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Pombo Amigo Matheus Mota “Fique comigo! ABS”

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2013

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Page 1: Pombo Amigo (Matheus Mota)

PomboAmigo

Matheus Mota

“Fique comigo! ABS”

Page 2: Pombo Amigo (Matheus Mota)

Matheus Mota

POMBO AMIGO

São Paulo/Recife2011/2012

Page 3: Pombo Amigo (Matheus Mota)

Índice

Difícil prefácil .... -2O que é? .... 1

Pombo-Causos: a epopéia do bigode .... 2Pombo-Tirinha: chocando a sociedade .... 10

Mensagem: aperto de mão .... 11Entrevista: Cauã, a estrela promissora .... 14

Fina flor na água suja .... 18Pombo Amigo apresenta: correio da paixão .... 19Pombo-Causos: só por causa da sua unha .... 25Pombo-Tirinha: entrevista de emprego .... 30

Mensagem: não tente .... 31Entrevista: Ezequiel e o “disk-protesto” .... 34

Drama .... 40Pombo-Causos: o novo dia .... 41Pombo-Tirinha: escolhas .... 43

Mensagem: a traição .... 44Fato verídico .... 46

Entrevista: Tabatah, uma retina abençoada .... 49Pombo-Tirinha: tríplice .... 53

A indústria .... 54Provavelmente, o melhor capítulo .... 55Pombo-Causos: homem marinho .... 57

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Difícil prefácilOi, aqui quem fala é o autor. Psicógrafo do restante do livro, de autoria do Pombo Amigo por si só. Não irei falar de mim. Não me cabe, e seria bem piegas. Portanto, fique com as palavras de um especialista. Em quê? Bom, qualquer coisa.

Por Leonardo Stockler, Ilha de San Andrés, Novembro de 2013.

“Quando Matheus me perguntou se eu queria prefaciar o seu livro eu não he-sitei. Disse que sim. O grande empecilho, na verdade, foi encontrar, no meio de toda essa odisséia subversiva na qual me encontro, o tempo necessário, e algum lugar tranquilo, para que eu pudesse revisitar nossa amizade, não só para encontrar nela o material com o qual eu poderia elaborar o tal prefá-cio, mas também para entender porquê é que foi que o tal Matheus Mota me pediu para escrevê-lo, uma vez que ele sabe que estou sendo procurado pelo serviço de inteligência de mais de cinco países do bloco sulamericano.

E Matheus dispensa apresentações: seu bigode inquebrantável, o olhar fugi-dio, as caretas seborréicas, dizem mais que qualquer prefácio poderia dizer. Mas aí mora um problema: sua pessoa não pode ser reduzida aos gestos, tampouco pode ser reduzida aos textos. Uma evidência disso é a nossa a-mizade. Conheço-o há sete anos. Lembro-me de quando nos encontramos em Medelín, ele com seus óculos escuros e eu com minha boina. Não podía-mos falar ao telefone, porque estavam grampeados, e nos apartamentos ha-viam colocado escutas. Nos encontramos no mercado, sabendo do risco de estarmos sendo seguidos. Meses depois nos encontramos na Sicília, onde eu me encontrava a serviço de uma célula anarquista, que mantinha um esconderijo no subsolo de um café. Ele, o Matheus, não sei ao certo o que fazia por lá, mas consegui arranjar alguns lugares onde pudesse tocar sua música, o que acabou rendendo a ele algumas belas fãs sicilianas. Eis-me aqui, como aquele saudoso tio distante contando aos afilhados sobre suas tediosas aventuras: fomos, nós dois, e mais alguns outros que são meros coadjuvantes desta anedota, durante muito tempo (antes mesmo desses en-contros), usuários de um canal de mIRC, entregues às intempéries dos lags dos servidores, sobrevivendo à fúria dos operadores e dos ircops, vez ou ou-tra presenteados pelo status do voice, eu e ele tecendo, nos becos obscuros da BRASNET, contatos e vínculos que o tempo provou serem mais rígidos que aqueles que estabelecemos além da virtualidade. E as mensagens que tro- camos, eu e Matheus, sempre foram demonstrações de um humor ambíguo

menos dois

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como se, através disso, tentássemos codificar mensagens muito mais pro-fundas que, se caíssem nas mãos de nossos perseguidores, jamais seriam compreendidas. É aquele humor de quem, numa LAN House, vê o amigo ir ao banheiro, corre até o seu computador, e ali escreve: “sou gay”, e envia para alguém com quem o pobre amigo estivesse conversando; aquele humor de quem, travado diante de alguma mulher bonita, diz: “uma vez eu espirrei e saiu arroz”; aquele humor que precede ou que antecede as grandes tragédias - que só são de fato tragédias porque somos todos ressentidos; o humor de quem, na onda das manifestações de Junho, saiu para protestar com um car-taz todo em branco. Mas este livro é de humor? De onde o Matheus tirou essas histórias? De algum intervalo no horário de trabalho desperdiçado na fila de um bebedouro? De um passeio de ônibus que vislumbra a cidade grande e seus cidadãos anônimos perambulando, de maneira tão impessoal para quem os observa? Quem são estes personagens, aparentemente tão co-muns (e por isso mesmo incomuns, de sorrisos idiotas) que desfilam aqui com seus rostos triviais e que nos lembram alguém que não tem nada de memorável? Assim como as músicas de Matheus Mota (quem as ouviu, já sabe), também são suas histórias: dentro de cada estranhamento há um com-ponente de identificação. Li o primeiro rascunho de seu livro e estou certo de que nele pode haver um número quase inesgotável de mensagens subli-minares que, provavelmente, chamarão a atenção dos censores e dos governos.

É este espaço que o seu livro (e isto seria mesmo um livro?) preenche: o espaço de uma ambiguidade ingênua que responde a uma ambiguidade cínica - essa com a qual o mundo nos violenta. Mas talvez eu não devesse falar tão sério. Trata-se do Pombo Amigo: esse pombo cinzento, a fauna urbana, de quem a cidade judia e cuida ao mesmo tempo. A escolha desta imagem é perfeita: o pombo não chama a atenção dos que detém Poder. É que há algo de muito sério no riso, sobretudo nesse riso leve que uma leitura descompromissada pode provocar - é um livro que foi feito e distribuído virtualmente, muito embora guarde óbvios vínculos com a experiência cotidiana. Há de tudo aqui: o trabalho massacrante; famílias que são incapazes de se entender; ex-casais que queriam voltar no tempo para que não cometessem os mesmos erros. E o que há de engraçado em tudo isso? O engraçado é que vivemos a época do riso fácil e barato, o riso que eles querem e esperam, o riso pago, que tem hora certa e lugar para acontecer - platéias, virtuais ou não. Por isso eu e o Matheus temos o costume de dizer: “estou com preguiça de rir”. Não há nada de enfa-donho ou depressivo numa afirmação dessas. A própria frase é uma piada.”

menos um

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O que é?“A gente tenta agradar a gregos e tro-ianos, estando, no entanto, pouco se lixando pra eles” (Pombo Amigo)

Um guia antropológico, de auto-ajuda, e até entrevistas do ponto de vista de um pombo. Um pombo que você encontra facilmente na sua cida-de, seja capital, região metropo-litana ou até no interior (acredi-tamos que até mesmo nas maislongínquas matas).

“Mike Tysonconfia!”

um

O pombo, que fatalmente é re-duzido à categoria de “bicho imundo” ou até “rato com asa”, é so-bretudo um injustiçado. Já imaginou a quantidade de mágoas que esse pobre ser guardaria em seu coração caso tivesse racionalidade suficiente para isso?

E pode crer que ele tem. Afinal de contas, os eventuais inci-dentes fecais em seu carro e janelas de casa – ou até mesmo na sua cabeça – podem ser, não tenha dúvidas, fruto dessa bomba atômica guardada, prestes a explodir num ato impensado de vingança. Esse é o espírito!

O Pombo Amigo pode ser resumido nesse mesmo animal, mas dotado de uma nobreza sobre-humana, que prefere evitar esse tipo de gracinha gratuita, te alertando dos monstros que habitam a cidade e o cotidiano obscuro das pessoas corruptas e/ou corruptíveis. Portanto, não perca tempo, fique conosco, fique comigo.

E como diria Gilberto Gil, “aquele ABS”.

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Pombo-Causos: a epopéiado bigodeSe existiu alguém que sempre almejou ter um bigode na vida, esse alguém foi Alfredo Torpedo. Bulinado desde criança, a conjuntura do seu rosto, elementos de expressão e arcada den-tária nunca o favoreceram completamente. Porém, pesquisan-do formas de se compensar essas mazelas com algo divertido e acessível, Alfredo começou a cortejar um pequeno bigode aos dezesseis anos.

Desde a mais tenra penugem, Alfredo Torpedo foi frequente-mente censurado. Podiam ser os pais, as garotas ou até mesmo os melhores amigos: ninguém dava o devido estímulo mínimo que ele precisava para deixar os pelos faciais ganharem vida. Pelo contrário, era caçoado caso estivesse com qualquer espécie de protótipo facial. E assim passaram-se anos e décadas sem que Alfredo fosse essencialmente feliz consigo mesmo. Fal-tava algo. Uma vida inteira perdida. Raríssimos momentos de alegria num encontro de colegas da pelada. Escassos instantes de breves namoros, que normalmente só se efetivavam frente a alguma circunstância que não se conectava diretamente com paixão ou amor. Alfredo já estava com trinta e seis anos.

Alfredo Torpedo

dois

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Frustrado, frequentou um analista por algum tempo. Durante um ano, investigou qual seria o escape perfeito para recomeçar uma vida sem as tristezas do passado vindo à tona. Alfredo não se lembrava, mas viu no antigo desejo de ter bigode uma luz no fim do túnel. Toda a sua desgraça começou nos sucessivos pro-cessos de sabotagem desenvolvidos à partir das censuras que so-freu em seu período adolescente. Ele havia encontrado a raiz de tudo isso. Sozinho e desacreditado com as caríssimas consultas do analista, resolve largar o tratamento e deixar o bigode crescer. E eis que finalmente surge vida em seu maltratado rosto. Vida que o mudaria radicalmente.

