pilares da pucrs · constituíram-se então os pilares da novel entidade de ensino, de pesquisa e...

248

Upload: lytruc

Post on 15-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

PILARES DA PUCRS

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

CHANCELER – Dom Dadeus Grings

REITOR – Ir. Norberto Francisco Rauch

CONSELHO EDITORIAL Antoninho Muza Naime Antonio Mario Pascual Bianchi Délcia Enricone Jayme Paviani Luiz Antônio de Assis Brasil e Silva Regina Zilberman Telmo Berthold Urbano Zilles (Presidente) Vera Lúcia Strube de Lima

Diretor da EDIPUCRS – Antoninho Muza Naime EDIPUCRS

Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33 C.P. 1429

90619-900 Porto Alegre – RS Fone/ Fax.: (51) 320-3523 E-mail: [email protected]

www.pucrs.br/edipucrs/

Ir. Elvo Clemente

PILARES DA PUCRS

PORTO ALEGRE

2001

Copyright de EDIPUCRS

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico

C626p Clemente, Elvo, Ir.

Pilares da PUCRS / Ir. Elvo Clemente – Porto Ale- gre: EDIPUCRS, 2001.

246 p. ISBN 85–7430–196–5

1. Maristas – Rio Grande do Sul – História 2. PUCRS – História 3. Universidades Católicas – Rio Grande do Sul.

I. Título.

CDD 378.8165

da BC – PUCRS. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora. Capa: José Fernando Fagundes de Azevedo Diagramação: Isabel Cristina Pereira Lemos Digitação: Etiana Pedroso Spessatto Revisão: O Autor Impressão: Gráfica EPECÊ, com filmes fornecidos

SUMÁRIO

PREÂMBULO DE LONGA JORNADA / 6 IRMÃO AFONSO / 8 ELOY JOSÉ DA ROCHA / 36 ELPÍDIO FERREIRA PAES / 46 ARMANDO PEREIRA DA CÂMARA / 64 CARDEAL VICENTE SCHERER / 77 IRMÃO VENDELINO – José Weiand / 94 MANOEL COELHO PARREIRA / 108 DOM ALBERTO FREDERICO ETGES / 123 IRMÃO JOSÉ OTÃO – José Stefani / 144 FRANCISCO DA SILVA JURUENA / 162 IRMÃO ROQUE MARIA – Ernesto Daniel Stefani / 180 ELISEU PAGLIOLI / 189 IVO WOLFF / 200 IRMÃO LIBERATO – Wilhelm Hunke / 207 ANTONIO CÉSAR ALVES / 218 IRMÃO DIONÍSIO FUERTES ÁLVAREZ / 225 IRMÃO FAUSTINO JOÃO – Salomón Torrecilla / 233 Bibliografia / 244

PREÂMBULO DE LONGA JORNADA

“O Espírito de Deus movia-se sobre as águas” (Gn 1,2)

Naquele amanhecer de 1930, os ventos sopravam nos pampas e nas

serranias do Rio Grande, anunciando dias de renovação, jornadas de abertura

para o espírito empreendedor de homens vocacionados a orientar a juventude

para novos campos, novas culturas, novos horizontes.

Irmão Afonso, Charles Désiré-Joseph Herbaux, nascido, perto de Lille

(França), em 1887, no vigor de seus quarenta anos assumira a direção do

colégio Nossa Senhora do Rosário, em 1927. O colégio Santa Maria, fora-lhe a

grande escola de iniciativas, de novos empreendimentos até elevar o

educandário à categoria de estabelecimento estadual com as mesmas

prerrogativas do Colégio Padrão Dom Pedro II, do Rio de Janeiro.

Com a experiência colhida nos vinte anos no Centro do Rio Grande,

após um ano sabático, 1926, assumiu a direção do Colégio Nossa Senhora do

Rosário, que naquele ano passou a funcionar em sede própria em dois prédios

à Av. Independência, n° 359.

Viu a imensa seara que se abria diante de seus olhos e diante de seus

braços. Nada temeu, tinha perto de si o mestre, Irmão Weibert, que lhe

ministrara as primeiras aulas de missiologia e de audácia na educação, lá nos

cursos da saudosa Casa de Beaucamps. Recebera o espírito de ver longe, de

ver com realidade e destemor.

A grande empreitada era colocar o Colégio de Nossa Senhora do

Rosário, na altura do Colégio Santa Maria e afrontar novos cimos.

A reorganização do Curso de Comércio transformando-o em Curso

superior, ainda não-universitário, foi a primeira tarefa. Depois veio o processo

da estadualização do Curso ginasial, pelo Decreto n° 4385 de 14 de outubro de

1929, pelo presidente do Estado, Getúlio Dornelles Vargas. Pelo referido

6

Decreto foram beneficiados ainda os colégios — Nossa Senhora do Bom

Conselho, Anchieta e Sévigné.

O líder e educador Irmão Afonso ouviu a voz dos alunos formandos do

Curso Superior de Comércio que pediam a chancela universitária para seus

estudos. Em 1930, encaminhou o projeto do Curso Superior de Administração e

Finanças que constituiria a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas,

inaugurada a 12 de março, de 1931, pioneira no Sul do Brasil.

Aquele espírito que ensinara os discípulos de Marcelino Champagnat

na segunda década do século XIX, esteve presente nos pioneiros que

aportaram com o Irmão Weibert, em 1900 no Rio Grande do Sul. Esse mesmo

espírito estava vivo, presente e atuante no Irmão Afonso e seus colaboradores

em 1930: Eloy José da Rocha, Elpídio Ferreira Paes e outros.

É o espírito objetivado que age em três dimensões:

1° Pensamento puro, que vive e se desenvolve, faz sua história em si e

para si: propulsor das pesquisas e indagações.

2° Espírito que cria pensamento para educar os que acreditam na

universidade e nela ingressam.

3° Espírito da Universidade, educadora, emissora de mensagem, para a

sociedade, formadora e suscitadora de líderes para novos caminhos, segundo o

prof. Dr. Irmão Basílio Rueda Guzmán.

Os obreiros eram poucos, os alunos eram um punhado de rapazes

ansiosos por novos horizontes, o espírito operante e decisivo estava nos

corações, nas vontades de vencer, no ideal da nova Universidade Católica e

Marista. Constituíram-se então os pilares da novel entidade de ensino, de

pesquisa e extensão.

O Autor

7

IRMÃO AFONSO — O FUNDADOR

Infância e juventude Escrever os traços biográficos deste gigante da educação cristã e marista

é uma ousadia e uma obrigação de justiça. Ousadia pela pequenez de nossas

forças e dos recursos disponíveis e obrigação de justiça, pois ninguém, nos

últimos cem anos fez tanto para a educação da juventude do Brasil e do mundo

como o irmão Désiré Alphonse, irmão Afonso (Charles Désiré Joseph Herbaux).

Irmão Afonso — Fundador

Os grandes homens tiveram um berço adequado com todas as energias

propulsoras para a formação e desenvolvimento dos grandes planos.

Nascido, a 19 de agosto de 1887, na aldeia de Quesnoysur-Deûle.

perto de Lille. Ambiente profundamente cristão de sua família, proporcionou-lhe

educação dentro dos princípios e luzes do Evangelho.

8

A 22 de agosto de 1899, ingressava na casa de Formação dos Irmãos

Maristas em Beaucamps. Em 1901, concluiu o Curso Normal. Vestiu o hábito de

Irmão a 19 de março de 1903, quando recebeu o nome de Désiré Alphonse,

(Irmão Afonso).

A tempestade desencadeada pela lei do Ministro Emílio Combes,

fechava colégios, exilava os religiosos que queriam manter-se fiéis a seus

votos. Em todos os quadrantes da França houve lágrimas e desolação pela

supressão da educação cristã. Apesar da fúria do vendaval era enorme o

entusiasmo daqueles jovens, alunos do Irmão Weibert, em 1899. Ele fora

missionário na Dinamarca, às vésperas do novo século, se preparava para ir às

missões do Rio Grande do Sul. O mestre devotado soube difundir no coração

dos discípulos o verdadeiro espírito que impele ao estudo, ao saber, à busca da

verdade. Dezenas e dezenas daqueles jovens atravessaram os mares e

souberam difundir o espírito em outros corações juvenis.

Irmão Afonso, em 1904, chegou a Porto Alegre e foi logo designado

para o Colégio Santana de Uruguaiana. Lá foi seu noviciado rio-grandense:

aprender a língua, lecionar as primeiras letras àqueles meninos e jovens tão

diferentes. Estudo, oração e aula eis o programa do jovem Irmão marista.

Diretor de colégios

O Diretor do colégio de Uruguaiana dera-lhe a consciência da

imensidão dos pampas e dos horizontes ilimitados. Em 1907, ei-lo no Colégio

Santa Maria, comprado pelos irmãos ao educador Alfredo Clemente Pinto, em

1904. O Irmão Weibert era o Diretor. Novamente o mestre e o discípulo viviam

sob o mesmo teto, com o mesmo entusiasmo e espírito para vencer. Em pouco

tempo o Ginásio recebeu o título oficial de equiparado ao Ginásio Dom Pedro II.

Em 1918, Irmão assumiu a direção do educandário. Irrompeu forte surto da

gripe espanhola: aulas suspensas, colégios transformados em enfermarias.

Muitas pessoas morrendo, luto em toda a cidade e em todo o Estado.

9

Ao concluir o tempo de sua administração o Irmão Luís Renato que o

substituiu, escreveu objetiva e sucintamente: “O irmão Afonso por longos anos

ocupou o cargo de Diretor do Ginásio, tanto trabalhou para a equiparação do

mesmo, impôs-se ao respeito e à gratidão como estrela de primeira magnitude

entre os primeiros benfeitores do Ginásio Municipal de Santa Maria.”

Uma plêiade de egressos do Ginásio foram alunos brilhantes nas

faculdades de Medicina, de Direito, de Engenharia de Porto Alegre e alhures.

Honraram a vida pública, particular e política do Rio Grande do Sul em suas

profissões, no estudo, nas pesquisas, nas ciências e nas artes.

Em 1927, Irmão Afonso é nomeado Diretor do Colégio Nossa

Senhora do Rosário, que começava a funcionar em dois prédios, à Avenida

Independência, propriedade adquirida pela União Sul Brasileira de

Educação e Ensino.

Logo de início de sua administração desencadeou o processo da

municipalização e em seguida, da estadualização do Ginásio, a meta alcançada

pelo Decreto n° 4.385 de 14 de outubro de 1929, pelo presidente do Estado. Dr.

Getúlio Dornelles Vargas. Outros três colégios religiosos foram beneficiados

pelo Decreto: Bom Conselho, Anchieta e Sevigné.

Outro empreendimento de grande projeção foi a oficialização do Curso

Comercial. O Instituto Superior Comércio recebia a chancela oficial no

dia 14 de janeiro de 1928. O referido Curso equivalia em título ao atual

Técnico de Contabilidade.

O Colégio mantinha cursos livres e atividades de Língua italiana, do

Prof. Gino Battocchio, de Higiene, Ginástica de Jorge Black, orquestra orientada

pelos professores Lucchesi e Alexandre Gnattali.

O esporte teve um grande incentivo tanto para os alunos internos como

para os externos. A prática da vida religiosa era fervorosa no Apostolado da

Oração, da Cruzada Eucarística, da Congregação Mariana, da Juventude

Estudantil Católica. Irmão Afonso junto com o mestre Irmão Weibert fundou a

10

Associação dos ex-alunos maristas, no dia 2 de outubro de 1927, sendo eleito

primeiro presidente o Prof. Dr. Elyseu Paglioli.

O ex-aluno, prof. Antonio César Alves, numa frase, caracterizou a

administração do Irmão Afonso: “Neste tradicional educandário, o Diretor

revelou-se operoso, diligente, renovador, entusiasta e idealista.”

O êxito alcançado foi mérito do líder e do grupo de Irmãos que se

dedicavam inteiramente à juventude rosariense.

Fundador da Universidade

O livro Irmão Afonso — Fundador da PUCRS — explica porque o

Irmão Afonso fundou a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas. Os

alunos que se diplomaram no Instituto Superior de Comércio insistiram junto do

Irmão Afonso para que fosse criado o Curso Superior de Administração e

Finanças de acordo com o Decreto n° 17.329, de 28 de maio de 1926. Não

existia no Rio Grande do Sul, nenhum curso que permitisse aos contadores

concluírem formação superior universitária. Atendendo as constantes súplicas

dos alunos é que Irmão Afonso resolveu abrir o Curso Superior de

Administração e Finanças que em sua reforma constituiria a Faculdade de

Ciências Políticas e Econômicas.

Em 1931, aos 12 dias de março era inaugurado o curso Universitário de

Comércio, pioneiro no Sul do Brasil, com 12 alunos matriculados.

Transcrevemos o texto escrito por Elpídio Ferreira Paes em 1971, por

ocasião da celebração dos 40 anos: TRÊS FACIUNT COLLEGIUM:

“Solicitado a dizer algo aos Anais ao 40º aniversário da PUC, pareceu-

me que o mais razoável seria olhar para aqueles distantes mas inolvidáveis

momentos em que se começou a ‘criar’ a nossa Pontifícia Universidade que era,

então, apenas INSTITUTO SUPERIOR DE COMÉRCIO. Nesse olhar

retrospectivo, ao mesmo tempo, mato a saudade que o poeta chamou ‘delicioso

pungir de acerbo espinho’, e presto minha humilde homenagem a essa

extraordinária figura humana que foi IRMÃO AFONSO, o nosso inesquecível

11

AFONSÃO, que lançou a semente dessa obra louvável da fraternidade marista,

depois continuada e coroada pela inteligência e tenacidade desse outro

batalhador marista IRMÃO OTÃO.

Tive a grande alegria de trabalhar com os dois, colaborando nos limites

de minha fraqueza, para a realização do que hoje é um grande acervo e que

naqueles tempos, não passava de singela escola de comércio. No princípio não

havia quase nada; mas desse quase nada os dois lutadores fizeram quase tudo.

Claro está que uma Universidade nunca se considera completa; porém o que aí

está basta para consagrar o esforço dos que a constituíram.

Foi precisamente por me referir aos primórdios dessa tarefa que usei a

frase que serve de título a esta recordação.

Já Neratius Priscus, segundo o jurista Marcellus (D.50.16.85), afirmava

‘três facere collegium’, para significar que não seriam necessárias mais de três

pessoas para formar uma associação. Partindo desse princípio jurídico

proclamado pelos romanos, três pessoas, conjugando seus esforços,

procuraram dar nova dimensão ao Instituto que funcionava anexo ao Ginásio

Rosário. Isso lá pelos anos de 30... Afonso, Elói, Elpídio eram esses

personagens. Afonso seria o supervisor, Elói o Diretor, Elpídio o secretário. Ora,

segundo etimólogos, Afonso significa ‘nobre e diligente’; Elói, ‘o de boa palavra’;

Elpídio, ‘o que traz esperança’. Pois da ‘união da diligência com a eloqüência e

a esperança’ resultou a colaboração preciosa de vários professores que

iniciaram essa marcha para o futuro. Ao trabalho dos mestres que ali se

entregavam ao ensino, como irmão Gabriel Vitor, Irmão Estanislau, Osvaldo

Ehlers, Colombo Rodrigues de Lima, veio aliar-se a dedicação de novos

elementos de alto valor como, Mem de Sá, Vicente Marques Santiago,

Francisco Juruena, Carlos Thompsom Flores, Ernani Estrela, aos quais se

reuniram aos poucos outros elementos de igual valor.

Nos primeiros tempos, os recursos eram pequenos. Contudo, o que

preocupava realmente aquele grupo de lutadores era o ensino. Começou essa

epopéia numa velha casa que ficava junto ‘ao fundo da praça D.Sebastião’,

12

onde hoje se abriu nova rua dividindo o pátio do Colégio Rosário. Era um local

modesto, quiçá pobre, porém trabalhava-se com prazer porque os alunos não

eram demasiado numerosos e podiam ser atendidos com eficiência.

Pois esse Instituto foi transformado, pouco depois, em Faculdade de

Ciências Políticas e Econômicas, reconhecida em março de 1934. É de

justiça que se informe que, para isso, também concorreram os alunos do

então Curso Superior de Administração e Finanças, solicitando, eles

próprios, o reconhecimento da nova instituição. Até materialmente, naquela

época, desenvolveu-se nossa Faculdade, visto que passou ‘do canto da

praça’ para a ‘esquina da praça’, junto à rua Independência, onde hoje

funciona o Colégio Rosário.

Com imenso prazer vimos, nesse período de rápida expansão, ex-

alunos passarem rapidamente ao magistério da Faculdade, como, por exemplo,

o irmão Faustino, que chegou a diretor (e ótimo diretor) da Faculdade de

Filosofia. E ainda hoje reconhecemos que os que frequentaram os bancos

acadêmicos nos velhos tempos (não muito velhos! ...) também se dedicaram ao

ensino, como Elvo Clemente (o inquieto organizador de “Academias Literárias”,

quando alunos), hoje elemento prestimoso da nossa Universidade; e Celso

Pedro Luft, que, além de professor, colabora na imprensa transmitindo seus

conhecimentos lingüísticos.

Provavelmente, mesmo sem o esforço daquela tríade inicial, o prodígio

teria acontecido; entretanto, isto não impede que aqueles que lutaram para

encaminhar a trajetória triunfante da Universidade Católica sintam imenso

prazer em haver concorrido para que tudo acontecesse como Deus

determinara: Deus disse que se fizesse a luz e a luz se fez transformada em

cultura. ‘Dixit Deus: Fiat lux. Et facta est lux. Et vidit Deus lucem quod esse

bona’ (Gn. 1.3-4).”

13

Fundação da Faculdade de Filosofia

Irmão Afonso continuava Diretor do Colégio Nossa Senhora do Rosário.

Para não perder de vista o andamento dos Cursos todos, desde o infantil até o

superior, nomeou o Prof. Eloy José da Rocha, Diretor da Faculdade de Ciências

Políticas e Econômicas.

Após o aparecimento do Decreto Federal de n° 19.851, de 11 de abril

de 1931, que reformulou o ensino universitário brasileiro, que dava possibilidade

de constituir Faculdade de Educação, Ciências e Letras, Irmão Afonso formou

um grupo de intelectuais católicos para organizar a referida faculdade com o

objetivo de preparar professores para o ensino secundário. O grupo liderado

pelo irmão Afonso, tinha entre outros participantes: Eloy José da Rocha, Elpídio

Ferreira Paes, Armando Pereira da Câmara, Abrahão Pires Abrahão.

Reunião da Congregação da Faculdade de Filosofia, 1942. Da esquerda para a direita: Elpídio F. Paes, Nei C. da Costa, Amadeu F. de Oliveira Freitas, Hélio Hoffmann (secretário), Ely José da Rocha (Diretor), Mario Bernd, Raul Franco di Primio, Salomão P. Abrahão, Armando Camara.

14

Trabalharam com verdadeiro idealismo na consecução da obra.

Aconteceu, porém, que no Estado do Rio Grande do Sul a criação da

Universidade não tomou os mesmos rumos que em São Paulo. A idéia e a

iniciativa da Faculdade de Educação, Ciências e Letras ou Faculdade de

Magistério, como existe em outros países, deveu hibernar por alguns anos.

Desde julho de 1936, irmão Afonso era presidente da União Sul

Brasileira de Educação e Ensino, nome da Entidade Civil dos irmãos maristas,

no Rio Grande do Sul.

Em 22 de fevereiro de 1939, requereu ao Ministério de Educação e

Saúde autorização para o funcionamento dos cursos de Filosofia, Geografia e

História, Ciências Sociais, Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Letras

Anglo-Germânicas.

Em março de 1939 foi designado o Dr. Thiers Martins Moreira, técnico

do Ministério, para fazer a verificação das condições de funcionamento

dos cursos.

O Departamento Nacional de Educação, em 8 de novembro do mesmo

ano, aprovou o pedido. O Decreto n° 1.190, de 4 de abril de 1939 criou a

Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras que seria o modelo das

novas instituições de ensino superior para a formação de licenciados para

exercício do magistério.

A instalação solene dos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras deu-se no salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade de

Porto Alegre, especialmente cedido para o ato. Irmão Afonso e seus

colaboradores imediatos estavam jubilosos nessa sessão de 26 de março de

1940. A presidência de honra da mesa coube ao Dr. José Pereira Coelho de

Souza, Secretário de Educação do Rio Grande do Sul, a presidência efetiva

foi desempenhada pelo Prof. Dr. José Eloy da Rocha, Diretor da novel

Faculdade: Prof. Dr. Ary de Abreu Lima, Reitor da Universidade, Prof.

Armando Pereira da Câmara realizou a aula sapiencial, sob o título: “A

Filosofia e a Cultura Nacional”. Tiveram assim início os cursos da primeira

15

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, fruto da clarividência, da tenacidade

de um homem: irmão Afonso.

Nessas palavras escondem-se muitos esforços, duros trabalhos e

sacrifícios, sem dúvida, do irmão Afonso e dos colaboradores imediatos,

irmãos e leigos.

Em 1940 foi concluída parte do novo edifício que a USBEE levantou

junto da Praça Dom Sebastião, n° 60, para instalar os cursos.

As salas de aulas eram compartilhadas com os alunos do Colégio

do Rosário e alunos da Faculdade. Isso exigia dobrado trabalho de

limpeza e manutenção.

A inauguração dessa ala realizou-se no dia 17 de agosto de 1940. Parte

central das cerimônias foi a entronização da estátua do Sagrado Coração de

Jesus no salão nobre da Faculdade. O cônego Vicente Scherer, professor de

Lógica do curso de Filosofia, nessa ocasião, proferiu um discurso sobre o tema

“A Filosofia e a Fé”. A presença da estátua do Sagrado Coração de Jesus é de

grande significado para os irmãos marisas do Rio Grande do Sul, pois o

fundador da Província, irmão Weibert, ao passar por Paris, em sua vinda em

junho de 1900, esteve no Santuário de Montmartre e aí ofereceu a nova

fundação e suas obras ao Sagrado Coração.

No nobre intuito de completar a obra encetada, a União Sul Brasileira

de Educação e Ensino requereu, em 27 de novembro de 1940, ao Ministro da

Educação e Saúde, autorização para o funcionamento das restantes secções

preconizadas pelo Regimento Interno da Faculdade, correspondentes aos

cursos de Matemática, Física, Química, História Natural, Pedagogia e Didática.

Este pedido, entretanto não teve despacho favorável. O Diretor do

Departamento de Ensino Superior exigiu a adaptação do Regimento Interno da

Faculdade de Educação ao Regimento da Faculdade Nacional de Filosofia.

Satisfeitas essas exigências a USBEE fez novo requerimento a 9 de setembro

de 1941, tendo o Conselho Nacional de Educação, em sessão de 25 de

outubro, pelo Parecer n° 254, aprovado o Regimento Interno da Faculdade.

16

A 28, o colendo Conselho Nacional de Educação opinou aprovando o

funcionamento dos cursos, autorizados pelo Decreto Federal de n° 9.696 de 15

de julho de 1942.

Em 1952, começou a funcionar o Curso de Jornalismo, na

Faculdade de Filosofia.

A Faculdade de Filosofia teve anexo o Instituto de Psicologia criado em

1953, o qual organizou desde o começo um Curso de Pós-Graduação em

Psicologia com a duração de dois anos de 1954 a 1959 e de três anos a partir

de 1960. Em 1964 se formou a última turma. Pela Lei n° 4.119 de 27/08/1962 foi

criado o curso de Psicologia na Faculdade de Filosofia e regulamentada a

profissão de Psicológo.

Fundação da Escola de Serviço Social

Irmão Afonso tinha grande sensibilidade e aguda visão das

necessidades da juventude e dos novos campos de trabalho, carentes de

obreiros bem preparados.

Estivera num Congresso de Assistência Social em Bogotá, em 1944,

como observador e como membro do Conselho Geral dos Irmãos maristas, na

época chamado de Assistente. Percebeu logo no desenrolar dos trabalhos do

Congresso a seara imensa que estava aberta para os novos profissionais numa

atividade nunca vista em terras do Sul do Brasil.

Em outubro do mesmo ano desenvolveu-se nas Faculdades Católicas

de Porto Alegre a 5ª Semana de Estudos de Ação Social. Dom João Becker,

arcebispo metropolitano, pastor vigilante viu o alcance da Ação Social a serviço

da igreja, divina samaritana, consoladora das aflições dos pobres e injustiçados.

A resolução prioritária da 5ª Semana de Ação Social foi a fundação da Escola

de Serviço Social.

17

Irmão Afonso na qualidade de Assistente e de Presidente da União Sul

Brasileira de Educação e Ensino, acedeu ao convite e se responsabilizou pela

criação e manutenção da novel instituição.

No ato da fundação, dia 25 de março de 1945, numa das salas da

Faculdade Católica de Filosofia reuniram-se os senhores: irmão Afonso, irmão

Faustino João, irmão José Otão, eng° Mário Goulart Reis e prof. Francisco

Casado Gomes. Ficou decidido que naquele momento estava fundada a Escola

de Serviço Social. Foi redigida pelo irmão Faustino João a ata da sessão de

fundação. Concretizava-se assim a idéia de uma Escola de Serviço Social,

lançada pela profª Aylda Pereira, representante do Instituto Social do Rio de

Janeiro, que participava da 5ª Semana de Ação Social.

A direção da Escola coube ao eng° Mário Goulart Reis, que lhe dedicou

muitas de suas energias durante vários anos, como diretor e professor.

Para a organização da Escola veio do Rio de Janeiro, a professora

belga Germaine Marsaud, assistente social formada pela Universidade de

Louvain, que imprimiu a orientação cristã no currículo e nos programas. O seu

nome ficou ligado ao Diretório Acadêmico e a sua atuação permanece no

espírito dos professores. O Instituto Social do Rio de Janeiro esteve unido à

Escola desde os primeiros passos com o auxilio das aulas e orientações da

profª Odete de Azevedo Soares. Outras colaboradoras vieram entre as quais:

Stella Penna Botto e Izabel Carvalho.

Em 1945 o curso iniciou com 44 alunos. Os professores e alunos da

Escola de Serviço Social fizeram campanha de esclarecimento e de promoção

sobre a função do Assistente Social. As inscrições aos vestibulares foram uma

resposta positiva a esses esforços.

Fundação da Faculdade de Direito

Irmão Afonso lançou os fundamentos da Universidade com a Faculdade

de Ciências Políticas e Econômicas em 1931. Em 1939 criou a Faculdade de

Educação depois denominada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras para a

18

formação de professores para o curso secundário. Em 1945, viu a necessidade

de haver no Estado do Rio Grande do Sul, assistentes sociais, fundou, então, a

Faculdade de Serviço Social.

A formação de bons advogados, de bons magistrados era também um

dos objetivos do programa educacional do irmão Afonso. Em 1946, propôs-se

aos padres jesuítas que se encarregassem de fundar a Faculdade de Direito, a

proposta não foi aceita. A União Sul Brasileira de Educação e Ensino chamou a

si a nobre tarefa. O irmão Afonso, naquela época na França, respondeu por um

cabograma Western: “Faculté DROIT MARISTE”. Vê-se por aí a força de

decisão do irmão Afonso e ele não titubeava diante do novo empreendimento.

Um grupo de professores formado por Dr. Armando Pereira da Câmara,

Dr. Balthazar da Gama Barboza, Dr. Elpídio Ferreira Paes, Dr. Francisco

Juruena, Dr. Antônio César Alves, Dr. Mem de Sá, ir. Faustino João, preparou o

projeto do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais que foi enviado ao Conselho

Nacional de Educação em fins de 1946. Em fevereiro de 1947 veio a

autorização de abrir as inscrições para a realização dos exames vestibulares.

A notícia causou real satisfação nos meios universitários e nos meios

estudantis. Inscreveram-se 60 candidatos aos exames vestibulares. Foram

aprovados 41 alunos. Começava o 1º ano da Faculdade com um número de

alunos selecionados. O prof. Dr. Armando Pereira da Câmara fez o seguinte

elogio à novel Faculdade e a seus alunos e mestres:

“A Faculdade Católica de Direito é uma promissora realidade cultural,

uma atuante força apostólica.

Seu corpo docente é integrado por figuras expressivas da cultura

jurídica do Rio Grande do Sul. Vários de seus mestres eram já consagrados

professores na Universidade do Estado.

Seu corpo discente, constituído por algumas dezenas de jovens

acadêmicos, dá-me a tônica impressão de uma elite de espíritos votados à alta

missão de dizer e aplicar a justiça a toda uma geração como a nossa,

conturbada por espetáculo de violência e primarismos.

19

Nos meus quinze anos de magistério público, poucas vezes encontrei

alunos tão bem dotados intelectualmente, tão famintos de cultura e orientação.”

A 7 de março de 1947, iniciavam as aulas da Faculdade, o primeiro

diretor foi o Prof. Dr. Armando Pereira Corrêa da Câmara, de 12/02/1947 a

8/12/1948. Seu sucessor foi o Prof. Dr. Armando Dias Azevedo de 1948 a 1951.

Criação da Universidade

Ir. Afonso esteve presente de maneira direta ou indireta na criação de

todas as faculdades de 1931 até 1947. A sua palavra, o seu gesto definiram

rumos, acertaram atitudes. O seu espírito empreendedor levava adiante as

iniciativas tomadas por pessoas do grupo dirigente; acontecia porém, que os

fatos se impunham às circunstâncias e aí eram tomadas outras decisões. As

faculdades católicas de Porto Alegre iam aumentando em número e em

contigente de alunos. A idéia de criar a Universidade já perambulava nas

mentes e nas vontades. De acordo com a legislação vigente eram necessárias

quatro Faculdades ou escolas para se erigirem em Universidade. O Ir. Afonso

acionou através de suas cartas as autoridades da Província Marista do Brasil

Meridional a que envidassem os melhores esforços para conseguir o objetivo.

O presidente da União Sul Brasileira de Educação e Ensino, prof. Ir.

Vendelino José Weiand requereu a 15 de abril de 1947 ao Ministro de

Educação e Saúde a equiparação da Universidade Católica do Rio Grande do

Sul, que seria inicialmente integrada pelas faculdades de Filosofia, Direito,

Ciências Políticas e Econômicas e Escola de Serviço Social (agregada).

O processo, que tomou o n° 41.137, foi relatado pelo prof. Reinaldo

Porchat cujo parecer n° 248 foi lido no Conselho Nacional de Educação a 4 de

setembro de 1947. Como ele opinasse pelo indeferimento do pedido alegando

falta de recursos para a manutenção da Universidade, visto nada constar sobre

o assunto no processo, o Conselheiro Alceu Amoroso Lima propôs que o

mesmo baixasse em diligência a fim de que o requerente pudesse informar

sobre o mesmo, tendo esta sugestão sido aprovada pelo plenário.

20

A Entidade mantenedora procurou reunir os laudos de avaliação judicial

dos imóveis que constituíam o seu patrimônio, isto é, os colégios, e remeteu o

respectivo relatório ao Ministério em data de 18 de julho de 1948.

Reunião do corpo diretivo da Universidade: Armando P. Câmara − Reitor, Ir. José Otão − Vice;

Armando Dias de Azevedo − Diretor Fac. Direito; EIoy José da Rocha − Diretor da Faculdade de Filsofia − Dom Vicente − Chanceler

O processo assim informado foi relatado pelo prof. Paulo Pereira Horta

e entrou em discussão a 23 de agosto de 1948 no Conselho Nacional de

Educação, cujo Parecer n° 232 optou pela equiparação da Universidade

Católica do Rio Grande do Sul constituída pelos seguintes estabelecimentos:

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Faculdade de Ciências Políticas e

Econômicas, Faculdade de Direito, Escola de Serviço Social.

Finalmente, a 3 de novembro de 1948 o C.N.E. aprovou a equiparação

da Universidade e o Estatuto da mesma, pelo Parecer n° 428, cujo relator foi o

Dr. Jurandir Lodi.

21

O Presidente da República Gaspar Dutra, assinou o Decreto n° 25.794

de 9 de novembro de 1948, que concedeu prerrogativas de equiparação à

Universidade Católica do Rio Grande do Sul e aprovou seu Estatuto.

Aos 8 dias do mês de dezembro de 1948, aconteceu a instalação da

Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Dom Vicente Scherer, chanceler

da Instituição deu posse ao Reitor Armando Câmara; Irmão José Otão, vice-

Reitor; Francisco Juruena, diretor da Faculdade de Ciências Políticas e

Econômica; Antonio Cesar Alves, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras: Armando Dias Azevedo, Diretor da Faculdade de Direito e Mario Goulart

Reis da Escola de Serviço Social.

O título de Pontifícia

Desde a criação a Universidade pensara coroar-se com o título de Pontifícia.

Três documentos decidiram o processo junto à Santa Sé:

1− Carta de Dom Vicente Scherer, arcebispo metropolitano;

2− Carta de Dom Carlo Chiarlo, Núncio apostólico no Rio de Janeiro;

3− Pedido do irmão Alessandro di Pietro, Procurador Geral dos Irmãos

Maristas junto à Santa Sé. Nesse documento esteve presente e ativa a mão do

Irmão Afonso.

Após a tramitação burocrática houve a aprovação, a carta do Cardeal

Pizzardo dava a alegre notícia, promulgada pelo Papa Pio XII, a 1º de

novembro de 1950.

Cultura criativa

O Irmão Roque Maria (Ernesto Daniel Stefani), principal autor do livro —

Irmão Afonso — Fundador da PUCRS, redigiu o primoroso capítulo XIII, com o

título: Cultura criativa, que transcrevemos, em parte:

22

A cultura do Ir. Afonso alinha-se na esteira dos homens que se fizeram

pelo esforço pessoal perseverante. Para conservar a vocação teve que

abandonar o país natal, “la douce France” e demandar hospitalidade alhures.

Chegou ao Brasil em 1904, na adolescência de seus dezesseis anos, portador

apenas do “Brevet Elémentaire” obtido em Paris. E vinha para ser educador. No

país que o acolheu não havia instituições para a continuação dos estudos de

Magistério. Aí começa a epopéia da sua carreira de educador religioso.

Percebendo a situação real em que se encontrava, pôs mãos à obra de sua

autoformação, somente ensarilhando as armas aos 83 anos, nas vésperas de

sua morte num quarto, do Hospital São Francisco, de Porto Alegre.

A cultura do Ir. Afonso assemelha-se à de Machado de Assis, “a maior

figura da literatura brasileira e principal responsável pela fundação da Academia

Brasileira de Letras”. Assemelha-se à de Humberto de Campos, natural do

Maranhão, seringueiro na Amazônia, jornalista amador e príncipe dos escritores

brasileiros no seu tempo. Assemelha-se ainda a Érico Veríssimo, escritor mais

lido e divulgado da literatura gaúcha. Assemelha-se a tantos cultores das Letras

e da Ciência, nacionais e estrangeiros, que se fizeram por si sós como

autodidatas. Apesar da carência de estudos universitários, alcandoraram-se às

culminâncias do renome nacional e internacional.

Além dessa característica, a cultura do Ir. Afonso apresenta um

segundo aspecto. Enquanto os nomes anteriormente citados se voltavam

para a cultura literária, Ir. Afonso, embora escrevesse com perfeição o

idioma pátrio e nele se expressasse clara e fluentemente, enveredou para a

seara de sua missão de educador religioso. Para isso, com coragem e

pertinácia enfrentou os desafios dos trinta primeiros anos deste século com

aquele denodo só constatável em personalidades plenas. Embrenhou-se

tanto pelos meandros da cultura polimorfa que, na abertura, pelos maristas,

no Rio Grande do Sul, do primeiro Curso Superior de Administração e

Finanças, Ir. Afonso assumiu a Cadeira de Sociologia, regendo-a até 1936,

quando foi eleito Superior Provincial.

23

No desempenho do novo cargo, Ir. Afonso mostrou o acervo de cultura

que acumulou nos anos de magistério de 1904 a 1936. Durante trinta e dois

anos ininterruptos, ele foi estudando, metodicamente, uma série de disciplinas

próprias para sua missão de guia de uma província inteira de educadores,

constituída, já em 1936, de mais de 300 religiosos.

Estudioso vitalício, como superior provincial mergulhou, principalmente,

no mistério da Igreja, na Ciência da Educação e nos problemas da Vida

Religiosa tornando-se um erudito nessas áreas do saber.

Ir. Afonso não publicou livros. Mas deixou tanta produção de estudos

pessoais, de conferências proferidas, escritas de próprio punho ou por ele

datilografadas, pois nunca teve secretário.

Não me furto ao dever de citar os títulos que deu aos seus

“dossiers”. catalogados, numerados e guardados em três caixas de 35cm

por 24 e por 13cm.

Esses documentos se encontram no arquivo provincial dos irmãos

maristas em Porto Alegre, à disposição dos interessados.

Seus escritos inéditos estão redigidos em português ou em francês.

Eis os grandes títulos dos escritos:

1- Vida religiosa.

2- O Fundador — Marcelino Champagnat.

3- Teologia: ascética moral.

4- Sagrada Escritura.

5- Mariologia.

6- Ensino religioso.

7- Vida missionária.

8- Normas da vida marista.

9- Humanismo e Psicologia.

10- Hagiografia.

11- Santa Sé, documentos e textos.

24

12- Avulsos.

Aí está a messe que o Ir. Afonso armazenou durante sessenta e seis

anos de atividades educativas no Brasil. O conjunto soma mais de cinco mil

páginas, uma enciclopédia de 25 volumes com 200 páginas cada um. E todos

os livros substanciosos portadores de doutrina cristã e humana, com vistas à

educação da juventude.

A característica mais saliente na obra do Ir. Afonso não é a sua

criatividade técnica, nem formalística, nem exibicionista ou narcisista, mas é

uma criatividade surpreendentemente altruística, voltada para os irmãos e os

alunos com o fim de valorizá-los.

Não impunha sua vontade, seu ponto de vista pessoal, nem

propunha soluções feitas, não dava receitas morais, mas abria portas e

janelas, escancarava horizontes e convidava a pensar, a refletir, a rezar e a

decidir responsavelmente. Seu método era, realmente, o de líder que visa a

plasmar personalidades.

Donde lhe veio tanta produção? Parece-me que do amor profundo que

votava à sua vocação e à vocação dos irmãos. Num dos documentos

registrados na presente biografia “Frère, sois témoin” (Irmão, sê testemunha)

ele escreve textualmente: “Só tenho um ideal em minha vida: Crescer no amor

de Jesus, de Maria e da juventude e incuti-lo entusiasticamente nos irmãos.

Digo entusiasticamente porque Deus deve ser a força propulsora de todos os

meus intentos. Coragem, tu que convidas a ser testemunha, procura sê-lo tu,

por primeiro”.

