assentamentos urbanos

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DESENHO DE ASSENTAMENTOS URBANOS SUSTENTÁVEIS: PROPOSTA METODOLÓGICA Liza Maria Souza de Andrade (1); Marta Adriana Bustos Romero (2) (1) Mestranda do Programa de Pós-graduação da FAU da Universidade de Brasília, [email protected] (2)Prof. Doutora do Programa de Pós-graduação da FAU da Universidade de Brasília,, [email protected] RESUMO A acelerada expansão urbana nos países em desenvolvimento criou deseconomias de aglomeração que são externalizadas materialmente sobre o meio ambiente sob a forma de custo social, por meio de grandes lançamentos de resíduos na atmosfera, águas superficiais e subterrâneas, e solos. Os instrumentos de gestão ambiental urbana de formato preventivo, existentes no Brasil, podem contribuir também para estabelecer princípios e estratégias para projetos urbanísticos. Os EIAs-Rimas, por exemplo, deveriam ser utilizados anteriormente e durante os planos e projetos de intervenção, visando uma economia de recursos em todo o processo. Tendo como base este panorama, o trabalho apresenta estudo sobre princípios da ecologia complexa de Capra (2002) entre os quais podemos citar redes, ciclos, energia solar, aliança, diversidade e equilíbrio dinâmico. A partir desses princípios e baseados em autores que tratam a cidade como ecossistemas urbanos, estabeleceu-se um método de desenho para assentamentos humanos em equilíbrio com a natureza, economicamente viáveis e lugares agradáveis para se viver. Assim como o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, tradicionalmente, é traduzido em normas, neste recorte específico podem ser traduzidos em princípios de sustentabilidade aplicáveis ao desenho urbano tais como proteção ecológica (biodivresidade), adensamento urbano, revitalização urbana, implantação de centros de bairro e desenvolvimento da economia local, implementação de transporte sustentável e moradias economicamente viáveis, comunidades com sentido de vizinhança, tratamento de esgoto alternativo, drenagem natural, gestão integrada da água, energias alternativas e finalmente as políticas baseadas nos 3R’s (reduzir, reusar e reciclar). Escolheu-se como aplicação desses princípios, após um diagnóstico socioambiental por meio de EIAs-RIMAs, o projeto de um condomínio localizado na área destinada ao uso residencial no Centro de Atividades do Lago Norte de Brasília no Distrito Federal. Situado na Sub-bacia do Ribeirão do Torto, dentro da APA do Paranoá, este setor foi projetado para ser um dos pontos significativos de polarização de serviços e comércio da expansão Norte do DF, entretanto, não funciona como tal. Palavras-Chaves: Ecossistemas, Ecossistemas Urbanos, Ecocidades, Comunidades Sustentáveis, Condomínio Sustentável. 1. INTRODUÇÃO As cidades, lócus da cidadania e palco das relações sociais, são historicamente concentrações de poder que controlam fluxos econômicos, sociais, culturais e políticos constituindo centros de acumulação de riqueza e conhecimento. Desde o início da Revolução Industrial, a implantação de técnicas de produção e um modo de consumo predatório vêm provocando um grande impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente. Segundo Bursztyn (1994), este impacto dá origem a problemas críticos de degradação ambiental, é externalizada sob a forma de custo social, através dos grandes lançamentos de resíduos na atmosfera, águas superficiais e subterrâneas e solos. I CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL X ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO 18-21 julho 2004, São Paulo. ISBN 85-89478-08-4.

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DESENHO DE ASSENTAMENTOS URBANOS SUSTENTÁVEIS: PROPOSTA METODOLÓGICA

Liza Maria Souza de Andrade (1); Marta Adriana Bustos Romero (2) (1) Mestranda do Programa de Pós-graduação da FAU da Universidade de Brasília, [email protected]

(2)Prof. Doutora do Programa de Pós-graduação da FAU da Universidade de Brasília,, [email protected]

RESUMO A acelerada expansão urbana nos países em desenvolvimento criou deseconomias de aglomeração que são externalizadas materialmente sobre o meio ambiente sob a forma de custo social, por meio de grandes lançamentos de resíduos na atmosfera, águas superficiais e subterrâneas, e solos. Os instrumentos de gestão ambiental urbana de formato preventivo, existentes no Brasil, podem contribuir também para estabelecer princípios e estratégias para projetos urbanísticos. Os EIAs-Rimas, por exemplo, deveriam ser utilizados anteriormente e durante os planos e projetos de intervenção, visando uma economia de recursos em todo o processo. Tendo como base este panorama, o trabalho apresenta estudo sobre princípios da ecologia complexa de Capra (2002) entre os quais podemos citar redes, ciclos, energia solar, aliança, diversidade e equilíbrio dinâmico. A partir desses princípios e baseados em autores que tratam a cidade como ecossistemas urbanos, estabeleceu-se um método de desenho para assentamentos humanos em equilíbrio com a natureza, economicamente viáveis e lugares agradáveis para se viver. Assim como o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, tradicionalmente, é traduzido em normas, neste recorte específico podem ser traduzidos em princípios de sustentabilidade aplicáveis ao desenho urbano tais como proteção ecológica (biodivresidade), adensamento urbano, revitalização urbana, implantação de centros de bairro e desenvolvimento da economia local, implementação de transporte sustentável e moradias economicamente viáveis, comunidades com sentido de vizinhança, tratamento de esgoto alternativo, drenagem natural, gestão integrada da água, energias alternativas e finalmente as políticas baseadas nos 3R’s (reduzir, reusar e reciclar). Escolheu-se como aplicação desses princípios, após um diagnóstico socioambiental por meio de EIAs-RIMAs, o projeto de um condomínio localizado na área destinada ao uso residencial no Centro de Atividades do Lago Norte de Brasília no Distrito Federal. Situado na Sub-bacia do Ribeirão do Torto, dentro da APA do Paranoá, este setor foi projetado para ser um dos pontos significativos de polarização de serviços e comércio da expansão Norte do DF, entretanto, não funciona como tal.

Palavras-Chaves: Ecossistemas, Ecossistemas Urbanos, Ecocidades, Comunidades Sustentáveis, Condomínio Sustentável.

1. INTRODUÇÃO As cidades, lócus da cidadania e palco das relações sociais, são historicamente concentrações de poder que controlam fluxos econômicos, sociais, culturais e políticos constituindo centros de acumulação de riqueza e conhecimento. Desde o início da Revolução Industrial, a implantação de técnicas de produção e um modo de consumo predatório vêm provocando um grande impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente. Segundo Bursztyn (1994), este impacto dá origem a problemas críticos de degradação ambiental, é externalizada sob a forma de custo social, através dos grandes lançamentos de resíduos na atmosfera, águas superficiais e subterrâneas e solos.

I CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVELX ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO 18-21 julho 2004, São Paulo. ISBN 85-89478-08-4.

No início deste século, com os efeitos da mudança climática no planeta provocados pela dispersão de dióxido de carbono, o esgotamento de certos recursos e o aumento da pobreza nos grandes centros urbanos dos países em vias de desenvolvimento, fica evidente a busca por novas soluções para o processo de desenvolvimento urbano, fundamentado no uso racional dos recursos naturais, para que estes possam continuar disponíveis às futuras gerações.

