o ressarcimento ao sus pelas operadoras de planos

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1 O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE: UMA ABORDAGEM ACERCA DO FUNDAMENTO JURÍDICO DA COBRANÇA OTÁVIA MÍRIAM LIMA SANTIAGO REIS DEPARTAMENTO DE DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

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O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE: UMA

ABORDAGEM ACERCA DO FUNDAMENTO JURÍDICO DA COBRANÇA

OTÁVIA MÍRIAM LIMA SANTIAGO REIS DEPARTAMENTO DE DIREITO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

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SUMÁRIO

Título................................................................................................................ 1 Folha de Rosto................................................................................................ 2 Sumário........................................................................................................... 3 Lista de siglas.................................................................................................. 4 Resumo........................................................................................................... 5 1- INTRODUÇÃO............................................................................................... 06 2- O DIREITO À SAÚDE.................................................................................... 10

2.1. Evolução......................................................................................... 10 2.2. Desenvolvimento histórico do direito à saúde................................ 12 2.3. Classificação jurídica do direito à saúde........................................ 14 2.4. O direito à saúde e a Seguridade Social........................................ 17 2.5. O direito à saúde na legislação brasileira....................................... 18

3- A ASSISTÊNCIA PÚBLICA À SAÚDE X A ASSISTÊNCIA PRIVADA.................... 22 3.1. Evolução histórica.......................................................................... 22 3.2. O Sistema Único de Saúde (SUS)................................................. 26

3.2.1. Princípios informadores....................................................... 27 3.2.2. Fontes de financiamento..................................................... 28

3.2.2.1. Dotações orçamentárias dos entes federados.... 29 3.2.2.2. Contribuições para Seguridade Social................. 29 3.2.2.3. Outras fontes de custeio...................................... 30

3.2.3. Objeto da relação jurídica de natureza pública.................... 31 3.3. A assistência privada na Constituição de 1988.............................. 32

3.3.1. Saúde Complementar.......................................................... 33 3.3.2. Saúde Suplementar............................................................. 33 3.3.3. Fontes de financiamento da assistência privada................. 34 3.3.4. Objeto da relação jurídica de natureza privada................... 35

4- A REGULAMENTAÇÃO DA LEI DOS PLANOS DE SAÚDE................................. 37 4.1. Entidades operadoras de planos privados de assistência à saúde 37

4.1.1. Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)................ 39 4.2. O ressarcimento ao SUS................................................................ 39

4.2.1. Hipóteses ensejadoras do ressarcimento............................ 39 4.2.2. A Tabela Única de Procedimentos (TUNEP)....................... 40 4.2.3. Procedimento do ressarcimento........................................... 41

5- FUNDAMENTO JURÍDICO DO RESSARCIMENTO............................................... 43

5.1. O ressarcimento como obrigação tributária.................................... 43 5.2. O ressarcimento como obrigação civil indenizatória....................... 49

5.2.1. Responsabilidade civil.......................................................... 49

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5.2.2. Elementos da responsabilidade civil.................................... 50 5.2.3. O ressarcimento frente os elementos da responsabilidade civil.................................................................................................. 51

5.3. O ressarcimento como obrigação civil restituitória......................... 54 5.3.1. Enriquecimento sem justa causa......................................... 54 5.3.2. O ressarcimento frente os elementos do enriquecimento sem justa causa.............................................................................. 57

6- CONCLUSÃO................................................................................................ 63 7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 66

8- ANEXOS....................................................................................................... 70

8.1. Lei 8.080 de19 de setembro de 1990 – LOS 8.2. Lei 9.656 de 03 de junho de 1998 - LPS 8.3. Lei 9.961 de 28 de janeiro de 2000 8.4. Resolução - RDC nº 17 da ANS

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LISTA DE SIGLAS ABI Aviso de Beneficiário Identificado AIH Autorização de Internação Hospitalar ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar CADIN Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal CAP Caixa de Aposentadoria e Pensão CC Código Civil CDC Código de Defesa do Consumidor COFINS Contribuição para Financiamento da Seguridade Social CONSU Conselho de Saúde Suplementar CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CR Constituição da República CSLL Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido CTN Código Tributário Nacional DPVAT Seguro Obrigatório de Veículo Automotores Terrestres INANPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS Instituto Nacional de Previdência Social IPVA Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores LOS Lei Orgânica da Saúde LPS Lei dos Planos de Saúde OMS Organização Mundial de Saúde OPAS Organização Pan-Americana da Saúde PIB Produto Interno Bruto SIDA Síndrome de Imunodeficiência Adquirida SUS Sistema Único de Saúde TUNEP Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos

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RESUMO

A saúde é um direito de todos e dever do Estado, preceitua a Constituição da

República de 1988. Mesmo sendo um dever do Estado, não é monopólio do Poder

Público, pois a constituição também permite que a iniciativa privada preste assistência à

saúde. Coexistem, no Brasil, os serviços públicos e privados de assistência à saúde,

com princípios e objetivos bem distintos. A fim de regulamentar a assistência privada à

saúde, o Estado editou a lei 9.656/98, que, em seu art. 32, disciplinou o ressarcimento

ao SUS. Propõe, o presente trabalho, analisar o fundamento jurídico do ressarcimento

ao SUS, a fim de se verificar se a cobrança, disciplinada pelo artigo já mencionado, se

fundamenta no direito tributário, ou nos institutos da responsabilidade civil e do

enriquecimento sem justa causa.

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1- INTRODUÇÃO

No início do século XXI 48,5 milhões de pessoas (cerca de 25% da

população brasileira) usufruía assistência privada à saúde. (SCHWARTZ, 2001:149)

Dentre os inúmeros fatores que possibilitaram o crescimento do setor, o mais

expressivo é a procura por uma melhor assistência à saúde, tendo em vista a

precariedade do Sistema Público de Saúde.

A fim de regulamentar o setor da assistência privada à saúde, o Estado

editou a Lei 9656 de 03 de junho de 1998 - Lei de Planos de Saúde (LPS) que, afora

outras inovações, em seu art. 32, instituiu também o Ressarcimento ao SUS. Eis o

dispositivo:

“Art. 32º. Serão ressarcidos pelas operadoras a que alude o art. 1º os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS”.

Constitui objeto do presente trabalho monográfico analisar o fundamento

jurídico do ressarcimento instituído pelo art. 32 da LPS. Entretanto, antes de adentrar

na análise do ressarcimento propriamente dito, torna-se imprescindível o estudo

preliminar de institutos, sem os quais seria impossível a compreensão do tema.

Dentre os assuntos que serão aqui abordados, a questão central é o direito à

saúde que, enquanto direito fundamental do homem e direito público subjetivo, constitui

um dever do Estado, sendo-lhe oponível em caso de inércia.

Embora apenas no século XX tenha sido concebida como um direito

fundamental, a preocupação do homem para com a saúde sempre foi uma constante na

história da humanidade, já que várias civilizações foram dizimadas por epidemias e

doenças. Tais fatos fizeram com que o homem, por um instinto de sobrevivência da

espécie, atentasse para sua importância, pois caso contrário a própria vida humana

estaria comprometida.

Nestes momentos de grandes endemias, o Estado foi chamado a

responsabilizar-se pelos cuidados com a saúde da população. Tal situação se

consolidou com o advento da revolução industrial, época em que a doença passou a

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ser identificada como causa de prejuízo ao capitalismo, e, conseqüentemente, tornou-

se objeto de atenção do Poder Público. Como a iniciativa privada não possuía

condições de custear a assistência à saúde, o Estado chamou para si esta

responsabilidade.

Se atualmente o Estado assume o papel central na promoção da saúde, o

fato é que, desde a antiguidade, a assistência à saúde sempre foi custeada de várias

formas. Havia o financiamento público, sob a responsabilidade da coletividade, e o

financiamento particular, de responsabilidade do próprio doente. Estas duas formas de

custeio sempre coexistiram.

Na senda do pensamento moderno, a CR/88 impôs ao Poder Público a

competência para regulamentar, fiscalizar, controlar e executar as ações e serviços de

saúde. Entretanto, embora a Carta Constitucional tenha conferido à saúde um caráter

de “relevância pública”, facultou à pessoa jurídica de direito privado a execução destes

serviços em caráter suplementar, pelo que coexistem, ainda hoje, a forma pública e

forma particular de financiamento da assistência à saúde.

Quanto à assistência pública à saúde, para que pudesse colocar em prática

suas ações e serviços de saúde, o Estado criou o Sistema Único de Saúde (SUS),

instituído, nos termos da Constituição, pela lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, cuja

função primordial é promover a saúde pública no país.

Paralelamente à saúde pública, há, ainda, a assistência privada à saúde,

também chamada de saúde suplementar, objeto de contrato de direito privado,

celebrado entre as operadoras de planos de saúde e o consumidor.

A Constituição da República de 1988 determinou que a saúde é um direito de

todos, motivo pelo qual o Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender toda e qualquer

pessoa, indistintamente. Neste contexto, criou-se um ambiente propício para o

desenvolvimento das operadoras de planos de saúde, e aqueles que puderam pagar

por um plano privado de assistência à saúde, assim o fizeram.

Como não havia regulamentação específica surgiram inúmeras empresas

dedicadas à operação de planos privados de assistência à saúde. Algumas

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prosperaram, outras, no entanto, não sobreviveram, causando grandes prejuízos tanto

para os prestadores dos serviços (médicos e hospitais), como para os consumidores.

Diante da infinidade de litígios oriundos destes contratos, que não possuíam

uma regulamentação própria, o Estado editou a LPS, que disciplinou as operadoras de

planos de saúde e, em seu art. 32, como dito, instituiu o Ressarcimento ao SUS.

Posteriormente, o Estado editou a Lei 9.961/00, que criou a Agência

Nacional de Saúde Suplementar (ANS), autarquia especial cuja finalidade é promover a

defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulamentado as

relações jurídicas entre as operadoras de planos de saúde, os prestadores de serviços

e os consumidores. O art. 4º desta lei define como uma das competências da ANS,

dentre outras, estabelecer normas sobre o ressarcimento ao SUS.

Consoante o disposto no art. 32 da LPS, sempre que o SUS prestar

atendimento a clientes de planos de saúde, desde que os serviços prestados estejam

previstos nos respectivos contratos, as operadoras desses planos deverão reembolsar

ao SUS os valores despendidos no atendimento a seus clientes.

Convém esclarecer que o consumidor que contrata um plano de saúde

pretende que a operadora contratada lhe preste os serviços que se fizerem

necessários. Frise-se, no entanto, que, apesar da obrigação das operadoras de prestar

os serviços contratados, o Estado também tem o dever de prestar serviços de saúde de

forma gratuita e universal.

A saúde pública é um direito subjetivo do cidadão, que o Poder Público tem o

dever de promover. A contratação de plano privado de assistência à saúde não

representa renúncia a este direito subjetivo de livre acesso à saúde pública. Sendo

assim, embora o cidadão possa exigir que o plano privado lhe preste a assistência à

saúde, também possui o direito de usufruir o serviço público de saúde.

O direito à saúde foi regulado pela Constituição Pátria juntamente com a

Seguridade Social, esta “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos

Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde,

à previdência e à assistência social”. (SILVA, 2000:804)

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A Seguridade Social rege-se pelos princípios da solidariedade financeira e da

universalidade de cobertura e do atendimento.Todos, portanto, têm o direito

constitucional à utilização dos serviços públicos de saúde.

Sendo assim, se os serviços prestados pelo SUS já foram pagos por toda

sociedade através das contribuições sociais previstas no art. 195 da CF, resta saber

qual o fundamento jurídico para o ressarcimento imposto às operadoras de planos de

saúde.

É verdade que a lei pode instituir outras fontes destinadas a garantir a

manutenção ou expansão da seguridade social (art. 195, § 4º). Daí a necessidade de se

investigar se o ressarcimento seria uma obrigação tributária instituída como nova fonte

de custeio do sistema de seguridade social. Constitui objeto do presente trabalho,

dentre outros, verificar se o ressarcimento constitui um novo tributo, o que por si só

justificaria a cobrança.

Caso reste afastada a hipótese de obrigação tributária, caberá analisar,

ainda, se o ressarcimento teria a natureza de uma obrigação civil. Neste ponto, serão

analisados dois institutos: a responsabilidade civil e o enriquecimento sem causa, a fim

de verificar se o ressarcimento instituído pela LPS se fundamenta em um deles.

Após análise detalhada dos assuntos que permeiam o ressarcimento ao

SUS, pretende-se, ao final do presente trabalho monográfico, determinar qual o

fundamento jurídico desta cobrança, caso se conclua pela existência do mesmo.

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2- O DIREITO À SAÚDE

2.1 - Evolução A busca pela saúde sempre esteve presente na história da humanidade,

talvez porque a saúde esteja intimamente ligada à vida humana, haja vista que a

existência do homem se condiciona a um bom estado de saúde. A concepção do que

vem a ser saúde, entretanto, sofreu grande modificação ao longo dos tempos.

No início da civilização humana, saúde era sinônimo de ausência de males,

motivo pelo qual durante um longo período a busca pela saúde se resumia à cura

desses males. Nesta época o único conhecimento disponível para rebater as doenças

era proveniente da magia ou da religião; a cura estava condiciona à ação de forças

divinas, sobrenaturais. Esse pensamento devia-se ao fato de que as doenças eram

tidas como punições impostas aos homens pelas divindades. Somente estas, portanto,

poderiam livra-los de tais males. (SCHWARTZ, 2001:28)

Apenas por volta do ano 4.000 a.C. iniciou-se uma análise cientifica do

processo de cura, datando deste período o surgimento dos médicos. Foi na Grécia que

houve o abandono dessa concepção místico-religiosa de doença. “Hipócrates foi o

grande nome da medicina grega – uma medicina que afastava a religião do campo das

doenças” (SCHWARTZ, 2001:29). A partir de análises empíricas do problema,

Hipócrates desenvolveu um novo conceito de doença, desta vez, como um problema

natural, palpável. Segundo o médico grego, a cidade e o tipo de vida influenciavam

sobremaneira na saúde das pessoas. A saúde deixa de ser, destarte, simplesmente, a

ausência de males, para compreender uma gama de outros fatores como, por exemplo,

boas condições de vida e infraestrutura sanitária.

Durante o Império Romano a tradição grega permaneceu. A engenharia

sanitária, no entanto, sofreu grande avanço, impulsionado pela demanda das cidades

romanas, cuja população crescia vertiginosamente.

Ocorre que todo processo de cientificidade sofreu grande retrocesso durante

a Idade Média, período em que a concepção mística voltou a prevalecer. Mas, diante da

ineficiência dos meios sobrenaturais de cura, e do caos ocasionado pela Peste

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Bubônica e outras epidemias que dizimaram a população européia neste período, aos

poucos a concepção mística foi novamente abandonada1.

Nos séculos XVII e XVIII a saúde é novamente analisada sob o prisma

científico, mas sua definição ainda está vinculada à ausência de doenças (há um

retrocesso se comparado com o conceito de Hipócrates).

