pontifÍcia universidade catÓlica do paranÁ centro de ... · o ensino religioso constituía-se...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CLAUDINO GILZ
A COLEÇÃO “REDESCOBRINDO O UNIVERSO RELIGIOSO” NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
CURITIBA 2007
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CLAUDINO GILZ
A COLEÇÃO “REDESCOBRINDO O UNIVERSO RELIGIOSO” NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à conclusão do Mestrado em Educação
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Rogério Azevedo Junqueira
CURITIBA 2007
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A Francisco de Assis,
inspiração no caminho da virtude
e no sonho de poder atuar como professor.
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AGRADECIMENTOS
A Deus.
A Irineu Gilz e Nair Tholl Gilz, meus pais (in memoriam).
A Maurício, Cezário, Maria de Lourdes, Bertoldo, Walter, Nelson, Francisco e
Waldemar, meus irmãos.
A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil.
A Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, exímio orientador dessa pesquisa.
Aos Amigos que jamais se foram.
Aos pássaros que eventualmente vêm à janela do meu quarto e percebem o
quanto lhes sou grato.
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“A sala de aula é um ambiente de diversidade, uma vez que abriga um
universo heterogêneo, plural e em movimento constante, em que cada aluno
é singular, com uma identidade originada de seu grupo social, estabelecida
por valores, crenças, hábitos, saberes, padrões de condutas, trajetórias
peculiares e possibilidades cognitivas diversas em relação à aprendizagem”
(ROMANOWSKI, 2006, p. 121-122).
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RESUMO
A presente dissertação tem como objeto de pesquisa a contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” à formação do professor no contexto da LDB/96. Delimitou-se na investigação: de alguns aspectos histórico-legislativos do Ensino Religioso no contexto da LDB/96, concepções educativas e formativas de um contexto, cujo principal respaldo teórico se deu em Cirigliano (1969), Saviani (1998); do processo de configuração pedagógico-curricular do Ensino Religioso, assegurando-se em Figueiredo (1996), Fórum... (1998), Junqueira (2002a) e Junqueira, Holanda e Corrêa (2007); dos desafios à formação do professor de Ensino Religioso, tendo como base a contribuição de Garcia (1999), Tardif e Lessard (2005), Romanowski (2006), Oliveira et al (2006); das definições, características, funções e pesquisas sobre o livro didático, fundamentando-se em Bittencourt (1998), Faria (2002), Lajolo (1996), Batista (2003), Nosella (2005); e dos antecedentes à Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso”, sua estruturação temática e metodológica, cuja abordagem serviu-se de Viesser (1995), Figueiredo (1995), Oleniki (2003), Resdescobrindo... (2003). Para a análise de dados, privilegiou-se a abordagem qualitativa, de cunho fenomenológica. A coleta de dados aconteceu por meio da seleção dos onze volumes da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso, segmentos da Educação Infantil e Ensino Fundamental, e de doze entrevistas semi-estruturadas realizadas com professores que utilizam a referida Coleção em sala de aula. O processo de análise de dados se deu com o auxílio do software Atlas-ti. Dadas as circunstâncias atuais do Ensino Religioso, seja em relação ao seu amparo legislativo, seja em relação aos desafios ainda pendentes à formação do professor que atua nessa área de conhecimento, percebe-se que a contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” consiste em apresentar-se como: um substrato para a construção da experiência religiosa dos sujeitos escolares, portadora de uma intencionalidade educativa e formativa peculiar voltada à alteridade e à pesquisa, uma proposta de apoio ao trabalho docente, um desenvolvimento metodológico propositivo, sensível à faixa etária dos educandos e estimulador da criatividade docente.
Palavras-chave: Educação; Ensino Religioso; Livro didático; formação do Professor.
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ABSTRACT
The present study has the aim to research the contribution that the textbook series “Redescobrindo o Universo Religioso” (Rediscovering the Religious Universe) has provided for the development of the teachers of Religious Studies in the new LDB/96 context. The research was restricted to the following topics: some historic-legislative aspects of the Religious Studies in the new LDB/96 context, specifically the education and formation concepts, whose major theoretical foundations are addressed in Cirigliano (1969), Saviani (1998); the pedagogical-curricular configuration process of Religious Studies (Figueiredo, 1996; Fórum…, 1998; Junqueira, 2002a and Junqueira, Holanda and Corrêa, 2007); the challenges presented for the Religious Studies teachers development (Garcia, 1999; Tardif and Lessard, 2005, Romanowski, 2006; Oliveira et al, 2006); definitions, characteristics, roles and researches on the textbook (Bittencourt, 1998; Faria, 2002; Lajolo, 1996; Batista, 2003; Nosella, 2005); and the previous publications and didactic concepts of the textbook series “Redescobrindo o Universo Religioso”, its thematic and methodological structure (Viesser, 1995; Figueiredo, 1995; Oleniki, 2003; Redescobrindo o Universo Religioso, 2003). For the data analysis, the qualitative method, phenomenological approach was used. Data collection took place by means of selection of the eleven volumes of the textbook series “Redescobrindo o Universo Religioso”, for Child Education and Fundamental Teaching, and twelve semi-structured interviews with teachers who use the Series in their classes. The data analysis process was performed with the software Atlas-ti. Considering the current circumstances under which Religious Studies Course is presented, both in relation to its legal support and the challenges faced for the development of Religious Studies teachers, the Series has contributed with: (a) a basis for the construction of the students’ religious experience, bearer of educational and developmental purposes which aim at diversity and research, and (b) a proposal for faculty support and methodological development, sensitive to students’ age and a stimulating tool of teachers’ creativity.
Key words: Education; Religious Studies; Textbooks; Teacher Development
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Informações Documentais.......................................................................140
Figura 2 – Informações Entrevistas ..........................................................................140
Figura 3 – Contexto da Identidade Profissional dos Sujeitos da Pesquisa...............141
Figura 4 – A Coleção no Itinerário formador doProfessor de Ensino Religioso........141
Figura 5 – Modelos Docentes...................................................................................142
Figura 6 – Livro didático enquanto elemento formativo ...........................................142
Gráfico 1 – Idade Aproximada ....................................................................................85
Quadro 1 – Atuação por etapas da educação básica.................................................85
Quadro 2 – Tempo de Atuação na área de Ensino Religioso.....................................86
Quadro 3 – Formação Profissional e Específica em Ensino Religioso ......................88
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
SIGLA - Descrição FONAPER - Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso
PCNERs - Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Religioso
AFESBJ - Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus
LDB/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13
1 ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICO-LEGISLATIVOS DO ENSINO RELIGIOSO E DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO CONTEXTO DA LDB/96 ...................... 17
1.1 A LDB E AS DENOMINAÇÕES INERENTES AO TERMO EDUCAÇÃO........... 17
1.2 O PROCESSO DE CONFIGURAÇÃO PEDAGÓGICO-CURRICULAR DO
ENSINO RELIGIOSO A PARTIR DA LDB/96................................................... 233
1.3 DESAFIOS À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO ......... 35
2 O ESTUDO SOBRE O LIVRO DIDÁTICO E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA COLEÇÃO “REDESCOBRINDO O UNIVERSO RELIGIOSO” ..................... 43
2.1 LIVRO DIDÁTICO: DEFINIÇÕES, CARACTERÍSTICAS, FUNÇÕES E
TRABALHO DOCENTE...................................................................................... 43
2.2 CONSTATAÇÕES DE ALGUMAS PESQUISAS SOBRE LIVRO DIDÁTICO .... 53
2.3 O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA COLEÇÃO “REDESCOBRINDO O
UNIVERSO RELIGIOSO”................................................................................... 59
3 METODOLOGIA ................................................................................................... 66 3.1 QUESTÃO E SUBQUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO......................................... 67
