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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Josefa Neves Rodrigues CAMINHOS E DESCAMINHOS DA MERITOCRACIA CONTRA AS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL SÃO PAULO 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Josefa Neves Rodrigues

CAMINHOS E DESCAMINHOS DA MERITOCRACIA CONTRA AS

POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NA UNIVERSIDADE DE

SÃO PAULO

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Josefa Neves Rodrigues

CAMINHOS E DESCAMINHOS DA MERITOCRACIA CONTRA AS

POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NA UNIVERSIDADE DE SÃO

PAULO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora do Programa de Pós-

Graduação em História Social da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo – PUC-SP, como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em

História Social, sob a orientação do Prof.

Dr. Amailton Magno Azevedo.

SÃO PAULO

2016

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R696

Rodrigues, Josefa Neves.

Caminhos e Descaminhos da Meritocracia Contra as Políticas de Ação Afirmativa

na Universidade de São Paulo / Josefa Neves Rodrigues. – São Paulo: s.n., 2016.

200 p.; 30 cm.

Referências: 185-191

Orientador: Prof. Dr. Amailton Magno Azevedo

Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP,

Programa de Pós-Graduação em História Social, 2016.

1. Meritocracia.

2. Cotas Raciais – Brasil.

3. Políticas de Ação Afirmativa – Brasil.

4. Universidade de São Paulo/USP – Brasil.

CDD 900

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BANCA EXAMINADORA

_________________________________________

Prof. Dr. Amailton Magno Azevedo (orientador)

_________________________________________

Profa. Dra. Maria Antonieta A. Antonacci

__________________________________________

Prof. Dr. Acácio Sidnei de Almeida Santos

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“A vida deu os muitos anos da estrutura”.

Do humano à procura do que Deus não respondeu

Deu a história, a ciência, arquitetura.

Deu a arte, deu a cura e a cultura pra quem leu.

Depois de tudo até chegar neste momento me negar

Conhecimento é me negar o que é meu.

Não venha agora fazer furo em meu futuro.

“Me trancar num quarto escuro e fingir que me esqueceu”.

Vocês vão ter que acostumar por que...

Ninguém tira o trono do estudar

Ninguém é o dono do que a vida dá

E nem me colocando numa jaula

Porque sala de aula

Essa jaula vai virar.

E tem que honrar e se orgulhar do trono mesmo

E perder o sono mesmo para lutar pelo que é seu.

Que neste trono todo ser humano é rei

Seja preto, branco, gay, rico, pobre, santo, ateu

Pra ter escolha tem que ter escola

Ninguém quer esmola, isto ninguém pode negar.

Trecho da composição “Ninguém tira o trono do estudar”, (Dani Black).

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DEDICATÓRIA

À minha filha Laura (In memoriam) e aos meus ancestrais, em especial os que sofreram na

pele a dor da escravidão.

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À Jupiara Gonçalves Castro e seus discípulos em luta no NCN, em especial: Maria José

Menezes, Cristiane Maria Paula e Emerson Gabriel dos Santos.

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Salve o Professor Milton Santos, Nelson Mandela, Hamilton Cardoso e o MNU!

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Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

e Tecnologia (CNPq) pelas bolsas concedidas.

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AGRADECIMENTOS

À força do Universo que desde cedo colocou em meu caminho pessoas me

direcionando para o que sou hoje. (In memoriam) Laura Sonzonni Rabelo, minha primeira

professora que, quando constatou a existência de uma menina muito pobre que sonhava ter

um caderno e ler um livro inteiro, ficou admirada porque ela já tinha dez anos de idade e,

embora sem ser ensinada já lesse tudo que encontrava pela frente. Levou-a para morar em sua

casa, matriculando-a na escola que dirigia em sua própria casa. Assim, permitiu que a

pequena menina abandonasse os rabiscos no chão que substituíam o caderno, transformando-a

na Professora Josefa do presente. Provavelmente se aqui estivesse, diria que a semeadura feita

com profundidade germina na primeira oportunidade que lhe é oferecida. Grande mulher, a

quem homenageei colocando em minha filha o seu nome, Laura, mas ela também partiu após

alguns minutos de vida, deixando um vácuo que ainda hoje preencho pela solidariedade ao

próximo e pelas leituras dos muitos livros que já li e ainda hei de ler. Sua saudade revestida

em força para criar e educar seu irmão Rodolfo Rodrigues Lima que embora não a

conhecesse, guarda com carinho o nome da irmã, colaborando comigo para a perpetuação de

sua memória.

Assim, agradeço também à família Rabelo, a qual sempre me tratou como se nela eu

tivesse nascido, em especial Helena e Aparecida, as irmãs que a vida me deu de presente.

Sem esquecer (In Memoriam) de Severino Rabelo, ele que em minha conclusão do ensino

fundamental, (antigo ginasial), ficou muito orgulhoso e dançamos a valsa como se

estivéssemos no maior evento do mundo. Se vivesse, diria: “morro de orgulho desta irmã

torta”. (In memoriam): Maria de Lourdes Rabelo e Manoel José da Silva, o casal que

muito se importou comigo nos momentos nebulosos da infância, portanto, segue comigo a

minha eterna gratidão.

Às Professoras Edna Maria Santana e Albanita, ambas da 5ª e 6ª séries do ensino

fundamental, em Pernambuco. Ainda hoje presentes em minha memória, as quais, com seus

exemplos transcenderam o tempo e o espaço, quando em suas aulas teciam elogios à minha

dedicação pelos estudos, à minha participação nas atividades culturais do Ginásio Dr.

Diomedes Gomes Lopes. Ação que me fortaleceram para superar as dificuldades, as

adversidades da vida, a solidão familiar. Em 1976, quando mudei para São Paulo, me fizeram

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prometer que desbravaria a sobrevivência, mas não me desviaria dos estudos, do caminho do

conhecimento, e na despedida, lágrimas e abraços inesquecíveis. Eterna saudade...

Não refutarei as lembranças dos amigos da infância: Joaquim Rabelo Góes, Maria

do Socorro Moraes (a Deusinha) que sempre me impulsionaram a seguir o que faço hoje,

estudar...

Aos meus irmãos: Sebastião Rodrigues, (o Tiãozinho), Ricardo Silva e Paulo

Bezerra pelo incentivo habitual. À sobrinha do coração: Aparecida Rabelo Silva (a Preta),

pela força e estímulo, amor e confiança. E, à minha mãe Lindalva que, com certeza, me envia

a força de sua reza. Da mesma forma, às queridas primas Eliza Bezerra e minha madrinha

Helena Bezerra, elas que seguramente, me enviam a força de suas orações, energia que me

alcança a existência permitindo-me a renovação diante das perspicácias da vida...

Segue à minha lembrança aqui para a minha madrinha Maria e (In Memoriam) para

a tia Tânia e, tio Cícero Calado, quantos anos de saudades!

O meu reconhecimento às amigas e amigos de todas as horas: Janete Fontes Oliveira,

Margarete Aparecida Teixeira, Alzenira Barbosa Cunha, Rodrigo Teixeira, Antônio

Balbino da Cunha. E, Roseane Magalhães e Madalena Pessoa da faculdade de História.

Também agradeço a Luan José Vieira da Silva pela amizade e companheirismo, sempre!

E, Alessandra Soares Cavalcante, menina que desempenhou papel importante em minha

vida, por sua amizade, companheirismo e respeito e confiança...

E, às minhas alunas e aos meus alunos, obrigada pela confiança e pela a força,

sempre. Sem esquecer os colegas de profissão do Colégio Anhembi, em especial à

Professora Márcia de Matemática, por sua imensa colaboração inclusive trocando comigo

dias de aula para facilitar a confecção deste trabalho.

Segue aqui o meu agradecimento especial ao Professor Dr. Fábio Cardoso dos

Santos, amigo que conquistei na ocasião do processo seletivo para docente na Faculdade

Paschoal Dantas, pois, além da vaga, ganhei a sua preciosa amizade. Agradeço à Faculdade

Paschoal Dantas – FPD a oportunidade oferecida.

Às amigas e amigos do Programa de História Social (PUC-SP): Ana Paula

Fernandes, Camila Evaristo e Laudecir Silva e Danilo Luiz Marques pelo apoio e

solidariedade nas horas mais difíceis.

À Rosana Portela, da biblioteca e Rafael Jesuíno do Laboratório de Informática pela

disposição e colaboração, sempre! O pessoal da Secretaria de Aluno, do Programa da Pós-

Graduação (História) e da Secretaria de Bolsa (PUC-SP), sempre dispostos em ajudar.

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Expresso aqui a minha gratidão aos militantes do NCN/USP e da “Ocupação Preta”,

àqueles, com os quais tive contato direto ou não. Em especial à Jupiara Gonçalves Castro,

Cristiane M. Paula, Maria José Menezes e Emerson Gabriel dos Santos. Pois todos

colaboraram de todas as formas para este feito.

Aos Professores (as) da graduação de História: Madalena M. Dias, Márcio Leopoldo

Gomes Bandeira, pelo incentivo, dedicação e contribuição com meu aprendizado, confiança

e amizade, impulsionando-me para esta pesquisa. E, à Silvanir de Miranda que, apesar de ter

sido afastada da instituição durante o curso de graduação, reconheço a grandeza desta mestra

a qual transcende sua obrigação profissional, nos propiciando a “Iniciação Científica”

gratuitamente, inclusive me colocou em contato com diversos pensadores das Ciências

Humanas e Sociais. E da graduação de Jornalismo: Professor Mestre Edson Roberto de

Jesus e Professor Doutor Juarez Tadeu de Paula Xavier, pelo incentivo e apoio, sempre.

Aos Professores (as) do - Lato Sensu PUC-SP - História, Sociedade e Cultura: Dra.

Rosana M. Pires Schawartz, Dra. Fabiana Scolezzo, Dra. Vânia Noeli Ferreira

Assunção, Professor André Luiz Cezaretto (que também foi professor na graduação de

História) e (In memoriam) Dra. Maria Auxiliadora Dias Guzzo, (a Lilia) pela amizade,

dedicação e respeito. Com reservada atenção, agradeço ao Professor Dr. Fernando Torres-

Londoño pela valorização do conhecimento dispensado aos seus alunos e, comigo em

particular, pelo respeito e encorajamento que nos transmite, impulsionando-me para esta

pesquisa, inclusive me colocando em contato com o meu orientador: Professor Dr. Amailton

Magno Azevedo, aquém também agradeço por ter aceitado orientar-me, inclusive orientou-

me na elaboração da monografia e também no projeto que me permitiu ser aprovada no

processo seletivo do Programa de História. Por fim, agradeço aos Professores: Dra. Olga

Brites, Dra. Estefânia e Dr. Antônio Rago, pela disposição e atenção com a qual me

apresentaram os pensadores que apoiam a minha pesquisa.

Por fim, agradeço à (Banca) querida Professora Dra. Maria Antonieta A. Antonacci

e o professor Dr. Acácio Sidnei de Almeida Santos que contribuíam imensamente para a

realização desta dissertação, quando nos apresentaram leituras adequadas que nos conduziram

a trilha e ao resultado que aqui se apresenta.

Agradecemos à disposição dos Professores suplentes: Profa. Dra. Maria do Rosário

Peixoto, (PUC-SP) e também por sua contribuição com a construção do conhecimento nas

disciplinas desta pesquisa. Seguimos agradecendo também ao Professor Jovino Salomão,

por aceitar participar enquanto suplente de nossa Banca.

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LISTA DE FIGURAS / FOTOS

FOTO 1 ................................................................................................................................ 151

FOTO 2................................................................................................................................. 162

FOTO 3 ................................................................................................................................ 163

FOTO 4................................................................................................................................. 164

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 ........................................................................................................................... 119

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO 1 ............................................................................................................................ 192

ANEXO 2 ............................................................................................................................ 193

ANEXO 3 ............................................................................................................................ 195

ANEXO 4 ............................................................................................................................. 199

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LISTA DE SIGLAS

ALESP: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

ARENA Aliança Renovadora Nacional

CACUPRO Grupo Negro na PUC

CECAFRO Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora

CBR Comitê de Busca de Reitores

CCN Conselho da Comunidade Negra

CEAB Casa da Cultura e Progresso Afro-Brasileira

CO: Conselhos Centrais

CRUSP: Conselho de Reitores das Universidades Estaduais

DCE: Diretório Estudantil

EDUCAFRO Educação para afrodescendentes

ENEM: Exame Nacional de Ensino Médio

DEM Partido Democratas

FEA Faculdade de Economia e Administração

FNB Frente Negra Brasileira

FITO: Fundação do Instituto Tecnológico de Osasco

FRENAPO Frente Negra de Ação Política de Oposição

GEMMA: Grupo de Estudos Multidisciplinar de Ação

GTPLUN Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universitários Negros

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFRN: Instituto Federal do Rio Grande do Norte

IFES Instituições Federais de Ensino Superior

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

IPEAE Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LDB Leis de diretrizes e Bases da Educação

MEC Ministério de Educação e Cultura

MNU Movimento Negro Unificado

MNUCDR Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial

NCN Núcleo de Consciência Negra

PAAIS Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social

PASUSP Programa de Avaliação Seriada da USP

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PIMESP Plano de Inclusão com Mérito na Educação Superior Paulista

PND: Plano Nacional de Desenvolvimento

PROUNI: Programa de Universidades Para Todos

PSDB: Partido da Social Democrata Brasileiro

PT: Partido dos Trabalhadores

PUCSP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

SARESP: Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

SEPPI Secretaria Especial de Políticas da Igualdade Racial

SINTUSP: Sindicato dos Trabalhadores da USP

STF Supremo Tribunal Federal

UnB: Universidade de Brasília

UFAL Universidade Federal de Alagoas

UFF Universidade Federal Fluminense

UFSCAR Universidade Federal de São Carlos

UEMGS Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

UNESCO: Organização Educacional Científica e Cultural das Nações Unidas

UNESP: Universidade do Estado de São Paulo

UNFE: Universidade Federal de Pernambuco

UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas

UNISANT’ANNA: Universidade Sant’Anna

UNIVESP: Universidade Virtual do Estado de São Paulo

USP: Universidade de São Paulo

UNICID: Universidade Cidade de São Paulo

UBC: Universidade Braz Cubas

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Rodrigues, Josefa Neves. Caminhos e Descaminhos da Meritocracia Contra as Políticas

de Ação Afirmativa na Universidade de São Paulo. 2016. 200 p. Dissertação (Mestrado em

História Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, São Paulo, 2016.

RESUMO

A presente pesquisa de mestrado tem como objetivo analisar as políticas de ação afirmativa na

Universidade de São Paulo sobre o pressuposto da meritocracia. Esse debate vem suscitando

polêmicas e levantando questões sobre a importância da implementação de cotas raciais nessa

instituição, reivindicadas pelos movimentos sociais, especificamente pelo Núcleo de

Consciência Negra (NCN) e Ocupação Preta. As políticas de ação afirmativa na educação

superior brasileira tornaram-se uma realidade e têm como objetivo combater a discriminação

histórica perpetrada contra os negros, assim como se constituírem como um instrumento de

justiça social. No âmbito dos Direitos Humanos, a desigualdade racial é vista como uma

violação da igualdade e da diferença. As ações afirmativas, destinadas à população negra,

justificam-se não apenas pelas perdas históricas incomensuráveis, mas, sobretudo, pelas

perdas educacionais e políticas.

Palavras-chave: Ações Afirmativas, Cotas Raciais, Educação, Direitos Humanos.

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Rodrigues, Josefa Neves. Meritocracy ups and downs against Affirmative Policies in the

Universith of São Paulo. 2016. 200 p. Dissertação (Mestrado em História Social). Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, São Paulo, 2016.

ABSTRACT

The present Master’s research has as its objective to analyze the policies of affirmative

actions in the University of São Paulo on the assumption of meritocracy. This debate has been

arousing polemics and raising matters regarding the importance of racial quotas

implementation in this institution, claimed by social movements, specifically by the Black

Awareness Center (NCN) and the Black Occupation. The affirmative action policies in

Brazilian higher education have become a reality and have as an objective to fight against

historical discrimination committed against black people, as well as constituting themselves

as an instrument of social justice. Concerning Human Rights, racial inequality is seen as a

violation of equality and difference. The affirmative actions, designated to the black

population, are justified not only for the immensurable historical losses, but also, above all,

for educational and political losses.

Keywords: Affirmative Actions, Racial Quotas, Education, Human Rights.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 21 CAPÍTULO I A LUTA DE JUPIARA CASTRO NO CONTEXTO DO MOVIMENTO

NEGRO NA USP, E AS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA EM QUESTÃO. ........... 34 1.1 A Origem Núcleo de Consciência Negra na USP .......................................................... 38

1.2 O Cursinho Pré-vestibular no NCN ............................................................................... 46 1.3 A “Ocupação Preta” na USP, uma Luta Negra em Território Branco ........................... 50 1.4 A “Ocupação Preta” na Aula de História/USP, Cota Já ................................................ 56 1.5 A Meritocracia na USP e as Cotas Raciais na Contramão da Determinação do STF ... 61 1.6 A USP Desrespeita o Supremo Tribunal Federal e Diz Não às Políticas Afirmativas .65

1.7 Adesão parcial ao ENADE............................................................................................69

1.8 As Políticas Afirmativas nas Universidades Públicas Nascem na Constatação do

Racismo na UNB......................................................................................................................76

CAPÍTULO II A “CARTA ABERTA”, UMA OPOSIÇÃO DE TRÊS PROFESSORES AO

APARTHEID USPIANO ............................................................................................... 84 2.1 A Origem do Racismo na Península Ibérica, sua Influência no Brasil e na USP .......... 87

2.2 O Processo de Miscigenação no Brasil e o Mito da Democracia Racial........................93

2.3 A USP, uma Estratégia do Jornal “O Estado de São Paulo” ......................................... 97

2.4 A USP na Interpretação de Marilena Chauí ................................................................... 99 2.5 O Inquérito de 1926, a Educação Pública e a USP em Questão .................................. 101 2.6 O Sistema de Educação Brasileiro, a USP ................................................................... 105

2.7 As Populações Negras no Cenário Educacional Brasileiro ......................................... 109 CAPÍTULO III A ORIGEM DAS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL,

UM LEGADO DOS EUA ........................................................................................... 122 3.1 A Lei nº 10.639, as Ações Afirmativas, o Governo Lula e o NCN/USP ..................... 127 3.2 As Políticas de Ação Afirmativa / Cotas e Outras Considerações Sobre Questões

Raciais nos Governos: Lula e Dilma ................................................................................. 135

3.3 Uma Análise da Lei no 12.711/2012. ........................................................................... 138

3.4 O Movimento Negro no Brasil: entre o passado e o presente ..................................... 141 3.5 Negros Sobrevivendo em São Paulo ............................................................................ 143

3.6 A Frente Negra na interpretação da Frente Negra ....................................................... 149 3.7 O Movimento Negro em São Paulo na Contemporaneidade: uma breve discussão

política ............................................................................................................................... 152

3.8 Docentes e Discentes da PUC-SP Contribuem na Articulação dos Sociais; Movimento

Negro em São Paulo. ......................................................................................................... 167

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 192

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................185

ANEXOS................................................................................................................................192

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INTRODUÇÃO

Em maio de 1989, interrompi a faculdade de jornalismo, embora fosse concluí-la em

junho do mesmo ano. Assim, não consegui apresentar a pesquisa que estava em andamento

(sobre a ausência das populações negras na educação superior). E, quando voltei a cursar o

ensino superior, após dezessete anos, a própria Universidade Braz Cubas (UBC) apresentou

dificuldade para identificar as disciplinas que eu deveria cursar para completar a grade

curricular e concluir a referida faculdade, frente ao longo período entre 1989 e 2006. Situação

que motivou meu ingresso na graduação de História pela Universidade Sant’Anna. E, no

decorrer do curso, constatamos que aquela universidade não havia adaptado o seu currículo

com as disciplinas: História e Cultura Afro-Brasileira e História da África, conforme

determina a lei 10.639/20031.

Então, organizamos o “Movimento Pró Lei 10.639/2003”, em seguida, formamos uma

comissão e conseguimos uma reunião com o reitor Leonardo Placucci. Ocasião, em que o

mesmo justificou a ausência das referidas disciplinas, no currículo da universidade, pela

dificuldade de encontrar professores (as) preparados para ministrá-las, e também, pela

flexibilidade da Lei 10.639/2003 que não obriga as instituições de ensino superior incluí-las

em seus currículos de imediato à sua sanção. Explicamos que esse fator fora motivo da

transferência de um colega negro para outra universidade e, além disso, que também era nosso

desejo estudar a história das áfricas2 e a cultura afro-brasileira.

O reitor Leonardo Placucci se comprometeu a analisar a questão com atenção e, no

semestre seguinte, a instituição contratou um professor e uma professora com formação em

história afro-brasileira, para ministrar as citadas disciplinas nos currículos dos cursos de

História, Geografia, Ciências Sociais, entre outros.

O episódio de nossa luta na Universidade Sant’Anna realça a importância das lutas do

Movimento Negro3, o quão fundamental é para a inclusão das populações negras, na

sociedade brasileira, através da educação superior, em especial da educação superior pública.

1A Lei 10639/2003 altera a Lei n

o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e

Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. A lei foi sancionada em 09 de janeiro de 2003 pelo então

Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e sua relatora a Professora Petronília Beatriz Gonçalves da

Silva – UFSCar. 2A opção por usar o nome África no plural é uma forma habitual para lembrar que a África é um continente.

Grifo da autora. 3Quando uso o termo Movimentos Negros e não Movimento Negro Unificado (MNU) refiro-me aos movimentos

que, embora sejam influenciados pelo MNU, nem sempre estão diretamente a ele associados, e muitas vezes

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Em 2009, fiz inscrição em um curso de especialização sobre Estudos da Cultura Afro-

brasileira, na Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), coordenado pelo Prof. Dr.

Juarez Tadeu de Paula Xavier. Na entrevista de seleção, o Prof. Juarez Tadeu informou que

também coordenava o Curso de Jornalismo e sugeriu que eu concluísse essa graduação na

UNICID. Enviei toda documentação para uma análise detalhada da grade curricular,

comprovando que havia cursado grande parte das disciplinas na Faculdade de Jornalismo da

UBC e, após duas semanas, saiu o resultado das disciplinas que eu deveria cursar em regime

de adaptação. Após um ano e meio cursei as disciplinas em regime de adaptação, e, em julho

de 2010, apresentamos o TCC intitulado “As Cotas Raciais Para Negros nas Universidades

Públicas: Sua Utilização e Eficácia”, no qual observamos o debate das universidades, a luta

do Movimento Negro Unificado (MNU) e da implementação das ações afirmativas para

negros4 nas universidades públicas e privadas por meio do Programa Universidade Para

Todos (PROUNI).5

Para o resultado desta pesquisa, fez-se necessário, aprofundar o conhecimento sobre o

exposto, uma vez que o escopo da presente dissertação reside na construção da História do

Núcleo de Consciência Negra (NCN) e do movimento negro na USP. Assim, também nos

coube à recuperação da história da Universidade de São Paulo (USP), sua fundação e estrutura

política para então, compreendermos seu antagonismo frente às políticas afirmativas para

estudantes negros legitimadas pela Suprema Corte do Brasil. Pois, já em abril de 2012, o

Supremo Tribunal Federal (STF)6 reconheceu por unanimidade, a legitimidade da reserva de

vagas para negros e indígenas nas universidades públicas brasileiras, de no mínimo 50%,

divididos, 25% para cotas raciais e 25% para as cotas sociais. E, em agosto do mesmo ano a

Lei 12.711, conhecida por lei de cotas, em consonância com a decisão do STF foi sancionada

alguns membros ou grupos também lutam isoladamente, promovendo ações de fortalecimento ao MNU. A

autora. 4Para nos referirmos aos sujeitos sociais de nossa pesquisa, em geral usamos o termo “populações negras”, esta

fora uma escolha da autora que, ao longo de sua experiência profissional e acadêmica vem observando que, em

cada região de São Paulo e do Brasil, essas populações possuem culturas diferentes umas das outras, e assim as

manifestam de acordo com os locais onde vivem. Por outro lado, em certas ocasiões nos referimos aos sujeitos

pelo termo: negros, negras, ou simplesmente negros brasileiros ou ainda, povo negro. Agindo assim, seguimos a

nossa interpretação em cada autor, sem destoar de suas formas de referir-se aos sujeitos. Por exemplo, o

Professor Milton Santos, que é um dos principais teóricos de nossa pesquisa, usa sempre o termo: negros

brasileiros. Enfim, as diversas formas de tratamentos explicam a mesma coisa: populações negras brasileiras. A

autora. 5O PROUNI é o programa do Ministério da Educação, aprovado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005,

pelo então Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva e concede bolsas de estudo integrais e parciais de

50% em instituições privadas de educação superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação

específica, a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior. Organizado pela autora, fundamentada em

informação do Ministério da Educação (MEC). Disponível em: <http://siteprouni.mec.gov.br>. Acesso em: 19

nov. 2015. 6Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 31 dez. 2015.

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pela Presidenta da República Dilma Rousseff. Pois, mesmo sendo esta lei específica para as

universidades federais, ela representa um espelho para as demais universidades públicas em

todo o Brasil, uma vez que a Suprema Corte federal determinou que todas as universidades

públicas, promovam a inclusão através das cotas raciais e sociais. Assim, sobre esta

disposição, a Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), ainda em 2013, determinou que

a USP se aprimorasse para atender as políticas afirmativas, cotas raciais para os estudantes

negros.

Para entender a segregação racial na Universidade de São Paulo (USP), viajamos no

tempo a fim de interpretarmos que, o racismo não nasceu dentro da USP, tampouco adentrou

aquela instituição após o sua construção, seu funcionamento. Ao contrário, a USP foi

idealizada e concebida sobre o prisma da desigualdade construído e ancorado no racismo

originado lá no século XV quando se buscou justificar a escravidão, a dominação de um povo

sobre o outro. Assim, o racismo, o preconceito estrutural na USP é um legado europeu que

foi aprofundado impregnado no tecido social brasileiro.

Verificamos que a segregação racial é uma prática no quotidiano da Universidade de

São Paulo (USP), pois, desde a sua fundação, a mesma guia seus vestibulares no pressuposto

da meritocracia7, sobre a qual foi gestada, em 1934. E, ainda hoje se faz presente quando os

limites das leis brasileiras são ultrapassados, desrespeitados em substituição as “políticas” que

a USP “cria” que mais escamoteiam a inclusão. Além de decidir suas políticas à revelia da

luta do movimento negro que se articula naquela instituição desde 1988. Inclusive, contam

com a participação de professores, estudantes, funcionários negros, militantes e intelectuais da

questão étnico racial.8

Neste contexto, em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu por

unanimidade, a legalização das políticas afirmativas, ou seja, a reserva de vagas universitárias

através das cotas raciais para os estudantes negros e indígenas.9

Foi necessário, então, estudar a organização da luta do movimento negro naquele

espaço e, para esse feito contamos com a intervenção do Professor Dr. Juarez Tadeu de Paula

Xavier da UNESP/Bauru. O mesmo nos colocou em contato com Núcleo de Consciência

Negra (NCN) momento em que suas portas se abriram para a nossa pesquisa. E, assim, seus

militantes se colocaram à nossa disposição, inclusive Jupiara Castro diretora do NCN, que nos

7 “Mérito’, palavra derivada do Latim mérito”. S. M. = merecimento, o qual, por sua vez, significa, significa: 1.

qualidade que torna alguém digno de prêmio. 2. Valor e importância. 3. Superioridade, excelência. 4.

capacidade, habilitação, inteligência, talento, aptidão. Buarque de Holanda Ferreira, Aurélio. Novo Dicionário

Da Língua Portuguesa, 1º edição (7º impressão), Editora Nova Fronteira, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ. 8CASTRO, Jupiara, em entrevista para este trabalho em 02/10/2015, em São Paulo.

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apoiou de todas as formas. Forneceu informações precisas durante as entrevistas e em

conversas formais e informais, além de nos permitir tirar dúvida por telefone quando essas

surgiam durante a análise de documentos, entre outros dados sobre o Movimento Negro

dentro e fora da USP. A mesma disposição e apoio foram concedidos por Maria José

Meneses, Cristiane Maria Paula e Emerson Gabriel, líder do Movimento “Ocupação Preta”.

Para dialogar com os sujeitos históricos de nossa pesquisa, que são os membros do

NCN e do Movimento “Ocupação Preta”, e possibilitar a transformação de seus depoimentos

em História, encontramos o devido apoio e aprofundamento teórico em ANTONACCI

(2015).10

e PORTELLI (1996). Pois, a partir da consideração da oralidade, tanto por

entrevistas quantos através de depoimentos, conversas formais e informais, os mesmos nos

apontaram caminhos que nos conduziram ao desenvolvimento de nossa pesquisa, resultando

nesta dissertação. Desde o momento em que eclodem as lutas por direitos sociais na USP,

especialmente pelas políticas afirmativas, propiciando a oportunidade de recuperação desta

história, sem os quais, seria impossível. Pois ainda há forte ausência de trabalhos

historiográficos sobre as lutas negras na USP. Discussão que até então, era pouco difundida,

apesar da influência exercida pela personagem mais importante desta luta, a qual é

responsável por fundar e manter em funcionamento o NCN, Jupiara Castro.

Segundo Jupiara Gonçalves Castro, Diretora do NCN/USP, a articulação dos

movimentos universitários nas universidades públicas, e também no âmbito político, sobre as

leis de inclusão das populações negras na educação, em grande medida, contou com sua

participação. Em especial, os Projetos de Lei (PL) Lei 10.639/2003 e Lei 12.711/2012, entre

outras que são politicamente elaboradas para afirmar a luta contra a segregação racial nas

universidades públicas brasileiras, que, de acordo com ela, a articulação dessas leis nasce de

discussões políticas no NCN/USP.

Nesse contexto, procuramos destacar os sujeitos históricos sociais, precursores do

Movimento Negro na USP, apresentando seus principais fundadores que, em geral, são parte

do Movimento Negro Unificado (MNU). Demos ênfase à primeira “Ocupação Preta” na USP,

ocorrida em 1988 professoras e professores negros, por ocasião do Seminário de

Comemoração dos Cem Anos da Abolição da Escravatura Brasileira. Acreditamos que esse

movimento, inspirando hoje o Movimento “Ocupação Preta”, cuja atuação no espaço

universitário tem como objetivo promover a consciência de sua exclusão, a qual provoca forte

desconforto ainda hoje, entre os estudantes negros por não verem reconhecidas suas

10

Ibid.

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reivindicações. Pois a USP não adota políticas específicas como as cotas raciais, que é um

direito reconhecido pela legislação brasileira.

Nesta abordagem, discutimos as diferenças sociais a partir do preconceito racial e das

discriminações dele decorrentes na atualidade. Entretanto, faremos uma breve viagem no

tempo, a fim de perceber os acontecimentos que originaram o contexto racial e social das

populações negras no Brasil de hoje, elucidando suas lutas por inclusão, através das políticas

afirmativas na Universidade de São Paulo, (CARVALHO, 200511

, 2012).12

Nesta pesquisa, assumimos uma postura crítica, ao debater o sistema de educação

brasileiro, desde o às séries iniciais do ensino fundamental, do ensino médio até o ensino

superior, perpassando pela política adotada pelo Estado Novo e pela Ditadura Militar; e sua

estagnação nos últimos quatro governos democratas, apresentando mudanças significativas a

partir do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, sendo continuada pela

atual presidenta da República, Dilma Rousseff. Enfatizamos as políticas de ação afirmativa e

as mudanças significativas no sistema de educação brasileiro, principalmente, no que tange à

inclusão de estudantes negros no ensino superior público e privado, a partir do PROUNI

(Programa de Universidades Para Todos), programa criado pelo governo federal. Discutimos

também demais políticas de ação afirmativa que visam à equidade dos direitos jurídicos e

culturais de estudantes negros em todo o Brasil, (RIBEIRO, 2014).13

Debatemos as políticas de ação afirmativa também no âmbito estadual, sobre a

intervenção da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) e de sua legalização a partir da

sanção do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei 12.711/2012. Pois, este conjunto de medidas

determina às Instituições Públicas de Ensino Superior e Técnico Federal adotarem, em seus

sistemas educacionais, medidas de inclusão racial e social, seguindo os resultados dos censos

do IBGE que, segundo sua probabilidade populacional. Deve-se, então, propiciar às

populações negras e indígenas o direito de reserva de vagas no mínimo de 50% entre todos os

cursos e turnos de todas as universidades públicas federais, faculdades, Institutos Federais e

Escolas Técnicas entre outras providencias.

O movimento negro na USP, sobremaneira, o movimento “Frente Pró Cotas” e

“Ocupação Preta”, fundamenta-se nas referidas determinações mencionadas acima e

11

Revista USP, São Paulo, n. 68, p.88-103., dez./fev., 2005/2006. 12

Seminário: Relações étnico-raciais, IFRN em 02 de agosto de 2012. Disponível em: <www.youtube.com.br>.

Acesso em: 15 nov. 2015. 13

RIBEIRO, Matilde. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: (1986-2010). Rio de Janeiro:

Garamond Universitária, 2014.

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reivindica que seja atingido por essas medidas, de acordo com sua proporcionalidade, através

do concurso vestibular FUVEST.

O movimento negro na USP, representado pela “Ocupação Preta” e pela Frente Prol

cotas, bem como o NCN em geral, reivindicam a adoção das políticas de ação afirmativa, por

cotas raciais. Fundamentados na decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) como

já discutido e também sobre a lei 12.711/2012 que determina a reserva de vagas universitárias

e de subsídio para a manutenção das matrículas realizadas através das referidas reservas, para

as populações negras, indígenas e pobres, oriundas do ensino público brasileiro.

Ao ignorar a luta do movimento negro, a Universidade de São Paulo não infringiu

apenas à Lei Federal 12.711/2012, tampouco a determinação da Assembleia Legislativa de

São Paulo (ALESP) enquanto órgão norteador da legislação do Estado de São Paulo. Infringiu

principalmente, a Suprema Corte Federal Brasileira, ou seja, o (STF), o qual, em 26 de abril

de 2012, por unanimidade decidiu que as cotas raciais são necessárias para corrigir os danos

causados pelo histórico do racismo estrutural, provenientes do processo de escravidão no

Brasil. Neste sentido, encontramos apoio para a nossa discussão na obra de Ribeiro (2014),

resultado de seu doutorado pela PUC-SP, além de outros estudiosos desta temática que os

adotaremos.

Para compreender esta discussão, seguimos a pista de Bourdieu (2007) e o

interpretamos no que concerne à noção do sistema político republicano, quando os agentes

sociais ocupam posições diferentes em um mesmo poder específico. Assim, transformando-o

em um campo particular de capital que, na prática, responde por três dimensões de poder, que

asseguram a supremacia das classes dominantes, no campo econômico, cultural e social, e

cuja forma de capitais assume uma relação em que se incorpora à sociedade. Se trata do

“hábitos”, o qual demanda sobre os costumes e as práticas que classificam os agentes sociais.

Segundo este conceito, uma classe que demanda maior influência econômica, política, social e

cultural exerce o poder dominante sobre a outra. Esse pensamento nos permite enveredar para

uma interpretação adequada à pesquisa em questão, acerca do interesse da USP em tal

dominação, que mantém o cercamento14

contra a entrada de estudantes negros nos cursos de

suas faculdades, culminando, assim, com um espaço que constitui um verdadeiro campo

minado pela segregação racial. Para esta discussão, encontramos aprofundamento teórico no

pensamento do Professor Milton Santos, em sua obra Espaço e Sociedade, entre outras, as

quais também nos auxiliam neste debate.

14

Cercamento = cer-ca-men-to (substantivo masculino) que deriva da palavra cercar. Ato ou efeito, delimitar,

rodear. (organização da autora), fundamentada em: http://www.priberam.pt. Acesso em 15 de janeiro de 2016.

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Em nossa pesquisa, também seguimos os caminhos apresentados nas diversas obras e

artigos do Professor Kabengele Munanga, nos quais encontramos convergências com grande

parte dos pensamentos de autores que nos serviram de embasamento teórico para a realização

deste projeto. Em especial sobre a explicação direcionada às políticas sobre as quais se

configuram o mito da democracia racial na sociedade brasileira, implantada nos primórdios do

século XIX, que, segundo ele, partiu do pressuposto de superioridade da raça branca em

relação à raça negra.

Verificamos, ainda, no pensamento de Kabengele Munanga, Milton Santos,

Hasembalg (1979) e também da Professora Antonieta Antonicci, convergência com o

conceito “sutis artifícios” do sociólogo Pierre Bourdieu, quando o mesmo investigava na

França, a existência de escolas específicas para atender os filhos de imigrantes ilegais naquele

país. Assim, Boudieu (2007) afasta de suas análises, a hipótese que, as diferenças sociais

residiam apenas na estratificação social e sim, mais pelos estilos de vida, de linguagem e de

culturas, entre outras do que do ponto de vista social. E, essas práticas delimitam os espaços

de poder, os quais passam a ser quase que, exclusivamente de predominância do dominador, e

tais fundamentos partem sempre do preconceito de origem e da discriminação racial.

Nesse caso, o capital social corresponde às relações interpessoais que cada indivíduo

constrói, através dos benefícios ou malefícios originados das competições, sobretudo, no

campo educacional, no qual se acumula o capital cultural enquanto poder, na forma de

conhecimento cultura que, em geral, tem apreensão nas obras culturais e diplomas adquiridos.

Desse modo, os autores em convergência com esta interpretação, nos orientam acerca da

reprodução social objetiva, que consiste na perpetuação das relações sociais de dominação

através de aspecto simbólico, que se configura na relação de poder sobre aquele que se julga

inferior.

Procuramos seguir pelos caminhos apontados pelos diversos pensadores para então,

compreender e aprimorar a nossa construção histórica, na qual observamos que a USP

continua a desempenhar papel dominante, ao promover a exclusão educacional da população

estudantil negra em seus espaços. Cujos desdobramentos os atingem no campo econômico,

político e social, afastando-os dos espaços de poder, ocupados sempre por maioria branca.

Dada a relação de longevidade entre o início da disseminação de cultura do racismo no

imaginário coletivo popular entre os séculos XV ao XXI, na Europa, que posteriormente é

importada para o Brasil. Consideramos apropriado trazer esta discussão para este trabalho, a

fim de disseminar que, a relação tempo e espaço que perpassa às relações sociais na USP.

Observamos que as imposições contra a ascensão social dos estudantes negros e indígenas,

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em seus espaços universitários, têm raízes remotas nos acontecimentos, ao longo desses

séculos, na Europa, mais precisamente na França. Quando os cientistas se apropriam de

conceitos utilizados da zoologia para classificar a botânica e legitimam as relações de

dominação, de sujeição e estratificação social entre elites e plebeus, sem que entre estes

houvesse diferenças morfobiológicas, comprobatórias ou minimamente notáveis.

Acreditamos que debater esta temática seja pertinente para evidenciar, o quão o

conceito de raça já influenciou e ainda influencia a nossa história. Pois, apesar de

transcorridos aproximadamente cinco séculos, entre os séculos XV e o XXI, ainda há, em

nossa sociedade, instituições públicas, como a USP, que não conseguem se desvencilhar da

crença racial, cujas mentes de seus dirigentes insistem na cultura de superioridade racial,

(CARVALHO, 2012).

Esperamos, portanto, que a nossa pesquisa apontem caminhos para a elucidação e

implementação das políticas de ação afirmativa na USP, inclusive oferecendo suporte para

que outros trabalhos possam difundir as políticas de acesso às universidades públicas para as

populações negras e indígenas. No decorrer de nossa pesquisa, constatamos a ausência de

estudantes, professores e profissionais negros nas universidades públicas em especial na USP

que é parte de nosso objeto de estudo. Assim promover e propiciar políticas capazes de

inverter este quadro de “confinamento racial”, transformando assim a Universidade de São

Paulo, em uma universidade substancialmente pública, (CARVALHO, 2005/2006).

Debruçamo-nos ainda, sobre importantes clássicos, em especial sobre a obra

intitulada “A Universidade da Comunhão Paulista de Irene Arruda Ribeiro Cardoso e

(1982)”. Pois a referida obra prefaciada por Alfredo Bosi, foi criteriosamente organizada a

partir de fonte de pesquisa histórica, (documentos históricos). E, discute também os

processos ideológicos sobre os quais se assenta a Universidade de São Paulo, nos propiciando

compreender a estrutura política daquela universidade e a ideia de meritocracia que se articula

contra as políticas de ação afirmativa para os estudantes negros e indígenas, em seus espaços.

Tais ações culminam com os descaminhos das políticas de ação afirmativa, justificadas sobre

a “manutenção de qualidade da produção científica e garantia da manutenção da meritocracia

na Universidade de São Paulo, assim fortalecendo as classes dominantes em detrimentos dos

demais”, e neste sentido seguimos também (HERNADEZ, 2005; SANTOS, 2004, p.16-

19).15

15

SANTOS, Hélio. Desenvolvimento e Inclusão social. In: Ortega, E. & Ulgiati, S. (Editor): Proceedings of IV

Biennial International Workshop “Advances in Energy Studies”. Unicamp, Campinas, SP, Brazil. June 16-

19, 2004, p. 175-180.

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A análise de documentos, tais como o inquérito de 1926, a Constituição de 1932, as

políticas e arranjos do então presidente da República, Getúlio Vargas. Assim como também

analisamos políticos importantes, enquanto personagens da “novela”16

que constroem a

história da USP e, simultaneamente, a história de São Paulo também foram importantes para o

contexto desta dissertação. Armando Sales, Fernando Azevedo, entre outros, e os arranjos

políticos do grupo do jornal O Estado de São Paulo encabeçado por Júlio Mesquita, (pai e

filho) contribuíram para a concretização da fundação da USP e das políticas de dominação, na

educação pública brasileira, (CARDOSO, 1982, p. 44).

Esmiuçamos, portanto, o contexto histórico sobre o qual essa Universidade é

construída, em 1934, e o contexto atual das políticas de ação afirmativa, em especial, sobre as

cotas raciais, enquanto reserva de vagas para as populações negras, indígenas17

e pobres.

Observarmos que a USP tem se transformado cada vez mais, em um espaço segregado,

exclusivamente reservado para as classes dominantes. Desse modo, em pleno século XXI,

ainda mantêm seu discurso sobre o conceito de meritocracia, estratificação social idealizada

para suprimir as populações negras, pobres e indígenas que habitavam São Paulo, já na

década de 1930.

Consideramos também importante difundir as políticas sobre as quais se assentou o

Movimento Negro Unificado (MNU). O que significa resgatar a história da luta do povo

negro brasileiro, desde os primórdios da segunda década do século XX, quando a Frente

Negra Brasileira se organiza em prol da luta pelos interesses do povo negro e, neste sentido

procuraremos descortinar a história da FNB a qual foi desarticulada pelas políticas

estabelecidas no Brasil. Cujos algozes percebem que não fazê-lo seria permitir à comunidade

negra brasileira ocupar espaços de poder, a começar pela educação, já que esta sempre foi a

principal pauta do movimento liderado pela Frente Negra, cujo objetivo era fazer com que, as

negras e os negros, pudessem ascender socialmente, através do conhecimento formal,

(BARBOSA, 2007).

Nesse contexto, não poderíamos nos furtar ao debate sobre o Centro Cívico Palmares,

associação fundada em 1926, em São Paulo que, ao pautar o tema de participação política,

ultrapassa o objetivo de entidade recreativa; alcança um nível de organização e atuação capaz

de transpor seu reconhecimento, cultura por esse longo período, ao atingir nossa memória, e

nos propicia a oportunidade de escrever em nossa pesquisa a sua história, (BARBOSA, 2007).

16

O termo foi uma escolha da autora, usado para satirizar a maneira em que se entrelaçam política e meios de

comunicação, ou seja, o jornalismo impresso do popular “ESTADÃO”, jornal “O Estado de São Paulo”. 17

Grifo da autora fundamentada em Cardoso, 1982.

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Ademais, não observamos uma coincidência entre a inauguração do Centro Cívico

Palmares, a luta da FNB. Assim, como também sobre as demais organizações negras, do

início do século XX, tampouco na elaboração do Inquérito de 1926, que norteou a educação

pública em São Paulo e no Brasil, bem como sobre a idealização da Universidade de São

Paulo, que se concretizou em 1934, (CARDOSO, 1982).

A história da Frente Negra Brasileira e, posteriormente, do MNU, no Brasil, tem

colaborado para a manutenção das culturas negras. Dessa forma, as pessoas nas diversas

fontes já apresentadas nos possibilitaram o cruzamento de dados nos diferentes pontos de

vista que nos auxiliam neste debate sobre essa temática em nossa dissertação, uma vez que,

em nosso cotidiano, mesmo no espaço universitário, escutamos críticas ferrenhas a este

movimento (FNB). Esse debate político, muitas vezes, é interpretado pelo viés da construção

histórica da oposição, ou de teóricos cujo pensamento diverge das questões raciais por motivo

de suas formações e culturas. Assim, se configurou no tecido social a interpretação de que a

FNB seria uma organização de tendência política de direita, o que contribuiu, e contribui

ainda no presente, para a desvalorização da luta política dos negros que nos antecederam;

todos vivem na memória e na História e, em nossa pesquisa, procuramos evidenciar suas lutas

e articulação política, as quais contribuíram para que o MNU se (re)organizasse a partir dos

anos 1978, se fortalecendo, após os anos de 1985, com o cessar do regime da Ditadura Militar

no Brasil.

Analisamos, ainda, obras e pensadores, como: Florestan Fernandes, em: A Integração

do Negro na Sociedade de Classe; Encontros com Florestan Fernandes, um livro organizado

por Amélia Com, composto de uma série de entrevistas realizadas por diversos meios de

comunicação social, no jornal impresso, que muito nos auxiliou acerca dessas questões, pois

permitiu a compreensão e construção do conhecimento acerca que foram: “os novos negros na

sociedade de classe”18

, em São Paulo; Ivair A. A. dos Santos em O Movimento Negro e o

Estado 1983-1987; Regina Pahim Pinto em sua obra: O Movimento Negro em São Paulo,

prefaciado por Ivair A. A. dos Santos; o trabalho de doutorado da ex-ministra Matilde Ribeiro

pelo Programa de Serviço Social da PUC-SP intitulado: Políticas da Promoção Racial no

Brasil 1986-2010; artigos de Paulino Cardoso. E, o livro História do Movimento Negro

Brasileiro, organizado por Marcio Barbosa, sociólogo que, movido pela curiosidade de

entender o movimento FNB. Com a qual possui laços familiares, entrevista Aristides

18

“Os novos negros na sociedade de classe” é um termo muito usado nos livros do Professor Florestan Fernandes

para explicar as populações negras em luta por integrar-se na sociedade de classe, ou seja, na classe trabalhadora

de São Paulo e em geral, em São Paulo e no Brasil.

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Barbosa, Francisco Lucrécio, José Correia Leite, Marcello Orlando Ribeiro e Placidino

Damasceno Mota, e nos apresenta depoimentos e interpretações a partir de entrevistas dos

fundadores do FNB.

Em primeira instância, tomamos por aprofundamento teórico pensadores das diversas

áreas e disciplinas, muitos dos quais já foram apresentados, e outros que serão mencionados

no decorrer da redação desta dissertação. O motivo pelo qual percorremos áreas diversas para

a construção histórica de nossa pesquisa coloca em relevo a ausência de trabalhos, no âmbito

historiográfico, sobre as questões raciais, denotando assim, que, nesse aspecto, há muitas

lacunas a serem preenchidas.

O primeiro capítulo intitulado “A Luta de Jupiara Castro no Contexto do Movimento

Negro na USP e as Políticas de Ação Afirmativa em Questão”, elaborado a partir de

depoimentos formais e informais, memórias e entrevistas dos sujeitos sociais: Maria José

Meneses, Cristiane Maria de Paula, Emerson Gabriel dos Santos e, especialmente, Jupiara

Castro, com a qual pudemos contar em diversos momentos da construção desta pesquisa,

recebendo dela as informações pertinentes para sanar as dúvidas que surgiam no decorrer

deste caminho.

A partir de analise de fontes, identificamos casos de racismo na USP contra

professores, estudantes, funcionários e candidatos à vaga de emprego, motivo pelo qual

professores (as), estudantes e funcionários negros (as) se organizaram e fundaram o

NCN na USP, e, esse acontecimento traz à tona, também a luta do movimento

“Ocupação Preta”, em seu cotidiano durante o primeiro semestre de 2015, que funciona

no sentido de conscientizar a comunidade uspiana para a existência do racismo

estrutural naquela universidade (USP). Pois, o racismo na USP culmina com a ausência

quase que absoluta (em certas faculdades, a exemplo da medicina) não só de estudantes

negros (as), mas também de professores (as) e profissionais negros em cargos mais altos,

resultado da má administração da referida instituição, a qual não inclui os negros.

Nesse sentido, para formar o nosso panorama histórico, nos apoiamos em Antonacci

(2015) e em Portelli (1996), os quais nos apresentam formas de construção histórica a

partir de olhares e experiências vivenciais ou narradas pelos sujeitos históricos sociais.

[...] A subjetividade, o trabalho através do qual as pessoas constroem e

atribuem o significado à própria experiência e a própria identidade, constitui

por si mesmo o argumento, o fim mesmo do discurso. Excluir ou exorcizar a

subjetividade como se fosse somente uma fastidiosa interferência na

objetividade factual do testemunho quer dizer, em última instância, torcer o

significado próprio dos fatos narrados. (PORTELLI, 1996, p. 2)

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De acordo com o discurso do pensador, percorremos os caminhos por ele sugeridos até

chegarmos aos nossos históricos sujeitos e, em seu embasamento teórico, construímos o

primeiro capítulo desta pesquisa. Em seguida, com olhares atentos ao pensamento da

Professora Maria Antonieta Antonacci elucidando que: “a história oral reaproxima a fala da

escrita, trazendo à tona articulações da oralidade” entre a palavra e a escrita, “em sinal de

quão imbricadas e sutis são as relações entre o oral e letrado, erudito e popular”, na qual

também encontramos respaldo teórico, (ANTONACCI, 2015, p.35).

Desse modo, seguimos então a nossa construção histórica fundamentada na oralidade,

em segurança, embasada, no mínimo, por dois pensadores cujas teorias vêm sustentando a

pesquisa científica no âmbito das ciências humanas e sociais em torno do Brasil e de outras

partes do mundo. Em seguida, discutimos as ideias ancoradas no conceito de “meritocracia”

pela USP, concentrando os argumentos em fundamentos jurídicos e culturais, a partir da

reflexão da justiça compensatória das políticas de ação afirmativa dirigidas a estudantes

negros através das leis 10.639/2003 e 12.711/2012, sobre a questão de inclusão pelas cotas

raciais.

Enquanto o segundo capítulo concentra-se na análise de fontes, fundamentada no

documento a “CARTA ABERTA”, emitida à USP publicamente por três professores (as):

Lilia Moritz Schwarcz, (Departamento de Antropologia USP); Maria Helena P. Toledo

Machado (Departamento de História USP); e Wagner Gonçalves (Departamento de

Antropologia USP), os quais, em seus discursos, parecem ser favoráveis ao sistema da

meritocracia adotado pela Universidade de São Paulo (USP). Apesar dessa posição

expressam o reconhecimento do excesso de exclusão praticado pela referida instituição.

Assim, consegue impedir que a mesma mantivesse o maior grau de segregação racial jamais

visto em uma sociedade democrática, descontinuando a ideia de ensino a distância, através do

sistema College, para estudantes negros e indígenas que são maioria pobre.

No mesmo capítulo, discutimos, brevemente, a origem do racismo no mundo e no

Brasil, observando atentamente os argumentos do Professor Kabengele Munanga (2004,

2003; 2011) e de M. Luiza T. Carneiro (1998), que debatem com profundidade a origem do

preconceito racial. Nesse sentido, procuramos relacionar a origem do racismo estrutural,

presente na USP e na mentalidade de seus principais dirigentes.

Debatemos com grande ênfase o sistema de educação pública brasileiro, destacando a

sua estruturação desde o “Inquérito de 1926” até a atualidade. Para esta discussão, seguimos a

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trilha do Professor Antônio Sergio Guimarães (2003), Cardoso (1982) entre outros pensadores

que elucidam este debate.

No terceiro capítulo, analisamos a origem das políticas de ação afirmativa no Brasil,

enquanto legado dos EUA, debatendo as lutas antirracistas nos dois países, para então

compreender o contexto histórico da luta do movimento negro no Brasil; em especial a luta

pelas políticas de ação afirmativa na Universidade de São Paulo, objeto de nossa pesquisa.

Desse modo, apoiamo-nos em Moehlecke (2002), Paulino Cardoso (2008), entre outros.

Destacamos que a PUC-SP foi uma das poucas instituições (privadas ou públicas) em São

Paulo, ou mesmo em termos de Brasil, a abrir espaço para a discussão contra o preconceito e a

discriminação racial, uma vez que, já na década de 1970, este tema já estava em questão em

seus espaços. Assim, oportunizando a formação de profissionais capazes de levar adiante este

debate, através da educação, da participação política, entre outras formas de participação e

intervenção contra o racismo estrutural no Brasil, (SANTOS, 2006). 19

Por fim, apresentamos as considerações finais, nas quais evidenciamos a

reorganização do Movimento Negro Unificado (MNU) e sua luta, a partir da década de 1978.

Procurando descortinar os preconceitos raciais e suas consequências, problematizando o

resultado dos dez anos da adoção das políticas afirmativas, as cotas raciais, adotadas nas

principais universidades públicas brasileiras e também, pela utilização das políticas

afirmativas através do sistema Pro-Uni. Apresentamos enfim, as considerações sobre o porquê

a USP segue os caminhos de uma política ultrapassada, do ponto de vista da igualdade e dos

direitos sociais, reconhecidos pela Suprema Corte Federal Brasileira. E assim, em pleno

século XXI, se mantém sobre a estrutura política de sua origem, antidemocrática, direcionada

às classes dominantes, prejudicando o pleno desenvolvimento educacional e profissional dos

estudantes negros.

19

SANTOS, Evair Augusto Alves dos. O Movimento Negro e o Estado (1983-1987). São Paulo: CONE.

Prefeitura de São Paulo, Imprensa Oficial, 2006.

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34

CAPÍTULO I A LUTA DE JUPIARA CASTRO NO CONTEXTO DO

MOVIMENTO NEGRO NA USP, E AS POLÍTICAS DE AÇÃO

AFIRMATIVA EM QUESTÃO.

Em 08 de maio de 2015, pela primeira vez visitamos o Núcleo de Consciência Negra

na USP, ocasião em que conhecemos Jupiara Gonçalves Castro, diretora do mesmo. Mas,

frente aos desencontros mediados pela falta de boa vontade da então secretária do NCN,

Cristiane Avelar, em 27 de outubro de 2015, data da qualificação desta dissertação não

apresentamos a discussão sobre a origem do NCN, do movimento negro em mobilização por

direitos sociais na USP. Para efeitos de conclusão desta etapa, precisamos da intervenção do

Prof. Juarez Tadeu de Paula Xavier, quando os acessos a informações foram facilitados.

Reunimo-nos em ocasiões e locais diferentes, ou seja, conversamos com Cristiane

Paula, responsável por a organização e conservação dos documentos do NCN e, Maria José

Menezes, coordenadora do mesmo, na mesma oportunidade, em um encontro no Sindicato

dos Metroviários no bairro do Tatuapé, em São Paulo. Este encontro ocorreu no dia 07 de

setembro de 2015, à tarde quando ambas responderam a uma entrevista sobre o NCN e sobre

as lutas do movimento negro na USP.

No local, havia um encontro das comunidades negras onde era debatido: a educação

étnica racial; a situação da mulher negra; a violência contra os jovens negros na preferia de

São Paulo, entre outras questões. Permanecemos juntas durante a tarde toda, e isso facilitou a

obtenção de outras informações pertinentes à pesquisa, além do previsto. Na ocasião, fomos

apresentados (a) ao líder do movimento “Ocupação Preta” Emerson Gabriel dos Santos,

embora já o conhecêssemos de alguns debates sobre as lutas na USP em que o mesmo fazia

parte da mesa. Na ocasião, entretanto, não o entrevistamos. Apenas conversamos

informalmente, trocamos telefones e e-mail a fim de marcar uma conversa posterior, o que

ocorreu quinze dias depois na biblioteca pública Mário de Andrade, no centro de São Paulo.

Realizamos as entrevistas com os membros do Movimento Negro na USP, com o

cuidado especial para que não fosse esquecido nada do roteiro previamente elaborado, mas as

entrevistas se converteram em um bate-papo agradável e não houve necessidade de tanta

formalização. Reunimo-nos, então, para conversar sobre o NCN com Jupiara Castro, em 02 de

outubro de 2015, em um restaurante na Avenida Vital Brasil. Durante a conversa, muitas

informações sobre os motivos que ocasionaram a fundação do NCN surgiram

espontaneamente e a entrevista ocorreu por cerca de 40 minutos, mas podemos dizer que foi

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35

mais uma conversa histórica do que uma entrevista em si. Somente questionamos algumas

informações porque grande parte já havia sido abordada durante o almoço.

Jupiara Castro nos relatou sobre sua luta até conseguir entrar na USP, tendo que

estudar muito, pois fez cursinho preparatório para ser aprovada no processo seletivo, o qual

lhe garantiu ser admitida para o cargo que hoje ocupa de chefe de departamento na Faculdade

de Medicina da USP. Ela nos contou que, ao entrar na USP, imediatamente se encantou com a

beleza do campus, "imensa" estrutura e, enquanto mulher negra, nascida em Minas Gerais e

criada no Rio de Janeiro, onde precisou interromper seus estudos e vir para São Paulo. Cujo

objetivo estava bem definido: continuar e terminar a faculdade; trabalhar para se sustentar e

também, ajudar a sua família, (CASTRO, 02/10/2015).20

Mas, em seguida, ao observar e conviver com as políticas adotadas pelos dirigentes da

USP, se desencantou. Pois logo pode perceber que o racismo estava impregnado naquela

universidade. Assim, imediatamente à sua entrada para o quadro de funcionários da USP,

tratou de se associar ao Sindicato dos Trabalhadores daquela instituição, o (SINTUSP), no

qual boa parte dos associados era negra, já que na época, alguns negros já tinham conseguido

ingressar pelos processos seletivos da USP, sem serem barrados pela cor da pele: “talvez pela

necessidade de técnicos que havia naquele momento, fez com que alguns negros já

trabalhassem em diversos setores da instituição, na operação, em função

técnico/administrativo” e, como o racismo era uma rotina na USP, a maioria procurava

manter algum vínculo com as entidades que pudessem a representar.21

Assim, em maio de 1988, quando a Universidade de São Paulo realizou um Seminário

para comemoração dos cem anos da abolição da escravatura, Jupiara Castro já estava à frente

do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP). Foi o que possibilitou a organização do

NCN e de outras lutas e movimentos que discutiremos a seguir. Acreditamos que o apelido

que ganhou de seus discípulos, “mulher de ferro”, esteja relacionado à sua persistência,

insistência e resistência, pois só uma pessoa no mínimo esses três adjetivos seria capaz de

organizar e estabelecer uma instituição de expressão negra em um espaço de dominação

completamente branco.

