politizando a sociedade do conhecimento

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  • 8/14/2019 Politizando a Sociedade Do Conhecimento

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    18 B. TC. SENAC, RIODE JANEIRO, V. 32, N. 1, jan./abr., 2006.

    Ilustrao:Aliedo

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    19B. TC. SENAC, RIODE JANEIRO, V. 32, N. 1, jan./abr., 2006.

    ...a observao mais importante a serfeita sobre qualquer anlise concretadas relaes de fora a seguinte: taisanlises no podem e no devem ser

    fins em si mesmas (...), mas s adquiremum significado se servem para justificaruma atividade prtica, uma iniciativa davontade (Gramsci).

    INTRODUO

    No cenrio mundial do final dosculo XX, constata-se, de um lado,os enormes progressos alcanadosnos campos do conhecimentoe tecnolgico. A expanso semprecedentes das inovaes nas reas

    a cibercultura (cultura digital etecnologias inteligentes) e vislumbraa possibilidade de se elaborar umprojeto de inteligncia coletiva,global.

    J Frigotto (2001)2 alerta sobreo iderio conservador que vemsendo difundido frente s poderosasredes de informao: o de queestamos iniciando um novo tempo para o qual devemos nos ajustarirreversivelmente o tempo da globalizao, da modernidadecompetitiva, de reestruturao produtiva e de reengenharia , doqual estamos defasados e devemosnos ajustar.

    Trata-se, segundo Nogueira(2002)3, das contradies existentesna cibercultura ou na sociedadedo conhecimento. Para o autor:Ainda que seja evidente, hoje, ocrescimento das possibilidades de umamaior comunicao entre povos eindivduos graas rpida difuso da

    POLITIZANDOASOCIEDADEDOCONHECIMENTOSOBATICADOPENSAMENTODEGRAMSCI

    Vnia Cardoso da Motta*

    Abstract

    This article seeks to introduce the debate on the announced knowledge societyand to reflect on the origin of its contradictions, taking as theoretical and metho-dological references the categories of Italian Marxist thinker, Antonio Gramsci.

    It is founded on the basic economic, political, and ideological contradictions

    of the globalized world. It is understood that in the condition of a dependentcountry, it is fundamental to reflect on the contradictions of this globalizedworld and their impacts on the historical specificity of Brazilian society in orderto find elements for an effective action to overcome those contradictions.

    Keywords:Knowledge Society, Human Capital, Gramsci.

    * Professora Assistente da Universidade Santarsula. Doutoranda em Servio Social Po-lticas Sociais, pela Universidade Federal doRio de Janeiro - UFRJ. Mestre em Educao Movimentos Sociais e Polticas Pblicas,pela Universidade Federal Fluminense UFF. E-mail: [email protected].

    de telecomunicaes, microeletrnica,biotecnologia, informtica e robtica,entre outros, transformou as matrizesprodutivas bsicas e ampliou aspossibilidades de produzir bens eservios. Ampliaram-se, tambm, ossistemas de base democrtica e omovimento em direo constituiode formas novas e mais ativas deorganizao da sociedade civil. Poroutro, constatam-se o aumento dadesigualdade entre pases e regiese da pobreza mundial, taxas elevadasde desemprego e a precarizao dotrabalho, com perdas substantivas dosdiretos sociais conquistados.

    Em relao s novas tecnologiasda comunicao e informao, algunsotimistas enfatizam a capacidade deproduo e difuso do conhecimentoque essas ferramentas possibilitam.Pierre Lvy (1998)1, por exemplo,anuncia uma mutao nos modosde comunicao, de acesso ao saber,de pensamento e de trabalho com

    Recebido para publicao em: 04/04/06.

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    internet, o mundo est cada vez maiscondicionado pela ao de poucos epoderosos conglomerados.

    As contradies que atravessamo novo milnio, cada vez maisintensas, impem novos desafios,especialmente, no campo educacional,

    uma vez que o campo da produoe reproduo do conhecimento, daformao e da difuso de cultura,atravessado pela questo do poderque insere os mbitos econmicos,polticos e ideolgicos.

    Enfrentar esses desafios requerrefletir sobre as contradies domundo globalizado e seus reflexos naespecificidade histrica da sociedadebrasileira, buscando fundamentos parauma ao efetiva de superao dessascontradies. Nessa perspectiva, esteartigo procura introduzir o debatesobre a anunciada sociedade doconhecimento e refletir sobre asbases de suas contradies fundadanas categorias do pensador italianomarxista Antnio Gramsci4.

    Assim, num primeiro momento,discutir-se- o significado de sociedadedo conhecimento em Rouanet,traando algumas contradies quetal sociedade incorpora do modernomundo globalizado. Num segundo

    momento, a partir de exemplos dediferentes vises sobre os desafiosda educao brasileira no sculo XXIou no contexto da Era do Mercado, discutido o carter ideolgico que

    abarca a anunciada sociedade doconhecimento atrelada teoria docapital humano, para, por ltimo,tentar compreender a dinmica dasrelaes de poder numa sociedadede classes, fundando-se em conceitosde Gramsci que possam colaborar no

    entendimento e na interveno para asuperao dessas contradies.

    SOCIEDADE DO CONHECIMENTOE AS CONTRADIES DAMODERNIDADE

    Para compreender o significadoque insere a expresso sociedadedo conhecimento, to difundidano campo educacional nas ltimasdcadas, partir-se- da definio deRouanet (2002).

    O autor5, ao colocar em questodo que se trata a sociedade doconhecimento, um fato , umaideologiaou uma utopia, concluique ela um pouco das trscoisas: o conceito de sociedade doconhecimento baseia-se no fatode que o conhecimento cientfico-tecnolgico, hoje, com o grau desofisticao alcanado pela cincia,a complexidade das tecnologiasgeradas e a importncia central

    desse conhecimento no aparelhoprodutivo, na reproduo materialda sociedade e numa vida cotidianaatravessada pela mdia, configuramum salto qualitativo na antiqssima

    histria entre conhecimento esociedade, e desempenhaum papel decisivo naeconomia e, por meio dela,na sociedade. Apresenta-

    se como ideologia, em seusentido mais clssico, o de conjuntode idias destinadas a mistificar

    relaes reais, a servio de um sistema de dominao(fazendoreferncia ao capitalismo global),uma vez que o conceito de sociedadedo conhecimento se apresentadissimulado ao atribuir o mesmosignificado ao termo conhecimentoe informao, pois considera quea informao dispensa a reflexonecessria para transformar oscontedos do mundo exterior emconhecimento. E ela uma utopia,

    mas uma utopia concreta, como umconjunto de representaes fundadasnuma esperana objetiva instrudas por tendncias j presentes no real(...) e no uma simples fantasmagoriasubjetiva.

