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POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ALFREDO VON KNOBLAUCH A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO FERRAMENTA DE TRABALHO NA ATIVIDADE DE POLÍCIA MILITAR Florianópolis 2010

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POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

ALFREDO VON KNOBLAUCH

A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO FERRAMENTA DE TRABALHO NA

ATIVIDADE DE POLÍCIA MILITAR

Florianópolis

2010

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ALFREDO VON KNOBLAUCH

A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO FERRAMENTA DE TRABALHO NA

ATIVIDADE DE POLÍCIA MILITAR

Monografia apresentada ao Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina com especialização lato sensu em Administração de Segurança Pública, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Administração de Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina.

Orientador: Prof. Giovani de Paula, Msc.

Florianópolis

2010

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Dedico o presente estudo a minha esposa

e filha, Scheila Belli e Amanda Belli Von

Knoblauch, pela compreensão, paciência

e colaboração durante esse período de

intenso trabalho e por todo o amor

dedicado a minha pessoa, servindo-me de

estímulo principalmente nos momentos

mais difíceis. Amo vocês! Amo a nossa

família!

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AGRADECIMENTOS

Deixo registrados os meus sinceros agradecimentos à instituição Polícia

Militar de Santa Catarina, a quem sirvo desde 09 de março de 1992 e,

reciprocamente, tem me proporcionado momentos ímpares em minha vida e na de

todos que me acompanham e torcem pelo meu sucesso, permitindo-me crescimento

pessoal e profissional. Agradeço ao meu orientador, Tenente Coronel Giovani de

Paula, pela presteza e tranquilidade com as quais aceitou e acompanhou esse

processo de desenvolvimento científico, depositando-me a sua confiança mesmo

estando com idêntico compromisso, na condição de aluno no Curso Superior de

Polícia. Obrigado a todos os meus amigos de turma, pela companhia e contagioso

espírito de alegria durante o Curso. Por fim, quero prestar ainda meus

agradecimentos em especial a alguns amigos, Gean Bittencourt, Alexandre de Sá

Oliveira, Cassiani Gotâma Tasca Pedroso e Maria Helena Madeira, por haver

colaborado cada qual da sua forma a este trabalho.

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“Introduzir novas técnicas policiais não é fácil, mas é possível e essencial

que consigamos oferecer segurança pública nas cidades e ganhar confiança

daqueles que estão sendo policiados”. (BAYLEY; SKOLNICK, 2002, p. 241).

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RESUMO

Os desafios propostos pelo Estado Democrático de Direitos nos fazem buscar

inovações de ordem policial. O policiamento tradicional, convencionado a simples

patrulhamentos ostensivos e atendimentos reativos está sendo repensado, somado

a esforços preventivos e comunitários. Mais que cumpridora da lei, limitada a ações

repressivas contra a violência e o crime, precisamos de uma polícia civilizadora.

Esse atual modelo, dominantemente repressivo de policiamento, aos poucos vem

dando azo a uma polícia de proximidade, proativa e mais participativa nos processos

de contrução da paz social. O moderno modelo de policiamento, de cooperação

mútua entre a polícia e a comunidade, precisa ser expandido e consolidado através

de ferramentas democráticas e de respeito à dignidade da pessoa humana. No

Brasil, por força Constitucional, cabem às Polícias Militares a polícia ostensiva e a

preservação da ordem pública. Não obstante, esse novo universo da atividade

policial no Brasil pouco ou nada mudou na realidade e o dia-a-dia dessas

Corporações. E como tal a Instituição Catarinense necessita de avanços práticos no

emprego da filosofia da Polícia Comunitária e de instrumentos que visem a

ampliação de suas competências, dimensionada para uma efetiva participação na

transformação social. Para tanto, a mediação de conflitos apresenta-se como um

revolucionário e eficiente meio de pacificação social, afeta à atividade de Polícia

Militar e ao mais elementar exercício do poder de polícia. A mediação é um instituto

comunitário e democrático por natureza, fundamentado na voluntariedade e no

diálogo horizontalizado entre as partes, assistidas por um terceiro. As relações

conflituosas são vistas de um ângulo diferenciado, como oportunidades para a

legitimação do mister policial, desassociado de uma imagem puramente opressora.

Desta feita, propomos que todos os policiais militares conheçam a mediação de

conflitos como uma importante ferramenta para as suas atividades e que tenhamos

policiais treinados para serem mediadores junto aos Conselhos Comunitários de

Segurança, de sorte a ampliar e valorizar o papel policial militar na Sociedade

Catarinense.

Palavras-chave: Policiamento. Comunitária. Mediação. Polícia Militar.

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ABSTRACT

The challenges posed by Democratic State makes us seek novelty of the police

order. The traditional policing, agreed the simple overt patrols and reactive care, is

being rethought and slowly added to truly preventive and community efforts. More

than law-abiding, limited to repressive actions against violence and crime, we need a

civilizing police. This current model, dominantly repressive policing, has been slowly

giving rise to a police policy of proximity, more proactive and participatory processes

and social peace. The model modern of policing and mutual cooperation between the

police and the community needs to be expanded and consolidated through

democratic tools and respect for human dignity. In Brazil, under Constitutional fit,

military police overt and preserve public order. Nevertheless, this new world of

policing in Brazil little or nothing in reality on day-to-day lives of these corporations.

As such, the catarinense institution needs practical advances in the use of the

philosophy of community policing and instruments aimed at broadening his power,

scaled to an effective participation in social transformation. Thus, conflict mediation

presents itself as a revolutionary and efficient means of social pacification, affects the

activity of military police and the most elementary exercise of police power. Mediation

is in nature an independent community and democratic process, based on voluntary

action and dialogue between the parties horizontalized, assisted by a third party. The

conflicting relationships are viewed from a different point of view now, as an

opportunity to legitimize the mister of the policeman, disassociated from a purely

oppressive image. This time, we propose that all police officers know the conflict

mediation as an important tool for their activities and we have officers trained to be

mediators to the Security Community Councils, so as to enlarge and enhance the

military police role in the Society of Santa Catarina.

Key words: Policing. Community. Mediation. Military Police.

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LISTA DE SIGLAS

Consegs – Conselhos Comunitários de Segurança

CRFB – Constitucional da República Federativa do Brasil

EUA – Estados Unidos da América

JE – Justiça Estatal

PC – Polícia Comunitária

PM – Policial Militar

PMSC – Polícia Militar de Santa Catarina

Pronasci – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

1.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ....................................................................... 13

1.1.1 Justificativa .................................................................................................... 14

1.2 OBJETIVOS ....................................................................................................... 15

1.2.1 Geral ............................................................................................................... 15

1.2.2 Específicos ..................................................................................................... 15

1.3 METODOLOGIA DE ESTUDO ........................................................................... 16

1.3.1 Método de abordagem .................................................................................. 16

1.3.2 Tipo de pesquisa ........................................................................................... 17

1.3.3 Técnica de pesquisa ..................................................................................... 17

2 O POLICIAMENTO MODERNO ........................................................................... 19

2.1 POLICIAMENTO TRADICIONAL: REATIVO E REPRESSIVO .......................... 21

2.2 POLÍCIA COMUNITÁRIA .................................................................................... 25

2.2.1 Polícia Militar de Santa Catarina e a Polícia Comunitária .......................... 28

2.3 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ASPECTOS CONCEITUAIS E JURÍDICOS ...... 30

3 ATIVIDADE DE POLÍCIA (MILITAR) DE ORDEM PÚBLICA ............................... 33

4 A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: O PAPEL DAS POLÍCIA MILITARES .............. 36

4.1 CONFLITOS ....................................................................................................... 36

4.2 FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO ...................................................................... 37

4.2.1 Posições e interesses ................................................................................... 38

4.3 ALTERNATIVA À JURISDIÇÃO .......................................................................... 39

4.4 O MEDIADOR .................................................................................................... 42

4.5 ATENDIMENTO E PRÉ-MEDIAÇÃO .................................................................. 43

4.5.1 Infraestrutura ................................................................................................. 44

4.6 MÉTODOS DE MEDIAÇÃO ............................................................................... 44

4.7 FORMALIZAÇÃO DO ACORDO ........................................................................ 45

4.8 MEDIAÇÃO NA PMSC ....................................................................................... 45

4.8.1 Estudo de Caso: O exemplo de Camboriú .................................................. 46

4.8.2 Proposta de mediação nos Consegs ........................................................... 47

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5 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 50

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 54

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1 INTRODUÇÃO

O preocupante cenário de segurança pública vivenciado pela sociedade

brasileira e as dificuldades enfrentadas pelas instituições policiais militares para a

consecução da preservação da ordem pública, nos faz presenciar ações policiais

dominantemente repressivas. Noutro norte, uma tímida atuação nos mais diversos

viéis da atividade de polícia ostensiva.

As Polícias Militares, sob a égide da Constitucional da República

Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), vivenciaram a expansão de suas missões e a

elas couberam a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; uma polícia

não mais resumida a uma simples fase da atividade policial, restrita ao cumprimento

da lei, o que exige de fato uma atuação ampla e participativa no processo social.

Não obstante essa amplitude, até hoje de fato nada mudou nesse

contexto policial e as Polícias Militares continuaram a exercer um papel

eminentemente repressivo junto à sociedade. Apesar dos reconhecidos esforços

dessas Instituições no combate à violência e à criminalidade, seus métodos

eminentemente reativos e afastados da origem dos problemas sociais vêm sendo

objetos de constantes questionamentos na medida em que se apresentam por si só

ineficazes à pacificação social.

A Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), sem distinção com as demais

Corporações Estaduais, possui sua atuação voltada para a repressão, modulada no

policiamento reativo e afastada da comunidade. Para Marcineiro (2009, p. 89) “os

modelos tradicionais, aplicados até então, referem-se a simples fiscalização da lei,

cujo ciclo de polícia convencional consta do patrulhamento, prisões de criminosos e

encaminhamentos destes à justiça”.

É fundamental que o mister dessas Instituições, em especial a de Santa

Catarina, esteja direcionado fundamentalmente para a prevenção. As ações de

polícia ostensiva devem ser diversificadas e sedimentadas na origem das relações

conflituosas entre os cidadãos, por meio de ferramentas pró-ativas e comunitárias.

Como aborda Monjardet (2002, p. 252), precisamos de “[…] uma polícia proativa,

que não se trata mais de gerir, mas de dirigir”.

Portanto, é vista com preocupação e ceticismo a atuação policial focada

essencialmente na repressão. O papel de uma instituição social como a polícia tem

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que ser mais amplo, pensado com estratégias preventivas. Nessa esteira, Cerqueira

e Dornelles (1998, p18) afirmam que:

Embora a instituição policial desempenhe o papel de coibir ações imediatas violadoras da ordem social, ela não pode ser pensada separadamente de uma estratégia global preventiva das ações criminais. [...] a efetivação dos princípios dos direitos humanos se coloca para o conjunto das instituições sociais, inclusive para a polícia. E é exatamente aqui que reside o grande desafio de uma nova formação e da educação dos membros das forças policiais, dando conta das resistências, destruindo preconceitos e, principalmente, possibilitando às escolas de formação policial um instrumento fundamental para a prestação de um serviço público que se tornou essencial para uma sociedade democrática.

Nesse diapasão, no presente estudo monográfico, apresentaremos alguns

apontamentos sobre as concepções recentes de um policiamento moderno e de

proximidade com a comunidade, consoante aos princípios norteadores do Estado

Democrático de Direitos. Também, faremos uma crítica científica e construtiva a esse

modelo eminentemente repressivo e reativo de policiamento, de forma a enfatizar a

importância de uma atuação policial preventiva e de construção social. Por fim,

apresentaremos o instituto da mediação de conflitos, uma ferramenta revolucionária

e essencial no processo de controle social, e como tal, afeta a atividade de polícia de

ordem pública. Ressalta-se que a mediação é um meio pelo qual a Polícia Militar

poderá ampliar o seu papel junto à Sociedade Catarinense, legitimando-se como

uma Instituição de proteção do cidadão e promotora da cultura da paz.

