saber se a sentença prolatada pelo juiz impôs algum gravame ao ente público, sob o ponto de vista prático, que seja considerado relevante pela lei”.

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Em decorrência da própria ratio essendi da remessa obrigatória (submeter a

novo exame a sentença que tenha gerado prejuízo ao Poder Público litigante), por

conta desse instituto estará o tribunal autorizado tão somente à reavaliação da

decisão monocrática com o escopo de reformá-la ou anulá-la em benefício da

Fazenda Pública. A contrario sensu, admitir que poderia dar-se deterioração da

posição jurídica da Fazenda Pública litigante por força da remessa necessária seria

posição colidente com o próprio instituto do duplo grau obrigatório.573

Observe-se, aliás, existir entendimento sumulado do STJ nesse sentido.574

Destaque-se, a respeito da amplitude da cognição recursal desenvolvida

quando da remessa necessária, que identificamos uma hipótese em que o reexame

obrigatório pode gerar alguma espécie de prejudicialidade ao Poder Público litigante:

em virtude da possibilidade de o tribunal poder conhecer, em qualquer tempo e grau

de jurisdição, das matérias de ordem pública e de outras matérias apreciáveis de

ofício, é possível que o reexame necessário espraie-se a outros temas (a prescrição,

por exemplo) que possam gerar decisão em detrimento da Fazenda Pública

litigante.575,576 O que não pode existir, evidentemente, é reformatio in pejus em

desfavor da Fazenda Pública por conta da remessa necessária em se tratando de

matérias de direito disponível.577

573 Há translação das matérias decididas em desfavor da Fazenda Pública. TOSTA, Jorge. Do reexame necessário, p. 171. 574 Súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”. 575 GIANESINI, Rita. A Fazenda Pública e o reexame necessário, p. 932. 576 MEDEIROS, Maria Lúcia Lins. Conceição de. Recurso ex officio – reformatio in pejus, p. 311. 577 SALUSSE, Eduardo Perez. “Remessa ex officio” – “reformatio in pejus” – honorários advocatícios, p. 179.

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CAPÍTULO X - ATIVIDADES CORRECIONAIS

No rol das atividades desempenháveis de ofício em sede recursal, cumpre-

nos abordar as decisões correcionais especificamente vinculadas ao exercício do

direito de recorrer tido por abusivo pela legislação processual.

As penalidades no âmbito da interposição recursal já existiam, configuradas

na multa de 1% sobre o valor da causa aplicável em hipóteses de embargos de

declaração tidos por manifestamente protelatórios pelo tribunal, conforme disposição

do parágrafo único do art. 538 do CPC. Com a entrada em vigor da Lei 8.950/94,

tornou-se possível a majoração desta multa para até 10% do valor da causa em

hipóteses de reiteração dos embargos de declaração protelatórios, “ficando

condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor

respectivo” (parte final do parágrafo único do art. 538 do CPC).

Além das penalidades pecuniárias decorrentes do caráter protelatório dos

embargos de declaração, há, também em grau recursal, as punições patrimoniais

aplicáveis em hipóteses de interposição de agravo em face das decisões do relator a

teor do art. 557 do CPC. Consoante o § 2º desse art. 557, “quando manifestamente

inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao

agravado multa entre 1% (um por cento) e 10% (dez por cento) do valor corrigido da

causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do

respectivo valor”.

Perceba-se que, se a multa aplicável em virtude dos embargos de declaração

tem sua razão de ser apenas no caráter procrastinatório destes, a juízo do órgão de

segundo grau, no caso do agravo contra as decisões do relator passa-se a outro fato

gerador da multa, qual seja, o próprio juízo de inadmissibilidade ou de

improcedência acerca do recurso.

Sobre encimadas multas, convém o registro de uma nota relevante: tais

penalidades são reveladoras no sentido de se denotar a atmosfera de absoluta

antipatia relativamente aos recursos cíveis, tidos, consoante já tivemos oportunidade

de apontar na introdução a este estudo, como os “patinhos feios” da atividade

jurisdicional contemporânea.