Neste seminário, os negros que trabalhavam na Universidade de São Paulo (USP),

nem mesmo os professores e os estudantes foram impedidos elaborar e participar de sua

abertura, fator que os levou a se reunirem antes do seminário para debater o racismo estrutural

contra os negros naquela instituição. Nessa reunião, estavam presentes os professores: Milton

20

Jupiara Castro em entrevista para este trabalho, 02/10/2015, em São Paulo. 21

.Ibid.

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Santos, Kabengele Munanga e Petronília Beatriz, e os alunos que hoje são professores:

Henrique Cunha Júnior, Dilma de Melo, Eunice Prudente, entre outros (as).

Antes do início do referido seminário, funcionários, professores e estudantes negros

(as) entraram no anfiteatro da Faculdade de História (onde ocorreu o seminário) e ocuparam

as primeiras cadeiras (perto da mesa de abertura, mesa inaugural) a fim de chamar atenção

para o preconceito racial de que estavam sendo vítimas22

. A este movimento eles chamaram

de “Ocupação Preta”, nome que influenciou o atual movimento dos estudantes negros na

USP, de mesma nomenclatura.23

A mesa desse seminário foi formada por professoras e professores brasileiros e

estrangeiros, exclusivamente brancos (as), inclusive, participaram: Fernando Henrique

Cardoso, Florestan Fernandes entre outros e, dentre eles estava um professor que, segundo

Jupiara, chama-se Thomas Mory, (dos Estados Unidos), embora ela não soubesse precisar de

qual universidade esse professor (Thomas Mory) fazia parte. Quando o professor Thomas

Mory começou sua fala no seminário, o “dialeto americanizado” chamou atenção de alguns

estudantes que reagiram com muitas vaias e protestos, gritos reafirmando que o mesmo estaria

ocupando o lugar de professores negros brasileiros. Nesse momento, o referido professor,

aparentemente “constrangido”, disse: “estou aqui na qualidade de convidado, mas um evento

deste, em meu país, jamais seria dirigido por professores brancos, pois no meu país os negros

já conquistaram o direito de organizar e responder por seus interesses”24

.

A partir da experiência do “Seminário”, houve grande mobilização dos negros na

Universidade de São Paulo (USP). Ocasião em que os mesmos se organizaram no Sindicato

(SENTRUP) e resolveram que dentro daquela instituição (USP) precisaria ser colocado um

“olhar negro”, que fosse capaz de mobilizar a discussão da história dos negros naquele

espaço. Então, negras e negros, na USP, partiram para a luta. Jupiara nos fala sobre essa

resolução:

Os professores e os alunos negros se juntavam a nós. As associações e os

sindicatos favoreceriam esta articulação política. Na primeira discussão,

acertamos que em novembro organizaríamos a Semana da Abolição

Interrogada. O que aconteceu, e ao contrário do treze de maio, contou com

a participação maciça de todos os notáveis docentes negros e outros não

negros que já começam a nos apoiar, pois é assim que se constrói um debate

22

A referência “as primeiras cadeiras” trata-se das cadeiras mais próximas da mesa inaugural do seminário.

Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo. 23

Ibid. 24

Ibid.

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37

democrático. Mas, a organização, a abertura do Seminário pensado por

nós, foi elaborada 100% pelas professoras e professores negros.25

Assim, as negras e os negros da USP driblam essa situação e transformam o desprezo

dos dirigentes arrogantes daquela instituição em motivação para luta permanente. De certa

forma, a negação do direito de discutir a realidade dos negros no Brasil, no referido

Seminário, em maio de 1988, os impulsiona para novas atitudes, deixando o seu legado em

nós. Enquanto o movimento negro se organiza e se fortalece dentro da USP, seus dirigentes

permanecem na inércia do passado, buscando afirmação em ideias retrógradas como a

meritocracia, situação que muitas vezes, os aproximam do ridículo, da ignorância intelectual.

Arrisca-se aqui uma frase: “Conhecimento serve para encantar as pessoas e não para humilhá-

las”.26

Questionamos também sobre os vínculos entre o movimento “Ocupação Preta” e o

NCN. Jupiara nos explica que na “Frente Pró Cotas”, e o “Ocupação Preta”, na luta contra a

segregação racial, cada qual assume a sua responsabilidade na luta dentro da USP, mas que o

NCN está sempre por perto quando se faz necessário, e afirma: “somos um movimento dentro

da USP, nossa luta é única, lutamos por equidade”, inclusive o Emerson Gabriel e a Maria

José Menezes são líderes da “Ocupação Preta” e são do NCN também, o que significa que o

movimento por direitos civis na USP é unificado”.27

Assim, questionamos sobre o acontecimento da aula de microeconomia quando um

estudante exibe cenas de racismo contra uma militante do movimento “Ocupação Preta”. A

resposta de Jupiara foi que o NCN não apenas tomou conhecimento do ocorrido, como

também buscou medidas jurídicas para impedir que um estudante racista permaneça dentro da

USP. No caso, a justiça deve verificar e agir se ficar provado que houve racismo, inclinando-

se para um posicionamento que impeça que essas “pessoas possam continuar dentro de uma

universidade pública agindo como se estivessem em um território particular. E, mesmo que

fosse particular, hoje o racismo é crime”, concluiu.28

Conversamos mais um pouco sobre o caso de racismo na aula de microeconomia e

Jupiara Castro terminou chorando ao se lembrar da humilhação a que o estudante sujeitou a

militante do movimento “Ocupação Preta”. Ela repetiu as palavras do estudante: “meu papai

25

Ibid. 26

CORTELLA. Disponível em: <http://www.contioutra.com/todo-intelectual-tem-que-ser-chato>, cunhado por:

Josie Conti. Acesso: 08 jan. 2016. 27

Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo. 28

Ibid.

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pagou meus estudos e tenho muito orgulho disso”, e a menina embarga a voz e diz para ele

que o pai dela morreu quando ela ainda era criança. Mesmo assim, o rapaz em tom esnobe

diz: “que pena, que peninha”. Observa-se que, nesta ocorrência, há uma situação

característica de racismo desvelado na Universidade de São Paulo (USP).

Historicismos este caso com detalhe mais à frente, na história da “Ocupação Preta”,

quando daremos nomes aos sujeitos.

1.1 A Origem Núcleo de Consciência Negra na USP

Jupiara nos conta, detalhadamente, sobre o grande feito. A concretização do

NCN/USP, uma organização necessária que inicialmente serviu de espaço para as primeiras

reuniões e, em 1988, logo depois do “Seminário da Abolição”, eles ocuparam uma ampliação

que havia servido de laboratório e estava desativado, e assim foram ocupando espaços, até

chegar à área que abriga o NCN hoje. A seguir, relata sobre o início do NCN.

O Núcleo de Consciência Negra na USP nasce de uma articulação que eu

busquei entre a ADUSP (Associação dos Docentes da USP)com o Prof. Dr.

Henrique Cunha Jr, diretor da entidade naquele momento, no DCE

(Diretório Central dos Estudantes) com Wilson Honório e (SINTUSP)

Sindicato dos Trabalhadores da USP eu Jupiara G. Castro. Pois, a partir do

seminário internacional se aguçou a nossa vontade de colocar “Um Olhar

Negro”, na discussão. Em Novembro do mesmo ano, organizamos, então, a

“Semana da Abolição Interrogada”, com a participação de todos os

notáveis docentes negros e outros não negros, pois é assim que se constrói

um Debate democrático e representativo.29

Na citação acima, Jupiara chama atenção sobre a ausência de um debate democrático na

forma como a USP conduz as questões sobre os negros e quanto ao desrespeito de que são vitimas

naquele espaço. 30

Enquanto a entrevistada narrava o episódio acerca do impedimento dos docentes

negros elaborarem o seminário de comemoração dos cem anos da abolição, íamos refletindo

sobre as obras do Professor Munanga, quanto a sua forma didática em que discute o racismo

e suas consequências na sociedade brasileira; do Professor Milton Santos, cuja importância

intelectual de sua produção, seu pensamento, repercute em grande parte do mundo, inclusive

na França, onde passou parte de sua vida lecionando. Desse modo, fica difícil encontrar

29

Ibid. 30

Grifo da autora.

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alguma razão que os impeçam participar de um evento de qualquer dimensão, em particular

sobre as questões raciais dentro de uma Universidade de São Paulo. O que nos leva a

concordar com Jupiara Castro que, por volta de 1988, o racismo na Universidade de São

Paulo (USP), era visivelmente “naturalizado”, de forma que se praticava como se fosse

“normal”.

A seguir, sobre a situação dos professores negros na Universidade de São Paulo

(USP), em especial, por serem excluídos do seminário internacional dos cem anos da

“abolição da escravatura” (em 13 de maio de 1988), refletimos em Jupiara Castro:

Esses ilustres professores e professoras não puderam elaborar ou discutir o

tema em questão, que nos diz respeito. Foi a partir desse momento que se

pensou na fundação do Núcleo de Consciência Negra (NCN). Se apresentou

a necessidade mais que urgente de termos um fórum, entidade, uma frente

política, na qual houvesse espaço que nós negros pudéssemos discutir

nossas questões e apresentá-las para a Universidade e para a sociedade

brasileira.31

.

Sobre as primeiras mobilizações entre os professores, os estudantes e os trabalhadores

negros da USP, relembramos uma entrevista de Boris Casoy com o Professor Milton Santos,

em que o mesmo é notável na discussão sobre o tema globalização, se destaca e o

entrevistador se curva à sua discussão. Em outra entrevista, o Professor Milton Santos

assegura que ser negro no Brasil é diferente de ser negro em outras partes do mundo; relata

que em uma de suas viagens, retornando ao Brasil, uma aeromoça dirigiu-se a ele perguntado

se poderia comunicar-se em francês durante o vooo, e quando ele respondeu que ela poderia

se pronunciar na língua portuguesa mesmo, a aeromoça pareceu estar perplexa. O Professor

Milton Santos explica que, entre os negros brasileiros, sua realidade é uma exceção, já que

eram raros os casos de brasileiros negros que pudessem viajar de avião naquela época,

principalmente para outros países. Então, no entender da aeromoça, para um negro estar

naquele voo só podia se tratar de alguém de origem francesa, ou de outro país, menos do

Brasil.32

Dividíamo-nos entre as trajetórias dos dois professores (Milton Santos e Kabengele

Munanga) e, não conseguíamos compreender a razão de ambos não serem os mentores do tal

seminário. Ao relatar esta história, em vários momentos, a entrevistada (Jupiara) ficava com

sua voz embargada. Observamos que ela se emocionava quando buscavam em sua memória

31

Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo. 32

SANTOS, Milton. Em entrevista para a Professora Zilda Iokoi, Departamento de História da FFLCH/USP.

Revista ADUSP, jun., 1999.

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os acontecimentos do dia 13 de maio de 1988, que na Universidade de São Paulo (USP)

representou mais um dia de repressão contra as populações negras.

Perguntamos, então: qual a representação do NCN enquanto movimento negro para o

Brasil? Ou seja, as lutas antirracistas lideradas por Jupiara Castro na USP, vão além do

universo uspiano? E a resposta foi a seguinte:

O NCN tem o reconhecimento não só na USP, mais nas grandes lutas

políticas no país pelos direitos civis da população afro-brasileira. Quando

se fala no NCN dentro do Movimento Negro Nacional, o reconhecimento

pela luta dos cursinhos pré-vestibular para negros e carentes, está lá e

quaisquer pessoas que precisar de nós estamos à disposição. – As aulas do

cursinho têm ajudado muito os jovens negros, trazendo eles para dentro da

USP, se não fosse isso o percentual de negro aqui dentro seria bem menor

do que é. Não porque os negros não tenham capacidade de passar no

vestibular FUVEST, mas porque a eles não é dada essa oportunidade, a

maioria deles trabalha para se sustentarem e são pobres não tem como

pagar os cursinhos que são caros demais, são para as elites. Então, através

do cursinho eles se empenham e conseguem passar, mas não é suficiente –

precisamos das ações afirmativas na USP. Aqui na Universidade de São

Paulo, foi lançado o Projeto de Reparações Já, que deu origem às políticas

públicas para negros que temos hoje, O estatuto da Igualdade Racial, a Lei

10.639/2003 e a 12.711/2012, sobre as cotas raciais (acesso e permanência)

que classificamos como reservas de vagas para negros e carentes.33

Questionamos sobre a atuação da imprensa acerca da ausência de professoras e

professores negros no Seminário, e a entrevistada respondeu o que segue:

Ao sairmos do Anfiteatro da História, havia alguns jornalistas na frente; ao

notarem a nossa insatisfação sobre o que acabava de acontecer, então

procuraram falar com os professores, a partir dos depoimentos dos

professores e funcionários negros, saíram pequenas notas nos jornais,

“Estadão”, “Folha de São Paulo” e notinha na TV contendo crítica nossa,

mas não houve nenhum posicionamento da imprensa sobre o acontecido.34

Realmente, não encontramos dados referentes a este caso, acima citados por nossa

entrevistada, exceto que na ocasião a USP organizou o referido seminário. Jupiara Castro chama

atenção para o racismo estrutural na USP, até então, “naturalizado”. E, observamos que tal

“naturalização”, prejudica os estudantes negros quando os dirigentes da USP em comunhão com o

governador do estado, Geraldo Alckmin, nega-lhes o direito às políticas afirmativas através da reserva,

conforme a legislação brasileira em vigor.

33

Entrevista com Jupiara Castro em 02 de outubro de 2015, em São Paulo. 34

Fala de Jupiara Castro, fundadora e atualmente diretora do NCN/USP. Em entrevista para esta pesquisa,

concedida à autora em 02 de outubro de 2015, em São Paulo.

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Destacamos também algumas conversas com Jupiara Castro, pois as gravamos a fim

de recuperar algum detalhe que porventura ficasse esquecido. Espontaneamente ela relata

sobre a repressão que as populações negras enfrentam no seu cotidiano em todo o Brasil:

Apesar das agressões de grupos de direita, da tentativa de extermínio contra

a população negra pelo próprio Estado, através da polícia. Tudo isso

contribui para o emperramento da política afirmativa. Pois, se por um lado

há avanços, conquistas através da mobilização do movimento negro, por

outro lado há setores conservadores. Inclusive o próprio Estado avança na

repressão e na continuação do extermínio do povo negro, e, aqui na USP, a

presença da população negra se torna quase invisível por isto a nossa luta

incomoda; mas a cada dia nos sentimos ainda mais incentivados demonstrar

a conscientização sobre seus direitos. 35

Nesse contexto, Jupiara Castro reconhece que a inclusão dos negros na educação

superior contribuirá para a diminuição da mortandade de jovens negros, inclusive pela polícia.

Perguntamos também se o NCN estava engajado na luta para a implantação das

políticas afirmativas dentro da USP, ou se apenas atuava com a articulação de políticas

inclusivas, combatendo a exclusão na USP. Jupiara responde que:

Sim, tanto pelas políticas afirmativas dentro e fora da USP também. Nós

lançamos o Movimento sobre ‘Reparações Já’, aqui em São Paulo, fomos

naquele momento chamados de loucos, pois nos reunimos com alguns

setores do Movimento Negro, para discutir a ação que, em resumo era ir

almoçar em um restaurante 5 estrelas, e dizer que não pagaríamos a conta,

pois ela já estava paga; ler o manifesto e exigir o pagamento do Estado

brasileiro em forma de indenização para cada afro-brasileiro, pelo crime da

escravidão. E, estava presente na pauta desta discussão: exigir a

democratização das universidades públicas pelas as cotas raciais, o ensino

da história da África, políticas na área da saúde para a população negra,

políticas na área da cultura, que buscassem resgatar a cultura do continente

africano, como cultura não mais como folclore. E assim ganhamos as

páginas dos jornais a nível nacional.36

O contexto da luta dos negros e dos direitos a serem alcançados pelas populações

negras está presente nas discussões entre os militantes negros na USP, e os mesmos

consideram que colocar em prática esta luta foi um passo gigantesco: “políticas afirmativas

são o nosso ponto alto”. Afinal, essa luta começa dentro da USP, que é uma das universidades

mais elitistas de todo o País, “quiçá, do mundo”. “Eles pensam nessa instituição, que é

sustentada com o dinheiro do povo, para formar filhos das elites como se fossem donos, e nós

35

Informação fornecida por Jupiara Castro, em entrevista concedida para este trabalho em 02/10/2015, em São

Paulo. 36

Informação de Jupiara Castro ao (JC) Jornal do Campus, em 14/11/2014 e publicada em 19/11/2014. Edição

de Novembro de 2014. E em entrevista para este trabalho, em 02/10/2015.

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temos que pagar para os brancos estudarem na USP, eles que são filhos das elites”. “Se

depender da USP, nós estamos sós”.37

No decorrer da conversa com Jupiara Castro,

observamos o quanto sua influência pode ter alterado o cenário das populações negras

brasileiras. Havia lido no jornal do Campus (JC) sobre sua participação na Federação das

Universidades Brasileiras e sobre as conferências nacionais da saúde e da educação para as

relações étnico-raciais.

Este debate, no Congresso Nacional de Educação e nas Conferências

Nacional de Saúde, ajudou, colaborou na provocação deste que é um

trabalho de equipe, no Congresso Nacional. O senador Paulo Paim, tinha

como assessor o Prof. Edson Cardoso. E, nós contribuímos da forma que foi

possível com a construção de diversas audiências públicas e seminários,

possibilitando, assim, que muitas conversas balizassem a discussão nacional

e pudessem contribuir na preparação do arcabouço dos projetos de lei. O

que eu fiz não o foi sozinha e não o faço, cada passo que dei e dou é porque

temos pessoas comprometidas com esta luta tão importante para o povo

negro e carente do nosso País.38

Tais medidas são necessárias, porque este comportamento de exclusão não é um

restrito à USP, é histórico, faz parte da cultura dos grupos dominantes na sociedade

brasileira. E, a consciência dessa situação, leva o movimento negro a se articular e aguçar a

luta pela organização política além do universo uspiano. Embora o NCN tenha sido fundado

para dinamizar o debate sobre o racismo estrutural e repudiar ações preconceituosas que

acontecem no interior da USP, muitas vezes, de forma desvelada, como foi no caso do

seminário de comemoração dos cem anos da abolição, em 1988, já mencionado.

Coincidentemente, após um ano desse acontecimento, em 1989, época em que ocorreu um

processo seletivo público para o cargo de secretária, da secretaria da Faculdade de Medicina

da USP. De acordo com informação de Maria José Menezes, coordenadora do NCN, e

Cristiane Maria Paula, historiadora/organizadora da documentação do NCN, em entrevista

para este trabalho:

Em 1989, houve na USP um processo seletivo para uma vaga na função de

secretária da Secretaria da Faculdade de Medicina. E, muitas mulheres

participaram desse processo seletivo, que aconteceu em várias etapas e foi

se fechando até que ficaram apenas duas candidatas que, então, disputariam

a vaga; e uma teria que vencer a outra em algum quesito. Dentre todas as

candidatas inscritas, havia apenas uma negra e essa passou em todas as

etapas do processo, sendo uma das duas finalistas e a outra candidata

obviamente era branca. A candidata negra passou na frente da branca

sendo a vencedora, mas, ao final ela foi desclassificada porque no edital

37

Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo. 38

Ibid.

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43

exigia-se que a candidata fosse bilíngue e a candidata negra era poliglota,

ou seja, tinha o domínio de quatro línguas. Essa foi à desculpa dada para

ela não ser admitida no cargo, sendo então, desclassificada por ser mais

qualificada do que a outra.39

De acordo com os depoimentos de todos participantes do NCN para este trabalho, a

ocorrência desse processo de seleção, o qual se configurou enquanto um caso de racismo

estrutural, desvelado, incomodou todas as pessoas negras que faziam parte do quadro da USP:

alunos, professores e funcionários negros, levando-os a reunirem-se para discutir a questão, e,

se não fosse tomada devida providência, acredita-se que a situação tomaria proporção

imensurável “se diante de nossas lutas o racismo ainda é tão evidente, desvelado, sem elas,

então...”40

. No mesmo ano, outros casos de racismo contra as populações negras dentro da

USP motivaram a organização do NCN/USP. Mais adiante colocaremos esse ponto em

discussão.

Jupiara Castro nos conta que o NCN teve origem com a articulação entre ela própria,

que na ocasião já dirigia o SINTRUSP (Sindicato dos Funcionários da USP). E, também com

o Prof. Dr. Henrique Cunha Junior, na época diretor do DCE (Diretório Central dos

Estudantes), e Wilson Honório que dirigia a ADUSP, (Associação dos Docentes da USP) e,

contaram com a participação dos demais professores negros, os quais foram motivados pelo

ocorrido do seminário de 13 de maio de 1988.

Foi, então, a partir do “Seminário Internacional” que se aguçou a nossa

vontade de colocar “Um Olhar Negro” na discussão de nossa história

dentro da USP. Pois, se na USP faltava corpo docente e discente negro, na

frente dos sindicatos e associações, estavam incorporados muitos

funcionários que, aos poucos, tomavam consciência da necessidade dessa

luta e, entre esses funcionários já havia a consciência de que as associações

e, os sindicatos favoreceriam esta articulação política, o que realmente

acontece. Organizamos em Novembro a Semana da Abolição Interrogada,

com a participação de todos os notáveis docentes negros e outros não

negros que já começam a nos apoiar, pois é assim que se constrói um debate

democrático e representativo.41

39

Relato por: Maria José Menezes e Cristiane Paula/Ambas colaboradoras do Núcleo de Consciência Negra

(NCN/USP). A primeira atua na coordenação e a segunda na organização de documentos, informação entre

outros. O referido relato foi confirmado por Jupiara Castro. 40

Jupiara Castro em entrevista do dia 02/10/2015, em São Paulo.

41

Ibid.

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44

De acordo com Jupará Castro, a Semana da abolição interrogada na USP, significou

dizer que, diante do comportamento dos dirigentes e professores que concordaram com a não

participação dos professores negros no seminário internacional em 13 de maio de 1988, a

abolição ainda estaria por acontecer.

Questionamos sobre a participação dos docentes negros na organização e construção

do NCN/USP e Jupiara nos fala:

Posso dizer que de certa forma todos os docentes negros da USP sempre

estiveram presentes na organização, na luta do NCN – uns mais, outros

menos, tudo sempre dependeu da questão de tempo. Como o professor

Milton Santos que era muito ocupado, requisitado em muitos lugares além

da USP. Mas sem dúvida alguma, a fundamental contribuição para a

formação do NCN se deve ao fato de ter naquela época uma representação

forte de negros na frente dos sindicatos e associações da USP, como eu já

disse. E, tínhamos consciência que já não podíamos mais assistir sem

registrarmos a nossa indignação, o que os dirigentes dessa instituição,

chamada USP, faziam conosco. Então nos organizamos e o NCN deu certo e

hoje tem o reconhecimento não só na USP, mais nas grandes lutas políticas

no país pelos direitos civis da população afro-brasileira. 42

Jupiara explica, então, como o NCN foi fundado e como se deu a contribuição dos

professores (as) negros (as) para esse feito. E, explica também sobre o reconhecimento do

NCN dentro da USP, sua importância para a luta do movimento negro, naquela universidade;

que vai desde a criação dos cursinhos pré-vestibular para negros e pessoas carentes, que

funcionam no espaço do NCN/USP, cujas aulas têm ajudado muito os jovens negros,

trazendo-os para dentro da USP. Sem o preparo oferecido pelo cursinho, tanto do NCN

quanto da Educafro, o percentual de negros dentro da USP seria bem menor do que nos dias

de hoje, como relatado anteriormente.

Nessa esteira, Maria José Menezes assegura: “precisamos das políticas afirmativas na

USP, eles dizem que estão implantando, mas não entendemos o sistema que a USP coloca

como políticas de ação afirmativa, se não abre mão da meritocracia”. Concordamos com

Jupiara Castro que afirma: “Você só pode discutir ‘mérito’ entre iguais”, porque discutir a

“meritocracia” entre os desiguais não tem lógica.

Outro membro do NCN se pronuncia sobre a ideia de meritocracia na USP: Cristiane

Maria Paula comenta: “nós, negros pobres, que estudamos na escola pública, que o Estado

42

Ibid..

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45

oferece, não somos iguais à maioria que está na USP e passou a vida estudando nas

melhores escolas”. 43

Através de informação de Jupiara Castro, do NCN, fomos informados de que o

Professor Milton Santos passou por situação constrangedora na USP. Ele ingressou naquela

universidade, em 1984 logo que foi aprovado em um processo seletivo para o corpo docente.

No entanto, precisou esperar mais cinco anos, para ser efetivado; e, sua efetivação só

aconteceu após um grupo de professores se reunirem com o então reitor José Goldenberg, cuja

intervenção foi solicitar a devida regulamentação da posição profissional do Professor Milton

Santos enquanto docente. Pois, de acordo com o edital do processo seletivo ao qual foi

submetido juntamente com outros candidatos, inclusive para outros departamentos,

transcorridos dois anos em exercício da função, o professor (a), deveria ser efetivado

(CASTRO, 02/10/2015).

Ela também nos informa que, estavam presentes na reunião: Fernando Henrique

Cardoso, o Professor Florestan Fernandes, entre outros, intercederam junto à reitoria pela

efetivação do Professor Milton Santos. Mas, já que naquele processo seletivo o Professor

Milton Santos foi o único negro aprovado e também o único a não ser beneficiado pela

devida aplicação das normas do edital, ou seja, não ser efetivado após os dois anos de

exercício da função para a qual foi aprovado, (CASTRO, 02/10/2015).

Entendemos que, na melhor das hipóteses, esse comportamento é de profundo

desrespeito, inaceitável, abominável com qualquer professor, em especial, com um

profissional do nível do pensador, intelectual e Professor Milton Santos, sobre o qual

apresentamos a seguir:44

Em 1964, Milton Santos, já era professor da Universidade Federal da Bahia, quando

foi obrigado a abandonar sua função naquela universidade por imposição do Golpe Militar no

Brasil, ou seja, por sua militância política de esquerda, sofrei perseguição pela Ditadura

Militar, sendo preso e em seguida obrigado a deixar o Brasil. Ocasião em que, se exila na

França, onde deu continuidade a profissão de docência, pela a prestigiada Universidade de

Sorbonne.45

Anos mais tarde, lecionou também na Universidade de Toronto, no Canadá, até ser

convidado para o cargo de pesquisador no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos

EUA, uma das mais importantes instituições de ensino superior do mundo. Na Tanzânia,

43

Maria José Menezes, coordenadora do NCN/USP. Em entrevista para esta pesquisa, concedida à autora em 07

de setembro de 2015 em São Paulo. 44

Grifo da autora. 45

Disponível em: <http://www.ibe.usp.br>. Acesso em: 19 jan. 2016.

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organizou a pós-graduação em Geografia de a Universidade de Dar ES Salaam. E, na

Faculdade de Engenharia de Lima, no Peru, também lecionou, onde organizou e orientou

pesquisas, exercendo as mesmas funções na Faculdade de Economia da Universidade Central,

na Venezuela. Mais tarde Regressa aos EUA, onde também exerce a função de docente e

pesquisador na Universidade de Columbia, em Nova York. Entre constantes mudanças de

país, foi colaborador de diferentes organizamos internacionais, como a Organização

Internacional do Trabalho e outras.46

Nos pesquisadores, seguidores do pensamento do saudoso Professor Milton Santos,

lamentamos que, em sua vida acadêmica tenha sido desprestigiado, hostilizado em uma

universidade pública de seu País, quando recebeu o mais elevado reconhecimento profissional

e intelectual em grande parte do mundo.47

1.2 O Cursinho Pré-vestibular no NCN

No contexto histórico atual, comparando os últimos quinze anos, ou seja, entre 2000-

2015, consideramos que o percentual de estudantes negros na USP aumentou

consideravelmente. Mas, esse acontecimento, atribuímos ao desempenho dos cursinhos

populares gratuitos, do próprio cursinho do NCN, que vem lutando para ajudar os estudantes

a serem aprovados na seleção FUVEST. Pois, a maior parte dos integrantes do movimento

“Ocupação Preta” é de estudantes associados ao NCN que após anos de estudos através do

cursinho pré-vestibular no NCN, conseguem serem aprovados na FUVEST, (CASTRO,

02/02/015).

Dentre esses estudantes que se preparam nos cursinhos, muitos já estão formados,

mas, nas áreas restritas, pois, poucos conseguem serem aprovados para as vagas de medicina,

engenharia, arquitetura e administração, dada a dificuldade imposta na prova do vestibular

FUVEST. A qual tem questões relacionadas às áreas específicas para à qual o estudante se

inscreve. Pois a prova cobra conhecimentos que não é ensinado no ensino público e nos

cursinhos, nem sempre têm profissional (voluntários) que dominam todos esses

conhecimentos. Assim, as vagas dessas áreas acabam sendo preenchidas sempre por

estudantes das classes dominantes, uma vez que têm esses acessos porque se preparam nas

escolas privadas e nos cursinhos a elas dirigidos, porque são muito caros.

46

Ibid. 47

Grifo da autora.

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Jupiara Castro explica: “se não fosse o empenho do cursinho do NCN, juntamente

com a ONG Educar, entre outras associações de bairros que veem promovendo cursinhos

pré-vestibulares, possivelmente o percentual de estudantes negros na USP seria ainda muito

menor do que é hoje”. Ela também defende que Frei David e sua equipe na Educafro, têm

participação significativa no aumento do percentual de estudantes negros na USP. Assim,

indagamos sobre o funcionamento do cursinho pré-vestibular do NCN/USP e Jupiara nos

explica que o cursinho funciona na precária instalação do NCN e que, todos os professores

são voluntários, assim como todos os colaboradores do NCN, (CASTRO, 02/10/2015).

Segundo Jupiara, os membros do NCN, são militantes negros que já estudaram nos

cursinhos, conseguiram passar pela seleção FUVEST e, depois de formados retornam para o

NCN na condição de professor, tecendo uma rede de conhecimento e solidariedade

fortalecendo assim, o movimento negro na USP. Outros professores não possuem nenhum

vínculo anterior com o NCN, contudo, se empenham em ajudar os movimentos. Às vezes, são

estudantes recém-formados e outros são professores das pós-graduações, entre outros, que se

empenham para ajudar, e Jupiara se diz muito agradecida por isto (CASTRO, 02/10/2015).

Neste sentido, consideramos que Frei David tenha aberto muitas portas para a

juventude, pois é grande sua parceria com o NCN. É como se o Núcleo atendesse uma parte

dos estudantes negros no campus da USP e Frei David atendesse a outra parte pela Educafro,

na região central de São Paulo, (CASTRO, 02/10/2015).

Além das aulas, o NCN, tanto o cursinho quanto os militantes, promovem no espaço

do NCN, debates acerca das questões raciais, discriminação e políticas afirmativas, cotas

raciais, cultura negra, entre outras questões pertinentes ao tema. Todos os debates destacam

sempre que os acessos às vagas universitárias são direitos de reparações às condições

históricas e sociais do negro na sociedade brasileira. Esses cursinhos NCN, Educafro entre

outros, atendem também a estudantes de baixa renda. E, no caso do NCN, cobra apena desses

estudantes, apenas uma taxa simbólica para a manutenção; quando muitos não têm nem essa

pequena taxa. Esse não é requisito para impedir que esses estudantes que não dispõem nem

dessa pequena taxa, não estudem. Ao contrário, “reconhecemos que esses são os que mais

precisam estudar”, e as vagas são disponibilizadas sem qualquer custo, (CASTRO,

02/10/2015).

Como relata o Professor Evandro do NCN, essa taxa em geral é dispensada: “na

prática, sendo simbólica, porque muitos estudantes não têm como pagar, e nós não deixamos

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de recebê-los por isso”. Há ainda o Centro de Estudos de Idiomas, que oferece aulas de

inglês, francês, alemão, espanhol e também de português para estrangeiros. 48

A estudante do cursinho do NCN, Geovana, conta que seus colegas provêm de

situação financeira muito precária, de forma que, mesmo não precisando pagar o cursinho,

muitos não têm condições para se locomover e se alimentar durante o período do cursinho

oferecido pelo NCN. Essa situação faz alguns desistirem do cursinho preparatório. Ela, que

também é militante, comenta: “Só recentemente, e com muita luta, conseguimos fazer com

que liberassem o bandejão para nós”. O bandejão foi uma das conquistas do Núcleo, além da

luta diária para não serem desalojados do espaço tão almejado, pelo então reitor João.

Grandino. Rodas. Nesse sentido, o então reitor (J. Grandino Rodas) expressou esse desejo e

fez diversas tentativas de desalojar o NCN a fim de construir um estacionamento, no local de

sua instalação. 49

A seguir refletimos sobre o pensamento dos militantes e alunos do cursinho do NCN,

Giovana, Leonardo e William:

O cursinho é muito bom porque, além dos conteúdos normais de vestibular,

ele também é bastante carregado política e ideologicamente. A estudante,

que deseja cursar Têxtil e Moda, acrescenta ainda: Outra coisa legal é que

aqui há uma troca: não é aquela coisa que gira em torno do professor e todo

mundo fica quieto e ouve. A gente debate tem direito de fala, e todo mundo

aprende com todo mundo. De acordo com Leonardo, que quer estudar

Direito, outro aspecto relevante é que os alunos se ajudam, diferentemente

do que parece acontecer nos cursinhos das grandes redes educacionais, em

que os outros estudantes são vistos como concorrência. William, que deseja

se formar em Arquitetura lembra-se de um episódio marcante: um dia

vieram aqui falar sobre se aceitar negro. Aceitar o seu cabelo, a sua boca,

aceitar quem você é, e ter orgulho disso.50

Neste sentido, entendemos que o cursinho preparatório do NCN é de vital

importância para a inclusão dos estudantes negros na Universidade de São Paulo (USP).

Assim, o espaço precisa ser respeitado e até reconhecido como parte daquela instituição e, os

direitos que atingem os estudantes da USP devam ser estendidos aos estudantes do cursinho

preparatório do NCN, (CASTRO, 02/10/2015).51

O cursinho pré-vestibular funciona com duas turmas: o curso de idiomas, com inglês,

francês, português para estrangeiros, espanhol e swahili, [língua africana] e, a outra turma

funciona com aula exclusivamente a partir dos conteúdos do vestibular, além da discussão

48

Declaração do professor Evandro, que leciona Química, ao JC em novembro de 2015, SP. 49

Entrevista ao JC em novembro de 2015. 50

Texto retirado do Jornal do Campus da entrevista publicada em novembro de 2015. 51

Grifo da autora.

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acerca da história africana e da cultura afro-brasileira. O Professor Henrique Cunha Junior

ministra diversos cursos que envolvem a temática história da África. E, em dezembro de

2014, foi oferecido também um curso sobre a Lei 10.639, que institui o ensino da história da

África nas escolas púbicas. Esta é uma estratégia de ensinar aos estudantes do cursinho além

do que se cobra no vestibular da FUVEST, o conhecimento fundamentado no eurocentrismo e

suas culturas, por isso, ensina-se cultura africana, cultura negra, pois, consideramos

indispensável que o nosso povo tenha conhecimento de suas culturas, de sua história,

(CASTRO, 02/10/2015).52

Jupiara Castro concorda que ainda há muito para melhorar no NCN, no sentido de

apoiar os estudantes em seus aprendizados, mas, reconhece que dentro de seus esforços e de

todos os que se juntam a ela nessa luta, têm feito muita coisa. Hoje o NCN já dispõe de uma

biblioteca com devida catalogação para facilitar o “estudo dos meninos que nos procuram”,

afirma. No entanto, ainda faltam pessoas que possam colaborar com os eventos promovidos

pelo Núcleo, até porque o NCN não conta com qualquer tipo de apoio da USP. Ao contrário,

durante a administração do reitor J. G. Rodas, o mesmo entrou na justiça para garantir o

“não” vínculo com o NCN e, a partir de então, em todo documento ou referência que o

Núcleo realiza, necessita especificar que é o NCN na USP e não NCN da USP.53

O NCN foi tão indesejável no espaço uspiano, que em outubro de 2013, até tapumes

foram postos no entorno do prédio onde funciona o NCN/USP em razão das obras em curso

no espaço anexo. Com isso, houve a interdição do local de forma inesperada, surpreendendo a

todos e aulas que aconteciam ali, tiveram que ser suspensa, prejudicando os estudantes que se

preparavam para os vestibulares na ocasião. Sobre este episódio, Maria José Menezes e

Cristiane Paula também o avaliam como uma manifestação contra a instalação do curso

preparatório pré-vestibular e, claro, também contra a permanência do NCN naquele espaço.

Isso aconteceu no período da administração do reitor João G. Rodas, que não poupou críticas

ao NCN.

Entendemos tal atitude como uma ação demasiadamente inconveniente da parte do

então reitor João Grandino Rodas, uma disputa política territorial, que reflete a dominação da

USP pelos espaços de poder. Como afirma Jupiara Castro, a USP é um lugar de elites, “onde

não cabem pretos e pobres para estudar, essas elites estão acostumadas a ver negros

limpando banheiro, limpando e cozinhando em suas casas e na USP, pois, para João Rodas,

52

Esse parágrafo, sobre o funcionamento do cursinho no NCN, também foi informado por: Maria José Menezes

e Cristiane Maria Paula em entrevista para este trabalho em 07/09/2015, em São Paulo. 53

Jupiara Castro, em entrevista para este trabalho em 02/10/2015.

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a USP fica feia com a presença negra. Aquele reitor foi o exemplo da pior relação com o

NCN”. Assim, Jupiara diz lamentar que a consciência sobre a inclusão racial e social ainda

não tenha atingido pessoas que dirijam uma universidade do porte da USP.

Verificamos outro grande equívoco do ex-reitor João Grandino Rodas quando o

mesmo dispensa ao NCN, um tratamento hostil e em tom racista, pejorativo: “barracolândia”,

que atinge diretamente a moral de seus militantes, pois “a rigor, esta linguagem não parece

fazer parte do comportamento de um professor, em especial na posição de um reitor de uma

das maiores universidades do Brasil”.54

É preciso considerar que, na atualidade, nem mesmo

pessoas que vivem em habitação improvisada, em áreas públicas, não se sentem bem verem

suas residências denominadas “barracos, favelas” e, para evitar constrangimento em

tratamentos com seus habitantes, adota-se nova nomenclatura: comunidade.55

1.3 A “Ocupação Preta” na USP, uma Luta Negra em Território Branco

É importante destacar que esses sujeitos se encontram às margens do conhecimento

formal na USP, diante da falta de oportunidade que sempre foi colocada através do vestibular

FUVEST, pois, trata-se de um sistema organizado e articulado segundo a ideia da

meritocracia. E, neste sentido, a cada ano que passa, o mesmo se aperfeiçoa cada vez mais, a

fim de cobrar mais conhecimento dos candidatos. Essa prática é um dos mecanismos

utilizados pela a USP para esbarrar os candidatos negros, uma vez que, em geral, grande parte

do conhecimento que o estudante precisa provar na hora de prestar vestibular, não entra em

discussão em sua vida prática na Universidade. No entanto, é uma exigência da Fundação

Universitária para o vestibular que o candidato faça até tradução de textos da língua

portuguesa para as línguas estrangeiras, entre outras, (CARVALHO, 2012).

Contudo, os estudantes negros não estão de braços cruzados e isso faz toda a

diferença, como já foi dito, há grande empenho nos estudos do curso pré-vestibular, em

especial no curso do NCN e na Educafro. Além das lutas articuladas pelas políticas de ação

afirmativa, liderada pelo movimento negro no interior da Universidade de São Paulo,

denominado “Ocupação Preta” e “Frente Pró-Cotas”. Os estudantes negros, simpatizantes,

militantes e candidatos, em geral negros, se organizam no sentido de conscientizar professores

54

Ibid. 55

Grifo da autora.

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e estudantes sobre a importância das cotas raciais perante a exclusão em que se encontram os

negros do espaço universitário da USP.56

O líder Emerson Gabriel explica que as lutas do movimento que lidera, “Ocupação

Preta” consistem em conscientizar os estudantes da USP, que é maioria branca e de classe

privilegiada, as classes dominantes. Esperamos que a consciência brote de algum modo, e diz:

“é uma semente plantada, um dia tem de germinar”, todos devem ter a oportunidade de

estudar na USP, afinal, é uma instituição pública, e em um país de economia capitalista, todos

consomem, assim, todos mantêm financeiramente aquela instituição, já que ela é mantida com

capital público. Isto significa que o pobre sustenta o estudo do rico, em uma luta desigual,

embora, todos conhecem a desigualdade que existe na USP. Ainda assim, preferem não falar

dela e, na hora de pensar em dividir as vagas com os estudantes negros, alegam que todos são

iguais e quem é só estudar o passar na FUVEST.

Não queremos ser iguais a ninguém, queremos apenas equidade. E, diz que

entre eles há muitos jovens que sem conseguir estudar vêem ganhando a

vida trabalhando como ótimos pedreiros se, são ótimos pedreiros podem ser

ótimos engenheiros, se dada à oportunidade. Entre as mulheres negras tem

ótimas babás, ótimas lavadeiras e passadeiras. Então, todas essas pessoas

que são ótimas na simples função que lhe deram oportunidade de exercer,

poderão ser ótimas se tiverem a oportunidade de estudar e se

profissionalizar.57

A ideia da luta por inclusão dos estudantes negros na USP nasce entre os anos de

1988/1989, quando o Núcleo de Consciência Negra (NCN) é instalado dentro do campus

universitário, o que vem contribuindo com o percentual de estudantes negros que, a cada ano,

se alavanca no vestibular FUVEST. Aparentemente, esses dados, provocando grande

preocupação nos dirigentes da USP, os quais lutam incansavelmente por desativar o Núcleo,

como já discutimos nas páginas anteriores, conforme já mencionamos o que fez o então reitor

J. G. Rodas, (CASTRO, 02/10/2015).

Neste contexto, Emerson Gabriel Santos explica a razão de a “Ocupação Preta” não

divulgar sua agenda, pois se divulgasse não atingiria o objetivo que é promover

conscientização entre professores e, em especial, entre o público estudantil em geral. Além de

evitar que os militantes sejam violentados por agressão policial durante ocupações. Outro

objetivo é tornar pública a resistência daquela Universidade sobre a negação de um “direito

56

ENTREVISTA: Emerson Gabriel dos Santos, líder da Ocupação Preta, em São Paulo, em setembro de 2015. 57 Ibid.

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52

constitucional”58

, que se caracteriza pelas ações afirmativas para estudantes negros e

indígenas. Afinal, “o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu esse direito e a USP

continua falando de mérito por aqui”. Os manifestantes se encontram em pontos estratégicos

como metrôs, praças e outros pontos; se dividem em grupos pequenos para não chamar

atenção e se juntam no local da ocupação. Porém, antes do dia da ocupação, os estudantes

recebem orientação de um líder, que geralmente, mas não necessariamente, trata-se de um

colaborador do NCN/USP. Inclusive, se observamos os vídeos das “Ocupações”, em muitos

deles, ver-se a presença de Maria José Menezes, coordenadora do NCN. 59

Na “Ocupação Preta” do dia 16 de março de 2015, fica nítida a proteção aos

estudantes brancos à maioria pertencente às classes dominantes que existe dentro da USP,

quando esses estudantes se sentem à vontade para concretizarem suas práticas racistas e

preconceituosas sem o menor pudor. Reportamo-nos, aqui à aula de microeconomia, da

Faculdade de Economia e Administração da USP, (FEA), (Sala E1), quando o movimento

“Ocupação Preta”, sob a liderança de Emerson Gabriel dos Santos que, ao tentar dialogar no

sentido de conscientização sobre as cotas raciais naquela Universidade, conduzindo o debate

para o racismo institucional na USP, é impedido de conversar com a turma da aula, que conta

com cem alunos matriculados, dos quais noventa e nove são brancos e um é negro.60

O líder entra na sala, acompanhado de aproximadamente vinte militantes negros e

negras, se apresenta à professora e pede 15 minutos para conversar com a turma, embora ela

não responda nem que sim nem que não, Emerson Gabriel não perde tempo e inicia o debate.

Levanta questionamentos sobre as cotas raciais, comunicando à professora que não tiraria da

aula dela mais do que 15 minutos, conforme as normas estabelecidas pelo próprio movimento

“Ocupação Preta”. Pois esses 15 minutos só são ultrapassados quando o professor ou

professora que estiver em aula, é receptivo e libera mais tempo para o debate. Foi o caso da

ocupação da aula de história da USP, em que o professor libera a aula para a discussão, sem

causar nenhuma polêmica ou constrangimento aos militantes e ainda auxilia o líder e o deixa à

vontade para debater com a sala de aula.61

Enquanto na aula de Microeconomia, na Faculdade de Administração, Emerson

continua tentando explicar à professora que será rápido, e como a mesma resiste, o debate é

iniciado da mesma forma. O líder solicita que todos se acomodem nas carteiras desocupadas

espalhadas pela sala. A professora, no entanto, insiste que seu tempo para aquela aula já é

58

Disponível em: <http://www.cartanaescola.com.br/single/show/552>. Acesso em: 29 set. 2015. 59

Grifo da autora. 60

Ibid. 61

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Último acesso em: 18 jan. 2016.

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curto e que é preciso marcar horário e data para tal acontecimento, e sugere o dia seguinte às

17h00. Embora o líder Emerson Gabriel explicasse, mais uma vez, que seria muito breve.

Assim, uma voz alta e firme quebra o questionamento da professora: “professora, a senhora

está dizendo que sua aula é mais importante do que a discussão sobre a questão racial?”

Trata-se de uma militante que, na ocasião, ocupava uma carteira no meio da sala junto aos

demais estudantes. A professora não responde, mas não houve mais lugar para a resposta

tampouco para o debate coerente, frente ao revide do estudante Rodrigo Williams, pois ele

mesmo grava a discussão e posta nas redes sociais. Naquele momento, o estudante diz

pertencer à classe alta e diz para a manifestante: “só porque você é preta vai estudar aqui?” A

discussão se prolonga sem que a professora faça qualquer intervenção contra as atitudes

preconceituosas, racismo desvelado, exibido pelo aluno Rodrigo Williams. Em dado

momento à manifestante tenta explicar sua exclusão da USP, sobre sua condição de mulher

negra da periferia e abre o debate para a condição da mulher negra, na sociedade brasileira,

ser duplamente discriminada.

No entanto, Rodrigo Williams continua alheio ao debate e fala: “eu passei, meu papai

pagou meu colégio, eu estudei muito e passei com muito orgulho”. Nesse momento, a

militante que bravamente se coloca como mulher negra da periferia, indignada, se cala e com

a voz trêmula responde: “eu não tive isso, meu pai morreu quando eu era pequena”. E

Rodrigo William responde: “Ta bom, mas não precisa se vitimizar, eu só quero ter aula”, e se

volta para o líder Emerson Gabriel, dizendo: “marca hora, cara, quem quer cola lá para

discutir cotas, eu só quero ter aula”. Emerson questiona a ideia de marcar hora e justifica que

a discussão sobre as cotas raciais e todas as outras formas de políticas afirmativas dentro e

fora da USP, dizem respeito a toda população negra e que não é possível marcar hora para

discutir o racismo, e completa: “simplesmente porque os empregados de vocês são negros e

eles não podem largar a casa de vocês para vir aqui discutir o racismo às 17hs”. O líder

explica que o racismo não atinge só estudantes, “pois o racismo e o preconceito a partir dele

estão presentes na vida de seus empregados todos os dias”.62

Nesse embate, o estudante Rodrigo Williams ganhou ainda mais força e continua

solicitando a saída dos manifestantes da sala para que ele recebesse a aula de microeconomia,

e diz: “querem estudar aqui? estuda e passa, é só passar, eu estudei e passei. Eu me

considero igual a todo mundo”. Mas uma segunda manifestante questiona Rodrigo Williams:

“onde você estudou?” Resposta de Rodrigo Williams: “No COLÉGIO VERTIZ com muito

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orgulho”. Nesse momento, Emerson Gabriel toma a palavra e diz: “então você não é igual a

mim nem igual a ninguém aqui que estudou na escola pública”, quando de repente um

estudante da faculdade, em aula, se levante e diz: “acho que preciso falar: acho que sou o

único negro desta sala e para entrar aqui estudei a vida toda na escola particular e ainda fiz

cursinho. Ser negro aqui não é fácil. Pra mim sempre doeu”. Trata-se do aluno Renan Silva,

único aluno negro em uma sala de cem alunos brancos, do primeiro ano da faculdade de

administração de empresas, do período da manhã. 63

Assim, diante de seus colegas e da professora, Renan Silva se pronuncia em favor do

movimento “Ocupação Preta”, deixando claro que, na USP, é comum casos de racismo, e

questionou sobre a reclamação dos colegas e da professora em ceder de 30 minutos ao

Movimento para que se concretizasse a discussão. Diante da professora que alegou não dispor

de tempo porque precisava ministrar sua disciplina, Renan Silva falou que, na semana

anterior, a professora os dispensou da referida aula, com duas horas de antecedência, e não

observou ninguém reclamando64

sobre o fato de serem dispensados sem motivo aparente, pois

não houve justificativa para serem dispensados da aula, menos ainda duas horas antes do

término, enquanto se nega o mínimo de tempo para discutir o racismo que é institucional

naquela Universidade.65

Posteriormente, Renan Silva, foi procurado pela Revista Carta Capital, ocasião em

que não poupa críticas ao racismo institucional presente na USP. A seguir, um depoimento

seu à revista: “Eu sou exceção, fiz escola particular. Sempre me senti pouco representado e

acho que a USP precisa se adaptar para fazer jus à quantidade de negros na sociedade”. E

ainda afirma: “sou o único negro em uma sala de cem alunos aqui e no cursinho eu era o

único aluno negro em uma turma de 170 alunos”. E, Renan reconhece que ele é uma

excreção, pois são poucos os negros no Brasil que têm a mesma oportunidade que ele tem.

Enfim, Renan deixa claro que o racismo se faz presente no cotidiano da USP.

Segundo ele, mesmo sendo negro, pelo convívio acaba incorporando o comportamento

uspiano e, às vezes, faz confusão com essa relação porque o racismo é tão forte naquela

instituição que fica “naturalizado”. Isto é, sua prática, expressão, efeito, acontece de maneira

“espontânea”, "naturalizada”. Pois, muitos que o pratica nem percebem que estão sendo

racistas, porque o racismo está impregnado na cultura. Como exemplo, Renan Silva relatou

que certo dia foi a um restaurante no campus da USP e ao entrar e ver naquele local uma

63

CARTA CAPITAL/SOBRINHO. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br>. Acesso em: 17 abr. 2015. 64

Vídeo da Carta Capital, com a fala do aluno Renan Silva. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=hG9UTnAZI6Y> . Acesso em: 12 jan. 2015. 65

Ibid.

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moça negra, já se dirigiu a ela fazendo o pedido, e quando ela respondeu que não trabalhava

naquele lugar ele se questionou: o que acabou de acontecer comigo? O que é isso? E vem

procurando mudar, assumindo suas características negroides, dentre elas, prestar atenção em

suas ações, deixar o cabelo crescer sem alisamento, assumindo para todos com os quais

convive, dentro e fora da USP, sua identidade, negra.66

Para compreender esse debate acerca do preconceito “naturalizado” e seus efeitos

negativos dentro da USP, analisamos o subtítulo da Carta Capital: “Enquanto todas as

universidades federais e 30 das 38 estaduais aderem à reserva de vagas, a Universidade de

São Paulo fala de meritocracia”.67

Sendo a Universidade de São Paulo (USP) uma instituição pública, os seus

administradores ainda se comportam como se administrassem uma instituição privada, bem

como os alunos pertencentes às classes dominantes também, ou seja, transformam o capital

público em privado em benefício da minoria. Assim, dificulta o acesso de estudantes negros

e indígenas a esse bem público que é a educação formal e também da educação profissional.

A qual fica concentrada justamente para aqueles que dispõem de condições financeiras para

custear uma graduação, em uma das melhores e mais renomadas universidades privadas deste

país, deixando assim, os que têm menos ou nenhum poder financeiro para custear um curso

universitário, fora desse direito.68

Seguimos aqui discorrendo sobre os acontecimentos do movimento “Ocupação Preta”,

nesse caso, em especial problematizamos a ocupação na aula do Professor Fernando Haddad,

quando o líder da “Ocupação Preta”, Emerson Gabriel, coloca a questão: “De quem é a

USP?” E afirma: “Queremos que vocês participem, falem”, e se dirige ao Professor Fernando

Haddad como quem exige que ele discuta a questão. Outro membro da “Ocupação Preta”,

aluno do curso de Odontologia, argumenta acerca da ausência de professores e professoras

negras na USP, e diz que a discussão precisa ser levada a cabo quando se pensa a cidade e a

sociedade paulistana. O que nos remete à observação de que, obviamente, o racismo estrutural

da Universidade de São Paulo leva à exclusão das populações negras e indígenas ao ponto

mais alto da questão; isto é, se esses estudantes têm suas entradas filtradas pelos elevados

padrões de conhecimentos exigidos nos vestibulares da FUVEST, tais bloqueios repercutem

na ausência de professoras/professores, pesquisadoras/pesquisadores negros na academia

dessa universidade. O mais sarcástico em tudo isso é observar o discurso de inclusão por parte

66

Ibid. 67

Ibid. 68

Grifo da autora.

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dos dirigentes daquela Universidade, parece-nos que eles não entendem o significado de

inclusão ou o confundem com o sistema de meritocracia. 69

1.4 A “Ocupação Preta” na Aula de História/USP, Cota Já

A “Ocupação Preta” na aula de História da USP, na qual o líder Emerson, ex-aluno da

faculdade de História dessa universidade, dá uma verdadeira aula de história do Brasil,

conduzindo-a para uma reflexão sobre a necessidade das Cotas Raciais para as populações

negras na USP, sob o slogan “Cotas Já”. Assim, protagonista de um acontecimento

direcionado ao tema em questão. Os manifestantes do Movimento “Ocupação Preta” entram

na aula do curso de História, no dia 24/03/2015, objetivando discutir a questão da Cota Racial

para estudantes negros na USP. Emerson Gabriel inicia o debate a partir da discussão que,

mesmo se tratando de uma faculdade de História, e embora o Brasil tenha experimentado o

regime escravocrata mais longo da história, na América Latina, por mais de trezentos anos, a

história africana, a cultura afro-brasileira, jamais ganharam espaço na USP.

Quantos de vocês aqui já aprenderam ou discutiram questões como racismo

ou preconceito racial? [...] Quantos discutiram a origem de nossa história?

Aqui na USP, apesar de se tratar de um curso de história, não se discute

essas questões [...]. Vamos lá pessoal, em Brasil I, Brasil II, Colonial I,

Colonial II, Ibérica I, Ibérica II, quem aprendeu ou discutiu nessas

disciplinas questões relacionadas à escravidão do Brasil? 70

Por fim, Emerson afirma considerar uma vergonha o fato de um curso de História não

discutir questão tão relevante quanto é a história e a cultura africana, uma vez que essa forma

de ensino conduziria os estudantes à reflexão e à valorização da cultura africana no Brasil. E,

de suas próprias identidades enquanto negros e, até mesmo, para que as populações negras

reconheçam seus ancestrais. Então, tece uma crítica dizendo que estudou na USP e só

aprendeu a história dos países europeus: França, Inglaterra, Itália, Alemanha entre outros. Isso

69

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2j1gra84vhk>. Ocupação Preta. Publicada em

27/abr./2015. 70

Disponível em: <www.youtube.com.br>. Acesso em: 19 nov. 2015.

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torna muito difícil, ainda hoje, que os negros assumam suas identidades, já que só sabem a

dor da “discriminação e do preconceito racial quem sofreu na própria pele”.71

Em seguida, o líder, Emerson Gabriel também discute a questão da miscigenação e

critica a ideia de branqueamento instituída pelos modelos epistêmicos nos séculos XIX e XX,

afirmando que foi a partir dessa ideologia que a USP foi construída e organizada. Ainda

sustenta que, atualmente, as populações negras somam mais de 53% da população brasileira; a

negritude que estuda na USP, hoje, considerando o total das diversas denominações a partir da

miscigenação brasileira, não chega a 20%. Nesse contexto, Emerson relata: “não deveria

sequer mais se questionar nossa luta por cota racial”.

E segue a discussão, mencionando o pensamento do Professor Kabengele Munanga

sobre a existência da exclusão das populações negras da Universidade de São Paulo,

informando que as fotos dos formandos da USP nos servem de documento para comprovar a

luta pelas cotas raciais. Neste contexto, contra o racismo instituído na Universidade de São

Paulo (USP). Sugere-nos, ainda, observar essas fotos, especialmente da faculdade de

medicina, dentre as quais não se vêm estudantes negros.

Seguindo sua pista, verificamos as fotos de alguns anos dos formandos da faculdade

de medicina da USP, a exemplo da turma de 1937, e não vimos nenhum formando negro.72

Além das fotos disponíveis, notamos que o Professor José Jorge de Carvalho já realizou uma

pesquisa desta natureza e também reafirma o nosso trabalho.73

O Professor José Jorge de Carvalho faz referência ao comportamento racial da USP,

acerca da ausência de estudantes negros entre os formandos daquela instituição, ainda no

século XX. Na qual, podíamos observação uma foto de Roger Bastide, professor da USP,

sobre a ausência de “criticidade” do referido professor entre a cena de “democracia racial”,

em Recife-PE, e seu cotidiano na USP:

O curioso aqui é que Bastide não conseguiu estabelecer uma conexão entre

o que viu naquele bonde carregando gente humilde e o seu mundo cotidiano

na USP, inteiramente segregado e excludente racialmente. Se ainda é

segregado hoje, como não seria há 50 anos, quando Bastide decidiu

empregar a expressão “democracia racial” para falar do que vira entre as

classes populares do Recife quando visitou Gilberto Freyre. Um relance do

71

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2j1gra84vhk> . Ocupação Preta. Publicada em:

27/abr./2015. 72

Ibid. 73

CARVALHO, José Jorge de. O Confinamento Racial no Mundo Acadêmico brasileiro. Disponível em:

<http://www.usp.br/revistausp/08/68>. Acesso em: 02 jan. 2015.

