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LICENÇA ESPECIAL: UMA ANÁLISE DO DIREITO À INDENIZAÇÃO QUANDO DA PASSAGEM PARA A INATIVIDADE Henrique Carrer Arent 1 José Onildo Truppel Filho 2 RESUMO: Este trabalho visa discutir a legalidade da conversão em pecúnia da licença especial, sob o ponto de vista do direito adquirido, quando da passagem do policial militar para a inatividade. A pesquisa foi elaborada com viés de cunho bibliográfico e documental, orientado principalmente pelas leis que regulam o tema, assim como da doutrina e da jurisprudência dos tribunais. Os estudos demonstram que a Administração Pública deve respeitar o princípio da legalidade, ou seja, fica adstrita ao que está previsto em lei, devendo o administrador público dispensar especial atenção aos Policiais Militares que estão na eminência de cumprir os requisitos de passagem para a Reserva Remunerada, uma vez que precisa ser-lhe oportunizado o gozo ou a conversão deste em pecúnia, sob pena de locupletamento ilícito por parte do Estado. Palavras-chave: Licença Especial. Militar. Reserva Remunerada. 1 INTRODUÇÃO O presente estudo tem por objeto analisar os aspectos legais da licença especial, sob o ponto de vista do direito adquirido quando da passagem para a reserva remunerada, onde por vezes, o militar estadual, ao alcançar o momento da inatividade, vê-se diante de um dilema: possui períodos de licença especial que não foram usufruídos quando em atividade e, que, no momento da concretização da passagem para a inatividade, ou os usufrui ou os “perde”. 1 Cadete da Polícia Militar de Santa Catarina. Bacharel em Direito – UNESC (2006); Especialista em Direito Administrativo – FIJ (2012); Bacharelando em Ciências Policiais pela Academia de Polícia Militar da Trindade – APMT. Plataforma Lattes, disponível em: <http://lattes.cnpq.br/9386537392504804> 2 Tenente-Coronel da Polícia Militar de Santa Catarina. Mestre em Mídia e Conhecimento – UFSC (2016); especialista em Gestão de Segurança Pública – Unisul (2010); formado em Direito – Univali (1998). Curriculum Lattes:<http://lattes.cnpq.br/2163687995709662>

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LICENÇA ESPECIAL: UMA ANÁLISE DO DIREITO À INDENIZAÇÃO QUANDO

DA PASSAGEM PARA A INATIVIDADE

Henrique Carrer Arent1

José Onildo Truppel Filho2

RESUMO:

Este trabalho visa discutir a legalidade da conversão em pecúnia da licença especial, sob o

ponto de vista do direito adquirido, quando da passagem do policial militar para a inatividade.

A pesquisa foi elaborada com viés de cunho bibliográfico e documental, orientado

principalmente pelas leis que regulam o tema, assim como da doutrina e da jurisprudência dos

tribunais. Os estudos demonstram que a Administração Pública deve respeitar o princípio da

legalidade, ou seja, fica adstrita ao que está previsto em lei, devendo o administrador público

dispensar especial atenção aos Policiais Militares que estão na eminência de cumprir os

requisitos de passagem para a Reserva Remunerada, uma vez que precisa ser-lhe

oportunizado o gozo ou a conversão deste em pecúnia, sob pena de locupletamento ilícito por

parte do Estado.

Palavras-chave: Licença Especial. Militar. Reserva Remunerada.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objeto analisar os aspectos legais da licença especial, sob

o ponto de vista do direito adquirido quando da passagem para a reserva remunerada, onde

por vezes, o militar estadual, ao alcançar o momento da inatividade, vê-se diante de um

dilema: possui períodos de licença especial que não foram usufruídos quando em atividade e,

que, no momento da concretização da passagem para a inatividade, ou os usufrui ou os

“perde”.

1 Cadete da Polícia Militar de Santa Catarina. Bacharel em Direito – UNESC (2006); Especialista em Direito

Administrativo – FIJ (2012); Bacharelando em Ciências Policiais pela Academia de Polícia Militar da Trindade – APMT. Plataforma Lattes, disponível em: <http://lattes.cnpq.br/9386537392504804> 2 Tenente-Coronel da Polícia Militar de Santa Catarina. Mestre em Mídia e Conhecimento – UFSC (2016); especialista em Gestão de Segurança Pública – Unisul (2010); formado em Direito – Univali (1998). Curriculum Lattes:<http://lattes.cnpq.br/2163687995709662>

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Algumas alterações legislativas foram realizadas ao longo do tempo, sendo a última

realizada no ano de 2011. Diante desta, a Polícia Militar de Santa Catarina – PMSC – passou

a exigir para os casos de pedido de reserva voluntária, que o militar assine uma declaração

administrativa renunciando ao direito das licenças. Questiona-se, porém, se tal declaração é

legal e quais são os direitos do policial militar nesta situação, se possui direito a conversão em

pecúnia ou não.

Diante deste contexto, o objetivo geral desta pesquisa é analisar qual a legalidade da

conversão ou não em dinheiro das licenças especiais, especificamente no ato de passagem

para a reserva remunerada, bem como a conduta da PMSC em exigir que o policial militar

que possua pendentes períodos de licença especial, ao requerer a reserva remunerada, assine

uma declaração administrativa renunciando as mesmas.

Para cumprir essa tarefa se buscará descrever o instituto da licença especial e seus

aspectos legais dentro do ordenamento jurídico, assim como analisá-lo sob a ótica do direito

adquirido que passa a integrar o patrimônio legal do seu titular, identificando os aspectos

legais desse direito frente aos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, especialmente

do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

O cumprimento dos objetivos permitirá responder a pergunta norteadora da pesquisa:

qual a legalidade da não conversão em dinheiro e da declaração administrativa de recusa de

gozo das licenças especiais perante o ordenamento jurídico vigente, quando da passagem para

a reserva remunerada?

Trata o presente trabalho de uma pesquisa aplicada que, por intermédio do método

dedutivo, partiu-se de uma premissa geral, que trata da licença especial em seus aspectos

legais, mais especificamente dos militares estaduais e analisando-a sob a ótica do direito

adquirido, para uma premissa específica, que é a legalidade da conversão em pecúnia ou da

indenização das licenças especiais dos policiais militares bem como da declaração

administrativa de renúncia das referidas licenças, exigida pela PMSC.

