pontifÍcia universidade catÓlica do rio grande do sul instituto de filosofia e ciÊncias humanas...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA UM ITALIANO IRREQUIETO EM CONTEXTO REVOLUCIONÁRIO (UM ESTUDO SOBRE A ATUAÇÃO DE CELESTE GOBBATO NO RIO GRANDE DO SUL - 1912-1924) Dissertação elaborada e apresentada como requisito parcial e final para a obtenção do grau de Mestre em História na área de concentração História do Brasil. KATANI MARIA NASCIMENTO MONTEIRO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

UM ITALIANO IRREQUIETO EM CONTEXTO REVOLUCIONÁRIO

(UM ESTUDO SOBRE A ATUAÇÃO DE CELESTE GOBBATO

NO RIO GRANDE DO SUL - 1912-1924)

Dissertação elaborada e apresentada como requisito parcial e final para a obtenção do grau de Mestre em História na área de concentração História do Brasil.

KATANI MARIA NASCIMENTO MONTEIRO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

UM ITALIANO IRREQUIETO EM CONTEXTO REVOLUCIONÁRIO

(UM ESTUDO SOBRE A ATUAÇÃO DE CELESTE GOBBATO

NO RIO GRANDE DO SUL - 1912-1924)

Dissertação elaborada e apresentada como requisito parcial e final para a obtenção do grau de Mestre em História na área de concentração História do Brasil.

KATANI MARIA NASCIMENTO MONTEIRO

Orientadora: Profa. Dra. Margaret Marchiori Bakos

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Nesses dois anos de instigante processo de ensino-aprendizagem

gostaria de agradecer:

Especialmente a profa. Dra. Margaret Marchiori Bakos pela dedicação

como orientadora desta pesquisa, pelos seminários reveladores de novos

olhares sobre a história e pelo carinho e atenção que me dispensou.

Aos professores Arno A. Kern, René E. Gertz, Núncia Constantino e

Ruth Gauer, profissionais inesquecíveis.

Às secretárias do PPGH, Carla e Adriana, sempre atenciosas e

prontas para ajudar.

À CAPES, pela bolsa de estudo, fundamental para a realização da

pesquisa.

À Lydia Gobbato, pela preciosa documentação que colocou a minha

disposição e pelo tempo que dedicou a dividir lembranças de seu pai.

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Ao Marvô Renê pela compreensão e apoio constante.

Ao Erich e Geraldine, que, salvo a energia própria da infância

souberam respeitar as horas de estudo.

Aos meus sogros Dionísio e Adélia pelo carinho e compreensão nas

horas difíceis.

À Márcia e Albert, especialmente pelo apoio técnico.

À minha irmã Kátia, pelo carinho, estímulo e troca de idéias.

Aos queridos colegas Carlos Dias, Roger da Costa, Daniela Pistorello,

Angélica Rios, Rafael Baioto, Paulo César Borges e José Miguel Quedi

Martins pelo prazeroso convívio acadêmico e extra-classe.

Aos amigos Segundo, Andréa, Letícia e Rosana pelo carinho e

incentivo.

Às primas Samea e Ivana pelos momentos de descontração.

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RESUMO ....................................................................................................vii

ABSTRACT ...............................................................................................viii

LISTA DE FIGURAS....................................................................................ix

LISTA DE QUADROS ..................................................................................x

INTRODUÇÃO..............................................................................................1

CAPÍTULO 1 - ITINERÁRIO DE UM IMIGRANTE .....................................15

1.1 A VINDA PARA O BRASIL ............................................................... 16

1.2 EM ENSINO AMBULANTE PELO RIO GRANDE DO SUL............... 41

CAPÍTULO II - UM ENÓLOGO E SEU MÉTIER ........................................66

2.1 PRODUÇÃO CULTURAL E ERUDIÇÃO .......................................... 68

2.2 DA TEORIA À PRÁTICA DA VITIVINICULTURA ............................. 82

CAPÍTULO III - UM IMIGRANTE SEM LENÇO ENCARNADO................108

3.1 EM CONTEXTO DE MALQUERENÇAS......................................... 110

3.2 MISSÃO PENOSA EM CAXIAS DO SUL ....................................... 153

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................168

FONTES ...................................................................................................172

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................175

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No Rio Grande do Sul do início do século XX verifica-se a presença

de especialistas estrangeiros que vem para trabalhar no aprimoramento de

técnicas agrícolas e do ensino profissionalizante. Esta pesquisa tem como

ponto norteador um nome. Celeste Gobbato deixou a Itália em 1912 para

ensinar viticultura e enologia na Escola de Engenharia de Porto Alegre.

Destaca-se na sua trajetória de vida as atividades que desempenhou no

Estado como professor itinerante de agricultura, como produtor intelectual

da fauna e da flora, e as circunstâncias que o levaram a deixar a carreira

técnica para ocupar um cargo executivo na política rio-grandense.

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In the Rio Grande do Sul of the 20th century there is the presence of a

foreign specialist that came to work in the development of agriculture

techniques and professional teaching. This research focuses on one name.

Celeste Gobbato left Italy in 1912 to teach viticulture and enology in the

Engineering School of Porto Alegre. In his life, stood out the activities that

carried out in the State as an itinerant agriculture teacher, as an intellectual

fauna and flora producer, and the circumstances that made him leave the

technical career and occupy an executive position in the Rio Grande do Sul

politics.

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Figura 1 – Trajeto da viagem de Celeste Gobbato da Itália para o Brasil ... 32

Figura 2 – Quadro dos Contratados ............................................................ 47

Figura 3 – Visita de Gobbato a uma cantina colonial. Pessegueiros.

Passo Fundo. 1922 ................................................................... 54

Figura 4 – Convite de Palestra .................................................................... 56

Figura 5 – Encontro de Celeste Gobbato com Berta no navio (1919) ......... 61

Figura 6 – Foto da família de Gobbato (Tito Alberto, Lydia, Mário, Piero,

Celeste e Berta. Porto Alegre. 1942) ........................................ 63

Figura 7 – Textos traduzidos ....................................................................... 70

Figura 8 – Velho vinhedo de viníferas enxertadas sobre Isabel. Estação

Experimental de Viticultura e Enologia de Caxias do Sul.

Dezembro de 1929.................................................................... 83

Figura 9 – Capa do Manual Prático de Viticultura – 1914 ........................... 86

Figura 10 – Cantina colonial “um pouco melhorada” (1920)...................... 104

Figura 11 – Celeste Gobbato – Caxias do Sul - 1925 ............................... 165

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Quadro 1 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste

Gobbato de 1914 a 1923, na revista Egatéa. ...................... 71

Quadro 2 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste

Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do

jornal Correio do Povo. ......................................................... 81

Quadro 3 – Resultado das eleições municipais de 1924 – Caxias do Sul. 164

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Em 1990, data em que faria 100 anos, Celeste Gobbato foi lembrado

em reportagem pelo jornal Zero Hora com a matéria intitulada Revoluções

de um italiano irrequieto. Em que aspectos de sua trajetória Celeste

Gobbato pode ter provocado esse apelativo? Como ele se expressou e agiu

para receber essa qualificação? O texto jornalístico se refere ao enólogo que

introduziu novas espécies de uvas no Brasil e que se metia a discutir

assuntos desta terra e de outras também. A irrequietude de Celeste

Gobbato se manifesta ainda de outras formas. Começando pelo momento

em que muda de país.

O enólogo-viticultor Celeste Gobbato tinha 22 anos em 1912 quando

deixou a Itália rumo ao Brasil. Filho de Pedro Gobbato e Anna Agnoletti

Gobbato, proprietários de terras em Volpago del Montelo, ele trouxe

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consigo, além do conhecimento adquirido na universidade, a experiência

familiar com as questões da terra. Celeste Gobbato, um intelectual, veio

para o Brasil para ser professor na Escola de Engenharia de Porto Alegre.

Formado em Enologia e Viticultura pela Scuola di Conegliano,

doutorou-se em Ciências Agrárias na Universidade de Pisa. No Brasil, ele

ficou conhecido por sua dedicação à vitivinicultura. Recebeu, por isso, o

título de “Príncipe da Enologia Rio-grandense”. Algumas autoridades no

assunto o classificam como precursor da moderna viticultura brasileira.

A vinda de especialistas estrangeiros para o Rio Grande do Sul está

associada à preocupação do governo gaúcho em racionalizar a atividade

policultora que se expandia pelo Brasil já nas peimeiras décadas do século

XX. No Rio Grande do Sul essa atividade foi levada a efeito especialmente

pelo colono europeu. O status de “celeiro do Brasil” forçava o estado gaúcho

a uma remodelação de suas práticas produtivas. Aprimorar cultivos com a

introdução de tecnologias modernas e qualificar a mão-de-obra rural com o

ensino técnico adequado eram desafios da época.

No Rio Grande do Sul, sob o binômio Ciência e Indústria, a Escola de

Engenharia de Porto Alegre, fundada em 1896 por cinco jovens engenheiros

militares, foi em grande parte responsável por essa nova conduta.

Nesse tempo eram escassos os professores especialistas e por isso a

procura por profissionais estrangeiros. Celeste Gobbato fora contratado pela

Escola de Engenharia para servir ao Instituto de Agronomia e Veterinária,

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criado em 1910. Anexos ao Instituto estavam a recém criada Estação

Experimental de Viamão, que ele chefiou de 1917 a 1924, e o curso de

Capatazes Rurais, onde lecionou diversas disciplinas.

São diversas as atividades exercidas pelos imigrantes italianos que

aqui chegaram a partir da segunda metade do século XIX e início do século

XX. Embora a maioria deles se deslocasse para as zonas rurais onde

atuavam como pequenos agricultores, exerceram uma diversidade de

profissões nos núcleos urbanos. Em Porto Alegre, por exemplo, já a partir

de 1885, verifica-se a presença de imigrantes italianos trabalhando como

professores, músicos, médicos, sapateiros, operários, comerciantes,

hoteleiros, carpinteiros, pedreiros, etc.1

Além do magistério, a atuação de Celeste Gobbato no Rio Grande do

Sul inclui a produção de inúmeros artigos e livros técnicos. Ele escreveu

pelo menos três obras fundamentais sobre a vitivinicultura brasileira: O

Manual Prático de Viticultura (1914), A Cultura da Vinha (1924) e o ABC do

Viticultor Brasileiro (1945). O Manual Prático foi sem dúvida o estudo mais

importante de Gobbato, sendo reeditado em 1922, 1930 e 1942. Constitui-

se numa fonte básica para quem se ocupa dessa temática e, segundo Paz e

1 BORGES, S.M.A. Italianos em Porto Alegre e o movimento operário (1875-1919). Porto

Alegre, PUCRS, 1990. Dissertação de Mestrado, 1990. p. 57.

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Baldisseroto,2 o Manual tornou-se a bíblia dos produtores de uva e vinho

não só do Rio Grande do Sul como de todo o Brasil.

É importante informar que Gobbato chegou ao Rio Grande do Sul

quando praticamente tudo estava por ser feito em nível de melhoramentos

na agricultura. Ele verificou in loco as práticas que então eram adotadas por

agricultores e criadores, ensinando, apontando sugestões, traçando

diagnósticos. Foi um profissional requisitado e, mesmo estando em casa,

recebia estudantes e agricultores que lhe pediam conselhos. Sempre muito

ocupado, o professor ainda encontrava tempo para escrever. Dedicou muito

tempo de sua vida a escrever, chegando ao ponto de manter uma cama em

seu escritório. Varava a noite lendo e escrevendo.3

Gobbato foi colaborador e acompanhou o surgimento, em 1914, da

revista publicada pela Escola de Engenharia, a Egatéa. Reconhecida em

nível nacional, seus exemplares eram enviados para prefeituras, escolas

técnicas e órgãos de imprensa do interior Rio Grande do Sul e de outros

estados do país. Freqüentemente os jornais anunciavam a chegada da

renomada revista. Em 1921, o italiano irrequieto assumiu a direção da

Egatéa introduzindo uma remodelação no perfil da revista através de novas

seções, sendo que uma delas passou a ser traduzida para o alemão e o

italiano, ampliando sua divulgação na zona colonial. Não menos importante

2 PAZ, I.N.; BALDISSEROTTO, I. Estação do Vinho: História da Estação Experimental de

Viticultura e Enologia – EEVE, 1921-1990. Caxias do Sul: EDUCS, 1997. p. 40. 3 Depoimento de Lydia Gobbato. Março de 2000.

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foi a colaboração de Gobbato por mais de 35 anos na seção agrícola do

Correio do Povo.

Outro aspecto da vida de Gobbato foram as constantes viagens que

fez à serviço da Escola de Engenharia. Ele conheceu praticamente todo o

interior do estado como professor do Ensino Ambulante, função que

assumiu em 1921 e que lhe conferiu “popularidade” entre pequenos e

grandes produtores, fazendeiros e industrialistas. As visitas do professor

ambulante eram sempre divulgadas com entusiasmo pelos jornais locais.

Gobbato, indo além das fronteiras sulinas, visitou vinhedos, granjas e

fazendas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em

São Paulo, a revista Chácaras e Quintais publicava seus artigos.

Gobbato permaneceu na Escola de Engenharia por 12 anos

exercendo várias funções até ser eleito intendente de Caxias do Sul em

1924. Com grande prestígio entre a comunidade rural italiana, por ser

conhecedor das questões agrícolas, por ser católico, por ser italiano, por

toda a produção cultural que construiu, Gobbato foi apontado pelo Partido

Republicano Rio-Grandense (PRR) para as eleições intendenciais daquele

ano. Em um contexto de revoltas e conflitos políticos Gobbato foi o homem

capaz de apaziguar os ânimos em Caxias. Para Gobbato, no entanto, deixar

a carreira técnica que tanto amava para ocupar um cargo executivo,

significava, segundo suas palavras, um sacrifício.

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De 1929 a 1938, Celeste Gobbato dirigiu a Estação Experimental de

Caxias do Sul. Atuou como engenheiro-agrônomo do Ministério da

Agricultura, no Serviço de Produção Vegetal, em Porto Alegre de 1937 a

1944. Em 1934, o rei da Itália, Vitorio Emanuelle III, lhe conferiu o título de

Cavagliere e mais tarde, em 1954, o governo da república Italiana lhe

homenageou com a Estrela da Solidariedade Italiana. Em julho de 1938

havia prestado concurso à cátedra de Viti-Vinicultura da Escola de

Agronomia e Veterinária, da então Universidade de Porto Alegre, função que

desempenhou entre 1944 e 1947. Foi o terceiro deputado mais votado do

estado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1947. Administrou o

Instituto do Vinho de 1950 até 1954. Celeste Gobbato faleceu em 6 de

novembro de 1958, em Porto Alegre.

Alguns trabalhos acadêmicos valorizam os estudos de Gobbato sobre

a vitivinicultura brasileira. Em RS: Agropecuária Colonial e Industrialização,4

Sandra Pesavento dedica um capítulo para o estudo da indústria vinícola e

seu desenvolvimento histórico no Rio Grande do Sul, enfatizando na relação

entre agropecuária colonial e industrialização a submissão do pequeno

produtor ao capital comercial e industrial. Neste estudo, Pesavento utiliza o

artigo O cultivo da videira e a industrialização da uva no Rio Grande do Sul

que Gobbato escreveu em 1950 para trazer dados sobre o aumento da

produção de vinho em 1900; sobre as condições de transporte do produto

com a inauguração, em 1910, da estrada de ferro que ligou Caxias a

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Montenegro e da criação em 1921, da seção de enologia e viticultura

criadas em Caxias do Sul para a análise dos vinhos por especialistas.

Em Cantineiros e colonos: A indústria do vinho no Rio Grande do

Sul,5 José Vicente Tavares dos Santos analisa a relação entre os colonos

(pequenos proprietários viticultores) e os cantineiros (proprietários da

indústria do vinho) na região de colonização italiana do Rio Grande do Sul

como forma de reconstruir os diversos momentos da relação entre o capital

e o campesinato na região. Santos utiliza o Manual do vitivinicultor brasileiro

(1942), onde Gobbato mostra os mecanismos de superioridade econômica e

social segundo o qual os comerciantes passam a exercer sobre os colonos

na transação comercial do vinho.

Um dos trabalhos que mais valorizam os estudos de Gobbato é

Parceiros do Vinho: a vitivinicultura em Caxias do Sul (1911-1936)6 de

Anelise Cavagnolli. Nesta pesquisa a autora busca analisar o papel do

comércio e do comerciante no desenvolvimento do processo industrial

vinícola em Caxias. A autora utiliza várias obras do enólogo para mostrar

como o cultivo da vide e a fabricação do vinho se deslocou da área de

colonização alemã para a italiana a partir da década de 70 do século XIX;

como se deu o surto vitivinícola na região colonial com o cultivo da vide

4 PESAVENTO, S.J. RS - Agropecuária Colonial e industrialização. Porto Alegre:

Mercado Aberto, 1983. 5 SANTOS, J.V.T. Cantineiros e colonos – a indústria do vinho no Rio Grande do Sul. In:

LANDO, A.M. et al. DACANAL, J.H.; GONZAGA, S. (Orgs.) RS - Imigração e Colonização. 2.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto. 1996.

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Isabel, assunto que Gobbato tratou com exaustão; sobre as más condições

de higiene das cantinas domésticas; a questão da comercialização e do

transporte da produção; a posição de Gobbato diante do cooperativismo

vinícola; os trabalhos que eram realizados na Estação Experimental de

Caxias e questões relativas às doenças que atacam as vides.

Outro estudo importante dentro desta temática é A Estação do Vinho:

história da Estação Experimental de Viticultura e Enologia – EEVE – 1921-

19907, de autoria de Ivoni Nör Paz e Isabel Baldisserotto. As autoras

resgatam a trajetória de quase oitenta anos da EEVE. Um dos principais

objetivos da EEVE era o de tentar convencer os agricultores das vantagens

de substituir o cultivo da Isabel, introduzindo castas finas de videiras, para a

obtenção de melhores vinhos, o assunto de predileção de Gobbato. De

forma breve e original, as autoras analisam o "toque” pessoal de cada

administrador.

Celeste Gobbato, como já foi dito, dirigiu a Estação Experimental de

1929 a 1938, e conforme essas autoras, ao contrário de seu antecessor, o

francês Louis Esquier, ele foi meticuloso quanto ao registro das atividades

desenvolvidas na EEVE. Durante sua gestão foi criado, em 1929, o Registro

de Agricultores, Criadores e Profissionais de Indústrias Conexas, que

promovia a distribuição gratuita aos inscritos de mudas de videiras de

6 CAVAGNOLLI, A. Os Parceiros do Vinho: a vitivinicultura em Caxias do Sul (1911-

1936). Curitiba. Universidade Federal do Paraná. Dissertação de Mestrado, 1989. 7 PAZ, I.N.; BALDISSEROTTO, I. Op. cit.

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qualidade. Segundo as autoras, Gobbato contava com o apoio dos párocos

para divulgar esse e outros serviços. Outro setor criado na gestão de

Gobbato foi o Serviço de Assistência aos Produtores, vinculado à Secretaria

da Agricultura do Estado (na gestão de Gobbato houve a desvinculação

administrativa da EEVE do governo federal, passando à responsabilidade do

governo do Estado), pelo qual os agricultores eram orientados a se

congregar em núcleos cooperativados, recebiam mudas de castas

européias, assistiam a palestras e recebiam demonstrações práticas em

visitas domiciliares. As autoras concluíram que sob a direção de Gobbato

houve a consolidação da EEVE.

Com abordagem direcionada ao estudo da participação política de

Celeste Gobbato no Rio Grande do Sul, destaca-se o trabalho “Fides

Nostra, Victorian Nostra”: os italianos católicos e o processo de aquisição do

poder político na Intendência de Caxias (1890-1924)8, de Eliana Rela Alves.

A autora busca demonstrar o processo de aquisição do poder administrativo

local (de Caxias) pelo grupo de imigrantes italianos católicos, que, associado

ao clero, enfrentam maçons e lusos na luta pelos seus fins. Para Eliana

Alves, a eleição de Celeste Gobbato em 1924, representará a primeira

experiência do grupo de italianos católicos na administração de Caxias. O

trabalho de Alves, no entanto, não valoriza outros aspectos da trajetória de

8 ALVES, E.R. “Fides Nostra, Victorian Nostra”. Os italianos católicos e o processo de

aquisição do poder político na Intendência de Caxias (1890-1924). Porto Alegre, PUCRS, 1995. Dissertação de Mestrado.

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Gobbato como determinantes para sua ascensão política, como a carreira

técnica e a produção intelectual. Para a autora, o fato de Gobbato ser

italiano e católico justificam sua presença no cenário político naquele

momento.

O estudo de Loraine Slomp Giron, As Sombras do Littorio – O

Fascismo no Rio Grande do Sul,9 analisa a ação do movimento fascista na

região de colonização italiana do Rio Grande do Sul entre os anos de 1928

a 1938. A autora parte do princípio de que o movimento organizado por

agentes fascistas dirigiu-se à elite regional. O governo italiano teria enviado

para a região colonial italiana, a partir de 1923, “imigrantes tutelados”

encarregados de organizar o movimento fascista regional. Para esta autora,

os “imigrante tutelados”, ou agentes fascistas, tinham profissões sempre

associadas a uma atividade indispensável à região, como, médicos,

engenheiros, agrônomos e arquitetos. Segundo Giron, Celeste Gobbato foi

um dos mais proeminentes membros do “fascio” local.10 Ao deixar a

intendência em 1928, Gobbato foi nomeado agente consular assumindo o

cargo de Presidente da Sociedade Italiana Príncipe de Nápoles. Em 1937,

lembra Giron, a solenidade do aniversário da “Marcha sobre Roma”, serviu

para que o Cav. Dr. Celeste Gobbato reproduzisse o discurso pronunciado

por Mussolini em Roma, no dia 28 de outubro.11

9 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio. O fascismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:

Parlenda, 1994. 10 Ibidem, p. 86. 11 Ibidem, p. 107.

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Delimita-se o período desta dissertação entre os anos de 1912, data

em que Gobbato chega ao Brasil, até 1924, quando ele é eleito intendente

de Caxias do Sul. Esta pesquisa busca analisar as formas de atuação e

penetração desse estrangeiro em diferentes áreas da agricultura e da

produção científica do Rio Grande do Sul, e apresentar através desse

caminho, facetas da presença e da participação dos imigrantes italianos na

história deste Estado.

Uma das alternativas dentro da perspectiva micro-histórica surge, por

exemplo, com a investigação micronominal. As linhas que convergem para o

“nome” e que dele partem, como sugere Carlo Ginszburg, permite a

composição de uma espécie de teia de malha fina, que dão ao observador a

imagem gráfica do tecido social em que o indivíduo está inserido.12 O

“nome”, segundo esse autor, revela-se uma bússola preciosa para o acesso

a toda uma rede de relações sociais.

A história é sempre história de uma sociedade, mas sem a menor

dúvida, como diz Norberto Elias, de uma sociedade de indivíduos.13 Para

Ginzburg, o nome é o que distingue um indivíduo do outro em todas as

sociedades conhecidas, e nesse sentido, pouco a pouco emerge uma

biografia.14

12 GINZBURG, C. A Micro-História e outros ensaios. Rio de Janeiro: Difel, 1989. p.175. 13 ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. p. 45. 14 GINZBURG. Op. cit., p. 174-6.

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Ver o personagem elegido inserido numa realidade dinâmica significa,

conforme Carlos Aguirre Rojas, compreender que o indivíduo é ele mesmo e

todas suas curvas de vida, porém, ele é ao mesmo tempo

miembro de una familia, y simultáneamente es también miembro de una clase, y pertenece a una cierta cultura, y está inserto tal vez en ciertas asociaciones políticas y tiene ciertos vínculos de amistad y se despliega al miesmo tiempo en ciertos ámbitos como la escuela, la fábrica, el trabajo, constituyéndose de este modo en el centro posible de una tupida red o malha de interconexiones sumamente diversificada y densa.15

Esta dissertação constitui-se de três capítulos. O primeiro capítulo

tem como ponto de partida a discussão sobre a qualificação de “irrequieto”

dada pelo articulista de Zero Hora para caracterizar Celeste Gobbato, 36

anos após sua morte. No segundo capítulo, o fio condutor é analisar,

coletar, sistematizar e avaliar a produção intelectual de Gobbato. A

finalidade deste capítulo é pontuar as relações entre a obra de Gobbato e o

contexto onde atua, e valorizar o que o torna conhecido. O terceiro capítulo

pretende problematizar o contexto que coloca Gobbato na contingência de

assumir um cargo político, passagem que significa a transformação do

produtor cultural em administrador do mais alto cargo público do município

de Caxias.

15 ROJAS, C.A.A. La biografia como género historiográfico: algunas reflexiones sobre sus

posibilidades actuales. In: SCHMIDT, B. (Org.). O Biográfico. Santa Cruz: EDUNISC, 2000. p. 36.

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Certamente o lugar que o personagem eleito ocupa na sociedade

determina o tipo de documentação disponível. Quando se trata de um

indivíduo quase desconhecido, como aponta Regina Xavier,

não é possível obter-se uma documentação muito coesa sobre sua vida e, diferentemente de outros personagens mais ilustres normalmente biografados, não se pode contar com diários íntimos ou correspondências privadas, o que torna quase impossível desvendar seus pensamentos, seus desejos, sua intimidade.16

No caso de Celeste Gobbato, um homem que teve notoriedade, a

documentação que envolve o seu nome é extremamente vasta. As fontes

utilizadas nesta pesquisa compreendem a documentação do Arquivo da

Escola de Engenharia de Porto Alegre, ou seja, relatórios, publicações

comemorativas, e artigos da Egatéa. Do arquivo particular de Gobbato,

colocado à disposição pela filha Lydia Gobbato, foram utilizados os artigos

que ele escreveu para o Correio do Povo, e para a Egatéa, recortes de

vários jornais, relatos, livros e artigos escritos por ele. Uma carta que

Gobbato enviou para um amigo italiano em 1953 e o relato de sua viagem

da Itália para o Brasil, bem como os depoimentos de sua filha Lydia são as

fontes inéditas que possibilitam observações originais sobre questões mais

pessoais de sua vida. A documentação referente à situação política de

Caxias do Sul entre os anos de 1922 e 1924 inclui os jornais O Brasil, A

16 XAVIER, R.C.L. O desafio do trabalho biográfico. In: GUAZELLI, C.A.; PETERSEN, S.;

SCHMIDT, B.; XAVIER, R.C.L. (Orgs.). Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. p. 166.

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Resistência e O Democrata, pesquisados no Arquivo Histórico Municipal de

Caxias do Sul João Spadari Adami.

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Revoluções de um italiano irrequieto é o título da matéria que o jornal

Zero Hora publicou no dia 6 de novembro de 1990, na data em que Celeste

Gobbato faria 100 anos. Diz o texto que:

além de enólogo dos mais afamados e de ter introduzido no Brasil espécies de uvas que nem se sonhava na época e técnicas que sequer passavam pela cabeça dos brasileiros, ele tinha um nariz irrequieto que se metia em quase tudo quanto é assunto desta terra e de outras também.17

A palavra que o articulista escolheu para caracterizar a postura de

Gobbato vem do latim irrequietu. No seu dicionário, Aurélio atribui a ela

diversos sentidos: aquele que nunca está sossegado; que não pára nunca;

buliçoso, turbulento.

17 Jornal Zero Hora. 6-11-1990.

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Como aponta a matéria, um dos aspectos que mais caracterizaram

Celeste Gobbato e marcaram a trajetória no Rio Grande do Sul foi o uso que

ele fez do seu conhecimento sobre a agricultura em geral, mas

especialmente no ramo da cultura de vides e da elaboração de vinhos,

assunto sobre o qual direcionou a maior parte de seus estudos, e motivo

que o trouxe para o Brasil.

Sabe-se que houve, no Brasil, uma considerável variedade de

personalidades entre os imigrantes de diversas nacionalidades que para cá

vieram, incluindo desde pessoas humildes e ordeiras até as prepotentes e

reivindicadoras, passando, naturalmente, pelas inúmeras criaturas que

apenas formaram a multidão, sem demonstrar qualidades excepcionais.

Eles se somaram e formaram uma sociedade com valores, práticas e

hábitos muito diferenciados, que marcaram a nossa história, delimitaram

regiões e se estabeleceram definitivamente no Rio Grande do Sul,

institucionalizando seus hábitos.

A questão que norteia este capítulo é a busca do entendimento desta

qualificação do artigo de Zero Hora para Celeste Gobbato. Em que sentido a

palavra foi empregada? Ele era um irrequieto imigrante italiano em relação à

que?

1.1 A VINDA PARA O BRASIL

Para valorizar o sentido possível desse “irrequieto” na qualificação de

Gobbato é importante conhecer o seu contexto de vida, valorizar os

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significados das políticas econômicas que motivaram os movimentos

migratórios ao longo do século XIX e início do XX e abordar a vinda, neste

processo, dos italianos para o Brasil. E, finalmente, centrar a atenção no

personagem eleito; esse homem apaixonado por seu ofício que consegue a

façanha de ser lembrado na data em que comemoraria 100 anos, após 36

anos de seu falecimento.

Em 1870, teve fim as lutas pela unificação da Itália depois de um

longo período de guerras. O sistema feudal de produção foi gradativamente

substituído pelo capitalista. O esforço para a implantação de um estado

moderno não se fez sem uma soma de contradições de ordem

socioeconômica. Battistel dá detalhes da situação difícil em que se

encontrava a população, pois o governo italiano tratou de:

abolir fronteiras, suprimir tradições, cobrar violentos impostos. O sistema industrial-artesanal foi supresso pela produção industrial dificultando ainda mais a vida rural. A entrada de cereais, vindos da América, a preços mais baixos do que os produzidos na Itália e o imposto alfandegário à importação de vinhos italianos por parte da França, aumentou e agravou a crise. Para o Governo Italiano, era premente captar recursos para recuperar o atraso histórico em que o país se encontrava no setor de obras públicas, principalmente no de ferrovias. Em 1866, foram tomadas medidas drásticas para salvar as finanças. Entre elas, a introdução do “ corzo forzo” - a suspensão da conversão do papel moeda em moeda metálica afastando os créditos internacionais. Foi criado o imposto da farinha e uma série de outras medidas, chamando o país todo ao sacrifício, economia “fino All‘osso”, mas, na realidade, os que tiveram que agüentar tudo, foram os pobres. Esses pagavam impostos pesados, endividavam-se e perdiam suas terras para o governo ou para os proprietários maiores, os “ senhores”. A grande maioria dos agricultores, na Itália, não eram proprietários de terras, ou possuíam pouca terra, precisando arrendar outras para sobreviver. O arrendamento se fazia à meia sobre a produção e arcando o arrendatário com toda a despesa. A comida era escassa;

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parcos os recursos. Viviam num regime de quase servidão e sem perspectivas de esperança para o futuro.18

Nesse tempo, no Brasil, o sistema escravista de produção dava sinais

de falência. As grandes extensões de terras, em poder das oligarquias,

contavam exclusivamente com a mão-de-obra escrava africana para o seu

desenvolvimento. O café representava a maior fonte de renda do país,

responsável por mais da metade das exportações. A partir de 1850, com a

extinção do tráfico negreiro, o trabalho nas lavouras de café, situadas no

oeste paulista, ficou ameaçado. Em 1888, com o fim da escravidão no

Brasil, a situação se agrava e o governo imperial intensifica a vinda de

imigrantes europeus para a substituição da mão-de-obra escrava. `A grande

necessidade de mão-de-obra no Brasil, correspondeu o auge da crise sócio-

econômica da Itália”.19

Na análise de Giron, o movimento migratório

que caracteriza o final do século XIX e o início do século XX, que vai deslocar apreciável contingente humano da Europa para a América, está relacionado às transformações sociais, políticas e econômicas que ocorrem no mundo ocidental em decorrência da expansão do capitalismo, e às novas formas de produção que estão serão adotadas.20

A imigração italiana, como refere Otávio Ianni (apud Giron, 1987), se

insere nesse contexto. Tanto a política de substituição da mão-de-obra

18 BATTISTEL, A.I. Colônia Italiana: religião e costumes. Porto Alegre: EST, 1981. p. 17. 19 Ibidem, p. 16. 20 GIRON, L.S. A imigração italiana no RS: fatores determinantes. In: LANDO, A.M. et al.

DACANAL, J.H.; GONZAGA, S. (Orgs.). RS - Imigração e Colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996. p. 47.