3.2 DELIMITAÇÃO E COMPOSIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO........................... 67
3.3 OS PARTICIPANTES DA PESQUISA....................................................................
3.4 RELATO DA COLETA E DA ANÁLISE DE DADOS........................................... 68
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE DADOS................................................................. 71 4.1 COLEÇÃO, UM SUBSTRATO PARA A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA
RELIGIOSA ........................................................................................................ 71
4.2 COLEÇÃO, UMA INTENCIONALIDADE EDUCATIVA PECULIAR.................. 744
4.3 COLEÇÃO, UMA PROPOSTA DE APOIO AO TRABALHO DOCENTE .......... 777
4.4 COLEÇÃO, UM DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO PROPOSITIVO,
SENSÍVEL À FAIXA ETÁRIA DOS EDUCANDOS E ESTIMULADOR DA
CRIATIVIDADE DOCENTE.............................................................................. 778
4.5 O PAPEL DA COLEÇÃO ENQUANTO ELEMENTO CONSTITUTIVO DA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO.............................. 844
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CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 944
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 98
APÊNDICES............................................................................................................. 106 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ..........107
APÊNDICE B – PRÉ-LEITURAS DOS VOLUMES DA COLEÇÃO “REDESCOBRINDO
O UNIVERSO RELIGIOSO”............................................................109
APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ....................136
APÊNDICE D – RELAÇÃO DE DOCUMENTOS E SUJEITOS CORRESPONDENTES
NO ATLAS/TI .................................................................................137
APÊNDICE E – LISTA DE CATEGORIAS DE ANÁLISE DE DADOS .....................138
APÊNDICE F – REGISTRO DAS FAMÍLIAS DE CÓDIGOS AFINS ........................140
APÊNDICE G – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A COLEÇÃO COMO
UM SUBSTRATO PARA A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA
RELIGIOSA.....................................................................................143
APÊNDICE H – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A INTENCIONALIDADE
EDUCATIVA PECULIAR À COLEÇÃO...........................................144
APÊNDICE I – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A COLEÇÃO ENQUANTO
UMA PROPOSTA DE APOIO AO TRABALHO DOCENTE ..............145
APÊNDICE J – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO
METODOLÓGICO PROPOSITIVO DA COLEÇÃO, SENSÍVEL À
FAIXA ETÁRA DOS EDUCANDOS E ESIMULADOR DA
CRIATIVIDADE DOCENTE ............................................................146
APÊNDICE L – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A COLEÇÃO ENQUANTO
UMA PROPOSTA DE APRENDIZAGEM GRADATIVA......................147
APÊNDICE M – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE OS PRINCIPAIS
PROBLEMAS DOS ENTREVISTADOS NO ITINERÁRIO DE
FORMAÇÃO DOCENTE EM ENSINO RELIGIOSO .......................148
APÊNDICE N – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE O PAPEL DA
COLEÇÃO NO ITINERÁRIO FORMADOR DO PROFESSOR DE
ENSINO RELIGIOSO .....................................................................149
APÊNDICE O – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE O LIVRO DIDÁTICO
ENQUANTO ELEMENTO CONSTITUTIVO DA FORMAÇÃO
DOCENTE ......................................................................................150
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APÊNDICE P – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A PROPOSTA DE
FORMAÇÃO DOCENTE DA COLEÇÃO ........................................151
APÊNDICE Q – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA
COLEÇÃO À FORMAÇÃO DO PROFESSOR................................152
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INTRODUÇÃO
A educação tem sido, na sua trajetória histórica, um espaço privilegiado de
idéias, anseios inovadores, saberes, pesquisas, debates, inquietações e iniciativas. O
Ensino Religioso não esteve à margem dessa trajetória. Construiu memória. Sofreu
reformulações na forma e conteúdo. Semeou perspectivas de humanização,
liberdade de expressão, cidadania, sensibilidade e reverência ao Transcendente.
Historicamente compreendido ora como catequese na escola, ora como ensino
da religião, uma nova identidade pedagógico-curricular do Ensino Religioso iria se
configurar a partir da promulgação da LDB/96. O Ensino Religioso constituía-se então
elemento curricular da educação básica do cidadão, cujo legado era assegurar o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, sem qualquer forma de proselitismo
(CÂNDIDO, 2005).
A Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” na formação do professor é o
tema da presente pesquisa. Um material didático que veio a ser pensado e elaborado
(1999-2001) a partir dessa nova identidade pedagógico-curricular do Ensino Religioso.
Do referido tema, livro didático (a Coleção) e formação docente são os aspectos que
vão doravante estar no foco das investigações e das análises. Individualmente, cada
um desses aspectos remete para uma trajetória de discussões, saberes, lacunas,
avaliações, avanços e desafios. E correlacionados, o que se seria possível constatar?
Aqui não se pretende analisar a Coleção “Redescobrindo o Universo
Religioso” de forma aleatória. Pretende-se, sim, é analisar a contribuição dessa
Coleção na formação do professor que a utiliza em sala de aula. Trata-se, então, de
um estudo que se apresenta e cuja intencionalidade volta-se para identificar em que
sentido um livro didático de Ensino Religioso, no caso, a Coleção, dado as
circunstâncias, vem contribuindo, desde a sua implantação, com a formação do
profissional que atua nessa área de conhecimento.
Dos estudos já realizados a respeito do livro didático, tornou-se possível
agregar contribuições relevantes no sentido de se repensar não só o livro didático em
si, mas a concepção que se tem do ser humano em cada etapa de seu
desenvolvimento, o que ele está apto a aprender e a tornar fonte de sentido para si na
realidade em que vive.
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Eis a razão da investigação que ora se apresenta: achegar-se tanto quanto
possível das evidências sobre a contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo
Religioso” na formação do professor. Uma investigação cuja delimitação situa-se na
configuração pedagógico-curricular do Ensino Religioso a partir do contexto da LDB/96.
O livro didático tem sido nas últimas décadas o assunto de pesquisas,
trabalhos científicos e debates no espaço educacional (ECO; BONAZZI, 1980;
BALDISSERA, 1994; LAJOLO, 1996; BITTENCOURT, 1998; FARIA, 2002;
NOSELLA, 2005). Particularmente, denota-se por meio dessas pesquisas que há
docentes a considerar o livro didático um recurso dispensável na sua prática em sala
de aula. A outros, é ele sinônimo de saberes cristalizados e até um velado difusor
ideológico. Por isso, até que ponto faria sentido perguntar-se pela possibilidade de
um livro didático utilizado pelo professor constituir-se em um dos elementos de sua
formação e aprimoramento profissional?
Pesquisas realizadas recentemente têm desvelado os desafios de se
assegurar ofertas e consistências necessárias aos cursos de formação docente em
Ensino Religioso (JUNQUEIRA, 2002a; FIGUEIREDO, 2005; JUNQUEIRA; ALVES,
2005; OLIVEIRA, 2005). Não obstante as constatações de lacunas decorrentes do
contexto dessas pesquisas, a análise da contribuição do livro didático de Ensino
Religioso como um dos elementos constitutivos da formação do professor dessa área
de conhecimento parece ser ainda incipiente, para não dizer inédita. Uma análise
desse teor não ganharia relevância, caso fosse considerado o fato de ainda não
haverem sido instituídos no Brasil cursos de Graduação em Ensino Religioso, mas
apenas alguns cursos de Pedagogia ou de Ciências da Religião que contemplam no
seu projeto pedagógico a licenciatura para o Ensino Religioso? É por esse e outros
motivos que uma questão aqui assume a centralidade dos estudos: qual a contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” à formação do professor de Ensino Religioso?
Anterior à proposição da referida investigação, Oleniki (2003) procurou
elucidar o modelo pedagógico e a formação do professor de Ensino Religioso na
Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus (AFESBJ), período de 1995 a
2001. A pesquisa abrangeu o resgate histórico das razões que embasaram o
surgimento da mencionada instituição, cujo legado histórico, humano e espiritual de
Francisco de Assis encontrava-se posto como fundamento da sua proposta
educacional. Abordou os diferentes modelos propostos ao Ensino Religioso que
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serviram de base à proposta de formação de professores dessa disciplina no interior
da instituição.
Não foram encontrados registros de que a pesquisa realizada por Oleniki
tenha paralelamente motivado o corpo docente da AFESBJ a elaborar a Coleção. No
entanto, foram esses profissionais que, de uma forma ousada, protagonizaram o
processo de elaboração e publicação da Coleção “Redescobrindo o Universo
Religioso” em parceria com a Editora Vozes, democratizando assim o referido
material didático às escolas públicas e particulares do Brasil.
Para além de alcançar um considerável reconhecimento nacional por parte de
professores e pesquisadores, a Coleção também tem se constituído numa referência
didática à implantação do modelo fenomenológico de Ensino Religioso e seu
respectivo perfil escolar (FORUM..., 1998; JUNQUEIRA, 2002a).
Recentemente, Gilz (2005) empreendeu a pesquisa visando explicitar como se
deu o processo de implementação da Coleção sob a ótica dos professores de Ensino
Religioso da Educação Infantil e Ensino Fundamental da AFESBJ, Unidades de
Curitiba. O tratamento e a análise dos dados suscitaram o desenvolvimento de uma
nova pesquisa sobre a contribuição da Coleção à formação do professor que a utiliza
em sala de aula. Dado a peculiaridade com que se apresenta a temática, as
possibilidades de contribuir com a comunidade científica e, por fim, a inexistência de
estudos sob esse enfoque específico, justifica-se a pesquisa.
Tendo em vista o tema, a questão central e a justificativa apresentados como
prerrogativas para a realização da pesquisa, o objetivo geral consiste em analisar a
contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” à formação do professor
no contexto da LDB/96. Decorrente desse objetivo, especificamente o que se pretende
vem a ser: descrever alguns aspectos histórico-legislativos do Ensino Religioso e da
formação do professor dessa área de conhecimento a partir do contexto da LDB/96;
estabelecer relações entre o estudo desenvolvido sobre o livro didático e a Coleção
“Redescobrindo o Universo Religioso”; explicitar as contribuições da Coleção
“Redescobrindo o Universo Religioso” à formação do professor.
A metodologia para coleta e análise dos dados baseou-se na pesquisa
qualitativa, abordagem fenomenológica. A possibilidade de melhor apreender o
significado dos fenômenos pertinentes ao objeto de estudo delineado nos seus
aspectos mais singulares e complexos é a principal razão da referida escolha
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(CHIZZOTTI, 2003; BOGDAN; BILKLEN, 1994). A análise documental e a entrevista
semi-estruturada foram os instrumentos de coleta e análise de dados utilizados.
A presente dissertação encontra-se estruturada em quatro capítulos
basicamente. No primeiro capítulo são descritos alguns aspectos histórico-legislativos
do Ensino Religioso a partir do contexto da LDB/96, cuja ênfase é dada à
configuração pedagógico-curricular do Ensino Religioso e aos desafios à formação do
professor. No segundo capítulo, procurou-se tomar ciência do estudo desenvolvido
sobre o livro didático e o processo de elaboração da Coleção “Redescobrindo o
Universo Religioso”. O capítulo terceiro apresenta detalhes sobre a metodologia, tais
como: a questão e as subquestões da investigação, a delimitação e composição do
objeto de estudo, dados sobre os participantes da pesquisa e, por fim, o relato da
coleta e análise de dados. O capítulo quarto traz a descrição e a análise dos dados,
subdividindo-se em vários tópicos, a saber: coleção, um substrato para a construção
da experiência religiosa; coleção, uma intencionalidade educativa peculiar; coleção,
uma proposta de apoio ao trabalho docente; coleção, um desenvolvimento
metodológico propositivo, sensível à faixa etária dos educandos e estimulador da
criatividade docente; o papel da coleção enquanto elemento constitutivo da formação
do professor de Ensino Religioso. Por fim, as considerações finais sobre os
resultados da pesquisa obtidos.