Não poderia se dizer que foi algo como “mudar da água pro vi-nho”, mas o essencial, a sua auto-estima, estava entre um dos aspectos que mais se beneficiaram na iniciativa. Voltaram os sorrisos. Um novo círculo de amizade se formou, e até aparece-ram algumas oportunidades de relacionamentos. Alfredo viu, pela primeira vez, a esperança de óculos. E percebeu quanto tempo perdera. Inocente, resolve assumir esse estado alegre in-dependente de apêndices capilares, condição financeira ou pes-soas. Aquela confiança tornou-se sua nova obsessão. Nada mais poderia abalá-lo. E por cerca de três meses, tudo caminhou in-crivelmente bem. O bigode trouxe muita sorte.

três

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O espelho – que Alfredo sempre evitara quase toda a vida – logo tornou-se um fiel companheiro de confissões descontraídas, entrevistas de emprego imaginárias e até treino para paqueras. Nada dava tanto prazer a Alfredo quanto uma conversa demo-rada no espelho, acariciando o bigode e pensando nos planos futuros. Um deles era Francisca. Um belo dia estava numa casa lotérica pagando contas e essa bela moça estava ao seu lado. Uma súbita identificação aconteceu no momento em que se miraram, e após sairem de lá seguiram caminhada rumo à pracinha do bairro. Com forte autoconfiança, Alfredo tentou aproximar-se e roubar um beijo da moça, que riu e levou os dedos à sua boca e bigode, dizendo: “Eu também quero, mas raspe isso aí. Tenho alta sensibilidade no buço e seus pelos iriam me causar uma reação alérgica horrorosa. Adorei te conhecer, podemos marcar esse mesmo passeio novamente, daqui a uns dias!”.

Foi chegando em casa e indo ao espelho que Alfredo Torpedo resolveu, após experimentar algumas variações de penteados de cabelo, raspar o tão tardio bigode. Com um tamanho con-siderável e aspecto que caía bem em seu rosto, parecia desne-cessário fazer aquilo. Mas como “tudo que vai, volta”, Alfredo não titubeou antes de passar uma água, o creme de barbear e levar a lâmina ao amontoado de pelos. Só que para a sua surpre-sa, nada ocorreu. Um fiapo sequer saiu do lugar. Desapontado, porém rindo, Alfredo joga a lâmina fora, pois parecia mesmo estar muito cega e gasta.

quatro

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No dia seguinte, vai ao supermercado e compra lâmina e cremes de barbear novos. Ao chegar em casa, uma mensagem na secre-tária eletrônica. Era de Francisca. No recado, ela o lembrava do encontro que haviam combinado. Ao re-escutar o lembrete por quase oito vezes, o sorriso vinha junto.

Hora de se arrumar. E eis que, ao tentar novamente raspar o tão tardio bigode, de novo nada acontece. Lâmina nova, afiada, e nem sequer uma lasca de pelo cai sobre a pia. Creme com os melhores químicos capilares. Nada sai do lugar. Preocupado, Al-fredo tenta com uma pinça e só se belisca em vão. A tesourinha de unha parece torcer na parte metálica forçada. O bigode está intacto. E aparentemente duro como pedra. Inexperiente no as-sunto, Alfredo não sabia o que exatamente estava acontecendo.

Por dias tenta, sem sucesso, remover o pelo da cara de todas as formas alternativas. Comprou pelo menos uma variedade de dez novos cremes de barbear com diferentes químicos das mais variadas infalíveis capacidades. Não deu certo. Chegou até a tentar com cera quente. Num ato de desespero, arriscou até com o cortador de grama do jardim, o tesourão. O bigode não per-dia um fiapo. A essa altura, seu encontro com Francisca ia por água abaixo. E o bigode estava intacto. Dias se passaram e este apenas crescia com cada vez mais vigor e velocidade gradativa. Não havia mais espaço para as auto-piadas como “só tem bigo-de quem pode”. Alfredo não conseguia se desfazer daquilo que agora tornara-se seu grande empecilho.

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Eram cada vez mais recorrentes as noites em que ele despertava em pânico da cama com dores agudas no rosto. Quando ia ao espelho examinar o ocorrido, percebia um ou mais fiapos do bigode dilacerando sua pele, como agulhas encravando-se. A situação agravava-se mais e mais. O bigode parecia cobrar uma espécie de preço por ter sido mutilado durante tantos anos.

E com isso, Alfredo foi ficando cada vez mais recluso nova-mente. Largou o trabalho, os amigos. Seus dias resumiam-se a uma tímida refeição matinal e o restante das horas enfurnado no quarto diante do computador, com dezenas de janelas de sites científicos, em busca de qualquer solução prática para sanar aquela aberração que tomava conta do seu corpo. Ele chegava a enviar e-mail’s para renomadas autoridades no assunto, que quando não respondiam, faziam as mais cruéis chacotas daquela situação que fatalmente parecia uma pegadinha de internauta desocupado. Nada mais tinha graça.

A simbiose com o próprio bigode tomava rumos inimagináveis. E sua tristeza com o futuro o corroía mais e mais. Cedo ou tarde teria que receber alguém, fosse um vizinho ou mesmo um entregador de pizza. E da forma como a coisa evoluía, sua con-vivência com o mundo tornaria-se insustentável em questão depouco tempo. Alfredo já estava com apenas um olho à mostra

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da imensa casca de pelo que envolvia a sua cabeça, quando tomou a difícil decisão de deixar a sociedade e tornar-se um andarilho dos interiores selvagens. No dia seguinte, sua cabeça resumia-se a uma grande bola preta, grossa e felpuda.

Alfredo Torpedo cobriu sua cabeça com um saco plástico de lixo e conformou-se em andar vários quilômetros até os limites dacivilização, ouvindo gritos e gargalhadas nas ruas, pois realmente seu aspecto ficara bastante esquisito. Às vezes era até agredido com objetos arremessados em sua direção. Um verdadeiro tes-te de resistência, pois ele não poderia revidar estando naquelas condições grotescas. Seu maior consolo era que as pessoas não estivessem se chocando com a sua real condição por trás daquele saco plástico, e que aquilo não causaria nenhum alarde jor-nalístico, por exemplo. Por cerca de um dia e meio ele vagou i-ninterrupto rumo às áreas inabitadas por humanos. Nesse longo período os pelos avançavam para o tronco e braços, não apenas simplesmente encostando em sua pele, mas encravando-se nela, como se aos poucos aquela crosta fosse virando um couro cabe-ludo animal irreversível. A coisa ficou feia.

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Em mais tempo, as partes do corpo, já completamente toma-das de pelos, acabavam por deixar de existir. Era como se em vez de uma simples cobertura capilar, passasse a resumir-se a-penas num infinito emaranhado escuro de pelos, sem mais nada por baixo. Alfredo Torpedo, no entanto, não sentia mais dores. Aquela morte fazia parte de um novo nascimento, ainda que ele não tivesse plena consciência disso.

Após uma semana andando, sem sentir fome ou sono, Alfredo tornara-se algo ainda mais aparentemente radical do que antes. Restaram apenas partes de suas pernas e pés. Seu aspecto cer-tamente chocaria o mais corajoso e cético dos homens. O mais experiente dos cientistas. O mais sádico fã de filmes de terror. Mas agora não havia mais ninguém para vê-lo. A leveza da sua nova estrutura corpórea o proporcionara uma agilidade pare-cida com a de seus tempos de menino.

“Dono” do descampado que fazia parte de seus dias solitários, Alfredo Torpedo encontrou uma nova atividade para ocupar aquela rotina interminável. Uma nova meta: correr. Correr sem parar. Experimentar uma liberdade jamais sentida, um deleite jamais vivido, mesmo quando resolvera deixar o bigode crescer pela primeira vez. Alfredo tornara-se um caminhante selvagem sem rumo definido. Um bigode andante. Com pernas e só.

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Nenhum animal selvagem ousou atacá-lo. Muito pelo contrário, conviviam normalmente com Alfredo durante suas passagens pelas mais variadas faunas. Por muito tempo, Alfredo Torpedo era conhecido apenas entre os animais. Contra qualquer tipo de matança, ficaria conhecido como uma divindade vegetariana. Membros de tribos indígenas nômades foram os primeiros seres humanos a conhecerem Alfredo Torpedo em sua transformação final.

Aparentemente tiveram um contato muito bom, pelo que pode-se constatar em pinturas rupestres, papiros antigos, registros em artesanatos e histórias tradicionais contadas pelas quatro ou cinco gerações seguintes de algumas dessas tribos, que afirmam com convicção que seus antepassados conviveram pacificamente com o tal lendário bigode de pernas.

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Pombo-Tirinha: chocando a sociedade

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Mensagem: aperto de mão Você quer que as pessoas confiem mais em você, cansado da fama de mentiroso e incapaz entre amigos e desconhecidos. Você está na rua da amargura e busca aquele empreguinho esperto. Você quer fazer bonito para o seu novo sogro, que te olha atravessado e provavelmente tornará sua vida um inferno. Você tem duas alternativas: ou ler atentamente esse texto do Pombo Amigo ou ser o bom e velho trouxa.

Por favor, não faça isso.

Antes de tudo, vamos frisar que, em tempos de lutas pelo fim da homofobia e demais questões, a crítica ao aperto de mão mole não diz respeito a qualquer tipo de postura tradicionalista ma-chista e/ou homofóbica. “Feliciano não me representa”, diriam.

