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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA OS ASSENTAMENTOS RURAIS: RECORRÊNCIAS E CONTRAPONTOS A PARTIR DO ESTUDO EM DUAS REGIÕES DO ESTADO DE SÃO PAULO [email protected] APRESENTACAO ORAL-Políticas Sociais para o Campo LUÍS ANTONIO BARONE1; VERA BOTTA FERRANTE2; LUIZ MANOEL ALMEIDA 3. 1.FCT/UNESP, PRESIDENTE PRUDENTE - SP - BRASIL; 2,3.CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAQUARA - UNIARA, ARARAQUARA - SP - BRASIL.

Políticas públicas para os assentamentos rurais: recorrências e

contrapontos a partir do estudo em duas regiões do Estado de São Paulo

Grupo de Pesquisa: POLÍTICAS SOCIAIS PARA O CAMPO Resumo Este trabalho objetiva analisar a ação pública governamental, conforme constituída em arranjos institucionais através de parcerias entre União, Estado e municípios, para o encaminhamento de políticas de desenvolvimento social e econômico dos assentamentos rurais em duas regiões do Estado de São Paulo (Araraquara e Pontal do Paranapanema). Compreendemos que as políticas públicas são formuladas, sobretudo nas esferas federal e estadual, com bastante distância desses agentes concretos. No entanto, o reflexo dessas políticas no âmbito local, atualmente sempre com a participação dos municípios (Prefeituras) e de coletivos institucionais (conselhos), constrói um espaço social no qual os sujeitos de base são chamados a opinar e decidir. Bloqueios inúmeros se revelam nessa difícil jornada rumo à participação cidadã, no entanto, a luta dos assentados cada vez mais ocupa esses espaços. Palavras-chaves: reforma agrária, política de desenvolvimento rural. Abstract This work aims at to analyze the government action, as constituted in institutional arrangements through partnerships among Union, State and municipal districts, for the direction of politics of social and economical development of the rural setllements of Land Reform in two areas of the State of São Paulo-BRAZIL (“Araraquara” and “Pontal do Paranapanema”). We understood that the governamental politics are formulated, above all in the federal and state spheres, with those concrete agents' plenty distance. However, the reflex of those politics in the local circuit, now always with the participation of the municipal districts authorities and of collective institutional (municipal concils), it builds a social space in which the actors of base are called to say and to decide. Countless blockades are revealed in that difficult way heading for the citizen’s participation, however, the strugles of the settlers more and more conquest those spaces.

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Key Words: Land Reform, rural devlopment politics.

1. INTRODUÇÃO Este trabalho objetiva analisar a ação pública governamental, conforme constituída em arranjos institucionais através de parcerias entre União, Estado e municípios, para o encaminhamento de políticas de desenvolvimento social e econômico dos assentamentos rurais em duas regiões do Estado de São Paulo. Temos estudado, já há alguns anos, a situação de assentamento de centenas de famílias de trabalhadores rurais nas regiões de Araraquara/SP (região Central do Estado) e do Pontal do Paranapanema (extremo oeste do Estado). Nossa abordagem analítica tem buscado compreender as tensões sociais geradas no encaminhamento das políticas de assentamentos, confrontando agentes sociais distintos (trabalhadores, lideranças políticas, técnicos governamentais etc.) e suas estratégias específicas na disputa pelos destinos do desenvolvimento dessas experiências reformistas. Compreendemos que as políticas públicas são formuladas, sobretudo nas esferas federal e estadual, com bastante distância desses agentes concretos. No entanto, o reflexo dessas políticas no âmbito local, atualmente sempre com a participação dos municípios (Prefeituras) e de coletivos institucionais (conselhos), constrói um espaço social no qual os sujeitos de base são chamados a opinar e decidir. Bloqueios inúmeros se revelam nessa difícil jornada rumo à participação cidadã, no entanto, a luta dos assentados cada vez mais ocupa esses espaços. Daí a abordagem de estudo da “trama de tensões” (FERRANTE, BARONE e BERGAMASCO, 2008) que se forma a partir da instituição e dinâmica dessas arenas políticas. Analisaremos, sobretudo os programas implantados durante o governo Lula (2003-2010), buscando compreendê-los na sua elaboração teórica (algo que vem de antes desse período), a implementação de ações pioneiras visando essa articulação (inter)institucional (como o caso da Prefeitura de Araraquara), bem como novos espaços de formulação de projetos – como o Território Rural do Pontal do Paranapanema – com suas dinâmicas de funcionamento e confronto. 2. COMPARAR O INCOMPARÁVEL? Como um estudo que se propõe a avaliar a implementação e a gestão das políticas de desenvolvimento para os assentamentos rurais, a partir da mobilização dos agentes que compõem esse campo específico, temos como suporte empírico duas regiões do Estado de São Paulo: a região central do Estado, com os assentamentos da microrregião de Araraquara; e o Pontal do Paranapanema. Nelas a ação pública para o assentamento de famílias de trabalhadores rurais tem intensidades diferentes, tornando difícil uma comparação stricto sensu. Além do mais, embora a pesquisa esteja analisando dados quantitativos levantados em campo1, nossa proposta é entender as tensões e acomodações

1 No desenvolvimento do projeto de pesquisa (CNPq) “ASSENTAMENTOS RURAIS E DESENVOLVIMENTO: tensões, bloqueios e perspectivas (uma análise comparativa em duas regiões do Estado de São Paulo)”, cujos resultados estamos discutindo parcilamente neste artigo, além do estudo sobre as políticas específicas de desenvolvimento para os assentamentos, foi realizado um levantamento

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geradas a partir da demanda por políticas de desenvolvimento específicas, bem como o atendimento – ou bloqueio ao atendimento – a elas, por parte dos governos federal, estadual e municipais. As características socioeconômicas das distintas regiões em estudo revelam uma grande disparidade em termos de desenvolvimento regional. Enquanto a região Central do estado apresenta índices de dinamismo econômico notáveis, a região do Pontal do Paranapanema tem diagnosticado um “esvaziamento econômico”, em favorecimento das regiões fronteiriças de Mato Grosso do Sul e Paraná. Ao privilegiar o âmbito microrregional no enquadramento empírico do objeto, esta pesquisa se defronta imediatamente com as diversidades regionais. O caráter comparativo deste estudo visa, então, ressaltar os possíveis destinos das experiências de assentamentos, em função das tramas sociais constituídas pelos distintos conjuntos de agentes/atores políticos que animam o cenário regional em cada caso, bem como através das tensões que se expressam no campo das alternativas políticas, econômicas e educacionais. Assim, pecuaristas ligados à UDR no Pontal e empresários agroindustriais ligados ao setor canavieiro na região de Araraquara são agentes que apresentam posições simétricas no campo de forças em estudo, mas que não têm necessariamente a mesma estratégia frente às tensões geradas a partir do desenvolvimento dos assentamentos. O mesmo tipo de raciocínio vale para os agentes do poder público municipal, inclusive aqueles filiados à mesma agremiação partidária. A conjuntura na qual tais agentes se movem irá diferenciá-los a partir de sua racionalidade prática, acionada pelos constrangimentos de cada situação concreta.

