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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CLAUDINO GILZ A COLEÇÃO “REDESCOBRINDO O UNIVERSO RELIGIOSO” NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR CURITIBA 2007

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  • PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

    CLAUDINO GILZ

    A COLEÇÃO “REDESCOBRINDO O UNIVERSO RELIGIOSO” NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR

    CURITIBA 2007

  • CLAUDINO GILZ

    A COLEÇÃO “REDESCOBRINDO O UNIVERSO RELIGIOSO” NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR

    Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à conclusão do Mestrado em Educação

    Orientador: Prof. Dr. Sérgio Rogério Azevedo Junqueira

    CURITIBA 2007

  • A Francisco de Assis,

    inspiração no caminho da virtude

    e no sonho de poder atuar como professor.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus.

    A Irineu Gilz e Nair Tholl Gilz, meus pais (in memoriam).

    A Maurício, Cezário, Maria de Lourdes, Bertoldo, Walter, Nelson, Francisco e

    Waldemar, meus irmãos.

    A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil.

    A Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, exímio orientador dessa pesquisa.

    Aos Amigos que jamais se foram.

    Aos pássaros que eventualmente vêm à janela do meu quarto e percebem o

    quanto lhes sou grato.

  • “A sala de aula é um ambiente de diversidade, uma vez que abriga um

    universo heterogêneo, plural e em movimento constante, em que cada aluno

    é singular, com uma identidade originada de seu grupo social, estabelecida

    por valores, crenças, hábitos, saberes, padrões de condutas, trajetórias

    peculiares e possibilidades cognitivas diversas em relação à aprendizagem”

    (ROMANOWSKI, 2006, p. 121-122).

  • RESUMO

    A presente dissertação tem como objeto de pesquisa a contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” à formação do professor no contexto da LDB/96. Delimitou-se na investigação: de alguns aspectos histórico-legislativos do Ensino Religioso no contexto da LDB/96, concepções educativas e formativas de um contexto, cujo principal respaldo teórico se deu em Cirigliano (1969), Saviani (1998); do processo de configuração pedagógico-curricular do Ensino Religioso, assegurando-se em Figueiredo (1996), Fórum... (1998), Junqueira (2002a) e Junqueira, Holanda e Corrêa (2007); dos desafios à formação do professor de Ensino Religioso, tendo como base a contribuição de Garcia (1999), Tardif e Lessard (2005), Romanowski (2006), Oliveira et al (2006); das definições, características, funções e pesquisas sobre o livro didático, fundamentando-se em Bittencourt (1998), Faria (2002), Lajolo (1996), Batista (2003), Nosella (2005); e dos antecedentes à Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso”, sua estruturação temática e metodológica, cuja abordagem serviu-se de Viesser (1995), Figueiredo (1995), Oleniki (2003), Resdescobrindo... (2003). Para a análise de dados, privilegiou-se a abordagem qualitativa, de cunho fenomenológica. A coleta de dados aconteceu por meio da seleção dos onze volumes da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso, segmentos da Educação Infantil e Ensino Fundamental, e de doze entrevistas semi-estruturadas realizadas com professores que utilizam a referida Coleção em sala de aula. O processo de análise de dados se deu com o auxílio do software Atlas-ti. Dadas as circunstâncias atuais do Ensino Religioso, seja em relação ao seu amparo legislativo, seja em relação aos desafios ainda pendentes à formação do professor que atua nessa área de conhecimento, percebe-se que a contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” consiste em apresentar-se como: um substrato para a construção da experiência religiosa dos sujeitos escolares, portadora de uma intencionalidade educativa e formativa peculiar voltada à alteridade e à pesquisa, uma proposta de apoio ao trabalho docente, um desenvolvimento metodológico propositivo, sensível à faixa etária dos educandos e estimulador da criatividade docente.

    Palavras-chave: Educação; Ensino Religioso; Livro didático; formação do Professor.

  • ABSTRACT

    The present study has the aim to research the contribution that the textbook series “Redescobrindo o Universo Religioso” (Rediscovering the Religious Universe) has provided for the development of the teachers of Religious Studies in the new LDB/96 context. The research was restricted to the following topics: some historic-legislative aspects of the Religious Studies in the new LDB/96 context, specifically the education and formation concepts, whose major theoretical foundations are addressed in Cirigliano (1969), Saviani (1998); the pedagogical-curricular configuration process of Religious Studies (Figueiredo, 1996; Fórum…, 1998; Junqueira, 2002a and Junqueira, Holanda and Corrêa, 2007); the challenges presented for the Religious Studies teachers development (Garcia, 1999; Tardif and Lessard, 2005, Romanowski, 2006; Oliveira et al, 2006); definitions, characteristics, roles and researches on the textbook (Bittencourt, 1998; Faria, 2002; Lajolo, 1996; Batista, 2003; Nosella, 2005); and the previous publications and didactic concepts of the textbook series “Redescobrindo o Universo Religioso”, its thematic and methodological structure (Viesser, 1995; Figueiredo, 1995; Oleniki, 2003; Redescobrindo o Universo Religioso, 2003). For the data analysis, the qualitative method, phenomenological approach was used. Data collection took place by means of selection of the eleven volumes of the textbook series “Redescobrindo o Universo Religioso”, for Child Education and Fundamental Teaching, and twelve semi-structured interviews with teachers who use the Series in their classes. The data analysis process was performed with the software Atlas-ti. Considering the current circumstances under which Religious Studies Course is presented, both in relation to its legal support and the challenges faced for the development of Religious Studies teachers, the Series has contributed with: (a) a basis for the construction of the students’ religious experience, bearer of educational and developmental purposes which aim at diversity and research, and (b) a proposal for faculty support and methodological development, sensitive to students’ age and a stimulating tool of teachers’ creativity.

    Key words: Education; Religious Studies; Textbooks; Teacher Development

  • LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    Figura 1 – Informações Documentais.......................................................................140

    Figura 2 – Informações Entrevistas ..........................................................................140

    Figura 3 – Contexto da Identidade Profissional dos Sujeitos da Pesquisa...............141

    Figura 4 – A Coleção no Itinerário formador doProfessor de Ensino Religioso........141

    Figura 5 – Modelos Docentes...................................................................................142

    Figura 6 – Livro didático enquanto elemento formativo ...........................................142

    Gráfico 1 – Idade Aproximada ....................................................................................85

    Quadro 1 – Atuação por etapas da educação básica.................................................85

    Quadro 2 – Tempo de Atuação na área de Ensino Religioso.....................................86

    Quadro 3 – Formação Profissional e Específica em Ensino Religioso ......................88

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    SIGLA - Descrição FONAPER - Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso

    PCNERs - Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Religioso

    AFESBJ - Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus

    LDB/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394.

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13

    1 ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICO-LEGISLATIVOS DO ENSINO RELIGIOSO E DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO CONTEXTO DA LDB/96 ...................... 17

    1.1 A LDB E AS DENOMINAÇÕES INERENTES AO TERMO EDUCAÇÃO........... 17

    1.2 O PROCESSO DE CONFIGURAÇÃO PEDAGÓGICO-CURRICULAR DO

    ENSINO RELIGIOSO A PARTIR DA LDB/96................................................... 233

    1.3 DESAFIOS À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO ......... 35

    2 O ESTUDO SOBRE O LIVRO DIDÁTICO E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA COLEÇÃO “REDESCOBRINDO O UNIVERSO RELIGIOSO” ..................... 43

    2.1 LIVRO DIDÁTICO: DEFINIÇÕES, CARACTERÍSTICAS, FUNÇÕES E

    TRABALHO DOCENTE...................................................................................... 43

    2.2 CONSTATAÇÕES DE ALGUMAS PESQUISAS SOBRE LIVRO DIDÁTICO .... 53

    2.3 O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA COLEÇÃO “REDESCOBRINDO O

    UNIVERSO RELIGIOSO”................................................................................... 59

    3 METODOLOGIA ................................................................................................... 66 3.1 QUESTÃO E SUBQUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO......................................... 67

    3.2 DELIMITAÇÃO E COMPOSIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO........................... 67

    3.3 OS PARTICIPANTES DA PESQUISA....................................................................

    3.4 RELATO DA COLETA E DA ANÁLISE DE DADOS........................................... 68

    4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE DADOS................................................................. 71 4.1 COLEÇÃO, UM SUBSTRATO PARA A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA

    RELIGIOSA ........................................................................................................ 71

    4.2 COLEÇÃO, UMA INTENCIONALIDADE EDUCATIVA PECULIAR.................. 744

    4.3 COLEÇÃO, UMA PROPOSTA DE APOIO AO TRABALHO DOCENTE .......... 777

    4.4 COLEÇÃO, UM DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO PROPOSITIVO,

    SENSÍVEL À FAIXA ETÁRIA DOS EDUCANDOS E ESTIMULADOR DA

    CRIATIVIDADE DOCENTE.............................................................................. 778

    4.5 O PAPEL DA COLEÇÃO ENQUANTO ELEMENTO CONSTITUTIVO DA

    FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO.............................. 844

  • CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 944

    REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 98

    APÊNDICES............................................................................................................. 106 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ..........107

    APÊNDICE B – PRÉ-LEITURAS DOS VOLUMES DA COLEÇÃO “REDESCOBRINDO

    O UNIVERSO RELIGIOSO”............................................................109

    APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ....................136

    APÊNDICE D – RELAÇÃO DE DOCUMENTOS E SUJEITOS CORRESPONDENTES

    NO ATLAS/TI .................................................................................137

    APÊNDICE E – LISTA DE CATEGORIAS DE ANÁLISE DE DADOS .....................138

    APÊNDICE F – REGISTRO DAS FAMÍLIAS DE CÓDIGOS AFINS ........................140

    APÊNDICE G – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A COLEÇÃO COMO

    UM SUBSTRATO PARA A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA

    RELIGIOSA.....................................................................................143

    APÊNDICE H – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A INTENCIONALIDADE