25

Irmão Alonso recebe o Diploma de Doutor Honoris Causa das mãos de Dom Vicente Scherer — Chanceler

Pessoalmente, na convivência e nos múltiplos contatos mantidos com

ele de 1926 a 1970, nunca o vi desocupado. Lia, resumia, estudava os

resumos, falava deles nas conversas, sugeria leituras de livros, de revistas,

artigos de jornais. Solicitava informações sobre as novidades de interesse para

a cultura marista.

Essa ocupação dirigida exclusivamente para o seu ideal implicava alto

grau de liberdade interior conduzida pelo domínio equilibrado de si mesmo. Ele

fala de sua liberdade na “Caracterologia” onde diz: “Se adquiro a verdadeira

liberdade dos “filhos de Deus” posso contar com a possibilidade de vir a ser o

que não sou ainda, ad infinitum, e, depois, inspirá-la aos outros, melhor,

irradiá-la sobre eles pelo testemunho de minha vida”. E acrescenta: Na união

com Deus, com o Coração de Jesus e com a Boa Mãe, vou conseguir a

suspirada liberdade dos filhos de Deus.”

Quem o observasse nos últimos anos de vida o via tranquilo, todo o

tempo ocupado em leituras, entremeadas de reflexões, de jaculatórias,

debulhando terços e mais terços. Parecia um homem chegado ao ponto alto de

26

sua realização existencial, senhor de suas energias internas, vivendo cada

momento naquela intensidade de quem se sente na vida plena da posse do

Deus vivo, depois de dá-lo a conhecer e a amar a milhares de pessoas. Seu

corpo alquebrado pelos achaques da idade não lhe tirava a serenidade do

espírito sempre solícito e de coração sempre acolhedor de todos quantos o

abordassem. Era um ancião maravilhoso. Um molde de humanista cristão e

marista que Deus deve ter destruído com o seu passamento. Ficam para os

pósteros os exemplos de sua cultura criativa que o tempo não destrói.

Os últimos anos (1958 — 1970)

Continuamos a transcrever o texto do já citado livro, do escrito pelo Ir.

Roque Maria e colaboração do Irmão Faustino João e Ir. Elvo Clemente.

Em outubro de 1958 terminara o período de governo geral na

Congregação do irmão Leônidas de cuja equipe irmão Afonso era um dos

principais, pois estivera no governo interino do irmão Maria Odulfo. Durante

dezesseis anos estivera no Conselho Geral da Congregação com o título de

Assistente hoje Conselheiro Geral. Nesse período desenvolveu intenso trabalho

em quatro continentes. Europa, América, África e Oceânica. No velho

continente visitando as comunidades maristas na França e Portugal. Neste

último país, irmão Afonso em 1948 instalou as primeiras comunidades em

Lisboa e Leiria. Na América realizava no Brasil desde 1942 as visitas às casas

das três províncias: Brasil Meridional, Brasil Meridional, Brasil Central e Brasil

Norte. Na África estabelecera desde 1947 casas em Angola e Moçambique com

Irmãos da Província do Brasil Meridional e Norte: portugueses ou brasileiros. Na

Oceânia fazia a visita às casas de Nova Caledônia e outras sob a jurisdição das

províncias francesas. Dessa maneira irmão Afonso nos dezesseis anos de

Assistente era o cidadão do mundo.

Terminado o Capítulo Geral de 1958 em que foi eleito Superior Geral

Irmão Charles Rafael, que era Assistente pela Bélgica, Holanda, Alemanha e

Itália, irmão Afonso optou em voltar ao Brasil.

27

Começava assim a derradeira fase dessa vida tão cheia de realizações

em prol da Congregação Marista. As despedidas dos colegas de administração,

dos parentes no Norte da França, dos irmãos de Portugal foram rápidas e muito

sentidas. Ele amava os irmãos e amava as obras que haviam surgido e

frutificado graças a seu zelo, a seu empenho, a sua liderança. Aos parentes e

amigos deixou um grande adeus e imensa saudade.

A Província de São Paulo fez questão que ali permanecesse, tendo sido

designado para o segundo noviciado, isto é, curso de reciclagem para os

irmãos. Esteve na direção do Centro por um ano. A seguir foi solicitado a

assumir a direção do Escolasticado de Curitiba. Ali permaneceu durante os

anos de 1959 e 1960.

Em 1961 encontramo-lo no Escolasticado, em Santa Maria/RS, no

Cerrito, orientando os jovens irmãos. Continuou seu belo trabalho como havia

feito em Campinas.

Nas férias de 1962 pediu para voltar à Província de Porto Alegre e

retirar-se na Casa de Repouso São José, em Viamão.

Aos 75 anos o velho batalhador ensarilhava as pacíficas armas da

docência para recolher-se e viver mais intimamente no diálogo com Deus.

Quem o conheceu pode imaginar o quanto lhe custou essa resolução.

No seu retiro de Viamão vivia pensando na obra que começara em 1931

e estava crescendo frondosa sob a tutela do irmão José Otão. Queria estar

informado de tudo. Interessava-se por tudo e por todos os problemas. Embora

não estivesse em nenhum cargo administrativo, acompanhava tudo com amor e

entusiasmo. Assistia a algumas conferências, algumas solenidades.

Às terça-feiras comparecia à reunião da AAMPA (Associação dos

antigos alunos maristas de Porto Alegre), gostava de ver e discutir os planos de

novos empreendimentos, novas iniciativas em prol da educação cristã.

Numa dessas idas à Universidade ao descer a escada principal, teve

uma queda, em conseqüência quebrou o fêmur. Foi levado à Beneficiência

Portuguesa onde foi tratado com todo o desvelo pelo prof. Dr. João Satt, ex-

28

aluno do Colégio Rosário. Após meses de sofrimento pode voltar a Viamão e se

restabeleceu bastante bem.

O boletim de notícias da Província de Beaucamps assim descreve os

acontecimentos do ano de 1967 e 68.

1967: ano grandioso para o irmão Afonso: FÁTIMA, Bruxelas! Os

antigos alunos de Porto Alegre decidiram enviá-lo à Europa para assistir a dois

grandes acontecimentos. Apesar de ainda ressentir-se da cirurgia na perna,

acompanhado pelo irmão Hilário José Schermoly, irmão Afonso toma o bastão

de peregrino, assiste com entusiasmo no dia 13 de maio à coroação de Nossa

Senhora de Fátima pelo Papa Paulo VI no cinquentenário das aparições.

Uma semana depois, assiste à ereção da estátua do Beato Marcelino

Champagnat no quadro do peristilo da entrada da Basílica. Visita as casas

maristas do Porto, de Leiria, de Lisboa que ele ajudara a fundar vinte anos

antes. Depois retoma o avião e ei-lo em LiIle, no seu saudoso Norte que ele

abandonara naquele longínquo 1903... Aí reencontra o mano José, sua família...

Está esgotado, a saúde periclitante. Em Beaucamps ei-lo enfermo. Todos

pensaram que a morte era próxima. Certa noite, ele sofria tanto que pedia a

Deus que o tomasse. O médico chegou à noitinha, com o sorriso sobre os

lábios disse-lhe: “Pagai a champanhe que eu vos recoloco em pé!” E o irmão

Afonso avançou a mão. Efetivamente voltou a viver, levou bom tempo, mas

voltou. E a garrafa de champanhe foi paga e bebida à sua saúde. Queria porque

queria assistir ao congresso mundial dos antigos alunos maristas em Bruxelas

em meados de agosto de 1967.

O médico autorizou com muita reserva. Irmão Afonso conseguiu

acompanhar a totalidade das reuniões e assembléias gerais e participar, às

vezes, de maneira ativa. O Congresso se desenvolveu no Palácio dos

Congressos. No encerramento o irmão Afonso recebeu do Santo Padre a

comenda de São Silvestre.

Voltou a Beaucamps para descansar e terminar a convalescença. No

outono, outubro, o médico autorizou a sua volta ao Brasil. Partiu mesmo sem

29

rever seus familiares. Sempre teve em mente seu berço marista, Beaucamps. A

última carta é de fim de abril de 1970. Vamos citar dela alguns trechos. É um

hino a Deus:

“Depois da morte de meu irmão José, eis-me só sobre a terra. Espero ir

encontrá-lo brevemente. Não sei que atividades ainda possa empreender

descansar um pouco e rezar muitos terços. Leciono sempre a alguns meninos

pobres da redondeza. Muito obrigado pelas cartas que me vêm da Província: há

sempre tantas coisas a saber. Pode-se dizer: “Gallia docet”. A PUC realizou o

exame vestibular para dois mil candidatos. As férias terminam em fins de

fevereiro, no dia 1º de março todas as escolas reabrem as portas. A PUC

matriculou 7.500 estudantes. Este ano inauguramos a Faculdade de Medicina.

Tudo isso nos obriga a rezar, pois os tempos são difíceis, não podemos dizer

tudo nos jornais ou mesmo na correspondência. O correio acaba de me

entregar “Relève” e o resultado de vosso capítulo. Como não poderia eu deixar

de vos agradecer essas atenções! Li chorando, os testemunhos dos jovens

irmãos antes de sua profissão, como isso é belo! Não, tudo não está perdido,

longe disso! Isso me recordou os meus anos de formação em Beaucamps. Vesti

o hábito no dia 19 de março de 1903. Naquela mesma noite, os sectários

votaram a expulsão dos religiosos da França. O padre pregador no-lo disse,

mas a alegria nos impediu de tomar sentido no que dizia. Na manhã seguinte o

irmão Mestre disse-nos que poderíamos ficar em Beaucamps até o dia 1° de

agosto. Apesar de o noviciado estar em marcha nos preparamos para o brevet e todos os candidatos ao concurso foram aprovados. No dia 1° de agosto, com

O saco de viagem na mão, o irmão Lietbert nos levou em filas cerradas até a

estação. Depois do pequeno discurso acabado por um “Viva a França!”, ele

mergulhou em lágrimas.

Em Pittemn, em Pommeroeul, trabalhamos duramente e conhecemos

um período de extrema pobreza, durante o noviciado, que findou no dia dois

de fevereiro. E houve a partida para o Brasil: uma aventura! Tudo isso me

vem muitas vezes à memória para agradecer a Deus e a boa Mãe, Nossa

30

Senhora, e me certificar que é preciso ter sempre a esperança em Deus que é

tão bom.” E a sua carta conclui dizendo: “Tive de ficar um longo período no

hospital por causa de uma crise de hepatite, estou melhor no momento,

preciso, porém, ter precaução.”

Esta carta é por assim dizer o testamento do irmão Afonso — o seu

amor à Província de Beaucamps, seu amor constante pela Universidade, seu

zelo pela educação dos meninos pobres ou abandonados, seu amor à França e

sua esperança total em Deus e Nossa Senhora.

Voltou para Viamão, na Casa de repouso São José. A doença ia aos

poucos tornando conta de seu organismo enfraquecido quer pela idade, quer

pelos achaques e pela ferida na perna que durante dezenas de anos o

acompanhou. Os sofrimentos aumentavam. As suas idas à Capital tornaram-se

mais espaçadas. Vivia em seu apartamento simples, bem arrumado, lendo,

escrevendo e sobretudo rezando. Muitas vezes era visto na capela durante o

dia. Na comunidade dos irmãos idosos e enfermos era uma presença de

incentivo à harmonia, ao bom espírito e à piedade. Algumas vezes a dor e os

incômodos o dominavam e aí manifestava algumas expressões de impaciência

que eram logo depois corrigidas com gestos e atitudes de paciência e

compreensão. A cruz ia-lhe ficando cada dia mais pesada.

Gostava de receber visitas de irmãos, de ex-alunos e amigos. Queria

saber como andavam os assuntos da Universidade, dos colégios, da situação

do País e do Rio Grande. Nas horas em que a dor era mais forte lia, rezava e

escrevia as anotações de leituras. Foi toda a sua vida um lutador pela cultura,

pela boa leitura. Sobre a sua mesa estavam as revistas da Congregação, o

“Osservatore Romano”, outras revistas de caráter religioso. Quem o visitasse

recebia uma mensagem de ânimo e de otimismo. Raras vezes ouvia-se dele

alguma queixa sobre a doença, sobre o ambiente ou o tratamento recebido.

A doença ia caminhando a largos passos. Declarou-se um câncer no

estômago. As dores eram agudas. Precisou ser internado no Hospital São

31

Francisco, em Porto Alegre. Feitos os exames clínicos notou-se que nada mais

havia a fazer, o mal tinha-se alastrado por todo o organismo.

O apartamento do Hospital seria o encerramento do caminho do

Calvário. Do princípio de abril a maio as dores aumentaram. Os sedativos de

pouco serviam. Os irmãos das diversas comunidades se revezavam à sua

cabeceira dia e noite. Ele, resignado, tomou consciência da gravidade do mal

mas bruxoleava-lhe ainda alguma esperança. Ao médico que o visitava disse:

“Doutor não me deixe morrer!” Mostrava como a vida lhe era cara apesar dos 83

anos já vividos...

Os incômodos, as dores foram aumentando. Diversos sacerdotes

além dos padres capelães da Santa Casa e do Hospital São Franscisco

levavam-lhe os confortos da religião. A todos agradecia e insistia para que

rezassem nem tanto para ele mas para as obras maristas, para o bem dos

irmãos e das comunidades.

Às 19h do dia 10 de junho de 1970 entregou sua bela alma a Deus

assistido por um grupo de irmãos. Descansou de sua longa, operosa e

atribulada caminhada tia esteira do Senhor Jesus. Poderia dizer como Apóstolo

Paulo: “Combati o bom combate, terminei minha carreira, louvado seja Deus!”

Deixo a palavra ao Irmão Renato Lúcio, superior provincial, nessa

época, que assim escreve sobre ele no dia 14 de junho no Boletim da Província:

“Após ter exalado o último suspiro, seu campo foi transportado para a

Cidade Universitária, pela qual tanto se dedicara. Lá foi velado na Capela

particular, transformada em câmara ardente. A notícia de sua morte correu

célere por todos os quadrantes do Estado e do País. Durante a noite

compareceram diversas personalidades, além de seus irmãos, ex-alunos e

amigos, como também durante o dia seguinte até às 16 horas.”

Reunido um grande número de pessoas na Capela da PUC e

dependências, iniciou-se às 16 horas a missa de corpo presente, sendo

celebrante Dom Edmundo Kunz, Bispo Auxiliar de Porto Alegre e professor da

Universidade, concelebrantes Frei Olírio Colombo, OFM, capelão e o Pe.

32

Tarcísio de Nadal, diretor da Faculdade de Teologia. No penegírico falou D.

Edmundo, ressaltando as virtudes e os méritos do falecido, aplicando-lhe a

comparação da semente que deve morrer para produzir fruto, pois sobretudo

uma personalidade tão marcante apesar de desaparecida dos nossos olhos

continua viva por suas obras e exemplos.

Organizado o préstito, formou-se longa fila de automóveis rumo ao

cemitério da comunidade marista em Viamão. Sob uma fina chuva invernal

chegou-se à Vila Nossa Senhora das Graças, dirigindo-se o carro fúnebre e os

acompanhantes imediatamente ao cemitério onde já descansam os coirmãos

que precederam na eternidade. Após as orações litúrgicas proferidas pelo Pe.

Colombo, acompanhadas por todos os presentes. os irmãos e noviços

entoaram diversos cânticos de ocasião, salientando-se o canto da “Salve

Rainha” tão marista e “Com minha mãe estarei”.

Após a oração final, falaram diversos oradores: o Prof. Dr. Francisco

Juruena. Vice-Reitor da Universidade, em nome da Universidade e de modo

particular do Magnífico Reitor, Ir. José Otão, ausente por achar-se

hospitalizado; o Ir. Roque Maria, ex-Assistente Geral da Congregação, em

nome de todos os Irmãos: o Sr. Consul da França, homenageando um tão

ilustre filho de sua Pátria: o Prof. Dr. Antônio César Alves, Diretor da Faculdade

de Ciências Políticas e Econômicas em nome dos ex-alunos do falecido e por

delegação telegráfica do ilustre ex-aluno e Ministro do Supremo Tribunal

Federal Prof. Dr. Elói José da Rocha: o Dr. Nilo Wulf, Presidente da Federação

das Associações Gaúchas de Antigos Alunos Maristas, em nome da FAGAAM e

de todos os ex-alunos maristas.

Todos os oradores, em palavras comovidas, manifestaram os

sentimentos de pesar por tão grande perda para a Congregação, ressaltando as

grandes qualidades pessoais do irmão Afonso, os méritos se sua longa vida em

benefício da juventude brasileira. Assumiram o compromisso, perante seus

restos mortais, de continuarem sua obra e seguirem os seus exemplos de

educador marista.

33

Distinções e títulos honoríficos

Irmão Afonso passou a vida semeando o bem sem preocupar-se com

honras e reconhecimentos humanos. Os encargos e os trabalhos sempre foram

muitos e pesados. Desde 1918, nomeado Diretor interino do Colégio Santa

Maria, até 1958 em que deixou o cargo de Assistente ou de Conselheiro Geral

da Administração Geral da Congregação, esteve em cargo de mando e de

superior de comunidade, de província e de governo geral. Quarenta anos muito

lhe pesaram nos ombros e muito realizou nas quatro décadas em favor da

infância, da juventude e da Congregação dos irmãos maristas.

A 2 de fevereiro de 1946, a Congregação da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras outorgou-lhe o título de BENEMERÊNCIA.

A gratidão de tantas gerações foi-se afirmando pelas honrarias e

títulos honoríficos que ele recebia e sempre atribuiu à Congregação dos

irmãos maristas. No dia 7 de março de 1951 a Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul o agraciava com o título de “Doctor Honoris

Causa”. O prof. Dr. Armando Pereira de Câmara saudou o homenageado

com um vibrante e sábio discurso.

No dia 27 de maio de 1954, na festa da Ascensão do Senhor, no salão

nobre da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em sessão

solene presidida pelo governador do Estado, Gen. Ernesto Dorneles, foram

outorgadas as comendas da Ordem do Cruzeiro do Sul ao Irmão Afonso e aos

irmãos: Paulo Norberto, Eduardo e Emílio Conrado. Foi uma homenagem da

nação brasileira à insigne obra educadora da congregação dos irmãos maristas.

Na mesma oportunidade, o cônsul da França Pierre Martin, entregou ao

irmão Afonso a CROIX de Chevalier de L’Ordre National de la Légion d’Honneur, distinção outorgada pelo presidente da França a pessoas que muito

fizeram para a glória da pátria.

Assim encerrava o discurso o cônsul da França: “Cruz da Legião de

Honra e do Cruzeiro do Sul reunidas sobre o coração de um religioso francês,

34

que símbolo mais significativo da amizade e da compreensão recíprocas

existentes nos dois paises latinos, amizade e compreensão que os irmãos

maristas contribuíram a desenvolver!...

Ex-alunos dos irmãos maristas, aqui presentes, é a vós que me dirijo

para terminar: sede orgulhosos de vossos antigos mestres, daqueles que vos

deixaram, como daqueles que estão sendo glorificados, hoje: ao dá-los a Brasil,

a França vos presenteou com os melhores dos seus filhos”.

Em 1967, por ocasião do Congresso da União Mundial dos antigos

alunos maristas em Bruxelas, na Bélgica. o Santo Padre, Paulo VI, condecorou-

o com a comenda de São Silvestre “Pro Ecclesia et Pontifice”. como

homenagem da Santa Sé ao exímio educador marista.

Em 1967 os antigos alunos maristas de Joaçaba (SC), prestaram

homenagem significativa ao fundador do Colégio Frei Rogério. Por ocasião

dos festejos do Cinqüentenário da fundação da cidade e os vinte e cinco

anos da criação do colégio foi outorgado ao irmão Afonso o título de

“Cidadão Joaçabense”.

Em 1971, no dia 8 de dezembro foi inaugurada na Cidade Universitária

a herma em bronze ao benemérito fundador da Pontifícia Universidade Católica

do Rio Grande do Sul, irmão Afonso, obra do escultor Ari Cavalcanti.

35

ELOY JOSÉ DA ROCHA

Eloy José nasceu na cidade de São Leopoldo-RS, no dia 3 de junho de

1907, filho de Dogello José da Rocha e de Olga Teresa Kruse da Rocha.

Nos primeiros anos de meninice viveu em sua cidade, quando tinha seis

anos os pais transferiram residência para a Capital. Ali o pequeno foi

alfabetizado no Colégio Irmãos Antunes, perto de sua casa. Iniciou o Curso

Ginasial no Ginásio Júlio de Castilhos. Não se agradando do Colégio, o pai o

transferiu para o Colégio Nossa Senhora do Rosário que funcionava na época

no antigo Seminário, à Rua do Espírito Santo, n° 95. Aí começou uma amizade

profunda com o Irmão Bernardo (sempre lembrado).

Ministro Eloy José da Rocha

Terminado o Ginásio, ingressou, apesar da pouca idade, nos Cursos

Preparatórios dirigidos pelo Irmão Weibert. Em 1924 era acadêmico da

Faculdade de Direito onde pontificava o Desembargador André da Rocha. Para

defender as despesas, com a Faculdades, trabalhou nos Correios e Telégrafos,

onde se encontravam outros estudantes.

36

Concluiu o Curso em dezembro de 1928 e colou grau em abril de 1929.

Teve a influência do Padre Werner von und zur Mühlen S.J., formador

da juventude rio-grandense, como escreve Ruy Cirne Lima no Correio do Povo,

sob o título — “A Presença da bondade”: “No Rio Grande do Sul tivemos a

conviver conosco, durante algumas décadas, um desses patriarcas, sacerdote

e, além de sacerdote, professor. Alemão de nascimento, fidalgo de estirpe, era,

acima de tudo, uma das mais altas expressões da bondade humana, sempre a

buscar identificar-se com os de sua pátria de adoção, unir-se lhes às

inquietações, angústias e sofrimentos, para conduzi-los, à tranqüilidade e à paz

(...). Era como a irradiação da bondade, que lhe iluminava todo o ser, algo de

eterno a fazer perdurar tudo quanto há de verdadeiro e de bom, no homem que

passa e no efêmero que flui.”

O próprio Eloy José escreve em “Memórias de um discípulo”, a 20 de

maio de 1989, a respeito do Irmão Weibert: “Dele se pode dizer, com o filósofo,

que carregou na vida, o seu tempo. Ao fim, aos 88 anos, podia, como um

privilegiado olhar para dentio de sua alma e dizer: Deus, hoje, na minha velhice,

é o mesmo da minha infância, da minha juventude e da minha idade madura.

Dei-lhe meu tempo, minha vida. Ele, que não muda, deu-me a graça da

perseverança, para dar-me a eternidade.”

A segura formação nas fontes de um humanismo cristão autêntico

marcava as concepções de vida e de ação de Eloy José da Rocha, declara o

Ministro José Nery da Silveira.

Vale a pena lembrar os nome dos colegas de turma na Faculdade de

Direito: Alberto Pasqualini, Mem de Sá, Ruy Cirne Lima, Elpídio Ferreira Paes,

Vicente Marques Santiago e Eli Costa. Todos chegaram a ser professores na

Faculdade de Direito e os dois primeiros Senadores da República.

Fato interessante: achava-se no último ano dos estudos, de

conformidade com a legislação de então, foi nomeado no dia 20 de janeiro de

1928, pelo Presidente do Estado, Antônio Augusto Borges de Medeiros, por

indicação do Diretor da Faculdade, Desembargador André da Rocha, juiz distrital

37

(municipal) de São Francisco de Paula. Desempenhou brilhantemente as funções

de 7 de fevereiro de 1928 a maio de 1930, quando pediu exoneração. Foi

sucessivamente, juiz no Município de Taquara e de Bento Gonçalves.

Exerceu a advocacia no Foro de Porto Alegre, quando ainda

estudante nos anos de 1926 e 1927 e, depois, já formado de maio de 1930 a

março de 1947 e de agosto de 1950 a abril de 1953. Suspendeu a advocacia,

ao tempo em que exerceu o cargo de Secretário de Estado, e a encerrou, ao

ser nomeado para o Tribunal de Justiça. Foi membro do Conselho de Ordem

dos Advogados do Brasil, secção do Rio Grande do Sul, de março de 1939 a

março de 1943.

Magistério

José Eloy teve profunda influência de seus professores Irmãos Maristas

no Ginásio Nossa Senhora do Rosário: Irmão Bernardo e depois Irmão Weibert

nos Cursos Preparatórios. Assim é que de 1924 a 27, como acadêmico e nos

tempos e nos municípios em que foi juiz era convidado a lecionar: Língua

Portuguesa, História do Brasil, Doutrina Moral e Cívica, etc.

Ao retornar à Capital com Diploma de Bacharel manteve a amizade

com os Irmãos. Naquele tempo Irmão Afonso, discípulo do Irmão Weibert, era

diretor do Colégio Nossa Senhora do Rosário na Av. Independência, 359.

Começou-se a falar da criação do Curso Superior de Administração e Finanças,

pedido pelos alunos finalistas do Curso Superior de Comércio. Eram três

homens que viam longe e viam de maneira patriótica e solidária: Irmão Afonso,

Eloy José da Rocha e Elpídio Ferreira Paes, ex-alunos do Irmão Weibert. Das

poucas reuniões acontecidas surgiu um currículo para os três anos do Curso

que foi inaugurado no dia 12 de março de 1931. Eram doze alunos matriculados

efetivamente ficaram nove. Mais tarde Elpídio Paes recordando aquele 1930

escreveu bela crônica: Tres faciunt collegium. Vale a pena recordar o nome dos

primeiros professores: Irmão Afonso, Diretor, Eloy José da Rocha, Elpídio

Ferreira Paes, Carlos Saknies, Colombo Rodrigues de Lima e Irmão José

38

Ignácio Calvo Alonso. Passados dois anos, o prof. Eloy foi convidado a assumir

a direção da Faculdade que tomou o nome de Ciências Políticas e Econômicas.

Lecionava as disciplinas de: Direito Civil e Direito Constitucional. Direito

Comercial. Legislação operária e Direito Industrial, fixando-se a partir de 1933,

na última disciplina de que se tornou professor catedrático.

A primeira turma de bacharéis em Ciências Econômicas no Sul do

Brasil, aconteceu no dia 18 de julho de 1934, no Salão nobre da Biblioteca

Pública. Naquele tempo o corpo docente era formado de 16 professores, sendo

onze bacharéis, três Irmãos Maristas e dois Contadores.

Em 1934, pelo Decreto do Governo do Estado nº 5.758 de 28 de

novembro era criada a Universidade de Porto Alegre, formada pelas Faculdades

existentes: Direito, Medicina, Engenharia, Farmácia, Agronomia e Veterinária.

Grupo de professores fundadores da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas de

Porto Alegre em 1931 Irmão Afonso e o Prof. Eloy José da Rocha fizeram tudo para que a

Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, fosse incluída na Universidade.

39

Apesar da insistência do Presidente do Estado, Dr. Antonio Flores da Cunha, a

Comissão organizadora não aceitou, alegando razões financeiras.

Nota-se neste fato como os homens, da primeira hora desejavam

fortemente a Universidade. Esse desejo permaneceu no coração do Irmão

Afonso e de seus colaboradores, viria a concretiza-se a 9 de novembro, de

1948. Em circunstâncias muito mais favoráveis e promissoras.

Em maio de 1939, venceu o concurso de provas e títulos, conquistou

a cátedra, então denominada Legislação do Trabalho e Direito Industrial,

apresentando como tese a monografia “A Extinção do Contrato de Trabalho

no Direito Brasileiro”. Dedicou essa obra à memória de Dogello José da

Rocha — PAI EXEMPLAR.

No mesmo ano o Irmão Afonso convocou Eloy José para organizar

junto com o Elpídio Ferreira Paes e o Irmão Faustino João a Faculdade de

Educação, Ciências e Letras, depois mudou o nome para Filosofia. Foi o

primeiro Diretor de 1939 a 1945, e posteriormente, de 1955 a 1956.

Não foi diversa sua colaboração ao ensejo da criação da Faculdade

Católica de Direito, ao lado de Armando Câmara, Armando Dias de Azevedo,

Francisco Juruena, Mem de Sá, Ruy Cirne Lima e Antonio César Alves.

Assumiu com firmeza e galhardia a cadeira de Direito do Trabalho, formando

mais adiante uma equipe de renome nacional e internacional, com Carlos

Alberto Barata da Silva, Ermes Pedro Pedrassani.

Em 1981 na celebração dos 50 anos da Faculdade de Ciências

Políticas e Econômicas: 21 de maio, foi-lhe outorgado o título de Professor

Emérito, registrou o orador da solenidade: “Múltiplos foram os seus préstimos e

tão assinalados foram seus serviços dedicados à comunidade marista que a

outorga do título de Professor Emérito é de consagradora justiça. Doutor Eloy

José da Rocha, neste momento em que a sua querida Universidade lhe presta

esta homenagem, relembramos o homem que com dedicação, fé e otimismo

ajudou a construí-Ia”.

40

Volto a citar o texto do discurso homenagem do Ministro José Néri da

Silveira, no S.T.F. no dia 30 de agosto:

“Na homenagem deste Tribunal, de 10 de agosto de 1977, por motivo

de sua aposentadoria, referindo-se à vocação pedagógica do homenageado, o

saudoso Ministro Leitão observou: “Tão vigorosa era essa inclinação que na

fase, às vezes dramática, do juizado municipal, achou tempo para, com outros

operários do mesmo ofício, entre os quais o erudito e saudoso Elpídio Paes,

seu colega de turma, mais tarde, seu colega, na cátedra de Direito Romano,

ministrar o ensino das primeiras letras, talmente primeiras, na mor parte dos

casos, que principiava com a alfabetização (...). Tudo isso supria, no entanto, o

sentimento de solidariedade humana, ora se prontifica a reger disciplinas em

institutos de ensino superior recém-criados, ora amplia, desenvolve e aperfeiçoa

esses estabelecimentos quando chamado a dirigi-los, a fim de melhor

atenderem ao interesse público... Professor por vocação, profundamente

afeiçoado à sua disciplina, à qual se manteve fiel, suas lições oraculares,

bebidas com encantamento, fizeram escola entre os que se deixavam fascinar

pelo novo ramo do direito, que, fazendo estalar perturbadamente, em nome do

social, velhas categorias jurídicas, repele classificação exclusiva ou no jus

público ou no jus privado, porquanto pretende estar, por assim dizer, a cavalo

sobre um e sobre outro.

Em outubro de 1952, indicado, em lista tríplice, Eloy da Rocha foi

nomeado, pelo Presidente da República, Diretor da Faculdade de Direito da

UFRGS, funções que exerceu até o ano seguinte, quando delas se afastou, em

razão da investidura como Desembargador do Tribunal do Estado.

Continuamos a transcrever o texto do Ministro José Néry da Silveira: A

2 de dezembro de 1945, Eloy da Rocha, no processo de redemocratização do

País, é eleito Deputado Federal, vindo a participar, intensamente, dos trabalhos

constituintes, na elaboração da Constituição de 18 de setembro de 1946,

notadamente, com emendas apresentadas ao Projeto, relativas ao Poder

41

Judiciário e aos princípios sobre o trabalho. Foi notável o seu discurso, de 3 de

julho de 1946, inserto no Diário da Assembléia Constituinte.

Após os árduos trabalhos da Constituinte, retornando ao Estado,

assumiu o cargo de Secretário de Educação e Cultura, ao qual foi convocado

pelo ilustre Governador Walter Jobim, em março de 1947 até 2 de agosto de

1950, reassuinindo a seguir, o mandato federal.

Concluído o mandato legislativo retornou Eloy da Rocha à advocacia e

ao magistério superior. Indicado, entretanto, em 1953 pela segunda vez, pelo

Tribunal de Justiça, em lista tríplice, para provimento de cargo de

Desembargador, reservado pelo quinto constitucional, a advogados, -

juntamente com os outros ilustres juristas gaúchos Poty Medeiros e Orlando da

Cunha Carlos, - veio, então, a ser nomeado em abril do referido ano pelo

Governador Ernesto Dornelles, para compor a Corte de Justiça do Rio Grande

do Sul. Na solenidade de posse, o Doutor Justino Vasconcelos, na Presidência

do Tribunal assim falou: “Mestre, na sua banca de advocacia; Mestre, na sua

cátedra Universitária e Mestre ainda — e, taIvez, sobretudo mestre

evangelicamente anônimo, na sua Conferência Vicentina, Mestre no falar,

Mestre no agir e Mestre no Ser, Vossa Excelência, ensinou ao Rio Grande a

ver, além da Lei, o Direito e a Eqüidade, além dos atos, o Homem além das

estatísticas, a Família, ao redor da mesa, e a mãe, que reparte o pão. Ensinou

Vossa Excelência os progressos que não se medem apenas em cifras, mas por

uma pauta de valores espirituais, que Nação nenhumna não pode jamais

abandonar, sob pena de perder sua fisionomia de perder sua identidade, sob

pena de perder-se”.

Por quase treze anos e meio Eloy da Rocha foi Desembargador. Como

anota Leitão de Abreu, exerceu o ofício jurisdicional “de tal modo que o seu

nome passa a ser cogitado para a Suprema Corte”.

Foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, em 22 de agosto

de 1966, pelo Presidente Humberto de Alencar Castello Branco, tomando posse

a 15 de setembro, na vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Carlos

42

Medeiros Silva. Foi Eloy José da Rocha o primeiro diplomado pela hoje

centenária Faculdade de Direito de Porto Alegre que chegou ao Supremo

Tribunal Federal. O ilustre Ministro Moreira Alves ao saudar o novo presidente

da Corte a 9 de fevereiro de 1973, assim observou:

“Aqui, revelaram-se, desde logo, as facetas mais marcantes de sua

personalidade. Agudeza, minudência e ardor lastreados por cultura e senso

jurídico admiráveis”. Admirava pela leitura dos textos nas revistas jurídicas:

“A lógica de seu pensamento, a sutileza de seu raciocínio, facilidade com

que, as mais das vezes, afastava os escolhos do erro para alcançar o

esplendor da verdade”.

O Ministro Leitão de Abreu asseverou:

“Tudo isso realizou sob a roupagem da mais estrita simplicidade. A sua

simplicidade, que possui raízes muito mais profundas, visto como decorre da

sua própria maneira de ser, de forma espiritual, que lhe é intrínseca, forma

espiritual que o afeiçoou à prática de uma das virtudes mais difíceis, qual a da

modéstia, para não dizer da humildade intelectual, ascese a que nem os anjos,

na sua rebelião, se mantiveram fiés.”

A esta reflexão acrescento eu recordando os mestres que teve os

Irmãos Bernardo e Weibert cuja ascese vital era prática das três virtudes:

simplicidade, modéstia e humildade.

Em 11 de fevereiro de 1969, o Ministro Eloy José da Rocha, eleito pelo

Supremo Tribunal Federal, Ministro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral,

juntamente com o Ministro Djaci Falcão tomou posse naquela Corte Superior.

Na mesma ocasião foi eleito, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, no

desempenho dessas funções permaneceu até fevereiro de 1971, havendo

presidido às eleições a renovação do Congresso Nacional e Assembléias

Legislativas dos Estados.

No dia 9 de fevereiro de 1973 atingiu o ápice do Poder Judiciário, sendo

empossado Presidente do Supremo Tribunal Federal, eleito que foi pelo

Colegiado para o biênio fevereiro de 1973 a fevereiro de 1975.

43

Assumiu a insigne investidura com objetivos de ação a serem

realizados, no sentido da Reforma do Poder Judiciário. Levou o tema aos meios

de comunicação e aos círculos jurídicos da Nação, em visitas e palestras.

Na sessão de posse de seu sucessor, Ministro Djaci Falcão, em 14 de

fevereiro de 1975, o Ministro EIoy da Rocha acentuou:

“Do que foi realizado, dei contas, há pouco. O que se realizou não

correspondeu, inteiramente, às minhas aspirações e aos meus ambiciosos

propósitos de bem servir, o que foi possível foi feito”.

Tomo a seguir o texto do Ministro José Nery da Silveira. Não foi

diferente Eloy José da Rocha, também, na vida privada.

A 30 de janeiro de 1937, contraiu núpcias com D. Juracy Ligia de Souza

da Rocha, união que o Senhor, em sua misericórdia, tornou longa e feliz, por

quase cinqüenta e três anos, como urna autêntica unidade de vida e de amor.

Desse matrimônio abençoado nasceram cinco filhos, que, como rebentos de

oliveira, no dizer do Livro Santo, ornaram a sua mesa: Dr. Paulo José da Rocha,

advogado, professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, da qual foi vice-diretor, sendo Juiz do Tribunal

Regional do Trabalho da 4ª Região; Dr. Fernando José da Rocha, Doutor em

Genética pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professor

aposentado de Genética e ex-Diretor do Instituto de Biociências da mesma

Universidade Federal; D. Maria Teresa da Rocha Sanzi. casada com o Dr.

Pedro Antônio Sanzi, Procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul;

Dr. Francisco José da Rocha e Dra. Maria Amélia Souza da Rocha, ambos

advogados militantes.

Pai exemplar e esposo amantíssimo, EIoy da Rocha dedicou-se, desde

sua aposentadoria, praticamente com exclusividade, à assistência constante de

sua esposa enferma, até o falecimento desta, ocorrido em 8 de janeiro de 1990.

Cultuou-lhe e reverenciou-lhe, após, a memória, com ternura comovedora,

como a significar que só o amor basta para levar-nos a subir, sempre, do tempo

44

para a eternidade, porque é ele, também, forma de todas as virtudes (Tg.2; 2, 2,

23, 8) e que nos conduz à generosidade, qual via para a plenitude.

O Instituto dos Irmãos Maristas em reconhecimento pela dedicação de

Eloy José da Rocha na fundação e na estruturação dos cursos universitários

outorgou-lhe o título de Filiação à Congregação. com direito a orações especiais

das comunidades maristas e aos sufrágios.

Após ter vivido tranqüila e sabiamente os anos de senectude rodeado

do afeto dos filhos e netos veio a falecer no dia 29 de abril de 1999. Teve

exéquias muito concorridas no Cemitério de São Miguel e Almas.

A memória do Ministro, do professor e do amigo Eloy José da Rocha

ficará imorredoura na obra por ele iniciada a Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul, na qual brilha como vigoroso pilar, exemplo de ciência, de fé

e de amor, pois só o amor constrói para a eternidade.