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que era a realidade racial da USP na época desse texto de Bastide pode ser

capturado por uma olhada atenta às fotos do livro História da Universidade

de São Paulo, de Ernesto de Souza Campos, publicado em 1954. Em uma

centena de pessoas registradas em mais de 30 fotografias sobre as mais

diversas áreas de ensino e pesquisa conduzidas na universidade, não

encontramos nem um único rosto que pudéssemos identificar como de uma

pessoa negra, ou mesmo mulata, nem sequer entre os funcionários. Bastide

celebrava a “democracia racial” que encontrara nos bondes de subúrbio do

Recife sem conectá-la com o apartheid acadêmico em que vivia no interior

da Universidade de São Paulo. Também os textos e as imagens do livro de

história da Universidade Federal do Paraná, a mais antiga de todas as

nossas universidades públicas descreve um mundo inteiramente branco.74

Vemos então na USP é um universo projetado para essa segregação que fluía de

maneira cotidiana e que, como nos dias de hoje, já no passado não olhava para essa questão,

ao menos que fosse com o olhar da “naturalização" do racismo.75

Ao fazer referência à necessidade das políticas de ação afirmativa para estudantes

negros, o militante Emerson Gabriel afirma que, a ideia de cotas, ou seja, reserva de vagas na

sociedade brasileira, partiram das populações brancas, um dia, as classes dominantes

resolveram reservar as vagas das indústrias brasileiras para os imigrantes italianos. Assim,

hoje, as populações negras reivindicam que esse sistema de cotas seja estendido aos negros

como forma de compensação de perdas educacionais frente à exploração a qual “os nossos

ancestrais são submetidos pelo regime de escravidão, e nós fomos atingidos por seus efeitos

negativos”.76

Emerson Gabriel segue explicando: quando os negros foram “libertos”, e no Brasil se

iniciava o “processo de industrialização”, os empresários já reservavam as vagas de empregos

das fábricas para os imigrantes italianos em detrimento dos negros, que até pouco tempo antes

da chegada das fábricas, eram meras propriedades dos senhores. Assim, carregavam sobre

seus ombros à responsabilidade de desenvolver os plantios de cana de açúcar nos latifúndios,

e nos engenhos. Mas, quando esses donos de engenhos não puderam mais manter os negros

na condição de suas propriedades, por ocasião da “abolição da escravatura”, iniciaram o

processo industrial no Brasil, e não os aceitaram para a mão de obra assalariada.77

Emerson sugere aos alunos do curso de história da USP que busquem entender o

significado do processo de escravidão brasileira a partir de documentos do Estado. Ele alega

74

Ibid. 75

Grifo da autora. 76

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 18 jan. 2016. 77

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 18 jan. 2016.

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que todo processo de escravidão no Brasil aconteceu com a legalidade dos governos/do

Estado Brasileiro que também se beneficiou com tal sistema. 78

Observando a problematização do líder Emerson Gabriel, fazemos um contraponto

entre o processo de industrialização do Brasil, iniciado a partir do final do século XIX, com o

“fim do regime escravista” e o processo de transformação da cana em produto fabril através

da moagem no engenho. Parece-nos que a moagem no engenho, a transformação da cana em

caldo, depois em melado, rapadura e açúcar é um sistema de industrialização cuja técnica, em

geral, os negros escravos tinham o domínio. Assim, o processo de industrialização no Brasil

pode ser considerado desde os primórdios desse evento no Brasil colonial, com a

transformação da cana em produtos industrializados pelos escravos negros.79

Objetivando atingir a conscientização dos estudantes, dos professores e das

professoras sobre a legalidade das cotas raciais, o militante Emerson Gabriel Santos lança

uma explicação estratégica e didática a partir de sua própria experiência enquanto negro. Diz

que nasceu e cresceu em Taboão da Serra e como menino negro e pobre sabe muito bem o

que é sofrer preconceito racial desde a sala de aula e em todos os âmbitos da sociedade.

Afirma que, aos 15 anos de idade foi trabalhar como garçom para pagar seu cursinho, pois

tinha o objetivo de passar pelo filtro da FUVEST; enquanto isso, sua família se desdobrava

para que ele pudesse se manter, “sim porque o que eu ganhava servindo branco em um

restaurante famoso de São Paulo só dava para pagar o meu cursinho, sem o qual seria muito

difícil ter entrando na USP”. Afirma Emerson Gabriel.80

Ainda assim, se considera uma pessoa de sorte, uma vez que a maioria dos jovens

negros não pode pagar um cursinho, pois depende do trabalho para ajudar no sustento da

família. E relata: “sempre estudei em escola pública e para entrar na USP precisa de muito

preparo”. O militante lembra que, muitas vezes, chegava para assistir às aulas no cursinho

muito cansado e com seus dedos queimados de servir mesas no restaurante grã-fino de São

Paulo, acabava dormindo durante as aulas.81

Emerson ocupa a lousa e promove uma explicação, na qual, supostamente, ele próprio

é fruto da escravidão. Assim se expressa usando exemplos fictícios para contrapor a ideia de

meritocracia e justificar a cota racial na USP. Inicia sua fala, a partir de uma ancestral mais

velha sequestrada na África e vendida para o colonizador. Nessa simulação, ele traça uma

78

Ibid. 79

Grifo da autora, amparada em discussão nas aulas da Professora Antonieta Antonacci. 80

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 18 jan. 2016. 81

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 18 jan. 2016.

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linhagem de nascimento em que todas as nascidas da ancestral mais velha, (a quem ele

também dá um nome fictício; Dandara) sofrem os efeitos da escravidão.

Segue explicando até chegar a ancestral que seria sua mãe, colocando em questão

que, as perspectivas de vida dos ancestrais negros estão entrelaçadas à escravidão e suas

consequências, o que justifica, então, a necessidade de políticas afirmativas, as cotas raciais

enquanto política compensatória. Nessa perceptiva, traça um paralelo com a questão da

propriedade da terra no Brasil, em 1850, quando debate a problemática de que os negros e as

negras eram meras propriedades e, assim, não dispunham de qualquer possibilidade de

compra de terra quando fora instituída a lei de terra. “Logo para fazer parte do sistema de

‘desenvolvimento”, precisaria ter dinheiro para comprá-la.82

Embora “livre” pelo atual sistema político brasileiro, Emerson traz consigo o fardo da

escravidão herdado de sua avó Dandara. A exclusão do sistema universitário da USP, para o

qual conseguiu entrar, mas tem convicção de que a maioria não consegue essa proeza sem o

benefício do sistema de ações afirmativas / cotas raciais. 83

Daí coloca em debate uma situação oposta à sua, em que uma estudante branca cursa

seus estudos em um colégio cuja mensalidade custaria, em 2009 (ano que ele entrou na USP),

uma média de três mil reais. Mas, apesar de essa estudante ter todo esse privilégio, ainda

assim tem dificuldade em algumas disciplinas, o que obriga a sua família a pagar por aulas

particulares para reforço nessas disciplinas. A estudante branca ainda viaja pelo Brasil,

fazendo aula de cultura e de ciências, entre outras, além dos cursos de línguas, afinal seu

objetivo é ser aprovada na medicina da USP. Contudo, o esforço até agora discutido não foi o

suficiente para essa estudante ser aprovada. Nesse caso, a mãe dela, que é professora na USP,

resolve pagar um renomado cursinho para reforçar o conhecimento da jovem estudante que,

finalmente em 2009, entra para a faculdade desejada. E, ao entrar, encontrou em sua turma

apenas um colega negro. No mesmo ano, em 2009, um estudante que sofreu preconceito,

pegou ônibus e trens lotados, ficando de pé, em média, três horas, dentro de um transporte

coletivo, de São Paulo ao Taboão da Serra. Ainda trabalhou como garçom, queimou seus

dedos a ponto de ter dificuldade até para segurar a caneta e escrever, só conseguiu entrar na

USP na faculdade de História. Não que esse curso tenha menos valor acadêmico do que o

curso de medicina, mas sabe-se que os cursos de humanas não são o alvo das elites, assim, é

mais fácil entrar pela baixa procura, diz Emerson Gabriel dos Santos.

82

Ibid. 83

Ibid.

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Neste contexto, o líder Emerson Gabriel lança um questionamento sobre quem se

esforçou mais, o menino negro de Taboão da Serra, que trabalhou de garçom para pagar seu

cursinho. Relata também que dormiu pouco porque gastou uma média de três horas por dia

dentro da condução, ou a moça branca, rica, filha da professora da USP. Discute que a mesma

que dispunha de condição financeira para pagar três mil reais por mês de mensalidade no

colégio, aulas particulares de reforço, viagens acadêmicas, cursos de línguas, intercâmbio?

Assim, Emerson Gabriel se retira da sala afirmando: “estamos em uma aula de história e

agora que vamos sair da sala, prestem atenção, porque a sala volta a ficar branca. Cota

Já...” E quando os militantes da “Ocupação Preta” se levantam e vão saindo, realmente a sala

volta ao normal, fica branca.84

1.5 A Meritocracia na USP e as Cotas Raciais na Contramão da Determinação do STF

A discussão do militante Emerson Gabriel dos Santos já se faz suficiente para

entendermos a questão da meritocracia, em que ele coloca seu próprio exemplo de vida para

tornar o discurso didático. De qualquer modo, nos apregoamos de um pouco de teoria para

melhor delinear o nosso pensamento a este respeito, qual seja, mérito. Nesse sentido,

refletimos sobre a frase proferida por Jupiara Castro, em entrevista ao Jornal do Campus, em

20 de novembro de 2014: “Você só pode considerar mérito entre os iguais” 85

.

Assim, averiguamos o Princípio da Igualdade, cujo desdobramento oferece uma ideia

de distribuição de bens e poder igualmente para todos em certa sociedade. Nesse aspecto,

avaliamos o termo igualdade na interpretação democrática sobre a qual nossa sociedade está

estruturada. Desse modo, o termo igualdade tem fundamento na distribuição de direitos e bens

existentes na sociedade brasileira que, se considerada pelos termos da lei que nos regula, se

faz necessário o nivelamento do estado das coisas que consiste no direito objetivo e subjetivo.

(FREDERICO, PUC-SP).86

Neste contexto, enquanto uma parte de nossa sociedade não atingir um nível de

igualdade sobre os bens e direitos nela produzidos e constituídos, o Estado deve ser capaz de

adotar dispositivos para fazê-lo, através da redistribuição dos bens e direito, até que seja

84

Ibid. 85

Sobre a frase proferida por Jupiara Castro em entrevista ao Jornal do Campus, em 20 de novembro de 2014.

Acesso em: 12 nov. 2015. 86

Professor de direito da PUC-SP e Juiz Federal da 3º Região. Disponível em:

<http://hottopos.com/videtur17/erik.htm>. Acesso em: 25 out. 2015. 86

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 12 nov. 2015.

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alcançado o equilíbrio entre as partes. Partindo desse pressuposto, há em nossa sociedade

grande disparidade da distribuição de bens e direito o que legitima as políticas afirmativas,

enquanto um dever do Estado e um direito daqueles que se encontra em desvantagem,

financeira, econômica, educacional, entre outras, (FREDERICO, PUC-SP).87

.

Em uma sociedade desigual, como é a nossa, a discussão acerca da distribuição ou

redistribuição dos bens e direitos, se constitui uma ação legítima frente à desigualdade

histórica de nossa sociedade. Entretanto, ainda vivemos em uma cultura que se caracteriza

pela supremacia da cultura dominante e se faz presente no inconsciente coletivo, de modo que

resistem fazê-lo e muitos olham para a desigualdade com “normalidade”. 88

Desse modo, destacamos o pensamento de Aristóteles, cunhado pelo professor de

Direito da PUC-SP, Erik Frederico:

É evidente, pois, que a comunidade civil mais perfeita é a que existe entre os

cidadãos de uma mesma condição média, e, que não pode haver Estados bem

administrados fora daqueles nos quais a classe média é numerosa e mais

forte que todas as outras ou pelo menos mais forte de cada uma delas;

porque ela pode fazer pender a balança em favor do partido do qual se une e,

por esse meio, impedir que uma ou outra obtenha superioridade sensível.

Assim, é uma grande felicidade que os cidadãos só possuam uma fortuna

média, suficiente para as suas necessidades.89

Neste sentido, o autor nos apresenta pista sobre a legitimidade das lutas do movimento

negro contra a ideia de mérito na USP. Resta então o questionamento: o que fazer para que os

defensores desse sistema da meritocracia adquiram consciência e dividam os direitos e bens

públicos com os excluídos pelo próprio sistema fundamentado sobre a ideia de mérito?

Tais indagações nos conduzem90

em direção aos opositores e também aos defensores

das cotas raciais / ações afirmativas para estudantes negros e indígenas. Do lado dos

defensores, estão os militantes do Movimento Negro Unificado (MNU), intelectuais, políticos

e interessados nessa questão e que lideram as lutas na Universidade de São Paulo (USP) e

também por todo o Brasil, com outras reivindicações de inclusão social e racial. E, do outro

lado, estão os defensores da ideia da meritocracia. Neste jogo, vigora o conceito defendido

87

Professor de direito da PUC-SP e Juiz Federal da 3º Região. Disponível em:

<http://hottopos.com/videtur17/erik.htm>. Acesso em: 25 dez. 2015. 87

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0>. Acesso em: 15 nov. 2015. 88

Grifo da autora. 89

FREDERICO, Erik, Professor de direito da PUC-SP e Juiz Federal da 3ª. Região. Disponível

<http://hottopos.com/videtur17/erik.htm>. Acesso em: 25 dez. 2015. 90

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WRJ8gKUPIY0> Acesso em: 15 set. 2015.

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pelo dominador, que é predominante nas relações de poder daquela universidade (USP), assim

como em muitas outras universidades públicas e nos espaços de poder, em geral,

(CARVALHO, 2012).91

Tais fatores resultam no quadro de exclusão persistente de negros e indígenas na

educação brasileira, em especial na educação pública superior e como consequência nos

demais âmbitos da sociedade. Pois, não existe ainda outro caminho para a inclusão que não

seja pela educação formal. Pois, as instituições educacionais públicas, possuem estruturas

antigas, pertencentes às correntes neoliberais, o que as impedem perceber a importância da

inclusão via ação afirmativa e também, através do reconhecimento do conhecimento das

vivencias. Emperrando, assim, que um indivíduo se torne mestre, que possa atuar em sala de

aula ou em pesquisas, nas universidades a partir de suas vivencias, experiências empíricas.

Tais ações são características de uma sociedade cujas estruturas têm raízes nas culturas

racistas, hegemônicas, (CARVALHO, 2012).92

Assim, não há outra saída, senão brigar pelos direitos civis e neste contexto as cotas

raciais se insere, uma vez que já há dados comprobatórios da exclusão racial e social de

negros e índios brasileiros e, tais direitos são reconhecidas pela Corte Soberana do País, o

Supremo Tribunal Federal, (STF); (CARVALHO, 2012).93

As instituições que adotam políticas contrárias às ações afirmativas concentram-se na

ideia de mérito. Assim, prejudicam os estudantes negros e indígenas, de modo que se não

houver mudança capaz de promover formas de inclusão, a partir dos cursos de graduação, o

“confinamento racial” nas universidades resplandecerá em todo o mercado de trabalho, seja

público ou privado, e, a exclusão desses profissionais, tendem a se aprofundar.

Observamos, pois, as funções de professores (as), pesquisadores (as), cientistas serão

mantidas nas mãos das classes dominantes, que é maioria branca. Estamos vivendo na lógica

do capital e nela não há outra forma de se chegar a tais funções que não seja pelo curso da

graduação, assim as cotas raciais são necessárias para essa realização entre aqueles que estão

excluídos, em todos os âmbitos da sociedade, em consequência da exploração de uma parte da

sociedade em relação à outra parte (CARVALHO, 2012; 2004, SEGATO, 2004).94

O Professor José Jorge explica que na Universidade Federal de Brasília (UnB), onde é

professor catedrático do departamento de Antropologia, já existem cotas para o ingresso de

91

CARVALHO, José Jorge. Seminário no IFRN em 02/08/2012. Disponível em: www.youtube.com.br – Acesso:

05/dez./2015. 92

CARVALHO, José Jorge. Seminário no IFRN em 02/08/2012. Disponível em: www.youtube.com.br – Acesso:

05/dez./2015. 93

Ibid. 94

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvo>. Acesso em: 15 set. 2015

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mestres de sua prática cotidiana, os quais podem ministrar aulas na UnB. Ele explica que os

índios conhecem profundamente de botânica, em certa especificidade, muito mais do que um

pesquisador, que depende, na maioria das vezes, deste índio para explicar o significado e a

utilização de cada planta, usada pelos pesquisadores para amparar suas pesquisas. Então, nada

mais justo do que trazer este índio para dentro da universidade e oferecer a ele a possibilidade

de passar para os pesquisadores seu conhecimento acerca daquela planta. O mesmo acontece

no caso Quilombola; imagine que a lei 10.639/2003 determine que se inclua a todos; então

não existe lógica que estudantes de cultura indígena ou quilombola estejam no mesmo espaço

para receberem aulas com a cultura europeia que domina a educação deste país. Inclusive, em

dezembro de 2014, na Universidade de Brasília (UnB), o índio acriano de Tarauacá, de nome

Joaquim Paulo de Lima Kaxinawá, recebe o título de doutor em linguística, para a gramática

da língua HãtxaKuin, sua língua-mãe. Mas, além disso, um quilombola que demanda

profundamente de certo conhecimento uma vez que tenha vasto conhecimento acerca de sua

cultura, pode adentrar uma universidade e ensinar sobre esse conhecimento a titulo de mestre

naquele tema,95

(CARVALHO, 2012, 2004; SEGATO, 2005).

Essa política se estabelece na UnB a partir do empenho de alguns professores, como

do Professor José Jorge de Carvalho, Professora Rita Segalli entre outros. Na UFPE

(Universidade Federal de Pernambuco), por exemplo, em 2012, Luiz Gonzaga recebeu o título

de doutor por demandar vasto conhecimento naquilo que fez durante toda a sua vida.

Gonzagão, (como era carinhosamente tratado pelos sujeitos que se sentiam por ele

representado)96

musicou o nordeste brasileiro, em especial o sertão pernambucano,

problematizando a cultura sertaneja e, os problemas sociais oriundos das questões naturais,

(seca), mas, principalmente o abandono do nordestino pelo Estado brasileiro. Sabemos que,

essa realidade parte de pesquisas, sem a qual não seria possível, então nada mais justo que

essa forma de inclusão aconteça em nossas universidades.97

Contudo, a Universidade de São Paulo (USP), e as universidades paulistas, estão anos

luz da discussão das políticas afirmativas ou de outras formas políticas inclusivas, uma vez

que são amparadas por esse sistema. Pois onde a meritocracia opera para avaliar os

indivíduos, a exclusão continua sendo a arma mais poderosa para manter os espaços e

instituições de poder nas mãos daqueles considerados as classes dominantes. Motivo pelo

qual se fortalecem as lutas pela exigência da adoção de políticas de inclusão racial e social e,

95

Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br. Acesso em: 24 dez. 2015 96

Grifo da autora. 97

Disponível em: <http://www.inaldosampaio.com.br/2012/11/ufpe-entrega-titulo-de-doutor-honoris>. Acesso

em: 26 dez. 2015.

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seguramente, essa luta figura nas pautas do movimento negro, as cotas

raciais,98

(CARVALHO, 2012).

Objetivando explicitar o nosso entendimento e consequentemente abranger mais a

discussão fundamentada no pensamento dos Professores: Carvalho e Segato, ambos da

Antropologia UnB, seguimos aqui uma pista de Bourdieu (2007). Segundo o qual, o conceito

de violência simbólica é a forma de apropriação que sutilmente legitima a dominação em uma

sociedade, em especial pelos mecanismos da educação e da cultura, culminando nas

desigualdades sociais que são, mais tarde, “naturalizadas” pelo seu próprio criador,

(BOURDIEU, 2007).

Esse comportamento se verifica nas sociedades colonial e imperial. Onde os

colonizadores buscam perpetuar seus domínios mesmo após a descolonização, através das

classes dominantes que se formam desses sistemas, consistindo assim, no fascismo social, o

qual bloqueia os acessos à cidadania dos grupos dominados que têm a pretensão de ascensão

social, especialmente nas grandes cidades, (BOURDIEU, 2007).

Assim, seguimos a discussão também com Boaventura Souza Santos e Maria Paula

Meneses (2010). Os quais convergem com Bourdieu acerca dos domínios dos grandes centros

urbanos, onde as confluências culturais são mais acirradas e assim “viram zonas de conflitos”,

e a competição por essa ascensão se torna mais evidente entre os grupos que demandam o

poder. Nesse caso, exercem “formas de governos indiretos” onde os sujeitos sociais são

excluídos “à sombra do contrato social” e “sem qualquer perspectiva de regresso” do ponto de

vista das epistemologias do Norte (SANTOS; MENEZES, 2010, p. 47); (BOURDIEU, 2007).

Esses paradigmas se caracterizam através de estilos impostos, absorvidos enquanto

modelos, em geral eles se manifestam pela sutileza, mas exercem papel importante do ponto

de vista dominante, (BOURDIEU, 2007).

1.6 A USP Desrespeita o Supremo Tribunal Federal e Diz Não às Políticas

Afirmativas

No calor aprovação da Lei 12.711, sancionada em agosto de 2012, pela Presidenta do

Brasil, Dilma Rousseff, o governador de São Paulo e os reitores das universidades paulistas,

em 20 de dezembro do mesmo ano, se reúnem no Palácio dos Bandeirantes. O objetivo dessa

98

Informação do líder da “Ocupação Preta”, Emerson Gabriel, em entrevista para este trabalho, em setembro de

2015.

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reunião foi discutir as políticas afirmativas para as populações negras, indígenas e estudantes

da rede pública. Na ocasião, houve grande animosidade por parte dos estudantes, do

movimento negro e de interessados na questão. Entretanto, logo veio à decepção, pois, no

aspecto objetivo, as políticas de ação afirmativa, decidida na referida reunião, continuam

fundamentadas no processo da meritocracia e, ação afirmativa e meritocracia são caminhos

absolutamente paralelos99

, (G1, STOCHERODO, 20/12/2012).

Nessas circunstancias, dessa reunião saíram apenas arranjos políticos no sentido de

escamotear o direito desses estudantes embora este esteja assegurado pela Suprema Corte do

País, quando em 26 de Abril de 2012, todos os ministros votam favorável às políticas

afirmativas. Assim, as cotas raciais representam um direito legítimo de reparação contra

danos provenientes da exploração pela escravidão brasileira. Ora, no Brasil miscigenado, os

descendentes do regime escravista são maioria pobre; isto responde por que em uma

sociedade composta por 53% de negros, dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal

presentes na seção dessa discussão, apenas um é negro: Joaquim Barbosa.100

O ministro Ricardo Lewandowski foi relator da ação do DEM (Partido Democrata)

contra o sistema de cotas na UnB, iniciada ainda em 2004, quando as políticas de ação

afirmativa entraram em funcionamento naquela universidade. O referido partido entendeu que

precisava demolir o sistema de políticas afirmativas, embora o mesmo já beneficiasse 20% da

população negra e afrodescendente na UnB, a fim de que a mesma medida não se expandisse

nas demais universidades. Entretanto, o ministro Ricardo Lewandowski além de determinar

improcedente a ação do DEM, também reconhece a legalidade do sistema de políticas

afirmativas da UnB, e determina que a mesma medida fosse estendida às demais

universidades públicas do Brasil como forma de correção da desigualdade101

existente e

persistente, apresentada pelas estatísticas do IBGE102

e por outras entidades governamentais

ou não.103

O ministro Joaquim Barbosa fica apenas dez minutos em seu pronunciamento, mas,

emociona os demais, refletimos, então, no pensamento do então ministro Joaquim Barbosa:

Acho que a discriminação, como componente indissociável do

relacionamento entre seres humanos, reveste-se de uma roupagem

competitiva. O que está em jogo aqui é, em certa medida, competição: é o

99

Grifo da autora. 100

Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 dez. 2015. 101

Disponível em: <https://umhistoriador.wordpress.com>. Acesso em: 15 dez. 2015. 102

Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 15 dez. 2015. 103

Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 15 dez. 2015.

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espectro competitivo que germina todas as sociedades. Quanto mais intensa

a discriminação e mais poderosos são os mecanismos inerciais que impedem

o seu combate, mas ampla se mostra a clivagem entre o discriminador e o

discriminado. 104

Barbosa enfatizou que, a partir da legalização das políticas afirmativas, a igualdade

deixa de ser apenas um princípio jurídico, pois com esta prática se inicia no Brasil a

concretização de um direito já reconhecido na Constituição de 1988, embora, até então

desconhecido, por não ter sido ainda colocado em prática.105

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Artigo 5º afirma:

“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade”, e sobre o racismo é enfática: “XLII - a prática do racismo constitui

crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. (C.F do

Brasil, 1988).106

Contudo, sempre foi muito difícil se provar o racismo no Brasil, pois sua ação

aparece, mas a prática não, ela fica implícita, ou seja, nem sempre se consegue provar porque

quem a pratica não assume e, muitas vezes, sequer se reconhece racista, impedindo a vítima

de denunciar ou solicitar correções. Desse modo, conforme se expressa o ministro Ayres

Brito: “não basta criminalizar, é preciso que haja reparação das práticas do racismo, a

Constituição não se contentou em proibir o preconceito. Não basta reconhecer, é preciso

proteger as vítimas de perseguições e humilhações ignominiosas”. O ministro também

ressaltou o artigo 3º, inciso III, de que são objetivos fundamentais da República erradicar a

pobreza e a marginalização, e sobre o inciso IV citou que o mesmo trata da promoção do bem

de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, entre outros.107

Nesse contexto, afirmou o

ministro, “o Brasil vai se olhar no espelho da história e não vai mais corar de vergonha”108

,

fazendo referência à desigualdade racial entre brancos e negros no Brasil.109

Em consequência da reação do Supremo Tribunal Federal, ao aprovar o sistema de

ação afirmativa, as cotas raciais, podemos observar que, imediatamente o governador Geraldo

Alckmin se pronuncia sobre as universidades paulistas e “assume o compromisso público” de

investir no PIMESP (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior) no primeiro ano

104

Disponível em:< www.planalto.gov.br>/. Acesso em: 15 dez. 2015. 105

Ibid. 106

Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. Brasília – DF, 2012. 107

Ibid. 108

Disponível em:< http://reporterbrasil.org.br>. Acesso em: 10 jan. 2016. 109

Disponível em: <www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 12 dez. 2015.

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de sua implementação, disse o governador, pretender investir já em 2014, pelo menos R$ 27

milhões em sua fase inicial, mas o investimento teria um plano a ser seguido, o que consiste

em um incremento anual até atingir R$ 94,7 milhões, meta que, segundo o governador, deve

ser cumprida gradativamente por sete anos e, posteriormente, os investimentos permanecerão

constantes. Assim, seguindo o raciocínio do governador Alckmin, os investimentos no

PIMESP terão um teto garantido permanentemente, além de novos investimentos110

. Só resta

saber a quem o governador Alckmin pretende atingir com este investimento, uma vez que a

questão da meritocracia, por si, já trata de competição, e onde há competição não há inclusão,

(CARVALHO, 2012).

Onde há a discussão sobre a meritocracia não há possibilidade de haver política de

igualdade que é o objetivo das políticas afirmativas, uma vez que são linhas paralelas, ou seja,

meritocracia e inclusão não dão as mãos. Em situações, onde há necessidade de se promover a

igualdade é exatamente porque a meritocracia imperou, em algum momento do passado, ou

mesmo no presente foi aplicada a rigor. E, sua ação, tem consequência que reflete a

desigualdade na atualidade, a qual se dá sempre a partir da exploração de um homem pelo

outro e, por isso, se faz necessária à aplicação de medidas de correção dessa desigualdade,

através das políticas afirmativas, as cotas raciais, (CARVALHO, 2005, p.5-9; 2012).

Geraldo Alckmin e os reitores da USP afirmam que vão usar os parâmetros da Lei no

12.711/2012 em suas políticas para atender aos alunos negos e indígenas, mas se contradizem

ao colocar à frente das medidas, o que chamam de políticas afirmativas: o PIMESP, o

INCLUSP (Programa de Avaliação Inclusão da USP), o PASUP (Programa de Avaliação

Seriada da USP) que não respondem a inclusão racial 111

. E, o PIMESP também não, o

mesmo é uma forma de avaliação do sistema da meritocracia e, como tal precisa se submeter

à meritocracia.

A seguir analisamos a reflexão da professora Eunice Durham do departamento de

antropologia USP, acerca do PIMESP (Programa de Inclusão com mérito da Universidade de

São Paulo) que a USP chama de inclusão:

Como método de inclusão, ele é muito precário, é um remendo que

tenta democratizar o acesso à universidade manipulando o vestibular,

que não é a causa, mas o reflexo da desigualdade existente. Creio que

alguma forma de ação afirmativa para ampliar o leque

socioeconômico e étnico dos alunos da universidade é importante, mas

110

G1 Stocherodo, 20/12/2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-

programa-de-cotas-sociais-e-raciais-para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso em: 15 nov. 2015. 111

Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br>. Acesso em: 17dez. 2015.

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o PIMESP não faz isso, assim como a maioria dos sistemas de quotas

atuais. Podemos ver isso analisando os números: no Estado de São

Paulo, menos de 30% dos jovens está matriculado no ensino superior.

Desses, apenas 15% estão nas universidades públicas, ou seja, com ou

sem quotas, as universidades paulistas já excluem 95% da população

na faixa etária de 18 a 24 anos. O projeto acaba subvertendo o sistema

de mérito do vestibular para privilegiar uma parcela ínfima dos

jovens.112

Este é o pensamento sobre o PIMESP, ou seja, o plano que a USP coloca em seu

sistema de educação para fingir que inclui os alunos oriundos da rede pública.113

Transpõe-se a ideia de que os estudantes oriundos da rede pública de ensino estão

acolhidos e incluídos pela legislação (Lei no 12.711/2012). Contudo, isso não é verdade, pois

quando eles se referem à vaga por desempenho referem-se à soma da pontuação e aprovação

pelo vestibular FUVEST e, isso pode ser tudo menos inclusão.

1.7. Adesão parcial ao ENADE

Em termos de inclusão social e racial na USP, não é novidade que no ano de 2015

tenham surgido novas formas de camuflagem arquitetadas por seus dirigentes. “Adesão

parcial ao ENADE”, o que isto significa? Usamos uma interpretação na fala do diretor da

Faculdade de Medicina, José da Costa Auler114

, para tentar responder: “Na Faculdade de

Medicina da USP (FMUSP), a adesão do ENEM foi rejeitada pela maioria dos membros da

Congregação”. O que surpreende é que o diretor da FMUSP, José Octavio Costa Auler,

prefira o Programa INCLUSP a aceitar os alunos bem colocados pelo sistema ENEM. A

seguir refletimos no argumento de Auler:

[...] As provas são diferentes. O ENEM é avaliativo, a FUVEST é seletiva. A

FUVEST tem 40 anos, nunca deu problema. E o INCLUSP precisa ser

completado ainda, o próprio INCLUSP ainda não foi avaliado. A inclusão

está avançando, está aumentando cada vez mais. Quanto mais se incluir, mais

você tem o problema da permanência, precisa ser bem visto isso, senão você

começa a ter problema de evasão115

.

A política de inclusão significa incluir de todas as formas, pois se observarmos a

decisão do STF e da Lei 12.711/2012 como parâmetro, podemos interpretar que a instituição

112

Jornal Campus USP (JC), entrevista de Gabriel Grilio. Publicada em 11/04/2012 e acessada em 13/12/2015. 113

Ibid. 114

Ibid. 115

Ana Carolina Moreno, 26/06/2015. Disponível em:< http://g1.globo.com>. Acesso em: 12 nov. 2015.

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de ensino superior pública deve reservar no mínimo 50% de suas vagas em todos os cursos e

turnos, de acordo com o Censo IBGE local e de outras providências. As universidades

federais entendem que o grifo “outras providências” significa favorecer materialmente o

estudante cotista, não apenas lhe reservando uma vaga na universidade, mas também

fornecendo bolsa de estudo para ajudar o aluno cotista se sustentar, comprar material de

estudo, transporte e alimentação. Inclusive, esses mecanismos já são adotados na UnB e na

UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), “desde os anos de 2004 e 2005. Denota que

a USP está muito atrasada do ponto de vista do desenvolvimento social,”116

/117

.

Questionado sobre a “inclusão” de um número pequeno de vagas na Faculdade de

Medicina pelo sistema SISU. Se este número tão pequeno poderia garantir a inclusão, o

diretor respondeu que a entrada de “pessoas de fora”, na USP, aumentará o problema de

permanência e acredita que neste caso, “deve-se melhorar o INCLUSP” e não trazer alunos de

fora.

Entendemos que o diretor Auler se refere à política de inclusão cuja legislação

12.711/2012 determina que, além da reserva de vagas, a universidade pública deve oferecer

uma verba para ajudar na manutenção do estudante durante o curso da faculdade118

Neste contexto, observamos um equívoco na fala do diretor da Faculdade de Medicina,

Euler, José da Costa Auler, pois, os alunos que entram para se preparar pelo INCLUSP, pela

lógica, são meros candidatos e não estão dentro da USP. Não entendemos, portanto, o que o diretor

Auler chama de “trazer gente de fora”, afinal, se todos têm que prestar vestibular e, só estão dentro

da USP, quando aprovados na primeira e na segunda fase da FUVEST, de acordo com o número

de vagas disponibilizadas no edital, então fica uma interrogação... Nesse caso, qualquer candidato

deveria ser considerado “de fora”, pois ele só será estudante da USP quando passar pelo vestibular

FUVEST, e pelo que se sabe, apenas se inscrever em um Programa, seja INCLUSP ou PASUP,

não significa ter uma vaga assegurada na USP. Nesse caso, enxergamos certa confusão, ou Auler

faz referencia a algum procedimento que acontece nos sistemas que a USP trata por “Programas de

Inclusão” que não são divulgados e ou não abrange119

a todos.120

Fica nítida a preferência dos dirigentes da USP pelos por candidatos aprovados pela

FUVEST e não pelo sistema ENEM. Mas, nos chama atenção à expressão: “aluno de fora”,

embora a referência seja para os candidatos que entram pelo sistema INCLUSP.

116

As frases entre aspas são grifos da autora, fundamentada em Hélio Santos, 2004. 117

Ana Carolina Moreno, 26/06/2015. Disponível em: <http://g1.globo.com>. Acesso em: 12 nov. 2015. 118

Grifo da autora. 119

Ibid. 120

Ana Carolina Moreno, 26/06/2015. Disponível em: <http://g1.globo.com>. Acesso em: 12 nov. 2015.

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Para melhor compreendermos esta discussão, acerca do funcionamento desses

programas conversamos com Emerson Gabriel, líder da “Ocupação Preta”. Pelo que o mesmo

tem acompanhado e se informado, nos informou o seguinte: muitos dos jovens negros e

pobres que se inscrevem nos programas INCLUSP e PASUP deixam a USP desmotivados

porque não conseguem ser aprovados e os Programas só aceitam aquele candidato por tempo

determinado, ou seja, o candidato se inscreve para as aulas, durante certo período, se não

consegue ser aprovado no vestibular FUVEST naquele ano em que se inscreveu, perde a

oportunidade e é obrigado deixar o programa.121

Após o ano de 2001, o debate sobre o sistema de cotas raciais, ganha espaço na mídia,

nas universidades e na sociedade em geral. Assim, analisamos alguns documentos que nos

situam acerca do pensamento dos principais dirigentes da USP, pois pretendemos oferecer

subsídios para esta discussão, de modo mais consciente, sobretudo acerca dos acontecimentos

na USP, pois se não fizermos poderá existir um vácuo dessas questões, talvez num futuro

muito próximo.

Em 2005, quando as cotas raciais já estão no auge da discussão, a Folha de São Paulo

entrevista o então reitor Adolpho José Melf (2001 e 2005) sobre o atendimento às políticas de

inclusão social na USP. Ele assegura que a USP dispõe de inclusão e relata sobre “favorecer

com a isenção as inscrições o estudante bom”.

Existe uma série de iniciativas que estamos tentando resolver. Uma delas é

isentar os alunos carentes da taxa de inscrição no vestibular. Às vezes, o

estudante bom não vem por causa dos R$ 100 [valor aproximado da

inscrição]. Depois, melhorar as condições nas escolas públicas de ensino

médio e fundamental. Outra forma é o cursinho, pegando os melhores

alunos e dando a eles uma melhor preparação, (G1, STOCHERO ). 122

E o jornalista segue questionando Melf sobre as políticas afirmativas, cotas raciais, e o

que o reitor responde: “Não sou favorável. Mas é um problema que temos de enfrentar. Se o

governo quiser criar, pode criar, mas que não sejam raciais. Estaríamos cometendo um ato

perigoso, incentivando o racismo. Poderíamos criar as cotas socioeconômicas”.123

Desse modo, julgamos conveniente analisar a opinião do ex-reitor Melf, no tempo

presente, afinal as opiniões mudam e, quem sabe, poderíamos encontrá-lo com outro

pensamento sobre as políticas afirmativas para os estudantes negros e indígenas na USP.

Vasculhamos os meios de comunicação e, eencontramos uma entrevista também da Folha de

121

Emerson Gabriel em entrevista para este trabalho, em São Paulo, setembro de 2015. 122

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 12/jan./2016. 123

Ibid.

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São Paulo, na qual o jornalista questiona se com o passar do tempo o ex-reitor se mantém

contra as cotas raciais. Sem hesitar, o ex-reitor responde que se mantem contra e justifica que

sua opinião porque acredita que esta discussão levaria o racismo para o interior da

Universidade de São Paulo (USP). 124

A seguir, observamos a reflexão de José Adolpho Melf, sobre as cotas raciais na

referida universidade:

Sim. Eu mantenho essa posição com respeito às cotas raciais. Naquela

época a gente defendia que poderiam existir cotas, mas que deveria ser mais

do ponto de vista econômico e social. Não vejo muitas razões para a criação

de cotas raciais. Isso acaba criando problema grande. Hoje a USP caminha

um pouco nesse sentido. Já se discute a implementação de cotas, na USP já

há facilidades, bônus dados para negros, índios. Mas eu acho que, em

princípio, a entrada na USP deve ser por mérito.125

E, nós, pesquisadores e também o movimentos negro, não encontramos no âmbito de

inclusão para os estudantes negros e indígenas nenhuma política afirmativa na USP. Assim,

seguimos interpretando o pensamento do ex-reitor Adolpho José Melf, que nos ajuda a

compreender a questão do racismo estrutural naquela instituição.126

Outros reitores, como Suely Vilela e João Grandino Rodas, foram enfáticos ao

afirmarem que a USP precisa manter sua excelência e que isso só será possível se a base do

ingresso na graduação continuar sendo a meritocracia. Neste contexto, foi pensada outra

forma de “incluir”, ou seja, excluir pobres, negros e indígenas, através do College, cursos a

distância, (USP) (G1, STOCHERO).127

Essa política fez parte do discurso do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e

dos reitores, em especial de João G. Rodas, o qual, no decorrer do tempo em que esteve na

reitoria da Universidade de São Paulo (USP), sempre se manteve fiel ao sistema de

meritocracia. Assim, não seria nenhuma novidade, observar suas intenções: manter pobres e

negros estudando a distância, ou seja, criar um dos sistemas apartheid jamais visto em toda a

124

Grifo da autora. 125

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 12 jan. 2016. 126

Grifo da autora. 127

Tahiane Stochero. “São Paulo lança Programa de Cotas Sociais e Raciais para USP, UNESP e UNICAMP.”

Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-

para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso em: 28 dez. 2015.

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história da educação brasileira, apesar de todas as formas de segregação já observada, em

especial, na própria USP.128

Entendemos que essa seria uma forma de evitar que os estudantes negros, tenham

contato com os estudantes das classes dominantes, os quais são maioria na Universidade de

São Paulo (USP). Por essa determinação, os estudantes negros, pobres e indígenas, tratados

sob a sigla PPIs, (Pretos, Pardos e Indígenas) são segregados do direito de participar da vida

acadêmica no interior daquela universidade. E, se esse projeto se concretizasse, os estudantes

negros e indígenas, seriam mantidos nos cursos tecnólogos, em geral por dois anos, e só

depois, se aprovados, poderiam ingressar em outros cursos na USP. Para não deixar o nome

muito feio e lembrar que se trata de cursos a distância, o governador Geraldo Alckmin prefere

tratar como “curso virtual”; é desse modo que o governador considera exercer a tão almejada

“inclusão” dos alunos negros, indígenas e pobres.129

Imaginamos se o governador Geraldo Alckmin, o reitor João G. Rodas, Melf entre

outros, gostariam de ver seus filhos, netos entre outros entes queridos, estudando na USP à

distância... Sim, porque o governador Geraldo Alckmin, ainda defende que, esses cursos

servem para os estudantes prestarem concurso público, (G1, STOCHERO).130

Essa situação nos causa indignação, pois enxergamos nessa questão, o mais alto grau

de desrespeito com os nossos jovens negros que lutam por se incluir nessa universidade (USP)

e que por direito, ela é de todos, afinal não é uma universidade pública? 131

Neste contexto, analisamos também o sentido da Univesp (Universidade Virtual de

São Paulo), sob o olhar de seu principal articulador e atual presidente, Carlos Vogt.

A seguir, vejamos uma reflexão sobre a Univesp, por Carlos Vogt:

O curso garantirá aos alunos um diploma de ensino superior que permitirá

exercer atividades profissionais e poderá prestar concurso público, diz Vogt.

A ideia não é de um reforço ou cursinho preparatório, mas uma nova

modalidade que se acrescenta às formações de nível superior e cumpre o

papel social de políticas públicas para capacitar o nosso jovem. [...] A

seleção para o curso, que terá status de nível superior, será pelo

desempenho dos candidatos pelo Enem, e não por vestibular. Ao término do

primeiro ano, quem tiver 70% de aproveitamento terá ingresso garantido em

cursos das Fatecs. Ao concluir o segundo ano, o aluno já terá ingresso

128

Grifo da autora. 129

Ibid. 130

Tahiane Stochero. “São Paulo lança Programa de Cotas Sociais e Raciais para USP, UNESP e UNICAMP.”

Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-

para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso em: 28 dez. 2015. 131

Ibid.

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garantido tanto em Fatecs quanto em universidades.132

O senhor Carlos Vogt, mesmo afirmando que a Univesp ou Collegie não é um cursinho

preparatório, escorrega na contradição quando afirmar que ao final do primeiro ano, o aluno

que for aprovado com no mínimo 70% de aproveitamento, terá ingresso garantido nas

FATECS. Ou seja, os dirigentes das universidades públicas paulistas, em comunhão com o

senhor governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin continuam firme, decidindo

pelos estudantes negros, os cursos que os mesmos devam estudar. Entendemos que, incluir é

antes de tudo oferecer opção do incluído escolher o que deseja estudar.133

Foi exatamente este modelo de educação pensado no decorrer do Estado Novo, pelo

então presidente da República, Getúlio Vargas. E, muito valorizado após a década de 1964, e

profundamente alargado em 1971, com o desenvolvimento industrial brasileiro que se dá com

grande ênfase no estado de São Paulo, onde pobres eram encaminhados para os cursos

técnicos, a fim de se tornarem ótimos operários para indústria. Ainda assim, havia grande

seleção para o ingresso nos cursos técnicos, pois mesmo esse acesso, não era para todos,

porque até para ser trabalhador das fabricas, como já discutido, existia a preferência por não

negros134

, (CARDOSO, 1982).

Nesse contexto, decididamente não há inclusão nesta forma discutida nos parágrafos

acima. Parece-nos, então, uma das mais perversas formas de exclusão de nossa história,

envolvendo as universidades paulistas, em especial a Universidade de São Paulo (USP), uma

vez que as populações negras reivindicam o direito de escolher o curso universitário que

desejam fazer. E, o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, em comunhão com

seus reitores promove o mais cruel e desrespeitosa forma de excluir, pois, conforme citação

acima determina que os estudantes negros e indígenas, sejam antes de tudo, apenas

etnólogos.135

Na época dessa discussão, (ensino a distância) o então reitor João. G Rodas e o

governador de São Paulo Geraldo Alckmin objetivavam apresentar estatísticas para fazer face

às cobranças dos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU)

que está atenta às estatísticas brasileiras, e cobra posição, mecanismos para a amenização das

132

Tahiane Stochero. “São Paulo lança Programa de Cotas Sociais e Raciais para USP, UNESP e UNICAMP.”

Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-

para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso em: 28 dez. 2015. 133

Grifo da autora. 134

Ibid. 135

Ibid.

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consequências do racismo estrutural contra os povos negros e indígenas na sociedade

brasileira; a ONU exige mudança que propicie transformação dessa realidade, através da

educação, como mecanismo para melhorar a vida dos excluídos.136

Relembramos que no ano de 2001 quando os delegados e observadores da terceira

Conferência contra o racismo, organizada pelas Nações Unidas em Durban África do Sul,

ainda, não se podiam imaginar o efeito em tão pouco tempo. Embora, esse acontecimento foi

à custa de acomodações e manobras de procedimento até chegar aos documentos finais137

.

Ainda assim, já era uma situação mais do que suficiente para acalentar os ânimos. E, foi

nessas circunstâncias que o então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso,

participou dessa Conferência, (SILVÉRIO, 2006).

Na ocasião, a ONU já estava de posse de documentos os quais evidenciavam que, a

pobreza e a miséria apresentadas pelas estatísticas do IBGE e IPEA, têm raízes no

analfabetismo em que vivem as populações negras e indígenas no Brasil; em situação de total

abandono pelo Estado. Foi então, Fernando Henrique Cardoso, quase que forçado138

a assumir

publicamente compromisso junto a ONU de adotar mecanismos capazes de transformar a

realidade dos negros brasileiros. Assim, o então presidente Fernando Henrique Cardoso se

comprometeu inverter o quadro de analfabetismo e pobreza persistente, o qual está “em

consonância com os itens II e III do programa de Ação aprovado na Conferência de Durban”.

Que significa: “facilitarem a participação de pessoas de descendência africana” em todos os

aspectos e avanços dos desenvolvimentos: econômico, social, político, educacional e cultural,

(SILVÉRIO, 2006, p. 44).

Entretanto, após esse acontecimento internacional, imputando tamanha

responsabilidade a FHC, pouco foi realizado no sentido de incluir as populações que se

encontravam às margens da educação de “qualidade” e da educação pública superior no

Brasil. Sobre esse assunto, daremos maior destaque no decorrer desta dissertação.

A USP, indiscutivelmente é uma instituição resistente às políticas afirmativas e sua

luta caminha sempre na contramão da inclusão. Pois, em 2001, quando o então presidente

FHC, como já dito, na Conferência de Durban África do Sul, assume o compromisso de

reparação das desigualdades no Brasil. Assim, automaticamente reconhece que, as políticas

136

Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais com José Jorge de Carvalho no IFRN, em

02/08/2012. Disponível em: <Ihttps://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvoSSN /19809921>. Acesso em:

15 jan. 2016.

SILVÉRIO, Roberto Walter; Fundação cultural Palmares, (Org.) Maria Nilza da Silva e Jairo Q. Pacheco. O

Negro na Universidade: o direito a inclusão. (Ministério da Cultura). 137

Grifo da autora. 138

Ibid.

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afirmativas, têm suma importância, pois, “visam o combate ao racismo, discriminação racial,

xenofobia e intolerância correlata”, (SILVÉRIO, 2006, p. 45).

Passados quinze anos e diante da legislação em vigor Lei 12.711 e da decisão do STF,

a USP não se curva frente às mudanças que o tempo ofereceu. E, os estudantes negros, como

medida para diminuir a desigualdade ora constatada, se mobilizam naquela instituição e

mesmo assim, seus dirigentes continuam insensíveis à questão da inclusão racial naquela

instituição pública. Supomos que somente através de projetos de pesquisas como este,

possam-se disseminar um alerta para a sociedade de como esta universidade vem agindo,

segregando, quando seu papel devia ser o de incluir. Neste sentido, no próximo item,

analisamos o pensamento de alguns professores da USP em um documento denominado

“CARTA ABERTA”, a fim de evidenciar o que discutimos até aqui, acerca da resistência da

USP em promover políticas afirmativas139

para os estudantes negros,140

(SILVÉRIO, 2006, p.

45).

1.8 As Políticas Afirmativas nas Universidades Públicas Nascem na Constatação do

Racismo na UnB

No contexto desta análise, necessariamente perpassamos pela discussão da experiência

da Universidade de Brasília (UnB), a qual suscita a mais ampla discussão no que tange à

implementação das políticas afirmativas, cota racial. Esta política no âmbito da educação

superior nasce prioritariamente na UnB em decorrência do empenho de alguns professores,

em especial do Professor José Jorge de Carvalho e da Professora Rita Laura Segato, ao

constatarem naquela universidade um caso de racismo, conhecido publicamente por “caso

Ari”, (SEGATO, 2005, p, 80).141

Meditemos sobre as palavras de uma das principais articuladoras no combate ao

racismo, dentro da UnB, a Professora Rita Laura Segato:

A exclusão, entre nós, é uma estrutura profunda de ordem psíquica,

cognitiva, ontológica e não meramente socioeconômica. Originária do

sistema de exploração escravocrata, logo permaneceu enquistada na

ideologia e reproduzida pela cultura do povo brasileiro. As relações sociais

próprias da escravidão constituíram-se em matriz de convivência no Brasil,

transformaram-se em “costume”, numa forma de normalidade. Na

sociedade brasileira pós-escravocrata, a suspensão da ordem jurídica que

139

Grifo da autora. 140

Ibid. 141

REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 76-87, dezembro/fevereiro 2005-2006 – Disponível em:

<http://www.usp.br/revistausp/68/07-rita-laura.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2015.

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garantia a exclusão na lei foi substituída por uma caução ideológica, o

racismo, que passou a ser a norma não-jurídica a garantir a permanência

da exclusão das pessoas negras, (SEGATO, 2005, p, 80). 142

Portanto, é de suma importância que se perceba que os “excluídos” não são resultados

apenas no que diz respeito à extração de trabalho mal remunerado. Acima de tudo, são

produtos da reprodução da subjetividade das classes dominantes deste País, as quais agem

sutilmente, mas, produzem efeitos estarrecedores no que tange a distribuição dos direitos

sociais objetivos, em particular por via do conhecimento formal, construído nas universidades

públicas deste país, (SEGATO, 2005, p. 80-81).

Em 1999, o “caso Ari” chama atenção na UnB. Ariovaldo Lima Alves havia concluído

seu mestrado em 1995, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – RJ, intitulado: “A

Estética da Pobreza: Música, Poética e Estilo”. E, em 1998, ingressou no Programa de

Antropologia da UnB para cursar seu doutorado, tendo sido reprovado em uma disciplina

obrigatória, embora tenha tirado nota máxima (dez) em todas as outras. O que se configurou

então, como um caso de racismo, resultando em um processo que se tornou conhecido

nacionalmente por: “caso Ari”. E, em novembro de 1999, motivou a proposta do sistema de

cota racial naquela universidade, na UnB, cujos precursores foram: Professor José Jorge de

Carvalho e a Professora Rita Segato, (CARVALHO, 2012, 2005; SEGATO, 2005).

Ariovaldo Lima Alves foi o primeiro negro a ingressar no Programa de Pós-Graduação

da Antropologia da UnB, embora o referido Programa já estivesse em funcionamento há mais

de vinte anos. Segundo o Professor José Jorge, o mais estranho é que Ariovaldo era seu

orientando. Assim, ele próprio conhecia de perto o potencial de Ariovaldo, inclusive, o

mesmo já tinha publicações em revistas internacionais e, na época, já possuía uma produção

considerável no Brasil, (CARVALHO, 2002).

Vejamos o relato do Professor José Jorge de Carvalho a respeito da reprovação de

Ariovaldo Alves Lima, seu orientando:

Ariovaldo Alves lutou mais de dois anos por uma revisão justa de sua nota.

E após um processo de extremo desgaste dele e também nosso porque Rita

Segato era coordenadora da Pós-Graduação e foi demitida sumariamente do

cargo ao posicionar-se do lado de Ariovaldo Alves; eu era seu orientador e

sofri hostilidade por defendê-lo diante da maioria esmagadora dos colegas.

Conseguiu levar o seu caso (caso Ari) até o Cepe da UnB, que reconheceu a

injustiça cometida e forçou o Departamento de Horizontes Antropológicos a

142

Ibid.

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78

mudar a sua nota e aprová-lo na disciplina, o que lhe permitiu permanecer no

programa e terminar o doutorado143

. Eu contei pessoalmente a Marco Chor,

em uma amigável conversa que tivemos na reunião da Anpocs de 2000,

quando a luta pelas cotas já estava a pleno vapor e a tensão do Caso Ari,

altíssima. (CARVALHO, 2002).

Acreditamos que o professor que reprovou Ariovaldo Lima Alves, não estava

acostumado a ver negros naquele programa e agiu de forma racista, sem sequer aceitar

conversar com o pesquisador, e ainda advertiu que, se Ariovaldo pedisse revisão, seria

reprovado pela segunda vez. Daí o Professor José Jorge na condição de seu orientador reagiu,

conforme discussão do parágrafo acima, (CARVALHO, 2009). 144

Até porque os racistas se fecham em seus preconceitos e não conseguem enxergar as

mudanças oferecidas pelo tempo, em que a diversidade superará a adversidade.145

Atualmente, Ariovaldo Lima Alves é Professor/pesquisador na UEBA e atua no

Núcleo das Tradições Orais e Patrimônio Imaterial – NUTOPIA e Relações Raciais e Cultura

Negra, (ALVES, 2013).146

.

Diante da luta na UnB, documentos são elaborados e medidas são tomadas no sentido

de retirar o sistema de cotas raciais que já estava operando naquela instituição pública e,

promovendo efeitos positivos de inclusão racial e social, quando o Partido Democrata (DEM)

entra com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). Essa ação ocorreu em 2004 e sua

posição foi contrária à disposição do DEM, quando o STF reconheceu que as políticas

afirmativas na UnB são legais e devem ser aplicadas nas demais universidades públicas

federais, conforme já discutido, (CARVALHO, 2005/2006, 2012).

Outras universidades seguiram o exemplo da UnB, como a Universidade Federal de

Alagoas (UFAL) e Universidade Estadual de Londrina, entre outras. Assim, em 2009 já

existiam dados no Brasil suficiente da eficácia do processo das políticas afirmativas, enquanto

reserva de vagas para estudantes negros e indígenas. E, a Universidade Estadual do Rio de

Janeiro (UERJ) havia aprovado o sistema de cotas, desde 2003, que já estava em

143

Ele mesmo já publicou uma descrição e uma teorização sobre sua experiência na UnB (ALVES, 2001).

Outras leituras do caso já foram oferecidas por Carvalho (2002), (SANTOS, 2003), (PEREIRA, 2004) e

(SIQUEIRA, 2004). 144

28/07/2009 - PORTUGAL DIGITAL, 09/01/2015. 145

Grifo da autora fundamentada no pensamento de (Carvalho, 2012). 146

O NUTOPIA é um grupo de pesquisa cadastrado no diretório para grupos de pesquisa da Plataforma Lattes do

CNPq desde o ano de 2008. No ano seguinte, 2009, o NUTOPIA foi um importante suporte para a formação da

Linha de Pesquisa 3–Narrativas, Testemunhos e Modos de Vida – do Programa de Pós-Graduação em Crítica

Cultural (Pós-Crítica) da UNEB. Somos um coletivo de professores/pesquisadores doutores (Katharina Döring,

Edil Costa Silva, Sílvio Roberto Oliveira, Daniel Francisco dos Santos) que atuam em áreas diversas

(Antropologia, Etnomusicologia, Arte-educação, Letras e História). Ariovaldo Lima Alves. Em entrevista à

jornalista Emily Conceição. Disponível em: <http://www.cienciaecultura.ufba.br>. Acesso em: 18 jan. 2015.

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funcionamento, embora seu sistema seja dirigido a estudantes da rede pública de ensino do

Brasil, (CARVALHO, 2005/2006, 2012).

Nesse contexto, a adesão das universidades públicas, estaduais e federais, foi

extremamente relevante, pois, quando o STF analisou e julgou a ação do DEM, já havia

estatísticas demonstrando os resultados positivos adotados nas universidades. Pois já em 2009

e 2010 muitos professores e professoras universitários se pronunciavam favoráveis ao sistema

de cotas raciais e divulgavam que, seus alunos cotistas não apresentavam dificuldade na

construção do conhecimento acadêmico, ao contrário, não mediam esforço para apresentar

seus trabalhos com a mesma qualidade dos estudantes não cotistas. Inclusive Ricardo

Henriques, certa vez se pronunciou diante da constatação que, a maioria dos cotistas trabalha,

se disse admirado com a energia que os estudantes cotistas assumem seus estudos,

(CARVALHO, 2012).

Neste sentido, quando a aprovação da Lei 12.711/2012 acontece, todas as

universidades federais estaduais, em todo o Brasil, com exceção das universidades públicas

paulistas, já contavam com algum tipo de cotas raciais e sociais. Neste caso, a UnB foi à única

instituição pública a adotar a cota pelo recorte plenamente racial, embora o atual reitor dessa

universidade, Ivan Camargo, seguisse (quase) à risca o acordo de 10 anos de cotas e, em

2014, reduziu o percentual das cotas raciais para 5%, em cumprimento ao documento que

garantia a reserva de 20% de cotas para negros por 10 anos, prazo que venceu em junho de

2014.147

O coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UnB, Nelson

Inocêncio, demonstrou grande insatisfação, mas disse que, diante do sistema de cotas adotado

pelo MEC, já podia se esperar por esta medida. O mesmo se refere à redução do percentual do

sistema de cotas raciais da UnB, pois, segundo ele, essa política de cota social não atende

plenamente aos estudantes negros, uma vez que se trata de uma desigualdade histórica que

precisa ser corrigida: “o racismo é um fenômeno que deve ser debatido, discutido e

criticado”.148

Sobre a cota efetivada pelo recorte puramente racial na UnB, de acordo com o

Professor José Jorge de Carvalho, essa medida foi tomada para não prejudicar um estudante

negro que em algum momento de sua vida possa ter estudado em uma escola particular. O

Professor Carvalho ilustra esse cenário com o seguinte exemplo:

147

SEGATO, 2005, p, 80..

148 Ibid.

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80

[...] suponhamos que uma família negra, que anos atrás se mudou de seu

estado para o Distrito Federal, e, de imediato, não conseguiu matricular seu

filho (a) em uma escola pública. Enquanto aguardou uma vaga, se sacrificou e

pagou a escola de seus filhos. Pelo sistema de política afirmativa do MEC,

elaborado depois do sistema da UnB, esse estudante jamais poderá ser

beneficiado pelas políticas afirmativas, enquanto que, pelo recorte racial, o

que interessa é dar a este estudante a oportunidade de, através da educação

superior, se equiparar aos jovens de sua idade na sociedade brasileira.149

Assim, o Professor José Jorge de Carvalho defende que teríamos, no futuro, um país

menos desigual, mesmo porque a quantidade de negros em situação de ascendência social no

país, mesmo que alguém reivindicasse a cota racial, não é um número significante capaz de

prejudicar o recorte racial. Salienta ainda que em um país com uma política dominante contra

os negros, como a democracia racial, dificilmente alguém se encorajará de se dizer negro,

quando não há necessidade, a menos que seja muito consciente; e se é assim, não irá

reivindicar a cota racial porque reconhece nela uma necessidade dos negros excluídos150

,

(CARVALHO, 2012).