A crescente concentração populacional nas áreas urbanas dos países do terceiro mundo aumenta a demanda habitacional e exerce pressão sobre as infra-estruturas urbanas básicas, marcadas pela insuficiência do atendimento, pela inexistência do serviço, pela escassez e, muitas vezes, pela adoção de soluções ambientalmente condenáveis.

Somada a isto, a expansão das cidades, sem qualquer limitação do território, incentivada pelas políticas públicas de periferização, diminui as áreas circundantes para agricultura e áreas de reservas naturais ou impõe modificações irreversíveis a áreas ambientalmente sensíveis.

Os impactos ambientais urbanos são todos inter-relacionados e se associam na maioria das vezes a um mesmo fato que gera uma seqüência em cadeia - a expansão urbana provoca a dependência do automóvel que aumenta a demanda por infra-estruturas (pavimentação e redes) e por combustíveis fósseis. Ainda contribui para o desmatamento que enfraquece o solo, causando erosão, que, aliado à falta de um sistema adequado de drenagem, resulta no carreamento de terra e lixo para os corpos d’água.

O assoreamento reduz a profundidade dos rios e lagos prejudicando seriamente a qualidade desses recursos que são, ainda, comprometidos pela falta de saneamento ambiental e a presença de esgotos clandestinos. Além disso, a constante impermeabilização do solo e o uso de redes de drenagem subterrâneas contribuem para o efeito de ilhas de calor.

O aplainamento da topografia destrói as características ambientais com a ocupação das margens dos rios e a destruição da vegetação local. Num estilo tabula rasa, áreas desflorestadas surgem como bairros áridos carentes de espaços públicos adequados, jardins ou arborização.

À medida que infra-estruturas espalhadas são construídas para o automóvel, cria-se uma realidade diferente de bairros mais densos construídos para pedestres. Existe um contraste, por exemplo, entre as cidades antigas tradicionais européias e a expansão das cidades norte- americanas.

Os zoneamentos rígidos (cidades universitárias, distritos industriais, grandes conjuntos habitacionais contínuos, áreas residenciais exclusivas, centros administrativos), sacramentados pelos CIAM1 e que dominaram o pensamento urbanístico, dos anos 40 em diante, não cumpriram seus objetivos. Surgem espaços ociosos, perigosos, sem graça, que acarretam fortes demonstrações de exclusão e respostas cada vez mais comprometidas de experiências urbanas positivas.

Segundo Rogers, (2001), este modelo, que se tornou fracassado nos países desenvolvidos e se mantém nos países em desenvolvimento, afasta investimentos em projetos de desenvolvimento urbano de uso misto que poderiam ter benefícios sociais e ambientais.

O planejamento da capital do Brasil representa bem este pensamento urbanístico dos CIAMs. Projetada segundo as normas de zoneamento e com objetivos de cidade polinucleada, Brasília foi pensada para uma população de 600 mil habitantes para o Plano Piloto e chega hoje com apenas 240 mil. A política de periferização criou uma constelação de cidades circunscritas ao Plano, algumas com avantajada população como Ceilândia (mais de 330 mil habitantes) e Taguatinga (com cerca de 240 mil).

A pressão constante da população migrante e o forte conteúdo preservacionista acabam segregando aqueles sem poder aquisitivo para fixar residência ou estabelecer algum negócio no Plano Piloto pela alta valorização desse espaço. Restam então, para esses, "cidades semi-urbanizadas" na periferia do centro, por vezes distanciadas em mais de 40 km, carente de oportunidades de trabalho.

1 CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna - A Carta de Atenas de 1933 estabeleceu princípios do urbanismo moderno definindo o zoneamento e o plano, com densidades razoáveis, a partir de quatro funções chaves, cada uma com sua autonomia: habitar, trabalhar, lazer e circulação. Apesar das separações por usos, as áreas destinadas ao lazer ou áreas verdes permeiam as cidades modernistas projetadas - como no caso de Brasília.

A valorização imobiliária do Plano Piloto, devida em grande parte ao monopólio exercido pelo Estado sobre o solo urbano, o qual, por sua vez, não se explica sem fazer intervir a idéia de administração da escassez, somada ao sonho de todo brasiliense de classe média de ter casas ou chácaras nos arredores do Plano Piloto, implica na demanda por invasão de terras públicas. Neste sentido, um dos maiores problemas que se enfrenta hoje no Distrito Federal, onde 95% da população é urbana, é a ocupação desordenada de seu território.

Condomínios privados são criados irregularmente trazendo, como conseqüências, a destruição da paisagem natural e a pressão sobre os recursos hídricos. A maioria dos loteamentos encontra-se em Unidades de Conservação – paradoxalmente o Distrito Federal hoje é a unidade da federação brasileira com maior percentual de áreas protegidas, principalmente depois da criação da APA do Planalto Central em 2002, abrangendo todo o seu território.

Segundo Romero (2003): “A partir dos anos 80 e mais acentuadamente na última década do século XX, as ações no sítio da capital têm intensificado os níveis de danos e de comprometimento ambiental. Atualmente, o diagnóstico ambiental aponta um quadro crítico no Distrito Federal , especialmente nos núcleos urbanos situados em áreas mais susceptíveis, onde a redução na qualidade de vida é visível, em conseqüência não apenas do desenho pouco adequado e da infra-estrutura deficiente mas também do processo contínuo de degradação e alteração dos ambientes locais (58% da vegetação nativa destruída). Podemos distinguir diversos níveis da devastação ambiental, desde a ocupação desordenada do espaço até a desfiguração de ambientes locais ou ambientes de escassa qualidade de vida.”

Ainda segundo a autora: “A água desce desordenada pelas ruas, vinda de nascentes, de esgotos ou da chuva. Sem estrutura adequada de escoamento, invade condomínios e leva lixo, dejetos e cascalho para dentro dos córregos. Para se desfazer da água suja os moradores puxam encanamentos até os córregos e constroem fossas ecologicamente incorretas; não há sistema de água potável. As nascentes são usadas de forma desordenada pelos moradores, que constroem poços artesianos sem nenhum critério. Muitos veios de água secaram; a área de proteção do córrego não é respeitada. Medições feitas por especialistas da UnB revelam que em vários pontos do DF o nível das águas subterrâneas está diminuindo rapidamente. Na região de São Sebastião, por exemplo, onde há dezenas de condomínios, o abaixamento do lençol freático foi de quatro metros em cinco anos”.

Esses dilemas socioambientais urbanos que afligem os países em vias de desenvolvimento, representados pela Agenda Marrom, ligada aos problemas de infra-estrutura e saneamento ambiental, são vistos apenas como de curto prazo. Não são vistos em conjunto com os problemas globais, como os da Agenda Verde tais como: aquecimento global, mudança climática, colapso dos oceanos ou extinções de espécies. Faltam estratégias ou modelos para a aplicação de projetos que resolvam os problemas relacionados às duas Agendas no planejamento e desenho de nossas cidades.

Fica então o desafio para os projetistas urbanos de descobrir como evitar os conflitos entre as duas Agendas para que não seja necessário “destruir para crescer, principalmente porque são países que não terão fundos para esta reconstrução urbana. De acordo com Register (2002) “a construção constrói”, se não for levada em consideração a estrutura física da cidade e a sua organização, não seremos capazes de resolver todos os problemas da desintegração do planeta. ...”Aquilo que se constrói cria possibilidades e limites para o modo de se viver, ao mesmo tempo educa aqueles que moram na cidade sobre os valores e as preocupações reais”.