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escrava pela livre como a modificação da política das terras no Brasil após

1850, constituem adaptação do Império à divisão internacional do trabalho,

que foi um dos resultados da Revolução Industrial. 21

Hutter assinala que no Brasil a imigração representou um fenômeno

de grande importância não só porque serviu de sustentáculo à lavoura

cafeeira em São Paulo, desde a segunda metade do século XIX, como por

ter sido a base da colonização e da formação da população do Sul do

Brasil.22

De 1890 a 1929, São Paulo atraiu mais de 2.000.000 de imigrantes

que correspondem a cerca de 57% do total recebido pelo país. Cerca de um

terço dos imigrantes entrados (694.489) em São Paulo era constituída por

italianos.23

Para Olívio Manfrói, a vinculação da imigração à colonização marcou

o processo de desenvolvimento histórico do Rio Grande do Sul,

distinguindo-o de outros estados, onde o imigrante foi submetido ao trabalho

assalariado.24 Os imigrantes que se dirigiram para o Rio Grande do Sul

foram atraídos por uma política governamental que pretendia, através da

21 GIRON, L.S. O cooperativismo vinícola gaúcho: a organização inicial. In: De BONI, L.A.

(Org.). A Presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p.270. 22 HUTTER, L.M. A Imigração Italiana no Brasil (séculos XIX e XX): dados para a

compreensão desse processo. In: De BONI, L.A. (Org.). A Presença Italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p. 74.

23 PETRONE, M.T.S. O imigrante italiano na fazenda de café de São Paulo. In: De BONI, L.A. (Org.). A Presença Italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p. 105-106.

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colonização, povoar terras improdutivas e criar núcleos de produção para o

abastecimento do mercado interno nacional.

No Rio Grande do Sul, as terras destinadas aos colonos situavam-se

na Encosta Superior do Nordeste, região montanhosa entre o Planalto e a

Depressão Central. A região forma um espigão que serve de divisor de

águas dos rios das Antas e Caí, o primeiro afluente do rio Taquari e o

segundo do rio Guaíba. Os rios foram fundamentais para o transporte dos

imigrantes já que os escarpados contrafortes do Planalto tornavam

extremamente difícil o acesso.25

Os dados sobre o número de imigrantes italianos entrados no estado

são imprecisos. Calcula-se que aqui se estabeleceram entre 1875 a 1914 de

74 a 100 mil. Segundo o Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul um total

de 66.901 italianos ali chegaram entre os anos de 1882 e 1914.26 Deve-se

lembrar que muitos italianos chegaram ao Brasil com passaporte austríaco e

que não foram poucos os clandestinos, o que torna difícil o cálculo preciso.

Indivíduos de diferente regiões, mas sobretudo do norte da Itália,

região mais atingida pela crise econômica, formaram o contingente de

imigrantes que colonizaram a região nordeste do Rio Grande do Sul:

vênetos (54%), lombardos (33%), trentinos (7%), friulinos (4,5%) e outros

24 MANFRÓI. O. Italianos no Rio Grande do Sul. In: De BONI, L.A. (Org.). A Presença

Italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p. 169. 25 GIRON, L.S. As Sombras... Op. cit., p. 28. 26 HUTTER, L.M. Op. cit., p. 96.

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(1,5%).27 Celeste Gobbato nasceu em Volpago del Montelllo, pequeno

lugarejo da província de Treviso, região do Vêneto,28 de onde saiu para vir

para o Brasil.

Esses imigrantes foram encaminhados para os núcleos coloniais

recém-criados: entre 1875 e 1884 foram ocupadas as terras das colônias

Caxias, Conde d’Eu (atual Garibaldi) e Dona Isabel (atual Bento Gonçalves),

seguindo-se a criação, entre 1884 e 1892, de Alfredo Chaves e Antônio

Prado, e de 1892 a 1900 da colônia Guaporé, que hoje é representada

pelos municípios de Muçum, Guaporé, Serafina Corrêa, Casca e o distrito

de Vila Maria do município de Marau.29

Geralmente o imigrante era uma pessoa jovem. 66% dos homens

tinham entre 20 e 45 anos, e 67% das mulheres entre 20 e 40 anos.30

Gobbato deixou a Itália com 22 anos de idade.

Quanto ao grau de alfabetização, grande era o número de

analfabetos nas levas imigratórias, e, de acordo com Pelanda, pode-se

afirmar com segurança, poucos os portadores, não diremos de instrução

27 FROSI, V.M.; MIORANZA, C. Imigração Italiana no nordeste do Rio Grande do Sul.

Porto Alegre: Movimento, 1975. p. 36. 28 O Vêneto compreende sete províncias: Veneza, Pádua e Rovigo (províncias de

planície), Beluno (província montanhosa), Treviso, Vicenza e Verona (províncias de características mistas). Ibidem, p.16.

29 Ibidem, p. 42. 30 Dados de GIRON relativos à colônia Caxias. De BONI, L.A.; COSTA, R. Os italianos do

Rio Grande do Sul. 3. ed. Porto Alegre: EST, 1984. p. 81.

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primária completa, mas de um conhecimento elementar do toscano elevado

à língua oficial do reino (italiano).31

Celeste Gobbato estudou e formou-se em Enologia e Viticultura pela

Escola de Conegliano, e tornou-se doutor em Ciências Agrárias pela

Universidade de Pisa. Além de ter dirigido um estabelecimento de

vinificação em Treviso, após o doutoramento submeteu-se ao concurso no

Ministério da Agricultura em Roma, e foi ensinar agronomia e agricultura em

Allano. Mais tarde, foi nomeado assistente do Instituto Agrário de Treviso,

cargo que ocupava quando foi contratado pela Escola de Engenharia de

Porto Alegre. Assim como Gobbato, imigrantes “especialistas” de diferentes

nacionalidades vieram para Porto Alegre e também ocuparam cargos na

Escola de Engenharia de Porto Alegre.

Os imigrantes italianos, quanto à profissão, eram em maioria

agricultores, porém, como ressalta Giron, alguns moravam em cidades na

Europa e cerca de 30% do total tinham outras profissões, como funileiros,

sapateiros, ferreiros carpinteiros, oleiros, operários de indústrias e pequenos

comerciantes.32

Embora em menor número, alguns imigrantes italianos

permaneceram nas cidades. Segundo relatório do cônsul italiano Pascale

31 PELANDA, E. Aspectos gerais da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Álbum

Comemorativo dos 75 anos da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1950. p. 44.

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Corte, de 1884, em Porto Alegre a metade aproximadamente da Rua dos

Andradas, uma das artérias mais comerciais da cidade, é, desde já,

ocupada por negociantes italianos.33 O mesmo cônsul estimou a presença

de um total de 40.000 italianos no Rio Grande do Sul, sendo que 10.000

moravam em zonas urbanas.34 Para Núncia Constantino,

a questão posta em números é extremamente complexa e a princípio são aceitos os de Franceschini: ‘seis mil italianos em Porto Alegre no ano de 1893’. Isto equivale a mais de 10% da população da cidade que pelo censo de 1890 é de 52.421.35

Conforme lembra Giron, ainda que pobres, os imigrantes não eram

miseráveis. Os miseráveis ficaram na Itália, pois não tinham dinheiro nem

para pagar as passagens. 36

Os que tinham dinheiro para pagar a viagem embarcavam geralmente

no porto de Gênova ou Veneza. As famílias decididas a partir colocavam

roupas em caixas de madeira tomavam o trem e se dirigiam para o porto. As

empresas italianas responsáveis pelo transporte dos imigrantes recebiam

por imigrante embarcado. Não raras vezes lotavam os navios com dois

32 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Casas de negócio. Caxias do Sul: EDUCS, 2001.

p. 47. 33 BORGES, S.M.A. Op. cit., p. 47. 34 Ibidem, p. 49. 35 CONSTANTINO, N.S. Italianos. In: FLORES, H.A.H. (Org.). Porto Alegre - História e

Cultura. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1987. p. 61. 36 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Op. cit., p. 47.

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terços a mais do que o permitido. O surto de epidemias era comum nos

navios, ocasionando a morte de muitos deles.37

Havia aqueles que partiam com menos recursos. Para esses,

qualquer atraso significava mais gastos de suas economias e menos

recursos para instalarem-se na nova terra. Chegavam a aguardar por mais

de um mês nas proximidades do porto, o bendito embarque. Queriam ir para

o país da Cucagna.38

Num de seus mais recentes trabalhos, o escritor José Clemente

Pozenato39 narra o cotidiano de uma família de italianos que emigra em

1883, rumo a Caxias do Sul, embalados pela promessa de um futuro

dourado:

Rosa Gardone acordou cedo na hospedaria, em Gênova. No grande dormitório, dezenas de mulheres e crianças dormiam ainda. Tinham viajado um dia e meio de trem. Ela dormira pensando no lindo sonho de Aurélio. Era um bom augúrio, sinal de que estavam certos indo para a América. Ela, pelo menos, não estava arrependida, nem nunca iria se arrepender, não importava o que acontecesse. Muitas pessoas queridas ficavam para trás. Nem os pais, nem os irmãos se sentiram com coragem de sair de Roncà. Ia sentir a falta deles como uma dor, pela vida inteira. Não estava

37 BATTISTEL, A.I. Op. cit., p. 19. 38 “O termo cocanha, documentado pela primeira vez no século XII, designa um modelo

de sociedade utópica relacionado com a fartura e com a fruição dos prazeres materiais. Na Itália do século XIX, essa utopia de origem medieval foi largamente difundida entre a população pobre, que, ao emigrar para a América, trouxe consigo a idéia de um país imaginário caracterizado pela abundância. Os imigrantes italianos que aportaram no Brasil na segunda metade do século XIX, de fato, deixaram sua pátria embalados pela promessa de um futuro dourado”. RIBEIRO, C.P. In: POZENATO, J.C. A Cocanha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000.

39 Apesar dos interesses de historiadores e romancistas serem diferentes, pois o primeiro tem uma relação específica com a “verdade”, o segundo, é um ficcionista e como tal pode-se permitir o uso intenso da imaginação em sua narrativa, acredita-se que a fonte literária pode contribuir para a compreensão de uma dada realidade histórica como algo possível.

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querendo se enganar sobre isso. Mas não ia sofrer menos se ficasse. Ela não era bruxa para ler o futuro. Mas não era possível que fossem ficar pior do que estavam, com falta de trabalho, de comida, do que vestir, de onde morar, de tudo. Em Roncà não se vivia, se morria, como não cansava de dizer Cósimo, seu padrinho de casamento. E se era para morrer, emendava, tanto fazia deixar a pele aqui como na América. Passava um dia e outro dia, e não se via sinal de melhora. Ir para a América dava, pelo menos, alguma esperança. Ela não era tonta para imaginar que se tornariam senhores, como Aurélio às vezes dizia, certamente para animá-la, ou para animar-se ele mesmo. Ela se contentaria com menos. Bastava terem um teto só deles e mesa farta para os filhos. O resto, entregava nas mãos de Deus. Tristeza por tristeza, melhor com pão na mesa. 40

O autor de O Quatrilho e A Cocanha quer mostrar que sua obra está

em consonância com a realidade. Ele explica que, ao se propor escrever tais

romances, lançou-se ao trabalho de colher dados, relatos de experiências,

enfim, informações que pudessem lastrear o processo de construção

ficcional. 41

O sofrimento e a desilusão da personagem Rosa Gardone, bem como

a esperança num futuro melhor para seus filhos podem, sem dúvida, ser

representativos dos anseios que muitos, senão a maioria dos imigrantes

tinham. As expectativas de uns e outros está relacionada com o lugar

social42 que ocupam na própria história. Sabe-se por informações de sua

40 POZENATO, J.C. A Cocanha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000. p. 22.

41 POZENATO, J.C. O Quatrilho: a vertente histórica”. In: Simpósio Internacional sobre

Imigração Italiana e IX Fórum de Estudos Ítalo-Brasileiros. Anais. Caxias do Sul: EDUCS, 1999. p. 113.

42 Para CERTEAU, “em história todo sistema de pensamento encontra-se referido a lugares sociais, econômicos, culturais etc.” E acrescenta que é em função do lugar social “que se instauram os métodos, que se precisa uma topografia de interesses, que se organizam os dossiers e as indagações relativas aos documentos”. CERTEAU, M. de. A

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filha que o que Gobbato deixava para trás ao sair de seu país, era um

passado sem privações, pelo menos materiais. Diferentemente da

personagem Rosa Gardone para quem bastava ter um teto só deles e pão

na mesa para os filhos. Mas Gobbato trazia sua juventude e uma energia

criativa que colocou à serviço do seu trabalho e do povo brasileiro.

Celeste Gobbato, um intelectual43, foi um profissional respeitado e

atuante tanto na Itália como no Brasil. Ao deixar a pátria de origem, trazia

consigo conhecimentos sobre enologia, geografia, literatura, história,

economia, filosofia, que utilizou em seus estudos com muita pertinência.

Observador atento, durante a viagem para o Brasil fez várias

anotações. Preocupou-se em registrar o que viu e sentiu à bordo do navio.

Ao chegar, enviou suas anotações à Itália em forma de relato que foi

publicado na revista da Scuola de Viticoltura ed Enologia di Conegliano, da

qual fora colaborador.

Celeste Alexandre Gobbato deixou a Itália rumo ao Brasil no dia 9 de

agosto de 1912, com a finalidade de ensinar viticultura e enologia no

Instituto de Agronomia e Veterinária da Escola de Engenharia de Porto

Alegre, no extremo sul desse país. Ele deixava, para isso, o cargo de

assistente do Instituto Agrário de Treviso.

Operação Histórica. In: LE GOFF, J.; NORA, P. História: Novos Problemas. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 17-18.

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Celeste estava com vinte e dois anos de idade e embarcava em navio

francês que tinha nome espanhol: “Plata”. O percurso a cumprir significava

uma viagem de vinte e nove dias, que o levaria do golfo de Gênova até o

estuário do Guaíba na cidade de Porto Alegre. O dia 7 de setembro, data da

chegada de Gobbato, assinala o dia em que o Brasil se tornou independente

de Portugal.

No relato de sua viagem Gobbato entrelaça sentimentos de tristeza,

apreensão, deslumbramento e expectativa. Tristeza porque ele saudava a

Itália como sua querida pátria e dizia que:

um nó poderoso me fechava a garganta, um peso enorme gravitava sobre o meu coração; deixava a família, as lembranças da adolescência, as ridentes colinas vênetas, ricas de pampínea verdura.44

E apreensão, por ter de enfrentar o Oceano, o tenebroso

desconhecido, e descer num lugar conhecido somente entre as linhas da

imprensa, longínquo, muito longínquo da Alma Pátria.45

A despedida foi descrita por Gobbato num tom quase poético:

Quando o vapor lentamente se afastava do cais onde meus caros agitavam freneticamente os lenços, quando o esplêndido e pitoresco golfo de Gênova começava a se

43 Para LE GOFF, o termo intelectual designa “um homem cuja profissão seja escrever e

ensinar – e de preferência ambas as coisas ao mesmo tempo (...)”.LE GOFF, J. Os intelectuais na Idade Média. 2. ed. Lisboa: Gradiva, p. 26.

44 “... davo il saluto alla Patria cara, alla nostra bella e grande Italia; un nodo poderoso mi serrava la gola, um peso enorme gravitava sul mio cuore; lasciavo la famiglia, i ricordi dell”adolescenza, le sorridenti colline venete ricche di pampinea verdura...”. GOBBATO, C. Relato da viagem de Celeste Gobbato. Pe. MICCIMILLI, A. (Trad.) Revista da Scuola de Conegliano, 1912, p. 514.

45 Idem.

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dileguar ao meu olhar e os altos cimos dos Alpes marítimos confundiram-se com a tinta levemente plúmbea do céu, quando me encontrei num mundo completamente novo de água e de horizonte, somente então bem compreendo a dor do afastamento, aquele nó na garganta serrou-me fortemente, e chorei....46

Afora a saudade que o acompanhou por toda a viagem, sentimento

descrito por muitos imigrantes, Gobbato teve oportunidade de conhecer

lugares novos que o deixaram deslumbrado. Atento a tudo que acontecia,

narrou com entusiasmo e emoção cada parada do navio.

Segundo suas palavras, foi no porto de Marselha

o primeiro ponto de chegada; o navio entrou majestoso e ofegante no imenso porto, e quando foi baixada a ponte não me pareceu verdade por os pés no chão da grande cidade comercial francesa, abastecida de grandes docas e atravessada por esplêndidas avenidas percorridas por um movimento incessante. O Plata completou o carregamento de passageiros e com os poderosos guindastes carregou no porão do navio a numerosa mercadoria destinada parte à colônia do Senegal e parte ao continente americano.47

A segunda parada do “Plata” foi no porto de Almeria, pequena cidade

da Espanha que, conforme sua observação sobre o lugar, se estende sobre

o Mediterrâneo num conjunto de terraços e casas, como os países

46 “Quando il vapore lentamente mi discontava daí cari che sulla banchina sventolavano

freneticamente i fazzoletti, quando lo splendido e pittoresco golfo di genova cominciava a dileguarsi allo sguardo e le alte vette delle Alpi marittime si confusero com la tinta leggermente plumbea del cielo, quando mi trovai in un mondo completamente nuovo di acqua e di orizzonte, solo allora bem compreendo il dolore des distacco, quel nodo alla gola si serrò più forte e...piansi.” Ibidem, p. 515.

47 “il primo punto di approdo; il piroscafo entrò maestoso e sbuffante nell’immenso porto, e quando fu abbassato il ponte non mi parve neppur vero di mettere i piedi a terra nella grande cità comerciale francese, fornita di grandiosi docks e atravessata da viali splendidid percorsi da un movimento incessante. Il Plata completó il carico dei passeggeri e com le poderose grue del porto trasse nella stiva la numerosa mercanzia destinada in parte alla colonia del Senegal ed in parte al continente americano”. Idem

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meridionais da Itália para recolher a água de chuva em cisternas.48 Gobbato

ficou atento à movimentação no porto onde numerosas embarcações

transitavam pela praia carregadas de produtos comestíveis. O que mais

aparecia entre aqueles produtos, segundo o seu olhar, era a uva: verde,

amarelinha, rubra e roxa em grandes graspos rarefeitos ou serrados, com

grãos grossos, mais ou menos doces e crocantes. 49

Em Almeria, no dia 13 de agosto, Gobbato teve tempo para conhecer

a corrida dos touros, observar outras poucas características que a pouco

limpa cidade apresenta, além de visitar os parreirais, que fornecem aquela

renomada uva de mesa. Descreve com olhar técnico a estrutura dos

parreirais, a distância entre as vides, a altura das mesmas, o gosto das

uvas, bem como o seu destino:

a uva vermelha era já madura e os graspos esplêndidos saíam da folhagem pendendo rumo à terra. A uva branca presenteava ainda ao paladar uma abundante riqueza de ácidos porque não era ainda madura, mas começava já a ser desligada da planta como aquela das outras variedades, para as grandes exportações além do Oceano. 50

Almeria possuía casas de exportação das magníficas uvas sendo as

mais comuns chamadas uvas de barco, uva moscata e uva de casta e que

no seu conjunto constituem a uva comercialmente chamada de Almeria. Era

48 Ibidem, p. 515. 49 Idem. 50 “.... lüva rossa era già matura ed i grappoli splendidi uscivano dal fogliame penzolanti

verso il suolo, per modo che la vendemmia poteva farsi direttamente da un uomo in piedi. Lúva bianca presentava ancor al palato una abbondante ricchezza di acidi perchè non era matura, ma cominciava già ad essere staccata dalla pianta come quella delle altre varietà, per le grandi esportazioni oltre oceano”. Ibidem, p. 516.

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vendida em pequenas quantidades ou em barris de 12 Kg a 0, 20 liras ao

quilo. Ao voltar ao navio, levava consigo uma boa provisão de uva.

Em Almeria, o “Plata” desligou-se da Europa rumo a um novo

continente. O navio seguiu a rota costeando a Espanha até alcançar o

estreito que separa o continente europeu do africano. Deslumbrado,

Gibraltar aparecia para Gobbato como algo magnífico. O encontro das

águas do Mediterrâneo com o Atlântico fez com que as ondas se agitassem

e, conforme lembrou: uns gemidos levantavam-se da terceira classe.

No dia 18 de agosto, o “Plata” ancorou no porto de Dacar, nas águas

africanas. A capital do Senegal apresentou-se da seguinte forma ao olhar

europeu de Gobbato:

Os habitantes negros com os barracanos multicores e de feitura varia de pessoa para pessoa representando uma nota muito curiosa (...) da visita ao mercado se nota que bem pobre deve ser a produção indígena: nos subúrbios da cidade o senegalês conserva ainda a habitação cabana onde vive numa civilização...muito dissímil da nossa. 51

Gobbato descreve a pobreza do povo senegalês ao observar que,

numa demonstração de nadadores com capacidade única, alguns

lançavam-se ao mar para apanhar qualquer moeda que se atire na água!

51 “gli abitanti negri daí baracani multicolori e di fattura varia da persona a persona

reppresentano una nota molto curiosa (...) dalla visita al mercato scorgesi che bem magra dev’essere la produzione indigena: nei suburbi della città il senegalese conserva ancora l’abitazione a capanna dove vive in una civilità... molto dissimile della nostra”. Ibidem, p. 517.

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Depois de ter-se deslumbrado com Gibraltar, Gobbato conta com

emoção que após o fornecimento de carvão em Dacar, o navio retomou a

rota

no imenso oceano, numa miragem magnífica de água e ar; o equador deu origem à costumeira, e para mim, nova festa da passagem da linha, onde numa harmonia verdadeiramente admirável os passageiros de várias nações brindavam à fraternidade dos povos, às pátrias e as famílias longínquas, esquecendo que a casa que boiava estava em presa das forças brutas. 52

52 “l’immenso oceano, in un miraggio magnifico di acqua ed aria; l’equador diede origine

alla consueta, e per me nuova festa del passagio della linea, dove in un’ armonia veramente ammirevole i passeggeri di varie nazioni brindavano alla fratellanza dei popoli, alle patrie ed alle famiglie lontane, dimenticando che la casa galleggiante era in balia delle forze brute”. Idem.

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Figura 1 – Trajeto da viagem de Celeste Gobbato da Itália para o Brasil

Fonte: FERREIRA, G.M.L. MARTINELLI, M. Atlas Geográfico Ilustrado. São Paulo: Moderna, 1994.

Na manhã do dia 27 de agosto, o primeiro sinal da costa brasileira:

Todos os passageiros corriam sobre a coberta, todos queriam ver ou rever as ladeiras dos montes luxuriejantes de magnífica vegetação, os cimos da Serra, o enorme masso de nu granito que se ergue à embocadura da bahia, de forma cônica e chamado Pão de Açúcar.53

A primeira impressão do Rio de Janeiro, a cidade maravilha, parece

ter surpreendido Gobbato pelos ricos edifícios e pelo tráfego colossal, pelas

suas encantadoras avenidas, que ele descreve como: magnificamente lindas

e poéticas. Na realidade, o olhar de Gobbato cai sobre uma cidade que

sofreu a execução de um projeto que a chamada “República dos

Conselheiros”54 empreendeu nos primeiros anos do período republicano, a

fim de buscar prioritariamente a recuperação das finanças e da imagem do

53 “Tutti i passeggeri si spingevano sopra coperta, tutti volevano vedere o rivedere i fianchi

dei monti lussureggianti di magnifica vegetazione, le cime della Serra, l’enorme masso di nudo granito che si erge all’imboccatura della baia, di forma conica e nomato pan di zucchero”. Idem.

54 A “República do Conselheiros foi montada durante os governos de civis e paulistas de Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves. (...) sob a “República dos Conselheiros” ocorreram transformações no modo de vida do país, principalmente no Rio de Janeiro”. OLIVEIRA, L.L. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 111.

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Brasil no exterior.55 A República dos Conselheiros foi montada durante os

governos civis e paulistas de Prudente de Morais, Campos Sales e

Rodrigues Alves sob os quais ocorreram transformações no modo de vida

do país, principalmente no Rio de Janeiro, a capital federal. Conforme

assinala Lúcia Lippi Oliveira, o Rio de Janeiro se configurava como cidade

cosmopolita e maior centro comercial e industrial do país, (...) recebia não só

o afluxo de novas idéias, como também de capitais estrangeiros. 56

Na capital federal, conforme a autora

operava-se a construção de um novo padrão de prestígio social, no qual os novos hábitos de consumo e de moda criavam um novo público para o jornalismo e para a crônica social. A obra-síntese desse novo Brasil foi, sem dúvida, a avenida Central. Inaugurada em 1904, a avenida foi um marco da engenharia que simbolizou o ingresso do país na belle époque.57

O Rio de Janeiro magnífico e poético que Gobbato descreveu

constitui o elemento central da imagem de um país que ansiava por se

integrar no mundo civilizado.58

No empenho de livrar a capital federal da influência portuguesa na

arquitetura, considerada de mau gosto, e na ânsia de dar à cidade uma

aparência cosmopolita, buscando imitar os hábitos europeus, especialmente

o francês, o governo carioca lançou um projeto de remodelação e

55 Idem. 56 Idem. 57 Idem. 58 Idem.

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saneamento do Rio de Janeiro, colocando abaixo a velha cidade colonial.59

Com isso, lembra Oliveira,

os pobres foram afastados do centro da cidade, e intensificou-se o combate policial à vadiagem e às manifestações dos cultos religiosos populares (Sevcenko, 1983). A crescente deterioração das condições de vida e de trabalho na cidade do Rio de Janeiro preparou o terreno para a eclosão de movimentos de contestação social, com significativa participação operária, exemplarmente ilustrados pela Revolta da Vacina (Sevcenko, 1984; Carvalho, J.M., 1984). 60

59 Idem. 60 Ibidem, p. 112.

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Em visita de férias ao Rio de Janeiro, no verão de 1907, o

memorialista gaúcho João Neves da Fontoura - advogado de formação e

figura política de destaque do “longo” governo de Borges de Medeiros -

ironiza a imitação exacerbada de hábitos estrangeiros da sociedade carioca:

Como todas as transformações, o Rio sofria certos acessos de ridículo estrangeirismo: a boa sociedade não era mais a sociedade, mas o set carioca; o chá não tardou a ser o thétango; o passeio na praia do Flamengo - o footing. Tudo quanto tinha o selo da novidade se dizia dernier cri, dernier bateau.61

No plano cultural, outra manifestação do Rio que se civiliza, e sobre a

qual Fontoura se refere com certo saudosismo, são as conferências

literárias - palestras feitas pelas maiores figuras literárias da época. Era

chique frequentá-las. Os palestrantes, ou oradores

reproduziam sobre o Amor, a Ilusão, a Morte, a Esperança, a Mulher e outros temas semelhantes tudo quanto Dante, Shakespeare, Dickens, Goethe haviam escrito a favor ou contra. Lá estavam os mais belos versos vernáculos ou estrangeiros misturados com algumas historietas leves e inúmeros paradoxos, para alívio e repouso do auditório.62

Buscando embasamento na análise de Lúcia Miguel - Pereira, Lúcia

Lippi Oliveira observa que houve, principalmente no Rio de Janeiro nas

primeiras décadas da República Velha (até a eclosão da Primeira Guerra

Mundial), uma produção intelectual diletante, ou seja,

esses escritores viam a literatura ’não como arte perturbadora e inquisitória por excelência, mas como a

61 FONTOURA, J.N. Memórias. Borges de Medeiros e seu Tempo. 2. ed. Porto Alegre:

Globo, 1969. p. 72. v. 1. 62 Idem.

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manifestação do bem-estar social, numa época de paz, eles próprios em regra contentes com sua sorte, pertencentes à classe dominante, escreveram para distrair-se e distrair os leitores’ (...) no interior desta sociedade surgiram autores para os quais a literatura era concebida como o ‘sorriso da sociedade’, nas palavras de Afrânio Peixoto.63

Coelho Neto, Artur de Azevedo, Afrânio Peixoto, Mário de Alencar e

Medeiros e Albuquerque são apontados por Miguel-Pereira como os

principais representantes desta categoria.

Para Fontoura, era natural que os conferencistas buscassem também

estender suas palestras a outros estados que não São Paulo - pois este

estava a dois passos da Avenida Rio Branco, que era então a Avenida

Central - mas ao Sul e ao Norte.

Fontoura conta que o autor de “A Conquista” foi o primeiro a visitar o

Rio Grande do Sul. Coelho Neto foi recebido em Porto Alegre

numa atmosfera de admiração e simpatia. Os rapazes mais novos, como Filipe de Oliveira, Álvaro Moreira, Homero Prates, Eduardo Guimarães, estabeleceram a comunicação dele com a geração nascente, de que aqueles jovens poetas eram os epígonos. O governo do Sr. Borges de Medeiros prestou ao escritor as honras e o apoio devidos.64

Além desses hábitos e idéias, no Rio de Janeiro, Gobbato observou a

presença de produtos europeus no cotidiano da capital federal. Por

exemplo, constatou que no mercado de frutas onde predominavam as

bananas e as laranjas vindas dos estados sulinos do Brasil, havia muita

63 OLIVEIRA, L.L. Op. cit., p. 113. 64 FONTOURA, J.N. Op. cit., p. 73-74.

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fruta européia: “encontrei a uva de Almeria que era vendida a 2.500-3.000

réis (igual a 4,25 -5 liras.) o Kg!”.

Com destino a Porto Alegre, Gobbato prosseguiu viagem em

pequenas embarcações que faziam o serviço costeiro no Brasil. À bordo do

novo e elegante Itapura conheceu os maiores portos comerciais do país e

os produtos que dalí partiam.

Primeiro o porto de Santos,

meta para muitíssimos emigrantes que continuamente vão aumentar as fileiras dos muitos italianos que há muito estão aí (...) e por qual passa, pode-se dizer, toda a produção enorme de café e dos outros produtos de que o estado é fornecido, quais cana-de-açúcar, algodão, tabaco e outros ainda.65

Cerca de 20 horas depois, ao chegar no porto de Paranaguá, no

estado do Paraná, Gobbato pode ir de lancha até a cidade que, segundo ele

é centro de um ativo comércio de vários produtos que o clima extremamente bom consente obter. A flora aí é esplêndida e passa dos pinheiros, que constituem riquíssimos bosques, ao café, a cana-de-açúcar, ao arroz, às bananas, e a erva mate muito usada no Brasil para produzir uma bebida agradável e estomática.66

65 “mèta per moltissimi emigranti che continuamente vanno ad aumentare le file dei molti

italiani che da molto tempo colà esistono. (...) per il quale passa, si può dire, tutta la produzione enorme di caffè e degli altri prodotti di cui lo Stato è fornito, quali canna da zucchero, cotone, tabacco ed altri ancora.” GOBBATO, C. Revista da Scuola... Op. cit., p. 518.

66 “è centro d’ un attivo comercio dei vari prodotti che il clima estremamente buono consente di ottenere. La flora vi è splendida e si spinge daí pini, che costituiscono dei ricchissimi boschi, al caffè, alla canna de zucchero, al riso, alle banane, ed all’erba matte molto adoperata in Brasile per produrre una bevanda gradevole e stomatica”. Idem.

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Poucas horas depois, Gobbato chegou ao porto de Florianópolis,

capital do estado de Santa Catarina, responsável pelo comércio de bambús,

de peroba, feijão, erva mate e sobretudo de bananas. Lembrou que ali

nascera Anita Garibaldi.

Após 40 horas de viagem, depois da partida de Florianópolis, de

forma romântica, Gobbato descreve a chegada do navio ao seu destino

final:

o Itapura lambia as águas do estado do Rio Grande do Sul, do estado isto é mais meridional do Brasil que a sul confina com a republica do Uruguai e a oeste com a república da Argentina. Os navios podem penetrar no interior graças à Lagoa dos Patos que se une ao Atlântico com a famosa barra de Rio Grande. 67

Gobbato chegou à cidade de Rio Grande no dia 5 de setembro,

quando, segundo suas palavras, a primavera já se anunciava nos pêssegos

que floresciam, os plátanos apareciam as gemas e a videira começava a

emitir os tenros brotos.

Finalmente, no dia 7 de setembro Gobbato avistou Porto Alegre, e

assim a descreveu:

disposta em anfiteatro sobre uma colina que se ergue sobre a margem esquerda do Rio Guaíba, oferece uma visão magnífica para quem vem da Lagoa dos Patos: dá logo a idéia de ser bem arejada e portanto de se encontrar, como o

67 “Itapura lambiva l’acqua dello Stato di Rio Grande do Sul, dello Stato cioè più

meridionale del Brasile che a Sud confina com la repubblica dell’Uruguai e ad ovest com la repubblica Argentina. I piroscafi di medio pescaggio possono spingersi nell’interrno mercè la laguna di dos patos che s’unisce all’Atlantico com la famosa barra di rio Grande”. Idem.

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é realmente e as estatísticas o demonstram, nas melhores condições higiênicas.68

Pelos dados que Gobbato trazia, a população de Porto Alegre em

1890 era de 45 mil indivíduos, em 1911 já ultrapassou os 120 mil. Conforme

aponta Bakos, “com a diversificação da produção, Porto Alegre atrai

migrantes do meio rural ou de centros urbanos gaúchos menores e

imigrantes de diferentes nacionalidades69”. No entanto, a autora acrescenta

que

“O crescimento populacional de Porto Alegre não se deve apenas aos movimentos migratórios, mas também a seu alto índice de crescimento vegetativo, se observados os dados referentes a esse crescimento no todo do Estado do Rio Grande do Sul”70.