O Pombo Amigo fica feliz em cumprimentar héteros e homos-sexuais, sejam eles homens ou mulheres, com aquele aperto de mão legal. É claro que para as mulheres é mais conveniente a gostosa bitoca na cara. Mas vamos lá!

1. Temperatura

A temperatura da sua mão influi na impressão que o cum-primentado (por vezes também conhecido como vítima) terá de

onze

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você. Procure não estar com a mão gelada ou quente demais. É claro que isso está ligado à emoção, mas engula o choro e pro-cure estar no mínimo híbrido (por mais meio-termo que isso pareça, para se aplicar o “mínimo”). E por favor, lave as mãos e também enxugue-as. Não entraremos no detalhe de demais constrangimentos quanto a isso. “Todos os gatos adoram peixe, mas odeiam ficar com as patas molhadas”;

2. Olhar e expressão

O Pombo Amigo está sempre atento aos olhares. Olha na cara. Nos olhos. Não dói. São três segundos, no máximo. Ninguém gosta de ser cumprimentado por alguém que olha lateralmente, para o seu zíper ou no caso das damas, para o seu lindo decote (por mais que este, às vezes, necessite por alguns ser observado, mas existirão outras ocasiões para isso). Lembre-se novamente de estar híbrido. Mas, um sorriso também é bem vindo – é claro, se você estiver em dia com os seus dentes;

3. Balançadinha

Por favor não balance muito o aperto. Ninguém precisa saber de antemão que você é o virgem-existencial da vez. Três ba-lançadinhas no máximo são o suficiente, ok? O Pombo Amigo quer lhe ajudar a não ser censurado de cara;

4. Firmeza

O verdadeiro propósito deste capítulo. Já conheci pessoas in-críveis, pessoas normais, pessoas não tão importantes na minha vida e os ditos trouxas. Esses últimos, sem exagerar, possivel-mente frequentam alguma espécie de sociedade secreta, do tipo Illuminati, com códigos de conduta e várias metas. Eles devem combinar de ser assim, não é possível. Todo trouxa tem mão mole. E trouxa, só para deixar claro, não necessariamente abarca todas as características que citarei, mas pode também vir com todas elas de brinde: cínico, mentiroso, cabueteiro, fofoqueiro, invejoso e uma série de outros pontos. Mas paramos por aqui.

doze

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“Espere um pouco! Estou com uma dúvida! Me ajuda, pombo!

E se nenhum desses ensinamentos resolver o meu problema?Continuo apertando as mãos sem firmeza, e sendo isso que vocês convencionaram chamar de ‘trouxa’. Como proceder?”

Depende. O Pombo Amigo não faz milagres para te endireitar. Posso dar dois caminhos. Um que eu ouvi falar, e outro que eu vi. Ouvi falar que o constante processo de vergonhice-na-cara e convivência com as pessoas certas é uma das saídas. Mas, dando a real, outro dia estava eu em cima de um fio de alta tensão, es-piando meus amigos comerem alpiste sobre o imundo chão da praça, quando um dito trouxa levou um tabefe de um conhe-cido. Enfatizo minha posição contrária à violência gratuita. Mas ouvi falar na história, e aconteceu uma situação traíra dita im-perdoável. Quase vi globos oculares saltando na sarjeta. Então sempre procuro ficar atento, para evitar que fatos semelhantes aconteçam com quem amo. As pessoas andam perdendo a ca-beça. Fiquemos espertos!

Portanto, aperte a mão direito e esteja ciente desse pequeno apanhado de idéias, e para diversos outros textos que virão. Pois o Pombo Amigo certamente apertaria sua mão direito, se tivesse uma. Fique comigo.

treze

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Entrevista: Cauã, a estrelapromissoraEm tempos de crise no minis-tério da cultura, aparecem cole-tivos musicais do bem, afim de abarcar talentos e difundir suas produções Brasil afora, evi-dentemente enriquecendo os músicos. Mas ainda háquem se esquive disso tudo e assuma uma espécie de posturaanti-anti, comple-tamente under-ground e avant gard.Nesse momento, o que fala mais alto é obviamen-te o talento acima de qualquer suspeita. En-trevistamos ele, Cauã, aestrela promissora, en-tusiasta da internet e dos produtos Apple.

Papo reto e sem firulas.

Pombo Amigo: Antes de tudo, obrigado por aceitar a entre-vista. Andei pesquisando bastante sobre sua vida, e tive acesso a dados que seu público musical conhece, mas também detalhes mais íntimos que só pessoas mais íntimas teriam acesso com mais exclusividade. Fale-me sobre o curioso apelido de “Salada Mista”. É alguma referência ao tropicalismo?

Cauã: Antes de tudo, aquele grande beijo maravilhoso a todo o pessoal que acompanha meu trabalho, nesses seis anos de carreira. Olha pombo, eu SOU uma salada de coisas. Surgi no mercado com uma nova proposta, cheio de energia, de oferecer variedades de signos e linguagens do cotidiano, frutas, verduras, cores e sons, porque isso é Brasil e tem que ser valorizado, não é verdade?

catorze

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P.A: Sim, é verdade. Fale-me um pouco do seu novo lançamen-to, o EP “Como uma pedra rolante”. Excelente título. Como foi o processo de gravação e como anda a distribuição do trabalho?

C: Meu sinônimo é o Rock’n’Roll. É minha vida, e por isso pas-sei vários meses martelando um título adequado. O EP, que é o meu primeiro solo, apresenta 4 músicas, e foi gravado através de um projeto aprovado pelo governo do estado. Estou muito feliz, pombo. A distribuição física não existe. Fiz um acordo com o meu Coletivo – o Vamos Gente – que a distribuição será toda online, e o público poderá pagar o quanto quiser, naquele es-quema do disco do Radiohead. Uma idéia inovadora pro Brasil, da qual me orgulho bastante de fazer parte.

P.A: Mas e o dinheiro do projeto que você foi contemplado? Cerca de R$ 50.000,00 para gravar quatro músicas e não fazer prensagem física? Esclareça-nos isso, pois vivemos em tempos conturbados, você sabe…

C: Com prazer, pombão! Cara, gravamos num estúdio de ponta, além de toda a assessoria da Vamos Gente e uma equipe muito especial trabalhando por trás. Então o artista acaba tendo o gas-to da produção. O que é massa!

P.A: Numa situação hipotética, vamos supor que você envelheça, sofra um acidente físico e fique impossibilitado de fazer shows. O que terá você recebido em dinheiro para sustento, seguindo o esquema da Vamos Gente?

C: Terei recebido alegrias, experiência de vida e ótimas lem-branças. Música é amor, e é por isso que estou virando um dos sócios do coletivo.

P.A: Mudando de assunto, vamos falar de um tema polêmico que é a questão da imagem. Para você, a imagem hoje fala mais alto?

C: Vivemos a era de ressurgimento do cinema, com os incríveis

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Page 21: Pombo Amigo (Matheus Mota)

filmes 3d, além dos televisores que usam a mesma tecnologia serem já uma realidade para muita gente que pode comprar. Como não pensar que a imagem fala mais alto?

P.A: Mas rapaz, e onde fica a poesia? Principalmente depois dessa polêmica do blog da Maria Bethânia... e da verba gorda que ela conseguiu.

C: Olha, fazendo uma citação, “quando Deus te desenhou ele tava namorando”. O mercado jovem de Rock’n’roll, do qual eu faço parte, dá muito valor a isso.

Preciso aceitar meus talentos como compositor, mas sobretudo preparar toda uma carga legal, que vai desde bótons, camisetas e fotografias, todos produzidos pela Vamos Gente. Afinal de con-tas, as pessoas da lotação do ônibus e do metrô não ouvem em seus rádios a música do Beethoven, tá compreendendo? Prati-camente todos os artistas que estão em evidência precisam de algum empurrão de imagem, que é essencial.

P.A: Como roqueiro, o que você acha da discussão sobre a lega-lização da Maconha e de outras drogas?

C: Sou completamente a favor. Imagine só, será o fim da crimi-nalidade. O Brasil está bobeando com isso, e torço pra que e-xista alguma espécie de plebiscito, para que possamos votar isso democraticamente. Em Amsterdã deu certo, por que não daria aqui? É mais simples do que parece. Legalize já!

O departamento jurídico de Cauã intervém na conversa. Pausa pro lanche. Estamos na temporada dos quindins.

P.A: Vamos mudar de assunto… Você foi recentemente criti-cado por Sérgio Vergueiro, da revista musical Kink, sobre ter participado de um festival em Palmas, Tocantins, onde se pro-puseram difundir bandas genuinamente brasileiras e você a-penas cantou em inglês. O que você acha sobre isso?

dezesseis

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C: Olha cara, na minha antiga banda, The Warm Guns, eu a-penas cantava em português. Após nossa quebra, decidi mudar minha linha musical, estética e pessoal. Chega um momento na vida em que a pessoa precisa ser ela mesma. E eu cresci assistin-do seriados americanos, ouvindo música americana e européia, e isso sou eu. Morar no Brasil é apenas um detalhe, querido.

P.A: Maravilha. Vamos para um bate bola. Preparado?

C: Manda bala!

P.A: Música?

C: Amor.

P.A: Mainstream!

C: Meta!

P.A: Maria Bethânia.

C: Grande idealista do empreendedorismo digital! Deixem ela em paz.

P.A: Bandas coloridas e boysband em geral?

C: Batalham pelo deles, deixa os meninos.

P.A: Cauã por Cauã.

C: Carpe Diem!

P.A: Obrigado, querido!

C: Até a próxima!?

