poder familiar

72
CURSO DE DIREITO “PODER FAMILIAR; GUARDA DOS FILHOS; O DIREITO DE CONVIVÊNCIA E SUAS VICISSITUDESJULIO CESAR GALVES GOMES MANGINI MOSQUEIRO RA: 415555-0 TURMA: 003209A03 FONE: 7503-9797 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2009

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Page 1: Poder Familiar

CURSO DE DIREITO

“PODER FAMILIAR; GUARDA DOS FILHOS; O DIREITO DE

CONVIVÊNCIA E SUAS VICISSITUDES”

JULIO CESAR GALVES GOMES MANGINI MOSQUEIRO

RA: 415555-0

TURMA: 003209A03

FONE: 7503-9797

E-MAIL: [email protected]

SÃO PAULO

2009

Page 2: Poder Familiar

2

JULIO CESAR GALVES GOMES MANGINI MOSQUEIRO

Monografia apresentada à Banca

Examinadora do Curso de Direito da Uni

FMU, como exigência parcial para

obtenção do título de Bacharel em

Direito sob a orientação do Professor

Sergio Iglesias Nunes de Souza.

São Paulo

2009

Page 3: Poder Familiar

3

BANCA EXAMINADORA:

Professor Orientador:________________________________

Professor Argüidor:_________________________________

Professor Argüidor:_________________________________

Page 4: Poder Familiar

4

Aos meus filhos, minha inspiração, meu

chão, meu maior motivo, dedico meu

amor, este trabalho e minha vida.

Page 5: Poder Familiar

5

Agradeço a Luciana que sempre

acreditou em mim e neste projeto; aos

meus pais, Renato e Nair, que me deram

a vida; a minha avó, Carmem, que me

proveu; ao meu avô, Isidoro, que me

serviu de exemplo de pessoa digna; aos

meus filhos que me motivaram e

agradeço também ao Tício e ao Caio, por

sofrerem todo tipo de sorte para que

possamos ter uma melhor compreensão

do Direito.

Page 6: Poder Familiar

6

Se quisermos progredir, não devemos

repetir a história, mas fazer uma história

nova. M. Gandhi.

Page 7: Poder Familiar

7

1 Resumo

O presente trabalho versou sobre os aspectos jurídicos e psicológicos acerca do Poder

Familiar, seu histórico; suas vicissitudes, articulando seu exercício nas diferentes

estruturas familiares, conseqüentemente, nas diferentes modalidades de guardas,

embasado na idéia do melhor interesse da criança. Também foram abordadas aqui

questões intrínsecas ao Poder Familiar, como o papel do psicólogo e da mediação na

definição da guarda após a dissolução da sociedade conjugal; convivência entre pais e

filhos e, na sua falta, a conseqüente Síndrome de Alienação Parental, personificação da

morte simbólica de um genitor da vida do filho, matando também muitas outras

possibilidades. Aqui também se visualizou uma esperança para o fim deste mal, que

nada mais é do que a possibilidade de ambos os pais exercerem plenamente a parte que

lhes cabe quanto ao Poder Familiar e conseqüentemente fazer parte da vida dos filhos.

Page 8: Poder Familiar

8

2 Sumário

1 Resumo..................................................................................... 07

2 Sumário..................................................................................... 08

3 Introdução................................................................................ 10

4 Evolução histórica: do Pátrio Poder ao Poder Familiar...... 11

4.1 Pátrio Poder na Roma Antiga................................................ 11

4.2 Antigo direito luso-brasileiro.................................................. 13

4.3 Constituição Republicana de 1891......................................... 16

4.4 Código Civil de 1916................................................................ 16

4.5 Estatuto da mulher casada...................................................... 19

4.6 Lei do divórcio......................................................................... 20

4.7 Constituição Federal de 1988.................................................. 22

4.8 Estatuto da Criança e do Adolescente................................... 23

4.9 Código Civil de 2002................................................................ 24

4.10 Lei da guarda compartilhada................................................. 25

4.11 Estatuto da Família................................................................. 29

5 Guarda e Convivência ............................................................ 34

5.1 A tirania do Guardião............................................................. 34

5.2 Modalidades de guarda........................................................... 36

5.2.1 Guarda mono parental, exclusiva e única............................. 36

5.2.2 Aninhamento ou nidação........................................................ 37

5.2.3 Guarda alternada.................................................................... 38

5.2.4 Guarda Compartilhada ou conjuntiva.................................. 38

5.3 Livre Visitação......................................................................... 41

5.4 Definição da guarda e convivência após a dissolução

Conjugal................................................................................... 42

5.5 A Mediação na disputa de Guarda e Convivência................45

6 Formas de exercício do Poder Familiar................................. 47

6.1 Exercício Exclusivo.................................................................. 48

Page 9: Poder Familiar

9

6.2 Exercício Conjunto e Exercício Compartido........................ 48

6.3 Exercício Solidário................................................................... 49

6.4 Melhor Exercício...................................................................... 50

7 Síndrome da alienação Parental............................................. 52

7.1 Definição................................................................................... 53

7.2 Diagnósticos do DSM-IV relacionados à Síndrome de

Alienação Parental................................................................... 57

7.2.1 Diagnósticos aplicáveis a ambos os genitores e às

crianças com SAP.................................................................... 57

7.2.2 Diagnósticos aplicáveis a pais alienadores............................. 58

7.2.3 Diagnósticos do DSM-IV aplicáveis às crianças com SAP.. 59

7.2.4 Diagnósticos do DSM-IV aplicáveis aos pais alienados........ 60

7.3 Alienação pelo outro, segundo Lacan.................................... 61

8 O Movimento Social Organizado em busca da Igualdade

Parental..................................................................................... 64

8.1 APASE...................................................................................... 65

8.2 Pai Legal.Net............................................................................ 67

8.3 Pais por Justiça........................................................................ 68

9 Considerações Finais............................................................... 69

10 Bibliografia............................................................................... 71

Page 10: Poder Familiar

10

3 Introdução

Nos últimos cem anos a humanidade passou por transformações numa

velocidade nunca antes vista. Com o advento da Revolução Industrial, homem e

mulher passaram a disputar lugar no mercado de trabalho, em decorrência disso a

mulher passou a lutar por seus direitos, surgiu então, como sub-fenômeno da

Revolução Industrial, o movimento feminista, que tomou força na segunda metade do

século 20. Os efeitos da luta pela isonomia de gênero repercutiram não somente na

esfera social, pois os papéis dentro do núcleo familiar também foram revistos. O

modelo de família respaldada em casamentos estáveis e que cabia ao homem o papel

de chefe da família, foi cada vez mais se tornando minoria na sociedade. No Brasil,

influenciado por este fenômeno, ocorreu a evolução do Ordenamento Jurídico com as

aprovações do Estatuto da mulher casada (Lei nº 4.121/62); Lei do divórcio (Lei nº

6.515/77); Constituição Federal de 1988; Estatuto da Criança e do adolescente (Lei

8069/90); Código Civil de 2002; Lei da guarda Compartilhada (Lei n° 11.698/2008) e

agora com a discussão dos projetos de lei que visam instituir o Estatuto da Família

(Projeto de lei 2.285/07) e a tipificação dos atos causadores da Síndrome da Alienação

Parental (Projeto de lei 4.053/08). No entanto, apesar de termos um dos ordenamentos

jurídicos mais avançados do mundo, infelizmente isso não reflete uma sociedade justa.

Sociedade, e sim mostra uma sociedade em que o poder estatal não consegue atender

a demanda relacionada aos litígios envolvendo a busca do exercício do Poder Familiar

a das famílias ditas como não tradicionais, onde pai e mãe não vivem em situação

marital, o reflexo disso é a não convivência adequada entre pais e filhos que vivem

nessa situação, e o Estado prefere ficar omisso ou mesmo com uma postura retrógrada,

preferindo tentar dar uma solução simplificada para o fenômeno, instaurando um

protecionismo exacerbado a mãe/mulher, sendo este fato duplamente pernicioso, pois

além de ferir o Princípio Constitucional da Isonomia também faz com que ocorra um

Page 11: Poder Familiar

11

agravamento da questão inicial, pois seja, o desequilíbrio da parentalidade entra os

genitores guardiões e não guardiões, fenômeno denominado de Tirania do Guardião,

caminho que leva diretamente à Síndrome de Alienação Parental sendo esta um

passaporte à destruição do laço paterno, da dignidade humana, da esperança, da vida.

Como o Direito pode atender a demanda deste novo desafio? A resposta pode não ser

fácil, mas podemos visualizar um caminho, e ele se chama interdisciplinaridade, pois

se sozinho o Direito não é capaz de responder as demandas sociais, principalmente as

ligadas ás relações familiares, com a união de disciplinas como a Psicologia, a

Assistência Social, a Pedagogia1, pode-se imaginar uma possibilidade de um novo

Direito, como já se tem demonstrado, menos sectário, mais humano e capaz de

fomentar a paz e justiça social.

4 Evolução histórica, do Pátrio Poder ao Poder Familiar

4.1 Pátrio Poder na Roma Antiga

O Instituto do Pátrio Poder já era previsto na origem do Direito Romano

através da Lei das XII Tábuas2, mais especificamente na Tábua IV que tratava do De

Iure Pátrio3. Esta lei, que foi um marco na positivação das leis, limitou o pleno poder,

natural até então, do Pátrio Poder, mas ainda assim reservou um poder extremamente

excessivo a este Instituto. Como, por exemplo, o poder de matar o filho que

apresentasse alguma anomalia física. Segundo Cretella, o Pátrio Poder estava

diretamente ligado ao Status Familiae em que ao chefe da família, denominado

paterfamilias, concentrava o poder, ou seja, o patria potestas, cabe ressaltar que este

chefe não necessariamente era o pai, podendo ser o avô, o sogro ou marido4. A

1 Entre outras. 2 451-449 a.C. 3 Do Pátrio Poder. 4 CRETELLA, J. J. Curso de Direito Romano..., cit. p. 112.

Page 12: Poder Familiar

12

definição de estar ou não sob a patria potestas do paterfamilias dependia do status da

pessoa frente a essa família, como muito bem definiu Cretella:

Para compreender a família romana é indispensável clara noção das expressões

“sui iuris” e “alieni iuris”, pois quanto ao “status familiae” as pessoas de dividem

em independentes (sui iuris) e dependentes (alieni iuris), em relação ao Pater.5

Cretella nos mostra que um dos fatores mais importante para a definição do

status familiae é o advindo do casamento podendo este ser:

- cum manu, onde a mulher deixa seu antigo status familiae e passa para a situação de

alieni iuris, ou seja, sob a patria potestas do paterfamilias de seu marido, podendo ser

seu avô, seu pai, ou ele mesmo, caso este tenha o status familiae de sui iuris.

- sine manu, “que é aquele em que a mulher não cai sob o poder do marido” 6, ou de

seu paterfamilias, mantendo sua condição anterior ao casamento.

Outro dado importante quanto ao pátrio Poder na Roma antiga é que

somente estavam sujeitos a ele os parentes civis do paterfamilias, denominado de

agnatio, sendo que o parentesco puramente sanguíneo, que era denominado de

cognatio, somente repercutia efeitos para impedimentos matrimoniais, evitando assim

o incesto, não gerando efeitos no direito sucessório.

Portanto as fontes da patria potestas eram: o casamento legítimo cum manu;

a descendência no casamento legítimo; a legitimação7; a adoção. Enquanto que sua

extinção se dava principalmente com a morte do paterfamilias, entretanto,

excepcionalmente, este fenômeno poderia ocorrer também por emancipação; elevação

5 Idem, ibidem, p. 108. 6 Idem, ibidem, p. 119. 7 Reconhecimento civil do descendente, ou seja, do cognatio.

Page 13: Poder Familiar

13

do filius a certas dignidades; abandono do filius pelo pater; perda da libertas ou da

civitas pelo pater.8

Cabe ressaltar, para efeitos de comparação com o Poder Familiar, que na

Roma antiga o Pátrio Poder ainda tinha um poder relativamente excessivo; este poder

era exclusivo do homem9; a maioridade ou casamento não extinguia o Pátrio Poder;

não bastava o laço sanguíneo para seu efeito, era necessário o seu reconhecimento ou

ter nascido fruto de um casamento legítimo, ou seja, a vontade do patriarca era

fundamental tanto para sua iniciação (legitimação) como para sua manutenção

(emancipação, abandono).

Portanto podemos perceber que o Pátrio Poder romano versava sobre o

poder do paterfamilias para com o aliene iuris e não sobre eventuais deveres do

primeiro para com o segundo.

4.2 Antigo direito luso-brasileiro

Mesmo considerando as modificações advindas do tempo e dos costumes o

Direito Romano teve forte influência no antigo Direito luso-brasileiro, época em que

vigorava as ordenações, leis, decretos promulgados pelos reis de Portugal.10

Pois então, no Direito desta época, o Instituto do Pátrio Poder, inicialmente

durava toda a existência e dizia respeito a, somente, os filhos legítimos e legitimados,

estando isto disciplinado pelas Ordens filipinas.11

Segundo Venosa:

8 CRETELLA, J. J. Curso de Direito Romano..., cit. p. 117. 9 Patriarca. 10 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 23. 11 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: Parte Especial..., cit., p.38-39

Page 14: Poder Familiar

14

Este patriarcalismo que veio da Coroa Portuguesa se expressava nos senhores de

engenho e barões do café, que deixaram marcas indeléveis na história brasileira.12

José Virgílio Castelo Branco Rocha, nos mostra através de seus estudos as

principais características do pátrio poder no antigo direito luso-brasileiro: a) só o pai

exercia o pátrio poder, não competindo à mãe senão certos direitos relativos à

obediência filial; b) a maioridade iniciava aos 25 anos de idade, mas não cessava com

ela o pátrio poder se o filho continuasse sob a dependência do pai; c) o pátrio poder só

dizia respeito aos filhos legítimos e legitimados, não alcançando os naturais e os

espúrios; o pai podia nomear tutor aos filhos naturais, que eram chamados à sucessão

se o pai fosse peão.13

Quanto as atribuições do pai à pessoa dos filhos, Castelo Branco disse que

consistia em: a) educá-los e dar-lhes profissão, de acordo com a condição e posses do

pai; b) castigá-los moderadamente, e, se incorrigíveis, entregá-los aos magistrados de

polícia para os fazer recolher à cadeia por tempo razoável, obrigando-se a sustentá-los;

c) repeti-los de quem lhos subtraísse e proceder contra os que os pervertessem ou

concorressem para isso; d) exigir e aproveitar seus serviços, sem obrigação de soldada

ou salário, salvo se lhos prometeu; e) nomear-lhes tutor testamentário e designar as

pessoas que hão de compor o conselho de família; f) substituí-los pupilarmente; g)

defendê-los em juízo ou fora dele; h) contratar em nome do filho impúbere, quando o

contrato lhe pudesse vir de proveito, e intervir com sua autoridade nos contratos do

filho púbere.14

A respeito das relações patrimoniais do pátrio poder na época do antigo

direito luso-brasileiro, vigorava o seguinte: a) cabia ao pai a propriedade e usufruto do

12 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2001. p. 286 13 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder..., cit., p. 38-39. 14 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder..., cit., p. 39.