Com o advento da Revolução Industrial surge uma nova sociedade que

valoriza, sobretudo, a acumulação de capitais. Neste contexto, a saúde passa a ter uma

importância ainda maior, pois o trabalhador doente comprometia o crescimento

industrial, já que ficava fora da linha de produção.

O crescente processo de industrialização exigia muita mão-de-obra, e a

doença comprometia esse processo produtivo. Assim, motivado por interesses

econômicos, o Estado Liberal assumiu a responsabilidade de promover a saúde dos

trabalhadores. A garantia do Estado Liberal, no entanto, se resumia a uma saúde

“curativa”, ou seja, o objetivo do Estado era unicamente curar os males que afastavam

o trabalhador do mercado de trabalho, a fim de devolve-lo à linha de produção o quanto

antes.

A saúde garantida pelo Estado Liberal busca unicamente a cura das doenças

que afligem os trabalhadores, já que, durante o século XIX ainda prevalece o conceito

de saúde como ausência de doenças.

Com as transformações sociais e políticas do século XX, tais como as

advindas da Revolução Russa e das grandes guerras mundiais, a concepção

individualista do Estado Liberal cedeu lugar a ideais sociais. Se, outrora, apenas os

trabalhadores tinham acesso à saúde, pois esta estava intimamente ligada ao processo

produtivo, neste momento, surge a tese da saúde “preventiva”, segundo a qual “a saúde

é um direito a que todos têm direito”.

Para a tese “curativa”, ao Estado compete, tão-somente, oferecer a cura da

doença; já para a tese preventiva, não obstante oferecer a cura, o Estado deve garantir,

também, uma infraestrutura sanitária básica a fim de prevenir a ocorrência de doenças. 1 Coube à própria Igreja o retorno às idéias greco-romanas. Por volta de 1240, os mosteiros começaram a ressuscitar a medicina grega. Neste momento, apareceram as primeiras corporações médicas de que se tem notícia” (Scliar, apud SCHWARTZ, 2001:29).

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Embora possuam algumas diferenças, forçoso é reconhecer que ambas as teses

adotam um único conceito de saúde, qual seja: a ausência de doenças; trata-se de uma

concepção organicista (SCHWARTZ, 2001:35).

O preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS),

diversamente das teses retromencionadas, determina que a “saúde é o completo bem-

estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças”. Neste sentido, ao

Estado não compete apenas oferecer a cura e a prevenção das doenças, mas

promover o bem-estar físico, mental e social do indivíduo, ou seja, além do aspecto

“curativo” e “preventivo” surge uma nova dimensão, denominada “promoção” da saúde.

Só então, o conceito grego de Hipócrates foi retomado, pois a OMS, em sua definição,

reconhece que a saúde envolve um equilíbrio entre o homem e o ambiente.

Embora tenha sido motivo de inúmeras críticas, quer por se tratar de um

conceito utópico, quer por ser inviável sua efetivação, o fato é que a definição da OMS

serviu de norte para o atual conceito de saúde.

Saúde, atualmente, é mais do que ausência de doenças, pois envolve bem-

estar e qualidade de vida. Ainda que um indivíduo não padeça de nenhuma doença

física ou psíquica, não há que se falar em saúde se o mesmo não possui condições de

subsistência, mora em local insalubre, não tem acesso a uma alimentação sadia, a

educação, enfim, se não possui qualidade de vida.

Assim, saúde, dentro dos moldes e doutrinas atuais, pode ser conceituada

como o bem-estar físico, mental e social do indivíduo, e para sua consecução exige-se

além da ausência de doenças, qualidade de vida.

2.2 - Desenvolvimento histórico do direito à saúde

Como demonstrado no item anterior, embora a saúde tenha sido uma

preocupação constante na história da humanidade, até meados do século XX não era

compreendida como um direito do indivíduo. A Constituição Italiana de 1948 foi a

primeira Lei a lhe conferir esta condição. Até então, a assistência à saúde era prestada

pelo Estado, não por ser um direito do indivíduo, mas por se tratar de um fator negativo

para a atividade produtiva, razão pela qual merecia atenção do governo.

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Ainda no ano de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem

atribuiu à saúde o status de elemento da cidadania ao prever que:

“toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar, e a sua família, a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, a assistência médica (....)”.

Com a edição da norma internacional, a saúde deixa de ser uma prerrogativa

do Estado e passa a ser um direito do indivíduo. A partir de então, o Direito à saúde

restava consolidado.

Na senda da Declaração Universal dos Direitos Humanos, várias

Constituições atribuíram à saúde o status de direito fundamental. Cite-se, por exemplo,

a Constituição Espanhola, artigo 43; Portuguesa, artigo 64; e a Carta Constitucional da

Guatemala, artigos 93/100. (Silva, apud, SCHWARTZ, 2001:46)

Embora o Brasil seja signatário da Declaração Universal, a Constituição de

1967 não regulamentou o direito à saúde. A única referência à saúde no texto

constitucional encontrava-se no art. 8º, XIV, que delegava à União competência para

estabelecer planos nacionais de educação e saúde, não lhe conferindo qualquer

prerrogativa de direito fundamental.

Não obstante os constantes clamores da doutrina nacional, que desde Rui

Barbosa, ainda no século XIX, chamava a atenção para a necessidade de positivação

da saúde como um direito fundamental do indivíduo, apenas no final do século XX, o

direito à saúde foi regulamentado por nossos legisladores. Nos dizeres de José Afonso

da Silva, “é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só

agora é elevado à condição de direito fundamental do homem”. (2000: 311)

Quarenta anos após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a

Constituição da República de 1988 positivou o assunto em seu art. 196, segundo o

qual, a saúde é um direito de todos e dever do Estado.

Após séculos de negligência, hoje o Estado confere aos cidadãos,

indistintamente, o direito à saúde, que se consubstancia no direito ao bem-estar físico,

mental e social, ou seja, não se trata mais de uma saúde meramente “curativa” ou

“preventiva”, mas saúde que almeja, sobretudo, promover a qualidade de vida do

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indivíduo. A concepção adotada pela Carta Constitucional está em harmonia com o

atual conceito de saúde, pois, abrange tanto a dimensão “curativa” e “preventiva”,

quanto a “promoção” ao bem-estar pessoal e social do indivíduo.

Neste sentido, dispõe o art. 3º da Lei 8.080/90 – Lei Orgânica de Saúde

(LOS), que regulamentou o art. 196 da CR/88:

“Art.3º. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais (....) Parágrafo único: Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinem a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social”.

A LOS deixa transparecer de forma inequívoca que o Direito à Saúde

garantido pelo Estado brasileiro, não compreende apenas as atividades “curativas e

preventivas”, mas também o direito a uma boa qualidade de vida.

2.3 - Classificação jurídica do direito à saúde

Não obstante a Constituição de 1988 conferir à saúde o status de um direito

do cidadão faz-se imperioso analisar qual a classificação jurídica desse direito.

O direito à saúde encontra-se esculpido no Título II da CR/88 sob a égide

“Dos Direitos e Garantias Fundamentais” trata-se, portanto, de um direito fundamental

da pessoa humana. Ainda que restasse alguma dúvida quando ao caráter fundamental

do direito à saúde, a Lei 8.080/90, em seu artigo 2º, expressamente, determina que “a

saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições

indispensáveis ao seu pleno exercício”.

Direitos fundamentais, nos dizeres de José Afonso da Silva, (2000:182)

“se trata de situações sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados”

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Como a saúde é um elemento indispensável à vida humana, se o indivíduo

não usufrui de boa saúde (bem-estar físico, mental e social), seu direito à vida está

sendo ameaçado. Destarte, como os direitos fundamentais são prerrogativas sem as

quais os indivíduos não podem se realizar, resta claro que a saúde é um direito

fundamental. Afinal, se um cidadão não tem acesso à saúde (preventiva, curativa ou

qualidade de vida), a concretização de seus projetos e sonhos restarão frustrados.

Enquanto direito fundamental, o direito à saúde é inalienável, pois não possui

conteúdo patrimonial, logo, não pode ser transferido, negociado; é imprescritível,

porque nunca deixa de ser exigível, contra ele não corre prescrição haja vista que esta

é instituto peculiar dos direitos patrimoniais; é irrenunciável, pois o indivíduo não pode

renunciar seu direito à saúde, ainda que não o exerça, tal fato não configura renúncia.

(SILVA, 2000: 185)

Tendo em vista que o direito à saúde é um direito fundamental, as normas

constitucionais referentes à saúde são normas de aplicabilidade imediata e de eficácia

plena. Nos termos do art. 5º, §1º da CR/88 “as normas definidoras dos direitos e

garantias fundamentais têm aplicação imediata”, ou seja, não é necessário que uma lei

posterior regulamente o assunto para que o direito seja exigível, pois, a própria norma

constitucional impõe ao Estado o dever de prover as condições necessárias ao pleno

exercício do direito à saúde, bem como de abster-se de todo ato que possa coloca-la

em risco.

O título II da CR/88, que disciplina os direitos fundamentais é subdividido em

cinco capítulos: “Dos direitos individuais e coletivos”, “Dos direitos sociais”, “Da

nacionalidade”, “Dos direitos políticos” e por fim, “Dos partidos políticos”. O direito à

saúde está inserido no art. 6º do Capítulo II, que trata dos direitos sociais, segundo o

qual:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Daí se infere mais uma característica do direito à saúde, trata-se de um

direito social.

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16

Os direitos sociais são aqueles que exigem uma prestação positiva do

Estado, independentemente das possibilidades financeiras do indivíduo. Assim, a saúde

é um direito social porque exige uma conduta positiva do Estado - prestação da

assistência à saúde a toda a sociedade indistintamente.

Os direitos sociais estão intimamente ligados ao direito de igualdade social, e

têm por finalidade proporcionar a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes

que, sem a ação do Estado, não teriam acesso a serviços de saúde, educação e

segurança, por exemplo.

Ainda que o direito à saúde tenha sido regulamentado no capítulo II da

CR/88, que trata dos direitos sociais, parte da doutrina nacional entende que,

inobstante ser um direito social, trata-se também de um direito individual, haja vista que

“a saúde é, senão o primeiro, um dos principais componentes da vida, seja como

pressuposto indispensável para sua existência, seja como elemento agregado à sua

qualidade” (SCHWARTZ, 2001: 52). Assim, como o direito à vida é um direito individual,

a saúde, na qualidade de direito conexo àquele, também o é. Daí se infere que o direito

à saúde confere ao indivíduo uma autonomia, independência diante dos demais

membros da sociedade e do Estado.

Assim, muito embora se fale em direitos sociais ou políticos, é inquestionável

que tais direitos possuem um caráter individual, afinal é o indivíduo que irá exercer o

direito à saúde, assim como é o indivíduo que irá exercer o direito de voto.

Não obstante ser um direito social, a saúde é, também, um direito difuso.

Natureza, esta, inquestionável, pois não há como determinar quem são os titulares do

direito à saúde, afinal, toda coletividade o é, razão pela qual o Estado deve garantir o

acesso à saúde a todos, indistintamente.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/90,

a saúde passa a ser concebida como um direito do consumidor. É o que se depreende

do texto do art. 6º, §1º, segundo o qual “são direitos básicos do consumidor: a proteção

da vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no fornecimento de

produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”.

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Por derradeiro, o direito à saúde é também um direito público subjetivo. Ao

determinar que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, o art. 196 da CR/88

estabelece um vínculo jurídico entre o Estado/devedor e o cidadão/credor. Esse vínculo

jurídico impõe ao Estado obrigações positivas e negativas em relação à assistência à

saúde, e confere ao cidadão o direito subjetivo de exigir do Estado as prestações que

lhe são devidas.

Como o cidadão tem direito à prestação sanitária do Estado, caso este seja

omisso quanto à sua obrigação, ou seja, se o Estado não desempenhar seu papel de

garantidor do direito à saúde, o indivíduo poderá reclamar a tutela judicial e/ou

administrativa, a fim de obter a satisfação de seu direito.

A classificação do direito à saúde como um direito público subjetivo, oponível

contra o Estado, é um corolário do princípio da aplicabilidade imediata e eficácia plena

dos direitos fundamentais. Afinal, caso o Estado seja omisso quanto às prestações

sanitárias, o indivíduo poderá pleitear a tutela judicial ou administrativa, a fim de que a

prestação sanitária seja efetiva e eficaz.

2.4 – O direito à saúde e a Seguridade Social

O Direito à saúde foi regulamento pelo art. 196 da Constituição vigente.

Referido artigo encontra-se inserido no Título VIII que trata “Da ordem social”, mais

especificamente no capítulo II que dispõe sobre a “Seguridade Social”.

O objetivo maior da Seguridade Social é garantir a segurança da sociedade.

O termo “seguridade” etimologicamente, é sinônimo de tranqüilidade, segurança.

(AURÉLIO, 2003) Desta forma, pode-se dizer que a seguridade social é o conjunto de

medidas adotadas pelo Estado com a finalidade de resguardar a segurança e a

tranqüilidade dos cidadãos. Trata-se de um Sistema de proteção social, composto por

três frentes de atuação: a saúde, a previdência e a assistência social.

Nos precisos termos do art. 194 da CR/88:

“Art. 194º. A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e a assistência social”.

Page 18: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

18

Atua como o organismo que identifica as necessidades das pessoas e,

mediante atuação sistêmica e coordenada de seus programas, trata de lhes dar

respostas. Do ponto de vista especificamente jurídico, pode-se dizer que o Sistema

Seguridade Social é instrumento de realização da justiça social. (BALERA, 2003:18)

Rege-se a Seguridade Social, dentre outros, pelos seguintes princípios da:

(1) universalidade da cobertura, segundo a qual todas as contingências que possam

gerar necessidades aos cidadãos serão protegidas pelo Estado (universalidade

objetiva); (2) universalidade do atendimento, pelo qual todo membro da sociedade

brasileira, acometido por uma necessidade, tem direito às prestações da seguridade

social (universalidade subjetiva); (3) solidariedade financeira, porque o sistema de

seguridade é financiado por toda sociedade, nos termos do art. 195 da CR/88.

Vê-se, portanto, que o Sistema de Seguridade é suportado por toda a

sociedade, através das contribuições sociais, dos recursos provenientes da receita

tributária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e dos recursos auferidos

pelos concursos de prognósticos.

Mas convém ressaltar que, quanto mais a Seguridade Social se firma como

Sistema protetor de toda sociedade, tanto mais ela carece de recursos financeiros

adicionais. Neste sentido, a fim de solucionar essa eventual carência e recursos, o § 4º

do art. 195 da CR/88 conferiu à lei o poder de instituir nova fonte de custeio para a

seguridade social, desde que sejam obedecidas as disposições do art. 154, I, segundo

o qual, a União poderá instituir novos impostos mediante lei complementar.

Há, portanto, a possibilidade de ampliar as fontes de custeio da seguridade

social através da criação de novos tributos. No entanto, essas novas fontes de custeio

só poderão ser instituídas por lei complementar, nos moldes do artigo supracitado.

2.5 - A direito à saúde na legislação brasileira

Como demonstrado no item 2.2, foi a Carta Constitucional de 1988 que

inaugurou a proteção do direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro. Embora a

Carta de 1934 tenha feito menção à “saúde” em seu texto, não lhe conferiu o status de

um direito, ao contrário, apenas determinou que a União, os Estados, o Distrito Federal

Page 19: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

19

e os Municípios teriam competência para legislar e administrar programas de medicina

preventiva.

