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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Setor de Pós-Graduação Albério Neves Filho Trabalho Objetivado. A Crítica da Macroeconomia do FMI: 1980-2008. Uma contribuição ao debate DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais sob a orientação do Professor Doutor Miguel Wady Chaia. SÃO PAULO 2012

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Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Setor de … · 2017-02-22 · 3 O Sistema de Bretton Woods e sua crise p.104 3.1 Estratégia política de uma elaboração metodológica:

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOSetor de Pós-Graduação

Albério Neves Filho

Trabalho Objetivado. A Crítica da Macroeconomia do FMI: 1980-2008.Uma contribuição ao debate

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS.

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais sob a orientação do Professor Doutor Miguel Wady Chaia.

SÃO PAULO2012

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“Hoje, mais do que nunca, a crítica da sociedade existente não poder ser feita sem a crítica da economia política.’’

L.G. Belluzzo.

“Como vemos, o critério é flutuante, e certamente incompleto”A. Candido

Aos meus pais e à Marta,in memoriam.

Às minhas filhas, Juliana e Carolina, meu centro.

Para Sandra.

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Sumário

Apresentação: aspectos gerais, delimitações e justificativas p. 6

1 Introdução: ponto de partida, metodologia e hipóteses p. 21

2 Discórdias políticas em torno dos sentidos de Bretton Woods p. 70

2.1 Os termos dos debates e as visões à época . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 70

2.2 Depois da vitória, novas políticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 98

3 O Sistema de Bretton Woods e sua crise p. 104

3.1 Estratégia política de uma elaboração metodológica:

consensualismos na construção da síntese neoclássica de Keynes . . . . . . . p. 104

3.2 Os modelos keynesianos da SNC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 123

3.3 Contradições e trajetória do FMI: uma síntese rumo à crise dos anos de 1970 . p. 149

4 FMI em transição: 1980-1990. O rompimento com o keynesianismo p. 168

4.1 A política necessária aos pressupostos dos modelos teóricos do FMI . . . . . p. 168

4.2 Condicionalidades e Modelos Macrofinanceiros no após 1980: os novos

Programas de Ajuste . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 184

4.2.1 Uma nota geral sobre o transporte das mudanças . . . . . . . . . . . p. 200

5 A natureza da crise econômica capitalista mundial: 1980 à frente p. 205

5.1 Aspectos gerais da crise econômica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 205

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Sumário

6 Economia Política dos ajustes do FMI após 1990: a economia e o econômico p. 219

6.1 Os revisionismos: uma nova macroeconomia para as nações - 1990 a 2008 . . p. 219

6.1.1 a crise dos 90 e percursos revisionistas . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 233

6.2 O Político na economia dos Clássicos Modernos . . . . . . . . . . . . . . . . p. 242

7 FMI para o século XXI. Síntese e alguma conclusão p. 256

7.1 Na forma de uma síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 256

7.2 Alguma conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 262

Referências p. 269

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RESUMO

Segue Tese de Doutorado desenvolvido nos termos do projeto de qualificação do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O objetivo da tese oraapresentada é o de examinar os pressupostos políticos expressos nos modelos macroeconômicos de ajuste doFundo Monetário Internacional e as condições políticas necessárias à sua efetivação, no período de 1980-2008.E as justificativas para desenvolver um trabalho dessa natureza foram fornecidas tanto pelos reconhecidosefeitos críticos, sociais e econômicos, provenientes da incorporação desses programas pelas economias nacionais,quanto pelas atuais controvérsias teóricas existentes sobre a pertinência desses programas e as razões que levaramo Fundo Monetário a promover a política macroeconômica, neles contidos. A hipótese aqui trabalhada é que osprogramas macroeconômicos de ajuste desenvolvidos e implantados pelo FMI, indiferentemente aplicado nasdiversas economias nacionais e após o período da chamada crise da dívida, buscou viabilizar e foi resultadodo atendimento às regras normativas e simbólicas instituídas no momento e ao longo do período no qual sedá a apropriação dos recursos reais nos Estados Centrais, pela classe dos banqueiros. E esta apropriação dosrecursos reais por essa classe significou, por seu lado, o rompimento da coalização política do pós-guerra, ondeo Estado de Bem-Estar Social tomou corpo, induzindo a uma mudança histórica genuína para a efetivação deum novo tempo histórico. Desse ponto de vista, essa mudança produziu um rearranjo no interior das teoriaspolíticas e econômicas em uso pelo Fundo, implicando em diversas tentativas, de sua parte, para a reconstruçãodos postulados econômicos os mais básicos, os quais serviram de parâmetro de ação para a instituição, nolongo período do após a Segunda Guerra Mundial. Ocorre que, nesse momento no qual aparentava sua maiorvitalidade com intervenções nas diversas economias nacionais, assistiu-se, isso sim, a uma crise de legitimidadeem sua ação e em seus postulados teóricos, induzida por aquelas mudanças mais gerais, que travaram sua melhoratuação. Assim, um dos focos da tese será o de demonstrar, justamente, como essas mudanças se deram no FMI.Os aspectos teórico-metodológicos aqui desenvolvidos fazem uso, primeiro, das postulações lançadas por M.DOBB acerca da contribuição de J. SCHUMPETER no sentido da compreensão dos modelos macroeconômicoscomo uma concepção e instrumento de natureza política ideológica. Segundo, utiliza-se da leitura confirmativade M. BLAUG no mesmo sentido de que os modelos de análise econômica ocultam, sem rejeitar, suas premissasheurísticas. Estas serão trazidas para o interior das concepções e modelos teóricos que balizam os modelosanalíticos e operacionais dando suporte para as proposições macro microeconômicas e aparecem, nesses modelos,na forma de uma intromissão de ideologias, valores e interesses políticos, dentro dos programas e das sugestõesde políticas econômicas, em geral. Terceiro, utiliza-se de uma larga tradição, reavivada por K. MARX e nãoencerrada com este, que afirma a pertinência da política como o veículo por onde modelos teóricos, concepçõese pressuposições são pensadas como alimentadas pelos contextos históricos e, em simultâneo será parte daconsolidação simbólica, ou não, desses mesmos contextos. Quando tais aspectos teórico-metodológicos sãoaplicados àquela hipótese de trabalho o resultado obtido permitiu explicar e compreender que os programasde ajustes do Fundo Monetário e as evidências de suas políticas surtiram efeitos significativos, ao confirmá-la,sobre a atual tendência financerizada do capitalismo mundial. Mas, ao final, constituindo-se no veículo para aexpansão, a partir das economias centrais para as demais economias de industrialização tardia, desses novosinteresses da classe dos financistas o FMI teve sua atuação histórica, em seus termos originais, esgotada. Secorreto o exposto, conseguiu-se clarear e contribuir no entendimento dessas questões, tratadas no corpo dotrabalho ora apresentado.

PALAVRAS-CHAVE: FMI; Programas de ajustes; modelos macroeconômicos; políticas keyne-

sianas; capitalismo financeirizado; monetarismo; novos clássicos; neoliberalismo.

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ABSTRACT

Following doctoral thesis developed in terms of qualification project of post-graduate studies program in

social sciences from the Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. The goal of the thesis presented

here is to examine the political assumptions expressed in macroeconomic models of the International

Monetary Fund adjustment and the political conditions necessary for its implementation, in the period

1980-2008. And justifications to develop a work of this nature were provided both by the recognized

critical social and economic effects, as the current theoretical controversies existing on the pertinence of

such programs and the reasons that led the IMF to promote macroeconomic policy, contained therein. The

hypothesis explored here is that macroeconomic adjustment programmes developed and deployed by the

IMF, indifferently applied in the various national economies and after the period of the so-called debt crisis,

sought to make and was a result of complying with regulatory rules and symbolic imposed at the time and

throughout the period in which gives the ownership of real resources in the Central States, by class of

bankers. From this point of view, this change produced a rearrangement within the economic and political

theories in use by the Fund, implying several attempts on your part, to the economic reconstruction of

the most basic postulates, which formed the action parameter to the institution, in the long period from

after World War II. The theoretical-methodological aspects are developed here, first, use of the postulates

laid by M. DOBB on the SCHUMPETER’s contribution towards the understanding of macroeconomic

models as a political instrument design and ideological. Second, it uses the reading confirms M. BLAUG

in the same sense that economic analysis models, hide, without rejecting their premises heuristics. It is

used also of a long tradition, revived by K. MARX and not closed in this, which affirms the relevance

of politics as the vehicle through which theoretical models, concepts and assumptions are thought of as

fed by historical contexts and, at the same time will be part of the consolidation symbolic or not, these

same contexts. When such theoretical-methodological aspects are applied to that working hypothesis to

explain the study results and understand that the adjustment programmes of the International Monetary

Fund and the evidence of their policies have had significant effects, to confirm it, about the current trend

financialisation of the world capitalism. If correct, the exposed, lighten and contribute to the understanding

of these issues were addressed in the body of work now submitted.

PALAVRAS-CHAVE:IMF, adjustment programs; macroeconomic models; Keynesianism, fi-

nancial capitalism, monetarism, new classical, neo-liberalism.

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Apresentação: aspectos gerais, delimitações

e justificativas

ASPECTOS GERAIS

Desde a chamada Crise das Dívidas na América Latina até a inadimplência mexicana

em 1994, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reverteu e, após meados dos anos de 1990,

consolidou a maneira pela qual atuava no contexto internacional. Motivado pelo acordo Político

Geral consensualizado entre os Estados no após a 2ª Guerra Mundial, que o criou e o sustentou

até os anos de 1970, com o Sistema de Bretton Woods (SBW) o FMI via-se como um sustentáculo

para a correção dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos de seus países membros e entre

os países membros. Na presença de um desequilíbrio nas transações correntes de algum país

membro, tinha por função aconselhar políticas de ajustes e de emprestar recursos financeiros

próprios para reposicionar seu deficitário balanço, supostamente reequilibrando-o.

Com a ruptura de Bretton Woods e o consenso que o tornou possível, ao final dos anos

de 1970, houve uma mudança significativa nessa sua função. Aos poucos, o FMI vai deixando

para trás todos os supostos políticos intelectuais que serviam para agir e legitimar sua atuação

nos termos em que foi consensualmente criado após a 2ª Guerra. E, assim, foi alterando seus

procedimentos financeiros, seus diagnósticos sobre os rumos da economia mundial e natureza

dos modelos teóricos, todos de maneira convergente, dando suportes às suas intervenções na

economia mundial, até o ponto no qual submete essas três dimensões de suas ações à lógica

econômica de um capital financeiro privado, mundializado, já em meados dos anos de 1980.

Desde então, passa a carrear diagnósticos e a impor programas de ajustamentos aos

países em crise, suportando, programaticamente, a intervenção desse capital financeiro privado

mundializado, nas economias internas dos seus países membros.

As consequências dessa mudança foram e continuam sendo extremas. Afetou tanto

a dinâmica própria da Instituição, demandando modificações em seus Estatutos, nos tipos e nas

justificativas dos programas de ajuda financeira do Fundo, quanto nas relações entre os países

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membros e a Instituição, ora modificando graus de participação e conjunto de direitos originários

nesta, ora afastando-se e rompendo as relações políticas e institucionais com aquela Organização.

Teve, também, alterada sua condição de apoio aos países membros, incorporando,

no rol de mudanças, o objetivo de recuperação não só de seus balanços de pagamentos, mas

também de sustentação e de alavancagem do próprio sistema financeiro mundial, na figura não

institucional, de emprestador de última instância aos setores, financistas, privados mundializados.

Se no pós-guerra sua inserção era tomada como passiva, no sentido de que suas ações

não podiam atingir as soberanias das políticas nacionais de seus membros voltadas ao pleno

emprego, com política fiscal autônoma, tais mudanças reposicionam-no no cenário internacional

e impõem no interior, mesmo de suas postulações teóricas, uma série de novas premissas

intelectuais as quais naquele ambiente histórico, foram e seriam rejeitadas, como visto, pelas

recorrentes crises.

Nesse sentido, foi exemplar a incorporação para o critério necessário ao uso dos seus

recursos financeiros, suas medidas de ajustes para as políticas domésticas dos países membros.

De uma postura ideológica, por parte destes, voltada ao livre mercado, no sentido da não

interferência nos mercados, na concorrência e na livre iniciativa individual. Contrapondo-se,

assim, a aquele elemento nuclear das políticas nacionais autônomas, de clara natureza, voltadas

aos estímulos do pleno emprego, onde, em maior ou menor grau, a intervenção do Estado no

campo econômico é algo de essencial.

Evidente que a entrada em cena dessas novas premissas não foi obtida sem conflitos

ou de maneira pronta e acabada pela Instituição. Ao contrário, caberia ao Fundo ir despindo-se

aos poucos, ao longo do tempo, de suas antigas âncoras, sempre, nesse procedimento, empurrado

pela força impositiva da acumulação capitalista que se reafirma, em novos termos, em simultâneo

com as mudanças que ali eram operadas. Não é difícil de ver nessa história, pela qual o Fundo

passava, o quanto sua própria atuação naquele momento histórico alavancou a reprodução

capitalista, no sentido da superação de sua crise dos anos de 1980, e quanto essa atuação foi

modificada pela sua própria participação nesse processo de mudança, modificando-se a si mesmo

através dos resultados que essa intromissão implicou sobre a crise.

Nem mesmo a linha de continuidade aduzida pela Instituição, qual seja, a manutenção

de seu objetivo primário de buscar o equilíbrio do balanço de pagamentos e, tampouco, o

entendimento dos procedimentos necessários às condições de negociação e implementação dos

programas do Fundo, frente aos seus membros, mantiveram suas características originais.

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Em primeiro lugar, no início, em seu instrumento intelectual de acompanhamento do

comportamento do balanço de pagamentos, visava-se preservar aquela expressão mais cara dos

compromissos políticos do pós-guerra, ou seja, a política de pleno emprego com crescimento

econômico para todos os países. Para tanto, deveria ser assegurado de antemão, que os termos

dos cálculos de negócios externos, o valor da taxa de câmbio, não se alteram, pelo menos no

período em que os negócios estejam sendo realizados entre os países. Taxa de câmbio fixo

asseguraria essa condição básica, inclusive frente ao ambiente desestabilizador provocado no

período no qual perdurou a Liga das Nações.

Em segundo lugar, desde a origem, frente às possíveis crises do Balanço de paga-

mentos e a necessidade de levantamento dos recursos financeiros, o FMI associava a liberação de

seus recursos em função das correções de rumo da economia do país membro, sem interferir na

natureza das opções em políticas domésticas por ele adotadas, respeitando, assim, sua Soberania.

A visão aqui, entrelaçada com o aspecto anterior, era a de que seria possível distribuir os custos

dos ajustes dos balanços de pagamentos para todos os países membros, segundo o tamanho das

respectivas economias nacionais, estabilizando o sistema internacional como um todo.

Em terceiro lugar, a justificativa para a solicitação de recursos do Fundo seria uma

prerrogativa do país membro, no sentido de que esse deveria caracterizar tanto um suposto

desequilíbrio “fundamental” em seu balanço de pagamento, quanto os termos pelos quais

regulamentaria o movimento de capital externo no interior de suas fronteiras, bem como o ritmo

e as normas de conversibilidade de suas moedas nacionais.

Ocorre que, naquele período iniciado com a Crise das Dívidas, em meados de 1980, e

com seus desdobramentos até os dias atuais, o abandono dessas âncoras significou uma mudança

histórica para o Fundo. Em um longo processo, preenchido de incertezas colocadas pelo tempo

histórico, quando se configura uma outra realidade histórica, o Bureau da instituição, frente às

críticas mudanças em curso naqueles anos, logo indicou e marcou profundamente sua condição

mais contemporânea, seus novos objetivos:1

1GUITIÁN in (LOPES, 1985, p. 68).

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A maior parte dos países com dificuldades iniciaram negociações para arranjosfinanceiros com o Fundo (. . . ) A instituição, por sua vez, promoveu a organiza-ção de um esforço conjunto que envolveria (. . . ), as autoridades dos principaispaíses credores e os bancos comerciais. O impacto principal desta estratégia eraduplo: em primeiro lugar, ela assegurava à comunidade financeira internacionalque o país devedor faria uma série de esforços de ajustamento económico; eem segundo lugar, ela garantia ao país devedor que lhe seria prestado adequadoauxílio financeiro externo para apoiar os seus esforços.

Pois bem, como não é difícil deduzir, essa passagem de uma suposta situação anterior

“passiva” para uma posição ativamente comandada pelos interesses, regras e condutas, extraídas

e desenhadas segundo os interesses da “comunidade financeira internacional”, por seu turno,

implicou igualmente numa mudança de ação que descomprometeu o Fundo Monetário, com

aquelas três características acima observadas. Por conta disso, tem início tanto à construção de

novos instrumentos de análises por parte do Fundo, como também à ampliação e redefinição

de seus antigos modelos de análises de desempenho dos balanços de pagamentos dos países

membros, frente aos novos tempos.

Especialmente aqui, vai tomando curso um entendimento especial sobre como a

expansão descontrolada da demanda agregada de um dado país cria instabilidades que levam a

flutuações, não apenas de curto prazo em preços e produção, afetando, dessa forma, o equilíbrio

do balanço de pagamentos do país. Motivada, em geral, por gastos públicos insustentáveis,

segundo essas análises, a mais nova atuação do Fundo Monetário deverá propor que um balanço

de pagamentos sustentado a ser financiado com os recursos do Fundo deverá resultar, em

primeira mão, da intervenção e ajustes que recairão sobre as políticas fiscal e monetária dos

países solicitantes, adequando-os às novas exigências que lhe serão obrigados pelo FMI.

Em que pesem os esforços do Bureau em afirmar linhas de continuidade com os

termos das origens do SBW, fato é que essa mudança intelectual, por parte da Instituição, indica

uma ruptura com os antigos pressupostos de análises. Naquele momento, a temática fundamental

mostrava como os efeitos de uma desvalorização da taxa de câmbio repercutiriam sobre o nível

da renda, emprego e investimentos e se essa repercussão teria efeitos na economia mundial como

um todo, rebaixando as expectativas de investimentos.

Por outro lado, ainda não haviam sido estabelecidos e consensualizados em teoria

econômica, os efeitos percebidos entre as relações presumidas, do balanço comercial e de

serviços para os países e sua contraparte financeira, registrada pelas contas de capitais. Pelo

contrário, os rumos da tematização iriam reforçar práticas e análises próprias aos supostos

conciliadores do Estado de Bem Estar do pós 2ª Guerra. Logo, os novos termos de análise

encaminham-se ao rompimento das autonomias nacionais, anteriormente salvaguardadas pelo

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consenso criador do Sistema de Bretton Woods que o FMI resguardava.

DELIMITAÇÕES

É nesse contexto que o material apresentado levanta uma hipótese específica de

trabalho de tese, qual seja: os programas macroeconômicos de ajuste desenvolvidos e implemen-

tados pelo FMI, indiferentemente aplicados nas diversas economias nacionais e após o período

da chamada crise da dívida, viabiliza e é o resultado do atendimento das regras normativas e

simbólicas, instituídas no novo momento histórico da apropriação dos recursos reais nos Estados

Centrais, pela classe dos banqueiros.

Isto terá importância e validade tanto para o país hegemônico, como para o conjunto

das Economias Centrais do capitalismo, que serão vitais à efetivação do processo de conquista

de poder pela classe dos financistas ao nível mundial.

Dito de outra forma, se no período anterior a proposição do Fundo era a de que

a entrada de recursos líquidos para os países membros decorreria, via comércio exterior, dos

setores essencialmente não bancários, nessa passagem, eis a hipótese específica: ocorre uma

subordinação real dos instrumentos de seguro e dos demais serviços financeiros atrelados aos

setores comerciais e produtivos, agora, pelo movimento do capital financeiro, em geral.

As transações típicas da conta de capital, até então contida pelas diversas regras e

regulamentações construídas em torno do sistema bancário financeiro dos países hegemônicos,

são paulatinamente derrubadas. Isso ocorreu graças à recuperação da força política por essa

classe social nesse momento histórico, de tal maneira que a antiga forma de organização política

da maioria dos países no pós 2ª guerra, é por essa derrotada, dando vazão à concretização de

seus interesses mais gerais.

Com isso, nessa nova onda de inovações bancárias e financeiras, movimento do

capital em sua forma líquida, é possível observar a presença definidora dos diversos tipos de

ativos não financeiros, de investimentos em portfólios, operações de empréstimos futuros, cuja

marca principal não é a entrega de uma mercadoria física, mas sim, como contraponto, a geração

de pagamentos e transferências na forma de juros, dividendos, renda ou a exportação de lucros

obtidos com os investimentos diretos, de forma líquida, descolada nessa conjuntura do papel de

financiadora das atividades produtivas, geradoras de valor.

Consequentemente, há uma transferência de poder e de riqueza que flui para a classe

dos banqueiros, que se apropriarão da riqueza líquida assim gestada.

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Uma condição histórica genuína surge, portanto, com essa mudança. Motivada

politicamente e intelectualmente estimulada, essa mudança produziu um rearranjo no interior das

teorias políticas e econômicas em uso, em seus pressupostos fundantes. Tal rearranjo implicou

na reconstrução daquilo que M. Blaug2 chamara de “núcleo rígido” das postulações econômicas,

por parte da Instituição.

Evidente que tais modificações no aparato intelectual do FMI no período foram,

comumente, observadas. Foram majoritariamente discutidas em termos teóricos metodológicos,

com apoio e referência no conjunto de problemas encontrados nos fundamentos de sua técnica

de análise, a qual só pode ser vista como um todo, através da(s) filosofia(s) da(s) ciência(s),

em geral, obviamente sem deixar de ser uma escolha política. Por esse lado, repercutiu e deu

encaminhamento efusivo à sua validade, tornando-se a forma dominante da crítica em ciência

econômica.

Enfocar mudanças ou erros em teoria e análises especialmente econômicas, no

âmbito do aparato técnico e da filosofia da ciência, é tributo pago a um debate que existe desde a

economia política clássica e sintetizada, no século passado, pelas discordâncias apresentadas por

Maurice Dobb (1973), em relação ao conceito de economia desenvolvido por Joseph Schumpeter

(1964). Em uma palavra, para J. Schumpeter, economia, como uma ciência, perfaz-se pelo

uso de instrumentos analíticos específicos, viabilizando-se por procedimentos que resultem em

“técnicas especializadas de verificação de fatos e de interpretação ou inferência[...]”.3

Enquanto que, por seu turno (M. Dobb), ao contrário da definição de (J. Schumpeter),

entende que as teorias econômicas, ainda que expressem análises bastante abstratas, serão sempre

ideologicamente constituídas e, portanto, sua lógica interna dirá respeito tanto à própria história

das ideias, como também, indica e sustenta mudanças políticas e históricas do fazer humano.

Assim:4

conceitos e teoremas novos têm de ser vistos, simultaneamente, como elabo-rados em resposta a outros mais antigos[...]e como reflexo duma mudança deexperiência humana e de problemas e conflitos implícitos na actividade socialhumana, que é, por sua vez, motivada pelo uso de noções abstractas aplicadas aseres humanos em geral, aos seus artefactos e a ‘coisas’.

2(BLAUG, 1988, p. 13).

3(DOBB, 1973, p. 28).

4(op. cit.p.54) .

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Será trilhado aqui esse último caminho, sem perder de vista a crítica técnica; uma

hipótese geral de trabalho já toma corpo. Nos termos de uma hipótese geral e para fins de

uma maior clareza, conflitos próprios da atividade social humana resultam, nesse trabalho, do

contraditório processo da reprodução social ampliada do capital, configurado à luz da crise

que abateu o SBW, ao final dos anos de 1970. Mudanças amplas que aí operam, sempre de

forma não linear, determinam e, a seguir, serão determinadas pela situação política socialmente

experimentada até aquele momento. Dentre as várias consequências que a literatura nos apresenta

sobre essas transformações, a de natureza política econômica é a mais fundamental para esse

trabalho.

Engolfadas por uma logicidade inovadora, efetivadas como girando densamente

sobre si mesmas, redefinidas a cada momento histórico diferente por fases e aspectos peculiares

ao desenvolvimento capitalista, as mudanças políticas econômicas, pela profundidade atingida

nessa passagem, fertilizam e recriam o aparato em valores, símbolos e ideias em uso pela

Instituição por todo o período de vigência do SBW.

Essas mudanças atingem e forçam os conceitos e teoremas a modificarem-se para

descrever a nova estrutura. Os esforços ali existentes necessários à compreensão do novo se

caracterizam pela construção de um modelo de análise, ancorado em novos parâmetros e variáveis,

para reafirmarem-se frente aos novos tempos; rompem e alteram pressupostos, parâmetros e

variáveis, até então tido como corretos, e migram para um novo conjunto de suposições.

Especificamente aqui tal hipótese de trabalho deve permitir explicar o significado

político desse novo aparato conceitual, desenhado pelo Bureau do FMI, ao longo desse período.

Aqui se postula que no interior de um espaço público, as intervenções por mais abstratas que

pareçam ser, tomam equivalência e se identificam com as condições simbólicas ali traduzíveis.

Surgimento de ideias nesse âmbito são e serão forçosamente compreendidas como

tipos de práticas em política. E, por ser assim, a natureza desse trabalho residirá na apreensão do

significado político destes novos modelos de explicação empíricos, obviamente públicos, à luz

do novo tempo histórico que os cria nessa forma pública.

Portanto, busca-se o entendimento das mudanças que ocorreram nos pressupostos dos

programas de ajuste do FMI, como uma outra face indicadora da presença daquele movimento

mais geral do capital. Porém, ao invés de acompanhar essa mudança em pressupostos nos termos

da crítica técnica, será utilizada em seu lugar, a crítica decorrente dos supostos tidos e carreados

pela ciência política, tributária, desde já, do conhecimento adquirido por esta no campo da Teoria

e Filosofia Políticas.

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Logo, é importante frisar o que não será feito e nem compartilhado, frente à enor-

midade de questões que quaisquer análises sobre o Fundo induz. Pressupostos e modelos não

serão vistos aqui como mantidos, ao longo do tempo, pelas suas pretensas qualidades lógicas

internas, mas sim pela possibilidade de expressarem ou não, no sentido histórico, de maneira

politicamente adequada,5 uma certa qualidade observada pela prática política, que traduz ou

potencialmente, que poderá induzir sua emergência ou permanência. E, em nada desprezível,

para mais ou para menos serão detalhados, compreendidos e caracterizados no interior de uma

“escola” de pensamento político e econômico, revestindo-se de ideologia tanto sua construção

como o movimento da história que lhe dá curso.

Não serão tratados aqui, diretamente, a malha institucional do Fundo Monetário, sua

composição e organicidade, pois para avançar sobre tal hipótese específica, basta o entendimento

das mutações envoltas nos programas de ajuste. Igualmente, ainda que seja indicada a natureza

dos serviços de empréstimos do FMI, também não serão os objetos de análises desse trabalho, ou

só virão a emergir quando estritamente necessários ao entendimento dos pressupostos analíticos,

com os quais o Bureau institucional nos brindou após a crise dos anos de 1970.

Até porque a natureza desses postulados se alterados, e obviamente são alterados,

não são colocados, em sua essência, às contestações, ainda que haja algumas negociações nesse

sentido, por parte dos países membros. Justificados como construções científicas, equilibradas e,

provavelmente, neutras, não são objetos de tratativas diretas, competindo com outros pressupostos

e outras políticas que não sejam as definidas no âmbito do Bureau institucional.

É importante tratar do sentido dessa reconstrução em sua argumentação, desses

novos pressupostos, no caso dos programas de ajuste do Fundo Monetário, que levaram a ruptura

com o tipo de keynesianismo até então existente, abrindo-se para uma afirmação a descoberta de

uma série de novos corolários fundantes. Durante o decaimento das coisas, surge no Fundo um

novo pressuposto geral, capaz de orientar todos os demais. Qual seja, a adoção de uma verdade

quase metafísica, do princípio da inefetividade da ação das políticas econômicas de natureza

pública, no contexto teórico do postulado da eficiência do mercado financeiro internacional,

frente ao rearranjo necessário ao restabelecimento da governança mundial, comandada pelos

proprietários de moedas e de capital.

Esse postulado desdiz frontal e cabalmente o da importância da ação política pública,

nuclear para a concepção keynesiana, instituída pela Coalização do pós-guerra. Assim, o foco da

5Para a discussão assim levantada e para os conceitos de ideologia e de visão de mundo aqui utilizados, M.Dobb, (op. cit. p.9-54).

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tese é o de demonstrar como esse movimento torna o FMI o veículo para a expansão, a partir das

economias centrais para as demais economias de industrialização tardia, desses novos postulados

intelectuais, os quais atualizam esse seu “núcleo rígido”, bem como veicula a expansão desses

novos interesses, nele empacotando seus diversos programas de empréstimos.

Discutir os programas de ajuste do Fundo, na perspectiva de enquadrá-los, criti-

camente, e refutá-los pelo seu melhor ou pior desempenho, se é condição necessária não é,

parece, suficiente para explicar e entender a dinâmica do Fundo ao longo desse seu novo período.

Justifica-se e parece ser incontestável, portanto, explorar a atuação do Fundo e de seus programas,

pela sua imbricação à luz dessa nova história do capital.

Nota-se, ainda, que essa hipótese resiste às condições historicamente observáveis

na atual formação política e econômica. Assim, surge como um tipo de explicação de maior

abrangência à descrição e entendimento dos acontecimentos da época. A importância do FMI

revela-se por ter sido o veículo pelo qual— na ausência de um outro organismo de natureza

econômica internacional com as suas características—, afirmou-se um longo processo de cons-

trução da dominação política no nível mundial, por parte dessa classe dos banqueiros e de seus

interesses.

Especificamente aqui, os programas de ajustes construíram para o conjunto da

economia mundial, tanto os valores morais que lhe são correspondentes, junto, claro, com os

rumos das teorias e pesquisas acadêmicas e as desenvolvidas nos diversos think tank, como

materializaram esse novo conteúdo econômico, ao estender esses interesses em direção das

economias não desenvolvidas, na forma de programas macroeconômicos compulsórios de

diversas naturezas, os quais hegemonicamente tornam-se referência à economia mundial deste

ponto em diante.

Essa hipótese específica demandou uma hipótese mais geral: a de que o período

econômico iniciado com a ruptura do SBW e a Crise das Dívidas apresenta, em sua totalidade,

a tomada do poder efetivo do(s) Estado(s) por parte da classe dos banqueiros, no momento

mesmo da ruptura das coalizações keynesianas montadas no pós-guerra. Foi o resultado desse

processo que demandou a elaboração de uma nova proposta de política, macroeconomicamente

alimentada pelo capital financeiro, vale dizer, pelas novas práticas financeiras, resultantes dos

processos de inovações tecnológicas e de novos produtos gerados no mercado de capital, cujo

foco maior era as aplicações em ações no mercado de divisas e de títulos da dívida pública e

papéis bancários segurados.6

6Sobre o tema: L. PAULY, cap.2, em (PAULY, 1998). Eric Helleiner, em (HELLEINER, 1996, p. 77). RobertBrenner, (BRENNER, 2003, p. 131-40). E Peter Gowan, (GOWAN, 2003, p. 45-71).

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Fica a cargo desses novos produtos financeiros a função de formar uma outra prática

histórica social, imiscuindo-se na apropriação privada da riqueza social, através do uso de novos

recursos e novas tecnologias financeiras. Todo o dinheiro de crédito, anteriormente vinculado às

antigas práticas comerciais e industriais, em serviços, e etc., subordinam-se à rentabilidade do

capital dinheiro alocado ao sistema financeiro, livrando-se de suas antigas limitações física e

temporal, ancoradas no circuito do crédito, graças a essa nova expressão geral, no qual se reveste

esse capital financeiro.

AS HIPÓTESES

Em função dessa hipótese muito ampla, é que especificamente procura-se demonstrar

o quanto a elaboração, construção, difusão, imposição e/ou aceitação dos programas macros

de ajuste do FMI, submetem-se e viabilizam os desdobramentos políticos necessários a ex-

pansão dessa dominação em uma condição histórica concreta de reprodução e apropriação do

sobretrabalho, na dinâmica reprodutiva de um capital mundializado pela classe dos banqueiros.

No exame interno das formulações dos programas de ajuste, naquilo que informam

as ideologias e projetos de análise, será investigada e, com isso, sugerida a possibilidade de

se entender a construção da dominação política, o exercício efetivo do poder, bem como sua

instituição simbólica e normativa, através das políticas contidas nesses programas de ajuste

econômico do FMI, dando especial ênfase a maneira pela qual articula os teoremas próprios a

análise do balanço de pagamentos vis-à-vis dos pressupostos peculiares à construção e uso de

seus modelos teóricos de ajuste econômicos.

É importante ressaltar que estes programas de ajustes foram majoritariamente desen-

volvidos e implementados inicialmente nas economias de industrialização tardias. Isto em função

da mera constatação de que a economia desses países fora palco histórico dos iniciais desdobra-

mentos concretos contidos nos programas de intervenção elaborados pelo Fundo, nesse período.

Foram as ideologias sustentadoras dessas propostas que levaram as mudanças políticas no interior

de suas sociedades, especialmente na política de suas políticas econômicas, materializando-se

como exercício do novo poder do capital, que agora, migra para o setor financeiro.

A consequência imediata disto foi a desarticulação das proposições e dos confrontos

em política, em geral, vinculadas às políticas industrializantes e/ou de planejamento de longo

prazo, demandadores, de uma forma ou de outra, de um Estado interventor nas condições da

acumulação de capital. Nesse sentido, o ideário da liberalização envolvida na questão da abertura

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ao movimento do capital financeiro, ao expressar a mudança de uma época, certamente não foi o

único aspecto aí envolvido.

Logo, há um imbricamento entre aquela retomada do poder político pela classe dos

banqueiros, posto aqui como uma hipótese geral, e a intervenção política de seus interesses nas

economias de industrialização tardias, participantes do Fundo Monetário, através da mediação

interposta pelos e através dos programas de ajuste. Uma hipótese auxiliar àquela geral surge aqui:

o processo de subordinação das anteriores políticas e práticas econômicas, existentes nessas

sociedades de capitalismo tardio, passaram por uma resubordinação, uma subordinação real, aos

termos da dinâmica desencadeada pelo capital financeiro e suas inovações, em meados dos anos

de 1980.

Em síntese, se corretas as hipóteses geral e auxiliar, aqui apresentadas na forma

de uma mera paisagem, é possível esclarecer um pouco mais o conteúdo próprio à hipótese

específica de trabalho. Os programas macros de ajuste do Fundo Monetário, ao submeterem-se

e viabilizarem esse processo de ascensão da classe dos banqueiros, com todos seus impactos

internacionais e no período mais atual, indubitavelmente sofrem, ao longo desse processo, os

impactos de uma crítica que antes de possuir um aspecto meramente teórico, é essencialmente

material. Vale dizer que a concentração desse processo exprime-se nas tentativas elaboradas

de se impor, ao conjunto das economias nacionais, um único padrão monetário de medida e de

reserva de valor ao longo da cadeia reprodutiva do capital mundial, no pós-guerra, sob a tutela

desses programas de ajuste.

Mundializar o capital veio a significar um abrir-se à totalidade dos instrumentos de

política e de dominação monetária das economias particulares e, através disso, sua dinâmica

industrial, para o capital em sua forma mais líquida, tanto através da abertura da balança comercial

ou da balança de pagamentos, quanto na captura do núcleo mais duro do sistema monetário e

financeiro: os Bancos Centrais nacionais. O objetivo, bastante patente desses programas, foi o

de dominar a administração dos recursos orçamentários desses Estados e, especialmente, dirigir

os rumos de suas políticas monetárias e cambial, pela intervenção na regulação das práticas de

empréstimos bancários já existentes, e no mercado de divisas, abrindo-as para o exterior. Não

seriam essas as reais motivações para a “independência” dos Bancos Centrais na periferia do

sistema?

No corpo do trabalho serão desenvolvidas algumas das questões envolvidas pelas

hipóteses acima. No desenvolvimento deste, sugere-se continuadamente a exploração dos

elementos políticos contidos e revelados nos corolários que acompanham os programas.

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DIVISÃO DO TRABALHO

Assim, a exposição do trabalho encontra-se organizada da seguinte forma: a Apre-

sentação avança os pontos delimitadores da hipótese de trabalho, justificando-os; na Introdução,

capítulo 1, são apresentadas as questões metodológicas à luz das hipóteses desenvolvidas. As

críticas questões metodológicas são encaminhadas visando detalhar os caminhos da relação

política estabelecida entre a lógica da reprodução aprisionada pelo capital financeiro e a prática

política permitida pela apropriação do excedente assim gerado e os afeitos sobre a intervenção

do FMI, através de seus programas de ajustes, para a economia mundial.

Nesse sentido, a crítica vai se constituindo como um método, com uma dupla finali-

dade: primeiramente, nela são veiculados os fundamentos que serão reportados continuadamente

ao longo dos demais capítulos e se usufruirá, nesse capítulo, de um benefício aí contido: ocorre

que, no estado da arte sobre o papel das ideias nas mudanças políticas e validadas nos estudos do

FMI, existem programas de pesquisas em andamento que impõem os termos do debate. Assim,

seja na abordagem da evolução e correção dos paradigmas em ideias, na economia política, sejam

naquelas típicas de se abordar as ideias como um aprendizado em política e em outras abordagens

que terminam por convergir nesse mesmo sentido, as ideias importam, nesses programas, e são

fundamentais ao entendimento das mudanças políticas e sociais.

Após avanço dos fundamentos, no entanto, serão alteradas as expectativas teóricas

que recaem sobre o papel das ideias contidas nos programas do Fundo, transportando a análise

aqui desenvolvida para a explicação dessas ideias no interior de uma prática política que toma

sentido quando realizada no interior das relações sociais do capital financeiro.

Em segundo lugar, coerente com o deslocamento da questão para o mundo da

política, vale apresentar e refutar uma pressuposição vital que atravessa os programas do Fundo

Monetário: a suposição de que a economia, the economics, propriamente dita, é uma relação que

se põe entre produtores e consumidores. Esses, por sua vez, organizam suas respectivas relações

sociais orientados pela utilidade disposta pelos preços praticados em mercados em oposição ou

distanciados das relações políticas e sociais próprias ao mundo econômico, relações essas que

configuram a política e o político. Para a finalidade aqui prevista, a própria Ciência Política veio

corroborar aquela primeira concepção e como tal é aqui problematizada.

Ao final, a conclusão do capítulo será baseada na sugestão da melhor abrangência no

uso das concepções, análises e intuições de uma tradição própria à releitura do político, a partir

de K. MARX e sem encerrar-se nesse, no tratamento das questões envolvidas colocadas pelas

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políticas desenvolvidas no Fundo Monetário, no referido período.

O capítulo 2 discute as condições políticas pelas quais o Sistema de Bretton Woods

surge e qual o sentido que toma aos olhos da época. Neste capítulo se afirma a proposição de que

no desenrolar de todo esse processo, a questão fundamental foi a da derrocada do poder político

da classe endinheirada, tal qual na condição do pré-guerra e da Grande Depressão e no posterior

rearranjo das condições abertas pela restruturação mundial do pós 2ªGuerra Mundial.

Esse rearranjo vai afirmar, ao longo dos anos dourados, o predomínio das práticas

hegemônicas da grande indústria e da circulação mercantil e comercial do capital produtivo,

mundializando-o. O término do capítulo expõe a inoperância inicial do FMI, ou sua postura

passiva segundo seu Staff, nesse contexto e a reentrada na cena política dos Estados europeus,

acossados pela experiência da Revolução Russa e de seus impactos frente às situações políticas

internas.

No capitulo 3 são indicados os vínculos entre o arranjo do Sistema de Bretton

Woods e o Fundo Monetário Internacional, nos termos de uma trajetória conflitante da política

da estabilidade, presumida pelo câmbio fixo ou pegg e as tensões políticas internacionais. Essas

políticas foram promovidas, em última instância, pela expansão da acumulação do capital

industrial, através da intensificação da rivalidade entre as economias capitalistas nucleares,

permitindo observar as suposições contidas, nesse período, em seus programas de ajuste.

O capítulo 4 é, de certa forma, um desdobramento do anterior, voltado para uma

caracterização da crise dos anos de 1980 até 1990, segundo justificativas de periodização

ali lançadas. A intenção foi mostrar as mudanças das concepções e modelos do FMI, em

direção às apostas do monetarismo e novo-clássicas para a teoria do balanço de pagamentos, até

então utilizada. Igualmente, procurou-se, afirmar a construção de uma nova macroeconomia

internacional necessária tanto à superação da crise de uma acumulação que chega ao seu limite

físico, em termos da acumulação industrial oligopolista, quanto à passagem dessa para a condição

financeira.

É salientado, ainda, que essa passagem se deu nos termos de uma luta política, a

qual se manifesta na rejeição aos postulados do keynesianismo, gerando-se um conflito no plano

das ideias, que serviu à paulatina retomada do poder político por parte dessa classe social dos

banqueiros, no rearranjo da economia capitalista mundial, com sedimentações de seu resultado

no plano da prática social, determinada no âmbito da hegemonia da circulação do capital e no

predomínio das atividades financeiras, já adentrando ao capítulo 5.

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Em suma, neste capítulo, o objetivo é mostrar como, ao mesmo tempo em que a

condição financeira permite a expansão do sistema como um todo, o faz ao custo de introduzir

uma barreira ao processo da criação do valor que se expande dos países centrais para as demais

economias, que giram em torno desse mesmo processo de totalização da nova arquitetura do

capital financeiro. Portanto, trata-se de uma rápida incursão sobre a natureza da crise econômica

contemporânea.

O tema prolonga-se até o capítulo 6, para dar conta da mudança operada pelo

(FMI), nesse quadro econômico mundial e do quanto essa mudança implicou na intervenção das

economias nacionais, chamando para si o pré-requisito político interno das mudanças. Mais do

que explorar, apenas é indicado o que talvez seja o essencial e necessário para adequar essas

economias a nova formatação, desencadeada pela reconquista do poder político dos endinheirados

no núcleo duro das economias industriais.

Nas sociedades periféricas, oriundas , em geral, de sistemas políticos ditatoriais,

naquele mesmo período, ou entrando em regimes autoritários, por conta dessa nova dinâmica, essa

intervenção se fez presente no interior mesmo da atividade econômica desses países, alterando,

por um discurso homogêneo e de hegemonia, da eficiência dos mercados e de custo-benefício

positivo, sua dinâmica histórica em função da consolidação daquela ascensão da classe financeira

ao nível mundial.

Essa crise que prolonga-se até o novo século XXI parece ser, antes de tudo, uma

crise política das economias nacionais na impossibilidade dessas em ajustarem-se aos novos

termos da hegemonia construída na década de 1980. Abre-se, como uma condição de resistência

política dessas economias, inclusive no interior da própria Europa, que permite um questiona-

mento econômico, “o ardil da razão é o econômico", para aquelas condições necessárias ao

desenvolvimento das economias nucleares nos termos da dominação financeira.

A dinâmica articulada de todo esse movimento – em termos de imposição de uma

política que se expressa em uma nova macroeconomia adequada a esses novos interesses das

classes endinheiradas – aparece aqui como uma impossibilidade, registrada na quase reprodução

simples do processo de acumulação capitalista desse período. O capítulo, portanto, propõe-se ao

exame dessa impossibilidade, como ruptura no consentimento do exercício da hegemonia.

Finalmente, a busca de uma síntese e de parciais conclusões. Nesse capítulo7 final,

há a tentativa de sintetizar a dinâmica exposta pelos capítulos anteriores, demonstrando as

formidáveis barreiras políticas que se antepuseram a essa dinâmica e ao condicionamento dessas

barreiras, nacionais por excelência, pela lógica da reprodução do capital, que se manifesta na

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natureza mais recente da crise econômica, em 2008, que está sendo assistida.

Na pequena síntese resume-se alguns aspectos sobre os rumos futuros do FMI, na

óptica dos críticos impasses, os quais se interpõem a sua trajetória mais atual, frente a um

processo de mudanças que parece ser mais longo do que o suposto pela Instituição e mais crítico

do que os analistas de conjuntura tentam formular.

TEMPORALIDADES

Cabe justificar, já nessa apresentação, o problema da periodização do trabalho. Houve

grande proximidade do período mais recente da crise, a partir dos meados dos anos de 1980,

posto que o teor da tese coloca-se exatamente para o momento histórico no qual se consumou a

luta política desencadeada pela classe capitalista endinheirada, inicialmente dos Estados Unidos,

quando conseguem fundir, em primeira mão, uma proposta de natureza ideológica, cultivada

ao longo dos anos de 1970, como concreta oponente a ideologia hegemônica, até então, do

keynesianismo7realmente existente, do Estado de Bem Estar Social.

7Aqui, o pensamento de J. Maynard KEYNES não se confunde com a da Síntese Neo-Clássica. Tampouco oEstado de Bem Estar Social (EBS) é fruto desse e, em larga medida, o antecede historicamente, conforme nota-seno decorrer do trabalho. Mas a concepção de M. Keynes é suficientemente abrangente para capturar as diversasmaneiras pela qual a condição e os interesses sociais coletivos superam e tornam-se mais fundamentais do que osindividuais. Permanece válido esse postulado, pelos seus fundamentos, a inclusão no quadro do keynesianismoinclusive as políticas desenvolvimentistas da Ásia e da América Latina, ainda que com outros temas, outrasdinâmicas e outros sujeitos. Aliás, nota-se no desenvolvimento inicial do (EBS) a confluência de várias questões emvalores e conflitos sociais agudos que o tornam possível. Nesse sentido vide Michel FREEDEN, The coming of thewelfare state, in:(BALL; BELLAMY, 2005). Mas nota-se, nesse trabalho, a ausência da expansão do keynesianismopara Ásia e A. Latina, sem dúvidas, uma sentida ausência.

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1 Introdução: ponto de partida,metodologia e hipóteses

O objetivo dessa introdução é o de avançar os pontos delimitadores da hipótese de

trabalho, justificando-os. Primeiro, serão veiculados alguns fundamentos que irão se reportando

continuadamente ao longo dos demais capítulos. Logo após, serão feitas rápidas observações

sobre problemas relacionados ao método inerente à pesquisa e exposição do trabalho.

PONTO DE PARTIDA

O material ora apresentado, levanta, como já observado, uma hipótese específica de

trabalho, qual seja: os programas macroeconômicos de ajuste desenvolvidos e implementados

pelo FMI, indiferentemente aplicados nas diversas economias nacionais e, após o período da

ruptura do SBW e da chamada crise da dívida, viabiliza e é o resultado do atendimento das regras

normativas e simbólicas, instituídas no momento da apropriação dos recursos reais nos Estados

Centrais, pela classe dos banqueiros. E isto, tanto no país hegemônico, como no conjunto das

Economias Centrais do capitalismo.

Uma condição histórica genuína surge com essa mudança. Motivada politicamente e

intelectualmente estimulada, essa mudança produziu um rearranjo no interior das teorias políticas

e econômicas em uso, em seus pressupostos. Rearranjo este que implicou na reconstrução do

chamado “núcleo rígido” das postulações econômicas, por parte da Instituição.

Segue-se obrigatoriamente a essa hipótese que a visão macroeconômica, constante

no interior desses programas no período acima exposto, teve por objetivo superar uma situação

crítica da reprodução capitalista naquele momento histórico, lançando, sobre essa situação, um

conjunto de considerações teóricas, políticas e ideológicas as quais almejavam uma prática de

dominação política voltada aos interesses dos proprietários de capital, em sua forma líquida, que

se revelaram tão mais ideológicas, incertas e conjunturais, quanto mais abrangente ou universal

seus alcances e postulados teóricos.

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Porém, a hipótese específica assim disposta é, ainda, suficientemente ampla, justifi-

cando recortá-la. O aspecto central para a hipótese é o de apresentar (apenas isso) as razões para

as novas suposições que foram incorporadas, em termos teóricos e analíticos, nos programas de

ajuste do Fundo ao final dos anos de 1970. Nota-se que, primeiro, eram parâmetros ou variáveis

analíticas, inexistentes ou não centrais. Segundo, quando recentes, as suposições, assim serão

por adequação para com aquelas regras normativas e simbólicas, próprias ao mundo tomado

pelas finanças, o qual vai surgindo empacotado por essas novas suposições, nesse período.

Um mero exame sobre a hipótese específica revela, em um primeiro plano, a discus-

são teórica necessária à compreensão do caminho analítico que levou a essa incorporação, sem

esquecer-se do quadro histórico que a gesta. Também considera e problematiza os conteúdos

efetivos que esse caminho analítico traduz, seja em termos de novos postulados, seja em termos

da concepção teórica que carrega. Finalmente, busca tratar das justificativas que vão sendo dadas,

pelo Staff do Fundo, para a incorporação desses novos postulados no interior dos programas de

ajuste.

Colocados esses objetivos, cabe agora explicitar inicialmente, no que consiste a

construção e a presença dessas suposições próprias a um modelo teórico analítico à luz dos

parâmetros gerais da crítica e do trato metodológico que lhe é inerente.

Na abordagem mais geral de Mark Blaug,1 o “núcleo rígido” de um modelo analítico

expressa, avança e contém postulados que dizem respeito, primeiro, a uma concepção de Estado

peculiar e, nesse caso, desde já, em sua correspondente forma liberal. Segundo, concebe

os mercados nos termos da livre concorrência, bem como da racionalidade otimizadora dos

participantes, portanto, sem incertezas radicais. Em especial, o mercado da força de trabalho é

micro e postulado como agregável, nos termos da curva da oferta e demanda, com maior ênfase

sob a condição da oferta. O conceito de capital é inoperante e inexistem classes sociais ou

qualquer divisão social posta pela natureza da propriedade privada e etc.

Por seu turno, as variáveis, normalmente de natureza analítica, tais como, dinheiro,

crédito, renda, tecnologias, lucros, salários, apropriação, transferência internacional do capital,

poder político, etc. são heurísticas que se conformam, no modelo, àquelas suposições mais

gerais.

Poderia ser acrescentado a esses aspectos, caracterizados por M. Blaug, o generali-

zado entendimento de que um modelo teórico é mera representação, necessariamente, redutora e

1(BLAUG, op. CIT).

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empobrecedora da realidade observada, que combina postulações acerca de princípios coerente-

mente com as conclusões que podem ser, dali, obtidas.

Obtida, por seu turno, possui aqui um significado bastante estrito e quer afirmar,

exclusivamente, os caminhos pelos quais obter expressa uma condição analítica dedutiva, propri-

amente dita. Convém observar que a questão do que colocar e não colocar, seja como variável,

seja como parâmetro no modelo, traduz desejos políticos ideológicos. Os demais aspectos

envolvidos pelo modelo teórico, principalmente as questões vinculadas a sua suficiência, medida

e testabilidade fazem parte dos modelos estatísticos e matemáticos econométricos, estando fora

de nosso campo de atenção nesse trabalho.

Visando demonstrar as linhas de continuidades e os limites existentes entre ambos,

modelo teórico e modelos econométricos “empiricistas”, e, portanto, indicar que as intenções

nesse trabalho encerram-se apenas no interior dos modelos econômicos, vale dizer que, segundo

um manual muito utilizado:2

O principal interesse da economia matemática (os modelos teóricos) é expressara teoria econômica na forma matemática equações, sem levar em conta amensurabilidade ou a verificação empírica da teoria. Já a econometria,[...],está interessada principalmente na verificação empírica da teoria econômica.(Parênteses nossos).

Após essa definição pode-se sugerir de maneira ilustrativa e, em um contexto his-

tórico e teórico longe do que aqui desenvolvidos, as grandes marcas de um modelo teórico e

as questões metodológicas que servem de base para a crítica, nos termos desse trabalho, aos

modelos teóricos.

Do período considerado como Clássico até o advento dos chamados modelos keyne-

sianos, firmou-se um entendimento que as condições de análise restringiam-se a tomar como

relevantes às relações entre dois países, dois fatores de produção e duas mercadorias trocáveis en-

tre si. Edifica-se, portanto, a definição de dois tipos de economia: aberta e fechada ou economia

de um país pequeno e a de um país grande.

No estabelecimento dessa proposição houve, por outro lado, um consenso em torno

da rejeição da teoria do valor trabalho, em contraposição à teoria do valor de cunho marginalista,

na análise das questões econômicas internacionais. Junto com esta, em prol de um senso de

2(GUAJARATI, 2000, p. XXVII).

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objetividade, perdeu-se também a noção de soberania desenhada, já no interior do período

mercantilista, e afirmada na construção dos Estados nacionais modernos.3

E, finalmente, a construção classista do Estado na modernidade e os elementos

contestatórios de sua dimensão simbólica, em suas formas de violência interna e externa, ficaram

presas, isto é, tomaram-se como dadas, pelas concepções clássicas liberais destes.4

Em suma, abriram-se, ao longo desses procedimentos – considerando-se as ne-

cessidades de redução da realidade nos termos das análises carreadas pelos modelos teóricos

– espaços para extrair do econômico seus aspectos políticos constituintes, empobrecendo-os.

Especificamente no sentido atribuído a K. Marx, como em Ellen Wood:5

[...] para Marx o segredo derradeiro da produção capitalista é político. O quedistingue radicalmente sua análise da economia política clássica é que ela nãogera fortes descontinuidades entre as esferas política e a econômica; e é capazde identificar as continuidades porque ele trata a própria economia não comouma rede de forças desencarnadas, mas tal qual na esfera política, como umconjunto de relações sociais.

Isso pode ser, por exemplo, observado na construção mais usual do modelo Heckscher-

Ohlin, formulado no entre guerras, onde todos aqueles aspectos estão configurados:

3(HABERLER, 1961).

4(CARNOY, 2001, cap. 1).

5(WOOD, 2003, p. 221).

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Intensidade dos fatores para as commodities X e Y nas Nações 1 e 2.

Ambos os gráficos relacionados expressam um tipo específico de vínculo econômico

entre os países, comandados pela troca de bens e, especialmente, daqueles fatores que permitiriam

a produção desses bens, capital e trabalho. O modelo presume, ainda, que ambos os países

beneficiem-se de uma dotação natural dos fatores produtivos, terra, trabalho e capital e os utiliza

de acordo com as vantagens decorrentes das relações dadas pela escassez ou abundância desses,

em seus respectivos territórios. Assim, aproveitando-se das deduções possíveis do modelo com

duas mercadorias e dois fatores , ao comparar os vínculos entre elas expressos pelos resultados

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obtidos na análise, observa-se que:6

• consideradas as relações KL

, capital por unidade de trabalho, acompanhando as linhas retas,

nota-se que na Nação 1, a produção da mercadoria Y é intensiva em capital enquanto que,

no caso da mercadoria X esta é intensiva em trabalho.

• segue-se o mesmo para a Nação 2, exceto pelo fato de que esta última é mais intensiva no

uso de capital, para ambas as mercadorias, do que o visto na Nação 1.

• e o inverso para a Nação 1, relativamente mais intensiva no fator trabalho na produção de

ambas as mercadorias, do que a Nação 2.

• de onde, a epistolar conclusão de que a exportação das mercadorias no comércio internaci-

onal é determinada pela presença de fatores produtivos abundantes e de menores custos

aos países participantes, de tal maneira que, quanto mais abundante e de menor custo seu

processo produtivo, maior a oferta, por parte desse país, daqueles bens para o mercado

internacional.

Se forem esses aspectos os apresentados pelo modelo, por outro lado, este não

diz que advoga, mas não pode prescindir destes, de ter como parâmetros gerais da análise a

proposição do livre comércio, sem nenhuma forma de protecionismo, concorrência perfeita,

custo de transporte tendente a zero, processos de produção bastante próximos entre as economias

e que em ambos os países e para ambas as economias a estrutura da demanda não seja apenas

idêntica como também seja, independente do nível da renda observada.7

Por seu turno, o que deve ser neste trabalho é a existência de um consequente

ocultamento da realidade na forma da ausência de uma temporalidade histórica e de seu fazer

político. Tão mais incisiva é essa constatação e tão mais vital frente às condições conjunturais e

de longo prazo, posto pelas condições teóricas, intelectuais e históricas da própria época de sua

elaboração: o momento histórico de Entre Guerras, com o esfacelamento da economia mundial

como um todo, ancorado pelo Liberalismo livre-cambista.

Ocorre, ainda, que, ao longo da história, as relações entre os países surgem marca-

damente, de maneira conflituosa, bélica e, notadamente, voltada para apropriações de recursos,

materiais e humanos, que não lhe são próprias. Dessa forma, as relações efetivas entre os países

6Siga em SALVATORE, (op. cit, p.67-8).

7Para a exploração do erro dos pressupostos, expostos pelo paradoxo de Leontief, veja, (BLAUG, 1994, p. 86-7).

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não se reduzem, portanto, a um tipo de relação econômica, harmônica presumida pelo modelo.

Dependente tanto das condições pelas quais riqueza e capital vão historicamente se definindo e

em plena adequação a maior ou menor capacidade política e militar de suas burguesias nacionais

(THERBORN, 1980) o poder político institui, desde sua saída, a convergência entre o econômico

e o político: tanto na construção de sua soberania, como no uso da guerra e das formas da

concorrência, visando à apropriação das riquezas e dos recursos que lhe são externos.8

Este poder político, que se faz no econômico, sua capacidade e extensão, afeta

diretamente a divisão internacional do trabalho e da produção do valor e os termos das trocas

entre os países, determinando, dessa forma, a presença de sua divisa monetária e não de outra no

espaço econômico internacional. Presume-se que faz isto com vastos efeitos, sobre os modelos

teóricos e aspirações intelectuais que lhe são decorrentes.

Primeiro, com claro bloqueio às teses e postulados das vantagens comparativas, da

suposta livre mobilidade dos fatores de produção interno aos países, e entre os países e o princípio

de preços de equilíbrio para suas relações econômicas externas. Segundo, no desbloqueio da

suspensão, através da concepção da neutralidade da moeda, da presença nas análises da força

política interna que os sistemas monetários financeiros possuem, em suas relações para com

os demais países, na determinação do mercado de divisas e da taxa de câmbio e assim por

diante. Terceiro, pela imposição dos termos nas quais as trocas se darão nesse mesmo espaço

internacional, pelas economias centrais, segundo seus interesses.

É evidente, para a crítica a seguir, que as respostas políticas e teóricas manifestadas

em oposição a essa separação entre o econômico e o político são tributárias, de um lado, daquele

pioneirismo conceitual de K. Marx, nos termos de E. Wood e, de outro lado, das condições

históricas reais através das quais a luta política impediu, desde sempre, e tirou a legitimidade

dessas práticas analíticas reducionistas.9

Tão mais importante tal consideração quanto maior a constatação, de natureza

histórica, de que no exercício do poder político é que se dão os termos das possibilidades e

oportunidades históricas da luta de classes internas e seus consequentes efeitos distributivos.

Também, o grau e a disposição das relações de força que se estabelecem entre os países. Ainda, a

capacidade de apropriação dos recursos econômicos, que não é dada espontaneamente, em geral

pelas Nações, terá em sua política exterior, dentre elas a cambial, um momento estratégico na

8(FIORI, 2005) e (MARTEL, 2007) .

9Vide (BIELSCHOWSKY, 1988) e H. MYINT, “Uma interpretação do atraso econômico”, in:(SINGH S. P.E AGARWALA, 1969).

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definição dos rumos possíveis da reprodução, interna e externa, do capital e da sociedade do país.

QUESTÕES METODOLÓGICAS

A natureza introdutória da crítica sobre o modelo teórico de Heckscher - Ohlin para

o comércio internacional, permite retomar aspectos centrais aqui tratados, em sua dimensão

metodológica. O procedimento justifica-se, pois, igualmente, não é nada evidente, tendo em

vista esta crítica genérica, que as tensões, revisões e retomadas da afirmação dos corolários

utilizados pelo Fundo Monetário se darão para além do observado pelos modelos teóricos do

mainstream, o qual se move no amplo campo dedutivo dos sistemas analíticos fechados.10 Tal

procedimento é contrário ao processo de redefinição que o Staff fez frente aos novos tempos,

buscando reposicionar-se filosófica e analiticamente, para o novo ambiente histórico, do que

aquele trilhado por esse caminho.

Ainda que, por razões históricas, é sabido que a macroeconomia do balanço de

pagamentos dos programas do Fundo Monetário desenvolve-se na perspectiva de estabilizar e

minimizar os conflitos decorrentes de uma maior ou menor inserção das economias nos cenários

internacionais, através do acompanhamento do comportamento do balanço e do tipo de taxa de

câmbio praticadas, especialmente das transações desequilibradas, ou não, das contas correntes,

entre os países membros, reafirmando o status-quo analítico, não se deve esperar posturas

dedutivas nesse trabalho.

A análise do movimento histórico que leva à mudança dos pressupostos, de forma

bastante simples, o movimento que consistiu no rompimento por parte da Instituição do legado

keynesiano e da consequente e, talvez, traumático absorção do pensamento Novo-Clássico11 e de

seus corolários políticos pela Organização – fruto por certo, desse empobrecimento da realidade

que os modelos do mainstream acarretam – é aqui suficiente, metodologicamente, pois toda a

chave do problema reside na dinâmica que articula ambos os movimentos.

Dinâmica que se faz, primeiro, através do resultado de suas considerações abstratas,

tomando como efetivamente dado os parâmetros próprios à sua visão de mundo e, segundo,

indeferindo, portanto, as tensões colocadas contra esses pela Ontologia histórica. Terceiro,

ao fazer sucumbir, seja por afinidade eletiva, seja pelos preceitos da lógica formal, os efeitos

e causalidades históricas, esterilizados frente ao desempenho da análise, que emergem das

10(LAWSON, 1998).

11Vide mais adiante.

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contradições mais básicas da reprodução do capital. Busca-se, portanto, que a metodologia

empregada arquitete as questões envolvidas, que resultam da contraditória pressão do poder

político, entendido aqui como uma condição necessária para que as suposições do modelo

possam tomar forma como figura de pensamento.

Se, assim, deve anteceder a sua elaboração formal, uma nova tensão política, explici-

tadora do surgimento de um novo momento histórico dirigido e marcado por um novo quadro

social, no qual a “apropriação dos excedentes gerados”, nesse novo momento, “se dá nas mãos

de intermediários, não de produtores, e muito menos de trabalhadores”.12 Se, por um lado, no

interior dos novos modelos teóricos utilizados pelo Fundo, isso significou recusar a proposição da

irracionalidade inerente, suposta, do mercado financeiro em geral, a qual assegurava os controles

políticos regulamentadores e contendores da força política daquela classe de banqueiros, p.ex.,

por outro lado, significou também derrotar a então existente subordinação política dessas classes

de intermediários prestamistas, no interior da coalização política do pós-guerra.

Há, então, uma coerência envolvida pela metodologia que avoca para si que as

mudanças em pressupostos foram, em simultâneo, mudanças práticas e na forma de abordar, na

prática, esse novo mundo prático. E, nesse sentido, a maestria das novas pressuposições contidas

pelos novos modelos da organização consistiu em ser veículo dessa mudança, propondo a si

mesma como uma ideologia dominante, embasada técnica e racionalmente, capaz de superar as

consequências mudancistas da época, frente a um futuro incerto. Fez isso claramente, separando

a economia da política.

O tratamento metodológico aqui, somente ao expor o resultado do trabalho, vai,

talvez, do social ao campo das ideias, buscando sempre acompanhar aqueles elementos mais

determinantes, nesse universo em expansão, o qual contém também a consciência possível dos

atores e dos seus exercícios de materialização.

Ora, para que esta possa materializar-se, é necessário que seja acolhida não só pela

realidade dos fatos, mas, também, pelas demais interpretações, as quais contribuem para sua

efetivação, inclusive por refutação. Contudo, todas as questões aqui levantadas já foram e

continuam sendo fruto de trabalhos e de pesquisas intensas, inclusive empíricas, que denotam

tanto a importância do Fundo Monetário, na atual situação internacional em que vivemos – seja

como campo de investigação, seja em sua concreta dimensão contemporânea, que se coloca

pelos termos da política entre as Nações, em nosso quadro atual– como também a força que a

natureza política ideológica de seus programas possui.

12(DOWBOR, 2009, p. 11-12).

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É importante ressaltar algumas questões ao tentar-se fundamentar as hipóteses e a

metodologia da tese sobre a macroeconomia de ajuste do FMI. O primeiro problema consiste

no fato, nada trivial, de que quem for dedicar-se à análise e a pesquisa de qualquer uma das

dimensões do FMI vai deparar-se com uma enormidade de estudos sobre sua atuação, problemas

e conflitos de legitimidade, dinâmica e configuração institucional, autoritária e/ou comandada

por interesses do bloco USA-Europa, relações e disputas entre os países membros, incapacidade

técnica e demais questões.

Por outro lado, um exame um pouco mais detido sobre esses estudos, à luz das

considerações tão diversas que possuem, logo indica a presença de alguns aspectos ainda não

tratados ou atendidos, de forma mais ou menos precária, no interior daquelas investigações. E,

naquele tipo de crítica, mais próximo a este trabalho, deve haver nelas, conforme será exposto

adiante, um erro estratégico em suas abordagens. De qualquer maneira, não há erro ao se afirmar

que tais insuficiências referem-se à dificuldade de abordar a Instituição em sua relação, para

empregar uma expressão hoje de pouco uso, com o todo histórico.

De forma quase insofismável, a própria produção intelectual acumulada nesse sentido

afirma isso, sendo, em si, um fator de análise e de novos temas para novos estudos. Isto

ocorre porque, ao gerar tamanho acúmulo, esses estudos permitiram manter aceso um difícil

problema teórico –o entendimento da dinâmica de uma instituição que se quer ontologicamente

internacionalizada, ao mesmo tempo em que permitiram perguntar tanto pelas razões de sua

perenidade e dos problemas que suscita, bem como, o de inquirir acerca dos caminhos políticos

e das novas estratégias, voltadas à sua conservação ou sua total reformulação.

Se a dinâmica e a abrangência desses estudos servem de alerta, terá sua importância

no sentido de imprimir uma postura que se quer bastante restrita para esses estudos e muito bem

demarcada, pelo menos naquilo que aqui segue, seja na exploração de algum outro aspecto ou

dimensão ainda, talvez, não esclarecida, seja no desenho dos limites das investigações desejadas.

Veja.

No geral, os estudos sobre o FMI recortam, pelo menos, de quatro a cinco dimensões

sobre seu desempenho e arquitetura: 1) aqueles internos a dinâmica da Instituição, expressos em

termos dos diversos tipos de programa de pesquisas, nas mãos dos institucionalistas; 2) aqueles

que propõem entender a Instituição no contexto histórico da internacionalização do capital,

ora em sua relação estreita para com os Estados centrais e periféricos, ora à luz da revisão da

noção de Imperialismo e do exercício da Hegemonia dos países centrais ou estado-unidense,

que recaem sobre sua atuação, ora em relação com os projetos de modernização das economias

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retardatárias, e assim por diante; 3) os que se restringem a abordá-lo na intermediação das relações

internacionais, especialmente sobre a articulação entre seus países membros e nas análises dos

problemas da governança e coordenação internacionais; 4) as abordagens via mercado e/ou

problemas de convergência entre os mercados, internacional e os nacionais; e 5) aqueles estudos

que o contextualiza no interior e como um resultado cognoscitivo, internacionalmente articulado,

das ideias e ou no plano das ideias e das mudanças institucionais.13

O material apresentado não adiciona mais uma temática a esse conjunto já existente

de investigações e tampouco busca examinar a pertinência de cada uma delas, no sentido clássico

dos estudos revisionistas. Pelo contrário, resulta da tentativa da exploração de uma hipótese de

trabalho, expressa pelas investigações constantes nas considerações acima.14

Centrado por essa delimitação há o reconhecimento, mas não há nenhum objetivo

em explorar, em si, que o processo, em sua totalidade, refere-se à tomada do poder efetivo do(s)

Estado(s) por parte da classe dos banqueiros, no momento de ruptura das coalizações keynesianas

montadas no pós-guerra, que se constitui em nossa hipótese geral. Evidente que a proposta

analítica de M. Kalecki15 teve seu curso nesse movimento de ruptura, onde a situação de pleno

emprego já empurrava a luta de classes nessas economias centrais para uma maior consciência

de classe dos trabalhadores.

O movimento político como um todo, visto hoje, encaminhou-se no sentido contrário

dessa nova síntese que no período se desenhava. E mesmo que não se tenha por objetivo demarcar

nenhuma das ocorrências políticas colocadas naquele momento histórico e, igualmente, não haja

objetivo para discutir uma possível teoria das classes sociais, melhor remeter a considerações

nucleares aqui.

Primeiro, insistir que as mudanças são iniciadas a partir do momento no qual o

aumento da taxa de juros, combinada com transferências tributárias aos mais ricos na economia

norte americana, permite barrar os avanços das lutas operárias, ao mesmo tempo em que se dá

13Alerta nesse sentido foi nos dado pelo Orientador desse trabalho, Prof. Dr. Miguel CHAIA.

14A longa tradição que aqui se forma não deve ser desprezada. Referência para o debate mais atual, certamente,são os estudos de D. HARVEY: (HARVEY, 2003, cap. 2 e 5). Os artigos reunidos em, (HARVEY, 2001) e, notalvez, clássico, (HARVEY, 2005, chap. 4). F. CHESNAIS trabalha, ricamente, esses temas. Vide, o item 10em(CHESNAIS, 1996); e a série de artigos organizados em Chesnais, p.ex., GUTTMANN; PLIHON; SERFATI;SALAMA,(CHESNAIS, 1998). Os neo-gramscinianos, como apresentado em, (MORTON, 2007), com destaques a S.GILL(GILL, 1994) e R. COX. J. HOLLOWAY, em (HOLLOWAY, 1994) e vários outros, que desenvolvem, asseguradoos nuances, a mesma temática da reprodução capitalista ao nível internacional e de suas instituições, os quaisprovavelmente não possam ser igualados a essa tradição. Como p.ex., (GORZ, 2003) e (ALPEROVITZ; DALY, 2008).

15(KALECKI, 1987, p. 54-60).

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a desregulamentação financeira. O impacto foi detonado pela luta de classes, o que pede, em

segundo lugar, uma rápida consideração.

É que, classe como uma relação social, portanto voltada para a transformação

histórica, evoca, nesse trabalho, a condição pela qual o “terreno de luta política”16 não presume

nem a consciência da classe na detonação de seu embate, tampouco que as condições da luta

política sejam dadas. Ao contrário, aqui tudo está para se fazer e, nesse sentido, a luta política

entre as classes “precede a classe”, (WOOD. op. cit. p. 76). Logo, à medida que vão ocorrendo

o embate político as classes formam-se à luz de interesses e das experiências sociais, culturas

assim obtidas. Sempre nos termos dos recursos que conseguem agregar para seus objetivos de

dominação ou de hegemonização das condições propícias ao exercício do poder político.

No sentido da demarcação das classes, segundo suas situações específicas e o próprio

conceito de classe social aqui tratado, procura-se manter os conteúdos conceituais díspares que

dão curso a existência dessa classe dos banqueiros, a qual constantemente tem sido referida.

Encara-se essa classe social, pela construção política que os tornaram presentes em diferen-

tes definições teóricas, como expressão da luta política das respectivas épocas e condições

socioeconômicas, onde o tratamento teórico surgiu.

Como também, à luz de aspectos teóricos e descritivos diversos, vinculados à orga-

nização políticas e institucionais dos, pelo menos, três tipos mais duros de sistemas de crédito

das economias capitalistas centrais. Portanto, dos embates diversos e das experiências históricas

diversificadas desses países, que as tornaram possível existir como classe social.17

No caso anglo-saxônico, em geral, adiantado por John A. Hobson, a classe dos

banqueiros surge vinculada, no primeiro momento, às condições da acumulação e concentração

dos diversos tipos de capital:18

A estrutura do capitalismo moderno tende a lançar um poder cada vez maiornas mãos dos homens que manejam o mecanismo monetário das comunidadesindustriais —a classe dos financistas. (. . . ) Cada passo importante que demosno sentido do desenvolvimento da estrutura industrial contribuiu para afastar aclasse dos financistas da classe mais geral dos capitalistas, assegurando-lhe umcontrole maior e mais vantajoso sobre o curso da indústria..

Muito mais próximo ao caso europeu em especial, tudo indica, que a Alemanha, nos16(WOOD, 2003, p. 64).

17(ZYSMAN, 1983, chap. two).

18(HOBSON, 1985, p. 175)

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termos proposto por Rudolf HILFERDING: “Chamo de capital financeiro o capital bancário,

portanto, o capital em forma de dinheiro que, desse modo, é na realidade transformado em capital

industrial. . . . É evidente que, com a crescente concentração da propriedade, os proprietários de

capital fictício, que dá poder aos bancos, e os proprietários do capital que dá o poder à indústria

são cada vez as mesmas pessoas. Isso é tanto mais verdade quando cada vez mais o grande banco

obtém o poder de dispor do capital fictício.”.19

Quanto ao caso mais geral, por Stuart MILL: “(. . . ) o capital normalmente passa

do mutuante para o mutuário por meio do dinheiro, ou então de uma ordem de pagamento,

e em qualquer hipótese é em dinheiro que o capital é computado e avaliado. . . . o mercado

de empréstimos é denominado mercado monetário; os que têm seu capital disponível para

investimento em empréstimos são denominados classe endinheirada;”.20

Será partindo dessas condições iniciais diversas, que a classe dos banqueiros criando

e embaladas pelos contextos políticos mais ou menos específicos, tanto em função do comando

que possuem sobre o dinheiro, especialmente o dinheiro de crédito, quanto pelo especial vínculo

que conseguem estabelecer no aparelho de Estado,21 que, ao longo da recente conjuntura histórica,

tomam o poder do Estado para si.

Isso se tornou tão mais especial quando houve a constatação de que uma das grandes

características do imediato pós Segunda Guerra foi a de sua subordinação política aos interesses

da coalização keynesiana que conquistou o poder político e estatal do período, reorganizando a

dinâmica da reprodução capitalista da, assim chamada, Era do Ouro do capitalismo contemporâ-

neo.

Esses elementos teóricos, bem como as constatações, oferecem margens para prosse-

guir, pois há interesse, apenas, naquelas hipóteses que importam diretamente ao desenvolvimento

do trabalho. Assim, será tratado o embate político direto que viabilizou a formação das classes e

do poder político à luz desse processo –cujos exercícios políticos e militares foram, igualmente,

se dando ao longo de todo esse período, sem desconhecer, claro, que suas indicações sejam aqui

importantes. Porém interessa apontar os resultados obtidos por esses embates, os quais, após a

crise do keynesianismo de bem estar, cristalizam-se com a detenção de quantidades maiores de

capital líquido, ao longo do período, por essa classe dos banqueiros, induzindo a sua volta ao

19(HILFERDING, 1985, p. 219).

20(MILL, 1986, p. 51). Deixo de lado, por ser bastante duvidosa, a tese dos rentistas, na interpretação de J. M.KEYNES, como uma classe social. Nesse sentido, (CHICK, 1993, cap. 3).

21(ARRIGHI, 1996).

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tablado do poder estatal.

Especialmente, interessa examinar o mando intelectual, isto é, o exercício da he-

gemonia intelectual que se organiza ao longo da discussão teórica frente, a partir dos meados

dos anos de 1980, às diversas possibilidades abertas pela, assim chamada, Crise das Dívidas e

ruptura do keynesianismo.

Evidentemente que, agora, frente à reprodução do capital em sua face nova, especial-

mente baseada num pacto apoiado na extração e apropriação da “boa e velha mais valia, onde

a produtividade do trabalho aumenta de forma acelerada graças às novas tecnologias, mas a

participação da remuneração do trabalho declina.”(DOWBOR. Id. p.12). E, por seu turno, em

um “pacto de solidariedade nas próprias corporações, em que os acionistas são bem remunerados

pelos seus aportes iniciais, e os administradores levam salários nababescos”.(Ibidem). É possível

voltar ao entendimento do(s) sentido(s) dos corolários e pressupostos dos programas de ajustes.

A reatualização do tal “núcleo rígido”, reconstruído com base nos novos processos

políticos e econômicos, demanda agora essa nova face justificadora. Uma institucionalidade

simbólica, na forma de um consentimento e convergência interpretativa, sinalizador dessa nova

forma de dominação por parte da classe dos prestamistas, que é estimulada pela financializada

reprodução do capital.