Para tanto, dividiremos o trabalho em cinco capítulos, conforme adiante

segue:

- No primeiro e presente capítulo de introdução, apresentaremos o tema e

a sua delimitação, as hipóteses e os problemas que provocaram esta pesquisa,

seguindo da justificativa para a sua realização, os objetivos propostos e a

metodologia a ser utilizada;

- No segundo capítulo, mostraremos as modernas concepções de

policiamento em contraponto ao policiamento tradicional e reativo e a importância da

implementação de mecanismos focados essencialmente na prevenção, próximos da

comunidade, e a dimensão dessa filosofia de trabalho na PMSC;

- No terceiro capítulo, abordaremos os aspectos instrumentais e

conceituais da atividade policial (militar), da competência da polícia ostensiva e da

preservação da ordem pública, e a sua amplitude reprimida de atuação ante ao texto

Constitucional Brasileiro, despertando para a importância de um trabalho policial

mais preventivo e participativo do processo de construção social;

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- No quarto capítulo, trataremos da mediação de conflitos, uma

revolucionária ferramenta contemporânea e relacionada à atividade das Polícias

Militares, por sua vez essencialmente preventiva e comunitária por natureza,

propondo a sua instrumentalização na PMSC;

- Por fim, no quinto capítulo, traremos uma conclusão dos resultados

obtidos com o presente trabalho e as considerações finais contendo algumas

sugestões que se entendem interessantes a serem adotadas.

Portanto, como o papel das Polícias Militares, em especial a de Santa

Catarina, vem sendo extremamente limitado, diante da amplitude policial

proporcionada pelo advento da Constituição Cidadã e a necessidade então do seu

redimensionamento para a prevenção e controle social, o estudo representará um

norte para as mudanças dos atuais paradigmas e reflexões acerca da

implementação da mediação de conflitos como uma ferramenta comunitária e

eficiente para o processo de pacificação social.

O emprego desse importante instituto, verdadeiramente preventivo e em

harmonia com o Estado Democrático de Direitos, poderá representar um marco

diferencial para uma nova concepção ampliada da atuação policial na Corporação

Catarinense, resgatando a origem civilizadora e social do mister policial, contribuindo

sobremaneira para a prevenção da violência e criminalidade.

Diante dessa tela, o estudo do tema proposto se reveste de fundamental

importância para a PMSC, na medida em que se busca a ampliação de fato de sua

atuação na sociedade. Consoante a isso, o tema mostra-se alinhado com as

recentes e modernas tendências comunitárias de policiamento, como veremos a

seguir, posto que vem a fortalecer as concepções de uma polícia de proximidade

através de um instrumento cognitivo entre os cidadãos e de uma metodologia de

solução de conflitos individual e coletiva, efetiva para construção da paz social.

1.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

A atual CRFB deu uma ampla missão às Polícias Militares, incumbindo-

lhes da polícia ostensiva e da preservação da ordem pública. Contudo, essas

Instituições ainda não despertaram para o seu verdadeiro papel junto à sociedade,

as quais se limitam ao policiamento ostensivo e dominantemente repressivo.

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14

Por conseguinte, constatamos que a atuação policial militar é meramente

reativa, laborada tão somente nos efeitos e consequências das mais diversas

relações conflituosas que ocorrem em uma comunidade.

Esse modelo convencional de policiamento, restrito ao combate da

violência e do crime, vem sendo alvo de pesquisas e fortes críticas nos países de

Estado Democrático de Direitos, onde inovações e novos modelos de policiamento

vêm sendo testados e implementados com sucesso. A recente concepção de tal

ordem, dimensionada para um policiamento de proximidade, ainda enfrenta um

processo lento e dificultoso no Brasil e em Santa Catarina.

A instituição Policial Militar Catarinense, apesar de haver buscado a

Polícia Comunitária há quase 20 anos, parece caminhar lentamente nessa direção,

mas ainda tem sua atuação baseada na repressão como forma de consecução do

seu mister, sendo fundamental que a prevenção seja o verdadeiro mote Castrense;

que tenhamos mecanismos pró-ativos e de controle social.

Nesse diapasão, faltam ferramentas inovadoras, modernas e eficazes

para a promoção da paz social no contexto de atuação da PMSC, num momento em

que se busca a ampliação e o reconhecimento do seu papel junto à sociedade.

O emprego da filosofia da Polícia Comunitária na PMSC resume-se a

Conselhos Comunitários de Segurança muitas vezes inócuos e ao PROERD -

Programa Educacional de Resistência às Drogas, historicamente cercada de

avanços e retrocessos. Faltam definições claras de prioridades preventivas, de uma

política de proximidade e de instrumentos que visem dar mais efetividade à

intervenção Policial Militar.

1.1.1 Justificativa

A mediação de conflitos é um instrumento a ser empregado pelo PM, na

condição de mediador, no intuito de reatar e estimular o diálogo entre os mediados e

auxiliar na resolução dos conflitos individuais de maneira consensual e extrajudicial,

num plano pacífico de atuação policial.

Este singelo instituto, ainda que informal e alienígena no exercício da

atividade de polícia ostensiva, servirá de um importante vetor de aproximação e

reconhecimento do policial perante a sociedade.

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O projeto de pesquisa tem sua relevância científica, antes de tudo, pela

perfeita integração ante aos interesses Institucionais indicados por uma das linhas

de pesquisa: ampliação da atuação da PMSC na sociedade. A mediação é um viés

diferenciado e ampliado para a atividade PM, através do qual se possibilitará

alcançar e trabalhar a origem dos conflitos individuais e sociais e alçar uma maior

legitimidade da Instituição junto à comunidade.

A mediação de conflitos é uma importante ferramenta de pacificação

social. Diferentemente dos processos formais de intervenção do Estado, esse

mecanismo alternativo à jurisdição restabelece a comunicação entre os cidadãos,

mediados, para um modelo consensual de resolução de diferentes tipos de conflitos.

Desta feita, o presente estudo pretende demonstrar que o instituto da

mediação de conflitos é uma ferramenta dentro da filosofia de Polícia Comunitária,

por meio do qual a PMSC poderá trabalhar na origem dos conflitos sociais, nas mais

diversas relações controversas e antagônicas entre os indivíduos, proporcionando

uma maior aproximação do PM e a comunidade. A instrumentalização dessa

ferramenta pela Corporação visa não só a prevenção à violência e ao crime, mas,

principalmente, efetivar o papel preventivo da participação PM para a promoção da

paz social.

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Geral

Demonstrar que o instituto da mediação de conflitos é uma ferramenta a

ser instrumentalizada pela PMSC.

1.2.2 Específicos

Identificar as recentes concepções de um policiamento moderno ao

policiamento tradicional.

Evidenciar a filosofia da Polícia Comunitária, ou de proximidade e seus

reflexos na PMSC, com a política de aproximação para a solução dos problemas.

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Apontar o universo de atuação e competência da atividade PM.

Perceber que o instituto da mediação de conflitos é uma ferramenta

comunitária e revolucionária na pacificação social e afeta a atividade PM.

Propor que a mediação de conflitos seja instrumentalizada na PMSC e

que tenhamos policiais militares treinados a utilizarem essa ferramenta no

desempenho de suas atividades e na condição de mediadores junto aos Conselhos

Comunitários de Segurança (Consegs).

1.3 METODOLOGIA DE ESTUDO

Primeiramente, explica Gil (1999, p. 42), a pesquisa é um “processo

formal e sistemático de desenvolvimento do método científico. O objetivo

fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas mediante o emprego

de procedimentos científicos”.

Para tanto, a função da metodologia é mostrar como será desenvolvida a

pesquisa. E para que o trabalho tenha um resultado satisfatório, é necessário que

seja baseado em planejamento cuidadoso, reflexões conceituais sólidas e

alicerçados em conhecimentos já existentes. (SILVA; MENEZES, 2005).

E tem a natureza de pesquisa básica, de acordo com Silva e Menezes,

(2005, p. 20), uma vez que “objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço

da ciência sem aplicação prática prevista. Envolve verdades e interesses universais”.

1.3.1 Método de abordagem

O presente estudo será desenvolvido utilizando-se a forma de construção

lógica e racional, com o emprego de argumentos fundados em conceitos científicos

e teóricos.

E o conjunto das atividades sistemáticas e racionais nos leva aos

objetivos propostos, conhecimentos válidos e verdadeiros, que servem como baliza

para as decisões. (MARCONI; LAKATOS, 2006).

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Nesta esteira, o método científico que fornecerá a base lógica à

investigação será o dedutivo, pois, conforme Silva e Menezes (1999 apud GIL; 1993

apud LAKATOS; MARCONI, 2005, p. 25) esse método:

[...] tem o objetivo de explicar o conteúdo das premissas. Por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular, chega a uma conclusão. Usa o silogismo, construção lógica para, a partir de duas premissas, retirar uma terceira logicamente decorrente das duas primeiras, denominada de conclusão.

Logo, partiremos de premissas gerais, com a identificação dos modernos

modelos de policiamento e a legislação afeta à atividade de Polícia Militar, para uma

premissa específica, proposta principal do estudo, que é o emprego da mediação de

conflitos pela PMSC.

1.3.2 Tipo de pesquisa

A pesquisa, do ponto de vista de seus objetivos, será do tipo exploratória,

de acordo com Silva e Menezes (1991 apud GIL, 1991, p. 21) posto que:

[...] visa proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses. Envolve levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; análise de exemplos que estimulem a compreensão. Assume, em geral, as formas de Pesquisas Bibliográficas e Estudos de Caso.

Como vimos, o estudo nos proporcionará uma maior familiarização com o

problema e suas hipóteses, de sorte a gerar novos conhecimentos, porém, de

acordo com a explicação já abordada, sem a pretensão de uma aplicação prática

prevista.

1.3.3 Técnica de pesquisa

O presente estudo deve ser construído mediante a coleta de dados e o

concurso de conhecimentos à disposição do público nas chamadas fontes de

“papel”, através de pesquisa bibliográfica e documental. (GIL, 1989).

E, para uma melhor compreensão, Silva e Menezes (1991 apud GIL,

2005, p. 21) nos explicam o que são esses procedimentos técnicos:

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Pesquisa Bibliográfica: quando elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente com material disponibilizado na Internet. Pesquisa Documental: quando elaborada a partir de materiais que não receberam tratamento analítico.

Portanto, a técnica de pesquisa que adotamos foi através de levantamento

bibliográfico e documental, utilizando ainda a legislação vigente e doutrinas atinentes

ao tema. E, assim, passaremos no próximo capítulo a identificar as recentes

tendências de um policiamento moderno.

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2 O POLICIAMENTO MODERNO

Há uma descrença nas instituições sociais como um todo e a polícia em

especial é vista como um órgão opressor do Estado, com mecanismos de controle

ultrapassados e ineficazes. E, paradoxalmente, as forças policiais vêm gerando

sensação de insegurança.

Prova disso, no ano de 1995, em São Paulo, em entrevista realizada com

99 pessoas, revelou que um terço dos entrevistados respondeu ter tanto ou mais

medo da Polícia que dos bandidos, proporção que se eleva para 56% após o

episódio notório da Favela Naval naquela Capital, em 1997. As polícias brasileiras

vêm sendo associadas à ineficiência e a violência, e passam por uma série crise de

legitimidade. (KAHN, 2002).

Facilmente observarmos nas ruas das cidades brasileiras que todo o

aparato humano e material empregados no policiamento diário pelas instituições

Policiais Militares são voltados para o enfrentamento, ou seja, para a pior ocorrência.

Os patrulhamentos de rotina, ditos “preventivos”, são realizados em duplas de

policiais, quando não por guarnições reforçadas por três, quatro ou cinco militares,

para atuações ainda mais repressivas. Vivemos um sentimento de “guerra”!

Os investimentos no aparato de repressão, por maior que sejam, são

claramente insuficientes para dar conta da criminalidade em sociedades desiguais

como as nossas. Precisamos de uma polícia mais proativa e focada na prevenção,

com a colaboração da comunidade, para a diminuição da criminalidade. (KAHN,

2002).

Duas décadas de experiências e de avaliações em cidades norte-

americanas foi popularizado por uma fórmula corrente: nothing works! E Monjardet

(2002, p. 259) ainda esclarece que:

Na realidade, não se deve entender 'nada funciona' no sentido de 'a polícia não serve para nada', mas a fórmula já desqualifica o saber convencionado por trás do qual os responsáveis policiais se obrigavam a reclamar mais recursos. Pode-se traduzi-la assim: 'Primeiro demonstrem que seus procedimentos e processos são eficazes antes de reivindicar recursos suplementares'. Abria-se desse modo, pelo menos a contrario, uma incitação poderosa à inovação. […]

É de se lembrar que as modernas forças policiais, apesar de

frequentemente serem requisitadas para lidar efetivamente com o crime,

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paralelamente, respondem a uma proporção crescente de pedidos de toda ordem

(BAYLEY, 2001).

