pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo puc-sp … · 2017-02-22 · cap. 4 – a...

208
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Marcelo Barbosa Câmara CULTURA POLÍTICA - REVISTA MENSAL DE ESTUDOS BRASILEIROS (1941 A 1945): UM VOO PANORÂMICO SOBRE O IDEÁRIO POLÍTICO DO ESTADO NOVO. DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2010

Upload: others

Post on 25-May-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marcelo Barbosa Câmara

CULTURA POLÍTICA - REVISTA MENSAL DE ESTUDOS

BRASILEIROS (1941 A 1945): UM VOO PANORÂMICO SOBRE O

IDEÁRIO POLÍTICO DO ESTADO NOVO.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2010

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marcelo Barbosa Câmara

CULTURA POLÍTICA - REVISTA MENSAL DE ESTUDOS

BRASILEIROS (1941 A 1945): UM VOO PANORÂMICO

SOBRE O IDEÁRIO POLÍTICO DO ESTADO NOVO.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de DOUTOR em

CIÊNCIAS SOCIAIS, sob a orientação

da Prof.ª Dr.ª Vera Lúcia Michalany

Chaia.

SÃO PAULO

2010

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

MARCELO BARBOSA CÂMARA

CULTURA POLÍTICA – REVISTA MENSAL DE ESTUDOS BRASILEIROS (1941 A 1945):UM VOO PANORÂMICO SOBRE O IDEÁRIO POLÍTICO DO ESTADO NOVO.

ERRATA

p. 29 em nota de rodapé nº 12: Onde se lê: Azevedo Amaral colaborou nos números 38 a 41 de CP... Leia-se: Azevedo Amaralcolaborou nos números 1 a 3 e 5 de CP...

p. 112 § 3ºOnde se lê: ...iriam dar tom... Leia-se: ...iriam dar o tom ....

p. 115 – § 2º: Onde se lê: ....artigo publicado em maio de 1941 Leia-se: ...artigo publicado em julho de 1941

p. 125 § 2º Onde se lê: “....aos assuntos do dia? Leia-se: “... aos assuntos do dia?”

p. 138 § 2º Onde se lê: A publicação irá durante suas publicações... Leia-se: A publicação irá durante suasedições.....

p. 169 – § 2º: Onde se lê: ...citado em CP – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 175 Leia-se: ...citado em CP –junho de 1941 – ano I número 3, pág. 175

p. 172 – § 2º Onde se lê: Idem. Pág. 18” Leia-se: CP – junho de 1941 – ano I número 5, pág. 18

p. 180 § 3º Onde se lê: PSB Leia-se: PSD

p. 182 § 3º Onde se lê: ...de liberal estivesse de voltando. Leia-se: ......de liberal estivesse voltando.

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

2

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________

___________________________________

___________________________________

___________________________________

___________________________________

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

3

AGRADECIMENTOS

À CAPES, pela concessão da bolsa de Doutorado.

À Professora Dr.ª Vera Lúcia Michalany Chaia pela forma

pela qual empreendeu sua orientação e sugestões. Seu

apoio foi fundamental na execução desta pesquisa e de

meu doutorado.

Ao Prof. Dr. Fernando Antônio Azevedo e a Prof. Drª.

Silvana Maria Corrêa Tótora, pelas sugestões dadas

quando da banca de qualificação.

A minha mãe pelo incentivo aos estudos.

A meus filhos Thiago, Matheus e Luiza.

E a minha esposa Denise, pois sem seu apoio não seria

possível a realização deste trabalho.

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

4

RESUMO

Este trabalho tem como objeto de pesquisa a publicação Cultura Política – Revista Mensal de

Estudos Brasileiros editada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP de 1941 a

1945 e dirigida por Almir de Andrade.

Buscou-se - fundamentalmente a partir dos textos dos colaboradores da revista - construir um

panorama do que entendemos como sendo os marcos ideológicos do Estado Novo, regime

político implantado no Brasil em 1937 e que perduraria até 1945.

Dividida em quatro capítulos, o primeiro empreendeu uma contextualização acerca do

pensamento político do período, com ênfase na relação entre intelectuais e poder, utilizando-se

de autores que ficaram conhecidos como ―intelectuais do pensamento autoritário‖ e de outros

que refletiram sobre aquele período ou a respeito de temas atinentes a política da época.

No segundo capítulo foi descrita a forma como se estruturou a revista do ponto de vista de sua

linha editorial, distribuição e concepção no que tange a sua existência enquanto revista

produzida pelo Estado e qual foi o perfil de seus colaboradores.

O terceiro capítulo dedicou-se a construção do que chamamos das Razões de 37. Razões que

são originadas nas questões que deram margem a inflexão procedida com a Revolução de 30 e

principalmente com o regime de 1937. Esta construção foi feita especificamente utilizando-se

como instrumento de análise colaborações de autores que escreveram na revista Cultura

Política.

O quarto capítulo abordou as concepções acerca da construção da nova sociedade que seria

erigida pelo Estado Novo na ótica da revista e seus colaboradores e qual a abordagem feita

pelos autores acerca das soluções dadas pelo regime, sobretudo com a Constituição de 37.

Também são abordadas as críticas ao regime e as respostas dos autores aos críticos que

puderam ser vislumbradas na revista. Por fim analisamos a nova fase da revista marcada por

seus últimos três números publicados por iniciativa de seu editor, agora sem vinculação com o

DIP.

Acreditamos que o estudo do pensamento político autoritário e, sobretudo da revista Cultura

Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros serve ao entendimento das razões que

embasaram as ações políticas do Estado Novo e ao aprofundamento da compreensão daquele

período histórico.

Palavras Chave.

Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Estado Novo. Política brasileira.

Intelectuais.

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

5

Abstract

This project was based on research of the publication Cultura Política – Revista Mensal de

Estudos Brasileiros published by the Department of Press and Propaganda (DIP) from 1941 to

1945 and directed by Almir Andrade.

Based on the texts of the employees of the magazine, we sought to build a picture of what we

understand as being the ideological frameworks of the New State (Estado Novo), the political

regime established in Brazil in 1937 that would last until 1945.

The texts are divided into 4 chapters, the first deals with the political thought of the period

with an emphasis on the relationship between intellectuals and power. These authors became

known as ―authoritarian thinking intellectuals‖ along with others who reflected on that period

and other issues pertaining to politics of the time.

The second chapter describes how the magazine was structured, in terms of its editorial layout

and design. It also describes their existence as a magazine produced by the State, and details

the profile of its employees.

The third chapter is devoted to the construction of what we call the 37’s Reasons (Razões de

37). These reasons originated from the issues that gave rise to the shift that occurred in the

30’s Revolution, especially with the 1937 regime. The analysis of the ―37’s Reasons‖ was

done by studying the collaborations of the authors who wrote in the journal Cultura Política.

The fourth chapter deals with the perception that the magazine and its employees had about

the construction of the new company that would be erected by the New State as well as the

reactions that the authors had about the solutions given by the scheme, particularly the 37’s

Constitution. It also addresses the criticism of the regime and the author’s responses to

critiques that may be viewed in the magazine. Lastly we analyze the new phase, an initiative

by the editor that was marked by the last three publications of the magazine which now have

no connection with the DIP.

We believe that the study of authoritarian political thought and especially of the Cultura

Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros, serve as a base for understanding the

political actions of the New State as well as deepening the understanding of that historical

period.

Keywords

Cultura Política - Revista Mensal de Estudos Brasileiros, New State, Brazilian politics,

Intellectuals

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

6

SUMÁRIO

Apresentação............................................................................................8

Cap. 1 – Mídia, ideologia e intelectuais. .............................................12

1.1 – Estado Novo, Cultura Política e ideologias.........................49

Cap. 2 – Cultura Política – Revista Mensal de Estudos

Brasileiros...................................................................................51

2.1- A estrutura da revista Cultura Política..................................54

Cap. 3 – As Razões de 37........................................................................85

3.1 - O pensamento alienígena.......................................................90

3.2 – Políticos e políticas no Pré 30 e 37......................................104

3.3 – Falta de coesão da sociedade e a unidade do país.............117

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

7

Cap. 4 – A Constituição de 1937 .........................................................124

4.1 – Formação Política do Brasil Novo........................................138

4.2 – DIP, DASP e algumas ações do regime................................151

4.3 – Centralidade do Executivo Federal .....................................164

4.4 – Repressão Política................................................................171

4.5 – O fim do Estado Novo e de Cultura Política – Revista

Mensal de Estudos Brasileiros ….....................................175

Considerações Finais..............................................................................197

Bibliografia............................................................................................202.

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

8

Apresentação

Advinda de forças políticas diversas e pensada por intelectuais que não necessariamente

possuíram plena identidade de opinião acerca do que seria a Revolução de 30 e o Estado

Novo, a Revista Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros1 editada pelo

Departamento de Imprensa e Propaganda o DIP, será nesta pesquisa utilizada como objeto de

pesquisa com o intuito de se construir - fundamentalmente - a partir dos textos dos

colaboradores da Revista um panorama do que entendemos como os marcos fundamentais do

regime implantado em 1937.

Dividida em cinco capítulos, o primeiro empreenderá uma contextualização, utilizando-se de

autores que ficaram conhecidos como ―intelectuais do pensamento autoritário‖ e de outros que

refletiram sobre aquele período ou a respeito de temas atinentes a política da época, refletindo

sobre a relação dos intelectuais e o poder, em especial no caso brasileiro, com ênfase no

pensamento político autoritário.

No segundo capítulo será descrita a forma como se estruturou a revista do ponto de vista de

sua linha editorial, distribuição e concepção no que tange a sua existência enquanto revista

produzida pelo Estado e qual o perfil de seus colaboradores.

O terceiro capítulo empreenderá a construção do que chamamos das Razões de 37 em CP.

1 Durante este texto também será utilizada a abreviação Cultura Política ou apenas CP para Cultura

Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros.

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

9

Razões que são originadas nas questões que deram margem a inflexão procedida com a

Revolução de 30 e principalmente com o regime de 1937. Esta construção será feita

especificamente utilizando-se como instrumento de análise colaborações de autores que

escreveram em CP.

O quarto capítulo será dedicado as concepções acerca da construção da nova sociedade erigida

pelo Estado Novo na ótica da Revista Cultura Política e qual a abordagem feita pelos autores

das soluções dadas pelo regime e em especial as que foram tratadas pela Constituição de 37.

Também serão aqui abordadas as críticas ao regime e a resposta dos autores aos críticos do

regime que puderam ser vislumbradas na revista e a nova fase da revista marcada por seus

últimos três números editados por iniciativa de seu editor agora sem vinculação ao DIP.

Divididos tanto o terceiro como o quarto capítulo em temáticas que irão servir também como

referência na escolha dos autores analisados é necessário observar que praticamente todos os

artigos escolhidos apontam para alguma solução política às questões analisadas.

Direcionando-nos ao que os autores entendem como a condição ideal para solução de uma

dada questão nacional ao mesmo tempo em que fazem a crítica ao antigo estado de coisas

anterior a 1930 e a antes da instauração do Estado Novo.

Sendo quase sempre portadores de uma proposição os artigos podem ―invadir‖ o espaço

reservado a outras temáticas. Ao mesmo tempo em que criticam o antigo estado de coisas

podem, e isso será comum, apresentar aquilo que entendem como a solução que se deve dar a

questão ou analisar a solução já dada pelo Regime de 37, posto ser o encaminhamento dado as

questões nacionais apresentadas pela revista circunscrito às soluções passíveis de serem

empreendidas dentro dos limites das forças políticas que sustentavam o regime e a condução

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

10

de Vargas.

Após o quarto capítulo serão realizadas as considerações finais acerca do até então levantado e

a crítica mais aprofundada à revista.

Tratará esta pesquisa da revista Cultura Política e seus temas, não se caracterizando em

estudo de um autor em específico. A escolha dos autores esta ligada a contribuição que deram

as temáticas criadas e expostas no capítulo 3 e 4.

Salientamos que a revista possuiu outras temáticas relacionadas ao teatro, folclore, literatura,

costumes regionais, dentre outras. Entretanto iremos nos ater aqui aos autores que se

dedicaram fundamentalmente à política correlacionando-os às temáticas levantadas nesta

pesquisa.

Mantivemos a grafia original que consta dos exemplares da revista com intuito de garantir a

originalidade dos textos e o espírito da época.

Acreditamos que o estudo do pensamento político autoritário e, sobretudo de Cultura Política

– Revista Mensal de Estudos Brasileiros serve ao aprofundamento do entendimento das razões

da Revolução de 30 e em especial do pensamento político que iria embasar as ações políticas

do Estado Novo.

Empreenderemos assim uma reflexão acerca de um pensamento político que por décadas

serviu como norte a políticos e instituições, fez a crítica à democracia anterior a 1930 e aos

políticos que a empreendiam e propôs uma reordenação política que segundo suas concepções

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

11

seria a mais adequada ao Brasil.

Interessante seria vermos esta pesquisa, do ponto de vista histórico e político, como uma

reflexão calcada em uma forma específica de se pensar a política e da ação política advinda de

um momento em que a democracia e os políticos que a construíram até 1930 não foram

capazes de encontrar e encaminhar as soluções necessárias à organização da sociedade em

seus mais amplos aspectos.

O pensamento político a que se vinculou boa parte dos autores de CP apresentou naquele

momento a solução que daquele ponto de vista seria a ordem política ideal a sociedade

brasileira.

Suas críticas, análises e proposições são o material com o qual esta pesquisa fará uso para o

entendimento do que pretendiam os autores da revista, suas similitudes com as ações do

regime e com a própria decadência do regime.

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

12

CAPÍTULO 1 – Mídia, ideologia e intelectuais.

Além de um regime baseado no uso da força, da repressão política e da habilidade e carisma

de seu líder, é preciso observar que Vargas, em larga escala, utilizou-se do poder da

propaganda através das mídias disponíveis em seu tempo como forma de fazer política.

A ―Proclamação ao Povo Brasileiro‖, primeiro discurso de Vargas após a instauração do

Estado Novo, é lida diretamente do Palácio da Guanabara e transmitida por rádio a todo país

na noite de 10 de novembro de 1937. 2

Para melhor organizar e formular a relação das mídias com a sua imagem e a do regime,

Vargas em dezembro de 1939 cria o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, órgão que

―contando com a maior amplitude de ação e maior autonomia que os departamentos que o

antecederam, dada sua ligação direta com a presidência da República, .........tornou-se o órgão

coercitivo máximo da liberdade de pensamento e expressão durante o Estado Novo e porta

voz autorizado do regime.‖ (www.cpdoc.fgv.br).

Entretanto o pensamento político que gravitava em torno do regime não se circunscrevia à

necessidade de um órgão coercitivo e que desempenhasse o papel de seu ―porta voz‖.

Perspectivas desta natureza, que reduzem o papel do DIP a coerção e a panfletagem do

regime, são comuns em análises acerca do Estado Novo. Elas - normalmente - dão conta de

explicar dimensões do regime e em conjunto com a perspectiva do senso comum acerca do

2 A integra deste discurso de Getúlio Vargas esta em A Nova Política do Brasil Volume 5. Pág. 19 a 32.

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

13

regime de Vargas de 37 a 45, são hegemônicas.

Também, na busca de se analisar o Estado Novo e o que seria sua ideologia é comum atribuir-

se a intelectuais ou a concepções que transitaram em um momento ou outro pelo regime ou

por toda a sua existência, como a própria configuração ideológica do regime, mesmo que não

tenham sido relevantes, e se relevantes não determinantes para condução do regime.

A título de exemplo se pode tomar a figura de Francisco Campos. Quando da reedição do livro

O Estado Nacional, organizado pelo Senado Federal em 2001, a nota que prefacia a edição

feita pelo Conselho Editorial do Senado demonstra uma abordagem que ao mesmo tempo em

que elege Francisco Campos figura fundamental na construção do ideário estadonovista,

também exemplifica o equívoco de se isolar um colaborador do Estado Novo, amplificando

sua importância na construção do que seria um ideário do regime tendendo a circunscrever o

regime ao pensamento do autor.

Segundo o Conselho Editorial do Senado, a estruturação do regime poderia ser concebida por

um trinômio Francisco Campos, fascismo e Estado Novo, e observa que a ―...coletânea de

discursos, entrevistas e conferências proferidas pelo ministro da Justiça de Getúlio, constitui

uma espécie de fundamentação doutrinária e filosófica do Estado Novo, a exemplo do

salazarismo e do fascismo de Mussolini. Trata-se, portanto, de um pensamento político

autoritário de característica francamente fascista.‖ (Coleção Biblioteca Básica Brasileira –

nota do editor a O Estado Nacional de Francisco Campos, 2001; 10).

Se Campos se aproxima do fascismo isto não significa que o regime tenha sido fascista ou

pretendesse ser fascista. Aproximações que de fato houveram entre Estado Novo e os regimes

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

14

que se formaram na Europa, em especial na Alemanha, Itália e Portugal, tornam-se - nestas

análises - ligações demasiado definitivas com o regime de Vargas, construindo representações

do Estado Novo que o configuram como uma versão brasileira daqueles regimes.

É importante observar que se o Estado Novo rechaçou a democracia liberal, também

organizações de cunho totalitário, fossem nazistas, comunistas ou fascistas foram, mais cedo

ou mais tarde, desmanteladas por Vargas.

Organizações de cunho nazista no sul do Brasil e em determinado momento o

desmantelamento de organizações de cunho totalitário como o movimento integralista ou o

comunista - este último, aliás, umas das justificativas do golpe que deu origem ao Estado

Novo - foram marcas que apontam para impossibilidade de se enquadrar o regime como

coirmão do nazismo ou do fascismo.

Skidmore exemplifica a extensão da repressão da ditadura de Vargas aos movimentos políticos

organizados, sejam de direita ou de esquerda ao relatar o destino dos integralistas após a

instauração do Estado Novo.

―Ao surgir do golpe, um grupo político parecia ainda desfrutar de plena liberdade: os radicais

de direita. Plínio Salgado e seus seguidores integralistas pensaram, erroneamente, que iriam

ser os principais beneficiários do movimento de Vargas. Seus arqui-inimigos de esquerda

haviam sido eliminados. Parecia agora que os integralistas deveriam fornecer os quadros e,

talvez, a liderança do novo Brasil. Mas Vargas não tinha intenção de entregar a sua vitória

política aos camisas-verdes. O instrumento político ostensivo dos integralistas, a Ação

Integralista Brasileira, foi suprimido em 2 de dezembro de 1937, juntamente com todos os

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

15

outros partidos políticos. No seu ressentimento subsequente, os integralistas ficaram nas mãos

de Vargas, em circunstâncias quase tão estranhas quanto as que cercaram o abortado levante

comunista de 1935.‖ (Skidmore, 1979; 52).

Em seu diário Vargas comenta as negociações com Plínio Salgado para que os integralistas se

articulassem de outra maneira que não fosse a forma de partido político.

―Fui informado de que os integralistas entraram na fase subversiva, começaram a conspirar, a

preparar o golpe de mão, a ameaçar-me e promover reuniões de protesto. Plínio Salgado, nos

entendimentos com o ministro da Justiça, mostrou-se de inteiro acordo com a dissolução dos

partidos, inclusive do integralismo, e sua entrada para o Ministério. Pediu-me apenas alguns

(dias) de prazo para informar a seus correligionários, afim de que estes aceitassem bem os atos

do governo. Depois começa a tergiversar, a procurar generais etc. Não sei se ele está agindo

com duplicidade ou se não pode impor-se à massa dos seus adeptos.

Depois de entender-me com o Ministro da Guerra, o da Justiça e o Chefe de Polícia,

determinei vigilância, e provavelmente amanhã assinarei o decreto de dissolução3. Não oculto

meu receio de uma possível perturbação. Seria lamentável, pelos malefícios que poderia

trazer. Mas não posso recuar sem me tornar uma sombra de governo‖. (Diário de Getúlio

Vargas. 1º de Dezembro de 1937. Pág. 89).

Suas anotações deixam claro a dificuldade em convencer o movimento a desistir de suas

pretensões e o desfecho foi o rompimento entre os integralistas e o governo.

3 O Decreto-Lei nº 37, de 2 de dezembro de 1937 extinguiu todos os partidos políticos.

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

16

Sobre o clima de repressão ao integralismo e ao comunismo Oliveiros S. Ferreira expõe que

―O governo age contra os ―partidários do Dr. Plínio Salgado que se exasperaram‖ com a

atitude de Getúlio Vargas. São apreendidas armas e munições e detidos vários integralistas nos

―Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná,

Pernambuco, Pará e (no) Distrito Federal‖. Em São Paulo, prende-se o secretário regional do

Partido Comunista, em Curitiba e no Rio de Janeiro, oficialmente, são desbaratadas diversas

células do PCB‖. (Oliveiros. 2007. pág. 201).

Mesmo que a negação ao liberalismo e regime ditatoriais e totalitários despontassem pelo

mundo, o Brasil teve seu próprio regime com características especificas. Houveram algumas

semelhanças entre Estado Novo e outros regimes, porém é infrutífero enquadrá-lo em um

deles em definitivo.

Os regimes que despontaram na Europa frente à crise do liberalismo, são então apenas

passiveis de serem comparados em um ou outro aspecto, como forma de elencarmos alguns

pontos para caracterização de algumas questões concernentes ao Estado Novo. Mas ao mesmo

tempo em que o Estado Novo demonstra similaridade com outros regimes logo despontam

suas especificidades.

Por exemplo, o corporativismo português mostrou proximidade com regime de Vargas como

veremos em especial quando analisarmos os textos dos colaboradores da revista Cultura

Política no que tange ao corporativismo. Mas mesmo aí veremos a especificidade da ideia de

corporativismo que circulou no regime de Vargas e o tratamento que a revista e o regime

deram a questão.

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

17

Nesta busca pelo entendimento das ideias que influenciaram o Estado Novo é importante que

não se circunscreva o regime ao pensamento de intelectuais ou de quadros que o apoiaram

isolando-o de suas efetivas ações. A redução da produção intelectual que gravitou em torno do

regime ao pensamento especifico de determinado autor ou quadro do regime deve também ser

evitada neste entendimento.

O pensamento de quadros que apoiaram o Estado Novo ou dele fizeram parte, suas

abordagens acerca da política e como se configurava o regime podem demonstrar algumas de

suas facetas, mas não são suficientes para alargarmos o entendimento do pensamento político

que se afinava com o regime.

Assim o fato de não ter havido um partido político organizado, um centro donde as ideias

políticas e as agendas de governo fluíssem de maneira a poderem ser identificadas sem

dubiedades com o Estado Novo não deve caracterizar o regime como um arrazoado de ordens

advindas do governo apenas buscando resolver questões do dia a dia.

O regime foi sim embasado em um cabedal de propostas que se acumularam durante os anos

que o antecederam e permaneceram vivas durante sua vigência. Não um pensamento que sai

de um só centro de ideias, mas que pode ser construído, pelo menos em suas linhas gerais, na

observação – principalmente - dos autores que se debruçaram sobre as questões nacionais a

partir de uma determinada ótica, a do pensamento autoritário.

Com muitas ações no campo da política externa, da economia e na articulação política interna

e repressão a opositores, o regime que empreenderia o seu processo de modernização do país,

tendo como condutor o Estado, percebeu também que o Estado poderia aglutinar intelectuais

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

18

com o intuito de esboçar o pensamento político do Estado Novo.

Intelectuais que se propõe a pensar o país, buscando compreender o que seria sua cultura e o

seu povo, não são novidade nem privilégio dos intelectuais contemporâneos da Semana de 22

ou posteriormente de CP, seus colaboradores, aliados ou não do regime.

As narrativas de viagens de intelectuais estrangeiros acerca do Brasil já buscavam entender o

que seria a nova cultura que se formava, mescla de etnias e que já dava margens a reflexão do

que seria a identidade nacional.

―Podemos mesmo pensar que, a cada um dos momentos recorrentes em que a questão da

―identidade nacional‖ esteve no centro do debate intelectual, o diálogo com o ―olhar

estrangeiro‖ veio também a desempenhar um papel estratégico, ajudando a balizar referências

para o pensamento social brasileiro e a construir suas hipóteses interpretativas da realidade

nacional‖ (Costa, 2006; 31).

No caso de CP e dos autores contemporâneos da revista e mais especificamente a partir de

1922, ou antes, disso se levarmos em conta Alberto Torres4, temos uma disposição do

intelectual em participar, de intervir na vida nacional, atuando como agente ativo na esfera

pública5.

4 Alberto Torres nasceu no Rio de Janeiro. Viveu de 1867 a 1917 e influenciou o pensamento político

autoritário do início do século vinte, mesmo com divergências foi mestre de Oliveira Vianna. Foi também,

deputado federal, Governador do Rio de Janeiro e Ministro do supremo Tribunal Federal e escreveu - dentre

outros livros - A Organização Nacional., As fontes de vida no Brasil e Lê problème mondial. Dados retirados do

prefácio de Francisco Iglesias ao livro de Torres a Organização Nacional. 5 O conceito de esfera pública quando utilizado nesta pesquisa esta calcado na concepção de Habermas

exposta na obra Mudança Estrutural da Esfera Pública – Investigações quanto a uma categoria da sociedade

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

19

Sobre a figura do intelectual Bobbio observa que ―Falam dele como se fosse pacífico que as

ideias, que são as ―coisas‖ de que se ocupam os intelectuais, contam e interferem na realidade,

independentemente de quem as produz, a favor de quem ou contra quem são dirigidas, em

quais circunstâncias apareceram, sem, portanto que se responda antes à questão de saber que

influência as ideias exercem sobre as ações, se essa influência existe, e em qual medida‖

(Bobbio, 1997;70 e 71).

Refletindo sobre esta indagação de Bobbio temos que esta pesquisa acredita que o

pensamento, a produção dos intelectuais contemporâneos a Cultura Política não estava

centrada na elaboração de textos acadêmicos. Para além desta perspectiva é que os autores que

iremos pesquisar se enquadravam. Estavam no papel do que pensa as coisas do país e

produzem seus textos como respostas, como proposições a serem aplicadas na ação política e

social.

Esta é então a esfera de atuação a que os intelectuais que contribuíram em CP procuraram se

adequar.

O pensamento destes autores não será um todo uniforme vindo de uma só fonte, mas ideias

advindas da herança de intelectuais e formas de pensar a sociedade em muitos aspectos

incorporada ao regime de 37, desenhando o que foi e o que pretendia o regime, mesmo que

para o governo sua função estivesse ligada também a divulgação das ideias que o sustentavam

e da figura do presidente e suas ações.

burguesa. Ed. Tempo Brasileiro,1984.

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

20

―...(...), a Cultura Política foi lançada com outro propósito: o propósito de atingir o grande

público, atingir todas as camadas intelectuais e culturais. Era, inclusive, uma revista para

acompanhar a ação política do governo. ....(...)‖ (Andrade, Almir de. Almir de Andrade

(depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985).

Fato é que se torna difícil delimitar onde estaria a separação entre a propaganda do DIP, a ação

política dada pela reflexão intelectual dos autores de CP e a própria vontade dos autores de

também fazer propaganda do regime e da figura de Vargas. No entender desta pesquisa estas

questões não devem ser separadas, pois fazem parte da ação política. Política é reflexão,

proposição, propaganda e ação.

Quanto ao que seria um projeto político de Vargas, Corsi afirma que: ―O projeto de Vargas,

que compreendia uma série de programas formulados à medida que os problemas se iam

colocando, consiste em um processo redefinido constantemente pela injunção de fatores

políticos, sociais e econômicos internos e externos; projeto que, no entanto, não chegou a

adquirir feições definitivas mesmo no final do Estado Novo. Ainda, assim, pode-se denominá-

lo ―projeto‖ tendo em vista que os programas que o compunham apontavam na direção de um

desenvolvimento baseado no mercado interno e na indústria, expressando assim estratégia

política norteadora de ação governamental‖ (Corsi. 1999. fl. 16).

Apesar de ter alguns alicerces claros, como o processo de modernização e a independência do

país na indústria e na economia. As formas de se caminhar nesta direção cambiavam e é na

política que isto se fazia notar, assim pensamentos rígidos nem sempre poderiam se adequar à

dinâmica do regime.

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

21

Entretanto, antes de se reportar ao pensamento que circulou por CP, convém refletir um pouco

mais sobre a afirmação de Corsi, contrastando-a com a referência que Boris Fausto faz dos

primórdios da carreira política de Vargas quando fala dos princípios que Júlio de Castilho6

passa aos seus seguidores. Observa Fausto que ―Nesse e em outros aspectos, ―a doutrina

cientifica da política‖ cedia a realidade da política oligárquica, tratando de garantir a perpétua

permanência do PRR na cúpula do poder regional. Na área econômica, em harmonia com a

centralidade do executivo, os positivistas gaúchos defendiam a intervenção do Estado,

condicionada ao interesse social, que deveria prevalecer sempre que houvesse interesses

individuais‖ (Fausto, 2006; 18).

Oliveiros S. Ferreira analisa7 a influência do positivismo no meio militar brasileiro dedicando

parte do texto às raízes políticas do político gaúcho, reconhecendo a importância do

positivismo em sua formação e na própria política nacional.

O autor salienta a pouca importância que em geral se dá ao positivismo como influência nas

ideias e práticas políticas do país quando dentre outras questões acerca do tema observa: ―Mas

talvez assista razão a Otto Maria Carpeaux, ao dizer que ―a história do positivismo ainda não

acabou‖. A frase de Carpeaux é citada por João Cruz Costa em seu livro Contribuição à

6 Júlio de Castilhos (1860 -1903) Estadista e importante figura na história do Rio Grande do Sul,

Castilhos foi um grande representante do positivismo e da República como o regime da virtude. Para Castilhos, a

política não poderia jamais constituir uma profissão ou um meio de vida, mas sim um meio de prestar serviços a

coletividade. Em 1889, juntamente com outros republicanos, põe abaixo a monarquia e o governo liberal recém

eleito, permitindo o ingresso e a manutenção dos republicanos no poder. Fonte Memorial Getúlio Vargas -

www.rio.rj.gov.br/memorialGetúliovargas/conteudo/expo1.html 7 Análise procedida no capítulo A Influência do Positivismo no livro Elos Partidos – Uma Nova Visão do

Poder Militar no Brasil.

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

22

história das ideias no Brasil em que faz extensa análise do positivismo brasileiro, sem entrar,

contudo – e é pena – na discussão do que foi o período em que Castilhos e Borges de

Medeiros8 mandaram (este o termo) no Rio Grande do Sul. Aliás, é curioso como, a não ser

nos Estados do Sul do País, o estudo do castilhismo-borgismo tenha sido descurado em certos

círculos intelectuais (principalmente na Academia) a ponto de dizer-se que não teve influência

alguma na história do país. Só recentemente, com o livro de Alfredo Bosi (Dialética da

Civilização) é que se tenta resgatar naqueles círculos esse período‖ (Oliveiros. 2007. pág. 96).

Concordando com a relevância do positivismo na política nacional é interessante relembrar a

sua influência no movimento republicano brasileiro. Reportando-se a um dos principias

articulistas de 1889, Benjamim Constant, temos que foi divulgador das ideias de Augusto

Comte vindo a balizar sua prática política e de educador em concepções positivistas.

Na perspectiva de uma visão cientifica da realidade e de ações do Estado imbuídas de um

caráter cientifico, Ivan Lins levanta a questão da instrução na ótica de Benjamin Constant:

―Referindo-se ao plano de instrução que lhe parecia mais consentâneo com a mentalidade de

sua época, pretendia baseá-lo sobre as ciências positivas que vinham triunfando cada vez mais

8 ―Antônio Augusto Borges de Medeiros nasceu em Caçapava do Sul (RS) no dia 19 de novembro de

1863, filho do desembargador Augusto César de Medeiros e de Miquelina de Lima Borges de Medeiros. Atraído

por essa pregação republicana e pelos ideais positivistas de Augusto Comte, logo se filiou ao Clube Republicano

Acadêmico de São Paulo, participando de vários debates. Em setembro de 1882, ajudou a fundar em Porto Alegre

o Centro Rio-Grandense 20 de Setembro, adepto das ideias republicanas e dos princípios defendidos por Bento

Gonçalves durante a Revolução Farroupilha (1835-1845). Em 1883, junto com Alberto Torres, Germano

Hasslocher e outros, tornou-se redator da revista A República, ligada ao Clube Republicano Acadêmico, e em

fins do ano seguinte transferiu-se para a Faculdade de Direito de Recife, pela qual se bacharelou em 1885 em

ciências jurídicas e sociais. Aliado político de Júlio de Castilhos teve a carreira política assim configurada:

constituinte. 1891; deputado federal RS 1891-1892; governador RS 1898-1908, 1913-1915 e 1916-1928;

participou na revolução. 1930 e 1932; deputado federal RS 1935-1937‖. Reprodução de parte de biografia que

consta do site CPDOC - http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

23

das concepções metafísicas, imprimindo atividade de nosso espírito um rumo mais seguro e

proveitoso. Abandonava, de fato, a filosofia positiva, como estéreis e vãs, as investigações das

causas finais e considerando todos os fenômenos sujeitos a leis invariáveis, a sua descoberta é

que deveria ser objeto dos nossos esforços intelectuais‖. (Ivan Lins, 1967; 40)

Mais especificamente sobre Júlio de Castilho, positivismo e República no Brasil, Ivan Lins

transcreve longo trecho de Ghilhermino César9, para compor a formação política e intelectual

do político gaúcho: ―Tipo másculo e autoritário, inteligência admiravelmente bem dotada,

polemista destro e persuasivo. A sua dialética de fundo positivista, colocou-a ao serviço, em

primeiro lugar, da propaganda, e, após o Quinze de Novembro, do federalismo à outrance.

Lutou com adversários poderosos, dialetas do naipe de Rui e Silveria Martins; na Constituinte

de 91, como no Governo do Estado, advogou ardentemente os princípios do governo forte.

Inscreveu sua ideias na carta estadual, defendeu-as pela imprensa, e no governo rio-grandense

defendeu-as também mobilizando armas que tanto sangue derramaram em 93. Deve-lhe a

república um grande serviço. Foi o mais decidido colaborador de Floriano. A glória do

9 ―Pesquisador, historiador, escritor, tradutor, autor de uma obra humanística densa e multiforme foi

Doutor Honoris Causa pela mítica Universidade de Coimbra, mineiro, nascido em 1908, transferido a Porto

Alegre em 1943, dedicado até o fim dos seus dias à literatura, à política, à cultura, à história do Rio Grande, à

nossa economia e ainda ao jornalismo cultural entre a Província de São Pedro, a Revista do Globo, o Diário de

Notícias e o Correio do Povo. Professor Emérito da UFRGS, recebeu os títulos de Cidadão Honorário de Porto

Alegre, Palmes Académiques (Academia Francesa), Oficial da Légion d’Honneur e as medalhas do Pacificador,

da Inconfidência e Simões Lopes Neto. Decorrido meio século de sua vinda para o Rio Grande do Sul, o

brilhante intelectual mineiro morreu em Porto Alegre em 7 de dezembro de 1993, aos 85 anos. Além de uma

inestimável biblioteca e da imensa obra publicada, deixou um conjunto surpreendente de inéditos e significativa

correspondência pública e privada. O legado de Guilhermino Cesar, argüidor de seus contemporâneos e lúcido

contendor de sua própria figura, movimenta-se nos recantos profundos da alma sulina e brasileira‖.Transcrição

de trecho de biografia retirado Do Jornal da Universidade da Universidade federal do Rio Grande do Sul. Porto

Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil. Ano VI – Número 67 – Novembro/dezembro de 2003.

http://www.ufrgs.br/jornal/dezembro2003/pag11.html

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

24

Consolidador não se escreverá jamais sem a menção do nome de Castilhos, dele afastado a

princípio, mas a quem prestou, com raro destemor, inapreciável cooperação nos dias mais

críticos e tormentosos. Os artigos de doutrina e polêmica que deu a lume n’Federação

traduzem algo de sólido, de orgânico, que os antagonismos políticos não suscitam

habitualmente neste país. É inegável a formação filosófica de Castilhos. Ele próprio confessa

que desde muito moço lera e assimilara refletidamente a obra de Comte. Os desvios

doutrinários – e o ilustre rio-grandense os teve – resultaram de acomodações determinadas

pela conveniência partidária, pela cautela em não acirrar os ânimos, já de si mesmos

exaltados. É preciso convir em que a clareza e o logicismo de Castilhos deveram muito às

leituras de moço, quando fez da doutrina comtiana os alicerces sobre os quais viria a construir

sua obra de pensador político‖. (Ivan Lins, 1967; 188 e 189).

Assim, aspectos da vida política de Vargas já despontavam nos primórdios de sua carreira, na

sua formação. Se a ―doutrina científica‖ de Comte como observou Boris Fausto teve que ser

deixada de lado por conta da ―política oligárquica‖ entendemos que a política oligárquica era -

naquele período da história política do país - um dado da realidade a ser levado em conta pelos

que estavam fazendo política e de tal relevância que se não tido como componente a ser

observado inviabilizaria a ação política.

Já ficava clara, também, a mencionada centralidade do Executivo que iria acompanhar Vargas

não só durante o Estado Novo, mas em toda sua permanência a frente da Presidência, mesmo

no seu período democrático. Quanto à intervenção do Estado esta é a marca da passagem de

Getúlio na política brasileira, intervenção que vai da economia a outras esferas da vida

nacional, inclusive no campo da divulgação de ideias, como é o caso da criação de CP pelo

DIP

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

25

A citada ―... doutrina cientifica da política‖ também aparecerá não como invenção do Estado

Novo, mas enquanto pensamento que estará presente em autores da época.

Presente no pensamento político do tenentismo esta forma de encarar a ação do Estado de

maneira não política, mas técnica aflora. Carregavam no ideário que embasou suas ações na

vida nacional a certeza de que o país efetivamente existente com seus problemas e sua cultura

estava deslocado do Brasil organizado pelos políticos de então.

Maria Cecília Spina Forjaz corrobora esta análise observando que ―Na perspectiva do

tenentismo, a eliminação desse contraste entre ―país legal‖ e o país real‖ deveria ser feita não

como um processo político de escolha, não como pacto político ou como balanceamento de

interesses divergentes, mas sim através de uma ação técnica respaldada num ato de vontade.

É o mito da racionalidade técnica, é a impostura tecnocrática da única solução possível, é a

ideia da neutralidade objetiva que propõe soluções acima dos interesses das classes sociais‖.

(Forjaz. 1989. pág. 74).

A influência positivista entre os militares somam-se outras apontadas pela autora chamadas

por ela de ―menos remotas‖ e ai despontam Alberto Torres e Oliveira Vianna autores que iriam

influenciar - sobretudo o primeiro – o pensamento político brasileiro e em especial o

pensamento político autoritário.