    E ao traar seu ponto de vista em

    relao ao conceito de sociedadedo conhecimento, o autor dissertaque:

    (...) uma verdadeira sociedade doconhecimento seria aquela em queo conhecimento, considerado emseu sentido integral, abrangendono somente as disciplinas tcnico-cientficas, mas, tambm, a filosofiae as humanidades, fosse o principaldeterminante da organizao social, eem que todas as camadas sociais, emtodos os pases do mundo, tivessemchances simtricas, asseguradas porprocessos democrticos, de mbito tantonacional quanto global, de participar dagerao, processamento, transmissoe apropriao do conhecimento edas informaes necessrias a esseconhecimento6.

    Para Rouanet, no nem comodescrio neutra nem como ideologiaque o conceito de sociedade doconhecimento pode ser consideradorealista, e sim como utopia7 - umautopia fundada na esperana queum dia ser objetivada para todos.Conforme seu ponto de vista, ento,tal sociedade do conhecimentoinexiste, uma vez que ela ainda nose configurou como o principaldeterminante da organizao social,isto , no houve, at ento, aparticipao, tanto em mbitonacional como no mbito global, dagerao, processamento, transmissoe apropriao do conhecimento e

    das informaes necessrias a esseconhecimento.A sociedade do conhecimento,

    associada s novas tecnologias, uma vez que elas, de fato, ampliamas possibilidades de acesso informao, de todo tipo, em qualquerlugar do planeta e em tempo quasereal, e, com isso, ampliam, tambm,as possibilidades de produo esocializao de conhecimentos, contraditria e insere relaes depoder, uma vez que tais possibilidades

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    de apropriao do conhecimento,at ento, no so para todos.

    No Brasil, assim como na maioriados pases perifricos, os veculosde comunicao e de informaopermanecem na direo de umaminoria. O conhecimento maiselevado privilgio de poucos, deuma pequena parcela, e a produodo conhecimento privilgio deum grupo restrito, cada vez maisrestrito.

    Ao tentar compreender a sociedadedo conhecimentoenquanto utopia,Rouanet nos instiga a observar ascondies concretas para a realizaodesta utopia, principalmente nospases dependentes.

    Analisando alguns dados emrelao ao acesso aos veculos decomunicao e de informao nombito global, segundo os dadoslevantados pelo Informe sobreDesenvolvimento Humano do PNUD(1999)8, constata-se que h umabrecha enorme entre pases ricos epobres, e que, segundo o prprio

    Banco Mundial, essa diferenavem se tornando maior nas ltimasdcadas.

    Sobre o acesso internet:- os 20% mais ricos da populao

    mundial possuem 93,3% dos acessos internet, os 20% mais pobres, apenas

    0,2% e os 60% intermedirios, apenas6,5%.

    Sobre a apropriao de redestelefnicas:

    - 20% da populao mundial quevive nos pases mais ricos possui 74%das linhas telefnicas do mundo,enquanto os 20% mais pobres tmapenas 1,5%.

    Considerando que a concepoda sociedade do conhecimentoestdiretamente relacionada ao contextoda globalizao da economia e quea base dos avanos tecnolgicos apesquisa e o desenvolvimento para oaumento da produtividade, verifica-seque h tambm uma enorme distncianas oportunidades tecnolgicas entrepases centrais e perifricos, uma

    vez que os gastos ou investimentosem pesquisa esto concentrados nospases ricos:

    - em 1993, 84% do gasto mundialem pesquisa e desenvolvimentoera realizado em apenas dez pases

    que, com isso, eram os principaisorientadores de prioridades e dasagendas de pesquisa.

    - 95% das patentes eramcontroladas por esses pases. E 80%das patentes outorgadas em pasesem desenvolvimento foram dadasa residentesde pa s e s

    industrializados9.Esses dados mostram que

    ultimamente vem se configurandouma forte excluso dos pasesmais pobres ao acesso a pesquisa -gerao, processamento, transmissoe apropriao do conhecimento

    e das informaes necessrias aesse conhecimento, colocado porRouanet - e condio de influir naslinhas de pesquisa que atentam assuas necessidades bsicas.

    H profundas disparidadesexistentes entre os avanostecnolgicos e as condies de vidada maioria da humanidade. Conformedados do Banco Mundial (1998):10

    - quase 1,3 bilho de pessoasganham menos de um dlar por dia,

    vivendo na pobreza extrema;- 3 bilhes de pessoas, metade

    da populao mundial, recebe umarenda que no excede os dois dlaresdirios, encontrando-se em situaode pobreza;

    - 3 bilhes de pessoas no possuemservios de saneamento bsico;

    - 2 bilhes carecem de eletri-cidade;

    - 1,4 bilho de pessoas no temgua potvel.

    As condies extremas de pobreza

    e as carncias de condies mnimasna preveno em sade afetam outrocampo fundamental, a nutrio.Segundo dados da OrganizaoMundial da Sade (1998)11:

    - 828 milhes de pessoas dospases em desenvolvimento padecem

    Oconhecimento

    mais elevado privilgio de

    poucos, de umapequena parcela,e a produo doconhecimento

    privilgio de um

    grupo restrito,cada vez mais

    restrito.

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    de fome crnica;- 2 bilhes apresentam deficincias

    de micronutrientes como vitaminase minerais.

    Esse quadro refora a colocaode Frigotto e de outros crticos, emrelao ao iderio excludente, que

    permeia o discurso da sociedadedo conhecimento. No mbito daproduo cientfica, uma exclusosilenciosa. No mbito do trabalho, alardeado que para combater aexcluso necessrio realizar umaadaptao ao novo tempo; precisoformar um novo tipo de trabalhador,requalificar os profissionais deeducao para atender as necessidadesdos modernos meios de produo, danova configurao da organizao dotrabalho, da complexidade produtiva,enfim, do mercado.

    Tal retrica difundida numcontexto em que a situao depobreza se agrava mundialmente,formando um novo mapa mundialcom zonas de pobreza12 tanto empases centrais como perifricos.