De fato, parece-nos um total despautério aplicar-se punição pecuniária por

conta de agravo da decisão do relatório que seja considerado manifestamente

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inadmissível ou improcedente, especialmente porque soa excessivo aplicar pena

patrimonial à parte por conta da simples desrazão de seu recurso, mormente quando

esta pena pecuniária nem sequer reverte ao Estado, dado aproveitar à contraparte

(o agravado), como foram uma espécie de sucumbência recursal.

O chamado “caráter procrastinatório” parece-nos derivar de outras

circunstâncias que não a mera improcedência de um recurso: recursos, por exemplo,

sem fundamentação, ou nos quais se peça genericamente a reforma ou anulação da

decisão (sem a justificativa das razões conducentes a este pleito), ou ainda

manifestamente manejados de forma extemporânea (sem que exista qualquer fator

de dúvida a respeito desta intempestividade) são, a nosso ver, evidentemente

lesivos ao adequado trâmite processual, porém com tais formas abusivas do

exercício recursal não podem ser confundidos os recursos manejados pela parte

dentro dos “conformes processuais” e que apenas sejam tidos por inadmissíveis ou

improcedentes.

Em suma, entendemos seja absolutamente imprescindível escandir-se (i) o

mau uso do processo do (ii) juízo de improvimento de um recurso, e,

lamentavelmente, o parágrafo 2º do art. 557 do CPC não desenvolve essa

necessária distinção, na medida em que permite a sanção pecuniária em caso, por

exemplo, infundado (desprovido, portanto). E há que se rechaçar a aplicação de

penas pecuniárias em decorrência de embargos de declaração contra decisões do

relator por força unicamente de serem tais recursos desprovidos (juízo de mérito

recursal, portanto), o que apenas se justificaria em caso de recurso explicitamente

contrário a dispositivo de lei ou a jurisprudência predominante ou sumulada.

É-nos, reitere-se, bastante claro o excesso decorrente de punição por conta

de ser apenas improvido um recurso de agravo nos termos do art. 557, § 2º, do

CPC.

Se o intuito é coibir a procrastinação, há que se levar tal desiderato às últimas

conseqüências: além dos recursos irresponsavelmente manejados pela parte

(protelatórios, portanto), por que não se enfrentam, também em termos pecuniários,

práticas outras tão ou mais protelatórias cotidianamente constadas em juízo? Por

que inexiste sanção séria, patrimonial ou não, ao magistrado que retém os autos

além do prazo de 10 dias concedido para vista (CPC, art. 555, § 2º), preferindo-se,

nesta hipótese, apenas a requisição dos autos, sem qualquer previsão de sanção

(CPC, art. 555, § 3º)?

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Que dizer, então, da enorme procrastinação que provoca o improvimento de

declaratórios tirados de decisão que contém, efetivamente, obscuridade, omissão ou

contradição? No dia-a-dia forense, é de raríssima aceitação (e provimento) o recurso

de embargos de declaração, no mais das vezes rejeitado sob a monótona asserção

de que “não está o magistrado obrigado a responder às alegações das partes como

questionário fossem”, ou asserções congêneres.

Outra crítica que se pode fazer acerca das multas recursais consiste no fato

de que elas, em inúmeras ocasiões em que aplicadas, o são a despeito de

escorreita fundamentação, sem a adequada motivação do iter intelectual percorrido

pelo tribunal até a imposição da pena, esmiuçando por quais razões o recurso é

meramente procrastinatório, ou o que o leva a suportar a pecha de manifestamente

inadmissível ou infundado.

A demonstração da ratio decidendi em hipóteses de aplicação de sanção é

fundamental, mormente quando se está no vigor de um regime democrático. A falta

de fundamentação quando da imposição da multa (hipóteses em que esta é

laconicamente aplicada, sem explicitação dos “porquês”) acaba por converter as

multas do parágrafo único do art. 538 e do § 2º do art. 557 do CPC em condutos de

intimidação do causídico e da parte. Como pena que é, deve o magistrado atrelar-se

à completa demonstração das causas que o fizeram assim decidir.

