pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc … · 2017-02-22 · obrigada por ouvir...

116
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP TEREZINHA CARMEN GANDELMAN A RELIGIOSIDADE E A ESPIRITUALIDADE DOS ALUNOS NO CURSO DE FORMAÇÃO DE PSICÓLOGO MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA SÃO PAULO 2013

Upload: vuthien

Post on 09-Feb-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

TEREZINHA CARMEN GANDELMAN

A RELIGIOSIDADE E A ESPIRITUALIDADE DOS ALUNOS NO

CURSO DE FORMAÇÃO DE PSICÓLOGO

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

SÃO PAULO

2013

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

I

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Terezinha Carmen Gandelman

A Religiosidade e a Espiritualidade dos Alunos no Curso de Formação de

Psicólogo

Dissertação apresentada à banca

examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de

Mestre em Psicologia Clínica, sob

orientação da Profa. Dra. Marília Ancona-

Lopez.

São Paulo

2013

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

II

VERSO DA FOLHA DE ROSTO

GANDELMAN, Terezinha Carmen.

A Religiosidade e Espiritualidade dos Alunos no Curso de

Formação de Psicólogo/ Terezinha Carmen Gandelman. São Paulo,

2013.

115 f.

Dissertação (Mestrado) - Mestrado em Psicologia Clínica, PUC-SP

Orientadora: Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez

1. Religiosidade. 2. Espiritualidade. 3. Psicologia. 4. Formação.

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

III

GANDELMAN, Terezinha Carmen. A Religiosidade e a Espiritualidade dos

Alunos no Curso de Formação de Psicólogo. Dissertação apresentada à

banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica, sob

orientação da Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________

_________________________________

_________________________________

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

IV

DEDICATÓRIA

À Geni, minha mãe, e ao José, meu pai, que

saudades! Passagens intensas de amor tão

profundo! Minha eterna gratidão pela ternura,

pela prontidão e pela longa dedicação,

aceitando-me incondicionalmente em minha

caminhada.

Ao meu amado filho, Marcos, pois é a mais

concreta manifestação do Sagrado em minha

vida.

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

V

AGRADECIMENTOS

A Deus, muito obrigada! Por mostrar que sou protegida, guiada e iluminada

pela Sua presença divina no mais íntimo do meu ser, por Seu amor incondicional,

sustentando-me nos momentos mais difíceis, não me deixando esquecer que Você é

a força que dá vida a minha alma. Obrigada!

Aos meus pais, que já se encontram em outra dimensão, por terem me

conduzido a caminhos que percorri na vida, mostrando-me que eu não sou melhor

do que ninguém... mas que devo ter orgulho de quem sou, já que tudo que sou e

tudo que conquistei foi com muita dignidade, herança que me foi transmitida.

Ensinaram-me a amar a vida e, diante de uma derrota, nunca desistir, mas

recomeçar, acreditando eternamente nos valores humanos acima de tudo.

À minha orientadora, Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez, por acreditar em mim

e ajudar-me nesta trajetória longa e cheia de obstáculos, que eu pude vencer graças

a seu acolhimento amoroso e competente. Com sua generosidade, você me mostrou

um caminho para que eu pudesse chegar até aqui. Minha convivência com você só

me faz crescer. Minha eterna gratidão!

À Profa. Dra. Maria Elisabeth Montagna e à Profa. Dra. Ligia Caran Costa

Corrêa, cuja participação em minha Banca de Qualificação contribuiu muito ao

processo desta pesquisa.

Ao meu irmão Amauri (in memoriam), que foi para mim um exemplo

incontestável de resiliência e luta pela existência terrena, ensinando-me a alcançar

grandes voos por meio do desapego e do destemor e, principalmente, encorajando-

me no desafio de ser plenamente humana.

Aos amigos que conquistei durante minha trajetória no Mestrado: Suzana,

Simone, Aline, Leidilene, Padre Vandro, Padre Anselmo, Yvone, Padre João, Oiama,

Neuza, Pastor Merlinton, Marta, Beatriz, Diogo, Rafaela, Carine, Marília, Renata,

Telma, Terezinha, Telênia, Padre Gerson, Padre Vanildo, Patricia, Guilherme, Kelcy,

Magali, Ênio, Manuela, Divina, Melissa e Felipe.

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

VI

À Bia, obrigada por ter partilhado comigo toda a sua bagagem de experiência,

mostrando-me que a fé e a esperança são possíveis quando alguém aposta muito

na capacidade e nos recursos do outro. Obrigada por ouvir minhas lamentações e

suportar o meu cansaço existencial. O meu carinho e a minha amizade.

Um profundo agradecimento ao Rodrigo e à Roberta, pela disponibilidade e

pela grandiosidade de proporcionarem tão rica oportunidade de conhecer as suas

histórias de vida e a sua compreensão e pela coragem de compartilharem as suas

experiências comigo, o que muito enriqueceu meus conhecimentos e minha

caminhada e fez com que esta dissertação se tornasse possível. Minha eterna

gratidão!

A Universidade Paulista, que permitiu que a parte prática da entrevista se

desenvolvesse dentro do Campus Rangel-Santos.

À Camila, que no final do mestrado, auxiliou-me e acompanhou-me a

organizar as minhas ideias até os últimos momentos desta dissertação, minha

eterna gratidão.

Ao Rodrigo Rios, pela disponibilidade e atenção na revisão final, dando um

toque especial na leitura deste trabalho.

E, por fim, a todos aqueles que, por lapso, não mencionei, mas que

colaboraram para esta pesquisa.

Abraços fraternos a todos!

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

VII

EPÍGRAFE

“Eu queria conhecer seus mistérios, viver

sem fronteiras, nessas experiências,

busquei a compreensão para fenômenos

situados próximos a interface entre a

ciência e a espiritualidade”.

Fernando Pessoa

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

VIII

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo compreender a religiosidade e a

espiritualidade de alunos do curso de formação de psicólogos. Trata-se de uma

pesquisa qualitativa. Inicialmente refleti sobre minha própria vivência espiritual e

religiosa, a fim de apreender como ela se relacionava com a minha vida pessoal e

profissional. Posteriormente realizei entrevistas semidirigidas com dois graduandos

do último ano letivo de um curso de Psicologia. Como critério para a escolha dos

entrevistados considerei o tempo de ingresso no curso de Psicologia, definindo a

opção por alunos do último ano letivo, período em que se supõe que tenham

adquirido os conhecimentos propostos e já estejam realizando estágios na área

clínica e aplicando os conhecimentos adquiridos. Outros critérios foram terem entre

20 e 25 anos, valorizarem a vida religiosa e espiritual e terem condições de

expressar seus sentimentos e pensamentos a respeito do tema da entrevista. Foram

identificados aspectos de convergência e divergência nas entrevistas, agrupados em

temas que foram tratados de forma distinta: as crenças religiosas e espirituais dos

formandos de Psicologia; a visão de mundo dos entrevistados e a necessidade de

diferenciação entre religiosidade e espiritualidade; distinção entre a religiosidade e

espiritualidade do paciente e do próprio psicólogo; a religiosidade e a espiritualidade

na prática da clínica psicológica; a religiosidade e a espiritualidade na formação

acadêmica em Psicologia. A partir de levantamento bibliográfico, englobando

religiosidade e espiritualidade, foram tecidas considerações e realizou-se um diálogo

com autores desta área sobre os tópicos definidos para a análise. Evidencia-se que

há necessidade de um olhar aprofundado sobre a inserção destes temas na grade

curricular do curso de Psicologia como forma de contribuir para o desenvolvimento

pessoal e profissional dos alunos.

Palavras-chave: Religiosidade; Espiritualidade; Psicologia; Formação.

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

IX

ABSTRACT

This thesis aims to understand the religiosity and spirituality of psychology

students in their undergraduate training. This is a qualitative research. Initially I

reflected on my own experiences spiritual and religious, in order to grasp how it was

related to my personal and professional life. Later semidirected conducted interviews

with two graduates of the last school year of a psychology course. As a criterion for

the selection of respondents considered the time of enrollment in Psychology course,

setting the option for students last school year, a period that is supposed to have

acquired the knowledge already proposed and performing stages in the clinical area

and applying knowledge acquired. Other criteria have been between 20 and 25

years, appreciate the religious and spiritual life and have conditions to express their

feelings and thoughts about the subject of the interview. We identified aspects of

convergence and divergence in the interviews were grouped into themes that were

treated differently: the religious and spiritual beliefs of students of psychology, the

world view of respondents and the need to differentiate between religiosity and

spirituality; distinction between religiosity and spirituality and the patient's own

psychologist, religiosity and spirituality in the practice of clinical psychology,

religiousness and spirituality in academic education in psychology. From literature,

encompassing religiosity and spirituality, considerations were made and held

dialogue with authors from this area on the topics identified for analysis. It is evident

that there is need for a thorough look on the inclusion of these topics in the

curriculum of the Psychology course as a way to contribute to the personal and

professional development of students.

Keywords: Religiosity; Spirituality; Psychology; Training.

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

X

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1

CAPÍTULO I – RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE:

CONTEXTUALIZAÇÕES............................................................................................. 8

1. Desenvolvimento religioso ................................................................................. 16

CAPÍTULO II – PSICOLOGIA E RELIGIÃO .............................................................. 20

1. A Religiosidade e a Espiritualidade na formação acadêmica ............................. 20

2. A religiosidade e a espiritualidade na Psicologia Clínica ................................... 26

CAPÍTULO III – MÉTODO ......................................................................................... 35

1. Objetivo .............................................................................................................. 35

2. Caminhos da Pesquisa ...................................................................................... 35

3. Pesquisa Qualitativa .......................................................................................... 36

CAPITULO IV – SÍNTESES DAS ENTREVISTAS: ROBERTA E RODRIGO............ 40

1. Síntese da Entrevista com o Rodrigo ................................................................. 40

2. Síntese da entrevista com a Roberta ................................................................. 47

CAPITULO V – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ........................................................ 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 70

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 72

ANEXOS ................................................................................................................... 80

ANEXO I: PARECER PARA O COMITÊ ÉTICO ....................................................... 81

ANEXO II: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .................... 82

ANEXO III: TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS .................................................... 85

Entrevista I ............................................................................................................. 85

Entrevista II ............................................................................................................ 91

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

1

INTRODUÇÃO

Questões sobre espiritualidade sempre geraram inquietações e estiveram

presentes em minha história de vida. Nasci em uma família católica, da qual recebi

todos os ensinamentos dessa religião, e no decorrer de minha existência conheci

outras religiões e formas de entrar em contato com o Sagrado. Como comenta

Giovanetti (1999, p. 90), “O Sagrado é algo que nos atrai de maneira arrebatadora”.

O meu caminhar foi marcado por essas experiências.

Ser tocado pelo Sagrado é uma experiência que deve envolver com sua atmosfera o meu pensar, o meu sentir, e o meu agir. (...) É a trilha que descobre para mim a rota que eu sigo, convencido de que ela me leva para onde eu me encontro, para o que constitui meu anseio mais profundo – não importando o que este seja ou o que possa ser. (MULLER, 2004, p. 43).

Em minha trajetória pessoal, profissional e espiritual convivi com o

desconhecido, com o mistério, e enfrentei situações que levantaram muitas dúvidas

em mim e causaram-me perdas. Para compreendermos nossas respostas às perdas

é preciso inicialmente entendermos nossas preocupações e interesses espirituais e

religiosos (PARGAMENT, 2007). No entanto, sempre as vivenciei como

oportunidades para novas descobertas e para a construção de novos sentidos em

minha vida. Logo, acreditei que elas foram propulsoras de mudanças e crescimento.

Considero importante sentir a presença de algo que me transcende. Acreditar

na existência de algo maior, sagrado, que dê suporte para transpor os obstáculos da

vida, sempre me fascinou. Vivi em um meio familiar em constante reconstrução, mas

sempre acreditei que este algo maior acabaria por dar sentido às dificuldades

enfrentadas.

Cresci acreditando que Deus daria solução para o sofrimento humano.

Também a crença no Anjo da Guarda me trouxe paz e, ainda hoje, a fé religiosa

acalenta-me em momentos difíceis de minha existência, me acolhendo e

protegendo. Dessa forma, sempre estive aberta a trilhar caminhos que me

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

2

possibilitassem vivências significativas por meio de rituais e orações. Procurei

também apoio para a minha vida no processo terapêutico. Busquei, assim, recursos

que me ajudassem a dar sentido para a minha vida. Nesse caminhar, sofri

transformações significativas, fui tocada por experiências que me posicionam de

uma forma própria.

Para Frankl (1990) a religião é uma ferramenta na busca de sentido para a

vida, é uma procura por razões para viver em meio às dificuldades da existência. “A

religião é a consciência que o homem tem da existência de uma dimensão sobre-

humana e sua fé básica no sentido último que reside nessa dimensão” (FRANKL,

1990, p. 199).

Segundo Amatuzzi (2001), a religião é o campo das indagações últimas pelo

sentido, que estão implicitamente presentes em todas as demais inquietudes e

movimentos humanos. Para ele a ligação com algo superior influi no equilíbrio total

do ser humano, em suas escolhas, em seu estilo de vida.

A Psicologia preocupa-se com o homem em sua totalidade psíquica, incluindo

pensamentos, emoções, comportamentos, percepções e toda a gama de conteúdos

que constituem seu universo particular e suas relações com a realidade circundante.

Nesse contexto inclui-se a reflexão sobre o modo como as pessoas lidam com suas

crenças e seus valores religiosos, que fazem parte de suas subjetividades, vidas e

ações pessoais e profissionais. Amatuzzi (1999) definiu a Psicologia da Religião

como uma área que inclui o estudo da experiência religiosa e que entende como a

relação entre o homem e a esfera transcendente é estabelecida ao longo das

situações cotidianas.

Ribeiro (2004, p. 14) considera:

Estudar o homem psicologicamente e excluir dele o estudo de seu aspecto espiritual é o mais alienante descompromisso da Ciência e ou da academia com a totalidade existencial humana, da qual nasce todo e qualquer significado.

O autor questiona como a Psicologia, enquanto ciência, pode entrar em

conflito com a religião ou desconsiderá-la frente às angústias do ser humano à

procura de seu sentido último. Concordo com Ribeiro quando ele diz que o papel da

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

3

Psicologia não é estudar Deus ou afirmar ou negar os dogmas religiosos, e sim olhar

o ser humano em sua totalidade dinâmica e compreendê-lo em seus aspectos mais

complexos. Portanto, parece-me que o desafio da Psicologia é não se esquivar

dessa área.

Ribeiro afirma que, quando a Psicologia estuda o homem em sua totalidade,

ela não se “amedronta diante da ideia de Deus, do sagrado, da espiritualidade, da

religião, até porque são processos que constituem a identidade individual e social do

homem e da comunidade” (RIBEIRO, 2004, p. 32). Para ele (2004, p. 33) o

profissional de Psicologia precisa aprender a conviver com o Deus que habita na

humanidade e que se expressa através de fé, esperança, angústia, amor, medo e

temor.

Graduei-me em Psicologia há 32 anos. Desde então sempre atuei em

clínicas-escola de Psicologia e na docência em nível superior. Durante esse tempo

observei, tanto em minha formação quanto em meu trabalho, que as questões da

religiosidade e da espiritualidade não tinham espaço no contexto acadêmico do

curso de Psicologia. Quando os docentes psicólogos abordavam o tema com seus

alunos, ou mesmo com seus colegas de profissão, não o faziam com clareza e

objetividade. Não permitiam questionamentos e revelavam preconceitos em relação

ao assunto, o que demonstrava dificuldade em enfrentar a temática ao ignorar sua

importância no desenvolvimento da subjetividade humana.

Como relata Esteves (2004), possivelmente e de modo geral a postura dos

docentes frente à religião interfira na formação dos graduandos, como se pode

observar nos cursos de Psicologia. Muitas vezes a conduta profissional sugerida

para os alunos quando surgiam temas relacionados à religiosidade era diferente

daquela de quando outras questões eram abordadas. Era frequente dar-se aos

alunos a orientação de que convinha evitar a abordagem do tema, pois este era

delicado e poderia dar margens a discussões ou confronto entre diversas crenças,

inconvenientes na clínica. Era sugerido apenas ouvir a fala religiosa sem se deter a

ela e não tratar desse assunto nos atendimentos. Eu sentia atacada tanto as minhas

crenças quanto a profissão que havia escolhido ao ouvir essas colocações, que

desqualificavam não só de meu pensamento sobre o modo como eu via o homem,

Deus e o mundo, mas também de minhas reflexões sobre essas crenças, aliadas

aos conhecimentos psicológicos aprendidos em meu curso de Psicologia.

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

4

Amatuzzi (2007) ressalta que os alunos apresentam grande carência de

elaborações teóricas e informações científicas relacionadas à dimensão religiosa da

experiência humana.

Amatuzzi (1989) também destaca a importância de focalizar a experiência do

aluno em uma atitude dialógica para facilitar a construção de um conhecimento real

que se transforme em ação.

Complementando Amatuzzi, Placco (2004) diz que é preciso que os

educadores compreendam a sala de aula como lugar para conhecer o aluno e suas

necessidades e demandas, como um encontro de pessoas concretas, com intenções

e possibilidades infinitas de mudança, sendo que as relações pedagógicas em

Psicologia devem abarcar relações pessoas significativas entre os atores em sala de

aula, alunos e docentes.

Segundo Costa (2008), o curso de Psicologia aborda temas diversos, como a

autoestima, as crenças pessoais, os tipos de personalidade, os processos cognitivos

e outros. Ao fazê-lo, a formação em Psicologia estimula, também, a reflexão sobre o

sentido da vida e a busca de autoconhecimento. Como afirma Forghieri, “ao mestre

compete ajudar o estudante a desvendar vários caminhos de sua existência, dentro

do fisicamente pequeno, mas vivencialmente imenso espaço de uma sala de aula”

(FORGHIERI, 2007, p. 60). Por isso, o discente precisa e espera ter ouvidos os seus

questionamentos e encontrar acolhimento no professor e no supervisor do curso,

inclusive em questões relacionadas a sua religiosidade. No entanto, isso nem

sempre acontece.

Tenho refletido muito a respeito dessa questão, pois em meu trabalho

observo as inquietações, as incertezas e as inseguranças dos alunos do curso de

Psicologia. Ancona-Lopez (2008, p. 153) destaca:

O desconhecimento de estudos na área, aliado ao preconceito existente no meio acadêmico e científico contra as posições religiosas, consideradas pouco racionais, ingênuas e ultrapassadas, impede a discussão aberta do tema com professores e supervisores e termina por dificultar a elaboração e assimilação reflexiva das vivências espirituais. Consequentemente, o hiato entre as experiências pessoais e a linguagem profissional é grande e dificulta o estabelecimento de um diálogo interno e externo consistente.

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

5

Inúmeras vezes, quando eu perguntava informalmente aos professores qual

sua posição a respeito da religiosidade, eles afirmavam que evitavam falar sobre o

tema com os alunos por tratar-se de assunto de foro íntimo, que não poderia,

portanto, ser exposto ao alunado. Parecia-me que trazer à tona o tema significava

desafiar o papel profissional do docente psicólogo, assim como sua autoimagem.

Comportavam-se como se as crenças e os valores existentes em cada pessoa não

participassem de sua constituição psíquica e, consequentemente, não

influenciassem a sua vida profissional.

Eu percebia nesses contatos a falta de familiaridade dos profissionais com o

tema e o quanto este lhes gerava ansiedade e desconforto. Refleti muitas vezes

sobre a incoerência existente entre o pressuposto de que os psicólogos devem

acolher o ser humano em sua totalidade, considerando todas as suas experiências,

e a falta de atenção dada à religiosidade por eles. Uma vez que os psicólogos

precisam considerar a pessoa em sua totalidade, o indivíduo deveria ser respeitado,

aceito e compreendido também em sua dimensão espiritual. Como afirma Zacarias

(2004), se o paciente traz conteúdos religiosos, a conduta mais apropriada do

terapeuta é compreendê-los sem julgamentos ou preconceitos.

Em meu caminhar profissional trabalhei muitos anos na clínica atendendo

crianças excepcionais e suas famílias. No atendimento aos pais dessas crianças

observei a tensão e a ansiedade existentes frente ao futuro dos filhos e aos projetos

de vida que poderiam ser traçados. Esses pais muitas vezes expunham concepções

que explicavam e justificavam a deficiência de seus filhos como “vontade de Deus”.

Questões sobre religiosidade frequentemente faziam-se presentes em nossos

encontros sob a forma de explicações que davam sentido às dificuldades que eles

encontravam. Este fato me deixava inquieta, porque era evidente a importância da

religiosidade para aqueles pais e eu me sentia frustrada por não saber como lidar

com o assunto. Questionava-me sobre a forma como a religião contribuía para a

visão de mundo deles e sobre a possibilidade de trabalhar este aspecto na clínica.

Percebia como era essencial contextualizar, na prática clínica, as dimensões social e

histórica (em toda sua relevância), incluindo nelas a religiosidade como algo que

constituiu o modo de ser de pais de crianças excepcionais.

Em 1999 mudei-me para a cidade de Santos e assumi o cargo de diretora de

uma unidade universitária. O convívio com alunos e professores levou-me

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

6

novamente a observar como as questões da religiosidade se configuravam tanto

para os docentes quanto para os discentes. No campus universitário observava a

presença de diversos interesses, como a arte, a política e o esporte. No entanto,

temas ligados à religião eram alheios ao meio acadêmico. Em conversas informais

com membros da comunidade, observei que eles acreditavam que haveria, no

futuro, harmonia entre as diferentes ciências, mas as religiões e a espiritualidade

não estavam incluídas nessa perspectiva e tampouco eram consideradas na

formação dos alunos.

Giovanetti (2005, p. 129) afirma:

O tema da espiritualidade tem sido objeto de muitos estudos, extrapolando a fronteira da tecnologia e exigindo outras perspectivas para melhor compreensão desse fenômeno humano. (...) a psicologia também se vê às voltas com essa realidade. Assim, o psicólogo, principalmente o psicólogo clinico, esbarra com essa faceta da vida humana no seu trabalho. Daí, a necessidade de se buscar uma compreensão do que seja a espiritualidade, a fim de poder compreender melhor o ser humano na busca de sua ajuda profissional.

Os cursos de Psicologia não dão acesso ao estudante a trabalhos nesse

campo desenvolvidos no Brasil ou em escolas europeias e americanas, o que

poderia facilitar um olhar psicológico não redutor aos fenômenos religiosos e

espirituais. Usualmente os cursos apresentam ao futuro psicólogo apenas as

posições da Psicologia que excluem as experiências religiosas e espirituais do

âmbito de seus estudos ou que as focalizam como patológicas.

Observam-se movimentos contraditórios diante da proposta de flexibilização

do currículo e dos modos de ensino trazida pela Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (1996), que oscilam entre o uso excessivo da liberdade de organização

dos cursos, que por sua vez não garantem uma homogeneidade básica de ensino

no país, e o engessamento das propostas que obedecem principalmente a

interesses das instituições. Nesse processo ainda há os professores que buscam

espaço para as suas preferências teóricas, para fazer prevalecer os seus modos de

compreender como deve ser a formação do psicólogo (ANCONA-LOPEZ, 2007).

A partir dessas observações vários questionamentos vieram à tona. Comecei

a fazer um levantamento de trabalhos em Psicologia relativos à questão da

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

7

religiosidade e da espiritualidade no meio acadêmico e verifiquei que há uma

escassez de estudos desenvolvidos com os alunos de Psicologia que tratam da

religiosidade.

Um trabalho que me chamou a atenção foi uma pesquisa desenvolvida por

Costa et al (2008) com 136 universitários de Psicologia da PUC-RS, com o objetivo

de avaliar a qualidade de vida e o bem-estar espiritual destes universitários. O

estudo evidenciou que 86% dos participantes da pesquisa mencionaram ter religião;

83,8% afirmaram ter interesse pelo espiritual; e 77,9%, disseram ter interesse em

discutir o assunto em sua formação acadêmica.

Nesse estudo, Costa et al (2008) propõem o cultivo de aspectos relacionados

à espiritualidade no meio acadêmico para a melhoria da qualidade da formação

universitária. Propõem também que os cursos de formação invistam em programas

de sensibilização dos professores para temas de bem-estar espiritual e qualidade de

vida, visando demonstrar ser essencial aproximar a formação profissional do

psicólogo das experiências de religiosidade e de espiritualidade e considerando os

aspectos sociais e culturais dos contextos nos quais os estudantes estão inseridos.

As reflexões acima e a convivência com professores, psicólogos e alunos

dentro de uma universidade, a minha trajetória pessoal levaram-me a definir meu

objetivo de pesquisa: compreender a religiosidade e a espiritualidade dos alunos no

curso de formação de psicólogo.

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

8

CAPÍTULO I – RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE:

CONTEXTUALIZAÇÕES

UMA ORAÇÃO CELTA - I Bendito seja o anseio que te trouxe aqui e que aviva a tua alma com assombro. Que tenhas a coragem de acolher o teu anseio eterno. Que aprecies a companhia crítica e criativa da pergunta “Quem sou eu?” e que ela ilumine o teu anseio. Que uma secreta Providência Divina guie o teu pensamento e proteja o teu sentimento. Que a tua mente habite a tua vida com a mesma certeza com que teu corpo se integra ao mundo. Que a sensação de algo ausente amplie a tua vida. Que a tua alma seja livre como as sempre renovadas ondas do mar. Que vivas perto do assombro. Que te integres ao amor com o arrebatamento da Dança. Que saibas que estás sempre incluído no benévolo círculo de Deus.

John O´Donohue

As diversas manifestações da religiosidade contam a história de um povo e

mostram a sua identidade. Ribeiro (2004) diz que todos os povos na história da

civilização tiveram rituais e deuses. Para ele, as religiões surgem em função do

desejo intrínseco do homem de “responder e explicar anseios internos, complexos,

como ansiedade, medo e culpa, diante do sentido do mundo, da vida e do outro”

(RIBEIRO, 2004, p. 12).

Para Gleiser (2006), em várias culturas a natureza é vista como divina. Por

meio de rituais e oferendas os grupos primitivos tentavam agradar aos deuses e,

assim, garantir a própria sobrevivência. Ainda segundo Gleiser (2006, p. 17), a

relação religiosa com os deuses permitia impor valores morais e éticos ao grupo

como garantia de coesão e possibilitava ao ser humano organizar sua existência,

dando sentido a fenômenos misteriosos e ameaçadores. Conforme esse autor, as

questões sobre a origem do universo e sobre a morte geravam diferentes respostas

de ordem metafísica e religiosa, que procuravam satisfazer a necessidade que o ser

humano tinha de lidar com o imprevisível e o inexplicável.

Ribeiro (2004) complementa a posição de Gleiser (2006), dizendo que o

homem primitivo iniciava a prática de rituais em busca de um sentido à realidade que

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

9

enfrentava. Acreditava que a solução para suas inquietações estava além de seu

alcance e os rituais traziam-lhe tranquilidade e uma percepção normal do mundo.

Para ele,

O homem é um ser emocional. É por receio da emoção que o homem se mantém atento aos sinais do que o mundo lhe manda (...). Quando o homem não é capaz de entender suas emoções, de conviver com elas, frequentemente, busca alhures, explicações para aqueles sentimentos dos quais não consegue livrar-se. (RIBEIRO, 2004, p. 12).

O ser humano caminha pela vida movido por uma força interior e em busca de

plenitude. Ele faz sua caminhada existencial procurando uma realização plena, um

último sentido, uma finalidade. Sendo incompleto, almeja constantemente algo que o

complete. Fascinado pelo mistério da vida, tenta entender não somente a sua

própria origem, mas também a do mundo. Gleiser (2006) aponta que o desejo de

saber sobre a origem do universo e da vida é inerente ao ser humano e transpõe

barreiras temporais e geográficas. Ao tentar compreender a sua origem e a do

universo, o homem busca razões para sua existência; as religiões constituíam um

sistema que oferece sentido à vida, acrescenta Ribeiro (2004).