Page 15: Poder Familiar

15

pecúlio profetício dado ao filho em administração; b) cabia ao pai a propriedade, a

administração e o usufruto do pecúlio castrense ou quase castrense devidos ao filho; c)

quanto ao pecúlio adventício, o filho tinha a propriedade e o pai, os usos e frutos,

enquanto o filho estivesse sob seu poder. Não se submetiam a tais regras os bens em

que o filho adquirisse por seu trabalho ou indústria e os bens adventícios

extraordinários, como por exemplo, aqueles que o filho adquiria com a condição de lhe

pertencerem, desde logo, a propriedade e o usufruto.15

Em relação a extinção do pátrio poder, no antigo direito luso-brasileiro ela

se dava: a) pela morte do pai ou do filho; b) pelo banimento; c) pelo casamento do

filho; d) pela emancipação; pelo exercícios de cargos públicos, se o filho fosse maior

de 21 anos de idade; e) pela colação de grau acadêmico; f) pela entrada do pai ou do

filho em religião aprovada; g) por ato do pai que abandonasse o filho ou o tratasse com

crueldade ou induzisse a maus costumes; h) pela investidura de ordem sacras maiores;

i) se o pai expusesse o filho; j) por sentença passada em julgado nos casos em que o

pai era compelido a emancipar o filho.16

Com a evolução dos costumes nas relações sociais e familiares, houve a

necessidade de adequação deste Instituto, principalmente no que dizia respeito a

maioridade, assim, em 1831, veio a Resolução de 31 de outubro que, combinada com a

Lei de 22.09.1828, fixou em 21 anos a época em que se devia verificar a maioridade e,

conseqüentemente, a emancipação.17

Finalizando este capítulo, é mister considerar o Decreto 181, de 24.01.1890,

já na República, que concedeu à viúva o direito de exercer o pátrio poder, perdendo

este direito caso viesse a contrair, novamente, matrimonio. A respeito disso Comel

discorre:

15 Idem, ibidem, p. 39-40. 16 ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder..., cit., p. 40-41. 17 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: Parte Especial..., cit., p. 143.

Page 16: Poder Familiar

16

Regra de significativa importância e que consistiu num marco da evolução do

pátrio poder, por deixar de considerá-lo como prerrogativa exclusivamente

masculina, ainda que o jugo do homem somente viesse a ser definitivamente

superado quase cem anos depois.18

4.3 Constituição Republicana de 1891

A Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891 foi um marco na

luta pela democracia, à liberdade e à igualdade de todos perante a lei, conforme seu

artigo 72 § 2º:

Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de nascimento,

desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as

suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.

Baseado nos princípios republicanos, esta Constituição exigiu a adequação

de todo o ordenamento jurídico a estes princípios e a respeito do Pátrio Poder, mesmo

que ainda neste não tivesse garantido o principio da isonomia, iniciou-se um

movimento a este sentido, como verificaremos no previsto na legislação

infraconstitucional.

4.4 Código Civil de 1916

Portanto, sob a égide de uma Constituição que defendia a igualdade de todos

perante a lei, numa sociedade predominantemente rural, em que a família era tida

como uma entidade patriarcal, hierarquizada, matrimonializada e patriminializada, o

primeiro Código Civil brasileiro, instituído pela Lei 3.071, de 01 de janeiro de 1916,

constituiu a família sob o princípio da unidade de direção.19

A respeito disso é mister

18 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 23. 19 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 26.

Page 17: Poder Familiar

17

observar as considerações de José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José

Ferreira:

O modelo de família que o legislador teve em vista, ao elaborar o Código Civil em

sua versão original, corresponde a uma família dominada pelo princípio da

unidade de direção. A família tem um chefe: o marido. Sua estrutura é

diferenciada, baseada no princípio de repartição de funções e hierarquizada.20

Nota-se, sobretudo, no artigo 233 que “o marido é o chefe da sociedade

conjugal”, ou seja, a ele reservada, de forma solene, a função de chefe da família,

sendo confirmada tal investidura pelo fato de a mulher casada ser considerada como

relativamente incapaz, portanto, sob o domínio do marido, também denominado poder

marital.21

Portanto o Pátrio Poder previsto no Código Civil de 1916 seguiu a tradição

das legislações anteriores ao reservar, prioritariamente, ao marido a prerrogativa de

chefiar a família, ou seja, exercer o Pátrio Poder de forma exclusiva. A respeito disso

Lafayette Rodrigues Pereira tinha uma interessante opinião:

Não poderia a sociedade conjugal subsistir regularmente, se o poder de dirigir a

família e reger-lhes os bens não estivesse concentrado em um só dos cônjuges,

uma vez que os conflitos diários, não encontrando pronta solução, criariam na

família perpétua perturbação.22

.

Entretanto, no Código Civil de 1916, à mulher já era reservado a

participação em assuntos da sociedade conjugal, devendo-se afastar qualquer atitude

arbitrária do marido, pois segundo próprio Beviláqua, apesar da preeminência

concedida ao marido, os dois cônjuges se acham no mesmo plano jurídico, e não

20 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de Família. Porto Alegre:

Fabris, 1990. p. 302. 21 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 26. 22 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família..., cit., p.125

Page 18: Poder Familiar

18

exerce o homem autoridade sobre a mulher.23

Esta visão pode ser entendida se

considerado o artigo 240 do Código Civil de 1916.24

Portanto à mulher, apesar de ter, ainda que de forma tímida, conseguido

espaço nos assuntos conjugais, somente era reservado o exercício do Pátrio Poder, na

morte do marido, em seus impedimentos legais, ou no não reconhecimento, em se

tratando de filhos ilegítimos, conforme observava o artigo 38325

A respeito deste ponto, somente estavam sujeitos ao Pátrio Poder os filhos

que podiam ser reconhecidos, pois sem reconhecimento não há que se considerar a

autoridade paterna.26

Portanto estavam sujeitos ao Pátrio Poder os filhos naturais, os

legítimos, os legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos, excluindo-se os

incestuosos, os adulterinos e os espúrios.

Quanto a questão patrimonial o Código Civil de 1916 conferia aos pais a

administração27

e o usufruto28

de seus bens, com algumas restrições.29

A respeito da extinção do Pátrio Poder de acordo com o código Civil de

1916, esta somente poderia se dar com a morte dos pais ou do filho; pela emancipação;

pela maioridade, fixada em 21 anos; pela adoção.30

23 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil..., cit., p. 99-100. 24 CC/1916, art. 240: “A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua

companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família.” 25 CC/1916, art. 383: “O filho ilegítimo não reconhecido pelo pai fica sob o poder materno. Se, porém, a mãe não

for reconhecida, ou capaz de exercer o pátrio poder, dar-se-á tutor ao menor.” 26 CC/1916, art. 379: “Os filhos legítimos, os legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos estão

sujeitos ao Pátrio Poder, enquanto menores.” 27 CC/1916, art. 385: “O pai e, na sua falta, a mãe são os administradores legais dos bens dos filhos que se achem sob seu poder, salvo no disposto do art. 225.” 28 CC/1916, art. 389: “O usufruto dos bens dos filhos é inerente ao exercício do pátrio poder salvo a disposição

do art. 225.” 29 CC/1916, art. 390: “Excetuam-se (do usufruto): I – Os bens deixados ou doados ao filho com a exclusão do

usufruto paterno; II – Os bens deixados ao filho, para fim certo e determinado.”

CC/1916, art. 391: “Excluem-se assim do usufruto como da administração dos pais: I – Os bens adquiridos pelo

filho ilegítimo, antes do reconhecimento; II – Os adquiridos pelo filho em serviço militar, de magistério, ou em

qualquer outra função pública; III – Os deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem administrados

pelos pais; IV – Os bens que ao filho couberem na herança (art. 1.599), quando os pais forem excluídos da

sucessão (art. 1602).”

Page 19: Poder Familiar

19

A dissolução da sociedade conjugal, independente da forma, seja pelo

desquite, seja pela anulação, não alterava a titularidade do Pátrio Poder, exceto quanto

a questão da guarda, sendo que, no caso de desquite amigável, deveria ser considerado

o que for pactuado entre os cônjuges31

. Já no desquite judicial era previsto três

possibilidades distintas: a) Havendo cônjuge culpado, os filhos deveriam ficar com o

inocente; b) Sendo a culpa recíproca, adotou se como critério a lei do sexo, ou seja, até

os seis anos, os filhos ficariam com a mãe, após esta idade, os meninos passariam a

ficar sob a guarda do pai, enquanto que as meninas deveriam permanecer com a mãe,

para Comel este critério atendia o conservadorismo machista da época.32

Entretanto

ressalva-se, no artigo 327, a possibilidade de o juiz, em qualquer caso, estabelecer a

guarda dos filhos sem obedecer a essas regras, baseando-se no interesse e bem estar

dos filhos.33

4.5 Estatuto da Mulher Casada

O Estatuto da Mulher Casada34

foi um grande marco pela igualdade jurídica

da mulher, pois, mesmo que não tenha conseguido alterar a chefia da sociedade

conjugal, modificou importantes dispositivos relativos ao Pátrio Poder do Código Civil

de 1916, tendo grande destaque o fim da incapacidade jurídica frente ao casamento.35

Em relação a novidade advinda do Estatuto da Mulher Casada, a que mais

nos interessa neste trabalho diz respeito diretamente ao Pátrio Poder, sendo a alteração

30 CC/1916, art. 392: “Extingue-se o Pátrio Poder: I – pela morte dos pais ou do filho; II – Pela emancipação, nos

termos do parágrafo único do art. 9º, parte Geral; III – Pela maioridade; IV – Pela adoção.” 31 CC/1916, art. 325: “No caso de dissolução da sociedade conjugal por desquite amigável, observar-se-á o que

os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.” 32

COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 31. 33 CC/1916, art. 327: “Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular, por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores, a situação deles para com os pais. 34 Lei n.º 4.121 de 27 de agosto de 1962. 35 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 33.

Page 20: Poder Familiar

20

do artigo 38036

do Código Civil de 1916, dispositivo que perdurou até a promulgação

da Constituição Federal de 1988. Nota-se que ao final deste artigo esta disposto que

“na falta de um [...] passará o outro a exercê-lo com exclusividade”, então por lógica

que não havendo impedimento por partes dos genitores, o exercício do Pátrio Poder na

constância do casamento deverá ser exercido de forma conjunta. Comel considera que

esta mudança significou a aquisição, por parte da mulher, do direito subjetivo inerente

ao Pátrio Poder, levando em consideração que pelo fato de este ser atribuído ao

“marido em colaboração da mulher”, manteve-se a chefia da família pelo marido, só

que agora com a previsão da participação da mulher, ficando este fato evidenciado no

parágrafo único em que se prevê a predominância da vontade do marido sobre a

mulher, ainda que tenha ressalvado a mulher recorrer ao juiz para a solução da

divergência.37

Portanto em se tratando ao Pátrio Poder o pai continuava em primeiro

plano enquanto que à mulher cabia o papel de coadjuvante.

4.6 Lei do Divórcio

A Lei do Divórcio38

não trouxe alterações significativas quanto ao Pátrio

Poder, mantendo o que estava disposto no artigo 380 do Código Civil de 1916. A Lei

do Divórcio atuou mais quanto a Guarda em caso da separação, evento que tomou o

lugar do desquite. Portanto, segundo Comel, seu maior objetivo foi regular a situação

dos filhos submetidos ao Pátrio Poder que viviam fora do convívio simultâneo dos

pais.39

36 CC/1916, art. 380: “Durante o casamento, compete o Pátrio Poder aos pais, exercendo-o o marido com a

colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com

exclusividade.

Parágrafo único: Divergindo os progenitores quando ao exercício do Pátrio Poder, prevalecerá a decisão do pai,

ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para a solução da divergência.” 37 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 34. 38 Lei n.º 6515 de 26 de dezembro de 1977. 39 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 36.

Page 21: Poder Familiar

21

Para a dissolução amigável manteve-se ao que era previsto anteriormente,

qual seja a de respeitara decisão conjunta dos pais sobre a guarda dos filhos.40

Nos

casos de separação litigiosa e de anulação de casamento41

definiu-se três

possibilidades: a guarda deverá ficar com o cônjuge inocente; havendo culpa recíproca

deverá ficar com a mãe; não sendo conveniente que fique com nenhum dos pais, os

filhos deveriam ficar sob a guarda a pessoa idônea da família de qualquer um dos

cônjuges.42

Curiosamente a única previsão de a guarda ficar com aquele que tiver

melhor condições de assumi-la ficou por conta da separação motivada por doença

mental grave.43

Outra modificação importante que esta lei trouxe, mesmo não sendo assunto

central deste trabalho, foi a respeito da equiparação dos filhos maiores inválidos aos

menores, com a finalidade de protegê-los quanto à guarda e aos alimentos.44

O dispositivo inovador mais importante trazido por esta lei foi o que disse

respeito ao pai que não tem os filhos sob sua guarda, sendo introduzido,

expressamente, o direito de visita, de companhia e de fiscalização da manutenção e

educação, nos termos do artigo 15.45

Este Instituto até hoje é controverso, pois não há

que se falar em exercício de Poder Familiar se dele não emergir o direito de

40 LDi, art. 9º: “No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial consensual (art. 4.º),

observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.” 41 LDi, art. 14: “Os casos de anulação de casamento são regulados da mesma forma que os de separação

litigiosa.” 42 LDI, art. 10: “Na separação judicial fundada no caput do art. 5.º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que

a ela não houver dado causa. § 1.º Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da

mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.

§ 2.º Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, defirirá o juiz a sua guarda a

pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges.” 43 LDi , art. 12: “Na separação judicial fundada no § 2.º do art. 5.º, o juiz deferirá a entrega dos filhos ao cônjuge

que estiver em condições de assumir, normalmente, a responsabilidade de sua guarda e educação.” 44 LDi, art. 16: “As disposições relativas à guarda e à prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos

filhos maiores inválidos.” 45 LDi art. 15: “Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua companhia,

segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.”

Page 22: Poder Familiar

22

convivência e de acompanhar sua vida escolar e educacional, portanto, se a separação

não altera o Poder Familiar, exceto de ter os filhos em sua companhia, obviamente que

automaticamente deveria ser garantido uma convivência mínima para a manutenção

dos laços parentais e a participação efetiva na vida dos filhos, como o de ter acesso as

informações curriculares escolar.

Por ultimo, quanto a este tema, vale ressaltar que esta Lei conferiu ao juiz o

poder discricionário46

para, no interesse e a bem dos filhos, regular a guarda de

maneira diferente ao previsto em lei. Esta discricionariedade deslocou a guarda que

antes era simplesmente inerente ao Pátrio Poder para o melhor interesse da criança,

parâmetro que predomina até os dias atuais47

.

4.7 Constituição Federal de 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de

outubro de 1988, segundo Comel, atendeu aos clamores da doutrina e causou uma

revolução no Direito de Família48

, para se ter uma idéia, somente três artigos

constitucionais49

foram responsáveis por impedir a recepção de mais de cem

dispositivos do Código Civil de 1916 e de outras leis, refletindo, também, na LICC, no

direito processual, dentre outros.

A primeira mudança a ser considerada diz respeito a isonomia dos gêneros,

consagrado no artigo 5.º inciso primeiro da Carta Magna50

, sendo considerado, a partir

46 LDi, art. 13: “se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira

diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais.” 47 Pelo menos na teoria. 48 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 39. 49 CF/1988, art. 5.º I; art. 226 § 3.º, 4.º, 5.º e 6.º; art. 227 § 6.º. 50 CF/1988, art. 5.º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;”

Page 23: Poder Familiar

23

de então, a igualdade jurídica entre homens e mulheres, repercutindo diretamente na

titularidade do Pátrio Poder, tendo sido expresso de forma mais especifica e taxativa

no artigo 226 § 5.º.51

Outra questão renovada com a Constituição de 1988 foi a mudança do

conceito de família, primeiramente através do reconhecimento da união estável como

espécie de núcleo familiar, devendo este merecer a proteção estatal,52

e, ainda, com o

reconhecimento da família denominada de mono parental, ou seja, aquela composta

somente por um dos pais.53

Por ultimo, foi deveras importante para a consagração do princípio

fundamental da dignidade humana a equiparação de todos os filhos, havidos ou não da

relação de casamento, outorgando-lhes os mesmos direitos e qualificações, vetando

quaisquer tipo de discriminações relativas a filiação e estando em situação de

igualdade também em relação ao Pátrio Poder.54

4.8 Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido como ECA55

passou a

vigorar dois anos após a promulgação da Constituição de 1988, trazendo desta o

princípio da igualdade entre homem e mulher especificamente quanto ao, ainda, Pátrio

Poder.56

Segundo Comel:

51 CF/1988, art. 226 § 5.º: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo

homem e pela mulher.” 52 CF/1988, art.226 § 3.º: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a

mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” 53 CF/1988, art. 226 § 4.º: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos

pais e seus descendentes.” 54 CF/1988, art. 227, § 6.º: “Os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos

direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” 55 Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990. 56 ECA, art. 21: “O Pátrio Poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que

dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à

autoridade judiciária competente para a solução da divergência.”