    Amplia-se a desigualdade entre pasese regies, polarizando domnios.13

    Chesnais (1996) explica quepor vrias dcadas prevaleceua idia de que o modelo

    ocidental capitalista dedesenvolvimento poderiaser conquistado por todosos pases e regies, uma vezque superassem as etapasnecessrias para tal, comodegraus de uma escada quetodo pas podia galgar.14

    E que:

    Aps o f o rm idve l s a l t ode produtividade do trabalho naindstria, que acompanhou a difuso

    das tecnologias de informtica, doestabelecimento de novas formastoyotistas de organizao da produoindustrial e da intensificao daconcorrncia entre as companhias eos pases da Trade15, estes passaram ase interessar unicamente por relaesseletivas, que abrangem apenasum nmero limitado de pases doTerceiro Mundo. Certos pases aindapodem ser requeridos como fontesde matrias-primas (porm cada vezmenos, observa o autor). Outros soprocurados, sobretudo pelo capital

    comercial concentrado, como basesde terceirizao deslocalizada a custossalariais muito baixos. Mais unspoucos pases, por fim, so atrativosdevido a seu enorme mercado internopotencial (...). Mas, fora esses casos,as companhias da trade precisam demercados e, sobretudo, no precisam

    de concorrentes industriais de primeiralinha (...). Foi assim que houve umestancamento do IED (InvestimentoEstrangeiro Direto) para muitssimospases, e que o tema da administrao dapobreza foi assumindo espao cada vezmaior nos relatrios do Banco Mundial,enquanto o tema do desenvolvimentofoi colocado em surdina (Chesnais,

    1996).16

    Explica Hobsbawm (1995)17 que,no final do sculo XX, os pases do

    mundo capitalista desenvolvido seachavam mais ricos e mais produtivosdo que no incio da dcada de 1970, e aeconomia global estava imensamentemais dinmica. No entanto, a situao em regies particulares do

    globo era consideravelmente menoscor-de-rosa. Na dcada de 1980,houve a estagnao do crescimento doPIB per capita na frica, sia ocidentale Amrica Latina e o empobrecimentoda maioria das pessoas. Segundo oautor:.

    A produo caiu durante a maior partedos anos da dcada nas duas primeirasregies, e por alguns anos na lt ima (...).Ningum duvidou seriamente de que,

    para essas partes do mundo, a dcada de1980 foi de severa depresso (...).Quanto pobreza e misria, na dcadade 1980 muitos dos pases mais ricose desenvolvidos se viram outra vezacostumando-se com a viso diriade mendigos nas ruas, e mesmocom o espetculo mais chocante de

    desabrigados protegendo-se em vosde portas e caixas de papelo, quandono eram recolhidos pela polcia. (....) Oreaparecimento de miserveis sem tetoera parte do impressionante aumentoda desigualdade social e econmica nanova era.18

    Como pode ser visto, a concepode sociedade do conhecimentoinsere contradies que estodiretamente relacionadas gneseda sociedade capitalista: a grande

    capacidade de desenvolvimentotecnolgico e cientfico est atrelada degradao social da maioria.

    Analisando os primrdios daformao da sociedade capitalista,as contradies entre o avano dasindustrias e a profunda degradaomoral19 dos trabalhadores da, entoem formao, organizao do trabalholiberado, Paulo Netto (2001) iden-tifica que: Pela primeira vez na

    histria registrada, a pobrezacrescia na razo direta em queaumentava a capacidade socialde produzir riquezas.20

    Para Iamamoto (2003):

    Essa contradio fundamental dasociedade capitalista entre o trabalhocoletivo e a apropriao privada daatividade, das condies e frutos dotrabalho est na origem do fato deque o desenvolvimento nesta sociedaderedunda, de um lado, em uma enormepossibilidade de o homem ter acesso

    natureza, cultura, cincia, enfim,desenvolver as foras produtivas dotrabalho social; porm, de outro lado ena sua contraface, faz crescer a distnciaentre a concentrao/ acumulaode capital e a produo crescente damisria, da pauperizao que atingea maioria da populao nos vriospases, inclusive naqueles consideradosprimeiro mundo.21

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    A EDUCAO BRASILEIRA NOCONTEXTO DA CONTRADITRIA"SOCIEDADE DO CONHECIMEN-

    TO"

    Na I Conferncia Nacional deEducao, Cultura e Desportos,

    realizada em Braslia, Saviani (2001),ao discutir o tema da conferncia,Desafios para o sculo XXI, colocoua seguinte questo: como enfrentareste desafio do sculo XXI quando onosso desafio ainda est situado nosculo XIX, que o da universalizaodo ensino fundamental e o daerradicao de analfabetismo?.22

    De fato, o quadro educacionalbrasileiro se apresenta com grandesdistores. Com isso, cria-se umabismo entre a disseminadasociedade do conhecimento e asociedade brasileira. Ele se apresentadistante da verdadeira sociedade doconhecimentocolocada por Rouanet.No entanto, os empresrios daeducao no desanimam diante doquadro; ao contrrio, o considerambastante oportuno para aumentar suaspossibilidades de lucros.

    Para os empresrios do ensino, oquadro das estatsticas da educaobrasileira no contexto da sociedade

    do conhecimento, embora precisedar um salto gigantesco no que dizrespeito formao das pessoas,aponta um mercado promissor paraexpanso de seus negcios e para oaumento de seus lucros, j que:

    (...) aqui, os 2,7 milhes de universitriosrepresentam 1,6% da populao, contracerca de 3,4% de chilenos e argentinos.Fatos como esses podem ser um entravena corrida por competitividade nasociedade do conhecimento e um npara a expanso da indstria do ensinono pas ou uma enorme oportunidade.Na verdade so as duas coisas ao mesmo

    tempo.23

    Para o americano FranklinSchargel24, especialista na aplicaoda gesto da qualidade total emescolas: A boa notcia que h sinaisde que a largada por aqui (no Brasil)j foi dada.

    Em palestra organizada pelaAssociao Brasileira de Mantenedoras

    de Ensino Superior - ABMES25,Divonzir A. Gusso26 apresentoualgumas evidncias para ajudara avaliar as possibilidades dademanda para os cursos de graduaosuperior:

    - em 1990, as IES27 pblicas

    apresentaram 37,6% de matrculas eas IES privadas, 62,4%;

    - em 2000, as IES pblicasapresentaram 32,9% contra 67,1% dasIES privadas;

    - entre 1985/1990, as IES pblicastiveram uma taxa de crescimento de0,8% ao ano e as IES privadas, de3,5% ao ano;

    - entre 1995/2000, as IES pblicascresceram 4,8% ao ano, enquanto asIES privadas, 11,3% ao ano.

    Observa-se nesse quadro, comdados que indicam um crescimentodo nmero de matrculas nas IESparticulares e uma exploso deIES privadas nas ltimas dcadas,o entusiasmo dos empresrios deeducao em relao aos dficits deescolarizao no Brasil. Para essesempresrios da educao, os dficitsna educao escolar vislumbramsomente as possibilidades deinvestimento no mercado educacionalbrasileiro que, para se adaptar ao

    novo tempo, tende a expandir.H uma estimativa que, entregastos pblicos e privados, o setoreducacional movimenta cerca dedois trilhes de dlares. Esse

    volume expressivo de recursostem atrado o interesse crescentede diversos grupos, principalmenteempresariais,28 sobretudo no setorde ensino superior.