A região de Araraquara (região central do Estado de São Paulo) conta com três projetos de assentamentos rurais, produtos de diferentes políticas públicas gestadas ao longo dos últimos 20 anos, sendo dois deles de responsabilidade do Instituto de Terras do Estado/ITESP (Monte Alegre e Horto Bueno de Andrade) e um do INCRA (Bela Vista do Chibarro). Os primeiros núcleos de assentamentos (Monte Alegre I, II, III e IV) foram instalados pelo ITESP nos anos de 1985 e 1986 em áreas da extinta FEPASA, ainda na gestão do governador Franco Montoro (1983-1986), tendo sua instalação se completado quase dez anos depois. Hoje o projeto de assentamento Monte Alegre conta com 6 núcleos, perfazendo um total de 416 lotes agrícolas. São 418 famílias que ali residem, segundo dados da Fundação Itesp (existe um outro P.A., o de Bueno de Andrade, em área próxima, cuja origem é praticamente idêntica ao do núcleo VI da Monte Alegre). Além desses núcleos do ITESP, existe um Projeto de assentamento promovido pelo governo federal (INCRA) no município de Araraquara: o projeto de assentamento Bela Vista do Chibarro, com 176 lotes agrícolas (estimadamente) e o mesmo número de famílias. O projeto de assentamento Bela Vista se encontra em terras anteriormente pertencentes a uma usina de açúcar (Usina Tamoio), cuja desapropriação data de 1989. Em que pesem as conjunturas e as configurações políticas dos órgãos públicos responsáveis pelos assentamentos, a própria política de assentamentos obedeceu estratégias governamentais distintas. Enquanto em Araraquara essa ação reformista teve início como amostral nos assentamentos das duas regiões em comparação. Os dados desse levantamento não estão sendo discutidos neste artigo. .

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uma resposta às mobilizações dos assalariados rurais após as greves de Guariba, nos anos 1984-5 (BARONE, 1996) e objetivou, no mais das vezes, áreas públicas do patrimônio da extinta empresa ferroviária estatal (FEPASA), no Pontal, região marcada pela ocupação fundiária irregular, o Estado realizou ações pontuais voltadas para o assentamento de posseiros (e reassentamento de ribeirinhos), até o período mais recente, compreendido pela década de 1990, quando a pressão dos movimentos de trabalhadores rurais (principalmente o MST) teve como contrapartida, notadamente no governo Mario Covas (1995-2000), a instalação de dezenas de projetos de assentamentos, em áreas consideradas devolutas. O Pontal do Paranapanema e sua série de irregularidades em relação aos títulos de propriedade das terras, somada à grande ociosidade na utilização das áreas desmatadas, têm assistido, desde há muito, conflitos e lutas pela posse da terra. À supracitada insegurança fundiária e à ação que os governos do período da transição democrática desenvolveram, através de uma tímida política de assentamento, os diferentes agentes sociais dessa região responderam com importantes mobilizações.

Ainda durante o período do Congresso Constituinte (1987-1998), surge, na região, a União Democrática Ruralista, reunindo os pecuaristas que se sentiam ameaçados pela perspectiva de uma regularização fundiária que lhes tirasse a posse das terras. Em 1990, já no primeiro ano do governo Collor, o MST inicia o seu mais importante processo de luta pela terra no Estado (FERNANDES, 1996). A partir de então, o conflito entre os sem-terra (tendo o MST como a sua organização mais ativa e representativa) e os fazendeiros pecuaristas (liderados pela UDR) tem pontuado a história recente da região. Centenas de ocupações, milhares de trabalhadores mobilizados e acampados, dezenas de ações judiciais discriminatórias promovidas pelo Estado no sentido de identificar e arrecadar as terras devolutas irregularmente ocupadas: esse é o contexto sócio-político do Pontal, que se desdobra desde o início dos anos 1990. Nesse cenário, o incremento da política de assentamentos na região aconteceu, sobretudo, na primeira gestão do governador Mário Covas (1995-1998), como resultado de intensas negociações para arrecadação de áreas e o assentamento de milhares de famílias. O Pontal do Paranapanema é hoje a região com o maior número de assentamentos e de famílias assentadas Claro que a conjuntura política e as forças sociais que conseguiram, mesmo que episodicamente, fazer valer seus interesses na esfera governamental, são as mesmas que incidiram sobre a política de assentamentos nessas duas regiões. Assim é que a abertura política dos anos 1980, com o fervilhar das demandas sociais e políticas reprimidas, estão diretamente relacionadas com a instalação dos primeiros núcleos de assentamentos nas terras do horto de Silvânia (P.A. Monte Alegre) e com a implantação do maior assentamento do Pontal (a Gleba XV de Novembro, entre os municípios de Rosana e Euclides da Cunha). Neste período, durante o governo André Franco Montoro (1983-1986), todo um arranjo institucional foi montado, com vistas a instrumentalizar uma ação reformista por parte do governo do estado de São Paulo (BARONE, 1996). Da mesma forma, uma ação mais intensa por parte do governo estadual voltou a ocorrer em meados da década de 1990 (governo Mário Covas). Paralelamente a um programa de arrecadação de terras para assentamentos no Pontal – região mais conflitada do período – o ITESP buscou reorganizar sua atuação e garantir apoio para setores até

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então desprezados (como os remanescentes de quilombos). Na região de Araraquara, durante o governo Covas, a totalidade das terras da Monta Alegre passou a abrigar assentamentos (hoje são seis núcleos ali instalados).