A realidade das nossas Polícias Militares é diferente? Acreditamos que

não; que a grande demanda atendida não são de ordem criminal; que os

atendimentos a fatos delituosos são pretéritos, por consequência, para meros

registros ou simplesmente aliviar às vítimas do medo.

Assim, as concepções modernas de polícia redefinem o trabalho policial,

com a proposta de uma polícia de proximidade. É uma reflexão menos repressiva,

de uma polícia em meio à comunidade. E nessa direção, segundo ensina Reiner

(2004, p. 20), a atividade de polícia é de controle social. Vejamos:

A idéia de policiamento é um aspecto do conceito mais geral de controle social. Este último é, em si, uma noção mais complexa e muito debatida. Em algumas teorias sociológicas, o controle social é visto, de modo amplo, como tudo aquilo que contribui para a reprodução da ordem social.

É claro que não se pode confundir um modelo moderno de policiamento

com um mero envolvimento social, mas deve ser marcado por seu poder de

representar um mínimo de capacidade de resolução. Em verdade, a sociedade não

espera do policial resposta para todos os seus problemas, nem tampouco uma força

policial indiferente. A aproximação com a comunidade tem que ser comprometida

com o propósito de buscar soluções para as suas incomodações ou mediação de

conflitos, de forma a estreitar a relação de confiança entre a polícia e a comunidade

(CERQUEIRA et al., 2005).

Inclusive, afirma Rolim (2006, p. 65) “um novo modelo, proativo, de

policiamento deve estar tão próximo e vinculado às comunidades quanto possível,

inclusive com a retomada dos patrulhamentos a pé”.

Como observamos, são paradigmas muito diferentes dos quais

atualmente vivenciamos no Brasil. É uma polícia em sua essência, focada no

cidadão. Um policiamento de iniciativa, comunitário e interessado nas inquietações

naturais existentes em uma sociedade. Esse engajamento distinto da convencionada

atuação policial mostra-se menos técnico-profissional e mais empírico, informal e

humanitário.

Essa recente tendência de concepção policial está voltada para a

prevenção, do policiamento comunitário e direcionado para o problema. Essa nova

gestão vem demonstrado resultados significativos para a segurança pública onde foi

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implementada. A polícia retomou o papel de civilizadora, próxima da comunidade e

resgatou o envolvimento desta para com a questão, aumentando a confiança e a

autoestima policial. (ROLIM, 2006).

Ao abordar o tema da ampliação das competências do policial,

notadamente no policiamento comunitário, Dias Neto (2000, p. 78-9) reconhece que

a realidade desse ofício obriga ao exercício de uma larga margem de

discricionariedade e afirma:

O policial deixa de ser visto como um mero aplicador da lei penal; além do instrumento penal, outros recursos podem ser utilizados na busca de soluções aos problemas, tais como mediação, intervenções urbanísticas, contato com instituições governamentais, mobilização da sociedade, entre outros [...].

Portanto, a “prisão” não é a panacéia para a solução dos diversos

problemas em uma sociedade, existem alternativas não repressivas. E o policial

precisa conhecer essas formas extrajudiciais e encarar as demandas conflituosas de

um prisma diferente da formatação já tradicional.

2.1 POLICIAMENTO TRADICIONAL: REATIVO E REPRESSIVO

As políticas de segurança pública adotadas nos últimos anos pelos

Estados Brasileiros sugerem que os investimentos clássicos em segurança, tais

como o aumento do efetivo policial, salários e taxas de encarceramento, não são

suficientes para combater o crime, na medida em que a criminalidade continua

elevada nas Unidades Federativas que basearam suas estratégicas no caráter

repressivo. (KAHN, 2002).

Esse ciclo viciosamente repressivo produz na sociedade uma sensação

de insegurança, posto que “uma vez que a prevenção do crime é secundária,

investe-se no confronto 'armado' contra os marginais; mantém-se a população

amedrontada, quer por parte da força policial, quer por parte dos bandidos, também

armados”. (PEDROSO, 2005, p. 49).

As referidas soluções imediatistas, envolvendo vultosos efetivos policiais

e assoladas de armamento, a políticas públicas voltadas para a consolidação de

valores éticos e morais e uma perene inclusão e construção social, sempre

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requerem muito investimento e talvez seja um dos motivos do desinteresse político

por eventual mudança.

Interessante é que as forças policiais contemporâneas, inicialmente,

estruturaram seu trabalho a partir de vínculos bastante próximos com os cidadãos. O

centro desses vínculos foi estabelecido com as “rondas policiais”, feitas a pé por

patrulheiros conhecidos pela comunidade e que com elas interagiam. Havia um

sistema de policiamento com determinadas estruturas funcionais como, por

exemplo, os “postos policiais”, que reforçavam as rondas oferecendo-lhes apoio

logístico e eram também centros de referência para as comunidades e para os

próprios policiais. (ROLIM, 2006).

Sabemos que o policiamento no Brasil e em Santa Catarina, até algumas

décadas atrás, não era diferente. O policiamento empregado pelas Polícias Militares

possuía um processo de rondas normalmente a pé e as cidades eram referenciadas

por postos policiais. E com o tempo, de igual forma, essa transformação nos atingiu

e mudou nossa estrutura, dando espaço ao policiamento motorizado e equipado com

rádio de comunicação, acionado reativamente via telefone e despachados e

coordenados por uma equipe central de atendimentos às chamadas de tal ordem.

Notoriamente, foram vários os fatores que influenciaram e provocaram

todas essas mudanças, mas, em sintonia com o exposto anteriormente, na visão de

ROLIM (2006, p. 29-30):

Essa identidade foi desconstituída a partir do momento em que as polícias puderam contar com três importantes recursos tecnológicos que haveriam de mudar radicalmente o perfil do policiamento moderno. Esses recursos foram o carro de patrulha, o telefone e o rádio de intercomunicação.

[...]

Um modelo substancialmente distinto do anterior, que não teria mais a chance de agir proativamente e que estaria marcado pelo afastamento entre os policiais e as comunidades.

A nossa realidade não é única, o resultado que se reproduziu em todas as

nações contemporâneas foi a afirmação de um “modelo reativo” de policiamento que

haveria de introduzir novas e, possivelmente, mais graves distorções, conforme

BAYLEY (1986 apud SHERMAN, 2001, p.36), o qual afirma que:

A ação policial é proativa quando é iniciada e direcionada pela própria polícia ou pelos próprios policiais, independentemente da demanda dos cidadãos e até mesmo em conflito com a demanda dos cidadãos. A ação policial é reativa quando é iniciada e direcionada por uma solicitação dos cidadãos. Todas as polícias atuam de forma proativa e reativa. O que varia de uma polícia para a outra é a forma de combinar ações e estratégias

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proativas e reativas: enquanto algumas polícias privilegiam estratégias proativas, outras privilegiam estratégias reativas.

É importante ressaltar ainda que nem todas as ações policiais proativas

são realmente de cunho preventivas. Como exemplo, uma operação de barreira

policial, conhecidas popularmente por “blitz” e muitas vezes implementadas como

estratégia de prevenção, tem o condão repressivo. E tantas outras atuações policiais

proativas são tecnicamente repressivas.

Infelizmente, esse modelo de atuação reativo e repressivo é ainda

hegemônico no meio militar e policial. Doutra banda, não é mais assim no cenário

internacional. E, na visão americana, tais mudanças não ocorrem por simples

questionamento teórico ou doutrinário; questões pragmáticas que as provocam: a

política de enfrentamento produz mais mortes, mais feridos e um custo social mais

elevado com reduzido impacto no âmbito da criminalidade. (CERQUEIRA, 2001).

Precisamos de inovações policiais e mecanismos proativos e de condão

realmente preventivo, que venham a somar de forma ampla ao atual conceito

objetivo e pragmático de policiamento.

As políticas de segurança pública devem ser pensadas consoantes aos

princípios constitucionais da democracia, pluralidade, e dignidade da pessoa

humana, posto que, se “a polícia está para o Governo, assim como a lâmina está

para a faca” (BAYLEY, 2001, p. 203), o papel policial repressivo não se coaduna

mais com o Brasil, um Estado Democrático de Direitos.

E com o aumento da população e o provável colapso da disciplina

informal nos grupos sociais tradicionais, especialmente nos países como o Brasil,

que estão se modernizando rapidamente, o volume total de crimes, ainda que não

necessariamente de taxas de criminalidade, irá sem dúvida aumentar no futuro

(BAYLEY, 2001).

O posicionamento reativo de atuação policial passou a ser associado a

sentimentos de impotência e de fracasso, à idéia de um policiamento sempre tardio

e inoperante. Estratégias preventivas, por mais que não consigam evitar ou impedir

totalmente as ocorrências de fatos violentos ou delituosos, o que no fundo sabemos

ser uma utopia, deixam a impressão de uma polícia positiva, de antes, durante e

depois.

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A sociedade sabe que os fatos antissociais, independentemente de sua

dimensão e gravidade, são da natureza humana; que a polícia não tem “bola de

cristal”; que não se pode estar a todo o tempo e em todo lugar. No entanto, exige

das Corporações Policiais um policiamento operativo e que conviva diuturnamente

no meio social, conhecendo os seus problemas e buscando soluções menos

traumáticas.

E o modelo reativo de policiamento pressupõe que a polícia deva esperar

para ser chamada e o cotidiano de uma intervenção que se faz presente apenas e

tão somente quando o crime já ocorreu parece oferecer aos policiais uma sensação

sempre renovada de imobilidade e impotência. (ROLIM, 2006).

É comum ouvirmos no meio policial que a vítima teria tratado mal a

guarnição de policiais militares. Inclusive, negando-se às vezes de dar a devida

atenção e prestar informações à polícia ou registrar e documentar o fato. Mas, qual a

reação que esperamos de uma pessoa que só vê ou tem contato com a polícia

depois de ser vitimada?

Em recente matéria veiculada na revista Veja, a respeito do filme Tropa de

Elite 2, é ressaltado que “[...] uma sociedade que não se reconhece minimamente

em sua polícia evidencia um descrédito perigoso das próprias instituições”.

(SOARES; MARTINS, 2010, p. 126).

É inegável que a adoção do Policiamento Comunitário e a percepção da

necessidade de agir de forma preventiva são um grande avanço, mas “as diversas

modalidades de policiamento talvez não sejam alternativas excludentes e sejam

adequadas, cada qual a sua maneira, para objetivos diferentes” (KAHN, 2002, p. 39).

Nesse sentido, Monjardet (2002, p. 130) afirma que:

A dupla associação entre qualificação técnica e capacidade repressiva, de um lado, competência empírica e práticas 'conciliadoras', de outro, ajuda a encontrar um possível desdobramento do sistema de trabalho observado na polícia urbana. Uma polícia mobilizada pela 'resolução dos problemas' (Goldstein, 1990), ou pela respostas às situações 'que requerem que alguma coisa seja feita agora' (Bittner), tem não apenas um objeto muito mais expressivo, quando não infinito e indefinível, mas também não recorre aos mesmos expedientes […]

As atuais ideologias de controle do crime enfatizam a capacidade de usar

a força, especialmente a força excessiva, acima da ênfase que é colocada na

organização da comunidade com vista à prevenção do crime. (BAYLEY; SKOLNICK,

2002).

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A proteção dos direitos humanos é necessária para o sucesso de

qualquer ação política criminal e, em contrapartida, o que se observa é que “a

dignidade humana não é mais prevalente e, no momento em que o homem se afasta

do homem, avilta-se, envilecendo seu meio natural que é a sociedade”.

(CERQUEIRA, 2001, p. 36).