Para Gobbato, a bondade do clima e do terreno foi causa do grande

desenvolvimento colonial no Rio Grande do Sul. Segundo ele,

A agricultura assim prospera; às culturas indígenas unem-se as dos países europeus - de modo que lentamente, com o aumento contínuo da viabilidade e com o aperfeiçoamento da agricultura nos seus diversos ramos, o Brasil poderá se desvincular de certas importações e poderá inundar os próprios estados e outras nações dos seus bons produtos. Serão assim recompensados os esforços dos sábios legisladores e dos beneméritos pioneiros da liberdade política brasileira que puseram no estandarte da sua

68 “disposta ad anfiteatro su una collina che ergesi sulla riva sinistra del rio Guahyba, offre

una vista magnífica per chi viene dalla laguna di dos Patos; dà subito l’idea di essere bene ventilata e quindi di trovarsi, come lo è realmente e le statistiche sanitarie lo dimonstrano, nelle migliori condizioni igieniche”. Ibidem, p. 519.

69 “Os 73.674 habitantes da virada do século somam em 1910 a 115.791 pessoas. (...) Em 1920, a população atinge 181.985 habitantes, passando para 256.550 dez anos depois”. BAKOS, M.M. Porto Alegre e seus eternos intendentes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. p.19-20.

70 Idem.

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República, qual simulacro de amor e fé, o fatídico escrito: ‘ Ordem e Progresso’.71

Assim, depois de várias peregrinações, Gobbato chega ao seu

destino no novo continente. As lembranças da Pátria longínqua e das

ridentes colinas vênetas não o deixavam. Dizia-se estar ansioso de visitar as

colônias, de reencontrar aí o idioma querido, de rever a “Treviso”...do Brasil.

Os registros de Gobbato, ao longo da viagem, demonstram o

interesse que ele tem pelas regiões onde passa e sua preocupação em

identificar hábitos e valores. Tais atitudes caracterizam um intelectual que

reflete sobre o que observa. E a capacidade de ensinar está, como se lê a

seguir, nas raízes da situação que o traz ao Brasil. Celeste Gobbato vem

para ensinar.

71 “L’agricoltura cosi prospera; alle colture indigene si uniscono quelle dei paesi europei –

per modo che lentamente, com l’aumento continuo della viabilità e com il perfezionemanto della agricoltura ne’ suoi diversi rami il Brasile potrà svincolarsi da certe importazioni e potrà inondare i propri Stati ed altre nazioni de1 suoi buoni prodotti. Saranno così ricompensati gli sforzi dei saggi legislatori e dei benemeriti pioneri della libertà politica brasiliana che posero nello stendardo della loro Repubbblica, quale simulacro di amore e di fede, il fatidico scritto: ‘Ordem e progresso’.” Ibidem, p. 519.

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1.2 EM ENSINO AMBULANTE PELO RIO GRANDE DO SUL

“Sábia agricultura é sinônimo de nação forte e rica, e é certamente o camponês ativo e instruído a causa da prosperidade e grandeza da Pátria.”

Celeste Gobbato

A vinda de imigrantes alemães (1824) e italianos (1875) para o Brasil

inseriu uma nova composição no cenário socioeconômico gaúcho a partir do

final do período imperial. O Rio Grande do Sul tinha então sua economia

baseada na pecuária

voltada para o abastecimento do mercado interno brasileiro como setor subsidiário. Seu principal produto, o charque, produzido em moldes escravistas para alimentar a escravaria nacional, dependia da instabilidade da economia concorrente platina, assalariada e já empregando a máquina à vapor, para conseguir dominar o mercado brasileiro.72

A importância da zona colonial no contexto econômico da província

acentuou-se com a crise na pecuária e nas charqueadas que se verifica

nesse período. O aumento da produção colonial representou uma alternativa

em nível econômico para contrabalançar com as dificuldades que os

charqueadores e criadores de gado enfrentavam no momento, seja em

função da libertação dos escravos, seja pela concorrência platina. Coube à

agricultura colonial, desenvolvida pelo imigrante alemão e italiano, o papel

de atender à demanda interna nacional de gêneros de primeira

necessidade. No início do século XX os produtos agrícolas aparecem na

72 PESAVENTO, S.J. O imigrante na política rio-grandense. In: DACANAL, J.H.;

GONZAGA, S. (Orgs.). RS - Imigração e Colonização. Op. Cit. p. 158

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pauta dos principais itens de exportação, revelando sua importância no

mercado regional.73 O estado gaúcho já era auto-suficiente em arroz, feijão,

lentilha, milho, erva-mate, cebolas e alhos, alfafas, batatas, uvas, mandioca,

fumo etc. O trigo, apesar de cultura irregular, às vezes chegava a abastecer

o mercado estadual e ser exportado para outros estados.74

Embora a produção agrícola gaúcha tenha aumentado muito, outras

áreas começavam a fazer concorrência aos produtos gaúchos.75 Além da

concorrência estrangeira, o governo agora passa a preocupar-se também

com a concorrência nacional como efeito do desenvolvimento da policultura

que se generalizava por todas os Estados da União,76 algo que Gobbato

observou em sua passagem pelos portos brasileiros, e que narrou com

muita propriedade. Houve, portanto, por parte do governo republicano,

a necessidade de racionalizar o processo produtivo tanto através da maior produtividade, quanto da melhor organização do setor de produção. Isto foi tentado através de investimentos na infra-estrutura viária, de modo especial na férrea, e através de construções de escolas dedicadas a aprimorar cultivos e mão-de-obra rural. 77

73 TAMBARA, E. RS: Modernização e Crise na Agricultura. Porto Alegre: Mercado Aberto,

1983. p. 29. 74 FONSECA, P.D. RS: Economia e conflitos políticos na República Velha. Porto Alegre:

Mercado Aberto, 1983. p. 63. 75 TAMBARA, E. Op. cit., p. 31. 76 Mensagem do Presidente à Assembléia Legislativa em 1899. Idem. 77 Idem.

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A Escola de Engenharia de Porto Alegre foi, em grande medida, o

centro de ensino dessa nova conduta no estado rio-grandense. Fundada em

10 de agosto de 1896 por um grupo de cinco tenentes do Exército,

engenheiros militares, professores do Colégio Militar de Porto Alegre, com

idades em torno de 25 anos, cheios de entusiasmo e idealismo 78, a Escola

de Engenharia foi criada para preparar técnicos profissionais, engenheiros,

químicos e contribuir para implantação de tecnologias modernas.79

A Escola de Engenharia iniciou suas atividades em 1 de janeiro de

1897 com a instalação de cursos de engenheiros topógrafos, engenheiros

de estradas, engenheiros civis, e engenheiros geógrafos. Em 1923, possuía

11 institutos e órgãos anexos, que contavam com auxílios de origem

municipal, estadual e federal. A Escola de Engenharia foi reconhecida pelo

Decreto Legislativo Federal no 727 de 8 de dezembro de 1900, funcionando

sob a forma de “instituição privada” até ser reconhecida oficialmente pelo

Estado através do Decreto no 4.929, de 2 de janeiro de 1932, passando a se

denominar Universidade de Porto Alegre. Por força da Constituição do

Estado do Rio Grande do Sul, promulgada em 8 de julho de 1947, no seu

artigo 36 do Ato das Disposições Transitórias, a Universidade de Porto

Alegre passou a chamar-se Universidade do Rio Grande do Sul. E,

finalmente, pela Lei no 1.254, de 4 de dezembro de 1950, a instituição foi

federalizada.

78 90 Anos da Escola de Engenharia. Engenharia. Publicação Oficial da Sociedade de

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Os fundadores da Escola de Engenharia foram João Simplício Alves

de Carvalho, João Vespúcio de Abreu e Silva, Lino Carneiro da Fontoura,

Juvenal Octaviano Miller e Gregório de Paiva Meira.

A Escola de Engenharia, na análise de Pesavento,

destinava-se a ser o estabelecimento preparador de um grupo técnico de nível que contribuísse com seus conhecimentos para a racionalização da produção industrial gaúcha, que estabelecesse projetos, estudos sobre aplicação tecnológica à produção, análises sobre novos métodos, etc. Desta preocupação do governo não esteve ausente a meta de formar uma mão -de -obra qualificada que, com sua habilitação profissional adequada, contribuísse para aquele processo racionalizador.80

Para atender tais objetivos - e para ir ao encontro do que os

fundadores da Escola inscreveram em seu estandarte, Ciência e Indústria -

foram criados, no interior da Escola de Engenharia, diversos cursos

profissionalizantes. Em 1900, foi criado o

Curso Ginasial, mais tarde Instituto Júlio de Castilhos, para preparo fundamental dos futuros alunos dos cursos de Engenharia; em 1906, instalaram o Instituto Técnico-Profissional (mais tarde o Instituto Parobé) de grau médio, para o ensino de operários e mestres de obras e em várias artes profissionais; em 1908, uma escola de Eletrotécnica (mais tarde Instituto Montauri), para o ensino de eletricidade e de mecânica; um Instituto de Astronomia e Meteorologia (a Meteorologia mais tarde independizou-se com o nome de Instituto Courissat de Araújo); em 1910, foi criada a escola de Agronomia e Veterinária (mais tarde Instituto Borges de Medeiros); ainda em 1911 foram instalados um Instituto Experimental de Agricultura e um Instituto de Zootecnia; em 1919, o Instituto Pinheiro Machado - Seção de ensino primário de agricultura e criação, titulando operários rurais,

Engenharia do Rio Grande do Sul. Porto Alegre; n. 51, p. 20, agosto 1986. 79 Ibidem, p. 21. 80 PESAVENTO, S.J. O Cotidiano da República: elite e povo na virada do século. 3. ed.

Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1995. p. 84.

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e o Instituto de Educação Doméstica e Rural, pioneiro no estado na educação feminina e, em 1921, foi criado o Instituto de Química Industrial com o curso de químicos industriais, curso transformado em 1958 para engenheiros industriais. 81

Os diretores da Escola de Engenharia preocuparam-se também com

a expansão do ensino. Foram criadas no interior do estado 82 a Escola

Industrial em Caxias do Sul, Santa Maria e Rio Grande; Estações de

Agricultura e Criação em Cachoeira do Sul, Bento Gonçalves e Santa Rosa

e os Postos de Zootécnica em Júlio de Castilhos, Alegrete e Bagé. Todas as

escolas possuíam os seus Patronatos. Foram instaladas ainda trinta e cinco

estações meteorológicas nas sedes municipais.

De acordo com Gertz,

a crônica da Escola registra que desde o início se evitou o bacharelismo, típico do ensino superior brasileiro da época, e se optou por uma escola prática, inserida no contexto social circundante, ‘voltada para os problemas da comunidade e da região’. 83

Para atender à criação dos novos órgãos e ao próprio caráter prático

da instituição, nas primeiras décadas a solução veio através dos convites

aos técnicos e professores estrangeiros, especialmente da Alemanha e dos

Estados Unidos, países cujas instituições inspiravam a Escola de

Engenharia. 84

81 Idem. 82 Engenharia. Op. cit., p. 20-21. 83 GERTZ, R. Faculdade de Direito. Manuscrito. 84 HASSEN, M.N.A.; FERREIRA, M.L.M. Escola de Engenharia / UFRGS - um século. In:

GERTZ, R. Manuscrito. Porto Alegre: Tomo Editorial, 1996. p. 92. Conforme Gertz, a Escola

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Além destes, países como Áustria, Bélgica, França, Inglaterra, Itália, e

até mesmo o Japão, enviaram professores e mestres de ofício.

Assim, no dia 23 de fevereiro de 1911, partiu, de Porto Alegre para a

Europa e Estados Unidos, o engenheiro - secretário da Escola de

Engenharia, o professor Dr. João Ferlini, filho de veroneses,85 para, entre

outras finalidades, contratar catorze profissionais, que pela sua capacidade

técnica se deveriam encarregar dos diversos ramos do ensino prático 86 nos

vários Institutos da Escola.

Nesta viagem, foram contratados cinco alemães, cinco italianos, três

norte-americanos e um francês.

de Engenharia teria seguido o modelo alemão da Universidade Humboldtiana, pois esta buscava o entrelaçamento entre a pesquisa e a formação profissional. O modelo norte-americano teria sido outra inspiração, mas as autoras alertam para o fato de não terem encontrado sobrenomes que denotassem presença significativa de norte-americanos.

85 Carta de Gobbato para um amigo datada de 18-8-1953. 86 Relatório da Escola de Engenharia, 1912, p. 19.

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Figura 2 – Quadro dos Contratados

Fonte: Relatório da Escola de Engenharia de Porto Alegre (1912)

A preferência por especialistas dos diferentes países estava vinculado

ao grau de desenvolvimento inteligente e progressista de cada ramo de

atividade agrícola em cada um deles praticado.87 A direção da Escola

entendia que a contratação de especialistas estrangeiros para o corpo

docente garantiria a organização de um ensino técnico e profissional

eficiente através da execução de programas de

feição moderna, varrendo deles os excessos esterilizantes da teoria, consorciando, aliando, racionalmente, a teoria

87 Idem.

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com a prática, e exigindo, por este modo, de seus alunos, um tirocínio prático; quer, de acordo com o espírito da época, que os seus diplomados, conscientes do seu saber, se tornem produtivos, sejam homens de ação e de equilibrado idealismo. 88

Uma viagem preliminar ao estrangeiro já havia sido feita pelo

engenheiro João Lüderitz, chefe do Instituto Técnico Profissional, em 1909,

com o objetivo de conhecer as atividades agrícolas lá desenvolvidas e a

possibilidade de aplicá-las no Rio Grande do Sul. Também o engenheiro-

chefe do Instituto de Agronomia e Veterinária, engenheiro - agrônomo

Augusto Gonçalves Borges esteve no exterior, em 1911, quando foi

incumbido de comprar animais para o Posto Zootécnico, e estudar a

organização do ensino agrícola na Europa.89 Outros dois engenheiros,

Adolpho Stern, engenheiro-chefe do Instituto Astronômico e Meteorológico,

e Vivaldo de Vivaldi Coaracy, engenheiro-eletricista do Instituto de Eletro-

Técnica, estiveram na Europa e Estados Unidos para adquirir material e

verificar a organização do ensino lá.

Outra prática freqüente dos diretores da Escola de Engenharia foi

enviar

a Escolas estrangeiras, reputadamente eficientes, os melhores de seus diplomados, para que aperfeiçoem os seus estudos, se especializem proficientemente, e voltem para trabalhar e lecionar, trazendo a vantagem do professor

88 Discurso Oficial proferido pelo Snr. Prof. Engenheiro Egydio Hervé. Solenidade

Comemorativa do 25 Aniversário da Fundação da Escola de Engenharia de Porto Alegre. 1922, p. 8.

89 Idem.

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competente, que conhece as falhas do nosso ensino e as necessidades e oportunidades do nosso meio.90

Os gastos com tal empreendimento eram custeados pela própria

Escola de Engenharia que tinha um objetivo duplo de ensino e produção. Já

que as subvenções que recebe são insuficientes para custear os gastos

decorrentes de sua expansão e atividade, a Escola recorria às rendas

próprias, alcançadas nos seus laboratórios, oficinas e campos (...) Quase

tudo que se constrói é projetado e administrado pelos seus técnicos.. O

patrimônio da Escola de Engenharia em 1921 era de sete mil contos,

representado em prédios, terras, máquinas e materiais. 91

A viagem de Ferlini trouxe dos Estados Unidos da América do Norte,

país em que devido ao grande desenvolvimento da exploração agrícola e

pastoril o ensino tem o caráter mais prático e diretamente adaptável ao

nosso meio,92 um agrônomo e dois chefes de culturas.

Da Alemanha, onde a medicina veterinária alcançava um sucesso

máximo, foram contratados dois médicos veterinários, um químico, um

botânico, e um profissional para o Museu do Instituto de Agronomia e

Veterinária.

90 Idem. 91 Ibidem, p. 9. 92 Relato da “Viagem na Europa e Estados Unidos pelo engenheiro João Luderitz” em

1909. In: Relatório da Escola de Engenharia, 1912, p. 21.

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Da Itália, país que possuía na época as melhores escolas de enologia

e viticultura, promologia, orticultura e jardinagem, além de numerosos

estabelecimentos zootécnicos, foram contratados um químico-agrícola, um

enólogo-viticultor e os chefes dos serviços de lacticínios, pomi-arbori-silvi-

horticultura e um zootécnico.

Foi neste contexto que chegou a Porto Alegre o enólogo - viticultor

Celeste Alexandre Gobbato. De acordo com sua formação e experiência

profissional serviria ao Instituto de Agronomia e Veterinária, mais

especificamente ao Posto Zootécnico e à Estação Experimental, localizados

em Viamão, nas proximidades da capital, e que estavam ainda em fase de

estruturação. O contrato de trabalho vigoraria por cinco anos.

O Instituto de Agronomia e Veterinária, criado em 1910, que mais

tarde passaria a se chamar Instituto Borges de Medeiros, destinava-se a

preparar médicos veterinários, engenheiros agrônomos, agrônomos e

capatazes ruraes, sendo o regime o de internato.93 Os cursos do Instituto

eram os seguintes: Curso de Médicos Veterinários, com duração de cinco

anos; Curso de Engenheiros Agrônomos, com duração de cinco anos; Curso

de Agrônomos, três anos; e Curso de Capatazes Ruraes, duração de três

anos.

93 Regulamento do Instituto de Agronomia e Veterinária. 1913. Porto Alegre. Gráfica do

Instituto de Eletro-Técnica. Escola de Engenharia. 1913, p. 5.

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No Curso de Capatazes Rurais Gobbato foi professor nas disciplinas

de Economia Rural e Social, Elementos de Mineralogia e Geologia Agrícola

e Elementos de Física e Química Agrícola. Mecânica Elementar e Máquinas

Agrícolas, Fermentos e Fermentações, Economia Rural: elementos de

contabilidade agrícola, Enologia e Viticultura, Química agrícola e

bromatologia, Laboratório de Química, Legislação Agrária e Florestal foram

as matérias que ele lecionou no Curso de Agrônomos. Gobbato também foi

professor de Italiano e Agricultura no Instituto Júlio de Castilhos.94

Em 28 de abril de 1917 o contrato de trabalho entre Celeste Gobbato

e a Escola de Engenharia foi renovado por mais três anos. O documento diz

que ele continuaria a serviço da Escola na qualidade de enólogo e

agrônomo. Ficavam a seu cargo os ramos de viticultura e enologia,

incluindo-se a destilaria. Assumia ele o compromisso de ensinar matérias de

sua competência nos cursos do Instituto Borges de Medeiros. Ficava a

critério da direção da Escola o lugar de residência do professor. Se ela o

desejasse, Gobbato residiria na sede do Instituto e receberia a moradia

competente.95

A carga horária, incluindo enologia, viticultura e outros serviços, seria

de oito horas diárias. Como Gobbato se dispunha a realizar trabalhos de

pesquisa, uma cópia de tudo quanto fosse publicado, no país ou fora dele,

94 As informações são referentes ao período 1915-1916. Referem-se a segundos e

terceiros anos dos cursos do Instituto de Agronomia e Veterinária, Relatório da Escola de Engenharia. 1916, p. 18-28.

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deveria ir para o arquivo da instituição. A remuneração era de 760$000 e

estabelecia-se ainda que, se o contrato não fosse renovado, a Escola

pagaria a passagem de volta à Itália. Qualquer despesa pessoal que ele

fizesse fora do lugar de sua permanência, seria à própria custa. Se ele

estivesse a serviço do Instituto, o critério de ressarcimento seria o da

Secretaria de Obras Públicas do Estado. As férias seriam de 15 dias

anuais.96

Um dos trabalhos práticos mais significativos da carreira de Gobbato

na Escola de Engenharia foi o de professor ambulante. Gobbato tornou-se

conhecido e “popular” entre os agricultores e criadores gaúchos em função

de ter chefiado o Ensino Ambulante de Agricultura do Instituto Borges de

Medeiros. O serviço começou a funcionar timidamente em 1920, pois ainda

faltavam aparelhos para realizar os serviços com regularidade. Conforme o

diretor da instituição de ensino, o trabalho experimental precisava de um

agrônomo competente que percorresse alguns municípios do Estado,

colocando-se

em contato com os agricultores, criadores ou industrialistas, no próprio local de trabalho, para corrigir os seus velhos hábitos, aconselhar novos preceitos de técnica moderna, estimular operários agrícolas demasiadamente pessimistas, dispertando-lhes novas energias pela perspectiva de lucros mais compensadores.97

95 GARDELIN, M. Do Arquivo de Celeste Gobbato. Jornal O Pioneiro, Caxias do Sul, 25-

09-81. 96 Idem. 97 Relatório da Escola de Engenharia de Porto Alegre. 1920.

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Foi a partir de 1921 que o trabalho do novo departamento se

consolidou, aparecendo nos jornais como um novo e inédito serviço que a

Escola de Engenharia colocava à disposição dos agricultores e criadores

gaúchos. O Ensino Ambulante visava, através de um critério prático, instruir

os lavradores e colonos gaúchos que obtêm da terra um rendimento muito

aquém do que ela poderia e deveria dar-lhes. O Ensino Ambulante,

noticiava o Correio do Povo,

deverá indicar ao lavrador os mais modernos processos de cultura, ensinar-lhe os meios melhores de aproveitamento da terra, apontar-lhe as culturas mais convenientes, mostrar-lhe como se combatem, com eficácia, as pragas da lavoura.98

Gobbato foi o agrônomo competente que iniciou os trabalhos. As

visitas do professor ambulante aos municípios geralmente eram noticiadas

pelos principais jornais das cidades. Assim, pode-se constatar que Gobbato

visitou uma grande parte do Estado gaúcho. Em suas andanças

acompanhava a implantação de tecnologias modernas, traçava diagnósticos

e apresentava soluções aos problemas que os agricultores e criadores

enfrentavam. Em certa ocasião, em apenas um final de semana, ele

percorreu

boa parte dos municípios de Santa Cruz, Venâncio Aires, Cachoeira, Santa Maria e Júlio de Castilhos, principalmente as localidades produtoras de fumo, distribuindo gratuitamente sementes das variedades Sary (chinesa), Virgínia, Brigth e Kentucky, realizando palestras e lições

98 Correio do Povo. Porto Alegre, 27-05-1921.

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práticas sobre esta cultura e outras conforme as zonas percorridas.99

De São Sebastião do Caí, vinham notícias de sua passagem pela

zona colonial percorrendo o município, fazendo conferências agrícolas,

seguindo para os 2o, 3o, e 5o distritos, respondendo a diversas consultas.100

Figura 3 – Visita de Gobbato a uma cantina colonial. Pessegueiros. Passo Fundo. 1922

Fonte: Do Arquivo Particular de Lydia Gobbato.

99 Correio do Povo. Porto Alegre, 3-07-1923. 100 Correio do Povo. Porto Alegre, 19-06-1921.

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Em sua primeira visita a Santa Maria como chefe do Ensino

Ambulante, Gobbato foi recebido por mais de 100 agricultores, apesar da

chuva que caía. Na ocasião, ele prometeu voltar ao município na época da

vindima, cuja indústria causou-lhe excelente impressão, classificando esta

região igual a Caxias e Bento Gonçalves, quanto à produção vinícola. 101

Em Cachoeira, ‘O Comércio’ noticiava a visita de Gobbato, que no

desempenho de suas funções percorreu os núcleos coloniais de Ribeirão,

Vale Vêneta, D. Francisca e Fachinal do Soturno, dando conselhos e

ministrando instruções aos colonos. No dia seguinte, às 4 horas da tarde, o

Dr. Gobbato realizou uma conferência na praça pública de Vale Vêneta,

discorrendo em italiano, perante numerosa assistência, sobre as culturas da

vinha, do milho e do fumo.102

Em outra ocasião, em junho de 1922, a visita do professor Gobbato

pela zona colonial foi noticiada com outro objetivo. No Rio Grande do Sul, os

jornais dos partidos envolvidos na campanha eleitoral para presidência do

Estado, aproveitavam-se, sempre que houvesse oportunidade, para explorar

os fatos. Neste caso, o periódico pró- Assis Brasil usou a visita do professor

ambulante para fazer críticas ao governo de Borges de Medeiros. O ‘Última

Hora’ veiculava que o ensino ambulante era uma obra útil e eficiente para a

101 A Federação. Porto Alegre, 9-07-1921. 102 O Comércio. Santa Maria, 28-12-1921.

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educação popular no Brasil e que resolveria o problema do analfabetismo e,

talvez, o da instrução pública, já que

sem os meios fáceis de comunicação e transporte, neste vasto território, é impossível instruir e educar o povo com o atual sistema de escolas fixas que não atendem às necessidades dos habitantes espalhados por tão grande e larga área. Ou resolvemos o problema de viação, sem demora, ou, para combater o analfabetismo que é a fonte principal de nossos erros políticos, econômicos e sociais, temos que adotar o racional ensino ambulante, com urgência. Do contrário (...) continuaremos a ser um povo de jeca-tatus governados por imperadores republicanos! E não teremos independência econômica. E a democracia será um mito...!.103

E assim, Gobbato continuava a sua peregrinação pelo Rio Grande do

Sul, onde suas palestras, como já foi dito, eram amplamente divulgadas.

Figura 4 – Convite de Palestra

Fonte: Do Arquivo Particular de Lydia Gobbato. Jornal O Comércio. São Pedro. Santa Maria. 1921

103 Última Hora. Porto Alegre, 3-6-1922.

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Contudo, viagens para outros estados brasileiros também faziam

parte de sua rotina. Certa vez, esteve visitando as plantações de dois

pioneiros da vitivinicultura de São Paulo: a do Sr. Amador da Cunha Bueno

e do Sr. Francisco Marengo. Gobbato mostrou-se impressionado com a

benemerência destes viticultores, não só pela organização de seus

vinhedos, mas pela persistência em introduzir novas variedades de vides,

que experimentam, aclimam, reproduzem em magníficos viveiros e

espalham por todo o território nacional. 104 Em Jundiaí, visitou também a

propriedade dos Srs. De Vecchia e Cia, onde havia um vinhedo de

seguramente 180 mil pés, plantado de uva tinta, que produzia o híbrido

conhecido como Seibel n2. Gobbato constatou que não era glória dos rio-

grandenses o maior vinhedo do Brasil. O vinhal mais extenso do Rio Grande

do Sul, explicava, situado no município de Bagé e pertencente a J. Marimon

e filhos, conta somente com pouco mais de 60 mil pés de parreiras, entre as

quais, predomina, como em Jundiaí, a Seibel n2. 105

Antes mesmo da criação do ensino ambulante, era comum que

Gobbato viajasse com frequência. Inclusive acompanhado de grupos de

alunos, como aconteceu em março de 1915, quando numa excursão de

estudos com alunos do terceiro ano do curso de Agrônomo gastaram 15

104 Correio do Povo. Porto Alegre, 17-7-1923. 105 Idem.

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dias em visitas a Pelotas, Rio Grande, Pedras Altas- onde permaneceram

três dias na granja-modelo do Sr Assis Brasil - Bagé e Cachoeira.106.

Se como professor ambulante Gobbato ganhou prestígio, em sala de

aula o professor Gobbato

assíduo, pontual, didático, humano, amigo dos alunos, granjeou logo simpatias sem reservas (...) não consultava apontamentos; fluente e seguro, marcava a sua segurança, quando, na Fitopatologia se referia às doenças critogâmicas da parreira, assunto de sua predileção (...) Havia quase que invariavelmente, um verberativo em determinada aula, o que era percebido por todos. Era quando tratava das máquinas de eletricidade dinâmica e do induzido: ‘Anel de Pacinotti e não Anel de Gramme, como se vê repetido nos Tratados de Física’, dizia ele. ’Pacinotti é o inventor. Reclamo à justiça histórica’.107

Não só nas salas de aulas, nos laboratórios ou nos campos de estudo

estava o professor. Residia perto da Escola e, segundo o articulista,

sem anúncio, sem hora marcada, recebia com freqüência os que desejassem esclarecimento, individual ou coletivamente. Solícito, obsequioso, sem pressa, resolvia as dificuldades e dava a entender que isso o distinguia”. 108

Conforme o mesmo articulista, Salvador Petrucci, um grande amigo

de Gobbato, os alunos, por sua vez, retribuíam com respeito, acatamento,

paraninfados, sem excluir, o que era costume, as tocatas noturnas de

surpresa.109

106 Relatório do Instituto de Agronomia e Veterinária. 1915. p. 9-10. 107 PETRUCCI, S. Correio do Povo. Porto Alegre, 8-11-1958. 108 Idem. 109 Idem.

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Por muitas vezes Gobbato foi convidado pelo Grêmio dos Estudantes

do Instituto para realizar a palestra inicial das conferências anuais que

aconteciam na sede do estabelecimento de ensino. As palestras de

Gobbato eram muito aplaudidas, e os alunos faziam questão de

cumprimentá-lo pessoalmente. As conferências terminavam com o esperado

chá-tango, onde todos se divertiam até a meia-noite.110

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, muitos

professores estrangeiros foram chamados de volta a seus países. Gobbato,

por dispositivos da legislação italiana, foi dispensado da convocação,

assumindo outras disciplinas na Escola de Engenharia.

Terminada a guerra, em 28 de janeiro de 1919, em gozo de licença

de suas funções na Escola de Engenharia, Gobbato voltou à Itália. Iria rever

a mãe e os irmãos Higo Gobbato, diretor técnico da fábrica Fiat de Turin,

Tito Gobbato, diretor de uma fábrica de tecidos na mesma cidade e Carlos

Gobbato, que residia em Volpago. Gobbato tinha também uma triste missão

em Volpago.

Gobbato não estava sozinho quando deixou a Itália em 1912. Ele

viajava com Maria, sua esposa, que esperava um filho. Pouco depois de

chegar ao Brasil, mãe e filho, que se chamou Ângelo, morreram no parto.111

110 Correio do Povo. Porto Alegre, 6-5-1923. 111 Depoimento de Lydia Gobbato. Março de 2000.

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No seu relato da viagem, Gobbato deixa um silêncio sobre a companheira.

Em nenhum momento ele se refere a ela.

Na viagem de retorno à Volpago, em 1919, Gobbato levaria os ossos

da esposa e do filho para depositá-los na capelinha da família.

Segundo Lydia Gobbato, sua filha, nessa ocasião ele tinha intenção

de ficar definitivamente na Itália, talvez porque estivesse muito só, pois

havia perdido a mulher e o filho. Mas ele mudou de idéia, talvez por ter

encontrado um ambiente hostil, devido aos respingos da Revolução Russa

(1917) pela Europa. Uma vez que sua família estava sendo ameaçada pelos

“contadini”112, Lydia conta que em Volpago, ao sair de bicicleta pelas ruas da

cidade, Gobbato foi até mesmo apedrejado.

A estada de Gobbato na Itália durou quase um ano. Lá, fora

convidado a prestar serviço à Cattedra Ambulante di Agricoltura di

Montebelluna e Valdobbiadene colaborando naquilo que era necessário

para o ressurgimento da atividade agrária113 de seu país, em grande parte

destruída pela guerra, e pelos movimentos revoltosos dos “contadini”.

112 Os “contadini” eram camponeses que trabalhavam sob condições precárias em

pequeníssimos pedaços de terras, “ insuficientes para matar-lhes a fome e para absorver o seu trabalho e o de sua família, enquanto que a maior parte da terra é de propriedade de burgueses de toda espécie. (...) Uma das características mais salientes que pode-se observar no camponês é a amargura causada pelo fato de que a terra não é de quem a cultiva, e que a concorrência em torno da terra o obrigue a submeter-se a contratos humilhantes. (...) Os principais estudiosos desses problemas sempre reconheceram que as relações entre o contadino e os proprietários nunca foram afetuosas”. IANNI, C. Homens sem Paz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. p. 60-63.

113 Carta de Gobbato a um amigo italiano datada de 18-8-1953.

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No final de 1919, Gobbato dizia-se estar nauseado pela onda

comunista que insistia em subverter a religião, a família e a paz social da

Itália.114 Segundo suas próprias palavras, resolveu retornar para a querida

Escola de Engenharia, onde, tanto na Estação Experimental de Viamão,

quanto no ensinamento ambulante de agricultura dediquei especial atenção

ao melhoramento da viticultura e da indústria enotécnica rio-grandense.115

Foi na viagem de volta ao Brasil, novamente em alto mar, que

Gobbato conheceu Berta Schwemmer, com quem se casou em Porto

Alegre, e teve quatro filhos: Mário Pedro, Tito Alberto, Lydia Ana e Piero

Ludovico.

Figura 5 – Encontro de Celeste Gobbato com Berta no navio (1919)

Fonte: Do Arquivo Particular de Lydia Gobbato

114 Idem. 115 Idem.

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Berta era alemã, de Augsbug, região da Bavária. Viajava com uma

família de suíços, tomando conta das crianças. Berta não falava italiano,

Gobbato não falava alemão; a conversa entre os dois era em francês. Lydia

conta que este era inclusive o idioma usado em casa quando as crianças

não podiam tomar conhecimento de algum assunto.