Page 24: Poder Familiar

24

Tal dispositivo reafirmou o exercício da função paterna em igualdade de

condições entre homem e a mulher, o que já determinara a Constituição Federal,

coibindo quaisquer discriminações, privilégios ou distinções entre eles, pois

investidos ambos nas prerrogativas inerentes a tal Instituto protetivo.57

Além da isonomia de gêneros, o ECA consolidou a retirada do Pátrio Poder

do universo exclusivo da sociedade conjugal e da filiação passível de reconhecimento

para viabilizá-lo a todo e qualquer pai, mãe e filho.58

4.9 Código Civil de 2002

Para analisarmos o Código Civil de 2002 59

é mister que lembremo-nos que

o Projeto de Lei que culminou neste código, teve início na Câmara dos Deputados em

1975, tramitou por cinco legislaturas,60

ocorrendo, neste ínterim, os trabalhos

constituintes e a promulgação da nova Constituição de 1988.

O Código Civil de 2002 atendendo as mudanças trazidas pela Constituição

de 1988, enfim, faz sair de cena a figura do Pátrio Poder, entrando em seu lugar o

Instituto do Poder Familiar, termo escolhido por entender que este reflete com mais

exatidão o princípio isonômico deste Instituto, sendo que inicialmente a expressão

“pátrio poder” estava mantida no Projeto do Código Civil, mas por sugestão do jurista

Miguel Reale, esta foi alterada com a justificativa de que a expressão anterior denotava

uma prevalência do cônjuge varão sobre a pessoa dos filhos.61

Mas apesar da alteração

do termo em si não criou uma novidade a este Instituto, pois não houve alteração de

nenhuma de suas características, haja vista que, a isonomia entre os pais, bem como a

57 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 46. 58 Idem, ibidem, p. 46. 59 Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002. 60 Duas na Câmara dos Deputados; duas no Senado Federal; e finalmente uma última na Câmara. 61 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 53.

Page 25: Poder Familiar

25

equiparação dos filhos, já estavam previstos. Portanto coube ao novo Código Civil

disciplinar sobre o que já havia sido instituído na legislação anterior, principalmente

na Constituição de 1988.

Outra novidade trazida pelo novo Código Civil, que repercute diretamente

no Poder Familiar, diz respeito a antecipação da maioridade de 21 para 18 anos, sendo

que não há que se falar propriamente em inovação, já que a Constituição de 1988 já

previa a imputabilidade penal a partir dos 18 anos, bem como condição para

elegibilidade para o cargo de vereador, portanto não havia outra possibilidade à

legislação civil.62

4.10 Lei da Guarda Compartilhada

Ao contrário do que possa parecer a Lei da Guarda Compartilhada63

, que

alterou dois artigos do Código Civil de 2.002, é de suma importância a este trabalho,

pois ainda que não trate diretamente do Poder Familiar, diz respeito a modalidade de

guarda que se espera maior possibilidade de exercício igualitário do Poder Familiar

por ambos os genitores, seja ele o genitor contínuo ou descontínuo.64

É mister a análise individual dos dois artigos alterados a começar pelo 1.583

em que a redação antiga era:

No caso de dissolução da sociedade ou do convívio conjugal pela separação

judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-

á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.

62 Idem, ibidem, p. 73. 63 Lei n.º 11.698 de 13 de junho de 2.008. 64 Tomei emprestado esta expressão utilizada por Fraçoise Dolto, especialmente em seu livro: “Quando os pais

se separam”, sendo o contínuo aquele que tem o convívio permanente com o filho e o descontínuo o que tem

convivência esporádica, prevista no acordo de visitação. É salutar esta nomenclatura para se evitar a confusão já

que, na Guarda Compartilhada, ambos os genitores passam a ser guardiões, independente da posse ou convívio.

Page 26: Poder Familiar

26

Passando a seguinte redação:

A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a

alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a

responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que

não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

§ 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições

para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os

seguintes fatores:

I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;

II – saúde e segurança;

III – educação.

§ 3º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar

os interesses dos filhos.

Nota-se que há um deslocamento de características inerentes ao Poder

Familiar, como a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai

e da mãe concernentes ao Poder Familiar, bem como a supervisão do interesse do

filho, a participação em sua educação e suas vicissitudes. A Guarda Compartilhada por

si só não garante uma convivência simétrica entre os genitores e seus filhos, mas pode

criar condições para tal. Entretanto o que é mais intrigante na análise desta alteração é

que buscaram no Poder Familiar elementos para tornar mais justa e igualitária a

convivência já referida, entretanto esta busca não percorreu o caminho da execução do

já existente Instituto e ou por seu fortalecimento, mas sim em instituir suas

características em um modelo de guarda que anuncia o retorno da isonomia parental

que se imaginou ter sido instituída com a Constituição de 1988, mas que acarretou

simplesmente uma inversão do status quo, ou seja, invertendo-se a tirania que outrora

era concentrada na figura masculina através do Pátrio Poder e hoje concentrada na

figura do Guardião65

já que este tem prerrogativas que desrespeitam o Instituto do

Poder Familiar em detrimento da Guarda.

65 Normalmente papel designado à mãe

Page 27: Poder Familiar

27

Continuando com a análise da Lei da Guarda Compartilhada, dizia o artigo

1.584 antes da alteração:

Decretada a separação judicial ou o divorcio, sem que haja entre as partes acordo

quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições

para exercê-la.

Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda

do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade

com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco

e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.

Artigo esse que ficou configurado desta forma:

A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação

autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida

cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em

razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a

mãe.

§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da

guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos

atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho,

será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência

sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério

Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe

interdisciplinar.

§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de

guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas

atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência

com o filho.

§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da

mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da

medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de

afinidade e afetividade.”

Page 28: Poder Familiar

28

Neste artigo, percebemos no segundo inciso que o legislador tentou garantir,

através da Guarda Compartilhada, uma convivência mais equilibrada entre os filhos

que não coabitam com seus pais de forma simultânea. Entretanto para ter uma

avaliação mais apurada acerca da Guarda Compartilhada é mister que se faça uma

pesquisa mais aprofundada sobre a eficácia da lei neste sentido analisando se é esta por

si só que garante este equilíbrio, por sua natureza, ou se a melhor convivência deriva

pelo fato de que os casos em que se decreta, ou acorda sobre ela, já estão em situação

de uma solução sobre esta questão, ou, ainda, quando esta é decretada pelo juiz faz

com que o guardião passe a temer uma punição caso venha a impedir o outro de

participar da vida do filho. São informações importantes que podem evitar um viés no

entendimento deste Instituto.

A respeito da expectativa quanto a Guarda Compartilhada afirmou Deirdre

de Aquino Neiva:66

"A guarda compartilhada almeja assegurar o interesse do menor, com o fim de

protegê-lo, e permitir o seu desenvolvimento e a sua estabilidade emocional,

tornando-o apto à formação equilibrada de sua personalidade. Busca-se

diversificar as influências que atuam amiúde na criança, ampliando o seu

espectro de desenvolvimento físico e moral, a qualidade de suas relações afetivas e

a sua inserção no grupo social. Busca-se, com efeito, a completa e a eficiente

formação sócio-psicológica, ambiental, afetiva, espiritual e educacional do menor

cuja guarda se compartilha.”67

Lucas Hayne Dantas Barreto, bacharel em Direito pela Universidade Federal

da Bahia68

em seu trabalho de conclusão de curso, que versou sobre a Guarda

Compartilhada, iniciou a referida monografia com a seguinte afirmação:

66 Deirdre de Aquino Neiva, advogada e procuradora do Distrito Federal. 67 BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Considerações sobre a guarda compartilhada . Jus Navigandi, Teresina, ano

7, n. 108, 19 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4352>. Acesso em: 19 jan.

2009. 68 UFBA

Page 29: Poder Familiar

29

O Instituto da guarda compartilhada vem à baila para socorrer as deficiências

que outros modelos de guarda, principalmente o da guarda dividida - onde há o

tradicional sistema de visitas - possuem. Tais modelos, ao privilegiar

sobremaneira a mãe, na esmagadora maioria dos casos, levam a profundos

prejuízos aos filhos, tanto de ordem emocional quanto social, no seu

desenvolvimento. Estes revezes atingem também o próprio pai, cuja falta de

contato mais íntimo leva fatalmente a um enfraquecimento dos laços parentais,

privando-o do desejo de perpetuação de seus valores e cultura.69

Nas duas afirmações e análises a respeito da Guarda Compartilhada, pode se

notar o grau de esperança que este Instituto trouxe aos profissionais que atuam na área,

podemos ter uma idéia então quanto aos pais que tanto se afligem sob o tema.

Entretanto deve-se tomar cuidado a respeito das expectativas quanto a

Guarda Compartilhada, pois esta, muito menos por ser um Instituto relativamente

novo, pelo menos em nosso ordenamento jurídico, e mais por sua estrutura, vem

causando confusão e expectativas frustradas em relação à solução do convívio entre

pais e filhos. Voltaremos a tratar deste assunto mais adiante, finalizando por hora que,

realmente este modelo de guarda demonstra ser o melhor e mais justo, sendo que o que

devemos refletir é a respeito de sua possível eficácia isolada para se resolver os

problemas de convivência anteriormente mencionados.

4.11 Estatuto da Família

O projeto de Lei do Estatuto da Família70

de autoria do deputado Sérgio

Barradas Carneiro (PT-BA), foi proposto pelo IBDFam71

, e segundo seu presidente

69 BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Considerações sobre a guarda compartilhada . Jus Navigandi, Teresina, ano

7, n. 108, 19 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4352>. Acesso em: 19 jan.

2009. 70 Projeto de Lei 2.285/07 de 25 de outubro de 2.007. 71 Instituto Brasileiro de Direito de Família

Page 30: Poder Familiar

30

Rodrigo da Cunha Pereira72

este projeto instalou novos paradigmas jurídicos para a

organização das famílias, por discutir assuntos polêmicos ignorados pelo Código

Civil, pois apesar de ter sido aprovado em 2002 este já nasceu ultrapassado, em

relação as concepções da família, segundo Pereira.73

É certo que a dinâmica social traz mudanças de forma acelerada,

principalmente nas ultimas duas décadas, isto somado a mudança da realidade

socioeconômica, contribuíram para a transformação de valores e concepções, enquanto

que a realidade jurídica não conseguiu ao mesmo passo acompanhar estas

transformações, isto sendo considerado de certa forma normal em um sistema jurídico

em que a fonte do Direito mais valorizada é a lei, enquanto que a doutrina e a

jurisprudência ficam em segundo plano e o costume só reflete efeitos depois de anos

ou décadas, sendo que este reflexo se dá, normalmente, no âmbito legislativo, ou seja,

fomentando a alteração das leis.

Pelo fato de que o projeto de lei do Estatuto das Famílias lidar com questões

polêmicas, assim como na sociedade dentro do parlamento ele também angariou

partidários, como também encontrou resistências de alguns parlamentares. O Projeto

propõe alterações profundas na estrutura e no sistema jurídico que trata do Direito de

Família e ainda há um fator que dificulta o avanço legislativo, que são os apensos que

ele recebeu, pois os projetos de lei que foram apensados tratam de propostas polemicas

que mesmo sem configurar na proposta inicial do Estatuto da Família, por força de lei,

tiveram que tramitar conjuntamente por tratar de assuntos semelhantes.

O Projeto de Lei do Estatuto propõe a ampliação do conceito de família,

legitimando todas as formas de famílias conjugais e parentais. No projeto denomina se

famílias conjugais àquelas constituídas pelo casamento, pela união estável entre

homens e mulheres e também as homoafetivas, sendo este um dos pontos mais

72 Rodrigo da Cunha Pereira doutor em Direito Civil (UFPR), advogado, professor da PUC-MG e presidente do

Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. 73 Revista Consultor Jurídico, 22 de novembro de 2007.

Page 31: Poder Familiar

31

polêmicos debatido na Câmara. Entretanto é de nosso interesse analisar os pontos em

que dizem respeito ao Poder Familiar e ou as modalidades de Guarda, sendo que este

Projeto de Lei, tenta inovar quanto a questão da denominação do Instituto do Poder

Familiar, passando a ser denominado de Autoridade Parental74

. Aos que defendem

tal denominação entendem que se no passado o que se questionava era que Pátrio

Poder era deveras tendencioso à concentração do poder ao homem, hoje, com este fato

já superado, o que se discute é o fato de o Poder Familiar ser mais do que uma relação

pura de poder, ou seja, unilateral, e sim uma relação bilateral onde o poder está

conjugado com o dever, sendo então um poder-dever, portanto muito mais

compreensivo no termo “autoridade” e não pura e simplesmente “poder”, e em relação

ao termo “família” entende-se que o termo “parental” passe, também, a ser mais

conveniente.

No artigo 8775

que define a Autoridade Parental fica clara esta inovação,

pois antes mesmo de se definir a quem cabe a Autoridade, fala se no caput deste artigo

que a autoridade Parental deve ser exercida no melhor interesse dos filhos, sendo este

preceito reforçado no parágrafo segundo, que dá ao filho o direito de participar de seu

processo educacional, levando se em consideração seu nível de discernimento. Quanto

ao parágrafo terceiro, este, coroa a idéia da nova concepção da relação jurídica entre

pais e filhos trazida por este Projeto, ou seja, da idéia de autoridade com forte grau de

responsabilidade, sendo que esta nova concepção pode ser notada na possibilidade da

perda da Autoridade Parental, caso esta não seja exercida no melhor interesse do

filho76

, bem como o seu restabelecimento também segue este princípio77

.

74 PL/2.285/07 Titulo IV Da Filiação - Capítulo III – Da Autoridade Parental 75 PL/2.285/07, Art. 87: “A autoridade parental deve ser exercida no melhor interesse dos filhos.

§ 1.° Compete a autoridade parental aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro a exerce com

exclusividade.

§ 2.° O filho tem o direito de ser ouvido, nos limites de seu discernimento e na medida de seu processo

educacional.

§ 3.° Aos pais incumbe o dever de assistência moral e material, guarda, educação e formação dos filhos

menores.” 76 PL/ 2.285/07, Art. 94. “Perde por ato judicial a autoridade parental aquele que não a exercer no melhor

interesse do filho, em casos como assédio ou abuso sexual, violência física e abandono material, moral ou

afetivo.”

Page 32: Poder Familiar

32

Em relação a titularidade da Autoridade Parental, prevista no parágrafo

primeiro do já mencionado artigo 87, não há nenhuma inovação ao que já esta previsto

na legislação atual, bem como quanto a situação da dissolução da união dos pais,

prevista no artigo 88.78

Em relação a extinção da Autoridade Parental, também não há nenhuma

inovação, somente em relação ao, já mencionado, fato em que a perda pode se dar pelo

não exercício da Autoridade Parental no melhor interesse do filho. Cabe ressaltar que

não há previsão da suspensão da Autoridade Parental, como existe hoje em relação ao

Poder Familiar, previsto no artigo 1637 do Código Civil.79

Outro ponto importante e polêmico é o do reconhecimento do papel do

padrasto, bem como da madrasta na dinâmica familiar, sendo previsto no Projeto a

participação destes no exercício da Autoridade Parental,80

o que hoje é vetado

expressamente pelo Código Civil.81

Esta questão é de fundamental importância, por

isso merece ser debatida mais profundamente. Por um lado existe uma necessidade

adaptativa da nova família e por uma questão natural o novo companheiro82

passa a

desempenhar um papel importante na vida da criança e desconsiderar esta figura é um

tanto quanto hipócrita, pois sim devemos reconhecer o papel de padrasto83

na vida da

77 PL/2.285, Art. 95: “É possível, no melhor interesse do filho, o restabelecimento da autoridade parental por

meio de decisão judicial.” 78 PL/2.285/07, Art. 88: “A dissolução da entidade familiar não altera as relações entre pais e filhos.” 79 CC/2002, art. 1.637: “Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles

inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público,

adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder

familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.” 80 PL/2.285, Art. 91: “Constituindo os pais nova entidade familiar, os direitos e deveres decorrentes da

autoridade parental são exercidos com a colaboração do novo cônjuge ou convivente ou parceiro.