Sobre Alberto Torres, Forjaz afirma: ―Ele é quase unanimemente considerado como principal

inspirador do pensamento autoritário brasileiro das décadas de vinte e trinta. Diferentes

correntes político-ideológicas atuantes na conjuntura posterior à revolução de 30 (e até

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

26

antagônicas) invocam a paternidade de Alberto Torres: integralistas, católicos, e a grande

maioria dos intelectuais da época, entre os quais Oliveira Vianna.‖ (Idem. Pág. 52 e 53).

Ao citar Maria Tereza Sadek10

a autora observa a influência de Torres sobre o pensamento

político autoritário que mesmo levando-se em consideração a diversidade de abordagens conta

com pontos de convergência.

Quanto à aproximação dos intelectuais com o Estado, fazendo um uso crítico da análise de

Pécaut, no sentido de melhor delinear o panorama político-intelectual da época, este vai

questioná-la ao fazer o inventário sobre as décadas de 20 a 40 do século XX, quanto à função

que buscaram desempenhar ao comentar o início da produção daqueles intelectuais:

―...em todo caso, que, no espaço de uma década, uma nova geração de intelectuais não só

descobriu e tornou pública a sua vocação nacional, mas ainda divisou o lugar que, naquele

momento, poderia ocupar dentro da nação. Nesses escritos sobre o presente e o futuro do

Brasil encontra-se de fato, a questão permanente dos próprios intelectuais, sua posição e sua

função. Neles reaparecem sem cessar os termos ―intelectuais‖, ―intelectualidade‖,

inteligência‖, ou intelligentsia‖, em português, nem sempre se distingue de intelligentsia; mas

está fora de dúvida que os que a utilizam consideram-se pertencentes a uma categoria social

específica e que esta categoria é, antes de tudo, uma elite dirigente.‖ (Pécaut, 1990; 29).

Concebendo-se como elite os intelectuais entendem que há uma realidade própria brasileira e

uma cultura especifica própria de nosso povo, uma cultura que deveria ser refletida na

10

A autora se refere a obra ―Machiavel, Machiáveis: a tragédia octaviana.‖ Edições Símbolo. S.P. 1978.

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

27

política, ou seja: um Estado que dirigisse a sociedade àquilo que potencialmente ela se

constituía, mas que ainda por alguns motivos, em especial a política liberal de até então, não

fora capaz de realizar.

―No caso a prioridade para os intelectuais que pretendiam falar em nome da nação era

convencer de que esta já existia subjacente. Tudo servia para prová-lo: as maneiras de ser, a

cultura, o povo, o desenvolvimento das forças produtivas. Contudo, não há melhor modo de

assegurar-se desse fato de que inventar ―mitos unificadores‖, um após outro, tarefa facilitada

pelo fato de que a precariedade atribuída às classes e, de modo geral, aos atores sociais deixa o

campo livre à imaginação. Nada é possível: nem suscitar um mito das origens invocando os

índios tupi, nem enunciar um mito de chegada celebrando a fusão entre o Povo e a Nação,

nem propor um mito de transição sugerindo que o desenvolvimento econômico, a consciência

de classe e o nacionalismo caminham no mesmo passo.‖ (Pécaut, 1990; 8 e 9).

Estas Questões, como observado por Costa11

, não se circunscrevem nem se iniciam com os

intelectuais que de alguma forma se voltaram para a ação política ou a uma produção

intelectual que se interessa pela relação Estado e sociedade. A preocupação em delimitar uma

cultura que fosse brasileira, a preocupação com a nacionalidade e o nacionalismo aparece

novamente na década de vinte e com os que estiveram às voltas com a Semana de Arte

Moderna de 22, e permanece presente na produção intelectual que atravessa a década de 30 e

alcança o Estado Novo.

11

Ideia que é exposta no decorrer do texto de COSTA, Wilma Peres. ―Narrativas de viagem no Brasil do

século XIX – formação do Estado e trajetória intelectual‖ em BASTOS, Elide; RIDENTI, Marcelo; ROLLAND,

Denis (organizadores). Intelectuais e Estado. Ed. UFMG. 2006.

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

28

―Espécie de happening produzido por escritores e artistas, entre os quais Mário de Andrade,

Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e muitos outros, a Semana de Arte

Moderna foi, sob vários aspectos, um momento fundador. Aspirando a renovar as formas de

expressão de arte brasileira, definiu o conteúdo da modernidade cultural: contemporaneidade

ao lado das vanguardas européias e futuristas e surrealistas, sensibilidade à descoberta

psicanalítica e, simultaneamente, exploração dos alicerces da nacionalidade brasileira nas

busca da maneira de ser, seus falares, sua diversidade étnica e cultural, e das indefinições que

estão na raiz da sua inventividade.‖ (Cândido, 1980: 119-20: H.B. de Hollanda, 1978).

(Pécaut, 1990: 26 e 27).

Voltando-se àqueles que buscaram intervir na vida política do país, especificamente os

intelectuais do pensamento autoritário, temos que além da sua relação específica com o Estado

já levantada, seu método apontava para aquilo que o autor chamou de ―marcha para

realidade‖, que consistia, ―... num primeiro momento, em mostrar que não existe o indivíduo

isolado: ele está, já de início, inserido numa coletividade. Ficava, assim, anulada a validade

das ideias políticas referentes ao individualismo. Num segundo momento, visam a destacar a

interdependência entre aqueles que ocupam posições sociais desiguais; desse modo,

caducavam todas as teorias fundadas na divisão de classes. Pretenderam, enfim, provar que

existia unidade nacional de fato, que faltava apenas fortalecer pela via institucional.‖ (Pécaut,

1990: 47).

Buscando definir melhor o que o pensamento autoritário entendia como realismo, como

pensamento e gestão racional da sociedade, Pécaut toma como exemplo o pensamento de

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

29

Azevedo Amaral, colaborador de CP12

e observa ao analisar as colocações de Amaral acerca

da questão, afirmando que ―...poderiam ter sido expressas por autores a respeito dos campos

mais variados da atividade social: direção cientifica e técnica do desenvolvimento, regulação

equilibrada das relações sociais, organização do poder em função do interesse geral,

enquadramento corporativista da população: outros tantos aspectos dessa ―organização‖ que a

maioria dos intelectuais se sentiam chamados a delinear.‖ (Pécaut, 1990; 50).

Pécaut procura demonstrar que entre o que os autoritários pensavam como construção de um

pensamento voltado a organização das coisas da sociedade e o que chamavam de realidade

existiam fatores não levados em consideração. Assim a questão das classes sociais, a

individualidade, por exemplo, estavam fora do que era realidade para autores como Azevedo

Amaral ou outros catalogados como de pensamento autoritário.

Fato é que entre a vontade de alguns intelectuais como Pécaut que criticaram os intelectuais

autoritários quanto a seu desprezo a um processo político democrático e a forma como os

autoritários se entendiam como participantes e elite capaz de desenhar soluções para o país há

o corte feito pelo pragmatismo que o momento determinava.

Havendo consciência ou não de que aquele seria o momento apropriado para a ação política

que empreendiam, o fato é que não existiu forma política que se apresentasse para dar conta,

efetivamente das tarefas políticas da época. Além disso, há na base das críticas a forma pela

12

Azevedo Amaral colaborou nos números 38 a 41 de CP em 1941 publicando quatro artigos, entretanto

faleceu em 1942. Sobre a obra do autor consultar os trabalhos A teoria política de Azevedo Amaral, em Dados nº

2/3, Jarbas Azevedo Amaral Medeiros, Ideologia autoritária no Brasil (1978), Lúcia Lippi de Oliveira, O

pensamento de Azevedo Amaral, capítulo do livro Estado Novo — ideologia e poder (1982) e Silvana Maria

Corrêa Tótora. Azevedo Amaral e o Brasil Moderno. Dissertação de Mestrado. PUC/SP. 1991.

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

30

qual os intelectuais ditos do pensamento autoritário se referiam à questão das classes e

também da insipiência da experiência democrática no Brasil - e um exemplo é a critica a

Oliveira Vianna e Azevedo Amaral - uma nostalgia do que a política poderia ter sido. Porém, o

fato em que não se debruçam é: onde estava a sociedade capaz de dar conta de uma

democracia diversa da que o país até então havia conhecido até 1930 e qual outro grupo

político possuía a base política necessária a implantação de uma política de modernização a

que se propôs Vargas.

Fazendo uso da reflexão de Sevcenko acerca do estudo da literatura e a de Bobbio sobre os

intelectuais pode-se traçar um paralelo com a crítica de Pécaut a respeito dos intelectuais do

pensamento autoritário. Assim, temos que a literatura: ―Deve traduzir no seu âmago mais um

anseio de mudança do que mecanismos da permanência. Sendo um produto do desejo, seu

compromisso é maior com a fantasia do que com a realidade. Preocupa-se com aquilo poderia

ou deveria ser a ordem das coisas, mais do que com seu estado real‖. (Sevcenko, 2003: 29)

Seguindo com a critica de Pécaut aos intelectuais que se aproximaram de Vargas e mesmo aos

intelectuais da Semana de Arte Moderna de 22, temos que seu teor pode também ser ilustrado

com o que Bobbio chama de prescrição, ou melhor, o aspecto prescritivo que os intelectuais

guardam em suas criticas a outros intelectuais, assim ― (...) o discurso no qual somos levados a

dizer a nossa opinião é certamente prescritivo. Nosso problema não é o de saber se os

intelectuais são rebeldes ou conformistas, livres ou servis, independentes ou dependentes, mas

de traçarmos algumas ideias sobre o que os intelectuais que se reconhecem em uma

determinada parte política fariam ou deveriam fazer.‖ (Bobbio, 1993; 69 e 70).

Colocando-se lado a lado o conteúdo do que nos dizem Sevcenko e Bobbio, podemos nos

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

31

arriscar a entender que a crítica de Pécaut em relação aos autores autoritários é a oposição

entre os que entendem a possibilidade de uma sociedade capaz de se organizar e gerir, com

suas instituições liberais ou mesmo organizada de maneira socialista, a vida do país e a que se

vincula a outra concepção, bem caracterizada quando o autor observa: ― A expressão ideologia

de Estado‖ tem, portanto, o mérito de ressaltar que o Estado, e não a sociedade civil, se

apresenta como agente da construção nacional. Essa convicção não foi de todo inovadora: já

estava difundida no século XIX, e Alceu Amoroso Lima não fez mais que endossá-la ao

afirmar que em toda a história do Brasil, ― o poder público não é apenas o reflexo do povo e

sim o orientador, o guia, o verdadeiro formador do povo‖ (A. de A. Lima, 1944: pag. 145).

Essa ideia volta, porém à ordem do dia por ocasião da crise da República.‖ (Pécaut, 1990; 45).

No sentido de melhor configurar a formação do pensamento político que vê o Estado como

legitimo tutor da sociedade Sadek observa que ― O estudo de Bolívar Lamounier – Formação

de um Pensamento Político Autoritário na Primeira República: Uma interpretação – visa

interpretar toda uma produção intelectual, formada a partir da Primeira República. Seu intento

de interpretação no tocante àquela produção, leva-o a buscar nela, uma ―dimensão implícita

comum‖, capaz de indicar a maneira como foram assimiladas as várias correntes ideológicas

antiliberais, a visão que possuía a sociedade, o tipo de crítica desenvolvida ao modelo político

alternativo. Esta ―dimensão implícita comum‖ imprimirá no pensamento político então

elaborado uma configuração específica que o distinguirá do pensamento anterior, e também do

liberal-clássico, como ainda das ideologias autoritárias importadas.

Seu argumento central é que ―a transformação do pensamento político no período considerado

deve ser entendida basicamente como a formação de um sistema ideológico orientado no

sentido de conceituar e legitimar a autoridade do Estado como princípio tutelar da

sociedade‖.‖ (Sadek, 1978. pág. 70).

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

32

Décadas antes da análise apontada por Sadek, Vitor Nunes Leal13

já observava que o Estado

Novo iria imprimir um regime de tutela aos municípios impedindo que a própria Constituição

de 37 que por si possuía um espírito autoritário e centralizador funcionasse.

Leal observa que ―Num regime que visava conferir poder incontrastável ao chefe de governo,

não seria de estranhar essa organização hierárquica, em que atos comezinhos da administração

municipal, depois de longa peregrinação, vinham ser decididos, em última instância, por

despacho presidencial. A preocupação da centralização política no Estado Novo, que nunca

procurou dar vida real à maquina representativa criada na Carta de 10 de novembro, era tão

evidente que a completa anulação da autonomia municipal nesse período não demanda

qualquer outra explicação‖ (Leal. 1986; pág. 93)

A observação de Leal aponta para duas questões: a primeira - por ele levantada no trecho

acima - diz respeito à tutela que o Estado Novo buscou e efetivamente impôs durante sua

vigência, e a segunda – esta mais vinculada ao pensamento autoritário – advêm da necessidade

de uma tutela necessária para que a cultura política dos que davam a base de sustentação à

representação política de antes de Vargas não tomassem conta novamente da administração

das coisas do Estado.

Entendemos que o encadeamento da estrutura patrimonialista que concebe o Estado como

uma estrutura privada voltada para interesses desvinculados da maioria dos cidadãos inicia-se

e tem sua base na representação municipal e têm seu elo de conexão com o executivo Estadual

13

Trata-se da obra Coronelismo, enxada e voto com a primeira edição datada de 1949.

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

33

ou Federal nos parlamentares das assembléias dos Estados e do Parlamento Federal.

Tomando-se estas reflexões devemos guardar o fato de que a gama de pensamentos existentes

na política e na cultura no Estado Novo não saem do nada, eles vêem de uma tradição e de

reflexões que não raramente são divergentes em alguns de seus aspectos, mas que formam a

gênese de uma concepção de Estado que deve ter o poder para gerir a sociedade de maneira a

tutelá-la. O Estado autoritário brasileiro vem deste conjunto de ideias e não da importação do

nazismo ou fascismo, a concepção de tutela do Estado tal qual foi aqui empreendida toma

corpo em nosso país.

Neste esforço de levantar algumas das características daquele período e retomando outra

característica do pensamento não só do campo político conservador, mas da reflexão sobre o

Brasil da época, Sadek irá se referir a seguinte questão: ― O sentimento da premência de se

conhecer a realidade nacional é, sem dúvida alguma, uma das cores mais visíveis neste

momento. A consciência da existência de um Brasil desconhecido, de um lado, e a

necessidade de substituir o que se considerava empecilho para este conhecimento, de outro,

imprimiam duas atitudes que se complementavam: a valorização da terra e da ―gente‖

brasileira, de uma parte, e de outra, o combate aos idealismos, aos artificialismos, aos

estrangeirismos.

Assim, desde Os Sertões de Euclides da Cunha, a ânsia de conhecer a realidade nacional

passou a se constituir quase que num guia para produção intelectual. A palavra de ordem a ser

cumprida por todos aqueles que ambicionavam influir nos destinos do país poderia ser assim

expressa: É preciso descobrir e conhecer o Jeca Tatu. O Brasil é Os Sertões, é o Jeca Tatu.

Somente a descoberta da brasilidade, do país verdadeiro fornecerá critérios para o julgamento

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

34

e para reorganização do Brasil ―formal‖. (Sadek, 1978. pag. 81).

Mais do que o estereótipo do cientificismo a que Pécaut se referiu quando criticou o que seria

considerado o pensamento político autoritário, se estava à busca do Brasil e sua cultura para se

conceber uma política que conduziria o país aos seus objetivos: o Brasil moderno, e este

moderno necessitaria de um Estado que ―conhecesse‖ seus governados.

O espírito desagregador da elite política tradicional fruto mais direto da primeira república e a

fragilidade da sociedade civil, seriam pontos que iriam fortalecer, no período republicano, o

pensamento que desembocaria na construção de uma ideia de Estado de natureza tutelar. Eis

um elemento a ser adicionado ao embate entre a visão de Daniel Pécaut e dos autoritários.

De uma análise da sociedade brasileira desdobrou-se perspectivas semelhantes quanto ao

diagnóstico, mas divergentes quanto à ação política:

―Liberais e autoritários, de direita ou esquerda, diagnosticaram que os males país provêm de

uma relação desigual, destituída de reciprocidade e interlocução: a uma sociedade civil

incapaz de auto-organização, ―gelatinosa‖ em algumas leituras, e a uma classe trabalhadora

―débil‖, impõe-se um Estado que, armado de eficientes mecanismos repressivos e persuasivos,

seria capaz de manipular, cooptar e corromper. A interpretação ainda foi reforçada por um

certo tipo de marxismo que defendia um modelo de classe trabalhadora, uma determinada

consciência que lhe corresponderia e um caminho, único e portanto verdadeiro, a ser seguido.‖

(Ferreira, 2001; 62).

Se buscarmos um exemplo de interpretação tida como de direita, temos que Oliveira Vianna,

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

35

observa que o processo de colonização brasileiro não havia dado ao povo brasileiro a

possibilidade de estruturar-se em uma democracia representativa, nos moldes americanos ou

europeus, assim a ― (...) ―comunidade de aldeia‖ ser, como traço etnológico ou cultural, uma

estrutura ou uma tradição inexistente no Brasil. Na zona dos canaviais – pela própria

legislação do tempo, os engenhos não podiam se distanciar menos de meia légua um do outro.

No sertão – os currais de gado, concedidos em sesmarias, tinham três léguas um do outro. No

sertão – os currais de gado, concedidos em sesmarias, tinham três léguas de extensão com uma

légua intermediária, em que era proibido construir ou levantar moradas.

Na faixa costeira os engenhos, assim distanciados uns dos outros, constituíram-se logicamente

em autarquias agrárias, funcionando em ―economia de oikos‖ como diria Max Weber, auto-

suficiência e desta orientação autárquica. ―Cada família uma república‖ – concluía Vieira,

fixando, num traço, toda esta estruturação dispersiva da sociedade colonial, o extremado

individualismo familiar e patriarcal:....(...).‖ (Vianna, 1999; 139).

Vianna vê na formação do povo brasileiro a impossibilidade de se conduzir o país, naquele

período, pela via da democracia representativa. Sem se referir a obra A Democracia na

América de Alexis de Tocqueville, sua análise entende o Brasil daquele momento como um

país na via oposta àquilo que Tocqueville observa na Comuna Americana, exemplo de cultura,

de costumes apropriados a formação da democracia, um sistema que ―(...) ao mesmo tempo

que divide o poder comunal entre um grande número de cidadãos, tampouco teme multiplicar

os deveres comunais. Nos Estados Unidos, pensa-se com razão que o amor à pátria é uma

espécie de culto a que os homens se apegam pelas práticas.

Dessa maneira, a vida comunal se faz, de certa forma, sentir a cada instante; ela se manifesta

cada dia pelo cumprimento de um dever ou pelo exercício de um direito. Essa existência

política imprime à sociedade um movimento contínuo, mas ao mesmo tempo tranqüilo, que a

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

36

agita sem perturbá-la.‖ (Tocqueville, 1998; 79).

Refletindo sobre o Brasil do século XVII, Sérgio Buarque de Holanda demonstra que os

intelectuais chamados como do pensamento autoritário, realmente não estavam isolados

quando observavam a formação da sociedade brasileira e a herança que a cultura política do

país carrega consigo. Em Raízes do Brasil ele aponta que ―O peculiar da vida brasileira parece

ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do

passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras,

disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a

uma população em vias de organizar-se politicamente‖. (Holanda, 1995;61).

Não se trata de um pensamento que despreza a participação das massas no processo de

organização das sociedades. A relevância das colocações esta centrada na observação de um

momento específico- e a dimensão de tempo é importante para caracterização da análise dos

autores – em que as massas não tinham em sua cultura política elementos para - como

desejaria Pécaut, por exemplo – ser o elemento ativo na organização da política.

Portanto trata-se da insipiência da cultura política do homem brasileiro como observa Vianna

ou Holanda e não apenas a inserção de um elemento incapaz - o homem massa –

definitivamente tido como ―medíocre‖ no entendimento de Ortega Y Gasset.

―Dissemos que havia acontecido algo extremamente paradoxal, mas que na verdade era muito

natural: pelo fato de o mundo e a vida se mostrarem abertos ao homem medíocre, sua alma se

fechou. Pois bem: sustento que nessa obliteração das almas medíocres consiste a rebeldia das

massas que, pó sua vez, constitui-se no gigantesco problema de hoje para a humanidade‖.

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

37

(Ortega Y Gasset. 2007. Pág. 101)

Melhor delineando o pensamento do autor é interessante vermos também sua caracterização

da nobreza enquanto agente da política:

―...é sinônimo de vida dedicada, sempre disposta a superar a si mesma, a transcender do que

já é para o que se propõe como dever e exigência. Dessa forma, a vida nobre se contrapõe à

vida vulgar e inerte, que, estaticamente, se restringe a si mesma, condenada à imanência

perpétua, a não ser que algum fator externo a obrigue a reagir. Por isso chamamos massa a

esse modo de ser homem – não tanto por ser multitudinário, mas por ser inerte‖. (Idem. Pág.

97)

As duas citações de Gasset apontam para uma política a ser realizada por elites que se levadas

ao período do primeiro governo Vargas podem levar a uma aproximação com o caso brasileiro

Elide Rugai Bastos14

em breve análise da obra de Paulo Augusto de Figueiredo15

comenta que

Gasset influência parte considerável dos pensadores autoritários e por consequência os

colaboradores de CP. O próprio título da revista estaria influenciado por parte do pensamento

de Gasset por ela resumido: ―...cabe a uma elite intelectual formar e dirigir as massas, tema

14

Texto contido no livro Intelectuais e Estado, organizado por Marcelo Ridenti, Elide Rugai Bastos e

Denis Rollnad. Editora UFMG. 2006. 15

―Paulo Nunes Augusto de Figueiredo nasceu no Rio de Janeiro em 5 de agosto de 1913 e faleceu em Brasília

em 26 de dezembro de 1985. Formado em Direito, foi, em momentos diferentes de sua carreira, professor

universitário, promotor público, procurador fiscal do Estado, presidente do Departamento Administrativo do

Estado de Goiás, consultor jurídico do Senador Federal, vice-diretor legislativo do Senado Federal‖. (Trecho de

biografia extraída do texto de Elide Rugai Bastos contido na obra: Intelectuais e Estado, organizado por Marcelo

Ridenti, Elide Rugai Bastos e Denis Rollnad. Editora UFMG. 2006. Pág. 121).

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

38

que será desenvolvido posteriormente pelo autor espanhol em Rebelião das massas, cuja

primeira edição é de 1937, no qual estabelece claramente a conexão entre a crise mundial e a

ausência de direção da sociedade por uma elite ―bem formada‖, capaz de perceber os anseios e

as necessidades do povo. A centralidade da cultura e a missão dos intelectuais, eixos

articuladores da revista Cultura Política, constituem-se em pontos apoiados nas teses

orteguianas‖ (Bastos. 2006; 128)

Há efetivamente a preocupação na publicação dirigida por Almir de Andrade em aglutinar

uma elite intelectual que soubesse ler o que entediam como as reais necessidades do povo

brasileiro. Os colaboradores de CP - veremos no decorrer desta pesquisa - levantam esta

problemática recorrentemente e Paulo Augusto de Figueiredo não se furtará a isto, se bem que

privilegiaremos também outra faceta do autor que é a visão cristã da organização da

sociedade.

Quanto a participação das massas na construção nacional no que tange ao objeto desta

pesquisa – a revista Cultura Política – entendemos que a abordagem da publicação– foi

configurada a partir de um número maior de autores – e aponta para caminhos calcados

também em outras questões.

No tocante ao homem comum e sua participação na política esta pesquisa crê que a

observação dos autores autoritários e, sobretudo os que aparecerão nas edições de Cultura

Política, demonstra – e procuraremos esmiuçar como isto se constitui com a análise dos textos

dos colaboradores de CP - que houve a preocupação de se apontar uma estrutura estatal que

inserisse o cidadão na política, mesmo que de maneira ambígua se mantivesse o caráter

autoritário do regime.

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

39

Entendemos que se houve uma interrupção da participação das massas16

no processo político,

sobretudo em 37, decorre da necessidade do regime de impedir que a concepção de

democracia nos moldes do pré 30, pudesse novamente robustecer-se reerguendo as elites

políticas a que o movimento conduzido por Vargas havia se esforçado em controlar.

Veremos, entretanto que a revista publicará textos em que a forma corporativa de organizar a

representação política nacional é apontada como a saída para composição de uma

representação mais racional e mais eficaz dada a configuração social do país, mesmo que de

forma ambígua reforce a figura de Vargas como o grande condutor do processo de construção

do Estado Novo e aponte para uma representação baseada de certa forma em uma elite: os

representantes da categorias profissionais.

Sem duvida a questão das elites como agente capaz de empreender a organização da política

esta presente recorrentemente na revista. A representação corporativista, os autores que se

vêem como elite capaz de criar as concepções necessárias à estruturação da sociedade e a

própria forma pela qual a figura de Getúlio Vargas aparece nas páginas de CP apontam para a

influência orteguiana mencionada por Elide Rugai Bastos.

Deve-se também observar nesta reflexão - e ao que principalmente nos interessa que são os

que colaboraram com a publicação do DIP - que nela existe um misto de influência de outros

16

Consideremos o caráter diminuto da efetiva participação popular no debate político em algo que

poderia ser considerado esfera publica – na perspectiva de Habermas – e mesmo o número de eleitores que

efetivamente tinham direito a voto. Devemos considerar além destes fatores a fraude eleitoral e o voto de

cabresto, comuns, sobretudo antes da reordenação dada por Vargas com a criação da Justiça Eleitoral e o Código

Eleitoral instituídos através do Decreto nº 21.076 de 24 de fevereiro de 1932.

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

40

autores - não raro de fora da revista - e das necessidades do embate político nacional.

Portanto quando se observa a vontade dos autores em buscar representações políticas que

diminuam o mais possível a participação popular não podemos deixar de levar em

consideração o que influenciava também o pensamento daqueles autores: a necessidade de se

fugir a representação política anterior a 30.

Mas toda esta questão remete ao problema que se colocava aos políticos e intelectuais da

época: conceber uma prática e uma cultura política capazes de darem conta de uma

reordenação eficiente no tocante à condução do país. Em relação à CP e seu diretor Almir de

Andrade a tarefa foi aglutinar autores que buscassem trazer à tona a cultura do país.

A visão de Oliveira Vianna, mesmo não sendo colaborador de CP, neste ponto é semelhante à

de Andrade, de outros autores que escreveram na revista e se aproxima das observações de

Sérgio Buarque de Holanda.

Mesmo que não haja vinculação política entre autores como Oliveira Vianna e o autor de

Raízes do Brasil a observação que fazem sobre o que seria as raízes de uma cultura política na

sociedade brasileira é passível de ser aproximada.

A teoria de que a sociedade brasileira da época é insipiente para se organizar e fazer-se

representar em instituições típicas da democracia representativa, como visto, não é

propriedade dos autores do pensamento autoritário. E nem tampouco a busca do que seriam as

raízes culturais do país e a perspectiva nacionalista é privilégio de intelectuais do século XX.

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

41

Porém é necessário observar - para que se forme de maneira mais precisa o perfil do

pensamento autoritário e em especial da revista Cultura Política – o binômio composto entre

cultura e política e as resultantes desta relação.

Observa Tótora ao se referir a Azevedo Amaral que o autor ―... filia-se à tradição do

pensamento conservador, ao apontar para incapacidade de uma determinada regra ou norma

institucional tornar-se eficaz numa ordem social que a contrarie. As instituições políticas

devem adequar-se à realidade. Uma lei, norma ou regra institucional torna-se eficaz na medida

em que seja capaz de garantir uma determinada ordem, ou, eventualmente, criar uma ordem

que garanta a estabilidade do poder político, por exemplo, as leis trabalhistas‖. (Tótora. 1991.

fl. 25)

A autora continua sua análise do pensamento de Amaral acerca do embate entre liberalismo

democrático e pensamento autoritário observando que ―A crítica de Amaral vai ao sentido de

rebater uma concepção teórica do pensamento político, difundido após a Revolução Francesa,

atribuindo ao regime liberal-democrático um valor absoluto e universal a ser praticado

igualmente por todas as nações. Contra essa orientação o espírito contemporâneo reage com a

afirmação da ideia nacional, ou seja, ―cada povo sendo uma entidade sociológica peculiar,

deve elaborar as suas instituições sociais e políticas, obedecendo apenas a inspiração do seu

gênio nacional‖ (RPD, p. 167). A desqualificação do regime democrático-liberal, não obedece,

na sua obra, apenas a uma determinação da ideia nacional, mas à historicidade a que essa

forma de organização política se circunscreve‖. (Idem. fl. 88)

A organização da esfera política que tem início com Revolução de 30 e prossegue com o

processo político posterior que vai até 45 com o fim do Estado Novo, sequência histórica

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

42

analisada por Amaral é vista como um processo histórico continuo e que seria concluído com

a construção do Estado Nacional, denominação que Vargas preferiu dar ao Estado Novo: ―As

etapas que se sucederam à Revolução de 1930 – governo provisório 1930 – 1933, o governo

constitucional de 1934-1937, autoritarismo corporativista de 1937 a 1945 – constituíram-se

em momentos de um mesmo processo de construção e consolidação do Estado Nacional‖.

(Idem. Fl. 88)

Sobre a inadequação do liberalismo à nova ordem econômica e social instituída Tótora reflete

sobre Amaral observando que ―A partir dessas circunstâncias históricas, o Estado liberal, em

crise, anuncia o seu colapso. As condições históricas exigiam substituição do Estado Liberal

por um modelo de Estado com funções ampliadas, principalmente, para intervir na economia.

Esse novo modelo de Estado, Azevedo Amaral denomina de Estado autoritário‖. (Idem. fl.

90).

O autoritarismo instituído em 1937, não visava apenas à ordem, mas a um projeto de

modernização para o país. ―O fortalecimento do poder central, centralização política, a

concentração das decisões políticas nos órgãos executivos, reforço da autoridade do presidente

da república, justificam-se frente à necessidade de resolução dos problemas de ordem

econômica. O autoritarismo não seria uma estratégia política com finalidade apenas de

manutenção da ordem, mas, também, de promoção da modernização do país‖. (Idem. fl. 95).

A incapacidade de conceber uma solução para organização da economia e da sociedade

brasileira é patente na ação nas oligarquias que conduziram a república antes de 30, quanto a

isso a autora observa - utilizando-se da perspectiva de Azevedo Amaral - que ―As oligarquias

agrárias, detentoras do poder político, demonstram uma incapacidade de governar além dos

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

43

limites restritos dos seus interesses particulares. A prova disso está na dificuldade de um

encaminhamento político para o problema social, no que se refere à questão do fator

trabalho‖. (Idem. fl. 99).

Temos então em Azevedo Amaral que a organização dada à sociedade nacional anteriormente

a 1930 constituiu-se em desacordo com a realidade do país. As instituições construídas pelas

elites de então não deram conta de administrar, criar soluções aos problemas nacionais e se

nos estendermos mais nesta análise, não seriam capazes de empreender o processo de

modernização da sociedade.

Sadek17

comentando o pensamento de Octávio de Faria - no que tange à Revolução de 30 e em

especial ao Estado Novo - identifica no autor e em outros seus contemporâneos a concepção

de que há a necessidade de se por abaixo a democracia liberal e a organização que a sociedade

nacional conhecia até então como traço comum àqueles autores.

Em síntese que faz do pensamento de Octávio de Faria no tocante a formação da Nação

brasileira, observa que ―Retirando-se a ―mentira, o que fica? Resta o mais absoluto domínio

do acaso. Não há uma nação, mas um aglomerado de indivíduos, que acidentalmente habitam

o mesmo espaço territorial. Solo este imenso, que ao dispersar os que nele vivem, também,

não facilita a existência do brasileiro. O atraso econômico, político e social. Em síntese, não se

verificou um processo civilizatório formador da nacionalidade e fomentador de um país com

expressão mundial‖ (Sadek, 1978. pag. 129)

17

Em Machiavel, Machiavéis: A Tragédia Octaviana.

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

44

Com pontos de semelhança com outros autores, no tocante a insuficiente organização da vida

nacional empreendida pelas elites de até então, Octávio de Faria preocupa-se também com a

formação moral.

Esta preocupação mostra uma das facetas do seu pensamento e demonstra que se

aparentemente aponta apenas para uma perspectiva conservadora e moralista das coisas, em

uma análise mais apurada revela algumas das características da cultura brasileira, ainda

arraigadas no século XXI.

―Este clima imoral envolve todos os aspectos da vida social e privada: nas mercadorias postas

à venda, na política da capital como na dos Estados e municípios, nas eleições, no júri, nos

exames prestados, no terreno sexual. Todos os campos estão contaminados. Octávio de Faria

aponta para o aprendizado da imoralidade se dá desde cedo – na ―cola‖ feita na escola. Este

fenômeno não apenas reflete a falência moral, como adapta o indivíduo para a vida como

cidadão – ―o individuo aprendeu os principais meios de enganar, de burlar a lei. Já aprendeu,

sobretudo como se desculpar não só diante de si (quando precisa...) como diante dos outros.

Se todos podem, não só pode com tem de fazer.

...Mais tarde, diante da vida, das dificuldades que vão aparecer, pensará do mesmo modo. Se

tiver diante de si o Estado, então não hesitará. ....‖ (Sadek, 1978. Pag. 131) e (Octavio de Faria

em MB pag. 166).

Adiante Sadek, expõe a reflexão de Octávio de Faria e sua preocupação com o homem como

base da formação de uma nação e a reflexão do autor acerca de outros autores:

―Desconhecendo o homem supondo-o bom, diz Octávio de Faria, tivemos a Constituição de

1891 e os conseqüentes, abusos que ela permitiu. Se se persistir nesse desconhecimento,

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

45

nenhum dos ―remédios‖ poderá surtir efeito e falharão as tentativas de ―regeneração‖, mesmo

as apresentadas por Alberto Torres, Oliveira Vianna, Pontes de Miranda e Plínio Salgado‖

(Sadek, 1978. pag. 136)

A preocupação com o homem aparecerá também no pensamento autoritário no que Sadek

denominou de ―reação espiritualista‖. Numa síntese do que este pensamento de origem

católica apontava como os males da nação, veremos que da questão religiosa, ou melhor, da

falta de religiosidade é que se encontram não só o diagnóstico dos problemas mas o

direcionamento para possíveis políticas que iriam resolve-los.

As ―ideologias modernas‖ e seu ―agnosticismo‖ - nos diz a autora - são para os católicos,

responsáveis, juntamente com as origens do ateísmo que estão em Lutero, Descartes e

Rousseau, pelo atual estado de coisas da sociedade. E para ilustrar o pensamento dos autores

católicos cita Oscar Mendes18

.

―As conseqüências do liberalismo maçônico da constituição aí estão patentes. Renegando a

Deus, proibindo o ensino religioso, desprestigiando o matrimônio católico cristão, que se

obteve? Quarenta anos de república leiga se afundaram na mais vergonhosa decadência

moral‖ (Trecho do autor citado. Sadek. 1978; pag. 96).

Ainda nove anos antes do início da publicação de Cultura Política e sete anos antes da

instauração do Estado Novo a ―reação espiritualista‖ diagnosticava desta forma e de acordo

18

Artigo intitulado ―O liberalismo no Brasil sob o Ponto de Vista Católico‖, in A Ordem (Ano XIII, nº

23., janeiro 1932) pág. 32, 33 e 44. – citação da autora. A constituição a que se refere o autor é a primeira da

República – 1891.

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

46

com o trabalho de Sadek propunha a valorização dos princípios cristãos ―traço essencial,

originador e formador da população brasileira‖. (Idem. Pág. 97)

Há, portanto temas em que os pensadores autoritários se aproximam mesmo sendo a não

homogeneidade uma das características deste pensamento. Buscando mais características do

pensamento autoritário devemos considerar o pensamento de Alberto Torres.

No prefácio à terceira edição de A Organização Nacional de Alberto Torres, observa Francisco

Iglésias que ―O sinal mais vivo e característico de quanto Alberto Torres escreveu é o sentido

da objetividade, a denúncia da alienação, do mimetismo de formas estranhas, da importação

indiscriminada de todo o arsenal ideológico elaborado alhures e sem correspondência com a

realidade. Foi nessa ideia que mais insistiu, mostrando a necessidade de organizar o país e

função de sua própria fisionomia, para evitar a desordem e outros prejuízos.‖ (prefácio de à

terceira edição de A Organização Nacional de Alberto Torres – pág. 12).

Anterior a outros autores autoritários, Alberto Torres já concebia como fadada ao insucesso as

sociedades formadas a partir de alicerces alheios a própria cultura local ao mesmo tempo

apontando para o remédio a ser administrado a formações sociais erigidas daquela maneira:

―Se em toda parte, as sociedades não receberam organizações próprias, senão simples

construções provisórias, com materiais em ruína; se o Estado não é, ainda, mais que mera

corporação policial, e órgão de comando, por violência ou por sugestão; no Brasil, onde a

sociedade não chegou a reunir sequer os elementos agregantes da tradição – nem a sociedade

existe, nem o Estado; e Estado e sociedade hão de organizar-se, reciprocamente, por um

processo mútuo de formação e de educação. Educação pela consciência e pelo exercício, o que

vale dizer por um programa, isto é por uma política: eis o meio de transubstanciar este gigante

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

47

desagregado em uma nacionalidade.‖ (Torres, pág. 37. 1978).

No esteio das observações de Oliveira Vianna e do paralelo aqui feito entre Vianna e

Tocqueville, Torres dirá que ―Num país que não saiu do jugo da metrópole senão para ser

dirigido por governos que não surgiram da carne e do sangue do povo e não comungam com

seu espírito e suas tendências, fazendo tudo, pelo contrário, para desvirtuar-lhe o caráter,

subordinando-o a ideias e costumes estrangeiros, não é de surpreender que o povo se não

tenha formado, faltando-lhe, como lhe faltou, a escola do determinismo, pelo exercício da

liberdade e da autonomia: do progresso, fisiológico e psíquico, em suma, da atividade.

(Torres, pág. 54. 1978).

Estendendo sua análise acerca da organização política brasileira de sua época Torres vê que

―... a base das nossas organizações partidárias é a politiquice local. Sobre a influência dos

corrilhos eleitorais das aldeias regue-se a pirâmide das coligações transitórias de interesses

políticos – mais fracos na representação dos Estados, dependentes dos estreitos interesses

locais: tênue, no governo da União, subordinado ao arbítrio e capricho dos governadores.‖

(Torres, pág. 68. 1978).

Caminhando ainda mais neste esforço de compreensão do pensamento político autoritário,

voltemos a Sadek no intuito de nos atermos no que os próprios autores buscavam com seus

textos.