Segundo Lydia, o pai jamais repreendera os filhos com agressividade.

Meu pai foi uma pessoa muito gentil. Mas a educação dos filhos, diz ela,

ficava por conta da mãe. Os filhos não conversavam muito com o pai.

Quando se aproximavam de seu escritório, a mãe anunciava que ele estava

trabalhando. E bastava. Seu mundo girava em torno do trabalho. Meu pai

era um homem muito requisitado.116

116 Depoimento de Lydia Gobbato. Setembro de 2000.

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Figura 6 – Foto da família de Gobbato (Tito Alberto, Lydia, Mário, Piero, Celeste e Berta. Porto Alegre. 1942)

Fonte: Do Arquivo Particular de Lydia Gobbato.

Em solo europeu, nesta mesma ocasião, Gobbato também esteve na

França à serviço da Escola de Engenharia, o que contraria a versão de

Lydia de que ele tinha intenção de ficar por lá, definitivamente. Conforme

documentos da instituição, Gobbato fora à Europa incumbido pela alta

direção da Escola de comprar vários materiais, e alguns trouxe consigo.

Nestes países verificou os últimos progressos feitos em zootecnia e na

agricultura e adquiriu mudas de plantas frutíferas e de vinhas. Entre as

vinhas trouxe as de tipo cavallos, resistentes à filoxera, riquíssima coleção

de videiras européias e americanas de produção direta, e vários híbridos

américo-americanos e américo-europeus de produção direta, de máxima

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resistência às moléstias. Foram trazidas ainda excelentes coleções de

sementes para forragens, cereais, leguminosas comestíveis, plantas textis,

de jardinagem, de silvicultura, fruticultura e industriais, nos importantes

estabelecimentos “Vilmorin” e “Andrieux”, de Paris, “Fratelli Ingegnoli”, de

Milão e, diretamente da “Real Estação de Cerealicultura” de Riet, foram

trazidos trigos de pedigrée e híbridos selecionados e, ainda, ovos de bicho

da seda, entre raças puras e tipos cruzados.117

Placas metálicas para classificação das vinhas, cereais, forrageiras;

para identificar pomares e grupos de canteiros, etc.; aparelhos

meteorológicos e materiais para laboratório de sementes foram outros

materiais encomendados pela direção da Escola.

Além de providenciar os recursos materiais, Gobbato foi responsável

por contratar um químico agrícola para que organizasse o Laboratório de

Química Agrícola da Estação Experimental. Egydio Facco, formado pela

Universidade de Turin, foi o químico contratado por Gobbato.

Em dezembro de 1919, de volta à capital gaúcha, Gobbato reassumiu

seu lugar na chefia da Estação Experimental da Escola de Engenharia.

Cinco anos depois, seria eleito intendente de Caxias do Sul. Da cátedra a

um cargo público de executivo diversos elementos da personalidade de

Gobbato pesaram para estabelecer essa trajetória, em princípio, pouco

linear. Sem dúvida, entre eles, destaca-se a irrequietude, característica que

117 Relatório da Estação Experimental em Viamão. 1920, p. 5.

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o repórter, como se informou, salienta nele, muitos anos após sua morte, e

que o impulsionaria nas viagens de trabalho como professor ambulante,

pelo Rio Grande do Sul.

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Ser um professor contratado por uma instituição de reconhecida

importância, com horário de trabalho e pessoas que dependiam dele,

tomava um considerável tempo na vida de Gobbato, principalmente durante

o dia. Suas atividades na Escola de Engenharia relacionavam-se com

assuntos que ele conhecia e tratava de analisar na sua essência.

A produção escrita de Gobbato, incluindo artigos e livros, é bastante

significativa e tem uma longa história. Ele só parou de escrever quando a

doença, que o acometeu aos 64 anos, não mais permitiu. Ao chegar no

Brasil, já havia produzido inúmeros artigos118 para a revista da Escola de

Conegliano, além de ter publicado Dell’ Agricoltura Montelliana (1911), um

118 Em 1911, Gobbato publicou os artigos Le societá cooperative di produzione

(Conegliano), Il comércio com l’estero della uve da tavola (Conegliano), e em 1912 L’acescenza del vino (Pisa), L’azione dei concimi durante i peirodi siccitosi (Conegliano), Il diramento dell’erba medica (Conegliano) e Il gelso e la lotta contro la Diaspis pentagona (Conegliano). GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor Brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1940. p. 5.

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estudo sobre a região onde nasceu. Portanto, escrever não era uma

novidade e nem uma dificuldade para Gobbato.

Ler e escrever era a sua vida, diz Lydia. Escrever sobre as questões

da agricultura sempre foi sua paixão. Conta ela que à noite, acompanhado

de cigarros e ‘chafé’, um café aguado que era esquentado na espiriteira, ele

escrevia muito, até tarde. Meu pai varava a noite estudando e escrevendo, e

por isso mantinha no seu escritório uma cama.119

Essa forma quase obsessiva de Gobbato se relacionar com a

pesquisa caracteriza sua maturidade profissional intelectual.120

A agricultura em geral, mas a vitivinicultura de forma predominante,

foi o tema principal da produção intelectual de Gobbato ao longo de sua

vida. No Brasil, além de inúmeros artigos para revistas especializadas, como

a Egatéa e Chácaras e Quintais, escreveu obras importantes sobre o tema

como Manual Prático de Viticultura (1914), A Cultura da Vinha (1924) e ABC

do Viticultor (1945). Por mais de trinta e cinco anos foi colaborador da seção

agrícola do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, o que lhe trouxe enorme

prestígio entre a comunidade gaúcha. Nesta capítulo destaca-se os artigos

escritos por Gobbato para a Egatéa e para o Correio do Povo, bem como

119 Depoimento de Lydia Gobbato. Setembro de 2000. 120 GOMES, A.M.C. História e historiadores. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,

1996. p. 76.

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artigos e livros sobre a vitivinicultura, que caracterizam a faceta intelectual

desse imigrante italiano.

2.1 PRODUÇÃO CULTURAL E ERUDIÇÃO

Entre as suas atividades de professor nos cursos citados, de

professor ambulante, e de chefe da Estação Experimental de Viamão,

Gobbato encontra tempo para ser assíduo colaborador da Egatéa, revista

publicada pela Escola de Engenharia. Conforme o diretor da instituição a

revista deveria ser

uma tribuna franca para o estudo e discussão de todas as questões que direta ou indiretamente digam respeito ao progresso do Estado ou às suas classes produtoras é o objeto principal de Egatéa. Será também, é obvio, um expositor e registro dos trabalhos executados por aqueles que colaboram nesta oficina intelectual que é a Escola de Engenharia e um divulgador das modernas idéias em matéria de ciência e indústria.121

O nome da revista representa as iniciais dos primeiros institutos

criados, ou seja, Engenharia, Ginasial, Astronomia, Técnico Profissional,

Eletricidade e novamente Astronomia.122

Com perfil técnico-científico, a revista trazia artigos de professores

dos vários institutos e departamentos, e relatos das viagens que professores

e alunos faziam pelo Brasil e outros países.

121 Egatéa. n. 1, julho/agosto 1914. p. 1-2. 122 Engenharia. Op. cit., p. 20.

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Gobbato acompanhou o surgimento da revista que se tornou um

veículo de divulgação e consulta tanto nos meios rurais quanto

universitários. A revista começou a ser publicada em julho de 1914, e foi

dirigida até 1919 pelo engenheiro Vivaldo de Vivaldi Coaracy. Por

dificuldades econômicas cessou sua publicação em 1934.123 Sua feitura era

exclusivamente da casa: composição, clicheria e impressão, feitas no

Instituto Técnico Profissional Parobé.124

A revista também era distribuída para diversos municípios do Estado

e mesmo por Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1920, Gobbato

assumiu a direção da Egatéa no lugar de Vivaldo Coaracy. Na nova função

empreendeu uma remodelação na revista, que passou a contar com novas

seções, tornado-a um magazine de utilidades práticas não somente para o

cientista mas também para o mais modesto agricultor, criador, industrialista

e comerciante.125

A partir de 1922, por iniciativa de Gobbato, a seção Notas Rurais e

Domésticas vinha acompanhada de tradução nas línguas italiana e alemã, o

que facilitava sua divulgação nas colônias do Rio Grande do Sul e também

no exterior.126

123 Idem. 124 Idem. 125 Correio do Povo. Porto Alegre, 20-4-1921. 126 GERTZ, R. Op. cit., p. 3.

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Figura 7 – Textos traduzidos Fonte: Egatéa. Setembro de 1922.

A revista passou a publicar regularmente o Boletim do Posto

Zootécnico e da Estação Experimental de Viamão, ao mesmo tempo que foi

ampliado o serviço de informações chamado Consultório de Egatéa, onde

qualquer leitor, e não só o assinante, podia encaminhar perguntas sobre

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assuntos de agricultura, zootecnia, veterinária, apicultura, etc.., bem como a

questões técnicas que admitam resposta pelas páginas duma revista. 127

Através de notícias de jornais foi possível encontrar referências sobre

exemplares da revista enviados a escolas, prefeituras, entidades agrícolas

do interior do Estado, que recebiam com entusiasmo a apreciada revista.

ANO TÍTULO RESUMO 1914 Cultura dos Campos Trata da necessidade de se intensificar a agricultura nos

campos, onde nem a pecuária é praticada com proveito. Economia das

Forragens Esclarece sobre os componentes da ração animal e sua relação nutritiva.

Notas de viticultura Trata da constituição de viveiros. 1915

No vinhedo Trata das moléstias que atacam as vinham e que devem ser tratadas no inverno.

Escolha e Economia do Arado

Mostra como utilizar o arado e a sua importância na lavoura nacional.

Moléstias comuns nos vinhos rio-grandenses

Esclarece sobre como detectar alterações no vinho; cuidados no armazenamento e transporte do produto.

Uma doença microbiana dos vinhos

Trata dos fatores que favorecem o desenvolvimento de moléstias no vinho

Leguminosas e Agricultura

Esclarece sobre a condição favorável do solo rio-grandense para a atividade policultora.

Quadro 1 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato Gobbato de 1914 a 1923, na revista Egatéa. 128

ANO TÍTULO RESUMO Notas de

entomologia agrícola

Trata das larvas que atacam as laranjeiras apontando soluções para a erradicação das pragas.

1916 Economia das Forragens

Sobre os custos da ração; como proceder para seu melhor aproveitamento

O trigo na região colonial serrana

Alerta sobre a escolha de sementes; critérios de seleção de raças de sementes de trigo.

O coalho Mostra as etapas para obtenção do coalho; importância do coalho para a indústria de lacticínios.

127 Egatéa. v. 3, n. 5, 1920. 128 É importante esclarecer que os artigos que compõem o quadro correspondem ao

material pesquisado no Arquivo da Escola de Engenharia de Porto Alegre, onde não foi possível encontrar todos os exemplares da revista. O local não possui funcionários para orientar na coleta de material. No entanto, por intermédio de Lydia Gobbato foi possível obter uma listagem de 141 títulos (e não os artigos) correspondentes aos anos de 1914 a 1926, feita pelo próprio Gobbato.

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O sistema de administração rural por colônia parciária em auxílio à pecuária rio-grandense

Esclarece sobre a importância de um contrato entre o fazendeiro e o colono.

Os corta-forragens Trata de como preparar a ração de modo que o gado gaste menor tempo para digeri-lo, os aproveite em quantidade máxima e não possa escolher as misturas que mais os agrade, espalhando-os no piso do estábulo.

1917 A filoxera no Rio Grande do Sul

Traz um apanhado de seus estudos e publicações sobre a moléstia.

Boletim do Posto Zootécnico

Traz resultados de experimentos com adubação do feijão miúdo.

Atividades do Posto Zootécnico

Trata das culturas do milho, do feijão miúdo forrageiro e da batata inglesa.

1919 O Estrume A importância do estrume como adubo; sua composição; fermentação e conservação.

1920 Criação do bicho da seda

Trata da importância da criação do bicho da seda para a indústria têxtil rio-grandense e mostra resultados de experimentos dessa atividade.

1921

Sistematização do solo de cochilha

Como tratar o solo de cochilha evitando o seu depauperamento.

O forçamento de plantas lenhosas

Como obter produtos precoces através da técnica de estufas; resultados experimentais.

Problemas das sementes

Esclarece sobre os critérios na seleção de sementes; épocas apropriadas para o plantio de determinadas plantas.

Estrume, esterqueiras e estrumeiras

Trata da falta de higiene com que os criadores tratam o esterco de curral que é um importante adubo.

1922 Abrigos para gado vaccum e cavalar

Traz as vantagens de se construir adequadamente abrigos de animais para a indústria pecuária

1923 Pequenas notas agrícolas

Como reconhecer as vinhas atacas pela filoxera; determinação prática de açúcar e acidez total do mosto; combate ás lombrigas na suinocultura.

Cont. Quadro 1 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato Gobbato de 1914 a 1923, na revista Egatéa.

Por esse quadro de artigos pode-se perceber a diversidade de

assuntos de que Gobbato tratava. Com um discurso portador de um

significado prático, os problemas da fauna e da flora integravam-se no seu

dia a dia.

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No cenário nacional durante a República Velha, o Rio Grande do Sul

destacava-se como produtor agrícola. Conforme o Censo de 1920, o Estado

ocupava o primeiro lugar na produção de trigo, batata-inglesa, vinho e mel;

era o segundo maior produtor de farinha de mandioca e fumo e ocupava a

terceira posição na produção de milho, arroz e feijão.129

Os artigos de Gobbato, portanto, direcionavam-se para as

dificuldades técnicas dos agricultores em relação a tais cultivos.

Manifestando-se, por exemplo, sobre a produção do trigo na região

serrana Gobbato dizia que a produção de 1915 foi abundante, devido a

maior superfície dedicada a esta cultura e ao ano que lhe correu muito

favorável”.130 Mas alertava ao colono que observasse sobre a escolha da

semente que tem influência capital na produção dos cereais.

De acordo com Jean Roche, em 1916, entre os 10 principais

municípios produtores de trigo havia oito de origem italiana, que forneciam

93,9% da quota-parte dos dez municípios, e dois de origem alemã, que só

entravam com 6,1%.131 Conforme este mesmo autor, a cultura do trigo

introduziu-se nas colônias italianas no último quartel do século XIX, mas

embaraçaram-na as deficiências técnicas e as dificuldades de transporte.

Na análise de Gobbato,

129 FONSECA, P.D. Op. cit., p. 50. 130 GOBBATO, C. O trigo na região colonial serrana. Egatéa, fev. 1916, p. 168.

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na região colonial serrana, a escolha da semente é coisa muito descuidada. Lembramos como geralmente cultivam-se raças e variedades de trigo diferentes no mesmo solo, o que aliás faz aumentar a produção unitária, que a ceifa se executa contemporaneamente formando molhos de espigas diferentes, não só em relação à variedade do trigo, como também em relação à resistência às moléstias do mesmo. Desse modo acontece que o produto é misturado, que o monte de grão obtido pela trilha é um conjunto de sementes provenientes de plantas sãs e das atacadas pelas doenças.132

Gobbato pregava que os mesmos critérios que os criadores têm ou

deveriam ter na escolha dos reprodutores, o agricultor deveria ter na escolha

das sementes, porque, argumentava ele, a lei da hereditariedade e do

atavismo domina tanto no reino animal como o vegetal. 133 Gobbato

acreditava que por meio da seleção criteriosa e perseverante, o agricultor

poderia obter variedades ou raças de trigo que tornariam novamente o Rio

Grande do Sul o “celeiro do Brasil”, muito mais populoso do que o era em

épocas passadas. 134

Embora o Governo Imperial houvesse estimulado o cultivo do trigo

concedendo prêmios aos agricultores que produzissem mais de mil

alqueires por ano (mais de 320 hectolitros) foi em 1928, com Getúlio Vargas

no governo estadual, que se travou a “batalha do trigo”.135 Quando Vargas

131 ROCHE, J. A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969.

p.246. 132 Ibidem, p. 170-171. 133 Idem. 134 Idem.

135 ROCHE, J. Op. cit., p. 245.

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assume a presidência da República, lança o “slogan” “Semeai trigo” e

estimulai os novos trigais.136

Em relação à criação industrial de gado, outra importante atividade

econômica rio-grandense, Gobbato orientava sobre a conveniência da

construção de abrigos para os animais que segundo ele, serviria para

defendê-los contra os rigores do frio e do calor, para alimentá-los

devidamente, prestar-lhes os cuidados que a higiene impõe e nos casos de

doenças ou acidentes poderiam ser melhor tratados.137Gobbato

argumentava que

Se é verdade que os animais se adaptam às mais variáveis condições de ambiente e podem viver e multiplicar-se nos lugares mais desabrigados, fortalecendo até, pela seleção natural, sua própria raça, é ao mesmo tempo verdade que, nestas condições, os animais tornam-se menos produtivos.138

Gobbato entendia que devido ao sistema de criação extensiva

existente no Rio Grande do Sul, seria muito difícil a construção de abrigos

para todos os animais da estância. No entanto, dizia ele, principalmente

agora que se tornou regra geral a introdução de reprodutores de raças

nobres, é o abrigo para estes a fim de que conservem e melhorem os

característicos genealógicos.139

136 Idem. 137 GOBBATO, C. Abrigos para gado vaccum e cavvalar. Egatéa, set. /out. 1922. p. 276.

138 Idem. 139 Idem.

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Citando a quem chamou de o ilustre mestre Dr. Assis Brasil, Gobbato

lembrava que os touros devem ser estabulados pelo menos durante o

inverno; terão mais longa vida, maior fecundidade e a progenie será mais

rigorosa. Para os garanhões, diz ele, está generalizado o uso de edificações

especiais, que para os touros em muitas fazendas faltam ainda, ou não

estão à altura do que deveriam ser.140

Gobbato via ainda outras vantagens do abrigo:

ele determina a convivência entre o gado e o homem, indispensável para que o primeiro se torne uma verdadeira riqueza de circulação e para poder intervir em exposições, para que o gado, do estado selvagem ou arisco, se transforme em gado manso ou doméstico, além de permitir juntar suas dejecções e suas camas, que representam um material fertilizante de grande valor. 141

O artigo Abrigos para gado vaccum e cavallar surgiu de uma visita

sua como professor ambulante à Ilha dos Marinheiros, em 1922.

Gobbato mostra preocupação em relação à higiene dos estábulos e

chiqueiros. Impressionou-se com o desleixo com que os criadores tratavam

do esterco de curral. Entendia que, se convenientemente reunidos e

guardados, ofereceriam o adubo importantíssimo denominado estrume. Em

visitas a criadores de porcos, surpreendeu-se com as condições do local:

Aqui é o chiqueiro quase nadando na imundície quando a mesma não é levada pelas águas ao pátio, aos córregos que atravessam o piquete dos porcos, constituindo

140 Ibidem, p. 277. 141 Idem.

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verdadeiros charcos sufocantes: contaminados, na maioria das vezes, de vermes intestinais e de outras moléstias que, periodicamente, se alastram em forma epidêmica com grande surpresa e espanto do criador”.142

No jornal Correio do Povo, Gobbato publicou uma quantidade enorme

de artigos. O Correio do Povo, de acordo com seu primeiro editorial, datado

de 1 de outubro de 1895, expressava o seu propósito de manter-se

um noticioso, literário e comercial, e ocupar-se-á de todos os assuntos de interesse geral, obedecendo à feição característica dos jornais modernos e só subordinando os seus intuitos ás aspirações do bem público e do dever inerente às funções da imprensa livre e independente. 143

Dizia-se portanto, uma folha informativa de caráter imparcial distante

de interesses pessoais e partidários.

ANO TÍTULO RESUMO

1922 7 de janeiro

Riquíssima região agrícola pouco conhecida. A indústria sericícola

Visitando os núcleos da antiga colônia Silveira Martins, Nova Udine, Nova Palma, Nova Treviso, D. Francisca, Fachinal do Soturno, Polesine, Ribeirão, Val Vêneta, Val Veronesa, Silveira Martins e Arroio Grande, Gobbato fala dos produtos ali cultivados:milho, trigo, batata-inglesa, fumo, alfafa, arroz, uva, feijão e amora. Chama a atenção para o desenvolvimento das amoreiras, principalmente em Nova Udine, e dos belíssimos casulos que ali se conseguem pela criação do bicho da seda, importante para a indústria de tecelagem trazendo vantagens nacionais pois o Brasil importa toda a seda que dispõe. Esclarece sobre os cuidados dessa delicada atividade, que necessita de pessoal e estabelecimentos especializados e de modernos aparelhos de fiação. Lembra que a região italiana do Vêneto é intensamente sericícola e que o colono que viveu nesse ambiente deve ensinar seus filhos

142 GOBBATO, C. Estrume, esterqueiras e estrumeiras. Egatéa, jan. /fev. 1922, p. 38. 143 Correio do Povo. Porto Alegre, 1-6-1986. p. 2.

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a cultivar o bicho da seda.

12 de janeiro

A indústria viti-vinícola

Esclarece sobre a necessidade da fundação de estabelecimentos de higiene dotado de pessoal perito nas análises e na cultura das parreiras e na manipulação da uva e do vinho nas localidades de Silveira Martins, Val Vêneta, Ribeirão, Nova Treviso, Nova Palma e Nova Udine, onde a uva é toda empregada na fabricação do vinho.

19 de janeiro

A indústria do fumo

Trata da cultura do fumo nos centros agrícolas da ex-colônia Silveira Martins, onde é cultivado em larga escala. Esclarece sobre a época apropriada para o transplante das sementeiras, a distância ideal entre elas e a época ideal para a colheita. Observa a forma inadequada com que se faz a escolha das sementes(que são cruzadas e não puras) e do tratamento ou beneficiamento das folhas.

11 de fevereiro

A exposição de frutas de Vila Nova

Destaca as preciosas condições dos arredores de Porto Alegre para o desenvolvimento da fruticultura; a importância de um concurso agrícola para o estímulo da indústria frutícola rio-grandense; observa sobre a variedade de pêssegos, ameixas, pêras, figos e uvas.

16 de fevereiro

A exposição de frutas de Vila Nova

Sugere que a exposição seja realizada em local mais acessível à população, que aproveitando para fazer um passeio, possa apreciar as variedades de frutas cultivadas no Rio Grande do Sul, estimulando sua propagação, seus meios de cultura, contribuindo assim para o aumento da produção e do consumo de frutas tão necessárias na alimentação humana. Também sugere a presença de produtores de municípios vizinhos da capital.

Quadro 2 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do jornal Correio do Povo. 144

ANO TÍTULO RESUMO

21 de fevereiro

A exposição de frutas de Vila Nova III

Esclarece sobre as vantagens da organização do evento num pavilhão e que também deveria acompanhar a exposição de frutas, a apresentação de cestos, caixas e de outros tipos de materiais para o transporte das frutas sem prejudicá-las.

1923 29 de junho

As possibilidades da cultura do fumo no Rio Grande do Sul.

Faz um histórico sobre a cultura do fumo no Rio Grande do Sul, que iniciou entre os gaúchos, em 1864, no município de Santa Cruz, com sementes vindas da América do Norte, e se espalhou nos municípios coloniais circunvizinhos e se estendeu até que sua cultura fosse feita em mais de 44 municípios rio-grandenses. Trata das variedades de fumo cultivadas, traz dados sobre exportação e normas gerais para um bom aproveitamento da produção.

144 Arquivo Particular de Lydia Gobbato.

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6 de julho Plantações de arvoredo

Esclarece sobre como preparar o terreno para o desenvolvimento adequado da muda; como escolher a muda que mais se adapta ao solo; como identificar mudas sãs e como preparar o pomar.

17 de julho A indústria viti-vinícola paulista. Impressões de viagem

Traz dados sobre variedades de vinhas cultivadas em Jundiaí, e da organização dos vinhedos. Ver mais sobre este artigo no item seguinte desta dissertação.

21 de julho A oliveira Diz que o meio-ambiente gaúcho é muito propício para este cultivo. Destaca Caxias, Torres, Encruzilhada, Cacimbinhas e Cachoeira como produtores desta cultura seja na forma de azeitona para conserva como para a extração do azeite, embora em pequena escala. Orienta sobre como proceder na escolha das sementes, o local propício para o cultivo, a época ideal para transplantar as mudas e como organizar os viveiros.

27 de julho Campos sem abrigo

Diz ser deplorável o que se passa em diversas estâncias gaúchas, onde nos dias rigorosos do inverno, o gado vive sem nenhum abrigo, sem alimento pois a geada seca o pasto, causando moléstias e até a morte dos animais. Sugere a construção de pequenos bosques de eucaliptos, acácias e outras plantas para que o gado possa se abrigar tanto do frio quanto do calor excessivos. Trata também da devastação das matas pelas queimadas, o que chama de trabalho vandálico. Sugere a construção de viveiros municipais como solução para o problema.

3 de agosto

Necessidade do combate sistemático ao gorgulho dos cereais e dos grãos leguminosos

Mostra as etapas para erradicação do inseto que ataca principalmente as espigas de milho, prejudicando a comercialização de seus derivados no mercado exportador.

Quadro 3 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do jornal Correio do Povo.

ANO TÍTULO RESUMO

11 de agosto

Sementes de milho

Esclarece sobre a importância da escolha das sementes pois desta, em grande parte, dependerá a qualidade e o valor da colheita. Destaca as variedades mais aptas à industria moageira.

18 de agosto

Devemos intensificar a cultura do capim de Rhodes

Destaca os excelentes resultados do cultivo deste tipo de capim seja para forragens, para alimento de gado de galpão, ou para o pastoreio. Este tipo de capim requer poucos cuidados pela resistência que apresenta ao frio e às secas. Orienta sobre como cultivá-lo.

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25 de agosto

Criação de galinhas

Orienta sobre a importância do cruzamento de aves que se destinam ao consumo de carne. Esclarece sobre as raças aptas ao cruzamento, a idade apropriada para a cruza e o procedimento adequado.

8 de setembro

A alternância das culturas e das variedades da mesma planta, principalmente em relação ao fumo

Diz que no exercício da racional agricultura é necessário que plantas de diferentes exigências se sucedam no mesmo solo, evitando seu definhamento e pouca produtividade. Salienta a experiência dos agricultores que substituem a plantação do tipo de fumo amarelinho por outras variedades, durante alguns anos, como o Kentucky. Depois de alguns anos, o tipo amarelinho se desenvolve melhor no solo ocupado pelo Kentucky. Lembra que o Ensino Ambulante de Agricultura da Escola de de Engenharia distribuiu aos agricultores diversos quilos de sementes do Kentucky, gratuitamente.

15 de setembro

Plantação de arroz

Aproximando-se a época de plantação do arroz (setembro), traz noções gerais sobre a preparação do terreno, eliminação das ervas daninhas, constituição das taipas, os cuidados na escolha e preparação das sementes.

22 de setembro

Moléstias do arvoredo. O carmin da macieira

Esclarece sobre como combater o pulgão lanudo, ou carmin, e a mosca que bicham as macieiras causando danos incalculáveis. Traz os componentes do inseticida chamado Ustin, fabricado pela casa alemã de Frederico Bayer e Comp. Orienta sobre a forma adequada de utilização do preparado.

29 de setembro

A planta que merece ser extensamente cultivada. O sorgo para vassouras

Orienta sobre a necessidade do cultivo de palhas para vassouras visto que esta matéria-prima é importada da Argentina e da Itália. Diante das boas condições climáticas e de solo do Rio Grande do Sul para a cultura do sorgo para vassouras orienta sobre os procedimentos deste cultivo que é semelhante ao do milho.

Quadro 4 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do jornal Correio do Povo.

ANO TÍTULO RESUMO

S/d O definhamento da batata-inglesa

Esclarece que a batata inglesa, que mais propriamente deve ser chamada de batata americana, pois é originária deste continente, é um dos principais produtos cultivados no Estado gaúcho. No entanto, os colonos estavam reclamando que as folhas estavam sendo atacadas pela ferrugem e que os tubérculos estavam definhando ano a ano, que diminuía a produção e sua conservação se tornava cada vez mais difícil. Orienta sobre as causas do fenômeno que estão relacionados à multiplicação por meio de tubérculos e durante duas vezes para cada ano. Dá dicas sobre o tratamento adequado.

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6 de outubro Tratamento simultâneo das moléstias principais das parreiras

Diz que desde que entrou em circulação o Manual do Viti-Vinicultor Brasileiro recebeu muitas cartas de viticultores pedindo a sua opinião sobre o tratamento simultâneo da parreira para abrigá-la e defendê-la contra moléstias. Traz os componentes do preparado ideal para este fim.

13 de outubro

Para uma mais intensa utilização dos resíduos da lavoura rio-grandense. O farelo de arroz

Orienta sobre a incorporação do farelo de arroz na alimentação do gado, principalmente das vacas leiteiras, pelo seu alto valor nutritivo.

20 de outubro

Necessidade de introduzirmos o silo

Traz as vantagens de se armazenar o pasto verde pelo silo, permitindo sua conservação por longo tempo. Orienta sobre como proceder para a construção do silo por meio de fossas.

27 de outubro

Cultivemos o algodoeiro

Orienta sobre os tipos de algodoeiro propícios às condições climáticas e de terreno do Rio Grande do Sul. Orienta sobre as etapas de plantio e colheita.

Quadro 5 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do jornal Correio do Povo.

A diversidade de assuntos de que Gobbato trata é excepcional para

se valorizar o seu envolvimento e compreensão para com as formas de

atividade agrícola e pecuária no Rio Grande do Sul durante a República

Velha. A partir desses artigos é possível apontar os aspectos que Gobbato

tentava valorizar, recuperar, construir e divulgar através de sua intensa

produção cultural com objetivos eminentemente práticos voltados para o

saneamento dos problemas da fauna e da flora existentes, que ele

incansavelmente apontou e ajudou a combater.

Ele foi enólogo reconhecido, e também um “erudito”. Sua obra sobre

a vitivinicultura, no entanto, se anunciava mais como fruto da experiência do

que da erudição, como se verá a seguir.

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2.2 DA TEORIA À PRÁTICA DA VITIVINICULTURA

“Bacco ama as colinas.”

Virgílio

A observação de Virgílio é destaque nos textos de Celeste Gobbato

quando ele analisa as condições de Caxias do Sul para a cultura de vides. O

cultivo da vide no Brasil tem longa história. Começou por volta de 1535, na

capitania de São Vicente, através de Martin Afonso de Souza. Em 1626, o

padre jesuíta Roque Gonzales introduziu videiras européias no povoado de

São Nicolau nos Sete Povos das Missões, no planalto rio-grandense. Em

1742, assinala-se o renascimento da viticultura com a chegada dos casais

açorianos e madeirenses que se radicaram em Porto Alegre e Rio Grande.

Em 1824, cepas de videiras lusas foram trazidas para Porto Alegre, São

Leopoldo e São Lourenço pelos imigrantes alemães. Em 1838 deu-se a

introdução da videira americana Isabel, importada de Washington (USA)

para o comerciante Thomas Messinger que plantou seus bacelos na Ilha

dos Marinheiros em Rio Grande e que rapidamente cobriu todo o Estado.

Em 1875, com a imigração italiana, verifica-se a viticultura como atividade

econômica dominante da região nordeste do Rio Grande do Sul.145

Atualmente, cerca de 70% da viticultura brasileira localiza-se no

estado gaúcho, 20% em São Paulo, e 10% nos demais estados. Apenas

145 LOVATEL, J. Aspectos da Viticultura Brasileira. Mímeo.

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25% das variedades cultivadas são vitis vinífera (castas européias), os

outros 75% são de variedade americana ou híbridas.146

Figura 8 – Velho vinhedo de viníferas enxertadas sobre Isabel. Estação Experimental de Viticultura e Enologia de Caxias do Sul. Dezembro de 1929.

Fonte: Arquivo Particular de Lydia Gobbato.

Os livros e artigos que Gobbato escreveu sobre a vitivinicultura têm

reconhecida importância. Alguns estudos acadêmicas147 valorizam essa

146 Idem.

147 Trabalhos como Os Parceiros do vinho. A vitivinicultura em Caxias do Sul (1911-

1936), Dissertação de Mestrado defendida por Anelise CAVAGNOLLI, em 1989, na Universidade Federal do Paraná; RS: Agropecuária Colonial e Industrialização, 1983, onde Sandra J. PESAVENTO dedica um capítulo à indústria vinícola riograndense; Cantineiros e Colonos – A induústria do vinho no Rio Grande do Sul, de José Vicente Tavares dos SANTOS, presente na série RS: Imigração e Colonização, 4. ed. 1996; e Estação do Vinho. História da Estação Experimental de Viticultura e Enologia – EEVE – 1921-1990. Ivoni Nor PAZ e Isabel BALDISSEROTO. Caxias do Sul. Educs.1997.