45

ELPÍDIO FERREIRA PAES

Infância e Juventude

Elpídio nasceu na Colônia Militar do Uruguai, município de Palmeira das

Missões, no dia 24 de fevereiro de 1902. O pai, major do exército Pedro

Pelágio Paes, lotado naquela região. Poucos anos depois a família se

transferiu para Bagé, no exercício das funções do Major. Nessa cidade Elpídio

realizou os estudos primários na escola pública. Tempos depois, com a

transferência do Major para a Capital, no Quartel General, a família fixou aqui

residência definitiva. Inicialmente Elpídio cursou o Ginásio Júlio de Castilhos,

concluindo os estudos no Ginásio Nossa Senhora do Rosário, que nos anos

de 1914 a 1926 estava sediado nas salas da atual Cúria Metropolitana, à Rua

do Espírito Santo, 95. Resolveu completar sua preparação aos exames

vestibulares freqüentando os Cursos Preparatórios, dirigidos pelo Irmão

Weibert, nas disciplinas de: Aritmética, Geografia, Corografia e Noções de

Cosmografia. Desse convívio de dois anos com o Irmão Weibert surgiu uma

amizade profunda e profícua. Nunca mais o Elpídio abandonou os Irmãos

Maristas. Nos últimos anos dedicou ao venerando mestre, falecido em 1947,

um de seus trabalhos.

Em 1924, prestou os exames vestibulares na Faculdade Livre de

Direito, colando grau de bacharel em 1928. Pertenceu à turma de 21 bacharéis

que se destacaram na Faculdade e, depois, na vida pública. Entre esses, fato

raro, oito ingressaram como professores na Universidade de Porto Alegre,

depois Federal do Rio Grande do Sul: Alberto Pasqualini, Eloy José da Rocha,

Elpídio Ferreira Paes, Ely Costa, Mem de Sá, Ruy Cirne Lima, Vicente Marques

Santiago, todos da Faculdade de Direito, Armando Fay de Azevedo, na

Faculdade de Ciências Econômicas.

Sua vida de jovem acadêmico, sempre muito discreta, era devotada aos

livros. A família tinha vastas relações sociais, Elpídio não era de passar muito

tempo em divertimentos e lazeres.

46

Elpídio Ferreira Paes

Freqüentava as conferências do Padre Werner, no Colégio Anchieta, e

de Frei Pacífico de Bellevaux, no Convento dos Capuchinhos. Com as lições

desses mestres aprofundou-se na filosofia e na verdadeira prática da religião

católica, conforme as lições do Irmão Weibert.

Primeiros passos profissionais

Logo após a formatura, em 1929, foi nomeado Assessor Jurídico da

Prefeitura Municipal de Taquara, onde esteve até 1931. Nessa bela terra

encontrou a eleita do seu coração, a futura companheira e esposa. Isolda

Holmer.

Deixou a assessoria jurídica para ingressar na carreira do magistério.

Sentia em si aquele chamado veemente de ser professor.

Irmão Afonso vinha de mais tempo sonhando e projetando a Faculdade

de Comércio. Convidou o Elpídio, amigo do Irmão Weibert para colaborador no

Ginásio Nossa Senhora do Rosário e no primeiro Curso Universitário de

Ciências Econômicas. Irmão Afonso, ex-aluno do Irmão Weibert, na França. era

47

homem de seu tempo e de grande visão, interpretando a conjuntura social do

momento, avaliou a necessidade de serem preparados agentes para tratar o

fato econômico, à luz dos princípios científicos e cristãos, razão pela qual

decidiu criar a Faculdade, requerida pelos alunos do Curso Superior de

Comércio de 1930.

O núcleo original da Faculdade foi o Instituto Superior de Comércio, do

qual Elpídio, além de professor era secretário, cargo que manteve, quando da

aprovação oficial da Faculdade, em 1935, ao lado de Eloy José da Rocha,

então diretor. Desde o início lecionou Direito Constitucional e Civil e Direito

Administrativo e Ciências da Administração de 1933 a 1940.

A cultura de Elpídio ia muito além das matérias da jurisprudência.

Preocupava-se com o fenômeno lingüístico. visto em sua ampla expressão

científica. estética desdobrando-se em Linguística, Filologia, Dialectologia,

Teoria e Crítica literária. As línguas antigas e modernas, em especial o latim e a

respectiva literatura. tomavam extensas horas de estudos e investigações.

No Curso pré-jurídico do Ginásio Nossa Senhora do Rosário de 1933 a

38 lecionou: Língua Portuguesa e Gramática histórica. No Colégio Júlio de

Castilhos de 1933 a 36, lecionou Latim.

Continuando os seus estudos jurídicos se aprofundou no Direito

Romano. Em 1938, inscreveu-se no concurso de títulos para provimento, por

contrato, da cadeira de Direito Romano na Faculdade de Direito da

Universidade de Porto Alegre, obteve o primeiro lugar. Em dezembro do mesmo

ano, inscreveu-se em novo concurso de títulos e provas para professor

catedrático de Direito Romano. Em novembro de 1939, realizou-se o brilhante

concurso perante a comissão examinadora composta dos professores:

Armando Pereira da Câmara (presidente), Alberto de Brito, Ely Costa, Salomão

Pires Abrahão e Oswaldo Vergara. Outro concorrente era o professor João

Henrique. Elpídio saiu vencedor. Em 1940 assumiu com todas as honras a

cátedra de Direito Romano, posto que ocupou até o final do ano letivo de 1971.

Lecionou, outrossim, na mesma Faculdade: Direito Civil, de 1940 a 43; Direito

48

administrativo, de 1941 a 45. Não deixou, porém, de trabalhar ao lado do Irmão

Afonso para conseguir a instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

em 1939, tendo tido a aula inaugural em março de 1940, no salão nobre da

Faculdade de Direito. Auxiliou os projetos do Irmão Afonso junto com o Irmão

Faustino João na preparação e no processo de autorização da Faculdade

Católica de Direito, em 1947. Assumiu como catedrático fundador, a disciplina

de Direito Romano.

A vocação ao magistério veio-lhe cedo quando se encontrava em

Taquara, com o Dr. Olavo de Carvalho e Dr. Eloy José da Rocha, então juiz de

menores na cidade, fundaram um curso noturno de preparatórios com o objetivo

de propiciar oportunidades aos jovens desejosos de continuar os estudos. Era

histórica a sua dedicação ao curso, dedicando-lhe todas as horas do tempo

livre.

Em 1942, começaram a funcionar os cursos da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da Universidade do Rio Grande do Sul, assumiu as cadeiras

de Língua Latina e Literatura de 1942 a 1971, lecionou, outrossim, por algum

tempo Filologia Românica.

Ainda em 1942, por ato do Governo Estadual foi nomeado Diretor da

Faculdade de Direito, cargo que exerceu até 1949, quando solicitou exoneração

por razões pessoais.

Toda a vida profissional de Elpídio Paes caracterizou-se pela extrema

dedicação e profundo amor à causa do ensino e da educação. Em ambas as

universidades da Capital a sua atividade revelou-se intensa e comprometida,

razão pela qual parte importante de suas pesquisas e estudos permaneceu sem

o acabamento necessário para a publicação. Por outra parte a sua laboriosa e

dedicada existência de estudos e reflexão permitiu levar a seus numerosos

alunos uma mensagem autêntica de humanização e cultura.

Além das atividades docentes em quatro Faculdades achava tempo

para participar de reuniões dos departamentos de Letras, de Direito Privado

e Processual, dos Conselhos técnicos administrativos das Faculdades, do

49

Conselho Universitário; do Conselho Nacional de Educação; da Comissão

do MEC para a reforma do ensino superior, além de outras funções similares

em conselhos e comissões que soem serem freqüentes e comuns

na vida acadêmica.

Em 1971, participou ativa e amplamente para a estruturação do

programa de pós-graduação de Letras da UFRGS.

Elpídio Ferreira Paes professor de quatro faculdades participava de

outras atividades associativas como: Sociedade Brasileira de Romanytas,

Associação interamericana tais de Direito Romano; Alliance Française (1955 a

1972), Associação de Estudos Clássicos.

Participou em muitas comissões julgadoras de concursos de cátedra

nas Faculdades de Direito e de Letras. Entre outras citarei o Concurso de

Dionísio Fuertes Alvarez, para a cátedra de Língua e Literatura Espanhola, de

Antonio João Silvestre Mottin para a cátedra de língua e Literatura, da Língua

Portuguesa; de João Batista Comilloto, de Língua Grega e Literatura.

A vida familiar

Elpídio desposou dona lsolda Holmer, filha de tradicional família de

Taquara. Viveram um tempo naquela cidade, transferindo-se depois para a

Capital. Ela jovem professora repartia o tempo no atendimento dos alunos e nos

afazeres domésticos. As horas de convivência eram poucas pois Elpídio

passava as manhãs e as tardes no ensino nas Faculdades de Direito e de

Letras. O encontro era ao meio-dia para o almoço e à noite. Eram horas de

convívio, muitas vezes, ocupadas em correção de temas de alunos ou de

preparação de aulas para o dia seguinte. Sábados à tarde e aos domingos era

maior o tempo que o casal dedicava a si mesmo. Lembro aquele apartamento

de preciosos livros, no terceiro andar do prédio do Clube do Comércio, na Praça

da Alfândega. Às vezes que visitava o caro Mestre, Dona Esolda sempre

solícita na acolhida servia o café e entretinha a boa conversa.

50

Como não tivessem filhos, dedicou-se a educar uma sobrinha que

venceu brilhantemente na vida.

Nos últimos anos adquirira confortável apartamento na Rua

Duque de Caxias.

Pertinaz doença o afligiu nos anos de 1970 e 71, agravando-se em

janeiro e fevereiro de 1972. Entregou sua bela alma a Deus, no dia 12 de

fevereiro, alguns dias antes de completar 70 anos.

O velório aconteceu no salão da sua querida Faculdade de Direito,

numerosíssimos amigos, colegas e ex-alunos deram-lhe o adeus nos mesmos

corredores em que durante 34 anos dera o melhor de si para a ciência e cultura

na formação de novas gerações de advogados, de magistrados e juízes para o

Rio Grande e para o Brasil.

A Profª Isolda Holmer Paes num gesto de desprendimento ofereceu a

Biblioteca Jurídica à Faculdade de Direito da UFRGS, e as obras de cultura

geral e de Filologia, Língua Portuguesa e Língua Latina à Biblioteca Central

Irmão José Otão.

Primeira turma de bacharéis em Ciências Políticas e Econômicas, 1933. Sentados: Carlos Pedro Gerlach, Otávio Leind, Luiz Baroni, João Schmidt em pé; Lones Menezes, Décio Oscar Kramer,

Arlindo Borsato, Antônio M. da Silva Filho, Ciro Menezes da Cunha.

51

Obras e estudos publicados

Elpídio Ferreira Paes foi professor, ao elaborador e transmissor de ciência

e cultura, pouco tempo lhe sobrava para os trabalhos de preparar e escrever livros

ou manuais. Encontram-se preciosos artigos em revistas e periódicos.

Dos Atos Ilícitos no Direito Romano — tese de concurso — 1938.

Alguns aspectos da Fonética Sul-Rio-Grandense — Revista do Instituto

Histórico do Rio Grande do Sul — 1938.

Obras Públicas — Aspecto romano e aspecto moderno — 1939.

Nacionalidade e Cidadania — Anais da Faculdade de Ciências Políticas

e Econômicas, 1940 Dois Séculos de Língua Portuguesa — Anais do III

Congresso Sul-rio-grandense de História e Geografia — 1940.

De Loci Complementis dissertativo — Anais da Faculdade Livre de

Filosofia, Ciências e Letras — 1942.

De Jure Gentilicio Romamorum — Anais da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras, 1945.

Organização Financeira dos Romanos — Anais da Faculdade de

Filosofia, Ciência e Letras — 1948.

Verba, Nun Res — Anais da Universidade Católica do Rio Grande

do Sul — 1948.

Manuscritos de obras inacabadas:

− DICIONÁRIO LATINO-PORTUGUÊS

− ESTUDOS SOBRE POESIA LATINA

− DIREITO ROMANO.

(1) Jan − março 1972, p. 76-81.

(2) “Ensaios de Filologia”. 1.a edição, p. 232.

(3) “O Movimento Modernista” in “Temas Brasileiros”. Vários, Rio,

1968, p. 52.

(4) “Correio do Povo”. 1.0−5−73. p. 13.

52

(5) “40 Anos a Serviço da Cultura”. Porto Alegre, Edição da PUC,

1971, p. 116.

A vasta cultura de Elpídio Ferreira Paes tinha a sua força de apreensão

através das línguas que sabia: falava, lia e escrevia em: Português, Francês,

Italiano, Espanhol e Latim. Lia e escrevia: Inglês e Grego; Lia — alemão.

Importantes e esclarecedores são os artigos de colegas que revelam

facetas importantíssimas da personalidade de Elpídio Ferreira Paes,

que reproduzimos.

Artigo especial para o Correio do Povo do colega de turma e de

Magistério Ruy Cirne Lima:

A Longa Jornada

Trilhamos, durante decênios, lado a lado, caminhos paralelos. O curso

secundário, primeiro; depois, o curso jurídico, e, enfim, a carreira no

magistério jurídico. Era Elpídio Paes, baixo de estatura, cabelo ralo a dilatar-

lhe sonhadoramente a fronte, homem, porém, de perfil forte, olhar firme e

gestos secos.

O traço mais vivo de sua feição exterior era a exatidão, no vestir-se, no

andar e no conduzir-se. O livro, sempre outro, de que não se apartava nunca,

sobraçava-o com rigor reverencial, jamais se permitindo o trazê-lo, a balouçar-

se preguiçosamente, à ponta dos dedos.

Voltado, desde a adolescência, para o estudo das letras clássicas, sua

inclinação, nos lindes da Ciência Jurídica, haveria de definir-se, como se

definiu, para o Direito Romano. Fora a disciplina, suprimida, do currículo das

Faculdades de Direito, pela reforma do ensino de 1931. Nem mesmo,

entretanto, as reformas de ensino do Brasil podem dizer-se mais resistentes

que o Direito Romano. Reinstalado, no currículo jurídico, o Direito Romano,

Elpídio Paes prestou concurso, do qual se saiu brilhantemente, e entrou a

ensinar as instituições jurídicas de Roma aos nossos estudantes.

53

Suas preleções fundiam, de modo admirável, a estrutura jurídica

permanente e o fluxo transformador da história. Nelas, como em sua mesma

dissertação de concurso, a exatidão, que lhe era como uma segunda natureza,

imprimia contornos precisos a cada conceito e ao conjunto, aquela harmonia,

que, só da nitidez perfeita realmente surge e se irradia.

À sua vez, a exposição jurídica, particularmente, a do Direito Romano,

revela, desde logo, algo de surpreendente para o estudante: mais o direito

modifica os fatos, que os fatos modificam o direito. À codificação romana do

século VI, ajustaram-se, lenta e progressivamente, todas as legislações

contemporâneas, já não anteriormente modeladas pelo Direito Romano, como o

sistema jurídico anglo-americano, cujas linhas capitais diferem das dos

sistemas jurídicos do continente europeu, somente por dimanarem,

imediatamente, do Direito Romano clássico, já muito antes, implantado, pela

conquista, nas ilhas britânicas.

Essa perturbadora surpresa ganhava-lhe, sem detença, o interesse dos

estudantes. Exerceu, assim, Elpídio Paes, influência decisiva sobre a formação

jurídica de nossa mocidade. Não só lhes descerrava, ao início do curso, a larga

visão de uma organização jurídica, que tempo faz, cada dia, mais atual e nova,

senão, também, lhes incutia pacientemente a exatidão, a fidelidade ao

pormenor, como diretiva básica do aprender.

Nenhum de seus estudantes, estejamos seguros, o esquecerá, nem ao

professor excepcional, nem ao homem, compreensivo e afetuoso, que lhes

resolvia as dúvidas, incansavelmente os guiava por entre as dificuldades do

estudo e, generosamente, lhes aplacava os ressentimentos e as queixas.

Agora, para Elpídio Paes, cessou a longa jornada, nem sempre fácil e

agradável. Veio-lhe a morte às vésperas do repouso na aposentadoria, como a

substituir-se a esta, ⎯ recompensa demasiado pequena para esforço tamanho,

de tão profunda riqueza interior.

Todos os caminhos desta vida, certo, mais dia, menos dia, levam-nos

ao crepúsculo. Mas, esse crepúsculo que, da lado de cá, nos aparece como

54

crepúsculo da tarde, é, do lado de lá, o crepúsculo da aurora, - dessa alvorada

que se abre gloriosamente, por entre as sombras do tempo, para os que, do

tempo, corajosa e confiantemente, avançam ao encontro da eternidade.

“Pelo céu da tarde uma primavera se ergue a florescer”.

Tal, o verso de Hölderlin; tal o misterioso sentido que se há de atribuir à

morte. como fim de todas as jornadas.

Festa de formatura − Letras − 1961, Prof. Elpídio (paraninfo)

Angelo Ricci (homenageado) Irmão Faustino

***

55

A profª Izabella D.B. Ferlini escreve no Correio do Povo de 18/02/1972.

Um grande mestre

“Muitos poderão igualá-lo, talvez, na fidelidade ao cumprimento do

dever, ninguém, ultrapassá-lo”, dizia digno e destacado professor da Faculdade

de Direito da UFRGS domingo último, no velório do Professor Elpídio Ferreira

Paes, à autora destas linhas.

Salientava assim, uma das qualidades marcantes de quem foi de

invulgar exação no desempenho da mais singela, como da mais relevante tarefa

que lhe era cometida. Uma ironia fina, uma crítica oportuna, manifestavam

claramente o quanto achava errôneo o proceder dos que se mostravam menos

precisos no desempenho de suas atribuições, sem fazer, contudo, paralelo com

seu próprio proceder, exato e correto mesmo na execução de serviços que

poderia justificadamente solicitar a outros mais novos e com menos encargos.

Difícil era aos mais jovens tomar-lhe a dianteira, quando numa atenção

para com ele. Queriam chegar cedo à alguma reunião ou para algum

compromisso em que se deveria contar com sua presença; sua proverbial

pontualidade trazia-o na mesma hora ou até antes.

Os que com ele se encontravam como colegas, como discípulos ou

como pessoas a seu serviço eram favorecidos com exemplo e estímulo, que

oferecia com bom humor e simplicidade.

Seu espírito de doação extraordinário, seu grande devotamento ao

próximo tinha a preocupação dos laços invisíveis que na vida societária nos

prendem aos demais; procurava estar sempre lembrado dos outros,

não só de seus familiares e amigos, tuas de todos os que ainda que

remotamente dependiam de seu agir, de modo que ninguém poderia dizer-

se por ele esquecido.

Onde particularmente se revelaram as qualidades desta consciência

reta foi no desempenho da função docente, em que se pode buscar ao vivo seu

56

respeito à Verdade, sua valorização do conceito de Justiça, seu sentido de

responsabilidade, seu grande apreço pela criatura humana.

Prestes a aposentar-se por implemento de idade, era ainda o

professor assíduo e interessado, de espírito vivaz, com total capacidade de

trabalho e de estudo.

Embora muito culto e com uma larga experiência de magistério,

aprofundava sempre mais seu já vasto cabedal de conhecimentos e preparava

ainda regularmente suas aulas, para renovar detalhes, para evitar a rotina;

objetivando tornar atraente e despertar o interesse por disciplinas como Língua

Latina e Direito Romano que, numa visão imediatista, espírito demasiado

prático poderia achar sem razão na época atual. Impedindo a monotonia,

mostrava o valor de uma língua morta e de uma civilização finda, mas cujo

progresso e realizações no campo do Direito ainda hoje a humanidade colhe.

Buscava captar a atenção, tornando os temas sedutores e atraentes.

Tinha por ideal ensinar realmente e do melhor modo; os que corresponderam a

seus esforços obtiveram graças às suas preleções, bom embasamento para

ulteriores estudos.

Tinha o dom pedagógico de transmitir conhecimentos com simplicidade

e de modo acessível. Observava igualmente, o que sugeriu Horácio: “Quidquid

praecipies, esto brevis, ut cito dicta percipiant animi dociles teneantque fideles”,

isto é “Em ludo quanto ensinares, sê conciso, a fim de que os espíritos dóceis

apreendam lestos teus preceitos e os conservem com fidelidade”.

De espírito jovem e de uma capacidade peculiar de compreensão do

estudante, sabia a um tempo compreender seus ideais, sua busca de objetivos

e explicar seus erros, dando acertada orientação no sentido de serem

contornados os mesmos e suas conseqüências; estimulava, de outro lado, as

boas iniciativas.

Sabia que se é agradável e bom contemplar a Verdade, melhor ainda é

comunicá-la, transmiti-la aos outros. Em sua vida encontramos a comprovação

de que refletir a luz é algo mais que recebê-la e que iluminar um amplo espaço

57

é mais que luzir qual chama de uma vela. Generosamente difundia seu saber

adquirido em estudo assíduo. Não fazia, contudo alarde de seu vasto cabedal

de conhecimentos nem denotava a mínima vaidade qualquer orgulho. Isto

porque outra de suas qualidades que num “in memoriam” não se pode silenciar

era a modéstia. Não guardava entretanto egoisticamente sua cultura.

Estas algumas das impressões de quem durante mais de três décadas

teve a honra de desfrutar dos ensinamentos e atenções deste Mestre pequeno

na estatura mais grande quanto a suas realizações e a suas qualidade pessoais

que atingiu a realização de seu ser no cumprimento fiel de sua vocação para o

magistério a que se devotou integralmente.

Em 26 de fevereiro de 1974, o prof. Irmão Mainar Longhi publicou no

Correio do Povo escorreito artigo em que espelha personalidade de um dos

maravilhosos pilares da PUCRS.

Lembrando Elpídio Paes

Faz dois anos que nos deixou o professor Elpídio Ferreira Paes,

profundamente ligado às duas Universidades da Capital.

Dedicou-se ao Direito e à Lingüística — uma aliança frequente em

Portugal e no Brasil. Acerca do setor jurídico há depoimentos abalizados de

Armando Dias de Azevedo, Izabella Feruni e Ruy Cirne Lima na revista

“Estudos”. Sobre a sua contribuição no campo lingüístico existe promessa de

uma análise por parte de Silvio Edmundo Elia. Um de seus trabalhos foi

premiado no I Congresso da Língua Nacional cantada, realizado em São Paulo

no ano de 1937, foi, aliás, uma das comunicações apresentadas naquele

certame organizado por Mário de Andrade, um dos líderes do modernismo

literário brasileiro. Trata-se de “Alguns aspectos da fonética sul-rio-grandense”.

A leitura da monografia premiada e a análise de “Dois séculos de

linguagem portuguesa” (Separata dos “Anais do III Congresso Sul-Rio-

grandense de História e Geografia — 1940) nos dão conta, entre outros fatos,

da legitimidade da existência da norma brasileira e da narina lusitana da Língua

58

Portuguesa, da evolução Lingüística, da possibilidade de infração gramatical na

obra literária em proveito da expressão, da validade da situação e, portanto, do

registro, para a determinação do correto e do incorreto em linguagem. Ele

atendeu antecipadamente ao desejo do citado Mário de Andrade, expresso na

conferência de 30 de abril de 1942, no Rio de Janeiro de codificar as

“tendências e constâncias da expressão lingüística nacional”. A antecipação

ocorreu também quanto aos estudos sobre fatos locais, recomendados pelo

professor Celso Cunha.

Pelas referências, o leitor pode dar-se conta do pesquisador atualizado

e, em muitos aspectos, pioneiro, que foi Elpídio Paes. Maiores condições de

avaliação possuem aqueles que acompanham a sistemática do ensino

universitário de Letras. A disciplina específica desses temas é de inclusão

relativamente recente no currículo (e ainda passível de suspeição). Seja

lembrado, igualmente que no magistério superior de Línguas sua atividade se

concentrou no Latim.

Para quantos tenham vinculação com a Pontifícia Universidade Católica

do Rio Grande do Sul, é oportuno lembrar que o início da instituição está ligado

principalmente a três pessoas: o atual presidente do Supremo Tribunal Federal

e os saudosos Irmãos Afonso e Elpídio Paes. Estas palavras são do próprio

professor Elpídio: “ (...) três pessoas, conjugando seus esforços, procuraram dar

nova dimensão ao Instituo que funcionava anexo ao Ginásio Rosário. Isso lá

pelos anos de 30... 4 Afonso, EIói, Elpídio eram esses personagens. Afonso

seria o supervisor, EIói o diretor, Elpídio o secretário. Ora, segundo alguns

etimólogos. Afonso significa “nobre e diligente”; Elói “o de boa palavra”; Elpídio,

“o que traz esperança”. Pois da “união da diligência com a eloqüência e a

esperança” resultou a colaboração preciosa de vários professores que iniciaram

essa marcha para o futuro”. Tal Instituto se transfomaria na Faculdade de

Ciências Políticas e Econômicas.

Foi evocado o pesquisador, o fundador. Impõe-se, agora, que

pensemos em Elpídio-lealdade. em Elpídio-honradez, em Elpídio-humildade, em

59

Elpídio-despreendimento, em Elpídio-idealismo, em Elpídio-devotamento, em

Elpídio humano. Essa é a constatação de quantos aqui o conheceramn; essa é

a convicção de seus alunos; essa é a certeza de seus amigos de Porto Alegre,

do Rio, de Lisboa, de Coimbra e de Paris. Quanto às três últimas cidades, ouvi

depoimentos de vários lingüísticas e filólogos.

O professor Elpídio ainda estava conosco quando o Conselho

Universitário da PUC aprovou o título de “Professor Emérito”; a entrega da

distinção, contudo, foi “post-mortem”, na sessão do mesmo colegiado de 2 de

maio do ano passado.

O antigo diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul e professor das duas universidades de Porto Alegre constitui

um exemplo. Sem qualquer veleidade retórica, diria que ele foi o educador que

gostaríamos de ser.

A lembrança está aliada à certeza da bem-aventurança indicada pela Fé.

O prof. Dante de Laytano, Diretor da Faculdade de Filosofia, foi aluno

de Elpídio e cresceu graças ao incentivo e à força que o mestre lhe dava, no dia

6 de outubro de 1976, escreveu significativa missiva no ato inaugural da

Biblioteca Elpídio Paes no Colégio Arami Silva.

Ao Colégio Arami Silva

Depoimento para a Biblioteca Elpídio Paes

ELPÍDIO FERREIRA PAES não foi apenas um profundo conhecedor do

Latim, que ele amou e respeitou, desvendando-lhe sortilégio do tempo andado

pelo espaço das civilizações do mundo. Mas, ao desossar, com engenho e arte,

todo o corpo do Direito Romano, ele se transformou na maior autoridade do Rio

Grande do Sul neste contexto que fez a força de um povo, a vida de uma

cultura e a glória de um império. Latinista e romanista, veio a ser, entre nós,

também o mestre do idioma de Camões, a sétima fala usada no mundo entre as

cento e cinqüenta que existem, e defensor do escrever com elegância tanto

60

quanto o acerto devido. Ufanava-se do legado português, uma pátria geográfica

tão pequenina que criou o quinto país deste globo terrestre. Poeta na intimidade

de seu pensamento e músico na mocidade, assim sua personalidade se formou

abeberando-se das mais legítimas fontes de inspiração, caminhos da arte e

estradas povoadas de sonhos.

ELPÍDIO FERREIRA PAES era um asceta, renunciou com coragem as

grandezas do existir e negou-se conscientemente de participar das vaidades

exteriores, porque a modéstia era sua virtude essencial e dela fez grande uso

com discreto sentimento de uma vocação para a dignidade de não enriquecer, a

não ser no cérebro e no espírito. Amigo exemplar. Ninguém se atreveria a dizer

ao mesmo um comentário menos elogiável de algum de seus conhecidos. Este

era o grande momento de perder o senso de equilíbrio, o que lhe ficava muito

bem, pois socorria o amigo insultado.

Sua vida ele a resumiu na sua Isolda. A companheira para sempre. Até

depois da morte.

Encerramos as citações de amigos, ex-colegas, ex-alunos com o

depoimento do ex-Diretor da Faculdade de Direito da PUCRS e mestre das

duas faculdades, Prof. Dr. Armando Dias Azevedo, saído no Correio do Povo de

13 de fevereiro de 1972, dia seguinte do falecimento.

Elpídio Ferreira Paes

Estão de luto as ciências jurídicas e litero-lingüística referente à

civilização oriunda do Lácio, com a morte do prof. Elpídio Ferreira Paes,

jurista e humanista.

Elpídio Paes, nascido em Palmeira das Missões, a 24 de fevereiro de

1902, professor catedrático de Direito Romano das Faculdades de Direito, e de

Língua e Literatura Latinas nas Faculdades de Filosofia de ambas as

Universidades aqui sediadas, a UFRGS e a PUCRS, faleceu a 12 do corrente,

poucos dias antes de sua aposentadoria compulsória na Faculdade de Direito

da UFRGS., retardada legalmente por 5 anos, atendendo aos seus méritos por

61

proposta minha, na última sessão de Congregação em que tomei parte,

proposta essa prazerosamente sufragada pela unanimidade dos seus

componentes, pois não queríamos privar nossa mocidade das lições de tão

insigne mestre, enquanto a lei o permitisse.

Morreu em pleno combate, pois, ainda em fins de dezembro até o início

das férias escolares, trabalhou intensamente, em exames, comissões, etc.

Além de sua notável dissertação de concurso “Dos atos ilícitos no Direito Romano”, com que brilhantemente conquistou essa cátedra na

Faculdade de Direito da UFRGS, em concurso a cujas provas públicas tive a

ventura de assistir, em que revelou sua vasta cultura e imensa erudição,

publicou, apesar de sempre assoberbado pela enorme tarefa da regência de

duas cadeiras em cada uma das duas Universidades, numerosos ensaios em

revistas, anuários e outros repositórios.

Foi mais que tudo um professor, na mais genuína acepção da palavra,

compenetrado de seus deveres, não faltando jamais a uma aula, severo quanto

à seriedade das notas das provas e demais trabalhos escolares, mas amigo

incomparável da mocidade, não deixando passar oportunidade de amenizar

suas magistrais lições com saudável dose de humor. Nunca foi agressivo, mas

apenas usava de sua fina ironia que não feria ninguém.

Ocupou por oito anos o cargo de diretor da Faculdade de Direito da

UFRGS, tendo sua fecunda gestão sido assinalada com grandes realizações e

obtido resolver sempre pacificamente, sem diminuição de sua autoridade, os

casos que sempre surgem na vida dum estabelecimento de ensino.

Fez todo o seu curso jurídico na nossa Faculdade, tendo colado grau

a 20 de abril de 1929, pertencente à brilhante turma de 21 bacharéis que

terminou seu currículo em 1928 e que — fato raro — deu à UFRGS nada

menos que oito professores universitários que honraram e honram as

cátedras: Alberto Pasqualini, Eloy José da Rocha, Elpídio Ferreira Paes, Ely

Costa, Mem de Sá, Ruy Cirne Lima e Vicente Marques Santiago, professores

62

da Faculdade de Direito e Armando Fay de Azevedo, professor da Faculdade

de Ciências Econômicas.

Elpídio Paes era casado com D. Isolda Holmer Paes, também

brilhante professora universitária, formando um casal modelar nossa

sociedade, dedicado à mais nobre das missões na ordem temporal —

educação da mocidade.

Dedicado exclusivamente ao magistério e às atividades culturais, jamais

o seduziram os ouropéis da carreira política ou de outra qualquer.

Li, não faz muito, um pensamento dum escritor italiano, G.B. Ramoino,

dando a definição do mestre, e, como assenta, como uma luva, à personalidade

invulgar de Elpídio Paes, não me furto ao ensejo de aqui o traduzir:

“O mestre é o operário do pensamento, o apóstolo que leva a boa

nova, o sacerdote que fala da fé, esperança e amor. O mestre é a escola, e

quanto mais culto e zeloso ele é, a escola é freqüentada e propagada a

urbanidade, a gentileza, o respeito pelos velhos e pelos superiores, o amor ao

trabalho e a moralidade”.

Sim, Elpídio Paes foi tudo isso e, daí, o fato de chorarem sua

irreparável perda seus colegas, seus amigos, seus antigos e atuais alunos, que

veneram agora sua memória, como a de um sábio e de um justo: omnis

sapientia a Domino Deo est (ecli, I, 1); beatus homo aqui invenit sapientiam

(Prov., III, 13); justi fulge bunt sicut sol in regno Patris coelorum (Mat, XIII, 43).

63

ARMANDO PEREIRA DA CÂMARA

Para o presente escorço biográfico nos valemos, em parte, da

Apresentação feita por Luís Alberto De Boni ao livro Armando Câmara Obras

escolhidas, Coleção Pensadores gaúchos, EDIPUCRS, 1999

Vida

Armando Pereira Câmara nasceu em Porto Alegre em 10 de novembro

de 1898 e faleceu aos 19 de março de 1975. Filho do general

Prof. Armando Pereira Câmara

Alfredo Câmara e de Zeferina Pereira da Câmara, neto de José Antônio

Corrêa da Câmara (Visconde de Pelotas) e bisneto de José Feliciano

Fernandes Pinheiro (Visconde de São Leopoldo), fez os estudos secundários na

Escola Militar de Porto Alegre. Como Pedro Abelardo, poderia dizer que fora

destinado à vida militar, mas que preferiu as lides de Minerva às de Marte. E tal

como no caso do mestre medieval, a troca das armas pela academia não

significou o abandono do espírito guerreiro e sim a transferência da luta para

outros campos.

64

Solteirão, residiu a vida toda na morada da família, no Solar dos

Câmara. Homem de costumes nobres e simples foi assim descrito por um de

seus assistentes, Prof. Sérgio Figueiredo: “Vestia com a sóbria elegância de um

gentleman: terno escuro, sobretudo e chapéu preto. Tinha o andar calmo e

solene e tirava o chapéu como um fronteiriço. Era um homem austero, sóbrio,

de porte ascético, resultado de uma vida voltada ao estudo, à pesquisa, à

reflexão e à oração, mas, quando se expressava, toda essa potencialidade

acumulada seria enérgica e generosamente atualizada. Ninguém adivinharia

que aquele homem fechado e circunspecto pudesse transfigurar-se a tal ponto

de, não raro, arrancar aplausos ou formidáveis gargalhadas com seus ditos

inesperados, cheios de sabedoria e humor.”

Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito

de Porto Alegre, em 1925. Tornou-se em 1931, professor de Propedêutica

Jurídica e, mais tarde, de Filosofia do Direito na mesma Faculdade. Assim

iniciava uma longa carreira intelectual, que só se encerrou em 1975.

Conversão

Armando Câmara pertenceu à geração de “convertidos”, daqueles

cristãos de nascimento que, entre o final do século XIX e a segunda Guerra

Mundial, renegaram o esprit du siècle, para engajar-se em um catolicismo

militante. Foram homens como Charles Péguy, Jacques Maritain, Giovanni

Papini, Agostino Gemelli. Gilbert K. Chesterton, Jackson de Figueiredo, Alceu

Amoroso Lima, Gustavo Corção e tantos outros. Naqueles tempos havia em

Porto Alegre dois grandes mestres orientadores da juventude acadêmica: o

jesuíta alemão Padre Werner von und zu Mühlen e o capuchinho francês Frei

Pacífico de Bellevaux.

Câmara viveu, como poucos, este modelo de vida cristã, no qual o

empenho era chegar à Verdade e atingir o Bem exigia disponibilidade e

abertura para o mundo, sem negligenciar, porém, o combate de peito aberto

aos erros maiores de uma época, em sua visão, flagelada por males como o

65

indiferentismo religioso, o positivismo, o comunismo, o nazifascismo, o

modernismo, a psicologia profunda freudiana, o naturalismo educacional de

origem americana, o laicismo político e tantos outros ismo. Como alternativa —

propunha-se, então, uma sociedade recheada de instituições católicas: desde

os círculos operários como substitutos dos sindicatos, até os jornais e revistas,

das escolas e as universidade ao partido político (que a sabedoria do Cardeal

Sebastião Leme impediu fosse fundado no Brasil) ou ao menos ao serviço de

orientação do eleitor pela Liga Eleitoral Católica (LEC).

Filósofo e Professor

O professor Câmara lutou em todos esses âmbitos e frentes. A

conquista das cátedras na Faculdade de Direito dominada pelo Positivismo não

foi nada fácil. Aos poucos líderes católicos estavam lá com a sua filosofia

perene cristã. Outros projetos se concretizaram com o auxílio e a visão do

educador marista Irmão Afonso: Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas,

em 1931; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em 1940; Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Rio Grande do Sul em 1942;

Faculdade Católica de Direito, em 1947. Aí estavam as lideranças católicas

preparadas pelos irmãos Maristas, pelos Padres Jesuítas e pelas Irmãs de São

José e Irmãs Franciscanas. Os colégios católicos da Capital e do interior do

Estado forneciam excelentes vocações para o laicato católico na Ação Católica

nos vários níveis. O Prof. Armando Câmara surgia como o líder por excelência,

a pessoa de referência na cultura, na sociedade, na política. De seus projetos,

alguns tiveram vida e força durante anos como o Jornal do Dia, a Rádio da

Universidade, a Associação de Professores Católicos, o Movimento de luta

contra o marxismo, a revista Estudos, cuja redação esteve no Colégio Anchieta,

na rua Duque de Caxias.

Homem de estudos e de ação, jurista, filósofo, orador, situou-se como

pensador, bem acima daquilo que recebeu dos meios acadêmicos de seu

tempo. Não teve contatos diretos com os centros donde pontificavam os

66

grandes mestres, abeberava-se em leituras, em reflexões e meditações dos

grandes temas. Em sua biblioteca no Solar buscava as luzes que ele espargia

em suas aulas ou conferências. Naquelas longas horas de silêncio e de

profunda meditação formava-se o líder, o orientador da geração de seus

contemporâneos. parceiros de caminhada de levar adiante o facho da Verdade,

do Bem e do Belo da filosofia tomista.

O colega e amigo Prof. Ruy Cirne Lima, muito bem o descreveu: “O

impulso à disquisição filosófica não provém, segundo o filósofo rio-grandense,

da curiosidade, se não do interesse moral, da preocupação de seus fins. Kant

situa a metafísica no campo da razão prática. Esse é igualmente o ângulo do

qual procede Armando Câmara, para lançar-se à busca da verdade através da

ontologia, pelos longos caminhos do ser [...]. Tão intimamente se

interpenetraram, no entanto, o homem e o ensino, que os grandes traços nos

aparecem antes como feições de sua personalidade, do que como

características de sua obra.”

Dentro desta compreensão do homem e do mundo, jamais concebeu a

Filosofia e o Direito como fechados sobre si mesmos. Estudar, conhecer,

pesquisar só tinham sentido enquanto se voltavam para fazer melhores e mais

felizes os homens. A tanto levavam-no as profundas convicções cristãs e o

apreço que tinha pela figura de São Francisco de Assis. A geração que o

conheceu sabe muito bem de suas lutas em defesa das grandes causas pelas

quais se empenhou, mas provavelmente ignora que ele era irmão da

Conferência dos Vicentinos, empregando boa parte do escasso tempo

disponível em visitar os pobres.