Mesmo também não considerando o pensamento político da época como homogêneo a autora,

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

48

cita algumas obras19

que vão da primeira década do século vinte a meados dos anos 30

destacando que ―Até mesmo numa leitura superficial das obras então produzidas

encontraremos uma série de itens que as aproxima. Assim, o antiliberalismo, o anticapitalismo

e a percepção da situação da situação presente como insustentável são alguns dos elementos

que, de uma forma ou de outra, afloram nos vários discursos‖ (Sadek. 1978. págs. 78 a 80).

Além das aproximações em alguns pontos importantes para análise daquele período histórico,

os autores analisados por Sadek eram - e dai advém o próprio título de seu livro Machiavel,

Machiavéis: A Tragédia Octaviana - intelectuais que não centravam – como já observado -

suas preocupações na produção de um conhecimento puramente acadêmico. O espírito de suas

produções estava calcado na interferência nos destinos da nação.

Pegando de empréstimo a análise de Sadek, eram - a maneira de Maquiavel -

escritores/pensadores que estavam a procura do condottiere, aquele que incorporaria suas

ideias na ação política para construção ideal ao país.

Portanto os intelectuais vistos até aqui e os que estudaremos na revista Cultura Política estão

inseridos nesta perspectiva. Mesmo quando acadêmicos de profissão estarão também nos

textos publicados em CP imbuídos da vontade desta ação política em que as ideias eram suas

19

A autora estava especificamente comentando as obras por ela citadas no livro Machiavel, Machiavéis: A

Tragédia Octaviana, em capítulo denominado Clima ideológico da época. São as seguintes as obras citadas: O

Problema Nacional Brasileiro– Alberto Torres (1914); O Idealismo na Evolução Política do Império e da

Republica – Oliveira Vianna (1922); O Idealismo da Constituição – Oliveira Vianna (1927); O Brasil Errado –

Martins de Almeida (1932); A Desordem – Virgínio Santa Rosa (1932); Brasil Desunido – Sud Mennucci (1932);

O Sertão Social – João Lyra Filho (1933); Problemas do Brasil – Ary Machado Guimarães (1933); Problemas

do Brasil – Everardo Bacheuser (1933); A Gênese da Desordem – Alcindo Sodré (1933); O Brasil na Crise Atual

– Azevedo Amaral (1934); Despertemos a Nação – Plínio Salgado (1935) e Problemas de Nosso Tempo –

Hermes de Lima (1935.

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

49

armas.

1.1. Estado Novo, Cultura Política e ideologias.

Por não ter sido um movimento de massas, mas essencialmente erigido a partir de uma elite

política que não se aglutinada em torno de um partido político, o Estado Novo carecia de um

programa político que pudesse ser claramente visualizado.

Já vimos que por ser fruto de uma época em que o liberalismo encontrava-se em baixa, o

Estado Novo foi um dos regimes políticos que emergem como alternativa política. Por conter

alguns elementos comuns, não raras vezes seria confundido com o totalitarismo ou mesmo

com corporativismo português da ditadura salazariana.

Atendo-se a pontos fundamentais que concretamente diferenciaram o Estado Novo do que o

fascismo italiano tinha de essencial e também do corporativismo português, podemos observar

o período que vai de 1937 a 1945, constituindo-se como experiência, que no Brasil guardou

características próprias.

Lúcia Lippi de Oliveira irá refletir sobre a questão das diferenças entre fascismo e o Estado

Novo apontando que ―dois aspectos históricos e doutrinários, presentes no fascismo, estão

ausentes do caso brasileiro. O regime de 1937 não resultou da tomada do poder por nenhum

movimento revolucionário organizado e de massas. Seus doutrinadores negam qualquer

espaço para existência de um partido sustentador do regime. A questão da mobilização e

organização das massas em milícias é também recusada pela maioria dos autores nacionais

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

50

que buscam fundamento para o fortalecimento da autoridade do Estado. (...) Seja do ponto de

vista doutrinário ou da realidade histórica, o caso brasileiro do Estado Novo se distingue do

fascismo italiano‖ (Oliveira 1982; 25)

Quanto à experiência do corporativismo português e sua distinção em relação à experiência

brasileira, esta fundamentalmente concentra-se no caráter perene das instituições e cultura

política fomentadas por Vargas. Martinho irá observar, dentre outras diferenças entre os dois

casos, que ―O compromisso das classes populares com a legislação social no Brasil não

impediu a queda do presidente. Mas foi garantia para continuidade do aparato legislativo. A

oposição renhida das classes proprietárias ao corporativismo a crise decorrente da guerra

determinaram novos rumos à política social portuguesa, mas não a queda do ditador. Em

outras palavras, enquanto no Brasil houve continuidade sem Vargas, em Portugal a

descontinuidade se deu apesar da permanência de Salazar‖. (Martinho 2007)

Se há esta diferença entre os regimes totalitários instalados na Europa e ao regime português

cabe então do ponto de vista dos intelectuais contemporâneos ao regime de 1937 nos mostrar

qual regime se pretendeu estabelecer.

Crê esta pesquisa que - pelo pensamento dos intelectuais que colaboraram com Cultura

Política: Revista Mensal de Estudos Brasileiros - algumas questões importantes acerca do

perfil do regime podem ser mais bem elucidadas.

O perfil de um regime - que veremos nos próximos capítulos – vem à tona com as análises que

aparecem na publicação do DIP. Análises que não são somente fruto daquele momento

político especifico da Nação, mas continuidade do pensamento político que vimos até aqui.

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

51

CAPÍTULO 2 - Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros

No entender desta pesquisa Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros deve ser

encarada de um prisma que não a circunscreva somente a instrumento do DIP concebido para

a propaganda de cunho panfletário.

Em seus 53 volumes, a publicação dirigida por Almir de Andrade buscou reunir intelectuais

com o intuito de refletir sobre o que entendiam como cultura brasileira, a política e suas inter-

relações.

Para buscarmos compreender a forma pela qual Almir de Andrade entendia como a política

deveria intercambiar-se com a cultura, Lucia Lippi Oliveira20

resume o pensamento de

Andrade e sua atuação, enquanto intelectual junto ao governo Vargas e o desdobramento

destas questões na formação de CP.

―A proposta do ―novo‖ vem associada às condições da realidade nacional. O país real teria

20

Ainda segundo Lúcia Lippi de Oliveira em Tradição e Política: O Pensamento de Almir de Andrade

(Estado Novo – Ideologia e Poder. Rio de Janeiro. Ed. Zahar. 1982. pag. 31, 32 e 46), Almir de Andrade foi um

dos principais ideólogos do regime colocando como destaque neste papel seu trabalho como diretor de Cultura

Política. A autora aponta como obra de destaque do autor Força, cultura e liberdade, escrita ―sob encomenda

pelo Departamento de Imprensa e Propaganda em 1940‖. Em nota de seu texto a autora aponta ainda que,

segundo Vamireh Chacon, em Estado e povo no Brasil (Rio de Janeiro: José Olímpio, 1977- pag. 41 e 115),

Francisco Campos teria sido o arquiteto jurídico do regime, Oliveira Viana o inspirador teórico e Azevedo

Amaral o seu ideólogo.

Apesar de concordarmos com a importância destes autores para formação do ideário do regime e do pensamento

político autoritário, entendemos que para uma compreensão mais abrangente do que foi o ideário do Estado Novo

necessitamos de uma análise que contenha um número maior de autores para que se apure quais temáticas foram

recorrentes e que - durante o regime de 37 - efetivamente se tornaram relevantes na perspectiva do regime, do

pensamento político autoritário e seu relacionamento com o Estado Novo.

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

52

sido obscurecido pela influência das ideias importadas, quando da feitura do pacto

republicano. O novo regime deveria voltar-se para as nossas origens, para as raízes brasileiras,

verdadeira matéria-prima nas mãos do novo artesão.

É desta combinação entre novas fórmulas políticas e a evolução histórica brasileira, entre o

moderno e o tradicional, que trata a obra de Almir de Andrade. Vinculando a obra de Vargas às

raízes culturais brasileiras, Almir de Andrade possibilita não só a convivência de intelectuais

de diferentes origens e perspectivas doutrinárias, mas também atribui ao intelectual um papel

predominante enquanto intérprete nacional‖. (Oliveira, Lúcia. 1982: 33)

Almir de Andrade na apresentação do primeiro número de Cultura Política discorre sobre

alguns elementos que podem ser considerados como reflexão e roteiro do que iria ser a nova

publicação.

Crê Andrade em uma democracia que - segundo ele - virá de um Estado que protegerá o

trabalho promovendo a ordem política e ―...se destina a assegurar a paz, a concórdia, o bem-

estar, a felicidade dos que trabalham pelo bem comum‖. (CP, – março de 1941 – ano I número

1, págs. 6).

O Estado para Andrade é o oposto ao estado liberal, vai de encontro à concepção

individualista e não irá servir ―...meramente a fins políticos, mas essencialmente à cultura, à

alegria, ao bem-estar, à felicidade de todos e de cada um em particular‖. (Idem, pg. 7).

Almir de Andrade relata o convite para dirigir CP feito por Lourival Fontes – Diretor do DIP e

o que o governo pretendia com a revista: ―Eu era amigo do Lourival Fontes, e ele quis fazer

uma revista de cultura dentro do governo do presidente Getúlio Vargas. Tinha antes convidado

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

53

várias pessoas, inclusive elementos do próprio DIP para organizarem a revista, mas não sei

por que eles não chegaram a organizá-la.......Planejei a revista de uma forma que pudesse

interessar ao público pela variedade de assuntos, pelo nível intelectual, e pudesse também

reunir toda aquela intelectualidade que girava em volta do governo, alguns opositores do

governo, mas que, para fazer uma revista de cultura, colaboraram‖ (Andrade, Almir de. Almir

de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985.) .

Andrade observa que sua relação com o regime vai se estreitando à medida que o próprio

Getúlio vai tomando conhecimento do trabalho de reflexão do jornalista acerca do país.

Andrade relata que ―.... Francisco Campos tinha publicado aquele livro, Estado Nacional, com

a pretensão de ser o doutrinador do Estado Novo, quando na verdade a orientação política

nunca foi aquela do Estado Nacional do Francisco Campos. O Chico Campos sempre teve

uma concepção meio, não digo fascista, mas fortemente direitista do Estado, e o Getúlio não.

O Getúlio era um homem de espírito popular, de espírito aberto, de modo que ele não gostou

muito, isso soube pelo Lourival. O Lourival era homem do DIP, ele não gostou muito do tom

que o Chico apresentava o Estado Nacional. Lourival, então, sugeriu ao presidente a

conveniência de mandar alguém escrever sobre as verdadeiras diretrizes do governo e

esclarecer a opinião pública.‖ (Idem).

Almir de Andrade quando do lançamento da Nova Política do Brasil, havia escrito uma

critica, acerca daquela publicação que trazia as ideias do Presidente, na Revista do Brasil21

.

21

A revista Nova Política do Brasil foi publicada pela José Olympio editores de 1938 a 1947 e tratava,

também, de propagar o ideário do regime. A Revista do Brasil foi uma publicação, de cunho nacionalista, editada

por Assis Chauteaubriand na qual Almir de Andrade colaborou como critico literário. Fontes:

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

54

Interpretação que Getúlio, segundo relato do jornalista, havia gostado, ―sempre procurando

vincular os problemas políticos às raízes culturais. De modo que essa mesma orientação foi a

que dei à revista‖. (Andrade, Almir de. Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio,

FGV/CPDOC- História Oral, 1985.)

Almir de Andrade não vê em Francisco Campos o pensador do Estado Novo. É importante

que se observe a diferença entre Francisco Campos aliado e quadro de primeira grandeza do

regime do autor de Estado Nacional. A comentada insatisfação de Getúlio com interpretação

dos sentidos da política para o Estado Novo não deixa em nenhum momento de

descaracterizá-lo como quadro do regime de Vargas

É do ponto de vista da auto-imagem do regime e daquilo que o regime gostaria de ser e

parecer ser que Almir de Andrade desponta como quadro mais apropriado ao regime. Assim a

questão é o que Francisco Campos ou outros autores gostariam que fosse o Estado Novo e o

que efetivamente o regime foi ou pretendia ser. Porém, face à projeção do ministro de Vargas,

foram dadas às suas opiniões, em termos do que foi a ideologia do regime, uma dimensão

além do que elas efetivamente tomaram no desenvolvimento do regime.

2.1 A Estrutura da revista Cultura Política

Sejam intelectuais que efetivamente fizeram parte do regime ocupando cargos públicos de

relevância como Francisco Campos ou os que ocuparam cargos de nem tanta relevância é fato

www.cpdoc.fgv.br/accessus/asp/idx_pop_ca_poplf.asp?cd_liv=20 e Almir de Andrade em depoimento de 1981.

Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985.)

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

55

que foi no Estado ou em volta do Estado que parte considerável da produção intelectual

daquele período ocorreu.

Em especial, sobre a origem dos intelectuais que colaboraram com CP, dados levantados por

Cordato e Guandalini Jr. através de uma amostra de 100 artigos selecionados - do tema

denominado pelos autores de ―política‖ – demonstrou-se que a maioria dos autores era oriunda

ou gravitava em torno da burocracia do Estado.

―Mais de 80% dos autores dos artigos sobre ―política‖ estão de algum modo, vinculados à

burocracia estatal e colaboraram com quase 85% do total de matérias. Portanto, a maior parte

da ideologia política do regime difundida em Cultura Política é formulada pela burocracia do

Estado‖ (Cordato e Guandalini Jr. 2003; 150)

Mesmo que em outras ocasiões ou em outros temas intelectuais de fora do Estado tenham

colaborado com a revista, o fato é que a construção da concepção de Estado surgida naquele

período teve que ser - em boa medida - erigida pelos próprios membros do corpo técnico

burocrático do Estado Novo. Entretanto devemos ter em mente que outros intelectuais que

tiveram influência na formação dos que escreveram em CP não participaram da revista. Neste

caso enquadram-se, por exemplo, Alberto Torres já falecido na época ou ainda Francisco

Campos e Oliveira Vianna22

.

22

É comum o equivoco de imputar aos dois últimos autores o fato de terem colaborado com CP. Campos

e Vianna nunca colaboraram com a revista, apesar de suas concepções se aproximarem, de muito dos

colaboradores de CP. Tomando um exemplo deste equivoco temos que Pécaut em Os Intelectuais e a Política no

Brasil pag. 70 e Boris Fausto em Getúlio Vargas: o poder e o sorriso pag. 119 citam respectivamente Francisco

Campos e Oliveira Vianna como colaboradores da revista.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

56

Especificamente sobre a ausência de Vianna e outros autores em CP Almir de Andrade

observa que ―Ele nunca procurou a revista, e eu não o conhecia pessoalmente. De modo que

não houve oportunidade de convidá-lo para escrever. Já o Azevedo Amaral fui eu que o

convidei. O Basílio Magalhães, o grande historiador, publicou vários artigos também. Esse fui

até pessoalmente convidar na casa dele. Quer dizer, no início eu fiz esse ambiente, chamei

essas figuras todas para a revista. Agora, o Oliveira Vianna não houve ocasião de .....‖

(Andrade, Almir de. Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral,

1985.)

Quantidade de

Colaboradores

Porcentagem

total de

colaboradores

Quantidade de

artigos

publicados

Porcentagem do total de

artigos selecionados

Burocracia

Estatal

60 82,19 105 84,67

Profissionais

liberais

7 9,58 12 9,67

Militares* 1 1,36 2 1,61

Sem

informação

5 6,84 5 4,03

Total23

73 100 124 100

23

*Sem ligação direta com o Executivo

Fonte: Os autores e suas ideias: um estudo sobre a elite intelectual e o discurso político do Estado Novo. Revista

estudos Históricos. N° 32 (Intelectuais) –pág.150. Editora FGV/CPDOC. Rio de Janeiro – R.J. 2003. Nos

capítulos 3 e 4 desta pesquisa torna-se patente o fato de que os autores que escreviam sobre questões ligadas a

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

57

Com a colaboração destes intelectuais e sob a influência de outros, buscando colocar em suas

páginas o que define como a cultura do Brasil, sobretudo no que se refere à cultura política, ou

seja, a formação do que seria a ideal organização da política do ponto de vista da formação

cultural do Brasil, CP vai às bancas.

A distribuição de CP era feita nas bancas de jornais de todo país e organizada por Fernando

Chinaglia – mesmo distribuidor da Revista Seleções. CP, com uma tiragem de três mil

exemplares, era uma revista que não possuía um conteúdo para consumo popular, como

observa Andrade, ―Era outro tipo de revista – comparando-a a Seleções – pesada, maçuda‖,

mas com a distribuição organizada de tal forma que seu primeiro número foi - segundo

Andrade - ―uma grande sucesso de vendagem‖. (Andrade, Almir de. Almir de Andrade

(depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985.)

CP não era uma revista produzida para as massas, porém não teve sua distribuição dirigida a

uns poucos escolhidos pelo regime ou distribuída como panfleto de apologia ao regime. Almir

de Andrade observa que ―Embora por um preço puramente simbólico. Eu a pus para vender de

acordo com o Lourival, porque uma revista que é distribuída gratuitamente só é lida pelas

pessoas a quem a gente manda e que nem sempre se interessam por ela.‖ Mais adiante observa

que o DIP tinha ― lá uma listagem de pessoas que recebiam essas publicações (referindo-se a

outras publicações do DIP). Agora com uma diferença (de CP para as outras publicações) o

que sobrava das vendas. Eu separava sempre um grande número de exemplares para a

política eram em sua maioria funcionários do Estado.

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

58

vendagem, se não me engano entregava-se ao Chinaglia parece que duas mil, duas ou três mil,

e o resto, não me lembro bem, o que sobrava mandava-se para aquelas.....‖ (idem)

Quanto à seleção dos que colaboravam Almir de Andrade observa que ―Pode-se dizer que só

batalhei para conseguir colaboração para lançar a revista. O primeiro número, segundo e

terceiro. Daí por diante, nunca mais tive que pedir. Eles vinham a mim. O pessoal todo vinha,

inclusive porque a revista na época pagava de colaboração um preço que ninguém pagava.

Pagávamos um preço relativamente alto. Até em alguns casos o dobro do que os jornais e

revistas pagavam. De forma que havia uma grande afluência de ofertas de trabalho. E o

trabalho que passei a ter desde o segundo ou terceiro número foi selecionar o que me

ofereciam.‖ (Idem)

Assim a seleção do que se publicava ficava a cargo de Almir de Andrade, o que dá a dimensão

do quanto o conteúdo da revista pode calcar-se em eixo de análise pouco disperso. Com o aval

de Lourival Fontes e estando afinada com a perspectiva política de Getúlio - sobretudo com a

relação estreita que a política e a cultura deveriam ter - a produção de CP reunia as condições

para além de ser um veículo de divulgação das ideias de seus autores, refletir o ideário do

regime.

Relatando a forma que selecionava os textos para CP, Almir de Andrade observou: ―Eu

selecionava e pouco depois, uns quatro ou cinco meses depois, convidei o Graciliano Ramos

para fazer a revisão da ortografia e da linguagem dos artigos enviados à revista, e ele se

encarregou também de fazer uma filtragem desses artigos. De modo que ele fazia duas coisas:

primeiro a filtragem, selecionando o que era bom e o que não era. Eu examinava então aqueles

que ele achava aproveitáveis‖. (Idem)

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

59

Uma aglutinação de intelectuais que não se limitou aos próximos ao regime, os que divergiam

colaboraram e não apenas pela boa remuneração e qualidade gráfica e distribuição da revista.

A ideia que perpassava a revista, o fio condutor a que Almir Andrade se refere, a cultura e a

política a ser construída a partir da cultura do país são elementos que atraíram outros

colaboradores.

Durante os anos em que foi publicada sob a direção de Almir de Andrade, Cultura Política24

,

refletiu o regime de Getúlio Vargas no sentido de divulgar questões ligadas a estruturação

política do Estado Novo e em especial procurando manter-se como uma revista - segundo a

definição de seu editor - de cultura e política, de maneira a refletir algo de caro ao Estado

Novo: a construção de uma Nação calcada em sua própria cultura e um regime político que

por ela se estruturasse.

Assim, temáticas como antiliberalismo, integração nacional, política externa brasileira,

sindicalismo, política imigratória, Estado Novo, a Constituição de 1937, federalismo, II

Guerra Mundial, governo e a economia do país, artes, Amazônia, previdência social, educação

física, produção de petróleo, siderurgia e administração pública são algumas das questões

levantadas pela publicação, editada de março de 1941 a outubro de 1945.

24

Após o fim DIP em maio de 1945 e por iniciativa de Andrade foram publicados ainda três números.

Sobre eles o diretor de CP relata: ―....três números pequenininhos.......Porque aí o DIP acabou, e continuei com a

revista. E como eu é que a tinha fundado, que a tinha organizado e dirigido, registrei o título no meu nome e

fiquei até com a patente da revista. Mas com a queda do governo não havia mais ambiente para continuar. E aí

passados uns dez anos, sem ser publicado, caducou. De modo que o título hoje está aí para quem quiser usar.‖

(Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985.)

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

60

Vargas ―tinha percepção de que era necessário opor às forças políticas e ideologias então

convergentes (lembremo-nos de sua vitória sobre os movimentos insurrecionais comunista e

integralista) princípios doutrinários próprios que dessem sustentação teórica ao exercício de

seu poder. Cultura Política serve a este propósito.‖ (Figueiredo, 1968).

A análise de Figueiredo é pertinente no sentido de que se fazia necessário a exposição das

ideias que diziam respeito ao regime, porém em duas questões a análise não se adéqua a

proposta de CP e ao Estado Novo, em primeiro lugar comunistas e integralistas não foram

inimigos importantes a ponto de ameaçarem o regime.

Foram reprimidos, mas nunca fizeram oposição capaz de ameaçar o poder, entretanto serviram

como mais um fator utilizado por Vargas para empreender o golpe de 37. Em segundo lugar, o

real inimigo de Vargas foi a versão brasileira do liberalismo, assim o ideário político contido

em CP e que buscava refletir a estruturação política do Estado Novo teve como um dos seus

eixos o conteúdo antiliberal enquanto antagonista no campo das ideias, sendo que a

perspectiva positivista foi influência marcante na formação das ideias de parte de seus

colaboradores.

Se fossemos fazer referência a um conteúdo anticomunista da revista, seria mais interessante

nos reportar a questão da negação da luta de classes, conforme já observamos na análise que

fizemos de Pécaut, como uma das influências que esta pesquisa entende como relevante na

linha editorial de CP. Porém, como veremos, é o antiliberalismo o principal ponto da revista

quando se trata de antagonismo entre o Estado Novo e outras formas de se pensar a sociedade.

Afirma o diretor de CP na apresentação da revista em seu primeiro número que ―O verdadeiro

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

61

ideal democrático impõe uma aproximação cada vez maior entre o governo e o povo, entre o

Estado e o homem comum – afim de que possa aquele servir, não meramente a fins políticos,

mas essencialmente à cultura, à alegria, ao bem estar, à felicidade de todos e de cada um em

particular‖ (CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 7)

No Brasil daquele momento do século XX e sob a égide dos partidários do Estado Novo

podemos desdobrar a crítica ao liberalismo em dois aspectos: primeiro, o reflexo da crise pela

qual passava o liberalismo naquele período pelo mundo, e em segundo lugar, mesmo que a

democracia da Primeira República tivesse concretamente pouco de democracia e pouco de

liberalismo, era em boa medida, a partir de elementos do discurso liberal, que parte da

imagem daquele simulacro de democracia foi construída, ao menos para os que tinham acesso

àquela esfera pública exígua.

Acerca desta questão Elide Rugai Bastos observa que ―Na revista Cultura Política a crítica ao

liberalismo tem um endereço certo: mostrar os erros cometidos na Primeira República e

justificar as experiências centralistas do presente, anos 1930, apontando para o acerto das

decisões centralizadoras do passado, indicando essa tradição política como a mais adequada

ao perfil nacional. Esse objetivo leva a que vários artigos sejam dedicados à reconstituição da

história brasileira, tanto para lembrar o bom êxito da centralização política como para apontar

os equívocos resultantes da persistência dos valores oligárquicos.‖ (Bastos 2006; 131).

Assim é que a construção de um dos itens da ideologia do Estado Novo e em parte dos que

depois iriam reivindicar o espólio político de Vargas esta calcada no antiliberalismo e é desta

perspectiva que as temáticas que irão ser apresentadas pela revista irão em boa medida

gravitar, ou seja, na aproximação entre ―Estado e o homem‖, apontada pelo diretor de CP em

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

62

sua introdução de lançamento da revista. (CP, – março de 1941 – ano I número 1, págs. 6 a 8)

Especificamente, quanto a linha editorial da revista, ela foi pautada, em boa parte e no que

interessa à esta pesquisa, na análise de temas que gravitavam em torno de questões como:

Porque o liberalismo era considerado algo inadequado ao homem e a sociedade brasileira?

(CP n° 5. 1941) Qual o papel dos sindicatos? (CP n°10. 1941) Quais eram as perspectivas

para o Estado Nacional na concepção estadonovista? (CP n° 11. 1942) Qual a boa inserção do

Estado na economia? (CP n° 5. 1941) A administração pública no Estado Nacional no período

Vargas. (CP n° 20.1942) Como se daria a centralização da administração no estado nacional?

(CP n° 11. 1942) São algumas das reflexões dos colaboradores de Cultura Política e que

separadas dentro de temáticas especificas serão analisadas objetivando a construção do um

ideário político do regime.

Nestas e em outras temáticas recorrentes na revista, outros autores não comprometidos com o

regime de 37 teriam espaço em CP ―Cada seção, entretanto, vinha procedida de uma

apresentação, onde se mostrava ser o progresso das artes, da ciência, da literatura uma

decorrência das condições favoráveis advindas com o novo regime. O descompromisso de

alguns articulistas era assim diluído no contexto da revista. Publicar na revista oficial, editada

pelo DIP, era uma forma de participar da legitimação do novo regime. É exatamente essa

capacidade de atrair para seu campo mesmo os opositores que merece destaque no

empreendimento cultural programado e dirigido por Almir de Andrade‖. (Oliveira 1982; 33)25

25

Veremos que estas apresentações só irão estar presentes na revista por um período de sua existência,

sendo comum em pesquisas que utilizaram alguns números de CP imputarem a publicação do DIP formas

especificas que não perduram por toda a existência da publicação ou autores que nunca escreveram na revista.

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

63

Em suma, é possível demonstrar quais as ideias que deram alma as políticas do Estado Novo a

partir do conteúdo dos artigos dos intelectuais que colaboraram em CP, ressaltando que a

revista não se circunscreveu a um mero instrumento de propaganda do regime. Se também

teve este papel, o conjunto de seus artigos, segundo esta pesquisa, apontam para além da

preocupação do embate político imediato e da estrita defesa conjuntural do regime de Vargas,

fato que não deve ser descartado, mas não se constitui como a totalidade da essência da

revista.

Quando de seu lançamento CP possui uma estrutura assim delineada em seis seções:

Problemas Políticos e Sociais, O Pensamento Político do Chefe de Estado, A estrutura

juridico-política do Brasil, Textos e documentos históricos, A atividade governamental e

Brasil social, intelectual e artístico.

Eram os artigos precedidos de nota introdutória em que a revista objetivava dar parâmetros

para melhor entendimento do texto ao leitor além de dar sua interpretação, vinculando- a não

raramente ao Regime de 37. As notas não eram assinadas, portanto não se sabe sua autoria.

Alguns editoriais - segundo a entrevista de Andrade - eram escritos por Rosário Fusco e não

eram assinados em outros vemos as iniciais do diretor da revista.

Após uma crise de gabinete na Presidência da República houve alteração nesta configuração

com a posse do novo diretor do DIP o major Coelho dos Reis.

Segundo o depoimento de Andrade a crise resumiu-se a entrevero entre o substituto de

Francisco Campos no Ministério da Justiça Vasco Leitão Cunha e Filinto Müller.

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

64

Müller - ao negar-se a cumprir uma ordem do Ministro da Justiça - acaba por gerar uma crise.

Pedida a demissão de Müller a Getúlio, este acaba solucionando a questão da seguinte forma:

demite Filinto Müller que gozava de prestígio junto aos militares, Lourival Fontes que não era

bem quisto junto aos militares também é demitido, como uma barganha em troca da demissão

de Müller. Na ocasião, Leitão Cunha também é demitido.

Sai da direção do DIP Fontes e assume Coelho dos Reis. A revista então deixa de ter seções

fixas e escasseiam-se as notas introdutórias passando a contar com apenas um índice no início

das edições.

Sobre a substituição da direção do DIP Andrade relembra-a em entrevista: ―O major Coelho

dos Reis, depois de nomeado, na quinta-feira seguinte teve despacho com o presidente, voltou

do despacho e me chamou, dizendo: ―O presidente mandou que eu conservasse o senhor na

direção da revista Cultura Política, mas eu quero fazer umas modificações ali de ordem

cultural. E fez. Por isso é que a revista a partir do número 18 mudou parcialmente de feição,

acabaram aquelas seções fixas etc.‖ (Almir de Andrade II – depoimento; 1984- Rio de Janeiro,

FGV/CPDOC - História Oral 1986. págs. 15 a 17).

Não há, porém alteração na linha editorial26

. É certo, como veremos, que com o acirramento

do conflito mundial, a entrada no Brasil na Guerra e a proximidade do fim do regime a revista

não poderia deixar de demonstrar isto em seus textos, dada a alteração da conjuntura política

interna.

26

O número 18 de revista é publicado em agosto de 1942, porém as alterações só se deram no número 19

de setembro de 1942.

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

65

A configuração acima perdurou até maio de 1945 quando a revista deixa de ser vinculada ao

DIP - extinto naquele mesmo mês pelo Decreto-Lei nº 7.582 que criaria o Departamento

Nacional de Informações – DNI27

.

De agosto a outubro de 1945, Almir de Andrade - por iniciativa empresarial própria - publicou

os números de 51 a 53, suas últimas edições.

Trata-se de período em que a revista passa a ter um volume de páginas e matérias reduzido,

mantendo sua linha editorial no que tange as outras temáticas que não se circunscreviam a

política e - como veremos no capítulo 4 desta pesquisa – passa a buscar uma sintonia com os

novos tempos de democracia que chegavam ao país. A distribuição e assinaturas ficavam a

cargo de Fernando Chinaglia.

27

A própria atuação do DIP no que tange parte de seu papel que era o de órgão de repressão a liberdade de

opinião deixa de ter sentido dada o enfraquecimento do regime e a nova fase da política nacional que contaria

com eleições diretas em todos os níveis. A fase em que passaria a viver o DIP é assim descrita por Rejane Araujo

em verbete localizado no ―site‖ do CPDOC: ―nenhuma atitude foi tomada pelo departamento por ocasião da

entrevista concedida por José Américo de Almeida ao repórter Carlos Lacerda, do Correio da Manhã, em

fevereiro de 1945, na qual o escritor comentava o golpe de 1937 e exigia eleições imediatas.

Em entrevista coletiva à imprensa, no mês seguinte, o próprio Vargas, reconhecendo a decadência do

DIP, afirmou que, a partir da normalização da situação internacional, ou seja, do fim da Segunda Guerra Mundial,

o órgão passaria a tratar exclusivamente da divulgação da cultura brasileira.

No dia 23 de maio de 1945, após a concessão de anistia aos presos políticos, o diretor do DIP, Amílcar

Dutra, autorizou a irradiação do discurso do líder comunista Luís Carlos Prestes durante o comício que se

realizaria naquela data no estádio do Vasco da Gama, no Rio. A resolução foi severamente criticada pelo ministro

da Guerra, general Eurico Dutra, o que determinou uma contra-ordem governamental no sentido de que fosse

suspensa a transmissão. O fato, que refletia o descompasso entre a orientação do DIP e de outros setores do

governo no que se referia ao novo momento político da nação, resultou na imediata exoneração de Amílcar Dutra

de Meneses, que foi substituído por Heitor Muniz, o qual permaneceu no cargo apenas dois dias.

Avaliada a inexeqüibilidade dos objetivos para os quais havia sido criado e a crescente pressão popular

pelo fim de todos os órgãos cerceadores de liberdade criados durante a vigência do Estado Novo, o DIP foi

extinto em 25 de maio de 1945, pelo Decreto-Lei nº 7.582. Pelo mesmo decreto, foi criado o Departamento

Nacional de Informações (DNI).‖

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

66

O que se procurará demonstrar nos próximos capítulos é que CP não se circunscreve às

questões imediatas do Estado Novo no que tange a sua justificação ideológica. A observação

de suas matérias em conjunto com o direcionamento do regime e a própria configuração que o

Estado brasileiro teve, mesmo após a queda de Vargas em 1945, podem colaborar para o

entendimento da política e do próprio papel e as representações simbólicas que o Estado teve e

ainda continua a ter para sociedade.

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

67

A revista chegaria às bancas com tiragem de 3000 exemplares

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

68

Referência ao diretor e alguns dados acerca da revista.

Cultura Política nº 39 de abril de 1944

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

69

Sumário demonstrando a primeira configuração com a divisão em seis seções fixas. 1 de março de 1941

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

70

Descrição que precedia todas as seções na primeira configuração da revista.

Cultura Política nº 1 março de 1941

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

71

Breve biografia dos autores e introdução da revista as matérias dos colaboradores. Introdução que se fazia na

primeira configuração da revista.

Cultura Política nº 1 de março de 1941

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

72

Cultura Política nº 19 de setembro de 1942

Na segunda configuração da revista após a posse de Coelho do Reis na Direção do DIP não havia mais as seções

fixas. As publicações contariam então apenas com um Sumário.

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

73

Cultura Política nº 19 de setembro de 1942

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

74

Nesta configuração escasseiam-se as biografias e desaparecem as introduções às matérias.

Cultura Política nº 39. Abril de 1944

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

75

Culto a figura de Vargas, comum nas matérias, afinal para a revista tratava-se do condottiere que construía o

Estado Novo ou Estado Nacional como o Presidente preferia que fosse chamado.

Cultura Política nº 39. Abril de 1944

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

76

Cultura Política nº 39. Abril de 1944

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

77

Cultura Política nº 39. Abril de 1944

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

78

Menção ao acordo em que a ajuda militar dos EUA seria uma das contrapartidas ao apoio brasileiro aos aliados

na Segunda Guerra Mundial contra os países do Eixo.

Cultura Política nº 43. Agosto de 1944

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

79

Ultima edição de CP - de número 50 - enquanto publicação do DIP. O Departamento seria extinto em maio de

1945. A seguir Preâmbulo da Lei que reformaria a Constituição de 37 instituindo eleições diretas em todos os

níveis. Publicado no número 50 de CP pág. 25

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

80

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

81

A revista após o fim do DIP. Editada em formato menor e por iniciativa de Almir de Andrade no que ele chamaria de ―nova fase‖.

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

82

Apresentação de Almir de Andrade do que seria a nova fase da revista a partir do nº 51 - Agosto de 1945

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

83

Propagandas comerciais que não existiam até o número 50 da revista e passaram a ser realizadas na nova fase de

Cultura Política. Fase que duraria apenas três números.

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

84

Última edição da revista: Fim de Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros e fim do Estado Novo.

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

85

CAPÍTULO 3 - As Razões de 37.

Observamos no primeiro capítulo que o movimento iniciado em 1930 e efetivado com o golpe

de 1937 que estabeleceu o Estado Novo não possuiu um partido político que conduzisse e

norteasse ideologicamente as ações dos que chegaram ao poder.

As ideias circularam no meio intelectual da época e não convergiam de maneira a criar um

corpo conciso de propostas de ação e análise dos problemas da sociedade e da política

brasileira ao menos no que tange a uma estrutura partidária.

A ideia do Governo Vargas com a criação da revista Cultura Política - tal qual vimos no

testemunho de Almir de Andrade - era dar corpo e consistência de maneira a tornar públicas

ações e principalmente o ideário do regime. Porém, em conjunto com a proposta de difusão

das ações e ideário do regime, existia a vontade de colaboradores da revista que se vincula

também a possibilidade de influenciar na vida política do país.

Na revista, os chamados intelectuais do pensamento autoritário formam a fonte produtora ou

de inspiração a outros de menor notoriedade, mas que ou analisavam a sociedade e a história

da cultura política brasileira ou expunham suas concepções políticas que já eram de fato

formadoras do Brasil no Estado Novo ou apareciam como o que o regime ainda poderia vir a

ser, pelo menos na concepção dos autores.

Odorico Costa, Diretor da Imprensa Oficial do Estado de Goiás, em artigo publicado em CP

ilustra a ausência de partido político na estruturação do regime e ao mesmo tempo desperta a

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

86

curiosidade do pesquisador no sentido de buscar quais opiniões formaram o ambiente político

ideológico do Estado Novo.

―A revolução não fora obra de um partido, mas sim um movimento geral de opinião; não

possuía, para guiar-lhe a ação reconstrutora, princípios orientadores, nem postulados

ideológicos definidos e programados, disse o presidente Getúlio Vargas a Assembléia

Constituinte de 1933‖. (CP, – novembro de 1943 – ano III número 34, pág. 174)

Mesmo Vargas não admitindo a existência de ―princípios orientadores‖ o fato é que para a

efetivação de ação política consistente se faz necessária que ela repouse sobre alguns

postulados, mesmo que não advenha de um programa partidário. Sem isso não seria possível

que se buscasse um fim e se estabelecesse a coerência que existiu nas ações do Estado Novo.

As Razões de 37 – nome dado a este capítulo – e o estudo empreendido também no próximo

capítulo - são além do levantamento de temáticas da revista e opiniões dos colaboradores da

publicação do DIP, também, o estudo desta coerência que os que pensaram o regime e em

especial dentro de Cultura Política demonstraram.

Assim, este capítulo se dedica ao estudo dos artigos de CP. Como já observado, irá expor e

analisar não a totalidade dos artigos da revista, mas os que apontam para o ideário do regime

de 37 ou auxiliam no seu entendimento.

Os artigos que se dedicam às realizações do regime, os que tratam de literatura e artes em

geral, não serão objeto de análise, exceto em casos específicos em que redundem em um

melhor entendimento das razões do regime.

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

87

Especificamente teremos a partir daqui a exposição das razões de 37 transformadas em artigos

elaborados pelos que colaboraram nas edições de CP e que esta pesquisa entende como

capazes de delinear o quadro que mostrará as principais ideias que deram alma ao Estado

Novo e para onde estes colaboradores pensavam levar a política e a sociedade brasileira.