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produção do italiano irrequieto. Uma das obras mais citadas nestas

pesquisas é o Manual Prático de Viticultura, publicado em 1914 e

reeditado em 1922, 1930 e 1940, além do artigo O cultivo da videira e a

industrialização da uva no Rio Grande do Sul, presente no Álbum dos 75

Anos da Colonização Italiana no RS. No entanto outras obras como A

Cultura da Vinha e ABC do Viticultor merecem destaque para a análise do

processo de industrialização da vitivinicultura no Brasil.

Para Onofre Pimentel, enólogo caxiense, a obra de Gobbato,

referindo-se ao Manual, representa o primeiro estudo sistemático sobre a

viticultura brasileira.148 Para o engenheiro agrônomo Jaime Lovatel, que hoje

coordena o Setor Primário e Agroindústria da Universidade de Caxias do Sul

e dirigiu a Estação Experimental de Caxias entre 1976 e 1990, os

ensinamentos de Gobbato continuam sendo extremamente atuais, na

medida em que seus ideais ainda estão por ser concretizados, embora o

cultivo da uva e a fabricação do vinho tenham evoluído nos últimos anos.149

Para Lovatel, a obra de Gobbato foi o ponto de partida para muitos estudos

posteriores sobre a viticultura brasileira.150

148 Depoimento de Onofre Pimentel. Abril de 2001.

149 Depoimento de Jaime Lovatel. Abril de 2001. 150 Idem.

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O Manual foi originalmente escrito em italiano e posteriormente

traduzido para o português pelo professor Major Miguel Pereira, colega de

Gobbato.

Composto de 165 páginas, o Manual divide-se em quinze capítulos.

Homem culto, Celeste Gobbato cita com propriedade fontes eruditas,

Virgílio, Plínio, Bacco. Lembrando Sócrates, compartilha com o filósofo a

idéia de que a agricultura é mãe e nutriz de todas as demais artes. 151

Refere-se às descobertas científicas que desde o século XVIII

estimulam a produção em geral, repercutindo no campo agrícola. Cita por

exemplo: Watt, com a máquina a vapor, Robert Fulton, com o navio de

rodas, Erikson, com a embarcação a hélice, Stephenson, com a locomotiva.

Acrescenta ainda

Liebig com a química agrária, Pasteur, e recentemente, Morse, Edison, Righi e Marconi com a telegrafia; Paccinotti, Gramme e Siemens com a eletro-dinâmica. A. Smith com a economia industrial privada; Lecouteux com a economia rural e Von d. Goltz com a contabilidade privada e pública.152

151 GOBBATO, C. Manual Prático de Viticultura. Porto Alegre: Tipografia Germano

Gundlach & Cia, 1914. p. 5.

152 Ibidem, p. 6.

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Figura 9 – Capa do Manual prático de Viticultura – 1914

Fonte: Arquivo da Escola de Engenharia de Porto Alegre

Conhecedor das profundas modificações na arte de cultivar a terra,

que especialmente no século XIX se caracterizava por uma agricultura

empírica, Gobbato afirma que as descobertas científicas vieram para auxiliar

no progresso da agronomia, e desta forma permitir o desenvolvimento pleno

das nações. Segundo ele

as causas de uma perturbação econômica residem principalmente na agricultura; por isso exige que a ela se dirijam o estudo, as pesquisas, e o trabalho, porque resolvido o problema agrícola teremos, via de regra, resolvido todos os outros problemas.153

153 Ibidem, p. 10.

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Na época contemporânea, diz ele, a viticultura assume incontestável

importância, pois produz riqueza, valorizando enormemente as terras,

fornece mercadoria procurada no comércio sob a forma de uva de mesa, ou

sob a forma de vinho,154 constituindo-se em fonte de lucro para o cultivador.

No Manual, Gobbato apresenta noções básicas sobre a fisiologia da

vide. Classifica as principais espécies, trata da formação das raízes, do

caule e suas ramificações em galhos, dos ramos – cuja atividade fisiológica

serve à circulação dos sucos vegetativos -, das folhas, que, segundo ele

variam enormemente em cada vide, pela grandeza, forma, cor, brilho, pêlos,

rugosidade, margens, etc., oferecendo caracteres notáveis na identificação

de cada vide.155 O cacho é o aparelho floral da vide. Esclarece que em geral

as vides são formadas por flores hermafroditas, especialmente as

européias. No entanto, há vides unissexuais, masculinas e femininas. Para

Gobbato, a distinção entre as três espécies de vide é de capital importância

ao viticultor para não incorrer no erro do plantio de um vinhedo que pode ser

estéril. 156

Na sua visão, além da uva e do vinho, uma série de outros produtos

secundários poderiam ser aproveitáveis tanto como utilidade imediata como

para gerar lucro aos produtores. Assim, demonstrava ele,

154 Ibidem, p. 11.

155 Ibidem, p. 21. 156 Ibidem, p. 22-3.

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Do bagaço pode-se extrair aguardente, cremor tártaro, óleo de caroço, álcool, ácido tartárico, ácido enotânico, enocionina, podendo ainda servir para preparar segundos vinhos, que cuidadosamente fabricados, chegam a se confundir com o vinho-flor. Por último, os resíduos dos engaços da casca, da borra, empregam-se como estrume. O mosto serve à confecção de doces, para o fabrico de líquidos doces não alcoólicos, e o vinho para fazer vermouth, cognac, outras bebidas e vinagre. Da videira se tira lenha com a poda seca, forragem com poda verde, e até papel dos sarmentos.157

Tratando da importância da viticultura para a economia do Rio

Grande do Sul e do Brasil, destaca que as condições do ambiente natural do

Rio Grande do Sul são ótimas para a viticultura. No entanto, considera

necessário intensificar e melhorar a atividade vitícola no Estado, formando

um bom e permanente tipo de vinho que possa libertar o país da importação

estrangeira.158

Gobbato ainda nem era nascido quando as impressões sobre o

cultivo da vinha no Rio Grande do Sul foram relatadas por autores que

visitaram a então província de São Pedro, no primeiro quartel do século XIX.

As observações de Saint-Hilaire, Arsène Isabelle e Nicolau Dreys fornecem

histórias curiosas sobre a vida e os costumes dos antigos habitantes da

região. Saint-Hilaire, membro da Academia de Ciências do Instituto de Paris,

penetrou no Rio Grande do Sul em 5 de junho de 1820. Vindo de Santa

157 Ibidem, p. 13. 158 Ibidem, p. 31.

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Catarina atravessou todo o litoral de Torres a Tramandaí, depois Viamão e

Porto Alegre.159 Já naquela época observou que

a vinha cresce muito bem: algumas pessoas fizeram vinho, mas como foi considerado de qualidade inferior, dele se fala com desprezo(...) Ainda que pouco abastados, muitos estão acostumados ao generoso vinho do Porto e, como o pouco vinho que se produz aqui no Brasil, está longe de ser tão bom, se os despreza e os motejam, desencorajando os que se entregam a esse ensaios. 160

Da mesma forma o suíço Jean Charles Moré, conhecido como o “

pioneiro da indústria oleaginosa” no Rio Grande do Sul, radicado no

segundo quartel do século XIX na então vila de São Jerônimo, reuniu

informações sobre o cultivo da uva em solo gaúcho.161

Moré identificou em diversas peregrinações feitas pelo Rio Grande do

Sul, solos que parecem terem sido predestinados pela natureza para o

cultivo da uva.162 Observou ainda que, magníficos dorsos de colinas

pedregosas, perfeitamente expostas, deveriam produzir, se plantadas aí

qualidades finas, vinhos muito capitosos!. Referindo-se à variedade das

vinhas, observou que

uma espécie muito espalhada, é a da uva chamada “americana”: o grão é graúdo, a película coriácea, o gosto açucarado, quando está maduro, e dá em abundância; mas

159 COSTA, R. Uma curiosa lição de prática vinícola, há mais de um século, na Província.

Porto Alegre. Correio do Povo. Porto Alegre, 17-12-1966. 160 Idem. 161 Idem.

162 Renato COSTA. Já em 1859 se condenava o plantio de uvas americanas na

Província. Porto Alegre. Correio do Povo. Porto Alegre, 24-12-1966.

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é uma qualidade muito ordinária, tanto para a mesa, como para a fabricação do vinho! 163

Moré já aconselhava, assim como o fez o italiano Gobbato mais de

meio século depois, que seria necessário,

se se quiser explorar seriamente esta cultura, fazer vir castas das melhores procedências, como da Madeira, das ilhas Teneriffe, do meio-dia da Espanha; da Grécia, da Itália, e, sobretudo, da Sicília. (...)a despesa será insignificante para o governo que, de resto, pode fazer-se reembolsar pelos interessados! 164

As observações de Gobbato referem-se a outros tempos, mas as

coisas não haviam mudado muito.

Inicialmente, o agricultor estabelecido na região colonial italiana

transformou a uva em vinho para consumo da própria família e

eventualmente para escambo por outros produtos. Pela escassez de meios

de transporte, observa Gobbato, o colono não se sentia estimulado a

produzir muito vinho. No entanto, diz ele, a grande expansão vitícola do Rio

Grande do Sul se deve à gente itálica que, com a emigração de seus

descendentes para outros territórios do Estado, levaram a viticultura para

inúmeras cidades gaúchas165, como Estrela, Jaguari, Encantado, Cruz Alta,

Ijuí, Santa Rosa e Santo Ângelo, entre outras.

163 Idem. 164 Idem.

165 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 23.

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Até fins do século XIX, a enotecnia sul-riograndense apresenta

características de indústria doméstica e, como lembra Gobbato,

a circulação dos produtos vinícolas que sobram do consumo dos centros produtores é quase toda feita por meio de negociantes estabelecidos na Capital do Estado, para onde o vinho segue em carretas até os portos de São Sebastião do Caí e São João de Montenegro e, por via fluvial, depois. 166

Os estudos de Gobbato revelaram que o clima de Caxias do Sul nada

deixa a desejar ao clima de Bordeaux (considerado um dos melhores para a

viticultura), possuindo assim condições favoráveis para a produção de

excelentes vinhos nacionais.

O tipo de terreno da região de Caxias também contribuiria para a

prosperidade da viticultura. Gobbato lembra que a respeito da disposição, as

vides preferem os terrenos inclinados e bem expostos. Citando Virgílio, para

quem ‘Bacco ama as colinas’, Gobbato entendia que este tipo de terreno é

ideal para o cultivo da vinha pois é mais inclinado levando mais luz, mais

calor e mais permeabilidade aos fluidos.167

De fato, em 1883 o vinho desponta como um dos principais produtos

da economia local, ao lado do milho, trigo, centeio, cevada, feijão e linho.

166 Ibidem, p. 32.

167 Ibidem, p. 35.

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Em 1892, já era o principal produto da região colonial italiana.168 Como

refere Giron, Com o aumento da produção de uvas e o respectivo aumento

do vinho, o governo estadual passa a se preocupar com a questão da

qualidade do vinho produzido, preocupa-se também com a proteção do novo

setor.169

Em 1898 é fundada por Júlio de Castilhos a primeira Estação

Agronômica Experimental no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, com o

intuito de formar elementos especializados que difundissem conhecimentos

técnicos tendentes a fazer melhorar a qualidade do cultivo da videira e da

produção do vinho.170 Foram distribuídos bacelos171, importados pelo

governo, aos colonos de Caxias, São Marcos, Antônio Prado, Alfredo

Chaves, Ijuí e Bento Gonçalves, além de viticultores de São Leopoldo,

Tristeza e proprietários de chácaras na capital.172

Em 1900, o Rio Grande do Sul exportava mais de 1.800 hl de

vinho.173 Quando em 1910, é inaugurada a linha férrea entre Montenegro e

168 Em 1893, a exportação de vinho atinge 99.064 litros, em 1894, 103.718, em 1895,

138.206, em 1896, 195.945, e em 1897, 185.958 litros. Dados de Loraine GIRON citados em CAVAGNOLLI. Op. cit., p. 48.

169 GIRON. L.S. O cooperativismo vinícola... Op. cit., p. 281. 170 PESAVENTO, S.J. RS: Agropecuária colonial... Op. cit., p. 30. 171 “Bacelo, ou estaca, ou galho, é uma fração de um ramo da parreira que possui ao

menos dois gomos e que, habitualmente, tem comprimento de 35 a 50 cm. O bacelo custa menos do que a muda (planta da vide, possui raízes e galhos) e não poucos viticultores preferem adquirir bacelos para contraírem uma menor despesa”. GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 106.

172 PESAVENTO, S.J. RS: Agropecuária colonial... Op. cit., p. 30. 173 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 24.

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Caxias, observa ele, o viticultor amplia seus vinhedos, seguro da colocação

que terá seu produto.174

Ao visitar as colônias pela primeira vez, em dezembro de 1912,

Gobbato teve tempo de fazer uma coisa de que muito gostava: observar e

registrar. O texto foi publicado na revista da Escola de Conegliano. Foram

nove horas de viagem para percorrer o trajeto de pouco mais de 200

quilômetros entre Porto Alegre e Caxias. É verdade, diz ele,

que por estar habituado à comodidade da vida européia, uma ferrovia com largura de 1 metro, onde se emprega cerca de 9 horas para fazer menos de 200 Km, é sempre pouca coisa, mas se se pensar na deficiente e pouco cômoda viabilidade deste país novo, um meio de locomoção moderno representa já grande coisa. 175

Em 1912, devido à organização de algumas cooperativas enológicas,

o Rio Grande do Sul consegue exportar 73.298 hl de vinho. 176

A uva, que era manipulada de forma artesanal nas cantinas

domésticas, passa a ser vinificada nas cooperativas com o auxílio de

técnicos especializados, resultando num considerável melhoramento na

produção do vinho. 177

174 Idem. 175 GOBBATO, C. Dalla capitale ai centri coloniali italiani. Revista da Scuola de

Conegliano, 1912, p. 83. 176 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 32.

177 Idem.

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Stefano Paternó, um siciliano, foi o responsável por organizar o

movimento cooperativista em toda a região colonial italiana. De acordo com

Giron, entre 1911 e 1913 o movimento se expande, são fundadas 16

cooperativas de produção em Caxias, Nova Vicenza, Nova Trento, Nova

Bassano, Nova Pádua, Nova Milano, São Marcos, Antônio Prado, Bento

Gonçalves e Guaporé. 178

Infelizmente, diz Gobbato, as cooperativas têm vida efêmera; seus

administradores não correspondem aos vastos projetos elaborados pelo Dr.

Paternó e, com a falta também do apoio financeiro que lhes fora prometido,

fracasssam inevitavelmente.179

O cooperativismo vinícola gaúcho se anuncia em 1911 quando os

produtores de vinhos enviam um documento ao presidente do Estado,

Carlos Barbosa, reivindicando medidas para a solução dos problemas que

afetavam o setor. A falsificação dos vinhos constituía a principal queixa. Os

produtores acusavam os comerciantes da praça de Porto Alegre e da

própria região colonial, a quem chamam de especuladores, de adulterarem

os vinhos através da adição de determinados produtos e da mistura de

vinhos apodrecidos com outros de boa qualidade. Segundo os produtores, a

falsificação do precioso líquido fazia com que o produto perdesse

178 GIRON, L.S. O cooperativismo vinícola... Op. cit., p. 284. 179 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 33.

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credibilidade entre os consumidores, o que tornaria inevitável a morte da

indústria vinícola e, consequentemente, a miséria para as suas famílias.180

As principais reivindicações eram: a abolição completa do monopólio

dos vinhos na praça de Porto Alegre; que o vinho fosse remetido

diretamente de onde eram fabricados aos compradores da praça de Porto

Alegre, sendo proibida a baldeação para tonéis e depois outra vez posto o

vinho nos quintos; que o vinho só pudesse ser vendido com a marca das

fábricas estabelecidas na zona colonial ou dos verdadeiros vinicultores; a

criação em Caxias de um laboratório de análises dirigido por uma enólogo

competente; que os exportadores apresentassem no final de cada mês,

seus livros de compras e vendas junto com os respectivos recibos e a

proibição do vinho fraco de álcool, sem cor e podre.181

Percebe-se que as reivindicações dos colonos produtores de vinho

vão de encontro aos interesses dos comerciantes, que se organizam na

Associação Comercial de Caxias empreendendo uma campanha difamatória

contra o movimento, alegando que os vinhos produzidos nas cooperativas

eram de péssima qualidade, o que fez com que o produto passasse a não

encontrar aceitação no mercado. Em 1913, os débitos nas cooperativas vão

180 CAVAGNOLLI, A. Op. cit., p. 55-6. 181 Idem.

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se avolumando.182 Entre 1913 a 1914 o movimento enfraqueceria,

desaparecendo quase totalmente.

Sobre o fracasso do movimento, Giron lembra que, como numa prova

de forças, os industriais do vinho haviam liquidado com o movimento

cooperativista, e que

a partir de 1915, não há mais qualquer notícia do movimento.(...) Os colonos, isolados na produção, voltam à condição anterior, devem vender seu produto, seja a uva, seja o vinho, para os comerciantes e os industriais, que pagarão o preço mais conveniente para seus interesses particulares. 183

As formas de produzir e comercializar o vinho voltam ao esquema

anterior. Gobbato, manifestando-se sobre o fim do cooperativismo, diz que o

negociante, livre da organização cooperativista, torna-se o árbitro do

comércio vinícola e se limita, quase sempre, a adquirir o vinho produzido

pelo agricultor, a formar o tipo e corrigi-lo antes de expedi-lo em barris para

a clientela. 184

Gobbato continua na luta contra o cultivo da Isabel, que embora de

menor qualidade em comparação às castas européias, possibilitou o surto

vitivinícola na região colonial do Rio Grande do Sul.185

182 GIRON, L.S. O cooperativismo vinícola... Op. cit., p. 286-287. 183 Idem. 184 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 33.

185 GOBBATO, C. O cultivo da videira e a industrialização da uva no Rio Grande do Sul.

In: Álbum Comemorativo ao 75 anos da Colonização Italiana no RS. Porto Alegre. Globo. 1950, p.403.

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Na viticultura riograndense, dizia ele, em sintonia com Moré,

predominam as vinhas Isabel, Concor, Goethe e outras cuja uva, se é

inferior para mesa, menos apropriada é para a preparação do vinho.186

Outro antecessor de Gobbato, Lourenço Mônaco, italiano contratado

pelo governo do Estado para exercer a função de enólogo fiscal da Diretoria

de Higiene dos municípios de Caxias e Garibaldi, em 1903, já havia tomado

frente na luta contra a Isabel apontando sua inferioridade.187 Como ele,

defendia a produção de uvas finas, de castas européias, como forma de

garantir a fabricação de vinhos de qualidade aptos a concorrer no mercado

nacional.

Seguindo a posição de Mônaco, Gobbato também se pronunciaria

com rigor diante das más condições de higiene na fabricação dos vinhos, o

que resultava um produto de má qualidade.188

No prefácio da primeira edição do Manual, Gobbato revela os motivos

que o levaram a escrever a obra:

A presente crise vinícola, devida essencialmente à cultura da vide Izabel, a visita aos vinhedos dos Municípios deste Estado, e o estudo das condições climatérico-telúricas das regiões respectivas, despertaram-nos o desejo, pensando satisfazer uma necessidade inadiável, da publicação do presente Manual. A firme convicção de que o Rio Grande do Sul será em breve tempo a cantina do Brasil, nos encorajou

186 GOBBATO, C. A indústria vitivinícola paulista. Impressões de viagem. Correio do

Povo. Porto Alegre, 17-07-1924. 187 PESAVENTO, S.J. RS: Agropecuária colonial... Op. cit., p. 34. 188 Idem.

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a resumir neste tratado as noções fundamentais de ampelotecnia com o intuito de auxiliar os viticultores ainda rudimentares, a estimular outros agricultores a difundir a lucrativa cultura da vinha.189

As oportunidades para as sugestões de melhoria na produção de uva

eram inúmeras para Celeste Gobbato, pelo seu envolvimento nos meios de

difusão dos conhecimentos para esse cultivo. O “fórum” ideal para isso, por

atrair uma multidão de pessoas interessadas e influentes, capazes de dar

ouvidos aos seus discursos eram as Festas da Uva. Em 1937, conforme os

anais do evento, Gobbato faz um apelo veemente, e volta a insistir:

Colono, dedica tua atividade vitícola ao plantio de castas européias. Somente delas poderá esperar a produção de vinhos finos. Colono, não esqueças que cada pé de Izabel de nova plantação concorrerá para desvalorizar tua vindima e contribuirá para agravar ainda mais a crise vitivinícola rio-grandense. Não deves plantar mais um pé de Izabel, de Concor, de Marta e Evellon. A salvação da vitivicultura rio-grandense consiste na produção de vinhos finos. 190

Mas afinal, porque Gobbato repudiava o cultivo da Izabel? É ele

próprio quem responde.

Passando em revista as variedades de vide para vinho, mais aptas a este Estado, devemos começar por eliminar absolutamente a Izabel que nunca produzirá bom vinho de pasto, porque é uva muito rica de ácidos, de substâncias azotadas, pobre de açúcar, causas da sua pouca conservação, desprendendo o aroma e sabor característico de foxy ou avolpinado que fazem com que os apreciadores da excelente bebida lhe rejeitem o vinho. A posição em que está a Izabel no estado atual da viticultura rio-grandense, quase exclusivamente dela formada explica a difusão do

189 GOBBATO, C. Manual Prático... Op. cit., p. 3.

190 Festa da Uva de 1937. Anais. Na ocasião, Gobbato era diretor da Estação

Experimental de Viticultura e Enologia de Caxias do Sul.

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comércio do seu vinho na capital federal, S. Paulo, Santa Catarina e outros lugares. É quase a única vide nacional e o seu vinho, nada bom, somente é bebido por causa da conveniência econômica que oferece sobre o preço dos congêneres vinhos da Europa! Mas no dia em que neste Estado se estenderem as vinhas do velho Mundo a que condições não ficarão reduzidos os produtores do vinho Izabel! A sua cultura trar-lhes-ia, indubitavelmente, o desastre financeiro!”191

Conforme Lovatel, na viticultura brasileira ainda hoje predomina a

Izabel. Os vinhedos rio-grandenses são compostos por 80 % de variedade

Izabel e apenas 20% de vitis viniferas. Os vinhedos, diz Lovatel, formam um

verdadeiro mosaico de variedades. São cultivadas muitas variedades num

mesmo terreno.192 Gobbato já havia alertado para este fato, aconselhando o

cultivador a abandonar o sistema de vinhedos de muitas variedades,

somente admissível, concluía,

em se tratando de uva de mesa, com várias épocas de amadurecimento, cores e tamanhos diversos, a fim de satisfazer exigências do mercado e para vender o produto, quando a maior parte dos cultivadores não o têm.193

Alertava que é erro gravíssimo dos produtores constituírem

verdadeiras colheitas ampelográficas,194 onde deveriam brotar apenas uma

ou pouquíssimas variedades. Agindo dessa forma, completava:

191 GOBBATO, C. Manual Prático... Op. cit., p. 67-68. 192 Depoimento de Jaime Lovatel. Abril de 2001.

193 Ibidem, p. 64. 194 A ampelografia trata da descrição das variedades de vides. Segundo Gobbato, “os

primeiros estudos ampelográficos remontam aos antigos agrônomos. Demócrito foi o primeiro a se ocupar do assunto, 300 anos antes de Cristo. Sucessivamente, trataram da ampelografia Catão, Columella, Plínio, Virgílio e outros.” Ibidem, p. 118.

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há enorme economia de mão-de-obra, porque os trabalhos culturais da mesma variedade se cumprem simultaneamente e ter-se-á a grande vantagem de se poder fazer a vinificação, isto é, o trabalho mais importante, direi quase o essencial em enologia, numa só época. Em localidades privilegiadas convém cultivar uma única variedade, se há o intuito de produzir vinho superior de pasto, como se pratica no território de Barolo; mas onde se quiser fabricar vinhos comuns de pasto é sempre melhor restringir-se a duas ou pouquíssimas variedades, imitando a região do Chianti onde principalmente se cultiva Sangiovese, Canaiolo negra e Malvasia branca, produzindo uva que, em proporções definidas e permanentes, constituem esse vinho de pasto, de fama mundial. 195

Os colonos viticultores não ousavam deixar de produzir a Isabel, pois

a sua rusticidade era garantia de uma boa produção. Os colonos, diz

Pimentel, sempre gostaram de plantar variedades de grande produção, o

que não acontece com as uvas finas. 196 Além do mais, diz este enólogo,

havia quem realmente gostasse de comer um bom cacho de Isabel e

também tomar o seu vinho, como até hoje. 197

Ao escrever a primeira edição do Manual, ainda era recente na

lembrança de Gobbato a destruição de boa parte dos vinhedos europeus,

principalmente na França, pela filoxera, moléstia que ataca as vides, cujo

inseto é proveniente da América do Norte. Gobbato preocupou-se em

difundir entre os agricultores brasileiros estudos realizados na Europa de

prevenção contra a filoxera ou qualquer outro flagelo, pois, no seu entender,

195 Ibidem, p. 67. 196 Depoimento de Onofre Pimentel. Abril de 2001. 197 Idem.

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a paralisação da viticultura brasileira e especialmente rio-grandense,

representaria considerável abalo na fortuna pública. 198

Os bacelos de videiras trazidos pelos imigrantes italianos não

vingaram em função da filoxera, presente na Isabel, e não por causa das

condições climáticas do Rio Grande Sul, que segundo Gobbato, são

plenamente favoráveis para a indústria vinícola. As variedades européias

que ele tanto defendeu, quando plantadas diretamente no solo até podem

alcançar alguns centímetros, mas não vingam porque a filoxera ataca e

mata a planta.199 Uma das alternativas para a produção de castas européias

encontra-se no enxerto.

Gobbato denuncia a presença de fortes opositores da introdução de

vinhas européias, para quem no solo gaúcho só podem vingar as castas de

Isabel, Concor, Goethe e de outras americanas, e informa que através de

experiências feitas entre 1912-1913 na Estação Experimental de Viamão

houve bons resultados com o cultivo de viníferas como Malbec, Souzão,

Varnaccia branca, Cabernet Sauvignon, Riesling do Rheno, Verdot,

Jacquez, Negrera e Merlot.200

Em Caxias, diz Gobbato, já encontramos Traminer, Groppello,

Malbec, Verdot, e outras, que fornecidas pela ex-estação-agronômica, já

198 GOBBATO, C. Manual Prático... Op. cit., p. 14. 199 Depoimento de Onofre Pimentel. Abril de 2001. 200 GOBBATO, C. Manual Prático... Op. cit., p. 68.

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produzem ótimas qualidades de vinho,201 superiores ao produzido pela

Izabel. A constatação levou Gobbato a afirmar que as condições agrológicas

demonstram que o Rio Grande do Sul pode ser a cantina do Brasil, desde

que o produtor defenda as vides que têm dado bons resultados, não

cessando de experimentar novas qualidades, para estabelecer a melhor

seleção. 202

A experiência, diz ele, deve ser repetida sempre que possível, pois,

na agricultura se deve caminhar com pés de chumbo, por que é melhor esperar alguns anos, do que empenhar, arriscar, e quase com certeza destruir somas colossais, representadas pela plantação de vides que seriam aniquiladas pelo inimigo implacável e devastador.203

Gobbato é considerado por Onofre Pimentel e por Jaime Lovatel

como precursor da viticultura moderna que se estabeleceu no Rio Grande

do Sul. Entre as variedades de uvas que ele introduziu destacam-se

Sauvignon, Pinot Blanc, Pinot Noir e Trebbiano.

O Manual do Vitivinicultor Brasileiro transformou-se na ‘bíblia’ dos

produtores de uvas e vinhos não só da região, mas do país. 204 Como já foi

dito, as obras escritas sobre o assunto, posteriormente, tiveram de partir dos

201 Idem. 202 Idem. 203 Ibidem, p. 69.

204 PAZ, I.N.; BALDISSEROTTO, I. Op. cit., p. 40.

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estudos de Gobbato, pelo valor científico e abrangência dos temas

abordados.205

Em 1924 ocorre a publicação de A cultura da Vinha, outro importante

estudo de Gobbato sobre o assunto. Embora não apresenta grandes

novidades em relação às anteriores, ele reforça nesta obra as observações

sobre a necessidade de se melhorar a qualidade do vinho. Para ele,

as consideráveis quantidades de vinho e de uva de mesa que o Brasil importa anualmente, por uma soma superior a 50.000 contos de réis, são suficientes para demonstrar que a cultura da vinha deve ser melhorada e aumentada. Aumentada e mais difundida, porque a superfície atualmente cultivada com vinhedos é insuficiente para suprir as necessidades nacionais, e melhorada, porque nossos viticultores devem cultivar variedades melhores dando-lhes o trato preciso, tanto nos trabalhos em geral, como na adubação e na poda em particular, para poderem fornecer uva de qualidade superior a atual, tanto para mesa, quanto para vinho. 206

Outra preocupação de Gobbato que aparece com frequência em seus

estudos é a questão da higiene. Em suas visitas rotineiras pelas colônias

italianas, demonstrou preocupação quanto à higiene nas cantinas. Orientava

sobre a importância da limpeza nestes locais que, quando não cuidados de

forma adequada, prejudicavam o resultado final da produção.

205 Idem. 206 GOBBATO, C. A Cultura da Vinha. Centro das Experiências Agrícolas do Kalisyndikat.

Rio de Janeiro, 1924. p. 1.

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Figura 10 – Cantina colonial “um pouco melhorada” (1920)

Fonte: Arquivo particular de Lydia Gobbato

Para Gobbato, uma cantina deveria constituir-se da seguinte maneira:

o lagar, local adequado para o esmagamento da uva e onde os mostos são

corrigidos e submetidos, dentro de balseiros, tinas ou lagares, à

fermentação tumultuosa; a adega, local onde o produto é submetido à

fermentação lenta, depuração e envelhecimento. O local que se destina ao

envelhecimento do vinho é comumente denominado de cave.

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A descrição do enólogo Gobbato visava influir na remodelação da

realidade dos locais de produção do vinho que ele conhecia em Caxias do

Sul e nas cidades vizinhas de Bento Gonçalves, Garibaldi e Antônio Prado.

O estabelecimento enológico na região nem sempre correspondia ao ideal

de cantina. 207 O lagar ou cantina fazia parte integrante da moradia colonial,

representada, segundo ele, por uma modesta casa de madeira, onde o

vinho não era suficientemente abrigado dos agentes externos, o que

influenciava na qualidade final do vinho.

Em conseqüência, o produto passava pela correção na cantina do

comerciante, através dos cortes ou misturas de vinhos. 208 Sobre a cantina

do comerciante Gobbato descreve-a como um simples depósito onde

armazena, mescla e vende rapidamente o produto colonial.209

Gobbato preocupou-se em divulgar estudos que diz ser digno de

aplausos como o incitamento à agricultura que o excelente livro, Cultura dos

Campos, de Joaquim Francisco de Assis Brasil propõe. Destaca a seguinte

frase do referido autor: Como homem político amo a tranquilidade e a

riqueza interna, baseada na abundância e qualidade da produção.210

207 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 79-80. 208 Ibidem, p. 251. 209 Idem.

210 Ibidem, p. 9.

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A este enorme desequilíbrio, diz Gobbato referindo-se à realidade

agrícola gaúcha, deve-se fazer face: escolhendo o ambiente mais propício

para cada cultura, melhorando e facilitando a viação, espalhando a

sabedoria, pois, segundo ele, saber brada poder, difundindo e protegendo

créditos para que o agricultor possa executar o ensinamento recebido,

divulgando os benefícios da cooperação sadia, diversificando a agricultura

nos vastos campos onde a pecuária é a única fonte de lucro, e finalmente,

introduzindo novos colonos, que são braços inteligentes para desenvolver

racionalmente a indústria agrária e as derivadas. 211

As características que ao longo do tempo definiram a produção dos

textos e a ação prática de Gobbato ajudam a esclarecer o que define o

métier do enólogo. Vivendo para o trabalho, procurando materializar em sua

obra como um todo os males e os atrasos da cultura do país212 do início do

século XX, Gobbato tornou-se reconhecido como homem que prezava por

seu ofício.

A vinculação entre Gobbato e a cultura do vinho permanece forte na

história desse imigrante, na qual aparece como fato marcante o papel que

exerceu como intendente de Caxias do Sul entre 1924 e 1928. No próximo

capítulo trata-se de compreender as circunstâncias que levam esse homem

dedicado à carreira técnica ocupar um cargo executivo na política rio-

211 Idem. 212 GOMES, A.M.C. Op. cit., p. 78.

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grandense. Esse episódio pode ser responsável pela pecha de irrequieto

que Gobbato recebe da posteridade.