As Constituições que a sucederam também se silenciaram sobre o assunto,

razão pela qual, apenas em 1988, o direito à saúde foi positivado por nosso

ordenamento jurídico, conforme se depreende da análise dos artigos 196 a 200 da

CR/88. Nos dizeres deste primeiro dispositivo:

“Art. 196º. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção, e recuperação”.

Da análise do artigo supracitado conclui-se que o dever do Estado para com

a saúde da população será garantido mediante políticas sociais e econômicas que

visam, sobretudo:

a) reduzir o risco de doenças e outros agravos. Esse objetivo está vinculado

à idéia de saúde “preventiva”, ou seja, as políticas públicas devem atuar de forma a

diminuir os riscos de saúde.

b) garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Se

a saúde é um direito de todos, as políticas públicas devem garantir a todos o acesso às

ações e serviços de saúde. Assim, conforme preceitua José Francisco das Graças Cruz

apud SCHWARTZ (2001:98), o acesso a essas políticas estatais é universal, ou seja,

“todo cidadão tem direto de ser atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pelo

simples fato de ser um cidadão, respeitando-se sua autonomia individual de ser

atendido fora de tal sistema caso seja essa sua decisão”.

Ao permitir que todos tenham acesso às ações e serviços de saúde o Estado

pretende garantir a toda sociedade brasileira:

1) a promoção da saúde. Além de promover a cura e prevenção das

doenças, compete ao Estado oferecer aos indivíduos uma boa qualidade de vida,

devendo promover as condições necessárias a uma boa saúde da população. Essa

qualidade de vida está relacionada a uma série de outros direitos, afins ao direito à

saúde, e, embora a Constituição seja omissa quanto a esses direitos, a LOS, em seu

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20

art. 3º, apresenta alguns desses fatores condicionantes da saúde, dentre os quais cite-

se, por exemplo, a alimentação, o saneamento básico, o meio ambiente, a educação e

o lazer;

2) a proteção da saúde. Tem por objetivo a prevenção das doenças, os

serviços e ações estatais são prestados antes que o indivíduo seja acometido por

problemas em sua saúde. É o que ocorre, por exemplo, com as campanhas de

vacinação e de erradicação do mosquito da dengue;

3) a recuperação da saúde. Quando o indivíduo é acometido por uma

doença, ou qualquer infortúnio na área da saúde, esta será restabelecida mediante um

processo “curativo”, ou seja, o Estado irá atuar em um momento posterior ao da

ocorrência da enfermidade.

Imperioso observar que o legislador constituinte reconheceu a “relevância

pública” das ações e serviços de saúde, obrigando o poder público a presta-los à toda a

população, independentemente de pagamento2.

Consoante o art. 197 da CR/88 tanto a União, quanto os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios têm competência para regulamentar, fiscalizar e administrar os

serviços de saúde. Trata-se de competência concorrente. Apenas a competência

legislativa é exclusiva, pois, no termos do art. 22, XXIII, da CR/88, apenas a União tem

competência para legislar sobre a Seguridade Social.

Quanto à prestação dos serviços de saúde, a Constituição não especificou

qual esfera do poder político deve executa-los. Daí se infere que a saúde, enquanto

dever do Estado, é responsabilidade de todos os entes federados. Compete à União,

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, conjuntamente, prestar a assistência

à saúde.

Além dos serviços públicos, prestados por todas as esferas do poder, o art.

197, in fine, também permite que a iniciativa particular preste serviços de saúde. Eis aí

o motivo pelo qual coexistem no país o serviço público e o serviço privado de

assistência à saúde.

2 Consoante o art. 129º, II da CR/88, é função institucional do Ministério Público zelar pelos serviços de relevância pública, dentre os quais, encontra-se o direito à saúde.

Page 21: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

21

A assistência privada é disciplinada pela Lei 9.656, de 03 de junho de 1998

(Lei dos Planos de Saúde – LPS), que dispõe sobre os planos privados de assistência à

saúde. Já o serviço público de saúde é disciplinado pela Lei 8.080, de 19 de setembro

de 1990 (Lei Orgânica de Saúde – LOS), que dispõe sobre as condições para a

promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como a organização e o

funcionamento dos serviços correspondentes.

Page 22: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

22

3- A ASSISTÊNCIA PÚBLICA À SAÚDE X A ASSISTÊNCIA PRIVADA

3.1 - Evolução histórica

A doença sempre esteve presente na história da humanidade, desde as

úlceras impostas aos egípcios por Deus3, até a epidemia de SIDA (Síndrome de

Imunodeficiência Adquirida – AIDS) no século XX. Vários foram os males que

comprometeram a existência humana. Como conseqüência a assistência à saúde se

fez presente em todos esses momentos, seja motivada por instintos de auto-

preservação ou por espírito de solidariedade. (NETO, 2002:21)

Nas sociedades primitivas, a assistência à saúde era prestada por

curandeiros e feiticeiros, pois a doença estava vinculada a fatores sobrenaturais. Foi na

na civilização greco-romana que se desenvolveram os primeiros estudos científicos do

corpo humano. Nesta época, os serviços de saúde eram prestados por médicos, e

custeados, tanto pelos doentes, quanto pelas cidades.

Durante a Idade Média a doença, mais uma vez, é vinculada a fatores

sobrenaturais. Neste período os conhecimentos médicos ficaram limitados aos clérigos.

Só a partir do século XI, os leigos retomaram o exercício da medicina. O serviço era

prestado de duas formas: o médico podia ser assalariado de um Senhor Feudal ou de

alguma cidade, ou poderia praticar a medicina privada. (Rosen, apud NETO, 2002:23)

Vê-se, portanto, que desde a Antigüidade sempre coexistiram a assistência à

saúde pública (custeada pela cidade) e a assistência privada (custeada pelo próprio

doente). Esta última forma de custeio, no entanto, sempre foi mais rara, tendo em vista

a carência da população.

Quanto ao Estado, apenas nos momentos em que ocorreram grandes

endemias, ele assumiu a responsabilidade para com a saúde da população. Afora

essas circunstâncias, os cuidados com a saúde ficavam a cargo da comunidade, ou do

próprio doente.

Com a Revolução Industrial, no entanto, a doença passou a ser identificada

como um fator que coloca em risco a produtividade. Ora, o processo de industrialização

3 Como o Faraó Egípcio se recusava a libertar o povo Hebreu, Deus derramou sobre o Egito tumores.

Page 23: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

23

estava em plena ascensão e exigia, a cada dia, mais mão-de-obra. A doença, em

sentido contrário, afastava o indivíduo da linha de produção. Junto à industrialização,

deu-se o processo de urbanização com seus conseqüentes problemas de saúde

pública, tais como ausência de saneamento básico e moradias insalubres.

Diante deste contexto, o Estado foi chamado a assumir o papel central na

promoção da saúde, afinal, apenas o Poder Público teria condições de arcar com um

ônus tão elevado. Nos dizeres de Dallari, apud NETO (2002: 24):

“Alguém deveria responsabilizar-se pela manutenção da força de trabalho em condições ideais para produzir. Quem melhor que o Estado para encarregar-se dessa tarefa? – Concluíram os empresários. (....) Vê-se, então, que curiosamente, o primeiro grupo social que reivindicou do Estado a responsabilidade pela saúde do povo foi o empresariado industrial.”

Por fim, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, a

saúde passa a ser um direito do indivíduo, razão pela qual o Estado deve se

responsabilizar por sua promoção. Hoje coexistem as duas formas de assistência à

saúde; a pública (financiada pelo Estado e garantida a toda população), e a privada

(financiada pelo particular e restrita a este).

No que tange ao Brasil, durante a maior parte da história do país, a saúde

esteve sob a responsabilidade da própria população. Enquanto colônia de Portugal, a

metrópole pouco se interessou pela assistência à saúde dos colonos. Neste período os

serviços de saúde eram prestados por entidades de caridade leigas e religiosas.

Somente após a proclamação da independência, as instituições médicas

começaram a se desenvolver no Brasil. Como conseqüência os médicos passaram a

ocupar importantes posições nos cenário político do país e começaram a cobrar do

Estado uma postura mais efetiva. Mas foi no início do século XX, já como República,

que o Estado brasileiro assumiu a responsabilidade na promoção da saúde.

Neste momento inicial, a única preocupação do Estado era combater as

epidemias que assolavam a população brasileira. A assistência à saúde promovida pela

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24

República Velha se resumia às atividades preventivas, tais como as campanhas

sanitaristas protagonizadas pelo Médico Oswaldo Cruz.4

A partir dos anos 20, o processo acelerado de urbanização e industrialização

deu origem a uma grande classe de trabalhadores urbanos. Estes, por sua vez,

necessitavam de uma assistência médica individual, que solucionasse seus problemas

de saúde e os devolvesse o quanto antes ao mercado de trabalho.

Diante das constantes reivindicações da classe trabalhista, o Estado editou,

em 1923, a Lei Eloy Chaves, que determinou a criação de uma Caixa de Aposentadoria

e Pensão (CAP) em cada empresa de estrada de ferro do país, custeada por

contribuições das empresas e dos empregados. Com os Fundos desta Caixa as

empresas prestavam a seus empregados uma assistência médica personalizada. Eis aí

o embrião da assistência privada à saúde no Brasil.

Durante todo o século XX a assistência à saúde no país se dividiu em duas

frentes: de um lado havia o sistema sanitarista (Estatal), responsável pelas atividades

preventivas, tais como campanhas de vacinação e programas de saneamento básico;

de outro, havia o sistema médico-assistencialista (privado), que fornecia à classe

trabalhadora, uma assistência individual, com atividades curativas, tais como, consultas,

exames, hospitalizações e cirurgias. Esses serviços assistenciais eram prestados tanto

por entidades privadas (CPAs) como por órgãos públicos (Instituto Nacional de

Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS) mas apenas os trabalhadores, e a

população extremamente carente, tinham acesso a esses serviços.

A Constituição de 1967 dizia que a saúde era um direito do trabalhador.

Assim, segundo ensinamento de Antonio Joaquim Fernandes Neto (2002:41),

“as pessoas recebiam assistência de três forma distintas: (1) totalmente privada, com pagamento direto; (2) por meio de institutos de previdência e assistência social, contra apresentação da prova de vinculo trabalhista, representado pela carteira de identificação da previdência pública ou (3) por caridade, por intermédio de instituições criadas para atender excluídos, os que

4 No início do século XX a falta de saneamento básico e as precárias condições de higiene fizeram do Rio de Janeiro um foco de epidemias. Coube ao médico sanitarista Oswaldo Cruz reverter essa situação. Iniciou-se uma campanha de extermínio de mosquitos e ratos, transmissores de doenças, bem como a vacinação da população. Em 1904, a Varíola havia matado cerca de 3.500 pessoas. Dois anos depois, esta doença fez apenas 9 vítimas.

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25

não podiam pagar pelos serviços e não tinham contrato de trabalho formalizado de acordo com a lei”.

Nos anos 60 e 70, no entanto, a classe trabalhadora cresceu muito, e, junto

com esta, aumentaram os gastos com a assistência à saúde. Neste período o INANPS

prestava assistência a saúde e o Ministério da Saúde as atividades preventivas. Essa

divisão do serviço mostrava-se cada vez mais inoperante e implicava em gastos cada

vez mais altos.

A Constituição de 1988 pôs fim a essa dicotomia instituindo o Sistema Único

de Saúde (SUS), por meio do qual toda a população tem acesso à assistência pública

(garantida a todos os indivíduos, trabalhadores ou não), integral (serviços de prevenção

e assistencialistas) e gratuita (financiada pelo Estado).

Embora pareça contraditório, o crescimento do setor privado de assistência à

saúde ocorreu justamente após a criação do SUS. Afinal, conforme preceitua o Prof.

Antônio Joaquim Fernandes Neto (2002:41):

“As naturais dificuldades para implementação de um modelo ousado, e eqüitativo, como é o SUS, criaram o ambiente propício para o desenvolvimento da operadoras de planos privados de assistência à saúde. Os trabalhadores, que tinham prioridade nos serviços garantida pela simples identificação como contribuinte da previdência pública, passaram a concorrer com uma grande massa de pessoas excluídas e, pouco a pouco, foram sendo seduzidos pelas operadoras de planos de saúde”.

Há que se observar, ainda, que a própria Constituição de 1988 disciplinou as

duas formas de assistência à saúde (pública e privada) conforme se depreende da

análise do art. 197 infra:

“Art. 197º. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”. (grifos nossos)

Embora seja um dever do Estado, a Constituição permite que os serviços de

assistência à saúde sejam executados tanto pelo Estado, quanto por pessoas de direito

privado, motivo pelo qual, hoje, coexistem no Brasil o serviço público de assistência à

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26

saúde, prestado pelo SUS, e a assistência privada, prestada pelas Operadoras de

Planos de Saúde.

3.2 – O Sistema Único de Saúde (SUS)

O legislador constituinte, no art. 198 da Constituição Federal instituiu Sistema

Único de Saúde (SUS). Posteriormente, coube à Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990

(Lei Orgânica da Saúde - LOS), disciplinar sobre a forma de organização e as

atribuições deste sistema.

Nos termos do artigo 4º da LOS, o Sistema Único de Saúde constitui:

“Art.4º. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. § 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde. §2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde em caráter complementar”.

Elucidativo é o conceito de João Batista Lazzari (2003:22), segundo o qual o

“SUS foi concebido como um sistema integrado por instituições das várias esferas do governo e, também, pelo setor privado contratado e conveniado como se fosse uma estrutura única. Ou seja, o serviço privado, quando contratado pelo SUS, deve atuar como se fosse público, sujeito às mesmas normas do serviço público”.

A partir da análise do art. 198 da CR/88, pode-se extrair as características

impostas ao SUS pelo legislador constituinte. Trata-se de um sistema único,

regionalizado e hierarquizado.

Único, porque o Estado reuniu no SUS as atividades sanitaristas e

assistencialistas, pondo fim à dicotomia existente. Toda a rede pública de saúde foi

interligada, criando-se um organismo único, com funcionamento harmônico e eficiente

(ao menos ideologicamente).

A organização regionalizada do SUS tem por objetivo tornar o sistema mais

eficaz, afinal um sistema de saúde que adotasse uma única política de saúde em todo

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27

país, desconsiderando as peculiaridades regionais, estaria fadado ao fracasso. Com a

regionalização do sistema, ao contrário, cada região desenvolve sua política de saúde

de acordo com as necessidades locais.

Por outro lado, a constituição diz que o SUS compreende uma rede

hierarquizada.Trata-se de um termo técnico do setor de saúde, segundo o qual os

serviços de saúde devem ser divididos de acordo com o nível de complexidade que

envolvem. Segundo cite-se Lenir Santos, apud SCHWARTZ (2001:108):

“É a referência e a contra-referência: o paciente tem acesso aos serviços de saúde através de um serviço de menor complexidade, devendo ser referenciado para serviços de maior complexidade na medida de suas necessidades individuais (excetuadas as situações de emergência)”.