A revista - tal qual já exposto no segundo capítulo - possuiu durante parte de sua existência

estruturas que a subdividiam em temáticas especificas e com pequenos resumos que

antecediam aos textos dos colaboradores e que davam certo direcionamento ao leitor situando

a temática do artigo segundo a ótica da revista. Aqui esta ordem não será seguida, optou-se

por um ordenamento temático diverso, que no entendimento desta pesquisa facilitará a

formação do que chamamos de As Razões de 37.

Achou-se interessante, posto que muitos dos autores de CP que aparecerão agora em diante

não foram figuras que se tornaram notórias no pensamento político brasileiro, a apresentação

de uma breve biografia.

As biografias dos autores de CP aqui apontadas são quase na totalidade citações da própria

revista, complementadas em alguns casos com as biografias sobre personagens que se

destacaram durante o Estado Novo elaboradas pelo Centro de Pesquisa e Documentação de

História Contemporânea do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas e que constam em

―site‖ do Centro. Em alguns casos em que a revista foi omissa e que não foi possível encontrar

nenhuma referência, dada a pouca notoriedade do autor, não houve a possibilidade de se

apresentar biografia.

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

88

Antes do início da análise dos temas, um artigo em especial foi escolhido como marco desta

tarefa. Em primeiro lugar por ser de autoria de Lourival Fontes, diretor geral do DIP de 1939 a

1942 e em segundo lugar por tratar-se não de texto escrito para Cultura Política, mas

transcrição de artigo escrito e publicado originalmente em 1º de agosto de 1931 no primeiro

número da revista Hierarquia28

dirigida por Fontes e que tratou de temáticas que iriam - dez

anos depois - ser motivo de reflexão de autores de CP.

Democracia, eleição e representação eis o título do artigo de Fontes transcrito por CP e que

tem como base uma crítica a democracia de partidos políticos, mais especificamente da

representação política neles estruturada e a democracia advinda desta organização política.

Fontes observa - após concordar que em alguns países esta organização da representação

política obteve êxitos, dada a ressonância entre a representação dos partidos junto a cultura

das sociedades em que foi implantada - que estas mesmas sociedades ―...em que o sufrágio

proporcional por listas estimulou a divisão, a fragmentação e a pulverização dos partidos,

verifica-se hoje a abolição de toda a possibilidade material de organizar governos estáveis. As

crises se multiplicam e os governos, formados por maiorias ocasionais nascidas de

compromissos e transações, surgem com todos os sintomas de fragilidade e debilidade que os

levam aceleradamente a decomposição.‖ (CP, – agosto de 1941 – ano I número 6, pág. 8).

28

―Em 1931, fundou as revistas Política e Hierarquia, assumindo sua direção. Hierarquia obteve maior

êxito, cobrindo o período de agosto de 1931 a abril de 1932. De tendência fascista, contava com colaboradores

como Olbiano de Melo, Francisco de San Tiago Dantas, Otávio de Faria, Alexandre Barbosa Lima Sobrinho, José

Maria Belo, Hélio Viana, Gustavo Lessa, Carneiro Leão e Plínio Salgado‖. (citação literal de parte da biografia

de Lourival Fontes. Site CPDOC - http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx).

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

89

E completando a concepção que têm acerca dos partidos políticos e da democracia liberal, o

autor constrói sua opinião ressaltando ―O interesse do partido, do grupo, mesmo quando tenha

ideologia definida ou represente qualquer força de opinião, fala sempre mais alto que o

interesse público, procura fazer no governo a sua própria política e do Estado em negócio

privado‖. (Idem).

O Estado forte é para Fontes a ferramenta para ―...tutela e a proteção dos direitos, a paz social,

a justiça entre os cidadãos‖ (Idem. Pág. 9).

Sua visão acerca da representação política iria ser compatível com as políticas do Estado

Novo, tanto na crítica a democracia do sufrágio universal quanto na sua visão do que seria a

boa representação política. O que demonstra que a organização política que vêm com o golpe

de novembro de 1937 não se faz de improviso. Ela é algo que já se fazia presente no

pensamento de políticos brasileiro desde anos antes da instauração do regime.

Descartando a representação política que vigorava no país ainda no ano anterior a redação de

seu artigo, o futuro Diretor do DIP vislumbra outro tipo de organização da representação

política.

A receita para o bom sistema representativo – para o caso brasileiro - seria a que desse

significativa importância ao corporativismo, assim Fontes conclui que ―O regime mais

representativo, do ponto de vista nacional, não será o que se apóie no valor absoluto dos

partidos, que não passam, sob que forma legal apareçam, da representação de interesses

particularistas ou formados ao estimulante das paixões egoístas, - mas o que surja da vida das

profissões, das forças sociais organizadas‖. (CP, – agosto de 1941 – ano I número 6, pág. 8).

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

90

Anos depois os Artigos 57 a 63 da Constituição de 1937 instituiriam e regulamentariam o

Conselho da Economia Nacional29

que segundo o artigo 57 compunha-se ―...de representantes

dos vários ramos da produção nacional designados, dentre pessoas qualificadas pela sua

competência especial, pelas associações profissionais ou sindicatos reconhecidos por lei,

garantida a igualdade de representação entre empregadores e empregados‖. (Constituição

Federal de 1937. Art 57 caput).

Com esta pista dada por Fontes iniciamos o levantamento de alguns temas que guardam certa

semelhança em termos de análises efetivadas por autores e coincidência com a estrutura dada

ao Estado Novo. Algumas vezes por estar o autor preocupado mais em refletir as políticas de

Vargas e em outros por serem efetivamente ideias que influenciaram o regime e que eram

gestadas na sociedade, ressaltando-se tratar-se de uma revista composta basicamente por

colaboradores partidários do regime, ao menos no que tange as temáticas aqui levantadas.

3.1 - O pensamento alienígena

A importação de formas de organizar a política que já se fazia presente nas análises dos

autores do primeiro capítulo reaparece em artigos de CP.

Os caminhos do regime de 37 tiveram em muitos intelectuais e nas influências que estes

intelectuais sofreram suas raízes. Alguns autores como Azevedo Amaral e Paulo Augusto

Figueiredo, tiveram uma projeção que vinha de antes de CP e que continuou para além da

29

A representação corporativa implantada e 34 e em 37 será analisada nos próximos tópicos da pesquisa.

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

91

revista. Outros, tal qual Oliveira Vianna, nunca chegaram a escrever em CP, porém veremos o

quanto o pensamento desses autores foram também influência para colaboradores de CP,

colaboradores que não são conhecidos nem entre os Cientistas Sociais de hoje, mas que

reverberaram o pensamento de intelectuais mais influentes, formando, assim, um quadro mais

claro do que os que estavam com o regime - ou nem tão perto dele - pensavam o que deveria

ser o Estado Novo.

Portanto, nestes próximos dois capítulos trataremos de empreender a análise e exposição de

artigos, que em seu conjunto, acreditamos, formem as razões do Estado Novo sob o ponto de

vista de CP revista oficial do regime e apontam para uma gama de ideias de pensadores uns de

grande expressão e outros de nem tanta, mas que buscaram influir na vida política brasileira..

A título de introdução o artigo Evolução da política republicana de Azevedo Amaral,

publicado em maio de 1941 no terceiro número de CP, traça um breve resumo de algumas

questões já levantadas e, sobretudo abrange temáticas comuns a outros colaboradores da

revista.

O texto de Amaral concentra-se na questão da ideia de República no Brasil durante o período

do império e sobremaneira quando da crise do império e nas primeiras décadas da República,

culminando enfim em 1930 e no seu desfecho final, que para o autor e outros colaboradores de

CP foi 1937.

Amaral apresenta como a primeira ideia relevante de república no Brasil, existente ainda no

império, uma república que estaria sob a perspectiva de uma política aristocrática, ―Em outras

palavras, elabora-se na classe superior do período colonial uma ideia republicana, plasmada

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

92

segundo linhas de uma organização aristocrática‖ (CP, – maio de 1941 – ano I número 3, pág.

155).

Para o autor, o republicanismo que desponta entre os membros da inconfidência mineira já

vem impregnado de ideias advindas de fora do país, assim ―O que se poderia chamar de

autêntica tradição republicana do Brasil era anterior e nada tinha em comum com o

pensamento promanado das influências que se originaram nas ideias de Rousseau e nas

tendências enciclopedismo francês.‖ (Idem. Págs. 155 e 156).

Ainda analisando o período colonial e a dicotomia entre o pensamento político oriundo das

condições efetivamente existentes no Brasil e outro calcado no pensamento político europeu, e

que era na visão de Amaral inadaptável, o autor esboçará o que entende como o pilar de uma

república efetivamente construída a partir de nossa realidade:

―...à solução do problema político, que se iria apresentar aos construtores da nacionalidade

independente‖, seria, o republicanismo colonial de perspectiva aristocrática que se plasmou a

partir do que o autor denominava de ―representantes do feudalismo agrário‖ com

―...características inconfundíveis de uma creação autêntica das forças plasmadoras da

nacionalidade e era, portanto, uma corrente mais instintiva que ideológica, integrada e

profundamente enraizada na realidade nacional‖. (Idem. Págs. 155 e 156).

Avançando no texto de Amaral iremos chegar a 1891 quando da elaboração da primeira

Constituição da República, aonde duas correntes irão se deparar: uma representada por Rui

Barbosa e a outra por Júlio de Castilhos. Fruto da observação objetiva da realidade brasileira,

do entendimento dos verdadeiros problemas do país, Castilhos não encontrou eco junto à

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

93

sociedade, pelo menos na medida certa para dar outro encaminhamento aos trabalhos da

constituinte que não fosse o que a conjuntura nacional comportava.

―O Brasil de 1891, conservando os últimos vestígios das taras coimbrescas e nutrido

espiritualmente apenas pela cultura superficial, que o beleletrismo e o arcaísmo filosófico e

jurídico ainda mal abalado pelos golpes de Tobias Barreto haviam entretido durante o Império,

não se achava preparado para plasmar as suas novas instituições nas linhas que lhe teriam sido

dadas, se a Júlio de Castilhos houvesse cabido a direção do trabalho de elaboração

constitucional‖. (Idem. Pág. 166).

Quanto o grau de informação do povo brasileiro em relação à República quando de sua

proclamação, Amaral relembra a frase de Aristides da Silveira Lobo, que no século XX

inspirou o título de livro de José Murilo de Carvalho Os bestializados. O povo que ―assistiu

bestializado‖ a proclamação da República escreve Amaral, ressaltando que ―O regime

democrático foi instituído entre nós sem que o povo tivesse compartilhado ou pelo menos se

interessado pela grande metamorfose política que se operava‖ (Idem. Pág. 163)

Amaral reserva elogios aos positivistas, sobretudo os militares, inspirados por Benjamin

Constant, que na época exercia função de docente nas escolas militares. Para o autor as ideias

autoritárias advindas dos positivistas foram as responsáveis pela boa ordem política

estabelecida nos primeiros anos da República, mas que após a transmissão de poder aos

presidentes civis as ―forças de ação centrifuga‖ começariam o processo de afrouxamento da

unidade nacional.

Ao prosseguir com a análise acerca da vida política da Primeira República o autor anota a

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

94

dificuldade de se manter a unidade política da Nação, vê que há eficiência na política dos

governadores adotada por Campos Sales, que consistia na formação de um ―bloco dos chefes

das unidades federativas‖ em troca de apoio ao seu governo. Porém observa que ―Com a

política dos governadores Campos Sales estabeleceu um sistema verdadeiramente absoluto

dos situacionistas estaduais, que eram as expressões das oligarquias dominadoras nas antigas

províncias‖ (Idem. Pág. 169).

Para Amaral o apoio que daria estabilidade e poder ao Presidente, também fortaleceria os

―sátrapas‖ (chefes políticos locais), estratégia que deu a Campos Sales a possibilidade de

manter sua política financeira, mas não daria um efetivo fortalecimento ao poder central.

Ao fim de seu artigo expõe que a crise que se apresentava as vésperas da revolução de 30 não

era advinda da incorreta aplicação da Constituição de 1891, tratava-se de uma falha estrutural

―daquela organização constitucional‖ (Idem. Pág. 171).

Com a chegada da Revolução de 30, Azevedo Amaral observa que se estabeleceu uma

confusão ideológica oriunda da gama de apoios que formaram os que empreenderam aquele

movimento. Só com a intervenção de Vargas ―Personificando os sentimentos, as aspirações e a

vontade do Brasil....‖ promovendo mais adiante uma nova configuração para o Estado

Nacional com a Constituição de 1937 seria dado o norte correto a Revolução. (Idem. Pág.

172).

Os ―sentimentos, as aspirações e a vontade do Brasil‖ seriam o mote para a ação política.

Construções ideológicas calcadas em filosofias estrangeiras, mesmo que constituíssem belos

edifícios teóricos não seriam eficazes se não tivessem ressonância em nossa realidade. Eis um

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

95

caro princípio que circula entre autores contemporâneos a Amaral e que encontravam eco na

visão do então Presidente da República.

Duas entrevistas concedidas por Vargas, provavelmente em data próxima30

a publicação de

artigo Almir de Andrade publicado em agosto de 1941 por CP, são a base pela qual o editor da

revista reproduzirá o pensamento político do presidente no tocante a cultura e sua interação

com a política e a ação do homem. No artigo o autor reflete tanto sobre política interna quanto

aos valores que irão basear a política externa brasileira.

Andrade tece a comparação entre a filosofia que embasa a ação sem o entendimento prévio do

que chama de realidade e ação que é formada a partir dos problemas dos homens reais e suas

relações com as coisas.

Condena o autor a ideia como ―força inspiradora das ações humanas‖, pois nascem de

concepções que buscam moldar as relações humanas de fora das sociedades no interior dos

―gabinetes dos pensadores‖ sem que a realidade interna a elas fosse considerada. Assim ―A

ideia do direito divino dos reis creou o absolutismo nas grandes monarquias do Renascimento

na Europa; a ideia dos privilégios de casta creou a concentração da riqueza agrária nas mãos

dos grandes senhores feudais da Idade Média; ideia do contrato social como origem do poder

político e da liberdade como estado natural do homem, forjada no espírito de Jean Jacques

30

Vargas concede entrevistas a dois jornais argentinos em junho daquele ano versando, sobretudo a

respeito da política externa brasileira na segunda guerra mundial. Carlos Guilherme Mota em Viagem Incompleta

– A grande Transação observa que: ―No início dos anos 40, Vargas definiu-se como aliado dos EUA. Nas

conferências de Lima e do Panamá ainda defendeu os princípios de solidariedade continental sem fazer menção

aos EUA. Mas, em 1941, a mudança de posição já era explícita: o presidente brasileiro concedeu uma série de

entrevistas aos jornais argentinos La Prensa e La Nación, salientando a política de cooperação da América, nas

quais já estavam envolvidos países como os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil.‖ (Mota. 2000. Pág. 301).

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

96

Rousseau, inspirou a revolução liberal-democrática do século XIX.‖ (CP, – agosto de 1941 –

ano I número 6, pág. 160).

Para Andrade só a experiência é capaz de dar subsídios para a ação humana na política e mais

do que isso na organização da cultura enquanto forma de organização das sociedades. A

cultura, observa, ―...começa hoje a ser construída como tudo o que a natureza faz brotar sobre

a terra: de baixo para cima, da prática para a doutrina, da ação para a ideia‖. (Idem. Pág. 161).

Portanto não é da doutrina liberal, fonte de inspiração da República Velha, que irão brotar as

políticas do Estado Novo. É da prática, da realidade do que efetivamente necessita o homem

brasileiro que o Estado irá guiar-se. Citando Vargas em umas de suas entrevistas ao La Prensa,

aponta Andrade: ―As doutrinas e as ideologias valem pelos elementos de progresso que

proporcionam aos povos. O mais é verbalismo oco. (Idem. Pág. 167).

Especificamente o diretor de CP entende o realismo como determinante nas ações internas e

externas ao regime. Assim, também, o relacionamento com as outras nações não se fará de

acordo com a ideologia pela qual os Estados estrangeiros se regem, mas, sobretudo pela

importância real, prática que o intercâmbio comercial e político podem trazer de positivo ao

Brasil.

Andrade cita novamente a entrevista de Vargas em La Prensa onde o Presidente esclarecia

pontos da política externa nacional: ―o que parece divergência ideológica e doutrina no regime

brasileiro, em relação aos demais Estados da América, é somente a afirmação de nossas

peculiaridades históricas‖ (Entrevista em La Nación – citada por Andrade em CP, – agosto de

1941 – ano I número 6, pág. 171)

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

97

Lembremos que o mundo estava em plena Segunda Guerra Mundial e que a política externa

de Vargas foi marcada durante alguns anos pela aproximação com o governo alemão e o certo

trunfo que o Brasil procurou formar em relação aos EUA no que se refere a um apoio

incondicional aos norte-americanos. Política externa que buscava ser independente e que se

entendia fincada nos interesses reais do país.

A Alemanha - relata Corsi - tratava-se do segundo parceiro comercial do Brasil, fato que

denota a coerência de ideias e ações de Vargas e nos ajuda no entendimento que Andrade

possuía acerca das concepções do Presidente da República.

A decisão de Vargas em bandear-se definitivamente para o lado dos EUA na segunda Guerra

Mundial embasa-se na impossibilidade que se criou depois de determinado período do conflito

em fazer da Alemanha o país que seria o parceiro no processo de desenvolvimento e

modernização do Brasil.

―A posição brasileira em fins de 1939 e princípios do ano seguinte era vulnerável. A situação

tinha mudado rapidamente. Com a deflagração da guerra em setembro, O Brasil perdeu os

mercados centro-europeus em razão do bloqueio naval inglês do continente europeu. A perda,

sobretudo do mercado alemão atingiu negativamente o comércio exterior brasileiro, pois a

Alemanha era nosso segundo parceiro comercial.

Esse fato não teve apenas consequências econômicas, mas também políticas. O comércio

bilateral com a Alemanha era um fator chave na política externa de Vargas. Com a sua

cessação, Vargas viu seu espaço de manobras reduzir-se significativamente – ou seja, a ―opção

alemã‖ passou a ser mais virtual do que nunca. A dependência em relação aos EUA, nessas

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

98

circunstâncias, acentuou-se a partir desse momento.‖ (Corsi. 2000. pág. 135).

Voltando a Andrade e cotejando suas afirmações com as colocações de Corsi, o diretor de CP -

sem citar especificamente nenhum país estrangeiro - deixa claro o que - em sua opinião -

embasou a política externa nacional do período, quando afirma: ―...primeiro, a necessidade de

aceitar em sua objetivação e de respeitar em sua soberania o regime político interno de

qualquer nação, quando se trate de conseguir a sua cooperação internacional; segunda, a

inexistência de qualquer compromisso definitivo entre a conduta exterior de um país e as suas

transformações políticas internas. Esta última parte é também preciso frisar‖. (Idem. Pág.

173).

Corroborando esta política pragmática do governo brasileiro da época, Corsi comenta os

decretos leis editados por Vargas em 1938 e que visavam cercear, dentre outras coisas,

atividades culturais e políticas de população estrangeira.

―O funcionamento de partidos estrangeiros em território nacional foi proibido, e foi vetado aos

estrangeiros qualquer atividade política no país. Até mesmo atividades culturais foram

cerceadas e o ensino em escolas estrangeiras foi compulsoriamente nacionalizado. Também

foram introduzidas restrições à imigração, que afetavam em especial os alemães. (Idem. Pág.

95).

A atitude de Vargas visava à segurança da unidade nacional e gerou um incidente diplomático

com a Alemanha, sendo que os embaixadores dos dois países acabaram por se retirar, situação

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

99

que se manteve até 1939.31

Interessante observar que as relações comerciais com a Alemanha, segundo informa Corsi,

mesmo com o incidente, continuaram a crescer, fato que denota a política pragmática do

governo Vargas.

O realismo reclamado por Vargas e Andrade embasa uma política externa que se mantém

calcada nos interesses do país, assim tanto a sua adoção e manutenção quanto possíveis

alterações de políticas em relação a outros países só se basearam no que de positivo ou

negativo puderam apresentar para o Brasil e o que a conjuntura internacional propiciaria.

Neste exercício de entendimento temos que a política externa brasileira oscila durante a

década de 30 e 40 – especificamente durante o conflito mundial - quando concretamente

conhece alterações em relação aos interesses do Brasil.

O fim das relações comerciais com a Alemanha de Hitler ou o posterior rompimento e

declaração de guerra ao anterior parceiro comercial acontecem após a impossibilidade da

continuação do comércio bilateral entre os dois países, e o fato concreto que é o ataque alemão

a embarcações brasileiras e o comprometimento americano em colaborar financeiramente com

a formação da indústria siderúrgica e com as forças armadas brasileiras.

―No que diz respeito ao Brasil, a ação norte-americana foi abrangente. Concomitantemente às

negociações relativas à questão da siderúrgica, o governo Roosevelt procurou garantir a

31

Informações retiradas de Estado Novo: Política Externa e Projeto Nacional. Francisco Luiz Corsi.

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

100

cooperação política e militar de Vargas. Este, por sua vez, a condicionava a ajuda econômica e

militar‖. (Corsi. 2000. Pág. 165).

Há então na revista e no próprio Estado Novo - se observado o discurso do Presidente da

República - uma preocupação entre a ação centrada na realidade. Esta preocupação estende-se

quando a publicação trata do relacionamento entre produção intelectual e artística e a política.

Para melhor entendimento desta construção - cara a colaboradores de CP - observamos que

fazer menção, transcrever trechos ou textos inteiros de discursos de Vargas ou da publicação

Nova Política do Brasil foi - na interpretação desta pesquisa - uma forma da revista buscar

sintonia com regime, além de constituir um dos papeis de CP que era a propaganda do regime

e da figura do Presidente.

Assim, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras - literalmente transcrito por

CP - a perspectiva de Vargas acerca da cultura e suas relações com a política ficam mais

claras.

Getúlio inicia o discurso fazendo um breve histórico do que na sua concepção foi a primeira

configuração da Academia no fim do século XIX, observando que naquele período a gestão

das coisas do Estado e a política andavam separadas dos homens de letras: ―Naquele remanso

do fim do século, passadas e esquecidas as agitações que auspiciaram o advento da República,

políticos e administradores caminhavam de um lado e intelectuais do outro, ocupando

margens opostas na torrente da vida social‖.(CP, – fevereiro de 1944 – ano IV número 37, pág.

8).

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

101

Segue seu discurso comentando a personalidade de Tomás Antônio Gonzaga – patrono da

Cadeira 37 a que Vargas tomaria posse – separando-o do poeta lírico e afirmando que esta

faceta não se coadunava com a do militante da Inconfidência Mineira, afirmando: ―O

verdadeiro patrono da Cadeira 37 não é, a rigor, o lírico de ―Marília de Dirceu‖ assim a

cadeira 37 é para Vargas uma homenagem ―...à memória do poeta que se ligou a uma nobre

causa e por ela padeceu o degredo e a morte expatriada‖ (Idem. Pág. 10).

No discurso o que Vargas deixa transparecer - e ao transcrevê-lo CP busca mostrar ao leitor - é

a cultura, a produção literária e intelectual como justaposta a ação política e a atuação social.

Noutro trecho em que a obra e a vida de Alcântara Machado – outro ocupante da Cadeira 37 -

são relembradas, reforça-se a inter-relação entre produção intelectual, política e ação social.

―Homem do seu tempo, apercebido das realidades atuais, compreensivo e plástico na atuação

social, admirava os antepassados, celebrava-lhes os feitos e sentia-se perante eles herdeiro

responsável das suas qualidades e virtudes‖.(Idem. Pág. 12).

Sobre o livro Vida e Morte do Bandeirante Vargas comenta: ―Ali estavam associados,

inseparáveis, os dois elementos conformadores da personalidade de Alcântara Machado: - o

amor à terra e o culto dos antepassados.‖ (Idem. Pág. 12).

Na fala do Presidente algumas questões que perpassam a linha editorial da revista ficam

latentes. A produção literária e o pensamento ligado as coisas do Brasil que aparecem em

outros autores de CP são levantados apontando a produção intelectual vinculada à ação social

e política como as formas válidas de se fazer literatura ou de produção intelectual.

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

102

A concepção de Vargas sobre a obra e pensamento de Alcântara Machado é concluída nos

dando um resumo de parte da perspectiva de CP quanto a questão da ação política: ―O sentido

de solidariedade humana era nele tão forte como a vontade de realizar‖ (Idem. Pág. 19).

O ―sentimento de solidariedade humana‖ mencionado por Vargas é parte da construção do

pensamento político de autores daquele período. Aparece de formas diversas, censurando

formas de organizar a sociedade que desprezam ou que têm como consequência - na visão

desses autores - a infelicidade do homem.

Esta preocupação para com o homem interliga-se na visão de alguns autores ao combate a

ideias vinculadas a formação de outros regimes políticos, entendendo-os como incapazes de

realizar o homem em suas potencialidades.

Paulo Augusto de Figueiredo - ao expor os princípios que regem três perspectivas político

ideológicas - esclarece a sua concepção acerca da questão e vislumbra em outro ordenamento

político a solução para este dilema a que o homem do seu tempo estava mergulhado.

Para Figueiredo o liberalismo deixa o homem a mercê da economia e da submissão à

exploração do homem pelo homem, no comunismo o Estado é elevado à categoria de medida

de tudo, enquanto no fascismo e no nazismo ―O centripetismo político humano é substituído

por um centripetismo político estatal ou racial.‖ (CP, – agosto de 1943 – ano III número 34,

pág. 26).

O trabalho é na concepção de Figueiredo a força motriz da valorização do homem e crê que no

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

103

Estado Nacional ela foi posta em pratica dentro de uma visão cristã como organizadora da

sociedade e norteadora da política. ―A vida é trabalho‖ observa o autor ―E desse modo, pondo

em seu diploma político fundamental32

a afirmação de que o trabalho é um dever social, o

Estado Nacional manifesta a sua formação cristã‖. (Idem. Pág. 29).

Temos entre o último trecho do discurso de Vargas e as citações que fizemos do autor não uma

concordância plena - posto que Vargas nem a Constituição de 37 possuíam uma visão cristã

que desse a estrutura de suas ações e artigos – mas o fato é que Figueiredo via - na estrutura

constitucional do Estado Novo - refletida sua visão cristã do trabalho como fator principal de

valorização do homem e os artigos da Constituição que tratam do trabalho deram-lhe margem

para tanto.

A política feita tendo como base o pensamento alienígena é a negação do que os autores de CP

entendem ser o necessário ao ordenamento político do Brasil. É o motor da República

proclamada sem que o povo pudesse entendê-la e processo que move também a República

Velha e sua ordem ao desencontro com as necessidades e realidade nacional.

Opondo-se a isso é que a perspectiva de cultura dos autores e a que desponta nos discursos de

Vargas - reproduzidos e comentados pela revista em conjunto com as ações relatadas nas

matérias que tratam da política externa do Estado Novo, este sim exemplo de ação calcada na

realidade e nas necessidades do país – despontam como forma ideal de se conceber a cultura e

a ação política.

32

Figueiredo refere-se à Constituição de 1937 em seus artigos que se dedicam ao trabalho: – art. 57 no que

tange a representação corporativa no Parlamento nacional e artigos 136, 137, 138, 139, 140 e 150 que tratam dos

direitos trabalhistas, da organização do trabalho e da organização dos sindicatos e cooperativas.

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

104

Os autores procuravam demonstrar que o país possui em suas raízes culturais elementos

necessários a constituição de um ordenamento político capaz de solucionar nossos problemas.

Azevedo Amaral faz um histórico da constituição da república brasileira e quando comenta a

participação de Rui Barbosa e Júlio de Castilhos demonstra duas concepções que se formaram

efetivamente enquanto pólos distintos de ideal republicano.

Vimos no primeiro capítulo que Castilhos foi - na opinião de alguns autores - influência na

própria carreira política de Vargas. Portanto Amaral demonstra com seu artigo não só sua

perspectiva acerca da política, mas precisão de análise ao mencionar Júlio de Castilhos e ainda

a influência do positivismo no pensamento político que daria margens a construção da

República brasileira nos pontos que ela possui de mais interessante na visão dos autores

autoritários.

Já Figueiredo além da crítica ao pensamento alienígena apresentou outra das características de

autores que colaboraram em CP que é a de além da crítica apontar para o que seria o ideal de

organização social e política. Condena o pensamento e as concepções alienígenas de

organização da vida do homem para em seguida propor ou ver na ação do Estado Novo

elementos capazes de promover a realização do homem.

3.2 - Políticos e políticas no Pré 30 e 37

Se a Revolução de 30 e o Golpe que deu origem ao Estado Novo são marcos na política

brasileira os são em maior medida na visão dos que apoiaram os dois movimentos e em

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

105

especial aos partidários das políticas do regime implantado por Vargas em 37.

Característico desta perspectiva o artigo Esboço da história política do Brasil até 1930 de

Albertino G. Moreira traça de maneira breve o histórico do que, para o autor, seriam fatores

que contribuíram para ordem política nacional da colônia até o fim da Primeira República.

O autor traça sua análise partindo do princípio de que a colonização caracterizou-se a partir de

certo período – já no limiar e início da Independência do país - por uma tendência a dispersão

no que tange ao mando, sendo que o ―...predomínio social e político transitou da mão do

senhor de terra, homens rudes de nenhumas letras, para o comerciante ou bacharel da cidade,

homens hábeis e de muitas letras‖. (CP, – maio de 1941 – ano I número 6, pág. 34).

Caracterizando o modo de agir destes dois grupos vê que a política é de ―visão curta e

localista‖ quando vinculada ao senhor de terras e mais ―alargada‖ quando tende a influência

dos ―homens das cidades‖. (Idem, pág. 35).

Prosseguindo em sua caracterização de elementos que configuraram a política brasileira até o

final da Primeira República afirma que quando do reinado de D. Pedro II mesmo estando ―O

Centro, muito distante embora, fazia-se presente na mais longínqua região ou lugarejo. O

imperador, fora e acima dos partidos, primeiro magistrado da Nação, centralizava o poder e o

exercia moderadamente‖. (Idem. Pág. 36).

Assim a Corte ―...era o ponto central de convergência e irradiação...‖ e para Moreira é na

centralização exercida pelo Imperador que o país ―...adquiriu a fisionomia de Nação e de povo

juridicamente organizado...‖ (Idem. Pág. 36).

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

106

Os ideais liberais advindos da experiência de outros países e instalados indiscriminadamente

na Primeira República são - para o autor - causa da perda do sentido de unidade que a figura

centralizadora do Imperador estabelecia.

Entende que se por algum tempo o ―liberismo‖ deu margem para que países da ―velha

Europa‖ pudessem se desvencilhar das políticas opressoras de suas nobrezas e obtivessem

progresso econômico, político e social, mesmo naqueles países esta política estava superada

passando somente a abrir ―...caminho para o imperialismo das grandes nações, dando-lhes o

domínio sobre o resto do Mundo‖. (Idem. Pág. 38).

Moreira observa que a aplicação dos cânones do liberalismo ao caso brasileiro – após 40 anos

da primeira Constituição da República - só implicava na submissão dos mais fracos aos mais

fortes contribuindo ainda para um triste panorama de desarticulação da economia, da justiça e

uma estrutura fiscal que impedia a circulação das riquezas.

Caracteriza o autor a elite política que se forma no Brasil do período como ―...bronca,

ignorante, pretensiosa e vazia, atida a preconceitos tolos de grandeza e superioridade, embuida

de frases feitas e lugares comuns, repetindo de cór afirmações sem base na realidade‖. (Idem.

Pág. 40).

Em suma, a opinião de Moreira acerca do período fica bem delineada em duas de suas frases:

a primeira se apresenta como diagnóstico e a outra como remédio para os males do

liberalismo.

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

107

―O Brasil-Nação estava ausente de todos os lugares‖ e, por conseguinte prescreveria: ―A

Nação Brasileira estava à procura de seu chefe‖ (Idem. Págs. 38 e 39) e como corolário diria:

―Somente uma Revolução podia salvar o Brasil‖ (Idem. Pág. 42).

No esteio desta busca de uma configuração do Brasil anterior ao primeiro período Vargas,

Ulisses Ramalhete Maia no artigo A Situação Atual do Estado Brasileiro, com o sugestivo

subtítulo Vantagens da Constituição de 1937 em relação às anteriores, observa que: ―De fato,

a primeira Constituição Brasileira, promulgada em 1824, pelo Imperador Pedro Primeiro,

estava, no seu todo, impregnada de ideias estrangeiras, assinaladas pelos legisladores de sua

época, cuja legislação dificilmente podia se ambientar no meio nacional por inadaptável,

retardamento, por isso, o nosso desenvolvimento econômico e social‖ (CP, – março de 1941 –

ano I número 1, págs. 76 e 77).

A crítica de Ramalhete às Constituições brasileiras seguintes, a de 1891 e 1934 são

semelhantes, sendo que ao referir-se a 1934, citará Azevedo Amaral para caracterizá-la: ―é um

verdadeiro pandemônio de ideias, com uma sequência interminável de artigos desconexos sem

expressão legislativa e que trazem no fundo as mesmas anomalias das anteriores, com forte

dose de ideias estrangeiras, assimiladas pelos constituintes, que muito se descuidaram com

essa grande irregularidade ao redigir os últimos artigos de seu entrecho‖ (CP, – março de 1941

– ano I número 1, pág. 77).

Mais adiante, acerca dos legisladores eleitos para a Constituinte de 1933, Ramalhete irá

discorrer acerca do perfil que caracterizava o político que o Estado Novo rechaçaria e as ações

destes políticos especificamente na Constituinte: ―Mas os dirigentes desses partidos, de ante-

mão organizados, descuidaram-se, mais uma vez, dos seus deveres cívicos e patrióticos para

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

108

com o Brasil, consentindo e permitindo nas eleições o predomínio do interesse político de seus

chefes que se sobrepunham a coletividade, com manifesto e grande prejuízo para a nossa

nacionalidade.‖ (CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 78).

É interessante que seja aberto um parênteses quanto as reformas eleitorais procedidas por

Vargas antes do Estado Novo e o quanto estas reformas institucionais não deram conta – se

percebidas pela ótica dos autores pesquisados – de alterar o espírito da representação política

brasileira, ou seja, apesar de alterarem a forma de se proceder as eleições do ponto de vista

institucional e legal não mudaram a forma de agir do político brasileiro.

Fazendo uso de autor de fora do escopo dos autoritários e de CP, especificamente sobre o

sistema eleitoral de então, Vitor Nunes Leal aponta que: ―Tendo erigido a moralização do

nosso sistema representativo em um de seus máximos ideais, a revolução vitoriosa de 3 de

outubro procurou cumprir a promessa com o código eleitoral, aprovado pelo decreto nº

21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que instituiu o voto feminino, baixou a 18 anos o limite de

idade para ser eleitor e deu segurança efetiva ao sigilo do sufrágio. Sua principal inovação

consistiu em confiar o alistamento, a apuração dos votos e o reconhecimento e proclamação

dos eleitos à justiça eleitoral.‖ (Leal. 1949. págs. 230 e 231).

Quanto ao fim da era das eleições a bico de pena o autor observa: ―A despeito dos excessos e

defraudações que podem ter ocorrido neste ou naquele lugar, os depoimentos mais númerosos

são favoráveis à experiência das leis eleitorais de 32 e 35. Bastariam que tivessem vedado o

reconhecimento às próprias câmaras pára que cessassem as mais graves acusações pelo

falseamento da nossa representação eleitoral. Situações estaduais chegaram a ser derrotadas e

uma númerosa bancada de oposição, avolumada mais tarde pela disputa da sucessão

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

109

presidencial, teve assento na Câmara Federal‖. (idem. Pág.234).

Se a estrutura institucional no que tange ao controle das votações havia evoluído a cultura

política dos que compunham os partidos políticos e, por conseguinte o legislativo não havia

sofrido alteração no entender dos que apoiariam o Estado Novo.

Sobre partidos políticos e o legislativo no Brasil até 1937, dois autores contribuem para o

entendimento da relação entre estas organizações e a política nacional e mesmo na postura que

o próprio regime terá em relação aos partidos e ao legislativo.

Colocados lado a lado os títulos dos artigos constituem uma espécie de slogan da forma que

hegemonicamente os que tratam do tema em CP o enquadram33

: A dissolução dos partidos

políticos brasileiros de Odorico Costa34

e As dissoluções do Parlamento Brasileiro de Oto

Prazeres35

- contribuem para o entendimento da certeza que os autores carregavam acerca da

fragilidade moral e política de partidos e legislativo.

Constituíam - na visão representada por Costa - os partidos do Império a República

instituições possuidoras do condão de permanecer à margem da construção do país.

33

O conceito de enquadramento é discutido por Mauro Porto em Muito Além da Informação - mídia,

cidadania e o dilema democrático – Comunicação & Informação São Paulo em PERSPECTIVA Revista da

Fundação SEADE. volume 12/nº 4/out-dez/1988 pág. 17. 34

Na época da publicação do artigo era Diretor da Imprensa Oficial do Estado de Goiás. 35 Quando da publicação do artigo em questão Oto Prazeres era Secretário da Comissão de Estudos dos

Negócios Estaduais do Ministério da Agricultura. Ocupou interinamente – de 17 de maio de 1935 a 15 de junho

de 1936 – a Secretaria da Presidência da República (Casa Civil) do Governo Vargas.

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

110

No artigo o autor comenta que - já no Brasil Império - apesar deles - Partido Liberal e Partido

Conservador - o país não naufragou, mesmo que os políticos que formavam estes partidos

estivessem preocupados basicamente com os benefícios que o poder poderia lhes conferir.

―Liberais e conservadores, ninguém vacila em acreditar, não defendiam programa algum de

governo. Nem sequer apresentavam uma forma espetacular de dissensão, uma divergência nos

modos de querer construir a grandeza e a prosperidade do Brasil. O seu objetivo era utilitário e

prático: a posse do poder‖ (CP, – março de 1943 – ano III número 34, pág. 171)

Não fugiam a regra, os partidos políticos que vieram com a República. E para embasar sua

opinião, Costa lança mão de análise articulada por Vargas sobre os partidos e os políticos que

os compunham na República Velha.

Eram - na opinião do Presidente – nada mais do que ―Chefes de governos locais, capitaneando

desassossegos e oportunismos, transformaram-se, de um dia para outro, à revelia da vontade

popular, em centros de decisão política, cada qual decretando uma candidatura, como se a vida

do país, na sua significação coletiva, fosse simplesmente convencionalismo, destinado a

legitimar as ambições do caudilhismo provinciano‖ (Idem. Pág. 173).

Para o autor os partidos ―não correspondiam às realidades palpitantes da vida nacional‖,

portanto a dissolução dos partidos políticos em 10 de novembro 1937 libertou o país ―...do

gangsterismo eleitoral e libertou-se de influências negativas que o anemiavam‖ (CP. Págs. 174

e 175).