AS DEMAIS HIPÓTESES

Eis a importância da hipótese auxiliar. A dimensão territorial e histórica, por onde

esse novo pacto se faz presente, é razoavelmente ampla, o que demanda delimitações vitais

para as considerações que serão feitas em torno das economias nacionais centrais e tardias,

particulares ao curso do trabalho, inclusive como demonstração e sustentação da hipótese mais

específica. Ora, não obstante esse quadro histórico mais geral, não se trata, aqui, de abarcar

todos os países e todas as economias nacionais, na confrontação e tratamento dos efeitos dos

programas de ajuste do Fundo Monetário, para fins de demonstração da tese.

Ao contrário, para além da observação da condição teórica fundante mais básica,

isto é, a existência de um sistema monetário e financeiro nacional com soberania, em graus

variados por certo, sobre a moeda e operacionalização dessa, moeda, por uma classe social única.

Circundados, ainda, pela gestão estatal da moeda e da força de trabalho.

E com o devido destaque para o fato de que esse conjunto expressa-se em um sistema

de crédito que foi socialmente alocado nas mãos da classe dos banqueiros, no interior dessas

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sociedades, situados na “convergência das diversas relações evocadas (. . . ) entre os capitalistas e

os assalariados, entre os próprios capitalistas. Isso lhe dá uma posição-chave, do ponto de vista

do conjunto das relações capitalistas, que explica seu desenvolvimento em conexão com uma

parte do aparelho do Estado.”(BRUNHOFF, 1985, p. 60).

Um recorte bastante claro se define, portanto, aqui: o particular significado que toma

as operações com o capital financiador dos processos produtivos, em suas diversas formas, no

interior dessas economias em relação ao contexto de mudanças que se deu internacionalmente,

em relação ao capital financeiro em sua forma mais líquida, a partir da abertura da conta capital,

1980 à frente, em seus balanços de pagamentos.

Isso ocorreu simultaneamente, com a maneira pela qual a divergência do poder

real pelas demais classes burguesas, desses países e em seu interior, foram constituindo-se,

já nos anos de 1980, em relação a essas políticas de confronto e rearticulação dos “centros

de dominação imperialista externa”(FERNANDES, 1976, p. 354), vistos em termos mesmo da

estratégia e confrontos políticos, de aceitação ou recusas que puderam oferecer aos programas

de ajuste que, na maioria das vezes, lhe foram impostos, através do manejo de suas políticas

econômicas, internas e externas.

Tomar essa nova historicidade como algo natural e teoricamente justificável não foi

apenas tarefa de estudiosos locais/nacionais, mas foi igualmente tarefa dos intelectuais do FMI,

os quais tiveram a incumbência de desenvolver e arrolar os novos pressupostos surgidos nos

países centrais, expandindo-os, na prática, para as economias nacionais a serem ajustadas para

esses fins.

É claro que a livre mobilidade dos fatores, mercado de trabalho flexível e plenamente

concorrencial, a maior eficiência dos mercados financeiros, políticas fiscais subordinadas às

políticas monetárias e cambiais, liberalização comercial, etc. constituíram-se em um programa de

intervenção política nas economias ditas em desequilíbrio, objetivando total remodelação de suas

sociedades. Assim, o objetivo destas tornou-se evidente para o Fundo Monetário: regularizar

as Políticas e o Econômico pelas políticas e racionalidade instituídas no âmbito dos mercados

financeiros, em especial.

Evidenciar a hipótese geral orientadora desse trabalho, a reintrodução da ação do

sujeito histórico, o Capital, uma relação social, como responsável pela indução das mudanças

aqui consideradas, para análise das suposições contidas nos programas de ajuste do Fundo

Monetário é crucial, posto que este surja como a astúcia das coisas, frente às razões apresentadas

pelos formuladores desses programas. Por seu turno, considerar o quanto o “ Capitalismo [...]tem

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penetrado em quase todos os aspectos da vida humana e na natureza de maneira tal que nem

sequer eram verdadeiras recentemente, para os assim chamados países capitalistas avançados,

nas duas ou três décadas atrás.”, 22 significa dobrar a hipótese específica para dentro de essa

hipótese auxiliar.

Assim, no caminho de mais uma contribuição ao debate: exatamente porque nada lhe

fora dado anteriormente ao exercício prático da sua presentificação no curso da história recente,

pelos descaminhos e contradições gerados pelo curso dos seus desdobramentos, o capital revela

a si próprio as formas da consciência necessária aos seus desígnios, ainda que de maneira falsa.23

E, também, porque para esta tradição teórica, que perdeu sua clareza habitual, uma

fundamentação deriva logicamente dessa formulação: a separação entre a política e a economia

é uma suposição aqui plenamente rejeitada. Ao contrário, a economia no capitalismo surge do

poder que possui de, nela, fazer-se representar a si mesma como uma prática política que se

universaliza na forma específica de uma relação de poder. Aliás, historicamente, não deve haver

aqui grandes questionamentos, a política pôde afirmar-se24 no capitalismo, tanto sob a forma de

uma economia, como sob a forma do Político, propriamente dito.

São formas igualmente possíveis da instituição do poder e de seus símbolos, formas

de ações possíveis, por certo, com dinâmicas próprias articuladas entre si, para que se resolvam

de acordo com uma ou outra possibilidade, sempre através de um confronto onde “mudanças

na vida material passam a ser o terreno da luta.”(WOOD, 2003, p. 64). Evidente que nada fácil

capturar a ambas as dimensões assim formuladas, pois isso implica no reconhecimento da

realização da vida social como um feito próprio à construção política da história como um todo.

Algo de fundamental pode vir a surgir aqui se a transposição dessa condição se der

nos termos de M. CHAIA. Sabe-se que M. Chaia evoca essa condição ao analisar a presença da

arte na política, especialmente através de seus estudos sobre Shakespeare. Uma reflexão mais

atenta sobre suas reflexões logo revela a extensão material, devidamente humanizada – isto é, a

incorporação das subjetividades como gênese e medida da luta e das contradições do exercício

22(WOOD, 1997, p. 1.Trad. nossa) .

23Cabem aqui, tanto Marilena CHAUI, quanto Daniel BENSAÏD, ambos em (BORON ATILIO A.; JAVIER AMADEO ESABRINA GONZÁLEZ, 2007). Em especial, claro, Friedrich ENGELS, em Florestan Fernandes,(FERNANDES, 1983,p. 464-71).

24Do longo debate sobre a transição, talvez a questão premente seja a configuração política envolta pelo processo.Isso porque parece convergente, ambas as leituras tal qual em Hobsbawm, Introdução a (MARX, 1977). Ainda,WOOD, op. Cit., é vital para o entendimento da convergência.

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do poder e com ele, de seus símbolos – dos fundamentos do Político. Vide(CHAIA, 1995).25

E é especial ao permitir a recuperação da ação política como um todo distante da

fragmentação a ela imposta através dos rumos das pesquisas tanto em ciência econômica como

pela ciência política, comprometendo-se, dessa forma, a capacidade destas em por o mundo para

os “leitores” sem medo.

Não será difícil observar o quanto essa fragmentação que dicotomiza desdobra-se

em demais pseudo divisões no mundo real, aparecendo no interior daquelas ciências totalmente

hipostasiadas. As dicotomias Estado e mercado; mercado e política; modelos analíticos e prática

política; protecionismo e não protecionismo, e assim por diante, surgem como corriqueiras e

naturais no interior dessas análises.

Logo, retomar o todo na reprodução da vida social será estratégico para apurar as

razões para o sentimento naturalizado de perda no qual chegamos e, com isso em mente, busca-se

problematizar o caminho necessário a uma crítica combinada dos programas de ajuste do FMI,

no período dos anos de 1980 a 2008, o capitalismo em sua fase mais atual, vinculando-o aos

quesitos políticos dinâmicos nacionais daqueles Estados da Ásia, Europa, EUA e América Latina,

os quais ficaram subordinados aos objetivos daqueles programas, sob nosso mais longo processo

de humanização da vida social.

Assim, é importante delimitar, também, logo de saída para os futuros desdobramentos

que, não obstante esse quadro mais geral, não se trata de abarcar aqui, tampouco, todos os

enviesamentos da vida econômica implícitos e subjacentes ao que vai a seguir. Ao contrário,

naquilo que mais de perto toca ao andamento do trabalho, restringe-se aqui, ao exame de uma

única fresta e através desta caracterizar o quanto as economias nacionais contribuíram, opondo

desejos e não-desejos, para a construção de um quadro histórico por onde os programas de ajuste

do Fundo Monetário tomaram sentido.

Nota-se, igualmente, o navegar da nave, pois ao dar sentido à efetivação desses

programas do FMI, essas economias terminam sendo, por este e através deste, contaminadas

pelos seus propósitos. As hipóteses, portanto, aprisionam e restringem a confrontação e o

tratamento dos efeitos dos programas de ajuste do Fundo Monetário de várias formas. A primeira,

e de maior importância, diz respeito ao particular significado que tomaram as operações com o

capital dinheiro no interior das economias sob crivo daqueles programas de ajuste. Especialmente

em relação com o contexto de mudanças que se deu, internacionalmente, em relação a mutação

25Também Ellen M. Wood afirma essa condição primária na leitura de Karl Marx. (WOOD, 2003).

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que sofreu o capital para sua forma mais hodierna, nos termos do já investigado pela literatura

existente, de um capital em si.

Em geral esse processo já foi visto, por seu turno, em termos mesmo da estratégia e

confrontos políticos, de desejos e não-desejos, de aceitação ou recusas que esses países puderam

oferecer aos programas de ajuste que, na maioria das vezes, lhe foram impostos, através do

manejo de suas políticas econômicas pelo FMI.26

Como se pode observar na literatura citada, essas sociedades foram tomadas como

palcos históricos daqueles desdobramentos do capital em si, em função mesmo da maneira pela

qual responderam àquele processo de alteração política, com mudanças significativas na política

de suas políticas econômicas, bem como no interior de sua vida social. Nas mudanças que as

abateram vê-se a ação do Fundo, de tal maneira que, só se pode compreender as alterações de

rumo que tiveram compreendendo-se, conjugadamente, os impactos que os programas daquela

instituição tiveram sobre o curso de seus acontecimentos.

Nesse sentido, a hipótese aprisionadora e condicionadora para a reconstrução da

história pela política, aqui considerada necessária e suficiente, é que o processo de subordina-

ção formal dessas sociedades para essa condição mais geral foi o da subsunção real de suas

economias, aos termos da dinâmica do capital em si mundializado, o que aprofunda suas ima-

nentes contradições históricas, decorrentes das lutas nacionais pelo avanço democrático de

suas sociedades e/ou pelo fim dos regimes e alternativas autoritárias e ditatoriais que tinham

pela frente, e buscavam sua superação, seja em termo democrático-nacional, seja em termos

liberais-universalistas.

Pois bem, tudo indica que, de maneira possivelmente lancinante, será possível

compor uma paisagem final, não mais do que isso, a fim de sustentar a hipótese de que: os

programas macros de ajuste do Fundo Monetário, ao submeterem-se e viabilizarem o processo

de ascensão da classe dos prestamistas,27 com todos os impactos internacionais dai derivados,

indubitavelmente sofreram, ao longo desse processo, as consequências de uma crítica que, antes

de possuir um aspecto meramente teórico, é essencialmente material.

26Para América Latina dentre vários, p.ex., (PRESSER, 1999). Para o Leste Asiático e a Rússia, (STIGLITZ,2002).(CRUZ, 2007), desenvolve uma análise dos efeitos políticos dos novos tempos sobre essas economias nacionais.No caso dos vínculos armados entre as políticas econômicas desses países e suas respectivas inserções, históricas,externas. vide:(AMSDEN, 2004), em especial parte 1 e HELLEINER, (op. cit, p.146-209), onde os indicativos“financeiros” são mais evidentes.

27Para K. MARX prestamista é a classe social que se apropria do capital produtor de juros, simplesmente porqueproprietária, jurídica, do capital emprestado aos capitalistas industriais. (MARX, 1980, p. 1498.L4.V.III).

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Vale dizer que a concertação desse processo vai exprimir-se em suas tentativas, nada

vãs, aí elaboradas de busca impor, ao conjunto das economias nacionais, um único padrão

monetário de medida e de reserva de valor, o dólar e os ativos a ele perfilados,28 ao longo da

cadeia reprodutiva do capital mundial, sob a batuta desses programas de ajuste.

Mundializar o capital veio a significar abrir-se à totalidade dos instrumentos de

política e de dominação monetária das economias particulares e, através disso, da sua dinâmica

industrial, para o capital em si, tanto através da abertura da balança comercial ou da balança de

pagamentos, quanto na captura do núcleo mais duro do sistema monetário-financeiro, os Bancos

Centrais nacionais, nos termos da operação daquela moeda.

O objetivo, bastante patente desses programas, foi o de dominar a administração

dos recursos orçamentários desses Estados, especialmente os rumos de suas políticas fiscais.

Intervir nas práticas de empréstimos bancários e da captura das dívidas públicas, já existentes,

referenciando-as pela dinâmica da reprodução daquele tipo de reserva de valor e dos elementos

necessários à sua consumação. Não seriam essas as reais motivações para a “independência” dos

Bancos Centrais na periferia do sistema?

Expressamente esse movimento, capturado pelos programas de ajuste, abre possibili-

dades e será alimentado pelas demais dimensões intervenientes ao processo. Ressalta-se, em

primeiro lugar, a construção e a reconstrução da hegemonia estado-unidense e do fortalecimento

de sua moeda no plano externo,(TAVARES M. FIORI, 1997). Em segundo lugar, a maneira pela qual

se resolveram as condições políticas internas, os conflitos ali observados, de sua Sociedade,29

em confronto com as economias centrais ao processo da reprodução capitalista, no âmbito da

concorrência internacional, entre seus respectivos Oligopólios e classes trabalhadoras.

Em terceiro lugar, a maneira pela qual as economias dominantes responderam a esse

processo da reconstrução da hegemonia americana, no âmbito mais global, conservadoramente,

devendo-se esse aspecto conservador frente “por um lado, ao predomínio excessivo que tiveram

os interesses privados dos bancos internacionalizados na condução das políticas de ajuste

macroeconômico e, por outro lado, na falta de uma modernização democrática nas relações

industriais entre capital e trabalho no interior de suas empresas”(TAVARES, 1990b, p. 3,Trad.

nossa), com todos seus deletérios efeitos sobre os países Periféricos.

28Tanto em (TAVARES M. FIORI, 1997), como em L. G.BELLUZZO, Finança global e ciclos de expansão, in(FIORI,1999).

29Vide Parboni, (PARBONI, 1981) e Funabashi, (FUNABASHI, 1989).

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Finalmente, ao revelar-se como uma luta política que visa assegurar o domínio

por sobre a reprodução de um capital que se mundializa, também, no contexto político dos

confrontos à época, buscando afastar as possibilidades do desencadeamento de um processo

de transformação social e econômico de natureza potencialmente socialista. Ricardo Parboni

salienta esse aspecto, da seguinte maneira:(PARBONI, 1981, p. 207)

Sobre as bases da recuperação da consciência do caráter antagônico dodesenvolvimento capitalista, pode ser possível tecer os fios de uma estratégiaalternativa de sociedade que pode incorporar, lado a lado, os trabalhadores doOcidente, as novas massas proletárias do Terceiro Mundo e os países socialistas.(Trad. nossa).

Hoje, vista através da bonança histórica, essa mais longa formação política se faz

como uma contradição em processo, refletindo, nos programas de ajuste, a oposição que se

articula entre os juros substantivados, dinheiro em si capital e o dinheiro de crédito,30 em função

nada linear, vital ao funcionamento do sistema econômico, do compromisso político que se deu

no estabelecimento da igualdade entre lucros e juros do capital, como regra política de ouro para

o ordenamento político do sistema no pós-guerra.31

A consequência maior dessa ruptura de compromissos, de forma nada linear, foi a

construção de uma barreira à estratégia de ajuste, que lhe foi imposta no tempo e, em segundo,

seu mais novo arranjo político, pelos fundamentos presentes a cada uma dessas entidades, juros

e lucros: a impossibilidade de fluir, no tempo, os supostos contidos na antecipação do trabalho

objetivado, especialmente em seu processo de valorização mais contemporâneo, contido nos

estreitos limites de produção e de medida do trabalho social, “dados” para o dinheiro de crédito

e na reprodução, sem medida e sem valor, do dinheiro capital, gestado e apropriado pela classe

dos financistas.

A superprodução do capital, em função da valorização do dinheiro capital perpetua-

mente vinculada às condições da circulação do capital, migra, nesse período, para a circulação

iterada das Divisas, Ações e títulos de Dívida Pública, dos e nos diversos Estados Nacionais.32

30Em Karl Marx, vide (MARX, 1975, p. 363-4, cap.XIX e p.397-8,cap. XXI. L3,V.5). As mais recentesinterpretações marxianas sobre o dinheiro e o sistema de crédito mantém-se no interior do mesmo quadro conceitual,certamente, através de uma outra construção teórica. Para tanto,(MOSELEY, 2005) e (CAMPBELL, 2002).

31(CHICK. op. cit.).

32Segue-se aqui a interpretação pioneira de (BRAGA, 1993), sobre o processo de financeirização das economias in-dustriais. Vide também Maurício Coutinho sobre o crédito em Marx. Dinheiro de crédito é constituído privadamente

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Ora, ocorre que esta sua existência é impotente para gerar acréscimos de mais valor ao sistema,

girando apenas no interior do próprio sistema financeiro.

Nos termos de DOWBOR:33

Este desvio das capacidades financeiras, do investimento produtivo para asesferas da especulação, está no centro da perversão sistêmica que enfrentamos.

E isto contradiz, no tempo, a estreita base de produção de valor do capital e, por

conseguinte, desestabiliza a geração das três formas básicas de rendas derivadas da extração da

“mais-valia”, demandante que é das condições efetivas da reprodução global do capital. Renda

da terra, salários e lucros, para ter valor deverá ser, ao contrário a partir desse momento histórico,

capturada pela lógica da valorização do dinheiro capital. Porém, dessa forma fica, igualmente

comprometida, a reprodução social do aspecto mais básico da existência do capital: a conversão

do sobretrabalho em “mais-valia”. E, em função disso, a apropriação privada pelo capital da

produtividade social do trabalho, sob a forma de lucro, é desviada pelo filtro da infinitude da

transferência do valor, para aqueles ativos líquidos financeiros.

Ao ser, relativamente, impossível estabelecerem-se formas de equivalência entre

a rentabilidade gerada aí nesse setor financeiro, com aquela gerada na valorização lucrativa

do capital, se inviabiliza a equivalência relativa entre lucro e “mais-valia”. E as alterações

nos preços básicos, que supõem conflitos distributivos prévios necessários às suas formações,

descompromissadas com a especificação daquele valor acrescido pelo processo da reprodução

do capital, fomentam crises contínuas sobre a medida do valor para a reprodução do capital.

Uma confrontação bastante concreta entre trabalho vivo, de um lado, e, de outro

lado, o dinheiro, portanto, se expressa através da maneira pela qual se dá a impossibilidade social

e política da transformação sucessiva da forma capital dinheiro em continuada autovalorização,

na extensão da apropriação e transferência de direitos sobre a propriedade tanto do dinheiro de

crédito como do capital produtivo, na economia mundializada capitalista. O busílis da questão

concentra-se no fato de que juros substantivados, girando em torno de si, não realizam o circuito

a partir da circulação de títulos mercantis de crédito, entre os capitalistas privados que o reinveste produtivamentee não produz, por si, valor. Capital dinheiro se constitui como produto de um crédito, por parte dos banqueiros,onde não há capital prévio para suportar suas garantias reais e nessa circunstância específica, se valoriza posto queuma mercadoria capital, subordinando a si a dinâmica e a totalidade do dinheiro de crédito e o produto do capitalprodutivo.(COUTINHO, 1997, p. 180-3). Evidentemente cabe propor as condições históricas mais contemporâneasonde essa lógica se faz no interior do desenvolvimento de uma economia capitalista mundial. (CAMPBEL. op.cit.)

33Idem.

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total do capital, do capital em geral ou só o realiza parcialmente, gerando instabilidades e crises

permanentes, em função das constantes obstruções na transformação, sem mais, do capital em

dinheiro,34 devidamente acrescentado por mais valor, o qual só é gerado no uso da especial

mercadoria, força de trabalho.

O ponto mais crítico do processo deve manifestar-se exatamente quando o capital

busca ultrapassar seus próprios limites. Ora, sabe-se que:35

O produto do capital é o lucro. Na base da produção capitalista desembolsar odinheiro como dinheiro ou como capital é apenas variar a maneira de empregá-lo. Dinheiro (mercadoria), na base da produção capitalista, é em si capital(do mesmo modo que a força de trabalho em si é trabalho), pois (1) podeconverter-se nas condições de produção e, tal qual é, expressa-as de maneirapuramente abstrata, sendo a existência delas como valor, e (2) os elementosmateriais da riqueza possuem em si a propriedade de ser capital por que seuoposto, o trabalho assalariado, o que os transmuta em capital, está disponívelcomo base da produção social.

E, mais fundamentalmente:36

Não são dois capitais diferentes, o produtor de juro e o de lucro, mas o mesmocapital que funciona no processo como capital, gera um lucro, se reparte entredois capitalistas diferentes: o que está fora do processo e como proprietáriorepresenta o capital em si (mas a condição essencial deste ser representadopor um proprietário privado; sem ela, não se torna capital em oposição aotrabalho assalariado), e o que representa o capital operante, o capital que estáno processo de produção.

Logo, quando o dinheiro em si capital, assim em seu processo mesmo de gestação

para a condição de capital em si, não mais consegue atribuir às condições da apropriação do

dinheiro de crédito, manifesta-se uma barreira ao seu processo de reprodução, em termos iniciais

de um trade-off, entre o trabalho antecipado, trabalho morto futuro, no interior de sua rotação –a

qual, por sua vez, desmembra-se numa oposição originária entre trabalho objetivado presente, de

34O contexto institucional, obviamente, é o da presença do sistema de crédito, tal qual em Marx, (MARX. op.cit).Observe-se a natureza da contradição: sinteticamente, aquilo que se constitui como barreira é, em simultâneo, suaalavancagem. A esse respeito, vide Roman Rosdolsky, (ROSDOLSKY, 1986, p. 437-9)

35(MARX, 1980, p. 1511).

36Idem. p.1512-3).

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um lado, e trabalho vivo–, e a forma do capital produtor de juros, capital a crédito ou capital em

si dinheiro.

Ironicamente, o que lhe permitiria sair, sem limites, de sua existência como capital

dinheiro, em sua continuada transição para qualquer tipo de título de crédito, uma transferência

de propriedade contratual, visando o incremento no seu valor e, vorazmente, tomando para

si trabalho vivo presente e futuro para retomar, hoje, como dinheiro de crédito passível de

transformar-se, novamente, em dinheiro em si capital, acaba por ver-se afetada pelos supostos

sociais e políticos, contidos em seu próprio movimento.

O aumento desmedido do dinheiro, na forma mais pura de capital, vai se fazendo a

partir do maior distanciamento entre esse vínculo, empossando-se na esfera da circulação do

mercado de capital em geral, no presente, relacionando-se com uma base menor de trabalho

objetivado presente. Esse, continuamente liberado do processo da valorização do dinheiro capital,

reduz sua presença na criação do valor necessário à manutenção do produto social.

O próprio trabalho dos criadores de valor recua em montante proporcional, em

relação ao trabalho social presente, necessário à geração da massa de mais-valia do sistema

como um todo. Uma contradição nova imiscui-se ao longo do processo, entre o D em si K,

superabundante e sem medidas, com a nova retração social do trabalho necessário para emprestar-

lhe valor, junto com aquela determinada na relação entre dinheiro de crédito e dinheiro D’ em si

K, amplificando-se as condições sociais e política da crise.

Quanto maior essa superabundância do capital, maior a retração desse trabalho vivo

presente, reduzindo, continuadamente, sua capacidade de apropriação do resultado do trabalho,

medido em termos de valor de troca, constante no trabalho objetivado. Nessa impossibilidade de

apropriação dos resultados do dispêndio da força de trabalho, presente e futura, valores e preços

perdem sua medida, inviabilizando o incremento em valor do próprio dinheiro capital.

Um capital superabundante e sem medida vai acumulando-se, sem base e em quanti-

dades crescentes, conjugando-se a valorização desmedida do dinheiro capital, até o momento

pelo qual o ocultamento do processo não mais se torna possível, desencadeando um movimento

de reprodução, que em si engendra a crise.

Dito de outra forma, pelo ângulo estrito da desvalorização do trabalho e, consequen-

temente dos resultados do trabalho, bloqueia-se a manutenção virtuosa de todo o circuito, o qual,

no tempo, redunda em crises financeiras, em um dos polos de sua manifestação e crise produtiva,

como dinâmica da crise em geral, no polo oposto. Na perda da capacidade de produzir valor que

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corresponda, em alguma medida, a apropriação daquele trabalho futuro, antecipado e objetivado,

no momento de domínio do capital em sua forma financeira, observa-se, o giro falso da própria

face da circulação do capital como capital.

Aprisionando-se, nesse circuito, indefinidamente e sem capacidade de gerar valor

novo, seja antecipando-o, pelo uso futuro da mercadoria especial, força de trabalho, seja pela

suposição implícita de transferência unívoca de direitos sobre a propriedade do capital produtivo,

cravado no processo da reprodução ampliada do capital, sem limites e, portanto, travado em uma

crise devastadora, leva consigo o próprio processo de reprodução do capitalismo, hoje, a nível

mundial, impactando o conjunto das economias nacionais.37

Assim, o processo pelo qual a crise se expressou ( momento no qual se dão as perdas

de capital nas diversas órbitas particulares de sua existência), as razões de sua gênese, o motivo

para a crise, tornam-se fruto desse próprio movimento de busca de realização e apropriação do

valor; qual seja, da busca ininterrupta do capital em superar seus limites físicos e temporais.

Neste caso específico, ao replicar iteradamente as fases da circulação total do capital,

objetivava reduzir o tempo total de circulação para uma única fase, qual seja,D′−∆C, acelerando

a produção de capital para além do capital existente. Distancia-se do produto existente e impõe,

com isso, travas para a reconversão do capital em capital produtivo. As sequências encadeadas

dessa impossibilidade rebatem sobre o movimento que leva a produção da massa de mais valia,

terminando por abater o próprio capital. É este o significado da crítica escrita no título e da

totalidade desse trabalho.38

Porquanto uma relação social, O Capital, viabilizada por repetições de si mesma,

na busca dramática de identificar-se com esse processo da apropriação do trabalho vivo futuro,

a sociedade é engendrada por esse movimento disjuntivo, cuja dinâmica própria revela-se

no aprofundamento da gravidade, por certo, não apenas social, dos diversos tipos de dramas

e tragédias de nível político-social, vistas durante esse período de 1980-2008, basicamente

37A superabundância de capital deprime a necessidade de expansão do trabalho vivo presente, por outra via quenão a da inovação tecnológica, instituindo o confronto entre trabalho abstrato e capital, em um novo front. Naargumentação de Michal Kalecki, (TDE), quando o dinheiro capital é maior do que os lucros do capital, a tendênciada acumulação gira em torno de sua reprodução simples, dando-se a queda da taxa de lucro. Articulada com o baixonível do investimento em tecnologia, essa sua estagnação agrava-se, atualizando-se momentos críticos de superaçãodo seu regime de dominação.

38Aqui não se espera que se confunda esse processo com os modelos de crise dos mercados financeiros em funçãodo decréscimo do valor da riqueza nominal. Nesse modelo riqueza e renda respondem pelo nível do consumo total.Logo, cancelamentos na riqueza nominal leva a retração do consumo agregado, i.é, causa a crise financeira. E, poroutro lado, não se trata, de uma desfuncionalidade ou involução institucional do mercado financeiro. Nada maisdistante do acima exposto.

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demonstrado pelos índices de desemprego e de repressão salarial, quando não, recessões nas

economias mais pobres do sistema econômico mundial.

Altera a discórdia do Poder, que se quer autônomo dessa conjuntura histórica,

impondo nele os termos da concórdia com essa nova especificidade da mudança na apropriação

ora antecipada do trabalho vivo futuro, ora do trabalho objetivado futuro e, graças às suas crises,

finalmente entram em crise, expressa por instabilidades e rupturas, desordenadoras das dinâmicas

originárias de sua constitutividade. As práticas e estratégias políticas, exploradas pelas classes

sociais, demandam, no decorrer desse quadro histórico, ora formas específicas de legitimação e

ora formas de usurpações; ora estabilidades e ora conflitos bélicos, sempre quando o agravamento

da disjunção surge como uma questão de inovação política por completo. A disjunção como um

drama, que se antecede e se trama a si como sujeito histórico, no sentido da interpretação da

construção shakspeariana do poder, nos termos, apresentados por (CHAIA).

Eis a política e o confronto sobre seu aparecimento, precisa ser desenvolvido. M.

Chaia analisando o moderno conceito de política, através de Shakespeare, coloca que, “A política

é um conceito polissêmico” . . . “atravessada pela gravidade e pela disjunção,”, com seus pares

de opostos “ legitimidade-usurpação, e o segundo pela dupla estabilidade-guerra.” É trágica

posto que se fundamenta “nos mais diferentes paradoxos, como ordem-ruptura, estabilidade-

instabilidade, concórdia-discórdia, paz-guerra e vida-morte.” Sendo “o poder, apresentado por

Shakespeare como uma esfera central de dominação com certo grau de autonomia”, próximo

a formulação de “Maquiavel, com sua teoria do realismo político que contempla a dinâmica

autônoma do poder, a ideia da instabilidade permanente das conjunturas políticas e a imprevisibi-

lidade do desfecho da ação do Príncipe.

Afinal, Maquiavel diz ‘que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas

que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase”’. Assim, em “Shakespeare, enquanto

houver ser humano, vida e sociedade, a política se desenvolverá como tragédia.”(CHAIA, 1995).39

Uma proposição, mais ampla do que aquela contida em Negt e Kluge, que caracteri-

zam o elemento político como decorrente do preenchimento de três grandes contextos: a política,

matéria prima, que se oculta nos interstícios das relações as mais particulares da vida social; a

possibilidade desta, por um “impulso rico em medidas”, generalizar-se para além deste contexto

inicial; e a entrada em cena de interesses construtivos da consciência política, para além do seu

tempo individual, convertendo todo o processo em uma expressão comum a todos os indivíduos

39Também em notas de aulas na disciplina de TEORIA POLÍTICA - PARADOXOS DA POLÍTICA: PODER ELIBERDADE ministrada pelo Prof. Orientador na 5a.feira, 13/09/07.

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associados a ele e na convergência, plena, de todos os contextos ai produzidos.40

Posicionamentos em política, portanto, deve ser definido, parece, sempre à luz

dos valores e paixões dos respectivos Autores, mas também pode se justificar pelo fato de,

genericamente, seus conceitos e significados readquirirem, na história, diferentes sentidos,

atravessando teorias e filosofias, não raro terminando em paradoxos os quais demandam sempre

novas soluções e reinterpretações, individuais e coletivas, como se pode observar no campo da

história das ideias. A política, neste sentido, se expressa por sobressaltos, emergindo no interior

do espaço social como um acontecimento necessário, porque facultativa, para e na resolução de

eventos comunitariamente colocados encapsulando, pelo seu movimento histórico, os diversos

autores que a praticam.

Um posicionamento que contenha essa formulação, de M. Chaia, antes de tudo, para

não surgir resolvido de antemão, por ideias históricas originárias e outras mais recentes, deve

buscar abrir, primariamente, uma lacuna para instituir-se como uma oportunidade nova, tanto

frente ao cabedal das análises institucionais da ciência política, 41 quanto, inclusive, frente ao

conhecimento tido de caráter mais geral, sobre o vir a ser da economia capitalista e bastante

desenvolvido por uma série de autores marxistas e marxianos.42 Lacuna essa onde as “setas

do tempo” ainda não vingaram e que, portanto, se mantenha, por um momento, em suspenso,

abrindo-se para o que seguirá.

Tudo isso porque, pelas várias razões aqui dispostas, primeiro, será “preciso creditar

a Marx a descoberta de que a realidade social é práxis.. . . Que a realidade seja práxis, significa,

neste nível . . . ; que em sua forma acabada a realidade é a política.” (LEFORT, 1979, p. 194-95).

Segundo, cabe manter ainda em suspenso, até o término desse trabalho, que a “raison

d’être” do Político é a sua faculdade em “estabelecer e manter em existência um espaço em

que a liberdade, enquanto virtuosismo, pudesse aparecer. . . Tudo o que acontece neste espaço

de aparecimentos é político por definição, mesmo quando não é um produto direto da ação”,

(ARENDT, 1981, p. 201). (grifo meu). Isto é igualmente vital para o entendimento do objeto

40Veja, (KLUGE ALEXANDER E NEGT, 1999, p. 52). Mas mesmo para essa explicação, a Política surge, na formamais elementar ou complexa, como práticas públicas, em público, cerceada pelos movimentos incertos e trágicosem sua constitutividade.

41Vide as referências bibliográficas aqui lançadas para as análises institucionalistas sobre o FMI.

42Em Engels: “Em outras palavras, empenho-me em provar que o regime político da Alemanha, os levantes contraesse regime, as teorias políticas e religiosas da época não eram causas, mas resultado do grau do desenvolvimento aque tinham chegado, naquele país, a agricultura, as finanças e o comércio. Tal concepção, que é a única concepçãomaterialista da história, provém de Marx: não é minha.”(ENGELS, 1977, p. 8).

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desse trabalho.

E, finalmente, a presença dessa lacuna não deve ser entendida aqui como uma

abstração ou dúvida, mas sim como um tipo de temporalidade e manifestação de uma ação,

marcada pela ausência da verdade, que busca captar o problema apresentado, da conversão

da Política numa Economia, antes de sua resolução, em termos históricos.43 Ou ainda, pelo

entendimento de se dar, o que segue, como algo óbvio, “natural” e lógico. Duas possibilidades

que se teve de deixar em aberto pelas assertivas acima.

Não sem razões. Por ser o econômico, historicamente construído, o lugar onde

a economia torna-se uma prática política, socialmente configurada, busca-se, ao manter a

solicitação da suspensão e lacuna, justificar e legitimar a oportunidade para a seguinte questão:

por que uma intervenção teórica no campo da economia converte-se, simultaneamente, em uma

ação em Política? Ou, de maneira bem mais simplificada: qual é a qualidade especificamente

política do modelo macroeconômico elaborado e em uso pelo FMI, no período da dominação

política da classe dos banqueiros?

Como se pode observar, mostrar duas tarefas em simultâneo. A primeira, mais

evidente, é a de reclamar a necessidade do comparecimento da Filosofia Política e de sua

experiência44 no interior da construção dessa dinâmica e da elaboração dos conceitos, dos mais

primários que a tese demanda, os quais não devem ser vistos como um derivado lógico-formal,

sem historicidade. Isto porque, tudo indica que as Filosofias Políticas têm em comum o pensar

a si, quando exercitam a prática do seu pensamento, sobre as questões da sociedade política.

Esse seu pensamento almeja, nele mesmo, senão a verdade, o justo, o ético, a emancipação do

indivíduo, a política democrática, pelo menos busca os vestígios dessas e dentre estes, segundo

Lefort, “os vestígios de uma ocultação da verdade”, (LEFORT, 1991, p. 257).

Entretanto, ao tratar desses temas gerais, a Filosofia Política deve responder a maneira

pela qual pensa, especialmente, a maneira pela qual pensa o Político, qual seja, como pensa o

poder instituído. A marca fundamental do político, agora sim, para uma Filosofia que se faz

na Economia Política e pela Política, em uma forma simbólica de medida, reflexiva, para a

sociedade, isto é, como uma forma de acessar o mundo e nele ver-se. Não é, portanto, parte do

realmente instituído, e nem é estranho a este, mas articula-se, para além de uma relação causal

43De um lado evita-se a prática corriqueira do anacronismo histórico e de outro, a imediata conclusão desse traba-lho, posto que um tema já bastante ressaltado na tradição marxiana, onde se encontra esse tipo de questionamentoteórico.

44G. MARÇAL para a urgência na captura dessa experiência, em (BORON, 2006).

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de origem, com esse mundo, constituindo-se, com esse mundo, ao longo de sua efetivação.45.

Agora a Filosofia Política põe para si, o Político como práticas sociais ou individuais

formativas das articulações entre as esferas funcionais do mundo e como o jeito pelo qual seu

conteúdo é, reflexivamente, apropriado. Trabalha o Político na forma de uma proposição com

propriedades que lhe são definidoras. Por sugestão, iguala um conjunto de valores dignos como

conteúdo e caminhos reais e não apenas com caráter normativo. Se assim, apressadamente, para

o Político, a Política para a Filosofia, o realizado possui sinal negativo, sempre que perde ou

venha a esquecer do elemento Político nela contido.

O esquecimento do Político pela Política, olhando com cuidado, é negado, portanto,

frente às propriedades, aos valores, às normas presentes no conteúdo, a priori, imaginário do

Político, pois este diz respeito a uma possibilidade de ser, antes de mais nada, que corresponda

aos elementos contidos na elaboração do seu pensar. E é neste sentido que o político deve

preceder a tudo.

O debate tratado aqui é, em seus limites, também, sobre as relações entre a Filosofia

na Política, seu fundamento e as Ciências, seu objeto de estudo ou as exigências que se colocam

aos tipos de conhecimento filosófico e científico, vendo-as como parte, também, do mundo. Nos

termos de F. Lefort, o recorte da Ciência Política, que deve ser generalizado sem esquecer as

filigranas, opera no sentido de particularizar as relações sociais nas diversas formas em que se

manifesta, separando-as, em dimensões, até o limite de observar quais escapam da dimensão

Política, que contém as relações de força, as ideologias, o exercício do poder, etc., daquelas que

não contém estes aspectos, sendo, portanto, econômicas, jurídicas e etc.

Neste âmbito, a construção da Política e demais disciplinas do conhecimento, será

um ato de naturalização das relações históricas, por parte da Ciência, para que, assim, possa ser

apreendida(o) em sua especificidade, de maneira neutra46. A Política, em especial na Ciência

Política, em suma, não leva a interrogação do seu aparecimento, bastando-lhe conceber e analisar

os aspectos formais do fenômeno, concebido como político. Convém ressaltar, o que não é

propriamente a política e, ainda generalizadamente, não é propriamente a maneira de se obter

conhecimento nas demais áreas das ciências humanas.

Diferentemente deste trajeto, toda experiência da Filosofia na Política será exata-

45Aqui a recusa em se trilhar pela ciência política, mesmo a base de um tratamento o mais favorável, tal qualacima indicado.

46Esta é uma condição fundamental e explorada especificamente para os modelos macroeconômicos dominantesmais a frente.

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mente a de se buscar a apreensão de um ato único, refletido no interior das relações entre os

homens e a maneira pela qual concebem, em sua prática, a instituição de um poder ou de todo

um mundo social, que se socializa de maneira conflituosa e é reconhecido por estes como algo

meramente simbólico.

O resultado aqui, ao contrário da Ciência Política, será o de reconstituir a forma

originária, a forma política para Lefort, da constituição social, pois é na sua forma originária que

o pensamento pode se introduzir no espaço social, onde as diferenças e as relações entre as classes

se dão, e obter, por esta via, a explicação dos“[. . . ]referenciais em função dos quais se ordena

a experiência da coexistência - referenciais econômicos, jurídicos, estéticos, religiosos[. . . ]”.

(LEFORT, 1991, p. 255).

Os referenciais ordenadores, assim, acompanham o curso da história, que é feita

pelos homens. São diversos e múltiplos, no tempo, mas carregam a característica de serem

socialmente engendrados, que é o papel fundante da liberdade política e do regime político que

a melhor acolhe. Qual seja, a necessidade da democracia política e, nesse formato político, se

mostram passíveis de serem apreendidas, em sua especificação frente à totalidade da história,

pela reflexão.

Cabe ainda, a tarefa de juntar a instituição da sociedade com o poder, em dois grandes

planos: naquele da articulação interna e nascimento das múltiplas relações sociais e em seu

registro real e legítimo. E, finalmente, cabe-lhe revelar a lógica que unifica, na análise, condutas

e instituições com as ideias e os discursos, seja à luz do simbólico e efetivo, histórico e corrente,

seja em seu movimento originário e de consumação.

A consequência mediatizada dessa aspiração à concretude, por parte da Filosofia na

Economia Política, é sua conversão inerente em uma forma Política. Essa forma política, por

seu turno, em Marx e no após Marx, implica em um pensamento sobre a sociedade civil, mais

precisamente a constituição do processo de produção do capital e o movimento da economia que

o torna necessário (MARX, 1975) e (MARX, 1980). Dito de outra forma, o Econômico toma sua

forma contemporânea pela consolidação e generalização da subordinação de todas as formas de

extração de valor à forma da extração da mais valia relativa.

Gerando, no passo seguinte da história, a gestação das políticas necessárias à gestão

da força de trabalho, no limite inferior da sobrevivência e sua disponibilização para uma vida

social, comandada pela fábrica, em seguida, passa pelo controle da moeda, na forma de imposição

territorial e hierarquização das demais formas fluídas dos valores de troca, tendo por referência a

moeda estatal (BRUNHOFF, 1985) e o posterior desdobramento dessas condições para a economia

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mundial, agora na forma da grande indústria, do maior assalariamento e da presença de uma

moeda-estatal dominante(TAVARES, 1982).

Eis um redesenho das economias capitalistas posicionadas aquém desse desenvol-

vimento, mas contendo seus pré-requisitos básicos, pela imposição da incorporação dessas

relações sociais no Econômico local, que faz emergir sua economia no interior dessa mais

recente dinâmica social, marcada pela presença da extração da mais valia.

Olhando de perto, nota-se uma dinâmica, apenas isto, que torna possível e viabiliza,

por uma política, um tipo qualquer de “economia”. Essa terá, sempre, a possibilidade de se

vincular ao Econômico desde que consiga realizar o valor excedente, produzido na extração do

sobretrabalho que marca sua condição de origem. No limite, sabe-se que, graças à Marx, uma

economia política dos criadores de valor põe-se, neste momento, como marco referencial para

todas as atividades materiais dos indivíduos que aí se formam, bem como, faz nascer um tipo

específico de conflito e contradição que gira em torno da apropriação das formas da riqueza

social, ainda que abstrata, que o Capital, como um todo, em sua forma mundial,47 permite.

A economia cristaliza-se como apenas uma possibilidade sempre precariamente,

portanto, quando os supostos gerais do sistema possam ser recriados. Foi o pensamento social

que se armou através da Revolução Marginalista, da teoria subjetiva do valor, ao confundir os

dois planos, dando àquela a primazia mais atual, hoje observada nos diversos estudos econômicos

e nos livros-textos, inclusive da heterodoxia, subordinando, dessa forma, o Econômico a uma

economia.

Foi também essa mesma forma de pensamento que impôs a falsa separação entre

o Estado e um suposto mercado que dele independe. E foram os continuadores dessa visão

a-histórica que agendaram o tipo de tratamento adequado, formalmente, a essas dicotomias. Não

obstante o fato de que se trata mesmo da questão do State-cum-capital e do Capital-cum-State,

vis-à-vis a Economia com a Política e a Política dessa Economia.

Assim, a economia apresenta-se naquela tradição apenas como uma possibilidade

política e não pode ser entendida como sinônimo do Econômico, posto que este se revela num

plano histórico mais geral e ao mesmo tempo em que a contém. Também é ilusória, e/ou

ideológica, a concepção derivada da possibilidade de uma separação daquilo que, de fato, é uma

unidade histórica, qual seja, a inerência que se estabelece entre o capital e o Estado na economia

47Seguir aqui as sugestões de Michalet é interessante, porém com a observação de que a fonte da internacionaliza-ção da extração do valor deve ser buscada no conflito político vivenciado a cada período histórico e não, apenas, pelanecessidade da maior apropriação do excedente por parte das empresas multinacionais. (MICHALET, 1976, 66-100).

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moderna. Aliás, é isso que permite confrontar diretamente a questão do pré-requisito do fazer

dos economistas e do tratamento que realizam sobre a economia capitalista.

Calcados pela relação entre as ideias, suas proposições e a interpretação destas,

considerando-as como intervenções simbólicas-instituintes, permeadas por contradições e confli-

tos internos aos seus desdobramentos, almejam realizá-las no interior de um espaço público, onde

suas ideias devem tomar corpo. E exatamente ao fazer depender, para superação de sua condição

originária, sua existência do Econômico que gestou, de uma forma de outra, esse espaço público,

a economia, assim desenvolvida, deve aspirar à configuração política, na viabilização de seus

pressupostos, a despeito de se ter ou não um objetivo prévio por parte do autor nesse sentido.

Isto é, a economia desenvolvida, mesmo como um projeto intelectual, deve colocar-

se para a configuração política, buscando sua expressão na forma mais geral do Econômico, onde

as ideias, as proposições e os argumentos buscam, possuir sentido, (ENGELS, op. cit.).48

O que fazem, portanto, não necessita ser travestido pelo seu tipo ou intenções,

(política macro ou micro), economia positiva ou normativa, para tornarem-se política, posto que

o momento histórico no qual é produzida a coloca nessa forma inerentemente política. Precisa

da política para que se especifique como uma forma de ser da economia, sem a qual se perde nas

diversas formas do fazer artesão, como uma prática social não-moderna.

Seu suporte, para tanto, em uma sociedade capitalista, é o de adequação, em um

momento da história, ao projeto e exercício de dominação de uma classe social. Em suma, com

esses fundamentos, portanto, a Filosofia Política expõe a melhor forma da apreensão daqueles

movimentos “intelectuais” críticos e indutores do novo quadro político.

Ora, se, frente a isso, assumir de saída um posicionamento em política justifica-se

como caminho de fundamentação teórica para a construção e o uso de um modo de análise

adequado à exploração dessa dinâmica humanizadora, na qual a economia se faz como uma

prática política, cabe hoje recuperar o feito que K. Marx contribui para reavivar.

No interior desse contexto filosófico, posto que fundante em seus termos históricos,

os programas de ajustes do FMI possuem dimensão especial, pois fizeram parte de uma constru-

ção que se expande para o conjunto das economias nacionais, no interior dessa dinâmica política

da disjunção. A par de atos de violência e de refugamentos e oposições violentas o Fundo

alimentou e viabilizou os pré-requisitos necessários à hegemonia daquela forma do dinheiro

48Um caminho bastante diverso daquele exposto em Schumpeter e Friedman. (SCHUMPETER, 1964, cap. 1.V.1);(FRIEDMAN, 1970, p. 3-43).

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de crédito, tanto no plano das ideias legitimadoras, como no campo dos requisitos práticos

necessários para tanto.

De um lado, agiu sobre a questão do desequilíbrio dos balanços de pagamentos dos

países e na crise das dívidas nacionais, especialmente a partir dos anos de 1980, com as posturas

e regras disciplinadoras de um banco privado, encadeando-as às necessidades desse novo sistema

financeiro internacional.

De outro lado, forneceu as ideias, ideologias e visões de mundo, a superestrutura

política, necessárias ao exercício hegemônico do capital dinheiro financerizado, com largos

apoios dos conservadores, o que o levou a sua presente crise a partir do ano de 2000. Sendo,

portanto, parte da crise e aspecto indispensável ao entendimento da afirmação desse processo,

aparece como veículo para a crítica teórica.

E, frise-se: foi criticado pela lógica das coisas quando o limite físico do próprio

capital revelou-se como uma tendência contraditória. Vale dizer que esse verdadeiro pano de

fundo por onde os programas desenrolam-se, é o marco pelo qual os interesses econômicos

centrais, permitidos pelos programas de ajuste do Fundo Monetário, alcançam sua limitação

prática e fazem-na como uma crítica aos pressupostos e ideias, para a busca de legitimidades

para intervenção nas economias nacionais periféricas, que interferem no próprio sentido de sua

existência.

Mas não obstante sua importância e radicalidade, não é objeto imediato desse

trabalho levar às últimas consequências teóricas essa formulação que vem, por certo, de K.

Marx. Uma maior exploração desse corolário serve apenas como uma tentativa de recuperar

uma maneira de abordagem, mais geral, daquelas hipóteses na base de uma crítica em economia

política sobre as formulações teóricas pressupostas na elaboração desses programas de ajustes do

FMI, cujas referências reportam-se, a um misto de fundamentações provenientes do utilitarismo

marginalista e do liberalismo político clássico.

Através dessa mais recente síntese, colocada em foco a partir dos anos de 1980,

foi construída uma hegemonia que submeteu as questões políticas e intelectuais, os valores e

suposições teóricas das ciências humanas de natureza crítica, por um longo período, ao mando

daquilo que é chamado comumente de programa político do novo liberalismo, que atingiu,

pesadamente, de novo a hipótese, visões, concepções, legitimidade e a análise teórica utilizada

pelo próprio FMI.

Ressalte-se que esse movimento intelectual implicou em uma singular especificação

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das relações entre a economia e a política, separando-as ideológica e tacitamente, em partes

autônomas e independentes entre si, buscando, para tanto apoios evidentes nas postulações da

economia política clássica e do marginalismo da teoria econômica, correntes intelectuais essas

rejeitadas, por diversos ângulos, durante o acordo político e social vigente no período da Era do

Ouro.

O resultado da separação de ambos os âmbitos bloqueou um melhor entendimento das

novas emergências da dinâmica econômica e política da economia capitalista atual, determinando

aos seus críticos tentativas diversas de construção de uma outra crítica, na qual essa se insere.

Foi K. Marx quem parece ser, aqui, suficientemente reconhecido. Ao reordenar o roteiro de

investigação e análise da reprodução capitalista demonstrando a centralidade da questão da

produção e da apropriação da riqueza capitalista, como algo político que se dá por sobre a

extração do sobretrabalho na forma de luta de classes. Hoje, acredita-se que, nos termos do

processo crítico em curso e das concepções e fundamentações em que o debate se apresenta, há a

necessidade de retomar esses caminhos já trilhados, devido aos avanços já atingidos por suas

concepções.

Tendo em vista os encaminhamentos assim propostos, esclarece-se, também, a

aparente contradição, não compreendida pelas críticas, entre o insucesso dos programas de ajuste

do FMI para as economias capitalistas tardias, na resolução da crise da dívida e de desajuste dos

balanços de pagamento, no período dos anos de 1980 a meados de 1990, e seu êxito, hoje em

crise, no que se refere aos endossos políticos macroeconômicos, necessários ao mais recente

desempenho da reprodução ampliada do capital, em sua gênese e estipulação financeira nas

economias centrais.

Mais evidente agora, o conjunto de propostas desenvolvidas na instituição e aplicá-

veis, de maneira uniforme, às demais economias nacionais tardias, nunca pecou por erros de

análise, insuficiências programáticas ou conceituais, ou mesmo erros de formulação, como adi-

antadas pelas críticas internas e externas. Ao contrário, todo o esforço e a indução à necessidade

de ajustes nos termos daqueles programas, buscavam alinhar as economias tardias à dinâmica

das economias centrais, onde ocorria e se consolidava o predomínio das formas financeiras de

valorização do capital. Foram impecáveis, portanto, na efetivação desse processo.

E assim o fizeram, construindo em um longo processo de ajuntamento dos requisitos

práticos, políticos e ideológicos, necessários à gestão mundial dessa nova característica financeira,

na qual se faz emergir o capitalismo mundial. Corriqueiramente, por trás da edificação de uma

superestrutura financeira regulatória para todas as economias, nota-se, em curso, a ação inicial

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do dinheiro de crédito, nos vários circuitos do capital, em suas diversas órbitas particulares.

Na inundação torrencial desse movimento do capital financeiro, inúmeras práticas

de empréstimo de capital foram se desenvolvendo e justapondo-se, circulando até tornar possível

a submissão do dinheiro de crédito ao dinheiro em si capital. É esse dinheiro em si capital

que se transforma num atrativo para as diversas práticas específicas e locais da acumulação,

onde o dinheiro de crédito torna-se presentificado, qual seja, na forma do crédito dos circuitos

comerciais, industriais, imobiliários, agrário, agrícola e de serviços em geral, viabilizando-os

segundo seus desígnios creditícios e não mais produtivos.

No entanto, os programas de ajuste do FMI mascararam esse processo de reprodução

ampliada e de circulação de todas essas práticas especificadas, as quais passam a se dar no

interior da reprodução do atual capital financeiro. Ao contrário, portanto, do discurso ideológico

que apresenta, ocultando-o pela pretensa separação do econômico e do político, bastante distante

das críticas que lhe foram remetidas; recompuseram em uma mesma dimensão orgânica ambos

os aspectos econômicos e políticos, necessários à afirmação daquela prática histórica específica,

determinada pela totalidade unilateral do capitalismo financeiro.

A emergência do capitalismo mundial, na base financeira, utilizou-se deste como um

recurso para inserir formas inovadas da gestão desregulada, tanto da circulação do dinheiro em si

capital como do capital de crédito, e será a natureza do conteúdo ideológico dessa gestão que vai

aparecer nos programas macroeconômicos do FMI em sua mais recente fase, trazendo para si o

complexo problema da articulação mundial desses pressupostos. A crítica a esses programas

de ajuste, portanto, só poderia surgir na forma de crises concretas continuadas, no interior do

próprio processo, expondo a fragilidade da arquitetura econômica mundial apoiada nos termos

da autovalorização do dinheiro em si capital, refutando-os.

Esse movimento do capital –a substantivação do juro, para transcrever os termos

de M. Coutinho, “como forma autônoma” de valorização do capital total– tornou-se possível

em função da barragem feita pelo deslocamento do poder político construído após a 2ªGuerra

Mundial, visando superar as tendências que limitavam o processo, tornado crítico, de ampliação

da valorização do capital nos países industriais, especialmente nos USA e Inglaterra.

Manifestando oposições ao seu próprio movimento, explode em crises continuadas

ao longo de sua configuração, sendo a primeira a crise mais geral do Sistema de Bretton Woods,

(SBW), e a segunda, ao final dos anos de 1980, que complementa os processos contraditórios

de mudança, na forma de uma generalização dos seus fundamentos surgidos nos anos de 1970,

tornando-se, desde então, incessante e vital para a reafirmação de todo esse processo.

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Exatamente ao colocar-se para a economia mundial, explorando as distâncias entre

uma dinâmica anterior, que se faz pelo domínio da Grande Indústria, e as formas atuais renovadas

do capital, qual seja, o capital financeiro dispõe-se a alterar as condições internas políticas e

econômicas dos países de origem e, fundamentalmente, a alterar as condições políticas internas

dos países periféricos, subordinando-as a esse movimento mais geral. Por certo, essa nova fonte

de dominação impõe o ritmo de acumulação das economias dos países em desenvolvimento,

voltadas para a replicação e reprodução do capital próprio, àquelas economias centrais, ao novo

processo de acumulação, agora em novas bases financeiras.

Com maior especificidade, no bojo da crítica, os esforços de elaboração, reelaboração

e implementação dos programas de ajustes do FMI por todo o período, devem ser entendidos

como uma tradução na esfera internacional da necessária gestão, finalística e exitosa, das moedas

nacionais e do capital nacional privado do Império e de seus satélites mais próximos, à luz dessas

condições determinadas pela ascensão ao poder de uma nova aristocracia financeira.

Isso implica, primeiro, no entendimento da modificação da posição institucional

do FMI que migra a par da constituição de uma prática política inovada para esses fins, com a

consequente negação e refugamento do rol de programas próprios aos modelos analíticos do

keynesianismo do pós-guerra. Deve ficar evidente que a revisão dos anteriores fundamentos

teóricos e políticos, que grassavam as propostas do Fundo, mudou ,tendo em vista a adequação

de seus postulados para um novo contexto histórico, sob uma nova agenda pública, com todas as

incertezas que esse processo, institucional e político, tomou.

Como um efeito de ambas as questões, acarretou, por parte do Bureau do FMI

revisões constantes de suas Cláusulas e de seu Estatuto originário,49 bem como na intervenção

sistemática sobre a autonomia das políticas nacionais e no refazimento da condição econômica

interna e ação externa dessas Nações. Que se viram obrigadas a reorientar as diversas práticas

sociais e políticas contidas pelos seus capitais particulares locais, para as novas especificidades,

igualmente materializadas, decorrentes do domínio da valorização da riqueza.

Ainda sempre nos termos dessa nova forma de acumulação, impondo-lhes o pseudo-

traço da imanência, equivalência e modernização dessas práticas, pressupostamente, iguais ao

mesmo processo de reprodução do capital das economias centrais, modernizando, por igual,

todas as economias assim envolvidas.49Os Artigos e as Cláusulas que regulamentam a ação do FMI encontram-se em

http://www.imf.org/external/pubs/ft/aa/aa.pdf. Uma história oficializada sobre o Fundo, sobre a qual se-guem as demais considerações, encontra-se em (BOUGHTON, 2001).

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Logo, e essa tese enfatiza bastante isso e de diversas formas, os programas de ajuste

do FMI não podem ser compreendidos apenas, em termos efetivos, pelas formulações que

buscam neles algum tipo de erro de elaboração, no que se refira aos fundamentos empíricos dos

modelos, erros de implementação ou mesmo ausência das melhores técnicas em sua elaboração.

Evidentemente que tais esforços analíticos que buscam erros de formulação são necessários.

Ocorre, porém, que essas abordagens não são suficientes para a compreensão mais

geral dos acontecimentos históricos presentes no interior daquelas fundamentações e pressu-

postos articulados. A hipótese que aqui se desenvolve, ao contrário, trata de demonstrar a

adoção e implementação dos programas, suas razões principais, suas aparentes contradições e/ou

insuficiências, submergindo-os às condições históricas da época, marcadas pela crise crescente

do processo de reprodução do capital e, especialmente, como uma forma de resposta a esse

processo.

Também deve ser encarada com o devido ceticismo a proposição desenvolvida pela

crítica pós-facto, de ver na articulação entre os programas de ajustes e as crises econômicas

e sociais, uma pretensa não realização do “dever de casa” por parte das economias nacionais,

como se essa fosse a real explicação para a dinâmica continuada das crises que atingiram e ainda

atingem essas economias.

Aqui, a importância da periodização assumida, foi a de que esta permite acompanhar

as mudanças dos corolários e pressupostos a partir dos meados dos anos de 1980, frente à crise.

Pois, será nesse momento que a gestão do circuito, mais geral dos fluxos do capital financeiro,

teve tem a possibilidade de efetivar-se e de romper as restrições nacionais internas e, logo após,

externa, vencendo a barreira prática e ideológica que tomou corpo no período anterior.

Assim, seja na forma dos diversos tipos de keynesianismos socialmente dirigidos,

seja, nos diversos tipos de desenvolvimentismo autoritários, ou nas lutas anticoloniais, para

os diversos países periféricos a esse processo, consagra-se o comando de uma moeda única,

lastreadora desse fluxo de capital financeiro, o dólar americano, como medida e reserva de

valor para todas as riquezas, nacionalmente produzidas. Um processo de longa duração, cujos

tentáculos, até o momento comportam-se nos termos vigentes em sua origem.

Essa ideologia, em sua forma material, expressa por uma mudança da natureza

política da economia dos anos de 1970, quando comparada aos anos de 1980 em diante, é

marcada, visivelmente, pelos supostos em políticas da política econômica que sustentam a

subordinação da produção do sobretrabalho e das trocas mercantis à tensão entre as práticas

da circulação do dinheiro de crédito e das inúmeras formas práticas de mudança de título de

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propriedade, que tomou forma no dinheiro em si capital.50 Práticas estas que conflitam na busca

do reencontro do processo de valorização do valor das rendas e do valor do capital, subordináveis

a necessária conversão à forma de capital em geral.

Em última instância deve, ainda, dar conta de transformar uma proposição política,

que na sua imediaticidade pode ser lesiva aos interesses do capitalismo industrial americano e

demais setores, específica aos seus interesses, na forma concreta de uma prática universal. A

expansão para uma economia que emerge mundialmente, nessa nova base, foi o veículo que

tornou essa proposição suficiente para todas as classes sociais envolvidas nas diversas órbitas

existente do capital.

É essa demanda por universalização das práticas financeiras, seu processo de difusão

e incorporação por todos os segmentos políticos e econômicos, que torna preciso uma gestão

com características adequadas a sua natureza mundial. E, parece ser evidente, hoje, o quanto

esta foi gestada pelo Fundo e pelas demais instituições internacionais, no pós-crise dos anos de

1980 em diante.

Desse ponto de vista, de um lado, há a necessidade do FMI em elaborar, de forma

justificada cientificamente, os modelos macroeconômicos internacionais de gestão como um

pré-requisito político para a determinação hierarquizada da moeda única. Aqui, a necessidade de

um padrão fixo do valor da moeda é imediatamente abandonada em função das explorações dos

ativos de divisas, como um caso típico dos ativos do mercado financeiro em geral.

Todo o programa de gestão sintetizado nos programas de ajuste reverbera os esforços

para que essa moeda única, com sua ávida tensão entre sua capacidade de produzir renda mas não

de produzir valor ao nível mundial, convalide a medida de valor de troca da riqueza dispersamente

produzida, bem como a conversão dessa riqueza em um atributo financeiro, convalidando-a

através das inúmeras formas de transferência de propriedades.

De outro lado, a reconstrução de um outro mecanismo internacional com aspectos

privatistas, frente à queda do SBW que recepcione essas funções apresentadas em um ambiente

que alarga a temporalidade privada do dinheiro de crédito. Suzane de BRUNHOFF antecipa a

questão crucial de toda essa estratégia:51 a reforma do sistema monetário internacional na base

da alavancagem dos bancos privados e de uma relação, desregulamentada para com os Bancos

Centrais, permite essa convergência das moedas nacionais, para validação no mercado de crédito

em termos privados.

50Vide Notas de Rodapé, acima.51(BRUNHOFF, 1985).

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Este se constitui no segundo objetivo dos programas de ajuste do FMI, no período,

que se abre para um foco específico de contenção: trata-se de montar e monitorar, por parte

desses programas uma lógica de reconciliação entre as moedas nacionais fraccionadas, à luz

de um ativo de reserva de valor para esse novo ambiente, gerida e concebida no âmbito –e essa

parece ser a marca do período– dos bancos privados, isto é, segundo a lógica dos bancos privados

internacionalizados, especialmente norte-americanos.

Ao mesmo tempo, impuseram a condição do câmbio flutuante, amarrando o braço

regulamentador dos Bancos Centrais nacionais, junto com a proposição de uma expansão

monetária restrita, de acordo com as expectativas de maior incremento para as taxas de juros

na economia mundial capitalista, sustentadas, ambas as propostas, pela adoção de uma política

monetária homogênea a todas as economias nacionais, expressa no uso generalizado da proposta

de metas inflacionárias.

Os programas de ajustes visam superar, portanto, os distanciamentos das instituições

nacionais, com relação a essas novas práticas e, também, montar a ideologia pela qual esse novo

ambiente internacional pode vir a afirmar-se. O “fracasso” dos programas voltados ao ajuste e

modernização nas economias tardias é que viabilizaram as dinâmicas externas sobre autênticas

dinâmicas nacionais.

Os terríveis resultados, do ponto de vista social para esses países, em todas as

dimensões naquele período e estendidos até hoje; a persistente estagnação econômica de três

décadas, para essas sociedades e os retrocessos políticos, aí observados, são faces opostas do

“êxito” obtido por aquelas economias centrais na reordenação de seus processos de valorização,

com a entrada em cena da retomada do poder pela classe dos banqueiros.

Através desse movimento histórico, portanto, é que surge, não só a reboque, um

consenso acerca das orientações necessárias a uma boa política macro para todas as economias

capitalistas, a partir da crise do final dos anos 70. A captura do FMI para novas propostas em

‘macroeconomia’ será tanto uma imposição da hegemonia das economias dominantes, quanto

uma recepção das novas práticas financistas que vão tomando forma e lugar de destaque no

espaço político das economias tardias. Processo esse permeado de conflitos no plano interno

desses países, que se viabiliza por contar com condições materiais, historicamente produzidas,

que as embalam.

Assumido o risco da simplificação na interpretação da dinâmica política desses

países, talvez possa avançar, de maneira auxiliar aos nossos propósitos e hipoteticamente, a ideia

de que a condição favorável para essa dominação decorre da história imediatamente antecedente

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dessas Nações e de seus nacionalismos, exatamente naquele tópico pelo qual se tornam, de uma

forma ou de outra, igualmente capitalistas. Robert COX, tratando sobre as possíveis análises

de Antonio GRAMSCI sobre as relações internacionais, pontua, de forma clara, a dinâmica do

que consiste o crivo histórico, por onde a dominação, na sua nova fase, tornar-se-á possível.

Extraindo de Gramsci a distinção entre os dois tipos do desenvolvimento da sociedade civil, que

se converte em tour-de-force da luta política nacional com seus efeitos no campo internacional,

afirma que Gramsci:52

. . . distinguiu entre dois tipos de sociedade. Uma que se submeteu a umacompleta revolução social e elaborou inteiramente suas consequências no novomodo de produção e de relação social. Inglaterra e França foram casos queavançaram mais do que outros a este respeito. Outro tipo foram sociedadesque tiveram apenas, por assim dizer, importado ou tinham empurrado sobreelas, aspectos de uma nova ordem criada no exterior, sem a velha ordem tersido deslocada. Estes últimos foram travados sobre uma dialética restauração-revolução que tendia a ser bloqueada, sem nenhuma força nova nem o velhotriunfo. Nestas sociedades, a nova burguesia industrial faliu ao realizar ahegemonia. (Trad. e cursivas nossas)..

Será esse movimento que configura os descaminhos políticos do Fundo, em relação

as suas ações e deslegitimações determinadas pela ausência das condições originárias do SBW.

Sem a ancoragem da tese internacional da estabilidade monetária e presentes, nesse período, as

disputas pelo poder sobre a divisão internacional do trabalho e as lutas políticas internas das

economias e sociedades tardias, o FMI perdeu aquela sustentação política que o tornava possível.

E esse mesmo movimento mostra-se responsável pela atual crise histórica e instituci-

onal que, hoje, este organismo internacional debate-se.

Sintetizando o até aqui exposto: é a ascensão e a retomada do poder pela classe

dos endinheirados, nos anos de 1980, desencadeada por um conflito político que se instaura

já em meados dos anos de 1970, nos Estados Unidos e na Inglaterra inicialmente, que vai se

expressar nas justificativas e formulações desses programas de ajustes do FMI, bem como nos

requisitos institucionais internacionais, observáveis para sua ação de fiscalização e de vigilância,

por sobre as diversas economias nacionais, à luz de seu art. IV, colocando as dinâmicas internas,

historicamente constituídas no pós-guerra, para fora, isto é, para esse processo global, em uma

nova conjuntura da acumulação capitalista.

Esses programas difundem materialmente, por seu turno, as estratégias da reprodução52(COX. Id., p. 54).

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ampliada do capital, em sua circulação financeira, graças ao longo processo de retomada do poder

pela classe dos banqueiros, consistindo, assim, numa nova Política do capital, configuradora de

sua mais recente Macroeconomia, vista, hoje em situação de crise.

Posto de outra forma, observa-se aqui a construção de uma hegemonia por parte

dessa classe, que viabiliza e consolida os termos anteriores de uma formação econômica social

de natureza mundial, apoiada na extração mundializada do valor do sobretrabalho, expandindo

essa condição, até então, nacional, para o contexto transformador da mais recente economia

mundial.

O processo levou, mais uma vez, a que se apresentassem os pressupostos políticos

atinentes aos modelos de ajuste, desde aquele período crucial das mudanças na economia

capitalista, como alavancas que apoiam e sustentam a condição necessária para afirmação dessa

nova dominação política da classe dos banqueiros na economia mundial capitalista.

A anatomia, assim arquitetada pela financerização, ao colocar, de maneira subor-

dinada, as demais práticas comercial, industrial, imobiliária, das finanças e do setor público,

etc.,– qual seja o circuito do capital na forma de dinheiro para a circulação capitalista– a seu

serviço, explicita atos de hierarquização, das respectivas riquezas nacionais, das contradições e

dos conflitos.

Expõe, isto sim, a maneira pela qual a hegemonia mundial vai sendo concretizada

passo a passo pela instituição de novas políticas, novas tecnologias intimamente relacionadas

à emergência da classe dos endinheirados e das práticas bancárias, estendendo-se do plano

nacional para o plano internacional, na forma do consenso e da coerção. Coloca-se, portanto,

como uma totalidade por sobre todas essas práticas creditícias e tecnologias anteriormente

existentes, subjugando-as (COX). Em suma, um ato continuado de violência, de adulteração,

manifestado em contradições e conflitos, vem à tona em sua gestação.

Os primeiros conflitos e lutas políticas, pela ordem de acontecimentos, manifestaram-

se nas investidas contra o keynesianismo. Um tipo de conflito político expresso pela realocação

pública dos recursos monetários e fiscais, socialmente dirigidos pelas práticas keynesianas para

seus fins, é que leva a subordinação e a imposição de carecimentos e de perdas, em renda,

emprego, posição e disposição políticas, para os demais indivíduos e classes sociais vinculadas

ao mundo do trabalho.

Aproxima-se, com isso, das formas clássicas de repressão da luta política operária

e da compreensão de salários e de redução de empregos, do começo do século XX; funda-se a

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economia numa forma específica de se fazer política, marcada pela intervenção dos interesses

privados no âmbito dos Estados, estimulando-se a natureza privada da prática política CHAIA.

Outros atos de violência e de conflitos acompanharam, em geral, esse ato inaugural da luta

política e expandiram-se contra a Soberania dos demais Estados, alcançando volume em batalhas

internas ao seu tecido social.

Tudo isto em função da adequação, vale enfatizar, para a condição mais geral do

capitalismo mundial, das novas necessidades que sustentam, ideologicamente e na prática social,

seus contraditórios desdobramentos. O resultado foi a criação de uma macroeconomia mundial

conservantista, a qual se coaduna com esse novo movimento da acumulação, incorporando nela,

essa nova forma de gestão da economia mundial.

Pelo outro ângulo de uma crítica que pode ser produzida, trata-se de rejeitar, os

fundamentos das críticas dos programas de ajustes, que são os mesmos das críticas reformadoras

desenvolvidas no Board do FMI, que se apoiam na concepção dualista, comumente aceita e

tacitamente incorporada, da existência de uma suposta esfera do econômico e uma autônoma

esfera da política. Essas críticas aos programas de ajuste, notadamente, expressam-se em duas

dimensões.

Na primeira, fazem a crítica da necessidade da política ao afirmar o quanto esta afeta

negativamente o bom mocismo dos mercados e, em sua segunda forma, quase dela derivada,

reduz os problemas das análises sobre a dinâmica do capitalismo a um par paralelo, onde ambas

as esferas modificam-se por interatividade, sem que se ultrapassem, de fato, seus próprios limites.

O desentendimento gerado cria não apenas o vazio conceito de globalização e outros

campos de investigação marcadamente a-históricos e formais. Mas, sem nenhuma astúcia, põe

na agenda da discussão novos dualismos, a saber: o da oposição entre o Estado e o Mercado;

entre uma economia nacional e uma economia internacional que se reproduzem, mesmo que

desigualmente, por moto próprio; entre a política e o político; entre o Estado Nacional e a

inevitável queda da Soberania, etc. Tal fato conseguiu dominar, por essa via, corações e mentes.

Frisa-se, então: a chave –que supera esses entendimentos particulares e lhe faz a

devida crítica da crítica– reside na unidade que o movimento do capital impõe para sua condição

prática, pré-requisito da sua existência, algo não posto pelos dois tipos de críticas. Ora, as

idealizações ou as ideias como força material que são, coadunam com esse movimento de uma

forma ou de outra.

Isto já permite uma breve exploração no campo estrito das ideias: a Política, neces-

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sária a nova Macroeconomia, nascida como ideologia nos anos de 1970, tem origem na inegável

convergência entre monetaristas ortodoxos – com suas análises sobre as causas da inflação no

período, diagnosticada como um desequilíbrio provocado pela inefetividade da ação do Estado,

monetaristas das economias abertas, com seu enfoque sobre os desequilíbrios do balanço de

pagamento, na forma de evento monetário exógeno e reações de aprofundamento da crise do

balanço de pagamentos em função da racionalidade dos agentes.

Juntando-se a estes, os novos clássicos, com a proposição de flexibilidade total dos

preços e dos salários, assegurada a condição da livre concorrência nos mercados, benefícios

mútuos para todos e maximização das utilidades. Ambos, sintetizados, levam ao ressurgimento

das propostas de políticas, subordinadas aos pressupostos do Estado mínimo e a aceitação tácita

dos interesses políticos das classes endinheiradas da economia mundial.

Desenhados no interior do modelo da nova escola clássica, todas essas suposições

e convergências ganham um colorido especial que recai sobre a natureza da oferta monetária.

Esta, regrada e fixada por parte do Banco Central, demandará na sua gestão uma independência

política, frente à representação política que o Estado possui ou deve possuir diante da Sociedade

civil, solapando os termos dos exercícios públicos democráticos da prática política, ao separar a

concepção e execução da política monetária e dos juros das demais políticas públicas nacionais.

Esses bancos centrais, para tanto, abraçarão a incorreta suposição da plena racio-

nalidade dos agentes na negação da ilusão monetária e asseguram a incrementalidade positiva

dos juros, frente à rigidez da base monetária, veículo por onde a rentabilidade financista pode

ancorar-se. A expectativa racional por parte dos agentes e preços relativos livremente consti-

tuídos, como suposição do equilíbrio dos mercados, coroa o quadro geral da intencionalidade

contida no marco do novo modelo macro.53

Com esses supostos, neutraliza-se a importância política e simbólica das políticas

econômicas keynesianas e dos requisitos democráticos do seu correspondente modelo político,

comumente definido como Liberalismo Domesticado do pós-guerra, sustentado pela coordenação

das lutas entre as classes através do Estado, cujo resultado foi o de recolocar as teses que

sustentam o Lado da Oferta e seus correspondentes pressupostos políticos, como o vetor dinâmico

das economias industriais e, consequentemente, das periféricas, já ao final dos anos 70 do último

53Se para a construção desse novo modelo macro, portanto, foi necessário trazer a tona antigas concepções, issose deve ao fato de que: “A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu,precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em eu auxílio os espíritosdo passado, tomando-lhes emprestado, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagememprestada.”, (MARX, 1978, p. 329).

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século, explicitando-se novas estratégias políticas para nova rodada da reprodução ampliada do

capital.

Evidentemente que não há linearidade nesse movimento entre nova Macro e novas

condições econômicas, posto que resulta de processos históricos mais gerais, e isto é central à

hipótese levantada, de uma dinâmica capitalista intrinsecamente instável, que se expressa no

tempo, na forma de contradição e crise, sempre em termos dos resultados concretos das lutas

entre as classes.

O fato é que, neste período após a crise do SBW, as Instituições Reguladoras e

demais Convenções, criadas com o objetivo de mitigarem ignorância e incertezas decorrentes

de um contraditório processo de valorização do capital, o (FMI) sente igualmente os impactos

da época, sujeitando-se, em função de instabilidades e bifurcações decorrentes da crise, a buscar

novos caminhos práticos e novos procedimentos teóricos, não neutros em relação a sua dimensão

e conflitos políticos.

Nesse percurso, as instituições terminaram por aguçarem ainda mais as contradições

em processo e não lograram estancar as incertezas inerentes àquele momento histórico, em suas

diversas dimensões. Conclui-se, então, pelo não anacronismo. Nesse sentido, não existe, ainda, a

devida consciência histórica entre aquela ascensão da nova classe e as alterações dos programas

de ajuste do Fundo.

A raiz do encontro entre ambas as coisas é díspar. Provém do maior adensamento

e atuação do FMI na resolução do problema das dívidas dos países periféricos, para atuar

como emprestador de última instância na crise onde atuam como Banco, sem ser, uma prática

inespecífica, portanto, e do uso prático e compulsório das normas e disposições dessas atuações

já praticadas, normalmente, pelas demais instituições financeiras privadas.

Esse processo, comando pelo dinheiro em si capital, uma prática própria aos merca-

dos de capitais que busca hegemonia, valida, os programas macros do Fundo, atualizando-os;

torna obsoleta sua história, legitimidade e visões de mundo anteriormente estabelecidas na sua

origem, graças à sua captura pelas novas condições observadas no campo da reprodução do

capital. A rigor, em função mesmo dos desdobramentos ali contidos.

O dinheiro em si capital, juros substantivados, portanto, encontra-se no ponto de

partida e de chegada dessas propostas práticas, tendo, ao seu meio, a gestão macro das condições

mundiais que tornam essa passagem possível. Porém, entre a ideia e as ideologias não há

linearidade, elas podem vagar como produto teórico em uma conjuntura, informando outros

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rumos.