Para entender a discussão acima, analisamos que, em 1997, o contingente de negros e

pardos entre 18 e 24 anos, matriculados e já formados em algum curso superior no Brasil, se

configurava em: “pardos” = 2,2% e “negros” = 1,8%. Na ocasião, o acesso restrito de negros

ao ensino superior e a baixa qualidade do ensino público já estavam sendo discutidos havia

pelo menos uma década, conforme verificamos em, (HASENBALG, 1979).

Em CARVALHO (2005) refletimos quanto à importância das políticas afirmativas, as

cotas raciais, ao apresentar o resultado do estudo realizado em consequência de um incidente

racial conhecido por “caso Ari”, já discutido nesta dissertação. Foi quando começou o

levantamento no Instituto de Ciências Sociais da UnB, em 1999, e se constatou que havia

1.500 docentes brancos e 15 docentes negros; ou seja, em mais de 45 anos de existência da

UnB, em crescente crescimento no quadro de docentes, o percentual de professores negros

(as) atinge apenas 1%. Assim, verificou-se ser necessária a observação também nas principais

universidades públicas do País, o que aconteceu devido ao empenho de docentes e estudantes

negros nas diversas universidades em que o estudo foi realizado também por iniciativa do

Professor José Jorge de Carvalho, Departamento de Antropologia da UnB, (CARVALHO,

2005).

149

Ibid. 150

Grifos da autora ancorada na fala do Professor José Jorge de Carvalho em 02/08/2012 no IFRN, disponível

em: <www.youtube.com.br>. Acesso em: 10 nov. 2015.

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O referido estudo foi batizado de “censo racial” e, ao final da investigação, o quadro

que se apresenta sobre a composição de docentes negros nas Universidades públicas

pesquisadas, segue abaixo:

UnB = 1,0%

UFSCAR = 0,5;

UFMG = 0,7%;

USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS = (não ultrapassa) 0,2%.

O levantamento apurou e somou entre as universidades acima, naquele período, o total

de 18.400 professores, dos quais 18.330 são brancos e, apenas 70 professores e professoras

são negros (as).

O Professor José Jorge de Carvalho observa outra situação que vem emperrando a

inclusão dos estudantes e pesquisadores negros nas universidades públicas, em especial nos

Programas de Pós-graduação. Pois, ele mesmo constatou que o racismo estrutural se consuma

dentro das universidades com “naturalidade”, inclusive na UnB. Ou seja, quando um

pesquisador ingressa nos Programas de Pós-Graduação das Ciências Humanas e Sociais, no

decorrer da realização de suas respectivas pesquisas, é então, orientado (a) tornar suas

pesquisas mais rasas ou até mudar a temática da pesquisa, quando o tema tem por objetivo

discutir as questões raciais.

A seguir, refletimos sobre o que disse o Professor José Jorge de Carvalho,

Antropologia, UnB,

Casos desse tipo se multiplicam nos depoimentos dos pós-graduandos de

Humanidades e Ciências Sociais, com quem converso constantemente:

sentimento crônico de inadequação, tendência ao disfarce para proteger suas

convicções mais profundas, asfixia diante do ambiente inteiramente branco,

dificuldade em colocar com franqueza suas posições teóricas sobre as relações

raciais no Brasil. E muitas vezes se veem forçados a ajustar seus temas de

pesquisa para não contrariar as posições ideológicas dos seus orientadores

sobre esse tema. O que me comentam, de 9 entre 10 pós-graduandos das áreas

próximas, é que os professores tendem a censurar os estudos sobre racismo e

discriminação racial, influenciando os seus orientandos para que “abrandem” a

discussão ou mesmo que a desloquem para outras correlações definidas, em

um regime de completa apartheid, (CARVALHO, 2005, p.90-91).151

151

O Confinamento Racial – José Jorge de Carvalho, 2005.

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Há inclusive, relatos nessa discussão, posta aqui pelo Professor Carvalho que, um

doutorando ao submeter seu projeto de pesquisa no Programa de Sociologia da UnB, durante

a entrevista de seleção foi questionado se tinha alguma ligação com o Movimento Negro, e,

embora o pesquisador seja um militante do referido movimento, negou. Em conversa com o

Professor, esse doutorando se sentiu seguro para afirmar que, pertence às lutas do Movimento

Negro, mas precisou negar sua convicção para então ter seu projeto aprovado, pois, percebeu

que, se mencionasse sua militância, com certeza teria sido reprovado. Afirmou ainda que foi

interrogado o porquê de estudar as questões raciais e, o mesmo justificou que teria interesse,

apenas acadêmico, assim, foi aprovado, (CARVALHO, 2005, p.92-93).

Entendemos que, na situação discutida acima, temos um quadro de racismo estrutural,

e, assim, naturalizado, pois aqueles que demandam conhecimento deviam ter no mínimo a

obrigação de discutir e promover solução para uma questão profundamente abominável que é

o preconceito racial e os efeitos negativos dele decorrente.152

O Professor José Jorge de Carvalho chama atenção que, as cotas raciais são de

fundamental importância para equiparar um quadro alarmante de confinamento racial,

persistente, nas principais universidades públicas brasileiras. Em especial na USP, pelo fato

de sua política estar inserida na ideia de meritocracia, assim, incapaz de produzir a inclusão

racial e social, comprovada pelas estatísticas dos órgãos públicos, IBGE, IPEA, entre outros,

(CARVALHO, 2005/2006, 2012).

Neste sentido, as políticas afirmativas são medidas urgentes e, objetiva para diminuir

essa alarmante exclusão, uma vez que as cotas raciais propiciam o ingresso de estudantes

negros na vida acadêmica, os quais podem migrar para a Pós-Graduação. Pois, à medida que

eles vão se formando, seguem para os Programas de Pós-Graduação até atingirem os postos

mais altos dentro das universidades públicas do país. E, assim, vai se formando profissionais

negros dentro para atuarem dentro e também fora das universidades. Pois, é necessário que

existam pesquisadoras e pesquisadores negros nas funções mais elevadas das universidades e

nos demais quadros profissionais da sociedade, a fim de resolver a exclusão do exposto,

acima. O Professor Carvalho, salienta também que os sistemas desenvolvidos pela

meritocracia são insuficientes para solucionar esse problema, através do qual, o mesmo

poderá levar ainda séculos para ser erradicado, (CARVALHO, 2005/2006, 2012).

A fim de corrigir a exclusão de negros, indígenas e também dos alunos de baixa renda

no ensino superior, a lei de cotas possui o objetivo de ampliar o acesso dessas populações nas

152

Grifo da autora.

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universidades públicas. De acordo com a (SEPPIR) Secretaria de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial da Presidência da República, em agosto de 2015, quando Lei de Cotas, que

completou três anos de sua sanção “garantiu mais de 111 mil vagas para estudantes negros

em cursos superiores de universidades e institutos federais”. E, a perspectiva é que esse

acesso cresça ainda mais no decorrer do tempo.153

Em levantamento realizado pela SEPPIR mostra que, já em 2013, 50.937 vagas das

instituições federais de ensino superior e técnico foram ocupadas por estudantes negros. E, em

2014 o número subiu para 60.731. A notícia é recebida com entusiasmo pela secretaria que na

época afirmou que, até o final de dezembro de 2015, mais 40 mil vagas serão ocupadas por

negros, totalizando no final de 2015, cerca de 150 mil vagas.154

De acordo com o IPEA, entre 54 universidades públicas federais e estaduais que nos

últimos oito (8) anos adotaram as políticas afirmativas por cotas raciais e sociais no País, os

alunos negros apresentam desempenho próximo, igual ou até melhor em relação aos não

cotistas. Esse dado foi analisado pelo recorte de grandes universidades como, Universidade

Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da

Bahia (UFBA) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Dados divulgados pelo

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) colocam por terra “o mito de que, graças à

ação afirmativa, alunos negros estariam "entrando pela janela" das instituições superiores

da rede pública. As notas lhes abriram o caminho da porta da frente”.155

A partir dos resultados acima apontados, em especial, da UERJ que são considerados

surpreendentes, pois demonstram se tratar de um mito a discussão que os alunos negros não

conseguem acompanhar o desempenho dos demais e, atrapalham o desenvolvimento

educacional das universidades públicas. Segundo Teresa Olinda Caminha Bezerra,

pesquisadora e doutora em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), o resultado

dos dez anos (10) das políticas afirmativas nas universidades públicas é espetacular, porque

coloca por terra, o preconceito contra os estudantes negros, em todo o Brasil. 156

153

Agência Brasil — publicado 30/08/2015. Acesso em: 30 nov. 2015. 154

Ibid. 155

Disponível em: <http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=7102>.

Acesso em: 31 dez. 2015. 156

Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital>. Acesso em: 01 jan. 2016.

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CAPÍTULO II A “CARTA ABERTA”, UMA OPOSIÇÃO DE TRÊS

PROFESSORES AO APARTHEID USPIANO

Debatemos acima as posições de alguns dirigentes da USP e do governador Geraldo

Alckmin. Cremos que a USP157

esteja mascarando as políticas afirmativas porque inventa

formas complexas e todas fundamentadas na ideia de mérito. A meritocracia tem função

excludente e não inclusiva, e entendemos que o sistema College seja o mais excludente de

todas as formas de exclusões já pensadas pela USP, o qual não está em funcionamento devido

à intervenção de alguns professores, alguns dos quais, inclusive, não concordam com o

sistema de cotas raciais e, mesmo assim, enxergaram no College o maior sistema

segregacionista já visto na história da USP.158

Felizmente, a sociedade pôde contar com a intervenção intelectual de pelo menos três

professores, os quais evitaram esta tragédia, senão preocupados com os estudantes

segregados, mas, talvez, com a reputação da USP; embora tais professores sejam adeptos do

PIMESP e dos demais sistemas que a USP adota para dizer que inclui os alunos negros e

indígenas. Assim, os professores (as) decidiram interceder e impedir a concretização física

dos cursos à distância (Plano de Inclusão com Mérito na USP).159

Os autores da “CARTA ABERTA”: Lilia Moritz Schwarcz (Departamento de Antropologia);

Maria Helena P. Toledo Machado (Departamento de História); e Vagner Gonçalves

(Departamento de Antropologia), coloca em relevo a discussão acerca dos “objetivos, metas e

estratégias” que a USP deva estabelecer na condição de “principal universidade do País”.160

Para os autores da “CARTA ABERTA” se faz necessário que a USP, abandone a ideia

de ensino a distância. Os mesmos defendem que, somente assim, a USP poderia responder à

altura, a um dos imensos desafios que no momento, a história da educação brasileira cobra. O

que se faz necessário perante a democratização e, concretização do processo de inclusão

social dos estudantes, provenientes da rede pública de ensino brasileiro, os quais, em geral,

são oriundos de famílias pobres, “os chamados PPIs (pretos, pardos e indígenas, conforme

denominação do IBGE)”. 161

157

Grifo da autora. 158

CARTA ABERTA, por: Lilia Moritz Schwarcz (Departamento de Antropologia), Maria Helena P. T.

Machado (Departamento de História) e Vagner Gonçalves (Departamento de Antropologia) – 2015. 159

Tahiane Stochero G1, 20/12/2012, SP. Disponível em:<http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-

lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-para-usp-unesp-e-unicamp.html>. Acesso: 30 maio 2015. 160

CARTA ABERTA, por: Lilia Moritz Schwarcz (Departamento de Antropologia), Maria Helena P. T.

Machado (Departamento de História) e Vagner Gonçalves (Departamento de Antropologia) – 2015. 161

Ibid.

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85

Por outro lado, parece que, no discurso dos professores não conexão entre a inclusão e

a qualidade de ensino e de pesquisa na USP. Os mesmos defendem que a instituição deva,

sim, se preocupar com a excelência acadêmica e consideram que tal excelência tenha sido

uma conquista, ao longo do tempo, em especial no que tange à liderança em pesquisa, ensino

e inovação. Sem dúvida, este é um dos grandes desafios que a USP e as demais universidades

paulistas terão de enfrentar, argumentam:

Se fosse só para lembrar-se dessa faceta do projeto, a iniciativa já deveria

ser devidamente comemorada. O balanço da ampla discussão realizada em

torno do PIMESP, em nossa comunidade, indica uma grande aceitação do

projeto como um todo, mas, também, uma crítica contundente à ideia de

implantação de um estágio de 2 anos de ensino a distância, ou

semipresencial, dedicado ao aluno de escola pública e baixa renda, e PPIs:

o college. A proposta foi questionada, justamente, por manter este aluno

alijado da vida universitária no decorrer do curso, além de não permitir que

a comunidade mais ampla da USP tenha contato com modelos de vida, de

cultura e de sociabilidade diferentes daqueles a que se vê habituado. Tanto,

que nesse segundo documento não consta mais a introdução do college. Por

outro lado, já no primeiro PIMESP não se definia claramente como a meta

de inclusão seria lograda, indefinição que se mantém também nesse novo

documento. [...] 162

O documento (CARTA ABERTA) chama atenção para a necessidade da discussão

acerca dos objetivos, metas e estratégias da USP. E, joga luz na responsabilidade que a

referida instituição deve assumir no contexto das políticas afirmativas, além de reconhecer a

exclusão enraizada naquela universidade. Nesse sentido, fica claro; quando os professores

discutem que “dever incluir”, naturalmente, assumem a existência de exclusão naquela

universidade, oras, só há necessidade de se incluir aqueles cujo sistema um dia, os excluiu. E,

não enxergamos no discurso dos professores alguma proposta de inclusão e sim, um ponto de

partida para a discussão em uma universidade que sempre se negou debater o racismo

estrutural, nela presente. 163

[...] a questão da inclusão acadêmica, de forma ampla, é pauta prioritária das

políticas universitárias nacionais e vem sendo enfrentada pelas universidades

federais e órgãos de pesquisa e financiamento. Mais recentemente, o próprio

CNPq incluiu, entre seus quesitos voltados para a identificação do

pesquisador, questão sobre cor/raça, evidenciando como o tema tem se

tornando tão incontornável, como cada vez mais comprometido com uma

162

(Departamento de Antropologia) e das professoras Lilia Moritz Schwarcz (Departamento de Antropologia) e

Maria Helena P. T. Machado (Departamento de História), todos da USP - Campus Butantã, São Paulo. 163

Grifo da autora.

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86

agenda cidadã.164

O professor e as professoras se manifestaram contra a implantação do sistema College,

por considerá-lo semelhante ao sistema Apartheid, mesmo olhando para o sistema PIMESP

como uma solução imediata, dada as circunstâncias do momento. Entretanto, reiteram que o

sistema PIMESP precisa ser alicerçado “por um bem-sucedido programa de inclusão”, e, que

o sistema de bônus precisa ser avaliado sistematicamente de forma que se verifiquem as

possibilidades objetivas e realização de meta. Justificam que só assim haverá, de fato, a

inclusão e destacam que era esse o objetivo do primeiro programa do INCLUSP, uma

avaliação sistemática de funcionamento e incremento. 165

Por fim, defendem que apenas desta forma seja possível não só avaliar, mas aplicar

adequadamente os mecanismos de bônus; criticam ainda dados do programa PIMESP, e

afirmam que, se este for o resultado, são ainda mais urgentes medidas de reavaliação de

inclusão.

[...] Não obstante, na atual proposta, o bônus específico para o quesito

raça/cor se resume a apenas 5%. Já no PASUP (cursinho vestibular),

proposto no mesmo projeto, aprece a meta de incluir os 35% de PPIs,

demonstrando assim certa contradição de procedimentos, que deveria ser

melhor explicada. Por fim, ao étnico-racial, ele não enfrenta a questão, em

suas propostas mais efetivas. Uma universidade de porte da USP, que detém

tal responsabilidade social, quando chamada a responder aos desafios da

inclusão universitária, necessita reagir à altura, gerando um projeto de alto

nível e que atenda necessidades acadêmicas e sociais.166

Na discussão dos professores, enxergamos as diversas formas que a USP forja para

escamotear as políticas afirmativas. Entendemos, portanto, que grosso modo, existe no debate

dos professores uma crítica contra a suposta política de “inclusão”, para os estudantes que a

USP diz incluir, os estudantes negros e indígenas. Porém, há uma crítica também sobre certa

confusão do dado apresentado acerca do percentual de estudantes negros. Além de certa

pressão contra a ausência da Universidade em medidas de inclusão, reconhecidas

Disponível em: <file:///C:/Users/Bia/Downloads/carta_APPIUSP_Schwarcz_Machado_Goncalves%20(9).pdf>.

Acesso: 12 nov. 2015. 165

Carta Aberta ao público sobre avaliação da proposta PIMESP pelos professores Schwarcz; Gonçalves;

Machado, USP. Disponível em:

<file:///C:/Users/Bia/Downloads/carta_APPIUSP_Schwarcz_Machado_Goncalves%20(9).pdf> Acesso em: 12

nov. 2015. 166

Carta Aberta ao público sobre avaliação da proposta PIMESP pelos professores Schwarcz; Gonçalves;

Machado, USP. Disponível em:

<file:///C:/Users/Bia/Downloads/carta_APPIUSP_Schwarcz_Machado_Goncalves%20(9).pdf> Acesso: 12 nov.

2015.

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nacionalmente, denotando extrema preocupação mais com a imagem da universidade e menos

com a política de inclusão.167

2.1 A Origem do Racismo na Península Ibérica, sua Influência no Brasil e na USP

Nunca é demais retomar a gênese dos acontecimentos para melhor compreendê-los.

Retrocedemos, então, no tempo objetivando entender com mais profundidade como o racismo

foi concebido, ainda nos primórdios do século XV, na Europa, e exercido contra povos em

diversos continentes. O qual serviu para justificar o domínio de um povo sobre o outro que,

em geral, se deu pela cultura (crença), pela diferença étnica, mas sempre imbuído de interesse

político, social, entre outros (MUNANGA, 2011).168

Nesta construção histórica, seguimos a pista da Professora Maria Luiza Tucci Carneiro

(1982)169

e do Professor Kabengele Munanga, nos quais encontramos importante contribuição

para a nossa análise e interpretação, acerca da origem do racismo no Brasil. O qual marca

profundamente a nossa história, pois, desde os primórdios de sua formação, quando as

populações negras foram trazidas para esta terra na condição de escravos. E, ainda hoje são

vítimas do racismo institucional, presente em nossa sociedade, em especial nos espaços que

têm obrigação de extingui-lo, as universidades, em especial a USP, por se tratar de uma das

maiores universidades públicas deste país, e, ser mantida com o dinheiro de todos.170

A questão racial no Brasil perpassa as múltiplas discussões entre as quais se

configuram os conflitos, concordâncias e discordâncias que atravessam os séculos,

culminando com a recente legislação das políticas afirmativas.171

Tema este que tem sido

palco das diversas discussões que permeiam o mundo contemporâneo, pois o racismo no

Brasil está impregnado nas culturas e por isto, apesar de vivermos, mais de quinze anos

passados do século XXI, muito ainda não se libertaram da pobreza que é preconceito imbuído

em suas almas.172

O problema é que, o individuo que é contaminado por este sentimento, o

preconceito, de alguma forma ele acaba atrapalhando sua vítima. (CARNEIRO, 1988).

168

MUNANGA, Kabengele. Uma Abordagem Conceitual das Nações de Raça, Racismo e Etnia, 01/06/2011.

(Online). Acesso em: 05 jan. 2015. 169

M. Luiza Tucci Carneiro cuja obra “Preconceito Racial”, resultado de sua pesquisa de mestrado na USP,

orientada e prefaciada pela professora Anita Novinsky. Organização da autora. 170

Grifo da autora. 171

MUNANGA, Kabengele. Uma Abordagem Conceitual das Nações de Raça, Racismo e Etnia, 01/06/2011.

(Online). Acesso em: 05 jan. 2015. 172

Ibid.

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88

Tais discussões fluem de acordo com a crença que cada indivíduo carrega consigo a

partir de seu meio cultural. Assim, o racismo em nossa sociedade tem sua origem na cultura

da construção colonial-capitalista, e ainda hoje, seus seguidores buscam apoio nessas teorias

ultrapassadas para justificar as atrocidades do racismo presente na sociedade e nas em

universidades públicas, (MUNANGA, LINO, 2010).173

A partir dessa discussão, entendemos que, a meritocracia adotada na Universidade de

São Paulo (USP) para avaliar os indivíduos “considerados” aptos a ocupar as suas vagas

acadêmicas, fatalmente seus dirigentes e profissionais a quem cabe à decisão de adotar ou não

o sistema de inclusão, são atingidos por essas culturas oriundas do colonialismo-capitalismo

e, sob essa influência promovem o emperramento das populações exploradas pelo prisma

racial.174

Neste sentido, elucidamos o debate acerca do racismo institucional, fizemos uma

viagem no tempo para então entender o presente. A origem do racismo tem fundamento

cultural que, em geral, possui cunho racial, ou seja, parte de culturas impostas por indivíduos

que nele enxergam “sua verdade como absoluta”175

e, desse modo, as impõem aos grupos ou

sociedade ao seu alcance, na maioria das vezes, objetivando interesses políticos, econômicos

ou religiosos (MUNANGA, 2011, p. 12-17).

Se olharmos para as políticas de superioridade, aplicadas nas “diversas sociedades”

pelas classes dominantes, observamos que, tais domínios se dão da mesma forma desde a

Idade Antiga, perpassou a Idade Média e sobrevive em pleno século XXI nas diversas

sociedades. Inclusive na sociedade brasileira e, pior, em universidades públicas, tendo em

vista que, seus dirigentes veem na meritocracia a expressão do saber e olham para as políticas

afirmativas pela lente da exclusão, apregoando as justificativas mais obsoletas do ponto de

vista do desenvolvimento educacional inclusivo, (MUNANGA, 2011, p. 12-17).

O racismo é um fenômeno cuja pesquisa histórica exige dupla investigação: o que

consiste em análise teórica e também em pesquisa empírica, contra a inclusão de estudantes

negros. Na Universidade de São Paulo, a partir de nossas pesquisas empíricas, pudemos

observar que seus dirigentes escamoteiam algumas ações, oferecendo aos estudantes negros

bônus, ensino a distância entre outros métodos que nem eles, os criadores desses bônus,

173

Os autores em referência, Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, cujos artigos são utilizados na

afirmação do parágrafo acima, figuram no livro: Epistemologias do Sul, de Boaventura Sousa Santos e Maria

Paula Meneses (org.), editora Cortez, 2010. 174

Grifo da autora. 175

MUNANGA, 2004

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conseguem explicar sua objetividade, isso acontece porque todos estão atingidos pelo racismo

(CARVALHO, 2005, 2012). 176

Assim, julgamos pertinente adentrar aos estudos sobre o início do racismo no mundo a

fim de compreender os objetivos do Estatuto de Purificação de Sangue sobre o qual M. Luiza

Tucci se debruça e nos propicia problematizar esta questão. Pois nos parece que o racismo

institucional possui forte vínculo com esta cultura. A autora se pauta em estudos, a partir de

pesquisas de Albert Sicroff, que nos possibilita compreender que, sua estrutura é mais cultural

religiosa e menos cientificista. Porém, sempre justificada pela exclusão de todos que se

mostrassem indiferentes ou se manifestassem contra a fé cristã; neste viés, as convicções

assumem características racistas e discriminatórias contra os diferentes culturalmente. E, a

partir de suposição, aqueles cuja assimilação católica não estivesse impressa em seus

comportamentos eram rotulados de “tintas raciais”. (CARNEIRO, 1988, p. 22).

Antes da chegada dos mouros na Península Ibérica, os judeus a habitavam com

bastante mobilidade social e constituíam grande parte daquela população. Inclusive foram

grandes colaboradores dos reinos cristãos, “na guerra contra os invasores”. Porém, por serem

culturalmente diferente dos cristãos, acabaram por formar uma classe desigual em sua cultura

e, em consequência de tal diferença cultural, no século XII, já possuíam uma organização

social em comunidades, na Península Ibérica, onde existiam áreas cuja cultura era

absolutamente judia. Entretanto, naquela época, partilhavam de certa harmonia e até possuíam

cargos públicos naquele local. Embora fosse determinado pelos “Concílios o uso de

distintivos” para que os judeus se diferenciassem dos cristãos; essas determinações,

entretanto, não eram levadas a cabo e nem por isso tinham suas vidas afetadas. Afinal,

existiam interesses financeiros dos grupos dominantes, em especial da Alta Nobreza, que,

preocupados em manter esses benefícios, primavam por essa convivência. (CARNEIRO,

1988, p. 42-44).

Assim, o racismo na Península Ibérica, em especial em Portugal, oscilava de acordo

com os interesses econômicos dos reinos. Em 1383, quando D. João, Mestre de Avis, se torna

Regente do Reino e, posteriormente com apoio popular, inclusive do povo judeu, que doou

grande quantia financeira aos cofres públicos de Portugal, em 1385, é aclamado Rei,

beneficiando os judeus com um período de paz. Os judeus espanhóis, entretanto, não tiveram

a mesma oportunidade de negociar a paz e grande parte é massacrada. (CARNEIRO, 1988, p.

42-44).

176

CARVALHO, J. Jorge. SEMINÁRIO: As Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais. IFRN,

02/08/2012. Vídeo: Disponível em: <www.youtube.com>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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Mais tarde, o racismo, originado da cultura religiosa, se propaga a partir de lutas

financeiras entre os cristãos-novos e cristãos-velhos, culminando com a exclusão dos cristãos-

novos de ofícios públicos. Tal situação resulta de medidas de cunho racial que dá origem ao

Estatuto de limpeza de sangue, quando pela primeira vez é transformado em lei, em Castela,

no século XV. Essa política acaba por propiciar condição para o motim contra os cristãos-

novos em Toledo, no ano de 1449, (CARNEIRO, 1998, p. 121).

Neste contexto, a questão racial acaba sendo a fonte norteadora da política que vigorou

na Península Ibérica, a partir do século XV, a qual foi responsável pela semeadura do

preconceito racial que brota em grande parte do mundo. A mesma é responsável por inspirar a

discriminação racial no período conhecido por “Grandes navegações” e, mais tarde, na

“Guerra Nazifascista”. A qual se norteia nessa política para promover o maior genocídio da

história mundial, contra o povo judeu. Essas práticas racistas são enraizadas na cultura

europeia, e os portugueses a implantaram aqui, através do maior regime escravista das

Américas, quando o racismo foi um instrumento amplamente utilizado como garantia de

superioridade racial, (CARNEIRO, 1998, p. 28, 43-47).

A autora nos apresentam caminhos que nos possibilita interpretar que, o Estatuto de

pureza de sangue tenha sido utilizado na Colônia Portuguesa, por exemplo: ao estudarem o

caso do cristão-novo Bento Teixeira, sob o ponto de vista do “criptojudaismo”, fica nítida a

existência do preconceito também contra os judeus, aqui na América e de forma bastante

explícita e amplamente fortalecida no debate do Estatuto Racial, (Estatuto de Pureza de

Sangue). Pois esses “pensadores” são influenciados por esta tese e, até no século XX, no

Brasil, defendem a existência de raças superiores, sendo que o objeto de estudo, enquanto

raças inferiores, sempre são caracterizadas por: negros e mestiços. Entre esses pensadores

figuram: Silvio Romero, Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Oliveira Viana, entre outros,

que analisam os negros e mestiços pelo viés de “sub-raças”, (CARNEIRO, 1998, p. 28-31).

O conceito de raça, a partir da concepção cultural, tem origem no termo raça, em

italiano, que se origina “razza”, mas na época, naquela sociedade, o termo “razza” tinha uma

interpretação de sorte para algumas categorias ou espécies. Porém, no século XV, quando os

europeus, motivados pela ideia histórica conhecida por “Grandes Navegações177

”, ao

adentrarem o continente africano, observam por lá a existência de outros seres possuidores de

177

Disponível em: <http://www.edicoessm.com.br/files/pnld/2013/aj/his/Reproducao_capitulo_4_ano_ajh.pdf>.

Acesso em: 04 nov. 2015.

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características que se assemelham às suas. Questionam, então, se são “bestas178

” ou se são

seres humanos como eles. Até aquele momento, explicam a história da humanidade a partir

das “escrituras sagradas”, assim se debruçaram em estudos sagrado e justificaram o racismo

sobre este prisma das sub-raças, ou seja, “raça inferior”, (MUNAGA, 2004, 2005).

Neste sentido, essa influencia predomina a nossa cultura, uma vez que somos uma

nação formada a partir dos três povos: africanos, europeus e indígenas. Assim, todos que

pertencemos às raízes africanas, cujo tom de pele possui mais quantidade de melanina, ou

seja, possuem pele mais escura, em geral somos prejudicados em consequência da

interpretação de cunho racista, o qual predomina a nossa cultura.179

Assim, os pesquisadores teológicos na Península Ibérica vasculham, então, as

“escrituras sagradas” a fim de conseguir respostas para explicar os “outros”; encontram,

então, prova parcial fundamentada no mito dos Três Reis Magos, cujos personagens se

projetam na representação das três raças: Baltazar, sendo o mais escuro de todos, representa a

raça negra, e o índio permanece incógnito, uma vez que não foi encontrado na bíblia nenhum

personagem com a mínima semelhança capaz de representar os povos considerados indígenas.

Nesse caso específico, sobre a não identificação de algum representante dos indígenas na

bíblia, talvez resida nessa hipótese à justificativa para o genocídio indígena nas Américas (no

Brasil); cabem pesquisas que elucidem tal hipótese180

(MUNANGA, 2005, p.49-55).

Tomando por base a análise do discurso religioso ao científico, o conceito de raça, tal

como o concebemos na sociedade brasileira atual, é, na realidade, uma construção histórica,

política e social. De acordo com a interpretação da “teologia”, justificava-se a escravidão

como única saída para que os negros e índios atingissem a humanidade plena (MUNANGA,

2004, 2005; CARNEIRO, 1982).

Ao relacionar a prática do racismo como critério utilizado pelos europeus contra

judeus e negros africanos. O Professor Munanga, chama para a questão dos corpos negros.

Pois, no genocídio da “Alemanha fascista” contra os judeus, ainda que remota, havia a

possibilidade de um judeu conseguir ultrapassar as barreiras impostas para se livrar do

aloucaste. Entretanto, tal possibilidade jamais pode ser observada entre os negros africanos,

por não terem a mesma aparência física dos judeus jamais poderiam burlar um cerco para se

178

Etimologicamente, o termo "besta" surgiu a partir do latim bestia e significa, literalmente, "fera" ou "animal".

Besta é um substantivo feminino utilizado para nomear animais quadrúpedes (que andam em quatro patas) que

podem ser utilizados para se cavalgar. Como um adjetivo, a palavra besta pode ser interpretada como sinônimo

de "indivíduo tolo", "ignorante" ou "estúpido". Disponível em: http://www.significados.com.br/besta/. Acesso

em: 02 nov. 2015. 179

Grifo da autora. 180

Ibid.

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livrar da escravidão sem serem descobertos. Assim, os negros são mais vulneráveis aos

domínios do colonizador. E, nos dias de hoje, ainda são as maiores vítimas dos preconceitos

raciais culminando com sua exclusão nos espaços de poder (MUNANGA, 2005, p.49-55);

(SANTOS, 2004, 2008, p. 2-11) 181

.

Identificamos nessa discussão, forte ignorância a respeito das especificidades do outro,

o que produz a ausência da dignidade humana, a qual é responsável por essas construções

impostas, assimiladas e transportadas da ciência e da cultura para os livros, entre outros meios

de comunicabilidade, até serem difundidas no tecido social. Tais circunstâncias são perversas

porque as diferenças entre os povos devem servir de munição para a garantia da preservação

da espécie humana, (MUNANGA, 2005).

A partir do século XVI, novos estudos surgem com o objetivo de modernizar os

conceitos raciais, o que resulta na classificação da diversidade humana “em grupos

fisicamente contrastados, denominando-os por: raças”. No século XVIII, período

historicamente conhecido por “século das luzes”, ou século da razão, os filósofos iluministas

reivindicam para si a discussão teórica acerca dos estudos de questões ligadas às ciências

humanas e contestam a explicação cíclica da história da humanidade. Neste sentido, os

iluministas expandem seus estudos para o campo da biologia, e como é um traço da ciência

nomear os objetos de pesquisas, explicam que os negros pertencem à raça humana, mas por

suas diferenças biológicas são raças inferiores. Nesse aspecto, convergindo com a designação

teológica que justificou a escravidão como norte para que negros e índios se convertessem ao

catolicismo e aceitassem a escravidão para se tornarem plenamente humanos. (MUNANGA,

2005, p. 49-55).

Diante da exclusão observada nas universidades públicas, em particular na USP,

verificamos que, os aspectos raciais ainda são fortemente considerados como parâmetro de

ascensão social, em nossa sociedade. Tal realidade nos leva a lamentar. Pois, defendemos que,

a esta altura já está mais do que na hora da consciência brotar entre os povos brasileiros,

principalmente entre aqueles que demandam os acessos aos conhecimentos formais e

informais. Vivemos hoje a era da inclusão e, a diferença entre brancos e negros existe apenas

na quantidade de melanina que um povo tem em reação ao outro. Assim, os negros

brasileiros devem ser vistos e respeitados. 182

181

SANTOS, Hélio. Discriminação Racial no Brasil, 2008, p. 01-22. Disponível em:

<http://www2.tjce.jus.br:8080/esmec/wp-content/uploads/2008/10/discriminacao_racial_no_brasil.pdf>. Acesso

em:15 nov. 2015. 182

Grifo da autora, fundamentada no pensamento do Professor Munanga.

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2.2 O Processo de Miscigenação no Brasil e o Mito da Democracia Racial

O mito da democracia racial no Brasil foi uma política perversa que, se as populações

negras não trouxessem em suas culturas a preservação de suas identidades teriam assimilado a

cultura imposta. Contudo, os negros brasileiros são desbravadores e, sobremaneira sempre

lutaram por manter suas culturas, identidades. Observamos a prova dessa questão nas lutas

dos negros que, grosso modo, mesmo isolados pelo sistema escravista português, faziam o

que podiam para sobreviver; aonde a voz serviu de mecanismo de luta, a qual funcionou

desde os porões dos navios, se estendendo pelos trabalhos nas roças, nos engenhos e em toda

parte aonde existiam negros, além de outros tantos mecanismos de resistência, fuga e

formação de seus redutos, através dos quilombos, entre outros, (ANTONACCI, 2015).

Neste sentido, a luta das negras e dos negros, vara os séculos até chegar ao XIX,

quando os “cientistas brasileiros” implantam na sociedade o modelo cientificista da

miscigenação. Vale lembrar, entretanto, que poucos estudiosos se dedicam aos estudos da

questão racial no Brasil, e, os poucos estudiosos dessa questão, o fizeram sempre pelo viés

dos positivistas, assim dando ênfase ao ponto de vista do dominador europeu.

No limiar do século XIX, as classes dominantes brasileiras exercem grande pressão

política e psicológica na sociedade, e neste sentido impõem um modelo

sincrético/assimilativo da identidade nacional, em detrimento à identidade do povo indígena e

de origens africanas. Embora, entre os séculos XIX e XX a ciência biológica, após muitos

estudos, explique que entre os diferentes grupos humanos não há diferença genética, ou seja,

não se comprova diferença biológica entre negros e brancos e que suas diferenças são apenas

na quantidade de melanina que uns possuem em relação aos outros. Assim, atenta para a nova

descoberta pela ótica da preservação da espécie. Na ocasião, muitos biólogos, alguns

estudiosos brasileiros e outros não, ao abandonarem suas teses (sobre raças) em solidariedade

aos povos negros, solicitam que o conceito de raça seja banido dos dicionários como forma de

diminuir os preconceitos entre as pessoas, (MUNANGA, 2003, 2010, 2011).

Todavia, no Brasil, este resultado não fora utilizado em benefício das populações

negras, até porque logo se introduziu no inconsciente coletivo a ideia de que, neste país, não

há racismo; então, quando não se reconhece a questão em curso, logo ela não existe. Ideia

abraçada no Brasil, em especial pelas classes dominantes, com o objetivo de manter a

predominância do poder, (MUNANGA, 2010, 2011, p. 445-447).

Neste contexto, não se elaboraram leis capazes de resolver as questões relacionadas

ao racismo porque se implantou na sociedade a ideia de democracia racial, emperrando as

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lutas e os direitos sociais do negro na sociedade brasileira. E ainda as populações brancas são

vistas como: beleza superior, gente de cultura, “mais elevadas”, pessoas “mais inteligentes”,

mais “capazes”. Enquanto as populações negras e seus descendentes, como também as

populações indígenas, entre outras, livres de traços europeus, são considerados “raças

inferiores”; sobre este pressuposto se implanta no Brasil a cultura da democracia racial

abrindo um caminho ainda mais extenso para se chegar à equidade das populações negras

brasileiras, (MUNANGA, 2010; 2011).

Este discurso, acima, vem servindo de munição na USP, contra a inclusão dos

estudantes negros. Agora, seus dirigentes se apropriam de um resultado científico, o qual

atesta que, negros e brancos possuem igual capacidade cognitiva, para justificar o não

reconhecimento de suas especificidades. 183

A fim de caracterizar a ideia brasileira sobre a mestiçagem neste trabalho, se fez

necessário sintetizar, de forma crítica, seus elaboradores para, então, se compreender seus

efeitos e suas consequências no processo da construção da identidade nacional. Assim, como

seu contrapeso quanto à problemática que, naquele período histórico, é levada em conta para a

formulação da identidade negra no Brasil.

Para Carlos Hasenbalg184

, a mestiçagem no Brasil partiu do referencial teórico em que

predominou o pensamento cientificista brasileiro no século XIX, quando funciona como

desagrado da “boa raça”, cuja pretensão seria manter os traços da raça branca e

descaracterizar os traços originais da raça negra. Através do processo da mestiçagem que

funcionou como um laboratório humano, no Brasil, em convergência com o pensamento de

Hasembalg, também, (MUNANGA, 2010).

A miscigenação, portanto, da forma que foi idealizada e implantada no Brasil, traduz a

mais perversa ideia no que tange a questão acerca da democracia racial. Pois, este pensamento

produziu ação violenta contra os povos negros, a fim de colocá-los sob a implantação de uma

nova etnia nacional como modelo ideal de branqueamento. O qual traduz o processo de

unificação política da identidade brasileira.

Estas ações foram realizadas num clima antidemocrático e assim, explicaria porque a

confluência de tantas e tão variadas matrizes, formadas no Brasil de hoje, não resultou na

identidade desenhada pelo projeto cientificista da época. O qual que tentou a todo custo

transformar as diversas identidades e culturas aqui existentes em única, a nacional, cuja

183

Grifo da autora. 184

HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

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construção “hegemônica” pensada e elaborada do ponto de vista europeu ainda nos dias de

hoje reflete as lutas por inclusão educacional e social na USP,185

(MUNANGA, 2003, p. 50-

59).

A construção de identidade das populações negras descolonizadas pressupõe o

resgate de uma cultura negada e falsificada em prol de interesses europeus desde a

colonização e pela implantação dos modelos cientificistas do século XIX. Desta forma,

colocamos em debate a descontextualizarão das epistemologias do Norte186

que, em

construções abstratas, exercem papéis estruturantes do imaginário imperialista das questões de

representação ideológica e do discurso de progresso calcado na “razão” que menospreza os

povos descolonizados, em geral de origens indígenas e africanas (SANTOS, 2008, p. 04-21);

(MUNANGA, 2003, p. 36-42).

Nesse sentido, as epistemologias elaboradas entre os séculos XIX e XX chegam

engendrando o caminho por onde as populações descolonizadas devam passar. E, de algum

modo, houve grande resistência por parte dos povos colonizados. E, grosso modo, acabaram

por assimilar a ideia de “identidade nacional”, a qual, objetivamente foi implantada para

integrar as diversas resistências à ideia de cultura nacional. Aonde o discurso sobre a

mestiçagem como construção de identidade negra e o sentido político pelo qual se conduziu

no Brasil o “processo de miscigenação” funcionou como a negação da “cultura e da

identidade” das populações com descendência africana. (MUNANGA, 2003, p.17-23).

No pensamento de Munanga (2010), o processo de democracia racial possui cunho

hegemônico sobre o qual as populações negras foram submetidas em repressão pelas elites e

pelo sistema político instituído no estado brasileiro durante todo o século XIX, de modo que

até o presente observam-se os resquícios desse processo. (MUNANGA, 2010).

A mestiçagem no Brasil foi desenhada para o progresso do clareamento de pele, cujo

resultado influi hoje nas diversas classificações raciais de negras e de negros brasileiros. Esse

foi um projeto promovido pelas elites da época, que pretendeu promover o engessamento do

negro, no meio educacional público brasileiro. Situação que resulta hoje na exclusão das

populações negras, nos mais diversos campos da sociedade brasileira. Assim, “esse

laboratório” da miscigenação vem promovendo rupturas entre as populações negras,

185

Grifo da autora (sobre a menção USP). 186

Existem Epistemologias do Norte, porque existem as do Sul. As Epistemologias do Sul, em geral, se

constituem por modelos cientificistas de cunho dominante, de poder. Enquanto que as Epistemologias do Norte,

não necessariamente estejam ligadas ao Norte ou ao Sul geográficos. Explicam-se, portanto, o sistema

colonialista-capitalista. Ou seja, uma ideia foi elaborada cientificamente para contrapor a outra. Organização da

resposta da autora com fundamentação em: SANTOS, Boaventura de Sousa: MENESES, Maria Paula Meneses.

Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

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emperrando as lutas e adesões às ações afirmativas187

nas universidades públicas do Brasil e

também nos demais âmbitos da educação brasileira. (HASEMBALG, 1979).

O fenômeno da mestiçagem parece ter menos implicação ideológica do que do

ponto de vista “racial”, embora aqui no Brasil, segundo a interpretação, não foi o primeiro

caso, já que a mestiçagem foi um projeto da ciência em que o negro foi o objeto de estudo de

transformação científica. Enquanto se visavam os interesses das classes dominantes, as quais

almejavam a construção de uma nova identidade para o povo negro brasileiro, dando assim

origem a um novo “ser” (MUNANGA, 2010, p. 445).

[...] No Brasil, onde a ênfase está na marca ou na cor, combinando a

miscigenação e a situação sociocultural dos indivíduos, as possibilidades de

formar uma identidade coletiva que aglutina negros e mestiços, ambos

descriminados e excluídos, ficam prejudicadas. [...]. O surgimento de uma

etnia brasileira, capaz de envolver e acolher a gente variada que no País se

juntou, passa tanto pela anulação das identificações étnicas de índios,

africanos e europeus quanto pela indiferenciada entre as várias formas de

mestiçagem [...] (MUNANGA, 2010, p. 445).

Na História do Brasil, há uma questão ambígua entre cor e classe social, onde

identificamos lacunas a serem preenchidas já que as populações negras não foram apenas

excluídas do processo do mundo do trabalho. Mas, além disso, negou-se o direito à

manutenção das culturas e das identidades africanas, através da implantação do processo da

“democracia racial” em funcionamento ainda hoje em universidades públicas. Embora esta

tenha a obrigação de colaborar para a equidade dos negros, afinal trata-se de uma

universidade pública e, por isso, sua disponibilização de vagas, por direito, pertence a todos e

não a um grupo restrito que trata os demais como se fossem inferiores, (HASEMBALG,

1979).

187

Ações afirmativas objetivam atingir dimensões práticas no cotidiano de uma comunidade/sociedade,

promovendo resultados concretos que a modifique positivamente, transformando a vida dos indivíduos excluídos

dos bens comuns nela produzidos. E por isso sua discussão deve continuar, como forma de sua implementação,

ampliação e conscientização de todos que fazem parte da sociedade, comunidade em discussão. São políticas

pensadas e elaboradas a partir dos processos históricos que hoje refletem como forma de reparação da

exploração do longo processo da escravidão. Mas que, se observado e refletido do ponto de vista jurídico, trata-

se de uma obrigação do Estado de Direito, da sociedade independente dos seus níveis de conhecimentos e

consciência acerca do problema, como forma de corrigir injustiças cometidas em determinado período histórico.

No caso aqui, referimos ao regime escravista e suas consequências ainda hoje presentes em toda a ordem social

especialmente no meio acadêmico da Universidade de São Paulo (USP). (MUNANGA, 2005, 2011). Elaborado

pela autora amparada na definição da fonte a seguir. Disponível em: <http://etnicoracial.mec.gov.br/acoes-

afirmativas-cotas-prouni–>. Acesso em: 04 jun. 2015.

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Não raro, no presente, os negros reivindicam seus direitos e estes vão desde a

manifestação cultural até a exibição de suas características físicas, entre outros símbolos que

lhes identificam e aproximam da cultura de seus ancestrais, das Áfricas. Neste sentido, as

pessoas que possuem ancestralidades africanas, veem assumindo mais as suas identidades. a

partir da implantação das políticas afirmativas, senão material, mas culturalmente, pois, a

partir da implantação da Lei no 10.630/2003

188, as populações negras tomam mais consciência

de sua representação na sociedade se torna mais crescente, onde muitos fazem questão de

assumir seus estilos, fundamentados da cultura negra, (ANTONACCI, 2015).

Esse acontecimento vem engrossando as lutas do MNU e também aumentando o

percentual de negros autodeclarados no Censo IBGE, e, mesmo diante das estatísticas e da

legislação em vigor, a USP, bem como as universidades paulistas, continuam inflexíveis e

resistentes às mudanças necessárias, para a devida adaptação e incluir a população estudantil

negra e indígena conforme determina o STF189

(CARVALHO, 2012).190

2.3 A USP, uma Estratégia do Jornal “O Estado de São Paulo”

Está presente na idealização da “Comunhão Paulista” um projeto cultural, cujo

fundamento seria colocar São Paulo e o Brasil nas mãos de uma classe ou uma “elite”

devidamente esclarecida e independente dos interesses políticos partidários. A origem do

ritmo habitual da USP, em manter-se isolada dos centros e dos partidos políticos, já está em

suas práticas desde a sua fundação e pode ser verificada quando a “Comunhão Paulista”

afirma ser necessário a incrementação de um projeto cultural independente da prática política

imediata, (CARDOSO; BOSI, 1982, p. 14).

Sendo assim, as reformas que surgem na educação não conseguem atingir a USP, sua

força se vincula à estrutura de sua origem, ou seja, nos anos 1970, a educação passa por

reformas de modernização, por exemplo: dentro da política anterior, antes do processo

modernizador da educação, na esfera pública, se seguia necessariamente uma hierarquia de

poderes, “nominal das cátedras”, no qual essa distribuição de poder seria permanente. No

188

CARVALHO, 2012. 189

História da votação dos ministros, a favor da política de cotas pelo STF. (org. da autora). Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em: 12 jan. 2016. 190

Seminário Ação Afirmativa, IFRN em 02/08/2012. Disponível em www.youtube.com.br. Acesso em: 20 dez.

2015.

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entanto, a partir da década de 1970, ocorrem alterações modernizadoras, e uma delas reside

exatamente na reforma de 70, como a extinção nominal de cátedras. Mas não “conseguiu

alterar de fato a distribuição de poderes”, tendo como resultado “horas de confronto”, onde as

interpretações a propósito são confundidas e “liberalismo” se caracterizou na “liberdade” de

práticas autoritárias, (CARDOSO; BOSI, 1982, p. 14-16).

Mas na origem é determinação absoluta, ou então a História [...] as situações

inaugurais. A universidade, instalada na região mais dinâmica do país e na

cidade que atingiu as mais elevadas taxas de industrialização e imigração,

não poderia, com o advento da civilização de massas, conter-se no projeto

ideal de seus fundadores, (CARDOSO; BOSI, 1982, p.15).

Os autores discutem que a USP fora gestada sobre o prisma da desigualdade, sua

forma embrionária se desenvolve em uma concepção política de elevação das camadas sociais

mais privilegiadas de São Paulo, enquanto as populações subjacentes ficam aquém dessa

discussão e concretização política educacional. Embora mantida pelo poder público, é

direcionada apenas a uma parte da sociedade, a mais privilegiada economicamente, afinal foi

esse o objetivo de sua fundação. Situação que não nos estarrece quando analisamos a obra de

Irene Rua Cardoso A Universidade da Comunhão Paulista, (CARDOSO; BOSI, 1982, p14-

15).

Neste contexto, traçamos um paralelo entre a discussão dos autores, na qual se coloca

que a USP deve se adequar à reforma educacional dos anos 1970 para abranger as populações

que emergiram no Pós-Segunda Guerra, (CARDOSO; BOSI, 1982).

Após a década de 1970, a “burguesia ilustrada paulista”, sofre influência

considerável dos efeitos da “Segunda Guerra”. Foi quando a “mesma hegemonia” se modifica

e apresenta-se diferente daquelas massas facilmente manipuladas nos anos 1920. Pois, mesmo

aquela parte da sociedade que se caracterizava como “revolucionária” até a segunda década

do século XX, não apresentava perigo real de revolução. “Até então, existiam apenas alguns

grupos gaiatos recebidos no Teatro Municipal” e não se tem notícia de outras formas de

protestos dessa burguesia. Por “outro lado” surgiam outros grupos diferentes das classes

dominantes, e tudo indica que souberam aproveitar as oportunidades oferecidas pelo governo

Vargas. O qual, grosso modo, procurou oferecer políticas sociais às classes menos abastadas e

isso permitiu chegar à “Universidade uma clientela cada vez mais diferenciada para a qual o

estudo não era só o pão já assado e partido pelo saber acadêmico, mas também em fermento

que poderia levedar as novas massas”. E, nesse sentido, o projeto do Grupo do jornal, “O

Estado de São Paulo” não foi assim, tão hegemônico, (CARDOSO; BOSI, 1982, p.14-16).

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Verificamos que Bosi (1982) foi assertivo em sua análise histórica, ao revelar que a

USP precisaria se reformar para atender à demanda. Os novos sujeitos sociais que resistiram

às ditaduras e aos efeitos das Guerras, pois não se reformando para a adequação social ao

novo contexto histórico, significaria se cercar pela política antiga, hegemônica do ponto de

vista da inclusão social. Ignorar que essa mudança fosse necessária significaria, acima de

tudo, se preparar para encarar os movimentos sociais que se organizariam entre os novos

sujeitos. O que compreendemos no contexto da nossa pesquisa histórica, a manifestação do

Movimento Negro Unificado, entre outros. Caracterizados, assim, pela luta das populações

negras, as quais são maioria pobre. Mas como pensou Bosi (1982), os novos sujeitos não

seriam mais uma massa de manobra, por este motivo, apesar da resistência dos dirigentes e da

maior parte dos governadores daquela instituição, até hoje, as populações negras se mantêm

em ritmo acelerado pelas políticas afirmativas, e sua maior articuladora hoje, é a “mulher de

ferro, Jupiara Castro”.191

Problematizamos este contexto com o pensamento do professor José Jorge de

Carvalho, embora, já o discutimos no capítulo anterior, mas apenas para ilustrar o pensamento

dos autores acima. O mesmo alerta para o perigo de não se promover as ações afirmativas

para incluir as populações negras, de modo a se propiciar a formação de graduandos que

avancem nos estudos de pós-graduação para se tornarem professores. Assim, essa realidade

persistirá e a tendência nos espaços acadêmicos será sempre a mesma, ou seja, deixam de

serem espaços de conhecimento para se transformarem em espaços de poder, onde prevalece

o confinamento racial, (CARVALHO, 2005).

2.4 A USP na Interpretação de Marilena Chauí

A partir da análise acima, no pensamento de Chauí (2014), é possível compreender a

resistência da USP sobre a possibilidade de mudanças, em particular sobre as políticas

afirmativas, uma vez que a mesma se norteia por políticas universalistas, se fechando para o

diálogo a respeito da diversidade, tema comum em uma democracia.

A Professora Chauí traça um paralelo entre o objetivo da “Instituição de Ensino”

enquanto universidade democrática e a “Universidade Operacional”. Assim, especificando o

processo por meio do qual a universidade pública brasileira vem sendo transformada,

191

A mulher de ferro é um apelido carinhoso dos membros do NCN para se referir a sua líder, Jupiara Castro. E,

utilizá-lo aqui, fora uma organização da autora.

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descaracterizando-se de sua função social, para tornar-se uma organização isolada, cuja

eficácia e sucesso se medem em termos da gestão de recursos e estratégias de desempenho.

Desse modo, sua articulação com as demais universidades públicas acontece por meio

da competição; política ainda estabelecida na Ditadura Militar, sistema ao qual a USP se

adapta. Mantendo-se até o presente momento, pois segundo Chauí, a atual estrutura da

Instituição corresponde à mesma estrutura imposta pela Ditadura, o que explica a razão de a

universidade nunca se integrar às lutas dos movimentos sociais, porque a USP faz parte do

sistema liberal-capitalista.192

Chauí (2014) elucida também que a USP se estabelece sobre modelos

epistemológicos ultrapassados perante a realidade atual, quando esta desconsidera os

movimentos negros e sociais, as lutas dos professores/pesquisadores e os sujeitos em geral; se

articula em uma posição antidemocrática calcada em estrutura construída ainda no período

ditatorial. Critica duramente a política do PSDB, sustentando que esse partido é o filho

rebelde do MDB. E os administradores dessa Universidade, em sua maioria, e em especial o

seu então reitor João G. Rodas são defensores dessas políticas excludentes, moldadas pelo

capitalismo selvagem, (CHAUÍ, 2014).193

A pensadora faz uma comparação entre a forma que os dirigentes da USP administram

uma instituição pública de ensino superior e de pesquisa e os administradores de empresas

como: Vale do Rio Doce, Volks e outras que são empresas capitalistas. Enfatiza que as ações

da USP, tanto quanto as dessas empresas, são marcadas pela política da equivalência,

(CHAUÍ, 2014).194

Sua articulação nos direciona para a compreensão do funcionamento do sistema de

cotas raciais na USP. Pois, sua posição contrária às ações afirmativas é consequência do

pensamento neoliberal, que destoa o sentido das políticas de ações afirmativas e coloca em

destaque a meritocracia. Como faz o sistema capitalista ao impelir as pessoas pobres para fora

da vida social. Atitude também dos reitores da USP, que segregam os negros do direito de

192

M. Damázio, da RBA, publicado 09/08/2014, última modificação 11/08/2014. 193

Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais, com José Jorge de Carvalho no IFRN, em

02/ago./2012. Disponível em: <Ihttps://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvoSSN/19809921>Acesso em:

02 dez. 2015. 194

Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais, com José Jorge de Carvalho no IFRN, em

02/ago./2012. Disponível em: <Ihttps://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvoSSN/19809921>Acesso em:

02 dez. 2015.

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participar da vida universitária naquela instituição por meio do sistema de política afirmativa,

as cotas raciais, (CARVALHO, 2012).195

Para compreender a discussão acima, acerca dos sistemas de educação brasileira, em

especial sobre sua implementação nas universidades públicas paulistas, em especial sobre a

USP, retornamos a discussão em Irene Cardoso (1982), pois a mesma esmiunça, não apenas o

sentido do Inquérito de 1926, o qual norteou a instrução pública em São Paulo, bem como a

formação e estrutura da USP, uma vez que a mesma é nosso objeto de estudo.196

2.5 O Inquérito de 1926, a Educação Pública e a USP em Questão

O sistema de educação brasileiro passa por mudança considerável no início da

Primeira República, período conhecido por República da Espada, uma vez que os dois

primeiros presidentes eram militares, Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto,

(FAUSTO, 2003).

Apesar da dureza dos dois primeiros governos militares, nesse período, empreendem-

se dois importantes movimentos que se entrelaçam ideologicamente, mas com objetivos

diferentes: o primeiro defende a democracia liberal; o segundo defende a consolidação da

educação pública, os quais estavam em funcionamento nos países europeus.197

No pensamento brasileiro daquele período, considerou-se que esses dois movimentos

tenham representado grande avanço no que tange à demanda científica e educacional do

Brasil. Entretanto, pode-se afirmar que tal período fora marcado por certas inovações

tecnológicas, inclusive, nessa época, o Brasil já dispunha de avanço significativo na Medicina

e em outros âmbitos científicos. Porém, entre os anos 1914 e 1918, o advento da Primeira

Guerra Mundial provoca enorme desalento no mundo, atingindo o Brasil, que não havia se

refeito dos efeitos do longo e intenso regime escravista de sua história, (CARDOSO, 1982 p.

19-27, p. 82).

195

Ações Afirmativas e Educação: reflexões étnico-raciais, com José Jorge de Carvalho no IFRN, em

02/ago./2012. Disponível em: <Ihttps://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvoSSN/19809921>Acesso: 02

dez. 2015. 196

Grifo da autora. 197

AQUINO, Maria Aparecida. Disponível em: <https://umhistoriador.wordpress.com/2015/08/16/elites-

brasileiras-nao-evoluiram-desde-1964-diz-maria-aparecida>. Acesso em: 05 out. 2015

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Havia um grande número de analfabetos cuja composição era maioria de origem

escravocrata.198

Se considerarmos a dificuldade de acesso às áreas mais afastadas do País,

onde os recenseadores nem sempre conseguiam chegar, o índice de analfabetos, em 1889,

superava 67,02%. Somente em 1932, no Brasil, entra em questão o “Manifesto” dos Pioneiros

da Escola Nova, “e os demais documentos que constituem os seus desdobramentos” que

também incorporam na discussão a criação da USP. O projeto da Escola Nova teve como

precursor Anísio Teixeira199

, que defendia uma educação obrigatória, pública, gratuita e laica

para os todos os brasileiros. Mais tarde, perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas, se alterna

entre as diversas funções públicas e locais diferentes, mas sempre de algum modo ligado à

educação, (CARDOSO, 1982, p.105-108).

Após esse período, o terceiro presidente do Brasil, e o primeiro governo civil foi

Prudente de Moraes. Ele e seus sucessores são conhecidos como governo oligárquico, por

darem grande ênfase aos setores oligárquicos (campo) e menos ao setor industrial que estava

se estruturando no Brasil. Assim, até o último governo da “República Oligárquica”, com

Washington Luís, quando em 1930 o mesmo entrega o Brasil nas mãos de Getúlio Vargas,

enfrentando problemas no sistema de educação semelhantes à posição inicial dos governos da

“República da Espada” e da “República Oligárquica”. Isto significa que, grande parte da

sociedade, continuava sem acesso à educação, em particular, o povo indígena, negros e

descendentes, (CARDOSO, 1982, p.78-82).

Nesse momento, o Brasil atravessava grande crise econômica, política, social e

cultural. Por todos os lados, surgem revoltas e movimentos de contestação como: “greve dos

operários”, “Movimento Tenentista”, entre outros, (CARDOSO, 1982).

Em 1922, a Internacional Comunista e a Frente Negra Brasileira (FNB) surgem com

grande articulação política, provocando forte preocupação nas classes dominantes, sobretudo

entre os paulistas que se sentiram ameaçadas e veem na educação a possibilidade de manter o

domínio, começando por São Paulo, por ser visto como futura potência econômica,

(CARDOSO, 1982).