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1 ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICO-LEGISLATIVOS DO ENSINO RELIGIOSO E DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO CONTEXTO DA LDB/96
O presente capítulo tem como objetivo ater-se, por meio do estudo e análise
de algumas obras, a alguns aspectos histórico-legislativos do Ensino Religioso a
partir do contexto da LDB/96, relevantes à configuração da identidade pedagógico-
curricular do Ensino Religioso.
As preocupações com o amparo formativo dos professores que atuam pelo
Ensino Religioso estiveram presentes desde os primeiros desdobramentos da
educação no Brasil (JUNQUEIRA, 2002a). O mesmo não se pode dizer, a princípio, a
respeito da pesquisa sobre o tema proposto: a Coleção “Redescobrindo o Universo
Religioso” na formação do professor de Ensino Religioso. Aparenta essa pesquisa
resguardar para si aspectos peculiarmente inéditos a serem identificados.
Eis a razão de aqui ater-se primeiramente a um sucinto estudo da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional vigente e as denominações inerentes ao
termo educação. Em seguida, uma abordagem sobre a configuração da identidade
pedagógico-curricular do Ensino Religioso que se deu no referido contexto e os
desafios ainda pendentes à formação do professor dessa área de conhecimento.
1.1 A LDB/96 E AS DENOMINAÇÕES INERENTES AO TERMO EDUCAÇÃO
A expressão diretrizes e bases da educação nacional passou a ser enunciada
propriamente só com a promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946.
Nem na Constituição Federal de 1934, nem na Constituição promulgada pelo regime
do Estado Novo em 10 de novembro de 1937, essa expressão havia sido cunhada
dessa maneira. Muito embora nessas Constituições anteriores, expressões tais como
traçar as diretrizes da educação nacional, fixar as bases tivessem já em si a
conotação de conferir à instância federal a incumbência de legislar e organizar a
educação em âmbito nacional (SAVIANI, 2001).
Segundo Alves e Villardi (1997), em termos ideais uma lei resulta das
aspirações e embates dos grupos sociais. Representa uma perspectiva de nação,
sociedade e educação que, de forma alguma, anula outras perspectivas existentes
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sequer sancionadas. Postula uma análise reflexiva sobre os impactos de sua
implementação, principalmente em relação à possibilidade de se buscar consenso
nos pontos polêmicos em prol da superação dos problemas sociais.
Teria a LDB/96 força suficiente para gerar uma significativa mudança na
educação brasileira?
Seria ingenuidade atribuir a esta lei força ou mesmo potencialidade para provocar uma revolução da educação no país. Entretanto, o reordenamento dos sistemas educativos, inscrito em uma LDB, poderá criar contextos de relações estruturais de transformação, de reforma e de inovação educacional como parte do processo de ‘regulação social’ (PINO, 1997, p. 15).
A autora justifica sua afirmação apontando para a distância que existe entre a
lei formulada e o real, a saber: a escola e sua complexidade organizacional, suas
funções e interrelações socioculturais; as ideologias, os sinais de avanço e os toques
de conservadorismo, os reflexos advindos de interesses contraditórios de âmbito
público e/ou privado. Fato é que entre as sugestões para o aperfeiçoamento de uma
lei e os debates provenientes de expectativas das pessoas envolvidas (legisladores e
beneficiários), há que se considerar:
Tão importante quanto se conhecer o conteúdo da lei, é saber-se como se deu sua elaboração, os que participam, direta ou indiretamente, do processo legislativo, as posições ideológicas que defenderam e o resultado da negociação entre elas. É fácil concluir daí que uma lei, elaborada em processo democrático, não é perfeita ou ideal, de acordo com a proposta inicial que se tenha, mas é o que foi possível construir (ELÍSIO, 1998, p. 9).
Consta que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394 de
20 de dezembro de 1996, foi sancionada há exatos trinta e cinco anos após a
promulgação da primeira LDB (Lei n. 4.024 de 20.12.61). Decorrente de históricas e
profundas inquietações pedagógicas, a educação era uma vez mais questão nacional
(SAVIANI, 2001). Mesmo que passível de regulamentações e pareceres posteriores
passava, enquanto lei, a definir os novos rumos e os horizontes da educação
brasileira. Deu-se um árduo percurso de debates, contribuições, elaborações de
propostas, tramitações do projeto original da LDB no Congresso Nacional, textos
substitutivos até a aprovação do texto final.
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A realidade brasileira, naquele momento, encontrava-se marcada por indefinições políticas, profundas desigualdades sociais e múltiplas contradições em áreas da atuação educacional. Propostas para uma educação que privilegiasse o ser humano de forma plena, buscando o seu desenvolvimento integral: físico, psíquico, cognitivo, afetivo, religioso, social, político e econômico, apresentavam-se como pistas para uma práxis transformadora, cuja qualidade, com certeza, enseja a construção de uma sociedade em que o ser humano se apresenta como sujeito e autor da própria história (OLIVEIRA, 2005, p. 258).
No contexto histórico de uma sociedade, a educação adquire uma importância
singular e, conseqüentemente, ocupa um lugar estratégico. É em torno da definição
dos princípios e dos fins de uma lei educacional que os interesses, os mais diversos,
se manifestam. O que constantemente está em jogo? As chances de mudança e de
acesso às melhores condições de vida, seja dos que promovem a educação, seja dos
que dela são beneficiados. Todavia, o que não poucas vezes ocorre é a tendência de
manter o status quo por meio de quem a regula e financia. Significado singular
adquire tal constatação em relação à atribuição inerente a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional: a de, somente abaixo da Constituição, ser a ”lei maior da
educação no país”; a de legislar sobre “as linhas mestras do ordenamento geral da
educação brasileira” (SAVIANI, 1998, p. 2).
A palavra educação reúne uma expressiva gama de definições, práticas e
tendências. Surpreende o quanto ela se apresenta como fundamento de projetos
pedagógicos e programas de formação docente. Mais surpreendente ainda é a
constatação de que, na grande maioria das situações e enunciados, a compreensão
de educação vigente não decorre sequer de uma etimologia do termo. Educar teria,
em si, a conotação de uma ação externa e autoritária de dar forma a um modelo já
pré-concebido de homem e mulher?
Mannes (2004, p. 99), ao invés de responder sim ou não à questão, prefere
argumentar sua compreensão de educação/formação como processo educativo:
Processo vem do verbo ‘proceder’ que na sua origem latina, conota ‘avançar’, ‘ir para diante’. E o verbo ‘educar’ (educare, educere), muito mais do que conduzir alguém para determinado objetivo usando artifícios externos, traduz a ação de ‘tirar para fora’, ‘trazer à luz’ aquilo que já existe, de certa maneira, dentro de cada pessoa humana. Educar é descobrir, é desvelar, é fazer aflorar todas as potencialidades que Deus escondeu no íntimo de todo ser humano.
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Segundo essa formulação, a educação não se restringe ao desenvolvimento
apenas do aspecto cognitivo do ser humano, mas contempla também o seu viver e
agir no conjunto de suas dimensões: física, afetiva, intelectual, religiosa e social. Por
que também social? Porque, segundo Moita (1992, p. 115), “ninguém se forma no
vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um
sem fim de relações”.
Decorrente disso, o papel do professor consistiria em criar as condições para
que o aluno, a partir de suas aspirações e possibilidades, deixasse aflorar sua índole
humana e religiosa. Construísse, por meio do convívio e interação com outras
identidades, a sua própria identidade. Essa mesma idéia pode ser também percebida
na afirmação: “E-ducar é e-duzir, ex-trair da individualidade de cada um a conjuntura
uni-versal do mundo: paidéia” (LEÃO, 1991, p. 12).
Numa obra traduzida no final da década 60 do século XX, o argentino
Cirigliano apresentava uma análise do termo educação enquanto conceito, fato e
fenômeno. Por ter lançado um profundo olhar para os pressupostos que davam
sustentação à prática educativa, sua análise continua profundamente atual. Ainda
mais quando se trata de investigar a Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso”
como um dos elementos constitutivos da formação do professor de Ensino Religioso.
Segundo Cirigliano (1969), a educação enquanto conceito é aquela que, por
meio de todos os processos e atividades, tem como finalidade conduzir o aluno a um
desenvolvimento harmônico ou integral e, conseqüentemente, o alcance de seu
aperfeiçoamento. Concebe o ser humano como em constante estado de
inacabamento e, por isso, um ser a realizar-se. A educação seria, então, uma
necessidade humana por toda a vida. Tal intencionalidade e concepção de educação
são contestáveis. Além de Aristóteles, Cirigliano encontra ressonâncias de uma
educação enquanto conceito em Platão, na Escolástica (principalmente de São
Tomás de Aquino), nas Encíclicas Papais, no pensamento de Rousseau, Kant,
Comênio, Pestalozzi e tantos outros. A aquisição da virtude seria, em si, o principal
objetivo desse modelo de educação. Uma intencionalidade educativa contestada por
vários pesquisadores, particularmente por Eco e Bonazzi (1980) no estudo que
realizam sobre as mentiras que parecem verdades contidas nos livros didáticos.