No Brasil existem alguns instrumentos da gestão ambiental urbana de formato preventivo, como a avaliação de impacto ambiental, que orienta a concepção dos projetos ou programas de desenvolvimento, identificando e avaliando as conseqüências ambientais e sócio-culturais, numa perspectiva de curto, médio e longo prazos. Segundo Bursztyn (1994), tem como funções: definir os critérios relevantes ambientais, conhecer e identificar os processos sócio-econômicos, conhecer os ecossistemas, fornecer subsídios para a tomada de decisão e viabilizar os canais de participação sociedade. Por meio desse instrumento, pode-se reduzir ou anular benefícios socioeconômicos previstos num determinado projeto.

É composto de uma sucessão de etapas que se encadeiam e se inter-relacionam sistematicamente: planejamento e elaboração do projeto, diagnóstico ambiental, identificação, previsão e medição dos impactos, interpretação e avaliação dos impactos, consulta e participação, e, por fim, programa de acompanhamento e monitoramento.

Deve-se intervir numa etapa anterior da decisão à realização de um determinado projeto que acaba resultando na elaboração de um estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA). Este estudo visa abordar preventivamente os impactos ambientais, apresentar e analisar alternativas, buscar fidelidade ao Termo de Referência (termo adquirido pelo empreendedor no órgão ambiental com os itens necessários a serem diagnosticados no EIA) e aos conteúdos da Resolução CONAMA 1/86 e, por fim, obter a participação social.

No entanto, não está cumprindo seus objetivos. A variável ambiental tem uma inserção tardia no processo decisório e, quando pode prevenir danos, há uma carência de propostas alternativas passando por justificador do empreendimento proposto, por meio de um rol de medidas compensatórias ao invés de medidas que evitem ou minimizem os impactos.

De acordo com Ribas (2001), quando os EIAs-RIMAs são aplicados diretamente em áreas urbanas apresentam alguns problemas operacionais que comprometem sua credibilidade e sua eficácia de avaliação: primeiramente, a necessidade de avaliação da hipótese de não realização do projeto analisado ou suas alternativas de localização.

Em prosseguimento, trata da rotina processual de aprovação ou emissão de licenças – a prévia, a de instalação e a de operação. Na visão deste autor, a licença de operação não se aplica à dinâmica urbana, uma vez que, ao implantar o loteamento (desmatamento, abertura de vias, implantação de infra-estrutura), já está se iniciando sua operação.

Por fim, apresenta o problema de estruturação metodológica de avaliação de impactos, pois são estabelecidos pesos de avaliação iguais para atributos de natureza diversa, resultando em conclusões hipotéticas e gerando documentos conclusivos ilegítimos, verdadeiras enciclopédias de dados, muitas vezes irrelevantes e, quase sempre, onerosos para o agente empreendedor.

Além disso, a partir da análise das informações disponíveis sobre a região, pelas diversas áreas do conhecimento, seria possível formular um desenho urbano verdadeiramente ecológico. Entretanto, ainda existe uma lacuna entre as restrições impostas pelos estudos de impactos ambientais e as soluções urbanísticas adotadas.

A utilização dos elementos ambientais diagnosticados nos EIAs-RIMAs sobre o local do futuro assentamento, como o ar (sentido dos ventos), a água (recursos hídricos), o solo, a vegetação e a posição do sol, podem representar uma poderosa ferramenta ou até mesmo uma economia de recursos para o planejamento e desenho do espaço urbano. As cidades podem cultivar biodiversidade, restaurar terras e águas, conservar a cobertura vegetal e, ao mesmo tempo, incorporar um conjunto de estratégias de sobrevivência, integralmente presentes, como moradia, trabalho, alimentação, saneamento, manufatura, lazer, vida social e comércio em proporções balanceadas, contribuindo para a melhoria da saúde do planeta.

Por que não introduzir a dimensão ecológica nos vários processos de urbanização, desde o planejamento, design e estratégias de desenvolvimento, ao invés de insistir no tratamento padrão de nossas cidades, onde:

• O partido urbanístico escolhido altera as relações entre as escalas pública e privada e suprime a semi-pública; adotando quadras residenciais e entrequadras de equipamentos; implementa um sistema viário monumental, sugerindo paradoxalmente a utilização majoritária do automóvel para deslocamentos curtos;

• Vulgariza-se a previsão de equipamentos comunitários e não se implementa a fixação na cidade de fontes empregadoras da mão-de-obra local. Dita, junto com a rigidez do loteamento, a obrigatoriedade de muros entre lotes e a construção de habitações provisórias nos seus fundos, o rompimento da organização social e a perda da escala de vizinhança original, onde se priorizavam o caráter público e semipúblico do espaço.

Corrobora ainda, na criação de condições - até hoje mantidas - degradantes do meio urbano: bioclimáticas (rajadas de vento / poeira, calor intenso nos dias de sol e visuais áridas), funcionais (difícil e insegura mobilidade e falta de locais públicos para o lazer e o convívio comunitário), ambientais (fraco senso de orientação locacional e baixo valor cênico), e socioeconômicas (violência e falta de auto-sustentabilidade, com dependência do Plano Piloto, no caso de Brasília); em grande parte atribuídas à presença de inúmeros vazios urbanos - lotes institucionais desocupados / áreas públicas

abandonadas - à falta de tratamento paisagístico, ao repetitivo padrão urbano adotado e à distância do pólo produtivo.

1.1 Urbanismo Sustentável O conceito de sustentabilidade foi criado por Lester Brown da WWI (Worldwatch Institute) no início da década de 1980. Foi definido que “uma sociedade sustentável é aquela capaz de satisfazer suas necessidades sem comprometer as chances de sobrevivências das gerações futuras”. Alguns anos depois foi utilizado pela Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento, no famoso Relatório Brundtland de 1986, a mesma definição para apresentar a noção de desenvolvimento sustentável.

No entanto, essa definição não nos mostra como devemos construir uma sociedade sustentável e, muito menos como devemos construir cidades sustentáveis. Segundo Ruano (2000), o Ecourbanismo ou Urbanismo Sustentável é uma nova disciplina que articula múltiplas e complexas variáveis e incorpora uma aproximação sistêmica ao desenho urbano com uma visão integrada e unificada, trazendo, como conseqüência, a superação da divisão clássica do urbanismo tradicional e seus critérios formais e estilísticos. A partir deste novo paradigma deve-se estabelecer uma relação dialética entre o planejamento estratégico e o desenho urbano.

Para Sachs (1993), as estratégias de Ecodesenvolvimeto para os países em vias de desenvolvimento podem ser triplamente vencedoras, pois, além de promover o progresso social por meio de geração de empregos e contribuir para melhorar o meio ambiente, são economicamente justificáveis na medida em que as atividades que geram uma economia de recursos se autofinanciam.

Na sua visão, as cidades poupadoras de recursos ou assentamentos urbanos sustentáveis devem ser vistos como ecossistemas2, pois existem recursos que são subutilizados ou mal-utilizados, tais como: terras agriculturáveis, lixo reciclável, potencial para conservação de energia e água, potencial para poupança de recursos de capital, mediante a melhor manutenção de equipamentos, infra-estruturas e imóveis. “...O aproveitamento desses recursos pode representar não só importante fonte de empregos, financiada pela poupança de recursos, mas ainda, um meio para melhorar as condições ambientais”.