P.A: Bom…

dezessete

Page 23: Pombo Amigo (Matheus Mota)

Fina flor na água suja

Você é uma pessoa muito influenciávelNunca te disse isso, mas já insinuei

Levantei tua ficha, sei do seu passadoEntendendo o assunto, já te perdoei

Mas vai que lá bem fundoCrente que soube de tudo

Fez me surpreender

A gente cantou junto aquele admirávelCara que, de todos, fez o pra valer

Claro que nem tudo é como o esperadoE portanto eu mudo só mais dessa vez

Então, pensando muitoA gente e todo mundo

Há de compreender

dezoito

Page 24: Pombo Amigo (Matheus Mota)

Pombo Amigo apresenta:correio da paixão

dezenove

Nos moldes tradicionais de programas de rádio e televisão que abordam o clima de “namoro ou amizade?”, esticamos esse es-paço especialmente para isso. As pessoas andam profundamente carentes e em falta com seus passados nefastos. É hora de incen-tivarmos o desprendimento e fazer com que os cidadão que lêem o Pombo Amigo passem a observar o presente e pensar melhor o futuro como uma possibilidade risonha e límpida. Gostaría-mos, de antemão, de pedir desculpas aos que ficaram de fora do espaço, mas é que realmente foram milhões de correspondências que recebemos. Catalogar tudo e pinçar os melhores trechos é um trabalho árduo. As pessoas têm o incrível dom de se pren-derem a bobagens.

Apenas esperamos que os leitores deleitem-se com tamanha demonstração de comprometimento, amor, desamor, grosseria, ternura e os milhares de sentimentos que o nosso público nutre em seus corações. Qualquer semelhança com casos seus ou de conhecidos seus, é mera coincidência. Sou apenas um pombo moderno pesquisando um antigo hábito de antepassados que foram “pombos-correio”.

Saulo diz para Hilda

“Adorei a noite de ontem, apesar de você ter me expulso da cama após atingir o seu orgasmo. Eu diria que achei sua atitude deveras egoísta, mas estou me esforçando pra não mais te amar. Consequentemente não sofrer. Para falar a verdade, já estou afim de terminar o nosso relacionamen-to. Hoje é domingo e ainda não tive coragem. Falei bem de você para um grande amigo hoje… a gente se vê quarta-feira que vem.”

Page 25: Pombo Amigo (Matheus Mota)

Everaldo diz para Giselly

Altair diz para Cristina

“Você foi o primeiro amor da minha vida. Te aguardei durante longos cin- co anos, num amor platônico incon- solável e incontrolável. Até que você resolveu começar a segurar a minha mão, naqueles nossos gostosos inter- valos das aulas do curso de russo. Só que jamais me conformei com aquele maldi- to namoradinho que você arrumou na é- poca, haja vista vocês já devem estar juntos há quase dez anos!”

“Espero que você tenha procurado estudar para um concurso público ou algo do tipo. Seu talento para os palcos é de dar pena, mas eu até tentei te ajudar, te encorajar. Só não consegui engolir direito seus xinga-mentos sobre minhas ban-das de rock farofa dos anosoitenta, que tanto represen-taram e continuam repre-sentando uma série demomentos na minha vida. Aquilo me deixava ofendi-díssimo. Seu namorado a-tual é feio e orelhudo, mas espero que vocês consi-gam ser felizes. Jamais di-ga a ele que frequentava cemitérios, isso não é na-da sexy.”

vinte

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Benito diz para Rosângela

“Formamos um casal perfeito, mas prefi-ro não arriscar nada com você agora. Co-mentei ontem com um primo que iria tepedir em casamento, estilo aquela cenade ‘A primeira noite de um homem’, emque Dustin Hoffman informa aos paissobre a futura esposa com quem de-cidira casar, embora esta houvesse cortado relações com ele. Nossastardes inocentes enchem meu cora-ção de felicidade. Espero que vocênão fique com muitos caras até que eutome essa corajosa atitude drástica.”

Carlos diz para Marilda

“Você foi, sem dúvidas, a melhor co- lega de trabalho que já tive. Embora nossa função proletária tirasse um pouco desse encantamento, ainda consigo imaginar seu olhar pene- trante me fitando enquanto nos des- pedíamos pela última vez, naquele va- gão de metrô imundo. Minha decep- ção foi grande após te achar, meses de- pois, numa dessas redes sociais expondo fotos do seu barrigão e daquele na- morado que não ligava muito pa- ra você. Espero que nasça me nino, e que você batize com o nome de quem seria ver- dadeiramente um pai ideal, eu.”

vinte e um

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Josué diz para Clarissa Clara

“A nossa amizade pode ultrapassar barreiras, mas aquele ‘beijo de amigo’ que você me deu na sua despedida me deixou obceca-do e apaixonado. Sacanagem sua! Agora sópoderei tirar satisfações com você daqui adois anos, quando voltares desse maldito intercâmbio. Hoje cedo fiz um desenhode bonecos de palito simbolizando nos-sa união, nossos filhos, nosso futuro. Pos-so estar exagerando, acho que estou viajan-do. Vou procurar algo pra fazer.”

Armando diz para Agatha

“Me pergunto há meses se real- mente insinuei todo o amor que sentia por ti. O fato é que você não é muito chegada na minha fruta, mas tenho quase certeza que o motivo para nosso rompi- mento repentino foi bem simples: essa sua namorada paranóica te proi- biu de falar comigo. Se é assim, fique sabendo que, sim, o tempo inte- iro eu estava caidinho de pa- ixão, embora pudesse cons- tatar que você era muito mais masculina que eu. Estou de olho em você! Bem como sei que você está de olho em mim.”

vinte e dois

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Hudson diz para Elza

“Acho que depois de decantar toda essa situação massacrante, creio que já pode-mos começar a ser amigos. Quem sabealgo mais. Consultei uma cartomante eela me mandou te procurar de novo. Topas uma caminhada na ponte? Quenem antigamente. Não. Mudei de idéia.Nada disso. Você continua a mesma, econsigo enxergar exatamente ondetoda essa lorota vai dar.Passar bem.”

Higino diz para Dorotéia

“Me desculpe por qualquer mal que eu tenha te feito. Naqueles tempos, eu vivia um momento conturbado e injusto. Te acha-va feia, mas seu jeito doce estava quase me conquistando por inteiro. Pode pesquisar, perguntar a conhecidos meus... eu sou desses caras que prefere o lado interior, saca? Teríamos, no en-tanto, dado muito errado, pois você é justamente o oposto disso. Se cuida e vê se fuma menos.”

Frederico diz para Camila

“Sei que te feri no passado. Hoje você está rodeada de gente escrota, mas sei que, no fundo, aquele coração puro ain- da bate forte. Não tente disfarçar o ódio que sente por mim, principalmente por ter me negado ficar contigo durante aquele bailinho. Lembro de quase ca- ir para trás lendo um poema de raiva la- tente que você postara naquele seu blog decadente, no dia do meu aniversário. Na época, eu queria muito a sua ami-

vinte e três

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ga, Lêda, que com o tempo mostrou-se uma criatura completa-mente execrável. Podíamos estar juntos hoje, se você não tivesse se tornado uma menina tão fedorenta.”

Francisco diz para Carmem

“Guardo até hoje a embalagem de chiclete de menta que você me ofereceu no ônibus, quando voltamos juntos daquele festi-val de inverno, há quatro anos e pouquinho. Continuo de olho em você, embora ainda não tenhas desistido desse cara, que se-gundo as más línguas já te traiu diversas vezes sem deixar pistas. Gostaria de te confessar que perdi a virgindade contigo, apesar de não ter aparentado - e olha que você já era bem experiente, como confirmaram uns amigos que dividiam o alojamento. Eu sei, pode dizer que sou metido mesmo, mas todo iniciante viria com esse mesmo papo.”

Samir diz para Judite

“Seu pai, militar conservador, não deviagostar nem um pouco dos nossos na-moricos na varanda, assistindo refle-tores no céu, tomando coca-cola e co-mendo pastel. E jamais passamos dis-so. Você não deveria ter dado ouvi-dos para aquela gorda gótica. Alémde ter te colocado contra mim, ela certa-mente me amaldiçoou aquele ano se-guinte. Sempre fui um rapaz meio céti-co, mas nunca vivi tamanha maré de a-zar como naquele período. Ah, toda vezque vou ao centro, passo na frente do seu prédio. Você ainda mora lá?Lembranças do seu ‘Sá-Sá’.”

vinte e quatro

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Pombo-Causos: só porcausa da sua unhaUm casal trintão – na verdade, o rapaz fez trinta e dois mês passado, e a dama tem vividos vinte e sete – se arruma para um programa à noite, numa sexta-feira violentamente chuvosa. Um esperado jantar, digamos “de gala”, que uma amiga gordinha do casal realiza a cada seis meses, para reunir o pessoal da ex-turma do terceiro ano de suas escolas. A moça se chama Bete. E o rapaz, vamos chamá-lo de Lucas, nunca deu importância para esse tipo de festinha. Não vê sentido em reunir uma porção de ex-colegas, que durante suas convivências não se davam nada bem, mas de repente resolvem forjar um riso amarelo para suas fotos de porta-retrato e redes sociais. Uma situação raríssima, não acha? Lucas acredita que esse tipo de conduta irá acabar daqui a uma ou duas gerações. Ainda é uma mania brega des-sas últimas gerações pouco familiarizadas com computadores e internet, exceto pelos mais retraídos da turma que resolveram prestar vestibular para ciências da computação quando era um curso obscuro.

vinte e cinco

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Bete está linda e maravilhosa. Perdeu uns quilinhos após uns olhares suspeitos que suas colegas (feias) do escritório esboçaram no mês passado, fazendo com que entrasse em uma compulsiva paranóia de emagrecer. Conseguiu. E hoje em dia, talvez pen-sando – ingenuamente – que esteja numa fase “boa de astros”, o relacionamento do casal tem sido vigoroso e apimentado. Mas Bete continua sendo um poço de inseguranças.