Durkheim é, para o já referido autor argentino, um dos primeiros pensadores a
abordar a educação enquanto fenômeno social e, nesse sentido, passível também de
tratamento como os demais fatos sociais. A educação enquanto fato se constitui a
partir de “elementos reais que entram em jogo: a pessoa que recebe, pessoa que
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transmite, interação, conteúdos, etc. E, sobretudo, a situação deles num determinado
campo da realidade” (CIRIGLIANO, 1969, p. 25).
Denomina-se a educação como fato aquela que procede da análise de um
conjunto de fatos sociais observáveis, a saber: as interações escolares, linguagens,
hábitos, tradições, sentimentos coletivos, culturas, livros, saberes etc. Ao apresentar
um breve comparativo entre educação enquanto conceito e educação enquanto fato,
o autor afirma:
A primeira (ou cenceitual) ao analisar o conceito descobre só um sujeito e o seu desenvolvimento partindo de dentro, enriquecendo-se, aperfeiçoando-se. A segunda, ao encontrar o fato educação, descobre-o emoldurado na órbita social, como uma característica natural da vida social, como uma atitude ha-bitual da sociedade de continuar em outras gerações os seus achados e aquisições. [...] Quais os enigmas que carrega a educação em seu seio para que se manifeste de tão diversas maneiras, e continue a ser ela mesma? (CIRIGLIANO, 1969, p. 26-27).
Não obstante à questão ao final da citação, Cirigliano deixa claro que o
investigador, sob o ponto de vista de uma atitude fenomenológica, há de averiguar a
educação não inquirindo o que ela é. Muito menos explicitando o papel da educação
na sociedade, no desenvolvimento do indivíduo ou em uma determinada cultura. Há,
sim, de inquirir a educação contemplando-a e descrevendo-a no dinamismo de
evidência de seu próprio ser, isenta de preconceitos. E quais seriam as razões? Em
princípio duas: 1.ª) pensar e analisar o ser da educação como fenômeno, sabendo
que para esse propósito não há em si um método, mas o postulado de uma atitude
capaz de apreender o que se revela por si mesmo tal como é, seu sentido e
fundamento, aspectos esses comumente menos aparentes dos fenômenos, mas que
na verdade é a sua condição de possibilidade; 2.ª) corrigir o hiato existente entre
teoria e realidade concreta por meio de uma atitude de indagação e reflexão.
Será trabalho de pôr a descoberto. Busca de categorias, de sentido, de modificações e derivados [...]. O fenômeno será, portanto, o que está evidente, o que se mostra por si, embora se tenha de descobri-lo, desenterrá-Io ou tornar a configurá-Io. Desvendar o fenômeno, [...] encontrar as categorias ou estruturas desse fenômeno, as suas implicações, [...] pois fenomenologia é tarefa de interpretação. Os que consideram somente o «fato» costumam esquecer os fatores correspondentes ao indivíduo no jogo de relações que é a educação (CIRIGLIANO, 1969, p. 39).
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O diferencial estaria, segundo o autor, em agregar ao trabalho de interpretar
as especificidades do fenômeno educacional, tais como: categorias de sentido,
estruturas organizacionais e suas implicações, fatores ligados ao caráter e à cultura
das pessoas envolvidas.
Além de defenderem o mesmo ponto de vista, Tardif e Lessard (2005, p. 23-
24) apontam para o risco da abstração que as pesquisas sobre educação e docência
normalmente incorrem.
Elas se fundamentam as mais das vezes sobre abstrações – a pedagogia, a didática, [...] o conhecimento, a cognição, a aprendizagem, etc. – sem levar em consideração fenômenos como o tempo de trabalho dos professores, o número de alunos, suas dificuldades e suas diferenças, a matéria a cobrir e sua natureza, os recursos disponíveis, as dificuldades presentes, a relação com os colegas de trabalho, com os especialistas, os conhecimentos dos agentes escolares, o controle da administração, a burocracia, a divisão e a especialização do trabalho.
Para os autores, um estudo sobre a prática docente em sala de aula não pode
eximir-se de analisar tais elementos. Pois, além de incorrer no risco da abstração,
inviabiliza a identificação de razões pelas quais práticas de formação docente têm
assumido certas características e/ou ficado entregues à determinadas concepções, a
saber: dar forma a um modelo já pré-concebido de homem e mulher; trazer à luz
aquilo que já existe, de certa maneira, dentro de cada pessoa humana; possibilitar o
desenvolvimento harmônico e integral e, conseqüentemente, o seu aperfeiçoamento
por meio da aquisição da virtude; analisar as interações escolares (linguagens,
hábitos, tradições, sentimentos coletivos, culturas, livros, saberes etc.) como fatos
observáveis; apreender o ato educativo que se revela tal como é por si mesmo, seu
sentido e fundamento.
Mesmo que na LDB/96 não haja uma definição específica sobre o conceito
educação, ela apresenta em seus artigos 1.° e 2.° (BRASIL. Lei n. 9.394/96, 2001, p.
306) os contornos de abrangência, os princípios e fins da educação nacional,
vigentes desde a sua promulgação:
Art. 1.° A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais [...]. Art. 2.° A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem
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por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Embora a função de uma Lei de Diretrizes e Bases seja disciplinar sobre a
educação escolar desenvolvida predominantemente em instituições próprias, ela não
subestima a importância dos processos formativos de âmbito familiar, social e
cultural. Se por um lado reitera o princípio de liberdade, abraça por outro a finalidade
de contribuir para o pleno desenvolvimento do ser humano em formação. “Constitui
um ponto de partida para se corrigir a fragmentação, assim como os unilateralismos
que têm marcado a situação educacional em nosso país” (SAVIANI, 2001, p. 201).
Corrêa (2007), após definir a educação como uma prática humano-social,
permeada por múltiplas circunstâncias históricas e culturais, aponta para o caráter
formal/escolar da mesma. Formal aqui diz respeito à educação escolar, sistematizada
e curricular que se dá a partir de princípios e parâmetros legalmente estabelecidos.
Particularmente a Saviani (1986, p. 86), a educação escolar “corresponde à cultura
erudita. Rege-se por padrões eruditos, sua finalidade é formar o homem culto’ no
sentido erudito da palavra”.
Ater-se ao ponto de vista a partir do qual se legisla e se define educação foi
aqui relevante enquanto circunscrição de um dos aspectos centrais à análise da
contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” na formação do
professor, o que ocorrerá mais especificamente no capítulo quarto. O item a seguir,
irá descrever alguns aspectos histórico-legislativos que permearam o processo de
configuração do perfil escolar que o Ensino Religioso assumiu com a promulgação da
LDB/96.
1.2 O PROCESSO DE CONFIGURAÇÃO PEDAGÓGICO-CURRICULAR DO
ENSINO RELIGIOSO A PARTIR DA LDB/96.
O Ensino Religioso, enquanto tema de pesquisa, remete a um conjunto de
aspectos possíveis de investigação e de análise. Por sua vez, o tema A Coleção
“Redescobrindo o Universo Religioso” na formação do professor de Ensino Religioso
remete a um recorte dessas possíveis intencionalidades investigativas. O que, em si,
não significa eximir-se de uma breve referência ao processo de estudos e debates
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que culminou na configuração da identidade pedagógico-curricular dessa área de
conhecimento a partir da promulgação da LDB/96. Uma configuração do operacional
de um ensino que, segundo Figueiredo (1995, p. 50), diz respeito tanto à “relação da
pessoa humana com o sagrado” como a “uma atitude de busca ou de pertença ao
Outro com quem convive na intimidade do seu mundo interior”.
Aspecto legal e curricular do Ensino Religioso é o título de uma obra recentemente
publicada por três pesquisadores (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007). Na
primeira parte dessa obra, tais pesquisadores apresentam uma retrospectiva histórico-
legislativa das Constituições e Leis da educação a partir da instituição do Regime
Republicano no Brasil (1890). Segundo esses pesquisadores, a nova concepção de
educação estabelecida pelos republicanos prescrevia a partir de então um ensino leigo.
Relevante é a citação que segue:
A expressão de que será o ‘ensino leigo’ presente na Constituição foi assumida por muitos legisladores do regime republicano no Brasil como irreligioso, ateu, laicista, sem a presença de elementos oriundos das crenças dos cidadãos que freqüentassem as escolas mantidas pelo sistema estatal (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007, p. 18).
E qual seria o fundamento dessa neutralidade escolar que estava a referendar
a laicidade do Estado? A organização e a oferta de um ensino público desprovido de
qualquer inferência religiosa. Somente na década de 30 do século XX, o Ensino
Religioso voltaria a ser mantido na rede pública de ensino. Discutia-se não somente
um modelo de Ensino Religioso para a escola pública, mas também a “concepção de
educação como um todo, revelando uma oscilação entre a influência humanística
clássica e a realista ou científica” (Opus citatum, p. 21).
As legislações constitucionais posteriormente regulamentadas (ano de 1946,
ano de 1967 e ano de 1988) validariam a separação entre Estado e Igreja sem, no
entanto, cercear a liberdade religiosa e de expressão. “A situação do ER introduzida
na primeira LDBEN, no ano de 1961 (Lei n. 4.024) homologou o modelo mais antigo
de ER em todo o território nacional: o ER confessional” (Opus citatum, p. 31).
Numa obra que veio a publicar em 2002, Junqueira tornava público o
resultado de uma longa e minuciosa pesquisa a respeito do itinerário que levou o
Ensino Religioso, tanto por ocasião da promulgação da Constituição Federal de
1988 como da LDB/96, a justificar sua presença e permanência no espaço escolar.