Aletti (2004, p. 25) concorda com os autores mencionados no que se refere à

busca do homem por respostas às suas questões existenciais. Tal busca reflete uma

tendência à transcendência, a um sentido que ultrapassa os limites do estar no

mundo. Para ele a forma como o ser humano lida com essas perguntas determina,

de certa maneira, suas escolhas e seu modo de ser.

Para Vergote (1969) a religião é um conjunto orientado e estruturado de

sentimentos e pensamentos, por meio dos quais o homem toma consciência vital de

seu ser íntimo e último e na qual, simultaneamente, se torna presente o poder do

sagrado. Por outro lado, o ser humano tem consciência de sua finitude e de seus

limites, mas tem o desejo de superá-los, buscando sentido para suas experiências e,

também, para o sentido último da existência. A religião é um fenômeno relativo ao

desejo, descrito por Vergote (1969, p. 9-24) “como uma tendência psicológica que

orienta para experiências e modos de existência que fazem gozar e celebrar: a

beleza, o amor, a experiência do divino e a relação com ele”. Nesse contexto, a

religião é um instrumento que dá sentido à vida dos homens, ou seja, que responde

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

10

aos seus questionamentos. O ser humano anseia por respostas às suas indagações

sobre o infinito. E essa sede de saber é inesgotável, embora a condição humana

seja um limitador para a sua capacidade de compreensão.

Massimi e Mahfoud (1999) destacam que há anseios que emergem do

cotidiano do homem comum e que remetem continuamente a novas perguntas sobre

o sentido de tudo; esperam uma resposta totalizante, pedem contato com uma base

da experiência de si, das coisas e do mundo. Para eles estas perguntas são de

ordem religiosa, mesmo que inconfessadamente. Logo, a relação com algo superior,

a vivência do sagrado e as emoções religiosas no cotidiano auxiliam no

enfrentamento de situações (corriqueiras ou não) e nos pequenos e grandes

desafios da vida.

A ênfase na busca pela compreensão dessas questões é o que se pode

chamar de sentido religioso. O sentido religioso é, portanto, a capacidade do ser

humano de questionar e de procurar conhecer mais a si mesmo, de penetrar na sua

realidade para buscar um significado total para o seu existir no mundo. Segundo

Giussani (2000), o sentido religioso está presente em todas as dimensões da vida

por meio de atos diários como justiça, verdade, beleza ou felicidade. O sentido

religioso nos aponta para o mistério da vida e do mundo. O mistério é reconhecido

pela nossa razão, mas não pode ser por ela abarcado. O homem não consegue nem

compreender o mistério e nem renunciar a ele. Como lembra Ales Bello (2004), o

homem precisa de respostas totais, últimas, que têm um aspecto religioso.

Giovanetti (1999) afirma que a interrogação feita pelo homem sobre a sua

vida o coloca diante do “Sagrado”, ao qual define como a disposição religiosa do

homem perante algo que o transcende, algo que ele acolhe como diferente de si

próprio e como resposta às suas questões sobre a finitude. Em busca de um estado

de harmonia entre o si mesmo e o mundo, o homem constitui sentidos para as suas

experiências. Novas experiências propiciam novos sentidos, e estes configuram uma

visão de mundo e subjetividades pessoais. Segundo Giovanetti a subjetividade é

constituída pelo mundo no qual estamos inseridos, e ao mesmo tempo o constitui.

Ela expressa tanto a singularidade da pessoa quanto a sua cultura. A cultura é o

lugar da intersubjetividade, ou seja, das subjetividades partilhadas, do encontro

existencial entre os homens.

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

11

De acordo com Ales Bello (1998, p. 38), “O mundo não é somente o conjunto

das coisas físicas, mas é constituído por toda a bagagem de experiência vivencial

que cada ser humano possui e compartilha com o grupo ao qual pertence”. Também

segundo Ales Bello (2004) as manifestações espirituais estão presentes no cotidiano

humano e todas as experiências estão ligadas à razão e à vontade. “A esfera

espiritual é também uma esfera valorativa e, nela são produzidos e conferidos

significados à realidade” (ALES BELLO, 2004, p. 250).

Para Frankl (1990, p. 80), o homem luta por uma vida significativa,

empenhando-se na conquista do sentido. Este autor acredita que a religião é uma

ferramenta utilizada para tentar encontrar sentido para a vida e razão para viver em

meio às adversidades da existência. “A religião é a consciência que o homem tem

da existência de uma dimensão sobre-humana e sua fé básica no sentido último que

reside nessa dimensão”. (FRANKL, 1990, p. 199).

Porém, não é a única forma que o homem encontra para dar sentido à vida.

Como aponta Valle (2005, p. 102),

De um ponto de vista histórico e cultural, a espiritualidade humana se expressou preferencialmente, por milênios, quase só em linguagem e vivências de cunho religioso. No entanto, essa não é a única maneira de ela se expressar. Existem experiências e modalidades de profundo sentido do espiritual que não se identificam com o religioso. Todas as experiências humanas realmente criativas e profundas - até as negativas - podem chegar a propiciar ao ser humano um des-velamento (= tirar o véu que encobre) de sua espiritualidade.

Nesta perspectiva, a espiritualidade é descrita por Valle (2005) como sendo

essencialmente uma busca pessoal de sentido para o próprio existir e para o próprio

agir, ligada a um Ser ou a uma força transcendente.

Consequentemente, “pessoas muito religiosas podem ter horizontes

espiritualmente válidos, ao passo que um ateu pode ser uma pessoa espiritualmente

rica” (VALLE, 2005, p. 102).

Do mesmo modo, Pargament (2007, p. 216) coloca a religião como uma

forma de o homem buscar significado para a sua vida:

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

12

(...) diferente de outras instituições pessoais, sociais, o mundo religioso se envolve na busca pelo significado em poderes maiores (deidades) e nas crenças, experiências, rituais e instituições associadas com essas forças transcendentais. [Tradução nossa].

Amatuzzi (1999, p. 124) acrescenta:

Religião não é coisa que alguém tem ou não tem, que é verdadeira ou não é, mas sim um campo de experiência no qual crescemos ou deixamos crescer. É o campo das indagações últimas, das indagações pelo sentido.

Desse modo, a vivência e a experiência da religiosidade permitem ao

indivíduo indagar sobre o sentido último de sua existência. Nesta perspectiva, a

religiosidade como experiência significativa possibilita um salto para outras

dimensões. Ainda para Amatuzzi (1999), o desenvolvimento e o crescimento global

como pessoa humana no campo da experiência religiosa consistem em levar adiante

as indagações últimas, em abrir-se para experiências novas e significativas que

possibilitem este crescimento, que se articulem ao desenvolvimento religioso,

marcantemente pessoal e transformador, ligado ou não a alguma religião. Este autor

afirma que, independente de vontade, há uma ligação com algo superior, e que esta

ligação determina de certa forma o equilíbrio do ser humano, as suas escolhas, o

seu estilo de vida.

Nesse sentido, Oliveira (2006) argumenta que a religiosidade possui um duplo

aspecto. Primeiro tendo sentido de religião, quando é expressa como exterioridade

através de práticas devocionais, ritos, cumprimento de preceitos, celebrações e

doutrinas; segundo tendo sentido de vivência na interioridade, ao impulsionar à visão

do invisível, à crença no que não pode ser constatado pela razão, em uma Força

Transcendente.

Giovanetti (2005, p. 137) define a espiritualidade como “uma atividade do

nosso espírito, e não necessariamente implica na fé em algum ser transcendente,

característica necessária na vivência da religiosidade”. As experiências espirituais

são vivências significativas que produzem mudanças profundas no interior do

homem, podendo levá-lo à integração consigo e com outros homens. Giovanetti

(2005) acredita, portanto, que conduzir a vida de acordo com valores e significados

atribuídos à própria existência é guiar-se pela espiritualidade, que não tem

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

13

necessariamente relação com a religião.

Como afirma Farris (2005), o significado da existência é construído por meio

dos relacionamentos e da interação com o outro e com o mundo. Ele compreende a

espiritualidade como um fenômeno humano e considera necessário, inicialmente,

que o homem transcenda seu universo de significados pessoais e teóricos para que

a Psicologia e a espiritualidade possam se encontrar.

A “religião” é assim definida por Ancona-Lopez (2005, p. 156):

A religião é estruturada, organizada, estabelece pressupostos, atribui sentidos e valor, define horizontes espaciais e temporais, insere-se no tempo e na história. Permite rever o passado, viver o presente e projetar o futuro.

Já a religiosidade implica a relação com o transcendente, pois se relaciona

com a religião, que pressupõe a existência de um Deus.

Apoiada nessas conceituações, entendo a religiosidade como uma dimensão

da existência humana que supõe uma sensibilidade capaz de levar o homem a se

vincular com o sagrado e a buscar em suas representações elementos necessários

à construção de sentidos para si, para o mundo e para a sua relação com este.

Ancona-Lopez (2005, p. 156-157) afirma que a espiritualidade

(...) não tem limites, contornos, causas lógicas. Abre um vértice infinito de possibilidades e de interpretações. A religião é estruturada, organizada, tem conceitos e linguagem definidos, estabelece pressupostos, atribui sentidos e valor, define horizontes espaciais e temporais, insere-se no tempo e na história. Permite rever o passado, viver o presente e projetar o futuro. (...) a religião, desconectada da espiritualidade, transforma-se em um conjunto de regras institucionalizadas, uma camisa de força que termina por sufocar o sentimento que lhe deu origem.

Segundo a autora, é comum haver certa confusão conceitual entre os termos

“religião”, “religiosidade” e “espiritualidade”, e isso reflete negativamente na difusão

do conhecimento da Psicologia e da Religião. Além da dificuldade, o

desenvolvimento da elaboração teórica naquela área ainda limita as reflexões sobre

a sua prática quando assuntos acerca da religiosidade surgem na clínica.

Segundo Pargament (2007) a espiritualidade é um modo de ser amplo e

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

14

profundo, que abarca praticamente todas as dimensões da vida. A espiritualidade

está presente no cotidiano, revelando-se no modo como pensamos, sentimos,

agimos, nos relacionamos. Para ele podemos encontrar o espiritual em parte de uma

música, no sorriso de um estranho que passa, na cor do céu ao entardecer ou na

oração. Sendo assim, a espiritualidade corresponde a uma dimensão pessoal

afetiva. Trata-se de uma busca sagrada que pode estar contida na religião ou existir

independentemente dela. Ainda de acordo com Pargament (2007), a espiritualidade

é a busca de sentido de unidade e transcendência, e a religião se define pelo

organizacional, pelo ritual e pelo ideológico. No entanto, para ele, o ponto chave da

questão está no conceito de “sagrado”, que possibilita a unificação entre religião e

espiritualidade, uma vez que a religião é a busca do significado pela via sagrada e a

espiritualidade é “a busca do sagrado”. Logo, segundo Pargament, a espiritualidade

é a função central da religião.

Para Teixeira (2005, p. 13-30), a espiritualidade está calcada em valores, e

não em crenças ou dogmas limitantes de ordem religiosa ou psíquica. Ultrapassa a

racionalidade e a linguagem, residindo no que há de mais íntimo no si mesmo.

Conforme o autor, a espiritualidade ocorre no interior da pessoa e, quando efetiva,

reflete-se em mudanças visíveis em sua conduta e em suas relações com os outros

e com o mundo circundante.

Segundo Paiva (2005, p. 40),

se religião denota Deus, o culto, a oração, a espiritualidade, denota também autonomia face à tradição ou à instituição, a busca pessoal de sentido, a afirmação de uma espécie de conexão entre todos os seres e afirmação de uma universalidade dependente de um princípio transcendente.

Ademais, Paiva (2009, p. 69) ensina que a religiosidade é característica do

que é religioso, assim definindo o termo:

(...) uma atitude indiscriminadamente favorável às várias formas religiosas, à composição de elementos oriundos de matrizes religiosas diversas, ao sentido de totalidade e unidade como o conjunto da humanidade com as energias cósmicas e como universo.

Esse autor cita a religiosidade como “uma atração pela religião, em geral com

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

15

ou sem adesão formal a uma religião precisa” (PAIVA, 2009, p. 69) Essa concepção

é sustentada também por Dalgalarrondo (2008), ao citar diferentes estudiosos, como

Larsen, Swyers e Mclough (1998). Segundo os autores citados a religiosidade inclui

não só crenças pessoais — tais como a crença em um Deus ou em um Ser Superior

— mas também crenças vinculadas às práticas institucionais, desfrutadas em função

de uma afiliação compromissada, inclusive com a frequência constante a cultos

relacionados a um determinado sistema doutrinário.

Em suma, o homem busca o significado da sua existência e da vida, e a

religiosidade é um caminho por meio do qual o homem tenta encontrar respostas às

suas questões existenciais. Tanto a religiosidade quanto a espiritualidade são

vividos individualmente. A espiritualidade é um modo de ser amplo e profundo, sem

a ligação necessária com uma religião. Enquanto a religião está relacionada à

prática institucionalizada com pressupostos, ritos, linguagem e símbolos específicos,

a espiritualidade se refere a um domínio mais amplo.

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

16

1. Desenvolvimento religioso

Para compreender como se dá a influência da religiosidade e da

espiritualidade no desenvolvimento de uma pessoa, é necessário dar ênfase aos

momentos em que as vivencia ao longo de sua vida.

Vergote (1998) considera que a riqueza simbólica e cultural de uma dada

religião é uma herança recebida ao nascer, como todo o aparato linguístico e social

do contexto ao qual se pertence. A aderência e a não aderência religiosa no futuro

são reações diferentes a esse mesmo fenômeno, que afeta todas as sociedades,

repercutindo de forma diferente em cada pessoa e em cada momento de sua vida.

Fowler (1992) parte do pressuposto de que a fé humana é fundamental para o

desenvolvimento da fé religiosa, que engloba uma dimensão universal. Desde o

nascimento o ser humano é dotado de capacidades inatas para a fé, e estas

capacidades são desenvolvidas dependendo de como somos recebidos no mundo,

bem como da interação social que estabelecemos com o ambiente. O autor

considera a fé como a forma que cada um dá sentido à vida; a fé é o modo pelo qual

a pessoa vê a si mesma em relação aos outros sobre um pano de fundo de

significados e propósitos partilhados: ela é sempre relacional. Estamos ligados a

outros, partilhamos centros de valor, símbolos e mitos. Independentemente da

crença ou da religião, a fé é a categoria mais fundamental na busca de

relacionamento com a transcendência. E essa relação molda a nossa identidade.

Ainda segundo Fowler (1992), a fé é um sistema dinâmico de valores, imagens e

compromissos que orientam nossa existência e dão realmente sentido à vida,

ajudando-nos a formar um espaço de vida confiável, um ambiente último. Ainda

recorrendo a Fowler (1992, p. 16):

A fé é uma preocupação universal antes de sermos religiosos ou irreligiosos, antes de nos concebermos como católicos, protestantes, judeus ou mulçumanos, já estamos engajados em questões de fé. Quer nos tornemos incrédulos, agnósticos, ateus, estamos preocupados com as formas pelas quais ordenamos a nossa vida. Além disso, procuramos algo para louvar e respeitar, e que tenha o poder de sustentar nosso ser.

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

17

O autor acredita que a fé não pode ser compreendida dentro de uma

perspectiva relativa e que ela somente tem validade nos limites das crenças e das

comunidades onde é manifestada.

Tomando como base Piaget, Kohlberg e Erikson, Fowler trata dos estágios da

fé a partir do seu desenvolvimento e do seu crescimento nas vidas das pessoas e

enfatiza a importância de adotar esta teoria como uma forma de compreender e

explicar os processos de vida, mas tendo em vista que tais processos nunca

poderão ser abarcados em sua complexidade pela teoria.

Para Fowler (1992), cada estágio da fé se desenvolve numa época

circunscrita, relacionada à idade cronológica. Assim, na transição de um estágio

para outro, são importantes as características do processo de maturação biológica,

da idade cronológica e do desenvolvimento psicológico. As características de um

estágio podem estar presentes em outro estágio, independente da faixa etária em

que a pessoa se encontra. Crises, desafios, experiências diversas e mudanças,

podem favorecer ou não a passagem de um estágio para o outro.

O estágio que corresponde a fé sintético-convencional surge na adolescência.

Os aspectos descritos acima, estão mais presentes, pois é uma fase da vida em que

ocorrem grandes transformações, sendo um estágio importante no sentido de

estruturar a passagem para outros estágios da fé. A oposição na adolescência é

reconhecida por Fowler (1992) como típica do pensamento operacional formal, que

possibilita a capacidade de reflexão sobre o próprio pensamento, no qual valores e

crenças são estabelecidos de forma tácita e não são questionados nem examinados.

A pessoa simplesmente tem consciência destes valores e pode se sentir

emocionalmente vinculada a eles, mas não os questiona e, por vezes, pode nem ter

consciência deles. Neste estágio as pessoas tendem a relacionar-se com o

transcendente por meio de símbolos considerados sagrados. É um estágio

conformista, em que dependem do julgamento e da expectativa dos outros sem

conseguir manter uma perspectiva autônoma, na qual a percepção não está

suficientemente segura da própria identidade. Nesta fase os conflitos nas relações

interpessoais e na relação com Deus são mais acentuados.

A transição para o estágio seguinte, a fase do jovem adulto, pode ocorrer a

partir dos conflitos surgidos entre as autoridades valorizadas pela pessoa. Além

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

18

disso, deparar-se com outras perspectivas, que a coloca diante da relatividade de

seus próprios valores e crenças que orientam a sua história de vida. Esta fase é

para Fowler a de fé individuativo-reflexiva. Dos 18 aos 25 anos de idade. Nesse

estágio, a pessoa passa a refletir sobre sua identidade e sobre a forma como vê o

mundo e o vivencia, começa a assumir a responsabilidade por seus compromissos,

estilo de vida, crenças, atitudes e reconhece a complexidade da vida. Ainda nessa

fase há a transposição da autoridade externa para uma autoridade interna, não

somente a autoridade, mas a opinião dos outros serão expostas a crítica interna

mediante escolhas pessoais. Caracteriza-se também como a procura, frequente no

jovem, de uma fundamentação individual para a sua identidade e pelo

desenvolvimento de um ponto de vista próprio, não mais definido pelos papéis ou

significados atribuídos por outras pessoas. Nessa fase, os símbolos e rituais

considerados sagrados em si passam a ser questionados em seus significados. Tal

desmitologização dos símbolos e rituais pode vir carregada por sentimentos de

perda, pesar e até culpa.

Ao estudar o desenvolvimento da religiosidade, Amatuzzi (1999; 2001) relata

que no jovem adulto há uma fase de tomada de decisão diante da vida que envolve

um desafio central no processo de formação do eu. Consiste em passar de certo

fechamento para uma abertura, que permite um relacionamento mais profundo, uma

relação que seja verdadeiramente pessoal, uma experiência de intimidade não só

física, mas religiosa e espiritual. O que surge dessa experiência é verdadeiramente

um novo eu. Assim, para o autor, na fase do jovem adulto uma relação superficial

não é mais suficiente para sustentar uma postura religiosa: a pessoa necessita de

uma fundamentação para as coisas que faz, necessita de uma fase crítica para a

sua religiosidade ou fé, qualquer que seja, ou um modo de ser mais criticamente

refletido. “É tempo de sentir, é tempo de discutir” Amatuzzi (1999, p.136): é

momento de o jovem adulto perceber a importância do pessoal no campo da fé e ser

capaz de falar sobre isso.

Articulando a contribuição de Fowler (1982), penso que o desenvolvimento

religioso assume uma relevância na vida pessoal do ser humano. Como destaca

Hernandez (1996): “a pessoa sempre tem um espaço sagrado e, por conseguinte,

misterioso e cheio de significado”. Assim, a relação dinâmica que se estabelece

entre a dimensão religiosa e o sujeito da fé evolui com seu desenvolvimento

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

19

psíquico, sofre impactos ao longo da sua vida, e também mudanças, o que justifica

destacar o desenvolvimento religioso que ocorre para cada etapa de vida e que irá

somar às experiências pessoais e profissionais. Esta etapa do desenvolvimento, a

do jovem adulto, foi enfatizada em minha pesquisa por se tratar do universo no qual

realizo este trabalho.

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

20

CAPÍTULO II – PSICOLOGIA E RELIGIÃO

UMA ORAÇÃO CELTA - II Que despertes para o mistério de estar aqui e compreendas a silenciosa imensidão da tua presença. Que tenhas alegria e paz no templo dos teus sentidos. Que recebas grande encorajamento quando novas fronteiras acenam. Que respondas ao chamado do teu Dom e encontre a coragem para seguir-lhe o caminho. Que a chama da raiva te liberte da falsidade. Que o ardor do coração mantenha a tua presença flamejante e que a ansiedade jamais te ronde. Que a tua dignidade exterior reflita uma dignidade interior da alma. Que tenhas vagar para celebrar os milagres silenciosos que não buscam atenção. Que sejas consolado na simetria secreta da tua alma. Que sintas cada dia como uma dádiva sagrada tecida em torno do cerne do assombro. Por John O´Donohue

1. A Religiosidade e a Espiritualidade na formação acadêmica

Ao longo da história assistiu-se à sobreposição de diferentes paradigmas. A

busca por maior compreensão sobre a complexidade humana já foi sustentada sob

alguns pilares. Na Idade Média, por exemplo, Deus era o princípio norteador de tudo

e as instituições religiosas, com seus dogmas e rituais, prescreviam condutas morais

a serem seguidas com o intuito de se chegar ao Paraíso. A partir do século XVIII,

com o desenvolvimento da ciência, as áreas do conhecimento começaram

gradualmente a limitar os seus métodos e objetos de estudo ao que era observável e

mensurável. Com a Psicologia não foi diferente, e, no seu campo, prevaleceu o

estudo do comportamento observável e passível de experimentação, atendendo ao

paradigma científico vigente.

Peres (2007) relata que as discussões sobre a religião que prevaleceram no

âmbito da Psicologia no século XX foram trazidas por Freud, que a considerou como

remédio ilusório contra o desamparo. Para ele a crença na vida após a morte

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

21

embasa-se no medo da morte, análogo ao medo da castração e da reação do ego a

um iminente abandono. Massimi e Mahfound (1999) acrescentam, porém, que Freud

era consciente de que a Psicanálise não possuía subsídios suficientes para

interpretar o fenômeno religioso.

Em outras abordagens psicológicas, as experiências espiritual e religiosa

deixaram de ser consideradas fontes de patologias e, em certas circunstâncias,

passaram a ser reconhecidas como provedoras de saúde. Autores clássicos, como

James, Jung, Frankl, Maslow, Allport, Fowler, Grof e Assagioli, afirmam, com base

em vários estudos, que a espiritualidade pode ser um fator de proteção para uma

vasta gama de conflitos psíquicos.

Outros estudos investigam o quanto a espiritualidade pode auxiliar na relação

com a saúde geral (MARQUES, 2000; 2003), em contextos de violência e

desestruturação familiar, no tratamento e na prevenção de dependência química e

do abandono escolar (SANCHES et NAPPO, 2002), nas questões referentes ao

suicídio (ALMEIDA, LOTUFO NETO et KOENIG, 2006), no enfrentamento de

situações estressantes e traumáticas (PANZINI, ROCHA, BANDEIRA et FLECK,

2007), na promoção de qualidade de vida (PANZINI, ROCHA, BANDEIRA et FLECK,

2007) e na abordagem da sexualidade dos jovens (CERQUEIRA-SANTOS, 2008).

Publicações e estudos na área de Psicologia (CAPRA, 1982; 1999; 2005;

2008; AMATUZZI, 1999; 2005; CREMA, 2002; WEIL, 2003; BOCCALANDRO, 2004;

2008; GIOVANETTI, 2004; PAIVA, 2005; VALLE, 2005; SALDANHA, 2008), que têm

como referência diferentes concepções teóricas, continuam a afirmar a dimensão

espiritual do ser humano e a sua importância.

A produção da área aponta para a importância de o psicólogo conhecer,

reconhecer e promover o desenvolvimento dessa dimensão, tornando-se apto ao

seu manejo. Para Ribeiro (2004, p. 14),

O mais alienante descompromisso da ciência e ou da academia para com a verdade humana, para com a totalidade existencial humana, da qual nasce todo e qualquer significado. Tal exclusão tornaria ou torna a Psicologia extremamente pobre, parcial.

Ainda segundo Ribeiro (2004), é importante desenvolver pesquisas nos

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

22

campos da Psicologia e da Religião para contribuir a uma prática psicológica em

uma perspectiva maior. Um dos expressivos avanços nessa direção foi o

comunicado final do colóquio A Ciência diante das Fronteiras do Conhecimento,

conhecido universalmente como a Declaração de Veneza, de 7 de Março de 1986

(D’AMBROSIO, 2011). Em espírito de abertura e com questionamentos aos valores

do nosso tempo, ela resultou de um acordo entre representantes da comunidade

científica sobre aspectos importantes que deram origem à Declaração de

Vancouver, de 15 de setembro de 1989. Ela reconheceu o importante papel das

preocupações espirituais e religiosas na saúde mental das pessoas e enfatizou a

necessidade do conhecimento da realidade de um mundo multireligioso e do

desenvolvimento de uma tolerância capaz de permitir a cooperação mútua entre as

religiões, quaisquer que sejam as suas diferenças.

A Declaração de Vancouver afirma que a evolução da Ciência leva a permitir

a aceitação de outras formas de conhecimento, que dão ao ser humano a

capacidade de recuperar a riqueza das crenças e a variedade de experiências

espirituais. Isso resultou na inserção dos problemas místicos e espirituais no DSM

IV, em 1994, na categoria “Problemas Religiosos ou Espirituais”. Essa inserção

sinalizou aos psicólogos a importância de se refletir sobre a espiritualidade e o seu

papel para a saúde. Apesar dessa indicação, a dimensão espiritual, na prática, ainda

era negligenciada pelos psicólogos. Há que se considerar, no entanto, as mudanças

que vêm ocorrendo, como as práticas científicas que embasam a importância da

espiritualidade e os seus desdobramentos na clínica psicológica. Apesar dessa

perspectiva, a espiritualidade ficou e permanece fora dos cursos Psicologia, embora

os profissionais da área defendam a integração de todas as dimensões humanas.

Em um estudo desenvolvido com o objetivo de investigar o perfil da

religiosidade e da espiritualidade do jovem universitário, Ribeiro (2004) conclui que a

espiritualidade é uma forma de libertação da alienação das forças sociais. Segundo

ele, a espiritualidade do jovem universitário é ampla, mas não encontra espaço para

ser traduzida à universidade.

Há estudos focados na espiritualidade dos psicólogos (MARQUES, 1996;

PERES, SIMÃO et NASELO, 2007), na espiritualidade dos estudantes durante a

formação acadêmica em Psicologia e, principalmente, na importância da

espiritualidade na clínica psicológica (GASTAUD et al, 2006; COSTA et al, 2008).

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

23

Costa et al. (2008) fizeram uma pesquisa com 136 universitários de Psicologia

da PUC-RS e verificaram que 86% dos participantes referiram ter religião, 83,8%

mostraram ter interesse pelo assunto espiritualidade e 77,9% mostraram ter

interesse em discutir o assunto na sua formação. Este estudo mostra a importância

de o tema ter uma inserção na formação acadêmica dos universitários.

