poder judiciÁrio tribunal de justiÇa do distrito … · bem como o ressarcimento do valor...
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APC 2003 01 1 094745-9
4ª Turma Cível
Fl.___________
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
A Gabinete do Desembargador Humberto Adjuto Ulhôa 1
Órgão : QUARTA TURMA CÍVEL
Classe : APC – APELAÇÃO CÍVEL
Num. Processo : 2003 01 1 094745-9
Apelante(s) : WORLD STUDY BRAZIL NETWORK & EDUCAÇÃO
INTERCULTURAL LTDA
Apelado(a)(s) : MÁRCIO ANTÔNIO PATELLO SALDANHA E OUTRO(S)
PLANETA INTERCÂMBIO E VIAGENS LTDA
Relator Des. : HUMBERTO ADJUTO ULHÔA
Revisora Desa. : VERA LÚCIA ANDRIGHI
EE MM EE NN TT AA
DIREITO DO CONSUMIDOR – CONTRATO DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ORGANIZAÇÃO DE
VIAGEM PARA PROGRAMA EDUCACIONAL NO
EXTERIOR – REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E
MORAIS – CABIMENTO.
01. Tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade
da apelante é apurada de forma objetiva e solidária, não se
perquirindo a extensão de sua culpa pelo defeito na prestação
do serviço.
02. Tendo em vista que o contrato estabelece cláusula de
exoneração de responsabilidade, esta deve ser desconsiderada,
eis que é vedada cláusula contratual que impeça a obrigação
de indenizar, a teor do que dispõe o art. 25 do Código de
Defesa do Consumidor.
03. Apelo conhecido e não provido.Maioria.
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AA CC ÓÓ RR DD ÃÃ OO Acordam os Senhores Desembargadores da Quarta
Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Des. HUMBERTO ADJUTO ULHÔA - Relator, Desa. VERA LÚCIA ANDRIGHI – Revisora e Des. GETÚLIO MORAES OLIVEIRA – 1º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador HUMBERTO ADJUTO ULHÔA em CONHECER. NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. MAIORIA, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 06 de junho de 2005.
Desembargador HUMBERTO ADJUTO ULHÔA Relator e Presidente
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RR EE LL AA TT ÓÓ RR II OO
O relatório é, em parte, o da r. sentença monocrática
(fls. 164/172), in verbis:
“MÁRCIO ANTONIO PATELHO SALDANHA e MÁRCIO NOGUEIRA DA CRUZ SALDANHA ajuizaram a presente ação de ressarcimento c/c perdas e danos, pelo rito ordinário, em desfavor de WOLD STUDY INTERCÂMBIO E VIAGENS LTDA e PLANETA INTERCÂMBIO E VIAGENS LTDA.
Aduzem, em apertada síntese, que, em 16.05.2002, o 2o autor, representado pelo 1o autor, seu genitor, firmou contrato de prestação de serviços no exterior com a 1a ré, representada pela 2a ré, pelo qual, o 2o autor participaria de um programa de intercâmbio cultural em high school nos Estados Unidos, pelo período de agosto de 2002 a julho de 2003, com acomodação em unidade famíliar composta por um ou mais membros, em condições de hospedar um adolescente estrangeiro pelo período do intercâmbio, mediante o pagamento de um preço.
Pelos serviços os autores efetuaram pagamentos nas quantias de R$ 1.020.00, relativa ao serviço de organização da viagem; R$ 12.727,00 (à época U$ 4.850,00), relativa a matrícula em programa de high school; e R$ 4.769,50, relativa às passagens aéreas, totalizando R$ 18.516,50.
Contudo, as requeridas não adimpliram com sua parte do contrato, pois o intercambista passou 42 (quarenta e dois) dias na casa do coordenador do programa, dormindo num sofá estendido no chão, enquanto aguardava acomodação em uma família anfitriã. Após essa quarentena, o intercambista foi encaminhado para uma família anfitriã, composta de uma só pessoa, vindo depois a saber, pelo próprio anfitrião, que este era homossexual. O que provou seu imediato retorno ao Brasil.