Fato interessante: no dia 7 de março de 1951, por ocasião da outorga

do título de Doutor Honoris Causa ao Irmão Afonso, sendo o Prof. Câmara,

Reitor atribuiu todo o sucesso da ação educativa do fundador da Universidade à

força da caridade. Transcrevemos o parágrafo: “E os frutos da semeadura que

fez, em meio século de labores apostólicos, aí estão sob os nossos olhos

67

cheios de admiração. A opulência desta seara é mais uma ilustração da força

civilizadora da caridade cristã.”

Na diretriz filosófica, Armando Câmara é tido como autor socrático, isto

é, um pensador que pouco ou quase nada escreveu. Luís Alberto De Boni

afirma: “A verdade não é bem essa. Se não compôs livros; se, de fato, redigiu

poucos textos, confiando mais em seus dotes oratórios e em sua excepcional

capacidade de improvisar, se deu pouca importância aos discursos e

conferências que escreveu, não os conservando, contudo, o que resta de sua

obra não é tão pouco como se supõe. Além de um volume com gravações de

alguns cursos e da entrevista concedida ao Professor Jacy de Souza

Mendonça, que constitui a obra Diálogos no Solar dos Câmara, publicada pela

EDIPUCRS, 1999, são inúmeros os textos dispersos pela imprensa: no Diário

de Notícias, no Correio do Povo, no Jornal do Dia, bem como em revistas ou

como fascículos avulsos.

De Boni inaugurou a coleção Pensadores Gaúchos da EDIPUCRS 1999

com o livro Armando Câmara — Obras escolhidas. É uma bela coletânea de

temas filosóficos, sociológicos e políticos: a gênese do pensamento filosófico: a

fllosofia espiritualista e a Psicologia experimental; reflexões sobre a definição do

valor; gênese do conceito de justiça; discursos de Reitor e paraninfo; temas de

caráter religioso; temas políticos: o comunismo e a crise da civilização; a Igreja

e o Comunismo; a Renúncia do mandato de Senador; a Realidade brasileira.

São 220 páginas densas de doutrina, de orientação cívico-patriótica, de

testemunho de fé em Cristo, na pátria e no povo.

A vocação para o magistério fez-se sentir em torno dos trinta anos. O

seu intuito era transmitir aquelas belas e densas lições de seus mestres: Frei

Pacífico e do Padre Werner. Queria romper o monolito formado pela doutrina

positivista na Faculdade de Direito. Teve a nomeação de professor pelo

Governador do Estado Dr. Flores da Cunha para o Instituto de Educação. Teve

oportunidade de lecionar Psicologia às futuras professoras do ensino

fundamental. Anos depois em 1931 foi nomeado para a Faculdade de Direito,

68

abriu-se uma brecha para a Propedêutica Jurídica. Mais tarde veio a ocupar a

cadeira de seus sonhos — Filosofia do Direito. Em 1940, iniciava o Curso de Filosofia, ali estava Armando Câmara

com as suas aulas, orientando as novas gerações, de professores. Em 1942,

iniciavam os cursos de Filosofia, Ciências e Letras na Universidade do Rio

Grande do Sul. Armando Câmara assumiu a cadeira de Filosofia. Era o

filósofo por excelência em suas aulas memoráveis pelo saber e pelos ditos

humorísticos que permeavam as argutas e profundas reflexões. Uma aula

dele na semana, valia por várias, por sua densidade e pelos pontos de

investigação que sugeriam.

Ato inaugural da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. 26/3/1940

— Prof. Armando Câmara

69

Reitor da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul

O prestígio do Prof. Armando Câmara era enorme na vida social,

acadêmica e política do Rio Grande do Sul. A investidura do Prof. Armando

Câmara verificou-se sob o regime do Governo Judiciário. Foi nomeado e

empossado pelo Interventor Federal no Estado, Desembargador Samuel

Figueiredo da Silva, sendo Secretário da Educação Ivo Corrêa Meyer, ilustre

figura do magistério universitário da Medicina (apud Memória da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul 1934 — 1964).

O Reitorado em apreço, iniciado em momento delicado de crise nas

relações Universidade versus Governo do Estado, curiosamente, terminou

dentro de crise similar, embora de maior amplitude. O seu ápice ocorreu quase

ao término do mandato do Reitor, fins de 1948 e início de 1949.

Durante o Governo Judiciário que se seguiu ao fim do Estado Novo,

1945, a autonomia universitária foi ampliada. O Reitor era escolhido mediante

lista tríplice eleita pelo Conselho Universitário, com o mandato de três anos.

Foi uma fase singular na história universitária. Nela se vislumbram,

dado o envolvimento de lideranças, ideológica e filosoficamente definidas e

divergentes indícios de confronto.

O Reitor Armando Câmara assumiu perante o Conselho Universitário as

funções do cargo. Declarou as razões que o induziram a aceitar a honrosa

investidura, em momento delicado da crise aberta entre Governo e

Universidade, pelo ato de reincorporação do instituto de Belas Artes à

Universidade contra a vontade do Conselho Universitário. O Reitor decidiu pela

desanexação da Universidade do Instituto de Belas Artes, mantendo-se a

condição de estabelecimento oficial.

As múltiplas atividades do Reitor Armando Câmara no gerenciamento

da Universidade em ebulição pelos problemas existentes nos aspectos

econômicos, administrativos e ideológicos tomavam grande parte do tempo do

filósofo, do pensador e do professor.

70

Fato interessante foi a outorga do título de Doutor Honoris Causa, pela

Faculdade de Filosofia a sua Eminência o Cardeal Dom Jayme de Barros

Câmara, arcebispo do Rio de Janeiro. A solenidade realizou-se em sessão

solene do Conselho Universitário, com discurso memorável do Reitor, no dia 13

de julho de 1946.

Em agosto de 1946 tomou uma série de medidas e decisões para a

implantação da Cidade Universitária, a ser localizada em zona central. Uma

comissão de professores coordenados pelo prof. Eng° Luís Leseigneur de

Faria colaboraria com a Prefeitura para a localização mais apropriada para a

Cidade Universitária.

No início de janeiro de 1949, eclodiu nova e forte crise na Universidade,

momento em que o Reitor Armando Câmara solicitou demissão em caráter

irrevogável. A problemática daqueles dias teve a sua solução por sábia

resolução do Secretário da Educação do Estado Prof. Eloy José da Rocha que

mandou proceder a sucessão dentro do Estatuto da Instituição.

Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

No dia 9 de novembro de 1948, era decretada a equiparação das

Faculdades Livres de Ciências Políticas e Econômicas, Filosofia, Ciências e

Letras, Serviço Social e Direito, constituindo-se assim a Universidade Católica

do Rio Grande do Sul.

No dia 8 de dezembro do mesmo ano, o Prof. Armando Pereira da

Câmara assumiu a Reitoria da Universidade Católica.

Naquele mês de dezembro e parte de janeiro de 1949, Armando

Câmara era Reitor das duas Universidades. Muito colaborou o Professor e

Reitor para que o processo de equiparação chegasse a feliz termo.

Dom Vicente Scherer Arcebispo Metropolitano e Chanceler da

Universidade deu posse aos componentes da primeira administração: Armando

71

Pereira da Câmara — Reitor; Irmão José Otão, Vice-Reitor: Francisco

Juruena, Diretor da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas; Antonio

César Alves, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; Mario

Goulart Reis, Diretor da Escola de Serviço Social e Armando Dias de

Azevedo, Diretor da Faculdade de Direito.

Em 1949 tiveram importância para alunos e professores as Jornadas

Filosóficas a cargo do eminente filósofo tomista, professor da Universidade de

La Plata, Argentina, Dr. Cônego Octavio Nicolás Derisi. Os temas tratados com

excelente exposição e clareza atraíram um público numeroso, 400 pessoas, no

salão nobre da Universidade.

No dia 28 de agosto, por ocasião do encerramento dos cursos o Reitor

manifestou seu contentamento com as palavras: “Professor Derisi, por terdes

intensificado em todos os que, com encantamento, ouviram vossas profundas

lições, essa consciência do valor transcendente e da perene vitalidade da visão

cristã da vida, por terdes, com vossas magistrais análises revelado a opulência

e a serenidade do pensamento tomista comparado com o transviamento do

angustiado pensamento moderno, a Universidade Católica do Rio Grande do

Sul, quer expressar-vos, nesta hora, sua admiração e seu reconhecimento pela

vossa soberba obra de pensador e apóstolo”. Um ano depois, em seu retorno o

Cônego Derisi recebeu o título de Professor Honoris Causa pela Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras.

Outra obra importante no Reitorado de Armando Câmara foi a outorga à

Universidade, do título de PONTIFICIA pelo Papa, Pio XII, no dia 1° de

novembro de 1950.

No dia 7 de abril de 1951, em sessão solene foi instalada a Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com notável discurso de Dom

Vicente Scherer, sendo coordenado pelo Reitor Armando Câmara, que traçou

diretrizes à Instituição.

72

Na mesma sessão foi outorgado o título de Doutor Honoris Causa ao

Prof. Irmão Afonso fundador da Universidade. No ato solene o discurso do

Professor e Reitor Armando Câmara.

Em outubro de 1951, esboçou-se uma crise na Universidade, referente

ao patrimônio e à nomeação do Reitor e dos diretores, segundo o Estatuto

aprovado em 1948.

A habilidade do Irmão Faustino João impediu que o Reitor Armando

Câmara se demitisse, chegando até o término de seu mandato, no dia 7 de

dezembro de 1951.

No dia 8 de dezembro, o Prof. Dr. Cônego Alberto Etges, nomeado

pelo Chanceler Dom Vicente Scherer de comum acordo com o Prof. Irmão

Vendelino Weiand, presidente da mantenedora, assumiu a Reitoria. As

atividades iniciadas na gestão do Reitor Armando Câmara continuaram sua

trajetória fecunda e renovadora.

Senador e solitário

Terminados os anos de Reitorado nas duas universidade o prof.

Câmara continuou seu tirocínio de filósofo e docente.

Em 1954, aceitando as solicitações da Liga Eleitoral Católica, o Prof.

Câmara lançou-se à eleição de uma vaga para o Senado da República, pela

coligação dos partidos PSD, UDN e PDC sendo suplente o Prof. Mem de Sá.

Não houve grande campanha contra o adversário pelo PTB Dr. João

Goulart, Armando Câmara teve a maior votação da história, vitorioso absoluto,

em 15 de novembro de 1954.

Assumiu a cadeira no Senado e começaram os trabalhos na Comissão

de Constituição e Justiça. Diversos óbices começaram a aparecer na vida do

dia-a-dia, inconformidade com a situação política nacional, desencontros nas

comissões, não aceitação do Estado de sítio, coibidora da liberdade do cidadão.

No dia 27 de abril de 1956, resolveu apresentar a sua renúncia de

modo irrevogável.

73

O sentimento nacional e sobretudo rio-grandense foi profundamente

chocado com a decisão do Senador Armando Câmara. Era o homem feito de

uma peça inteiriça sem dobras. Voltou aos pagos, voltou ao Solar, voltou aos

livros, às meditações.

Era o solitário da Rua Duque, sempre pronto a receber os amigos, ex-

colegas para o Diálogo.

Os últimos 20 anos passaram-se no recolhimento, aceitando convites

para conferências nas Universidades. Armando Pereira da Câmara deixou um

caminho de luz para os contemporâneos e para os pósteros. Muito semeou na

seara do pensamento por isso as Faculdades de Filosofia cresceram,

floresceram, produziram pensadores brilhantes, orientadores em busca da

Verdade, do Belo e do Bem.

Armando Pereira da Câmara, líder dos pensadores católicos de 1925 a

1975, soube imprimir na sociedade rio-grandense o amor pela filosofia e pelos

estudos universitários. Soube por suas conferências, por suas aulas, por suas

atitudes decisivas ser um verdadeiro pilar da Universidade Católica, dando-lhe

apoio, orientação e colaboração irrestrita.

Nos momentos graves de decisão o Irmão Afonso ia consultá-lo. Nas

visitas ao Solar muitas dificuldades foram vencidas, muitos óbices superados. O

prestígio de Armando Câmara era uma diretriz para as iniciativas de ordem

científico-cultural e apostólica.

Testemunhos:

Damos a seguir vários depoimentos, havidos por ocasião da celebração

do centenário de nascimento do mestre imortal.

1 − Prof. Carlos Alberto Allgayer, Diretor da Faculdade de

Direito escreveu:

Pertencente ao grupo de mestres da Filosofia e do Direito que marcou o

pensamento rio-grandense durante várias décadas — aí ombreando-se com

74

Ruy Cirne Lima, Eloy José da Rocha, Armando Dias de Azevedo, para destacar

apenas alguns — sua influência não perecerá com o desaparecimento das

várias gerações de seus alunos. Graças a discípulos que vêm se encarregando

da nobre tarefa de resgatar seu pensamento (expressão que cabe como uma

luva a esse trabalho), a luz de suas concepções certamente se estenderá como

um luminoso facho a inspirar os cultores das letras jurídicas, daqui para um

longo fituro. Isso para que seja sempre atendido seu clamor de jurista, de

filósofo e de pensador católico: “Em milênios de transfiguração cristã da

consciência humana, aquilo que era tido como veleidade, aspiração

sentimental, desejo lírico, anseio utópico, sonho imprudente. Caridade, enfim,

tudo isso se fez exigência jurídica, tomou consistência de direito positivo, de

faculdade moral de ação, garantida pelo Estado. O que se pedia como esmola,

exige-se como direito! O que a Caridade aspirava, a Justiça reconhece e tutela!

Aquilo que alguns filósofos generosamente pensaram (...) — a vocação da

Caridade de ser, de se fazer justiça, isso, no mundo moderno, os Códigos

consagram e os Tribunais reconhecem” (Armando Câmara, in “Missão da

Faculdade Católica de Direito “, 1974).

Por tudo isso, lembrar a figura marcante de Armando Câmara, na

significativa data do centenário de seu nascimento, é dever de fidelidade à

nossa história de povo culto.

2 − José Jappur, advogado escreveu no Jornal do Comércio

em 16/11/98:

“Armando Câmara, por tudo o que fez e pregou ao longo de sua

existência, como sábio, santo, filósofo e mestre, já merecia uma estátua do

Estado do Rio Grande do Sul para exemplo das novas gerações e, no pedestal,

a inscrição: “Todas as riquezas do mundo não valem uma só vida de virtudes”.

3 − O Desembargador Adroaldo Furtado Fabrício escreveu no Correio

do Povo 23/12/98, No Solar dos Câmara:

“Peculiaridades do temperamento do mestre e sua ojeriza à

sistematização (vista por ele, mais do que por outros filósofos, como dispositivo

75

de contenção capaz de aprisionar o pensamento e esterilizá-lo) resultaram na

quase completa inexistência de registros escritos do seu fecundo magistério. Do

muito que ensinou, pouco escreveu e quase nada publicou. Os frutos de sua

docência ríquíssima, de sua oratória deslumbrante e de sua inteligência

privilegiada vivem quase exclusivamente na memória de seus discípulos.”

76

CARDEAL VICENTE SCHERER

O cardeal Alfredo Vicente Scherer em sua trajetória terrestre de 93

anos ilustrou múltiplas faces das atividades humanas quer no campo

sacerdortal — primeiro cardeal do Rio Grande do Sul —, no campo espiritual,

quer na cultura, nas ciências filosófico-teológicas.

Nasceu em Santa Teresinha, distrito do atual município de Bom

Princípio, a 2 de fevereiro de 1903, era o 12° filho de uma família inteiramente

feliz, lar de profundo espírito de religiosidade, alegria e harmonia, de amor à

Igreja e ao trabalho. Os Irmãos Maristas chegaram a Bom Princípio no dia 3 de

agosto de 1900. Eram estreitas as relações do senhor Pedro Scherer com o

Irmão Weibert. Realizou os estudos primários em sua terra natal. Aos 12 anos

seguiu para o Seminário de São Leopoldo, onde completou o curso ginasial. Em

seguida freqüentou o Curso de Filosofia durante três anos, sendo sempre o 1°

aluno da classe. Entrou no Curso de Teologia, completando com brilho, o 1°

ano. Dom João Becker viu nele um jovem de escol. Resolveu enviá-lo a concluir

Teologia e realizar o Doutorado em Roma, na Universidade Gregoriana, dirigida

pelos padres jesuítas. Apresentou a tese, defendeu-a com brilho, foi laureado

com laude. Sua longa permanência na Cidade Eterna inspirou-lhe aquele

acendrado amor ao papa e à santa Madre Igreja. Foi ordenado sacerdote aos

20 anos, no dia 3 de abril de 1923. Concluídos os estudos, após breve giro pela

França onde visitou os santuários de Lourdes e de Lisieux; passou por Paris;

seguiu para a Alemanha para visitar Theley no Sarre, terra natal de seu pai.

Voltou a Porto Alegre, em 1927, foi nomeado secretário particular de Dom João

Becker, que residia na rua Mostardeiro. O Padre Vicente residia na casa

paroquial da Igreja Nossa Senhora da Conceição, atendendo também a

capelania do Hospital Beneficência Portuguesa. Naquele tempo as Irmãs da

Divina Providência trabalhavam exemplarmente na atendimento e na

assistência dos doentes.

77

Dom Vicente Scherer Arcebispo,

Cardeal e Chanceler de 23/2/1947 a 16/9/1981

Em 1930, ao deflagrar-se a Revolução em Porto Alegre, no dia 3 de

outubro o Padre Vicente foi designado pelo Arcebispo a acompanhar as tropas

que durante 21 dias marcharam até o Rio de Janeiro. É desse tempo a amizade

do Padre Vicente Scherer com o Dr. Getúlio Dorneles Vargas.

Em 1931 e 32 foi encarregado de organizar as paróquias de Barra do

Ribeiro e Tapes, residindo, nesse tempo, com o seu irmão Padre Estanislau

em Guaíba/RS.

Em 1936. Dom João Becker nomeou-o pároco da Igreja São Geraldo,

no 4° Distrito da Capital.

Naqueles tempos o Colégio Nossa Senhora do Rosário tinha

numerosos alunos internos e externos, entre as atividades religiosas existia a

devoção de realizar missas e comunhões nas primeiras sextas-feiras de cada

mês, em honra do Sagrado Coração de Jesus.

O Cônego Vicente Scherer era sempre convidado a ouvir as confissões

dos alunos. Estabeleceu com os Irmãos uma bela e duradoura amizade. Irmão

Afonso já criara a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, planejava a

78

criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras para formar professores

para o Curso Secundário. O Cônego Vicente já era pessoa contactada para

auxiliar no Curso de Filosofia.

A operosidade do novo pároco ergueu novo templo capaz de receber os

fiéis do bairro com dignidade e devoção. Em onze anos conquistara a confiança

e o amor daquela gente boa.

Em 1940, o Cônego Vicente Scherer assumiu a cátedra de Lógica da

novel Faculdade de Filosofia. Os múltiplos trabalhos e preocupações que se

acumularam a partir de 1945, obrigaram-no a licenciar-se de sua cátedra tão

prezada por seu espírito filosófico.

Em 1946, Mons. Vicente Scherer recebeu a nomeação de bispo auxiliar de

Porto Alegre. A saúde de Dom João Becker estava comprometida. Pouco tempo

depois veio a falecer, impedindo a sagração do novo bispo. O cabido Metropolitano

elegeu Mons. Vicente Scherer Vigário Capitular, aguardando a decisão da Santa

Sé. A partir de 18 de junho de 1946, passou a dirigir a Arquidiocese.

Em fins de 1946, confirmou-se a nomeação para Arcebispo. A sagração

esteve a cargo de Dom Carlo Chiarlo, Núncio apostólico, vindo expressamente

do Rio de Janeiro em fevereiro de 1947. Foram seus paraninfos de sagração:

Prof. Armando Pereira da Câmara, Reitor da Universidade Federal e professor

das Faculdades Católicas, e Deputado Federal Adroaldo Mesquita da Costa.

Arcebispo Metropolitano em março do mesmo ano, as Faculdades

Católicas fizeram-lhe carinhosa homenagem, oferecendo-lhe o báculo e a mitra.

O aluno de Letras Clássicas, Irmão Elvo Clemente, representou o corpo

discente na saudação ao novo arcebispo metropolitano.

Desde a sua escolha para Vigário Capitular se deparara com três

grandes empreendimentos: continuação das obras da Catedral, iniciadas em

1921; a construção do Seminário Arquidiocesano, em Viamão; o 5° Congresso

Eucarístico Nacional, previsto para fins de outubro de 1948.

Dom Vicente residiu algum tempo na rua Mostardeiro, passando depois

definitivamente para a Cúria Metropolitana. O seu lema — programa buscou-o

79

em São Paulo: “Evangelizare misit me”. As suas mensagens aos fiéis através

de suas práticas e cartas pastorais eram fruto de suas longas horas de oração,

de meditação e contemplação aos pés do Sacrário ou aos pés da estátua de

Nossa Senhora Mãe de Deus (Padroeira de Porto Alegre).

O Congresso Eucarístico Nacional realizou-se com brilho e pleno êxito.

Os hinos e preces ecoaram pelas ruas e avenidas da Capital. As Faculdades

Católicas e os colégios católicos cederam salas para conferências e estudos.

Na Praça Dom Sebastião, no Salão Nobre houve solene sessão com a

presença de todo o episcopado do Brasil no dia 29 de outubro de 1948. Os

bispos todos deram seu apoio e sua adesão ao movimento dos católicos

riograndenses e dos Irmãos Maristas em prol da Universidade Católica. Desejo

que se concretizou pela assinatura do Decreto de equiparação da Universidade

Católica do Rio Grande do Sul, no dia 9 de novembro. O prestígio e a ação de

Dom Vicente se fizeram presentes neste ato de criação da Universidade.

Durante o 5° Congresso, houve a inauguração dos serviços religiosos

no corpo da Catedral, até então eram clebrados na cripta.

A construção do Seminário Maior, em Viamão, começou sob a

responsabilidade da Arquidiocese e das Dioceses sufragâneas. Todas tinham

seminaristas concluintes do seminário menor e destinados aos estudos de

Filosofia e Teologia. Era necessário amplo e adequado espaço para receber

dignamente os futuros sacerdotes do Senhor.

Outras obras do Arcebispo (obras sociais, religiosas e culturais):

Novo Lar de menores

O Pastor da Arquidiocese via com a dor no coração tantos jovens

perambulando pelas ruas, fáceis obreiros do crime. Estudou com os

conselheiros da Mitra um solução. Uma das modalidades encontradas por Dom

80

Vicente foi a criação do Novo Lar de Menores, a ser construído num terreno

adquirido, perto do Seminário Maior. Os recursos foram conseguidos pelo

próprio arcebispo, com um “Livro de Ouro” na mão, visitou pessoalmente

industriais, banqueiros, comerciantes, fazendeiros, católicos, evangélicos,

judeus e de outros credos que responderam com generosidade e apreço. Pouco

tempo depois o Novo Lar era realidade, que perdura até hoje sob a

administração da Congregação Salesiana de São João Bosco.

Escola rural de Estrela

A grande preocupação do arcebispo Scherer como a do seu

predecessor foi a educação, a formação da juventude da cidade e do campo. O

projeto da Escola Rural de Estrela — Stella Matutina visava a formação de

professores para o meio rural: aprendizado das novas técnicas agrícolas,

preparação de novas lideranças no campo. A Escola funcionou por dezesseis

anos, isto é, até 1974. Muitos rapazes e moças tiveram segura e sábia

formação técnica, científica, cívica e religiosa.

Casa de Retiro Vila Betânia

Um grupo de sacerdotes do clero arquidiocesano, principalmente, da

Capital, reunidos em sociedade civil particular adquirira, em 1932, 10ha,

localizados na Cascata, denominação popular do 5° Distrito, coberto de matas,

onde foi construída uma gruta dedicada a Nossa Senhora de Lourdes, onde

ergueu-se um casarão de madeira destinado a retiros e encontros de formação.

Pensou-se na assistência do clero, pela Aracoeli; construíram-se ainda: escola

primária, para crianças pobres do bairro; o cemitério para o clero e um santuário

dedicado a Nossa Senhora. Presentemente a Aracoeli (assistência médico-

hospitalar) está incorporada ao Hospital Divina Providência.

Para a concretização e ampliação da Casa de Retiro, Dom Vicente

designou a ala feminina da Ação Católica, então sob a assistência eclesiástica

81

do Padre Claudio Colling. As sócias da Ação Católica conseguiram fundos e

arranjaram a casa e o parque. Em 1950 o novo prédio de três andares erguia-se

convidativo entre as vetustas árvores. A arquidiocese dispõe desde, então, casa

de retiros espirituais, de encontros de formação e pastoral, de congressos,

convenções e dias de meditação.

Jornal do Dia

Dom João Becker com um grupo de católicos resolveu constituir uma

sociedade civil para publicar um diário católico — o Jornal do Dia. Dom Vicente

manteve a decisão de seu antecessor e, assim estruturou-se o jornal: compra

de um terreno na Rua Duque de Caxias perto do Solar dos Camara. Surgiu o

Jornal do Dia na inspiração de Armando Pereira da Camara, de Ruy Rodrigo

Azambuja e outros, com muitos sacrifícios das paróquias da arquidiocese, com

a abnegação da Congregação do Verbo Divino o diário levou mensagens de

vida e de esperança às famílias de assinantes durante 20 anos.

Muitas outras obras e empreendimentos Dom Vicente Scherer levou

adiante de fevereiro de 1947 a 6 de dezembro de 1981, quando assumiu a

direção do arcebispado Dom Claudio Colling. Sempre manteve a fidelidade no

cumprimento de seu lema: “Evangelizare misit me”.

Atividades, atitudes, atribuições

Desenvolvimento da Província eclesiástica: quando iniciou o seu

governo, o Rio Grande do Sul era constituído de 5 dioceses e uma prelazia; no

fim de 1981 eram 15 dioceses, sendo mais de dez delas, em períodos

diferentes, dirigidas por bispos oriundos do clero da arquidiocese e do corpo

docente da PUCRS.

O Sacerdócio concentra a grande obra de Dom Vicente. Além de 15

bispos sagrados por ele, ordenou 493 sacerdotes, sendo 191 do clero

diocesano e 302 do clero regular e de outras dioceses.

82

Vida paroquial. Durante os 35 anos de arcebispo, foram criadas 105

novas paróquias. Para elas nomeava seus sacerdotes e os do clero regular que

os superiores das respectivas ordens ou congregações punham à disposição.

Paróquias e capelanias pessoais, hoje assim chamada a assistência

especial dada a imigrantes: alemães, chineses, húngaros, japoneses e poloneses.

Ampliação da ação dos fiéis nas ações da Igreja

No espírito do Vaticano Li, expresso na Constituição apostólica Lumen

Gentium e na Cristifidels laici, Dom Vicente soube abrir aos fiéis ações

importantes da Igreja. Restabeleceu o Diaconato para leigos, casados ou

solteiros, como grau próprio e permanente na hierarquia eclesiástica. Este

último concretizou-se com a ordenação do primeiro Diácono, ordenado pelo

próprio Paulo VI, no Congresso Eucarístico Internacional de Bogotá, em 1968,

Prof. Alexandre Gruszynski.

Dom Vicente e a CNBB Em relação ao episcopado nacional Dom Vicente foi o primeiro bispo

brasileiro que assinou seu apoio à criação da Conferência Nacional dos bispos

no Brasil - como instrumento de ação administrativa da Igreja. Sua atividade era

notável nos cargos que assumiu e em suas posições no grande colegiado.

Lamentou profundamente quando, posteriormente, tornou um mais político-

laical do que religioso-espiritual.

Independente e colaborador Em sua atitude com os governos do Estado e da União posicionou-se

independente e ao mesmo tempo colaborador das ações propostas para o bem

comum do povo brasileiro. Foi amigo dos governadores vindos de partidos

diferentes. Diante do movimento de 1964 teve a liberdade dc afrontar e

denunciar injustiças e atos arbitrários, ao mesmo tempo salvar situações

difíceis de pessoas.

83

Alfredo Vicente, Cardeal Scherer

Eram 22 horas de 27 de março de 1969, quando chegou à cúria o

seguinte telegrama:

Cras ephernerides patefacient Summi Pontificis animam te in supremum

Ecclesiae Senatum kalendis maii cooptandi.

Sebastian Baggio — Nuncio apostólico, Dom Vicente recebeu o

telegrama, agradeceu os cumprimentos. Eis a tradução:

Amanhã a imprensa publicará que a benevolência do Sumo Pontífice te

escolheu para integrar, a primeiro de maio, o Supremo Senado da Igreja.”

Na carta que o Papa Paulo VI enviou a D. Vicente dizia a razão de

sua escolha:

Ao venerável Irmão Vicente Scherer Saudação e Bênção Apostólica.

Levamos ao teu conhecimento por esta carta que no próximo

Consistório te incluiremos no Sagrado Colégio dos Cardeais da Santa Igreja

Romana para te manifestar nossa peculiar benevolência e no intuito de premiar

os teus méritos para com a Igreja com esta insigne dignidade.

Confiamos firmemente que ainda possas continuar por muitos anos a

tua vigilante atividade no campo de trabalho que te está confiado em benefício

da Igreja Católica.

Como penhor das graças celestes e em testemunho de Nossa paternal

afeição te concedemos de coração a Benção Apostólica em nome do Senhor.

Vaticano, em 28 de março de 1969, sexto ano do Nosso Pontificado.

Ass: Paulo Papa VI

Sabe-se que a eleição a Cardeal pode também estar ligada à

importância da cidade ou do país da residência do Bispo, como também o valor

84

das ações e da vida do bispo. Porto Alegre e mais ainda a personalidade,

imbuída de Deus e do zelo apostólico devem ter influído decisivamente para a

escolha do novo Cardeal.

Participação na vida da Igreja

Dom Vicente participou de todos os atos e reuniões do Concílio

Vaticano II. Deu o melhor de si, de seus conhecimentos teológicos e de sua

vivência de Igreja nas discussões e nos documentos finais.

Participou dos conclaves que elegerem Albino Luciani em agosto de

1978. a Papa João Paulo Paulo I, falecido 33 dias após: Carlos Woytila em

setembro, João Paulo II. Era importante a amizade de Dom Vicente com o Papa

João Paulo II, que esteve em Porto Alegre, em julho de 1980.

A voz do Pastor

A Voz do Pastor, programa radiofônico posto no ar às segundas-feiras, às

21h, pela Rádio Difusora, no dia seguinte o mesmo texto era veiculado por jornais

da Capital. Era a maneira prática e apostólica de levar a palavra de Deus às

pessoas e aos lares do Rio Grande do Sul. Durante 19 anos, até agosto de 1980, e

a partir daquela data, em alternância com o seu substituto, Dom Claudio Colling e

bispos auxiliares. A Voz do Pastor levada pelas ondas hertzianas iluminava os

intelectos, confortava os corações e iluminava a Esperança dos ouvintes.

Numa publicação primorosa da EDIPUCRS a Voz do Pastor terá o seu

lugar para o desfrute das gerações do resente e do futuro, sempre luz para os

caminhantes, rumo ao Pai, preparação editorial está sob os cuidados e luzes do

Padre Zeno Hastenteufel. A decisão de publicar Voz do Pastor é altamente

meritória para a cultura e a história.

Dom Vicente declarou textualmente, em sua primeira alocução ao

completar oito anos da Voz do Pastor:

85

“Nas palestras das segundas-feiras, costumo tecer comentários em

torno dos fatos que, no momento, polarizam ao menos parte considerável da

opinião pública, principalmente nelas, como no caso acontece, figuram pessoas

ou entidades de responsabilidade na Igreja. Sempre me anima o propósito de

desfazer equívocos e de julgar honestamente doutrinas ou dados concretos e

reais sob a inspiração de critérios seguros do bom senso e das lições do

Evangelho.” (Unitas, 1969, p.424).

Dom Vicente e a PUCRS

Instalação da Pontifícia Universidade Católica do RS − Dom Vicente faz o discurso inaugural,

presente o Cardeal Dom Jaime Câmara do Rio de Janeiro − 7 de março de 1951

Dom João Becker notabilizou-se por seu apoio à educação católica nos

colégios de Irmãos, de lrmãs e de Sacerdotes (Jesuítas ou Salesianos).

Quando surgiu, em 1931, a primeira Faculdade de Ciências Políticas e

Econômicas, obra do Irmão Afonso e de uma equipe de abnegados

86

professores, Dom João Becker abençoou e entusiasmou a iniciativa. Quando

houve ampliação de espaços, ali estava o arcebispo com a sua bênção e

palavra encorajadora. Com a sua ajuda e orientação foi instituída a Semana da

Universidade com o domingo especial em que havia coletas para suprir as

despesas do ensino superior católico, conforme o exemplo do episcopado

italiano em relação à Università Cattolice del Sacro Cuore, de Milão.

A partir de 1947, Dom Vicente Scherer abraçou a causa das

Faculdades Livres para conseguir a equiparação de Universidade.

Após o dia 9 de novembro de 1948, por força do Estatuto, o Arcebispo

passou a ser o Chanceler da Universidade.

Dom Vicente empenhou-se com toda a força do prestígio pessoal e de

sua função para conseguir com o Procurador dos Irmão Maristas, Fratello

Alessandro di Pietro, junto da Santa Sé, o título de Pontifícia para a

Universidade, o que aconteceu pelo Decreto de sua Santidade Pio XlI, no dia 1°

de novembro de 1950, sendo Prefeito da Congregação Romana dos Seminários

e Universidades, o Eminente Cardeal José Pizzardo. No dia 7 de março de

1951 foi instalada a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em

sessão solene presidida pelo Cardeal Jaime de Barros Câmara, Arcebispo do

Rio de Janeiro. O discurso principal coube ao Arcebispo Dom Vicente Scherer

que traçou em linhas magistrais o programa de ensino da Universidade, com a

frase conclusiva:

“A fidelidade à sua missão cultural e religiosa lhe assegura a

conquista de glórias e louros, ao serviço da Pátria e da Fé: Viva no campo

da ciência e da educação.”

O Reitor, na data, era o Prof. Armando Pereira da Câmara, que dirigiu a

Universidade de 8 de dezembro de 1948 a 8 de dezembro de 1951. No dia 8 de

dezembro de 1951, assumia a Reitoria o Prof. Cônego Dr. Alberto Etges,

formado pela Universidade Gregoriana e lente de Deontologia Jurídica na

Faculdade de Direito.

87

A vida universitária transcorria tranqüila, quando surgiu um problema,

fruto da interpretação do artigo do Estatuto, referente ao patrimônio da

Universidade. O texto permitia leitura ambígua, daí surgiu a crise. Um grupo de

professores e de alunos interpretaram que o patrimônio era próprio da

Universidade e não da União Sul-Brasileira de Educação e Ensino (Sociedade

Civil dos Irmãos Maristas). Houve momentos difíceis. Professores e alunos,

fervorosos católicos, chegaram a transmitir a Dom Vicente a sua maneira de

entender o Estatuto. Durante meses houve sofrimento de ambas as partes.

Finalmente o bom senso de Dom Vicente e do Irmão Paulo Norberto achou o

lado conciliatório. A paz retornou à Universidade e aos corações com a reforma

do artigo do Estatuto e com a nomeção do Prof. Irmão José Otão, Reitor, no dia

8 de dezembro de 1954, por ato de Dom Vicente Scherer. Ao tomar posse, o

novo Reitor assim se expressou:

“Queremos agradecer a Dom Vicente, Chanceler da Universidade, a

confiança em nós depositada. É dum espírito de união, de harmonia e de

compreensão que desejamos marcar nossa administração na Universidade.”

Por ocasião da inauguração dos retratos, no salão de honra da Reitoria,

em agosto de 1957, o Irmão José Otão assim se referiu a Dom Vicente: “Em

numerosas ocasiões, Vossa Excelência Reverendíssima deu público

testemunho de quanto lhe é cara a Instituição, e do propósito de tudo fazer para

a sua segurança, continuidade e estabilidade.”

De fato nos anos todos de Chanceler da Universidade de Arcebispo e

Cardeal de Porto Alegre, Dom Vicente foi amigo, protetor e defensor da

Instituição, perante a sociedade e perante os governos do Estado e da União.

Por ocasião do jubileu de prata de ordenação episcopal, a Reitoria e

toda a Universidade prestaram a Dom Vicente significativa e filial homenagem,

outorgando-lhe na mesma data, 28 de fevereiro de 1972, o título de

BENEMERÊNCIA. O Reitor, Irmão José Otão, salientou, em comovente

discurso, os méritos do arcebispo em prol do ensino e da educação católica, em

especial da Universidade. Destacamos alguns parágrafos do referido discurso:

88

“A criação do Instituto de Teologia e de Ciências Religiosas, antiga

aspiração da Universidade tornada possível, em 1969, pela decisão positiva de

Vossa Eminência, tem propiciado uma revisão completa da ação

evangelizadora desenvolvida por esta Casa no seu próprio campo de atividade.

“Esta ação, conhecida com base num planejamento correto, eficiente e

sem alarde, está produzindo resultados positivos, embora não sejam possíveis

quaisquer previsões num setor onde a ação humana necessita continuamente

do sopro do Espírito Santo que tem caminhos próprios para iluminar as

inteligências e para fortalecer os corações.

“Possuidor de invulgar cultura teológica, de serenidade de julgamento,

de segurança de doutrina, de tenacidade de ação, de paternidade e

compreensão espiritual, de abertura para as necessidades e exigências do

mundo atual, de sensibilidade para ver; entender e interpretar os sinais dos

tempos, Vossa Eminência, está realizando um trabalho imenso, como pastor e

guia da arquidiocese de Porto Alegre, sendo verdadeiramente continuador das

epopéias evangélicas, com as naturais diferenças de tempo e lugar, dos

Policarpos, dos Agostinhos, dos Ambrósios e de tantos emientes apóstolos da

Igreja que marcaram época pela ação extraordinária, pela dedicação ilimitada e

pela eficácia apostólica.”

É para a exaltação da gigantesca obra realizada, que S. Santidade o

Papa Paulo VI, gloriosamente reinante, enviou a V. Eminência a expressiva

mensagem divulgada amplamente pela imprensa do País.

Esta Universidade que tem a honra e o privilégio de contar a V.

Eminência como seu Chanceler durante todo este período, embora ferindo as

delicadezas de uma modéstia constante, não pode deixar de salientar uma ação

tão benéfica e uma orientação tão oportuna que lhe propiciou, a ela

Universidade, um ambiente de tranquilidade e de ordem, de trabalho e de

progresso, para benefício da mocidade acadêmica, para o progresso social do

povo e para o desenvolvimeto da nacionalidade.

89

É por este motivo que, às homenagens que todas as classes sociais da

Arquidiocese prestam a V. Eminência ao ensejo desta data jubilar e às quais

aderimos, quis a Universidade, como parcela expressiva do rebanho apostólico,

através do seus corpos docente, discente e administrativo, juntar a sua

homenagem especial, homenagem de afeto, homenagem de reconhecimento,

homenagem de simpatia, homenagem de carinho, concedendo a V. Eminência

o título de “Benemérito”, o qual, na sua singeleza. deseja exprimir o somatório

de todos os sentimentos desta grande Comunidade Universitária.