Para a construção da presente pesquisa, será utilizado é o método dedutivo, onde a

partir de certas proposições necessárias, buscar-se-á um caminho para a conclusão da

pesquisa, onde através de uma abordagem sistêmica e racional, traçar-se-á o caminho a ser

seguido para a construção do conhecimento. (LAKATOS; MARCONI, 2010)

Neste norte, em relação ao objeto, poderá ser considerada de exploratória, a qual tem

como objetivo buscar uma maior familiaridade com o problema, afim de torná-lo mais

explícito e conhecido para, ao final, elaborar as possíveis hipóteses. Este tipo de pesquisa

baseia-se no aprimoramento das ideias ou na descoberta de intuições. (GIL, 2002, p.42)

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Adotou-se a técnica de pesquisa bibliográfica e documental, por intermédio do estudo

dos aspectos legais, conceituais e jurisprudenciais, compreendendo toda a bibliografia tornada

pública no que diz respeito ao tema em estudo, envolvendo todo tipo de publicação.

(LAKATOS; MARCONI, 2010, p. 166). Com isso, acredita-se que o processo metodológico

apresentado é o mais adequado para o esclarecimento do tema, objeto da pesquisa.

Para isso, o trabalho foi estruturado em três capítulos, a saber: introdução,

desenvolvimento onde foram realizados apontamentos sobre o instituto da Licença Especial, o

direito adquirido e a licença especial do militar estadual de Santa Catarina e, por fim, as

considerações finais.

O trabalho justifica-se pelo fato de que muitos policiais militares abrem mão do

direito às licenças especiais quando requerem a sua reserva remunerada e não as gozam,

buscando a posteriori, seu direito na justiça. Diante disso, a presente pesquisa mostra-se

relevante para verificar a legalidade da postura que o Estado de Santa Catarina, assim como a

Polícia Militar, está adotando para o não pagamento.

Neste sentido, o presente estudo pode trazer contribuições positivas tanto para o

policial como para a Instituição, podendo auxiliar a justificar ou readequar uma conduta que

vem se realizando reiteradamente dentro da Polícia Militar. No seio acadêmico, é um tema

novo e que fundamenta a atividade administrativa da Polícia Militar.

2 DESENVOLVIMENTO

A partir deste momento, será demonstrado o embasamento teórico que norteia o

presente estudo. Neste sentido, será descrito o conceito da licença especial e seus aspectos

legais, analisando-a sob o enfoque do direito adquirido, para que, ao final, possa-se traçar

uma análise com relação à legalidade do direito a indenização e da declaração administrativa

de renúncia das licenças especiais, quando da passagem para a reserva remunerada.

2.1 Licença Especial

2.1.1 Conceito e características

A licença especial, licença prêmio ou licença por assiduidade, nada mais é do que a

vantagem pessoal concedida ao agente público, seja ele civil ou militar, depois de preenchidos

determinados requisitos legais, sendo ela um afastamento temporário do serviço, sem prejuízo

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da remuneração. As licenças especiais, em regra, estão previstas nos estatutos de cada

categoria de agente público. (CORRÊA, 2006, p. 107)

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 estabelece que

as normas infraconstitucionais federais, estaduais ou municipais, podem criar direitos e

deveres para os seus agentes públicos. Dentre essa gama de possibilidades, a licença especial,

também chamada de licença-prêmio ou licença por assiduidade, dependendo da categoria

funcional ou da esfera governamental, é um desses direitos instituídos por lei específica.

Importante salientar que a CRFB/88, não se referiu especialmente a este instituto, porém

deixa que a matéria seja regulada em regime jurídico de cada ente federado. (CORRÊA, 2006,

p. 107)

No presente estudo, será adotada a terminologia licença especial, embora existam

outras formas que os regramentos jurídicos se refiram a este instituto. Tal postura se dará em

função da legislação pertinente à Polícia Militar de Santa Catarina referir-se ao tema desta

forma.

As licenças variam conforme a legislação de cada ente político e são períodos de

afastamento concedidos aos agentes públicos, sendo previstas de várias formas. É o que nos

ensina Gasparini (1997, p. 21, g.n.) em seu artigo “Licença-prêmio de Policial Militar”:

As licenças, variáveis de legislação para legislação, são períodos de afastamento do servidor do serviço público, permitidos pela Administração Pública, segundo o ordenamento jurídico pertinente. Existem nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. São concedidas, quase sempre, sem perda dos vencimentos e demais direitos inerentes ao cargo ou à pessoa de seu ocupante, sendo seu tempo contado para todos os efeitos de direito, salvo previsão legal em contrário. Os estatutos costumam, entre outras, prever as licenças para tratamento de saúde, prestação de serviço militar e para cuidar de interesse particular, ao lado da licença gestante e da licença-prêmio.

Desta forma, a licença especial é uma espécie do gênero licença, no qual o Estado

faculta a seus agentes “a interrupção do serviço durante período determinado, pela ocorrência

de motivos relevantes, assinados em lei”. (CRETELLA JUNIOR, 2000, p. 504)

A licença especial é uma espécie de licença remunerada e está disciplinada,

habitualmente, no respectivo estatuto dos agentes públicos. (MEDAUAR, 2009).

Portanto, a licença especial é um direito concedido ao agente público, em razão de

sua assiduidade por certo período de tempo, onde lhe é garantido um afastamento remunerado

sem perda de direito, ou seja, permanece em direitos como se estivesse trabalhando.

(CORRÊA, 2006)

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Desta forma, verifica-se que as leis infraconstitucionais é que disciplinam a matéria,

mais especificamente nos estatutos de cada categoria de agente público. Neles, são

discriminadas várias formas de licenças, onde se encontra a base de estudo deste trabalho, a

licença especial. Esta, por sua vez, nada mais é do que um direito de afastamento remunerado

que o agente público tem depois de decorrido certo período de tempo de serviço prestado ao

Estado.

2.1.2 A licença especial na Polícia Militar Santa Catarina

A licença especial dos policiais militares de Santa Catarina está regulamentada no

art. 50 da Lei nº 6.218, de 10 de fevereiro de 1983, Estatuto dos Policiais Militares de Santa

Catarina, que prevê em seu inciso IV, alínea “h”, dentre outros, o direito às férias, os

afastamentos temporários do serviço e as licenças.

As licenças são disciplinadas no art. 68 do Estatuto dos Policiais Militares de Santa

Catarina, onde dentre as várias modalidades encontra-se prevista no §1º, inciso I, a Licença

Especial.

