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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ Curso de Direito PODER DE POLÍCIA DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES Luciana Rolim Antunes Matr.: 0211655/3 Fortaleza–CE Maio, 2007

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Page 1: PODER DE POLÍCIA DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES ER9... · Telecomunicações” está em apresentar os pontos relevantes sobre o assunto dentro de uma interpretação

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ Curso de Direito

PODER DE POLÍCIA DA AGÊNCIA NACIONAL DE

TELECOMUNICAÇÕES

Luciana Rolim Antunes

Matr.: 0211655/3

Fortaleza–CE

Maio, 2007

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RESUMO

A importância da pesquisa sobre o tema “Poder de Polícia da Agência Nacional de Telecomunicações” está em apresentar os pontos relevantes sobre o assunto dentro de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. O que se pretende com este trabalho, em sentido amplo, é analisar a evolução sócio-econômica e legislativa no que se refere à desestatização dos serviços públicos, destacando aspectos históricos que ensejaram o seu surgimento e demonstrando as características próprias do modelo regulatório nacional. E, em sentido estrito, pretende-se analisar as agências reguladoras, dando-se destaque para a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e a regulação por ela exercida. Finalmente, examina-se o poder de polícia da ANATEL, apontando suas características e as principais polêmicas sobre este assunto, especialmente no que diz respeito à radiodifusão clandestina. Diante desse quadro, entende-se que é imprescindível conceder meios materiais e legais para a ANATEL combater plenamente as infrações administrativas, principalmente quanto aos casos de rádios clandestinas.

Palavras-chave: ANATEL. Poder de polícia. Rádios clandestinas. Regulação.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................

8

1 DESESTATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS...................................................... 12 1.1 Conceito de serviço público........................................................................................ 13 1.2 Regulação.................................................................................................................... 15

1.2.1 Surgimento da regulação.................................................................................... 16 1.2.2 Regulação x regulamentação............................................................................ 17 1.2.3 Conceito de regulação....................................................................................... 18

2 AGÊNCIAS REGULADORAS........................................................................................ 21 2.1 Conceitos e características das agências reguladoras brasileiras................................ 22 2.2 A fiscalização exercida sobre as agências reguladoras............................................... 25 2.3 Agência Nacional de Telecomunicações.................................................................... 28

2.3.1 Natureza jurídica da ANATEL.......................................................................... 29 2.3.2 Lei Geral de Telecomunicações – LGT.............................................................. 32

3 PODER DE POLÍCIA DA AGÊNCIAL NACIONAL DE TELCOMUNICAÇÕES...... 36 3.1 Conceito de poder de polícia....................................................................................... 37 3.2 Características do poder de polícia............................................................................. 39 3.3 Poder de polícia da Agência Nacional de Telecomunicações.................................... 43

3.3.1 Dever sancionador da ANATEL........................................................................ 43 3.3.2 Controvérsias acerca do poder de polícia da ANATEL....................................

45

CONCLUSÃO......................................................................................................................

51

REFERÊNCIAS...................................................................................................................

54

APÊNDICE...........................................................................................................................

58

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INTRODUÇÃO

As primeiras conceituações acerca de serviço público têm suas origens na França, com a

denominada Escola de Serviço Público.

Nessas primeiras noções sobre o tema – época do Estado Liberal – os autores adotavam

a combinação dos critérios subjetivo, material e formal para definir serviço público. O

primeiro considerava a pessoa jurídica prestadora da atividade como sendo o Estado; o

segundo, a atividade que tem por objeto a satisfação de necessidades coletivas e o último leva

em conta o regime jurídico de direito público derrogatório e exorbitante do direito comum.

À medida que o Estado se afastou dos princípios liberalistas, houve ampliação no seu

rol de atividades próprias e delegação a particulares para a execução dos seus serviços. Por

conseguinte, hoje se considera serviço público como sendo toda atividade prestada pela

Administração Pública ou por seus delegados (através de normas e controle estatal), com a

finalidade de satisfazer as necessidades da coletividade, sob regime jurídico total ou

parcialmente público.

Com o advento do fenômeno da globalização e a política governamental de

transferência da execução dos serviços públicos para o setor privado, o Brasil copiou, em

parte, o modelo norte-americano e criou as chamadas agências reguladoras. Tais órgãos

reguladores foram instituídos sob a forma de autarquias de regime especial, tendo como

escopo a regulamentação e o controle dos serviços então delegados.

Nesse sentido, surgiu a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), em 16 de

julho de 1997, com a Lei nº 9.472, sendo que sua atuação específica se dá no setor de

telecomunicações. Ademais, quanto ao serviço de telecomunicações, a ANATEL é a

responsável pela sua delegação e fiscalização; já no que concerne aos serviços de

radiodifusão, cabe a esta agência reguladora somente a distribuição dos canais necessários

para o exercício do serviço (espectros de radiofreqüência) e o devido controle dos mesmos.

Cabe, neste último caso, à União o poder de delegação do serviço de radiodifusão ao

particular.

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Há vários obstáculos que impedem o pleno exercício do poder de polícia da ANATEL.

O quadro insuficiente de agentes aptos às funções fiscalizatórias, a necessidade de

aparelhagem cara e sofisticada para ser utilizada na fiscalização e os corriqueiros óbices à

fiscalização realizados pelas prestadoras de serviços são alguns exemplos.

Some-se a todas essas dificuldades a surgida em 1998, com a apreciação pelo Supremo

Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 1668, proposta por

diversos partidos políticos. A decisão proferida tratou de suprimir liminarmente o poder

cautelar de busca e apreensão da ANATEL, acarretando a necessidade de a agência recorrer

ao Poder Judiciário para obter tal medida.

Desta forma, no decorrer deste trabalho monográfico, procuramos responder a

determinados questionamentos, tais como: Há meios adequados e suficientes para a ANATEL

exercer o seu poder de polícia? Com o advento da decisão proferida acerca da ADIn nº

1668/98, é possível afirmar que existe efetivação no poder de polícia da ANATEL?

A justificativa para este trabalho é que, no governo atual – tendo Luiz Inácio Lula da

Silva como Presidente da República –, percebemos uma desvalorização quanto ao trabalho

das agências reguladoras, uma vez que este segue uma linha menos neoliberal do que a do

antecessor – Fernando Henrique Cardoso.

Em contrapartida a esta falta de incentivo, o setor de telecomunicações vem sofrendo

constantes e acelerados avanços tecnológicos para atender ao interesse público. Tal

discrepância pode ser observada através das greves de servidores da Agência Nacional de

Telecomunicações, que não são percebidas pela maioria dos cidadãos, muitas vezes, devido

ao grande número de terceirizados trabalhando nesta agência; do reduzido número de

concursos públicos para provimento de cargos da ANATEL; da demora para a apuração

definitiva dos processos administrativos; de a ANATEL ser tida como órgão ineficiente tanto

pela população como pelas prestadoras de serviços; dentre outros fatores.

Nesse contexto, observamos que as prestadoras de serviços agem abusiva e/ou

ilegalmente com os usuários, além de existirem diversos serviços de telecomunicações

clandestinos (sem a devida outorga para funcionamento), que põem em risco a segurança da

coletividade. Destarte, um esclarecimento acerca das soluções possíveis para esses tipos de

arbitrariedade é essencial.

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Temos, então, como objetivo geral, analisar a forma de controle da prestação de

serviços públicos por particulares, principalmente no que diz respeito às telecomunicações. Os

objetivos específicos são: averiguar a eficácia dos meios fiscalizatórios e de repreensão de

infrações sob a responsabilidade da ANATEL; investigar os possíveis prejuízos causados pela

ADIn nº 1668/98 para o exercício do efetivo poder de polícia da ANATEL.

Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses são investigadas através de

pesquisa bibliográfica. No que tange à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos

resultados, pura, visto ser realizada apenas com o intuito de ampliar os conhecimentos.

Segundo a abordagem, é qualitativa, com a apreciação da realidade no que concerne ao tema

no ordenamento jurídico pátrio. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, explicando,

classificando e esclarecendo o problema apresentado; e exploratória, uma vez que procura

aprimorar idéias, buscando maiores informações sobre a temática em foco.

Em vista dos desafios da temática proposta, pretendemos, então, relatar as reflexões

empreendidas acerca do poder de polícia da Agência Nacional de Telecomunicações sob a

estrutura básica desta monografia que se encontra organizada em três capítulos, distribuídos

na forma explicitada a seguir.

No primeiro capítulo, buscamos apresentar as nuances brasileiras acerca da

desestatização dos serviços públicos. Discorremos sobre o conceito de serviço público, além

de sua evolução. Demonstramos a significação de regulação e o seu surgimento, bem como a

diferenciamos de regulamentação.

No segundo capítulo, fizemos um breve relato no que diz respeito à trajetória histórica

das agências reguladoras. Demonstramos a conceituação, as características e o modo de

fiscalizar das mesmas. Na seqüência, discutimos sobre a ANATEL e suas peculiaridades.

No terceiro capítulo, evidenciamos o conceito e atributos do poder de polícia, dando

ênfase à aplicação deste no âmbito da ANATEL; e, finalmente, analisamos alguns pontos

controversos acerca do policiamento desse órgão regulador.

Ao final, expomos as conclusões deste estudo, refletindo sobre a fragilidade do amparo

legal conferido ao controle da prestação dos serviços de telecomunicação; sendo este,

portanto, pouco eficaz no tocante precipuamente aos serviços de radiodifusão clandestina.

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Destarte, é necessário que ordenamento jurídico brasileiro ampare o pleno exercício do

poder de polícia da ANATEL; pois, dessa maneira, alcançar-se-á o bem-estar comum,

assegurando-se os direitos pertencentes a cada indivíduo.

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1 DESESTATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL

As primeiras conceituações acerca de serviço público eram de natureza muito

abrangente, chegando, até mesmo, a abranger todas as atividades do Estado.

Na França, palco do surgimento da noção de serviço público, temos como exemplo

dessa amplitude de conceituação com Leon Duguit e Roger Bonnard. Eles consideravam este

serviço como sendo uma atividade ou organização que englobava todas as funções do Estado,

chegando a ponto de afirmar que o Estado seria uma cooperação dos serviços públicos

organizados e fiscalizados pelos governantes.

Vejamos que, nessas primeiras noções, utilizava-se três critérios para dar a definição de

serviço público: o subjetivo, o material e o formal. O primeiro considerava a pessoa jurídica

prestadora da atividade, a qual seria o Estado. Já o segundo levava em consideração a própria

atividade, no caso, ela teria o escopo de atender as necessidades coletivas. Por fim, o critério

formal levava em conta que o serviço público seria exercido sobre o regime jurídico

exclusivamente público.

À medida que o Estado se afastava do Liberalismo, menos freqüente se tornava a

combinação dos três elementos retromencionados. Falou-se, então, em crise na noção do

serviço público; uma vez que, além desse afastamento, fora observado pelo próprio Estado

que ele não tinha condições organizacionais adequadas para a realização das atividades tidas

como serviço público. Desse modo, a execução dessas atividades foi delegada aos

particulares, por meio de instrumentos jurídicos específicos.

Percebemos, por conseguinte, que a noção de serviço público não se encontra restrita no

tempo ou no espaço. Trata-se de um conceito em constante variação tanto no tempo como no

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espaço, pois existe uma ampliação na sua abrangência, bem como esta depende do que a

legislação de cada nação classifica como serviço público.

1.1 Conceito de Serviço Público

Na doutrina, não há uniformidade quanto ao conceito de serviços públicos, tendo em

vista que este varia de acordo com as necessidades e contingências políticas, econômicas e

sociais de cada povo e de cada época.