Assim, houve a continuidade dos debates sobre garantias de direitos de propriedade

e progresso institucional, justificando-se os efeitos provocados pelas alterações do quadro macro-

econômico internacional e, por consequência no seu próprio modus-operandi institucional nos

anos 80 e 90, como resultante de uma possível ineficiência das políticas econômicas controladas

pelos Estados nacionais no período.

Isto tinha valia, fundamentalmente, para aqueles Estados periféricos ou para aquelas

práticas keynesianas do pós-guerra, e servia para alavancar supostos aspectos ineptos sobre uma

prática específica, as políticas keynesianas da demanda efetiva, com sua concepção da relação

entre juros e lucros, para viabilizar uma prática bancária/financeira, que se demonstra, hoje,

igualmente, inepta.

Um movimento de reprodução e acumulação marcado pela presença da Grande

Indústria e pelas lutas políticas entre as classes sociais dai decorrentes, alimentadas pelo avanço

e bloqueio de um maior processo de exploração do sobretrabalho, naqueles termos ocorridos no

pós-guerra, impõe, aos programas políticos conservantistas, um passo atrás.

Nesse deslocamento para trás, à luz dessas mutações e ainda no plano das ideias, é

possível deparar-se com uma onda redutível de práticas e consensos monetaristas e clássicos

revisados. Não parece, assim, excessivo indicar sua origem, não evidentemente tratadas no

âmbito da Filosofia Política, nos rumos tomados pela ruptura com o keynesianismo do pós 2ª

Guerra Mundial, desaguando na incorporação de supostos teóricos refratários aos elementos

mais centrais dessa dinâmica capitalista.

Por exemplo, à frente explorado, conceber os programas de ajustes como regras

padronizadas segundo as desigualdades e a forte presença de assimetrias em relação às demais

economias nacionais, não foi um simples ato decorrente de um esforço brilhante de coleta

e processamento de dados a nível mundial, de resto uma tarefa relevante, tampouco indica

apenas uma maior capacidade de especificação e ampliação técnica para o uso dos modelos

econométricos, necessários a uma instituição que trata de acompanhar a performance de uma

centena de economias, e nem honestos cuidados no monitoramento do desnivelamento da taxa

de câmbio do conjunto das economias nacionais.

E nada de resolver, em termos de possíveis interesses públicos internacionais, proble-

mas complexos desenhados no interior da acumulação capitalista, para economias tão diversas.54

54Esses corolários existiram de fatos e foram assim movidos na lógica do sight-friendly para a virtude dosmercados, tão propalada como bonança nas últimas décadas.

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Ao contrário, tratava-se, especialmente, da necessidade de uniformização das condi-

ções políticas necessárias à implementação daqueles programas Macros e, portanto, tratava-se de

impor, quando examinado os dois períodos de 1970 e de 1980, desvios de rotas às Nações, vindas

de regimes autoritários ou ditatoriais, no sentido de criar-se uma barreira autônoma na busca

do seu exercício de Soberania, resubmetendo-a ao que se convencionou chamar de instituições

favoráveis à dinâmica do livre mercado.

Caberiam aqui, duas frentes de ataque, naquele mais longo período. Ambas foram

sintetizadas e justificadas nos termos do Consenso de Washington e demais debates postados no

âmbito do Mainstream da ciência política, notadamente referenciada pelos termos e concepções

possíveis no âmbito da teoria dos jogos e logo pela sua transformação em prescrições normativas,

como algo pertinente as virtudes da suposta maior eficiência das instituições e ganhos de

governabilidade, quando se torna claro e persigam as boas “regras do jogo”55.

Assim, acobertadas pela noção da virtuosidade das regras, da estabilidade dos preços

e das pertinências das instituições protetoras dos direitos de propriedade e não rompimento

das regras contratuais, buscou-se limitar o pique das mudanças dessas Nações, com o uso das

condicionalidades presentes no interior das novas políticas mundiais necessárias a nova fase de

acumulação capitalista.

Essencialmente aqui, para todos os países, a agenda política logo foi sintetizada

em termos do debate sobre Estado e crescimento econômico e o diagnóstico, para todas as

situações nacionais foi que uma boa governança deveria restringir a atividade pública ao mínimo

indispensável para a segurança das práticas de mercado pelos agentes econômicos. A maior

virtude do mercado significaria que as crises políticas e econômicas teriam um desaguadouro

natural, despolitizado, para sua solução.

Com outra roupagem, essas mesmas políticas visaram os países europeus, adicio-

nando os bons efeitos de uma presumível estratégia de convergência produtiva e institucional,

intervindo, dessa forma, no conjunto da discussão política da formação do Bloco Europeu,

explorada nos termos da integração pelo mercado com as devidas resistências ao caminho da

integração através de uma política social, tal qual apresentado por Robert BOYER, em (BERGÉ;

YVES, 1995). Também, por (DEHOVE, 2000).

Os ataques e a agenda deveriam ser mais bem qualificados. Em primeiro lugar,

55Vide o conjunto de ensaios produzidos para a “San José Conference", (PALDAM, 1996), realizado na Costa Rica,pelo mainstream, em abril de 1996.

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visavam às mudanças políticas que caminhavam, já nos anos de 1980, nas Nações periféricas

após a derrubada dos regimes ditatoriais, ao longo dos anos de 1970, para uma articulação

benéfica entre os modelos políticos mais próximos de uma Democracia Republicana, em geral,

e um sistema econômico voltado ao desenvolvimento, essencialmente com novas políticas de

reforma agrária, do mercado de trabalho, desconcentração de renda e de tributação, com seus

impactos esperados sobre as políticas fiscais e monetárias dessas economias.

Em segundo lugar, concentraram-se nos termos do desenvolvimento do financia-

mento das políticas industriais e de inovação, guardada as diversas diferenças entre essas Nações,

cujas estratégias de financiamento, até então com aporte dos recursos públicos nacionais e dos

bancos públicos de fomento internacionais, foram desqualificados e substituídos pela concepção

da agilidade e melhor rumo.

Tais características seriam dadas tanto pela presença dos investimentos estrangeiros

diretos, formadores de poupança para essas economias, como pela captação dos recursos de finan-

ciamento a baixo custo nos bancos privados, os quais, naquele momento, iriam internacionalizar-

se, cumprindo o papel de aportar poupança necessária ao desenvolvimento desses países. 56

Nesse momento importa destacar o quanto esses ataques de fora para dentro encontraram con-

dições internas para efetivarem-se, redesenhando as relações internas entre as classes sociais

nesses Estados periféricos, em alguns casos voltando a sua condição primário-exportadora.

Centralmente, retoma-se A. Gramsci em R. Cox,: as Nações periféricas envolvidas

no interior desse processo sucumbiram à condição externa formadora das condicionalidades

que reafirmavam sua natureza econômica “passiva”. Nas economias retardatárias, inclusive as

últimas restantes (AMSDEN, 2004, p.251-293), as burguesias industriais, por razões diversas,

não construíram capacidade de poder de classe autônomo, com potência suficiente para barrar

a internalização dos ditames da macroeconomia financeira, projetando, isto sim, seus custosos

efeitos políticos e sociais por sobre seus povos e suas classes trabalhadoras, cuja consequência

foi a retomada de uma dinâmica econômica e política do retorno a essa condição periférica e

dependente. Cabe aqui, com todo o cuidado que a generalização e atualização de diagnósticos

passados e visões específicas permitem, à análise conclusiva de Florestan:(FERNANDES, 1976,

p. 354)

56Para tanto, principalmente (Ha-Joon CHANG; BAGCHI, A. Kumar e NAYYAR, Deepak) em (SUNDARAM,2006).

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A unificação e a centralização do poder real das classes burguesasa não atingi-ram níveis suficientemente altos e profundos –mesmo com o auxílio, ulteriorde seu Estado autocrático e do que ele representa, como fator de reforço ede estabilidade da ordem – a ponto de mudarem o significado dos interessesespecificamente burgueses em termos das outras classes, da Nação como umtodo e dos centros de dominação imperialista externa.

aFlorestan se refere às classes burguesas das economias capitalistas retardatárias,em especial a brasileira, em seu dilema em atuar pela Democracia ou atuar contra apossibilidade histórica dessa.

Se tal aporte, portanto, permitisse: o desarme ideológico aí entabulado consistiu

em fazer um trade-off raso no campo das ideias entre um Estado que, quanto maior, limita o

desenvolvimento, frente a um mercado livremente competitivo, que quanto mais livre, mais

beneficia a causa do desenvolvimento. Mas, não obstante a formulação ideológica, a questão

chave encontra-se justamente naquele movimento histórico pelo qual forças internas dessas

economias foram constituindo as relações sociais capitalistas, passo a passo, com a presença de

um núcleo central, onde esse já domina a totalidade das relações econômicas no capitalismo.

Essa sua dinâmica, envolvida pelo movimento de conservação das suas formas

originárias e movida pelo núcleo duro do sistema, implicou em uma circularidade histórica

onde as burguesias locais não puderam construir suas respectivas sociedades civis de maneira

autônoma nem para fins internos, tampouco para fins externos(FLORESTAN). A lacuna estava

historicamente colocada para um novo processo reatualizador dessa condição originária.

As reformas e as lutas políticas, a partir dos anos de 1980 até a atual crise capitalista,

indicam a exploração dessa dinâmica nos termos da nova lógica da acumulação e construção do

novo poder político.

Assim, de maneira ainda que suficientemente genérica, o resultado da saída deste im-

bróglio crítico, do quadro econômico e da situação institucional, foi veiculado por uma proposta

de um programa de reformas, cujos pontos centrais foram a abertura comercial, liberalização

financeira, privatizações, política fiscal contracionistas para os estados periféricos.

Tais pontos foram associados ao livre movimento dos capitais e a todas as economias

nacionais, junto com barreiras políticas e econômicas no acesso a novas tecnologias e emprésti-

mos internacionais públicos, ao longo do período, produzindo-se assimetrias entre os países e no

interior dos próprios países, legando às economias centrais, supõem-se, ainda, os ganhos obtidos

com o setor externo assim constituído, com consequentes crises e pauperizações das economias

periféricas ao longo deste processo, em função de uma maior transferência de capital dessas

economias as quais se transformam em economias credoras das economias industriais, em geral.

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Não deve deixar dúvidas sobre o esgarçamento da arquitetura política internacional,

bem como das nacionais, erigidas no momento anterior a esse desarme, com reposicionamentos e

novas hierarquias na distribuição do poder econômico e político. Acredita-se que, para uma dada

crítica que ataca os programas de ajuste pela sua aparente irracionalidade ou por um suposto

apoio intencional, calculado e antecipador das condições políticas e econômicas para o novo

equilíbrio internacional e nacional –em suma, um caminho posto por uma sucessão de equívocos

ou muito próximo disso, por parte desses programas de ajustes econômicos do período, conforme

essas críticas incompletas sugerem– esta crítica, frisa-se, deve cessar aqui.

Desarticulada as Convenções e Cenários do sistema econômico no período, projetando-

se para comportamentos erráticos, subordinando e subsumindo-se, desta forma, nas incertezas

próprias da história em curso, a pretensa irracionalidade das ações do FMI indica uma desestrutu-

ração pela história. Esta se abre para um momento de busca, de uma nova fonte de legitimidade

e de exercício de poder, escorando-se nas novas ideias em economia e políticas, em termos de

visões de mundo e de teorias, bem como de reformulação das suas normas e regras de atuação

consensuais e, talvez, sob uma outra macroeconomia possível.

Importante reafirmar alguns tópicos. Como justificado acima, este trabalho não tem

como objetivo fazer uma investigação e uma exposição das lutas políticas nacionais implicadas

por aquela consideração histórica mais geral nos países centrais e periféricos no interior dessa

nova dinâmica, à luz das conjunturas da época. Muito pelo contrário, aqui as considerações

restringem-se apenas a observar a dinâmica vinculadora entre a lógica do desenvolvimento mais

geral da reprodução ampliada na base da valorização financeira do capital e o comportamento da

conta capital dos balanços de pagamentos, da participação do sistema financeiro no PIB e dos

demais indicadores macroeconômicos usuais dos países membros, para a comprovação da tese.

E, ainda, nessa análise de ida e volta entre o econômico e o político, através dos

movimentos do capital e dos seus impactos políticos nos balanços de pagamentos, apenas postula-

se o quanto seu comportamento reúne a dinâmica política nacional daquelas economias, a par,

única e exclusivamente, dos efeitos do imbricamento dos programas de ajuste levados pelo Fundo

e aplicados para o câmbio, juros, salários, crédito e indústria nas economias centrais e periféricas,

tendo em vista a articulação entre esses países.

Vale ressaltar que essas considerações procuram destacar a emergência do movimento

necessário ao entendimento de como um pressuposto, a medida da riqueza e a moeda local,

são submetidas àquela dinâmica financeira e, por outro lado, o quanto essa dinâmica repôs os

aspectos pré-contemporâneos, as meta pressuposições, (CHAUI) in (BORON ATILIO A.; JAVIER

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AMADEO E SABRINA GONZÁLEZ, 2007), dos países de origem, na forma da dominação de uma

classe financeira e de seu Estado mercantil, mais ou menos Liberal, a frente dessa dinâmica.

Mesmo com a imposição de tamanhas restrições para as análises, o resultado, assim,

deverá ser o de mostrar o quanto os programas de ajustes do FMI levaram a um desentendimento

ideologizado sobre as relações mundiais entre os países, que vêm justificar as novas condições

políticas nacionais e internacionais, as quais ossificam suas respostas históricas à instabilidade e

crise no avanço democrático de suas respectivas economias.

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2 Discórdias políticas em torno dossentidos de Bretton Woods

2.1 Os termos dos debates e as visões à época

Parece fundamentada a concepção de que, no período QUE antecede a construção

do SBW, o capitalismo e a sociedade que se haviam criados teriam esgotadas suas reais possibili-

dades de existência, frente a uma crise de proporções nunca vista. Parece, igualmente, coerente

propor que os atores à época tivessem pautado suas ideias, ideologias e expectativas futuras

sob o crivo das incertezas as mais radicais, considerando as consequências sociais e humanas

desencadeados pelos efeitos da 1ªGuerra Mundial e aprofundadas, em uma década mais tarde,

por uma crise política e econômica que foi se constituindo nas décadas posteriores ao final da

Guerra, tomando toda a economia mundial, como uma grande depressão ao longo dos anos de

1920 e também anos depois.

Isso decorreu, por certo, devido a diversas transformações produzidas por um movi-

mento de esgotamento e de tentativas de refundação da vida material e da própria sociedade, ao

longo de todo esse período, chamado por E. Hobsbawm de Era dos Impérios, a qual em seus

termos (HOBSBAWM, 1988, p. 461).

ruiu sob o impacto de explosões que ela mesma gerara em silêncio durante oslongos anos de paz e prosperidade. O que ruiu é evidente: o sistema mundialliberal e a sociedade burguesa do século XIX como norma à qual, por assimdizer, qualquer tipo de ‘civilização’ aspirava.

e o futuro, algo mais trágico ainda,1

1(HOBSBAWM, 1988, loc. cit.).

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. . . só ficou claro em meados do século e, mesmo então, o desenrolar dos fatos,embora talvez previsível, era tão diferente daquele com que as pessoas tinhamse acostumado na era das convulsões, que elas demoraram quase uma geraçãopara identificar o que estava acontecendo.

Assim, tudo indica, que os acontecimentos firmaram presença em todas as dimensões

políticas e sociais, impondo uma refutação generalizada, também, das certezas contidas nas

práticas decorrentes das explicações teóricas mais gerais para o funcionamento daquela sociedade,

bem como em função de uma maior participação política dos povos, pressionando os limites

daqueles regimes liberais, até então constituídos. 2

Naquelas dimensões, por certo, destacaram-se as revisões e refutações, das visões

liberais sobre o trabalho e a formação do próprio mercado de trabalho; as práticas informadoras

das condutas próprias à tradição liberal no mundo das finanças; aquelas daí decorrentes sobre a

concepção da moeda e da maneira pela qual essa deve ser socialmente apreendida; a revisão sobre

as origens e os efeitos do pauperismo e da pobreza individual e nacional; a composição política

para a direção do Estado e a redefinição de sua atuação no interior das políticas econômicas; e

assim por diante.

Algo tão drástico, posto que vincula o trágico ao dramático, tende a colocar na

cena da história todos os atores políticos, segundo sua posição de classe, seus interesses e

concepções sobre o mundo passado e, ainda, segundo os termos de cada um, de sua capacidade

de enfrentamento dos demais e da gestão das estratégias para os confrontos ou concórdias.

Assim, várias sortes de interrupções, distendimento e oportunidades colocam-se,

pelo contexto, para indivíduos, Estados e classes sociais, no plano das ideias e, de acordo com

as suas respectivas capacidades políticas de buscar, em sua especificação prática,(GRENVILLE,

2005, caps. II-IV), formas de dominação e de hegemonia políticas e sociais, construindo e

desconstruindo cenas e cenários, representações e atores, numa velocidade desconcertante,

indicando o parto de uma nova era.

Ou mesmo sua contraparte, qual seja, a perda de capacidade de dominação e de

hegemonia por parte de atores recém-estabelecidos, em função da amplitude desses mesmos

eventos, que uma postura política de mais longa duração poderia vir a sujeitar. Caso explícito do2A lista das mudanças que atravessam esse contexto é significativa, podendo ser acompanhada nos diversos

capítulos constantes em,(BALL; BELLAMY, 2005). Mas evidente que houve, igualmente, nesse contexto a formulaçãode novas compreensões sobre a realidade que iria ai surgindo, tendo curso na entrada do novo Século XX. Um casoque parece simbólico o suficiente, é o da discussão sobre o surgimento da psicologia em detrimento do arcabouço daFilosofia Moral, que ocorre ao final do séc. XIX, veja S. REED in, (TEN, 2005, p. 248-96), e toma corpo no iníciodo séc. XX, como fonte de justificativas e entendimentos das conflituosas condutas observadas nos comportamentosdos indivíduos.

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domínio liberal no campo das finanças, tal qual registrado em HELLEINER. op. cit. p.28.

Ainda que o ambiente, portanto, fosse de incerteza radical, tanto os elementos políti-

cos desaparecidos com a velha ordem, como os receios derivados de uma concepção inovadora

de revolução social proletária iminente e as respostas cruzadas, a ambos, desempenharam cada

quais, segundo os historiadores, suas especificidades no rearranjo da arquitetura de ideias e

de propostas políticas para os novos tempos, definindo as possibilidades gerais da formação

das coalizações políticas durante o período aproximado da grande depressão até o momento da

formação do Sistema de Bretton Woods, com delimitadores impactos sobre o reordenamento

após a 2ª Guerra Mundial.

Cabe frisar, foram os condicionamentos reais que embalaram as diversas ideias, supo-

sições e alternativas frente à crise. A agenda global, nesse sentido, compreendia, em uma mesma

medida, tanto os esforços pragmáticos de salvação do capitalismo, como a consequente recusa

da regressão a situações políticas e históricas passadas, vistas com justificadas desconfianças. E

também formas de reconciliações, olhando-se para o passado ou para o futuro, desenhando-se

um tipo de Consenso político na forma de uma reação contra as forças do mercado adotada por

toda uma sociedade, para que esta não seja aniquilada por aquelas forças.

Ou o desenrolar consensual de uma mesma atitude comum entre intelectuais, ati-

vistas e cidadãos comuns no sentido da recusa ao liberalismo econômico, pressionada que foi

pelos efeitos e consequências da grande depressão (HOBSBAWM, 1996) sendo, provavelmente

Keynes(KEYNES, 1974), um dos melhores expoentes deste caminho Consensual ao indicar, frente

à crise, a necessidade de um Estado socialmente regulador.

Também se encontrava, na ordem do dia, a tomada do poder político pela classe

operária, ideias desenvolvidas no bojo de formulações novas, tanto portando aspectos liberais

da velha ordem, como aspectos essencialmente inovados, segundo os termos de uma revolução

socialista, como em (HOBSBAWM, 1985) e, (ANDERSON, 1985), para um período histórico maior.

Finalmente, as concepções e práticas de retomada da velha ordem, umbilicalmente associada aos

movimentos de ruptura e independência colonial, colocavam-se como possibilidades efetivas de

ruptura na ordem política mundial.

Incluíam-se, nessa agenda, concepções suficientemente flutuantes, distanciadas tanto

das concepções liberais quanto das socialistas, pela síntese em inovadas formulações, fruto das

impossibilidades de mudanças radicais, de um lado, e da impossibilidade de retorno ao passado,

de outro. Em resumo, as críticas ao liberalismo, por parte dos antiliberais da época, junto com a

plataforma política das esquerdas e os esforços políticos de manutenção da ordem, apareciam,

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nesse contexto, motivados por ideias surgidas da e na conjuntura prática, nas várias dimensões

nacionais, que solicitavam encaminhamentos teóricos práticos.

Pode-se ilustrar o quanto a crise implicou na exigência de revisão de valores e

de práticas políticas e posicionamentos sociais, exatamente sobre a oferta de dole para os

desempregados da crise. Essa oferta despertou versões sobre a distorção do espírito empreendedor

dos indivíduos e sua dependência anômica para com o Estado e o seu oposto, igualmente encarado

como vital para a recuperação do corpo e, em consequência, do próprio espirito e da consequente

capacidade de trabalho de todos, tal qual consistiu em uma das ações do New Deal. Bem como,

as questões de auto interesse dos indivíduos ou de uma presença maior da atuação estatal, pública,

sobre os processos práticos de reprodução da vida social os quais, por certo, indicavam tanto

questões práticas como teóricas normativas.3

Limitando-se as visões para a época, seria provável que houvesse diversas visões de

mundo concorrentes, que formulassem alternativas distantes dessa tríade de alternativas teóricas,

frente ao mundo que, se certamente incerto, era passível de reconstrução. E é mais provável,

ainda, que, ao se contemplar a luta política interna e externa, naquele contexto prévio ao mundo

de BW, perceber-se-ia as diferenças entre os diversos planos de reconstrução da economia e

da sociedade da época, filtradas por posições, não de classes, suficientemente legítimas para

apresentarem, por onde se inseriam o mundo do trabalho, da política e da cultura.

Isto em razão do fato de não parecer ser de todo improvável que as diferenças reais

entre credores e devedores produzissem visões, ideologias e práticas políticas específicas para

fazer vingar uma ou outra concepção, no quadro político, mesmo que as relações entre setores

diversos das economias nacionais, provavelmente produzissem visões únicas sobre as saídas da

crise, principalmente em função da maior participação do setor industrial na produção da riqueza

de diversos países, em detrimento do seu setor agrícola, despontando-se para as condições

econômicas dominantes no pós-conflito.

Ou mesmo as concepções produzidas pelas ideias e práticas dos atores voltados a

seu mercado interno e aqueles voltados ao mercado mundial, certamente gerando diferentes

expectativas sobre o futuro, todas muito reais e, portanto, aptas a colocarem-se no tablado das

discussões.

Tanto a questão do gênero, como da mestiça formação dos espaços nacionais, le-

gitimamente colocavam-se à Época, nem sempre por ideias ou práticas unilaterais. (CHAFE,

3Vide (CHAFE, 2003).

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2003) também (ELEY, 2002) Porém, parece ter sido suficientemente ampla a constatação do

esgotamento do capitalismo liberal daquele período e, de uma forma de outra, de uma concepção

fragmentada sobre a necessidade da reconstrução de uma nova época, menos conflituosa, mais

livre, mais igualitária ou mais funcional, a qual se refutou o livre cambismo anterior, refundou

o protecionismo e as diversas formas de nacionalismo os quais se insurgiram como tendência

prática à Época.

O contexto novo, por seu lado, surge da maneira pela qual vai se dando a prática

política entre o Estado e a classe trabalhadora, onde os termos do Político passarão a ser filtrados

pelos termos de uma política nacional exercida no âmbito do Estado, especialmente de uma

política econômica voltada às questões, num tempo mais longo, dos direitos sociais de cidadania,

da presença dos partidos políticos operários, mais tarde, sobrepondo-se a essas as políticas de

defesa da renda e do emprego(EICHENGREEN, 2000, p. 73).

Nesse sentido, respeitadas, ainda, as diversidades nacionais e suas respectivas tempo-

ralidades na construção dessa nova relação, a questão da democracia política e os nacionalismos,

no amplo intervalo que o conceito possui, juntamente com as pressões revolucionárias, revelavam-

se como uma aspiração mais ou menos comum para todas as classes sociais e surgiam como

visões aceitáveis para a reconstrução da crise do capitalismo liberal.

É evidente, também, que tanto a ação dos sindicatos, na maioria dos países capi-

talistas, quanto à elaboração programática e atuação dos partidos de esquerda, principalmente

na Europa, frente às conjunturas da época, já no tempo da II Internacional, bem como a ação

econômica organizada pela classe capitalista e seus partidários, na apropriação concentrada e cen-

tralizada do capital, pelos diversos tipos de oligopólios competitivos, os quais encaminham sua

centralidade para a dinâmica da reprodução ampliada do capital, serão eles próprios, igualmente,

fonte de mudanças críticas e novas referências para a prática política que vai se emergindo.

Assim, mudanças operadas na esfera do Estado, em função das conjunturas políticas

da Época, especificamente nesses termos da intervenção pública na gestão da força de trabalho,

através do aparato fiscal e monetário, bem como na gestão da moeda, especialmente na definição

política dessa, em sua operação no interior do sistema econômico(BRUNHOFF, 1985), revelaram-

se centrais ao andamento de todo esse processo. Dois tipos de movimentos também se faziam

presentes no interior desse processo.

Uma contestação, frente às mudanças da ação do Estado em especial, veio dos

esforços da retomada da velha ordem, especialmente por tentativas de manutenção da prevalência

dos termos mais gerais do laissez-faire, naquilo que, de vital, possuíam da presunção dos benefí-

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cios de um mercado perfeitamente competitivo e da consequente trava para a ação do Estado.

Tanto naquilo que se refere aos aspectos monetários, quanto em relação a sua presumida ação

fiscal, basicamente, em torno de uma intervenção tributária transferidora da renda, socialmente

produzida.

Outro grupo de movimentações adveio da luta política dos trabalhadores, buscando

caminhos reais para a transformação política das sociedades e economias da época, suficiente-

mente abrangente para, nela, incorporar os países europeus e também ecoar por sobre a sociedade

norte-americana. Uma propagação desigual desses movimentos traduziu as condições específicas

de cada sociedade, porém convergindo todos para sintetizar a ação política por sobre o Estado e

na natureza de suas ações.

Em resumo, uma tríade específica atua fortemente nesse período, num verdadeiro

silogismo, que conta também com as práticas específicas geradas no contexto das descolonizações

com as criações de novos Estados independentes, cada qual à sua maneira, impondo dinâmica

única para os respectivos processos de submissão, de coexistência, de engajamentos recíprocos e

de alargamento, a cada momento nas diversas conjunturas.

As diferenciações entre os termos desse silogismo, por seu lado, foram postas pelos

contextos históricos nacionais e/ou locais, ora aproximando-se das pulsões desse processo mais

geral, dinamizado pela especiação ou especificação prática, as quais tendiam a convergir, em

espírito e na prática, para os resultados obtidos na confrontação daquelas correntes formadoras

da tríade, ora buscavam uma afirmação única em relação a uma das três ou quatro grandes

possibilidades que se abriam.

Tudo indica que o pensamento e a atividade política de Keynes, qual seja sua

filosofia política, sintetiza da melhor forma possível todas essas dimensões e influencia através

da sua militância as verdadeiras razões da aceitação das mudanças em torno da ação estatal,

em função das proposições contidas por seu trabalho, frente às lutas políticas observadas em

todas as economias nacionais da época. O objetivo de sua filosofia encontra-se na atualização do

Liberalismo, renegando o laissez-faire nele contido, de um ponto de vista antimarxiano, sendo,

portanto, algo adequado, como uma resposta à crise.

Claro que o elemento político estratégico de sua formulação foi vital para o êxito

de sua contribuição ideológica. Primeiro, buscando caminhos conciliatórios e de continuidade

no encaminhamento dos efeitos revolucionários da sua TGE frente à condição intelectual da

época. Segundo, não menos importante, ao não explicitar nesta sua obra postulações, conceitos e

tratamentos teóricos na forma de um sistema metodologicamente aberto e com nova ontologia

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social,4 que, certamente, deflagariam os mesmos embates ideológicos que, hoje, observa-se entre

as diversas escolas de pensamento keynesiano, em especial na tradição dos pós-keynesianos.

Posto de outra forma, por que Keynes e seus pressupostos tornam-se dominantes?

A visão de mundo engendrada no âmbito dos trabalhos de Keynes5, a economia capitalista

como uma economia monetária sujeita a crises causadas pela insuficiência da demanda, possuem

tamanho significado político, porque atinge a expressão prática do seu tempo ao sintetizar, em

seus trabalhos, as mais variadas concepções em política e economia da época à luz de uma análise

concreta sobre as causas que levaram a civilização da época para a grande depressão. Nessa

análise, o elemento chave é a demonstração de que as teorias práticas, ainda que inoperantes,

frente ao mundo real, exercem um poder de atração sobre os atores fundamentais do sistema, as

quais podem ser vistas como cimento das crises, demandando, portanto, desmistificação.

Como produto dessa crítica, Keynes demonstra que todas as concepções teóricas

possuem uma política nelas inscrita, a ser apresentada no decorrer da crítica. Apresenta a sua

própria teoria não como a única forma política possível, mas apenas a política mais adequada.

Esse procedimento faz aparecer frente ao seu trabalho a necessidade de que quaisquer outras

teorias sejam apresentadas como uma política, instituindo um procedimento geral. E, não

irrelevante, os keynesianismos, em suas diversas versões práticas, resultam de uma possível

derrota das opções à esquerda, sendo o experimento da República de Weimar o caso mais

emblemático, (MARRAMAO, 1990), da universalidade dessa derrota.

Em suma, os keynesianismos tornam-se possíveis, como uma visão prática referen-

ciadora, porque os trabalhos de Keynes coabitam com tradições liberais anteriores e porque,

também, proliferam-se frente à riqueza das contradições políticas e de suas diversidades, devendo

dar conta dessas, tanto no âmbito interno das economias, como na projeção externa de seus

resultados. Destaca-se aqui, portanto, em duas passagens vitais aos próximos desenvolvimen-

tos:(KEYNES, 1983, p. 257).

. . . enquanto a ampliação das funções do governo, que supõe a tarefa de ajustara propensão a consumir com o incentivo para investir, poderia parecer a umpublicista do século XIX ou a um financista americano contemporâneo umaterrível transgressão do individualismo, eu a defendo, ao contrário, como oúnico meio exequível de evitar a destruição total das instituições econômicasatuais e como condição de um bem-sucedido exercício da iniciativa individual.

4(CHICK, 1993).

5Sínteses e proposições a meio de caminho encontram-se em Keynes, não apenas na TGE, como também, noTratado sobre a Moeda. Veja, T. WINSLOW, Uncertainty and liquidity-preference, in (DOW; HILLARD, 1995).

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Importa ver aí sua dimensão interna aos governos nacionais em sua crítica ao

Liberalismo. A condição internacional no seu argumento surge da seguinte formulação e

estende o princípio e a política contida em sua teoria da demanda efetiva para toda a economia

mundial:6

O crescimento da riqueza mundial tem sido menor, até agora, que o volumeagregado das poupanças individuais, e a diferença corresponde às perdas sofri-das por aqueles cuja coragem e iniciativa não foram suplementadas por umahabilidade excepcional ou por uma sorte fora do comum. Se a demanda efetivafor adequada, porém, serão suficientes apenas habilidades e sorte normais. . . . seas nações podem aprender a manter o pleno emprego apenas por meio de sua po-lítica interna [. . . ], não deveria mais haver a necessidade de forças econômicasimportantes destinadas a predispor um país contra os seus vizinhos. Haveria olugar para a divisão internacional do trabalho e para o crédito internacional emcondições adequadas . . . por causa do objetivo expresso de alterar o equilíbriode pagamentos, a fim de criar uma balança comercial que lhe seja favorável.

A fonte da crítica reside na filosofia e na política da política econômica que Keynes

formulou. Rapidamente: a dinâmica da acumulação capitalista se dá em um conflito político

que se arma entre trabalhadores, empregadores e rentistas, sendo a moeda, o poder simbólico

necessário ao exercício da dominação, não a luta de classes, a entrada chave para o entendimento

dessa articulação. Em seu entendimento, cada classe social é movida de maneira diversa, na

posse e no uso do dinheiro, sempre informada pelo seu aspecto essencial de ser o único ativo que

pode manter uma rentabilidade positiva no tempo, em uma economia na qual, ele mesmo, por

causa disso, é, também, medida da riqueza, reserva de valor e meio de troca.

Com um registro diverso e resultados diversos do de Marx, Keynes acentua para essa

economia o caráter perfeitamente líquido que esse ativo, dinheiro, possui. E, por sua vez, vai se

constituir, através dessa característica, uma rede de interdependência social que dá coerência ao

conjunto do sistema, sendo a moeda o fio condutor dos conflitos e do processo social e político,

como um todo, dessa sociedade moderna.

Com isso em vista, a crítica de Keynes (DILLARD, 1964), ao Liberalismo encaminhou-

se no sentido de (e essa é uma contribuição particular de sua obra) denunciar que os supostos

necessários a sua formulação eram ideológicos, pois colocavam para um futuro inalcançável

as críticas situações que se davam no presente. Keynes que se forem corretas as postulações

neo-clássicas, evidentemente, o entendimento de todo o processo social dependeria de um

6KEYNES, 1983, p. 257-8)

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operador “natural”, não social e histórico, fora do controle humano, para sua efetivação, o

que seria uma concepção irracional da prática e economia do sistema. Ao afirmar no Tratado

sobre a Reforma Monetária, que no “longo prazo estaremos todos mortos”, voltava uma crítica

radical ao predomínio de uma técnica analítica de converter em algo natural, aquilo que se faz

exclusivamente do ponto de vista humano, isto é, pela prática política.

Ao mostrar a insuficiência da hipótese de ajuste da economia, dependente da flexibi-

lidade dos salários, segundo os neo-clássicos, busca-se tornar relevante ao processo econômico

as incertezas decorrentes da intervenção do dinheiro no coração dos processos de investimento e

de emprego, à luz dos movimentos da preferência pela liquidez. E, aqui, os rentistas, com suas

práticas de poupança e a cultura da época voltada para a maior propensão marginal a poupar,

surgem como obstáculos provenientes de uma velha época, que levam ao menor uso dos fatores

produtivos do sistema, esterilizando seu melhor aproveitamento social.

No limite, há uma crítica que se faz à sistematização e á definição dos juros pela

economia neo-clássica e a sua concepção do dinheiro como um meio de troca e de seus efeitos

neutros para o conjunto da atividade econômica. Em oposição a isso, M. Keynes enfatiza a

presença da preferência pela liquidez, como algo inerente ao dinheiro, afirmando a tese de que o

dinheiro conta. E isto decorre pelo fato histórico desse surgir como um meio de conservação da

riqueza em ambiente onde o tempo existe, motivando, portanto, incertezas sobre a rentabilidade

do capital, no futuro. O grau de preferência pela liquidez do dinheiro é uma decisão que reflete e

antecipa a maneira pela qual os atores veem ou ideologizam suas perspectivas históricas futuras.

Ocorre que, naquela articulação entre as classes sociais, a posse e a produção do

dinheiro tornam-se questões cruciais para a produção e para a medida da riqueza e sua posterior

conservação e distribuição. O que Keynes observa, nesse sentido, é que não existe segurança

prévia de que:

• a lucratividade do investimento em capital fixo, feito pelos empregadores possam, ser

suficientes, frente aos ganhos provenientes dos juros sobre o dinheiro, o que pode travar a

própria possibilidade de continuidade do processo de acumulação de capital;

• o preço do dinheiro não está relacionado com o nível do produto e da renda, sendo que

esse não declina naturalmente quando a produção aumenta ou vice-versa.

Logo, do ponto de vista dos empregadores de capital fixo, os vínculos estabelecidos

com aqueles que ofertam dinheiro, i.é, com a aristocracia financeira, são contraditórios e instabi-

lizam o ritmo dos investimentos em capital fixo, graças ao fato de que as decisões em relação a

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esses devem considerar a taxa de juros como critério de cálculo dos investimentos, demandando,

se possível, seu desaparecimento. Porém, em outro plano da análise, as consequências da

intervenção do dinheiro são mais claras. Primeiro, para Keynes, a moeda socializa-se quando

introduzida na circulação, graças à remuneração da força de trabalho. Nesse caso, o uso da força

de trabalho, atrelado que está a uma produção futura, emprestará valor ao dinheiro, posto que

esse se torne cobertura nominal daquela produção esperada.

Com efeito, o dinheiro ao entrar na circulação através do assalariamento, sendo aceito

pelos assalariados enquanto poder de compra futuro, valida a produção líquida, constituindo-se

em padrão de medida socialmente aceito, daquela produção. Assim, pelo assalariamento, é

criado o valor do dinheiro, que deve ser igual, no total, ao valor dos bens que foram produzidos.

Porém, ao lado desse aspecto, por força da existência dos bancos, locus da criação da

moeda, o dinheiro pode ultrapassar seu circuito de ação, isto é, deixa de restringir-se a circular

apenas nessa dimensão da criação do valor, indo em direção aos demais circuitos da atividade

econômica e, com isso, permitindo a “transferência do poder de compra que foi empenhado aos

trabalhadores para os não assalariados,...”(LIMA, 1986, p. 114). Dito de outra forma, o dinheiro

escapa para outro tipo de circuito, tanto através da atividade bancária, fundamentalmente, como

pelos gastos de consumo, dos trabalhadores e capitalistas, liberando-se para ser apropriado pelos

demais segmentos sociais.

As consequências desse feito carrega uma contradição, posto que:7

na medida em que o acesso ao dinheiro é liberado para outros grupos, estes tam-bém podem participar do valor criado. De outro lado, essa liberação não podeser ilimitada, devendo manter-se como monopólio de um grupo, sem o que ascondições restritivas do assalariamento desapareciam, pela possibilidade de osassalariados poderem apropriar-se também através do crédito dos instrumentosde produção.

Certamente, uma reatualização promovida por Keynes da tensão anteriormente

encontrada no interior dos sistemas monetários, que cobra sua presença no interior das relações

entre as classes. A validação social do dinheiro implica na existência de instituições e de

convenções sociais8 que solucionem esse elemento de restrição.

7(LIMA, 1986, loc. cit.

8Pode-se notar que se para Keynes o dinheiro é uma convenção social, não o é para Marx e essa diferençano tratamento do dinheiro entre eles mantém em caminhos bastante distintos, ambos os pensadores da economiacapitalista. Veja em especial o tratamento que Marx dá a tradição liberal de Locke de ver o valor do dinheirocomo uma projeção de um pretenso consenso social no GRUNDRISSE. À discussão sobre a moeda em Marx,

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Por sua vez, nas condições colocadas pelos sistemas monetários modernos onde as

moedas são unificadas pela moeda de curso forçado e onde a circulação financeira desenvolve-

se plenamente, a integração entre os dois circuitos do dinheiro, industrial e financeiro, tomam

determinações mais complexas graças à existência do sistema financeiro. Este possuirá o papel de

criar dinheiro para além das necessidades colocadas pelo setor não financeiro e pela capacidade

política dos trabalhadores e dos capitalistas em influenciarem os destinos das políticas monetárias

e cambiais.

Ora, de um lado os elementos estruturais de um sistema econômico que envolve a

maior presença da indústria, onde tempo, dinheiro, incerteza e instabilidades decorrem do âmago

da lógica econômica. Perturbam, assim, aquele processo com elementos que são peculiares a

sua existência, dentre eles, a necessidade dos detentores de riqueza em torná-la reconhecida

socialmente e continuadamente, segundo medida e forma de valor criado por eles ao longo do

tempo histórico, não obstante processos de contestação que geram momentos de crises e de

paralisia na reprodução da própria sociedade.

E, no outro extremo, as razões institucionais e às convenções derivadas que, na

dimensão nuclear desse tipo de economia monetária, isto é, na dimensão da liquidez, garantem

a oferta da moeda, enquanto práticas sociais e institucionais expressas na política monetária,

coerentemente com seu elemento sócio político de última instância. Nos termos de (LIMA, 1986,

p.103):

a escassez do dinheiro em relação aos demais ativos é a forma de restringirseu acesso apenas a um grupo social, que em certo momento deve manter omonopólio de seu controle, isto é, o poder de contratar mais ou menos mão deobra e de obter lucro a partir do processo de assalariamento.

A constatação de que a demanda joga um papel fundante para dinamizar essas

articulações coroa todo esse processo. A demanda, efetivamente alocada, traduz-se pelo gasto de

renda e aumento no nível do consumo agregados. Porém, nada pode forçar que o gasto efetuado

seja do mesmo montante que a renda obtida. Aumentos no nível de emprego dependerão,

portanto, do aumento do nível dos investimentos acima da diferença entre o nível da renda e

o gasto em consumo, visto que parte da renda pode migrar para as diversas formas rentáveis

de entesouramento. As propensões marginais a poupar e a consumir estranham-se em suas

articulações sociais, levando o Estado a operar no sentido de manter o nível da demanda efetiva,

e alavancar o nível da renda, emprego e do bem estar da sociedade.

vide(MOSELEY, 2005).

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Nesse quadro, o ajuste do mercado de trabalho e o nível do emprego, não puderam

decorrer das qualidades conferidas, pelo pensamento conservador da época, às virtudes do

mercado de trabalho. Seja porque se interpõe à sua dinâmica a dinâmica do próprio dinheiro e de

suas especificidades sociais e políticas, pois afinal o dinheiro é aquilo que o Estado define como

sendo dinheiro, seja em razão do fato de os trabalhadores não determinarem seus salários reais.

Ou, ainda, porque, acima de tudo, a propensão marginal a poupar pode conferir

caráter negativo à eficiência marginal do capital, tendo em vista, nos termos de Keynes, variações

no custo da oferta do capital e no custo de uso desse mesmo capital a um dado momento.

Ainda que conjugadas, nota-se, na teoria prática de Keynes ocorrem duas refutações

do Liberalismo, não necessariamente condicionadas uma a outra. Os aspectos do dinheiro, em

sua dinâmica, colocam seus possuidores no cenário político. O resultado da sua indagação é o da

submissão dos possuidores do dinheiro à lógica da acumulação industrial do capital, graças à

manutenção do seu custo a nível inferior à rentabilidade presumida da eficiência marginal do

capital. Agora, o que coloca na cena política os trabalhadores é a refutação do pressuposto do

laissez faire, como efetivamente existente no mercado de trabalho.

Mirar na ação política sindical e partidária como aspectos inclusivos da determinação

dos salários nominais no mercado de trabalho configuram-se como uma crítica às possibilidades

ideológicas do Liberalismo em dar conta do quadro histórico, por onde se moviam os atores mais

fundamentais em ação naquele período da história.

Se o ponto crucial aqui diz respeito a sua constatação de que os trabalhadores não

decidem sobre o seu salário real, logo, mostrar que o preço dos salários não é constituído da

mesma maneira que é o preço dos demais bens, dependente que é da demanda por trabalho,

na qual os trabalhadores não influem, sinaliza a necessidade, não apenas para depressões

e desemprego, de uma intervenção política que preserve o mercado de trabalho dos efeitos

decorrentes da insuficiência dos investimentos e das ações, acima expostas, da preferência

pela liquidez em torno dos custos dos investimentos, quando o quadro político torna-se mais

radicalizado. Mas também deve ser uma política permanente por parte do Estado para preservar as

condições efetivas necessárias à própria acumulação capitalista, sem a qual essa se inviabilizaria

através da fusão crítica de sua própria dinâmica.

Serão esses seus fundamentos, vistos na conjuntura histórica da época, que permitem

refutar o Liberalismo, no interior de seus aspectos mais centrais e, ao mesmo tempo, transformar-

se em uma alternativa política para as lutas sociais do período. Entretanto, vale enfatizar que

sua realização é uma função, primordialmente, das condições nacionais específicas, as quais

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podem levar o keynesianismo de uma formulação mais forte a mais fraca, dependendo, então,

dessas lutas políticas mais específicas. Um caso bastante analisado é a fraqueza e o desvio

das postulações keynesianas, certamente, na sociedade norte-americana do antes ao pós 2ª

Guerra Mundial, com todas as implicações que essa dinâmica impõe para a economia mundial

capitalista.9

Cuidar para que o predomínio da propensão marginal a consumir e os seus efeitos

multiplicadores pudessem valer para o conjunto das economias nacionais, evidentemente, seria

o plano esboçado por Keynes para a Conferência de Bretton Woods. A moldura para essa

proposição é a da preservação da economia e da política da Comunidade Britânica, para o

novo quadro, em relação à posição dominante e dominadora dos EUA, tanto política quanto

econômica, para a presumida nova ordem mundial do pós-guerra. Tratava-se, portanto, de

propor uma intervenção bastante ampla, no sentido de modificar os termos das políticas entre os

dois Países e, ao mesmo tempo, de formular uma nova política com marcos reguladores para

toda a economia mundial, naquele contexto da 2ª Guerra, para o pós-guerra. A ideia básica de

Keynes busca desmantelar a dinâmica que leva o conflito armado a ser uma extensão da atividade

comercial entre Países.

Seu ponto fundamental, derrotado pelo poder e pela política da política econômica

dos EUA, junto com as pretensões da política inglesa à Época, consistiria na proposição de um

Banco de Compensação Internacional, International Clearing Union, fundado pelos EUA e In-

glaterra, com equivalências obrigatórias entre créditos e débitos, devidamente e justificadamente

distribuídos entre todos os Estados Nacionais membros, que se movem no interior de um modelo

econômico fechado.

O diferencial entre esse modelo e demais instituições nacionais, consistiria no fato

de que as decisões a serem tomadas sobre liberação do crédito e a provisão dos recursos, seriam

extraídas de concepções políticas mais gerais, afastadas da administração corriqueira, definidas

no âmbito dos acordos políticos, voltados aos interesses de equilíbrio do sistema, como um todo.

Expansionista, tendo em vista o incremento comercial projetado para o pós-guerra,

de saída, o banco de compensação, agindo com uma moeda internacional única, bancor, com

a propriedade de ser uma moeda de reserva de valor ao nível internacional, teria a virtude de

estabelecer, graças àqueles princípios políticos gerais, as atividades econômicas nacionais em

torno do Estado de bem estar social. Ao evitarem-se os conflitos armados ao nível mundial e ao9Para os efeitos políticos do pensamento keynesiano na Inglaterra, veja Skidelsky e nos Estados Unidos,

Galbraith, in: Milo Keynes, (KEYNES, 1977).

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atuar-se em torno do pleno emprego e do desenvolvimento econômico, Keynes visava eliminar

acordos regionais tácitos, base, a seu ver, dos conflitos armados, e aproveitar-se do acúmulo

de reservas em poder dos EUA, de onde adviria o expansionismo, para alavancar as fontes de

crescimento da economia mundial (KEYNES, 1941).10

Era necessário, para tanto, estabelecer que uma instituição com essas características

se investiria do poder de forçar a existência do equilíbrio dos balanços cambiais, através da

punição, via confisco, dos excedentes monetários, observados nos balanços de pagamentos das

economias superavitárias. Ao mesmo tempo em que teria de impor estrito controle do livro

movimento do capital, como “um aspecto permanente do sistema do pós-guerra.”, (KEYNES.

op. cit.). O resultado esperado para tudo isso, como sabido, seria o controle do nível do

emprego pelas economias nacionais, tornando o problema do ajuste cambial uma barreira para a

importação do desemprego na baixa do ciclo econômico, ao mesmo tempo em que estimulador

do crescimento dessas economias.

Dessa forma, Keynes formula, para o conjunto das economias nacionais, o mesmo

cuidado na subordinação social dos possuidores do dinheiro, na articulação política entre tra-

balhadores, empregadores e Estado promotor do pleno emprego, para a economia capitalista

mundial. Sintetizando o núcleo e o exercício desse poder político em uma futura instituição

financeira mundializada, Keynes opunha-se tanto a ideia do esgotamento da política mundial, em

função dos desastres provenientes da 1ª Guerra, da Grande Depressão e da 2ª Guerra Mundial,

eventos que lhe foram bastante presentes.

Como também a continuidade das despesas bélicas como necessárias a superação

da Depressão Econômica. E, principalmente, opunha-se a dominação da propensão marginal a

poupar, como a prática orientadora das atividades econômicas nacionais e mundial.

Portanto, através de um banco de compensação internacional, emprestador de última

instância, Keynes visualizava o controle sobre o fluxo internacional de capitais e de controle

sobre as taxas de juros praticadas internacionalmente. A moeda única, bancor, daria a necessária

confiança às trocas internacionais, posto que, ao mesmo tempo em que acompanharia o incre-

mento do comércio mundial,pari passu, na exata medida da demanda das economias nacionais,

teria o controle da relação moeda-ouro em reserva e de reserva de valor, decidido e definido

pelos e através dos Bancos Centrais.

A ordem mundial equilibrar-se-ia à base da repressão aos excedentes financeiros,

10A previsão do funcionamento do bancor e do ICU, uma espécie de banco central de todos os bancos centrais domundo, é bastante detalhada no Anexo do artigo supracitado.

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no plano externo, e na repressão aos rentiers, no plano interno. Todos os demais elementos de

sua proposta girariam em torno dessas formulações gerais, o que significaria, igualmente, uma

crítica à própria posição e situação dos interesses britânicos na Conferência.11

Não obstante o vigor de suas propostas, essas encontraram barreiras intransponíveis

frente aos contraditórios interesses americanos, e ingleses e foram totalmente vencidas na Época,

não se transformando em elemento operativo, na reconstrução da condição do pós-guerra. De

um lado, as estratégias de manutenção de laissez faire continuavam sendo dominantes na visão

do mundo, nos EUA, em todos os assuntos da liberdade comercial e dos valores culturais.12

Tamanha força dessa tradição que aprisionou a experiência do incipiente (EBS)

em “ arranjos de bem estar privados, descentralizados e limitados” (FREEDEN. op. cit. p.10),

rejeitando-se como contrário ao espírito americano a intervenção, nesses arranjos, da ação

do Estado. De outro lado, o isolacionismo e o nacionalismo americanos atuavam contra as

concessões necessárias ao dispêndio de recursos fora do solo americano. E, por fim, a agenda de

interesses e de negociação norte-americana encaminhava-se para o lado oposto ao desenhado por

Keynes.13

Igualmente, já estavam vencidas frente à derrotada situação política e econômica da

Inglaterra e seu Império nesse mesmo período. A crise política interna, decorrente dos efeitos da

guerra e da memória do alto nível de desemprego na década anterior e as contradições com o

predomínio, ainda, de um “pensamento próprio à época vitoriana”, na formulação das políticas

monetárias, fiscais e de defesa da libra, incrustada no Banco da Inglaterra, minavam, por dentro,

as possibilidades, dirigidas para fora, de entrada em cena dos interesses ingleses, nos termos da

concepção keynesiana(GRENVILLE, 2005, cap. VI). A crise do padrão ouro e a subordinação

da libra ao dólar, demonstravam, por seu lado, as novas relações de dependência da Inglaterra

para com os EUA e seu novo padrão de reprodução capitalista (EICHENGREEN, 2000, p. 117-30),

indicando a impossibilidade da reentrada em cena da libra, como moeda de reserva de valor ao

nível internacional ou de outra moeda que não fosse o próprio dólar.

11Para outras explorações, (MOGGRIDGE, p. 97) em (ARNON A. YOUNG, 2002).

12A atualização dos problemas levantados em A. TOCQUEVILLE está em (BELLAH ROBERT. MADSEN, 1989).

13Gardner classifica esses interesses em torno dos seguintes quesitos: a)antecipação da capacidade de planeja-mento para o após término da guerra; b)criação de um conjunto de organizações internacionais, por onde os EUAexerceriam o poder sobre a nova ordem mundial; c)“adequado suporte econômico aos acordos do pós-guerra”;d)oposição ao poder imperial e a discriminação das atividades econômicas, no contexto da Doutrina Monroe;e)regulação do mercado internacional através dos mecanismos de preços; f)rejeição a dominação dos interesses daclasse dos banqueiros no rearranjo internacional do pós-guerra. (BRETTON-WOODS), R. GARDNER, in:(KEYNES,1977).

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Assim, derrotada pela condição histórica e mantida como referência fundamental à

dinâmica politicamente colocada para a nova ordem mundial, a formulação de Keynes serviu

para afirmar o sucesso daquilo que lhe é oposto, isto é, o Plano H. White. Esse era tomado como

um Fundo para estabilidade internacional. No registro de J. Boughton foram três as diferenças

marcantes entre os Planos White e de Keynes para o pós-guerra:14

Primeiro, o FMI de White era para ser menor do que o de Keynes e alocariaseus recursos escassos seletivamente ao invés de fazê-lo livremente, segundoa demanda, de seus membros. Segundo, o FMI de White concede a moedanacional em vez de criar um ativo internacional novamente, (“BANCOR”) deKeynes. Terceiro, o FMI de White seria uma instituição mais multilateral emvez de designada e dominada pelos dois “Estados-fundadores”, como concebidopor Keynes.

Ainda, a seu ver, o sucesso de H. WHITE, seguidor das políticas keynesianas e “um

ardente admirador de Keynes”, porém homem de ideias próprias (BOUGHTON), não decorre

simplesmente do fato de representar os interesses de uma maior economia norte-americana em

relação à decadente situação do Império Britânico.

O êxito é fruto tanto daquela aspiração maior em relação ao multilateralismo e a

um regime multinacional aberto para o comércio e finanças, portanto, atendendo aos interesses

mais gerais dos países do pós-guerra, quanto da posição contrária da Grã-Bretanha, em função

da permanência de seus sistemas de preferência e de acordo bilateral com o EUA, claramente

oposto aos novos interesses de reconstrução da nova ordem mundial.

Maior oposição aqui significa esterilizar a proposição da moeda única e do Banco

de Compensação Internacional, do controle sobre o movimento do capital e menor volume de

recursos para as transações internacionais à disposição do fundo de estabilização, opondo-lhe as

razões da estabilidade dos preços e da estabilidade monetária, bem como os benefícios de um

livre comércio multilateral. A liberdade de ajuste pelo livre câmbio iria opor-se aos desequilíbrios

provocados pelo livre movimento do capital, sujeitando a moeda nacional a uma paridade com o

ouro ou numa moeda conversível em ouro. Frente às instabilidades produzidas pela exportação

dos capitais, seria necessária a presença de mecanismos de controle que canalizassem esses

fluxos, mas sem paralisá-los.

O controle sobre o movimento dos capitais, elaborados por J. Keynes, seria utilizado

em momentos especiais de rápida fuga de capital e nunca generalizadamente. Finalmente, os14BOUGHTON: Why White, not Keynes? Inventing the Post-war international monetary system.In:(ARNON

A. YOUNG, 2002, p. 74. Trad. nossa).

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recursos aportados para a estabilização dos balanços de pagamentos deveriam agir, primariamente,

na prevenção dos desequilíbrios e não como fundo de empréstimo de última instância para os

Estados nacionais membros corrigirem seus balanços, com restrições ao país credor.

No limite, H. White concebia que, “conhecimento técnico, exames cuidadosos e bom

julgamento do Staff do Fundo” (BOUGHTON, op. cit. p. 89) suplantariam as boas intenções

dos Estados e seriam suficientes para o bom funcionamento do sistema, talvez acreditando que

frente à sorte, se poderia governar aquela outra metade das ações. E aquilo que parecia ser algo

fundamental para a formulação de J. Keynes, a criação do bancor como uma moeda de reserva

de valor ao nível internacional, foi incorporada nas medidas de ajustes do pós-guerra sem função

de reserva de valor, isto é, “uma concessão à concepção de Keynes, sem nenhuma substância”

(Boughton).

É importante examinar um pouco mais essa postura de H. White, pois sua matriz

fundamental ficou implícita no debate e moveu-se apenas no momento em que deveria afirmar

sua validade. Do exposto acima, o Plano White sagrou-se exitoso ao fazer corresponder a

presunção da liberdade humana nos termos do laissez-faire de S. Mill, com a virtude política do

sistema de equilíbrio geral dos preços, GARDNER. O sentido desse equilíbrio geral, walrasiano

em sua prática, foi o de ótimo alocador dos recursos através dos preços livres, tanto internos às

economias domésticas, como para os preços externos, aqueles das relações de trocas entre as

economias nacionais15, impondo-se, dessa forma, como concepção política dominante na efetiva

15Há dúvidas se cabe antecipar aqui, a distinção entre a Escola Clássica e o Marginalismo, mas sem dúvidas apassagem de uma à outra se constituiu como uma porta aberta às teorias do início do século XX até pelos menos apublicação da TGE de J. KEYNES. O que deveria ser superado nessa passagem, dentre várias aspectos, era a teoriado valor trabalho como ordenadora das relações de poder no capitalismo, em função da questão da produção daforça de trabalho como uma mercadoria e da apropriação privada da riqueza social, por ela produzida, (pièce derésistance de toda Política para as ciências humanas; a concepção da concorrência como disputa e alimentadora deinstabilidades que no limite leva a estagnação do sistema econômico; e a distribuição da renda entre as três classessociais da economia capitalista. A entrada em cena da determinação dos preços, segundo os termos dos fatoresdados e da teoria da subjetividade foram os instrumentos conceituais para tanto. Seu alcance maior seria a buscadas relações de troca entre todos os mercados, resultando em um sistema de equilíbrio geral, onde a moeda nãoconta. Assim, a teoria preços em S. MILL e L. WALRAS são diferentes. Enquanto que, graças ao pertencimentoda tradição da economia política clássica, Mill concebe para a teoria dos preços a especificidade da economiacapitalista. Em seu Sumário da Teoria do Valor, afirma que: “essa teoria tem em mira um sistema de produçãolevado por capitalistas com vistas no lucro, e não por trabalhadores visando sua subsistência.”. E conclui que o preçovai expressar a utilidade, escassez e o custo da produção das mercadorias, um preço de mais longo prazo, à luz detrocas que se querem efetivas, (MILL, 1986). Os Marginalistas, Walras, (WALRAS, 1996), em especial, não precisamde nenhum desses fundamentos para determinar os preços em mercado. Basta-lhe, o suposto de fatores de produçãodados e de um mercado regido pela livre concorrência, onde produtores e vendedores obtém, através da troca dasmercadorias, a maior satisfação possível para suas necessidades individuais. Os preços aí serão “proporcionais àsraridades” das mercadorias envolvidas nas trocas. O numéraire, uma mercadoria padrão independente da trocaefetuada, surge como unidade de conta e viabiliza as trocas, mantendo-se como valor de referência inalterado emrelação às trocas de mercadorias, cujos preços mudam entre si, efetuadas no mercado. Para uma exposição maisampla, e.g.,(HICKS, 1987).

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reconstrução da ordem do após 2ª Guerra Mundial.

Porquanto o ajuste não se dá pelas quantidades, é preciso nominar que os preços

fundamentais, para essa concepção, salários e câmbio, inferem dinâmicas internas e externas

ao conjunto do sistema porque, esses preços são suficientemente flexíveis para que todos os

mercados, domésticos e externos, possam vir a equilibrarem-se, tanto no curto quanto no longo

prazo.

O terreno comum para as formulações assenta-se naqueles esforços de superação

da condição política, antes e após a 1ª Guerra Mundial; convém enfatizar, que aprofunda, de

um lado, os limites próprios às concepções liberais, na relação entre os Estados, e de outro, as

concepções tipicamente mercantilistas, da ação externa do Estado, apreendidas como própria a

um quadro anárquico, no sentido exposto tanto por Maquiavel, quanto por Hobbes, como sendo

um permanente estado de guerra entre os Estados (MAQUIAVEL, 1979, p. 103-05) e (HOBBES,

1979, p. 74-77).

O Poder, ou melhor, a política, para essas visões, necessita ser anulada, pois na

concepção que vai configurando-se, a prática política deve resultar, continuamente, em estados

de guerras, movidas por motivações econômicas e por interesses estritamente estatais. Antepor

a essa dinâmica uma justificativa apoiada nas virtudes das relações de troca, efetuadas pelos

indivíduos e para os indivíduos, indica um esforço de redefinição dos termos da legitimidade do

uso da força, no interior dessas novas concepções, inclusive naquilo que concerne aos motivos

suficientes e necessários para legitimar a própria guerra, tal qual exposto por (ANGELL, 1912,

p. Parte I), especialmente cap. V.

Esses esforços de mudanças foram diversos e, para o entendimento analítico que

argumenta que as forças econômicas, sociais e políticas, reproduzem continuadamente sua

condição inicial, sem mudanças históricas extremas ou radicais, incidentes sobre essa reprodução,

um modelo de equilíbrio geral para explicar essa reprodução sem movimento(BRAGA, 1985,

p. Introdução), indica uma tentativa de superação dos intervalos entre ambas as concepções, se

possível mantendo-se nas margens estreitas de um novo liberalismo. Nesse caso, as condições

internas contam para a dinâmica que ocorre lá fora. E, metodologicamente, os novos atores,

desse cenário externo, serão tomados, para seus fins, também como indivíduos particulares, cujos

comportamentos econômicos poderão vir a ser generalizado para a racionalidade do próprio

Estado e não apenas os supostos interesses do próprio Estado.16

16Para um melhor entendimento desse esforço de expansão das concepções não-liberais como supostos doLiberalismo em busca de sua nova hegemonia, do ponto de vista das questões em Filosofia Política, veja (MARTINS,op. cit. p.639 à frente). M. Rothbard traduz essas mudanças no foco da continuidade, (ROTHBARD, 1988).

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Para J. Keynes, a valorização do capital no processo da produção, antepondo-se às

demais formas da valorização da riqueza, é a base das tomadas de decisões e do cálculo dos

capitalistas, no momento em que a economia capitalista se conduz próxima aos seus próprios

fundamentos(TAVARES M. C. E BELLUZZO, 1986). As expectativas, no curto e no longo prazo,

sobre o comportamento da demanda induz aos aumentos ou as correções dos preços pelos

capitalistas,17 impondo que a determinação dos preços seja extraída de sua subjacente teoria

do valor. É necessário, aqui, que J. KEYNES produza uma diferenciação entre “dinheiro para

transações e o dinheiro como reserva de valor” (DILLARD, op. cit. p.204), para fazer emergir

uma teoria sobre os preços.

O aumento nos custos da produção, empurrados pelos deslocamentos na curva

da oferta ao seu limite físico, no curto prazo, levam a aumentos nos preços e na quantidade

necessária de dinheiro para as transações econômicas. O que justifica a necessidade de deprimir

as taxas de juros, visando viabilizar a retomada da elasticidade na curva da oferta para o longo

prazo. É no longo prazo em que será possível ver se houve aumento ou não do valor do capital

empregado, graças tanto ao comportamento daquela taxa de juros, como em função do custo

financeiro dos estoques de matérias-primas aí constituídos.

Assim, os preços devem realizar “a valorização esperada dos ativos” (C. Tavares e G.

Belluzzo) e vão depender, para tanto, do grau de utilização da planta de produção das empresas.

Voltam-se, portanto, para as condições futuras no embate político, entre o valor das taxas de juros,

descontadas sempre a preços presentes, e o valor resultante do uso do equipamento produtivo.

Essa formulação passa bastante distante daquela que H. White traduz. A virtude do

mecanismo de preços, coloca, em primeira mão o espírito do laissez-faire, a impessoalidade

como a melhor maneira de repartição dos recursos econômicos e da própria medida da liberdade,

de escolha, dos indivíduos participantes da sociedade econômica. Constitui-se, na verdade, como

um verdadeiro guia de sua inserção instrumental (o que produzir e quanto) para esse processo.

As virtudes do processo, talvez conhecidas, são, de um lado, a da integração des-

centralizada de todos os indivíduos, sob a batuta do mercado, no processo da produção, onde

as diversas formas de produzir e o quanto a ser produzido, segundo cada indivíduo, coroa de

forma efetiva a livre iniciativa de cada um. E, ainda do ponto de vista distributivo, ancorados nos

recursos que já possuem, cada qual poderá partilhar dos resultados obtidos pelo produto social,

segundo sua capacidade de adquirir, por aqueles meios, renda e riqueza.

17Nesse sentido, examine (CHICK, 1993, cap. 15).

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Por não ser óbvio, é fundamental enfatizar-se que o surgimento daquelas virtudes

exige, por seu turno, condições prévias que lhe são específicas, ou seja, um mercado necessa-

riamente e suficientemente concorrencial, onde os preços não estão sujeitos à influência dos

diversos tipos de posição e de situação de poder em mãos dos diversos agentes.

Uma moeda como numerário, necessária apenas para efetivar trocas de mercadorias,

exige, igualmente, um comportamento único racional, maximizador da satisfação ou lucro, que

se dá no interior de um leque de preferências, para os indivíduos e para as empresas, sendo que

a compatibilização dos seus comportamentos expressa-se através de um preço geral, igual ao

preço de equilíbrio geral, estabilizador e harmonizador da vida em sociedade civil.

É uma forma de afirmar que as quantidades ofertadas e as demandadas serão iguala-

das, o que, por dedução, realiza para todos aqueles agentes o ideal de satisfação e a virtude do

próprio sistema. E, fundamentalmente, uma maneira de expressar que o princípio da liberdade

econômica não é apenas natural e impessoal, mas é, principalmente, um ótimo princípio ordena-

dor de toda vida social, o que corresponde à refutação da interferência do Estado e da política

nos assuntos econômicos e sociais, bem como à refutação dos princípios que tenderiam a reger

uma economia socialista, tal qual era desenvolvida pela Revolução Bolchevista de 1917.

Todo esforço derradeiro vai, agora, consistir na passagem dessa condição, pensada

originalmente por fora da contribuição da economia política clássica em termos de um fórum

doméstico, para o plano internacional. Transpor as virtudes do sistema de equilíbrio geral,

segundo os termos da Época, para a economia mundial como um todo, significaria rever os

princípios normativos que envolvem a legítima intervenção do Estado nos assuntos privados,

resgatando-os do conteúdo que vinham sendo expressos na tradição última de S. Mill.18

No amplo projeto de S. Mill no qual as questões de princípios padecem de bons

métodos para serem examinadas e a filosofia da história juntamente com a ética ancorada na

utilidade, referenciada pelos vínculos a montante e a jusante entre prazer e dor, são interpretadas

na forma de um progresso mais ou menos contínuo; vale mencionar que a prática da liberdade

sustenta-se em novos conceitos, nomeadamente aqueles vinculados a articulação entre os costu-

mes e as práticas da maioria sustentadas pelo Estado e pela Sociedade, e a possível supressão da

individualidade que a conformação a tais práticas e costumes implicava.

Vista a liberdade como possuidora de algo natural a afirmação humana, subjetiva e

objetivamente, seu debate, portanto, arma-se por sobre a presença de um novo quadro social,

18Os vínculos de S. MILL para com o Utilitarismo e as contradições, aparente, de suas concepções sobre aintervenção do Estado, estão em H. MAGID in: (STRAUSS, 1992) e (MYRDAL, 1984).

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certamente, trazido pelos processos de intensificação da industrialização e da maior presença

da vida urbana. Em suma, opõe a liberdade do indivíduo à existência de uma democracia “de

massas”, onde a maioria se faz representar no governo, afirmando aquela liberdade individual,

ainda, contra as formas aristocratizadas de dominação, semi-livres e escravistas, anteriormente

existentes, para colocar, por essa via, a questão do exercício de um poder legítimo, sempre à luz

da liberdade moral, social e intelectual do indivíduo.

Um poder, nesse sentido, para instituir-se no tempo como legítimo para o indivíduo,

deve restringir-se àquelas questões, para S. Mill, extremas, onde o indivíduo por si, não tem

a plena capacidade de julgamento dos efeitos que sobre ele recaem ou, no caso, por onde a

prática individual leva danos a terceiros, que podem ser observados, preferencialmente, após sua

ocorrência. Assim, todos os atos que envolvam, portanto, quebra de dever para com o próximo e

quebra de dever para consigo mesmo, devem ser, legitimamente, impedidos e, quiçá, punidos.19

Todo o fundamento do programa político liberal radical de S. Mill foi exposto e

obteve uma disposição favorável em função da aceitação politicamente generalizada, em duas

frentes. Na primeira, a recusa do paternalismo e das diversas formas de servidão que recaem

sobre a liberdade dos indivíduos. Nesse caso, estabelece-se o princípio de que o máximo de

liberdade ao indivíduo justifica-se pela mera constatação social de que, através dessa liberdade,

corresponde o progresso humano e social. Novos modelos de vida, novas condutas e novas

descobertas associam-se ao individualismo liberal, dos gênios e dos artistas, de tal maneira que

condutas nobres e posturas sábias foram compreendidas como decorrentes tanto da resistência à

massificação, quanto da oposição aos diversos tipos de sujeição social, esmagadores da suposta

autonomia pessoal.

Deve-se citar, primeiramente, a “máxima de que os indivíduos são os melhores

árbitros de seu próprio interesse”, decorre da concepção sobre a degradação dos indivíduos, que

podem perder sua autonomia no novo mundo, frente à interferência governamental ou frente

aos resultados da ajuda social, os quais podem substituir o estímulo prático do indivíduo para a

construção da sua vida privada.

19Os cinco princípios de laissez-faire de S. MILL são apresentados e justificados no Cap. XI do (MILL, 1986) egiram em torno da rejeição do paternalismo e dos demais aspectos acima enfocados. Não obstante suas justificativaspara esse trabalho, sabe-se que em ‘On Liberty’ é por onde o conceito de liberdade de S. MILL mais se revela comouma moral pública, na forma da liberdade de opinião. O exercício e a livre opinião só são possíveis de existiremquando confrontam o contraditório e a desaprovação, buscando demonstrar suas certezas e fundamentos, de maneiratal que conhecer as razões da opinião alheia é base para sua sustentação. Uma postura favorável ao entendimentodo debate é vital para que esta possa fluir como um bem público e livremente aceito, isto é, sem imposições, cujoganho é a superação dos sectarismos e falsidades implícitos a cada opinião ou pensamento individuais.(MILL, 2001).Uma crítica sustentada a S. MILL encontra-se em Marx, A Questão Judaica, in:(MARX, 1989).

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Em suma, deve-se concluir que a liberdade individual é positiva, inclusive para

terceiros, não havendo contradição de fundamentos na prática desta em relação à atenção a

outrem. E, se a interferência faz-se necessária, essa deve ser realizada de tal maneira que estimule

“no povo quaisquer rudimentos que puder encontrar de um espírito de iniciativa individual”. (S.

MILL. op. cit. p.420).20

O segundo argumento, bastante importante, se dá no plano mais geral da rejeição do

Liberalismo das ideias socialistas radicais daquele período histórico. Seu foco, operado por um

sistema legal de coerção (Marx e Engels), foi o de reconceituar a noção, visões e práticas sobre o

trabalho, livrando-o da premissa que informava sua essencialidade, de um lado, para existência

humana, e de outro, dos aspectos contraditórios decorrentes da confrontação entre o direito de

propriedade burguesa, no período; seja porque impedia a do trabalho no tempo, em função das

crises cíclicas, seja porque dividia o processo da apropriação, do seu resultado do seu processo

de criação.

Nesses termos, a apropriação do trabalho e do seu resultado na economia capitalista,

dependente que é do processo da acumulação, impõe determinação específica para os vínculos

entre valor, a ser compreendido no âmbito da teoria da mais valia, e preço, qual seja o valor de

mercado daquilo que é socialmente produzido. De forma bastante sintética, contrapondo-se ao

movimento que gera o custo inicial da produção, o preço vai afirmar-se através da injunção de

condições sociais e históricas, as quais vão depender da posição e da luta de classes entre os

criadores de valor e todas as demais classes sociais apropriadoras.

Os preços, por consequência, veiculam um padrão histórico e conjuntural dessa

luta entre as classes sociais, em torno da apropriação ou reapropriação da riqueza socialmente

constituída.21 Ora, a tarefa do Liberalismo consistiu em transformar, intelectualmente, essa

condição mais geral através da redefinição da importância política das dimensões do trabalho

para o sistema social. Segundo Freeden, reduziu toda aquela dimensão envolvida pelo trabalho

para abarcá-lo “quase exclusivamente como uma atividade com aspectos morais, através do qual

as possibilidades materiais de conforto e de sobrevivência são compradas.”22.

Isso também terá sua validade para o tratamento liberal da teoria sobre o dinheiro,

onde na síntese de S. Mill, tem o seu valor dado em função dos custos da produção, no longo

20Veja ainda, R. BELLAMY, in: (BALL; BELLAMY, 2005). Para um debate mais sistemático sobre sua filosofiapolítica veja, R. KHAN, in:(TEN, 2005).

21Para os movimentos políticos grevistas desde 1870, veja mais à frente (SILVER, 2005, p. 125-172).

22(FREEDEN. p.12) in:(BALL; BELLAMY, 2005). Trad. nossa.

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prazo, sendo afetado, no curto prazo, pelas oscilações em quantidade dadas pelas variações entre

a oferta e a procura. Fica a cargo da “classe dos endinheirados”, definida pela particularidade de

possuir capital disponível para os empréstimos dirigidos à produção, desenvolver um mercado

especial de troca, o mercado de capital, para que o dinheiro possa ser transformado em capital

produtivo, segundo as leis da concorrência e o preço, em juros, do capital no longo prazo.

Porém, será na especificação do dinheiro no interior da teoria do valor trabalho que

S. Mill torna igual dinheiro e trabalho para os fins do processo da acumulação e reprodução do

capital, sempre nos termos dos Clássicos. O dinheiro não mais demonstra as múltiplas formas

do poder político, incluso o poder político cotidiano (MARX, 1977) tampouco manifestações de

mudanças históricas em relação às formas da propriedade privada e individual, expressas pelo

dinheiro.23 Mesmo no seu comportamento no ciclo econômico, nesse caso, o crédito influencia

o nível dos preços, seja pela escassez, seja por uma oferta , momentaneamente excessiva, sem

contudo, ser ele mesmo o motivo fundamental das oscilações (MILL, 1986, cap. XII).

Transformar essas questões políticas, secularizadas, em questão natural de cunho

moral abre, portanto, caminhos para modificações extensas no interior da agenda das formas

de apropriação do trabalho e da riqueza social, bem como na maneira pela qual se organiza,

politicamente, essas novas dimensões, demandando-se, portanto, alterações significativas.

Isto foi feito, do ponto de vista da teoria prática, de diversas maneiras, sendo que o

resultado delas, se passíveis de serem assim sintetizadas em um só pensamento, foi sua capaci-

dade em vincular, voltando à linha mestra de J. Mill, a liberdade individual com os conteúdos

provenientes da atividade comercial, que se define, por excelência nesses desdobramentos, como

um ato social generalizado. A prova empírica sugerida, nesse sentido, é ampla, mas vazada

pelas supostas evidências de que o fornecimento de mercadorias com preços baixos e de boa

qualidade depende diretamente de produtores e vendedores perfeitamente livres de qualquer tipo

de regulamentação, por parte do estado e da sociedade.

Nesse caso, a doutrina do livre-comércio vai equivaler-se e, não raro, aproximar-se

da liberdade individual civil pelo simples fato comum, assim presumido, de tanto essa como

aquela liberdade comercial, necessária ao processo produtivo e à circulação das mercadorias, são

refratárias as restrições limitadoras da soberania individual. Servem as necessidades mútuas, sem

prejudicarem terceiros, ao mesmo tempo em que contribui para o crescimento de toda sociedade,

agora, em sua forma a mais livre.

23Em Marx, “O dinheiro, sob a forma de objeto, repõe o poder social nas mãos dos particulares, que exercem estepoder na qualidade dos indivíduos.”(MARX, 1977, p. 238).

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Se a tarefa de demonstração do novo quadro social interno já foi realizada pelos

princípios normativos constantes nas suposições do equilíbrio geral, segundo o acima exposto,

convertê-los para o quadro mais geral internacional exigiria, no campo daquela condição liberal

e utilitarista, confrontar a possibilidade de generalização daqueles supostos para essa nova

condição teórica. Tratava-se, portanto, dos esforços de superação das contradições formais,

das primeiras tentativas dos utilitaristas clássicos que, em resumo, preocupavam-se ora em

quantificar a utilidade, ora mensurá-la do ponto de vista de suas qualidades, para a totalidade

social, chegando a impasses lógicos.

Primeiro, a contradição formal era expressa pela impossibilidade de se resolver,

teoricamente, o problema de medir as proporções entre prazer e dor e estendê-la para comparações

interpessoais. A generalização das premissas ficava limitada apenas às situações individuais,

fossilizando-se. Abarcar o conjunto dos indivíduos soluciona os limites impostos pelos supostos

contidos na teoria e, ao mesmo tempo, dá vida, dentro da teoria prática, aos elementos observáveis

da vida individual que se punha, naquele momento, já marcadamente em termos sociais e políticos

e, a partir de então, passa a ser pensado na teoria normativa, própria ao equilíbrio geral.