Especificamente sobre as licenças especiais, a regulamentação que versa sobre as

regras de concessão, gozo, limitações e averbações, está inserida no art. 69, que tinha como

redação original:

Art. 69 Após cada qüinqüênio de serviço público, o policial militar fará jus à licença especial, pelo período de três meses, sem que implique em qualquer restrição à sua carreira. § 1º - É facultada ao Policial-militar converter em dinheiro até 1/3 (um terço) da licença especial, assim como gozá-la em parcelas mensais. §2º O período de licença especial não interrompe a contagem de tempo de efetivo serviço. § 3º Os períodos de licença especial não gozadas pelo policial-militar são computados em dobro para fins exclusivos de contagem de tempo para inatividade, e nesta situação, para todos os efeitos legais. § 4º A licença especial não é prejudicada pelo gozo anterior de qualquer licença para tratamento de saúde e para que sejam cumpridos atos de serviço, bem como não anula o direito aquelas licenças. § 5º Uma vez concedida a licença especial, de forma integral, o Policial Militar será exonerado do cargo ou dispensado das funções que estiver exercendo e ficará à disposição do órgão de pessoal da Polícia Militar quando Oficial, e, nos demais casos, adido à OPM e OBM onde servir. (SANTA CATARINA, 1983)

Entretanto, desde o seu advento em 1983 até os dias atuais, as licenças especiais

vêm passando por várias alterações, tanto no que diz respeito à averbação quanto no que se

refere à conversão em pecúnia.

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A primeira alteração ocorreu com a Lei Complementar nº 36, de 18 de abril de 1991,

a qual vedou, tanto para os servidores civis quanto para os militares estaduais de Santa

Catarina, a possibilidade de conversão em dinheiro da licença especial concedida e não

gozada, assim como o cômputo em dobro para a inatividade.

Já no ano seguinte surge mais uma alteração instituída pela Lei Complementar nº 52,

de 29 de maio de 1992, que no art. 9º estabeleceu que aos militares estaduais que optassem

pela permanência no trabalho no período de gozo da licença especial, seria concedida

indenização correspondente a 100% do respectivo soldo, no limite de 01 (um) período por

ano, ou seja, uma conversão de no máximo três licenças especiais referentes ao mesmo

período aquisitivo por ano.

Posteriormente, a Lei Complementar nº 93, de 06 de agosto de 1993, dispôs em seu

art. 9º, que a base de cálculo para a concessão do valor da licença especial, para o militar

estadual, seria o do soldo, acrescido da gratificação de Atividade no Serviço Público.

Referente à conversão em pecúnia, a última regra foi estabelecida em 2004, quando

por meio do Decreto nº 1.463, de 16 de fevereiro, ficou proibida por tempo indeterminado a

referida conversão. É o que se apresenta no artigo 2º deste dispositivo legal, in verbis:

Art. 2º - Fica suspenso, por prazo indeterminado, o pagamento das vantagens previstas no art. 28 da Lei complementar nº 1.139, de 28 de outubro de 1992, art. 9º da Lei Complementar nº 052, de 29 de maio de 1992 e o inciso I do art. 15 da lei complementar nº 55, de 29 de maio de 1992. (SANTA CATARINA, 2004)

Diante dessa alteração, cabe aqui uma consideração, embora não seja o objeto de

estudo deste trabalho, mas que se mostra de suma importância face ao processo legislativo

que foi adotado ao longo dos anos para as alterações promovidas.

Ocorre que o recurso normativo utilizado para a suspensão do pagamento das

licenças especiais não poderia ter se dado por meio de decreto, mas sim por meio de Lei

Complementar, como a que instituiu. Os tipos de normas jurídicas estão previstas no art. 59

da CRFB/88:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. (BRASIL, 1988)

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Assim, dentro do ordenamento jurídico vigente a lei complementar é

hierarquicamente superior ao decreto, sendo que o Supremo Tribunal Federal – STF, em

reiteradas decisões asseverou que é proibido ao chefe do Poder Executivo expedir decreto

visando suspender a eficácia de ato normativo hierarquicamente superior, como é o caso da

Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 1410-MC (BRASIL, 2002), e do Agravo

Regimental no Recurso Extraordinário nº 582487 (BRASIL, 2012). Realizada esta

observação, retoma-se a análise legal da licença especial.

Já no ano de 2005, por meio da Lei Complementar 316, de 28 de dezembro, mais

uma vez, foram criadas limitações ao direito das licenças especiais. É o que se observa no art.

4º do citado diploma legal:

Art. 4º As licenças-prêmio ou as licenças especiais referidas no art. 1º desta Lei Complementar, correspondentes a períodos aquisitivos completados após a vigência desta Lei Complementar, deverão ser usufruídas integralmente antes da concessão da aposentadoria voluntária do servidor, sob pena de prescrição. (SANTA CATARINA, 2005)

A partir de então, surgiu uma situação que demandou uma reflexão por parte do

administrador público, haja vista que como já passou para a inatividade, o agente público não

terá mais como alcançar um benefício que tem direito, criando-se aí uma lacuna que estava

sendo explorada junto ao Poder Judiciário.

Ainda, o art. 4º da Lei Complementar nº 316/05 trouxe uma confusão conceitual

que, embora saibamos que o desejo do legislador foi alcançar também o Militar Estadual,

temos que verificar a possibilidade legal diante da letra da lei, que se refere à aposentadoria.

Apesar de o dispositivo legal fazer referência a “licença especial”, também faz menção à

“aposentadoria voluntária do servidor”. Ocorre que “aposentadoria” não é um termo que diz

respeito ao militar estadual, mas sim ao servidor civil.

Neste sentido, a aposentadoria configura-se no direito à inatividade remunerada dos

servidores públicos, titulares de cargos efetivos do estado, seja da administração direta,

autárquica ou fundacional, conforme redação atribuída pela Emenda Constitucional nº

41/2003. (Lopes, 2011)

Assim, aposentadoria refere-se a servidor público, e não a “militar estadual”,

conforme se estudará mais adiante. É sempre importante lembrar que os Militares Estaduais,

em momento algum da legislação, têm a possibilidade de se aposentar. Em todos os casos as

possibilidades elencadas são de ser transferido para a reserva remunerada ou de ser

reformado, conforme previsão do art. 3º do Estatuto dos Policiais Militares do Estado de

Santa Catarina.

