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DOI: 10.4025/4cih.pphuem.052 PODEMOS PENSAR EM TEMPO PRESENTE NO ENSINO DE HISTÓRIA? Ricardo Jeferson da Silva Francisco 1 Regina Célia Alegro 2 Quais são as relações entre o ensino de História e os alunos? E as relações entre esse mesmo ensino e a sociedade? As concepções e respostas dessas perguntas, teoricamente, seguem rumo à construção de uma consciência social e política que se faz necessária aos tempos atuais. Porém, quanto disso é realmente assimilado dentro de uma sala de aula? As sociedades atuais vivem uma inflação de informações. Os indivíduos vivem um constante bombardeio informacional, contudo, poucas informações são assimiladas e transformadas em conhecimento (NORA, 1977 p 45-47). Nesse ponto, a História acaba tendo um papel de vilania, mostrando as vísceras de uma sociedade que, em discurso, diz estar no “auge dos tempos”, mas que demonstra uma fragilidade e uma demência ante a sua coletividade, pois acaba servindo de amparo a um questionamento desse discurso e dessa idéia de uma “sociedade no auge dos tempos”. Sob essa ótica, quais são as conseqüências a serem desenvolvidas em sala de aula? A imagem externa da sociedade ou a interna? Essas são questões que fundamentam o debate da “História do tempo presente”. “(...) a história do tempo presente (...) é a História que vivemos: faz parte das nossas lembranças e de nossas experiências. Ora, vale lembrar que essa história exige igual rigor ou maior do que o estudo de outros períodos: devemos enfatizar a disciplina e a higiene intelectual, as exigências de probidade.” (REMOND, 2006 p. 206) Dentro desse pressuposto, podem-se apontar as necessidades que essa metodologia tende a desenvolver em sala de aula: História e verdade: a verdade é o objetivo do historiador e da sociedade. O historiador, da mesma forma e maneira que a sociedade, nunca o alcançaram ou alcançarão, tendo, porém, uma relação de alcance e proximidade muito grande. Essa relação de alcance e proximidade tem o custo de gerar várias verdades. 3 . “Daí a necessidade de distinguir os níveis de verdade históricos, que comportam maior e menor grau de aproximação e diferentes estágios de certezas, mas nos quais

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Page 1: PODEMOS PENSAR EM TEMPO PRESENTE NO · PDF file... a história do tempo presente (...) ... „a solidariedade do presente e do passado em a verdadeira justificativa da ... “Usos

DOI: 10.4025/4cih.pphuem.052

PODEMOS PENSAR EM TEMPO PRESENTE NO ENSINO DE HISTÓRIA?

Ricardo Jeferson da Silva Francisco1 Regina Célia Alegro2

Quais são as relações entre o ensino de História e os alunos? E as relações entre esse

mesmo ensino e a sociedade? As concepções e respostas dessas perguntas, teoricamente,

seguem rumo à construção de uma consciência social e política que se faz necessária aos

tempos atuais. Porém, quanto disso é realmente assimilado dentro de uma sala de aula?

As sociedades atuais vivem uma inflação de informações. Os indivíduos vivem um

constante bombardeio informacional, contudo, poucas informações são assimiladas e

transformadas em conhecimento (NORA, 1977 p 45-47). Nesse ponto, a História acaba tendo

um papel de vilania, mostrando as vísceras de uma sociedade que, em discurso, diz estar no

“auge dos tempos”, mas que demonstra uma fragilidade e uma demência ante a sua

coletividade, pois acaba servindo de amparo a um questionamento desse discurso e dessa

idéia de uma “sociedade no auge dos tempos”.

Sob essa ótica, quais são as conseqüências a serem desenvolvidas em sala de aula? A

imagem externa da sociedade ou a interna? Essas são questões que fundamentam o debate da

“História do tempo presente”.