    Segundo Siqueira (2004):

    Os pases mais ricos, com a maioria desua populao escolarizada, uma taxade natalidade decrescente e amplossistemas educacionais funcionando,esto se apresentando como ummercado restrito para a atuao deempresas no setor educacional. Por outrolado, os pases em desenvolvimento onde hoje se encontra a maior parte dapopulao em idade escolar e, portanto,onde h uma grande demanda potencialpara a oferta de ensino (....) so alvosprivilegiados dessa busca dos grupos

    empresariais por novos mercados.Contudo, pelo fato de a educaoter se constitudo, na maioria dospases, como um dos direitos sociais, apresena/oferta e o controle da mesma

    pelo Estado apresentam vrias limitaes expanso comercial/mercadolgicados negociadores da educao, tratadasagora como barreiras que devem serderrubadas.29

    Nessa tica, h uma presso paraque a educao seja vista como umamercadoria, e no como direito social,de forma a ser regulada pelas normasdo mercado,30 sem a interferncia dasregulamentaes governamentais.

    Conforme foi colocado, o fato

    de se ter no Brasil um baixo ndice

    ...a concepode sociedade doconhecimento

    insere contradiesque esto

    diretamenterelacionadas gnese dasociedade

    capitalista: a grandecapacidade de

    desenvolvimentotecnolgicoe cientfico

    est atrelada

    degradao socialda maioria.

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    de escolarizao, e com isso, ser umentrave na expanso econmica ena corrida por competitividade nasociedade do conhecimento, no de todo ruim uma vez que essadistoro educacional abre umaenorme possibilidade de mercado.

    Se por um lado, conformecolocao de Saviani, tem-se odesafio da universalizao do ensinofundamental e o da erradicao

    de analfabetismo, por outro, abre-se a possibilidade de incluso nasrelaes seletivas, tendo em vistao enorme mercado interno potencialbrasileiro.31

    sob a perspectiva de mercadoque vem sendo disseminada aidia de valorizao humana dotrabalhador, que insere a defesa deuma slida educao bsica geral paraa formao do cidado e do novotipo de trabalhador ("cognitariado"32,polivalente, participativo, flexvele com uma elevada capacidade deabstrao e deciso) integrado sociedade do conhecimento.33

    Veiculam-se as idias de que oprogresso tcnico, alm de geraremprego, exige uma qualificao cada

    vez mais especfica e permanente porparte do trabalhador, isto , exigeque ele invista naquilo de que proprietrio, o capital humano.Investir no capital humano, viaescolarizao ou treinamento e atravs

    de acesso aos graus mais elevados deensino, constitui-se em garantia deascenso a um trabalho qualificadoe, conseqentemente, a garantiade nveis de renda cada vez maiselevados. Qualificado para o mercadoe ascendendo profissionalmente,o indivduo garante o seu bem-estar social e econmico e de seusfamiliares.

    Segundo Frigotto (1986):

    O que se discute apenas se esse vnculo (econmico) se d mais aonvel do aprendizado de habilidades, dodesenvolvimento de atitudes funcionaisao processo produtivo. A partir dessaconcepo linear deriva-se (....) aideologia burguesa do papel econmico

    da educao. A educao e a qualificaoaparecem como panacia para superar asdesigualdades entre naes, regies ouindivduos. O problema da desigualdadetende a reduzir-se a um problema de

    no-qualificao.35

    No mbito ideolgico, acortina-seo antagonismo de classe, definidopelos interesses do capital deexpropriar o trabalhador e pelosinteresses dos trabalhadores dese apropriar do conhecimento

    historicamente acumulado, e busca-secimentar a idia de que a mobilidadesocial depende exclusivamente doesforo e mrito do indivduo empromover o investimento no bemeducacional.

    O mascaramento fundamentaldecorre da viso de que cadaindivduo , de uma forma ou de outra,proprietrio e, enquanto tal, dependedele e no das relaes sociais, dasrelaes de poder e dominao o

    seu modo de produo da existncia(Frigotto, 1986).36

    Ao longo de dcadas dedisseminao da teoria do capitalhumano, o que se averigua que,ao contrrio da distribuio derenda, a concentrao se acentuou;ao contrrio de mais empregos para egressos de ensino superior,tem-se cada vez mais um exrcitode ilustrados desempregados ousubempregados (Frigotto:1986)37.Hoje, pode-se questionar se esse

    exrcito de reserva ou um exrcitode ilustrados que jamais seroinseridos ou includos no mercadoformal.38 E, ainda, de que tipo deilustrao este exrcito vem seapropriando.

    Conforme Frigotto (2000), ocarter explcito desta subordinao de uma clara diferenciao daeducao ou formao para as classesdirigentes e a classe trabalhadora39.Esse carter dual da educao escolar

    Do ponto de vista dadesigualdade social,a teoria do capitalhumano vai permitir aosformuladores e executoresdo modelo concentradorde desenvolvimento

    justificar o processo deconcentrao do capital

    mediante o desenvolvimento dacrena de que h dupla forma deser proprietrio: proprietrio dosmeios e instrumentos de produo ouproprietrio do capital humano.34

    No mbi to das po l t i caseducacionais, dissemina-se a idiade democratizao do acesso escolae enseja-se um intervencionismodo Estado, de carter tcnico,

    no planejamento dos sistemaseducacionais formais e nos processoseducativos embutidos em planosespecficos de desenvolvimentoregional. Neste sentido:

    ... no se tratade ter uma

    qualificaoprofissional para

    o trabalho, poisno h trabalho,mas assegurars camadas

    mais pobres o

    desenvolvimento desuas capacidades

    bsicas derealizao, para

    sobrevida na novaEra.

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    solidariedade, da igualdade e dademocracia(grifo nosso).

    LER GRAMSCI (E) ENTENDER AREALIDADE44

    Semeraro (2001)45 aponta a

    recusa de Gramsci por qualquerdeterminismo que estabelea relaeslineares entre economia e poltica,entre estrutura e superestrutura, foras objetivas e subjetivas, poisambos entendem que a histria umprocesso dinamizado por diferentesmanifestaes criativas, geradorasde novas foras sociais. E nessaperspectiva que o autor destaca asociedade civil como a categoria demaior valor para a compreenso dadinmica da sociedade capitalistamoderna na tica de Gramsci, umaesfera cada vez mais complexa econtraditria de lutas ideolgicas, deguerra de posio e de intensa disputa pela hegemonia entre diferentesgrupos sciopolticos.46

    Em suas reflexes, Gramscienfatiza a existncia de uma relaoorgnica e recproca estabelecidaentre o estrutural e o superestrutural,que adquire caractersticas especficasem cada formao histrica. Trata-

    se da relao entre o econmico-social e o tico-poltico ou forasmateriais e ideologias quecompe um determinadoblocohistrico.47

    Ao analisar as relaesde foras que compemum determinado blocosocial, Gramsci expea dinmica que insereas relaes de poder ourelaes de hegemonia,e x p l i c i t a n d o o s

    mecanismos de dominaoe de direo intelectual emoral que uma classe socialutiliza sobre toda sociedade eenfatiza a funo do intelectual48neste processo como elementofundamental para se obter e conservara hegemonia.