É cediço, depois de anos e anos de política de polícia repressiva, que

algo tem que mudar. Mudanças e estratégias concentradas nos efeitos pouco ou

nada resultam significativamente para a segurança pública. É por esse motivo,

segundo Monjardet (2002, p. 260), que:

[…] antes de declinar em estratégias e táticas operacionais, a 'Polícia

Comunitária' é primeiro a vontade de renovar entre polícia e a população

fazendo das experiências, demandas e necessidades expressas por ela,

localmente, no quarteirão, bloqueio ou no bairro, o princípio de

hierarquização das prioridades policiais. Essa orientação é transversal aos

quatro princípios que articulam as orientações estratégicas constitutivas da

Polícia Comunitária.

Por fim, precisamos também reconhecer que o infrator não é um inimigo

dos policiais e, apesar de haver infringido um dispositivo legal e estar sujeito a ser

sancionado na forma da lei, continua a ser um cidadão, credor de todos os direitos e

garantias individuais (MARCINEIRO, 2009). De acordo com CERQUEIRA (2001, p.

88), “precisamos aprender a construir programas de prevenção do crime e com uma

visão humanista e integradora, que privilegie os aspectos preventivos e qualifique a

repressão”.

2.2 POLÍCIA COMUNITÁRIA

Vimos a importância de uma atuação mais proativa e preventiva e que o

modelo tradicional de policiamento, repressivo, está sendo repensado e proposto

para emprego como o último recurso.

Parece-nos cada vez mais desafiador conciliar os princípios democráticos

de direitos com a idéia de uma atuação policial desassociada da repressão, baseada

tão somente no estrito cumprimento da lei, uso da força e da prisão, na medida em

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que o cenário antissocial é preocupante e desanimador. Sem dúvida, este é um dos

maiores desafios da democracia, o equilíbrio entre a liberdade do povo e a ordem

pública.

Não obstante, as idéias de um policiamento moderno vêm ao encontro de

uma atuação policial mais participativa do processo social, uma Polícia Comunitária

(PC). Aqui, não se trata de outra corporação, órgão ou instituição, mas de uma nova

abordagem de polícia.

Então, “o policiamento comunitário deve ser pensado não apenas como

instrumento de eficiência de combate ao crime, mas também como um modelo de

policiamento democrático, que substitui o medo por uma relação de confiança mútua

entre polícia e Sociedade”. (KAHN, 2002, p. 40).

O fato de pensarmos na polícia como um órgão repressivo, afastado do

modelo convencional de policiamento, gera preconceitos contra essa forma de

trabalho e resistências de toda ordem. É natural que essa mudança gere uma

reação oposta, interna e externa às polícias, até porque vivemos um clima de

conformismo nos quartéis.

No entanto, é inegável que a polícia precise e dependa da população para

reprimir o crime. Já que está evidente que sem uma população compreensiva e

cooperadora, os esforços da polícia são enfraquecidos, então não se pode virar as

costas às demandas não relacionadas à lei. (BAYLEY, 2002).

O que não significa que os cidadãos devam cumprir um papel

complementar ou secundário diante daquele a ser desempenhado pela polícia, mas

que a instituição policial é que deve ser percebida como suplementar ao papel

desempenhado pelos cidadãos. Parece que a presença ostensiva da polícia tende a

ser tanto mais necessária na medida do distanciamento entre as pessoas.

Comunidades com fortes tradições culturais e movimentos de natureza coletiva

refletem um maior vínculo entre as pessoas. (ROLIM, 2006).

A PC é uma filosofia e não um programa, que tem começo, meio e fim,

explica Marcineiro (2009, p. 18):

A filosofia é um conjunto de idéias, que precisa ser absorvida, praticada e incorporada na cultura de todos os interessados no tema segurança pública. […] A Polícia Comunitária, então, define-se como sendo o processo por meio do qual a comunidade e a polícia podem compartilhar informações e valores.

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E o núcleo comum dessa filosofia visa mudar o papel tradicional da

polícia, da luta contra o crime, para uma concepção mais ampla de atuação

(MARCINEIRO, 2009).

Nesse sentido, ROLIM (2006, p. 71) destaca o seguinte:

A idéia mais revolucionária de Woods era a de que a imagem e o papel da polícia não poderiam ser associados à dimensão repressiva natural de seu trabalho, mas que ela deveria ser vista por todos como o equivalente à idéia de “proteção”. Essa seria, possivelmente, uma boa síntese para o que se pretende com a proposta de policiamento comunitário. O que se procura, na verdade, é uma identificação entre os policiais e as comunidades. Algo como o que desejava sir Robert Peel, fundador da Polícia Metropolitana de Londres, quando afirmou que “A polícia é o público e o público é a polícia”.

Sabemos que o fato do policiamento envolver-se mais com a

comunidade, na busca de soluções comuns a pequenas desordens e demandas

sociais, não é por si só uma panacéia em desfavor da violência e do crime. Esse

direcionamento policial visa ainda dar uma resposta mais eficiente contra as graves

ações antissociais.

Uma polícia não pode ficar inerte face à condutas delituosas. O modelo

Comunitário vem também a nortear as ações repressivas, na medida em que a

polícia passa a estar mais familiarizada com a realidade local. Pedroso (2005, p.

151-2) esclarece que:

O policiamento comunitário visa, assim, um controle do delito, não penas no modelo repressivo existente, mas ligando a existência de transgressões às especificidades locais. Propõe-se um modelo de prevenção que sincronize o controle policial ao controle informal, simbolizado pela comunidade. [...]

Os crimes são diversos e de aspectos diferentes que precisam ser

conhecidos para que possam orientar os planejamentos, que “[…] ajudarão

programas operacionais com a filosofia prevencionista da Polícia Comunitária”.

(CERQUEIRA, 2001, p. 88).

O modelo de policiamento americanizado, lá em declínio desde os anos

70, está presente na estruturação da polícia brasileira: a crença no poder do

patrulhamento motorizado no combate ao crime. E novas estratégias de

policiamento reforçaram a transformação policial nos EUA e a fase da resolução de

problemas da comunidade, quando demonstraram que os programas com maior

êxito tinham duas características comuns: melhorias dos contatos dos policiais com

os cidadãos e maior autonomia para eles criarem programas para atenderem os

problemas identificados na comunidade. (CERQUEIRA, 2001).

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Os exemplos de PC vindos de outros países e os resultados positivos

alçados por meio desse moderno policiamento são animadores. Como nos EUA, as

polícias comunitárias oferecem a chave da mudança na força pública. Com efeito,

confirma que a polícia não muda de dentro para fora e nem tampouco de fora para

dentro. “Ela muda quando há aliança entre interior e exterior [...]” (MONJADET,

2002, p. 265).

Diferentemente do modelo convencional de policiamento aqui estudado,

direcionado eminentemente para a repressão, esse novo viés de policiamento tem o

seu mote principal na prevenção, por meio de uma maior aproximação da polícia e a

comunidade. Ao mesmo tempo, essa maior interação policial com o cidadão visa a

proporcionar mais eficiência na atuação eventualmente repressiva do policiamento.

Em resumo, Rolim (2006, p.73) ainda esclarece:

De qualquer maneira, a preocupação com a desordem não precisa necessariamente se traduzir em políticas de tolerância zero, razão pela qual sustento que é possível utilizar a “Teoria das janelas quebradas” na perspectiva do policiamento comunitário. Sendo assim, sempre que tratarmos do conceito de desordem será importante lembrar de uma sugestão oferecida pelo coronel Nazareth Cerqueira (1997: p.130) quando nos falava da necessidade de a polícia contribuir para a “construção da ordem”, em vez da perspectiva tradicional e autoritária insinuada pelo jargão “manutenção da ordem a qualquer custo”. De fato, em um Estado democrático de direito, a polícia não pode se furtar a desempenhar um papel mediador entre vários interesses muitas vezes conflitantes. A sensibilidade necessária para esse tipo de abordagem pode ser decisiva para a afirmação de um novo equilíbrio social, mesmo que provisório, como convém a uma democracia. (ROLIM, 2006, p. 73).

Portanto, “a comunitarização do serviço de polícia [...] surgiu para corrigir

os erros do denominado profissionalismo, que tanta antipatia causava [...]”.

(MARCINEIRO, 1999 apud CERQUEIRA', 2009, p. 37).

2.2.1 Polícia Militar de Santa Catarina e a Polícia Comunitária

A Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), na década de 90, através de

um Programa de Segurança Interativa, passou a buscar a filosofia da Polícia

Comunitária e passou a desenvolver uma sólida relação com a sociedade. Segundo

MARCINEIRO (2009, p. 53), “foram criados os CLIC´s – Conselhos de Lideranças

Comunitárias, onde a comunidade se reunia juntamente com a Polícia Militar para

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discutir as melhores formas de resolver os problemas de segurança na

comunidade”.

Mais tarde, depois de um enfraquecimento dessa filosofia, ao considerar

que é dever do Estado manter a ordem e a segurança pública e que a participação

da população em cooperação com a polícia poderia contribuir positivamente para a

consecução desse objetivo, o Governador do Estado de Santa Catarina publicou o

Decreto nº 2.136 de 12 de março de 2001, autorizando a criação de Conselhos

Comunitários de Segurança (Consegs), com o objetivo de colaborar no

equacionamento e solução de problemas relacionados com a segurança da

população.

Atualmente já existem 323 (trezentos e vinte e três) Consegs, distribuídos

e polarizados em 24 (vinte e quatro) microrregiões do Estado. E as ações

desempenhadas pelas organizações policiais catarinenses para o desempenho da

filosofia de PC atende aos seguintes princípios (SANTA CATARINA, 2010):

é uma filosofia cuja base é a comunidade. o foco recai sobre a resolução criativa dos problemas. a Polícia Comunitária promove o desenvolvimento da confiança mútua. estabelece um raio de ação mais abrangente para o policial. enfatiza a participação e o envolvimento da comunidade. antecipa-se e não é meramente reativa. presta auxílio onde é necessário. melhora o policiamento tradicional. envolve todo mundo. personaliza o serviço policial.

Vimos que a filosofia da polícia de proximidade na PMSC, embora

recente, não é uma novidade. No entanto, em termos do que se pode ainda avançar,

vem sendo muito limitada a atuações isoladas junto aos Consegs. De acordo com a

observação de Marcineiro (2009, p. 55), “não obstante a rejeição e antipatia que esta

filosofia de trabalho policial ainda enfrenta, o Estado está evoluindo para a Polícia

Comunitária”.

A polícia de proximidade, então, é uma estratégia originalmente

preventiva e positiva para a Instituição, afastada do papel formal e repressor,

provocando um ciclo virtuoso entre a atuação polícia e a comunidade. Nesse

sentido, Bayley (2001, p. 240) sinaliza que:

Se a tradição cultural é comunitária, o governo e a comunidade reconhecerão que o controle da criminalidade precisa da mobilização da comunidade em sua própria defesa. O crime será desencorajado através do reforço da disciplina informal, no lugar das penalidades formais. O sistema de justiça criminal não será visto como a primeira linha de defesa contra o

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crime. Na verdade, suas atividades disciplinares serão usadas apenas quando a disciplina formal falhar. Sua função primordial será encorajar a disciplina em outros setores da sociedade. Como resultado, a polícia não poderá evitar de tratar de reclamações e problemas não relacionados a crimes. O policiamento se tornará tão extensivo e sutil quanto diferentes reivindicações das populações. E a polícia ganhará legitimidade e respeitabilidade enfrentando tais problemas e associando-se a esses esforços básicos que promovem a prevenção dos crimes.

Com efeito, pensamos que a PC, como filosofia de emprego do

policiamento, deva ser desenvolvida durante todo o processo afeto a atividade PM,

desde a formação do policial até a atividade fim. Então, essa política de proximidade

na Corporação seria mais bem assimilada e praticada se, ao invés de específicas

abordagens sobre o tema, tivéssemos todo um regramento e disciplinamento teórico

e prático comunitário do trabalho policial na PMSC, levando a uma consciente e

natural mudança na concepção e emprego do policiamento tradicional e, quiçá, a

instrumentalização de mecanismos mais informais e sociais.

2.3 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ASPECTOS CONCEITUAIS E JURÍDICOS

Os conflitos são constituintes da condição humana, eles não podem ser

vistos como exceções, mas como parte do nosso cotidiano nas relações

interpessoais. A ação violenta, no entanto, é uma exceção mesmo quando vista

como tentativa de resolver um conflito, indicando o desrespeito de determinados

sujeitos para compreender e administrar suas diferenças. E com o propósito de

buscar formas inovadoras e alternativas à Justiça Estatal (JE) para a solução de

problemas e disputas nasceu a mediação de conflitos, de caráter comunitário, na

Universidade de Harvard. E assim, exposta à influência de inúmeras áreas de

conhecimento e inúmeras culturas, a mediação foi ganhando transversalidade.