E excessos outros existem: é pacificamente admitido em jurisprudência que

as penas pecuniárias dos arts. 538, parágrafo único, e 555, § 2º, do CPC sejam

cumuladas com as penalidades por litigância de má fé previstas no art. 14 de nossa

codificação processual civil, o que nos parece atentar contra o princípio do ne bis in

idem.578

Há, ainda, um dado curioso nisso tudo: a Fazenda Pública, quando manejar

recurso protelatório ou manifestamente inadmissível ou improcedente, não estará

obrigada ao depósito do importe da multa como condição para outros recursos, a

teor do art. 1º-A da Lei 9.494/97, o que enfraquece grandemente essa punição

processual diante de um dos mais contumazes litigantes.

A sanha na aplicação das multas recursais parece manifestar, em diversas

ocasiões em que se dá sua aplicação, autêntica vindita contra o recorrente pelo

578 Neste sentido: STJ, EREsp 584808, rel. Humberto Martins, DJ de 21.05.2007

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simples fato de ser-lhe facultado pela lei processual uma forma a mais de

impugnação de pronunciamentos judiciais.

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CAPÍTULO XI - CONCLUSÕES

1 – A estruturação de uma “cultura processual civil” em que se consolidem as

diversas possibilidades de atuação ex officio do juiz de direito atende às

expectativas contemporâneas da sociedade relativamente aos magistrados.

2 – A atuação de ofício do juiz de direito compõe um dos ângulos sob o qual

pode ser apreendido o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

3 – A moderna conceituação do princípio do contraditório exige a ampliação

da atuação ex officio do juiz de direito.

4 – As matérias de ordem pública, nas quais releva o interesse público,

consistem na principal gama de temas que exigem atuação de ofício do juiz de

direito.

5 – A atuação de ofício do juiz de direito compreende as matérias de ordem

pública de caráter processual e, também, as de caráter material, podendo o

magistrado manejá-las como causa de decidir.

6 – O magistrado, ao decidir demandas, não está vinculado à causa de pedir

próxima (os fundamentos jurídicos). Iura novit curia.

7 – A atuação de ofício do juiz de direito tem de ser avaliada sob o influxo dos

princípios dispositivo, inquisitório e do impulso oficial.

8 – O princípio dispositivo respeito à deflagração da demanda e aos limites do

que se pleiteia em juízo.

9 – O princípio inquisitório manifesta-se no curso do processo, autorizando o

magistrado a diversas posturas ex officio, mormente tendentes à formação de sua

convicção, e hoje se apresenta-se no processo civil de modo a abrandar os rigores

do princípio dispositivo.

10 – A atuação de ofício manifesta-se relativamente às matérias de ordem

pública, à formação da convicção do magistrado, em decorrência de política

legislativa, em sede de tutelas de urgência e em posturas correcionais do

magistrado.

11 – O juízo de admissibilidade tem caráter declaratório, porém seus efeitos

são ex nunc para fins de cômputo do prazo bienal da ação rescisória, sob pena de

geração de instabilidade jurídica.

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12 – O conceito de prejuízo que compõe o interesse de agir ultrapassa os

limites da sucumbência formal: também em hipóteses de sentenças terminativas

benéficas ao réu poderá este recorrer para ver julgado o argumento de fundo (o

mérito da defesa).

13 – Não há interesse de agir por parte do réu para recorrer de sentenças de

mérito fundadas no reconhecimento da prescrição.

14 – Nem sempre os despachos são irrecorríveis.

15 – É de todo conveniente a recorribilidade do cite-se, diante de seu

conteúdo decisório relevante.

16 – Concedida tutela antecipada em sede de sentença, o recurso cabível é a

apelação.

17 – A fungibilidade recursal exige atenuação do interesse de agir (em sua

acepção “adequação”).

18 – Presentes seus requisitos e aplicada, portanto, a fungibilidade recursal,

há que existir concessão de oportunidade à parte para adequação do recurso.

19 – Aplicada a fungibilidade recursal, há que se considerar o prazo próprio

de cada recurso que, interposto, foi aceito como fora outro, sem que se exija a

interposição recursal considerando o prazo mais exíguo (rectius, sem que se exija a

interposição do recurso no menor prazo dos recursos a respeito dos quais há dúvida

sobre seu cabimento).