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No ano de 2011, houve a edição da Lei Complementar nº 534, de 20 de abril, que

impôs à Licença Especial uma nova regra para o usufruto, tendo sido acrescentado o art. 190-

A na Lei Complementar nº 381, de 07 de maio de 2007, o qual passou a vigorar com a

seguinte redação, revogando o art. 4º da Lei Complementar nº 316/2005:

Art. 190-A. Os períodos aquisitivos de licenças-prêmio previstas no art. 78 da Lei nº 6.745, de 28 de dezembro de 1985, no art. 135 da Lei nº 6.843, de 28 de julho de 1986, e no art. 118 da Lei nº 6.844, de 29 de julho de 1986, ou da licença especial d art. 69 da Lei nº 6.218, de 10 de fevereiro de 1983, poderão ser usufruídos de forma parcelada, em período não inferior a 30 (trinta) dias. § 1º As licenças-prêmio ou licenças especiais acumuladas serão usufruídas de acordo com a conveniência e o interesse público. § 2º As licenças-prêmio e licenças especiais referidas no caput deste artigo deverão ser usufruídas integralmente antes da concessão da aposentadoria voluntária ou compulsória. § 3º Terá prioridade no usufruto de licenças-prêmio ou licenças especiais o servidor que estiver mais próximo de atender aos requisitos para fins de aposentadoria ou de atingir a idade limite prevista para a aposentadoria compulsória. § 4º A apresentação de pedido de passagem à inatividade sem prévia e oportuna apresentação do requerimento de gozo implicará perda do direito a licença-prêmio e à licença especial. (SANTA CATARINA, 2007)

O dispositivo legal em questão estabeleceu a necessidade de gozo da Licença

Especial antes da passagem para a inatividade. Entretanto, conforme se verifica no § 1º do

artigo 190-A da Lei Complementar 381/2007, criou-se um antagonismo para a administração,

pois exige que sejam gozadas, mas tal concessão fica a critério do administrador, verificada a

conveniência e o interesse público.

Diante do que se verifica, os dispositivos legais em questão proibiram a conversão

para todos os agentes públicos estaduais, sejam eles civis ou militares. Porém, os militares

estaduais possuem uma peculiaridade, amparada constitucionalmente, que devem ser tratados

em lei específica e não como servidores dos quadros civis.

2.1.3 A condição de militar estadual diante da licença especial

O escritor Meirelles (2012, p. 577) leciona que os militares possuem uma situação e

um regime jurídico específicos, inclusive sobre a remuneração, as prerrogativas e outras

situações especiais, “consideradas as peculiaridades de suas atividades”, por força do que

preceitua o inciso X do § 3º do art. 142 da CRFB/88.

Esse também é o entendimento de Lazzarini (2005, p. 13), que em seu artigo

“Regime próprio de previdência para os Militares Estaduais”, assim escreveu: “E bem andou

o Constituinte de 1988, porque, diante do agora normatizado, posso considerar o Policial

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Militar como integrante da denominada carreira de Estado, que não se confunde com a do

servidor público civil”.

Nesse mesmo sentido, Gasparini (1997, p. 19), no artigo intitulado “Licença-prêmio

de policial-militar”, também considera inconstitucional a lei que submete os policiais

militares as mesmas regras dos servidores civis: “É inconstitucional, por violar o princípio da

igualdade, a lei que submete os policiais-militares à mesma condição de aquisição dessa

vantagem pessoal a que estão submetidos os servidores civis, posto que disciplinarmente são

absolutamente diferentes”.

Diante disso, verifica-se que as licenças especiais dos policiais militares merecem

tratamento individualizado, não devendo as leis que tratam dos direitos dos servidores civis

tratarem dos direitos referentes aos militares. Ademais, o direito as licenças especiais, depois

de satisfeitas as condições de sua aquisição, é direito que integra o patrimônio jurídico do

servidor, independente de qualquer pedido. (GASPARINI, 1997, p. 21)

2.2 Do direito adquirido

O instituto do direito adquirido está presente no ordenamento jurídico brasileiro,

estando previsto na CRFB/88 e também em normas infraconstitucionais. O direito adquirido

serve para garantir ao seu titular que fatos passados amparados legalmente, não venham a ser

prejudicados por lei posterior que passa a modificar ou extinguir a regra jurídica anterior.

A definição precisa do que vem a ser direito adquirido ainda não foi fixada pela

doutrina, mas a noção que norteia esse conceito pressupõe dois elementos caracterizadores:

ter sido produzido por um fato idôneo e ter sido incorporado definitivamente ao patrimônio

do titular. (SILVA, 2012)

Entretanto, o § 2º do art. 6º do Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942 –

Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro traz o conceito de direito adquirido:

“Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa

exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição pré-

estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”. (BRASIL, 1942)

O direito adquirido reveste-se de uma garantia constitucional, como cláusula pétrea,

prevista no inciso XXXVI do art. 5º da CRFB/1988, o qual prevê que “a lei não prejudicará o

direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. (BRASIL, 1988)

Por força desta cláusula, a garantia do direito adquirido deve ser respeitada e

garantida, não podendo ser violado nem mesmo por um ato legislativo do chamado poder

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constituinte derivado. Nesse viés, o renomado escritor Meirelles (2013), afirma que não se

busca garantir o direito adquirido ao ordenamento jurídico, mas sim o “direito adquirido de

ordem individual, isto é, os efeitos jurídicos produzidos no passado (facta praeterita) e já

incorporados ao patrimônio jurídico do servidor, ativo e inativo, e de seus pensionistas”.

(MEIRELLES, 2012, p. 580)

Nos ensinamentos de Paulo e Alexandrino (2011, p. 163), o direito adquirido é

Aquele que se aperfeiçoou, que reuniu todos os elementos necessários à sua formação sob vigência de determinada lei. Cumpriu todos os requisitos para a satisfação de um direito sob vigência da lei que os exige, protegido estará o indivíduo de alterações futuras, provocadas por nova lei, que estabeleça disciplina diversa para a matéria (desfavorável ao indivíduo).

Diante do exposto, a licença especial dos militares estaduais é um direito adquirido,

pois o art. 69 da Lei nº 6.218/83, regula que, a cada 05 (cinco) anos de serviços públicos, o

policial militar terá direito a 03 (três) meses de licença especial, sem que acarrete prejuízo ou

restrição a sua carreira.

Assim, a licença especial legalmente prevista depois de decorrido o decurso de

tempo e preenchidos os requisitos para a sua aquisição, transmuda-se em direito adquirido do

militar estadual, e passa a integrar o seu patrimônio jurídico. Neste sentido, o direito

adquirido incorporado ao acervo de direitos do agente público, não pode ser desconsiderado

ou expropriado por quem quer que seja.

2.2.1 O direito subjetivo e o direito adquirido

A teoria do direito adquirido assenta-se no Direito Intertemporal, que trata dos

conflitos de lei no tempo. Ao Direito Intertemporal cabe estabelecer quais os critérios

teóricos e técnicos que orientarão o aplicador do direito na resolução de conflitos gerados por

leis sucessivas no tempo. (CORREA, 2006)

A ideia basilar do Direito Intertemporal mantém estreita relação com a

irretroatividade da lei, criando barreiras em face da aplicação da lei nova, surgindo o direito

adquirido, originando uma segurança jurídica as relações. É o que ensina a escritora Pires

(2005, p. 99):

À sua vez, a noção de segurança está associada, desde as primeiras formulações do Direito Intertemporal, à idéia-base da irretroatividade da lei e, depois, à imposição de barreiras à retroprojeção da lei nova e de sobrevivência da lei antiga, assentando-se nesta última a proteção do direito adquirido como expressão mais rigorosa da estabilidade jurídica e critério de solução de conflito.