O artigo de Oto Prazeres demonstra que duas das perspectivas acerca da cultura política do

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

111

país convergem: a do artigo de Costa e a de Oliveira Vianna, comentada ainda no primeiro

capítulo desta pesquisa, ambas apontando para um país que não poderia seguir gerido tendo o

poder legislativo tão forte a ponto de obstaculizar o executivo.

Prazeres, na mesma via de raciocínio de Vianna aponta: ―A verdade é que não podíamos ter,

nem pelas nossas condições espirituais, pela nossa educação política (seria melhor, talvez,

escrever ausência...), nem pelas condições materiais, um regime parlamentar‖. (Idem. Pág.

200).

O texto de Prazeres refaz a trajetória do legislativo no Brasil e observa que desde o primeiro

esboço deste poder – com o Parlamento do Reino Unido de Brasil e Portugal - a dissolução já

ocorria. Impedidos em sua maioria de representar o Brasil nas cortes de Lisboa, informa o

autor que apenas 13 dos 71 deputados brasileiros ―juraram e assinaram a Constituição

portuguesa de 23 de setembro de 1822 promulgada pelas duas cortes‖. (Idem. Pág. 208).

O autor segue narrando um contínuo histórico de dissoluções de parlamentos que vão desde o

Império até a última de suas dissoluções em 1889 quando da Proclamação da República.

Destaca duas dissoluções da década de trinta, a que se deu quando da revolução de 1930 e a de

1937, ambas caracterizando-se por não só dissolver o legislativo federal mas qualquer

representação legislativa no Brasil.

Em trecho do artigo 178 da constituição de 1937, transcrito pelo autor fica clara a extensão do

texto constitucional no tocante a estrutura de poder estabelecida quando cotejado com o Artigo

180 que dirá que enquanto o Parlamento não fosse reunido o Presidente da República poderia

legislar através de decretos leis sobre todas as ―matérias de competência legislativa da União‖

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

112

―Art. 178. São dissolvidas nesta data a Câmara dos Deputados, O Senado Federal, as

Assembléias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais. As eleições ao Parlamento

nacional serão marcadas pelo Presidente da República, depois de realizado o plebiscito a que

se refere o art. 187.‖ (Constituição de 1937)

Posto o artigo 178 lado a lado com o art. 187 que estabelecia que a Constituição fosse

submetida a plebiscito nacional regulado por decreto de Vargas e sabendo-se que plebiscito e

eleições por consequência e por coerência e conveniência do regime também não se

realizaram, temos aqui uma amostra da concentração de poder que se deu no Estado Novo.

Partindo-se destes artigos que trataram de partidos políticos, do parlamento no Brasil e da

própria visão de que os partidários do regime e autores do pensamento autoritário vistos nesta

pesquisa fica melhor delineado o panorama descrito pela revista que compreende como

nefasta a figura do político tradicional tal qual se apresentou no Império e na República Velha

e que iriam dar tom da política nacional até que fossem temporariamente sufocados em 1930 e

em maior medida durante o regime de 1937.

Passada em revista a incapacidade do político brasileiro característico, CP trata de demonstrar

que o poder será mais bem exercido quando tratado de forma técnica pelo Estado e tendo a sua

testa um governante que tenha a sensibilidade de apreender o que estes autores chamam de a

realidade do Brasil.

Quanto a esta sensibilidade Almir de Andrade assim a descreve quando da sua definição do

conceito de democracia que o Estado Novo construía em oposição à democracia instituída

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

113

pelo liberalismo: ―Mas o que a experiência de 150 anos de liberalismo político nos mostrou

foi que a democracia não se realiza apenas através de princípios, de ideais cristalizados em

leis e em regimes políticos: ela se realiza, sobretudo e antes de tudo através dos homens que

detêm as chaves do poder‖ (CP, – outubro de 1943 – ano III número 34, pág. 30).

A política bem feita - a que não esta reduzida a belos discursos, boas teorias e a uma prática

sofrível - têm como prática antagônica aquela que é realizada quando os que estão a testa do

poder possuem uma cultura política semelhante a dos que a fizeram naqueles ―150 anos‖.

Amaral procura não o parlamento cheio de belos discursos e leis e instituições que

correspondam a estes discursos impregnados de princípios, ele crê na sensibilidade do político

capaz de fazer o bom uso do poder. E aí é que as características pessoais do político irão

imprimir o tom da política.

Portanto a característica pessoal do político será destacada na revista como elemento

fundamental na organização política do país, tanto na crítica do período anterior a Vargas

quanto para o elogio ao regime de 37 e seu condutor.

Continuando a análise da política brasileira e em especial na relação entre executivo e

parlamento no Brasil, Ulisses Ramalhete Maia36

aponta para o que seria a estratégia para

obtenção dos objetivos do Estado Novo, seu perfil e alguns dos fundamentos a que Vargas se

baseou para dar suporte às suas políticas.

36

À época era Inspetor Chefe do Ensino Secundário, Profissional e técnico no Estado do Espírito Santo.

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

114

Quanto aos partidos políticos: ―Foram, assim, dissolvidos todos os partidos que se

organizaram depois da Revolução de 1930, bem como os Congressos Federal e Estaduais,

continuando o Presidente Getúlio Vargas, normalmente, o Trabalho de reconstituição dos

princípios vitais de nossa nacionalidade com a implantação do Estado Forte no Brasil.‖ (CP, –

março de 1941 – ano I número 1, pág. 79).

Assumindo o caráter autoritário do regime o autor aponta para as diferenciações, que se fazem

necessárias para o entendimento do Estado Novo. Afirma que ―...na sua contextura formal, o

Estado atual do Brasil seja autoritário, nada deixa a transparecer com a ideologia totalitária de

certos governos autocratas da Europa, continuando o Brasil a sua marcha governamental

enquadrado nos postulados da república democrática implantada antes com a queda do

Império, com as sucessivas modificações que naturalmente foram impostas pelas Cartas

Constitucionais.‖ (CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 79).

Odorico Costa na sua referência aos maus políticos que participaram da Constituinte de 1933,

já havia esboçado algumas características que para ele compunham o caráter daqueles.

Ainda no primeiro número de CP, Silvio Peixoto37

em Experiência das sucessões

presidenciais no Brasil, observa que a política nacional no tocante as sucessões presidenciais

não dava margem para que o país conhece-se uma administração continuada. Assim os

conflitos políticos perdiam-se não em disputas de projetos plausíveis de serem implantados,

mas em arengas intermináveis que causavam instabilidade política e descontinuidade

administrativa.

37

Escritor, jornalista e historiador publicou: No Tempo de Floriano (Rio 1940); História da Fortaleza de

Santa Cruz (Biblioteca Militar, Rio, 1941) e Aspectos Históricos do Estado Novo (Rio, 1940).

Page 117: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

115

Sobre a questão Peixoto afirma que aquelas disputas eleitorais eram ―Tempo roubado à

administração do país ao seu desenvolvimento ao seu progresso porquanto apenas no

problema da sucessão se concentrava a atenção dos responsáveis pelos destinos do Brasil.‖

(CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 95).

Quanto àquela cultura política, a trajetória que compreende a crise que o país conheceu antes

da Revolução de 30, a conjuntura política da época no que tange tanto às oligarquias e as

forças contrárias à política da Velha República, estas são apresentadas por Azevedo Amaral

em A Revolução Brasileira, artigo publicado em maio de 1941.

Amaral ressalta que as transformações por que passavam o país, com o avanço da

industrialização e a consequente formação de um operariado urbano chocavam-se com a

perspectiva escravagista das oligarquias que se revezavam no poder: ―Patenteando uma

incompreensão surpreendente, não somente do que se passava em torno deles, como do que se

apresentava no clima mundial, os oligarcas da velha República obstinavam-se em ver nos

novos problemas econômicos e sociais simples casos de polícia, que poderiam ser

solucionados pelos processos truculentos do mandonismo ainda infiltrado das reminiscências

da escravidão. (CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 139).

A princípio estavam colocadas duas opções no entender do autor frente à conjuntura que se

configurava cada vez mais aguda. A primeira seria novos rearranjos mantendo-se as velhas

oligarquias, porém como observa ―A contemporização entre o regime oligárquico as

expressões cada vez mais acentuadas do descontentamento popular estava a esgotar os seus

recursos de protelação da crise‖. A outra solução seria a insurreição que seria efetivada com

Page 118: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

116

um conjunto de forças diverso e sem um claro ordenamento ideológico, assim ―...a insurreição

de Outubro continha elementos pouco auspiciosos no tocante à probabilidades de serem

evitadas as temíveis manifestações da anarquia e da dissolução‖. (Idem. Págs. 138 e 139).

Surge então um elemento capaz de dar andamento às forças que se insurgiam e que

provocaram ―...grave complicação da crise revolucionária‖, apontando para as soluções que a

profunda crise do país demandava. Este elemento aglutinador e capaz de dar o devido

encaminhamento a revolução ―...foi a personalidade do Presidente Getúlio Vargas‖, sendo que

o movimento de 1937 estabelecera a ―ordem.... definitiva‖. (Idem. Págs. 140 e 141).

A república Velha na perspectiva dos autores era basicamente formada por uma cultura

política avessa a preocupações que estivessem ligadas a construção nacional. Políticos e os

seus partidos políticos constituíram-se como possuidores de fragilidade moral e com

―objetivos utilitários‖, portanto incapazes de se desvincularem da busca de benefícios

pessoais.

A premência de se ter um Estado forte e um governo centralizador - tal qual o que despontou

em 1930 solidificando-se com o Estado Novo - estaria ligada de certa maneira ao passado em

que a figura D. Pedro II fazia-se presente mesmo que distante geograficamente de muitas

regiões do país.

A figura de Vargas e o processo que se iniciou em 30 culminando com o Estado Novo foram

então portadores das qualidades necessárias a reversão da prática política que compunha o

cenário nacional.

Page 119: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

117

O Estado Nacional forte e centralizado no poder executivo dariam objetividade a ação

política, pois renegavam o modo de fazer política mesquinho das oligarquias, centradas

basicamente em interesses inerentes a seus negócios, rechaçando ainda políticos mais

preocupados com a política enquanto modo de vida e tida como uma sequência de eleições,

uma após a outra e que deixavam a margem da política a resolução dos problemas do país.

3.3 - Falta de coesão da sociedade e a unidade do país.

Na seção Textos e documentos históricos de CP, Vicente Licínio Cardoso38

teve parte de seu

pensamento condensado no artigo A Primeira República, vista por Vicente Licínio Cardoso,

texto que corrobora o que vimos também em Oliveira Vianna no que tange a pouca formação

do povo brasileiro para lidar com aspectos inerentes as instituições da democracia

representativa, sendo que Cardoso irá vincular esta falta de formação à dispersão social da

população.

Sobre a Primeira República afirma tratar-se de ―Um ambiente social sem coesão, constituído

de forças sem componentes definidas, um mundo social em formação, em suma: um cáos de

38 “Vicente Licínio Cardoso nasceu no Rio de Janeiro, em 1890. Engenheiro civil, diplomado pela Escola

Politécnica do Rio de Janeiro, foi também sociólogo e professor universitário. Em 1924, foi lançada À margem

da história da República, que teve em Vicente Licínio Cardoso seu organizador e prefaciador. Obra coletiva - que

contou com a colaboração, entre outros, de nomes como Oliveira Viana e Gilberto Amado -, À margem da

história da República alcançaria grande repercussão por tratar, de forma objetiva, as principais questões

enfrentadas pelo país na década de 20. Além dessa obra, também foram publicadas, de sua autoria, Arquitetura

norte- (1916), A filosofia da arte (1918), Pensamentos brasileiros, Vultos e ideias (1924), À margem da história

do Brasil e, postumamente, Maracãs (1934).Faleceu no Rio de Janeiro, em 1931‖. Extraído do site CPDOC -

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/vicente_licinio_cardoso

Page 120: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

118

insuficiências acionado por um complexo veemente de componentes flácidas, sem resultante

categórica final‖, para mais adiante complementar seu pensamento com dados da época acerca

da escolaridade da população brasileira no sentido de reforçar sua opinião de que a população

não estaria preparada para lidar com as reflexões necessárias as escolhas inerentes a

representação política característica da democracia de sufrágio universal: ―...a carência de

instrução e de educação das massas populares, documentada nêsse teor de 75% de analfabetos

de letras e de ofícios sobre o montante total da população do país (descontados os menores de

7 anos)....‖ seria para o autor dado suficiente para inviabilizar a democracia representativa

.(CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 192 e 193).

Cardoso ainda irá observar a existência de um divórcio entre opinião pública e os negócios

públicos, que além do fato do despreparo da população também esta baseada no perfil do

político profissional - ―politiqueiros profissionais‖ - e na ausência de verdadeiros estadistas.

Morto em 1931, a análise de Cardoso tem pontos de encontro com o pensamento político

autoritário de seu tempo e o que iria se desenvolver nos anos posteriores, sendo que o autor

clama pelo verdadeiro estadista que provavelmente veria no Vargas de 1937.

Promovendo aqui um diálogo fictício entre Cardoso e Azevedo Amaral, temos na seção O

Pensamento Político do Chefe de Governo, uma análise de Amaral do texto de autoria de

Vargas em A Nova Política do Brasil, que comenta o caráter mutável das coisas, referindo-se

ao regime democrático e em especial a questão da liberdade e autoridade. Análise que se

enquadra como resposta às questões levantadas por Cardoso.

Buscando interpretar as palavras de Vargas, Amaral afirma que as escolhas dos eleitores na

Page 121: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

119

decadente democracia representativa liberal, não passa de uma escolha inútil que em última

instancia irá levar a testa do controle do Estado os poderosos economicamente. ―Divididos em

liberais e conservadores, radicais e moderados, republicanos e monárquicos, os eleitores

ingênuos marcham para as urnas, seguindo cada legião a flâmula partidária a que juraram

fidelidade, mas cobertos todos pela bandeira única, que é o estandarte dos poderosos e

invisíveis diretores de cena da comédia liberal democrática‖ (CP, – março de 1941 – ano I

número 1, pág. 164).

A democracia de 37, segundo Vargas em A Nova Política do Brasil e na interpretação de

Amaral, com seus partidos políticos e seu conceito de sufrágio universal como forma de

representação popular, seriam variações e representações de um mesmo poder dissolvendo-se

em uma representação difusa que se interpõe ao Chefe da Nação e o povo.

Aqui a questão das instituições políticas e sua eficácia é um elemento importante na reflexão

do pensamento político da época, refletindo-se assim em CP. O que transparece novamente é

a incapacidade do sistema político da democracia liberal, implantado em 1889 com a

República, de dar conta dos problemas que afligiam o país e em especial da unidade política

do Brasil.

1930 tira de cena a democracia posterior ao período monárquico, porém 1937 será a tentativa

de uma nova fase na Republica Brasileira. Aqui a necessidade de novas instituições aflora e é

no corporativismo a ser implantado pelo estadista Getúlio Vargas que Amaral entenderá o

conceito de democracia do Estado Novo.

―A democracia nova será a democracia das corporações. A identificação de um regime

Page 122: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

120

autenticamente democrático, com a organização corporativa da economia e com a investidura

do poder político nos sindicatos, é uma questão fundamental‖. (CP, – março de 1941 – ano I

número 1, pág. 169).

Observando outro aspecto que contribuía para falta de coesão da sociedade e unidade do

Brasil, a constituição geográfica do país e as formas de povoamento do território são o mote

de que se serve Nelson Werneck Sodré39

em sua análise acerca da questão.

Em O Problema da Unidade Nacional, o autor traça um perfil da estruturação do povoamento

do país constituído paralelamente às atividades econômicas desenvolvidas.

O que chama de ―..movimentação de fronteira econômica devia atravessar, sem dúvida, todos

os estágios contraditórios, a fase linear da lavoura da cana-de-açúcar, colocada em pontos

afastados da costa, - a fase de profundidade da penetração pastoril, dispersa nos currais do

interior nordestino e em busca do vale do S. Francisco, - a fase complexa das bandeiras, mais

sólida quando vinculada ao ouro de mina, - a fase curiosa e importante da lavoura cafeeira e a

fase fugaz e vertiginosa da borracha‖. (CP, – agosto de 1941 – ano I número 6, pág. 117).

A dispersão com que esta ocupação foi se realizando segundo Sodré impossibilitou uma

unificação que permitisse que a economia se interligasse em seus pólos de desenvolvimento. A

outra característica referida por Sodré é que ―... a movimentação de fronteira econômica e a

39

―Nélson Werneck Sodré nasceu no Rio de Janeiro em 1911. ―Sua originalidade foi ter unido a carreira

militar, na qual chegou a general-de-brigada, à formação como sociólogo e historiador de orientação marxista.

Nas décadas de 50 e 60, o autor compartilhou das teses nacionalistas defendidas pelo Instituto Superior de

Estudos Brasileiros, cujo departamento de história chefiou‖. Parte de biografia que consta do site

http://pt.shvoong.com/books/biography/1660731-n%C3%A9lson-werneck-sodr%C3%A9-vida-obra/

Page 123: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

121

constante oscilação do centro de gravidade nacional, só definitivamente posto com o ―rush‖

cafeeiro pelo vale do Mogi Guassú, estabeleciam uma formal contradição, no nosso caso, com

a tendência tão lucidamente realizada por Hamilton, na configuração dos Estados Unidos‖.

(Idem. Pág. 119).

O que Sodré observa ao citar Hamilton é o fato de ao contrário do que aconteceu com a

economia e geografia dos Estados Unidos da América do Norte não houve no Brasil uma

―...comunhão de interesses, desdobrada na creação de um grande mercado interno...‖ (Idem.

Pág. 119).

Na análise procedida pelo autor desponta o fato de que esta desarticulação de interesses

econômicos e políticos fizeram do Brasil um país incapaz até o momento de gerar uma riqueza

considerável e de formar uma ―... organização industrial poderosa e larga, capaz de construir e

ajudar a construir os meios materiais que permitem a atividade circulatória‖ (Idem. Pág. 119).

A rarefeita integração a que Sodré se refere no Brasil será revertida pela política adotada pelo

Estado Novo.

Sem se referir ao governo de 37 em nenhum momento de seu texto o autor irá concluir que o

eixo político a que o país agora se submetia seria e estava já sendo capaz de uma ―...afirmação

e de projeção, sobre o todo nacional, com novas possibilidades de agir e de imantar‖. (Idem.

Pág. 120).

Este Estado em construção teria para os colaboradores de CP de ser, também, mais do que um

conjunto de instituições regulando a vida econômica do país, estava em jogo, pelo menos é o

Page 124: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

122

que alguns de seus partidários deixavam transparecer, o aparecimento de um homem novo que

surgiria com o Estado Novo.

Voltando a Paulo Augusto de Figueiredo este aponta em O Estado Novo e o Homem Novo que

a civilização moderna havia se preocupado, até então, com o desenvolvimento da máquina não

demonstrando a preocupação em entender o espírito humano. ― Nos alicerces da civilização

moderna há quase que só abstrações. Falta sangue ao mundo contemporâneo – ao mundo

liberal e capitalista, formalista e oco, materialista, sem rumos e sem fins‖. (CP, – março de

1941 – ano I número 1, pág. 133).

Para Figueiredo, enquanto a economia crescia; ―as coisas‖ cresciam, não havia o

correspondente crescimento do homem, e pelo contrário havia a ―diminuição do homem‖.

(Idem – fl. 135).

Entende Figueiredo que da crise viria a oportunidade de um novo homem surgir. O Estado

Novo e Vargas seriam os condutores desta transformação, capazes de - buscando nas raízes do

país e ―na alma nacional‖ - erigir a criação do Homem Novo.

―Os fins do Estado Novo são fins de humanização. O atual regime político do Brasil busca a

humanização do Estado. O Estado Brasileiro existe para o homem - objeto último de suas

cogitações. Ele é um meio de organização nacional, é a expressão jurídica e política de um

povo que, finalmente, se encontrou a si próprio‖. (Idem – fl. 135).

Um país com representação política difusa baseada em eleitores sem ainda a devida formação

e sem a coesão necessária para lidar com o processo eleitoral, em conjunto com uma formação

Page 125: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

123

econômica que não promovia a articulação da economia e da política, clamava por um Estado

que desse conta de lidar com estas questões revertendo-as, promovendo além disso - agora

utilizando-se do pensamento de Paulo Augusto de Figueiredo - a humanização da política.

O Estado Novo é na aproximação das abordagens destes autores, cada um deles abordando

aspectos complementares do que pode vir a ser uma ação possível do Estado, a configuração

capaz de efetivar a coesão da sociedade, proporcionando ainda a humanização a que

Figueiredo se refere.

E o Estado Novo teve efetivamente a pretensão de ser abrangente ao ponto de dar o

direcionamento em variados aspectos da vida nacional.

Figueiredo via esta capacidade quando se referia à formação do homem novo dentro do

Estado Novo e Werneck percebia naquele regime a capacidade de solucionar as questões

econômicas que dificultavam a unificação da economia nacional e as limitavam a pólos de

produção dispersos.

Page 126: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

124

CAPÍTULO 4 - A Constituição de 1937

Marco do Estado Novo e tendo como um dos seus principais articuladores Francisco Campos

– Ministro da Justiça de Getúlio Vargas – A Constituição do regime de 37, mereceu por parte

de CP preocupação especifica de seus colaboradores que trataram de analisá-la a luz da

perspectiva do pensamento político autoritário e da crítica ao ordenamento político anterior ao

Estado Novo.

Em sua nota introdutória a matéria publicada na seção A Estrutura Jurídico - Política do

Brasil, CP comenta que ―A Constituição de 10 de novembro de 1937 caracteriza-se por dois

traços fundamentais: seu sadio realismo, adaptado às realidades e tradições brasileiras e seu

espírito avançado e integrado nas grandes correntes da evolução política do mundo moderno‖.

Sobre o artigo de Aloísio Maria Teixeira40

– A Constituição de 10 de Novembro de 1937 –

Comentários ao Artigo 1º - Cultura Política entende que Teixeira ―Firma a importante

distinção entre ―governo forte‖ e ―ditadura‖ – sendo o primeiro uma defesa da democracia e a

segunda um mal resultante de seu desvirtuamento.

Concluí afirmando que ―os grandes problemas políticos de hoje são demasiado técnicos e

econômicos para serem confiados às grandes assembléias populares, exigindo, antes, a

unidade de direção de um chefe de estado esclarecido, - tal como estabeleceu a Constituição

Brasileira de 1937.‖ (CP, – março de 1941 – ano I número 1, págs. 176 e 177).

40

Aloísio Maria Teixeira foi juiz de direito e quando da elaboração do artigo em questão atuava na 3ª Vara

Cível da Justiça do então Distrito Federal. Foi autor de livros acerca da teoria do direito e sobre a constituição de

1937. Informações contidas na Revista Cultura Política – março de 1941 – ano I número 1, pág. 176.

Page 127: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

125

Além das questões tratadas por CP acerca do artigo, Teixeira aponta para um componente

comum ao pensamento dos intelectuais autoritários: a falta de capacidade das massas para

participarem das grandes decisões técnicas que agora a política passava a demandar aliada aos

interesses partidários - alheios aos problemas do país - que os embates partidários pré-

eleitorais apresentavam na época.

Assim, ―Os eleitores, que eram chamados para escolher os dirigentes da Nação, passavam a

maior parte do tempo alheios às questões de política, de administração e de governo. Quando

mobilizados para as campanhas eleitorais, todos os problemas se apresentavam de uma só vez

à sua atenção, quase todos complexos e a maior parte deles ininteligíveis à massa que não se

encontrava preparada para a compreensão segura dos seus termos mais simples.

Além disso, a apresentação dos problemas se fazia, nas campanhas eleitorais, do ponto de

vista da propaganda, deformadas as questões pelos interesses partidários em jogo. Como, no

meio da confusão e do rumor de uma campanha, querer que a massa pudesse fazer um juízo

mais ou menos seguro sobre questões remotas, sem ligação com a sua vida habitual e, por

conseguinte, impossíveis de se clarearem pela atenção ordinária que o homem comum

costuma dedicar aos assuntos do dia? (CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 185 e

187)41

.

Teixeira concorda com Francisco Campos, que já havia comentado a questão no capítulo

Diretriz do Estado Nacional de O Estado Nacional denominando-a de “Mito do Sufrágio

41

O trecho citado acima posto como de autoria de Teixeira é literalmente o mesmo contido no capítulo

Diretrizes do Estado Nacional da obra de Francisco Campos O Estado Nacional. O capítulo em questão é a

transcrição de uma entrevista concedida por Campos em novembro de 1937. Não podemos precisar se houve

falha na revista quando da edição do texto ou erro formatação de texto quando da citação do texto do Ministro da

Justiça de Vargas.

Page 128: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

126

Universal”.

No texto de Campos às massas devem ser reservadas as questões mais ligadas ao seu dia a dia,

assim o sufrágio universal deveria e foi com a Constituição de 1937 circunscrito a política do

município. As decisões dos Estados e da Federação passam a ser assunto das Assembléias

Estaduais e Colégio Eleitoral respectivamente.

Veremos à frente que esta configuração de representação política foi efetivamente

transformada em artigos na Constituição de 37, porém ficaram circunscritas somente ao texto

da Constituição não postos em prática na organização da representação política.

Trata-se de organização institucional e uma prática de representação política que ficaria

centralizada na Presidência da República, sendo moldada de acordo com as necessidades e

interesses do regime.

Oscar Tenório42

em A Constituição de 10 de novembro de 1937 e o Parlamento, afirma que os

legislativos, não só no Brasil, mas enquanto fenômeno internacional, se por um lado geravam

―... a debilidade do poder executivo; notou-se, de outro a incapacidade do Parlamento para

realizar o seu papel primordial de elaborar leis.‖ (CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág.

181).

Preocupado com a questão da liberdade individual o liberalismo, fonte de inspiração das

42

Oscar Tenório, quando da publicação deste artigo, era juiz de direito na 12ª Vara Cível da Justiça do

Distrito federal. Foi professor catedrático, Diretor da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, Docente da

Universidade do Brasil e professor de História do Colégio Pedro II. Biografia extraída da introdução do artigo em

questão publicado em (CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág. 180 e 181).

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

127

políticas anteriores a 1930 e que sobreviveram na elaboração da Constituição de 34, não dava

conta de cuidar da questão da felicidade humana. Os parlamentos além desta questão

configuravam-se como parlamentos políticos deixando para segundo plano a função técnica de

elaboração de leis.

Analisando a Constituição de 1934, observa que ―A representação profissional tornou-se

satélite de grupos políticos‖ (idem pág. 185).

O autor referia-se ao parlamento brasileiro criado após a Constituição de 1934 que criou uma

representação na Câmara de Deputados que mesclava os representantes eleitos pelo sufrágio

universal e outros oriundos de categorias profissionais que mesmo fazendo parte do ideário

político de alguns intelectuais do pensamento autoritário teria sido cooptada pelos grupos

políticos a que se refere o autor.

Quanto ao Senado Federal, ressalta Tenório ―..passou à condição jamais esclarecida, de

coordenador dos poderes federais entre si, de mantenedor da continuidade administrativa, de

colaborador na feitura de leis, cabendo-lhe também velar pela constituição (art. 88 –

Constituição de 1934)‖. (Idem, pág. 185).

Como ideal de Parlamento Tenório aponta o legislativo criado a partir da Constituição de

1937. O autor ressalta o caráter técnico do parlamento assegurado na nova formulação que

restabelece o sistema bicameral composto pela Câmara dos Deputados e o Conselho Federal,

este último tido ―...como elemento de ponderação e de caráter conservador, compõe-se de

representantes dos Estados e dez membros nomeados pelo Presidente da República‖. (Idem,

pág. 187).

Page 130: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

128

A Constituição de 37 não estabelece a representação corporativa do Parlamento em pé de

igualdade com deputados e membros do Conselho Federal. Institui uma formatação que a

princípio contrariaria a lógica de criação de uma ordem legal no Estado Novo no que se refere

a uma representação política que incrementasse o corporativismo. No entanto a Constituição

cria o Conselho da Economia Nacional que ―...compõe-se de representantes dos vários ramos

da produção nacional designados, dentre pessoas qualificadas pela sua competência especial,

pelas associações profissionais ou sindicatos reconhecidos pela lei, garantida a igualdade de

representação entre empregadores e empregados‖.(parte do 1º parágrafo do Artigo 57 da

Constituição de 37)43

Observa ainda a Constituição de 1937 que a escolha dos representantes das associações e dos

sindicatos será feita por órgãos colegiados e que caberá a Presidência do Conselho a um

Ministro de Estado indicado pelo Presidente da República.44

Quanto à representação política

no que tange a prática legislativa não seria incumbência do Conselho.

Em sintonia com o que trazia o texto constitucional, comenta Vicente de Faria Coelho45

em A

organização corporativa brasileira que ―Nas democracias, porém, o sistema corporativo

manifestar-se-á pela formação de conselhos técnicos, que natural e evidentemente

representarão as forças vitais da nação em seu concurso eficiente, como órgãos auxiliares do

Estado‖. (CP, – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 167).

43

Artigo 57 a 63 da Constituição de 1937 apontam as funções e a maneira pela qual o Conselho seria

formado. . 44

Extraído do conteúdo dos Artigos 58 e 59 da Constituição Federal de 1937. 45

O autor na época da publicação do artigo - conforme informação de CP - era Juiz na Justiça do Distrito

Federal.

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

129

Buscando a própria opinião de Vargas acerca da representação corporativa temos – segundo

CP afirma ser a perspectiva do Presidente sobre a questão – uma combinação de representação

popular fincada na organização dos trabalhadores sob a batuta do Estado, posto que uma vez

inseridos na estrutura do Estado o seu papel na gestão da sociedade e do Estado estaria

consolidado.

Assim, CP46

em coluna denominada O Pensamento do Presidente47

, reproduz o teor do

discurso proferido por Vargas no Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda de São

Paulo – DEIP, proferido para estudantes e jornalistas:

―Outrora, as bases do regime repousavam na representação política, subordinada aos

interesses partidários e eleitorais de que era originária: hoje firmam-se nas atividades sociais e

econômicas, com a colaboração efetiva das classes produtoras nos negócios públicos‖. (CP, –

fevereiro de 1944 – ano IV número 37, pág. 24).

Segundo aponta Ângela Maria de Castro Gomes o corporativismo e a ideia da representação

política feita pela via das organizações profissionais sejam de patrões ou empregados surge no

Brasil tendo - além de seu conteúdo político ideológico que apontava para um ―...dos pontos

chave para a discussão de um novo tipo de projeto político....‖, o intuito de ―...romper com o

domínio das bancadas dos maiores estados da federação‖ (Gomes. 1980; págs. 430 e 433)

46

Não há citação de quem teria sido o autor da matéria em questão. 47

Esta seção que iria aparecer depois da reestruturação pela qual passou a formatação da revista depois do

número 19, trata-se de uma reminiscência da antiga O Pensamento Político do Chefe de Estado.

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

130

No que tange ao combate as bancadas dos grandes estados, o objetivo da representação

classista seria a escolha de representantes que dariam a política equilíbrio, enfraqueceriam os

antigos grupos que ocupavam o cenário político e proporcionariam ao governo a capacidade

de ter sustentabilidade política no legislativo, além de, como também aponta Gomes,

transformar os trabalhadores de ―elementos hostis‖ em elementos integrados a política, mas

sob égide do regime. (idem. Pág. 431)

A representação de classes no Brasil só foi efetiva nos trabalhos de elaboração da Constituição

de 1934. Fora isso tanto a constituição de 34 quanto a de 37 não efetivaram a representação de

classes enquanto possuidoras de efetivo poder na composição do legislativo.

Na prática a representação política no Brasil foi arquitetada no sentido de garantir a

centralidade do Executivo Federal, sendo que somente o legislativo municipal iria ser eleito

pelo sufrágio popular, ficando o legislativo estadual e federal por conta do sufrágio indireto.

Quanto ao Parlamento Federal a Constituição atribui ao Presidente da República, a

prerrogativa de ―adiar, prorrogar e convocar o Parlamento‖.48

Sobre a constituição do poder e da representação política no Brasil, Almir de Andrade em

editorial de CP em julho de 1941, comenta alguns pontos que em sua visão são fundamentais

na Constituição de 1937.

Andrade traça um breve histórico do poder no Brasil e aponta que o poder moderador

48

Constituição Federal de 1937 art. 75 item e.

Page 133: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

131

existente no Império - constitucionalmente exercido pelo Imperador - ao ser retirado no início

da República do cenário político nacional, dado o preconceito advindo das ideias de

Montesquieu, fez com que no Brasil e em países que buscaram adotar a separação e a

independência de poderes fosse conhecido um enfraquecimento do Poder Executivo.

Entendendo que ―A unidade do poder impõe-se como único meio eficaz de levar a cabo

qualquer plano de ação coletiva‖ Andrade vê na ―supremacia do Poder Executivo‖ -

estabelecida com a Constituição de 37 - a forma que o país concebeu para a unidade política

necessária para esta ação. (CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 6).

O autor entende que o federalismo é mantido, mas agora estruturado em um ―federalismo

centralizado‖. Quanto ao individuo, este deixa de estar sob a perspectiva idealista do

liberalismo democrático - em que só conhecia a igualdade formal - e passa a conhecer uma

igualdade de fato guiada pela ―única fonte legítima de produção de riqueza material e de

riqueza intelectual: o trabalho‖. (Idem. Págs. 7 e 8).

Convergindo com o realismo reivindicado por intelectuais do pensamento político autoritário

Eleutério de Oliveira afirma que as normas jurídicas de um país necessitam se adaptar aos

tempos modernos. Assim, as constituições de linha mestra do ordenamento político das nações

tem de ―...constituir-se organismo não só político como também econômico‖. (CP, – julho de

1941 – ano I número 5, pág. 181).

Elucidando sua análise acerca da dicotomia entre sociedade e as constituições que foram

elaboradas em desacordo com a sociedade brasileira, observa: ―Quando as instituições

políticas estão em desacordo com o meio em que foram estabelecidas, porque foram criadas

Page 134: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

132

artificialmente, ou porque, com a evolução deste meio, se tornaram extemporâneas, o Estado

deixa de atingir a sua finalidade, tornando-se elemento de desagregação, que alcança as suas

próprias instituições, de todo o complexo de forças que constituem a nacionalidade

autônoma‖. (Idem. Pág. 182).

Dentro da perspectiva do autor, eis então a razão de se ter rasgado a Constituição de 1934

estabelecendo-se o Estado Novo com a Constituição de 1937.

Quanto a Constituição de 1934, que precede o movimento encabeçado por Vargas, o autor

observa o caráter ―apressado‖ da constitucionalização do país que ainda sofreu a influência de

―ambições subalternas‖ que objetivavam não desejos coletivos, mas ―vantagens individuais‖

(Idem. Pág. 190).

O Estado e suas instituições não estavam dando conta das necessidades da sociedade. A

Constituição de 1891 oriunda de uma perspectiva ―alienígena‖ - como, aliás, todas as outras

até 1937, na visão dos partidários do regime - havia caducado sem ao menos ter algum dia

sido espelho das reais necessidades da nação e nem tampouco acompanhado as

transformações advindas da modernização do mundo.

Dentro deste escopo, ao analisar ―o erro dos constitucionalistas brasileiros‖, conclui ―...que a

adoção de constituições alienígenas, sem que fossem adaptadas ao nosso meio, como cumpria,

determinou a falta de diretrizes nacionais no desenvolvimento da nacionalidade e uma

seqüência de erros, que retardou o nosso progresso, ameaçando mesmo estiolar todas as fontes

de vitalidade do país‖. (Idem. Pág. 184)

Page 135: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

133

Temos então - na visão representada pelo autor - que a constituição de Novembro de 1937, irá

adequar a organização constitucional do país a sua realidade. Há no raciocínio uma

funcionalidade no texto constitucional que deixa para trás os empecilhos à organização e ao

funcionamento da economia e da sociedade brasileira que as outras constituições – elaboradas

a partir de ideias alienígenas – não possuíam.

A Constituição de 10 de novembro de 1937 reflete Monte Arrais49

, dentre outras

transformações, coloca o poder dentro de outra perspectiva. A divisão dos poderes de maneira

harmônica, na formação em que Montesquieu apresentava é – repetindo a crítica de Arrais e

apresentando a solução dada no texto constitucional de 37 - definitivamente alterada. Institui a

Constituição do Estado Novo ―a supremacia e independência do executivo‖, assumindo o

papel de coordenador do legislativo e do judiciário. (CP, – setembro de 1943 – ano III número

32, pág. 13).

A ideia da centralização - que em nenhum momento do texto é chamada de autoritária, mas

funcional no que tange a gestão dos problemas da sociedade a serem tratados pelo Estado - é

reforçada pela reformulação que a nova Constituição daria a intervenção do Executivo Federal

nos Estados da federação. De exceção que era na Constituição de 1891, passa a ser regra,

obrigação do Executivo Federal, quando um dos membros da federação descumprisse os

preceitos constitucionais.

49

Jornalista nascido no Ceará em 1882. Advogado, deputado federal (1935 a 1937) , fundou e dirigiu o

Jornal do Comércio de Fortaleza e foi proprietário do jornal A Razão. Membro da Aliança Liberal. Dentre outras

atividades em agosto de 1941, participou da fundação, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, do matutino A

Manhã, criado para atuar como porta-voz do Estado Novo. Foi também chefe da censura do Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP). Faleceu no dia 3 de outubro de 1965 no Rio de Janeiro. Baseada na Biografia que

consta do site do CPDOC http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx

Page 136: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

134

Discorrerá a Constituição de 1937 em seu artigo 9º os casos em que será empreendida a

intervenção e a quem compete decretar a intervenção: o Presidente da República na maioria

dos casos e em alguns a Câmara dos Deputados. Sendo o interventor sempre nomeado pelo

Presidente da República que - segundo Arrais - irá empreender uma ―função reparadora‖

colocando o Estado nos trilhos da constituição e sob a ―predominância da União‖, tal qual o

espírito da Constituição de 1937. (Idem. Págs. 20 e 22).

Em outro artigo – homônimo ao capítulo da Constituição de 37 - Da Defesa do Estado, Arrais

transcreve parte dos artigos 166 a 173 que compõem o texto constitucional e que versam sobre

o tema: estado de emergência e estado de guerra.

Antes de ser mero verbete acerca do tema, nele o autor demonstra - com o seu enquadramento

- a amplitude dada ao poder Executivo Federal e o nenhum freio que - na prática - era imposto

ao Presidente da República.