O casal está atrasado para a festa. Lucas já está devidamente vestido e perfumado, e espera sua mulher por mais de quarenta longos minutos. Mas a dúvida não está no vestido. Lucas ga-nhara uma promoção de aniversário no trabalho, e parte do bô-nus recebido foi gasto em novos e caros vestidos para Bete. A dúvida cruel dela era quanto ao esmalte das unhas. E eis que es-tão finalmente terminadas. Animada, sai do quarto para mostrar o resultado ao marido:

- Pode esquecer. – Diz Lucas.

- O que foi? Estou gorda? Meu vestido está feio? O cabelo. É o cabelo, não é?

- Não, não é nada disso. Olha, minha paciência está no fim. Isso não.

- Querido, se acalme. O que houve? – Pergunta Bete.

- Meu bem. Sem cérebro estou eu. E agora? Como é que eu olho pra você sem me desconcertar?

- Querido, você pode ser mais claro?

vinte e seis

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- Para explicar o que me assustou… – Bete começa a lacrimejar – Não chora!

- Você nunca gosta de nada do que faço. Pode dizer, a combina-ção ficou catastrófica. – Diz Bete, já chorando.

- Há algo em você que não conseguiu me agradar. – Diz Lucas, conciso.

- O que? Diz logo!!! – Grita Bete, começando a ficar sem con-trole.

- Bem, eu vou dizer, vou falar devagar. Por favor, presta atenção: Não gostei, vão falar, comentar, e você não vai gostar.

- Por que tanta dificuldade? Por que você tá assim, querido? – Bete não só chora, como já começa a escorrer ranho das narinas.

- Só por causa da sua unha. – Diz Lucas, constrangido, olhando para baixo. Ele já não tem coragem suficiente de encarar a es-posa, tomada de choro e unhas horrorosas.

Bete havia perdido cerca de quarenta minutos se arrumando, como já dito. Mas cerca de duas horas foram reservadas a uma manicure do interior, que enfrentou uma longa e penosa viagem de cinco horas por uma estrada repleta de buracos. É a “pintura da sorte”. Uma das coisas mais constrangedoras da moda atual. Pontos coloridos, formas incertas e uma breguice incalculável, bonita apenas para algumas pessoas, não para Lucas.

- Não… Não dá pra tirar! – Grita Bete, enxugando as lágrimas, mas soluçando bastante.

- Dê um jeito. Assim não dá pra mim. – Diz Lucas, numa posição mais “machista mandão”.

O telefone começa a tocar. O clima de histeria toma conta da sala. Faz de conta que a trilha sonora começa a ficar bem tensa.

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- Não atenda! – Grita Bete.

- Não diga nada. Vou atender, e darei uma desculpa para nossa ausência. Não vamos mais pra esse negócio.

- Ai meu Deus! Não atende! Deixa tocar. Eles vão ligar nova-mente. – Esperneia Bete, voltando a chorar, desesperada. Ela então corre para o fim do corredor e bate a porta do banheiro com força, se trancando. O telefone para.

Lucas fica bastante transtornado. Um grito estridente ecoa do banheiro:

- Não vamos faltar essa festa! Espere, ou está tudo acabado en-tre nós!!! – Diz Bete, desesperada.

Lucas se espanta. Corre ligeiramente até a cozinha e observa o mural ao lado da geladeira, com um calendário de acompa-nhamento médico. Ao lado, uma cartela de remédios tarja-pre-ta. Bete não havia tomado a dose do dia.

Numa fração de segundos, Lucas solta a cartela no chão e corre com todas as suas forças, derrubando vários vasos de plantas e arrastando cadeiras e tapetes pelo apartamento. Bete sofre de sérios transtornos mentais, e provavelmente estaria entrando numa crise.

Antes de alcançar a porta do banheiro, o telefone volta a tocar. A porta abre-se lentamente. Lucas resolve seguir seu coração: ignora Bete e atende o telefone.

Observando atentamente a porta do banheiro se abrindo, en-quanto leva o telefone à orelha, uma grande poça de sangue começa a se formar, invadindo o corredor. Adicione a isso al-guns violinos bastante agudos criando um clima tenebroso de terror no apartamento desse singelo casal jovem. Lucas pensa um pouco no passado, lembrando de um grande amor que ja-mais insistiu em alcançar por conta de sua patológica timidez de adolescência. Era uma moça absolutamente normal.

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Bete surge com os dedos ensanguentados. E um alicate para fins elétricos em uma das mãos. Ela grita, chora e anda lentamente em direção do marido, que está em completo pânico. Bete solta o alicate, que cai por cima da poça, espalhando pingos de sangue pelas paredes do corredor.

Bete havia arrancado todas as unhas.

De braços abertos, em forma de abraço,segue em direção ao marido. Lucas lar-ga lentamente o telefone, que caino chão se espatifando e sumindojunto com a voz de Dorotéia, gordi-nha simpática que organiza os en-contros da turma.

- A.... A festa foi adiada. Por causada tempestade.

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vinte e nove

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Pombo-Tirinha: entrevista de emprego

trinta

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Mensagem: não tente

Forte ABS!

trinta e um

Devo dizer que tenho recebido centenas de E-mail’s no [email protected]. Me comovo com a quantidade de leitores que me dizem basicamente a mesma coisa: volte às ruas. Andei sumido, e vou tentar explicar o porquê.

O Pombo Amigo não morre. Ele passa por um momento de observação do meio, do terreno de combate. Você sabe, para bem enfrentar o inimigo, comece a conhecê-lo. E é o que fiz, o que tenho feito, e que se – caso relaxe demais e perca o fio da meada, e tenha certeza que esse dia chega – não o fizer, terei de pensar em fazer. Não precisamos conhecer o inimigo, para que ele e-xista. Até agora não entendi bem o que tentei explicar. Sigamos.

O pensar no explosivo, o preparar a bomba e a tomada de inicia-tiva devem partir de uma constante essência de ser todos esses processos. Você não decide fazer algo só por divertimento, num estalo de dedos. Você é o próprio homem-bomba, entendeu?

Saindo do ventre da sua mãe, o médi-co pensou consigo “masque gracinha, ele pare-ce uma bombinha”. Se me dizem – E comodizem – “Caríssimo Pombo Amigo, para tu-do temos uma primeira vez, correto?”.

Correto, você se inicia. Mas os atos não neces-sariamente os transfor-mam, caros leitores. Esim a vivência nos mesmos.

Pelo menos eu acho.

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Você não inicia a coisa, mas se inicia na mesma. “Não pense que é. Saiba que é”. E é com essa afirmação de Laurence Fishburne a Keanu Reeves que faço mais uma pequena nota acerca des-sas sucessões de tentativas que acabam por resumir a minha, a nossa, a sua vida. Se você almeja demais algo, saiba que existem três caminhos:

1. Dar Errado

Somos falhos, mas a gente pode ter lutado muito para que fosse dessa maneira. E se você é o dono da verdade, certo demais, então Ok, a culpa não é sua. Mas outro dia li, pixado numa es-cadaria da rua: viver dói;

2. Dar Certo

Parabéns. Agora você está convencido de que é mesmo muito bom. Que venham terremotos, tsunamis, marchas ou qualquer espécie de transtorno da natureza, você escreveu o caminho e tinha que dar certo de qualquer maneira. Mas olha, sorte existe. Pague em dia o seu carnê do Baú.

3. Dar Certo mais ou menos, ou dar certo dando errado daqui a pouco

Assim você me confunde.

Vamos com calma, pois boa parte dessa mensagem não faz o menor sentido, ou eu mesmo não sei administrar o que disse.

Feche esse livro. Concedo esse momento único e exclusivamente para você, dedicado leitor, enjoar a sua leitura. Mesmo que isso já tenha acontecido. Acesse um site engraçado, cozinhe algo, vá pra a rua. Esse momento é todo seu. Vá!

Depois que fizer isso, você pode finalmente prosseguir com o desfecho da mensagem enq...

trinta e dois

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Ufa! Voltamos... E o desfecho que prometi:

Não deu certo, tente. Não deu certo de novo, tente novamente. Comece a desconfiar, mas tente de novo. Nada dá certo, tente com a consciência de que o seu negócio é/pode ser outro e que consequentemente você não presta tanto para a coisa em questão. Mas continua nessa (tentando, né? Vai que dá certo).

Eu te diria não tente. Só que por questões de ética e livre ar-bítrio, sujo sua jaqueta nova se quiser. Estou no alto desse poste, você está facinho. Eu de quebra riria bastante da sua cara, aqui de cima. Sou o seu amigo, e não o faço.

Fique comigo! ABS

trinta e três

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Entrevista: Ezequiel e o “disk-protesto”

Ligue Djá! Seu país é injusto com suas políticas e atitudes fascistas? Você sente que, embora o discursso de democracia seja repetido incessante- mente na mídia, os cida- dãos são profundamen- te perseguidos e censu- rados? Você quer usar sua droga em paz e ainda ca- çoar da polícia na rua? Conversamos com ele, Ezequiel Lira Feitosa,

presidente de uma oganização secreta que arquiteta protestos como – não veja nada de pejorativo nisso – companhias que animam festas de criança. Uma espécie de central de telemar-keting com atendimento agendado. E uma equipe pronta para formar as melhores resistências urbanas possíveis. Com filiais nos quatro cantos do Brasil – pensando em expandir para al-guns pequenos países latino-americanos – a sacada empreen-dedora deu certo e tem rendido bons frutos.

Pombo Amigo: Fico muito feliz em você ter aceitado essa en-trevista. Acompanho o seu trabalho sério faz tempo, e acredito que o público mais do que nunca. São de pessoas assim que precisamos para rechear a cabecinha desses nossos moleques que não só representam o nosso agora, mas o nosso amanhã. O jovem é a esperança, e você sabe liderar muito bem essa fatia engajada da nossa sociedade. E claro, quem ama a pátria vai concordar comigo por tabela.