O caminho, para tanto, iria no sentido de reduzir os termos da teoria subjetiva do

valor a uma teoria da soberania do consumidor, um consumidor suficientemente representativo,

desfocando, irremediavelmente, a concepção do predomínio da oferta e das dimensões a ela

associadas, para os termos da demanda e as novas dimensões que lhe poderiam ser vinculadas.

Fundamentalmente aqui, trata-se de passar do comportamento do indivíduo para o comporta-

mento maximizante dos agregados sociais, basicamente, governo, famílias e empresas, sem que

se percam aqueles princípios “normativos” gerais, orientadores dos pressupostos e do resultado

da análise. Os supostos deveriam continuar os mesmos, modificando-se apenas os parâmetros da

análise.24

Isso consistiu em colocar as necessidades dos indivíduos medidas em termos das

mercadorias (x), que gasta, medindo-se em termos de renda (M), na compra de mercadorias (x1. . . ), segundo os preços dados (p1 . . . ) em relação à utilidade da última mercadoria consumida

(xn), com relação ao último gasto nessa mercadoria, (xr). E tudo isso ficará amplamente

facilitado se pensarmos sobre um espaço simples Euclidiano:o conjunto<n, com seus respectivos

teoremas, e os vetores u = (x1, ..., xj, ..., xn), que são as quantidades das mercadorias, com

seus respectivos preços, (p1, . . . , pj, . . . , pn), com x, y ∈ <. Como se trata, na apresentação da

utilidade de um bem (x), em relação a outro bem (y), para toda a renda (M), nesse caso, o

24Enquanto S. MEDEMA conclui o contrário, em (SAMUELS WARREN J. BIDDLE; DAVIS., 2003).

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máximo possível a ser obtido com a renda será dada por: p.x =∑i=ni=1 pixi = m, forma canônica

da apresentação da função da utilidade.

Ao derivar, então, sequencialmente uma variação sobre a outra, u1p1

sucessivamente,

buscando seus valores relativos e não absolutos –todas as relações havidas, por pares, entre

mercadorias/gastos–, a utilidade da última mercadoria, portanto, na margem daquela sequência,

representada por (∂u/∂µ), a necessidade dessa última mercadoria (xr) será igual ao preço da

mercadoria (x), multiplicado por (µ). Portanto, esse seu valor final, uma somatória, obtida

segundo os termos daquela variação sequencial, identifica o equilíbrio do consumidor, tal qual é

demonstrado, frente aos demais corolários aqui não expostos,25

Um indivíduo representativo pode, nesses termos, surgir e vir a suportar um processo

equilibrado de generalização das trocas. Partindo-se da existência de funções de produção

homogêneas com rendimento decrescente, para duas economias nacionais ou mais, basta supor,

primeiro, que os preços de mercados não sejam dados aos ofertadores e possuam, para a troca,

uma quantidade de mercadorias (x), introduzindo-se, assim, o lado da oferta. Diferenciando-se

essa quantidade de mercadorias em (x1 . . .), visando adquirir a cada passo, as mercadorias (x),

segundo seus preços respectivos (p) (p1x1 . . . ), a renda (M) passa a equivaler ao dispêndio

efetivo total de (p1x1), podendo derivar (X). Deve-se supor, agora, que a variação da renda seja

fruto de uma variação daqueles preços acima. Assim, pode-se equivaler o preço da oferta (sr)

com seu devido impacto no preço da demanda (rs). Logo, a oferta será igual à demanda, posto

que (Xsr) haverá uma condição na qual esse será igual a (Xrs). Desde que haja soluções para

todas as equações envolvidas, pode-se chegar à soma total dos preços em relação às quantidades

ofertadas e as respectivas demandas e vice versa. 26

Todavia, ainda assim, isso não era suficiente. Tornava-se necessário, também,

sustentar essa mudança nesse plano do indivíduo para o indivíduo representativo em termos de

equilíbrio geral entre as trocas, e reconsiderá-lo para o plano das relações entre os Estados. Aqui,

o movimento consistiria em afirmar aquelas virtudes do livre comércio, agora, na forma de um

ganho generalizado, ainda que potencial, não apenas para todos os indivíduos, mas também a

todos os indivíduos de diversas sociedades e, portanto, através deles para todos os Estados e

entre todos os Estados nacionais. Na linguagem normativa significaria um duplo movimento.

Primeiro, abandonar a presença do Estado e de sua aspiração guerreira, no interior

25Em Hicks (op. cit. Apêndices).

26Para esse movimento veja, (HICKS. op. cit. Parte primeira e Apêndices). Também, (Capítulos II, V, VII eVIII.(SAMUELSON, 1986)).

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dessas relações mercantis e colocar em seu lugar as virtudes presumidas dos livres interesses

individuais, tal qual desenhado no modelo de equilíbrio geral, i.é., como uma soberania do

indivíduo consumidor e de seu desempenho, fazendo-o equivaler ao máximo possível, a ser

obtido para todos os Estados e Sociedades aí envolvidos. Ideologicamente, nesse contexto, o

foco da atenção deveria recair, portanto, sobre a maneira pela qual o ganho obtido com o livre

comércio para todos os indivíduos acaba por torna-se a base do ganho para toda a sociedade

e o ganho limite, qual seja, o maior ganho possível com o comércio, para todos os agentes

envolvidos. Os conflitos em potenciais da atividade da troca são solucionados, racionalmente, na

forma de ajustes próximos a um ponto de equilíbrio, atuando-se, dessa forma, como barreira as

disposições do confronto armado entre os Estados, na solução, desses conflitos.

O segundo movimento diz respeito à maneira pela qual os postulados da teoria

do valor trabalho poderiam vir a ser rejeitados, os quais eram caracterizados pelo enfoque

ricardiano, como teoria das vantagens comparativas, sem que fossem jogados para fora os

avanços analíticos obtidos com a teoria de custos da produção subjacente àquela concepção.

O esforço era o de retirar o caráter político contido naquela teoria, naturalizando-a em novos

termos analíticos, através do uso do conceito da desutilidade marginal, seja do ponto de vista do

demandante, seja do ponto de vista do ofertador, encaminhando-a para uma teoria do custo de

oportunidade do comércio internacional. Assegurados os direitos sobre a propriedade da riqueza

social internamente, assegura-se, também, sua pertinência ao nível externo, nos mesmos termos

teóricos estabelecidos.

A natureza ideológica da discussão aparece, p.ex., em J. Viner:“há uma séria dificul-

dade, aqui, para a doutrina dos custos comparativos, mas ela advém da necessária dependência

de seus aspectos normativos, na forma da teoria do valor do ‘custo real’(desutilidade) do trabalho

e não de sua relação com a teoria do valor do ‘custo do trabalho’.” E, ainda, “O curso do

comércio internacional é governado imediatamente pelos preços. A não se quer os preços das

mercadorias dentro de um país sejam pelo menos aproximadamente proporcionais aos seus

custos reais, a doutrina dos custos comparativos é insuficiente para estabelecer uma presunção

em favor do livre comércio e, de fato, pode fornecer uma concepção em favor da interferência

no comércio a fim de trazê-lo em conformidade aos reais custos comparativo.”(VINER, 1937,

parág. VIII(102);(105).Tradução e parênteses nossos).

Todo o problema encerra-se na possibilidade da demonstração de que, aceito o

potencial do ganho, esse ótimo alocativo pudesse ser indicado, nos termos do equilíbrio geral e

dos princípios normativos ordenadores, de tal maneira que a rejeição às presumidas vantagens

de uma economia fechada seria encarada como uma disposição natural, para uma benéfica livre

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troca para todos, indistintamente do país onde se encontram, como expresso por P. Samuelson,

em: Uma vez mais, os ganhos do comércio internacional (SAVASINI JOSé A. A. MALAN, 1979):

Os homens práticos e os teoristas econômicos sempre souberam que o comérciopode beneficiar certas pessoas e prejudicar outras. Nosso problema é mostrarque os amantes de comércio são teoricamente capazes de compensar os queodeiam o comércio pelos danos causados, dessa forma colocando todos emmelhor situação.

O entorno de H. White ocupou-se diretamente dessa questão,27 de generalizar os

supostos do equilíbrio geral para o contexto internacional e o fez em termos de diversas tentativas

e contribuições. Naquela questão orientadora de todas as demais formulações, o tratamento foi o

de abordar a troca e o equilíbrio geral entre o indivíduo representativo, para considerá-los à luz

de (n) países, com (m) mercadorias, em condição ótima, supondo-se, ainda, que a opção por

comercializar externamente resulte numa melhor situação, do que aquela onde não há comércio

externo.

As equivalências, na verdade parâmetros, entre aquela situação do equilíbrio geral

do consumidor para com a do equilíbrio geral no comércio entre os países, serão, assim, sis-

tematizadas: a) a presença de uma escala ordinal de preferências reveladas, onde o indivíduo

combina o melhor resultado possível, segundo os fatores dados; b)tal qual o consumidor em

concorrência perfeita não influência os preços no mercado, o país, igualmente, não afeta os

preços no comércio internacional; c)a formação dos preços em um sistema de preços relativos,

onde há a possibilidade de algum comércio externo, o qual recebe o impacto desse fluxo, o

que provoca uma determinação na formação de preços distinta, se não houvesse essa influência

externa; d)as balanças comerciais são equilibradas; e)e as respectivas funções de produção são

dadas e indicam a condição de retorno constante, e são concebidas nos termos de uma curva de

indiferença da produção.

De um ponto de vista mais geral nesse plano, trata-se, tudo indica, de refrear a

justificativa política das tarifas e das cotas de proteção, incluída na indústria infante, por parte

dos países, pelo desenvolvimento de uma outra concepção política fundamentada na orientação

de um melhor avanço científico, que vem solucionar os conflitos decorrentes de visões, por

suposto, de alguma forma, equivocadas, não-otimizadoras e não-livre cambista, sacadas pelos

Estados no plano externo.

27Vide o “Brackground” para White em (BOUGHTON. op. cit.).

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Porém, sabe-se hoje, os resultados teóricos esperados para o livre comércio, para

a economia mundial, não puderam ser sustentados. No comércio entre os países, a tragédia

impõe-se, pois haverá sempre um ou mais perdedores, justificando-se as razões para a existência

de diversos tipos de políticas comerciais, caracterizadas pela presença desestabilizadoras em

potencial de tarifas, cotas preferencias, acordos entre os Estados e etc. os quais são introduzidos

pelas economias nacionais, exatamente em função dessa impossibilidade.28

Não obstante, essa perda incomensurável da ideologia do livre comércio manteve

no período as presunções existentes tanto no campo das considerações de S. Mill sobre a

Liberdade,29como no campo do melhor estado de bem estar social, espelhada numa função dos

bens públicos.

Ao retomar-se um aspecto ideológico de longo curso, o tratamento aí efetuado,

carregado de nuances e divergências entre os autores, (SCHUMPETER. op.cit.p. 191-2), com

efeitos significativos para análise econômica futura, mesmo com a critica de J. Keynes, culmina,

graças à chamada revolução marginalista, na busca da equivalência, primeiro, entre trabalho

e capital, abordados como fatores equivalentes no processo produtivo e, graças a isto, numa

proposição normativa que se queria neutra neste primeiro plano. Em segundo lugar, postuladora

de uma suposta harmonia e/ou igualdade de condições para as classes trabalhadoras e capitalistas,

que são expressas na forma de produtores e/ou consumidores com posições diferentes, porém

com papéis idênticos no interior do sistema econômico.

Finalmente, na proposição do individualismo econômico que expressa a condição

empírica necessária às generalizações da análise e se põe como base racional para o movimento

do sistema como um todo, caminho este efetivado através das proposições contidas na teoria

da utilidade do consumidor e na teoria da maximização dos lucros pelas firmas (DEANE, 1980,

p. 145), elaboradas no conjunto da economia de equilíbrio geral.

A consagração do Plano H. White foi a da aceitação de um mundo com imperfeições

portador de um mercado imperfeito, onde as escolhas ótimas não são possíveis. Não sendo

possível ao nível do mercado mundial, certamente, não seria possível, também, internamente

às sociedades nacionais (ARROW, 1950). Porém, ainda, assim persistiu como um suposto da

realidade e justificador de formas institucionais de acordo, regulação e ordenamento interna-

cionais, necessários ao seu pior melhor desenvolvimento, expresso nas instituições que erigiu.

28Veja as conclusões de P. SAMUELSON, (op. cit. p.121-22).

29Os efeitos políticos da presença do pensamento de H. SPENCER, nos Estados Unidos, estão em (FREEDEN,op. cit. p.39).

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Manter a estabilidade do câmbio, o pleno emprego para as economias nacionais e alguma forma

de cooperação internacional para soluções das crises políticas e econômicas, seriam assegurados,

em suspensão, a despeito das conclusões teóricas práticas acima, que logo lhe frustram.

Instituído, historicamente, em um contexto instável, acompanhando a emergência

e a intervenção dos EUA no espaço global da seara política e econômica (GRENVILLE. op.

cit. chap. 31), esvaziado dos argumentos econômicos e políticos iniciais, demandando outras

práticas que se deslocam, por certo, no longo prazo, lentamente das concepções originárias

ordenadoras e do quadro histórico que as tornam possível, BW se fará presente como uma vitória

de um liberalismo, agora, coroado por novos adjetivos, que os torna possível.

2.2 Depois da vitória, novas políticas

Foi, portanto, no interior de um quadro bastante complexo que uma nova ordem mun-

dial veio à tona após a Conferência do SBW, alimentada pelas condições políticas e econômicas

do período e mantida, com as mudanças abaixo indicadas, após a 2ª Guerra. Os conflitos e as

latentes contradições envoltos no período de transição e as possibilidades contidas nas ações de

cada um dos atores da época, nacional e geopoliticamente considerados, leva à criação de uma

onda de novas instituições nacionais e internacionais, implicando na criação da Organização das

Nações Unidas e de seus instrumentos na área militar, econômica e diplomática, quais sejam, a

OIT, o FMI, a FAO, OMC, o Banco Mundial e as de natureza regionais.

O FMI emerge em 1945 no interior de um quadro referenciado, segundo as visões e

interesses das classes sociais, pelos objetivos desenhados pelo Plano H. White.30 Seu fundamento

de última instância, para a nova ordem mundial, desenha-se naquele período que converge para

a grande depressão, onde se formam as visões consensuais de repúdio à velha ordem liberal,

viabilizando, através dos trabalhos de J. Keynes e das condições políticas daquele momento

histórico, uma postura de aceitação da legitimidade de todas as demandas sociais e políticas em

confronto, passíveis de serem negociadas entre as classes sociais e dirigidas, de uma forma ou de

outra, para uma acomodação no interior das políticas estatais.

Viabilizou, igualmente, a tramitação de um conjunto de entendimentos, concentrado

na proposição do livre comércio, entendido como comércio para todos os países livres ou o

multilateralismo nas transações comerciais e um princípio de estabilidade econômica, centrada,

30As oposições políticas ao Plano, tanto nos USA, como no Reino Unido, estão em S. PRESSNELL, in:(BORDOMICHAEL D. E EINCHEGREEN, 1993, p. 187-95).

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essa última, na ideia de um ajuste automático, via taxa de câmbio administrada em comum

acordo, para os desequilíbrios do balanço de pagamento, entre os 29 países iniciais participantes,

porém, sem intervenção nas políticas nacionais internas, as quais mantinham sua independência

relativa.

Visto no conjunto, o SBW terá sua dinâmica integrada a essa condição política, mais

geral, dependendo continuadamente das composições e coalizações políticas que se formam

no interior dos Estados nacionais, respondendo às suas contradições internas, e consequente

expansão de seus interesses de classes para fora, alargando, e não diminuindo, os problemas mais

gerais do exercício das soberanias e do próprio conceito de Estado. Isso pode, empiricamente,

ser observado na nova ordem mundial, a qual se abria e sustentava a inserção do poder político e

das atividades econômicas dos EUA, que se voltava, agora ao final da guerra, para fora.

As razões para tanto são conhecidas. Em primeiro lugar, especialmente a entrada

norte-americana diretamente no conflito bélico (MARTEL, 2007, cap. 21). Em segundo lugar,

as demandas econômicas provenientes desse quadro. Aqui, cabe à exportação do seu capital

produtivo e das atividades bancárias que a perseguia, presas no primeiro caso, nas condições

ditadas pela grande depressão e depois pela economia da guerra e, não menos importante, frente à

real possibilidade da desarticulação desse aparato, no pós-guerra, levar a um contexto econômico

recessivo, jogando a economia norte-americana de volta às condições tidas no momento de

paralisia e crise de entre guerra.

A expansão da atividade financeira é, também, submetida a este movimento para fora,

atrelada aos financiamentos demandados pela guerra e renegociação das dívidas dos países nela

envolvidos direta e indiretamente e, ainda, interessados na recuperação do valor dos empréstimos

não cancelados, acumulados como dívidas, principalmente europeus e latino-americanos, ao

longo dos anos de 1930-40 (KINDLEBERGER, 1989, p. 241-50), já projetando o dólar como a

moeda chave para o comércio mundial, moeda de troca e de reserva de valor ao nível internacional.

Ambas, demandariam, portanto, formas novas de reprodução do capital e da manutenção da

riqueza, no tempo, cujo objetivo mais imediato, para tanto, concentrava-se na ruptura do seu

isolacionismo histórico (PAULY, 1998, p. 82-6).

Se a imensa quantidade de ouro retido pela economia norte-americana no imediato

pós-guerra, a inconversibilidade e o rígido controle sobre as moedas nacionais, especialmente as

europeias, no período, junto com os impactos causados pela devastação social da guerra, com o

aumento significativo do conflito político (ELEY, 2002, cap. 15;18) e com os problemas decor-

rentes da destruição e caducidade da maioria do equipamento produtivo, foram importantes para

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essa movimentação norte-americana, por seu turno, isso frustra qualquer veleidade real de uma

ação de cooperação internacional, realizando-se da maneira prevista pelos países participantes,

no pós-guerra, naqueles termos do recém-criado Fundo de estabilização.

Seus elementos estruturantes não saíram do campo das intenções, de tal maneira

que o que deve ser ressaltado, parece ser o quanto a teoria prática sobre o contexto histórico,

no qual e apoiava foi insuficiente para abarcar todas as nervuras necessárias ao seu efetivo

funcionamento, levando a que p.ex., B. Eichengreen, não demonstrasse surpresa em observar

que, “Em retrospecto, a crença em que esse sistema poderia funcionar foi extraordinariamente

ingênua.”(EICHENGREEN, 2000, p. 137). E, para o seu desempenho mais geral, ainda expressasse

seu previsível não funcionamento, nos seguintes termos:31

O sistema de taxas fixas ajustáveis revelou-se uma contradição em termos:mudanças na paridade, especialmente por parte dos países industrializadossituados no centro do sistema, foram extraordinariamente raras. A monitoraçãodo FMI revelou-se um leão desdentado. Os recursos do Fundo tornaram-serapidamente muito pequenos diante do problema dos pagamentos no pós-guerrae a cláusula de escassez de divisas, concebida para punir os países cujaspolíticas ameaçassem a estabilidade do sistema, nunca foi aplicada. (Negritosnossos);(Cursivas do autor).

Portanto, não se encontrará, nessa teoria, a maneira pela qual a economia capitalista

recupera-se de seu quadro de guerra, transformando-se na prática que informa a recuperação,

o que é um paradoxo para seus atores. Pelo contrário, essa recuperação pouco demandou das

concepções e visões contidas na formulação do plano acordado em Bretton Woods e tornou-se

rapidamente dependente das condições políticas observadas a cada Nação, e, em especial, dos

Estados europeus e da economia norte-americana, levando a solução, hoje bastante conhecida

tanto da reconstrução da Europa, como da política expansionista dos EUA e de sua congênere

política de segurança para a Ásia, em especial, frente à movimentação chinesa e ao fim da guerra

no Japão.32

Evidente que, respaldada nos efeitos econômicos da guerra, a matriz industrial norte-

americana beneficiou-se dos estimulantes esforços necessários a suprir as demandas bélicas.

E, no contexto da reafirmação desse seu paradigma industrial, terminou por realizar e efetivar

31(Id., loc. cit.

32M. Bordo, p.ex., em The Bretton Woods International Monetary System, demonstra a fragilidade da ação doFMI, nas três maiores situações de desequilíbrio e ajuste cambiais para a França, Inglaterra e o Canadá, em 1947-48,quando suas ações demonstraram-se estéreis. (BORDO MICHAEL D. E EINCHEGREEN, 1993, p. 46).

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todo um conjunto de inovações tecnológicas associadas à intervenção militar e, igualmente,

financeiras, gestando, no tempo, um novo padrão industrial altamente beneficiado pelo processo

de reconstrução da Europa. Produção em massa, surgimento das grandes empresas, represamento

da renda pessoal nos EUA, desenvolvimento da indústria automobilística e a difusão do uso

do petróleo garantiam o atendimento de bens duráveis, para a sociedade que ia se formando,

ao mesmo tempo em que carregou mudanças fundamentais à indústria de bens de capital,

viabilizando a condição mais geral, de longo prazo para o pós-guerra, que lhe deu novo curso.

Se:33

O dinamismo apresentado pelo grande capital monopolista norte-americano emtodo o pós-guerra significou, assim, um desbordamento de sua estrutura indus-trial e de seus padrões de consumo, através de uma nova forma de articulaçãoda economia mundial.

A reconstrução política e econômica da Europa, por seu turno, esteve fora das

avaliações trazidas em cena por ambos os Planos, de White e de Keynes, e escapou às concepções

e ideais de remontagem da nova ordem mundial. Porém, afirmou-se como uma prática prioritária,

alavancando, desavisadamente, os recursos políticos e materiais, necessários às teorias práticas

sustentadoras do novo sistema, inclusive atualizando as visões adiantadas, equivocadamente,

para o SBW. É importante, ainda, enfatizar que, segundo Kindleberger:34

Durante o período de recuperação,a o Fundo e o Banco (Mundial) permane-ceram à margem, já que a reconstrução foi financiada pelo Plano Marshall.Somente em 1958, com a desvalorização do franco e a conversibilidade da libra,pode-se dizer que o sistema de Bretton Woods tenha realmente entrado emoperação. (No parêntese, adição nossa)

aKindleberger refere-se ao período do fim da guerra a 1948.

Nota-se, porém, que, ao ser assim e, ainda, defasadamente em relação às práticas do

pós-guerra, ambas as movimentações –o poder político americano e a reconstrução da Europa

pelo Plano Marshall– constituíram-se na forma de um núcleo duro, ordenador de todas as

demais práticas, que se desenrolam ao nível mundial no pós-guerra. Certamente, esse núcleo

duro configurador, um novo substrato ao novo Poder Político, ao Príncipe, que tem origem nas

33L. COUTINHO e L. BELLUZZO, em:(BELLUZZO, 1983, p. 37-55).

34(KINDLEBERGER, 1989, p. 250).

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condições pelas quais os estados europeus e não só os europeus, se defrontaram com suas tensões

e conflitos políticos internos naquele período.35

Conflitos esses que decorrem, tanto da situação vivida no momento imediato entre

as guerras (H. BELL in: MARTEL. op.cit.), como da destruição do seu sistema social e político,

mais ainda, das consequências políticas decorrentes da consolidação, expansão e significado

político da experiência socialista da União Soviética 36. Igualmente, resultou de mudanças

políticas que ocorreram no interior da sociedade norte-americana, impulsionados por um novo

paradigma industrial,37 pela expansão internacional do seu sistema financeiro monetário,38 e as

tensões políticas e sociais próprias a essas transformações, as quais haviam sido acumuladas

desde o início do século XX (GRENVILLE. op. cit. cap. 5), convertendo-se em lutas políticas

que expressam a nova condição do pós-guerra nos EUA, i.é., a entrada no cenário político

norte-americano da classe trabalhadora na disputa do poder político (GRENVILLE, 2005, p. 355):

A medida mais importante de 1947 fora provavelmente o Act Taft-Hartley, oqual limitava o poder dos sindicatos. O recorde das greves sindicais e as rupturasque tinham causado, levavam sua aceitação para fora dos ciclos organizadosdos trabalhadores e o veto de Truman à proposta de Lei, foi derrubado peloCongresso. (Trad. nossa).

Evidentemente, isso implicou no redesenho das políticas de bem estar social, dos

diversos tipos de “keynesianismos”, acalentado pelas forças sociais, em luta, pela reconstrução

do sistema mundial. Os recursos financeiros e políticos destinados ao Plano Marshall, 1948, e a

perspectiva de um novo conflito militar, agora entre dois mundos, apressam aquela dinâmica, ao

mesmo tempo em que deram a devida dimensão real aos efeitos dos acordos do SBW, ao final da

década de 1950, resgatados os EUA do seu isolacionismo.

Tanto aqueles quesitos envoltos com o mundo do trabalho, a intensificação das

lutas políticas que levam a programas reformistas e socialistas para o coração do Estado, bem

como aqueles decorrentes da questão monetária, fiscal e das divisas nacionais e o retorno do

35A doutrina Trumann e o Plano Marshall, sabe-se, foram intervenções políticas para contraporem-se a ascensão,em geral, dos movimentos da esquerda europeia, (ELEY. op. cit. p. 300).

36(ELEY, op. cit. cap. 18) .

37J. Engel, in: (Martel, op. cit.).

38Esse processo consta em A. Teixeira, Estados Unidos: a “curta marcha” para a hegemonia, in:(FIORI, 1999,p. 155-90).

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crescimento econômico europeu, terão, nesse núcleo duro, seus maiores alargamentos. Sabe-se

hoje, que a maior ou menor convertibilidade das moedas nacionais, coroaram esse processo.

Eis o contexto histórico, mais geral, de subordinação dos interesses das classes

dos banqueiros ao longo de todo esse processo. Se, por um lado, a ascensão da classe dos

banqueiros no interior dos objetivos acordados em Bretton Woods, através de “uma confiança

inabalável nas virtudes da moeda forte em geral e do padrão ouro em particular”(ARRIGHI, 1996,

p. 288), não pôde ser descartada. A qual, desde já, se respaldava em um quadro posto pela

necessidade da manutenção da riqueza, no tempo, e também, em função do financiamento da

manutenção e reconversão dos processos econômicos vinculados à guerra, mais ou menos de

forma generalizada para todos os países.

Por outro lado, esses interesses não puderam responder, nesse período, pela totalidade

da configuração da nova ordem mundial, posto que se subordinam politicamente, após seu

predomínio ao final do séc. XIX (HOBSON, cap. X), à regulação do capital pelo Estado

(ARRIGHI, op. cit). Não obstante, sua permanência é ofertada como um prólogo para cenários

futuros.

Portanto, naquilo que é decisivo à época, foi o Plano Marshall que possibilitou que

as teorias práticas sobre a abertura comercial, estabilidade financeira e extinção do protecionismo

se tornassem efetivas. Essencialmente, ao opor-se às possibilidades das transformações políticas

à esquerda, não só na Europa, o plano favorece as condições mais gerais de afirmação das visões,

interpretações e práticas informadas, vinculadas, de maneiras diferenciadas, ao liberalismo

domesticado pelas concepções do Estado de bem estar dominante, no momento do pós-guerra.

Em suma, articulados aos objetivos dos novos acordos do Plano Marshall, se seguem

os novos interesses americanos, os quais vistos em seus desdobramentos futuros inventam as

práticas teóricas necessárias ao novo cenário mundial.39

39Para mais sobre a reconstrução do pós-guerra, (DORNBUSCH RUDIGER. NÖLLING; LAYARD., 1993), em especialpara o Plano Marshall, B. EICHENGREEN e DE LONG, cap. 8, na mesma obra.

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3 O Sistema de Bretton Woods e suacrise

3.1 Estratégia política de uma elaboração metodológica:consensualismos na construção da síntese neoclássica deKeynes

De qualquer maneira, será em tal contexto histórico e político que se desenvolve um

tipo especial de Keynesianismo1 e afirma-se como sendo um Estado de Bem Estar Social passível

de ser estendido para a economia mundial. O keynesianismo internacionalista do pós 2ªGuerra

Mundial foi alavancado pela demanda desses gastos militares, indicando sua condição bélica, tal

qual havia sido antecipadamente condenado, como a pior via da sustentação da demanda, pelo

próprio Keynes.

Um primeiro desvio ossificador da teoria contida dos programas que deveria aparecer

como uma prática econômica inovada por parte do Fundo, insinua-se já na origem desse. Algo

que, em função disso, não pode ficar sem considerações. Sabe-se que as condições iniciais de

onde surgem as trajetórias do FMI, a recriação dos organismos internacionais com a falência da

Liga das Nações e capitaneada pela nova Organizações das Nações Unidas, os seus programas

de trabalho, modelos teóricos macroeconômicos e sua configuração institucional.

Todos esses instrumentos encontram-se embutidos, por sua vez, na criação de um

conjunto de organismos internacionais no após a 2ª Guerra além do próprio Fundo Monetário

Internacional (FMI): o Banco Mundial (BIRD), o Acordo Geral sobre Tarifa e Comércio (GATT)

vinculados diretamente aos problemas de retomada do desenvolvimento econômico mundial

e, deve-se sublinhar, uma estratégia em geopolítica que confronta a construção de uma área

econômica particular aos países socialistas.

1Batizado de keynesianismo bastardo por J. ROBINSON.

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Essa nova área, avessa aos objetivos centrais das economias capitalistas, dá materi-

alidade e unicidade a um conjunto de normas e regras que definem, por oposição e confronto,

esse conjunto de instituições, abrigando-as no interior de um mesmo desdobramento. Com

especificações e objetivos complementares, atuam de maneira diversificada para que se possa dar

a devida abrangência e validade universal às suposições e fundamentos que possuem e para que

possam partir, coordenadamente, remando no interior desse novo contexto.

A bordo de uma nave peculiar coube ao FMI, composto pela adesão de várias

sociedades e economias distintas entre si, assegurar uma navegação tranquila, no sentido de que

as instabilidades provocadas pelas disputas nacionalistas, em torno de um câmbio flutuante, e

pelas barreiras existentes ao comércio internacional – motivos das disputas militares que levam

à primeira guerra mundial – fossem superadas por uma nova regra e novas condutas, entre os

países, sob o auspício da adoção generalizada de um câmbio fixo e ajustável, atendendo aos

interesses maiores do crescimento econômico comum e pacífico da economia internacional.

Rumo, remo e âncora seriam, ademais, assegurados pela relação das divisas nacionais

para com o valor do dólar, pelo principio da paridade e, não menos importante, pela presunção

da liberdade comercial para todos os Estados envolvidos por essa nova regra internacional.

A bordo dessa nave e navegando por mares, ainda, a serem desbravados deveria se

garantir o cumprimento interno das demandas sócio-econômicas, no front interno dos países

capitalistas, provenientes das conquistas em políticas econômicas por parte das classes sociais

produtoras de valor e da pressão exercida pelas sociedades não-capitalistas que recai sobre os

países que estão navegando, a bordo, em função daquele desdobramento geopolítico.

Daí a urgente tarefa ao FMI: exercer controle e coordenar tanto os déficits como os

excedentes em balança de pagamentos e a pressão em políticas sociais internas, evitando que

economias nacionais deficitárias incorressem em medidas de políticas macros, constrangedoras

da demanda agregada, com efeitos perversos e rejeitados para aquele momento histórico, sobre

o nível do emprego e dos investimentos. Porta-se, nessa tarefa desde esse momento, como

um Mestre que tem por responsabilidade inibir e punir as possíveis recessões econômicas e

mudanças políticas radicais, as quais poderiam advir da conjuntura histórica na qual navega.

Por demais conhecido, caberia ao FMI caberia, estabelecer as condições de regulação

internacional do câmbio praticado entre os países, cujo teto limite seria de 10%, para que

ninguém fugisse as regras de desvalorização das moedas nacionais, muito menos para impor,

unilateralmente, qualquer medida restritiva ao comércio internacional entre os bens e, se preciso,

caberia a este injetar liquidez ao sistema.

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Assim, seu estatuto previa em seu primeiro e mais importante Artigo I, que seriam

seus propósitos: promover emprego e aumento da renda real, como objetivo primário da política

econômica dos países membros, facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio

internacional, auxiliar no estabelecimento de um sistema multilateral de pagamentos relativo

às transações correntes entre os membros e na eliminação das restrições a trocas externas,

dar suporte, em última instância, a esses países, na correção dos desequilíbrios da balança de

pagamentos e guiar as economias nacionais para esses propósitos mais gerais.

Ora, tais posturas não eram meras posições de princípios, posto que ao mesmo tempo

em que esses propósitos rompiam com a situação própria da economia, no início do século XX,

efetivadas nas circunstâncias geradoras da 1ª Guerra Mundial, sinalizavam, igualmente, um

conjunto de procedimentos para se gestar o novo sistema monetário internacional adequado aos

novos tempos, onde, no qual, deveria ser jogada sua âncora.

A responsabilidade do Fundo em torno das normas internacionais, na qual a Idade de

Ouro do Capitalismo Moderno poderia ser ajustada, inicia-se aqui. Mas, se assim, um primeiro

desvio que ossifica a teoria contida nos seus programas e propostas de trabalho para a contenção

das rivalidades e disputas a bordo, insinua-se já na origem desses propósitos.

Uma primeira fricção decorreria dos ruidosos efeitos das constantes negociações em

torno do câmbio entre os bancos centrais da época, motivadas pelo movimento do capital entre

EUA e Europa. Contribuía para o arrefecimento dessa disputa as possibilidades do crescimento

econômico do pós-guerra, tendo em vista a retomada da atividade industrial europeia, que exerce

pressão positiva sobre o nível de emprego nesses países europeus. Enquanto que esses efeitos

nos EUA eram oscilantes, repercutindo sobre as demais nações, dependentes, de uma forma ou

de outra, do comércio exterior voltado para essas economias. (TRIFFIN, 1972, p. 54-61).

Logo, se existia uma coordenação como um objetivo do Fundo, necessária à nave-

gação, essa era defensiva e justificava-se frente ao contexto passado para legitimar as medidas

tomadas no contexto presente, surgida do desempenho e funcionamento das próprias regras

concebidas para navegar-se nos novos tempos. Na formulação de Eichengreen2:

2(EICHENGREEN, 2000, p. 132).

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Taxa de câmbio fixas mas ajustáveis eram factíveis somente porque os controlesde capital protegiam os países que buscavam defender suas moedas contraos fluxos de capital desestabilizadores e asseguravam o espaço de manobranecessário para que os ajustes fossem feitos de modo ordenado. Os fundosdo FMI eram recursos extras de defesa para os países empenhados em mantero câmbio fixo em face de pressões do mercado. E a monitoração do Fundodesencorajava o tipo de mudanças nas paridades e controles que poderiamresultar em aproveitamento indevido do sistema.

Portanto, a primeira batalha a bordo dava-se em torno do problema da construção

da legitimidade para a melhor forma de atuação do Fundo, ancorada no (SBW) como um todo.

Questionada e pressionada pelo ambiente de disputa entre as economias socialistas e capitalistas,

de um lado, e de outra abalada frequentemente por problemas internacionais de liquidez, na

forma do Dilema de Triffin ou, ainda, demostrando-se incapaz em obter recursos e poder para

influir sobre o ritmo da acumulação ou os desequilíbrios nas balanças de pagamentos, resultantes

das deteriorações nos termos das trocas entre os países e os demais problemas de coordenação

econômica à época, via-se forçado a fazer valer-se frente aos objetivos históricos maiores, nos

quais fazia parte.

Com uma legitimidade a ser conquistada a cada batalha, por derivação da sustentação

do Sistema de Bretton Woods, coube a todos a bordo a reconhecerem no FMI a consecução

daqueles objetivos e de colaborarem com este na promoção de um sistema cambial estável e

em assegurarem, através da nova instituição, a implantação de arranjos coordenados para os

possíveis desajustes cambiais produzidos em sua seara.

Observa-se que, de saída, haveria o desafio de tornar compatível, esses propósitos

gerais, com as possibilidades antevistas pelo Artigo IV, onde o Fundo aparece como instituição

financiadora e fiscalizadora de fato, quanto à necessidade de uma correção de rumo, sempre que

entendesse como necessário à estabilidade global do sistema econômico. O que poderia produzir,

e produziu, mudanças macroscópicas em sua trajetória.

A tensão entre o programa do FMI e o contexto prático de sua ação fica assim

estipulada em sua origem: por um lado um frequente exercício de detenção da realidade pelas

ideias movedoras de seus propósitos, sempre pressionadas pela condição histórica evolvente em

que atua, e, por outro lado, um ambiente de crise e de disputa que deve impor a adesão às regras

institucionais para aqueles que se demonstravam não perfiladas com aqueles supostos gerais.

E, no decorrer dessa tensa navegação e instável direção das coisas, mais pelo que

sua presença espelha e não pelo aquilo que produz, inicialmente o Fundo Monetário vai ter

como equipamento teórico dissuasivo os tradicionais instrumentos conceituais gestados pelo

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Mainstream da época. Devendo fazer uso desses, ao longo de todo o período histórico por

onde vai navegar, como artefato instrumental e motivo de legitimidade para suas rotineiras

intervenções.

Uma extensão da sua busca, passo a passo, por legitimidade que ao não se esgotar

pela simples presença das regras do (SBW), o remete para uma dinâmica em sua operação

e de constantes mudanças de rumo que se submete ao buscar reafirmar, de maneira sempre

contraditória, esses seus propósitos políticos, morais, intelectuais e legítimos de origem.

Em suma, necessário reconhecer que o aspecto fundamental aí assentado pela constru-

ção da institucionalidade do SBW, foi o de ter colocado, o FMI, como parte vital das articulações

em poder e em economia entre os diversos países e suas economias nacionais. Instituindo-o como

instrumento de referência necessário ao cálculo monetário e político, para decisões econômicas

centradas em termos de trocas externas, constituição de reservas e investimentos externos, por

parte, pelo menos, dos países membros, qual seja, dos países que subiram a bordo.

Como também, para viabilizar rearranjos mais específicos, na transição do anterior

regime monetário existente no tempo do padrão Ouro-Libra, para a nova hierarquização entre as

diversas moedas nacionais no pós-guerra, referenciada pela liderança do padrão Dólar-Ouro que

ai toma corpo. Destaca-se, nesse movimento, a indução pela escassez que condiciona a forma de

inserção dos países de moeda não conversíveis a esse recente mercado monetário internacional,

dirigido e configurado pela nova moeda de reserva mundializada.

Note-se desde já, que a ação fiscalizadora do Fundo, nessa condição inicial, será

acionada em condições de crise informada pela situação dada pelo comportamento dos meios

de pagamento da balança comercial dos países membros. É essa visão de mundo, onde as a

quantidade das trocas de mercadorias deve dar o rumo do ajuste do balanço de pagamentos

e o fluxo fundamental por onde fluem as divisas, que indicará, por sua vez, a natureza do

entendimento da política cambial e dos acertos e propósitos pelos quais o FMI deve mover-se,

neste momento.

Aliás, daí também deriva uma postura que possibilita a autonomia das políticas

domésticas, assentada pacificamente, em sua auto adequação aos propósitos da instituição, o

que incluía a formalização de solicitações a empréstimos acima da quota, com pouca tensão

na tomada das condicionalidades estatutariamente previstas pelo organismo. Isto porque as

linhas de facilidades de crédito, definidas e apresentadas à frente, operavam no sentido de

diminuir os custos das infrações cometidas pelos países membros ou, simplesmente, eram

desconsideradas pelo Fundo, no caso da violação da regra de equilíbrio, mantendo-se uma

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diplomática cordialidade na disputa entre os países membros.

Firmar posição em relação ao cenário internacional, apoiando-se em considerações

teóricas que legitimem suas ações, portanto, que partam de uma visão de mundo para a economia

mundial capitalista decorrente, essencialmente, das trocas comerciais entre os países, traçou a

maneira pela qual dos Clássicos o Fundo chegaria aos modelos da síntese neoclássica de Keynes,

por meio do Equilíbrio Geral de Walras. Mesmo estando o ponto de partida identificado com a

economia clássica, as alterações conceituais e as releituras buscavam um enquadramento da para

suas ações e legitimidade intelectual já nesses novos termos.

Na pluralidade das teorias clássicas sinteticamente, de uma forma ou de outra, o

ponto central da discussão é o esforço feito para o entendimento da maneira pela qual o comércio

internacional acarreta ou não o enriquecimento das Nações. Nessa perspectiva, o veículo da

riqueza será visto, não apenas, como a detenção da moeda pelo Estado, no caso o ouro, que

definiria os termos de sua soberania, mas também, a quantidade de trabalho incorporada na

mercadoria que poderá ser internacionalmente transacionada.

Dessa forma, o debate indica muita coisa. Ressalve-se, primeiro, que se trata de

compreender a qualidade e o tipo de recursos que os estados, soberanamente, possuem no embate

que travam naquele plano, fluído, internacional. Segundo, traduz a maneira pela qual se deram as

mudanças internas e externas aos países, que giram em torno das economias capitalistas centrais,

na passagem do Século XIX ao Séc. XX.

Centrando-se sobre as diferenças entre recursos, naturais e sociais, acompanham a

configuração dessas economias e os efeitos que esses recursos, tomados como dados pelo debate,

trariam para as relações políticas externas, supondo-se conhecidos os seus efeitos internos. O

objetivo e a importância dessas explicações para o Fundo e os demais navegantes é o de captar a

desigual e a relevância da distribuição desses recursos entre os países, que passam a ser encaradas

como possível fonte de vantagens comparativas, em função das variáveis que componham o

custo total da produção de bens do país.

Igualmente, traz embutido nessa nova explicação e regra de conduta, seguindo aquele

mesmo caminho perseguido pela síntese de S. Mill, de um lado, a necessidade do estabelecimento

de uma diferença interpretativa que recai sobre a recusa do papel do Estado na configuração das

questões relativas ao comércio internacional e proteção interna.

E adiciona, por outro lado, sobre essa, a concepção de que o melhor caminho

para um comércio pacificado entre os países seria dado pela aceitação da regra da mais ampla

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mobilidade dos fatores produtivos internos em relação aos fatores externos, convergindo-se,

natural e legitimamente, ao cumprimento dos supostos contidos na teoria ricardiana das vantagens

comparativas.3 Aqui uma troca sútil insinua-se ideologicamente nos termos do debate, com

longo alcance sobre a visão de mundo propiciada pela entrada em cena da teoria dos custos

comparativos que vai orientar os propósitos, navegantes, do Fundo.

É que todo o entendimento anterior, sobre esse tema, supunha a expansão da teoria do

valor trabalho, nos termos clássicos, ajustada para o quadro internacional externo, sem perda de

sua validade. Isto é, a criação de uma teoria internacional do valor sujeita às condições simultâ-

neas da presença dos impactos decorrentes da divisão internacional do trabalho, especialmente no

campo distributivo proporcionado pela industrialização, da urbanização das diversas economias

nacionais, da criação do seu mercado interno e a questão política implícita ao entendimento

desse processo, isto é, se haveria ai um ou não um maior ganho, em poder e riqueza nacionais,

frente aos termos da concorrência internacional, à luz de sua dinâmica política interna.

Tudo isso, ainda, antevisto por sobre os caminhos da expansão da economia capita-

lista, do ponto de vista da teoria, à luz de seus resultados sobre o salário e a riqueza nacional, o

poder militar e o econômico, de suas formas de concorrência, estagnação e crises.

Concorrência, que nesse sentido, vai significar criar rivalidades por fatores inter-

namente escassos ou indisponíveis em função da concorrência e da divisão internacional do

trabalho. Que indicam, por seu turno, a capacidade pela qual as economias nacionais, seu

grau de avanço econômico e histórico, seu nível de salário, emprego e renda, podem conseguir

usufruir dos recursos econômicos necessários à sua benigna entrada nesse processo concorrencial

internacional, que se dá apenas no longo prazo.

Com todo esse aparato em andamento, o comércio mundial apareceria como estável,

assegurando para o regime internacional do padrão ouro, a estabilidade necessária às trocas

internacionais entre os países. Enquanto que a busca de um certo igualitarismo corresponderia

ao alcance de um equilíbrio e harmonia para o cenário internacional, contemplador de uma certa

estabilidade dos preços e de uma consequente estabilidade para o valor das divisas internacionais,

parecido, portanto, ao estipulado para uma pressuposta paridade de poder de compra entre os

países.

Ocorre que, nos termos dos modelos neoclássicos dos custos comparativos absorvido

pelo Fundo, cede-se à concepção de que os ganhos comerciais provêm, não desses aspectos

3Talvez seja necessário acompanhar o argumento desenvolvido por J. VINER, in: (VINER, 1937, chap. VIII).

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virtualmente politizáveis, colocados pelos clássicos, mas sim de uma suposta melhor realocação

de seus recursos produtivos internos. Sendo que esses lhe aparecem como naturalmente distri-

buídos, pela sorte ou qualquer outra forma de acaso, aos países que não podem modificar essa

situação por ação direta sobre sua suposta escassez.

Nesse caso, os objetivos igualitaristas das nações se vêm deslocados e compreendidos

especificamente pela capacidade que terá cada nação, dados seus recursos internos, de partilharem

dos ganhos distributivos ao nível internacional. Quando equivalentes ou idênticos a um ponto

de equilíbrio para as trocas internacionais, a equitatividade entre as partes, segundo o grau de

suas participações, surge naturalmente, sem conflitos, fricções ou práticas políticas externas

demandadoras de exercícios de soberania. E com a vantagem de poder ser medida, bastando,

para tanto, o conhecimento das quantidades, relativas, dos fatores produtivos que cada sociedade

possua.

Em sua forma mais avançada, à época, foi racionalizada e proposta por Ohlin,4 e vai

afirmar como um princípio assegurador para essa nova situação que naturalmente:5

um país prestes a entrar em comércio internacional, . . . , já possui um sistemaeconômico altamente desenvolvido e flexível que ajusta seus métodos de pro-dução e combinações de fator para fazer frente a uma vasta gama de possíveisvariações em ofertas relativas de fator.

O necessário a ser observado aqui é que se pôde excluir, portanto, dos supostos

avanços teóricos, o quadro pelo qual os estímulos internos ao crescimento para fora, demanda

tanto uma política de proteção às indústrias internas, quanto uma política comercial e cambial

facilitadoras dessa internacionalização –com seus efeitos para o incremento da renda nacional,

etc.

Retira-se, igualmente, os termos políticos e históricos pelos quais essa inserção possa

ser realizada sob o domínio das economias centrais. E, também,se oculta das análises dessa dinâ-

mica mundial, a presença dos fatores estagnadores e expansivos do sistema econômico, os quais,

de uma forma ou de outra, partilham a visão de mundo dos Clássicos, sobre o comportamento

cíclico da economia capitalista, com seus impactos sobre o comércio internacional.

Finalmente, ao mover-se nesse plano de análise internacional, anula-se um dos4Para a suposição desse tratamento, nos termos de MYINT, (A “teoria clássica” de comércio internacional e os

países subdesenvolvidos, in (SAVASINI JOSé A. A. MALAN, 1979, p. 309-33).

5(MYINT, 1979, p.320).

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aspectos caros a essa tradição própria à teoria do valor trabalho, qual seja, a de que o trabalho é

o fator primário na criação da riqueza social e é algo que se encontra muito distante da premissa

da livre mobilidade dos fatores, proposta pela teoria dos custos comparativos.

Abandonando-se esse dado mais básico por aquela formulação de que o livre comér-

cio mundial é que responde pela criação da riqueza interna e externa aos países. E, estritamente

nessa passagem, reformulam-se, também, os elementos normativos próprios às formulações dos

clássicos, justificando-se essa eliminação, agora, em termos de impossibilidades metodológicas.6

Se as relações sociais e políticas estão sendo aqui substituídas pelo comportamento

dos fatores de produção, terra, trabalho e capital, uma explicação para as condutas sociais entre

os países e no interior desses países, vai decorrer dai. E, para tanto, ao invés das instabilidades e

fragilidade das regras que unem a todos em torno da embarcação e dos termos da navegação,

isto é, a história política, por todos, sentida ter-se-á, como uma construção da realidade, o

comportamento dos preços.

Assim, o resultado alcançável por essas reformulações, não sem algumas críticas,

disporá os preços, próximos a uma suposta média e por definição em concorrência perfeita, iguais

aos seus custos médios relativos, para os diversos países, permitindo-se, por meio desses, uma

comparação das diferenças existente entre os países. O declarado objetivo aqui é o de demonstrar

que as diferenças entre custos, internos e externos, na produção de um bem por parte de um dado

país – frente à suposição de que os recursos naturais e/ou sociais são suficientemente flexíveis

para serem realocados em torno de seus supostos custos máximo-mínimos, tendo como referência

os valores dos salários e os valores das moedas utilizadas na produção e comercialização desses

bens – serão positivas.

Pois, desde que sejam suficientemente flexível o que implica na aceitação de um

tipo de liberdade mercantil para tanto, poderá ser efetuada uma distribuição equânime no uso

dos recursos internacionais, mais eficiente, portanto, para aquela produção que demanda menos

custos e mais vantagens relativas, existente no mercado internacional.

Dessa forma, os países naturalmente dotados de recursos entram nos novos termos da

divisão internacional do trabalho, segundo esse modelo das vantagens comparativas, cada qual se

especializando na produção das mercadorias que se sobressaem por suas vantagens relativas. E

6P. SAMUELSON, referindo-se aos debates entre J. VINER e F. KNIGHT e outros, observa que “proposiçõesnormativas em comércio internacional não podem deduzir-se plenamente de uma análise de equilíbrio geral” e que,“(c)ertamente, de um ponto de vista mais profundo de uma segura metodologia, todas ‘explicações’ são, realmente,apenas hipóteses descritivas simplificadoras, as quais unificam fatos diversos.”((SAMUELSON, Jun.,1948, p. 182-83.Trad. nossa).

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respaldados por uma premissa moral e uma rega universal, fornecidas pelas suposições contidas

no interior desses novos modelos teóricos, podem as nações vir a crer que, no longo prazo e

em função do fato de que o preço total dessa sua produção tende a convergir para um ponto de

equilíbrio, próximo ao ótimo, viabilizam-se dessa forma e por essa prática os novos supostos

igualitaristas daquele arcabouço teórico.7

Cabe frisar, portanto, que é essa a perspectiva, nesse momento, pela qual se encaram

as relações econômicas e políticas entre os países e será esse diapasão que colocará de pé os

modelos teóricos iniciais e utilizados pelo Fundo Monetário, em seu imediato pós-guerra.

Essas suposições, trazidas nos termos da síntese neoclássica e que nesse momento,

surge estritamente como uma teoria de equilíbrio geral para o comércio internacional anula, na

teoria, os pré requisitos necessários à melhor, em termos de valor para os clássicos, inserção

internacional dos países em desvantagem históricas e econômicas reais. E o faz reinventando

uma longa tradição e recolocando, como legítima, a maneira pela qual a divisão internacional do

trabalho, acima delineada, deva ser compreendida, aceita e imposta, inclusive pela instituição,

em seus novos termos políticos.

Assim, a aceitação das desigualdades na economia mundial capitalista, como pas-

síveis de superação, no curto prazo, através de uma relação de troca internacional – cujo viés

de natureza política do modelo reside na suposição da equânime distribuição dos frutos do

crescimento econômico segundo sua dotação de fatores, via maiores ganhos de eficiência na

construção do incremento das produtividades relativas, e maior difusão do progresso técnico

para todos os países praticantes do livre comércio – é a mantra que unirá a todos, tendo em vista

a maior pressão desencadeada pela conjuntura histórica que a geopolítica do período traduz.

A demonstração do igualitarismo para todos na fórmula de que todos ganham, de

maneira justa, com o livre comércio vai perseguir todos os esforços de colocar em pé esse novo

aparato conceitual. E as extensões dessas análises percorrem as possibilidades abertas pelo

citado modelo de equilíbrio geral.

Mesmo que naquele momento o modelo seja restrito ao entendimento de uma

economia sem comércio exterior, adiciona-se por sobre este, a par de algumas críticas, uma

suposta economia pequena e com comércio externo.8 Dai as mesmas variáveis fundamentais

7Esse movimento teórico e a sua crítica, foi exposto por (PREBISCH, 1949). Também MYINT, op. cit.

8As questões metodológicas suscitadas por tais generalizações, bem como suas justificativas estão expostas noAppendix do trabalho de J. Viner, op. cit.

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da teoria para um sistema econômico fechado vão prestarem-se para a análise de preços e

quantidades trocadas internacionalmente entre países “representativos”.

E frente as evidentes desigualdades entre as sociedades e as economias bastaria, para

o modelo, adequar preços e quantidades trocadas às condições das funções de utilidades e de

rendimentos decrescentes, superando-se, dessa forma, as desigualdades reais, desde que possa

estabelecer-se que, o “sistema de troca em equilíbrio determine apenas a razão do preço ys (preço

em termos de alguma mercadoria padrão) ou numéraire e não o nível absoluto de preços ps,

expresso em termos de uma moeda”. Ainda, se assim, “um sistema estritamente análogo pode

ser utilizado para determinar a razão dos preços em uma economia internacional.”9

Por seu turno, no registro do balanço de pagamentos tais assertivas, do novo igualita-

rismo que reafirma as desigualdades fundantes, ficam asseguradas de antemão por uma leitura

que vasculha apenas a parte superior do balanço comercial, i.é., a posição da conta corrente,

demonstrando-se os aspectos financeiros e monetários à luz do mesmo princípio de um equilíbrio

dados pelas trocas, agora, para a conta capital.

Nessa visão de mundo, as preocupações voltam-se para a mecânica pela qual, expres-

sos na conta corrente, os ajustes entre as economias nacionais são efetuados na forma de ganhos

equilibrados, desmotivadores, portanto, de qualquer tipo de políticas que possam vir a emascular

essa tendência natural dos ajustes. Logo, ao desfigurar, para incorporar, a teoria clássica do

valor no campo internacional, os pressupostos da abordagem do equilíbrio geral aceitos pelo

Fundo monetário nesse período, anulam as motivações políticas que justificaram a adoção dessas

políticas pelos países que hoje dominam a economia mundial.

E o faz sem indicar caminhos efetivos para que as rivalidades que giram em torno das

desigualdades econômicas entre os países, especialmente aquelas existentes para as economias de

capitalismo tardio e hiper tardios, possam ser superadas. Uma contradição entre o velho laissez

faire e as possibilidades para sua manutenção, nesse novo quadro, é que está sendo colocada

através desse debate.

De uma forma mais geral, o debate e as análises, que estão sendo feitas, expressam a

não condição do quadro político que vai sendo construído entre a primeira guerra mundial e a

depressão dos anos de 1920, isto é, um quadro político que submete as condições financeiras

9(Tradução e parênteses nossos). (MOSAK, 1944, p. 52). Para o vital equilíbrio entre exportação e importação,basta estabelecer a condição pela qual o valor das exportações totais seja equivalente ao valor das importações totais,medidos em termos da mercadoria padrão. As generalizações para a conta de capital partem dos exercícios sobrejuros, inclusos riscos ao emprestador, e reparações de guerra, como o mesmo princípio para a calibragem da balançacomercial. Vide (MOSAK, op. cit. p. 134-5).

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às condições da produção do valor na esfera industrial. Os entendimentos possíveis sobre o

comércio internacional, o comportamento da balança comercial e do balanço de pagamentos, a

noção de uma moeda de reserva de valor, que possa funcionar em um ambiente internacional,

longe do padrão ouro, tem essa formatação.

E isso se traduz tanto na definição do que vem a ser o registro para as troca internaci-

onais, como na interpretação, sempre politizada, do desempenho econômico dos países à luz

desses registros. Exemplo singular nesse sentido se dá no debate sobre as alterações observadas

no registro das contas corrente e de capital. Se, de um lado, na abordagem do equilíbrio geral

as movimentações do balanço de pagamentos expressam as relações “entre créditos e débitos

da conta corrente” do país, a interpretação que começa a toma forma na organização, por outro,

busca expressar esses movimentos como sendo produto “das receitas e despesas agregadas.”10

Duas consequências importantes, a partir dai: primeira, o principal aspecto do

movimento da conta corrente será sua capacidade de trazer e/ou deter reservas e recursos

estrangeiros no país. Em função disso, a demanda por moeda será, ela mesma, uma função dessa

capacidade de produzir e exportar mercadorias. E, segunda, no caso de uma moeda dominante

internacionalmente, essa mesma moeda será objeto do crédito e do débito, nas relações de

troca entre os países, anunciando os dilemas que se armam para o comércio internacional do

pós-guerra, quando o dólar torna-se a moeda dominante e os EUA a principal economia, dentre

as economias nacionais à época.

A pendência aí aberta diz respeito, portanto, a entrada em cena de uma abordagem

definitivamente keynesiana para as questões internacionais. Não obstante a derrota dos planos de

Keynes na abertura do SBW, é observável, agora, que aquele processo de busca de legitimidade

por parte do FMI vai demandar agregar ao seu modelo uma certa interpretação do pensamento

político de J. Keynes.

Numa longa passagem, carregada de releituras, ressentimentos diversos e reinterpre-

tações, com contribuições diversificadas ao longo de uma série de situações nacionais, iniciada

logo após a publicação da TGE, bem como de sua difusão política, provavelmente, ao nível mun-

dial, a instituição busca viabilizar novos entendimentos sobre o curso das políticas de comércio

exterior e da organização do poder político internacional.

10No original de H. JOHNSON: “a abordagem da absorção’‘, é considerar o balanço de pagamentos como umarelação entre as receitas e despesas agregadas da economia, e não como uma relação entre os créditos e débitos dopaís na conta internacional.” (JOHNSON. Em prol de uma teoria geral do balanço de pagamentos), in: (SAVASINIJOSé A. A. MALAN, 1979, p. 480).

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Toma, certamente por ironia do destino, o curso de uma síntese muito específica

e, seja registrado, contraria à visão de Keynes, para guiar e arquitetar as intervenções e as

suposições, em teoria, ideias, políticas e programas necessários à consumação de uma nova

ordem mundial, que se quer legitimada, por essa síntese que guiará os modelos teóricos do Fundo

Monetário.

De qualquer forma, sem incorrer em maiores simplificações na análise dos resultados

obtidos, as proposições em política keynesiana já estavam incorporadas e disseminadas nesse

período, como produto daquela geopolítica acima contemplada. Misturadas no interior das

políticas monetárias e fiscais ao pagamento das dívidas de guerra, na maioria dos países ou no

financiamento desses pagamentos, por parte dos EUA, o caráter keynesiano, dessas medidas,

surge pela justificativa de que os débitos incorridos para sanar déficits e débitos, em geral,

resultantes da guerra, são à manutenção do pleno emprego e da pacificação dos conflitos políticos

internos aos países.

Certamente nem todas essas alterações em políticas ou em ideias, que aqui são

uma mesma coisa, decorreriam dos desdobramentos das pesquisas teóricas efetuadas dentro

do modelo macro da síntese neoclássica, e a rigor, várias delas foram estéreis nesse sentido.

Mas, por sua vez, a conjuntura política era vital para impulsionar ou causar a recepção dessas

alterações, como se verá à frente, a despeito da consciência dos atores. Quer isso dizer que, a

despeito de qualquer coisa, expresso nos termos de sua criação no imediato pós-guerra e presente

nos fundadores, a presença de Keynes e de suas formulações, aparecem no interior da instituição

demandando posicionamentos inovados.

Porém, ainda que seja assim, tanto do ponto de vista do estímulo à sua fundação,

quanto de seu próprio ponto de vista teórico, surgem aí filtrado pelas tentativas de se traduzir

a ‘Revolução’ keynesiana na forma de modelos estáticos ou modelos estáticos otimizados de

raízes walrasianas, muito distante, portanto, das argumentações de Keynes sobre a instabilidade

da economia capitalista, como algo derivado da sua própria dinâmica. Mas especialmente, surge

em função da negação de suas próprias propostas para o novo Fundo internacional.11

Se de um lado, as próprias formulações de Keynes poderiam prestar-se a interpreta-

ções diversas e, às vezes, dúbias, encapsuladas pelos diversos exercícios de busca de consensos

e das negociações políticas observadas desde o período de entre guerras até final dos anos de

1970, melhor frisar desde já que, a síntese neoclássica (SNC),12 matriz das concepções de onde

11Veja, (Keynes, O Fundo Monetário Internacional, 1944, texto n° 15) in:(SZMRECSÁNYI, 1984).

12Em suma, deve-se conceber a SNC, “como fundamentalmente a teoria neoclássica suplementada por umamacroeconomia ‘keynesiana’, a qual é bastante diferente das ideias do próprio Keynes, refinada por sua translação

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se originam os atuais modelos do Mainstream, de uma forma ou de outra, será a base pela qual,

se dá a origem dos modelos teóricos iniciais do Fundo e, convém observar, efetivando-se por

sobre os novos interesses que vão se constituindo ao longo do tempo, para as diversificadas

economias nacionais, sendo mesmo, o lastro pelo qual o debate político, não só no interior

daquela instituição, se fará.

O interessante a registrar de saída é que a interpretação da SNC “concorre” com n

outras versões de Keynes, tornando-se, dentre essas, a dominante. E, contendo variadas trajetórias

em seu interior, também não será paradoxal que tenha mantido a condição de conhecimento

dominante, no pós-guerra até pelo menos meados dos anos de 1970.

Examinando-se o curso dos acontecimentos, primeiro, fica evidente que as raízes para

o sucesso da SNC não podem ser explicadas apenas pelos instrumentos conceituais, encontrados

no interior da sua ciência econômica propriamente dita. Tudo indica que essa longevidade do

Mainstream keynesiano para o pós-guerra e os motivos de sua ruptura – a despeito do seríssimo

problema dessa em não estar comprometida com o realismo de sua exposição sobre a economia

capitalista – nasce e está umbilicalmente vinculada a maneira pela qual se operou a própria

síntese neoclássica a partir de Keynes, no interior do mundo norte-americano.

Desnecessário dizer que a questão vem da política, dos fatos que essa tende a

carregar no tempo, colocada, portanto, para além(?) da consciência de seus formuladores.

Genericamente a SNC, na forma de uma estratégia de Consenso, movimentou-se entre uma

interpretação específica das contribuições de Keynes, naquele período de entre as guerras, e uma

outra específica sobre o conjunto de valores que se põe como conduta ética normativa para os

indivíduos e, em especial, no interior da sociedade norte americana.

Conjunto de valores daquela sociedade, é aquele que afirma o predomínio dos

diversos tipos de individualismo sobre os interesses coletivos e especialmente sobre a presença

do Estado, tanto na vida pública, como na privada, levando a uma tensão política de longa

duração no interior da sociedade norte-americana. Primeiro, de um lado:13

dentro da matemática, por Hicks (1937) e Samuelson (1948). A Grande Síntese Neoclássica, tem sido o sistemadominante de pensamento dentro do mundo da economia acadêmica e, talvez, dentro da maior parte dos governosocidentais do mundo, como evidencia o conteúdo teórico de suas políticas econômicas.”[...] “A GSNC temsuas raízes na revolução marginalista de 1870”. Seus proponentes pretende que seja ‘científica’, ‘objetiva’ ecompletamente imune de qualquer persuasão política.” (ARESTIS, 1992, p. ix-1. Trad. nossa).

13(BELLAH ROBERT. MADSEN, 1989, p. 395. Trad. nossa).

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uma crença em que o indivíduo possui uma realidade principal, como que a dasociedade seja de ordem secundária, derivada ou artificialmente construída, umponto de vista que podemos chamar de individualismo ontológico.

Segundo, por outro lado, a construção política que vai paulatinamente se afirmando

desde a primeira guerra mundial e os efeitos avassaladores da grande depressão, a qual, sem

romper com aquele individualismo utilitarista, chancela a existência efetiva de uma concepção

que se agrega em torno dos valores reformistas, mais próximos ao liberalismo de bem estar

social.14

Na presença de ambas as situações pode-se afirmar que a estratégia política do

Consenso, pensado para o mundo inglês, logo fora configurado para a situação norte americana,

no celebre modelo das curvas ISLM de J. Hicks.15 O preço pago à conversão de J. KEYNES

para o assim chamado Keynesianismo, – uma formulação onde o Estado e os valores do planeja-

mento voltados para a esfera pública, se chocam com os supostos contidos pelo individualismo

ontológico – fora, então, o de incorporar em seu arcabouço teórico os frutos do Neoclassicismo.

Se para tal adequação, sem ornamentabilidade alguma das ideias,16 concorreu aquela

transição da antiga situação imperial inglesa ao domínio da nova divisa internacional, dólar, e da

subordinação, no tempo, à sua estrutura produtiva, por seu turno, também houve contribuição

aqui do próprio estado da arte da ciência econômica.

E na contribuição do quadro como um todo, naqueles 30 primeiros anos do século

passado, convergem as questões metodológicas as de políticas econômicas, de tratamento

das crises, de pressuposições gerais em modelos econômicos e das conjunturas, nacionais e

internacionais e das lutas entre as classes e das relações entre os Estados no palco da ordem

mundial, ora confirmando aquela estratégia de Consenso, ora reafirmando-a em novos campos,

ora reposicionando seus postulados básicos.

Esses movimentos consensualizadores dominaram visões e justificativas práticas

durante o período da Idade de Ouro do capitalismo, até o momento em que, aparentemente, esse

tipo de tratamento por Consenso distanciou-se das condições originárias que o tornou, inclusive

social e politicamente, possível, inaugurando e caracterizando o período após os anos de 1970,

como um período anti-keynesiano e, equivocadamente, contra Keynes.

14Para mais, BELLAH, et all, cap. 10).

15Vide mais à frente.

16O contraponto é (SCHWARZ, 1977, cap. I).

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Na estrutura lógica, por onde vem tomando forma, a SNC de Keynes ao estabelecer

relações com os problemas econômicos colocados para fora, quando da configuração desse

novo quadro global, vai responder a esses no âmbito mesmo das escolhas técnicas, (DOBB.

op. cit.p.17), que são efetuadas. E essas escolhas politicamente orientadas foram no sentido de

conciliar ideologias e valores contrários:17

Associada à noção de teoria económica como estrutura puramente formal,enquanto teoria de equilíbrio geral, temos a do papel “conciliador” dessa análiseeconômica generalizada, em relação a teorias opostos (e menos gerais) queagitaram anteriormente escolas rivais.

O recorte político implícito na estratégia de Consenso da SNC manifesta esse per-

curso político na forma de um desdobramento ideológico efetuado em termos teóricos. Um

procedimento geral propenso a esta estratégia consiste, até o presente, em uma:18

interpretação particular que confere à teoria o seu carácter essencial e às suasimplicações práticas, resulta da introdução de hipóteses convencionais (porvezes imputando valores particulares e variáveis particulares) que não faziamparte do esquema na sua forma primitiva.

Algo, por certo, a ser aqui examinado em seus típicos desmembramentos da história

do pensamento econômico, pela importância política que possui e que se expressa, politicamente,

ao longo dos diversos contextos conjunturais do pós-guerra.

Na construção do consenso, a aceitação pela SNC de políticas monetárias e fiscais

ativas, contrapondo-se à passividade dessas no mundo pré-keynesiano é digno de nota. Uma

inversão decorrente do avanço do capitalismo oligopolizado e firmemente concorrencial, já na

configuração histórica norte-americana.19 Mas será no modelo heurístico do ciclo econômico

e do comportamento macro de equilíbrio geral, que se encontram as implicações futuras mais

importantes para o debate político à frente.20

17(Id., op. cit. p.21).

18(Ibid., p.20).

19Para G. ACKELY, “ . . . Este é o caso, mesmo onde medidas fiscais sejam empregadas de forma que não tenhamefeito direto ou indireto sobre a quantidade da moeda”.(ACKLEY, 1989, p. 173).

20Samuelson coloca o modelo simples keynesiano no interior de sua discussão sobre estática e dinâmica, portanto,visto à luz dos ciclos econômicos. (op. cit. p. 234).

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Apenas de saída, nas versões anteriores do ciclo, no Marginalismo, escolhiam-se

certas variáveis por sua força representativa do mundo real, (as tão conhecidas influência das

manchas solares de S. Jevons sobre o ciclo era uma delas), e estabeleciam-se relações de

causalidades, temporalidade e assimetria entre elas, visando fundamentar a teoria por sobre

supostos estatísticos e/ou quantitativos, que foram concebidos como consistentes para esses

fins. Com esse aparato buscava-se tanto o diagnóstico do comportamento dos Ciclos, como se

elaboravam possíveis projeções para a economia e produzia-se alguma mensuração econômica.

Toda dificuldade da exposição sobre os Ciclos no Marginalismo decorria, assim,

de tomarem aquelas estatísticas e ou os dados quantitativos, como fatores externos à atividade

econômica, propriamente dita. Ao demonstrar-se, como uma suposição inviável, a exogeneidade

como causa do ciclo, leva-se, de uma forma de outra, à recusa, já no século XX, de serem

tomados como ponto de partida de análise para esses fins.21

Mas, desde pelo menos o final da Primeira Guerra, o debate desviou-se do Margi-

nalismo e centrou-se nas possibilidades abertas pela ocorrência dos Ciclos, ainda desenvolvido

no interior de um quadro teórico pré-Keynes, propondo-se, em um resumo, o entendimento das

crises na forma de um processo de auto regulação do sistema econômico, visto como um natural

retorno à condição de equilíbrio, na forma de uma suposição mais geral.

Permita antecipar, que dessa maneira, no estabelecimento dessa suposição geral,

colocou-se de lado, não apenas as interpretações e visões dos marginalistas, mas também, todas

aquelas concepções rivais da economia política clássica. E ao se livrarem dessas equivocadas

interpretações, igualmente, deixaram à deriva o próprio conceito de capital, formulado por K.

Marx,22 na crítica aos economistas clássicos e essencial na compreensão dos aspectos mais

dinâmicos para se apreender o próprio movimento e crises do capitalismo.

E, em continuidade, transformaram a concepção de instabilidade, sistêmica, cíclica

do capitalismo, em uma concepção de desequilíbrio no curto prazo e de correspondente reparação

das crises do sistema econômico, em torno do equilíbrio, para o longo prazo. Onde vai se suportar,

no pós-guerra, a própria função das políticas econômicas keynesianas, restringindo-se apenas ao

21M. MORGAN expõe o caso conhecido do papel das manchas solares no entendimento de W. JEVONS sobre ociclo. E tal qual ela bem observa, tanto K. MARX, como C. JUGLAR e W. MITCHELL, não entendem as mudançasda e na economia, como definidas pelas explicações e definições do ciclo nos termos do Marginalismo.(MORGAN,1992, p. 18-73).

22Veja (ROSDOLSKY, 1986, p. 220). D. DILLARD, observa que “a eficácia marginal do capital se caracteriza pelainstabilidade a curto prazo e por uma tendência para o declínio a longo prazo. As flutuações da eficácia marginal docapital são a causa fundamental do ciclo econômico.”(DILLARD, 1964, p. 38).

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curto prazo onde são mesmo legitimadas, porquanto anticíclicas, sendo desnecessárias como

intervenção permanente.

Pois a economia capitalista, assim concebida, se encaminha naturalmente para

sua auto reparação, através da mecânica do seu auto funcionamento. O Estado e as demais

instituições se tornam então secundários, nesse sentido, reduzindo-se, toda essa dimensão

político-institucional, ao conjunto dos valores envolvidos por aquela tradição do individualismo

ontológico próprio à sociedade norte-americana. Toda a tradição que leva ao entendimento das

disputas entre as classes sociais na destinação do excedente econômico, fora descartado a partir

dessa inovação.

Especialmente, a carga dessa inovação ao impor seu custo ideológico na forma da

separação entre a economia e a política, o faz “de forma que os problemas acerca da posse de

propriedade ou das relações e conflitos de classe eram considerados exteriores ao domínio do

economista” (DOBB. op. cit. p. 219).

Um dos efeitos fantástico que isso acarreta se dá sobre a concepção das relações

havidas entre produção do excedente e sua distribuição. Se se naturaliza o processo produtivo,

tirando dele sua história para os fins da construção do modelo, por seu turno, criam-se diversos

paradoxos no entendimento da formação dos lucros.

Vinculados à noção walrasiana de remuneração através dos serviços produtivos,

salários e lucros, compartilham uma mesma dimensão distributivista.

Mas não sendo igual ou equivalente a remuneração paga aos salários e aos juros ou

mesmo à remuneração da capacidade do empresário, o conceito de lucro “perde nitidez ao ter

de se associar a um ‘serviço produtivo”’ e na postulação do equilíbrio geral torna-se “efêmera

a remuneração que [...] é o traço mais permanente da estrutura distributiva de uma economia

capitalista.[...]tornando o lucro algo estranho à ‘normalidade’ do capitalismo.”(CARVALHO, 1991,

p. 32-3)

Finalmente, at last, but not least, a própria Ciência Política do pós-guerra se enqua-

drou no interior desse mesmo procedimento metodológico:23

23GILDO MARÇAL, 2006, p. 414-5), in, (BORON, 2006) .

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chega a ser constrangedor o esforço que se faz, especialmente na ciência política,para tentar esquecer que a fonte mais comum e duradoura dos conflitos e dosprocessos políticos continua a ser aquilo que Madison chamou de ‘distribuiçãovariada e desigual da propriedade’, e que a exploração dessas formas institucio-nais de ‘dependência do político frente ao econômico tem sido o objeto, não oprograma’, de qualquer teoria crítica digna de seu nome.

Em suma, a viabilização no tempo dessa estratégia consensualizadora, por certo

estreita, foi possível tanto frente ao espírito da época, a coesão em torno dos valores públicos,

impostas pelos efeitos políticos e sociais da 1ª Guerra, como também, em decorrência da

emergência do capitalismo com feição norte-americana no cenário histórico e, claro, da mais

forte presença dos avanços em matematização no interior da análise econômica e da ciência

política.24

Mas visto no geral, o procedimento metodológico que vem à luz ao longo desse

período se dá no sentido de criar uma economia isolada da política. As análises compreendidas

pelos modelos assim referenciados (visto por agora) indicam uma mudança extrema, onde a

questão da prova, dos fundamentos mesmo do modelo, migram da prática social, para a condição

de prova das variáveis do sistema. Conseguida, é bom lembrar, ao custo da institucionalização

da própria teoria política,25 e na aceitação do pressuposto ontológico, sempre com algumas

significativas resistências e de uma específica epistemologia, aí embutidos.

Ora, da Ontologia, se perde a história e sua temporalidade e por especificação

do tempo histórico, perde-se a temporalidade peculiar à economia capitalista, qual seja, seu

contraditório movimento histórico. Da epistemologia, o equilíbrio, conceito central, passa a ser

“‘aquilo que é pensado por meio da razão’, o mundo dos ‘númenos’, como mundo inteligível

contraposto ao mundo sensível ou mundo dos fenômenos. Isso corresponde a livrar o conceito de

equilíbrio de suas implicações empíricas”(BRAGA. op. cit. p. 9) e, da qual se diria, históricas.

24Mais da metade dos Fundamentos de P. SAMUELSON é uma rigorosa exposição de como introduzir osoperadores matemáticos, em estudos sobre a estática e a dinâmica, através do uso das equações diferenciais e àdiferença, no interior da análise econômica. Parece especial os esforços por ele efetuado, de modelar a economiacomo uma ciência física. Vide o cap. 9 da op. cit. E o problema maior, de uma abordagem da economia segundoesses termos, foi registrado, no elogio desse seu trabalho feito por J. HICKS (Valor e Capital, 1984, p.273-4).

25Nos traços mais gerais, (LEE; AL., 1996, cap. 1;2). Para a ascensão dos estudos em matemática nos EUA, ao finaldo século XIX, The Emergence of American Mathematics, (BURTON, 2007, chap. 12.1). (MORGAN, 1992, op.cit.),trata, também para os EUA, a história do surgimento dos modelos econométricos, das relações entre a matemática, aestatística e a teoria econômica e dos conflitos dai decorrentes, em especial da rejeição de Keynes a esses, até então,experimentos. Para o empobrecimento da Ciência Política através de sua institucionalização, ‘La Ciencia Socialcomo una filosofia publica’, in(BELLAH ROBERT. MADSEN, 1989). Também, (BRANDãO, 2007, caps. 4;6).

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3.2 Os modelos keynesianos da SNC

Logo, foi esse procedimento que permitiu, ao legitimar, as indagações necessárias à

construção dos modelos teóricos macroeconômicos propriamente ditos, em termos de uma série

de supostos, fazendo-se uso de exercícios de correlação com ampla substituição das assimetrias

de natureza explicativas, causais empíricas, de natureza teórica, como fundamento organizador

dos modelos econômicos e econométricos, de acompanhamento conjuntural e de intervenção

econômicas.