Comunicada a respeito, a primeira ré concordou com a devolução da parcela referente ao programa de high school (R$ 12.727,00), em três parcelas de U$ 800,00 e uma parcela de U$ 2.400,00, tendo sido devolvido aos autores somente uma parcela.
Requereram, assim, a decretação da rescisão contratual com a condenação das requeridas no pagamento de quantia equivalente a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de indenização pelos danos morais, R$ 20.000,00 (vinte mil reais), pelos danos materiais.
Juntaram os documentos de fls. 07/43. A 2a requerida, PLANETA INTERCÂMBIO E
VIAGENS LTDA, ofereceu resposta, fls. 61/66, aduzindo, preliminarmente, sua
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ilegitimidade passiva, eis que em função do contrato de representação comercial firmado com a 1a requerida, esta seria inteiramente responsável pelos riscos do negócio. Acrescentando que não participou da escolha da família anfitriã, limitando-se a vender o produto com pequena comissão.
No mérito, impugna o pedido de dano moral dizendo que o intercambista e seu pai foram esclarecidos quanto as peculiaridades do aprendizado e que o intercambista poderia se deparar com situações novas. A alegação vaga, imprecisa e originada do próprio autor de que o anfitrião era homossexual não pode ser considerada, pois tratava-se de homem de 40 anos, solteiro, exercendo a profissão de psicólogo e talvez tenha sido vítima de preconceito, não tendo sido demonstrado qualquer constrangimento ou situação vexatória que pudesse gerar dano moral.
Diz que nos Estados Unidos, em face da proteção a individualidade, as pessoas não têm preocupação extrema com a própria aparência, o que pode ter levado os autores a interpretar de forma equivocada as atitudes do anfitrião.
Afirma que o rompimento do contrato se deu por culpa exclusiva dos autores que haviam se comprometido a estabelecer uma boa convivência com a família anfitriã e, no entanto, à primeira suspeita de que o anfitrião era homossexual o intercambista retornou ao Brasil.
Impugna o valor requerido a título de danos morais, por ser elevado e desproporcional.
No tocante aos danos materiais, diz que não participou dos preparativos para a viagem do estudante e não consta do contrato a hipótese de devolução dos valores pagos por simples insatisfação. Não podem os autores reclamar o ressarcimento integral dos valores, sob pena de locupletamento, pois o estudante viajou aos Estados Unidos e usufruiu parte do intercâmbio.
A 1a requerida, WOLD STUDY INTERCÂMBIO E VIAGENS LTDA, apresentou resposta, fls. 90/108, aduzindo, preliminarmente, invalidade no ato citatório, porquanto o mandado fora cumprido na sede da EDUCAR INTERCÂMBIOS LTDA, pessoa jurídica que mantém relação comercial com a requerida sem pertencer ao seu quadro social. Requerendo o recebimento da contestação apresentada espontaneamente e dentro do prazo legal em face da existência de dois réus com procuradores diferentes. Ainda em preliminar, alega sua ilegitimidade passiva, pois a empresa contratada foi a 2a requerida, sem qualquer participação ou intermediação da contestante.
Afirma que seu relacionamento com a 1a requerida PLANETA INTERCÂMBIO E VIAGENS LTDA, diante da confessada ausência de condições econômico-financeiras desta, restou revogado. Ao celebrar o distrato, a 1a requerida assumiu a responsabilidade pelas dívidas, observando-se dos autos
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que esta se prontificou a reembolsar os autores, partindo destes a recusa em celebrar acordo para recebimento dos valores.
No mérito, assevera que o intercambista viajou para os Estados Unidos e em seguida voltou ao Brasil insatisfeito com os serviços prestados e negociou com a 2a requerida o ressarcimento dos valores desembolsados, não havendo qualquer prova dos fatos que teriam ocorrido nos Estados Unidos.
Diz que a contratada cumpriu com sua parte na avença, existindo nos autos, fl. 15, documento que comprova a participação do intercambista no treinamento. Os autores haviam sido alertados sobre a possibilidade de atraso na acomodação, e o retorno do intercambista ao Brasil representou rescisão unilateral, sem qualquer aviso ou interpelação, por parte dos autores.