Parágrafo único. Cada cônjuge, convivente ou parceiro deve colaborar de modo apropriado no exercício da

autoridade parental, em relação aos filhos do outro, e representá-lo quando as circunstâncias o exigirem.” 81CC/2002, art 1.636: “O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto

aos filhos do relaciona mento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do

novo cônjuge ou companheiro.” 82 Ou companheira. 83 Ou madrasta.

Page 33: Poder Familiar

33

criança e do adolescente, papel este que muitas vezes é dificultado justamente pelo

seu não reconhecimento legal. Por outro lado, deve se tomar cuidado para que o

guardião tirano não utilize da pessoa do padrasto para consumar a SAP84

, pois se a

aprovação desta medida pode ajudar no dia a dia da nova família, por outro pode ser

uma porta de entrada da exclusão do genitor não guardião. É mister que se abra um

parêntese aqui, pois mesmo não fazendo parte do Projeto de Lei do Estatuto da Família

se faz necessário citar a lei85

recentemente aprovada pelo Congresso que altera o art.

57 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para autorizar o enteado ou a enteada

a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta. Deve se ter cautela para

analisar esta nova possibilidade, pois assim como o reconhecimento da participação do

padrasto na vida do enteado, a possibilidade de adoção do nome deste, tanto pode ser o

reconhecimento de uma vida de dedicação e amor, como pode ser a consumação

injusta da Síndrome de Alienação Parental. Portanto é fundamental da avaliação do

caso concreto.

Por fim, ainda que pareça não ter relevância para o tema deste trabalho, pois

este visa analisar o Poder Familiar em respeito aos filhos, vale ressaltar que neste

Projeto de Lei, em um Capítulo e Título86

diferente do que se trata da Autoridade

Parental, especificamente, existem dois artigos que merecem nossa atenção.

O primeiro é o artigo 1787

, que investe de titularidade jurídica a qualquer

pessoa capaz integrante da entidade familiar, ou seja, não se restringindo ao casal. O

segundo é o artigo seguinte88

trata da gestão da família, que até então era um ato

inerente ao Poder Familiar, neste projeto propõe se o desmembramento desta função

da Autoridade Parental, ou seja, distribui a gestão da família a todos os membro

civilmente capazes, pois merece uma reflexão mais aprofundada sobre esta questão. 84 Síndrome de Alienação Parental. 85 Lei nº 11.924, de 17 de Abril de 2009. 86 PL/2.285/07, Título III – Capítulo I Das disposições comuns 87 PL/2.285/07, Art. 17: “Qualquer pessoa integrante da entidade familiar tem legitimidade para defendê-la em

juízo ou fora dele.” 88 PL/2.285/07, Art. 18: “Art. 18. A gestão dos interesses comuns da entidade familiar incumbe aos integrantes

civilmente capazes, de comum acordo, tendo sempre em conta o interesse de todos os que a compõem.”

Page 34: Poder Familiar

34

5 Guarda e Convivência

5.1 A tirania do Guardião

Entende se que a guarda deriva do Poder Familiar e esta deve ser exercida

baseada no melhor interesse do menor, entretanto o fenômeno que ocorreu paralelo

com a luta por igualdade de gênero para o exercício parental foi o de um relativo

esvaziamento do Poder Familiar e uma hipertrofia do Instituto da Guarda, pois na

prática, exerce o Poder Familiar plenamente quem tem a guarda do menor, ou se

autorizado por quem a tenha.

Inúmeros são os atos tidos como tiranos por parte do Guardião sendo um

deles, e muito comum atualmente, o de mudança de domicilio sem consulta, ou pior,

sem nenhum aviso ao genitor não guardião, ficando este sem saber onde o filho reside,

conseqüente não podendo ter nenhum tipo de convivência com este. Para resguardar a

relação jurídica do genitor não guardião com o filho, o deputado federal Paulo

Baltazar89

apresentou um projeto de lei90

no ano de 2006 que tipificava como conduta

ilícita a mudança de endereço sem comunicação ao genitor não guardião, podendo o

genitor guardião ser penalizado com a perda da guarda,91

mas infelizmente o Deputado

não obteve êxito na aprovação deste projeto, demonstrando o legislador, mais uma

vez, sua visão limitada e retrógrada.

Quanto a tirania do guardião, podemos perceber este poder exacerbado nas

palavras de Evandro Luiz Silva no livro:92

89 Paulo César Baltazar da Nóbrega , deputado federal pelo PDT, estado do Rio de Janeiro. 90 Projeto de Lei 6937 de 2006. 91 PL/6937, art. 2.º: “Fica acrescentado o § 2º ao art. 1.584, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, (Novo

Código Civil), renumerando-se o parágrafo único como § 1º, que passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1.584 ...

§ 2º A perda da guarda poderá ser determinada pelo juiz quando o o seu detentor mudar de residência sem a

devida comunicação ao genitor ou à justiça, no prazo de 15 dias. 92 Evandro Luiz Silva é psicólogo e Mestre em Psicologia, ambos pela Universidade Federal de Santa Catarina,

com formação em Psicanálise. Mediador, Perito e Assistente Técnico em processos nas Varas de Família há mais

de 11 anos.

Page 35: Poder Familiar

35

A guarda acaba por definir a quem caberá decidir tudo na vida da criança, bem

como responder por ela. Na guarda exclusiva, o cônjuge que a detém – cujas as

visitas ao filho são preestabelecidas - não pode interferir nas decisões tomadas

pelo cônjuge que a detém [...] .Embora alguns juízes e advogados discordem deste

entendimento, na prática é assim que acontece. [...] O Pátrio Poder ou Poder

Familiar são figuras inexpressivas na prática. 93

Para dar um entendimento melhor desta afirmação, Silva exemplifica com o

fato de que o psicólogo somente pode atender o menor de idade com a autorização do

guardião, salvo se esta autorização for suprimida pelo juiz94

Silva prossegue com a seguinte afirmação:

Não ter a guarda é quase como ficar de espectador na vida do filho, vendo o

guardião decidir tudo, tendo que pedir permissão para, por exemplo, ver o filho

além daquele dia de visita estipulado pelo juiz, que em muitos casos é quinzenal. A

relação, como o próprio termo inapropriado de “visita” propõe, é social e não

parental.95

Considerando que durante muito tempo o Pátrio Poder era prerrogativa

exclusiva do homem, passando depois a uma participação mínima da mulher e,

finalmente, a uma simetria96

de gênero na titularidade do Poder Familiar, o mesmo não

podemos falar da guarda, que há tempos é prerrogativa preferencial da mulher dando à

ela um poder desproporcional e, portanto, incompatível com o Princípio Constitucional

da Isonomia; do Poder Familiar e muito menos com o melhor interesse do menor,

surgindo assim o Guardião Tirano, que, através das prerrogativas inerentes a guarda e

a sucumbência do Poder Familiar, tem o poder até de excluir o pai da vida do filho,

isto com a conivência do Poder Judiciário, sendo este fenômeno conhecido como

93 SILVA, Evandro Luiz. Perícias psicológicas nas varas de família..., cit., p. 49. 94 SILVA, Evandro Luiz. Perícias psicológicas nas varas de família..., cit. 49. 95 Idem, ibidem, p.50 96 Teoricamente.

Page 36: Poder Familiar

36

Síndrome de Alienação Parental97

, assunto que discutiremos em um capítulo

especifico, mas não poderia deixar de ser citado aqui, pois ele é uma conseqüência dos

atos de tirania do guardião.

Obviamente que a tirania do guardião também pode ser exercida pelo pai,

pelos avôs, ou até por outros que fazem o papel de guardião, mas diante de outros

fatores e o protecionismo em demasia dado à mulher, faz com que este fenômeno

ocorra quase que totalitariamente decorrente dos atos espúrios da mãe guardiã.

5.2 Modalidades de guarda

5.2.1 Guarda mono parental, exclusiva e única

É, ainda, a modalidade mais comum em que a guarda é conferida

unilateralmente, normalmente, a um dos genitores. Esta forma de guarda já se mostrou

ineficaz para o bom desenvolvimento da criança e deveria ser aplicada somente em

casos em que tivesse somente um dos genitores ou quando um deles não tem

possibilidade/interesse em exercê-la, pautado no melhor interesse da criança.

Infelizmente não é isto que ocorre, sendo que hoje a guarda unilateral é regra, bem

como sua concessão à mãe também seja regra, ou seja, para concessão de guarda

diferente da unilateral deve haver motivos relevantes, assim como para não se dar a

guarda à mãe, deve esta estar impossibilitada de detê-la.

Quando esta modalidade de guarda se dá na situação da presença de ambos

os genitores, e havendo o interesse de convivência pela parte não agraciada pela

guarda, ou quando esta guarda é concedida a outra pessoa que não o genitor, ao não

guardião é concedido o direito de visitas, como o próprio termo diz e já citado

anteriormente, cabe uma relação social e não parental. Sendo, habitualmente, a

97 Síndrome de Alienação Parental: SAP

Page 37: Poder Familiar

37

convivência estipulada em fins de semana alternados, quinze dias nas férias de

inverno e quinze dias nas férias de verão, feriados alternados; aniversário do genitor e

data comemorativa que dizem respeito a sua parentalidade98

.

A respeito das visitas muito bem frisou a insigne Dra. Maria Berenice

Dias99

:

Como encontros impostos de modo tarifado não alimentam o estreitamento

dos vínculos afetivos, a tendência é o arrefecimento da cumplicidade que só a

convivência traz. Afrouxando-se os elos de afetividade, ocorre o distanciamento,

tornando as visitas rarefeitas. Com isso, os encontros acabam protocolares: uma

obrigação para o pai e, muitas vezes, um suplício para os filhos.100

Portanto na Guarda Exclusiva é que o guardião mais tem condições de

exercer sua tirania, desrespeitando o Poder Familiar, o princípio da Isonomia, o melhor

interesse da criança, as sentenças101

judiciais e, conseqüentemente, instaurar a SAP.

5.2.2 Aninhamento ou nidação

Esta modalidade de guarda é aquela em que os filhos continuam fixados na

residência sendo os pais que a alternam, ou seja, as alternâncias de convivência entre

pais e filhos se dão através das idas e vindas dos pais, mantendo os filhos na mesma

residência.

Apesar de existir, mesmo muito raramente, quem a defenda, não perderemos

tempo em discuti-la, pois além de ela não ser prevista em nosso ordenamento, não é

98 Dias das mães e dias dos pais. 99 Maria Berenice Dias. Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, advogada

militante e vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias-IBDFAM. 100 DIAS, Maria Berenice. Síndrome da alienação parental, o que é isso? . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n.

1119, 25 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8690>. Acesso em: 20 jan.

2009. 101 Ou acordo judicial.

Page 38: Poder Familiar

38

viável para nossa cultura e muito menos solução para a tão sonhada isonomia parental

entre os gêneros, não passando de uma possibilidade que só tem espaço na teoria.

5.2.3 Guarda alternada

Na guarda alternada os genitores se revezam na titularidade da guarda,

exercendo-a integralmente e isoladamente no período em que for conferida a ele.

Normalmente o revezamento se dá de forma igualitária ocorrendo a alternância

semanal, mas pode ser fixada de forma distinta a esta. Nesta modalidade de guarda

existe uma menor possibilidade de um comportamento tirano por parte do guardião.

Há quem a defenda por acreditar que é a forma de guarda mais justa, mas também tem

quem acredite que ela gere instabilidade na vida do menor, sendo um fator prejudicial

a sua formação.

Desde que os genitores consigam se entender, fazendo com que a rotina não

seja radicalmente alterada, como morar em bairros próximos, por exemplo, esta

modalidade de guarda pode ser conveniente para o bom desenvolvimento da criança e

do adolescente., mas há que se considerar o caso concreto, não podendo ser uma regra

geral.

5.2.4 Guarda Compartilhada ou conjuntiva

Esta modalidade de Guarda mesmo já sendo praticada anteriormente, ainda

que em número quase que inexpressivo, foi regulamentada pela chamada Lei da

Guarda Compartilhada102

, em Junho de 2008. Nesta modalidade de guarda pode ou

não ocorrer a alternância de posse ou convivência, mas isto não deve ser confundido

com a Guarda Alternada, pois enquanto que na Guarda Alternada existe uma

102 Já apresentada no inicio desse trabalho.

Page 39: Poder Familiar

39

alternância simultânea de posse e guarda, na Guarda Compartilhada somente se

alterna a posse, ficando os genitores simultaneamente como titulares da guarda. Vale

lembrar outra confusão que se tem a respeito da Guarda Compartilhada é que esta

modalidade não deve se confundir com livre visitação, pois pode ocorrer ou não este

pacto de convivência na vigência da Guarda Compartilhada, mas não é uma

característica intrínseca a ela.

A Guarda Compartilhada fomentou grande esperança em pais e mães que

não conseguem, por não ter a guarda, participar da vida de seus filhos. Segundo Leila

Maria Torraca de Brito103

a Guarda Compartilhada possibilita a validação social do

exercício da paternidade e da maternidade.104

Na esteira do otimismo trazido pela Lei da Guarda Compartilhada, alguns

juízes ainda insistem em andar na contra mão, decidindo arbitrariamente pela guarda

exclusiva, ainda que o clamor da sociedade enseje o contrário.

Dois argumentos utilizados por aqueles que são contra a aplicação da

Guarda Compartilhada são de que esta só deva ser aplicada em caso de bom

entendimento entre os cônjuges a respeito disso Torraca muito bem pontuou dessa

forma:

Na concepção de outros profissionais do Direito entrevistados, a Guarda

Compartilhada só é viável quando os pais mantêm um bom relacionamento. No

entanto, cabe recordar que, com freqüência, um divórcio onde os ex-cônjuges

continuem se relacionando bem não costuma ser regra; ao mesmo tempo em que,

com este argumento, volta-se a unificar o que diz respeito a conjugalidade e o que

se refere a parentalidade. É preciso enfatizar que o vínculo de filiação e o

exercício parental não podem depender de critérios de negociação entre os

cônjuges: ao contrário, devem ser assegurados pelo Estado, como prevê a

Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989). Compreende-se, assim,

103 Leila Maria Torraca de Brito. Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia pela PUC/RJ. Professora do IPUERJ

– UERJ. 104 BRITO, Leila Maria Torraca. Guarda compartilhada..., cit. P. 53.

Page 40: Poder Familiar

40

que nem sempre é possível, nesses casos, buscar acordos, cabendo ao juiz – como

intérprete dos princípios que estruturam cada sociedade – a designação do

exercício unilateral de responsabilidades... ...Assim, entende-se que é justamente

quando o guardião interpõe obstáculos à participação daquele que não possui a

guarda que a determinação da Guarda Compartilhada vai marcar, ou definir o

primeiro, que ele não é o único na relação de parentalidade com a criança.105

Como visto o fato de os genitores não conseguirem entrar em acordo a

respeito dos filhos menores não deve ser considerado motivo impeditivo de concessão

da Guarda Compartilhada, pelo contrário, é mais um fator para que ela seja deferida.

Outro argumento é de que em caso de os genitores residirem distantes entre

si, impossibilitando assim um convívio mínimo com ambos, então não se deve

conceder a Guarda Compartilhada, pois, nestes casos, não teria razão para tal.