E será nessa formatação e junto com aquela síntese neoclássica de Keynes, que essa

última passa, já no pós-guerra, a ser dominante e fonte de onde se derivará os procedimentos

analíticos e as definições responsáveis pelas escolhas, requeridas no agrupamento das variáveis,

voltados para a explicação das condições necessárias e suficientes ao pleno emprego, ao entendi-

mento do balanço de pagamentos, bem como da flutuação e ciclo econômico e, portanto, para as

políticas keynesianas.

A SNC, nesse contexto, foi central para vincular o modelo macroeconômico aos

programas econométricos de pesquisa sobre os Ciclos, nos termos de um equilíbrio geral,

tornando-se, a partir de então, responsável pelo desenvolvimento das Políticas, através do uso de

modelos de equação simultâneas de natureza estática, que se afirmam no ambiente do pós-guerra,

como necessários e suficientes. Tanto para exercícios de projeção, como para os diagnósticos

da performance quantitativa e qualitativa das políticas e fundamentalmente apegados àquela

estratégia de conservação e conciliação voltadas às continuidades, sem rupturas, com a tradição

do equilíbrio geral.26

Se assim, no interior dos modelos da SNC, entendido essencialmente para as con-

dições de curto prazo, o debate travou-se entre as possibilidades abertas ao entendimento do

funcionamento da economia melhor representado pelos modelos estáticos de equilíbrio geral,

sujeitos às restrições então de curto prazo e aqueles modelos dinâmicos de convergência ao

equilíbrio, sujeitos às rejeições de instabilidades dinâmicas.(DOBB, op. cit. cap.7).

Os instrumentos conceituais movidos para este fim, desenvolvidos em geral no

âmbito da ciência matemática, jogavam luzes às diferentes visões e concepções sobre conceitos,

relações e definições mais apropriadas à configuração macroeconômica, que resultaram em um

modelo, assim definido, simples de natureza keynesiana, qual seja: proposições tais como: dadas

26Parece-me sempre melhor iniciar a leitura dos Fundamentos da Análise Econômica de P. SAMUELSON, daparte final para as questões iniciais. Mas não terá sido de fato esse o tratamento analítico provocado pelo autor?

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a tecnologia, o salário monetário e a oferta monetária, sendo os investimentos uma variável

exógena e havendo equilíbrio entre o lado monetário e o ’real’, substitutos perfeitos dos ativos

financeiros, e os salários nominais e os preços rígidos, entendidos então como um mark-up

sobre os custos marginais, pode estabelecer-se, pela introdução, no modelo, da função da oferta

agregada, as condições necessárias ao entendimento puro do funcionamento da economia.

Nesse caso, a moeda e, portanto, os choques monetários eram vistos como exógenos

ao modelo, causando variações no nível do emprego e do produto real, os quais se movimentam

pró ciclicamente em consumo e investimentos e contracíclico na balança comercial. A mudança

no curto prazo é provocada pelos choques da demanda, produtora de mudanças endógenas

sobre a oferta agregada. Assim, os parâmetros são concebidos como fixos, iguais à estrutura

da economia, e a flutuação cíclica pode ser estabelecida para as variáveis macroeconômicas

fundamentais.

O que justifica a intervenção da política da demanda efetiva de natureza keynesiana,

posto que se tornará necessária para a sustentação do nível da demanda agregada e para assegurar

o nível de pleno emprego.

Qualquer levantamento aqui serve para reafirmar o fato de que a SNC fora um

movimento levado a cabo por diversos autores de tradição tipicamente equilibrista e voltado

às virtudes do laissez-faire. Em momentos diversos, após a publicação da Teoria Geral de

Keynes (TGE) e assim até o presente momento, seus esforços foram no sentido de incorporar

a revolucionária TGE ao corpo teórico do equilíbrio geral de Walras, no sentido de subordinar

seus supostos fundantes ao corpo de pressuposições walrasianas.

Essa postura permitiu supostos avanços em expansão do modelo keynesiano, cuja

visão de mundo implicou no domínio dos modelos estáticos, por definição anti keynesiano, como

mais importante para a abordagem do funcionamento econômico e uma marginalizarão relativa

dos modelos dinâmicos, no sentido de que esses ou eram tomados de forma autônoma em relação

aos modelos estáticos ou foram tomados como de longo prazo, sendo convergentes ao equilíbrio

e, portanto, compatíveis com os modelos estáticos comparativos, de livre comércio. Se a crítica

de Keynes reverberava todo esse aparato, esse retorna pela porta dos fundos.

Ainda assim, seria uma tarefa nada fácil, pois significaria superar, primeiro, a

consensual esterilidade do sistema de Equilíbrio Geral walrasiano, EGW, à luz da estabilidade

do equilíbrio e da flutuação econômica. Segundo, haveria de se demonstrar a compatibilidade

entre o EGW e a TGE, indicando nessa última pelo menos a existência de um único pressuposto

passível de ser entendido nos termos do EGW. Terceiro, haveria de se dar conta da construção

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teórica de Keynes, o qual parte diretamente dos agregados para as unidades individuais, algo

estranho ao corpo teórico do EGW que assume o indivíduo, como ponto de partida para a

construção dos agregados.

Se o caminho dessas tarefas poderia ser trilhado pelos supostos contidos na generali-

zação de uma individualidade, como a representativa de todos os indivíduos, o ponto de partida

localizado no coração da teoria do equilíbrio teria deixado perder, provavelmente, a empreitada.

A estratégia, geralmente, mais aceita foi aquela que teve como ponto de partida os próprios

elementos contidos no corpo da TGE, em especial, a possibilidade de manter-se a suposição do

equilíbrio, ainda que abaixo do nível do pleno emprego e aquela decorrente das formulações de

Keynes sobre a armadilha da liquidez, tratáveis em termos das suposições equilibristas.(HICKS,

1989).27

De qualquer maneira, em ambos os casos, o êxito desse empreendimento dependeria

então da releitura da TGE, articulando-a como um caso especial da Teoria Clássica, agora na

forma do Equilíbrio, e da possibilidade da inserção dessa nos até então resultados alcançados

pelo debate em estatística e matemática econômicas, voltadas às condições analíticas em situação

em estática e em um quadro dinâmico.

Essas se propunham abordar a teoria econômica nos termos da especificação de um

modelo estatístico matemático, tornando àquela passível de verificação e comprovação segundo

testes de hipóteses formais; descritiva e prospectivamente, no sentido da definição da melhor

política e/ou da melhor regra, já visto acima, como também da melhor representação e projeção

do ciclo econômico.

Da perspectiva do presente houve evidente sucesso nos dois sentidos acima, por parte

da síntese neoclássica concebida em termos do modelo que relaciona o montante do investimento

com o montante de poupança, junto com a preferência por reter dinheiro, com a quantidade

de moeda circulando no sistema econômico: IS − LM . Esse modelo, conforme caracterizado

abaixo, elaborado por J. Hicks, foi explorado numa tradição conciliadora e conservacionista

tornando-se, a partir de então, sinônimo de análise macroeconômica keynesiana, tal qual como

foi e é apresentada nos diversos compêndios de macroeconomia.

Como observou A. Vercelli,28 o modelo IS-LM teve presença fundamental no debate

27Veja a apreciação de (WEINTRAUB, 1985, p. 85), para esse movimento. Por seu turno, Hicks narra seus esforçosnesse sentido em Valor e Capital, (op. cit.). Toda essa passagem pode ser garimpada ainda no conjunto de trabalhosde Hicks em um curto período de 1933 a 1936. (HICKS, 1989 e 1989b).

28(VERCELLI, Febbraio 1999).

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macroeconômico contemporâneo, refletindo em sua longevidade uma adaptabilidade decorrente

dos vários papéis políticos conciliadores que lhe são intrínsecos, bem como uma densidade

interpretativa apenas passível de ser compreendida quando observada em relação àquelas estraté-

gias de consenso acima referida, exprimindo, também nele, o sentido histórico da propriedade

da intervenção do Estado na economia, nos termos de uma postulação, que, se proveniente de

Keynes, nada estranha à percepção, àquela altura, do pensamento Clássico Equilibrista.

Para Vercelli, uma das recepções referenciadoras, as qualidades intrínsecas ao

modelo teórico, responde pela sua hegemonia durante o período do pós-guerra até meados

dos anos de 1970 A seu ver isso se deve, primeiro, à maior adaptabilidade que frente aos

diversos cenários econômicos. Maior adaptabilidade significa possuir, igualmente, uma maior

durabilidade, qual seja, sua:29

longevidade é possivelmente produzida pela grande adaptabilidade demonstradapelo modelo IS-LM, ao transformar a percepção do ambiente econômico dentrodo qual ele tem sido aplicado (. . . ) que dependa da evolução de relevantes fatosestilizados e de problemas políticos notáveis, como também, prevalecendo pelaevolução das concepções teóricas e abordagens metodológicas.

Segundo, ainda em seus termos, tudo isso decorreu dos papéis desempenhados pelo

modelo, os quais sinteticamente seriam:

• 1. de propósitos heurísticos e analíticos decorrentes da maneira simplificada pela qual

representa o sistema econômico, partindo da demanda, utilizando-se de duas equações e

duas variáveis endógenas, onde a equação I(i) = Y −C(y),indica o equilíbrio no mercado

real, enquanto M(s) = (k)Y + L(i) – espelha o equilíbrio do setor monetário. Óbvio que

graficamente, a sobreposição de ambas as curvas aí produzidas, em um mesmo gráfico, nos

dará o equilíbrio geral dos mercados, suposta uma única taxa de juros e um único nível de

renda consistente com a simultaneidade prevista para o equilíbrio de todos os mercados.

• 2. das suas qualidades hermenêuticas, as quais aparecem como referências às diversas

interpretações de políticas e de teorias econômicas rivais, associadas ao papel prescritivo

na abordagem das melhores regras e políticas, sob diferentes pressupostos teóricos.

• 3. e suas funções descritivas de projeção, explicação ou de representação do desempenho

da economia, tornando-se material para novas modelagens em econometria.

29(op. cit. p.2. Trad. nossa).

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Suspeita-se, de onde provém o que abaixo segue, que há que se introduzir nessa

interpretação de Vercelli, para as razões de sua longa durabilidade, o aspecto político que o viabi-

lizou, como interpretação hegemônica de Keynes, especialmente quando voltado à dinamização

das políticas econômicas keynesianas, através daquelas estratégias consensualizadoras, acima

examinadas.

Sua viabilidade política foi a de manter no interior mesmo do modelo, a construção

política de um consenso, o qual, lhe era estranha, mas não externa, pois vital para a construção da

sua lógica interna, naquele sentido de M. Dobb, op. cit. Sabe-se que no período, de uma forma

ou de outra, os consensos e as convergências em política, foram produzidos pelas condições

determinantes da Grande Depressão, das pressões políticas e sociais internas a cada país e das

possibilidades de mudanças radicais nas políticas dos países que vão se recuperando da 2ª Guerra,

graças à presença de uma luta política que recepcionava, positivamente, os efeitos da Revolução

Russa.

O modelo, teórico, IS-LM, viabiliza, em termos práticos, a condição indicativa para a

construção do consenso entre as “bandeiras” políticas mais progressistas, com aquelas bandeiras

conservadoras, no interior mesmo da luta política da época.30

Qual seja, de um lado, a certeza das propriedades metodológicas do modelo walrasi-

ano de equilíbrio geral, em sua forma neoclássica acima demonstrada, com implicações sobre

calibragem automática e concorrência perfeita, flexibilidade de salários e preços, desemprego

voluntário e a dicotomia entre mercado real e monetário.

E, de outro lado, o pressuposto do realismo dinâmico da construção teórica keyne-

siana – à luz da demanda efetiva, da preferência pela liquidez, das expectativas, incertas, de

curto e de longo prazo e do desemprego abaixo do pleno emprego, com características, friccional

e involuntário e ação corretiva do Estado – visto bem, só se tornou algo possível através da

conversão desses seus supostos em uma verdadeira agenda política, se diria conservadora.

Vale dizer, modelo este em conflito permanente com seus supostos progressistas

dos novos tempos, carregada pelo consenso político do período de Ouro do capitalismo, do

pós-guerra, manifestando, dessa forma, as contradições da própria reprodução capitalista desse

mesmo período histórico.

30No período em que as políticas keynesianas são filtradas através do modelo IS-LM, nota-se, havia o entendi-mento de que a estabilidade e o crescimento econômico seriam alavancados “através de políticas – principalmentevariações dos gastos governamentais e tributação – destinadas a alterarem o nível da demanda agregada, enquanto apolítica monetária era rejeitada como impotente, . . . ‘A moeda não importava’. (CHICK. op. cit. 1993. p.349.) Pelaimportância, volta-se a essa questão à frente.

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Isto posto. Inserir Keynes em um modelo de equilíbrio geral significaria negar as

suposições e os termos contidos em Keynes, na apreensão das críticas condições da economia

em uma situação depressiva, tal qual ele a encarava naquele momento depressivo do entre

guerras. A melhor herança de seu trabalho, qual seja, a contradição que coloca em movimento o

capitalismo é a mesma que o leva à paralisação; o problema da demanda efetiva, presa que está à

dinâmica de decisões contraditórias, de manutenção da riqueza em forma líquida ou em forma

de investimentos, agravada pela incerta ação do tempo, perde-se nessa passagem de Hicks.31

E como esse aspecto atua como um princípio, todas as demais questões associadas

perdem-se no modelo. Dentre essas, o papel central do mercado de trabalho e das decisões da

oferta da produção no curto prazo, os quais são tomados como dados, o que equivale a dizer que

as razões das fundamentais mudanças, para o suposto equilíbrio ou não em pleno emprego, pelas

quais passam o mercado de fatores e de produtos, ainda no curto prazo, não são questionáveis,

para a construção do modelo.

Mas para Keynes, essas condições teóricas fazem parte do núcleo duro da explicação

do sistema, o que empresta significado concreto ao problema do emprego em sua argumentação

teórica. Tomá-las como dadas, claro, vai significar dar como explicado, exatamente o que

demandaria maiores explicações na compreensão dos elementos dinâmicos do sistema, bem

como maior margem à negociação política entre os atores históricos.

Esse aspecto, mais à frente, fará engasgar a própria prática política keynesiana e sua

coalização política, sendo, talvez, uma das razões que permite ao keynesianismo aplicado, via

curva de A. Phillips, mudar de fase e de formato, em função de todos os efeitos decorrentes das

políticas monetárias, no momento da crise da SNC.

Para trilhar um terreno bastante conhecido, nos termos de Pasinetti, nessa síntese,

um Hicks não-keynesiano surge quando:

• transforma em identidade as relações teóricas entre Investimento e Consumo sobre a renda

agregada;

• assume as relações entre a eficiência marginal do capital e a taxa de juros, considerando-a,

para a primeira, nos termos do rendimento marginal decrescente;

• assume o preço dos juros como decorrente das relações entre a oferta e a procura;31Veja a discussão de V. CHICK sobre a estrutura agregadora de Keynes, (CHICK, 1993, p. 38-66), em especial:

“. . . devido à incorporação do custo de uso, a renda não é auto-suficiente dentro de um único período, e não éinteiramente passível de mensuração objetiva.” Também, Keynes, (KEYNES, 1974, p. 66-73).

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• torna o consumo dependente, tanto do nível da renda, como da taxa de juros;

• impõe a condição pela qual todas as funções do modelo são dadas em termos reais;32

• e expressa as relações entre as variáveis, com modificações determináveis pelo nível dos

preços, a cada mercado, simultaneamente;

Tudo muito fluído. Ao determinar-se, p.ex., a taxa de juros por uma relação entre a

oferta e a demanda, no mercado monetário, é evidente o retorno àquela concepção que Keynes

expôs, no seu cap. 17 que visou derrubar, atrelada que estava a uma equivocada interpretação

sobre a determinação da taxa de juros. Ao propor, p.ex., os efeitos da suposição de que o salário

nominal está dado no curto prazo, leva a passividade do mercado de trabalho no sistema, o qual

não se altera, mesmo se a quantidade de dinheiro dada for independente do nível salarial corrente.

Assim, diz Hicks:33

Dado que uma mudança dos salários monetários vai acompanhada, sempre, deuma mudança dos salários reais na mesma direção, se não é que na mesmaproporção, não se causará nenhum dano e é possível que se obtenha algumavantagem, se preferirmos trabalhar em termos dos salários reais. Naturalmente,a maioria dos ‘economistas clássicos’ tem seguido essa linha.

Como se vê, algo bastante contrário ao tratamento de Keynes. Uma ressalva, a favor

de J. Hicks necessita ser feita. A maneira pela qual se dá a apropriação do pensamento por outros

intérpretes não decorre da fidelidade a uma suposta leitura em termos originais daquilo que se

encontra disponível nesse sentido. Pelo contrário, a própria construção da leitura do original,

parece ser, algo coletivo, dependente das circunstâncias históricas na qual essas interpretações

são produzidas. Sem explorar tais vínculos, parece que o problema evocado pela reinterpretação

de Keynes via curva IS − LM não é apenas algo da melhor técnica formal interpretativa, mas

sim algo vinculado à prática política da época.

Sem antecipar todas essas questões, é interessante observar como esses vínculos,

estabelecidos entre a política e a ciência econômica, permitem que esses requisitos tomem

forma teórico prática. No caso do primeiro deles, revelou-se para e no plano mais geral dos

fundamentos científicos filosóficos, próprios à produção da ciência contemporânea, incluso

32Veja V. CHICK, op. cit. p. 5. “as relações têm sido operadas dentro de um sistema de equações simultâneas, i.é,precisamente no que Keynes não queria fazê-lo.” (PASINETI, op. cit. p. 46).

33(HICKS, op. cit. 1989, p. 105. Trad. nossa).

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novas metodologias, epistemologias e concepções ontológicas, ao alterar-se a percepção da

relação estabelecida entre teoria, método, certeza e verdade, presente em concepções filosóficas

anti-positivistas anteriores, principalmente a que decorre das suposições desenvolvidas em K.

Marx.

Foi no interior desse debate que se produziram os elementos de pressuposição geral,

com maior propensão à absorção de uma concepção positiva como fundamento para as teorias

em ciências, cujos recursos de indagação, dedução e demonstração se resolvem, do ponto de

vista da sua consistência e relevância, internamente aos próprios pressupostos lógicos-formais

da análise.

Nesse sentido é que foi encaminhada a pioneira reinterpretação de Keynes, feita por

J. Hicks. Os recursos por ele utilizados o levam a reconhecer uma tensão entre o modelo estático

pretendido por Walras e os aspectos dinâmicos trilhados por Keynes e propor, em primeira mão,

uma saída teórica para a crítica keynesiana aos modelos estáticos, que fundamentam o equilíbrio

geral. E o fez alocando no primeiro a consistência do argumento formal, de maneira tal que o

EGW dos mercados no curto prazo, do ponto de vista da oferta, pudesse responder às questões

da dinâmica levantadas pela perspectiva da demanda efetiva de Keynes. E com isso, incorpora

naquele modelo geral o realismo, tido na TGE, que se lhe acusava de faltar.

Em suma, com Walras a continuidade das discussões em ciência positiva somada à

manutenção dos pressupostos da tradição clássica e, em Keynes, o suporte empírico necessário a

validar a vazia ossatura do EGW, consistiu em uma agenda política. A dinâmica keynesiana, mais

próxima da realidade para Hicks, lhe serviu implicitamente como referência para construção do

modelo IS-LM em perspectiva estática estacionária, na linguagem de Samuelson, derivando daí

uma rede de pressupostos e de suposições ocultas, provenientes das formulações micro e macro

não keynesianas, o que lhe permitiu conciliar modelos heurísticos e ontologias, opostos.

Seja como for, essa base de apoio para Hicks possibilitou-lhe responder às insufici-

ências estáticas do modelo EGW. Especialmente ao considerar a exposição keynesiana sobre

os agregados, de maior vitalidade para o pensamento prático do que a exposição por preços no

EG walrasiano, levando-o a superar a insuficiência de Walras sem pôr em risco tanto a condição

estática do modelo, como a estabilidade do próprio sistema. Que agora se ajusta graças ao papel

dos preços relativos, observados em cada mercado.

Mas, se assim ocorre quanto ao primeiro requisito, o segundo por seu lado exerce

o papel de dispor as condições pelas quais a natureza heurística do modelo se torna adequada

à situação presente da economia real, concebida esta como estando sujeita constantemente

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a situações de instabilidade estrutural e, assim, essencialmente dinâmica, determinada pelas

expectativas cruzadas de curto e de longo prazos, as quais afetam o nível da demanda e da oferta

determinando-se dessa forma os preços da economia.

O realismo e a superioridade das análises de Keynes ficam, assim, estabelecidos ao

trazer para o centro dessas as expectativas dos agentes econômicos, isto é, o ponto de vista da

dinâmica, expressa pelo comportamento da moeda, das expectativas de longo prazo, das políticas

econômicas, etc. Mas as suposições tidas como dadas, para os gastos e os recursos econômicos,

e dominado o caminho da determinação causal em um processo de mudanças, levaram a que o

revolucionário método keynesiano pudesse ser convertido em um método estático de equilíbrio,

nos termos conservadores de Walras por Hicks.

A mudança propriamente dita surge apenas como uma questão de ‘ângulo’ dos

interesses da análise, a despeito do comportamento do mundo real e dos pressupostos gerais

orientadores do modelo, não havendo nessa construção nenhum conflito em abordar a economia

cambiante com os instrumentos formais do EGW. Assim, para Hicks:34

Uma vez assinalado o elemento que faltava —as expectativas—, poderá usar-sea análise do equilíbrio, não só nas remotas condições estacionárias, na qual setem refugiado muitos economistas, senão inclusive no mundo real, ainda em‘desequilíbrio’.

Se o método de Keynes lhe parece legítimo, ao fazer incidir as equações da demanda

e da oferta para cada tipo de mercado e especialmente no mercado monetário, tornando igual

investimento e poupança, o realismo do método se encontra na maneira pela qual esse trata as

expectativas empresariais de curto e longo prazo, para os departamentos de Investimento e de

Consumo na economia, gerando formação em preços distintos e respostas diferentes entre esses

para um dado nível de desemprego. Aqui o recorte, nada técnico, sobre a reconhecida força

realista de Keynes.

Hicks renuncia aos pressupostos de Keynes, a economia como um método neces-

sário, ainda que insuficiente, ao conhecimento efetivo do sistema econômico, o que o leva ao

deslocamento teórico a favor de uma representação formal em um modelo, cujos requisitos

em método dispensam as suposições contidas e fixadas pela TGE, para reafirmá-la nas mãos

do suposto de validade contidos no EGW. Especialmente, aqui, o da retomada da dinâmica

capitalista ensejada pela ação equilibrada dos mercados de um tempo t, para o tempo t+ 1, ainda

34(Id., 1989, p.88. Trad. nossa).

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que se possa criticar e corrigir, sem danos, os conflitos empíricos assim desenvolvidos.

Toda a questão resume-se aos termos nos quais formata seu modelo. Será por essa

via que se assegura a não contradição entre os dois requisitos políticos, anteriormente expostos,

os quais convergem para um consenso social e expressa essa condição política através de uma

abordagem funcional, extra econômica, a qual, por sua vez, faz a ponte entre a teoria prática e

a nova prática, mudancista, do entre Guerras. O movimento torna igual, ou próximo disso, as

propriedades do modelo, como equivalentes as formulações de políticas keynesianas, mas não

necessariamente, igual à formulação de Keynes.

Essas propriedades justificadas pela sua menor economia, através da legítima neces-

sidade de simplificação dos postulados, veiculam a conversão dos conceitos fundamentais de

Keynes – sendo o descarte, mais emblemático, os vínculos, de resto não causal, entre a demanda

efetiva e as incertezas – para sua aceitação na, suposta, nova conjuntura política e teórica, que se

passa a vivenciar.

As preconcepções fundamentais que orientam sua revisão são:

• 1. a tomada de um período, marshalliano, de curto prazo onde é dada como fixa a

quantidade social de equipamentos de capital;

• 2. a suposição de uma mão de obra homogênea;

• 3. a produção de bens de investimento, como igual à quantidade de novos investimentos

realizados;

• 4. o salário monetário per capita é dado;

• 5. estabelece-se, no interior do modelo, uma relação definida entre renda e demanda

monetária, nos termos da Equação Quantitativa de Cambridge;

• 6. considera-se a oferta monetária como dada.

Logo, nos termos exclusivos de Hicks, (1989. op. cit. p.101-14),trata-se de saber o

nível total de emprego. Sejam: x = bens de investimento I; y = bens de consumo C; Nx = mão

de obra empregada em I; Ny = mão de obra empregada em C; M = oferta monetária dada.

A produção de I é uma função de x = f(x)Nx e a produção de C, função de y = f(x)Ny, sendo

ambas as funções de produção dadas, para os fins da análise.

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133

O nível de emprego será determinado em I e C, supondo-se custos marginais iguais para ambos

os preços de I e de C, será, em resumo:

I = wxdNx

dx

e

C = wydNy

dy

o que somado nos dá a renda total:

wxdNx

dx+ wy

dNy

dy= I

Logo, conhecidas ambas as rendas setoriais e total, pode-se, assim, determinar Nx e Ny.

A exposição está incompleta, já que ainda não interveio a oferta monetária M , em

seus desdobramentos. Hicks vai supor que M é função de uma demanda por dinheiro k, em sua

relação com o investimento total I , nos termos da equação quantitativa da moeda. Conhecida k,

pode-se calcular a renda total em I e, portanto,: M = kI , conforme sua exposição. Ix, por seu

turno, é dada pelo consumo de capital C, em relação à taxa de juros i, sendo que no mercado

monetário, onde o investimento é igual à poupança S, permite conhecer o valor de i. Logo, isto

nos dá o valor de Ix: Ix = C(I, i) = S(I, i). Vistos os blocos separadamente, têm-se as três

equações de referência, com a quais trabalha sua curva ISLM :

M = (kI), Ix = C(i), Ix = S(i, I)

M = L(i), Ix = C(i), Ix = S(I)

que são as mesmas equações da teoria clássica, respectivamente, e aquelas decorrentes da TGE.

Diz Hicks:35

Essas equações diferem das equações clássicas em dois sentidos. Por um lado,a demanda de dinheiro depende da taxa de juros (preferência pela liquidez).Por outro lado, omite-se toda influência possível da taxa de juros sobre aporção da renda dada que se poupa. Ainda que isso signifique que a terceiraequação converta-se na equação do multiplicador, que realiza movimentostão peculiares, essa segunda correção é uma mera simplificação e, em últimainstância, é insignificante.

35(Ibid., p.107. Trad. nossa) .

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e o encaminhamento que se quer dar ao passo adicional:36

A terceira equação é a do multiplicador, porém o multiplicador tem sido des-provido de suas asas, porque, ainda que I segue dependendo apenas de M , Ix,depende agora apenas de M e resulta impossível aumentar o investimento semincrementar a inclinação da poupança ou a quantidade de dinheiro. Portanto, osistema assim gerado é idêntico ao que, faz alguns anos, chamava-se a ´posiçãode tesouraria’. Porém, a preferência pela liquidez nos transporta a posição datesouraria à ´Teoria geral do emprego’.

O esquema fica dado. Aumentos na demanda por investimentos levam a aumentos

nas taxas de juros e, portanto, taxas de juros mais altas implicam em um maior nível de poupança

S; maior poupança maior a disponibilidade de recursos para Investimento, empregando-se mais

mão de obra em Ix. Sendo o emprego nesse setor de maior elasticidade do que em Cx, o emprego

total cresce ao ponto do pleno emprego, quando se estabelece um equilíbrio estável para o

sistema. Hicks define o ponto de equilíbrio como uma situação especial de interceptação entre os

mercados monetários e real, resultante da maior interdependência formal e concreta entre esses.

A estacionariedade do modelo deverá corresponder a uma situação de estabilidade

do sistema àquele ponto, no qual sempre tenderá a retroagir, quando a ocorrência de qualquer

tipo de choque externo pressionar no sentido do desequilíbrio. Pois bem, o problema resulta em

encontrar o conjunto de valores das variáveis endógenas do modelo que supram as condições

do equilíbrio simultaneamente. Porém, mais importante, pelas mesmas propriedades acima, a

natureza atemporal do modelo, no sentido de Samuelson, (SAMUELSON. 1986. op. Cit. Parte

Segunda), terá uma importante função política: ao lhe dar seu fundamento heurístico, mantendo

sua validade para aplicação em qualquer momento histórico, se põe como uma situação social e

política idealizada residindo nesse ponto, tal qual Vercelli, acima, notou, a maleabilidade do seu

uso durante os últimos 60 anos.

A extensão do modelo, formulada por Hicks, tem consequências metodológicas

importantes, as quais vão, deixem-nos enfatizar, contra o pensamento de Keynes. P. ex., sua

insignificante correção vai explicitar a condição na qual aumento nos investimentos pode ser

função de aumento provocado no setor real da economia, um efeito multiplicador do investimento

inicial e não por causas monetárias, onde são vistos os efeitos da preferência pela liquidez, o

cálculo sobre o custo do uso do capital e, no limite, os efeitos autônomos provocados pela ação

da política econômica.

36(HICKS, 1989, loc. cit. nr. Trad. nossa) .

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135

Seu argumento é que em pleno emprego, quando aumento da renda gera aumentos

nos salários monetários, tanto a curva de eficiência marginal do capital keynesiana, quanto à

curva da oferta de poupança, se deslocam para a direita empurrada pelos aumentos na demanda

por investimento ou maior propensão a consumir, tornando a curva IS horizontal, graças a uma

nova relação estabelecida entre consumo e investimento.

Neste quadro, a curva LM , puxada por mudanças na preferência pela liquidez ou pela

política monetária, será menos vertical pela maior elasticidade observada no sistema monetário

como um todo, em resposta a aumentos da oferta monetária. Se o resultado do deslocamento

elevar I acima do valor da taxa de juros monetária, a renda aumenta. Se a taxa de juros for

elevada para cima do I , a renda tende a cair.

Tudo isso vai depender, portanto, das elasticidades das curvas. Tais inovações na

abordagem decorrem da suposição feita entre aumento na demanda por bens, por causa do

aumento do emprego, que leva a aumentos novos nos investimentos, em função da maior procura

impondo-se assim a condição Ix = C(I, i), e essa será a condição pela qual o investimento é

determinado por fatores reais, não-monetários.

As propriedades do sistema supõem os efeitos da demanda monetária como função

da taxa de juros, ainda que em situação especial, não ortodoxa. Essa, equivalente à curva da

eficiência marginal do capital, determina o valor do investimento e este, por sua vez, determina

a renda mediante o efeito multiplicador. Logo, o volume do emprego se determina pelo valor

do investimento e da renda gasta em bens de consumo e não poupada. Pelas equações e

comportamento das variáveis vê-se a condição que tende a permitir que um aumento do incentivo

para investir ou da propensão a consumir, não implica na elevação da taxa de juros, nos termos

de Keynes, mas apenas implica no aumento do nível de emprego que se encontra abaixo do nível

de equilíbrio.

As implicações são conhecidas. O ponto de interceptação das curvas IS − LM ,

simultaneamente calculados, indica a situação de equilíbrio dos mercados de bens e monetário.

A curva LM , terá comportamento positivo explicado pela relação estipulada entre aumento da

renda e crescimento da demanda monetária. Os deslocamentos ocorridos na curva expressam,

por seu turno, sua vertical inclinação à direita, pois Hicks considera que existe um teto máximo

de renda financiado pela oferta monetária dada.

O deslocamento da curva LM , motivado pelo aumento da oferta monetária, tenderá

a ser horizontal, posto que há uma inflexibilidade para que a taxa de juros se torne negativa,

mantida sua verticalidade, desde que a um ponto dado do deslocamento da curva a oferta

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monetária estará igualmente dada. No caso da curva IS, ter-se-ia a relação estabelecida entre

renda e juros necessária para igualar poupança e investimento.

Gráfico 2: Curvas ISLM extraídos de Hicks37.

C = despesas; S =poupança I = investimentos; S = poupança; L = liquidez.

A curva da eficiência marginal do capital determina o valor do investimento a

37(HICKS, 1989, p. 112-3).

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quaisquer taxas de juros e o multiplicador indica o nível de renda necessário para que a poupança

seja igual ao valor do investimento. Uma curva IS, que se desloca acima do ponto de equilíbrio

fará com que aumento na demanda por investimento eleve a taxa de juros, elevando nesse

movimento renda e emprego. Abaixo do ponto de equilíbrio, graças às propriedades conhecidas

da taxa de juros, aumento da oferta monetária não reduz o valor dos juros, qual seja, intervém a

armadilha da liquidez.

Assim, à esquerda do ponto de equilíbrio presencia-se, nos termos de Hicks, a

economia do subemprego, marcada pela armadilha da preferência pela liquidez. Quando os

valores são posicionados abaixo do seu equilíbrio, aumentos na oferta monetária, deslocando a

curva LM , para direita, assegurada sua horizontalidade ao longo da abcissa, haverá aumentos na

eficiência marginal do capital e com isto sobe-se o nível de emprego, sem que haja aumento nas

taxas de juros até o ponto de equilíbrio. Entretanto, se nos posicionarmos a direita do ponto de

equilíbrio, aumento na oferta monetária implica na elevação das taxas de juros pelo efeito que

essa terá sobre a demanda por dinheiro.

Nesse quadro, a curva LM , puxada por mudanças na preferência pela liquidez ou

pela política monetária, será menos vertical, em função da maior elasticidade observada no

sistema monetário como um todo, em resposta a aumentos da oferta monetária. Se o resultado

do deslocamento elevar I acima do valor da taxa de juros monetária, a renda aumenta. Se a taxa

de juros for elevada para cima de I , a renda tende a decair. Tudo isso vai depender, portanto, das

elasticidades das curvas.

Assim exposto, o resultado alcançado por Hicks é o de confinar a TGE como um

caso especial do EGW, tornando a explicação de Keynes uma teoria particular, voltada apenas à

análise da depressão econômica. Deu curso, portanto, à recepção de um pressuposto teórico de

natureza intervencionista em uma sociedade política regida pelo individualismo utilitarista.

E, em resumo, isso decorreu do fato de Hicks ter estabelecido um estreito vínculo

entre aumento na demanda por bens, por causa do aumento do emprego, que leva a aumentos

nos investimentos, em função da maior procura e incremento nos investimentos, impondo assim

a condição geral, Ix = C(I, i), que deve ser lida como a contribuição de todos os indivíduos à

formação do produto nacional.

Evidente que, de um ponto de vista mais geral, o modelo heurístico decorrente da

abordagem IS −LM tem por objetivo elaborar um sofisticado entendimento acerca das relações

que devem ser estabelecidas entre visões de mundo em equilíbrio estático e estacionário e aquelas

visões de mundo, inovadas próprias ao entendimento de uma instabilidade dinâmica estrutural de

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corte transformador e negador de convergências para o equilíbrio que a formulação de Keynes

permite.

Parece, portanto, que o modelo, tanto pela lógica interna de sua concepção, como

pelo sistema interno de questões gerais que propicia, sintetiza e formaliza, com sucesso, uma

manifestação em si contraditória, pelo conflito entre pressupostos gerais e concepções analíticas,

apresentando-a no interior de uma única suposição sobre a estabilidade geral do sistema, residindo

aí, possivelmente, seu maior aporte heurístico.

Igualmente, a construção das curvas IS−LM em Hicks será heurística, com natureza

propedêutica como exposto em Vercelli, porém, com o custo de representar falsamente seu ponto

de chegada. Pois um outro aspecto interessante, mas pouco notado para as condições do modelo,

será a não postulação de qualquer tipo de otimização no uso dos recursos produtivos, por parte

de Hicks. Isto é, as variáveis não são apresentadas na linguagem política estatal de receitas ou

gastos planejados ou como produto potencial em comparação com um produto efetivamente

realizado.

Retirando de sua exposição qualquer sentido prescritivo do melhor uso possível dos

recursos econômicos ou como uma busca presumida por qualquer objetivo, como uma política a

ser implementada pelo Estado, tal qual se passa a entender a macroeconomia keynesiana, após o

trabalho de E. Hansen, na década de 1940,38 o modelo IS − LM pode prosperar como mera

intervenção técnica.

De qualquer maneira, a contradição explorada acima entre Keynes e sua interpretação

se harmoniza. Pois assim posicionado, o equilíbrio estabelece-se, naturalmente, como um produto

das forças impessoais do mercado, fazendo fluir o pressuposto maior da lógica concorrencial

clássica sugerida, agora, para um novo contexto de síntese teórica ao nível macroeconômico,

em condição estática, como que “ex-post” a uma compreensão do método de Keynes. Sua

formulação volta-se, apenas, para entender o funcionamento da economia, supondo o modelo

como um artefato que reflete, imperfeitamente, as condições reais no e pelo comportamento das

variáveis comportamentais que se expressam nas curvas IS − LM .

Aquilo que seria entendido como uma política de administração da demanda será

obtida dentro do modelo clássico e não recairá na forma vista pelas atuais postulações, nos termos

posteriores a 1950, mas sim resultam de um contexto teórico longe dos resultados obtidos por

essa configuração. Ressalte-se que, para dar relevo à questão, naquele momento, os pressupostos

38(HANSEN, 1973).

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para o surgimento de uma concepção de política econômica no sentido moderno já tinham sido

formulados, mas isto não leva a considerações explicitas em políticas, com e pelo uso do modelo

IS − LM .

Assim, quando postula, nesses termos, o faz para reafirmar a precedência do apoio

dos Clássicos na fé moderada das obras públicas, indicando a pouca mudança em políticas

projetadas pela TGE de Keynes, bem como o caráter desta como uma teoria especial e não Geral,

como chegou a acreditar, equivocadamente, em seus termos, Keynes.39

Mais tarde, no curso de novas investigações produzidas pela constatação de um

mercado de trabalho 40inajustável nos termos das curvas IS − LM , é que se procedeu a outras

tentativas de melhor compreender, nesse sentido, os efeitos da TGE, dentro de um modelo de

equilíbrio geral. Uma tarefa intelectual bastante dura, tendo em vista a proposição de Keynes,

onde o nível do salário é determinado na disputa entre capital e trabalho em dois níveis: no

âmbito da distribuição do “salário real agregado” e ao nível geral dos salários reais, os quais

dependem “de outras forças do sistema econômico.”(KEYNES, 1983. op. cit. p. 23.)

Esse aspecto político da crítica de Keynes revelou, para o conjunto da teoria econô-

mica tradicional, as limitações cognitivas a que esta se submete frente às postulações que recaem

sobre o mercado de trabalho e o elemento político aí implicados – as lutas políticas dessa classe

social frente ao nível de emprego e a renda. Para as décadas a seguir o tratamento Ortodoxo será

afetado como um todo, inviabilizando-se a plena compatibilidade entre as duas interpretações e

facultando a existência de um amplo programa de esquerda na leitura de Keynes.41

Uma primeira tentativa de correção nesse sentido foi efetuada por Phillips (1973),

que investigou a relação entre o nível do desemprego e a taxa de variação do salário monetário,

para o Reino Unido, de 1861 a 1857. Sua contribuição vai permitir que esta relação fosse

incorporada às curvas IS-LM não mais de maneira passiva, – na forma de ajuste imediato no

39A crítica assim posta é mais ou menos geral à época podendo ser encontrada tanto em (ACKLEY. op. Cit.V.1.), como em (HICKS. Op cit. p.107.). As diferenças essenciais e duradouras se encontram no fato de que paraalguns desses autores o capitalismo deveria ser administrado politicamente e para outros pelas políticas de mercado,mantendo-se sua suposta autonomia frente ao Estado.

40A crítica nesse sentido está também em (AGLIETTA, 1979).

41Algo ainda em andamento, cabendo a esses, caracterizados como post-keynesianos, desenvolverem as relaçõesteóricas entre acumulação de capital, questões sociais e políticas intervenientes no sistema, (ROBINSON, 1980,Item 2); a questão monetária em uma economia monetária da produção, (DAVIDSON, 1972); os problemas teóricosreferentes às estruturas monopolistas de mercados, à luz dos determinantes globais do sistema econômico, (EICHNER,1987); e os demais aspectos internacionais comerciais e financeiros, (MINSKY, 1986), N. KALDOR em (SEN, 1989),dentre outros, completando-se nestes desenvolvimentos a crítica global da teoria tradicional.

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mercado de trabalho — como encontrada no tratamento original de J. Hicks, possibilitando a

universalização dos efeitos consequentes daquela relação para todas as economias centrais.

O passo maior dado aqui, aflorado somente ao final da década de 1960, a despeito

da intenção de Phillips, consistiu na aceitação política de que níveis baixos de inflação e de

desemprego são objetivos contraditórios a serem perseguidos pelas políticas liberais de bem

estar social. Logo, maior fundamentação teórica sobre aquelas relações descobertas pelo autor

deveria receber mudanças na forma de hipóteses adicionais e refinamentos analíticos os quais

permitissem estabelecer suposições, um guia de orientação e a construção de valores políticos,

para dar pesos distintos às escolhas em política.

E assim se deu, também, mais um passo no sentido de se demonstrar politicamente,

o quanto aquela coalização política do pós-guerra, segundo a dinâmica do mercado de trabalho,

poderia ser absorvida no exercício teórico desenvolvido pelos modelos neokeynesianos, base

dos exercícios de modelagem do pós-guerra. No limite, vale frisar, se esta frente a uma linha

de continuidade, onde essas ampliações são indicativas daquela estratégia de conservação e

conciliação envolvida na heuristicidade da síntese neoclássica keynesiana.

Sintetize-se o repertório. Seu ponto de partida é clássico, qual seja, se os preços

praticados são determinados pelo comportamento esperado das curvas da oferta e da demanda,

pode-se supor que assim também o seja para o salário monetário, pagos no mercado de trabalho.

Porém, sua conclusão é de que não há uma relação linear, pressuposta pelo ajuste de preços no

mercado de bens, para os salários monetários.

Basicamente assim concluiu pela existência de três motivos, conhecidos inclusive

pelas premissas de J. Keynes para o mesmo mercado de trabalho: a) suposição da resistência

à baixa dos salários monetários por parte dos trabalhadores; b) o comportamento diferenciado

do lado da demanda, motivada mais pelo ciclo econômico do que pela condição da estabilidade

econômica, que influencia o nível do desemprego, adiando possibilidades de ajustes frente ora a

maior, ora a menor resistência da força de trabalho, em seu posicionamento em relação àquela

demanda; c) a variação dos preços e dos seus impactos sobre o custo de vida da força de trabalho.

Em suma, apoiado em evidências empíricas e tomando por referência as premissas

constantes no modelo keynesiano de curto prazo, Phillips42 assumiu plenamente os efeitos do

salário nominal para a oferta de trabalho, distinguindo este do salário real, com rigidez a baixa

e abordou a firma como fixadora da demanda de emprego através do salário real. E aceitou,

42(1973)A. Phillips, La relación entre el paro y la tasa de variación de los salarios monetarios en el Reino Unido,1861-1957. In:(MUELLER, 1973).

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também, em perspectiva macroeconômica a relação que se estabelece entre a demanda e a oferta

para todos os mercados, projetando esse suposto para esclarecer o movimento do mercado de

trabalho, com considerações exclusivamente macroeconômicas.

O trabalho realizado por Phillips procura, em seus termos:43

comprovar se a evidência estatística apoia a hipótese de que a variação dossalários monetários no Reino Unido explica-se pelo nível de desemprego e oritmo de variação do mesmo [. . . ] e se assim for, fazer um cálculo quantitativoda relação entre desemprego e a variação dos salários monetários.

Seu fundamento, pensado em termos de uma economia sem inflação e que logo

serviu as questões do trade off entre inflação e emprego, pode ser assim exposto. Em uma

situação de aumento da demanda agregada à mesma taxa da produtividade do trabalho – seu

exemplo é o de 2%a.a– mantido constante o nível de desemprego, os salários monetários graças

à concorrência entre as empresas crescem – supostamente – a 1%a.m.

Se aumentado os preços dos importados e outros serviços em supostos 2%a.a, os

preços variarão a uma taxa de apenas 1%a.a. Isto anula os efeitos dos ajustes de preços, visto que

parte do aumento dos salários monetários se dão através da concorrência. Entretanto, se os preços

dos importados forem maiores que 13%a.a, portanto, muito superior ao nível salarial resultante

da concorrência entre as firmas, decorrentes apenas dos ganhos de produtividade, então o nível

de preço leva ao aumento dos salários monetários, iniciando-se uma espiral preços-salários até a

queda dos preços dos importados próximo ao nível dos salários.

Sua conclusão, bastante conhecida e expressa pelo gráfico abaixo, confirma sua

hipótese geral de que variações dos salários monetários se explicam pelo nível de desemprego

e sua variação. Dito de outra forma, constatou que os salários nominais aumentam quando o

desemprego observado for baixo e quando os salários nominais forem constantes e resistentes à

baixa tendem a diminuir em situação de desemprego alto.

E, mais importante, demonstra também que suposto aumento da produtividade ao

redor de 2%aa, com preços estáveis, o nível de desemprego se posiciona abaixo dos 2, 50%

anuais. E se a demanda conservar os salários estáveis, o nível de desemprego será próximo ao

5, 50%aa, sem usar este valor como taxa natural de desemprego.

43(PHILLIPS, op. cit. p. 257. Trad. nossa).

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Logo, há um fator institucional reconhecidamente relevante no interior do sistema

econômico o qual demonstra que as relações entre os preços básicos da economia, salários e

lucros advêm de um fator externo ao significado do modelo de equilíbrio: a viscosidade do

salário à baixa decorre dos elementos institucionais do sistema econômico ou da resistência dos

trabalhadores ao se contraporem à redução dos salários, mesmo na situação de uma demanda em

queda. Enquanto que aumento nos lucros, via processo inflacionário, surge como uma resposta

àquela resistência por parte dos formadores desse último preço. Nos seus termos:44

[. . . ] advertimos que os trabalhadores se mostram mais relutantes a oferecerseus serviços a uma taxa menor que os salários predominantes, quando ademanda de mão de obra é escassa e o desemprego grande, de maneira que ostipos de salário baixam apenas muito lentamente. A relação entre o desempregoe o ritmo de variação das taxas de salário é provavelmente, portanto, que sejanão linear em grande medida.

Nesse contexto teórico a assim chamada Curva de Phillips diz que para taxas menores

de desemprego U , maiores os salários monetários pagos W e, em função disso, maiores os níveis

de preços P . Em sendo esta a revelação de uma evidência empírica, o resultado de sua exposição

demonstra para o conjunto do sistema econômico que o nível de emprego é causa explicativa da

variação, no curto prazo, da taxa pela qual salários e preços se modificam. O que dispõe para o

mercado de trabalho o importante papel de ajuste da totalidade do sistema econômico.

A coalização política do pós-guerra é reconhecida, agora, teoricamente, pelos mo-44(Id., p. 256. Trad. nossa).

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delos explicativos, ainda que adicionado pela tensão complementar entre níveis de salários e

preços. A rigidez à baixa salarial comporta-se como uma estratégia, um patamar básico ao nível

dos salários que podem ser aceitos no interior daquela estratégia de consensos.

Por outro lado, sustenta-se, igualmente, a concepção de que o poder político subsiste,

frente à inexistência da concorrência do lado da oferta de trabalho, em contraposição à sua

existência do lado da demanda e contrabalança essas relações fazendo a suposição de que o nível

de emprego será função da demanda das firmas e do nível do salário nominal, segundo um nível

de preços observado. Qual seja, segundo o nível de rentabilidade presumida para o capital, como

um todo.

São essas conclusões políticas que A. Phillips fez fluir com seus estudos, especial-

mente o fato de que suas observações dão relevância às negociações sobre salários e preços, onde

as políticas de bem estar contam. As hipóteses adicionais e releituras do modelo não obstruíram

essa formulação política, mas deram curso ao dilema entre emprego e inflação, com maior força

para essa última variável.

Na visão de mundo daí decorrente, obviamente se impõe à Sociedade o custo da

escolha entre emprego e inflação, pressionando os elementos estáveis do modelo. Para uma

Curva de Phillips incorporada ao modelo ISLM tratadas em Lipsey e Samuelson-Solow, a oferta

excedente de mão de obra é uma medida Proxy para a taxa de desemprego desenvolvida por

Lipsey, enquanto que a taxa de crescimento salarial passa a ser função crescente da demanda

excedente por mão de obra, nos termos de Samuelson e Solow.

De forma muito sumária, o tratamento efetuado por Lipsey45 moveu-se entre dois

objetivos. Primeiramente, buscou confirmar os aspectos previstos pelo estudo de Phillips que

ficaram sem confirmação sistemática. Segundo, caminhou no sentido de edificar um modelo

teórico alternativo ao apresentado por Phillips, cujas postulações sistematizadas são:

1. a relação micro-macro, onde o lado microeconômico é representado por um mercado com

uma mercadoria e o nível macro pela agregação dos supostos micros a partir de um mercado

com duas mercadorias, sendo este a representação global do funcionamento da economia.

2. as relações oferta-demanda pensada em termos clássicos, sem rigidez salarial. Haverá excesso

de demanda quando as taxas salariais aumentam e excesso de oferta de trabalho quando os

salários caem;45(LIPSEY, 1960).

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3. a taxa de variação nos salários se relaciona com o excesso da demanda. Mais especificamente

a velocidade pela qual os salários mudam é função linear do excesso da demanda como uma

proporção da força de trabalho W = f(d− s)/s;

4. a quantidade de trabalhadores desempregados será uma medida proxy igual ao número de

vagas não preenchidas e dada a mobilidade no mercado de trabalho, haverá uma quantidade

positiva de desemprego friccional. Mas a hipótese de um possível equilíbrio no mercado de

trabalho fica implícita ao modelo.

5. A relação entre a taxa de mudança salarial w e o nível de desemprego u, será não linear à

esquerda da interceptação do eixo u e linear à direita deste ponto, vigorando a hipótese da não

flexibilidade dos salários a baixa, de natureza anti-keynesiana.

6. a passagem ao nível macro se dá pela mera agregação dos supostos anteriores, estabelecida a

condição inicial de igual distribuição da força de trabalho entre os mercados e relaxamento desta

condição para verificação dos efeitos, nos termos de uma imperfeição no mercado de trabalho,

sobre demanda e oferta, salários e preços.

Onde, assumindo-se os efeitos de W = f(d− s)/s sobre u nota-se a velocidade na

qual os preços se ajustam ao desequilíbrio. Supondo-se variações desiguais para os mercados,

decorrentes de algum desequilíbrio no nível total de emprego, dada a não linearidade da relação

w e u, o nível salarial do setor wa se incrementa em velocidade maior do que a velocidade da

redução salarial no setor wp. Logo, supondo-se uma curva para o ajuste do mercado individual e

a curva Am de ajuste ao nível macroeconômico, W , (variável macroeconômica), graças àquela

não linearidade observada ao nível de um único mercado, o nível salarial aumentará para toda a

economia pressionando os preços.

As conclusões de Lipsey, frente aos postulados acima, recaem sobre os vínculos,

por ele observado, entre o nível micro e o nível macroeconômico. Sua suposição mais geral

daí decorrente será a de que apenas quando a porcentagem de força de trabalho, em ambos

os mercados, for igual para todo o nível de desemprego agregado observado, as curvas dos

mercados individuais serão idênticas as da economia como um todo. Em todos os demais casos,

haverá uma tendência ao distanciamento entre essas, o que equivale a maiores desigualdades na

ocupação da força de trabalho em cada mercado.

Samuelson e Solow46, por seu turno, impuseram a perspectiva mais presente de

abordar os resultados dos estudos de Phillips como um trade-off entre taxa de desemprego e

46(1973)Aspectos analíticos de la política anti-inflacionista. In:(MUELLER, 1973).

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níveis de preços e salários. Assim, ao transporem os resultados daquele estudo para os EUA,

observam que as diferenças havidas no comportamento dos mercados de trabalho, USA/UK,

decorrem de institucionalidades e formações diversas, porém, com semelhanças significativas

entre si. Dentre outras, a mais fundamental é aquela onde se associam o nível do desemprego

médio, durante os ciclos, com uma taxa menor de aumentos nos salários e nos preços, tal qual o

previsto por Phillips para o caso do Reino Unido.

O modelo americano da curva Phillips indica:

1. aumentos salariais até a taxa de 2, 5%aa, função do aumento da produtividade média, tem por

efeito, segundo os dados observados, uma taxa de desemprego próxima de 5 a 6%.

2. para uma taxa desejada de desemprego inferior a 3%, haveria aumento de preços em torno de

4 a 5%aa.

3. para desemprego inferior a 3%, a inflação tenderia a ficar em torno de 4 a 5%aa.

Samuelson e Solow frente a tais predições observam que, “os efeitos da luta política

nos leve, nos próximos anos, a uma situação entre ambos os pontos (i.é: um desemprego em

torno de 3%aa, frente a um nível de preço anual de 4% aproximadamente). Provavelmente

teremos certa elevação de preços e certo desemprego.” (op. cit. p.402. Trad. nossa).

Retomando-se os argumentos, o modelo ISLM agregadamente se refere aos vínculos

observados entre os mercados monetários e o mercado de bens, onde a produção é representada

em termos de uma função de produção clássica Y = F (K,N); sendo o mercado de trabalho

determinado pelas forças impessoais da oferta e da demanda, com previsão a uma condição de

ajuste rápido.

A determinação simultânea do ponto de equilíbrio em condições específicas de sua

estabilidade implicava em obter um único valor de equilíbrio para os juros, responsável para

induzir a totalidade do sistema ao equilíbrio geral. No entanto, as suposições contidas para o

mercado de trabalho, com ajuste automático, eram claramente contrárias ao observado na TGE

de Keynes, ponto de partida de todas essas expansões.

Com o tratamento teórico de Lipsey, Samuelson e Solow sobre o estudo de Phillips

abriu-se caminhos para encontrar tanto o ponto de equilíbrio no mercado de trabalho, como

a condição geral, através de uma boa política, necessária e suficiente para se estabelecer um

equilíbrio estacionário, simultâneo, dos mercados de bens, monetário e de trabalho, segundo a

síntese neoclássica de Keynes.

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A solução padrão desenvolvida consistiu em relacionar a função de produção clássica

Y = F (K,N), com a função de equilíbrio no mercado de trabalho, nos termos do tratamento

de Lipsey, h(N) = P.f(N). Assim, o equilíbrio no mercado de bem passa a refletir tanto o

nível da taxa de juros, como o nível do emprego e o mercado monetário, por seu turno, além da

moeda e dos preços terá reflexos de N , decorrente da relação estabelecida entre estas variáveis e

o comportamento do mercado de trabalho.

De onde a interdependência do mercado de trabalho com os mercados de bens e

financeiros, retratando-se assim a condição geral do equilíbrio, da harmonia social e política

subsistente para todo o sistema econômico. Mas, não é ocioso frisar que esse uso e a expansão

da curva de Phillips, ao reafirmar aqueles pressupostos do equilíbrio geral, através da síntese ne-

oclássica de Keynes, reafirma, igualmente, aquela mesma estratégia de conservação, conciliação

e continuidade, própria aos formuladores da SNC, como pressuposto e indicativo da presença da

coalização política articulada no pós-guerra, nas economias desenvolvidas.

Logo após a promoção desses fundamentos dados pela curva de Phillips, as extensões

em torno das propriedades hermenêuticas do modelo IS − LM voltaram-se para as questões e

fundamentos dos vínculos econômicos das economias nacionais. Na história dessa passagem, a

discussão inicial anterior ao ano de 1960, centrava-se sobre o problema do excesso de liquidez

mundial, versus uma pretensa política de ajustes sobre os fluxos internacionais de capital no

período.

Em jogo, como operar em um mundo onde os conflitos, via balanço de pagamentos,

resultam de fato dos conflitos de Soberania. Todo esse desenvolvimento, já colocada no pós-

guerra, se consolida na busca de um consenso, no início dos anos 60, em torno da questão do tipo

de regime cambial necessário à condição do equilíbrio geral, tanto interno como para a economia

mundial como um todo. De novo aqui, a luta política que leva à construção do modelo, se torna

a política do próprio modelo.

Acima foi visto que a derrota das postulações de J. Keynes frente àquelas de D. White

levou à construção de um sistema internacional de governança econômica, o SBW, balizado

pelas concepções de livre comércio e de câmbio fixo. Ao mesmo tempo, postulou-se acima,

essa derrota fora uma derrota política, tanto das intenções intelectuais de J. Keynes, como dos

interesses ingleses no interior do novo cenário internacional do entre Guerras.

Difícil afirmar se fora a sua militância em torno da nova moeda internacional, bancor,

— demandador de um sistema internacional de compensação de pagamentos, fora do controle

da Soberania dos países mais fortes do ponto de vista do comércio internacional —, ou se fora

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seu apoio a um certo neomercantilismo,47 com intervenção ativa dos Estados para regularem

sua balança comercial e um câmbio favorável, que encobriu sua proposição de equivalência do

produto exportado, em igual, para todos os países.

Manter o princípio da demanda efetiva em uma economia aberta significaria garantir

uma coalização política internacional, favorável ao controle e regulamentação da liquidez

internacional tendo em vista o pleno emprego interno. De qualquer maneira, se as postulações

mais fortes, decorrentes de sua militância na construção do SBW não vingaram, por certo esse

princípio da demanda efetiva teve êxito como guia da articulação política entre os Estados

Nacionais, deve-se sublinhar, a partir dos específicos interesses nacionais sob e direcionado pelas

suas lutas políticas internas.

Posicionar-se contra o domínio político doméstico das classes dos banqueiros fora

um posicionamento comum a todos os países nesse período em que navega o FMI. Mesmo para

as condições internas do pais imperial, isto também teve sua validade. O gráfico abaixo apresenta

a natureza das relações assim colocadas de maneira expressiva através do dado fundamental para

o período.48

47(KEYNES, 1974, chap. XXIII).

48in (KOO, 2011).

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Gráfico 4. EUA levou 30 anos para normalizar as taxas de juros depois de 1929 por causa da aversão ao endividamento

Fonte: Richard C. Koo, 2011, p.34.

Portanto, as teorizações e as práticas sobre os balanços de pagamentos, de uma forma

ou de outra, deveriam incorporar essa proposição geral e assim o fizeram. No nosso ângulo mais

específico, o FMI, como não poderia deixar de ser, fora a instituição que teve de trabalhar, ao

longo do fio da navalha, essa suposição keynesiana no interior de seus modelos teóricos. Assim,

se em um primeiro momento de sua história convergiu, não raras vezes sem sucesso, nesse

sentido, distanciou-se deste. de maneira derradeira, desde a crise da Era do Ouro, do capitalismo

no pós-guerra.

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3.3 Contradições e trajetória do FMI: uma síntese rumo àcrise dos anos de 1970

Ora, eventos históricos econômicos de grande duração impulsionaram a criação do

Fundo Monetário Internacional, dentre eles o esgarçamento do liberalismo econômico vigente

no começo do século XX. Já de início o Fundo formava-se como produto de condições histó-

ricas incertas, inclusive na avaliação dos atores, à época de sua criação, de instáveis simetrias

decorrentes da dinâmica do sistema capitalista, em seu momento de imediato no pós-guerra; e

das condições gestadas no interior do arranjo político-institucional daquele período, chamado

de “concerto europeu”, onde se expressa a organização dos Estados no interior do sistema

westfaliano, (DEHOVE)49

Pelo lado econômico internacional do arranjo, todavia, caberia à dinâmica da econo-

mia capitalista impor mudanças sócio-históricas as quais nutririam a trajetória da instituição,

assim criada, de fortes instabilidades dinâmicas,50 que se configuram à luz das demais instabili-

dades decorrentes de sua estruturação político-institucional originária.

O pior, ou melhor, tratamento cognitivo dessas instabilidades pelas Organizações, as

quais não raramente convergentes entre si, tornar-se-ão cruciais ao seu desenvolvimento histórico

e vão impactar os elementos da racionalidade determinada, limitada e processual, política e

socialmente, contidas como pressuposto de sua operação. Operação essa a ser sempre legitimada,

em função da maneira pela qual a realidade, na forma de um sistema em aberto, i.é, incerta, seja

pesquisada e colocada no interior dessa operação e aos pressupostos do conhecimento aplicado.

Cambaleando entre ambos os aspectos, a primeira aceitação programática do FMI,

que girou em torno de uma consideração sobre os ganhos do comércio internacional, tal qual

acima, na forma avocada pelo contexto político e simbólico decorrente do Plano de H. White,

esgota-se rapidamente pela negação pura e simples dos seus supostos. Isto é, a previsão da

cooperação e do ganho sob o domínio econômico norte-americano apenas se viabiliza quando

o Plano Marshall, vide acima, aparece como condição, necessária mas insuficiente, de uma

estratégia militar para uma Política de Contenção da expansão das experiências Socialistas em

solo Europeu e na Bacia do Pacífico, inaugurando um período de forte estímulo à demanda,

sustentador das novas condições internacionais que vão se armando.

49Em (THÉRET, 1998, p. 121-184).

50O conceito é de A. Vercelli, (op. cit.). Dinâmica econômica capitalista, aqui é compreendida a partir da tradiçãodas análises de K. MARX, J. SCHUMPETER, M. KALECKI e J. KEYNES, obviamente de difícil síntese por umúnico desses autores.

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No entanto, seus primeiros modelos teóricos estão de costas para esse quadro. Esti-

mulados pela condição política do liberalismo de bem estar, buscam em seu início aprofundarem

os aspectos políticos e intelectuais colocados pela estratégia do consensualismos da SNC, no

sentido de aderirem ao quadro do livre comércio e do pleno emprego, para todas as economias

membros.

A influência do argumento de J. Keynes, para tanto, fora crucial, inclusive como

proposta de distanciamento das considerações políticas desenvolvidas no interior do programa

econômico político liberal clássico:51

Desta maneira, o peso da minha crítica é dirigido contra a inadequação dosfundamentos teóricos da doutrina do laissez-faire, [...]contra a noção de que ataxa de juros e o volume dos investimentos são auto ajustáveis ao nível ótimo,de modo que a preocupação com a balança comercial é uma perda de tempo.

Mas, não obstante, daí para uma formulação sobre o balanço de pagamentos, BPAG,

e do câmbio nesse sentido, descobriu-se, havia um abismo a ser ultrapassado. Combinar pleno

emprego, para todas as economias nacionais, com livre comércio e postulados da SNC, onde o

equilíbrio geral é politicamente fundamental, demandou várias incursões intelectuais no tempo

histórico. O maior peso das condições internas, nas diversas formas do nacionalismo à época,

nas formulações das políticas, influencia tanto os parâmetros na elaboração dos modelos, bem

como o entendimento da posição das variáveis em seu interior.

Entretanto, inicialmente, haveria de se definir os elementos concretos que fariam

parte de um possível BAPG, desde a construção dos parâmetros e das variáveis, à luz de uma

outra concepção teórica, até a redefinição institucional dos Estados membros, para darem conta

dessas remodelações, segundo seus efeitos políticos.

O primeiro passo daí decorrente, portanto, será o de ampliar o poder do Estado, para

dar conta dessa nova condição histórica do pós-guerra, que o comércio internacional impunha.

E isso implicou em redimensionar sua dimensão e seus mecanismos de controle fazendários e

financeiros, bem como de suas decisões, de tal maneira que deu curso à entrada em cena de uma

nova autoridade nos aparelhos dos Estados, a autoridade monetária do Banco Central.

A detenção de um poder político real no Estado,52 para dirigir as relações econômicas

internacionais, por seu turno, vai permitir que os antigos e os novos interesses das classes51(KEYNES, 1974, p. 338. Trad. nossa).

52De acordo com a diferença conceitual estabelecida em:(CODATO, 2001).

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dominantes, nesse período, possa encontrar um espaço específico em torno de uma recente

autoridade cambial, mais uma das maneiras de expansão do poder político em seu amalgamento

com os interesses das classes sociais no imediato pós-guerra.

Estabelecido o consenso em torno das novas autoridades ou da nova disposição

contábil dos Bancos Centrais para tanto, se avançou para definir conceitualmente, o que viria a

ser um balanço de pagamento em equilíbrio e especialmente em desequilíbrio, por parte do FMI.

Assim, primeiro, o Fundo criou,53

o conceito de financiamento oficial compensatório, definido como o financia-mento realizado pelas autoridades monetárias para fornecer divisas para cobrira oferta ou déficit na sobra do balanço de pagamentos.

Segundo, nas imprecisões advindas desse, desenvolveu o conceito de saldo global

do BPAG, para expressar “uma medida do desequilíbrio residual que será financiado através

do uso e da aquisição de reservas.”(GANDOLFO, 1987,p.57). A maneira pela qual o registro

contábil, na conhecida forma da partida dobrada, do BPAG se deu, mantido até hoje em dia,

onde as demais contas da balança comercial, do balanço de bens e serviços, da conta corrente e

da conta capital, dos erros e omissões, etc. tomam corpo.

Em seguida vão se construindo os modelos teóricos que expressem o movimento

provável entre aquelas contas, no âmbito da situação internacional. O modelo teórico da

“abordagem da absorção” foi, parece haver um consenso nesse sentido, o primeiro tratamento

analítico que o FMI dispendeu para a compreensão do problema do equilíbrio do balanço de

pagamentos.54 E o deslocamento contido em sua análise inicial correspondeu ao já acima

abordado, qual seja, se tratou de examinar o BPAG pelo nível da oferta e demanda, agregadas,

as quais determinariam a posição dos seus balanços externos, condicionado pelos objetivos do

pleno emprego keynesiano.

De maneira bastante sugestiva o trabalho de Sydnei S. Alexander que formula o

modelo é:Effects of a devaluation on a trade balance,55 como um reconhecimento explícito de

que o ajuste do BPAG é uma questão soberana do país e este o faz desvalorizando/apreciando

sua moeda interna. Primeiro, as definições.53(GANDOLFO, 1987, p. 57. Trad. nossa).

54H. JOHNSON in: (SAVASINI JOSé A. A. MALAN, 1979).

55Para os conflitos decorrentes das seguidas desvalorizações cambiais no período, (EICHENGREEN, op. cit.).Também, (KINDLEBERGER, 1951).

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Primeiro, observe-se que absorção significa, pura e simplesmente, a capacidade real

de uma economia absorver bens e serviços produzidos por uma outra economia ou que um ajuste

no desequilíbrio do BPAG, através da alteração no valor do câmbio visando corrigir um déficit

qualquer, afeta o nível da renda interna do país, que tenha efetuado a desvalorização cambial.

Segundo, há que se pagar tributo à coalização política própria ao liberalismo de bem

estar social. Assim, o objetivo político fundamental ao modelo é de indicar o quanto o Fundo vai

operar de acordo com esse suposto mais geral. E nos termos de J. Keynes, isso vai significar

estender a crítica contra os rentistas, que se dá em solo interno, para o mundo externo. Vital,

portanto, a concepção da propensão marginal a poupar em contrapartida da propensão marginal

a gastar. Todo o problema vai se resumir na exposição, mais geral, do afastamento do poder dos

banqueiros sobre o teatro econômico externo.

S. Alexander apresenta a concepção de que B = Y −A,56 ie., que o balanço externo

(B) é uma função da renda interna, (Y), subtraída a absorção de bens e serviços externos, (A).

Comportamentalmente, nos termos do artigo, isto significa que se b = y − a e sendo a absorção,

em última análise, renda real, igual aos bens e serviços dados, obtém-se, então que a absorção

dos bens e serviços externos é uma função da capacidade interna da economia de um país, na

forma, a = cy − d.

Onde c é a propensão a consumir, decorrente das despesas de investimentos, y

a propensão a investir. d, por seu turno, é um coeficiente para medir os efeitos diretos da

desvalorização sobre a, a absorção de bens e serviços externos da economia em um momento

dado. E,

b = (1− c)y + d

traduzirá a identidade fundamental do modelo.

As variáveis da receita e da despesa agregadas ampliam as considerações às quais

agora se remetem acima das relações, mais focadas, entre crédito e débitos na conta capital do

BPAG,57 superando-se, dessa forma, os modelos equilibristas de cunho walrasiano.

Assim, o problema maior de identificar os tamanhos de d e de c estará relacionado

com o problema político de se encontrar uma linha de bem estar, que acomode interesses

contraditórios entre os países e dentro dos países, voltando-os para uma situação de pleno

emprego. Consequentemente, as medidas nacionais protecionistas e isolacionistas devem, frente

56(ALEXANDER, 1952, p. 265).

57Para mais detalhes sobre o modelo, veja (GANDOLFO. op. cit.).

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a este objetivo político, ser rejeitadas, como más políticas. E as serão frente ao argumento de

S. Alexander, de que as restrições daí derivadas levam a que recursos econômicos permaneçam

ociosos. Logo:58

Uma análise das vantagens relativas [...]da desvalorização e restrição comercialtem sido apresentada [...]. Esta análise é apropriada apenas sob condições depleno emprego. Quando consideramos as medidas para melhorar a balançaexterior sob condições de generalizado desemprego o critério acima deve sermodificado, como também ser abandonado para todos os propósitos práticos.

Afirmar, mais do que comprovar empiricamente, um aspecto ideológico, racionali-

zado cientificamente, necessário à nova situação internacional parece ter sido o grande objetivo

do modelo da absorção rapidamente examinado. E o fez, nem tanto por não dar conta de um

período histórico onde a disputa militar e comercial entre os países, e seu papel para a demanda

efetiva, ainda existia. Mas sim porque trabalha no interior de um registro teórico onde se estima

que as transações físicas e monetárias entre os países dispensam a exportação de capital.

Duas consequências: primeira, a capacidade de desvalorizar da moeda nacional não

será uma exceção à regra do comércio internacional, mas sim sua prática mais relevante, instabili-

zando a paridade do poder de compra, suposta para a nova moeda reserva, dólar, frente às demais

moedas nacionais. E essa desvalorização vai depender, sobretudo, do poder político interno

dos interesses vinculados a esse procedimento, por parte da burguesia industrial exportadora,

bem como pela classe dos financistas do país hegemônico, os quais detém a moeda de crédito,

internacionalmente conversível.

Igualmente, o ataque aos riscos de uma desvalorização geral dos ativos, através de

uma queda de preços generalizada e o impulso decorrente daqueles objetivos promulgados no

âmbito do Plano Marshall, por seu lado, levava a que o ambiente internacional, assim desenhado,

fosse favorável aos aspectos decorrentes das forças política internas em disputa.

Daí a conveniência de se manter o maior ganho possível em Soberania, necessária

à reconstrução da economia e dos poderes que lhe são correspondentes, nesse processo, como

também, necessária para que se ocorram trajetórias de convergência em torno de um câmbio

estável, entre as moedas utilizadas pela atividade comercial frente a frente com a expansão

produtiva. Nesse quadro, a restrição interna à atividade desregulada do mercado financeiro e

do poder dos banqueiros norte-americanos, só poderá ser exercida quando voltada à economia

mundial.58(ALEXANDER, op. cit. p. 276. Trad. nossa) .

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Isso porque, no interior desse embate político, o sistema bancário financeiro vai

expressar a condição “clássica” de financiamento do processo de produção e de circulação

de bens, tendo sido tolhida sua capacidade de alavancar créditos não comerciais, frente às

restrições em poder que lhe são impostas já no período entre Guerras, tal qual observado pela

literatura. Logo, a maior presença da divisa e o domínio do processo produtivo norte americano

no ambiente externo indicam, naquele momento, a emergência das formas mais contemporâneas

do Imperialismo norte-americano.

O que concretamente é encontrado como uma dinâmica da reprodução social do

capital se encerra na construção desse novo sistema e em sua manutenção. De saída, isso quer

dizer que o domínio imperial norte-americano se desenrosca geograficamente, politicamente,

cultural e economicamente em ambientes externos diversos, dando-lhe ritmos diversos e graças

às lutas políticas daquele imediato pós-guerra, opostos à acumulação do capital, em geral.

Intensividade e extensividade por parte do Império59 norte-americano, se trata disto,

traduz, para todos os fins aqui, formas variadas de submissão do trabalho ao capital produtivo. E,

também, por suposto da nova divisão internacional do trabalho, quando esse mesmo processo

de reprodução do capital é induzido, em seus setores mais vitais, pela dinâmica da inovação

tecnológica, barateadora do custo do capital, subordinando no espaço nacional da acumulação a

condição política para a rentabilidade do capital financeiro.

Em particular, essa sua expansão de maneira extensiva vem capturar todas as econo-

mias nacionais, as quais mantiveram sua dependência originária, em relação à anterior divisão

internacional do trabalho. Fundamental, para tanto, que no interior dessa dependência a fragili-

dade monetária e financeira desses países, i.é, baixa capacidade de financiamento ao investimento

produtivo no longo prazo, vá de encontro a um processo de industrialização incompleto.

No interior dessa dinâmica o maior acúmulo de poder político, dentro daquela

coalização, abriram-se espaços e oportunidades para que se combinassem maiores níveis de

empregos, salários, progresso técnico, crescimento da acumulação de capital, ao nível mundial.

E, à luz dos reinvestimentos de parcela do lucro 60 no processo da reprodução, bem como, da

autonomia deste lucro “da remuneração da propriedade (em dividendos e juros)[...]. Por todo o

período, “A rentabilidade das instituições financeiras era tipicamente baixa (em particular no

contexto da propriedade pública dessas instituições financeiras).”61

59A discussão sobre uma concepção marxiana de Imperialismo pela qual se pauta está em (WOOD, 1997).

60(KALECKI, 1978, p. 67-70).

61(DUMéNIL GéRARD E LEVY, 2007, p. 2).

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Mas, apenas aparentemente, visto com os olhos de hoje, o modelo da “absorção” se

distancia das condições concretamente observadas na história do período, tal qual narrada acima.

O possível curso dos acontecimentos do pós-guerra aqui se insinua, permeado de incertezas,

falseabilidades e contradições, através de linhas tortas, desconhecendo-se meios, processos e

determinações. Os pressupostos políticos do modelo, na forma da defesa do pleno emprego e da

contraditória argumentação sobre os ganhos da desvalorização cambial nos dá, claramente, a

dificuldade de discutir keynesianismo sob a tutela da SNC.

Indo diretamente à questão, o problema essencial se concentra nos vínculos entre a

propensão marginal a consumir e a poupar e o entendimento sobre a posição dessas quando são

estabelecidas pelo modelo. Para o modelo, a propensão a poupar por parte daqueles que detém

lucros é maior do que os assalariados, que se torna mais grave quando ocorrem transferências

de salários aos lucros. Porém, o curso da história, empurrado por aqueles eventos reais, dos

efeitos da Guerra e do aumento da concorrência entre os países, indicava a presença do Estado

suportando a demanda efetiva.

E, especialmente, no interior desse movimento, a exportação de capital para as

economias demandantes, com controle sobre a rentabilidade da remuneração da propriedade

de capital líquido, levava junto à nova moeda de reserva de valor internacional, deslocando a

questão da recessão para o lado da demanda e não para os supostos contidos pelo lado da oferta.

Em suma, o modelo não acompanha esse enorme deslocamento histórico.

Isso aparece, linearmente, na tabela abaixo,62 como um exercício de poder hegemô-

nico onde não se veem, no modelo e no palco, as motivações últimas do contexto político

nacional e internacional da época: os objetivos do plano Marshall, as revoluções Soviética e

Chinesa e, tampouco, as lutas e protestos democráticos, os quais dão forma ao liberalismo de

bem estar social do pós-guerra.

As inconsistências do modelo em relação aos objetivos da estabilidade cambial do

SBW não lhe dá o suporte para que possa ser tomado como referencial para a visão do FMI, sobre

os problemas político-econômicos internacionais. Havia implícito nos presumidos instrumentos

62“Tão feio e tão lindo, dia assim eu nunca tinha visto.” [...](MACBETH, I, 3, p. 150),

• 1ª Bruxa — Salve, Macbeth; saudações a vós, Barão de Glamis.

• 2ª Bruxa — Salve, Macbeth; saudações a vós, Barão de Cawdor.

• 3ª Bruxa — Salve Macbeth, aquele que no futuro será Rei.

(SHAKESPEARE, 2003, p. 150-51).