Nesse sentido, houve diversas conceituações, dentre as quais, destacamos a de Celso

Antônio Bandeira de Mello:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um Regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesse definidos como públicos no sistema normativo. 1

Os doutrinadores classificam os serviços públicos de diferentes formas, através dos

mais diversos critérios. Por sua vez, Hely Lopes Meirelles fez a seguinte explanação:

Serviços de utilidade pública: são os que a Administração, reconhecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os membros da coletividade, presta-os diretamente ou aquiesce em que sejam prestados por terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), nas condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e risco dos prestadores, mediante remuneração dos usuários. São exemplos dessa modalidade os serviços de transporte coletivo, energia elétrica, gás, telefone.2

Segundo Gasparini, “os serviços públicos devem ser prestados aos usuários com a

observância dos requisitos da permanência, da generalidade, da eficiência, da modicidade e

da cortesia, de acordo com o magistério da maioria dos especialistas”.3 (grifos do autor)

Todos esses requisitos podem se traduzir no dever de os serviços públicos serem prestados:

em conformidade com padrões de qualidade e quantidade impostos pela Administração

Púbica, de forma contínua, sucessiva, segura e igual para todos, com um ótimo resultado

prático e baixo custo, acompanhando a modernidade tecnológica de cada setor, oferecendo

bom atendimento aos usuários e mediante pagamento de taxas ou tarifas que possibilite todos

esses interesses. 1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 634. 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 321-322. 3 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p.296.

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Vale salientar que atividade econômica, lato sensu, é gênero que comporta duas

espécies: serviço público e atividade econômica em sentido estrito. Como visto, a primeira

caracteriza-se por satisfazer obrigatoriamente as necessidades que envolvem direitos

fundamentais, de modo direto e imediato, independentemente da capacidade econômica do

interessado. Já na segunda, torna-se optativa a satisfação do interesse, que, neste caso, não

envolve direitos fundamentais direta ou imediatamente; é o que ocorre na comercialização de

alimentos, por exemplo.

Diante de tais premissas, podemos afirmar que há duas formas de execução dos serviços

públicos: a centralizada e a descentralizada. A primeira caracteriza-se por a atividade prestada

ser realizada por órgãos que compõem o Estado, agindo em seu próprio nome e sua inteira

responsabilidade, assim, a Administração Pública é titular e executora do serviço público

(Administração Direta). Na forma descentralizada, a atividade administrativa (titularidade e

execução) ou meramente o exercício desta é repassado para outra pessoa jurídica, que pode

ser privada, pública ou governamental, sendo que a Administração Pública continua como

titular desse serviço (Administração Indireta).

Neste trabalho monográfico, apenas nos interessa aprofundar o assunto no que diz

respeito ao deslocamento da execução do serviço público para as entidades privadas. Portanto,

é importante conceituar os principais instrumentos utilizados para essa transferência, quais

sejam: concessão, permissão e autorização.

Primeiramente, observemos a definição de concessão dada por Celso Antônio Bandeira

de Mello:

Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.4 (grifos do autor)

Quanto à conceituação de permissão, a Lei nº 8.987, de 13-02-1995, que dispõe sobre o

regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, enuncia o seguinte:

Art. 2° Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: [...]

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 664.

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IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.5

Já a autorização de serviços públicos é apresentada da seguinte forma por Meirelles:

“Serviços autorizados são aqueles que o Poder Público, por ato unilateral, precário e

discricionário, consente na sua execução por particular para atender a interesses coletivos

instáveis ou emergência transitória”.6

Os serviços públicos não são passados às mãos dos particulares para que estes os

utilizem da forma que lhes for mais conveniente e lucrativa. É necessário, pois, haver um

controle, por parte do Estado, com o intuito de disciplinar a conduta das entidades privadas.

1.2 Regulação

A crescente demanda dos administrados por comodidades e utilidades públicas aliada à

falta de condições econômico-financeiras da Administração Pública em arcar com a execução

dos serviços públicos – de qualidade e a custos razoáveis para a sociedade – fez com que o

Estado procurasse implantar o instituto da regulação.

A regulação é – em poucas linhas – as diversas formas adotadas pelo Estado ao

organizar as atividades econômicas, seja por meio de concessão de serviço público ou pelo

exercício do poder de polícia. Assim, com essa mudança de postura da Administração

Pública, houve um crescimento da delegação de serviços públicos aos particulares, o que

torna imprescindível a fiscalização e incentivo dessas delegações para alcançar os objetivos

do Estado.

Cabe ressaltar, nesse momento, que esse conceito de regulação não se confunde com o

de regulamentação. Este é de cunho mais restrito, uma vez que se traduz no desempenho ou

aplicação da norma; enquanto que a regulação, como visto, é mais ampla e abstrata. É

possível, portanto, que a mesma se manifeste em atos de regulamentação. Esses aspectos

serão tratados mais adiante.

5 BRASIL. Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 14 de fevereiro de 1995, republicada em 28.09.1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8987cons.htm>. Acesso em: 23 out. 2006. 6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 385.

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1.2.1 Surgimento da regulação

A Constituição de 1988 alterou o papel ocupado pelo Estado no âmbito econômico ao

consagrar o sistema capitalista, uma vez que instituiu a livre-concorrência e a livre-iniciativa

como fundamentos da ordem econômica. A primeira caracteriza-se pelo fato de o Estado

estar, de certo modo, impedido de interferir na competição econômica, sendo-lhe viável

intervir para reprimir abusos e desvios. Já a última traduz-se na liberdade dada aos

particulares para aplicarem seus recursos econômicos, da forma que melhor entenderem, para

o desempenho de atividades econômicas, entretanto é necessário que preencham os requisitos

mínimos dispostos em lei.

Desse modo, foi gerado um afastamento do Estado no que concerne à gestão das

atividades produtivas; abrindo-se, assim, o mercado dos serviços públicos à iniciativa privada.

Numa visão clássica, somente o Estado era o responsável direto pelo desenvolvimento

econômico e social através da produção de bens e serviços. Todavia, com o advento

principalmente das Emendas Constitucionais de números 05/1995 a 09/1995, é possível

perceber a desestatização dos serviços públicos. Destarte, a década de 90 foi um ponto

culminante para a mudança na prestação desses serviços no Brasil.

É perceptível que o objetivo de tais medidas era o fortalecimento das funções de

regulação e de coordenação do Estado em nível federal, bem como a descentralização das

funções executivas no campo de prestação de serviços sociais e de infra-estrutura em nível

estadual e municipal.

O governo de Fernando Henrique Cardoso – responsável por tais mudanças – seguiu

uma tendência econômica mundial da época, aplicando o modelo neoliberal ao Estado.

Trouxe, assim, para o Brasil, as chamadas privatizações das entidades estatais, passando ao

setor privado a execução de serviços de grande interesse para o mercado (potencialmente

competitivos), como as telecomunicações, energia, petróleo, dentre outros.

Nesse sentido, destacamos a explanação de Lúcia Helena Salgado:

Entre 1995 e 1998, o programa brasileiro de desestatização transferiu US$ 60 bilhões aos cofres da União e dos estados, além das dívidas das empresas estatais assumidas pelo setor privado (entre 1991 e 1994, foram US$ 8,6 bilhões) [Presidência da República (2001)]. A abertura dos setores de infra-estrutura ao setor privado representou a transformação do Estado empresário em Estado regulador. As telecomunicações, totalmente privadas, bem como a exploração e produção de

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petróleo e gás natural, antes monopólios da Petrobras, atualmente contam com investimentos de grandes grupos internacionais. O mesmo processo se observa na geração e na distribuição de energia elétrica, bem como no saneamento básico.7

Com esta revisão da função o Estado na economia, surgiu o modelo regulatório no

Brasil. Houve alteração de valores na condução de negócios e integração dos setores públicos

e privados, sendo assim, foram criadas agências reguladoras dos serviços recém-privatizados

e órgãos que defendiam a concorrência.

Portanto, essas inovações da década de 90 instituíram uma reforma no aparelho estatal e

não uma reforma do Estado. Senão, vejamos:

Do já exposto, compreende-se a necessidade de se distinguir entre “reforma do Estado” e “reforma do aparelho do Estado”. O primeiro constitui um projeto mais amplo, que diz respeito às várias esferas de governo e ao conjunto da sociedade brasileira. O segundo mostra-se mais restrito, e significa “tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania (ibid)”. Assim, reforçar a governança significa rever a capacidade de governo do Estado, ou seja, operar a transição da administração pública burocrática, rígida e ineficiente para a administração gerencial, flexível e eficiente, voltada ao atendimento do cidadão e à implementação de políticas públicas.8

Então, essa reforma do aparelho estatal fez com que o Estado permanecesse presente no

domínio econômico, porém não mais como executor direto de alguns serviços públicos.

1.2.2 Regulação x regulamentação

Antes de adentrarmos no conceito de regulação, é importante diferenciá-lo de

regulamentação para um melhor entendimento sobre o tema abordado neste capítulo.

Enquanto que a regulamentação se conduz para o desempenho de função normativa,

aplicando normas de cunho abstrato e geral, a regulação é ampla e qualitativamente distinta,

como veremos mais adiante, sendo possível que este se traduza em atos de regulamentação.

Assim, segundo Fernando Dias Menezes de Almeida:

O regulamento, fruto do exercício do poder regulamentar (do qual decorre a regulamentação), é ato normativo geral e abstrato, possuindo caráter materialmente legislativo, apesar de tratar-se de ato da competência privativa própria do chefe do Poder Executivo.9

7 SALGADO, Lúcia Helena. Agências regulatórias na experiência brasileira: um panorama do atual desenho institucional. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/td_0941.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2007. 8 Ibid. 9 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Considerações sobre “regulação” no direito positivo brasileiro. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 3, n. 12, p. 75, out./dez. 2005.

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Geralmente os doutrinadores administrativistas costumam dividir o regulamento em

cinco espécies, quais sejam: de execução, independente, autônomo, de necessidade e

delegado, sendo que, no Brasil, ocorrem somente os três primeiros.

O regulamento de execução (previsto no art. 84, IV10 da CF/88) não traz inovação para o

Direito, é ato normativo vinculado à lei e por ela validado, tendo como objetivo dispor sobre a

operacionalização prática para a execução desta. Em contrapartida, o regulamento

independente dispensa lei, tendo como origem direta a Constituição, mas sem se situar no

mesmo plano normativo que a lei. Já o de necessidade descenderia de casos excepcionais

previstos na Constituição – por exemplo, estado de sítio – sob forma de decreto e

independente de lei. No caso do regulamento autônomo, este criaria direito e obrigações,

situando-se no mesmo patamar normativo de lei. O último (regulamento delegado) advém de

matéria tipicamente de lei, sendo fruto do processo de deslegalização, o que não é compatível

com o Direito brasileiro.

Salientamos que a roupagem que os regulamentos utilizam normalmente, no Brasil, é a

de decreto, portanto, à medida que o regulamento é o conteúdo, o decreto é a forma do ato.

Além do mais, partindo da idéia de que a regulação compreende o processo de criação

de normas (regulamentos), aplicação das regras, fiscalização do cumprimento delas, bem

como a punição de infrações; constatamos que os conceitos de regulação e regulamentação

estão intrinsecamente ligados.

1.2.3 Conceito de regulação

De acordo com essas noções introdutórias, é possível, nesse momento, delinear um

conceito para regulação e discorrer sobre tal tema, observando a conjectura econômico-social

do Brasil, bem como as normas nacionais.

A regulação é uma atividade estatal que engloba diversas esferas federativas no

desenvolvimento de funções administrativas, legislativas, jurisdicionais e de controle. Baseia-

se na produção ordenada e adoção de: normas e atos estatais, cuja natureza é repressiva e

promocional, no sentido de disciplinar a conduta dos agentes particulares e, até mesmo, dos

agentes públicos, sendo este um caráter peculiar do modelo regulatório.