    EDUCATIVA PECULIAR À COLEÇÃO...........................................144

    APÊNDICE I – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A COLEÇÃO ENQUANTO

    UMA PROPOSTA DE APOIO AO TRABALHO DOCENTE ..............145

    APÊNDICE J – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO

    METODOLÓGICO PROPOSITIVO DA COLEÇÃO, SENSÍVEL À

    FAIXA ETÁRA DOS EDUCANDOS E ESIMULADOR DA

    CRIATIVIDADE DOCENTE ............................................................146

    APÊNDICE L – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A COLEÇÃO ENQUANTO

    UMA PROPOSTA DE APRENDIZAGEM GRADATIVA......................147

    APÊNDICE M – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE OS PRINCIPAIS

    PROBLEMAS DOS ENTREVISTADOS NO ITINERÁRIO DE

    FORMAÇÃO DOCENTE EM ENSINO RELIGIOSO .......................148

    APÊNDICE N – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE O PAPEL DA

    COLEÇÃO NO ITINERÁRIO FORMADOR DO PROFESSOR DE

    ENSINO RELIGIOSO .....................................................................149

    APÊNDICE O – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE O LIVRO DIDÁTICO

    ENQUANTO ELEMENTO CONSTITUTIVO DA FORMAÇÃO

    DOCENTE ......................................................................................150

  • APÊNDICE P – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A PROPOSTA DE

    FORMAÇÃO DOCENTE DA COLEÇÃO ........................................151

    APÊNDICE Q – QUADRO DE DADOS EXTRAÍDOS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA

    COLEÇÃO À FORMAÇÃO DO PROFESSOR................................152

  • 13

    INTRODUÇÃO

    A educação tem sido, na sua trajetória histórica, um espaço privilegiado de

    idéias, anseios inovadores, saberes, pesquisas, debates, inquietações e iniciativas. O

    Ensino Religioso não esteve à margem dessa trajetória. Construiu memória. Sofreu

    reformulações na forma e conteúdo. Semeou perspectivas de humanização,

    liberdade de expressão, cidadania, sensibilidade e reverência ao Transcendente.

    Historicamente compreendido ora como catequese na escola, ora como ensino

    da religião, uma nova identidade pedagógico-curricular do Ensino Religioso iria se

    configurar a partir da promulgação da LDB/96. O Ensino Religioso constituía-se então

    elemento curricular da educação básica do cidadão, cujo legado era assegurar o

    respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, sem qualquer forma de proselitismo

    (CÂNDIDO, 2005).

    A Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” na formação do professor é o

    tema da presente pesquisa. Um material didático que veio a ser pensado e elaborado

    (1999-2001) a partir dessa nova identidade pedagógico-curricular do Ensino Religioso.

    Do referido tema, livro didático (a Coleção) e formação docente são os aspectos que

    vão doravante estar no foco das investigações e das análises. Individualmente, cada

    um desses aspectos remete para uma trajetória de discussões, saberes, lacunas,

    avaliações, avanços e desafios. E correlacionados, o que se seria possível constatar?

    Aqui não se pretende analisar a Coleção “Redescobrindo o Universo

    Religioso” de forma aleatória. Pretende-se, sim, é analisar a contribuição dessa

    Coleção na formação do professor que a utiliza em sala de aula. Trata-se, então, de

    um estudo que se apresenta e cuja intencionalidade volta-se para identificar em que

    sentido um livro didático de Ensino Religioso, no caso, a Coleção, dado as

    circunstâncias, vem contribuindo, desde a sua implantação, com a formação do

    profissional que atua nessa área de conhecimento.

    Dos estudos já realizados a respeito do livro didático, tornou-se possível

    agregar contribuições relevantes no sentido de se repensar não só o livro didático em

    si, mas a concepção que se tem do ser humano em cada etapa de seu

    desenvolvimento, o que ele está apto a aprender e a tornar fonte de sentido para si na

    realidade em que vive.

  • 14

    Eis a razão da investigação que ora se apresenta: achegar-se tanto quanto

    possível das evidências sobre a contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo

    Religioso” na formação do professor. Uma investigação cuja delimitação situa-se na

    configuração pedagógico-curricular do Ensino Religioso a partir do contexto da LDB/96.

    O livro didático tem sido nas últimas décadas o assunto de pesquisas,

    trabalhos científicos e debates no espaço educacional (ECO; BONAZZI, 1980;

    BALDISSERA, 1994; LAJOLO, 1996; BITTENCOURT, 1998; FARIA, 2002;

    NOSELLA, 2005). Particularmente, denota-se por meio dessas pesquisas que há

    docentes a considerar o livro didático um recurso dispensável na sua prática em sala

    de aula. A outros, é ele sinônimo de saberes cristalizados e até um velado difusor

    ideológico. Por isso, até que ponto faria sentido perguntar-se pela possibilidade de

    um livro didático utilizado pelo professor constituir-se em um dos elementos de sua

    formação e aprimoramento profissional?

    Pesquisas realizadas recentemente têm desvelado os desafios de se

    assegurar ofertas e consistências necessárias aos cursos de formação docente em

    Ensino Religioso (JUNQUEIRA, 2002a; FIGUEIREDO, 2005; JUNQUEIRA; ALVES,

    2005; OLIVEIRA, 2005). Não obstante as constatações de lacunas decorrentes do

    contexto dessas pesquisas, a análise da contribuição do livro didático de Ensino

    Religioso como um dos elementos constitutivos da formação do professor dessa área

    de conhecimento parece ser ainda incipiente, para não dizer inédita. Uma análise

    desse teor não ganharia relevância, caso fosse considerado o fato de ainda não

    haverem sido instituídos no Brasil cursos de Graduação em Ensino Religioso, mas

    apenas alguns cursos de Pedagogia ou de Ciências da Religião que contemplam no

    seu projeto pedagógico a licenciatura para o Ensino Religioso? É por esse e outros

    motivos que uma questão aqui assume a centralidade dos estudos: qual a contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” à formação do professor de Ensino Religioso?

    Anterior à proposição da referida investigação, Oleniki (2003) procurou

    elucidar o modelo pedagógico e a formação do professor de Ensino Religioso na

    Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus (AFESBJ), período de 1995 a

    2001. A pesquisa abrangeu o resgate histórico das razões que embasaram o

    surgimento da mencionada instituição, cujo legado histórico, humano e espiritual de

    Francisco de Assis encontrava-se posto como fundamento da sua proposta

    educacional. Abordou os diferentes modelos propostos ao Ensino Religioso que

  • 15

    serviram de base à proposta de formação de professores dessa disciplina no interior

    da instituição.

    Não foram encontrados registros de que a pesquisa realizada por Oleniki

    tenha paralelamente motivado o corpo docente da AFESBJ a elaborar a Coleção. No

    entanto, foram esses profissionais que, de uma forma ousada, protagonizaram o

    processo de elaboração e publicação da Coleção “Redescobrindo o Universo

    Religioso” em parceria com a Editora Vozes, democratizando assim o referido

    material didático às escolas públicas e particulares do Brasil.

    Para além de alcançar um considerável reconhecimento nacional por parte de

    professores e pesquisadores, a Coleção também tem se constituído numa referência

    didática à implantação do modelo fenomenológico de Ensino Religioso e seu

    respectivo perfil escolar (FORUM..., 1998; JUNQUEIRA, 2002a).

    Recentemente, Gilz (2005) empreendeu a pesquisa visando explicitar como se

    deu o processo de implementação da Coleção sob a ótica dos professores de Ensino

    Religioso da Educação Infantil e Ensino Fundamental da AFESBJ, Unidades de

    Curitiba. O tratamento e a análise dos dados suscitaram o desenvolvimento de uma

    nova pesquisa sobre a contribuição da Coleção à formação do professor que a utiliza

    em sala de aula. Dado a peculiaridade com que se apresenta a temática, as

    possibilidades de contribuir com a comunidade científica e, por fim, a inexistência de

    estudos sob esse enfoque específico, justifica-se a pesquisa.

    Tendo em vista o tema, a questão central e a justificativa apresentados como

    prerrogativas para a realização da pesquisa, o objetivo geral consiste em analisar a

    contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” à formação do professor

    no contexto da LDB/96. Decorrente desse objetivo, especificamente o que se pretende

    vem a ser: descrever alguns aspectos histórico-legislativos do Ensino Religioso e da

    formação do professor dessa área de conhecimento a partir do contexto da LDB/96;

    estabelecer relações entre o estudo desenvolvido sobre o livro didático e a Coleção

    “Redescobrindo o Universo Religioso”; explicitar as contribuições da Coleção

    “Redescobrindo o Universo Religioso” à formação do professor.

    A metodologia para coleta e análise dos dados baseou-se na pesquisa

    qualitativa, abordagem fenomenológica. A possibilidade de melhor apreender o

    significado dos fenômenos pertinentes ao objeto de estudo delineado nos seus

    aspectos mais singulares e complexos é a principal razão da referida escolha

  • 16

    (CHIZZOTTI, 2003; BOGDAN; BILKLEN, 1994). A análise documental e a entrevista

    semi-estruturada foram os instrumentos de coleta e análise de dados utilizados.

    A presente dissertação encontra-se estruturada em quatro capítulos

    basicamente. No primeiro capítulo são descritos alguns aspectos histórico-legislativos

    do Ensino Religioso a partir do contexto da LDB/96, cuja ênfase é dada à

    configuração pedagógico-curricular do Ensino Religioso e aos desafios à formação do

    professor. No segundo capítulo, procurou-se tomar ciência do estudo desenvolvido

    sobre o livro didático e o processo de elaboração da Coleção “Redescobrindo o

    Universo Religioso”. O capítulo terceiro apresenta detalhes sobre a metodologia, tais

    como: a questão e as subquestões da investigação, a delimitação e composição do

    objeto de estudo, dados sobre os participantes da pesquisa e, por fim, o relato da

    coleta e análise de dados. O capítulo quarto traz a descrição e a análise dos dados,

    subdividindo-se em vários tópicos, a saber: coleção, um substrato para a construção

    da experiência religiosa; coleção, uma intencionalidade educativa peculiar; coleção,

    uma proposta de apoio ao trabalho docente; coleção, um desenvolvimento

    metodológico propositivo, sensível à faixa etária dos educandos e estimulador da

    criatividade docente; o papel da coleção enquanto elemento constitutivo da formação

    do professor de Ensino Religioso. Por fim, as considerações finais sobre os

    resultados da pesquisa obtidos.