A ideia do Inquérito de 1926 tem objetivo bem definido, o qual consiste em elaborar

um modelo de educação para São Paulo, que atendesse os anseios do “Grupo o Estado de São

Paulo”. Cujo pressuposto era justificar a “Crise Nacional” pelo antagonismo do cenário

político e social brasileiro, intrinsecamente articulado em políticas de estabilidades entre o

198

SANTOS, Irene da Silva Fonseca dos Santos; PRESTES, Reulcinéia Isabel; VALE, Antônio Marques do.

Programa de Mestrado em Educação: UEPG-PR - Revista HISTEDBR (online) - BRASIL, 1930 - 1961:

ESCOLA NOVA, LDB E DISPUTA ENTRE ESCOLA PÚBLICA E ESCOLA PRIVADA. 199

Ibid.

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Regime “Império” e “Republicano”, nos quais a sociedade está alicerçada, assim continua

dialogando com o Regime escravista, (CARDOSO, 1982, p. 28-33).

O “Inquérito” de 1926, parte, inicialmente, da confirmação de lacuna de política

educacional, norteada por “princípios e não por homens”, o bastante para impulsionar a

“instrução pública de São Paulo”. Assim, dispensando a implantação de um novo sistema

educacional, o que significa maquiar o sistema já existente, a partir de retoques, de acordo

com o que o aparelho de ensino podia oferecer perante a circunstância “política e composição

precária dos governos”, (CARDOSO, 1982, p. 28-33).

Também, era exigência fundamental que a reformulação da instrução estivesse ausente

de interesses partidários, pois segundo a concepção do “Grupo do Estado”, apenas as elites

devidamente esclarecidas e formadas estariam à altura de responder sobre um projeto que

representasse a nacionalidade. Podemos perceber que a organização do Inquérito é enfática

quando determina a necessidade de distanciamento entre a Universidade e as relações

partidárias, devendo essa projetar unilateralmente um projeto cultural independente da prática

política imediata. Neste sentido, sobressaía-se a importância da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras (FFLCH) como norte para se atingir a totalidade universitária e também

considerada instrumento fundamental para atingir a constituição “nacional”, (CARDOSO,

1982, p. 28).

O segundo ponto do Inquérito, existe a discussão de aproximação entre educação e a

política, então, ambos os setores estão em embate. Porém, existe no mínimo uma contradição

em questão: se de um lado se apregoa que o ensino público tenha sua prática distanciada da

política partidária, por outro se enfatiza que o ensino, enquanto instituição pública seja

transformada em “importante instrumento político de coesão”. E, neste caso, considerava-se

de fundamental importância remodelar o sistema de ensino público em vigor. Para os

elaboradores do Inquérito de 1926 o sistema de ensino, apresentava resultados ineficientes

para formar a nação dominante. Pois, o mesmo não estava à altura de formar pessoas capazes

de elevar-se ao “desenvolvimento” do Brasil. Esta foi à ideia originada do Grupo do jornal,

“O Estado de São Paulo”, o qual se preocupou em formar os sujeitos com elevado padrão de

conhecimento para dirigir o país. Ou segundo os Mesquitas, não havia evolução dos sistemas

enquanto “Projeto Educacional”, (CARDOSO, 1982, p. 28-29).

Daí a defesa de um modelo de educação, ancorado no padrão epistêmico unitário,

inspirado nos interesses políticos nacionais, onde, apenas as “elites” “têm condições de

governar, decidir o destino do povo brasileiro”. Assim, aqueles que se apresentavam enquanto

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classes dominantes, sempre desconsideraram as especificidades que compõem o nosso

gigantesco Brasil, (CARDOSO, 1982, p. 29).

Neste caso, o objetivo do Inquérito de 1926, sobre a instrução pública, objetiva à

aproximação entre a “concepção democrática de sociedade” e a teoria das “elites”, destacando

que a ideia de democracia se concretizaria não a partir “de um governo do povo, com o povo

e para o povo”. Mas, nos governos cujos elementos sejam subtraídos do povo, e

constituídos a partir da educação, (CARDOSO, 1982, p32-34).

Outro detalhe essencial do “Inquérito”, em seu quinto ponto, refere-se à importância

de uma universidade ser fundada no Estado de São Paulo, versa intrinsecamente sobre a

superioridade deste estado no âmbito político e econômico. Estes aspectos justificariam o

desenvolvimento de São Paulo, mensurando o aprimoramento intelectual “das elites” para

engrandecer o país. Pois as classes dominantes (elites) acreditam serem responsáveis pelo

engrandecimento nacional, não apenas de São Paulo, mas da nação, e neste sentido, se

projetara a política do jornal “O Estado de São Paulo”, (CARDOSO, 1982, p.32).

Neste jogo de “desenvolvimento”, nasce a “naturalização” da usurpação de direitos

iguais para a nação brasileira, ou seja, a universidade formaria as pessoas que governariam, de

forma intelectual; nessa concepção de desenvolvimento, só as “elites” teriam o poder.

Segundo, o Grupo, a elas caberia dirigir às massas, o que de certa forma é uma política

adotada até os dias de hoje, senão em todo o País, mas na Universidade de São Paulo, frente à

dominação que exerce sobre os grupos excluídos de seu sistema educacional, (CARDOSO,

1982, p.32).

A Universidade de São Paulo surge de um projeto político ideológico que repousa

sobre o ideal de construção de uma nova sociedade “democrática”, baseada na ciência e na

“alta cultura”, cuja liderança seria a própria elite intelectual por ela formada. Neste contexto, a

Comunhão Paulista possui projetos nítidos e bem definidos, diretamente ligados a um projeto

de “regeneração política nacional”, (CARDOSO, 1982, p.32-34).

O “Grupo do Estado” nitidamente tem a intenção dos domínios sobre a instrução

pública, visando uma posição de “estado maior” intelectual, dando forma a um projeto de

hegemonia cultural e política. No qual a universidade aparece como condição “estratégica”

que determina e define a instituição ideológica da fundação da Universidade de São Paulo,

cuja metodologia serviu de munição para que a USP se tornasse o que é hoje. Uma

universidade predominantemente dirigida pelas classes dominantes, cuja política,

intrinsecamente abrangente dos interesses de um grupo que desde a década de 1920 está à

frente do jornal “O Estado de São Paulo”. E, todos desempenham relevante papel, enquanto

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fundadores e idealizadores da USP; são os irmãos Júlio de Mesquita Filho, redator e secretário

do jornal; Francisco Mesquita, gerente; Armando Salles de Oliveira, diretor do jornal desde

1914; e Fernando de Azevedo, redator entre 1923-1926, (CARDOSO, 1982, P.32-37).

Em 1927, com o falecimento de Júlio de Mesquita, Armando Salles Oliveira o

substitui na presidência do jornal e Júlio de Mesquita Filho assume a direção. Momento em

que juntos empreendem as chamadas “campanhas” da educação paulista. Época em que o

jornal dispõe do seguinte quadro de redatores: Amadeu Amaral, Plínio Barreto, Paulo Duarte,

Vivaldo Coaracy, Léo Vaz e Fernando Azevedo, (CARDOSO, 1982, p. 43).

Assim, a ideia da Universidade de São Paulo resulta de um dos projetos-chave do

grupo da “Comunhão Paulista”, liderado por Júlio de Mesquita, então diretor-presidente do

jornal o “Estadão”. Na época, esses profissionais da comunicação social, que circulavam pelo

mundo “político e ideológico”, elaboram a campanha empreendedora da fundação da USP. E,

como já dito, objetivando a dominação da educação de São Paulo, através da formação de

professores na referida instituição e, principalmente, pela formação das chamadas “elites”,

supostamente responsáveis por controlar a política brasileira, (CARDOSO, 1982, p.43-47).

Contudo, para que este plano se concretizasse, seria preciso muita articulação política,

o que não fora obstáculo para o grupo do jornal “Estadão”, uma vez que possui vasta

influência no universo político e social brasileiro. Como bem afirmou Alfredo Bosi, tanto o

“Grupo Estado” quanto os membros políticos do Partido Democrático têm consciência da

crise política do país. A qual envolvia as oligarquias, e na tentativa de restaurar esse processo,

não medem esforços em articular alianças entre as duas correntes: a Aliança Liberal com a

Revolução de 1930, onde o intuito é que o “grupo do Estado” possa assumir para si a

responsabilidade de “regeneração política através da educação”. “A rigor, nada é

absolutamente unitário quando se trata no labirinto das ideologias”. (BOSI, 1982, p. 14).

2.6 O Sistema de Educação Brasileiro, a USP

Ao analisar as políticas afirmativas na Universidade de São Paulo se faz necessário

entender o funcionamento do Sistema de Educação implantado no Brasil, após o Inquérito de

1926200

, cuja influência se faz presente contra a adesão às cotas raciais naquela instituição.

200

CARDOSO, Irene R. A Universidade da Comunhão Paulista. São Paulo: Cortez, 1982.

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106

Refletir, então, sobre o pensamento de Guimarães (2003, p. 250-254), acerca das políticas

adotadas pelo sistema de educação público e privado no Brasil, desde o ensino fundamental

até o ensino superior oferecido entre os dois sistemas, ou seja, pelo sistema de educação

público e gratuito e pelo sistema particular.

Na concepção da “Comunhão Paulista” a USP é responsável por conduzir a educação

pública do País, assim foi concebida e estruturada e permanece até os dias de hoje. Conforme

já discutido, e cujo esboço de organização geral, consistiu em um plano de educação nacional,

publicado pelo jornal “O Estado de São Paulo”, no dia primeiro de agosto de 1931. Plano

elaborado e destinado ao “desenvolvimento educacional do País em dez anos” e versa sobre a

criação das seguintes instituições:

8 Universidades Clássicas; *5 Universidades Técnicas; *8 Colégios;

*21 Ginásios; *5 Escolas de Agricultura e Veterinária; *2 Escolas de

Educação Doméstica e Rural; *8 Escolas de Comércio; *8 Escolas de

Música, Pintura e Escultura; *17 Escolas de Agricultura e *17 Escolas

de Artes e Ofícios.201

Em 27 de junho de 1931, entretanto, João Simplício apresentou uma segunda proposta,

diferente do Plano Nacional de Educação (PNE), na qual pedia a designação de uma ou mais

comissão para elaborar a redação que deveria ser aplicada na educação dentro de um período

ainda a ser estabelecido. Segundo suas observações, o plano seria construído considerando-se

as condições sociais do mundo. Porém, enfatiza a necessidade de conter na elaboração do

PNE o fortalecimento da unidade nacional, cujo desdobramento seria revigorar a raça

brasileira para garantir o êxito econômico do Brasil, (CARDOSO; BOSI, 1982).

Assim, em 04 de julho de 1931, foram designados para a comissão da educação: João

Simplício, Miguel Couto, Aloysio de Castro, Padre Leonel Franca e Leitão da Cunha. Mas,

esses tinham à sua disposição a colaboração dos técnicos que julgassem necessário para

realizar tal tarefa, (CURY, PUCMG).202

Segundo Cardoso (1982, p. 104), o plano apresentado por Simplício ganharia

importância na medida em que seu desdobramento imputasse a responsabilidade da educação

nacional ao governo federal, exigindo atenção e planejamento para todos os níveis de

educação de forma a atingir todos os estados da federação. Ressaltamos, portanto, que, nesse

momento da reforma da educação brasileira, o contexto político era bastante conturbado. De

201

O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE 1936/1937 (1) Prof. Carlos Roberto Jamil Cury – PUC-MG.

Disponível em: http://sbhe.org.br/novo/congressos. Acesso: 12 dez. 2015. 202

Ibid.

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107

um lado, os paulistas lutam pela manutenção do poder, agindo como verdadeiros mandatários,

e de outro tendo que enfrentar a Aliança Libertadora (AL), impedindo Júlio Prestes empossar-

se do cargo para o qual foi eleito pelo voto direto, conquanto o Estado de São Paulo era

acusado de fraudar esta eleição203

, a disputa de poder se acirra entre Minas Gerias e São

Paulo, (FAUSTO, 2004).

Assim, foi estabelecido no País o Governo Provisório, assumido por Getúlio Vargas

entre 1930 e 1934.204

Situação que preocupa o grupo do jornal O Estado de São Paulo, pois

Getúlio Vargas acaba por afastar do grupo o acesso ao poder de interferir no sistema de

educação.205

Nestas circunstâncias, João Simplício pede ao Governo Provisório que contemple

o Plano Nacional de Educação (PND) como forma de maior iniciativa da democratização do

ensino nacional. Entretanto, em janeiro de 1933, Fernando Azevedo é nomeado diretor-geral

da instrução pública de São Paulo e realiza a reforma da educação no estado, dando corpo e

abrangência aos “diversos graus e tipos de ensino”, ao reorganizar a estrutura das escolas

normais, (CARDOSO, 1982, p. 107).

Pudemos observar que, a sociedade carente pagou o tributo dos desmandos da política

de São Paulo e do Brasil perante um governo de humor instável206

que se apropria das mais

diversas facetas políticas para manter-se no poder; enquanto inaugura a escola nova dialoga

com os políticos de São Paulo, (CARDOSO, 1982).

No âmbito do jogo político, um dado nos chama atenção: estavam estruturadas em São

Paulo as associações dos grupos negros, a imprensa negra e, em especial o Clube Negro da

Cultura Social, o Centro Cívico Palmares e a Frente Negra (FNB) que liderava a imprensa

específica para tratar da realidade do povo negro. Apesar do Centro Cívico se envolver na

política partidária, conviveu com o afastamento de grande parte dos associados, tendo sido

dissolvido em 1928; suas principais contribuições foram: a criação de uma ampla biblioteca, a

fundação de escolas elementares e uma escola de ensino secundário. Além disso, dispunha de

um refinado corpo docente negro, conseguindo, inclusive, colocar os estudantes negros da

escola secundária negra nos cursos superiores das faculdades públicas do País, (PAHIM,

2013, p.86-87).

Todavia, o Centro Cívico foi formado por lideranças negras, exatamente para

neutralizar a hegemonia das classes dominantes “brancas”, embora fosse frequentado por eles,

pois “Júlio Prestes” era frequentador assíduo do Centro Cívico, “assim como: jornalistas,

203

Disponível em: <http://www.historiabrasileira.com>. Acesso em: 25 dez. 2015. 204

Ibid. 205

Grifo da autora. 206

Ibid.

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poetas, escritores célebres, músicos famosos” entre outras personalidades das elites paulistas,

(PAHIM, 2013, p.87).

Para encerrar esta discussão sobre a instrução pública dos anos 1920, olhamos também

para outro pensamento a fim de pontuar outras possíveis observações. Segundo a análise

histórica dos movimentos educacionais do referido período, se estabelece então, uma

dependência entre o sistema de educação pública e as condições econômicas, políticas e

sociais “da estrutura em que ele se realiza”. Mas, sobre qualquer hipótese, a instrução pública

seria planejada e estruturada “como um fenômeno isolado do processo global”. Este

pensamento converge com o que já discutimos até aqui.207

Concluímos que a educação "moderna" e "de caráter científico", preconizada

por Fernando de Azevedo, tinha a função de conter a agitação política e os

levantes armados - que marcaram os anos vinte - pela preparação de elites

competentes e esclarecidas entre as classes dirigentes, por sua vez

responsáveis de "educar adequadamente" as massas populares, isto é, segundo

do as exigências do lugar que elas devem ocupar na estrutura social. Tal

projeto educacional visaria, com isso, recuperar para as oligarquias rurais - das

quais os promotores do Inquérito eram porta-vozes - sua hegemonia

ameaçada.208

Observamos, então, que em nenhum momento o povo se conformou com os padrões

impostos pelos homens que se estabelecem enquanto dirigentes de São Paulo e deste país. E,

“educar adequadamente” sobre o ponto de vista das classes dominantes não significa que tais

epistemologias foram aceitas, prova disso, são os movimentos sociais em verdadeira explosão

no tempo presente, em especial, a representação do Movimento Negro Unificado (MNU) na

luta por equidade na universidade que foi elaborada pela supremacia da dominação

econômica, política social e, principalmente cultura, sobre as populações oprimidas, em geral

as de descendência africanas e indígenas.209

207

Autor: Manoel de Jesus Araújo Soares. A educação Preventiva. RJ, 1978. Disponível:

https://bibliotecadigital.fgv.br/ - Acesso em: 05 jan. 2016. 208

Ibid. 209

Grifo da autora.

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2.7 As Populações Negras no Cenário Educacional Brasileiro

Sobre a continuação da política educacional do País, a partir dos aspectos

apresentados, seguimos a pista do Professor Antônio Sergio Alfredo Guimarães, do

Departamento de Sociologia da USP. O qual nos apresenta um panorama do resultado do

embate de poder da educação no estado de São Paulo e no Brasil, sendo que o tributo recaiu

nas populações negras pobres e nos pobres em geral.210

O principal objetivo sobre o qual a

USP foi idealizada, estruturada e fundada, para manter o controle sobre as populações que não

pertencessem às classes dominantes; acreditava-se e continuam acreditando que suprimir uma

parte da sociedade representasse “desenvolvimento” para o estado de São Paulo (CARDOSO,

1982). 211

Em meados do século XX, os governos brasileiros haviam deixado de investir na

ampliação de vagas universitárias públicas, fator que dificultou ainda mais as populações

negras ingressarem nas universidades de ensino público do país. Mesmo a pequena parcela de

negros pertencentes à classe média, nesse período, não escapa dessa exclusão, que se dilata

com o modelo de educação adotado pelo Estado brasileiro. (GUIMARÃES, 2003, p.250-252).

Esse acontecimento ocorre a partir de 1964, com o advento da derrota das forças

socialistas que empreendem, naquele momento, um projeto progressista para o País. Trata-se,

das forças que se ancoram principalmente nos três movimentos sociais, a saber: as Ligas

Camponesas, cuja atuação gira em torno do desenvolvimento do campo e cuja demanda

fundamenta-se na luta por reforma agrária; o Movimento Operário, que se restringe às lutas

nas cidades e vincula-se aos interesses fundamentados em trabalho urbano e aumento salarial,

e o Movimento Estudantil, que luta pela ampliação das vagas das universidades públicas,

(GUIMARÃES, 2003, p.250-252).

Naquela ocasião, o movimento negro tinha lutas articuladas em São Paulo. A primeira

grande manifestação antirracista no Brasil foi liderada pela Frente Negra Brasileira, dando

continuidade à discussão aos projetos de políticas públicas do Centro Cívico Palmares.

(PAHIM, 2013, p. 84-86).212

Mas, a repressão aos movimentos foi brutal, colocando-os na ilegalidade e

dificultando a articulação política, que a partir daquele momento se tornou clandestina.

210

Grifo da autora, fundamentada no texto acima, em CARDOSO, 1982; e, em: CURY, PUCMG. 211

CARDOSO, Irene R. A Universidade da Comunhão Paulista. São Paulo: Cortez Editora, 1982. O termo

desenvolvimento é gripo da autora. 212

PINTO, Regina Pahim. O Movimento Negro em São Paulo: luta e identidade. Fundação Carlos Chagas.

Editora; UEPG. 2013.

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Assim, ocorreu o fortalecimento das oligarquias e do setor industrial em detrimento aos

interesses da luta dos movimentos sociais e do movimento negro, que acabaram sendo

desarticulados pela política do Estado brasileiro, num período de efervescência política e de

dominação social, (CARDOSO, 1982, p. 30).

Desse modo, o Brasil atravessa as décadas do século XX até 1985, quando se dá

ênfase à educação elementar e secundária em “termos quantitativos”, que se revezou entre o

sistema de ensino supletivo e Mobral 213

e o ensino regular, oferecidos às “classes baixas”.

Mas, não houve a mínima preocupação dos governos em propiciar oportunidade para que

esses estudantes recém-formados adentrassem as universidades públicas; o ensino privado

começa a ser implantado e, logo no início, não dá conta da demanda. Além disso, muitos não

dispunham de condição financeira para custeá-lo, (GUIMARÃES, 2003, p.251-254).

Essa direção em que rumou a política brasileira do período em referência culminou

com o quadro de abandono da educação pública brasileira por parte dos governos ditatoriais.

Com a redemocratização, os governos de José Sarney, Fernando Collor de Melo, Itamar

Franco e Fernando Henrique Cardoso também não empreenderam investimentos para a

ampliação de vagas nas universidades públicas, resultando em uma demanda de insuficiência

profunda, (GUIMARÃES, 2003).

Diante desse quadro, em 1985, o percentual de estudantes universitários na educação

superior pública federal corresponde a 40% do universo acadêmico brasileiro. Em 1998, esse

percentual cai para 19%. (Brasil, 1999214

- Ministério da Educação e Cultura, INEP.

Evolução do ensino superior – graduação: 1980-1998. Brasília, 1999215

), (GUIMARÃES,

2003, p. 250).

Caminharam então, na contramão a quantidade de vagas e o nível de qualidade entre o

ensino oferecido na rede publica brasileira. Ou seja, os estudantes que cursavam o ensino

213

Programa criado em 1970 pelo governo federal com objetivo de erradicar o analfabetismo do Brasil em dez

anos. O Mobral propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando “conduzir a pessoa humana a

adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores

condições de vida”. O programa foi extinto em 1985 e substituído pelo Projeto Educar. Disponível em:

<www.educabrasil>. Acesso em: 28 dez. 2015. 214

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Inep. Evolução do ensino superior – graduação: 1980-1998.

Brasília, 1999 – A fonte que figura entre aspas foi utilizada por Guimarães (2003), figura na bibliografia usada

por ele. “Deve-se salientar, entretanto, que a solução dada pelos governos militares ao “problema educacional”

do país não foi alterada pelos quatro governos democráticos depois de 1985 (as administrações Sarney, Collor,

Itamar e Fernando Henrique). A linha mestra continuou sendo a expansão do sistema superior de educação

privada e a estagnação da rede pública. A rede privada de ensino superior, que já congregava 59% dos alunos,

em 1985, passou a concentrar 62%, em 1998” (GUIMARÃES, 2003, p. 250). 215

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. INEP. Evolução do ensino superior – graduação: 1980-1998.

Brasília, 1999. – Fonte citada pelo Professor (GUIMARÃES, 2003, p. 250). Salienta-se que assumimos as

informações disponibilizadas pelo autor no artigo “TEMAS EM DEBATES - Ações Afirmativas” sem prévia

consulta dessa fonte. A autora.

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fundamental e médio pelo sistema de educação pública e gratuita, dificilmente conseguiam

ingressar nas universidades públicas brasileiras. Frente ao despreparo proveniente do nível de

ensino e as cobranças de conhecimento abrangente dos vestibulares nas universidades

públicas. Enquanto o ensino privado, oferecido pela rede particular de ensino prioriza o

crescimento de vagas, mas, também a “qualidade” do ensino. Nessas circunstancias, as classes

médias que dispõem de condições financeiras para custear o ensino privado,

consequentemente tinham maior chance de ocupar as vagas disponibilizadas nas

universidades públicas brasileiras.216

Em resumo, a quantidade das vagas do ensino superior privado se expande, enquanto

no ensino superior público (gratuito) se retrai desordenadamente, porque o Estado brasileiro

não investe nas universidades públicas e estas permanecem estagnadas. Da mesma forma, não

investe na qualidade de ensino público, ou seja, no “ensino elementar” que é o alicerce das

primeiras séries do nível fundamental, nem no ensino médio, (GUIMARÃES, 2003).

Neste contexto, os estudantes negros que são maiorias pobres, ao deixarem a escola

pública seguem para o ensino superior privado. Assim, o setor privado acaba por absorver

esses estudantes. Mas o mercado de trabalho, em grande medida, despreza seus diplomas, ao

dar preferencia aos estudantes formados nas universidades públicas, (GUIMARÃES, 2003).

No período (1964-2001) em discussão, muitos estudantes que se formam nas

universidades públicas, após, formados, muitos entram no mercado como empresários da

educação em face da demanda de estudantes das classes dominantes. Então, oferecem um

ensino de “qualidade” do nível fundamental ao médio. Enquanto no ensino superior oferecem,

um preço relativo de acordo com o que aqueles estudantes podiam pagar, pois as

universidades privadas dispunham de cursos de acordo com as condições financeiras das

classes mais baixas (mais pobres), (GUIMARÃES, 2003).

Ademais, a maioria dos estudantes de classes financeiramente mais abastadas, além de

frequentar as melhores escolas, se prepara paralelamente, através dos cursinhos pré-

vestibulares da rede privada de ensino217

. E, a maioria dos estudantes negros, que depende de

trabalhar para se manter e muitas vezes ajudar no sustento da família, continua mais excluída,

assim é duplamente discriminada, primeiro por seu tom de pele e depois por apresentar

216

Grifo da autora, fundamentada na discussão de Guimarães, 2003. 217

Prof. José Jorge de Carvalho; Professora Rita Laura Segato. Departamento de Antropologia da Universidade

de Brasília. Disponível em:

<http://afrolatinos.palmares.gov.br/_temp/sites/000/6/download/biblioteca/arquivos/PROJETO_DE_COTAS_Pr

oposta%20de%20JJCarvalcho.pdf>. Acesso em: 13ago. 2015.

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diplomas oriundos da rede particular, desvalorizados, (GUIMARÃES, 2003); (CARVALHO;

SEGATO, 2002).

Não que os estudantes negros, pobres e indígenas sejam considerados incapazes de

acompanhar o desenvolvimento do ensino das universidades públicas. Pois, observamos que,

a dificuldade central reside na forma como se prepara os vestibulares e o ensino público

oferecido. Enquanto os vestibulares são elaborados para um nível de conhecimento muito

acima do que se oferece na rede pública de ensino do Brasil. Os estudantes da rede particular,

além do mais, recebem uma educação condizente com a exigência do conhecimento

estipulado pela FUVEST e pelos demais vestibulares das universidades públicas brasileiras.

(GUIMARÃES, 2003, p. 251-255).

Retomamos a discussão acerca da educação pública superior para ilustrar as estatistas

educacionais. Assim, continuamos na trilha de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (USP) que

reflete quanto o fato dos quatro governos que sucederam o período ditatorial não ter investido

na educação brasileira. Sendo, portanto, responsáveis pela queda educacional que ver-se a

seguir: jovens de idade entre 18 e 24 anos218

, em 1998, apenas 7,8% frequentam as

universidades públicas, e, neste universo, de acordo com os indicadores, os negros não estão

representados, (GUIMARÃES, 2003).

Neste contexto, analisamos a seguir, a reflexão em Guimarães,

[...] motivadas pelo afunilamento da oferta de ensino superior de

“qualidade”, assegurado pelo mecanismo do vestibular, as famílias de

classe média e alta demandaram em proporção crescente a rede

privada de ensino elementar e médio, permitindo não apenas a sua

expansão física, mas a melhoria da oferta dos seus serviços, reforçada

ainda mais pela concorrência entre as escolas particulares. Quanto

mais se acentuava a concorrência, entretanto, mais difícil ficava para

os filhos das classes médias, situados na sua franja mais pobre,

cursarem os melhores colégios e atingirem a universidade pública,

(GUIMARÃES, 2003, p.251).

Apesar dessas evidências do racismo estrutural no Brasil, de acordo com Guimarães,

(2003), pouco foi feito enquanto medida objetiva capaz de amenizar essa situação. Em 1988, a

Constituição da República proibia todas as formas de racismo, mas tudo parecia não passar da

teoria, pois na prática os resquícios do racismo continuavam operando.219

218

Guimarães se apoia em informações de estudos realizados por IBGE/PNAD Apud: Sampaio, Limongi, Torres

(2000) e também em HASENBALG (1978) para nos trazer esta discussão. 219

Grifo da autora, fundamentada em Guimarães, 2003.

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Entre os anos de 1980 e 1990, pouco antes da eleição e posse de Fernando Henrique

Cardoso e, por ocasião do Centenário da Abolição e dos 300 anos de Zumbi dos Palmares,

aconteceram os primeiros diagnósticos sobre as desigualdades raciais no Brasil. Assim,

possibilitando a discussão no espaço universitário, e pela primeira vez, o assunto foi parar na

mídia. Em 1998, com o advento da nova Constituição Federal Brasileira tornou-se crime a

prática de preconceito racial, fortalecendo assim o Movimento Negro Unificado (MNU),

(GUIMARÃES, 2003).

Foi então, quando o governo FHC iniciou algumas mudanças significativas em

diversos setores, mas as mesmas não acontecem no quesito educacional contra o racismo. Não

foi surpresa, portanto, que alguns setores do governo, mesmo diante do diagnóstico de que as

barreiras educacionais são o principal entrave a desigualdade racial e social no país, (SILVA,

2001).220

O ministro da educação Paulo Renato de Souza resistiu duramente, assumir a

possiblidade que o problema da educação brasileira estaria ligado às questões de ordem

“racialistas”. Recusou-se aceitar, sobretudo, o caráter racial das desigualdades educacionais,

preferindo atribuir ao mau funcionamento do ensino fundamental público e a questão de renda

classe social. Para o ministro Paulo Renato de Souza (2001) o problema de acesso do negro às

universidades só poderia ser resolvido pela universalização do ensino de nível fundamental e

médio e da melhoria e da melhoria de suas condições de funcionamento, (GUIMARÃES,

2003, p. 254).

Neste total descaso pela educação pública brasileira, em 2001, Paulo Renato de

Souza, então ministro da educação, no governo de Fernando Henrique Cardoso, ao ser

informado das estatísticas de exclusão racial, em particular no ensino superior público, o

mesmo defendeu a necessidade de melhoria na educação básica e média do País. Assim,

ignorou as especificidades dos estudantes negros e indígenas. Limitando-se a pensar essas

questões pelo âmbito universal, (GUIMARÃES, 2003).

Sobre este assunto, o Prof. José Jorge de Carvalho e se inspira no alto desempenho dos

estudantes cotistas da UnB. Ele ressalta que, mesmo os estudantes cotistas dividindo o seu

tempo entre o trabalho e os estudos, ainda conseguem produzir resultados iguais ou superiores

aos estudantes não cotistas. O Prof. José Jorge de Carvalho critica o discurso da meritocracia,

que apenas se justifica pelo racismo estrutural, presente nas universidades paulistas, em

220

A referência é de Guimarães (2003). O mesmo ancora-se em: SILVA, N. do V. ExtentAndnatureof racial

inequalities In Brazil.

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especial na USP onde a exclusão de estudantes negros, é uma prática do racismo estrutural

desvelado, (CARVALHO, UnB, 2012).221

.

O sistema racista, disfarçado na ideia de mérito, desconsidera as especificidades dos

estudantes negros e indígenas, que, apesar de suas reivindicações políticas, as cotas raciais,

veem-se encurralados sem seus direitos respeitados, (CARVALHO, UnB, 2012).222

.

Para debater este assunto, do ponto de vista jurídico, seguimos a reflexão em ROZAS,

Tudo isso leva a crer que, ao contrário daqueles que negam o caráter

racializado da exclusão dos negros do ensino superior, tal exclusão não é

apenas consequência da pobreza, mas também um dos fatores explanatórios

da maior incidência da pobreza entre os negros. É justamente aí que está o

ponto nevrálgico da manutenção do círculo vicioso a que Borges Pereira se

refere: os negros seriam mais pobres porque teriam menos instrução formal,

e teriam menos instrução formal porque seriam mais pobres.223

(ROZAS,

2009, p.57).

De acordo com a autora, grande parte dos esforços públicos que dispõe a lei, sobre as

políticas de ação afirmativa, está concentrada na concessão de benefícios garantidos pela

proporcionalidade, objetivando, possibilitar o ingresso desses estudantes historicamente

excluídos, em universidades públicas, em cumprimento ao direito da igualdade, (ROZAS,

2009).

A violência racial contra as populações negras é perpetrada pela sociedade brasileira,

mas também por indivíduos, em suas relações no cotidiano político e social, assim como pelo

próprio Estado. Existem formas diferentes de lutas no sentido de conter tais resultados que,

são por si, violentos em suas formas mais eficazes dessa perpetração, que funciona de forma

perversa e suas lutas contrárias ocorrem sempre no sentido de inverter essas políticas, ou seja,

se há comprovação da desigualdade racial instituída no Brasil, não se justifica que a sociedade

ou outros quaisquer façam tramitar ação pública contra esse direito, (BERTULIO, 2006, p.

52-53).224

Nessas circunstâncias, entendemos que o sistema jurídico-político tem o papel

estruturador na definição do lugar que as populações negras ocupam na sociedade brasileira.

Logo, as denominações pretas e pardas entre outras tantas existentes são construções

221

Ibid. 222

Ibid. 223

Disponível em: <http://www.redeacaoafirmativa.ceao.ufba.br/uploads/usp_dissertacao_2009_LBRozas.pdf

Acesso em: 26 dez. 2015. 224

Artigo: Maria Lúcia Lima Bertulio, faz parte do livro organizado pelos autores: PACHECO, Jairo Queiroz

Pacheco; SILVA, Maria Nilza da Silva (Org.). O negro na universidade: o direito à inclusão – Ministério da

Cultura – Fundação Cultural Palmares, 2006.

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impostas, uma vez que sempre se apresentou essa opção como identificação das populações

negras, (BERTULIO, 2006, p. 52-53).

Note-se que essa padronização, até hoje, não é autoaplicável. As pessoas não

dizem sou pardo, apenas incluem-se nesse grupo como alternativa para não

se incluírem no grupo preto, no qual ironicamente identifica-se cor e não

grupo racial. Via de regra, mulato, moreno ou brasileirinho são nomes mais

utilizados na autoidentificação livre. Então, o movimento negro nacional, de

há muito, diante desse arranjo institucional e favorável ao movimento da

ideologia racista no inconsciente coletivo nacional, tem juntado os grupos

preto e pardo da nomenclatura oficial na categoria negro. Assim, em uma

linguagem racialmente consciente, branco designa os indivíduos nos quais os

traços europeus são predominantes, (BERTULIO, 2006, p.52-53).

Entendemos que negras são pessoas cujos traços negroides são preponderantes e que,

em nossa sociedade, são socialmente reconhecidos como pardos, mulatos, morenos ou pretos.

Nesse contexto, a discussão das políticas afirmativas para as populações negras, tem criado

certa mudança comportamental nos indivíduos com ascendência negra. Entretanto, os negros,

socialmente são identificados como brancos, quer pelo distanciamento entre eles e seus

ascendentes negros, quer pelo processo de miscigenação que permite “a uma família mista, ter

filhos brancos ou negros”, (BERTULIO, 2006, p.52-53).

Enfim, esses fenômenos no contexto do racismo estrutural imbuído nas relações

sociais permitem que certo indivíduo sinta-se preocupado em demonstrar parentesco com

pessoas negras na família, mas não deve esse ser motivo de afastamento entre esse indivíduo e

as políticas afirmativas, pois tal inclusão dá-se pela própria declaração; como afirma o

Professor Carvalho (2012), em uma sociedade racista como é a nossa dificilmente alguém se

arrisca se apresentar afro-descente só para ter acesso às cotas raciais.

No que tange as especificidades dos estudantes negros, a questão racial no Brasil não

recebeu a devida atenção do governo de Fernando Henrique Cardoso, na educação superior,

uma vez que, o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, recusou-se a aceitar o caráter

racial das desigualdades educacionais no Brasil. Porém, a partir da “Conferência de

Durban” (África do Sul), FHC foi convidado a assumir compromisso de olhar para a

educação brasileira, prioritariamente, para as populações negras em suas especificidades.

Conforme já discutido no capítulo anterior. Assim, somente no governo Lula as

reivindicações do MNU entram em pauta, sendo consideradas, (GUIMARÃES, 2003, 251-

254).

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116

Estudos realizados pelo IPEA225

demonstram que as populações negras não estão

representadas entre os pobres, porque elas, em geral, compõem o quadro brasileiro dos que

estão abaixo da linha da pobreza. O estudo nos fornece um amplo campo de visão para esta

discussão, uma vez que o índice de rendimento das populações brancas gira em torno de 2,5%

superior ao das populações negras. Esta realidade atinge tanto os negros no segmento mais

pobre, quanto no intermediário e no mais rico das populações negras, fazendo com que

estejam em desvantagem, principalmente na educação superior pública brasileira,

(GUIMARÃES, 2003, p. 254).

No âmbito educacional nacional, o IBGE e o IPEA apontam um diferencial de 2,3

anos a mais de estudos das populações brancas em relação às populações negras. Estes

resultados ressaltam a desigualdade expressiva nas universidades públicas brasileiras,

incluindo a Universidade de São Paulo. E, ainda, tendo em vista que, a escolaridade média

dos adultos negros, no Brasil, em geral, gira em torno de seis anos. Essa situação revela a

elevação da escolaridade média de brancos em detrimento à média da escolaridade dos

negros, o que por si só explica que as políticas adotadas pela Universidade de São Paulo

(USP) não são suficientes para resolver a desigualdade racial entre negros e brancos.

Entendemos então, que o contexto, o qual se configura no presente, no interior das

universidades públicas, seja consequência dos sistemas implantados desde as primeiras

décadas do século XX, entre outras. 226

As políticas adotadas pela USP, sobretudo, o PIMESP são insuficientes, porque

possuem caráter universalista e a questão do bônus através do sistema PASUSP e

INCLUSP,227

também não resolvem a questão da desigualdade racial na USP, uma vez que,

como o PIMESP também, são ancoradas na meritocracia.228

225

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 31 dez.

2015. 226

Este termo é uma colocação de livre escolha da autora, que em sua concepção entende que a instituição

pública deve ser de uso igualmente de todos e a USP em seu contingente de estudantes brancos se assemelha a

uma instituição privada de caráter segregacionista. 227

Esclarecemos que, no decorrer deste capítulo, discutiremos questões sobre a forma de ações afirmativas na

USP e, por isso, se faz necessário refletir sobre o *INCLUSP/ *PASUSP.

* O INCLUSP - Programa de Inclusão Social da USP é o Programa de Inclusão Social da USP, criado para

incentivar a participação de estudantes de escolas públicas no vestibular, potencializarem as chances de ingresso

desses candidatos por meio de bônus (fator de acréscimo) e propiciar a permanência dos aprovados que tenham

desvantagens socioeconômicas. O INCLUSP ainda possui outra especificidade, ou seja, a partir do Programa

INCLUSP, seus organizadores criam outra ideia que é denominada parte importante do INCLUSP.

*PASUSP é um programa voltado para alunos ainda matriculados no Ensino Médio público e que cursaram o

Ensino Fundamental integralmente em escolas públicas. Tem por objetivo estimular esses estudantes a

considerar a USP como uma meta alcançável e integrá-los no processo do vestibular, ou seja, pretende mostrar

aos alunos da escola pública que a USP pode ser um projeto de vida atraente após a conclusão do Ensino Médio.

O PASUSP atribui bônus a ser utilizado no processo seletivo para ingresso na Universidade de São Paulo e

destina-se aos interessados que se enquadrem em uma das seguintes situações: I- cursaram integralmente o

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O Professor Milton Santos também traça um paralelo entre a situação do negro na

educação do Brasil e as consequências no mercado de trabalho. Cujo ponto de partida, a

observação a partir de sua experiência na USP, aonde ele considera que um olhar lançado no

campus dispensa questionamentos se há racismo na USP, simplesmente porque não têm

negros estudando na Universidade e concorda que os negros, em geral, estão no ensino

superior privado.

E continua o Professor Milton Santos, em sua reflexão:

[...] Hoje é que o negro deixa a faculdade e não tem (emprego)... O que é um

problema diferente. E tem um papel, eu acho. Os negros se tornaram mais

ativos. Porque descobriram que a educação não é a saída. Para nós podiam

dizer, “está vendo, ele estudou, triunfou”. Hoje os negros sabem que não é

bem assim. Que isso não basta. Sobretudo porque você tem diversos tipos de

ensino. Os negros não vão para os melhores ensinos, não têm a melhor

educação. Isso acontece muito raramente. Basta ver aqui, a USP229

, que é um

deserto de negros.230

Na reflexão do Professor Milton Santos, está impressa denuncias da discriminação racial sobre

o povo negro brasileiro. Pois, o Professor reconhece que mesmo as populações negras reconhecendo a

sua realidade, que são discriminados racialmente, mesmo que lutem para se incluírem esbarram em

barreiras monstruosas construídas pelo próprio sistema de educação. O que é ainda mais grave, quando

analisamos as freses: “Os negros se tornam mais ativos”, “Porque descobrem que a educação não é

Ensino Fundamental e o 1º e o 2º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras e estão cursando, em

2015, o 3º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras; II- cursaram integralmente o Ensino

Fundamental e o 1º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras e estão cursando, em 2015, o 2º ano do

Ensino Médio em escolas públicas brasileiras.

O bônus do PASUSP 2015 incidirá sobre a nota da 1ª fase e sobre a nota final do Concurso Vestibular FUVEST

2016, nos seguintes termos: Disponível em: <http://www.prg.usp.br/?page_id=5466>. Acesso: 18 jul. 2015.

Forma de bônus PASUSP: I- bônus de 15% para os candidatos que satisfaçam as seguintes

condições: cursaram integralmente o Ensino Fundamental e o 1º e o 2º ano do Ensino Médio em escolas públicas

brasileiras e estão cursando, em 2015, o 3º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras. Para aqueles

que tenham participado do PASUSP em 2014 e obtido, pelo menos, 27 pontos na prova de 1ª fase do Concurso

Vestibular FUVEST 2015, terá um bônus adicional de 5%, perfazendo um total de 20%;

II- bônus de 5% para os candidatos que satisfaçam as seguintes condições: cursaram integralmente o Ensino

Fundamental e o 1º ano do Ensino Médio em escolas públicas brasileiras e estão cursando, em 2015, o 2º ano do

Ensino Médio em escolas públicas brasileiras; III- bônus adicional de 5% para os candidatos que se

declararem pertencentes ao grupo PPI (cor ou raça: Preta, Parda ou Indígena) e que desejarem receber bônus

por pertencer a esse grupo. Os bônus descritos aqui se aplicam somente aos candidatos não eliminados na 1ª fase

do Concurso Vestibular FUVEST 2016. Disponível em: <http://www.prg.usp.br/?page_id=5466>Acesso: 18 jul.

2015. No site a seguir encontram-se dados referentes ao levantamento IPEA/2001 elaborados por Ricardo

Henriques. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0807.pdf>. Acesso em:

03 jul. 2015. 228

Grifo da autora. 229

Disponível em: <http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/duas-entrevistas-joel-zito-araujo-e-milton-santos/>.

Acesso: 03 jul. 2015. 230

Disponível em: <http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/duas-entrevistas-joel-zito-araujo-e-milton-santos>. Acesso

em: 03 jul. 2015.

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a saída”. Aqui esta colocada a expressividade da luta do movimento negro, uma vez que não basta

tentarem se colocar com conhecimento formal, é preciso à luta pelo fim do preconceito racial, em

geral nunca pronunciada, mas implícito nas ações.

Na reflexão do Professor Milton Santos, observamos que o mesmo procura direcionar

os olhares para a exclusão das populações negras, ressaltando a própria realidade, ou seja, o

preconceito do qual vítima, inclusive dentro da Universidade de São Paulo. O Professor

Milton Santos foi uma das poucas exceções, enquanto docente negro na imensidão que é a

USP.

Ressaltamos ainda, que a posição do Professor Milton Santos não foi à mesma da

maioria negra, pois o acesso de negros nas universidades públicas, seja enquanto discente ou

docente, sempre foi extremamente limitado. Neste contexto, as oportunidades são subtraídas

dos negros, em especial na Universidade de São Paulo (USP) onde sempre se adotou o critério

de classificação da meritocracia, seja em seus vestibulares ou nos processos seletivos para o

ingresso de docentes.

A fim de contrapor a ideia da suposta “inclusão” que a Universidade de São Paulo

afirma oferecer aos estudantes negros através dos sistemas PIMESP entre os demais métodos

por ela utilizados enveredamos por uma análise de Ricardo Henriques (2001). Se analisarmos

a rigor os dados disponibilizados na referida tabela, temos subsídio o suficiente compreender

essa discussão segregacionista nas universidades públicas brasileiras, em especial na USP.

Antes de nos expressarmos sobre esta analise produzida a partir das universidades

públicas, nos atentemos para um dado apresentado também em 2001, no mesmo estudo:

Entre o total de estudantes universitários de todo o país, 97% são brancos, 2% são

negros e 1% representa as etnias, amarela, vermelha e outras. Entendemos que este dado seja

inclusive, motivo de vergonha, uma vez ele que representa um país que, já em 2000-2001,

mais de 40% da população se declara negra ou afrodescendente, e em 2015 mais de 53% da

população brasileira se declara negra ou afrodescendente.

Apesar da evidencia que estas estatísticas nos apresentam, não são suficientes para

sensibilizar os dirigentes das universidades paulistas, em particular a Universidade de São

Paulo (USP), onde o sistema de avaliação, como já dito, continua sendo a meritocracia.

Infelizmente, este sistema não serve para medir desempenho, ele é suficiente apenas para

barrar os estudantes negros e indígenas do ensino público superior.231

A seguir refletimos sobre o diagnostico apresentado por (HENRIQUES, 2001), em um

quadro expressivo acerca da desigualdade racial instituída no País, em uma análise, a partir

231

Grifo da autora.

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das informações colhidas em domicílios e, extraídas através da PNAD232

, realizada entre 1999

a 2000 e publicada em 2001. E, posteriormente avaliamos o segmento até 2013 e 2014.

Tabela 1 - Distribuição dos estudantes segundo a cor entre as universidades do quadro

em 2001

UFRJ UFPR UFMA UFBA UNB USP

Branca 76,8 86,5 47 50,8 63,7 78,2

Negra 20,3 8,6 42,8 42,6 32,3 8,3

Amarela 1,6 4,1 5,9 3 2,9 13

Indígena 1,3 0,8 4,3 3,6 1,1 0,5

Total 100 100 100 100 100 100

FONTE: Censo Étnico/Racial da USP/IBGE – 2000.

Os demais estudos que seguem após o ano de 2001, embora não sejam referentes

especificamente às universidades públicas apresentam mapeamento geral sobre o total dos

estudantes de todo o Brasil, até 2013. Quando 40,7% da população negra brasileiras na faixa

etária de 18 e 24 anos estão matriculados em algum curso de ensino superior, o percentual de

universitários brancos, em 2013, corresponde a 69,4%.233

Uma análise geral sobre o total dos candidatos inscritos no sistema de vestibular

FUVEST/USP em 2002 nos apresenta um abismo a partir de um olhar para equidade na

educação do País. O total de candidatos inscritos em todas as áreas para a FUVEST naquele

ano representaram 3,1% de negros autodeclarados, deste total geral 1,4% representa a

realidade dos negros aprovados no exame da FUVEST/2002, os pardos representaram 11,4%

dos inscritos e 7% dos aprovados. Enquanto os brancos, respectivamente, correspondem a

80,5% inscritos e 77,5% dos aprovados. E, para a área de medicina, os negros representavam

1,6% dos inscritos e 0,5% dos aprovados, pardos 7% inscritos para 4,5% dos aprovados, e o

restante é dirigido em grande parte aos brancos.234

(OLIVEIRA, 2003, p.17).

233

Ana Carolina Moreno. “Número de negros na faculdade em 2013 é menor que o de brancos em 2004”.

Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/12/n-de-negros-na-faculdade-em-2013-e-menor-

que-o-de-brancos-em-2004.html>. Acesso em: 15 dez. 2015 234

Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. MEC/INEP – Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003.

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Podemos verificar que houve um crescimento de universitários negros no Brasil, no

entanto, o recorte racial apresenta uma desigualdade nesse crescimento, pois, em 2013, 40,7%

dos estudantes eram negros, enquanto o público estudantil branco com a mesma idade

corresponde a 69,4%, (OLIVEIRA, 2003).

Para uma interpretação do presente, analisamos os dados de 2002, quando estudos do

PNAD/IBGE235

se apresentam com o seguinte dado: entre os estudantes brancos matriculados

em algum curso universitário no referido ano (2002) o percentual corresponde a 43,4%, e, em

2012, este percentual saltou para 66,6%. Em 2002, o percentual de negros e pardos em algum

curso superior corresponde a 12,2% e, em 2012 este índice saltou para 37,4%. Embora as

populações negras sejam maioria no Brasil, ainda são profundamente atingidos entre os

índices de desenvolvimento educacional, mediado pela falta de justiça social que impera entre

os sistemas da instrução pública, sobre todos os níveis e aspetos. 236

O resultado do Censo IBGE, sobre o recorte temporal de dez anos, ou seja, entre 2002

e 2012 publicados em 2013, versa sobre a desvantagem dos negros em relação aos brancos.

Num espaço de tempo de apenas dez anos, ou seja, entre os anos 2002 e 2012, a população

negra, em todo o Brasil, não conseguiu se aproximar do percentual de brancos universitários

observado no ano de 2002 e 2012, mesmo em termos gerais, sendo mais numerosa do que a

população branca em todo o Brasil, configurando-se uma discrepância cada vez mais

acentuada, grosso modo vexatória.237

O mesmo estudo traz à tona que, boa parte dos negros brasileiros não consegue entrar no

ensino superior na idade própria como acontece com a maioria das populações brancas, pois

muitos estudantes negros na faixa etária, entre 18 e 24 anos ainda estão matriculados no ensino

médio, quando o ideal da escolaridade dos jovens, na idade citada (18-24) é estarem já

matriculados no ensino superior, 238

E, também no levantamento do IBGE, em 2013, a porcentagem de pretos e pardos nessa

faixa etária mencionada (18-24) matriculados no ensino médio é de 43,4%, enquanto que os

estudantes brancos o percentual é de apenas 22,4%.239

Vale ressaltar que, de acordo com o referido estudo, o baixo desempenho educacional

atinge também a população estudantil negra nos primeiros anos de escolarização.

235

Disponível em <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 01 nov. 2015. 236

Grifo da autora, com fundamento na análise em questão. 237

Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Estudo divulgado em 29/11/2013. Acesso em: 01jan. 2016. 238

Grifo da autora, segundo análise estatística IBGE, 2013. 239

Ana Carolina Moreno. “Número de negros na faculdade em 2013 é menor que o de brancos em 2004”.

Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/12/n-de-negros-na-faculdade-em-2013-e-menor-

que-o-de-brancos-em-2004.html>. Divulgado em 29/11/2013. Acesso em: 29 dez. 2015.

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De acordo com estatísticas do IBGE/PNE (Plano Nacional de Educação), os

candidatos para o vestibular FUVEST, no ato da inscrição de 2013, 4,3% ao se inscreveram se

autodeclararam pretos, 15,1% pardos, 5,1% amarelos e 0,2% indígenas. E, no momento da

matrícula, a presença de pretos e pardos passa a ser menor. Entre os estudantes que efetivaram

matrículas em 2013, 2,4% são pretos, de acordo com informações da FUVEST. “Os pardos

compõem 11,3% dos calouros, os amarelos são 7,5% e os indígenas formam 0,2% dos

alunos” e as demais vagas têm predominância de brancos.240

240

Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 29 dez. 2015.

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CAPÍTULO III A ORIGEM DAS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA

NO BRASIL, UM LEGADO DOS EUA

A discussão sobre as políticas de ação afirmativa no Brasil surge a partir influência de

sua prática nos Estados Unidos, onde essa questão ainda se constitui enquanto referência na

história daquela sociedade, na atualidade. E, aparece em nossa cultura acompanhada por

diversas interpretações, refletindo as variadas formas de como o debate é colocado em ação na

sociedade brasileira, (MOEHLECKE, 2002). 241

Como no Brasil, os negros nos Estados Unidos também não foram agraciados com as

políticas de ação afirmativa, sem que antes tenham se articulado pela implementação das

referidas políticas, as quais visam à equidade entre negros e brancos, frente as perdas que os

negros sofreram pelo processo de escravidão, tanto nos EUA quanto no Brasil. Eessas

políticas advêm de acirradas lutas e imposições do movimento negro, em ambos os países.

Neste sentido, as instituições e os organismos governamentais estadunidenses, só resolvem

constituir as políticas de ação afirmativa a partir de pressão do movimento negro. O qual não

242abria mão em suas reivindicações, de que os negros fossem atingidos pelos mesmos direitos

direcionados aos brancos. Suas pautas eram ancoradas nas seguintes exigências: à proteção de

grupos em desvantagem social, em consequência da exclusão cometida pela exploração

escravista naquele país, (MOEHLECKE, 2002).

Um dos principais movimentos contra as leis segregacionistas nos Estados unidos

aconteceu em Montgomery, capital do Alabama, onde as primeiras filas dos ônibus eram, por

lei, reservadas para passageiros brancos, nas quais, os negros só podiam sentar-se na ausência

de passageiros desses passageiros. Atrás vinham os assentos nos quais os negros poderiam

sentar-se. Assim, no dia 1° de dezembro de 1955, Rosa Parks, ao entrar no ônibus, no qual

fazia uso habitualmente no deslocamento entre sua casa e o trabalho, já na volta do trabalho,

sentou-se em um dos lugares situados ao meio do ônibus, destinados exclusivamente ao uso

de pessoas brancas. E, durante o percurso, quando entraram os passageiros brancos, o

motorista (branco) exigiu que Rosa Parks e os outros três negros que estavam sentados

próximo à Rosa, se levantassem para ceder os lugares aos passageiros brancos, conforme a lei

em vigor. Entretanto, Parks se recusou cumprir a determinação do motorista e continuou

241

Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em: 31 dez. 2015.

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sentada. Motivo que culminou em sua prisão por desacato à legislação segregacionista

daquele país. 243

Na ocasião, Martin Luther King junto com o Conselho Político Feminino, enquanto

Park estava presa, lideraram o Movimento que ficou conhecido por “Boicote”. O qual durou

aproximadamente um ano. Na época, o contingente de negros (as) naquele Estado

representava cerca 70% do total da população do Alabama e o Movimento “Boicote” contou

com a participação maciça dos negros que, passaram a andar a pé, de bicicletas, automóvel

próprio, carona, menos de transporte público, (CARDOSO, 2008).

Em 13 de novembro de 1956, a Suprema Corte dos EUA decreta a ilegitimidade das

leis segregacionistas em Montgomery e no estado do Alabama, fazendo cessar o movimento

Boicote. Em 20 de dezembro de 1956, Martin Luther King anuncia o fim do referido

movimento. Mas, os outros movimentos seguiram em lutas por outros direitos sociais,

inclusive com participação de Rosa Parks, (CARDOSO, 2014, p.8-9).

Neste contexto, um dos primeiros reconhecimentos e legitimidade dessas

reivindicações, pós o Boicote, foi o Ato nº 10.925, de 10 de março de 1961, instituído pelo

presidente John Kennedy, responsável por iniciar e implementar a Comissão Presidencial

sobre Igualdade no Emprego. Naquele período, essas novas medidas são articuladas nos EUA

em reconhecimento à mobilização dos negros em lutas, a qual ganhou dimensão em todo o

país, culminando com outros direitos, entre eles, a reserva de vagas na educação superior,

conhecidas por Cota Racial, (CARDOSO, 2014, p.8).

Rosa Parks, por sua resistência contra a segregação que repercutiu em todo o país, foi

a grande percursora dessa luta, promovendo forte entusiasmo no Conselho Político Feminino,

o qual se fortificou e contribuiu significativamente com o movimento Boicote de ônibus

urbanos no Alabama, entre outros. E, Rosa Park ficou conhecida como a "mãe dos

movimentos pelos direitos civis" nos EUA. Pois, logo após ser libertada da prisão, assumiu a

liderança desses movimentos e, junto com Luther King deram novas características à

realidade dos negros estadunidenses. 244

As lutas dos negros nos EUA foram necessárias para então, transformar e modificar

positivamente aquela realidade. Refletimos a seguir:

243

Michael Kleff. Disponível em: <http://www.dw.com/pt/1955-rosa-parks-se-recusa-a-ceder-lugar-a-um-

branco-nos-eua/a-340929>. Acesso em: 01 já. 2016. 244

Ibid.

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Em junho de 1999, o então presidente Bill Clinton condecorou Rosa Parks,

então com 88 anos, com a medalha de ouro do Congresso norte-americano.

Durante a cerimônia da condecoração, Clinton acentuou que Parks foi capaz

de lembrar aos EUA que a promessa de liberdade vinha sendo apenas uma

ilusão para milhares de cidadãos do país. Em seu discurso de agradecimento,

Parks ressaltou que a homenagem deveria servir para encorajar todos os que

lutam pela igualdade de direitos em todo o mundo.245

Rosa Park faleceu com mais de 90 anos de idade e, sempre se demonstrou orgulhosa

diante do feito que realizou antes dos 23 anos de vida, deixando seu legado para as gerações

futuras em todo o mundo.246

As políticas afirmativas no Brasil têm como objetivo planejar, implementar e atuar no

sentido de propiciar reparação a “certos tipos de pessoas” ou grupos que tenham sido

submetidos a qualquer situação de exclusão social, racial ou outros. Sejam, empregos, escolas

ou em qualquer outro setor no âmbito social brasileiro. Santos (2004) afirma que, as decisões

das políticas afirmativas, ou seja, a cota racial deve ter a finalidade de romper com as

tradições de reserva dos espaços de poder unicamente para brancos, a partir das vagas

universitárias públicas, (SANTOS, 2004); (MOEHLECKE, 2002, p.198-199).

No Brasil, este é um fenômeno muito recente na ideologia antirracista, tendo fins

objetivos definidos tanto quanto nos países que as conceberam e as implantaram antes de nós,

como Índia, Canadá, Alemanha, Estados Unidos, Malásia, Nova Zelândia, entre outros. Em

todos estes países se procurou formas de compensação material ou cultural e outros, advindos

do racismo, oferecendo aos grupos ‘discriminados e excluídos’ um tratamento diferenciado

para compensar as desvantagens à sua situação de vítima do racismo e de outras formas de

discriminação. (MOEHLECKE, 2002, p.198-199).

Desta ideia, surge à terminologia “equaloportunity policies”, ou seja, ação afirmativa,

ação positiva, discriminação positiva ou políticas compensatórias. Em nossa sociedade, tais

termos causam estranheza, no entanto, é uma forma simples de separar o que foi prejudicado

pela diferença, para compensar a diferença a ele imposta, por consequência do preconceito

racial e da discriminação negativa dele decorrente, (MUNANGA, 2003).247

Entretanto, no Brasil, esse movimento não é recente entre a ideologia das populações

negras, que se reflete na organização da Frente Negra Brasileira (FNB), na segunda década do

século XX. Assim, Abdias Nascimento e os demais membros do Movimento Negro Unificado

245

Ibid. 246

Grifo da autora, com base no artigo de Michael Kleff – Acessado em 01 de janeiro de 2016. 247

MUNANGA, Kabengele. Política de Ação Afirmativa em Benefício da População Negra no Brasil – Um

Ponto de Vista em Defesa das Cotas. Revista espaço Acadêmico, v. II, n. 22 p. 1, março de 2003.

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(MNU) reivindicaram que essa luta no Brasil fosse reconhecida a partir de Zumbi dos

Palmares.