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O Direito Intertemporal divide-se em duas correntes: a objetiva e a subjetiva. A

objetiva baseia-se na teoria intermediária que afasta a incidência da lei nova quanto a fatos

passados, orientada pelos fatos pretéritos. Já a teoria subjetiva, também conhecida como

teoria clássica, é a que sustenta dois conceitos básicos, quais sejam, o direito adquirido e a

expectativa de direito. (CORREA, 2006, p. 78)

O direito adquirido, portanto, vem amparado na teoria clássica, ou subjetiva, que

trata do direito subjetivo. Este nada mais é do que a possibilidade de exercer determinado

direito atribuído a alguém como próprio, de forma garantida. É, assim, um direito exercitável

segundo a vontade de seu titular. Se o direito subjetivo não foi exercido e, surgindo lei nova,

tal direito transforma-se em direito adquirido, pois era ao tempo da lei anterior exercitável e

exigível à vontade de seu titular. (SILVA, 2012, p. 434)

A doutrina distingue os direitos adquiridos daqueles em processo de aquisição, onde

existe a mera expectativa de direito, pois ainda não preencheu os requisitos para a aquisição

completa. Para este caso, a lei nova tem aplicação imediata, não podendo retroagir. É o que

ensina o renomado escritor Silva (2012, p. 435):

Se não era direito subjetivo antes da lei nova, mas interesse jurídico simples, mera expectativa de direito ou mesmo interesse legítimo, não se transforma em direito adquirido sob o regime da lei nova, que, por isso mesmo, corta tais situações jurídicas subjetivas no seu iter, porque sobre elas a lei nova tem aplicabilidade imediata, incide.

A proteção prevista na CRFB/88 não alcança, portanto, a mera expectativa de

direito, que se caracteriza quando a lei nova atinge o indivíduo que se encontra na iminência

de atender os requisitos para a aquisição do direito, mas que não está integralmente

cumprido. (PAULO; ALEXANDRINO, 2011, p. 163)

Nesse sentido, para o caso da licença especial, somente o militar estadual que

possuir o requisito necessário para a sua concessão, ou seja, 5 (cinco) anos de serviço público

para o Estado de Santa Catarina, terá direito de exigir o gozo de tal direito. Entretanto, se o

militar estadual não completou integralmente o requisito quando lei nova passar a modificar

o requisito, não terá mais razão para exercê-lo.

2.2.2 Direito adquirido frente à inatividade

A CRFB/88 classifica os Militares como sendo da ativa, da reserva ou reformados.

Tal previsão está disposta no art. 142, § 3º, I, para os militares das Forças Armadas e no art.

42, § 1º, para os integrantes das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.

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Segundo Silva (2012), a condição de militar da ativa, reserva ou reforma, indicados

na CRFB/88, conduzem a duas situações em que os mesmos podem se encontrar: atividade

ou inatividade. Assim, temos que:

A primeira diz respeito ao militar que se encontra incorporado nas fileiras da tropa no exercício do serviço militar. É a situação do militar em efetivo exercício de seu posto ou graduação. A inatividade é o estado ou situação do militar afastado, temporária ou definitivamente, do serviço da respectiva força. A inatividade, assim, abrange a agregação, a transferência para a reserva e a reforma. (SILVA, 2012, p. 705)

Neste contexto, o militar ao ingressar na reserva, remunerada ou não, deixa de

ocupar vaga na corporação a que pertence. Entretanto, até o momento em que não for

atingido pela reforma, o militar pode retornar à ativa. Já a reforma, se configura como a

situação do militar que deixa, definitivamente, de ocupar vaga na corporação a que pertence,

mas não perde a graduação, o posto, nem tampouco os direitos que a ela são inerentes.

(GASPARINI, 2009, p. 258)

Na Polícia Militar de Santa Catarina o militar pode ir para a reserva remunerada

quando completar 30 anos de serviço, se homem, e 25 anos, se mulher, conforme art. 104 do

Estatuto dos Policiais Militares de Santa Catarina. O referido dispositivo acrescenta, ainda,

que se homem, deverá contar com no mínimo 25 anos de efetivo serviço e, se mulher, com

no mínimo 20 anos. (SANTA CATARINA, 1983)

Assim, ao atingir tais requisitos o militar estadual poderá requerer a reserva

voluntária, sem que esta seja obstada por qualquer situação ou condição, pois deve ter o seu

direito adquirido respeitado. Nesse sentido, períodos de licenças especiais concedidas e não

usufruídos não poderão obstar o requerimento e, a consequente transferência para a reserva

remunerada. (SANTA CATARINA, 2015)

Segundo Correa (2006, p. 131), uma lei pode criar um novo direito estipulando

novos requisitos, mas deve respeitar as situações consolidadas no passado. Segundo ela, as

leis e decisões dos tribunais protegem o direito adquirido à aposentadoria quando

preenchidos todos os requisitos.

2.3 A licença especial do policial militar de Santa Catarina quando da passagem para a

inatividade

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Ultrapassada a fase de conceituação e de exposição da licença especial e do instituto

do direito adquirido, passa-se a análise da possibilidade à indenização da licença especial

quando da passagem para a inatividade.

Importante salientar, inicialmente, sobre o princípio da legalidade, essencial ao

Estado de Direito. O referido é um princípio basilar do Estado Democrático de Direito,

subordinado à Constituição e fundado na legalidade democrática. Por este princípio todos

devem sujeitar-se ao império da lei, que deve estar revestida dos direitos fundamentais do

indivíduo. (SILVA, 2012. p. 420)

O princípio da legalidade vem previsto na CRFB/88 no art. 5º, II, segundo o qual

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

(BRASIL, 1988). Também está expresso no art. 37 da mesma Carta Magna, onde a

Administração Pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência. (BRASIL, 1988)

Este princípio da legalidade, embora seja aplicado tanto ao administrador quanto ao

administrado, possui faces diferentes. Enquanto em um há liberdade de vontade quando não

proibido, no outro não há liberdade nem vontade pessoal. Assim, para os particulares tem-se

que somente por lei podem ser criadas obrigações e, por outro lado, inexistindo lei proibitiva

de determinada conduta, será ela permitida. Já para o Poder Público, a ideia consagrada é a

de que o Estado deve sujeitar-se às leis, não podendo atuar contrariamente a elas. (PAULO;

ALEXANDRINO, 2011, p. 123)

Para o presente estudo, a definição e aplicação do princípio da legalidade previsto no

art. 37 da CRFB/88 é de fundamental importância, pois os ditames previstos em lei devem ser

estritamente obedecidos pelo administrador público.