  • 17

    1 ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICO-LEGISLATIVOS DO ENSINO RELIGIOSO E DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO CONTEXTO DA LDB/96

    O presente capítulo tem como objetivo ater-se, por meio do estudo e análise

    de algumas obras, a alguns aspectos histórico-legislativos do Ensino Religioso a

    partir do contexto da LDB/96, relevantes à configuração da identidade pedagógico-

    curricular do Ensino Religioso.

    As preocupações com o amparo formativo dos professores que atuam pelo

    Ensino Religioso estiveram presentes desde os primeiros desdobramentos da

    educação no Brasil (JUNQUEIRA, 2002a). O mesmo não se pode dizer, a princípio, a

    respeito da pesquisa sobre o tema proposto: a Coleção “Redescobrindo o Universo

    Religioso” na formação do professor de Ensino Religioso. Aparenta essa pesquisa

    resguardar para si aspectos peculiarmente inéditos a serem identificados.

    Eis a razão de aqui ater-se primeiramente a um sucinto estudo da Lei de

    Diretrizes e Bases da Educação Nacional vigente e as denominações inerentes ao

    termo educação. Em seguida, uma abordagem sobre a configuração da identidade

    pedagógico-curricular do Ensino Religioso que se deu no referido contexto e os

    desafios ainda pendentes à formação do professor dessa área de conhecimento.

    1.1 A LDB/96 E AS DENOMINAÇÕES INERENTES AO TERMO EDUCAÇÃO

    A expressão diretrizes e bases da educação nacional passou a ser enunciada

    propriamente só com a promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946.

    Nem na Constituição Federal de 1934, nem na Constituição promulgada pelo regime

    do Estado Novo em 10 de novembro de 1937, essa expressão havia sido cunhada

    dessa maneira. Muito embora nessas Constituições anteriores, expressões tais como

    traçar as diretrizes da educação nacional, fixar as bases tivessem já em si a

    conotação de conferir à instância federal a incumbência de legislar e organizar a

    educação em âmbito nacional (SAVIANI, 2001).

    Segundo Alves e Villardi (1997), em termos ideais uma lei resulta das

    aspirações e embates dos grupos sociais. Representa uma perspectiva de nação,

    sociedade e educação que, de forma alguma, anula outras perspectivas existentes

  • 18

    sequer sancionadas. Postula uma análise reflexiva sobre os impactos de sua

    implementação, principalmente em relação à possibilidade de se buscar consenso

    nos pontos polêmicos em prol da superação dos problemas sociais.

    Teria a LDB/96 força suficiente para gerar uma significativa mudança na

    educação brasileira?

    Seria ingenuidade atribuir a esta lei força ou mesmo potencialidade para provocar uma revolução da educação no país. Entretanto, o reordenamento dos sistemas educativos, inscrito em uma LDB, poderá criar contextos de relações estruturais de transformação, de reforma e de inovação educacional como parte do processo de ‘regulação social’ (PINO, 1997, p. 15).

    A autora justifica sua afirmação apontando para a distância que existe entre a

    lei formulada e o real, a saber: a escola e sua complexidade organizacional, suas

    funções e interrelações socioculturais; as ideologias, os sinais de avanço e os toques

    de conservadorismo, os reflexos advindos de interesses contraditórios de âmbito

    público e/ou privado. Fato é que entre as sugestões para o aperfeiçoamento de uma

    lei e os debates provenientes de expectativas das pessoas envolvidas (legisladores e

    beneficiários), há que se considerar:

    Tão importante quanto se conhecer o conteúdo da lei, é saber-se como se deu sua elaboração, os que participam, direta ou indiretamente, do processo legislativo, as posições ideológicas que defenderam e o resultado da negociação entre elas. É fácil concluir daí que uma lei, elaborada em processo democrático, não é perfeita ou ideal, de acordo com a proposta inicial que se tenha, mas é o que foi possível construir (ELÍSIO, 1998, p. 9).

    Consta que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394 de

    20 de dezembro de 1996, foi sancionada há exatos trinta e cinco anos após a

    promulgação da primeira LDB (Lei n. 4.024 de 20.12.61). Decorrente de históricas e

    profundas inquietações pedagógicas, a educação era uma vez mais questão nacional

    (SAVIANI, 2001). Mesmo que passível de regulamentações e pareceres posteriores

    passava, enquanto lei, a definir os novos rumos e os horizontes da educação

    brasileira. Deu-se um árduo percurso de debates, contribuições, elaborações de

    propostas, tramitações do projeto original da LDB no Congresso Nacional, textos

    substitutivos até a aprovação do texto final.

  • 19

    A realidade brasileira, naquele momento, encontrava-se marcada por indefinições políticas, profundas desigualdades sociais e múltiplas contradições em áreas da atuação educacional. Propostas para uma educação que privilegiasse o ser humano de forma plena, buscando o seu desenvolvimento integral: físico, psíquico, cognitivo, afetivo, religioso, social, político e econômico, apresentavam-se como pistas para uma práxis transformadora, cuja qualidade, com certeza, enseja a construção de uma sociedade em que o ser humano se apresenta como sujeito e autor da própria história (OLIVEIRA, 2005, p. 258).

    No contexto histórico de uma sociedade, a educação adquire uma importância

    singular e, conseqüentemente, ocupa um lugar estratégico. É em torno da definição

    dos princípios e dos fins de uma lei educacional que os interesses, os mais diversos,

    se manifestam. O que constantemente está em jogo? As chances de mudança e de

    acesso às melhores condições de vida, seja dos que promovem a educação, seja dos

    que dela são beneficiados. Todavia, o que não poucas vezes ocorre é a tendência de

    manter o status quo por meio de quem a regula e financia. Significado singular

    adquire tal constatação em relação à atribuição inerente a Lei de Diretrizes e Bases

    da Educação Nacional: a de, somente abaixo da Constituição, ser a ”lei maior da

    educação no país”; a de legislar sobre “as linhas mestras do ordenamento geral da

    educação brasileira” (SAVIANI, 1998, p. 2).

    A palavra educação reúne uma expressiva gama de definições, práticas e

    tendências. Surpreende o quanto ela se apresenta como fundamento de projetos

    pedagógicos e programas de formação docente. Mais surpreendente ainda é a

    constatação de que, na grande maioria das situações e enunciados, a compreensão

    de educação vigente não decorre sequer de uma etimologia do termo. Educar teria,

    em si, a conotação de uma ação externa e autoritária de dar forma a um modelo já

    pré-concebido de homem e mulher?

    Mannes (2004, p. 99), ao invés de responder sim ou não à questão, prefere

    argumentar sua compreensão de educação/formação como processo educativo:

    Processo vem do verbo ‘proceder’ que na sua origem latina, conota ‘avançar’, ‘ir para diante’. E o verbo ‘educar’ (educare, educere), muito mais do que conduzir alguém para determinado objetivo usando artifícios externos, traduz a ação de ‘tirar para fora’, ‘trazer à luz’ aquilo que já existe, de certa maneira, dentro de cada pessoa humana. Educar é descobrir, é desvelar, é fazer aflorar todas as potencialidades que Deus escondeu no íntimo de todo ser humano.

  • 20

    Segundo essa formulação, a educação não se restringe ao desenvolvimento

    apenas do aspecto cognitivo do ser humano, mas contempla também o seu viver e

    agir no conjunto de suas dimensões: física, afetiva, intelectual, religiosa e social. Por

    que também social? Porque, segundo Moita (1992, p. 115), “ninguém se forma no

    vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um

    sem fim de relações”.

    Decorrente disso, o papel do professor consistiria em criar as condições para

    que o aluno, a partir de suas aspirações e possibilidades, deixasse aflorar sua índole

    humana e religiosa. Construísse, por meio do convívio e interação com outras

    identidades, a sua própria identidade. Essa mesma idéia pode ser também percebida

    na afirmação: “E-ducar é e-duzir, ex-trair da individualidade de cada um a conjuntura

    uni-versal do mundo: paidéia” (LEÃO, 1991, p. 12).

    Numa obra traduzida no final da década 60 do século XX, o argentino

    Cirigliano apresentava uma análise do termo educação enquanto conceito, fato e

    fenômeno. Por ter lançado um profundo olhar para os pressupostos que davam

    sustentação à prática educativa, sua análise continua profundamente atual. Ainda

    mais quando se trata de investigar a Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso”

    como um dos elementos constitutivos da formação do professor de Ensino Religioso.

    Segundo Cirigliano (1969), a educação enquanto conceito é aquela que, por

    meio de todos os processos e atividades, tem como finalidade conduzir o aluno a um

    desenvolvimento harmônico ou integral e, conseqüentemente, o alcance de seu

    aperfeiçoamento. Concebe o ser humano como em constante estado de

    inacabamento e, por isso, um ser a realizar-se. A educação seria, então, uma

    necessidade humana por toda a vida. Tal intencionalidade e concepção de educação

    são contestáveis. Além de Aristóteles, Cirigliano encontra ressonâncias de uma

    educação enquanto conceito em Platão, na Escolástica (principalmente de São

    Tomás de Aquino), nas Encíclicas Papais, no pensamento de Rousseau, Kant,

    Comênio, Pestalozzi e tantos outros. A aquisição da virtude seria, em si, o principal

    objetivo desse modelo de educação. Uma intencionalidade educativa contestada por

    vários pesquisadores, particularmente por Eco e Bonazzi (1980) no estudo que

    realizam sobre as mentiras que parecem verdades contidas nos livros didáticos.