3.2.1. Princípios informadores

Os princípios e diretrizes aplicáveis ao SUS estão previstos nos incisos e

parágrafos do art. 198 da CR/88, e no art. 7º da Lei Orgânica de Saúde. Entretanto,

como o SUS está inserido no Sistema de Seguridade Social, também obedecerá aos

princípios que regem este sistema, quais sejam: universalidade da cobertura,

universalidade do atendimento e solidariedade financeira, os quais já foram tratados no

item 2.4 supra, motivo pelo qual não serão aqui repetidos.

Afora estes, existem princípios próprios do setor de saúde, dentre os quais,

pode-se citar:

Descentralização: o SUS está presente em todas essas esferas de poder, ou

seja, cada ente federado possui os órgãos, poderes e instrumentos para viabiliza-lo.

“Desta forma, as ações e serviços que atendem à população do município devem ser

municipais, as que atingem vários municípios devem ser estaduais, e aquelas que

dizem respeito a todo território nacional devem ser federais”. (LAZZARI, 2003:25)

Assim, a direção nacional do SUS compete ao Ministério da Saúde, tendo

como gestor o Ministro da Saúde. No âmbito estadual, a direção fica a cargo da

Secretaria de Saúde do Estado, sendo gestor o Secretário de Saúde. Por fim, a direção

municipal do SUS compete à Secretaria Municipal de Saúde, ou outro órgão

equivalente, sendo o gestor o Prefeito e o Secretário Municipal de Saúde.

Page 28: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

28

Integralidade no atendimento: Os serviços do SUS devem compreender as

atividades preventivas, curativas e a promoção da saúde. A cobertura é integral,

abarcando toda espécie de tratamento, do mais simples ao mais complexo, de

campanhas de vacinação a cirurgias modernas. Trata-se do princípio da universalidade

de cobertura, que rege o Sistema de Seguridade Social.

Seletividade: embora a cobertura seja integral, o SUS deve dar prioridade às

atividades preventivas.

Gratuidade: o SUS é financiado por toda sociedade, nos termos do art. 195

da Constituição Federal, motivo pelo qual não deve ser cobrado qualquer valor pelo

serviço prestado. Exatamente por se gratuito, o “legislador não poderá instituir

contribuição a ser cobrada dos usuários das ações e serviços públicos de saúde e da

assistência social, por expressa vedação constitucional constante dos arts. 196 e 203,

“caput”, respectivamente” (LAZZARI, 2003:21).

Participação da comunidade: para que a gestão do SUS esteja de acordo

com as necessidades da população, é assegurada a participação da comunidade na

gestão do sistema. Esta participação se dá por meio das Conferências de saúde e

Conselhos de saúde, organizados nos níveis federais, estaduais e municipais.

3.2.2. Fontes de financiamento

Nos termos do art. 194, inciso VI, da CR/88, a Seguridade Social, e por

conseqüência a saúde, obedece ao princípio da diversidade da base de financiamento,

ou seja, a saúde pública possui várias fontes de custeio. Ressalta o Juiz Federal João

Batista Lazzari (2003:21) que:

“a adoção do princípio da diversidade das fontes de financiamento foi uma escolha acertada do constituinte de 1988, em face da importância da existência de recursos diversificados para a garantia dos investimentos na área da saúde pública”.

O art. 198 da CR/88, que disciplina o serviço publico de saúde, determina

que o SUS será financiado, (1) nos termos do art.195, com recursos do orçamento do

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29

Sistema de Seguridade Social; (2) com verbas da União, dos Estado, do Distrito Federal

e dos municípios; (3) além de outras fontes, especificadas no art. 32 da lei 8.080/90.

Para uma melhor compreensão do tema, faz-se necessária uma análise

pormenorizada de cada um destas fontes de custeio do setor de saúde.

3.2.2.1. Dotações orçamentárias dos Entes Federados

Nos termos do art. 198 da CR/88, § 2º, a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde

recursos mínimos. Ocorre que a Carta Constitucional havia se omitido quanto aos

parâmetros desses recursos. Neste sentido, a fim de sanar o problema, foi editada a

emenda Constitucional nº 29, de 13.09.2000, que determinou a quantia mínima que

cada esfera do poder deveria investir nas ações e serviços de saúde.

Assim, a União tomou por base os recursos investidos no ano de 1999. Em

2000 precisou reservar, no mínimo 5%, a mais, e nos anos seguintes, esta quantia foi

corrigida pelo valor nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Já os Estados devem

investir, no mínimo, 12%; e os Municípios, no mínimo, 15%, dos seus respectivos

orçamentos.

3.2.2.2. Contribuições para a Seguridade Social

Além dos recursos provenientes dos entes federados, o SUS também é

financiado por verbas oriundas do orçamento da Seguridade Social. Este orçamento é

composto por recursos da União, dos Estado, do Distrito Federal e dos Municípios, por

contribuições sociais e por receitas obtidas com os concursos de prognósticos.

Entretanto, como a seguridade social é composta pela Previdência, Saúde e

Assistência Social, o seu orçamento será rateado entre esses três setores, de acordo

com as necessidades de cada um. É o que se depreende do art. 31 da LOS:

“Art 31º. O orçamento da seguridade social destinará ao Sistema Único de Saúde (SUS) de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a participação dos órgãos da Previdência Social e da

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30

Assistência Social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentária”.

Por força da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998, algumas

contribuições sociais só podem ser utilizadas para pagamento dos benefícios da

previdência social. Assim, apenas algumas contribuições sociais podem ser destinadas

ao SUS, quais sejam:

- a Contribuição para o financiamento da Seguridade Social (COFINS).

Instituída pela Lei Complementar 70/91: incide sobre a receita e o faturamento das

empresas.

- a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL). Instituída pela Lei

7.689/88: incide sobre o lucro líquido das empresas.

- a Contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos. Instituída

pela Lei 8.212/91: parte da renda líquida dos concursos de prognósticos é dirigida ao

SUS.

- a Contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores

e créditos de natureza financeira (CPMF). Instituída pela Emenda Constitucional nº

37/02: 0,20% é destinado ao Fundo Nacional de Saúde para financiamento das ações e

serviços de saúde.

3.2.2.3. Outras fontes de custeio

Afora as receitas provenientes das dotações orçamentárias, e da Seguridade

Social, o SUS possui outras fontes de custeio (§1º do art. 198 da Constituição, in fine).

Coube ao artigo 32 da LOS determinar quais seriam essas “outras fontes”, assim:

“Art. 32º. São consideradas de outras fontes os recursos provenientes de: I) vetado; II) serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde; III) ajuda, contribuições, doações e donativos; IV) alienações patrimoniais e rendimentos de capital; V) taxas, multas, emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do Sistema Único de Saúde; e VI) rendas eventuais, inclusive comerciais e industriais”.

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31

Por fim, outra fonte de financiamento de extrema importância para o SUS é o

repasse de 50% do valor bruto do Seguro Obrigatório de Veículo Automotores

Terrestres (DPVAT), previsto pela Lei 6.194.

Resumidamente pode-se dizer que o SUS é financiado por dotações

orçamentárias dos entes federados, pelas contribuições sociais do sistema de

seguridade, pelo DPVAT, e por outras fontes. Note-se, portanto, que o legislador pátrio

regulamentou a assunto consoante o princípio constitucional da diversidade de base de

financiamento e da solidariedade, pois, todos os setores sociais são chamados a

contribuir para a seguridade.

3.2.3. Objeto da relação jurídica de natureza pública

A saúde é um direito de todos e dever do Estado (art.196 CR/88). Trata-se,

como demonstrado no item 2.3, de um direito subjetivo público. O Estado tem o dever

de prestar a assistência à saúde e o indivíduo tem o direito de exigi-lo. Este direito

subjetivo público é o objeto da relação jurídica existente entre o Estado devedor e o

indivíduo credor.

Conforme conceituou o Professor Caio Mário da Silva Pereira (1999, v.1: 23):

“O direito subjetivo, traduzindo, desta sorte, um poder no seu titular, sugere de pronto a idéia de um dever a ser prestado a outra pessoa. Quem tem um poder de ação oponível a outrem, (....) participa obviamente de uma relação jurídica, que se constrói com um sentido de bilateralidade, suscetível de expressão na fórmula poder/dever: poder do titular do direito exigível de outrem; dever de alguém para com o titular do direito”.

Acrescenta, ainda, que o direito subjetivo é composto por três elementos: o

sujeito, que é o titular do direito, ou seja, aquele a quem a ordem jurídica assegura o

poder de exigir o direito; o objeto, que é o bem jurídico, o qual a pessoa tem o poder de

exigir; e a relação jurídica, que é o vínculo existente entre o credor e o devedor do

direito, e que confere ao primeiro o poder de exigir do segundo o objeto devido.

Se há um poder jurídico, obviamente existe um correlato dever jurídico.

Sendo assim, existem dois sujeitos: o ativo, que tem o pode de exigir a realização do

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32

seu direito; e o passivo, que tem o dever de atender à vontade do primeiro. (PEREIRA,

1999, v.1:23)

Assim, quanto ao direito subjetivo à saúde, o sujeito ativo é o indivíduo; o

sujeito passivo é o Estado; e o objeto dessa relação jurídica é o direito à saúde

garantido constitucionalmente. Em outras palavras, o indivíduo tem o poder de exigir do

Estado a assistência universal, gratuita e integral à saúde, e este tem o dever de

prestá-la, o que fará através do Sistema Único de Saúde.

Conclui-se, portanto, que a relação jurídica de direito público existente entre

o Estado-devedor e o indivíduo-credor, tem como objeto o amplo direito à saúde

garantido pela Constituição.

3.3 – A assistência privada na Constituição de 1988

Consoante o artigo 197, “caput”, da CR/88 resta inequívoco que o Estado,

embora tenha determinado que os serviços de saúde são de relevância pública,

permitiu que tais serviços fossem prestados por terceiros, pessoas físicas (médicos) ou

jurídicas (clinicas particulares) de direito privado.

O art. 199 da CR/88 é anda mais claro ao determinar que:

“Art. 199º. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. §1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”.

Há, portanto, os serviços públicos de saúde, custeados pelo Estado,

prestados por instituições de direito público ou por instituições de direito privado,

contratadas ou conveniadas do SUS. E os serviços de assistência privada à saúde,

custeados pelos particulares, prestados por instituições de direito privado.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), órgão da OMS publicou

um relatório intitulado “A Saúde no Brasil” (1998:31), segundo o qual:

“O sistema de serviços de saúde brasileiro está formado por uma rede complexa de provedores e financiadores, que abarca os seguimentos público e privado. O segmento público engloba os provedores públicos dos três níveis de

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33

governo, que no nível federal são o Ministério da Saúde (gestor nacional do SUS), os hospitais universitários do Ministério da Educação e os Serviços das Forças Armadas. Os níveis estadual e municipal compreendem a rede de estabelecimentos próprios das respectivas instâncias. A cobertura dos serviços públicos de saúde, complementada por serviços prestados pelas entidades privadas, contratadas pelo governo sob responsabilidade do SUS, chega a 75% da população. O segmento exclusivamente privado compreende os serviços lucrativos pagos diretamente pelas pessoas e as instituições provedoras de planos e seguros privados”. (grifos nossos)

Vê-se, portanto, que a iniciativa privada presta assistência à saúde de forma

complementar e suplementar, pelo que faz-se necessário distinguir as duas

modalidades, o que se fará a seguir.

3.3.1. Saúde Suplementar

Se por um lado a assistência à saúde é um dever do Estado. Por outro, o

Poder Público admite que as ações e serviços de saúde sejam prestados pela iniciativa

privada. É o que se depreende do art. 199, “caput”, segundo o qual a assistência á

saúde é livre à iniciativa privada.

Assim, além dos serviços de saúde prestados pelo SUS, a Carta

Constitucional admite que pessoas físicas e jurídicas de direito privado (hospitais,

clinicas, operadoras de planos de saúde), prestem esses serviços mediante uma contra

prestação dos usuários. A assistência à saúde não constitui um monopólio do Estado.

Entretanto, por se tratar de um direito fundamental de relevância pública, quando

prestada por entidade privada, está submetida à regulamentação, fiscalização e

controle do pode Público.

Essa assistência à saúde exercida por entidades privadas, financiada

diretamente pelo usuário, caracteriza o setor chamado de saúde suplementar. O

relatório da OPAS, supracitado, faz menção a serviços exclusivamente privados, que

realmente o são, afinal, a saúde suplementar é financiada única e exclusivamente por

seus usuários.

3.3.2. Saúde Complementar

Nos temos do §1º do artigo 199 da CR/88, as instituições privadas poderão

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34

participar de forma complementar do SUS. Assim, as entidades privadas que celebram

contratos de direito público ou convênio com o SUS, passam a integrar o sistema

público de saúde, razão pela qual se submetem aos princípios e diretrizes que orientam

o serviço público.

Neste sentido, um hospital particular que celebra um contrato de prestação

de serviços com o SUS deverá prestar assistência, integral e gratuita (será remunerado

posteriormente pelo SUS) a todas as pessoas que para lá se dirigirem.

Diz-se complementar porque essa participação das entidades privadas no

SUS só ocorrerá quando o sistema público não possuir meios para suprir as

necessidades da população. Nos termos do artigo 24 da LOS:

“Art. 24º. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada. Parágrafo único: A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direto público”.

Tanto a saúde complementar, quanto a suplementar são prestadas por

entidades privadas; aquela, entretanto, segue as mesmas diretrizes e princípios do

SUS; esta, a seu turno, rege-se por princípios de direito privado, consoante o item

3.3.5. adiante.

3.3.3. Fontes de financiamento da assistência privada

Diversamente do sistema público de saúde, que é financiado por toda

sociedade através das diversas fontes de custeio criadas pela Constituição e por leis

infraconstitucionais, a assistência privada à saúde é financiada pelo contratante do

serviço.

Quando um indivíduo usufrui assistência privada à saúde, ele paga pelo

serviço prestado. O pagamento pode se dar diretamente ao prestador dos serviços, ou

indiretamente, através das mensalidades e contribuições dos planos de saúde.

Assim, um indivíduo que se interna em um hospital particular pagará pelos

serviços prestados (exceto se o prestador de serviço fizer parte da rede conveniada do

Page 35: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

35

SUS). A forma de pagamento, no entanto, pode variar, pois, caso o usuário possua

plano de saúde, ele paga as mensalidades ao plano e, quanto utilizar os serviços

contratados, o plano de saúde paga o hospital (pagamento indireto). Lado outro, se a

pessoa não possui plano de saúde terá que pagar pelos serviços diretamente.

3.3.4. Objeto da relação jurídica de natureza privada

Como demonstrado no item 3.2.3. retro, o direito subjetivo público à saúde é

o objeto da relação jurídica estabelecida constitucionalmente entre o Estado e o

indivíduo. No que tange à assistência privada, a relação jurídica se estabelece

mediante contrato privado de assistência à saúde.

Constitui objeto destes contratos a assistência à saúde. Ou seja, na relação

jurídica de direito privado não existe um direito público subjetivo à saúde (esta compete

ao Estado prestar), mas há tão-somente um direito à assistência à saúde.