Reproduzindo - tal qual Arrais o fez - os artigos do texto Constitucional de 1937 temos:

―Art. 166 – Em caso de ameaça externa ou iminência de perturbações internas ou existências

de concerto, plano ou conspiração, tendente a perturbar a paz pública ou pôr em perigo a

estrutura das instituições, a segurança do Estado ou dos cidadãos, poderá o Presidente da

república declarar em todo o território do País, ou na porção território particularmente

ameaçado, o estado de emergência.

Desde que se torne necessário o emprego das forças armadas para a defesa do Estado, o

Presidente da República declarará em todo o território nacional ou em parte dele, o estado de

guerra.

Page 137: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

135

Parágrafo único – Para nenhum desses atos será necessário o emprego das forças armadas para

a defesa do Estado, o Presidente da República declarará em todo território nacional ou em

parte dele, o estado de guerra. ‖(Constituição de 1937)

O estado de emergência observa Arrais, seguindo o que aponta a constituição, dá ao presidente

poderes que - segundo o que delimita o artigo 168 - o autorizam a: ― a) detenção em edifício

ou local não destinados a réus de crime comum; desterro para outros pontos do território

nacional ou residência forçada em determinadas localidades do mesmo território, com

privação da liberdade de ir e vir;

b) censura da correspondência e de todas as comunicações orais e escritas;

c) suspensão da liberdade de reunião;

d) busca e apreensão em domicílio.‖

O estado de guerra, segundo a constituição, quando agravada a ameaça interna ou externa dá

ao Presidente o poder de suspender a constituição em todo território nacional ou em parte dele

– art. 171 - e agir segundo a sua consciência na defesa do Estado. Poderá também o

Presidente, segundo o Art. 169, suspender a imunidade e proceder a detenção do parlamentar

―...que se haja envolvido no concerto, plano ou conspiração contra as instituições, e segurança

do Estado ou dos cidadãos‖, mediante autorização da Câmara ou Conselho Federal. Porém

caso haja demora ou recusa a solicitação do Presidente o Parágrafo 1º do Art. 169 garante ao

Chefe do Executivo a prerrogativa.

A decretação do estado de emergência ou o de guerra ocorrerá, portanto ―... como móvel de

salvação da coletividade, das instituições ou do Estado‖. (CP, – novembro de 1943 – ano III

número 34, pág. 83).

Page 138: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

136

Comum as constituições - observando-se as especificidades de cada país e com nomenclaturas

que podem divergir dependendo do caso - a garantia de que o governante possa declarar

estado de emergência ou de guerra teve no Brasil daquele regime a característica do poder

exacerbado. Esta condição fica clara no artigo também transcrito por Arrais:

―Art. 167 – Cessados os motivos que determinaram a declaração do estado de emergência ou

do estado de guerra, comunicará o Presidente da Republica à Câmara dos Deputados as

medidas tomadas durante o período de vigência de um ou de outro‖

Lembremos que a decretação do estado de emergência ou de guerra era prerrogativa do

Presidente da República. Assim na sequência do Art. 167, agora em seu Parágrafo único, fica

patente o volume de poder concedido ao Presidente durante o Estado Novo:

―A Câmara dos Deputados, se não aprovar as medidas, promoverá a responsabilidade do

Presidente da República, ficando a este salvo o direito de apelar da deliberação da Câmara

para o pronunciamento do País, mediante a dissolução da mesma e a realização de novas

eleições‖. (Constituição de 37)

No que implicava os artigos da constituição elencados por Arrais fica clara a relevância da

centralidade do poder executivo dada pelo autor e a concordância com a inexistência de freios

constitucionais ao Presidente da República exemplificados com a abordagem do autor em sua

análise.

Uma das marcas do regime - o processo de centralização que marcou o Estado Novo- foi

Page 139: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

137

relatada em CP por outro artigo de Monte Arrais. O artigo A forma federativa e a Constituição

de 10 de novembro de 1937 levará a publicação do DIP novamente a discorrer sobre o tema,

vinculando-o à nossa formação cultural.

Se a figura dos interventores teve o condão de centralizar a administração e o poder no

Executivo Federal outro tema regulamentado pela Constituição de 37 tratou de por os limites

para os Estados da Federação.

Arrais – remetendo a sua reflexão a questão da história e a cultura como formadora da ordem

política e social das nações – afirma que os Estados brasileiros de maneira diversa dos Estados

que formaram os EUA não nasceram como Estados confederados soberanos. Assim na

formação da federação brasileira, deve-se observar a incoerência de se pensar que os Estados

que a formam possam se arvorar portadores de soberania.

No decorrer de sua reflexão o autor afirma: ―Se, já agora, é a própria opinião norte-americana

que recusa assentimento à decaída idéia da existência de Estados com direitos iguais, ou

superiores aos do poder central, como se explicaria que no Brasil, onde a dualidade do

governo foi um mero acidente histórico, sem raízes no passado, o constituinte aquiescesse em

impô-la como um instrumento categórico? (CP, – outubro de 1943 – ano III número 33, pág.

36).

Comentando a unidade conseguida no país com as políticas e a condução que o Estado Novo

imprimiu a Nação, CP esclarece não só a perspectiva da revista, mas a sintonia entre ela e o

pensamento de Vargas.

Page 140: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

138

Afirma na seção O Pensamento do Presidente que: ―Em verdade, nada simbolizou melhor a

reforma operada na vida do Brasil com o advento do regime vigente que a abolição das

insígnias estaduais, engendradas quando a organização política da República, adstrita a mal

concebido federalismo, de ação centrífuga em relação ao poder central, dava a impressão de

que a nossa Pátria caminhava para fragmentar-se, cada parte surgindo com uma autonomia

mais exagerada em relação às outras. Todas elas tinham, então, as suas armas, as suas

bandeiras os seus hinos, e os seus filhos se distinguiam pela sua naturalidade e nem sempre se

confundiam na mesma nacionalidade, pois que as pretensões de hegemonia, de comando, de

superioridade não permitiam se considerassem iguais, em direitos e em obrigações, os

brasileiros de todas as regiões do país.‖ (CP, – fevereiro de 1944 – ano IV número 37, Págs.

27 e 28).

A publicação irá durante suas publicações então demonstrando a formatação a que o Estado

brasileiro iria passar a perceber sob a égide do Estado Novo.

O tratamento dado pelos autores da revista a uma das questões fundamentais que originou o

desfecho político do movimento que culminou com o golpe de 37 e a instauração do Estado

Novo - a redefinição da forma federativa - fica evidenciada em suas características: ela terá

caráter centralizador e autoritário.

4.1 - Formação política do Brasil Novo

A configuração política que se buscava com o Estado Novo não é fenômeno cultural advindo

Page 141: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

139

com o regime de 1937 pelo menos na visão da revista Cultura Política. Cassino Ricardo50

em

Estado Novo e o seu sentido bandeirante, busca empreender a genealogia do que chama de

―governo forte e disciplinador‖.

Já vimos análises acerca da falta de uma cultura política na formação da população brasileira

que a possibilitasse a assimilação dos elementos concernentes a democracia ao estilo norte

americano e assim pudesse viver dentro da organização política da democracia representativa

e na convivência com instituições semelhantes as dos EUA.

Há um ponto em comum entre estas perspectivas e a de Cassiano Ricardo. Elas concordam em

que a importação de modelos institucionais estrangeiros a que a nação brasileira deveria se

encaixar, sem o devido cuidado em se observar a nossa cultura, foi expediente ineficaz para a

organização política do país e para a condução do povo rumo ao bem estar.

Ao buscar as origens do ―governo forte e disciplinador‖. Cassiano Ricardo se propõe a

confirmar a seguintes premissas: ― a) que o Estado Novo não é cópia de nenhum figurino

constitucional importado; b) que o Estado Novo é o reencontro do Brasil consigo mesmo‖.

(CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 111).

Sua hipótese é que a sociedade do litoral com seu latifúndio e a casa grande não criaram um

espírito democrático. A conformação do latifúndio para o autor possuía cunho feudal e a

relação do senhor com os que estavam em sua órbita não comportava relações democráticas,

50

Foi membro da Academia Brasileira de Letras, historiador, ensaísta e poeta autor de Marcha para Oeste:

a Influência da bandeira na formação social e política do Brasil. (Rio, 1940) Baseado em biografia que antecedeu

o artigo citado de CP.

Page 142: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

140

nem do ponto de vista político, nem nas relações sociais ou mesmo econômicas.

Para configurar sociologicamente aquela sociedade o autor cita Gilberto Freire: ―com a sua

monocultura absorvente – uma minoria de brancos e brancarrões dominando, patriarcais e

polígamos, do alto das casas grande de pedra e cal, não só os escravos criados aos magotes nas

senzalas como os lavradores de partido, os agregados, moradores de casas de taipa e palha –

vassalos das casas em todo o vigor da expressão‖. (Idem – pág. 111 em citação ao prefácio de

Casa Grande e Senzala).

Citada a organização social analisada por Freire, Cassiano Ricardo ao longo do texto passará a

delinear o caráter democrático das bandeiras, relatando o quanto o chefe das bandeiras era

capaz de extrair de cada etnia – negro, índio, mameluco, branco e etc - o que tinham de

característica mais interessante no sentido de dar sucesso às bandeiras.

Ricardo vê na origem das Bandeiras e em sua organização algo diverso da ordem analisada

por Gilberto Freire no que tange ao caráter democrático das relações entre as etnias que a

compunham.

―A democratização social pela mestiçagem é, pois, o seu nascedouro. Mestiçagem resultante

do conúbio de portugueses com as cunhãs do reino guaianás. Mas não eram só portugueses os

moradores do planalto. Aí vamos encontrar um bom número de flamengos, ingleses, italianos,

franceses e espanhóis não se falando nos da nação hebréa e nos africanos de Angola

importados, em 1590, por Afonso Sardinha.

O que se sabe, além disso, à luz de avultada documentação, é que a policultura e pequena

propriedade marcavam a organização do planalto‖. (Idem, pág. 113).

Page 143: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

141

Desprendido do latifúndio e dona de uma democracia étnica superior ao do latifúndio do

litoral, as bandeiras construíram a sua organização em volta do trabalho com uma governança,

que segundo análise do autor, ia além da função fiscal e policial a qual a coroa portuguesa se

restringia.

A organização das bandeiras no que tange a ―governança‖, como observa Cassiano Ricardo,

expandia-se para além da perspectiva da Coroa. A bandeira, afirma o autor, ―Intervinha ela (tal

como hoje em dia se faz) na produção, nas questões da propriedade, na divisão de chãos para

os moradores, na concessão do campo de conselho para a pequena criação de gado em

comum, na exportação de cereais e outros produtos, no preço das mercadorias, nos problemas

de ordem pública e policiamento social, na regulação dos ofícios e nas três principais questões

da época que eram: a das bandeiras, a do caminho do mar e dos jesuítas.‖ (Idem, pág. 115)

Em seu relato o autor relembra que o autogoverno das bandeiras chegou a um grau de

organização tal que não tinha necessidade de se valer da organização política monárquica: ―A

bandeira é a revolução, ao passo que a casa-grande é a força conservadora da colônia, anti-

revolucionária, aliada do poder público. Da casa-grande é que ―saem os barões que seriam o

melhor apoio da corte51

‖(Idem, pág. 126).

Era ela – no entender do autor - uma república democrática que encontrava a sua unidade no

condutor da bandeira, no chefe que tratava de unificar vontades dentro das diversidades

étnicas composta de características e interesses inicialmente diversos.

51

Citação do Autor a Gilberto Freire a obra Nordeste, pág. 32.

Page 144: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

142

Porém, segundo Ricardo, a condução política do Brasil vai parar nas mãos de lideres ―cheios

de citações de estadistas franceses e ingleses..(...). Começa então a história incrível do nosso

liberalismo. Os sonhadores liberais não se lembraram de que, na ordem de sua complexidade,

foram a família, o clã patriarcal e a bandeira as três unidades básicas de nossa estrutura social

e, portanto, política‖. (Idem, pág. 128).

Conclui - após analisar a estrutura das Bandeiras e sua capacidade de organizar as diversas

esferas da vida dos seus componentes - que o Estado Novo é portador deste espírito

bandeirante, dada a sua capacidade e vontade de buscar nossas raízes culturais, na sua

capacidade de organizar a nação para além da função fiscal e policial e ―na soma de

autoridade conferida ao chefe nacional‖ (Idem, pág. 132).

Na apresentação do segundo número de CP em abril de 1941, Almir de Andrade reforça a

ideia da cultura como base da política. Não há uma análise especifica de um fenômeno

cultural ou de uma organização social específica em seu texto, tal qual encontramos em

Cassiano Ricardo, porém entenderá a cultura como a fonte para o estabelecimento do governo

e de onde será firmado o norte de suas ações. ―Toda política, no verdadeiro sentido da

expressão, nasce do povo. Nasce como expressão de necessidades coletivas que procuram

estabilizar-se num sistema de governo‖. (CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág. 5).

A política para Andrade é esta ação que perpassa setores diversos da organização social,

interagindo com a arte, literatura, economia e sendo a cultura um fenômeno que deve

―integrar-se na vida organizada que a política representa, como cristalização da ordem social‖.

(Idem, pág. 7). Conceito de cultura, arte e literatura que CP procurava recorrentemente

Page 145: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

143

esclarecer no decorrer de suas edições. Já vimos no terceiro capítulo um esforço neste sentido

quando a revista faz a reconstituição do discurso de Vargas quando de sua posse na Academia

Brasileira de Letras.

A questão da cultura reaparecerá na interpretação que Rosário Fusco52

, na seção O

Pensamento político do Chefe do Governo, quando do elogio que o autor faz ao texto de

Vargas em A Nova Política do Brasil.

Retomando a questão do conceito de cultura voltada à ilustração pura e simples, para

ornamento e vaidade do letrado em oposição à cultura que - em contato com o concreto, com

as coisas do dia a dia da nação - propõe ação.

Com o objetivo de mostrar os pressupostos do conceito de cultura do Estado Novo que Fusco

- partindo de a Nova Política do Brasil - irá apontar os três pilares desta cultura: ―a) o

reconhecimento do tempo; b) a condenação da cultura pela cultura; c) a indicação de um

conceito socializador de cultura‖. (idem, pág. 174).

O reconhecimento do tempo se dá na experiência diária no entendimento do passado na

52

Nascido em São Geraldo, em 19/7/1910. Formado em Direito foi romancista, funcionário federal, dramaturgo,

poeta, jornalista, publicitário, radialista, critico literário, ensaísta, Secretário da Universidade do Distrito Federal e Procurador

do Estado do Rio de Janeiro. Publicou vários livros: em 28, Fruta de Conde (poesia), 1943, O Agressor (reeditado depois, em

68, na Itália pela Editora Mandadori e no Brasil em 76 pela Francisco Alves). 1940, Amiel, (ensaio), O Livro do João

(romance), 44, Anel de Saturno e O Viúvo, em 1949 (teatro), Carta à noiva, 54, (romance), Introdução à Experiência Estética

(ensaio), em 49, Auto da Noiva (farsa), em 61 e Dia do Juízo (romance) também em 1961. Deixou dezenas de

correspondências com expoentes da literatura brasileira, especialmente Mário de Andrade, dezenas de "diários" e dois

romances e um livro de poesia erótica e de viagens. Faleceu em Cataguases em: 17/8/1977. Almir de Andrade relata que

conheceu Mário de Andrade por intermédio de Fusco. Trecho de Biografia extraída do site

http://www.tratosculturais.com.br/zona%20da%20mata/univlercidades/modernismo/Literatura/index.htm

Page 146: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

144

formulação das ações que empreenderão o futuro. A cultura dos livros, da arte e a cultura

como forma de construção social são os pressupostos da análise do autor para a construção de

uma socialização brasileira. E finaliza anunciando que ―Estamos lançando as bases de uma

cultura brasileira, isto é, as bases de uma valorização maior de tôdas as atividades do homem

brasileiro de amanhã‖. (Idem, pág. 177)

Nesta formação do novo homem com uma nova visão de cultura, a perspectiva de tutela do

cidadão aparecerá em determinados momentos na revista de forma mais incisiva de maneira a

que no Estado esteja concentrada toda a ideologia que se possa conceber.

Trata-se aqui de característica deste pensamento, o pensamento autoritário que convergindo

em temáticas comuns dará gradações diversas a importância e a extensão do Estado na vida do

homem.

Olavo Ferreira53

afirma que ―Só há uma ideologia – a do Estado, que integra todos os valores

brasileiros, e só há um chefe – o do Governo Nacional‖. (CP, – julho de 1941 – ano I número

5, pág. 130).

A herança da Revolução Francesa e os direitos do homem criaram, segundo o autor, ―...uma

igualdade política‖ que ―...amargurou o homem e tiranizou o cidadão‖ que criou um

arcabouço que apontava para um estado de coisas que encobria um conjunto de disparidades,

uma ―...igualdade de direitos individuais, a real e constrangedora desigualdade de haveres, a

positiva e cruciante dissimilitude de meios de existência‖. (Idem, pág. 127).

53

―Professor da Faculdade de Direito do Ceará‖ extraído de CP julho de 1941 – ano I número 5, pág. 126

Page 147: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

145

É, ao contrário, a Constituição de 1937 a cristalização, que para Ferreira, iria com medidas

como a implantação da representação corporativa, criar uma efetiva participação, que dá

soberania ao trabalho, fazendo com que as vontades individuais não se sobreponham ao

coletivo.

O que há de substantivo para o autor é o abandono do individualismo, advindo dos ideais do

liberalismo, a formação de uma cultura que se solidifica com a nova Constituição e que

privilegiava o coletivo do ponto de vista dos direitos e com a representação política pela via

corporativa54

.

Quanto ao conceito de democracia que a revista busca construir baseada no pensamento

político autoritário, a frase de Castro Costa55

pode ser considerada o mote da reflexão sobre a

questão: ―Constitue tradicional confusão o conceito de democracia como liberalismo despeado

e incondicional‖ (CP, – setembro de 1943 – ano III número 32, pág. 25).

A base de sua crítica esta fundada na ideia - comum nos autoritários - da necessidade de se

fundar a organização política das sociedades no que elas efetivamente são: ―estudar os

múltiplos fatores de sua existência para por em prática os preceitos de administração que mais

lhe convêm‖.(Idem. Pág. 26).

54

Já vimos que a representação corporativa estabelecida na Constituição de 37 e mencionada pelo autor

não dava as categorias tanto de trabalhadores como de patrões a função de legislar, a eles só se faria a consulta

quanto criação das leis. 55

Nasceu no município de Trindade Estado de Goiás em 1917, formou-se em Direito na década de 40, foi

jornalista, procurador, Secretário da Fazenda, diretor de divisão do DASP e diretor-geral do DIP em Goiás. Foi

deputado estadual pelo PSD na década de 40 e suplente de deputado federal pelo MDB na década de 60. Faleceu

em 1992. (Dados biográficos contidos no site do CPDOC em verbete acerca do autor).

Page 148: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

146

Estes elementos que são trazidos agora por Costa já haviam sido analisados percebendo-se que

não só autores como Oliveira Vianna possuem a mesma abordagem, mas outros como Sérgio

Buarque de Holanda convergem para esta mesma perspectiva no tema organização social e

cultura.

Leopoldo Peres56

em Concepção brasileira da democracia se baseia em citação de discurso de

Vargas57

ilustrando o que foi tema para reflexão dos autores mencionados.

Peres buscará formar um conceito de democracia a brasileira advinda do Estado Novo que

possui elementos de caráter econômico, políticos e culturais inerentes a vida e a história

brasileira. Assim entende o autor ao embasar-se nesta citação de Vargas: ―Somos uma

democracia estruturada sobre novas bases, aberta à evolução das forças econômicas,

conciliadora dos princípios de autoridade e liberdade inspirada nas tradições históricas e nos

postulados de um nacionalismo construtivo.‖ (CP, – março de 1944 – ano IV número 38, pág.

19).

Na construção deste ordenamento social que o Estado Novo estava empenhado, tem-se - por

parte dos seus partidários - a preocupação de se dar importância a questão do bem estar do

homem e a dependência que isto tem na relação homem e Estado.

Partidário da crítica ao Estado liberal, Paulo Augusto de Figueiredo afirma ao iniciar Fins

56

Presidente do Conselho Administrativo do Estado do Amazonas. 57

O autor observa que se trata de palavras de Vargas, mas não apresenta referência donde buscou o

referido trecho.

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

147

humanos e políticos do Estado Brasileiro que ―O melhor Estado é aquele que, por meios

políticos adequados, melhor realiza os seus fins políticos‖. (CP, – agosto de 1941 – ano I

número 6, pág. 121).

O autor além de sua própria perspectiva acerca da questão embasa suas críticas ao liberalismo

e lança sua ode ao Estado intervencionista se valendo de autores como Oliveira Vianna,

Azevedo Amaral, Ronald de Carvalho e Tristão de Athayde58

.

Autores que analisaram a política de maneira a construir uma crítica a Velha República e uma

proposta de Estado antiliberal, um Estado que interviesse na gestão da sociedade nos seus

mais diversos setores e com uma visão que reputavam voltada ao homem brasileiro.

Seu texto segue com uma análise do Brasil Império de modo a avaliá-lo de maneira positiva

ao se referir ao poder moderador e a capacidade de unificar a Nação que - segundo Figueiredo

- possuía o Imperador.

Figueiredo ao se debruçar sobre a Primeira República irá elencar como característica do

período a busca de um modelo - por parte dos políticos de então - estrangeiro e desprovido de

elementos capazes de se coadunar com as características do brasileiro.

―Povo de energias complexas o brasileiro; país variadíssimo, o Brasil, em sua composição

física, ética, social, moral e política; o nosso prenhe de diversidades acentuadas; sem unidade

58

É ampla o leque de autores aberto pelo autor, vai de Oliveira Vianna a Tristão de Athayde, este último

segundo Sadek em Machiavel, Machiavéis: A Tragédia Octaviana. Edições Símbolo. S.P. 1978, fez parte da

―reação espiritualista‖ a que fizemos menção no 1º capítulo desta pesquisa.

Page 150: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

148

o nosso caráter; regionais as nossas necessidades; típicos os nossos problemas – a democracia

liberal, entre nós, surda às nossas diferenciações étnicas, aos nossos determinismos telúricos,

ás nossas configurações sociais particulares, foi, por tudo isso, uma experiência dolorosa. ―A

democracia – diz Azevedo Amaral – isto é, em última análise, o governo orientado pela média

das tendências que se manifestam na coletividade, é por sua própria definição uma forma de

organização política em que se exige, como base insubstituível, a possibilidade de um

ajustamento de correntes intelectuais e emotivas, de modo a que delas se possa tirar mais ou

menos uma resultante representativa de um psiquismo comum. Esse psiquismo não existe no

Brasil‖ (Figueiredo Idem. Pág. 124 e Azevedo Amaral – O Brasil na Crise Atual – Companhia

Editora Nacional – 1931 – pág. 248).

Para Figueiredo um regime que nascia da abstração e não se preocupava com o homem já que

o caráter do brasileiro com toda sua diversidade ética e cultural não era levado em conta. ―Dai

um Estado fraco, impessoal, sem razões, sem personalidade, sem planos, sem fins‖. (Idem.

Pág. 126).

Portanto o Estado que forma-se com a Velha República é para Figueiredo um Estado sem

direção e incapaz de planejar e assegurar o bem estar dos homens. De acordo com a ideia com

a qual inicia seu texto: incapaz de dar conta daquilo que deveria ser sua razão primordial,

realizar ―seus fins humanos‖.

Da crise do Estado surgem as propostas, as ideologias que na concepção do autor são

igualmente desprovidas - conforme já havia demonstrando em artigo analisado no terceiro

capítulo desta pesquisa - de um conteúdo humanizante.

Page 151: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

149

Se no Estado liberal o homem é deixado a sua sorte ―Não se pode conceber a estatização do

homem. O que se deve realizar, e o que estamos fazendo, e a humanização do Estado. Este é

um meio, e sua justificação e o seu fim estão no homem...‖ (Idem. Pág. 129).

Assim de duas outras grandes ideologias políticas que afluem no período e do liberalismo

têm-se segundo o autor que ―No Estado Liberal, no Estado Marxista e no Estado Fascista, o

homem é subjugado, anonimizado, desindividualizado, inhumanizado‖ (Idem. Pág. 128).

Figueiredo demonstra sua preocupação com o homem no tocante ao bem estar existencial.

Observa o fascismo, liberalismo e comunismo e afirma que em todos estes regimes há ―...a

dissociação do homem em categorias sensoriais, políticas, éticas, quando ele é um só, uma

fusão distinta e superior de elementos , de categorias. O homem total nunca foi considerado

em tais regimes‖. (Idem. Pág. 131).

O Estado para Figueiredo constitui-se uma técnica, uma ―unidade política, social,

administrativa e jurídica‖, que deve ser ―...encarado como instrumento de aperfeiçoamento

dos homens...‖ e origina-se de um conjunto de fatores que vão desde a observação ao

entendimento do funcionamento da já citada diversidade étnica e cultural.

Da percepção destes fatores alia-se uma técnica que irá conduzir o homem brasileiro ao

aprimoramento da cultura total, que une ― - o meio físico, o meio técnico, o meio social,

econômico, etc, etc...‖ questões apreendidas por Getúlio Vargas que ao empreender o Estado

Novo ―...compreendeu as solicitações da nossa alma e os imperativos do nosso meio, e foi por

isso que pode disciplinar as nossas forças, harmonizar e hierarquizar os nossos valores,

coordenar os nossos traços essenciais, enfim, revelar a nação e traçar-lhe um destino, que o

Page 152: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

150

Estado Novo vai realizando.‖ (Idem. Págs. 132, 134 e 135).

Em texto de outubro de 1942 Figueiredo esmiúça de forma mais precisa uma das

características e possivelmente o ponto central de sua concepção acerca da relação entre

autoridade e liberdade na construção da Nação. Liberdade e autoridade devem ser medidas na

formação do individuo considerando-o como elemento que constitui o povo.

A técnica que o autor se refere quando se reporta ao Estado Novo e a Constituição de 37 deve

estar imbuída de perceber, também, que a ―Liberdade será garantia do quantum de

movimentos livres necessários ao desenvolvimento do homem como individuo; e autoridade o

quantum de força coercitiva indispensável à garantia do desenvolvimento do homem como

povo, isto é, o mínimo de força necessária a assegurar o desenvolvimento de todos os

homens‖ (CP. nº 20; pág. 93)

Condensa-se no pensamento de Figueiredo a negação de outras formas de organização do

Estado, a necessidade de se apreender as necessidades do homem brasileiro e a presença do

líder que soube dar andamento e organizar o Estado de forma a valorizar o homem e construir

a Nação. Sua concepção de Estado em conjunto com a de Cassiano Ricardo, Arrais, Costa e

Fusco apontam novamente para uma política que deve estar calcada no que há de original em

nossa cultura política realçando a figura da liderança sensível a esta questão.

A organização política das bandeiras, a característica de seu líder em conjunto com a

perspectiva de liderança e percepção que aparece em Figueiredo - como qualidades contidas

na figura de Vargas – nos dão bons elementos para configuração de um panorama do que foi

no entender de CP o Estado Novo e seus objetivos quanto a construção da Nação e em

Page 153: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

151

especial a relação entre autoridade, povo e sua cultura.

4.2 – DIP, DASP e algumas ações do regime

O objetivo central desta pesquisa é registrar e analisar os itinerários ideológicos pelos quais

passou o Estado Novo, por meio das concepções de intelectuais que colaboraram na revista

Cultura Política em sua maioria intelectuais vinculados ao pensamento autoritário, sem se ater

nas inúmeras ações a que o regime de 37 se propôs e em muitos casos empreendeu como

política de governo.

Algumas exceções serão feitas. A primeira delas será em relação ao Departamento

Administrativo do Serviço Público - DASP, dada a sua função de instrumento que deu ao

regime e ao país - quando se sua criação - melhores instrumentos para as necessárias inserções

do Estado na sociedade e economia. É a profissionalização e o aperfeiçoamento técnico da

administração do Estado condição básica para os empreendimentos do Estado na esfera civil59

.

CP irá dedicar espaço em suas edições para cuidar da questão. O primeiro artigo de autoria de

Aristeu Aquiles60

trata da administração pública brasileira, sua história até a revolução de 30

culminando com a criação do DASP em 1937 quando da Constituição de novembro que

instaurou o Estado Novo.

59

O DASP é criado a partir da Constituição de 1937 que também, instituiria o instrumento fundamental

para o caráter impessoal e técnico da administração pública ―a primeira investidura nos cargos de carreira far-se-á

mediante concurso de provas ou de títulos:‖ Art. 156 item b 60

Aristeu Aquiles foi jornalista e Chefe do Serviço de Documentação do DASP e autor de Revolução da

Burocracia, obra que trata de analisar a organização do DASP.

Page 154: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

152

Quanto ao período imperial Aquiles relata que ―Os cargos públicos estavam à mercê da

constante flutuação política do poder, ora nas mãos de um, ora nas mãos de outro dos dois

grandes partidos então existentes – liberal e conservador, a semelhança de um ―spoils system‖.

Substituído o Ministério, substituído era também o mais modesto funcionário, desde a Cortê à

mais remota Província‖. (CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág. 119).

Também a Primeira República, segundo o autor, não proporcionou ao Estado brasileiro uma

administração pública capaz dar conta das novas demandas do período no que tange a questão:

―De 1907 a 1929, nada menos de sete projetos de Estatuto foram discutidos no Poder

Legislativo e logo abandonados, sem votação, pela impraticabilidade de conciliar os interêsses

eleitoralistas com qualquer ideia de organização dos serviços Administrativos‖. (Idem, pág.

121).

O autor relata que logo após 30 são criados o Ministério do Trabalho e da Educação e Saúde

Pública. Porém ―...ampliando a administração, pondo-se em contato com os fatos sociais, sem

um organismo capacitado e eficiente, o Estado não fazia mais do que agravar uma situação já

insustentável‖. (Idem, pág. 121).

Sobre a situação anterior a sua criação Arísio de Viana no estudo D.A.S.P. Instituição a

Serviço do Brasil observa: ―A situação anterior a 1936 se caracterizava pela predominância de

interesses contrários à administração cientifica no tratamento dos problemas relativos ao

funcionalismo civil. Todos os atos fundamentais da vida funcional dos servidores públicos, -

nomeação, remuneração, promoções, aposentadoria, - em síntese, os direitos e deveres da

grande massa teoricamente a serviço do Estado – sofriam influências políticas‖ (Viana, 1953.

pág. 59).

Page 155: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

153

Já Souza entende o DASP e os Daspinhos, como se refere aos órgãos do DASP nos estados,

como parte do sistema de poder que Vargas havia criado em substituição as instituições

democráticas e funcionavam em conjunto com as interventorias, posto que: ―Enquanto o

interventor agia como coordenador político, sob instruções diretas de Vargas, o departamento

administrativo, dirigido por engenheiros, agrônomos, estatísticos, etc. – indivíduos que se

consideravam e eram considerados imunes a pressões clientelísticas – funcionava como um

corpo legislativo‖. (Souza, 1990. págs. 96 e 97).

Entre a perspectiva de Souza e Arísio Vianna temos duas visões que não convergem. A autora

preferiu privilegiar o entendimento da criação do DASP como um elemento a mais na forma

de governar de maneira autoritária da ditadura de Vargas.

Porém é interessante observar que o DASP marca a preocupação de dotar o Estado de um

corpo técnico e burocrático capaz de agir de maneira mais ―cientifica‖ como observa Viana.

No entendimento desta pesquisa temos que criado o DASP após a extinção de seu antecessor o

Conselho Federal do Serviço Público Civil que havia surgido com a pela Lei ° 284, de 28 de

outubro de 1936, ampliou-se a possibilidade de estruturar a máquina do Estado brasileiro de

maneira a livrá-lo de seu caráter patrimonialista e não profissional, pelo menos enquanto

característica determinante.

Além disso, o Conselho Federal do Serviço Público Civil e posteriormente o DASP, marcam o

início de um Estado que passa a planejar de forma mais sistemática - e de maneira

centralizada - a economia do país e que necessitava para tanto de um funcionalismo diverso do

Page 156: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

154

de até então, ou seja, mais técnico e menos dirigido pelo patrimonialismo dos políticos.

O Estado iria passar a intervir na produção, no planejamento econômico e necessitava de uma

organização capaz de dar conta desta função. A profissionalização dos quadros

técnico/burocráticos e a redução do patrimonialismo político se faziam necessários, como

pressuposto mínimo para que o Estado, enquanto agente planejador e participante do próprio

processo produtivo na economia, possuísse eficiência suficiente para sua nova tarefa, coisa

que sob a égide de um regime com as características da Primeira Republica se inviabilizaria.

O Estado a partir daí, com Vargas, será agente ativo no setor produtivo. A relação

Estado/economia e planejamento aparecem na revista Cultura Política em artigo de José da

Rocha Lagoa61

, que trata da inserção do Estado na produção: ―Pois bem, é dessa viga mestra

da economia nacional que o Presidente Getúlio Vargas acaba de dotar o país, dando um

exemplo fecundo de como só a mentalidade construtiva e realizadora, trabalhada e alertada

constantemente pelo devotamento a causa pública pode resolver eficientemente os nossos

problemas fundamentais.‖ (CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 14).

Refere-se o autor, especificamente, à construção da primeira indústria siderúrgica no país.

Afora a postura apologética do autor, tem-se que foi na política empreendida por Vargas e com

a forma que o Estado brasileiro começava a tomar que a economia do país começa a deslocar

seu eixo.

O questionamento do pensamento autoritário advindo dos que apoiavam o regime é

61

―Professor na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil‖ (CP, – julho de 1941 – ano I

número 5, pág. 11)

Page 157: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

155

efetivamente válido e da margem a debates, entretanto a estruturação de um corpo técnico

burocrático, afora as observações de Souza e que acredito devam ser relativizadas é fato que o

DASP foi um importante esforço no sentido de se dotar o Estado brasileiro de meios de ação

na sociedade.

De volta ao artigo de Aquiles é interessante observar a já moderna visão de planejamento

dentro do Estado contida no DASP:

―O fato do DASP haver sido creado no capítulo constitucional consagrado à elaboração

orçamentária e o não estar ainda organizada a Divisão do Orçamento mostra a importância

deste setor de atividade futura do DASP, e a complexidade da sua organização. Na realidade,

sem a racionalização do processo orçamentário, toda e qualquer tentativa de racionalização

administrativa resultará infrutífera, não indo além das boas intenções. O orçamento é, ao

mesmo tempo, um meio de ação e um plano de governo‖.

(CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág. 124).

Quanto às influências teóricas que deram fundamento à estrutura e a ação da reforma da

administração pública brasileira, em Razões de ser do DASP, Beatriz Marques de Souza62

,

observa a modelagem que o governo federal deu ao DASP, baseando-se na administração

pública norte americana. O Conselho Federal do Serviço Público, órgão precursor do DASP,

segundo a autora, já era ―moldado em linhas semelhantes às da ―Civil Service Comission‖

62

Quando da publicação do artigo, além de outros cursos de aperfeiçoamento em administração pública e

privada no ―Institue of World Affairs‖, Williams College, Massachussets, EUA a autora era ―Oficial

administrativa na Divisão de Organização e Coordenação do DASP‖, especializou-se em Administração Pública

na ―School of Public Affarirs‖ da ―American University, em Washington EUA. Biografia extraída da introdução

ao artigo em questão CP nº 3, maio de 1941. pág. 148.

Page 158: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

156

norte americana....‖. (CP nº 3, maio de 1941. pág. 151).

A autora observa que quando do período em que a administração pública brasileira passava a

ser centralmente organizada pelo DASP o polo irradiador norte americano donde o Brasil iria

inspirar-se para organizar sua administração pública, foi o ―Bureau of de Budget‖ e o

―President’s Commitee on Adminisrative Management‖. (Idem. Págs. 152 e 153).

Por fim conclui apontando os princípios doutrinários seguidos pelo DASP: ―...são da mesma

origem, e nossos administradores têm procurado aqui aproveitar, adaptando-os a nosso meio,

os ensinamentos que a experiência norte americana possa nos oferecer‖. (Idem. Págs. 153).

As políticas de governo estabelecidas pelo Estado Novo podem nos servir de suporte para

reflexão acerca dos princípios a que esta pesquisa se propõe a levantar no que concerne ao

Regime de 37 e suas razões.

A preocupação com a centralidade do poder que implica em uma remodelação do sistema

federativo, a figura do Presidente da República, irão aparecer na reflexão de alguns

colaboradores de CP que trataram objetivamente das políticas concretas do governo Vargas.

A criação do DASP e o esforço do governo com vistas a dotar o país de usinas siderúrgicas

são alguns dos temas que tratados em CP esclarecem a reestruturação do Estado de maneira a

deixar transparecer a funcionalidade do modelo político institucional adotado com Vargas.

Cria-se uma estrutura legal, administrativa, de planejamento e de propaganda com a finalidade

de dar esta funcionalidade ao Estado na busca de seus objetivos e o DASP é um dos pilares

Page 159: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

157

desta construção.

Voltando ao texto de José da Rocha Lagoa, este irá construí-lo no sentido de ressaltar a

centralidade que Vargas dará a questão em oposição a dispersão que o tema vinha conhecendo

até então.

O presidente estaria alçando o Brasil, com a centralidade de seu poder e sua ―...mentalidade

construtiva e realizadora...‖, a um novo patamar na economia mundial fazendo com que o país

abandonasse a ―política de sobremesa‖ – produtor de café, cacau, bananas, concentrando

esforços na criação das bases de uma economia que pudesse dotar-se de comunicação,

transportes, industria naval e possuir um infraestrutura capaz de nos colocar nesse novo

patamar, além de possibilitar ao país o ―... aparelhamento do seu exército e sua marinha‖.

(Idem. Págs. 12 e 14).

Já observamos em Corsi que o Estado Novo não possuiu um programa de modernização da

economia claro com etapas bem definidas. Entretanto deve-se notar - mesmo que não esteja no

escopo desta pesquisa - que as idas e vindas desta modernização no Brasil, do ponto de vista

da economia, deu-se pela falta de recursos a que Vargas teve que lidar no financiamento

daquele processo.

Entretanto o DASP sua criação e o que ele trouxe no sentido de dotar o Estado de um corpo

técnico burocrático profissional marcaria uma nova fase na sociedade nacional, sobretudo na

capacidade do Estado se fazer presente na gestão da economia e na própria vida dos cidadãos.

Outra instituição que marcaria a disposição dos que estavam a frente do Estado brasileiro no

Page 160: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

158

sentido de possibilitar uma inserção na vida nacional foi o Departamento de Imprensa e

Propaganda – DIP. O departamento mereceu destaque dentro das matérias publicadas pela

revista Cultura Política.