(MUSZKAT, 2008).

Portanto, esse instituto apresenta-se como um viés alternativo à jurisdição

tradicional, um método autocompositivo de solução de conflitos, porque as partes

chegam ao acordo espontaneamente através do auxílio do mediador. Garcez (2004,

p. 39) identifica a mediação como fórmula não adversária de solução de conflitos,

pois:

Na Mediação, um terceiro, imparcial, auxilia as partes a chegarem, elas próprias, a um acordo entre si, através de um processo estruturado. As partes assim auxiliadas são as autoras das decisões e o mediador apenas

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as aproxima e faz com que possam melhor compreender as circunstâncias do problema existente e a aliviar-se das pressões irracionais e do nível emocional elevado, que lhes embaraça a visão realista do conflito, impossibilitando uma análise equilibrada e afastando a possibilidade de acordo.

A mediação no Brasil ainda não possui legislação própria que a defina.

Não obstante, via de regra, baseia-se no princípio da autonomia da vontade das

partes, que aceitam serem mediadas por uma terceira pessoa e convencionam

compromissos por livre arbítrio e espontaneidade.

A mediação de conflitos, então, sustenta-se na teoria geral do Direito das

Obrigações, no Código Civil Brasileiro, onde há como fatores estruturais a

voluntariedade e a consensualidade, fundamentos do princípio da autonomia da

vontade das partes e a razão de ser desse instituto, ensina CAETANO (2002, p.

103), o qual ainda explica:

A voluntariedade exprime-se pela vontade da resolução de conflito pela submissão ao procedimento conduzido por um terceiro, o mediador. A consensualidade expressa-se na mediação pela solicitação expressa de submissão ao procedimento.

Contudo, apesar da diversidade da aplicação da mediação de conflitos e

a viabilidade do seu emprego nas mais variadas áreas e situações conflituosas,

inclusive na atividade policial, é importante ressaltarmos que a atual conjuntura legal

brasileira a impede de ser utilizada para solucionar fatos delituosos. O que significa

dizer que a polícia não tem a faculdade para a utilização desse instituto no campo

penal; que o policial possui o dever de cumprir a lei e tomar as providências de

ordem diante de uma conduta penal.

Destarte, a mediação tem outras limitações circunstanciais, segundo

recomenda Fiorelli e Malhadas Junior (1993 apud ACLAND, 2008, p. 75), quando:

existe muito dinheiro em jogo; o efeito emocional das quantias monetárias envolvidas dominará as atenções dos envolvidos; o capital financeiro solapa o emocional; a decisão legal é essencial e predominante; os bens são indisponíveis; para uma das partes trata-se de princípio ou interesse inegociável; uma das partes deseja gerar jurisprudência a respeito; uma das partes deseja julgamento punitivo a qualquer preço; a lentidão do procedimento legal beneficiará nitidamente uma das partes (a qual, obviamente, recusará mediação); nenhuma das partes se dispõe a reconsiderar posições.

Não obstante, segundo observamos, esse instituto possui inúmeras

características positivas e democráticas para a pacificação de conflitos, essenciais à

atividade policial contemporânea e em harmonia com o modelo de policiamento

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moderno e de proximidade, uma vez que, conforme Morais e Spengler (2008, p.

149):

[…] é considerada atualmente como a maneira “ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos, uma forma na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal”. Diz-se dela uma forma consensual de tratamento do litígio, uma vez que o terceiro mediador tem “um poder de decisão limitado ou não autoritário, e que ajuda as partes envolvidas a chegarem voluntariamente a um acordo, mutuamente aceitáveis com relação às questões em disputa”. Por isso, não se pode perder de vista a importância desta prática em uma sociedade cada vez mais complexa, plural e multifacetada, produtora de demandas que a cada dia se superam qualitativa e quantitativamente.

Já observamos que o convívio social entre os indivíduos é naturalmente

conflituoso; que as diferenças humanas, o modo de cada pessoa encarar as coisas

e a responder aos estímulos do meio em que vivem, seja na família, no trabalho ou

na própria comunidade, são muitas vezes antagônicas. Por outro lado, sob a ótica da

mediação, mais que um problema de ordem individual ou coletivo, os conflitos

representam oportunidades para os operadores de segurança pública, de sorte que

muitos são passíveis de serem pacificamente mediados. A respeito, Morais e

Spengler (2008, p.47) dizem que:

“[...] o conflito é inevitável e salutar (especialmente se queremos chamar a sociedade na qual se insere de democrática), importante é encontrar meios autônomos de manejá-lo fugindo da idéia de que seja um fenômeno patológico e encarando-o como um fato, um evento fisiológico importante [...]”.

Portanto, o policial deve estar preparado para enxergar a mediação como

uma ferramenta facilitadora para o seu trabalho e, mais que isso, para a sua própria

vida pessoal e social. É como os bombeiros agindo no “princípio de incêndio”, ou

seja, a antecipação para evitar um mal maior (QUINTAL, 2003).

O método de mediação então, como veremos mais profundamente no

quarto capítulo, representa um meio novo nos tratamentos das demandas

contemporâneas. Pois, diferentemente do modelo tradicional de policiamento, esse

instituto é essencialmente preventivo, extrajudicial e, como tal, estratégico às

instituições Policiais Militares. Para uma melhor compreensão da sua relação com a

atividade policial, antes de tudo, passaremos a seguir a tratar dos aspectos

conceituais do trabalho policial e o universo desse mister.

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3 ATIVIDADE DE POLÍCIA (MILITAR) DE ORDEM PÚBLICA

A ordem pública, de acordo com Pedroso (2005, p. 40) “[...] está ligada a

situações de normalidade social, a partir das quais os poderes constituídos do

Estado têm leis legítimas como parâmetros” e a segurança pública, por sua vez, é

definida como a garantia que o Estado proporciona à nação, a fim de assegurar a

ordem pública.

A noção de ordem pública também está associada a uma sensação,

segundo Marcineiro (2009, p. 77), o qual ensina que “[...] é mais fácil de ser sentida

do que definida, ou seja, trata-se de 'sensação de segurança' e como tal depende de

uma série de variáveis, não só de ações de polícia”.

Percebemos então que as ações legitimamente policiais, apesar de

influenciarem na normalidade social, por si só não definem a sensação de

segurança ou insegurança, da ordem ou desordem pública. Por outro lado,

acreditamos que o exercício pleno do poder de polícia confere um maior peso a sua

participação e contribuição à ordem social.

No Brasil, o heterogêneo sistema de segurança pública é composto por

diversas instituições e órgãos. A atual Carta Magna, em seu art. 144, § 5º, diz que às

Polícia Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Assim,

a atual Constituição Brasileira substituiu a palavra manutenção pela de preservação.

E esta expressão é muito mais ampla, englobando tanto o conceito de manutenção

quanto o de restauração. (MARCINEIRO, 2009).

O Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, que reorganizou as Polícia

Militares no Brasil, recepcionado pela CRFB, já sinalizava para o escopo preventivo,

ao dizer que compete a elas, no âmbito de suas respectivas jurisdições, a

manutenção da ordem pública. E o art. 2º, (item 19) do Regulamento para as Polícia

Militares (R-200), aprovado pelo Decreto-Lei nº 88.777, de 30 de setembro de 1983,

estabelece ainda que a manutenção da ordem pública vem a ser, verbis, “o

exercício dinâmico do poder de polícia, no campo da segurança pública, manifestado

por atuações predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou

reprimir eventos que violem a ordem pública”.

Nesse sentido ainda, a preocupação de uma polícia de segurança pública,

além da pequena delinquência de proximidade, de ocasião e de oportunidade, é o

conjunto das condições morfológicas da convivência na cidade, ou seja, fluidez do

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trânsito nos espaços públicos, proteção da intimidade nos espaços privados,

respeito à integridade corporal; é, com efeito, o conjunto de ocorrências e

incivilidades que põem em perigo a permanência dessas condições. (Monjardet,

2002).

Destarte, encontramos no Código Tributário Nacional, instituído pela Lei

nº 5172, de 25 de outubro de 1966, um conceito bastante abrangente do poder de

polícia, in verbis, sendo:

[...] atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Portanto o legislador, ao tratar das Polícias Militares, antes de tudo,

vislumbrou uma polícia proativa e preventiva, para um sentido muito mais amplo e

universal junto à sociedade; não só para fins delitivos. E, é claro, uma polícia que

também conserte e restaure eventual quebra da ordem pública. O que significa uma

atuação policial permanente, ou seja, antes, durante e depois das condutas

antissociais. Para tanto, ela tem que mediar, disciplinar, repreender e, tratando-se de

um crime, “prender” o autor da conduta penal. Vemos então que diferentemente das

polícias técnica e judiciária ou criminal, estas com competências específicas e

direcionadas para o crime, são muitas as atividades de ordem das Polícias Militares;

melhor dizer, são exceções aquelas insuscetíveis de serem atribuídas ou

desempenhadas por estas Corporações.

É inquestionável então afirmar que as instituições policiais militares são as

que possuem o mais amplo poder e quase que irrestrito espaço de atuação no

contexto da atividade policial no Brasil. E essa competência dilatada e “sem

fronteiras” é esclarecida no Parecer GM-25/2001 da Advocacia-Geral da União, onde

assegura que a elas, in verbis:

[...] compete todo o universo policial, que não seja atribuição constitucional prevista para os demais seis órgãos elencados no art. 144 da Constituição da República de 1988. [...] no tocante à preservação da ordem pública, às Polícia Militares não só cabe o exercício da polícia ostensiva, na forma retro examinada, como também a competência residual de exercício de toda atividade policial de segurança pública não atribuída aos demais órgãos. […] Bem por isso as Polícia Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema da ordem pública e, especificamente, da segurança pública.

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Não obstante, sabemos que nas avaliações que o público geralmente faz,

o desempenho policial é sempre referenciado ao controle do crime, no entanto,

assinala CERQUEIRA (1964 apud CLIFT, 201, p. 82), a complexidade das

atribuições policiais chama “[…] a atenção para o fato de ter a polícia moderna

deixado de atuar somente nos assuntos de natureza criminal, passando a ter

presença marcante em muitas áreas da atividade humana”.

Com efeito, é a realidade diária das demandas policiais militares, uma vez

que os policiais são chamados para situações das mais diversas, não só de ordem

criminal, e enfrentam problemas tão variados quanto às exigências da vida humana.

Por conseguinte, a população precisa que essas Instituições lidem também com um

grande número de questões não criminais, não relacionadas à lei, para proporcionar

uma prevenção de crimes mais eficaz. (BAYLEY, 2001).

Logo, observamos que o trabalho policial (militar) é definido por uma dupla

instrumentalidade, a de princípio, própria da instituição policial, e a instrumentalidade

prática, empírica e residual, explicadas por Monjardet (2002, p. 22-1):

A essa instrumentalidade “legítima” (prescrita pelas leis e pelos códigos) se soma uma instrumentalidade prática, engendrada por dois mecanismos cuja amplitude é dificilmente mensurável, mas de cuja existência pouco se duvida, e, em todo caso, é sentida e expressa pelos próprios policiais. Em primeiro lugar, a indeterminação das tarefas e das qualificações policiais não oferece muita resistência a essa ampliação. Em termos mais diretos: “Quando não se sabe a quem confiar tal tarefa, ela é nos passada”. […] Em segundo lugar, a obrigação de disponibilidade permanente dos serviços policiais oferece um recurso ao esgarçamento ao tecido social. Em termos mais diretos: “Quando as pessoas não sabem mais a quem se dirigir, quando têm necessidade de alguém (ou de não importa quem), elas se dirigem a nós”.

É importante frisar que a manutenção da ordem não é uma guerra, não há

inimigos, mas lidamos com adversários temporários (cidadãos). O desafio é

encontrar um equilíbrio entre a manutenção da ordem e o respeito aos direitos

democráticos. O policial não pode mais ser apenas um soldado da lei; deve estar

dotado de capacidade de intervenção exercida com uma compreensão social. E a

mediação pode ser um apoio em sua ação. (MONJARDET, 2002).