Nesta mesma linha, mas com um outro conceito, Girardet3 (2003) afirma que cidades ecológicas são aquelas que apresentam um metabolismo circular, onde tudo é planejado e reaproveitado como um ciclo, onde existe a consciência ambiental dos gestores e dos cidadãos.

De acordo com Capra4 (2002), a chave para se implantar comunidades humanas sustentáveis é observar os ecossistemas naturais, ou melhor, compreender como eles se organizam a fim de maximizar sua duração e empregar este conhecimento na construção de assentamentos humanos duradouros. O diagnóstico para intervenções futuras deve-se basear em princípios ecológicos de organização, comum a todos ecossistemas os quais desenvolveram para sustentar a teia da vida - a compreensão sistêmica da vida.

Uma vez estabelecidos certos princípios, eles não se modificam em função de culturas, hábitos, estilos ou modismos. No entanto, a forma na qual devemos aplicá-los, depende de cada bio-região com seus aspectos físicos (geologia real, topografia e ecologia), culturais e socioeconômicos.

É com base nesses princípios que desenvolvemos nosso trabalho, estudando estratégias de desenho para implantar comunidades sustentáveis e entender em que medida a anatomia de uma comunidade construída, juntamente com a identificação de princípios de ecologia5 - entre os quais podemos citar redes, ciclos, alianças, energia solar, diversidade e equilíbrio dinâmico, pode contribuir para o estabelecimento de procedimentos e métodos para o desenho de assentamentos humanos em equilíbrio com a natureza, economicamente viáveis e lugares agradáveis para se viver.

Assim como o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, tradicionalmente é traduzido em normas, neste tema específico podem ser traduzidos em princípios de sustentabilidade aplicados ao desenho urbano. 2 Ecossistema é um conjunto das interações entre os seres vivos no âmbito de um sítio geofísico. Corresponde a uma organização espontânea, com suas regulações próprias. (Pena-Vega, 2003) 3 Conferência Gaia, The Evolution of the Superorganism, St. Anne’s College, Oxford, 1996. 4 Além de “As conexões ocultas”, 2002, “ Diálogos para um Brasil Sustentável, Brasília, 2003 5 Baseado em autores como Morin (2003), Pena-Vega (2003) e Capra (2002)

Este trabalho está dividido em duas partes. A primeira é uma dissertação sobre os princípios da ecologia considerando os aspectos teóricos e metodológicos, onde os autores tratam as cidades como ecossistemas urbanos e estabelecem padrões.

Na segunda parte, trabalhou-se a aplicação desses princípios ao desenho de um loteamento urbano. Trata-se de um projeto de um condomínio com tecnologias sustentáveis situado no Centro de Atividades do Lago Norte de Brasília dentro da Sub-bacia do Ribeirão do Torto. Foi desenvolvido pelas mestrandas, Liza Andrade e Rejane Jung, na disciplina Ateliê de Desenho Urbano do Programa de Pós-graduação da Universidade de Brasília ministrado pela professora Doutora Marta Adriana Bustos Romero no ano de 2002.

2. ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

2.1 Princípios ecológicos: diretrizes para a construção de comunidades humanas sustentáveis O princípio fundamental da ecologia é baseado na interação e na interdependência. Pena-Vega (2003) diz que, um ecossistema é um princípio dinâmico, um ciclo gigantesco que engloba o conjunto da biosfera e no qual todas as unidades de interação são interconectadas em uma vasta e intrincada rede de relações, que Capra chama de teia da vida. Assim, pode-se dizer que o ecossistema é uma totalidade complexa auto-organizada e “auto-organizante”.

Na realidade, ele considera os ecossistemas como sistemas abertos ao contrário dos sistemas fechados que predominaram na biologia convencional. Isto significa que os sistemas vivos mantêm uma troca contínua de energia, matéria e informação com o seu meio para permanecerem vivos, sendo assim são co-organizadores e co-progamadores do sistema vivo que nele se encontra integrado.

Nesta visão Morin (apud Pena-Vega, 2003) afirma que quanto mais um sistema vivo é autônomo, mais é dependente do ecossistema, pois supõe-se uma grande riqueza de relações de todas as espécies com o meio-ambiente, ou seja, depende de inter-relações, denominadas redes. Essas relações de dependência acabam por constituírem as condições da relativa independência. Em outras palavras, quanto mais um ecossistema é complexo, mais é diverso e rico e está apto a fornecer riqueza e diversidade de objetos e de produtos.

Da mesma forma, uma comunidade para se tornar autônoma ou sustentável deve desenvolver seus modos de vida no decorrer do tempo, mediante uma interação contínua com outros sistemas vivos, tanto de humanos como de vegetais, animais e microorganismos.

De acordo com Capra (2002), existem alguns passos na direção da implantação de comunidades sustentáveis. O primeiro é a educação ecológica, que consiste na compreensão dos princípios de organização, comum a todos sistemas vivos, que os ecossistemas desenvolveram para sustentar as redes auto-geradoras ou auto-organizadas - a compreensão sistêmica da vida por meio de uma alfabetização ecológica. Os princípios ecológicos dizem respeito diretamente à sustentação da vida tais como:

• Redes são todas as relações que os sistemas vivos têm uns com os outros, partilhando seus recursos e transpondo seus limites, redes dentro de redes.

• Ciclo é a continuidade dos fluxos de matéria e energia do ambiente que alimentam os organismos vivos e conseqüentemente produzem resíduos continuadamente. Os resíduos de uma espécie são os alimentos de outra.

• Energia solar transformada em energia química pela fotossíntese das plantas verdes, é o que move todos os ciclos ecológicos.

• Alianças é a cooperação generalizada que sustenta as trocas de energia e de recursos materiais num ecossistema que é a formação de parcerias entre os seres.

• Diversidade causada pela riqueza e complexidade das teias ecológicas nos ecossitemas acabam por provocar resistência e capacidade de recuperação. Se a biodiversidade é maior esta capacidade aumenta.

• Equilíbrio dinâmico mantém o ecossistema por meio da flexibilidade dos múltiplos elos e anéis de realimentação. Nenhuma variável chega sozinha a um valor máximo; todas as variáveis flutuam em torno do seu valor ótimo.

O segundo passo, ainda segundo Capra (2002), é o projeto ecológico, a aplicação direta dos conhecimentos ecológicos na reformulação dos fundamentos de nossas tecnologias e instituições sociais, para vencer a barreira que separa as criações humanas dos sistemas ecologicamente sustentáveis da natureza. É a moldagem dos fluxos de energia e de materiais para fins humanos que são cuidadosamente inseridos na grande rede que ele chama de teia da vida. Assim, os princípios do desenho ecológico refletem os princípios de organização que a natureza desenvolveu para sustentar suas redes de relações.

2.2 Ecossistemas Urbanos A reprodução das estruturas urbanas, articuladas à sua base especificamente matéria, é referida por Acselrad (2001) como técnico-material da cidade que podem ter o ajustamento das bases técnicas à dois modelos: de racionalidade eco-energética e de metabolismo urbano.

O primeiro, fundado na racionalidade econômica aplicada aos fluxos de matéria e energia para reduzir o impacto entrópico, adota tecnologias poupadoras de espaço, matéria e energia voltadas para a reciclagem de materiais. A busca da ecoeficiência é baseada na redução do consumo per capita de energia no âmbito do urbano, que favorecem a sustentabilidade global.