“(...) a história do tempo presente (...) é a História que vivemos: faz parte das nossas lembranças e de nossas experiências. Ora, vale lembrar que essa história exige igual rigor ou maior do que o estudo de outros períodos: devemos enfatizar a disciplina e a higiene intelectual, as exigências de probidade.” (REMOND, 2006 p. 206)

Dentro desse pressuposto, podem-se apontar as necessidades que essa metodologia

tende a desenvolver em sala de aula:

• História e verdade: a verdade é o objetivo do historiador e da sociedade. O

historiador, da mesma forma e maneira que a sociedade, nunca o alcançaram ou

alcançarão, tendo, porém, uma relação de alcance e proximidade muito grande.

Essa relação de alcance e proximidade tem o custo de gerar várias verdades.3

. “Daí a necessidade de distinguir os níveis de verdade históricos, que comportam maior e menor grau de aproximação e diferentes estágios de certezas, mas nos quais

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a mesma aspiração elevada deve sempre repercutir na consciência do historiador.” (BEDARIDA, 2006 p. 224)

• História e totalidade: com essa jornada busca a verdade, e a geração de verdades,

há certa apreensão e visualização quanto a perda do foco da produção do

conhecimento histórico. A totalidade, assim como a globalização, aparece como

algo novo. Essa idéia de totalidade leva a concepção de tentar explicar o todo, de

forma mais útil ao contemporâneo. O risco da totalidade, assim como o da

globalização, é o fato de um esquema explicativo totalizante acabar engolindo

esquemas menores, mais específicos e esclarecedores de uma única realidade, em

prol do todo. Da mesma forma que uma cultura de massa do mundo globalizado

acaba engolindo as culturas regionais.4

• História e ética: os sistemas sociais de nosso tempo mostram-se, sobre todos os

aspectos, um objetivismo doentio. Longe de criticar ou elogiar qualquer sistema

político econômico, a crítica aqui se baseia no objetivismo em si. A pressão

existente ante ao resultado acaba deturpando a ética do indivíduo. O papel da

História dentro da sala de aula seria o da conscientização dessa “deteriorização da

ética”. Porém, como uma ciência que almeja a neutralidade pode fazer isso? Logo,

faz-se necessário o afastamento dessa neutralidade em prol do indivíduo. Nas

palavras de Rabelais, “ciência sem consciência é a ruína da alma.” 5

Inicialmente, essa concepção histórica admite um conjunto de embates, aos quais se

segue:

• Conflito de Gerações: é de senso comum que a vivência influência na construção

da consciência individual. Por isso, pessoas que vivenciaram épocas diferentes

tendem a pensar os fatos de forma diferente. Esse “choque” de mentalidades corre

rumo a questionamentos e comparações que são fundamentais, não só a

compreensão da História, mas também no pensamento, vivência e do eu interno de

cada um. 6

“(...) a vivência pessoal deste tempo molda inevitavelmente a forma como o vemos, e até mesmo o modo como determinamos a evidência à qual todos nós devemos apelar e nos submeter, independente de nossos pontos de vista (...) a diferença de gerações é suficiente para dividir os homens.” (HOBSBAWN, 1995 p. 105) “(...) a diferença de viver dois ou três anos traumáticos pode fazer na forma como um historiador vê o passado.” (HOBSBAWN, 1995 p.110)

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• Tempo e memória: longe da indagação filosófica da existência do tempo, o que

se busca aqui é delimitar e questionar começos e finais, causa e conseqüências,

questionar o senso coletivo acerca desses fatores, mas também trazer à tona que,

qualquer delimitação traz junto de si a necessidade de delimitar um espaço. A

memória tem um papel de fonte viva, mas tem problemas relativos à integralidade

de sua veracidade, já que fatos isolados normalmente passam imperceptíveis e que

é inútil mudar a mentalidade das testemunhas do fato, no tocante ao ocorrido

testemunhado. 7

“Começo, definição de tempo e espaço, pesquisa de uma pré-história e pesquisa de uma memória: todas essas expressões fazem parte de uma mesma constelação que preside ao esforço necessário para construir o presente.” (PASSERINI, 2006 p.212)