    Durkheim é, para o já referido autor argentino, um dos primeiros pensadores a

    abordar a educação enquanto fenômeno social e, nesse sentido, passível também de

    tratamento como os demais fatos sociais. A educação enquanto fato se constitui a

    partir de “elementos reais que entram em jogo: a pessoa que recebe, pessoa que

  • 21

    transmite, interação, conteúdos, etc. E, sobretudo, a situação deles num determinado

    campo da realidade” (CIRIGLIANO, 1969, p. 25).

    Denomina-se a educação como fato aquela que procede da análise de um

    conjunto de fatos sociais observáveis, a saber: as interações escolares, linguagens,

    hábitos, tradições, sentimentos coletivos, culturas, livros, saberes etc. Ao apresentar

    um breve comparativo entre educação enquanto conceito e educação enquanto fato,

    o autor afirma:

    A primeira (ou cenceitual) ao analisar o conceito descobre só um sujeito e o seu desenvolvimento partindo de dentro, enriquecendo-se, aperfeiçoando-se. A segunda, ao encontrar o fato educação, descobre-o emoldurado na órbita social, como uma característica natural da vida social, como uma atitude ha-bitual da sociedade de continuar em outras gerações os seus achados e aquisições. [...] Quais os enigmas que carrega a educação em seu seio para que se manifeste de tão diversas maneiras, e continue a ser ela mesma? (CIRIGLIANO, 1969, p. 26-27).

    Não obstante à questão ao final da citação, Cirigliano deixa claro que o

    investigador, sob o ponto de vista de uma atitude fenomenológica, há de averiguar a

    educação não inquirindo o que ela é. Muito menos explicitando o papel da educação

    na sociedade, no desenvolvimento do indivíduo ou em uma determinada cultura. Há,

    sim, de inquirir a educação contemplando-a e descrevendo-a no dinamismo de

    evidência de seu próprio ser, isenta de preconceitos. E quais seriam as razões? Em

    princípio duas: 1.ª) pensar e analisar o ser da educação como fenômeno, sabendo

    que para esse propósito não há em si um método, mas o postulado de uma atitude

    capaz de apreender o que se revela por si mesmo tal como é, seu sentido e

    fundamento, aspectos esses comumente menos aparentes dos fenômenos, mas que

    na verdade é a sua condição de possibilidade; 2.ª) corrigir o hiato existente entre

    teoria e realidade concreta por meio de uma atitude de indagação e reflexão.

    Será trabalho de pôr a descoberto. Busca de categorias, de sentido, de modificações e derivados [...]. O fenômeno será, portanto, o que está evidente, o que se mostra por si, embora se tenha de descobri-lo, desenterrá-Io ou tornar a configurá-Io. Desvendar o fenômeno, [...] encontrar as categorias ou estruturas desse fenômeno, as suas implicações, [...] pois fenomenologia é tarefa de interpretação. Os que consideram somente o «fato» costumam esquecer os fatores correspondentes ao indivíduo no jogo de relações que é a educação (CIRIGLIANO, 1969, p. 39).

  • 22

    O diferencial estaria, segundo o autor, em agregar ao trabalho de interpretar

    as especificidades do fenômeno educacional, tais como: categorias de sentido,

    estruturas organizacionais e suas implicações, fatores ligados ao caráter e à cultura

    das pessoas envolvidas.

    Além de defenderem o mesmo ponto de vista, Tardif e Lessard (2005, p. 23-

    24) apontam para o risco da abstração que as pesquisas sobre educação e docência

    normalmente incorrem.

    Elas se fundamentam as mais das vezes sobre abstrações – a pedagogia, a didática, [...] o conhecimento, a cognição, a aprendizagem, etc. – sem levar em consideração fenômenos como o tempo de trabalho dos professores, o número de alunos, suas dificuldades e suas diferenças, a matéria a cobrir e sua natureza, os recursos disponíveis, as dificuldades presentes, a relação com os colegas de trabalho, com os especialistas, os conhecimentos dos agentes escolares, o controle da administração, a burocracia, a divisão e a especialização do trabalho.

    Para os autores, um estudo sobre a prática docente em sala de aula não pode

    eximir-se de analisar tais elementos. Pois, além de incorrer no risco da abstração,

    inviabiliza a identificação de razões pelas quais práticas de formação docente têm

    assumido certas características e/ou ficado entregues à determinadas concepções, a

    saber: dar forma a um modelo já pré-concebido de homem e mulher; trazer à luz

    aquilo que já existe, de certa maneira, dentro de cada pessoa humana; possibilitar o

    desenvolvimento harmônico e integral e, conseqüentemente, o seu aperfeiçoamento

    por meio da aquisição da virtude; analisar as interações escolares (linguagens,

    hábitos, tradições, sentimentos coletivos, culturas, livros, saberes etc.) como fatos

    observáveis; apreender o ato educativo que se revela tal como é por si mesmo, seu

    sentido e fundamento.

    Mesmo que na LDB/96 não haja uma definição específica sobre o conceito

    educação, ela apresenta em seus artigos 1.° e 2.° (BRASIL. Lei n. 9.394/96, 2001, p.

    306) os contornos de abrangência, os princípios e fins da educação nacional,

    vigentes desde a sua promulgação:

    Art. 1.° A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais [...]. Art. 2.° A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem

  • 23

    por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

    Embora a função de uma Lei de Diretrizes e Bases seja disciplinar sobre a

    educação escolar desenvolvida predominantemente em instituições próprias, ela não

    subestima a importância dos processos formativos de âmbito familiar, social e

    cultural. Se por um lado reitera o princípio de liberdade, abraça por outro a finalidade

    de contribuir para o pleno desenvolvimento do ser humano em formação. “Constitui

    um ponto de partida para se corrigir a fragmentação, assim como os unilateralismos

    que têm marcado a situação educacional em nosso país” (SAVIANI, 2001, p. 201).

    Corrêa (2007), após definir a educação como uma prática humano-social,

    permeada por múltiplas circunstâncias históricas e culturais, aponta para o caráter

    formal/escolar da mesma. Formal aqui diz respeito à educação escolar, sistematizada

    e curricular que se dá a partir de princípios e parâmetros legalmente estabelecidos.

    Particularmente a Saviani (1986, p. 86), a educação escolar “corresponde à cultura

    erudita. Rege-se por padrões eruditos, sua finalidade é formar o homem culto’ no

    sentido erudito da palavra”.

    Ater-se ao ponto de vista a partir do qual se legisla e se define educação foi

    aqui relevante enquanto circunscrição de um dos aspectos centrais à análise da

    contribuição da Coleção “Redescobrindo o Universo Religioso” na formação do

    professor, o que ocorrerá mais especificamente no capítulo quarto. O item a seguir,

    irá descrever alguns aspectos histórico-legislativos que permearam o processo de

    configuração do perfil escolar que o Ensino Religioso assumiu com a promulgação da

    LDB/96.

    1.2 O PROCESSO DE CONFIGURAÇÃO PEDAGÓGICO-CURRICULAR DO

    ENSINO RELIGIOSO A PARTIR DA LDB/96.

    O Ensino Religioso, enquanto tema de pesquisa, remete a um conjunto de

    aspectos possíveis de investigação e de análise. Por sua vez, o tema A Coleção

    “Redescobrindo o Universo Religioso” na formação do professor de Ensino Religioso

    remete a um recorte dessas possíveis intencionalidades investigativas. O que, em si,

    não significa eximir-se de uma breve referência ao processo de estudos e debates

  • 24

    que culminou na configuração da identidade pedagógico-curricular dessa área de

    conhecimento a partir da promulgação da LDB/96. Uma configuração do operacional

    de um ensino que, segundo Figueiredo (1995, p. 50), diz respeito tanto à “relação da

    pessoa humana com o sagrado” como a “uma atitude de busca ou de pertença ao

    Outro com quem convive na intimidade do seu mundo interior”.

    Aspecto legal e curricular do Ensino Religioso é o título de uma obra recentemente

    publicada por três pesquisadores (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007). Na

    primeira parte dessa obra, tais pesquisadores apresentam uma retrospectiva histórico-

    legislativa das Constituições e Leis da educação a partir da instituição do Regime

    Republicano no Brasil (1890). Segundo esses pesquisadores, a nova concepção de

    educação estabelecida pelos republicanos prescrevia a partir de então um ensino leigo.

    Relevante é a citação que segue:

    A expressão de que será o ‘ensino leigo’ presente na Constituição foi assumida por muitos legisladores do regime republicano no Brasil como irreligioso, ateu, laicista, sem a presença de elementos oriundos das crenças dos cidadãos que freqüentassem as escolas mantidas pelo sistema estatal (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007, p. 18).

    E qual seria o fundamento dessa neutralidade escolar que estava a referendar

    a laicidade do Estado? A organização e a oferta de um ensino público desprovido de

    qualquer inferência religiosa. Somente na década de 30 do século XX, o Ensino

    Religioso voltaria a ser mantido na rede pública de ensino. Discutia-se não somente

    um modelo de Ensino Religioso para a escola pública, mas também a “concepção de

    educação como um todo, revelando uma oscilação entre a influência humanística

    clássica e a realista ou científica” (Opus citatum, p. 21).

    As legislações constitucionais posteriormente regulamentadas (ano de 1946,

    ano de 1967 e ano de 1988) validariam a separação entre Estado e Igreja sem, no

    entanto, cercear a liberdade religiosa e de expressão. “A situação do ER introduzida

    na primeira LDBEN, no ano de 1961 (Lei n. 4.024) homologou o modelo mais antigo

    de ER em todo o território nacional: o ER confessional” (Opus citatum, p. 31).