Afirma que o estudante realizou a viagem ida e volta, via aérea, para os Estados Unidos, sendo descabido o ressarcimento de tais valores, bem como o ressarcimento do valor referente ao intercâmbio, em face da rescisão do contrato por culpa dos autores.
No tocante ao pedido de indenização por danos morais, diz que o contrato previa a possibilidade de a família anfitriã ser composta de apenas uma pessoa e que esta é escolhida de acordo com as condições financeiras e, principalmente, estrutura psicológica para receber um estudante estrangeiro. Os autores demonstraram preconceito e discriminação, inexistindo qualquer reclamação em relação a uma atitude específica do anfitrião.
Asseverou ainda que sua denominação correta é WORLD STUDY BRAZIL NETWORK & EDUCAÇÃO INTERCULTURAL LTDA.
Réplica às fls. 135/136. Designada data para colheita da prova oral, a
audiência transcorreu consoante fls. 161/163, tendo sido colhido o depoimento pessoal dos autores. Na oportunidade, as partes ofereceram alegações finais.”
Acrescento que o MM. Juiz prolator da r. sentença assim decidiu, verbis: “Por essas considerações, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na petição inicial para decretar a rescisão do contrato celebrado pelas partes, por culpa das requeridas, condenando-as, solidariamente, no pagamento aos autores de indenização a título de danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser corrigido monetariamente pelos índices do TJDFT e acrescido de juros moratórios de 0,5% ao mês, ambos a contar desta data. Condeno ainda as requeridas a ressarcirem aos autores 50% da quantia de R$ 12.727,00 (doze mil, setecentos e vinte e sete reais), da qual deverá ser abatido o valor já ressarcido, ambos corrigidos monetariamente a contar dos respectivos desembolsos e acrescidos de juros de 0,5% ao mês a contar da citação. Em razão da
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sucumbência recíproca, as custas serão divididas em 50% para os autores e 50% para os réus e cada parte arcará com os honorários do respectivo advogado. Retifiquem-se os registros para que passe a constar a denominação correta da 1a requerida como WORLD STUDY BRAZIL NETWORK & EDUCAÇÃO INTERCULTURAL LTDA.”
Inconformada, apela a primeira ré – WORLD STUDY
BRAZIL NETWORK & EDUCAÇÃO INTERCULTURAL LTDA. (fls. 177/196) –,
aduzindo que o segundo autor não se adaptou às condições apresentadas,
desistindo do programa contratado e retornou ao Brasil antes da data prevista.
Afirma que os autores estavam cientes das condições do programa de intercâmbio e
da possibilidade de sobrevirem incidentes, havendo previsão contratual nesse
sentido, com o qual anuíram.
Alega que o contrato contém todas as informações
sobre o programa de intercâmbio, sendo os autores informados acerca do atraso na
colocação do estudante na família anfitriã e de que referida família poderia ser
composta por um único componente, não havendo, também, como se exigir
informações acerca da opção sexual do anfitrião. E, ainda, que o segundo autor não
sofreu qualquer tipo de constrangimento por parte do anfitrião, o qual, ao contrário,
sempre o tratou bem. Segue, alegando que a rescisão contratual ocorreu por culpa
dos apelados, tendo o segundo autor retornado ao Brasil antes do prazo estipulado
no contrato, sem qualquer aviso ou interpelação à apelante, razão pela qual não há
que se falar em reembolso do valor pago pelo curso no exterior.
Assevera que não intermediou qualquer transação
comercial entre os autores e a segunda ré, atribuindo a esta a responsabilidade pelo
descumprimento do contrato e que não restou caracterizado o dano moral, pelo fato
de o anfitrião ser homossexual.
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Por fim, pugna pela reforma da r. sentença
monocrática, para que seja afastada a condenação, julgando-se totalmente
improcedente os pedidos dos autores.
Preparo regular, fl. 197.
Contra-razões, fls. 201/202, pugnando pela
manutenção da r. sentença monocrática.
É o relatório.
VV OO TT OO SS
O Senhor Desembargador HUMBERTO ADJUTO ULHÔA – Relator
Conheço do recurso, eis que presentes os
pressupostos de sua admissibilidade.