    Para Simionatto (2004): Suareflexo categorial vai apreendendoa processualidade e a historicidadedo social, o jogo das relaes que

    permitem desvendar a realidade

    e suas contradies constitutivas,demarca o ponto de vista datotalidade na anlise do real,49

    evidencia o vnculo entre o social, opoltico e o econmico.

    Gramsci indica como elementosfundamentais da dinmica de

    conservao ou transformao deum bloco histrico, isto , daorganicidade entre a estrutura e asuperestrutura de uma determinadaformao histrico-social, o Estado,a sociedade civil e o intelectual,50que implicam as formas e os nveiscomo se do as correlaes de forassociais.

    Na concepo de Gramsci, apartir da constituio do EstadoModerno e da conquista daampliao da participao poltica dostrabalhadores, tornou-se fundamentalo consenso da sociedade civil nasidias e aes da classe dominante,de modo a conquistar ou conservara hegemonia ideolgica. As funesde hegemonia so exercidas pelaatuao da sociedade poltica, atravsdo sistema judicirio, do sistemaescolar e da propaganda vinculados sociedade civil. Como a sociedadecivil composta de instituies dasmais diversas concepes de mundo,

    por isso elas so denominadas porGramsci de aparelhos privadosde hegemonia, a

    estrutura socialse apresenta

    dinmica, as

    identificado tanto na existnciade duas redes de educao escolar

    pblica e privada, quanto nadualidade de formao ensinoprofissionalizante e tradicional.

    J Leher (1998),40 coloca que naEra do Mercado este carter de

    subordinao se expressa peloapartheid educacional planetrio,ao reduzir o acesso dos excludossomente ao ensino fundamental.

    Leher identifica no capitalismoglobalizado a intensificao dascontradies, j que na atualconjuntura no se trata de ter umaqualificao profissional para otrabalho, pois no h trabalho,mas assegurar s camadas maispobres o desenvolvimento de suascapacidades bsicas de realizao,41para sobrevida na nova Era. As escolaspblicas, principalmente de ensinofundamental, tendem a ser um espaode assistncia e conteno da violnciae dos conflitos, um espao pblicodespolitizado. Para Bourguignon(economista do Banco Mundial), osricos dos pases em desenvolvimentodevem encarar a poltica de maioreqidade com o investimento no futuro dos seus filhos e netos, umagarantia de que eles vivero numa

    sociedade menos violenta.42

    Contudo, adverte Frigotto(2000)43 que, na contradio entrea exploso tecnolgica e o aumentodas desigualdades, da pobreza e dastaxas de desemprego, no se tratade negar os avanos tecnolgicose do conhecimento ocorridos nosltimos tempos ou fixar-se naresistncia, nem de considerar asposturas dos homens de negciosem relao educao como atitudesmaquiavlicas ou que efetivamente

    instaurou-se uma preocupaohumanitria neste grupo. Trata-se dedisputar concretamente a hegemoniadesses avanos e conduzi-los,submetendo-os esfera pblica e aocontrole democrtico para potenciara satisfao das necessidadeshumanas. O eixo, coloca o autor,no a supervalorizao dacompetitividade, da liberdade, daqualidade e da eficincia para poucose a excluso das maiorias, mas a

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    26 B. TC. SENAC, RIODE JANEIRO, V. 32, N. 1, jan./abr., 2006.

    relaes sociais so contraditrias eas instituies sociais so permeadaspor conflitos. Assim, a conquista dahegemonia se d atravs de guerrade posies, isto , da conquistada direo poltica e da obtenodo consenso da sociedade civil em

    relao a um determinado projetosocietrio.

    Sendo o sistema educacional, nasociedade capitalista moderna, umadas instituies sociais, ou melhor,umaparelho privado de hegemonia,dominante e principal na difusocultural e ideolgica, entende-seque em suas relaes internas seroreproduzidos as contradies eos conflitos de idias da dinmicadas relaes de hegemonia maisampla. Nesse sentido, as polticaseducacionais e as aes para aconcretizao destas so resultadosdesses conflitos de idias e dascontradies, de forma que pode-se identificar o espao escolar eeducacional como espao de luta naconquista da direo poltica e nabusca do consenso da sociedade civilaos projetos educacionais de classesantagnicas.

    Nessa perspectiva, entende-se quea difuso da idia da necessidade de

    elevar culturalmente os trabalhadorespara o ingresso na sociedade doconhecimentovai caminhar para aefetivao de um novo conformismo(Neves, 2000),51 ao mesmo tempoem que vai propiciar a crescenteconquista da autoconscinciamais elevada dos trabalhadores(Semeraro, 2001/2).52

    Ao compreender a dinmicae a importncia do papel daeducao escolar como conquistados trabalhadores, considera-se que

    a necessria expanso educacionaldifundida no contexto da sociedadedo conhecimento, mesmo quepermeada pela lgica do mercado emesmo nas condies (que no so)dadas, pode indicar possibilidadesde ciso da hegemonia existente,ao permitir a elevao culturalde pelo menos parte das massastrabalhadoras.

    Na abordagem gramsciana, aluta pelos espaos de poder sefaz no sentido de buscar alianas

    polticas capazes de dar sustentaoa um projeto de sociedade e, nocaso especfico, de educao, que

    v ao encontro das aspiraes daclasse trabalhadora (do brao e damente).

    No entanto, Gramsci reconheceas dificuldades que a classesubalterna precisa enfrentar naluta pela hegemonia: sua histria desagregada e episdica, suaatividade organizativa e cultural continuamente rompida pela iniciativados grupos dominantes; s o sucessoda ao, a vitria revolucionriarompe, mas no imediatamente, a

    subordinao. Por isso, qualquer

    trao de iniciativa autnoma, qualquerconquista de espao na direo

    poltica, qualquer avano em direoao projeto social e educacionalaspirado pela classe trabalhadora deum valor inestimvel. E o intelectualcomprometido organicamente coma classe dominada exerce um papelfundamental nesse processo deconquista de uma nova hegemonia.