O segundo modelo baseia-se na representação ecossistêmica das cidades, nos movimentos interativos de circulação, troca e transformação de recursos em trânsito. O modelo de equilíbrio de metabolismo urbano tem o ajustamento apropriado dos fluxos e estoques de matéria e energia.

Neste entendimento, as cidades devem ser consideradas como ecossistemas complexos com uma densa rede de processos metabólicos e intercâmbio de matéria, energia e informação, uma forma de organização não–linear. Devem ser vistas com um metabolismo circular que integra os componentes de um sistema sob diversos caminhos.

Os ecossistemas construídos se diferenciam internamente, em função de fatores econômicos, sociais, culturais e também naturais. O desenvolvimento e a manutenção da autonomia de uma cidade, por exemplo, estão relacionados a um grande número de redes educativas, culturais e técnicas Não podemos analisar a cidade apenas na totalidade e nem tampouco como uma soma das partes do ambiente urbano.

Se considerarmos a cidade um ecossistema composto de subsistemas de redes complexas, tais como bairros ou vilas urbanas, devemos compreender o inter-relacionamento sistêmico como processos de desorganização e organização que estes produzem (constituição de um organismo vivo). (Tabela 01)

Segundo Rueda (2000), as cidades são ecossistemas interdependentes de outro sistema que é seu entorno e, portanto, a transferência de informação, matéria e energia que se produz entre a cidade e seu entorno é a base que mantém e torna mais complexa a estrutura organizada da cidade. Tanto o entorno quanto os assentamentos se modificam em conseqüência dessa relação. “... as cidades são ecossistemas interdependentes de outros sistemas que constituem seu entorno, formando uma unidade íntima cidade-entorno”.

Tabela 01 – Análise dos princípios dos ecossistemas nos ecossistemas urbanos

PRINCÍPIOS ECOSSISTEMAS ECOSSISTEMAS URBANOS

Redes Relações e comunicações dos sistemas vivos sem limites. Redes dentro de redes - sistemas abertos interdependentes.

Todos os membros da comunidade ecológica estão conectados numa ampla e complexa rede de relações, a teia da vida.

Compreender a interdependência ecológica significa entender as relações, pois do ponto de vista sistêmico, as interações entre as partes são tão ou mais importantes do que as próprias partes do todo. Complexidade – quanto maior a autonomia, maior dependência ou riqueza de relações – maior a rede de comunicações.

Interações contínuas no modo de vida com sistemas vivos tanto de humanos quanto de vegetais, animais e microorganismos e de dependências educativas, culturais e técnicas.

Bairros interdependentes - subsistemas de redes complexas uns dentro de outros, organizados e associados a infra-estruturas.

Interdependência do entorno da cidade como um sistema aberto, um sistema cidade-entorno.

Exemplos aplicados ao desenho: Rede de espaços públicos, de caminhos para pedestres e bicicletas, de transportes públicos, de bacias de drenagem e de captação de águas pluviais, de hortas urbanas, etc.

Ciclos Reciclagem de matéria e transferência de energia

Metabolismo circular - transforma resíduos em recursos - ciclo da água, do lixo e energias de biomassa.

Energia Solar Transformada em energia química é o que move os ciclos ecológicos

Energia Solar, Aquecimento e Conforto Térmico e energias de fontes renováveis.

Alianças As trocas cíclicas de matéria e energia nos ecossistemas são sustentadas por uma cooperação difundida entre os membros da rede.

Nas comunidades humanas, a parceria significa a democracia e o empoderamento pessoal, por causa dos diferentes papéis sociais desempenhados. Pode-se estabelecer troca de habilidades.

Diversidade Biodiversidade – diversidade em espécies, organismos, em interdependência e informação. Um ecossistema diverso também será resiliente, pois ele possui muitas espécies que superpõem funções ecológicas que podem ser parcialmente substituídas, caso um elo da rede se desfaça.

Diversidade de Usos – quanto maior a diversidade e a densidade urbana, menor a dependência de transporte motorizado, menor o impacto e maior a troca de energia, matéria e informação com o meio - Redução da pegada ecológica.

Equilíbrio Dinâmico A flexibilidade de um ecossistema é que o traz ao ponto de equilíbrio após um período de mudanças nas condições ambientais

O equilíbrio e um bom funcionamento do sistema dependem de um bom posicionamento dos elementos a serem projetados de acordo com as necessidades e os deslocamentos e flexibilidade de usos.

Em um ecossistema, quanto maior a complexidade, maior a diversidade e riqueza de produtos e, conseqüentemente, maior a troca de fluxos com o meio, isto é, melhor o ciclo. Para se maximizar a entropia6 interna da cidade aumenta-se sua complexidade interna e para se minimizar a entropia projetada para o entorno deve-se se reduzir a pegada ecológica7 do assentamento ou cidade.

O mesmo autor coloca ainda que o modelo que mais interpreta o aproveitamento de entropia é o de cidade-compacta e diversa. A proximidade dos elementos faz com que haja redução do consumo de materiais, energia, tempo e solo, ao mesmo tempo em que proporciona mecanismos de regulação e controle, dá estabilidade ao sistema, um equilíbrio dinâmico. Na visão dele, compacidade e diversidade são cruciais para manter a complexidade das trocas.

6 Entropia – transferência de energia 7 O conceito de Pegada ecológica criada por William Rees e Mathis Wackernagel em 1996 demonstra em termos de área territorial o consumo das pessoas. Permite calcular a área de terreno produtivo necessária para sustentar o nosso estilo de vida. As categorias de terrenos são: agrícola, pastagens, oceanos, floresta, energia fóssil e construídos e as de consumo são: alimentação, habitação, energia, bens de consumo, transportes, etc. Cada categoria de consumo é convertida numa área de terreno (em princípio de uma das categorias apresentadas) por meio de fatores calculados para o efeito. Para fazer o cálculo para a alimentação, por exemplo basta dividir o consumo de dada cultura agrícola (expresso em toneladas, por exemplo) pela produtividade da terra (expressa em toneladas por hectare). É ainda necessário ter em conta as importações e exportações desse mesmo produto ou de produtos que o utilizem.

O adensamento urbano é uma das metas básicas do enfoque ambiental aplicado ao urbanismo, desde que atendida a capacidade de suporte da bio-região. Numa cidade compacta, a proximidade da moradia, do lugar de trabalho, dos serviços e dos equipamentos favorecem a otimização do uso do espaço, a utilização racional das zonas naturais e a organização eficaz do transporte público. Reunir pessoas significa reduzir distâncias, que por sua vez reduz a necessidade de deslocamentos e gasto de energia para transporte, nível de poluição produzido e quantidade de terra pavimentada.

Entretanto, o grau de compacidade de cada cidade vai depender da proporção dos elementos estruturadores do espaço urbano e de uma série de fatores a serem considerados como o clima, o tipo de solo e a capacidade de recursos de cada região. Em uma cidade situada em uma região de clima tropical, por exemplo, o grau de compacidade tem que ser diferente de uma outra situada em região de clima temperado, mesmo que as estratégias sejam as mesmas, pois a troca de energia ou calor é diferente.