Cavalheiro (2010) buscou, em dois estudos, conhecer como a espiritualidade

tem sido abordada na formação em Psicologia e na clínica psicológica. No primeiro

investigou os índices de espiritualidade de calouros e de formandos de Psicologia de

universidades gaúchas. Utilizou-se de um questionário biossociodemográfico, da

Escala de Bem-Estar Espiritual (EBE) e da Subescala de Espiritualidade,

Religiosidade e Crenças Pessoais SRPB-WHOQOL-100. Participaram deste

primeiro estudo 1064 estudantes de Psicologia (672 calouros e 392 formandos). Os

resultados revelaram índices de espiritualidade menores nos formandos, quando

comparados aos calouros de Psicologia. O número de formandos que disseram

acreditar em Deus e/ou em uma força superior foi significativamente inferior ao de

calouros. Os resultados demonstraram que o bem-estar espiritual dos formandos em

Psicologia também é inferior ao dos calouros do mesmo curso: conclui-se que a

formação acadêmica em Psicologia exerce influência significativa sobre o declínio

nos níveis de bem-estar espiritual dos futuros psicólogos.

Em uma segunda investigação, para aprofundar a compreensão sobre a

espiritualidade na formação e na clínica psicológica, Cavalheiro (2010) realizou um

estudo qualitativo com formandos de universidades; os participantes referiram-se à

espiritualidade como algo negado e rechaçado durante a graduação. Os grupos de

maior índice de bem-estar espiritual a consideraram inerente ao humano e sentiam-

se despreparados para atender a demanda sobre o tema na clínica psicológica,

tendo que buscar conhecimentos fora do ambiente acadêmico. Os grupos de menor

índice de bem-estar espiritual consideraram a espiritualidade irrelevante.

Esta pesquisa apontou para a necessária inserção do conhecimento sobre a

espiritualidade na formação acadêmica em Psicologia, para que o psicólogo possa

lidar com a dimensão espiritual da mesma forma que lida com outras dimensões na

clínica psicológica (CAVALHEIRO, 2010).

De acordo com Cavalheiro (2010), para os formandos a importância da

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

24

espiritualidade na clínica psicológica, no enfrentamento de situações cotidianas e na

busca do autoconhecimento, da qualidade de vida e da saúde mental também foi

considerada menos relevante do que para os calouros. A autora observa que os

posicionamentos dos formandos de Psicologia reforçam a ideia de que a

espiritualidade deve estar sendo negligenciada ou reprimida na formação acadêmica

dos alunos. Tais resultados apontam para a necessidade de reavaliação da

abordagem do tema no curso.

Segundo Ancona-Lopez (2005), confusões conceituais entre os termos

“religião”, “religiosidade” e “espiritualidade” refletem-se negativamente na difusão do

conhecimento da Psicologia da Religião, além de dificultarem o desenvolvimento de

elaboração teórica nessa área, atitude limitadora para reflexões sobre a prática

terapêutica acerca da religiosidade. Lembra também que os psicólogos interessados

em Psicologia e Religião devem evitar o reducionismo de uma área em outra.

Salienta que é necessário saber, prudentemente, penetrar nos caminhos de uma e

de outra, estabelecendo pontes entre elas sem confundir suas competências e

especificidades. Ancona-Lopez (2005) afirma que, nos currículos dos cursos de

Psicologia em nosso país, salvo algumas exceções, dificilmente são encontrados

conteúdos que abordem a religião. Assim, os psicólogos têm poucas possibilidades

de inserir suas experiências espirituais e religiosas no universo acadêmico e integrá-

las aos conhecimentos psicológicos e, consequentemente, encontram dificuldades

para desenvolver uma ação psicológica congruente na vida profissional.

Cesar (2007, p. 135) relata, em sua pesquisa, que uma de suas

colaboradoras, uma psicóloga,

Não encontrou a abertura que lhe permitisse ser ela mesma, considerando as influências recebidas da sua religião; teve grandes empecilhos para elaborar sua visão de homem e do mundo fundamentada na Psicologia. Isso fez com que sua prática não tivesse um embasamento teórico consistente, utilizando-se de recortes descontextualizados de várias abordagens (...) sua atuação passou a ser direcionada exclusivamente pelos fundamentos de sua religião, supervalorizando a dimensão espiritual em detrimento das outras dimensões, como a física, a psíquica e a social, reduzindo a origem dos problemas a uma explicação fundamentada somente no espiritual.

Vergote (2002, p. 106) afirma que, embora a competência da Psicologia no

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

25

domínio da Religião tenha limites, não lhe cabe explicá-la: os psicólogos precisam

conhecer o modo como o homem se relaciona com o discurso religioso.

Como aponta Ancona-Lopez (2005), a falta de abertura para o tema Religião

nos cursos de Psicologia impossibilita que ocorram a elaboração e a assimilação

reflexiva das vivências espirituais, o que gera um grande distanciamento entre as

experiências pessoais e a linguagem profissional. Dificulta-se, desse modo, um

diálogo interno e externo consistente. Para a autora torna-se relevante, além do

estabelecimento de uma linguagem religiosa para a experiência espiritual, incluir

esta experiência “em um discurso compartilhado, que permita a sua discussão e

reflexão. Significa dar-lhe um contorno, impedindo que se disperse em uma

irrealidade ou na total subjetividade” (ANCONA-LOPEZ, 2005, p. 156). Por outro

lado, Ancona-Lopez (2005) considera que, em um ambiente propício e acolhedor, os

psicólogos descrevem suas experiências em formas espirituais carregadas de

afetividade e poesia. Dificilmente, no entanto, esses mesmos psicólogos conseguem

expressar suas vivências espirituais quando se utilizam de uma linguagem

psicológica. Isso ocorre porque sentimentos, valores e crenças ficam distantes dos

pressupostos das teorias de sua escolha. Para Ancona-Lopez (2005), as teorias

psicológicas não dão conta do fenômeno religioso e espiritual e mostram-se

reducionistas diante da vasta gama da experiência humana.

Ribeiro (2004, p. 14) considera que a Psicologia, principalmente a acadêmica,

tem se comportado como se a religião não existisse. No entanto, “Por trás da

relação religião e espiritualidade, a Psicologia encontra sempre o fantasma de

Deus”. O autor destaca ainda:

O psicólogo não tem que acreditar em Deus ou ser religioso, mas precisa aprender a conviver com um Deus que mora na sua humanidade ou no cosmos e que se expressa, frequentemente nos homens, nos nossos clientes por meio de gestos que incluem fé, amor, esperança e, também muitas vezes, medo, temor e angústia.

O fato é que ainda hoje a espiritualidade permanece fora do currículo e da

formação acadêmica em Psicologia na maioria das universidades. Pargament (2007)

mostra que, quando estes temas aparecem em sala de aula, o docente os aborda

em diferentes enfoques, dependendo da forma como ele vive e compreende sua

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

26

própria religiosidade e espiritualidade.

Paiva (2002) discute a presença da religião dentro das universidades por

meio de estudos feitos com pesquisadores de diversas áreas. Ele nota que a

aderência ou não a uma religião está mais ligada a aspectos pessoais e psicológicos

do que às elaborações críticas e às posturas epistemológicas. Acredita que,

possivelmente, a postura dos docentes interfira na formação dos graduandos.

Apesar de todas estas considerações, o diálogo entre a Psicologia e a

Religião não é suficientemente consistente para romper com os preconceitos

existentes no universo acadêmico e, assim, contribuir para uma melhor

compreensão da dimensão espiritual nas discussões científicas. Em suma, no que

diz respeito à Psicologia, urge a necessidade de uma ampliação na formação

acadêmica dos psicólogos, que não consegue abarcar a múltipla variedade de

avanços alcançados pela Psicologia como ciência e profissão.

A mim interessa, sobremaneira, o mundo vivido, que é o solo originário de

nossas experiências, onde os fenômenos surgem com suas significações: é o nosso

espaço vivencial. É aí que busco a compreensão do modo de viver das pessoas, das

coisas que as rodeiam, sua cultura, sua religiosidade, seu modo de sentir e de

significar suas vivências. Desde o início desta dissertação construo um olhar que me

permita captar as experiências religiosas e espirituais dos alunos no curso de

formação de psicólogo.

2. Religiosidade e espiritualidade na Psicologia Clínica

Sendo a Psicologia Clínica o campo que lida com a subjetividade e as

vivências singulares, são muitos os aspectos a que os profissionais devem estar

atentos quando o tema religiosidade e espiritualidade aparece. Segundo Amatuzzi e

Antunes (2006), questões que as envolvem atualmente estão muito presentes na

atividade clínica. Diversas pesquisas mostram que a maioria das pessoas que a

procuram são religiosas ou acreditam em Deus.

Segundo Ancona-Lopez (1999), no Brasil, no final do século XX, em média

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

27

90% dos clientes que buscavam psicoterapia identificavam-se com alguma religião,

86% acreditavam em Deus, 49% frequentavam alguma instituição religiosa e 47%

consideravam a fé muito importante em suas vidas.

Shafranske e Malony (1990) apontam quatro motivos principais para que se

considere a religiosidade do sujeito na clínica psicológica: a relevância da religião na

cultura, a incidência do fenômeno religioso na clínica psicológica, as relações entre

religiosidade e saúde mental e a consideração dos valores na prática clínica.

Ancona-Lopez (1999) aponta que hoje nenhuma abordagem em Psicologia

ignora o meio cultural na formação da subjetividade. A cultura apresenta diferentes

nuances na história e na formação pessoal de cada ser humano, além de ser uma

fonte significativa de valores que incidem positiva ou negativamente na saúde

mental. Ancona-Lopez (1999) recorda que desde 1992 a American Psychological

Association recomenda, nos Princípios Éticos dos Psicólogos e em seu Código de

Conduta, que os profissionais de Psicologia considerem as diversidades culturais

dos clientes – o que inclui a religião – para garantir a competência dos serviços

prestados a partir de um princípio fundamental: o respeito pelo outro.

Em nota pública de 02 de fevereiro de 2012, o CFP (Conselho Federal de

Psicologia) publicou esclarecimentos sobre Psicologia e religiosidade no exercício

profissional, conforme segue:

Não existe oposição entre Psicologia e religiosidade, pelo contrário, a Psicologia é uma ciência que reconhece que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na constituição da dimensão subjetiva de cada um de nós. A relação dos indivíduos com o “sagrado” pode ser analisada pela (o) psicóloga (o), nunca imposto por ela (e) às pessoas com as quais trabalha. Assim, afirmamos o respeito às diferenças e às liberdades de expressão de todas as formas de religiosidade conforme garantidas na constituição de 1988 e, justamente no intuito de valorizar a democracia e promover os direitos dos cidadãos à livre expressão de sua religiosidade, é que o Código de Ética Profissional da (o) psicóloga (o) orienta que os serviços de Psicologia devem ser realizados com base em técnicas fundamentadas na ciência psicológica e não em preceitos religiosos ou quaisquer outros alheios a esta profissão.

Angerami (2004) acrescenta que os psicólogos precisam considerar suas

próprias características pessoais, educacionais, étnicas e religiosas, bem como

respeitar as de seus pacientes.

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

28

Ancona-Lopez (2005) considera que o silêncio existente na Psicologia e na

academia sobre o assunto contrapõe-se ao aumento na demanda clínica de

questões acerca da espiritualidade. Como tal demanda é observada de forma clara e

crescente nos consultórios, é preciso recuperar os estudos na área, incluindo-os no

campo acadêmico e profissional da Psicologia. Há necessidade de legitimar a

preparação e a instrumentalização dos profissionais de Psicologia Clínica nos níveis

teórico, técnico e ético desde a formação universitária. A compreensão e o

acolhimento das experiências espirituais e religiosas exigem que o psicólogo

desenvolva habilidades para tratá-las abertamente e conheça suas peculiaridades.

Segundo Coliath (2007), cada vez mais os psicólogos deparam-se com

questões sobre religiosidade e espiritualidade em seus consultórios, o que lhes

exige atenção sobre esses assuntos. Para a autora, entretanto, os psicólogos não

estão preparados para lidar com a temática. Menciona que, em sua própria

formação, foi orientada a não aprofundar tais questões com os clientes nem abordá-

las na clínica psicológica.

Para Ancona-Lopez (2008) a dificuldade em relação a essa questão é

acentuada pelo pouco contato que os alunos têm com os estudos de Psicologia da

Religião nos cursos de formação de psicólogos. Comumente o psicólogo conhece

apenas posições da Psicologia que excluem as experiências religiosas do âmbito de

seus estudos ou as consideram como patológicas. Ainda segundo a autora, a

dificuldade do psicólogo de compreender a integração entre suas teorias, sua

religiosidade e os conteúdos religiosos apresentados na clínica decorre também da

falta de estudos, reflexões e interesse da Psicologia pelo tema.

Angerami (2004) reforça esta ideia ao dizer que para o exercício da Psicologia

Clínica requer-se uma revisão, uma atualização e uma ampliação profundas dos

princípios vigentes. No papel dos psicólogos clínicos como agentes e sujeitos em

transformação urge incluir uma reflexão sobre a postura desses profissionais frente

à espiritualidade humana; isso inclui refletir sobre o papel que a formação

acadêmica em Psicologia exerce sobre a espiritualidade dos próprios psicólogos e

sobre a forma como esta dimensão é abordada na prática psicológica. No caso da

Psicologia, e ainda mais na clínica psicológica, o compromisso essencial com o

outro ganha dimensões ricas e profundas quando se considera a espiritualidade.

Assim, é fundamental o reconhecimento e o desenvolvimento da dimensão espiritual

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

29

do próprio psicólogo, para seu posterior encontro pleno com o outro, conferindo-lhe

verdadeira significação.

As teorias em Psicologia reservam pouco espaço para a dimensão religiosa

do ser humano e, consequentemente, os profissionais que se mostram preocupados

em compreender melhor a religiosidade nem sempre estão seguros em relação ao

procedimento clínico adequado. Ancona-Lopez (2007, p. 201) acrescenta:

Eles ficam impedidos de brincar com suas teorias e crenças, no sentido de construir e desconstruir, e sem essa atividade dificilmente encontrarão, mais tarde, realização e satisfação no seu trabalho.

Ancona-Lopez (1999) argumenta que lidar com os próprios preconceitos é a

maior dificuldade enfrentada pelo psicólogo clínico quando este procura conhecer a

religiosidade do seu cliente. Outro obstáculo decorre da dificuldade em encontrar

uma abordagem que lhes dê suporte teórico, visto que poucas perspectivas em

Psicologia contemplam a dimensão religiosa e espiritual.

O psicólogo encontra-se muitas vezes perdido e vai buscar referências em outras disciplinas ou em sua própria experiência. O problema que o psicólogo clínico enfrenta é a ausência de eixos referenciais que o auxiliem a refletir e considerar as experiências religiosas quando elas aparecem na clínica. (Ancona-Lopez, 1999, p.77).

Luczinski (2005) complementa as colocações acima argumentando que a

dimensão pessoal do psicólogo também interfere na forma como este acolhe a

dimensão religiosa nos seus alunos e nos seus clientes.

Para contribuir com essa reflexão, Ancona-Lopez (1999, p. 78-82) apresenta

as quatro categorias de desenvolvimentos da experiência religiosa de Wulff (1997), a

partir das quais avalia diferentes situações ligadas à atitude do psicólogo frente ao

tema na clínica psicológica:

1. Negação Literal – Esta atitude assume que a linguagem religiosa deve ser entendida de forma literal, porém rejeita todo o conteúdo nela apresentado. Os psicólogos nesta posição desconsideram a singularidade das experiências religiosas, o milagroso, e hipervalorizam os princípios formais do conhecimento. Os profissionais que adotam esta atitude tendem

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

30

a ignorar a religiosidade do sujeito ou reduzem a religião a um conjunto de afirmações irracionais a serem extirpadas ou apropriadas pelas ciências para serem explicadas racionalmente. O paciente nessa posição encontra-se fechado à linguagem simbólica. 2. Afirmação Literal – Diz respeito à afirmação literal do objeto religioso. Os psicólogos nesta posição aceitam os conhecimentos das teorias psicológicas, desde que não se choquem com suas crenças. É atitude dos fundamentalistas e dos religiosos ortodoxos. A atitude frequente desses psicólogos é a de atuar a partir do ponto de vista de sua religião e da visão de homem nela contida, valendo-se basicamente de generalizações idealizadas e de um conjunto de regras de comportamento. Esta forma de atuação choca-se com a proposta do atendimento clínico que propõe uma aceitação total do paciente. 3. Interpretação Redutiva – Vê a religião como um fenômeno social ultrapassado e ingênuo, excluindo a transcendência da linguagem e as práticas religiosas. Esta atitude assemelha-se muito com a negação literal. Os psicólogos nesta posição buscam perspectivas científicas para interpretar, a partir delas, os conteúdos religiosos. O objetivo implícito nesta atitude é o de transformar ou eliminar o campo religioso, reduzindo-o a outras áreas. 4. Interpretação Restauradora – É a atitude que considera a especificidade da experiência religiosa. Os psicólogos nesta posição examinam as crenças e posicionamentos pessoais de seus pacientes e buscam compreender e aproximar-se do fenômeno religioso abrindo-se para as vivências, símbolos e metáforas que o paciente traz. Esta atitude implica em humildade epistemológica e clareza quanto aos próprios pressupostos e adesões religiosas.

A autora ressalta que o modelo proposto por Wulff é dinâmico e que as

pessoas mudam de uma posição para outra de acordo com as situações vividas.

Esses posicionamentos frente ao religioso articulam-se entre a dimensão pessoal,

teorias de apoio e crenças de cada profissional. Ancona-Lopez (1999) ressalta a

impossibilidade de separação entre as esferas pessoal, cultural e profissional do

psicólogo. Schoenfeldo (1993) concorda com a autora, acrescentando que alguns

profissionais consideram apenas os aspectos patológicos das crenças religiosas de

seus clientes.

Safra (2004) comenta a necessidade de acolhimento da experiência religiosa

na clínica. Para esse autor, o fato de compartilhar algo estando junto com a pessoa

no que ela vivencia é o caminho para o seu crescimento. Por meio da experiência

religiosa dos clientes é possível conhecê-los melhor em suas singularidades. A

tarefa do terapeuta é buscar o sentido religioso do cliente, que revela o modo de ser

da pessoa e as respostas encontradas por ela para sua existência.

De acordo com Ancona-Lopez (2005), torna-se essencial à escuta psicológica

o reconhecimento e desenvolvimento da dimensão espiritual, em primeiro lugar a do

próprio psicólogo, para o encontro pleno com o outro, conferindo-lhe verdadeira

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

31

significação. Para a autora, a escuta genuína acolhe a experiência, que vai além do

que a fala ou dos sentimentos de expressão. A ansiedade em dar respostas e achar

soluções ao paciente muitas vezes afasta as questões religiosas quando estas

aparecem de formas desesperadas ou conflitantes para o psicólogo.

Segundo Luczinski (2005) a questão da escuta merece especial atenção por

ser a primeira atitude desenvolvida pelo Psicólogo e, ao contrário do que se pensa,

não é natural e espontânea, é difícil de desenvolver e é preciso estar por inteiro e

totalmente presente na relação com o outro, o que não é tarefa fácil.

Para Shafranske e Malony (1990) os psicólogos devem ter um olhar atento à

incidência do fenômeno religioso na clínica psicológica, levando em consideração os

valores implícitos e explícitos presentes na prática clínica. No entanto, segundo

Ancona-Lopez (1999), o que se observa na prática é que muitos psicólogos têm

dificuldade em compreender essa temática naquilo que ela possui de específico

como manifestação humana e, portanto, ficam sem saber como lidar com a

religiosidade e a espiritualidade nos atendimentos. Segundo a autora, os psicólogos

refletem sobre seus clientes à luz de teorias de suas escolhas e, na medida em que

estas não contemplam a religiosidade, eles ficam sem referenciais para lidar com a

questão e optam, muitas vezes, por procurar orientação em outros campos do

conhecimento ou apenas em suas experiências pessoais.

Ancona-Lopez (2007) complementa que na estrutura da Psicologia são

desconsideradas as histórias pessoais dos alunos e é inibida a exteriorização de

suas crenças religiosas e espirituais: é neste aspecto que elas são desqualificadas

na formação do psicólogo e, portanto, apresentam-se como geradoras de

sofrimento.

Complementando Safra, Amatuzzi (2007) chama a atenção para o risco de se

banalizar a experiência religiosa, ressaltando que tanto a experiência quanto a fé

devem ser considerada na prática clínica. Caso isso não aconteça corre-se o risco

de a prática clínica ser transformada em modelos prontos, o que prejudica o ser

humano ao criar-se uma ilusão de integração pessoal.

Segundo Pargament (2007), a opção espiritual ou religiosa pessoal não se

traduz, necessariamente, em recursos eficazes para o terapeuta conduzir uma

psicoterapia espiritualmente integrada, pois a compreensão da espiritualidade e da

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

32

religiosidade exige uma preparação formal. Ele salienta seis recomendações para tal

preparação:

1. Um seminário sobre Psicologia da Religião e Espiritualidade na graduação que introduza os alunos à rica e contemporânea literatura, tanto teórica quanto empírica, a respeito desses tópicos. 2. Um curso de Religião Comparada que ofereça aos alunos uma visão geral da diversidade de tradições religiosas, crenças e práticas que existe no mundo. 3. Um curso em Psicoterapia Espiritualmente Integrada que ofereça aos alunos meios de compreender, avaliar e lidar com a religiosidade, tanto como fonte de problemas, quanto de soluções em Psicoterapia. 4. A integração de assuntos espirituais em outras disciplinas da graduação, incluindo Psicopatologia, várias formas de Psicoterapia, Supervisão e Manejo Clínico. 5. Supervisão de casos clínicos que considere a espiritualidade de forma sensível. 6. Educação continuada em espiritualidade que possa atualizar os terapeutas em relação aos desenvolvimentos recentes e aos avanços nesta área de estudo e prática que crescem rapidamente. (tradução nossa)

Pargament (2007) enfatiza que a educação espiritual busca criar

oportunidades para que os alunos estudem, envolvam-se, debatam valores, tópicos

e interesses no campo espiritual.

Observa-se que o docente tem papel de influência no direcionamento dos

alunos. Existem problemas de ordem cultural; dentre eles chama a atenção o

relacionamento passivo entre alunos, professores, currículos e programas. Os

professores tornam-se meros reprodutores de conhecimentos que os alunos os

assimilam sem questionamento crítico (ANCONA-LOPEZ, 2007).

O docente deve lembrar que o ouvir ativo é um recurso para o

desenvolvimento de um relacionamento de confiança que permita que o outro fale

sem medo de ser julgado ou ignorado. Mahoney e Almeida (2004) entendem que o

ouvir ativo é uma atitude do professor em relação ao aluno que mostra a vontade de

compreender do professor, seu desejo de captar o que está por trás da fala, o que

está intrínseco na mensagem e identificar os sentimentos presentes naquela

situação. É na educação que o diálogo fará sentido e que o aluno poderá identificar

os pressupostos da prática psicológica, por meio da atuação de um docente que

tenha ouvir ativo e abertura para discutir assuntos religiosos e espirituais de forma

que os alunos compreendam como lidar com estas questões na prática clínica.

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

33

Nas palavras de Esteves (2009, p. 41):

O papel do professor visa a uma ação, que desemboca na formação integral do aluno, com consequências para a sociedade como um todo. Implica, então, acolher todo tipo de assunto que seja mobilizado no ensino de sua disciplina. É preciso ir além da objetividade exclusiva, imposta pela ciência tradicional, incorporando diferentes dimensões ao campo educacional: a relação com o contexto, a reflexão crítica sobre os conceitos, a valorização da singularidade dos estudantes.

Esteves (2009) entende que a docência traz como resultados ações que nas

práticas pedagógicas e educativas são refletidas na relação dos alunos com seus

contextos e, especificamente no caso dos estudantes de Psicologia, refletirá em

suas relações com seus clientes e na prestação de um serviço mais ético. A autora

complementa:

Psicologia e educação estão intimamente relacionadas, pois lidam com a pessoa na totalidade. O psicólogo acadêmico, que exerce a docência e a supervisão, encontra-se na interseção dessas duas áreas do saber, devendo estar atento às exigências éticas de ambos os campos. Incluir o tema da religião faz parte do trabalho do psicólogo clínico, tanto quanto do educacional, que se ocupa de ações pedagógicas e de formação. a forma de tratar o tema será diferente, indo pela via da experiência no primeiro caso e da teoria no segundo, mas ambos são aspectos fundamentais presentes na pessoa em sua relação com o mundo.

Luczinski (2005) alerta para a necessidade urgente de estabelecer um diálogo

entre a Psicologia e a Religião. Complementa que alguns esforços têm sido feitos

nesse sentido, inicialmente fora do Brasil, defendendo este diálogo e apontando

formas de efetuar sua inclusão na Psicologia, além de trazer questões presentes

nessa interface (VERGOTE, 1998; SHAFRANSKE,1996). Os autores aqui citados

concordam que esse diálogo faz-se necessário para buscar uma forma de

integração deste tema à teoria e à prática. Na busca pelo diálogo entre Religião e

Psicologia procuro compreender a religiosidade e espiritualidade dos alunos no

curso de formação de psicólogo.

Todas as questões levantadas até aqui apontam para a necessidade de

aprofundar-se no tema. Penso que o papel do psicólogo é tentar resgatar, junto ao

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

34

ser humano, seu bem-estar e sua singularidade. Para desempenhar essa função, é

preciso abrir-se em uma postura desprovida de preconceitos, carregada de respeito

pela necessidade, pelo sofrimento, pelo desejo e pelo universo do outro, incluindo

suas experiências religiosas e espirituais.

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

35

CAPÍTULO III – MÉTODO

UMA ORAÇÃO CELTA - III Que atendas ao teu anseio de ser livre. Que as molduras da tua integração sejam suficientemente amplas para os sonhos da tua alma. Que te levantes todos os dias com uma voz de bênção murmurando em teu coração que algo de bom te vai acontecer. Que encontres uma harmonia entre a tua alma e a tua vida. Que a mansão da tua alma nunca se torne um local assombrado. Que reconheças o anseio eterno que vive no cerne do tempo. Que haja benevolência no teu olhar quando contemplares o teu íntimo. Que nunca coloques muros entre a luz e ti. Que o teu anjo te liberte das prisões da culpa, medo, decepção e desespero. Que permitas que a beleza espontânea do mundo invisível te recolha, cuide de ti e te inclua na integração. Por John O´Donohue

1. Objetivo

Esta pesquisa busca compreender a religiosidade e a espiritualidade dos

alunos no curso de formação de psicólogo.

2. Caminhos da Pesquisa

No desenvolvimento desta pesquisa, após expor os caminhos que me

levaram à escolha do tema, empreendi a leitura de autores de Psicologia

relacionados a questões do tema religiosidade e espiritualidade, movida por meus

questionamentos iniciais a respeito das frequentes manifestações dos psicólogos

sobre as dificuldades encontradas para tratar de assuntos relacionados a ele

durante a graduação. Esses autores enfatizam a religião, a religiosidade e a

espiritualidade como formas constituintes do ser humano e mostram a importância

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

36

das crenças espirituais na constituição de sentido das experiências vividas pelas

pessoas. A literatura que aborda o assunto mostra as dificuldades encontradas por

parte dos psicólogos em seus cursos para tratar de assuntos religiosos e o

sofrimento decorrente dessa pouca abertura por parte dos docentes. Considerei que

conhecer a religiosidade e espiritualidade dos alunos no curso de formação de

psicólogo poderia ajudar a compreender melhor essa questão e oferecer condições

aos próprios alunos para refletirem sobre o tema.

3. Pesquisa Qualitativa

Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Para Chizotti (2003, p. 221) o termo

qualitativo “implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem

objetos de pesquisa, para extrair deste convívio os significados visíveis e latentes

que somente são perceptíveis a uma atenção sensível”. A pesquisa qualitativa

permite compreender que sentidos a vivência adquire para a pessoa, possibilitando

uma reflexão que mostre os significados que atribui a estas vivências, constituídos

por crenças e valores pessoais e culturais em sua trajetória. Na pesquisa qualitativa

constroem-se os caminhos perseguindo-se os objetivos, o que significa que cada

pesquisador fará o seu caminho de pesquisa.