    Numa obra que veio a publicar em 2002, Junqueira tornava público o

    resultado de uma longa e minuciosa pesquisa a respeito do itinerário que levou o

    Ensino Religioso, tanto por ocasião da promulgação da Constituição Federal de

    1988 como da LDB/96, a justificar sua presença e permanência no espaço escolar.

  • 25

    O êxito de tal conquista, ele atribui ao enfoque escolar dado ao Ensino Religioso já na

    década de trinta do século XX, ou seja, um enfoque didático-metodológico a partir

    da diversidade religiosa, ao invés do doutrinário-confessional.

    Na promoção do processo de ocidentalização e cristianização da população um dos principais instrumentos utilizados pelos diversos grupos foi a educação. Por meio da relação estabelecida entre o Estado e a Igreja Católica, [...] o Ensino Religioso na Escola [...] foi inserido na estratégia da educação como [...] um meio para garantir a cristianização. Na década de trinta, no século XX, apesar da ampliação das escolas públicas o país contava quase exclusivamente com as escolas religiosas. Este é um dos fatores que favoreceu a discussão sobre a diversidade religiosa no país (JUNQUEIRA, 2002a, 2002, p. 9-10).

    Uma discussão ainda incipiente na época, mas já fecunda de novas propostas

    para a configuração do Ensino Religioso no espaço escolar. Motivo? A rejeição de um

    Ensino Religioso doutrinal/catequético por parte dos alunos, principalmente dos que não

    confessavam o credo sobre o qual eram ministrados os conteúdos em sala de aula.

    Não perceber a sala de aula enquanto ambiente constituído pela diversidade

    deixava a prática docente aquém das expectativas, como atesta a pesquisadora:

    A sala de aula é um ambiente de diversidade, uma vez que abriga um universo heterogêneo, plural e em movimento constante, em que cada aluno é singular, com uma identidade originada de seu grupo social, estabelecida por valores, crenças, hábitos, saberes, padrões de condutas, trajetórias peculiares e possibilidades cognitivas diversas em relação à aprendizagem. [...] O desconhecimento e despreparo frente às realidades [...] tornam a prática aquém das expectativas (ROMANOWSKI, 2006, p. 121-122).

    O reconhecimento da necessidade de inovar esbarrava principalmente no

    temor de escolas religiosas de vir a perder um dos principais meios de fomentar sua

    missão e identidade confessional. Os debates passavam a se suceder com mais

    freqüência em todo o território nacional, envolvendo pesquisadores, integrantes de

    grupos confessionais e legisladores. Acima das diferenças, distinguia-se o empenho

    em salvaguardar a liberdade religiosa, o amparo legal e o perfil pedagógico do Ensino

    Religioso no espaço escolar.

  • 26

    À escola compete garantir o acesso dos discentes ao conhecimento religioso, em seus múltiplos aspectos, pois o que se quer é um Ensino Religioso agregador, de tal forma que católicos, evangélicos, budistas, membros de ritos afro-brasileiros e outros, se sentem lado a lado e se sintam aceitos pelos colegas, sem se sentirem inferiorizados (MENEGHETTI, 2002, p. 54).

    A constatação de que o pluralismo religioso era já uma realidade de Norte a

    Sul do país foi uma das observações feitas pelos coordenadores Estaduais presentes

    no Sétimo Encontro Nacional de Ensino Religioso, realizado em Belo Horizonte no

    mês de outubro de 1988. As cinco questões provenientes desse encontro que

    ficavam para posteriores aprofundamentos eram:

    distinção entre Ensino Religioso e Catequese; pressupostos para a qualificação do professor de Ensino Religioso diante dos desafios gerados pela insegurança profissional – ausência de um plano de carreira e tratamento discriminado no quadro atual; proposta curricular; manuais de ER; metodologia adequada ao Ensino Religioso Escolar (FIGUEIREDO, 1996, p. 95).

    Das conclusões do referido Encontro Nacional destacou-se, segundo a autora,

    a premência de se intensificar os esforços em prol do delineamento das linhas-

    mestras referentes à formação de professores, à definição da vida funcional desse

    profissional e à busca de identidade do Ensino Religioso, seja no conceito, seja na

    prática pedagógica. Encontros, seminários e debates posteriores iriam, além de

    insistir na questão dos objetivos, conteúdos, linguagem e método, voltar a dar ênfase

    à necessidade de uma sólida e adequada formação dos professores a partir do

    pluralismo religioso emergente.

    Para além das mudanças sociotecnológicas, culturais e outras que tenham se

    dado nas últimas décadas, gerando um diagnóstico de fragmentação da identidade

    humana, a experiência religiosa irrompia como um referencial inalienável.

  • 27

    O discurso religioso, ao tentar constituir um universo possível de significação, permite ao sujeito dar sentido a si mesmo e a tudo mais que o rodeia. A linguagem que engendra o discurso sobre o religioso fornece categorias de pensamento, conceitos e termos a partir dos quais é possível ao sujeito narrar e explicar-se a si mesmo, suas necessidades vitais e as suas relações (ROCHA, 2005, p. 158).

    O diálogo entre vários segmentos da sociedade, representantes das entidades

    religiosas, educacionais e parlamentares foi sendo favorecido. Isso tornaria viável o

    consenso em torno de uma proposta pedagógica para o Ensino Religioso, a partir

    não mais de uma determinada tradição religiosa, mas dos diferentes contextos

    fundantes da cultura e religiosidade brasileira. Ou seja, a “partir de ir de suas raízes

    orientais, ocidentais e africanas” (FÓRUM,... 1998, p. 5).

    O estudo sobre a configuração da identidade pedagógico-curricular do Ensino

    Religioso não pode ignorar, segundo Meneghetti (2002), alguns condicionantes

    político-educacionais: 1.°) a concepção arquitetônica da escola de Ensino

    Fundamental versus a questão do Ensino Religioso; 2.°) a concepção filosófica do

    ato de ensinar, de aprender e do transcurso de ambos os processos no espaço

    escolar; 3.°) a identificação da articulação interna dos sujeitos escolares, seja na

    gerência das atividades letivas, seja no exercício do papel social da escola frente à

    questões externas que lhe dizem respeito.

    Baseando-se seja nos passos históricos que levaram à instauração do

    FONAPER em 26 de setembro de 1995, seja na Carta de Princípios assumida por

    esse mesmo Fórum, a pesquisadora Viviane Cristina Cândido faz memória de um

    desafio assumido: zelar pelo respeito às diversidades culturais e religiosas dos

    alunos na oferta da disciplina de Ensino Religioso na grade curricular. E, como

    decorrente disso, o empenho pela resolução de três urgências: “a definição de um

    conteúdo programático, que o ER seja expressão de vivência ética e, finalmente, a

    capacitação docente” (CÂNDIDO, 2005, p. 24).

    Referente às duas primeiras urgências, a autora destaca a preocupação dos

    membros do FONAPER pela definição de um enfoque didático adequado do Ensino

    Religioso e capaz de contemplar: a procedência sociofamiliar do aluno; uma prática

    didática contextualizada; o objetivo das séries; a avaliação processual dos conteúdos

    desenvolvidos para o entendimento do fenômeno religioso; a reverência ao

    Transcendente presente na pessoa do outro; o respeito à alteridade; a sensibilidade

    para o mistério e o sentido da vida e sua respectiva finitude. Já a respeito da

  • 28

    “capacitação docente”, a terceira das urgências, Cândido (2005, p. 30) afirma: “é um

    avanço a contribuição do Fórum para que o trabalho docente seja mais profissional

    na medida em que explicita seu perfil e dá elementos para a sua capacitação.”

    Anterior e até mesmo durante a instauração dos processos de regulamentação

    da LDB/96, o Ensino Religioso vinha significando a sustentação de um antigo conflito

    no espaço educacional. Vinha sendo visto e tratado como um apêndice, porque

    compreendido “ora como catequese na escola, ora como ensino da religião ou

    educação religiosa escolar” (FIGUEIREDO, 1996, p. 7). Era, conseqüentemente, alvo

    de debates polêmicos e, por sua natureza eclesial, discriminado na acepção de

    elemento curricular normal do sistema de ensino.

    Dados históricos referentes aos períodos anteriores à regulamentação da

    LDB/96 atestam as tendências que foram embasando a concepção de Ensino

    Religioso nas diferentes épocas. Ao procurar situar o Ensino Religioso durante os

    cinco séculos da história da educação brasileira, Figueiredo (1996) faz menção a

    sucessivos horizontes: 1.°) Horizonte do Colonialismo - 1500 a 1800: acordos entre a

    Igreja Católica e o Monarca de Portugal justificam tanto a cristianização por

    delegação pontifícia, ou seja, o ensino disciplinador da religião, o poder estabelecido

    e a submissão dos conquistados aos esquemas civilizatórios; 2.°) Horizonte do

    Regalismo – 1800 a 1900: o Império declara, por meio da Constituição de 1824, o

    Catolicismo como a religião oficial do Brasil. Significava isso, em relação ao horizonte

    do colonialismo, uma sensível alteração no sentido de dependência e subordinação

    da religião ao Estado; 3.°) Horizonte do Positivismo – 1900 a 1930/34: já no

    Horizonte do Regalismo havia estímulos à tolerância religiosa. No entanto, o caráter

    leigo conferido ao ensino ministrado nas escolas públicas por meio da promulgação

    da Constituição de 1891 daria origem a inúmeros debates. O Ensino Religioso, à

    mercê das discussões sobre liberdade religiosa e o conteúdo a ser ministrado em

    sala de aula, busca definição de seu lugar e de sua identidade nas escolas públicas;

    4.°) Horizonte do Nacionalismo – 1934/37 a 1945: a Carta Magna de 1934 iria

    salvaguardar o Ensino Religioso como matéria obrigatória dos horários nas escolas

    públicas primárias, secundárias e normais, mas com duas prerrogativas: a freqüência

    facultativa e o conteúdo segundo a confissão religiosa do aluno. Na Constituição de

    1937, o Ensino Religioso recebia a obrigatoriedade de constar como matéria na

    grade curricular. Tanto a formação profissional como militar obteriam primazia no

    Estado Novo, cuja educação sofria influências ideológicas nazi-fascistas; 5.°)

  • 29

    Horizonte do Liberalismo – 1946 a 1964: a Lei de Diretrizes e Bases de 1961

    reconheceria o Ensino Religioso como um componente da educação do cidadão,

    porém fora do sistema escolar e do amparo econômico por parte dos cofres públicos

    aos professores; 6.°) Horizonte do Autoritarismo – 1964 a 1984: o Ensino Religioso

    passa a ser obrigatório. Sem mencionar os desafios de natureza pedagógica e

    administrativa, o aluno ao matricular-se desfrutaria do direito de opção ou não em

    cursar tal matéria. O período ficaria marcado pelo desdobramento de uma busca de

    discernimento quanto à identidade pedagógica do Ensino Religioso e do seu papel no

    ambiente escolar; 7.°) Horizonte do Reconstrutivismo – 1985...: o processo que

    culminaria na legalização e consolidação do Ensino Religioso como área de

    conhecimento e elemento curricular não passaria ileso sem superar dificuldades de

    natureza pedagógica, dificuldades no processo legislativo, dificuldades quanto à

    compreensão da natureza do Ensino Religioso no ambiente escolar e dificuldades de

    natureza sociopolítico-cultural.