Com a saída de Covas do governo, primeiro para tratamento médico, depois com seu falecimento (2001), seu sucessor não logrou manter o ritmo de assentamentos no Pontal. Além disso, após a reeleição do vice-governador em exercício - Geraldo Alckimin - em 2002, o próprio ITESP sofreu mudanças na sua direção. A publicação, em finais de 2002, da portaria do ITESP que autoriza as “parcerias” dos assentados com agroindústrias (na prática, uma aceitação da polêmica implantação do cultivo de cana-de-açúcar para fornecimento às usinas) revela claramente uma inflexão na orientação política do órgão estadual – até então resistente às seguidas propostas de consórcio e/ou parceria que foram discutidas ao longo dos anos 1990 (FERRANTE e SANTOS, 2003). O contexto político nacional também rebate de forma mais ou menos uniforme nas regiões em estudo. O governo Lula, iniciado em 2003, toma a iniciativa de ampliar e descentralizar os quadros do INCRA. Em São Paulo, o órgão federal, restrito a sua sede na capital, era frequentemente tido como ausente pelos assentados em projetos federais. A montagem de escritórios regionais (como em Teodoro Sampaio e Pres. Epitácio, no Pontal e em Araraquara) buscou diminuir essa distância administrativa. Destacam-se, nesse movimento de fortalecimento do INCRA, a instalação de alguns assentamentos federais no Pontal do Paranapanema, numa busca por atender a demanda dos movimentos de luta pela terra e num contraponto à lentidão do governo estadual, bem como a forte tomada de posição contrária ao plantio irregular de cana-de-açúcar no P.A. Bela Vista do Chibarro, em Araraquara, o que levou a uma ação de despejo de assentados em finais de 2007 (FERRANTE, BARONE e BERGAMASCO, 2008). Além disso, a possibilidade de ampliação do quadro técnico de campo, via convênios com entidades não governamentais, estratégia bastante utilizada no período recente, forneceu mais assistência técnica aos assentamentos, embora esta não tenha logrado vencer dificuldades já diagnosticadas nessa relação entre técnicos e assentados (BARONE, 2000). Mas, a realização destes programas durante o período Lula, tem, na verdade, uma elaboração teórica e uma primeira proposta que antecedem à eleição de Lula. A seguir, discutiremos sinteticamente a evolução da matriz territorial como base para o desenvolvimento rural, sobretudo com aplicação nas políticas de assentamentos. 3. A ABORDAGEM TERRITORIAL COMO MATRIZ PARA O DESENVOLVIMENTO DOS ASSENTAMENTOS A abordagem territorial para as políticas de desenvolvimento tem sua origem em estudos acadêmicos nos anos 1990, logo sendo incorporada pelo discurso oficial – neste período, sublinha-se, sem conseqüências práticas nas ações governamentais. Essa tendência, marcada por estudos sobre redes institucionais “que permitem ações cooperativas – que incluem, evidentemente, a conquista de bens públicos como educação, saúde, informação - capazes de enriquecer o tecido social de uma certa localidade”(ABRAMOVAY, 2003, p. 84), não encontrou dificuldade para ser inserido em documentos oficiais, já na gestão FHC (1995 – 2002).

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No tocante ao planejamento público das intervenções pró-desenvolvimento rural no Brasil, somente a partir da segunda metade da década de 1990 é que tal enfoque ganha importância decisiva. Segundo analistas da temática, o fundamental nessa nova tendência “é a mudança de prioridade do enfoque produtivista-reducionista para o enfoque da sustentabilidade – um conceito holístico, cuja abrangência envolve os condicionantes ambientais, históricos, sociais, políticos e econômicos, dentre outros” (FLORES e MACEDO, 1999, p. 43). Quando essa discussão se volta para a realidade dos assentamentos rurais, podemos citar o debate de anos atrás sobre a questão da descentralização das experiências de assentamentos. Esse processo, incipiente e inconstante, buscava retirar encargos do governo federal, sobrecarregando – muitas vezes sem contrapartida definida - as Prefeituras no desenvolvimento de ações institucionais nos P.A.s2. No âmbito federal, nesse período, essa problemática começa a aparecer através do debate acerca da "emancipação" dos assentamentos. Na época, teve significativa importância o chamado Projeto Lumiar, embora sua implementação - sobretudo no Estado de São Paulo - acabasse praticamente abortada. Ainda nesse período, mais especificamente a partir do governo transitório de Itamar Franco (1992-1994), algumas mudanças na coordenação das políticas de assentamento passam a privilegiar a chamada agricultura familiar como "linha estratégica do desenvolvimento rural" (ABRA, 1994: p. 161). Com isso, a questão do desenvolvimento local começa a ganhar importância na elaboração das políticas públicas nos órgãos responsáveis pela reforma agrária.

Buscando estabelecer uma linha de continuidade desde as ações do governo Itamar Franco, o governo FHC aprofunda a atuação do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) em 1996, como um passo primeiro na direção de uma política completa para o setor. Sobre o PRONAF, ressalta-se que sua viabilização no âmbito municipal cobra a organização de um Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, fórum cujas atribuições foram aperfeiçoadas nos últimos anos. Reconhecendo que o desenvolvimento de uma política pública para os projetos de assentamentos envolve uma série de dificuldades relativas aos órgãos responsáveis pelos mesmos, aos diferentes níveis de governo (União, Estados e Municípios) e à problemática mais eminentemente política da reforma agrária, qual seja, a forte pressão da mobilização popular e de diversas organizações não governamentais, a criação e fortalecimento de espaços de negociação e articulação de todas as instâncias do poder público para elaboração e implementação de projetos específicos deveria receber apoio decisivo do governo federal.

2 Em abril de 1999, já no segundo mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso, é apresentado pelo MDA, o documento "Agricultura Familiar, Reforma Agrária e Desenvolvimento Local para um Novo Mundo Rural - Política de desenvolvimento rural com base na expansão da agricultura familiar e sua inserção no mercado. Cf. a análise crítica deste documento, inclusive sobre sua não aplicação, feita por FERRANTE, V. L. S. B. e BARONE, L. A. "Assentamentos ruraux et pouvoir local: les tendances de la décentralisation de la réforme agraire" in: CAHIERS DU BRÉSIL CONTEMPORAIN no. 51/52 (Dynamique familiale, productive et culturelle dans assentamentos ruraux de São Paulo). Paris/FRA, CRBC/EHESS, 2003.