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“... minha vida, jamais pensou que pudesse chegar a um momento em que ela fosse chamada à possibilidade de ocupar cargo tão elevado e tão grave, como o que o povo de Caxias parece desejar confiar-me com o próximo pleito de 12 de agosto”.213

O que se busca neste capítulo é compreender o envolvimento de

Gobbato com a política estadual e com o PRR, já que foi este o partido que

o indicou para as eleições intendenciais de 1924. Tudo indicava que

Gobbato continuaria nas suas atividades de professor. No entanto, a vida de

Gobbato tomou outro rumo. Pode-se dizer que ele foi um candidato de

consenso, uma vez que as duas facções políticas, republicanos e

federalistas, cogitavam o seu nome.

213 Primeiro discurso oficial proferido por Celeste Gobbato em Caxias. Jornal O Brasil.

Caxias do Sul, 11-8-1924, p. 2.

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Não fosse algo comum os intendentes de Caxias, durante a

República Velha, serem pessoas desvinculadas culturalmente da sociedade

colonial, causaria certa estranheza que Gobbato, um “ forasteiro” como ele

próprio se definiu, tenha sido o indicado do PRR à intendência de Caxias do

Sul nas eleições municipais de 1924. De 1890 a 1924, Caxias só teve

intendentes de origem luso-brasileira, salvo algumas poucas situações em

que houve substituição pelos vice-intendentes italianos, como foi o caso de

Vicente Rovea (1907) e Hércules Galló (1915). A força política dos italianos

se fazia representar no Conselho Municipal, constituído em sua maioria

pelos maiores comerciantes e industrialistas da cidade.

Em 1892 foi redigida e aprovada a primeira Lei Orgânica do

município, que seguiu as diretrizes da Constituição Estadual. Dois anos

depois, em 1894, ficou estabelecida a Lei Eleitoral que exigia dos eleitores a

cidadania brasileira, maioridade de 21 anos e alfabetização. Para os

candidatos a cargos públicos municipais era necessário além da cidadania

brasileira, a idade mínima de 25 anos e residência no município há mais de

um ano.214A eleição de Celeste Gobbato em 1924 representou uma

transgressão à Lei Eleitoral. Gobbato era cidadão italiano – só naturalizou-

se brasileiro em 1936, e não residia na cidade pelo tempo mínimo previsto

214 O Brasil. Caxias do Sul, 26-6-1924, p. 2.

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em lei. No entanto, ele possuía certos vínculos com a comunidade caxiense

de origem italiana.

3.1 EM CONTEXTO DE MALQUERENÇAS

Corria o ano de 1922 e Gobbato continuava a exercer suas muitas

funções na Escola de Engenharia. Os jornais dos municípios que ele visitava

como chefe do Ensino Ambulante relatavam com muito entusiasmo os

ensinamentos do nobre e competente professor. O momento político no Rio

Grande Sul era de intranquilidade. O estado gaúcho se via em meio à

campanha política mais acirrada da República Velha. Disputavam a

presidência do Estado o republicano Borges de Medeiros,215 que candidatou-

215“Antônio Augusto Borges de Medeiros nasceu na cidade de Caçapava, na então

província do Rio Grande do Sul, no dia 19 de novembro de 1864. Passou praticamente toda a infãncia na cidade de Pouso Alegre, em Minas Gerais, para onde foi com apenas 2 anos, em função da transferência de seu pai, o juiz de direito Augusto César de Medeiros. Em 1978, transferiu-se para Porto Alegre, onde completou os estudos secundários no Colégio Souza Lobo. Com 17 anos de idade em 1881 foi para São Paulo, onde matriculou-se na Faculdade de Direito do largo de São Francisco. Em São Paulo, nesta época, proliferavam as idéias de abolição, república, trabalho livre, imigração estrangeira, positivismo, federalismo. Borges de Medeiros entrou em contato com um agitado ambiente político. Juntou-se a um grupo de estudantes gaúchos, sob a liderança de Júlio de Castilhos que, então no 5 ano de faculdade, havia constituído um clube republicano. Borges de Medeiros escreveu vários artigos para o jornal A República, órgão da agremiação. Acabando o quarto ano de Direito em São Paulo, transferiu-se para Recife, onde completou o curso, aos 22 anos de idade, retornando em seguida para o Rio Grande do Sul. Em 1885, exercia a profissão de advogado em Cachoeira, onde militou na propagação pelos ideais republicanos. Como chefe do Partido Republicano Rio-Grandense de Cachoeira, (o PRR foi fundado em 1882), estreitaram-se os vínculos com o Júlio de Castilhos. Em 1889, com a proclamação da República, foi nomeado Delegado de Polícia de Cachoeira. Em 1890, com a convocação da Assembléia Constituinte Nacional, Borges assumiu uma cadeira de deputado representante do Rio Grande do Sul. Ao efetivar-se o golpe de Estado de Deodoro da Fonseca, fechando o Congresso, em 3 de novembro de 1891, Borges reagiu com indignação, retornando ao Rio Grande do Sul. Restabelecida a normalidade parlamentar, com a abertura do Congresso pelo novo presidente da república Floriano Peixoto, Borges retornou ao parlamento como deputado federal. Foi nomeado desembargador do Supremo Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul. Em 1893, com eclosão da Revolução Federalista, Borges licenciou-se do Tribunal de Justiça se incorporou a uma brigada civil de Cachoeira para comabter com os federalistas, em defesa do castilhismo. Em junho de 1894, a dissolução desta brigada fez

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se para o quinto mandato, e Assis Brasil, que ao lado dos libertadores, ou

maragatos, empenhavam-se em tirar Borges de Medeiros e o PRR do poder

político estadual.

A simpatia de Gobbato por Assis Brasil está expressa nos elogios à

sua obra escrita e nas visitas que fazia, como chefe do Ensino Ambulante a

Pedras Altas, residência do político, onde era fidalgamente recebido.216 Em

outubro de 1921, em visita à propriedade de Assis Brasil, Gobbato pode

apreciar com minuciosidade os magníficos trabalhos ali realizados. Admirou

especialmente a excelente moradia, o parque, o jardim, a racional

distribuição do pomar, a horta, a floresta e o aviário.217 Também teve

excelente impressão das longas avenidas de ‘pinus insignis’, ‘empressus

lambertiana’, e ‘legustro da Califórnia’, que o Dr. Assis denomina ‘Lydia’, em

homenagem a sua Exma. esposa.218 Um plantel de gado Jersey foi também

admiradíssimo por Gobbato. Coincidência ou não, Gobbato chamou Lydia

sua única filha.

com que Borges reassumisse a magistratura em Porto Alegre. Afastou-se novamente por Ter sido chamado por Castilhos para assumir como chefe de Polícia do estado, em 1895. Por solicitação de Castilhos, em 1897, Borges elaborou as leis de organização judiciária, de responsabilidade e processo do Presidente do Estado, de competência administrativa do Estado e município, da lei eleitoral e do Código de Processo Penal. Em 1897, foi indicado por Castilhos para seu sucessor na presidência do Estado. Em 1907, indicou Carlos Barbosa como seu sucessor, retornando ao poder em 1913, permanecendo na direção do Estado gaúcho e do PRR até 1928.” Dados de PESAVENTO, S.J. Borges de Medeiros. 2.ed. Porto Alegre: IEL, 1996. (Série Rio Grande Político).

216 Correio do Povo. Porto Alegre, 27-10-1921. 217 Idem. 218 Idem.

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A admiração pelo mestre de agricultura 219 levou Gobbato a convidá-lo

a prefaciar a segunda edição do Manual, publicada em novembro de 1922.

Entretanto, não pode figurar, diz Gobbato, devido a ter chegado às nossas

mãos somente meses depois de iniciada sua distribuição.220 Na edição de

1930 consta na íntegra o prefácio que Assis Brasil escrevera datado de 28

de fevereiro de 1923, o que para Gobbato era uma extraordinária honra.

Pode-se especular sobre os motivos da não publicação do prefácio

de Assis Brasil em 1922, eles podem ser de outra natureza. Em plena

campanha política, Borges de Medeiros contava com o apoio explícito de

membros da Escola de Engenharia, cujos nomes figuravam em cargos

eletivos à nível federal. João Vespúcio de Abreu e Silva era senador da

República pelo PRR, assim como João Simplício Alves de Carvalho,

representante do PRR na Câmara dos Deputados. Ambos fundadores da

Escola, e adeptos da doutrina positivista. Nessa situação, seria conveniente

para a instituição de ensino que um de seus mais prestigiados funcionários

mostrasse simpatias pelo candidato oposicionista justamente num momento

tão delicado da política rio-grandense?

Para se compreender a indicação, pelo PRR, do italiano Celeste

Gobbato à intendência de Caxias do Sul em 1924 é importante analisar as

219 Prefácio da 3a edição do Manual do Viti-Vinicultor Brasileiro. 1930. In: GOBBATO, C.

Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 5. 220 Idem.

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divergências políticas que se processavam no interior da comunidade

caxiense diante da campanha presidencial de 1922. Isso possibilitará

compreender como se refletia no âmbito local as posições assumidas pelo

governo republicano e, por outro, como se comportava a sociedade

caxiense diante delas.

Inicialmente, é preciso esclarecer que a zona colonial, especialmente

a italiana, refletia uma posição secundária no processo das decisões

políticas a nível regional porque o poder se encontrava monopolizado pelos

pecuaristas grupo hegemônico e dominante no Estado.221 O Partido Liberal,

dos grandes fazendeiros da campanha, dominou politicamente o Estado

desde a década de 1870 até a instalação da República, em 1889.

A história das relações políticas entre governo do Estado e Caxias

tem uma fase de significativa importância para este trabalho, a partir de

1889 com a proclamação da República. Veja-se o que acontece, então,

nesta colônia.

Quando o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) assume a

direção política do Estado, procura estabelecer uma ampliação social de sua

base política, incorporando setores médios urbanos e elementos do

221 PESAVENTO, C. O imigrante na política... Op. cit., p. 168.

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complexo colonial, em especial o italiano, há pouco chegado.222 E, para ver

garantido o seu mando,

o PRR buscou, ao longo de sua trajetória política no Estado, realizar um desenvolvimento multilateral da economia rio-grandense. Embora sempre a pecuária se conservasse como o setor predominante, tornava-se necessário atender a reivindicações de outros setores e tomar providências para que fossem atendidas.223

No entanto, a sociedade colonial mostrava que não estava satisfeita

com as ações do novo governo. Comprova-se esta insatisfação através da

participação dos imigrantes italianos na Revolução Federalista de 1893, pois

conforme Giron,

A Região Colonial, rica em alimentos, e caminho necessário entre a Campanha e a Depressão Central, serviu como palco para muitos combates. Para a maioria dos colonos a guerra civil era motivo de miséria e terror, porém muitos associaram-se aos movimentos.224

Antes mesmo da eclosão da Revolução Federalista, os imigrantes já

haviam tomado partido na disputa dos governos municipais. As chamadas

revoltas caxienses foram movimentos que revelam a postura política dos

colonos.225

222 Idem. 223 Ibidem, p.169-170. 224 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio... Op. cit., p. 45.

225 Ibidem, p. 44.

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Até a emancipação da Colônia Caxias do município de São Sebastião

do Caí, em 1890, a administração do município era realizada por

funcionários públicos - designados pelo governo provincial, não havendo

portanto eleições na colônia. Os funcionários nomeados eram responsáveis

pela distribuição dos lotes, pelo recolhimento de impostos e pelas dívidas

contraídas pelos imigrantes, quando de sua chegada. Em 1890, quando

ocorre a emancipação da colônia, é nomeada pelo Presidente do Estado,

Gal. Cândido José da Costa, a primeira Junta Governativa, composta pelos

imigrantes Angelo Chitolina, Ernesto Marsiaj e Salvador Sartori, todos

comerciantes. A Junta Governativa, vinculada ao PRR, é destituída por uma

Junta Revolucionária, liderada pelos italianos Affonso Amabile e o delegado

da cidade Francisco Januário Salerno, que se apropria dos móveis da

Intendência e promove movimentos da população contra os novos

conselheiros eleitos. A Junta Governativa reassume o poder, mas por pouco

tempo. Junto aos outros componentes da Junta Revolucionária, Domingos

Maineri, Luiz Pieruccini, João Dalla Santa e Pasqual Mangeri - alguns dos

quais também comerciantes-, incitam os colonos a não pagarem os

impostos, por ser provisório o governo, exigindo que só pagariam os tributos

se houvesse novas eleições. À frente de trezentos homens armados,

Francisco Salerno depõe novamente o Conselho Municipal. De acordo com

Giron,

Os revolucionários contavam com o apoio popular visto que submetidos às dívidas coloniais, tinham ainda de pagar

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pesados impostos à nova administração municipal. A dupla carga de dívidas revoltou a população(...)”.226

O governo provisório nomeia para a Junta Governativa caxiense Luiz

Pieruccini e Domingos Maineri, ambos participantes das revoltas, e a

situação se torna tensa, pois revoltosos nomeados e conselheiros eleitos

estão lado a lado no mesmo conselho. O conselho novamente reassume o

poder e exige o pagamento dos impostos atrasados, com multa. Aqueles

que não pagaram os impostos induzidos pelos revolucionários novamente

se revoltam. Para Giron, a revolta não é ocasionada apenas pela situação

dos impostos, mas pela acirrada luta estadual pelo poder dirigente. A Junta

Estadual Federalista, composta por Assis Brasil, Barros Cassal e gen.

Barreto Leite, comunica que Domingos Maineri deve ser o novo Presidente

do Conselho, mas Ernesto Marsiaj permanece no poder. Os líderes

federalistas municipais resolvem tomar a intendência. A Junta

Revolucionária suspende novamente o pagamento dos impostos. Com a

suspensão dos impostos, a maioria da população apóia o golpe, bem como

as autoridades policiais e o destacamento da Guarda Cívica.227

O governo estadual, na tentativa de resolver a crise política em

Caxias nomeia o primeiro intendente, Antônio Xavier da Luz. A questão dos

226 Idem. 227 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Op. cit., p. 17.

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impostos é entregue à Intendência pelo Conselho e usando de diplomacia, o

intendente nomeia Luiz Pieruccini para o cargo de vice-intendente.228

A situação em Caxias se agrava com a guerra civil de 1893. A idéia

de uma divergência política no interior da comunidade italiana, é

corroborada também pelo depoimento de Helena Amantéa sobre o conflito.

Segundo ela,

Alistavam-se também italianos. Havia aqui Castilhistas e muitos chefes de família se haviam ligado à revolução. Nos federalistas a mesma coisa (...) Participavam livremente, porque haviam sido prejudicados em alguma coisa, então por vingança ligavam-se a um ou outro partido. (...) Na família dos ‘Cruzati’ que tiveram a casa queimada, o chefe de família, havia-se filiado ao grupo dos Federalistas. Chegaram os Castilhistas e lhe queimaram a casa e tudo o mais, deixando a família sem nada.(...)os dois grupos de revolucionários nunca fizeram combate um contra o outro; passavam os de um partido e devastavam tudo; vinham os de outro e também arrasavam tudo: roubavam, degolavam (...) Quanta gente morreu degolada!229

O ataque “maragato” à Caxias do Sul ocorreu na madrugada do dia

30 de junho de 1894. Ao cantar do galo, grupos de homens, alguns de

poncho,

passam em desabaladas carreiras, dirigindo-se a pontos pré-fixados. Ao tiros espoucam. A vila, com poucos milhares de habitantes, acorda. O clarim toca no quartel do 1 Esquadrão do 44 Corpo da Guarda Nacional, ao comando do capitão Francisco Antônio Alves, sediado no atual prédio do Museu Municipal. Os poucos homens de prontidão, buscam os seus postos. Às ordens do jovem Coronel Belisário Batista de Almeida Soares, os maragatos, com

228 Idem. 229 COSTA, R.; BATTISTEL, A. Assim vivem os italianos. Vida, história, cantos, comidas

e estórias. Porto Alegre: EDUCS/ EST, 1982. p. 334. v. 1.

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cerca de 400 homens, atacam. Vai combater-se o dia inteiro até que, pelo entardecer, Belisário dá a ordem de retirada. Os maragatos voltam às suas bases. O comando geral do 44 Corpo estava subordinado à coluna de Antônio Carlos Chachá Pereira(...). 230

O movimento revolucionário dos federalistas, que contabilizou mais

de 10.000 vítimas e enormes prejuízos materiais, foi deflagrado nos

primeiros dias de fevereiro de 1893 e perdurou até o início do inverno de

1895, quando ocorreu a pacificação graças à intervenção suasória do

presidente Prudente de Morais, através do General Inocêncio Galvão de

Queiroz.231

Na análise de Love,

um dos resultados mais importantes da guerra consistiu na polarização política mais extrema no Rio Grande do Sul. Contrastando com o amorfo sistema de governo da maioria dos demais Estados, na Primeira República, a política do Rio Grande continuou a girar em torno de dois bem organizados partidos.(...) Outro resultado político da guerra foi a consolidação do sistema político centralizado(...) Um terceiro efeito político importante da guerra diz respeito à fusão de sólidas ligações entre o PRR e o Exército nacional, ou, pelo menos, um poderoso segmento deste. 232

230 Ataque maragato, ao cantar do galo. Jornal Folha de Hoje. Caxias do Sul, 30-07-1994. 231 FRANCO, S.C. A Guerra Civil de 1893. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993.

(Síntese Universitária; 37), p. 43. 232 LOVE, J.L. O Regionalismo Gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo:

Perspectiva, 1975. p. 78-79.

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Terminado o conflito armado, conforme aponta Arthur Ferreira Filho,

Júlio de Castilhos tem de reorganizar o Estado e as finanças abaladas pela

guerra civil. 233

Em 6 de novembro de 1897, é lançado em Caxias o primeiro

exemplar do jornal O Caxiense, órgão do PRR e dito defensor das colônias

italianas. Neste primeiro exemplar são publicados trechos da mensagem

proferida pelo chefe republicano Júlio de Castilhos na Assembléia dos

Representantes propagandeando os serviços prestados pelo seu governo à

sociedade colonial, lembrando as medidas necessárias para o complemento

de outras já postas em prática, descrevendo o estado próspero das

condições financeiras do município. A sezione italiana do jornal reforça a

idéia de prosperidade do município, já que

Caxias é muito renomada pelo seu vinho nacional, pela sortida

quantidade de cereais, de salame, presunto e banha que exporta em grande

quantidade para todo o Brasil, tanto é que em apenas dois anos a

exportação produziu a soma de 8.000 de réis!234

Foi no mesmo ano que, em visita a Caxias, Júlio de Castilhos chamou

a cidade de a “Pérola da Colônias”.

233 FERREIRA FILHO, A. História geral do Rio Grande do Sul. (1503-1960). 2. ed. Porto

Alegre: Globo, 1960. p. 148. 234 O Caxiense. Caxias do Sul, 6-11-1897, p. 2.

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Em relação à região colonial, Castilhos

tratou de ampliar a estrada de ferro que ligava Porto Alegre a Novo Hamburgo, estendendo o ramal de São Leopoldo a Caxias. Com isto, oportunizava à região italiana o mais rápido escoamento de sua produção até o mercado da capital. (...) realizou estudos para melhorar a navegação do rio Caí, escoadouro das riquezas da zona italiana.235

A linha férrea que ligou Caxias a Porto Alegre foi inaugurada em

1910, no governo de Carlos Barbosa, modificando o panorama econômico,

desenvolvendo mais os povoados por onde passava 236 como Nova Vicenza

e Nova Milano. Na mesma data Caxias passou de vila à categoria de cidade.

O término do conflito garantiu aos republicanos a permanência na

direção do Estado, passando a cooptar a oligarquia rural, bem como a

burguesia nascente da região colonial italiana e possibilitou que as lutas

políticas regionais se limitassem à disputa do poder municipal.237

De 1890 a 1924, até a eleição de Celeste Gobbato, Caxias teve

apenas intendentes de origem luso-brasileira que, desprovidos de vínculos

culturais com a sociedade colonial, não tinham como interesse senão

orientar a política local no sentido de apoio ao governo do Estado “.238 Isso

não quer dizer que com Gobbato tenha havido qualquer tipo de ruptura

235 PESAVENTO, S.J. O imigrante na política... Op. cit., p. 178-9. 236 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Casa de Negócio. Op. cit. 237 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio... Op. cit., p. 45. 238 PESAVENTO, S.J. O imigrante na política... Op. cit., p. 180.

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política. Muito pelo contrário. Gobbato vai administrar a cidade em plena

sintonia com o governo do PRR. 239

Os intendentes, nomeados pelo presidente do Estado, deveriam ser

pessoas da confiança do chefe executivo. Para Alves, a necessidade de

coronéis leais ao governo estadual justificava a presença constante de

elementos lusos na intendência de Caxias. 240

Em 1898, aos 38 anos de idade, Júlio de Castilhos transmitiu o cargo

de presidente do Estado para Borges de Medeiros, mas continuou dirigindo

o Partido Republicano, até sua morte, em 1903. A partir de então, Borges

assumiu também a direção do partido.241

A reeleição de Borges para o período de 1902-1907 foi acompanhada

de dissidências republicanas, cujos membros, entre eles Assis Brasil,242

239 ALVES, E.R. Op. cit., p. 105. 240 Ibidem, p. 82. 241 FERREIRA FILHO, A. Op. cit., p. 148-149. 242 Joaquim Francisco de Assis Brasil “ocupou uma cadeira na Assembléia Provincial por

dois biênios: 1885-1886 e 1887-1888. Depois dos farroupilhas, foi o primeiro e único Deputado republicano no Rio Grande do Sul durante o regime monárquico.(...)Seu mandato na Assembléia Provincial expirou quase às vésperas da proclamação da República. Instaurado o novo regime, o Marechal Deodoro, que era seu amigo pessoal, convidou-o para integrar o primeiro ministério republicano. Assis Brasil recusou o convite, mas aceitaria, pouco depois, o cargo de Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Buenos Aires. Entretanto, não se demorou nesta função, por ter sido eleito deputado à Constituinte Nacional. Em 1891, renuncia o mandato retornando ao rio Grande do Sul. Nesse mesmo ano, foi eleito Deputado Constituinte pelo novo Estado da União. Não tardaria a assumir o papel de dissidente, dentro da Assembléia Constituinte rio-grandense, iniciando-se, desde então, o clima da próxima ruptura política com Júlio de Castilhos. Estabeleceram-se entre ambos, divergências de ordem meramente partidária, mas a causa fundamental da ruptura foi eminentemente ideológica.. tendo integrado a comissão encarregada de elaborar a nova constituição rio-grandense, ao lado de Ramiro Barcelos e Júlio de Castilhos, este a redigiu sozinho, nela introduzindo princípios positivistas de que Assis Brasil discordava. Ao rompimento político, seguiu-se o rompimento pessoal. De Júlio de castilhos, seu amigo desde os verdes anos e, depois, cunhado, dissera Assis brasil: ‘Éramos como irmãos’.

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articularam-se em torno do Partido Republicano Democrático lançando o

nome de Fernando Abott para disputar com o candidato situacionista Carlos

Barbosa o quinquênio 1908-1913. À vitória de Carlos Barbosa243 seguiu-se o

retorno de Borges ao poder para o período de 1913-1918, reelegendo-se

novamente para o mandato seguinte, de 1918 a 1923. Segundo Sérgio da

Costa Franco, Borges de Medeiros, Não contente com o longo consulado,

resolveu candidatar-se a uma quinta reeleição”.244

Foi diante da possibilidade de um quinto mandato de Borges de

Medeiros, que instaurou-se uma crise política que impulsionada por

questões de ordem econômica, criadas pela “conjuntura histórica 1921-

23”,245 levou os pecuaristas rio-grandenses a esboçarem um movimento de

oposição ao domínio do PRR na presidência do Estado.

Conforme aponta Antonacci,

Proclamada a República, passaram pelo Governo do estado diversos políticos e militares, inclusive uma Junta Governativa Provisória, que se tornaria conhecida por Governicho (apodo que lhe aplicou Júlio de Castilhos), e da qual participara Assis Brasil. (...) Em 1892, Assis Brasil volta ao serviço diplomático (...) em Buenos Aires. Seu segundo posto foi o de Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Lisboa. (...) permaneceu em Lisboa de 1895 a 1898, quando foi transferido para igual posto em Washington. (...) Em 1905, retornou ao posto em Buenos Aires (...) ali permanecendo até 1907, quando entrou em disponibilidade. (...) No ano seguinte (1908), atende o chamado de Fernando Abott (filho de São Gabriel como ele e, também como ele, dissidente republicano) e participa da fundação do Partido Republicano Democrático e da frustrada candidatura daquele seu amigo ao Governo do estado. Só voltará à vida pública em 1922(...)”. REVERBEL, C. Assis Brasil. 2 ed. Porto Alegre: IEL, 1996. p. 11-13. Série Rio Grande Político.

243 “Mesmo durante o governo deste, o verdadeiro poder permanecia nas mãos do sucessor de Castilhos”. VIZENTINI, P.F. A crise dos anos 20. Conflitos e Transição. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1992. p.14.

244 FRANCO, S.C. A Pacificação de 1923. As negociações de Bagé. Porto Alegre: Editora da UFRGS/EST, 1996. p. 7.

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A crise mundial de 1921 provocara a queda drástica do consumo ddos preços dos produtos agrícolas e pastoris, a elevação dos preços de todos os gêneros importados e a retração dos créditos. Tornaram-se frequentes as notícias de falências e execuções judiciais de criadores, advindo o fechamento de pequenas fábricas rio-grandenses..246

Desta forma, acrescenta a autora que:

O não-atendimento, por parte dos poderes públicos, dos problemas acarretados no RS por esta crise econômica, impeliu grupos de classe dominante gaúcha, alijada do aparelho estatal, à arregimentação política. (...)Portanto, a crise econômica do após-guerra estabeleceu no RS condições concretas para a atuação das oposições oligárquicas contra o domínio do PRR.247

As oposições articularam-se em torno de uma grande coligação

antigovernamental” 248que incluía os federalistas, que vinham de Silveira

Martins; os democratas, liderados por Assis Brasil e Fernando Abott; e os

dissidentes dos republicanos, como os Pinheiro Machado, os Menna Barreto

e outros. Como não formavam um partido unificado, fundiram-se numa

Aliança Libertadora com o propósito de extinguir o domínio de Borges.249

Foi assim que o grupo formado por José Carlos da Souza Lobo, Cel.

Fructuoso Pinheiro Machado e Emílio Corrêa dirigiu-se até Pedras Altas,

município de Pinheiro Machado, residência de Assis Brasil, para “levar um

apelo em que se lhe pedia aceitasse a indicação de seu nome como

245 ANTONACCI, M.A. RS: As Oposições e a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado

Aberto, 1981. p.10. 246 Idem. 247 Ibidem, p. 11. 248 FRANCO, S.C. A Pacificação de 1923... Op. cit., p. 7. 249 LOVE. J.L. Op. cit., p. 217.

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candidato à presidência do Estado”.250 É importante destacar a análise de

Antonnaci sobre a arregimentação política que se colocava. Diz a autora que

toda a movimentação e arregimentação dos produtores rio-grandenses, que se processara desde o início de 1921, foi abarcada e conquistada por Assis Brasil e pelas oposições. Assis Brasil, que sempre estivera a espera de oportunidades para retornar à vida política rio-grandense e combater a organização instaurada pelo PRR, teve – na conjuntura aberta com a crise econômica de 1921 – condições novas para desenvolver sua atuação política. E os pecuaristas rio-grandenses, não sendo atendidos pelo governador Borges de Medeiros, tiveram em Assis Brasil uma alternativa nova para o encaminhamento de suas reivindicações. 251

Ao aceitar a disputa, Assis Brasil escreveu sua resposta, nos termos

seguintes:

“Caros companheiros. Consagrarei, pois, ao lavrar esta breve resposta, uma expressão única, uma única palavra, à minha falta de mérito para o posto que me designais – o de porta-estandarte da regeneração democrática do nosso vilipendioso Rio Grande, na atual campanha eleitoral.(...) A vossa campanha regeneradora vai, provavelmente, sofrer do que ordinariamente afeta todos os começos, e mais ainda quando o trabalho material é mais ou menos improvisado. Não conseguireis, provavelmente, levar aos comícios (...) senão uma parte mínima dos sufrágios que uma preparação regular havia de provocar da consciência pública, estimulado ao ardor da controvérsia. Por outro lado, o vosso passo é o primeiro da jornada libertadora: dificilmente há de ter a firmeza e amplitude da marcha normal que se lhe seguirá. Tais dificuldades, entretanto, se prejudicam o efeito aparente, exaltam o mérito de nobre empresa. (...) Seja qual for o êxito imediato do vosso esforço, a História do Rio Grande o recolherá entre os fatos em que a sua grandeza é tão abundante. O Rio Grande vos aplaudirá, embora a máquina eleitoral organizada e consolidada vos esmague em aparência”.252

250 Álbum dos Bandoleiros. Revolução Sul-Riograndense, 1923. Editores Barreto-Araújo.

Organizado pela Revista Kodak. p. 2. 251 ANTONACCI, M.A. Op. cit., p. 55-56. 252 Álbum dos Bandoleiros. Op. cit., p. 2.

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Instaurada a disputa, a resposta de Assis Brasil circulou pelos quatro

cantos do Rio Grande do Sul e, sem perder tempo, a imprensa governista

aproveitou-se das suas palavras para dizer que este confessa a sua

incapacidade para administrar o Rio Grande.253 Da mesma forma a

imprensa borgista procedeu quando, numa conferência realizada em São

Gabriel, Assis Brasil declarou que: este movimento é dedicado ao Rio

Grande e não a mim, que sou um ser miserável.254 A folha republicana

respondia da seguinte forma:

Com efeito, em um Estado varonil como o Rio Grande do Sul só uma figura como a de Borges de Medeiros poderia alcançar as reeleições que tem merecido, por assumir a sua permanência no governo as proporções de uma manifesta aspiração pública, tal o acervo de serviços realizados e a pujante confiança conquistada como administrador.255

As divergências políticas no interior da comunidade caxiense

novamente se exaltam durante a campanha eleitoral de 1922. Os

descontentes com os planos redigidos pelo Partido Republicano Rio-

Grandense consideravam os chefes locais meras figuras decorativas, que, a

exemplo dos conselhos municipais, não governavam, obedeciam. Outros

grupos da economia local revelavam seus descontentamentos, quando

atingidos por atitudes como a do intendente, de indeferir os requerimentos

253 A Resistência. Caxias do Sul, 3-11-22. 254 Idem. 255 Ibidem, 9-11-22.

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dos exportadores de vinho, que pretendiam a liberação de multas

contraídas. 256

Foi por ocasião das eleições estaduais de 1922 que os grupos não

favorecidos pelo PRR encontraram um campo fértil para se manifestar,

aumentando o número de adeptos ao assisismo.

Quanto à pretensão de Borges candidatar-se pela quinta vez, os

oposicionistas partiam do princípio de que o uso prolongado e onipotente do

poder leva sempre, é lei suprema da História, ao abuso e aos excessos

desse mesmo poder.257

Em nível local, a campanha dos assisistas girou em torno das

seguintes questões: a religião - Borges de Medeiros por ser positivista era

considerado inimigo da religião cristã -, as más condições das estradas –

que dificultavam o escoamento da produção colonial -, a falta de crédito

agrícola para a pequena lavoura e a não entrega de títulos eleitorais para o

cidadão caxiense suspeito de concordar com a propaganda oposicionista. A

questão dos intendentes nomeados por Borges também foi objeto de crítica.

O Democrata foi o órgão de imprensa Pró-Assis em Caxias do Sul. O jornal

surgiu em Caxias no dia 20 de dezembro de 1922 e circulou por quase um

ano tendo como diretor-redator Frontino Mesquita.