    Os dez anos anteriores à promulgação da LDB/96 tinham se caracterizado

    pelo empenho em assegurar ao educando o direito de, junto aos demais processos

    acadêmicos, “compreender sua dimensão religiosa, permitindo-lhe encontrar

    respostas aos seus questionamentos existenciais mais profundos, descobrindo e

    redescobrindo o sentido da sua busca, na convivência com as diferenças”

    (FÓRUM,... 1998, p. 18).

    A nova identidade pedagógico-curricular do Ensino Religioso iria propriamente

    se constituir no período entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e as

    mobilizações realizadas em prol da alteração do art. 33 da LDB/96, a Lei n. 9.475/97.

    A efetiva representatividade das mobilizações nacionais exercida pelos membros do

    Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (FONAPER) garantiria a

    manutenção dessa disciplina na grade curricular (WAGNER, 2005).

    A partir de então, por dispor do reconhecimento da epistemologia que lhe é

    própria, o Ensino Religioso não seria mais abordado como tema transversal, mas

    como área de conhecimento e, portanto, elemento curricular indispensável ao pleno

    exercício da cidadania. Um papel significativo assegurado não mais para ampliar os

    conhecimentos do aluno em uma única confessionalidade, mas com uma face

    pedagógica e com aspectos didático-metodológicos devidamente sistematizados a

    partir da diversidade religiosa. Um Ensino Religioso não mais sendo disponibilizado

    como disciplina isolada ou investido de confessionalidade, mas no contexto próprio

  • 30

    das disciplinas dos horários normais da educação básica (BRASIL, Resolução n.

    02/98; MENEGHETTI, 2002).

    E o que de fato essa nova configuração do Ensino Religioso trazia enquanto

    implicação? 1.°) a estruturação de área do “conhecimento científico do fenômeno

    religioso” (CARNIATO, 2005, p. 36); 2.°) o legado de uma epistemologia própria e uma

    proposta peculiar de compreender o fenômeno religioso, tendo em vista a ressignificação

    da vida e o exercício da cidadania (MENEGHETTI, 2002); 3.°) a incorporação das

    mesmas implicações pedagógicas de outras áreas, ou seja, “noções e conceitos

    essenciais sobre fenômenos, processos, sistemas e operações que contribuem para a

    constituição de saberes, conhecimentos, valores e práticas sociais” (JUNQUEIRA, 2002,

    p. 21-22); 4.°) a educação da dimensão religiosa do ser humano por meio de uma

    linguagem adequada ao ambiente escolar e interrelacionada tanto a conteúdos,

    metodologia, recursos e procedimentos didáticos, processos avaliativos como às

    experiências de transcendência de si e de discernimento do sentido da vida

    (FIGUEIREDO, 1995; Idem, 2005); 5.°) o fortalecimento das aspirações em “tornar as

    relações do saber mais solidárias e participativas, ajudando a descobrir instrumentos

    eficazes para [...] a ação transformadora da realidade social, através dos valores

    fundamentais da vida” (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007, p. 36-37); 6.°) a

    apresentação tanto das fronteiras dos conteúdos afins como das indagações

    concernentes à validade, adequação, coerência e operacionalidade do modelo

    constituído (BRASIL, Parecer n. 4.833/75).

    Diante da necessidade de responder devidamente a essas implicações

    acadêmico-formativas, o Ensino Religioso passa a referendar-se pela própria

    compreensão do processo de ensino-aprendizagem que orienta a educação

    brasileira, a saber: educação enquanto intencionalidade formativa resultante da

    identidade e dos anseios de uma sociedade, respeitadas as suas diversidades locais,

    regionais, culturais, étnicas, religiosas e políticas; educação enquanto aprendizagem

    dinâmica (assimilativa e acomodativa), à mercê de variáveis tais como o

    desenvolvimento biopsíquico e o ambiente sociocultural; educação enquanto

    processo significativo que tende a abranger e contribuir para a formação do ser

    humano como um todo, seja ele docente ou discente; educação enquanto

    articuladora dos valores e conhecimentos balizadores a uma vida cidadã, tais como a

    aquisição do pleno domínio da leitura, da escrita, do cálculo, da estruturação

    sociopolítica etc.; educação enquanto desenvolvimento harmonioso de todas as

  • 31

    dimensões do ser humano; educação enquanto propulsora de pessoas capazes de,

    ao invés de posturas reducionistas, optar por escolhas livres e responsáveis,

    inclusive a religiosa. Além de todos esses aspectos mencionados inerentes à

    compreensão do processo de ensino-aprendizagem que orienta a educação

    brasileira, Junqueira (2002a, p. 22) afirma:

    É função da educação propiciar a aquisição do saber científico, estabelecendo pontes entre este e a Filosofia, a arte e as Tradições Religiosas para descobrir novas respostas para os desafios da sociedade atual. Isto implica em recuperar a curiosidade natural e o prazer pelos conhecimentos, pelo processo de autodescoberta, cultivando e ampliando as potencialidades do educando, estimulando a iniciativa, a sensibilidade, a imaginação, a criatividade, a autoconfiança, para um convívio social mais harmonioso e consciente.

    É a partir de tais pressupostos, imprescindíveis à formação do cidadão, que a

    identidade pedagógico-curricular do Ensino Religioso chegou a se constituir com

    feições escolares próprias e necessárias. Uma identidade escolar suscetível de

    propiciar ao aluno o acesso aos fundamentos culturais e religiosos das relações

    sociais, instituídos a partir da presença e atuação das diferentes tradições religiosas.

    Acesso a “um processo de aprendizagem das relações que se estruturam entre o

    sujeito e o mundo, consigo mesmo e com o outro. [...] uma vez que pensar a

    identidade é pensar, também, a diferença” (FERREIRA, 2002, p. 18).

    O que teria sido decisivo? Os esforços em elucidar a natureza e o papel do

    Ensino Religioso enquanto disciplina regular do currículo escolar isenta de qualquer

    inferência eclesial na escola. A tomada de consciência desses aspectos seria

    decisiva para que o Ensino Religioso não mais viesse a ser visto como um corpo

    estranho no sistema educacional.

    Como ‘ensino’, está atrelado a um contingente escolar e pedagógico mais amplo. Ao ser qualificado como ‘religioso’, é submetido a uma área específica de atuação. Pelas duas categorias, passa a integrar-se ao processo educacional como um todo, merecendo tratamento metodológico adequado” (FIGUEIREDO, 1995, p. 41).

    O mesmo se poderia afirmar em relação à formação dos profissionais que

    atuam na área de Ensino Religioso? Nas sucessivas etapas de elaboração da Lei de

    Diretrizes e Bases da Educação, anterior a sua promulgação, as discussões sobre a

  • 32

    permanência ou supressão do Ensino Religioso como disciplina do currículo escolar

    fizeram-se presentes. O disposto no artigo 210, parágrafo 1.° da Constituição

    Brasileira pesava em favor da permanência: "O ensino religioso, de matrícula

    facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino

    fundamental" (BRASIL, Constituição Federal, 2001, p. 302). Oito anos mais tarde, a

    expressão "sem ônus para os cofres públicos" do art. 33 do texto final da LDB sobre

    o Ensino Religioso, aprovado e sancionado em 20 de dezembro de 1996, "suscitou e

    ampliou novos estudos sobre a identidade do Ensino Religioso, reforçando a

    necessidade de serem salvaguardados os princípios da liberdade religiosa e o direito

    do cidadão que freqüenta a escola pública” (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA,

    2007, p. 38).

    Preservar o cidadão de ser vítima de discriminação por motivo de crença

    religiosa foi o principal objetivo desses estudos. Resultante dos debates

    empreendidos, uma nova redação do artigo 33 iria centrar o enfoque de um Ensino

    Religioso voltado à finalidade de reler o fenômeno religioso. Praticamente seis meses

    após, em de 22 de julho de 1997, o mesmo art. 33 teria aprovado (por meio da

    publicação da Lei n. 9.475) uma nova redação, a saber:

    O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

    Constata-se que, do texto original da LDB/96, o texto da nova redação suprime

    a confessionalidade; a expressão sem ônus para os cofres públicos e de acordo com

    as preferências manifestadas pelos alunos ou seus responsáveis. Reconhece, por

    sua vez, o Ensino Religioso como parte integrante da formação básica do cidadão.

    Faz valer o princípio do respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil. Rechaça

    qualquer forma de doutrinação ou proselitismo. Delega às instâncias estaduais a

    incumbência de legislar sobre a implantação do Ensino Religioso nas escolas do

    ensino fundamental, particularmente no que diz respeito à regulamentação sobre os

    conteúdos, à habilitação e admissão docente.