• Senso comum: o trabalho das mídias de massa age de forma brutal e mutacional

sobre o senso comum. Se o acontecimento é o que faz o historiador, ele também, a

sua forma, molda o senso comum, nos limites de seu alcance social. No entanto, o

senso comum não cobre várias questões cotidianas. O inimigo natural do senso

comum é a maior característica do século vinte: a surpresa e a exceção. 8

“Na verdade, na influência do ideário filosófico inserido e padronizado numa dinâmica de tempo, espaço e política‟ dentro da consciência de cada um.” (HOBSBAWN, 1995 p.111.)

A construção de um ensino voltado a História do Tempo Presente visa uma

aproximação do conteúdo disciplinar da História e os alunos. Essa aproximação e dada pelas

próprias características dessa metodologia:

“(...) essa História inventou um grande tema, agora compartilhado com todos (...) o estudo da presença incorporada do passado no presente das sociedades e, logo, na configuração social das classes, dos grupos e das comunidades que as constituíram.” (CHARTIER, 2006 p. 216.) “(...) Lucien Febvre e Marc Bloch. É famosa a palavra de ordem: „compreender o presente por meio do passado e, sobretudo, o passado por meio do presente‟. Para o segundo: „a solidariedade do presente e do passado em a verdadeira justificativa da história.” (BEDARIDA, 2006 p.221)

Essa relação cíclica entre presente e passado, entre vivido e vivência, é essencial

dentro do processo de aprendizagem. Quando há a fragmentação e a miniaturização do

conhecimento do passado, analisando sondagem por sondagem, o resultado final da própria

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aprendizagem é mais lúcido, mais visível e por fim, mais interessante e melhor assimilado

pelo indivíduo. 9

Notas

1 Mestrando em História Social pela Universidade Estadual de Londrina. Bolsista pela CAPES/CNPq. Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de História da Universidade Estadual do Norte do Paraná – Campus Jacareinho/PR e da Rede de Estudos sobre Ensino-Aprendizagem de História da UEL. 2 Orientadora, Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Marília). Professor adjunto da UEL. 3 BEDARIDA, Françoise. Op. Cit. P. 224 4 Idem, 5 BEDARIDA, Françoise. Op. Cit. P. 227 6 HOBSBAWN, Eric. Op. Cit. P. 105. 7 HOBSBAWN, Eric. Op. Cit. P. 105. 8 Idem. P. 108-110 9 NORA, Pierre. Op. Cit. P. 47 e BEDARIDA, Françoise. Op. Cit. P. 221.

Referências Bibliográficas

NORA, Pierre. “O acontecimento e o historiador do presente”. In: LE GOFF, Jacques, LADURIE, Le Roy, DUBY, Georges. “A nova História”. Lisboa, Edições 70: 1977. P. 45-55.

RÉMOND, René. “Algumas questões de alcance geral a guisa da introdução”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina (Org.). “Usos e Abusos da História Oral” Rio de Janeiro, FGV, 8a ed.2006.

PASSERINI, Luisa. “A “Lacuna” do Presente”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina (Org.). “Usos e Abusos da História Oral” Rio de Janeiro, FGV, 8a ed.2006.

CHARTIER, Roger. “A visão do historiador modernista”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina (Org.). “Usos e Abusos da História Oral” Rio de Janeiro, FGV, 8a ed.2006.

BEDARIDA, François. “Tempo presente e presença da história”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina (Org.). “Usos e Abusos da História Oral” Rio de Janeiro, FGV, 8a ed.2006.

HOBSBAWM, Eric J. “O presente como história: escrever a história de seu próprio tempo”. Tradução de Heloísa Buarque de Almeida. In: “Revista novos estudos”. São Paulo; CEBRAP, Novembro/95 nº 43. P.103-112

____________. “A Era dos extremos”. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo; Companhia das Letras, 1994. P. 223 – 253.