Para atingir o objetivo proposto nesta pesquisa, compreender a religiosidade

e a espiritualidade dos alunos no curso de formação de psicólogo, entrevistei dois

graduados do último ano letivo de um curso de Psicologia.

Como critério para a escolha dos entrevistados considerei o tempo de

ingresso na graduação em Psicologia, optando por alunos do último ano letivo,

período em que se supõe já terem adquirido os conhecimentos propostos pelo curso

e já estarem realizando estágios na área clínica, quando se começa a aplicar os

conhecimentos adquiridos. Utilizei esse critério porque a clínica-escola é o lugar no

qual os estagiários começam suas práticas como futuros psicólogos e,

consequentemente, voltam-se para o outro e penetram em suas vivências, incluindo

a religiosa e a espiritual, possibilitando, assim, a melhor reflexão dos conteúdos

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

37

aprendidos.

Outros critérios foram terem entre 20 e 25 anos, valorizarem a vida religiosa e

espiritual e terem condições de expressar seus sentimentos e pensamentos a

respeito do tema da entrevista.

Quanto ao critério da idade, levei em consideração os estudos de Fowler

(1992) sobre o desenvolvimento espiritual, sendo a vida adulta marcada pelo estágio

denominado “individual-reflexivo”. A crença deixa de ter como referência o grupo e

passa a ter como referência o próprio indivíduo, tornando-se parte integrante da

identidade pessoal. A importância desta fase relaciona-se com a capacidade do

indivíduo de refletir criticamente sobre a sua identidade e a sua vida, assumindo

uma atitude mais dialética.

Inicialmente, o objetivo da pesquisa foi exposto aos alunos do último ano do

curso de Psicologia por um supervisor, solicitando que os interessados no tema se

manifestassem.

Foram escolhidos dois colaboradores: Rodrigo e Roberta.

Usei como instrumento de pesquisa a entrevista semidirigida.

Gil (1999) observa que a entrevista semidirigida, embora livre, aborda um

tema específico; isso permite ao entrevistado falar espontânea e naturalmente sobre

o assunto e ao entrevistador agir na recondução do tema original quando o

colaborador se desvia muito dele.

Segundo Bardin (2011), esse tipo de entrevista permite ao entrevistado uma

fala espontânea sobre aquilo que viveu, sentiu ou pensou a respeito do tema

proposto. Cabe ao entrevistador expor a questão que pretende conhecer, dar

liberdade aos entrevistados para falarem sobre ela, clarear e aprofundar as

colocações dos entrevistados e reconduzi-los ao tema, se necessário.

Amatuzzi (2001) reforça a importância de se estar aberto ao outro, em uma

atitude de aceitação e compreensão. Diríamos que o vivido é surpreendido na

relação pela própria pessoa, que então o comunica facilitado pelo pesquisador.

Após a escolha dos colaboradores conforme os critérios estabelecidos,

telefonei para cada um deles marcando dia e horário de sua preferência, em local

que garantisse privacidade e tranquilidade durante as nossas conversas. Ao iniciar

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

38

as entrevistas solicitei permissão para que fossem gravadas em áudio e pedi a cada

um que assinasse o termo de consentimento para uso do material. Observei todos

os cuidados éticos para a pesquisa com humanos, conforme o projeto de pesquisa

que passou pela avaliação do Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo e recebeu parecer favorável (Protocolo de Pesquisa nº 317/2011). No

termo de Consentimento Livre e Esclarecido (em anexo) foi assegurada a

privacidade do participante, a confidencialidade das informações fornecidas (o que

implicou a modificação de seus nomes, dados e locais que possibilitassem sua

identificação, e ofereceu autonomia e decisão para, a qualquer momento, poder

desistir da mesma sem constrangimentos). Expliquei a importância da pesquisa para

a compreensão e o auxílio de outras pessoas em situações semelhantes.

Foi enfatizado aos colaboradores que, caso a pesquisadora observasse a

necessidade de mais um encontro, ele seria realizado para dar continência aos

sentimentos e às emoções advindos da situação vivenciada. Cada entrevista, com

duração aproximada de uma hora e meia, foi conduzida de modo que os

colaboradores se sentissem sem reservas, seguros e livres para relatar suas

vivências. Eles ficaram à vontade durante a entrevista e se expressaram

espontaneamente.

As entrevistas foram transcritas na íntegra e entregues aos colaboradores

para que alterassem aquilo que não correspondesse aos seus relatos; não houve

qualquer modificação.

Posteriormente, realizei uma leitura da transcrição das entrevistas; procurei

reportar-me novamente ao momento do encontro no intuito de tornar cada relato

familiar. Em um primeiro momento ouvi e reli todas as duas, procurando imergir no

relato sem a preocupação de interpretar o que ali estava escrito. Depois fiz várias

leituras na tentativa de alcançar o que os entrevistados haviam relatado e elaborei

uma síntese de cada entrevista. Com uma leitura mais atenta e detalhada, a partir

da síntese, analisei o conteúdo das entrevistas considerando a repetição e a

frequência dos temas que iam ao encontro do objetivo da pesquisa e o apresentei

em forma de relato descritivo, tecendo considerações em diálogo com os autores

pesquisados.

Após a elaboração da síntese individual foi feita a análise em conjunto, para

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

39

fornecer um contexto para o alcance dos objetivos da pesquisa, constituindo assim

uma análise descritiva. Cada tema foi tratado na análise em concordância com o que

se extraiu de cada entrevista, mencionando a visão de Rodrigo e a de Roberta e

complementando com o conteúdo teórico referente àquele aspecto, o que permitiu o

alcance do objetivo da pesquisa.

Nas conclusões a análise decorrente dos dados oportunizou reflexões sobre a

religiosidade e a espiritualidade dos alunos no curso de formação de psicólogo.

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

40

CAPITULO IV – SÍNTESES DAS ENTREVISTAS DE ROBERTA E DE

RODRIGO

UMA ORAÇÃO CELTA - IV Que sejas abençoado nos Nomes Sagrados daqueles que suportam a nossa dor pela montanha da transfiguração acima. Que conheças o suave abrigo e a graça restauradora quando fores chamado a resistir na morada da dor. Que os pontos de escuridão no teu íntimo se voltem na direção da luz. Que te seja concedida a sabedoria de evitar a falsa resistência e, quando o sofrimento bater à porta da tua vida, sejas capaz de lhe vislumbrar a dádiva oculta. Que sejas capaz de enxergar os frutos do sofrimento. Que a memória te abençoe e te abrigue com a arduamente obtida luz do esforço passado, que isso te dê confiança e segurança. Que uma janela de luz sempre te surpreenda. Que a graça da transfiguração te cure as feridas. Que saibas que, embora a tempestade possa rugir, nem um fio do teu cabelo será magoado. Por John O´Donohue

1. Síntese da Entrevista com o Rodrigo

Rodrigo é natural do Estado de São Paulo, tem 23 anos e é filho adotivo de

uma família de classe média. O pai era engenheiro e a mãe é dona de casa;

decidiram adotá-lo antes que completasse um ano de idade pela impossibilidade de

terem filhos. Os pais lhe proporcionaram educação em escolas particulares e com

nível de ensino de qualidade. Aos seis anos perdeu o pai em um acidente e em seu

relato mencionou ter sido muito difícil este período para a mãe, a partir de então

sozinha e com um filho pequeno para criar. Como era dona de casa, teria que

enfrentar a vida de outra maneira. Lembra-se do pai como um homem romântico,

conforme suas palavras, “apesar de ter sido militar rígido e correto”.

Inicialmente pensou em seguir a profissão do pai, Engenharia, mas percebeu

que as angústias humanas chamavam-lhe a atenção, optando, assim, por cursar

Psicologia. Rodrigo fez esta escolha porque acreditava que o conhecimento a ser

adquirido no curso daria a ele subsídios para ajudar as pessoas necessitadas de

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

41

apoio psicológico, contribuindo para seu crescimento pessoal, e foi neste âmbito que

ingressou no curso.

Com relação aos conhecimentos do universo religioso-espiritual, Rodrigo diz

não ter religião, apesar de ter sido criado dentro dos princípios da Igreja Católica e

de seu falecido pai ter sido um católico fervoroso. Rodrigo frequentou a Igreja

Católica juntamente com o restante de sua extensa família até os catorze anos, e

até esta idade interessou-se pelos preceitos religiosos transmitidos por sua família.

Com entre quatorze e quinze anos começou a estudar outras religiões e seus

dogmas, passando a questionar os dogmas impostos aos fiéis pelas religiões e

percebendo que elas, de maneira geral, eram construções históricas humanas.

Depois desses questionamentos optou por não aderir a nenhuma religião,

mas acredita na espiritualidade como algo que faz parte da existência humana

enquanto possibilidade do existir. Justifica seu afastamento por não precisar de um

sistema religioso para dar espaço à sua espiritualidade. Questiona os dogmas de

diferentes religiões e define a Religião como um sistema criado pelo homem. Por

outro lado, reforça o fato de necessitar acreditar no poder da oração e recorrer à

transcendência para dar sentido à sua vida. Acrescenta que a dimensão espiritual

ensinou-o a olhar e a ouvir as pessoas como elas são, sem preconceito. Diz que as

experiências falam muito sobre a pessoa e sobre sua visão de mundo.

Rodrigo descreve claramente seu incômodo com as religiões e considera-as

menos importantes do que a fé e o cultivo da dimensão espiritual, para os quais

declara estar aberto. Quando fala de religiosidade, relaciona-a a sentimentos e

valores que passou a perceber e cultivar em sua vida mesmo que

inconfessadamente, como, por exemplo, acreditar na força e na firmeza que Deus

proporciona para encarar os desafios da vida.

Rodrigo acredita em um universo espiritual e fala que tanto a espiritualidade

quanto Deus estão representados na natureza. Para ele Deus é o universo, Deus e

universo são palavras sinônimas, o que elimina a necessidade de definir o “seu

Deus”. Ele acredita também no contato do universo com o mundo espiritual e na vida

após a morte. Para ele o mundo dos homens, o mundo de Deus e a vida após a

morte são dimensões que se comunicam, existindo um outro mundo possível à

espera do espírito, que permanece vivo. Ademais, a palavra de Deus está associada

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

42

à ajuda em determinados momentos de sua vida.

Embora tenha tido uma vivência religiosa familiar muito forte, Rodrigo diz não

acreditar em um Deus antropomórfico, que se assemelhe ao homem, mas seus

questionamentos acerca dos dogmas religiosos fazem com que ele se abra para a

espiritualidade, e consequentemente para a crença em Deus. Ele chama a sua

vivência espiritual de Deus e, por isso, valoriza a fé em Deus ou em algo que dê

sentido à vida. Neste momento da entrevista, demonstra alguma inquietude e

confusão, pois faz uso de uma oração e recorre à transcendência mesmo não tendo

uma religião institucionalizada.

Todas as experiências vividas por Rodrigo que ele considerou transcendentes

à razão ou sobrenaturais chamaram a sua atenção e, segundo ele, deram lugar,

cada vez mais, à sua espiritualidade. Relata fatos de sua vida que reforçam este

posicionamento: por exemplo, em certa ocasião ele teve que passar por uma cirurgia

e uma amiga de sua mãe fez uma promessa que ela cumpriria caso a operação

fosse bem-sucedida. Ela, no entanto, não pagou a promessa e depois disso a tia de

Rodrigo, que não sabia desse fato, sonhou com o pai dele, já falecido, dizendo que

uma pessoa deveria pagar uma promessa ainda pendente. Quando a tia contou o

seu sonho para a mãe de Rodrigo, esta questionou a sua amiga, que começou a

chorar e disse não ter cumprido a promessa.

Ele relata outras experiências entendidas como sobrenaturais e menciona ter

medo destas vivências. Conta que uma ocasião viu um vulto que parecia ser de uma

mulher. Ele teve medo e fugiu. Pouco depois encontrou a mãe, ainda muito

assustado, e recebeu a notícia do falecimento da tia-avó, ocorrido há poucas horas.

Rodrigo relata que essa e outras experiências foram vivenciadas com muita dor e

medo, mas que se esforçou para compreendê-las melhor.

Rodrigo contou que, durante seu estágio na faculdade, um paciente seu

colocava toda a esperança de recuperação em Deus. Disse que Deus era a figura

máxima para o paciente, era aquele com quem dividia o peso e a dor de sua

doença, aquele que lhe dava força e firmeza para encarar a doença e seus desafios,

já que Deus orava e olhava por ele.

Quando questionado sobre como relaciona sua religiosidade e sua

espiritualidade aos conhecimentos adquiridos em seu curso de graduação, Rodrigo

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

43

atribuiu grande importância à articulação entre Psicologia e Religião. Mencionou que

existe um preconceito no universo acadêmico com relação à Religião. Em sua visão

a vivência da religiosidade e da espiritualidade torna-se elemento importante para a

existência humana na medida em que dá sentido à vida e atribui novos significados

a ela; e, para ele, todos esses elementos devem ser considerados pela Psicologia.

Rodrigo acredita que em sua formação acadêmica é preciso enxergar a si

mesmo como um todo, de forma a visualizar um ser humano bio-psico-social-

cultural-espiritual. Logo, disse que, independente da religião do indivíduo, é preciso

ouvi-lo falar sobre sua crença e perceber a importância e sentido que ela tem dentro

da vida do paciente.

Para Rodrigo questões sobre religião, religiosidade e espiritualidade deveriam

constar nas grades dos cursos de Psicologia, uma vez que, segundo ele, o psicólogo

lida diretamente com as pessoas e as suas subjetividades e, ao mesmo tempo, com

a objetividade e as inter-relações. Na prática do atendimento psicológico, no que se

refere à religiosidade e à espiritualidade, Rodrigo sugeriu que essas questões não

são abordadas adequadamente. Ele afirmou ter sido a sua experiência pessoal em

relação à espiritualidade que lhe deu subsídios para lidar de uma forma própria com

o paciente, ouvindo-o e acolhendo-o em sua dimensão religiosa e espiritual.

Dessa maneira, a inserção do estudo da dimensão religiosa e espiritual

humana na formação acadêmica em Psicologia foi considerada relevante por

Rodrigo para assegurar não só uma qualificação profissional devidamente atualizada

pelos estudos científicos emergentes na contemporaneidade, mas também para

garantir a ética em Psicologia, inclusiva a todas as dimensões humanas trazidas

pelo paciente ao psicólogo. Relatou que o conhecimento e o preparo para lidar com

a religiosidade e a espiritualidade não são suficientes na formação acadêmica e

afirmou considerar que é “engessada” e prejudicial à atuação profissional.

Por fim, ele disse acreditar ser fundamental o estudo das questões referentes

à espiritualidade em Psicologia porque, em sua opinião, a ciência não pode ignorar

algo que faz parte da constituição do ser humano e está presente em seu dia-a-dia.

Desconsiderá-la significa excluir a riqueza da totalidade humana. Rodrigo sentiu-se

desconfortável no tratamento do tema religião e espiritualidade no curso de

Psicologia e buscou uma abordagem que viesse ao encontro de seu modo de

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

44

compreender o homem. Entende que o tema religiosidade e espiritualidade deve ser

tratado com maior rigor no curso de Psicologia e em todos os outros, mas enfatizou

que a Psicologia, especialmente, trata diretamente com as pessoas, as questões

profundas do ser e as suas interrelações.

Como considera o ser humano um ser bio-psico-social-espiritual, para ele a

dimensão religiosa e espiritual é inerente à sua estrutura. Em sua visão, o homem

deve ser entendido em sua totalidade, em todas as dimensões. Em seu relato

explicitou a falta de conhecimento teórico referente às questões religiosas e

espirituais, uma vez que a espiritualidade e a Psicologia estão relacionadas, já que o

ser humano é uma unidade. Disse ainda considerar a dimensão religiosa e espiritual

relevante à compreensão do ser humano e da vida.

Rodrigo relacionou o bem-estar religioso e espiritual à saúde. Acrescentou

que, mesmo antes da Organização Mundial da Saúde tratar do assunto, ele já

apresentava uma visão a respeito destas questões. Percebeu em conversas com

médicos que as instituições hospitalares começam a dar espaço às questões

religiosas e espirituais dos pacientes. Reforçou essa colocação mencionando que,

apesar de a religiosidade e a espiritualidade serem vistas com certo descrédito, elas

têm muito a oferecer no que tange à saúde. Embasou suas considerações ao

mencionar pesquisas que apontam para a força positiva exercida pela religião e pela

espiritualidade no campo da saúde. Segundo essas pesquisas, pacientes religiosos

apresentam quadros de melhora e recuperação com maior frequência ou são

psicologicamente mais aptos a aceitar a doença e a possibilidade de falecer.

Para ele o tema religiosidade e espiritualidade não é tabu e, por isso, a sua

discussão não deve ser proibida. Assim, ele sempre procura acolher e compreender

essas questões juntamente com os outros dados que surgem em seus

atendimentos. Enfatizou, mais uma vez, a ausência de um ambiente suficientemente

receptivo, dentro do âmbito acadêmico, que aborde a religiosidade e a

espiritualidade. Considera ser necessário dialogar mais sobre o assunto e buscar

compreender como os psicólogos interferem na dimensão espiritual de seus

pacientes, pois acredita que há uma interferência direta.

Rodrigo afirmou, enfaticamente, que as questões sobre a religiosidade e a

espiritualidade em sua formação não foram abordadas direta nem suficientemente.

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

45

Revelou que teve algum contato com elas em apenas uma disciplina, Psicologia

Social, ainda que de forma isolada. Contou que seus colegas de curso estranharam,

dizendo que em um curso de Psicologia o foco é o estudo da mente, e que tais

questões não deveriam estar envolvidas com ela. A atitude de grande parte de seus

colegas foi a de se retirarem da sala de aula, abordarem o assunto de uma forma

meramente religiosa ou argumentarem que Religião e Psicologia não se misturam.

A abordagem desses temas e as colocações do professor sensibilizaram

Rodrigo e tiveram um efeito positivo sobre ele quando viu que o professor, formado

e experiente, possuía a mesma visão que a sua. Relatou entender o motivo pelo

qual o professor não se aprofundou no assunto: como não faziam parte da grade

curricular esses temas foram abordados sem muita ênfase. Mas, para si, Rodrigo

entendeu que é importante e necessária a consideração da religiosidade e da

espiritualidade na clínica psicológica.

Rodrigo comentou ter encontrado na faculdade muitos colegas que, no início

da graduação, consideravam que algumas disciplinas, tais como História, Sociologia

e Antropologia, não deveriam ser ministradas em um curso de Psicologia; para ele

ouvir isso de um colega parecia antagônico.

Rodrigo relatou que, no curso, parecia existir um impedimento não explícito

de falar sobre vivências pessoais e individuais, o que lhe causava certo

constrangimento. Suas experiências nos atendimentos mobilizaram vivências

profundas e ele sentia falta de um espaço para discuti-las, o que possibilitaria

integrar as dimensões religiosa e espiritual aos conhecimentos teóricos aprendidos.

Ele percebeu que os professores e os supervisores reconhecem a existências de

vivências religiosas e espirituais, mas não as consideram profundamente, pois, para

eles, estão fora de seu campo de atuação profissional.

Rodrigo disse que tem poucos recursos para articular teoria e prática em

relação a questões religiosas e espirituais. Teve uma formação voltada para a

Psicanálise, que para ele é uma teoria que possui limites no modo de ver o ser

humano em sua totalidade. Sua preferência pela Fenomenologia deu-se em função

de essa abordagem privilegiar a compreensão do significado da vivência para a

pessoa, aceitando tudo o que se apresenta a ela no mundo, e deu-lhe recursos para

acolher as crenças religiosas e espirituais de seus pacientes, quando trazidas por

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

46

eles, embora sem muita consistência, pela falta de conhecimento teórico sobre esta

abordagem.

Para Rodrigo, independentemente da linha teórica que se adote – apesar de

ele enfatizar que a visão holística possibilita um olhar integrado para as questões da

religiosidade e da espiritualidade nos atendimentos psicológicos – os conhecimentos

teórico-práticos relacionados com a vivência da religiosidade e da espiritualidade,

articulados a abordagens teóricas afins, poderiam ser úteis na formação do

psicólogo. Segundo ele, trabalhar com essa temática na prática profissional depende

do conteúdo que o paciente trouxer, o que pode contribuir para o Psicólogo estar

aberto ao outro e, principalmente, estar interessado em contribuir para o seu

desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e espiritual.

Ao relatar suas vivências pessoais, Rodrigo retomou algumas experiências

para justificar, mais uma vez, o que contribuiu para que ele se abrisse à

espiritualidade. Contou que, com a morte do pai, teve que adquirir responsabilidade

muito cedo e cresceu com a visão de que sua existência dependia somente dele.

Por um tempo apoiou-se na namorada como suporte para suas angústias

existenciais e tomadas de decisões, mas aos poucos percebeu o quanto este

relacionamento de dependência estava impedindo-o de assumir as suas escolhas e

decisões pessoais. Quando rompeu com a namorada percebeu que teria que lutar

sozinho e com mais liberdade para “olhar para si com mais cuidado e carinho”. Isto

fez com que ele deixasse de “cutucar” a sua barba, fato que deixava seu rosto todo

ferido, pois, segundo ele, se mutilava por não conseguir se libertar de situações que

lhe traziam muita ansiedade. Todos estes acontecimentos contribuíram para que

pudesse abrir-se para o mundo e encarar estas tomadas de decisões como um novo

renascimento de vida.

Na opinião de Rodrigo o tema religiosidade e espiritualidade deveria ser mais

abordado na academia, de forma a contemplar, ao longo da formação profissional do

psicólogo, maior profundidade para a prática e a clínica psicológica, pois contribuiria

para que ele pudesse ter uma opinião mais critica acerca do tema, bem como um

melhor conhecimento sobre o manejo destas questões ao lidar com os pacientes.

Acredita que a inserção da espiritualidade em sua prática profissional é

importante, assim como ter um espaço no curso para trabalhar sua espiritualidade,

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

47

resultando num bom desempenho como psicólogo. Considera que teria condições

para analisar e compreender as crenças de seus pacientes, com o intuito de ajudá-

los a se conhecerem e a aprenderem a lidar com seus próprios questionamentos e

angústias.

Para Rodrigo as linhas teóricas holísticas parecem dar mais suporte na

compreensão das questões religiosas e espirituais na relação entre o terapeuta e o

paciente. Ele mencionou que uma relação vai muito além das aparências ou do que

pode ser explicado. Ao que é sentido e acolhido, a seu ver, abrem-se maiores

possibilidades de um encontro verdadeiro.

Rodrigo terminou dizendo que a entrevista foi terapêutica, no sentido de que

permitiu-lhe fazer um retrospecto de sua própria vida e refletir, especialmente, sobre

a questão da religiosidade e da espiritualidade em sua vida pessoal e em sua

formação profissional. Relatou que pretende sair do Brasil para fazer alguns cursos,

inclusive para rever melhor as questões que não foram contempladas no curso de

Psicologia.

2. Síntese da entrevista com a Roberta

Roberta é natural do Estado de São Paulo, tem 25 anos, está casada há

quatro, tem uma filha de um ano e oito meses, mora na baixada santista, seus pais

são casados há 30 anos e tem um irmão, também casado. Foi batizada e se casou

na Igreja Católica por tradição familiar, e não por fé; experimentou várias religiões e

atualmente é evangélica, tendo inclusive se batizado.

Sua escolha pela Psicologia se deu em função de uma experiência familiar,

pois até os 15 anos conviveu com uma grande depressão do pai, que frequentou

psiquiatras e psicólogos, fez vários tratamentos e apresentou uma melhora ao longo

do tempo. A partir desta experiência, quis entender como uma pessoa, no caso seu

pai, com família estruturada, carreira de sucesso em um banco e aparentemente

sem grandes problemas familiares e financeiros poderia entrar numa depressão

profunda. Este foi o motivo pelo qual decidiu ingressar no curso ao invés de procurar

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

48

uma explicação espiritual, para entender os aspectos psicológicos do ser humano, já

que a doença do pai mobilizou toda a família.

Quando começou o curso de Psicologia optou por se distanciar de todas as

questões ligadas às religiões, por acreditar que qualquer dogma iria aprisioná-la a

ponto de não abrir-se para questões cientificas: considerava que se tivesse alguma

crença esta iria atrapalhar e criar preconceitos em seu desenvolvimento profissional,

limitando-a e impedindo-a de ver o mundo de outras formas. Para ela há uma

dicotomia entre religião e questões científicas e acredita que, dependendo da

personalidade de cada um, a religião poderá levar ao fanatismo, aprisionando a

pessoa. Assim, buscou explicações para as questões da vida através da ciência que

o ser humano havia conquistado.

Na visão de Roberta, de maneira geral, as pessoas tendem a explicar os seus

problemas cotidianos a partir de sua crença. Acredita que se tivesse um dogma,

uma crença ou uma religião especifica não se abriria para as explicações dadas pela

ciência. Para ela, a crença e a fé são mais emocionais e a ciência é mais racional.

Reconhece que encontramos na saúde mental influência da espiritualidade,

mencionando o exemplo de que uma pessoa que está delirando ou alucinando pode

estar vendo algo. Todavia, para ela, a crença religiosa do psicólogo não deve

interferir no tratamento do paciente; como acredita em influências, pensa que deve

ter muito cuidado ao misturar Religião e Psicologia. Menciona como exemplo o fato

de ter passado por uma experiência com uma terapeuta holística que considera a

espiritualidade em seu trabalho: nessa terapia teve vontade de retornar à religião

evangélica à qual havia abandonado e percebeu, por parte da terapeuta, uma

tentativa de impedir.

A partir desta experiência Roberta passou a acreditar que, quando existe uma

crença ou uma religião muito forte, a tendência é fazer com que as pessoas

participem dela também, ocorrendo o mesmo com a Psicologia: se o terapeuta

apresentar uma crença muito forte em alguma religião ou filosofia é quase

impossível não influenciar o paciente.

Roberta relatou também que muitos colegas de faculdade tiveram dificuldades

de trabalhar com seus pacientes por serem evangélicos, acrescentando que em sua

formação acadêmica recebeu orientação para ser neutra e não deixar que suas

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

49

crenças interferissem no atendimento. Justificou sua posição dizendo que todos, têm

uma vivência religiosa, mesmo os ateus. Trouxe uma experiência para mostrar sua

dificuldade de lidar com as questões da religiosidade no atendimento psicológico:

teve uma paciente que se negava ao tratamento do câncer por acreditar que

receberia um milagre e que tinha recebido uma revelação. Roberta disse ter se

deparado com um grande dilema – “até onde a religião e a ciência podem curar?” –,

não conseguindo lidar com a situação. Não recebeu orientação suficiente dos

professores: “é como que empurravam e deixavam as coisas acontecerem por si

próprias”, de uma maneira superficial. Sentiu-se intimidada diante daquela situação.

Em outra oportunidade uma amiga atendeu uma paciente que levou a filha

para tratamento de sopro no coração, mas a menina foi submetida a uma cirurgia e

ficou em estado vegetativo. A mãe não acreditava que tal situação era irreversível e,

em sua fé, achava que a filha poderia sair daquele estado, já que não estava morta.

Para a ciência era impossível reverter o quadro: “minha amiga, entrou em conflito:

será que deixava a mãe com sua crença e seu conforto ou faria a mãe voltar à

realidade?”. De acordo com Roberta, são questões que ficam sem respostas.

Conversou sobre o assunto com um colega que lidava com a Psicologia

Transpessoal e concluíram que o trabalho em hospitais é muito difícil para os

formandos, pois lá as questões da espiritualidade emergem com frequência e muitas

vezes se sentiu impotente diante da fé intensa do paciente: “se não temos nenhuma

espiritualidade, não conseguimos entender o sofrimento alheio”. Reafirmou que

todos os professores são bem categóricos em não envolver a Religião com a

Psicologia e que Psicologia, Religião e espiritualidade não se misturam.