256 ALVES, E.R. Op. cit., p. 60. 257 O Democrata. Caxias do Sul, 20-10-1922, p. 1.

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Os republicanos, numa ação estratégica, fundaram em Caxias do Sul,

no dia 3 de novembro de 1922, o jornal A Resistência para trabalhar em prol

da candidatura de Borges de Medeiros, candidato indicado, unanimamente,

pelo Partido Republicano à reeleição.258 Sob a direção de Ulysses Castagna

e Alfredo de Melo Tinoco, o periódico circulou por poucos meses e contava

com a colaboração de Bernardino de Almeida Gomes e Afonso Alves

Coelho. O programa do jornal era o programa do PRR, o que fica evidente

no primeiro editorial:

Aparecemos na luta, em defesa da paz, da ordem, e da legalidade, em oposição à desordem, à anarquia, e à própria revolução que os falsos apóstolos da liberdade, os eternos descontentes, os adeptos da candidatura do herói do célebre “governicho” querem a todo transe implantar no Rio Grande do Sul. (...) Estaremos firmes em defesa dos nossos princípios, “custe o que custar”. Defenderemos a carta constitucional de 14 de julho, “haja o que houver”.259

Ao surgimento do novo jornal, respondeu a fundação na cidade do

Centro Republicano, instalado na sede do Tiro 248. A sessão de fundação

do centro foi iniciada pelo juiz de Comarca, Leonardo Ferreira da Silva,

seguindo-se a fala do intendente municipal Coronel Penna de Moraes. O

discurso do intendente tratou do momento político e das vantagens da

organização do centro na cidade. Foram eleitos o intendente Penna de

258 A Resistência. Caxias do Sul, 3-11-1922, p. 1. 259 Idem.

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Moraes, e o vice- intendente Abramo Eberle, respectivamente, para os

cargos de presidente e vice-presidente do Centro Republicano.260

Penna de Moraes, advogado e jornalista, já havia sido eleito para a

Assembléia estadual e administrava o município há três gestões (1912-

1924). Essa situação configurava um caso de continuísmo que pode

significar o certificado de que o Intendente corresponde à confiança que o

Partido lhe depositava e era fundamental para manter a hegemonia do

Partido Republicano Rio-Grandense (PRR).261

O jornal assisista com frequência noticia uma possível deposição do

intendente. Segundo o articulista do jornal, tais boatos tinham a simples

intenção de excitar o ânimo público e encorajar os desordeiros.262 Para esse

articulista, os colonos não passavam de uns ingratos, pois haviam

esquecido muito rápido os inúmeros benefícios que teriam recebido de um

intendente modelo, e seguiam dizendo:

Podereis dizer que o coronel Penna de Moraes, esquecido dos interesses públicos, tem malbaratado as rendas do município em coisas supérfluas? Podereis dizer que Ele fez ou faz transações que visem seus interesses particulares? Que tem transladado para seu nome ou dos seus filhos ‘terrenos do município’? Não! Sabeis que não! (...) Onde está a razão em que vos fundaes, em que vos baseais nessa transladação brusca do estado de quietação para o de revolta?.263

260 Ibidem. 9-11-1922 261 BAKOS, M.M. Op. cit., p. 13. 262 A Resistência. Caxias do Sul, 9-11-1922, p. 2. 263 Ibidem, 15-11-1922, p. 4.

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O Democrata, por sua vez, noticiava o fato de que o Conselho

Municipal não havia sido convocado “para tomar contas ao intendente

municipal, por uma dívida de cerca de 700 contos que onera o nosso erário,

bem como para conhecer do balanço que era obrigação apresentar”.264 Os

republicanos respondiam que esta era mais uma falsa notícia utilizada pelos

adversários para denegrir a administração local, pois o assisismo do

Conselho é que, deixando de cumprir o seu dever, não compareceu, indo

para o meio da rua fazer política salvadora.265 Os membros do Conselho

que teriam faltado à sessão são João Crisóstomo T. Gonçalves, Aristides

Germani e Samuel Alovisi.266 Outros nomes que aparecem vinculados aos

libertadores são Vicente Rovea, Olympio Rosa, Fioravante Pieruccini e

Tancredo Feijó.267

A corrente republicana contava ainda com o periódico O Brasil, que

surgiu em Caxias no dia 17 de janeiro de 1909 e circulou até o final de 1924.

O jornal teve vários diretores: Jacinto Godoy, Manoel Peixoto de Abreu e

Lima, Jerônimo Neves, Antônio Trindade, Agnelo Cavalcanti, Demétrio

Niederauer, Napoleão Sachis e Edmundo de Souza.268 Tanto o periódico A

Resistência, que era distribuído gratuitamente também nos distritos de

264 O Brasil. Caxias do Sul, 13-1-1923, p.2 265 Idem. 266 GARDELIN, M. Caxias do Sul: Câmara de Vereadores (1892-1950). Porto Alegre:

EST, 1993. p. 55. 267 O Brasil. Caxias do Sul,19-4-1924.

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Caxias, quanto O Brasil procuravam minimizar a ação oposicionista junto à

opinião pública, atribuindo-lhe pouca importância:

O momento político atual não comporta em si a importância que se lhe querem atribuir. A já tão debatida questão da sucessão presidencial do Estado, com as suas clamorosas e retumbantes propagandas, usando a oposição de todos os expedientes, embora os mais indignos, não é outra coisa senão, a segunda edição correta e aumentada da falecida candidatura Fernando Abott.269

Para O Democrata, Borges estava à beira da loucura. Os

oposicionistas argumentavam que

o sr. Borges não passando o exercício do seu cargo, mesmo por alguns dias, a um substituto interino, não se fia mais em ninguém. Ele está no período de mórbida desconfiança a que chegam todos os ditadores”.270

A prática de persuadir a opinião pública foi comum por ambas as

partes. Tanto os borgistas quanto os assisistas procuravam impressionar a

opinião pública com especulações e muito alarde.

De acordo com Eliana Alves, a imprensa católica, através do Staffetta

Riograndense, procurou manter-se sem revelar seu real posicionamento.271

No dia 8 de novembro de 1922 o Staffetta publicou a seguinte nota:

Os leitores e amigos do Staffetta Riograndense estão esperando alguma palavra de ordem, algum direcionamento. Entretanto sabemos que é tempo perdido.

268 ADAMI, J.S. História de Caxias do Sul. 1864-1962. Caxias do Sul: São Miguel, [s.d.].

p.207. 269 A Resistência. Caxias do Sul, 3-11-1922, p. 2. 270 O Democrata. Caxias do Sul, 3-1-1923, p. 4.

271 ALVES, E.R. Op. cit., p. 85.

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O Staffetta decidiu não dar nenhuma direção sobre este ponto, e por razões que são fáceis de compreender. O Staffetta só pede que deixem a mais absoluta liberdade de voto aos eleitores. Seria vergonhoso que em um estado como o nosso Rio Grande se adotassem métodos eleitorais tão antiquados e incivilizados.

Muito embora o Arcebispo Metropolitano D. João Becker já tivesse

feito uma declaração mostrando-se simpático à reeleição de Borges de

Medeiros esta postura parece não ter sido corroborada, nem pela hierarquia

eclesial, tampouco por boa parte da população.272

Um fato ocorrido na cidade no dia das eleições contribui para revelar

a postura da elite católica caxiense diante da campanha eleitoral.

Neste dia uma aglomeração de colonos declaradamente assisistas

portaram-se em frente à Intendência Municipal para reclamar a falta de seus

títulos eleitorais. Na presença da Brigada Militar, que ameaçava

movimentar-se caso a população avançasse, os cidadãos resolveram

solicitar a presença do vigário local, Monsenhor Meneguzzi - a estas altura já

com onze anos de administração diocesana e grande ascendência sobre a

sociedade civil.273 Chegando ao local, o vigário foi barrado pelos soldados.

Advertido por um sargento que correria bala caso a população avançasse,

Monsenhor pediu para falar com o intendente, e um dos soldados o

acompanhou. Conforme está registrado no Livro Tombo da Paróquia Santa

Teresa,

272 Idem.

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Na presença do intendente, que se encontrava rodeado pelos do partido, verberou energicamente seu proceder, responsabilizando-o por tudo que pudesse acontecer. O intendente empalideceu, mas disse: ‘Se o povo der ainda três passos, será fuzilado’. 274

O vigário conseguiu dispersar a população e, à noite, houve uma

grande manifestação na qual os colonos denominaram o vigário como

“Salvador de Caxias”.

Na capital, o Última Hora, órgão do partido oposicionista, veiculava a

situação política no interior do Estado:

Como é de domínio público, é grave a situação política de Caxias com os últimos acontecimentos ali ocorridos de ultraje à nacionalidade da colonia e mais desasperação pública com o ato do intendente local e chefe político sonegando título à população eleitoral suspeita de não acompanhar o ‘borgismo’ enfermo.275

Se o episódio em si não é suficientemente esclarecedor da postura

da elite católica local diante da campanha eleitoral, é no próprio O Brasil que

se encontra mais elementos sobre o caso. A respeito do acontecimento, e

sobre a pessoa do vigário, o jornal declarou que:

O ‘democrata’ procurou elevar à coroa da lua, o Sr. Cônego de Meneguzzi, por ter fingidamente procurado serenar os ânimos do assisismo truculento quando, amotinado, tentou assaltar a Intendência Municipal. Foi mal informado o órgão oposicionista e, por isso, vamos retificar o ‘engano’, já que se nos proporcionou a ocasião de fazê-lo. Em primeiro

273 Idem. 274 Ibidem, p. 85-86. 275 A Resistência. Caxias do Sul, 3-11-1922. p. 3. (Nota publicada originalmente pelo

jornal Última Hora. 30-10-1922).

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lugar, devemos dizer que o cura Meneguzzi não é ‘esse formoso espírito de sacerdote’ que nos pinta o ‘sueltista’, irônico e ferino. Ao contrário,- o Sr. João é um excelente tartufo, que, usando e abusando da sua ascendência espiritual sobra a massa inconsciente do eleitorado, armou-a e fanatizou-a contra a situação política do município, cuja boa fé ilaqueou e cuja amizade não se pejou em trair. O Sr. Meneguzzi, mostrando-se talqualmente é, agiu assim durante toda a campanha política, com requintada hipocrisia! Com efeito, o principal trabalho de pacificação dos elementos conturbados pela paixão partidária deveu-se, de fato e de direito, ao Sr. Instrutor do Tiro de Guerra 248, Firmino dos Santos, que, com a sua palavra prudente e persuasiva, interveio no caso uma hora antes da aparição do apóstolo assisista, logrando neutralizar a ação dos mais exaltados.276

Ao longo da campanha, a corrente republicana insistiu na questão da

religião. E realmente este era um aspecto extremamente importante,

porque, conforme De Boni, o que uniu os colonos recém-chegados não foi o

sentimento de pátria, pois estes não eram nem brasileiros, nem italianos.

Tampouco a língua teria sido um elemento de identificação cultural, pois

cada grupo falava seu dialeto, ignorando a língua oficial da pátria que acaba

de surgir. Foi a religião que atuou como elo de união entre eles: a quase

totalidade confessava-se católica, e a fé católica forneceu-lhes os subsídios

indispensáveis para reiniciar, individual e coletivamente a existência.277

Os religiosos que vieram trabalhar no Rio Grande do Sul procuraram

estabelecer seus centros de formação vocacional entre os imigrantes, já

276 O Brasil. Caxias do Sul, 6-1-1923.

277 De BONI, L.A. O Catolicismo da Imigração: do triunfo à crise. In: DACANAL, J.H.

(Org.). RS - Imigração e colonização. 3.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996. p. 235.

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que, como refere De Boni, não seria entre luso-brasileiros, que habitavam a

região da Campanha, impregnados por idéias positivistas, que haveriam de

procurar vocações para garantir-lhes uma subsistência autônoma no

futuro,278 visto que com a proclamação da República, o Estado, não tendo

mais obrigações com a Igreja e suas congregações, obriga a instituição

buscar recursos próprios para a construção de seus templos.

Em 1892, a Igreja envia para a colônia Caxias D. Claudio José Ponce

de Leão, terceiro bispo de Porto Alegre, que inconformado com situação da

religião e do clero bateu às portas de todas as ordens e congregações

religiosas do velho mundo solicitando padres aos bispos seus colegas. 279

Na primeira visita pastoral, D. Ponce de Leon fez chegar à colônia os

princípios da “romanização”. Uma das principais determinações do bispo,

que ao chegar encontrou a cidade dividida politicamente, proibia todo e

qualquer sacerdote envolver-se em política ou fazer qualquer propaganda,

do púlpito ou através de cartazes, visando conseguir benefícios para a

Igreja. 280 Todavia,

ao contrário do que propunha a “romanização” da Igreja na região, os sacerdotes, tanto religiosos quanto do clero secular, passaram a envolver-se na política estadual e municipal, sendo responsáveis por incidentes bastante

278 Ibidem, p. 242. 279 Idem.

280 ALVES, E.R. Op. cit., p. 49.

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graves que envolveram colonos e autoridades, e colonos e clero.281

Conforme Alves, as determinações do bispo ratificam os conflitos

emergentes na comunidade, quer com os carbonários e maçons, que

tendiam a crescer em número de adeptos com as idéias positivistas,

ganhando campo no governo republicano, quer entre os próprios religiosos,

leigos ou seculares, que disputavam liderança na comunidade.282

No entanto, como refere Giron, a fé que movia a zona rural, não tinha

a mesma força na zona urbana. Se na zona rural habitavam imigrantes

italianos agricultores, nos núcleos urbanos a população era mais

cosmopolita. Além disso, existia entre seus habitantes maçons, mazzinistas,

anarquistas e até comunistas. Essa diversidade de posições políticas e

credos rompia a supremacia da Igreja.283

Portanto, no município, se estabeleceu um conflito entre a

administração republicana, associada ao positivismo e à maçonaria e a elite

católica, que mobilizou os imigrantes católicos, especialmente da zona rural,

contra uma administração dependente que frequentemente não dava

atenção aos interesses dos colonos. Para Alves, a Igreja passa a assumir

parte desse papel político, o que lhe conferiu um papel de formadora de

281 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio... Op. cit., p. 52. 282 ALVES, E.R. Op. cit., p. 49. 283 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio... Op. cit., p. 53.

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uma elite representante do grupo italiano católico e ela própria, também,

passou a representar esse grupo. 284

Esse episódio autoriza a entender que os colonos, em sua maioria,

aderiam as posições assumidas pela elite católica local, diferentemente da

zona urbana.

Assim, a sezione italiana do jornal republicano A Resistência,

procurava “alertar” a “pobre gente” da “exploração religiosa” a que estava

submetida, pois, os “pobres colonos” eram “valorosos, porém inconscientes”.

Complementavam afirmando que os assisistas

abusam da vossa fé religiosa e a exploram, caluniando o atual governo, eles abusam da vossa ignorância política e em benefício próprio e exclusivo apresentam o seu candidato como o novo messias portador de riquezas, de paz, de bem-estar, de felicidade.... 285

Diziam que os assisistas, especuladores da liberdade, não sabendo

mais à que recorrer, demonstravam uma imbecilidade patente ao pregar que

o Dr. Borges de Medeiros, por ser um acirrado defensor da teoria positivista

era um inimigo da religião cristã. E mais, que depois de terem os

adversários, exaurido todos recursos, atacaram odiosamente e vilmente a

veneranda pessoa do reverendo D. João Becker, arcebispo do Estado.286 O

284 ALVES, E.R. Op. cit., p. 61. 285 “Essi abusano della vostra fede religiosa e la esplorano, calunniando l’attuale governo;

essi abusano della vostra ignoranza politica e ne profittano a proprio ed esclusivo vantaggio presentando il loro candidato qual novello Messias portatori dio richezza, di pace, di benessere, di felicitá...”. A Resistência. Caxias do Sul, 9-11-1922. p. 1.

286 A Resistência. Caxias do Sul, 22-11-1922. p. 3.

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jornal de Assis Brasil, diziam os republicanos, vendo que perde terreno em

todo o Estado insulta a figura do arcebispo chamando-o de “péssimo

cidadão, péssimo religioso, péssimo sacerdote” e outras ofensas mais. 287

Durante este período de intensa agitação política, Gobbato estivera

envolvido com a publicação da 2a edição do Manual do Viti-Vinicultor

Brasileiro que ficou pronto em novembro do 1922. O Correio do Povo

anunciava a chegada do Manual:

Está no prelo, devendo sair por todo o mês de janeiro entrante, das

oficinas gráficas da Escola de Engenharia, o Manual do Viti-Vinicultor

Brasileiro, do nosso colaborador dr. Celeste Gobbato, que, dedicando-se há

longos anos ao estudo das coisas de nossa agricultura e das nossas

indústrias rurais, escreve sobre elas com real proficiência através de seus

artigos frequentemente publicados nas colunas desta folha.288

Gobbato continuava a fazer suas viagens pelo Rio Grande do Sul

como professor do Ensino Ambulante de Agricultura e mantinha seus artigos

na Egatéa e no Correio do Povo, como foi visto anteriormente. Em outubro

de 1922 Gobbato esteve no município de Barra do Ribeiro realizando

conferências e visitando pomares e granjas.289 Em novembro do mesmo

ano, esteve em Taquari, Roca Sales, Encantado e Estrela;290 além de ter

287 Idem. 288 Correio do Povo. Porto Alegre, 17-12-1922. 289 Correio do Povo. Porto Alegre, 22-10-1922. 290 O Paladino. Estrela, 9-11-1922.

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visitado as colônias em Guaporé e Serafina Corrêa. 291 Em dezembro voltou

aos municípios de Santa Cruz, Encruzilhada e Rio Pardo.292

Em 25 de novembro de 1922 realizou-se a eleição. Borges de

Medeiros foi declarado vencedor em meio a protestos dos adversários que

sustentavam que Borges não havia atingido os votos de três quartos do

eleitorado, como previa a Constituição Rio-Grandense em caso de

reeleição.

A facção oposicionista acreditava que o povo havia levado às urnas o

nome de Assis Brasil, que o povo o desejava como presidente, mas

alegavam que

a máquina borgista estava preparada. Até às 24 horas do dia das eleições, em todas as mesas eleitorais do Estado, a vitória de Assis Brasil se elevava à belíssima média de 70% sobre a de Borges de Medeiros, todavia, ao amanhecer, quando foram encerrados os trabalhos eleitorais, viu o povo, com surpresa, que havia sido ludibriado nos seus direitos, por isso Borges de Medeiros estava vencedor.293

No dia 25 de janeiro de 1923, no discurso de posse para o quinto

mandato, Borges disse: A vitória foi completa, o inimigo tombou. Não era

bem essa a realidade e, no mesmo dia, iniciou uma série de levantes

regionais, espalhados pelo interior. 294

291 Correio do Povo. Porto Alegre, 18-11-1922. 292 A Federação. Porto Alegre. 17-12-1922.

293 Álbum dos Bandoleiros. Op. cit., p. 6. 294 LOVE, J.L. Op. cit., p. 219.

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Um dia antes da posse de Borges, o deputado Arthur Caetano, do

Partido Federalista, enviou de Carazinho um telegrama para o presidente da

República Arthur Bernardes, pedindo apoio federal diante da revolução que

se anunciava. Relatava a situação de desespero criada pelo borgismo

compressor e sanguinário que naquele dia havia transformado a região

serrana em vasto acampamento militar:

Quatro mil cidadãos levantaram-se hoje, no dorso destas cochilhas, protestando de armas na mão contra a usurpação do tirano. Sobre passo fundo caíam diariamente as cóleras da ditadura porque Passo fundo foi o baluarte do bernardismo no Rio Grande do Sul. Não correrá mais sangue se o ditador renunciar incontinente o seu falso mandato ou se V.Ex. desdobrar sobre as nossas plagas infortunadas, as garantias constitucionais que nos falecem, integrando o Rio Grande no concerto da federação brasileira. 295

Na análise de Love, as possibilidades

de derrota ou de derrubada do PRR nunca haviam sido tão grandes nos seus 30 anos de poder.(...) Bernardes, que deveria tomar posse 10 dias antes da eleição no Rio Grande do Sul, provavelmente não teria esquecido a rejeição de Borges a sua candidatura. Uma vantagem final para os libertadores residia em que a vitória de Borges teria de ser esmagadora, já que a Constituição Estadual estabelecia que um Governador, pretendente à reeleição deveria obter 75 por cento dos votos. Essa exigência significava ser provável a ampla utilização da fraude, motivo suficiente para uma revolta capaz de provocar uma intervenção federal”.

Nas eleições para presidente da República, Borges de Medeiros

havia apoiado o candidato da oposição, Nilo Peçanha. Assis Brasil, por sua

295 Álbum dos Bandoleiros. Op. cit., p. 7.

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vez, apoiou Arthur Bernardes, e por isso acreditava na obtenção de apoio

federal, e se necessário, uma intervenção.

A eleição de 22 foi a primeira disputa governamental contestada no

Rio Grande do Sul, desde 1907, e surgiram acusações de fraude dos dois

lados. Rumores de uma revolução contra Borges haviam precedido a

eleição e a violência, com duas mortes, irrompeu em Alegrete quando se

anunciaram os resultados. Se Borges conseguira ou não a maioria exigida

era algo a ser resolvido por um Tribunal de Honra, a exemplo do que

ocorreu nas eleições federais. Foi através de uma comissão formada por

três deputados estaduais que, em dezembro, começou a apuração dos

votos. Os libertadores, por sua vez, não estavam representados nela. A 17

de janeiro a comissão declarou que Borges havia alcançado uma votação

de 106 mil votos contra 32 mil para Assis Brasil. A Assembléia pronunciou

Borges reeleito. 296

Alegando fraude e contando com a intervenção do governo federal,

os libertadores pegaram em armas e teve início mais uma guerra civil em

território gaúcho. Depor Borges, tirar os republicanos dos cargos e anular a

Constituição Positivista, eis o que pretendiam os rebeldes.297

296 LOVE, J.L. Op. cit., p. 218-9. 297 Ibidem, p. 221.

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A intervenção federal aspirada pelos revoltosos não aconteceu. O

governo federal preferiu defender a legalidade, sustentando a autoridade de

Borges. A revolução, espalhando-se pelo interior, atingiu a região colonial.

Em Caxias, O Democrata veiculava o fato de que um eleitor

governista havia votado 55 vezes em Borges. Outra denúncia teria partido

do próprio escrivão do segundo distrito do município, Jacob Callegari, que

relatou ter presenciado a colocação em uma urna de um pacote com 514

chapas assinadas.?!!. 298 Para a folha assisista estes eram apenas alguns

dos fatos que comprovavam o que foi a tragicômica eleição presidencial

deste município pois, alegava, não faltaram aqui os lances quixotescos e os

arreganhos armados da Brigada Militar e dos capangas sustentados pelo

regulo da municipalidade. 299

A questão dos impostos foi mais uma vez utilizada pela corrente

oposicionista durante a guerra civil em Caxias. A exemplo do que ocorreu

durante as revoltas caxienses, pregaram a greve econômica. Os

libertadores, através de um manifesto, aconselhavam que

não se contribuísse de modo algum para os cofres do Estado e do município, por meio de impostos ou outras quaisquer contribuições, a exemplo do que se está fazendo em Porto Alegre, e em outros municípios do interior, visto que o governo do sr Borges de Medeiros não é legalmente constituído, não merecendo a nossa confiança e o nosso apoio pecuniário.300

298 O Democrata. Caxias do Sul, 20-12-1922. p. 1. 299 Ibidem, 27-12-1922, p. 1. 300 O Democrata. Caxias do Sul, 7-2-1923. p. 2.

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A alegação desta vez era que o dinheiro seria usado pelos membros

despóticos do governo Borges para pagar os capangas com os quais

tentarão mais uma vez, amordaçar a nossa consciência, exercendo toda a

espécie de perseguições. E completavam: Não armemos os braços que

amanhã nos virão massacrar em plena rua, num atentado flagrante contra

as nossas legítimas e sinceras aspirações de liberdade, de paz e de

trabalho”. 301

A atitude dos assisista, segundo a folha, não significava apenas um

protesto contra a conservação de Borges no poder, mas também era um

meio eficaz de impedir o governante de gastar o dinheiro público com a

compra de armas e munição, bem como com a criação de regimentos da

Brigada Militar e corpos de civis.

Ocorreu que o manifesto foi apreendido pelo intendente Penna de

Moraes, dentro das próprias oficinas gráficas da Livraria Mendes, o que foi

entendido pela oposição como uma verdadeira arbitrariedade do ditador

local. O modo de agir do intendente levou a folha assisista veicular que

existe em Caxias um verdadeiro ‘estado de sítio’ e, que a facção assisista

aqui domiciliada, vive sofrendo toda a sorte de perseguições por parte das

301 Ibidem, 7-2-1923, p. 2.

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autoridades locais.302 O manifesto foi considerado subversivo e insultuoso

contra os poderes constituídos, daí sua apreensão.

Além de contar com o apoio dos intendentes, Borges tinha a seu

favor a Brigada Militar e os corpos provisórios, embora houvesse no interior

da corporação alguns descontentes.

Em Caxias, O Democrata publicava carta de um oficial da Brigada

Militar onde apelava para os seus companheiros não aderirem à luta, como

mostra o seguinte texto:

antes que nossos chefes nos mandem para o campo da luta, a combater contra os nossos irmãos, devemos ficar em casa, ou fugir, pois ser desertor neste caso é mais cabível do que manchar as nossas mãos com o sangue dos nossos parentes, ainda mais defendendo um absurdo de quem nos olha com desprezo e nos encara com nojo como o dr. Borges de Medeiros. E não é só isso camaradas! O Exército virá sobre nós e seremos fatalmente derrotados, porque com esta minúscula Brigada não se pode afrontar a força maior como é o Exército.303

Contudo, nas palavras de Love, o indicativo era que esta destinava-se

ser uma luta desigual: Borges tinha condições de mobilizar cerca de 12.000

homens, dos quais 3.500 homens da Brigada Militar, mais aproximadamente

8.500 homens dos corpos provisórios. 304 Quanto aos libertadores,

só podiam reunir metade desse número e seu equipamento era bastante inferior. Em alguns casos, os libertadores copiaram os seus pais federalistas de 1893-95, organizando

302 Idem. 303 A carta foi publicada originalmente no Última Hora. O Democrata. Caxias do Sul, 24-1-

1923, p. 1. 304 LOVE, J.L. Op. cit., 220-21.

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formações de lanceiros que tiveram de enfrentar metralhadoras das forças legalistas”. 305

Quanto à estratégia, os rebeldes procuravam conservar a guerra

ativa, movimentando-se com rapidez e evitando o combate, na esperança

de uma intervenção do governo federal.306 A luta dos rebeldes valeu-lhes a

simpatia e o respeito de muitos oficiais do Exército regular fixados no RS,

que ocasionalmente lhes forneceram armas e outros materiais.307

Assim como na campanha, durante a revolução as folhas

republicanas e libertadoras, procuravam confundir a população através de

notícias de caráter ambíguo. O Brasil culpava os assisistas pelas bombas de

dinamite que seguidamente explodiam na cidade, causando apreensão na

população. O Democrata se defendia, afirmando que sabia de fonte segura

que as bombas foram atiradas pelas próprias patrulhas da municipalidade

afim de incriminar os adversários, e justificar algum atentado no futuro. 308

Para os assisistas a imaginação dos governistas era tanta que

chegaram ao ponto de simular uma prisão de rebeldes em pleno centro da

cidade como forma de impressionar a população. A versão da folha é a

seguinte:

305 Idem. 306 Idem. 307 O Democrata. Caxias do Sul, 14-3-1923. p. 2.

308 Idem.

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“(...) foi visto com surpresa por todos quantos saíam da matiné do Apollo, passar um polícia repontando, calma e fleumaticamente, oito presos. Houve quem afirmasse tratar-se de uma comédia:(...) os ‘presos’ teriam sido previamente contratados e inteirados de seu papel, reunir-se-iam em um determinado ponto ou botequim; fariam talvez alguma baderna, chegando nessa ocasião o predestinado (ou designado) polícia, que lhes deu a voz de ‘teje preso’, em nome da lei. Coincidiu de passarem pelo Apollo justamente quando o povo saía”.309

Com ironia, acrescentava: Com semelhante polícia, da qual um só

soldado prende oito desordeiros de uma bolada, quem seria capaz de

aproximar-se da Intendência??. 310

Carreiras de cavalos pelo centro da cidade também eram freqüentes.

Numa ocasião, lá pelas oito horas da noite, ouviu-se o galopar de cavalos

ferrados, que vinham da rua Visconde de Pelotas, montados por policiais, os

quais se dirigiram pela rua Júlio de Castilhos, voltando logo depois com dois

‘presos’.311 Outra vez o Democrata dizia tratar-se de um novo programa do

ditador local para impressionar as pessoas.

Notícias de uma investida das tropas oposicionistas contra a

intendência completavam o clima de intranquilidade. A folha republicana

respondia:

Apesar dos boatos que insistentemente circulam, enchendo a população de dúvidas e apreensões, a situação política do nosso município continua sendo normal. (...)As autoridades locais estão prevenidas e aparelhadas para qualquer

309 O Democrata. Caxias do Sul, 25-4-1923. p. 1. 310 Idem.

311 Idem.

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eventualidade ou sortida que os bandoleiros do patrão Arthur Caetano e do fujão Assis Brasil, por ventura, tentem contra esta cidade, com fins que o nosso comércio não deve ignorar. 312

Boatos!?, questionava O Democrata, corre como certo que o

coronel...não mais voltará a assumir o cargo de intendente municipal,

estando já indicado para o cargo de diretor da Biblioteca Pública, em Porto

Alegre. Será um fato, ou um boato simplesmente. O tempo nô-lo dirá.313 O

fato é que o intendente completou o seu mandato, e só então voltou para

Porto Alegre.

Sabe-se que o grupo dos comerciantes e industrialistas, que

constituía a maioria do Conselho Municipal, encontrava-se dividido, o que

transparece com as informações do próprio Conselho. De 16 de novembro

de 1922 a 23 de janeiro de 1923 houve apenas uma sessão extraordinária,

com a ausência de alguns conselheiros, sendo que um havia renunciado.

Na ocasião, o intendente coronel Penna de Moraes adiou a prestação de

contas para a próxima sessão, adiantando que para manutenção da ordem,

tivera de elevar efetivo da Guarda Municipal a 26 praças e que enfrentara

essa despesa com o excesso de arrecadação.314 A Lei do Orçamento de

1922 foi prorrogada e o Conselho só voltou a se reunir no dia 4 de agosto de

23, para tomar conhecimento da nomeação de Protásio Alves a vice-

presidente do Estado. A nomeação foi aprovada e as sessões ordinárias só

312 O Brasil. Caxias do Sul, 10-3-1923. p. 1. 313 O Democrata. Caxias do Sul, 11-4-1923, p. 2.

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voltam a acontecer a partir de 15 de novembro em meio a ausências, da

qual as atas não dizem as razões mas que pode se tratar de renúncias.315

São realizadas novas eleições para completar o quadro e dar continuidade

aos trabalhos, que recomeçaram em 4 de dezembro.

O clima de violência com mortes não tardaria a chegar em Caxias. No

dia 11 de fevereiro, em Ana Rech, ao meio dia, Pedro e José Biondo, 16 e

18 anos, voltavam da missa quando foram interpelados por soldados da

Brigada Estadual para que entregassem as armas que possuíam. Os

rapazes não acataram as ordens. É claro que a partir daí, cada folha deu

sua versão sobre o caso. Para os republicanos, os rapazes, ao tentar fugir,

atiraram primeiro, não restando outra alternativa para os policiais que não

fosse revidar.316 Para os assisistas, os rapazes teriam sido assassinados

covardemente, pois eram declaradamente simpáticos a Assis Brasil.317 Os

republicanos acusavam os assisistas de estarem explorando politicamente o

caso. O que realmente pode ter acontecido, visto que a mãe dos rapazes,

Maria Novello Biondo, enviou um telegrama ao presidente da República,

Arthur Bernardes, pedindo providências já que, argumentava ela

este crime é mais um da série de que o governismo vem praticando neste município a fim aterrorizar população já alarmada por uma série violências entre quais atentados contra Vicente Teixeira, Olympio Rosa, assassinado

314 GARDELIN, M. Op. cit., p. 55-6. 315 Idem.

316 O Brasil. Caxias do Sul, 17-2-1923. p. 2. 317 O Democrata. Caxias do Sul, 28-2-1923. p. 1.

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Waldomiro Martini e outros ocorridos dentro pouco tempo e após agitação política estado.318

Na região serrana, à frente dos revolucionários estavam o coronel

Felipe Portinho, que havia participado da revolução de 1893 e o deputado

Arthur Caetano da Silva, representante federalista na Assembléia.

Conta a história de São Marcos que graças ao inverno rigoroso, com

muita chuva, fez diminuir os combates na serra, que se reativaram com a

chegada do mês de setembro. No dia 6 de setembro, no Passo das Antas,

entre Criúva e São Manoel, houve o combate entre as forças assisistas,

comandadas pelo capitão Mariano Pedrodo de Moraes e os borgistas,

comandados pelo coronel Caetano Reginatto. Os borgistas tiveram trinta

baixas. A vitória dos assisistas garantiu-lhes acesso a São Marcos (distrito

de Caxias), de onde avançariam para Nova Trento, Antônio Prado, Garibaldi

e Bento Gonçalves. “No dia 10 de setembro, os assisstas tomaram São

Marcos e se entricheiraram num morro próximo à vila, morro do Justin

Soldatelli, ao lado da estrada que leva a Zambeccari”.319 Conforme Rizzon e

Possamai, em São Marcos predominavam os assisistas, mas em Criúva e

São Francisco de Paula, as adesões à Assis Brasil eram quase totais.

318 O telegrama foi publicado no O Democrata dia 28-2-1923, p. 1.

319 RIZZON, L.A.; POSSAMAI, O.J. História de São Marcos. São Marcos: Editora dos

Autores,1987. p. 201.