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O êxito de tal conquista, ele atribui ao enfoque escolar dado ao Ensino Religioso já na
década de trinta do século XX, ou seja, um enfoque didático-metodológico a partir
da diversidade religiosa, ao invés do doutrinário-confessional.
Na promoção do processo de ocidentalização e cristianização da população um dos principais instrumentos utilizados pelos diversos grupos foi a educação. Por meio da relação estabelecida entre o Estado e a Igreja Católica, [...] o Ensino Religioso na Escola [...] foi inserido na estratégia da educação como [...] um meio para garantir a cristianização. Na década de trinta, no século XX, apesar da ampliação das escolas públicas o país contava quase exclusivamente com as escolas religiosas. Este é um dos fatores que favoreceu a discussão sobre a diversidade religiosa no país (JUNQUEIRA, 2002a, 2002, p. 9-10).
Uma discussão ainda incipiente na época, mas já fecunda de novas propostas
para a configuração do Ensino Religioso no espaço escolar. Motivo? A rejeição de um
Ensino Religioso doutrinal/catequético por parte dos alunos, principalmente dos que não
confessavam o credo sobre o qual eram ministrados os conteúdos em sala de aula.
Não perceber a sala de aula enquanto ambiente constituído pela diversidade
deixava a prática docente aquém das expectativas, como atesta a pesquisadora:
A sala de aula é um ambiente de diversidade, uma vez que abriga um universo heterogêneo, plural e em movimento constante, em que cada aluno é singular, com uma identidade originada de seu grupo social, estabelecida por valores, crenças, hábitos, saberes, padrões de condutas, trajetórias peculiares e possibilidades cognitivas diversas em relação à aprendizagem. [...] O desconhecimento e despreparo frente às realidades [...] tornam a prática aquém das expectativas (ROMANOWSKI, 2006, p. 121-122).
O reconhecimento da necessidade de inovar esbarrava principalmente no
temor de escolas religiosas de vir a perder um dos principais meios de fomentar sua
missão e identidade confessional. Os debates passavam a se suceder com mais
freqüência em todo o território nacional, envolvendo pesquisadores, integrantes de
grupos confessionais e legisladores. Acima das diferenças, distinguia-se o empenho
em salvaguardar a liberdade religiosa, o amparo legal e o perfil pedagógico do Ensino
Religioso no espaço escolar.
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À escola compete garantir o acesso dos discentes ao conhecimento religioso, em seus múltiplos aspectos, pois o que se quer é um Ensino Religioso agregador, de tal forma que católicos, evangélicos, budistas, membros de ritos afro-brasileiros e outros, se sentem lado a lado e se sintam aceitos pelos colegas, sem se sentirem inferiorizados (MENEGHETTI, 2002, p. 54).
A constatação de que o pluralismo religioso era já uma realidade de Norte a
Sul do país foi uma das observações feitas pelos coordenadores Estaduais presentes
no Sétimo Encontro Nacional de Ensino Religioso, realizado em Belo Horizonte no
mês de outubro de 1988. As cinco questões provenientes desse encontro que
ficavam para posteriores aprofundamentos eram:
distinção entre Ensino Religioso e Catequese; pressupostos para a qualificação do professor de Ensino Religioso diante dos desafios gerados pela insegurança profissional – ausência de um plano de carreira e tratamento discriminado no quadro atual; proposta curricular; manuais de ER; metodologia adequada ao Ensino Religioso Escolar (FIGUEIREDO, 1996, p. 95).
Das conclusões do referido Encontro Nacional destacou-se, segundo a autora,
a premência de se intensificar os esforços em prol do delineamento das linhas-
mestras referentes à formação de professores, à definição da vida funcional desse
profissional e à busca de identidade do Ensino Religioso, seja no conceito, seja na
prática pedagógica. Encontros, seminários e debates posteriores iriam, além de
insistir na questão dos objetivos, conteúdos, linguagem e método, voltar a dar ênfase
à necessidade de uma sólida e adequada formação dos professores a partir do
pluralismo religioso emergente.
Para além das mudanças sociotecnológicas, culturais e outras que tenham se
dado nas últimas décadas, gerando um diagnóstico de fragmentação da identidade
humana, a experiência religiosa irrompia como um referencial inalienável.
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O discurso religioso, ao tentar constituir um universo possível de significação, permite ao sujeito dar sentido a si mesmo e a tudo mais que o rodeia. A linguagem que engendra o discurso sobre o religioso fornece categorias de pensamento, conceitos e termos a partir dos quais é possível ao sujeito narrar e explicar-se a si mesmo, suas necessidades vitais e as suas relações (ROCHA, 2005, p. 158).
O diálogo entre vários segmentos da sociedade, representantes das entidades
religiosas, educacionais e parlamentares foi sendo favorecido. Isso tornaria viável o
consenso em torno de uma proposta pedagógica para o Ensino Religioso, a partir
não mais de uma determinada tradição religiosa, mas dos diferentes contextos
fundantes da cultura e religiosidade brasileira. Ou seja, a “partir de ir de suas raízes
orientais, ocidentais e africanas” (FÓRUM,... 1998, p. 5).
O estudo sobre a configuração da identidade pedagógico-curricular do Ensino
Religioso não pode ignorar, segundo Meneghetti (2002), alguns condicionantes
político-educacionais: 1.°) a concepção arquitetônica da escola de Ensino
Fundamental versus a questão do Ensino Religioso; 2.°) a concepção filosófica do
ato de ensinar, de aprender e do transcurso de ambos os processos no espaço
escolar; 3.°) a identificação da articulação interna dos sujeitos escolares, seja na
gerência das atividades letivas, seja no exercício do papel social da escola frente à
questões externas que lhe dizem respeito.
Baseando-se seja nos passos históricos que levaram à instauração do
FONAPER em 26 de setembro de 1995, seja na Carta de Princípios assumida por
esse mesmo Fórum, a pesquisadora Viviane Cristina Cândido faz memória de um
desafio assumido: zelar pelo respeito às diversidades culturais e religiosas dos
alunos na oferta da disciplina de Ensino Religioso na grade curricular. E, como
decorrente disso, o empenho pela resolução de três urgências: “a definição de um
conteúdo programático, que o ER seja expressão de vivência ética e, finalmente, a
capacitação docente” (CÂNDIDO, 2005, p. 24).
Referente às duas primeiras urgências, a autora destaca a preocupação dos
membros do FONAPER pela definição de um enfoque didático adequado do Ensino
Religioso e capaz de contemplar: a procedência sociofamiliar do aluno; uma prática
didática contextualizada; o objetivo das séries; a avaliação processual dos conteúdos
desenvolvidos para o entendimento do fenômeno religioso; a reverência ao
Transcendente presente na pessoa do outro; o respeito à alteridade; a sensibilidade
para o mistério e o sentido da vida e sua respectiva finitude. Já a respeito da
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“capacitação docente”, a terceira das urgências, Cândido (2005, p. 30) afirma: “é um
avanço a contribuição do Fórum para que o trabalho docente seja mais profissional
na medida em que explicita seu perfil e dá elementos para a sua capacitação.”
Anterior e até mesmo durante a instauração dos processos de regulamentação
da LDB/96, o Ensino Religioso vinha significando a sustentação de um antigo conflito
no espaço educacional. Vinha sendo visto e tratado como um apêndice, porque
compreendido “ora como catequese na escola, ora como ensino da religião ou
educação religiosa escolar” (FIGUEIREDO, 1996, p. 7). Era, conseqüentemente, alvo
de debates polêmicos e, por sua natureza eclesial, discriminado na acepção de
elemento curricular normal do sistema de ensino.
Dados históricos referentes aos períodos anteriores à regulamentação da
LDB/96 atestam as tendências que foram embasando a concepção de Ensino
Religioso nas diferentes épocas. Ao procurar situar o Ensino Religioso durante os
cinco séculos da história da educação brasileira, Figueiredo (1996) faz menção a
sucessivos horizontes: 1.°) Horizonte do Colonialismo - 1500 a 1800: acordos entre a
Igreja Católica e o Monarca de Portugal justificam tanto a cristianização por
delegação pontifícia, ou seja, o ensino disciplinador da religião, o poder estabelecido
e a submissão dos conquistados aos esquemas civilizatórios; 2.°) Horizonte do
Regalismo – 1800 a 1900: o Império declara, por meio da Constituição de 1824, o
Catolicismo como a religião oficial do Brasil. Significava isso, em relação ao horizonte
do colonialismo, uma sensível alteração no sentido de dependência e subordinação
da religião ao Estado; 3.°) Horizonte do Positivismo – 1900 a 1930/34: já no
Horizonte do Regalismo havia estímulos à tolerância religiosa. No entanto, o caráter
leigo conferido ao ensino ministrado nas escolas públicas por meio da promulgação
da Constituição de 1891 daria origem a inúmeros debates. O Ensino Religioso, à
mercê das discussões sobre liberdade religiosa e o conteúdo a ser ministrado em
sala de aula, busca definição de seu lugar e de sua identidade nas escolas públicas;
4.°) Horizonte do Nacionalismo – 1934/37 a 1945: a Carta Magna de 1934 iria
salvaguardar o Ensino Religioso como matéria obrigatória dos horários nas escolas
públicas primárias, secundárias e normais, mas com duas prerrogativas: a freqüência
facultativa e o conteúdo segundo a confissão religiosa do aluno. Na Constituição de
1937, o Ensino Religioso recebia a obrigatoriedade de constar como matéria na
grade curricular. Tanto a formação profissional como militar obteriam primazia no
Estado Novo, cuja educação sofria influências ideológicas nazi-fascistas; 5.°)
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Horizonte do Liberalismo – 1946 a 1964: a Lei de Diretrizes e Bases de 1961
reconheceria o Ensino Religioso como um componente da educação do cidadão,
porém fora do sistema escolar e do amparo econômico por parte dos cofres públicos
aos professores; 6.°) Horizonte do Autoritarismo – 1964 a 1984: o Ensino Religioso
passa a ser obrigatório. Sem mencionar os desafios de natureza pedagógica e
administrativa, o aluno ao matricular-se desfrutaria do direito de opção ou não em
cursar tal matéria. O período ficaria marcado pelo desdobramento de uma busca de
discernimento quanto à identidade pedagógica do Ensino Religioso e do seu papel no
ambiente escolar; 7.°) Horizonte do Reconstrutivismo – 1985...: o processo que
culminaria na legalização e consolidação do Ensino Religioso como área de
conhecimento e elemento curricular não passaria ileso sem superar dificuldades de
natureza pedagógica, dificuldades no processo legislativo, dificuldades quanto à
compreensão da natureza do Ensino Religioso no ambiente escolar e dificuldades de
natureza sociopolítico-cultural.