Nesse sentido, a eficácia de toda a administração pública está atrelada ao

atendimento das Leis e de Direito, ou seja, “a Administração Pública não pode exercer

atividades administrativas fora do que prevê a lei e o direito”. (MEIRELLES, 2012, p. 90).

Assevera, ainda, que

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”. (MEIRELLES, 2012, p. 91)

Diante do exposto, verifica-se que o estado está adstrito ao que a lei lhe determina

fazer, não podendo inovar ou modificar direitos dos agentes públicos sem um permissivo

legal.

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Com base nesse apontamento e, analisando o princípio da legalidade ao direito

adquirido, verifica-se a previsão legal de concessão da licença especial, a quais cumpridos os

requisitos estabelecidos incorpora-se ao patrimônio do agente público, no caso aqui dos

militares estaduais, não podendo a administração locupletar-se desse direito. (SANTA

CATARINA, 2015)

O advento da Lei Complementar nº 534/11, determinou uma nova roupagem para a

licença especial, especificamente no § 4º do art. 190-A, que trouxe que a passagem para a

inatividade sem prévia e oportuna apresentação do requerimento de gozo implicará perda do

direito à licença especial.

Diante desta situação, o Comandante Geral da Polícia Militar de Santa Catarina à

época, por intermédio da Diretoria de Pessoal enviou no dia 18 de maio de 2011, uma nota

eletrônica para todos os emails dos integrantes da Polícia Militar, seus subordinados, com o

assunto “Orientação LE–LC 534/11 – Usufruto antes da Inativação”. (MARCINEIRO, 2011)

Por esta nota passou-se a exigir, no caso do militar estadual que requerer

voluntariamente a sua transferência para a reserva remunerada e que possuía saldo de licença

especial não gozadas, que firmasse uma declaração administrativa de que tem ciência do que

está previsto no § 4º do art. 190-A. Assim, o militar passou a declarar que possui licença

especial em aberto e, que, assinando sua transferência para a reserva remunerada “renuncia”

ao direito a ela.

Entretanto, não é esse o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Entende o Egrégio Tribunal que preenchidos os requisitos para a inatividade (aposentadoria

para os civis e reserva para os militares), apresentação de requerimento para o gozo de

licença especial não pode obstá-lo e, que, nem mesmo a apresentação da citada declaração

pode configurar “renúncia”, visto que naquele momento o que se deseja é a inatividade. É o

que se extrai do acórdão proferido pelo Desembargador Jaime Ramos nos autos Ação

Rescisória nº 2015.047063-6:

Isso porque, como se disse alhures, a "DECLARAÇÃO" assinada pelo servidor, dizendo que tinha plena ciência do teor da norma inserta no § 4º do art. 190-A da Lei Complementar Estadual n. 381/2007, que a ela foi acrescido pela Lei Complementar Estadual n. 534, de 20/04/2011, não caracteriza renúncia ao direito indenizatório, mas uma declaração onde ele faz a opção de ser transferido para a reserva remunerada, em vez de continuar na ativa para usufruir os períodos de licença-prêmio/especial antes da reforma. Tanto é verdade que esta Corte de Justiça tem entendido que "não configura renúncia, a negativa do servidor em usufruir licença-prêmio quando do processo de aposentadoria, pois naquele momento, o objetivo é a concessão da inativação, e não o gozo do benefício que o Estado deixou de propiciar enquanto em atividade. (SANTA CATARINA, 2015). (g.n.)

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Ainda, o direito adquirido previsto no art. 5º, XXXVI, assim como outros direitos

fundamentais são irrenunciáveis, isso “significa dizer que o titular de um direito fundamental

não tem poder de disposição sobre ele, não pode abrir mão de sua titularidade”. (PAULO;

ALEXANDRINO, 2011, p. 112)

Para saber qual a origem para a exigência da declaração acima citada, foi realiza

uma consulta à Diretoria de Pessoal no sentido de se obter informações sobre como e o

porquê da obrigatoriedade do militar assinar um documento em que diz estar ciente de que

perderá o referido direito. Porém, a resposta que se obteve é que não existe nenhuma

regulamentação formal obrigando tal conduta, apenas uma orientação verbal da Procuradoria

Geral do Estado - PGE e do Tribunal de Contas do Estado - TCE. (TRUPPEL FILHO, 2017)

O que se tem a respeito é apenas “nota eletrônica”, acima citada, a qual por uma

interpretação extensiva do § 4º do art. 190-A, da Lei Complementar nº 534/11, passou a

adotar tal conduta, ou seja, se tornou prática na PMSC, ou em outras palavras, regra básica e

“requisito” necessário para passar para a inatividade.

A interpretação que se deve ter do dispositivo acima, com base nas decisões do

TJSC, é que com a passagem para a reserva remunerada, os militares estaduais não poderão

mais usufruir o direito a licença especial justamente por já se encontrarem na inatividade.

Porém, jamais perderá o direito à indenização pelas licenças especiais adquiridas e não

usufruídas.

Nesse contexto, a única interpretação aparentemente capaz de compatibilizar as disposições do art. 190-A, § 4º, da Lei Complementar 381/2007 com as normas constitucionais é a de que "o servidor, antes de requerer sua aposentadoria e/ou transferência para a reserva remunerada, deverá solicitar a fruição dos períodos de licença prêmio/especial, sob pena de, se assim não proceder, perder o direito de usufruir a licença prêmio/especial, mormente porque não poderá usufruir se estiver aposentado/reformado, mas jamais perderá o direito à indenização delas, porque isso implicaria em locupletamento indevido da Administração Pública. (SANTA CATARINA, 2015). (g.n.)

Importante aqui, salientar a condição de “militar estadual”, conforme já tratado

anteriormente, os quais possuem um regime jurídico muito diferenciado dos servidores

públicos. Nesse diapasão, por várias vezes a concessão das licenças especiais foi suspensa em

nível institucional, onde o Comandante Geral da PMSC efetivou a suspensão, como é o caso

em que se observa na “Nota Circular nº 036/DP/2014” e na “Nota Circular nº 118/DP-

1/PMSC/2014”. Ambas as notas se firmavam na necessidade de reforço do efetivo para a

manutenção da Ordem Pública. (PMSC, 2014a, 2014b)

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Posteriormente, em 2015, a “Nota Circular nº 003/DP1/DP/2015” assinada também

pelo Comandante Geral da PMSC tornou sem efeito a “Nota Circular nº 118/DP-

1/PMSC/2014”, e permitiu as concessões de licenças prêmios condicionando-as “aos critérios

administrativos previstos em Lei, bem como observar as responsabilidades operacionais de

cada OPM”. (PMSC, 2015)

Ademais, como já estudado, o direito adquirido incorporou-se no patrimônio de seu

titular, para ser exercido quando convier. Neste sentido, o entendimento massivo é o de que

independe da demonstração do motivo pelos quais não foi usufruída a licença especial, pois

do contrário estaria ocorrendo um enriquecimento sem causa do ente público. É o que se

observa em decisões do TJSC, sendo o posicionamento dominante.