10 “Compete privativamente ao Presidente da República: sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.

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Os fins políticos e valores fundamentais do Estado estão estritamente ligados com a

regulação, uma vez que esta é meio utilizado para a intervenção estatal no âmbito econômico,

promovendo, assim, os valores sociais.

Nesse sentido, o doutrinador Marçal Justen Filho conceitua esse instituto da seguinte

forma:

A regulação econômico-social consiste na atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático para implementar as políticas de governo e a realização dos direitos fundamentais.11 (grifos do autor)

Trata-se de uma opção estatal em intervir indiretamente nas atividades de interesse

público, como, por exemplo, o petróleo, as telecomunicações, a energia, o gás natural, os

minérios, por meio de normas e órgãos especializados responsáveis pela promoção –

permanente e sistemática – dessa interferência. Todavia, o Estado deve evitar a

mercantilização da segurança, da saúde e da seguridade social, que são valores básicos para a

sociedade. Por conseguinte, é um modelo contrário ao dirigismo estatal, porque este buscava

concentrar todas as atividades de interesse da coletividade nas mãos do Estado, sufocando a

autonomia empresarial privada.

Ademais, a regulação não é estática. Ela é dinâmica, tendo em vista que é um processo

não restrito ao momento da criação de regras, consistindo também na aplicação dessas normas

aos casos concretos, observando-se, assim, as mudanças no contexto social.

Apesar de ser um tema relativamente novo, esse instituto já possui correntes contrárias

e em prol do mesmo. De um lado, há uma corrente que defende a abstenção do Estado quanto

à prestação dos serviços públicos e, do outro, existem aqueles que se posicionam a favor da

intervenção estatal, mesmo que seja regulatória. Assim, de acordo com Justen Filho: É necessário promover a redução da intervenção direta do Estado, porque o custo econômico pode se transformar em insuportável para a sociedade. Mas essa redução somente pode ser admitida quando acompanhada da funcionalização de poderes reconhecidos à iniciativa privada.12 (grifo do autor)

A nosso ver, a segunda corrente é mais plausível e adequada para a realidade

brasileira, uma vez que é necessário haver instrumentos que permitam a sustentação dos

valores essenciais defendidos pelo Estado mesmo na atuação da iniciativa privada.

É possível perceber a presença da regulação no nosso ordenamento jurídico,

principalmente ao observarmos a base do Direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988.

Cabe, nesse momento, destacar o seguinte artigo da CF/88: “Art. 174. Como agente

11 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 447. 12 Ibid., p. 451.

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normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções

de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e

indicativo para o setor privado”.

O Estado Regulador, como agente normativo, se traduz na edição de normas, infra-

legais ou não: para tratar de assuntos interna corporis do órgão regulador; para explicar

conceitos e definir parâmetros técnicos acerca da matéria regulada.

Constatamos, portanto, que o conteúdo da regulação detém as funções de

planejamento, fomento e fiscalização. A primeira dispõe acerca de metas a serem cumpridas

pelo governo a posteriori num âmbito específico da economia, sendo uma mudança gradativa.

A segunda função significa o Estado disponibilizar aos particulares o maior número possível

de instrumentos destinados ao desenvolvimento econômico. A última trata do controle de

comportamento dos particulares em um setor da economia, objetivando evitar atos abusivos

aos usuários.

Nesse diapasão, surgem entidades administrativas responsáveis por gerenciar e

fiscalizar cada setor da economia, tendo em vista que o Estado ao adotar o modelo regulatório

promove uma fragmentação de suas competências normativas e decisórias.

Eis, então, a conjectura econômico-social na qual surgiram as chamadas agências

reguladoras, ou seja, entidades autárquicas que nasceram da necessidade da sociedade em ver

o Estado regular certas realidades, as quais este não possuía mais condições financeiras para

atender aos níveis razoáveis de qualidade e justiça social.

Acerca das considerações gerais sobre agências reguladoras, definição, características,

peculiaridades e outros aspectos, tudo será melhor analisado no capítulo seguinte. Salientamos

que será dada maior ênfase a uma determinada agência reguladora, qual seja a Agência

Nacional de Telecomunicações (ANATEL), tendo em vista o tema que este trabalho

monográfico se propõe a explanar.

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2 AGÊNCIAS REGULADORAS

Através da introdução de uma política governamental em que é transferido para o setor

privado a execução de serviços públicos, sendo reservada à Administração Pública o controle,

a fiscalização e a regulamentação da prestação dos mesmos aos usuários e a ela própria;

vislumbrou-se a necessidade de serem criadas entidades capazes de promover – com

eficiência – essa gestão setorial. Nesse cenário, surgiram as chamadas agências reguladoras.

É possível suscitar a origem das agências reguladoras em 1834 pelo Parlamento inglês,

por meio da criação de órgãos autônomos, cujo objetivo era a aplicação e concretização de

normas. Ulteriormente, os americanos instituíram uma série dessas agências, com a criação da

Interstate Commerce Commission em 1887.

A alta especialização nos diversos âmbitos do Poder Executivo dos Estados Unidos,

bem como a crença de que caso fosse possível pessoal especializado executar os serviços,

melhor seria a prestação e fiscalização deles, levaram ao surgimento das agências norte-

americanas.

Existem, nos Estados Unidos, diversos tipos de agências: reguladoras, não reguladoras,

executivas e independentes, o que demonstra o aspecto descentralizado do Direito

Administrativo americano. Tais órgãos possuem funções quase-legislativas e quase-judiciais,

ou seja, editam normas e dirimem querelas.

Todavia, de acordo com o que afirma Di Pietro, “o vocábulo agência é um dos

modismos introduzidos no direito brasileiro em decorrência do movimento da globalização”.13

(grifo da autora)

Por conseguinte, o Brasil recebeu forte influência do Direito europeu-continental,

adotando, assim, idéias de centralização administrativa e forte hierarquia. Isto pode ser

13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2004, p.398.

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percebido pelo fato de que a Administração Pública desse paradigma europeu possui inúmeras

entidades componentes da Administração Direta e Indireta, enquanto que a organização

administrativa americana se resume às agências.

2.1 Conceito e características das agências reguladoras brasileiras

Há muito tempo, existem no Brasil órgãos com função reguladora, no entanto eles não

recebiam a denominação de agências. Como exemplos desta ocorrência, podemos citar os

antigos Instituto Nacional do Sal e Comissariado de Alimentação Pública, bem como os

recentes Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários e Conselho Monetário Nacional.

Inferimos, então, que a novidade, para o Poder Público brasileiro, está apenas no termo

agência.

No Direito Administrativo brasileiro, as agências reguladoras são integrantes da

administração indireta como autarquias de regime especial, sendo ligadas ao Ministério

responsável pela respectiva atividade a ser gerenciada. Assim, como autarquias, elas integram

a Administração Indireta, possuem personalidade jurídica de direito público e estão sujeitas ao

regime jurídico da respectiva categoria.

As agências dotadas do poder regulador encontram amparo constitucional no art. 21,

XI14, bem como no art. 177, § 2º, III15. Além disso, para que elas sejam criadas a Constituição

Federal determina que isto ocorra por meio de lei específica (art. 37, XIX). Observemos,

então, quais são essas leis federais específicas:

a) Lei nº 9.427, de 26-12-1996, que estabeleceu a Agência Nacional de Energia

Elétrica (ANEEL);

b) Lei nº 9.472, de 16-07-1997, que gerou a Agência Nacional de Telecomunicações

(ANATEL);

c) Lei nº 9.478, de 06-08-1997, que deu origem à Agência Nacional de Petróleo

(ANP);

14 “Compete à União: explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”. 15 O §2º, III, do artigo dispõe o seguinte: “A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União”.

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d) Lei nº 9.782, de 26-01-1999, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária

(ANVS);

e) Lei nº 9.961, de 28-01-2000, que originou a Agência Nacional de Saúde

Suplementar (ANS);

f) Lei nº 9.984, de 17-07-2000, que estabeleceu a Agência Nacional das Águas

(ANA);

g) Lei nº 10.233, de 05-06-2001, que criou a Agência Nacional de Transportes

terrestres (ANTT) e a Agência de Transportes Aquaviários (ANTAQ);

h) Medida Provisória nº 2.228-1, de 06-09-2001, que originou a Agência Nacional do

Cinema (ANCINE);

i) Lei nº 11.182, de 27-09-2005, que gerou a Agência Nacional de Aviação Civil

(ANAC).

Ponderemos que a ANATEL e a ANP são as duas únicas agências diretamente previstas

na Carta Magna brasileira. Ademais, ressaltemos que é possível leis estaduais e municipais

criarem agências nos respectivos âmbitos de atuação, por exemplo: a ARFOR (Agência

Reguladora de Fortaleza) criada pela Lei Municipal nº 8.869, de 19-07-2004, e a ARCE

(Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará) oriunda da Lei

Estadual nº 12.786, de 30-12-1997.

Dessa forma, expressemos o conceito de agências reguladoras dado por Marçal Justen

Filho: “Agência reguladora independente é uma autarquia especial, sujeita a regime

jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta e investida de

competência para a regulação setorial”.16 (grifos do autor)

Tendo em vista que essas agências são autarquias em regime especial, elas possuem as

peculiaridades que as leis criadoras lhes outorgam e as características comuns a todas as

autarquias. Esse regime especial proporciona a elas uma certa autonomia jurídica, englobando

uma diminuição na subordinação dessas entidades à administração direta, o que não é visto na

maioria das entidades autárquicas. Segundo José dos Santos Carvalho Filho:

16 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 466.

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A essas autarquias reguladoras foi atribuída a função principal de controlar, em toda sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo Governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiram o processo de desestatização. 17

Destarte, podemos afirmar que, dentre as peculiaridades presentes nas agências

reguladoras, as mais freqüentes são: independência administrativa, estabilidade dos dirigentes,

poder de regulamentação e autonomia financeira.

As decisões das agências são definitivas, isto é, não se subordinam à revisão da

Administração Direta, sendo possível o recurso perante o Poder Judiciário. Além do que, elas

têm o poder discricionário para tomar a decisão mais acertada a ser aplicada para o caso

concreto e as matérias de competências das agências não são passíveis de deliberação pelo

Presidente da República, o que demonstra a força da autonomia administrativa desses órgãos.

Outra particularidade é a estabilidade dos dirigentes que se traduz no fato de os mesmos

deterem cargos em comissão, mas investidos em mandatos por prazo determinado e somente

demitidos através de processo administrativo disciplinar ou por condenação judicial transitada

em julgado. A Lei nº 9.986, de 18-07-2000, em seu art. 5º18, prevê quais seriam os requisitos

necessários aos dirigentes e como se daria a sua nomeação.

Ao final desse mandato fixo, os dirigentes não podem atuar no setor regulado pela

agência por um período de quatro meses (contados da exoneração ou do fim do mandato), sob

pena de incorrer na prática de advocacia administrativa e outras penalidades, bem como, nesse

período, ele fica vinculado à autarquia, recebendo remuneração compensatória equivalente ao

cargo que exercia. Se por um acaso a demissão do dirigente for ilegal, ela pode ser sanada

judicialmente, devido a configuração de ilegalidade.

As agências também exercem o poder de editar normas regulamentares. Todavia, essas

normatizações são meramente operacionais, logo elas não podem inovar no ordenamento

jurídico nem contrariar as normas legais já existentes.

17 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 409. 18 “O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria (CD II) serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal”.