    Para Semeraro (2001c):

    Hoje, de fato, a velocidade vertiginosada globalizao, vem demonstrando

    que nessa esfera (sociedade civil)no apenas se multiplicam iniciativas,so traados rumos da economia, dapoltica e a da cultura, mas que, comuma facilidade nunca vista antes, seamalgamam discursos, se entrecruzamconceitos, se embaralham signos, seocultam desigualdades e se despolitizamas relaes scio-econmicas. De modoque, nem sempre fcil identificar osprocessos histricos reais e os pontosde aglutinao dos interesses populares.Daqui, a insistncia de Gramsci naformao de intelectuais e organizaespopulares capazes de perceber, portrs da retrica, do jogo de imagense simulacros, as foras que sustentamo sistema corporativo dominante e osmovimentos de ruptura que operam,local e mundialmente, para a criaoda sociedade regulada.53

    Segundo Gramsci,54pelo exercciode funes em todos os camposdas relaes sociais, os intelectuaismodernos desempenham a tarefade organizar a economia, a poltica,

    a cultura, divulgar concepes demundo, construir as bases paraa formao do consentimento,

    viabilizando o exerccio da hegemonia.E nesse sentido que a funo dointelectual organicamente vinculados aspiraes da classe subalternatorna-se fundamental na construode uma nova cultura.

    Na concepo de Coutinho (2000),

    a elaborao e difuso de tal cultura,55contribuindo para a hegemonia dos

    ... sociedadedo conhecimentosendo um fato,

    no seria ideologiaenquantofalseamentoda realidade e

    nem uma utopiaesperanosa,

    mas um projeto de

    sociedade que deveser conquistado,por meio dapermanenteluta por uma

    sociedade maisjusta e igualitria,

    verdadeiramentedemocrtica.

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    27B. TC. SENAC, RIODE JANEIRO, V. 32, N. 1, jan./abr., 2006.

    trabalhadores (do brao e da mente)na vida nacional, por seu turno ummomento ineliminvel na conquista,consolidao e aprofundamento dademocracia, de uma democracia demassas que seja parte integrante daluta e da construo de uma sociedadesocialista em nosso pas (...) e para

    que possamos chegar a isso, a lutapela democratizao da cultura pode edeve obter ganhos parciais de grandeimportncia e significao.56

    Retoma-se, com isso, o eixoapontado por Frigotto (2000),57 de quese deve disputar hegemonicamente asconquistas propiciadas pelos avanostecnolgicos, submetendo-as esferapblica e ao controle democrtico.

    Acredita-se que nessa ticaa sociedade do conhecimentosendo um fato, no seria ideologiaenquanto falseamento da realidadee nem uma utopia esperanosa,mas um projeto de sociedadeque deve ser conquistado, pormeio da permanente luta por umasociedade mais justa e igualitria,

    verdadeiramente democrtica.

    CONCLUSO

    Ao contrrio do que vem sendo

    difundido, no se est vivendona sociedade do conhecimento,pois a verdadeira sociedade doconhecimento no ser dada, masconquistada pelas classes dominadas,pois insere relaes de poder e,dessa forma, insere contradies queprecisam ser superadas.

    Como foi constatado, nas ltimasdcadas a contradio tem seintensificado. Parafraseando PauloNetto (2001),58 a pobreza e adesigualdade social vm crescendo

    na razo direta em que aumenta aexpanso das inovaes tecnolgicase a capacidade social de produzirriquezas.

    A partir da perspectiva dopensamento de Gramsci, pode-se compreender que, por maisque seja claramente identificada aideologia conservadora que permeiaa sociedade do conhecimento, aefetivao de um novo conformismos novas dimenses da sociedade

    instrumental capitalista, a retrica da

    O que se pode concluir que as lutaspelos espaos decisrios, os embatesentre as diferentes concepesde sociedade e de educao, ascorrelaes de foras so, em si,processos pedaggicos, que podemlevar a superao de um senso comum

    pedaggico e construo de umanova cultura. Enfim, as correlaesde foras podem levar elaborao,coletiva, de um projeto de sociedademais justa e humana, construode um vir a ser, de baixo para oalto. No entanto, esse processo dedisputas deve inserir o pessimismo darazo, isto , a conscincia de queh um longo caminho a percorrerno processo de apropriao,pelas camadas populares, dosinstrumentos fundamentais doconhecimento e de superao dosenso comum, principalmentenas condies que esto dadas,mas deve inserir, tambm, ootimismo da vontade de selutar por uma sociedade paratodos.

    NOTAS:

    1LEVY, Pierre. A intelignciacoletiva: por uma antropologiado ciberespao. So Paulo: Loy-

    ola, 1998.2FRIGOTTO, Gaudncio; CIA-

    VATTA, M. (Org).Teoria e edu-cao no labirinto do capital.2 ed. Petrpolis, RJ :Vozes, 2001.p. 27.

    3NOGUEIRA, Marco Aurlio. Ris-cos e virtudes da ciberntica.Disponvel em: . Acessoem 03 maio, 2002. Site: Gramscie o Brasil.

    4 As referncias ao pensamentode Gramsci so pautadas nacoleo editada por CarlosNelson Coutinho com Marco

    Aurlio Nogueira e Luiz SrgioHenriques Antonio Gram-sci: cadernos do crcere-, mais especificamente os

    volumes 2 e 3. Para indicar ascitaes sero utilizadas asabreviaes V, para indicaro volume, CC para indicaro nmero do caderno, seg-uido da indicao da pgina.COUTINHO, Carlos Nelson;

    necessidade de elevar culturalmente amassa de trabalhadores para ingressarna competitividade internacional,implcita nessa idia dos novostempos, propicia, tambm, aformao de um tipo de intelectualorganicamente vinculado s aspiraes

    da classe dominada e, com ele,pode desencadear um processode correlaes de foras que viseampliar o acesso das classes popularesaos instrumentos e os fundamentosdo conhecimento, superar seu saberdisperso e aproximativo, adquirirconfiana em suas capacidades(Semeraro, 2001b).59

    Entende-se como fio condutor paraa compreenso dessas contradiesa relao que Gramsci estabeleceentre filosofia, histria e cultura,isto , entre o modo de pensar omundo e o modo de sentir e agir nomundo como produto do processohistrico. A filosofia, que pode sercompreendida tambm como umadeterminada concepo de mundo,est diretamente associada a umaao, sendo que para o autor toda ao uma ao poltica. Da a necessriapolitizao da difundida sociedadedo conhecimento.

    (...) cada um transforma a si mesmo, semodifica na medida em que transformae modifica todo o conjunto de relaesdo qual ele o ponto central. Nestesentido, o verdadeiro filsofo eno pode deixar de ser nada mais doque o poltico, isto , o homem ativoque modifica o ambiente, entendidopor ambiente o conjunto das relaesde que o indivduo faz parte (Gramsci,

    1989).60

    na relao entre a teoria e aprtica; entre o pensar, o sentir e o

    agir, que Gramsci procura demonstrara complexa dinmica que insere asrelaes de poder ou relaes dehegemonia (o processo de obteno econservao da hegemonia no modode produo capitalista em seu estgiomais avanado). Suas categoriasajudam a identificar as contradiesdo atual movimento de reestruturaodo capitalismo global e a apontaralgumas brechas para a realizao deaes contra-hegemnicas.