Ezequiel Lira Feitosa: Que gracinha, Pombo! O prazer é todo meu. Apenas quero ressaltar que pedi, antes da entrevista, que

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não revelassem o nome do grupo, para evitar qualquer tipo de encrenca. Somos uma entidade de participação voluntária e anônima. Mas não podemos revelar nossas fontes informativas e patroci... doadores, por exemplo.

P.A: Agora você conquistou a minha atenção! Conta aí, queridão! Não vais fazer essa desfeita, heim?

E.L.F: Deixa isso pra lá, Pombo! He he he.

Nosso entrevistado interrompe a conversa, e tivemos um breve papo tranquilo com acompanhamento de seu assessor. É com diálogo claro

e democrático que as coisas se constroem. Vamos em frente.

P.A: É óbvio que eu estava brincando. Nosso público tem um senso de humor meio peculiar. E eu acho que é nessa pegada que a gente vai seguindo em frente e sobrevivendo nesse jogo chamado vida. Acho que estou um pouco empolgado com essa entrevista, e o leitor pode até achar que eu estou ficando maluco. Costumo ser mais cordial em meus discursos. Mas conte-me, como começou a organização?

E.L.F: Éramos jovens sonhadores, estudantes de filosofia, história, letras ou ciências sociais. Cheios de energia e dis-posição, mas muitas vezes levados ao desânimo extremo. Parte desse grupo tentou se candidatar a presidências de diretórios acadêmicos, lideranças jovens de grupos de resisência, ONGs de amparo a minorias, tudo sem muito sucesso. Éramos pro-fundamente ridicularizados, e você sabe como calouro é, louco para se integrar, mostrar serviço. O bicho-homem é um animal social, e sua arquitetura biológica foi feita para a integração com grupos. Não contentes em sermos constantemente escanteados em nossa rotina diária, passamos a frequentar uma série dessas manifestações de rua. Nem todos do grupo aguentaram a barra, muitos saíram. E como a revolução estava em nossas veias desde pequenininhos – eu, por exemplo, era fã do programa da TV CRUJ* no SBT – a persistência nos acompanhou.

* Comitê Revolucionário Ultra Jovem

trinta e cinco

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P.A: Muito interessante...

E.L.F: Evidentemente que achávamos uma série de falhas nesses manifestos, principalmente do ponto de vista discursivo, estético, logístico... Manifestos extremamente mal elaborados, colocações fracas, estratégias – tais quais percursos, rotas, atos e formas de dialogar – bastante desatualizadas, caretas. Sem con-tar com a pífia quantidade de gente que comparecia às ocasiões, dados os milhares de participantes que confirmavam presença nos eventos do Facebook. Precisávamos dar um gás nisso, aju-dando os nossos companheiros, e claro, atraindo aqueles flertes-fatais, porque ninguém é de ferro. Então nos juntamos com consultores da área de comunicação e fincamos nosso lugar ao sol. O trabalho começou.

P.A: Mas, deixa eu ver se eu entendi, e me desminta se eu estiver errado: uma das críticas mais ferrenhas dos nossos jovens são para com as costantes privatizações, que dão o poderio impe-rialista para poucos porcos de araque dominarem esse sistema injusto que tanto suga a alma da nossa gente. E vocês, destaco agora, de certa forma privatizaram a luta?

E.L.F: Privatizar? Essa palavra nos enoja, e está muito longe do nosso vocabulário, querido. Entenda bem as coisas, saiba sepa-rar os grãos de feijão. Detestamos o governo FHC, embora boa parte de nós fossemos crianças naquela época. A questão é que nada se colhe sem que hajam sementes plantadas. E você há de concordar!

P.A: É claro! É claro! Agora conte-me... vamos supor que na minha rua tenha uma linda vista para um vale arborizado, e de repente querem meio que construir edifícios nessa área. Como proceder?

E.L.F: Antes de tudo, você sentiu muita raiva nessa ocasião?

P.A: Puxa vida, bastante!

trinta e seis

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E.L.F: Ligando para o nosso disk-mudança, temos um sistema de ramal bastante organizado. Caso detectemos que o manifes-tante encontra-se em estado bastante emotivo, o encaminha-mos para uma equipe de psicólogos de plantão que conversarão e o tranquilizarão. Dependendo da melhora, a ligação é passada para uma gravação motivacional – com músicas de Geraldo Vandré e frases de Pablo Neruda repetindo num intenso man-tra. Pensamos em, futuramente, extender esse kit para uma sé-rie de dvd’s com imagens motivacionais de combates estudantis a policiais em 1968 e lances inesquecíveis do falecido Sócrates, ex-jogador do Corinthians.

P.A: A idéia é sensacional. Mas antes que eu comece a falar muito, por favor prossiga!

E.L.F: Como você disse na introdução, estamos espalhados pe-los quatro cantos do país. Nossas sedes físicas, no entanto, estão aos poucos dando lugar a núcleos de resistência civis, devida-mente disfarçados em corações de estudantes e demais parcelas revoltadas da população.

P.A: Exemplifique os “demais”...

E.L.F: Bem, não importa. Na verdade não me vem à cabeça. Mas existem. Ou devem existir. E se não existirem, deveriam. Prosseguindo... nossos núcleos estão atrelados a uma série de empresas contribuintes. Oferecemos o canal a contrato de carros de som, aluguéis de megafone, empresas têxteis para confecção de faixas, camisetas e acessórios, animadores de passeata...

P.A: Tivemos um caso recente de uma manifestante ser bar-baramente agredida e presa por um policial que covardemente borrifou spray de pimenta nela e em suas companheiras duran-te um protesto contra aumento das passagens de ônibus. Seu grupo se resposabiliza por danos do tipo?

E.L.F: A citada estudante era a Marília, uma querida atriz do nosso elenco de manifestantes suporte. Ela foi escolhida a dedopara ser mártir do tal evento das passagens. Montamos o mise-

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en-scéne e acabou dando tudo certo. O guarda teve a oportuni-dade de conhecê-la melhor após a prisão, e hoje os dois encon-tram-se noivos. Não é demais?

P.A: O amor move montanhas.

E.L.F: E com isso vamos em frente. Nosso público-alvo é real-mente muito mais amplo e variado do que você imagina. A quantidade de agências que setorizamos os serviços já passam de cem, mas apesar de um incontável número de envolvidos, nada saiu de fato do controle de nossas mãos, especificamente, eu e meus sócios. Sim, aqueles mesmos estudantes ridiculariza-dos no passado. O mais espetacular disso tudo é que consegui-mos nos relacionar com as meninas mais bonitas dos núcleos de resistência da escola. Graças a nosso sistema de levantamento investigativo e fichamento detalhado, soubemos identificar in-clusive quais dessas meninas tiveram uma verve de fato radical, quando opostamente haviam casos de meninas que literalmente mudaram da água pro vinho em termos de comportamento.

P.A: Explique-me melhor isso...

E.L.F: O jovem não tem mais interesse por shopping center, por boliche e nem mesmo de assistir um filminho no cinema. Isso ficou caro. E chato. A marcha tornou-se o verdadeiro shopping center móvel, e isso não chega a ser uma piada minha.

trinta e oito

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Parte do nosso lucro, tirando as doações, vem de funcionários nossos que ficam vendendo artesanato à paisana em algumas dessas manifestações. Conhecemos testemunhos de meninas caretas, ditas “de família”, ou como alguns gostam de dizer “pra casar” que mudaram. A gente muitas vezes é procurado por pais de algumas delas, desesperados com o elevado nível de despre-paro de suas pimpolhas para o mundão lá fora. Então nosso serviço acaba sendo um direcionamento de comportamento contemporâneo. Quem não está nessa, está para trás.

P.A: Interessante como tudo é friamente pensado e calculado. Existe alguma espécie de fator motivacional para que alguns jovens, em especial essas meninas “de família” que você cita tomem atitudes? Só para não perdermos o fio da meada...

E.L.F: Evidente que sim. As que se saem melhor na competição interna recebem premiações de acordo com nossos critérios de pontuação. Distribuimos kits da nossa boutique, tais como bótons de Karl Marx, camisetas do Che Guevara e bonés do MST. Os radicais de direita morrem de ódio, mas sou amigo de infância de diversos deles, e sempre que posso, para não guardar mágoas, convido-os para um delicioso caviar esperto em meu apartamento. Sou um sujeito espirituoso e odeio embates. O ser humano tem mais é que se unir, coletivizar, ocupar. Criar rixas faz um baita mal à saúde. Eu prefiro manter meus chackras abertos. Conselho de vó que guardo pro resto da vida.

P.A: Fico comovido com seu pensamento. Continue assim!

E.L.F: Com todo prazer, Pombo. Adorei nosso papinho. Posso registrar esse nosso encontro? Chega mais!

O assessor escolhe o melhor ângulo, a melhor luz e uma lente espe-cial. Essa foto estará em breve disponível na rede social mais pró-xima, assim como fabulosos momentos que são registrados em nosso dia-a-dia, como aquele lindo ovo frito do café-da-manhã passado.

Vida longa à luta!

trinta e nove

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Drama

Muita gente pode espalhar por aíSendo mais de mil lugares, não controlei

Sei que sabem muito mais do que eu mesmo sei

Fiz, mas não foi pra ser um mero nadaCoadjuvante ou figurante

Eu fiz, fiz simPra ser ator principalPassaram para o vilão

Público desqualificado!Do que adianta se não me entendeu?

Você não imaginaO quanto eu me arrumei

O melhor perfumeEu botei

A meia mais limpaEu calcei

Mas não sei se adiantou:Cara de quem não gostou.

quarenta

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Pombo-Causos: o novo diaNão é fácil acordar com um mantra ressoando nas paredes cra-nianas, e talvez em cada borda de vaso sanguíneo pelo corpo. “Pise, pise, pise, pise”, centenas de vezes. Foi um conselho que recebi do meu amigo ontem, em momento ápice da luta con-tra a lei da gravidade, e talvez ainda esteja assustado em ter que aceitar. Mas que me abraça com uma familiaridade de um velho conhecido. O conselho, além do amigo.