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Nesse diapasão, destacamos que a doutrina e a jurisprudência majoritária entendem que,

quanto à responsabilidade civil, as agências reguladoras respondem subsidiariamente às

concessionárias, permissionárias e autorizatárias dos serviços públicos, que têm

responsabilidade objetiva. Isto porque as prestadoras de serviço assumem, em próprio nome e

por conta própria, os riscos da execução dos serviços. A legislação brasileira transferiu para

essas entidades autárquicas as atribuições do Poder Público nessa matéria e como o próprio

Estado, em casos de delegação de serviços, responde subsidiariamente, nada mais coerente do

que as agências responderem do mesmo modo. Contudo, caso seja comprovado que o dano

causado ao administrado foi em decorrência da má gerência (falhas e ilegalidades) dos órgãos

reguladores respectivos, a responsabilidade da agência, então, será solidária à da prestadora.

A autonomia financeira se traduz no fato de as agências possuírem recursos próprios, ou

seja, ela pode manter sua estrutura e funcionamento sem depender empates políticos sobre a

distribuição orçamentária. Contudo, essas entidades não podem realizar despesas que não

foram previstas para a autarquia na lei orçamentária. Enfim, apesar de toda essa liberdade, as

agências não podem gastar diretamente o que receberam do Estado.

Atentemos que a liberdade dessas entidades não é total. Elas se submetem ao controle

do Poder Judiciário e, até mesmo, do Poder Executivo, sem esquecer o controle exercido

também pelo Tribunal de Contas. Este último ocorre por meio do julgamento da contas

prestadas pelos administradores ou responsáveis desses órgãos reguladores no intuito de

verificar a observância da legalidade, legitimidade e economicidade.

2.2 A fiscalização exercida sobre as agências reguladoras

Apesar de toda a autonomia jurídica que as agências reguladoras detêm, elas não podem

agir livremente, porque elas têm o dever de seguir as regras previamente impostas pela

legislação pertinente, ou seja, têm de respeitar o princípio da legalidade. Desse modo, elas são

fiscalizadas pelos poderes Judiciário e Executivo, assim como pelo Tribunal de Contas,

respeitando-se a autonomia dada a essas entidades pela lei.

É um tanto quanto polêmico o assunto do controle a ser exercido sobre essas entidades,

uma vez que a legislação conferiu-lhes uma insubordinação hierárquica em relação ao Poder

Executivo. Destarte, em princípio, não é possível que o Ministério ou a Secretaria de Estado

vinculada à agência reguladora revise ou modifique as decisões tomadas por estas. Todavia, o

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Poder Executivo exerce um controle sobre essas entidades e este se traduz na limitação

(imposta por esse poder) da escolha dos dirigentes das agências, como citado no item anterior.

O ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio da inafastabildade do acesso ao

Poder Judiciário, conforme art. 5º, XXXV19, CF/88. Assim, em caso de lesão ou ameaça de

lesão, as decisões ou atos das agências reguladoras estão submetidas também à apreciação do

Poder Judiciário.

Como autarquias, as agências possuem personalidade jurídica de Direito Público,

praticando atos administrativos em geral e atos de Direito Privado, portanto, podem ser

controladas tanto pela via comum (ação indenizatória, por exemplo) como pela via especial

(exemplo: ação popular).

Em regra, o Poder Judiciário exerce o controle somente sobre a competência, a forma e

a finalidade dos atos administrativos, verificando se a lei está sendo devidamente aplicada. No

que concerne aos elementos motivo e objeto dos atos, o entendimento clássico é de que não é

possível realizar esse controle, pois envolve o mérito do ato, no qual residiria a

discricionariedade administrativa. Contudo, o entendimento atual é que devem ser apreciados

os princípios da razoabilidade, da moralidade e da eficiência como exceções ao controle do

mérito, isto é, só deve ser invalidada, quanto ao mérito, uma decisão das agências quando ela

não estiver cumprindo a razoabilidade, moralidade e eficiência necessárias.

Nesse contexto, vale fazer um esclarecimento sobre o foro dos litígios judiciais que

envolvem agências reguladoras. Nas autarquias federais, como ANATEL, ANP e ANVISA, a

competência é da Justiça Federal tanto nos litígios comuns como nos especiais, de acordo com

o art. 109, I e VIII20, da CF/88. Já no que diz respeito às autarquias estaduais e municipais, a

competência é da Justiça Estadual comum, sendo o juízo específico indicado pela legislação

estadual acerca da organização judiciária. Nos litígios trabalhistas, é necessário avaliar a qual

regime jurídico o trabalhador está vinculado (estatutário ou celetista). Caso seja ao estatutário,

os juízos fazendários serão os responsáveis por processar e julgar a ação, e se for celetista, a

Justiça do Trabalho será a competente para solver a querela. 19 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 20 “Aos juízes federais compete processar e julgar: as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,

assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; [...] VIII - os mandados de segurança e os

"habeas-data" contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais”.

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Para uma melhor fundamentação do assunto sobrestado, podemos citar o que Carvalho

Filho explicou sobre o regime jurídico dos servidores das autarquias reguladoras:

No que concerne ao regime jurídico dos servidores dessas autarquias, a Lei nº 9.986, de 18.7.2000, previa inicialmente o regime de emprego público, de caráter trabalhista, regulado pela CLT (Decr.-lei 5.454/43), sendo previstos alguns cargos em comissão regidos pelo regime estatutário. Esse diploma, no entanto, foi derrogado pela Lei nº 10.871, de 20.5.2004, que, alterando todas as normas relativas ao regime trabalhista dos servidores, instituiu o regime estatutário e dispôs sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos. Atualmente, pois, os servidores das agências reguladoras devem sujeitar-se ao regime estatutário respectivo (na esfera federal é a Lei nº 8.112/90).21

Quanto ao controle exercido pelo Tribunal de Contas, podemos afirmar que esse órgão

examina as contas das entidades da administração direta e indireta, atentando para a

legalidade, legitimidade e economicidade. Faz, portanto, uma fiscalização externa das

agências reguladoras no que diz respeito ao uso do dinheiro público sendo-lhe vedada a

análise do mérito das decisões administrativas, ou seja, esse Tribunal não pode adentrar, em

meio a fiscalização, na atividade-fim da autarquia, pois violaria o princípio da separação dos

poderes.

A atuação dos Tribunais de Contas dar-se-á no campo da auditoria financeira e

orçamentária, no julgamento das contas dos administradores e responsáveis pelos bens e

valores públicos, e na emissão de pareceres prévios acerca das contas prestadas anualmente.

Todos esses aspectos estão em conformidade com a Constituição Federal, principalmente no

que se refere ao que está disposto nos artigos 70 e 71 da mesma.

Diante dessas premissas, direcionemos o nosso estudo para uma entidade autárquica

específica: a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

2.3 Agência Nacional de Telecomunicações

No Brasil, o primeiro sinal de regulamentação do setor das telecomunicações ocorreu

em 27 de agosto de 1962, com o advento da Lei nº 4.117 (Código Brasileiro de

Telecomunicações). Esse código estabeleceu o Conselho Nacional de Telecomunicações, o

qual gerenciava o Sistema Nacional de Telecomunicações, com o intuito de o serviço de

telecomunicação ser prestado de forma integrada. Seguindo esse parâmetro, surgiu a

21 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 409.

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Embratel, em 1965, visando atender a todas as capitais e principais municípios brasileiros,

bem como explorar os serviços internacionais.

Posteriormente, foi criado o Sistema Telebrás (Lei nº 5.792, de 11-07-1972), composto

por diversas empresas (estatais e privadas), tendo como sua responsabilidade a prestação dos

serviços de comunicações de dados, de telex, além dos serviços básicos de telefonia. Apesar

do sucesso inicial desse sistema, o mesmo não conseguiu acompanhar os avanços

tecnológicos nem o grande e rápido aumento da demanda de usuários, bem como arcar com

todos os investimentos necessários.

Com a globalização e a influência neoliberalista sofrida pelo nosso país, foi provocado

um processo de desestatização ou privatização dos serviços públicos, dentre eles o serviço

básico estatal das telecomunicações. Assim, a regulação desse setor foi repassada para a

Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

Essa entidade autárquica surgiu com a edição da Lei Geral de Telecomunicações (LGT

– Lei nº 9.472/97) e instalou-se por meio do Decreto nº 2.238, de 07-10-1997. Tal

acontecimento tornou-se possível, por causa da mudança feita pela Emenda Constitucional nº

8/1995 no art. 21, XI, da Carta Magna nacional. Senão, vejamos atual enunciado desse artigo:

Art. 21. Compete à União: [...] XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95) (grifos nossos)

Observemos que a expressão “nos termos da lei” fez com essa norma constitucional

tivesse a sua eficácia vinculada à edição posterior de lei ordinária, no caso em tela, a LGT.

Por conseguinte, o objetivo dessa norma é afastar a regulação das telecomunicações da

Administração Direta, permitindo o acesso da iniciativa privada na prestação desse serviço.

Tanto se queria impedir a interferência do Poder Público nesse âmbito que, o art. 24622 da

CF/88 não permite que medida provisória modifique a LGT.

É importante frisar que a exploração direta da telefonia ainda pertence à União, tendo

sido concedido ao capital privado somente a execução indireta da mesma, por meio de

22 “É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive”.

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autorização, permissão ou concessão. No entanto, se a União constituir sociedade de

economia mista ou empresa pública para executar tais serviços, seguindo, obviamente, todas

as regras da lei específica e concorrendo em igualdade de condições com as empresas

privadas, ela estará prestando indiretamente a telefonia pública. Aduzimos que a União não

pode – ao seu livre-arbítrio – desrespeitar lei e órgão regulador, acabando com a prestação

indireta do serviço ao se tornar executor direto. É o que pode ser observado também na alínea

a do inciso XII do art. 2123 da Carta Magna.

Destarte, Lehfeld declara: “Nesse novo desenho, verificam-se dois princípios

norteadores da reforma das telecomunicações no país proposta pela referida Emenda: a

introdução da competição na exploração dessa atividade e a universalização do acesso aos

serviços básicos de telecomunicações”.24 (grifos do autor)

Ressaltemos que essas mudanças de grande impacto no setor terciário foram motivadas

também pela pressão internacional, uma vez que era almejada a entrada de investimentos

estrangeiros no ramo da telefonia brasileira.

2.3.1 Natureza jurídica da ANATEL

A sede da ANATEL está localizada no Distrito Federal, havendo unidades regionais nas

capitais brasileiras. Numa visão geral do organograma dessa agência, nos deparamos com

Conselho Diretor, Conselho Consultivo, Ouvidoria, Assessoria Internacional, de Relações

com os Usuários, Parlamentar e de Comunicação Social, e Técnica, Procuradoria,

Corregedoria, Auditoria e diversas Superintendências.

Trata-se de um órgão pertencente à Administração Pública Indireta, adotando o regime

autárquico especial e estando vinculado ao Ministério das Comunicações. Em vista disso,

possui todas as características e peculiaridades das agências reguladoras de âmbito federal,

mas está submetida, em linhas gerais, aos ditames da LGT. Nesse diapasão, a Lei nº 9.472/97

dispõe: 23 “Compete à União: explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens”. 24 LEHFELD, Lucas de Souza. Anatel e as Novas Tendências na Regulamentação da Telecomunicações no Brasil. In: MORAES, Alexandre de (Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 66.