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Concomitantemente, o privilegiamento da esfera local (municipal e microrregional) é patente3 no discurso oficial. Trata-se de um "retorno ao território" como base de iniciativas para o desenvolvimento, em substituição a uma perspectiva setorial, ineficaz na promoção da sustentabilidade idealizada. Propostas do governo federal buscando essa direção já estavam presentes nos documentos oficiais desde os anos 1990. A importância da base local para o desenvolvimento sustentável dos P.A.s, propondo linhas de investimentos (via PRONAF), parcerias (termo, a partir de então, substituto do pouco eficiente e burocrático "convênio") e, acima de tudo, uma série de medidas para a organização local de instituições capazes de acompanhar e suportar a difícil trajetória de consolidação dos assentamentos, no entanto, não tiveram correspondência na efetivação de investimentos e projetos executivos. Nota-se que essa nova abordagem pretendia dotar o espaço municipal e microrregional de uma capacidade de decisão e monitoramento até então inexistente. No "Novo Mundo Rural" (1999) estimulou-se a criação de Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável, responsáveis pela elaboração de um Plano Municipal de Desenvolvimento Sustentável - e de derivados Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs) - sob controle dos agentes institucionais locais, como Câmaras de Vereadores, Prefeituras, Sindicatos e outras entidades civis, sempre com a participação de técnicos dos órgãos federais e estaduais voltados para o desenvolvimento da agricultura e reforma agrária (INCRA, Secretarias Estaduais etc.). São esses planos, elaborados localmente, que idealmente deveriam orientar as ações governamentais em todos os níveis, garantindo um controle local bastante preciso sobre os rumos da dinâmica da produção familiar. O enfoque local dado pelo "Novo Mundo Rural" levou a um minucioso detalhamento de ações a serem desenvolvidas localmente, muito maiores, por exemplo, do que as iniciativas de responsabilidade do governo estadual (uma das esferas do poder público realmente promotora de Projetos de Assentamentos). Se a mudança de governo nas eleições de 2002 fez caducar a vigência do documento citado acima, o mesmo não se pode dizer dos termos aos quais ele se refere no tocante à estratégia para o desenvolvimento dos assentamentos rurais – sobretudo a readequação do chamado “enfoque territorial”. 4. O DESENVOLVIMENTO DO “ENFOQUE TERRITORIAL” NO MD A, HOJE A chegada de uma coligação de partidos liderada pelo PT ao governo federal dinamizou o MDA, ampliando seus instrumentos de ação. Apesar de críticas com relação ao encaminhamento da política de assentamentos (OLIVEIRA, 2006; SAUER e SOUZA, 2008), o certo é que um conjunto de iniciativas acabou por conformar um campo institucional e ampliou-se o corpo técnico que possibilitou, dentre outras coisas, dar realidade política à abordagem territorial do desenvolvimento rural concebida no período anterior. A reativação da CONAB, a interiorização e reequipamento do INCRA (de notável conseqüências no Pontal do Paranapanema) e, por fim, a institucionalização e operação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), em cujo bojo o Edital sobre Gestão de 3 Cf. o documento "Agricultura Familiar, Reforma Agrária e Desenvolvimento Local para um Novo Mundo Rural - Política de desenvolvimento rural com base na expansão da agricultura familiar e sua inserção no mercado, citado acima (nota 2).

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Territórios Rurais (objeto deste projeto) se desenvolveu, são exemplos de um salto qualitativo na política de reforma agrária no Brasil, em curso desde 2004. Se o número de novos assentamentos, descontadas as realocações e regularizações, não foi superior ao período FHC (Oliveira, 2006), ou se aconteceu um “rebaixamento” do programa agrário de Lula, comparando-se as campanhas de 1989 e 1994 com a de 2002 (SAUER e SOUZA, 2008) - principais argumentos críticos acerca da política federal atual – um investimento muito mais decisivo na agricultura familiar (que abrange, como no caso do Pontal, os assentamentos) gerou resultados sociais e econômicos notáveis para esse segmento.

Para além desses resultados, que podem ser consignados na desonrosa rubrica de assistencialismo, a busca estratégica do governo federal pelo empoderamento desses sujeitos rurais, fomentando a organização de colegiados territoriais, nos quais essa população subalternizada (no caso regional abordado, sobretudo assentados rurais) pode conquistar sua emancipação, é prova de uma mudança de postura com conseqüências nada desprezíveis. A gestão de territórios rurais torna-se, portanto, estratégica para uma transformação política de longo alcance, no sentido de maior democratização política e econômica, justamente nas regiões mais carentes do país.

A recuperação do histórico das discussões acerca de uma mudança de perspectiva sobre o desenvolvimento rural, valorizando-se aquilo que se convencionou chamar de “abordagem territorial”, apenas revela o acúmulo teórico com o qual o Ministério do Desenvolvimento Agrário pôde trabalhar a partir do início do governo Lula (2003), desenhando uma política de desenvolvimento territorial. A concorrência, de forma decisiva neste período (governo Lula) de atores políticos comprometidos com a reforma agrária e a superação da pobreza rural crônica garantiu tanto um aprofundamento dessas discussões como também a concretização de um programa federal para a promoção do desenvolvimento sustentável dos territórios rurais, que passou a ser implementada a partir de 2004.

Segundo documento oficial do MDA4, em sua primeira fase, o programa teve por objetivos “promover e apoiar iniciativas das institucionalidades representativas dos territórios rurais que objetivem o incremento sustentável nos níveis de qualidade de vida da população rural” (MDA-SDT, 2004, s/pág.). Para atingir tal meta, propôs-se: 1) o fortalecimento das redes sociais de cooperação dos territórios, com ênfase para aquelas que articulam assentados, agricultores familiares e populações tradicionais; 2) o planejamento e gestão social desses territórios; 3) iniciativas fomentadoras da diversificação e dinamização econômica e; 4) uma articulação entre várias políticas públicas, para que tal iniciativa alcance a multidimensionalidade do desenvolvimento sustentável - econômica, sócio-cultural, político-institucional e ambiental (MDA-SDT, 2004). A priorização regional dos territórios teve por base a atuação do MDA (por isso a valorização dos segmentos descritos acima), definindo “territórios rurais” como aqueles territórios nos quais “explicita ou implicitamente” apresenta-se a “predominância de elementos rurais”, mesmo

4 Cf. Ministério do Desenvolvimento Agrário / SDT. Referências para o apoio ao desenvolvimento territorial (Série Documentos Institucionais - Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais). Brasília, 2004.

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compreendendo os espaços urbanizados das “pequenas e médias cidades, vilas e povoados” (Atlas Territórios Rurais, 2004, pg. 10).

A evolução do programa, com a implementação, em todo o país, de 60 territórios prioritários para a atuação do MDA/SDT, com seus colegiados territoriais representativos e um sem-número de ações em desenvolvimento aponta, naturalmente, para a necessária sistematização de todas essas iniciativas, coletividades e demandas. Daí a formação do “Sistema de Gestão Estratégica – SGE, que contribuirá com os processos de gestão de informação e conhecimento e a comunicação dentro dos processos e fluxos de decisão que compõem o complexo esquema da política de desenvolvimento rural com enfoque territorial ” (MDA/SDT, s/d., pág. 3).

Com o SGE, a SDT/MDA procura articular três tipos de atores, fundamentais para a qualificação da (auto)gestão da “formulação, execução e controle social” das políticas e projetos territoriais5. O primeiro é o agente público estatal, conformado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e a Secretaria de Desenvolvimento Territorial-SDT. O segundo grupo é composto pelos atores territoriais, a sociedade civil em projeção num dado espaço geográfico. Nesse grupo encontram-se os agentes públicos locais, regionais e federais e as organizações representativas, conformados no Colegiado Territorial, além das instituições parceiras e as bases de serviços. Neste nível operam, também, as Células de Acompanhamento e Informação (CAI). Por fim, o terceiro grupo de atores reúne os pesquisadores (a Universidade, portanto), outros gestores públicos e a população em geral.