Neste contexto, a partir da luta do MNU, que se organiza nacionalmente em prol de

reconhecimento, entram em questão as reivindicações das políticas de ação afirmativa. Elas

“assumem desenhos diferentes”, a serem determinados de acordo com a legislação, governo

ou instituição. Sendo que, a mais conhecida é a lei de cotas, cujo objetivo demanda sobre o

percentual “a ser ocupado na era específica por grupo (s) definido (s). Mas, este sistema, pode

se concretizar de maneira proporcional ou não, e de forma mais ou menos flexível”, nas quais

suas especificidades precisam ser observadas e respeitadas para se promover políticas

públicas realmente inclusivas. Tais políticas consistem em superar a desigualdade através da

educação pública superior e também pelos programas do governo, como o PROUNI.

(MOEHLECKE, 2002, p. 200).

[...] ações voluntárias, de caráter obrigatório, ou uma estratégia mista;

programas governamentais ou privados; leis e orientações a partir de

decisões jurídicas ou agências de fomento e regulação. Seu público-alvo

variou de acordo com as situações existentes e abrangeu grupos como

minorias étnicas, raciais, e mulheres. As principais áreas contempladas são o

mercado de trabalho, com a contratação, qualificação e promoção de

funcionários; o sistema educacional, especialmente o ensino superior; e a

representação política, (MOEHLECKE, 2002).

A autora usa o termo “ações voluntárias” porque o sistema de políticas afirmativas, no

Brasil, varia de acordo com a interpretação dos dirigentes das universidades públicas, ou seja,

são ações que caracteriza certa liberdade para sua realização, entretanto, são obrigatórias,

(MOEHLECKE, 2002).

Em 13 de maio de 2002, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,

assinou o decreto nº 4.228, que instituiu, na esfera da administração pública federal, o

Programa Nacional de políticas de Ação Afirmativa e de outras providências. O que consiste

em atendimento a outras formas de inclusão social, além da reparação aos negros brasileiros

que, no decreto, são tratados por afrodescendentes. No mesmo decreto, em seu Art. 3o,

instituiu o Comitê de Avaliação e Acompanhamento do Programa de Ação Afirmativa, que

determina a adoção de medidas administrativas e de gestão estratégica destinadas a

implementar os programas de políticas afirmativas, com objetivos definidos e capazes de

promover justiça social a partir de amplas medidas de políticas de inclusão.248

248

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4228.htm>. Acesso em: 12 dez. 2015.

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No Brasil, as políticas afirmativas não são privilégio de discussão apenas da educação,

ao contrário, desde os anos 1980 se configuravam na pauta do MNU. Inclusive Jupiara Castro

nos informa que este foi um dos motivos de suas longas viagens pela Confederação das

Universidades, que se iniciou logo após a organização do NCN.

Ao analisarmos o “Dossiê do Governo Lula”, entre outros que seguem nesta discussão,

documento elaborado pela Professora Márcia Lima, do Departamento de Sociologia da USP,

vimos que a professora enfatiza as ativistas do movimento negro feminista, na década de

1980, que exercem forte pressão neste debate. Os demais ativistas se mobilizam por direitos

de atendimento específico, e os ativistas masculinos se mobilizam no campo acadêmico,

tendo esses sido iniciados por Carlos Hasenbalg, Nelson do Vale Silva e Elza Berquó.

As políticas afirmativas na saúde antecedem o acirramento das lutas pelas políticas

afirmativas da educação. A Professora Márcia Lima fundamenta-se na IV Conferência

Mundial sobre a Mulher em Beijing, reflete sobre políticas específicas, em especial na área da

saúde para negros, negras e descendentes. (RIBEIRO, 2014, p.76-79).249

A construção de uma agenda de direitos em saúde pelas mulheres

negras contribuiu para o desenvolvimento de argumentos em defesa de

ações específicas. Também foram relevantes na consolidação desse

processo a V Conferência Mundial de População e Desenvolvimento

(Cairo, 1994) e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing,

1995250

(LIMA, 2010).

Estas políticas públicas na saúde, no âmbito federal, se destacam quando ganham

legitimidade pela Constituição de 1988, sendo considerado um “marco histórico”, asseguram

o direito ao promoverem mudanças sociais no país. Entretanto, tais direitos permanecem

apenas na Constituição Federal e o movimento negro continua na luta para colocá-los em

prática, o que acontece lentamente no governo FHC e se expande no governo Lula; ainda

assim, a mortandade das populações negras continua alarmante. (LIMA, 2010, p.8).

No decorrer de muito tempo, o mito da democracia racial funcionou como fundamento

para a permissividade das práticas racistas e discriminatórias contra as populações negras

brasileiras. Tal prática pode ser observada a partir de um olhar na forma como se elaborou e

se conduziu a educação deste País, quando se valorizavam as culturas “eurocentristas” em

249

RIBEIRO, Matilde. Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil. (1986-2010). Rio de Janeiro:

Garamoud Universitária, 2014. 250

MÁRCIA LIMA, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e pesquisadora

associada ao Centro de Estudos da Metrópole do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEM -

CEBRAP). (Dossiê do Governo Lula, Nº 87). Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em: 21 dez. 2015.

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detrimento às culturas negras, que, no máximo, entravam para os currículos escolares como

“expressão folclorista”, (CARDOSO, 2008, p. 59-60).

Nesse sentido, a redemocratização no Brasil, enquanto processo recente está mediado

por lacunas a serem preenchidas, dentre as quais se sobressai à permanência de características

não mutáveis inerentes aos indivíduos. Então, para que haja mudanças neste cenário, não pode

ser quesito de influencia em nenhum dos âmbitos da sociedade brasileira, a cor da pele, as

características físicas dos indivíduos, entre outras formas de identificação, (LIMA, 2010).

Entendemos que, enquanto a sociedade for influenciada pelos preconceitos, pela

definição das características físicas dos indivíduos, as oportunidades nos espaços de poder,

que abarca desde o desempenho educacional até a oportunidade de trabalho, os cuidados com

a saúde, entre outros, não podemos nos pensar enquanto uma sociedade plenamente inclusiva

e desenvolvida. Estamos, pois, em um Brasil que mede a capacidade humana a partir dos

traços físicos, influenciando, assim, na progressão da carreira profissional, no acesso ao

ensino superior, na participação na vida política, entre outros, (LIMA, 2010).

Nos últimos anos, diversos órgãos públicos apresentam dados substanciais sobre

discriminação e desigualdades em diferentes áreas. A divulgação desses dados tem

repercussão nacional e internacional, forçando os organismos públicos brasileiros a

contemplar esta questão, adotando medidas para combater o preconceito, o racismo e a

discriminação, (LIMA, 2010).

Contudo, na prática, existem controvérsias sobre quais seriam as soluções mais

adequadas para resolver tais questões. Daí a necessidade das políticas de ação afirmativa

como resposta ao problema, as quais recebem designações diversas, tais como: reserva de

vagas, ação afirmativa, política compensatória, cotas raciais, entre outras, (RIBEIRO, 2014, p.

254-259).

3.1 A Lei nº 10.639, as Ações Afirmativas, o Governo Lula e o NCN/USP

A Lei nº 10.639/2003 que altera a Lei nº 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB), de 20 de dezembro de 1996, pode ser considerada uma das primeiras

políticas de ação afirmativa no âmbito educacional brasileiro no que tange à inclusão das

populações negras brasileiras. O ensino de História e Cultura Afro-brasileira tornou-se

obrigatório nas escolas de ensino fundamental e médio de todo o Brasil. Pode ser

contemplado no ensino superior como medida para preparar os estudantes das licenciaturas

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que têm a responsabilidade de disseminá-la por meio do ensino na educação formal ou

informal do país, através do ensino. 251

A implementação da Lei 10.639 é uma das mais altas conquistas do Movimento Negro

Unificado (MNU), no que se refere à educação inclusiva, no entanto, foi necessária a

contribuição e a sensibilidade do primeiro presidente brasileiro com raízes nas lutas sindicais

do operariado do ABC paulista. (CARVALHO, UnB, 2012).

Durante a entrevista com Jupiara Castro NCN/USP, conversamos sobre a lei no

10.639/2003 quando também discutimos um comentário de Carvalho (2012), proferido

durante o Seminário sobre Cotas Raciais e Cultura Étnico-racial no Instituto Federal do Rio

Grande do Norte (IFRN), em 02 de agosto de 2012. No seminário, Carvalho discorreu sobre a

qualidade do texto, por ser curto e objetivo; com uma redação bem elaborada conseguiu a

adesão do Congresso Nacional. Segundo ele, se tivesse sido profundamente analisado, muitos

congressistas conservadores não a teriam assinado, porque “infelizmente temos um Congresso

formado por pessoas racistas”, (CARVALHO, 2012).252

.

Tivemos, então, a oportunidade de mais uma vez, ouvir a opinião de Jupiara Castro a

respeito da emenda da Lei no 10.639/2003. E, Jupiara diz acreditar que, realmente, grande

parte do Congresso Nacional não deve ter se atentado ao teor da redação da referida lei.

Segundo ela, muitos realmente a assinaram sem conhecer a dimensão política e as

contribuições que essa emenda daria à história do Brasil, promovendo, assim novos rumos

para as negras e os negros brasileiros, (CASTRO, 02/10/2015, em São Paulo).

A seguir refletimos sobre o que disse Jupiara Castro, em entrevista para esta

dissertação, em 02/10/2015, em São Paulo, acerca da aprovação da Lei 10.639.

Alguns parlamentares eu acredito que votaram conscientes para a

aprovação dessa lei 10.639, mas a maioria não. Em primeiro lugar, por

ignorância. E, em segundo lugar por arrogância deles, que levaram a

subestimar a relatora da lei, penso que por ser mulher e especialmente por

ser negra. A Profa.. Dra. Petronília Beatriz – é uma estudiosa, uma

intelectual na área da educação, hipercompetente. A Petrô como sempre

mostra que nós mulheres negras somos capazes. A Petrô sempre esteve

apoiando o NCN, embora ela esteja a mais de trezentos quilômetros de

distância, em São Carlos. Mas, sempre nos apoiou, sempre, sempre...Uma

mulher que sempre está à frente das lutas dos negros e das negras pelos

direitos civis. É isso, a Petrô no Conselho Nacional de Educação fez uma

redação maravilhosa e a emenda da lei 10.639/2003 contribuiu e contribui

muito na discussão que ocorre ainda nos dias de hoje, mudou o rumo de

251

Debate mesa redonda no Anfiteatro da Geografia - USP, em 19 de abril de 2013, com Petronilha Beatriz

Goncalves e Silva e Nilma Lino.

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nossa história, a partir da conscientização de nossa história, de nossa

cultura na educação.253

Para Jupiara Castro, a facilidade da aprovação da emenda da Lei 10.639, dar-se,

principalmente pelo machismo e arrogância dos deputados, no Congresso Nacional, contra as

mulheres, porque as subestimam. Em especial, no caso da Professora Petronilha Beatriz por

se tratar de uma mulher negra, ou seja, uma situação de dupla discriminação.

Conforme afirmação de nossa entrevistada, (Jupiara) observamos que a articulação do

movimento negro se fortalece em prol das políticas afirmativas desde o governo FHC, pelo

menos nos discursos. Entretanto, a ampliação e implementação ocorre somente no governo

Lula, em 2003, a partir da aprovação da referida emenda conhecida por Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB), 9394 de 1996 que foi alterada para a Lei nº 10.639/2003.

De acordo com Carvalho (2012), da Antropologia da UnB254

, essa foi uma das ações mais

importantes tomadas pelo então Presidente Lula, afirmou.

De acordo com Antônio Sergio Alfredo Guimarães (USP), a concepção da Lei nº

10.639 sancionada pelo então presidente Lula fortaleceu as lutas dos movimentos negros. A

partir de sua implementação, ocorre à discussão na academia, na mídia, em aulas nas escolas

em geral, ainda que de forma precária. O efeito político para as populações excluídas da

sociedade brasileira foi imediato. (GUIMARÃES, 2003), (CARVALHO, 2012/2013) 255

.

A partir da aprovação da Lei nº 10.639/2003 e de sua prática no cotidiano da

sociedade, acirraram-se os debates sobre as cotas raciais. Nesse sentido, após um ano da

implementação da Lei 10.639/2003, no dia 28 de abril de 2004, o então Presidente da

República, Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da mensagem de nº 025, anuncia o Projeto

3.627/2004256

, no qual expressa a necessidade de outras políticas afirmativas que pudessem

incluir as populações negras no ensino superior. Pois, reconhecia-se que só o debate não era o

suficiente, era então preciso a provação das cotas raciais entre outras políticas de inclusão.

Retomamos a discussão acerca do texto inicial da lei no 10.639/2003, juntamente com

a análise de nossa entrevistada, podemos observar que o conteúdo programático do estudo da

História da África e das culturas negras brasileiras e as lutas dos negros, sejam considerados

no currículo nacional. Pois, esta significa uma contribuição no conhecimento sobre a história

dos povos de origens africanas e não apenas na valorização das culturas Europeias como

253

Jupiara Castro em entrevista para esta pesquisa em 02/10/2015, em São Paulo. 254

Disponível em: <www.youtube.com.br. Acesso em: 01 jan. 2016. 255

Ibid. 256

Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 01 out. 2015.

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sempre o foi, no currículo nacional. Isso porque há o sentido de resgatar e reconstruir a

história do povo negro nos diversos ângulos e setores da sociedade brasileira, principalmente

sua participação na construção da história do Brasil, até então ignorada, pois apareciam

somente nos discursos historiográficos, sem a participação dos sujeitos ativos e participativos

do discurso histórico, (PACHECO; SILVA, 2004).

A partir da discussão da Lei nº 10.639/2003, uma nova forma de articulação entre o

movimento negro entra em conformidade com o Estado, ou seja, representantes do

movimento e organizações nacionais e internacionais se articulam pela luta das políticas de

ação afirmativa. Essa luta está em conformidade com a reserva de vagas universitárias para as

populações negras, ao se relacionar efetivamente com órgãos-chave da administração federal,

responsáveis por implementar as políticas afirmativas que atendam aos interesses dos negros

brasileiros, (GUIMARÃES, 2003).

Neste sentido quisemos também ouvir a opinião de nossa entrevistada e, principal

sujeito histórico e social, Jupira Castro, sobre a relação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da

Silva, com a aprovação da emenda da Lei 10.639. Se de fato ele estaria ciente do teor do

documento que resultou na Lei no 10.639/2003, ou seja, se o mesmo teria consciência da

interpretação da redação dessa emenda de Lei, e Jupiara Castro responde o seguinte:

O presidente Lula... (sorriso). Sim, ele sabia... (silêncio) - Acredito que sim,

ele sabia sim. Uma coisa que ninguém pode negar ou tirar dele é a

inteligência. O ex-presidente Lula é um homem muito inteligente, muito,

muito... Mas ele foi muito apoiado pelo Movimento Negro e pelos negros

que, mesmo não estando ligados ao movimento negro, acreditaram que o

presidente Lula lhes representava. E, Lula também foi pressionado naquele

momento pela mobilização dos intelectuais negros e outros. Assim, ele

incorporou as reivindicações apresentadas. Não podemos esquecer que

nada foi nos dado, cada pedacinho, cada coisa foi conquistada com muita

luta das negras e dos negros que há muito vinham exigindo políticas de

Estado para esta parcela da população que ao longo da existência desse

imenso país foram alijados dos direitos mais elementares enquanto

cidadãos. Mas, precisou da mão do ex-presidente Lula.257

Depois, a entrevistada seguiu comentando que tudo que o ex-presidente Lula fez

foi em atendimento às reivindicações do MNU, mas afirmou: “temos de reconhecer que o ex-

presidente Lula fez em conjunto com o movimento negro tudo que nenhum doutor se propôs

fazer por nós negros durante toda a história do Brasil”.

257

Jupiara Castro em entrevista para esta pesquisa em 02/10/2015, em São Paulo.

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Então, os nomes dos doutores que a entrevistada fazia referência e sua resposta

segue: sabe aquele cidadão que foi professor daqui da USP e também foi presidente do

Brasil? Ela não quis citar o nome da pessoa a quem se referia. Então, questionamos: estamos

falando de FHC? Jupiara respondeu: sim dessa pessoa que tem esse nome aí mesmo. E, por

fim Jupiara diz que a única coisa que se lembra “dessa pessoa” (se referindo de novo a FHC),

ter feito em prol dos negros dentro da USP foi se reunir com alguns professores em uma

audiência com o reitor a fim de resolver um problema do Professor Milton Santos.

Mas, seguimos o rumo de nossa conversa, afinal havia muito ainda para saber e

o tempo era precioso diante das informações que precisamos colher para esta realização. Pois,

em conversa informal anterior, já tínhamos sido brevemente informados acerca da influencia

do NCN na criação das leis de inclusão das populações negras. Assim questionamos as

formas como isso dá e Jupiara Castro nos respondeu:

Naquele momento, fizemos uma parceria com o então Deputado Paim, Luiz

Alberto, no Congresso Nacional para introduzir esta pauta no Congresso

Nacional. Tanto Paim como Luiz Alberto se empenharam em nos atender. O

primeiro do Sul e, o segundo, baiano, com a mesma origem sindicalista de

forma acolhedora e sensível à questão racial, por serem negros também,

eles são os políticos que em conversa com o Movimento Negro se

propuseram a representar naquele espaço a pauta da população negra.

Como você sabe a luta do povo negro no Brasil não teve início na

universidade. Desde o momento que fomos arrancados da África, lutamos e

resistimos. Nossa resistência criou os diversos quilombos, fizemos diversas

revoltas, pelas políticas adotadas, que nos “coisificaram”, que tentaram nos

desumanizar, que quiseram quebrar a nossa capacidade de luta. Portanto,

as ações afirmativas buscam responsabilizar o Estado de Direito, pelas

mazelas que nossos antepassados enfrentaram aqui, e também estes dois

políticos negros, articulam as políticas de ações afirmativas dentro do

Congresso que representa os negros aqui no NCN e fora daqui, sobre as

cotas raciais que, são cruciais para a permanência deles, embora a USP se

nega atender, ter esse reconhecimento.258

O MNU, no NCN representado por Jupiara Castro, consegue elevar a pauta das

reinvindicações dos negros de forma sutil, ágil e prática, através da representação política nos

órgãos, aos quais cabem, sua votação e aprovação até ser sancionado pelo presidente da

República, o que também já estava em negociação.259

A implantação de um plano de ação para a reestruturação da educação universitária

pública democrática, entre outras medidas para a educação étnico-racial, em grande parte se

deve ao esforço do MNU e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pois, o então

259

Grifo da autora, fundamentada na citação de Jupiara Castro.

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Presidente Lula manteve aberto o acesso às reivindicações do MNU, inclusive articulando o

Grupo Interministerial, visando o “desenvolvimento e democratização das Instituições

Federais de Ensino Superior – IFES”. 260

O Grupo de Trabalho Interministerial fora criado por Decreto de 20 de outubro de

2003, em sua composição estavam presentes: membros da Casa Civil e da Secretária-Geral da

Presidência da República e dos Ministérios da Ciência e também da Tecnologia, do

Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e da Educação, e tem o objetivo de juntos,

pensar e elaborar documentos capazes de enfrentar a crise atual das universidades federais,

mas, cabia também, “orientar o processo de reforma da universidade brasileira, para fazer dela

um instrumento decisivo da construção do Brasil ao longo do século XXI”.261

Refletimos no trabalho do Grupo Interministerial, no que tange as primeiras medidas

elaboradas para o enfretamento urgente do ensino público superior,

[...] A primeira apresenta o elenco de ações emergenciais para o

enfrentamento imediato da crítica situação das universidades federais. A

segunda ressalta a necessidade da efetiva implantação de autonomia à

universidade federal. A terceira parte aponta para linhas de ação imediata,

que possam complementar recursos e ao mesmo tempo propiciar um

redesenho do quadro atual. A quarta indica as etapas necessárias para a

formulação e implanta da reforma universitária brasileira.262

Como vimos acima, as medidas para a inclusão racial e social no governo do ex-

presidente Lula foi de suma importância para fazer decolar as políticas afirmativas e provocar

o debate em todos os âmbitos da sociedade brasileira, em particular nas universidades

públicas, em geral. 263

Assim, outros Projetos de Lei foram apresentados como o de nº 615/04, nº 1313/03 e o

nº 73/99, os quais tramitaram no Congresso Nacional aguardando aprovação, sendo que quase

todos os projetos de inclusão racial e social. Sobremaneira, esses projetos são atendidos com a

decisão do STF favorável à adoção das cotas raciais e sociais e depois com a aprovação da lei

12.711.2012. Todos partem do interesse em promover políticas de ação afirmativa para

estudantes negros, indígenas e estudantes pertencentes à família de baixa renda, nas

universidades, faculdades e institutos federais. 264

260

Jupiara Castro em entrevista para esta pesquisa em 02/10/2015, em São Paulo. 261

Disponível em: <www.sintunesp.org.br>. Acesso em: 31 dez. 2015. 262

Ibid. 263

Jupiara Castro em entrevista para esta pesquisa em 02/10/2015, em São Paulo. 264

Ibid.

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O Projeto de Lei nº 3.627/04 partiu de estudos do Grupo de Trabalho Interministerial,

constituído pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a Secretaria Especial de Políticas

de Promoção de Igualdade Racial (SEPPI). Nesse grupo se fez presente entidades de classe de

professores e estudantes, que de algum modo estão envolvidas com a luta contra o racismo e a

discriminação dos povos negros, assim como de estudantes pertencentes à família de baixa

renda e depois, por reinvindicações dos indígenas, também foram incluídos.

[...] desde 1967, o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a

Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial da Organização das

Nações Unidas ONU. Na Convenção, o Estado brasileiro comprometeu-se a

aplicar ações afirmativas como forma de promoção da igualdade, para a

inclusão de grupos étnicos historicamente excluídos no processo de

desenvolvimento social. (SILVÉRIO, 2006, p.48) 265

.

Valter Roberto Silvério foi o relator do PL 73/99, aprovado em 2004, e presidiu a

comissão do mesmo. Em 21/09/2004, participa de audiência pública com o Secretário de

Educação Superior do Ministério de Educação (MEC), Nelson Maculan. Ocasião em que foi

informado de que muitas universidades e instituições federais de ensino superior estavam

“sofrendo ações judiciais” por parte das classes dominantes, quando o mesmo compromete-se

atender outras universidades públicas interessadas em aderir ao sistema de ação afirmativa.

Pois, grande parte ainda tinha dúvida quanto ao procedimento de reserva de vagas por cota

racial e social. Dessa maneira, coube transformar em lei o que em muitas universidades

brasileiras tornara-se uma prática (SILVÉRIO, 2006, p.49).

Neste contexto, a “democratização do acesso” e da permanência por meio do sistema

das políticas afirmativas, seja por cota racial ou quaisquer outras formas de acesso das

camadas historicamente excluídas, na educação universitária pública, realiza-se de forma

sólida e racional. Assim, promovendo políticas de expansão e “fortalecimento” da educação

pública universitária, propiciando resultados visíveis entre as instituições públicas em geral,

(SILVÉRIO, 2006, p.49).

265

PACHECO, Jairo Queiroz; SILVA, Maria Nilza Da. (Org.). O Negro na Universidade: o direito à inclusão.

Ministério da Cultura – Fundação Cultural Palmares. In: Ação Afirmativa: uma política pública que faz a

diferença, 2006, p. 21-49.

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[...] a reforma da educação superior, o sistema de reserva de vagas nas

instituições federais de ensino será um marco no resgate e fortalecimento da

educação pública, gratuita e de qualidade. Temas, ambientes, tempos,

espaços, pesquisas, sons, linguagens, serão seguramente alterados. Mais

diversos, mais plurais, mais ricos em densidade e extensão. Mais parecidos

com o Brasil real. Mais promotores de mudanças significativas para a nossa

geração e para as próximas gerações. (SILVÉRIO, 2006, p.49)

O Projeto de Lei 3.627/04, enfim, foi aprovado em 2012, dando origem à Lei nº

12.711/2012, conhecida por lei de cotas. Esta lei determina às universidades e institutos

federais do país que, reservem no mínimo 50% de suas vagas em cada concurso e turno de

seleção, possibilitando, assim, o ingresso nos cursos de graduação, aos estudantes que

tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, (SILVÉRIO, 2006).

Dentre as vagas reservadas para os estudantes oriundos da rede pública, haverá um

percentual mínimo para as populações negras e indígenas de acordo com a região atendendo

sempre o percentual local, pelos índices populacionais do IBGE, (SILVÉRIO, 2006).

No seminário que dirigiu no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), o Prof.

José Jorge de Carvalho (UnB) levanta o debate sobre a Lei 12.711/2012 e as universidades

públicas de São Paulo. Considera um absurdo as políticas de ação afirmativas por cotas

raciais não terem sido instituídas nas estaduais, sobretudo nas universidades paulistas,

especialmente na USP, onde o universo é predominantemente branco e não dá para negar o

racismo naquela instituição. “Oras, somos uma sociedade constituída de mais de 50% da

população de negros e a universidade brasileira sempre foi construída de um universo

completamente branco. Se isto não é racismo, então é o que?” (CARVALHO, 2012).266

E segue o professor: “se os negros não estão na universidade é porque a eles não foi

dada essa oportunidade”. Atualmente, após a eclosão do movimento negro e o

reconhecimento do Estado de Direito de que os negros foram prejudicados pelo processo de

segregação exercido por diversos séculos de escravidão instituída no Brasil, a exclusão dos

negros está presente nos imaginários comunitários, construída pelas classes dominantes.

Apesar da legislação em funcionamento para garantir esses direitos, as universidades

paulistas, no debate sobre as ações afirmativas, continuam em escala muito inferior às demais

universidades públicas federais e estaduais que praticam esta política. O acesso e permanência

no ensino superior público brasileiro, de fato, foi enfrentado no governo do então Presidente

da República Luiz Inácio Lula da Silva. A partir de então, o sistema de reserva de vagas sai

do palanque para o debate e para a prática, enquanto política pública; a discussão se acirra não

266

Ibid.

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135

só nas universidades, mas também em toda a sociedade, inclusive na mídia brasileira,

(CARVALHO, 2012/2013). 267

.

3.2 As Políticas de Ação Afirmativa / Cotas e Outras Considerações Sobre Questões

Raciais nos Governos: Lula e Dilma

O debate acerca do racismo, da discriminação e do preconceito racial, até pouco tempo

era tabu, ou seja, não existia fórum para a discussão racial; era como se o problema não

existisse em um país que teve sua primeira Constituição marcada pelo preconceito racial, pois

o início dessa discussão aconteceu somente cem anos após o Brasil elaborar e sancionar a

Constituição Federal em 1988, momento em que em que reconheceu o problema.

A partir de 1999, na Universidade de Brasília, o Prof. Dr. José Jorge de Carvalho, do

Departamento da Antropologia da UnB, junto com sua equipe somada à luta do movimento

negro e dos indígenas, iniciam o debate dentro daquela universidade. Antes desse período,

apenas alguns poucos professores e acadêmicos trataram isoladamente da questão. Como

exemplo, temos a reflexão a seguir268

da Professora Eunice Prudente, sua contribuição para a

compreensão e aplicação real do direito das populações negras e sua relação com a legislação

brasileira, indo desde o período da escravidão e seus efeitos presentes até hoje. A Professora

Eunice Aparecida de Jesus Prudente é uma das poucas docentes negras a ocupar uma vaga na

Faculdade de Direito da USP.

O grupo afro-brasileiro sofrerá ininterrupta agressão aos seus direitos de

personalidade, direitos inerentes à pessoa. Não se torturou, espancou os

negros inconscientemente, mas para anular a personalidade (a aptidão para

ser pessoa) e transformar um homem em escravo. Trata-se de direitos que

integram o homem, são essenciais à pessoa: a vida, a liberdade, o direito ao

nome, à reputação, à honra, à imagem, à criação intelectual, [...].

(PRUDENTE, 1989, p. 137)

Nesse contexto, Prudente (1989, p. 135-137) nos traz a orientação para o debate sobre

política de cotas raciais. Ora, se há o reconhecimento que o Estado tratou com diferença o

65

Disponível em:

<http://www.fflch.usp.br/sociologia/asag/Desigualdades%20raciais%20em%20novo%20regime%20de%20estad

o.pdf>. Acesso: 21 jun. 2015. 268

Eunice Aparecida de Jesus Prudente - Professora Assistente do Departamento de Direito do Estado da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em “O NEGRO NA ORDEM JURÍDICA

BRASILEIRA”.

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povo que compõe a nacionalidade brasileira, é no mínimo obrigação do próprio Estado e da

sociedade “reparar este erro”, que é um direito assegurado pelo Estatuto da Igualdade Racial,

o qual é questionado conforme palavras da Professora Eunice Prudente:

A despeito da igualdade jurídica, estabelecida pela Constituição Federal,

contradições da própria ordem jurídica, educação oficial preconceituosa,

ação contínua dos meios de comunicação de massa veiculando estereótipos,

mantêm a situação terrível em que se encontram os afro-brasileiros. A

discriminação racial no mercado de trabalho urgia mudanças nesta ordem

injusta com a tipificação da discriminação racial como crime, reavaliação da

presença do negro na História do Brasil, autêntica participação política do

povo brasileiro. (PRUDENTE, 1989, p. 135)

Por ocasião da aprovação do Estatuto de Igualdade em 21/06/2010, o secretário

executivo da Secretaria de Políticas de Promoção Racial, Mario Lisboa Theodoro solicita a

aprovação do Projeto nº 180/80. Tendo como objetivo a obrigatoriedade da adoção das cotas

raciais nas universidades públicas, para estudantes negros e indígenas, oriundos de escolas da

rede de ensino público. 269

Em novembro de 2011, houve uma audiência pública que tratou de assuntos relativos à

educação e cultura, promovida pela Comissão de Educação e “Cultura da Câmara”, a qual

Mario Lisboa Theodoro também acompanhou e participou. E, ao final, Mario Lisboa se disse

satisfeito com o rumo que tomava essa discussão. A deputada federal Erika Kokay (PT-DF)

foi uma das autoras do pedido de audiência pública, e enfatizou que a educação pública de

qualidade é a via de solução mais importante para acabar com a desigualdade no Brasil.

Porém, a medida é uma forma de correção emergencial, que visa superar essa desigualdade

historicamente construída.

De acordo com Erika Kokay:

[...] não dá para pensar nas políticas públicas de ação afirmativa para

diminuir a desigualdade entre brancos e negros sem considerar que existem

casas grandes e senzalas na nossa contemporaneidade. Que elementos da

escravidão vêm de uma forma muito cruel porque não aparecem, mas suas

ações têm efeitos nocivos, porque eles são invisíveis, provocando tropeços

na construção da democracia.270

269

Disponível em: <http://www.une.org.br/2011/11/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-cobra-projeto-

sobre-cotas/>. Acesso: 13 set. 2015 270

UNE/ AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 11/2011. Disponível em:

<http://www.une.org.br/2011/11/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-cobra-projeto-sobre-cotas/>.

Acesso: 13 set. 2015.

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137

Embora a deputada Erika Kokay esteja se referindo a todos que se negam a

reconhecer a exclusão das populações negras, pode-se traçar um paralelo entre seu

pensamento e a luta dos negros para adentrar na USP. Mesmo com o movimento de

conscientização conhecido por “Ocupação Preta” não se consegue apoio nem por parte da

maioria do corpo docente nem pelos alunos, e menos ainda da administração, tampouco da

reitoria, a qual reage contra essas políticas, frequentemente, (SOBRINHO; CARTA

CAPITAL, 17/04/2015).271

Em geral, aqueles que se opõem à política de cotas raciais, alegam que no Brasil é

difícil identificar quem são os negros e quem são os brancos, frente a miscigenação existente

na sociedade, entretanto, esta é apenas mais uma desculpa das classes dominantes, pois as

questões raciais, os preconceitos são evidentes e dirigidos às vitimas do processo da

escravidão. 272

Seguimos, então, a reflexão da deputada Erika Kokay273

sobre a lei274

de cota racial:

“A polícia sabe identificar muito bem quem são os negros”. Na oportunidade a parlamentar

criticou a falta de política para este segmento: “Muitas vezes, a única política que alcança os

negros é a de segurança”, reforçou275

. E reiterou que a educação de qualidade para todos é o

início da solução que visa o fim do racismo e da desigualdade, principalmente para mudar a

cultura do preconceito racial que, para ela, funciona de forma invisível, mas seus efeitos são

fortemente sentidos, percebidos.

Seguimos o pensamento de Kokay, a seguir,

Não dá para se pensar em nenhuma política pública sem considerar que

existem casas grandes e senzalas na nossa contemporaneidade; que

elementos da escravidão vêm de uma forma muito cruel porque vêm

invisíveis. Eles são invisíveis, mas provocam tropeços na construção da

democracia e do desenvolvimento real do País, portanto, é preciso dar

visibilidade276

.

271

Disponível em: <www.cartacapital.com.br>. (Wanderley P. Sobrinho, 17/04/2015). Acesso em: 02 jan. 2016. 272

Grifo da autora. 273

CÂMARA NOTÍCIAS, 21/11/211. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/205919-SECRETARIA-DE-

PROMOCAO-DA-IGUALDADE-RACIAL-COBRA-APROVACAO-DO-PROJETO>.

Acesso em: 10 set. 2015. 274

Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia/169432-1>. Acesso em: 15 ago. 2015

275

Disponível em: <http://www.une.org.br/2011/11/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-cobra-projeto-

sobre-cotas/>. Acesso: 13set.b2015. 276

UNE/ AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 11/2011. Disponível em:

<http://www.une.org.br/2011/11/secretaria-de-promocao-da-igualdade-racial-cobra-projeto-sobre-cotas/>.

Acesso: 13 set. 2015.

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138

Erika Kokay rebate o argumento de pessoas que são contra o sistema de cotas, que

dizem ser impossível identificar quem é negro, ou não, para então, se saber quem tem direito

às vagas nas universidades. De acordo com Valter Roberto Silvério, no plano político, os

programas de ação afirmativa são resultado da consciência de que a igualdade concreta não

deve ser pensada pela mesma regra do direito igual para todos. Para que a equidade realmente

se materialize são necessárias regras diferentes na aplicação do Direito, que deve considerar

as situações particulares e específicas de grupos historicamente em desvantagem em relação à

parte da sociedade brasileira que “detém maior poder financeiras”, melhor educação e melhor

saúde, (SILVÉRIO, 2006, p. 22).277

Grande parte dos esforços públicos, as políticas de ação afirmativa, está concentrada

na concessão de benefícios, a fim de possibilitar aos estudantes negros, historicamente

excluídos, o ingresso nas universidades públicas brasileiras e, através do conhecimento

profissionalizante, possibilitar a inclusão nos demais segmentos da sociedade que exige a

educação superior, (SILVÉRIO, 2006).

3.3 Uma Análise da Lei no 12.711/2012.

A Lei nº 12.711/2012 tem foco nas universidades públicas federais brasileiras. Entretanto,

como as instituições estaduais permanecem fora do escopo dessa lei, que são as políticas

afirmativas adotadas pelas universidades brasileiras, seja no âmbito federal ou estadual, apresentam

caráter diverso e são frutos de iniciativas individuais das próprias universidades ou de legislação

estadual. Entretanto, fica uma abertura para que essas universidades elaborem suas formas de

incluir juntamente com seus conselhos universitários as determinações que pretendem seguir para

essa adesão.278

Apresentamos resultados do acompanhamento das políticas de ações afirmativas realizado

anualmente pelo GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa)279

da UERJ,

cujo foco consiste em analisar as universidades públicas estaduais brasileiras em consonância com

a lei de cotas raciais. As universidades estaduais, tais como a Universidade de São Paulo, mesmo

277

Valter Roberto Silvério, em seu artigo: Ação Afirmativa: uma política pública que faz a diferença. É

professor Adjunto do departamento de Ciências Sociais e do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da

Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Coordenador do Núcleo de Estudos Afro – NEAB/UFSCar. 278

Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br Acessado por diversas vezes, a última em 31 dez. 2015. 279

Ibid.

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139

não se submetendo a esta lei federal, não podem se refutar a criar ação afirmativa semelhante, em

face da determinação da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), que após análise sobre a

Lei nº 12.711/2012 concluiu que a USP deve seguir a mesma determinação legal e implementar a

ação afirmativa em forma de cotas raciais para incluir no âmbito acadêmico as populações negras e

indígenas que foram colocadas às margens desse direito,280

De acordo com Carmem Maria Crady, em sua reflexão sobre a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB):

As leis são consequências de propostas que podem ser originárias do próprio

governo ou de setores da sociedade, se organizada. Elas são sempre votadas no

poder legislativo, ou seja, no Congresso Nacional quando são leis federais, na

Assembléia Legislativa quando são leis estaduais, e na Câmara de Vereadores

quando são leis municipais. (CRADY; KAERCHER, 2001, p.23) 281

Portanto, uma instituição pública de ensino superior, como a USP, não pode estar blindada

contra as determinações da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP). Portanto,

necessita criar ação afirmativa em forma de cotas raciais para negros e indígenas, conforme

determina a Lei nº 12.711/2012.

Em estudo anterior, Feres Júnior (2013) analisou as políticas de ação afirmativa,

especificamente as cotas raciais nas universidades federais, sob o impacto da Lei nº 12.711/2012.

Assim, analisamos essas instituições no que tange a dois eixos: 1. Os aspectos procedimentais

dessas políticas; 2. A magnitude e distribuição dos benefícios. O levantamento se baseia na leitura

e “análise dos editais, resoluções universitárias, leis estaduais, termos de adesão ao SISU”, nos

manuais de candidatos ao vestibular para ingresso no ano de 2013, “complementados por dados do

INEP e IBGE”.

A luta do movimento dividida por a “Ocupação Preta”, e Frente Pró-Cotas, reivindica que

a USP se adéque à lei federal, abrangendo esse direito adquirido aos estudantes negros das

instituições federais perante a determinação da Lei nº 12.711 que diz em seu Art. 1º:

280

Ibid. 281

CRADY, Carmem Maria; KAERCHER, GLÁDIS ELISE P. DA SILVA. Educação Infantil, pra que te

quero? Rio de Janeiro: Artmed, 2001, p. 23.

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As instituições federais de educação superior vinculada ao Ministério da

Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de

graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas

vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em

escolas públicas282

.

O Art. 1º afirma que devem ser reservados, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das

vagas existentes em cada processo seletivo para o ingresso nos cursos de graduação, das

instituições federais vinculadas ao Ministério de Educação (MEC).

Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art.

1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos,

pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e

indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição,

segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do

(IBGE).283

Ora, o movimento negro paulista que luta pelo ingresso na Universidade de São Paulo se

encaixa nesse direito. Todavia, não tem suas reivindicações atendidas porque a lei se restringiu às

instituições educacionais públicas federais, respeitando a independência das instituições e de seus

conselhos estaduais e municipais. Cabe discutir a razão de uma lei federal ser elaborada e

sancionada em atendimento a uma parte da sociedade que comprovadamente está prejudicada pelo

racismo e pelas ações discriminatórias dele decorrentes. 284

Entendemos, portanto, que uma lei federal elaborada e sancionada com intuito de proteger

uma parte da sociedade comprovadamente excluída da academia pública brasileira, tanto no

seguimento federal quanto estadual, não pode ser fragmentada, deve assegurar esse direito de ação

afirmativa não apenas para uma pequena parte desse grupo, ou seja, deve ser expandida em todas

as universidades públicas independente de pertencer ao governo federal, estadual ou municipal.285

282

Presidência da República/casa civil - subchefia para assuntos - LEI Nº 12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm>. Acesso em: 12

ago. 2015 e em 14 ago. 2015. 283

Ibid. 284

Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br Acessado por diversas vezes, a última em 31 dez. 2015. 285

Redação de Beth Avelar em18/07/2013. Agência de Notícia da Assembleia Legislativa do Estado de São

Paulo – Transparência ALESP. Disponível em:<http://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=336735>. Acesso em: 12

jun. 2015.

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141

3.4 O Movimento Negro no Brasil: entre o passado e o presente

Analisar o contexto social do negro hoje exige a tarefa inicial de recuperação dos

aspectos de nossa história. Predispomo-nos a olhar para o contexto histórico da luta do

movimento negro no limiar do século XX, sem perder de vista as importantes lutas que

antecederam este período, as quais suscitam profundo reconhecidamente histórico,

intrinsecamente vinculado ao movimento negro que se verifica no Brasil de hoje.

(NASCIMENTO; ALMADA, p. 19-20)286

.

Abdias Nascimento se preocupa em anexar a história de Zumbi dos Palmares à luta

do Movimento Negro no presente. Esse ícone da luta negra ficaria no anonimato histórico se

não fosse à luta dos negros por seu reconhecimento. E, Abdias Nascimento foi um dos lideres

dos militantes da FNB a pedir o reconhecimento de Zumbi como marte e como líder dos

primeiro movimento negro de que temos notícia, (ZESITO ARAUJO, UFAL).

Foi no início da década de 1980, quando Abdias Nascimento e a Mãe Hilda convocam

militantes do MNU e sobem a Serra da Barriga, em Palmares, onde Zumbi passou grande

parte de sua vida em combate contra os bandeirantes e soldados português. Porém tendo sido

assassinado por bandeirantes que apoiavam os portugueses contra a resistência do povo negro.

Nas diversas visitas e manifestação na Serra da Barriga, Abdias Nascimento e outros

membros da FNB reivindicaram que aquele lugar fosse oficialmente reservado para a

memória do líder negro e que o espaço seja valorizado com exposição, publicações e cultura

das populações negras. (NACMENTO; ALMADA, 1989).

Seguindo a pista de Abdias Nascimento, os negros se organizam em lutas, desde o

início da colonização portuguesa e essa organização continua no presente, através da sintonia

do movimento negro. As mesmas têm caráter de resistência e, sua reivindicação é diferente,

apenas pelo o contexto histórico em que se vive. (NASIMENTO; ALMADA, 1989, P128-

130).

José João Reis, em “Negociação e Conflito: A Resistência Negra no Brasil Escravista”

defende que a luta das populações negras sempre esteve presente na vida brasileira, até

mesmo no regime da escravidão.

O autor coloca uma ideia muito discutida nas lutas camponesas: “A Brecha

Camponesa”, a qual se deriva da luta dos escravos em pleno século XVIII, quando na área

rural eles lutavam por melhores condições de vida, ou seja, eles negociavam com seus

286

ABDIAS NASCIMENTO. Sandra Almada. Retratos do Brasil Negro, São Paulo, 1989.

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senhores um pedaço de terra aonde pudessem desenvolver sua própria economia para viverem

melhor, e não apenas sobreviver. Tais negociações eram comuns, pois os senhores sabiam o

risco que corriam de terem seus produtos derivados do açúcar sabotados, caso não atendessem

às reivindicações dos negros. Também se negociava o culto às suas religiões e folgas aos

domingos e dias-santos. Obviamente, havia fuga quando esses acordos eram quebrados, em

geral eram rompidos por parte dos senhores, (REIS; SILVA, 1989).

Neste sentido, fica aqui uma sugestão de estudo acerca desta problematização,

enquanto a historiografia tradicional atribui esse legado ao PCB. Segunda a qual, durante o

governo ditatorial de Getúlio Vargas e nas vésperas do fim do fim da Segunda Guerra

Mundial, essas lutas foram estabelecidas no Brasil. E, alinhava-se então com os Estados

Unidos, e, no contexto internacional do início da Guerra Fria, posicionava-se contra os

socialistas da União Soviética. Em 1947, a nova postura do Estado colocou o PCB na

ilegalidade, abafando também as Ligas Camponesas.287

Essas lutas dão sentido à Reforma

Agrária no Brasil, e mais tarde, em 1964, culmina com o Golpe Militar contra o então

Presidente da República Brasileira, João Goulart. Não desmerecemos a luta e sua elevação

com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), entretanto, sugerimos atenção com a reflexão que

fizemos fundamentada em288

, REIS; SILVA (1989).

O MNU trouxe para debate outra questão importante acerca da prática das culturas,

como forma de luta e resistência contra os desmandos da escravidão, por exemplo, o culto à

Mãe Preta. Esse movimento durante muito tempo foi visto como símbolo de passividade e

aceitação da condição “inferior do negro” em relação ao branco, mas, essa versão é contestada

por maioria dos pesquisadores ligados ao MNU. Os mesmos passam a entender esta discussão

como abominável, (REIS; SILVA, 1989).

Até o dia 13 de maio, data em que se comemora o dia da libertação da escravatura,

transforma-se em Dia Nacional de Denúncia Conta o Racismo. (E, além disso, o MNU

consegue transformar o dia 20 de novembro, data em que se presume ser o dia do assassinato

de Zumbi dos Palmares)289

para se discutir a “consciência negra”, aproveitando para divulgar

sua luta acumulada ao longo do tempo, procurando visibilizar as suas especificidades, em

todo o Brasil. (REIS; SILVA, 1989).

287

PRESTES, ANITA LEOCÁDIA. DA Declaração de Março de 1958 à renúncia de Jânio Quadros: as

vicissitudes do PCB na luta por um governo nacionalista e democrático. Revista Crítica Marxista, n. 32, p.

147-174, 2011, p. 163. 288

Grifo da autora. 289

A palavra assassinato foi uma escolha da autora para deixar claro que Zumbi foi morto por resistir a

dominação escravista no Brasil.

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De acordo com a historiografia tradicional, aos 15 anos de idade, Francisco foge e

retorna ao Quilombo290

, onde segundo a tradição africana recebeu o nome que o torna

conhecido hoje: Zumbi. Mais tarde, em reconhecimento à sua liderança, ganha o nome do

território que governa: Zumbi dos Palmares, onde lutou por anos para preservar a liberdade de

seu povo, até 1695, quando houve uma investida das tropas coloniais que visavam destruir

Palmares, assassinando-o, (ARAÚJO, UFAL, 2011) 291

.

É importante lembrar que no Quilombo de Palmares292

negros e negras viviam livres,

porém submetidos às regras sociais locais, até porque se trata de um imenso território entre

Pernambuco e Alagoas cuja produção agrícola supria em grande medida a Vila do Recife, ou

a “Cidade Portuguesa” como era conhecido naquela época. E, por isto, o território que

pertencia à Capitania de Pernambuco se torna tão cobiçado pelos colonos portugueses que já

residiam nas terras que hoje é Brasil, (ARAÚJO, UFAL, 2011) 293

.

Esse ícone da luta pela liberdade negra ficaria no anonimato histórico se não fosse a

continuidade de sua luta a partir da consciência e da organização da Frente Negra Brasileira

(FNB). E depois, pelo Movimento Negro Nacional ou simplesmente Movimento Negro

Unificado (MNU), que hoje conta também com a preservação histórica do Professor Zezito

Araújo, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Entre os precursores do MNU que se

preocupou em recuperar a história de Zumbi dos Palmares, figura um importante nome:

Abdias Nascimento e seus discípulos, responsáveis por colocar em pauta o reconhecimento de

Zumbi dos Palmares como mártir e, o mais significativo, como líder dos primeiros

movimentos negros na história do Brasil, (ARAÚJO, UFAL, 2011). 294

.

No início da década de 1980, o Professor Abdias Nascimento e Mãe Hilda são os

principais líderes entre os militantes do movimento negro a se preocuparem com a

manutenção da memória de Zumbi e, reivindicam oficialmente o direito do reconhecimento

de Zumbi, até então, pouco conhecido e difundido inclusive pela educação formal,

(NACMENTO; ALMADA, 1989, p.128-130).

3.5 Negros Sobrevivendo em São Paulo

Estando a USP situada na capital paulista, onde já funcionavam algumas faculdades,

inclusive a Faculdade São Francisco (Direito) quisemos analisar a posição das populações

290

ABDIAS NASCIMENTO; ALMADA, 1989, p.128-130. 291

Entrevista à Revista Sankofa, por: Irânia M. Franco (Ano IV, Nº 7) 2011. 292

Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/quilombos/quilombo_dos_palmares.htm.

Acesso em: 15 out. 2015. 293

Entrevista à Revista Sankofa, por: Irânia M. Franco (Ano IV, Nº 7) 2011. 294

Ibid.

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144

negras ainda na Primeira República na cidade de São Paulo, assim, nos favorece compreender

suas ausências na referida universidade, entre outras universidades públicas, em pleno século

XXI. 295

Podemos conferir que a expansão industrial, em especial em São Paulo, se faz presente

naquele momento, contexto em que os parece que os negros e as negras continuavam no lugar

de seus cativeiros, pois, máximo prestavam serviços muito baratos aos seus ex-senhores.

Assim, os negros representavam a maioria pobre que circula pelo centro da cidade em busca

de trabalho, “biscates”, vendedores ambulantes, lavadeiras, entregadores, entre outros. Os

desocupados também se faziam presentes no cento da cidade de São Paulo em busca de

formas de manutenção para seus sustentos, (SANTOS, 1998, p.15-18).

Em São Paulo, a ordem política, social e econômica, em especial daqueles que podiam

ser negros ou “quase negros”, é bastante diversificada296

, marcada pela ascensão social de

poucos, os quais repousavam sobre a exploração dos ex-escravos. Podemos traçar um paralelo

entre duas situações: a luta dos negros por reserva de vagas na Universidade de São Paulo e a

garantia de emprego nas fábricas brasileiras para os italianos. (SANTOS, 1998, p, 15-18).

Nesta análise, lutar por reserva de vagas nas universidades públicas297

, como

mecanismo para equiparação social entre brancos e negros, na realidade é uma ideia das

classes dominantes, cunhada pelos negros pobres. E, neste sentido, Pierre Bourdieu (1983)

nos lega a compreensão que, os sujeitos ocupam o espaço social segundo os estilos de vida

neles sistematizados, sendo este um fator determinante para a “retradução simbólica das

diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência”. Neste sentido, os sujeitos

excluídos as sistematizam e, não necessariamente as utilizam da mesma forma do dominador,

mas, em geral de forma a produzir seus símbolos e existir naquele espaço, (BOURDIEU,

1983, p. 82).

Conforme Santos (1998) os negros estavam submetidos aos agentes urbanos e eram

considerados não portadores de “bons costumes”, o que contribuiu para que fossem excluídos

das vagas do trabalho nas fábricas, cujos empregadores preferiam os brancos, de “bons

costumes”, os italianos. A exclusão das oportunidades de trabalho projeta os negros para o

trabalho desqualificado, como: lavadeiras, carroceiros, catadores de lixo, limpador de trilhos,

mulheres com tabuleiros, entre outros. Embora houvesse o interesse de se anular a presença

295

Grifo da autora. 296

Carlos José Ferreira dos Santos em “Nem Tudo Era Italiano”, onde discute a situação econômica e social de

São Paulo, entre os anos de 1890-1915, em sua tese de mestrado, orientada pela Professora Maria Antonieta M.

Antonacci, PUC-SP. 297

Grifo da autora.

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desses personagens da história paulista, eram eles os responsáveis pelo trabalho pesado e sujo.

(SANTOS, 1998, p.11-16).

Contudo, as classes dominantes, ao perceberem a possibilidade de inclusão, daqueles

que através de seus sistemas foram excluídos, buscam novos arranjos para continuar a

segregação de modo que, tal exclusão consegue transcender o tempo e o espaço. Neste caso,

em particular, observarmos a continuação desta segregação pontuada por nosso colega

Francisco José, cuja discussão aponta que as oportunidades de trabalho na cidade de São

Paulo, no âmbito da industrialização, que decolava a todo vapor, foram destinadas aos

imigrantes italianos em detrimento dos ex-escravos e seus descendentes, (SANTOS, 1998,

p.11-1). Apesar, de terem sido os africanos e seus descendentes, até aquele período histórico,

(Século XVI-XIX) os responsáveis pelo desenvolvimento da indústria açucareira, desde o

Brasil Colonial até o Brasil Republicano, quem em grande medida também sustentou os

portugueses e parte da Europa, (ANONACCI, 2015); (OLIVEIRA, 2006).

Oliveira nos oferece informação sobre a FNB no final do último período ditatorial,

quando se observa sua (re)organização, no jornal “Voz da Raça”, do dia 29/04/1983, onde se

apresenta estampado um artigo de Arlindo Veiga dos Santos, então presidente da Frente:

[...] “o ideal da FNB era de defender a integração absoluta, completa do

negro, em toda a vida brasileira - política, social, religiosa, econômica,

operária, militar, diplomática, etc.”1. Ele começou o artigo fazendo um

chamado: “frente negrinos! Negros em geral! A postos contra a onda

estrangeira, que além de vir tomar o nosso trabalho, ainda quer dominar

por um regime iníquo e bandalho, o Brasil de nossos avós”. Veiga dos

Santos afirmava que a Frente Negra Brasileira ergueu-se no Brasil, neste

grande centro – a cidade de São Paulo, para a defesa e valorização da gente

negra nacional. Em função disso, não se poderia, pois “compactuar com a

canalha298

que, sob a capa de “comitê antiguerreiro” ou qualquer outra

tapeação, faz um trabalho infame, no sentido de propagar, nos meios

operários incultos e ingênuos, as ideologias beócias de luta de classes”.

Enquanto isso os negros estariam “ficando completamente à margem da

vida do trabalho, visto que, em quase toda parte, não se aceitam

empregados de cor”. Segundo Arlindo Veiga, a “camorra que vem de fora

era paga pelo ouro Judeu-russo para aniquilar a nossa nacionalidade”.

Tratava-se, pois de “piratas que além de comerem o nosso feijão, deixa-nos

sem emprego (porque tudo no Brasil, e especialmente em São Paulo, é mais

para eles imigrantes que para nós negros)”.

Desse modo, a luta da FNB está muito além de meras reivindicações de cumprimento

da “ordem social” estabelecida pelo Estado e de reuniões recreativas. Ao contrário, fica nítido

298

Canalha, era um boletim, do movimento anarquista-comunista-socialista. A Voz da Raça. São Paulo,

09/12/1933, p. 1. Informação retirada da dissertação de mestrado em análise. Autor: Oliveira, José de Gedeon.

2006, p. 5-6.

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que os negros que lideram a FNB têm objetivos definidos, se estabelecer enquanto classe

negra na sociedade brasileira. O que significa, terem se apropriado das armas do opressor,

dominador. 299

Nesse sentido, seguimos a nossa análise guiada pelo pensamento de diversos autores

uns muito renomados, outros nem tanto. De qualquer modo o fizemos com a mais absoluta

certeza de que a diversidade de pensadores torna a nossa análise mais abrangente, nos

propiciando a oportunidade de disseminar o legado dessas ações para as lutas do movimento

negro. Pois, observamos que ainda hoje, pairam sobre este movimento as mais controversas

opiniões300

.

Colocar em debate, o movimento “Frente Negra Brasileira” no presente, significa que

esta luta não se esvaziou no tempo e espaço; as perspicácias fluíram em resposta à segregação

racial imposta pela política dominante, racista, que permeou a história do Brasil. O que não se

imaginava é que, ao mesmo tempo em que os corpos negros expressam suas intenções,

também as omitem quando se faz necessário à sobrevivência. Talvez esteja nesta ideia a

resposta para a resistência negra no meio de uma sociedade opressora, de predominância

branca. Assim, os negros e seus descendentes, mesmo diante da assimilação das culturas

europeias, são capazes de incorporar a sua maneira, a “inculturação”. Assim, possibilitando

posicionar-se sobre novas formas de viver, se reinventando e se superando entre as formas de

expressão, através dos “usos do corpo” pela arte e pela performance as quais dominador não

consegue suprimir, (ANTONACCI, 2015, p. 130-133).

Durante o exílio forçado, Abdias do Nascimento, conseguiu denunciar o mito da

democracia racial brasileira, assim fortalecendo novas articulações da Frente que ressurge sob

o nome Movimento Negro Unificado. Situação que chama atenção da imprensa internacional,

que passou a destacar tais acontecimentos em seus noticiários, (SANTOS, p. 35).301

A discussão da Frente Negra Brasileira ganha contornos diversos na discussão

acadêmica e na mídia onde influenciou o imaginário comunitário expandindo-se no tecido

social, como um movimento organizado apenas para fins recreativos, fator que favoreceu

transpor-se no espaço.

299

Grifo da autora, fundamentada em Oliveira, 2006. 300

Ibid. 301

SANTOS, Evair Augusto Alves dos. O Movimento Negro e o Estado (1983-1987). Dissertação de Mestrado

pelo Programa de História PUC-SP, defendido em 2001 e publicado em 2006. CONE – São Paulo.

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Porém, no livro do sociólogo Márcio Barbosa, observa-se que o movimento supera a

expectativa do imaginário coletivo, de existir apenas para diversão e recreação.302

Esta

questão ruma pelos caminhos da construção da classe dominante, cuja interpretação

impregnou a sociedade, a de que os negros tinham mais preocupação com o divertimento e

menos com o trabalho. Além de ter sido disseminado no tecido social que a Frente Negra seria

uma entidade cuja política estaria vinculada à direita, ao fascismo. (BARBOSA, 2007, p.11-

12).303

Chama atenção, à semelhança entre a luta da FNB, iniciada no século XX, como os

protestos que lideravam e o movimento Negro no presente. Nota-se que ambos estavam

sempre pautados na luta contra a discriminação racial e na superação dos mesmos através do

conhecimento formal. Além da interação da situação dos negros em outros países, em especial

nos Estados Unidos. Pois, através da imprensa estadunidense, os membros da FNB são

fortemente influenciados, de forma que, se verificam muitas semelhanças entre as

reivindicações do movimento negro, desde a FNB e do MNU e líderes Rosa Parks e Martin

Luther King, nos Estados Unidos da América.304

Já em Florestan Fernandes, o processo que originou o movimento Frente Negra,

(FNB) denota que esse tem foco na efervescência política, econômica e social de São Paulo,

cujo resultado sistematizou o processo de industrialização quando o capitalismo se estabelece

no Brasil. Assim, emperrando as lutas das populações negras que visavam sua integração em

uma sociedade de classe.

[...] Aos poucos a situação de miséria, o tratamento diferencial e o

isolamento irão provocar um doloroso processo de auto-afirmação e de

protesto, que projetará o “homem de cor” no cenário histórico, como agente

de reivindicações econômicas, sociais e políticas próprias. O sentido dessas

reivindicações é bem conhecido. Correspondendo ansiosamente às

expectativas assimilacionistas da sociedade inclusiva, as inquietações e os

movimentos sociais amparam-se sob o signo de uma revolução moral. Eles

não vão contra a ordem econômica, social e política estabelecida. Mas contra

a espécie de espoliação racial que ela acobertava, graças aos mecanismos

imperantes de acomodação entre “negros” e “brancos”. Por isso, ao contrário

do que pensavam os círculos dominantes, tratava-se de uma rebelião de

cunho nítida e expressamente intregracionalista, [...] (FERNANDES, 1978,

p.10). 305

302

Boitatá-Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL 16 ISSN 1980-4504 – Autor: Marcos

Hidemi de Lima. 303

BARBOSA, Marcio. Frente Negra Brasileira, 2007. 304

Grifo da autora, fundamentada nas diversas leituras para esta pesquisa. 305

FERNANDES, Florestan. A integração do Negro na Sociedade de Classes. Volume 2, São Paulo, Editora

Ática, 1978, p.10.