    Oliveira (2005, p. 262) ressalta a relevância desses avanços, a saber:

  • 33

    De acordo com a legislação nacional (LDBEN n. 9.394/96, art. 72) [...], pela primeira vez na história brasileira a formação de docentes para o Ensino Religioso trilharia os mesmos passos e seguiria os trâmites previstos em legislação para a formação de profissionais das demais áreas de conhecimento: assegurando aos seus egressos os direitos concernentes aos profissionais da educação e disponibilizando a sociedade brasileira uma formação para a cidadania que integra o estudo do fenômeno religioso na pluralidade cultural, buscando o pleno desenvolvimento de seus educandos.

    Figueiredo (2005) ao analisar os aspectos filosófico-jurídicos a respeito da

    configuração pedagógica do Ensino Religioso na Lei n. 9.475 percebeu as seguintes

    implicações: 1.ª) a desconsideração em relação ao princípio de colaboração entre os

    Sistemas de Ensino (União, Estados e Municípios) que consta no art. 211 da

    Constituição e o Parecer CP/CNE n. 97/99 que discorre sobre a formação de

    professores, desincumbindo completamente a União de participar do processo de

    organização e definição dos conteúdos do Ensino Religioso; 2.ª) a natureza laica do

    Estado Republicano como princípio básico versus a liberdade de consciência e de

    crença, das quais o universo epistemológico do Ensino Religioso procede; 3.ª) a

    ampliação do caráter do Ensino religioso à área de conhecimento versus legislação

    que resguarda alguns resquícios e aparatos de ensino de religião.

    O que em princípio pareceu ser um significativo avanço passou a ser um novo

    desafio. Segundo Meneghetti (2002, p. 49), “cada Estado, pois, tem interpretado a

    indicação feita na LDB, conforme seu entendimento. Isto, naturalmente, tem

    acarretado uma série de dificuldades para a implantação do Ensino Religioso”.

    Entre avanços e desafios, um conjunto de aspectos seria elaborado pelos

    PCNER (FÓRUM,... 1998) como perfil do profissional do professor de Ensino Religioso:

    1.°) disposição em ater-se às questões mais elementares da existência humana (Quem

    sou? De onde vim? Para onde vou?); 2.°) apropriação de experiências que permeiam a

    diversidade cultural; 3.°) abertura e articulação do diálogo, seja no processo de

    aprendizagem do aluno como no processo de interlocução entre escola e comunidade;

    4.°) concepção de família e comunidade religiosa como espaço privilegiado para o

    cultivo da dimensão religiosa do ser humano; 5.°) formação específica e adequada,

    embasada em temáticas tais como: culturas e tradições religiosas; escrituras sagradas,

    teologias comparadas; ritos e ethos.

    Ciência da proposta pedagógica da escola a que está a serviço, clareza do

    papel que lhe compete enquanto professor em sala de aula, desempenho

    metodológico na abordagem dos conteúdos, articulação da função social da escola

  • 34

    no contexto em que ela se encontra situada estão entre os principais aspectos

    discutidos por Junqueira (2002a) ao discorrer sobre as alternativas de formação

    docente implementadas a partir da LDB/96.

    O que o autor defende enquanto base de sustentação da prática docente de

    Ensino Religioso? Defende uma formação própria de licenciados aos profissionais

    dessa disciplina, a saber: referencial teórico-metodológico como aporte à

    compreensão do fenômeno religioso; acesso aos mesmos direitos trabalhistas

    assegurados na legislação a todos que exercem o magistério; disponibilidade para o

    aprimoramento e atualização contínua.

    Outras prerrogativas, complementares às mencionadas por Junqueira, são

    defendidas por Meneghetti (2002, p. 52) em relação ao Ensino Religioso e à

    formação do profissional dessa área:

    A concepção de Ensino Religioso como área de conhecimento [...] aponta para o fato de que, nesta condição, há necessidade de um profissional que assuma seu espaço na formulação do currículo da Escola Fundamental e seja capaz de realizar interlocuções importantes e convincentes com as demais áreas do currículo. Não se trata mais, aqui, de uma pessoa, quase sempre voluntária, representante de uma ou outra denominação religiosa que venha ajudar na escola com algumas aulas de religião. O momento da legislação brasileira é outro e dimensiona a questão para um outro perfil de profissional que passa por uma formação acadêmica plena, a qual precisa ser implantada pelas instituições formadoras.

    De acordo com Oliveira (2005, p. 254), o diferencial dessas prerrogativas

    torna-se visível a partir do que, historicamente, vinha acontecendo:

    No período imperial, Estado e Igreja Católica formaram uma parceria indissociável. A laicidade do Estado, promulgada com o regime republicano (1899), resultou na separação de ambos. Nesse contexto, [...] poder-se-ia dizer, em linhas gerais, que o Ensino Religioso (reconhecido pelo Estado) se apresentou em duas modalidades [...]. Inicialmente, sob o regime do padroado e regalismo, [...] um ensino religioso humanista-católico. Num segundo momento, durante o período republicano, sob a égide do pensamento liberal, o ensino religioso é mantido na escola pública, mas sua freqüência passa a ser opcional para o educando.

    O modelo de Ensino Religioso e o referencial formativo do professor dessa

    disciplina continuaram sendo, no Período Republicano, de cunho confessional, com

    algumas iniciativas interconfessionais (ecumênicas) mais ao Sul do Brasil.

  • 35

    Foram criadas propostas de formação para os professores e materiais didáticos com uma linguagem diferenciada daquela adotada pela maioria até então. Os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná foram forças motrizes neste processo. Os ventos favoráveis que advinham do Movimento Ecumênico Internacional, em especial da criação do Conselho Mundial de Igrejas (1948) e do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), em muito contribuíram para a organização destas iniciativas diferenciadas (OLIVEIRA, 2005, p. 256).

    Cursos de Teologia, Catequese, Ciências Religiosas, Educação Cristã e tantos

    outros com o mesmo perfil foram sendo instituídos – praticamente até meados da

    década de 90 – para atender os pré-requisitos de formação inicial e continuada dos

    professores de Ensino Religioso. Não obstante o esforço empreendido, tais cursos não

    asseguravam a esses profissionais, em condições de igualdade, o reconhecimento

    público de seus certificados, o direito de concorrer a concursos e sequer públicos

    acessos funcionais a planos de carreira docente (MENEGHETTI, 2002).

    O que dizer então de profissionais capazes de enfocar o fenômeno religioso

    tanto na diversidade de suas manifestações sociocultural como na mediação dos

    saberes oriundos desse fenômeno?

    Toda a proposta para o trabalho realizado no Ensino Religioso está baseada no respeito à diferença. O outro é sempre o diferente; sua história é diferente. Sua vida e modo de enxergá-la é diverso. Suas manifestações culturais são diferentes e, sempre, muito bonitas, se pensadas na prerrogativa da diferença cultural. Assim, sua religiosidade se manifesta diferentemente e isto não deveria ser motivo de surpresa. [...] O olhar que inclui a diferença como seu determinante é um olhar amoroso. Includente. Acolhedor. Capaz de ver no gesto do interlocutor traduções renovadas da religiosidade (MENEGHETTI, 2002, p. 53).

    Considerando tanto os objetivos da presente pesquisa como a especificidade

    dessa área, a seguir se pretende abordar os desafios ainda pendentes dessa

    configuração pedagógico-curricular do Ensino Religioso à formação dos profissionais

    que nela atuam.

    1.3 DESAFIOS À FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO

    O que se entende por formação? Um curso preparatório? Assimilação de

    conhecimentos embasados? Treinamento? Observância de prescrições legais?

  • 36

    Ensino? Doutrinação? Transmissão de saberes etiquetados? Processo de

    aprendizagem de conhecimentos técnicos de uma profissão? Atividade de interações

    humanas? Para além de indagações estanques, tais questões desvelam tanto

    resquícios de concepções habituais sobre o termo formação como práticas formativas

    investigadas por pesquisadores da educação (TARDIF, 2005; ROMANOWSKI, 2006).

    Não obstante os mais diversos significados utilizados para definir o que se

    entende por formação, faz-se necessário ater-se às diferentes abordagens a respeito

    do tema, decorrentes de acepções contraditórias sobre o professor: “eficaz,

    competente, técnico, pessoa, profissional, sujeito que toma decisões, investigador,

    sujeito que reflete” (GARCIA, 1999, p. 30).

    As conseqüências sobre essas acepções contraditórias tributadas ao

    professor? “É evidente que cada uma destas diferentes concepções do que deve ser

    o professor, vai influenciar de modo determinante os conteúdos, métodos e

    estratégias para formar os professores” (Opus citatum, p. 30).

    Segundo Moita (1992, p. 115), “ter acesso ao modo como cada pessoa se

    forma é ter em conta a singularidade da sua história e sobretudo o modo singular

    como age, reage e interage com os seus contextos.” História e contextos, dois

    elementos relevantes ao estudo sobre a temática da formação docente. Elementos

    esses atreladas aos processos por meio dos quais uma habilidade profissional se

    constitui e tende a consolidar-se.