Conforme disposto no relatório, trata-se de apelação
interposta pela primeira ré – WORLD STUDY BRAZIL NETWORK & EDUCAÇÃO
INTERCULTURAL LTDA. – contra a r. sentença monocrática, pretendendo a sua
reforma, para que seja afastada a condenação e seja julgado totalmente
improcedente o pedido deduzido na inicial.
Da análise dos autos, entendo que a razão não está
com a apelante.
Inicialmente, impõe-se traçar alguns balizamentos
acerca da responsabilidade civil da apelante e do conseqüente dever de reparar o
dano causado aos autores.
É que, tratando-se de relação de consumo, a
responsabilidade da apelante é apurada de forma objetiva e solidária, não se
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perquirindo, portanto, a extensão de sua culpa pelo defeito na prestação do serviço,
bastando que o tenha colocado no mercado ou que tenha concorrido para tanto.
Vale dizer, o caráter objetivo da responsabilidade
das rés exsurge da colocação do serviço no mercado de consumo, ou seja, pelo
risco da atividade desenvolvida, devendo responder civilmente quando, em razão de
um serviço prestado de forma defeituosa, venha a causar dano ao consumidor.
De igual sorte, deve a apelante responder
solidariamente com a segunda ré, pelo simples fato de ter concorrido para que o
serviço causador do dano estivesse no mercado, até porque o “Instrumento
Particular de Distrato e Outras Avenças (fls. 128/131), havido entre as rés, ocorreu
em 30/04/2003, ou seja, um ano após os autores celebrarem “Contrato de Prestação
de Serviços de Organização de Viagem para Programa Educacional no Exterior”
(fls. 09/14).
Delimitada, pois, a responsabilidade objetiva e
solidária da apelante, na condição de fornecedora do serviço, passo à análise dos
elementos que pressupõem a sua responsabilização, a saber: o defeito no serviço, o
evento danoso (“eventus damni”) e a relação de causalidade entre ambos.
In casu, restou efetivamente demonstrado que o
segundo autor não se adaptou às condições apresentadas, em face do vício na
qualidade do serviço prestado pela apelante, fazendo com que desistisse do curso
de intercâmbio e retornasse ao Brasil.
Com efeito, é falacioso o argumento de que os
autores estavam cientes das condições do programa de intercâmbio e da
possibilidade de sobrevirem incidentes, porquanto não é crível que alguém com o
mínimo discernimento pague um valor considerável (R$ 18.516,50) por um curso no
exterior e adira à cláusula prevendo a possibilidade de ocorrência de incidentes.
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Devo, ainda, assinalar que a cláusula contratual que
trata da parte aérea e embarque, não ampara o inconformismo da apelante, ao
estabelecer que o atraso “em colocação não significa cancelamento de Intercâmbio
Cultural nem implica em cancelamento deste contrato”. (fl. 10).
Em verdade, referida cláusula deve ser
desconsiderada, eis que se trata de cláusula de exoneração da responsabilidade,
não sendo permitida a avença de cláusula contratual que impeça a obrigação de
indenizar, a teor do que dispõe o art. 25 do Código de Defesa do Consumidor.
Assim, tenho que a r. sentença monocrática, com
acerto, discorreu quanto à relação de causalidade entre o vício na qualidade do
serviço e o evento danoso, conforme se vê do trecho abaixo transcrito, in verbis:
“Na hipótese dos autos, o estudante intercambista
viajou aos Estados Unidos imaginando que seria convenientemente acomodado em casa de família, desfrutando de todo estrutura correspondente, até porque adimplira com sua parte no contrato, mediante o pagamento do preço. Sucede que ao chegar no País alienígena viu-se na contingência de permanecer mais de quarenta dias acomodado de forma precária, dormindo em um sofá estendido no chão, sem local adequado para guardar seu pertences pessoais. Após esse período, foi finalmente acomodado na residência de um senhor solteiro, o qual teria manifestado sua preferência homossexual. Tal situação trouxe intranqüilidade ao intercambista que procurou a coordenação do programa, tendo sido informado que lhe seria providenciada nova acomodação em uma semana. Em face da experiência anterior de má acomodação por mais de quarenta dias, preferiu este retornar ao Brasil.” (fl.169)
De mais a mais, devo destacar o fato de o segundo
autor, à época da viagem, ser um adolescente e, como tal, encontrava-se em franca
transformações biológica e psicológica, tudo isso ocorrendo em meio à intensa
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demanda de ajustamento a um outro país, cultura e língua, gerando, assim, uma
natural tensão.