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Tabela 1

1949 1969 1970 197133,1 39,1 37,2 39,2

3,1 6,4

1,7 6,7 7,7 0,9

10,4 32,4 44,5 77,33,2 16 23,9 516,9 9 6,6 7,20,3 7,4 14 19,1

V. Total 45,5 78,2 92,5 129,826 17 14,5 13,2

19,5 61,2 78,7 116,6

Composição das reservas monetárias mundiais: 1949-1971(bilhões de dólares)

I. Ouro

II. Direitos especiais de saques

III. Reservas no FMI

IV. Divisas Dólares Libras esterlinas Euro-dólares etc.

Estados Unidos Outros países Fonte:TRIFFIN, In: SAVASINI, Op. Cit. p.460.

deste modelo uma certa aceitação de Soberania Nacional, absoluta, sobre a moeda doméstica.

Em um momento que parece ser de consolidação de entendimentos, análises e explicações

sobre o novo mundo que vai ai se configurando, o Fundo Monetário teria de percorrer um

caminho inverso desse, ou seja: aceitar que frente aos impactos do uso da moeda nacional no

contexto internacional, amarrada que esta à taxa de câmbio, movimentos que implicassem em

desvalorização da moeda e do seu impacto sobre os preços das demais moedas nacionais só se

justificariam quando acordados internacionalmente, através do Fundo.

Ao invés do uso dessa política, previa-se, portanto, o uso dos recursos financeiros

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do próprio FMI para realizar os necessários ajustes nos desequilíbrios fundamentais do BPAG.

Assegurar a estabilidade cambial, nesse contexto, se torna um projeto político do pós-guerra,

onde estarão envolvidos todos os países, agora entendidos no interior de uma comunidade ou de

um sistema ou de um regime internacional. Um ganho obtido através, p.ex., do sistema bancário

internacional poderia pôr abaixo a estabilidade cambial, derrotando os supostos políticos contidos

nesse arranjo, internacionalmente produzido pelo Fundo.

Saber com exatidão distinguir o que são mudanças por fora da regra, daquelas mudan-

ças consentidas pelo arranjo próprio do SBW indicava a necessidade de se obter modelos teóricos

lógicos e consistentes para serem capazes de, ao expressarem com fidelidade os determinantes do

BPAG, possam oferecer segurança às medidas tomadas em políticas. Se a desconfiança residia,

principalmente, na ação política do setor bancário e de seus negócios “especulativos”, e se estes

ainda existiam e foram internacionalizados no pós-guerra, caberia desenvolver uma concepção

política que ajustasse suas condutas ao novo tempo.

A tabela acima indica a crescente presença da mobilidade do capital, tanto norte-

americano quanto dos efeitos da progressiva conversibilidade das moedas de troca, do mundo

europeu. Rapidamente, a forma originária do modelo de Absorção frente à mera constatação do

maior peso relativo de uma mais livre mobilidade do capital, fechara o circuito inicial do debate,

sobre a necessária punição ao rentismo naquele período, indicando-o como o determinante do

desequilíbrio fundamental do BPAG, no plano internacional.

Nesse contexto é que Marcus Fleming desenvolve um novo modelo que compreenda

as políticas domésticas financeiras, fiscais e, inclusive, a salarial, como problemas econômicos

para ser visualizados no interior daquela comunidade internacional. Nessa formulação de M.

Fleming, desenvolvida depois do modelo de Absorção acima visto, trata-se, ainda, de verificar

no interior da SNC de Keynes, os determinantes que agem sobre a balança comercial e o balanço

de pagamentos.

Agora, o entendimento que deve expressar no plano externo os objetivos políticos

para o pleno emprego vai postular que o BPAG é determinado pelas variações das taxas de

juros internas, enquanto que a balança comercial “varia inversamente com os gastos internos

e diretamente com o valor externo da moeda doméstica.”63 Uma instabilidade motivada pelos

vínculos que se armam entre taxa de juros e oferta monetária, internas, por força de sua expansão,

passam a ser objeto de políticas de contenção sobre os efeitos desequilibradores do BPAG.

63(FLEMING, 1962, p. 369-70).

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158

Ainda que este efeito recaia sobre o BPAG, a balança comercial passa a sofrer,

igualmente, consequência da expansão da maior liquidez internacional. E, em ambos os casos,

com crescente mobilidade externa de moedas e capital, esforços equilibrantes no BPAG vão

ultrapassar as limitadas condições operacionais das políticas internas, demandando colaborações

transnacionais.

Mas, a despeito disso, a contenção na mobilidade do capital líquido não poderá

ser confundida com o necessário acréscimo das divisas internacionais que estão atreladas aos

gastos públicos dos países na sustentação da demanda. Como também, a estabilidade cambial,

associada à ideia de taxa fixa do câmbio, deverá ser preservada como reguladora do sistema

internacional, devendo ser defendida dos ataques especulativos da taxa de juros internacional,

por sobre as divisas nacionais.

Demonstrar a validade das políticas externas assim direcionadas é o aspecto crucial

da modelagem de Fleming. Seu trabalho para o Fundo assim se apresenta: políticas de despesas

que levam ao aumento nos gastos públicos com câmbio fixo, mantidos constante os efeitos

da política monetária e da relação câmbio/juros, implicam na deterioração da conta corrente

do BPAG, em função do aumento da importação. Na busca do pleno emprego interno, a taxa

de câmbio variável, ao permitir acomodar o movimento cambial, levará a danos menores na

deterioração do BPAG.

Por seu turno, incrementos no estoque em moedas, com o mesmo objetivo do pleno

emprego, no caso da taxa fixa de câmbio, em função da menor velocidade da moeda, obtêm-se

aumentos de investimentos via redução da taxa de juros e dos efeitos dos gastos públicos. Mas,

sendo assim, haverá deterioração da conta corrente do BPAG, para o câmbio fixo. Os efeitos

decorrentes da apreciação cambial no caso da taxa flutuante de câmbio, ao contrário, seriam

acomodados via balança comercial, na possibilidade de um incremento na oferta monetária.

Em suma,64

os efeitos sob uma taxa flutuante relacionada aos efeitos sob uma taxa fixa nuncaserá maior e geralmente será menor no caso da expansão do gasto público, doque no caso da expansão monetária.

No turbilhão dos eventos da época, os conflitos militares e a maior força política do

país soberano internacionalmente, necessários ao melhor desempenho da exportação do capital

64(FLEMING. op. cit.p. 374, nr. Trad. nossa).

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159

norte-americano, não surgem no interior das continuadas considerações teóricas do Staff do

Fundo, sobre o ajuste do BPAG. Tendentes a determinar os termos registrados pela balança

comercial e conta corrente do balanço de pagamentos, são suficientemente embaraçosos para

servirem como parâmetros qualificadores daqueles ajustes.

Frente à impossibilidade de se reconhecer as razões pelas quais a tempestade ins-

tabilizadora do BPAG se faz presente, retém-se a sua naturalização como parte de um sistema

internacional que se desenvolve em desequilíbrio. Para além da capacidade explicativa dos

modelos, clássicos à la Hume ou Keynesianos, da SNC, há a entrada em cena, no pós-guerra,

dos interesses e das práticas dos banqueiros no cenário internacional.

Robert Mundell, por sua vez, observa, nesse contexto, que os vínculos abertos entre

os Bancos Centrais, a política monetária e as operações típicas dos mercados abertos, reduzem a

capacidade dos Estados em seus objetivos de se estabilizarem internamente. Os fluxos do ouro e

da moeda reserva de valor atuam de tal forma que rompe com as condições de equilíbrio, seja

aquelas desenhadas pelas concepções clássicas ou no âmbito de um tratamento insuficiente do

papel da moeda, nos modelos keynesianos, dentre eles tantos os Sidney Alexander como os de

Marcus Fleming.

A condição pela qual o sistema funciona em desequilíbrio indica, para R. Mundell,65

que as políticas necessárias à correção dos rumos sejam desenvolvidas de maneira ad hoc, onde a

consciência sobre os fatos políticos só se colocam após as danosas consequências que trazem para

a manutenção das políticas internas de pleno emprego. O uso apropriado das políticas fiscal e

monetária,66 vai implicar em uma divisão das tarefas por parte do Estado. Onde se assume que as

políticas fiscais devem atender aos objetivos internos de estabilização e de crescimento, deixando

as questões do ajuste do câmbio e do BPAG, como área de atuação da política monetária.

E, essencialmente esta deve buscar neutralizar os efeitos decorrentes da situação

externa, esterilizando excessos de entradas pelo BPAG, os quais possam impedir a vigência da

política de pleno emprego. Na impossibilidade da convergência entre ambos os instrumentos a

situação de desequilíbrio externo se manterá, com efeitos depressivos sobre o nível do emprego

e efeitos negativos sobre as contas externas.

Assim, tanto M. Fleming como R. Mundell, exploram os efeitos que a intromissão

das políticas, fiscal e monetária, acarreta seja na condição do câmbio fixo ou livre, seja na

65(MUNDELL, 1961).

66(MUNDELL, 1962).

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160

condição do mix apropriado das políticas, supostamente estabilizadoras, da situação econômica

interna e externa.

Logo, haverá uma junção entre essas contribuições, tornando-as dominante já no

pós-meados dos anos de 1960. Nesse modelo de Mundell-Fleming, onde hipóteses adicionais são

introduzidas para dar conta especificamente das condições de curto prazo, já se estipulava que

frente à natureza especulativa dos movimentos internacionais de capital, a opção pelo câmbio fixo

significaria estabilidade interna e defesa contra choques indesejáveis, decorrentes do lado externo

da economia. Esse diagnóstico, presente no Artigo 4 do SBW, demonstra a independência dos

eventos, os quais determinam o desempenho da conta corrente e da conta de capital da BPAG.

Observava-se, também, graças ao modelo, a possível ocorrência de um trade-off

entre a política monetária e fiscal que busca o pleno emprego, e o câmbio rígido, com seus efeitos

deletérios sobre a taxa de juros interno, redundando em crise externa e esterilização da política

monetária. Nessa condição, o controle direto sobre o fluxo do capital era algo a ser cogitado

pelas autoridades monetárias a despeito da posição contrária do Fundo.

Para o modelo, ao contrário de um sistema econômico que tendia a regular-se

espontaneamente como na forma Clássica, a necessidade de uma política fina da demanda

agregada, com ênfase sobre a política fiscal, jogaria papel central no estabelecimento da situação

de equilíbrio, sendo que decorreria logicamente daí, diferentemente das demais formulações, a

necessidade de coordenação externa para o equilíbrio do sistema como um todo.

Será com essa visão de mundo, inicialmente colocada, e sob condições keynesianas,

pensada em termos de uma dinâmica em equilíbrio que adequa-se aos efeitos decorrentes do

fluxo de expansão dos mercados de divisas e de empréstimos, que a macroeconomia internacional

com base em Mundell-Fleming toma forma e expande o modelo macroeconômico da síntese

neoclássica, IS-LM, nele introduzindo os quesitos de uma BPAG em equilíbrio, convertendo-se

a condição de desequilíbrio do balanço de pagamentos no elemento central na exposição da

dinâmica do sistema.

Na perspectiva, agora, de uma macroeconomia que se abre para as relações econômi-

cas externas, sujeitas à flutuação da demanda agregada em relação com o nível de emprego, o

tratamento mais fundamental consistiu em incorporar na conta capital do Balanço de Pagamentos

– investimento direto, financiamento das importações por bancos e fornecedores estrangeiros, a

tomada de empréstimos junto a instituições públicas e privadas no exterior, reinvestimentos, etc.–

aos movimentos do mercado monetário e financeiro internos.

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161

Nesse novo modelo, esta mudança de perspectiva foi no sentido de traduzir, expan-

dindo o modelo da SNC, as ocorrências com a balança comercial à luz da dinâmica observada no

balanço de pagamentos induzido pelo movimento internacional do capital67, sendo a dinâmica in-

terna sujeita a impactos decorrentes dos choques externos, em função das conexões estabelecidas

pelo tipo de regime cambial, mais propício aos objetivos da economia nacional.

Voltado às condições de curto prazo, já se observaria que frente à natureza especula-

tiva dos movimentos internacionais de capital, a opção pelo câmbio fixo significaria estabilidade

interna e defesa contra choques decorrentes do lado externo da economia. Havendo equilíbrio nos

mercados internos de bens e no mercado monetário financeiro, o BPAG também se encontrará

em equilíbrio pois se presume que maiores importações, fruto do incremento da renda interna,

vai elevar a taxa de juros vigente no mercado monetário financeiro, o qual atrairá mais capital

externo, equilibrando o BPAG.

Já ao final desse período, as novas interpretações sobre as formulações de S. Ale-

xander, M. Fleming e R. Mundell também se abrem para explorar a condição pela qual as

acomodações do BPAG possuem caráter essencialmente monetário, produzido pela oferta interna

de moeda e pela recepção das divisas estrangeiras, compondo, como um todo, a base monetária

do país. Por exemplo, caberá a H. Johnson,68 uma exploração claramente anti-keynesiana, postu-

lando que as acomodações do BPAG, devem ser entendidas estritamente, como um fenômeno

monetário.

A justificativa para tanto é a de que um déficit no BPAG pode ser produzido tanto

através dos meios de desentesouramento, feito pelos residentes, como através da criação de

crédito pelas autoridades monetárias. Qualquer das pontas que aí se possa isolar, como causas do

desajuste, chega-se na conclusão analítica ora da existência de pouca reserva internacional por

parte do pais, ora de gastos públicos derivados da criação de crédito. Nesse sentido, “Nos dois

casos o problema está fundamentalmente associado ao poder dos sistemas bancários nacionais

de criar moeda que não tem suporte internacionalmente aceitável. (JOHNSON, 1979, p.484).”

Abre-se, portanto, nesse modelo, o entendimento de que as relações internas e

externas de um país demandam a análise mais geral das atividades econômicas do país. E na

concepção da política interna deverão ser observadas as condições por onde, ora opere visando

aumentar a renda nacional ora opere visando redução das despesas. Todo o problema político

67Para uma consideração neste sentido e um resumo da construção do modelo de Mundell veja:(OBSTFELD, 2001).

68“Em prol de uma Teoria Geral do Balanço de Pagamentos.”in(SAVASINI JOSé A. A. MALAN, 1979).

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162

aqui incidente é o de reconhecer que:69

Quando são introduzidas na análise as transações da conta capital, a escolhaentre as alternativas de política exige consulta às considerações de crescimentoeconômico que não são propriamente suscetíveis de análise econômica.

As novas interpretações estão dando o seguinte curso aos acontecimentos: postulam

que no período do pós-guerra as economias e as políticas nacionais caminham no sentido de

uma coordenação harmoniosa e suficientemente global entre seus interesses. Por isto os debates

sobre câmbio e BPAG serem vistos como essenciais para a concretização daquela estratégia de

conversão dos interesses.

Redirecionar as políticas internas para esse fim, no entanto, não significa abandonar

as metas do pleno emprego e da estabilidade dos preços internamente praticados. Até porque

essas são consideradas compatíveis para todos os países no interior do cenário internacional. A

ideia, portanto, de políticas econômicas específicas sob coordenação internacional passa a ser

validada pela aceitação das regras; pela obrigação interna de serem tomadas medidas para sua

implementação; pelas medidas governamentais concretas nesse sentido e clareza nas intenções e

impactos das medidas que devem ser tomadas.70

Diferenciando-se de H. Johnson, da Escola de Chicago, J. Polak, por sua vez,71 à

luz do parágrafo acima, vai propor seu modelo monetário para o balanço de pagamentos. Seu

ponto inicial consiste em deter a variável chave própria dos monetaristas, para a montagem de

seu modelo.

Inicialmente, elabora uma descrição da economia na forma de um fluxo circular,

o qual torna equivalente à velocidade de circulação da moeda: a renda do período = renda do

período anterior + nova renda resultante da criação do crédito interno + nova renda resultante da

exportação - renda desaparecida com a importação.

Seja,

• Y produto nacional;

69(Ibid., loc. cit. p. 495).

70(POLAK, 1962, p. 163).

71J. J. POLAK foi Diretor do Departamento de Pesquisa e Estatística do FMI nos anos 60 e lá trabalhou até 1986,sendo a partir dai consultor em diversas organizações públicas internacionais.

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163

• ∆DA incremento do crédito pelo sistema bancário;

• X exportações medidas em termos nominais;

• ∆MO aumento na quantidade da moeda;

• m mudanças marginais no valor monetário dos importados devido a mudanças na renda

monetária nacional;

• α taxa do estoque de moedas em relação ao fluxo monetário anual;

obtêm-se,

Y (t) = Y (t− 1) + ∆DA(t) = X(t)−M(t)

e (1)

M(t) = mY (t− 1)

(2)

(para (t) e (t-1) períodos unitários iguais ao do período da renda do fluxo circular).

Ou, de outra forma,

4Y = 1/k[4D +X +K −mY ]

Para:

MO = kY ;M = mY ;4MO = 4R +4D;4R = X −M +K.

Onde, k expressa a velocidade da circulação e m, a propensão marginal a importar, as quais são

as variáveis endógenas do modelo. Assim,4D, X e K (fluxo do capital líquido do setor não

bancário), serão as variáveis exógenas que determinarão o movimento de Y (produto nacional

bruto), MO (oferta monetária) e M (importação).

A ênfase sobre os efeitos multiplicadores é a base, portanto, do modelo de J. Polak.

Voltado que está para os supostos keynesianos do pleno emprego, os possíveis déficits do BPAG

podem ser resolvidos por uma política fiscal ou monetária que reduza o crédito doméstico criado

pelo sistema bancário. Nesse caso, a melhor opção em política cambial deverá ser a de câmbio

fixo, pois, através deste os impactos instabilizadores sobre o BPAG poderão ser sustentados pela

taxa variação da taxa de juros interna.

Chega-se nesse exato momento à confirmação da ação do Estado, por meio do seu

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164

Banco Central, que terá por objetivo facilitar ou não a criação do crédito por meio dos bancos

comerciais. De outro lado, ao operar diretamente sobre a taxa de juros usa seu poder sobre os

bancos comerciais visando controlar incrementos da renda. A distinção entre a criação de crédito

movido pelo Banco Central e a diferença na criação do crédito movido pelos Bancos Comerciais

permite sustentar os interesses bancários e seus efeitos ao ambiente interno.

Estão dadas as condições históricas derradeiras que caracterizam os modelos do

Fundo Monetário no pós-guerra. De uma forma ou de outra, o manto da coligação política que

se afirma nesse período, o qual resulta em políticas de consensualização para renda, emprego,

capital e juros, demonstra o predomínio de uma coalização classista que toma corpo na direção

de todos os demais países. O Banco Central, nessa concepção, possui papel regulamentador vital,

pelo controle dos vínculos entre oferta monetária, juros e câmbio, assegurando e restringindo

a atuação dos mercados abertos de capital aos países de origem e em seus vínculos com as

atividades produtivas locais. O modelo de J. Polak afirma-se como guia macroeconômico para a

cessão dos diversos tipos de empréstimos do FMI e de acompanhamento do desempenho dos

países membros.

Porém, quando se chega a esta dominação logística do modelo de J. Polak, tornando-

o hegemônico no interior da Instituição, em tese, consolidando ali as premissas ortodoxas do

keynesianismo, a capacidade material desta política se encontra esgotada, como visto anterior-

mente. Mesmo à luz de explicações díspares para a exposição da crise dos anos de 1970, todas

reconhecem aí o final de um período histórico.72

Certamente não é neste trabalho o local mais apropriado para a discussão sobre os

méritos de cada tese sobre a crise dos anos de 1970. Não obstante, frente aos dados da tab. 2

abaixo, cabe afirmar os vínculos que foram perpetuados e objetos da ruptura, entre o exercício

do poder político no interior do Estado do pós-guerra e a coalização entre as classes produtoras

de valor e os capitalistas industriais, materializados pelas diversas políticas nacionais de bem

estar social, do período e as intenções do Fundo Monetário.

Talvez melhor referir-se a diversos tipos de rupturas ao longo do período e dar o

devido destaque, primeiro, à captura dos Bancos Centrais e demais instituições públicas de

empréstimos aos interesses da lógica privada dos Banqueiros, com consequente internacionaliza-

ção dos mercados financeiros e de capitais, em geral. Segundo, a quebra do sistema monetário

internacional, com o final das veleidades em torno das virtudes do câmbio fixo e, terceiro, pela

72Vide, a tese de Brenner sobre a tendência à queda da taxa de lucro, no período,(BRENNER, 2003) Também, paraum trade-off salários/lucros in(LI, 2010). Como crise de superprodução, veja, (KOTZ, 2008). Crise do período, comoluta de classes, p.ex.,(ELEY, 2002). E, (CORNWALL, 2001), para uma exploração keynesiana evolucionária da crise.

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165

luta das classes internas, nos diversos países membros naquele momento. Um travamento social

que se interpõe frente à possibilidade dos capitalistas de efetuarem o cálculo para valorização

global dos seus ativos, tanto para o curto quanto para o longo prazo.

Este travamento diz respeito, no período da crise da crise dos anos de 1970, de um

lado, ao processo inflacionário e, junto com este, a valorização dos ativos por meio das taxas de

juros, flutuantes e incertas, que vão se estabelecendo ao nível internacional.

Mas fundamentalmente, de outro lado, o distanciamento da valorização dos juros

da valorização dos ativos do capital constante e variável, leva ao consequente distanciamento

entre a taxa de lucro média do sistema e essa taxa de juros internacionalizada, expressão do

conjunto das atividades econômicas em geral, bloqueadora da valorização do valor, na forma da

exploração do trabalho direto, que impede o cálculo de longo prazo necessário ao investimento

em ativos produtivos.

Manter a riqueza para subsequentemente valorizá-la, no tempo, determinou que a

forma dinheiro do capital não apenas sobrepujasse as demais formas do capital existentes, como

também, implicou na ruptura das formas políticas até então existentes, que asseguravam, por seu

turno, os pressupostos necessários à manutenção daquela riqueza do momento anterior. Erguer

uma linha de continuidade da valorização do capital o fez dobrar-se àquela forma de valorização

de ativos por meio do capital a juros, definindo essa crise, como uma crise das formas anteriores

de valorização do capital.

Ao instituir-se a crise demonstrou a insuficiência dos modelos teóricos correntes

no Fundo, desde sua formatação originária até seu esgotamento derradeiro. Seu conceito de

desequilíbrio fundamental do BPAG ou mesmo suas ações para contornar, no sentido de equilibrar

entre as Nações, os déficits comerciais ou financeiros, em nada resultaram dessas ações como

visto, vide Tabela 2 abaixo.

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166

Item 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979

USA3,40 4,00 6,80 11,20 8,60 10,90 -25,10 4,90 -13,70 -19,50 13,50 -28,40-6.0 -4,70 -8.8 -12.2 -6.3 -7,30 -25.6 -35,00 -25,20 -19.9 -24.8 -34,30

OPEC 0,80 -1,30 -0.6 0,40 5,40 54.9 23,50 26,60 20,10 -1,50 39,70

3,30 3,60 7,10 12,40 8,90 10,20 -29,00 5,10 -12,60 -16,50 12,10 -21,206,60 -3,60 -8,80 -12,60 -4,90 -3,70 -19.8 -27.3 -18,40 -9,80 -8,30 -13,60

OPEC -1,40 -2.0 -0.8 1,50 5,90 56.2 17,90 20,90 11,40 -10,70 21,10

*Países desenvolvidos referem-se a todos os países industrializados**A conversão do DES ao dólar foi efetuado pela média anual do dólar/taxa de câmbio do DES(Direto especial de saque (DES) diz respeito às quotas sacáveis do fundo financeiro do FMI). Nota nossa

Tabela 2. Contas corrente nominais e ajustadas pela inflação.1968-1979: Maiores Países

c/corrente nominal(bilhões de dólares)*

paises desenvolvidosP. não export. Petróleo

1.2 c/ corrente ajustadapela inflação1975/dólar USApaíses desenvolvidosP. não export. Petróleo

0.3

Fonte: JEFFREY D. SACHS, p.204, 1981.

Nesse caso, foram as condições de força dos países hegemônicos que comandaram

o processo e este processo lhe aparece como uma crítica aos seus fundamentos ao mesmo

tempo em que secundariza sua importância política. Fora uma crítica, portanto, radical aos

pressupostos das análises desenvolvidas pelo Staff do FMI. Na forma de uma inversão de papéis

entre Próspero e Ariel, onde o primeiro se submete ao último, coube a Prospero, no papel de

Ariel, ser o disseminador das incertezas:73

73(SHAKESPEARE, 2002, p. 19. Ato I. Cena 2).

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PRÓSPERO (Ariel) — Executaste, espírito, direito a tempestade, conforme teordenei? ARIEL (Próspero) — Ponto por ponto. Assaltei o real barco; orana proa, ora nos flancos, na coberta, em todos os camarotes acendi o susto.Dividido, por vezes, inflamava-me em diversos lugares: sobre o mastro, nogurupés, nas vergas, em distintas chamas apareciam, para numa, depois, meconcentrar. Não são mais rápidos nem mais ofuscadores os relâmpagos de Jove,precursores das trovoadas assustadoras. Tanto fogo e o embate do sulfúricoestrondo pareciam tomar de assalto o muito poderoso Netuno e amedrontar suasbravas ondas. Sim, até o tridente formidável lhe tremia nas mãos.

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168

4 FMI em transição: 1980-1990. Orompimento com o keynesianismo

4.1 A política necessária aos pressupostos dos modelos teóri-cos do FMI

Do ponto de vista das hipóteses auxiliares: a suposição sustentada no interior deste

trabalho é a de que o FMI tem sua conformação programática determinada pela dinâmica capita-

lista mundial, fruto de sua inserção efetiva na história, tendo construído projetos e mecanismos

de intervenção adaptáveis àquela dinâmica mundial, ainda que o faça desconhecendo-a bem

como dos interesses políticos de seu entorno.

Portanto, ao contrário das atuais teses sobre os programas do fundo, a fundamentação

destes programas não está aqui, determinada, nem por, nem nas, dinâmicas particulares dos países

centrais, que partilham a convite do Império norte-americano das benesses, do poder mundial,

conforme objetivos e análises dessas teses, buscam afirmar. Isto sim, a fundamentação destes

programas se dá na maneira pela qual os pressupostos políticos que os sustentam, alavancam as

novas condições necessárias àquela dinâmica mais geral, construindo a partir dai as suposições

materiais pelas quais aqueles países poderão vir a exercer um tipo de poder político semelhante

ou similar ou mesmo equivalente, porém nunca igual, às práticas desenvolvidas pelo país

hegemônico.

Logo, a análise do insucesso coroado de sucessos de seus programas de ajustes —

após os anos de 1980 até o período mais recente —, não deve se restringir à avaliação de suas

propostas à luz das respostas dadas pelas economias nacionais, na rejeição contínua aos seus

pressupostos. Mas sim de como estas propostas se constituíram em uma dimensão essencial para

a dinâmica da reprodução ampliada frente à crise que se forjava à época, na economia mundial

como um todo. Por certo, era o seu desdobramento que demandava novas institucionalidades

tanto no âmbito interno dos países como no interior do desenho das relações internacionais, pelas

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169

quais esses se confrontam, no correr desse processo de reprodução capitalista.1

Tão mais fundamental essa mudança em política, porquanto a nova história da

economia capitalista se caracteriza em um passo além da proposição keynesiana:

O início da década de 70 presenciou o último espasmo de crescimento daeconomia mundial, seguido de períodos intermitentes de recessão, com sur-tos inflacionários, inteiramente inexplicáveis pelos padrões convencionais daanálise keynesiana. O descrédito das políticas keynesianas deu lugar a umaonda de conservadorismo monetarista, com políticas de ajustamento recessivoque, ao invés de amortecerem as tensões inflacionárias e “alinharem"os pre-ços, provocaram uma verdadeira ruptura no sistema de preços de produçãointernacional.(TAVARES M. C. E BELLUZZO, 1986, p. 58).

Naquele período, mais especificamente, quando se afirma a relação política cons-

truída no pós-guerra entre lucros, juros, salários e câmbio fixo, estabilizador, a reconversão do

capital em recurso produtivo trazia implicações cumulativas benéficas para o motivo “finance",

bem como para a propensão a consumir e para o mercado de trabalho. Na ausência deste compro-

misso, volta a se reafirmar a relação social básica instituinte do capitalismo, com suas projeções

em conflitos políticos classistas, segundo a marca da descentralização e descoordenação das

lutas entre os sujeitos dessa história, amplamente visualizadas nos termos de uma sociabilidade

capitalista sob registro marxiano.

A produção do valor se articula, nesse momento político, contraditoriamente, entre

formas intensivas e extensivas no uso da força de trabalho e se expressa com ritmos diferenciados

nos momentos de acumulação simples e de reprodução ampliada,2caracterizando o espaço

histórico e político necessário ao entendimento dos conflitos e contradições, que se põem no

pós-crise.

O aumento do excedente, na forma de capital a juros se faz, não em detrimento

da condição keynesiana a qual deixa de existir, mas sim se reafirmando o pressuposto de uma

acumulação descompromissada em relação aos ativos reais produtores de valor excedente. Mais

especificamente, sem contrapartida no crescimento deste, em função da rearticulação das moedas

e dos interesses nacionais no plano internacional. Essa entrada no cenário internacional por parte

da Classe dos Banqueiros gera uma fonte inovada de conflitos, que rebate sobre a legitimidade

da ação do Fundo em sua relação para com os demais países membros.1Em oposição a este tratamento, maior destaque cabe à demonstração de Stiglitz,(STIGLITZ, 2002).

2Vide, (BRAGA, 1985).

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Aprofunda-se como se fosse um processo histórico e ao deprimir os lucros exce-

dentários também deprime os níveis salariais domesticamente pagos e o faz por uma estratégia

de realocação produtiva, através dos conhecidos investimentos estrangeiros diretos (IED), bem

como pela repressão política à classe dos trabalhadores. Em ambos os casos, redução dos custos

diretos, exploração de um campo virgem para demandar trabalhadores maus pagos, convergem

seja para expandir os termos das transferências dos recursos financeiros líquidos, seja para

envolver essa classe em um novo processo de reprodução capitalista.

Engendra-se, com isso, uma nova série de atividade e de práticas sociais redese-

nhando e inovando aspectos vitais da atividade bancária e financeira. Dessa forma, institui-se

uma prática renovada, por sobre ideias antigas, e alimentou a criação de práticas financeiras de

gestão de ativos e inovações tecnológicas, que hoje gravitam em torno de instrumentos materiais

de intervenção na “realidade”, numa busca, nada óbvia de uma maior apropriação da riqueza

socialmente produzida, por parte da classe dos banqueiros e de sua ampliação, para tanto, para

outros domínios. Vale a citação:3

A securitização é, em sentido amplo, o processo pelo qual empresas produtivas,bancos, demais empresas financeiras, e governos emitem títulos de dívida, cominúmeras finalidades, envolvendo e interligando, desta forma, os chamadosmercados creditícios, de capital, de derivativos (swaps, opções e futuro). Elaé (. . . ), substituta dos empréstimos bancários . . . . Como tal, é peça-chavedo padrão de riqueza em questão, disseminando-se nas operações nacionais etransnacionais, nos regimes monetário-financeiro e cambial.

E se há algum segredo a ser descortinado aqui, ele vai residir na mera constatação de

que um tipo de, para usar as palavras ainda de J. C. Braga, “práxis de segmentos ou setores – o

capital bancário, os rentistas tradicionais” (TAVARES M. FIORI, 1997, p. 196), que ultrapassaram,

nos anos de 1960, suas fronteiras de reprodução de valor, violando as normas reguladoras até

então existentes e expandiram-se, sem travas, para tornarem-se uma nova medida, um outro

padrão, para medir-se e produzir-se a totalidade da riqueza capitalista, torna-se politicamente

dominante.

Sua característica mais definidora, nessa nova hegemonia do capital financeiro,

concentra-se no fato de que a nova tecnologia que permitiu a “criação de produtos financeiros

(. . . ) deu origem a toda uma nova geração de depósitos monetários com ganhos de juros”

(GUTTMANN, p. 70, in:(CHESNAIS, 1998)), a despeito de serem voltados aos investimentos

produtivos ou não.3(BRAGA, op. Cit. p.198, nr.)(Cursivas do autor).

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Mas decorre das revoluções infra estruturais e em tecnologias de processamento

de informações, para uso dos sistemas bancários e financeiros, um papel importante para esse

processo. As inovações ai gestadas, tais como as câmaras de compensação eletrônicas de cheques

e transferências nacionais e internacionais de dinheiro e de divisas, (CHIPS; FEDWIRE e outros

mecanismos privados de compensação), significam tanto reduções de custo e ganhos de escala à

luz de multiprodutos ai gerados, para os negócios financeiros em geral, como também, ganhos

derivados da maior capacidade de avaliações de riscos e de tomada de decisões, por parte

dos diversos tipos de investidores institucionais, em qualquer tipo de mercado, em tempo real

(GUTTMANN.Idem.).

Nesse quadro a lista, dos novos instrumentos que surgem como ativos negociáveis,

será extensa. Porém, alguns desses instrumentos serão centrais ao processo da inovação tecno-

lógica. Acompanhando as pesquisas de R. Guttmann, (op. cit. e outras):4 os diversos tipos de

quase-moedas, tais como os depósitos bancários remunerados e alimentados pelo fluxo em juros,

por moedas bancárias privadas. Junto com esse, o dinheiro eletrônico, chamado de pré-pago,

que dispensa o usual dinheiro do tipo papel-moeda emitido pelo Estado, em ambos os casos

colocados à circulação emitidos por instituições bancárias e não-bancárias.

Os instrumentos acionários do mercado de divisas e os de securitização, os swaps

contratos de troca para os diversos tipos de ativos industriais, bancários e cambiais e os mercados

de liquidez imediata para a realização dos títulos imobiliários, em geral. Todos esses tipos

de ativos, apoiados pelo financiamento obtido com os ganhos de juros. (DOWBOR. op. cit.).

Também, (GUTTMANN, 2008).

Esse processo onde o capital a juros domina e aloja-se no interior da valorização da

riqueza em geral, dos capitalistas, reunificados em torno desse novo interesse geral, apresenta as

características de uma aparente dissociação entre lucros industriais e lucros do setor financeiro,

conforme gráfico 5 abaixo, a ser explicado.5

4Favor reportar-se a Referência Bibliográfica.

5(DUMÉNIL GERARD E LÉVY, 2004, p. 17).

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Gráfico 5. Setor Real e Financeiro

Taxas de Lucro: R-Setor Financeiro ( ─── ) e Setor Corporativo Nao Financeiro ( ─ ─ ─ )

As duas linhas (….......) sao linhas de tendencias

Fonte: Dumenil e Dominique Levy, 2005, p. 17

De qualquer forma, será nesse contexto histórico, quando a pegajosidade keynesiana

dos salários se desfaz, com consequente regressão nos termos contratuais e no nível da demanda

por emprego no setor produtivo, estimulada por uma política econômica que não mais se sustenta

nos termos keynesianos do pleno emprego, que se dão as bruscas flutuações econômicas em

função do declínio, em longo prazo, dos lucros derivados do trabalho abstrato em geral, a

produção física das rendas trinitárias, aprofundando-se as tendências contraditórias inerentes

à demanda efetiva, bem como ao menor poder político de barganha salarial e institucional por

parte da classe trabalhadora.

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Finalmente, a uma moeda internacional endógena responde a um regime bancário e

financeiro que captura a moeda como riqueza em si e antecipa as valorizações do capital líquido,

em condições continuadas de curto prazo, com reflexos sobre as emissões primárias da dívida

em relação ao capital produtivo, seja ela privada ou pública. Essas dívidas não mais se apoiam

nas políticas monetárias estabilizadoras, nacional e internacionalmente, discricionariamente

assumidas. Ao contrário, possuirão a marca própria da natureza do capital fictício, estimulado

por uma política monetária que busca elevar o diferencial internacional, entre as taxas de juros

internas e as diversas taxas externas de câmbio, agora flutuantes.

Em consequência, seus efeitos, sobre as fases do ciclo, desarticulam as condições

observadas no pós-guerra, na articulação coordenada entre os Estados em seus objetivos fiscais e

monetários, neutralizando-se metas fiscais com imposições financeiras e monetárias. Esses não

apenas abriram espaços para os interesses dos rentistas no plano político interno, como também,

permitiram reposicionamentos globais dos Estados Nacionais que romperam com a condição da

estabilidade cambial, impondo-se o poder das moedas, hierarquizadas internacionalmente, como

substrato ao câmbio flutuante.

É assim que a história real do período da crise vai se desenvolver, também, no

interior da teoria, onde a logicidade dos pressupostos guiam esta dinâmica. No momento em que

se acumulam as contradições inerentes às tendências e contra tendências da queda da taxa de

lucro da economia capitalista, como um todo, e não mais existem limites à sua expansão, tanto

pelo lado da exploração da força de trabalho, como pelo lado dos limites impostos pelo capital

intensivo e, também, pelo lado da circulação do capital — através da ação do capital financeiro

internacionalizado e privado, alimentador de um processo de expansão do valor inerente ao

excedente de cunho produtivo, quanto à expansão das condições do capital a juros, mas autônomo

em relação àquele—, serão abatidos os fundamentos e os conflitos inerentes ao compromisso

democrático construído no pós-guerra.

Especificamente, nesse momento em que se dá o desdobramento da expansão indus-

trial do pós-guerra, onde a riqueza acumulada deve transitar das atividades que constituíram

este tempo, para o tempo onde se dá a construção dos diversos tipos de mercados, financeiro

e de capital, internacionalizados e a seguir desregulamentados, em regime de taxa de câmbio

flutuante e sob domínio de uma moeda nacional hegemônica, sem lastro algum que não seja seu

poder soberano.

No momento quando se produz ativos financeiros comerciáveis e se comercializam

excedentes e capitais a juros, em função da criação exponencial de diversos tipos de dívidas é que

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se dá, efetivamente, em consequência desses aspectos, o sentido, em última análise, concretude

às propostas dos programas de ajustes do Fundo e se supera a aparente contradição exposta

pelos debates sobre a legitimidade da ação do FMI, indicando-se o caráter impositivo dos seus

programas de ajustes.

Toda essa mudança no plano das ideias, de seus fundamentos, e na dimensão efetiva

do andamento da reprodução ampliada no conjunto das economias capitalistas, revela o sentido6

para onde as mudanças se encaminham, seus denominadores comuns que vão se afirmando na

prática política dos atores que, apenas mais tarde, prevalecem sobre o compromisso político do

pós-guerra.

As razões e justificativas dos programas apresentados pelo Fundo às diversas econo-

mias nacionais só aparentemente serão construções técnicas abstratas, neutras e desinteressadas

em relação à maneira pela qual o processo global da produção vai se configurando. Ao contrário,

são partes constituintes do novo projeto político que lhe é apresentado pelas condições históricas

desse novo período.

O aspecto metodológico da universalidade presente nos pressupostos dos programas

de ajuste, onde os modelos são neutros e aplicáveis a qualquer situação dinâmica, do ponto

de vista dos interesses acima expostos, e seus pressupostos adaptáveis a qualquer tipo de

macroeconomia nacional em qualquer grau de desenvolvimento histórico, revela-se como uma

resposta real e necessária à nova fase da reprodução capitalista, sendo aqueles pressupostos ricos

em articulações de natureza orgânica entre seus fundamentos e a condição da história real do

período.

Dentre os variados formatos econômicos pelas quais a nova época vai se apresentar,

talvez se possa especificar três tipos de regimes políticos surgidos dessa nova situação pós-crise:

o primeiro aspira uma linha de continuidade junto com as condições históricas originais, gestadas

pela natureza retardatária da organização do Estado e das Sociedades, própria ao capitalismo

tardio.7 Destaca-se nessa especificidade uma singular luta de classes sobre a validade, tanto

de seus pré-requisitos, quanto de seus supostos consolidadores, do regime político liberal,

em sua forma clássica; do regime político democrático e/ou socialistas, igualmente, segundo

pressupostos clássicos; e dos regimes totalitários, ditatoriais civis e/ou civil e militar.8

6Destaca-se aqui, guardada todos os cuidados necessários à afirmação dessa natureza, o trabalho de F. Novais.Consulte,(NOVAIS, 1990).

7Vide acima, em F. Fernandes, op. cit.

8Para a exploração teórica sobre a família dos regimes, de caráter exclusivo, porquanto autocrático e nãoautocráticos, porquanto soberanos por delegação, vide (MARTINS, 2003).

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A classificação dos regimes políticos burgueses elaborada por G. Therborn,9 tabela

3 abaixo, de resto compatível com F. Fernandes e com E. Martins, é suficiente para elencar e

desenvolver sumariamente os argumentos a seguir.

Tabela 3: Universo dos Regimes Burgueses: modo de representação

Extensão do PersonificadoSufrágio Personificado e electivo Electivo

Igual para toda (1. Ditadura (2. Autoritário 3. Democraciapopulação adulta inclusivista) inclusivista)

Para menos da 4. Ditadura 5. Autoritário 6. Democraciatotalidade da exclusivista exclusivista

população adultao para uns mais que

para outros

Fonte: G. Therborn: 1980. pág.25

Os pressupostos que encadeiam a singular especificidade se demonstram de várias

maneiras e produzem, segundo o tipo de regime politico, a história política desses países movida,

em regra, na forma da continuidade entre regimes autocráticos e não autocráticos, naqueles

9(THERBORN, 1980).

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registros discutidos pela literatura sobre as situações latino-americanas e asiática do pós-guerra.

Não obstante uma significativa abstração, talvez possa traduzir, sintetizando, seus elementos

específicos, os quais espelhem sua dinâmica, no período, a mais básica.

As situações asiáticas e latino-americanas, sendo assim, podem ser examinadas em

sua singularidade, nos extremos dos intervalos de suas experiências históricas, como uma especi-

ficação que decorra, tanto da maior velocidade pela qual a luta de classes vaza da sociedade civil

para o Estado e seus aparelhos, buscando o exercício da dominação ora autocrática exclusivista

ou ditatorial, ora soberana por delegação.

Quanto, também, pela estratégia do exercício de poder, comandada pelas burgue-

sias internas, onde esta busca monopolizar recursos produtivos, em geral, antes de deter sua

propriedade direta, desencadeando formas autocráticas de domínio sobre o Estado, largamente

contestada pelas classes produtoras de valor, nem sempre obtendo êxitos democráticos nesse

sentido. Parece que, por conta disso é que toma corpo as várias interpretações sobre a fraqueza

do econômico dessas sociedades vs. a maior força do político, em sociedades dependentes e

tardias. Tal qual, p.ex., expresso pelos diversos tipos, em que pese diferenças importantes, das

teorias da dependência.

Enquanto, que no caso da contestabilidade por parte da classe dos trabalhadores,

observam-se as concepções e interpretações teóricas sobre o fortalecimento ou a busca do

fortalecimento das lutas políticas classistas, como responsável pelo exercício do poder soberano

por delegação, na histórica política desses países retardatários.10

Por seu turno, um segundo formato econômico, o monetarismo, igualmente, que

surge nessa nova época e deságua noutra forma de regime político, se volta para a reconstrução do

liberalismo de antanho, qual seja, o liberalismo nas diversas formas de democracia exclusivistas.

Aqui os extremos se colocam entre as formas democráticas inclusivistas, variando do recorte

liberal ao recorte democrático, e aquelas de perfil exclusivistas, portanto, puramente Oligárquica

ou de domínio inconteste das Elites.

As variedades históricas inclusas, nessa forma de Liberalismo que submete os interes-

ses da oligarquia financeira no pós-guerra, vide gráfico 3 acima, se posicionam, necessariamente,

até este momento, no interior das famílias políticas de soberania por delegação. Exceto, é claro, o

caso chileno onde a: “radicalidade da resposta neoliberal foi proporcional ao grau de organização

das forças sociais e de avanço das políticas de expropriação de ativos econômicos e de terras

10Veja, (CARNOY, 2001) e “Democracia e reforma social na América Latina: reflexões a propósito da experiênciaeuropeia”, in (BORON, 1994) .

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dos governos anteriores (as nacionalizações e a reforma agrária promovidos por Allende, por

exemplo). O caso chileno é o que melhor ilustra esse aspecto.”11

No interior desses dois blocos, autoritários e liberais democráticos, em suas diversas

matizes, no qual o regime neoliberal se formou a manifestação do monetarismo político, talvez

carregue, indisfarçavelmente, alguns aspectos comuns que possam ser caracterizáveis.

E possivelmente, tais aspectos se relacionem com a maneira pela qual todos esses

regimes buscaram estabelecer suas respectivas hegemonias sobre suas moedas nacionais, em

relação à construção do dólar, como uma moeda reserva de valor internacional. Na forte

instabilização monetária dos anos de 1970, com o bloqueio dos ajustes entre os balanços de

pagamentos dos países membros e a ruptura do SBW, por vontade do país Hegemon norte-

americano, houve um realinhamento das moedas nacionais, principalmente do sistema monetário

europeu, para com os interesses do sistema bancário e financeiro, norte-americanos.

Os EUA tiveram de criar e manter uma estrutura concêntrica para o âmbito externo e

restringir o processo da acumulação e da reprodução do capital e dos preços mais básicos da

economia, com menor força para os salários domésticos, que produz em simultâneo, tanto uma

maior exposição deficitária de sua balança comercial, quanto um incremento em seu balanço de

pagamentos. A participação de sua classe de banqueiros sobre os demais países permitiu, por seu

turno, um crescente superávit do balanço, que financia seu processo de modernização interno

e dá nova forma à divisão internacional do trabalho, após os anos de 1980. (CONCEIÇÃO

TAVARES, 1997).12

A retomada da hegemonia americana, em função da sustentação do dólar como

moeda de reserva de valor naquele cenário, demandou dessa forma reconfigurações institucionais

e políticas. Se essa modificação política tomou corpo em oposição à outrora Coalização política

que se arma com o keynesianismo bélico do pós-guerra ou com o desenvolvimentismo nos países

periférico do período, também implicou que todas as demais economias buscassem salvaguardar

seus interesses em câmbio e moeda de reserva, alterando a dinâmica da reprodução internacional

do capital como um todo.

Uma inversão nos símbolos que dão forma à vida política ai nasce e vai se desdo-

brando, afirmando sua materialidade no mais longo prazo, até o momento pelo qual vivemos.

Nesse sentido, a materialização do simbólico se põe como uma tarefa comum,11(GROS, 2002, p. 34).

12In, (TAVARES M. FIORI, 1997).

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portanto, para os novos regimes, igualmente com desenlaces diversos entre todos eles. Romper

com os vínculos acordados entre burguesia industrial e produtores de valor construídos no pós-

guerra e o esgarçamento econômico e político das formas desenvolvimentistas que ali eclodiram,

impulsionou uma nova forma histórica para a existência do Estado e da prática política. A qual

se traduz em variadas formas de veiculação do exercício do poder, especialmente a chegada ao

poder político dos interesses e das classes dos banqueiros.

Embalada por mudanças em diversas direções, resultando na desintermediação dos

conflitos políticos entre as classes sociais, que era efetuada pela política da demanda efetiva de

recorte fiscal, keynesiano. Claro, obedecendo à maneira em que cada sociedade surgiu desses

mesmos conflitos, ao longo do pós-guerra.

Ainda nos termos dessa hipótese auxiliar: no caso daqueles países onde imperavam

ou imperam as condições autocráticas, esse embate político do período vai colocar de frente os

interesses de suas burguesias, sua condição interna e seus prepostos internos, bem como sua

capacidade política de se articularem junto com aquelas mudanças em curso.

À luz das abstrações dos condicionantes mais concretos, determinantes dos rumos

efetivos ao curso dos acontecimentos, o traço comum nessas experiências ditatoriais parece

ter sido a busca de soluções que implicassem no rechaço dos próprios fundamentos das lutas

políticas liberais e das demandas democráticas, mais consequentes, para essas sociedades.13

Com validade mesmo para aparente formulação, oposta, do Autoritarismo Burocrático de G.

O’DONNELL, (COLLIER, 1978), conforme pode ser depreendido do esquema abaixo:

13(FERNANDES, 1976, p. 374).

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Modernização e Mudança Política

Referido com promoçãoda Industrialização avançada

↗ ↓↗

Problemas econômicos Tecnocracia intervencionistano final da fase inicial Concerne com atração Orientação dos militaresda industrialização do capital externo ↗

↘ ↓ ↗↘ ↗

↗Política econômica ↗ ↗Ortodoxa ↗ ↗ ↕ ↘

↗ ↗ ↕ ↘↓ ↗ ↗ ↕ ↘

Aumento do setor ↗ ↗ ↕ ↘popular Hiato na performance da demanda ↗ ↗ ↕ coalização Autoritarismoativação → → → leva a crises políticas ↘ continuidade da crise econômica ↕ Burocrático

↘ e flutuação na política ↕ ↗econômica ↗ ↗ ↕ ↗

↗ ↕ ↗aumento da importância ↗ reação tecnocráticados papéis tecnocráticos → → → → → → civil

↘ ↕ ↗ ↘ ↗ ↗ ↘

↕ ↘ ↕ ↘

golpista→

Fonte: D. Collier. 1978, p. 599.

E talvez, com toda controvérsia que postulações generalizantes carregam sobre a

história política latino-americana, pode-se afirmar, a partir de ambas as considerações, uma

condição geral nesse sentido, — como marca mesmo da construção simbólica do político nessas

sociedades retardatárias —, com F. Weffort:14

O ‘terror de Estado’ havia reduzido todos os seus oponentes —em geral daesquerda, mas também muitos liberais— a um denominador comum de sereshumanos desprotegidos e assustados. [...] A missão de resistência pertenciaprincipalmente à sociedade civil [...].

Muitos próximos da repetição, deve-se insistir que aquele traço básico dessas soci-

edades — o vazamento das lutas e dos conflitos políticos para o âmbito do Estado — se leva

ao seu fortalecimento, o leva também, por hora, ao empoderamento excessivo de suas funções.

E, por dentro deste, a operação básica da mudança se deu em torno dos interesses abrigados e

veiculados pelas políticas públicas, as quais conformam e dão concretude à disputa em torno da

apropriação da riqueza socialmente produzida.

Assim, pela chave distributivista a situação latino-americana parece ilustrar o quanto

este embate, quando levado à lona as forças democráticas, inverte a natureza das políticas fiscais

e monetárias, desenvolvimentistas, de maneira a mais exemplar. É necessário qualificar que

inversão, aqui, vai significar uma adaptação ao contexto externo, que vêm reforçar aqueles

14F. WEFFORT, Por que democracia. In:(STEPAN, 1988, p. 517).

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aspectos históricos de caráter exclusivista, internamente desenvolvido por essas sociedades.

Nesse quadro conceitual aqui trabalhado, os gastos fiscais do governo gravitam em

torno da filosofia social do keynesianismo, que torna o investimento privado motivo de correção

pública. Do ponto de vista político, os interesses das classes dominantes não se tornam, de

maneira imediata, os interesses sociais dominantes. Estando o nível de emprego condicionado por

este fator político, a dinâmica do mercado de trabalho escapa das mãos dessa classe dominante.

E no caso das sociedades retardatárias os investimentos dirigidos diretamente pelo Estado e por

este condicionado, igualmente, escapam a qualquer lógica de seus interesses, filtrados pela ação

do mercado.

A complementariedade, por outro lado, se encontra no fato de que o gasto orçamento

constitui-se como um mercado que beneficia o processo da acumulação de capital, por parte da

classe burguesa.15 Uma política orçamentária com esse perfil tem na emissão da dívida pública e

dos meios de pagamentos seu núcleo central, de tal forma que: “a relação entre o saldo da dívida

e o saldo de meios de pagamento ficasse constante.”, ao contrário da política monetária onde

“mudaria o estoque relativo de dívida e meios de pagamento, sem alterar a quantidade de recursos

à disposição do governo.”(SAYD, 2001, p. 251)16

De forma assumidamente genérica, a grande mudança ocorreu nesse aspecto. Com o

predomínio das políticas monetárias sobre a política fiscal a dívida criada pelo déficit público e

o fluxo de ativos monetários serão capturados, antes apoiadores do pleno emprego, agora pela

rentabilidade auferida pelos mercados de capital e financeiro, monetizadores daquelas dívidas.

Uma redefinição do Conluio Político agora se viabiliza graças à ruptura da antiga

Coalização Política, indicando uma nova associação entre as classes dominantes. Nesse novo

momento histórico, por onde a ruptura com o keynesianismo se faz:17

a política empresarial impede gastos públicos que garantam o pleno empregoe fazem crescer o déficit público pela criação de uma dívida pública de altarentabilidade que oferece, por assim dizer, o seguro-desemprego para o própriocapital, ou uma espécie de renda mínima para o capital, independentemente doestado da economia.

A autonomia da política monetária não só no país hegemônico, moedas e juros,15(KALECKI, 1978, p. 71-72).

16Aspectos Políticos do Déficit Público. In:(POMERANZ LENINA. MIGLIOLI, 2001).

17(SAYAD, 2001, p.256).

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indica sua dependência, a partir dai, para com os interesses mais puros da classe dos banqueiros

que vão se expandido para todos os mercados nacionais, descartando suas moedas internas. Se

tomarmos o caso brasileiro como suficientemente ilustrativo, esses eventos se darão em câmera

lenta.18

Quando se voltam essas análises para aquelas sociedades de comando político

de Soberania por delegação, conclui-se que a determinação por sobre suas Soberanias, com

a reconstrução da hegemonia norte-americana, foi modelada pelos interesses da classe dos

banqueiros. Da mesma forma aqui, a mudança recaiu sobre a valorização da riqueza existente à

luz da autonomia da política monetária.

E no interior desse contexto global produziu suas condições mais específicas. Fez

residir no poder executivo e no judiciário, o campo da ação política mais estratégica para a defesa

de seus interesses. O esvaziamento do poder Legislativo e das demais Instituições representativas,

políticas e sindicais, decorreu do confronto que ai se deu. Como consequência, ocorre uma perda

de força relativa da classe dos produtores de valores, no interior desse novo contexto, a partir dos

anos de 1970, ilustrada pelo gráfico abaixo.19

18Dentre outros, (DA, 1978) e A. Fishlow, Uma história de dois presidentes: a economia política da gestão dacrise, in:(STEPAN, 1988). E para os contextos mais globais, Os “capitalismos” tardios e sua projeção global, in:(FIORI, 1999).

19In, (ARRIGHI; SILVER, 1999).

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Gráfico 6. Onda de protestos de trabalhadores no sistema-mundo (média móvel por 3 anos)

% de países com onda de protesto de trabalhadores

Fonte: Beverly Silver and Eric Slater, 1999, p. 60

Salvaguardar as políticas públicas e, especialmente, o Banco Central e a moeda (M3),

desses interesses mais coletivos, sob a decantada regra da lei, é o indicativo da exitosa operação

de Conluio entre as novas classes, que deságua nesse novo empoderamento.

Um Estado empresário vai tomando corpo, tanto internamente, quanto do ponto de

vista das relações estrangeiras, tendo como filtro mediatizador políticas voltadas à sustentação do

livre mercado, interno e externo, e foco microeconômico de onde se formulam as políticas para

o mercado de trabalho, preços e a política de renda. Em suma, com uma nova configuração do

poder, novas simbologias são produzidas em torno do seu exercício e, dentre estas, a redefinição

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do conceito de liberdade individual, stricto sensu, depurada de sua inserção social e republicana

e a recriação de novas entidades partidárias, representantes de interesses, com compartilhamento

comum às diversas classes sociais.20

E o que se segue dessas mudanças gerais são os pressupostos sobre os quais os

modelos do FMI veicularam os novos tempos. Vão demonstrar, no mesmo embrulho, o quanto

esses novos pressupostos serão necessários à sua legitimação frente às possíveis manifestações de

resistência ou rejeição popular, por parte das sociedades especialmente periféricas, na aplicação

de seus programas de ajustes. De outro lado, vão ocultar o quanto seus programas serão

necessários ao êxito dessa nova configuração política que ai vai se fazendo sob comando desta

classe dos banqueiros.

Cabe agora sintetizar: determinada por uma situação crítica e em crise na economia

e política após o fim da paridade cambial e câmbio fixo administrado pelos Bancos Centrais em

meados dos anos 70, com vários reflexos sobre as ideias, teorias, metodologias, modelos em

uso o FMI se adaptou. Estes modelos originariamente construídos pelo Fundo para capturar as

relações, presumidamente estabelecidas, entre balança de pagamentos, a renda e oferta monetária,

no mundo liberal inclusivista se esgota, frente a essas mudanças.

Por outro lado, acompanhar as modificações ai observadas no mundo real, nos

diversos planos nacionais em crítica mudança, significou implodir os elementos institucionais

contidos em sua origem, bem como a maneira pela qual eram compreendidos. 21 Desenhada,

tanto no campo da incerteza ontológica, como da incerteza epistemológica, o FMI se viu, através

de seus novos Atores, inclusive individuais, empurrado a se ancorar na legitimidade emprestada,

no plano teórico-metodológico, naquilo que parecia ser o melhor modelo macroeconômico

existente – algo eclético que envolvia a escola das expectativas racionais somada com a escola

da economia do lado da oferta ou, quando não, entregue ao mais puro monetarismo. Bem como,

na força das decisões e orientações tomadas no âmbito do G7 ou do Tesouro Americano, para

viabilizar suas ações e na legitimidade da sua própria estrutura organizacional, ao longo desse

novo período.

E serão essas trajetórias que acompanham, influenciam e é influenciada pela, em

suma, história política mais atual e se reforçam entre si, que explicam o curso das mudanças em

20Para a entrada em cena do neoliberalismo, (HARVEY, 2005). Monetarismo de Tatcher, (DESAI, 1989). O ajusteconservador dos demais países em função da diplomacia do dólar forte, (TAVARES, 1990a). As mudanças políticas,em (ELEY, 2002, caps. 23-4).

21Para uma abordagem de que estes modelos não se modificaram desde 1950, veja Polak,(POLAK, 1997).

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políticas que o Fundo gradativamente foi assumindo desde a ruptura com o keynesianismo. Uma

longa trajetória até se ver capturado pelo e no modelo de macroeconomia dos anos 90, com seus

interesses e objetivos de cunho financeiro e mercadista, adequado ao Consenso de Washington.

Finalmente, até se ver preso, igualmente, e em seu novo papel de disciplinador das economias

nacionais com as revisões nos conteúdos das cláusulas do Art. IV, de sua fundação e secundárias

até o momento da crise dos anos 80.

Questionado por todos os lados, na ausência de Modelos Teóricos de Consenso e na

perspectiva da persistência da Instituição, este buscou realizar uma silenciosa mudança, na forma

de um novo caminho para a reconstrução das Visões de Mundo, de novos Modelos Heurísticos

e novas Soluções Analíticas. No qual os termos e os fundamentos que o marcou ao longo da

década de 90, “Consenso de Washington”, a proposição mais atual de busca da estabilidade

financeira internacional, guiada pela postura preventiva, são apenas clivagens da persistência de

uma trajetória em curso.

Com isto se quer antecipar que a Instituição se adequou de maneira exitosa a essas

mudanças sem necessitar de realizar uma autocrítica sistemática e de fundamentos em relação a

suas opções teóricas e metodológicas desenvolvidos após a ruptura do keynesianismo dominante

no pós-guerra. Ao se submeter em um mundo onde a economia e a política são coisas estranhas

entre si, trouxe para si o seguinte custo político: estando preso a uma trajetória que se alimenta de

pressupostos metodológicos frágeis – os quais prejudicam tanto uma avaliação, em termos reais,

dos efeitos das políticas por ela comandadas, como uma avaliação dos resultados das políticas

nos termos, p. ex., dos esforços que levaram a criação da própria organização – segue sendo,

radicalmente, questionado politicamente.

4.2 Condicionalidades e Modelos Macrofinanceiros no após1980: os novos Programas de Ajuste

Mas ainda no começo dos anos de 1980, a legitimidade maior dos Programas de

Ajustes era traçada e vazada no interior dos propósitos keynesianos, de crescimento com pleno

emprego. Generalizar um modelo, que responda as condições teóricas próprias da abordagem

monetária do balanço de pagamentos, ancorada agora pela nova visão do Fundo, as Condicio-

nalidades, e à luz do debate intelectual do período que se mostra anti keynesiano, em especial

graças à “Expectativas Racionais”, ERs, fora um longo processo, onde a discussões em análises

técnicas e questões metodológicas se confrontavam e se dividiram.

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O diagnóstico sobre as crises em curso, por seu turno, colocava ênfase sobre o

desequilíbrio entre a oferta e demanda, agregadas, e seus efeitos deficitários no BPAG. Dai a

explosão inflacionária decorreria do lado da oferta monetária, culpando-se, portanto, supostos

desmandos em política monetária expansionista, como a raiz do problema. Um déficit de

entendimento, segundo o Staff do Fundo encerrava-se na incapacidade da teoria em vincular,

com clareza, as relações entre preços, BPAG e produção.

Uma tarefa intelectual a ser efetuada em função da análise financeira do Fundo se

restringir apenas aos efeitos sobre e da BPAG, por sobre as relações econômicas externas entre

os países.

Assim, no início daquela década o FMI ainda se mostra, em seus modelos, subordi-

nado às condições determinadas pela sua trajetória inicial. Como se pode ver na elaboração da

proposta de estabilização para os países em desenvolvimento, o Modelo Khan e Knight de 1981,22

base para se ordenar as intervenções nas economias nacionais em desequilíbrio e submetidas aos

programas de ajuste, tratava em sua modelagem de: uma economia ‘pequena’, sem influência

sobre a formação de preços no plano internacional, abertura comercial e financeira e taxa de

câmbio PEG. Considerava o setor financeiro pouco desenvolvido e taxa de juros administrada

pela Autoridade Central.

Há um único bem e os preços e salários são flexíveis, necessários à condição do

pleno emprego. A simplicidade do modelo, nove equações, distribuídas em três de identidades e

seis comportamentais,23, conforme abaixo, se justifica pela motivação na busca da abrangência

de suas inferências para o maior número de casos possíveis. Tanto a inflação, a totalidade do

balanço de pagamentos, as despesas e a produção considerados são identificadas por equações

estocásticas.

O modelo possui como variáveis:

Endógenas ∆logP = taxa de inflação

∆logR = crescimento das reservas internacionais

G = gastos nominais do governo

Π = expectativa sobre a taxa da inflação

22(KHAN M. E KNIGHT, 1981).

23São elas, pela ordem da apresentação do modelo: Inflação; Balanço de Pagamentos; Setor Governo (Receitas eDespesas); Renda Real; expectativa inflacionária; Crédito Doméstico; Oferta Monetária; Saldo Monetário (medidoem termos reais). (Idem.Idem.p.53). (Traduções nossas).

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T = receitas nominais do governo

y = renda real

DC = crédito doméstico consolidado do setor bancário

M = estoque monetário nominal

m = saldos monetários reais

Exógenas

ε = taxa de câmbio índice por unidades da moeda doméstica pela unidade da moeda estrangeira

Pf = índice dos preços internos

∆CP = variações nas solicitações líquidas do sistema bancário sobre o setor privado e outros

itens líquidos do balancete bancário

y∗ tendência do valor da renda real

que se comportam, nos termos do operador ∆, da seguinte forma:

• no tocante ao comportamento da inflação nos países periféricos. ∆logPf = variações

proporcionais da mudança da taxa de câmbio e dos níveis de preços internos;

∆logP = variações da taxa de inflação doméstica;

β0 = parâmetro da taxa real de câmbio de equilíbrio;

logmdt = demanda monetária;

λ = variável constante que reflete a propriedade estacionária do sistema;

• para o Balanço de Pagamentos. ∆logRt = variação proporcional no estoque líquido das

reservas internacionais; ∆logεt = variação da taxa de câmbio, relacionada ao estoque

monetário doméstico de moeda;

• no Setor Governo. γ8 = coeficiente de ajuste para os níveis atual e desejado de gastos

nominais do governo, proporcional a diferença entre a meta de gastos e o nível atual da

receita no período anterior;

• em termos da renda real. ∆logyt = crescimento da renda real ao longo do tempo;

Formalmente, o modelo Khan-Knight possui o seguinte aspecto:

Quanto à inflação:

∆Pt = (γ2β1) + γ1[logmt−1 − γ4logγ5Πt]− γ2[logPt−1 − logεt + ∆logPft] + λ1

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Para o balanço de pagamentos:

∆logRt = γ6[β1 + γ4logγt − γ5Πt − logMt−1 + logPt]

−γ7[logPt−1 − log(εt−1.Pft−1)− β0] + ∆logεt

O setor governo é, assim, especificado:

do lado dos gastos,

logGt = γ8β2 + γ8γ9[logγt + logPt] + (1− γ8)logGt−1

e do lado das receitas fiscais:

logTt = γ10β11[logγt + logPt] + (1− γ10)logTt−1

Por seu turno, a renda real é apresentada como:

(1 + γ12[−β0 + logmt−1 + γ5Πt] + γ13log∗t + (1− γ13)logγt−1 + λ2

A inflação esperada,

∆Πt = γ14[∆logPt−1 − Πt−1]

No caso das condições do crédito interno:

DCt = Gt + ∆CPt +DCt−1

Pelo lado da oferta monetária,

Mt = Rt +DCt

Finalmente, o saldo monetário real é dado pela equação:

mt = Mt/Pt

Isto posto, em uma rápida consideração,

a) a taxa da inflação se relaciona com o excesso da oferta monetária real e uma função negativa

do desvio dos preços internos do seu nível de equilíbrio em relação à paridade do poder de

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compra(PPP);

b) o balanço de pagamentos é especificado como uma função positiva do excesso da demanda

sobre o estoque monetário e uma função negativa do desvio do nível do preço interno de seu

ponto de equilíbrio em relação à paridade do poder de compra (PPP);

c) política fiscal e os gastos do governo são considerados em relação ao primeiro período e ao

período seguinte, em termos nominais, ié, a diferença entre os gastos previstos pelas Autoridades

para um período seguinte e o seu nível dado no período prévio;

d)a taxa de crescimento da produção é positivamente relacionada, no curto prazo, ao excesso do

estoque do saldo em moeda, medido em termos reais e a diferença entre a capacidade normal

de produção e a produção atual dada no período anterior, o que leva a não se considerar no

modelo, a acumulação do capital, o crescimento da população e o progresso técnico. Aspectos

econômicos mais nervosos na paisagem do período, o que significa uma incapacidade do modelo

em acompanhar a dinâmica da história econômica;

e)tanto as expectativas inflacionarias, que são adaptativas, quanto o crédito doméstico são

determinados endogenamente.

Em suma o modelo diz fundamentalmente sobre a demanda monetária e o desequilí-

brio dos meios monetários, naquilo que afeta os preços, a produção e o balanço de pagamentos.24

Ao setor governo, representado pela política fiscal e orçamentária, cabe neste ser tomado es-

truturalmente como deficitário e consequentemente, o programa de ajuste teria aqui sua pedra

filosofal.

Eliminar ou reduzir o déficit fiscal significa atuar basicamente por sobre a oferta

interna de moeda, com política monetária restritiva e de tendências recessivas. Portanto, o modelo

formula uma proposição adequada ao diagnóstico da inflação como um fenômeno monetário

e condiciona a atuação do Fundo, nos programas de ajustes, a exercer fiscalização sobre este

âmbito das políticas públicas. A aproximação aos termos do Consenso de Washington ficará,

então, viabilizada.

Entretanto, ao final da década os programas de ajustes já tinham conhecido uma

modificação extrema. O propósito tornara-se de estimulador ao crescimento para o da estabiliza-

ção econômica, em termos das medidas necessárias à restauração do equilíbrio entre a oferta

e a demanda agregadas, redução da inflação e déficits correntes sustentáveis. As ações são de

24(Khan and Knight. op. cit. p.41).

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curto prazo e voltadas ao restabelecimento do equilíbrio do pagamento, condição necessária à

restauração dos serviços da dívida e na busca de uma taxa de câmbio real apropriada, no sentido

de ser determinada pelos mercados. Tais conclusões poderiam ser obtidas a despeito dos sucessos

alcançados ou não pelos programas de ajuste, visto que as políticas desenhadas pelo Fundo já se

encaminhavam neste sentido.

Pode ser notada uma hierarquia derivada dos diversos diagnósticos efetuados pelo

Fundo no interior desses novos propósitos. A questão fiscal será a mais abrangente em razão dos

efeitos que a questão do crédito e monetária tem para as demais variáveis macro, em especial

a questão do financiamento do próprio déficit e a trajetória do ciclo. Daí ao contracionismo

monetário como meta o caminho será curto.

Manter uma taxa de câmbio real, por seu turno, estimula as exportações e, ao mesmo

tempo, do lado nominal, serve como anteparo as pressões inflacionarias. Com isto, o pacote de

ajuste pode reclamar tanto as condições operativas para sua efetivação, os efeitos colocados no

tempo, como a calibragem dessas intervenções, a maneira pela qual se ordena, a partir deste

elemento hierarquizador, as fases na qual as políticas devem operar.

Portanto, não é de difícil observação que pelo lado da trajetória institucional, condi-

cionadas pela política do dólar forte, com significativos impactos sobre sua história e o recuo a

um Mundo Unilateralista, as mudanças no acesso aos processos internos decorrentes da ruptura

keynesiana, franqueou ao liberalismo político e econômico, do novo Mainstream em economia e

ciência política, um maior peso relativo nas formulações da Instituição e em seu âmbito decisório

para todo esse novo período.

E uma demanda específica recaiu sobre o aparato teórico do FMI impondo-lhe toda

uma revisão sobre postulados gerais, parâmetros e novas variáveis, as quais se bem caracterizada

leva a recriação de um novo modelo analítico, necessário às intervenções política liberais por

parte do Fundo. A discussão para a elaboração desses parâmetros gerais logo se bifurca por dois

caminhos. Um primeiro deve recriar os fundamentos mais básicos analíticos de acompanhamento

do BPAG.

Porém, aos novos tempos este apenas não basta. Outra discussão sobre parâmetros e

fundamentos irá no sentido de adicionar, àquele modelo analítico voltado para o BPAG, os novos

critérios decorrentes do acompanhamento e da forma de intervenção nas economias nacionais

dos países membros, por onde o novo liberalismo político e econômico tomará sua forma.

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E isto se fará vinculando-se os empréstimos25 realizados pela Instituição tanto ao

desempenho do BPAG como ao ajuste econômico interno, dessas economias, ajustes estes

voltados às premissas gerais daqueles novos modelos. O que, em suma, será definido como

condicionalidades apoiada no Art. IV, pelos membros do FMI.

A discussão sobre os novos parâmetros passa, por seu turno, pela instituição daquela

nova prática política tal qual esboçado no item anterior. E esses novos parâmetros alimentam

aquelas configurações políticas dando-lhe a amplitude necessária à sua legitimidade. É, portanto,

sobre essa passagem que tudo recai. Se até então a análise, objetivos e práticas financeiras do

fundo tinham como parâmetro mais geral as condições keynesianas, ao longo da década de 1980

observa-se uma efetiva mudança, em relação a esses modelos do Fundo.

O modelo abaixo, elaborado ao longo dos anos 80 e a partir da contribuição de M.

Khan e M. Knight, como visto acima, já resulta dessa discussão sobre parâmetros, variáveis,

pressupostos e validades a ele associado, agora em um outro corpo de formatação política.

Isto se explica. Primeiro, dada a gravidade do momento histórico, houve a necessi-

dade de se recuperar os frágeis vínculos entre o FMI e o Banco Mundial, para se dar face ao tipo

de intervenção que estava sendo elaborado pelas várias Instituições fruto do SBW. Segundo, no

contexto político geral, a busca das condições para um crescimento econômico estável, na base

das novas teorias modernas do desenvolvimento econômico, se punha na ordem do dia, visando,

claro, fugir a estagnação, desemprego, inflação e crise geral, ali observado.

E a tradução desse embate para o Fundo colocou de um lado, o modelo dos estudos

de Solow sobre o desenvolvimento dos países periféricos. De outro lado, uma abordagem

monetária, do Fundo, que permitisse conciliar o desenvolvimento econômico com a estabilidade

de preços e das divisas nas relações de trocas internacionais e consequentemente, um BPAG

estável:26

Em meados de 1980, economistas do Banco (Mundial) se comprometeram acombinar esse modelo com a abordagem monetária do Fundo de produzir umquadro operacional para o ajuste com o crescimento,[...]. Essa síntese forneceuo quadro teórico das sugestões aos Deputados G-24. (Representantes dos paísesmembros, integrantes do Board do FMI). (Parênteses e trad., nossos).

25A taxa de juros de mercado cobrada pelos empréstimos do Fundo, se apoiam nas variações trimestrais dastaxas básicas de descontos ou dos tesouros do Euro, do tesouro japonês, britânico e norte-americano. Veja, osprocedimentos dos cálculos e suas variações ao longo do período em, (ALL, 2005).

26Nota de rodapé 140, em (BOUGHTON, 2001, p. 612).

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Neste contexto se introduzia, portanto, uma novidade. Na formulação keynesiana,

assegurar pleno emprego estipula uma condição política onde a Coalização naquele período

diz sobre a natureza e o rumo dos conflitos políticos. E o faz pelo lado da despesa, onde a

questão distributiva tem, mesmo que na visão limitada de J. Keynes, papel central na formação

da reprodução capitalista. No entanto, a partir de agora a ênfase deve recair, primeiro, tudo por

suposição, entre os desequilíbrios da conta corrente e da conta capital do BPAG e a política

monetária expansionista, com efeitos sobre o nível de preços internos.

Logo após, os efeitos de mão única sobre os ajustes dos desequilíbrios do BPAG

e seu vínculo com o problema do crescimento econômico. Agora, também, em um ambiente

político que ao romper com aquela Coalização política do pós-guerra, desloca a questão do

desenvolvimento econômico para o lado da oferta, onde em regra o problema da acumulação de

capital já se põe, por suposto, segundo os determinantes técnicos da melhor composição possível

entre trabalho e capital e sua remuneração no processo produtivo. Observada as condições dos

mercados de fatores, em regime de concorrência perfeita.27

A novidade recai, também, sobre a nulidade da política fiscal e da autonomia da

política monetária, agora sim, no sentido desta última servir de restrição aos possíveis gastos,

excessivos, do setor público. Completado pelas questões voltadas a liberalização comercial, da

conta corrente, privatizações, etc., cujas propostas também serão conhecidas como o Consenso

de Washington, as quais se avolumam ao longo desse período.

O modelo que toma forma em meados dos 80 e é aceito pelo G-24, segundo suas

variáveis funcionais,28 expressa essa caminhada do FMI. Nele as variáveis são definidas da

seguinte forma:29

• Yt = produto interno bruto;

• Tt = Tributo pago pelo setor privado;

• Ct = Consumo privado;

• Spt = Preço do produto interno;

27Para a função de produção neoclássica, (Y = F (K,L)), R. SOLOW, Un modelo de crecimiento, in, (SEN,1989).

28C. Reinhart, A Model of Adjustment and Growth. An empirical analysis, em (KHAN M. MONTIEL; HAQUE., 1991,p. 12-8).

29Extraído de (Reinhart, op. cit.) Para as tratativas formas, favor consultar o artigo.

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• dkt = variações no estoque de capital (investimentos);

• dDpt = variações no crédito doméstico para o setor privado;

• dDgt = variações no crédito doméstico para o setor público;

• Gt = aquisições governamentais sobre produto doméstico;

• Ft = valor em moeda estrangeira da dívida pública externa;

• it = taxa de juros sobre débito externo;

• et = taxa nominal de câmbio —número unitário de divisa interna por unidade de divisa

estrangeira;

• dM st = variações no estoque monetário;

• Rt = valor em moeda estrangeira das reservas mantidas pelo banco central;

• dDt = variações no total do crédito doméstico;

• Xt = valores em divisas estrangeiras da exportação;

• Zt = valores em divisas estrangeiras das importações;

• TBt= rentabilidade em juros sobre reservas externas transferidas ao governo.

a)Variações no nível do investimento, nos termos da equação de comportamento nos é determi-

nada em:

dkt = s(y − t)t +

[tt − gt − ie

(F −RPDt

)]+ e

(dF − dRPDt

)t

(1)

b)Para a determinação da mudança dos preços internos, tendo em vista a variação do produto:

dPDt = ν(1− θ)[yt−1 + dyt]1dRt − νdyt − νθyt−1det − νθdetdyt + dDt

(2)

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c)No fechamento do sistema, onde se expressa a última equação que capacita o modelo como

um todo:

dRt = Xt − Zt − i(F −R)t + dFt

(3)

e

Bt = B0 − a(et/PDt − 1) + bdyt

. (4)

As variações nas reservas são capturadas em:

dRt = (dFt −Bo′) + a′(et/PDt − 1)− b′dyt − i′(Ft−1 −Rt−1),

(5)

para

a′ = a/(1− i), b′ = b/(1− i), i′ = i/(1− i), eparaB0′ = B0/(1− i)

Assim, efetuadas as substituições em (4) e (5), finalmente tem-se

dyt = [1− sα1 − α1/P1Dtα0 + α1

{S(yt−1 − tt) + (t− g)t +

etPDt

[B0 − a(et/PDt − 1)]}

Ao se examinar o modelo, em dois momentos, várias questões ai emergem. Numa

primeira aproximação do modelo observa-se seu caráter estático, com nível da capacidade do

setor industrial igual a 100 e a velocidade da moeda constante. Essas limitações do modelo

vão permitir desdobramentos em termos de análises as quais expressam dificuldades cognitivas

significativas por parte do Fundo no entendimento da dinâmica que se estabelece entre as

variáveis. Ainda nesse momento, irremediavelmente, as mesmas limitações encontradas no

interior desse modelo de Solow sobe à mesa, tais como a entrada em cena da poupança, como

elemento exógeno? e especialmente o paradoxo do crescimento nulo de longo prazo.