Ressalta-se que essa arquitetura institucional – sobretudo no que tange ao SGE – ainda não foi efetivamente implantada (estando prevista para o ser durante o ano de 2010). No entanto, nos territórios cujas ações já se encontram em desenvolvimento (Pontal do Paranapanema e Vale do Ribeira, no caso paulista), destaca-se a inovação dos Colegiados Territoriais, que reúnem forças sociais diversas, embora tenham dificuldade em contar com a presença efetiva (é o caso do Pontal) de ruralistas e empresários de grande porte.

5. A AÇÃO DE PROGRAMAS MUNICIPAIS COMO MOLA PARA O DESENVOLVIMENTO ALTERNATIVO DOS ASSENTAMENTOS: ARARAQUARA

Quando nos voltamos para a avaliação das políticas de desenvolvimento para os assentamentos na região de Araraquara, encontramos o contexto regional e municipal como base para a tomada de decisões e cenário para ações específicas. Embora pressionados por uma economia agrícola fortemente oligopolista, altamente capitalizada e controlada por agroindústrias poderosíssimas, as conjunturas políticas locais – como no caso estudado de Araraquara – podem criar alternativas interessantes para o incremento da renda e o desenvolvimento dos assentamentos.

O caso da ação dos programas municipais de segurança alimentar de Araraquara, neste aspecto, é interessante porque ele apresenta um conjunto de iniciativas que estão avançando e sendo defendidas no Brasil como alternativas de êxito para o avanço da

5 Ainda segundo o “Documento de Referência do Sistema de Gestão Estratégica”, MDA-SDT, s/d.

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segurança alimentar local. Nesse município, como uma forma de contemplar a agricultura familiar de assentados e pequenos produtores rurais na agenda municipal, foram desenvolvidas ações em parceria com o Governo Federal com dois objetivos: 1) venda direta dos produtores aos consumidores locais (Programas de Feira do Produtor, Direto do Campo, Programa de Aquisição de Alimentos Locais do Governo Federal); 2) integração das produções de alimentos da agricultura familiar em projetos de âmbito local (como a alimentação escolar, o restaurante popular e o banco de alimentos). Tais ações podem levar os agricultores assentados à inclusão social por meio de uma agenda política local, daí o seu caráter “alternativo” no contexto deste artigo.

De uma política de clientela bastante ineficaz desenvolvida ao longo de anos - exclusivamente voltada para o projeto Bela Vista do Chibarro - e tendo como promotores, no mais das vezes, lideranças de pouca expressão, como secretários municipais e vereadores (FERRANTE e BARONE, 2003) - o poder público municipal de Araraquara assumiu uma postura bastante pró-ativa no que tange aos assentamentos da região, a partir do período de governo 2001-2004 (com a vitória de uma coligação liderada pelo Partido dos Trabalhadores).

O principal desafio da nova administração de Araraquara (a partir de 2001), nessa área, passa a ser - segundo os agentes diretamente responsáveis por ela - o desenvolvimento de um plano de gestão dos P.A.s, articulando os diferentes órgãos que atuam nos projetos e buscando soluções para uma série de problemas que os assentados enfrentam. Dentre estes, destaca-se a viabilização de uma alternativa econômica para a proposta de consórcio com as usinas.

A coincidência entre os objetivos propostos pelo então governo federal (expostas no documento “Novo Mundo Rural”) e as iniciativas adotadas pelo, então, novo governo de esquerda em Araraquara não é fortuita. Em que pese a oposição que o partido eleito nesse município (PT) faz ao governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), uma certa unidade de posições pode ser aferida em documentos do PT acerca da questão do desenvolvimento local. Assim é que em uma cartilha, preparada pelo Diretório Estadual do PT objetivando discutir alternativas para o desenvolvimento local no Estado, cita-se não apenas o PRONAF como também a oportunidade de se organizar os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável, exatamente nos termos preconizados pelo "Novo Mundo Rural".

Esta aparente contradição se tornou mais aguda na medida em que se constata a filiação partidária do prefeito que veio a ser o maior propagandista da cana-de-açúcar nos P.A.s: ele era do PSDB, partido situacionista no governo federal. Sua atuação, no entanto, esteve muito mais a serviço dos agentes econômicos que hegemonizam o agronegócio regional do que da implementação da chamada "reformulação da reforma agrária" estimulada pela gestão FHC, que privilegia o fortalecimento da agricultura familiar (FERRANTE e BARONE, 2003).

No tocante à administração de Araraquara, já no programa de governo apresentado pelo PT durante a campanha eleitoral, a estratégia de "dinamizar as atividades do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural" se fez presente. Após a posse, essa proposta caminhou muito proximamente ao indicado pela política federal, até porque o apoio à agricultura familiar também era meta do governo municipal eleito.

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A perspectiva da democratização desse debate, através do estímulo à participação popular (no caso, dos produtores assentados) foi a tônica desse governo, pelo menos como carta de intenções. Sua própria constituição - através de uma coordenadoria junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico6 - já foi indicativo deste caminho.

A coordenadoria de Agroindústria e Seguranças Alimentar surge, portanto, neste período, como uma proposta de centralização de programas e/ou políticas ligadas às questões de segurança alimentar. Esta se tornou pertinente em um contexto em que a cidade de Araraquara passa a se inscrever em vários editais do MDS – Ministério de Desenvolvimento Social – com a finalidade de obter financiamento para um conjunto de iniciativas que visam à inclusão e à diminuição da insegurança alimentar, após o início do 1º. governo Lula (2003-2006). A Coordenadoria de Agroindústria e Segurança Alimentar está submetida à Secretaria de Desenvolvimento. Da mesma forma estão submetidas a Coordenadoria três gerências: Agricultura, Merenda escolar e Abastecimento e, por último, a de Abastecimento Institucional Geral, cada uma responsável por um conjunto de programas, como verificado na figura 1.

Figura 1 - Características dos Programas do Município de Araraquara

Secretaria de Desenvolvimento Econômico

Gerência de Agricultura

Gerência de Merenda escolar e abastecimento institucional

Gerência de Abastecimento Geral

PAA Merenda escolar Banco de Alimentos Programa Direto do

Campo Alimentação dos

Bombeiros Pré- processamento

Patrulha Agrícola Restaurante Popular Centro Regional de Segurança Alimentar- cozinha comunitária

Pró- estrada Criança na Balança Hortas escolares e

comunitárias Vaca Mecânica/

Unisoja

Fonte: Elaborada pelos autores.

6 A estrutura municipal em questão foi instituída logo no início da gestão, recebendo a denominação de Coordenadoria de Atividades Agroindustriais, posteriormente agregando-se o termo Segurança Alimentar – o que denota o crescimento desse tema nas ações dessa área de governo.