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Segundo a reflexão acima, esta situação provocou uma anomalia no meio negro,

propiciando aos negros que solicitassem uma solução. Isso suscitou o protesto negro

expressado pelo “Clarim da Alvorada”, reivindicando a “Segunda Abolição”, ou seja, se os

negros se apropriam da imprensa por eles organizada e fundada como forma de protestar, de

denunciar a exclusão a que foram sujeitados, exigiam o reconhecimento de que ainda naquela

época continuavam escravizados, (FERNANDES, p.8-13).

Nessas circunstâncias, os negros não conseguem se integrar no conjunto da que

organiza a chamada sociedade de classe, para uma nova era, da ‘industrialização’. Pois estava

presente na sociedade dominante a associação ao preconceito de cor e este emperrava a vida

das populações negras, que precisaram disfarçar-se para serem aceitos no campo de trabalho

que emergia das fábricas, as quais se instalavam em São Paulo, (FERNANDES, p.8-13).

Os negros e os mulatos não ameaçavam a ordem social instituída pela

Abolição e pela República, pois nem chegavam a pôr em causa os

fundamentos materiais e morais em que ela repousava. Partiam de dois

pressupostos: 1º) que essa questão fora resolvida no âmbito da situação de

interesses e dos valores da raça “dominante”; 2º) que uma minoria

desorganizada e impotente, como a população de cor, devia-se concentrar-se

na luta pela conquista efetiva de oportunidades e garantias sociais

legalmente consagradas pelo regime vigente. (FERNANDES, 1978, p.10). 306

Desse modo, compreende-se que a luta dos negros ocorre como “uma revolução

dentro da ordem”, ou seja, mais uma vez identificamos que esta foi uma das formas

encontradas pelos negros para sobreviver no mundo de brancos em plena estruturação racial,

hegemônica, dominante. Embora, a pretensão dos negros era realmente um Brasil igual para

todos, sem diferença racial, 307

. Assim, observamos as palavras de Arlindo Veiga dos Santos:

“Queremos um Brasil fraternal, despojado, sem preconceitos mesquinhos, afirmando braço-

a-braço o irmão Negro e o irmão”. (OLIVEIRA, 2006, p. 35-39).308

Para Regina Pahim, os negros do início do século XX se recriam, inventam sua própria

imprensa e denunciam os maus-tratos das pessoas brancas praticadas contra si, além da

ausência de atendimento por parte do Estado de Direito, (PAHIM, 2014, p. 188-189).

Segundo ela, a FNB tinha a permanente preocupação de criação de escolas dirigidas aos

negros, em especial às crianças negras a quem dirigia um nível de ensino com bastante rigor,

306

Ibid. 307

Grifo da autora. 308

Frase proferida por Arlindo Veiga dos Santos, no jornal: A Voz da Raça. São Paulo, 29/04/1933, p. 1. Dado

retirado da dissertação de mestrado de Gedeon José Oliveira, p.39.

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sempre com professores e professoras negros. Entretanto, Pahim concorda com Florestan

Fernandes quando analisa que a imprensa negra trazia crítica ferrenha aos negros; muitas

vezes, estampavam artigos estrangeiros em suas páginas (cópia), os quais disseminavam a

necessidade dos negros “assumir seu próprio destino, construir sua própria história e não

ficar apenas esperando que o branco lhe criasse oportunidade”. Entendemos que esse tipo de

manifestação tinha o objetivo de impulsionar os negros para as lutas e se integrarem, não

aceitar que as classes dominantes os manipulassem e também, se integrarem ao movimento

negro da época, à Frente Negra brasileira, (FNB), (PAHIM, 2014, p.189).

Identificamos que o movimento negro, liderado pela Frente Negro Brasileiro (FNB),

exerceu sobre seu povo uma pressão jamais vista em toda a nossa história, neste sentido, se

apropriam da mesma arma que lhes feriram o golpe, contra seu próprio povo. Ademais,

consideramos sua luta extraordinária para a elevação social dos negros recém-libertos do

também processo, mais perverso de nossa História, a escravidão de negros e indígenas. 309

3.6 A Frente Negra na interpretação da Frente Negra

Na década de 1980, Márcio Barbosa e Vera Lúcia Benedito, movidos pela curiosidade

profissional e também por conhecer mais acerca dos laços familiar, iniciaram uma

investigação informal sobre a história da FNB. O mesmo é filho de Osvaldo Pereira Barbosa e

sobrinho de Abélicio, ambos foram atuantes e viveram no auge desse movimento FNB,

(BARBOSA, 2007).

Passados alguns anos, Márcio Barbosa analisa as diversas opiniões e trabalhos sobre a

Frente Negra Brasileira (FNB) e sobre as interpretações existentes, como do próprio Florestan

Fernandes em: Integração do Negro na sociedade de Classe, (BARBOSA, 2007).

A FNB foi entidade desprovida de força transformadora, já que a Frente

jamais teria tomado uma posição dogmática e utópica diante do preconceito

de cor. Segundo Florestan a entidade se limitara a afirmar que o preconceito

existia e emparedava o negro na sociedade e a propagar mecanismos

societários de reação ativa contra ele, sem se propor, entretanto a extirpá-lo

para sempre. “As tensões, os conflitos”, escreve Florestan, que fossem

provocados por causa de casos concretos de “preconceito de cor”, podiam

ser resolvidos independentemente de qualquer alteração mais profunda da

personalidade do “branco” ou da ordem social. [...] (BARBOSA, 2007,

p.10).

309

Grifo da autora, amparada em sua crítica nas diversas leituras dos diversos autores.

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Analisamos, portanto os depoimentos dos sujeitos sociais e suas construções

históricas, quando a FNB, a qual foi fundada em 16 de setembro de 1931, cujo primeiro

diretor Arlindo Veiga dos Santos. Sua sede inicial foi no salão onde hoje funciona a sede das

Classes Laboriosas, no coração de São Paulo, ao lado da Praça da Sé,310

(BARBOSA, 2007,

p.13-16).

Em 1932, com o advento da Revolução Constitucionalista, logo após a estruturação da

Frente Negra, sua organização foi bastante abalada quando convocada pelo governo paulista

da época para fazer um pelotão contra Minas Gerias e a maioria de seus membros se nega a

participar. Todos pensaram nos “irmãos negros” que estariam espalhados pelo País,

especialmente no Estado de Minas Gerais. Assim, brigar contra Minas Gerais, lutar na

Revolução Paulista, seria assassinar os irmãos negros mineiros. Motivo pelo qual os afastaram

da Revolução e formaram a “União de Negros Brasileiros”. Os negros que participaram da

Revolução se desentenderam dos que não participaram, embora tenha sido bem poucos os que

seguiram para a luta contra os mineiros. Esta turma que até então era unida, nunca mais se

juntou ao grupo, de modo que, quando a FNB lançou sua candidatura política a União preferiu

não lançar nenhum candidato, embora se respeitassem mutuamente, (BARBOSA, 2007).

A FNB não foi à única instituição organizada por negros naquela época, teve outras

que nem sempre tinham vínculos associativos com a FNB, embora todas frequentassem seus

eventos. O jornal “A Voz da Raça”, foi criado para o enfrentamento do racismo. Naquele

momento a imprensa não negra trazia em seus noticiários denúncias que o grupo de negros,

associados à FNB pretendia retornar à África. Outras vezes a acusavam, da pretensão de criar

uma África dentro do Brasil. A Frente rebatia, pois não era esse o seu interesse e sim, queriam

garantir que os negros não fossem demolidos pela sociedade racista que se organizava em São

Paulo, (BARBOSA, 2007).

Lucrécio revela que, na entrada da sede da FNB, de ambos os lados, havia salas de

aulas equipadas para atender os estudantes negros, e todos que se dispusessem estudar junto

dos negros, eram aceitos. Havia quatro salas oficiais mantidas pelo governo, enquanto nas

salas de alfabetização, todas as professoras e professores negros eram voluntários, ou seja, à

medida que os negros iam se formando, se propunham a trabalhar de graça, lecionando para

crianças e jovens, o qual, em sua maioria ainda não estava alfabetizado. Inclusive,

observaremos a foto que segue, e consideramos que; há duas professoras negras atuando ao

310

Depoimentos de Membros da Frente Negra Brasileira, autor: Márcio Barbosa, (Obra digital), 2007.

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mesmo tempo em sala de aula. Sabemos que, na educação oficial do País, até recentemente

isso não acontecia, o que nos leva a entender que se trata de uma sala de aula de alfabetização

mantida pelos professores e professoras da FNB, (BARBOSA, 2007).

Fonte: Livro Frente Negra Brasileira. 2007, p.37.

Na interpretação dos próprios sujeitos, a FNB discute o papel da mulher negra e

descreve o brilhante trabalho dessas mulheres, representado pelas Rosas Negras. Afirmam que

essas mulheres além de ministrar aulas tinham outros papéis na sociedade. Organizavam

bailes entre outras atividades. Entre elas, a maior parte que possuía formação, eram

professoras. Sendo mais atuantes: Lino Guedes, Celina Campos e Raul Amaral. (BRABOSA,

2007, p.58).

Poucos negros tinham instrução, o que colaborava para o desemprego entre eles.

Assim, enquanto os homens estavam desempregados, sobravam empregos domésticos para as

mulheres, embora com salários muitos baixos, os tornavam a única fonte de sustento de

muitas famílias negras, no período Pós Abolição. Segundo Lucrécio, os negros estavam

aglutinados nos cortiços da Bela Vista e dividiam aquela região com os imigrantes italianos,

com os quais mantinham uma vivência cordial. Mas, os últimos possuíam mais oportunidade

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de emprego, em especial os homens, uma vez que as empresas davam preferência por

empregar homens brancos (as), (BARBOSA, 2007, p.36-37).

As políticas, lutas e as articulações sociais da FNB, desde sua fundação até 1937,

quando foi suprimida pelo então presidente da República Getúlio Vargas, ficam funcionando

na clandestinidade. Desse modo, as negras e os negros engajados no movimento contra a

segregação racial, sobremaneira superam as políticas colonialista-capitalistas que era à base

das classes dominantes e, através de suas culturas e supremacia, priorizam o ensino

aprendizado. Pois quando a FNB é proibida de permanecer aberta, seus organizadores abrem

um salão com o aparente objetivo de encontros para lazer e no local montam salas de aulas,

para a continuidade da alfabetização das populações negras, de modo que, mesmo a FNB

sendo desarticulada fisicamente, ideologicamente continuou organizada e operante.

Assim, a FNB atravessa o regime ditatorial do chamado Estado Novo, colocando os

negros, nas universidades públicas. Neste sentido, essa organização têm raízes tão profundas

que inspirou os demais movimentos que surgem após este período, através da luta negra que

explode no ano de 1975, em Porto Alegre, e, posteriormente em São Paulo, em 1978.

Observamos, então, que mesmo durante a Ditadura Militar, os negros já estavam em

pleno movimento e, já havia formado alguns intelectuais negros. Inclusive, muito bem

articulados e politizados, os quais se organizam na política partidária, elegendo negros que

lhes representem e atendam seus interesses, (SANTOS, 2006).

3.7 O Movimento Negro em São Paulo na Contemporaneidade: uma breve discussão

política

No início dos anos 1978, “importantes rupturas” no cenário político paulista e

brasileiro ganham corpo, cujos desdobramentos impulsionam as críticas às antigas concepções

políticas brasileiras. Naquele momento, a filosofia conservadora estava em pleno auge,

abrindo caminho para a articulação do movimento negro na cidade de São Paulo, onde tem

início as primeiras organizações negras contra tal dominação, tanto no referido século quanto

posteriormente, no período pós Golpe Militar conhecido por Golpe de 1964, (SANTOS, 2006,

p. 33-35).

Com o advento, conhecido por Golpe de 1964, os movimentos sociais, incluindo o

movimento negro, são desarticulados, conforme já discutido. Os negros, entretanto, se

organizam clandestinamente, a exemplo de Abdias Nascimento, um importante líder negro

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que, mesmo no exílio forçado, não se afastou da luta negra brasileira. Assim, propiciando

condições para que o movimento negro não recuasse. Pois em seu início, negros e negras que

se organizavam contra a segregação racial e nas lutas por direitos civis estavam entre os

movimentos sociais, sem uma definição própria para o grupo. Neste sentido, os negros

estavam sem uma articulação de lutas que fossem compreendidos em suas especificidades.

Dessa forma, nasce a consciência da necessidade de políticas específicas, uma vez que o

Estado de Direito não reconhecia tais especificidades, das populações excluídas pelas classes

dominantes, (SANTOS, 2006).

Nesse contexto, os negros são submetidos às políticas universais, iguais às políticas da

Primeira República, do governo Vargas e por último, do regime militar. Mas, diante da

consciência de sua própria realidade, os negros se organizam e incluem em suas pautas

reivindicações de políticas específicas para que sejam atingidos até chegarem á equidade na

sociedade paulista e brasileira, (SANTOS, 2006), (NASCIMENTO, 1976).

Neste contexto, desponta a nomenclatura: Movimento Negro Unificado (MNU) cuja

política se posiciona a partir de suas articulações e, para esta organização, Abdias Nascimento

(1976) foi o percussor. O qual, mesmo no exílio forçado, manteve e influencia através de

denúncias à imprensa internacional contra o racismo estrutural no Brasil. E, para este debate,

seguimos a pista do Professor Ivair dos Santos (UnB) que ao analisar o pensamento de

Hasenbalg sobre a discussão em questão, observa-se que, apesar do contingente de negros

analfabetos, já existia, certo percentual de intelectuais negros, recém-formados e infiltrados

nos movimentos antirraciais:

[...] O renascimento do Movimento tem sido associado à formação de um

surgimento ascendente e educado da população negra que, por motivos

raciais, sentiu bloqueado seu projeto de mobilidade social. A isso deve ser

acrescentado o impacto nesse grupo de novas configurações no cenário

internacional, que funcionavam como fonte inspiradora ideológica: a

campanha pelos direitos civis e o movimento do poder negro nos Estados

Unidos e as lutas de libertação nacional das colônias portuguesas na África

(HASENBALG; SANTOS, 2006).

Conforme menção dos pensadores acima, o movimento negro, ressurge no sentido de anular,

através de suas lutas, os bloqueios gerados pela parte da sociedade opressora, cujo legado possui

vinculo com as lutas dos Estados Unidos, conforme já discutido anteriormente, neste trabalho.

É preciso considerar que, o Movimento Negro, contou com apoio político também da

esquerda brasileira, a União Democrática Nacional (UDN). Quando a UDN do Rio de

Janeiro, em 14 de março de 1946 se expressa em nome deste partido político e imprime dura

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crítica as políticas excludentes sobre os negros, vigente no País e reafirma a urgente

necessidade de reconhecimento da questão racial no Brasil. Na ocasião, os mentores políticos

da UDN, contrapõem inclusive às teses de cunho racista defendidas por Conde Gobineau e de

Alfred Rosemberg. E, submete-os às teses antropológicas que atestam sobre a inexistência de

superioridade racial, reafirmando esperar que a “Nova Constituição inscreva o respeito dos

direitos de todos os cidadãos, de toda a condição e de toda raça”. (ANAIS DA

CONSTITUINTE, 1946, Imprensa em 08/04/2013).311

Através do trabalho de Bolivar Lamounier,312

sobre as eleições de 1974 e 1978, se

verifica que o sistema bipartidário313

havia transformado as eleições em plebiscitos, assim

reduzindo a vontade do eleitor, ou seja, diminuindo as chances de participação do eleitor que

lhe restava a apenas duas opções. Neste caso, coube ao MNU se aproximar do MDB, mesmo

com todas as falhas político-ideológicas deste partido, conforme sinalizamos na fala da

Professora Marilena Chauí ainda no segundo capítulo deste trabalho, pois era o que tinha

depois da Aliança Renovadora Nacional, (ARENA), (SANTOS, 2006).314

Não poderíamos sair desta discussão sem apresentar uma hipótese fundamentada em

nossa investigação até aqui. Embora, neste trabalho, não haja tempo para esmiuçar

profundamente o nosso estudo nesse sentido, tampouco o próprio debate em si, a ponto de nos

mantermos seguros em uma discussão antagônica. Na qual “o Movimento Negro Unificado”

não é filho da explosão educacional315

da década de 1970, mas é sim, herdeiro do movimento

negro articulado no início do século XX. E, assim, possui raízes profundas na articulação

política da Frente Negra Brasileira, apenas fundamenta suas reinvindicações, a partir das

especificidades do povo negro brasileiro e não o contrário, (SANTOS, 2006).316

Entendemos, pois, que um movimento político como foi a Frentenegrina, cuja energia

fluía entre o povo negro como flui o sangue em nossas veias. Inclusive, se aventurando,

311

Disponível em: http://www2.camara.leg.br Livro: Anais da Constituinte da Câmara dos Deputados –

Impresso em 08/04/2013. (25.* S. em 14 de março de 1946, sob a Presidência do Sr. Melo Viana e Presidente

Otaviano Mangabeira, 1º VI, às 14horas, p. 411-412. 312

Nota sobre Bolivar Lamounier, sociólogo e cientista político brasileiro. Fora o primeiro diretor-presidente do

Instituto de Estudos Econômicos sociais e políticos de São Paulo escrevendo frequentemente para os mais

importantes veículos da imprensa brasileira e em 1997 entram para Academia Paulista de Letras, além de possuir

numerosos estudos de Ciência Política publicados no Brasil. Organização da autora com fundamentação em:

wikipedia.org. Acesso em 10/01/2015. 313

Nota: Bipartidarismo caracteriza-se por sua relevância política em um momento em que apenas dois partidos

ou lideranças políticas tinham relevância no país. Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em

linha]. Porto: Porto Editora, 2003- 2016. Disponível na Internet: http://www.infopedia. 314

Os dados têm fundamentação na análise de ( SANTOS, Evair, 2006), entretanto a reflexão entre os dois

partidos, quanto a falta de opção entre ambos, é grifo da autora. 315

A observação e comparação, apresentando o oposto da história, é grifo da autora. 316

Os dados têm fundamentação na análise de (SANTOS, Evair, 2006), entretanto a reflexão entre os dois

partidos, quanto a falta de opção entre ambos, é grifo da autora.

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propiciar oportunidade para que os negros, já naquela época, tenham oportunidade de cursar

uma universidade pública. Mesmo diante do quadro político de governo Vargas, das pressões

e opressão. Assim, defendemos que uma instituição com esse potencial não pode ter sido se

esvaziado em sua luta, em sua ideologia. Parece-nos que se absolveu a versão da oposição e

não se olhou para traz. Compreendemos que o recorte do autor em análise, após o ano de

1983, então julgamos conveniente e adequado colocar em discussão o antagonismo ao seu

recorte temporal, olhando atentamente para os depoimentos dos atores sociais negros do

primeiro movimento negros do século XX, ( BARBOSA, 2007, p.32-34).

Compreendemos, entretanto, que a FNB, possui falhas, as quais foram observadas, no

decorrer de nossa pesquisa, dentre elas, a exigência que, os negros lutassem contra seus

opressores, com as mesmas armas que lhes fizeram vítimas. Muitas vezes, ignorando a cultura

do povo negro e exigindo deles, se colocar em pé de igualdade contra as classes dominantes,

maioria branca.317

Observamos que a FNB tinha a preocupação de manter as escolas funcionando,

inclusive quando o ex-presidente Vagas fecha a sede da FNB, ela reabre como se fosse um

salão de festa na Liberdade. Neste sentido, a maior preocupação do grupo foi manter a escola

funcionando, com todas as disciplinas da escola pública até mesmo cursos de línguas: inglês,

francês, entre outros. Alguém acredita que os estudantes das escolas da Frente foram

dispersos no tempo e espaço? 318

Esta luta do MNU se (re) organiza a partir de certa classe que tem estrutura originada

no legado da Frente Negra Brasileira, a qual se fundamenta no pensamento do Professor

Florestan e apresenta alguns pontos sobre os quais militantes da FNB. Os quais se amparam

mutualmente, tentando mudar a realidade do povo negro no Brasil. E, vão desde a

“valorização do ambiente familiar” que inclui a preocupação com trabalho, aquisição de

moradia própria, “terrenos” entre outras coisas. Estas foram às formas de respostas contra a

discriminação racial instituída no Brasil, no período Pós-escravidão. Estavam presentes nas

pautas da FNB, que os negros deveriam mostrar-se superior às ações preconceituosas,

empenhando-se na luta por uma “Segunda Abolição”. Assim, realizar-se-á uma “Segunda

Abolição” sem depender da boa vontade dos brancos e, se precisasse usar a força e responder

a agressão, com violência, deveria fazê-lo. Mas, jamais permitir que os brancos,

manifestassem seus preconceitos e a discriminação racial sem serem combatidos. Acreditava

317

Grifo da autora, fundamentada em discussão nas aulas da Professora ANTONACCI, PUC-SP. 318

Grifo da autora.

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a FNB, que desse modo, eliminaria as injustiças sociais contra a negritude brasileira,

(SANTOS, 2006); (BARBOSA, 2007).

A seguir, olhamos para a reflexão de Francisco Lucrécio, para ilustrar a nossa

hipótese, acima discutida.

A Frente negra foi um movimento social que ajudou muito nas lutas pela

posição do negro aqui em São Paulo. Existiam diversas entidades negras.

Todas essas entidades cuidavam da parte recreativa e social, mas a Frente

veio com um programa de lutas para conquistar posições para o negro em

todos os setores da vida brasileira. Um de seus departamentos, inclusive,

enveredou pela questão política, porque nós chegamos à conclusão de que,

para conquistar o que nós queríamos, teríamos de lutar no campo político,

teríamos de ter um partido que verdadeiramente nos representasse.

(BARBOSA, Aristide apud BARBOSA Márcio, 2007, p.38) 319

O movimento da FMB coloca em relevo que, a consciência negra existente em sua

época era muito mais forte do que a que existe nos dias atuais. Lembrando que as entrevistas

com seus militantes e fundadores, foram realizadas na década de 1980 em diante. Entretanto,

o militante da FNB está se referindo exatamente aos negros em movimento desde o fim da

ditadura de Vargas. Observamos também que muitos órgãos de imprensa aliados à Frente

Negra, sobrevivem ao Vaguíssimo e, em 1979, está atuante. Inclusive, cobrindo, a

manifestação da Consciência Negra em 20 de novembro de 1979, na Praça Ramos de

Azevedo, em frente o Teatro Municipal, quando registra o ato, inclusive fotografa o jornalista

Hamilton Cardoso em manifestação na frente do Teatro e nas imediações do antigo

Mappin.320

Tal como a Frente Negra, os organizadores do MNU iniciados neste período percebem

que precisam se introduzir na política partidária para então lutar pelos direitos e interesses dos

negros e esta movimentação se inicia por São Paulo, conforme debate (SANTOS, 2006) e,

sobre um registro que considera importante: “sobre a identificação da população negra com

o MDB, tomando como parâmetro o trabalho pioneiro de Amaury de Souza”. Evair dos

Santos, em Lamounier, discute a tendência das populações negras se identificarem mais com

os movimentos trabalhistas uma vez que suas especificidades estão além da questão de

trabalho e emprego. Logo, identificamos que no Brasil os negros são excluídos em

duplicidade, pela questão de classe social em que ocupa na sociedade e de raça. Neste sentido,

havia a discussão de que se os movimentos negros se organizassem separados para reivindicar

319

O depoimento de Aristide Barbosa figura no livro: Frente Negra Brasileira, organizado pelo Sociólogo

Márcio Barbosa, edição digital, 2007. 320Disponível em: <http://omenelick2ato.com/memoria/HAMILTON-CARDOSO>. Acesso em: 04 jan. 2016.

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direitos civis, apartados dos movimentos trabalhistas, tal fato poderia se tornar uma luta

agressiva. Santos (2006) traz um depoimento de Fernando Henrique Cardoso, então senador

da República em 1978, discutindo sobre esta questão.

“Um movimento negro agressivo não pode levar a um novo tipo de racismo?” Em

seguida apresenta a fala de FHC321

:

Fernando Henrique Cardoso – pode, mas não necessariamente. E é um risco

que devemos correr. Afinal, o mínimo que se espera de uma democracia é

que reconheça e legitime a existência da diversidade social e até mesmo

cultural. O que não se pode é algemar duplamente as minorias, primeiro com

a opressão que sofre, segundo, condenando o seu esforço para liberta-se

sobre o pretexto de uma igualdade abstrata que, para as minorias, nunca

funcionou na prática. (SANTOS, 2006, p.70-71).

Mas não seria mais eficaz, e talvez mais justo, somar as reivindicações das populares

negras à maioria? E FHC responde:

Somar não, pois se trata de coisas homogêneas. Eu diria multiplicar. As

reivindicações dos movimentos monocitários passam, repito, pela

reivindicação básica da igualdade e supõem a liberdade de organização, de

expressão e de reivindicação mobilizada em torno da democracia – isto é,

você soma, mas principalmente você soma as razões para reivindicar.

Acreditamos que, mais justo do que o bipartidarismo seria observar as reivindicações

dos movimentos minoritários, consistindo o caminho para a democracia, para então,

pressupor a regra da igualdade. A parir dessa ação, se permitir à liberdade de expressão, aí

sim, residiriam os novos polos de articulação e de interesse, consistindo assim, o pleno

exercício da democracia, sem a qual, seria atender o oposto, (SANTOS, 2006, p.70-71).

A disposição dos militantes do movimento negro, grosso modo, se articula com os

militantes do partido e, se destaca no decorrer da discussão anterior, à reformulação

partidária, quando em 1979, o MNU ainda está em sua fase de estruturação. Pois naquele

ano, o MNU, ganha maior participação nos partidos políticos, após Esmeraldo Tarquínio322

321

Não há na obra do autor grifo sobre quem realizou a entrevista com FHC (questionou), mas o mesmo

apresenta a fonte em (Cardoso, 1979) e reflete acerca da questão acima discutida. Acreditamos que, se houver

interesse nesta referência, deve-se recorrer à referida obra, (mencionado no livro de SANTOS, Evair Augusto

Alves Dos). O Movimento Negro e o Estado (1983 -1987), dissertação defendida em 12/12/ 2001 pela PUC-SP e

publicada em 2006 pelo CONE (p. 70-71). A autora.

322

Esmeraldo Soares Tarquínio de Campos Filho, (negro*grifo da autora) nasceu em 12 de abril de 1927, em São

Vicente. Após o falecimento de seu pai, a família enfrentou dificuldades. Esmeraldo começou a trabalhar aos

nove anos de idade, sem abandonar os estudos. Depois de muito esforço, ingressou na Faculdade de Direito, e

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recuperar seus direitos políticos e, como membro do recém-criado PMDB, se transforma em

polo dos militantes negros no referido partido, (SANTOS, 2006).

Uma marca da luta do MNU se caracterizava pela eliminação de todas as formas de

discriminação racial, já que no distante ano de 1965 o Brasil foi uma das primeiras nações a

assinar a Convenção para a Eliminação de todas as formas de “Discriminação Racial” junto a

ONU. Sendo também um dos primeiros países a condenar o Apartheid na África do Sul, tendo

assim, se tornado tema consensual entre a discussão do MNU e também dos partidos políticos

no País. De forma que, em 1985 o Brasil já figurava nos noticiários internacionais como um

país cuja negritude registrava forte adesão na luta contra o regime Apartheid, (BARBOSA,

p.137-139).

Ainda em 1985, quando o Movimento Negro Unificado, de certa forma, já estava

organizado, aproximadamente duzentas pessoas fazem uma passeata em São Paulo visando

protestar contra o julgamento de lideranças sul-africanas que se declaravam contra o

Apartheid naquele país. Esta passeata contou com a participação de Eduardo Matarazzo

Suplicy (PT) e Benedito Cintra (PC do B) e outras lideranças do PDT. Na ocasião,

representantes dos partidos políticos foram convocados pelo Conselho da Comunidade Negra,

o qual entregou ao governado Franco Montoro exigência do rompimento das relações

diplomáticas entre o Brasil e a África do Sul. Na ocasião solicitou-se também do então

presidente do Brasil, José Sarney, apoio efetivo ao povo sul-africano pelo fim do Apartheid,

(SANTOS, p.137-139).

O Cônsul sul-africano John Sunde solicitou de Montoro a proibição das manifestações

sob a alegação que fugiria da incumbência de um governo de Estado se envolver com

aspectos da política externa, explicando que o assunto seria de responsabilidade do Ministério

das Relações Exteriores. E, como a solicitação foi realizada por carta, em um gesto de

protesto, o então governador Franco Montoro a devolveu ao Itamaraty e pessoalmente se

pronunciou ao Ministério acerca do teor inaceitável da referida Carta, (SANTOS, p.138-141).

aos 30 anos formou-se advogado. Atuou ainda como despachante aduaneiro e jornalista. Foi eleito vereador em

1960 e deputado estadual dois anos depois, cargo para o qual foi reconduzido em 1966. Disputou e venceu as

eleições para a prefeitura em 1968, com Oswaldo Justo como vice. Foi cassado em 13 de março de 1969, antes

de assumir o cargo. Esmeraldo continuou a advogar e passou a lecionar. Faleceu em 1982, aos 55 anos, antes da

cidade recuperar sua autonomia. Entre as homenagens já prestadas ao ex-prefeito, a entrega póstuma do título de

Cidadão Santista, conferida em 2007, quando completaria 80 anos. Seu nome também foi dado ao salão nobre do

Palácio José Bonifácio, sede da prefeitura. [...] Livro sobre sua vida: a obra é permeada com acontecimentos

históricos, sociais e políticos da cidade, do Estado e do Brasil, entre as décadas de 1910 1990 (antes do

nascimento e depois da morte de Tarquínio). Político regional de origem popular mais importante da história

de Santos no século 20, Tarquínio foi eleito em 1968 o primeiro e único prefeito negro da história da cidade,

cassado um mês antes de tomar posse. Seus direitos políticos foram suspensos até 1979, motivo que o

transformou no símbolo da luta pela democracia. Fontes:

http://www.portal.santos.sp.gov.br/raçabrasil.uol.com.br – Acessado em: 04/01/2016.

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Alheio à vontade do Cônsul Sunde, em 22 de agosto de 1985, o então governador de

São Paulo, Professor André Franco Montoro, envia um apelo ao ex-presidente Sarney

solicitando que as relações diplomáticas entre Brasil e África do Sul fossem rompidas, em

atendimento à manifestação do Conselho da Comunidade Negra. A referida manifestação

aconteceu na forma de um evento no anfiteatro do Palácio dos Bandeirantes e na presença dos

convidados foi entregue à Montoro a redação da manifestação. Foram convidados para o

evento os embaixadores do Zaire, da Costa do Marfim, Senegal, Gabão, Camarões e Haiti.

Em seu discurso, o Presidente do Conselho da Comunidade Negra reivindica que fosse

oferecida a maior homenagem do Estado de São Paulo ao líder da África do Sul, Nelson

Mandela, que na ocasião estava preso, (SANTOS, 2007, p.141).

Os grupos que formavam o Movimento Negro de 1972 em diante faziam parte de certa

classe média negra, de maioria universitária e outros que, já formados, desempenhavam

funções enquanto “profissionais liberais” no Grupo de trabalho de Profissionais Liberais e

universitários Negros (GTPLUN) que teve como líder Iracema de Almeida; ela foi à

primeira negra a ingressar e se formar médica na Faculdade Paulista de Medicina, não mede

esforço para transformar positivamente a vida dos negros, assim, colabora de todas as formas

com o seu povo. Inclusive, observamos um depoimento do jornalista Hamilton Cardoso,323

um dos principais líderes do MNU, quando em 1978 organizam o encontro do Movimento

Negro Unificado na Praça Ramos de Azevedo, a proposito em frente ao Teatro Municipal,

ponto de encontro das classes dominantes. E, Hamilton Cardoso conduz e incentiva no local,

a explosão da luta negra, e também cobra a participação de políticos, estudantes e intelectuais

na luta contra o preconceito racial que culmina com a segregação dos negros em todo o

Brasil.324

A luta pela liberdade, pelo respeito e pelo fim do preconceito racial, estava presente na

bandeira levantada pelos negros, conforme reflexão a seguir,

Desde o fim da escravatura os negros brasileiros vinham buscando se

organizar em defesa de seus direitos e no combate à discriminação

racial. Entretanto, durante a ditadura militar, todos os esforços nesse

sentido foram reprimidos e esvaziados pela propaganda do regime,

323

Dulce Maria Pereira, Diretora do INTERFÓRUM Global. Disponível em: http://arquivo.geledes.org.br.

Acesso em: 01 dez. 2015. Conformado em 17/01/2016. 324

Foi fundador do Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial em 1978 – hoje MNU, consultor de

Comunicações da OAB e do Instituto da Mulher Negra, Geledés e co-fundador da revista Lua Nova/Cedec. Em

1981, no Brasil, criou a revista Ébano, entre outras atividades nacionais e internacionais, em prol da luta do

MNU.

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que exaltava a “democracia racial brasileira” e estigmatizava os

ativistas como imitadores dos negros americanos. 325

Neste sentido, a repressão consegue conter o povo negro por certo tempo, porém perde

o controle sobre os mesmos quando unidos pelo MNU.326

Em 07 de julho de 1978, o MNU promoveu um ato para ser realmente o que foi: uma

manifestação histórica que rompeu com o silêncio até então necessário entre seus militantes.

Afinal, estávamos em um momento histórico de maior repressão contra a liberdade de

expressão e contra a vida. No ato, foi distribuída uma carta aberta, a qual denunciava as

condições em que o povo negro vivia no Brasil. O protesto teve o apoio de entidades de “São

Paulo, Bahia, Minas Gerais, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro”. Até os “Prisioneiros da

Casa de Detenção” se manifestam enviando um documento de apoio ao movimento. A partir

de então, o dia 07 de julho de 1978 entra calendário das lutas contra a discriminação racial e

por direitos civis.327

A discussão do Movimento Negro unificado (MNU) em 07 de julho de 1978 tem

como objetivo reivindicar e discutir as condições de vida em que os negros brasileiros são

submetidos. Inclusive a mortandade de negros, prisões entre outras atrocidades, nas quais

existiam e ainda existem dois pesos e duas medidas nas formas de punição e julgamento.

Assim, a Carta de apoio ao movimento negro naquele ato, vinda dos “Prisioneiros” é um

documento imbuído de denuncias contra os preconceitos de que são vitimas além da total

ausência de oportunidade de inclusão social.328

Hamilton Bernardes Cardoso, jornalista e militante do MNU, são um dos articuladores

deste ato, inclusive responsável por narrar os acontecimentos os acontecimentos de 07 de

julho de 1978 “nas páginas” da seção afro-latino-América do jornal “Versus”. No mesmo

ano, em novembro, o “MNUCDR participaria do 1º Congresso Nacional pela Anistia,

denunciando a violência policial contra os negros no Brasil, as condições subumanas da

população carcerária e as torturas nos presídios”.

325

Disponível em: <http://www.memorialdademocracia.com.br/card/ato-reorganiza-o-movimento-negro>.

Acesso em: 25 jan. 2016. 326

Grifo da autora. 327

Disponível em: <http://www.memorialdademocracia.com.br/card/ato-reorganiza-o-movimento-negro>.

Acesso em: 25 jan. 2016. 328

Grifo da autora.

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Após o ato, e depois da redemocratização, o delegado Alberto Abdalla, responsável

pela prisão e assassinato de Robson Silveira da Luz, foi condenado pela morte do jovem,

juntamente com outros policiais, entretanto, o delegado não chegou a ser punido.329

É importante lembrar que Robson Silveira da Luz, foi preso, torturado e assassinado

porque foi acusado de roubar frutas em uma feira livre em São Paulo. E, o MNUCDR nasceu

em resposta à discriminação racial sofrida por quatro garotos do time infantil de voleibol do

Clube de Regatas Tietê, quando representantes de várias entidades se reuniram em resposta à

discriminação racial contra as jovens e também, em função do referido assassinato. 330

Esta situação não é novidade em nosso país, uma “autoridade” que deveria obrigação

preservar a vida, faça ao contrário e a extermine. Até porque, a maioria tem consciência

quanto à impunidade que a beneficia. Matar um jovem negro que rouba uma fruta para se

alimentar, talvez não atormente a consciência de quem nunca sofreu exclusão, pobreza.

A seguir, analisamos a reflexão sobre o que significou a luta do MNU, na

contemporaneidade,

.

O MNU foi e ainda é o espaço de reflexão e formação de importantes

quadros da política e da intelectualidade brasileira e, por isso, entre

outros aspectos, necessita ter esta história contada para que a atual e

futuras gerações compreendam os processos políticos e sociais

enfrentados anteriormente e consigam usufruir hoje de direitos e

garantias antes desconsideradas para as populações negras do Brasil.

Por conta disso continuamos firmes na defesa do que foi estabelecido

em nossa Carta de Princípios em 1978; perseveramos na luta pelo

respeito, reconhecimento e resgate da história de negras e negros,

assim como das culturas afro-brasileira e africana razões que

justificam plenamente a celebração desta data. Afinal, contar a história

do MNU é retomar as razões que fazem da luta pela igualdade de

direitos indispensável, não só para a população negra do Brasil, mas

para a humanidade.331

A seguir, refletimos sobre a imagem de Hamilton Cardoso, em 07 de julho de 1978,

quando o jornalista e militante liderava o MNU em frente ao Teatro Municipal, em São Paulo.

329

Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?p=21311>. Acesso em: 01 dez. 2015. 330

Ibid. 331

Disponível em: <https://agenciapanfletaria.files.wordpress.com/2011/04/panfleto_mnu_30_anos-1.pdf>.

Acesso em: 1 dez. 2015.

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Fonte: jornal Versus, julho/agosto de 1978.

Desse modo, atentar contra a vida alheia é mais fácil do que lutar por um sistema de

educação igual para todos.332

Nossa indignação aqui traduz a consciência da ausência do

Estado de Direito na distribuição dos bens e serviços públicos. Conforme discussão em toda

esta dissertação, os bens e serviços públicos, sempre foram destinados às classes dominantes,

em especial, à educação superior, (CARDOSO, 1982).

Refletimos acerca dos participantes do 1º ato, ocorrido em 07 de julho de 1978,

quando o Movimento negro Unificado (MNU) reúne cerca de 2 mil pessoas nas escadarias do

Teatro Municipal, na Praça Ramos de Azevedo. Todos os presentes expressam indignação

contra o sofrimento, a desumanidade com a qual os negros eram tratados, no Brasil. “O ato

foi o marco inicial” da organização do “Movimento Negro Unificado”, primeiro com a sigla

(MNUCDR), ou seja, Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial

(MNUCDR), depois rebatizado apenas, Movimento Negro unificado (MNU).333

332

Ibid. 333

. Disponível em: <http://www.memorialdademocracia.com.br/card/ato-reorganiza-o-movimento-negro> (na

qual figura a revista Versus, na qual a mesma foi publicada em julho/agosto de 1978). Acesso em: 25 jan. 2016.

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Observamos a imagem da luta do MNU, em 1978, em frente ao Tetro Municipal em São

Paulo.

Fonte: jornal Versus, julho/agosto de 1978.

334

Observa-se que, participam do Ato, mulheres, homens, jovens e crianças, todos

negros. Não visualizamos nesta foto nenhuma presença de participante branco. Permitindo-

nos analisar que, naquela época, em 1978, a consciência estaria ausente da maioria das

pessoas não negras, afinal, hoje mais do que nunca temos a certeza, esta luta é de todos. 335

Neste contexto, refletimos também acerca da imagem do jornal “O Menelik 2º ato”

onde Hamilton Cardoso continua sobre o comando expressivo, em sua performance

denunciando o racismo contra o povo negro. 336

O Teatro municipal, na Praça Ramos de Azevedo em São Paulo, passou a ser o ponto

de encontro, manifestação e denuncia acerca do racismo e segregação contra os negros.

Observamos que o jornal faz menção ao “2º ato”, ou seja, estavam reunidos pela segunda vez,

em luta contra o racismo institucional no Brasil.

334

Ibid. 335

Grifo da autora. 336

Ibid.

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Refletimos sobre a imagem expressiva do militante e jornalista Hamilton Cardoso:

Fonte: jornal O Menelik 2º ato.

Após o evento, Hamilton Cardoso escreve a “Carta Aberta” a Nelson Mandela, a fim

de documentar o que se passa no Brasil, sobremaneira, enxergamos nesta Carta, a rigor, uma

série de denúncias acerca do racismo estrutural do Brasil. Não podemos esquecer que na

ocasião, o Brasil desfilava para a Europa, sobre o mito da democracia racial. Assim, a “Carta

Aberta” está impressa as formas como os poucos negros que ascendem socialmente no Brasil,

em geral, dependem da solidariedade entre si, ou não saem de seus lugares de origem, ou seja,

do cativeiro.337

Neste documento, Hamilton conta sobre sua origem pobre na cidade de Catanduva –

SP e explica como conseguiu ascender socialmente. Entendemos que, na qualidade de

jornalista, Hamilton encontra neste documento, em plena Ditadura Militar, formas de

denunciar. Infelizmente este líder já não vive fisicamente entre nós. Perdemos assim a

oportunidade de esmiuçar cada detalhe que se esconde por traz de cada frase dita na

linguagem poética que já se sabe, fora esta a forma de expressão mais apropriada naquele

337

Jornal O Menelik 2º ato.

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período de trevas (Ditadura). Onde os intelectuais usavam para ludibriar a censura, esta que,

na maioria das vezes, fora executada por pessoas cuja capacidade intelectual era pouco

desenvolvida, favorecendo assim as denúncias que, em geral, se expressavam através da

musicalidade, da arte e em documentos como esta “Carta Aberta a Nelson Mandela”.

Expomos a “CARTA ABERTA” de Hamilton Cardoso a Nelson Mandela, iniciada

pela frase “Meu caro Rei e presidente Mundial”:

Escrevi para lhe falar do Brasil, - o meu país.

Aqui no Brasil, onde o racismo não é e nunca foi legal, - é péssimo, por sinal

- existe a condecoração, concedida no plano individual e emocional - o

Negro de Alma Branca - que foi rejeitada, inclusive, pelos negros da África

do Sul e é utilizada para muitos dos nossos, até publicamente. Mas você, ao

que me consta, e pelo que demonstra, rejeitou as duas...338

E continua Hamilton Cardoso:

Mas como bom e fiel súdito, eu lhe peço: lembre-se sempre desta

contribuição do Cedec. Nele, eu tenho amigos de verdade. Não que eles não

tenham compromissos com a branquitude deles, mas é que a branquitude - e

a minha companheira me ensinou - não é como a negritude: uma condição.

Eles, e muitos deles - a maioria dos que tenho - são meus amigos. Quero

manifestar e demonstrar-lhe a minha gratidão ao Cedec - Centro de Estudos

e Cultura Contemporânea do Brasil. Eles me ajudaram a escrever-lhe esta

carta. São meus amigos e o José Álvaro Moisés, de lá e, hoje na Inglaterra

estudando, contribuiu decisivamente para que eu pudesse retirar as primeiras

gotas de lama do país - cadáveres de todos nós - dos ombros. Ele me revelou

- e eu demorei a concluir - que esta história de "jeitinho brasileiro" e da

"malandragem compulsiva inerente do negro" são cadáveres siameses em

nós.

Hamilton Cardoso segue em seus relatos a Mandiba, em “A CARTA ABERTA”,

documento este que foi por ele próprio elaborado e entregue nas mãos do destinatário, na

oportunidade da visita de Mandela ao Brasil. Na ocasião, Hamilton Cardoso, enquanto líder

do MNU atende o convite do governador de São Paulo para recepcionar Nelson Mandela. Foi

em 1990 quando Mandela, recém-liberto na África do Sul, realiza sua primeira viagem

internacional, incluindo o Brasil. Na qual, objetiva receber apoio contra para a luta contra o

regime de “apartação racial” (Apartheid) naquele país.

O Marcos Faermam, um jornalista judeu como a maioria dos personagens de

Richard Wright e da vida anti-racista negra norte-americana além de mostra-

me, indicando livros para ler e me dar tempo para fazê-lo - garantiu, e criou

338

Fonte: Jornal Irohin - Edição nº 11/ arquivo.geledes.org.br – Acesso em 11/01/2015.

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condições para eu pensar e refletir sobre eles. E me convencer que eu sou

uma ostra. Convenceu-me também de que o que eu gosto mesmo é

jornalismo literário, e que poderia fazer uma grande reportagem. Tentei. Este

é o esforço das ostras - e eles as nossas esperanças.

Continua a narrativa do jornalista a Nelson Mandela, na qual, além de observarmos o

teor da inclusão do Brasil, na primeira visita internacional de Mandiba, conseguiu interpretar

no pensamento deste militante e ativista do movimento negro Hamilton Cardoso, o Brasil

racista dos recentes vinte anos.

De qualquer modo, se não fosse o Cedec, onde há mais de meia década eu e

o Weffort - que conversava muito comigo e me revelou, mostrando a

inutilidade deles, que um dia eu teria que derrubar cadáveres - ele escreveu

sobre isto em relação ao socialismo, sem o Cedec eu não teria como lhe

entregar esta carta. Ela poderia ser mais um cadáver da minha vida. E diante

dela. E eu o desconheceria. Não saberia que estes defuntos existem. Como

você vê, eu estou por conta própria - mas nem tanto assim. O Orestes

Quércia, ex-governador, quando eu estava quase afogado - e com a ajuda do

ex-secretário dele, o Oswaldo Ribeiro, negro como nós - mostrou-me como

sair do lodo. E a minha companheira, a mulher, Maria Cristina Brito

Barbosa, sempre olhava para mim cuidadosamente e, por receio, talvez, - ela

é branca - não deixava eu me liberar repentinamente dos entulhos. Ela temia,

em mim, um choque anafilático e a loucura em minha mente. Eu seria um

dos cadáveres dela. E Ela sabia que eu precisava do equilíbrio que você, meu

caro Rei, demonstra. E também que eu não sou - talvez não tenha nascido

para isto - um Estadista. E antes do meu isolamento - nos buracos das

periferias repórter do povo - eu vi a loucura mental e a miséria (é uma

loucura!) social dos descendentes dos seus compatriotas escravizados. Como

muitos eu colocava a mão na cabeça e chorava... Você estava preso na

África do Sul.339

Olhamos para a última reflexão selecionada por nós, da “Carta” do jornalista Hamilton

Cardoso a Nelson Mandela e consideramos que a parte analisada nos foi suficiente para este

trabalho, mas continuamos crendo que esta “Carta” em si é uma obra poética e histórica que,

assim como para nós, poderá auxiliar ou mesmo servir de estudos em dissertação para os

interessados na luta negra brasileira.

Aliás, falando dos meus amigos, principalmente os do Cedec, lembrei-me

da historiadora Maria Victória Benevides - que é de lá -, e eu a ouvi muitas

vezes citar o Getúlio Vagas, que dizia: “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a

339

Na frase: “ela pagou matrícula na faculdade”, não fica muito óbvio, mas dada as condições de vida de seus

pais e sobre o empurrão dado pela doutora Iracema de Almeida, primeira médica negra a se formar pela

faculdade de medicina de São Paulo e atuante no MN, passa a impressão de que fora ela que pagou a matrícula

de Hamilton Cardoso na faculdade. Fonte: Jornal Irohin - Edição nº 11/ arquivo.geledes.org.br – Acesso em

11/01/2015.

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Lei”. Eu não sei, e gostaria de ouvir ou ler a sua opinião à respeito, sobre o

ditado do Getúlio Vargas, pai dos pobres -, se ele é certo... O fato é que é

assim que as coisas funcionam aqui no Brasil, na democracia racial.340

Um líder negro e ativista político que, por ocasião das “Diretas Já”, em 25 de abril de

1984, fora um dos primeiros líderes do MNU a se fazer presente e ocupar os microfones para

apoiar à democracia. “Certamente, se aqui estivesse faria um balanço para dizer que, além

das formalidades e de obtermos alguma representação e visibilidade, como coletivo, pouco

caminhou. E, apoiaria os programas de cotas, mas certamente diria que são insuficientes”.

341

A formação do MNU é marcada por um inconveniente político, do ponto de vista dos

ativistas negros, pela tendência peemedebista. Mas, alheios a essa adversidade, militantes e

políticos negros, a exemplo do deputado federal Adalberto Camargo e Theodosina Ribeiro

deixam o MDB pelo PDS, com negociata de cargos na administração de Paulo Salim Maluf, o

que levou militantes do MNU à exibição de agravo sobre o ocorrido. Dentre eles estava:

Professor Milton Santos, Esmeraldo Tarquínio, Eduardo Oliveira e o vereador Benedito

Cintra. Foi criada na ocasião, uma organização política de oposição, cujo nome era

FRENAPO - Frente Negra de Ação Política de Oposição. A qual absorveu todos os militantes

negros que faziam oposição ao regime militar. Com essa organização, se renova a atuação

política dos militantes negros, por se declararem oposicionistas a qualquer ação de caráter

conservador, de direita, (SANTOS, 2010, p.136-138).

A criação do Conselho da Comunidade Negra (CCN) em São Paulo configurou-se por

difícil tarefa. Pois, com as organizações da Frente Negra, o CCN foi interpretado como sendo

uma entidade de instrumento político e, naquele período histórico, o racismo e a

discriminação racial se faziam presentes na sociedade, sobremaneira, se expressava no

cotidiano das pessoas, como ocorre ainda hoje.342

3.8 Docentes e Discentes da PUC-SP Contribuem na Articulação dos Sociais; Movimento

Negro em São Paulo.

O corpo docente e discente da PUC-SP exerce papel fundamental na luta contra o

racismo, formando pesquisadores nesta temática, já a partir dos anos 1970 e 1980 embora,

340

Fonte: Jornal Irohin - Edição nº 11/ arquivo.geledes.org.br – Acesso em 11/01/2015.

342

Grifo da autora.

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seja parte da Igreja Católica e tenha sua manutenção proveniente das classes dominantes. Nos

primórdios década de 1970, com “o surgimento da teologia da libertação”, grandes mudanças

foram observadas no cenário da Igreja (religião). Na ocasião, se observa mais apego à teoria

dominante para abraçar as teorias da nova teologia latino-americana, cuja ideologia determina

que o compromisso cristão tenha princípio orientador em raízes profundas nas lutas contra

quaisquer formas de segregação, (SANTOS, 2006).

Neste contexto, sua política administrativa (em geral) não interfere na qualidade de um

ensino aprendizado crítico, tampouco em sua produção científica, até porque os profissionais

desta instituição são bastante resistentes ao pensamento dominante, o que, grosso modo,

contribui para que esta intuição seja o que é hoje. Dentre todas as universidades de capital

privado em São Paulo, a PUC ganha destaque na produção científica de temáticas

relacionadas à pesquisa sobre a cultura afro-brasileira e africana, e sobre temáticas

relacionadas aos grupos excluídos. Em quase todas as áreas do conhecimento,343

além de

permanecer em sua política de liberdade ao estudante pesquisar, nos propiciando motivação

para realizar a pesquisa sem interferências externas344

.

Para discutir esse assunto, contamos com material de pesquisa do mestrado do

Professor Evair dos Santos pela PUC, concluído em 2001, em que analisou o Movimento

Negro no Estado de São Paulo entre o período de 1983 – 1987, tendo resultado na obra de

mesmo nome que analisamos para esta e outras discussões, (SANTOS, 2006).

Assim, segundo sua interpretação, reflexão:

O movimento negro é, pois, filho da explosão educacional dos anos 70 –

proliferação de faculdades particulares, [...] Com efeito, os jovens que

fundam, nos anos 70, entidades negras de luta contra o racismo são, quase

sempre, dessa geração universitária. Dentre os vários grupos, destacamos o

grupo negro da PUC de São Paulo do depoimento de Antonio Carlos Arruda,

seu principal articulador: (Entrevista, 1991), (SANTOS, 2006, p38).

Consideramos que o Movimento Negro contou com a “explosão educacional”

estimulada pelos discentes e docentes de algumas universidades privadas em São Paulo.

Neste contexto, a PUC-SP, cujo quadro docente, já naquele momento, estava preparado para o

debate, contra a exploração das camadas sociais mais baixas. Momento em que se inclui o

343

Grifo da autora fundamentada na própria experiência enquanto estudante do Lato Sensu, da extensão de

línguas (espanhol) e atualmente no curso enquanto aluna do Stricto Sensu (mestrado). 344

Grifo da autora.

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debate das populações negras e da educação em geral. Essa ação abre caminhos para que os

discentes negros e interessados nas questões, pudessem iniciar essa discussão. Assim como

também, a PUC-SP abraça boa parte dos estudantes negros paulistas e até os dias de hoje, esta

universidade continua nos proporcionando esta proeza. Inclusive cedendo espaço para que

mantenhamos a Cecafro funcionando hoje dentro da própria instituição, sobre a

responsabilidade da Professora Maria Antonieta Antonacci e do Professor Amailton Magno

Azevedo. Os quais mobilizam estudantes negros e interessados nesta questão, a fim de

elucidar a disseminação o preconceito racial e suas ações correlatas.

Prova que o corpo docente da PUC-SP, e a própria PUC-SP abraçam este debate, é a

existência de uma instituição como a Centro de Estudos Africanos e da Diáspora

(CECAFRO) a qual discute temas como a presente dissertação. Sendo que a mesma parte da

pesquisa empírica com os sujeitos sociais excluídos em luta pelas políticas afirmativas na

Universidade de São Paulo. Assim como outras pesquisas tão ou mais importantes que esta,

que se desenvolveram e continuam a se desenvolverem em seus Programas de Pós-

Graduação, inclusive com auxílio de bolsas, como é o caso desta pesquisa.

A seguir, fala de Antônio Carlos Arruda, aluno da PUC-SP, em entrevista para a

pesquisa do Professor Evair dos Santos, narrando à trajetória da luta antirracista a partir da

CACUPRO/PUC-SP.

Entrei na PUC em 1977. Em 1978 criamos o Grupo Negro da PUC na

Cacupro. Eu me lembro de que uma das discussões era de que se “entrava

negro na universidade e se saia branco”. Eu via todo mundo preocupado com

isso. Aí passa 74, 75 e o movimento negro fala isso, discute isso. Em 1977,

eu entro na PUC-SP e, logo após o “pacote de abril”, o movimento estudantil

começou a pegar fofo. Mas eu estava preocupado com a questão do negro,

não tinha negro na minha classe. Nós éramos poucos e alguns eram meus

conhecidos. Então fiz uma carta para os negros da PUC-SP, convidando todo

mundo para uma reunião no Centro Vinte e Dois de Agosto. Fiquei

esperando. Fiquei de plantão lá. A carta dizia que nós negros, precisaríamos

nos reunir, estar juntos, para discutir essa coisa de entrarmos negros na

universidade e sairmos brancos. (ARRUDA; SANTOS, 2006, p. 39).

Continuamos com a narrativa de Arruda (1991) acerca da organização do Grupo

Cacupro:

Quando entrei na Cacupro, quando ajudei a organizá-lo, era o período de

volta à África: usamos roupas afro, tranças, éramos contra alisar o cabelo. Eu

estava com 21 anos. Neste período tentávamos fazer outras coisas como

montar peças e exposições. Era tudo muito ligado à África, à redescoberta da

África. Estávamos muito próximos dos movimentos revolucionários de

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Angola e Moçambique. Não podia aparecer um africano que nós

carregávamos o sujeito para ele falar alguma coisa. (ARRUDA; SANTOS,

2006, p. 41).

Na década de 1970, os estudantes da PUC-SP, já carregavam impresso em suas

discussões à intenção do resgate das culturas negras (africanas) naquele espaço. O que

consideramos relevante, em especial, quando se tratando de alunos de cursos de graduação,

em um país marcado pelo mito da democracia racial, se não tivessem professores e

articuladores por traz dessa discussão, esta façanha não se realizaria. 345

Consideramos que a PUC-SP e seu corpo docente tem contribuído para a luta contra o

preconceito racial e contra os desmandos das classes dominantes, contra os grupos desvalidos

que foram impedidos de se integrar na sociedade paulista e brasileira, com o mesmo

desenvolvimento propiciado a parte da sociedade branca, (SANTOS, 2006). 346

Como bem apontou o Professor Antônio Sergio Guimarães que, a partir do governo

Vargas e, com o advento da Ditadura Militar, nos anos 1964 em diante, inclusive nos quatro

governos do período pós “Ditadura Militar”, no Brasil, houve uma completa estagnação de

vagas nas universidades públicas. Este fator propiciou uma queda brutal na qualidade do

ensino fundamental e médio público. Nesse sentido, o Estado, visando escamotear esta

realidade, também com o advento da expansão da doutrina capitalista; o número de

universidades privadas cresce assustadoramente e estas abocanham a maior parte dos

estudantes oriundos da rede pública, porque são barrados pelos sistemas de vestibulares das

universidades públicas, em especial pela FUVEST. Dado o baixo nível de ensino da rede de

pública no Brasil. Assim, os estudantes das escolas públicas não conseguem competir com os

estudantes da rede particular destinado aos filhos das classes dominantes. (SANTOS, 2006).

Neste sentido, as universidades privadas oferecem um ensino de acordo com as

condições do preço que esses estudantes conseguem pagar, em geral, cursos em cujo currículo

não oferece o aprendizado através de pesquisas. E, esse fator contribui para a predominância

345

A partir da educação cidadã crítica, é possível mudanças, capazes de transformar a realidade de uma de um

grupo, de uma sociedade. Elaboração da autora fundamentada em (“A Escola e o Conhecimento, CORTELLA,

2006), 10ª edição. Cortez Editora e Editora Instituto Paulo Freire. O Professor Mario Sergio Cortella nos inspira

nesta obra e em tantas outras no qual se expressa acerca da educação inclusiva e de uma e defende que, a

educação deve servir de instrumento para a igualdade social de todos. A autora. Nota sobre o Professor Mario

Sergio Cortella: É mestre o doutor pela PUC-SP, pelo Departamento de Teologia e Ciências da Religião e do

Programa de Pós-Graduação em Educação, dos quais, hoje é professor/pesquisador. Entre 1983 – 1984 foi

membro da diretoria da APROPUC/Associação de Professores da PUC-SP. Além de ter exercidos funções

públicas relevantes para a Educação Pública de São Paulo, ao lado do saudoso Paulo Freire. A autora. 346

Grifo da autora, fundamentada em Santos, (2006).

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das classes mais altas, inclusive nos dias de hoje, na rejeição das políticas afirmativas na

Universidade de São Paulo (USP).

Somando este fator à nossa experiência com o nível de pesquisa que temos realizado

na PUC-SP para então concluir nossos cursos, consideramos que a PUC-SP sempre operou

nas condições das melhores universidades deste País e, no quesito igualdade, supera muitas

universidades, como a USP. A qual se mantém cada vez mais fechada para o debate das

questões étnico racial, sobre a diversidade humana e social, se mantendo em redoma.347

Ainda na década de 1970, a PUC-SP contribui com a articulação do movimento negro

em São Paulo, se destacando entre os vários grupos e entidades de liderança negra que fazem

decolar as lutas negras em São Paulo. Ressaltamos, então, sobre os nomes das entidades e

grupo de liderança negra em São Paulo, além do Grupo Cacupro/PUC-SP; Casa de Cultura e

Progresso Afro-Brasileira; Ceab (Centro Afro-brasileiro); Grupo de Teatro Evolução de

Campinas; Grupo de Teatro Rebu; Teatro Zumbi, entre outros. Todos esses grupos tinham a

participação efetiva de universitários negros e profissionais liberais, resultando na criação do

Núcleo Negro Socialista, que contribui imensamente para a Organização do Movimento

Negro Unificado contra a “Discriminação Racial”. (SANTOS, 2006, P. 39-40).