O DIP foi sucessor de duas outras experiências relacionadas a intervenção do Estado na

cultura. Antes dele o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural – D.P.D.C. e o

Departamento Nacional de Propaganda – D.N.P., que trataram de maneira reduzida de

questões relacionadas a propaganda do governo e das questões relacionadas ao jornalismo

escrito e das transmissões de rádio.

CP em reportagem realizada em seu número 21 (novembro de 1942 sem autor definido) fez o

inventário da atuação destes órgãos, sobretudo do DIP nos cinco anos do Estado Novo,

observando que o D.P.D.C. passa ser chamar D.N.P. logo após a instauração do regime de 37 e

da ineficiência referida na matéria do D.P.D.C o país passa a ter com o D.N.P. um organismo

agora mais capacitado a fazer a propaganda do Brasil ―no Brasil e fora dele‖.

Além de atuar nesta área o D.N.P. em conjunto com a Agência Nacional - A.N. tratavam de

subsidiar as empresas de jornalismo estrangeiras com o necessário material tanto de

divulgação como de informação acerca do Brasil.

A título de exemplo das atividades da A.N. CP informa que ―Cêrca de doze mil folhas

mimeografadas por semana, contendo noticias e comentarios oportunos sobre o momento

nacional, eram distribuídos a quasi dois mil jornais brasileiros. Simultaneamente, levantado o

cadastro da imprensa estrangeira, iniciou-se a distribuição de artigos, sueltos e pequenas notas

(copyright de nomes destacados das letras e ciencias patrias) para 1.318 jornais do exterior,

número que, em fins de 1938, já ascendia a 2.225, incluindo quasi todo o Continente

Page 161: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

159

americano, muitos países da Europa e até o Japão.‖ (CP – novembro de 1942 – ano II número

21, pág. 170).

Além da imprensa escrita e das transmissões radiofônicas o D.N.P possuía uma subdivisão de

incentivo ao cinema onde também se procedia a censura dos filmes e segundo a reportagem

―...se não tinham alcançado grandes progressos, nem por isso foram menos úteis e dignos de

menção, sobretudo no que respeita à divulgação das coisas brasileiras, dentro e fora do país. A

par da censura que fazia de todos os filmes nacionais, promovia reportagens cinematográficas

em torno de assuntos nossos e iniciou a filmagem de shorts destinados à propaganda turística

do Brasil no exterior‖ (Idem. Pág. 172).

Da necessidade de se ampliar as ações do Estado no âmbito da cultura, propaganda e mesmo o

controle dos conteúdos produzidos pelas mídias da época o Estado Novo cria o DIP.

A descrição que CP faz acerca da criação do DIP merece ser reproduzida tendo em vista que

tratamos nesta pesquisa de uma publicação do próprio Departamento e que ora passaria a ser

descrito e analisado em suas funções:

―Com atribuições idoneas, diretamente subordinado à Presidencia da República. O D.I.P. – tal

como é conhecido no país inteiro – surgiu, então, sob novos e mais amplos moldes, em 27 de

Dezembro de 1939 (decreto-lei nº 1.915) para centralizar, coordenar, orientar e superintender a

propaganda nacional, interna e externa, e servir, permanentemente, como elemento auxiliar de

informação dos Ministerios e entidades públicas e privadas, na parte que interessa à

propaganda nacional, superintender, organizar e fiscalizar os serviços de turismo, interno e

externo; fazer a censura do teatro, do cinema, de funções recreativas e esportivas de qualquer

natureza, da radiodifusão, da literatura social e política e da imprensa, quando a esta forem

Page 162: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

160

cominadas as penalidades previstas por lei; estimular a produção de filmes nacionais e

classificar os de carater educativo e os nacionais para a concessão de premio e favores,

sugerindo ao Governo a isenção ou redução de impostos e taxas federais, além de outras

vantagens especiais para o seu transporte; coordenar e incentivar as relações da imprensa com

os poderes públicos no sentido de maior aproximação da mesma com os fatos que se liguem

aos interesses nacionais; colaborar com a imprensa estrangeira no sentido de evitar que se

divulguem informações nocivas ao crédito e á cultura do país; promover intercambios com

escritores, jornalistas e artistas nacionais e estrangeiros; estimular atividades espirituais,

colaborando com artistas e intelectuais brasileiros,. No sentido de incentivar uma arte e uma

literatura genuinamente brasileiras, podendo, para isso, estabelecer e conceder premios;

incentivar a tradução de livros de autores brasileiros e proibindo a entrada no Brasil de

publicações estrangeiras nocivas aos interesses brasileiros, bem como interditar, dentro do

território nacional, a edição de quaisquer publicações que ofendam ou prejudiquem o crédito

do país e suas instituições, ou a moral; promover, organizar, patrocinar ou auxiliar

manifestações cívicas e festas populares com o intuito patriótico, educativo ou de propaganda

túrística, concertos, conferencias, exposições demonstrativas das atividades do Governo, bem

como mostras de arte de individualidades nacionais e estrangeiras; organizar e dirigir o

programa de radiodifusão oficial do Governo e autorizar, mensalmente a devolução dos

depósitos efetuados pelas empresas jornalísticas para importação de papel para a imprensa,

uma vez demonstrada a seu juízo a eficiencia e a utilidade pública dos jornais ou periódicos

por elas adiministrados ou dirigidos‖. (Idem, pág. 173).

Para cumprir esta gama de atribuições o D.I.P. possuía subdivisões encarregadas de cuidar de

questões específicas. Eram elas: a Divisão de Divulgação destinada ―....a elucidação da

opinião nacional sobre as diretrizes doutrinárias do regime, em defesa da cultura, da unidade

Page 163: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

161

nacional, da unidade espiritual e da civilização brasileira‖ (idem, pág. 174).

A Divisão de Divulgação - conforme informação de C.P. - publicou quando da comemoração

dos dez anos da Revolução de 30 o primeiro volume de Os grandes problemas brasileiros,

publicação que contou com a colaboração de vinte e três escritores e continha a reprodução de

explanações de ministros do Governo Vargas e tratava também de fazer um balanço da

Presidência da República durante o período.

Dentro do escopo pelo qual foi criado a Divisão de Divulgação, informa CP, possuía

profissionais que percorriam o país no sentido de distribuir a produção realizada, além de

realizar outras publicações vinculadas as suas atribuições dentro do espírito de Os grandes

problemas brasileiros.

Havia ainda no D.I.P.: a Divisão de Cinema e Teatro, Divisão de Rádio, Divisão de Imprensa,

Agência Nacional, Divisão de Turismo, Seção de Intercambio Luso-brasileiro e os Serviços de

Administração que cuidava das questões relativas a burocracia necessária ao funcionamento

do D.I.P63

. e suas subdivisões.

63

Estes são mais alguns dados estatísticos divulgados por CP acerca da produção cultural e

propagandística do D.I.P. e que denotam a amplitude de atuação do Departamento: Sobre o Cine-Jornal

Brasileiro, em 1939 foram produzidos 69 jornais e 41 shorts, num total de 110 filmes e 484 reportagens; em 1940

105 filmes e 384 reportagens rendendo 340 e 940 mil réis nos dois anos. A Agência Nacional em 1941 enviou

para o exterior 3. 135 jornais do Rio de Janeiro, o que segundo CP montavam em 13.381 noticias enviadas;

18.123 telegramas informativos ao interior do país, recebendo do exterior 22.639 telegramas informativos, que

depois de traduzidos foram publicados em 1.567 jornais matutinos e em 4.050 vespertinos, foram fornecidas

24.405 fotografias para os jornais do Brasil e do exterior. Quanto ao papel subsidiado pelo Governo Federal a

jornais brasileiros têm-se, segundo CP, que foram distribuídos segundo dados do primeiros quatro meses de

1942, para 6 jornais de Manaus, 4 de Belém, 1 na Paraíba, 7 em Fortaleza, 2 de Natal, 2 de João Pessoa, 6 de

Jaraguá, 6 de Aracaju, 7 em Salvador, 5 em Vitória, 184 no Distrito Federal, 98 em Santos, 1 de São Francisco, 8

de Florianópolis, 14 de Porto Alegre e 3 de Pelotas. Quanto a quantidade de papel disponível em maio de 1942

Page 164: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

162

O D.I.P. assim possuía atribuições que iam além da questão da propaganda do regime e da

censura64

. Estas eram funções do Departamento, que se vinculadas a todo o esforço de

fomento a cultura do país por parte do Estado naquele período nos levará a um melhor

entendimento acerca do D.I.P.

Suas funções estavam substancialmente ligadas à integração cultural do país. A divulgação e

produção de discos, peças de teatro, cinema, programas de rádio não se limitavam a

propaganda do regime. Vargas governava o Brasil, dentro da perspectiva de promover a

cultura com organismos eficientes .

Se pensarmos no tipo de cultura a que o Estado Novo - a qual CP buscou difundir – entendia

como necessária a formação do povo brasileiro, teremos aqui o regime atendo-se a um

conceito de cultura que demonstre nossos costumes e, portanto alheio a uma perspectiva

alienígena de cultura, mas sem despencar em um xenofobismo como vemos no relato de CP

quando trata do tema ao expor as funções da Divisão de radio:

―Com efeito, se o propósito é tornar agradavel a recepção, procurando ao mesmo tempo

educar o gosto do povo, nem por isso se depreende que sejam sufocadas as suas tendencias

naturais, que revelam da alma brasileira. A música folclórica é prestigiada e difundida pela

―Hora do Brasil‖, como são difundidas as produções de valor dos nossos melhores

compositores. Um exemplo do critério que preside a seleção de programas é o fato de o ano

nas alfândegas tinha-se 6.877.487 quilos de papel, sendo 3.379.271 relativos ao Distrito Federal. (Todos os dados

foram retirados textualmente de CP nº 21 – novembro de 1942 págs. 169 a 187). 64

Quanto à censura e os números que CP divulgou acerca do tema veremos em outro tópico desta

pesquisa reservado ao tema ―Repressão Política‖.

Page 165: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

163

passado terem passado pelo microfone oficial – a Orquestra Sinfônica Brasileira, regida pelos

maestros Eugen Szenkar, José Siqueira, Eleazar de Carvalho e outros; orquestras típicas, 82

cantores nacionais, 13 violinistas, 2 violoncelistas e artistas de concerto especializados em

outros instrumentos, bandas militares, o ―Orfeão Carlos Gomes‖, de Blumenau, e númerosos

artistas estrangeiros, tais como Joseph Batista, premio Guiomar Novais nos Estados Unidos, e

os poloneses Miecio Horszonski e Jan Kiepura‖. (Idem, pág. 178 e 179).

Guardadas as devidas proporções o Estado Novo buscou por conta própria plasmar a cultura

brasileira de forma massiva. Solidificar valores que com o aparato do D.I.P. e sua

possibilidade de extensão em todo o país, possibilitaria uma unificação cultural que

contribuiria para o aperfeiçoamento da Nação.

Sem possuir a pujança da indústria cultural norte americana, sem o cinema e outras formas de

mídia tão influentes e capazes de até criarem em muitos aspectos valores e os plasmarem

dentro e fora dos EUA. O Estado Novo - em mais um aspecto da vida nacional - tomou para si

a incumbência de tratar a questão da cultura, da informação e da propaganda de maneira a

também dar conta de uma tarefa que julgava incapaz de ser realizada somente pela iniciativa

da sociedade. Mesmo que a cultura viesse da sociedade e do povo a tarefa de fazer a

propaganda e difundi-la era tarefa do Estado.

Entretanto ao centralizar de maneira autoritária as produções culturais não pode expandir a

criação de maneira a diversificar temas e abordagens acerca da cultura.

Page 166: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

164

4.3 - A centralidade do Executivo Federal

A centralização do poder em torno do Executivo Federal e a profunda alteração no quantum de

autonomia que os Estados da Federação iriam perceber a partir de então é questão cara para o

cotidiano do regime de 37 e tema que de fato interessa a República brasileira, independente da

conjuntura da época.

Se 1930 teve centralização do poder uma de suas causas, o Estado Novo, pelo menos na

perspectiva de Oto Prazeres ,em O Federalismo brasileiro (CP, – abril de 1941 – ano I número

2, págs. 11 a 23) partia da premissa de que as leis e a organização política devem ser mutáveis,

princípio que abriria espaço para as ações do Estado Novo em sua reorganização da estrutura

legal do país notadamente na questão do Federalismo, posto que para o autor era premente a

necessidade de adequá-lo as reais necessidades do país.

Prazeres observa a relevância da questão do federalismo e em sua reflexão aponta que quando

da Constituição de 1934 ―todos estavam de acordo, porém, em dar novas cores ao nosso

federalismo, tornando os Estados menos perturbadores da ação nacional. Muitas das

disposições do ante-projeto entregue à Assembleia Nacional Constituinte demonstram isto à

evidência; mas, repetimos preocupados em fortalecer as garantias dos direitos individuais, não

quiseram, como seria lógico, aumentar a autoridade do Chefe de Estado, receando a repetição

de abusos frequentemente assinalados na vida republicana do país‖. (Idem, pág. 19).

Assim a Constituição de 1934, segundo Prazeres, não deu conta de dar o necessário poder ao

Presidente da República para governar com os Estados da Federação na composição de uma

política nacional, proporcionando assim a certeza de contar com Estados ao planejar e

Page 167: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

165

executar suas ações de governo.

Para o autor, 1937 concretiza o espírito revolucionário de 1930, quando da difusa vontade de

vários revolucionários - que em muitos casos tinham em comum o desejo da revolução - parte

para ação concreta empreendida pelo Estado Novo e sua Constituição, e conclui que ―...a

fisionomia e a ação do Estado, em seguida à uma revolução, resultam da realidade do país, da

sua necessidade político administrativa, das lições que os novos dirigentes vão tendo no

contato com a coisa pública, com as condições da vida da sociedade política em que se institui

a nova orem das coisas‖. (Idem, pág. 23).

Partindo-se da realidade do país e em especial do federalismo, o novo formato da questão na

Constituição de 1937 é, para o autor, capaz de dar ao presidente da república, os instrumentos

legais necessários para que administrativamente possa cuidar dos interesses do país.

A centralização do poder no executivo federal de certo é ponto fundamental da política

estadonovista. As condições e a estrutura institucional para criação e funcionamento da

máquina estatal do regime tem nos interventores e nos departamentos administrativos

regionais a sua configuração.

O editorial da quarta edição de CP em junho de 1941, Brasil e a centralização do governo,

trata de como a administração dos Estados passaram a funcionar após a Constituição de 1937

e em especial após o a edição do Decreto Lei 1202/08/04 de 1932, a Lei Orgânica dos

Estados.

Trata a Lei Orgânica dos Estados de como a relação entre Presidente da República,

Page 168: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

166

Interventores, Departamentos Administrativos Estaduais e municípios irão se estabelecer.

O interventor constituía-se como elo de ligação entre a administração do Estado e o comando

do Presidente da República ―....é um auxiliar imediato dêste último dentro dos Estados, tendo

a sua atividade limitada pelas atribuições especiais que lhe confere a Lei Orgânica‖. (Editorial,

– junho de 1941 – ano I número 4, pág. 5).

Os Departamentos Administrativos, segundo o autor, eram de natureza eminentemente técnica

e tratavam de aprovar leis e orçamentos que o Interventor propusesse. Observa ainda o autor

que tanto o Interventor como os Departamentos Administrativos eram subordinados ao

Presidente da República e ao Ministro da Justiça.

Por fim e de maneira sumária o Editorial assim observa a estrutura da administração pública

brasileira no que tange a relação entre Governo Federal, Estados e Municípios: ―A

centralização administrativa que, em globo, é enfeixada nas mãos do Presidente da República

– sendo o Ministro da Justiça o intermediário entre este e a administração estadual – compete

aos Estados, ao interventor e ao Departamento Administrativo, perante os quais são

diretamente responsáveis os prefeitos.‖ (Idem, pág. 7).

CP não era uma revista de debates ou com pauta previamente proposta por Almir de Andrade

– porém artigos podiam apresentar caráter complementar. Nada de excepcional dado que a

revista se dedicava a assuntos relacionados ao Estado Novo e seus artigos eram previamente

selecionados.

Page 169: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

167

Em junho de 1941 Ulisses Ramalhete Maia e Nelson Werneck Sodré, apresentam, o primeiro a

conjuntura política imediatamente anterior a revolução de 30 e o segundo o arranjo político

articulado com a implantação do Estado Novo.

Em A situação política e econômica do Brasil em 1929 – A causa da revolução de 1930, Maia

retrata, sob o seu ponto de vista, as causas de 1930. Dentre a exposição que compreende a

crise do café, a disputa eleitoral que levaria a eleição de Júlio Prestes, candidato paulista

apoiado pelo então Presidente da República Washington Luiz, o autor comenta a disposição do

governo acerca daquelas eleições: ―...tolher a liberdade de votação num flagrante desrespeito à

soberania popular e à vontade do povo que, de qualquer modo, queria ver modificado a

situação política do Brasil‖. (CP – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 123).

Maia observa que a imposição do Governo Federal de Júlio Prestes como Presidente aliada a

crise econômica que se apresentada, levaria a ―... Aliança Liberal, com auxilio de alguns

militares, a dar o golpe fatal e decisivo de 24 de Outubro de 1930 para a queda definitiva e

final da República Liberal democrática, instituída pela Constituição de 1891 e que imperou no

Brasil durante quase dois quartos de século.‖ (Idem, pág. 122).

O texto de Maia demonstra que havia um descontentamento quanto ao ―profissionalismo

político‖ de então, constituído pelas ―...‖camouflages‖ e fraudes‖ praticadas pelos deputados e

senadores de então e enquanto o Júlio Prestes fazia sua viagem ao exterior para ―confecção de

sua plataforma de governo‖ era fortalecido ―os elos da cadeia revolucionária no seio da

Aliança Liberal‖. (Idem, págs. 122 e 125).

Nelson Werneck Sodré em Um Sentido Político empreenderá uma complementação não

Page 170: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

168

programada ao observar que 1930 e ainda menos 1937 não podem ser confundidos com o

mero jogo da disputa de caciques eleitorais.

O embate que estava posto ―Apesar das verdadeiras ânsias e causas de inquietação política, no

Brasil anterior à revolução, estarem, quase sempre, obscurecidas e mascaradas pelo jogo fácil

e inconseqüente dos problemas de ordem eleitoral, fazendo com que, aos olhos menos

espertos os contrastes de ordem partidária, de simples domínio da coisa pública, parecessem a

própria essência das transformações...‖ não se limitava a apenas ao restrito e já carcomido

embate eleitoral da república Velha. (CP – junho de 1941 – ano I número 4, págs. 151 e 152).

De certo, utilizando-se do raciocínio de Maia, que muitos dos que estavam descontentes, com

a política eleitoral do pré 30 compunham o barco dos que empreenderam a Revolução de 30.

Além dos que viam aquele movimento político como mais uma disputa eleitoral, agora em

uma versão mais acirrada, existiam uma gama de revolucionários, cada grupo com uma

solução política especifica para o movimento.

Todas as divergências que advinham das diversificadas formas de se encarar a ação política

necessária ao país mostravam que, argumenta Werneck, ―O desdobramento da ação

revolucionária, após o termo da fase militar, continuava, mais incerto do que a sorte dos

combates‖. (Idem. Pág. 155).

O processo de integração e a continuidade da marcha revolucionária é - para o autor -

encontrado com, o golpe de 10 de novembro de 1937 e com a visão e o discernimento político

de Vargas ―...doutrinador, aquêle que elaborou o pensamento político mais claro da nossa

Page 171: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

169

existência nacional, e que soube traduzir os anseios revolucionários e executá-los, com

clareza, precisão, conhecimento das necessidades e das características brasileiras...‖.(Idem.

Pág. 159).

Estas ―características brasileiras‖, aludidas pelo autor, estão ligadas a algumas questões

presentes nos textos de autores de CP aqui pesquisados. Na seção O Pensamento político do

Chefe do Govêrno trecho do texto de Getúlio Vargas em A Nova Política do Brasil é

novamente utilizado como mote para o desenvolvimento dos temas tratados nos artigos.

Assim, Silvio Peixoto65

cita Vargas:

―A nova Constituição, colocando a realidade acima dos formalismos jurídicos, guarda

fidelidade às nossas tradições e mantém a coesão nacional, com a paz necessária ao

desenvolvimento orgânico de todas as energias do país‖. (A Nova Política do Brasil, Vol. V,

Pág. 114. citado em CP – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 175).

Em seu artigo Peixoto refaz os caminhos da centralização política no Brasil a fim de

demonstrar que trata-se de expediente político tradicional nos momentos históricos em que o

país se viu ameaçado em sua unidade.

Seu primeiro relato remonta a independência e a atuação de José Bonifácio junto a D. Pedro

com vistas a unificar as províncias que por ordem da Corte deveriam passar a se reportar

exclusivamente a ela. A convocação do ―Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do

Brasil,... foi feito por decreto em 16 de fevereiro de 1882‖, fazendo assim com que as

65

Silvio Peixoto foi historiador e autor de No Tempo de Floriano (Rio, 1941) e Aspectos históricos do

Estado Novo (Rio, 1940) dentre outros. Extraído de CP – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 175.

Page 172: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

170

províncias se reunificassem agora em torno de D. Pedro. (Idem, pág. 178).

Além da questão das províncias o autor destaca a derrocada de movimentos que explodem

durante o período da Regência (1831 a 1840) como afirmação da unidade nacional.

Cabanada (1832 a 1835), Farrapos (1835 a 1845 – ultrapassando o período Regencial),

Sabinada (1837 a 1938), Setembrada (1831) influenciadas, segundo o autor, pelas ideias de

federalismo republicano da Confederação do Equador, são tidos por Peixoto como subversivos

dado que estava em jogo a ―sobrevivência e perpetuidade nacionais‖ (Idem. Pág. 182).

O autor coloca como marco aquele período, onde se delineou a oposição entre ―duas

correntes: uma nitidamente objetiva, enquanto a outra debatia-se, generosa, mas

romanticamente, no empirismo vago das soluções subjetivas‖ (Idem, pág. 181).

Passa então ao período da proclamação da República e vê em Deodoro da Fonseca a liderança

que manteve o ―princípio da centralização do poder‖ e garantiu a unidade do país e à

República tanto contra os que pensavam na volta a monarquia quanto contra os que

praticavam ―excessos e desmandos ideológicos‖, ou seja, os que desejavam uma república

mais popular.

O corolário de sua proposição acerca da tradição do princípio da unidade nacional esta em que

―As coincidências entre o Generalíssimo e o nosso atual Chefe de Governo, são de ordem

histórica, e mais do que isso, inspiram-se nas razões profundas das tradições políticas do

Brasil‖. (Idem, pág. 187).

Page 173: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

171

A centralização aparece então como elemento da tradição política brasileira capaz de levar o

país às suas maiores realizações. Dentro desta tradição desponta a figura de um condutor

sensível e capaz de empreender a centralização. Vargas era então - naquele momento - o

político que encarnaria a tradição unificando as diversas vontades surgidas com a Revolução

de 30 em uma ação política eficaz no sentido de suprir as necessidades da Nação.

4.4 – Repressão política

Formar o que seria a perspectiva da revista no tocante à repressão política no Estado Novo é

uma tarefa que se torna difícil. O fato é que há poucas menções sobre a questão o que fez com

que compuséssemos esta temática não pelo que autores ou a revista entendiam como tal, mas

o que entendemos ser demonstrações do fenômeno.

Isso demonstra não incongruência e impossibilidade de se fazer uma leitura do que foi o

regime através das páginas de CP, mas o fato de que a questão não seria palatável,

provavelmente, em uma revista de cultura e política.

Sem outros autores que se debruçassem sobre a questão tivemos que nos ater somente a um

colaborador de CP, que refletindo sobre sua concepção de representação política discorreu

sobre a violência como forma de castigar e controlar adversários.

Até aqui este levantamento mostrou que pensamentos políticos podem diferenciar-se, mas

guardam consigo, em sua maioria, a racionalidade reivindicada pelo pensamento político

autoritário e abordam as formas pelas quais se daria a organização política nacional e mesmo a

Page 174: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

172

representação política.

Uma visão própria de enfrentamento de adversários e participação na vida política é

apresentada por Deodato de Morais66

. Visão que demonstra uma construção que se desloca da

racionalidade dos demais autoritários, mas que não se distanciou de uma das práticas do

regime.

Em sua receita quanto aos que investiram ou investissem contra o regime entende que ―...essas

investidas audaciosas merecem a execração pública e o povo deve apelar, pelos seus legítimos

órgãos de representação, para o castigo eficiente e exemplar dos culpados‖. (Idem. Pág. 18).

Morais adota a perspectiva de que a coletividade transfere ao Presidente da República a sua

soberania. Passa a haver nesta perspectiva um mandato concedido de forma tácita pelo povo

ao Chefe da Nação.

―Depositando a coletividade no Chefe da Nação a sua própria soberania, O Estado torna-se,

por este consentimento público, a única autoridade incumbida de dirigir e orientar todas as

fôrças vivas nacionais sob suas ocultas, porém, legitimas aspirações‖. (CP, – junho de 1941 –

ano I número 5, pág. 19).

E se o povo tacitamente depositou a sua soberania no Estado o castigo exemplar fica a cargo

dos que estão a testa do Estado. Assim – para o autor - estaria feita a justificativa que tornaria

66

Professor de pedagogia e psicologia experimental na escola Normal de São Paulo, membro do Instituto

Brasileiro de Cultura, técnico e chefe do 10º Distrito Educacional da Prefeitura do Distrito Federal. Extraído de

(CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 15).

Page 175: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

173

a violência exacerbada algo consentido pelo povo.

Feita no primeiro capítulo desta pesquisa, a análise sobre as repressões a movimentos políticos

que na concepção do Regime de 37 eram passíveis de serem aniquilados, demonstra-se que a

opinião de Morais sobre a questão não é de maneira alguma incongruente em relação a prática

do regime.

Se Morais tratou de embasar as razões da repressão física a opositores é interessante que

apontemos alguns números citados por CP acerca do cerceamento da opinião e da cultura que

não se enquadravam aos cânones do regime.

Na já citada reportagem de CP - A imprensa e a propaganda no quinquênio de 1937 -1942,

além da estrutura do DIP e suas funções de propaganda e fomento a cultura é reportada a

questão da censura de maneira a colocá-la como coisa corriqueira sem maiores implicações,

não se dando relevância ao cerceamento a liberdade de opinião.

Alguns dados são citados pela revista e nos permitem alguma noção acerca da quantidade de

peças, filmes e demais veículos censurados pelo regime:

―Nos filmes submetidos ao julgamento do DIP, fizeram-se 66 cortes de legenda e de 104

cenas, equivalentes, respectivamente, a 412 a 1095 metros‖ (1940)

―Se em 1940 foram aprovados 4.576 programas de teatros, no ano passado a quantidade foi de

9.994. No mesmo período foram examinadas, censuradas e aprovadas 323 peças teatrais,

contra 204, em 1940. Nas peças interditadas há diferença de 9 para 10, no ano passado‖

Page 176: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

174

Sobre a censura ao rádio informa CP : ―Foram proibidos 44 programas em 1941, contra 108

no ano anterior, o que demonstra a eficácia da ação do DIP na campanha que vem exercendo

com essa sua fiscalização, escoimando vícios e defeitos de que tais programas viviam

inçados‖.

Sobre publicações impressas informa que: ―...2.270 publicações diversas em todo país, entre

jornais, revistas, boletins, folhetos de propaganda e etc.........não obtiveram registro 645

publicações diversas, desta capital e dos Estados‖. (dados – que segundo CP - se reportam a

1940 até julho de 1942).

E finaliza com o que seria o intuito desta tarefa do DIP e em especial do Conselho de

Imprensa:

―A par desse labor, o Conselho interveio em diversos casos de jornais ou revistas que

desenvolveram atividades contrarias ao regime, à ordem ou às instituições ou, ainda, que

incorreram nas sanções dos dispositivos que regem a ética profissional. Alguns desses órgãos

forma suspensos e outros tiveram os seus registros cancelados‖. (CP, – novembro de 1942 –

ano II número 21, págs. 177, 180 e 181).

Quase inexistente nas páginas da publicação dirigida por Almir de Andrade, a repressão a

adversários políticos e a censura sistemática ao jornalismo e a manifestações culturais tidas

como impróprias pelo regime aparecem em matérias em que a abordagem do autor ou a

perspectiva da revista não era a de abordar diretamente a questão. Porém na formação do que

foi o ideário político do Estado Novo esta faceta do regime deve ser realçada, mesmo que não

Page 177: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

175

tenha merecido destaque em CP.

4.5 - O Fim do Estado Novo e de Cultura Política: Revista Mensal de Estudos Brasileiros

Passando pelas matérias publicadas durante os anos em que a revista foi editada em nenhum

momento ocorreram críticas a estrutura de poder estabelecida com o regime político

instaurado por Vargas ou a políticas adotadas pelo Presidente.

Não há em absoluto nenhuma descoberta nesta afirmação, dado que mesmo contando com boa

qualidade a revista foi uma edição capitaneada pelo DIP, pelo menos durante a existência do

Departamento67

.

Entretanto há a partir da leitura de alguns artigos a preocupação de CP em responder a críticas

que vinham de fora da revista proferidas por vozes dissonantes a engenharia política criada

pelo regime de 1937 e a Vargas.

Almir de Andrade trata de defender o regime ao analisar o impacto que a Segunda Guerra

Mundial traz as políticas externas dos países e a estrutura política interna.

Crê que as crises oriundas e o impacto que a guerra traz aos países e suas populações causam

e causaram alterações nas formas de governo das sociedades.

67

Além dos 50 números vinculados ao Departamento de Imprensa e Propaganda, houve mais 3 edições da

revista após o fim do DIP em maio de 1945.

Page 178: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

176

Mas já em respostas aos que anteviam alterações na política interna do país pensando em

mudança de regime e o restabelecimento da representação política com eleições nos moldes

anteriores a 1930 e, sobretudo 37, adverte: ―Nada mais ingênuo do que julgar-se que o triunfo

das democracias, nesta guerra, acarretará o retorno às velhas fórmulas do liberalismo político,

à onipotência legislativa das câmaras populares, ao ―governo de partidos‖ e a todo o

maquinismo demagógico do antigo regime‖. (CP, – outubro de 1943 – ano III número 33, pág.

32).

No texto A Economia Corporativa, sem citar exatamente quais eram os opositores, Djacir

Meneses,68

após analisar o contexto econômico do período conclui que a economia da

competição havia se exaurido dada a concentração da produção com a tendência a ―fusão das

empresas‖.

Observa que como consequência da concentração da economia o Estado poderia gerir a

economia e a organização corporativa em substituição a competição entre capital e trabalho,

papel que o Estado Novo estaria dando conta de desempenhar tendo a frente a figura de

Vargas.

Porém alerta que ―A receptividade das massas apreende e sente as diretivas da nova política

em consonância com os grandes interesses coletivos. Mas sua percepção é deformada por

elementos oriundos das antigas situações em desagregação, que insinuam o descrédito em

nome de um liberalismo suficientemente falido. As instituições nascentes sofrem a campanha

sutilmente derrotista de incompreensão ou má-fé, criando uma atmosfera que não condiz com

68

Professor interino da Faculdade Nacional de Filosofia. Diretor da faculdade de Ciências Econômicas do

Ceará. Catedrático da Faculdade de Direito do Ceará. Citação de biografia que antecede o artigo em questão.

Page 179: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

177

o sentir da verdadeira nação‖. (CP, – outubro de 1943 – ano III número 33, pág. 100).

A Guerra cria no país ambiente propicio ao questionamento do regime político instalado em

30 e em especial ao Estado Novo.

Se o clamor por democracia dos críticos do regime eram sentimentos efetivamente ligados a

preocupação com a liberdade ou - como apontavam os aliados do regime de Vargas - pura

aglutinação de interesses de grupos políticos ligados a interesses regionalistas e antipopulares

ou - utilizando-se de termo literalmente extraído de CP - de políticos que buscam apenas

―interesses subalternos‖ e ―vantagens individuais‖, isto é outra questão. (CP, – julho de 1941 –

ano I número 5, pág. 190).

Provavelmente o jogo político democrático, sobretudo no Brasil foi e ainda é o misto de

―interesses subalternos‖, ―vantagens individuais‖ e preocupação com o bem estar social e com

a liberdade política. (CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 190).

Não há em política pureza de sentimentos, mas o fato é que o clima engendrado entre aliados

– muitos regidos por regimes democráticos, sobretudo os EUA - que combatiam inimigos

cujos principais protagonistas eram regidos por regimes totalitários, deu margem ao

questionamento a um regime ditatorial como o estabelecido em 37.

Na seção O Pensamento do Presidente, são analisados pela revista, sem identificação do autor

do texto, três discursos de Vargas.

Na introdução às análises dos pronunciamentos do Presidente, CP deixa novamente

Page 180: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

178

transparecer as críticas ao regime que desta vez aparecem, na concepção da publicação do

DIP, como oriundas de grupos que buscavam a desestabilização do regime.

Aponta a revista ao reproduzir a opinião de Vargas que ―Ainda agora, depois de denunciar a

existência de elementos perturbadores, empenhados em sabotar o esforço bélico que absorve

todas as atividades do país, elementos que, abusando da liberdade de que gozam, mesmo sob

as leis de guerra, procuram espalhar a desconfiança, criar dissídios e intranqüilizar as

populações laboriosas, numa campanha derrotista feita contra a administração, visando

desprestigiar as personalidades que servem o Brasil, e atinge até as gloriosas Forças

Armadas‖. (CP, – fevereiro de 1944 – ano IV número 37, pág. 21).

Penúltimo ano do regime as criticas afloram e a defesa e a própria réplica aos liberais

aparecem na revista dirigida por Almir de Andrade.

O inimigo número um do regime começa a tomar vulto na sociedade e o fantasma do

liberalismo vai aos poucos dando suas caras para preocupação dos partidários do regime.

Para os colaboradores de CP esta preocupação começaria a se fazer presente em textos como o

de Leopoldo Peres, mesmo que subliminarmente.

Aos liberais, responde Peres: ―Iludem-se, nada obstante, esses ingênuos e obstinados

saudosistas, quando supõem e insinuam à sorrelfa que o Brasil, para assentar-se com altivez

ao lado das nações democráticas à mesa da paz, como ao lado delas ora varonilmente aparece

no esforço de guerra, precisará regredir aos velhos quadros políticos, de que se desgrilhoou

apenas em tempo de não perecer; e assim, terá de refundir o plano atual das suas instituições,

Page 181: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

179

para se ajustar, de novo, ao figurino vieux regime da liberal democracia.‖ (CP, – março de

1944 – ano IV número 38, pág. 14).

E em seguida complementa: ―É tola e vazia de sentido a atoarda desses profetas‖. (Idem. Pág.

14)

Nem tola, nem vazia e muito menos um simples boato. Fato é que já no final de 1944 os

partidários da democracia liberal já se articulavam em torno da União Democrática Nacional –

UDN. Como observa Skidmore, quando do final da Segunda Guerra Mundial ―...à medida que

a maré montante da vitória aliada tornava a redemocratização uma esperança palpável, os

constitucionalistas liberais organizaram um novo movimento político...‖ (Skidmore, 1979;

pág. 83).

Fato é também que o enfraquecimento político de Vargas, ao que tange ao apoio político dos

militares, constituía-se como real causa do começo do fim do Estado Novo e da deposição de

Vargas em 29 de outubro e a ida para São Borja no Rio Grande do Sul em 30 de outubro de

1945.

Ainda segundo Skidmore, Vargas receberia em 1944 relatórios em que oficiais ―...que

lutavam lado a lado com o 5º Exército Americano, na Itália‖ criticavam a falta de democracia

inerente ao Estado Novo, sendo que anteriormente ao recebimento dos relatórios em ―...10 de

novembro de 1943 ....Vargas falou a nação e prometeu que, depois da guerra‖ a democracia

liberal – fazendo uso da denominação corrente em CP e não das palavras de Vargas - seria

retomada. (idem. Pág. 72).

Page 182: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

180

A conjuntura política estava em franca modificação. Em abril de 1945 Vargas concede anistia

aos presos políticos e Luís Carlos Prestes retoma a sua vida política como militante e líder do

Partido Comunista Brasileiro.

Em franco embate político, conforme observa Hélio Silva, Vargas ―...arranca a bandeira da

anistia das mãos da oposição, contemplando os culpados de crime de injúria ao poder público.

Liberta democratas, integralistas e comunistas, inclusive Luís Carlos Prestes. A 3 de outubro,

recebendo uma manifestação queremista, no palácio Guanabara, solenemente afirma, que não

será candidato‖ (Silva. 1980. pág. 64).

Antes disto, em 28 de fevereiro de 1945 uma emenda a constituição69

de 37 previa eleições

diretas. O Brigadeiro Eduardo Gomes é o candidato da UDN e o Partido Social Democrático –

PSB fundado naquele ano – lança a candidatura do General Dutra. Sobre o PSB e sua

organização enquanto partido que apóia a candidatura de Dutra temos que ―A direção vinha de

cima, já que Vargas supervisionava pessoalmente a organização do PSB, de maneira a apoiar a

candidatura oficial de Dutra‖ (Idem. Pág. 81).

A conjuntura política internacional com a iminência da vitória dos aliados e a consolidação

desta vitória em conjunto com a política interna vão influir de maneira decisiva nas matérias

que passariam a compor as páginas de Cultura Política e mais do que isso iniciarão o começo

do fim da publicação dirigida por Almir de Andrade e capitaneada pelo DIP.

A partir da matéria de Leopoldo Peres as colaborações que se debruçavam sobre as questões

69

O estudo encomendado por Vargas a Secretaria da Presidência da República que previa a elaboração da

emenda constitucional será analisado nesta pesquisa.

Page 183: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

181

da política do Brasil, tal qual analisamos nos tópicos anteriores deste e do terceiro capítulo,

escasseiam-se. Duas colaborações de Paulo Augusto de Figueiredo70

ainda irão – de maneira

mais relevante - analisar o Estado Novo ainda de uma perspectiva em que o futuro seria

possível sob a égide das concepções que nesta pesquisa já levantamos sobre o que o autor

entende como o ideal de Estado.

As outras temáticas da revista continuam a ser tratadas de maneira habitual. Há entre maio de

1944 quando da edição de número 40 de CP até janeiro de 1945 na edição de número 48 a

incidência de 4 matérias acerca do tema leis trabalhistas ou organização sindical temas que

demonstram a revista procurando relatar questões que fazem parte do universo do Estado

Novo e em especial sobre a evolução que o regime de 37 trouxe a organização dos

trabalhadores e a legislação que cuida da organização do trabalho.