Sente-se presa à Psicologia e percebe que isto a separa até do aspecto físico

de sua existência, como se a especialização focasse somente a psique e ignorasse

o corpo, e ainda mais a espiritualidade. Quando questionada sobre como vivencia a

separação entre Ciência, Religião e espiritualidade, ela relatou ter tratado do

assunto com os amigos do curso, trocando ideias e discutindo conceitos, já que, o

professor assume uma postura mais formal, não dando abertura para discuti-lo.

Ressalta que a Psicologia deve levar em conta a dimensão espiritual, principalmente

nas questões da patologia, que são delicadas. Para ela as teorias psicológicas, de

maneira geral, não explicam as questões da espiritualidade e que esta é real para o

paciente que sofre, por exemplo, uma esquizofrenia. Em seu estágio clinico optou

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

50

por uma abordagem cognitiva comportamental, por ser mais diretiva, acreditando

que poderia lidar melhor com as dimensões religiosas e espirituais dos pacientes.

Roberta mencionou que nenhuma das abordagens psicológicas se aproxima

de qualquer explicação sobre as questões de espiritualidade e que o importante no

tratamento não é o que o terapeuta pensa, e sim o fato de que deve considerar a

crença do paciente. Relata a experiência de uma paciente que era sozinha e idosa:

acreditando que as religiões têm como aspecto positivo a acolhida, Roberta pensou

que poderia indicar-lhe alguma; mas, como percebeu que a paciente não tinha se

encontrado em nenhuma religião, achava que poderia direcioná-la para outra

atividade, como a yoga, colocando-a dentro de um grupo: todavia, perguntou: “não

me comprometeria como Psicólogo, mas e aí?”.

Para Roberta a religião é importante, pois não somente agrupa socialmente,

mas responde a questões profundas e complexas sobre a existência, permeando o

sentido da vida, e a sua origem, o seu caminho e o seu destino. Desde o início do

curso considerou natural separar religião e ciência, mas quando iniciou seus

estágios sentiu “peso grande em lidar com o sofrimento alheio”. Seus

questionamentos acerca das questões religiosas e espirituais se acentuaram – “é

como se Deus e o psicólogo fossem concorrentes, ou seja, se a pessoa é bem

resolvida dentro de uma religião ela não procura ajuda psicológica, e vice-versa”.

Todas estas experiências fizeram com que Roberta pesquisasse em seu

Trabalho de Conclusão de Curso temas ligados a religiosidade, espiritualidade e

felicidade; relatou que foi muito difícil ligar esses temas à ciência e que os sujeitos

da sua pesquisa fizeram distinção entre religião e espiritualidade. Decidiu, a partir

desta vivência, voltar para suas crenças, das quais havia se distanciado, para

entender na prática “o significado de tudo”. Disse ter buscado respostas em seu

trabalho para seus questionamentos existências e se surpreendido com o resultado:

“as pessoas consideram a fé em Deus e a religião como mais importante para a

felicidade”. Chegou à conclusão de que as perguntas são mais importantes do que

as respostas para uma reflexão, pois as respostas certas já vêm explicita. Ficou

aliviada em saber que, como futura psicóloga, não poderia resolver todos os

problemas das pessoas, pois depende do contexto geral de vida de cada um; o

psicólogo a seu ver, é mais um “acolhedor do que alguém que resolve tudo”.

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

51

Roberta acredita na complexidade da fé em Deus e aborda a relação

existente entre fé e felicidade. Para ela as pessoas acreditam que a felicidade pode

ser alcançada a partir da fé em Deus e usam esta percepção para que se sintam

fortalecidas e capazes, como se a fé pudesse trazer soluções e felicidade. Todas

essas experiências serviram para que Roberta descobrisse que a espiritualidade é

pessoal. Entende que a felicidade é relacionada a crenças e valores e que a

felicidade eterna liga-se ao altruísmo e a momentânea ao prazer. Acredita que as

pessoas em geral pensam que a felicidade é passageira: por este motivo, acredita

ser importante a Psicologia contemplar estes aspectos.

Em seu trabalho, Roberta mostra dificuldade em relacionar religiosidade,

felicidade e ciência e, embora acredite que o protestantismo está crescendo porque

explica de forma mais ampla as questões através de Deus, até hoje não conseguiu

definir o que é a felicidade, distanciando-se de suas crenças, embora no último ano

tenha retornado a elas para entender o significado destas questões em sua vida.

Como psicóloga, considerou: “o psicólogo carrega um pouco da onipotência

de resolver tudo, e descobri que não resolvemos nada, pois não somos heróis”.

Nesta reflexão entendeu que tudo depende do contexto individual de cada um e que

o psicólogo é acolhedor, sendo a espiritualidade muito pessoal. Neste momento da

entrevista ficou em silêncio, abaixou a cabeça, suspirou e retomou a fala, dizendo:

“neste momento, veio um vazio muito grande”. Concluiu que o ser humano deve

voltar a ter ou ter uma fé, um valor, uma crença para se encontrar como pessoa.

Finalizou dizendo que seu distanciamento da espiritualidade a fez ver a

importância de voltar a rever os seus valores e reafirmou que o momento da

entrevista foi de reflexão: “durante minha fala fui vendo o tanto que preciso me

aprofundar como psicóloga nas questões das crenças, da fé”. Disse sair da

entrevista acreditando ser possível aprofundar estas questões sem se sentir

angustiada.

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

52

CAPITULO V – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

UMA ORAÇÃO CELTA - V Que saibas que a ausência está repleta de terna presença e que nada jamais está perdido ou esquecido. Que as ausências na tua vida estejam repletas de eco eterno. Que sintas ao redor do secreto “Outro Lugar” que contém as presenças que deixaram a tua vida. Que sejas forte na aceitação das tuas perdas. Que a dolorosa fonte de luto se transforme em uma fonte de ininterrupta presença. Que a tua paixão se estenda àqueles de que nunca temos notícia e que tenhas a coragem de falar em nome de excluídos. Que venhas a ser o afável e apaixonado sujeito da tua vida. Que não desrespeites o teu mistério por meio de palavras insensíveis ou integração falsa. Que sejas acolhido por Deus, em quem o amanhecer e o crepúsculo se unem, e que a tua integração habite os seus sonhos mais profundos no interior do abrigo da Grande Integração.

John O´Donohue

Rodrigo e Roberta, durante suas vidas, principalmente na adolescência,

passaram por experiências familiares relacionadas à religião que os fizeram romper

com as suas instituições religiosas originárias, pois estas não iam ao encontro de

seus anseios de responder às suas angústias existenciais. Os dois percorreram

várias religiões em busca de respostas para os seus questionamentos, mas Rodrigo

optou por não aderir a nenhuma religião institucionalizada e Roberta se encontrou

na igreja Evangélica.

Vergote (1998) considera que a riqueza simbólica e cultural de uma dada

religião é uma herança recebida ao nascer, como todo o aparato linguístico e social

do contexto ao qual se pertence. A aderência religiosa a essa herança no futuro ou a

não aderência são formas diferentes de reações a esse mesmo fenômeno, que afeta

todas as sociedades, repercutindo de forma diferente em cada pessoa e em cada

momento de sua vida. No jovem adulto essa oposição é reconhecida por Fowler

(1992) como a procura, frequente no jovem, de uma fundamentação individual para

sua identidade, com o desenvolvendo de um ponto de vista próprio, e não mais

definido pelo composto de papéis ou significados de outras pessoas. Nessa fase a fé

anterior é questionada e símbolos e mitos são desmitologizados.

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

53

Também, Amatuzzi (1999; 2001) relata que o início de vida adulta é uma fase

de tomada de decisão diante da vida que envolve um desafio central no processo de

formação do eu: consiste em passar de um fechamento para uma abertura que lhe

permita um relacionamento mais profundo e verdadeiramente pessoal, uma

experiência de intimidade não apenas física, mas religiosa e espiritual. Assim, uma

relação superficial não é mais suficiente para sustentar uma postura religiosa: ele

necessita de uma fundamentação para as coisas que faz , adota um modo de ser

criticamente reflexivo: “É tempo de sentir, é tempo de discutir” (2001, p. 136). Nesse

momento o jovem adulto percebe a importância pessoal no campo da fé e é capaz

de falar sobre isso.

Tanto Rodrigo quanto Roberta acreditam na religiosidade e na espiritualidade

como possibilidades existenciais e se preocupam como estas questões nos níveis

pessoal e profissional. Para ele a espiritualidade é um sentimento pessoal que

estimula seu interesse pelos outros e por si, um sentido de significado capaz de

fazê-lo suportar as diversidades da vida. Assim, a espiritualidade é para Rodrigo

uma forma eficiente de apoio para lidar com as situações quando estas vêm

sobrecarregadas de ameaças à vida. Para Roberta, a religiosidade fornece

explicações para o sentido da vida e para as motivações humanas relacionadas a

situações e males que incidem nas pessoas, sendo um aporte que irá conduzir a um

significado sobre o que ocorre e como ocorre em nível pessoal e profissional.

Parece que esse é o movimento do Rodrigo e da Roberta, transformando-os e

provocando uma revisão de valores, crenças e fé. Nesse aspecto é interessante

observar que as colocações de Rodrigo sobre a religião e a espiritualidade indicam

que para ele esta dimensão deve ser incluída entre os aspectos relevantes para a

compreensão integral da estrutura humana, já que ela é inerente ao humano e à

vida e, portanto, também faz parte da sua visão de mundo.

Roberta, neste aspecto, apresenta-se mais segura em relação a sua crença

religiosa, mas também é embutido nela o medo de trazer a tona crenças referentes a

sua religiosidade e a sua espiritualidade como se estas fossem destituí-la de valor

enquanto profissional, mesmo sendo a sua busca incessante para compreender as

dimensões humana e do sentido da vida.

Rodrigo reforça a não adesão a uma religião, porém percebo que para ele a

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

54

religiosidade tem um papel fundamental na compreensão do paciente. Em sua visão

parece que a espiritualidade é entendida como algo que é maior e, ao mesmo

tempo, faz parte da própria estrutura humana. Para ele é algo que faz parte do poder

de cada individuo, da fé que está além da dimensão pessoal (física, mental,

emocional e social).

Roberta define sua crença a partir da aproximação com uma religião que

escolheu como a mais completa para lhe dar suporte em sua busca por sentido de

vida e explicações sobre a incidência das crenças nas motivações humanas,

enfatizando que quando se trata do contexto profissional de Psicologia, estas devem

ser deixadas de lado.

Com esta perspectiva, entendo que a presença do contexto espiritual que

permeia a vida do ser humano, seja de forma religiosa ou não, delineia, assim, seu

estilo de vida e o seu discurso.

Para Rodrigo e para Roberta tanto a religiosidade quanto a espiritualidade

poderiam ser entendidas como acesso à dimensão transcendente, que está além

dos aspectos pessoais da existência. Por outro lado, apesar de Rodrigo trazer um

relato que o coloca distante de religião, observo que para ele a religião tem como

propósito dar sentido às experiências que fogem do racional, trazendo conforto para

as pessoas, principalmente para o paciente em momentos difíceis e

incompreensíveis diante das adversidades da vida. Roberta apresenta necessidade

de um suporte religioso para suas questões internas, que trate do significado da

vida, e sua reserva é em torno do quanto a religião pode influenciar na vida de uma

pessoa e em sua formação profissional.

A forma como Rodrigo concebe o ser humano revela que as diversas

dimensões do bio-psico-sócio-espiritual, que para ele são inerentes à constituição

psíquica, tornariam a reflexão, no contexto acadêmico sobre o assunto,

enriquecedora. Para ele tais questões acabam por interferir nos aspectos pessoais

do psicólogo e cada profissional articularia Psicologia e Religião a partir de suas

experiências pessoais, sem discuti-la criticamente ou relacioná-la adequadamente

aos conhecimentos propostos pela Psicologia. Este é o movimento do Rodrigo.

Segundo Roberta, as explicações psicológicas para os acontecimentos da

vida são dadas por meio da ciência, e as suas questões religiosas não entram neste

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

55

contexto. Para ela as pessoas tendem a pautar suas vidas e explicam seus

problemas a partir de crenças e religiões, mas se ela fosse seguir este caminho não

se abriria para as explicações científicas. Para ela “a crença e a fé são mais

emocionais e a ciência é mais racional”, não dando conta destas questões.

Fica evidente tanto na fala de Rodrigo quanto na de Roberta a importância da

dimensão espiritual em suas vidas. Rodrigo não oferece à religião uma conotação

negativa no que tange a seus efeitos na promoção e na manutenção da saúde

humana. Rodrigo e Roberta acreditam que ouvir e acolher a dimensão religiosa do

paciente em sua singularidade – pois a palavra do paciente traz um sentido por si

mesmo – e perceber qual o sentido da sua crença no seu contexto de vida torna-se

importante. Deve-se levar em consideração que vários aspectos, como o emocional

e o fisiológico, independentemente da religião do paciente, contribuem para a sua

melhora. Essa consideração encontra apoio em Massimi e Mahfoud (1999): os

autores destacam que a relação com algo superior, a vivência do sagrado e as

emoções religiosas no cotidiano auxiliam no enfrentamento de situações

(corriqueiras ou não) e nos desafios da vida, sejam estes pequenos ou grandes.

Complementando a colocação desses autores, Giovanetti (1999) afirma que a

disposição religiosa do homem perante algo que o transcende, que ele acolhe como

diferente de si mesmo e como resposta às suas questões existenciais, coloca-o

diante do sagrado. Rodrigo acredita que a fé (que para ele é acreditar em uma força

superior) está relacionada à saúde; menciona pesquisas que reafirmam seu

posicionamento quanto à força positiva exercida pela religião e pela espiritualidade

na saúde. De fato, algumas pesquisas investigam o quanto a espiritualidade pode

auxiliar na relação com a saúde geral (Marques, 2000; 2003). Autores clássicos,

como James, Jung, Frankl, Maslow, Allport, Fowler, Grof e Assagiolli afirmam, com

base em vários estudos, que a espiritualidade é um fator de proteção contra uma

vasta gama de desfechos clínicos. Atualmente a experiência espiritual e religiosa

deixou de ser considerada fonte de patologia e, em certas circunstâncias como

provedora do reequilíbrio e saúde.

O sentido da fé para Rodrigo e para Roberta vai ao encontro de Fowler

(1992), que a apresenta como uma forma de dar sentido à vida. A fé é a relação de

confiança no transcendente e de lealdade para com ele. Fowler (1992) a considera

uma questão universal que independe das religiões, pois antes mesmo de estas

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

56

fazerem parte de nossas concepções a fé já existe como forma de ordenarmos

nossas vidas e como algo para valorizarmos e respeitarmos como sustento do ser.

Ainda segundo o autor, a fé é uma verdadeira orientação da pessoa total, dando

propósito e alvo para lutar e esperanças para os pensamentos e as ações da

pessoa.

Ao iniciarem seus estágios, Rodrigo e Roberta deram seus primeiros passos

na prática da Psicologia. Naquele momento precisavam utilizar os conhecimentos

teóricos que adquiriram ao longo de sua formação e confrontar-se com as suas

crenças religiosas e espirituais. Essa realidade encontra apoio em Costa (2008),

quando ressalta que o curso de Psicologia aborda temas diversos como a

autoestima, crenças pessoais, tipos de personalidade e processos cognitivos, entre

outros. Ainda segundo a autora, a formação em Psicologia pode estimular também a

reflexão sobre o sentido da vida e o autoconhecimento, bem como o encontro com a

espiritualidade.

Em seus estágios Rodrigo e Roberta começaram a olhar para o outro,

penetrar em seu universo e compreendê-lo em seus aspectos mais complexos a fim

de ajudá-lo. Ambos justificam suas escolhas pela Psicologia por acreditarem que o

conhecimento que poderiam adquirir no curso daria subsídios para a compreensão

do ser humano em sua totalidade. Roberta procura descobrir as motivações e as

crenças que levam o ser humano a adotar determinados posicionamentos de vida e

até a desenvolver patologias; tomou este caminho a partir de suas experiências

familiares, que lhe trouxeram a necessidade de escutar e entender o outro em toda a

sua dimensão humana.

Esta visão de Roberta e de Rodrigo é considerada na literatura da Psicologia:

Ancona-Lopes (2005) menciona que se tornam essenciais à escuta psicológica o

reconhecimento e o desenvolvimento da dimensão espiritual, em primeiro lugar no

próprio psicólogo, para o encontro pleno com o outro, conferindo-lhe verdadeira

significação. Para a autora a escuta genuína acolhe a experiência, que vai além da

fala ou dos sentimentos de expressão. A ansiedade para dar respostas e achar

soluções ao paciente muitas vezes afasta as questões religiosas quando estas

aparecem de forma desesperada ou conflitante para o psicólogo.

No contexto da prática do atendimento, e devido à falta de mais reflexões,

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

57

subsídios teóricos e condições de manejo clinico, Rodrigo sente-se impedido de dar-

se conta da experiência de desconforto que surge no atendimento a pacientes que

trazem determinados temas religiosos e espirituais, não conseguindo ultrapassar as

dificuldades encontradas na ação clínica. Rodrigo considera uma aproximação entre

a espiritualidade e a Psicologia possível: acredita que a espiritualidade é constitutiva

do ser humano e que este possui em seu íntimo o desejo da transcendência. Penso

que o fato de Rodrigo estar sempre revendo a sua visão de homem indica que ele a

foi construindo no decorrer de sua vida, de forma bem pessoal, mesmo que ainda

não a tenha elaborado totalmente. Compreendo assim que, para Rodrigo, o homem

é um ser bio-psico-social-espiritual. Para ele é necessária, por parte do psicólogo,

uma postura de acolhimento e de atenção, um ouvir ativo, independente de qualquer

adversidade trazida pelo paciente.

Roberta apresenta conflitos sobre a prática do atendimento, uma vez que

considera que é exercida influência sobre o paciente quando são tratados os temas

relacionados com a religiosidade e a espiritualidade; acredita que o psicólogo pode

conduzir o paciente nesta questão de forma negativa, embora entenda a importância

do paciente considerar estas questões em sua vida.

Segundo Luczinski (2005), a questão da escuta merece especial atenção por

ser a primeira atitude desenvolvida pelo Psicólogo e, ao contrário do que se pensa,

por não ser natural e espontânea, e sim difícil de desenvolver. É preciso estar por

inteiro e totalmente presente na relação com o outro, o que não é tarefa fácil, pois

não é só o conteúdo da fala que interessa, mas o movimento vivencial no qual a

pessoa está envolvida, com sentidos velados e compreendidos e com tudo o que diz

sobre ela no processo. A sociedade atual não educa as pessoas a falarem de suas

experiências, e sim a distanciarem-se delas sem escutá-las; desaparece, assim,

também o ouvir aos outros (AMATUZZI, 1989; RIBEIRO, 2004).

Percebo que Rodrigo e Roberta refletem sobre a sua formação referindo-se a

suas experiências de vida e aos seus acervos de valores, crenças e sentimentos,

que no todo incentivaram a buscar respostas para suas dúvidas e sentido tanto para

suas vidas quanto para suas profissões como futuros psicólogos. Nessa busca está

implícita a questão da religiosidade e da espiritualidade. Quando se considera a

dimensão espiritual de Rodrigo, tudo que ele não pode compreender ou explicar

plenamente, o mistério da existência humana, é experimentado com interrogações e

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

58

mobiliza-o a achar significados que lhe dão sentido. Esse mistério está presente em

seu cotidiano, chegando a ser difícil para ele ignorar a sua existência. Suas

experiências o colocaram diante da imprevisibilidade da existência humana,

causando insegurança e medo.

Roberta mostra-se mais contida, mencionando que fez uma terapia dentro de

uma abordagem holística e se sentiu influenciada pela terapeuta, que possuía

crenças diferentes das suas, o que a faz entender que o terapeuta pode impor suas

crenças ao paciente e isso acaba por ser prejudicá-lo. Isso corresponde a quando

Ancona-Lopez (2008) menciona que o psicólogo não encontra eixos referenciais

para lidar com questões da religiosidade e da espiritualidade e acaba impondo sua

religião ou não considerando nenhum aspecto das dimensões religiosa e espiritual.

Ribeiro (2004, p. 16) acrescenta que há uma “lógica cultural que obedece a uma

constituição lenta, que nasce de uma procura do ser humano à solução do seu

próprio mistério”.

Acredito que durante a sua trajetória de vida Rodrigo procurou estabelecer

uma relação com diferentes saberes; sua busca de significados sobre si e sobre o

mundo incluiu o sentido da religiosidade e da espiritualidade em sua vida. Roberta

se apresenta mais inclinada a estas questões, tentando desvendar o mundo a partir

da adoção de crenças religiosas que sustentam suas dúvidas por um tempo; quando

percebia que uma crença não era suficiente buscava outra, encontrando sentido e

explicações para as suas indagações quando aderiu à crença evangélica.

Rodrigo caminha no sentido de cultivar a sua espiritualidade e reflete sobre as

pessoas que estão vivenciando este processo. Quer acreditar no transcendente e

aderir a um movimento neste sentido, mas ainda não consegue. Reconhece que um

dia talvez possa se abrir mais intensamente para a dimensão do mistério em sua

vida, já que ela provoca interrogações e a busca de significados. Assim, parece que

o mistério faz parte do processo da vida dele nos aspectos transcendentes e nos

cotidianos. Ao refletir sobre sua crença e ao relatar algumas experiências

transcendentes que ocorreram em sua vida, percebo que elas reforçam a sua crença

na espiritualidade.

Roberta buscou na religião segurança e compreensão de mundo, voltando-as

a respostas às suas questões para definir sua visão de mundo. Nesta busca,

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

59

conheceu e experimentou algumas religiões, decidindo-se por uma que vem

seguindo por acreditar que esta pode dar suporte às suas crenças e explicar o

mistério que ronda o mundo dos significados humanos.

Ao comparar as experiências de Rodrigo e de Roberta entendo que há

influência de um conjunto de compreensões que formam uma visão religiosa e

espiritual que influencia em suas percepções de como devem praticar a Psicologia.

A percepção de ambos vai ao encontro do que diz Ribeiro (2004, p. 23):

Estamos inundados, cercados do religioso, do espiritual, do sagrado. Toda existência humana é feita de encontros nos mais diversos níveis, e um desses níveis é a possibilidade de se encontrar com Deus. É na alma do homem que isso tudo revelara, e a Psicologia torna-se o lugar desse encontro homem-espiritual, homem-sagrado-mundo.

Para Rodrigo o homem deve ser compreendido em sua totalidade. Essa

posição assemelha-se à de Ribeiro (2004), para quem o ser humano é um ser bio-

psico-social-espiritual cujas dimensões constituem o experimental, o experiencial, o

existencial e o transcendental. Angerami (2008) ressalta que uma ciência que

pretenda conceber o homem integrado, atribuindo importâncias equivalentes aos

aspectos biológicos, psicológicos e sociais, não pode negligenciar a dimensão

espiritual, presente em quase todas as dimensões humanas. Para Rodrigo, cuidar

das dimensões religiosa e espiritual do paciente é velar pela sua saúde como um

todo. Noto que para ele quando o paciente possui uma abertura para o religioso, o

espiritual e os valores transcendentais, ou seja, quando se permite ser tocado pelo

espiritual, a sua recuperação parece ser mais positiva. Dessa forma, Rodrigo parece

concordar com a concepção de Giovanetti (2005), que considera importante que o

paciente cultive a espiritualidade, que abarca toda vivência capaz de conduzir para

mudanças no interior do homem e o levar à integração total.

Para Roberta existe influência da religiosidade no atendimento psicológico,

porém o psicólogo deve tomar cuidado para não misturar suas crenças religiosas

com as do paciente, sendo que ela recebeu instrução na faculdade para ser neutra

neste contexto. Ela entende que se uma pessoa possui uma crença muito forte pode

influenciar os outros a segui-la e, sendo assim, é quase impossível não influenciar o

paciente. Por isto separa a Religião da Psicologia, o que lhe traz muita insegurança.

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

60

As dificuldades de manejo do tema religiosidade e espiritualidade no

atendimento psicológico vivenciadas pelos entrevistados manifestaram-se de

diferentes maneiras. Para Rodrigo dependem da forma como o paciente expressa a

sua religiosidade: ele reconhece que deve acolher esta dimensão, mas sem saber a

melhor forma de lidar com ela. Já Roberta optou por se manter o mais neutra

possível sobre as questões religiosas e espirituais na vida profissional. Ela possui

maior dificuldade frente a elas, tendo reações de medo e tensão diante destes

assuntos em seus atendimentos e se preocupando com o impacto que as suas

experiências podem repercutir nos pacientes. Assim, tanto Rodrigo quanto Roberta

revelaram que suas dificuldades em relacionar as suas experiências religiosas e

espirituais aos conhecimentos aprendidos em sua formação estão fortemente

relacionadas às suas histórias de vida. A forma como elaboraram as experiências

liga-se aos conhecimentos adquiridos em sua formação, que incluem elementos

teóricos e técnicos e modelos profissionais com os quais os dois se identificaram.

Um aspecto relevante são as posições teóricas da Psicologia sobre as

experiências de Rodrigo e de Roberta, que se preocupam com o ensino do manejo

do tema religiosidade e espiritualidade nos atendimentos psicológicos. Angerami

(2008) ressalta que é importante acolher as buscas do paciente pelos caminhos da

religiosidade, o que não implica que o psicólogo tenha as mesmas crenças que ele.

Isso sugere que os aspectos religiosos e espirituais de Rodrigo e de Roberta estão

no caminho do amadurecimento.

Como afirma Ancona-Lopez (2005, p. 5), é a dimensão espiritual do homem

que “o impulsiona a uma continua transcendência, a um movimento sem fim de sair

de si mesmo, conhecê-lo e conhecer a si mesmo, buscando transcender, em seu

limite, a si mesmo e ao mundo”.

Os modos como Rodrigo e Roberta se referem à religiosidade e à

espiritualidade vão ao encontro de Farris (2005): para o autor o significado da

existência é constituído por meio dos relacionamentos e da interação com o outro e

com o mundo; ele compreende a espiritualidade como um fenômeno humano.

Roberta lida com questões pessoais sobre a religiosidade e a espiritualidade,

mas distancia a sua crença da prática psicológica por ter internalizado a visão de

que Psicologia e Religião não se misturam, embora apresente conflitos por não

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

61

saber lidar com estas questões quando surgem nos atendimentos, uma vez que

acredita que influenciarão o tratamento e que é muito difícil lidar com isto. Menciona

o exemplo de uma paciente que se recusava a tratar um câncer por acreditar em um

milagre, alegando que este contexto gerou um dilema: “até que ponto ciência e

religião podem curar?” Neste ínterim relatou não ter recebido suporte dos

supervisores para lidar com estas questões, o que lhe causou angústia.

A partir de sua própria experiência, Rodrigo entende como necessária a

fundamentação destes aspectos na prática da profissão e na formação em

Psicologia, sendo que entende o quão estas questões estão entrelaçadas às

crenças dos pacientes e o quanto isto pode contribuir para um resultado mais

satisfatório em um atendimento psicológico.

Ancona-Lopez (2007) argumenta que na estrutura da Psicologia as histórias

pessoais dos alunos são desconsideradas e a exteriorização das suas crenças

religiosas e espirituais é inibida: é neste aspecto que ambas são desqualificadas na

formação do psicólogo e, portanto, apresentam-se como geradoras de sofrimento. O

sofrimento dos psicólogos que foram alvos da interdição de confrontar suas crenças

pessoais com as explicações psicológicas vai além da falta de um espaço

acadêmico que permita elaborar e refletir sobre suas premissas acerca da vida, do

homem e do mundo. Eles ficam impedidos de “brincar” com suas teorias e crenças,

no sentido de construir e desconstruir, e sem essa atividade dificilmente encontrarão

mais tarde realização e satisfação no seu trabalho (ANCONA-LOPEZ, 2008).