Os dez anos anteriores à promulgação da LDB/96 tinham se caracterizado
pelo empenho em assegurar ao educando o direito de, junto aos demais processos
acadêmicos, “compreender sua dimensão religiosa, permitindo-lhe encontrar
respostas aos seus questionamentos existenciais mais profundos, descobrindo e
redescobrindo o sentido da sua busca, na convivência com as diferenças”
(FÓRUM,... 1998, p. 18).
A nova identidade pedagógico-curricular do Ensino Religioso iria propriamente
se constituir no período entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e as
mobilizações realizadas em prol da alteração do art. 33 da LDB/96, a Lei n. 9.475/97.
A efetiva representatividade das mobilizações nacionais exercida pelos membros do
Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (FONAPER) garantiria a
manutenção dessa disciplina na grade curricular (WAGNER, 2005).
A partir de então, por dispor do reconhecimento da epistemologia que lhe é
própria, o Ensino Religioso não seria mais abordado como tema transversal, mas
como área de conhecimento e, portanto, elemento curricular indispensável ao pleno
exercício da cidadania. Um papel significativo assegurado não mais para ampliar os
conhecimentos do aluno em uma única confessionalidade, mas com uma face
pedagógica e com aspectos didático-metodológicos devidamente sistematizados a
partir da diversidade religiosa. Um Ensino Religioso não mais sendo disponibilizado
como disciplina isolada ou investido de confessionalidade, mas no contexto próprio
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das disciplinas dos horários normais da educação básica (BRASIL, Resolução n.
02/98; MENEGHETTI, 2002).
E o que de fato essa nova configuração do Ensino Religioso trazia enquanto
implicação? 1.°) a estruturação de área do “conhecimento científico do fenômeno
religioso” (CARNIATO, 2005, p. 36); 2.°) o legado de uma epistemologia própria e uma
proposta peculiar de compreender o fenômeno religioso, tendo em vista a ressignificação
da vida e o exercício da cidadania (MENEGHETTI, 2002); 3.°) a incorporação das
mesmas implicações pedagógicas de outras áreas, ou seja, “noções e conceitos
essenciais sobre fenômenos, processos, sistemas e operações que contribuem para a
constituição de saberes, conhecimentos, valores e práticas sociais” (JUNQUEIRA, 2002,
p. 21-22); 4.°) a educação da dimensão religiosa do ser humano por meio de uma
linguagem adequada ao ambiente escolar e interrelacionada tanto a conteúdos,
metodologia, recursos e procedimentos didáticos, processos avaliativos como às
experiências de transcendência de si e de discernimento do sentido da vida
(FIGUEIREDO, 1995; Idem, 2005); 5.°) o fortalecimento das aspirações em “tornar as
relações do saber mais solidárias e participativas, ajudando a descobrir instrumentos
eficazes para [...] a ação transformadora da realidade social, através dos valores
fundamentais da vida” (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007, p. 36-37); 6.°) a
apresentação tanto das fronteiras dos conteúdos afins como das indagações
concernentes à validade, adequação, coerência e operacionalidade do modelo
constituído (BRASIL, Parecer n. 4.833/75).
Diante da necessidade de responder devidamente a essas implicações
acadêmico-formativas, o Ensino Religioso passa a referendar-se pela própria
compreensão do processo de ensino-aprendizagem que orienta a educação
brasileira, a saber: educação enquanto intencionalidade formativa resultante da
identidade e dos anseios de uma sociedade, respeitadas as suas diversidades locais,
regionais, culturais, étnicas, religiosas e políticas; educação enquanto aprendizagem
dinâmica (assimilativa e acomodativa), à mercê de variáveis tais como o
desenvolvimento biopsíquico e o ambiente sociocultural; educação enquanto
processo significativo que tende a abranger e contribuir para a formação do ser
humano como um todo, seja ele docente ou discente; educação enquanto
articuladora dos valores e conhecimentos balizadores a uma vida cidadã, tais como a
aquisição do pleno domínio da leitura, da escrita, do cálculo, da estruturação
sociopolítica etc.; educação enquanto desenvolvimento harmonioso de todas as
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dimensões do ser humano; educação enquanto propulsora de pessoas capazes de,
ao invés de posturas reducionistas, optar por escolhas livres e responsáveis,
inclusive a religiosa. Além de todos esses aspectos mencionados inerentes à
compreensão do processo de ensino-aprendizagem que orienta a educação
brasileira, Junqueira (2002a, p. 22) afirma:
É função da educação propiciar a aquisição do saber científico, estabelecendo pontes entre este e a Filosofia, a arte e as Tradições Religiosas para descobrir novas respostas para os desafios da sociedade atual. Isto implica em recuperar a curiosidade natural e o prazer pelos conhecimentos, pelo processo de autodescoberta, cultivando e ampliando as potencialidades do educando, estimulando a iniciativa, a sensibilidade, a imaginação, a criatividade, a autoconfiança, para um convívio social mais harmonioso e consciente.
É a partir de tais pressupostos, imprescindíveis à formação do cidadão, que a
identidade pedagógico-curricular do Ensino Religioso chegou a se constituir com
feições escolares próprias e necessárias. Uma identidade escolar suscetível de
propiciar ao aluno o acesso aos fundamentos culturais e religiosos das relações
sociais, instituídos a partir da presença e atuação das diferentes tradições religiosas.
Acesso a “um processo de aprendizagem das relações que se estruturam entre o
sujeito e o mundo, consigo mesmo e com o outro. [...] uma vez que pensar a
identidade é pensar, também, a diferença” (FERREIRA, 2002, p. 18).
O que teria sido decisivo? Os esforços em elucidar a natureza e o papel do
Ensino Religioso enquanto disciplina regular do currículo escolar isenta de qualquer
inferência eclesial na escola. A tomada de consciência desses aspectos seria
decisiva para que o Ensino Religioso não mais viesse a ser visto como um corpo
estranho no sistema educacional.
Como ‘ensino’, está atrelado a um contingente escolar e pedagógico mais amplo. Ao ser qualificado como ‘religioso’, é submetido a uma área específica de atuação. Pelas duas categorias, passa a integrar-se ao processo educacional como um todo, merecendo tratamento metodológico adequado” (FIGUEIREDO, 1995, p. 41).
O mesmo se poderia afirmar em relação à formação dos profissionais que
atuam na área de Ensino Religioso? Nas sucessivas etapas de elaboração da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, anterior a sua promulgação, as discussões sobre a
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permanência ou supressão do Ensino Religioso como disciplina do currículo escolar
fizeram-se presentes. O disposto no artigo 210, parágrafo 1.° da Constituição
Brasileira pesava em favor da permanência: "O ensino religioso, de matrícula
facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental" (BRASIL, Constituição Federal, 2001, p. 302). Oito anos mais tarde, a
expressão "sem ônus para os cofres públicos" do art. 33 do texto final da LDB sobre
o Ensino Religioso, aprovado e sancionado em 20 de dezembro de 1996, "suscitou e
ampliou novos estudos sobre a identidade do Ensino Religioso, reforçando a
necessidade de serem salvaguardados os princípios da liberdade religiosa e o direito
do cidadão que freqüenta a escola pública” (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA,
2007, p. 38).
Preservar o cidadão de ser vítima de discriminação por motivo de crença
religiosa foi o principal objetivo desses estudos. Resultante dos debates
empreendidos, uma nova redação do artigo 33 iria centrar o enfoque de um Ensino
Religioso voltado à finalidade de reler o fenômeno religioso. Praticamente seis meses
após, em de 22 de julho de 1997, o mesmo art. 33 teria aprovado (por meio da
publicação da Lei n. 9.475) uma nova redação, a saber:
O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
Constata-se que, do texto original da LDB/96, o texto da nova redação suprime
a confessionalidade; a expressão sem ônus para os cofres públicos e de acordo com
as preferências manifestadas pelos alunos ou seus responsáveis. Reconhece, por
sua vez, o Ensino Religioso como parte integrante da formação básica do cidadão.
Faz valer o princípio do respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil. Rechaça
qualquer forma de doutrinação ou proselitismo. Delega às instâncias estaduais a
incumbência de legislar sobre a implantação do Ensino Religioso nas escolas do
ensino fundamental, particularmente no que diz respeito à regulamentação sobre os
conteúdos, à habilitação e admissão docente.