Register (2002) afirma que, para se caminhar na direção da construção de Ecocidades, a metrópole tem que se transformar em várias cidades ou vários bairros para pedestres com pequenos centros comerciais de vizinhança ligados em ciclovias, com apoio para longas distâncias do transporte público. As moradias têm que estar próximas aos espaços para trabalho, alimentação, educação e lugares para sociabilização. Para este autor, é no uso da terra e na infra-estrutura urbana, na sua anatomia8, que se encontra a chave para formular os elementos estruturadores de uma Ecocidade, pois é na forma em que a cidade é desenhada e organizada que está a fundamentação para todas as outras coisas e para a compreensão dos impactos causados pela população, consumo e tecnologia numa dada região.

2.3 Princípios associados à morfologia urbana O planejamento e desenho urbano baseado na ótica do urbanismo sustentável têm três eixos fundamentais - a habitação, a infra-estrutura e a paisagem e, assim como nos ecossistemas, fazem parte de um sistema integrado onde tudo é interligado e reaproveitado - como um ciclo. Tudo que sai do sistema de produção deve ser reaproveitado, através de sistemas circulares de água, esgoto, energia e alimentos, reduzindo o impacto sobre o meio ambiente e aumentando o rendimento geral da comunidade.

Os sistemas de infra-estrutura interrompem o ciclo natural da água, ou melhor, o ciclo hidrológico, com a crescente impermeabilização dos solos e rede de drenagens artificiais que carregam águas pluviais e detritos lançados nas ruas para rios e lagos, contribuindo para o seu assoreamento. Além disso, em alguns casos, as redes de águas pluviais recebem redes de esgotos clandestinos que deságuam em locais com águas limpas sem nenhum tratamento prévio.

Explorando a cidade como um organismo vivo, Register (2002) faz uma analogia da anatomia da cidade com a anatomia humana. As ruas, redes de água, esgoto, drenagem e gás funcionam como o Sistema Circulatório, a arquitetura com seus elementos verticais funciona como apoio, similar ao Sistema Esquelético, os alimentos e os combustíveis funcionam como o Sistema Digestivo, que transformam a energia armazenada. Os sistemas de tratamento de água ou compostagem funcionam com um Sistema de Filtragem e Reciclagem e, os lixos incineradores e saídas de esgotos atuam como o Sistema de Excreção. Este tratamento pode ser interessante para efeitos de educação ambiental da população, mas para o urbanismo o desempenho das atividades tem que estar associado à morfologia, no lugar ou sítio em que cada cidade está implantada.

A anatomia do habitat construído é essencial para suavizar ou conectar cada uma dos condicionantes do desenvolvimento de uma cidade. Funciona como um organismo que move a maior parte da riqueza e consumo e organiza as tecnologias para maximizar trocas e minimizar deslocamentos. A qualidade e o conteúdo das trocas no meio ambiente são determinados pelo espaço urbano por meio da forma física e arranjo de suas partes num entendimento sistêmico.

O desenho das ruas, ou mais precisamente, a morfologia urbana é o elemento estruturador dessa anatomia. Entretanto, se as ruas forem projetadas visando o máximo de aproveitamento da mobilidade humana, a morfologia torna-se menos importante, pois pedestres exigem menos infraestrutura. Torna-se inevitável, porém, associar o layout às estratégias de redução de impacto dos sistemas de infra-

8 Anatomia urbana entendida como organização urbana associada à infra-estrutura – (Register, 2002)

estrutura, uma vez que esses sistemas constituem um meio de ligação significativa (subterrânea) entre a cidade e o meio natural. Cabe ao projetista então uma série de estratégias ou princípios associados à morfologia para assegurar a sustentabilidade ambiental.

No entanto, até chegar a forma ideal para essas Ecocidades, que dependem essencialmente do local em que estão inseridas, é imprescindível estabelecer alguns princípios norteadores para a sua construção. Existem autores que já estabeleceram alguns princípios tais como: Paolo Soleri na década de 60 para a construção de Arcosanti, Bill Mollisson com os princípios da Permacultura nos anos 70, Paul Downton para Ecopolis em 1998, Willian Mc Donough Associates para a Feira Mundial de Hanover em 2000, etc.

Os princípios para Ecópolis do australiano Paul Downton de 1997 são uma evolução dos princípios da Permacultura para o desenho de cidades. Tais princípios são apontados por Register (2002): restaurar terras degradadas, adequar-se a bio-região, desenvolvimento equilibrado, conter a expansão urbana (criar cidades compactas), otimizar o desempenho energético, contribuir para a economia, proporcionar saúde e segurança, instaurar um sentido de comunidade, promover a equidade social, respeitar a história, enriquecer a paisagem cultural e curar a Biosfera.

Dauncey (2001) coloca que existem alguns princípios que podem orientar a implantação e recuperação de comunidades com impactos significantes e de longo alcance no seu desenvolvimento econômico e na saúde social e ambiental. Tais princípios são: proteção ecológica (biodivresidade), adensamento urbano, revitalização urbana, implantação de centros de bairro e desenvolvimento da economia local, implementação de transporte sustentável e moradias economicamente viáveis, comunidades com sentido de vizinhança, tratamento de esgoto alternativo, drenagem natural, gestão integrada da água, energias alternativas e finalmente as políticas baseadas nos 3R’s (reduzir, reusar e reciclar).

Na verdade esses princípios não podem ser relevantes para todo empreendimento local, mas eles formam uma estrutura sistêmica e integrada que nos ajudam a entender o potencial para implantar assentamentos urbanos sustentáveis, que precisam ser considerados.

Segundo Romero9 (2002), cada escala é capaz de identificar diferentes tipos de estrutura ambiental, por meio de sua vulnerabilidade e alternativas de uso, assim como, os níveis de degradação ambiental, os aspectos de diversidade ambiental, de socioeconomia, de estética e de cultura. Para a autora, são quatro as escalas de análise: a grande dimensão das estruturas urbanas, a escala intermediária da área, as dimensões específicas do lugar e do edifício.

Na escala intermediária da área, ou melhor, na escala do bairro é onde se estabelece relação com o usuário. É onde são desenvolvidas as relações morfológicas e sua respectiva resposta ambiental, acessibilidade, homogeneidade, funcionalidade e conhecimento do local.

O bairro constitui o marco de vida da maioria das pessoas e sua escala de adapta a estratégia de um projeto urbano ambiental que permite abordar os problemas causados pela exclusão social em zonas críticas e resolver localmente a gestão da água e da energia, a seleção dos resíduos e a seleção dos ruídos. Existem na Europa vários bairros sendo implantados ou recuperados segundo os princípios de sustentabilidade, mesmo que a forma urbana, a arquitetura e a ecologia sejam bastante diferentes.

É nesta escala que os princípios de sustentabilidade aplicáveis ao desenho urbano são mais percebidos e onde as tecnologias sustentáveis de infra-estruturas são detalhadas. A seguir serão mostrados os procedimentos adotados para o desenho de um condomínio com bases sustentáveis.

3. PROCEDIMETOS - APLICAÇÃO DO MÉTODO

3.1. Justificativa da escolha do local e procedimentos adotados Este projeto foi desenvolvido na disciplina de Ateliê de Desenho Urbano visando a aplicação de princípios de sustentabilidade para o desenho de um loteamento urbano situado em um Setor Comercial de Brasília denominado Centro de Atividades do Lago Norte.