Os prêmios e as recompensas humanas são limitados e transitórios

como a própria vida. Todavia, a gratidão e o reconhecimento nascidos do

coração de admiradores leais e mais do que isso, de amigos sinceros, são

duradouros e permanentes, transcendemn o tempo e penetram na eternidade.

Em sua resposta, Dom Vicente acentuou, a missão de areópago,

focalizando o relato da façanha do apóstolo Paulo.

“Andando pelas ruas da soberba Atenas, no meio da multidão de

altares erguidos em honra de divindades sem conta, encontrou Paulo um altar

caiu esta inscrição: “Ignoto Deo”, ao Deus desconhecido. O apóstolo disse

aos sábios no Areópago: “o que adorais sem conhecê-lo, eu vo-lo

anuncio”. (At. 17,23).

“Fartos dos ídolos de sua própria criação, bebida, drogas, sexo, ócio e

outros, impelidos pelas profundas inquietações de sua natureza racional, “como

os cegos que andam às apalpadelas” (At. 17,27) os jovens sentem a nostalgia

de um Deus que desconhecido, do seu íntimo se levantam vozes que o

chamam e repetem a pergunta dos dois discípulos a Jesus: “Mestre, onde

morar” (Jo. 1,38)? A escola católica responde, como o fez Jesus: “Vinte e vede”.

A missão específica do ensino católico, tanto na escolinha do interior afastado,

como nesta magnífica universidade, se resume em revelar aos homens de hoje,

e não somente aos seus jovens alunos, o Deus desconhecido que se nos revela

por Cristo, no seu Evangelho, mediante a Igreja. Promove-se na Universidade

católica a convergência de todos os esforços didáticos, a excelência das

90

instalações, a perfeição dos equipamentos, o mais alto nível cultural e científico

para a conquista do progresso e do desenvolvimento, mas tudo se pretende

integrar numa visão cristã da existência, de tal forma que o aluno diplomado, o

técnico em atividade coloque sua pessoa, sua capacidade, seu saber, sua

habilidade a até a vida, se necessário fosse, ao serviço de Deus, para sua

glória, e dos homens, para seu bem-estar, num mundo de fraternidade, de

alegria e de amor.

“Esta é a alma da cultura e da universidade católica, é a mola real que

impele para sempre melhores iniciativas, é a chama que ilumina todos os

caminhos, o objetivo que exalta todas as fadigas, a inspiração que suaviza

todos os sacrifícios, o prêmio que compensa todas as dedicações, a coroa que

consagra todos os triunfos.”

“Esta prestigiada Universidade tem a sua sede grandiosa à Av..

Ipiranga que lembra o histórico brado da independência há 150 anos. A

Universidade alimenta a ambição de adestrar jovens lutadores para a

independência integral de todas as servidões e para a conquista definitiva de

plena liberdade dos grilhões de todas as misérias, na construção de um futuro

em que os homens se entendam e se auxiliem, porque se amam, porque se

consideram peregrinos na caminhada para casa, para a conquista de um

destino de imortalidade.

Em 1981, ocasião em que Dom Vicente se licenciou do múnus

episcopal, teve carinhosa homenagem da parte da Universidade. No dia 29 de

outubro, no ponto alto das celebrações do cinqüentenárío da Faculdade de

Ciências Políticas e Econômicas, foi-lhe outorgada a comenda MEDALHA

IRMÃO AFONSO, como prêmio de devotarnento à Instituição Universitária.

No dia 1º de dezembro de 1981, em sessão solene do Conselho

Universitário, o Prof. Irmão Norberto Francisco Rauch conferiu ao Cardeal

Vicente Scherer o título de Doutor Honoris Causa pelo Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas.

91

Em toda a sua trajetória como professor de 1940 a 46, como Chanceler

de 1948 a 1981, Dom Alfredo Vicente Scherer demonstrou grande afeto aos

Irmãos Maristas, à causa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul, aos professores, aos alunos e funcionários. Tinha um carinho todo especial

com as pessoas ligadas à PUCRS. Dom Vicente em sua vida de pastor e

mestre mostrou sempre, como escreveu o Cardeal Primaz da Bahia. Dom

Lucas Moreira Neves: “a força, a firmeza e a fidelidade aos princípios da Fé,

propostas pelo Evangelho de Jesus Cristo.”

A grande lição de Dom Vicente permanece viva e presente nas diretivas

da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aere peraennius.

Provedor da Santa Casa de Misericórdia

Aos 78 anos de idade, três anos após ter pedido à Santa Sé a

resignação do cargo de Arcebispo, em 6 de dezembro de 1981, transmitiu a

Dom Cláudio Colling a posse canônica da Arquidiocese. Ainda no mesmo mês,

cedendo a insistentes convites, aceitou a direção da Santa Casa que se

encontrava em difícil situação financeira e funcional.

O Cardeal Vicente Scherer tanto fizera nos 34 anos de condução da

Arquidiocese. Tantas obras em prol dos sacerdotes, dos religiosos, das escolas,

da Universidade, da assistência social. O seu coração magnânimo sentiu a

obrigação de aceitar o desafio que afastara tantos administradores, pois viam o

barco da Santa Casa à deriva.

A posse realizou-se a 1º de janeiro de 1982. Dom Vicente, como

Provedor encaminhou com a colaboração do Governo do Estado e de uma

equipe de administradores as soluções que levaram a Santa Casa a vencer a

maior crise de sua história. Salientaram-se os nomes do Dr. José Sperb

Sanseverino e de Dr. João Polancyk.

92

Últimos anos

Em 1988 afastou-se aos poucos da Provedoria da Santa Casa, os anos

e os achaques começavam a pesar fortemente.

No dia 20 de junho de 1990, de manhã, sofreu uma isquemia que lhe

tirou quase totalmente a memória e a visão. Não conseguia mais ler e escrever,

nem celebrar sozinho a santa missa. Nunca se queixou dessa fatalidade,

escreve o P. Antonio D. Lorenzato, Capelão do Hospital Divina Providência.

Dom Vicente mandara construir ao lado do hospital a sua casa, onde

veio a passar santa e piamente os últimos anos.

Nas visitas que lhe fazíamos nos reconhecia, perguntava sobre a

Universidade. Entregamos-lhe o primeiro Volume da História da PUCRS,

sorriu agradecido.

No dia 5 de março de 1996, teve uma forte crise, os médicos

acorreram, tudo fizeram para restituí-lo ao bem-estar. Não foi conseguido. Pelas

23h57min do dia 8 de março entregava a sua bela e operosa alma ao Criador.

O Cardeal Alfredo Vicente Scherer descansava de seu labor apostólico

aos 93 anos e alguns dias.

A repercussão de sua morte, as exéquias comoveram a Capital e o Rio

Grande do Sul. O enterro na Catedral Metropolitano moveu e comoveu gente de

todas as classes sociais, pois Dom Vicente era o querido Pai de todos.

93

IRMÃO VENDELINO — JOSÉ WEIAND

Entre os pilares da Universidade alguns são mais evidentes,

sobressaem na configuração do edifício, outros ficam em ângulos mais

escondidos, todos, porém, têm seu valor e sua responsabilidade. É o caso do

Irmão Vendelino, superior provincial de 1940 a 1950, da Provincial Marista do

Brasil Meridional. Suportou os primeiros óbices, as primeiras alegrias e as

primeiras turbulências.

Vejamos alguns traços biográficos dessa preciosa vida de homem, de

religioso e de educador excepcional.

A família

A família Weiand era constituída de imigrantes alemães, (assim começa

o belo livro do Irmão Gelásio — Sabedoria e piedade).

Os Weiand provinham de St. Wendel (São Vendelino, município da

região do Sarre). Mathias Weiand, casado com Catharina Brill, aos 72 anos,

acompanhado de cinco filhos, de três genros e de dez netos imigrou em

1897. Foi fixar residência na região de Bom Princípio, à margem esquerda

do rio Forromeco.

Wendel Weiand era casado com Escolástica Josefa Baumbach, tiveram

onze filhos. Entre esses, dois entraram na Congregação dos Irmãos Maristas,

chegada em Bom Princípio, em 2 de agosto de 1900. Eram os Irmãos João

Marcelino (primeiro marista rio-grandense) e José (Vendelino).

José nasceu em 12 de junho de 1898. Alfabetizou-se em língua alemã,

aos 12 anos fez a primeira comunhão. Anos depois sentiu-se chamado à

vocação de irmão Marista. Nos anos de formação teve entre seus professores,

o Irmão João de Deus (Valeria - no de Jesus). Era um preto, ex-aluno do

colégio de São Gabriel/RS.

No dia 15 de agosto de 1913 fez a entrada no noviciado e a

conseqüente mudança de nome de José para Vendelino.

94

Irmão Vendelino – Presidente

USBEE 1941 − 1950 Após os estudos complementares começou a lecionar em (1915/16);

Santa Maria (1917/24); Uruguaiana (1926 a 1931).

Em 1932, Irmão Vendelino foi nomeado para a direção do juvenato, no

Instituto Champagnat, em Porto Alegre.

Durante dez anos será o formador de adolescentes e jovens

postulantes à vida de Irmão Marista. Transcrevo um texto que se encontra no

citado livro Sabedoria e Piedade:

“Quantas gerações não devem ao Irmão Vendelino o alicerce de sua

formação?! Aquelas instruções metódicas e práticas das quintas-feiras de

manhã e domingo à noite sobre a formação da vontade, a santa alegria, a

formação do caráter, etc. Na primeira tinha todo um programa de normas de

Civilidade e de comportamento social, de boa convivência na Comunidade. Na

segunda eram estudos e doutrina sobre a formação da vontade, a formação

para a alegria, a boa convivência.

A instrução vinha bem preparada: exposição clara, enriquecida de belos

e incisivos exemplos.

95

As suas palavras se respaldavam no exemplo de sua vida e no exemplo

de pessoas que souberam vencer na vida, graças à têmpera do caráter e força

de vontade. A formação das inteligências era outra parte importante dos seus

ensinamentos. A educação da castidade era feita fugindo dos rigores

jansenitas, das pieguices ou das atitudes cor-de-rosas. O educador se

manifestava como professor de Língua Portuguesa: preparando as redações,

corrigindo uma por uma, mandando recomeçar as frases, os parágrafos com

tropeços na sintaxe ou na morfologia. Nessas composições pelo método da

CRIA de Aftônio de Antioquia, formavam-se as mentes na coerência e na

coesão dos textos dissertativos, narrativos ou descritivos. A boa leitura e a

recitação de poemas e outros textos eram exercícios obrigatórios com

resultados seguros e imediatos na dicção daquela juventude com forte sotaque

de dialetos italianos ou alemães.

Tenho-o sempre minha lembrança e mais que na lembrança: vejo-o

diante de mim. Aquele olhar sereno, aquele sorriso de boca semi-cerrada. É

muita visão amiga, confortadora. De sua boca saía a palavra certa para o

momento azado. Palavra de ânimo, de conforto, palavra antiga.”

O trabalho do Irmão Vendelino na formação dos jovens coincidiu, em

grande parte, com o espírito inovador na Província do Brasil Meridional,

desencadeado pelo Irmão Afonso a partir de julho de 1936.

A idéia da criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras,

dominava as mentes e movia as ações nos colégios maristas do Rio Grande do

Sul, de Santa Catarina e do Paraná (colégio Paranaense, em Curitiba).

Em 1940, no dia 26 de março eram inaugurados os cursos da

Faculdade. Irmão Vendelino fizera vestibular e era aluno regular no Curso de

Filosofia. Exemplo maravilhoso de alguém com 42 anos se decidir a

freqüentar os cursos superiores necessários para habilitar os professores do

ensino secundário.

96

Em 1942, terminou a vigência do provincialato do Irmão Afonso. Por

obra do Capítulo Geral da Congregação fora designado para o cargo de

Assistente ou de Conselheiro Geral.

Em plena guerra européia, cujas conseqüências se fizeram sentir

também no Brasil, Irmão Vendelino empreendeu o governo da Província do

Brasil Meridional, na época com o efetivo de cerca de trezentos religiosos

repartidos em quarenta comunidades em todo o Rio Grande do Sul, Santa

Catarina e Paraná.

Irmão Vendelino colaborou com o Irmão Afonso no grandioso plano de

estruturar a Universidade, no Conselho administrativo ou em consultas

pessoais. Ao ter sobre seus ombros a herança de compromissos dos seis anos

do provincialato anterior, Irmão Vendelino mostrou muita sabedoria, muita

inteleigência e força de decisão.

Preparou obreiros para a Universidade e para outros lugares do

Brasil e da África.

A Província do Brasil Norte minguava em vocações, fez apelo ao Irmão

Afonso, Conselheiro Geral. Prontamente o Irmão Vendelino foi preparando um

grupo de seis adolescentes para coninuarem os estudos em Apipucos, Recife.

Em 1943, o Irmão Vendelino acompanhou os jovens em viagem de trem,

verdadeira epopéia de resistência física e moral naqueles penosos dias, em

plena guerra.

Em 1948. era a vez da fundação da obra marista em Moçambique para

onde foram os irmãos: Moisés Abílio, Pacômio, Rolando e Fábio Pereira.

Além dessas preocupações e tarefas administrativas cuidava da

orientação das várias centenas de irmãos, sem deixar de lado os estudos

pessoais. Os assuntos da Universidade iam fluindo com normalidade na criação

e implantação das Faculdades de Direito e de Serviço Social. Em 1947,

começaram as preocupações com a estruturação da Universidade, pensamento

e objetivo máximo do Irmão Afonso, de tantos irmãos e do laicato católico do

Rio Grande do Sul.

97

Os arraiais da administração geral do Instituto dos Irmãos Maristas não

estavam calmos, nem todos viam com bons olhos a grande obra do lrmão

Afonso, em Porto Alegre.

Em 1947, membros do Conselho Geral discutiam a obra das

faculdades, o ensino misto, sob as orientações da Carta encíclica Divini illius Magistri, de Pio Xl. As pressões se faziam sentir sobre o superior provincial,

Irmão Vendelino, e seu Conselho. Houve recados incisivos de modificar o

modus faciendi dos Cursos Superiores.

Como espelho da situação transcrevem-se os principais parágrafos da

carta que o Irmão Vendelino endereçou ao Arcebispo Dom Vicente Scherer, nos

primeiros dias de janeiro de 1948, uma radiografia da situação.

Irmão Vendelino com seu caráter bom e compreensivo soube suportar

as pressões que vinham do Conselho Geral e dos Irmãos diretores dos colégios

ou do Conselho Provincial.

A carta, aqui, transcrita, ao leitor atento, indica o volume dos problemas

que pesava sobre a cabeça do Irmão Vendelino:

Porto Alegre, 2 de janeiro de 1948.

Excelência Reverendíssima:

Como já tive oportunidade de comunicar a V. Excia., teremos neste mês

a honrosa visita de nosso Irmão Superior Geral. Chega de avião no dia 20, e

permanecerá até 19 fevereiro.

Essa visita será uma grande graça para a nossa Província e suas

obras, pelo estímulo que receberão da parte da primeira autoridade da

nossa Congregação.

A obra, sobre que se concentrará certamente a sua atenção, é a

Universidade Católica. A respeito dela, o Reverendo Superior, vem com

determinações tomadas no Conselho Geral, o que já aludi verbalmente junto de

Vossa Excelência e sobre as quais eu, com os membros do meu Conselho

98

Provincial, chamo a atenção de Vossa Excelência a fim de que as submetamos

a um exame cuidadoso, para que possamos apresentar pelo menos algum

projeto de solução.

I − Eliminar a presença das mulheres. — É o que ponderei diversas

vezes a D. João Becker. O ilustre prelado extinto achava que seria viável, uma

vez que houvesse Freiras formadas pela Faculdade. E isto já está feito. Como

não se trata de organizar, mas tão somente de se encarregar duma obra já

organizada, creio que seria fácil assentar-se o desdobramento.

1ª etapa: Passar para a direção das Freiras a Escola de Serviço Social,

freqüentada quase exclusivamente por moças e senhoras.

O Diretor, os Professores, etc. continuariam sendo os mesmos que

até agora, excetuando dois Irmãos, que poderiam ser substituídos por

professores leigos.

2ª etapa: Passar para as Freiras o elemento feminino das demais

Faculdades: Faculdade Noturna (Ciências Políticas e Econômicas) — Existe

uma Faculdade dessas na Universidade do Estado. Mas, muitas moças

receiam aquele ambiente, e foi preciso continuar a aceitá-las na nossa, a

pedido do P. Alberto Etges. Também para esta Faculdade, bastaria que as

Freiras se encarregassem de supervisionar, colocando-a no horário que lhes

parecesse melhor.

3ª etapa: Separação dos homens e mulheres também na Faculdade de

Filosofia. Isto, pela duplicação das cadeiras e pela multiplicidade das secções,

vai ser talvez difícil. Sempre será útil encarar a possibilidade e pedir um prazo

para sua execução.

II − Solução do problema financeiro.

Será talvez o mais custoso, conquanto também mais dos mais

prementes. Como Vossa Excelência sabe, a fundação da Faculdade de

Ciências Políticas e Econômicas e a da Filosofia foi imposta pela necessidade

de munirmos os Irmãos dos diplomas e títulos exigidos pelo Ministério da

Educação, sendo elas, inicialmente as únicas existentes no Estado. Delas se

99

valeram, além de muitíssimos leigos, as demais Congregações dedicadas ao

ensino. Entretanto, seja-me permitido, Excelência, frisar que nós, os Irmãos

Maristas, jamais tivemos a pretensão de monopolizar para nós a direção e o

funcionamento das Faculdades. Convidamos desde logo os demais religiosos

para para uma eficaz colaboração no nosso Estado. Esse convite foi pouco

compreendido, e só a custo veio alguma colaboração, remunerado sempre, não

se fazendo diferença entre um professor leigo ou religioso ou sacerdote.

Apenas os Irmãos Maristas lecionam grátis, a fim de diminuir o pesado deficit com que, ano por ano, as Faculdades fecham o seu balanço.

Muita gente já tem externado sua estranheza de que uma única

Congregação arque com as despesas, enquanto os demais tiram das

Faculdades as mesmas vantagens que ela.

Seria interessante que, ao Ir. Superior Geral, pudéssemos

apresentar um plano de financiamento, em que todas as demais

Congregações se comprometessem a uma colaboração financeira,

supervisionada pela Cúria Metropolitana. Isto tanto mais, quanto uma vez

organizada a Universidade Católica do Rio Grande do Sul, esta passará a

integrar o conjunto das obras da Arquidiocese.

III − Confiar a outra Congregação, o funcionamento da Faculdade

Católica de Direito.

O Ir. Afonso, se opunha categoricamente, e a maioria dos alunos

também. Em todo o caso é o que procuramos fazer na fase inicial de sua

organização. Apenas houve o fato de os Reverendíssimos Padres Jesuítas, em

face da premência do tempo, não puderam cumprir todas as exigências que o

governo fazia. Agora a Faculdade católica de Direito está organizada e em

pleito funcionamento. A Congregação que dela se encarregasse, nada mais

teria o que fazer do que garantir a sua continuação, o que não é difícil, visto os

elementos de 1ª ordem com que ela pode contar. (Em vista disto e pelo aspecto

de “Obra de Perseverança” dos nossos alunos, creio que o Reverendíssimo

Superior consentirá que a guardemos, nós, os Irmãos Maristas.

100

lV − Incentivar a fundação de algumas cátedras por conta das

Dioceses. (As Paróquias poderiam tornar-se “Legionárias”).

Há algumas cátedras fundadas por particulares e municípios. O

Irmão FéIix Roberto está agindo e tem esperança de conseguir sempre mais

adesões, especialmente junto das Prefeituras cujos titulares se formaram

nos nossos colégios.

Conseguindo o mesmo da parte das Dioceses, a questão financeira terá

dado um passo largo para a sua solução.

V − Continuar a apoiar o Dia das Faculdades Católicas (Ou Dia da

Universidade Católica), para lhe dar sempre maior resultado, seja pelo

apoio moral, seja pelas coletas que, da parte de algumas paróquias,

já são consideráveis.

Enquanto não tivermos um patrimônio sólido constituído por fundos que

pertençam exclusivamente à Universidade Católica, os Superiores da

Congregação não se darão por satisfeitos, por grande que seja o bem que ela

está destinada a produzir.

O que acaba de ser exposto, Excelência, contém sugestões para uma

solução que, tenho confiança, contentará o nosso Reverendíssimo lrmão

Superior Geral. Mas a sua execução depende, em grande parte, de medidas

que só podem ser tomadas pela autoridade eclesiástica, com a qual, como até

agora, nós os Irmãos Maristas, nos prontificamos a colaborar com toda a

dedicação e sem medir sacrifícios, desde que estes não colidam com a

obediência e o acatamento que devemos aos Superiores maiores da

Congregação, e sem prejuízo dos interesses desta.

Nós procuraremos substituir, aos poucos, os professores leigos, por

Irmãos nossos que lecionam grátis. Se pudéssemos obter, no mesmo sentido,

a colaboração de membros de outras Congregações ou de Padres, também

isso diminuiria as despesas. Essas mesmas Congregações formariam grátis

os seus membros.

101

Para as congregações de Freiras, poderiam estabelecer-se

condições especiais, de vez que não se admita a hipótese de elas

funcionarem como professoras,

EM RESUMO, o resultado a que precisaríamos chegar, é este:

a) Todas as Congregações, que necessitam munir os seus membros de

títulos universitários, devem obrigar-se a fazê-lo nas Faculdades Católicas;

b) As ditas Congregações seriam postas no mesmo pé da Congregação

dos Irmãos Maristas, quanto à contribuição para o financiamento e do

suprimento de professores, de acordo com as possibilidades, a critério da

autoridade eclesiástica;

c) Essas mesmas Congregações formariam os seus membros

independente de qualquer outro ônus;

d) As Dioceses e as Paróquias que mantiverem alguma, cátedra,

terão direito de apresentar certo número de alunos grátis, filhos daquelas

Dioceses ou Paróquias (o que haveria de contribuir grandemente para a

difusão da cultura católica).

Submetendo as considerações acima ao alto critério de V. Excia.

aguardo respeitosamente as ponderações que V. Excia. se dignar fazer a

respeito, a fim de submetermos ao nosso Irmão Superior Geral um bem

elaborado plano que garanta para a Universidade Católica o beneplácito dele, e

que, assim, essa obra possa caminhar francamente para a sua conclusão.

De Vossa Excelência Reverendíssima.

Humilde servo e filho obediente

Irmão Vendelino

Provincial dos Irmãos Maristas.

Irmão Afonso, membro do Conselho Geral, procurou lançar luz e

esperança sobre os graves problemas apontados na carta transcrita acima.

102

Reunião da Congregação da Filosofia com Ir. Vendelino e Reitor Armando Câmara

Praticamente na mesma data escreveu ao Conselho Geral e ao

Conselho Provincial — Algumas considerações sobre a Universidade Católica

de Porto Alegre.

Haveria quatro questões a estudar:

a) população escolar feminina;

b) aspecto econômico;

c) utilidade para a Província e para o Instituto Marista;

d) vantagens para a formação da juventude em geral e para a formação

de elites em particular.

1ª Não parece possível afastar de imediato as mulheres das faculdades.

Foram feitas gestões junto de duas congregações de religiosas de Porto Alegre

para que se encarregassem do setor frminino. Regulamentos severos foram

feitos para evitar o convívio entre alunos e alunas.

2ª O aspecto econômico parece ser a questão principal. Não se pode

mais retardar a constituição do patrimônio destinado exclusivamente a manter a

103

Universidade Católica. O patrimônio seria constituído por fundos provenientes

de: campanhas para obtenção de cátedras (valor de cem mil cruzeiros);

campanha de legionários da Universidade Católica (mil cruzeiros), com direito a

diploma de legionário. Temos mais de 30 colégios no Estado. Um irmão zeloso

poderia entusiasmar os ex-alunos para serem legionários e assim sustentarem

a Universidade. Insistir em manter o Dia da Universidade com o apoio dos

senhores bispos. Promover, outrossim, jornadas da Universidade católica em

múltiplas localidades em que estamos estabelecidos. Haveria ainda subvenções

anuais do Estado e do Governo Federal.

O dinheiro conseguido para o patrimônio da Universidade seria

colocado em bancos ou convertido em ações seria empregado exclusivamente

na manutenção da Universidade. Em poucos anos os juros desse capital

cobririam as despesas.

3ª A Universidade Católica é um todo. É a jóia e a esperança da

Arquidiocese. Seu órgão oficial — UNITAS — em cada edição tem referências

elogiosas e cheias de esperança em relação à Universidade Católica. O

relatório da reunião plenária dos bispos do Rio Grande do Sul indica que os

bispos recomendam expressamente aos fiéis de manter a Universidade

Católica. A Província já usufrui vantagens dos cursos: até 1946, 59 irmãos

obtiveram o diploma de bacharel e 34 de licenciados. Em 1947, 56 irmãos

seguem os cursos superiores. Nenhum desses irmãos perdeu a vocação.

Valeria a pena assinalar outras vantagens essenciais: o prestígio de nossas

obras, o bem realizado pela Universidade: as elites para as posições

dominantes na vida social. Como religiosos educadores, é para nós

reconfortante e honroso colocar nossa missão ensinante a serviço da

colaboração que a Igreja nos solicita. A situação religiosa do Brasil não se

compara àquela da França. Há cinqüenta anos estamos na vanguarda dos que

trabalham no ensino católico. Se nós abandonarmos a obra da Universidade

Católica mereceremos certamente a indiferença e o desprezo da Hierarquia e a

desconsideração da sociedade que veria em nós apenas educadores egoístas.

104

Para nós, existe ainda, uma questão de prestígio diante da Igreja, do Estado, da

sociedade, de nossos ex-alunos. Além do mais nossas vocações se valorizam

pela Universidade.

4ª As vantagens para a formação da juventude e das elites não é

preciso comentar. A Arquidiocese considera a Universidade Católica parte

integrante de seu patrimônio cultural. A Universidade católica representa para a

Congregação uma adaptação às exigências atuais, trabalhando para resolver

os problemas de nossa época no âmbito dos Institutos Superiores de Educação.

Em outros lugares e países do mundo, as necessidades não são idênticas. No

Brasil é preciso adaptar-se ou desaparecer e morrer. A Universidade Católica

representa para o meio social em que nós estamos o que é a Igreja para a

humanidade. Ora a Igreja não deixa nenhum terreno social sem semear ali sua

doutrina eterna. A Universidade Católica é tanto mais católica quanto será mais

comnpleta ampliando as possibilidades de apostolado.

Ao aproximar os textos do Irmão Vendelino com o do Irmão Afonso, encontra-se no primeiro um gesto de obediência e de busca de solução para a

vida da Universidade Católica, no segundo está a atitude confiante e

decidida de ir em frente, superar os obstáculos e manter a Universidade

ampla e renovada.

No dia 20 de janeiro de 1948, chegou o Superior Geral, Irmão Leônidas.

Foi recebido com festas no Rio de Janeiro e São Paulo.

No dia 9 de fevereiro, visitou a Universidade. Teve uma recepção

carinhosa e cultural. O prof. Armando Dias de Azevedo, reitor interino, fez

magnífica saudação em excelente língua francesa. Mostrou ao ilustre visitante o

valor e a importância da Universidade Católica para o Rio Grande, o Brasil e

para a Igreja. Estiveram presentes os diretores das unidades acadêmicas,

muitos professores e expressivo número de estudantes. O superior Geral

elogiou os esforços do Irmão Vendelino. do Irmão Afonso, do Conselho

Provincial e dos Irmãos professores e alunos.

105

Os problemas apontados na carta do Irmão Vendelino foram

examinados e confrontados com o documento do Irmão Afonso. O Superior

ouviu, discutiu os problemas e apontou soluções. Em seu retorno a Saint-Génis-

Laval. o Conselho Geral estudou o relatório do Irmão Leonidas e os

documentos citados. Não tomou nenhuma deliberação. O curso da história da

Universidade Católica prosseguiu sua tramitação até a aprovação do Estatuto e

a equiparação acontecidas no dia 9 de novembro de 1948. Depois de tantos

mal-entendidos brilhava a luz da Verdade sobre a grande obra do Irmão Afonso,

dos colaboradores leigos e dos irmãos. Irmão Vendelino celebrou o

acontecimento com muitas orações de ação de graças. Estava viva e real a

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, instalada no dia 8 de dezembro

pelo Arcebispo Dom Vicente Scherer, com a posse dos dirigentes: Reitor Prof.

Armando Pereira da Câmara; Vice-Reitor — Prof. Irmão José Otão; Diretores

das Faculdades de — Ciências Políticas e Econômicas — Prof. Francisco da

Silva Juruena; Filosofia, Ciências e Letras — Prof. Antonio César Alves; Direito

— Prof. Armando Dias de Azevedo; Serviço Social — Prof. Mário Goulart Reis.

Em agosto de 1950 celebrou-se o cinqüentenário da chegada dos

Irmãos Maristas em Bom Princípio. O arcebispo Dom Vicente Scherer fez

questão de celebrar a missa solene no dia 23 de julho. Irmão Vendelino e Dom

Vicente eram amigos e conterrâneos, essa amizade favoreceu o bom

entendimento e a solução dos problemas advindos da Universidade.

No dia 1º de novembro de 1950, a Universidade foi agraciada com o

título de Pontifícia, graças ao empenho de Dom Vicente, do Irmão Afonso,

do Ir. Faustino e do Irmão Alessandro di Pietro, procurador dos maristas

junto da Santa Sé.

Divisão da Província, em 1951

O crescimento da Província alcançara proporções consideráveis:

escolas nos três estados do Sul, obras em Moçambique. O pleito de indulto foi

encaminhado pelo Superior Geral Irmão Leonidas ao Papa, Pio XII. O efetivo

106

humano era representado por 516 religiosos, dirigentes de 37 escolas, 568

formandos e 18.244 alunos.

A divisão realizou-se a partir de 25 de novembro de 1951: Brasil

Meridional em Porto Alegre e Santa Catarina com sede em Passo Fundo.

Foram nomeados respectivamente superiores provínciais: Irmão Paulo Norberto

e Irmão Januário (Pedro Zanella).

Não vamos acompanhar a piedosa e operosa vida do Irmão Vendelino

depois de 1951. Exerceu alguns cargos de direção: Colégio Conceição, de

Passo Fundo; Juvenato Imaculada Conceição, de Getúlio Vargas; Instituto

Champagnat, Passo Fundo; Escolasticado, Cerrito, de Santa Maria. De 1972 a

1979 prestou serviços comunitários, na residência provincial, Edifício Pampa,

Santa Maria. A partir de fevereiro de 1980, a conselho médico, recolheu-se à

casa de repouso no Cerrito. Sua vida e sua saúde debilitadas o levaram a

várias internações no Hospital São Lucas que ele soubera, em 1948 por sua

sabedoria assegurar a vida da Universidade Católica. Seus triunfos na vida

eram devidos à sua piedade e sabedoria: confiança plena em Deus e muita

prudência no trato das atividades humanas. Combateu o bom combate, ergueu

tantas casas de educação, serviu de pilar à grande obra da Universidade

Católica de modo diverso mas real e efetivo. Entregou sua bela alma a Deus no

dia 27 de abril de 1987, num apartamento Hospital Universitário São Lucas.

107

MANOEL COELHO PARREIRA

Nasceu em Rio Grande, no dia 11 de janeiro de 1895, filho do

engenheiro José Coelho Parreira e de Alzira Belmonte Parreira. Passou os

primeiros anos na cidade natal. Aos 10 anos a família transferiu-se para Santa

Maria, centro ferroviário do Estado, de que o Eng° Parreira era funcionário.

Manoel foi matriculado no Colégio Santa Maria dos Irmão Maristas.

Prof. Manoel Coelho Perreira

Entre os documentados guardados pela família está um Boletim de

notas de 31 de julho de 1906, do aluno Manoel Coelho Parreira do 2° Curso

preliminar A. É curioso ver as anotações referentes ao Procedimento: Conduta,

10; Aplicação, 10; Civilidade, 10; Temas, 10; Lições, 10; Nota Geral; 10. Quanto

ao Aproveitamento: Doutrina, 9,0; Português, 9.0; Francês, 9,0; Aritmética, 9,0;

Geografia. 9,0; História do Brasil, 9,0; Caligrafia, 7,0; Desenho, 8.0; Canto.

7,0; Ginástica, 8,0.

Entre 29 condiscípulos obteve o 3° lugar; faltou 2 lições.

A assinatura do Professor é do Irmão Ambrósio e o Diretor Paulo Norberto.

108

Como se vê pelas notas, o menino era aplicado e cumpridor dos

deveres escolares. Naqueles anos tivera a oportunidade de fazer a primeira

comunhão, preparada com diligência e amor pelos Irmãos. Estávamos ainda

sob o domínio dos resquícios de jansenismo que levavam o primeiro encontro

com Jesus Eucarístico após os dez anos.

O papa Pio X, sucessor do glorioso pontificado de Leão XIII, preparava

a grande reforma da Igreja com a base na vida eucarística dos fiéis.

Em 1909 novo Boletim de notas, o rapaz de 14 anos freqüentava o 3°

Ano, seria o Propedêutico do Curso de Guarda-livros. Vê-se o aluno exemplar

em Procedimento com as notas: Comportamento, 10; Aplicação, 10; Cortesia,

10; Temas, 10; Lições, 10; Nota Geral, 10. Conseguiu a Nota de Honra. Eram

estímulos importantes da Pedagogia daqueles tempos de pouca teoria e

muito boa prática.

Veja-se, então, o Aproveitamento: Moral, 8,0; Português, 7,0; Francês,

8,0; Inglês, 6,0; Latim, 6,0; Desenho, 8,0; Geografia, 6.0; Corografia, 6,0;

Álgebra, 8,0; Geometria, 6,0. Entre 23 condiscípulos obteve o 1° lugar com

1139, nos temas e lições durante o mês de abril de 1909 no Ginásio Santa

Maria em Santa Maria — equiparado ao Ginásio Nacional Pedro II, pelo

Decreto n°6.817. A assinatura do Boletim no dia 1° de maio, é do professor

Irmão Afonso.

Para entender o sistema pedagógico da época, pode-se transcrever as

advertências escritas no verso do Boletim:

1) A conduta, a aplicação, etc. são apreciadas por um certo número de

pontos. 10 é o maior número que se pode obter; destes 10 o aluno perderá mais

ou menos pontos conforme a maior ou menor freqüência ou gravidade de falta

que cometer. Daí resulta a escala seguinte:

10 = excelente — distinção 9 e 8 muito bom; 7 e 6 bom (aprovado

plenamente); 5 e 4 regular; 3 e 2 sofrível e 1 apenas satisfaz. 0 em

procedimento era reprovado.

109

2) O lugar na aula entre os condiscípulos, será mais ou menos elevado

conforme o maior ou menor número de bons pontos, que o aluno ganhar pelo

aproveitamento nos trabalhos escolares.

É notável o número de disciplinas e a importância dada às línguas

francês, inglês ou alemão. O francês desde cedo, os Irmãos continuavam a

multiplicar a riqueza cultural do berço da Congregação e da pátria de origem.

Naqueles dias a cultura francesa dominava a sociedade como hoje a

anglo-americana.

A conclusão do ano letivo foi solenizada no dia 1° de dezembro de

1906. A título de ilustração apresenta-se a programação:

Às 10h — Sessão de Ginástica:

Às 15h — Sarau músico-literário:

Discurso pelo Dr. José Vieira do Amaral, orador oficial:

Distribuição dos prêmios;

Proclamação dos resultados dos exames oficiais de admissão ao Ginásio.

Havia também vasto programa de pequenos dramas representados

pelos alunos. O hino patriótico pelo coro geral dos alunos acompanhado pela

Sinfonia do Ginásio.

Terminando o Ginásio Santa Maria o jovem Manoel com 17 anos

apresentou-se aos exames vestibulares da Escola de Engenharia de Porto

Alegre, onde o pai lecionava havia algum tempo. A Escola, naqueles tempos

era mantida por uma sociedade particular.

A família Parreira havia-se transferido para Porto Alegre. O

estudante de Engenharia fez um curso brilhante, procurando trabalhar para

ajudar nas despesas da família. Aos 22 anos estava formado Engenheiro

Civil. Realizou concurso na Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Assumiu

logo o trabalho na fiscalização dos ramais da estrada de ferro Carlos

Barbosa, Garibaldi, Bento Gonçalves.

O jovem engenheiro sempre esteve ligado aos mestres que conhecera

em Santa Maria: Irmãos Afonso, Geraldo, Norberto, Artur e outros. Nas suas

110

permanências em Garibaldi visitava os Irmãos no Instituto Santo Antônio. Ali

conheceu o Irmão Pacômio fabricante do bom vinho e idealizador da fabricação

do Champagne com o ex-aluno Armando Peterlongo. Conheceu, outrossim, o

Irmão José Sion, o apóstolo dos ferroviários, um dos primeiros mestres do

colégio, na escolinha municipal, inaugurada em 1904. Passava belas horas com

os Irmãos partilhando das excelentes refeições preparadas pelo Irmão Geraldo.

Naquele tempo veio a conhecer na sociedade de Bento Gonçalves, a

jovem Arminda, filha do imigrante Júlio Lorenzoni, pessoa importante no

desenvolvimento do município. Pouco tempo depois realizou-se o casamento de

Manoel com Arminda. A residência fixou-se em Porto Alegre.

Em 1928, Manoel Parreira concorreu às eleições municipais de

Garibaldi, foi eleito por larga maioria de votos.

Em 1929, governou com rara sabedoria a comuna de Garibaldi. Apesar

de tudo, foi vítima de intrigas e de calúnias. Resolveu renunciar. Contra os

caluniadores teve o apoio forte e sereno do Arcebispo de Porto Alegre. Dom

João Becker.

Depois desse episódio doloroso dedicou-se mais à Viação Férrea de

que chegou a ser Diretor-Presidente. A família ia-se formando com os filhos

José, Maria do Carmo e Helena. Teve sempre um carinho especial à esposa e

aos fllhos. Para ele a família era a célula sagrada que estabelece e estrutura a

sociedade humana. Como era belo ver aquela família unida e harmoniosa

naquela bela casa à Rua Jerônimo Coelho.

O Eng° Manoel Coelho Parreira nunca deixou os Irmãos Maristas,

freqüentava-os no Colégio Rosário e os Irmãos freqüentavam-lhe a casa.

Em 1937, Irmão Afonso e Irmão Faustino começaram a elaborar a

Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Não havia modelo Nacional. São

Paulo buscou modelo europeu para implantá-lo na Universidade de São

Paulo, em 1934. Irmão Afonso buscou o modelo francês, ligado ao Instituto

Católico de Paris.