    A investigação sobre a formação do professor de Ensino Religioso encontra-se

    intimamente atrelada ao processo histórico da educação brasileira. A promulgação da

    LDB/96 se deu em meio a uma época marcada por significativos avanços científico-

    tecnológicos, reestruturações no mundo do trabalho, ampliação dos meios de acesso

    à informação e instauração de políticas públicas voltadas às demandas das classes

    menos favorecidas. Crescia, porém, a consciência da necessidade de um

    fortalecimento de iniciativas em prol da “valorização das diferentes culturas,

    preservação ecológica, respeito à ética e à dignidade humana, entre outros”

    (ROMANOWSKI, 2006, p. 6). É por meio desses aspectos histórico-contextuais que

    as exigências e os níveis dispostos enquanto pré-requisitos de formação docente no

    artigo 62 da LDB/96 (BRASIL. Lei n. 9.394/96, 2001. p. 321) aqui passa a ser alvo de

    análise:

  • 37

    A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

    Para o candidato postulante ao exercício da docência em Ensino Religioso,

    surpreendentemente o desafio maior não se encontra no fato de minimamente ter

    que se formar em nível superior ou em nível médio, na modalidade Normal. Encontra-

    se, sim, nas determinações descritas pelo parágrafo primeiro da nova redação do

    artigo 33 da LDB/96, a Lei n. 9.475: “Os sistemas de ensino regulamentarão os

    procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as

    normas para a habilitação e admissão dos professores”.

    As razões do referido desafio? Cordão (2005) faz menção a três delas: 1.ª) a

    dificuldade de o Conselho Nacional de Educação, enquanto órgão gerenciador do

    Sistema Federal de Ensino, prever a diversidade das orientações dos sistemas de

    ensino estaduais e municipais, condição imprescindível à implantação de uma diretriz

    curricular uniforme para uma licenciatura em Ensino Religioso pertinente a diferentes

    instâncias; 2.ª) o fato de a Lei n. 9.475 não fazer referência específica à formação de

    professores e, sim, à incumbência de os sistemas de ensino estabelecerem normas

    para habilitação e admissão; 3.ª) o princípio de não intromissão do Governo Federal,

    seja na autonomia dos sistemas de ensino, o que qualquer determinação sobre o tipo

    de formação dos candidatos à docência em Ensino Religioso ou até o

    estabelecimento de diretrizes a um curso de licenciatura significaria;

    À área do Ensino Religioso, o que significaria uma formação inicial, uma

    formação em âmbito de licenciatura? Apenas um avanço?

    A organização de cursos de Licenciatura pelas Instituições de Ensino Superior é garantia de que a formação do profissional/especialista para ministrar este conteúdo será de nível igual ao de outras áreas de conhecimento e, portanto, não comprometerá a formação básica dos discentes da Educação Fundamental. A organização de Licenciaturas em Ciências da Religião com habilitação para Ensino Religioso atende de maneira mais adequada ao cumprimento da LDB e inclusive, desvincula a atuação docente no Ensino Religioso escolar da prática catequética [...], evitando também que as escolas sejam atendidas por profissionais em situação de formação fragilizada (MENEGHETTI, 2002, p. 55).

  • 38

    Os ganhos pedagógicos e profissionais são evidentes nos casos em que o

    processo de formação docente inicial de Ensino Religioso se dá por meio de uma

    licenciatura. Fato é que a realidade dos cursos de formação docente com habilitação

    para o Ensino Religioso ofertados no Brasil não assegura tais ganhos a todos os que

    optam ou aos profissionais que são escolhidos para atuar nessa área. A demanda

    supera a oferta.

    Dados de uma pesquisa realizada no primeiro semestre de 2006 comprovam

    isso. A referida pesquisa tinha como principal intencionalidade o levantamento dos

    cursos de formação de professores de Ensino Religioso que estavam sendo

    ofertados no Brasil (OLIVEIRA et al, 2006, p. 91-109). Os dados encontrados

    remetem à implementação de cursos os mais diversos: desde cursos de extensão,

    cursos livres, cursos de graduação até Programas de Pós-Graduação Lato Sensu

    (Especialização) e Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado). Alguns presenciais, outros

    semipresenciais ou a distância. Por exemplo, os Programas de Pós-Graduação

    Stricto Senso encontram-se disponibilizados apenas na Região Sul (1), Região

    Sudeste (4), Região Nordeste (1) e Centro-Oeste (1). Já abrangência dos Programas

    de Pós-Graduação Lato Sensu é constada por um número relativo a 15. A

    distribuição deles, por sua vez, é notória na Região Norte (1), Centro-Oeste (1),

    Sudeste (5) e Sul (8). Dos oito Cursos de Graduação encontrados pelos

    pesquisadores, seis deles pertencem às licenciaturas em Ciências da Religião com

    habilitação para o Ensino Religioso. Com relação aos outros dois cursos, um é de

    bacharelado em Ensino Religioso e o outro é de Pedagogia com ênfase em Ensino

    Religioso. Apenas 10 Cursos de Extensão e três Cursos Livres foram encontrados e

    pontuados pela pesquisa. Consta que nem todos os cursos ofertados informam se

    possuem ou não o devido credenciamento, reconhecimento ou autorização por parte

    dos órgãos governamentais responsáveis. Dos sites consultados pelos

    pesquisadores, as informações relativas aos objetivos, grade curricular, ementas não

    estão totalmente disponibilizadas aos interessados. O estudo do fenômeno religioso

    aparece como o principal foco dos cursos ofertados. Silenciam, porém, em relação

    aos detalhes da metodologia adotada.

    Os poucos dados da referida pesquisa aqui destacados possibilitam a

    identificação de alguns desafios – nos processos de formação docente de Ensino

    Religioso: 1.°) as lacunas e até a ausência de uma consistência curricular; 2.°) a

    desarticulação e a descontinuidade da maioria dos cursos/programas de formação de

  • 39

    professores de Ensino Religioso oferecidos expõem uma possível ineficiência dos

    mesmos; 3.°) a insuficiência de cursos oferecidos em relação à demanda das escolas

    espalhadas por esse imenso país de profissionais devidamente formados; 4.°) a

    necessidade de se avançar nas discussões “em prol de uma consistente política

    nacional, capaz de assegurar os elementos indispensáveis na oferta, autorização e

    reconhecimento dos cursos de formação de professores de Ensino Religioso”

    (OLIVEIRA et al., 2006, p. 101).

    Em 1999, ao abordar a questão dos Programas oficiais para formação dos

    professores da educação básica, a então Secretária de Assuntos Educacionais da

    Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Presidente do

    Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), Maria Teresa

    Leitão de Melo faz menção a dois eventos ocorridos: a “Conferência Mundial de

    Educação para Todos” e a “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”.

    Apresenta, dentre várias contribuições, uma análise crítica sobre a incidência desses

    dois eventos nos programas de aperfeiçoamento docente em serviço. Justifica seu

    parecer pelo fato de tais programas se caracterizarem por conteúdo fragmentado,

    sem repercussão na carreira docente, em detrimento da possibilidade de mais

    efetivamente contribuir para o perfil e a identidade do profissional da educação.

    Além de fazer menção a aspectos tais como cursos, espaços de formação dos

    profissionais da educação, a carreira, jornada de trabalho e remuneração,

    contemplados sob tônica de enxugamento na LDB/96, Melo (1999, p. 47-48) aponta

    para outros dois desafios que estariam a incidir sob a formação e a prática docente:

    O professor é um dos profissionais que mais necessidade tem de se manter atualizado, aliando à tarefa de ensinar a tarefa de estudar. [...] O novo perfil do aluno, como sujeito social que leva para a escola novos padrões de comportamento; a competição com outros agentes educativos/informativos fora da escola; a celeridade do avanço tecnológico, nem sempre ao alcance de todos, são fatores que interferem na relação do professor com o conhecimento, objeto primeiro do seu trabalho, que precisa ser entendido como processo, portanto matéria ao mesmo tempo cumulativa e provisória.

    Os processos de formação e profissionalização docente para o Ensino

    Religioso não estão isentos, tanto desses desafios mencionados por Melo como das

    tendências da formação de professores no Brasil. Segundo Cunha (2004), a docência

    se estrutura sobre saberes próprios, intrínsecos à sua natureza e objetivos. Constitui-

  • 40

    se na interface dos saberes relacionados com o contexto da prática pedagógica, com

    a ambiência da aprendizagem, com o contexto sócio-histórico dos alunos, com o

    planejamento das atividades de ensino, com a condução da aula nas suas múltiplas

    possibilidades e, por fim, com a avaliação da aprendizagem. Como ponderar

    devidamente docência e seus saberes, sendo que ambos os processos acontecem

    no espaço escolar, um espaço perfilado de interações humanas?

    A docência como profissão de interações humanas é uma idéia defendida por

    Tardif e Lessard (2005). Têm eles buscado saber de que maneira determinados

    elementos do espaço educacional - as relações docentes junto aos demais

    profissionais da educação, as condições de trabalho, os dilemas do trabalho feito

    sobre e com o outro - repercutem no trabalho do professor. Numa obra publicada

    recentemente, cujo título principal é O Trabalho Docente, tais pesquisadores

    apresentam uma análise resultante de mais de 150 entrevistas realizadas junto a

    professores, administradores, diretores de escolas, funcionários, orientadores

    pedagógicos e universitários. Desses profissionais consultados almejavam divisar o

    que eles faziam, vivenciavam, pensavam e sentiam. Particularmente no Capítulo Um

    da mencionada obra, Tardif e Lessard discutem os elementos para um quadro de

    análise da docência, cuja natureza se manifesta para eles como um trabalho

    interativo, seja como atividade, seja como status ou como experiência. Três

    dimensões, por um lado estreitamente ligadas entre si e, por outro, distintas no plano

    analítico e metodológico.

    À questão por que estudar a docência como um trabalho?, Tardif e Lessard

    respondem baseando-se em cinco espécies de motivos, situados em diferentes

    momentos de análise: 1.°) panorama do trabalho interativo e reflexivo – o trabalho

    sobre a matéria inerte (artefatos técnicos, máquinas, dispositivos materiais, etc. que,

    em si, não oferece resistência a qualquer ação) versus o trabalho docente, cujo

    objeto de trabalho são os alunos, seres humanos cujas ocupações se definem como

    atividades interativas, constituídas por traços de personalidades diferenciadas; 2.°)

    centralidade da docência na organização do trabalho – longe de ser uma profissão

    marginal, periférica ou secundária, a docência resguarda no atual cenário mundial

    uma importância singular pelas int