Elucidativo é o comentário do Prof. Antonio Joaquim Fernandes Neto

(2002:113), segundo o qual “há uma enorme diferença entre o direito subjetivo público à

saúde, garantido pela Constituição, e o direito à assistência à saúde, que, na Lei de

Planos de Saúde, se restringe à assistência médica, hospitalar e odontológica”.

Quando uma pessoa contrata um serviço de assistência privada à saúde,

está contratando, apenas, alguns serviços expressamente elencados no instrumento

contratual. Na seara do direito privado, não há que se observar os princípios da

universalidade (apenas o contratante e seus dependentes poderão usufruir os serviços

contratados) e da integralidade (o contratante só tem direito aos serviços efetivamente

contratados).

A fim de evitar abusos das entidades privadas de assistência à saúde, a Lei

de Planos de Saúde institui um plano-referência, ditando a cobertura mínima que as

operadoras de planos de saúde devem assegurar. O próprio plano-referência possui

limitações, excluindo de sua cobertura, dentre outros, os procedimentos clínicos ou

cirúrgicos para fins estéticos e as inseminações artificiais.

Ora, se o contratante não tem direito a uma assistência integral e gratuita,

conclui-se que o objeto da relação contratual privada não é o direito subjetivo à saúde,

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36

mas tão-somente o direito à assistência à saúde, nos moldes estipulados no contrato. A

esse respeito, perspicaz é a observação do Prof. Antonio Joaquim Fernandes Neto

(2002:121) para quem:

“O setor privado, mesmo por meio das grandes empresas que atuam no setor de planos e seguros de saúde, não poderia assumir a responsabilidade atribuída ao Estado de reduzir as doenças e outros agravos e promover o acesso de todos às ações e aos serviços de saúde. Tampouco seria possível exigir que as operadoras de planos de saúde se obrigassem a garantir o completo bem-estar, físico, psíquico e social, de todos os seus clientes”.

Page 37: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

37

4- A REGULAMENTAÇÃO DA LEI DOS PLANOS DE SAÚDE

Diante da deficiência e inoperância da assistência médica prestada pelo

INANPS, na década de 70, as empresas precisaram buscar alternativas para garantir a

assistência à saúde de seus empregados. Neste contexto, surgiram as entidades

privadas especializadas na assistência à saúde que, nas décadas seguintes, cresceram

de forma surpreendente.

Por um período de quase 30 anos, no entanto, o setor atuou sem uma

regulamentação específica. Várias empresas foram criadas, mas por motivos

desconhecidos fracassaram, causando prejuízos a consumidores e prestadores de

serviços (NETO, 2002:42). Durante esse período, inúmeras ações foram interpostas no

judiciário, questionando os contratos celebrados com as entidades privadas.

Assim, a fim de regulamentar as ações das operadoras de planos de saúde,

o Congresso Nacional aprovou a Lei 9.656, de 03.06.1998 – Lei de Planos de Saúde

(LPS), que trata, desde a autorização para funcionamento destas empresas até as

cláusulas que devem constar dos contratos celebrados com prestadores de serviços e

consumidores.

Compete ao Poder Público regulamentar, fiscalizar e controlar os serviços de

saúde (art. 197, in fine). Com a edição da Lei 9.656/98, o Estado passou a intervir

diretamente no setor de assistência privada à saúde, regulamentando-o, fiscalizando-o

e controlando-o, ainda que com uma década de atraso.

4.1. – Entidades Operadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde

Nos termos do art. 1º da LPS submetem-se às disposições desta Lei as

pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de saúde.

Planos de saúde são sistemas de prestação de serviços médico-

hospitalares, para atendimento em larga escala, com custos controlados. Configura, via

de regra, contratação com pré-pagamento e com oferecimento de rede própria,

credenciada ou referenciada de hospitais, clínicas, médicos, laboratórios etc. Alguns

planos, no entanto, admitem também a livre escolha de serviços mediante reembolso

nos termos definidos em contrato e em tabela de preços.

Page 38: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

38

No que concerne às operadoras, são os fornecedores de planos que

oferecem serviços privados de assistência à saúde, ou seja, são as pessoas jurídicas,

constituídas sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade

de autogestão, que operam os planos de saúde. As 3 principais categorias são:

Medicina de Grupo: Na década de 60 os serviços de saúde prestados pelo

Estado mostraram-se incapazes de satisfazes às necessidades dos trabalhadores.

Neste momento surgiram as empresas especializadas na venda de serviços médicos ao

setor industrial. Os médicos se organizaram em grupos, criando uma estrutura de

atendimento, com custos fixos e previsíveis, e passaram a vender esses serviços do

grupo às grandes empresas. Com a edição da CR/88, essas empresas dedicadas à

“medicina de grupo”, ampliaram seu campo de atuação dando origem às empresas

especializadas em planos de saúde. Em 1998 representavam 47% do mercado de

serviços privados (OPAS, 1998:31).

Cooperativas médicas: As Cooperativas Médicas são instituições em que os

médicos, além de prestadores de serviços, são também co-proprietários; recebem

pagamentos na proporção dos atos médicos que realizam a título de "adiantamento" e,

no encerramento de cada exercício, também uma participação nos resultados, nas

"sobras" das transações realizadas, que podem ser destinadas a fundos de benefício

social ou de reinvestimento, de acordo com decisões tomadas em assembléia geral de

cooperados. Um exemplo muito conhecido em todo o país, de cooperativa médica, é a

Unimed. Em 1988 representavam 25% do setor privado de assistência à saúde (OPAS,

1998:31).

Autogestão: São empresas, ou outro tipo de organização como as

sociedades civis e fundações, que instituem e administram os planos de saúde de seus

empregados, sócios, e beneficiários. Daí serem chamadas de entidades fechadas, pois

ao contrário da Medicina de Grupo e das Cooperativas, não estão abertas a todas as

pessoas, ao contrário, só prestam assistência à saúde de seus empregados ou

associados.

A assistência à saúde prestada por estas entidades dá-se através de

contratos privados de prestação de serviços, celebrados entre as operadoras e

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39

particulares ou empresas, por meio dos quais o indivíduo (particular ou empregado) terá

direito aos serviços privados de assistência à saúde.

4.1.2. Agência Nacional de Saúde Suplementar

Após a aprovação da LPS o Governo Federal criou, por meio da Lei

9.961/00, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), outorgando-lhe a tarefa de

fiscalizar, regulamentar e controlar os planos de saúde5.

O mesmo diploma legal, no art. 4º, VI e XXX, confere à ANS competência

para “estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS”, o

qual será analisado no item seguinte, bem como para “aplicar as penalidades pelo

descumprimento da Lei 9.656/98 e de sua regulamentação”. Compete-lhe, portanto,

zelar pelo cumprimento das políticas estabelecidas pela Lei de Planos de Saúde.

4.2. – O Ressarcimento ao SUS

4.2.1. Hipóteses ensejadoras do ressarcimento

Dentre as inúmeras inovações introduzidas pela LPS, um dos pontos mais

delicados é objeto do art. 32 da LPS, segundo o qual:

“Art. 32º. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS”.

Da análise do artigo supracitado infere-se que o ressarcimento será devido

sempre que (1) um consumidor de plano de saúde ou seus dependentes; (2) forem

atendidos pelo SUS; (3) e os serviços prestados pelo Sistema Público constarem dos

respectivos contratos particulares.

5 “Art. 1º.É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - RJ, prazo de duração indeterminado e atuação em todo o território nacional, como órgão de regulação, norrmatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde.

Page 40: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

40

O objetivo do ressarcimento é restituir os gastos realizados pela rede pública

com o tratamento de pessoas filiadas a planos privados de assistência á saúde, haja

vista que o tratamento é coberto pelo contrato do plano de saúde. Os tratamentos

prestados pelo SUS, que não constem do contrato privado, não são objeto do

ressarcimento.

Assim, se uma pessoa possui plano de assistência odontológica e se dirige

ao SUS, onde recebe atendimento médico-hospitalar, não há que se falar em

ressarcimento, afinal, o serviço prestado pelo sistema público não era coberto pelo

plano privado. Da mesma forma, se o plano oferece assistência médico-hospitalar, mas

não cobre, v.g., tratamento de quimioterapia, caso a pessoa se dirige ao SUS para

obtê-lo, o ressarcimento não é devido.

Existem planos de saúde com co-participação, ou seja, a operadora custeia

uma parcela do atendimento (70% v.g.), ficando o restante a cargo do usuário (30 %).

Nestas hipóteses, o valor a ser ressarcido é apenas a parcela da operadora. É o que

dispõe o art. 10, § 3º, da Resolução nº 22, de 21 de outubro de 1999, do Conselho de

Saúde Suplementar (CONSU).

“§ 3º Quando houver franquia ou co-participação, prevista em contrato, esta deverá ser deduzida do valor a ser ressarcido pelas operadoras”.

4.2.2. Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos - TUNEP

Conforme dispõe o § 8º do art. 32 da LPS “os valores a serem ressarcidos

não serão inferiores aos praticados pelo SUS e nem superiores aos praticados pelas

operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º desta Lei”.

Daí infere que o SUS não poderá receber menos do que paga aos hospitais

e instituições conveniados e contratados. Tampouco as operadoras são obrigadas a

ressarcir mais do que pagariam a sua rede credenciada.

A LPS fixou apenas os limites mínimos e máximos para o ressarcimento. A

fim de viabilizar a cobrança, o Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), por meio da

Resolução nº 9, de 03 de dezembro 1998, instituiu a Tabela Única Nacional de

Equivalência de Procedimentos:

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“Art. 3º. O ressarcimento será cobrado de acordo com os procedimentos estabelecidos na Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos - TUNEP, aprovada pelo Conselho de Saúde Suplementar, de acordo com o § 1º do artigo 32 da Lei nº 9.656/98. Parágrafo único. A TUNEP identificará os procedimentos, proporcionando a uniformização das unidades de cobrança em todo o território nacional e definirá os valores de referência”.

A Resolução do CONSU determinou que o ressarcimento seria efetuado com

base em uma tabela, mas foi a Resolução nº 17 da Diretoria Colegiada da ANS, que

elencou todos os procedimentos, determinou o código de cada um, e fixou os valores.

Assim, cite-se, v.g., a “apendicectomia”, cujo código é 33005060, e valor a ser

ressarcido R$ 1.097,866 (um mil noventa e sete reais e oitenta e seis centavos).

Importante observar que, independentemente da instituição que prestar o serviço, seja

um hospital de primeira linha, ou uma entidade precária, o valor a ser ressarcido será

sempre o mesmo.

A instituição da tabela uniformizou a cobrança em todo território nacional,

pois definiu valores de referência para cada procedimento.

4.2.3. Procedimento do ressarcimento

A primeira obrigação das operadoras é fornecer, periodicamente, à ANS

todas as informações e estatísticas relativas a suas atividades, incluídas as de natureza

cadastral, especialmente aquelas que permitam a identificação dos consumidores e de

seus dependentes, incluindo seus nomes, inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas

dos titulares e Municípios onde residem (art. 20 da LPS).

Com base nestas informações, a ANS criou um cadastro dos beneficiários

dos planos de saúde. O SUS, a seu turno, envia periodicamente à ANS as Autorizações

de Internações Hospitalares (AIH), ou seja, uma lista com os dados de todas as

pessoas atendidas pelo SUS durante o período.

Assim, periodicamente a ANS cruza os dados das AIHs com o cadastro de

clientes das operadoras privadas e, desta forma, identifica os atendimentos a serem

ressarcidos. 6 Valor referente ao ano de 2000. Posteriormente foram editadas novas Resoluções corrigindo esses valores.

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42

Feita a identificação, a ANS envia à operadora o Aviso de Beneficiário

Identificado (ABI), com todos os dados do procedimento utilizado pelo cliente e o boleto

bancário com o valor da TUNEP.

Após receber o ABI, a operadora possui 15 dias para pagar ou impugnar.

Não havendo impugnação, nem recolhimento do débito dentro do prazo, a operadora

será inscrita no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público

Federal (CADIN); e será encaminhado processo á Procuradoria Geral da ANS com

vistas à inscrição dos valores na dívida ativa da Agência e posterior cobrança judicial.

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5- FUNDAMENTO JURÍDICO DO RESSARCIMENTO

Muitas foram as mudanças introduzidas pela Lei de Planos de Saúde, mas

nada que se compare à turbulência causada pela instituição do ressarcimento ao SUS.

O artigo 32 da lei supracitada sempre foi alvo de inúmeras críticas, inclusive gerando

várias ações que tramitam no judiciário nacional questionando o fundamento desta

cobrança. Na doutrina, apenas alguns se arriscaram a falar sobre o assunto, e entre

estes as opiniões apresentam-se diversas. Há aqueles que o criticam, alegando que o

ressarcimento é um tributo, e como tal, só poderia ter sido instituído por Lei

Complementar e não uma Lei ordinária, como a 9.656/98.

Outros, no entanto, o defendem sob a premissa de que se trata de uma

obrigação civil de reparar o dano causado ao SUS, ou seja, o ressarcimento teria seu

fundamento na responsabilidade civil.

Por fim, há uma terceira corrente, para a qual, não obstante a natureza civil,

o ressarcimento não se fundamenta na responsabilidade civil, mas sim, no

enriquecimento sem causa das operadoras.

Em que pese a novidade e abrangência do assunto, as análises até aqui

expostas servirão de arcabouço para o deslinde da questão.

5.4. O ressarcimento como obrigação tributária

“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor

nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e

cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (Art. 3º Código

Tributário Nacional - CTN).

A partir do conceito supracitado, é possível extrair os elementos

caracterizadores de um tributo, quais sejam:

Trata-se de uma prestação pecuniária compulsória, ou seja, é uma prestação

obrigatória. Segundo o Prof. Paulo de Barros Carvalho (1995:21):

“independem da vontade do sujeito passivo, que deve efetua-la, ainda que contra seu interesse. Concretizando o fato previsto na norma jurídica, nasce,

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44

automática e infalivelmente, o elo mediante o qual alguém fica alguém ficará adstrito ao comportamento obrigatório da prestação pecuniária”.

No que se refere ao primeiro elemento constitutivo do tributo, o

ressarcimento o preenche, pois, havendo o atendimento pelo SUS, a operadora tem a

obrigação de ressarcir o poder público.

Além de compulsória, a prestação deve se dar em moeda, ou cujo valor nela

se possa exprimir. Neste ponto também não há o que se questionar, pois o

ressarcimento é pago em moeda, conforme os valores estipulados pela TUNEP.

Outro elemento do tributo é que não constituem sanção de ato ilícito, ao

contrário, decorre de um fato lícito. Cite-se, por exemplo, o fato do indivíduo possuir um

carro, trata-se de um fato lícito que dá ensejo ao pagamento do Imposto sobre

Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Também o ressarcimento não advém de

um ato ilícito, afinal, a operadora coloca os serviços à disposição do beneficiário, mas

este, opta pelos serviços públicos. O indivíduo está no exercício do seu direito subjetivo

à saúde, conduta, como se vê, lícita. Também neste ponto, o ressarcimento se equipara

aos tributos.