111

O Eng° Manoel estava ao lado dos Irmãos procurando aperfeiçoar o

primeiro esboço até chegar a um bom projeto. Irmão Afonso, superior

provincial de uma organização de ensino com 30 escolas e 250 professores,

preocupava-se em preparar os profissionais do ensino e da educação

mediante o título superior, resultado de três a quatro anos de estudos e

pesquisas sérias e profundas.

Manoel Parreira era o conselheiro do lado das disciplinas científicas:

Matemática, Física, Química, Biologia e outros.

Encontramos o nome dele como professor de Mineralogia no primeiro

projeto enviado ao Ministério de Educação em 1939.

Os cursos de Ciências Naturais, Física, Química, Matemática e

Pedagogia foram autorizados pelo MEC, em 1942.

Os cursos de Ciências precisavam de laboratórios para as aulas

práticas. O Prof. Manoel Coelho Parreira e o Prof. Dilermando Gaspar

Ochoa facilitaram o uso dos laboratórios da Universidade do Estado do Rio

Grande do Sul.

Aprovada a equiparação da Universidade Católica do Rio Grande do

Sul a 9 de novembro de 1948, seguiu-se o reitorado do Prof. Armando

Pereira da Câmara.

No Estatuto aprovado pelo Conselho Nacional de Educação dois artigos

suscitaram questões sérias da parte de um grupo de professores. Tratava-se do

Art. 9 — O patrimônio universitário tem existência própria e se não confunde

com os das unidades universitárias.

Além disso havia o Art. 15: O Reitor, órgão executivo supremo da

Universidade será nomeado pelo Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre,

dentre os professores catedráticos da Universidade, satisfeito o requisito de ser

brasileiro nato.

Um grupo de professores pretendia desconhecer a propriedade da

Mantenedora U.S.B.E.E. quanto ao patrimônio e à autoridade da mesma na

nomeação do Reitor.

112

Os professores da primeira hora que trabalharam com o Irmão Afonso

na estruturação da Universidade compreenderam o equívoco do Estatuto e

resolveram reformá-lo.

Os membros do Conselho Universitário procuraram encaminhar a

reforma, o Senhor Arcebispo Dom Vicente Scherer aconselhado pelo grupo de

professores contestadores não autorizava a reforma estatutária.

A respeito disso transcreve-se o relato do Jornal do Dia de 21 de

março de 1954:

Sobre a situação econômica e jurídica da Pontifícia Universidade

Católica, o arcebispo metropolitano dirigiu a seguinte carta ao revdo. Irmão

Afonso, Assistente Geral dos irmãos Maristas, atualmente nesta Capital:

“Porto Alegre 20 de março de 1954.

Aos diletos Filhos, os reverendos Irmãos Maristas, fundadores e

mantenedores da Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Coube-vos, diletos Filhos sob o governo do grande Arcebispo, de

venerável memória, a quem sucedemos no sólio arquiepiscopal, a honra insigne

de haverdes lançado os fundamentos desse magnífico conjunto de

estabelecimentos de ensino superior, os quais, depois de acabados pelo vosso

indefesso esforço e pelo dos eminentes professores que se vos reuniram a

Santa Sé, a requerimento nosso, e merecido prêmio aos vossos cuidados,

decorou com as prerrogativas da Universidade Pontifícia.

Quis o vosso filial devotamento que o Arcebispo Metropolitano de Porto

Alegre presidisse, como Chanceler, à alta administração da Universidade

Católica do Rio Grande do Sul e lhe nomeasse, dentre os catedráticos, o Reitor

e os Diretores dos estabelecimentos, integrantes do corpo universitário. Como

mnantenedora da Universidade, resolveu a Congregação dos Irmãos Maristas,

com o espontâneo desvelo dos verdadeiros filhos da igreja que a esta, pelo seu

representante hierárquico na Arquidiocese, tocasse a competência para aqueles

assinalados atos de governo, cuja prática, segundo a lei civil, poderia ter,

certamente vindicado para si própria. Mereceu essa generosa iniciativa, de filial

113

carinho, a irrestrita aprovação da autoridade civil que solenemente, a deixou

expressa pelo Decreto Federal n°25.794, de 9 de novembro de 1948. Faz jús,

porém, esse nobilíssimo gesto, e ainda mais expressivamente, à aprovação e

aos louvores da Igreja. São realmente as Universidades obras de eleição da

universal família católica, postas por isso mesmo, de modo especialíssimo,

“debaixo da vigilância de Santa Sé e da Igreja “. (Encíclica Divini llius Magistri).

Não menos digna de louvor é a escrupulosa preocupação com que, na

organização da Universidade do Rio Grande do Sul, fixastes, nitidamente

traçados, os Iindes pelos quais o patrimônio da Universidade se descrimina do

de vossa Congregação, e a administração da Universidade mesma e a dos

institutos que a compõem, vêm a gozar da autonomia, indispensável à perfeita

execução da árdua tarefa que lhes é designada.

Tão entranhado afeto à Igreja, tão larga e lúcida concepção do

empreendimento que vos propusestes asseguram à Universidade Católica do

Rio Grande do Sul futuro dos mais promissores. Temo-Ia, a essa Universidade

já ilustre sempre próxima ao nosso coração de pastor, objeto de nossa

particular dedicação, como herança gloriosa de nosso preclaro predecessor no

sólio arquiepiscopal. Queremos assim conservá-la e havemos de defendê-la

para que se conserve tal como a recebemos, com toda a autoridade inerente ao

nosso múnus pastoral.

Como penhor deste nosso propósito, comunicamo-vos que estamos

encaminhando à Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades de

Estudos, para aprovação pontifícia, o texto dos Estatutos vigentes da

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, juntamente com pormenorizada

exposição da situação nela existente.

Estamos certo, diletos Filhos, de que, com tal organização, a

Universidade, a nós tão singularmente preciosa, virá a sobrepor-se, triunfante,

aos graves riscos, que de outro modo poderiam, mais cedo ou mais tarde,

tolher-se ou empecer-lhe o progresso, com irreparável dano para o ensino e

para a religião.

114

Dando-vos, de coração, a nossa bênção arquiepiscopal convidamo-vos

a vos unirdes conosco nas preces que, aos céus, elevamos pelo futuro e pela

grandeza da Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

(Ass.) Vicente Scherer — Arc. Metr. de Porto Alegre.

Os trabalhos de reforma do Estatuto continuaram apesar das restrições

do arcebispado.

Tiveram um grande valor a visita e a carta do Prof. Manoel Coelho

Parreira a Dom Vicente, que vai transcrita aqui.

Porto Alegre 8 de abril de 1954.

Excelentíssimo, Reverendíssimo Dom Vicente Scherer

Eminente amigo:

Com o respeito devido à Autoridade de V. Exa., e levado peIa amizade

que há longos anos lhe dedico, peço licença para endereçar-lhe estas linhas,

usando da mesma franqueza e lealdade de que sempre pautaram minhas

relações pessoais com o seu saudoso antecessor D. João Becker, amigo

querido e conselheiro avisado.

Poucos meses são passados, da visita que fiz a V. Exa., com o objetivo

de cumprimentá-lo e receber suas instruções a respeito do estilo das Capelas

que o Professor Pereira Filho, Diretor do Serviço Nacional de Tuberculose,

pretendia erguer no Sanatório Partenon e no Hospital Sanatório Belém.

Valendo-me da oportunidade, manifestei-lhe, naquela ocasião, as minhas

preocupações com referência à campanha que uns poucos elementos da

Pontifícia Universidade Católica vinham desenvolvendo contra os Irmãos

Maristas, seus criadores e mantenedores, com o fim de alijá-los da sua

benemérita obra, da sua casa, para entregá-la a outra direção.

Recordo-me que falei com a sinceridade que devia e devo a V. Exa., na

minha qualidade de professor catedrático, ainda, com a responsabilidade de ter

sido um dos fundadores da Faculdade Católica de Filosofia.

115

Tendo exposto a V. Exa. os meus temores referentes ao trabalho de

desagregação que se esboçava, ouvi de V. Exa., com satisfação, que não

permitiria que tal acontecesse, porque V. Exa., como eu, não só se considerava

amigo dos Irmãos Maristas, mas também reconhecia os seus méritos

como educadores, e os sacrifícios que fizeram para realizar o notável

empreendimento representado pela Universidade Católica.

Confortado com as expressões de V. Exa., e com o trato carinhoso que

me dispensou, transmiti aos Reverendos Irmãos Provincial e Diretor da

Faculdade de Filosofia, uma síntese da troca de impressões com que, sobre o

assunto, me honrou V. Exa.

Supus, de então para cá, que a campanha de descrédito e ameaças

contra os Irmãos tivesse cessado.

Com surpresa, porém, constato agora, que se procura por todos os

meios infiltrar, outra vez, e em maior escala, o mal-estar e o desassossego na

Universidade Católica, sob o pretexto de moralizá-la, quando o que realmente

se visa é coisa bem diversa.

Percebe-se que o fracasso da primeira investida, não teve o mérito de

aplacar a inveja, o despeito e o ódio recalcado contra alguns dos mais

talentosos, cultos e dedicados professores Maristas da Universidade.

Com a experiência de haver exercido todas as funções a que

poderia legitimamente aspirar na minha modesta carreira profissional de

engenheiro, estou em condições de avaliar os efeitos da competição entre

homens de todas as categorias sociais, inclusive dos que pela sua formação

religiosa e moral, teriam o sagrado dever de se revelarem modelo e exemplo

para os seus semelhantes.

V. Exa. lembra-se, provavelmente, para citar apenas um episódio, das

injustiças que sofri em Garibaldi, a ponto de ser forçado a recorrer à suprema

Autoridade do inolvidável Arcebispo D. João Becker. Venci, graças a Deus,

porque eram retas as minhas intenções e porque o exemplo que dei no governo

do Município, foram suficientes para afastar o cálice que me ofereciam.

116

Permita, pois, V. Exa.. a fraqueza de expressar aqui, as perguntas que

faço a mim mesmo: por que só agora certos corações se tomaram de amores e

zelos pela Universidade, exatamente na ocasião em que recebe ela, justa e

legalmente, sua primeira subvenção do Governo Federal? Não percebem que

estão trabalhando contra a causa da própria Igreja? Terão meditado sobre as

conseqüências públicas de desavenças entre membros do mesmo credo

religioso, por motivos mesquinhos?

Por que, pergunto ainda, não procuraram cooperar e agir na época das

dificuldades, emprestando o fulgor da sua inteligência e da sua cultura, e o vigor

dos seus sentimentos cristãos, à causa tão importante como a que representa a

moralização da Universidade Católica?

Tenho a impressão, prezado Chanceler, de que se não for atacada em

tempo, a nova campanha de intrigas e de difamação que se tenta levar a cabo,

conduzirá a danosos resultados para a Universidade, para os seus professores,

para os seus alunos e quiçá para a causa mesma da Igreja.

Como o mais humilde professor da nossa Universidade, entendo que

tem ela servido, como prometeu, sem desfaIecimentos, ao ideal expresso no

honroso título que lhe foi conferido pela Santa Sé, e mais ainda, “a fidelidade à

sua missão cultural e religiosa, lhe assegura a conquista de glórias e louros, ao

serviço da Pátria e da Fé”, segundo as magníficas palavras de V. Exa., por

ocasião da instalação solene da Pontifícia Universidade Católica, em 1950.

“Que viva, cresça e produza abundantes flores e frutos no campo da

ciência e da educação.”

São esses, também, os meus mais ardentes desejos.

Sinto-me bem, neste momento, porque julgo ter cumprido um dever

comparável ao do soldado para com o seu mais alto Chefe que, por uma feliz e

rara circunstância, é também seu Amigo.

V. Exa. Rvdmna., na qualidade de Chanceler da Universidade, não

permitirá, por certo, hoje como ontem, que as forças ocultas do mal sempre

presentes nos corações humanos, desanimem, abatam, perturbem e tentem

117

destruir um monumento que é nossa honra, que é fruto do sacrifício diário dos

seus professores leigos e religiosos e, porque, não dizê-lo, é nosso justo e

legítimo orgulho.

Creia-me, sempre, de V. Exa., sincero admirador e amigo.

Manoel Parreira

Organizou o Curso de Mineralogia como outros existentes na época.

Teve como professor adjunto os Irmãos Antônio Frainer (missionário em

Angola, a partir de 1954), anos depois retirou-se da Congregação); professor e

amigo fiel foi sempre o Prof. Irmão Jacob Ignácio Kuhn.

No dia 8 de dezembro de 1954, o Prof. Manoel Coelho Parreira foi

nomeado vice-Reitor junto com o Reitor Irmão José Otão, no encerramento da

gravíssima crise instalada no decorrer de todo aquele ano. Durante seis anos

esteve colaborando efetivamente com a alta administração.

No discurso pronunciado em março de 1955, há o retrato do mestre

Manoel Coelho Parreira, delineado pelo orador que não deixou o nome

aos pósteros.

Exmo. Sr. Professor Doutor Manoel Coelho Parreira

Na hora em que prestamos singular homenagem a um grande Mestre

da Pontifícia Universidade Católica, é-me grato fazer uso da palavra e saudar a

competência, a amizade e a dedicação ilimitada na pessoa do Prof Manoel

Coelho Parreira, recentemnente momeado Vice-Reitor Magnífico.

É hoje, após o término do ano letivo feitos os exames finais que aqui se

reúne um pugilo de alunos agradecidos para inaugurar nesta sala, seu retrato.

Ele deverá constituir neste recinto um permanente conforto moral para

todos os docentes e discentes que no futuro labutaremn à sua sombra no

aperfeiçoamento científico das novas gerações.

118

Quem teve a dita de se contar entre os discípulos de tão abalizado

mestre, sabe aquilatar a proficiência com que ele ministra suas aulas

magistrais. Sempre preocupado pelo progresso de seus alunos, não poupa

esforços, não mede sacrifícios, não calcula cansaços, apóstolo do saber e da

ciência, vais dispartindo em gestos largos e ricos, com generosidade

inexcedível seu saber, profundamente alicerçado no diuturno estudo dos

grandes problemas de sua carreira. Quem lhe escuta a palavra fluente,

portadora da mensagem cientíifica durante as horas de aula, se encanta

vendo como V. Excia. sabe recorrer às mais variadas indústrias para suavizar

o roteiro, naturalmente árido às inteligências que tomam o primeiro comitato

com a disciplina.

Porém o que niais sensibiliza é ver a dedicação de V. Excia. dedicação

incondicional, à qual nunca falta tempo para uma explicação suplementar, seja

a que momento for.

Por tudo isto somos obrigados a dizer: aqui está um amigo mais que um

Professor, o amigo que todo se dá, desfazendo-se, para que, seus alunos

tenham o pábulo do espírito, dando-se na fraternização com os incipientes,

descendo até eles para depois os elevar até o céu sereno onde ele paira na

visão grandiosa dos dilatadas horizontes, que mais e mais se alargam, na

infinidade do cosmos sempre estudado e sempre indevassável.

Exmo. Senhor Professor.

Nosso gesto de hoje é um gesto de admiração e de agradecimento.

Dignai-vos aceitá-lo, pois, vem, credenciado pela espontaneidade. Queremos

deixar o retrato de V. Excia. nesta sala para as turmas que hão de seguir.

Porém levaremos conosco o vosso retrato, vivo, na âmago dos nossos

corações agradecidos.

Há um registro histórico-cultural interessante, numa das ausências do

Reitor Irmão José Otão, em congresso no exterior, o Reitor em exercício da

Reitoria, Manoel Coelho Parreira foi visitado pelo Diretor do Teatro São Pedro,

Dante Barone. Porto Alegre ia receber o Jazz internacional para uma grande

119

exibição. O Teatro estava reservado para outro evento. Dante Barone

recorreu à Reitoria da PUCRS. Tivemos rápida reunião os dois com o

Secretário Geral, resolveu-se oferecer o Salão de Atos da Universidade para

a grande noite de Jazz em Porto Alegre. Os Irmãos que tinham os

apartamentos não distantes do salão sofreram um pouco com a exibição da

música americana, grande sucesso.

Sala de Minerologia

Há outros fatos em que a decisão serena do vice-Reitor tirou de apuros

professores e instituição.

Aposentado da Universidade após uma extensa folha de serviços.

Ainda trabalhou alguns anos na Universidade Federal, sempre na Mineralogia.

Recebeu o título honorífico de professor emérito pela universidade. O

Instituto dos Irmãos Maristas outorgou-lhe a distinção de membro afiliado, com

direito à participação de benefícios espirituais na vida e depois da morte para

sua pessoa e familiares.

Passava tranqüilamente os anos da velhice no apartamento na rua

Senhor dos Passos, a residência na Rua Jerônimo Coelho fora vendida para

120

dar lugar a um grande edifício. Amado pelos filhos e netos, sempre unido à

esposa Dona Arminda. Viveu feliz.

Faleceu, após breve doença, no Hospital Ernesto Dornelles, no dia 28

de março de 1978, 40 dias antes do falecimento do Irmão José Otão... Foi

sepultado no Cemitério da Santa Casa em jazigo familiar.

O prof. Manoel Coelho Parreira soube ser o verdadeiro amigo dos

Irmãos que aprendeu a amar desde pequenino, tornando se um verdadeiro pilar

no edifício da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Breve depoimento

O Prof. Irmão Jacob Ignácio Kuhn apresentou alguns episódios de sua

vida ao lado do Prof. Manoel Coelho Parreira. O Irmão Jacob logo que obteve o

diploma de licenciado em História Natural foi escolhido para ser professor

assistente. Já nos anos de estudo colaborava nas aulas no preparo de materiais

didáticos. Irmão Jacob considera o Prof. Parreira, mestre abalizado e excelente

conhecedor da Mineralogia, além de ser uma personalidade íntegra, devotado à

cátedra e à Congregação dos Irmãos Maristas. Soube defendê-los em

momentos difíceis da Universidade. Não esquecera seus anos de aluno no

Colégio de Santa Maria e do seu convívio amigo com os Irmãos Geraldo, Artur,

Sinforiano e outros em Garibaldi. Havia cordialidade nas horas de aula

mantendo-se sempre a seriedade e certa severidade. Após as aulas, algumas

vezes, convidava o Irmão Jacob e alguns alunos para os colóquios sobre

Mineralogia. Era distribuída uma peça do museu e a conversa girava em torno

daquela pedra ou minério.

Admirava muito o Papa João XXIII que soube ser o papa mais de

acordo com o povo, com atitudes e aspectos diferentes do seu antecessor, o

admirável Pio XII, da aristocracia romana, da família Pacelli. Queria ver o Irmão

Jacob como substituto por isso fez questão que ele fizesse curso de

especialização na Universidade de Colônia (Alemanha) durante três meses. A

sua prudência e sensibilidade levaram-no a licenciar-se da PUCRS, da Vice-

121

Reitoria e da cátedra, ainda em pleno vigor. A sua frase pronunciada várias

vezes: “Preciso cair fora antes de caducar ...”

Para o Irmão Jacob Ignácio Kuhn, o Prof. Manoel Coelho Parreira

permanece aquela figura do mestre, do amigo dos alunos e grande amigo e

defensor dos Irmão Maristas, em especial no decorrer de 1953 e 1954.

122

DOM ALBERTO FREDERICO ETGES

Infância e juventude

No interior de Santa Cruz do Sul, na Vila de Boa Vista, distante 16 Km

da sede viveu o casal João Etges e Otília Josefina Eidt no trabalho da terra.

Fervorosos cristãos, fiéis às práticas religiosas, à assistência da santa Missa

aos domingos e dias santos de guarda. Em sua vida matrimonial tiveram treze

filhos: oito rapazes e cinco meninas. Todos constituíram família exceto: Irma

Ana, gêmea de Alberto, faleceu aos nove anos; Amanda professou na

Congregação das Irmãs Franciscanas; Alberto Frederico seguiu o caminho do

Sacerdócio, tendo nascido aos 11 de julho de 1910.

Côn. Alberto Etges – Reitor 8/12/51 a 8/12/54

Freqüentou as aulas, na localidade, sendo alfabetizado pelo Prof.

Guilherme Simonis, que era o mestre-escola: ensinava às crianças língua

portuguesa e alemão e também a fazer contas.

123

Nos anos de 1921, 22 e 23 foi aluno do Colégio São Luís, dirigido pelos

Irmãos Maristas. Muitos jovens procuravam a educação ministrada pelos Irmãos

José Melquíades, Emílio Conrado e outros.

Os documentos da época mostram que Alberto Frederico

era aluno exemplar.

Desde cedo despertou para outros caminhos, outros horizontes —

sentiu em si o desejo de ser padre. No dia 28 de fevereiro de 1924 chegou

ao Seminário Menor Imaculada Conceição dirigido pelos Padres Jesuítas,

em São Leopoldo.

Concluiu os estudos secundários — o ginásio — e frequentou o Curso

de Filosofia de 1929 até 1931; cursou Teologia em 1932 e parte de 1933,

seguindo então para Roma.

Os atestados de notas daqueles anos de Seminário são excelentes em

todas as disciplinas.

Roma: estudos e ordenação.

Dom João Becker estimulava as vocações mais brilhantes a concluírem

a Teologia no Colégio Pio Brasileiro e depois buscar o Doutoramento na

Universidade Gregoriana. Alberto Frederico enfrentou o desafio e viajou para a

Itália em 23 de setembro de 1933. Deixou nas mãos do Vigário Geral Mons.

Leopoldo Neis uma carta com o compromisso de ressarcir a Cúria Metropolitana

de todas as despesas decorrentes dos cursos e da estada na Cidade Eterna.

Em Roma a vida do seminarista Alberto foi entusiasta, estudiosa e

piedosa. Os estudos da Teologia eram aprofundados pelas constantes

pesquisas nas bibliotecas das Universidades Pontifícias. Tudo em latim, em

italiano ou alemão. Percebeu como foram importantes os anos de aprendizado

de línguas em São Leopoldo. Comovido descreveu a audiência com o Papa Pio

XI, por ocasião da beatificação dos mártires de Caaró, no dia 28 de janeiro de

1934. Nesse mesmo ano inaugurou-se o Colégio Pio Brasileiro no dia 5 de abril.

124

No colégio Pio Brasileiro, o Seminarista Alberto pertencia à

orquestra, tocava clarinete. Passava belas horas nos ensaios para

abrilhantar missas e outras celebrações. Antes disso os seminaristas

brasileiros residiam no Colégio Pio Latino, onde se encontravam estudantes

de vários países da América Latina.

Teve a cerimônia da ordenação sacerdotal no sábado de aleluia de

1935, na Basílica de São João de Latrão. A primeira missa foi rezada no

Colégio Pio Brasileiro, a segunda no Colégio Pio Latino e a terceira no túmulo

do Apóstolo Pedro. Assim realizou o seu grande sonho de ser padre.

Empenhou-se na preparação da tese de doutoramento: “De

Interpretatione mariologica verborum, Jesus in tempo”. Apesar da

severidade da Comissão examinadora de cinco especialistas teve a nota

final Magna cum Laude no dia 11 de junho de 1937. Depois disso seu

pensamento era retornar aos pagos, ao Rio Grande, à arquidiocese de

Porto, aos braços de seus familiares.

Retorno aos pagos

Finalmente tudo concluído com brilhantismo, chegou o dia de retornar.

Conseguiu viajar no magnífico navio Conte Grande nos primeiros dias de

agosto, chegou ao Rio de Janeiro no dia 18. Fez a viagem do Rio a Porto

Alegre, por terra, de trem.

A recepção na Cúria Metropolitana foi uma festa deliciosa, Dom João

Becker, Mons. Leopoldo Neis, todos ufanos de terem mais um sacerdote,

doutorado na Universidade Gregoriana.

No dia 26 de setembro de 1937, celebrou a primeira na terra natal, no

Hospital de Santa Cruz com a presença de todos os familiares.

Conseguiu passar alguns meses de férias ou melhor de tarefas de

auxílio a colegas nas diversas paróquias da Capital.

Em 1938 foi designado vigário coadjutor da Paróquia Nossa Senhora

dos Navegantes. Permaneceu lá dois anos.

125

Assistente da Ação Católica.

O Arcebispo Dom João Becker confiou-lhe missão importantíssima:

cuidar da Ação Católica dos jovens universitários.

Vejam-se alguns antecedentes. Em 1924, o Papa Pio XI criou o

movimento da Ação Católica que aos poucos irradiou-se pelo mundo cristão.

Houve uma renovação espiritual em todos os países.

No Brasil com o Cardeal Dom Sebastião Leme, notabilizou-se o Centro

Dom Vital, fundado por um padre jesuíta gaúcho, Leonel Franca. Teve como

missão e vocação cristianizar o Brasil, a cultura, a ciência.

Salientaram-se as figuras de liderança católica. Jackson de Figueiredo,

Alceu Amoroso Lima. Criaram a Revista A Ordem que se distinguia por seu

vanguardismo cristão no trato da Cultura, das Letras, das Ciências e da

Filosofia. Do Centro Dom Vital originaram-se as lideranças junto com o Padre

Leonel Franca, S.J. que lançaram os alicerces da Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro.

Em 1933, o Centro Católico dos Acadêmicos realizou o 1º Congresso

Universitário rio-grandense. A tese mais debatida e significativa no Congresso

evoluiu para a resolução da criação de uma faculdade de Filosofia Católica,

acessível a todos dentro do espírito cristão.

O Irmão Afonso criara em 1931, o Curso Superior de Administração

e Finanças que tomou o nome de Faculdade de Ciências Políticas e

Econômicas, em 1933.

Ação Católica Brasileira teve seus Estatutos aprovados pelo

episcopado em 1935.

Em Porto Alegre o Padre Werner von und zur Mühlen, que há tempos

vinha lidando com os estudantes pela Congregação mariana, fundada em 1911

no Colégio Anchieta (Rua Duque de Caxias, 1274), preparava líderes.

126

O Centro Católico de Acadêmicos (CCA) criou a revista Idade Nova. Os

seus membros fundaram nas férias, núcleos em paróquias da Capital e do

interior do Estado. Essa é a origem da Ação Católica no Rio Grande do Sul.

Fernando Casses Trindade em artigo reproduzido na Revista do

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, de 1982, escreve:

“O grupo fundador do CCA em 1931 e, depois da revista Idade Nova,

em 1934, era formado pelos mesmos anchietanos e congregados, mas com

uma preocupação universitária mais acentuada. Podemos mencionar como um

de seus membros mais ativo: Francisco Machado Carrion, seu primeiro

secretário e depois presidente e mais tarde diretor da revista idade Nova.

“Em 1935 foi constituído o primeiro conselho diretor da Juventude

Católica: Francisco Machado Carrion — presidente; Paulo Barros Ferlini —

secretário; Laudelino de Medeiros — Secretário masculino: Cruzaltina do Valle

— Secretária feminina; Carlos de Britto Velho — Secretário Cultural; Gustavo

Pereira Filho — Secretário de expansão; Arthur Morsch — Secretário de

Propaganda; e Franz Muller — Secretário de Finanças.”

A Ação Católica conquistou os colégios católicos masculinos e

femininos da Capital e do interior do Estado. Prepararam jovens mais dispostos

a viverem a mensagem de Cristo na Faculdade e na profissão.

O mesmo artigo salienta os objetivos: “Na JC os objetivos do CCA

parecem ampliados pois não se trata somente de “catolizar” as Faculdades

existentes, nias é necessário “recristianizar” cada vez mais a sociedade em

sua totalidade.”

O Prof. Lothar Francisco Hessel, em artigo, na TEO Comunicação de

junho de 2000 afirma: “Em Porto Alegre, a JUC foi criada e instalada pelo P.

Alberto Etges em 1941, ano em que foi designado seu assistente eclesiástico.

Com seu reconhecido trato nas relações humanas contou com a cooperação de

diversos jovens, entre os quais se destacou José Mariano de Freitas Beck.

Promoveu a organização dos Centros da JUC em quase todas as escolas de

127

ensino superior de Porto Alegre, oficiais ou particulares. Organizou, outrossim,

residências para acadêmicos, denominadas Casas da JUC”.

Reuniões de estudo. conferências, assistência religiosa, celebração de

missas, confissões e acompanhamento eram suas ocupações do dia todo e de

todo o dia. Sempre alegre, afável, amigo, sabia chegar perto de cada um para

prestar-lhe conforto e auxílio de que necessitasse.

Professor e Reitor

A partir de 1947 pertenceu à novel congregação da Faculdade de

Direito como professor catedrático de Deontologia Jurídica. No fim de novembro

de 1951, o Reitor Armando Pereira da Câmara solicitara demissão faltando

poucos dias do término de mandato. Dom Vicente Scherer e o Presidente da

mantenedora da Universidade, Prof. Irmão Vendelino Weiand, atendendo

indicação do Conselho Superior resolveram nomear o Cônego Alberto Frederico

Etges, Reitor. A tomada de posse do corpo administrativo da Universidade

aconteceu no dia 8 de dezembro de 1951:

Reitor — Cônego Alberto Frederico Etges; Vice-Reitor — Irmão

Roque Maria (Ernesto Daniel Stefani); Diretor da Faculdade de Ciências

Políticas e Econômicas — Prof. Oswaldo Ehlers; Diretor da Faculdade de

Direito — Des. Baltazar Gama Barbosa; Diretor da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras — Prof. Ir. José Otão, Representante do Chanceler nos

Conselhos — Cônego Otto Skrzypzak.

O Reitor escolheu para Secretário Geral o ex-jucista José

Silveira Schmidt.

Vale a pena Ler e saborear o discurso pronunciado na tomada

de posse.

Por sua expressão pode-se avaliar o programa de seu Reitorado.

“Com a emoção natural nos momentos como este, mas, sobretudo com

a simplicidade de quem se dispõe a prestar um serviço, recebo, das mãos da

autoridade máxima da nossa Arquidiocese e de nossa Universidade, a

128

investidura, no mais alto cargo da direção da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul.

Entro nas suas funções com a persuasão de “servus inutilis” do

Evangelho, mas, também, com a confiança tranqüila, do “vir obediens

loquetur victorias”.

Tendo até agora, podido reger uma parcela preciosa do mundo

universitário, mais, em verdade, com o coração de que pela inteligência, cabe-

me, agora, reger uma parcela maior ainda, por uma maneira, em verdade, por

mim ainda não experimentada, espero em Deus, porém, com a mesma

amizade, porque com o mesmo desinteresse e com a mesma dedicação!

Está a Universidade a serviço da cultura, como oficina do saber

e da virtude.

Atribuir à escola superior somente a função técnica de distribuidora do

sabem; ainda que no mais alto e variado grau, seria esvaziar-lhe a essência e,

por conseguinte, mutilar-lhe a natureza, e, atrofiar-lhe a ação.

Cultura não é apenas, saber; cultura é, sobretudo, modo de ser; e, mais

do que isto: cultura é ser, cultura é vivência, cultura é vida! E a vida do homem

não é, apenas, inteligência; é além disto, valor moral, vontade que se firma,

responsabilidade que se impõe.

Daí porque transmitir cultura significa formar o homem todo, inteligência

e vontade, sensibilidade e responsabilidade, o corpo, a alma e o coração. Não

nos foge, assim, a percepção da magnitude da tarefa a desempenhar,

principalmente na direção da Universidade e de cada uma de suas Faculdades

tarefa a que, por isto mesmo, nos consagramos com ardor, sem interesse nem

paixões, por amor de Deus e por amor do próximo.

A consciência de que nada ambicionamos, do que nos foi entregue, nos

dará força para a consagração diuturna e um dever, que, vindo de tão alto e

servindo a ideais tão elevados, bem se nos apresenta como um ritual a cumprir,

dentro das tarefas a realizar.

129

E isto, tanto mais, que teremos, perenemente, diante dos olhos, os

exemplos de dedicação inexcedível e de capacidade invulgar, dos vultos

eminentes do saber e da virtude, a que temos a honra de suceder.

O nome de Armando Pereira da Câmara é uma bandeira, de muitos e

sempre gloriosos combates. Assim, como aqui está a PUC, saiu de suas mãos,

hábeis, sempre, e seguras como nenhuma outra no mando de grandes causas.

Teve a seu lado Francisco Juruena, da Faculdade de Ciências Politicas

e Econômicas, Antônio Cesar Alves, na direção da Faculdade de Filosofia,

Armando Dias de Azevedo, na direção da jovem Faculdade de Direito, e todo

um corpo docente, numeroso e seleto, que, os primeiros dignificaram,

sumamente, as direções que ora deixam, o honram, todos grandemente, as

cátedras que ocupam, e as cadeiras que lecionam.

Um só propósito nos animará no governo desta Universidade:

consolidar e apeifeiçoar a obra, tão auspiciosamente iniciada!

Comungamos todos do mesno ideal — entidade mantenedora, direção,

corpo docente e alunos: dotar o Rio Grande com uma Universidade, a que, com

justiça, caiba o título de Pontifícia.

A Sua Santidade o Papa Pio XII, gloriosamente reinante, as

homenagens desta Universidade, que é sua, porque informada do espírito mais

fiel da Igreja.

Ao corpo docente a nossa saudação calorosa com o apelo da mesma

colaboração desinteressada, com que prestigiaram a direção passada.

E, ao corpo discente, tão amigo e tão compreensível das dificuldades

inerentes a uma iniciativa, do vulto da nossa Universidade Pontifícia, a garantia

de uma dedicação total, para o florescimento da verdadeira cultura, num

ambiente de compreensão cada vez maior e do cumprimento exato do dever.

Assim o juramos, e assim Deus nos ajude, e faça frutificar os talentos

que, segundo o Evangelho, não queremos enterrados, mas que queremos,

floresçam, e dêem frutos, 100 por um.”

130

EVENTOS E REALIZAÇÕES

Semana da Universidade Católica

Instituído em 1944, o Dia das Faculdades Católicas foi realizado nos

anos subseqüentes com a participação de alunos e professores.

Em 25 de junho de 1952 o Conselho Universitário resolveu criar a

Semana da Pontifícia Universidade Católica com os objetivos de: promover

os cursos; chamar a atenção dos fiéis católicos para a importância da

Universidade Católica; de conseguir auxílios para o desenvolvimento do

ensino e da pesquisa. A Semana, celebrada em agosto de 1952, teve a

presença do P. L.J. Lebret, OP, com suas notáveis aulas sobre o Movimento

de Economia e Humanismo.

Formaturas

O Conselho Universitário decidiu que nos atos de formaturas de 1952

os formandos se apresentassem com vestes talares. Para essa finalidade a

administração superior mandou confeccionar roupas com as cores tradicionais

atribuídas a cada unidade de ensino ou cada profissão.

“Doctor Honoris Causa”

O Vice-Reitor, Prof. Irmão Roque Maria, participou do Congresso das

Universidades Católicas da América Latina, em setembro de 1953, no Chile. Por

sua brilhante atuação foi-lhe outorgado o título de Doutor Honoris pela

Universidade Católica de Santiago.

Abertura do ano 1954

O ano acadêmico de 1954 teve o início no dia 7 de março, festa de

Santo Tomás de Aquino, com dois atos:

131

1) Às 20h. na capela do Colégio Nossa Senhora do Rosário, missa do

Espírito Santo, oficiada pelo Senhor Arcebispo Metropolitano, Chanceler da

Universidade, Dom Vicente Scherer.

2) Às 21h, no salão nobre, houve a aula inaugural, proferida por Frei

Efrém de Gênova, da Universidade Internacional de Estudos Sociais PRO DEO,

de Roma. O tema abordado foi “Ascese o declinio della democrazia”.

FORMAÇÃO RELIGIOSA ESPECIAL

A Reitoria desenvolveu grande esforço para levar aos professores, aos

acadêmicos e à população em geral, sua colaboração no sentido de uma

formação religiosa e social especializada.

Com essa finalidade realizou-se no começo de junho a Semana de

Espiritualidade em que o eminente Padre Philipon, OP, da Universidade

Gregoriana, proferiu uma série de palestras e colóquios sobre os temas: Visão

Cristã do mundo e Síntese marial.

No mês de outubro. de 10 a 17, em comemoração do Ano Mariano,

Dom Estêvão Bettencourt, OSB, fez uma série de conferências sobre “Os

dogmas marianos”.

O campo familiar e social foi lembrado pelo curso de extensão,

ministrado pelo Prof. Dr. P. Pedro Calderán Beltrão, SJ, nos meses de setembro

e outubro, sobre “A família nas atuais estruturas econômicas e sociais”.

1ª Quinzena de Cultura, Arte e Esporte

O Diretório Central de Estudantes promoveu a 1ª Quinzena de Cultura,

arte e esporte, de 15 a 30 de setembro. A programação mereceu grande e

entusiasta participação dos acadêmicos de todas as Faculdades.

A Quinzena de Cultura, Arte e Esporte teve grande repercussão no

mundo acadêmico e na sociedade do Rio Grande do Sul — exemplo de

132

organização e harmonia entre estudantes e professores das unidades

acadêmicas da PUCRS e da UFRGS.

Visitas Ilustres

No decorrer de 1954 a Universidade recebeu importantes visitas de

personalidades nacionais e estrangeiras entre as quais se destacaram:

1) O Cardeal Sebastião Gouvêa, Arcebispo de Lourenço Marques,

capital de Moçambique, veio ao sul para agradecer a obra dos Irmãos

Maristas naquele vasto território de África. Foi-lhe prestada cordial

homenagem pelo Reitor, pelos diretores. professores e alunos das diversas

unidades acadêmicas.

2) O Ministro de Educação e Cultura, Simões Filho, foi homenageado

por ocasião de sua breve visita à Universidade

Incorporação da Escola de Serviço

O Conselho Universitário, em sua reunião de 19 de outubro de 1954.

acolheu o pedido de incorporação da Escola de Serviço Social, agregada à

Universidade desde a criação em 1945. Após maduro estudo e ampla

discussão, a solicitação do Prof. Mário Reis foi aprovada por unanimidade pelos

membros do Conselho Universitário.

1ª Formatura de Jornalismo no Sul do Brasil

No dia 12 de dezembro de 1954, realizou-se a 1ª colação de grau dos

bacharéis de Jornalismo no Sul do Brasil. As solenidades iniciaram com missa

solene na Capela do Colégio Rosário. À noite, no Salão de Atos houve a

formatura de 47 bacharéis do Curso de Jornalismos. O orador da turma

destacou-se com palavras ricas em conteúdo e belas na expressão, o

conhecido jornalista e escritor João Bergmann (JB). O Prof. Irmão Faustino

133

João foi o paraninfo, em reconhecimento da turma pelos trabalhos

desenvolvidos na criação e implantação do Curso desde 1951.

Estiveram presentes no ato o Reitor Cônego Alberto Etges e o Diretor Ir.

José Otão que impôs o grau acadêmico.