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Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais. [...] § 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira. (grifos nossos)

Dessa forma, como demonstrativo do mandato fixo e estabilidade dos dirigentes,

podemos citar que o Conselho Diretor (órgão máximo desse ente) é constituído por cinco

membros escolhidos pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado, com mandato de

cinco anos. Os conselheiros só perdem o cargo em caso de renúncia, condenação judicial

transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar, instaurado pelo Ministério das

Comunicações. Notamos, assim, uma influência do Poder Executivo, entretanto os dirigentes

deste órgão regulador têm intangibilidade política, bem como independência na realização de

suas funções, o que lhes permite resistir às pressões do Executivo. Outrossim, os conselheiros,

após um ano do término do mandato, ficam impedidos de representar qualquer pessoa ou

interesse perante a agência, bem como não podem obter vantagem direta ou indireta de

empresas do setor das telecomunicações, por meio de informações privilegiadas que detêm,

sob pena de incorrer em improbidade administrativa.

Vale frisar que uma parte da doutrina acredita ser inconstitucional a estabilidade dada

aos dirigentes da agência, pois feriria o art. 37, II25, da CF/88, no que diz respeito à livre

nomeação e exoneração dos cargos de confiança. Todavia, nosso entendimento é de que esse

aspecto está em consonância com os princípios constitucionais, pois oferece aos

administradores segurança para exercer suas funções com independência e sem interferências

políticas. O artigo constitucional citado não pretende garantir a exoneração do agente público,

mas dar-lhe segurança no exercício de suas atribuições, sendo, assim, possível legislação

infraconstitucional impor algumas restrições para a exoneração dos cargos em comissão.

Quanto à autonomia financeira, a LGT (art. 16) previu que a instalação da ANATEL

tenha investimento do Poder Executivo, passando os saldos orçamentários do Ministério das

Comunicações e o FISTEL (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações) para esta agência.

25 “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

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Ulteriormente, a receita dela vem a ser resultado das taxas de fiscalização, instalação e

funcionamento a serem pagas pelas empresas delegatárias. O montante resultante será

revertido no FISTEL, logo não passa pelo Executivo, pois o gerenciamento deste Fundo cabe

somente a ANATEL. Esta autarquia ainda tem a prerrogativa de ter seu equilíbrio econômico-

financeiro garantido pela inclusão de suas despesas e receitas na Lei de Orçamento Anual.

A ausência de subordinação hierárquica se deve ao fato de a Agência ter independência

decisória para fixar metas e qualidades adequadas ao funcionamento das operações realizadas

pelas empresas reguladas no âmbito da telecomunicação, conforme dispõe art. 9º da LGT.

Nesse sentido, é vedado ao executivo interferir na atividade da ANATEL, impedindo ou

alterando os atos decisórios, ou então regendo as definições técnicas adotadas pela agência.

A independência administrativa dessa autarquia de regime especial pode ser percebida

pela sua capacidade de editar normas procedimentais acerca da composição, nomeação e

dispensa dos seus membros e sobre prerrogativas adequadas ao exercício de suas atividades.

Da mesma forma, a ANATEL tem competência para dirimir conflitos entre usuários e

concessionárias, assim como fiscalizar as atividades delas, controlando a política tarifária,

reprimindo condutas abusivas e impondo sanções às prestadoras. No pólo administrativo, essa

entidade autárquica também delibera sobre a interpretação da legislação das telecomunicações

e acerca dos casos omissos.

Vale salientar que o Poder Legislativo e o Executivo influenciam minimamente na

política desse setor. O primeiro define as diretrizes da agência, através de lei, e o segundo tem

seu papel delimitado pela LGT, ou seja, esta estabelece quais as matérias passíveis de

regulação pelo Poder Executivo, previstos nos artigos 10, 18 e 23; bem como nos caput dos

artigos 45 e 211, todos da LGT.

Toda essa liberdade atribuída à ANATEL possui grande importância, porque viabiliza a

concorrência e o atendimento das metas de universalização. Assim, em princípio, é possível

alcançar confiabilidade e eficiência das políticas regulatórias das telecomunicações.

2.3.2 Lei Geral de Telecomunicações – LGT

Essa lei pretende tornar viável todas as características inerentes ao regime especial da

entidade autárquica chamada: ANATEL. Assim, estabelece regras quanto à exploração,

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organização, fiscalização do funcionamento, comercialização, implantação e gozo dos

serviços de telecomunicações.

Desse modo, a agência citada possui quatro funções básicas, de acordo com o art. 19 da

LGT:

a) Organizar e regulamentar, através da edição de normas gerais e abstratas, o setor da

telefonia;

b) Conceder, permitir e autorizar os serviços de telecomunicações, bem como outorgar

o direito de uso da radiofreqüência e da órbita espacial utilizada por satélite;

c) Fiscalizar a prestação dos serviços de telecomunicação tanto do regime de Direito

Público quanto do Direito Privado;

d) Resolver os conflitos entre as prestadoras ou entre elas e os usuários.

Todavia, uma parte da doutrina sustenta que o fato de a ANATEL editar normas violaria

o princípio da legalidade. Não merece prosperar tal argumentação, tendo em vista que a

Administração Pública Indireta surbodina-se a esse princípio, conforme o art. 37, caput, da

CF/88. Além do mais, tanto o art. 19, caput, como o art. 38, ambos da LGT, mencionam a

observância a tal princípio pela ANATEL no exercício de suas atividades.

Segundo Benedicto Porto Neto: “Toda a atuação da ANATEL é controlada, disciplinada

e limitada pela lei, de modo que não se pode dizer, pelo menos no caso específico da

ANATEL, que haja violação ao princípio da legalidade”.26 (grifos do autor)

Outra corrente doutrinária afirma que esta autarquia estaria invadindo a competência do

Presidente da República, presente no art. 84, IV, da CF/88, ao utilizar o poder normativo dela.

A nosso ver, não há inconstitucionalidade alguma, pois somente quando não houver previsão

legal é que a competência para editar decretos regulamentando leis será exclusiva do

Presidente. Em outras palavras, é possível atribuir a outro ente (ANATEL, por exemplo),

através de lei, a competência de complementar uma norma.

A LGT também conferiu à ANATEL a competência de regulamentar acerca da própria

licitação e de contratações, bem como cabe à Agência restringir o acesso de grupos 26 PORTO NETO, Benedicto. A Regulação e o Direito das Telecomunicações. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002, p.291.

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empresariais do setor das telecomunicações que possa prejudicar a livre, ampla e justa

competição. Nesse diapasão, Lehfeld declara:

Ao Poder Público, por meio da Anatel, cabe de modo geral garantir à população a universalização dos serviços de telecomunicações, por meio da facilidade no acesso aos serviços, estimulando a expansão e utilização do sistema nacional de telecomunicações e exigindo dos agentes desse mercado modicidade tarifária. Ademais, também objetiva, mediante marcos fiscalizatórios e regulamentares bem estruturados, promover a concorrência e a diversidade de serviços, a fim de possibilitar melhores ofertas, bem como padrões de qualidade compatíveis com as necessidades dos usuários.27

Conforme art. 7º da LGT, normas pertinentes à proteção da ordem econômica podem

ser aplicadas ao setor regulado pela ANATEL, somente se não afetarem os preceitos legais

dispostos pela Lei Geral de Telecomunicações.

A prestação dos serviços em regime Público se dá por meio de contrato de prazo

determinado, no qual a empresa se sujeita aos riscos do empreendimento, mantendo-se através

das tarifas cobradas dos usuários ou outras formas de receita. Assim, esses empreendedores

são responsáveis pelos prejuízos causados. Ressaltemos que a concessão não é exclusiva, já

que o Plano Geral de Outorgas (aprovado pelo Decreto nº 2.534, de 02-04-1998) prevê a

distribuição do número de empresa para cada região.

A exploração de serviços em regime privado depende de autorização prévia da

ANATEL, sendo que ela pode definir quais os casos que independem de autorização. Neste

caso, a relação jurídica termina com a cassação, caducidade, decaimento, renúncia ou

anulação. Os requisitos subjetivos necessários para se obter o instrumento autorizatário estão

dispostos no art. 133 da LGT.

A ANATEL gerencia as telecomunicações do Brasil, ou seja, regula o conjunto de

atividades que proporciona a comunicação à distância, por meio de telegrafia, telefonia,

satélites ou microondas, conforme art. 60 da LGT.

Há diversas modalidades para esse tipo de serviço, sendo que para cada uma delas há

previsão de norma que a regule. Os serviços de telefonia fixa, de comunicação multimídia e

móvel, de radiodifusão, de rádio cidadão, de TV por assinatura, de radioamador, de satélite,

de serviço limitado, dentre outros, fazem parte desse cerne.

27 LEHFELD, Lucas de Souza. Anatel e as Novas Tendências na Regulamentação da Telecomunicações no Brasil. In: MORAES, Alexandre de (Org.). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 75.

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A LGT classifica os serviços em de interesse restrito e de interesse coletivo. Aqueles só

podem ser prestados no regime privado, os demais podem ser utilizados em regime público,

privado ou em ambos os regimes (art. 65 e 67). Isto se deve ao fato desses últimos serem

usufruídos por uma grande parcela da coletividade.

Cada um dessas modalidades tem que cumprir os regulamentos técnicos específicos

pertinentes a cada uma delas, bem como seguir os preceitos gerais da LGT, porque, caso não

o faça, possivelmente incorrerá em infração administrativa. Destarte, Justen Filho enuncia:

“Sob certo ângulo, a regulação consiste na utilização permamente, racional e intensificada das

competências do poder de polícia”.28

Desse modo, possivelmente será necessária a aplicação das sanções previstas no Título

IV da Lei Geral de Telecomunicações. Tal evento seria nada mais do que a aplicação da

incumbência fiscalizatória da Agência ou, em outros termos, seria a concretização do poder de

polícia da ANATEL.

28 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 452.

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3 PODER DE POLÍCIA DA AGÊNCIA NACIONAL DE

TELECOMUNICAÇÕES

A expressão poder de polícia nos remete à época do feudalismo, em que o príncipe

designava as medidas necessárias para alcançar a ordem social. Esse poder da realeza era

chamado de jus politae e essa fase ficou conhecida como Estado de Polícia.

Posteriormente, o Estado de Direito limitou a liberdade do príncipe em expedir normas

à necessária concordância com as leis vigentes daquele momento, sendo assim o princípio

básico desse período foi o da legalidade. Já no Estado Liberal, há a figura intervencionista do

Estado tanto na ordem econômica como social, além da atuação no âmbito da segurança, que

era utilizada anteriormente.

Numa visão clássica, é inconcebível a noção de Estado sem a existência de um controle

das ações dos cidadãos, tendo em vista que tal fato causaria o caos. Assim, o interesse do

indivíduo tem de se submeter ao da coletividade, pois o controle de comportamentos privados

seria um pré-requisito para a obtenção da paz social. Portanto, é possível falar em poder de

polícia no momento em que a Poder Público – visando ao bem comum – restringe ou interfere

no âmbito dos direitos individuais.

Destarte, o princípio da supremacia do interesse público fundamenta o poder de polícia;

porque, através de uma posição de supremacia em relação aos administrados, a Administração

assume diversas condutas, visando ao bem comum.

Cabe salientar que existe uma corrente doutrinária que condena a utilização do termo

poder de polícia. Inclusive, na Europa, em geral, o tema é tratado sob a expressão “limitações

administrativas à liberdade e à propriedade”. Todavia, essa terminologia tão combatida é

largamente utilizada, portanto usaremos a titulação – poder de polícia – neste trabalho

monográfico.

3.1 Conceito de poder de polícia

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Primeiramente, faz-se necessário esclarecer que o poder de polícia comporta dois

sentidos: o amplo e o restrito. No tocante ao primeiro, poder de polícia abrange os atos do

Poder Legislativo e do Executivo no sentido de restringir a liberdade e a propriedade

individuais para ajustá-las aos interesses coletivos. Quanto ao segundo, se traduz nos

condicionamentos gerais, abstratos, concretos e/ou específicos do Poder Executivo com o

intuito de impedir atitudes particulares que afetem o bem-estar da coletividade. Este último

recebe a denominação de polícia administrativa.