Em obediência ao princípio da legalidade, que norteia o direito tributário, o

constituinte determinou, ainda, que o tributo é uma prestação instituída em lei. Instituir,

segundo AURÉLIO (2001:393) é criar, dar começo. Assim, o tributo é uma prestação

pecuniária criada por uma lei. Neste sentido, consoante Hugo de Brito Machado

(2002:107), “a lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre

alguém e o Estado”. Ora se é a lei que cria a relação jurídica, é porque tal relação ainda

não existia.

A fim de esclarecer o assunto, cite-se, por exemplo, o IPVA. Até a edição da

Lei que o criou, o fato de uma pessoa possuir um carro não gerava qualquer obrigação

para o indivíduo.

Eis aí, o ponto de divergência entre o tributo e o ressarcimento ao SUS. Ao

contrário do que muitos alegam, o ressarcimento não tem sua origem na lei 9.656.

Antes mesmo da edição desta norma, as operadoras já tinham a obrigação de restituir o

Poder Público. Esta obrigação tem sua origem no enriquecimento sem causa das

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45

operadoras de planos de saúde. A LPS, simplesmente conferiu ao Estado um meio

para obter essa restituição que, ressalte-se, já lhe era devida.

A origem da obrigação de ressarcir será estudada em pormenores no item

5.3, adiante. Por hora, basta saber que o ressarcimento não tem sua origem na Lei

9.656/98, mas em fato anterior a esta, razão pela qual não se trata de um tributo.

De fato, não poderia sê-lo, afinal, o ressarcimento não se adequa a

nenhumas das espécies de tributo: impostos, taxas, contribuições de melhoria e

contribuições sociais. A seguir, será desenvolvida uma análise comparativa entre o

ressarcimento ao SUS e cada uma destas espécies, tendo em vista dirimir as incertezas

sobre o assunto.

Imposto é um tributo não vinculado, ou seja, a obrigação independe de

qualquer atividade estatal relativa ao contribuinte (MACHADO, 2002:256). Note-se, por

exemplo, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores: desde que a pessoa

possua o bem, tem o dever de pagar o tributo, independentemente de qualquer atuação

do Estado. Daí se infere que o ressarcimento não se trata de um imposto, posto que

depende de uma atividade do Poder Público, qual seja, a prestação dos serviços de

saúde.

Da mesma forma, contribuições de melhoria são tributos devidos sempre que

há valorização de imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública. Como se vê, em

nada se relaciona ao ressarcimento.

Taxa, por sua vez, é um tributo vinculado, ou seja, o fato gerador do tributo

está vinculado a uma atividade do Estado. Nos termos do art. 77 do CTN:

“Art 77º. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal o pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, tem como fato gerador o exercício do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”.

A taxa pode ser cobrada em virtude do exercício do poder de polícia ou da

prestação de serviços públicos. Apenas esta última interessa a esse trabalho, motivo

pelo qual não será analisada a taxa proveniente do exercício do poder de polícia.

Page 46: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

46

Serviço público, consoante a Prof. Maria Silvia Zanella Di Pietro (2000:98), é

“toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou

por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às

necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcialmente público”.

No entanto, para que a administração possa cobrar taxa, (1) o serviço deve

ser específico e divisível; (2) prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição; (3)

utilizado, efetiva o potencialmente pelo contribuinte.

Serviço específico é aquele cuja espécie pode ser determinada. Divisíveis,

são aqueles que podem se utilizados separadamente, por parte de cada um de seus

usuários. (MACHADO, 2002: 373)

Esses serviços específicos e divisíveis devem ser prestados ao contribuinte

ou colocados à disposição deles. A utilização dos serviços pode ser efetiva, ou

potencial; quaisquer das hipóteses pode dar ensejo à taxa. Segundo Hugo de Brito

Machado (2002: 373), “se o serviço não é de utilização compulsória, só a sua utilização

efetiva enseja a cobrança de taxa. Se a utilização é compulsória, ainda que não ocorra

efetivamente essa utilização a taxa poderá ser cobrada”.

O segundo requisito, no entanto, é que os serviços sejam prestados ou

colocados à disposição do contribuinte. Nas palavras do Prof. Sacha Calmon “o fato

jurígeno das taxas é uma atuação do Estado relativamente à pessoa do obrigado”. No

mesmo sentido, manifesta-se Ives Gandra da Silva Martins (1995: 350), para quem:

“a natureza ressarcitória da taxa é inerente à sua estrutura e tem justamente por fundamento depender seu fato gerador de uma atividade estatal dirigida o obrigado, que deverá indenizar o Poder Público pelo gasto efetivado com sua atuação”. (grifos nosso)

Conclui-se, portanto, que a taxa pressupõe a utilização do serviço pelo

obrigado. Assim, o ressarcimento só seria uma taxa se fosse cobrado do usuário. Ao

contrário, é a operadora que está obrigada ao pagamento, destarte, forçoso reconhecer

que o ressarcimento não possui a natureza de uma taxa.

Ademais, a taxa é um tributo cuja finalidade é custear os serviços públicos,

mas no que tange à saúde, a Constituição impôs o princípio da solidariedade, segundo

Page 47: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

47

o qual a seguridade social (saúde pública) é custeada por toda sociedade, de tal forma

que o usuário possa ter acesso a uma assistência integral e gratuita. Do exposto, vê-se

que não seria possível a cobrança de nenhuma taxa pelos serviços prestados.

Assim, embora o poder público possa instituir taxas para custear serviços por

Ele prestados, jamais poderá exigir uma “contraprestação” pela assistência à saúde,

pois a gratuidade deste serviço é uma garantia constitucional. Os serviços de saúde

são custeados pelo Fundo Nacional de Saúde, para onde se voltam todos os recursos

do setor (CPMF, o seguro obrigatório DPVAT, renda dos concursos de prognóstico,

CSLL, COFINS, e outros). Daí se infere não ser possível a cobrança de taxa.

Resta, por fim, verificar se o ressarcimento pode ser cobrado como uma

contribuição social. Segundo os artigos 149 e 195 da CR/887, as contribuições, exceto a

de melhoria, são qualificadas por suas finalidades e podem ser: a) de intervenção no

domínio econômico, b) de interesse de categorias profissionais ou econômicas e c)

destinadas ao financiamento da seguridade social.

Interessa ao presente trabalho esta última categoria, a fim de observar se o

ressarcimento ao SUS pode ser exigido como uma contribuição social.

Deveras, é possível que o Poder Público institua novas contribuições sociais

para custear a seguridade social, entretanto, como bem acentua o § 4º do art. 195, “a

lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da

seguridade social, obedecido o disposto no artigo 154, I”.

O art. 154, por sua vez, determina que a União poderá instituir “mediante lei

complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-

cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados

nesta Constituição” (Art. 154, I CR/88).

7 “Art. 149º. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”. “Art. 195º. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais”.

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Daí se infere que uma contribuição social só pode ser instituída por lei

complementar. Ora, desde já é possível verificar que o ressarcimento ao SUS não se

trata de uma contribuição social, afinal, foi disciplinado pela Lei ordinária 9.656/98.

Lado outro, as contribuições sociais se destinam ao Sistema de Seguridade

Social. Aí, integram um Fundo próprio e só então são repassadas aos setores de

previdência, saúde e assistência. E no que tange à saúde, o valor é repassado aos

gestores (Ministério da Saúde, Secretaria Estadual e Municipal de Saúde) os quais,

posteriormente, irão distribuir os recursos entre os vários prestadores de serviços

(instituições públicas e privadas, contratadas e conveniadas).

O ressarcimento, a seu turno, é repassado diretamente aos gestores do SUS

e, às vezes, às próprias entidades prestadoras do serviço de saúde (públicas ou

privadas), consoante §§ 1º do art. 32 da LPS, segundo o qual:

“§ 1º o ressarcimento a que se refere o caput será efetuado pelas operadoras à entidade prestadora de serviços, quando esta possuir personalidade jurídica própria, e ao SUS, mediante tabela de procedimentos a ser aprovada pela ANS”.

Vê-se, portanto, que o ressarcimento ao SUS em muito se difere das

contribuições sociais destinadas ao Sistema de Seguridade Social.

Por fim, importante ressaltar que as contribuições sociais para a seguridade

social são instituídas com uma finalidade específica, qual seja, financiar esse sistema

de proteção social. Neste sentido, ainda que a natureza do ressarcimento, para muitos,

se aproxime das contribuições socais, pois também é voltado para o SUS, que faz parte

da seguridade social, em verdade, a finalidade do ressarcimento não é financiar o

sistema de seguridade pública, mas como se verá a seguir, impedir que os planos

privados de assistência à saúde se locupletem às custas do erário público.

De todo o exposto, resta claro que o Ressarcimento não é um tributo. Aliás,

desde a análise do conceito de tributo já restava descaracterizado, pois a obrigação de

ressarcir o SUS não tem sua origem na lei 9.656/98, mas no enriquecimento sem causa

das operadoras. Assim, será analisada, a seguir, a natureza civil da cobrança.

Page 49: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

49

5.5. O ressarcimento como obrigação civil indenizatória

5.5.1. Responsabilidade civil

Para verificar se o ressarcimento constitui, ou não, uma obrigação

indenizatória, torna-se imprescindível um estudo preliminar da Responsabilidade Civil,

de seus elementos e da disciplina jurídica.

Durante um longo período, a idéia de indenização esteve vinculada ao

conceito de culpa; logo, bastava a existência de um ato ilícito, para que surgisse o

dever de indenizar.

Em meados do século XX, no entanto, inicia-se um novo pensamento,

segundo o qual o dever de reparar nascia do dano e não da culpa. Afinal, havia ilícitos

que não causavam dano, pelo que não seria devida indenização.

Começava, assim, a teoria da responsabilidade objetiva, que, segundo

Antônio Lindbergh C. Montenegro (1999: 01), objetiva “de um lado evitar que a vítima

sofra sozinha as conseqüências de um fato danoso, (....) e de outro, promover a paz

social”.

O Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/02) disciplina as duas espécies de

responsabilidade; a subjetiva e a objetiva. O art. 186 consagra a regra geral, segundo a

qual “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e

por tal motivo tem o dever de indenizar. Note-se que a culpa ou dolo do agente é

condição indispensável para que haja o dever de indenizar.

Há, porém, mais uma espécie de ato ilícito expressa no art.187 do CC/02,

segundo o qual “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,

excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-

fé ou pelos bons costumes”. Assim, o agente que abusar de seu direito,

deliberadamente, causando prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

Por outro lado, o art. 927 regulamentou a responsabilidade civil objetiva, pois

determina que “aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-

lo”. O parágrafo único deste artigo, no entanto, delimita o âmbito de atuação da

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50

responsabilidade objetiva ao especificar que “haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem”.

Haverá responsabilidade objetiva (1) nas hipóteses que a lei a prever e (2)

quando o dano advir de atividade de risco. Resta saber o que vem a ser atividade de

risco. Assim, nos dizeres do Mestre Antônio Elias de Queiroga (2003: 208):

“Toda atividade humana que exponha alguém a perigo, ainda que exercida normalmente, é atividade de risco. No mundo de hoje, a introdução de máquinas e de aparatos perigosos gerou uma situação de perigo ou de possibilidade de perigo para o homem”.

Outra classificação importante é a que distingue a responsabilidade em

contratual e extracontratual ou aquiliana. Naquela, o dever de indenizar advêm do

descumprimento do contrato; nesta, o dever tem origem na violação do dever legal de

não prejudicar ninguém. (MONTENEGRO, 1999: 03).

5.5.2. Elementos da responsabilidade civil

Salutar analisar, ainda, quais os pressupostos da responsabilidade civil. Para

que haja uma obrigação de indenizar, são necessários os seguintes elementos: (1)

dano; (2) culpa do agente; (3) nexo de causalidade; (4) conduta do agente (ação ou

omissão).

Comprovada a existência desses requisitos, surge um vinculo jurídico por

força do qual o prejudicado assume a posição de credor e o ofensor, a de devedor. No

que se refere à responsabilidade objetiva, esta dispensa a culpa, pelo que, coexistindo

os demais requisitos (dano, conduta e nexo), há o dever de indenizar.

Dano. É composto por dois elementos: um material e outro formal. Segundo

Fischer, apud MONTENEGRO (1999: 07):

“em linguagem vulgar, entende-se o por dano todo o prejuízo que alguém sofra na sua alma, corpo ou bem, quaisquer que sejam o autor e a causa da lesão. Em linguagem jurídica, dano é todo prejuízo que o sujeito de direito sofre através da violação dos seus bens jurídicos”.

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51

Para que o dano dê ensejo à responsabilidade civil, é imprescindível a

presença dos dois elementos: o prejuízo e a lesão a um interesse juridicamente

tutelado.

Conduta do agente. A conduta causadora do dano pode ser uma ação (ato

positivo) ou uma omissão (ausência de ato). A responsabilidade pode advir de uma

conduta própria, ou seja, se o agente fere a vítima, deve indeniza-la.

Há também a responsabilidade por ato de terceiros, na qual os pais, tutores,

curadores, patrões, respondem por atos dos filhos, tutelados, curatelados e

empregados. Esta espécie de responsabilidade só ocorre nas hipóteses previstas em

lei.

E, por fim, pode ocorrer a responsabilidade por danos causados por animais

ou coisas sob a guarda do agente. Assim, se partes de uma construção caem na rua

causando dano a outrem o dono da obra deve indenizar a vítima.

Culpa. A responsabilidade civil subjetiva exige a presença da culpa ou do

dolo para caracterizar o dever de indenizar. Dolo é a vontade consciente, ou seja, o

agente age com a intenção de prejudicar; já a culpa é a negligência, imprudência ou

imperícia, ou seja, não há um propósito de causar o dano, este é conseqüência da

negligência do agente.

Modernamente adota-se a concepção de culpa genérica, compreendendo

tanto o dolo, como a culpa propriamente dita.

Nexo de causalidade. É a relação de causa e efeito existente entre a conduta

do agente e o dano sofrido pela vítima. Assim, o dano só gera responsabilidade quando

é possível estabelecer um nexo causal entre ele e o seu autor.

5.5.3. O Ressarcimento frente os elementos da responsabilidade civil

Apresentados os elementos necessários à responsabilidade civil, resta

verificar se o ressarcimento ao SUS atende a esses pressupostos. Caso se trate de

responsabilidade civil, será uma responsabilidade objetiva. Afinal, o Estado não perquiri

acerca da culpa das operadoras, ao contrário, basta o dano ao SUS para que aquelas

tenham o dever de ressarci-lo.

Page 52: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

52

Nos termos do art. 32 da LPS, serão ressarcidos os serviços de atendimento

à saúde prestados pelo SUS, previstos nos respectivos contratos, prestados a

consumidores e dependentes de planos de saúde.

Se a operadora tem o dever de ressarcir ao SUS é porque cometeu algum

ato (positivo ou negativo) que causou dano ao sistema público. Questão primeira,

portanto, é saber qual a conduta da operadora que deu causa ao dano.