Toda essa mudança deveria ocorrer sem que o
segundo autor tivesse que passar pelos aborrecimentos causados pela ré, que
prestou um serviço defeituoso, ao inserir o adolescente, após quarenta e dois dias
em más acomodações, em um lar em que o anfitrião assumiu a condição de
homossexual.
Não se trata aqui de discriminação ou preconceito,
nem, tampouco, se quer exigir da apelante que obtenha informações acerca da
opção sexual do anfitrião ou de quem quer que seja. Trata-se em verdade de uma
constatação fática de que o segundo autor, enquanto adolescente, não poderia ser
constrangido a conviver com uma pessoa de opção sexual diferente da sua.
Aliás, o constrangimento foi de tal ordem que, em
comunicado enviado ao primeiro autor (fls. 31/32), a Word Study assim se
pronunciou, “ad litteris”:
“Durante os nossos anos de atividade já tivemos
todo tipo de caso, desde estudante que furtou a família até estudante que foi furtado pela família anfitriã. Desde intercambistas que engravidaram a irmã de intercâmbio até moças intercambistas que voltaram grávidas; além de questões com drogas e violência... Este caso que envolveu seu filho foi um terrível acidente cometido pela Priscila / World Study, que cedeu à curiosidade de uma adolescente... Tenho apenas que reforçar meu pedido de desculpas e de perdão. Erramos. Considerando que o senhor já estava chateado com todo o ocorrido anteriormente, com certeza este evento deixou o senhor e sua família mais aborrecidos ainda conosco. Foi uma terrível sucessão de coincidências desagradáveis”. (grifos incluídos).
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Desse modo, entendo que a responsabilidade da
apelante está amplamente demonstrada, na medida em que efetivamente prestou
um serviço defeituoso, devendo responder pelos danos experimentados pelos
autores, reembolsando a metade dos valores pagos para a matrícula em programa
de “high school”, conforme determinado na r. sentença “a quo”.
De igual modo, deve a apelante responder pelo dano
moral causado; não pelo fato de o anfitrião ser homossexual, mas sim pela má
prestação no serviço oferecido aos autores, porquanto a produção do dano moral
independe da potencialidade ou efetividade do ato ofensivo. Vale dizer, é
desnecessária a prova do prejuízo, que é presumido, uma vez que o dano moral
decorre do próprio ato atentatório contra a honra e intimidade das pessoas.
Pelo exposto, nego provimento à apelação
interposta pela primeira ré, mantendo íntegra a r. sentença monocrática.
É como voto.
A Senhora Desembargadora VERA LÚCIA ANDRIGHI - Revisora
Conheço da apelação porque presentes os pressupostos
de admissibilidade.
MÁRCIO ANTÔNIO PATELLO SALDANHA e MÁRCIO
NOGUEIRA DA CRUZ SALDANHA propuseram ação contra WORLD STUDY
BRAZIL NETWORK & EDUCAÇÃO INTERCULTURAL LTDA e PLANETA
INTERCÂMBIO E VIAGENS LTDA, onde pretendem a rescisão do “contrato de
prestação de serviços de organização de viagem para programa educacional
no exterior”, com ressarcimento do valor pago, o recebimento de
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indenização por danos materiais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e
por danos morais neste mesmo valor.
A r. sentença (fls. 167/72) rejeitou a preliminar de
ilegitimidade passiva suscitada pelas rés, em razão da responsabilidade
solidária dos fornecedores prevista no CDC, bem como a preliminar de
nulidade do processo por vício de citação, haja vista a ausência de prejuízo à
ré WORLD STUDY BRAZIL NETWORK & EDUCAÇÃO INTERCULTURAL LTDA. No
mérito, julgou parcialmente procedente o pedido para rescindir o contrato,
por culpa das rés, condenando-as, solidariamente, a pagarem aos autores
indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais),
acrescida de correção monetária e juros moratórios a partir da prolatação da
sentença, e, ainda, a ressarcirem a estes 50% (cinqüenta por cento) da
quantia de R$ 12.727,00 (doze mil, setecentos e vinte e sete reais),
abatendo-se o valor já ressarcido, ambos corrigidos monetariamente a partir
dos respectivos desembolsos e acrescidos de juros de 0,5% (meio por cento)
ao mês a partir da citação.