Coordenadoria de Agroindústria e Segurança Alimentar

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É importante salientar ainda que a centralização dos programas permite, ainda em vigor, não apenas a facilidade infra-estrutural, como também um intercâmbio dos programas, dos funcionários, dos veículos e de pessoas envolvidas neste processo.

Além dos funcionários, os equipamentos que também são utilizados na coordenadoria acabam de certa forma servindo a todos, mesmo quando adquiridos por um programa específico. Outra característica predominante é que a Gerência de Agricultura passou a ter os programas mais direcionados para os agricultores familiares, mais especificamente para os assentados.

O Programa Aquisição de Alimentos surge atrelado a outros programas, a iniciativas locais já existentes. O início do convênio do PAA de Araraquara tem seu primeiro repasse de verba (R$ 600.000,00) apenas em 02 de janeiro de 2004. Anteriormente a este data já existiam iniciativas de escoamento dos produtos de agricultores familiar, como no espaço da CONAB, Companhia Nacional de Abastecimento.

Esta iniciativa que começou em 1995, de produtores da região que vendiam seus produtos na Cooperativa Mista Agropecuária de Araraquara. No entanto, esta proposta não era institucionalizada. Após 6 (seis) anos esta mesma cooperativa procurou transformar a comercialização dos produtos em uma feira de agricultores familiares que por sua vez passa a ter um caráter de comprometimento político com a aprovação da lei 5908/2001 em outubro de 2001, quando foram instaladas as primeiras bancas no terminal de integração de ônibus urbano e no Paço Municipal.Atualmente o programa Direto do Campo ou Varejão Popular no Município de Araraquara é operacionalizado através de 3 iniciativas o que dá noção de sua amplitude.

Segundo Kuranaga et al (2007), em síntese, através do Programa Direto do Campo os agricultores familiares da região têm alternativas de geração de renda sem precisar depender das cadeias produtivas convencionais do agronegócio, incentivando o trabalho familiar. A participação nas feiras permite trocas de informações, atitudes de cooperação e incentiva o produtor a buscar cursos. O PAA, parceria com o governo federal, também propicou um incremento na renda e na capacidade de organização dos assentados, cuja síntese pode ser vista no quadro abaixo.

Quadro 1 – Indicadores Qualitativos e Qualitativos do PAA de Araraquara-

SP.

Público Alvo Pequenos agricultores e assentados que praticam agricultura familiar.

Preço dos produtos Determinado pela CONAB, ou grupo gestor, não podendo ultrapassar o preço do mercado local.

Principais Produtos Tradicionais: mandioca, milho e abóbora e hortaliças.

Produtos Intermediários Frutas e legumes de época. Número de produtores 110 fornecedores regulares.

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Renda média dos produtores com o programa

2.100,00 reais.

Característica predominante Escoar produtos da agricultura familiar e atender população em risco de insegurança alimentar.

Ponto de entrega Coordenadoria de Agroindústria e Segurança Alimentar.

Freqüência Semanalmente – às segundas-feiras. Fonte: Elaboração dos autores. Constatamos que há uma formação de rede de segurança alimentar ampla com o

fornecimento de produtos regionais para a merenda escolar através do programa PAA. Envolveram-se, nos últimos cinco anos, uma média de 110 produtores do município, o que resultou em repasses de verbas anuais (na forma de produtos agrícolas) em torno de 280 mil reais. Não houve outra forma de compra para a merenda dos produtores familiares por falta de habilidade de utilização da compra direta no processo licitatório, o qual estipula que poderia se utilizar até 8000 mil reais por produto sem licitação ou 80 mil reais por um grupo de produtos similares via tomada de preços. Esses processos fogem da concorrência via preços tradicionais. Não foi articulada uma forma de organização dos produtores para facilitar a compra institucional através desses processos.

A articulação do PAA com a merenda escolar necessitou de uma estrutura logística específica, a qual envolveu o cadastramento dos produtores aptos a esse programa, a conscientização e capacitação para preenchimento do cadastro, o conhecimento de seus produtos e tecnologias de produção, volume, época e local de entrega, sua triagem na central de recebimento, a preparação centralizada dos cardápios para aproveitamento dos mesmos e suas destinações finais nas escolas municipais. Produtos não possíveis para utilização na merenda foram destinados ao banco de alimentos do município e posteriormente entregues em entidades carentes do município. Portanto, o único programa contínuo de fornecimento da agricultura familiar foi o PAA, que é verba do governo federal, mas que precisa de uma adaptabilidade árdua para aplicabilidade e utilização no município, desafio bem cumprido em Araraquara-SP.

O envolvimento dos produtores assentados nesses programas – o que lhes permite sair do circuito de dependência dos atravessadores no que processo de comercialização – a melhoria de qualidade da alimentação escolar podem ser embriões de um modelo alternativo de desenvolvimento rural, o que merece, sem dúvidas, atenção e acompanhamento.

Estas iniciativas, hoje ameaçadas em função da troca de governo (em 2008, a coligação liderada pelo PT perde as eleições municipais), apontam para a importância do Poder Público Municipal na discussão de uma agenda para o desenvolvimento para os assentamentos. Com relação a possíveis retrocessos, constata-se que o principal agente da introdução do plantio de cana no assentamento Bela Vista do Chibarro - e um dos despejados pela ação judicial de 2007 (FERRANTE, BARONE e BERGAMASCO, 2008) - foi nomeado responsável pela coordenadoria de Agroindústria e Segurança Alimentar neste atual período de governo. Sua relação com o INCRA não poderia ser pior, além do