Ora, através de contratos privados, a operadora de plano de saúde se

compromete a prestar assistência à saúde a seus clientes. Note-se, portanto, que os

serviços da operadora estão à disposição do cliente, mas este, no entanto, tem a opção

de usar os serviços contratados, ou exercer seu direito subjetivo público à saúde.

Assim, não há nenhuma conduta da operadora que tenha dado causa ao

dano, pois os serviços que a empresa se comprometeu a prestar estavam à disposição

do cliente. Ocorre que o beneficiário preferiu não utiliza-los. Não há, como se vê, uma

conduta danosa por parte da operadora de plano de saúde.

Quanto ao segundo pressuposto da responsabilidade civil, o dano, resta

saber se a conduta do beneficiário do plano efetivamente causa um dano ao SUS.

Como demonstrado acima, o dano é composto por dois elementos: o

prejuízo e a ofensa a um direito juridicamente tutelado. Assim, poder-se-ia dizer que há

prejuízo ao SUS porque o cliente de um plano tem a possibilidade de usufruir os

serviços privados e ao utilizar os serviços públicos, que possui poucos recursos,

compromete o atendimento daqueles que efetivamente precisam da assistência pública.

Entretanto, quanto à ofensa a um direito juridicamente tutelado, ao usar o SUS o

indivíduo não está ofendendo nenhum direito, ao contrário, só está exercendo o direito

público subjetivo à saúde que a Constituição lhe confere.

Assim, embora a utilização do SUS por clientes de planos de saúde cause

prejuízos ao sistema público, não há um dano propriamente dito, pois a conduta do

indivíduo não ofende nenhum direito juridicamente tutelado, ao contrário, denota o

exercício de um direito constitucional.

Por fim, para que haja obrigação de ressarcir é necessário o nexo causal

entre a conduta e o dano. Como demonstrado não há que se falar em dano sofrido pelo

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SUS, entretanto, ainda que se considerasse a sua existência, as operadoras de planos

de saúde não teriam o dever de ressarcir o sistema público, afinal, não há nenhum

vínculo entre a conduta da operadora, que coloca os seus serviços à disposição dos

clientes, e o “dano” sofrido pelo SUS, que advêm da utilização dos serviços pelo

indivíduo.

Não se pode olvidar que o direito à saúde é um direito fundamental do

indivíduo, e, como tal, é irrenunciável. Assim, o fato do indivíduo contratar serviços

privados de assistência à saúde não caracteriza renúncia ao seu direito subjetivo

público garantido constitucionalmente, motivo pelo qual o indivíduo pode dirigir-se ao

SUS sempre que lhe aprouver. Destarte, a operadora não pode ser responsabilizada

pelo simples fato do cidadão brasileiro estar exercendo seu direito.

Há uma situação peculiar que deve ser ressaltada; os defensores da tese da

responsabilidade civil se baseiam, sobretudo, nas hipóteses em que a operadora se

nega a prestar os serviços obrigando o beneficiário a se dirigir ao SUS. Nesta hipótese

existe uma conduta ilícita da operadora, qual seja, a negativa em prestar os serviços

contratados (descumprimento do contrato). Também há um nexo de causalidade entre

a conduta da operadora e a utilização dos serviços públicos, afinal, o beneficiário do

plano só se dirigiu aos SUS porque não teve acesso ao serviço particular. Entretanto,

ainda assim, não há o dano, pois inobstante o prejuízo sofrido pelo SUS, não existe

ofensa a um direito tutelado, já que o individuo está no exercício do seu direito subjetivo

público à saúde.

Entretanto, se o SUS não sofre um dano, no sentido jurídico da palavra, o

mesmo não ocorre com o beneficiário do plano. O cliente da operadora sofre um

prejuízo e tem seu direito lesado; há um prejuízo porque pagou pela assistência privada

e não obteve o serviço; e também há uma ofensa ao direito, pois o contrato celebrado

entre o beneficiário e a operadora confere àquele o direito à assistência privada. Logo,

quando a empresa se nega a prestar os serviços há uma ofensa ao direito do cliente.

Afora o dano, coexistem os outros elementos, quais sejam, a conduta ilícita da

operadora, que se nega a prestar os serviços, e o nexo de causalidade entre a conduta

da operadora e o dano sofrido pelo usuário. Do exposto, mesmo na hipótese em que a

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54

operadora agir ilicitamente, conclui-se que não cabe ao SUS exigir o ressarcimento,

mas ao cliente do plano, haja vista que somente nesta hipótese restam presentes os

requisitos da responsabilidade civil.

Como os pressupostos ensejadores do dever de indenizar, não se fazem

presentes no ressarcimento ao SUS, resta claro que a cobrança não se fundamenta na

responsabilidade civil, pelo que se passa, a seguir, à análise do enriquecimento sem

causa.

5.6. O ressarcimento como obrigação civil restituitória

5.6.1. Enriquecimento sem justa causa

Não há como saber se o ressarcimento se fundamenta na instituto do não

enriquecimento sem causa sem antes analisar os elementos que o compõem.

Desde o direito romano, se alguém recebia alguma coisa que não lhe era

devida, ou se cessasse a razão pela qual a detinha, não possuía o direito de reter estas

coisas, por que lhe faltava uma causa (PEREIRA, 2002: 183). Nestas hipóteses a

pessoa perdia o direito sobre a coisa e deveria restitui-la. Diante da falta de

sistematização do assunto, as decisões pautavam-se, sobretudo, na eqüidade.

Talvez pela falta de uma sistematização no direito romano, berço do direito

moderno, tenha ocorrido tanta divergência nas legislações posteriores. Alguns países,

disciplinavam o enriquecimento sem causa como um instituto autônomo, ao passo que

outros disciplinavam apenas o pagamento indevido, que é uma das espécies daquele,

afinal quem recebe o que não lhe é devido, se enriquece sem causa.

No Código Civil de 1916, apenas o pagamento indevido era regulamentado,

e não havia uma disciplina geral. Embora o enriquecimento sem causa não fosse

expressamente disciplinado pelo ordenamento jurídico pátrio, o instituto era plenamente

reconhecido pelo doutrina e jurisprudência nacionais. A esse respeito reclamava o Prof.

Caio Mário da Silva Pereira (2000: 186), “o que nos faltava, conseguintemente, era a

construção do enriquecimento sem causa como instituto dotado de autonomia e

disciplina legal própria”.

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55

Finalmente com a edição do CC/02, o instituto foi disciplinado de forma

autônoma. Encontra-se regulamentado no capítulo que trata dos atos obrigacionais

unilaterais, ou seja, o enriquecimento sem causa constitui, hoje, mais uma fonte das

obrigações, ao lado da lei, dos contratos, e dos atos ilícitos.

Convém esclarecer qual o efetivo conteúdo do enriquecimento sem causa.

Em meio às relações humanas, é comum que uma pessoa de enriqueça em detrimento

de outra, entretanto, na maioria das vezes esse aumento patrimonial, esse

enriquecimento, provém de uma justa causa.

Todavia, o que o direito não admite é que pessoa se enriqueça, sem justa

causa, em detrimento de outra pessoa. Essas situações, no dizeres de Silvio de Salvo

Venosa (2003: 201), “configuram um enriquecimento sem causa, injusto, imoral e,

invariavelmente contrário ao direito, ainda que somente sob o aspecto da equidade ou

dos princípios gerais de direito”.

Salutar observar que não basta um enriquecimento sem causa para que se

configure um ato imoral, é necessário também que alguém seja prejudicado, mas para

melhor compreender o instituto, faz-se necessário analisar cada um de seus elementos.

Assim, nos termos do art. 884 do CC/02 “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à

custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização

dos valores monetários”.

Da análise da norma supracitada pode-se extrair três elementos

caracterizadores do enriquecimento sem causa: (1) o enriquecimento do beneficiado

sem justa causa, (2) o empobrecimento do lesado e (3) a relação de imediatidade entre

o enriquecimento e o empobrecimento.

Quanto ao primeiro elemento, cabe esclarecer o que vem a ser

“enriquecimento”. Elucidativo é o conceito de Agostinho Alvim, apud VENOZA (2003:

216) segundo o qual “o enriquecimento tem o mais amplo sentido, compreendendo

qualquer aumento do patrimônio, ou diminuição evitada, até vantagens não

patrimoniais, desde que estimáveis em dinheiro”.

Já a “causa” é um ato jurídico que explica ou justifica o enriquecimento.

Ademais, ainda que haja uma causa, se esta for injusta, haverá enriquecimento

Page 56: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

56

injustificado. Se havia uma causa, mas esta deixou de existir, consoante o art. 885 do

CC/02, também há o dever de restituir.

Além do enriquecimento, é necessário o empobrecimento do lesado, que se

consubstancia no prejuízo, no comprometimento do patrimônio do lesado. Segundo

VENOZA (2003: 218), “o empobrecimento, estritamente, pode até vir a faltar, porque o

termo foge ao conceito exclusivamente patrimonial. Nem sempre a questão do

empobrecimento é nítida”.

Por fim, deve haver uma relação de imediatidade entre o empobrecimento do

lesado e o enriquecimento sem justa causa do favorecido. Não é necessário, no

entanto, uma relação direta entre o enriquecido e o empobrecido, ou seja, o

enriquecimento não precisa ser proveniente de uma relação jurídica entre eles. Tanto

um ato jurídico, quanto um negócio jurídico, ou um ato de terceiro podem dar ensejo ao

enriquecimento sem causa.

A partir do momento em que se verifica que houve um enriquecimento sem

causa de uma pessoa em detrimento do empobrecimento de outra, surge para o

beneficiado a obrigação de restituir o valor auferido injustamente. Conclui-se, portanto,

que o nexo causal é o fato que dá origem à obrigação civil.

Necessário esclarecer que a restituição por enriquecimento sem causa não

caracteriza uma indenização. Como demonstrado no tópico anterior, a indenização tem

origem em um ato ilícito; já a restituição se fundamenta em um ato lícito. Ainda que o

enriquecido tenha agido de forma lícita, desde que esse enriquecimento não possua

justa causa e tenha se constituído em detrimento de outrem, há o dever de restituir. Ao

falar do enriquecimento sem causa Caio Mário da Silva Pereira alerta que “alguns

confundem com a idéia de ilícito, mas sem razão, porque a dispensa”. (2000: 186)

No que tange ao quantum que deva ser reembolsado, o artigo 884 determina

que o enriquecido deve restituir o indevidamente auferido, feita a atualização monetária.

Segundo Sílvio de Salvo Venoza (2003: 215):

“A restituição deve ficar entre dois parâmetros. De um lado, não pode ultrapassar o enriquecimento efetivo recebido pelo agente em detrimento do devedor. De outro, não pode ultrapassar o empobrecimento do outro agente, isto é, o montante em que o patrimônio sofreu diminuição”.

Page 57: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

57

Muito pertinente a exposição do doutrinador, afinal, se o objetivo da

restituição é “reestabelecer um equilíbrio de patrimônios por uma justa compensação” o

enriquecido não possui a obrigação de entregar mais do que recebeu, do contrário,

quem estaria se enriquecendo sem causa seria o lesado. (Rechter, apud VENOZA,

2003: 215)

Para requerer a restituição do valor, o lesado deve valer-se de uma ação

judicial, denominada in rem verso. Trata-se de uma ação subsidiária, ou seja, se o

lesado possuir outros meios para se ressarcir do prejuízo, não poderá fazer uso desta

ação. É o que prescreve o art. 886 do CC/02.

5.3.2. O Ressarcimento frente os elementos do enriquecimento sem causa

Como já fora demonstrado neste trabalho, a assistência privada à saúde se

dá através de contratos privados de prestação de serviços por meio dos quais a

operadora do plano se compromete a prestar assistência à saúde, dentro dos limites

estipulados pelo contrato, e, em contraprestação, os contratantes pagam uma

mensalidade à operadora.

Para caracterizar o primeiro elemento - enriquecimento sem causa - é

necessário que a operadora tenha um enriquecimento quando o seu usuário usufrui do

SUS. Consoante o conceito de Agostinho Alvim, retromencionado, o enriquecimento

compreende qualquer aumento do patrimônio, ou diminuição evitada. Ora, quando um

cliente da operadora paga sua mensalidade e usa os serviços do SUS, resta claro que

a operadora deixa de ter uma diminuição no seu patrimônio, afinal, não precisou

custear os serviços do seu cliente.

Exige-se, ainda, que o enriquecimento seja sem justa causa. Neste ponto,

poder-se-ia dizer que o ressarcimento ao SUS não é devido porque o enriquecimento

das operadoras tem uma causa, qual seja, o contrato celebrado com o beneficiário do

plano. Entretanto, a simples existência do contrato não justifica o enriquecimento das

operadoras, é preciso, ainda, que este enriquecimento se dê de forma justa. Assim,

quando uma operadora de plano de saúde celebra um contrato de prestação de

serviços, tem o direito às mensalidades do usuário e o dever de prestar os serviços. Se

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58

assim proceder (recebe as mensalidades e presta os serviços), todo o lucro auferido

com essa atividade será um enriquecimento justo. Entretanto, a partir do momento que

a operadora recebe as mensalidades e não presta os serviços, pois o beneficiário

utilizou o SUS, a empresa privada está se enriquecendo, injustamente, dos valores das

mensalidades. Confortável a situação das operadoras, afinal, elas recebem para prestar

os serviços, mas não precisam desembolsar nenhum valor para presta-los, porque o

Sistema Público atende gratuitamente os seus clientes.

No que tange ao segundo elemento - empobrecimento do SUS - é claro que

o sistema público sofre um prejuízo toda vez que é utilizado por um cliente de plano

privado, afinal, esta utilização compromete ainda mais a assistência da população em

geral, que em sua grande maioria pode usufruir, unicamente, do serviço público.

O SUS é um sistema que visa garantir a assistência à saúde a toda

população, logo, envolve custos altíssimos, pelo que é financiado por toda sociedade.

Mesmo diante das várias fontes de custeio, é de conhecimento público a crise pela qual

passa o sistema de saúde (faltam remédios, leitos, médicos,...). A população carente,

sem dúvida, é que mais suporta essas deficiências, e tem sua situação agravada ainda

mais, quando o serviço público é utilizado por pessoas que poderiam ter utilizado um

serviço privado, pelo qual, ressalte-se, já pagaram.

Importa observar que o ressarcimento ao SUS não implica em ofensa ao

direito à saúde, enquanto direito público subjetivo. Ao revés, toda pessoa que se dirige

ao SUS, seja beneficiária de plano privado ou não, recebe a assistência à saúde. O

Estado continua oferecendo a assistência gratuitamente, pelo que o indivíduo não terá

que desembolsar mais nenhum valor.

Por fim, resta averiguar se há um nexo de imediatidade entre o

enriquecimento da operadora e o empobrecimento do SUS. Note-se que a operadora

sofre um acréscimo patrimonial sempre que recebe para prestar o serviço e não o

presta. Ora, a diminuição no patrimônio foi evitada graças à utilização do SUS. Vê-se,

portanto, que há um nexo entre as duas situações: o sistema público atende todos os

indivíduos porque tem o dever de faze-lo, e a operadora se locupleta dos valores que

não gastou no tratamento de seu cliente.