Doutores em Letras

No dia 19 de dezembro houve solene outorga do grau de Doutor aos

professores Irmão Elvo Clemente (Antônio João Silvestre Mottin), em Letras

Clássicas, Irmão Dionísio Fuertes Alvarez, em Letras Neolatinas.

FUNDAÇÕES

1952 − Curso Superior de Religião

O senhor Reitor, Prof. Cônego Alberto Etges, levou à consideração e à

decisão do Conselho Universitário o projeto do Curso Superior de Religião

destinado a pessoas que desejassem aperfeiçoar-se nos temas religiosos. O

Curso foi aprovado por unanimidade. As aulas começaram em abril, sendo

ministradas aos sábados à tarde, com a duração prevista de três anos.

As conferências de Dom Cândido Padim, OSB, Diretor da Faculdade de

Filosofia de São Bento, de São Paulo, em agosto de 1953, marcaram vivamente

a numerosa assistência de professores, de alunos e de público em geral. Os

temas tratados com maestria referiram-se à arte e ao senso do mistério e à

conquista da personalidade.

1952 − Curso de Jornalismo

Na sessão do Conselho Universitário de 4 de junho de 1949 o Reitor

Prof. Armando Pereira da Câmara apresentara a proposta da criação do Curso

de Jornalismo, de orientação católica como já existia em São Paulo, na Escola

134

Casper Libero. A idéia foi bem recebida pelos membros do Conselho

Universitário. O Irmão Faustino João teve a incumbência de preparar o

processo para ser encaminhado ao Conselho Nacional de Educação.

O Curso de Jornalismo começou em março de 1952 com 66 alunos

provindos dos principais jornais e rádios da Capital, em especial da Companhia

Jornalística Caldas Júnior.

1953 − Faculdade de Odontologia

O Conselho Universitário, na reunião de 2 de abril de 1951, recebeu a

proposta do Prof. Dr. Elias Cirne Lima, referente à criação da Faculdade de

Odontologia. Os membros do Conselho aprovaram por unanimidade a idéia. O

professor proponente ficou encarregado de organizar o corpo docente, os

currículos do curso e o material necessário à instalação da nova Faculdade.

Durante várias sessões o tema da Faculdade de Odontologia ocupou as

discussões dos membros do Conselho Universitário de 1951 e 1952.

Finalmente nas reuniões de 14 e 19 de novembro e 6 de dezembro de 1952

ficou decidido o local e aprovado o corpo docente da Faculdade de Odontologia

que iniciou as aulas em março de 1953.

1953 − Instituto de Psicologia

Na reunião do Conselho Universitário de 24 de novembro de 1950 foi

apreciada com simpatia a primeira proposta do Prof. Vítor de Brito Velho sobre

a fundação do Instituto de Psicologia.

Em março de 1953 o Conselho Universitário aprovou a vinda do Prof.

Dr. Bela Székely, nascido na Transilvânia em 1892, formado psicólogo pela

Universidade de Budapeste. Formou-se psicanalista em Viena. Como

psicoterapeuta teve grande influência mormente no que se refere à

clínica de conduta.

135

Ao chegar à Argentina em 1938, o ilustre professor organizou a primeira

Clínica de Conduta sul-americana sob o nome de Sigismundo Freud. Atuou

como subdiretor geral do Ministério de Saúde no setor de menores

delinquentes. Na época Bela Székely exerceu influência notável no pensamento

psicológico da América Latina pelas conferências, cursos e livros, tais como: A

Psicanálise (teoria e prática) e os Testes.

Na universidade ministrou durante o mês de maio de 1953 os cursos de

Análise e Síntese Psicopedagógica e da Psicanálise à Análise existencial. para

professores e outras pessoas interessadas. Nos meses de maio e junho proferiu

14 conferências com temas ligados à Filosofia, à Pedagogia e à Metafísica.

Os cursos, as conferências e os contatos com o Prof. Bela Székely

produziram um clima propício ao desenvolvimento da idéia e do projeto da

criação do Instituto de Psicologia.

No dia 30 de junho de 1953, na sala do Conselho Universitário, estando

presentes o Reitor, Prof. Cônego Alberto Etges, o Diretor da Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras, Prof. Ir. José Otão e numerosos professores da

Universidade, e do eminente Prof. Dr. Bela Székely. procedeu-se ao ato

inaugural do Instituto de Psicologia. Constituiu-se a comissão formada pelos

professores: Irmão Hugo Danilo, Irmão Henrique Justo, Dr. Pedro de

Medeiros Mitchel, Irmão Humberto Luís e Irmão Paulo Anísio (Elísio Mosca de

Carvalho), para elaborar, sob a presidência deste, o Regulamento da novel

unidade acadêmica.

A CRISE DA UNIVERSIDADE

Em todas as instituições surgem momentos de crise a fim de reafirmar

ou consolidar os alicerces e preparar a expansão.

Vencidos os óbices iniciais de cada unidade de ensino, estruturou-se a

Universidade com a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas; Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras: a Faculdade de Direito; Escola de Serviço Social.

136

A equiparação da Universidade Católica do Rio Grande do Sul

aconteceu pelo decreto n° 25794 de 9 de novembro de 1948, após ingentes

sacrifícios e trabalhos da parte dos dirigentes das Faculdades Católicas e da

Congregação dos Irmãos Maristas.

Antes e depois desse dia memorável da equiparação, houve hesitações,

houve dias de graves preocupações da parte da Entidade Mantenedora, como

também do laicato católico e da Arquidiocese de Porto Alegre.

Entre os problemas que angustiavam a mantenedora sobressaía o

econômico-financeiro. Os Irmãos Maristas da Província do Brasil Meridional

fizeram o enorme sacrifício de empenhar os bens e os seus trabalhos em prol

da vida da Universidade.

No processo de formação da Universidade em 1948 foram arrolados

todos os bens imóveis da USBEE para a constituição do patrimônio da novel

instituição. Houve recursos da parte do Governo Federal para a construção do

prédio junto à Praça Dom Sebastião. Outros recursos não existiram e nem eram

previstos, Os sacrifícios da mantenedora foram enormes. A fim de solucionar o

grave problema tomou-se a iniciativa de oferecer a outras organizações

religiosas a direção e manutenção das unidades acadêmicas: aos Jesuítas foi

oferecida a Faculdade de Direito; aos Irmãos Lassalistas foi oferecida a

Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, pois já tinham experiência com

a Faculdade de Pelotas: às Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado foi

oferecida a Escola de Serviço Social. Os Irmãos Maristas manteriam a

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Nenhuma Congregação Religiosa aceitou o oferecimento e a USBEE

deveria continuar arcando com o ônus todo da Universidade.

O episcopado rio-grandense desde a fundação da Faculdade de

Ciências Políticas e Econômicas nas pessoas de Dom João Becker e de Dom

Vicente Scherer manifestou sempre o apoio, não assumindo, porém, quaisquer

obrigações econômicas.

137

Houve o incentivo e o apoio para o Dia e a Semana da Universidade,

como também para a campanha dos legionários. Tudo isso pouca significação

teve no respaldo econômico da Instituição.

Irmão Afonso, o batalhador desde 1931, não esmorecia no seu afã de

ver a sua iniciativa progredir e se confirmar apesar das dificuldades internas do

Instituto Marista. Não era rebeldia, mas fidelidade à inspiração que tivera de dar

ao Brasil e à Congregação Marista, a Universidade Católica. A sua afirmação foi

clara quando em 1946 se tratou de assumir ou não a Faculdade de Direito. Pelo

cabograma enviado da França foi incisivo e resoluto: “Faculté Droit Mariste”.

Apesar das dificuldades, das incompreensões e da ausência de

recursos humanos e materiais, mantinha-se inabalável.

Houve tensão profunda entre os leigos católicos que entendiam o

Artigo 9º do Estatuto, parágrafo único ao pé da Letra, daí que foi mister

reformular o texto.

Reforma do Estatuto

A Entidade mantenedora preocupou-se desde logo em assegurar o

patrimônio da Universidade que era ao mesmo tempo o da própria USBEE, por

meio da reforma do Estatuto principalmente no que concernia à propriedade dos

bens imóveis.

O art. 9º do Estatuto de 1948, no parágrafo único assim rezava:

“O patrimônio universitário tem existência própria e não se confunde

com os das unidades universilárias”.

O texto era ambíguo e se prestava a interpretações contrárias à

compreensão da Mantenedora, por isso se fazia necessária a reforma.

Outro texto contestado e polêmico referia-se à nomeação do Reitor:

“Art. 15 — O Reitor, órgão executivo supremo da Universidade, será

nomeado pelo Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre, dentre os professores

catedráticos da Universidade, satisfeito o requisito de ser brasileiro nato”.

138

O Centro Católico de acadêmicos idealizava uma Universidade Católica

mantida pela Igreja e por eles. No entanto não possuíam nenhum patrimônio

para o empreendimento.

A Província Marista do Brasil Meridional colocara todos os seus imóveis

a fim de garantir o patrimônio da Universidade que era o mesmo da USBEE.

A Entidade Mantenedora levantou a bandeira da reforma do Estatuto a

fim de haver mais clareza nos textos acima transcritos. Alguns membros do

laicato juntamente com a hierarquia eclesiástica persistiam em manter o

Estatuto aprovado em 1948.

Nos últimos meses do reitorado do Cônego Alberto Etges o Conselho

Universitário em sucessivas reuniões de 22 e 24 de outubro e de 30 de

novembro de 1954, estudou e aprovou a reforma do Estatuto nos textos acima

assinalados. Na sessão de novembro, a pedido do Des. Baltazar Gama

Barbosa, o Conselho Universitário aprovou um voto de obediência ao Arcebispo

Dom Vicente Scherer.

O texto definitivo do Estatuto, fruto de intensa luta entre o grupo do

laicato católico e o grupo dos Irmãos, teve a aprovação pelo Decreto n° 42670

de 20 de novembro de 1957.

As dificuldades não foram pequenas nos anos de 1953 e 54 em que os

ânimos se acirraram, de parte a parte.

A reforma do Estatuto teve o seu desfecho na reunião do Conselho

Universitário de 30 de novembro; os textos da contenda ficaram assim

reformados e aprovados:

Parágrafo 1° do Art. 10: “O patrimônio, tanto representado por bens

imóveis quanto por bens móveis e por direitos, pertence à entidade

mantenedora, de pleno direito”.

Sobre a nomeação do Reitor, o Art. 20: “O Reitor, órgão executivo

supremo da Universidade, será nomeado pelo Chanceler, de comum acordo

com a entidade mantenedora, que fará a indicação de nomes dentre

professores catedráticos das unidades incorporadas”.

139

ENCERRAMENTO DO TRIÊNIO

Ao encerrar-se o triênio administrativo de 8 de dezembro de 1951 a 8

de dezembro de 1954, a Biblioteca Central contava com 25.135 volumes e

2.832 volumes de revistas encadernadas. O total de alunos nas unidades: a

Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas — 217; a Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras — 740; a Faculdade de Direito — 234; a Escola de

Serviço Social — 39; a Faculdade de Odontologia — 120.

A administração do Reitor Cônego Alberto Etges teve grande

turbulência, vencida com sabedoria, prudência e compreensão, com a

aprovação da reforma do Estatuto.

O Reitor Cônego Alberto Etges se manteve eqüidistante dos grupos que

se esgrimiam em defesa de seus pontos de vista para se ter um ideal de

Universidade Católica para o Rio Grande do Sul, contou, outrossim, com a

atitude sábia do Irmão Paulo Norberto.

No dia 8 de dezembro de 1954, Cônego Alberto encerrava o seu

mandato, assumia a Reitoria o prof. Irmão José Otão.

Em 1955, na Semana da Universidade, de 21 a 28 de agosto, por

iniciativa do Reitor houve inauguração dos retratos dos reitores, dos arcebispos

Dom João Becker e Dom Vicente Scherer.

Ao referir-se ao Cônego Alberto o Reitor Irmão Otão assim se expressou:

“Vossa Reverendíssima deixou na Reitoria o exemplo de um trabalho

modesto e eficiente, de uma atuação prudente e apostólica e de uma entrega

sem reservas ao dever de estado por vezes penoso e cruciante.”

Em 1955, após ter dado três preciosos anos de existência à alta

administração da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,

Cônego Alberto Etges retornou à sua cara Juventude Universitária Católica, que

nunca fora deixada. Por seus serviços à Arquidiocese e à igreja foi distinguido

com o título de Monsenhor.

140

Nos anos de 1957 e 58, preparou-se a cidade de Santa Cruz e a região

de rio Pardo para se constituir em nova diocese.

A 9 de janeiro de 1958 o Padre Olmiro Allgayer S.J., pároco foi

chamado pelo Cardeal Vicente Scherer a prestar amplas informações sobre a

verdadeira situação religiosa de Santa Cruz do Sul.

No dia 19 de fevereiro do mesmo ano o Cardeal Vicente Scherer

presidiu uma assembléia no Colégio São Luís de 38 párocos de dez municípios.

O Senhor Cardeal mostrou a importância e a oportunidade de criar o bispado

em Santa Cruz do Sul.

Criou-se, então, a Comissão Pró Bispado, sendo membros efetivos: Dr.

Leopoldo Morsch, Hugo Guilherme Mueller, Dr. Mário A. Assmann, Antonio

Koeler e P. Olmiro Allgayer.

No dia 14 de agosto de 1959, o Osservatore Romano publicou a notícia:

o santo Padre João XXIII criou a diocese de Santa Cruz do Sul. No mesmo ato

nomeava Mons. Alberto Frederico Elges, bispo.

A alegria foi grande entre os membros da Ação Católica, entre os

professores e alunos da Universidade e principalmente entre os habitantes das

cidades do vale do Rio Pardo. No dia 25 de agosto, o Conselho Universitário, as

congregações de professores e os alunos das faculdades da PUCRS prestaram

vibrante e carinhosa homenagem a Dom Alberto Etges. recentemente eleito

bispo da diocese de Santa Cruz do Sul.

A homenagem se revestiu de um sentido verdadeiramente cristão e

fraterno. Houve discursos notáveis do Reitor Irmão José Otão, do Diretor da

Faculdade de Direito, Des. Baltazar Gama Barbosa, do acadêmico Lourenço

Schorn e no encerramento do ato, a fala de Dom Alberto.

141

Solenidade da sagração do 1º Bispo de Santa Cruz do Sul − à frente − Cardeal Vicente Scherer

A sagração aconteceu no dia 25 de outubro, na catedral metropolitana.

À tarde do mesmo dia, no Salão de Atos da Universidade, Dom Alberto celebrou

sua primeira missa como bispo.

Aos 15 dias de novembro de 1959 deu-se a tornada de posse com

grandíssima solenidade com a presença de altas autoridades eclesiásticas,

civis, militares. Santa Cruz viveu intensamente os dois acontecimentos:

elevação à dignidade de Diocese e a posse do primeiro bispo, ex vi da Bula do

Papa João XXIII — Quando quidein servatores. O lema do novo bispo,

verdadeiro programa de vida e de ação — PARARE PLEBEM PERFECTAM...

Não acompanharemos Dom Alberto em seus anos de zeloso antístite e

verdadeiro pastor de almas. Aos 75 anos solicitou nos termos do Direito

Canônico a resignação do cargo, concedida a 31 de agosto de 1986. Como

foram maravilhosos os 27 anos de labor apostólico e pastoral!

142

Bispo emérito, era o sacerdote como os outros no amanho da seara do

Senhor. Era belo e edificante vê-lo aos domingos e outros dias no

confessionário, exercendo a missão de Bom Pastor.

Os achaques da idade e a enfermidade lhe atrapalhavam ações

mais importantes.

Alguns anos depois da resignação ofereceu-se a ser pároco de Amaral

Ferrador, para não deixar aquela paróquia sem pastor.

No dia 8 de dezembro de 1995 Dom Alberto veio a Porto Alegre para

celebração de uma missa na ex-capela da PUCRS, na esquina Praça Dom

Sebastião/Independência. Lothar Francisco Hessel narra o fato em artigo

publicado em TEO comunicação de junho de 2000. Estavam presentes o Reitor

Prof. Irmão Norberto Francisco Rauch e Irmão Faustino João, e bom número de

jucistas de 1940 a 1950: médicos: engenheiros, advogados, juízes, professores

e outros profissionais, atuando em diversas instituições e movimentos e dando

testemunho vivo do reino de Deus.

No dia 23 de dezembro de 1995, sábado, teve um derrame que o

deixou inválido. Levado ao Hospital, onde em 1937, rezara a primeira missa,

teve o tratamento que o caso exigia. Veio a falecer às 9h35min de 8 de janeiro

de 1996. com a idade de 85 anos, 5 meses e 27 dias.

Os atos fúnebres tiveram alta solenidade num mar de tristeza

e de esperança.

A bela e fecunda vida de Dom Alberto Frederico Etges frutifica e revive

em cada diocesano, em cada cristão que vive a Esperança e o verdadeiro Amor

de Deus e à Santíssima Virgem Maria.

143

IR. JOSÉ OTÃO — JOSÉ STEFANI

Entre os pilares da Universidade sobressai a força dinâmica e

empreendedora do Ir. José Otão — José Stefani.

Nasceu no dia 20 de julho de 1910, filho do imigrante italiano, de

Trento, Daniel Stefani, e de Isabel de Bacco, vindos ao Brasil, para Vila Conde

D’Eu, em 1877. Daniel exerceu as funções de postalista, no lombo de mula,

levava o correio para o distrito de Coronel Pilar. A família vivia discretamente

sua vida e o pequeno José, aprendia as primeiras letras na escola do

Distrito de Garibaldina.

Ir. José Otão – Reitor

Depois ingressou no Instituto Santo Antonio, dos Irmãos Maristas em

Garibaldi, onde o mano Ernesto Daniel, já estudava. Aos 12 anos decidiu seguir

a vocação marista, ingressou na casa de formação — Instituto Champagnat —

em Porto Alegre, em 1922. Em 1926 professou no Instituto dos Irmãos Maristas

e assumiu o nome de Irmão José Otão.

144

De 1927 a 1937 exerceu o magistério fundamental e secundário na

Escola de Artes e Ofícios e Ginásio Santa Maria. Lecionava Língua Portuguesa,

Matemática, Ciências, Geografia, História e Religião.

Nos dez anos de atividades escolares deixou um rastro luminoso entre

os numerosos alunos de suas aulas em Santa Maria. Ao mesmo tempo não

descuidou de seu aperfeiçoamento pessoal, autodidata nas horas de lazer. O

Irmão Roberto dava aulas de Matemática e Física, outros davam Filosofia e

Ciências. Irmão José Otão aproveitava de tudo para formar seu cabedal

científico- cultural: música, literatura, muita leitura.

Nas férias de 1937 preparou os exames vestibulares para Escola de

Engenharia, a conselho do Irmão Afonso que antevia a criação da Universidade.

Dava aulas no Colégio Nossa Senhora do Rosário e frequentava o curso de

Engenharia Civil. Aos 22 de dezembro de 1942, catorze jovens recebiam o

diploma de Engenheiro, entre eles José Stefani.

Em 1943 continuou as atividades administrativas e docentes na Escola

Técnica de Comércio e no Colégio Nossa Senhora do Rosário e nas

Faculdades de Ciências Políticas e Econômicas e Filosofia, Ciências e Letras.

Em 1948, com a equiparação da Universidade Católica no dia 9 de

novembro, no dia 8 de dezembro, houve a instalação oficial da entidade, com a

tomada de posse da 1ª administração: Reitor: Prof. Armando Pereira da

Câmara; vice-reitor: Irmão José Otão; Diretores das Faculdades de Ciências

Políticas e Econômicas: Prof. Francisco Juruena, de Filosofia, Ciências e

Letras: Prof. Antônio César Alves; Direito: Prof. Armando Dias de Azevedo;

Serviço Social: Prof. Mário Goulart Reis; Chanceler: Dom Vicente Scherer.

No dia 1º de novembro de 1950, o Papa Pio XII outorgava à

Universidade o honroso título de PONTIFÍCIA. O exercício da vice-reitoria

valeu-lhe mais experiência administrativa além de relações com outros escalões

da vida social, universitária e governativa.

O Conselho da Mantenedora em 1951, reestruturou o governo da

Reitoria e das unidades acadêmicas. de comum acordo com o Chanceler.

145

Dom Vicente Scherer nomeando: Reitor: Cônego Alberto Etges; vice-reitor:

Ir. Roque Maria (Ernesto Daniel Stefani); Diretor das Faculdades de Ciências

Políticas e Econômicas:

Prof. Oswaldo Ehlers; Filosofia. Ciências e Letras: Ir. José Otão; Direito:

Des. Baltazar da Gama Barbosa; Serviço Social: Pror Lúcia Gavelio Castillo.

Nas funções de Diretor estimulou os doutoramentos dos professores: Irrno

Henrique Justo, na Pedagogia: Heinrich Bunse. Ir. Elvo Clemente e Ir. Hilário

Máximo, em Letras Clássicas; Ir. Dionísio Fuertes Alvarez, nas Letras

Neolatinas. Em 1951 realizou curso de Especialização em Filosofia no Institut

Catholique e na Université de Sorbonne, Paris.

Ampliou as relações com as Faculdades congêneres no País e no exterior.

No dia 8 de dezembro de 1954, é nomeado Reitor, sendo vice-reitor:

Prof. Manoel Coelho Parreira; Diretores das Faculdades de: Filosofia: Des. Eloy

José da Rocha; Ciências Econômicas: Dr. Francisco Juruena; Direito: Baltazar

da Gama Barbosa; Odontologia: Dr. Elias Cirne Lima; Serviço Social: Profª

Lúcia Gavello Castilho.

No ato de posse, o Reitor Irmão José Otão em discurso breve

e objetivo, louvou os predecessores e agradeceu. São citados apenas

alguns parágrafos:

“Na direção da Universidade seguiremos o exemplo dos

administradores que nos antecederam, guardando-nos de precipitações ou

renovações apressadas, planejando e estruturando os empreendimentos de

modo a consolidar a gigantesca obra já realizada e promover em estilo

crescente a consolidação dos altos objetivos da Universidade.

“Filha da Cultura e da Fé a Pontifícia Universidade Católica já tem o seu

programa delineado. “Cultural, em primeiro lugar, pois é esse o objetivo material

da Universidade. Apostólico, em seguida, sendo esse o seu objetivo formnal.”

Essas poucas palavras seriam o leme de um reitorado de 23 anos e

meio, isto é, até 2 de maio de 1978.

146

As atividades do novel Reitor tornaram um ritmo acelerado. A aula

inaugural de 1955, esteve a cargo do Reitor Pedro Calmon, da Universidade do

Brasil. Dissertou de maneira brilhante sobre o tema: A Universidade e a Cultura.

De 21 a 28 de agosto celebrou-se a Semana da Universidade Católica

com atividades culturais e sociais nos centros acadêmicos. No dia 25 de agosto

inaugurou-se a galeria dos retratos de personalidades ligadas Universidade:

Dom João Becker. Dom Vicente Scherer. Prof. Armando Pereira da Câmara e

do Cônego Alberto Etges. salienta-se o significado de algumas frases do

discurso do Reitor:

“O gesto da Universidade, homenageando dois dignitários da Igreja,

representa a homenagem à própria Igreja, depositária da verdade plena,

homenagear à mesma Verdade. a Deus.”

“E o gesto da Universidade, homenageando os dois primeiros reitores é

a homenagem ao mérito e ao trabalho, à dignidade e à tradição, à cultura e ao

apostolado.”

Fato notável eram os cursos de Filosofia Tomista, de Ontologia de

Mons. Octávio Nicolas Derisi, que encheram o Salão nobre de 400 lugares.

Em homenagem ao eminente filósofo o Conselho Universitário atribuiu-lhe o

título de Professor Honoris Causa, outorgado em sessão solene no dia 3 de

setembro de 1955.

Além do brilhantismo da aula magna de Dom Louis Soubigou, da

Universidade Católica de Angers (França), que dissertou sobre Pioneiros e

Peregrinos da Verdade, o ano de 1956 mereceu destaque por dois fatos:

Projetos da Cidade Universitária por Fontanive e Lopes Ltda, homenagem ao

Papa Pio XII, pela inauguração de seu retrato no Salão de honra.

No dia 7 de março de 1957 foi lançada a pedra fundamental da Cidade

Universitária, no terreno do Instituto Champagnat, Partenon. O ato presidido

pelo Reitor teve a presença do Ministro da Educação Clóvis Salgado, do

Prefeito lldo Meneghetti, e do fundador da PUCRS, Irmão Afonso.

147

No mês de agosto de 1957, o Prof. Irmão Elvo Clemente substituiu o

Prof. Irmão Hilário Máximo (João Batista Camilotto) na Secretaria Geral.

No dia 30 de dezembro, foi reempossado o corpo diretivo da

Universidade, exceto o da Odontologia que teve novo Diretor na pessoa do

Prof. Wilson Tupinambá da Costa.

Durante 1958, foi-se estruturando por ordem do Reitor, o Projeto da

Escola de Engenharia, pela comissão formada pelos professores: Manoel

Coelho Parreira, Ivo Wolf, Ernesto Bruno Cossi e Waldemar Cabral Dau.

No mesmo ano, houve capítulo geral dos Irmão Maristas. Elegeu-se

novo superior geral Irmão Charles — Raphael (belga) e Irmão Roque Maria

(Ernesto Daniel Stefani) foi eleito na equipe dos Conselheiros da

Administração Geral.

No dia 25 de agosto de 1959, a Universidade prestou significativa

homenagem a Dom Alberto Etges, ex-Reitor, sagrado primeiro bispo da recém-

criada diocese de Santa Cruz do Sul.

Em setembro, o Reitor convidado pelo governo dos U.S.A realizou

importante visita a instituições científicas e culturais americanas.

No dia 21 de outubro de 1959, o CNE aprovou a criação da Escola de

Engenharia. As aulas começaram em março de 1960.

Em março de 1960, a Faculdade de Odontologia deixava as instalações

da Pração Dom Sebastião 2 para ocupar o prédio pioneiro da cidade

Universitária, com a área moderna e bem aparelhada com 7.500 m2.

Começavam, outrossim, as obras do prédio da Escola de Engenharia.

No dia 30 de dezembro, começava novo triênio administrativo com

algumas alterações na direção das unidades acadêmicas: Prof Antonio

César Alves, Economia; Prof. Irmão Faustino João, Filosofia; Prof. Daniel

Juckowski, Odontologia.

A aula inaugural de março de 1961, coube ao ex-Reitor, Prof. Armando

Pereira da Câmara que dissertou sobre o tema Humanismo e Marxismo, notável

documento doutrinário.

148

A catorze de abril de 1961, o Instituto de Cultura Hispânica, fundado em

1956, instalou-se na Universidade, em duas salas, após a assinatura de

convênio com a entidade mater de Madri, com a presença do Diretor Dr. Blas

Piñar. Dessa forma tornou-se entidade agregada à Universidade para

desenvolver cursos, conferências e outras atividades culturais. Era presidente

na época, prof. Hugo Di Primio Paz.

Em 1962, no início de março a Escola de Engenharia instalou-se no

prédio recém-construído.

Pedra fundamental da Cidade Universitária 7/3/1957 – Min. Clóvis Salgado, Ir. Afonso, Ir. Otão,

Hildo Meneghetti, prefeito.

A inauguração dos prédios da Odontologia e da Engenharia, realizou-se

em 21 de abril com a presença de autoridades dos governos e das universidades.

O Reitor desenvolveu desde 1960 cursos de línguas estrangeiras, tais

como: hebraico, russo, japonês e árabe.

A visão ampla do Reitor estimulou em 1963, a criação do Centro de

Técnicas educativas, após a realização de um curso ministrado por técnicos do

Ministério da Educação da Argentina.

Nessa tarefa foi decisiva a ação do Prof. Irmão Adelino da Costa Martins.

149

Em 30 de dezembro de 1963 iniciava novo triênio administrativo, com

algumas alterações: vice-reitor: Prof. Francisco Juruena; as direções das

Faculdades de: Direito: Prof. Paulo Barbosa Lessa; Serviço Social: Prof.

Notburga Rosa Reckzigel; Engenharia: prof. Álvaro Leão de C. da Silva;

Psicologia: Prof. Irmão Hugo Simon; Instituto de Cultura Hispânica: Prof.

Francisco Juruena.

Em 1964, inaugurou-se o restaurante universitário, prédio recentemente

concluído que tinha 60 quartos para alunos internos.

No dia 22 de abril, em ato solene, instalaram-se a Faculdade de

Ciências e a Escola de Jornalismo, oriundas da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras. Tomaram posse os respectivos diretores: Arthur Wentz

Schneider e Claudio Goulart Candiota.

A visão do Reitor Irmão José Otão percebeu a importância do Editorial

para a Universidade, foi criado em 1964. Houve várias edições de livros além da

publicação da Revista VERITAS. Durante o ano construíram-se os laboratórios

de Mecânica com 1500m2 e de Física com 3000m2, atuais prédios n° 10 e 11.

Em 1965, prosseguiu o Projeto da Cidade Universitária com a

inauguração do prédio n° 5, destino principal — Faculdade de Ciências Políticas

e Econômicas. Foi possível realizar então a transferência da Faculdade de

Ciências Políticas, Econômicas e da Escola de Serviço Social e da Faculdade

de Comunicação Social.

O acesso para a Universidade que era feito só pela Av. Bento

Gonçalves, pode ser feito por uma pista recém-inaugurada da Av. Ipiranga.

Atendendo os apelos veementes da comunidade de Uruguaiana, o

Reitor resolveu criar a Faculdade de Zootecnia, pioneira no Sul do País.

Neste mesmo ano, em abril, foi posta no ar a Rádio Educacional da

Universidade, com sede em Viamão, daí veio-lhe o nome de Setembrina. A

frequência pequena e outros óbices não permitiram que se mantivesse além

de cinco anos.

150

Fato importante para a Fronteira Oeste e para a Universidade foi a

agregação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras mantida pela Diocese

de Uruguaiana. Irmão José Otão atendeu o pedido de Dom Augusto Petró e do

Diretor Cônego Abramo Dezém.

Anos depois seria incorporada para formar o Campus II da Universidade.

O prédio da administração central teve a conclusão em fins de 1967.

Novo triênio administrativo era inaugurado no dia 30 de dezembro de

1966. Houve a mudança na Faculdade de Direito, passando a ser dirigida pelo

Prof. Ernani Coelho. A Faculdade de Zootecnia teve seu primeiro Diretor na

pessoa do Prof. Acácio Caminha da Rocha.

Nesse mesmo ano o Reitor foi condecorado pelo governo espanhol com

a comenda da Ordem de Isabel, a Católica.

De 1966 a 1968 todas as unidades acadêmicas tiveram sua localização

na Cidade Universitária. Início de 1968, a Reitoria ocupou o prédio central. A

comunidade dos Irmãos Maristas ocupou os andares 6° e 7° do mesmo prédio.

Visita da Cidade Universitária, 1977.

151

Houve o empedramento das vias principais no campus.

No dia 16 de setembro de 1968, no pavilhão da Mecânica, o Presidente

da República Artur da Costa e Silva presidia o ato de inauguração da Cidade

Universitária. O que dez anos antes parecia temeridade e aventura desmedida

tornava-se bela e promissora realidade.

Destacam-se apenas dois parágrafos dos discursos:

Do Reitor: “Na verdade mais eloqüente que as palavras, é esta obra

que a Congregação dos Irmãos Maristas, com a colaboração de uma plêiade de

eminentes professores e numerosos colaboradores, construiu em benefício da

mocidade estudiosa do Rio Grande do Sul”.

Do Presidente: “Meus amigos, quero dizer que me sinto muito feliz

neste momento, vendo uma obra como esta que é o início e partida para a

maior obra que se pode apresentar no terreno educativo neste Estado,

nesta cidade”.

O ano de 1969 teve a marca da reestruturação acadêmica, em

obediência ao novo Estatuto aprovado pelo Parecer do C.F.E. n° 736, de 9 de

outubro. Foram muitas semanas de estudo, de reflexão e de acomodações

tanto nas unidades acadêmicas como nos departamentos e nos currículos.

Irmão Otão sempre teve em mente a criação do Instituto de Teologia e

a Faculdade de Medicina, ambos os projetos tiveram início nesse 1969.

Implementou-se o sistema de bolsas rotativas, o primeiro no Brasil, cuja

administração foi confiada à APLUB.

Intensificou-se, outrossim, a formação de professores no exterior, em

especial nos Estados Unidos por meio do programa de bolsas LASPAU. Houve

um convênio importante com a Universidade de New México. O vice-reitor,

Irmão Liberato muito trabalhou neste sentido.

O ano de 1970 assinalou-se com as atividades da Faculdade de Medicina.

Junto com a alegria vieram algumas preocupações e tristezas.

No mês de março revelou-se pertinaz doença no Irmão José Otão.

Submeteu-se a dolorosa e profunda cirurgia, passando depois a rigoroso

152

tratamento de quimioterapia e radioterapia no Memorial Hospital de Nova

lorque, durante um mês.

No dia 26 de maio era inaugurada a Faculdade de Medicina.

No dia 10 de junho após alguns meses de enfermidade, o Irmão Afonso

entregava sua bela alma a Deus.

No dia 8 de dezembro de 1971 era inaugurada a herma em

homenagem ao Irmão Afonso, obra do escultor Ari Cavalcanti, de Caxias do

Sul. A saudação oficial realizou-se repleta de saudade e carinho na palavra do

ex-aluno Antonio César Alves.

Em 1970 começaram os mestrados de Letras e de Educação, o

primeiro fundado pelo Prof. Irmão Elvo Clemente e o segundo pelo Irmão

Faustino João.

O ano de 1971 marcou a celebração dos 40 anos de início da

Universidade com a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas.

Em 1972, começaram as obras de construção do Hospital Universitário,

no terreno de 6Ha, doado pelo Governo do Estado.

No dia 19 de novembro de 1972, o prof. Francisco Juruena, vice-reitor

com a comitiva dos Irmãos: Silvino Susin, Modesto Girotto, Moacyr Empinotti

e Valério Félix, inaugurou o Campus avançado do Alto Solimões, em

Benjamin Constant.

O Reitor Irmão José Otão incentivou sempre o doutoramento dos

professores. A Lei n° 5802 de 11 de setembro de 1972 facultava o

Doutoramento e a Livre-Docência sem a freqüência de cursos de pós-

graduação. Dezenas de professores apresentaram excelentes teses e assim se

habilitaram para tarefas especiais dentro da Universidade, com a sua

contribuição nos cursos de pós-graduação e na pesquisa.

Duas grandes iniciativas tiveram início e desenvolvimento em 1973:

1- Centro de Cultura Musical criado pelo Conselho Universitário no dia 2

de maio, teve a Coordenação do Ir. Ernesto Dewes (Ir. Fidêncio).

153

2- Centro de Lazer e Recreação, instalado no dia 14 de setembro, com

objetivo de estimular o aproveitamento das horas de folga no sentido mais

humano e social, sob a coordenação da Profª Zilah Mattos Totta.

No dia 29 de março de 1974 foi inaugurado o Centro de Televisão

educativa em convênio celebrado entre a SEC e a PUCRS em 1973.

O prof. Irmão Norberto Francisco Rauch, Diretor do Instituto de Física,

acompanhou a construção da torre de transmissão da TVE no morro da Polícia.

Os ideais de cultura do Reitor Irmão José Otão eram incansáveis e

descortinadores de horizontes. No dia 24 de agosto de 1974, houve o

lançamento de vasto programa de livro-texto em co-edição PUC/EMMA,

abrangendo naquela data 25 títulos de obras didáticas de 60 autores, todos

professores da PUCRS. Este fato foi idealizado e posto em andamento pelo

Prof. Alfredo Steinbruch.

Em 1975, apesar de bastante doente, o Reitor empreendeu por longas

e importantes viagens:

1) A convite da Japan International Cooperation Agency visitou o Japão

junto com o Diretor da Faculdade de Medicina, Prof. João Satt. A visita oficial de

20 dias propiciou, objetivou visitas às Faculdades de Medicina e de hospitais.

2) No dia 1° de agosto, o Reitor participou durante a semana dos

trabalhos do Conselho Federal de Cultura de que era membro desde 1968. Em

seguida seguiu para a Europa e de lá até a Índia onde se realizou o Congresso

da FIUC, na Capital Nova Dehli.

Continuando viagem chegou a Moscou onde assistiu de 19 a 26 de agosto

a VI Conferência Geral, promovida pela Associação Internacional de Universidades.

No dia 30 de dezembro de 1975 ao ser reconduzido ao cargo de Reitor

pela 8ª vez consecutiva, o Irmão José Otão pronunciou comovente discurso de

que se destaca:

“A atuação da Universidade até há pouco se limitava a seu pequeno

ambiente local, restrito, limitado, provinciano; hoje, pelas proporções que tomou

154

e pelas responsabilidades que assumiu, necessita abrir-se, espraiar-se,

estender sua ação ao Estado, ao País e ao mundo.”

Naquela data a administração superior da Universidade era assim

constituída: Chanceler: Dom Vicente Sherer (cardeal de Porto Alegre); Reitor:

Irmão José Otão; vice-reitor: lrmão Liberato: Superintendente comunitário: Ildo

Luiz Candiotto; Superintendente Administrativo: Daniel Juckowsky;

Superintendente Acadêmico: Alfredo Steinbruch; Chefe de Gabinete: Braz

Aquino Brancato; Diretor de Pesquisa, Pós-Graduação e extensão: Irmão

Elvo Clemente.

A clarividência do Reitor percebeu a necessidade de grande convênio

financeiro com a Caixa Econômica Federal — FAS (Fundo de apoio ao

desenvolvimento social) assinado no Palácio Piratini no valor de Cr$

64.454.000.00 no dia 24 de fevereiro de 1976. Esse ato permitiu a conclusão

rápida do Hospital Universitário.

No dia 31 de março, o Reitor Irmão José Otão, Irmão Faustino João e

irmão Norberto Francisco Rauch, prestigiaram a formatura de 1° grau em

Letras, Ciências e Estudos Sociais em Benjamin Constant, dentro do Programa

do Projeto Rondon.

No dia 28 de abril a Universidade engalanou-se para homenagear o

Reitor Irmão José Otão pelo transcurso de seu jubileu de ouro de profissão

religiosa no Instituto dos Irmãos Maristas. Houve: Missa em ação de graças,

oficiada pelo Cardeal Vicente Scherer, inauguração de placa comemorativa no

saguão da Reitoria e lançamento da pedra fundamental da Capela Universitária

e jantar íntimo para convidados especiais e membros do Conselho Universitário.

Grande gesto de solidariedade do Reitor foi a celebração do convênio

com o Instituto de Filosofia, Ciências e Letras de Montevidéu, cujos diplomas

eram emitidos pela PUCRS, sendo assim aceitos pelas autoridades

educacionais do Uruguai.