Em razão da sucumbência recíproca, as partes foram
condenadas a pagar 50% (cinqüenta por cento) das custas processuais e os
honorários advocatícios dos respectivos advogados.
A ré WORLD STUDY BRAZIL NETWORK & EDUCAÇÃO
INTERCULTURAL LTDA interpôs apelação (fls. 177/96), onde suscita
preliminar de ilegitimidade passiva. No mérito, pretende a reforma integral
da r. sentença, pois o contrato informou devidamente os apelados sobre as
condições do programa, inclusive sobre a possibilidade de incidentes; o
julgamento foi proferido contrariamente às provas constantes dos autos; os
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apelados não provaram suas alegações; o apelado MÁRCIO NOGUEIRA DA
CRUZ SALDANHA desistiu unilateralmente do contrato, sequer requerendo
sua recolocação em outra família; e não ficou caracterizado dano moral pelo
fato de o anfitrião do autor-intercambista ser homossexual. Pede o
julgamento de improcedência da indenização por danos morais e a redução
da indenização por danos materiais, pois foram contratados com terceiras
pessoas os serviços disponibilizados ao autor-intercambista.
Inicialmente, ressalto que a relação existente entre as
partes encontra-se submetida às disposições do Código de Defesa do
Consumidor.
Os apelados firmaram contrato com a empresa PLANETA
INTERCÂMBIO E VIAGENS LTDA. Entretanto, observa-se a indicação no
contrato que a WORLD STUDY realizaria serviços no intercâmbio, indicados
na cláusula “dos serviços” (fl. 09).
Também não há dúvida que a apelante é representada
pela empresa PLANETA INTERCÂMBIO E VIAGENS LTDA, conforme contrato de
representação (fls. 78/84).
O § 1º do art. 25 do CDC dispõe que o consumidor pode
acionar individualmente qualquer dos fornecedores do serviço pela
reparação de danos, o que confere, conseqüentemente, legitimidade passiva
à apelante.
Rejeito a preliminar.
Não existe controvérsia sobre o fato de que o apelado
MÁRCIO NOGUEIRA DA CRUZ SALDANHA permaneceu os primeiros quarenta
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dias na casa do coordenador local do intercâmbio, tanto que a apelante em
sua contestação não diverge dessa assertiva (fl. 100).
Isso demonstra que houve descumprimento contratual
pela WORLD STUDY BRAZIL NETWORK & EDUCAÇÃO INTERCULTURAL LTDA e
PLANETA INTERCÂMBIO E VIAGENS LTDA, pois consta da cláusula “da parte
aérea e embarque” (fl. 10), que o intercambista não será embarcado
enquanto não for selecionada uma família anfitriã.
Outro fato que evidencia a má-prestação dos serviços
pelas empresas contratadas encontra-se no depoimento pessoal do apelado
MÁRCIO NOGUEIRA DA CRUZ SALDANHA, que afirmou:
“(...) o depoente não se sentiu mais à vontade de permanecer no
local; que chegou a procurar o coordenador das requeridas,
objetivando colocação em outra família, tendo sido informado que
tal providência poderia demorar uma semana; que como
anteriormente haviam lhe prometido instalação em uma semana e
só conseguiram em mais de 40 dias, o depoente resolveu entrar em
contato com seu pai que providenciou o seu retorno para o Brasil
(...)”
Existindo inexecução do contrato pela apelante e pela
outra empresa ré, a rescisão contratual pelos apelantes mostra-se motivada
e impõe, conseqüentemente, a devolução de parte da quantia por eles
desembolsada, conforme fundamentos da r. sentença.