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Visto por uma outra dimensão temporal, toda questão resume-se no fato de que por

conviver dentro do padrão da teoria do comércio internacional, não há como indicar, através do

modelo, nenhuma pertinência à escolha de políticas as quais pudessem se sobrepor ao status quo

determinada pela divisão internacional do trabalho no pós-guerra.30

Logo, as consequências políticas desse modelo ao mesmo tempo em que dão curso

aos supostos políticos expressos pelo item anterior se efetiva alimentando, no tempo, aqueles

postulados em práticas políticas sustentadoras do tipo de poder entre as Nações, desenvolvido no

período do pós-guerra. E, provavelmente, a mudança de maior relevância aqui está relacionada

com uma visão da economia capitalista, onde não apenas esta não possui história, mas, principal-

mente, com a concepção de que todas as economias nacionais aparecem e se desenvolvem como

capitalistas, da mesma forma.

O postulado do modelo ao sugerir, de uma forma de outra, uma universalidade

instrumental dos seus parâmetros, expande essa universalidade para o mundo real. Dai pode,

igualmente, defender uma neutralidade em políticas, – tratar de países com presença e força

políticas externas diferentes entre si no âmbito da divisão internacional do trabalho no período –

frente ao fato da pretensa universalidade do novo método de análise assim desenvolvido.

Portanto, tornar as economias nacionais como próprias às suas investiduras gerais,

vai supor que as dinâmicas dessas economias sejam, essencialmente, equivalentes. A chegada

do Mainstream na Instituição leva a que se desloque a chave de entrada ao entendimento

dessas dinâmicas, motivada inicialmente pelo desempenho do balanço de pagamentos, para suas

questões políticas internas.

Um passo a passo foi se fazendo aqui. Primeiro, se afirma sua própria presença insti-

tucional como garantidor da implantação e consequente implementação das medidas de ajustes

segundo os novos termos, voltadas em regra aos países em desenvolvimento e as economias

do Leste Europeu. Toma corpo na forma de orientação, fiscalização e suporte financeiro aos

custos envolvidos nos programas de ajuste, reforçando-se e se realçando as cláusulas do Art.

IV. E isso à luz de uma série de intenções e de novos interesses, voltados à efetivação do novo

poder político, que se expande internacionalmente, desencadeado pela classe dos banqueiros

internacionais.

Destaca-se que, nesse sentido, um dos primeiros problemas internamente atacado,

fora a revisão e o reposicionamento do conjunto de regras chamada de Condicionalidade, onde

30O esquecimento da crítica de R. PREBISCH para construção desses modelos por parte do Fundo é esclarecedorda permanência do mais do mesmo. Vide, (PREBISCH, 1949).

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se encontram as linhas de facilidades de crédito do Fundo, junto com as condições para seu

desembolso. A par deste problema, haveria de se encontrar um padrão de conduta suficientemente

geral para os países sujeitos às condicionalidades, visto suas implicações na hierarquia e na

definição – não apenas das fontes de custeio para as políticas orçamentárias e fiscais – do que seria

considerado políticas públicas corretas e/ou incorretas no interior das regras de condicionalidade

do FMI.

Mas também pelos termos pelas quais as resistências de parte dos países membros

exerceram contra sua implementação, (BOUGHTON, op. cit.) e as consequências dai advindas

para as políticas e para os novos caminhos, naquele contexto, da própria Instituição. A ação

seria, portanto, bastante ampla, se expandindo para todos os tipos de empréstimos do Fundo, mo-

delagem, revisão estatutária e administração de seus recursos. Abarca a história da organização,

como um todo, suas direções possíveis, sustentação e seus problemas, externos, de legitimidade.

Em um contexto onde não só o futuro é incerto, mas mais do que isso, o presente

torna-se fluído, os impactos da mudança em curso, serão extremos. As pragmáticas justificativas

sobre condicionalidades e programação financeira que são dadas no tempo, surgem como um

tipo de racionalidade sobre as incertezas intervenientes dos passos e dos resultados que poderiam

advir da luta entre as classes sociais e dos destinos dos atores políticos no interior desse processo.

No limite, caberiam criar as condições e os novos atores, sendo que as suposições políticas, com

seus efeitos práticos, contidas nos programas de ajuste criaram a ambos.

Deve-se insistir aqui: uma prática já existente e ancorada pelo debate visto acima,

guiava-se por um compromisso keynesiano e limitado aos aspectos da correção das variáveis

desequilibrantes, as quais de uma forma de outra, comporiam o compromisso de ajuste do BPAG

dos países Membros. Com a ruptura deste, em que pese novas práticas de empréstimos serem

adicionadas à original e com novas regras, o entendimento e a justificativas para estas práticas

foram totalmente modificados. E o debate31 se restringirá inicialmente entre os Membros do

Fundo, até abarcar o conjunto de atores que se colocam no cenário internacional, à luz dos

acontecimentos da década anterior.

Se no período anterior havia o entendimento e o consenso político de que os emprés-

timos tinham caráter preventivo, na correção do desequilíbrio, temporário, do BPAG. Volta-se,

assim, ora para por ordem no desajuste da balança comercial, ora nos desajustes decorrentes da

conta capital do BPAG. O acompanhamento da efetividade das metas e das políticas restringia-se

a capacidade da devolução do empréstimo realizado pelo país membro. Mesmo as modificações

31GOLDSTEIN, M. IMF Structural Programs. In(FELDSTEIN, 2000, p. 363-437).

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196

tomadas pelo Executive Board em 1968, não alteraram substancialmente esse entendimento

político.

Os práticos compromissos assumidos no período e as mudanças observadas podem

ser examinados pelas ações do Fundo frente às mutações provocadas pelas regras e instituciona-

lidades determinantes nas concessões dos empréstimos. A tabela 4 abaixo permite visualizar os

tipos de empréstimos oferecidos pelo FMI, até o ano 2000, e nos dá o tamanho dessas alterações.

Nela pode se ver o papel crucial dos empréstimos em Stand-By e seu desempenho –

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197

direitos a saque de uma quantia especifica para cobrir desajustes, no curto prazo, do balanço de

pagamentos – desde a criação do SBW, voltados essencialmente aos países periféricos. Vê-se,

também, o programa de empréstimo Extended Fund Facility (EFF) — criado a partir de 1974,

visando fornecer créditos para correções do BPAG e das economias com problemas estruturais,

as quais requerem uma intervenção de mais longo prazo. E os demais programas de empréstimos,

SAF, PRGF cujas características fundamentais são a de estarem voltados para redução da pobreza

e de estímulos ao crescimento econômico daqueles países de baixa renda, com taxa de juros

próxima a zero.

Os programas Stand-by e EFF são chamados de programas de empréstimos regulares

e sujeitos ao pagamento de juros, calculados sobre uma cesta de moeda incorporada nas reservas

monetárias da Instituição.32 Todos os demais se encaixam nos diversos tipos de programas de

facilidades preferenciais, criados já pelos meados dos anos de 1980.

Com o fim do SBW, por seu turno, e a livre flutuação cambial, com as crises dai

decorrente, que afetavam e pioravam os BPAG, foi criado o EFF, como resposta à piora da

situação internacional e a crise das dívidas dos países subdesenvolvidos. E na esteira desse

contexto o impulso para o desenvolvimento teórico metodológico dos programas de ajustes

e, à luz deste, a revisão das normas estatutárias que até então eram seguidas pelas práticas

institucionais de empréstimos do FMI, foram consumados.

Esse aperto entre duas mãos diferentes se fez, em um primeiro plano, na forma de

uma caracterização geral dos programas de empréstimos e dos tipos de concessões políticas a

serem efetuadas, na liberação destes. Aliás, na década de 70 já se havia colocado um consenso

no sentido da criação de diversos tipos de liberalização do financiamento compensatório e

facilidades ampliadas por parte do Fundo, em função da enormidade daquela crise dos anos de

1970.

Meados dos anos de 1970 e começo dos 80 a concepção sobre condicionalidade vai

tomando forma institucional e os empréstimos do Fundo serão definidos como prática fiduciária

financeira, sujeitos, portanto, às regras de valorização dos recursos, sua cesta de divisas, nas

condições comerciais e financeiras daquele período.

E, finalmente, dada a gravidade da crise, em meados dos anos de 1980, viria a se

resumir a maneira pela qual as facilidades contratuais, na elaboração de acordos que visavam à

correção dos desajustes no balanço de pagamento entre os países, fossem vinculadas às práticas

32São elas o Euro, Yen japones, a Libra esterlina e o Dólar americano.

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fiscalizadoras e aos programas de políticas de ajuste com efeitos sobre as economias domésticas.

Interessante apresentar as justificativas do Board nesse sentido, em função das

consequências de longo prazo que isso trará, tanto para a Organização, sua governança, como

para viabilizar e deixar crescer esse novo mundo, dominado pela classe dos banqueiros, que

nesse momento histórico ia se firmando. Nos termos de um membro do Board:33

No exercício da condicionalidade, o Fundo deverá agora, mais do que nopassado, assegurar a consistência geral das políticas econômicas dos paísesmembros, por forma a que elas se reforcem mutuamente, em vez de se prejudi-carem.(. . . ). Neste contexto, o problema da eficiência na utilização dos recursostem vindo a ganhar especial relevância. Esse problema tem implicações espe-cíficas para a prática da condicionalidade e, além disso, realça a sua relaçãocom outras funções do Fundo, especialmente as que se referem ao exercícioda vigilância econômica. Esta responsabilidade concreta da instituição paracom o conjunto dos seus membros deverá agora mais do que nunca ser desem-penhada de maneira a servir de apoio à condicionalidade, a fim de assegurarque os esforços de ajustamento em médio prazo possam ser empreendidos comefectividade e sem obstáculos desnecessários.

Como se nota, a questão da condicionalidade, motivada pelas crises que abateram

as economias nacionais entre os anos 70 e 80, em especial da A. Latina e Ásia e pelo pulso

firme da administração R. Reagan, tem efeitos internos institucionais relevantes pois significa

redesenhar uma trajetória e apontar para um ‘novo’ conjunto de regras de condutas e de sugestão

de princípios, anteriormente considerados subordinados a estruturação dos objetivos primários

da Instituição.

Todas demais intervenções em modelo e todas demais intervenções em novas Polí-

ticas tem, a partir deste momento, caminho aberto para sua elaboração e implementação sem

as restrições em normas, regras e princípios decorrentes da configuração originária do Fundo.

E isto ocorre no trato, agora aberto, de um conjunto de reformas econômicas de fundamento

exclusivamente não-intervencionista sobre o mercado, isto é, as reformas liberalizantes, as quais

já carregam em seu propósito os encaminhamentos do novo conjunto de ideias derivadas do

abandono da trajetória keynesiana anterior e já respiravam a crítica ao intervencionismo estatal

nos países centrais da economia capitalista.

Todo o problema, mostrado pela investigação, em debate, consistiria, após isso, em

combinar os efeitos dos Programas de ajuste, apoiados em restrição da demanda alavancada por

33M. GUITIÁN, Ajustamento Econômico e Interdependência: Desafio à Condicionalidade. In(LOPES, 1985,p. 73).

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déficit fiscal, chamada de assistência técnica, aos iguais efeitos virtuosos dos financiamentos

do desequilíbrio no balanço de pagamentos de outro lado, nos diversos tipos de empréstimos

colocados aos países membros em crise, os quais aparecem como face única de um mesmo tipo

de ação, em que pese os efeitos da sujeição aos riscos morais de emprestador de última instância

presente na nova posição do Fundo.34

E é sempre bom frisar, graças aos custos sociais envolvidos por esses Programas de

Ajustes orientados ao Crescimento da década de 80, que as reformas consideradas necessárias

viriam a ser produto de um diagnóstico que não reconhecia a dinâmica fundamental pela qual

passava a economia capitalista à época. Qual seja, as tendências econômicas de longo prazo de

uma forma de outra, nos modelos, continuam sendo exógenamente determinadas, demonstrando

a dificuldade de se operar com problemas em tendência e os efeitos derivados do próprio ciclo

econômico, momento no qual as economias nacionais se encalacravam.

Ao contrário, na formulação dos modelos que vingou para o período, sempre em

concepções estática comparativa e de curto prazo com os efeitos teoréticos que isto produz para

os modelos, tanto a causa da inflação, como o do endividamento externo e a recessão, decorriam

de erros da política econômica de natureza fiscal. Mesmo a ocorrência de choques externos sobre

os preços das commodities a nível internacional, não abalariam esta concepção. Com sistemas

fiscais rígidos, setor público deficitário e despesa pública em expansão e receita real constante

ou declinante, a inflação surgiria tanto através da sobrevalorização da moeda nacional ou pela

escassez de divisas que impede a importação dos bens de consumo/salário ou ambos os casos se

auto alimentando. Maiores níveis de endividamento e recessão econômica acompanham, como

luva, o processo, justificando as certezas do modelo no curto prazo.

Evidente que anunciar metas recessionistas como condição necessária ao êxito dos

programas significaria implodir a legitimidade das Políticas a serem implementadas. Não

obstante, a crise mexicana de 1985 e a escalada que esta determinou no sentido de aumento

na disponibilidade de recursos por parte do Fundo e a ameaça de crise sistêmica, levou ao

aprofundamento de uma maior vigilância e rigor no tratamento das “facilidades” que na prática

significou implantar a recessão como uma estratégia válida para o reordenamento das condições

econômicas dos países em crise, sempre pela justificativa do déficit fiscal, alargando-a ao nível

global.

34(GUITIÁN, 1995).

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200

4.2.1 Uma nota geral sobre o transporte das mudanças

Há um marco histórico pelo qual as mudanças, em modelos de análise econômica,

se põem como problema prático para o FMI. Dentre as diversas possibilidades concretas assim

abertas, podem ser referido àqueles momentos históricos onde houve a confluência necessá-

ria ao desenvolvimento dos novos modelos heurísticos e analíticos, traduzindo o movimento

constitutivo das mudanças metodológicas, como uma reação a uma situação histórica concreta,

atualizando de outra forma, portanto, a ruptura das estratégias de Consenso e continuidade,

iniciadas no pós Segunda guerra mundial.

A década de 80 se abre com duas grandes mudanças, gestadas no pós-guerra e uma

implicação política significativa para as economias periféricas. A primeira delas foi chamada

de Revolução do Capital e consistiu na absorção das mudanças tecnológicas e financeiras e

numa estratégia de política econômica de senso conservador, em curso desde os anos 70, as

quais acompanharam a recuperação observada ao final da década, graças ao movimento de

crescimento econômico e da retomada da hegemonia norte-americana, por sobre as demais

economias centrais.

Já no caso de uma segunda mudança, uma continuidade daquela, esta se refere às

estratégias de reformas e ajustes econômicos voltados para os países em desenvolvimento ou

emergentes, um amplo leque de países que, após um surto industrializante no pós-guerra, sofrem

severas constrições macroeconômicas nos anos 80 para os anos 90, bloqueando seu surto desen-

volvimentista. Destacam-se aqui, as limitações financeiras decorrentes de sua incapacidade na

obtenção de financiamento interno, inclusive por fontes externas de recursos, para a continuidade

dos investimentos correntes em sua estrutura econômica como um todo. E os travamentos

originados no interior da construção de um novo surto industrializantes nos países centrais, cujo

resultado foi o do alargamento do “gap” tecnológico entre as economias periféricas e as centrais.

Essas crises, chamadas crises das dívidas dos países latino americanos, que tomam

corpo ao longo de uma década intensa, refletem a luta política pela reposição do poder do dólar

como moeda de reserva de valor (TAVARES, in FIORI, op. cit.), ao nível internacional, cuja

estratégia por parte dos EUA foi o da promoção de sua real desvalorização frente aos objetivos de

controle de seu déficit comercial externo. O desequilíbrio financeiro internacional, dai derivado,

produzirá um comportamento errático para as taxas de juros praticadas internacionalmente, vide

tabela 5 abaixo, impondo aos países devedores acréscimos maiores em valores presentes, para

refinanciamento da dívida, levando-os a diversos tipos de crises de solvência, vistos no período,

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201

com retração econômica para todas as economias mundiais.35

Na perspectiva do Mainstream que se instala no Board do Fundo, esse quadro foi

projetado da seguinte forma:36

35Os diversos tipos de planos de resgate das dívidas latino-americanas e o Consenso de Washington são expressõesdiretas desse desequilíbrio.

36(LAL, 1987, p. 273).

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Dois dos principais problemas políticos enfrentados pelos governos de paísesem desenvolvimento na década de 1980 foram os insustentáveis desequilíbriosexternos e internos e implementação de políticas viáveis de estabilização cumprogramas de liberalização, as quais se tornaram necessárias para corrigir essesdesequilíbrios .... Com a crescente importância dos programas de estabilização eajustes, estrutural do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial,tem havido uma preocupação sobre o sequenciamento adequado do padrão deestabilização cum as medidas de liberalização, contidas nesses pacotes. Emparticular existe grande preocupação com os efeitos muito desiguais e em algunscasos desastrosos das tentativas de liberalização sobre renda e emprego na noCone Sul da América Latina, ao final dos anos de 1970 e início de 1980. (Trad.nossa).

Desta maneira, a década se abriria plenamente conflituosa. Tanto as tarefas das

políticas econômicas reformadoras, como a reelaboração conceitual necessária a execução

daquelas políticas, ambas, deveriam ser tomadas em curso para operarem as condições de

passagem entre a situação macroeconômica anterior e os novos procedimentos de macroeconomia

assentados, agora, pela estratégia de crescimento definida como market-friendly. Por seu turno,

a presença institucional do FMI e do Banco Mundial na garantia da implantação e consequente

implementação daquelas medidas voltadas aos países em desenvolvimento, dariam orientação,

fiscalização e suporte aos custos envolvidos naqueles ajustes, segundo os termos de seus artigos

fundados e revisões executadas por seu Board.

Nessas condições, o fortalecimento institucional da instituição, com a consequente

negação de quaisquer mudanças na partilha de poder e de vetos por parte dos países membros,

torna indispensável à manutenção do perfil distributivo do poder já existente.

O sequenciamento das reformas estruturais, assegurada a partilha de poder no Fundo,

indica como veículo da mudança política por parte da instituição a ideia dominante da liberaliza-

ção econômica, como salvaguarda para o sucesso dos ajustes. Assim, a liberalização comercial,

com o fim das barreiras alfandegárias e dos diversos tipos de políticas tarifárias, apareceria como

a primeira medida de importância a ser considerada no interior dos programas de ajustes.

Em sequência, a liberalização comercial leva ao fim da repressão financeira e,

consequentemente, a liberalização financeira impõe, em especial, a abertura da conta capital para

esses países. Decorrerá dai, um maior incremento do fluxo externo de capital, elevando-se dessa

maneira tanto o nível da poupança doméstica, como a entrada de investimentos diretos externos

na composição do produto bruto nacional.

Uma política fiscal superavitária, produzida por restrições orçamentárias e programas

ativos de privatização, assegurariam as condições desejadas para a volta do crescimento econô-

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mico e desenvolvimento social, agora amparados em uma economia aberta, estável e sustentável,

pronta para a entrada no seleto grupo dos países politicamente e economicamente desenvolvidos.

Para tanto, haveria que se realizar redesenhos institucionais significativos, internos

à vida política dessas nações, com especial atenção sobre os exercícios e o poder de soberania

que lhe são particulares na modernidade. Do controle sobre o território, dinheiro, homens e

a pacificação das condições externas de fronteiras e além destas, firmou-se o entendimento

no Fundo Monetário, de que controle sobre território e dinheiro dessas nações, seriam menos

custosos e mais eficazes para assegurar a transição a esse novo quadro social e político.

Dessa forma, as questões tributárias e fiscais e as do setor financeiro sobem para o

campo da mais alta prioridade para a efetivação daqueles novos objetivos, sendo a independência

do banco central, nesse novo contexto, o mais fundamental para associar essas mudanças à

dinâmica, presumia-se, positiva dos mercados. E sua maior peculiaridade encontra-se, por sua

vez, no fato de que este passa a ser o grande responsável pela elaboração e execução das políticas

monetárias e cambiais e, fundamentalmente, seu poder em impor limites aos empréstimos ao seu

próprio governo.37

Ocorre que, se as vontades de natureza institucional saíram na frente, e, tudo indica,

equivocadamente, o instrumental analítico estava precariamente desenvolvido para tanto. Nos

termos de um dos dirigentes daquela instituição,38

No início da década, houve muita discussão sobre o adequado estímulo esequenciamento das reformas, nas economias em transição. Em ambos os casos,considerações políticas e econômicas foram invocadas para justificar estratégiasalternativas. Eu já havia me referido a alguns dos debates relativos às questõeseconômicas chaves –como governança corporativa– onde o modelo neoclássicose omitirá; e essa lacuna só havia sido preenchida nos últimos quinze anose, evidentemente, nem mesmo por muitos dos reformadores. Mas a teoriaeconômica tradicional tem mesmo menos a dizer sobre a dinâmica de transiçãodo que ela tem a dizer dos estados de equilíbrio, e ainda eram questões dedinâmica de transição que foram fundamentais para o debate sobre a adequaçãoe sequenciamento.(Trad. nossa).

Na ausência de uma teoria dinâmica na esfera do Mainstream que pudesse informar

as condições não apenas necessárias, mas também, suficientes, à implantação dos programas37“O enquadramento incluiria limites sobre os créditos do banco central ao governo, proibição de empréstimos de

altos riscos ou funções de fundo perdidos” CARL-J. LINDGREN e D. DUEÑAS in: (BALIñO; COTTARELLI, 1994,p. 310. Trad. nossa).

38(STIGLITZ, 1999, p. 18).

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de ajustes, uma condição teórica explicativa teve que efetivar-se nos termos de um modelo

macroeconômico necessário àqueles fins, desde já como já visto, na forma de uma eclética

síntese.

Mas, mesmo assim, os modelos desenvolvidos no período, como suporte técnico das

teorias avançadas, seja para a liberalização comercial e financeira, bem como para os programas

de privatização e de políticas domésticas, em geral nem sempre obtiveram os resultados melhores

possíveis para aquelas políticas de ajustes, levando a que um dos expoentes dessas análises

fizesse a seguinte observação,39

Grande parte dos estudos cross-country, na base de regressão tinha sido afetadopor deficiências empíricas e conceituais. O referencial teórico utilizado temsido cada vez mais simplista, falindo ao adicionar importantes efeitos do cresci-mento do PIB e ignorando determinantes potenciais do crescimento, tais comonível de escolaridade. Além disso, muitos trabalhos têm sido caracterizados poruma falta de cuidado no trato das questões relacionadas com os erros de endo-geneidade e de medição. Todos eles resultam, em muitos casos, em resultadosnão convincentes, cuja fragilidade foi exposto por trabalhos posteriores. (Trad.nossa).

Foram os resultados decorrentes da introdução desses novos modelos, transformados

em quase-teorias e base para as políticas econômicas liberalizantes, que resultam dos programas

de ajuste estruturais do inicio da década dos 90 na América Latina e nas demais regiões/países

cujas reformas econômicas deram-se sob os auspícios do FMI, Banco Mundial e Autoridades

Monetárias do G7.

39E. Sebastian in (RODRIGUEZ F. E RODRIK, 1999, p. 3).

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5 A natureza da crise econômicacapitalista mundial: 1980 à frente

5.1 Aspectos gerais da crise econômica

Se os anos 80 foram o momento de ruptura para os modelos do FMI, iniciado com o

SBW, a chave que abre os novos tempos, as condições para a crise, já se encontrava presente e se

apresentava como decorrente de um quadro histórico de mais longo prazo:

os elementos decisivos estimuladores das transformações ainda em cursoencontram-se, justamente, nas modificações alavancadas pelos Estados e pelaPolítica –após o fim do sistema de Bretton Woods, condicionados pela situaçãointerna de cada um deles, tendo como pano de fundo a desarticulação do ante-rior padrão de industrialização e suas consequentes maneiras de valorização docapital, vigente da Segunda Guerra à década de 70 –, cujo objetivo inicial era ode recuperar e consolidar as posições relativas e/ou absolutas de maior forçanaquela situação anterior e cujo resultado foi o rearranjo– interno e externo,institucional e legal– de todas as posições e inserções desses Estados a nívelmundial e a mudança no patamar e da posição relativa do desenvolvimentoindustrial, comercial e financeiro até então conhecidos.a

a(FILHO, 1997).

No âmbito da valorização do capital, se tratou da entrada em cena de uma Nova

Revolução Industrial, que torna obsoleto o parque industrial dos países centrais, construído ao

longo do último século. No interior das políticas macroeconômicas realizadas, por seu turno,

buscou-se responder aos descontroles observados pela crise monetária do começo dos anos 70

e dos efeitos decorrentes do ‘choque do petróleo’. E nesse mesmo movimento caberia ainda

absorver os impactos decorrentes dos desajustes dos balanços de pagamento, via fluxo de capitais,

os quais rebatiam tanto na balança comercial, como nas contas capital e de transferência, das

economias periféricas.

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O resultado foi o de recessão, instabilidades e crises, conforme a literatura do

período demonstrou, com consequente interrupção da Idade de Ouro do capitalismo. Não

por menos se instala uma crise paradigmática que afeta as certezas encontradas no interior

das abordagens macroeconômicas em uso nas diversas instituições acadêmicas, institutos de

pesquisas, organizações internacionais, públicas e privadas, e etc. dentre elas o FMI.

Com uma década que se abre plenamente conflituosa, tanto as tarefas das políticas

econômicas reformadoras do Fundo, como a reelaboração das ideias e dos conceitos necessários

à execução daquelas políticas, ambas, deveriam ser tomadas em curso, para que se operassem as

condições de passagem entre a situação macroeconômica anterior e os novos procedimentos de

macroeconomia assentados pela estratégia de crescimento definida, no final da década de 80,

como market-friendly.

Vários problemas surgiriam na esteira da consolidação da nova estratégia. Um claro

diagnóstico sobre a natureza da crise, que ainda nos toca, talvez tenha se tornado a questão

crucial a ser entendida no interior dessas críticas mudanças. Porém, pelos aspectos ideológicos

envolvidos na discussão sobre a crise, o aparato construído pelo FMI tinha esse objetivo, apenas,

pela perspectiva do mainstream.

A gravidade da crise, por seu lado, constituía-se como um problema fenomenal para a

prática política dos atores, que dependiam daquele diagnóstico para a aceitação de suas propostas

de superação. Em um contexto histórico denso, resiliente e líquido, haveria de desenvolverem-se

várias práticas políticas com seus congêneres intelectuais e suas conjecturas. Isso se cristaliza

tão logo se vê os diferenciais (PRESSER, op. cit), causas e consequências, desta crise e de seus

desenroscamentos nas relações entre os países e em suas relações políticas internas, sob a base

dos contraditórios interesses das classes sociais.

Viabilizada por práticas e interesses materiais distintos, as diversas propostas visando

assegurar ou transformar o quadro crítico tomaram corpo nesse contexto. Com isso, o predomínio

das análises imediatistas e de curto prazo que prende, em seus desígnios, todo o período da

crise:1

Meu pensamento, este que em si acolhe um assassínio não mais que fantasioso,sacode de tal maneira o reino de minha condição humana e única, que toda açãofica asfixiada em conjeturas, e nada mais existe, a não ser o que não existe.

Encerrar uma situação incerta abala os compromissos entre pensamento e a realidade,1(SHAKESPEARE, op. cit. I,III, p.154) .

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de tal forma que as conjunturas vêm ditar suas regras. Dentre as várias versões possíveis, duas

delas tomam corpo e dominam, ao longo de todo esse tempo, os entendimentos sobre a maneira

pela qual os eventos indicariam caminhos da superação da crise: um confronto entre as matizes

heterodoxas e as de natureza ortodoxas. Assim, imediatamente, o diagnóstico da crise pela visão

dos negócios – que surge quando se toma o capital como uma coisa, isto é a versão ortodoxa –

mostrou-se insuficiente e, efetivamente, contraditória em relação tanto aos seus aspectos causais,

como em relação às suas consequências de mais longo prazo.

Mesmo que esta assuma a existência do ciclo econômico como possível causa de

desequilíbrios, assume-se ai que no tempo as variáveis econômicas fundamentais, voltam sempre

à sua performance normal de equilíbrio. E no momento em que o desequilíbrio domina, em

geral, convergem para um diagnóstico de que, se em desequilíbrio, isso decorra de um choque

externo ao sistema econômico e isto, notadamente, deriva ou de uma política monetária e cambial,

enviesadas, ou dos excessos da política fiscal. Qual seja, o choque externo, que evidentemente

pode advir de problemas vinculados às profundas flutuações em preços, de uma forma ou de

outra, é alheio ao desempenho do sistema econômico strictu sensu.

Reduzir a crise, sua efetividade e efeitos, ao espasmo de um governo irracional,

evidentemente, tem por objetivo refutar a própria noção de crise, seja a crise do capitalismo ou

mesmo a crise do capital. E, igualmente, beneficiar-se, ideologicamente, do combate às políticas

econômicas até então adotadas. Assim, na formulação teórica efetuada sobre o entendimento

das mudanças dos anos de 1980 para 1990, chamada do momento da grande moderação, se há

algo consensual nessa é a paradoxal constatação do fato de a economia norte-americana ter tido

ganhos de produtividade, naquele momento, maiores do que no chamado período da era de ouro

do capitalismo.

E, mais interessante, ainda pode-se encontrar no interior daquelas concepções típicas

do mainstream a tese igualmente paradoxal, para um momento de crise, da manutenção da

mesma tendência em rentabilidade dos negócios, para o largo período de 1970 a 1998, não

havendo quedas na lucratividade das empresas que possam ser chamadas de críticas e nem perdas

gerais para o sistema econômico.2

A tabela abaixo expressa a condição pela qual, no período que se inicia, há um

momento de maior estabilidade para as economias centrais, longe, portanto, da visão de um

encadeamento comandado por fatores críticos desestabilizadores paras as economias naquele

2(OULTON; RINCON-AZNAR, 2009).

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momento histórico.3

Tabela 6.

Mudanças na volatilidade do crescimento do produto real bruto Per capita do 4o. Trimestre nos países do G7, 1960 – 1983 e 1984 – 2002.

Desvio padrãoDesvio padrão1960-1983 1984-2002

Canadá 2,3 2,2França 1,8 1,4Alemanha 2,5 1,5Itália 3,0 1,3Japão 3,7 2,2Reino Unido 2,4 1,7Estados Unidos 2,7 1,7

Extraído de J. Stock e M. Watson, 2003, p.6.

E esta última tabela, abaixo, demonstra o quanto a rentabilidade econômica, medida

através da taxa de lucro do setor industrial, é mais estável nos EUA e menos estável nos países

europeus, naquele período histórico. Ainda, a tabela implica na recepção de uma interpretação de

que não se vislumbra tendência para estagnação, de longo prazo, para essas economias.4 ambas

3Veja, (STOCK; WATSON, 2003).

4Veja, (CRAFTS, 2008).

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209

as tabelas indicando, coerentemente com os fundamentos do liberalismo, que se há situação de

crise, esta possui apenas a dimensão da capacidade ou da incapacidade dos indivíduos, no campo

das escolhas racionais e morais entre desordem/ordem e/ou trabalho/ociosidade.5

Tabela 7.

Crescimento do PIB e estoque do capital por hora trabalhadae Fator produtividade total nos setores comercializáveis

França Alemanha Inglaterra EUA1973-1995

2,9 2,7 2,6 1,23,9 3,2 3,0 1,3

FPT 1,7 1,6 1,7 0,7

1995-20041,9 1,8 2,7 3,22,7 4,1 4,4 4,3

FPT 1,1 0,5 1,4 1,9

PIB/htEC/ht

PIB/htEC/ht

Extraído de Nicholas Crafts, 2008, p. 52.

Nota-se que, mais do que explicações, são composições produzidas pela luta ide-

ológica iniciada pela crise política de 1970, fazendo valer-se como busca de alternativas, em

economia, para sustentação e âncora para nova política, que vai apresentando-se ao novo tempo.

5Para a conflituosa permanência do espírito protestante em solo norte-americano, no período, veja, (BELL, 1989,Parte I cap.2).

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210

Do outro lado, no campo dos heterodoxos, isto é, do otium, existem entendimentos

opostos a esses sobre o curso e gravidade dos mesmos eventos analisados, de tal maneira que, para

essa visão, não apenas o capital e o capitalismo encontram-se em crise mas sim, especialmente,

como essa crise tem características e motivações bastante diversas, em relação àquelas já vistas

na história política moderna.

Gravitando, diferenciadamente, em torno da secular constatação da tendência à

estagnação do capitalismo por limitações reais ao processo de reprodução do capital, convergem

no sentido de explicarem a crise do final da era do ouro do capitalismo, em sua lógica tendencial

de natureza histórica, abarcando um largo período por onde a conjuntura deve ser compreendida.

Guardadas as significativas diferenças entre essas, talvez se possa indicar que sua

marca fundamental seja a observação, para os pesquisadores, de o quanto as diferenças dinâmicas

entre os países, derivadas das respostas políticas específicas a cada condição nacional, respondiam

a um padrão global de mudanças no entabulamento da crise. No aspecto mais global desse

diagnóstico sob a conjuntura vigente, enfatizam-se as manifestações políticas, dos produtores

de valor, contra a perda distributiva que o rompimento com a configuração política anterior

significaria.

E no aspecto o qual explicita as diferenças entre as economias e sociedades periféricas

e centrais, a questão central diz respeito aos obstáculos colocados para a reprodução de um

sistema econômico que tende a estancar-se na forma da reprodução simples, a subutilização

dos recursos produtivos na forma kaleckiana. A presença do déficit público vem ao palco para

assegurar que esse estancamento seja evitado, controlando através da sustentação do nível do

emprego e do incremento continuado do salário real, dessa forma, a possível radicalidade do

ambiente político.

Evidentemente que abalos nessa disposição política assim encadeada, terão respostas

diferentes daquelas que se possa esperar em países onde essa conformação não existe. Para

as sociedades retardatárias, como um todo, antes ao problema do pleno emprego é notada a

deficiência, histórica, em sua capacidade produtiva. O nível de investimento necessário se

posicionará sempre aquém daquilo que seria preciso para remover o desemprego estrutural e

induzir processos, igualmente, estruturais de inovação técnica produtiva, pela ausência de uma

coalização política que efetue essa tarefa histórica, nos termos acima delineados.

Não se deve tendo em vista esse percalço que a luta entre as classes sociais dessas

economias periféricas, possuam a mesma dinâmica. De qualquer maneira, em ambos os casos,

primeiro, o Estado não pode ser descartado do ponto de vista de sua presença na política.

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Segundo, a lógica da reprodução do sistema econômico, por causa da política, deve responder às

demandas de emprego e de renda, de forma crescente, sem a qual as contradições sociais surgem

e, possivelmente, tenderão a questionar a legitimidade da organização da produção, apropriação

e direitos de apropriação privados que a economia capitalista põe em curso.

O problema do pleno emprego é, portanto, uma questão política e será como resposta

aos seus pressupostos e aos seus efeitos, que a classe proprietária desenvolve uma luta social,

cultural e em valores, contra a sua permanência. M. Kalecki foi pioneiro na sintetização, no

pós-guerra, das ideologias envolvidas nesse embate. Os capitalistas recusam o pleno emprego,

como produto da coalização política da época keynesiana, porque: a) reprovam a “interferência

pura e simples do Governo no problema do emprego”, b) reprovam a “direção da despesa

governamental (para investimentos públicos e subsídio ao consumo)”, c) reprovam as “mudanças

sociais e políticas resultantes da manutenção do pleno emprego.”6

Mudar o Estado, no período que se abre, para mudar o exercício da política, significa

buscar apropriar-se da produção de um poder que cria e garanta a persistência de baixos níveis

de emprego, desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, queda no nível do salário

nominal, etc. para que aqueles aspectos possam desenvolverem-se como práticas de organização

do sistema econômico, por parte do novo Conluio entre as classes que os anos de 1980 à frente

induzem.

A tensão entre os atores históricos e, em especial, o binômio resistência/revolução

naquele momento histórico é demonstrado pela capacidade de mobilização dos trabalhadores,

conforme os dados de paralisações da força de trabalho contidos no gráfico 7 abaixo.7

6(KALECKI, 1987, p. 54-55). (Ênfases do autor).

7(GLYN, 2007).

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Gráfico 7.

Greves: dias paralisados por 1.000 trabalhadores das indústrias, 1953-2003. (OCDE, 16 países)

Horas paradas

anosExtraído de A. Glyn, 2007, p. 6.

Em suma, nos termos da heterodoxia, esse novo quadro vai significar mudanças no

aparelho do Estado e da recepção dos interesses classistas do sistema financeiro, mais recente.

Mostra, igualmente, um redesenho da hierarquia das práticas políticas e de seus valores éticos,

no interior do espaço público. O Conluio político entre as burguesias e seu mais novo associado,

a classe dos banqueiros, que implicou em uma mudança material das práticas econômicas no

âmbito do Estado torna-se, então, uma das questões vitais para ser compreendida, no interior

daquela escola de pensamento político.

A chegada ao poder do Estado desse mais novo Conluio entre as classes proprietárias

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fez aumentar sua capacidade ideológica, em relação aos demais setores sociais. Logo, os

interesses acomodados por essa nova capacidade política dita o perfil distributivo para a sociedade

e, em especial, determina os processos mais gerais pelos quais se darão a reprodução do capital,

em termos de investimentos, preços e déficit público.

Imposições que vão no sentido de disciplinar condutas sociais e as regras de funcio-

namento do mercado de trabalho, tem por objetivo causar recessão, evidentemente tendo como

justificativa a derrubada da inflação estrutural dessas economias, para alcançar-se estabilidade

política. Estabilidade política, por seu turno, será vital para converter a massa de capital fictício

criado pelo endividamento do Estado – decorrente da expansão da dívida pública financiada no

mercado e pela expansão da massa de ativos monetários, privados, no interior das economias e

o abençoamento que esse provoca para transformar dinheiro privado em dinheiro socialmente

público – como base para a taxa de retorno dos investimentos nos mercados de capitais e nos

títulos do tesouro, propriamente dito.

Uma evidência, meramente formal, sobre isto pode ser examinada na exposição de J.

Tobin sobre as relações entre a política monetária e o crescimento econômico (TOBIN, 1965),

conforme gráfico 8 abaixo. Nada evidente que o caminho tomado para esses fins seja linear e

sem bifurcações. Ao contrário, a construção de assimetrias para o comportamento das taxas de

juros, na esfera pública e privada, e as oscilações de curto e de longo prazo, são partes efetivas

das disputas colocadas pela capacidade de apropriação dessa nova classe, sobre os recursos

socialmente produzidos e politicamente distribuídos. De qualquer maneira:

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Gráfico 8.

Equilíbrio entre moeda e capital, ajustado pela taxa de lucro/taxa de desconto sobre o estoque monetário.

``A linha de 45° demonstra a combinação entre deflação nos preços e formação de capital que preserva o equilíbrio do portfólio às taxas existentes de

retorno.'' (J. TOBIN, 1965, p.683.) (Tradução Nossa)

Não se pode esperar que houvesse equivalências entre esta suposição genérica assim

observada e os casos históricos concretos por onde a ordem comandada pelos interesses desse

Conluio se efetivou. Não obstante, as diferenças entre os países foram tratadas, haja vista o

desenvolvido acima, buscando-se convergências, pelos programas de ajuste do Fundo Monetário,

ao longo desse mesmo período.

Mas será no interior da sociedade civil que as demais lógicas detonadas pela crise

devem se desenvolver. Foi anteriormente sugerido que o aspecto central que a reprodução do

capital hoje se debate é a impossibilidade de fazer frente ao estreitamento da produção e circula-

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ção do valor, voltado aos seus propósitos de alavancar a si mesmo, através dos investimentos

produtivos, quando comandado pela lógica da valorização dos ativos financeiros, nos termos do

capital em si.

Por seu turno, frente ao exposto até aqui, a busca do desemprego, quando mantida a

rentabilidade do capital, medida à taxa mínima e retorno, demonstra a liberação do trabalho vivo

por parte do contraditório processo de reprodução do capital, transferindo esse encargo a baixo

custo para as regiões econômicas onde imperam a nova industrialização tardia. Claro que isto

não afetará os ganhos de produtividade geral do sistema, posto que esses se realizam em torno

das melhorias e inovações em capital constante, com reflexos virtuosos para as demais formas de

capital.

Contudo, o dinheiro em si, capital, ao distanciar-se da valorização por sobre os me-

canismos tradicionais da produção e da circulação do valor vai agir no sentido de complementar

um continuado processo de desvalorização do valor de uso e, por conseguinte, do valor de troca,

da força de trabalho. Um movimento que se faz orbitando o espaço político, criado na base

desta mudança, articula aqueles novos interesses financistas ao fim último do próprio processo

de valorização da riqueza fictícia.

Fazendo uso de um “sistema de crédito público, isto é, das dívidas do Estado,”

(MARX, 1996, p. 373), essa forma de capital líquido toma autonomia e passa a recriar um

mecanismo de valorização de capital e do dinheiro privado disponíveis, que obriga os bancos

centrais a chancelarem os valores nele criados. Consolidada a função de emprestador de última

instância, a criação de reservas para empréstimos, em geral, passa a independer das atividades de

concentração e centralização de capital, observadas no momento da industrialização intensiva do

capital.

E ao fazer gravitar, em torno de si, as formas básicas da renda da economia capitalista

e, especialmente, do dinheiro e do capital vazado no interior do sistema internacional – o qual

também através do câmbio e de seus diferenciais se autonomiza em relação ao processo da

produção do valor propriamente dito– conserva e ultrapassa a massa de riqueza existente,

encapsulando a reserva de valor, dos ativos financeiros, para migrar no tempo.

A rivalidade entre os banqueiros no sentido de controlarem o sistema de crédito,

nacional e internacional, que vai ai se armando inverte a condição política de defesa do devedor

em relação ao credor no período do pós-guerra. No arranjo da luta concorrencial, procuram

afastarem-se do dinheiro para produzirem empréstimos sob a forma capital, por onde se deslocam

do anterior aprisionamento à preferência pela liquidez do dinheiro para a preferência pela

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disponibilidade do capital provisionado.8

Assim, torna endógena a produção da “moeda” que, para tomar valor, converte-se

em capital no interior do mercado de capitais e financeiro. Girando moeda e capital dentro

desse sistema financeiro, submete as práticas das políticas monetárias e de juros dos bancos

centrais em instrumentos para a valorização do dinheiro de crédito, privatizando a riqueza

socialmente produzida. Busca-se, nesse processo, que os empréstimos concedidos possam gerar

os pagamentos necessários à sua liquidação, independentemente da maneira pela qual os valores

são gerados.

Porém, rompida a condição pela qual o pagamento dos empréstimos seria efetuado

pela renda gerada no âmbito do espaço e da circulação produtiva do capital, os lucros e os salários

perdem referência com o preço dos juros, sendo agora, por estes determinados. Tanto o nível do

desemprego quanto o nível dos preços praticados movem-se de acordo com a rentabilidade, maior

ou menor, decorrente da valorização nocional da totalidade desses ativos líquidos, transferidos

ora em estoques ora em fluxos para todas as economias nacionais.

A pressão exercida por esse movimento sobre o nível dos preços inflaciona-os a

qualquer momento da atividade econômica, induzindo àquela política de juros a um incremento

relativo, no mais longo prazo, que torne atrativa a aplicação especulativa do capital, buscando ai

a remuneração mínima, acima referida.

De outro lado, se a revolução do capital já nos anos de 1980, para frente, levou a que

houvesse o predomínio do trabalho morto por sobre o trabalho vivo, para a referência em valor e

na produção do próprio valor na economia capitalista, esta tendência aproximou-se, igualmente,

daquele produzida no âmbito da autonomia da órbita financeira do capital. Essa conexão, base

em que se assenta o novo Conluio entre as classes proprietárias de capital, leva a crescente

desvalorização do lado da oferta de bens físicos e assenta sua valorização através do movimento

geral do capital em escala, agora, internacional.

Nas palavras de C. Tavares:9

O movimento do capital à escala internacional tende a unificar a taxa de lucrofinanceiro dos blocos de capital, ao mesmo tempo em que aguça o caráterdesigual das condições sociais de produção e, por implicação, torna desiguais ascondições de “rentabilidade média do capital produtivo” nas distintas regiões.

8(CHICK, 1994, p. 17).

9(TAVARES, 1978, p. 17).

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Nesse novo contexto político, arrasta o Estado para os interesses dessas classes,

ampliando suas atividades de segurança, para assegurar via administração dos preços, públicos

e privados, nacionais e internacionais, aquela não desvalorização dos ativos, exceto o da força

de trabalho. A medida do valor, da produção e de seus bens, escapa para o âmbito financeiro,

internacionalizando-se, portanto, o dinheiro capital.

O poder político da nova coalização que surge nesse período já pode aspirar, portanto,

à sua concretude, posto que suas premissas já estão dadas, na forma da nova racionalidade que o

Estado induz. E a dependência para com a classe dos banqueiros é instituída pela submissão ao

padrão de endividamento dai derivado, conforme o gráfico 9 aponta paras as duas economias

centrais, Inglaterra e Estados Unidos.

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Níveis do endividamento do setor financeiro

PIB EM %(Reino Unido e Estados Unidos da América)

Níveis de endividamento por setores: Familia, Negócios, Finanças e Governo.

PIB em %(Grã Bretanha)

Fonte:Real World Economics. Review Blog. Steve Keen. 31/12/2011.

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6 Economia Política dos ajustes do FMIapós 1990: a economia e o econômico

6.1 Os revisionismos: uma nova macroeconomia para as na-ções - 1990 a 2008

Rapidamente, o modelo keynesiano neoclássico, dominou o ambiente das políticas

e regulou o espaço público, a despeito das críticas dos monetaristas, até meados dos anos 70

quando foi duramente atacado tanto pela Escola das Expectativas Racionais, como pela Escola da

“Supply Side Economics” e outras. Os resultados desse ataque se fizerem sentir no interior dos

modelos de ajuste trabalhados e utilizados pelo Fundo, em suas propostas de Políticas de Ajuste

Estrutural, os quais aspiravam, de uma forma ou de outra, permanecer dentro das proposições

em políticas de natureza keynesiana.

Em consequência desse debate teórico e das mudanças na situação política e histórica,

já consideradas, as ideias até então relativamente dominantes no Fundo foram se abrindo para a

introdução dessas formulações duras do mainstream, levando ao ecletismo teórico na construção

de seus Modelos. Essa introdução fragiliza os próprios objetivos de reformas com crescimento

anunciadas pela Instituição, frente à grande crise que abalou as economias nacionais nos 70 até o

final dos anos 80.

Um movimento complexo abre-se entre mudanças reais e mudanças no campo das

ideias, com implicações para o campo da política e de sua legitimidade, em todas as órbitas

onde a política como exercício simbólico se personifica. No campo das novas formulações, que

veiculam os interesses desses novos tempos encontra-se, aquela que certamente procurou enterrar

o keynesianismo do pós-guerra de forma definitiva, a escola da Expectativa Racional.1

Ao estipular a justeza do trade-off entre as políticas keynesianas e o processo

1(SHEFFRIN, 1985).

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inflacionário dos anos 70, nunca plenamente especificado em provas empírica, e ao fazer uma

restrição lógica aos modelos econométricos de bases keynesianas, qual seja, a de que estes não

são suficientemente consistente por falta de micro-fundamentos, estabelece, dessa maneira, o

viés no qual as premissas e os resultados das políticas keynesianas serão passíveis de refutação

teórica.

O problema da inconsistência e não qualquer interferência política, segundo os

autores, deve levar à busca de um modelo consistente para política econômica. Nesse sentido,

as falhas da economia do pós-guerra não decorreriam, apenas, dos contraditórios resultados

alcançados na aplicação das Políticas Keynesianas no momento da Grande Depressão dos anos

70, mas, de forma relevante, da falta de cientificidade do modelo macroeconômico, usado com

base na teoria keynesiana.

Cientificidade, aqui, refere-se tanto a inexistência de fundamentos microeconômicos

necessários e suficientes para o modelo, como também, ao tratamento insuficiente na elaboração

e desenvolvimento dos elementos de conteúdo do próprio modelo. A crítica ao incidir sobre

a noção e consistência dos parâmetros envolvidos na modelagem keynesiana, cuja identidade

destes com os elementos estruturais da economia não seria aceitos pelos Novos Clássicos, se

quer como uma crítica geral à teoria keynesiana.

Especialmente no sentido de que esta concepção deve abrir-se às novas alternativas

em teoria econômica. Assim, da resposta à falência teórica, presumida, da macroeconomia

keynesiana, o retorno aos clássicos tornar-se-á, superada a restrição dos keynesianos aos seus

postulados, um caminho seguro para a reconstrução de modelos macroeconômicos consistentes

e adequados à realidade observada.

No limite esta recuperação deve manter a relação macro-microeconomia, fundamento

para a existência de uma disciplina macroeconômica, através da abordagem do ciclo econômico

para agir sobre a flutuação das atividades econômicas. Para tanto, convergem como bloco

sustentador do modelo da expectativa racional, como seu núcleo duro, o livre mercado e a figura

dos agentes representativos, que são vistos como maximizadores e racionalistas, do ponto de

vista de seus comportamentos.

O efeito do equilíbrio geral walrasiano sobre o ciclo implica na aceitação da raciona-

lidade expectacional dos agentes, firmas e famílias, no sentido deste se anteciparem aos efeitos

das mudanças que rebatem sobre as variáveis que modificam o rumo de suas decisões. Para tanto,

não é necessária a verificação direta da situação do equilíbrio geral, bastando supor, no modelo,

seus efeitos sobre as decisões dos agentes.

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Por seu turno, o pressuposto e entendimento do outro bloco do modelo, as expecta-

tivas racionais, ao supor que os agentes decidem considerando as variáveis reais da economia,

assim o fazem estimando todo o quadro de possibilidades, demarcado pelos preços relativos, os

quais rebatem nas suas decisões de ofertar e demandar bens e serviços.

Logo:

A hipótese das expectativas racionais está sendo colocada aqui: os agentessão vistos como fazendo o melhor uso possível das informações limitadasque possuem e de conhecerem, pertinentemente, as distribuições objetivas dasprobabilidades. Esta hipótese é imposta por meio da adesão. a

a(LUCAS; SARGENT, 1979, p. 11. Trad. nossa).

Resumidamente2, o modelo, que busca juntar Ciclo e Mercado em (EGW) supõe a

plena racionalidade dos agentes –no sentido de que estes conhecem o comportamento futuro

das variáveis centrais do Modelo– com maximização da utilidade e dos lucros e por um estado

estacionário de equilíbrio nos mercados, onde se traduziam os resultados de suas pesquisas,

sobre a impossibilidade do desemprego involuntário já ao final dos anos 60.

No primeiro caso, o ciclo, se define através da natureza monetarista do Modelo, o qual

evidencia a maneira pela qual se estabelece a Moeda como variável exógena ao comportamento

do sistema. Logo, variações no ciclo serão causadas pelos shocks monetários externo que se

propagam internamente, definindo o Ciclo econômico. No segundo caso, os Novos Clássicos,

extremam as condições supostas pela coordenação intertemporal existente nos modelos de

equilíbrio e induzem práticas de otimização, de onde a rejeição de sistemas em desequilíbrio

como apropriados ao entendimento da configuração do sistema econômico.

Uma conclusão se segue dai é que as variáveis espelham um comportamento ma-

ximizador para cada período observado, levando a suposição, para tanto, que as expectativas

são plenamente antecipadas, para gerar a conduta maximizadora.3 Mas este entendimento, por

sua vez, contraria a visão da ação contracíclica das políticas econômicas, ao fazer coincidir as

expectativas dos agentes plenamente com as previsões e comportamentos das variáveis previstas

no Modelo.2Para a crítica a Expectativa Racionais veja (VERCELLI, 1991, part. II).

3“A essência do processo de otimização (maximização) é constituída simplesmente pela determinação doconjunto de valores das variáveis de escolha que gera o extremo desejado da função-objetivo.” (CHIANG, 1982,p. 214).

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Pois, se as expectativas são exitosamente antecipadas isto vai significar neutralizar os

efeitos produzidos pela intervenção pública. Dessa forma, não só o mundo se tornaria plenamente

ergódico, passível de ser conhecido por todos, segundo um mero cálculo probabilístico, mas

também nenhum dos agentes terão motivos para agir de forma diferente, se existir um pleno

entendimento da ação coletiva dos demais agentes. O que, pelo seu lado, abole a noção de

conflitos, crises e das lutas entre as classes sociais, para apropriarem-se do produto excedente.

Será mesmo neste plano das políticas que a expectativa racional tem seu maior

impacto. Nota-se aqui, primeiro, nesta é demonstrada a irrelevância das políticas de estimulo à

demanda agregada, posto que variações nos gastos agregados só afetariam o nível da atividade

econômica se houver oferta acima dos preços relativos. Logo, se assim, as políticas seriam

incapazes de tornar os preços diferente daquilo que deveriam ser praticados e, portanto, o

estímulo à demanda agregada seria inócuo, visto que não poderia estabilizar a economia em

situações de choques.

O comportamento otimizador dos agentes, por seu turno, trabalha no mesmo sentido.

Através do suposto da otimização, como uma forma especial da análise de equilíbrio, sua

conduta maximizadora espelha-se nas variáveis do modelo, fundindo em uma mesma projeção

tanto a trajetória maximizadora do equilíbrio do modelo com as expectativas equilibrantes e

maximizadoras dos agentes, expostas em termos da função objetivo.

Nesse caso, o comportamento dos agentes pode antecipar não apenas as medidas de

natureza fiscal, como aquelas decorrentes do processo inflacionário, aumentos da taxa de juros,

das condutas e metas dos Bancos Centrais e etc. e, ainda, pode beneficiar-se do fato de que todas

as informações estejam disponíveis para a formação de suas expectativas, neutralizando seus

efeitos assimétricos.

Para a expectativa racional, por causa disso, não se deve concluir que os agentes

não cometam erros, pois estes podem atuar tanto num campo incerto como em uma dimensão

dominada pela certeza. Conclui-se, isto sim, que os agentes não cometem erros sistematicamente,

visto que podem corrigir, em sua mente, o valor das variáveis decisionais para o período seguinte.

Frisa-se isto.

A racionalidade, contida nessa expectativa, diz respeito a uma suposta decisão dos

agentes que se exerce sobre o futuro, sendo este passível de ser compreendido com graus de

certeza incrementais e não mais sobre os eventos passados, fundamento tanto das expectativas

adaptativas como das estacionárias, em uso em modelos keynesianos tradicionais, as quais para

(ERs) possuem apenas o valor parcial do aprendizado.

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Evidentemente que, desta forma, em um momento no qual as finanças se sobrepõe

a valorização da riqueza pelo trabalho, a crítica, dessa escola, pode ser dirigida às políticas

operadas pelos Bancos Centrais e à postura do sistema financeiro como um todo, envolto pelas

regras institucionais e pela coalização política passada. Nesse contexto, onde as políticas contam

e o estado de bem estar social está presente, basta ‘ler’ a ação e a informação disponíveis aos

agentes pelo prisma da credibilidade, regras, descrição, antecipações e confiança para demonstrar

que a contra-ação desses podem causar mais eventos de perturbações do que de estabilização

sobre as variáveis monetárias.

Desde o início frente às observações críticas dirigidas às políticas e, ainda, frente ao

estilo formal do modelo, as técnicas da otimização intertemporal, logo se adequaram aos objeti-

vos dos demais atores situados nas instituições de pesquisa, financeiras, de acompanhamento

conjuntural do sistema financeiro, etc. incorporando decididamente a macroeconomia das (ERs)

em suas operações financeiras diárias e como um instrumento de projeção.

Este pequeno evento, ai estabelecido, será fundamental ao desmembramento dos

modelos teóricos e teoréticos desenvolvidos e desmembrados no FMI, selando uma longa parceria

entre o traçado das pesquisas naquelas demais instituições e, especialmente, as financeiras e a

construção do conjunto de ideias que servirão de fundamento para os programas de intervenção

do Fundo, desde aquela década até o momento mais atual.

E o que esta ocorrendo aqui? Claro que a forma adotada pela (ERs) no tratamento

da inserção do indivíduo, um suposto do individualismo metodológico propriamente dito, no

modelo macroeconômico produz, por si, o elemento estruturador de todo o sistema. E, certamente

informa o caminho liberal tanto para sua crítica, como para sua refundação. Também forçou que

os elementos de prova do modelo, que no pós-guerra nutria alguma referência à observação da

história, fossem dados, apenas, pela consistência interna que este pode vir a produzir.

Agora as provas ficavam subordinadas, em seus elementos de constatação empírica,

e de certeza argumentativa, à identificação e esclarecimento prévio produzidos no âmbito da

macroeconometria e com fundamentos microeconômicos, espaço no qual a estrutura da economia

poderia surgir de maneira consistente, frente aos equívocos de política produzidos no ambiente

da modelagem macroeconômica keynesiana em uso.

Cabe a crítica. A inefetividade das políticas públicas, para os Novos-Clássicos da

expectativa racional decorre, em primeiro lugar, do desmanche teórico, que se propôs a fazer das

antigas relações políticas, observadas no interior do sistema econômico após a Segunda Guerra

Mundial.

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E se caracterizará exatamente por tratar, no interior da economia, a maneira pela

qual os aspectos líquidos dos ativos em geral, podem se sobrepor aos seus aspectos “reais",

acomodando, justificando e procurando legitimar, em um modelo científico, a superação daqueles

atores políticos referenciados pela economia real para outro tipo de ator social, que se respalda,

politicamente, pela produção e apropriação da riqueza financeirizada, no processo contraditório

de crise das economias avançadas.(BRAGA, 1993, p. 25-57).

A história real de todo este processo será resumida, por esta escola de pensamento,

como uma crise dos instrumentos teóricos e conceituais colocados à disposição dos governos,

pelos economistas keynesianos da síntese neoclássica, na efetivação das suas políticas econômi-

cas. Qual seja, os instrumentos técnicos que tornaram possível a economia do bem-estar social

do pós-guerra padeceria, ao ver desses novos-clássicos, de um defeito estrutural que era causa da

própria crise do período.

Na rejeição, portanto, dessas premissas caberia construir um novo modelo para as

políticas de intervenção, que, no caso dessa escola, seria mais fidedigno com relação ao curso

dos eventos, mais amplos, da época. E isso vai significar racionalizar a necessidade da rejeição

das políticas. Para tanto formalizam o seguinte argumento, sintetizado no gráfico abaixo:

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Gráfico 10.Efeitos de mudanças antecipadas e não antecipadas na oferta monetária sobre o nível

do produto e dos preços.

Reproduzido de : SNOWDON e VANE, 2005, p. 243.

Do ponto de vista das considerações padrões sobre o argumento das expectativas

racionais, expressas pelo gráfico, registra-se por ordem, primeiro, que o começo da atividade

econômica posiciona-se sobre o ponto A. Todas as interceptações ali observadas –AD0, SRAS0

e LRAS – demonstram nível de preço, produto e emprego como plenamente determinados

em termos de equilíbrio “natural”. Alterações externas a esse ponto A, como por exemplo,

mudanças anunciadas pelo governo para oferta monetária, poderão ser antecipadas pelos agentes

que alteram o nível dos preços praticados, passando-os de P0 para P2.

Produto e emprego permaneceram, nesse caso, em YN seus níveis considerados

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naturais e a atividade econômica, muda para o ponto C , mantido o produto real e as alterações

nominais do preço pago aos salários, em função do incremento da oferta monetária. Nesse

sentido, emprego e renda, permanecem como dantes e os efeitos de curto prazo, da pretensa

motivação governamental, através do uso da política monetária, demonstraram-se neutros.

Quando o governo não anuncia os objetivos de sua política monetária, por sua vez, os

agentes terão uma visão equivocada dos eventos, percebendo as mudanças nos níveis de preços

como relacionada a essa ação governamental, reagem, portanto, aumentando a oferta de seus

fatores relativos. Ao tomarem a mudança nominal, produzida pela oferta monetária como sendo

uma mudança real, e ofertando ao novo nível da demanda, deslocando-se de AD0 para AD1,

puxam o nível de preço para P1 e, por causa disso, retiram tanto o produto como o emprego de

seu nível natural.

Logo:4

a análise novo-clássica sugere que (i) um incremento antecipado na ofertamonetária aumentará o nível de preços e não terá efeitos sobre o nível doproduto e do emprego e (ii) surpresas monetárias não antecipadas podem afetaras variáveis reais no curto prazo. (Trad. nossa).

Vale o mesmo, quando analisado os efeitos das políticas, nos termos das equações

abaixo.

t−1Pεt = α1yt−1 + V − yp

Se o lado esquerdo da equação, t−1P εt , sintetiza os preços esperados e, neste caso,

ainda não determinados, o trecho (α1yt−1), indica a presença da oferta monetária, junto com

um fator aleatório (εt), a qual por capacidade preditiva dos agentes, poderá ser antecipada e,

conquanto assim, será absorvida ao nível dos preços esperados.

É dessa maneira que a intervenção do Estado na economia será visto como fruto, não

de uma necessidade estritamente econômica decorrente do ciclo, de um engano produzido pela

teoria keynesiana. E isto é explicável. Ao assumir este Estado como uma variável exógena,5,

4(SNOWDON, 2005, p. 244).

5“A classificação das variáveis como exógena e endógena estava, também, na base de uma consideração apriori. Em geral, as variáveis eram classificadas como endógenas quando fosse uma questão de fato institucional,determinada largamente pela ação dos agentes privados (vinculados ao consumo ou dispêndio de investimentoprivado). As variáveis exógenas eram aquelas de controle governamental (vinculadas a impostos ou a oferta de

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ao final das contas desnecessariamente, por entendimento teórico dos vínculos que se armam

no Econômico na tradição keynesiana, a equação demonstra que, graças aos avanços obtidos

no tratamento matemático e estatístico dos modelos, a síntese keynesiana possui, neste aspecto,

frágeis postulados, os quais se expressam tanto pela ausência de uma microeconomia para seus

fundamentos, como também, sobre a qualidade das políticas econômicas adotadas, inclusive as

fiscais, segundo as varáveis contidas no seu próprio modelo.

Evidente que o lado da oferta, também, obedecerá a mesma regra acima, qual seja,

aquela que testa a racionalidade dos agentes em conseguirem ou não, à luz de um modelo teórico

da economia por eles utilizados, se anteciparem aos choques que recaem sobre os preços dos

seus ativos. Assim, a equação:

Y − Yn = α(P − P e)

que do seu lado esquerdo nos dá o nível do produto e do lado direito os preços relativos correntes

e esperados, vai refletir a mesma capacidade de antecipação contida nas decisões dos agentes,

sempre frente ao modelo teórico, das expectativas racionais, que os guiam.

Em sendo a imprevisibilidade, mais geral, decorrente da intervenção estatal, através

das mexidas no estoque de moeda da economia, na curva da oferta agregada do modelo, as

expectativas refletem as alterações no nível dos preços relativos, especificamente sobre a maneira

pela qual os agentes se posicionam frente à relação entre o nível natural dos preços correntes e o

novo patamar de preços relativos, determinados no âmbito do mercado competitivo.

Os reflexos sobre o nível do produto só lhe serão positivos caso os agentes percebam

que os preços correntes são maiores do que os preços esperados, puxados, em parte, por um

novo nível da demanda. Neste caso, incrementam o nível da produção futura em relação à sua

produção corrente. Em seu inverso, valerá a regra contrária, qual seja, haverá diminuição do nível

do produto, pois os preços dados, menores do que os esperados, indicariam que estes deveriam

cair no futuro, retraindo-se, portanto, o nível da produção.

A imprevisibilidade na equação decorre, assim, da maior ou menor capacidade de se

antecipar o nível correto dos preços, os quais se confundem, sempre, com o estoque de moeda

presente na economia e sua alteração através da política monetária.

dinheiro). Esta divisão tinha a intenção de refletir o sentido ordinário da palavra endógena –‘ ‘determinado pelosistema [econômico]-- e exógena – “afetando o sistema [econômico], sem ser por este afetado."(JR.; SARGENT, 1979,p. 4. Trad. nossa).

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Uma pequena síntese, conclusiva, pode ser obtida através da equação abaixo. Todo

o segredo do modelo formal reside em explorar a racionalidade dos agentes na obtenção das

condições de predição ou de não predição dos movimentos de preços, especialmente o que é

afetado ou não pelas mudanças na oferta monetária, em seu impacto sobre o nível do pleno

emprego.

O termo, εt, expressa a imprevisibilidade na equação:

yt = yp+β

1 + β(εt)

por onde os Novos-Clássicos vão, em suma, demonstrar que o nível do produto é afetado pela

autoridade monetária, apenas quando os agentes não se antecipam, corretamente, às mudanças

no estoque monetário, sendo que, quando corretamente antecipada, seus impactos recaem apenas

ao nível dos preços correntes em sua relação com os preços esperados.

Como cabe à política monetária desencadear todo o processo e dado que a expectativa

dos agentes é racional, ao se anteciparem frente às mudanças provocadas sobre o saldo monetário,

as políticas econômicas, públicas, não afetam o nível do pleno emprego, tal qual se imaginava

nos 40 anos do período do após a 2ªGuerra, visto que seus efeitos podem ser neutralizados pelos

agentes econômicos. Desaparecem tanto o ciclo econômico, a crise mais ou menos periódica da

economia capitalista, como também, a necessidade do Estado Intervencionista.

De novo a questão da liberdade individual agora, portanto, operando em relação

ao Estado. A sutileza a ser observada é que se anulam, no interior da exposição, os contornos

políticos reais que configuraram todo o período keynesiano, por onde se deu os embates mais

marcantes entre as classes sociais e viabilizou-se, assim, uma economia onde as decisões de

investimento e produção se submetiam as condições políticas da época.

Com efeito, a proposição da expectativa racional, torna-se a ponte analítica da

passagem de um contexto social e político a outro, onde os atores, base do sistema social do

pós-guerra, se auto substituem na configuração de uma economia financeirizada. É que a posse

de ativos financeiros, suposta socialmente generalizada, impõe, do campo micro da oferta de

trabalho ao campo macro das posturas rentista, o mesmo estatuto teórico na apreensão de suas

práticas sociais.

Qual seja, formula a condição pela qual os trabalhadores passam a possuir os mesmo

propósitos e mesmo comportamento no controle dos seus ativos financeiros, pessoais, tal qual

os agentes capitalistas do mercado financeiro e, especialmente, possuem posturas idênticas

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em relação às políticas econômicas governamentais, no plano fiscal e no plano monetário,

antecipando-se a entrada em cenas destas e, portanto, anulando socialmente os seus efeitos,

sempre de acordo com o melhor (modelo) cálculo de oportunidade, em relação aos seus ativos,

que possuem em mãos.

A legitimidade do regime da coalização política keynesiana dá lugar a um novo

regime político simbolicamente construído, através da igualação entre atores opostos, que na

aparência dessa nova sociabilidade política apresentam linhas únicas de convergência ao investir

e, conquanto isso, a lucrarem. Substituiu-se, agora com roupagem nova, a antiga conciliação de

classes, própria ao marginalismo neoclássico, para a compatibilidade entre as classes, mediada

pela nova classe média que opta por acompanhar o Conluio entre proprietários de capital, que

ai foi se articulando. Isso embalado, observe-se, pela ancoragem das relações sociais em uma

economia que se reproduz através do capital em si.

Se assim é do ponto de vista da legitimidade, a justificativa ideológica se dá, formal-

mente, através da premissa da liberdade da escolha individual. No conjunto, esta vai traduzir

sua racionalidade quando lhe permite antecipar os preços futuros, salários, lucros e juros, que

impactam seus desdobramentos, os quais condicionam os valores na projeção sobre os preços

futuros. Como se está frente a um modelo de mercado competitivo, ocorre que se o indivíduo

decidir sobre um preço esperado, conclui-se que, como as experiências passadas e a antecipação

do futuro, isto deverá ser comum a todos os indivíduos que disponham dos sinais dados pelo

mercado. Consequentemente, o preço decidido deverá ser igual, na média, e não na margem, ao

preço a ser determinado no mercado.

Para que isto ocorra, portanto, bastará que todos os indivíduos possuam as informa-

ções necessárias à predição do cálculo, isto é, que partilhem, entre si, o mesmo modelo formal,

o qual apenas traduzirá o comportamento maximizador desejado, observado na economia. A

igualdade de oportunidades retorna na forma da informação simétrica para todos.

Finalmente, a perturbação estocástica se faz presente através da indeterminação

do preço, a ser determinado no mercado o que é equivalente, segundo os Novos Clássicos,

a incerteza própria ao sistema econômico ou a imprevisibilidade e, isto é o mais relevante,

decorrente das mudanças na oferta monetária sobre o estoque de moeda dado, qual seja, do

choque externo decorrente da intervenção do Estado, através da politica monetária.

Não é necessário acompanhar, a partir daqui, todos os desdobramentos dessa ide-

ologia para observar a consequência nela embutida. Primeiro, a introdução da aleatoriedade

corresponde à suposição da indeterminação presente na conduta dos indivíduos. A suposição aqui

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é óbvia. Afirma-se a racionalidade individual em oposição aos diversos tipos de determinismos

sociais, políticos ou econômicos que possam preceder a sua opção.

Mas como tal suposição se põe no núcleo rígido da formulação, dificilmente ficará

claro o papel da opção pela média nos resultados desta pressuposição. Não há nenhuma razão

para se aderir à causa da liberdade individual - aleatoriedade - indeterminação, como suportes da

subjetividade humana, até porque não responde a seguinte questão: qual o estatuto ontológico

que a busca de se comportar na e pela média nos trás para a livre escolha dos indivíduos? Neste

plano, a envergadura do modelo se torce.

Um outro aspecto que ai já se desenha é que, quando generalizado na conduta de

todos os agentes do sistema surge, ao final, a hipótese, igualmente política, que permite rever a

posição da estrutura social, das classes instituídas pela lógica da produção capitalista. Assim,

no desdobramento deste e na forma de uma variável endógena ao sistema de equações, logo

se reconhecerá a mudança da suposta equivalência entre capitalistas e trabalhadores, para seu

reposicionamento, através da hipótese da racionalidade, a uma nova equivalência, agora, entre as

classes sociais, especificamente a classe dos trabalhadores com a classe dos rentistas.

Nada evidente, mas essa aposta foi no sentido de se assegurar o desaprendizado

histórico, isto é, a compreensão da crise como sintoma do comportamento destrutivo do sistema

econômico, para uma crise forjada no interior do sistema político, especialmente tendo como

culpado o Estado. Para eliminar-se a crise, é o bastante esquecer a política, qual seja, a política

democrática construída no pós-guerra. No limite, é a Democracia que se quer afastar, opondo-a

liberdade utilitarista dos indivíduos.

Por seu lado, a contribuição da escola Supply Side Economics, foi vital para os

novos modelos de ajuste do Fundo Monetário para a década que se abria e para as alterações

políticas e ideológicas empreendidas no período histórico da crise da dívida. Sua crítica procurou

demonstrar uma consistente oposição entre as condições econômicas decorrentes de um livre

mercado e aquelas impostas pela intervenção estatal de natureza keynesiana.

E fez juntar, a isto, uma ênfase sobre o lado da oferta da economia real, como fator

de impulso para saída da inflação e estagnação econômica, em contraposição as políticas de

apoio à sustentação da demanda agregada, observada no interior dos modelos keynesianos.6

Com isto procuram demonstrar que a crise dos anos 70, não apenas da economia

norte-americana, decorria daquela intervenção e regulação estatal e, em especial, recuperavam

6(FROYEN, 1998, chap. 17).

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para tanto a Lei de Say como instrumento de critica teórica frente ao predomínio da demanda, no

ambiente político construído pela eleição de R. Reagan nos USA e da M. Thatcher na Inglaterra.

A rigor, consistia no programa econômico destes.

Sinteticamente, se propunham a reduzirem o crescimento dos gastos orçamentários,

principalmente voltados para a seguridade pública, uma redução das taxas de impostos sobre a

fortuna dos mais ricos, menor intervenção do banco central americano e uma política monetária

contracionista.

Ao recuperarem a Lei de Say como sendo essencialmente correta, enfatizavam a

oferta como algo fundamental da organização econômica. Propunham, frente ao ambiente

estagnacionista, deslocar a ação do governo, centrada na sustentação da demanda, para maiores

incentivos aos empreendedores econômicos, os quais seriam responsáveis, em última análise,

pelo aumento da produção e, em função de seus efeitos sobre investimentos, de uma maior

ocupação e treinamento da mão de obra, através de ganhos de produtividade.7

Se responsáveis pelos maiores ganhos de produtividade, logicamente, deveriam ser

os atores, igualmente, beneficiados pelo maior nível de apropriação da riqueza socialmente

produzida, remunerando seus esforços nesse sentido. Aumentos de produtividade repartem-se

pelos seus respectivos produtores, de onde a justeza normativa de tal modelo econômico.

Dessa forma a Lei de Say, projetada pelos clássicos para as condições de longo prazo,

pode exercer seus efeitos redentores, para todos, tão logo fossem retirados aqueles elementos

restritivos do lado da demanda efetiva. Isto vai possibilitar à economia desenvolver-se, apenas,

em função da dotação dos fatores existentes no mercado, dada a tecnologia em uso, recuperando-

se para o curto prazo aquilo que no modelo clássico era previsto para o longo prazo. Isto é, na

condição do correto estímulo à oferta se criaria a sua respectiva demanda em pleno emprego,

que resultaria em maiores investimentos e no aumento da poupança sem o custo da intervenção

pública que a coalização keynesiana impõe.

A racionalidade desse argumento da Supply Side Economics é conhecida nos termos

da Curva de Laffer, que segue abaixo:

7A. BlinderBLINDER, in (MEYER, 1981) .

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Gráfico 11. A Curva de Laffer.

Fonte: BLINDER, 1981, p. 82.

Observada pelo lado da dinâmica da tributação, nota-se que quanto maior a carga

tributária menor será o recolhimento, em receitas fiscais, dai decorrente. Há um limite para a

expansão da receita fiscal, onde esta tende naturalmente a declinar, especialmente em razão do

efeito negativo que a tributação exerce sobre os investimentos. Assim, se a tributação aumenta

haverá um incentivo a não investir-se, frente ao fato de que a incidência da tributação reduz a

rentabilidade desejada pelo investimento correntemente realizado.8

8L. SUMMERS, in (MEYER, op. cit.).

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Logo, a relação poupança/investimento fica condicionada, previamente, a relação

estabelecida entre a receita fiscal e o tributo, de tal forma que será esta relação que vai induzir ou

não o nível da produção, portanto, o nível de investimento da economia. Os efeitos da importância

da demanda efetiva ficam relegados a um segundo plano, ultrapassados pelo progresso técnico e

capital humano, ambos os fatores do lado da oferta. Estímulos ao lado da oferta significam, aqui,

crescimento do produto, maiores salários e menor desemprego.

E a mecânica que produzirá o excedente de capital para esse estímulo à oferta pode,

nos termos do autor, assim surgir:9

governos podem facilmente incrementar a oferta de fundos para o setor corpora-tivo. Isto pode ser feito através de medida que incentivem a poupança ou mais,plausivelmente, através do incremento da poupança pública. A última ação podeser realizada pela redução do déficit orçamentário e limitando as autorizaçõespara os gastos futuros. [...] Políticas de estímulos aos investimentos, serão maisefetivas se, especificamente, dirigidas às corporações de capital.