20 – O terceiro tem manifesto interesse recursal quando ostentar interesse

jurídico, vale dizer, quando tiver sua esfera jurídica afetada pela decisão.

21 – A ausência de participação do Ministério Público em feito no qual tal era

obrigatório nem sempre acarreta nulidade: há que se demonstrar efetivo prejuízo.

22 – A renúncia e a desistência recursais produzem efeitos desde quando

formalizadas nos autos.

23 – A partir da entrada em vigor do § 4º do art. 515 do CPC, não apenas a

complementação, como também o próprio pagamento em si das custas recursais é

possível, caso não tenha ocorrido no primeiro momento oportuno para tanto.

24 – É absolutamente equivocado considerar um recurso intempestivo porque

prematuro.

25 – O § 4º do art. 515 do CPC aplica-se a nulidades absolutas e relativas.

26 – O § 4º do art. 515 do CPC aplica-se a todos os recursos cíveis, e não só

à apelação.

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27 – O fato de ser pronunciável ex officio não tornou a prescrição matéria de

ordem pública.

28 – Antes de pronunciar a prescrição em grau recursal, deverá o órgão

jurisdicional ouvir a parte contrária.

29 – Vez proferido o julgamento com fulcro no art. 285-A do CPC, as contra-

razões de apelação têm de ter, também, função de contestação, para a hipótese de

ser provida a apelação e rejulgada a causa em grau recursal.

30 – Para fins de decisão monocrática do relator, o conceito de jurisprudência

dominante exige maciça e consolidada maioria de determinada orientação

jurisprudencial em grau recursal, não bastando mera maioria.

31 – A jurisprudência dominante nos tribunais locais ou nos órgãos

fracionários destes não pode contrariar entendimento consolidado do STF ou do

STJ.

32 – No julgamento dos embargos declaratórios, quando houver possibilidade

de infringência, deverá ser ouvida a parte contrária antes da prolação da respectiva

decisão.

33 – As decisões do relator fundadas no art. 557 do CPC deverão ser

precedidas do adequado contraditório, mormente quando prejudiciais ao recorrido

(provimento de plano do recurso, p. ex.).

34 – Desenvolve-se atividade de ofício em grau recursal quando se provoca

uniformização de jurisprudência (CPC, art. 555, § 1º), sendo que esta se distingue

daquela prevista no art. 476 por dizer respeito ao julgamento integral do recurso, não

se circunscrevendo apenas à quaestio juris.

35 – O efeito translativo permite que questões de ordem pública já objeto de

pronunciamento decisório anterior podem ser reagitadas em grau recursal, dado não

haver preclusão pro judicato a respeito.

36 – O efeito devolutivo é manifestação, em segundo grau, do princípio

devolutivo, porém lhe escapam as matérias de ordem pública e temas outros

agitados em primeiro grau a respeito dos quais não tenha ocorrido preclusão ou que

não tenham sido julgados por inteiro em sentença.

37 – A aplicação do art. 515, § 3º, do CPC, dispensa requerimento da parte e

pode dar-se não apenas em questões de direito, mas também relativamente a

questões de fato comprovadas documentalmente.

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38 – Os fatos supervenientes não se confundem com os fatos novos, e ambos

podem ser, nas hipóteses legais, argüidos em grau recursal, gerando instrução

probatória a respeito.

39 – O regime das súmulas impeditivas de recursos viola a essência

constitucional das súmulas vinculantes, na medida que, por força do § 1º do art. 518

do CPC, também súmulas simples estarão a vincular a atividade do juiz, e súmulas

simples do STJ poderão desempenhar este papel, que originariamente cabe apenas

às sumulas vinculantes especialmente formuladas como tais pelo STF.

40 – A conversão do agravo de instrumento em retido e sua irrecorribilidade

são infensas ao duplo grau de jurisdição e à tradição recursal brasileira.

41 – A petição do art. 526 do CPC apenas gerará não conhecimento do

agravo caso exista comunicação da parte interessada,

42 – Deve haver, por força do art. 515, § 4º, do CPC, oportunidade para

complementação de peças do agravo de instrumento.