Entendendo que a Guarda Compartilha visa suprimir o fenômeno causado pelo

enfraquecimento do Poder Familiar e suas conseqüências como a não possibilidade de

convivência e, também, a não participação do não guardião106

na vida educacional dos

filhos, leva-nos a conclusão de que também nestas situações a Guarda Compartilhada é

o melhor remédio jurídico, já que, com o avanço da tecnologia é possível

instantaneamente entrar em contato com qualquer lugar do mundo com um custo

reduzido. Portanto é possível o genitor que mora distante conseguir, através da

mediação tecnológica, manter um contato com os filhos e, assim, poder participar de

sua vida.

Mas para isso o guardião contínuo deve facilitar este contato inclusive

respeitando as decisões que sejam convenientes serem tomadas conjuntamente.

Entendemos que muitas pessoas somente colaborarão para tal se constrangidos através

da possibilidade de sofrerem coerção, caso impeçam o outro genitor de exercer o

Poder Familiar, ainda que estando distante.

105 BRITO, Leila Maria Torraca. Guarda compartilhada..., cit. P. 61-62 106 Ou do guardião descontínuo.

Page 41: Poder Familiar

41

Portanto percebe-se que a Guarda Compartilhada é a melhor alternativa para

a possibilidade de uma melhor convivência bem como um justo e equilibrado exercício

do Poder Familiar, independentemente da situação de entendimento entre os genitores

ou mesmo a distância entre as residências destes. Entretanto é salutar que reflitamos

sobre a importância da valorização do Poder Familiar, independentemente da

modalidade de guarda, lembrando que este Instituto deveria imperar sobre a guarda,

mas infelizmente sucumbiu a ela.

5.3 Livre Visitação

A livre visitação, apesar de não ser prevista em nosso ordenamento, pode ser

pactuada entre os genitores. Sendo motivo de discórdia entre os profissionais de

psicologia, pois enquanto que alguns acreditam que é a única forma de manter uma

relação isonômica entre os genitores e filhos, outros acreditam que gera instabilidade

na relação dos filhos com o guardião contínuo, inclusive atrapalhando a vida social

deste.

Quanto a questão legal nada impede que os genitores acordem para a livre

visitação, mas não há que se falar que esta modalidade de convivência possa ser

imposta pelo Estado.

Quanto aos benefícios e malefícios que a livre visitação pode causar,

partindo do princípio que esta modalidade de convivência somente ocorrerá através de

um pacto entre os genitores, podemos concluir que o relacionamento entre estes, pelo

menos em relação aos filhos, é equilibrado o bastante para o bom convívio, levando-

nos a imaginar também, que possivelmente a Guarda que está definida nesta relação

seria a Compartilhada, sendo assim, e observadas algumas regras mínimas, há de se

considerar uma boa alternativa para uma melhor convivência. Entretanto, vale

Page 42: Poder Familiar

42

relembrar que não devemos acreditar que a livre visitação é agraciada

automaticamente pela Guarda Compartilhada, a respeito disso assim afirmou Eliana

Riberti Nazareth:107

Guarda compartilhada é visitação livre? Esse é um dos enganos mais comuns:

igualar o compartilhamento da guarda à livre visitação. Compartilhar a guarda é

muito mais do que isso e não apenas isso. É colocar os pais e colocarem-se como

pais em uma postura totalmente diferente. É assumir responsabilidades. É

comprometer-se em proporcionar as melhores condições possíveis ao adequado

desenvolvimento biopisicossocial dos filhos. E nem sempre a visitação livre é o

melhor para a criança108

5.4 Definição da Guarda e convivência após a dissolução conjugal

Hoje a resolução sobre a guarda quando esta é definida pelo Poder

Judiciário tem como regra a concessão da Guarda unilateral à mãe, somente na

existência de relevantes motivos para que isto não ocorra é que se leva em

consideração a possibilidade de que a criança ou o adolescente fique aos cuidados do

pai seja com o deferimento da Guarda Exclusiva ou mesmo da Guarda Compartilhada.

Levando em consideração que a Guarda e Convivência devem ser definidas

visando o melhor interesse da criança, nos remete a pergunta: Quem pode definir qual

o melhor interesse da criança? Antigamente, em se tratando de questões que se

referiam ao campo psicológico ou mental, a justiça se restringia a considerar somente

o parecer dos psiquiatras, com o avanço da Psicologia como ciência da mente, esta

ganhou espaço nos tribunais, surgindo então a Psicologia Jurídica, a respeito disso

afirmou Evandro Luiz Silva:

A Psicologia Jurídica é a disciplina que trata da atuação do psicólogo no campo

do Direito. Em última instância, trata das relações do sujeito com a lei. Foi a

107 Eliana Riberti Nazareth; Psicóloga; psicanalista; terapeuta de família e de casal; mediadora. 108 NAZARETH, E.R. In. GRISARD FILHO, W. et al. Guarda Compartilhada... cit. p. 94.

Page 43: Poder Familiar

43

partir do estabelecimento do saber científico da Psicologia que houve a demanda

para a Psicologia Jurídica. Assim, se entendermos por Psicologia a ciência que

estuda os processos mentais e o comportamento humano, poderíamos definir a

Psicologia Jurídica como a ciência que vem estabelecer e descrever relações entre

os processos mentais e comportamentos do homem em relação ao que é legal, que

é justo, que está dentro da ordem do Direito.109

Estabelecida a Psicologia Jurídica como ramo de atuação sistematizada da

Psicologia dentro ramo do Direito, principalmente nos processos judiciais, esta passou

a ser de suma importância nas decisões a respeito das disputas envolvendo a guarda e a

convivência com os filhos, pois apesar de o juiz não ficar adstrito ao laudo técnico,

este terá que fundamentar os motivos de refutação dos mesmos, sendo assim, existe

uma grande influência do parecer do psicólogo no processo de disputa de guarda e de

convivência110

. E para dar elementos para este parecer surgiu então como importante

meio de atuação e de parâmetros da atuação do psicólogo jurídico, a perícia

psicológica.

Silva define a perícia psicológica na Vara da Família desta forma:

É uma avaliação/investigação psicológica, realizada por perito psicólogo,

determinada pelo juiz, com o objetivo de verificar a relação entre pais e filhos (ou

de quem está pedindo a guarda da criança), seus vínculos, os processos mentais

comportamentais, as dinâmicas, enfim, promover uma investigação psicológica

utilizando-se das técnicas da Psicologia. O objetivo final é responder aos quesitos

formulados nos autos, levando subsídios, na forma de laudo pericial, para que o

juiz, juntamente com as demais provas dos autos, possa dar sua decisão. Como já

dito, o psicólogo nada decide, porém não podemos fechar os olhos para as

decisões, que na grande maioria tem o laudo psicológico como base, como

mostram as pesquisas trabalhadas pelas psicólogas Rodrigues, Couto e Hungria,

no artigo “A influência dos laudos psicológicos nas decisões judiciais das Varas

de Família e Sucessões do Fórum Central da Capital de São Paulo”111

onde

mostram que o laudo contribuiu em 94,23% das decisões judiciais na cidade de

109 SILVA, Evandro Luiz. Perícias psicológicas nas varas de família..., cit., p. 10. 110 Juridicamente conhecido como regulamentação de visitas. 111 In SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e a Lei, 2008, p. 31-32.

Page 44: Poder Familiar

44

São Paulo. Comparando com outras pesquisas realizadas no Recife e na

Espanha, as autoras concluem que a concordância das decisões com os laudos

periciais são quase unânimes.112

Portanto se temos por um lado um dado em que demonstra que a justiça

ainda é deveras retrógrada na decisão sobre a disputa de guardas, por outro temos o

dado de que 94,23 das decisões judiciais em que houve laudo psicológico esta

convergiu para o parecer do perito, podemos então levantar algumas hipóteses básicas

que possam responder a esta contradição como: a quantidade de processos que é

utilizado este recurso ainda é pequena; não há um protocolo de procedimentos nas

perícias capaz de torná-la eficazes; a um pensamento retrógrado do psicólogo na

perícia que leva em consideração que a guarda não deva ficar com a mãe somente se

ela não se mostrar capacitada para tal.

Esta questão é polêmica, dividindo opiniões nos tribunais; entre os

profissionais da Psicologia; bem como entre os profissionais do Direito. Encontramos

também profissionais que tem o entendimento de que por ser uma ciência

relativamente nova a Psicologia Jurídica ainda sofre por não ter um procedimento

próprio, tomando emprestado alguns conceitos e procedimentos da Psicologia Clínica,

fato que faz com que seja importantíssimo ao psicólogo jurídico se despir destes

conceitos/procedimentos, sobre isto Sidney Shine113

disse:

Encontramos a primeira dificuldade em esclarecer, frente à demanda jurídica por

avaliação, quem é o cliente e o que se pede. Encontramos nosso segundo grupo de

dificuldades, ao refletirmos sobre os impasses éticos de tal atividade. Em primeiro

lugar, a falta de um modelo conceitual coerente que integre a utilização das

técnicas psicológicas de validade comprovada com a assunção de um critério legal

pertinente. Falta uma abordagem que integre o conhecimento psicológico no

arcabouço institucional legal. Contudo não poderia ser diferente em relação a

uma prática recente. Não existe um modelo preexistente, ela se constrói por

112 SILVA, Evandro Luiz. Perícias psicológicas nas varas de família..., cit., p. 16. 113 Sidney Kiyoshi Shine, psicólogo (USP 1983), Psicanalista (Sedes Sapientiae 1992), especialista em

Psicologia da Criança e Estudo psicanalítico da relação do casal pela Clínica Tavistock (1995)

Page 45: Poder Familiar

45

tentativa e erro ou aproximações sucessivas a partir daquilo que se reconhece.

No nosso caso, avaliação psicológica para determinação de guarda é o modelo

clínico (A literatura faz referência à psicologia experimental no que diz respeito

aos processos de percepção aplicados ao testemunho). A dificuldade maior do

psicólogo é poder fazer bom uso do modelo clínico em função do que percebe ser a

questão legal (disputa de guarda) e a sua função institucional (perícia).114

Contribuindo para esta reflexão Eduardo Ponte Brandão115

traz outro

elemento ao debate que é a questão da necessidade do entrosamento da Psicologia e o

Direito, sobre isto Brandão faz a seguinte afirmação:

De nada adianta se restringir à especificidade de seu campo, se o psicólogo

desconhece, por exemplo, os critérios jurídicos que norteiam a decisão de uma

guarda ou deveres e direitos parentais. As referências usadas pelo psicólogo

devem comunicar se com a do juiz, sejam as opiniões convergentes ou não, caso

contrário, ele não poderá contribuir para o desenlace das dificuldades e dos

conflitos com os quais o Judiciário se embaraça.116

Portanto como podemos perceber muito há que se fazer para o

aprimoramento da tutela jurisdicional em termos de litígios familiares, mas se existem

muitas queixas a respeito da Psicologia Jurídica, duvidas não há quanto a sua

necessidade, ou seja, ela tomou seu lugar e dela não podemos abrir mão e sim

contribuir para sua evolução.

5.5 A Mediação na disputa de Guarda e Convivência

O sistema litigioso, ou adversarial, é o modelo utilizado por nosso sistema

judicial, ele acaba ensejando que as pessoas esperem sempre que o Estado decida por

ela, situação muito mais cômoda do que ter que trabalhar a questão para uma

114 SHINE, Sidney. A espada de Salomão..., cit. P. 242-243 115 Eduardo Ponte Brandão, psicólogo, mestre em Psicologia (PUC-RJ), psicólogo do Poder Judiciário/RJ. 116 BRANDÃO, E. P.. (Org.) Psicologia Jurídica no Brasil....cit. p.51

Page 46: Poder Familiar

46

alternativa mais viável, sendo que para isto fatalmente tem que, não só abrir mão de

alguns interesses particulares, como rever alguns conceitos. Para contribuir a isto os

profissionais do Direito, em sua formação, são preparados para aturar no litígio, se

compararmos a carga horária das disciplinas “preparatórias para o embate” com a

carga horária das disciplinas que ensinam uma via alternativa de resolução de

conflitos117

perceberemos que o operador do Direito se forma “para a briga”, isto

acaba sendo mais um fator contra a igualdade parental, pois o cônjuge ferido que quer

se vingar do outro através dos filhos precisa de alguém que lhe abra os olhos

mostrando outras alternativas e não que concorde com suas mazelas ou, pior, acabe

incentivando sua insanidade. Por isso a mediação é a melhor via para a pacificação das

partes, sem imposições e sim com conscientização. Um famoso advogado defendeu a

Mediação a mais de cem anos atrás, infelizmente ele não conseguiu influenciar seus

colegas da mesma forma que influenciou as pessoas de uma forma geral, assim disse

Mahatma Gandhi118

:

Depois de anos de exercício da advocacia, eu tive um aprendizado que me levou a

descobrir o lado melhor da natureza humana e entrar nos corações dos homens.

Eu percebi que a verdadeira missão de um advogado era unir rivais de festas a

parte.119

Se a mediação for feita por profissionais preparados e dispostos a colaborar,

possivelmente chegarão a um resultado satisfatório para ambas as partes inclusive, e

principalmente, para os filhos do casal. Sobre o assunto Nazareth disse:

Daí a necessidade de Mediação feita e assessorada por mediador profissional da

Psicologia que conheça o desenvolvimento infantil e o funcionamento familiar, e

que, junto com os pais, confeccionar o melhor arranjo levando em consideração

os mais diversos elementos. A Guarda Compartilhada exige uma confecção sob

medida que atente para vários fatores como a idade da criança, possibilidades

objetivas e subjetivas dos pais, exame das características da convivência antes da

117 Como a Mediação e Conciliação, por exemplo. 118 Mohandas Karamchand Gandhi. 1869/1948. 119 Disponível em: < http://www.pensador.info/p/frases_de_mahatma_gandhi/1/>. Acesso em: 10 nov. 2008.

Page 47: Poder Familiar

47

separação, entre outro. Estamos acostumados a delegar responsabilidades.

Estamos habituados, quando nos vemos em situação de conflito, a, por exemplo,

esperar que o Estado, representado por um juiz, nos diga e determine o que fazer

por meio de uma sentença judicial. Um Sistema que desempenha a função

complementar de interferir exageradamente promove a dissociação de qualidades

fundamentais dos seres humanos que se referem a planos diferentes do existir.

Impede que se dê a necessária aproximação entre aspectos de quem se concebe

como indivíduo autônomo, autor de sua história e de seu destino e cidadão, autor

de seus atos sociais.120

Portanto, o processo de mediação é muitíssimo importante nas definições de

Guarda e Convivência, mesmo para os casos que não exista um litígio e sim acordo,

pois com a mediação o acordo será muito mais amadurecido tendo maior possibilidade

de êxito.

6 Formas de Exercício do Poder Familiar

Antes de analisarmos algumas formas de exercício do Poder Familiar, é

mister que lembremos que não devemos confundir o Poder Familiar121

com a Guarda.

Outra característica importante é que a forma de exercício depende do ato a ser

praticado e a disposição dos genitores, ou seja, depende da urgência do ato a ser

praticado; sua complexidade e perpetuidade e de sua influência na vida do menor,

portanto sendo considerada sua necessidade e reversibilidade. Alguns atos,

independentemente da Guarda, merece ser decidido por ambos os genitores, outros,

por serem corriqueiros e sem relativa importância podem ser decidido unilateralmente

mesmo que os genitores vivam maritalmente. Então vale ressaltar que a forma de

exercício do Poder Familiar é dinâmica, sendo variável quanto as características do ato

e a disposição dos genitores, não importando qual a modalidade da guarda.

120 NAZARETH, E.R. In. GRISARD FILHO, W. et al. Guarda Compartilhada... cit. p. 94-95. 121 Que é de titularidade simétrica entre os genitores independente de quem tem o filho sobre os seus cuidados.

Page 48: Poder Familiar

48

6.1 Exercício Exclusivo

As situações em que o Poder Familiar é exercido de forma exclusiva

deveriam se restringir as situações por total impossibilidade real do outro, seja por

falta ou impedimento provisório ou permanente. Esta forma deveria ser exceção e não

a regra, como acontece em casos de que a guarda é individual e o guardião atua com

tirania.