Oliveira (2005, p. 262) ressalta a relevância desses avanços, a saber:
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33
De acordo com a legislação nacional (LDBEN n. 9.394/96, art. 72) [...], pela primeira vez na história brasileira a formação de docentes para o Ensino Religioso trilharia os mesmos passos e seguiria os trâmites previstos em legislação para a formação de profissionais das demais áreas de conhecimento: assegurando aos seus egressos os direitos concernentes aos profissionais da educação e disponibilizando a sociedade brasileira uma formação para a cidadania que integra o estudo do fenômeno religioso na pluralidade cultural, buscando o pleno desenvolvimento de seus educandos.
Figueiredo (2005) ao analisar os aspectos filosófico-jurídicos a respeito da
configuração pedagógica do Ensino Religioso na Lei n. 9.475 percebeu as seguintes
implicações: 1.ª) a desconsideração em relação ao princípio de colaboração entre os
Sistemas de Ensino (União, Estados e Municípios) que consta no art. 211 da
Constituição e o Parecer CP/CNE n. 97/99 que discorre sobre a formação de
professores, desincumbindo completamente a União de participar do processo de
organização e definição dos conteúdos do Ensino Religioso; 2.ª) a natureza laica do
Estado Republicano como princípio básico versus a liberdade de consciência e de
crença, das quais o universo epistemológico do Ensino Religioso procede; 3.ª) a
ampliação do caráter do Ensino religioso à área de conhecimento versus legislação
que resguarda alguns resquícios e aparatos de ensino de religião.
O que em princípio pareceu ser um significativo avanço passou a ser um novo
desafio. Segundo Meneghetti (2002, p. 49), “cada Estado, pois, tem interpretado a
indicação feita na LDB, conforme seu entendimento. Isto, naturalmente, tem
acarretado uma série de dificuldades para a implantação do Ensino Religioso”.
Entre avanços e desafios, um conjunto de aspectos seria elaborado pelos
PCNER (FÓRUM,... 1998) como perfil do profissional do professor de Ensino Religioso:
1.°) disposição em ater-se às questões mais elementares da existência humana (Quem
sou? De onde vim? Para onde vou?); 2.°) apropriação de experiências que permeiam a
diversidade cultural; 3.°) abertura e articulação do diálogo, seja no processo de
aprendizagem do aluno como no processo de interlocução entre escola e comunidade;
4.°) concepção de família e comunidade religiosa como espaço privilegiado para o
cultivo da dimensão religiosa do ser humano; 5.°) formação específica e adequada,
embasada em temáticas tais como: culturas e tradições religiosas; escrituras sagradas,
teologias comparadas; ritos e ethos.
Ciência da proposta pedagógica da escola a que está a serviço, clareza do
papel que lhe compete enquanto professor em sala de aula, desempenho
metodológico na abordagem dos conteúdos, articulação da função social da escola
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no contexto em que ela se encontra situada estão entre os principais aspectos
discutidos por Junqueira (2002a) ao discorrer sobre as alternativas de formação
docente implementadas a partir da LDB/96.
O que o autor defende enquanto base de sustentação da prática docente de
Ensino Religioso? Defende uma formação própria de licenciados aos profissionais
dessa disciplina, a saber: referencial teórico-metodológico como aporte à
compreensão do fenômeno religioso; acesso aos mesmos direitos trabalhistas
assegurados na legislação a todos que exercem o magistério; disponibilidade para o
aprimoramento e atualização contínua.
Outras prerrogativas, complementares às mencionadas por Junqueira, são
defendidas por Meneghetti (2002, p. 52) em relação ao Ensino Religioso e à
formação do profissional dessa área:
A concepção de Ensino Religioso como área de conhecimento [...] aponta para o fato de que, nesta condição, há necessidade de um profissional que assuma seu espaço na formulação do currículo da Escola Fundamental e seja capaz de realizar interlocuções importantes e convincentes com as demais áreas do currículo. Não se trata mais, aqui, de uma pessoa, quase sempre voluntária, representante de uma ou outra denominação religiosa que venha ajudar na escola com algumas aulas de religião. O momento da legislação brasileira é outro e dimensiona a questão para um outro perfil de profissional que passa por uma formação acadêmica plena, a qual precisa ser implantada pelas instituições formadoras.
De acordo com Oliveira (2005, p. 254), o diferencial dessas prerrogativas
torna-se visível a partir do que, historicamente, vinha acontecendo:
No período imperial, Estado e Igreja Católica formaram uma parceria indissociável. A laicidade do Estado, promulgada com o regime republicano (1899), resultou na separação de ambos. Nesse contexto, [...] poder-se-ia dizer, em linhas gerais, que o Ensino Religioso (reconhecido pelo Estado) se apresentou em duas modalidades [...]. Inicialmente, sob o regime do padroado e regalismo, [...] um ensino religioso humanista-católico. Num segundo momento, durante o período republicano, sob a égide do pensamento liberal, o ensino religioso é mantido na escola pública, mas sua freqüência passa a ser opcional para o educando.
O modelo de Ensino Religioso e o referencial formativo do professor dessa
disciplina continuaram sendo, no Período Republicano, de cunho confessional, com
algumas iniciativas interconfessionais (ecumênicas) mais ao Sul do Brasil.
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Foram criadas propostas de formação para os professores e materiais didáticos com uma linguagem diferenciada daquela adotada pela maioria até então. Os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná foram forças motrizes neste processo. Os ventos favoráveis que advinham do Movimento Ecumênico Internacional, em especial da criação do Conselho Mundial de Igrejas (1948) e do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), em muito contribuíram para a organização destas iniciativas diferenciadas (OLIVEIRA, 2005, p. 256).
Cursos de Teologia, Catequese, Ciências Religiosas, Educação Cristã e tantos
outros com o mesmo perfil foram sendo instituídos – praticamente até meados da
década de 90 – para atender os pré-requisitos de formação inicial e continuada dos
professores de Ensino Religioso. Não obstante o esforço empreendido, tais cursos não
asseguravam a esses profissionais, em condições de igualdade, o reconhecimento
público de seus certificados, o direito de concorrer a concursos e sequer públicos
acessos funcionais a planos de carreira docente (MENEGHETTI, 2002).
O que dizer então de profissionais capazes de enfocar o fenômeno religioso
tanto na diversidade de suas manifestações sociocultural como na mediação dos
saberes oriundos desse fenômeno?
Toda a proposta para o trabalho realizado no Ensino Religioso está baseada no respeito à diferença. O outro é sempre o diferente; sua história é diferente. Sua vida e modo de enxergá-la é diverso. Suas manifestações culturais são diferentes e, sempre, muito bonitas, se pensadas na prerrogativa da diferença cultural. Assim, sua religiosidade se manifesta diferentemente e isto não deveria ser motivo de surpresa. [...] O olhar que inclui a diferença como seu determinante é um olhar amoroso. Includente. Acolhedor. Capaz de ver no gesto do interlocutor traduções renovadas da religiosidade (MENEGHETTI, 2002, p. 53).
Considerando tanto os objetivos da presente pesquisa como a especificidade
dessa área, a seguir se pretende abordar os desafios ainda pendentes dessa
configuração pedagógico-curricular do Ensino Religioso à formação dos profissionais
que nela atuam.
1.3 DESAFIOS À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO
O que se entende por formação? Um curso preparatório? Assimilação de
conhecimentos embasados? Treinamento? Observância de prescrições legais?
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Ensino? Doutrinação? Transmissão de saberes etiquetados? Processo de
aprendizagem de conhecimentos técnicos de uma profissão? Atividade de interações
humanas? Para além de indagações estanques, tais questões desvelam tanto
resquícios de concepções habituais sobre o termo formação como práticas formativas
investigadas por pesquisadores da educação (TARDIF, 2005; ROMANOWSKI, 2006).
Não obstante os mais diversos significados utilizados para definir o que se
entende por formação, faz-se necessário ater-se às diferentes abordagens a respeito
do tema, decorrentes de acepções contraditórias sobre o professor: “eficaz,
competente, técnico, pessoa, profissional, sujeito que toma decisões, investigador,
sujeito que reflete” (GARCIA, 1999, p. 30).
As conseqüências sobre essas acepções contraditórias tributadas ao
professor? “É evidente que cada uma destas diferentes concepções do que deve ser
o professor, vai influenciar de modo determinante os conteúdos, métodos e
estratégias para formar os professores” (Opus citatum, p. 30).
Segundo Moita (1992, p. 115), “ter acesso ao modo como cada pessoa se
forma é ter em conta a singularidade da sua história e sobretudo o modo singular
como age, reage e interage com os seus contextos.” História e contextos, dois
elementos relevantes ao estudo sobre a temática da formação docente. Elementos
esses atreladas aos processos por meio dos quais uma habilidade profissional se
constitui e tende a consolidar-se.