Nesse sentido, Meirelles conceitua: “Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a

Administração Pública para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e

direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.29

Há previsão, no nosso ordenamento jurídico, desse instituto tanto na Carta Magna

brasileira como nas leis infraconstitucionais, como pode ser percebido no art. 145, II30, da

CF/88 e o art. 7831 do Código Tributário Nacional – CTN (Lei nº 5.172, de 25-10-1966).

Observemos, então, que é permitido ao Poder Público instituir taxas motivadas no

exercício do poder de polícia. Além dos artigos citados, o art. 77 do CTN também fundamenta

este instituto. Destacamos, entretanto, que a tarifa ou preço público não é aplicável, nesses

casos, porque se trata de uma cobrança administrativa cabível quando não envolver atos de

polícia, bem como o serviço público não for divisível e específico.

Ademais, o requisito necessário para ser considerada legítima a cobrança dessa taxa é

que a entidade administrativa exerça efetivamente o poder de polícia. Assim, este seria o fato

gerador desse tributo.

O poder de polícia abrange competências legislativas e administrativas. Nas matérias de

interesse nacional, a competência é da União; nas de interesse regional, fica-se submetido à

regulamentação e policiamento estadual; e assuntos de interesse local são da alçada do

município. 29 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 129. 30 “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. (grifos nossos) 31 “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”. (grifos nossos)

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Destarte, a Constituição Federal fixa a base do poder de regulamentação das pessoas

federativas, sendo consideradas inválidas as ações de policiamento realizadas por agentes não

dotados da devida competência, bem como ilegítima a atividade de poder de polícia sem o

amparo constitucional.

Os doutrinadores especialistas no assunto afirmam que o poder de polícia pode incidir

sobre dois segmentos de atuação estatal: na administrativa e na judiciária.. A principal

distinção entre a polícia administrativa e a polícia judiciária é que a primeira tem caráter

preventivo, enquanto que a última possui caráter repressivo.

Não obstante, ambas são atividades administrativas, sendo que a polícia administrativa é

executada por órgãos administrativos essencialmente fiscalizadores, ao passo que a polícia

judiciária o é por órgãos de segurança, devido sua atuação estar ligada à atuação da função

jurisdicional penal.

Outra desigualdade é que enquanto a polícia administrativa incide – em geral – sobre

atividades, a polícia judiciária preocupa-se com o indivíduo em si, ou seja, se atém ao

responsável pela incidência de ilícito penal.

O campo de incidência do poder de polícia é muito amplo, englobando desde a proteção

à moral e aos bons costumes até a segurança nacional. Constatamos, então, que esse poder

está presente em qualquer atividade que contemple a presença de indivíduo, portanto, não há

direito individual absoluto, pois este resta subordinado ao interesse coletivo.

Apesar desse instituto ter como finalidade a proteção dos interesses coletivos (em

sentido amplo), sua limitação é demarcada pela conciliação entre estes e os direitos

fundamentais dos indivíduos, previstos principalmente no art. 5º da CF/88. Busca-se, por

conseguinte, o equilíbrio entre o interesse social e a fruição dos direitos pertencentes a cada

um. Enfim, a lei e o princípio da proporcionalidade são responsáveis por limitar o poder de

polícia.

Nesses termos, passemos, então, a observar alguns dos traços característicos do poder

de polícia.

3.2 Características do poder de polícia

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É comum assinalar como atributos inerentes ao poder de polícia a discricionariedade, a

auto-executoriedade e a coercibilidade.

A discricionariedade significa a liberdade de escolha do Poder Público sobre o melhor

momento para agir e de aplicar a sanção cabível (em conformidade com a lei ou

regulamentação específica) nos casos concretos. Desse modo, Hely Lopes Meirelles enuncia:

A discricionariedade, como já vimos, traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Neste particular, e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima.32

Além de discricionário, que é o atributo encontrado na maioria dos casos, o poder de

polícia pode ser vinculado. Ele passa a ser vinculado quando a autoridade administrativa só

pode adotar a solução previamente determinada na legislação pertinente, sendo estabelecido

por ela a forma e o modo de realização do ato de polícia para que este seja considerado válido.

Um exemplo do poder de polícia discricionário é a autorização para o porte de arma de

fogo, porque a lei permite que a autoridade administrativa analise o caso concreto e decida

acerca da concessão ou não da autorização. Como exemplo de poder de polícia vinculado,

podemos citar a licença para dirigir automóveis, em razão de a lei impor os requisitos

necessários para o Poder Público dar a devida permissão. Sem o preenchimento destas

premissas a Administração não pode conceder a licença.

Ressaltemos que a arbitrariedade é diferente da discricionariedade. Arbitrariedade

significa agir sem previsão legal – fora da lei – com abuso ou desvio de poder, sendo os atos

arbitrários nulos, devido à invalidade e ilegitimidade do mesmo. Já discricionariedade diz

respeito à liberdade de agir na esteira da licitude, portanto, neste caso, os atos seriam

legítimos e válidos.

Quando a Administração Pública utiliza a sua faculdade de escolher e aplicar – pelos

próprios meios – atos decisórios sem a intervenção do Poder Judiciário, vê-se configurado a

qualidade de auto-executoriedade do poder de polícia.

32 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 134.

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Uma parte da doutrina defende que este conceito é formado por outros dois: o da

exigibilidade e o da executoriedade. O primeiro se traduz no fato de os atos administrativos

decisórios serem tomados sem a necessidade de prévia análise do Poder Judiciário, bem como

seria dispensável a concordância do administrado; caso este queira se opor, teria que propor a

ação judicial correspondente. O segundo significa que a decisão administrativa pode ser

executada diretamente pelo Poder Público; conforme for o caso, a Administração pode usar a

força pública para impor o cumprimento da decisão. Destarte, a exigibilidade se valeria dos

meios indiretos de coação (por exemplo: multa), enquanto que a executoriedade usaria os

meios diretos, como a apreensão de equipamentos, por exemplo.

Independente do entendimento doutrinário acerca dessa divisão, a auto-executoriedade

só pode ser aplicada se houver previsão legal para que o administrador pratique o ato

imediatamente ou quando for inevitável a adoção de uma medida urgente, tendo em vista a

possível ocorrência de um dano maior para a coletividade. Segundo Di Pietro:

No primeiro caso, a medida deve ser adotada em consonância com o procedimento legal, assegurando-se ao interessado o direito de defesa, agora previsto expressamente no artigo 5º, inciso IV, da Constituição. No segundo caso, a própria urgência da medida dispensa a observância de procedimento especial, o que não autoriza a Administração a agir arbitrariamente ou a exceder-se no emprego da força, sob pena de responder civilmente o Estado pelos danos causados (cf. art. 37, § 6º, da Constituição), sem prejuízo da responsabilidade criminal, civil e administrativa dos servidores envolvidos.33

Mesmo que não se trate de caso de urgência ou não haja previsão legal, o ato de

polícia pode ser realizado, desde que a adoção de tal medida seja imprescindível e a

Administração Pública tenha previamente recorrido ao Poder Judiciário para agir de tal modo.

Conectada a qualidade de auto-executoriedade está a de coercibilidade. Isto porque o

ato de polícia só é considerado auto-executório se dotado de força coercitiva. Em outros

termos, o particular não possui a liberdade para escolher se cumpre ou não os atos

caracterizados como de polícia, uma vez que essas medidas são obrigatórias para o

destinatário. Assim, o Poder Público admite a coerção estatal com o intuito de tornar efetivos

esses atos, sem a necessidade de autorização judicial.

Contudo, essa coercibilidade dos atos de polícia não sustenta o emprego de violência

desnecessária ou desproporcional à resistência do administrado pelos agentes públicos na

aplicação da penalidade administrativa. Caso isto ocorra, é possível ser configurado abuso ou

33 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2004, p. 114-115.

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desvio de poder, o que anularia o ato administrativo, e ainda ensejar ação civil de reparação

do dano e/ou processo criminal para a punição dos culpados.

A sanção ou penalidade administrativa pode ser considerada a manifestação do poder de

polícia. Essa sanção é resultado de um procedimento administrativo que apurou a realização

de infração administrativa por parte do administrado, sendo aplicada na proporção do dano

causado à coletividade ou ao Estado, desde que haja previsão legal para tanto. Não é

necessário que a conduta individual seja caracterizada como crime, basta que ela traga

inconveniência ou nocividade à sociedade, conforme disposições legais prévias.

Vale destacar que é a própria Administração Pública a responsável pela apuração da

infração e conseqüente execução da sanção. Sobre o assunto, Celso Antônio Bandeira de

Mello afirma: “Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma

administrativa para a qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade no

exercício de função administrativa – ainda que necessariamente aplicada nesta esfera”.34

(grifos do autor)

Mais adiante, o mesmo autor coaduna ao tema a seguinte informação: “Sanção

administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma

infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração”.35 (grifos do

autor)

Contudo, nos casos em que a penalidade não for espontaneamente atendida pelo

administrado, é cabível ao Poder Público recorrer à via judicial para obter a concreta

efetivação da sanção.

Hodiernamente, estudiosos têm feito uma distinção entre sanções e medidas de polícia.

Enquanto que as primeiras seriam a efetiva aplicação da punição àquele que infringiu a norma

administrativa (exemplo: advertência), as demais tratariam das providências administrativas

indiretas causadas pela ocorrência de uma infração ou, então, pelos riscos advindos desta (por

exemplo: recolhimento da carteira de habilitação).

34 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 797. 35 Ibid., p. 798.

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Existem diversos tipos de sanções. Dentre esses, podemos destacar: a advertência, as

sanções pecuniárias, a interdição de local ou estabelecimento, a inabilitação temporária para

certa atividade, a extinção da relação jurídica mantida com o Poder Público, e a apreensão ou

destruição de bens.

As penalidades administrativas têm de ser executadas observando o devido processo

legal, com a finalidade de garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório do acusado.

Dessa forma, no âmbito federal, devem ser respeitadas as previsões dispostas na Lei nº 9.873,

de 23-11-1999, no que diz respeito aos prazos prescricionais.

Conforme essa lei, o processo administrativo prescreve em cinco anos contados da data

do ato ou do dia em que a infração (permanente ou continuada) tiver cessado. Caso o fato

constitua crime, a prescrição será a da legislação penal.

Quando o processo administrativo está paralisado por mais de três anos, em virtude de

ausência de despacho ou julgamento da autoridade competente, também há prescrição. Neste

caso, é chamada de prescrição intercorrente. Para que essa não ocorra, é necessário que haja a

sua interrupção através dos eventos dispostos no art. 2º, I ao III36, da Lei nº 9.873/99, ou,

então, que o prazo seja suspenso, conforme disposição do art. 3º37 da mesma lei.

Vale salientar que essa lei não pode ser aplicada aos processos administrativos

funcionais (infrações praticadas por servidores públicos) nem os de natureza tributária, de

acordo com o art. 5º da mesma.

Destacamos que tanto pessoas jurídicas de Direito Privado ou Público como físicas

podem ser consideradas infratoras, por conseguinte, sendo-lhes cabível a aplicação da devida

penalidade administrativa. Destarte, eis as hipóteses que excluem a infração ou sanção: força

maior, caso fortuito, estado de necessidade, legítima defesa, doença mental, culpa de terceiro,

coação irresistível, erro, obediência hierárquica, estrito cumprimento do dever legal e regular

exercício de direito.