Observo uma formiga vagando pelo piso do meu quarto. É branco, fácil de identificar esse tipo de ameaça. O branco alerta a manifestação de quaisquer cores, curiosamente por ser o resul-tado de todas elas. É a arte da guerra. A formiga se aproxima de mim, determinada em me acessar via dedão do pé, para sabe-se lá para onde. Imagino-a percorrendo os mais estranhos camin-hos, querendo acessar essas mesmas veias e paredes cranianas que tanto conduzem com perfeição os mantras provenientes do insucesso. Aguardo tudo, visualizando o contraste.

O que fazer? Em dado momento, quando está a milímetros de mim, o espetar das palavras novamente se manifesta. “Pise, pise, pise, pise”. Ao meu ver, aquele ser não me traz qualquer ame-aça. Mas, da maneira como me assusta, projeto-me no futuro próximo em que posso visualizar algumas dezenas de caminhos possíveis. Sou assim há mais ou menos uns quinze anos. Livre de qualquer rumo fictício, que certamente eu desconheça. Mas consegui ver as mais estranhas cenas daquela formiga.

Para ela sou gigante? Ela não parece temer ou sentir. Seria to-mada pelo instinto animal. O instinto dá coragem? Fico imagi-nando se ela tivesse consciência, se temeria acessar o gigante. O gigante que teme um ser de escala absurdamente menor que a sua. Como muita coisa na vida.

Eis que piso no bicho. Todos os gritos se silenciam. Não existe mais razão para tais mandamentos. Posso, se quiser, guardá-los para outras ocasiões, mas exatamente agora não precisa mais. O meu dia é, à partir disso, completamente diferente. Jamais me meti com formigas. Uma diferença que assusta pelo fato de eu

quarenta e um

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conviver com ela na sequência de todos os dias. A maneira como abro a porta, encontro meus pais, passo manteiga no pão ou ob-servo a mesma paisagem da janela da sala. É tudo sempre igual, mas hoje foi assustadoramente diferente. Usei meus pés, mais do que nunca.

Muitos desses caminhos aos quais sou projetado, muitas vezes conscientemente, parecem capítulos de uma saga prescrita. No entanto, seria tonto de minha parte afirmar isso tal qual um mantra. Acredito que aceitar o “Pise, pise, pise, pise” é uma for-ma de achar o caminho através de nada menos que o local mais apropriado, que eu, num passado recente, não haviam me dado conta qual: o chão.

Resolvi levantar cedo também, afinal de contas vou ser alguém que precisará de grana pra pagar as contas no fim do mês.

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Pombo-Tirinha: escolhas

quarenta e três

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Mensagem: a traiçãoNas minhas andanças pelo centro da cidade, em busca do me-lhor alpiste que alguns mendigos me jogam pra eu me deleitar, ouço alguns relatos dos últimos velhos dessa região, os octo-genários mesmo, dos tempos em que esses edifícios encardidos eram imponentes e realmente ativos. Velhas donas de elegantes docerias ou restaurantes que hoje viraram mijódromo. Ouvi um causo interessante sobre lealdade em família, e concluirei a dica desse capítulo após relatar essa historieta para o leitor interes-sado:

Era uma vez um patriarca, desses pré-idosos, em sua época a-marelada-antiga, sentado na cabeceira da mesa. E dizia:

- Venham todos, a janta está posta.

Ninguém demorava, ou a mãe esbravejava. Era a verdadeira che-fe da casa. Todos os filhos aprenderam a comer sem derramar nada, sem deixar restos, e com as bocas devidamente fechadas. Era o pacto do meio-dia. Já naqueles tempos, a reunião familiar era algo difícil. Vamos chutar que viveram a época da depressão operária. Todos correm para seus afazeres, mas o almoço/janta são importantíssimos.

Uma dessas crises brabas chegaria um dia na família. O pa-triarca enfrentava grandes dificuldades em sua mercearia, que milagrosamente, até então, jamais havia dado dor de cabeça. A vizinhança tomara conhecimento, e pouco era a solidariedade nessas horas.

- Sabem qual é a coisa que mais odeio nesse mundo? - Pergun-tava, em tom de desabafo, para sua mulher e filhos.

- Não! - disseram os cinco em um coro ensaiado.

- Certamente, não existe uma raça pior que o tal do agiota.

Muitos anos se passam, e o patriarca morre. Deixa uma herança meia-boca, e a família se esquece da triste perda após alguns dias

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de tapinhas nas costas e lenços secos cobrindo caras de “cho-ro”. Nenhum dos filhos obteve êxito financeiro, então qualquer ajuda servia. Viviam bem, na medida do possível, mas sem luxo. Começavam as discussões para repartir a “herança” deixada pelo velho.

Um ou outro irmão tinha condição pior. Um ou outro irmão gostaria de ter mais que os outros. E um ou outro irmão, natu-ralmente, gostaria de ajudar o mais necessitado, ou até mesmo o menos. Essas coisas são absolutamente normais, das janelas que espio. Das frestas e cobogós.

Mas se um dos irmãos, ligeiramente mais “abastado”, resolve ajudar o mais modesto, logo cria-se um fétido clima de ciúmes no ar. Um dos irmãos, enciumado e tomado de revolta, mani-festa-se contra o benfeitor.

- Você pode dar a sua parte para o durango, fazer o empréstimo que for. Ele não tem onde cair morto mesmo. Vocês são adultos, e até a mamãe pode emprestar a parte dela, para auxiliá-lo na reforma de seu casebre. Mas que fique claro que não concordo. E todo o dinheiro emprestado deverá ser pago, com juros e cor-reção monetária. E eu estarei presente para conferir tudo na hora do pagamento, daqui a uns anos (sugerindo que o irmão paupérrimo jamais teria condições de honrar com o emprés-timo familiar).

O clima foi o mais esquisito possível. A doçura daqueles famili-ares sumira, e a mãe calou-se numa tristeza sem volta. Envelhe-cia vinte anos em cinco.

Fecha-se um ciclo de geração. O pai, nesse momento, deveria estar se debatendo em sua sepultura. A mãe, já velha, não tem mais forças suficientes para esbravejar.

A conclusão é bem simples: não faça esse tipo de coisa. Ou de-feco na sua cabeça. Mesmo. O mundo não precisa desses atra-sos. Um forte ABS.

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Fato verídicoUma vez, um amigo de um amigo meu

Me contou a história do fim de um malfeitorQue aterrorizou lindas donzelasDe um povoado lá da Amazônia

Onde o pai do amigo do meu amigoVivia um período feliz

Nesses tempos ele era oficialDa temida ditadura do Brasil

E sentiu que o fim do fétido animalDeveria ser exemplo pra jamais ser esquecido

Depois de uma emboscadaO fim da caçada

Amarra o Zé NadaEncara-o com espingarda

Enche-o de terror, pra no final não atirar nadaE toda a tropa, só risada

“Alonga tudo pra eu dar um tabefe!”

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Reunir os seus colegas, decidir o seu finalAnotar e amassar as sugestões em um papel

Recebendo algumas dicas das patentes do quartelConvocar uma votação com as sugestões mais estranhas

Vencendo a mais temida, a lagoa das piranhas

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O que vi, não mintoPés no cimento

O velho balde, antes inútilAgora está pesado

Borbulha o atoAfunda depressa, engrossa o caldo

Do chão aos dentesÉ só um salto

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O resto da história eu não sei muito bemNão sei o que ocorreuNão sei se foi boa idéiaContar o que aconteceu

Aconteceu!Não sei com quem

Mas faz de conta que eu não contei

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Entrevista: Tabatah, uma retina abençoadaVivemos, sem dúvida, uma era de rapidez de informações e sincretismos mil, movimentados pela Geração Z. A transgressão artística nunca esteve tão em alta, de modo que é/seria muito difícil citar todos os expo-entes que eu gostaria de trazer para es-se nobre espaço. Se vivemos uma era de domínio presidencial feminino, não seria diferente no meio imagéti-co. Quem procrastina – essa é a gíria do momento –, não aparece. Nossa entrevistada faz, e muito. Não é ape-nas mais um rostinho bonito. Ela é Tabatah Bitencourt, fotógrafa iconoclasta, xodó da novíssima cena musical, cinematográfica e alterna-tiva. A palavra “tédio” a assusta. Ou boring, como prefere chamar, está muito longe de seu vocabulário.

Sem photoshop

Pombo Amigo: Primeiramente gostaria de dizer que fico até meio sem jeito de estar na sua presença. Sou desses que pro-vavelmente nunca falou, mas sempre te observou e sobretudo te admira – “curte”, no linguajar de vocês jovens – bastante. Conte-me como você inicia a sua trajetória e o que te impul-sionou a isso.

Tabatah Bitencourt: Ai, você é muito lindo, véi :} Bom, iniciar-iniciar MESMO foi ano retrasado, criando minha redezinha de contatos e começando a mostrar um pouco do meu trabalho pro público. Mas eu fotografo desde que me en-tendo por gente! Enquanto minhas amigas brincavam com suas bonecas Barbie, meu maior passatempo era fotografar flores, horizontes e meus cats! Hoje fotografo, entre outras coisas, os bebês precoces dessas amigas :} Então tudo isso acabou criando

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esse estímulo lindo para ver a vida através das lentes, o que aca-ba sendo hoje meu estilo de viver mesmo. Fotografo 365 dias por ano, e isso é lindo!

P.A: Embora os leitores desse blog não tenham o mesmo pri-vilégio, fiz um apanhado de suas melhores fotos na internet, em revistas e jornais. Dei uma olhada e constatei que você tem um estilo bastante peculiar. O que te inspira? E o que você busca focar em seus alvos fotográficos?