Rodrigo acrescentou que poucas vezes o tema foi abordado durante o curso,

e quando isso ocorreu foi apenas em uma disciplina, sem muita ênfase e de forma

superficial. Para ele as questões sobre a religiosidade e a espiritualidade ainda são

como um tabu no universo acadêmico. Sente na universidade também um grande

preconceito quanto a uma abordagem de homem holística, que inclua os aspectos

religiosos e espirituais do ser humano. Roberta compartilha desta opinião e

acrescenta que os professores não dão suporte a estas questões, assumindo uma

postura de neutralidade, o que impele os estudantes a serem também neutros.

Em um estudo cujo objetivo foi investigar o perfil da religiosidade e da

espiritualidade do jovem universitário, Ribeiro (2004) concluiu que esta é uma forma

de libertação da alienação das forças sociais. Segundo ele, a espiritualidade do

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

62

jovem universitário é ampla, mas não encontra espaço para ser traduzida na

universidade. Ainda para Ribeiro (1998), a dimensão pessoal do psicólogo é deixada

de lado em nome de uma neutralidade e da busca pela objetividade.

Seguindo essa mesma linha de pensamento, Pargament (2007) coloca que a

espiritualidade está presente no cotidiano, revelando-se no modo como pensamos,

sentimos, agimos e nos relacionamos. Rodrigo afirmou que sua experiência pessoal,

seus questionamentos e seus relacionamentos deram condições para que lidasse de

uma forma própria com a espiritualidade. Segundo suas palavras: “Talvez, se não

tivesse passado por toda essa experiência, poderia não ouvi-lo (o paciente) sem

acolher aquilo que lhe dava sentido”. Ele sente que, ao abrir-se para a

espiritualidade, as respostas às suas indagações existenciais tornaram-se

significativas e passaram a reforçar a sua fé, diferentemente de Roberta, que

acredita que a ciência pode explicar suas questões de vida porque sua orientação foi

para deixar de lado as questões espirituais no atendimento psicológico.

Um fator importante, conforme afirmam vários autores, é que a formação do

psicólogo durante todo o curso preconiza que se deve manter a neutralidade, ou

seja, que o psicólogo deve deixar em suspenso suas opiniões e crenças pessoais

para se colocar em posição neutra, podendo assim agir com objetividade. Esta

colocação termina por concluir que a religiosidade do psicólogo não deve estar

presente em seu trabalho: o raciocínio clínico deve ser guiado basicamente pelos

conhecimentos psicológicos e pela observação do que ocorre entre ele e o seu

paciente.

Roberta mencionou que nenhuma das abordagens da Psicologia se aproxima

de qualquer explicação sobre as questões religiosas e espirituais. Entende que o

importante no atendimento não é o que o terapeuta pensa, e sim a crença do

paciente, que deve ser levada em consideração no atendimento. Roberta aponta a

necessidade de uma formação mais completa, que inclua religiosidade e

espiritualidade, sendo que a discussão ao longo do curso deve contemplar estes

aspectos como parte de uma formação profissional mais completa e realista, apesar

de ela não ter esta orientação em sua formação. Entendo que questões religiosas e

espirituais emergem muito frequentemente nos atendimentos psicológicos de

Roberta e em muitos casos geram conflitos sobre a sua atuação como psicóloga.

Ela acredita que sem a compreensão da religiosidade e da espiritualidade não se

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

63

pode entender o sofrimento do ser humano, mas a postura que o supervisor e o

professor assumem é a de distanciar Religião e Psicologia, sem abertura para

debates e discussões sobre o tema, o que acaba gerando sofrimento para os

alunos.

Ancona-Lopez (1999, p. 77) menciona a dificuldade do psicólogo em integrar

questões espirituais e religiosas em sua prática clinica, sendo que esta pode ocorrer

pela ausência de uma abordagem que lhes dê suporte teórico, visto que poucos

estudos em Psicologia contemplam o aspecto religioso:

O psicólogo encontra-se muitas vezes perdido e vai buscar referências em outras disciplinas ou em sua própria experiência. O problema que o psicólogo clínico enfrenta é a ausência de eixos teóricos e referenciais que o auxiliem a refletir e considerar as experiências religiosas quando elas aparecem na clinica.

O desconhecimento é um dos aspectos que impedem o manejo das questões

religiosas na clínica, pois o psicólogo sente-se inseguro e despreparado para tratar

de assuntos religiosos (ANCONA-LOPEZ, 1999). Giovanetti (1999) concorda com

Ancona-Lopez (1999) e complementa que há falta de um conhecimento

sistematizado que ofereça suporte para explorar esta dimensão.

Para Shafranske e Malony (1990) a religião tem um significado singular nas

histórias de vida das pessoas e, portanto, exerce efeito positivo ou negativo na

constituição da saúde mental do individuo. Assim, a incidência dos temas religiosos

na clínica psicológica é grande. Esse posicionamento está em consonância com

Frankl (1990), para quem a religião é uma ferramenta utilizada na busca de sentido

para a vida, razão para viver em meio às dificuldades, aos infortúnios e às tragédias

da existência. O tema religiosidade e espiritualidade na formação acadêmica em

Psicologia vai ao encontro do cerne desta pesquisa e traz os resultados finais para

que possamos concluir sobre a necessidade de incluí-lo no curso de Psicologia, a

partir da experiência de Rodrigo e Roberta.

Rodrigo reflete sobre a falta de conhecimento teórico frente às questões

religiosas e espirituais e sobre a falta de discussão sobre o assunto, reforçando a

posição de que, em sua formação acadêmica, as linhas teóricas são apresentadas

de forma que não há espaço para discutir, refletir e integrar a teoria à prática.

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

64

Inicialmente a Psicanálise era uma verdade absoluta para ele, mas aos poucos

percebeu que não oferecia suporte teórico a suas questões religiosas e espirituais.

Para resolver este conflito optou por uma abordagem que fosse ao encontro de suas

crenças e de sua maneira de conceber o ser humano e o mundo: a Fenomenologia.

Optou por esta abordagem por acreditar que ela oferece um olhar mais integrado de

ser humano, mas percebe que não encontrou subsídios teóricos suficientes para

fazer esta integração em seu curso.

No aspecto intelectual Rodrigo traz um discurso coerente. Na prática, sempre

afirma a falta de conhecimento teórico e de subsídios para a compreensão dos

diversos elementos contidos no trabalho psicológico para a compreensão do

paciente. Isso mostra que, mesmo dentro da abordagem que contempla estas

questões, ele não conseguiu uma compreensão maior das dimensões religiosa e

espiritual em sua formação, capaz de lhe dar suporte. Quanto à opção de Roberta

por uma abordagem cognitiva comportamental, acabou por dar um suporte maior à

sua insegurança diante das adversidades trazidas na prática clínica: como esta

abordagem é mais diretiva assegura, em sua visão, que cometa menos erros em

sua prática profissional.

Ao longo da entrevista com Rodrigo, percebi que sua concepção sobre a

relação entre Ciência e Religião – esferas entre as quais enxerga uma possibilidade

de diálogo teórico – parte do pressuposto de que a Psicologia não deve fragmentar o

homem. Mas noto que o conteúdo do seu discurso marca um distanciamento entre

os campos da Psicologia, da Religião e da espiritualidade, aspectos estes que para

ele permanecem à margem do âmbito acadêmico. De início se posicionou dizendo –

e enfaticamente – que questões sobre a religiosidade não foram abordadas

formalmente em nenhum momento de sua formação acadêmica. Afirmou que a sua

experiência pessoal é que deu subsídios para lidar de um modo próprio com o

atendimento ao paciente. A inserção do estudo das dimensões religiosa e espiritual

na formação acadêmica em Psicologia foi considerada relevante por ele para

assegurar não só uma qualificação profissional devidamente atualizada, mas

também uma ética e a inclusão de todas as dimensões humanas na Psicologia.

Roberta está em conflito com relação a tais questões: aceita que deve haver

distanciamento entre Religião e Psicologia, mas de modo contraditório considera a

importância da experiência religiosa e espiritual na prática e na formação

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

65

psicológica. Embora se preocupe com as crenças, principalmente as religiosas, e

tente distanciá-las ao máximo da Psicologia, defende o debate sobre religiosidade e

espiritualidade até como forma de os estudantes compreenderem que papel exercer

perante o paciente no atendimento e como trabalhar com estas questões de forma

imparcial. Questiona a influência da religiosidade e da espiritualidade na prática

clínica, mostra que estas dimensões estão presentes no contexto individual e

profissional e requer discussões sobre o quanto podem ser consideradas relevantes

em uma patologia e na atuação do psicólogo, por serem parte essencial do universo

de conteúdos a serem trabalhados no curso de Psicologia.

Para Ancona-Lopez (2007), quando afirmações teóricas da Psicologia e da

Antropologia, que envolvem diferentes concepções de homem e de mundo, são

confrontadas com as crenças pessoais dos alunos, frequentemente pode haver

questionamentos, aderências ou conflitos. Amatuzzi (2007) ressalta que os alunos

têm uma carência grande de elaborações teóricas e informações científicas

relacionadas à dimensão religiosa da experiência humana.

Grande parte das colocações teóricas levantadas nesta dissertação vai ao

encontro do conteúdo das entrevistas. O diálogo entre Psicologia, Religião e

espiritualidade se faz necessário, buscando uma forma de integração destes temas

à teoria e à prática. Todavia, nas visões de Rodrigo e de Roberta, existe um

distanciamento entre esses campos. Essa posição é encontrada em Angerami

(2008), que mostra haver no âmbito acadêmico certa intolerância quando da

evocação de temática religiosa, que parece ganhar contornos ainda maiores na

Psicologia. Ele atribui este fenômeno aos fatos de a Psicologia no Brasil ainda estar

nos primeiros passos da busca por reconhecimento científico e acadêmico e de, ao

se confrontarem com questões de religiosidade, a primeira postura de seus doutores

ser a de rechaçar tais questões. Ressalta ainda que uma ciência que pretende

conceber o homem integrado, atribuindo equivalente importância aos aspectos

biológicos, psicológicos e sociais, não pode negligenciar a dimensão espiritual,

presente em quase todas as manifestações humanas.

Com relação a este aspecto, Rodrigo enfatiza a necessidade de se ter

conhecimento sobre o tema na grade curricular em Psicologia. Outro aspecto

mencionado por ele é o desconforto por parte dos colegas de curso ao se abordar o

tema em sala de aula; tal preconceito pode ser atribuído a uma mentalidade

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

66

enraizada na formação em Psicologia e transmitida pelos docentes desde o início do

curso. Roberta também considera que a formação em Psicologia deve incluir um

aporte teórico que contemple os aspectos religiosos e espirituais do indivíduo.

A forma como o tema é tratado ainda não tem espaço na academia, uma vez

que a formação é pautada dentro de estruturas clássicas, sob as premissas do

cientificismo e em consonância com o que se aprende na graduação. As dimensões

religiosa e espiritual estão fora deste contexto e frequentemente são associadas a

questões da psicopatologia. Assim, os cursos são lineares, apresentam sequências

de diversas teorias e técnicas e partem para o estágio profissionalizante, como se

bastasse aplicar uma técnica (ANCONA-LOPEZ, 2007).

O contexto educacional vigente em Psicologia faz com que os psicólogos

esqueçam que a compreensão humana está em contínuo movimento e as teorias

são sempre limitadas, pois a experiência humana vai além de suas explicações.

Esquece-se, assim, como acrescenta Figueiredo (1987, p. 10), que a História da

Ciência e a História da Psicologia não acabaram e “todos têm em princípio o direito

e a obrigação de produzir não só novos conhecimentos, mas novas formas

socialmente aceitáveis de produção de conhecimento” (ANCONA-LOPEZ, 2007).

Massimi e Mahfound (1999) consideram que, por tempo prolongado, a

espiritualidade ficou à margem das discussões acadêmicas e das pesquisas

científicas (PERES, 2007). Sendo assim, a dissociação entre o mundo e seus

objetos e a subjetividade humana afastou a espiritualidade do âmbito da ciência; a

espiritualidade e a religião ainda permanecem fora do universo acadêmico.

Há necessidade de legitimar a preparação e a instrumentalização dos

profissionais de Psicologia Clínica nos níveis teórico, técnico e ético desde a

formação universitária. A compreensão e o acolhimento das experiências espirituais

e religiosas exigem que o psicólogo desenvolva habilidades para tratá-las

abertamente, conhecendo suas peculiaridades.

Para Rodrigo o profissional imbuído da concepção de homem descrita

anteriormente buscará um atendimento que contemple o homem em todos os seus

aspectos constitutivos, para que suas intenções possam contribuir com o seu

crescimento. É papel do psicólogo acolher a pessoa na sua dimensões bio-psico-

social-espiritual, ajudando-a a elaborar suas experiências, integrando-as. Essa

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

67

integração só é possível no encontro com outra pessoa, pois o homem se constrói

na relação com o outro. Todavia, Rodrigo demonstra desconhecer as implicações

positivas e negativas desta relação, ou quando as conhece são decorrentes de

experiências pessoais, sem fundamentação teórica que lhes dê suporte. De acordo

com ele, a graduação em Psicologia ainda negligencia esta dimensão humana, já

legitimada pelo atual paradigma científico.

Luczinski (2005) alerta para a urgente necessidade de estabelecer um diálogo

entre a Psicologia e a Religião; para ele alguns esforços têm sido feitos nesse

sentido, inicialmente fora do Brasil. O autor defende este diálogo, aponta formas de

incluí-lo na Psicologia e traz questões presentes nessa interface (VERGOTE, 1998;

SHAFRANSKE, 1996). Outros pesquisadores também têm se empenhado em

explicitar a forma como a religião aparece em diversas questões e situações em

relação à Psicologia (MASSIMI & MAHFOUND, 1999; PAIVA, 2002; AMATUZZI,

2001).

Rodrigo fez uma associação direta com a contribuição que a formação

acadêmica em Psicologia teria exercido se contemplasse questões religiosas e

espirituais dos pontos de vista tanto do aluno quanto do paciente. Um ponto comum

dos entrevistados é a influência exercida pelos professores, que de alguma forma

interferiu tanto na formação de Rodrigo quanto na de Roberta. A posição negativa de

professores e supervisores frente ao tema revelou-se uma fonte de dúvidas sobre

como lidar com esses aspectos no atendimento psicológico, uma vez que não

encontraram espaço para dialogar sobre a questão, nem o acolhimento de suas

crenças. Esta lacuna contribuiu para que Roberta assumisse uma postura de

neutralidade para não influenciar no atendimento de seus pacientes.

Penso que Rodrigo e Roberta devem entender as dimensões religiosa,

espiritual e científica como complementares em qualquer processo, incluindo a

busca por dar sentido à vida e qualificá-la. Só assim poderiam levar em consta a

visão integral do ser humano e a sua complexidade. Ambos consideram importante

que se estudem questões referente à dimensão espiritual em Psicologia porque, em

suas opiniões, a ciência não pode ignorar algo que faz parte do ser humano e está

presente no cotidiano da existência. Na visão de Rodrigo essa exclusão acaba

redundando em fazer as coisas “pela metade, e não 100%”. Tal consideração vai ao

encontro dos achados de Cavalheiro (2010): a autora observa que os dados

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

68

apontam para a necessidade de inserção do conhecimento sobre a espiritualidade

na formação acadêmica em Psicologia, para que o psicólogo possa lidar com outras

dimensões circunscritas ao humano na clínica psicológica.

Outro aspecto relevante diz respeito ao papel do professor na experiência dos

entrevistados. Parece que a forma como algumas questões são tratadas ou mesmo

discutidas pelos docentes pode marcar negativa ou positivamente o aluno que

assume a sua religiosidade ou a sua espiritualidade no curso. Parece que esse

posicionamento, de alguma forma, influenciou de forma marcante a formação de

Rodrigo e de Roberta. A relação professor-aluno deve propiciar o desenvolvimento

de ambos.

Paiva (2002) discute a presença da religião dentro das universidades, em

estudos feitos com pesquisadores de diversas áreas. Observa que a aderência ou

não a uma religião está mais ligada a aspectos pessoais e psicológicos do que a

elaborações criticas e posturas epistemológicas. Possivelmente, a postura dos

docentes interfere na formação dos graduandos, como se pode observar nos cursos

de Psicologia (ESTEVES, 2004). Para Esteves a forma como os professores lidam

com seus alunos diante do tema está relacionada aos significados que eles

conferem às suas vivências no aspecto pessoal, não proporcionando, assim, uma

reflexão teórica ou estudos sobre a melhor maneira de lidar com o tema.

Entendo, dessa forma, que a adequação e a integração entre a temática

religiosa e espiritual, a teoria e as crenças pessoais deverão ter uma linguagem

psicológica por parte do docente. Ancona-Lopez (1999) comenta que tal dificuldade

é consequência da ausência de eixos referenciais que auxiliem os psicólogos na

reflexão e na consideração das experiências religiosas quando elas aparecem na

clínica, o que também é confirmado por Giovanetti (1999), que aponta que não há

nos currículos dos cursos de Psicologia, com algumas exceções, nenhuma disciplina

que se proponha a estudar questões sobre a religiosidade e a espiritualidade.

Rodrigo e Roberta entendem que há uma necessidade da aprendizagem do

manejo de questões religiosas e espirituais como uma forma de ter mais

instrumentos e ferramentas para lidar com estas questões em sua prática clínica,

possibilitando assim um olhar para o outro de forma mais integrada.

Como aponta Ancona-Lopez (2005), a falta de abertura para o tema nos

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

69

cursos de Psicologia impossibilita que ocorra a elaboração e assimilação reflexiva

das vivências espirituais, o que gera um grande distanciamento entre as

experiências pessoais e a linguagem profissional. Desse modo, acaba havendo um

prejuízo na consistência dos diálogos internos e externos.

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

70

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi compreender a religiosidade e a espiritualidade

dos alunos dos cursos de formação de psicólogos.

Tanto Rodrigo quanto Roberta tiveram experiências em suas histórias de vida

que precisaram trabalhar dentro de si durante o seu desenvolvimento pessoal, o

que, de alguma forma, refletiu em suas escolhas profissionais e os fez buscar a

Psicologia para entender o ser humano. A religiosidade e a espiritualidade fizeram

parte deste processo de escolha da sua profissão.

Nas entrevistas pude perceber que ambos se preocupam em ser neutros para

não influenciar o atendimento e que isto tem sido levado com rigor nas suas práticas

profissionais; a religiosidade influi em suas experiências e nos seus direcionamentos

profissionais. A influência da religiosidade e da espiritualidade dos entrevistados em

suas práticas clínicas provoca inseguranças nos alunos, quando se veem diante das

questões religiosas e espirituais.

Por inexperiência, pela falta de oportunidade de tratar o assunto durante a

formação acadêmica e pela dificuldade em relacionar as experiências religiosas e

espirituais na sua formação, os entrevistados vivem a separação da Psicologia das

dimensões religiosa e espiritual como conflitantes, e não tendo condições para fazer

uma articulação entre estas dimensões, no sentido de discuti-las e esclarecer suas

dissonâncias, possíveis aproximações e distanciamentos.

Embora eu soubesse da influência da subjetividade do profissional de

Psicologia no atendimento psicológico, e consequentemente de sua religiosidade e

de sua espiritualidade, ela se mostrou mais concretamente nas análises das

entrevistas. A sinceridade dos colaboradores ao falarem de suas dificuldades,

experiências e opiniões deu-me a visibilidade dessa questão, tão importante para a

formação em Psicologia.

Trabalhar com estas questões durante a graduação propicia experiências de

maior abertura e leva a compreender que é necessário um novo olhar sobre a

formação profissional, que contemple a importância do debate de questões

religiosas e espirituais capazes de pautar a conduta dos futuros psicólogos e reduzir

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

71

suas dúvidas e conflitos nos atendimentos psicológicos, tendo como foco o

desenvolvimento bio-psico-social-cultural-espiritual dos pacientes.

A sugestão que decorre desta pesquisa é a de que a inclusão destes temas

no curso conduzirá a um atendimento mais integrado e a uma prática psicológica

mais consistente.

Foi possível observar que tanto os conhecimentos psicológicos, teóricos e

técnicos quanto as experiências vividas ao longo da formação e os modelos

profissionais com os quais Rodrigo e Roberta se identificaram influenciaram em seu

crescimento pessoal, em seu futuro profissional e no modo como eles manejam as

questões religiosas e espirituais na prática profissional.

Neste caminho, é importante que os alunos adquiram uma postura crítica

quanto à própria religiosidade e a espiritualidade, e os valores que as norteiam,

condição para o não preconceito e para a aceitação do outro.

Por fim, elaborar esta dissertação permitiu-me perceber que a forma como

nos colocamos na presença do outro é fundamental quando queremos compreendê-

lo. Ao estudar o universo dos alunos entrevistados percebi o quanto necessitam de

compreensão e acolhimento em sua formação, esperando que seus professores e

supervisores os ajudem a interpretar suas experiências religiosas e espirituais, a

compreender os mistérios que envolvem estas questões e as suas relações com o

mundo, com os outros e, sobretudo, consigo mesmos.

Percebo que a proposta deste estudo trata de uma perspectiva importante no

que tange à pesquisa científica e à possibilidade de contribuir para outros estudos

que possam emergir, porém, é novamente limitada, na medida em que se trata

apenas de uma das formas de olhar.

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

72

REFERÊNCIAS

ALES BELLO, A. Culturas e religiões: uma leitura fenomenológica. Bauru: EDUSC,

1998.

_____. Fenomenologia e ciências humanas: psicologia, história e religião.

Tradução e organização de M. Mahfoud e M. Massimi. Bauru: EDUSC, 2004.

ALETTI, M. Apresentação de Deus como Objeto transacional ilusório. Perceptivas e

problemas de um novo modelo. In: PAIVA, G. J.; ZANGARI, W. (Orgs.). A

representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004,

pp.19-50.

AMATUZZI, M. M. (Org.). Psicologia e Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005.

_____. Desenvolvimento psicológico e desenvolvimento religioso: uma hipótese

descritiva. In: MASSIMI, M.; MAHFOUD, M. (Org.). Diante do mistério:

psicologia e senso religiosos. São Paulo: Loyola, 1999, pp. 123-140.

_____. Esboço de teoria do desenvolvimento religioso. In: PAIVA, G. J. (Org.).

Diálogo da Psicologia com a Religião. São Paulo: Loyola, 2001, pp. 25-52.

_____. Uma aproximação fenomenológica à experiência religiosa. In: ARCURI, I. G.;

ANCONA-LOPEZ, M. Temas em psicologia da religião. São Paulo: Vetor,

2007, pp. 209-217.

_____. Desenvolvimento psicológico e desenvolvimento religioso: uma hipótese

descritiva. In: MASSINI, M.; MAHFOUD, M. (Orgs.). Diante do Mistério:

psicologia e senso religioso. São Paulo: Loyola, 1999.

_____. O resgate da fala autêntica: filosofia da psicoterapia e da educação.

Campinas: Papirus, 1989.

ANCONA-LOPEZ, M. As Crenças Pessoais e os Psicólogos Clínicos: orientações e

teses em psicologia da religião. In: ARCURI, I. G.; ANCONA-LOPEZ, M. Temas

em Psicologia da Religião. São Paulo: Vetor, 2007, pp. 184-207.

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

73

_____. Religião e psicologia clínica: quatro atitudes básicas. In: MASSIMI, M.;

MAHFOUD, M. (Orgs.). Diante do mistério: psicologia e senso religioso. São

Paulo: Loyola, 1999, pp. 71-86.

_____. A espiritualidade e os psicólogos. In: AMATUZZI, M. M. (Org.). Psicologia e

espiritualidade, São Paulo: Paulus, 2005, pp. 147-160.

_____. A religiosidade do psicoterapeuta. In: BRUSCAGIM, C.; SAVIO, A.; FONTES,

F.; GOMES, D. F. (Orgs.). Religiosidade e psicoterapeuta. São Paulo: Rocca,

2008, pp. 1-8.

ANGERAMI, V. A. (CAMON). Religiosidade e Psicologia: A contemporaneidade da fé

religiosa nas lides acadêmicas. In: ANGERAMI, V. A. (CAMON) (Org.).

Psicologia e Religião. São Paulo: Cengage Learning, 2008, pp. 1-42.

ANGERAMI, V. A. (CAMON). Espiritualidade e Prática Clínica. São Paulo:

Pioneira; Thomsom Learning, 2004.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BARROS, R. A. A religiosidade, a espiritualidade e a prática clínica psicológica.

Disponível em: <http://m40s.com/humanizacao/IEventoEE/2/Autor.html.2012.>.

Acesso em: 13. fev. 2013.

BICUDO, M. A. V.; MARTINS, J. A Pesquisa Qualitativa em Psicologia:

Fundamentos e Recursos Básicos. São Paulo: Moraes; EDUC – Editora da

PUC-SP, 1989.

BOCCALANDRO, M. P. R. Vontade: um atributo do Self. In: ANGERAMI, V. A.

(CAMON). (Org.). Espiritualidade e prática clínica. São Paulo: Pioneira

Thomson Learning, 2004.

CAMBUY, K. ; AMATUZZI, M. M.; ANTUNES, T. A. Psicologia Clínica e Experiência

Religiosa. Revista de Estudos da Religião, 2006, n.3, p. 77-93. ISSN 1677-

1222. Disponível em: http://www.pucsp.br/rever/rv3_2006/p_cambuy.pdf. Acesso

em: 15 jul. 2012.

CAPRA, F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São

Paulo: Cultrix, 1982.

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

74

CAVALHEIRO, C. M. F. Espiritualidade na Clínica Psicológica: Um olhar sobre a

Formação Acadêmica no Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado em

Psicologia Clínica). Orientadora: Profa. Dra. Denise Falcke. Programa de Pós-

Graduação em Psicologia, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São

Leopoldo, Rio Grande do Sul, 2010. 143 p.

CÉSAR, C. F. D. A. Histórias de vida, opções teóricas em Psicologia: Uma

abordagem fenomenológica. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica).

Orientadora: Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez. São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2007. 184 p.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez,

2003.

COLIATH, A.A.M. Escolha do terapeuta associada à denominação religiosa.

Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica). Orientadora: Profa. Dra. Marília

Ancona-Lopez. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007.

98 p.

COSTA, C. C. et al. Qualidade de Vida e Bem-Estar Espiritual em Universitários de

Psicologia. Psicologia em Estudo. Maringá, v. 13, n. 2, pp. 249-255, abr.-jun.

2008. Disponível em: <http/www.scielo.br/pdf/pe/v13n2/a07v13n2.pdf>. Acesso

em: 16. fev. 2012.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Nota Pública do CFP de

esclarecimento à sociedade e aos Psicólogos sobre Psicologia e

religiosidade no exercício profissional. Publicado em 28. fev. 2012.

Disponível em: <http://site.cfp.org.br/>. Acesso em: 25 jul. 2012. [notícia on line]

CREMA R. Antigos e Novos Terapeutas: Abordagem Transdisciplinar em Terapia.

Rio de Janeiro. Vozes, 2002.

DALGALARROUDO, P. Psicologia e Saúde Mental, Porto Alegre: Artmes, 2008.

D’AMBROSIO, U. A transdisciplinaridade como uma resposta à sustentabilidade.

NUPEAT - IESA – UFG, Goiânia, v.1, n.1, pp.1-13, jan/jun/2011. Disponível em:

<http://www.revistas.ufg.br/index.php/teri/article/download/14393/9068> Acesso

em: 27. jul. 2012.

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

75

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. A essência das religiões. São Paulo:

Martins Fontes, 1992.

ESTEVES, M. C. S. Os significados da religiosidade para docentes

supervisores do curso de Psicologia. Tese (Doutorado em Psicologia

Clínica). Orientadora: Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez. São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2009. 178 p.