Portanto, o exercício exclusivo propriamente dito somente dirá respeito a

falta ou impedimento de um dos genitores, como o previsto no artigo 1631 do Código

Civil122

Vale ressaltar que os termos “falta” e “impedimento” dizem respeito a

impossibilidade real da não participação do genitor no exercício do Poder Família,

como prisão por mais de dois anos, enfermidade que impossibilite o discernimento e

ou a expressão da vontade. Não se confundindo com o impedimento gerado pela

vontade do guardião, ou seja, a falta do genitor decorre da tirania do guardião.

6.2 Exercício Conjunto e Exercício Compartido

Os atos complexos e que tem uma relativa perpetuidade merece uma atuação

conjunta dos genitores, não se admitindo um agir sem a concordância do outro.

Imaginando que para os atos mais corriqueiros não fosse dispensada a necessidade de

atuação conjunta causaria um verdadeiro pandemônio dificultando o dia a dia desse

menor, podemos aceitar o exercício compartido, em que um executa, mas o outro

valida este ato, ainda que de forma tácita. Entretanto alguns atos como: permissão para

casamento; adoção; emancipação, entre outros, que não se imagina que possa ser

122 CC/2002, art. 1.631: “Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou

impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.”

Page 49: Poder Familiar

49

realizado unilateralmente, mas não são somente estes que deveriam ser praticados

conjuntamente, pois deveríamos considerar como efeitos perpétuos, por exemplo, a

escola em que a criança estuda; a religião praticada; a participação em processo de

psicoterapia; mudança da residência para outra comarca; bem como situações em que

influenciam definitivamente a vida da criança.

Vale ressaltar que o que diferencia o exercício Conjunto do Exercício

Compartido é que enquanto no primeiro os dois efetivamente decidem e executam o

ato conjuntamente, no segundo os dois decidem conjuntamente, mas o ato pode ser

praticado por somente um, como por exemplo, a matrícula em uma escola, ou ainda

um decide e executa e o outro aprova, ainda que de forma tácita.

Infelizmente o que acontece é que dependendo da guarda e da disposição do

guardião, este age com tirania sem considerar a opinião do outro, ou seja, não

respeitando a participação do outro no exercício do Poder Familiar.

6.3 Exercício Solidário

Esta forma de exercício do Poder Familiar é a mais usada atualmente, ainda

que não tenha previsão em nosso ordenamento jurídico e seja uma afronta ao princípio

da isonomia constitucional, pois é a personificação da tirania do guardião. Nesta forma

de exercício o ato se dá de forma isolada e individual sem a anuência do outro genitor.

A respeito da nomenclatura desta forma de exercício Comel explica:

O termo solidariedade, no sentido comum, traduz a noção do que é total, por

inteiro, uma totalidade; revela-se numa mutualidade de interesses ou numa

interdependência. Juridicamente, a solidariedade configura a consolidação em

unidade de um vínculo jurídico diante da pluralidade de sujeitos ativos ou

passivos de uma obrigação a fim de que somente se possa cumprir por inteiro ou -

in solidum. Por isso, vem assinalar o modo de ser de um direito, ou de uma

Page 50: Poder Familiar

50

obrigação, que não podem ser fracionados e devem ser sempre considerados na

totalidade. Nesse sentido, então, tem-se que o exercício solidário do Poder

Familiar é aqueele em que cada um dos pais pode desempenhá-lo sozinho,

independentemente de concordância ou participação do outro, uma vez que é

detentor da totalidade.123

Não há uma unanimidade doutrinária para esta nomenclatura, mas boa parte

entende que o exercício solidário é aquele em que se pratica isoladamente o ato,

tomando para si a responsabilidade total do Poder Familiar, obviamente que o a

maioria dos atos parentais são aqueles corriqueiros normais de convivência, e não há

que se imaginar que para todo ato precisaria pedir a anuência do genitor ausente, mas

sim que existe a aprovação por presunção. No exercício solidário há a carência da

presunção assim como da aprovação ainda que de forma tácita, pois a existência do

outro é desconsiderada.

6.4 Melhor Exercício

Só teremos uma convivência mais simétrica se ambos os genitores deixarem

de colocar seus sentimentos mesquinhos acima do interesse de seus filhos. Permitir

que o outro genitor por mais que tenha errado como cônjuge desempenhe seu papel

parental e que possa dar o melhor de si ao filho, é muito mais do que um dever, é um

ato de amor.

Fazendo uma leitura psicanalítica a respeito das relações parentais

poderíamos afirmar que o Poder Familiar estaria ligado a função de pai e que o cuidar

do filho no dia a dia, ou seja, desempenhar efetivamente a guarda estaria ligada a

função de mãe. Claro que aqueles que julgassem esta afirmação baseado no senso

comum logo refutariam esta idéia e diriam que reconhecer isto seria uma regressão em

termos de igualdade parental, ou seja, andar na contramão da luta pelos direitos iguais.

123 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 190

Page 51: Poder Familiar

51

Talvez ai esteja a essência de toda a celeuma entorno da luta entre pais e mães pela

simetria de participação na vida do filho.

A afirmação aristotélica de que a igualdade se efetivaria em tratar os iguais

de forma igual e os desiguais de forma desigual na proporção de sua desigualdade não

serve para equacionar por si só a problemática da luta pela isonomia entre os gêneros,

especialmente na questão da parentalidade. Não que esta afirmação não seja válida,

mas reduzir a questão a esta preposição é cair em erro, aliás, erro que continuamos

cometendo. O homem e a mulher são diferentes, assim como o pai e a mãe também o

são, mas como poderemos mensurar esta diferença? Qual o tratamento desigual a ser

oferecido neste caso? Boa parte do protecionismo exacerbado a mulher/mãe é

decorrente desta máxima, a respeito disso Celso Antonio Bandeira de Melo afirmou:

O caráter de termo de chegada, pois entre um e outro extremo serpeia um fosso de

incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que aflora ao espírito: Quem são os

iguais e quem são os desiguais? A dizer, o que permite radicalizar alguns sob a

rubrica de iguais e outros sob a rubrica de desiguais? Em suma: qual o critério

legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir

pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamento jurídicos

diversos? Afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta

a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos

transfundidos no princípio constitucional da isonomia?124

Será que o problema nasceu no momento em mulher na luta pela igualdade

tomou o homem como modelo para esta igualdade? A respeito disso afirmou Comel:

O movimento de libertação das mulheres, por outro lado, ao tentar estabelecer o

nível de igualdade, fê-lo mediante grande equívoco, colocando como molde à

mulher o modelo masculino: mulher será igual ao homem. O padrão de

referência seria o masculino, no qual se encontrariam as virtudes e qualidades

124 MELLO, C. A. B. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade... cit, p. 10-11

Page 52: Poder Familiar

52

que a mulher deveria incorporar na própria personalidade, para ser igual ao

homem.125

Ao encontro disto afirmou Rodrigo da Cunha Pereira:

A mulher continua sendo objeto de igualdade, enquanto o homem é o sujeito e o

paradigma desse pretenso sistema de igualdade. Isto, por si só, já é um paradoxo

para qual o direito ainda não tem resposta: qualquer tentativa de normatização

sobre a igualdade terá como paradigma um discurso masculino.126

Não podemos afirmar com certeza se foi este equívoco que levou à

aproximação dos papéis sociais: masculino e feminino, mas com certeza foi um dos

principais fatores. Obviamente que isto refletiu na quebra da divisão do papel do pai e

o da mãe, mas não podemos esquecer que dificilmente nos tornaremos seres

andrógenos, ou seja, sempre haverá diferenças. Bem como sempre existirá a diferença

na função de pai em relação a função de mãe, mas isto não significa que não possa

ocorrer adaptações bem sucedidas no desempenho dessas funções, entretanto um ser

humano é concebido por uma mãe e por um pai e deles ele se torna dependente, de

várias maneiras, não só para seu desenvolvimento físico e intelectual, mas também

para seu desenvolvimento psíquico e emocional, portanto a melhor forma de exercício

do Poder Familiar é aquela em que tanto o pai quanto a mãe possam participar da vida

do filho e dar o melhor de si a ele.

7 Síndrome de Alienação Parental

125 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 190 126 PEREIRA, R. C. Direito de Família..., cit, p.115.

Page 53: Poder Familiar

53

7.1 Definição

Síndrome de Alienação Parental, também conhecida como SAP, foi o termo

proposto em 1985127

pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner128

para o

resultado das ações, geralmente promovidas por parte do guardião, que visam o

afastamento do filho para com o um dos genitores129

, normalmente o não guardião.

Podemos ter um melhor entendimento do que é a SAP pelas explicações do próprio

Gardner:

A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que aparece

quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua

manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores,

uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação.

Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem

cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para

caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros

estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a

explicação de Síndrome de Alienação Parental para ahostilidade da criança não é

aplicável.130

Portanto, neste fenômeno a criança ou o adolescente toma para si os

sentimentos e conceitos de um genitor a respeito do outro, justamente por esta razão a

SAP também é conhecida como “implantação de falsas memórias”. Este fenômeno é

cruel, desumano e destrói não só o genitor alienado, como também a própria criança

que tem seu desenvolvimento psíquico comprometido ocorrendo este de forma

atrofiada, estando exposto a um maior risco de desenvolver toda a sorte de estruturas

psíquicas131

, bem como de dinâmicas psicossomáticas132

.

127 IN. Gardner, R. A. (1985a), Recent trends in divorce and custody litigation. The Academy

Forum, 29(2):3-7. 128 Richard A. Gardner: Psiquiatra, professor titular do Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade de

Medicina e Cirurgia da Universidade de Columbia, New York, New York, EUA. 129 Ou outro genitor; ou os dois genitores, se a guarda esta com terceiros. 130 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental

(SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 02 131 Psicose; perversão; borderline; histeria; Transtorno obsessivo compulsivo.

Page 54: Poder Familiar

54

Muitos questionam sobre o uso termo “síndrome”, sendo que atualmente, e

principalmente, os advogados evitam utilizar este termo nas petições, temendo o risco

de não serem considerados pelos magistrados, portanto utilizando somente a expressão

“alienação parental”.

Alguns entendem que a Alienação Parental é um fenômeno antecedente à

instalação da SAP, para termos um melhor entendimento deste pensamento e da

diferenciação entre estes dois estágios verificaremos o que afirmou Igor Nazarovicz

Xaxá133

:

Embora intimamente ligadas, uma é o complemento da outra e seus conceitos não

se confundem. Alienação Parental é a desconstituição da figura parental de um

dos genitores ante a criança. É uma campanha de desmoralização, de

marginalização desse genitor. Manipulada com o intuito de transformar esse

genitor num estranho, a criança então é motivada a afastá-lo do seu convívio.

Esse processo é praticado dolosamente ou não por um agente externo, um terceiro

e, não está restrito ao guardião da criança. Há casos em que a Alienação Parental

é promovida pelos Avós, por exemplo, sendo perfeitamente possível que qualquer

pessoa com relação parental com a criança ou não, a fomente. A Síndrome de

Alienação Parental diz respeito aos efeitos emocionais e as condutas

comportamentais desencadeados na criança que é ou foi vítima desse processo.

Grosso modo, são as seqüelas deixadas pela Alienação Parental.134

Portanto segundo Xaxá a diferença se dá sob uma divisão por estágios,

ocorrendo primeiramente a Alienação Parental, e como conseqüência desta a Síndrome

de Alienação propriamente dita.

Há ainda aqueles que não aceitam o termo “Síndrome”, mas somente

“Alienação Parental” para todo o fenômeno, independente do estágio, por entenderem

132 Fobias; paranóias; obsessões, etc. 133 Igor Nazarovicz Xaxá, Bacharel em Direito; militante do movimento que luta pela igualdade parental; pai da

Anna Júlia. 134 XAXÁ, I. N. A Síndrome de Alienação Parental e o Poder Judiciário... cit. p. 19.

Page 55: Poder Familiar

55

que pelo fato de ainda não existir um reconhecimento formal pelos órgãos oficiais de

catalogação internacional de doenças, esta não deva, ainda, ser definida como uma

síndrome. Neste sentido afirmou Alexandra Ullmann135

:

Alguns entendem a Alienação como uma Síndrome por apresentar um conjunto

de sintomas a indicar uma mesma patologia, enquanto que outra corrente exclui o

termo Síndrome da definição por determinar que, como não há „reconhecimento‟

da medicina nem código internacional que a defina, não pode ser considerada

uma Síndrome. Fato é que, independentemente de ser ou não uma Síndrome,

assim subentendida, o fenômeno existe e cada vez mais é percebido e verificado

independentemente de classe social ou situação financeira.136

Entretanto há aqueles que têm um entendimento diferente dos dois

propostos anteriormente, o próprio Gardner defende a utilização do termo “síndrome”

independentemente de qualquer catalogação, pois segundo ele dizer que a SAP não

existe porque não é listada no DSM-IV é como dizer em 1980 que a AIDS (síndrome

de imuno-deficiência adquirida) não existia porque não foi listada até então em livros

de texto médicos de diagnósticos-padrão137

. Devemos considerar que o atual DSM-

IV138

foi publicado em 1994 e sua alteração depende fundamentalmente da publicação

de artigos científicos sobre o assunto, o próprio Gardner nos informa que o número de

publicações sobre a SAP vem crescendo consideravelmente já estando próximo de

200139

, portanto é fato o reconhecimento da SAP, senão nesta atual versão, certamente

será na próxima140

que já esta em vias de ser publicada.

135 Alexandra Ullmann Teixeira Lima: Psicóloga; advogada; militante na área da Família. 136 ULLMANN, A. IN: XAXÁ, I. N. A Síndrome de Alienação Parental... cit, p. 19 137 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental

(SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 04. 138 Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais – quarta edição (Diagnostic and Statistical Manual of

Mental Disorders - Fourth Edition) publicado pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) em Washington

em (1994), corresponde à quarta versão do DSM e é a principal referência de diagnóstico para os profissionais de

saúde mental dos Estados Unidos da América e de Portugal na prática clínica. 139 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental

(SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 04. 140 DSM – V. Nova versão a ser publicada em breve.

Page 56: Poder Familiar

56

Outra defesa que Gardner faz sobre o equívoco de não se querer utilizar o

termo “síndrome”, diz respeito ao afastamento do entendimento desta denominação

sobre o prisma do senso comum e consideração como o fenômeno é conhecido dentro

da área da saúde, qual seja, de que uma síndrome é uma doença que tem um grupo de

sintomas múltiplos que ocorrem em grupo e tem uma especificidade em causa

subjacente, podemos melhor entender através da explicação do próprio Gardner:

Alguns que preferem usar o termo Alienação Parental (AP) alegam que a SAP

não é realmente uma síndrome. Essa posição é especialmente vista nos tribunais

de justiça, no contexto de disputas de custódia de crianças. Uma síndrome, pela

definição médica, é um conjunto de sintomas que ocorrem juntos, e que

caracterizam uma doença específica. Embora aparentemente os sintomas sejam

desconectados entre si, justifica-se que sejam agrupados por causa de uma

etiologia comum ou causa subjacente básica. Além disso, há uma consistência no

que diz respeito a tal conjunto naquela, em que a maioria (se não todos) os

sintomas aparecem juntos. O termo síndrome é mais específico do que o termo

relacionado a doença. Uma doença é geralmente um termo mais geral, porque

pode haver muitas causas para uma doença particular. Por exemplo, a

pneumonia é uma doença, mas há muitos tipos de pneumonia- p.ex., pneumonia

pneumocócica e broncopneumonia - cada uma delas tem sintomas mais

específicos, e cada qual poderia razoavelmente ser considerado uma síndrome

(embora não haja o costume de se utilizar comumente esse termo).141

Portanto para Gardner a SAP é um subtipo de Alienação Parental, mas não é

a único. Podemos considerar, por exemplo, a alienação parental em decorrência de

violência doméstica142

: neste subtipo de alienação pode ocorrer a mesma série de

sintomas, entretanto não compartilham da mesma causa subjacente sendo que da SAP

é a programação para a exclusão psico-afetiva do genitor por outrem143

enquanto que

no exemplo esta exclusão se daria pelos próprios atos do genitor, ou seja, devido ao

seu transtorno de conduta.