9 ROMERO, Marta Adriana Bustos. Urbanismo Sustentável. Apostila para o Curso de Doutorado, FAU/UnB, Brasília, 2002.

A justificativa da escolha do local para a implantação do condomínio foi a potencialidade deste Setor. Trata-se de uma área que foi projetada para ser um dos pontos significativos de polarização de serviços e comércio da região provocado pelo adensamento urbano previsto para a região centro-norte do DF, convencida pela regularização e urbanização dos bairros Boa Vista e Taquari, bem como pelo adensamento proposto para a invasão da Vila Varjão.(Fig. 01)

Entretanto hoje não funciona como tal e pode ser caracterizado como uma ilha de asfalto salpicada por edifícios, sem áreas verdes e espaços públicos adequados à convivência. O Centro de Atividades poderia diminuir a dependência do Lago Norte em relação ao Plano Piloto e ser um ponto de integração entre duas comunidades de rendas diferentes, a Vila Varjão e o Lago Norte (SHIN) por meio de troca de serviços e habilidades.

O objetivo desta intervenção urbanística é criar um condomínio sustentável que atue como espaço de propagação de pressupostos do desenvolvimento urbano sustentável para suas áreas de influência, podendo exercer papel relevante nos processos de integração sócio-espacial da região. Propõe-se incentivar o sentido de vizinhança e alianças comunitárias, por meio de espaços que propiciem a interação social. Ainda que se reconheça que a configuração espacial não é determinante das relações sociais, entende-se que o espaço não é uma instância passiva e neutra.

O trabalho foi desenvolvido em duas etapas que serão descritas a seguir.

3.1.1. Primeira Etapa: Diagnóstico Ambiental

Na primeira foram coletados todos os dados sobre a área a ser intervida por meio de estudos de impactos ambientais para áreas adjacentes ao loteamento (EIA-RIMA do Setor Taquari de 1991, RIVI da Vila Varjão 1997 e Diagnóstico Ambiental Integrado da Vila Varjão de 2000) e para o próprio Centro de Atividades (EIA-RIMA do Centro de Atividades de 1997), quando foi criado.

A partir de todas as informações coletadas - tendo como unidade de planejamento uma unidade hidrológica, a Sub-bacia do Ribeirão do Torto10 - foi possível fazer um diagnóstico ambiental do local, por meio de tabelas que continham uma análise dos os conflitos ou problemas dos meios físicos, bióticos e antrópicos e as diretrizes propositivas. (Tabela 02)

10 Esta etapa culminou com uma apresentação no X Encontro Nacional da ANPUR de 2003 “Encruzilhadas do Planejamento”sob o título de “Princípios de Sustentabilidade aplicados às diferentes escalas territoriais da Sub-Bacia do Ribeirão do Torto. As informações podem ser obtidas nos anais do congresso, ver nas referências bibliográficas.

CA

Vila Varjão Taquari

SHIN

Asa Norte Lago Paranoá

Fig. 01 – Mapa de localização do Centro de Atividades (CA) Fonte: SICAD, SEDUH, 2003

CA

Tabela 02 – Diagnóstico Ambiental – (Tabela Meio Antrópico/Abastecimento de água) Fonte: Romero, 2002 – Disciplina de Ateliê de Desenho Urbano – PPG-FAU/UnB

3.1.2. Segunda Etapa: Estratégias Ecológicas

Depois de feita a caracterização e o diagnóstico ambiental da área partiu-se para o estabelecimento de estratégias ecológicas antes de se chegar aos princípios de sustentabilidade aplicados ao desenho urbano. As estratégias utilizadas basearam-se, primeiramente, nos princípios ecológicos citados anteriormente como:

• Redes – a interdependência de áreas circundantes é importante para o desenvolvimento da auto-suficiência do condomínio, como por exemplo, o estabelecimento de redes de trabalho, de lazer, conhecimento, cultura e tecnologias. Uma vez estabelecida evita-se o deslocamento para outros locais

• Ciclo – evitar o metabolismo linear predominante e implantar o metabolismo circular minimizando novas entradas de energia e maximizando a reciclagem para todos os sistemas: água, alimentos, resíduos e esgoto.

• Energia Solar – a orientação solar do novo condomínio deve ser pensada para o maior aproveitamento possível no que diz respeito a energia, aquecimento e conforto térmico (bioclimatismo)

• Alianças – estabelecer estratégias de parcerias com comunidades vizinhas de diferentes classes sociais: as habilidades encontradas em uns servindo para o incremento de serviços para outros. A mão de obra da favela vizinha é importante para a demanda de serviços do condomínio.

• Diversidade – implantar maior a diversidade de usos e de pessoas para um melhor aproveitamento do espaço e maior a troca de energia, matéria e informação.

• Equilíbrio Dinâmico - O equilíbrio de um bom funcionamento do espaço depende de um bom posicionamento dos elementos a serem projetados de acordo com as necessidades e os deslocamentos. A flexibilidade dos espaços torna-se importante como um espaço com múltiplas funções.

Num segundo momento, por meio de tabelas, foram levantados os recursos ambientais e as estratégias necessárias (concepção urbana) para que os princípios de sustentabilidade fossem transformados em técnicas de desenho de acordo com Dauncey (2001), descritos anteriormente no item 2.3. (Tabela 03)

O projeto tem como foco instaurar um sentido de vizinhança, por meio de espaços comunitários e pela mobilidade das pessoas em seu interior e para as demais áreas do Centro de Atividades. Serão incentivados os deslocamentos a pé e de bicicleta de modo a reduzir uso do automóvel particular. O parcelamento urbano proposto tem dimensões controladas e diversidade tipológica. Habitações –

unifamiliares e geminadas – economicamente mais viáveis, com o máximo de auto-suficiência possível, particularmente nos aspectos de energia, água, reciclagem e alimentação.

Tabela 03 – Princípios de Sustentabilidade utilizados na aplicação do parcelamento urbano Fonte: Liza Andrade e Rejane Jung Viana , 2002 - Disciplina Ateliê de Desenho Urbano PPG – FAU/UnB, 2002

Princípios De Sustentabilidade

Estratégias: Concepção Urbana Técnicas Urbanas

Mobilidade Sustentável

1. Propiciar aos moradores locais de trabalho e lazer próximo as moradias p/ reduzir necessidades de deslocamentos.

Ciclovias Apenas vias locais de 6m para automóveis separadas da rede de ciclovias e de caminhos para pedestres com 2,5 de largura.Vias iluminadas e sinalizadas.

Revitalização Urbana e Sentido de Vizinhança

1. Espaços Públicos que propiciem encontros, reuniões e trabalhos conjuntos. 2. Desenvolver um sentido de lugar 3. Clube local com área de lazer 4. Integrar o Centro de Atividades a outras regiões

Tratamento Bioclimático do espaço público: Uso de pérgulas para sombreamento, captação da água da chuva por meio de espelhos d’água com climatizadores. Predominância das tipologias na orientação solar nordeste–sudoeste no sentido da topografia – boa incidência dos raios solares. As casas que estão no sentido noroeste-sudeste receberão brises verticais e proteção com vegetação.

Adensamento Urbano

1. Desenho urbano para um melhor aproveitamento da área de 22,5 hab/ha para 51 hab/ha. 2. Conter a expansão desordenada no entorno. 3. Tipologias mais densas localizadas na cota mais alta.

Tipologias: Casas geminadas – 22 x 233 m2 -lote de 264m2; Geminadas Escalonadas – casa páteo- térrea 268m2/outra sobreposta 220m2 c/acessos independentes; Geminadas de 2 pav.- recuadas 2m 205m2 –lote de 225m2.