Portanto, o policial figuraria como um pacificador. E, de fato, explica

Bayley (1964 apud MICHAEL BANTON, 2002, p. 121-2) “[...] os policias algumas

vezes são chamados a agir como 'oficiais da lei' e outras como 'oficiais da paz'.”

Então, no próximo capítulo, abordaremos de maneira mais aprofundada a mediação

de conflitos, focado no papel das polícias militares.

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4 A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: O PAPEL DAS POLÍCIAS MILITARES

A mediação de conflitos, mais que um novo método de intervenção

pontual, vem se consolidando como um modelo eficiente de política de

transformação social, uma transdisciplinariedade voltada para o estudo da

pacificação dos conflitos nas inter-relações íntimas e sociais. (MUSZKAT, 2008).

As Polícias Militares, notoriamente, são as primeiras representantes do

Estado a se depararem com os conflitos exteriorizados entre os cidadãos. E mesmo

que empiricamente, elas fazem um papel de mediadoras entre as partes, com ou

sem sucesso, de sorte que, em inúmeras situações, a simples presença PM (força),

vem a dissuadir uma ação violenta. Por outro lado, quase nunca o problema é

resolvido em sua essência, uma vez que os reais interesses que motivaram os

envolvidos a entrarem em disputa não foram devidamente identificados e tratados.

Já a mediação de conflitos, explicam Fiorelli e Malhadas Junior (2008, p. 58), “[...]

constitui um processo de transformar antagonismos em convergências, não

obrigatoriamente em concordâncias [...]”.

Também, a redução dos recursos violentos de solução de controvérsias,

sem imposição e com ganhos mútuos, contribui para o estabelecimento de uma

cultura de não violência e de maior harmonia entre os vizinhos, familiares, colegas

de trabalho, de escola etc. Portanto, a Mediação pode ser aplicada em uma

variedade de disputas, conflitos e contextos.

4.1 CONFLITOS

Os conflitos, assim como mencionados, fazem parte do nosso cotidiano,

oriundos das individualidades pessoais e sociais e das dificuldades dos participantes

em encontrarem saídas mutuamente satisfatórias. Também, de uma ótica mais

difusa, podemos interpretar ou comparar um conflito a todo e qualquer

comportamento antissocial. Contudo, quando falamos de mediação de conflitos e a

sua aplicabilidade prática, inclusive na esfera policial, é importante que tenhamos

esse tipo de antagonismo claramente definido.

A palavra conflito nasceu do latim e tem como “[...] raiz etimológica a idéia

de choque, ou ação de chocar, de contrapor idéias, palavras, ideologias, valores ou

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armas” (MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 45). E, para fins de mediação, de acordo

com Fiorelli e Malhadas Junior (2002 apud SUARES, 2008, p. 7), conflito é:

- um processo interacional - que se dá entre duas ou mais partes - em que predominam as relações antagônicas - nas quais as pessoas intervém como seres totais com suas ações, pensamentos, afetos e discursos - que algumas vezes, mas não necessariamente, podem ser processos conflitivos agressivos - que se caracteriza por ser um processo co-construído pelas partes - e que pode ser conduzido por elas ou por um terceiro.

O conflito então consiste em um enfrentamento geralmente hostil entre

dois seres ou grupos, uns a respeito dos outros, com relação a um direito. Para

defender esse direito, muitas vezes lançam mão da violência. (MORAIS;

SPENGLER, 2008).

Já os litígios originam-se dos conflitos, que se encontram em todos os

tipos de relacionamentos, na família, no emprego, na vida social, no lazer; ao longo

da vida, aumentam em quantidade e tornam-se mais complexos, notadamente na

fase adulta. (FIORELLI, 2008).

Com efeito, podemos dizer que o conflito é o primeiro impasse de uma

discórdia já exteriorizada entre pessoas; que pode estar associado a um direito

passível de ser mediado e, na área criminal, antecede-se às condutas violentas ou

penais.

4.2 FUNDAMENTOS DA MEDIAÇÃO

A mediação, como já pudemos destacar, por ausência ainda de legislação

própria que a regulamente, consubstancia-se pela voluntariedade e a

consensualidade, fundamentos do princípio da autonomia da vontade das partes

(CAETANO, 2002, p. 103).

Nesse diapasão, o processo de mediação tem como escopo promover o

autoconhecimento com o crescimento cognitivo dos participantes, enfatizam Fiorelli

e Malhadas Junior (2008, p. 60), baseado nas seguintes premissas:

o caráter voluntário; os mediados ali se encontram por livre vontade; o poder dispositivo das partes, respeitando o princípio da autonomia da vontade, desde que não contrarie os princípios de ordem pública; a complementaridade do conhecimento; a credibilidade e a imparcialidade do medidor;

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a competência do mediador, obtida pela formação adequada e permanente; a diligência dos procedimentos; a boa-fé e a lealdade das práticas aplicadas; a flexibilidade, a clareza, a concisão e a simplicidade, tanto na linguagem quanto nos procedimentos, de modo que atenda à compreensão e às necessidades dos participantes; a possibilidade de oferecer segurança, em contraponto à perturbação e ao prejuízo que as controvérsias geram nas relações sociais; a confidencialidade do processo.

Contudo, apesar disso, o PM não deve utilizar a mediação na

generalidade dos casos e certos tipos de litígios, a exemplo dos delitos e das

disputas por bens indisponíveis já referenciados. Pinho (2008, p. 287) sugere que

“[...] deve ser utilizada, preferencialmente, em disputas envolvendo pessoas físicas

que não só mantém entre si um vínculo duradouro que resistirá aquele processo,

como também e que serão influenciadas por ele no futuro”.

4.2.1 Posições e interesses

Cada conflito possui suas próprias peculiaridades, as quais dificultam ou

facilitam um entendimento entre os participantes. Antes de nos familiarizarmos com

a metodologia da mediação de conflitos, embora seja esta essencialmente informal,

por mais que tenhamos boa vontade em solucionar uma demanda conflitiva, torna-se

muito trabalhoso e ineficaz um processo de pacificação sem o conhecimento dos

caminhos e técnicas já desenvolvidas ao longo da história e prática dessa

revolucionária ferramenta.

Talvez, começarmos pelos dois tipos básicos de conteúdos de um conflito

seja o primeiro e mais importante passo para a sua melhor compreensão, sendo o

conteúdo manifesto (posição) e o real (interesse), explicam Fiorelli e Malhadas

Junior (2008, p. 43), e os exemplificam:

- a mãe ou o pai que luta pela posse do filho (posição) pode estar, de fato, interessado(o) no bem-estar da criança, o real interesse. A pessoa acredita-se a mais indicada para assegurar esse bem-estar; a posse representa o meio para atingi-lo; - o empregado que luta por maior salário (posição) pode estar, de fato, preocupado em manter o seu poder aquisitivo para assegurar boas escolas para o filho (interesse). Não dispondo ou não percebendo outra maneira de garantir qualidade do ensino, busca um salário que lhe permita arcar com as despesas desnecessárias.

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A posição então, com o tempo, torna-se um esquema rígido de

pensamento que conduz a uma negociação pouco ou nada criativa, que produzirá

apenas soluções estereotipadas (eventualmente, impostas em arbitragem ou

julgamento). Interessante é que mesmo posições opostas podem encobrir interesses

comuns (FIORELLI, 2008).

Percebemos então que a compreensão dos diferenciais existentes entre

esses conteúdos pelos policiais militares são fatores preponderantes para o encontro

de uma solução pacífica e sólida para um conflito; que a mediação baseada nas

iniciais posições não avançaria em resultados satisfatórios para ambas as partes,

necessitando sempre que alguém ganhe e outro perca. Em verdade, do contrário,

não precisaríamos de um mediador.

Logo, o PM chamado a resolver um conflito, possível de ser mediado,

precisa investigar e descobrir os reais interesses em jogo e não os pedidos

manifestos pelos participantes da disputa. E esse processo de abertura

proporcionada pela comunicação facilitada pelo mediador tende a elucidar os

verdadeiros motivos envolvidos e caminhar para uma resolução consensual. Isso

ocorre, afirma Fiorelli e Malhadas Junior (1992 apud FISCHER; PATTON; URY,

2008, p. 43, grifo do autor), porque “na barganha posicional cada um dos lados torna

uma posição, defende-a e faz concessões para chegar a uma solução de

compromisso”.

Por conseguinte, mesmo que cheguemos a soluções trabalhadas tão

somente nas posições, desatentas dos verdadeiros motivos da contenda, estas

assemelham-se às decisões oriundas de métodos adversários, judiciais ou

extrajudiciais, e até por isso de difícil convencimento para as partes, em que pesem

os acordos ainda serem superficiais e frágeis.

4.3 ALTERNATIVA À JURISDIÇÃO

Num momento da história, constatou-se a necessidade de afastar a

realização da justiça pelo homem, remetendo-a para órgãos socialmente legitimados

para tal fim, o que, associados ao desenvolvimento das instituições sociais, em

especial do Estado Nacional, resultou na monopolização da solução de conflitos pelo

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Estado, através de seus órgãos estatais, incumbido de dizer o direito, nos limites da

sua jurisdição. (GALVÃO FILHO; WEBER, 2008).

Hoje, a JE é o método mais tradicional de solução de conflitos para os

brasileiros. Já faz parte da cultura nacional e, porque não dizer, policial entregar às

mãos de um “Juiz” a tarefa de decidir todo o tipo de conflito, pela comodidade e

muitas vezes pelo desconhecimento de formas alternativas. Este método,

adversário, é indicado para diversas situações; entretanto, apresenta uma séria de

inconvenientes intrínsecos (FIORELLI; MALHADAS JUNIOR, 1993, apud ACLAND,

2008).

Portanto, até o modelo histórico de sistema de justiça criminal e que, em

regra, não funciona para a responsabilização dos infratores, vem sofrendo duras

críticas pelo movimento conhecido como “justiça restaurativa”. Com efeito, defende

que essa estrutura de justiça passe a ser avaliada pelos processos em si mesmo e

pelas intenções que o precedem, não mais pelos resultados que venham a produzir.

A justiça seria produzida com o cuidado de tratar a todos da mesma maneira, de

forma horizontalizada como na mediação de conflitos, oferecendo-lhe assim

legitimidade. (ROLIM, 2006).

Para um melhor entendimento, Rolim (2003 apud ZEHR, 2006, p.71)

assinala que:

Quando um crime é cometido, assumimos que a coisa mais importante que pode acontecer é estabelecer a culpa. Este é o ponto focal de todo o processo criminal: estabelecer quem praticou o crime. A preocupação, então, é com o passado, não com o futuro. Outra afirmação que incorporamos é que as pessoas devem ter aquilo que merecem; todos devem receber as conseqüências de seus atos... E o que merecem é a dor. A lei penal poderia ser mais honestamente chamada de “Lei da Dor” porque, em essência, esse é um sistema que impõe medidas de dor.

Por fim, podemos observar que até mesmo a justiça convencional vem

sendo questionada por seus critérios penais e puramente retributivos. Em

contrapartida, a justiça restaurativa, a exemplo da mediação, baseia-se em um

processo construído pelo consenso, pelo convencimento mútuo, com participação

ativa de todas as partes envolvidas, mesmo aquelas afetadas indiretamente pelo

crime numa comunidade. Seria uma proposta de solução de conflitos que vise

resgatar o status quo anterior ao fato delituoso (Henden, 2010).

Também, o instituto da mediação de conflitos apresenta-se como um viés

alternativo à jurisdição tradicional, um método autocompositivo de solução de

conflitos, porque as partes chegam ao acordo espontaneamente através do auxílio

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do mediador. E Garcez (2004, p. 39) explica que a mediação é uma fórmula não

adversária de solução de conflitos, pois:

Na Mediação, um terceiro, imparcial, auxilia as partes a chegarem, elas próprias, a um acordo entre si, através de um processo estruturado. As partes assim auxiliadas são as autoras das decisões e o mediador apenas as aproxima e faz com que possam melhor compreender as circunstâncias do problema existente e a aliviar-se das pressões irracionais e do nível emocional elevado, que lhes embaraça a visão realista do conflito, impossibilitando uma análise equilibrada e afastando a possibilidade de acordo.