_____. O significado da religião na formação do psicólogo: um estudo em

andamento. In: V seminário Nacional de Psicologia e senso Religioso, 2004,

Campinas. Anais do V seminário Nacional de Psicologia e Senso Religioso:

religião e espiritualidade. Campinas: PUCCAMP, 2004.

FARRIS, J. R. Aconselhamento psicológico e espiritualidade. In: AMATUZZI, M. M.

(Org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005, p. 165.

FORGUIERI, Y. C. Psicologia: fenomenologia, fundamentos, método e pesquisas.

4. ed. São Paulo: Pioneira; Thomson Learning, 2004.

_____. Aconselhamento terapêutico: origens, fundamentos e praticas. São Paulo:

Thomson Learning, 2007.

FORTE, B. À escuta do outro: Filosofia e revelação. São Paulo: Paulinas, 2003.

FOWLER, J. W. Estágios da fé: a psicologia do desenvolvimento humano e a busca

de sentido. São Leopoldo: Sinodal, 1992.

FRANKL, V. Psicoterapia Fenomenológica: Fundamentos, Método e Pesquisa.

Petrópolis: Vozes, 1990

_____. Psicoterapia para todos. Petrópolis: Vozes, 1990.

GASTAUD, M. B., SOUZA, L. D. M., BRAGA, L., HORTA, C. L., OLIVEIRA, F. M.

DE., SOUSA, P. L. R. & SILVA, R. A. Bem-estar espiritual e transtornos

psiquiátricos menores em estudantes de Psicologia: estudo transversal. Revista

Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 28(1), 12-18, 2006.

GIL, Antônio C. Métodos e técnicas em pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.

GIOVANETTI, J. P. O Sagrado e a experiência religiosa na psicoterapia. In:

MASSIMI, M.; MAHFOUD, M. (Orgs.). Diante do Mistério: psicologia e senso

religioso. São Paulo: Loyola, 1999, pp. 87-96.

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

76

_____. Psicologia existencial e espiritualidade. In: AMATUZZI, M. M. (Org.).

Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005, pp. 129-145.

GIUSSANI, L. O senso religioso: primeiro volume do PerCurso. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira, 2000.

GLEISER, M. A dança do Universo: dos mitos de criação ao Big–Bang. São Paulo:

Companhia das Letras, 2006.

HERMANN, N. Hermenêutica e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

JAMES, W. As variedades da Experiência Religiosa: um estudo sobre a natureza

humana. São Paulo: Cultrix, 1995.

LARSEN, D. B.; SWYERS, J. P.; MCLOUGH, M. E. Scientific research on

spirituality and health. A consensus report. National Institute for Healthcare

Research. Rockville: The John M Templeton Foundation, 1998.

LUCZINSKI, G. F. O psicólogo clínico e a religiosidade do cliente: impactos na

relação terapêutica. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica). Orientadora:

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, 2005. 191 p.

MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. O ouvir ativo: recurso para criar um

relacionamento de confiança. In: ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. M. N. S. (Org.).

As relações interpessoais na formação de professores. São Paulo: Loyola,

2004, pp. 45-67.

MARQUES, L. F. A saúde e o bem-estar espiritual em adultos Porto-Alegrenses.

Tese (Doutorado em Psicologia). Orientador: Prof. Dr. Jorge Castellá Sarriera.

Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2000. 179

p.

_____. A saúde e o bem-estar espiritual em adultos Porto-Alegrenses. Psicologia

Ciência e Profissão, 23 (2), 56-65, 2003.

_____. Práticas alternativas em psicoterapia num cenário de mudança de

paradigma. Psico. Porto Alegre, 27 (1), 161-184,1996.

MASSINI, M.; MAHFOUD, M. (Orgs.). Diante do Mistério: psicologia e senso

religioso. São Paulo: Loyola, 1999.

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

77

MOREIRA-ALMEIDA, A.; LOTUFO NETO, F.; KOENIG, H.G. Religiousness and

mental health: a review. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 28, n. 3, pp. 242-

50, 2006.

MULLER, Wunibald. Deixar-se tocar pelo sagrado. Petrópolis: Vozes, 2004.

OLIVEIRA, A. L. R. Os sentidos da religiosidade de idosos adeptos do

catolicismo popular da região do triângulo mineiro. Tese (Doutorado em

Psicologia Clínica). Orientadora: Profa. Dra. Marilia Ancona-Lopez. São Paulo:

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. 289 p.

PAIVA, G. J. Ciência, religião, psicologia: conhecimento e comportamento.

Psicologia: Reflexão e Crítica. Porto Alegre, v. 15, n. 3, pp. 1-7, 2002.

_____. Psicologia da religião, psicologia da espiritualidade: oscilações conceituais

de uma (?) disciplina. In: AMATUZZI, M. M. Psicologia e espiritualidade. São

Paulo: Paulus, 2005, pp. 31-47.

PANZINI, R. G. & BANDEIRA, D. Escala de coping religioso-espiritual (escala CRE):

elaboração e validação de construto. Psicologia em Estudo, v. 10, n. 3, pp.

507-516, 2005.

PARGAMENT, K. I. Uma orientação para a Psicoterapia Espiritualmente Integrada.

In: PARGAMENT, K. I. Psicoterapia Espiritualmente Integrada: Compreender

a abordagem do sagrado. New York: Guilford Press, 2007.

PERES, J. F. P. et al. Espiritualidade, religiosidade e psicoterapia. Revista

Psiq.clinica 34, supl 1; 136-145, 2007.

PERES, J. F. P.; NEWBERG, A. B.; MERCANTE, J. P.; SIMÃO, M.;

ALBUQUERQUE, V. E.; PERES, M. J. P.; NASELLO, A. G. Cerebral blood flow

changes during retrieval of traumatic memories before and after psychotherapy:

a SPECT study. Psychological Medicine, v. 9, n. 1, pp. 1-11, 2007.

PLACCO, V. M. N. S. Correntes psicológicas subjacentes à didática do ensino

superior: em foco o professor do ensino superior. In: CASTANHO, S.;

CASTANHO, M. E. L. M. (Orgs.). Temas e textos em metodologia do ensino

superior. 3. ed. Campinas: Papirus, 2004, pp. 21-40.

RIBAS, J. B. C. Viva a Diferença! São Paulo: Moderna, 1996.

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

78

RIBEIRO, J. P. Religião e Psicologia. In: HOLANDA, A. (Org.). Psicologia,

Religiosidade e Fenomenologia. Campinas: Alínea, 2004, p. 12.

SAFRA, G. Espiritualidade e Religiosidade na Clinica Contemporânea. In:

AMATUZZI, M. M. (Org.). Psicologia e Religião. São Paulo: Paulus, 2005, pp.

205-211.

SALDANHA, V. Psicologia transpessoal. Abordagem integrativa. Um

conhecimento emergente em psicologia da consciência. Unijuí: Editora Unijuí,

2008.

SANCHEZ, Z. V. D. M.; NAPPO, S. A. Sequência de drogas consumidas por

usuários de crack e fatores interferentes. Revista de Saúde Pública, São

Paulo, v. 36, n. 4, p. 420-430, ago. 2002.

SCHOENFELD, W. N. Religion and human behavior. Boston: Authors Cooperative,

1993.

SHAFRANSKE, E.; E MALONY, H. N. Clinical PSYchologistes Religious and

spiritual Orientations and Their Practice of Psychotherapy. USA: American

Psychological Association, 1990.

SHAFRANSKE, E. P. Religious beliefs, affiliations and practices of clinical

psychologists. In: SHAFRANSKE, E. P. Religion and the Clinical Practice of

Psychology. American Psychologial Association, USA, 1996.

SHAKESPEARE, R. Psicologia de Deficiente. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

STEIN, E. Ser finito i ser eterno: ensayo de uma ascension al sentido del ser.

México: Fondo de Cultura Economica, 1994.

VALLE, J. E. R. Religião e Espiritualidade: Um olhar psicológico. In: AMATUZZI, M.

M. (Org.). Psicologia e Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005, pp. 102-104.

VERGOTE, A. Psicologia Religiosa. Madri: Taurus, 1969.

_____. Necessidade e desejo na ética da psicologia. In: PAIVA, G. J. Entre

necessidade e desejo: diálogos da Psicologia com a religião. São Paulo:

Loyola, 2001, pp. 9-24.

WEIL, P.; CREMA. R.; LELOUP. J. Y Normose: a patologia da normalidade.

Campinas: Verus, 2003.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

79

ZACARIAS, J. J. M. Psicologia e Religião: olhares diferenciados do mesmo

fenômeno. Curitiba: Symbolon: estudos junguianos. Disponível em:

<www.symbolon.com.br/artigos/psicoerelig.htm>. Acesso em: 11. out. 2011.

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

80

ANEXOS

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

81

ANEXO I: PARECER PARA O COMITÊ ÉTICO

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

82

ANEXO II: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Projeto de Pesquisa

Título do estudo: As vivências de religiosidade e espiritualidade nos alunos

do curso de Psicologia.

Autor (a): Terezinha Carmen Gandelman

Orientador (a): Marília Ancona-Lopez

Palavras-Chave: Psicologia e Religião; Psicologia Fenomenológica;

Formação do psicólogo.

Justificativa: A convivência com professores, psicólogos e alunos em uma

universidade, aliada a uma trajetória pessoal e ao interesse pela religiosidade,

despertou a necessidade de compreender como alunos do curso de Psicologia

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

83

relacionam suas vivências de religiosidade e espiritualidade aos conhecimentos

adquiridos no curso. Acreditamos que o desenvolvimento de uma pesquisa que

esclareça a questão possa proporcionar condições facilitadoras para pensar na

formação dos psicólogos.

Os significados que as pessoas atribuem às suas vidas são constituídos por

crenças e valores adquiridos ao longo de suas histórias. É importante para o

professor psicólogo que trabalha na formação de outros psicólogos buscar

compreender como os alunos se posicionam diante dessas crenças por meio de

observação e conhecimento dos sentidos das experiências que eles vivem.

Esteves (2009), em sua tese de doutorado, conclui haver necessidade de

desenvolvimento de trabalhos focados nos alunos, pressupondo-se que as

experiências espirituais e religiosas deles podem apontar aspectos importantes para

sua formação acadêmica.

Objetivo da Pesquisa: Compreender como alunos do curso de Psicologia

relacionam suas experiências religiosas e espirituais aos conhecimentos que

adquirem em seu curso.

Métodos e Procedimentos a serem utilizados: Entrevistas semidirigidas

gravadas, analisadas a partir de uma metodologia qualitativa de base

fenomenológica.

Desconfortos e riscos: Não se trata de procedimentos de intervenção

terapêutica e não será utilizado procedimento invasivo.

Métodos alternativos existentes: Não há métodos alternativos no caso.

Forma de assistência e responsável: A pesquisadora se responsabiliza e

se compromete a fornecer assistência psicológica aos alunos entrevistados, caso

surjam desconfortos de ordem psicológica provenientes da entrevista.

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

84

Liberdade de recusa: Os entrevistados são livres para recusar participar das

entrevistas ou retirar seu consentimento em qualquer momento do trabalho sem

sofrer penalização de nenhuma espécie.

Garantia de Sigilo e Privacidade: É garantido aos entrevistados o sigilo das

informações que fornecer ao pesquisador responsável, referentes às suas vidas

pessoais, de modo a garantir suas privacidades. Os resultados da pesquisa somente

poderão ser divulgados sob a forma de trabalho científico, preservando a identidade

dos colaboradores.

Termo de consentimento:

Os objetivos e detalhes deste estudo foram-me completamente explicados,

conforme seu texto descrito. Entendo que não sou obrigado a participar do estudo e

que posso descontinuar minha participação, a qualquer momento, sem ser em nada

prejudicado. Meu nome não será utilizado nos documentos pertencentes a este

estudo e a confidencialidade dos meus registros será garantida. Desse modo,

concordo em participar do estudo e cooperar com o pesquisador.

Registro, aqui, o meu pleno consentimento para que a(s) entrevista(s)

referente(s) ao estudo acima mencionado, possam ser gravadas, bem como para a

utilização dos dados, retirados das transcrições das fitas, guardadas as Normas

Éticas do Conselho Profissional.

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

85

ANEXO III: TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

Entrevista I

Tereza: Obrigada por você ter aceitado participar da minha pesquisa. Vamos

conversar um pouco sobre suas experiências. O objetivo deste meu trabalho é

compreender como os alunos do curso de Psicologia relacionam as suas vivências

de religiosidade e espiritualidade com os conhecimentos que adquirem em sua

graduação. Assim, gostaria que você me contasse quais os significados que esses

temas, religiosidade e espiritualidade, têm para você e como você lida com estas

questões na sua formação. Conte-me sua experiência.

Roberta: De forma pessoal? O significado de forma pessoal?

Tereza: Sim.

Roberta: Não tive orientação religiosa no intuito de tentar me direcionar a

uma religião específica. Fui batizada, casei na Igreja Católica por tradição, e não por

fé em tal dogma. Já frequentei Espiritismo, já li sobre Rosa Cruz, Seicho-No-Ie.

Tenho bastante interesse! Inclusive já me batizei na Igreja Evangélica. Mas quando

ingressei na Psicologia optei por me distanciar de todas essas questões. Achava

que qualquer dogma iria me aprisionar ao ponto de não me abrir para questões

científicas. E, a princípio, eu achava assim: se eu tivesse algum dogma ou alguma

crença isso iria me atrapalhar e me trazer algum preconceito. Que fosse me fechar,

me impedindo de ver o mundo de outras formas, pois acredito que de certa forma as

crenças aprisionam, dependendo da personalidade da pessoa, se a pessoa leva

para o fanatismo, a pessoa acaba ficando aprisionada e é o que percebemos em

algumas religiões específicas. Então me afastei e fui procurar entrar em contato com

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

86

as explicações pelas questões científicas. Pois são dois tipos de explicações que

temos para as coisas, né? As científicas e as religiosas. Achei meio contraditório, a

princípio, tentar abarcar as duas explicações.

Tereza: Conte-me: como é isto?

Roberta: Bom. A gente percebe que a pessoa explica tudo a partir da sua

crença. Por exemplo, se a pessoa tem um relacionamento que não vai bem, ela

acha que está sendo influenciada por um mau espírito ou pode dizer que não está

sendo abençoada. Então, todas estas explicações giram em torno dessa crença.

Acredito que se eu tivesse um dogma ou uma crença ou uma religião específica não

me abriria para outras explicações. Porque a Ciência explica de outra forma,

completamente diferente. Bom, observo que as pessoas precisam ter alguma

crença. Observei em um estágio num hospital que eu fiz que, quando a ciência falha,

a religião entra para explicar tudo isso. A crença/fé é mais emocional e a ciência é

mais racional. Encontramos na saúde mental muito da espiritualidade, a pessoa está

delirando/alucinando ou realmente está vendo algo. A religião explica de forma

diferente do que a ciência. A formação se fecha mais na ciência, pois a religião não

tem verdades absolutas. A fé é mais ficcional.

Os problemas pessoais do psicólogo não devem interferir nos tratamentos

dos pacientes. Mas, na verdade, influenciam. Não tinha condições financeiras para

ter tratamento psicológico e parti para uma terapeuta holística, que considera a

espiritualidade no seu trabalho. Senti uma vontade de voltar para a religião

evangélica e senti uma tentativa dela em me fazer não voltar à minha religião.

Acredito que quando mistura religião com Psicologia devemos ter muito cuidado. Se

você tiver uma crença muito forte em alguma crença e/ou religião, é quase

impossível você não influenciar o seu paciente. Os valores de cada religião acabam

levando aos seus fiéis a pregarem para as pessoas. Muitos amigos da faculdade

tiveram conflitos em trabalhar com seus pacientes, pois eram evangélicos e

acreditavam na origem do homem (Adão e Eva), o que é bem discutível dentro da

Ciência. No entanto, temos a orientação de sermos neutros e de não nos

envolvermos. Todos temos uma vivência dentro de alguma religião, mesmo que

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

87

sejamos ateus, temos nossas próprias experiências. Tive uma paciente que se

negava ao tratamento de câncer, pois acreditava que receberia um milagre e que

tinha recebido uma revelação. Não podemos dizer veementemente que tal milagre

não aconteceria. Portanto, me deparei com o grande dilema: até onde a religião e a

ciência poderiam curar? Não consegui lidar muito bem com tal situação. Não obtive

orientação suficiente dos professores, é como que empurravam e deixavam as

coisas acontecerem por si próprias.

Tereza: Como foi tal experiência para você, uma vez que você disse não ter

conseguido lidar com isso?

Roberta: Com esta pergunta me lembrei de outra vivência: uma mãe que

levou a filha para tratamento de sopro no coração. A menina operou e ficou em

estado vegetativo. Uma amiga minha atendeu esta mãe e disse que a mãe pensava

que uma vez que a filha não tinha morrido ainda era porque voltaria do estado

vegetativo. Pela ciência, era quase impossível uma volta, mas minha amiga entrou

em conflito: será que deixava a mãe com sua crença e seu conforto ou faria a mãe

voltar à realidade? São questões que emergem e que ficam sem respostas.

Procurei um amigo que lidava com a Psicologia Transpessoal. O estágio em

hospital é muito pesado para os formandos. Muitas questões sobre a espiritualidade

vieram à tona. Temos que ter alguma espiritualidade para lidar com tudo isso. Há

momentos que a fé é tão forte para o paciente que, se não temos nenhuma

espiritualidade, não conseguimos entender o sofrimento alheio, embora eu não

tenha ciência de nenhuma religião de nenhum professor de Psicologia e todos são

bem categóricos em não envolver religião com a Psicologia. É como se a Psicologia

não fizesse parte da religião. Você se torna preso à Psicologia, deixa de lado até o

físico. É como se especializasse somente na psique, deixando de lado o corpo e

bem mais a espiritualidade.

Tereza: Como você vivenciou está separação ciência/religião/espiritualidade?

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

88

Roberta: De forma empírica. Com o professor a ligação é bem mais formal,

mas com os amigos de formação trocamos muito nossos conceitos. A patologia é

algo difícil de lidar, pois a pessoa pode, dentro do Espiritismo, estar realmente vendo

algo além do normal ou do plano visível, e esta questão não é abordada pela

Psicologia. Tudo é real para a pessoa que sofre patologias como a esquizofrenia,

onde o paciente vê demais. Nessas áreas a Psicologia deveria levar em

consideração a espiritualidade.

A Psicologia Cognitiva Comportamental acredita em uma crença central, que

comanda todo o comportamento de uma pessoa. Se a pessoa acredita em um Deus

bom, ela se sentirá bem acolhida no mundo. Se tiver a crença de um Deus punitivo

se sentirá mais perseguida, sempre devendo algo ao mundo. Já a Psicologia

Humanista, centrada na pessoa, já trata da crença da pessoa; você acolhe

incondicionalmente; fica a postura da neutralidade. O que importa é o que a pessoa

faz, e não o que você faz. A Psicanálise já não tem muita familiaridade, pois

interpreta algumas questões. Mas, de modo geral, nenhuma se aproximou de

explicar as questões de espiritualidade na Psicologia.

Tereza: Você tentou experimentar algo que complementasse o que não

conseguiu de explicação na sua formação?

Roberta: Na verdade não. Na Psicoterapia Cognitiva sim, principalmente no

hospital. Fiz Cognitiva Comportamental no estágio. Tinha uma paciente que era

sozinha e idosa e a religião tem como aspecto positivo a acolhida. A Psicologia

Cognitiva é diretiva. Eu poderia indicar uma religião, mas tudo era muito complicado,

pois ela não tinha se encontrado em nenhuma religião. Uma pessoa de 65 anos que

vivia sozinha, na minha concepção, não precisava de uma religião. Mas na verdade

eu é que não me sentia confortável em direcioná-la para uma religião, achava que

outra atividade, como a Yoga, a colocaria dentro de um grupo, e assim não me

comprometeria como psicóloga. Mas e aí? A religião não só agrupa socialmente,

mas responde coisas mais complexas da vida, como de onde viemos, para onde

vamos e qual o sentido da vida. Para mim era natural separar religião e ciência, mas

no último ano de estágio senti um peso grande em lidar com o sofrimento alheio. E

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

89

após a morte será necessário acreditar em algo maior. Se não nos remetermos ao

pós-morte a vida fica toda sem sentido, principalmente para quem está sofrendo.

Talvez quem tenha alguma crença não procure tanto o psicólogo, pois entre os

meus pacientes nenhum tinha uma religião específica: é como se Deus e o

psicólogo fossem concorrentes, ou seja, se a pessoa é bem resolvida dentro de uma

religião ela não procura ajuda psicológica, e vice-versa.

No meu TCC as pessoas souberam separar religião e espiritualidade. Os

sujeitos acreditavam que ter uma espiritualidade independe de ser religioso. A

pessoa não precisa ter uma religião para ter Deus, porém 75% acreditavam que é

essencial a fé para se ter felicidade e bem-estar.

Tereza: E você?

Roberta: Acredito que a fé em Deus é importante, pois se você não está bem

de saúde não pode estar bem. É como se você não acreditasse em Deus, você

estivesse muito individualizado. Porém, quando se depara com questões que não

pode resolver, como a perda de um filho, se a pessoa não acreditar que existe

Alguém maior do que si próprio, ela entra em depressão, se sente impotente e

incapaz. No entanto, é difícil unir este conceito com a Psicologia. É difícil abordar

isso; é complicado porque cada um vive a sua vida de forma não tão ampla. Você

vai vivendo com seus projetos e não pensa muito. É difícil pensar em algo maior,

como missão, Karma ou o modo como entendo qual é o sentido de eu existir no

mundo. Não soube definir o que é a felicidade: por isso fui fazer minha pesquisa em

cima disso. A Psicologia busca o bem-estar e tudo está focado no mal-estar, nas

patologias etc. É a mesma coisa entender que a religião e a espiritualidade merecem

pesquisas e muito trabalho. Tudo está relacionado à paz. É você caminhar de

acordo com os seus valores. Se você andar em um caminho oposto aos seus

valores você se afasta desta ligação com Deus e com a espiritualidade. A felicidade

eterna está ligada mais ao altruísmo e a felicidade momentânea está mais ligada ao

prazer. Como as pessoas acreditam que a felicidade é passageira nesta vida não se

ligam na espiritualidade, que aborda a felicidade como algo possível de se viver

ainda nesta vida. Pois as pessoas acreditam que só se é possível ser feliz após a

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

90

morte. Por isso, acho importante a Psicologia contemplar estes aspectos.

No meu trabalho foi muito difícil ligar religiosidade, felicidade e ciência, pois

inclui Budismo, Islamismo, Protestantismo, Umbanda etc. Acredito que o

Protestantismo está crescendo muito no âmbito de explicar todas as questões

através de Deus e do Inferno. Até hoje não consegui definir exatamente o que é

felicidade: procurei me distanciar das minhas crenças, mas no último ano procurei

voltar para entender, na prática, o significado de tudo.

As pessoas consideram a fé em Deus e a religião como mais importantes

para a felicidade, o que foi uma surpresa. A hipótese foi construída por três, mas me

surpreendi bastante. Por outro lado, um fato surpreendente nas minhas entrevistas

foi que as pessoas acreditam que o dinheiro não é a coisa mais importante para uma

pessoa ser feliz. Ou seja, o capitalismo caiu por terra. Família ficou em primeiro

lugar, saúde em segundo, e religião e fé em Deus ficaram em sexto lugar dentre os

fatores citados, embora tenham sido bem citadas.

Tereza: O que ficou de mais importante para você nestas experiências?

Roberta: Tentei buscar respostas na formação e no TCC e não consegui

verdades absolutas. As perguntas são mais importantes do que as respostas.

Quando nos perguntamos refletimos e já encontramos, de certa forma, algum tipo de

resposta. O psicólogo carrega um pouco da onipotência de resolver tudo, e descobri

que não resolvemos nada, pois não somos heróis. Tudo depende do contexto geral

de vida de cada pessoa. Fiquei bem aliviada ao saber que sou impotente em muitos

aspectos e que o psicólogo é, na verdade, mais um acolhedor do que alguém que

resolve tudo. Todas estas percepções vieram para mim no último ano de formação.

(Silêncio).

Tereza: Algo a acrescentar?

Roberta: Descobri que a espiritualidade é algo muito pessoal e, enquanto

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

91

você fazia as perguntas, me vinha um vazio muito grande, por saber que todo ser

humano deve ter ou voltar a ter uma fé, um valor, uma crença para se encontrar

como indivíduo. O meu distanciamento da espiritualidade me fez ver a importância

de voltar a rever os meus valores. Este momento aqui foi de reflexão: durante minha

fala fui vendo o quanto preciso me aprofundar como psicóloga nas questões das

crenças e da fé.

Tereza: Quer acrescentar algo mais?

Roberta: Não, acho que já falei muito, espero ter contribuído. Para mim foi

muito importante: estou saindo daqui acreditando ser possível aprofundar estas

questões sem me sentir angustiada.

Tereza: Obrigada. Foi muito bom estar com você neste encontro.

Entrevista II

Tereza: Obrigada por você ter aceitado participar da minha pesquisa. Vamos

conversar um pouco sobre suas experiências. O objetivo deste meu trabalho é

compreender como os alunos do curso de Psicologia relacionam as suas vivências

de religiosidade e espiritualidade com os conhecimentos que adquirem em sua

graduação. Assim, gostaria que você me contasse quais os significados que esses

temas, religiosidade e espiritualidade, têm para você e como você lida com estas

questões na sua formação. Conte-me sua experiência.

Rodrigo: De acordo com a minha formação, não fomos capazes de chegar a

esse aporte e olhar para esse campo que a própria OMS – Organização Mundial de

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

92

Saúde – trata. Enfim. O sermão BIO-PSICO-SOCIAL-CULTURAL-ESPIRITUAL.

Primeiramente considero importante por este fato. Para criarmos e termos essa

visão como mais uma possibilidade de enxergar a nós mesmos, e dentro de uma

formação acadêmica, o ser humano. Contudo, é somente com a formação

acadêmica de Psicologia que podemos englobar todos esses temas. Não tive essa

formação, porém, alguns professores trouxeram esse debate deste tema, mas não

como a visão de uma religião: nasceu de forma superficial, até porque a

religiosidade e a espiritualidade não dizem respeito à religião, e sim a algo além

deste mundo, dessa nossa vivência.

Tereza: Isso que é importante: saber de você, da sua vivência.

Rodrigo: Pessoalmente, é algo singular para mim. Não tenho uma religião

em si. Fui criado em uma família cristã. Meus pais... Meu falecido pai era católico

fervoroso e, até os seis anos, frequentei uma Igreja Católica aonde ia aos domingos

com minha mãe, uma católica não praticante, juntamente com o restante da minha

extensa família. Embora tenha tido em minha criação uma visão religiosa onde todos

optaram por uma religião comum, eu, aos meus catorze, quinze anos, fui refletindo,

observando e estudando mais sobre algumas religiões e alguns dogmas que

algumas igrejas, principalmente a Católica, impõem aos fiéis. Com isso, pude

perceber que essa era uma construção sócio-histórica. Muitas vezes a igreja tem a

visão de um “porquê” e de um “para quê” mundano daquilo que foi construído pelo

homem. Isso fez com que eu questionasse a visão “objetiva” da Igreja, que no caso

da igreja católica são Deus, Jesus Cristo e os Santos: pelos seus dogmas comecei a

questioná-los. Questionei minha mãe, mesmo ela não tendo recursos teóricos para

lidar com isso, pois tinha os recursos de mãe. Bem parecidos. Contudo, não optei

por uma religião, e sim por algo que temos na existência enquanto possibilidade,

que é a questão da espiritualidade. Tive algumas experiências na minha família,

como quando tinha dezesseis anos, se não me engano: ia sofrer uma cirurgia e uma

amiga da minha mãe fez uma promessa sobre a qual não havia contado a ninguém.