141 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental

(SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 02-03. 142 Idem, ibidem. P. 02. 143 Normalmente o guardião ou quem faz o papel de cuidador.

Page 57: Poder Familiar

57

Segundo Gardner a SAP pode ser dividida em três níveis sendo eles o leve;

moderado e severo. Os principais sintomas que a criança apresenta são: campanha

denegritória contra o genitor alienado; racionalizações fracas, absurdas ou frívolas

para a depreciação; falta de ambivalência; fenômeno do “pensador independente”;

apoio automático ao genitor alienador no conflito parental; ausência de culpa sobre a

crueldade a e/ou a exploração contra o genitor alienado; a presença de encenações

„encomendadas‟; propagação da animosidade aos amigos e/ou à família extensa do

genitor alienado144

. Vale lembrar que, nos casos leves, esses sintomas podem não

ocorrerem em sua totalidade, mas com a progressão para o moderado ou severo, a

possibilidade da ocorrência da maioria, ou totalidade, dos sintomas é muito alta.

Vale lembrar que todas as ações que possam desencadear a alienação

parental são ações que afrontam o Poder Familiar, portanto defender o Poder Familiar

é evitar o surgimento deste fenômeno que tanto mal causa a sociedade, mesmo que

ainda não percebido.

7.2 Diagnósticos do DSM-IV relacionados à Síndrome de

Alienação Parental

Mesmo que a SAP não seja diretamente reconhecida no DSM-IV, podemos

fazer uma correlação de transtornos que ocorrem simultaneamente a SAP com alguns

já previstos no DSM-IV, como veremos a seguir.

7.2.1 Diagnósticos aplicáveis a ambos os genitores e às

crianças com SAP

144 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental

(SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 03.

Page 58: Poder Familiar

58

A primeira relação feita pro Gardner foi em relação ao Transtorno psicótico

compartilhado145

, fenômeno em que ocorre o compartilhamento psíquico da ideação

paranóide, esta hipótese é muito bem explicada por Gardner desta forma:

Este diagnóstico do DSM-IV é aplicado em alguns dos casos severos de SAP em

que o programador é paranóide, e a campanha denegritória da criança incorpora

a mesma ideação paranóide. De certo modo, a maioria dos casos moderados, e

mesmo alguns dos exemplos leves de SAP são exemplos do fenômeno de folie à

deux. Entretanto, não se não pode justificavelmente considerar os exemplos leves

e moderados de SAP para autorizar o rótulo de psicose - que implica em ruptura

completa com a realidade. Em casos severos vemos delírios persecutórios

genuínos, que podem justificavelmente ser considerados paranóides. Com maior

freqüência, o sistema delirante fica circunscrito ao genitor alienador. É

importante anotar que esse diagnóstico único pode ser aplicado a ambos - ao

alienador e à criança alienada.146

Outra relação está na questão dos problemas nas relações pais e filhos147

propriamente dita, que é prevista no manual.

7.2.2 Diagnósticos aplicáveis a pais alienadores

Podemos relacionar vários transtornos previstos no DSM-IV com os,

geralmente, percebidos nos alienadores, sendo os mais relevantes o transtorno

delirante148

; o transtorno de personalidade paranóide149

; transtorno de personalidade

borderline150

e, finalmente, o transtorno de personalidade narcisista.

145 DSM-IV: 297.3 Transtorno psicótico compartilhado. A. Um delírio acontece em um indivíduo no contexto de

uma relação próxima com outra pessoa(s) que esteja com um delírio já estabelecido. B. O delírio é similar em

conteúdo ao daquela da pessoa que já está com o delírio estabelecido. 146 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental

(SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 09. 147 DSM-IV. V61. 20. Problema nas relações Pais – filhos. 148 DSM-IV. 297.71 Transtorno delirante. A. Delírios não-bizarros (isso é, envolvendo situações que ocorrem na

vida real, tais como ser seguido, envenenado, contaminado, ser amado à distância, ser traído pela esposa ou

amante, ou ter uma doença) com a duração de pelo menos 1 mês. 149 DSM-IV. 301.0 Transtorno de personalidade paranóide. A. Uma desconfiança e uma suspeita difusas dos

outros tais que seus motivos são sempre interpretados como malévolos, começando na idade adulta e presentes

em uma variedade de contextos, sendo indicado por quatro (ou mais) do seguintes sintomas: 1. ter suspeitas, sem

base suficiente, de que os outros são exploradores, prejudiciais, ou que o estão enganando;

Page 59: Poder Familiar

59

Segundo Gardner, no caso dos alienadores, estes transtornos podem

apresentar sintomas antes dos eventos que acarretam a SAP, normalmente eclodindo

com o fim do relacionamento com o outro genitor, ou, caso apareçam antes da

separação, sendo a causa, inclusive, da própria separação.151

7.2.3 Diagnósticos do DSM-IV aplicáveis às crianças com

SAP

Gardner nos mostra a potencialidade destrutiva da SAP, especificamente em

relação às crianças afetadas por ela, ao nos indicar essas relações entre as

psicopatologias já catalogadas e as que ocorrem com quem é vítima desta Síndrome.152

Os transtornos detectados nas crianças vítimas da SAP, diferente daqueles

encontrados nos alienantes, tanto podem atuam como causa como também são

conseqüências da Alienação. Entre eles podemos destacar o transtorno de conduta153

;

transtorno de ansiedade de separação154

; transtorno dissociativo não explicado155

e,

2. ficar preocupado, com dúvidas injustificadas, sobre a lealdade ou a confiabilidade dos amigos ou colegas;

3. ficar relutante em confiar nos outros por causa do medo despropositado de que a informação seja usada de

forma maliciosa contra si; 4. ler significados aviltadores ou ameaçadores escondidos em observações ou em

eventos benignos; 5. carregar persistentemente rancores, isto é, ser implacável com insultos, ofensas ou deslizes.

6. perceber ataques ao seu caráter ou reputação que não são aparentes aos outros e ser rápido em reagir

irritadamente ou contra-atacar; 7. ter suspeitas periódicas, sem justificação, a respeito da fidelidade do

esposo ou do parceiro sexual. 150 DSM-IV. 301.83 Transtorno de personalidade borderline (TPB) 151 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental

(SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 14. 152 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 14-17. 153 DSM- IV. 312.8 Transtorno de conduta: A. Um padrão de comportamento repetitivo e persistente no qual os

direitos básicos dos outros, assim como normas/regras sociais importantes, adequadas à idade, são violados.

Manifestado pela presença de três (ou mais) dos seguintes critérios nos 12 meses anteriores, com a presença de

pelo menos um dos critérios nos últimos 6 meses: a. Agressão às pessoas e aos animais; b. destruição de

propriedade; c. defraudação ou furto; d. sérias violações de regras. 154 DSM-IV. 309.21 Transtorno de ansiedade de separação A. Ansiedade inadequada e excessiva envolvendo o

afastamento de casa ou de figuras importantes de vinculação, evidenciado por três (ou mais) dos seguintes

sintomas: a. aflição excessiva e recorrente frente à ocorrência ou previsão de afastamento de casa ou de figuras

importantes de vinculação; b. relutância ou recusa persistente em ir à escola ou a qualquer outro lugar em razão

Page 60: Poder Familiar

60

finalmente, o transtorno de ajustamento, principalmente em seus subtipos: com

humor deprimido156

; com ansiedade157

; combinado com ansiedade e humor

deprimido158

; com alteração de conduta159

; combinado com alteração das emoções e de

conduta160

.

7.2.4 Diagnósticos do DSM-IV aplicáveis aos pais

alienados

Gardner explica que no caso dos genitores vítimas da SAP, o diagnóstico em

relação se dá posteriormente a instalação da Alienação. Pois se considerarmos

diagnósticos de psicopatologias anteriores ao evento e que estas contribuíram de forma

decisiva na consumação do fenômeno, poderíamos concluir que não estaríamos diante

de um caso de SAP e sim de outro subtipo de alienação parental161

. A polaridade entre

passividade e surtos de violência é uma das características de pais que afligem deste

mal, sendo, segundo ele, evidências de um possível transtorno de personalidade

esquiva162

ou do transtorno de personalidade dependente163

, além de outras situações

que derivam do grande sofrimento a que estes estão submetidos.

do medo da separação; c. repetidas queixas de sintomas somáticos (tais como dores de cabeça, de estômago,

náusea ou vômito) quando a separação de figuras importantes de vinculação ocorre ou é prevista. 155 DSM-IV. 300.15 Transtorno dissociativo não especificado: Essa categoria inclui os transtornos em que a

característica predominante é um sintoma dissociativo (isto é, um rompimento nas funções geralmente integradas

da consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente) que não encontre os critérios para nenhum

transtorno dissociativo específico. Os exemplos incluem estados de dissociação que ocorrem nos indivíduos que

foram sujeitos a períodos de persuasão prolongada e coercitiva (por exemplo: lavagem cerebral, reforma do pensamento ou doutrinação quando cativo). 156 DSM-IV. 309.0 Transtornos de ajustamento com humor deprimido. 157 DSM-IV. 309.24 Transtornos de ajustamento com ansiedade. 158 DSM-IV. 309.28 Transtornos de ajustamento combinado com ansiedade e humor deprimido. 159 DSM-IV. 309.3 Transtornos de ajustamento com alteração de conduta. 160 DSM-IV. 309.4 Transtornos de ajustamento combinado com alteração das emoções e de conduta 161 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental

(SAP)? Trad. Rita Rafaeli... cit. pag. 17-18. 162 DSM-IV. 301.82 Transtorno de personalidade esquiva. 163 DSM-IV 301.6 Transtorno de personalidade dependente.

Page 61: Poder Familiar

61

7.3 Alienação pelo outro, segundo Lacan e sua tipificação

Assim como ocorre biologicamente o ser humano advêm, primeiramente de

uma relação simbiótica, e nesta relação o ser em formação passa de uma situação de

inexistência para uma relação de existência parcial-dependente, para, então, depois de

um longo processo de desenvolvimento, passar a ser um ser teoricamente completo.

Nesta fase de existência parcial-dependente164

, bem como na fase de desenvolvimento,

o ser precisa do outro para sobreviver e se desenvolver, e está necessidade se satisfaz

principalmente na retirada do que é do outro para passar a fazer parte do que é meu, ou

seja, do que á parte de mim. Este processo é chamado de alienação, pois eu somente

existo através do outro, eu não existo completamente por mim mesmo. Bruce Fink165

nos traz uma interessante noção lacaniana do sujeito e sua Alienação pelo Outro:

O sujeito é aquilo que um significante representa para outro significante, somos

alienados na medida em que nossas necessidades e prazeres são organizados e

canalizados em formas socialmente aceitáveis pelas demandas de nossos pais (o

Outro como demanda); na medida em que nosso desejo surge como desejo do

Outro. Lacan define o sujeito como uma posição adotada com relação ao Outro

enquanto linguagem ou lei; em outras palavras, o sujeito é uma relação com a

ordem simbólica. À medida em que a noção de Outro de Lacan evolui, o sujeito é

reconceitualizado como uma postura adotada com relação ao desejo do Outro (o

desejo da mãe, do pai ou ambos), uma vez que aquele desejo provoca o desejo do

sujeito. O sujeito- falta a ser – é visto, portanto, como consistindo numa relação

com o desejo do Outro, ou como uma postura adotada com relação a esse desejo,

fundamentalmente emocionante, porém ameaçador, fascinante e, no entanto,

esmagador ou revoltante. Embora uma criança deseje ser reconhecida pelos pais

como merecedora do desejo deles, esse desejo é ao mesmo tempo hipnotizante e

mortal.166

Portanto, de acordo com a teoria lacaniana a alienação é um fenômeno

natural e imperioso no desenvolvimento psíquico humano, inicialmente somos fruto do

164 O ser não se julga completo e sim como parte do outro e assim dependente dele. 165 Bruce Fink: Psicanalista; professor adjunto de Psicologia da Duquesne University. 166 FINK, B. O sujeito lacaniano... cit. p. 9-10

Page 62: Poder Familiar

62

desejo de nossos pais, imaginemos então a potencialidade alienadora que uma mãe

com a guarda exclusiva e com a complacência do Poder Judiciário pode ter sobre uma

criança! Pode parecer uma preposição por demais determinista na visão de alguns

leigos, mas esta teoria psicanalítica merece nossa atenção, principalmente pelo fato de

que ela nos ajuda a compreender a SAP, para tanto, vejamos um exemplo trazido por

Fink:

Vamos imaginar, e esta é uma história puramente fictícia, que Albert Einstein

ouviu por acaso uma conversa, que talvez não fosse para ser ouvida por ele, onde

o pai dizia para a mãe: “Ele nunca será nada”, e sua mãe concordava, dizendo:

“É verdade; ele é preguiçoso como o pai dele.” Podemos imaginar que Albert não

era ainda crescido o suficiente para entender todo o significado das palavras ou

adivinhar seu sentido. No entanto, elas acabaram sendo armazenadas em algum

lugar e ficaram adormecidas pro muitos anos, para somente serem reativadas e

atormentá-lo de forma implacável quando ele tentava progredir na escola

secundária. Por fim, as palavras adquiriram sentido e causaram sua reprovação

em matemática na escola secundária – esta parte da história é aparentemente

verdadeira – embora a ele não faltasse, com certeza, capacidade para

compreender a matéria.167

Pegando carona no exemplo hipotético de Fink podemos analisar de forma

análoga duas questões envolvendo um caso de SAP causado pela mãe guardiã e o

exemplo do pequeno Albert. Primeiro que o efeito da alienação pode ser retardado ou

duradouro, ou seja, a criança pode até não apresentar os sintomas na infância, mas

estes podem vir a surgir na adolescência168

ou mesmo na idade adulta, sendo que pode

se apresentar das mais variadas formas. Segundo que assim como o exemplo

apresentado por Fink, o sujeito tem a possibilidade de superar parcialmente a

alienação, Albert, como a história da ciência nos mostra, superou seu estigma de ser

um fracassado, assim como o ser alienado pode voltar a retomar o controle de sua vida

e emoções. Xaxá em sua monografia nos traz este exemplo real:

167 FINK, B. O sujeito lacaniano... cit. p. 27. 168 Período de grande importância da função de pai.

Page 63: Poder Familiar

63

“Meus pais se separaram quando eu tinha dois anos de idade. Minha mãe

rasgou todas as fotos. Eu não sabia nada sobre ele, não tinha lembranças. Ela

dizia que ele não prestava, tinha traído e tentado matá-la. Quando eu tinha uns

oito anos, meu pai foi nos visitar. Foi um encontro estranho e tenso. Estava com

raiva daquele homem. Quando minha mãe disse que ele voltaria no jantar do

dia seguinte, fiquei ansiosa. Bolei perguntas. Quando ele não apareceu, minha

mãe falou: “tá vendo, não disse que ele não prestava? Ele veio aqui apenas para

diminuir a pensão”. Na verdade, minha mãe combinara com ele de nos levar

(eu e minha irmã) para a praia. Ele ficou no sol nos esperando e não

aparecemos. Nunca mais voltou. Minha mãe disse a ele que era melhor se

afastar porque sua visita fez muito mal a nossa estabilidade emocional. Sobre a

pensão, também era uma mentira. Minha mãe havia se casado novamente, mas

não tinha avisado o meu pai que continuava a lhe pagar pensão e, neste

episódio, além de nos visitar requereu à Justiça a exoneração. Só fui

reencontrar meu pai onze anos mais tarde, aos 19 anos de idade, nos EUA,

onde ele morava com a segunda esposa e seus filhos. E isso só foi possível

porque eu rompi com a minha mãe. Hoje em dia, posso dizer que meu pai é

meu confidente, amigo e companheiro de todos os momentos. Foi um

relacionamento construído em base mais sólida, a verdade. Muita gente acha

que as mulheres fazem isso porque são possessivas em relação aos filhos ou que

é só vingança contra o ex-marido, mas que as crianças são bem tratadas. É

falso. Uma pessoa que faz isso não respeita o filho com o ser humano. Um

genitor que é capaz de alienar também comete maus tratos sem maiores

pudores. Já ultrapassou o limite da moralidade mesmo”. Karla, Jornalista.