ADMINISTRATIVO. 3º SARGENTO DA PMSC ENCAMINHADO PARA A

RESERVA REMUNERADA EM 2015. RECONHECIMENTO DO DIREITO À INDENIZAÇÃO POR LICENÇAS ESPECIAIS CONCEDIDAS E NÃO GOZADAS. INSURGÊNCIA DO ENTE ESTADUAL.

SERVIDOR MILITAR TRANSFERIDO PARA RESERVA REMUNERADA. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. LICENÇAS ESPECIAIS NÃO GOZADAS. DIREITO ADQUIRIDO QUE INCORPOROU AO PATRIMÔNIO JURÍDICO DO MILITAR. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO QUE NÃO OBSTA A PERSECUÇÃO DO DIREITO, NEM MESMO DIANTE DE UMA EXPRESSA RENÚNCIA. DISPOSITIVO LEGAL INSERTO NO ART. 190-A DA LCE N. 381/2007 (ACRÉSCIMO PRODUZIDA PELA LCE N. 534/2011) QUE NÃO ALCANÇA O DIREITO INDENIZATÓRIO.

PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO, ADEMAIS, QUE AFASTA, DE VEZ, A TESE DO ESTADO RÉU. REQUERIMENTO DA PARTE AUTORA NA VIA ADMINISTRATIVA ANTES DA INATIVIDADE NEGADO. LOCUPLETAMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA VEDADO. PRECEDENTE DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECLAMO DESPROVIDO.

"O servidor público que se aposenta ou ingressa na reserva remunerada tem direito à indenização dos períodos de licença-prêmio ou licença especial que lhe foram concedidos na ativa, com base na legislação de regência e no implemento da condição temporal, se não usufruiu deles durante o exercício das funções do cargo, independentemente do motivo, porque trabalhou durante os períodos em que poderia estar em descanso e a administração não pode locupletar-se do trabalho alheio sem a respectiva retribuição. Essa indenização não corresponde à "conversão em pecúnia" de parte da licença-prêmio, que ocorre na ativa, por opção do servidor, quando a legislação a admite. "Não configura renúncia, a negativa do servidor em usufruir licença-prêmio quando do processo de aposentadoria, pois naquele momento, o objetivo é a concessão da inativação, e não o gozo do benefício que o Estado deixou de propiciar enquanto em atividade". (TJSC - Agravo (§ 1º art. 557 do CPC) em Apelação Cível n. 2008.020303-3, da Capital, Relª. Desª. Sônia Maria Schmitz) A licença especial e "as licenças-prêmio, como as férias, não há dúvida, correspondem a direitos de natureza patrimonial que passam a integrar o acervo individual e familiar do servidor, tornando-se direito adquirido que não pode ser desconsiderado ou expropriado pela Administração, sob pena, como se disse, de enriquecimento sem causa". (TJSC - Embargos Infringentes n. 2000.021045-5, da Capital, Rel. Des. Cesar Abreu) "Se o servidor militar não usufruiu o direito à licença especial, já incorporado ao seu patrimônio, antes da aposentadoria, deve ser indenizado no valor correspondente a sua remuneração, sob pena de locupletamento indevido da Administração, que se utilizou de seu esforço

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laborativo em período reservado ao descanso". [...] (SANTA CATARINA, 2017) (g.n)

Neste diapasão, é pacífico na jurisprudência que a Administração Pública está se

locupletando do trabalho alheio e enriquecendo ilicitamente quando não procede a

indenização dos períodos de licença especial a que tem direito o militar estadual ao passar

para a inatividade. (SANTA CATARINA, 2017)

O enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito está

previsto no art. 884 do Código Civil. Por ele, entende-se que enriquecimento ilícito é o

incremento do patrimônio de alguém em detrimento do patrimônio de outrem (no presente

estudo, o direito adquirido à licença especial), com base em uma causa juridicamente idônea.

(DE MELLO, 2006, p. 4)

O não enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública assenta-se no

princípio da moralidade administrativa, expressamente prevista no art. 37, caput da

CRFB/88. Assim, é devido o pagamento dos trabalhos realizados para a Administração, não

por obrigação contratual, mas sim pelo dever moral de indenizar o benefício auferido pelo

estado, haja vista que não pode se beneficiar da atividade de particular sem que seja

devidamente pago. (DE MELLO, 2006, p. 10)

A regra insculpida no fato de que a ninguém é lícito locupletar-se do trabalho alheio,

constitui-se em princípio universal de direito, inscrito implicitamente no artigo XXIII da

Declaração Universal dos Direitos do Homem. Assim, funda-se nele a obrigação do Poder

Público de indenizar o militar estadual pelas licenças especiais não gozadas. (SANTA

CATARINA, 2004)

Diante do exposto, verifica-se ser legítimo o direito do militar estadual à licença

especial não usufruída, porém encontra um entrave quanto ao recebimento, pois conversão

em pecúnia está sobrestada por tempo indeterminado desde 2004 pelo Decreto nº 1.463/04.

Nesse sentido, entende o TJSC que a conversão em pecúnia, com base no princípio

da legalidade, está proibida. Entretanto, o entendimento é o de que conversão em pecúnia

somente poderia se efetivar enquanto o militar estivesse em atividade. Porém, ao passar para

a inatividade faz jus a indenização por aquele direito.