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    28 B. TC. SENAC, RIODE JANEIRO, V. 32, N. 1, jan./abr., 2006.

    NOGUEIRA, Marco Aurlio; HENRIQUES,Luiz Srgio. Antonio Gramsci: Cadernosdo Crcere. Rio de Janeiro: Civilizao Bra-sileira, 2000. v. 2, 3.

    5ROUANET, Srgio Paulo. Fato, ideologia,

    utopia. Folha de So Paulo, So Paulo, 24,mar., 2002. Cad. Mais.

    6Id. ibid., p. 14-15.7Id. ibid., p. 15.8Id. ibid., p. 15.9Id. ibid10PNUD. Informe sobre Desenvolvimento Hu-

    mano.Apud. KLIKSBERG, B. Desigualdadena Amrica Latina: o debate adiado. 3. ed.So Paulo: Cortez, 2002. p. 76-78.

    11Id. ibid.,

    12Banco Mundial (1998) Informe. Apud.KLIKSBERG, B. Desigualdade na AmricaLatina: o debate adiado. 3. ed. So Paulo:Cortez, 2002. p. 72-73

    13Organizao Mundial da Sade (1998) Lasalud para todos em el siglo XXI. Apud.KLIKSBERG, B. Desigualdade na AmricaLatina: o debate adiado. 3. ed. So Paulo:Cortez, 2002.

    14Atualmente, a criao da temtica zonas depobreza remete a uma situao em queregies e segmentos sociais so excludosda expanso do capital. Neste caso, a

    temtica do desenvolvimento tenderia maisa evidenciar essa excluso, o que poderiademandar algum entendimento do processoque a cria. Assim, este tema privilegiaria aanlise do processo histrico, at porqueest em pauta uma mudana de rota daincluso desenvolvimentista para a exclusoproduzida pelo capital rentista. Ao passoque a temtica da pobreza tende a desviara ateno para os chocantes dados damisria e da indigncia, privilegiando aanlise do emprico imediato e a descriomais espacial do que temporal. LIMOEIRO-CARDOSO, M. Ideologia da globalizao e(des) caminhos da cincia social. In: GEN-

    TILI, P.(Org.).Globalizao excludente:desigualdade, excluso e democracia nanova ordem mundial. 3.ed. Petrpolis, RJ:

    Vozes, 2001. p. 113.

    15Chesnais (1996) coloca que a disseminaoindiscriminada e ideolgica do termoglobalizao acaba por ocultar umadas caractersticas essenciais da mundi-alizao, que um duplo movimento depolarizao: a polarizao interna a cadapas, pelos efeitos do desemprego, e apolarizao internacional, aprofundandoabruptamente a distncia entre os pasessituados no mago do oligoplio mundial

    e os pases da periferia CHESNAIS, F. Amundializao do capital. So Paulo:

    Xam,1996. p. 37.

    16Chesnais cita W.W.Rostow como o teri-co mais conhecido dessa abordagem,desenvolvida em seu livro As etapas docrescimento, e chama a ateno para osubttulo reveladorda obra Manifestono-comunista. ROSTOW, Walt Whitman.Etapas do desenvolvimento econmico:um manifesto no-comunista. 4. ed. Rio de

    Janeiro : Zahar 1971. 312 p.

    17Estados Unidos, Unio Europia e Japo.18CHESNAIS, F. (1996) op. cit., p. 313.19HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o

    breve sculo XX 1914-1991. So Paulo: Ciadas Letras, 1995.

    20Id. ibid., p. 395.21

    Augusto Comte (por volta de 1830)Apud.In: CASTEL, Robert.As metamorfoses daquesto social: uma crnica do salrio. 4.ed. Petrpolis, RJ :Vozes, 2003.

    22PAULO NETTO, Jos Capitalismo monopo-lista e servio social. 3. ed. ampl., SoPaulo: Cortez, 2001. p. 61.

    23IAMAMOTO, Marilda V. O servio socialna contemporaneidade: trabalho e for-mao profissional. 6. ed. So Paulo: Cortez,2003. p. 27.

    24SAVIANI, Dermeval. Educao no Brasil:

    concepo e desafios para o sculo XXI.

    In: CONFERNCIA NACIONAL DE EDU-CAO, CULTURA E DESPORTO, 1. 2000.Braslia, DF. Desafios para o sculo XXI:coletnea de textos. Braslia, DF: Cmarados Deputados, Centro de Documentaoe Informao, Coordenao de Publicaes,2001. p. 35-42.

    25HERZOG, Ana Luza. A Universidade dosc.XXI: competitividade na sociedade doconhecimento. Revista Exame, So Paulo,n.7, 3, abr. 2002. p. 37.

    26Id. ibid., p.37.

    27Economista do IPEA Instituto de PesquisaEconmica Aplicada: Diretoria de Planeja-mento e Polticas Pblicas. GUSSO, Divonzir

    A. Contextos e desafios: pistas para per-scrutar as possibilidades no futuro prximo.[s.l. : s. n.] 2002. Palestra proferida na ABMES,em abril de 2002.

    28Instituies de Ensino Superior.29Por exemplo: General Eletric, Motorola, Mc

    Donalds, Fordstar, Microsoft, Universitas 21,U21 & Thompson Learning, entre muitosoutros (ROSENBURG, C. O meganegcioda educao.Revista Exame, So Paulo,

    v. 36, n 7, 3, abr., 2002.; SAUV, P. (2002).Trade, education and the GATS: whats in,

    whats out, whats all the fuss about. HigherEducation Management and Policy, v. 14,n 3, 2002. Disponvel em: . Acesso em: 20 jun.,2003; WORLDEDUCATION MARKET CONFERENCE : pro-gram presentation..2002. Lisboa, Portugal.

    Disponvel em: Acessoem: 2 jun.2002.Apud. SIQUEIRA, Angela C.

    A regulamentao do enfoque comercial nosetor educacional via OMC/GATS. RevistaBrasileira de Educao, n. 26, maio/ago.,2004. p. 145.

    30SIQUEIRA, Angela C. (2004) op. cit.,p.145-156

    31Pela Organizao Mundial do Comercio(OMC).

    32Conforme colocado anteriormente porCHESNAIS, F. (1996) op. cit., p. 313.

    33No sentido colocado por Toffler, comoum novo tipo de trabalhador que se ocupamais com a cabea do que com os braose a fora muscular.