Page 59: O RESSARCIMENTO AO SUS PELAS OPERADORAS DE PLANOS

59

Como bem argumenta o Prof. Paulo César Melo da Cunha (2002:14)

“A filosofia é simples. Uma vez contratado um plano privado de saúde junto a uma operadora, esta se obriga a prestar os serviços de atendimento médico com as coberturas a ele inerentes, por meio próprio ou por seus prestadores de serviço. Porém, o beneficiário do plano, enquanto cidadão, tem direito a ser atendido em uma das unidades do Sistema Único de Saúde. Com isso, se o SUS presta um atendimento pelo qual a operadora cobrou, esta tem a obrigação de ressarcir ao Poder Público a despesa suportada pelos cofres públicos. Do contrário, a operadora que administra o plano privado se apropriará de um lucro à custa dos tributos pagos por toda a sociedade para manutenção dos serviços públicos de saúde pública”.

Ressalte-se que o posicionamento supracitado não é voz isolada entre os

estudiosos nacionais. No mesmo sentido, defende Cláudia Lima Marques (1999:61):

“O Ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS, exigido das operadoras, para custear os serviços prestados aos seus consumidores e dependentes, não é inconstitucional, pois objetiva, apenas, evitar o enriquecimento sem causa das mesmas”.

Enquanto na responsabilidade civil era preciso um nexo entre a conduta da

operadora e o dano - que não existe, como demonstrado - no enriquecimento sem

causa é necessário um nexo entre o enriquecimento de um e o empobrecimento de

outro, fato inconteste diante do exposto.

Como se pode notar estão presentes os três elementos constitutivos do

enriquecimento sem justa causa. Assim, diante deste enriquecimento sem justa causa

por parte das operadoras, resta evidente o dever de restituir. Convém lembrar que o

instituto foi regulamentado como uma fonte de obrigações, assim, o enriquecimento

sem justa causa da operadora dá ensejo à obrigação de restituir o valor auferido. O

ressarcimento ao SUS, portanto, nada mais é do que o cumprimento desta obrigação

de restituir.

Já existem decisões judiciais que corroboram esse entendimento. Neste

sentido:

“Destarte, comprovada está a natureza restituitória da cobrança em apreço. Admitir que o Estado arque sozinho com todos os custos equivaleria a chancelar o locupletamento das operadoras, já que arrecadam vultosas importâncias com as contribuições mensais de seus associados”. Mandado de

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60

Segurança. Processo nº 2000.51.01.031174-7. Autor Impetrante: Unimed Vale do Aço. Justiça Federal do Rio de Janeiro, 12ª Vara.

Pela disciplina do CC/02, deve ser restituído o valor efetivamente auferido,

corrigido monetariamente. Quando da análise do ressarcimento restou claro que

apenas os serviços contratados serão restituídos. Assim, não se trata de mais um

encargo para a operadora, pois terá que restituir ao SUS, tão-somente o valor que

pagaria a uma empresa privada. Tanto assim, que nas hipóteses de planos com

cobertura parcial (a operadora arca com 70% do tratamento e o beneficiário, com o

restante, por exemplo), o valor a ser restituído é apenas o percentual da operadora

(70%). A parcela do beneficiário não é restituída, afinal, o indivíduo tem direito à

assistência à saúde integral e gratuita (direito público subjetivo).

Se, atualmente, diante da disciplina do Código Civil de 2002, não há dúvidas

quanto a pertinência do ressarcimento ao SUS, cabe saber se em 1998, quando a lei foi

editada, a cobrança seria possível. Embora o instituto não fosse expressamente

regulamentado em nosso ordenamento, de fato, o principio do não enriquecimento sem

causa já era proclamado pela doutrina. Cite-se, por exemplo, ENTERRIA (1981:400),

segundo qual:

“Com efeito, precisamente para evitar situações nas quais um dado sujeito vem a obter um locupletamento à custa do patrimônio alheio, sem que exista um suporte jurídico prestante para respaldar tal efeito, é que, universalmente, acolhe o princípio jurídico segundo o qual tem-se de proscrever o enriquecimento sem causa e, contrariamente, desabona-se interpretação que favoreça este resultado injusto, abominado pela consciência dos povos”.

Poder-se-ia citar, aqui, uma infinidade de doutrinadores, e princípios

constitucionais, como fundamento para a cobrança do ressarcimento ao SUS.

Entretanto, basta analisar o preâmbulo da Lei Maior do Brasil, para se dissipar toda e

qualquer dúvida sobre o assunto:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem internacional, com a solução pacífica das

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controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.

Ora, o Brasil é um Estado Democrático de Direito, e como tal, tem por

objetivo promover a igualdade e a justiça social. Neste sentido, o enriquecimento das

operadoras, sem justa causa, às custas dos serviços públicos, vai de encontro aos

objetivos do Estado Democrático de Direito. Afinal, não há que se falar em igualdade e

justiça sociais, diante de uma situação em que empresas privadas se locupletam às

custas de serviços custeados por toda sociedade.

Há, ainda, o principio da solidariedade ou fraternidade social, pelo que, todo

cidadão brasileiro, e a toda instituição pública ou privada, deve zelar pelo bem da

sociedade. Neste sentido, sempre que as operadoras se locupletam sem justa causa às

custas do serviço público, estão se enriquecendo às custas de toda sociedade que

financia esses serviços. Comportamento contrário ao princípio da solidariedade, afinal,

toda sociedade é prejudicada. Note-se, portanto, que antes de ser legalmente

reconhecido, o enriquecimento sem causa, já era constitucionalmente rechaçado.

Mesmo antes da edição do CC/02, o ressarcimento era devido, pois, as

operadoras também tinham, e têm, o dever de zelar pela persecução da igualdade,

justiça e solidariedade social. Assim, o valor auferido injustamente em detrimento da

sociedade deveria, e deve, ser restituído.

Baseados no princípio do não enriquecimento sem causa, e nos objetivos do

Estado democrático de Direito, o legislador pátrio editou a lei 9.656/98, conferindo ao

Poder Público os meios para recuperar os valores auferidos indevidamente pelas

operadoras.

Embora o meio tradicional para se obter a restituição fosse a ação judicial in

rem verso, diante da peculiaridade da situação, que envolve o interesse público, haja

vista que o lesado é o SUS, e, juntamente com ele, toda sociedade, o legislador optou

por uma disciplina legal do reembolso, de forma a conferir um meio direto para o Estado

reaver esses valores. Trata-se de uma decisão acertada, caso contrário, o Poder

Judiciário seria alvejado por uma infinidade de ações, congestionando ainda mais o

serviço jurisdicional.

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Ademais, nos termos do art. 23 da CR/88 compete à União, aos Estados,

Distrito Federal e Municípios zelar pela guarda da Constituição. Assim, ao editar a Lei

9.656/98, os legisladores estavam no exercício desta competência constitucional, pois

objetivavam resguardar os princípios e direitos garantidos pela Carta Constitucional.

De tudo, resta claro que o ressarcimento ao SUS se fundamenta no instituto

do enriquecimento sem causa, motivo pelo qual as operadoras têm a obrigação de

restituir os valores auferidos injustamente em detrimento do serviço público de saúde.

Questão problemática, no entanto, foi a instituição de uma tabela única, por

meio da qual todas as operadoras têm de restituir valores idênticos. Consoante o art.

884 do CC/02, a operadora está obrigada a restituir o valor auferido indevidamente,

acrescido da devida atualização monetária.

Segundo o Prof. Sílvio de Salvo Venoza, retromencioado, a restituição deve

ficar entre dois parâmetros, de um lado não pode ultrapassar o efetivo enriquecimento;

de outro, não pode inferior ao empobrecimento do outro agente. Deveras, o § 8º do art.

32 da LPS, determina que os valores a serem ressarcidos não serão inferiores aos

praticados pelo SUS e nem superiores aos praticados pelas operadoras. Assim,

consoante o pensamento do Prof. Venoza, a TUNEP preenche as exigências do art.

884, afinal, o valor ressarcido pela operadora não é maior do que o preço estipulado em

sua tabela, nem inferior à tabela do SUS.

Ainda que se critique a adoção da TUNEP, isso não compromete o

fundamento jurídico do ressarcimento. A obrigação de restituir o SUS tem sua origem

quando do enriquecimento sem causa da operadora, em detrimento do SUS. Quanto à

existência da obrigação, não há o que questionar. O que se pode criticar, aqui, é o

quantum está sendo restituído, mas não a fundamento da cobrança.

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6- CONCLUSÃO

A “saúde” é conceituada como o bem estar físico, mental e social do

indivíduo. Neste sentido, para sua consecução, exige-se, além da ausência de

doenças, qualidade de vida e bem-estar social.

A Carta Constitucional de 1988, em seu art. 196, positivou o direito à saúde.

Este direito, garantido constitucionalmente, abrange tanto atividades “curativas” e

“preventivas”, quanto a promoção do bem-estar social. Conclui-se, portanto, que direito

à saúde vai além do direito ao tratamento e prevenção de doenças, pois compreende

uma série de outros fatores tais como moradia, alimentação, educação e saneamento

básico.

A saúde, dentre outras características, é um direito fundamental do ser

humano, e como tal, é inalienável, irrenunciável e imprescritível. É um direito social que

exige do Estado uma conduta positiva - a prestação da assistência à saúde a toda

população. Por fim, é um direito subjetivo público, que impõe ao Estado o dever de

prestar a assistência à saúde, e confere ao indivíduo o direito subjetivo de exigir do

Estado o que lhe é devido.

Nos termos do art. 196 da CR/88, a saúde é um direito de todos e dever do

Estado. A Carta Constitucional garante o acesso universal e gratuito aos serviços de

saúde. Embora seja um dever do Estado, o art. 197 da CR/88, in fine, permite que a

iniciativa privada preste os serviços de assistência à saúde, razão pela qual, coexiste

no país, o serviço público de saúde, prestado pelo Sistema Único de Saúde; e o serviço

privado, prestado por particulares.

Os serviços públicos de saúde regem-se pelos princípios da

descentralização, pois são de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios; da integralidade de cobertura, uma vez que o SUS executa atividades

preventivas e curativas, abarcando o tratamento de toda espécie de enfermidade, das

mais simples às mais complexas; da universalidade do atendimento, já que toda pessoa

tem direito à assistência à saúde, independentemente de condição financeira; da

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solidariedade de financiamento, haja vista que a saúde, assim como os demais

seguimentos da seguridade social, é custeada por toda sociedade, através dos

impostos pagos aos entes federados, das contribuições sociais destinadas à

seguridade, e das demais fontes de financiamento previstas em lei; e da gratuidade,

afinal, se os serviços já foram pagos por toda sociedade, não há razão para o SUS

cobrar do usuário uma contra-prestação por tais serviços.

A assistência privada à saúde é prestada por pessoas físicas (médicos,

fisioterapeutas, psicólogos) e pessoas jurídicas de direito privado (clínicas, laboratórios,

hospitais, operadoras de planos de saúde). Estes serviços são custeados pelos

próprios usuários e, ao contrário dos serviços públicos, não observam o princípio da

universalidade, pois apenas o contratante e seus beneficiários poderão usufruir os

serviços particulares; e da integralidade, pois o contratante só tem direito aos serviços,

efetivamente, contratados.

Embora o legislador constituinte tenha permitido que a iniciativa privada

prestasse os serviços de saúde, conferiu ao Poder Público o dever de regulamentar,

fiscalizar e controlar estes serviços. Neste sentido, o Estado editou a Lei 9.656/98, com

a finalidade de regulamentar as operadoras de planos privados de assistência à saúde.

Nos termos do art. 32 desta lei, as operadoras devem ressarcir ao SUS, os serviços

previstos nos respectivos contratos, prestados a seus clientes pelo sistema público de

saúde.

O ressarcimento, como visto, não se fundamenta em uma obrigação

tributária. Ora, a obrigação de ressarcir não tem origem na Lei 9.656/98, ao contrário,

quando da edição desta lei a obrigação já existia. O que a LPS fez, foi simplesmente

disciplinar a forma como se daria esse ressarcimento.

O tributo é uma prestação instituída por lei, ou seja, sem uma lei que o

institua não há a obrigação tributária. A obrigação de ressarcir, a seu turno, tem origem

no enriquecimento sem causa e não na lei. Ainda que não existisse a LPS, o Estado

poderia valer-se da ação in ren verso para obter a restituição dos valores

indevidamente auferidos pelas operadoras. Assim, mesmo que o ressarcimento fosse

disciplinado por uma Lei Complementar, em verdade, não seria um tributo, pois a

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origem desta obrigação não se encontra na lei, mas em fato anterior a esta. A lei

(ordinária ou complementar) apenas disciplina uma obrigação civil já existente.

O ressarcimento também não se fundamenta no instituto da responsabilidade

civil, pois, embora haja um prejuízo ao SUS, a utilização dos serviços públicos pelo

cidadão não caracteriza ofensa a nenhum direito, ao contrário, trata-se do exercício de

um direito subjetivo à saúde. Assim, resta ausente o dano, um dos elementos

constitutivos da responsabilidade civil. Ademais, não há nenhuma conduta ilícita por

parte da operadora e, tampouco, nexo causal entre a conduta desta, que coloca seus

serviços à disposição dos clientes, e o prejuízo ao SUS, que é causado pela utilização

dos serviços por pessoas que possuem plano privado de assistência à saúde. Destarte,

ausentes o dano, conduta ilícita e nexo causal, não há que se falar em responsabilidade

civil das operadoras.

Dentro dos limites propostos pelo presente trabalho, conclui-se que o

ressarcimento ao SUS se fundamenta no instituto do enriquecimento sem justa causa.

Ora, quando um cliente do plano de saúde usufrui os serviços públicos de saúde, a

operadora se locupleta dos valores que teria gastado se tivesse prestado os serviços.

Recebe as mensalidades dos clientes e não presta a assistência à saúde, logo, se

enriquece sem justa causa. Ademais, há o empobrecimento do SUS, pois os serviços

públicos ficam cada vez mais inchados, comprometendo a assistência daqueles que

mais precisam, e que não possuem outra opção além dos serviços públicos de saúde.

O sistema que já é precário, fica ainda mais comprometido quando pessoas que têm a

opção de usar os serviços privados, pelos quais já pagaram, usam os serviços públicos.

Por fim, há o nexo entre o empobrecimento do SUS e o enriquecimento da operadora,

pois esta se locupleta às custas dos serviços públicos custeados por toda sociedade.

Assim, ocorrendo o enriquecimento sem justa causa, nasce para a operadora

a obrigação de restituir este valor ao SUS. Por uma questão de justiça e solidariedade

social, não é compreensível que entidades privadas se locupletem às custas de toda

população brasileira, afinal, como dito, os serviços públicos são custeados por toda

sociedade.

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AÇÃO ORDINÁRIA: Processo nº 2001.38.00.042824-1. 21ª Vara Federal de Belo Horizonte, 2000.

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ENTERRIA, Eduardo Garcia. Curso de Derecho Adminitrativo. vol I. Madri: Ed. Civitas. Citado nos autos da Ação Ordinária: processo nº2001.38.00.042824-1, 21ª Vara da Justiça Federal de Belo Horizonte.