ADMINISTRATIVO - MILITAR TRANSFERIDO PARA A RESERVA REMUNERADA - LICENÇA-PRÊMIO OU ESPECIAL NÃO GOZADA - CONVERSÃO EM PECÚNIA - PRETENSÃO INDENIZATÓRIA – DIREITO RECONHECIDO - VEDAÇÃO AO LOCUPLETAMENTO DO LABOR ALHEIO PELA ADMINISTRAÇÃO - VANTAGEM EXPRESSAMENTE PREVISTA EM LEI E NÃO PROIBIDA PELA CONSTITUIÇÃO - CÁLCULO COM BASE NO VALOR BRUTO PERCEBIDO ANTES DA PASSAGEM PARA A INATIVIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - FAZENDA PÚBLICA

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VENCIDA - FIXAÇÃO EM 10% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO - ORIENTAÇÃO DESTA CORTE - IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO. O servidor público que se aposenta tem direito à indenização dos períodos de licença-prêmio que lhe foram concedidos na ativa, com base na legislação de regência e no implemento da condição temporal, se não usufruiu deles durante o exercício das funções do cargo, independentemente do motivo, porque trabalhou durante os períodos em que poderia estar em descanso e a administração não pode locupletar-se do trabalho alheio sem a respectiva retribuição. Essa indenização não corresponde à "conversão em pecúnia" de parte da licença-prêmio, que ocorre na ativa, por opção do servidor, quando a legislação a admite (o Estado de Santa Catarina a proíbe expressamente). Tal se dá também no caso de transferência do policial militar à reserva remunerada. [...] (SANTA CATARINA, 2008). (g.n)

Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça tem orientado no sentido de que a

indenização da licença-prêmio, comumente tratada na Corte Superior como conversão em

pecúnia:

[...]independe de previsão legal expressa, sendo certo que tal entendimento está fundado na Responsabilidade Objetiva do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, e no Princípio que veda o enriquecimento ilícito da Administração. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, 2005).

Portanto, não há qualquer violação ao princípio da legalidade inscrito no art. 5º,

inciso II, e no art. 37, caput, ambos da CRFB/88, pois a obrigação de indenizar para evitar o

enriquecimento ilícito está elencada pelo art. 186, do Código Civil, que obriga a qualquer

pessoa a indenizar os prejuízos que por ação ou omissão dolosa ou culposa vier a causar a

terceiro, e pelo art. 884, do Código Civil, que determina que quem, sem justa causa,

enriquecer a custa do trabalho alheio, será obrigado a restituir o que indevidamente obteve.

(SANTA CATARINA, 2015)

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As licenças especiais dos policiais militares encontram amparo legal no Estatuto dos

Policiais Militares do Estado de Santa Catarina – Lei nº 6.218/1983 –, que, por diversas vezes

desde o seu advento, mereceu atenção dos governantes, fato que se observou em razão das

inúmeras alterações que foram promovidas desde então. Ademais, o direito a conversão em

dinheiro das licenças especiais passou a ser negado pelo Estado de Santa Catarina em 2004,

quando um Decreto do Executivo Estadual alterou a regra estabelecida no Estatuto por tempo

indeterminado.

O estudo constatou ainda que o direito às licenças especiais se traduz em direito

adquirido, previsto como direito fundamental na CRFB/88, direito esse que passa a integrar o

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patrimônio jurídico do seu titular, desde que satisfeitos alguns requisitos de sua aquisição.

Esse é o caso da licença especial, que após 5 anos de serviços prestados à Polícia Militar do

Estado de Santa Catarina, passa a ter direito a 3 meses de afastamento remunerado.

Percebeu-se também, que a Lei Complementar nº 534/2011, trouxe as últimas

alterações nas licenças especiais, impondo que em caso de passagem voluntária para a

inatividade e restarem períodos de licença especial a serem usufruídos, os mesmos serão

perdidos. Diante desse fato, a Polícia Militar de Santa Catarina passou a exigir declaração

administrativa do policial militar, na qual dá ciência da renúncia às licenças especiais,

descrita em outras palavras.

Entretanto, não é esse o entendimento dos Tribunais, especialmente o Tribunal de

Justiça de Santa Catarina, o qual já pacificou o entendimento de que não pode ser

desconsiderado ou expropriado pelo Estado o direito a licença especial, pois estaria se

locupletando do trabalho alheio e ilicitamente se enriquecendo. Isso devido ao fato da licença

especial se revestir de um direito de natureza patrimonial do acervo particular e familiar do

militar.

Verificou-se que a declaração administrativa assinada pelo militar não pode

corresponder a renúncia, pois no momento em que ele requer a sua passagem para a

inatividade, não mais faz sentido gozar das licenças especiais que adquiriu durante seu

período de atividade e, que, por vezes a própria Polícia Militar suspendeu o gozo de forma

geral para todos os policiais, haja vista a sua missão constitucional e das peculiaridades que

se reveste a profissão policial militar, que não pode e não deve ser confundida com as demais

carreiras de estado.

Outro ponto a ser destacado, no bojo deste estudo acadêmico, é o fato da

possibilidade da conversão dessas licenças especiais em pecúnia. Constatou-se, que a

conversão em pecúnia está proibida e não pode ser concedida devido ao princípio da

legalidade, o qual vincula o administrador público a fazer somente o que a lei permite.

Entretanto, quando da passagem para a inatividade, o policial militar tem direito a

indenização pelos períodos de licenças especiais concedidos na ativa e não usufruídos

durante o exercício do cargo, que não se confunde com a conversão em pecúnia que se daria

na ativa. Nesse sentido, no ato da passagem para a Reserva Remunerada a indenização se faz

necessária e legal, pois o policial trabalhou quando poderia estar descansando, não podendo a

administração se locupletar do trabalho alheio sem a devida retribuição.

No presente estudo se abordou alguns aspectos importantes que norteiam o tema,

como é o caso da forma legislativa que foi utilizada para suspender por tempo indeterminado

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a conversão em pecúnia das licenças especiais. Isto porque, conforme já se manifestou o

Supremo Tribunal Federal, não pode o chefe do Poder Executivo por Decreto, alterar a

eficácia de ato normativo hierarquicamente superior. Neste sentido, recomenda-se que novas

pesquisas sejam realizadas com o objetivo de se buscar, cientificamente, discutir a legalidade

ou não do ato.

Por fim, no que se refere a declaração administrativa de renúncia exigida do policial

que solicita a sua passagem voluntária para a inatividade, sugere-se que a Polícia Militar de

Santa Catarina busque normatizar a referida conduta ou, do contrário, deixe de adotar tal

postura, ficando apenas aos preceitos do que está previsto no § 4º do art. 190-A da Lei nº

534/2011.

Entende-se, diante destas duas possibilidades, que a postura mais relevante e

cabível, seria a de deixar de exigir a referida declaração, haja vista que não existe nenhuma

legislação, seja supralegal ou mesmo infralegal, que determine esta conduta por parte da

Instituição. Além disso, o dispositivo em questão é claro e, por si só, traduz a intenção do

legislador, não havendo a necessidade de se reafirmar aquilo que está previsto.

Ademais, a normatização citada, seria apenas para afirmar que o policial militar, no

momento da passagem para a inatividade, faz a opção por não mais gozar do direito às

licenças, não configurando renúncia de direito a indenização. Neste sentido, percebe-se que o

ato se torna redundante.

REFERÊNCIAS

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