    34FRIGOTTO, Gaudncio. Educao e acrise do capitalismo real. 4. ed. So Paulo:Cortez. 2000. p. 55.

    35Id. A produtividade da escola improdu-tiva. 2.ed. So Paulo : Cortez; Autores Asso-ciados, 1986. p.128-129. (Coleo EducaoContempornea)

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    29B TC SENAC RIO DE JANEIRO V 32 N 1 jan /abr 2006

    36Id. ibid., p. 136.37Id., ibid., p. 135.38Id., ibid., p. 27.39Oliveira (2003), em sua obraCrtica razo

    dualista: o Ornitorrinco, identifica que a

    tendncia formalizao das relaes sociais estancou nos anos 1980, e expan-diu-se (...) o trabalho informal, o que leva tendncia de no mais emprego, masocupaoou trabalho abstrato virtual.OLIVEIRA, Francisco. Crtica razo du-alista: o Ornitorrinco. So Paulo: Boitempo,2003. p.142-143.

    40FRIGOTTO (2000) op. cit., p.33.

    41LEHER, R.Da ideologia do desenvolvimento ideologia da globalizao: a educao comoestratgia do Banco Mundial para o alvio dapobreza. So Paulo, 1998. Tese (Doutorado).Universidade de So Paulo, 1998.

    42Definido por Amartya Sen (1998) como:Capacidades necessrias para alcanaros estados nutricionais apropriados, bonspadres de sade e conquistas educacionais. SEN, A. Mortality as an indicator of economicsuccess an failure. The Economic Journal,jan.,1998. In: KLIKSBERG, B. Falcias emitos do desenvolvimento social. 2. ed.So Paulo : Cortez. 2003. p. 27.

    43ENTREVISTA. O Globo, Rio de Janeiro, 21,

    set., 2005.Cad. Boa Chance. Entrevistado:Bourguignon.

    44FRIGOTTO (2000) op. cit., p. 139.45Id. ibid.

    46Seminrio Internacional Ler Gramsci, en-tender a realidade, realizado em setembrode 2001, que resultou na obra : COUTINHO,Carlos Nelson; TEIXEIRA, Andra de Paula(Orgs.). Ler Gramsci, entender a reali-dade. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,2003. 293p.

    47SEMERARO, Giovanni. Anotaes para umateoria do conhecimento em Gramsci.Revista

    de Educao Brasileira, Caxambu, Anped,2001, n.16. p.3.

    48Id. ibid.

    49O conceito de bloco histricoem Gramsciexpressa a organicidade que imprime asrelaes de produo, sociais e de poder emuma determinada formao social e histrica,enquanto unidade entre a natureza e o es-prito (estrutura e superestrutura), unidadedos contrrios e dos distintos . COUTINHO,Carlos Nelson; NOGUEIRA, Marco Aurlio;HENRIQUES, Luiz Srgio. (2000)op. cit., v. 3.

    Cadernos do Crcere, 13. p. 26), e permite avisualizao, no conjunto das relaes sociaisde fora, o movimento histrico que insereuma determinada formao histrica.

    50Cabe ressaltar que a concepo de intelectu-

    al em Gramsci complexa e, no necessari-amente, tem o sentido de uma determinadapersonalidade. Nesta perspectiva, cabemas afirmaes de Gramsci de que todos oshomens so intelectuais, mas nem todosos homens exercem a funo intelectualCOUTINHO, Carlos Nelson; NOGUEIRA,Marco Aurlio; HENRIQUES, Luiz Srgio.(2000) op. cit., v.2. Cadernos do Crcere,12.p. 24), que a de influir na concepo deuma determinada viso de mundo, e de quetodos os membros de um partido poltico sointelectuais, uma vez que exercem a funodiretiva e organizativa de uma vontadepoltica, que educativa, que intelectual. nesse sentido em que ele enfatiza o vnculodo intelectual com a massa. Para Gramsci,esta relao imprescindvel enquanto es-tratgia de poder, uma vez que as grandesmassas necessitam do partido poltico e dosintelectuais, dos organizadores da hegemo-nia, dos elaboradores e dos divulgadores deideologias, dos educadores e dos dirigentes,para promoverem a elevao cultural dessamassa e as converterem em poder real. Elevarculturalmente as massas tem, para Gramsci,o sentido de conquistar uma conscinciasuperior, conscincia crtica do mundo, daprpria historicidade, de que faz parte deuma fora social (conscincia poltica).

    51SIMIONATTO, Ivete.O social e o poltico nopensamento de Gramsci. Disponvel em:

    . Acessoem 2004. Site : Gramsci e o Brasil. p. 2.

    52 As expresses Estado, sociedade civil e

    intelectual esto entre aspas porque o au-tor discorre seu pensamento e sua anlisesobre o Estado moderno introduzindo esseselementos sob uma nova tica.

    53NEVES, Lcia W.(Org) Educao e poltica

    no limiar do sculo XXI. Campinas, SoPaulo: Autores Associados, 2000. EducaoContempornea.

    54SEMERARO, Giovanni. (2001a) op. cit.

    55Id.. Tornar-se dirigentes: o projeto deGramsci no mundo globalizado. (2001b).In: COUTINHO, Carlos Nelson; TEIXEIRA,

    Andra de Paula (Orgs.). Ler Gramsci,entender a realidade. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 2003. p. 283.

    56Coutinho faz referncia cultura nacional-

    popular.57COUTINHO, Carlos Nelson. (2000) op. cit.,

    p. 33-36.

    58FRIGOTTO (2000) op. cit.

    59PAULO NETTO, Jos (2001) op. cit.

    60SEMERARO, Giovanni. Giovanni. (2001) op.cit., p. 3.

    61GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organiza-

    o da cultura. Rio de Janeiro : CivilizaoBrasileira, 1989. p. 7.

    RESUMEN

    Vnia Cardoso da Motta.

    Politizar la sociedad del

    conocimiento desde la

    ptica del pensamiento

    de Gramsci.

    Este artculo introduce el

    debate sobre la anunciada

    sociedad del conocimiento

    y reflexiona acerca de la

    base de sus contradicciones

    teniendo por referencia

    terica y metodolgica a An-

    tonio Gramsci, el pensador

    marxista italiano. Se parte

    de las contradicciones econ-

    micas, polticas e ideolgicasque fundamentan el mundo

    globalizado. Se entiende

    que, dada la condicin de

    pas dependiente, es funda-

    mental pensar sobre las con-

    tradicciones de este mundo

    globalizado y sus reflejos en

    la especificidad histrica de

    la sociedad brasilea, para

    buscar elementos que llevena una efectiva accin para

    superarlas.cias acerca de

    determinado tema.

    Palabras clave: Sociedad

    del conocimiento; Capital

    humano; Gramsci.