Brasília – DF Filha de Sócrates169

Notamos pelo depoimento de Karla que o relacionamento com o seu pai foi

retomado, ou seja, assim como no exemplo anterior, a alienação foi superada, pelo

menos no que diz respeito a sua essência, mas não é por isso que podemos

desqualificar o quanto ela deve ter sofrido, o quanto isto deve ter afetado sua auto

estima, seus relacionamentos interpessoais, seus sonhos ou mesmo sua visão de

mundo. Não podemos aqui dar respostas a estas dúvidas, seria leviana tal tentativa,

mas podemos imaginar que assim como Albert, Karla sofreu muito, e ainda pode

169 In: XAXÁ, I. N. A Síndrome de Alienação Parental e o Poder Judiciário... cit. p. 69-70

Page 64: Poder Familiar

64

sofrer por conseqüência de sua alienação, mesmo que ela não saiba que a dor é

decorrente dela, ainda que, teoricamente, superada.

Portanto, de acordo com a teoria lacaniana podemos entender o poder de

manipulação que fica concentrado no genitor guardião, sendo este poder

potencializado socialmente se o guardião for a mulher. Vimos também o quanto a

alienação parental é prejudicial também a criança ou adolescente, deixando marcas

para o resto de sua vida. Diante disso nos resta clamar para que o Direito dê a devida

importância ao combate deste ato criminoso, pois a alienação parental deveria ser

considerada uma espécie de tortura devendo ser veemente combatida. Como ainda não

há este entendimento, foi necessário tipificar especificamente os atos que causem a

SAP como conduta ilícita, esta tentativa se dá através do Projeto de Lei 4053 de

2008170

, apresentado pelo Deputado Federal Régis de Oliveira171

, em que, finalmente,

aquele que cometer atos que possa desencadear a SAP será punido devidamente. O

projeto esta para ser analisado pela Comissão de Seguridade Social e Família, tendo

recebido o parecer favorável do relator anterior, mas devido a troca dos membros da

comissão, a nova relatora deverá dar um novo parecer e este deverá ser submetido à

apreciação de toda a comissão. Muitos pais, psicólogos e advogados militantes na área

da família aguardam com grandes expectativas a aprovação deste Projeto de Lei, e isto

ocorrendo será mais uma vitória na luta a favor da igualdade parental.

8 O Movimento Social Organizado em busca da Igualdade

Parental

Com a predominância da desigualdade parental e o conseqüente aumento de

casos de SAP, de forma natural, e com a contribuição da mediação da internet, aqueles

170 PL/4053/2008 de autoria do Dep. Regis de Oliveira. 171 Regis Fernandes de Oliveira: Dep. Federal; PSC/SP; advogado; professor universitário; administrador de

empresas.

Page 65: Poder Familiar

65

que se sentem prejudicados por este fenômeno tem se reunido em associações civis,

das mais organizadas até as quase que informais. Os debates e ações se dão através de

sites de relacionamentos, sites próprios, listas de emails, programas de conversação em

tempo real172

, justamente por isso essas organizações deixaram de ser regionais

passando a atuar, e ter participantes, em todo o país. Além dos pais, madrastas e

padrastos que sofrem com a não igualdade parental,173

esses movimentos também

abrigam profissionais da área do Direito e da Psicologia, sendo que uns contribuem

com a longa experiência que tem a respeito do assunto, outros em início de carreira,

aprendem com os colegas e com a vivência a dolorosa, difícil e bruta realidade.

Formado por heróis e heroínas, muitos praticamente se doam por completo a esta luta,

e mesmo depois de conseguirem seu intento, ou seja, conseguir voltar a fazer parte da

vida do filho, continuam a atuar junto ao movimento, em solidariedade aos

companheiros de dor e luta, não é difícil de compreender este fato, pois somente quem

já passou por isso sabe o tamanho da dor de não poder ser pai ou mãe, mesmo na

existência do filho.

8.1 APASE174

A APASE hoje é a mais representativa ONG na luta pela igualdade parental

no Brasil, com participação de membros de praticamente todos os estados brasileiros a

atuação desta ONG não se restringe a orientação aos pais, a APASE fomenta o debate

e estudo sobre a parentalidade, através da publicação de livros com a parceria da

Editora Equilíbrio. A coletânea dos livros publicados pela APASE já é referência para

quem quer se aprofundar na área. Além disso, esta organização também atua junto aos

poderes públicos a fim de exigir políticas publicas que incentive a igualdade parental,

podemos dar destaque na atuação de membros da APASE175

na aprovação da Lei da

172 MSN; Skype e outros. 173 Ou melhor seria dizer: que sofrem com a tirania do guardião. 174 Associação de pais e mães separados. 175 Principalmente de seu Presidente Analdino Rodrigues Paulino.

Page 66: Poder Familiar

66

Guarda Compartilhada176

e agora na luta pela aprovação do Projeto de Lei177

que

tipifica os atos e condutas que acarretam a SAP.

Em seu site178

a história desta organização está assim definida:

As APASES do Brasil tiveram origem na APASE de Florianópolis. Em março

de 1997 foi constituída a Apase Florianópolis, sociedade civil sem fins lucrativos

e pioneira no Brasil.

O fundador com sua ativa atuação, vinculada ao site da APASE, conseguiu

chamar a atenção da mídia, dos operadores do direito e da sociedade brasileira

para a problemática dos filhos de casais separados. O levantamento e discussão

do problema trouxe como uma das primeiras conquistas a percepção pela ala

mais bem informada e mais preparada do judiciário brasileiro e dos

Operadores do Direito o interesse pelo assunto, que os levaram a estudar

melhor o problema e a tomar atitudes e decisões mais de acordo com a nossa

legislação já existente, que de certa forma era ignorada. Também

principalmente pelo seu esforço e dedicação foi apresentado e dado andamento

ao Projeto de Lei que cria a Guarda Compartilhada.

Um ano após foi reconhecida como de Utilidade Pública Municipal pelo

Decreto número 5385/98, de 29/10/1998, publicado no Diário Oficial do Estado

de Santa Catarina de 11/11/1998.

Quando constituída tinha dois objetivos principais, formar grupos de auto-

ajuda para a troca de idéias sobre procedimentos junto às Instituições Oficiais

para resolver conflitos entre casais que estavam disputando judicialmente a

guarda dos filhos, e difundir a idéia de que pais também podem e têm

condições de criar filhos com dedicação idêntica à de mães.

No decorrer das demandas judiciais dos associados, o grupo que constituiu a

Apase Florianópolis teve experiências marcantes que conduziram a solução dos

conflitos para caminhos inesperados, que resultaram em soluções viciadas,

omissas e que não refletiram a verdade dos fatos, com grandes prejuízos para

os filhos.179

176 Lei n.º 11.698 de 13 de junho de 2.008. Já abordada neste trabalho. 177 PL/4053/2008. Já mencionado neste trabalho. 178 www.apase.org.br 179 Nossa história. Disponível em: < http://www.apase.org.br/>. Acesso em: 19 jan. 2009.

Page 67: Poder Familiar

67

8.2 Pai Legal.Net

Não sendo considerada uma ONG propriamente dita o Pai Legal.Net é um

site180

muito bem elaborado, que possibilita o contato entre pais e profissionais da

área, podendo assim contribuírem mutuamente sanando dúvidas; desabafando;

possibilitando assim conseguir meios de se resolver os problemas relacionados a

questão da convivência entre pais e filhos. Além do “Fórum e Ajuda”, encontra-se no

site também colunas assinadas por profissionais da área representando o campo do

Direito; da Psicologia; da Psicanálise e mais importante, e acima de qualquer

profissionalismo, é formado por pais e mães que desejam uma melhor realidade para

todos que querem desempenhar seu papel, servindo como exemplo, seu idealizador e

organizador conhecido como Paulo Habl, que se fosse denominado pelo mesmo nome

da coluna que ele assina181

seria então descrito como sua mais elevada expressão.

No Pai Legal.Net temos a seguinte auto-definição:

Somos pais que resolveram arregaçar as mangas e construir um site para

atender as nossas necessidades de pai na criação de nossos filhos, seja lutando

pelo nosso direito à convivência com eles após a separação do casal como

também pela qualidade de nossa paternidade. O público-alvo do PaiLegal é o

pai, em quem temos concentrado as nossas atenções. Mães e filhos têm também

colaborado para alcançarmos o nosso objetivo - de sermos e ajudarmos outros

homens a serem pais plenos. A visão do PaiLegal é a renovação do papel do pai,

reabilitando e incentivando os homens a fazerem de suas crianças indivíduos

honestos, seguros, justos, empreendedores e felizes, e conseqüentemente

construindo uma nação forte e próspera. A missão do PaiLegal é tornar-se o

melhor site para se encontrar informação sobre o pai e a paternidade de

excelência, de forma clara, inovativa, assertiva, justa e honesta. Colocado no ar

em fevereiro de 2002 (Veja entrevista para Revista Almanaque), o PaiLegal

constituiu-se referência nacional para o entendimento sobre Guarda

Compartilhada do ponto de vista Psicológico, Psicanalítico, Jurídico e Social. O

PaiLegal não é uma associação e sim grupo privado de trabalho para a

180 www.pailegal.net 181 Homem & Pai.

Page 68: Poder Familiar

68

promoção do debate, da investigação e do estudo cético da paternidade e da

guarda compartilhada. Nos acessam profissionais, professores e estudantes que

usam para inspiração e referencia em seus trabalhos, o material vivo expresso

no grupo de discussão como também opiniões, análises e teses publicadas no

site. Cooperamos e estimulamos outras associações com fins de promoção do

debate nacional e a reformulação do código civil, que apesar de ter removido o

arcáico privilégio da mãe em relação a guarda dos filhos, deixa um vácuo onde

podem ocorrer muitas injustiças, principalmente ao pai participativo. Além do

material científico existente no PaiLegal muitos textos são opiniões próprias

derivadas de experiências pessoais. Por ser a Guarda Compartilhada um

modelo ainda novo no Brasil a existência de ambos tipos de textos se faz

necessária para poder fomentar o debate e estimular as ações. Use os nossos

recursos. Conte comigo e os profissionais e entusiastas da paternidade que

formam a Equipe PaiLegal. Somos todos voluntários e trabalhando para, junto

com você, conseguirmos deixar um mundo mais justo para os nossos filhos. Dê

a sua opinião e faça sugestões, enfim - participe! Juntos, vamos ajudar o pai a

ser cada vez mais legal. De um pai participativo na vida de seus filhos, que sabe

o quanto amor temos para dar e a dor de se ter subtraído o direito de criar

nossos filhos,.182

8.3 Pais por justiça

A ONG Pais por Justiça, nome inspirado no grupo de pais de Londres que

tornaram notória a luta pela convivência com os filhos ao escalarem prédios públicos

fantasiados de super heróis. Com participantes em vários estados brasileiros este

movimento nasceu da indignação de um grupo de pais que se viram em situação

semelhante de não poder participar da vida do filho. Esta ONG nasceu de uma

comunidade do Orkut em 2007, e, inicialmente, motivou vários pais a ir à luta, mas

infelizmente pela falta de resultados práticos e devido ao intenso sofrimento a que

estavam expostos, os dirigentes deste movimento não conseguiram dar continuidade a

proposta inicial. Isto não acontece somente com a “Pais Por Justiça”, este paradoxo

trágico ronda todas as ONGs que lutam pela igualdade parental, qual seja: os motivos

que faz com que os pais vão a luta são os mesmos que os imobilizam ou que impeçam

182 Quem somos. Disponível em: < http://www.pailegal.net/quemsomos.asp>. Acesso em: 30 jan. 2009.

Page 69: Poder Familiar

69

que eles possam se organizarem ou interagirem, isto por falta de tolerância ou fé no

outro. Fácil julgar e condenar as pessoas que estão em situação de extremo sofrimento,

difícil e entender e tolerar a pessoa por sua condição. Pois perder a fé nas instituições é

o mesmo que perder a fé em si mesmo, assim como perder a fé no outro, ainda que

este outro esteja em situação similar, pois, como já dito, já não se acredita em si

mesmo e o outro sou eu.

Uma pequena expressão encontrada em seu blog183

muito bem representa a

situação em que a Pais Por Justiça se encontra hoje:

Esta é nossa luta contra os absurdos cometidos contra nossa paternidade,

contra nossos filhos, contra nossos direitos e os direitos deles!184

9 Considerações finais

Diante do apresentado podemos ter uma noção da dinâmica metamórfica do

antigo Pátrio Poder até sua transformação em Poder Familiar e a possibilidade de uma

nova inovação, podendo este passar à Autoridade Parental. Ter o entendimento do que

se refere este Instituto, saber diferenciá-lo do Instituto da Guarda e, ainda, não perder

de vista o princípio que alimenta estes dois Institutos, conhecido como “o melhor

interesse da criança e do adolescente” é fundamental para a busca de uma convivência

saudável aos pais e filhos. Estamos no inicio do terceiro milênio, em sua existência o

ser humano demonstrou sua capacidade de criação e por diversas vezes mostrou

também que pode atuar de forma solidária e de ajuda mútua, aja vista as situações de

catástrofes naturais. Infelizmente ainda demonstra, também, sua capacidade de

intolerância; destruição e egoísmo, demonstração esta que nãos e resume às guerras e

fome pelo mundo, ela esta bem mais próxima do que pensamos. Esta no pai que não

quer que o filho possa amar sua mãe e com ela conviver, esta na mãe que acha que o

183 http://www.paisporjustica.blogspot.com 184 Nosso movimento. Disponível em: < http://www.paisporjustica.blogspot.com/>. Acesso em: 20 abr. 2009.

Page 70: Poder Familiar

70

filho é propriedade sua, e acredita que com seus atos o único atingido é o pai que a

ajudou a dar a vida a este filho e se esquecendo que este foi concebido em um ato de

amor, de união. E da mesma forma que foi preciso a união dos dois para esta

concepção, também se faz necessária a união para que ajudem este ser a crescer e se

transformar em uma pessoa digna, capaz de amar, pois ser amado o faz acreditar que o

amor possa prevalecer aos infortunos da vida, “ainda que não seja eterno posto que é

chama” diria o poeta, aliás deveríamos aprender a viver como os poetas, sempre

acreditando no amor, pois se a verdade liberta o amor constrói. Ao conceber um ser,

concebemos um projeto; um sonho; uma promessa, e a realização deste projeto-sonho-

promessa é o sinônimo de construir, pois estaremos construindo um novo ser, então

lembremo-nos: só o amor constrói.

E o seu antônimo destrói, machuca e impossibilita o projeto de virar uma

realização, por isso, lembremo-nos deste projeto e sua potencialidade que nos foi

conferido a transformar numa realidade e se falhamos como pai/mãe que tenhamos a

dignidade de reconhecer o erro e em uma ação de humildade e amor ao nosso projeto,

que tenhamos a nobreza de dar ao outro a oportunidade de fazer sua parte neste

projeto, independente do que ele signifique pra nós hoje.

E para aqueles que como profissional depararem com a situação do

desfalecimento do projeto humano, independente do papel a desempenhar, seja como

profissional do Direito, da Psicologia, ou da Assistência Social, que se faça como se o

projeto fosse dele, pois ao assumir a missão de sua profissão e ao trilhar este caminho,

verdadeiramente passa-se a integrar este projeto e tenha a certeza que a ele pode-se

fazer a diferença fomentando a paz e o bem!

Paz e bem!

Page 71: Poder Familiar

71

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