Mesmo que não fosse observado o descumprimento do
contrato pela apelante e pela outra empresa ré, nada impede a desistência
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de sua consecução pelos apelantes, permitindo-se, ainda, o reembolso de
parte da importância paga, uma vez que o CDC estabelece que é abusiva e
nula de pleno direito a cláusula contratual que subtraia do consumidor a
opção de reembolso das quantias pagas, pois importa em disposição de
direito, nos termos do inc. I do art. 51 daquele Diploma Legal.
Apesar das despesas realizadas pelas empresas-rés para a
compra de passagens, contratação dos serviços para acomodação do apelado
MÁRCIO NOGUEIRA DA CRUZ SALDANHA, matrícula no estabelecimento de
ensino, a r. sentença deve ser mantida quanto ao valor a ser ressarcido aos
apelados, visto que considerou todos esses gastos (fl. 170), além do que a
própria apelante faz proposta de pagamento de 50% (cinqüenta por cento) do
débito (fl. 40), documento que não foi impugnado.
No tocante ao dano moral, a causa de pedir é a
convivência com homossexual e a inexecução do contrato.
O fato de o apelado MÁRCIO NOGUEIRA DA CRUZ
SALDANHA ser colocado em residência de anfitrião homossexual não constitui
nenhuma violação aos seus direitos de personalidade, mesmo porque os
próprios apelados em seus depoimentos pessoais confirmam que não existiu
nenhuma forma de assédio pelo anfitrião (fls. 162/3).
Além disso, não há como imputar responsabilidade à
apelante por deixar de verificar a opção sexual do anfitrião, pois isso
constituiria violação à intimidade da pessoa.
A pretensão de reparação do dano moral por inexecução
contratual é controvertida na doutrina e na jurisprudência. Por vezes, o dano
moral surge inconteste quando, além do dano material, o inadimplemento
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repercute, por exemplo, em danos físicos, estéticos, creditícios. Então fica
fácil vislumbrar o direito de personalidade violado, e daí fixar a
correspondente compensação moral. No entanto, por vezes, a natureza
extrapatrimonial da prestação inadimplida está adstrita ao desassossego,
intranqüilidade, aborrecimento, ou seja, violação do sistema emocional do
homem. Nestes casos, o reconhecimento do dano moral contratual é restrito
às hipóteses de culpa grave do inadimplente e de expressivo desgaste do
sistema emocional do credor, decorrente do desassossego, irritação,
desgaste físico e utilização de seu tempo pessoal, causados pela
inadimplência.
No caso dos autos, apesar da inexecução contratual, não
houve culpa grave da apelante apta a ensejar o dano moral. Portanto, devem
prevalecer a doutrina e a jurisprudência majoritárias no sentido de restringir
as hipóteses de reparação moral decorrente de inadimplemento contratual,
especialmente porque ausentes os requisitos para sua concessão, citados
acima.
Diante do provimento parcial da apelação, existe a
modificação dos ônus sucumbenciais, que passam a recíprocos, porém, não
proporcionais.
Isso posto, conheço da apelação, rejeito a preliminar e
dou parcial provimento ao recurso para julgar improcedente o pedido de
indenização por dano moral. Condeno os autores e as empresas-rés,
respectivamente, ao pagamento de 70% (setenta por cento) e 30% (trinta por
cento) das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15%
APC 2003 01 1 094745-9
4ª Turma Cível
Fl.___________
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
A Gabinete do Desembargador Humberto Adjuto Ulhôa 17
(quinze por cento sobre o valor da condenação, observando o disposto no
art. 20, § 3º e art. 21, ambos do CPC.
É o voto.
O Senhor Desembargador GETÚLIO MORAES OLIVEIRA – 1º Vogal
Senhor Presidente, peço vênia à Desembargadora Revisora
para acompanhar o eminente Relator.
Penso que havia uma expectativa lícita dos familiares.
Evidentemente que não se trata de discriminação sexual ou de dizer que a
convivência com homossexual é geradora de danos morais, mas é um
comportamento não esperado. A família que enviou o adolescente para
participar do programa de intercâmbio não esperava deparar-se com uma
situação que não seja o comportamento padrão do ser humano.
Creio que o sofrimento moral ocorreu.
Acompanho o eminente Relator.
DD EE CC II SS ÃÃ OO
Conhecido. Negou-se provimento ao recurso.
Unânime.