A investigação sobre a formação do professor de Ensino Religioso encontra-se
intimamente atrelada ao processo histórico da educação brasileira. A promulgação da
LDB/96 se deu em meio a uma época marcada por significativos avanços científico-
tecnológicos, reestruturações no mundo do trabalho, ampliação dos meios de acesso
à informação e instauração de políticas públicas voltadas às demandas das classes
menos favorecidas. Crescia, porém, a consciência da necessidade de um
fortalecimento de iniciativas em prol da “valorização das diferentes culturas,
preservação ecológica, respeito à ética e à dignidade humana, entre outros”
(ROMANOWSKI, 2006, p. 6). É por meio desses aspectos histórico-contextuais que
as exigências e os níveis dispostos enquanto pré-requisitos de formação docente no
artigo 62 da LDB/96 (BRASIL. Lei n. 9.394/96, 2001. p. 321) aqui passa a ser alvo de
análise:
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A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Para o candidato postulante ao exercício da docência em Ensino Religioso,
surpreendentemente o desafio maior não se encontra no fato de minimamente ter
que se formar em nível superior ou em nível médio, na modalidade Normal. Encontra-
se, sim, nas determinações descritas pelo parágrafo primeiro da nova redação do
artigo 33 da LDB/96, a Lei n. 9.475: “Os sistemas de ensino regulamentarão os
procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as
normas para a habilitação e admissão dos professores”.
As razões do referido desafio? Cordão (2005) faz menção a três delas: 1.ª) a
dificuldade de o Conselho Nacional de Educação, enquanto órgão gerenciador do
Sistema Federal de Ensino, prever a diversidade das orientações dos sistemas de
ensino estaduais e municipais, condição imprescindível à implantação de uma diretriz
curricular uniforme para uma licenciatura em Ensino Religioso pertinente a diferentes
instâncias; 2.ª) o fato de a Lei n. 9.475 não fazer referência específica à formação de
professores e, sim, à incumbência de os sistemas de ensino estabelecerem normas
para habilitação e admissão; 3.ª) o princípio de não intromissão do Governo Federal,
seja na autonomia dos sistemas de ensino, o que qualquer determinação sobre o tipo
de formação dos candidatos à docência em Ensino Religioso ou até o
estabelecimento de diretrizes a um curso de licenciatura significaria;
À área do Ensino Religioso, o que significaria uma formação inicial, uma
formação em âmbito de licenciatura? Apenas um avanço?
A organização de cursos de Licenciatura pelas Instituições de Ensino Superior é garantia de que a formação do profissional/especialista para ministrar este conteúdo será de nível igual ao de outras áreas de conhecimento e, portanto, não comprometerá a formação básica dos discentes da Educação Fundamental. A organização de Licenciaturas em Ciências da Religião com habilitação para Ensino Religioso atende de maneira mais adequada ao cumprimento da LDB e inclusive, desvincula a atuação docente no Ensino Religioso escolar da prática catequética [...], evitando também que as escolas sejam atendidas por profissionais em situação de formação fragilizada (MENEGHETTI, 2002, p. 55).
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Os ganhos pedagógicos e profissionais são evidentes nos casos em que o
processo de formação docente inicial de Ensino Religioso se dá por meio de uma
licenciatura. Fato é que a realidade dos cursos de formação docente com habilitação
para o Ensino Religioso ofertados no Brasil não assegura tais ganhos a todos os que
optam ou aos profissionais que são escolhidos para atuar nessa área. A demanda
supera a oferta.
Dados de uma pesquisa realizada no primeiro semestre de 2006 comprovam
isso. A referida pesquisa tinha como principal intencionalidade o levantamento dos
cursos de formação de professores de Ensino Religioso que estavam sendo
ofertados no Brasil (OLIVEIRA et al, 2006, p. 91-109). Os dados encontrados
remetem à implementação de cursos os mais diversos: desde cursos de extensão,
cursos livres, cursos de graduação até Programas de Pós-Graduação Lato Sensu
(Especialização) e Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado). Alguns presenciais, outros
semipresenciais ou a distância. Por exemplo, os Programas de Pós-Graduação
Stricto Senso encontram-se disponibilizados apenas na Região Sul (1), Região
Sudeste (4), Região Nordeste (1) e Centro-Oeste (1). Já abrangência dos Programas
de Pós-Graduação Lato Sensu é constada por um número relativo a 15. A
distribuição deles, por sua vez, é notória na Região Norte (1), Centro-Oeste (1),
Sudeste (5) e Sul (8). Dos oito Cursos de Graduação encontrados pelos
pesquisadores, seis deles pertencem às licenciaturas em Ciências da Religião com
habilitação para o Ensino Religioso. Com relação aos outros dois cursos, um é de
bacharelado em Ensino Religioso e o outro é de Pedagogia com ênfase em Ensino
Religioso. Apenas 10 Cursos de Extensão e três Cursos Livres foram encontrados e
pontuados pela pesquisa. Consta que nem todos os cursos ofertados informam se
possuem ou não o devido credenciamento, reconhecimento ou autorização por parte
dos órgãos governamentais responsáveis. Dos sites consultados pelos
pesquisadores, as informações relativas aos objetivos, grade curricular, ementas não
estão totalmente disponibilizadas aos interessados. O estudo do fenômeno religioso
aparece como o principal foco dos cursos ofertados. Silenciam, porém, em relação
aos detalhes da metodologia adotada.
Os poucos dados da referida pesquisa aqui destacados possibilitam a
identificação de alguns desafios – nos processos de formação docente de Ensino
Religioso: 1.°) as lacunas e até a ausência de uma consistência curricular; 2.°) a
desarticulação e a descontinuidade da maioria dos cursos/programas de formação de
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professores de Ensino Religioso oferecidos expõem uma possível ineficiência dos
mesmos; 3.°) a insuficiência de cursos oferecidos em relação à demanda das escolas
espalhadas por esse imenso país de profissionais devidamente formados; 4.°) a
necessidade de se avançar nas discussões “em prol de uma consistente política
nacional, capaz de assegurar os elementos indispensáveis na oferta, autorização e
reconhecimento dos cursos de formação de professores de Ensino Religioso”
(OLIVEIRA et al., 2006, p. 101).
Em 1999, ao abordar a questão dos Programas oficiais para formação dos
professores da educação básica, a então Secretária de Assuntos Educacionais da
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Presidente do
Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), Maria Teresa
Leitão de Melo faz menção a dois eventos ocorridos: a “Conferência Mundial de
Educação para Todos” e a “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”.
Apresenta, dentre várias contribuições, uma análise crítica sobre a incidência desses
dois eventos nos programas de aperfeiçoamento docente em serviço. Justifica seu
parecer pelo fato de tais programas se caracterizarem por conteúdo fragmentado,
sem repercussão na carreira docente, em detrimento da possibilidade de mais
efetivamente contribuir para o perfil e a identidade do profissional da educação.
Além de fazer menção a aspectos tais como cursos, espaços de formação dos
profissionais da educação, a carreira, jornada de trabalho e remuneração,
contemplados sob tônica de enxugamento na LDB/96, Melo (1999, p. 47-48) aponta
para outros dois desafios que estariam a incidir sob a formação e a prática docente:
O professor é um dos profissionais que mais necessidade tem de se manter atualizado, aliando à tarefa de ensinar a tarefa de estudar. [...] O novo perfil do aluno, como sujeito social que leva para a escola novos padrões de comportamento; a competição com outros agentes educativos/informativos fora da escola; a celeridade do avanço tecnológico, nem sempre ao alcance de todos, são fatores que interferem na relação do professor com o conhecimento, objeto primeiro do seu trabalho, que precisa ser entendido como processo, portanto matéria ao mesmo tempo cumulativa e provisória.
Os processos de formação e profissionalização docente para o Ensino
Religioso não estão isentos, tanto desses desafios mencionados por Melo como das
tendências da formação de professores no Brasil. Segundo Cunha (2004), a docência
se estrutura sobre saberes próprios, intrínsecos à sua natureza e objetivos. Constitui-
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se na interface dos saberes relacionados com o contexto da prática pedagógica, com
a ambiência da aprendizagem, com o contexto sócio-histórico dos alunos, com o
planejamento das atividades de ensino, com a condução da aula nas suas múltiplas
possibilidades e, por fim, com a avaliação da aprendizagem. Como ponderar
devidamente docência e seus saberes, sendo que ambos os processos acontecem
no espaço escolar, um espaço perfilado de interações humanas?
A docência como profissão de interações humanas é uma idéia defendida por
Tardif e Lessard (2005). Têm eles buscado saber de que maneira determinados
elementos do espaço educacional - as relações docentes junto aos demais
profissionais da educação, as condições de trabalho, os dilemas do trabalho feito
sobre e com o outro - repercutem no trabalho do professor. Numa obra publicada
recentemente, cujo título principal é O Trabalho Docente, tais pesquisadores
apresentam uma análise resultante de mais de 150 entrevistas realizadas junto a
professores, administradores, diretores de escolas, funcionários, orientadores
pedagógicos e universitários. Desses profissionais consultados almejavam divisar o
que eles faziam, vivenciavam, pensavam e sentiam. Particularmente no Capítulo Um
da mencionada obra, Tardif e Lessard discutem os elementos para um quadro de
análise da docência, cuja natureza se manifesta para eles como um trabalho
interativo, seja como atividade, seja como status ou como experiência. Três
dimensões, por um lado estreitamente ligadas entre si e, por outro, distintas no plano
analítico e metodológico.
À questão por que estudar a docência como um trabalho?, Tardif e Lessard
respondem baseando-se em cinco espécies de motivos, situados em diferentes
momentos de análise: 1.°) panorama do trabalho interativo e reflexivo – o trabalho
sobre a matéria inerte (artefatos técnicos, máquinas, dispositivos materiais, etc. que,
em si, não oferece resistência a qualquer ação) versus o trabalho docente, cujo
objeto de trabalho são os alunos, seres humanos cujas ocupações se definem como
atividades interativas, constituídas por traços de personalidades diferenciadas; 2.°)
centralidade da docência na organização do trabalho – longe de ser uma profissão
marginal, periférica ou secundária, a docência resguarda no atual cenário mundial
uma importância singular pelas int