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que ele mantém uma postura de defesa das “parcerias” com as usinas como alternativa de desenvolvimento para os assentamentos. 6. NO PONTAL, O APOIO DECISIVO DE PROGRAMAS FEDERAI S No que tange à chamada situação de assentamento, em alguns municípios, a política municipal é bastante influenciada pela presença dos P.A.s, embora isso não altere necessariamente práticas políticas tradicionais. Em vários contextos municipais, a presença organizada dos assentados, através do MST, foi, aos poucos, determinando uma relação positiva e propositiva com o Poder Municipal. No caso de Teodoro Sampaio, por exemplo, a existência do núcleo dirigente do MST, morador dos assentamentos do município fez com que a Prefeitura se voltasse mais e mais para os PAs. É importante frisar que o MST não entra nesse jogo – ou não é percebido como parceiro pelas Prefeituras – senão quando atua quase como partido da base aliada do governo federal. A organização, mesmo não tendo representação formal, partilha de cargos no governo Lula, sobretudo via militantes ou simpatizantes - seja no MDA, no INCRA e na CONAB. Esse forte lobby que o MST tem exercido junto ao governo federal carreia recursos para projetos voltados para os assentamentos. Conforme já descrito em trabalhos anteriores (Barone, Ferrante e Kuranaga, 2005), o MDA tentou apoiar a Cocamp, no município de Teodoro Sampaio. Isso, embora tenha sido difilcultado pela Justiça (existe um embargo judicial, pois a gestão da cooperativa está sob investigação), mobiliza todo o município, que é bastante pobre e tem, na Cocamp, um grande empreendimento. Com relação às Câmaras Municipais, pode-se citar Mirante do Paranapanema como um caso exemplar. A cidade, com o maior número de PAs da região, conta com vários vereadores assentados – tanto ligados ao MST quanto dissidentes. Todos têm nos assentamentos suas bases e projetos. Isso dinamiza a política local num movimento pró-assentamentos. Essa relação foi, aos poucos, gerando força política que passou a influir nas eleições municipais. Desde meados da década de 2000, a Prefeitura Municipal de Mirante do Paranapanema instituiu uma Secretaria específica, voltada para o atendimento dos assentamentos. No entanto, assim como em municípios como Marabá Paulista e Presidente Venceslau, essa nova repartição não logrou – como numa cidade média de uma região rica como Araraquara – implantar políticas organizadas, com quadros especialistas capazes de formular e gerir ações articuladas e conseqüentes. Mesmo reconhecendo, no Pontal, o crescimento da importância política dos assentados e suas lideranças, caminhando-se para mais distante desse núcleo organizativo do MST na Pontal (localizado entre Teodoro Sampaio e Mirante do Paranapanema), tem-se situações bastante diferenciadas. Esse é o caso de Presidente Bernardes – cidade vizinha das supracitadas. Nesse município, que conta com ex-dirirgentes da Cocamp e militantes do MST nos seus assentamentos, a política municipal tem oscilado numa política de maior para menor apoio asso assentamentos. Registra-se, aí, a gestão municipal 2001-2004, exercida por um clérigo católico realizador de uma série de iniciativas pró-assentamentos. A transferência da escola municipal do distrito rural de Nova Pátria para o interior de PA Rodeio é um exemplo, como também um projeto de apoio ao desenvolvimento dos

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assentamentos, na forma de uma intermediação e aval para a produção de algodão feita pela Prefeitura. Esse projeto produtivo atendeu prioritariamente um grupo de assentados ligado ao prefeito, porém, dinamizou a economia dos assentamentos. Nesse caso específico, quando pensamos em sua dinâmica econômica, tem-se que os assentamentos de Bernardes não participam exatamente do circuito econômico local desse município, sobretudo por motivos geográficos. Os PAs ficam bastante afastados da sede urbana do município, localizando-se mais próximos das cidades de Tarabai, Sandovalina e Mirante do Paranapanema. Isso explica, ao menos em parte, o desinteresse da gestão sucessora do padre (na sua composição política, seguramente mais conservadora que a anterior) pela questão dos PAs. Com relação à Presidente Venceslau, município há mais tempo estudado, aconteceram duas gestões seguidas do PT (2001 a 2008), porém constituída basicamente por agentes das camadas médias urbanas, que buscaram, de alguma forma, fazer frente às demandas dos assentados. Ali também foi instalada uma escola municipal no interior dos assentamentos – uma iniciativa política de relativa repercução nesses assentamentos. A rigor, a escola já funcionava numa gestão anterior à petista, mas foi esse governo que realizou uma grande obra de reforma das instalações da sede da antiga fazenda Primavera e transferiu a Escola Municipal para lá, num estabelecimento, sem dúvida, exemplar em termos de estrutura e equipamentos. Os assentados, porém, sempre se queixaram que o apoio da Prefeitura se resumiu basicamente à escola e reclamavam, através de suas lideranças, mais espaço na agenda municipal. Isso transpareceu no Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (um dos únicos da região que tem uma verdadeira dinâmica participativa), como também nas plenárias de Orçamento Participativo, que funcionou por vários anos em P. Venceslau. Essa querela entre assentados e Prefeitura teve a Divisão de Agricultura Abastecimento e Meio Ambiente (DAAMA) como fulcro, pois o prefeito instituiu esse divisão em 2002, porém a entregou a um agente técnico sem qualquer ligação com os assentamentos. Essa pessoa sempre foi visto, pelas lideranças assentadas, como associada ao agronegócio regional e, portanto, bastante criticado por não contemplar as expectativas dos assentados. Em 2005, por influência de uma iniciativa da PM de Mirante do Paranapanema, onde foi implantada uma Divisão de Desenvolvimento Agrário (com o apoio da militância do MST), os líderes assentados de P. Venceslau reivindicaram a criação de uma outra Divisão no município, similar à de Mirante, para atender precipuamente aos assentamentos. Essa questão acabou perdendo força quando, na segunda gestão do PT (2005-2008), outra pessoa – menos vinculada ao “agronegócio” – assumiu a DAAMA. As possibilidades de atuação que um órgão municipal especialmente voltado para os assentamentos (para além das distintas disponibilidades orçamentárias de cada município), variam na região de um extremo ao outro. Mirante do Paranapanema, fortemente influenciado pela militância do MST, teve, na figura do diretor da Divisão de Desenvolvimento Agrária, um agente de diálogo e estimulação aos assentamentos. Em Presidente Venceslau, a Divisão de Agricultura não conseguiu atender a contento às demandas dos assentados.