43 – As informações não devem conter resposta ao agravo de instrumento.

44 – Deverá o réu ser intimado para contraminutar agravo de instrumento que

lhe possa causar prejuízo, especialmente quando tais agravos sejam tirados de

decisões monocráticas havidas antes da citação do réu. Deverá, no prazo entre a

apreciação do efeito suspensivo e o julgamento do agravo, ser intimado o réu para

se manifestar.

45 – Há efeito translativo no agravo.

46 – É absolutamente criticável a irrecorribilidade da decisão que converte o

agravo de instrumento em retido, ou que aprecia o pedido de efeito suspensivo,

cabendo, diante de tal decisão, mandado de segurança.

47 – Nos recursos de efeito devolutivo restrito, existe efeito translativo,

devendo-se, contudo, atender ao princípio do contraditório antes dos

pronunciamentos judiciais de ofício.

48 – É possível a cognição de matérias de ordem pública em sede de

recursos excepcionais independentemente de prequestionamento específico destas,

mas desde que tenha sido inaugurada a competência do STJ ou do STF mediante

admissão do recurso excepcional.

49 – O STJ pode exercer controle difuso de constitucionalidade, desde que

não exista pretensão recursal da parte nas razões recursais especiais nesse sentido

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(o que seria irregular modificação da competência do STJ) e desde que já não esteja

a questão constitucional cogitada no recurso extraordinário.

50 – O juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais não admite

qualquer análise meritória.

51 – A repercussão geral da questão constitucional pode configurar elitização

do acesso às instâncias excepcionais: seria possível cogitar de questão

constitucional mais importante (de repercussão geral, portanto) e questão

constitucional menos importante (sem repercussão geral)?

52 – É possível a instrução probatória em grau recursal, sem necessidade de

remessa dos autos à instância monocrática para tal, por força do disposto nos §§ 3º

e 4º do art. 515 do CPC.

53 – A atividade instrutória realizada em grau recursal justifica-se em casos

de não convencimento do julgador acerca da questão posta em juízo.

54 – Todas as modalidades probatórias podem ser admitidas, e praticadas,

em grau recursal, sem necessária remessa à instância primeira. Decisões adotadas

no curso do procedimento instrutório em grau recursal poderão ser impugnadas

mediante recurso ao órgão colegiado respectivo.

55 – As tutelas de urgência em grau recursal contam com distintas

competências para concessão, conforme se trate de tutela antecipatória ou de tutela

cautelar.

56 – As tutelas cautelares recursais podem ser concedidas tanto em primeiro

quanto em segundo graus de jurisdição, conforme se encontre o feito em um ou em

outro estágio do procedimento.

57 – As tutelas recursais antecipadas podem ser concedidas tão-só pelo juízo

competente para julgar o mérito do recurso.

58 – Em se tratando de recursos excepcionais, enquanto pendente a

admissibilidade do recurso na corte de origem, compete à respectiva presidência a

deliberação sobre medidas cautelares.

59 – A desretenção dos recursos excepcionais pode ser pleiteada em ação

autônoma ou no bojo do próprio recurso.

60 – São possíveis as tutelas recursais cautelar e antecipada de ofício, estas

excepcionalmente.

61 – A execução das tutelas de urgência em grau recursal dá-se conforme as

balizas legislativas incidentes sobre a execução provisória.

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62 – A remessa necessária cabe também diante de decisões extintivas do

processo sem resolução do mérito, desde que gerado prejuízo ao Poder Público

(prejuízo decorrente de condenação sucumbencial, por exemplo).

63 – Podem ser conhecidas matérias de ordem pública em sede de remessa

necessária (há efeito translativo na remessa necessária).

64 – As multas recursais pecuniárias representam, na maioria das hipóteses,

restrição ao acesso à justiça.

65 – O mero improvimento ou a mera inadmissão do recurso não deve gerar

multa (CPC, art. 557, § 2º): tal deve ocorrer apenas com recursos manejados em

expressa contrariedade a súmulas, lei ou jurisprudência dominante.

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