T.B: Tudo me inspira. O gracioso, o efêmero, bossa nova, rock’n’roll, chico buarque, clarice lispector, leminski, as sombras, as luzes, cores, as sujeirinhas nas fotos, os desfoques… O mun-do é uma coisa muito relativa, né? Pra mim o mundo é bom. Acho que esses telejornais exageram um pouco na negatividade das notícias, porque, por exemplo, sempre que me deparo com mendigos – seres lindos que adoro fotografar – saem ótimas fotografias. Minhas amigas adoram meu flickr, e já consegui conhecer uns meninos muito fofos com algumas postagens que fiz no facebook! Então meu foco principal acaba sendo isso, o mundo.

P.A: Então quer dizer que pra você tudo bem os mendigos na rua? Não acha que já foram bastante representados em trocen-tas fotografias de estudantes universitários sem coração?

T.B: Ai Pombinho, nunca é demais representar a realidade né? Ela está debaixo do nosso nariz, gosto de aceitá-la e vivê-la! Represento minhas fotografias com toda ternura do fundo de minh’alma!

P.A: Vamos supor então que você fosse uma mendiga e que de repente os mendigos tivessem ótimas máquinas fotográficas pra fazer uns cliques seus. O que acharia disso?

T.B: Ah! Só esperaria que não fosse num bad hair day, né? :} (risos). Às vezes não acordo bem comigo mesma e PROÍBO que qualquer amiga tire uma foto minha, mesmo aquelas conhe-cidas como “espontaneamente forjadas”. Gosto de clicar o ins-

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tante cru, mas uma diquinha de beleza sempre é bem vinda, né? Lembro de uma situação engraçada em que fui fotografar uma mendiga sentada numa ponte, e ela prendeu um diadema no cabelo – nem um pouco penteado – pra sair mais bonitinha na foto. Assim que cliquei, só percebi depois que a foto saiu no visor da máquina. Me assustei. Falei “PA-RA, amiga, esse diadema não te favorece!”. Rimos juntas e essa foto acabou me rendendo uma exposição super tchans no hall da facul.

P.A: Vamos mudar de assunto. Suas fotos – bem como seus vídeos – poderiam facilmente ser protagonistas de algum tra-balho musical. O que te interessa na música?

T.B: Tudo me interessa, querido. Diria que em boa parte da vida nunca fui muito ligada em música, nunca entendi BU-LHU-FAS, apesar de ter um irmão que tocava reco-reco erudito no quarto ao lado. Quando fiquei mais mocinha, fatalmente me derreti pelos gatinhos musicais, né? Hoje, diria que meu namo-rado tem uma das bandas que mais me fazem a cabeça (mo-mento merchan: meu lindo fará uma apresentação próximo dia 15 em Rio Branco dando início à sua turnê nacional!). Graças a isso, acabei me interessando por fotografar os fofos de várias bandas que acabei curtindo! De som, adoro Beirut, Truffaut, Nouvelle Vague, Camera Obscura, Wando, Cat Power e Bob Dylan :}

P.A: Como você avalia seu envolvimento com a área cine-matográfica? Já pensou em fazer cinema?

T.B: Acho que tudo é lindo! Comecei a filmar os aniversários da minha vó em Full HD e percebi que a imagem ficava mui-to fofa e meus familiares muito mais bonitos! :} Então algum amiguinho musical meu – não lembro exatamente quem – deu essa idéia genial de filmar apresentações deles. Pombo, eu até gargalho sozinha às vezes (já até borrei uma maquiagem que estava um BAFON, num acesso de riso), só de imaginar que um dos videos mais belos que já fiz foi justamente quando mal sabia manusear o equipamento, então sou sortuda, né? Sai lindo do mesmo jeito. A quem posso atribuir essa dádiva? À vida! Ah,

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e se pensei em fazer cinema? Eu FAÇO, no dia a dia!

P.A: Vamos prum bate bola, querida! Você aguenta?

T.B: Pode vir quente que eu estou fervendo!

P.A: Respostas curtas, vamos lá?

T.B: Manda!

P.A: Sonho.

T.B: Lomo full hd *-*

P.A: Sonho realizado?

T.B: Viver!

P.A: Música…

T.B: Trilha da vida!

P.A: Vida?

T.B: Social!

P.A: Social? E as fotos?

T.B: Associadas ao social!

P.A: E o social?

T.B: Está dentro do jogo!

P.A: Isso é jogo?

T.B: Ai Pombinho, você é tão fofo, véi! =*

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Pombo-Tirinha: tríplice

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A indústriaA indústria a ignorou,

Apenas indagada ao interrogatório antecedente. Inclusive, abdicou imediatamente afazeres indiscretos.

Nefasta danada. Não deu nada, das neuroses diferentemente negligenciadas,

Descreveu nomes desconsideráveis No desejo natural da nostalgia.

Na dela.

Úrsula sempre usurpou suas unânimes saborosas úlceras. Única sorte.

Todos rapidamente tiveram raiva. Também, restavam tantas raquetes torcidas, raladas...

Inconsolável, apagou imediatamente a inspetora. A indústria, atônita, inquietou-se.

A inspetora, arrebatava inconscientementeA inexistência atual.

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Provavelmente, o melhor capítulo

Insira aqui a sua melhor idéia.

1’51’’

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Insira aqui a sua melhor idéia.

2’42’’

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Pombo-Causos: homem marinhoObservávamos na televisão os comerciais dos programas a seguir. Sair para jogar volei na praça à noite nos parecia uma saída mais interessante. Mas cadê a coragem? O pássaro mor-reu de sede e está no fundo da gaiola. O cheiro é forte. Não tive coragem de recolhê-lo, com dó do bicho e temendo cair na lembrança do seu lindo canto. Quis libertá-lo, mas Seu Rubens não permitiu. O velho era apegado ao bicho, e dizia que era por amor. Vai entender! Zé vai buscar uma coca-co-la geladinha no congelador, que pusemos porque estava muito quente. Não pra pedrar, uns dez minutos foram suficientes para a temperatura ficar razoável. Sujei sem querer o tapete. Piz-za de calabresa. Gosto de pedir pizza nessa pizzaria, chamada Mezza Muzza Mezza Calabra. Dá pra se divertir no telefone, a moça ri do sotaque italiano que Zé fez ao pedir os respec-tivos sabores homônimos. Laura chega mais tarde e me pediu pra deixar um pedaço no microondas. Minha fome não foi tanta, caprichei no PF hoje no Cotidiano, sem sobrar nada.

Terminam os comerciais. O próximo programa é um docu-mentário sensacionalista sobre seres obscuros que já podem ter habitado o planeta Terra. A dublagem é muito boa e todos os entrevistados falam com entusiasmo sobre provas cabais da e-xistência de fósseis intermediários que estavam mais próximos dos seres humanos que dos peixes, porém com características reptilianas. Eu e Zé ríamos disso, do absurdo da relação. Laura chega rápido com uma sacola cheia de rúcula. Me dá um beijo rápido e vai dar comida pra Rex. Volto as atenções pro documen-tário maluco. Mas como isso seria possível? Um diagrama deta-lhado salta na tela mostrando a relação dos ferrões do que parecia um siri gigante com cara de escorpião e órgaos que viriam a de-sencadear nos humanos. Nossos dedos eram colados, que nem os pés de pato. Até aí tudo bem. Me lembrei que Laura estava falando disso no café da manhã. A descoberta avassaladora pro-vavelmente não era ficcional. Saiu no Reuters. Nem lemos direito, até porque havia uma página relacionada mais interessante, sobre o aniversário da prisão do matemático e terrorista Unabomber.

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Laurinha tomando chá de camomila.

Na tevê, os diagramas científicos aumentam, mostran-do as evidências evolutivas. Aponto e comento com Zé:

- Ele tem dois ferrões gigantes na representação, você viu?- É porque era marinho.- Arran! Quer dizer então que um homem marinho teria dois pênis?- Nunca houve um homem marinho.- Ah, é verdade.

Laura interrompe a nossa cena inóspita. Uma promoção muito boa para Buenos Aires brilhava no monitor do PC. Quase de graça. A gente provavelmente tem algum dinheiro guardado pra uma viagem dessas, excelente pra espairecer a cuca. Res-gatar – ou criar – uma idéia onírica do nosso coração latino americano, platino, andino, o que seja. Afinal de contas, a serra quase não dá pra ver daqui da janela, nesse mar de prédios. Seu Rubens não fez questão do aluguel esse mês. Presente de natal. De repente é uma boa comprar isso, aproveitar uma baixa esta-ção e preços atípicos nas passagens. O programa já estava ter-

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minando. Verdade ou não, todos os entrevistados eram atores, diziam os créditos finais. A gente acredita no que quer, mas pelo menos foi um sábado divertido. Pouco útil, mas sempre válido. Como quase tudo que fazemos na nossa pacata sala de estar, muitas vezes melhor do que as mil e uma noites da turma. Zé pede pra Laura ver o mapa astral dele. Não acredito nessas cois-as, nem ele. É que Melina perguntou outro dia, acho que ela está meio afim dele. É a velha pala, a gente tá bem ligado. Essa gale-rinha deveria arrumar outras formas de puxar assun-to. Mas Zé tá tão tranquilo que, de repente, desen-volveu uma ligeira crença na posição das estrelas gui-ando seus próximos dias. Melina é dessas que vê alma.

Escrevendo aqui umas idéias antes de ir dormir. Ama-nhã acordo cedo pra ir nos correios. Não tive o menor in-teresse de ir nessa festa hoje. Laura não demorou muito pra voltar, deu pra conversar um pouco e sentir que ainda nos sus-tentaremos muito. Acho que vou comprar aquelas tintas que ela havia me pedido. Saindo dos correios farei isso sem falta.

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