Ao compararmos a mediação com as vias legais geralmente adotadas

para resolver conflitos, é inegável que a mediação é muito mais vantajosa, como

demonstra o quadro a seguir criado por Muszkat (2008, 74-5):

Aspectos envolvidos Mediação Processo jurídico

Tempo Processo rápido Processo demorado

Investimento Bom custo-benefício Caro, tanto mais caro quanto demorado

Sigilo Confidencial Tem caráter público

Relações pessoais Evita inimizades e ressentimentos

Estimula inimizades: o sucesso do advogado está na sua capacidade de “derrotar o inimigo”

Obrigatoriedade Processo voluntário Torna-se obrigatório

Interesses das partes Atende às necessidade das partes

Atende à lei

Processo decisório Uma decisão autodeterminada “garante” mais o cumprimento dos acordos entre as partes

Uma decisão impositiva não “garante” o cumprimento dos acordos entre as partes

Flexibilidade Permite discussão e a flexibilização de interesses

Uma parte ganha e a outra perde

Preservação de bens e/ou dos assuntos disputados

Permite manter “protegidos” os objetivos e objetos disputados (filhos, empresa, bens de família)

Os objetivos e objetos são tornados públicos, participam da contenda e estão expostos a inúmeros prejuízos

Acompanhamento do caso Acompanha a implementação de acordos

Não mantém contato com as partes

A discussão está na maneira de tratar os conflitos, buscando uma nova

racionalidade de composição dos mesmos, convencionada entre as partes litigantes.

Não se quer aqui negar o valor do Poder Judiciário e do sistema tradicional de

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justiça, mas lembrar que, em verdade, este é que se tornou alternativo aos primeiros

métodos de solução de conflitos (MORAIS; SPENGLER, 2008).

Logo, o mecanismo da mediação é algo revolucionário, uma técnica de

resolução de conflitos sem mecanismos formais, que não suportam as demandas

com a brevidade necessária à dissipação dos espaços de litigiosidade. Sem

imposições ameaçadoras, mas com policiais militares devidamente treinados, essa

ferramenta auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los

num acordo criativo onde as duas partes ganham. (CAETANO, 2002).

Comprovamos então que as soluções adversárias não são

intrinsecamente atrativas e, como tais, “[...] as pessoas relutam em adotá-la em

inúmeras situações, preferindo arcar com prejuízos a defender seus direitos”.

(FIORELLI; MALHADAS JUNIOR, 2008, p. 52).

Noutro norte, a mediação de conflitos é muito mais interessante e o seu

sucesso evita o ajuizamento das mais diversas ações, trazendo, além da economia

para os cidadãos e para o Estado, a satisfação dos direitos sociais garantidos

(GOVERNO FEDERAL, 1997).

4.4 O MEDIADOR

O mediador é uma terceira pessoa, imparcial e que auxilia o diálogo entre

as partes com o intuito de transformar o impasse apresentado e facilitar uma saída

comum e consensual. Ele é quem conduz a mediação de conflitos, de forma a

diminuir a hostilidade e possibilitar o encontro de uma solução satisfatória pelas

próprias partes para o conflito. O mediador deixa as partes à vontade para

explicarem seus anseios, descontentamentos e angústias, e as convida para a

reflexão sobre os problemas, suas razões e sobre as conseqüências de seus atos e

os possíveis caminhos de resolução das controvérsias. (SALES, 2003).

Caetano (2002, p.113) sugere que o mediador tenha conhecimentos em

diferentes áreas afins:

Há uma complexidade de ciências que importam ao estudo e prática da Mediação. [...] São necessários conhecimentos de psicologia. O mediador tem de entender e administrar os conflitos subjetivos, as emoções, interesses das partes, etc. Na área de Direito de Família, os conhecimentos de psicologia e terapia são de tal ordem que os psicólogos e terapeutas com vivência na área, e os advogados com grande experiência, deveriam ser designados para mediadores nos conflitos familiares. Não se devem olvidar

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os aspectos da sociologia. O mediador tem por dever conhecer o meio ambiente em que vivem e trabalham seus mediados, isto é, sua realidade socioeconômica para a perfeita compreensão e extensão do conflito. Há de se conhecer a teoria das decisões, fazendo-se uso da eqüidade, em como ter boas noções ou mesmo formação em Direito, por sua indissolubilidade com os fatos da vida em sociedade. Onde há vida, está o Direito [...].

Percebemos que o autoconhecimento constitui preocupação basilar para

um mediador, ciente do que é, do que representa e do que dele se espera. Pois, ao

acolher emoções de outras pessoas, enfrentará seus próprios valores, experiências,

preconceitos, amores e ódios, exigindo-se dessa forma o controle sobre as próprias

emoções. (FIORELLI, 2008).

Também, o mediador deve ser um profissional treinado e experimentado

para o enfrentamento das mais diversas situações de conflitos e o estabelecimento

de uma relação de confiança e uma postura ética inquestionável perante os

mediados. (PINHO, 2008).

Acreditamos que o mediador PM teoricamente possui uma formação

diferencial para tal mister, cuja preparação multidisciplinar e formatada para uma

atuação impessoal e imparcial são diferenciais para um processo de mediação.

Associada a esta condição legítima, deve-se buscar ainda características e

qualidades individuais; que tenha iniciativa, boa comunicação e uma conduta

profissional ilibada.

4.5 ATENDIMENTO E PRÉ-MEDIAÇÃO

O atendimento e pré-mediação constituem etapas iniciais e

independentes do processo de mediação. O serviço de atendimento é o cartão de

apresentação, sendo o momento que se acolhe e identifica o solicitante, e coletam-

se os dados referentes ao litígio para dar início ao processo. (FIORELLI, 2008).

Portanto, antes de todo processo de mediação, necessitamos prestar um

atendimento prévio aos interessados e tomar conhecimento da situação que os

ensejou a procurar esse método de solução de conflitos, não só para dar o aporte

inicial à conciliação, mas principalmente possibilitar a identificação de eventual

impedimento ou direito indisponível.

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Como muitas vezes o serviço é procurado por somente uma das partes,

“[...] o agendamento da mediação ocorre tão somente após a concordância da outra

parte, solicitada, para a realização da pré-mediação. (FIORELLI, 2008, p. 76).

4.5.1 Infraestrutura

A infraestrutura do atendimento deve proporcionar três percepções que se

reforçam mutuamente: confiança; credibilidade e segurança. Esses atributos

emocionais podem ser estimulados por meio de organização, decoração e layout

adequados. (FIORELLI; MALHADAS JUNIOR, 2008).

Logo, sabemos que um ambiente agradável é salutar para qualquer ofício

e, mais ainda, para um processo de mediação de conflitos, de sorte a percebermos a

importância de ser um local sem barulho, bem arejado, com cores leves e, em fim,

tudo que venha a tranquilizar os envolvidos e proporcionar uma sensação de bem

estar. Por outro lado, embora um Quartel possa reunir a maior parte dessas

qualidades, recomendamos que o pertinente processo seja conduzido fora da

Caserna, no intuito de oferecer um local totalmente isento e tranquilidade para que

as partes tomem as suas próprias decisões.

4.6 MÉTODOS DE MEDIAÇÃO

Existem alguns métodos de mediação de conflitos, mais ou menos

adequados a cada realidade social. Não pretendemos aqui discorrer sobre todos,

mas tão somente um em especial e que nos parece mais aplicável a uma mediação

policial e interna, o método interativo.

Em resumo, nesse método interativo da mediação, o mediador deve

propiciar às partes a oportunidade de adquirir uma nova cultura de solução de

conflitos, promovendo a abertura para aceitação do conflito e para novas maneiras

de abordá-lo, em cima de cooperação. Nesse sentido, o PM deverá funcionar como

um catalisador, educador, facilitador e tradutor entre os envolvidos (MUSZKAT,

2008).

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4.7 FORMALIZAÇÃO DO ACORDO

A formalização do acordo é uma maneira de evitar mal entendido ou até

mesmo esquecimento do que fora convencionado. Devemos reduzir a termo os

compromissos assumidos entre as partes.

O acordo então entre as partes deve ser textualizado. O PM, em conjunto

com as partes, deve elaborar os termos do que fora mediado e todos deverão

assinar, explica Muszkat (2008, p. 88):

Nesse texto serão mencionados os termos do(s) acordo(s). o documento

será, então, assinado pelas partes e, casa seja necessários, encaminhado

pelo(s) advogado(s), que não o mediador, para a homologação judicial. Em

alguns casos, os acordos poderão ser documentos particulares, a menos

que haja bens materiais em jogo ou se trate de direitos indisponíveis

(alimentos, estado civil, guarda de um menor etc.) regulados por lei.

Para tanto, Fiorelli e Malhadas Junior (2008, p. 264, grifo do autor) sugeri

o emprego da “[...] técnica da lista de atividades: cada um faz a sua e compara-se;

assim, percebe-se o lado do outro e as responsabilidades e compromissos mútuos a

assumir para que o acordo funcione”.

4.8 MEDIAÇÃO NA PMSC

Os resultados das pesquisas nos EUA, observados mais no início desse

trabalho, sugeriram uma polícia de proximidade com a comunidade, de sorte a

identificar os problemas locais e agir de forma criativa sobre as suas causas.

(MARCINEIRO, 2009).

A mediação de conflitos é, sem sombra de dúvidas, um importante e

revolucionário vetor de pacificação de conflitos no mundo contemporâneo e que é

aplicável a inúmeras áreas da relação humana. Na PMSC, assim como qualquer

outra Instituição, o PM media sem saber muitas vezes das técnicas e dos métodos

que levaram esse instituto a alcançar o sucesso atual. Não obstante, podemos obter

melhores resultados na pacificação individual e social com policiais treinados e com

propriedade para serem efetivamente mediadores, conhecendo as estratégias e os

nuances para uma solução consensual de conflitos.

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Como exemplo, podemos mencionar algumas ocorrências ou conjunturas

passíveis de serem mediadas pelo PM: acidentes de trânsito com danos materiais;

separação conjugal e divisão de bens; guarda de filhos; danos acidentais; conflitos

de vizinhança (marcação de imóvel, perturbação sonora etc.); conflitos de cunho

eleitoral; utilização de espaço público; relação de consumo; inquilinato; dívida; etc.

4.8.1 Estudo de Caso: O exemplo de Camboriú

Agora, passaremos a expor dois fatos ocorridos no município de

Camboriú, Santa Catarina, um pacificamente mediado e o outro direcionado à JE.

Escolhemos essa Cidade por haver o Autor desse Trabalho Monográfico participado

ativamente do seu convívio social e testemunhado ainda o crescimento repentino do

Município e toda gama de mazelas contemporâneas existentes na maioria das

sociedades modernas e, por conseguinte, palco dos mais diversificados conflitos

individuais e coletivos. Vejamos:

1º Caso: Era um dos dias que antecediam o pleito para as eleições

municipais do ano de 2008, quando o então 1º Tenente PM Alfredo Von Knoblauch,

Comandante do 1º Pelotão da 1ª Companhia do 12º Batalhão de Polícia Militar,

sediado em Camboriú – SC, passou a receber durante à noite inúmeros contatos

telefônicos dos comitês organizadores de dois candidatos a prefeito naquele

Município, aqui identificados tão somente pelas letras “A” e “B”. Tratava-se de um

conflito em que ambos os comitês pediam o cancelamento do evento político

eleitoral a ser promovido pela outra parte na tarde do dia seguinte (posições).