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Num município vizinho a Venceslau, no entanto, a existência de uma Divisão Municipal de Desenvolvimento Agrária – aparentemente, com as mesmas funções da instância de Mirante do Paranapanema – revela outras tensões. Aprovada pela Câmara Municipal no final da gestão municipal 2001-2004, a “nova” Divisão contou, tão somente, com seu diretor – um assentado que foi cabo eleitoral do prefeito eleito. Alianças políticas e divisões de poder à parte, essa Divisão (que tem sido acompanhada pela pesquisa desde o seu primeiro ano de existência) não tem se mostrado presente em qualquer situação que envolva demandas dos assentados. Mesmo durante a gestão seguinte (2005-2008) a Divisão marabaense não ganhou uma dinâmica que superasse o tradicionalismo da política local, no qual os assentados acabam por participar como novos “clientes” – algo que marca a presença de assentados nas instâncias do poder público municipal em Marabá (BARONE e SANTOS, 2006). Em termos de desenvolvimento econômico, é importante citar, também, a mobilização dos assentados, liderando um segmento de produtores familiares de leite, na busca por melhores preços para o produto. Usando sua experiência política, os assentados encaminharam uma luta pela melhoria dos preços do leite nas entressafras de 2001 e de 2005, pressionando os laticínios e obtendo vitórias pontuais. Essas situações beneficiam assentados e produtores tradicionais, criando um potencial de integração importante, quando se pensa em desenvolvimento rural. Sendo o leite o principal produto dos assentamentos da região, qualquer ação e investimento nesse setor produtivo afeta diretamente os assentados. Assim é que a Cocamp, após anos de inatividade, tem buscado fazer funcionar sua usina de leite – capaz de atender, ao menos em parte, seus associados. No entanto, enquanto a cooperativa dos assentados patina em seus problemas, um empresário de Mirante do Paranapanema montou um laticínio e, em poucos anos, ganhou projeção na cidade. Tendo os assentados como principais fornecedores, esse empresário tornou-se (gestão 2005-2008) o prefeito da cidade – contando, inclusive, com apoio do MST (via Divisão de Desenvolvimento Agrário). Enquanto os assentados do Pontal não conseguem efetivamente organizar uma empacotadora de leite – projeto que a Cocamp ainda não viabilizou por problemas judiciais – a produção leiteira nos assentamentos conseguiu um relativamente grande avanço, graças a projetos disseminados nos P.A.s através do programa Territórios Rurais, do MDA. Basicamente, através de parcerias com as Prefeituras e associações de produtores assentados, o governo federal garantiu a instalação de dezenas de resfriadores de leite por toda a região. Dessa forma, os assentados podem obter alguma vantagem nas negociações frente aos laticínios da região (BARONE et. al., 2008), pois têm autonomia no armazenamento do produto (anteriormente, a colocação do leite retirado em tanques das empresas amarrava o produtor aos preços por estas oferecidos). Da mesma forma, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) tem dado estímulo à produção de hortaliças nos assentamentos. Este programa, do Ministério de Desenvolvimento Social via CONAB (reativada no governo Lula), embora ainda não abranja a totalidade (ou quase) dos assentados, de fato incrementa a renda dos assentamentos e se mostra como uma alternativa viável de desenvolvimento. Destaca-se que, no caso de Araraquara, a forte estrutura montada pela Prefeitura, conforme descrito

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acima, garante a participação de um número relativamente grande de produtores assentados no programa. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS: IMPASSES POLÍTICOS NO HORI ZONTE Numa possível avaliação dessas políticas passadas em revista neste estudo, consideramos que elas representam um avanço, embora limitado, no tocante a dotar os assentados e assentamentos de canais de contato com as economias regionais. Os impactos positivos do incremento de renda para os beneficiários dos projetos de reforma agrária, mesmo que não discutidos aqui, são indiscutíveis. Ressaltamos que a arquitetura conceitual que suporta esses programas federais hoje em funcionamento, é oriunda de esforços intelectuais da década de 1990, que lograram integrar o discurso oficial a partir do segundo governo FHC. No entanto, a composição de forças daquele governo não possibilitou a implementação dessas políticas, preconizadas no documento “Novo Mundo Rural”. Num outro nível político, a presença de governos mais à esquerda – como aquele que administrou Araraquara de 2001 a 2008 – gerou uma abertura para a participação dos assentados nos espaços de decisão municipal. Especificamente em Araraquara, programas municipais anteciparam as iniciativas do governo Lula, num paralelismo que lembra a antecipação de iniciativas de assentamentos rurais por parte do governo paulista (governo Montoro, 1983-1986) frente ao conjunto de propostas estabelecidas pelo I Plano Nacional de Reforma Agrária, lançado pelo governo Sarney (1985-1989). Foi assim no caso das políticas voltadas para a segurança alimentar, gestadas antes mesmo de 2003 e que puderam ser rapidamente incluídas como projetos quando da reativação da CONAB pelo governo federal. Além disso, uma Prefeitura com recursos como Araraquara (cidade média de uma região rica do Estado) pôde montar uma equipe técnica atuante, que dinamizou e pressionou por avanços em relação à política federal. Em contraste, os municípios do Pontal, mesmo apontando para o apoio ao desenvolvimento dos assentamentos (nos casos em que suas administrações não assumiam uma posição política antirreformista), poucos recursos dispunham para efetivar políticas de apoio aos assentados. No mais das vezes, espaços administrativos (como Divisões e conselhos municipais) foram abertos para a participação dos assentados. No entanto, afora iniciativas pontuais – como os projetos do prefeito de Pres. Bernardes no período 2001-2004 – esses espaços serviram para uma política de cooptação de lideranças – como em Marabá Paulista – ou como aparelhos para que os movimentos (como o MST) pudessem catapultar suas ações políticas. Numa região como o Pontal, somente quando o governo federal se estrutura através dos escritórios do INCRA, dos programas da CONAB e da instituição do Território Rural do Pontal (via MDA), é que vemos um conjunto articulado de ações que desenham uma alternativa de desenvolvimento via assentamentos. Este último acaba por intermediar projetos de prefeituras e associações, constituindo-se num interessante fórum de discussões – sobretudo acerca da destinação de verbas federais dos ministérios sociais do governo federal. No entanto, sua pretensão é que ele possa participar mais ativamente dos debates sobre os caminhos para o desenvolvimento de uma região reconhecidamente empobrecida.

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A qualificação de agentes públicos para enfrentar esse debate é um primeiro desafio, ao qual o programa do MDA tenta superar através de parceria (ainda não formalizada) com a Universidade7 e outros órgãos de pesquisa e extensão. Lograr êxito nessa articulação também é um desafio. Porém, a instabilidade desse programa frente às incertezas de um ano de eleições para presidente lança dúvidas sobre o potencial de ação desses agentes que mal ensaiam uma experiência de discussão coletiva. Com relação aos municípios, temos situações que exemplificam esse impasse. A mudança no governo de Presidente Venceslau, município que trabalhou nos primeiros anos de instauração do Colegiado Territorial em franca cooperação com os objetivos do MDA, levou a que seu novo prefeito assumisse, em sua primeira (e única) participação nesse colegiado, uma postura claramente oposicionista – através da crítica a um certo assembleísmo sem resultados práticos em termos de projetos de desenvolvimento (crítica recorrente ao estilo dito “participativo” dos governos alinhados com o PT). No caso de Araraquara, a manutenção das políticas municipais pró-assentamentos – muitas delas em parceria com o governo federal – também encontra-se ameaçada. Além da já citada nomeação de desafeto do INCRA para o cargo executivo diretamente relacionado à gestão das políticas de segurança alimentar, o esvaziamento técnico da coordenadoria responsável é patente, o que certamente empobrecerá, a médio prazo, as iniciativas da Prefeitura de Araraquara no tocante ao desenvolvimento dos assentamentos. De fato, muito parece estar em jogo no pleito eleitoral de outubro de 2010, sobretudo para as políticas de desenvolvimento dos assentamentos rurais do Estado de São Paulo. Alea jacta est! 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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7 No momento de redação destas considerações, a unidade da UNESP de Presidente Prudente tinha um processo tramitando no CNPq, com vistas a aprovação de projeto para montagem de um escritório de apoio ao Colegiado Territorial do Pontal.

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