A matéria de Vicente Umberlino de Souza71

, Novos Rumos do Sindicalismo, editada em maio

de 1944 no número 40 de CP, faz um apanhado da organização do trabalho efetuada pela

Constituição de 37 e observa de maneira positiva a nova situação criada pela legislação criada

no governo Vargas:

― A criação da Justiça do Trabalho, a proscrição constitucional das greves, tanto de

70

As matérias em questão são: O Estado Nacional e a Ordem Social Futura CP nº 39 de abril de 1944 e

Todo Estado Real é Nacional CP nº 43 de agosto de 1944. Em seu número 43 em agosto de 1944 a revista faz um

balanço intitulado Dois anos de guerra (De agosto de 1942 a agosto de 1944) em que faz um balanço do esforço

de guerra no Brasil sob a batuta de Vargas. O rompimento com os países do Eixo, a organização dos serviços de

retaguarda, a Força Aérea Brasileira, a mobilização da população, as bases em Natal, a economia nacional em

tempos de guerra são as questões levantadas nesta reportagem em que não há especificação de autor. 71

Na época da edição desta matéria o autor era Diretor de Divisão de Organização e Assistência Sindical

do Ministério do Trabalho.

Page 184: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

182

empregados como de patrões (lock out), consolidaram a nova política de reerguer e dar outro

norte aos sindicatos. Tornavam-se assim as instituições sindicais órgãos colaboradores do

Poder Público, depositários da vontade de uma classe, escudos do interêsse das diversas

categorias profissionais‖. (CP. nº 40. maio de 1944. págs. 38 e 39).

Eis então uma sinopse do que o Estado Novo pretendeu organizar - obtendo razoável sucesso -

na relação dos trabalhadores com o Estado e com o capital. O autor aponta para um

sindicalismo que não busca o embate com o Estado e tampouco entre classes sociais. É o

trabalhador - organizado em seu sindicato atrelado ao Estado - um colaborador na construção

do ordenamento social e da nação.

Como começo da transformação de sua linha editorial – no que tange as matérias sobre

política - acreditamos que a revista passa a não mais dar ênfase a organização política da

sociedade tal qual fazia em números anteriores em que o regime não se encontrava na

berlinda. Matérias desta natureza aos poucos vão desaparecendo da revista tal qual vimos ao

apontar as últimas matérias de Paulo Augusto de Figueiredo sobre o tema.

Porém com colaborações que retratam a organização sindical nos moldes traçados pelo Estado

Novo e principalmente ao valorizar a estrutura criada pelo regime que teve Vargas a sua

frente, busca elencar os feitos do regime criando um somatório de valores positivos do regime

de 37, mesmo que a democracia chamada de maneira depreciativa por CP de liberal estivesse

de voltando.

Dada a conjuntura e a própria direção que era dada a política Cultura Política não pode deixar

de editar matérias que se configuravam como um anti-discurso daquilo que em termos

Page 185: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

183

políticos e crítica ao que chamava de democracia liberal havia feito desde março de 1941.

Em janeiro de 1945 CP publica a primeira matéria que efetivamente demonstra a mudança de

rumos políticos do país e, por conseguinte uma necessária alteração no conteúdo da

publicação do DIP no tocante a matérias que abordariam a política nacional. Trata-se na

verdade de transcrição na integra de discurso do Presidente da República proferido em 31 de

dezembro de 1944 em almoço oferecido por militares a Vargas.

Afora o levantamento de Vargas acerca da colaboração do Exército, Marinha e Aeronáutica no

tocante às tarefas de construção do país durante os anos em que esteve à frente da Presidência

da República e do levantamento que faz dos avanços conseguidos na siderurgia, transportes,

fabricação de aviões e ―reaparelhamento material‖ das forças armadas, fará também menção a

conjuntura política interna do país e ao que já vislumbrava para um futuro próximo.

―Os problemas de organização política estão naturalmente condicionados à evolução das

circunstâncias internas e externas e hão de ser resolvidas a seu tempo. A agitação prematura,

as perturbações demagógicas, as ameaças à tranqüilidade pública, só poderão servir para

dificultar o bom entendimento de tôdas as correntes e matizes de opinião‖ (CP. nº 48. janeiro

de 1945. pág. 13).

Mais adiante apontaria para o que - se estivéssemos em um jogo de xadrez – seria uma

situação de cheque para a revista Cultura Política, ao mencionar que para efetuar um processo

de ―....evolução gradual, sob o império da lei e da ordem.......todos os esforços serão feitos de

forma a conseguirmos o ambiente pacífico necessário à complementação constitucional, que

se efetuará brevemente em moldes de ampla e livre consulta à opinião‖ (Idem. Pág. 13).

Page 186: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

184

Se Vargas teve que se curvar a realidade CP também deveria. A democracia representativa

constituída pelo voto direto dos cidadãos estava batendo à porta. Restava à revista adaptar-se-

mesmo que a fórceps - à nova conjuntura política do país.

Assim é que em fevereiro de 1945 CP transcreve estudo acerca da revisão constitucional a que

Vargas havia incumbido a Secretaria da Presidência da República a elaboração.

Em uma frase o estudo em questão, entregue ao Presidente em 22 de fevereiro de 1945 em

Petrópolis, procurará fundamentar a mudança de rumos do país sem que os quinze anos

anteriores e principalmente o Estado Novo não soassem como antagônicos ao futuro político

que viria:

―Seja-nos permitido aqui repetir o conceito de Rui Barbosa, de que o primeiro de todos os

princípios é o da relatividade prática da aplicação dêles à variedade infinita das circunstâncias

dominantes.

Acresce ainda que ninguém ignora o permanente interêsse com que o alto e compreensivo

espírito de Vossa Excelência tem procurado atender aos anseios da opinião e às conveniências

do país‖ (CP. nº 49. fevereiro de 1945. pág. XII).

Sem considerar que haja a necessidade da elaboração de nova constituição e contando com

longa consideração acerca da conjuntura política do pós-guerra - sem deixar de levantar as

realizações de Vargas - o texto elaborado pela Secretaria da Presidência da República procura

demonstrar a necessidade de uma reforma constitucional no que tange principalmente ao tema

representação política e - ao considerar o formato previsto para eleições tal qual determinado

Page 187: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

185

na Constituição de 37, afirma:

―No sistema adotado pela Constituição, a qualidade de eleitor não resulta, em todos os casos,

de uma delegação direta do povo, mas da circunstância de pertencer o eleitor a determinada

categoria política ou econômica. A influência do povo na constituição dos órgãos supremos do

Estado é assim remota e mesmo os eleitores escolhidos por sufrágio direto, como, por

exemplo, os vereadores, êstes próprios, no momento em que vão dar seu voto na eleição

indireta, não oferecem segura garantia de que ainda representam a opinião pública, no que

tange à escolha de que vão participar, por não terem sido eleitos para êsse expresso e único

fim.

Tôdas estas considerações denotam a conveniência de restabelecer-se o sufrágio direto para

eleição do Presidente da República, da Câmara dos Deputados, do Conselho Federal, dos

Governadores e das Assembléias Legislativas estaduais. (Idem. Pág. XI).

Em maio de 1945, Cultura Política vai as bancas de jornais pela última vez ainda vinculada ao

DIP. O Departamento seria extinto naquele mês, sendo que o último número da revista -

número 50 - seria referente aos meses de março, abril e maio de 45, ou seja, pela primeira vez

desde seu lançamento em março de 1941 a revista deixou de manter a característica de

publicação mensal72

.

Porém o último número de CP ainda como publicação do DIP apontou para algumas questões

que diziam respeito ao futuro político do país e a própria carreira política de Vargas após o

72

A única exceção seria agosto de 1943, quando além do número 30 lançou a Edição Extraordinária – O

Brasil na Guerra – número 31 que fez um balanço da participação do Brasil da Segunda Guerra, o que

demonstrava na época não sinal de crise, mas de força de CP.

Page 188: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

186

Estado Novo.

É neste número publicada a integra da reforma constitucional que iria permitir eleições gerais

no Brasil. Trata-se da Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945. A revista também

iria publicar no mesmo número o anteprojeto da Lei Eleitoral que embasaria as eleições

previstas na reforma constitucional.

Na abertura desta publicação de CP duas matérias que tratam do Presidente da República

chamam a atenção. Uma delas O 19 de Abril faz referência ao aniversario de Vargas. CP

enaltece a personalidade do homem e do político Getúlio Vargas, destacando em especial o

que seria a marca do político gaúcho: sua vinculação com os trabalhadores.

A respeito de Vargas CP observa o quanto ―Eram antigas as aspirações mínimas, nunca

conseguidas, antes postergadas, da grande massa de trabalhadores brasileiros. Aspiravam a um

pouco mais de justiça, a um pouco mais de confôrto, queriam, enfim, um lugar ao sol‖. E

observa em seguida a obra de Vargas ao comentar: ―O grande sôpro vivificador que haveria de

animar o monumento que são as leis de amparo ao trabalhador, somente poderia ser dado a

partir dêsse ano73

. Foi pois, na vigência do seu governo, que o Presidente Vargas conseguiu

codificar as leis que regulam o Trabalho‖. (CP. março/abril/maio de 1945. nº 50. págs. 7 e 8).

Era momento de transição para Vargas, para o Brasil e para revista Cultura Política. Dos dois

discursos de Vargas transcritos por CP em seu número 50, temos que ambos apontam para a

conjuntura política marcada pelos últimos meses do Estado Novo e o período democrático que

73

O trecho se refere a Revolução de 1930.

Page 189: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

187

se aproximava. Uma conjuntura em que Vargas e Cultura Política buscavam se apresentar

como partidários da democracia do voto direto.

E é da imagem que Vargas construiu durante o Estado Novo e que pretendia perpetuar que

advém um dos seus discursos reproduzidos por CP.

Em 1º de maio de 1945 Vargas proferiu discurso aos trabalhadores no estádio do Vasco da

Gama no Rio de Janeiro. Pronunciamento que além da reprodução integral feita por CP contou

com transmissão radiofônica para todo país.

Em seu discurso se coloca ao lado dos trabalhadores no processo de construção do país.

Disserta sobre os feitos da Revolução de 30 – considerando o período de 30 a 45 como

oriundos daquele movimento – fala acerca das melhores condições a que o trabalhador passou

a vivenciar, critica a oposição ―negativista‖, os ―golpista e reacionários‖, fala da morte do

nazi-fascismo e da campanha do Brasil na Segunda Guerra.

E observa que ―A candidatura do General Eurico Gaspar Dutra, chefe militar com assinalados

serviços à defesa nacional, merece a confiança da Nação e já reúne a maioria das suas forças

políticas‖. (Idem. Pág. 20).

Ainda no mesmo discurso se compromete a transmitir o cargo ao próximo presidente que seria

eleito e que garantiria a ordem necessária para a realização das eleições. Informava ainda aos

ouvintes que se recolheria a vida privada após a transmissão do cargo.

―Já fiz a minha parte na grande tarefa de mobilizar, para o engradecimento comum, as forças

criadoras da nacionalidade. Ultimada a recomposição política e reajustados os quadros

Page 190: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

188

governamentais, retornarei às atividades de simples cidadão, recolhendo-me à vida privada‖.

(Idem. Pág. 15).

Os últimos números de CP - ainda vinculada ao DIP - demonstram esforço da publicação em

acompanhar a guinada que a política nacional sofria. Além de relatar as ações de Vargas no

sentido de retornar o país à democracia política, mantém a imagem do Presidente da

República como o estadista que empreendeu as mudanças advindas da Revolução de 30 e que

se manteve do lado do povo, ressaltando o vínculo de Vargas com os trabalhadores. E o faz

abrindo o espaço de costume a fala de Getúlio.

Este processo que se dá desde os primeiros sinais de que o regime perdia a sua força até a

saída de Vargas da Presidência da República continuarão a influenciar nos destinos da

publicação de Almir de Andrade.

Em agosto de 1945 Cultura Política voltaria as bancas no que seu Diretor Almir de Andrade

chamou em editorial de “Cultura Política” em sua nova fase. No editorial Andrade faz um

balanço positivo dos 50 números anteriores e observa a importância que a revista passou a ter

após os anos em que foi as bancas.

Observando que a revista passou a ser fonte para pesquisadores nacionais e estrangeiros,

salienta que ―Cultura Política é hoje conhecida lida e procurada em mais de uma centena de

bibliotecas e de universidades americanas – como poderá verificar pela consulta aos seus

boletins bibliográficos e aos Handbooks editados nos Estados Unidos.‖ (CP. agosto de 1945.

nº 51. pág. 6).

Page 191: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

189

Quanto a linha editorial Andrade afirma que será a mesma e para corroborar sua colocação

transcreve as primeiras páginas do exemplar de número 1 da revista, onde na época a revista

discorria sobre a noção de cultura e política que embasaria Cultura Política.

Relendo o conceito elaborado por CP - após conhecermos a trajetória da revista - notamos que

ele se presta enquanto texto a conjunturas diversas.

O conceito de democracia e suas instituições políticas que apresenta, em alguns pontos, aponta

para um regime que flutuaria conforme o momento histórico como quando afirma:

―Não podemos forçar transformações prematuras, nem precipitar acontecimentos que ainda

não chegaram à completa maturidade. Por outros termos, o arbítrio humano não pode

modificar o que, por qualquer causa, ainda não é socialmente modificável.

Mas também não podemos impedir que as instituições se modifiquem e renovem, quando a

sua própria história indica um novo rumo, quando a própria vida impõe novas tendências

adaptativas e novas diretrizes para o futuro‖ (CP. março de 1941. nº 1. pág. 5).

Porém em outros pontos do texto a esperança no que viria com o Estado Novo fica clara e se

distancia do momento político que chegava com a republicação em 1945 do editorial de

abertura de CP de 1941:

―A democracia moderna não pode se desligar da grande crise social e econômica do mundo.

De um mundo que clama por novas soluções, que nos arrasta, a passos de gigante, para o

limiar de uma nova era – em que novas formas de vida e de organização social virão substituir

as antigas, que já cumpriram a sua missão.

Page 192: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

190

O verdadeiro ideal democrático impõe uma aproximação cada vez maior entre o govêrno e o

povo, entre o Estado e o homem comum – afim de que possa aquêle servir, não mèramente a

fins políticos, mas essencialmente à cultura, à alegria, ao bem-estar, à felicidade de todos e de

cada um em particular‖ (Idem. Pág. 7).

É, portanto com esta ambiguidade que CP voltaria às bancas. Porém, como a própria

Secretaria da Presidência da República fundamentaria a flexibilidade que alguns conceitos

podem ter em razão da conjuntura ao utilizar-se de frase de Rui Barbosa, CP também parte

para sua ―nova fase‖.

Coerente com a trajetória que caberia a parte dos partidários do regime CP publica O

programa do Partido Social Democrático. Segundo a introdução que faz dos catorze capítulos

do programa do P.S.D. a revista neste editorial sem especificação de autor vê que ―...pela

forma humana com quês e ocupa dos interêsses nacionais, pela visão segura com que aponta e

promete solucionar os principais problemas do país, representa uma peça de relevante

significado na história da nossa vida republicana, afirmando-se ainda como um documento

oportuníssimo nessa fase de pronunciamentos eleitorais em que se acha empenhada a opinião

brasileira‖. (CP. agosto de 1945. nº 51. pág. 6).

Apesar de não apresentar o programa do Partido Trabalhista Brasileiro da mesma forma com

que havia feito em agosto de 45 ao dedicar editorial ao programa do P.S.D. CP publica em

setembro de 1945 em seu número 52 o editorial O Brasil e o Programa do Partido Trabalhista

Inglês.

Com este editorial e a cobertura que fez acerca do programa do P.S.D. CP ao mesmo tempo

Page 193: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

191

em que demonstra que efetivamente está em nova fase. Apóia o partido que lança a

candidatura de Dutra e aponta para a outra força político partidária que surgiria no Brasil, o

trabalhismo.

Em suma procura novamente ressonância com a conjuntura política do país buscando refletir

que o momento é - tal qual Vargas entende ao proferir discurso em 7 de setembro de 1945 -

outro em relação àqueles das eleições de antes de 1930:

―O povo brasileiro possui hoje uma mentalidade política bem diferente da que imperava nas

antigas campanhas eleitorais. Sabe o que quer e há de decidir por si mesmo na hora de votar.

Para tanto, não lhe faltarão garantias e a liberdade de escolher entre os que forem dignos de

sua confiança‖ (Discurso reproduzido por Hélio Silva em O pensamento político de Vargas.

Coleção Pensamento Político Brasileiro vol. 1 . L&PM editores. 1980. pág. 65)

O tempo era outro e CP procurou participar do embate político que as novas ações do governo

Vargas suscitavam. A nova fase que o país começava a adentrar voltaria a ser marcada pelo

conflito permanente. Nada incomum dado que se pretendia voltar à democracia.

Assim é que se configuram os editoriais dos números 51 e 52 de CP. Respectivamente

intitulados A Luta Anti-Truste publicado em agosto de 1945 e A Luta Anti-Truste no Brasil e

nos Estados Unidos publicado em setembro de 1945, que tratam do decreto lei 7.666, de 22 de

junho de 1945 e procuram demonstrar a necessidade de se criar uma legislação no Brasil, tal

qual os EUA criaram basicamente com a ―Lei Sherman – Federal Anti-Trust Act de 1890.‖

(CP. agosto de 1945. ano V. nº 51. pág. 57)

Page 194: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

192

Observa o editorial do número 51 de CP, que apesar das falhas da legislação norte americana,

o decreto lei 7.666 seria inspirado na legislação dos EUA, embora potencialmente mais eficaz.

O editorial assinalaria ainda que a luta contra o domínio dos mercados por um número

reduzido de empresas constitui-se em tarefa necessária para defesa da economia e produção do

Brasil.

Em defesa da necessidade da criação de uma legislação pertinente a questão no Brasil cita

exemplos da ação dos trustes:

―Os trustes de casa e os de fora, em luta entre si, ou unidos para a destruição dos mais fracos,

fizeram desaparecer, entre nós, indústrias prósperas, como aconteceu, por exemplo, com as

indústrias das linhas no Nordeste; com a do fósforo e das sêdas; com as empresas elétricas.

Aparecem laboratórios que, para açambarcar mercados, dominaram redes de propaganda, não

escolhendo processos, não parando nem mesmo nas barreiras da calúnia‖ (CP. agosto de 1945.

ano V. nº 51. pág. 57).

A revista também relatou a polêmica que a lei antitruste causou nos meios políticos ao se

referir ―...a organização de comícios em praça pública, como o realizado defronte ao Teatro

Municipal, para calcularmos a extensão da lei e a sua profunda repercussão‖ (Idem. Pág. 56).

Tratava-se daquela que ficou conhecida por lei Malai que marcada pela oposição da UDN -

que segundo Skidmore – via na legislação uma ação dirigida ―...principalmente contra cadeia

de jornais de propriedade de um anti-getulista declarado, Assis Chateaubriand‖. Porém outra

questão levantada pelo autor seria mais pertinente: ―Os interesses comerciais dos Estados

Unidos também ficaram alarmados com o decreto, por motivos óbvios. Discretamente, estes

Page 195: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

193

procuraram obter modificações na sua regulamentação‖. (Skidmore. 1979. pág. 76).

Em outubro de 1945 – mês da deposição de Vargas pelos militares - Almir de Andrade

publicou o último número de Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Trata-

se do número 53 que coincidentemente traz em seu editorial um balanço dos quinze anos em

que Vargas esteve a frente da Presidência da República.

Após uma breve reflexão do momento político em que o país vivia e citando o discurso de

Vargas proferido no 7 de Setembro daquele ano, conclui – concordando com o Presidente –

que o povo e as instituições políticas do país estavam preparados para as eleições diretas que

se aproximavam.

Repassa a obra do Presidente no tocante à administração pública, economia, discorre sobre as

qualidades pessoais do Presidente e as razões pelas quais o Brasil teve que passar por um

período ditatorial, refletindo:

―Houve uma série de circunstâncias objetivas, cujas causas históricas residem, talvez, nos

primórdios da República, que provocaram em nosso país o movimento revolucionário de 1930

e os acontecimentos que a êste sucederam, - cuja conseqüência final foi a momentânea

concentração do poder político nas mãos do Chefe do Executivo. E não foi um fenômeno

apenas brasileiro, mas universal, que no Brasil assumiu feição sui generis‖. (CP. outubro de

1945. ano V. nº 53. pág. 4).

Salienta o editorial, entretanto, que somente um homem poderia ter enfeixado tamanha

concentração de poderes e usá-la de maneira equilibrada.

Page 196: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

194

―...qualquer outro homem, que não fôsse Getúlio Vargas, e que tivesse liderado o país depois

de 1930, teria governado fazendo largo uso e talvez abuso de mais poderes, quiçá de muitos

mais poderes‖. (Idem. Pág. 5)

Encerra o editorial relatando a manifestação de 3 de outubro de 1945, em que manifestantes

pró-Getúlio reivindicam uma nova Constituição com Vargas na Presidência. Era a

configuração em termos de manifestação popular do que ficou conhecido como o

queremismo.

A revista mostra durante seus três últimos números esforço no sentido de manter-se ao lado de

Vargas e das ações que o Presidente ainda tomaria nos últimos meses de poder, procurando

manter a mesma visão que Vargas buscava demonstrar acerca do povo e de eleições diretas.

Quando a revista publicou em seu número 51 texto de Odorico Costa74

que criticava o perfil

do político brasileiro da República Velha - intitulada Eleições, eleitos e eleitores do passado, a

análise é feita olhando-se para algo que procura ser visto como superado, tanto que o nome

dado por CP ao item do sumário daquele número onde estava a matéria do autor é Política de

ôntem.

Observa Costa: ―Na República, o processo eleitoral foi desfigurado inteiramente. A consulta

dirigida ao povo, através do teste do voto, que durante o período republicano, nunca

74

O autor publicou a matéria A dissolução dos partidos políticos brasileiros (CP, – março de 1943 – ano

III número 34, págs. 166 a 175), analisada no capítulo 3 desta pesquisa que se comparadas demonstra a mudança

na abordagem do autor e da revista.

Page 197: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

195

representou a verdade. Se o voto é o instrumento por meio do qual o povo afirma a sua

vontade e a sua soberania, no Brasil êsse instrumento aviltou-se, erigindo-se em um

instrumento de ignomínia. Servia apenas para demonstrar que a massa votante brasileira

estava exatamente naquele ponto da definição irreverente: povo é um grupo de homens, como

porcada é um grupo de porcos....‖ (CP. agosto de 1945. ano V. nº 51. pág. 54).

Ainda em sua última edição, publica artigo de Altamiro Nunes Pereira75

intitulado O petróleo

no Brasil texto que segundo CP trata-se da ― primeira síntese completa, até hoje feita, dos

esforços do Governo Brasileiro para o descobrimento do petróleo nacional – desde o início até

o presente momento‖ (CP. outubro de 1945. ano V. nº 53. pág. 9).

A publicação de editoriais acerca da lei antitruste, sobre o trabalhismo, a matéria comentada

em que se apresenta parte do programa do P.S.D. e mesmo o artigo que trata da questão do

petróleo no Brasil ou a que mostra que a cultura política das eleições no Brasil havia mudado,

buscou inserir a revista em outro patamar: o do embate dentro de um contexto em que as

ideias passariam a competir de maneira mais acirrada. Porém não foram suficientes para

manter a revista em circulação.

Calcada em praticamente toda sua existência na construção e reprodução de um ideário avesso

a democracia que ela mesma chamava de liberal, CP teve na nova ordem política que se

formava uma realidade que era o avesso de sua razão de ser.

Não há por parte de Almir de Andrade detalhes acerca do fim da revista. O que diz a respeito

75

Tenente Coronel do Exército e Professor do Colégio Militar.

Page 198: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

196

não se coaduna com a exposição de motivos que fez no número 51 da revista. Em depoimento

Almir de Andrade descreve o fim de Cultura Política:

― Porque aí o DIP acabou, e continuei com a revista. E como eu é que tinha fundado, que a

tinha organizado e dirigido, registrei o título no meu nome e fiquei até com a patente industrial

da revista. Mas com a queda do governo não havia mais ambiente para continuar. E aí

passados uns dez anos, sem ser publicado, caducou. De modo que o título hoje está aí para

quem quiser usar‖.

(Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985. págs. 10 e

11).

Page 199: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

197

Considerações finais

Em uma abordagem superficial da revista Cultura Política e dos intelectuais que colaboraram

em suas 53 edições, pode-se ter a impressão que muitos daqueles colaboradores viveram um

processo dicotômico. Escreveriam imbuídos da perspectiva de que influenciariam nos destinos

da vida política nacional ao mesmo tempo em que serviam a propaganda política do regime.

Porém, o fato a que devemos nos ater é que a política vive mergulhada em questões que não se

circunscrevem a um só elemento quando vamos à procura do entendimento dos processos

pelos quais ela funciona.

A política não pode, sobretudo a partir do tempo em que a cultura de massa se fez presente, se

reduzir a ação dos atores políticos na administração do Estado ou a debates restritos. No caso

de Cultura Política os autores que colaboraram com a revista pretendiam ser atores em um

cenário político em que a propaganda não mais poderia ser desprezada.

O projeto político do Estado Novo e de seu líder - Getúlio Vargas - continha como elemento

de destaque a propaganda. E se o intelectual pretendia participar deste projeto como ator teria

que se adaptar aos novos tempos.

Autores como Paulo Augusto de Figueiredo, Nelson Werneck Sodré, Azevedo Amaral,

Gilberto Freire, Almir de Andrade, Cassiano Ricardo e outros que colaboraram com Cultura

Política contaram - para ampliar a sua participação na vida política nacional – com uma mídia

com tiragem mensal de 3000 exemplares, distribuída nas bancas de jornais dos principais

Page 200: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

198

centros do Brasil. Suas ideias deixaram de circular em meios mais acadêmicos ampliando sua

margem de influência, mesmo se tendo em conta que Cultura Política não foi uma publicação

de compreensão possível ao cidadão menos letrado.

Vimos no relato de Almir de Andrade que Vargas não estava contente com o ideário com o

qual o Estado Novo estava sendo reconhecido quando visto, por exemplo, pela perspectiva de

Francisco Campos. Daí a necessidade de se criar um veículo que transmitisse aquilo que o

próprio regime entendia que fosse sua imagem do ponto de vista ideológico.

Os intelectuais que participaram da revista, alguns de já reconhecida relevância no que tange

suas reflexões acerca das questões da política nacional e outros de nem tanta projeção,

colaboraram com o projeto de Cultura Política no sentido já comentado de se configurarem

como atores políticos naquilo que era especialidade do intelectual engajado à política: a

reflexão, a crítica e a construção das soluções políticas no campo das ideias.

As soluções apresentadas no caso de Cultura Política tiveram o condão de serem aprovadas

pelo regime. Apesar de não estarem escrevendo sob encomenda do DIP os autores que

procuravam a revista - no que se refere às temáticas que levantamos nesta pesquisa - se não

necessariamente estavam plenamente de acordo com o regime, concordavam - pelo menos nos

temas relativos aos textos publicados – com a perspectiva política do regime quanto à questão.

Estavam dentro do escopo ideológico do regime.

Esta questão nos leva a reflexão realizada nos dois primeiros capítulos desta pesquisa,

sobretudo o primeiro.

Page 201: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

199

As temáticas que levantamos durante esta pesquisa no terceiro e quarto capítulos nos levaram

a demonstrar uma gama de ideias dos autores. Não eram totalmente convergentes, mas

demonstraram questões abordadas pelo regime e ilustram que soluções dadas pelo regime -

como no caso de alguns pontos da Constituição de 37 - tinham franca correlação com o que os

autores entendiam como encaminhamento ideal. Neste sentido a conformação política do

regime pode ser configurada em algumas linhas mestras.

O Estado Novo não foi uma importação de algum regime específico da Europa, teve

conformações próprias, influenciado como vimos, por exemplo, com o positivismo, mas com

formatação própria dada por Vargas na ação política e pelos intelectuais que se aproximavam

do pensamento de Comte no campo das ideias.

Um pensamento político que teve influências como a do positivismo, mas procurou manter-se

fiel ao que entendia serem as raízes da cultura brasileira.

Aqui, voltando à crítica de Pécaut acerca do deformado realismo dos autoritários, entendemos

que aqueles intelectuais conseguiram ler a conjuntura e a cultura política de sua época no

sentido de entender pontos centrais da lógica e do funcionamento da política nacional e da

sociedade do seu tempo: a insipiência do que deveria ser um cidadão que participaria da vida

política nacional e a cultura autoritária que existia em conjunto com esta insipiência.

Quanto ao destino, sobretudo do pensamento político autoritário dentro da revista Cultura

Política e de alguma forma dentro da própria política nacional, vimos que teve que se curvar a

nova conjuntura política. E aí a revista e seu diretor demonstraram a medida de suas

vinculações com Vargas.

Page 202: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

200

Cultura Política, nos seus últimos meses, vai abandonando as publicações de textos

vinculados ao pensamento político autoritário e passa a buscar uma linha editorial, no que se

refere à política, de revalorização da democracia do voto direto e centra suas atenções nas

ações do Presidente da República e o direcionamento que Vargas - na medida do possível -

tenta dar a vida política nacional.

A publicação deixa de ser uma reunião de intelectuais que pensavam a política principalmente

sob a égide do pensamento político autoritário e passa a dar cobertura ao que pontualmente

apresentava a política nacional em um período caracterizado por seu dinamismo do ponto de

vista da conjuntura política.

Muitas questões estavam circulando: reforma da constituição de 37, Constituinte sem Getúlio,

com Getúlio, anistia cobrada pela oposição, anistia concedida por Getúlio, eleições diretas e a

hipótese de que Getúlio estaria pensando em um novo golpe são algumas delas.

Cultura Política procurou nos seus últimos números ater-se a conjuntura política e apontar

realizações e conquistas oriundas do Estado Novo que não necessitavam vincular-se ao

pensamento político autoritário. Passa de publicação que demonstrava ideias e suas relações

com o regime e Vargas para publicação que buscou - ao seu final - adaptar o político Getúlio

Vargas aos novos ares que a política nacional passaria a ter.

Em suma, procuramos com esta pesquisa um melhor entendimento acerca do ideário do

regime e qual o papel que os autores que participaram de Cultura Política – Revista Mensal de

Estudos Brasileiros buscaram ter na vida política nacional daquele período histórico. Nesta

Page 203: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

201

busca acabamos por reconstruir o relato e a análise que a revista dirigida por Almir de

Andrade fez da política nacional, especialmente no que se refere à República Velha,

Revolução de 30, Estado Novo e o início da redemocratização do país que se dava com o

enfraquecimento do regime de 37.

Page 204: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

202

BIBLIOGRAFIA

BASTOS, Elide Rugai. ―A revista Cultura Política e a influência de Ortega y Gasset‖, em

BASTOS, Elide Rugai, RIDENTI, Marcelo & ROLLAND, Denis (org.). Intelectuais:

Sociedade e Política. Editora Cortez. São Paulo – SP. 2003.

BASTOS, Elide; RIDENTI, Marcelo; ROLLAND, Denis. Intelectuais e Estado. Ed. UFMG.

2006.

BOBBIO, Norberto. Os Intelectuais e o Poder. Editora Fundação Unesp. São Paulo. 1996.

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. Editora Brasiliense. São Paulo. 1998.

BORGES, Vany Pacheco. Os sentidos do tenentismo: Memória, história e historiografia. Tese

de Doutorado.

BORGES, Vany Pacheco. Getúlio Vargas e a oligarquia paulista. História de uma esperança e

de muitos desenganos através dos jornais de oligarquia: 1926 a 1932.. Editora Brasiliense São

Paulo – S.P. 1979.

CAMPOS, Francisco. O Estado Nacional. Coleção Biblioteca Básica Brasileira. Senado

Federal. Brasília. 2001.

CODATO, Adriano; GUANDALINI, Walter. Os autores e suas ideias: um estudo sobre a elite

intelectual e o discurso político do Estado Novo. Revista estudos Históricos. N° 32

(Intelectuais) Editora FGV/CPDOC. Rio de Janeiro – R.J. 2003.

CONY, Carlos Heitor. Quem Matou Vargas? Editora Planeta do Brasil. São Paulo – S.P. 2004.

CORSI, Francisco Luiz. Estado Novo: política externa e projeto nacional. Editora Unesp:

Fapesp. São Paulo – S.P.. 2000.

COSTA, Wilma Peres. ―Narrativas de viagem no Brasil do século XIX – formação do Estado e

trajetória intelectual‖ em BASTOS, Elide; RIDENTI, Marcelo; ROLLAND, Denis

(organizadores). Intelectuais e Estado. Ed. UFMG. 2006.

Page 205: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

203

DULLES, John W. Foster. Getúlio Vargas – biografia política. Editora Renes. Rio de Janeiro –

R.J. 1967.

FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. 12ª edição. Editora Brasiliense. São Paulo – S.P. 1989.

FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo-SP. Companhia das Letras.

2006.

FERREIRA, Oliveiros F. Elos Partidos: uma nova visão do poder militar. Editora Habra. São

Paulo – S.P. 2007.

FERREIRA, Jorge Ferreira. O populismo e sua história – debate e crítica. Editora Civilização

Brasileira. Rio de Janeiro – R.J. 2001.

FIGUEIREDO, Marcus. Cultura Política: Revista Teórica do Estado Novo. DADOS. Instituto

Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ. Rio de Janeiro – R.J. 1968.

FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e Forças Armadas na Revolução de 30. Rio de

Janeiro – R.J. Forense Universitária. 1988

GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 9ª Edição. Editora

Civilização Brasileira. Rio de Janeiro – R.J. 1995.

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 5ª Edição. Editora Civilização

Brasileira. Rio de Janeiro – R.J. 1984.

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública – Investigações quanto a uma

categoria da sociedade burguesa. Ed. Tempo Brasileiro,1984.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Cia, das Letras - Editora Schwarcz. São

Paulo – SP. 1995.

IANNI, Octavio. O colapso do Populismo no Brasil. 5ª Edição. Editora Civilização Brasileira.

Rio de Janeiro – R.J. 1994.

Page 206: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

204

LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 5ª Edição. Editora Alfa-Omega. São Paulo –

S.P. 1986.

LEVINE, Robert M.. Pai dos Pobres? – O Brasil e a era Vargas. Editora Schwarcz - Companhia

das Letras. São Paulo – S.P. 2002.

LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. 2ª Edição. Companhia Editora Nacional. São

Paulo – S.P. 1967.

MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. 4ª Edição. Editora Guanabara. Rio de Janeior – RJ.

1986.

MARTINS, Luciano. A gênese de uma Intelligentsia o os intelectuais e a política no Brasil,

1920 a 1940. Revista brasileira de Ciências Sociais. São Paulo – SP.1987.

MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes e PINTO, António Costa – organizadores. O

corporativismo em português. Estado, Política e Sociedade no Salazarismo e no Varguismo.

Civilização Brasileira. Rio de Janeiro – RJ. 2007.

MARX, Karl. O 18 de Brumário e Cartas a Kugelmann. 5ª Edição. Editora Paz e Terra. Rio de

Janeiro – R.J.1986.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Elite intelectual e debate político nos anos 30. Dados. Rio de Janeiro

– RJ. 1979.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria Castro.

Estado Novo: Ideologia e Poder, Zahar Ed. Rio de Janeiro – RJ. 1982.

ORTEGA y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Martins Fontes. S.P. 2007.

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. Ed. Ática. São

Paulo – SP. 1990.

POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura. Editora Martins Fontes. São Paulo – S.P. 1978.

SADEK, Maria Tereza Aina. Machiavel, Machiavéis: A Tragédia Octaviana. Edições Símbolo.

S.P. 1978.

Page 207: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

205

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira

República. 2ª edição. Editora Companhia das Letras. São Paulo – SP. 2003.

SILVA, Hélio e CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. O pensamento político de Vargas. Editora

L& PM. Porto Alegre. Rio Grande do Sul. 1980.

SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930 a 1964).

3ª Edição. Editora Alfa-Omega. São Paulo – S.P. 1990.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getúlio a Castelo (1930 – 1964). 6ª Edição. Editora Paz e

Terra. São Paulo – S.P. 1979.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Editora Martins Fontes. São Paulo –

SP. 1998.

TÓTORA, Silvana Maria Corrêa. Azevedo Amaral e o Brasil Moderno. Dissertação de

Mestrado. PUC/SP. 1991.

TORRES, Alberto. A Organização Nacional. 3ª Edição. Editora Nacional. São Paulo – S.P.

1978.

VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil. N° 5 . O Estado Novo. Livraria José Olympio

Editora. Rio de Janeiro – R.J. 1938.

VARGAS, Getúlio. Getúlio Vargas: Diário Volume I – 1930 – 1936. 1ª Edição. Editora

Siciliano/FGV. Rio de Janeiro – R.J. São Paulo – S.P. 1995.

VARGAS, Getúlio. Getúlio Vargas: Diário Volume II – 1937 – 1942. 1ª Edição. Editora

Siciliano/FGV. Rio de Janeiro – R.J. São Paulo – S.P. 1995.

VIANA, Arízio de. D.A.S.P. INSTITUIÇÃO A SERVIÇO DO BRASIL. Editado pelo DASP.

Rio de Janeiro – R.J. 1953.

VIANNA, Oliveira. O Idealismo da Constituição. 2ª Edição. Companhia Editora Nacional.

São Paulo Rio de Janeiro – Recife – Porto Alegre.1939.

Page 208: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP … · 2017-02-22 · Cap. 4 – A Constituição de 1937 .....124 4.1 – Formação Política do Brasil Novo ... colaboradores

206

VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Coleção Biblioteca Básica Brasileira.

Senado Federal. Brasília. 1999.

WEFFORT, Francisco. O Populismo na Política Brasileira. 3ª Edição. Editora Paz e terra. São

Paulo – S.P. 1986.

WIRTH, J. A política de desenvolvimento na era Vargas. Editora FGV. Rio de Janeiro – R.J.

1973.

REVISTAS

CULTURA POLÍTICA – Revista Mensal de Estudos Brasileiros. 1941 a 1945. (50 volumes).

Direção de Almir de Andrade. Editada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP.

Os cinquenta primeiros exemplares digitalizados constam do ―site‖ CPDOC:

www.fgv.br/cpdoc/

CULTURA POLÍTICA. 1941 a 1945. (3 volumes – 51 a 53). Editadas por Almir de Andrade.

SITES CONSULTADOS

(www.cpdoc.fgv.br ) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do

Brasil – CPDOC – FGV – Rio de Janeiro – R.J.

ENTREVISTAS

ANDRADE, Almir de. Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História

Oral, 1985.)

ANDRADE, Almir de. Almir de Andrade (depoimento, 1984). Rio, FGV/CPDOC- História

Oral, 1986).