Proteção Ecológica

1. Corredor Ecológico - Parque 2. Agricultura Urbana com Paisagismo Produtivo 3. Implantar a Estação de Esgoto Alternativa próxima ao corredor ecológico para atrair animais silvestres. 4. Colocar a zona 3 próxima da favela para aproveitar a mão de obra.

Zoneamento Permacultural: zona 1 – hortas familiares: páteos e coberturas; zona 2 – paisagismo produtivo: arborização das ruas, estacionamentos, praças; zona 3 – abastecimento condominial: área para produção agrícola intercalados com espaços de lazer e pequenos canais de escoamento; zona 4 – Parque Ecológico: repovoamento da flora e da fauna, viveiro, lazer.

Drenagem

1. Manter o ciclo hidrológico na Bacia do Lago Paranoá 2. Melhorar o microclima local e os efeitos da seca

Drenagem Natural O sistema é composto por dois subsistemas : um que absorve as águas das vias por meio de pavimentação permeável e pequenas canaletas, e outro que recebe as águas de grandes tempestades por meio de uma bacia de contensão de 900m de extensão por 10m de largura e 30cm de profundidade.

Economia Local

1. Implantar o Centro de Bairro no ponto central na interseção de caminhos com espaços que propiciem encontros e trocas 2. Destacar a volumetria no conjunto. 3. Socio-economia Solidária – Proximidade com a favela

Centro Comercial c/ 2 volumes: Bloco 1 – 3 pavimentos de uso misto – galeria de lojas e escritórios e, unidades habitacionais no último pavimento. Bloco2 – destinado a atividades comunitárias, cursos profissionalizantes. Praça – vista panorâmica do Ribeirão do Torto, local de encontro dos moradores e da região, feiras e exposições.

Tratamento de Esgoto

1. Evitar que a capacidade da ETE Norte chegue ao limite para não ocorrer o fenômeno de eutrofização do Lago Paranoá. 2. Incorporar a estação ao desenho da paisagem

Tratamento de Esgoto Alternativo - Tratamento de Esgoto com Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente associado a leito cultivado de fluxo superficial (wetlands). A Estação de Tratamento será localizada nas proximidades do corredor ecológico incorporada ao desenho paisagístico.

Gestão Integrada da Água

1. Reaproveitar as águas servidas e as águas pluviais nos projetos de arquitetura.

Instalar filtros de areia nos jardins para fazer a filtragem das águas.Projetos hidráulicos prevendo a tubulação necessária

Política dos 3R’s

1.Tratar o lixo na própria Sub-bacia do Ribeirão do Torto para evitar o esgotamento do Aterro Sanitário.

Projetar uma Usina de Reciclagem e Compostagem nas proximidades para atender toda a Sub-bacia do Ribeirão do Torto e a mão-de-obra da favela.

Energia Solar

1. Prever o uso de energia e aquecimento solar através de uma orientação adequada

Implantação no sentido da orientação solar nordeste-sudoeste, melhor eficiência dos raios solares para aproveitamento futuro de energia solar.

3.2 Condomínio Sustentável: desenho urbano Este estudo se propõe a intervir sobre a parcela do Centro de Atividades, que ainda se encontra desocupada. A quadra CA-6 (aproximadamente 20ha), conforme analisado na primeira fase do trabalho, destina-se ao uso residencial. O loteamento atual prevê a criação de 92 lotes de unidades autônomas, e de 4 lotes sob o regime de condomínios para 450 pessoas, o que resulta numa densidade de 22,5 hab/há. O novo projeto adota densidades mais elevadas (51hab/ha), apropriadas à urbanidade, que devem contribuir para imprimir vitalidade naquele centro de bairro. (Fig. 02)

Além disso, comporta um pequeno Centro Comercial Local, que traz para o centro da comunidade usos diferenciados, com o intuito de incentivar a economia local e de aproximar o local de trabalho de casa. Esse edifício comercial deverá proporcionar aos novos moradores, lojas e salas para profissionais autônomos e, pequenas unidades habitacionais. Outro edifício, na área central, abrigará um Centro Comunitário. Juntos, configuram uma praça que deverá estimular os contatos sociais.

Estão previstas, para ela, a implementação de coleta seletiva de lixo, a implantação, nas vizinhanças, de uma Usina de Reciclagem (triagem e compostagem) e horta comunitária. O composto orgânico originado na Usina pode ser reaproveitado como adubo na produção de alimentos local. A horta comunitária, por sua vez, poderá contar com uma Escola Agrícola apoiada por técnicos da EMBRAPA, para formar pequenos agricultores a fim de disseminar a produção de alimentos especialmente na região da invasão da Vila Varjão.

Fig. O2 – Planta do Condomínio Sustentável do centro de Atividades do Lago Norte Fonte: Trabalho desenvolvido na disciplina de Ateliê de Desenho Urbano da PPG-Fau/UnB , 2002 Projeto: Liza Andrade e Rejane Jung , Desenho: Rejane Jung

Fazem parte também do desenho urbano, espaços públicos destinados ao tratamento de esgotos e ao tratamento de águas pluviais das vias. Tratamento de Esgoto com Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente associado a leito cultivado de fluxo superficial (wetlands – plantas aquáticas) pesquisado juntamente com o Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Tecnologia da UnB. (Fig. 03)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após analisar vários estudos de impactos ambientais para o exercício do projeto, observou-se que eles se resumem em dados do local a ser implantado e soluções mitigadoras distantes de soluções aplicadas ao desenho urbano. Era de se esperar que, da interface de informações do meio físico, biótico e antrópicos, surgissem estratégias sustentáveis de uso e ocupação do solo urbano, ou melhor, surgissem soluções mais ecológicas e conseqüentemente alternativas para os projetos urbanísticos tradicionais.

Entretanto, como os projetos urbanísticos foram desenvolvidos antes da avaliação de impactos, há uma tendência em manter as formas tradicionais de desenho, muitas vezes pela falta de conhecimento de soluções ecológicas ou mesmo pela opção de se adequar soluções, visando acelerar a aprovação do processo para o empreendedor - o que muitas vezes mostra-se sem sentido dada a morosidade dos processos de aprovação.

Neste sentido, se os impactos fossem estudados e analisados anteriormente aos projetos urbanísticos como condição básica para se iniciar um estudo preliminar, poderiam contribuir com o estabelecimento de estratégias e princípios norteadores, uma vez que, são diagnosticadas características socioambientais por profissionais multidisciplinares.

Constatou-se também que, quando se considera a unidade de planejamento urbano, uma unidade hidrológica (como foi o caso da Sub-bacia do Ribeirão do Torto), muda-se completamente de uma visão imediatista para uma visão dos problemas a longo prazo, pois medidas pontuais imediatas podem comprometer a eficiência de uma bacia hidrográfica.

Portanto, o estabelecimento de princípios de sustentabilidade, para aplicação ao desenho e planejamento urbano é imprescindível, mesmo que as necessidades de cada região sejam diferenciadas quanto aos aspectos físicos (geologia real, topografia e ecologia), culturais e socioeconômicos. Esses princípios não se modificam em função de culturas, hábitos, estilos ou modismos, cabendo, então, ao projetista adotar critérios locais de acordo com o lugar e, as bio-regiões ou micro-bacias, para que as intervenções urbanas rompam com a tradição urbanística predominante que estabelece relações de densidades e morfologias, e passe a adotar estratégias de planejamento e de desenho urbano sustentáveis.

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