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Segundo estes autores, Adolfo Fortunatti, um temível assisista, maragato de

primeira linha, com sua turma espalhava o medo entre os colonos. 320

Os autores contam que no dia 23 de setembro um esquadrão

comandado pelo Major José Nicolleti Filho, que agora combatia do lados

dos republicanos, chegou a Caxias. As forças governistas se alojaram no

centro da povoação de São Marcos, e começaram os tiroteios. A população,

apavorada, fugia para as colônias, procurando abrigo em casas de

conhecidos e amigos. 321 Pelos dados dos autores, não houve mortes nestes

combates, mas muitos feridos e perdas econômicas:

Embora não tenham ocorrido as matanças e crueldades da revolução de 1893, houve muito prejuízo na colônia São Marcos. Além da paralisação total das atividades econômicas, quase todas as famílias foram obrigadas a entregar cavalos e vacas. Primeiro vinham uns, depois vinham os outros e levavam o que queriam. Ninguém podia opor-se. As ameaças, o terror, o medo e as pressões reinavam à solta. 322

No dia 2 de outubro aconteceu o combate no Passo do Zeferino que

separa, pelo rio das Antas, Caxias de Antônio Prado. Embora poucas

tenham sido as vítimas, dois republicanos, o combate foi muito violento. 323

Após vencerem a batalha no Passo do Zeferino, os assistas

avançaram até Nova Trento. No dia 14 de outubro, foi gravemente ferido o

320 Ibidem, p. 202. 321 Ibidem, p. 201.

322 Ibidem, p. 202. 323 Idem.

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jovem assisista Quintino Biazus, que morreu no Hospital da Cruz Vermelha

no dia 16. O enterro do jovem foi acompanhado de um cortejo fúnebre com

mais de três mil pessoas.

Os assisistas prosseguiram e tomaram Garibaldi no dia 31. No dia 3

de novembro, entraram vitoriosos em Bento Gonçalves. No mesmo dia,

tendo à frente Adolfo Fortunatti, os assisistas entraram em Caxias pelos

matos próximos ao campo do Esporte Clube Juventude e iniciaram um

tiroteio com as forças do coronel Franklin Cunha e do Major Nicoletti. Na

ocasião morreu o temível revolucionário são-marquense Adolfo Fortunatti.

Conta o memorialista caxiense, o barbeiro João Spadari Adami, que no dia

seguinte, enquanto era conduzido ao cemitério, com grande

acompanhamento, o cortejo fúnebre foi dispersado pelos borgistas e

roubaram o caixão com o cadáver.324

Rizzon e Possamai colheram uma série de depoimentos de pessoas

que viveram os acontecimentos da época. Um deles é particularmente

importante, pois trata-se do Padre Henrique Compagnoni, da paróquia do

sexto distrito de Caxias (São Marcos).

Padre Henrique conta que foi atacado por bandoleiros chefiados por

Fortunatti. Leopoldo Zaldo, com barba vermelha, veio enfrentar o padre.

324 Ibidem, p. 203.

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Incitou-o a convidar os fiéis que comparecessem à missa para pegar em

armas e derrubar o infame Borges de Medeiros. O padre procurou mostrar

que deveria manter a neutralidade. Mas Zaldo respondeu que neutralidade

era sinônimo de cumplicidade, e referiu-se a Borges. Para se livrar, o padre

apertou a mão e disse: Pois bem, farei tudo isso. O religioso, por ter bom

relacionamento com as autoridades locais, foi visto como partidário. Os

assisistas, disse ele, Queriam que os padres da Comarca de Caxias

declarassem guerra aberta ao coronel Penna de Moraes. Mas me mantive

tranquilo, pois não queria que houvesse injustiças de nenhum dos lados. O

padre, no entanto, relatou que: houve, em outros lugares, padres que se

manifestaram. Até vivas ao Assis Brasil deram.325

O depoimento de um ex-revolucionário, Leôncio Batista Azevedo, tido

como responsável pela explosão das bombas em Caxias, reforça a versão

do anterior, de que os padres estavam divididos. Os padres, relatou ele,

vendo muita injustiça, falavam. Não tinham medo. Um exemplo é o padre Polezzo. Ele acompanhava a turma. Chegaram a bater nele. Levou tiro. Depois escapou e foi bater em São Marcos. Ele era assisista declarado, isto é, ao lado do povo. Usava lenço no pescoço. Os padres de São Marcos não se meteram, mas o padre Polezzo só não se meteu em briga. Ele ia em caravana para votar em São Francisco. No aniversário de criação do município de São Francisco, fizeram uma grande festa e o padre foi também. Eram todos maragatos. Foram festejar, mas de lenço maragato. 326

325 Ibidem, p. 203-4. 326 Ibidem, p. 208.

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Em novembro a revolução se encaminhava para o final. O presidente

da República Arthur Bernardes havia afirmado que só interviria para discutir

um armistício, o que fez ainda em abril, enviando um emissário oficial a

Porto Alegre. Não obteve êxito. Segundo Love, no mês de junho, Bernardes

começou a pressionar Borges para que fizesse concessões aos libertadores,

novamente sem resultados imediatos.327 O arcebispo metropolitano, D. João

Becker328, também não obteve êxito em sua investida de paz. Em novembro,

o presidente enviou ao Rio Grande do Sul seu Ministro de Guerra, general

Setembrino de Carvalho, para servir de mediador. De acordo com Love,

Setembrino chegou ao Rio Grande sabendo que Borges estava finalmente decidido a estabelecer negociações com Assis Brasil. Nos primeiros estágios dos entendimentos, as questões ainda não estavam claramente definidas. Muitos rebeldes exigiam a renúncia do ‘Chimango’. As questões remanescentes diziam respeito a várias disposições da Constituição do Estado que concentravam o poder nas mãos do Governador.329

A revolução de 1923 terminou com a assinatura do Pacto de Pedras,

na madrugada do dia 14 de dezembro, cujo conteúdo assinalaria o início de

uma nova fase para os destinos políticos do Rio Grande do Sul. Da sede de

sua granja em Pedras Altas,

Assis Brasil dirigia as negociações para os libertadores. Setembrino, também em Pedras Altas, transmitia

327 LOVE, J.L. Op. cit., p. 222. 328 Na ocasião, D. João Becker “Teria estabelecido contato com os revolucionários e no

auge da guerra civil feito uma viagem ao Rio de Janeiro, onde teria conseguido que os jornais começassem a festejá-lo como mediador da luta no Rio Grande do Sul. A partir desse momento, Becker se teria atirado de corpo e alma à construção do ‘catolicismo político’. GERTZ, R.E. D. João Becker e o Nacionalismo. São Leopoldo: Editora da UNISINOS, 1999. p. 157. Série História. Estudos Leopoldenses.

329 LOVE, J.L. Op. cit., p. 223.

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informações a Borges em Porto Alegre, e pressionava ambas as partes a terminarem a guerra. (...) Os libertadores não conseguiram a deposição de Borges, mas conseguiram a limitação de sua autoridade.330

As cláusulas do acordo331 estabeleciam basicamente: a reforma do

artigo 9O da Constituição, proibindo a reeleição do presidente para o período

presidencial imediato. Idêntica disposição quanto aos intendentes,

adaptação às eleições estaduais e municipais da legislação eleitoral federal

e que o vice-presidente será eleito ao mesmo tempo e da mesma forma que

o presidente. Se, por qualquer causa, o vice-presidente suceder ao

presidente antes de decorridos três anos do período presidencial, proceder-

se-á a eleição dentro de sessenta dias. Idêntica disposição aos vice-

intendentes.

3.2 MISSÃO PENOSA EM CAXIAS DO SUL

Em janeiro de 1923, Celeste Gobbato recebeu o título de membro

honorário do Instituto Agrícola Brasileiro, sediado no Rio de Janeiro. O título

foi-lhe conferido em função dos serviços que este agrônomo vem prestando,

há anos, à agricultura nacional.332

330 Idem. 331 Álbum dos Bandoleiros. Op. cit., p. 8.

332 Correio do Povo. Porto Alegre, 6-1-1923.

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De acordo com uma das cláusulas do Pacto de Pedras Altas

deveriam se realizar em todo o Estado rio-grandense, no dia 3 de maio de

1924, as eleições para deputados federais e a renovação de um terço do

Senado da República, onde concorria à reeleição o senador republicano

João Vespúcio de Abreu e Silva e o democrata Assis Brasil.

O resultado das eleições para os republicanos foi desastroso no 1O

distrito eleitoral, do qual Caxias fazia parte. A oposição venceu com larga

diferença: os republicanos obtiveram 1.023 votos e os “ba-ta-clans”, como

eram chamados os oposicionistas, 1.790 votos. Os municípios onde a

oposição venceu são: Caxias, 756 votos a favor da oposição; Alfredo

Chaves, 234; Garibaldi, 83 Guaporé, 7; Encantado, 84 Caçapava, 82;

Cangussú, 472; São Gabriel 142; Camaquã, 10; e São Sepé, 33 votos a

favor da oposição.

Caxias foi o município onde a oposição obteve maior diferença de

votos a seu favor. Dos 72 municípios que constituíam o Estado, em 11 deles

os coligados na Aliança Liberal venceram. A zona colonial italiana, com

Caxias à frente, contribuiu para que fossem eleitos no 1O distrito três

deputados da oposição: Wenceslau Escobar, Plínio Casado e Lafayette

Cruz.

O jornal republicano O Brasil justificava a derrota noticiando que

apesar de haverem intervindo no pleito elementos cuja ascendência moral sobre os colonos é notável, pelo notório fanatismo de que eles são possuídos, (...) diante de vários fatores daquela ordem que contribuíram para que o

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elemento colonial fosse engazopado mais uma vez, o resultado, para os republicanos, não foi decepcionante, ainda mais atendendo-se a que os libertadores locais haviam prometido ao sr. Assis Brasil 2.500 votos!. 333

Se nas eleições para presidência do Estado em 1922 pairavam

dúvidas quanto ao resultado oficial da votação, devido às denúncias de

fraudes, ficava evidente neste momento que em Caxias havia se formado

um foco de oposição significativo ao governo de Borges de Medeiros. A

Pérola das Colônias não se desenvolvia apenas economicamente; o grupo

dos colonos italianos, entre os quais a intelectualidade católica estivera

agindo,334 fazia-se presente no cenário político gaúcho como uma ameaça à

hegemonia do PRR local. O próximo desafio para os republicanos seria a

renovação da administração municipal.

Preocupados com a situação em Caxias elementos políticos de

destaque da cidade haviam solicitado a ajuda de Borges no sentido de

organizar a nova administração do município, visando os interesses da zona

colonial e a apaziguação dos espíritos ainda latentes. Para atender aos

apelos, Borges enviou para Caxias como seu delegado, Otávio Rocha, que

segundo A Federação, deveria auscultar os sentimentos da maioria dos

nossos amigos e dos homens de responsabilidade local.335

333 O Brasil. Caxias do Sul, 10-5-24. p. 1.

334 ALVES, E.R. Op. cit., p. 82. 335 O texto foi originalmente publicado em A Federação dia 23-07-1924. O Brasil. Caxias

do Sul, 27-7-1924, p. 1.

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Nesse meio tempo, notícias sobre a publicação do folheto Cultura da

Vinha, de autoria de Celeste Gobbato, chegavam a Caxias. Para O Brasil, o

professor da Escola de Engenharia de Porto Alegre sempre tratou com

proficiência e carinho da viti-vinicultura, assunto de real interesse,

especialmente para a nossa região. 336

Pouco depois, noticiava o mesmo jornal que a Escola de Engenharia

de Porto Alegre,

que muito tem contribuído para o progresso do Rio Grande, acaba de incumbir o hábil professor Dr. Celeste Gobbato de visitar os principais estabelecimentos deste município, para ministrar aos respectivos proprietários instruções acerca da cultura da videira e do preparo do vinho. 337

Não é preciso encarecer esta iniciativa, continuava a folha,

basta dizer que ficou dela incumbida o Dr. Celeste Gobbato para que se possa avaliar os resultados que seguramente advirão para a nossa indústria vinícola. O dr. Gobbato é autor do Manual do Viticultor Brasileiro, baseado em estudos feitos pelo autor em nosso meio agrícola e industrial. 338

336 O Brasil. Caxias do Sul, 26-01-1924. p. 2.

337 Ibidem, 11-03-1924. p. 1. 338 Idem.

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É deste modo, complementava O Brasil, mas unicamente deste, sem

lenços encarnados e sem exibições grotescas, que se há de impulsionar o

progresso do Rio Grande e salvá-lo de cair em pior situação. 339

Iniciavam-se as articulações políticas para a campanha intendencial

em Caxias, cujas eleições deveriam se realizar no dia 12 de agosto.

A Aliança Libertadora havia lançado o nome do Cônego Meneguzzi

como candidato à intendência de Caxias. Para a folha republicana, os

oposicionistas não queriam o vigário como intendente, apenas desejavam o

seu nome de sacerdote, como bandeira da mais torpe exploração política.340

Diziam os republicanos que sabiam de fonte segura que o vigário não havia

consentido na indicação de seu nome, acordando completamente com o

ponto de vista esboçado pelo Arcebispo Metropolitano D. João Becker.341

Divergências entre membros da Igreja Católica já se evidenciavam

desde muito tempo, como foi visto anteriormente. A visita pastoral de D.

João Becker a Caxias às vésperas da campanha municipal foi importante

para o encaminhamento da questão política. A presença do arcebispo no

município, como afirma Alves, esteve voltada a uma conciliação entre a

hierarquia católica local, o grupo de italianos católicos e o PRR local. 342

339 Idem.

340 O Brasil. Caxias do Sul, 26-04-1924. p. 1. 341 Ibidem, 17-05-1924. p. 1. 342ALVES, E.R. Op. cit., p. 87.

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O PRR local, através do Centro Republicano criado há pouco mais de

um ano, e com o apoio de Otávio Rocha, tratou da formação da Comissão

de Propaganda Eleitoral que ficou constituída de trinta e nove membros, em

sua maioria comerciantes e industrialistas, como Adelino Sassi, Abramo

Eberle, Miguel Muratore, David Andreazza, e Ettore Pezzi.

Na próxima ida a Caxias, Otávio Rocha foi acompanhado de Celeste

Gobbato, que a essas alturas já era o nome do PRR para o cargo de

intendente de Caxias.

O nome de Gobbato, que até este momento aparecia nos jornais

vinculado ao ensino na Escola de Engenharia, agora, surge vinculado ao

PRR, como mostra a seguinte nota de O Brasil:

Conforme está já no conhecimento do público, a convite de influentes proceres do nosso partido vieram a esta cidade, a fim de tratarem do problema da sucessão intendencial deste município, os nossos ilustres amigos dr. Otávio Rocha e dr Celeste Gobbato, aquele, como representante do egrégio chefe do nosso partido, dr. Borges de Medeiros.343

Otávio Rocha foi o homem de confiança de Borges responsável pelo

encaminhamento da sucessão intendencial em Caxias. Na terceira reunião

da Comissão houve o acordo entre os republicanos e o grupo de dissidentes

filiados à Aliança Libertadora Caxiense.344 A chamada “chapa de

conciliação” ficou assim composta: para intendente: Dr. Celeste Gobbato,

343 O Brasil. Caxias do Sul, 27-07-1924. p. 1. 344 ALVES, E.R. Op. cit., p. 91.

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professor de Agronomia; para vice-intendente Abramo Eberle, industrialista;

para conselheiros Orestes Manfro, industrialista, Armando Antunes,

industrialista, Angelo Antonello, comerciante, Alexandre Zaniol, comerciante,

Antônio Pieruccini, industrialista, Angelo de Carli, comerciante, e Leonel

Mosele, industrialista. A chapa foi aprovada por cinqüenta votos contra

doze.345

Sobre os nomes que figuravam na chapa de conciliação, O Brasil

dizia-se desobrigado de analisá-los. Quanto ao futuro intendente a folha se

manifestava justificando antecipadamente sobre o fato de Gobbato não

residir na cidade, conforme previa a Lei Eleitoral, e propagandeava seus

méritos:

conquanto não tenha residido neste município, o Dr. Celeste Gobbato não precisa de apresentação em Caxias; seu nome já é bastante conhecido, mercê dos relevantes serviços por ele prestados, na imprensa, aos viticultores, aos vinicultores e aos agricultores rio-grandenses. (...) É ele hoje chefe do serviço ambulante de agricultura, mantido por aquele importante estabelecimento e redator da Egatéa (...) Desempenha ainda o Dr. Gobbato uma outra importantíssima função, por si só bastante para torná-lo merecedor da estima e da gratidão de todos os brasileiros: é a função de redator da parte agrícola do “Correio do Povo”, que há vários anos está confiada a sua boa vontade e aos seus elevados conhecimentos na matéria.346

Como homem político, continuava a folha, Gobbato manteve-se

sempre de modo a conquistar a confiança da direção republicana de Porto

345 O Brasil. Caxias do Sul, 27-07-1924. p. 1.

346 Ibidem, 27-07-1924. p. 2.

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Alegre e do chefe supremo do nosso partido, razão porque este não hesitou

em oscilar à indicação, feita por nossos correligionários.347

Embora até este momento o nome de Gobbato jamais tenha sido

lembrado como integrante de qualquer agremiação política; seu vínculo com

a Escola de Engenharia, com o Correio do Povo, com os agricultores

gaúchos, especialmente entre a comunidade italiana, e aqui o fato de

Gobbato ser italiano pesou enormemente, além do bom relacionamento que

mantinha com Assis Brasil, fazia com que ele significasse um nome de

consenso neste momento atribulado da política rio-grandense. Além do

mais, por ser católico, Gobbato angariou simpatias do clero local. Neste

sentido, concorda-se com Alves, quando esta afirma que a indicação de

Gobbato representaria o elemento de interseção capaz de atenuar o avanço

das oposições assisistas e romper com o poder luso local permitindo que a

esfera da sociedade civil e do poder político-administrativo falassem a

mesma língua.348

No dia 9 de agosto, Gobbato foi recebido na cidade com um jantar na

sede do Recreio da Juventude, onde fez seu primeiro discurso. Iniciou

dizendo que:

Nenhum merecimento e nenhum serviço prestado ao Rio Grande e à Caxias tornava-me credor duma festa tão simpática e harmônica, privilégio das populações cultas

347 Idem.

348 ALVES, E.R. Op. cit., p. 88.

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para com os elementos forasteiros, se assim eu devo ser considerado. Longe, muito longe de mim, meus senhores, estava a idéia de poder ser um dia escolhido para candidato a intendente de qualquer que fosse a localidade. Minha vida exclusivamente ocupada na solução dos problemas agrícolas, lidando no campo, no livro, colhendo aqui o fruto da experiência para ali divulgá-lo entre agricultores, (...) pronta sempre a sugerir um melhoramento cultural para aumentar a produção da terra; incansável para responder as numerosas consultas que de todo o Rio Grande chegavam às minhas mãos; minha vida jamais pensou que pudesse chegar um momento em que ela fosse chamada à possibilidade de ocupar cargo tão elevado e tão grave, como o que o povo de Caxias parece desejar confiar-me com o próximo pleito de 12 de agosto.349

O discurso de Gobbato mostra que entre suas ambições não

constava a carreira política. Diz ter ouvido indiferente os primeiros que

cogitaram tal possibilidade, pois, repetia, as suas vistas estavam firmes

sobre a mãe pródiga, carinhosa e boa como vós, sobre a terra, sempre

pronta a retribuir com copiosos frutos as carícias mais modestas que o

homem por meio do trabalho lhe ministra. 350

Depois, continua ele,

houve verdadeiros convites de ambas as facções nas quais estava então dividida Caxias. Por fim, chamou-me à realidade, a vez do Exmo. Sr. Dr. Octávio Rocha, leal amigo de Caxias e da colônia italiana, que em nome do sr. Presidente do Estado, me convidara para candidato de conciliação ao cargo de intendente de Caxias.

Gobbato demonstra ter relutado em aceitar a candidatura, porém, diz

ele,

349 O Brasil. Caxias do Sul, 11-08-1924. p. 2.

350 Idem.

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à insistência do convite, pus-me a raciocinar e a lembrar os múltiplos deveres que o homem tem para com a sociedade; e, então, pondo à margem os interesses egoísticos, morais e materiais que uma capital proporciona em comparação a qualquer outra cidade do interior, e, convencido de que o alvitre do Sr. Presidente do Estado, desejado e apoiado por todas as classes conservadoras de Caxias, era também uma demonstração tangível de benevolência e de consideração para com a coletividade italiana do Rio Grande, dentro da qual escolhia um elemento (...) à administração dum município em grande parte povoado por gente de sangue italiano, vi então que meu dever era assentir na minha indicação para, modestamente, contribuir a dar a Caxias a paz e a sólida união entre todos seus elementos produtores, que em menos de 50 anos, o tornaram o município entre os de mais prestígio econômico do Estado. 351

Gobbato definia o lema da futura administração municipal: Tudo pela

paz, pela ordem e pelo progresso. Somente sob esta bandeira, dizia ele,

serão recompensados, e de sobejo, os sacrifícios de deixar nossos afazeres

e nossa carreira técnica que tanto amamos.352

Como está exposto no discurso de Gobbato, o programa da

campanha eleitoral pretendia abarcar todos os segmentos sociais do

município, já que, pelo progresso de Caxias, dizia ele,

precisamos criar, num novo ambiente moral, o laço de fraternidade entre nacionais e estrangeiros, entre os pequenos e os grandes, entre os ricos e os pobres, entre todos, enfim, que compõem a engrenagem desta imensa máquina produtora.353

351 Idem. 352 Idem. 353 Idem.

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As principais metas a serem alcançadas pelo novo governo municipal

estavam relacionadas com a melhoria na prestação de serviços da

intendência, que nas três gestões do coronel Penna de Moraes não haviam

sido promovidas. Além da promessa da reforma tributária, especialmente o

imposto que envolvia bens imóveis, a questão dos transportes, de higiene e

saúde pública, do setor agrícola, do setor de obras e saneamento e de

urbanização completavam as promessas da campanha. 354

No dia 12 de agosto ocorreu a votação. O fato de ter havido uma

transgressão jurídica, já que a lei eleitoral exigia ao candidato à intendente

cidadania brasileira e residência no município por mais de um ano, parece

não ter influenciado no resultado. Pelo contrário, o fato de Gobbato ser

italiano pesou muito mais a seu favor do que contra. Portanto, sem

surpresas, o resultado das eleições foi o seguinte:

Zonas Eleitorais Candidatos 1a 2a 3a 4a 5a 6a Total Dr. Celeste Gobbato 199 127 100 18 137 538 1.119

Abrano Eberle 199 127 99 18 137 538 1,118

Armando Antunes 154 121 79 26 75 438 893

Angelo de Carli 127 69 45 21 78 438 776

Angelo Antonello 128 67 51 20 72 438 776

Orestes Manfro 120 65 50 21 78 438 772

Leonel Mosele 121 66 52 19 74 438 770

Antonio Pieruccini 123 68 46 20 74 438 769

Alexandre Zaniol 118 69 49 21 80 270 607

354 ALVES, E.R. Op. cit., p. 93.

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Dr. Félix Spinato 78 30 66 6 54 60 294

Dr. Rufino Bezerra 189 171 78 18 228 270 954

Henrique Rossi 30 36 84 0 0 0 150

Quadro 6 – Resultado das eleições municipais de 1924 – Caxias do Sul

Fonte: Jornal O Brasil (22/9/1924)

O Conselho Municipal eleito em 1924 demonstra o crescimento do

poder político dos industriais; 50% dos conselheiros eram industriais, 25%

comerciantes e 25% funcionários públicos. 355

Na manhã do dia 12 de outubro, na sede da intendência Celeste

Gobbato e os novos conselheiros tomaram posse. Dirigiram-se ao Teatro

Apollo para acompanhar a leitura do programa administrativo. Chegando ao

Apollo, Gobbato encontrou o local repleto de Exma. famílias e cavalheiros,

estando também os camarotes tomados por alunos e alunas do Colégio

Elementar que lhe jogavam flores ao passar.356

355 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Op. cit., p. 28. 356 O Brasil. Caxias do Sul, 18-10-1924. p. 1.

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Figura 11 – Celeste Gobbato – Caxias do Sul, 1925

Fonte: Arquivo particular de Lydia Gobbato

Em seu discurso de posse, Gobbato justifica sua condição de italiano

nato, mas dizia-se sentir tão brasileiro quanto italiano:

Debaixo do lema universal do trabalho, não pode haver estéreis rivalidades de bairrismo e de regionalismo. Como debaixo da libérrima bandeira da “ordem e progresso”, entre os homens que trabalham, não há distinção de nacionalidade; a lei nos equipara, nos obriga aos mesmos deveres e nos concede idênticos direitos. E isto é

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necessário que eu vos diga pela minha condição de italiano nato, chamado a este cargo elevado, que me honra extraordinariamente, não só pelo desejo e pelo apoio vosso, mas também pelo firme propósito do Ex. Sr. Dr. Presidente do Estado, de contribuir para o real desenvolvimento da fraternização italo-rio-grandense e de prestar uma homenagem, na minha humilde pessoa, à laboriosa coletividade italiana disseminada no Rio Grande do Sul. (...)se meu berço foi a Itália, se aí aprendi a balbuciar as primeiras palavras, na língua radiosa do sumo poeta, se lá meu coração e meu espírito foram educados no respeito, na obediência, no cumprimento do dever e no trabalho, se mesmo há em mim orgulho por saber-me filho da terra do direito, da justiça e da liberdade, não menor afeto nutro para com o Brasil e, principalmente, pelo Rio Grande do Sul, não só pelas gloriosas tradições de que é repleta sua história e pelas demonstrações de civismo que sempre caracterizaram seu povo, mas também porque aqui iniciei minha carreira profissional, porque conheço e amo ardentemente suas serras e suas campinas e porque, ainda encerrado neste solo sagrado se encontram, desde bem longos anos, boa parte de meus ideais, quase toda minha adolescência e toda sua felicidade! Sinto-me portanto, profundamente brasileiro....! 357

Manifestações de apreço ao novo intendente chegavam de todo o

Brasil. Mensagens como Nem só aos filhos do lugar devem estar reservadas

funções que o estrangeiro inteligente e probo pode também exercer com

inexcedível brilho,358 ou ainda O que agora me resta ainda para desejar é

que para sucessor seu na direção da Egatéa, seja escolhido alguém que

saiba manter a revista na altura que V.Ex. lhe tem conquistado, certamente

com não pequenos sacrifícios,359 ressaltam a figura carismática de Celeste

Gobbato.

357 Idem. 358 Idem. 359 Ibidem, 22-09-1924, p. 1.

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Durante a República Velha os colonos italianos apoiaram os

maragatos, enquanto que a elite política de Caxias, formada também por

italianos ou descendentes destes e dominantes economicamente, vinculava-

se ao borgismo. A eleição do italiano Celeste Gobbato revela que o PRR

havia conseguido atenuar os conflitos na região, referendando a vontade de

Borges de Medeiros. Sobre a indicação de Gobbato, Lydia é categórica: foi

o Borges que mandou meu pai prá lá!

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Quando se percorre a trajetória de vida de uma pessoa, o seu nome,

que é norteador da pesquisa, termina por oferecer acesso a toda uma rede

de relações sociais que ele cria.

Ao destacar-se esse imigrante italiano, que deixa seu país de origem

para ser professor no Rio Grande do Sul, que percorre os quatro cantos

deste Estado levando ensinamentos sobre diferentes cultivos, que

empreende remodelações quando dirige a Egatéa, que participa

assiduamente como colaborador do Correio do Povo, que defende

insistentemente a introdução de castas finas nos vinhedos rio-grandenses,

que produz uma quantidade enorme de textos sobre a agricultura e ainda

“aceita” um cargo político como administrador público, entende-se porque

ele foi apontado como irrequieto, 36 anos após sua morte.

As anotações desse jovem estrangeiro sobre a viagem transoceânica

da Itália para o Brasil mostram um homem sensível, que confessa ter

chorado ao deixar a família, os amigos e as colinas vênetas que tanto

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amava. Um homem que se interessa em registrar o que vê. Identifica

hábitos e valores de cada região que passa e volta sua atenção para uma

dinâmica rede de comércio internacional do qual é testemunha.

Ao chegar ao Brasil, em 1912, encontra um país que vive as

contingências do processo de modernização e industrialização. No Rio

Grande do Sul inicia suas atividades na Escola de Engenharia de Porto

Alegre, que se destacava em nível nacional como instituição pioneira do

ensino técnico-profissionalizante. Como professor, atua como agente desse

processo modernizante carregando a bandeira da "sábia agricultura" que,

para ele, era sinônimo de progresso de uma nação.

A atuação de Celeste Gobbato na Escola de Engenharia, seja como

professor, como chefe da Estação Experimental de Viamão e do Ensino

Ambulante de Agricultura, ou ainda como redator e diretor da Egatéa, lhe

trouxe um reconhecimento indiscutível entre a população das zonas rurais

do Estado e mesmo entre os políticos influentes da época. Em contato

direto com agricultores e criadores, percorrendo colônias, estâncias, granjas

e pomares, ele contribuiu para o aprimoramento de cultivos e da mão-de-

obra rural revelando um certo idealismo, o que transparece também em

seus textos.

Ao tratar de assuntos da agricultura em geral, mas da vitivinicultura

de forma especial, a produção intelectual de Gobbato é reveladora de um

discurso portador de objetivos práticos. Destaca-se como sua principal obra

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sobre do vinho o Manual do Viti-vinicultor Brasileiro, que representa uma

importante contribuição historiográfica.

As características que marcam a ação prática de Gobbato e a sua

produção intelectual aparecem como elementos fundamentais para a sua

ascensão política. A trajetória de vida de Gobbato, da carreira técnica ao

cargo de chefe executivo de Caxias do Sul, função que, aos 34 anos de

idade, conforme depreende-se de suas palavras, ele relutou em aceitar,

demonstra que ele colocava o seu interesse pelo bem público acima do

interesse pessoal, sacrificando para isso até mesmo o convívio familiar.

Quando se trata de entender as circunstâncias que levaram o

professor Gobbato a assumir a intendência de Caxias do Sul em 1924,

verifica-se, conforme observa Norberto Elias, o quanto é pequeno o poder

individual das pessoas sobre a linha mestra do movimento e da mudança

histórica. 360

Hoje, se alguém se deparar com o nome de Celeste Gobbato numa

placa de rua do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, e se perguntar que

importância terá tido esse homem para a história, que o fez merecer essa

homenagem, se oferece esta dissertação, como uma contribuição parcial de

sua vida e do contexto em que viveu. Das janelas dos prédios da Rua

Celeste Gobbato tem-se uma visão magnífica do Guaíba, o rio que trouxe

360 ELIAS, N. Op. cit., p. 48.

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muitos imigrantes cujos nomes podem ser um ponto de partida para futuras

pesquisas historiográficas.

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Arquivo da Escola de Engenharia de Porto Alegre

Fontes impressas

Relatórios da Escola de Engenharia de Porto Alegre

Relatório da Estação Experimental em Viamão

Relatório do Instituto de Agronomia e Veterinária

Regulamento do Instituto de Agronomia e Veterinária

Anais do 75 Aniversário da Escola de Engenharia de Porto Alegre

Publicação Oficial da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul

Solenidade Comemorativa aos 25 anos da Fundação da Escola de Engenharia de Porto Alegre

Revista Egatéa

Celeste GOBBATO. Manual Prático de Viticultura. Porto Alegre. Estabelecimento Topográfico de Germano Gundlach & Cia, 1914.

Arquivo Municipal de Caxias do Sul João Spadari Adami

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Fontes impressas formadas por periódicos

O Caxiense (1897 a 1898)

O Brasil (1922 a 1924)

O Democrata (1922 a 1923)

A Resistência (1922)

A Vanguarda (1922)

Cittá di Caxias (1922)

Álbuns

Álbum Comemorativo aos 75 Anos de Colonização Italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Globo, 1950.

Álbum dos Bandoleiros. Revolução Sul-Riograndense. 1923. Organizado pela Revista Kodak.

Arquivo Particular de Lydia Gobbato

Fontes impressas

Celeste GOBBATO. Manual do Viti-vinicultor Brasileiro. 4 ed. Porto Alegre. Globo, 1940.

Celeste GOBBATO. A Cultura da Vinha. Rio de Janeiro. Centro de Experiências Agrícolas do Kalisyndikat, 1924.

Celeste GOBBATO. O ABC do Viticultor. Porto Alegre. Globo, 1945.

Anais da festa da Uva. 1937

Da Itália ao Brasil. 1912. Relato da viagem de Celeste Gobbato. Revista da Escola de Conegliano.

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Fontes impressas formadas por periódicos

Álbum com recortes de jornais sobre as viagens de Celeste Gobbato como professor do Ensino Ambulante de Agricultura.

Álbum com artigos publicados por Celeste Gobbato na seção Notas Agrícolas do Correio do Povo.

Álbum com recortes de jornais de vários municípios do Rio Grande do Sul sobre a atuação de Celeste Gobbato.

Fotografias

Fontes manuscritas

Carta de Celeste Gobbato ao amigo italiano Alberto Albertini. 18-8-1953.

Fontes complementares

Depoimento de Lydia Gobbato

Depoimento de Jaime Lovatel

Depoimento de Onofre Pimentel

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