Prontamente, sem precipitação e de forma imparcial, aquele Oficial marcou uma

reunião com os responsáveis por cada campanha ainda na manhã do dia seguinte,

sábado. Ao amanhecer, o 1º Tenente Knoblauch dirigiu-se ao quartel, onde as partes

afastadas e sem comunicação alguma já o aguardavam. Atendidas, identificadas e

solicitadas preliminarmente a exporem seus problemas, ambas ratificaram as

posições em querer cancelar o evento da outra (carreatas), alegando total

impossibilidade da ocorrência de duas carreatas políticas numa mesma tarde e de

candidatos e militantes tão “inimigos”. Na sequência, estimulados pelo Comandante

ao diálogo cortês e a se manifestarem sobre a questão, os interessados passaram a

exteriorizarem as reais pretensões, quanto à forma, o tempo de duração, previsão

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de participantes e outros aspectos (interesses). Para surpresa de todos, não havia

divergências alguma, de sorte que, em suma, “A” precisava de apenas uma hora e

encerraria o evento com os participantes indo cada quais para a sua casa, enquanto

que “B”, por sua vez, almejava o encerramento com a permanência ainda na praça

central da cidade e por tempo indeterminado. Apurados os reais interesses,

facilmente se chegou a uma solução: A carreata de “A” ficou marcada para o início

da tarde, às 14h e o evento do comitê “B” para às 17h, ou seja, ambos no mesmo

dia e ainda com uma margem de segurança de 2h, já que a previsão de duração do

evento de “A” era de apenas uma hora. Os compromissos assumidos, então, foram

reduzidos a termo e os eventos transcorreram sem qualquer alteração. Comunicada

à Justiça Eleitoral, essa posição policial foi muito bem recepcionada e alvo de

inúmeros elogios;

2º Caso: O segundo fato ocorreu no ano de 2009, quando o mesmo

Oficial, já como Capitão PM, foi procurado no quartel por um cidadão, reclamando

que as enxurradas ocorridas no final de 2008 haviam destruído as cercas que

delimitavam o seu imóvel e o do vizinho, ocasião em que este agora demarcara

supostamente errado, cercando para dentro do imóvel do solicitante. Diferentemente

do primeiro conflito, esse deixou de ser mediado por uma natural insegurança desse

Comandante, que se limitou a orientar o interessado a procurar um advogado e o

ajuizamento de uma ação de reintegração de posse, ou seja, a via adversária de

solução de conflitos.

Concluímos que o segundo caso, assim como o primeiro, era passível de

ser mediado, dependendo tão somente do interesse da outra parte. O que

diferenciou em verdade a atitude tomada ou não pelo Oficial foi a falta de

treinamento para a mediação de conflitos, ou mesmo a existência de serviços de

mediação no município que pudessem trabalhar o segundo conflito. Os exemplos

mostram que a falta de conhecimentos no campo da mediação nos fazem deixar

passar grandes oportunidades de interações como promotores da paz social.

4.8.2 Proposta de mediação nos Consegs

É sabido que, devido à complexidade de determinados conflitos, a

exemplo dos casos citados, precisamos de policiais militares treinados para atuarem

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especificamente em processos de mediação “administrativos”, não in loco, em

ambientes preparados e adequados para tal fim. E, como vimos, por tratar-se de

uma ferramenta essencialmente comunitária e democrática, em consonância com os

princípios de um policiamento moderno e de proximidade, orientado para a solução

dos problemas, defendemos que cada Conseg tenha um local destinado para a

mediação de conflitos; que cada Conselho seja também um canalizador das

demandas existentes nas comunidades as quais representam e tenha a agenda

semanal do mediador PM.

Recentemente, o Programa Nacional de Segurança Pública com

Cidadania (Pronasci) criado pelo Governo Federal, com o objetivo de articular

políticas de segurança com ações sociais, alinhado ao eixo do envolvimento da

comunidade na prevenção da violência, mencionou a mediação de conflitos entre as

ações propostas, segundo Marcineiro (2009, p. 67):

Conselhos Comunitários de Segurança - Serão instalados ou aprimorados nas comunidades das regiões metropolitanas do Pronasci os Conselhos Comunitários de Segurança – espaços de discussões sobre as questões referentes à segurança pública. As lideranças comunitárias de cada bairro serão capacitadas para participar dos debates e ações de segurança pública e mediação de conflitos, representando moradores em suas principais demandas

A PMSC tem que está preparada para o futuro, pensando nas tendências

modernas e científicas de concepção policial, pois, como frisamos, as solicitações de

serviço policial estão relacionadas primeiro com o caráter das relações interpessoais

na sociedade. Por consequência, a necessidade de serviços da polícia surgirá em

comunidades que não mantém a disciplina social e a ordem através dos processos

sociais informais, segundo Bayley (2001, p. 146-7), o qual esclarece:

A razão para isso é que onde os papéis nas relações são mais impessoais, a capacidade dos grupos primários de manter sanções efetivas declina. As pessoas são obrigadas a se voltar para instituições formais a fim de resolver conflitos que antes eram solucionados por grupos informais. No geral, então, o volume e requisições por intervenção policial e a proporção de situações de aplicação e não-aplicação da lei enfrentadas pela polícia pode variar diretamente com a qualidade das relações interpessoais na sociedade. […] À medida que as sociedades desenvolvem modernos sistemas econômicos e estruturas sociais, chamadas de serviço vão aumentar em relação à população, mas a proporção de requisições não relacionadas com crimes se tornará maior.

Portanto, é interessante lembrarmos que “o que a polícia faz

rotineiramente em seu dia-a-dia varia substancialmente através do tempo e do

espaço”. (Bayley, 2001, p. 142). Para tanto, percebemos que a instrumentalização

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dessa ferramenta na PMSC vem somar para a consolidação da filosofia da PC na

Corporação e, mais que isso, ampliar o seu papel junto à Sociedade Catarinense,

legitimando-a como um importante vetor no processo de construção da paz social e

defesa do cidadão.

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5 CONCLUSÃO

O mundo contemporâneo, moderno e globalizado, trouxe inúmeras

facilidades e comodidades ao homem. Por outro lado, o relâmpago progresso

industrial e urbano provocou grandes concentrações populacionais nas cidades,

criando dificuldades de toda ordem, graves distorções econômicas e acentuados

conflitos humanos e mazelas sociais.

A história e a importância das instituições e instâncias informais para o

processo de solução de conflitos e construção social aos poucos foram sendo

esquecidas, substituídas pelas forças e intervenções estatais. Hoje, as próprias

famílias, base de todas as relações em uma sociedade, estão em sua maioria

desestruturadas e com ínfima participação na preparação do cidadão para o convívio

pacífico com o próximo. Esse cenário, vicioso e degradante, tem seus efeitos

sentidos nas mais diversas e notórias expressões antissociais.

No Brasil, a sociedade vive acuada, com medo da violência e da

criminalidade e vê as instituições sociais e estatais com descrédito e desconfiança.

E, como tais, as ações policiais parecem inócuas diante do cenário de insegurança

vivido pelos brasileiros, em que pesem presenciarmos uma crise existencial das

instituições Policiais Militares.

Ante a esse cenário desanimador e, ao mesmo tempo, desafiador, a

importância do papel policial, por outro lado, parece representar a mola motriz para o

resgate da civilização, despertando o interesse das comunidades acadêmicas para o

estudo do comportamento das instituições policiais e suas atividades e o seu

verdadeiro peso para o fortalecimento dos Estados Democráticos de Direitos.

Com efeito, o presente trabalho monográfico, elaborado para atender a

requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Administração de

Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa, apresentado ao Curso de

Aperfeiçoamento de Oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), é um

exemplo claro da importância das pesquisas científicas de ordem policial para

proposições de melhorias visando o desenvolvimento eficiente e social do mister

policial.

Portanto, preocupada com a adequação de suas atividades às exigências

da sociedade moderna, a PMSC tem estimulado e proporcionado aos seus membros

oportunidades para o estudo científico focado no crescimento institucional e pessoal

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do Policial Militar (PM). Então, procuramos com essa pesquisa a área dos processos

internos, em vista a ampliar a atuação PM na sociedade e seus reflexos.

Para tanto, primeiramente, utilizando de uma método dedutivo, partindo

de premissas gerais para uma proposta específica, buscamos mostrar o atual

cenário vivenciado pelas Polícias Militares para a consecução do seu ofício

Constitucional. E percebemos que a CRFB direciona essas Instituições para uma

ampla atuação junto a sociedade e com o foco preventivo. No entanto, elas atuam

eminentemente voltadas à repressão, no combate à violência e o crime. E que esse

modelo de policiamento vem sendo discutido e contraposto com mecanismos

preventivos e comunitários, os quais passamos a explorar no capítulo seguinte.

Como tal, no segundo capítulo, buscamos identificar quais são as atuais

concepções científicas de um policiamento moderno. E vimos que o policiamento

PM é espelhado no modelo norte-americano, através do patrulhamento motorizado e

equipado com rádio de comunicação, cujas chamadas são recebidas e centralizadas

via telefone. Assim, essa metodologia de policiamento afastou os policiais da

interação social, causando sérios prejuízos a sua legitimidade civilizadora, na

medida em que sua atuação é dominantemente reativa e repressiva.

Alvo de pesquisas e estudos científicos, aos poucos as polícias dos EUA

e de outros países passaram a moldarem-se por novas concepções de policiamento,

passando por mudanças consubstanciais. A atuação policial passou a ser vista como

suplementar à sociedade, uma Polícia Comunitária e direcionada para a solução dos

problemas.

Portanto, esses novos paradigmas mostraram que a polícia depende de

uma boa e mútua relação com a comunidade para melhor compreensão social e

consecução dos seus resultados. E, diferentemente do modelo tradicional de

policiamento, a polícia de proximidade possui uma política proativa e

fundamentalmente preventiva.

Nesse sentido, essa nova postura policial perante a sociedade e o seu

maior envolvimento no processo de construção social vem a consolidar a sua

importância e o seu caráter direcionador. E as tendências comunitárias vêm

estimulando a criação e o desenvolvimento de mecanismos de solução de conflitos

alternativos às metodologias adversárias e de Justiça Estatal (JE), ao passo em que

a mediação de conflitos foi desenvolvida nos EUA para esse fim, no Curso de

Direito, na Universidade de Harvard.

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A mediação, sustentada nas premissas da voluntariedade e

consensualidade das partes, em pouco tempo tornou-se um revolucionário método

de pacificação dos conflitos individuais e sociais. Por meio de um processo de

cognição e colaboração mútua, passou a promover a cultura da paz nas sociedades.

Por conseguinte, no intuito de deixar transparente que esse instituto de

solução de conflitos é afeto e importante para a atividade PM, no terceiro capítulo,

apontamos alguns aspectos conceituais do ofício policial. E pudemos perceber a

ampla definição do trabalho policial e, em especial, das instituições policias militares,

da polícia ostensiva e da preservação da ordem pública; que possui dupla

instrumentalidade, a legítima (oriunda das normas) e uma prática, de difícil

mensuração, limitada tão somente pelas exceções e prescrições expressas às

demais polícias. O que denota o caráter universal da atuação PM e, por essência, a

sua importância na construção social, de sorte que a mediação para as Polícias

Militares vem ao encontro da política de proximidade e o fortalecimento dos seus

laços sociais na solução dos problemas.

Por fim, no quarto capítulo, de forma mais detalhada, voltamos a falar da

mediação de conflitos, agora com a ótica mais focada para as polícias militares. Com

efeito, demonstramos que esse instituto é essencialmente comunitário e eficiente

para a pacificação dos mais diversos conflitos existentes no mundo contemporâneo;

que é um método de solução de contendas pela cultura da paz, alternativo ao

modelo tradicional e adversário da Justiça Brasileira. E comprovamos que o PM é

um mediador natural, o primeiro imparcial e representante do Estado a atender os

conflitos exteriorizados em nosso meio, embora haja de forma empírica e as vezes

pragmática.

Logo, em face de haver ficado demonstrada a importância da mediação

de conflitos como uma ferramenta de trabalho na atividade PM, concluímos que seja

instrumentalizada na PMSC, com o treinamento de policiais militares para o

exercício diário e mais informal do emprego desse instrumento e, mais que isso,

para atuarem de maneira mais pontual nas comunidades, em processos de soluções

de conflitos junto aos Conselhos Comunitários de Segurança.

Diante do exposto, concluímos que a presente pesquisa contribuiu para a

PMSC, de sorte que trouxe à baila uma crítica construtiva ao modelo de

policiamento tradicional e as recentes concepções de uma polícia moderna - uma

nova polícia, com o mote na prevenção, via comunitária e direcionada para a

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solução dos problemas. E nesse compasso, face ao universo da atividade policial

instituído às Policiais Militares no Brasil, com o advento da Constituição Cidadã e a

necessidade da PMSC introduzir inovações de ordem preventiva e de proximidade,

a mediação de conflitos apresenta-se como um revolucionário e estratégico vetor de

ampliação da atuação PM na Sociedade Catarinense, de forma a consolidar a sua

importância para o processo social e a imagem positiva do policial, agora associada

a um promotor da paz.

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