“Se a luta pela emancipação do povo negro em São Paulo, no decorrer do Estado

Novo, “quase” foi desarticulada, no Período Ditatorial, “quase” assistimos a sua completa

extinção”. Entretanto, o povo negro reagiu e, em 1978, em pleno Regime Ditatorial no

Brasil, podemos observar a sua explosão chegando a todo vapor em 2016. 348

347

Grifo da autora fundamentada em levantamentos de pesquisas para esta dissertação em (Guimarães, USP,

2003). 348

Grifo da autora.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer de nossa pesquisa constatamos que, a luta do povo negro foi organizada

desde o primeiro século de escravidão quando Zumbi dos Palmares substitui Ganga Zumba,

em 1678, sendo este o primeiro negro a se refugiar na Serra da Barriga conhecida por

Macaco, no atual Quilombo dos Palmares. Abrigando outros negros que conseguiam fugir da

escravidão nos engenhos.349

Naquele ano, Ganga Zumba se rende aos anseios de Portugal que

já vinha negociando a desocupação da região por intermédio do donatário (governador) Pedro

de Almeida da Capitania de Pernambuco. Na ocasião, os poucos negros que tentaram ocupar

“Cacau”, as terras oferecidas em troca da Serra da Barriga em Macaco, foram dominados e

conduzidos aos seus senhores. 350

Zumbi dos Palmares entrou em luta política com Ganga Zumba em desacordo com sua

posição de negociar a saída do povo negro da Serra da Barriga - Macaco, cedendo-a a

Portugal. Sem conseguir convencê-lo a desistir da infame ideia, um dos homens colaborador

de Zumbi, o envenenou, dando cabo de sua vida, para evitar que as tropas portuguesas se

apossassem de suas terras. Neste sentido a luta de Zumbi, hoje considerado símbolo da

resistência negra no Brasil, iniciou-se fortemente a partir do ano de 1678 até 1695 quando foi

assassinado em luta de resistência contra a dominação de seu povo e de seu território (FILHO,

1998).

Este reconhecimento foi possível graças à luta do movimento negro contemporâneo,

intermediada por Abdias Nascimento, mãe Hilda e seus discípulos, em 1980. Na ocasião,

ambos sobem a Serra da Barriga – Quilombo dos Palmares e documentam suas presenças

como um marco da luta e resistência do movimento negro, iniciado por Zumbi dos Palmares.

Neste contexto, cobraram do Estado Brasileiro, o reconhecimento e a demarcação da região

como patrimônio histórico da humanidade, em especial das populações negras, quando

exigem que Zumbi dos Palmares seja tratado como líder e símbolo da resistência negra,

(NASCIMENTO; ALMADA, 1989).

Observarmos outras lutas e formas de resistências, ocorridas durante o longo processo

de escravidão e no “pós-escravidão”. Cujas variações são de acordo a performance cultural de

cada região e interesse dos povos negros, podendo ser “implícita” ou explicita, ou seja, sua

performance hibrida lhes possibilitam arranjos que se sobrepõem aos interesses: econômico,

social e, especialmente cultural impostos pelo colonialismo, pelo dominador, propiciando a

349

Disponível em: https://esquiva.wordpress.com/historia/ganga-zumba/. Acesso em: 23 fev. 2016. 350

ALVES FILHO, Ivan. ''Memorial dos Palmares''. Rio de Janeiro: Xenon, 1988.

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superação de suas dores e, acima de tudo, a perpetração de suas culturas, (ANTONACCI,

2015).

A “Abolição” promulgada pela então Princesa Izabel, em 1888, não foi capaz de

emancipar o povo negro, até porque não foi preparada pera tal, uma vez que ofereceu apenas

meia liberdade aos povos negros. Pois, em 1900, quando as primeiras indústrias se

estabelecem no Brasil, suas vagas são reservadas para o imigrante italiano. Antes, porém,

enquanto a “indústria açucareira” conhecida por engenho de açúcar e as casas de farinha

estavam em no auge do desenvolvimento, cuja mão de obra era 100% escravista e, o povo

negro era suficientemente capaz de desenvolvê-las, na relação do processo econômico

escravocrata. 351

Excluídas pala sociedade “elitizada”, as populações negras viram-se obrigados a

reagir. Assim, entre as duas primeiras décadas do século XX, o movimento denominado

Frente Negra Brasileira (FNB) decola cada vez mais fortalecido. Seus lideres pretendiam

preparar o povo negro para o enfrentamento das ações racistas e discriminatórias, através do

conhecimento letrado. Mas, esses também eram ensinados que deveriam reagir de todas as

formas, nos momentos em que se vissem ameaçados por preconceito e discriminação racial, o

que era um comportamento “naturalizado”. Acreditavam que assim, poderiam encarar o

mundo hegemônico que se formava em São Paulo e consequentemente em todo o Brasil,

(BARBOSA, 2006).

Na ocasião, a maior preocupação do grupo do jornal o “Estado de São Paulo”, era

formar uma universidade para garantir uma classe dominante em São Paulo, o que significa a

criação da Universidade de São Paulo (USP). Com a idealização do Inquérito de 1926, sobre a

instrução pública no estado de São Paulo, os professores formados pela a USP, seriam

“intelectualmente desenvolvidos” para dominar a parte da sociedade brasileira negra não

letrada ou socialmente empobrecida. E neste quesito se incluía a maioria da população negra

naquele momento. Pois nessa universidade, se formariam os professores que, iriam conduzir o

ensino público em São Paulo e também em todo o Brasil, (CARDOSO, BOSI, 1982).

Esse modelo de educação, conhecido por Escola Nova, é idealizada para bloquear cada

vez mais, os estudantes negros e pobres, uma vez que esta parte da sociedade era maioria

analfabeta. E, no “novo sistema” de ensino, exigia inclusive, teste de conhecimento tanto para

as crianças quanto para os jovens que pretendiam adentrar a escola pública. Neste quadro de

exclusão em que os negros são colocados pelo Estado de Direito, a FNB inaugura suas

351

Grifo da autora.

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próprias escolas de ensino fundamental, médio e de alfabetização, em geral, mantidas por

professoras e professores voluntários, negros, (BARBOSA, 2006); (CARDOSO, 1982).

Neste contexto, a ideia do Inquérito de 1926 possui objetivo muito bem definido, o

qual consistiu em elaborar um modelo de educação que atendesse os anseios do “Grupo o

Estado de São Paulo”. Um artificio para justificar a “Crise Nacional” pelo antagonismo do

cenário político e social brasileiro, intrinsecamente articulado em políticas de estabilidades

entre o Regime “Imperial” e “Republicano”, nos quais a sociedade brasileira foi alicerçada,

(CARDOSO, 1982, p. 28-33).

Assim, o Inquérito de 1926, parte da confirmação de lacuna de política educacional,

norteada por “princípios e não por homens”, o bastante para impulsionar a “instrução pública

de São Paulo”. O que significa criar um sistema de educação maquiando o sistema já

existente, a partir de retoques, de acordo com o nível de ensino que o aparelho do Estado

podia oferecer perante a circunstância “política e composição precária dos governos”. E neste

cenário, os negros que são a parte da sociedade maioria empobrecida, fica a deriva da

educação pública e também do ensino universitário público. Realidade esta que promove a

exclusão que se presencia no presente, na Universidade de São Paulo (USP), entre outras,

(CARDOSO, 1982, p. 28-33).

Apesar da repressão exercida no governo Vargas, inclusive, em 1937 ordenando o

fechamento da FNB. Ainda assim, observamos que, uma pequena parcela dos excluídos,

grosso modo, é atingida com alguns benefícios e, consegue adentrar as escolas públicas de

São Paulo e, em alguns casos, até as faculdades públicas. Até porque naquele momento,

muitos negros já haviam sido preparados pela escola da FNB que, mesmo impedida de

funcionar, mantinha suas salas de aulas clandestinas no salão onde era permitido funcionar

apenas para a realização de bailes entre as populações negras, (BARBOSA, 2006).

Verificamos que repressão sobre os movimentos sociais foi brutal, ultrapassando o

Estado Novo e chegando a década de 1960. E, quando o primeiro governo tenta prover

políticas sociais inclusivas, como a Reforma Agrária, as classes dominantes apoiam o Golpe

de 1964, contra o então Presidente da República João Goulart, (AQUINO, 2015)

Após o Golpe de 1964, os militares restringem cada vez mais os movimentos sociais,

assim, colocando-os na ilegalidade e dificultando a articulação política, que a partir daquele

momento, os poucos que se arriscam, operam na clandestina. Essa situação propicia o

fortalecimento das oligarquias e do setor industrial, em detrimento das lutas dos movimentos

sociais. Os quais são enfraquecidos e desestruturados pela política do Estado brasileiro

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transcendendo o período em que o País se encontra em efervescência política entre o sistema

político democrático e o maior sistema ditatorial de nossa história, (GUIMARÃES, 2003).

Ocorre então, um quadro de total abandono da educação pública brasileira por parte

dos governos ditatoriais, seguido pelos governos do período conhecido por,

“redemocratização”. Pois, os quatro governos sucessores do regime ditatorial, iniciado por de

José Sarney, e, continuado com Fernando Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando

Henrique Cardoso, também não empreenderam investimentos para melhorar a qualidade da

educação pública de nível fundamental e médio e, não ampliaram as vagas nas universidades

públicas. Culminando com a exclusão das populações negras, pobres e indígenas, presente nas

universidades públicas, em particular na Universidade de São Paulo,352

(GUIMARÃES,

2003).

Este quadro de abandono da educação pública propiciou as classes dominantes se

tornarem os grandes empresários da educação privada, oferecendo aos seus, uma educação de

“qualidade” o suficiente para abocanharem as vagas das universidades públicas, as quais,

como sabemos, são mantidas por todos, inclusive por negros, pobres, indígenas entre outros.

Enquanto crescem desenfreadamente as universidades e faculdades privadas, oferecendo aos

excluídos um nível de ensino de acordo com o preço que os mesmos podem pagar. O

problema dessa realidade reside na rejeição dos diplomas adquiridos por estas instituições, os

quais são rejeitados no mercado de trabalho, uma vez que as empresas brasileiras dão

preferências aos diplomas expedidos pelas universidades públicas, e, neste sentido os negros

são duplamente discriminados e prejudicados, (GUIMARÃES, 2003).

Neste contexto, chegamos em 1997, quando o contingente de negros e pardos entre 18

e 24 anos, matriculados e já formados em algum curso superior no Brasil se configurava em:

“pardos” = 2,2% “pardos” e 1,8% negros, (HASENBALG, 1979).

Vale lembrar que, nesta ocasião o acesso restrito de negros ao ensino superior e a

baixa qualidade do ensino público já estavam sendo discutidos havia pelo menos uma década,

conforme observamos no parágrafo anterior.353

E, em 2001, outro dado estarrecedor nos salta

aos olhos. Entre o percentual de estudantes brasileiros 97% são brancos, 2% são negros e 1%

abrange as descendências: indígenas, amarelos e outras,354

(MUNANGA, 2006).355

352

A citação sobre a USP é grifo da autora. 353

Grifo da autora. 354

Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-

universidades-brasileiras>. Acesso em: 31/12/2015. 355

O NEGRO NA UNIVERSIDADE o direito a inclusão. In: Considerações Sobre as Políticas Afirmativas no

Ensino Superior; O Debate no Contexto Brasileiro, (Munanga, Kabengele, 2006, p.11).

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Verificamos, então, que havia um grande contingente de pessoas “impedidas” de

estudar em nosso País por “sua cor de pele ou condição social”. Nesse sentido, já naquela

época, medidas foram providenciadas no sentido de “abrir caminho para a inclusão de negros

e pobres nas universidades”. Embora, reconhecemos que no Brasil, os negros são maioria

pobre.356

Observou a pesquisadora e doutora em Educação da Universidade Federal

Fluminense (UFF), Teresa Olinda Caminha Bezerra. 357

Neste contexto, a resolução em resposta do déficit histórico da presença de estudantes

negros e pobres no meio acadêmico público brasileiro foi seguir o exemplo da UnB quando

grande parte das universidades públicas adota o sistema de reserva de vagas universitárias. O

qual ficou nacionalmente conhecido por políticas afirmativas ou simplesmente sistema de

cotas raciais, (CARVALHO, 2005; 2012).

Essa medida suscitou polêmica a aguçou o debate nos mais diversos meios sociais, em

especial nas universidades públicas brasileiras, culminando com processos judiciais por parte

de pessoas pertencentes as classes dominantes, uma vez que se fazia presente nas culturas, o

hábito do preconceito racial, da discriminação contra os povos negros e seus descentes. E,

acima de tudo, as classes dominantes estavam acostumadas terem as vagas das universidades

públicas, exclusivamente reservadas para elas. Frente às dificuldades impostas pelos

vestibulares, em especial pela FUVEST. Já que o nível de ensino oferecido na educação

pública nem de longe acompanha o que se cobra de conhecimento nos vestibulares. Embora,

muito do que se cobra jamais será discutido ou posto em prática no decorrer dos cursos nas

respectivas faculdades públicas, (CARVALHO, 2012).

A Universidade Estadual do estado de Mato Grosso do Sul (UEMGS), a exemplo

desta discussão, praticou o mais alto grau de preconceito racial. Pois inadvertidamente, em

2003, "começou a usar fotos enviadas por estudantes para decidir quais poderiam ter acesso às

vagas”, em cumprimento às determinações de uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa

daquele estado. “O ‘fenótipo’ exigido era composto por ‘lábios grossos, nariz chato e cabelo

pixaim’”. (CARVALHO, 2012). 358

O movimento negro tomou conhecimento, reagiu e protestou contra o professor

Adriano Manoel dos Santos. Assim, uma ação por crime de racismo correu no tribunal de

justiça daquele Estado, movida pelo estudante Carlos Lopes dos Santos. O qual se sentiu

atingido, ofendido, quando em sala de aula, o referido professor proferiu um discurso contra

356

Grifo da autora. 357

Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-

universidades-brasileiras>. Acesso em: 31 dez. 2015. 358

Ibid.

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as políticas afirmativas e defendeu que a universidade deveria nivelar o ensino, “por cima” e

não “por baixo”. Ficou nítido, então, que as críticas foram dirigidas aos alunos negros

presentes matriculados em sua disciplina, ou possivelmente a outros que por ventura não

estavam presentes, (CARVALHO, 2012). 359

Em 2004, enquanto a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciava sua

posição, pretendendo não adotar as políticas afirmativas em seu sistema educacional, o

assunto ainda estava em debate na justiça e na sociedade devido o conhecido “Caso Ari” na

Universidade de Brasileira (UnB), amplamente discutido no corpo desta dissertação. Na

mesma época, a UERJ já em 2003, adotava cotas raciais e sociais, visando à inclusão de

negros e estudantes das camadas sociais excluídas da educação superior pública.

Posteriormente, outras universidades estaduais, como a UEL (Universidade Estadual de

Londrina), a UFAL (Universidade Federal de Alagoas), frente às estatistas de exclusão, já

reconheciam que, no âmbito da educação universitária pública precisava se incluir os

estudantes negros. Inclusive, em 2004, a UERJ, já anuncia o resultado de estudantes

ingressos por cotas raciais e sociais em seu vestibular referente ao ano de 2003, como índice

positivo e otimista de inclusão. (CARVALHO, 2012).

Em seguida a UERJ cria o Grupo Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa

(GEMAA), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. O qual vem oferecendo subsídio

dentro e fora da UERJ para pesquisas nesta temática, e define as ações afirmativas enquanto

políticas que destinam recursos para beneficiar pessoas de “grupos discriminados e vitimados pela

exclusão racial e socioeconômica”, com base em históricos do passado e também do presente. Seu

objetivo visa “combater as discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero, ou de casta,

aumentando, assim, a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde,

emprego, bens materiais, redes de proteção social, ou no próprio reconhecimento cultural”.

(CARVALHO, 2012);360

(GEMAA, 2012).

Enquanto esta revolução educacional acontece na UERJ, na UnB e em outras universidades

públicas em todo o Brasil, o Ministério Público Federal (MPF) do Paraná, em 2004, entra com

um recurso na Justiça pedindo intervenção para que a Universidade Federal do Paraná

(UFPR), “não adotasse o sistema de cotas em seu vestibular”. Assim, o poder Judiciário do

estado barrou a implantação do sistema de cotas naquele estado sob o pretexto de que o

referido sistema (cotas) afrontaria “o princípio constitucional de isonomia e reforça práticas

359

Ibid. 360

Ibid.

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sociais discriminatórias.” (CARVALHO, 2012)361

. Entretanto, o movimento negro,

intelectuais, professores, políticos entre outros, conseguem manobrar esta decisão judicial,

pois, em 23 de junho de 2004, a Universidade Estadual de Londrina – Paraná aprova as cotas

raciais e sociais. Na ocasião, o então Secretário Municipal da Cultura, André Galvão, profere

o seguinte discurso: “A universidade Estadual de Londrina (UEL) ao aprovar as cotas para

negros e alunos das escolas públicas, neste histórico de 23 de julho de 2004, fez justiça a um

povo que mesmo escravizado sempre foram os primeiros a defender essa nação, Axé.”.

(PACHECO; SILVA, 2006). 362

Seguimos a reflexão do Professor José Jorge de Carvalho (UnB) quanto à importância

das políticas afirmativas e como estas ganharam espaço na UnB, impulsionando o debate para

o que é hoje. No final da década de 1998, após mais de vinte anos de existência do Programa

de Pós-Graduação da UnB, um doutorando negro ingressou discutindo as questões raciais

naquele Programa cujo orientador: José Jorge de Carvalho. Trata-se de Ariovaldo Lima,

história que ficou conhecida por “caso Ari”. O mesmo, apesar de ter sido avaliado com nota

máximo em todas as disciplinas, foi reprovado com um professor e de imediato recebeu o

aviso que não adiantaria recorrer porque seria da mesma forma reprovado, configurando

assim, um caso de extremo racismo. (CARVALHO, 2005; 2012).

A partir do empenho dos referidos professores, entre outros que não concordavam com

aquela situação de racismo desvelado dentro da UnB, se implantou o primeiro sistema de

cotas raciais em uma universidade federal no Brasil. Na qual 20% de suas vagas, em todas as

faculdades e em todos os turnos, são reservadas pelo sistema de cotas raciais para estudantes

autodeclarados e comprovadamente fossem negros. Paralelamente, começou um

levantamento no Instituto de Ciências Sociais da UnB, em 1999, e se constatou que havia

1.500 docentes brancos e apenas 15 docentes negros na UnB, ou seja, em mais de 45 anos de

existência da UnB, em crescente desenvolvimento, no quadro de docentes, o percentual de

professores negros (as) atinge apenas 1%. Assim, verificou-se ser necessária, também a

realização dessa pesquisa nas principais universidades públicas do País, o que ocorreu devido

ao empenho de docentes e estudantes negros nas diversas universidades em que o estudo foi

realizado. O qual apresentou um quadro de absoluto confinamento racial de professores e

pesquisadores negros, (CARVALHO, 2005; 2012).

361

Ibid. 362

O discurso citado por André Galvão, figura no livro: (última capa): O Negro na Universidade o direito à

inclusão, MEC. Fundação Cultural Palmares, 2006. Organizadores: Jairo de Queiroz Pacheco e Maria Nilza da

Silva (professores da UEL).

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Neste estudo Após o censo racial docente na UnB, o Professor José Jorge de Carvalho

passou então a solicitar a ajuda dos colegas negros para conhecer o porcentual de docentes

negros em outras universidades públicas. Segundo o Professor, mesmo admitindo uma

margem de erro nas amostragens por eles reunidas e ainda colocando um percentual de 20%

acima do número encontrado, o resultado foi chocante. Pois, como a “USP, Unicamp, UFRJ e

UFRGS, instituições em que a proporção de professores negros não passa de 0,2%”.

Enquanto na UFSCAR atinge 0,5% e a UFMG 0,7%. Estamos falando de aproximadamente

dez anos atrás, onde em número e não mais em percentual, pois este estudo liderado pelo

Professor José Jorge foi concluído entre 2005/2006 quando foi publicado, (CARVALHO,

2005/2006).

Ironicamente, o Professor José Jorge de Carvalho afirma que o dado apresentado em

sua pesquisa, o qual foi severamente discutido em nossa dissertação, tem efeito ilustrativo.

Sabemos que seu objetivo é provocar olhares, minimamente críticos, para a denominação:

“Confinamento Racial no Mundo Acadêmico Público Brasileiro”. Neste artigo, o Professor

traz expresso, o resultado da pesquisa por ele realizada, e afirma: “se juntarmos todos os

professores (as) de algumas das principais universidades de pesquisa do país (por exemplo,

USP, UFRJ, Unicamp, UnB, UFRGS, UFSCAR e UFMG), teremos um contingente de

aproximadamente 18.400 acadêmicos, a maioria dos quais com doutorado”. De acordo com

suas perspectivas, esse universo está racialmente dividido entre 18.330 brancos e 70 negros.

Neste contexto, pensando em termos de percentual, temos o seguinte dado, entre 99,6% de

docentes brancos, 0,4% de docentes negros, e 0% de docentes ou pesquisadores indígenas. E,

afirma: se arriscarmos “aleatoriamente” questionar um professor ou professora desse grupo,

apresentado no total de brancos, o perfil geral será o seguinte: “esse professor (ou professora)

foi um(a) estudante branco(a) que teve poucos colegas negros no secundário, pouquíssimos

na graduação e praticamente nenhum no mestrado e no doutorado; como aluno(a), sempre

estudou com professores brancos”, (CARVALHO, 2005/2006).

Estudo recente (2015), realizado pelo Inep, apresenta um grande avanço no quadro de

docentes UnB, demonstrando que, em 15 anos a cota racial dirigida a estudantes negros vem

surtindo efeito positivo. Pois, nesse período, o número de professores negros saltou para 65,

mas o número de brancos também subiu para 1915. Neste caso, considerando que a UnB vem

adotando cotas raciais desde o ano de 2004, assim, contribuiu para aumentar este percentual

de professores, os quais já conseguiram concluir a graduação, cursar a Pós-graduação e

ingressar na docência e pesquisas dentro da referida universidade, (CARVALHO, 2012).

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Entre as universidades estaduais e federais que aderiram ao sistema de cotas raciais de

ação afirmativas por cotas, o índice apresentado em 2001 pelo IPEA, sofre importante

modificação, ou seja, o percentual de negros que em 2001 = 1,8%, em 2013 sobe para 8,8%.

E, o percentual de afrodescendente que em 2001 era de 2,2%, em 2013 subiu para 11%%.

Este dado é do Ministério da Educação (MEC), em levantamento de 2013. Para o qual

olhamos pela a ótica do reconhecimento que, a inclusão promovida após o governo Lula, foi

de fundamental importância para fazer decolar o percentual aqui apresentado. Entretanto, o

abismo que tange as oportunidades, ainda é muito latente. Situação que envergonha os

brasileiros que não concordam com os domínios exercidos nas universidades públicas,

especialmente na USP, universidade possui sua história profundamente marcada pelo

preconceito e discriminação racial. Essas ações reverteram-se na exclusão dos povos negros e

indígenas, mesmo assim, seus dirigentes permanecem ancorados, nos velhos e ultrapassados

conceitos, na meritocracia. 363

Percebe-se que as cotas raciais são de fundamental importância para equiparar este

quadro alarmante de confinamento racial nas principais universidades públicas brasileiras.

Sem o qual, o índice “alarmante” de exclusão não será corrigido. O sistema de políticas

afirmativas tem o objetivo propiciar o ingresso desses alunos e, à medida que vão se

formando, ingressam nos Programas de Pós-Graduação até atingirem os postos mais altos

dentro das universidades. Pois, consideramos, os sistemas desenvolvidos pela meritocracia

são insuficientes para resolver o problema que, diante do quadro alarmante de confinamento

racial, poderá levar ainda séculos para ser resolvido, (CARVALHO, 2012).

Assim, consideramos o que a Professora Segato, chamar de “o ponto cego da

sensibilidade brasileira”, e considera que, cada época e cada cultura tiveram uma área

específica de insensibilidade além de ter se utilizado de artifícios sobre a invisibilidade dos

males do racismo com sua sequela de sofrimentos irreparáveis. Pois, “o padecimento moral” e

a insegurança das pessoas negras na nossa sociedade brasileira “são inaudíveis”. Isto é, não

encontram meios para expressar suas dores e se manifestar. E, não encontram registro nem no

discurso midiático nem no acadêmico e pouco apoio popular, uma vez que, o processo da

miscigenação foi implantado no Brasil, sobre o mito da democracia racial, fazendo com que,

os povos negros não reconheçam suas ancestralidades, suas identidades. Além disso, muitos

teóricos das ciências sociais que utilizam, propositadamente do senso comum e os descrevem

como “parte de uma tradição, prática habitual, estilo de convivência, traço idiossincrático e

363

Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-

universidades-brasileiras>. Acesso em: 31 dez. 2015.

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até pitoresco da civilização brasileira,” Esse sofrimento, que tem como causa pura e

exclusivamente a cor da pele, é particularmente grande precisamente onde menos poderia ser

admitido”, nos espaços de poder, em especial nas “institucionais da esfera pública, dos quais

a universidade é uma instância crucial”, (SEGATO, 2005,2006).364

Recente estudo realizado pelo Inep indica que o total de docentes brasileiros entre

universidades públicas e privadas é de 383.683 e que, entre estes, somente 5.154 docentes se

declaram negros, o que confirma a urgente necessidade de políticas afirmativas, as cotas

raciais, a fim de contribuir para diminuir esta visível desigualdade. 365

Oras como seria

possível mudar o quadro alarmante de exclusão que atinge toda a população negra brasileira,

senão pelo sistema de cotas raciais? Não há mais o que se esmiunçar, assim como nos EUA,

as políticas afirmativas são de suma importância para diminuir a desigualdade instituída nas

universidades públicas pelos processos seletivos da meritocracia.366

Passados mais de dez anos das primeiras políticas de ação afirmativa implantadas no

Brasil, por cotas raciais, o assunto ainda suscita debate e provoca incômodo Brasil afora.

Impedi-las é uma forma de extirpar os direitos sociais dos negros e seus atores se expressam

das mais diversas formas, exprimindo extremo desrespeito pela pessoa humana independente

da condição social que ela ocupa na sociedade. Essas questões esclarecem o quão necessárias

são as políticas das cotas raciais para romper estas imensas barreiras que, pelos caminhos da

meritocracia apresentam os descaminhos aos estudantes negros e indígenas na USP,

impedindo-os do direito à educação, ao ensino superior em suas faculdades. 367

No meio de grande parte das universidades públicas que adotam as políticas de ação

afirmativas, a USP ainda mantem um formato bastante criticado por especialistas, pelos

movimentos sociais, em especial pelo MNU. Para Douglas Belchior, o bônus oferecido pela

USP não inclui de fato, porque não reserva vagas, não estabelece uma condição para que o

estudante negro possa acessá-la. As alternativas que foram colocadas, do College até a atual

bonificação são ineficazes e infelizes, uma vez que o sistema College foi criticado, até

mesmo por professores daquela universidade que se expressam contrários às políticas

afirmativas por cotas raciais.368

Esperamos que essa dissertação possa contribuir com outras pesquisas, referentes ao

exposto, no sentido de alertar a sociedade brasileira sobre as práticas racistas,

364

REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 76-87, dezembro/fevereiro 2005-2006. 365

Disponível em:< http://www.ceert.org.br/>. Acesso em: 19 jan. 2016. 366

Grifo da autora. 367

Ibid. 368

Disponível em: <http://revistaforum.com.br/digital/138/sistema-de-cotas-completa-dez-anos-nas-

universidades-brasileiras>. Acesso em: 31 dez. 2015.

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preconceituosas, no extremo limite de exclusão contra os povos negros brasileiros. Sendo a

Universidade de São Paulo, um lugar de exclusão, limitando-os os acessos dos negros na

educação superior em todo e qualquer segmento da sociedade, uma vez que a inclusão nos

demais âmbitos, em geral, dar-se primordialmente pela educacional formal, (CARVALHO,

2012).

Afirmamos aqui o quão importantes são às políticas afirmativas para que se reduzam

as desigualdades impostas às populações negras e cada vez mais, negros e negras possam ter o

direito, garantido pela Constituição deste País, ao estudo, a inclusão e não continuem sendo as

vitimas da sociedade que detém o poder. Esperamos sinceramente, através deste trabalho,

termos contribuído com o debate sobre as políticas de ação afirmativas, expressando-nos

objetivamente para a inclusão dos povos negros e indígenas, em nossa sociedade. E, que

todos, em geral, conscientizem-se da importância da educação pública na construção deste

país, através da proporcionalidade da justiça social. Pois só assim, reinará a igualdade de

oportunidades para todos, onde a Universidade de São Paulo (USP), não encontre terreno para

impor o sistema da meritocracia como parâmetros de exclusão, fingindo-se incluir. 369

No mundo acadêmico, o preconceito racial ainda sobrevive e com baste vigor na

memória de professores, estudantes e outros que não se conformam em dividir os espaços

universitários com aqueles há centenas de anos são colocados às margens do conhecimento

formal. Muitos não se pronunciam e agem sutilmente, nessas circunstâncias, produzem os

efeitos de forma mais velada, disfarçada. Outros, porém, possuem um grau de preconceito tão

aguçado que além de exibir seus preconceitos, o fazem de maneira expressiva e ofensiva,

provocando constrangimento nos estudantes cotistas, seja por via da cota racial ou social.

Neste contexto, analisamos um caso de racismo desvelado ocorrido na Universidade

Federal do Espírito Santo (UFES). Durante uma aula o “professor” Manoel Luiz Malaguti

afirmou que cotistas são “pretos, pobres, sem cultura, sem leitura e analfabetos funcionais”.

Mas, considerou pouco, os agravos acima descritos, então afirmou que “detestaria ser

atendido por um médico ou advogado negro”.

O “professor” Manoel Luiz Malagutti foi denunciado pelos alunos da faculdade de

Ciências Sociais que imediatamente ao ocorrido, entraram em movimento por sua saída da

UFES, assim procurado pela imprensa ele se defendeu e afirmou que disse o seguinte: se um

dia precisar de atendimento médico e se deparar com um médico negro e outro branco, sem

dúvida nenhuma optará pelo médico branco. Ele disse que faria isto porque “os negros, em

369

Grifo da autora.

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média, vêm de sociedades, de comunidades menos privilegiadas, para a gente não usar um

termo mais forte, e nesse sentido eles não têm uma socialização primária na família que os

tornem receptivos aos trâmites da universidade”.

O comportamento do “professor” Manoel Luiz Malaguti, reflete o de outros

professores (as), inclusive nas universidades públicas onde as lutas antirracistas estão em

prática e funcionamento, como na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC).

Mesmo assim, em 2015, Y, estudante de Arquitetura ingressa pelo sistema de cotas, recorte

racial, sentindo-se hostilizada por um “professor” e também por seus colegas de turma, os

quais exibiam com frequência, ações racistas contra ela, com "naturalização". Assim,

incomoda e envergonhada, em situação de exposição diária. Ainda buscou apoio na direção, a

qual a encaminhou para o coordenador da faculdade que ela cursava (Arquitetura e

Urbanismo). Porém, o coordenador e o professor que contribuía para a sua dor, era a mesma

pessoa. Sentindo-se em um beco sem saída, Y desistir da tão sonhada faculdade porque além

de sofrer racismo, não encontrou apoio em quem buscou. Parece-nos que Y estava no lugar

certo, mas na hora errada e com pessoas erradas. 370

Os estudantes cotistas são hostilizados nas universidades públicas brasileiras,

principalmente na USP, sobre pressupostos de ocupar o lugar de estudantes ingressos por

“mérito”, enquanto os últimos são maioria oriunda das classes dominantes. Assim, demanda

poder financeiro para bancar escolas e cursinhos caros, o que lhes garantem aprovação nos

vestibulares das universidades públicas, em particular na USP, o qual cobra vasto

conhecimento, mesmo aquele que nunca se utiliza na vida prática em suas faculdades.

Os negros, entretanto esbarram nas dificuldades impostas por essa instituição

(FUVEST) porque estudam na rede pública e esta oferece um ensino lacunoso em relação ao

ensino privado oferecido para as classes dominantes, fazendo com que, as vagas das

universidades públicas, sejam reservadas exclusivamente para elas.

Sabemos, entretanto, que a meritocracia não existe entre aqueles cujas oportunidades

são diferentes, desiguais, portanto, injustas, uma vez que as populações negras brasileiras

foram engessadas pelo longo processo de escravidão, cujos resquícios estão presentes na

sociedade brasileira, através do preconceito racial que lhes tiram as oportunidades de

ascensão social. Dessa forma, os negros ficam relegados dos espaços de poder já que a nossa

sociedade está estruturada sobre o sistema capitalista, o qual exige dos indivíduos, o

370

Documento figura nos anexos, enviada por Camila Evaristo. Em atendimento ao pedido da estudante, seu

nome não foi divulgado. A, tratamos aqui por; Y.

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conhecimento formal para a distribuição das oportunidades e do empoderamento371

no mundo

corporativo, competitivo, movido pelo sistema capitalista.372

Verificamos que o preconceito racial está impregnado nas culturas brasileiras e,

difundiu-se profundamente no tecido social, de modo que sua prática se “naturalizou”, pois

muitos o exibem sem que se deem conta dessa prática monstruosa e maléfica. Entretanto,

outros o fazem consciente, simplesmente, porque desejam exercer o pleno domínio contra os

povos negros e indígenas que são maioria pobre, vítimas do processo de exclusão promovido

pelas classes dominantes, em particular, na Universidade de São Paulo (USP). Neste contexto,

quando a Universidade de São Paulo (USP), se afirma no sistema da meritocracia, ultrapassa

todos os limites da legislação brasileira, Lei 10.630, 12.711 e, particularmente a decisão da

Suprema Cote Brasileira (STF), já que a mesma, em abril de 2012 reconhece por

unanimidade, as políticas afirmativas por cotas raciais e sociais, enquanto um direito dos

estudantes negros, em geral. 373

Neste contexto, consideramos que a Universidade de São

Paulo, além de escamotear a legislação brasileira, despreza uma decisão da Suprema Corte do

País em detrimento inclusão do povo negro brasileiro, em seus espaços.

FIM

Espero que, o Universo que nos propiciou esta realização jogue luz para que sua leitura

seja devidamente interpretada. Na certeza do dever cumprido esperamos que este seja o fim

de uma etapa e o início de outra...

Diante dos longos dias e noites aqui dedicados, sentirei saudades...

Agradecemos infinitamente as energias recebidas... Axé

A autora.

371

Empoderamento significa uma ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de

espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais. 372

Grifo da autora. 373

Ibid.

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340929 -

http://reporterbrasil.org.br

www.planalto.gov.br/

http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/sp-lanca-programa-de-cotas-sociais-e-raciais-

para-usp-unesp-e-unicamp.htm

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ANEXOS

Anexo 1

Jornal que noticiou o movimento negro em 1978, inclusive as fotos publicadas nos documentos com suas

respectivas fontes.

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Anexo 2

Documento enviado por Camila Evaristo em Dezembro de 2015.

Sobre o caso de uma estudante cotista da UDESC, a quem trataremos por Y a fim de

preservar a sua identidade.

Fui estudante cotista de Arquitetura e Urbanismo. (período) Foi uma experiência, cujos

desdobramentos me decepcionaram por completo, pois não imaginava o quanto existe de

intolerância e ignorância no meio acadêmico. Não imaginei também, que fosse me sentir tão

excluída, quando estava ali para socializar conhecimentos e experiências,mas foram formando

grupinhos e eu por mais que tentasse me aproximar, não havia lugar, me sentia excluída. As

pessoas disfarçavam, desconversavam, dissimulavam e eu sempre sozinha sem saber a quem

recorrer e tudo aquilo passou a me fazer mal.

Havia um professor que mostrava nitidamente a sua preferência por alunas loiras e de olhos

azuis, inclusive participava das festas e já havia 'ficado' com algumas meninas da sala. Ficava

com muita vergonha ao perguntar e pedir á ele para repetir a explicação, pois sua resposta era

sempre grosseira e eu me sentia muito pior.

Na sala de aula, o pior sentimento era o da rejeição, da humilhação. Às vezes eu mesma me

excluía do grupo porque observei que todos haviam feito cursinho, faziam intercambio e eu

tinha muita dificuldade em algumas disciplinas. Procurei ajuda na direção e fui encaminhada

ao meu coordenador de curso que era o mesmo professor que criava essa apartheid em sala de

aula, ai me vi sem saída.

Procurei um psicólogo, pois não me sentia aceita e sem qualquer sinal de pertencimento ao

grupo, ainda que eu só estivesse ali alimentando o meu sonho: Ser Arquiteta e Urbanista e

isso incomodava. Um exemplo que me serviu como desestímulo foi às palavras de outro

professor, que em sala de aula, fez a seguinte colocação: "Ahhhh eu não sei por que os negros

ficam lutando por esse tal de racismo, eu tenho um amigo que é doutor em Floripa, o Paulino

e pra mim a gente é tudo igual, racismo não existe são os próprios negros quem fazem." Eu

entendi a gravidade dessa frase e foram agressivas pra mim, as pessoas que diziam minhas

“amigas” e eram muito poucas, não entenderam a minha reação. Enfim, acabei-me afastando,

pois não queria e nem deveria ser conivente com quem acha que piada não é racismo. Em

uma turma de cinquenta alunos, somente quatro eram negros, a maioria (brancos) riam de

tudo, tudo era piada. Enfim me via sozinha, me sentia estranha e comecei a ter indícios de

tristeza e ficar muito deprimida. Muitas vezes eu preferia me trancar em casa e chorar a ir a

aula.

A UDESC-CERES é totalmente despreparada para receber alunos negros, é um ambiente

branco e elitizado. Alunos, professores, administradores e direção desta faculdade, são

agentes e cúmplices do crime de racismo institucional. Os professores deveriam contribuir

com a visão política e o engajamento social, bem como a valorização humana e o respeito ás

diferenças sociais e culturais, mas infelizmente não é o que acontece. Aquele modelo de

educação só faz perpetuar a lógica de pais pedreiros e mães diaristas (no meu caso). Era dessa

forma que me apresentava, todas as vezes que solicitada, pois jamais negaria minhas origens.

Penso que uma Universidade pública, ao incorporar um projeto de tamanha magnitude,

deveria sensibilizar todo o corpo docente e discente, inserindo o Movimento Negro no

campus, no sentido de dar visibilidade á cultura Negra. O que esperar de professores e

formandos (futuros profissionais) com essa conduta egoísta e excludente? O sonho da

Universidade ficou na minha lembrança, como espaço de opressão, quando eu buscava ser

exemplo de luta por libertação para tantos jovens provenientes das mesmas realidades sociais.

Concluí o terceiro, e ao ingressar no quarto semestre, apesar de toda perseverança que

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empreendi, pois nunca me acovardei, fui vencida por uma barreira que se tornou

intransponível para mim. Abandonei o curso.

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ANEXO 3

“Meu caro Rei e presidente Mundial”:

http://www.geledes.org.br/atlantico-negro/movimentos-lideres-

pensadores/afrobrasileiros/hamilton-cardoso/1003-hamilton-bernardes-cardoso

Carta Aberta (Parte 1) que Hamilton Cardoso escreveu e entregou ao líder sul-africano

Nelson Mandela em 1991. Um texto crítico, polêmico e poético a espera de um editor.

Quero manifestar e demonstrar-lhe a minha gratidão ao Cedec - Centro de Estudos e Cultura

Contemporânea do Brasil. Eles me ajudaram a escrever-lhe esta carta. São meus amigos e o

José Álvaro Moisés, de lá e, hoje na Inglaterra estudando, contribuiu decisivamente para que

eu pudesse retirar as primeiras gotas de lama do país - cadáveres de todos nós - dos ombros.

Ele me revelou - e eu demorei a concluir - que esta história de "jeitinho brasileiro" e da

"malandragem compulsiva inerente do negro" são cadáveres siameses em nós.

O Marcos Faermam, um jornalista judeu como a maioria dos personagens de Richard Wright

e da vida anti-racista negra norte-americana além de mostra-me, indicando livros para ler e

ma dar tempo para faze-lo - garantiu, e criou condições para eu pensar e refletir sobre eles.

E me convencer que eu sou uma ostra. Convenceu-me também de que o que eu gosto mesmo é

jornalismo literário, e que poderia fazer uma grande reportagem. Tentei. Este é o esforço das

ostras - e eles as nossas esperanças.

Tudo depois que o ex-deputado federal Adalberto Camargo me financiou os estudos na

faculdade e o Wanderlei José Maria leu para mim a frase do Marx que diz que "quem tem

fome não tem tempo para ver o por do sol". Ele, o Wanderlei, me ensinou a escrever o que

realmente penso. A Dra. Iracema de Almeida deu-me o primeiro empurrão e o "catiça" e a

Deodô, meus pais, carregavam-me, sobre os ombros deles.

Ela pagou matrícula da faculdade. Caí no mundo.

O meu irmão Airton (fale rápido!) B. Cardoso, ao meu lado era invisível. E continua. Ele está

morto e é um cadáver, belo e leve, como o do Eduardo de Oliveira e Oliveira, o sociólogo

que dizem, suicidou-se porque não agüentou, mestiço, a tortura de ser negro e refletir sobre

si mesmo e viver entre e, nos Dois Mundos. Ele me abriu as portas para escrever aquele

artigo que o Francisco Weffort, com o Paulo Sérgio Pinheiro, Passado sem Mácula!,

adoraram. Ele abriu as portas da minha auto-confiança.

De qualquer modo, se não fosse o Cedec, onde há mais de meia década eu e o Weffort - que

conversava muito comigo e me revelou, mostrando a inutilidade deles, que um dia eu teria

que derrubar cadáveres - ele escreveu sobre isto em relação ao socialismo, sem o Cedec eu

não teria como lhe entregar esta carta. Ela poderia ser mais um cadáver da minha vida. E

diante dela. E eu o desconheceria. Não saberia que estes defuntos existem.

Como você vê, eu estou por conta própria - mas nem tanto assim. O Orestes Quércia, ex-

governador, quando eu estava quase afogado - e com a ajuda do ex-secretário dele, o

Oswaldo Ribeiro, negro como nós- mostrou-me como sair do lodo. E a minha companheira, a

mulher, Maria Cristina Brito Barbosa, sempre olhava para mim cuidadosamente e , por

receio, talvez, - ela é branca - não deixava eu me liberar repentinamente dos entulhos. Ela

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temia, em mim, um choque anafilático e a loucura em minha mente. Eu seria um dos

cadáveres dela. E Ela sabia que eu precisava do equilíbrio que você, meu caro Rei,

demonstra. E também que eu não sou - talvez não tenha nascido para isto - um Estadista. E

antes do meu isolamento - nos buracos das periferias repórter do povo - eu vi a loucura

mental e a miséria (é uma loucura!) social dos descendentes dos seus compatriotas

escravizados. Como muitos eu colocava a mão na cabeça e chorava... Você estava preso na

África do Sul.

Mas como bom e fiel súdito, eu lhe peço: lembre-se sempre desta contribuição do Cedec.

Nele, eu tenho amigos de verdade. Não que eles não tenham compromissos com a

branquitude deles, mas é que a branquitude - e a minha companheira me ensinou - não é

como a negritude: uma condição. Eles, e muitos deles - a maioria dos que tenho - são meus

amigos.

Um ex-governador, por exemplo, se elegeu sendo chamado de brega. E ele, que agora "e um

dos homens mais poderosos deste país, gargalha com o porta voz, à respeito disto - a

acusação ou xingo. E ele é adorado e admirado, por uns, por muita gente, inclusive, que

discorda dele na política - com raiva e inveja, até. E foi rindo e gargalhando dos acusadores,

que ele construiu o prestigio o poder e a tranqüilidade. A Beatriz do Nascimento, a socióloga,

do filme Ori, é a melhor que conheci na área e invisibilizada, por bem menos é o que é. Ela

não matou ninguém - nunca foi chamada de japonesa, apesar de Ter os olhos puxados. E eu

penso, às vezes, que ela deglutiu ou teve a língua deglutida...

Aliás, falando dos meus amigos, principalmente os do Cedec, lembrei-me da historiadora

Maria Victória Benevides - que é de lá -, e eu a ouvi muitas vezes citar o Getúlio Vagas, que

dizia: "Aos amigos, tudo, aos inimigos, a Lei."

Eu não sei, e gostaria de ouvir ou ler a sua opinião à respeito, sobre o ditado do Getúlio

Vargas, pai dos pobres -, se ele é certo... O fato é que é assim que as coisas funcionam aqui

no Brasil, na democracia racial.

Se eu lembrasse, antes de lhe escrever, talvez eu pudesse, ao invés desta longa carta, enviar-

lhe um bilhete com aquela frase. Ela sintetiza o Brasil e os mitos da de democracia racial e

do país cordial. E, ao que parece, é no que o Frederico quer transformar a África do Sul. O

De Klerk. O nome dele é Frederico, não é? O nome é popular no Brasil...

Mas existe o Mandela lá, - a Pérola, e o ANC. São populares lá...(O que eu penso sobre LÁ é

positivo - e sua passagem, ela é "purificadora" pelo Planeta. E sobre o Conselho, acho que

você dirá o seguinte: "TEMOS QUE MUDAR A LEI".

É por isto que eu gosto de afirmar: TEREMOS A NOSSA CHANCE.

Aliás: acho que criarei um jornal com este nome. Este, esta carta, é o registro. O meu

registro de nomes, marcas e patentes. Direto com o Rei.

Bem..., agora eu vou pegar o meu ganzê e o ganzá e ao invés de Não sei por que sou tão

preto e azul, de Louis Amstrong, eu vou ouvir a festa para o rei negro. Com a minha mulher...

Afinal, o Mandela é tão preto, mais azul que eu. E eu sei o porquê disto...

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Os dois Mundos

Meu caro: estamos organizados, no Brasil. Temos os nossos movimentos sociais, integramos

os Partidos Políticos em comissões esportivas e o Estado em Conselhos e Coordenadorias

especiais municipais ou estaduais, ou Fundações e repartições específicas, para organizar a

nossa gente. Mas existe o Rap, são os rappers da Massa que em São Paulo se desenvolveram

à partir dos EUA, mas foram impulsionados pelos FATOS do Zimbabwe. São do outro

mundo!.

Ele é formado pelos sobreviventes do extermínio de crianças, colocado em andamento nos

últimos dez anos. O jornal da Tarde, de São Paulo, do dia 19 de julho de 1991 entrevista um,

e o pai de outro deles, Bezerra da Silva, o cantor dos bandidos, e revela isto: eles estão

revoltados.

O jornal afirma que eles são os "sem nada". Basta ser sensível: eles são uns macacos!

Meu caro:

Eu sou jornalista e repórter e você, advogado e ex-preso político, atual presidente do

Congresso Nacional Africano nasceu, viveu, foi criado e estudou; defendeu, ou tentou

defender as causas justas na África do Sul, colonizada por diferentes nacionalidades

européias que se impuseram ao mundo e transformaram o seu país, onde criaram o sistema

do apartheid, no lodo da civilização. O seus antepassados esperavam que você fosse um

homem, e eles fizeram de você uma ostra...

Existe um samba no país onde nasci - dizem e eu acredito que é meu - que diz o seguinte "o

ouro afundo afunda, madeira bóia por cima; a ostra nasce do lodo, mas gera pérola fina..."

O seu país deu ao mundo os mais belos e os maiores diamantes da humanidade e o meu, o

ouro - ou parte considerável dele - que foi necessário, durante o mercantilismo para que

surgisse o capitalismo - este tipo de economia tão contestado desde a Europa, condenado por

milhões de pessoas, mas que se impõe cada vez mais, de forma definitiva sobre todos. Muitos

o abominam, mas vários deles, quando podem, dele se apropriam. A escravidão, aqui no meu

país, que atingiu a maioria dos meus antepassados de mais de três gerações, que custou caro

até hoje, acabou oficialmente em 1988, dia 13 de maio, mas até hoje uma frase perturba-nos

a vida: "todo mundo tem seu preço..." (Conduzindo Miss Dayse- filme dirigido por Bruce

Beresford). Nós já não custamos nada. Deixamos de ser VENDIDOS

Mas eu não escrevi para fazer digressões. Todo negro, digo a maioria, tem esta tendência, de

querer falar de tudo de uma só vez. E se prejudica por causa dela. Mas eu, um prejudicado

como todos os negros do mundo até Collin Powel, que é o chefe do Estado Maior dos EUA -

atuais donos do mundo e que há algumas semanas decidiram tirar a África do Sul do

isolamento - também tenho esta tendência.

Escrevi para lhe falar do Brasil, - o meu país.

Você, que nasceu confinado no seu país, foi preso depois do massacre de Shaperville e, mais

confinado ainda numa prisão, ficou nela por 27 anos, desde os 45 - de vida confinada pelo

apartheid, submetida a uma maior -, foi à força no fundo do lodo onde, certamente se

encontrou com outras ostras. Dentre elas, por causa do seu reconhecimento como líder e

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dirigente delas e de outros é, certamente, a mais fina das Pérolas - Você poderia, e nós

sabemos que até por razões táticas, beneficiar-se como o fez e corretamente o guiano, sul

americano, como eu, E. R. Braithwaite, da mania dos racistas de todo o mundo que, na África

do Sul recebeu o título de Branco honorário.

Ele denunciou, a partir desta brecha, (ou honra, sei lá), a tragédia sul-africana, uma

tragédia da humanidade deles e não nossa. Mas você, um negro, negou-se. Ninguém é o que

não é. Você combateu a tragédia.

Recentemente um brasileiro, filho de imigrantes japoneses, Terumi Maeda, que foi para o

Japão trabalhar na Honda do Japão, foi contratado lá como imigrante, entrou em depressão,

visitou uma japonesa - que dizem, ele queria conquistar ou seduzi e foi recusado. Ele a

estrangulou. Agora corre o risco de ser condenado à morte.

Os jornais brasileiros disseram algo interessante: ele tinha cara de japonês, jeito de japonês,

mas não era. Era brasileiro. O ex-embaixador guiano que foi condecorado com o título de

"Branco Honorário" por sorte não acreditou na história. E denunciou o fato em um livro

publicado em 75 na Inglaterra, com este título: Branco honorário. Ajudou a matar um

pouquinho do apartheid.

Aqui no Brasil, onde o racismo não é e nunca foi legal, - é péssimo, por sinal - existe a

condecoração, concedida no plano individual e emocional - o Negro de Alma Branca - que

foi rejeitada, inclusive, pelos negros da África do Sul e é utilizada para muitos dos nossos,

até publicamente. Mas você, ao que me consta, e pelo que demonstra, rejeitou as duas...

Tudo isto, meu caro, o torna uma Pérola Fina.

← História recente dez anos do movimento negro...

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pensadores/afrobrasileiros/hamilton-cardoso/1003-hamilton-bernardes-cardoso

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ANEXO 4

Avaliação da “Proposta de Plano Institucional da Universidade de São Paulo para o

Recrutamento de Estudantes Capacitados e Participantes dos Grupos Sociais Previstos no

Regime de Metas do PIMESP”

Desde o início do presente ano, quando a reitoria encaminhou às diferentes unidades da

universidade a proposta de criação “Programa de Inclusão com Mérito do Estado de São

Paulo” (PIMESP), estabeleceu-se uma profícua, necessária e democrática discussão a respeito

dos objetivos, metas e estratégias que a USP, como principal universidade do país, deveria

abraçar de forma a responder, à altura, um dos grandes desafios do momento. Tratava-se de

estabelecer metas e construir caminhos para a concretização do tão almejado processo de

inclusão social do aluno da escola pública e de baixa renda e, entre eles, dos chamados PPIs

(pretos, pardos e indígenas, conforme denominação do IBGE), ao mesmo tempo, preservando

a excelência acadêmica conquistada ao longo de décadas de liderança em pesquisa, ensino e

inovação. Com toda certeza, este é um dos grandes desafios que a USP, junto com as demais

universidades paulistas, enfrenta hoje, uma vez que a questão da inclusão acadêmica, de

forma ampla, é pauta prioritária das políticas universitárias nacionais e vem sendo enfrentada

pelas universidades federais e orgãos de pesquisa e financiamento. Mais recentemente, o

próprio CNPq incluiu, entre seus quesitos voltados para a identificação do pesquisador,

questão sobre cor/raça, evidenciando como o tema tem se tornando tão incontornável, como

cada vez mais comprometido com uma agenda cidadã. O projeto PIMESP representa, pois,

uma iniciativa da maior relevância, mas significa igualmente – e tendo em vista a consulta

aberta à toda comunidade a que foi submetido --, um primeiro ensaio das universidades

paulistas no sentido de se inserir no amplo esforço que a sociedade brasileira faz hoje, na

direção da inclusão. Se fosse só para lembrar dessa faceta do projeto, a iniciativa já deveria

ser devidamente comemorada. O balanço da ampla discussão realizada em torno do PIMESP,

em nossa comunidade, indica uma grande aceitação do projeto como um todo, mas, também,

uma crítica contundente à ideia de implantação de um estágio de 2 anos de ensino à distância,

ou semi-presencial, dedicado ao aluno de escola pública e baixa renda, e PPIs: o college. A

proposta foi questionada, justamente, por manter este aluno alijado da vida universitária no

decorrer do curso, além de não permitir que a comunidade mais ampla da USP tenha contato

com modelos de vida, de cultura e de sociabilidade diferentes daqueles a que se vê habituado.

Tanto, que nesse segundo documento não consta mais a introdução do college. Por outro lado,

já no primeiro PIMESP não se definia claramente como a meta de inclusão seria lograda,

indefinição que se mantém também nesse novo documento. De toda maneira, respondendo às

críticas e sugestões apresentadas pelas diferentes unidades, a “Proposta de Plano Institucional

da Universidade de São Paulo para o Recrutamento de Estudantes Capacitados e Participantes

dos Grupos Sociais Previstos no Regime de Metas do PIMESP” propõe, agora, novos

encaminhamentos. De imediato, é fundamental valorizar o fato de que o projeto atual mantém

a meta de inclusão na USP de 50% de alunos de escolas públicas e baixa renda e, entre estes,

35% de PPIs, acompanhando assim o perfil demográfico da população em nosso Estado. Na

proposta mais recente, a realização da meta foi postergada para o ano de 2018, o que, em

nossa opinião, revela uma avaliação objetiva, por parte dos dirigentes de nossa universidade,

uma vez que se trata de avaliar as reais dificuldades para a realização dos objetivos. Uma vez

que o novo documento basicamente se resume a compilar as reações vindas das diferentes

unidades da universidade, diante do primeiro PIMESP, entendemos que esta nova versão

comporta-se antes como uma proposta de trabalho; um processo de discussão. Ela não possui,

em nosso entender, um planejamento mais orgânico e sistemático para a aquisição da meta

almejada, a despeito de introduzir algumas medidas intentando concretizar o objetivo maior;

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qual seja, a inclusão de alunos até hoje pouco atendidos pelas universidades paulistas. Nesse

sentido, o projeto atual lista alguns mecanismos para a implantação e ampliação da inclusão

social, sendo todas iniciativas independentes entre si, quais sejam: aprimoramento e

ampliação do sistema de bônus do INCLUSP e PASUSP; criação de um cursinho pré-

vestibular; difusão do Embaixadores da USP, e ampliação dos locais de realização da

FUVEST. Todas estas inovações e aprimoramentos de medidas já existentes, são, em si

mesmas, positivas e meritórias. Cabe, no entanto, refletir se elas serão suficientes para a

aquisição da meta estabelecida nesse mesmo documento. Dentre o conjunto das iniciativas, a

única que parece possuir maior impacto, já que poderá ser monitorada e avaliada

sistematicamente, é o sistema de bônus já vigente, o qual será ampliado. O sistema

INCLUSP/PASUSP tem certamente muitas virtudes, e organizou-se pioneiramente como

mecanismo positivo de inclusão. No entanto, este mesmo sistema já mostrou que suas

possibilidades permanecem aquém das metas estabelecidas. Embora funcione desde 2006, o

sistema de bônus conseguiu a inclusão de apenas 24 a 28% de alunos de escola pública nas

salas de aula da nossa universidade. Somados, os PPIs passaram de cerca de 7,5%, em 2000, a

14%, em 2012. Como se vê, trata-se de um índice muito aquém do perfil da participação

demográfica deste segmento em nosso Estado, fato que se agrava quando consideramos que a

razão matriculados/inscritos para o grupo pretos+pardos é muito maior para o segmento

oriundo de escolas particulares (7,8%), em comparação com o mesmo setor oriundo de

escolas públicas (5,7%). Além disso, é notório que a inclusão via bônus não atinge todas as

faculdades de maneira similar. Os índices têm mostrado que nas escolas de maior competição,

a inserção do aluno de escola pública e baixa renda e PPIs tem sido bem menor, o que sugere

que as distorções sociais e raciais vigentes entre discentes de diferentes escolas vêm se

mantendo. Nosso projeto de inclusão universitária necessariamente terá que enfrentar este

espinhoso problema e propor estratégias específicas voltadas para diminuição e futura

eliminação das diferenças sociais e raciais vigentes entre as diferentes escolas e institutos da

USP. Além do mais, para funcionar como alicerce de um bem sucedido programa de inclusão,

o sistema de bônus precisaria receber avaliações sistemáticas, que analisassem suas

possibilidades objetivas de realização da meta. Esse era, por sinal, o objetivo do primeiro

programa do Inclusp, o qual previa que a medida seria avaliada e reorientada no decorrer de

sua implementação. Só dessa forma será possível não só avaliar e adequar o mecanismo de

bônus, como elaborar novas políticas nesse sentido. Por outro lado, se a meta estabelecida

pelo PIMESP é 35% de PPIS, tal mecanismo de avaliação/ adequação mostra-se ainda mais

urgente. Não obstante, na atual proposta, o bônus específico para o quesito raça/cor se resume

a apenas 5%. Já no PPVUSP (cursinho vestibular), proposto no mesmo projeto, aparece a

meta de incluir os 35% de PPIS, demonstrando, assim, certa contradição de procedimentos,

que deveria ser melhor explicitada. Por fim, ao mesmo tempo em que o novo projeto

reconhece a necessidade de inclusão étnico-racial, ele não enfrenta a questão, em suas

propostas mais efetivas. Uma universidade de porte da USP, que detém tal responsabilidade

social, quando chamada a responder aos desafios da inclusão universitária, necessita reagir à

altura, gerando um projeto de alto nível e que atenda necessidades acadêmicas e sociais.