36 “Interrompe-se a prescrição: pela citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; pela decisão condenatória recorrível”. 37 “Suspende-se a prescrição durante a vigência: dos compromissos de cessação ou de desempenho, respectivamente, previstos nos arts. 53 e 58 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994; do termo de compromisso de que trata o § 5º do art. 11 da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, com a redação dada pela Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997”.

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Em resumo, o que se pretende com tudo isso é intimidar os possíveis infratores a não

praticarem os comportamentos censurados pelo Poder Público e previstos em lei ou

regulamento específico. Nesse sentido, anseia-se também induzir o administrado a agir em

conformidade com as regras impostas. Assim, aquele que sofreu a sanção servirá de exemplo

para os demais e será, em princípio, desestimulado a reincidir em condutas proibidas.

Diante dessas notas esclarecedoras, analisemos o Poder de Polícia da ANATEL.

3.3 Poder de polícia da Agência Nacional de Telecomunicações

A Lei Geral de Telecomunicações (LGT – Lei nº 9.472/97) criou a Agência Nacional de

Telecomunicações – ANATEL – que tem como uma das atribuições fiscalizar a prestação de

serviços relativos ao setor das telecomunicações. Por conseguinte, este órgão é responsável

também pela execução de sanções administrativas, neste âmbito, quando necessário for.

Ressaltemos a característica pertencente à ANATEL de especificar quais seriam as

infrações administrativas do campo por ela tutelado, bem como o atributo de puní-las, uma

vez que as telecomunicações estão presentes no dia-a-dia da população e vêm se

desenvolvendo a largos passos. Além do que, esse setor abrange serviços econômicos de

interesse geral, o que facilmente poderia produzir efeitos nocivos à coletividade, se não

houver o devido controle das empresas concessionárias.

Conferir independência administrativa, autonomia financeira, mandato fixo e

estabilidade aos dirigentes, e poder regulamentar a esta agência são maneiras de se tentar

tornar eficaz o poder de polícia da ANATEL. Ademais, isto atribui à coletividade o direito de

exigir medidas céleres, imparciais, técnicas e eficientes em prol do bem-estar comum, no que

diz respeito a esse setor.

3.3.1 Dever sancionador da ANATEL

Conforme o que foi exposto anteriormente, essa entidade autárquica cumpre o papel de

controladora das telecomunicações e administradora do espectro de radiofreqüência, o qual é

utilizado na radiodifusão. É oportuno comentar que cabe à União delegar este serviço ao

particular.

Esclarecendo, em linhas gerais, o que seria espectro de radiofreqüência: podemos

afirmar que este é basicamente a freqüência utilizada pelas rádios para veicular sua

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programação (por exemplo: 94,7 MHz). Entretanto, esse espectro não é exclusividade das

rádios, ele pode auxiliar a navegação aérea, a comunicação telefônica, os radares, os satélites

artificiais, os estudos científicos, dentre outros. Isto porque ele pode ser dividido em várias

faixas, sendo usado nos mais diversos aparelhos, tais como: controle remoto, microfone sem

fio, aparelhos de exames médicos etc.

Uma vez que o art. 21, XI, da Constituição remete à legislação infraconstitucional a

matéria das telecomunicações, a LGT dispõe extensivamente sobre a reorganização do

modelo econômico de exploração de tais serviços (regime público de concessão e privado de

autorização etc), assim como prevê o poder de polícia para esta agência reguladora. Senão,

vejamos, o art. 19 dessa lei:

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

[...] VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções; [...] XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções; [...] XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários; (grifos nossos)

As sanções aplicáveis, no âmbito das telecomunicações, são: advertência, multa,

suspensão temporária, caducidade e declaração de inidoneidade, todos dispostos no art. 173

da LGT. Salientamos que a aplicação de qualquer uma dessas medidas não impede que seja

proposto processo de natureza cível ou criminal.

Existem também regras peculiares a cada tipo de serviço regulado pela ANATEL que

devem ser cumpridas, entretanto – na configuração de infrações – as penalidades são as

mesmas previstas no artigo supracitado. Isto não significa que a ANATEL está

impossibilitada de aplicar medidas acautelatórias que visem à prevenção de graves prejuízos à

sociedade (art. 175, parágrafo único38, da LGT e art. 4539, da Lei nº 9.784, de 29-01-1999),

como, por exemplo, a medida de lacração de equipamentos.

Quanto à realização de processo administrativo, o qual assegura o direito de ampla

defesa e de contraditório das prestadoras infratoras (art. 175, caput, da LGT); o mesmo está 38 “Apenas medidas cautelares urgentes poderão ser tomadas antes da defesa”. 39 “Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”.

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previsto no art. 71, caput, do Regimento Interno da ANATEL (Resolução nº 270, 19-07-

2001). Para ilustrar:

Art. 71. As atividades de instrução processual destinadas a averiguar o descumprimento de obrigações por parte das prestadoras dos serviços, objetivando a tomada de decisão, pela autoridade competente, realizam-se de ofício ou a requerimento de terceiros, mediante denúncia.

Percebemos, pois, que o poder de polícia desse órgão regulador está devidamente

amparado pela legislação, seja ela constitucional ou infraconstitucional.

De maneira geral, a LGT coíbe condutas prejudiciais à livre concorrência, à liberdade

de iniciativa entre as prestadoras e aos direitos do consumidor, de modo a promover uma

competição justa, ampla e livre entre as operadoras, tanto no regime público como no privado,

assim como a impedir práticas abusivas destinadas aos usuários dos serviços. Enfim, busca-se

atender ao interesse social.

3.3.2 Controvérsias acerca do poder de polícia da ANATEL

Há correntes doutrinárias que defendem que a atividade policial da ANATEL representa

uma nova forma de poder de polícia, em razão de visar proteger a livre concorrência e

iniciativa. Todavia, isto não tem cabimento, pois a finalidade precípua desse instituto continua

sendo a mesma: proteger o interesse público. Ademais, o policiamento por ela exercido possui

as características apontadas anteriormente, mais especificamente no item 3.2.

Outra discussão sobre esse tema surgiu com a decisão do governo atual – Luiz Inácio

Lula da Silva – de conferir à ministra da Casa Civil (Dilma Rouseff) a coordenação da relação

entre os ministérios e as respectivas agências reguladoras. Isto porque se argumenta que tal

fato feriria a independência dada às agências.

Não somos a favor desse entendimento, uma vez que o Ministério da Casa Civil (ente

político) não estaria interferindo direta ou indiretamente no poder conferido às agências de

apurar possíveis infrações e aplicar as sanções correspondentes. Explicando de outra maneira:

o ente político em questão não está se intrometendo na função principal das agências

reguladoras (controle ou fiscalização), pois apenas a figura de uma ministra estará facilitando

o diálogo entre as partes para o crescimento e desenvolvimento de todos.

Existem diversos outros debates sobre a questão aqui apresentada. Todavia, a grande

polêmica sobre o poder de polícia da ANATEL que este trabalho monográfico se propõe a

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discutir é o que envolve a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADIn) nº 1668/98, proposta por diversos partidos políticos.

O julgamento citado tratou de suprimir liminarmente o poder cautelar de busca e

apreensão da ANATEL (previsto no art. 19, XV40, da LGT), acarretando a necessidade de a

agência recorrer ao Poder Judiciário para obter tal medida.

A radiodifusão, subdivisão das telecomunicações, é campo mais afetado com essa

liminar do STF; porque, em casos de rádios clandestinas, que normalmente interferem noutras

freqüências de comunicação, resta – em princípio – aos fiscais da ANATEL somente autuá-

las na infração de uso indevido do espectro (art. 163 da LGT) e adotar a medida de lacre, na

tentativa, principalmente, de proteger os cidadãos das circunvizinhanças.

Ocorre que, com a popularização das Rádios Comunitárias, ocorrida após o advento da

Lei nº 9.612, de 19-02-1998 (norma que instituiu o Serviço de Radiodifusão Comunitária no

Brasil) muitos grupos, às vezes com nítidos interesses comerciais, começaram a criar

associações e a instalar suas próprias rádios em completo desrespeito à lei e às normas

técnicas existentes.

Tais entidades normalmente se mascaram com o rótulo de rádios comunitárias e

utilizam indevidamente o espectro de radiofreqüência (bem público finito) através de rádios

que não detêm autorização estatal para funcionar (clandestinas). Desse modo, elas competem

com as rádios devidamente autorizadas a funcionar, poluem severamente o espectro

radioelétrico e dificultam a operação de diversos outros serviços de comunicação prioritários,

inclusive os de segurança pública, bem como os de comunicação e navegação aérea. Em

suma, provocam sérios riscos à coletividade.

No caso da navegação aérea, as interferências causadas por essas rádios agravam o atual

quadro de crise do setor de transportes aéreos brasileiro. Isto acarreta mais perigo, prejuízo e

inconveniência para a população brasileira. Senão, vejamos alguns trechos da reportagem

veiculada pela emissora de TV, Rede Globo, em 08 de maio de 2007:

Quando as freqüências alternativas também estão ocupadas pelas rádios pirata os controladores precisam aumentar o tempo entre os vôos, provocando

40 “À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competência”.

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atrasos nas partidas e chegadas. E, pelo menos duas vezes por semana, as decolagens chegam a ser suspensas por até dez minutos para que seja possível restabelecer a comunicação. Há um ano o serviço de proteção ao vôo de São Paulo registrava 32 interferências por mês. Hoje são 65. Um problema que atinge justamente o área com maior tráfego aéreo do país. “Os controladores aqui, os supervisores têm experiência de sobra para conduzir essa situação, da mesma forma os pilotos são treinados e obedecem ordens. Mas a segurança fica afetada. É uma operação, digamos, marginal, fora do normal”, diz o Coronel Carlos Minelli de Sá, chefe do serviço regional de proteção ao vôo de São Paulo. A Anatel, Agência Nacional de Telecomunicações, informou que faz diariamente o monitoramento das rádios pirata, mas que não consegue impedir a atuação de todas elas. 41 (grifos nossos)

Sabemos que tal situação é passível de repreensão por parte do Poder Público,

especificamente por seu órgão regulador e fiscalizador (ANATEL). Esta entidade autárquica –

em exercício do seu regular poder de polícia – vem agindo no sentido de impedir o

funcionamento dessas emissoras, autuando, lacrando os equipamentos e aplicando

penalidades administrativas, sempre na tentativa de evitar o uso ilegal da radiofreqüência.

Contudo, o problema se instala na medida em que as rádios clandestinas, vislumbrando

um meio fácil de evitar a interrupção das suas atividades, dificultam a ação dos fiscais desse

órgão regulador de diversas formas. Dentre os meios mais usados, as entidades escondem os

seus equipamentos, recusam-se a prestar informações, simulam a desativação das emissoras e

violam os lacres administrativos, motivos pelos quais as medidas adotadas pela agência não

têm surtido o efeito desejado, qual seja, barrar o funcionamento do uso clandestino do

espectro de radiofreqüência.

Salientemos que o simples lacre é de pouca valia se não for cumulado com uma ação

mais robusta do Poder Público em fazer cessar a atividade ilegal, tendo em conta o grande

risco que dela pode resultar.

Portanto, caso a previsão legal da LGT estivesse em vigor, seria a solução dos

problemas que a ANATEL vem enfrentando. Entretanto, uma vez suspensa pela ADIn

supracitada, não há como a Agência lançar mão extrajudicialmente de tal medida cautelar à

primeira vista.

Todavia, a Lei nº 10.871, de 20-05-2004, renova as expectativas de se ter um

policiamento eficiente por parte da ANATEL, bem como traz novas discussões acerca do

41 TURCI, Fábio. Mais um perigo nos céus. Disponível em: <http://jornalhoje.globo.com/JHoje/0,19125,VJS0-3076-20070508-280119,00.html>. Acesso em: 09 maio 2007.