6.1.1 a crise dos 90 e percursos revisionistas

Será no interior desse quadro político e do correspondente debate intelectual que

com este se faz, que os modelos de ajustes do FMI, em primeiro lugar, prestarão contas. Nota-se

que as características dos modelos do Fundo, até então, indicavam a condição de transitoriedade

em seus fundamentos. ao mesmo tempo em que se mantinham supostos keynesianos se abriam

para uma visão de curto prazo, refratária às concepções da teoria econômica de Keynes. Foi

somente com os esforços da introdução das (ERs), nesses modelos teóricos, que se desenhou a

verdadeira ruptura com a trajetória do keynesianismo bélico anterior. E esta introdução se fez

presente, na origem, no plano da especificação econométrica dos modelos macro do Fundo.

Desde o início da década de 1980 o Fundo já buscava uma maneira de introduzir

em seus modelos de diagnóstico e previsões das condições econômicas internacionais, a maior

quantidade possível de países, estendendo-os para as projeções das condições de médio prazo.

Aqui a incorporação dos pressupostos do “model-consistent” antepunha-se na forma do uso de

expectativas racionais e/ou adaptativas, dependendo daquilo que se queria examinar.

Neste sentido, tanto o ciclo dos negócios como a taxa de câmbio deveriam ser tratados

na forma das expectativas racionais, sendo que demais variáveis poderiam ser tratadas pelo ângulo

9(SUMMERS, 1981, p. 146. Trad. nossa).

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das expectativas adaptativas ou estacionárias. Por seu lado, este passo acompanhava os resultados

do debate acadêmico e das revisões econométricas dos modelos utilizados, especialmente, no

interior do sistema financeiro, estimulados pelas inovações financeiras10 e desregulação graças

ao aumento no fluxo e na mobilidade internacional dos capitais.

Tratar destes, para além da modelagem de equilíbrio do portfólio, era caminho aberto

para entrada em cena das (ERs).11 No decorrer dos anos 80 a condição para a junção de esforços

para a construção de um modelo econométrico estava colocada. Surgem os primeiros exercícios

de simulação do Fundo que incorporavam os desdobramentos do debate em política econômica

e macroeconomia relacionadas às (ERs),12 os quais incorporavam os temas relacionados à

independência dos Bancos Centrais, adoção de metas inflacionárias, liberalização da conta

corrente dos BPAGs, liberalização comercial, as regras de atuação, guiadas moralmente, por

parte das autoridades monetárias, etc. Será produzido, a partir de então, a ideia de uma nova

sequência, de segunda geração, de reformas pelo FMI.13

Essa nova série de reformas de segunda geração, ao passar das preocupações teóricas,

próprias aos supostos da modelagem macroeconômica usual, levou, por seu turno, à consagração

daquela postura observada em M. Friedman14 onde o suposto realismo das pressuposições que

embasam a teoria é abandonado em prol das filosofias. E, em consequência, a veracidade ou não

de um modelo teórico vai passar a depender de sua capacidade preditiva. Os exercícios formais

de verificação empírica, pode-se dizer matemático e estatístico, passam a comandar os elementos

de certezas contidos nos modelos.

Filtrado pelas proposições metodológicas schumpeterianas e adensados pela visão de

economia laboratorial de M. Friedman,15 as razões d legitimação aos modelos intervencionistas

serão deslocadas, agora, para a propriedade de sua capacidade preditiva. Isto induz a que os

países membros comprometam-se com suposições políticas prévias ao serem capturados pela

10(Braga, op. cit.).

11(BRAYTON, 1997) .

12(BOUGHTON, 1997) .

13O FMI associa nesse período as contribuições diversas tanto das (ERs), quanto do programa econômico deReagan, em suma todas as formulações contidas no Consenso de Washington. “O Consenso de Washington [...]tornou-se o paradigma prevalecente para os últimos anos de 1980 e no início dos anos de 1990”.(BOUGHTON, 2001,p. 28. Trad. nossa).

14(FRIEDMAN, 1970).

15O suposto de economia de laboratório em Friedman é de (SCHLIESSER, 2005) .

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nova rede de condicionalidades que a instituição desenvolve, frente às críticas mudanças que ai

vão se dando.

Agora, primeiro, todas as propostas de intervenção por parte do Fundo vão respaldar-

se por uma suposição de compartilhamento entre as partes de tal maneira que, filtrado na forma

de “Carta de Intenções”, a adesão aos termos das condicionalidades/fiscalização do FMI, dilui

os impactos sobre a soberania dos países membros. Uma discussão “técnica” de balcão, com

instrumentos e suposta neutralidade tida como princípios, substitui a discussão política aberta,

incorporando-a aqueles elementos técnicos. A racionalidade desta formulação passa a seguir a

seguinte engenharia demonstrada pelo diagrama abaixo.16

16(MUSSA MICHAEL & SAVASTANO, 1999) .

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Figura 12. Fases dos programas do FMI.

Fonte: MUSSA, 1999, p. 9.

Segundo, e os vínculos com as (ERs) serão dados no interior dos modelos negociados,17 em função do uso das técnicas de otimização, postulações, certezas e previsibilidade neles

contidos.

De uma forma ou de outra os estados membros compram, pela negociação com-

partilhada, as novas pressuposições. O que permite tanto refutarem as críticas que ai já vão se

17P.ex., tendo como ponto de partida os estudos sobre comportamento ótimo do Banco Central na forma de metaspara a política monetária, como em (KYDLAND, 1977) .

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avolumando, como legitimar a entrada em cena daquelas novas premissas. M. Mussa diretor

do FMI, nesse sentido, coloca uma parte da questão e omite a mais decisiva (MUSSA MICHAEL

& SAVASTANO, 1999):

Os programas do FMI são, na prática, completamente flexíveis. Um programaacordado pelo FMI é um processo. Evolui ao longo de uma multiplicidade decaminhos potenciais, conduzida por eventos econômicos exógenos, por ações dapolítica das autoridades nacionais, e pelas respostas da equipe de funcionários,da gerência, e do quadro executivo do FMI, dentro da estrutura geral das políti-cas do fundo que governam o auxílio ao membro. Aqueles que trabalham emprogramas do FMI, dentro do fundo ou com as autoridades nacionais, compre-endem geralmente a natureza interativa e de ‘retorno em aberto’, desse processo.. . . O processo envolve duas partes principais: um país revestido de problemasde pagamentos externos, originados em desequilíbrios macroeconômicos e/ouestruturais e o mandato do FMI, para oferecer a assistência financeira e técnicaaos membros que realizam o ajuste econômico.(Trad. nossa)

Se, dito de outra forma, as escolhas teóricas e de políticas a serem adotadas,

transformam-se em questão política das mais relevantes para o Fundo, a despeito das supo-

sições políticas entre as partes, aqui em um primeiro momento, contidas nos seus programas e

nas escolhas que a instituição tenha de incorporar para o seu normal funcionamento, o inverso

não é verdadeiro. Qual seja, nas concretas condições pelas quais os Estados com balanço de

pagamentos em desequilíbrio e em crise, terão minada sua capacidade de resistência aos termos,

nada equivalentes, colocados pelos programas de ajuste do Fundo.

Cumulativamente, ao contrário, nota-se ao longo da história que o Fundo Monetário

ganha mais força relativa sempre que negocia com Estados fragilizados pelas limitações impostas

por seus balanços de pagamentos. E ganha força na exata proporção que os países membros em

crise perdem sua força relativa no interior do Board do Fundo, para os países de maior poder de

voto.

Agrava esse aspecto, seu poder desequilibrador de mando que provêm, fundamental-

mente, da incidência dos seus programas de ajuste sobre as circunstâncias conjunturais críticas,

da economia capitalista mundial, em especial em relação às economias capitalistas tardias e

periféricas. Que se dá na forma de empréstimos e de controle indireto sobre o montante das

divisas em circulação entre os países e demais regras internacionais a serem cumpridas, com

efeitos que extrapolam as economias dos países membros.

E a premissa principal dos novos modelos em negociação, sinteticamente, tal qual

acima, vai postular a partir de então, não mais esse Estado como ator principal para a acomodação

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das políticas de ajustes, mas sim o bem estar e a soberania do consumidor, como alvo direto da

fundamentação dos programas de intervenção do Fundo.

Fez assim através do postulado da racionalidade dos agentes, onde estes são os que

fazem a crítica à ação das autoridades públicas do Estado. Para tanto, argumentam no sentido de

que, frente aos agentes que são racionais, as políticas públicas sofrem a corrosão do tempo e

do não cumprimento dos seus objetivos, previstos. Isto faz com que os agentes antecipem seus

efeitos em tempo presente, seja na forma de aumentos de preços – salários, lucros e juros – seja

na forma de apostas especulativas nos mercados financeiros, neutralizando a eficiência da ação

pública. Especialmente a autoridade monetária, que possui poder discricionário e, portanto, sem

regras pré definidas para sua atuação, implicando no uso ineficiente de seus instrumentos de

políticas.

Logo, para superar as ineficiências em políticas, as autoridades monetárias devem

seguir regras, devidamente estipuladas e não modificadas por nenhum motivo ou interesse ao

longo do tempo. Igualmente, a melhor política decorrente dos choques de oferta ou de demanda

na economia passam a ser tratadas segundo um suposto trade off entre o lado da oferta, inflação

e ciclo. O abandono do lado da demanda vai significar ai a recusa ao keynesianismo, na forma

da critica das ERs, bem como vai introduzir no interior das políticas monetárias perseguidas

por Regras, ações em políticas voltadas para amortecerem os efeitos do choque de oferta para o

conjunto da economia.18

Em condições de expectativas racionais e de inconsistência temporal das políticas, a

política monetária deve buscar um ponto ótimo para as taxas de juros e cambial e, em condições

de choque de oferta, buscar reduzir os impactos deste para o conjunto do sistema econômico

seguindo regras que supõe a autonomia das autoridades monetárias, para operarem tanto na

condição de curto como na de longo prazos. Logo, quando a adesão/negociação dos países

membros ocorrem e finalizam-se são essas as premissas pré-condicionais que o Fundo vai

estabelecer para aceitação de seus diversos tipos de empréstimos, em função dos seus programas

de ajustes.

O importante aqui é que as variáveis chaves da macroeconomia já podem ser expostas

como dependente das expectativas racionais dos agentes, consistente com as condições de

longo prazo e neutralidade da moeda no curto prazo. Dessa forma as condições de ruptura

com a trajetória passada criam um novo curso no andamento da instituição, onde em meio a

18(KYDLAND; PRESCOTT, 1982) .

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239

críticas internas e externas, as quais indicavam falhas no modelo19, extremava-se a opção pelo

aprofundamento no uso de modelos apoiados nas expectativas racionais da escola novo-clássica.

Portanto, será no interior deste contexto de ideias e debates que surgem as propostas

em modelo macro e em políticas que orientam e darão seguimento aos programas de ajustes

orientados para o crescimento, sintetizados pelos seus esforços de síntese entre ajustes na

condição de curto e de longo prazos.20

Uma rápida inspeção sobre a série de equações21 contidas no modelo que domina,

sempre orientado pelas suposições dos novos-clássicos, por toda a década no Fundo, demonstra a

racionalidade e a ideologia envolvidas em suas propostas de políticas. Na forma da função reação,

cujo sentido é o de que as autoridades públicas possuem especial interesse em influenciarem

o voto do eleitor, sua base de poder em política, através da alteração no ritmo da atividade

econômica utilizando-se das políticas fiscal ou monetária,22 especificam-se as seguintes funções:

rst ≡ rst1 + α(mt −m∗t ) + β(ert − er∗t )

Dada a taxa de juros como variável de ajuste do modelo, as metas previstas para taxa

cambial, inflação e oferta monetária, são todas produzidas pela ação da autoridade monetária.

Seja, portanto,

• rs é a taxa de juros nominal de curto prazo;

• m = saldo monetário;

• er expressa a taxa cambial, sendo∗ o equilíbrio entre saldo de divisas e o monetário

doméstico;

• α e β são coeficientes.19J. WILLIAMSON em 1987 chamava a atenção para a inexistência, no modelo do Fundo, de constrangimento

ao comércio externo para os países em crise, afetando diretamente sua capacidade importadora. In, (CORBOVITTORIO; GOLDSTEIN; KHAN, 1987).

20O próprio BIRD sofreu os efeitos dessas mudanças e o expressou como fator de maior importância para o novocurso de seus projetos. (VINOD, 1991) Para a crítica a essas concepções veja A. Singh, in (ARESTIS; SAWYER, 1998).

21Para todas as equações que seguem e para maiores detalhes veja (LAXTON, 1998) .

22(SNOWDON, 2005, chap. 10) .

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E na condição de capturarem-se metas inflacionárias, as quais impõem condições

para o uso da taxa nominais de juros de curto prazo obtém-se:

rst ≡ rr∗t = πet + µ(πt − π∗t ) + v(yt − y∗t )

Onde:

• rr∗t , πet e y∗t são valores de ajustes para as equações do sistema linear;

• πet é a expectativa inflacionária.

Nota-se que essa primeira equação busca expressar os efeitos multiplicadores dos

gastos orçamentários sobre o produto, de tal maneira que se possam acompanhar os efeitos de

uma redução do déficit sobre aquelas variáveis, claro, especialmente as mudanças sobre o nível

de preços.23

Nos termos das ERs para o trade-off entre a Curva de Phillips e a inflação, o modelo

é expresso a partir das duas equações abaixo:

π = πet + 1 = F (yt) + επt

e,

πet + 1 = Φπmct + 1 + [1− Φ]πt−1

para:

• πt = deflator, ao momento t para a taxa de mudança do produto bruto das economias não

exportadoras de petróleo;

• πet + 1 = expectativas inflacionárias, durante o ano t, da inflação do ano anterior;

• πmct + 1 uma condição formal para que o modelo tenha soluções consistentes no uso da

inflação passada;

• Φ um valor não negativo, para ponderação na solução do modelo;23(ISARD, 2000) .

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• επ é o termo de erro aleatório do sistema.

Aqui a exposição do lado da oferta no modelo narra a condição pela qual um choque

promovido pela política monetária, exitoso no combate a inflação, deve considerar que a taxa de

desemprego fica em torno da sua taxa média natural de desemprego da economia.

Por esses aspectos mais gerais,24 nota-se como se efetua a incorporação de ambas

as ideologias, das expectativas racionais e da escola supply-side economics, no conjunto das

premissas exigidas nos termos das novas condicionalidades do Fundo. Encarando-se pelo

conjunto da mudança histórica, aparecem como instrumentos necessários tanto ao combate à

coalização política keynesiana do pós-guerra como a instituição de um novo simbolismo que

traduz as aspirações de fim da história, naquela condição onde todos se tornam proprietários de

capital.

Se K. Marx nota o quanto foi insidiosa a entrada em cena do dinheiro, pelas mãos de

W. Shakespeare,

Ouro? ouro amarelo, reluzente, precioso ...Eis o bastante para fazer do negrobranco, do feio belo, do injusto justo, do vil nobre, do velho novo, do covardevalente. E porque razão? O que é isto, deuses sagrados? É isto que afasta dosvossos altares os vossos sacerdotes e os vossos servos[...](MARX, 1977, p. 314).

Por analogia o capital, agora de um lado, apresenta-se como razão técnica aos seus

solicitantes. MEFISTÓFELES:25

• Bom Senhor, se queres tanto me ver,

• E por tudo indagas que há lá pelo Inferno,

• E sempre a mim contemplas, com todo prazer,

• Aqui estou de novo humilde, caro e fraterno.

• Perdoa se não uso alta e fina linguagem;

• Há muito as vaias da assistência causam-me horror;24Demais desdobramentos do modelo: (LAXTON, op. cit.).

25FAUSTO, PRÓLOGO NO CÉU, in (GOETHE, 2002, p. 22).

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• Minha “tara a teus risos dará sempre margem

• Também caso não tenhas perdido o humor.

• De sol e das estrelas eu nada entendo;

• Atormentar os homens é só que pretendo;

• E o homem será sempre um grande bobalhão,

• Como no dia primeiro em que houve a Criação.[...]

• Não lhes tivesses dado o lampejo divino,

• Que se chama Razão, e que o faz mais brutal

• Do que todos os bichos do reino animal.[...]

• Que no chão se mantém exposto debilmente

• e no lodo chafurda, e luta eternamente.

De outro, como necessidade de reinvenção: “CREONTE - A Esfinge de cantos

pérfidos, a Esfinge que nos forçava a deixar assim o que nos escapava, a fim de olharmos de

frente o perigo posto sob os nossos olhos.”26

6.2 O Político na economia dos Clássicos Modernos

Foi vista a importância da contribuição dos postulados das expectativas racionais aos

modelos, dominantes, dos programas de ajustes do Fundo Monetário. Agora, evidenciam-se o

quanto seus aspectos centrais, largamente incorporados ao conteúdo das políticas neoliberais

e de prática corriqueira no FMI, devem estar sujeitos à análise e entendimento em relação às

mudanças políticas mais recentes, observadas não apenas nas economias avançadas. Pois, se há

de fato um esforço para caracterizar, no interior da crítica atual, os diferentes significados dos

conceitos fundamentais da tradição liberal, certamente, esses aspectos serão definidores.

Convém, também observar, para delimitar o campo deste debate, que a marca maior

do Liberalismo Social do pós-guerra deveu-se a contingência deste viver pressionado por crises

profundas, levantes sociais, políticos e culturais no período, que incorpora como próprio ao seu26(SóFOCLES, 1998, p. 11).

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tempo, sustentando-se, em sua época de Ouro, por sobre uma política de Consensos, como algo

vital à saída de uma condição construída pelo capitalismo de então.

Aliás, levantes esses, movidos por parte das classes trabalhadoras, em geral, em

torno de um regime social derivado da Democracia, não havendo na tradição liberal nada inscrito

neste sentido, não fosse este aspecto político,(ELEY, 2002) ou outras características que afastasse

a tradição liberal das concepções de indivíduo liberdade e poder que o define desde o momento

de sua fase clássica.27

Por extensão, portanto, o atual neoliberalismo se configurará no interior de um

momento da história política, dos anos de 1970/80 do séc. passado,28 onde exatamente aquela

tradição liberal clássica perde seus elementos configuradores. Pois, a partir desse momento,

viabiliza-se através do domínio da sociabilidade afluente financeirizada, práticas que naquele

contexto clássico seriam rejeitadas, por uma gradiente, que se colocaria do antissocial ao

antiliberal. Não obstante, um novo liberalismo afirma-se ai e sob diversos temas sua prática e

valores podem ser observados.

A reimposição da condição originária ao mercado de trabalho, o qual após as formu-

lações em políticas derivadas do rechaço das suposições contidas pela “Curva de Philips"implica,

atualmente, na reinserção de ajustes ditados pelo lado da oferta do trabalho. Evidente que todas

as postulações no sentido da flexibilidade de empregos e dos salários, convergem para um mesmo

princípio ideológico fornecido pelos novos-clássicos.

As consequentes questões redistributivas, a partir daí, calcadas pela proposição da

concorrência e da presença do Estado, no plano da oferta e não mais pelo lado da demanda

efetiva e ação do Estado, em busca do pleno emprego, é mais um produto nesse sentido. A

naturalização da troca, sem nenhum recorte da dimensão fetichista das mercadorias e condutas ai

envolvidas, que culmina na dominação dos direitos de propriedade como sendo indisputáveis e

absolutos para a defesa do capitalismo e maior privatização na gestão da moeda e sua relação

com as crises cíclicas,(BELLUZZO, 1993, p. 81), tema sempre correlato aos anteriores e outros,

tem sua fonte original no interior desse modelo político.

É neste sentido que os postulados presentes no interior desta escola ficam e nada

ficam a dever a tradição liberal, o que por si só indica dificuldades na em sua construção teórica

27Entre outros: “Kant e as Duas Liberdades”, em (BOBBIO, 1987). Para uma visão de perda, nas e para as posturasliberais (ROTHBARD, 1988).

28Vide, p.ex., (HARVEY, 2005).

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244

inovadora, no seu trato com as questões da teoria e da política, os quais não eram ocultados,

inclusive pela tradição liberal tradicional, mas sim faziam parte do núcleo da investigação teórica.

Portanto, aquilo que parece ser uma crítica bem fundamentada às questões da uti-

lidade no uso dos parâmetros nos modelos econômicos anteriores, para a sua inflexão no

adensamento de supostos técnicos substituto daqueles, os quais apresentam fragilidades quando

empiricamente testados, demonstra ser, antes de tudo, dificuldades difusas na reconstrução de

uma efetiva teoria econômica, por parte do neoliberalismo, que dê conta das novas relações que

se armam entre o Econômico, sua economia, e a política, nos novos tempos.

Expresso como uma política, a tensão reside no fato de que os postulados ali de-

senvolvidos afirmam tanto os elementos mais permanentes da tradição liberal, forçando sua

convivência no interior das instituições existentes, i.é, politizando suas suposições a priori,

como também, ao mesmo tempo em que buscam reintroduzir, como nova perspectiva, os pos-

tulados mais conservadores dessa tradição, em um autêntico giro para trás, em direção a um

reformismo político,29 as quais se sobrepõem as mudanças mais atuais do liberalismo, expressos

pelo libertarismo conservador.

Ao trilharem este caminho, certamente, danificam os pressupostos mais ricos da

tradição liberal, na forma do liberalismo social do pós-guerra, seja pela descontextualização

de suas análises, seja pelo exercício de um puro anacronismo, seja por incapacidades perante

o curso da história ou simplesmente por erros nas exigências necessárias à construção de uma

teoria, ainda que não sejam, necessariamente, entendidos como erros técnicos.

É que os aspectos acima revelam um entendimento, básico, na construção e aferição

dos elementos teóricos próprio da teorização em economia, com larga consequência sobre o

que resulta desta postulação, quase oculta, inicialmente colocada. Ocorre que os modelos em

economia, tanto para (HICKS, 1976), como para (CHICK, 2003), se dividem em dois grandes

grupos: os que concebem a teoria econômica no tempo, vale dizer, buscando incorporar o

tempo-histórico no interior de sua explicação e os modelos que elaboram a economia do tempo,

i.é., concebem a explicação da economia, apresentando-a em um curso do tempo, tomado

logicamente e de maneira reversível.

Um recorte desta natureza dá como resultado o fato de que, no primeiro caso, o

Econômico em sua relação para com a economia é, desde seu ponto de partida, um caso dinâmico,

impondo severas condições teóricas para sua apreensão.

29Parafraseando Keynes: Os homens teóricos, os quais acreditam estar livres de qualquer influência filosófica,são, em geral, escravos de algum Filósofo Político já morto. (KEYNES,op.cit. p.383).

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Enquanto que no segundo caso, a qualidade dos axiomas e dos parâmetros e a

maneira pela qual deles se propõe o entendimento das demais variáveis torna-se o ponto de

partida da análise e da compreensão da economia. A analogia da economia com os fenômenos

físico-naturais permite que se proponham padrões descritivos a priori e, na exata medida em que

estes são construídos, o modo de ver os fatos da economia expressam relações estipuladas de

forma natural ou o quão lógico matemático, possível.

A ação humana, neste caso, fica desprovida dos critérios políticos e históricos que

a move, sendo absorvida em termos de uma pretensa função objetivo. Esta função teria a

capacidade de apreender os comportamentos individuais de acordo com um metro maximizante,

reiterado, reversivamente, para frente e para trás reafirmando uma postura entendida como normal

a todos e incrustada no campo natural da atividade humana, que se pré-estabelece, contudo, no

modelo da análise.

Naturalizar, aqui, deve significar tomar como absolutamente normais todos os aspec-

tos do Econômico que respondem pelo surgimento do sistema econômico e surge travestido na

forma da liberdade da troca, da produção do valor através do uso do sobretrabalho, da apropriação

da riqueza socialmente produzida e todos os demais corolários daí decorrentes.30.

Mesmo assim, o ponto inicial acima justificado, é que nenhuma dessas concepções

poderá ser entendida segundo seus próprios méritos, no sentido de possuírem qualidades eminen-

temente teóricas que as justifiquem em si. A rigor, estas só podem adquirir importância social

quando filtradas por um ator político, as quais ambas devem aspirar, investido na sociedade

política, que suporte seu discurso e as socialize, que lhe empreste, desta forma, algum tipo de

mérito.

À medida, mesma, em que se opuserem uma em relação à outra ou ao surgimento de

concepções radicalmente diversas de si, do ponto de vista de um ator específico, puderam galgar

o espaço social das representações por elas contidas. Logo, a despeito da vontade do cientista, já

na concepção do tipo de modelo a ser usado na teoria econômica, a questão política se põe para

além da vontade do próprio cientista, ainda que seja trilhada e pavimentada por este.

Esses são aspectos, suficientemente universais e respondem pela não autonomização

30Em Dumont, a autonomia do político em relação ao econômico, na modernidade, reportar-se, primariamente,as formas inovadas que possuem a riqueza “móvel", i.é, aquelas tidas como bens e dinheiro, em contraposição ariqueza imobiliária, onde o exercício do poder também se dá por sobre os homens. O econômico, como um espaçopróprio, surge, portanto, e determina a separação da política da economia por desvencilhar o homem da riquezafixada pela propriedade do solo. Daí a ideologia econômica se erigir de maneira vitoriosa na modernidade. Naanálise de Dumont o político não coloca a política e a ideologia econômica é monoliticamente construída. De ondeme sugere que a ideologia nasce “naturalmente", em decorrência dessa mudança. (DUMONT, 2000, p. 17-7).

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da política da economia e vice-versa, ainda que no fraco sentido schumpeteriano. Os Novos-

Clássicos partilham do mesmo ponto de partida tanto da Filosofia Política Liberal, como da

Economia Política Clássica que lhe é correlata.

Para ambos os Clássicos e Novos-Clássicos, é fundamental desenvolver um tipo

de tratamento sobre a história o qual lhes permite a acessar como sendo natural. Olhando

retrospectivamente este tipo de tratamento é uma tradição que se aprofunda no tempo e nos

remete a uma forma de ver o indivíduo pelo prisma da determinação humana na perspectiva

do progresso, encontrado na Filosofia Política Moderna e na dependência inicial da própria

teoria econômica as propostas ai encontradas.( POLANYI, op. cit. p.124-25) Este vínculo,

que se encerra segunda uma maneira original que toma forma a partir de D. Ricardo, 31 deixou

consequências significativas para o que viria mais tarde e, em função disso, importa de perto.

A inflexão que naturaliza, ao tomar como dado e finalizado, o movimento histórico

que torna possível a formação da economia capitalista, franqueia e, ao mesmo tempo, implica

num esforço continuado de se apresentar a economia moderna por dentro de uma lógica abstrata,

(TOLIPAN, 1990, p. 57), que nega, recorrentemente, as contradições e o caráter histórico desta

sua fundação, exatamente para ocultar, no sentido de colocar no ombro do individuo e não da

discussão pública, os elementos de conteúdo nascidos com a instituição do Econômico, os quais

se resolvem apenas quando considerados socialmente.

Com efeito, se este não é o procedimento válido para os modelos que buscam

inserir o tempo histórico na captura e apresentação dos seus resultados, examinando a economia

capitalista no tempo, o é para os modelos teóricos do segundo tipo. Nestes a questão fundamental

recorrente, na elaboração de suas premissas, será o de desviar-se da remissão continuada à

questão da origem e fundamentos da economia capitalista, colocadas pelas práticas econômicas

diárias e cristalizadas nas crises e nos diversos tipos de sub-otimização dos recursos produtivos.

O fazer-se aqui, colocado no âmbito da justificativa filosófica, atualizada recorrente-

mente, através da tentativa contínua de naturalização das suas próprias premissas, imporá a tarefa

de persuasão contra o cepticismo, a desconfiança sobre a falta de virtudes do sistema, se impondo

em um plano discursivo abstrato, como que assim, recriando a legitimidade de suas postulações

originárias, sem os inconvenientes demasiadamente humano contidos em sua origem.

Esta tarefa, como se pode observar quase de pronto, imprime a estes novos-clássicos

o procedimento de militantes, presume-se, legitimado pela produção de uma ciência que se quer

31Veja, (COUTINHO, 1995).

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rigorosa e afastada dos interesses políticos mais imediatos, condenável à luz da concepção e

intervenção do Estado. E isto os converte em defensores de uma ciência em oposição a uma ou a

vários tipos de políticas deletérias, não apenas por princípios apoiados em seu desinteressado

sistema lógico e dedutivo.

Vale ressaltar, olhando criticamente, que a tarefa não foi e não é de pouca monta, pois

a defesa natural daquilo que historicamente se constitui, segundo esta visão, impõe a aceitação de

uma natural hierarquia para a relação que se dá entre os homens, tendo como medida sua menor

ou maior capacidade de apropriar-se da riqueza social, redefinida em termos de rendimentos

financeiros (BELLUZZO LUIS G. MELLO E COUTINHO, 1998) ou, o que não é a mesma coisa, da

capacidade de se ter ou não os instrumentos necessários à apropriação, desigual, desta.

E, mais, deverá se referir à conversão da força de trabalho em algo essencialmente

natural e equivalente aos demais meios físicos de produção e, no novo contexto, tão menos

necessário sua existência quanto maior o ganho, medido em termos de rendimentos, dos ativos

líquidos nos mercados de capital e financeiros. Ou, ainda, pela sua nulidade em função da

ciência e do progresso tecnológico. Deve colocar, igualmente, a disciplina fabril para todas as

condutas sociais, frente ao definhamento do mercado de trabalho, e sua transformação em rede

de empreendedores, estimulando a competição entre as pessoas.

Deverá impor, ainda, como sendo natural o conceito e a noção do dinheiro, seja como

medida para as trocas das mercadorias, como reserva de valor, meio de pagamento e seja como

um bem público. E estabelecer o domínio e a definição da propriedade do solo, como sendo

naturalmente extensiva aos diversos tipos de propriedades sobre os bens móveis e a propriedade

sobre o excedente produzido pelo sobretrabalho, as quais, nota-se, ainda que historicamente

diversas, se sustentam graças ao mesmo princípio legitimador e legal, a despeito de não ser,

evidentemente, algo idêntica.

A consequência para todo este processo, que vem sendo assim trilhado, é o de

submeter o poder político a uma forma antiga de institucionalidade, por onde os atores e

instituições do sistema financeiro, avançam sobre a lógica dos centros públicos de decisão,

convertendo-os para sua finalidade. O modelo Novo-Clássico justifica esta nova configuração

da passagem do poder político e desenha a maneira pela qual a política da nova economia vai

sendo, neste contexto, realizada. O papel da crise econômica naquele período, também, teve sua

importância ao recontextualizar as práticas permitidas e já contidas no e pelo quadro econômico.

Aprofundou, geograficamente, a intensidade do ciclo do capital produtivo,(MARX,1975,

L.2 V.3) atingindo a velocidade tanto da circulação dos diversos tipos de capital, bem como

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seu tempo de rotação, rompendo os limites contábeis, expressos nos registros fabris nacionais.

Impulsionou, pela presença de mais capital líquido, os contornos de sua reprodução ampliada,

adicionando a cada departamento um setor financeiro próprio, o que permite uma autonomia

relativa deste, já aqui observada.

Alavancou, no bojo da crise, novas perspectivas para a ação individual dos trabalha-

dores, franqueando a estes, de maneira inovadora e mais ou menos generalizada, a tomada de

decisões sobre desembolso de capitais líquidos. O que amplia os limites nos quais o indivíduo

subordinado se confronta consigo mesmo,(CHAIA, 1995, p. 167), frente às alternativas da vida

social, expressando-se por um tipo de liberdade que apenas vale para sua recondução à situação

de origem. Essa condição pela qual os trabalhadores sistematicamente poupam, com política

monetária restritiva, se reverte em queda no nível de emprego, conforme pode se concluir de M.

Kalecki,32 e demonstrado para a economia australiana pelo gráfico abaixo.

32(KALECKI, 1987).

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Gráfico 13.Taxa de desemprego, ▭,e da dívida privada, X , em relação ao PIB.(Austrália)

PIB

PERÍODO

Recompilado de KEEN, 2012, p.3.

E estes se viram em crise, atraído e subjugado pela lógica das necessidades imposta

pelas contradições presentes no movimento que gera o Econômico em sua forma a mais contem-

porânea, que atinge tanto o Estado e suas políticas, quanto sua formação social a mais básica.

Cedeu, em suma, ao velho encanto do laissez-faire, travestido pela roupagem da economia

Novo-Clássica.

A inversão é brutal e justifica a configuração dos novos tempos. Enquanto que

nas concepções anteriores da economia, a firma representativa marshaliana aparecia frente às

dificuldades de generalização, ao nível temporal e ao nível empírico, das suposições analíticas

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da teoria econômica, os Clássicos Modernos alteram este pressuposto, que se se retinha, em

grande medida, a priori, relacionado a um conjunto de outros fatores que faziam parte da teoria

econômica liberal tradicional.

Tratam como algo de real à economia o especulador, sintetizado na figura de um

“rentista"representativo e os trabalhadores, que antes contavam com a proteção do Estado de bem

estar social frente aos momentos de crise da economia capitalista, agora, no modelo, têm sua

luta política invertida e passam a se opor, logicamente, a intervenção deste.33

E a base material que vai tornar possível à entrada em cena desse novo diagnóstico,

bem como as novas condutas próprias ao rentismo, inclusive para aqueles sem trabalho, sem

renda e sem ativos,34 indicará uma alteração no comando coordenador das economias avançadas,

proposto pelo desdobramento e acolhimento da questão monetária, gestada no âmbito da escola

monetarista, empunhada pelos novos-clássicos.

Assim, de um lado, as inovações institucionais que desregulamentam o setor finan-

ceiro já em meados dos anos 60 do séc. passado, quando até então a fonte principal de entrada

da moeda na economia capitalista se reportava ao pagamento dos custos da atividade produtiva

pelos capitalistas, especialmente, pela validação das decisões de gasto, vinculadas a compra e ao

uso da força de trabalho, por parte dos Bancos Centrais. Que serão alteradas para dar conta de

um novo marco regulador, onde as regras discricionárias e a ação dos Bancos Centrais se tornam

independentes do Estado.

De outro, no apoio destes à liquidez decorrente das inovações financeiras, também, já

naquele período, que descola as condições do crédito da dinâmica colocada pelo ciclo econômico,

redefinindo-se, e isto é o fundamental, as relações que se davam entre devedores/credores, com o

predomínio político, agora, destes últimos.

É digno de nota que se institui uma nova prática social a partir daí, alterando-se o

modelo social, de há muito tempo ancorado pelos valores do mundo do trabalho, para os valores

sociais observados no comportamento necessário a um desempenho, espetacular, no mercado

de capitais. Supostamente longe das irracionalidades, ociosidades ou trava ao crescimento

da economia como um todo, o mercado financeiro tomou aspectos novos, distintos daqueles,

politicamente, considerados pela Coalização política do pós-guerra.

33A suposição aqui é valiosa, i.é, a política pública, que até então lhe beneficiava no âmbito desse Estado, trai suaracionalidade e quiça seus interesses, para poder operar com sucesso, tomando-o como um ser irracional, incapaz deaprender com seus erros.

34Vide a análise de L. G. BELLUZZO em www.cartacapital.com.br/478/criaturas-financeiras/, baixada em 14 dejaneiro de 2008

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Em função disto, ainda, uma nova tematização da questão distributiva. A distribuição

da renda real, produzida e apoiada pelas relações entre capital e trabalho, pôde se transferir

para um quadro onde a apropriação da riqueza socialmente produzida, decorrerá, legitimamente,

daqui para frente, da capacidade individual de se medir a oportunidade de aplicação dos ativos

pessoais, no mercado, visando obter-se a maior liquidez possível para esses ativos, deslocando-se

a questão distributiva para a produção de um vínculo específico, entre credor/devedor, que ofusca

o conflito inerente à antiga forma de conflito, legitimador das formas da distribuição no anterior

regime de reprodução do capital.

E ao ser necessário a metáfora, convém observar, portanto, a maneira pela qual

o Econômico se institui como oceanos, mares nem sempre navegáveis, por onde a economia

navega. Junto com o político, que coloca a atmosfera, não há mais separação possível entre eles,

pois ambos respondem pelas forças causadoras das “grandes transformações”,(CHAIA, 1995,

p. 172), e não há como evitar o inesperado daí decorrente.

As reformas econômicas voltadas para a América Latina não apenas foram assegura-

das, do ponto de vista da sua viabilidade em termos de custos, pelo FMI e BM, como também,

contou com significativo apoio das Autoridades Monetárias dos USA e do G3, países mais indus-

trializados e com um maior volume de aporte ao FMI e ao Banco Mundial e, posteriormente,

pelo G7. Esse quadro nos fora apresentado da seguinte forma por um membro da Instituição

(BOUGHTON, 2000, p.):

As limitações e as habilidades do papel do Fundo são facilmente perceptíveis,mesmo para um observador casual das questões internacionais, enquanto oseus pontos fortes são mais sutis e controversos. Os ‘países credores’, quefornecem o grosso do financiamento para o Fundo e cuja questão principal sãoas moedas de reserva, obviamente, vai reter e exercer controle substancial sobreas suas alegações e sobre os seus próprios assuntos econômicos. De váriasmaneiras menos óbvias, eles podem colocar seus interesses, na forma de umafiscalização independente do Fundo. Os países que tomam empréstimos doFundo estão, obviamente, em uma posição muito mais fraca e deve sacrificaralguma autonomia política em troca de ajuda financeira internacional canalizadaatravés do Fundo. (Trad. nossa).

Tais sacrifícios das políticas internas e a perda de autonomia dos países envolvidos

nos programas de ajustes, expressos diretamente no interior daqueles organismos internacionais,

supuseram a evidência de um instrumental teórico com diagnósticos reais e objetivos sobre

a situação econômica dos países periféricos sob controle daquelas instituições. Os efeitos ai

desencadeados foram, e isto é relevante, centrados na força das modelagens e de suas armas

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teóricas utilizadas,35 bem como no uso da diplomacia do dólar forte e menos no uso da força

militar direta, até então uma das formas mais relevantes de disciplinar os países periféricos

naquilo que os USA consideravam a melhor política.

Nesse caso, o movimento de síntese em curso nas críticas ao keynesianismo ame-

ricano e as mudanças operadas nas diversas economias nacionais, em especial dos países

industrializados, marcadas por crises recessivas combinadas com inflação, redundou na revisão

dos procedimentos do FMI. Seja em relação à natureza do crescimento econômico, ou em relação

ao regime das taxas de câmbio, após o fim da rigidez cambial, com o colapso do anterior padrão

de sistema cambial e monetários internacionais.

Ou, mesmo, em relação aos desequilíbrios internacionais, das balanças comerciais e

no balanço de pagamento, o objetivo maior de sua atuação, os quais culminaram em mudanças

institucionais internas relativas à ação do FMI, de assistente para fiscalizador dos programas

de ajustes estruturais desenvolvidos pela instituição. Quanto em relação aos procedimentos

técnicos-teóricos, suportadores das novas políticas a serem colocadas em prática no início dos

anos 90.

A simultaneidade das mudanças teve como motivo as sinalizações colocadas pela

crise da economia norte-americana, como aqui enfatizado, e a maneira pela qual essa economia

deveria resolver os rumos da sua balança comercial e de pagamentos, frente aos desequilíbrios

provocados pela sua moeda na forma de lastro internacional para os termos de troca internacionais

e, em especial, para as relações entre esta economia e o sistema monetário e de trocas europeu.

O entendimento de que se estava frente a um problema monetário e de regime

comercial, naquele período, estimulou a construção de novos modelos teóricos que buscassem

incorporar não apenas a moeda no lado real da economia, como também, levaram a que se

incorporassem, as expectativas racionais dos agentes econômicos nos diagnósticos e previsões

de políticas, sem não antes incorporar-se as concepções e os efeitos duramente criticados da Lei

de Say pelo keynesianismo, agora desenvolvido nos termos da Supply Side Economics, junto

com os exercícios de paridade cambiais por zonas de flutuação.

Com isto, tendo por base os modelos neo-clássico de crescimento econômico com

progresso técnico endógeno, deu-se a transformação dos rumos da instituição que passa a operar

os novos caminhos para as reformas estruturais, assim conduzidas, bem como se abre para

35“em grande parte, a revolução silenciosa da década de 1980 resultou de uma mudança na filosofia econômicaem direção a uma nova síntese clássica em que o governo tem um papel indireto, mas não uma responsabilidadedireta, na garantia da prosperidade econômica nacional;(...). (BOUGHTON. op. cit.).

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acolher os procedimentos teóricos-analíticos necessários para tal fim.

Nessa passagem da primeira crise dos anos 80 e ao final da década, abriu-se, portanto,

caminho para um reposicionamento do Staff do Board: o de tornar presente e cada vez mais

intrusa as condicionalidades, que a partir de então se farão presentes no programa do FMI,

viabilizando intervenções sistemáticas nas economias nacionais sujeitas a seus programas de

ajustes, presumidamente na busca da estabilidade. E neste contexto, as economias latino-

americanas foram as primeiras a serem requisitadas.

Mas um drama aqui reside, pois todas essas construções e intervenções políticas

decorreram de uma gama de suposição que possuem pés de barro, o que seria cômico se não fosse

trágico. Quando assim visto, pode-se concluir que, aparentemente, a Escola Novo-Clássica já

nasce cientificamente pronta e acabada. Pois, ao contrário da exemplificação feita por Schumpeter,

sobre um procedimento padrão de acordo com sua visão sobre a ciência, a construção da TGE

de Keynes, (SCHUMPETER, 1964, p. 69), os Novos-Clássicos postulam como sendo sua maior

referência de sucesso empírico, no entendimento dos ciclos econômicos e do equilíbrio da

economia, as postulações clássicas pré-keynesianas teoricamente construídas. E chamam para si

a continuidade, aperfeiçoada, desta tradição –que se faz nos termos da construção de um modelo

científico de equilíbrio geral, nos termos formais indicados acima, à luz de suposições técnicas–

com leves retoques apenas sobre sua superfície.

A partir do diagnóstico assim encaminhado, focalizam seu olhar, supondo-se uma

boa interpretação de Keynes, centrado-o nas questões de natureza metodológica, seja para

demonstrar insuficiências em Keynes ou para demonstrar as suficiências das novas, velhas,

tradições. Justifica-se olhar o método, visto que a metodologia necessária a tal fim já se punha,

desde o interior da “Revolução Keynesiana”, interpretada como uma mudança em método. Sem

as implicações decorrentes, nos avanços de Keynes, das alterações na economia no contexto da

primeira guerra mundial.

Porém, o que se passa é exatamente o inverso. A construção dos parâmetros e

variáveis do modelo, bem como, o uso de uma técnica intertemporal e demais requisitos para

que esse se ponha de pé, demonstra que seu “núcleo rígido"possui uma série de suposições,

verdadeiras a priori,(BLAUG, 1988, p. 13), por onde tanto o Político, quanto à política se tornam

presentes e, ao mesmo tempo, resguarda-se de uma discussão mais aprofundada destes, sugerindo

travas no desenvolvimento teórico mais abrangente, pré-requisito daquilo que se entende por

modelo econômico.

Veja-se, um primeiro pré requisito que se levanta como passo inicial de sua cons-

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trução teórica inovadora, é a necessidade de essa ser vazada em termos de uma fundamentação

abstrata, i.é., em termos de uma discussão metodológica36(SARGENT; WALLACE, april,1976)

desde seu ponto de partida, para não cometer-se, supõe-se, impropriedades indevidas em políti-

cas econômicas, facilmente generalizáveis para políticas públicas, graças às falhas em suposições

metodológicas, mesmo que se trate da ideologia e visões de mundo dominante no pós-guerra,

como o que ocorreu com o keynesianismo da síntese.

Ocorre que afastar a Ideologia e a Visão de Mundo dominante, para os Novos-

Clássicos, indica apenas a necessidade de se reintroduzir aquelas ideias e visões já existentes no

âmbito dos postulados clássicos,(JR., 1973, p. 236). Neste caso o procedimento científico dos

Novos-Clássicos se sujeita, sem outras implicações, a superar as deficiências teóricas presentes

na economia tradicional clássica. E o fará através de uma maior ou menor capacidade em

eliminar as contradições e ausências que acompanha a economia clássica e que foi criticado por

Keynes.

Cabe então, adicionar ao modelo clássico tradicional a condição de equilíbrio geral

para o sistema econômico, conjuntamente, ao tratamento em seu interior da Teoria do Ciclo,

algo essencialmente dinâmico, que se contrapõem ao método de equilíbrio estático, ali presente.

E um, suposto, melhor fundamento microeconômico para as questões macro, algo suficiente

e necessário para uma nova empreitada no campo das ideias econômicas, que necessitam ser

justificadas, assim, politicamente.

Também, a volta ao passado permitirá, a partir daí na forma de um certo truque

impugnar, como falsas, as proposições em políticas econômicas próprias da síntese keynesiana e,

por extensão, o próprio entendimento das condições constitutivas do capitalismo. O capitalismo,

presente na discussão de Keynes, se opõe justamente aos Clássicos à luz de um conflito político e,

por consequência, teórico. Assim, seus parâmetros analíticos surgem como relações institucionais

e de poder, verticalmente dadas e hierarquizadas causalmente, frente aos conflitos que comandam

essas relações.

Porém, na incorporação das premissas clássicas liberais, os novos-clássicos tratam

de introduzir na explicitação daquelas relações de poder uma condição meramente relacional,

onde a não linearidade da política não conta. Se as objeções de Keynes sobre o mercado de

trabalho e a importância da moeda, neutra no modelo de seus antecedentes, o leva a concluir

que a baixa dos salários não é, e não pode ser, a variável de ajuste da economia, porquanto

uma economia que conta com a moeda, como reserva de valor, isto seria apenas um erro, os

36Para uma crítica definitiva aos Novos-Clássicos pelo viés heurístico-metodológico veja (VERCELLI, 1991).

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novos-clássicos reintroduzem a velha premissa da flexibilidade salarial e do nível de emprego,

supondo o fim da política por parte da classe dos produtores de valor.

Finalmente, se Keynes ainda demonstrou de como a dinâmica econômica se faz

puxada pelas condições observadas pelo lado do gasto, qual seja, da demanda efetiva, tornando

necessário o ativismo das políticas públicas na sustentação das condições de acumulação do

capital, corrigindo sua tendência às crises, os novos-clássicos, por seu turno, via reinterpretação

do mecanismo de tradeoff entre a inflação e a atividade econômica, visto na Curva de Phillips, na

forma pura de E. Phelps,37 recolocam sobre o preço de oferta do trabalho os termos do ajuste da

instabilidade capitalista, reduzida a uma questão meramente inflacionária, e enxergam a política

monetária como causa, em última instância, desta.

37Para as reinterpretações da Curva de Phillips, veja (SAWYER, 1987) Para a demanda e a oferta de trabalho veja P.DAVIDSON em (DAVIDSON, 1994, p. 175-95).

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7 FMI para o século XXI. Síntese ealguma conclusão

7.1 Na forma de uma síntese

O Fundo Monetário fez avançar, no período mais recente, após e como efeito das

críticas que recebeu na década passada pelos impactos negativos de seus programas de ajustes em

todas as dimensões econômicas, sociais e políticas, um modelo que retoma a tradição neo-liberal

aqui exposta, desviando-se para a incorporação dos trabalhos desenvolvidos pela chamada escola

da nova macroeconomia aberta. Esta vai propor, por seu turno, as suposições do mercado

imperfeito, da rigidez nominal dos preços, apoiando-se nos modelos de equilíbrio geral sob

condições de “microfoundations”.1

Já à luz do balanço do que aqui foi proposto para a defesa desse trabalho, o novo

modelo – que busca superar as limitações do MULTIMOD Mark III anteriormente utilizado que,

diga-se de passagem, foi ineficaz para prever a totalidade das crises do novo século, incluso

esta de 2008 – terá por objetivo centrar-se sobre “as rigidezes, nominais e reais, necessárias

ao fornecimento de características plausíveis para análises das práticas políticas, dentro de um

modelo otimizante.”2

Se não cabe explorar esse mais recente período quando o descrédito dos programas

de ajuste do Fundo e da própria instituição transformou-se em prática política de rejeição pelas

grandes massas de diversos países e sociedades, talvez, ainda, caiba algum balanço na perspectiva

de alguns esclarecimentos adicionais. Essa exposição, como visto, recusou as teses dominantes

sobre a atuação do Fundo sobre seus programas de ajustes se pautando por uma estratégia de

analise que buscou apreender os objetivos dos programas do Fundo no interior daquele contexto

1Para tanto, (LANE, 2001) .

2(BOTMAN, 2007, p. 3. Trad. nossa). Também, (PESENTI, 2008).

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de mudança no processo da reprodução capitalista.

Assim foram recusadas aquelas críticas que visualizavam em suas ações o objetivo

de restaurar uma situação de equilíbrio das economias em crise de dívidas, em relação às demais

economias centrais ou estabilizadas, base para a retomada do crescimento e da cooperação

internacional entre os países. Obviamente, isso era completamente secundário em relação

ao objetivo maior de assegurar, para a economia mundial, a dominação dos banqueiros e da

sociabilidade financeira frente à dinâmica induzida pelos termos da reprodução contemporânea

do capitalismo mundial.

Mesmo aquelas críticas que observavam a construção dos interesses do Império e das

demais economias centrais por parte da atuação do FMI, no sentido de que suas ações resultam

de uma intenção deliberada em viabilizar conscientemente seus projetos macroeconômicos de

estabilização do dólar, também parecem incompletas frente à suposição do controle sobre os

caminhos da história e da luta política por parte do FMI, quando o próprio Fundo Monetário era,

apenas, um dos participantes dessa construção.

E foram, também, rejeitadas as possíveis explicações que buscam erros ou acertos

por parte dos programas de ajustes, em função das validades empíricas neles contida. Qual seja,

as pesquisas econométricas sobre os efeitos dos programas, evidentemente, são insuficientes ao

entendimento das razões que embasaram aquelas propostas dos programas do Fundo. O quadro

histórico e as incertezas dele decorrentes surgem como respostas efetivas àqueles supostos

desvios ou erros. Há, tudo indica, incompreensão e tentativas de construção de uma nova

realidade por parte da instituição que a induziu para condutas aparentemente desconexas, mas só

aparentemente.

De maneira um pouco mais sistemática, justifica-se o abandono desses tipos de

explicações em função das características daquelas práticas que guiam o Fundo. É que escolha e

decisões em programas, a não linearidade das escolhas, as incertezas e as posturas conservadoras,

irão refutar todas as tentativas de se apreender esta dinâmica do FMI como sendo linear e

evolutiva.

Não há como assumir uma presumível ascensão do Fundo através de um suposto

nascimento, maturação e consequente padronização final, onde se encontram presentes pres-

supostos estruturais de continuidade, por expansão equilibrista, racionalidade substantiva ou

maximizadora, aprendizados institucionais e paradigmas de supostas comunidades epistêmi-

cas transnacionais, que quando alcançados, nesta fase, passa-se para algum tipo de certeza

ou interesse institucionalizado, determinando-se, dessa forma, seu rumo histórico e atuação

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definitiva.

Isto porque os erros, políticos e cognoscitivos, existem e são partes constitutivas

dessa mesma história. Nos termos de Possas:3

Supor que os agentes não cometem erros sistemáticos de previsão porque“aprendem” equivale a suprimir, por hipótese, a presença de incerteza forte,diante da qual, por definição, os agentes sempre podem ser surpreendidos porerros não insignificantes, dada a natureza não-calculável do desconhecimentodo futuro (e não só deste) envolvido. Nesse quadro, faz mais sentido assumirque os agentes racionais, após a devida experimentação, finalmente aprendemque não aprendem! O aprendizado na economia capitalista se resume àquelascircunstâncias, que não são muitas, em que ocorrem regularidades importantes(e.g. trajetórias tecnológicas).

E isso, também, ajuda a refutar aquelas interpretações que enxergam sua dinâmica

pautada pelas pretensas assimetrias e conflitos, em poder e cognitividade, por parte dos países

membros, no encaminhamento das estratégias de ação do Fundo e da conduta, mais favorável ou

não do seu Board. Isso porque, a racionalidade dos Estados sofre, igualmente, os percalços das

conjunturas e das lutas políticas, de resultados sempre incertos, e a racionalidade da instituição,

que deveria aprender com seus erros, será cotejada pelo movimento da história, que dilui sua

oportunidade nesse sentido. Qual seja, a dinâmica da instituição não se encontra numa possível

luta política entre os Estados Membros.

Assim, os efeitos decorrentes das adoções de políticas domésticas comandadas

e fiscalizadas pelo FMI em diversos países, desde a década de 80 do último século – cujo

resultado em geral foi uma queda acentuada nos índices de crescimento econômico, exclusão

social, desindustrializações, empobrecimento generalizado etc. particularmente para os países da

América Latina e da Ásia– destacaram-se aqui não por este tipo de críticas e tampouco pelos

efeitos deletérios, sobre inúmeras sociedades e estados, propriamente ditos, já suficientemente

tratados em outros trabalhos de maneira bastante crítica.

Mas sim pela consequente ação que teve ao viabilizar, mundialmente, o poder político

da classe dos banqueiros como um novo vetor do exercício de dominação sobre os estados e as

sociedades, centrais e periféricas. Consequentemente, pela sua ação no rompimento dos termos

da cooperação internacional do pós-guerra, centrado na coalização política antiliberal que ali se

afirmará, e pelo impulso às formas atuais da reprodução do capital, em base financeira.

3(POSSAS, 2002, p. 129-30).

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De qualquer forma frente às oposições e rejeições políticas de diversas naturezas

que o refugaram o FMI reagiu. Porém, ocorre que se, por um lado, teria que se esperar, em

decorrência do tamanho fracassado êxito dessas políticas e de seus pressupostos, uma série de

profundas reavaliações e de revisões sem precedentes para a história da instituição, com francos

abalos sobre os modelos teóricos ali dominantes no período, bem como nas diversas teorias

projetadas pelas instituições inspiradoras e buscas incessantes de novos pressupostos, isto não

ocorreu. A predominância, ainda, dos supostos teóricos decorrentes dos modelos do mainstream

desenhados no interior das suposições da Filosofia Política do velho e novo Liberalismo se

mantiveram ao longo de toda sua autocrítica , incorporados em novas pesquisas e em novas

formulações de programas por parte do Fundo.

Surpreendentemente, então, a resposta do Fundo e das mesmas instituições en-

volvidas na construção daqueles instrumentos de políticas, foi o de reafirmarem, apoiados na

confirmação dos pressupostos dos modelos e análises contra factuais e de outras suposições,

aquela intervenção recessiva que lhe é característica. Respaldando-se, por este caminho, todo o

aparato analítico utilizado para aqueles fins e, através deste, seu continuísmo em procedimentos

heurísticos e sustentação de políticas, para os Modelos e as Políticas utilizadas, mesmo quando

refutados pelos seus próprios fundamentos.

Algumas razões, provavelmente, se apresentam para justificar o caminho desta

continuidade em modelos. A primeira delas decorre do próprio momento histórico institucional

quando o FMI fora criado. Da sua história ou condição inicial criou-se uma institucionalidade

que se quis adequada ao período de vigência do Sistema de Bretton Woods, responsável pela

sua moldura, práticas e imagens, as quais foram confrontadas com as ocorrências econômicas

observadas ao longo dos anos 80 e 90, do último século.

Soma-se a isto a não existência de novas instituições internacionais que possam fun-

cionar como alternativa aos atuais modelos de Coordenação Monetária montada naquele período,

tornando a situação econômica internacional ainda mais dramática posto que as proposições,

em políticas econômicas, ao nível internacional pedem justificativas e processos de legitimação

para as operações financeiras, comerciais e produtivas entre países, as quais deveriam estar

formalmente distantes da atuação de um único Estado Nacional.

Em segundo lugar e não menos importante, observar-se que as teorizações desenvol-

vidas neste mesmo período, ao fixarem num plano mais abstrato os fundamentos e instrumentos

necessários às negociações internacionais, desde logo, buscando levar a prática os pressupostos

elaborados e contidos em planos teoréticos à luz dos fatos concretos presentes e necessários às

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políticas, têm motivações próprias para manterem-se em evidência ao longo de todo este tempo.

Razões variadas podem ser rapidamente elencadas.

A fundamental parece ser que a suposta universalidade e neutralidade dos modelos

teóricos do fundo monetário foi e continua sendo plenamente adaptável à dinâmica necessária ao

momento mais recente da economia mundial e lhe foi vital neste sentido a maneira pela qual

tratou, de forma desigual, as relações econômicas entre os países industriais e as economias em

desenvolvimento.

Para tanto afastar-se do conjunto de ideias que levaram a síntese neoclássica keyne-

siana, convém lembrar se auto legitimando neste percurso, com os efeitos políticos sociais daí

decorrentes, tornar-se-ia sua questão política central, cuja aposta foi o da não dispersão. Isto

porque, se esta Síntese, como notado, ao movimentar-se entre uma interpretação singular das

contribuições de Keynes, permitindo, por essa via, leituras próximas aos Clássicos e, portanto,

interpretações de conservação e conciliação, a sua estratégia, e uma outra específica sobre o

estado da arte na ciência econômica nos primeiros 30 anos do século passado, convergiu em torno

de questões metodológicas e de pressuposições gerais em modelos econômicos, que dominaram

politicamente o cenário do pós-guerra.

E veio a romper-se como resultado da crise dos anos de 1970 abrindo-se cami-

nho para uma cisão, promovida pelos países membros, no interior do FMI. Como resposta,

os caminhos teóricos em conflito presentes naquele período, com reflexos sobre a pesquisa e

produção teóricas no Fundo, voltaram-se e culminaram em uma nova lógica de rearranjo político

institucional que se forma ao nível internacional, que é governada pelos interesses dos países

credores, produzindo radical incerteza para toda instituição. Uma situação crítica e de consequên-

cias imprevistas, agravado pela inexistência de modelos teóricos suficientemente conhecidos e

consensuais, necessários à orientação das práticas e da construção das políticas de intervenção

em Estados Nacionais, em situações econômicas distintas entre si, tirou a legitimidade de sua

atuação.

Se até então, a instituição pôde se sustentar na divergência desigual do poder de

cada pais membro, o que lhe fornecia condições básicas para sua organização e funcionamento

adequado a um mundo keynesiano4, sua trajetória dependente desta condição inicial o levou

às situações críticas e incertezas radicais nesse novo quadro histórico: seja porque houve

mudanças no contexto político e das ideias em que teve sua gênese, seja porque suas intervenções

nas políticas dos países membros perdeu a natureza da concertação democrática capitalista

4Onde O Leviatã se acalma, mas não o suficiente para sair de cena.(HOBBES, 1983).

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(PRZEWORSKI, 1988), que a guiava.

Ou mesmo porque a dinâmica econômica dos países centrais após os anos 70 colocou-

lhe problemas em análise e teoria novos, sem que o FMI pudesse antecipar a natureza e a

dimensão das novas questões trazidas no bojo da grande crise, conforme notado aqui. O fato

político relevante é que, frente a isto, o Fundo buscou fugir para frente.

As perturbações derivadas desta competição em ideias e rivalidades políticas, igual-

mente, que se auto alimentavam através de constantes novas sínteses, levou o Fundo a aproximar-

se dos postulados, firmemente, colocados pelo pensamento do Mainstream: quais sejam, as

inovações e retomadas incidentes sobre o modelo de crescimento neoclássico, adesão à con-

cepção monetarista para as moedas e o balanço de pagamentos, os programas de trabalho em

equilíbrio geral walrasiano e assim por diante.

Pelo lado dos seus movimentos internos e no exercício da atração pelo Mainstream, o

controle da inflação, a independência dos bancos centrais, a imposição de uma maneira unificada

de se fazer política econômica, etc. e o seu próprio papel internacional, se tornaram vitais, aos

seus olhos, para a manutenção tanto de sua identidade como da suposta harmonia que deveria

existir entre os programas de pesquisa na área e as alterações em modelos e/ou variáveis a serem

observadas no interior da reconstrução de seus novos modelos teóricos.

A iteração constante, desses procedimentos, se permitiu buscar novas fontes de

justificativas e sustentação da tradicional visão de mundo liberal e novo liberal reafirmando,

nesse sentido, uma identidade que quase se perdia, levou também, em consequência, a um

maior distanciamento daquela fonte inicial de legitimidade conquistada no pós-guerra. E isso

instabiliza, mais ainda, sua trajetória no campo das ideias, projetando e adensando o cenário

por onde cresceriam as condições para a ruptura com os pressupostos intelectuais daquele seu

momento inicial.

Por onde, de novo, a tempestade: “PRÓSPERO - Concretizam-se, enfim, meus

planos todos; meus feitiços não falham; meus espíritos me obedecem e o tempo segue em linha

reta com sua carga. Que horas são?”5

Pois se abrem, para a consciência histórica da instituição, três explicações sobre seus

destinos. A primeira é a da permanência, no sentido de que seus instrumentos operam da mesma

forma que no passado. Uma segunda vertente vê mudanças de natureza adaptativas, por parte do

Fundo, frente aos novos tempos e, finalmente, uma terceira concepção que afirma a ocorrência,

5(SHAKESPEARE, 2001, V, cena I, p.40) .

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no FMI, de uma mudança que se opera através de uma “revolução silenciosa”.6 Uma divisão que

expressa a rachadura entre os países membros sobre os objetivos e a oportunidade de sua própria

existência.

E a resposta dada pelo seu Staff a esse conturbado quadro foi o de um destino

resignado:

A nossa missão permanece, mas não os nossos métodos. A economiaglobal evolui constantemente o que quer dizer que, desde seus diasiniciais, o FMI seja uma instituição acostumada a mudanças.(KRUEGER,2004).Trad. nossa.

Mas o que mudou, certamente, não foi apenas o método e, tampouco, a mudança se

fez de maneira silenciosa, mas ao contrário do dito, a instituição mudou como um todo e mudou

conforme mudaram as condições políticas nas quais atuavam e tinham sentido. E o agravante há

se considerar é que, ainda, este processo de mudança não só não se completou, instabilizando

visões, valores e programas macro, internamente, e também sua performance institucional, como

também depende para seus novos tempos, e muito, da maneira pela qual a economia mundial

se rearranjará em sua tendência de longo prazo, algo muito distante, hoje, de ser tomado agora

como fato consumado.

7.2 Alguma conclusão

Observado os necessários cuidados, talvez algumas conclusões possam ser adiantadas.

Seguramente, as expectativas e os graus de confiança necessária à implantação, implementação,

retornos em rentabilidade e legitimidade das ações por parte do FMI – das propostas de políticas

e de recursos em investimentos; da melhor administração da Instituição e das Cotas dos Países

Membros, e remuneração destas; com consequente aceitação dos efeitos que isto acarreta,

medido em termos econômicos normais, de maior ou menor eficiência e irreversibilidade, para

a Instituição, seus objetivos e objetivos dos Países Membros– norteiam seus desdobramentos

operacionais ao longo de cenários históricos diferentes. E, aqui, possivelmente demonstrado.

Sua operação não se esgota, claro, apenas nas questões referentes ao uso alternativo

dos pressupostos contidos nos programas macroeconômicos desenvolvidos pela Instituição e

6Assim é que os membros do Staff viram no início do ano 2000 os acontecimentos envolvendo a atuação internado FMI do período de ruptura do sistema de câmbio fixo, até o final dos anos 90.(BOUGHTON, 2001).

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remetem-se àquele contexto histórico explicitado por esse trabalho, por onde navega e justifica a

existência da própria Instituição. Evidente que quando inalcançáveis as condutas que lhe foram

estabelecidas, a instituição tendeu aos desequilíbrios internos paralisadores de suas atividades,

em função dos diversos tipos de contestabilidades, que poderiam lhe ser atacados pelos Países

Membros, em função, inclusive de seus objetivos fundadores.

Logo, sua prática alimenta-se dos seus desdobramentos mais gerais e desenvolve-se

à luz de constrangimentos externos, os quais devem ser entendidos, para todos os fins, como

contextos históricos. Isso vai implicar, para a instituição, que poupar elementos de custos e

parcelas de ganhos excedentários e em dosar as quantidades necessárias de decisões para além

das rotinas e prevenções costumeiras, aquelas decisões especulativas cruciais no sentido de

(SHACKLE, 1955, p. 7), será sempre algo critico para o Fundo desde sua origem. Também,

possivelmente, em ambas as dimensões, aqui foram formuladas e sustentadas

Por sua vez, as decisões tomadas em relação às suposições e aos parâmetros gerais

contidos nos programa e os modelos macroeconômicos por parte de seu Board, espelham a

conjuntura política na qual as escolhas são feitas e suas regras para atuação. As razões são mais

ou menos evidentes. A maior delas se dá porque respondem à situação histórica, concreta, onde

transitam e devem, nessa, formular suas opções programáticas. Incertezas várias decorrem dessa

constatação a mais simples para sua trajetória, como visto.

Uma característica básica dessa sua conflituosa e contraditória operação é que sua

construção e implementação demandam tempo, naquilo que é mais importante, nas conjunturas

críticas demanda tempos longos e períodos maiores de obtenção de resultados. Segue-se que

ao demandar decisões que incorporam prazos mais longos de resolução, em escolhas de longo

prazo, induz, e isto é fundamental, a ter como respostas a essas decisões, no curto prazo, a

possibilidade de estímulo a comportamentos com erros, frente àqueles choques que lhe são

externos e provenientes da situação de instabilidade dinâmica, que se dá em função da ignorância

que o futuro reserva.

Nesse sentido, nota-se que a despeito, então, de uma suposta racionalidade orienta-

dora de sua ação e decisão, suas práticas permanecem incertas. E a razão disso é que a efetivação

dessas práticas, na forma de programas e políticas articuladas como intervenções econômicas

e seus efeitos irreversíveis no curto prazo, deve carregar uma gama maior de desaprendizado,

de inespecificidade, frente àquele ambiente mudancista e, por causa deste, podem vir a tran-

sitar para uma situação de desconhecimento epistêmico,7 ignorância radical e instabilidades

7O tratamento para uma incerteza epistêmica se encontra em Vercelli, (Op cit. cap.5).

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endogenamente estruturais, ossificando-se.

Tão mais provável de ser assim, quanto maior a dependência política da construção

de uma racionalidade, que se quer processual, atravessada de contradições e conflitos desestabili-

zadores. Seja em função, do fato mais simples, dessa racionalidade não se conseguir estabelecer

relações de causalidades passíveis de serem entendidas como corretas e semelhantes às situações

passadas, no presente, e suficientes para assim, por generalizações consistentes, apoiar as futuras

decisões em escolhas.

Ou pela intervenção dos resultados das lutas políticas, entre os países membros ou

por intervenção abusiva de um dos países membros, que desfocam suas premissas analíticas e

interpretações de suas cláusulas orientadoras, aquelas premissas necessárias à sua performance.

Se para esse último caso, conflito de interesses entre os países membros, fica-se

frente à possibilidade dessa formulação prática ser dominada por um quadro que se desdobra

em unilateralismos de diversos tipos, insuficientes para gerarem uma inovação internamente,

dependente que estão de um desdobramento externo.

Para o primeiro caso, incapacidade cognoscitiva, a prática não estimulará ganhos

suficientes para desenvolver um processo cumulativo de ganhos, regredindo a instituição para

uma condição inespecífica ou ornamental. Parece que essa foi a situação de sua inoperância,

pelo menos, até ser resgatado pelos efeitos dinâmicos do Plano Marshall, na reconstrução da

Europa como exposto aqui.

Aliás, foi nesse contexto, em uma conjuntura que não estava diretamente vinculada

aos seus desdobramentos, a mais básica para ser formulada, que a instituição pode encontrar-se,

mesmo em ambiente incerto, posto por uma conjuntura política que se moveu de maneira a

assegurar pertinências paras suas tomadas de decisões, pelo menos no imediato pós-guerra.

O problema maior passa a se dar quando, afastado dessa conjuntura estabilizada, há

situações de mudanças bruscas por onde se salta de uma conjuntura, que tem por referência sua

auto alimentação – nos termos de um momento no qual escolhas e comportamentos caracterizam-

se por fontes de regularidades – para uma conjuntura com regularidades evanescentes, as quais

terminam por vencer a situação inicial de estabilidade e aproximar-se de bifurcações e de rupturas

históricas, indeterminando todo o processo decisório.

Quando essa tempestade se instala imprimi, para além das condições iniciais, a

força dos marcantes eventos históricos desviadores, os quais solapam alucinadas visões sobre o

passado e desdenham as práticas em uso, incapacitando-as para fornecerem dados e elementos

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para a construção, sem riscos e incertezas, de novos cenários cognitivos futuros. Que foi o caso

detonado através da crise da dívida dos países periféricos, determinando visões insuficientes

sobre aquilo que estava por vir, por parte do Fundo, nos termos aqui explorados.

frente à impossibilidade de deter-se e avaliar-se todas as informações recebidas e

tidas como relevantes na construção da estratégia de ação, para o longo prazo, os programas de

políticas, nesse plano, se sujeitarão a constantes situações de desconhecimento, tornando as suas

estruturas e regras operacionais incertas. Ganhos incrementais por ‘inovação’, nessa direção,

alteram os contextos e levam a aumentos na ignorância das suposições estipuladas entre as

variáveis edificadoras do modelo e o ambiente onde a escolha/decisão deverá ser implementada.

E, ao mesmo tempo e ainda assim, a construção das estratégias inovadoras será

formulada como impulso necessário para as mudanças das rotinas e da mesmice do ambiente

cognitivo. Alçam-se, por essa via, como ponte, certamente insuficiente, para o futuro, com o

objetivo de sintetizar novas rotas, em curso instável, por onde assentarão suas apostas futuras,

presumidamente medida em termos de riscos ou qualquer outra medida informada por elementos

de conservação e/ou conservadores, próprios a estratégia de sobrevivência da Instituição.

Em suma, ao ‘aprenderem que não se aprende’ (POSSAS, op. cit.) são reafirmados os elementos

da instabilidade, no plano micro, decorrente do radical desconhecimento, no plano macro, do

curso futuro dos eventos e das certezas probabilisticamente nele depositadas. Frente a este

quadro, a necessidade de práticas conservadoras se põe e serão, seguidamente, alteradas pelos

choques externos a que estão sujeitos, tão logo contradigam a conjuntura política. Elemento,

provavelmente, explicativo dos caminhos de sua autocrítica, como exposto acima.

Em resumo, nesse contexto, decidir-se entre programas de políticas alternativos e às

vezes contraditórios entre si, remeterá a momentos críticos para a história da instituição, posto

que vai significar construir cenários cognitivos e pragmáticos em duas plataformas movediças.

Primeira será colocada no alicerçamento dos seus objetivos mais gerais, necessários à sua

sobrevivência e ação no tempo, desde já, desenvolvido em ambiente incerto, justificando, em

última instância, sua própria existência como instituição.

Essas serão definidas pelos seus procedimentos e convenções formais e não-formais,

suas fontes regulares de financiamento e de justificativas que respondem aos termos de sua

fundação. Voltam-se, em uma ponta, para coordenar decisões e comportamento dos Estados

Membros, individuais, e de outros departamentos e instituições associadas ao conjunto operativo

criado pelo Sistema de Bretton Wood, em geral.

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Desenvolve-se, nesse caso, pelo aprofundamento de seus processos de coordenação,

vinculados a capacidade de gerenciamento de assimetrias8, em poder decisório, mantendo

uma específica hierarquia na ordem, na participação e votação de seus Membros em torno de

procedimentos fundamentais, posto que, legitimadores. Defronta-se, nesse percalço, tanto com

as demais instituições concorrentes, os Estados e suas soberanias respectivas, e de apoio, caso

mais próximo, o Banco Mundial e a ONU, como com o desempenho de sua própria ação, frente

a uma dinâmica que se faz por sobre uma base histórica fluída.

Em uma segunda plataforma, a instituição constrói decisões, ainda em seu desdobra-

mento, como estratégias de atuação, marcadas por ganhos incrementais, positivos ou negativos,

em sua prática operacional, indicando níveis de eficiência ou ineficiência, tanto instrumentais

como processuais nelas contidas, influenciadas pelas condições incertas de longo prazo e por

uma dinâmica de natureza essencialmente histórica, a serem medidos do ponto de vista dos

comportamentos e justificativas teóricas e institucionais, em dimensão histórica futura.

Ocorre que essa dimensão histórica, uma contradição real –que pode vir a gerar

comportamentos estáveis por parte da Instituição – é que vai permitir examinar, já em outra

conjuntura histórica os conteúdos das estratégias de curto e de longo prazos, deslocando as

questões críticas de sua maior ou menor eficiência, de curto prazo, para a dimensão do tipo e do

grau de consciência que fora investidos, da política e dos interesses requeridos para tanto, da

visão de mundo incorporada, do comprometimento dos pressupostos utilizados e da fronteira,

possível, do conhecimento aplicado, tal qual justificadamente desenvolvido nesse trabalho.

Não se quer, contudo, justificar os graves erros de opção política da instituição ao

mover-se em posição histórica contrária à tempestade que se afirmava no horizonte. Pois, ao

tomarem para si, como se fossem Bancos, a lógica financeira própria dos Bancos Privados, não

apenas negaram o caráter liberal e keynesiano que se encontravam na origem e que presidiam as

regras da instituição.

Mas, principalmente, expandiram e convergiram concepções, ideias e práticas que

se tornaram específicas, naquele movimento de desregulação financeira, vinculando-se aos

desígnios e objetivos da ascensão da classe dos endinheirados. Facultou para esses, junto às

demais dimensões intervenientes, capacidade de intervenção a nível mundial, tanto na ausência

de um Banco Central Mundial que pudesse atuar nesse sentido, quanto pela impossibilidade

de promover essa intervenção pela prática da Guerra, com a consequente tomada dos espaços

8Outra é a interpretação de M. MUSSA e M. SAVASTANO. Vide Op cit.

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territoriais e de seus recursos econômicos.9

E se no processo como um todo, na confrontação em torno da instituição desse

novo poder, ocorreram lances de conflitos e de conquistas sociais e individuais, de busca de

conservação do status-quo, de re-apropriação privada de políticas públicas, e de seu exercício,

de suas constantes modificações frente a uma crise que pareceu estrutural e de redefinições

de paixões e dos interesses dos indivíduos, os quais caracterizaram de forma definitiva o novo

quadro político que se, finda?, com a atual crise econômica mundial, dos anos de 2007-08,

evidente, como explorado topicamente no desenvolvimento dessa tese, ficou exclusivamente

marcado pelas ações que provocou.

A vigorosa escassez da realidade econômica, propriamente dita, em suas propostas,

aliada a uma injustificada adesão às posturas metodológicas confusas, bem como às circunstâncias

históricas vividas pela própria instituição implicam que se mantenham as duras barreiras de

natureza política e ideológica que o conforma e coloca O FMI como alvo permanente de justas

e avassaladoras críticas. Ainda mais, se as refutações das políticas de ajustes, pelo crivo da

constatação de seus efeitos deletérios nos são fundamentais, a continuidade destas implica na

exposição crítica dos elementos vitais e presentes nas preconcepções fundantes de seus modelos

de análise, desenvolvidos como suporte para aquelas políticas e aqui rejeitados.

Tão mais urgentes serão essas críticas, não obstante a autodefesa promovida pela

instituição nos últimos anos, quanto mais o aspecto fundamental para o insucesso coroado de

êxito de suas políticas reformistas persistirem em suas propostas mais atuais de políticas de

estabilização, gerando contínuos efeitos deletérios, terríveis para os sujeitos sociais ai envolvidos.

Por fim, a adequada crítica frente aos objetivos de uma mudança radical para aquela

instituição, como aqui sugerida e sistematicamente tratada, deve abordar os elementos consti-

tuintes do debate pelo prisma das suas questões fundantes, no sentido da criação das estratégias

do conhecimento contínuas à tradição heterodoxa, qual seja, sua radical postulação sobre o

Capitalismo como uma economia dinâmica, porquanto histórica. Historicidade essa que vai

depender sempre da maneira pela qual as classes que se formam pela luta política e especialmente

a classe produtora de valor possam resolver a oposição que os as unem no sentido da defesa de

seus interesses os mais caros.9Para os diversos tipos de ocupação econômica que a 2ª Guerra permitiu e a sua lucratividade, (MILWARD, 1979,

p. 132-49). Em Harvey, (HARVEY, 2003), uma abordagem mais geral nos termos da ocupação territorial, pelocapital. Certamente, a diferenciação efetuada por Lenin,(LENIN, 1987), entre a “partilha do mundo” para as grandespotências e entre os grupos capitalistas, continua sendo referencial para os teóricos do marxismo.

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Mas, não obstante, tudo indica a pertinência da hipótese e sua consequente sustenta-

ção, claramente, os diversos aspectos tratados de maneira bastante sintética e aqueles que ficaram

fora de quaisquer considerações, indicam a necessidade de continuidade deste trabalho. E, vale

dizer, as ausências nesse sentido, certamente, não são de pouca monta.

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