Ela prometera que se eu saísse bem da cirurgia pagaria a sua promessa. Saí bem

da cirurgia, senão não estaria aqui, mas ela não pagou a sua promessa. Talvez

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

93

tenha se esquecido. Tenho uma tia chamada Dora que não sabia da cirurgia e,

meses após a cirurgia, teve um sonho muito bonito com meu pai pedindo para que

uma pessoa pagasse uma promessa que havia sido feita; minha tia, muito confusa

com tudo isso, ficou sabendo que eu tinha operado e que houve uma promessa e

queria saber que tipo de promessa era. Sendo assim, foi conversar com minha mãe,

que explicou que talvez essa promessa pudesse ter vindo dessa amiga. Por acaso,

se é que isso existe, essa amiga apareceu neste mesmo dia na casa da minha mãe

para entregar umas revistas e minha mãe acabou a indagando. A amiga começou a

chorar, dizendo que havia feito uma promessa e não cumprido. Então essas

experiências, esta em particular, foram chamando minha atenção para tudo aquilo

que transcende a razão. Em outro caso, quando estava de férias em uma colônia

perdi minha tia-avó, e morro de medo de ver algo...

Tereza: Conte-me como é.

Rodrigo: Tudo que é sobrenatural, tenho esse medo. No dia da morte da

minha tia-avó eu estava em uma colônia de férias com a minha namorada e

conversávamos no estacionamento quando eu vi. Eu, que nunca tinha visto até

então. Isso ocorreu há cerca de cinco ou seis anos atrás, mais ou menos. Na

ocasião estava sem meus óculos e tenho miopia, que à noite fica pior, ainda mais

quando via algo que parecesse não ser natural. Pensei que pudesse ser um espírito,

que se localizava atrás de um carro. Não consegui definir bem, mas parecia ser uma

mulher, e minha ex-namorada, que tinha mais intimidade com esse tipo de situação

por ter um avô médium, tratou a situação com mais naturalidade e afirmou pra mim

que era a alma de uma mulher. Dito isso, minha reação foi sair correndo e não

pensei duas vezes. Pensei: “Vou me mandar daqui”. Essa é a única certeza que eu

tenho e saí correndo. Quando cheguei ao quarto, ainda muito assustado, minha mãe

nos deu a notícia que essa tia-avó havia falecido havia poucas horas. Essas

experiências. Essa dor, não que tenham sido dogmas para chegar até elas, entendê-

las ou até mesmo senti-las, mas, mesmo com medo, acabei sentindo e tentando

compreendê-las melhor, dando espaço para que pudesse sentir ou enxergar tudo de

uma forma mais natural.

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

94

Tereza: Como estas experiências influenciaram sua vida pessoal e

acadêmica?

Rodrigo: Esses acontecimentos foram gerando espaço para a

espiritualidade, não a religião. A religião, para mim, nada mais é do que um sistema

criado pelos homens para entender algo que poderão sentir, que no nosso caso,

aqui, trata-se da espiritualidade. Digamos que a religião é um sistema onde as

pessoas entendem algo que muitos sentem e acabam compreendendo. No meu

caso, não preciso desse aporte religioso para poder sentir. Senti na experiência nua

e crua e, assim, fui me abrindo para questão da espiritualidade, que penso que

exista como possibilidade para todos nós. Alguns seguem para a religião, outros vão

apenas sentindo e considerando a espiritualidade como possibilidade. Outros podem

se fechar, como se fecham para um trabalho ou para o relacionamento com outro

alguém. Na questão da formação, pude dar espaço para que “ouvisse”, sem

“preconceitos”, sem uma demanda completamente minha e respeitando o olhar do

outro, que pudesse trazer uma experiência mística ou espiritual. Por experiência

própria, e mesmo antes de a OMS ter tratado sobre o assunto, minha visão a

respeito já estava consolidada. Venho construindo essa visão ao longo da minha

vida e aliando esse pensamento a minha prática sinérgica. Acredito ser muito

importante quando alguém que, por exemplo, está em um hospital – onde faço uma

pesquisa, onde tenho campos a serem preenchidos como religião ou crença, ou algo

do tipo – acredito ser muito importante a opinião pessoal de cada um a esse

respeito. Sobre como esse indivíduo vê a vida ou a enfermidade pela qual está

passando ou, propriamente dizendo, uma autofiscalização, tendo como base

crenças pessoais como possibilidade de rever, entender e talvez até sentir essas

manifestações e como elas acontecem. Isso é muito importante. Estas experiências

falam muito sobre a pessoa, sobre a sua visão de futuro e sobre como pode se

recuperar. Certa vez atendi um paciente que me falou que sua recuperação

baseava-se em Deus. Que orava e olhava por Ele e que isso fazia com que se

sentisse com muita força e firmeza, pois sua mulher não fazia isso por ele. Digamos

que essa crença e essa razão dada por ele são instintivas e que sua religiosidade

era algo que lhe dava apoio, fazendo-o se sentir mais forte para que pudesse

encarar sua doença e seus desafios. Sendo assim, não podemos negar ou agir

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

95

preconceituosamente tendo esse tipo de fato como base. Preconceito é um “pré-

conceito”. Faz-se um pré-conceito em cima do que o outro diz. Independente da

religião do indivíduo é preciso ouvi-lo, pois suas palavras possuem um sentido para

si, e perceber qual o sentido de sua crença dentro da sua vida torna-se importante,

pois percebemos que para este indivíduo este é mais um recurso para lidar com a

sua existência. Acredito que esse tipo de experiência tem sua importância e que

deveria constar na grade dos cursos de Psicologia. Na verdade, de todos os cursos.

O curso de Psicologia tem essa demanda porque nós lidamos diretamente com as

pessoas, com o subjetivo e, ao mesmo tempo, com o objetivo e suas inter-relações.

Temos uma prática do atendimento, da demanda psicológica. Acho que seria

interessante, o assunto deveria ser abordado com mais rigor no curso.

Tereza: Como, em sua opinião, as experiências tidas por você contribuíram

para que pudesse encarar o paciente que te traz essa temática? Essas questões

espirituais, as religiosas ou a própria religião?

Rodrigo: Justamente. Passei pela fase da adolescência me questionando a

respeito de eu ter uma mãe religiosa, que possui uma religião, mas não a pratica

com frequência, porque eu, enquanto filho, não tinha ou não precisava de uma

religião. Não via sentido em seguir os dogmas para que se tornasse possível

entender a espiritualidade e o interior do ser humano. Essas experiências vieram até

mim e se apresentaram, por assim dizer, e eu apenas as acolhi do meu modo meio

estabanado. Mas acolhi, vivenciei, justamente. Isso, pra mim, teve o sentido de olhar

para a espiritualidade como algo natural, como algo que faz parte da nossa

existência. Um dia até posso vir a necessitar ou ver algum sentido nos dogmas e no

sistema religioso, até mesmo de uma religião em si; mas isso não faz com que não

olhe meu paciente, não olhe se ele falar de uma religião. Existe o caráter trans e tem

a parte da espiritualidade. É muito importante estarmos olhando por esse lado.

Houve um caso de um paciente no hospital que demonstrou a importância de ser

ouvido ao falar de sua religião para mim. Poderia ter sido outra pessoa. Talvez, se

não tivesse passado por essa experiência e não tivesse uma formação que olhasse

o assunto sob a mesma ótica, poderia ter considerado o fato uma tremenda

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

96

bobagem. Poderia não ouvi-lo, mudar de assunto, direcionar a conversa ou somente

ouvi-lo sem escutá-lo, sem acolher aquilo a que ele dava sentido. Sentido que ele

dava tendo como base a religião ou espiritualidade. Este caso foi mais uma forma de

explorar de fato como o outro sente as coisas. Esse atendimento foi muito

significativo pra mim, pois vi na prática do atendimento o quanto era importante para

as pessoas passarem e demonstrarem seus sentimentos. Este paciente passava por

uma doença, uma hospitalização difícil da qual se recuperou e, quando teve alta, vi

em seus olhos e fala o quanto suas palavras faziam para ele, dando mais espaço,

ou acolhimento, fazendo com que se sentisse melhor com isso. Este fato é algo que,

por exemplo, não vejo na prática de uma instituição hospitalar, e que me parece que

começa a ganhar esse olhar. Percebo através de conversas de médicos que ouvi

que isso começa a mudar. Para alguns estagiários de medicina, talvez isso seja uma

mentira sem valor.

Tereza: A questão da religiosidade?

Rodrigo: A questão da religiosidade. Acho essa atitude execrável. Por isso

deve ser dada importância para a adequada formação. A formação nos traz o

profissional do amanhã e, sem o profissional do amanhã, não temos uma

responsabilidade social em vista, como a cidadania. Se a sociedade tem que mudar

ou abrir os olhos para outras coisas ou, até mesmo, compreender melhor certos

aspectos, esse trabalho deve começar principalmente pela universidade, pela

formação. Através da formação teremos maiores possibilidades de encarar o nosso

dia-a-dia, tendo visão própria e nos tornando seres mais esclarecidos. Essas

ferramentas são importantes para auxiliar o aluno e acabam se tornando uma

ferramenta de expressão social. Acredito que a sociedade somente pode ser não

digo mudada, pois quando se quebra um paradigma outros nascem; pois não

sabemos sobre o futuro e quais paradigmas ele pode trazer, apenas mais uma forma

de se lidar. A educação em si, a básica, traz isso. Enquanto não mudar ou não se

tornar mais flexível, enquanto não a olharem com atenção, não há como apontar

culpados, seja na sociedade, em grupos ou até mesmo para uma forma culpada de

pensar. Mais à frente, após a educação básica, tem-se a formação. Temos diversas

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

97

áreas em Ciências Humanas, Exatas e Biológicas, e quando uma formação se

engessar atingirá o seu profissional e aquilo em que este estiver atuando, seja um

médico, que é responsável direto pela vida de quem cuida, seja outro profissional

com relações indiretas, que estará atuando e representando um seguimento do qual

a sociedade necessita. Enquanto pessoa, ser formado, tendo mais instrumentos e

ferramentas, teria um olhar mais completo. Fico pensando que poderia ter exigido

mais na faculdade sobre estas questões.

Tereza: Como vê essas questões na sua formação?

Rodrigo: Já passei por momentos difíceis desde a minha formação. Não sei

se isso irá responder sua questão de uma forma abrangente, mas chegaram

momentos em que pensei: “Estou estudando, estou fazendo as coisas, mas parece

que as coisas não estão tão certas quanto esperava. Está tudo saindo pela metade

e não os 100% que desejava ou próximo disso”. Mesmo não tendo uma religião,

recorria a algo Trans. Estamos acostumados ao nome de Deus. Não acredito em um

Deus antropomórfico (que se assemelha ao homem), antropo hostilizado pelo

homem, quando uso o nome dele. Uso também a oração. Parece que está tudo

confuso, poderia pensar melhor.

Tereza: Como é seu Deus?

Rodrigo: Justamente. Li sobre Panteísmo e Neo Panteísmo e, digamos que

olhando para a natureza, a espiritualidade está no universo, e acredito que em todo

o infinito. Para mim a espiritualidade vai se esbarrar nisso, nesse universo, como

conhecemos e como conceituamos. Conceito universal. Houve a possibilidade de

existir a matéria. O planeta, onde existiram diversas condições criadas pela própria

dialética da matéria, contra o oposto disso, fora do novo. Novo conceito, nova forma,

como possibilidade de revolução (como disse Charles Darwin). Por isso, a teoria da

evolução não é contrária a uma espiritualidade, e sim vem somar-se a ela. É nisso

que acredito: um universo espiritual, onde dentro desse universo ocorreu a matéria e

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

98

que esta é uma forma de expressão de espiritualidade, ou Deus. O que chamo de

Deus, para mim, é a espiritualidade.

Tereza: Você está chamando de Deus à natureza?

Rodrigo: Isso. É isso. Temos um contato com isso. Também acredito em um

plano espiritual. Nunca li nada sobre o Espiritismo, apenas tenho uma mãe, que

também não é espírita, mas lê alguns livros; não acredito em espíritos

antropomórficos também. O Neo Panteísmo vê o Espiritismo não como outro plano

modificado, como se lá em cima tivesse um ônibus ou uma casa, mas não como

para nós. Pode haver casas, mas como um sentimento de acolhimento, como algo

seguro, não como um sentimento de algo que já tiveram projetado, não

materialmente. Lido com a espiritualidade desta forma e, se tiver que dar um nome

para isso, encaixando o que penso a uma nomenclatura, seria um Neo Panteísmo

Espírita. Acreditar na natureza aqui e acreditar que possui um contato, e que temos

contato, que a matéria tem contato com um mundo espiritual, um mundo onde, creio

eu, utilizando uma palavra do Espiritismo, desencarnar do corpo, da matéria, talvez

passe por estágios, não sei como é. Mas acredito que exista algo “além disso” e que

os pensamentos e os sentimentos que construímos nessa vida vão além disso.

Acredito que uma pessoa que tenta o suicídio ou mesmo aquela que concretiza o

suicídio não conseguirá terminar com seu sofrimento, pois o corpo dela é usado, é

onde há o Ser e o Ente, o corpo e a mente estão onde o Ser continua. Então, talvez

eu não saiba como essa pessoa vê o sentido do suicídio, pois esta poderá arcar com

essa responsabilidade lá em cima. Acredito que tudo não acaba com a matéria. A

matéria não pode cessar o fenômeno que é o Ser, que por sua vez, somos nós.

Tereza: Você me contou que passou por várias experiências espirituais...

Rodrigo: Sim. É um campo espiritual. Eu acredito em uma possibilidade de

vida após a morte.

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

99

Tereza: Como você relaciona toda essa vivência espiritual e religiosa com

sua formação e as linhas teóricas que você estudou?

Rodrigo: Como a Psicologia como um todo, na minha classe tem um grupo

que lê muito sobre Psicologia Transpessoal. Nunca procurei ler nem falar sobre

Psicologia Transpessoal. Acho que realmente tem a ver espiritualidade com

Psicologia, porque o ser humano é uma unidade e não há como separá-lo.

Teoricamente gosto da Psicanálise, mas especificamente de Melanie Klein. Já li

muito sobre Fenomenologia, mas ainda não fechei ideias a respeito. Mesmo não

tendo lido, mas tendo uma ideia sobre esse conceito, acredito que deve ser muito

interessante e deve conceder ao paciente mais uma forma de falar, de se expressar,

através da religiosidade e espiritualidade. Na Transpessoal creio que devam existir

mais mecanismos para compreendê-lo e entendê-lo, e assim trabalhá-lo melhor

desta forma. Eu, Rodrigo, tendo essas experiências, com exceção do atendimento

no hospital, que foi breve, porém muito significante, não deixei de lado essa visão do

meu paciente; ao contrário, acolhi, embora conheça pessoas que não tivessem feito

o mesmo, acabando por fazer com que a demanda desse paciente fosse freada,

pois não tinha uma condição. Acredito que não poderia encaixar minhas crenças,

minhas experiências para aquilo que o paciente diz, mas no olhar de empatia,

compreendendo o fato porque já passei por essas experiências, sejam elas místicas

ou espirituais. Então, diante da fala do meu paciente, tenho recursos pessoais para

lidar melhor com essa demanda trazida por ele, tratando com mais naturalidade,

colocando isso na análise, pois para ele existe um significado com tudo isto, que

quando trazido não era abordado nas supervisões. Significado junto com o BIO, o

PSICO e o SOCIAL que estava muito ligado à recuperação deste paciente. Ao BIO –

Biológico. Está ligado a tudo, mas principalmente à crença do paciente com relação

a sua recuperação: mesmo que para os médicos biologicamente o sentido fosse

oposto, para o paciente, espiritualmente, que se sentia indo à luta. Contudo, com

algo o acolhendo, acreditando nele, e mesmo o corpo não respondendo a certas

expectativas médicas, o campo espiritual lhe deu isso. Este fato lhe deu a

possibilidade de compreender que, mesmo hospitalizado e doente, sua

espiritualidade o ajudaria a enfrentar melhor sua situação, assim como muitos

acreditam que até mesmo pacientes de câncer têm uma melhora devido a esse fato.

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

100

Existem pesquisas que apontam que pacientes que possuem uma religião

apresentam quadro de melhora ou recuperação estando psicologicamente mais

aptos a aceitar sua situação, mesmo que viessem a falecer. Os que não tinham

religião, ou não acreditavam e nem estavam abertos a isso, tiveram outros tipos de

resultados. Acredito que, ao realizar o atendimento com meus pacientes levando em

consideração essas experiências, trabalharei de forma mais natural, sem ter uma

demanda pessoal que fizesse com que não pudesse enxergar isso. Pelo contrário:

digamos que fosse possível lidar melhor com esse tipo de situação. Posso te dizer

que na faculdade pouco foi trazido sobre esses temas. Se não fossem minhas

experiências pessoais, que soube aproveitar nos meus atendimentos, de maneira

geral não teria nada na faculdade.

Tereza: E como você relaciona essa dimensão espiritual com as linhas

teóricas que você estudou no seu curso?

Rodrigo: Investi em psicanálise e acredito que nossa mente leve em

consideração o inconsciente: o YIN e YANG. Talvez do Yin possa falar melhor.

Acredito que nossa mente seja e esteja apta a essa ideia, entre o caminho do campo

espiritual, mente e o mundo. Isso falando de uma forma grosseira, pois é uma

percepção de algo extremamente irracional, ou que possa ter alguma lógica.

Contudo, é algo que percebo e posso sentir. Dentro da Psicanálise de Melanie Klein,

quando falamos sobre Instinto de Vida e Instinto de Morte, observo-os como

expressões do campo espiritual. Digamos que um espírito que aqui viveu não

tivesse evoluído e reencarnasse; estaríamos entrando no campo do Espiritismo e, se

isso realmente for verdade, o Instinto de Morte dele, do qual trata a Psicanálise, o

delimitaria muito, pois não é pelos tipos de morte ou de vida que se deixa de ser

algo. Temos ainda o SOCIAL e o BIOLÓGICO. Acredito que dentro de uma linha

teórica, tendo eu mais intimidade com a Psicanálise, vejo dessa forma. Gostaria de

ver o lado Transpessoal, mesmo não conhecendo muito e nunca tendo lido a

respeito. Alguns professores têm visão similar à minha e trouxeram essa questão

durante o curso. Algumas pessoas estranharam, pois em um curso de Psicologia o

foco é a mente. Não precisamos ir muito longe: no curso de Psicologia vejo colegas

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

101

que no início se questionam o porquê de estudar História, Sociologia e Antropologia

se estão na Psicologia. Pra mim isso é no mínimo antagônico ouvir isso de um

colega, pois esperam que a Psicologia estude a mente, que esta não possua

nenhum outro fator envolvido e que não sejamos seres BIO-PSICO-SOCIAIS, pois,

se temos que lidar, digamos, com a mente, não há como ignorar estes aspectos.

Alguns poucos professores trouxeram o assunto, dois ou três no máximo. Sempre

gostei de História e aprendi no curso, também, que, não sabia até que ponto, o

âmbito SOCIAL poderia estar ligado ao PSICO, e o curso trouxe-me isso. Psicologia

Social foi uma aula que gostei demais, que me trouxe mais essa visão, ampliando a

gama e o espaço. Em se tratando da parte sobre a espiritualidade, foi algo que veio

a mim e foi bom, porque vi que meu professor, psicólogo formado, possuía essa

visão e que se encaixava com minhas experiências. Hoje estou na Psicologia e, para

mim, a espiritualidade e a Psicologia sempre caminhavam juntas, e com esses

professores que me trouxeram mais informações dentro da Psicologia, fazendo esse

link, comecei a ver que existia muito mais do que imaginava e que tudo formava uma

unidade. Digamos que minha formação veio somar mais ainda com tudo isso. Claro

que os professores não poderiam tratar o assunto de forma mais especifica, porque

não fazia parte da grade de matérias. Não tivemos uma aula onde pudéssemos ter

uma abordagem abrangente sobre esses assuntos, onde os alunos pudessem trazer

suas questões e ter suas dúvidas retiradas: muito pelo contrário, foram debates

curtos, rápidos...

Tereza: Isolados.

Rodrigo: Isolados... Isso. Mas tiveram sua importância, principalmente para a

minha pessoa. Algumas pessoas, diante desses debates, ausentavam-se da sala,

enquanto outros já levavam totalmente para o lado religioso, dizendo que Psicologia

e Religião não se misturavam, embora eu acredite que não era Religião e

Psicologia, e sim religiosidade e espiritualidade. Acredito que todos esses fatos, em

se tratando de Fenomenologia, são uma possibilidade a mais para ser

compreendida no mundo. Justamente isso, aberto a esse campo espiritual, na minha

visão a espiritualidade. É mais uma possibilidade. Existem pessoas que não

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

102

possuem uma visão religiosa, como o meu paciente, que poderia estar sofrendo por

estar vendo seu corpo perder suas energias e sua capacidade e poderia

desenvolver um transtorno ou qualquer tipo de doença mental, pelo fato de não ter

explicação sobre o fato de estar vendo o corpo adoecer. Este paciente viu seu corpo

adoecer através da religião.

Tereza: E como você enfrentava essas questões?

Rodrigo: Então, começo a pensar de acordo com a visão da fenomenologia,

porque com a Psicanálise me senti cessado. Não conseguia lidar com o que

acontecia porque a forma com que o paciente me contava sobre sua doença era

através de um mecanismo de defesa, desde a primeira vez em que o ouvi. Fiquei

pensando após chegar a minha casa que este paciente negava a própria doença;

portanto, usava a racionalização como mecanismo de defesa, dando-lhe uma

expressão lógica racional, utilizando-se da religião, enquanto, ao mesmo tempo,

negava seu corpo enfermo. Com a visão da Fenomenologia precisei abrir, através

das minhas experiências e daquilo que tinha aprendido na faculdade, para que

pudesse me fazer olhar para aquele ser humano como um todo sem estar ligado a

mecanismos de defesa, sem o engessar, sem aplicar diretamente a Psicanálise

sobre este individuo. Começou deste jeito. Fui então buscar nas fundamentações

psicanalíticas que havia aprendido na faculdade que... Justamente, comecei a

perceber que não conseguiria lidar com o que havia aprendido na Psicanálise. Não

tinha ferramentas para fazer essa absorção; então, percebi que através das minhas

experiências conseguia fazê-lo, e através da Fenomenologia consegui obter tal

resultado. Encaixar possibilidades de um mundo construído através de um indivíduo:

assim rebaixei todos os meus pensamentos que me levavam a crer que estava

lidando com mecanismos de defesa e negação, pois o paciente não estava fazendo

isso, e sim lidando com o acontecimento de outra forma.

Tereza: Qual a sua concepção de homem?

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

103

Rodrigo: Minha concepção de homem? Boa pergunta. A concepção de

homem, do ser? Minha concepção de ser? Boa pergunta. Há as interpelações do

mundo em que estamos e existem limites. A matéria impõe limites. Contudo,

atribuímos sentidos a coisas que não possuem tais limites. A Psicanálise possui

limites, sim. A atribuição de sentidos seria um estágio cognitivo que estaria ligado a

um preso, um estágio emocional mais profundo, ligado a um Complexo de Édipo que

fecha o indivíduo. Já a Fenomenologia, que enxerga a pessoa como um todo, e sem

dirigir minhas teorias e pensamentos a ele, sem encará-lo como se apresenta,

encaminhou meu atendimento para esse caso. Este fato me deu mais aporte para

olhar suas crenças como sendo dele, e não escritas em um livro sob o título

“Mecanismos de Defesa”, ou outros assuntos. Dessa forma, pude encará-lo como

um todo, ouvindo-o, acolhendo-o e a sua livre expressão. Já estou me aproximando

da visão da fenomenologia. Justamente isso. A Fenomenologia lida com os

fenômenos de uma forma muito mais natural do que, por exemplo, a Psicanálise.

Nesse mundo eu sou muito inseguro. Venho de uma criação onde perdi meu pai

cedo. Acabei me abrindo para o mundo por conta própria, adquirindo

responsabilidade, mas não aquela dos afazeres, e sim a da existência. Penso que

sou responsável pelo que penso, e o que eu penso ou sinto determinarão minhas

atitudes, pelas quais sou e serei responsável. Isso, para mim, faz sentido. O futuro

está em mim e devo entender isso, que é de minha responsabilidade. Olhar para

mim, cuidar de mim, e só fui ter isso depois que, aos meus quinze, dezesseis anos,

quando pararam de me levar à escola, quando disse que não queria mais. Este foi

um exemplo, mas esse tipo de comportamento atrapalhou até o meu namoro. Minha

ex-namorada tinha me dito que parecia um “bebezão” da mamãe. Em se tratando de

namoro, fui percebendo que havia coisas que precisavam se resolver, e não

somente em namoros, mas também em mim enquanto pessoa. Como o fato de estar

aqui, dando essa entrevista. Voltando à época da faculdade, quando, por exemplo,

quem investia nos estudos da minha ex era a própria, tive vontade de fazer como

ela. Percebi que quando comecei a pensar sem ela, sem tê-la como meio para me

conectar ao mundo, estar no mundo, vi que tinha perdido muita coisa, mas também

havia muita coisa que ainda estava por vir; precisava lidar com isso e não seria ela

quem me ajudaria a lidar: a responsabilidade seria minha. Houve coisas às quais

atribuí sentido tarde, porque acreditava que, se as tinha, poderia adiá-las, e já que

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

104

tinha quem as fizesse por mim, fui adiando. Então percebi que precisava olhar com

mais carinho para mim. Falando nisso, até pouco tempo eu cutucava minha barba,

como forma de autoagressão, e isso se tornava algo feio que todos percebiam.

Quando comecei a me dar conta do que fazia por conta desse relacionamento

comecei a me desvincular dessa pessoa. Senti o impacto, pois percebi que estava

me maltratando e não sabia o porquê, mas hoje estou com a minha barba inteira

porque eu me preocupo com ela agora. Cuido dela, não é mais algo que não dou

atenção. Sabia que me incomodava, mas não em como lidar com o incômodo.

Quando percebi que a responsabilidade pelo meu ser era minha, cabia a mim decidir

por quanto tempo iria continuar daquela forma. Conversei com minha mãe sobre

isso e recebi elogios por minha nova postura.

Tereza: É um abrir-se para o mundo.

Rodrigo: Isso. É um abrir-se. É um novo nascer, em que pude compreender

coisas até mesmo da época da faculdade, quando pensávamos que queríamos ser

bons profissionais, bons terapeutas. Pensava: como poderia ser um bom terapeuta

se não conseguia lidar com certas questões? Engraçado, falando isso para você me

fez lembrar que, ao mesmo tempo em que me abri, veio a mim a questão da

espiritualidade, como real possibilidade. Não tinha me atentado para isso.

Tereza: De que forma veio?

Rodrigo: Então, essas experiências, a morte da minha tia-avó, vieram mais

ou menos durante esse tempo em que estava me abrindo. Não sei como seria minha

reação ou compreensão a esse respeito, se ainda não tivesse me apropriado disso.

Parece que foi agora, neste estudo do qual estou falando para você sobre

espiritualidade; cheguei a falar disso antes com minha mãe sobre uma época em

que me sentia debaixo d’água, mas quando saí da água senti minha espiritualidade.

Agora faz sentido. Foi até terapêutico isso.

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · 2017-02-22 · Obrigada por ouvir minhas lamentações e suportar o meu cansaço existencial. ... A religiosidade e a espiritualidade

105

Tereza: Acho que é um encontro. Porque aqui temos um encontro. É singular,

exclusivo; então, mobilizou algumas coisas para você, assim como para mim.

Rodrigo: Sim.

Tereza: Acredito que essa relação intencional fez com que compartilhemos

experiências e vivências.

Rodrigo: Verdade. Verdade. E que vivência! Tem coisas que só falamos a

nós mesmos. Eu me escutei, na realidade.

Tereza: Acredito que praticamente abordamos de uma forma geral um todo.

Agradeço bastante. Acho que foi muito produtivo. Muito bom.

Rodrigo: Gostei muito.