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assunto polêmico da possibilidade de busca e apreensão a ser realizada por este ente

regulador. Destarte, observemos o que enuncia o parágrafo único do art. 3º dessa lei:

Art. 3º São atribuições comuns dos cargos referidos nos incisos I a XVI, XIX e XX do art. 1º desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 11.292, de 2006): [...] Parágrafo único. No exercício das atribuições de natureza fiscal ou decorrentes do poder de polícia, são asseguradas aos ocupantes dos cargos referidos nos incisos I a XVI, XIX e XX do art. 1º desta Lei as prerrogativas de promover a interdição de estabelecimentos, instalações ou equipamentos, assim como a apreensão de bens ou produtos, e de requisitar, quando necessário, o auxílio de força policial federal ou estadual, em caso de desacato ou embaraço ao exercício de suas funções. (Redação dada pela Lei nº 11.292, de 2006)42

Portanto, vejamos que o art. 1º, I, da Lei nº 10.871/04, enquadra os cargos que formam

o setor de fiscalização da ANATEL:

Art. 1º Ficam criados, para exercício exclusivo nas autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras, referidas no Anexo I desta Lei, e observados os respectivos quantitativos, os cargos que compõem as carreiras de: I - Regulação e Fiscalização de Serviços Públicos de Telecomunicações, composta de cargos de nível superior de Especialista em Regulação de Serviços Públicos de Telecomunicações, com atribuições voltadas às atividades especializadas de regulação, inspeção, fiscalização e controle da prestação de serviços públicos e de exploração de mercados nas áreas de telecomunicações, bem como à implementação de políticas e à realização de estudos e pesquisas respectivos a essas atividades; (grifos nossos)

Em princípio, diante da deliberação do STF, poderíamos supor que tal decisão obrigaria

o legislador a não fazer mais leis que autorizassem a ANATEL a realizar busca e apreensão.

Contudo, é firme o entendimento do próprio STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de

que o resultado da decisão do primeiro em controle concentrado de constitucionalidade não

vincula o legislador. Nesse sentido, há o seguinte julgado:

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei estadual. Tributo. Taxa de segurança pública. Uso potencial do serviço de extinção de incêndio. Atividade que só pode sustentada pelos impostos. Liminar concedida pelo STF. Edição de lei posterior, de outro Estado, com idêntico conteúdo normativo. Ofensa à autoridade da decisão do STF. Não caracterização. Função legislativa que não é alcançada pela eficácia erga omnes, nem pelo efeito vinculante da decisão cautelar na ação direta. Reclamação indeferida liminarmente. Agravo regimental improvido. Inteligência do art. 102, § 2º, da CF, e do art. 28, § único, da Lei federal nº 9.868/99. A eficácia geral e o efeito vinculante de decisão, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, só atingem os demais órgãos do Poder Judiciário e todos os do Poder Executivo, não alcançando o

42 BRASIL. Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004. Dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 21 de maio de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.871.htm>. Acesso em: 10 maio 2007.

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legislador, que pode editar nova lei com idêntico conteúdo normativo, sem ofender a autoridade daquela decisão. (STF. Rcl-AgR nº 2617/MG. DJ de 20 maio 2005, p. 07). (grifos nossos)

Assim, seria necessária uma nova ADIn para afastar a presunção de

constitucionalidade e a aplicabilidade do parágrafo único do artigo supracitado. Em outros

termos, juridicamente, poderia sim a ANATEL, por meio dos novos servidores concursados

enquadrados nos cargos referidos na lei retromencionada realizar a apreensão dos bens.

Convém registrar que a apreensão deverá ser realizada observando outras restrições: o

princípio da proporcionalidade, previsto expressamente no art. 2º da Lei nº 9.784/99, e a

inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, da CF/88).

Quanto ao primeiro limite, inferimos que a apreensão só é cabível quando o

equipamento que está sendo utilizado irregularmente expõe a coletividade a iminentes riscos,

sendo, assim, uma ação de controle proporcional à infração.

No tocante à segunda restrição, se o equipamento está alocado em lugar que não é

domicílio, pode-se apreender, o que dificilmente acontece no caso das rádios clandestinas. Já

se o equipamento está acondicionado em lugar equivalente a domicílio é possível, com o

consentimento do infrator, entrar e apreender os equipamentos. Todavia, sem a anuência dele,

cabe apreender somente por ordem judicial.

Vale ressaltar que quando houver crime em flagrante, o fiscal da ANATEL poderia

entrar no recinto sem ordem judicial. Caso a fiscalização queira ou necessite – devido às

circunstâncias in loco – pode ainda requisitar força policial para cumprir a medida

conveniente.

Contudo, resta uma dúvida: os agentes da fiscalização da ANATEL podem realizar a

busca em si antes de apreender?

Acreditamos que, como a competência não pode ser implícita, porque decorre

expressamente da lei (princípio da legalidade), o correto seria não realizar a busca, deixando-a

a cargo da polícia federal ou estadual, conforme for o caso. Ou seja, os fiscais podem

apreender os equipamentos ali constatados; porém estão impedidos de procurar aparelhagem

escondida e, então, efetuar a apreensão da mesma.

O certo é que, diante dos constantes avanços tecnológicos, já é possível notar uma

eficácia parcial do poder de polícia da ANATEL, uma vez que a maioria dos fiscais da

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agência não possui, legal e materialmente, poder de intimidação para com as prestadoras, bem

como os mecanismos de repreensão, muitas vezes, demoram a serem aplicados; criando,

então, um sentimento de impunidade. Isto se deve ao fato de a maioria dos agentes de

fiscalização desse órgão regulador não serem concursados, devido à convocação dos

aprovados nos concursos públicos recentemente realizados, para o provimento desses cargos,

estarem sendo gradativamente (leia-se: morosamente) empossados.

Por conseguinte, apesar desses possíveis benefícios ao exercício do poder de polícia da

ANATEL trazidos pela Lei nº 10.871/04, percebemos que ainda resta muito frágil o amparo

legal dado para a realização de um controle eficiente da prestação dos serviços de

telecomunicação, notadamente no que diz respeito às rádios clandestinas. Ora, todos esses

entraves impedem que a agência reguladora em questão aja com eficiência e celeridade no

intuito de proteger a coletividade de um perigo iminente ou, até mesmo, concretizado.

Dessa forma, constatamos a imprescindibilidade de o ordenamento jurídico pátrio

amparar o pleno exercício do poder de polícia da ANATEL, permitindo, assim, que

principalmente os fiscais da agência atuem de maneira independente, célere, imparcial e

eficaz, respeitando – obviamente – os direitos individuais, sem esquecer-se de proteger o

bem-estar comum.

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CONCLUSÃO

O escopo deste trabalho foi mostrar que o poder de polícia exercido pela Agência

Nacional de Telecomunicações (ANATEL) não é completamente efetivo, uma vez que não

possui sustentáculo de meios, tanto legais como materiais, adequados e suficientes para o

exercício dessa fiscalização – notadamente no que diz respeito às rádios piratas.

De fato, influenciado pela globalização e seguindo uma tendência neoliberalista, o

governo de Fernando Henrique Cardoso implantou no Brasil as privatizações das entidades

estatais responsáveis pela execução de serviços públicos potencialmente competitivos. Surgia,

assim, o modelo regulatório brasileiro.

Essa reforma do aparelho estatal também incluiu o controle da prestação dos serviços

privatizados no sentido de impedir comportamentos abusivos dos particulares aos usuários.

Desse modo, foram criados órgãos reguladores para cada atividade que foi repassada ao setor

privado. Esses órgãos receberam a denominação de agências reguladoras.

No tocante ao setor de telecomunicações, a Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de

Telecomunicações – LGT) instituiu a ANATEL. Esta, pois, ficou responsável pela delegação

e fiscalização dos serviços de telecomunicação, bem como pela distribuição dos canais

necessários ao funcionamento da radiodifusão (espectro radioelétrico).

De modo geral, no exercício do seu poder de polícia a ANATEL reprime condutas

nocivas aos direitos do consumidor, à livre-iniciativa e à livre-concorrência, cuidando de

conseguir atender ao interesse social. Nesse cenário, as sanções aplicáveis são a advertência,

multa, suspensão temporária, caducidade e declaração de inidoneidade. Sendo que é possível

também a esta agência aplicar medidas acautelatórias no sentido de resguardar o interesse

coletivo (exemplo: lacre de equipamentos).

Notamos que existem diversos empecilhos para o pleno exercício do poder de polícia da

ANATEL, tais como: o escasso número de agentes aptos às funções fiscalizatórias, o reduzido

número de concursos públicos para o provimento de cargos da agência, a carência de

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aparelhos caros e sofisticados a serem utilizados pelos fiscais, e os obstáculos à fiscalização

realizados pelas prestadoras de serviços.

Além de todos essas dificuldades, há a que consideramos como a pior, que é a

supressão do poder cautelar de busca e apreensão da ANATEL, causada pela decisão liminar

em sede da ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) nº 1668/98. Isto porque esse julgado

tornou frágil e ineficiente o poder de polícia da ANATEL, principalmente no concernente a

medidas preventivas.

Ocorre que, no caso das rádios clandestinas – o principal enfoque desse trabalho

monográfico –, resta aos fiscais apenas autuar os infratores e lacrar os equipamentos.

Contudo, o lacre normalmente é rompido e as emissoras voltam a funcionar, vindo, assim, a

colocar em perigo a coletividade, já que normalmente elas interferem no espectro de

radiofreqüência dos bombeiros, policiais, aeroportos, dentre outros.

Observamos que, apesar de a Lei nº 10.871/04 ter permitido a adoção da apreensão por

parte dos fiscais concursados da ANATEL, o poder de polícia desta encontra-se parcialmente

inefetivo, tendo em vista que a busca não foi contemplada por essa lei. Sendo assim, ainda

existem meios simples de burlar a fiscalização com o objetivo de não ter essa aparelhagem

irregular apreendida. Portanto, basta o infrator esconder os equipamentos para estes não serem

apreendidos, uma vez que os fiscais estão legalmente impedidos de procurá-los.

Nesse diapasão, diante dos constantes avanços tecnológicos, percebemos uma eficácia

parcial do poder de polícia da ANATEL, porque os agentes de fiscalização dessa agência não

possuem, legal e materialmente, poder de intimidação para com as prestadoras. Ademais, os

mecanismos de repreensão (sanções administrativas), muitas vezes, demoram a ser aplicados,

criando, assim, um sentimento de impunidade.

Diante do exposto, inferimos que seria mais adequado aumentar o quadro de agentes

fiscalizadores e conceder uma maior autonomia ao exercício das funções destes, no sentido de

haver mecanismos legais e materiais de coerção, por conseguinte haveria diminuição do

número de processos administrativos e inibição das possíveis infrações administrativas a

porvir.

Destarte, constatamos que a maneira mais adequada de tornar eficaz o policiamento

exercido pela ANATEL é através da criação de uma lei que acolha a realização tanto da

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apreensão como da busca de bens das prestadoras (notadamente equipamentos) pelos fiscais

da ANATEL, pois, assim, inibimos a infração e resguardamos a incolumidade da população

como um todo, principalmente nos casos mais perniciosos como os das rádios piratas.

Concluímos, então, que é imprescindível que o ordenamento jurídico pátrio ampare o

pleno exercício do poder de polícia da ANATEL. Isto porque, desse modo, principalmente

aos fiscais desse órgão regulador, seria possível agir com independência, celeridade,

imparcialidade e eficiência, com a finalidade precípua de proteger a coletividade, mas

respeitando os direitos individuais.