Esse convênio seria a base da futura Universidade Católica do Uruguai,

reconhecida pelo Governo da nação uruguaia alguns anos mais tarde.

155

No dia 16 de novembro era assinado convênio com o Hospital

Conceição para a realização do 1º Curso de Especialização de Administração

Hospitalar, com 600h/aula sob a coordenação da profª Délcia Enricone. Esse

curso prossegue ainda hoje mantido em convênio com a PUCRS e a

Associação dos Hospitais do Rio Grande do Sul.

No dia 20 de maio de 1977 houve a solenidade da bênção da Capela

Universitária, que tanto serviu às atividades religiosas e espirituais de

docentes e alunos.

Doença e falecimento

Desde mais de duas décadas Irmão José Otão vinha sofrendo de

câncer. Sofrera cirurgia e fizera tratamento especial nos Estados Unidos, em

abril, maio e junho de 1970. A doença acentuou-se em março de 1978. No dia 4

de abril internou-se no Hospital Universitário para o devido tratamento. O mal se

alastrava em todo o organismo. Não lhe faltaram cuidados e medicamentos.

Após quase um mês de ansiedade e sofrimento veio a falecer no dia 2 de maio,

às 8 horas da manhã. A morte do ilustre Reitor mergulhou a Universidade em

profunda tristeza. Teve repercussão intensa em todos os meios universitários

do país e do estrangeiro onde era muito conhecido por sua participação em

congressos culturais, científicos e educacionais.

As exéquias foram celebradas com solenidade com a presença de altas

autoridades eclesiásticas , civis, militares e universitárias.

Após a missa e a encomendação, oficiadas pelo Cardeal Vicente

Scherer, os restos mortais foram levados ao jazigo dos Irmãos

Maristas, em Viamão.

Erigiu-se, no saguão do prédio da Reitoria, a herma que pereniza a

presença do Reitor Irmão José Otão que consolidou a Universidade no

Campus do Partenon.

Apresenta-se a seguir o retrato moral, intelectual e dinâmico do Reitor

Irmão José Otão em quatro tópicos:

156

O Homem

Agradável no trato com os outros, não era afeito a intimidades. Sabia

manter-se à distância.

O relacionamento com os seus familiares e coirmãos de religião tinha o

sabor da afabilidade e da simplicidade. Sabia contar urna anedota. Saboreava

um papo descontraído. Uma conversa amena sobre o assunto do dia, dos

comentários políticos aos resultados dos jogos de futebol, dos problemas da

Universidade aos incidentes da vida cultural na cidade, no país ou no exterior.

Sabia tornar suas horas de lazer, não muitas, antes poucas e

reduzidas. Passava muitos domingos ou feriados em leituras ou na redação de

artigos ou na preparação de algum projeto.

As pessoas que o procuravam eram sempre bem recebidas. Para todos

tinha uma palavra boa, cordata. Recebia bem tanto o diretor da faculdade como

o aluno ou o simples funcionário. Sabia ver, em quem o procurasse, a pessoa, a

imagem de Deus. Por isso todos levavam desses contatos boa impressão, a

impressão de ter encontrado um homem e um homem de Deus.

Talvez a característica mais saliente dele fosse o método de trabalho,

do método de expor idéias. Via claro e via com rapidez. Todos os seus alunos

recordam a clareza na exposição das aulas e o método no desenvolvimento.

Não atrasava o início e nem o término das aulas. Era extremamente pontual. O

homem da hora exata, tanto para iniciar a sessão marcada, como para terminá-

la. Era a sua maneira de valorizar o seu tempo e o tempo dos outros.

Tomava uma decisão após maduro exame ou consulta de outras

pessoas. Uma vez decidido qualquer assunto, dificilmente voltava atrás. Essa

firmeza imprimiu-lhe no caráter um ar de severidade, às vezes, não bem

interpretado pelos outros.

A disponibilidade era outra característica de seu caráter. Como era

cioso do bom emprego do tempo nas atividades inerentes à sua função ou

cargo, também sabia ser disponível para atender a um pedido da comunidade

157

ou de outra pessoa. Era admirável como levava recados em suas idas mensais

ao Rio de Janeiro, Brasília ou a qualquer outro lugar. Fazia-se em certa maneira

tudo para todos.

O religioso

Ao chegar na comunidade identificava-se com a vida dos Irmãos,

quer no Rio de Janeiro, quer em Nova lorque, quer em Rio Grande, Brasília

ou outra cidade.

Mesmo nas noites mal dormidas, amanhecia disposto para a reunião

comunitária para a reza do ofício, da meditação e da santa Missa. A sua

participação era profunda, sem ostentação, procurando ser simples em seu

diálogo com Deus para o bem dos outros, na jornada que principiava.

O seu amor à vida religiosa impunha-lhe uma disciplina rigorosa em sua

vida de Reitor, de homem que viajava pelos diversos pontos do País ou do

exterior. Em toda parte era o religioso, o homem de Deus, fiel a seus votos, aos

compromissos com Deus para melhor servir os outros.

A característica do Instituto marista é a vivência marial em todas as

atividades pessoais ou intelectuais. O Irmão José Otão era o servo fiel de

Maria Santíssima, em sua doutrina segura e profunda que comunicava a

seus alunos e aos coirmãos, em sua devoção que se manifestava na

participação das festas marianas, na reza do rosário e em sua vida simples

como a da Virgem de Nazaré.

A vivência espiritual do Ir. José Otão era algo permanente em suas

atividades, no domínio de si mesmo e na maneira tranqüila e serena de

conduzir uma reunião ou de enfrentar um problema.

Viveu pobre, morreu pobre no despojamento completo de si mesmo. A

obra que construiu não lhe pertence, pertence à Universidade e a Universidade

é uma obra de educação da Igreja e do Brasil.

158

O escritor

Falar do Ir. Otão escritor é fácil, pois era um homem versátil. A sua

formação mais de caráter científico não o limitou à Matemática, à Estatística e

Filosofia. Desde jovem foi sensível aos apelos da arte e de modo especial da

arte literária. Lecionou Literatura e Língua Portuguesa durante bastante tempo.

Após assumir a Reitoria, iniciou um período de produção de textos,

de ensaios.

Em outubro de 1955 criou a revista VERITAS, na qual editou muitos de

seus artigos.

Freqüentava assiduamente as colunas do Correio do Povo, além de

outros periódicos, como a revista Educação, do MEC.

O ensaio era o gênero preferido e mais de acordo com a sua índole. O

ensaio requer o seguimento lógico e uma temática variada. E o que acontece

com a produção literária do Ir. José Otão. Publicou três livros enfeixando os

ensaios mais diversos, sempre dentro do grande tema de sua vida: a Educação.

Pensamentos de Ontem e de Hoje, I e II, é uma obra em que se vê a

linha de pensamento do grande educador. A preocupação da reforma e da

renovação da Universidade ocupa o terceiro livro, Temas Universitários,

publicado pela Editora Convivium, de São Paulo, Lazer e Recreação foi

impresso pela Escola Profissional Champagnat, de Porto Alegre.

Falando do escritor, cabe outrossim uma palavra sobre outra faceta do

beletrista — o orador. Eram notáveis os seus discursos de circunstâncias. Na

abertura ou no encerramento de uma solenidade.

Na conclusão da colação de grau, vinha aquele fecho que encantava

toda a assistência. Todos saíam com aquela síntese para a sua meditação e

comentário em grupo e em família. Tinha o dom da oportunidade no falar e no

escrever. Poucas palavras, bem medidas, lançadas com grande conhecimento

do assunto e do público que as receberia.

159

As academias de letras do Rio Grande do Norte e do Rio Grande do Sul

elegeram-no membro honorário e perpétuo respectivamente em 1975 e 1976.

São marcas da aceitação e da consagração do escritor.

Nos trabalhos literários não procurou os floreios fáceis do estilo,

procurou semear a boa mensagem pela palavra burilada e límpida, capaz de

dar frutos para a Vida que não tem ocaso.

O Reitor

Durante muitos anos o Ir. José Otão foi o decano dos reitores do Brasil,

pois exerceu o cargo de 8 de dezembro de 1954 a 2 de maio de 1978. Não é

por nada que foi inumado com as vestes talares de Reitor, por ter sido o Reitor

por excelência.

Em 1954 recebeu a Pontifícia Universidade Católica relativamente

pequena e carregada de grandes problemas: na estrutura institucional, no

espaço físico, na fixação e qualificação do corpo docente.

No primeiro triênio solidificou a estrutura reafirmou a força da

mantenedora, e resolveu transferir a Universidade do centro para o Campus no

terreno do Instituto Champagnat. Em março de 1957 foi lançada a pedra

fundamental da Faculdade de Odontologia naquela tranqüila planície. Vinte e

um anos depois floresce a Cidade Universitária, que se ergue na solidez de

cimento e aço de 27 edifícios, incluindo o Hospital Universitário, num ambiente

de muito verde e sossego.

Outra obra que o Reitor realizou no País e nos cinco continentes:

elevou bem alto a imagem da Universidade pela participação nos congressos

científicos, educacionais e culturais no Brasil, na América, na Ásia, na África, na

Oceania e na Europa. Naqueles conclaves ouvia-se a sua palavra sábia,

ponderada e sempre oportuna. Era um presença efetiva da inteligência

brasileira. Quer em Nova Delhi ou Moscou, quer em Kinshasa ou em Montreal,

quer em Nova lorque ou no México, quer em Helsinque ou Paris, Londres ou

160

Roma, Rio de Janeiro ou Sydney, em toda parte, serena, isenta e fiel, fazia-se

ouvir a sua voz.

A capacitação do corpo docente era a preocupação maior em todos os

anos. Com ele começaram os cursos de Mestrado e Doutorado, com ele os

professores da Universidade começaram a buscar títulos e conhecimentos nas

Universidades, americanas e européias.

Muito fez nos 23 anos e meio de Reitor, deixou caminhos abertos para

que outros buscassem os horizontes vislumbrados na tarde de sua preciosa

existência.

Inauguração da Cidade Universitária 16/9/1968 — Presidente Artur da Costa e Silva, governador

Waker Peracchi Barcellos, Irmão José Otão, Cardeal Vicente Scherer, Francisco Juruena

161

FRANCISCO DA SILVA JURUENA

Vale a pena contemplar uma vida densa de ideais e replena de serviços

prestados à educação, à ciência, à cultura, à sociedade do Estado e do País.

Tal é a vida borbulhante de Francisco da Silva Juruena.

Prof. Francisco Jurena

Menino

Nasceu em Corumbá/MT, no dia 25 de janeiro de 1910, sendo seus

pais: José da Silva Juruena e Magdalena Santa Lucci Juruena. O pai era Fiscal

do Tesouro Nacional em Corumbá/MT. O casal teve cinco filhos: Francisco,

Jacy, Leônidas, Helena e Luiz José.

O pequeno Francisco fez o curso primário na cidade natal no Ginásio

Santa Teresa, dirigido pelos padres Salesianos. Aos 10 anos foi crismado pelo

bispo-poeta Dom Aquino Corrêa.

162

Teve uma meninice feliz no bom relacionamento com os colegas e

amigos do bairro. Conheceu na companhia do pai as cidades de Porto

Murtinho e Miranda.

Jovem

Em 1923, o pai José da Silva foi designado Inspetor de Alfândega em

Santana do Livramento/RS.

A família Juruena realizou uma viagem heróica de Corumbá de navio

pelo rio Paraguai, depois o rio Paraná, rio da Prata, oceano Atlântico até o porto

de Rio Grande, depois prosseguiu de trem: Rio Grande — Bagé — Dom Pedrito

— Santana do Livramento.

A adaptação não foi fácil para a família, para as crianças, tudo foi diferente.

Francisco preparou-se para o Ginásio de Santa Maria com as aulas do

prof. Pedro Comas, educador daquela rapaziada.

Os pais decidiram enviá-lo ao Internato do Ginásio Santa Maria, no

coração do Estado. Lá chegou com o pai em fevereiro de 1925. Foram

recebidos pelo Diretor, Irmão Afonso. A recepção não podia ter sido melhor. O

jovem foi destinado à turma dos maiores por seus dons de poeta. Desde logo

notou-se a sua liderança entre os colegas.

Durante quatro anos cursaria as matérias do Ginásio (1925, 26, 27 e

28). Encontrou e fez grande amigos nesse período para o percurso de vida.

Entre os principais mencionam-se: Percy Souza, Emílio Zuñeda, Vivaldino

Fialho Maciel, José Vasconcelos, Arlindo Souza, Aristóbulo Rocha, Mário

Vasconcelos, João Queiroz Filho, Joal Silva e tantos outros. O colégio atraía

alunos internos de todos os quadrantes do Estado.

Notável foi o pleito para a escolha do patrono do Grêmio Literário.

Francisco venceu após longos debates e belos discursos com a proposta de

FAGUNDES VARELA. Igual entusiasmo despertou a escolha do nome do jornal

escolar AURORA. Essa folha recebeu os primeiros versos de Francisco, anos

163

depois de Fernando Ferrari e de tantos outros. O colégio soube dar expansão à

iniciativa literária daqueles jovens.

O último ano de internato, 1928, ficou célebre pela preparação e

realização da formatura, no Clube Caixeral. No programa esteve a oferta de

baile à sociedade Santamariense. A direção do Colégio reprovou a iniciativa.

Como punição o quadro de formatura não pode ser colocado no lugar de honra

no colégio. O paraninfo escolhido era Osvaldo Aranha, que impossibilitado

enviou o Chefe dc Gabinete — Moysés Vellinho, ex-aluno do Santa Maria, já

conceituado e festejado escritor sob o pseudônimo de Paulo Arinos. Eram

professores naqueles anos os Irmãos: Afonso, Luís, Claudio, Norberto, Egídio,

Quintino, Robertão, admiráveis educadores.

Festas terminadas, o bacharel em Letras (era o título na época)

retornou para Santana do Livramento. A alegria do reencontro estava enovoada

de tristeza pelo recente falecimento da mana Helena, aos 14 anos de idade.

Acadêmico de Direito

Em fevereiro de 1929, preparou e realizou o vestibular para a

Faculdade de Direito. Em março iniciaram as aulas. A turma era pequena onde

estavam: Afonso Palmeiro, Fábio Martins de Souza, Rubaldo Schuck, Manoel

Brustoloni Martins, Daniel Krieger, Breno Caldas, Hipólito Ribeiro, Júlio

Costamilan Rosa, Júlio Rosa Cruz, Gabriel Obino, Olinto de Almeida Campos,

Pedro Vergara Corrêa, Raul Ribeiro, João Pinheiro Ribeiro, Dorival Schmitt,

José Perrone, João Leães Sobrinho. Francisco Macalão, Ernani Coelho,

Francisco Brochado da Rocha, João Antonio Mesplé. Acélio Afonso Corrêa,

Amaury Lambert e Francisco Juruena.

Por causa de mudanças de currículo em 1932, a turma e a direção da

Faculdade requereram ao MEC para que o encerramento fosse naquele ano,

sendo acrescentada a matéria de Direito Processual Civil. A formatura fora

marcada para dezembro de 1932, tendo sido escolhido o paraninfo Prof.

Armando Azambuja, que veio a falecer, semanas antes do dia marcado para o

164

ato acadêmico. O Prof. Dr. Annes Dias, homenageado da turma, de Medicina

Legal, fez solene recepção em sua casa.

Juruena lembra: “Foi uma turma boa, pequena, unida, solidária. Os

mais estudiosos eram Francisco Brochado da Rocha e João Leães Sobrinho”.

Funcionário Público

Em suas memórias escreve: “Aproveitei o ano de 1930, muito antes da

Revolução, para conseguir um emprego público. Desejava libertar-me da

mesada de meu pai. Sabia de seu sacrifício, funcionário público que era, de

remeter-me mensalmente a importância que eu recebia para manter-me em

Porto Alegre.”

Solicitou aproveitamento como Fiscal Federal de Vendas e

Mercadorias, foi sorteado, em seguida tomou posse na Delegacia Fiscal, eram

seus companheiros de trabalho: Henrique Reuter e Inocêncio Castilhos França.

Esteve três anos nesse emprego. Procurou, outrossim, sair da Delegacia Fiscal para conseguir emprego

melhor. Veio a nomeação para subconsultoria da Diretoria Municipal.

Assumiu a função até a criação do Tribunal de Contas, tendo sido,

então, nomeado 2° auditor, com exercício de 1° auditor, substituindo

ltiberê de Moura.

Na instalação do Estado Novo, em 1937, foi extinto o Tribunal de Contas.

Depoimento esclarecedor encontramos nas Memórias: “Getúlio,

empolgado com o regime do nazifascismo, tentava implantar no País uma

situação semelhante. Encomendara uma Constituição e a “Polaca” tinha

vigência, elaborada pelo “Chico Ciência”, o jurista Francisco Campos. Em lugar

do Tribunal de Contas criou-se o Conselho Administrativo do Estado.”

Juruena passou uma temporada no serviço público como ele escreve:

em “dolce far niente”, como representante do Interventor Federal, Coronel

Cordeiro de Farias junto ao Conselho Administrativo.

165

Alberto Pasqualini, Secretário do Interior e Justiça, nomeou Juruena

para a chefia da Diretoria das Prefeituras Municipais. O trabalho era muito

importante para a vida dos municípios. Entre os colaboradores amigos

encontraram-se: Nelson Schneider, Luís Domingues, Francisco Esteves

Barbosa, Oscar Carpes, Olivela Fernandes, Lauro Matzembaker, Angelito

Aiquel e Francisco Machado Vila, bom poeta e estudioso do municipalismo.

Em 1951 deixou a Diretoria que se transformou em Departamento das

Prefeituras Municipais.

Nesse serviço público aprofundou os estudos sobre temas municipais,

chegou a escrever artigos no Diário de Notícias sobre os problemas que se

apresentavam. As funções no Departamento lhe ensejaram viagens por muitos

municípios do Rio Grande do Sul.

Ministro do Tribunal de Contas

A maior parte da vida de Francisco Juruena esteve ligada ao Tribunal

de Contas, com algumas interrupções. Com o falecimento do Ministro Demétrio

Mércio Xavier, foi convidado a ocupar a vaga. Foi dos momentos mais

emocionantes de sua vida pública.

Na posse, a saudação esteve a cargo do ministro Guilhermino Cesar,

grande representação da PUC, chefiada pelo Reitor Irmão José Otão,

Governador lldo Meneghetti, o Coronel Walter Peracchi Barcellos, autoridades,

a esposa Dionéa e os filhos.

Alguns parágrafos do discurso do Ministro Guilhermino Cesar dizem

muito da personalidade de Juruena.

“Indicado pelo Sr. Governador do Estado para ocupar a cadeira de

Ministro desta Corte de Contas, viu seu nome consagrado por expressivo

pronunciamento da egrégia Assembléia Legislativa, que, fazendo justiça ao

indicado honrou a si mesma, permitindo assim que visse hoje o ilustre amigo

sentar-se nessa cadeira de Ministro a que o trouxeram altos e claros

merecimentos. Em longos anos Auditor desta Casa, deu sobejas provas de

166

isenção, equilíbrio e cultura, no trato dos assuntos jurídicos, pondo de manifesto

a maturidade de espírito e a retidão de caráter que desde a juventude fizeram o

seu nome aplaudido e reverenciado no Rio Grande do Sul. Mais, aos títulos

normais e intelectuais, juntar uma larga folha de serviços à administração

estadual, através de inúmeros postos de responsabilidade, no exercício dos

quais se afeiçoou aos problemnas fundamentais de miossa agenda

administrativa. Tais atividades não esgotaram, porém, a sua capacidade de se

dedicar ao bem público. A sua inteligência pedia campo mais vasto, no setor do

ensino universitário.”

A resposta do novel Ministro foi vibrante e sintética:

“Ao ser investido das funções de membro deliberante deste Tribunal,a

despeito do meu prolongado noviciado com a sua íntima convivência, percebo

que, a transferência de estágio, cria para meu espírito um imprevisto

sobressalto, misto de apreensão e desvanecimento. A soma de

responsabilidade de um juiz que decide e de um magistrado que julga, não se

eqüivale a de um auditor que opina, que diverge ou que concorda. O ato de

julgar requer atributos que só o exercício continuado da função requisita e

aperfeiçoa. Opinar é esgrimir com a dúvida; julgar é render-se caiu a verdade.

Com desenvoltura, agitamos as idéias, nos deleitamos com a sutileza dos

paradoxos; com humildade adotamos uma sentença que é o julgamento

impessoal dos ditos alheios. É com esta compreensão que me coloco neste

egrégio plenário.”

Atividades políticas

No ano de 1947 resolveu entrar em cheio na política, filiou-se ao Partido

Social Democrático, fundado em 1945.

Formou-se a jovem guarda do P.S.D. com pessoas amigas: Favorino

Mércio, Hermes Pereira de Souza, Francisco Brochado da Rocha, Armando

Azambuja, Dâmaso Rocha, Geraldo Octávio da Rocha, Francisco Macalão, Luís

Barata e mais alguns.

167

Chegou a exercer a secretaria do partido. O nome dele foi incluído entre

os candidatos à deputação do Estado. Houve adesões de pessoas de vários

municípios. Não foi eleito.

Em 1958, no fim do governo do Eng° lldo Meneghetti, exerceu durante 7

meses o cargo de Secretário do Interior e Justiça. Considerou o fato uma

grande distinção por ser ele, filho de outro Estado.

Transcrevo um parágrafo de Memórias:

“Na Secretaria do Interior e Justiça, procurei agir com critério,

justiça e imparcialidade.

Nunca tolerei arbitrariedade alguma, e estava em fase de grande

tensão partidária na luta eleitoral entre PTB e o PSB.”

No dia 30 de janeiro de 1959, passava o cargo ao substituto, eleito pelo

PTB, Dr. João Caruso, contemporâneo do Ginásio Santa Maria.

Professor Universitário

Em fins de 1933, o Irmão Afonso, Diretor da Faculdade de Ciências

Políticas e Econômicas, por ele fundada em 1931, convidou Francisco Juruena,

recentemente formado, para lecionar Direito Internacional-Público, Diplomacia e

História dos Tratados. Após alguns titubeios o jovem bacharel aceitou a

incumbência de lecionar a disciplina que ele pouco estudara na Faculdade de

Direito. Ali encontrou Elpídio Ferreira Paes, Eloy José da Rocha, Salomão Pires

Abrahão, Mem de Sá, Carlos Thompson Flores, Alcides Flores Soares, Antonio

César Alves e outros.

Juruena lembra aquele tempo: “Moços idealistas, sem preocupação de

ganhar dinheiro bem intencionados para acompanhar o idealismo dos irmãos

maristas na realização de fizer uma Faculdade de Economia em Porto Alegre.

Não me arrependo de ter dado tal passo.” (Memórias).

Para relatar a vivência profunda e amiga de Francisco Juruena

na Universidade transcrevem-se algumas páginas das MEMÓRIAS, como

só ele sabe narrar.

168

Seria uma longa narração toda minha vida dedicada à Pontifícia

Universidade Católica onde atuei durante mais de 40 anos.

Gerações e gerações de estudantes passaram por mim.

A vida de um professor é cheia de responsabilidade! É árdua e difícil

para quem deseja cumprir com honestidade essa missão nobre e elevada.

Mas tenho tido compensações e alegrias pelo exercício da carreira

de professor.

Em qualquer ponto do Estado e do País, onde tenho andado, sempre

encontrei ex-alunos. Mesmo no estrangeiro, o mesmo fato tem ocorrido. Lembro

um desses encontros agradáveis em Paris, Lisboa e Roma.

Colaborei com os Irmãos Maristas na Faculdade de Ciências Políticas e

Econômicas, tendo sido Diretor de Faculdade durante 12 anos; na faculdade de

Filosofia onde lecionei História da Literatura Brasileira e Portuguesa, e, na

Faculdade de Direito, desde sua fundação, fui titular da cadeira de Direito

Internacional Público.

Tive oportunidade de exercer a Presidência do Instituto de Cultura

Hispânica por um longo período. E como Presidente do Instituto fui à Europa,

tomando parte no Congresso dos Institutos de Cultura Hispânica como

representação da maioria dos países do mundo, realizado em Madrid

Terminado o congresso resolvi visitar Portugal, França e Itália.

Nesses três países encontrei ex-alunos meus. Visitando a casa matriz

dos Maristas em Roma, quem me abriu a porta foi um ex-aluno que estava, na

ocasião, fazendo estágio em Roma. No mesmo dia de minha chegada em Paris,

atravessando a Praça do Opera, ouço uma voz: “Dr. Juruena que prazer

encontrá-lo em Paris”. Era uma ex-aluna minha fazendo um curso de

especialização na capital francesa.

Em Lisboa, ao chegar no Hotel, encontrei uma jovem que tinha

sido minha aluna na Faculdade de Direito e se dirigia para o Porto para

visitar um parente.

169

Como representante da PUCRS, na ausência do Ir. José Otão, fui

inaugurar o campo avançado em Benjamin Constant, no alto Solimnões, no

Amazonas, na fronteira com a Colômbia.

O lema integrar para não entregar é um lema verdadeiro e expressivo.

É um mundo novo que se descortina.

Falam tanto do êxodo dos cearenses, mas a verdade é que por onde se

anda, no hinterland brasileiro, sempre se encontra a presença de rio-

grandenses do sul.

Entrei, em Porto Velho, com contato com o Cel. Noronha

comandante de um batalhão sediado na capital do território de Rondônia,

filho da cidade de Pelotas. O que esse militar e seus companheiros têm

feito, empolga e entusiasmo.

Rasgam matas, abrem picadas constróem estradas, levando a

civilização aos mais longínquos recantos da Pátria.

Faz a gente prever o que será, no seu futuro próximo, este Brasil

desenvolvido, rico e admirável.

Visitei Manaus, nessa oportunidade. Achei a cidade um pouco suja,

mas em grande desenvolvimento. A queda da borracha estacionou o progresso

de Manaus, mas as novas estradas e a existência da zona franca como que faz

despertar novos horizontes para a capital amazonense. O turismo tem

concorrido muito pai-a acelerar esse progresso e esse desenvolvimento.

Sendo ex-aluno Marista, tomei parte nos dois congressos dos antigos

alunos dos filhos de Champagnat, um realizado em Buenos Aires e Mar del

Plata e outro, em Lyon na França. Ao de Bruxelas não compareci. O congresso

de Buenos Aires foi extraordinário.

O de Lyon foi interessante porque deu oportunidade para se fazer

uma excursão pela Europa. Através do Grupo “Koch” em ligação com a

agência Abreu, foi possível fazer uma excursão de 40 dias, partindo a

viagem de Buenos Aires.

170

Tomei parte como representante de diversas vezes, no “Prêmio

Moinhos Santista” sendo membro do grande júri para a escolha dos que tinham

prestado relevantes serviços à ciência, arte e letras, tornando-se merecedores

do reconhecimento público.

Esse concurso se realiza anualmente na cidade de São Paulo sob o

patrocínio da “Fundação Moinhos Santista”.

Por duas vezes, em São Paulo, fiz parte, como Professor de Literatura,

da comissão de escolha dos nomes que deveriam ser submetidos ao grande

júri: a primeira foi de escolha de Manuel Bandeira e a segunda, do nome de

Erico Veríssimo.

Esses encontros foram sempre úteis e agradáveis pela convivência com

figuras exponenciais da vida cultural brasileira: professores, reitores,

desembargadores, ministros e elementos de destaque da sociedade paulista.

Na Universidade Católica fui homenageado algumas vezes nas

solenidades de formatura. Por duas vezes fui paraninfo na Faculdade de

Ciências Econômicas, duas vezes padrinho na Faculdade de Filosofia e

homenageado umas 6 vezes por outras turmas.

Como Vice-Reitor, estive no exercício da Reitoria, nos impedimentos do

magnifico Reitor Ir. José Otão.

Prestei, dentro de minhas possibilidades, através da cátedra e dos

trabalhos administrativos, minha colaboração aos Irmãos Maristas dos quais

recebi sempre demonstrações de carinho, estima e consideração.

E depois de aposentado, tive a honra de, em solenidade realizada no

Salão Nobre, receber o título de professor emérito da PUCRS, com a presença

das autoridades universitárias, de Dom Vicente Scherer, meu colegas da

Faculdade e os companheiros do Tribunal de Contas do Estado. Fui, na

oportunidade, saudado pelo Irmão Liberato em nome da Universidade.

O Superior Geral em reconhecimento da dedicação às obras

maristas outorgou a Francisco Juruena o título de filiação ao Instituto

171

dos Irmãos Maristas com direito a atenções especiais por parte dos Irmãos

e de sufrágios post-mortem.

Esposo e Pai dedicado

Francisco era gente de participar da vida social de Porto Alegre,

em festas e recepções, junto com o estudante de Engenharia, Eurico

França Furtado.

Em festividade do Clube Comercial, o amigo Furtado apresentou-lhe

Dionéa, sua irmã. Tempos depois foi apresentado à família do general Furtado

e de Dona Carmem. Começava o namoro que teria o seu ponto alto o

noivado, celebrado no dia 23 de março de 1933, aniversário de Dionéa. O

casamento realizou-se a 3 de janeiro de 1935, quando o casal Furtado

celebrava as bodas de prata.

Francisco Juruena marcou sua vida pelo profundo amor à família, fruto

de sua educação e tradição dos Juruena. Era gostoso de ouvi-lo falar da

esposa e dos filhos.

Em 1935, por ocasião de seu casamento, resolveu apresentar a esposa

aos familiares e parentes em Corumbá/MT. Fez com Dona Dionéa a viagem de

volta à saudosa terra natal, com visita ao Pantanal e a outros lugares que

guardavam recordações inolvidáveis.

Até a construção da casa na rua Tobias da Silva, o novo casal morou

com os sogros.

Em 1936, no Hospital Alemão, (Hospital Moinhos de Vento) nascia o

primogênito, Nelson Fernando.

Nessa época assinava contrato e começava a construção da Casa na

rua Tobias da Silva, que ficou pronta em 1937.

Em 1938, no mês de setembro nasceu o segundo filho que teve o nome

de Lêonidas.

Quase três anos depois nascia a menina, a princesa, a rainha, para

completar a felicidade do lar: Carmen Magda.

172

Nas memórias escreve:

“Levanto as mãos para os céus pelos filhos que tenho. Nunca me

deram trabalho, nunca me deram dissabores, sempre foram carinhosos e bons.

Tenho a consciência tranqüila de tudo ter feito para a formação moral deles e

pela educação.

Estou com os filhos casados, respectivamente com Mariara Bollick

Pereira e Helena Schimit. Eles souberam escolher suas companheiras, criaturas

boníssimas, mães carinhosas e compenetradas. A Carmem Magda, a última, a

caçula, soube escolher o seu esposo, moço bom, trabalhador e digno”.

“Todos os meus filhos me deram netos maravilhosos: Mário Francisco,

Eduardo, Ana Paula, Filhos de Nelson Fernando; Eiisabeth, Luciana e Ricardo,

filhos dee Leônidas; Guilherme e Alencastro (Alen), filhos de Carmen Magda.”

Francisco Juruena viveu de maneira devotada para sua família e

expressou em versos magistrais e singelos a beleza de ser avô.

SER AVÔ

Ser avô é ser “pai açucarado”,

É ser pai, duas vezes, ser avô...

É ter o coração iluminado,

Ouvindo alguém chamar-nos de vovô

Ser avô é pretérito passado,

Mas no neto o futuro ele encontrou...

E dentro de um presente deslumbrado

Deseja para o neto o que sonhou.

Ser avô é fazer qualquer vontade,

É perder por completo a autoridade,

Fingindo ter rigor ... quando está só

173

Ser avô é sorrir de peraltices,

É viver dando ao neto gulodices

E empurrar toda a culpa na vovó...

Este soneto tem sido publicado e recitado pelo Brasil inteiro.

O poeta

É bom ler o que ele mesmo escreve sobre o “ser poeta”. Sempre gostei

muito de poesia. Titular da cadeira de Literatura Brasileira e Portuguesa,

procurava estar a par de sua literatura e dos seus expoentes maiores.

Desde o ginásio sempre tentei um pouco as letras. Já em páginas

anteriores escrevi a participação que tive na fundação do “Grêmio Fagundes

Varela do Ginásio Santa Maria”.

Bilac exerceu uma influência enorme em minha formação. Tenho

bastante auto-crítica para reconhecer que não sou um poeta. Mas sempre

gostei muito de poesia.

Quando posso, rabisco meus versos. No Tribunal de Contas tive

oportunidade de escrever sonetos para meus colegas e meus companheiros de

trabalho. Pequenos perfis com certa dose de humor. Silvio Duncan do Grupo

Quixote fez o prefácio de um modesto livro: “Nas horas de lazer, faço versos”.

Em determinado trecho do prefácio, diz Silvio Duncan.

“Juruena ri, abraçando amigavelmente e faz versos sem malícia oculta.

Esse fato encontra explicação na personalidade do autor; é um homem

congenitamente democrático. Vê criaturas, não credos políticos ou religiosos,

nem classes sociais na diversidade de pigmentação, despreocupado com os

valores econômicos. Vê no homem, o homem seu irmão e é só através dessa

perspectiva que se pode compreender plenamente o sentido de seus sonetos”.

Antes dessa publicação, pela Globo, em 1956, publiquei uma coletânea

de quadros e quintilhas, enfeixados no livro “Cantigas de um Trovador”, com

o pseudônimo de R. Estrela. Já eu era Ministro do Tribunal de Contas, hoje o

título foi mudado para Conselheiro.

174

Exemplos:

Vivo um reino encantado

De uma riqueza sem par:

Meus filhos são três tesouros,

Minha mulher, a rainha,

Do recanto do meu lar...”

Do livro em homenagem aos colegas e funcionários leia-se o soneto G.C.

G.C.

É mineiro, da terra das montanhas,

Conterrâneo da célebre Marília...

Tem virtudes e tem as suas manhas,

E onde está, tem relevo e sempre brilha.

Esmiuça um processo e das entranhas

Do mesmo tira sempre uma casquilha

De fino humor, mas de repente estranha,

Os tais serviços extras — que quizília...

Deposita nos bancos da cidade;

Como filho de Minas — é verdade —

Banqueiro ainda será e num momento...

É az de ouro, das letras, entre azes,

Aquele que brilhou em Cataguazes,

No Rio-Grande venceu pelo talento

Conselheiro GUILHERMINO CESAR

Tribunal de Contas — 1951

175

Em 1974, por iniciativa do Irmão Elvo Clemente, a Reitoria mandou

publicar TEMPO de POESIA, com o prefácio do Reitor Irmão José Otão, do qual

se tomam dois parágrafos:

“Se aos dezoito anos como afirmava o professor de Literatura, Juruena:

“Somos todos poetas”, somente é poeta verdadeiro aquele que compõe por

toda a vida.”

Na idade provecta, ao contemplar a vida dos altiplanos, na serenidade

da realização pessoal e cristã, na intimidade da família, no borborinho da

Universidade, nos trabalhos do Tribunal de Contas e no bate-papo com os

amigos, Juruena é um homem feliz. Os versos recolhem essa felicidade e

irradiam a beleza penetrada pela luz divina que lhe vem do Evangelho.”

Desse livro pela sensibilidade e pela força romântica sempre viva

apresenta-se

Idílio em Torres

Nós dois, querida, ouvindo o mar e vendo

A natureza linda em nossa frente...

Nós dois calados, mas nos entendendo

Pelo olhar que nos fala e não nos mente...

Meu olhar nos teus olhos fica lendo

Tudo o que vai no coração da gente:

Pois assim nós nos vamos compreendendo...

As minhas mãos nas tuas mãos pousadas,

As nossas almas presas, encantadas,

Ansiosas de paixão e desejo...

E nós, querida, ouvindo o mar chorando

E a natureza, em derredor, cantando

E a vida palpitando em nossos beijos...

176

Vale a pena saborear pela leitura algumas trovas publicadas em 1982,

em coleção de poetas e trovadores rio-grandenses, compilação e organização

de Nelson Fachinelli.

O Amor e a Ausência na vida

Se uniram: felicidade...

E a sua filha querida

Teve por nome: Saudade...

Saudade ... que mal danado!

Mata ou deixa a gente louco:

Eu já ando desvairado

E morrendo pouco a pouco...

Juras de amor, em segredo.

De ti recebi aos mil

Acreditei no brinquedo,

Mas foi primeiro de abril...

A trajetória do poeta, do professor, do Conselheiro do Tribunal de

Contas realiza-se, após as aposentadorias em serviços gratuitos prestados à

educação cívica nos múltiplos programas da Liga de Defesa Nacional. Foi

presidente com os amigos Poty de Medeiros, Alfredo Hoffmeister, Solano

Borges e outros velhos amigos dos bancos escolares do Ginásio Santa Maria.

177

O Consul Geral da Espanha – Eduardo José confere a comenda Isabel a

Católica a Franciso Jurena e ao Irmão Faustino

Últimos anos

Francisco Juruena era pessoa de constante ocupação, sempre via

algum serviço a prestar à esposa Dionéa, aos filhos e aos netos, ou a outras

pessoas. Não podia ver um necessitado, um pobre sem ajudá-lo.

Sentia muito o desaparecimento de familiares e de amigos. À medida em

que a idade avança, aumenta o número dos que caem à direita e à esquerda.

Em 1981, a tranqüilidade da família teve a maior desventura com o

desaparecimento trágico da família de Carmen Magda e Alencastro. A vida não

foi mais a mesma depois daqueles dias de maio.

Começou a sentir os achaques e os sintomas da doença que pouco a

pouco iam mimando aquele corpo esbelto e forte.

Em janeiro de 1990, no dia 25, celebrou os 80 anos de existência. As

comemorações foram marcadas pela Santa Missa de ação de graças a Deus.

Após uma ceia participada pelos familiares e pelos Irmãos Maristas: Faustino,

Liberato e Elvo Clemente.

178

A solicitude da esposa Dionéa, dos filhos Nelson Fernando e Leônidas

e dos netos era incansável. A doença pertinaz o levou ao Hospital São Lucas

várias vezes com rigorosos tratamento de quimioterapia.

No dia 25 de agosto, Francisco Juruena entregava a sua bela alma ao

Criador, precisamente seis meses depois de completar oitenta anos.

Numeroso público de familiares, de amigos, de ex-colegas e de ex-

alunos compareceu no dia seguinte ao velório e às exéquias, no Cemitério

Ecumênico João XXIII. Fechava-se, assim, numa tarde invernal o trajeto de uma

vida que começara a 25 de janeiro de 1910 em Corumbá/MT.

Os belos exemplos, as lições de vida do pai, esposo, mestre, do amigo

e do conselheiro Francisco da Silva Juruena perduram para a geração presente

e para as gerações vindouras abertas para novos horizontes no arco-íris da

Esperança e do Amor sempiterno.

179

IRMÃO ROQUE MARIA ERNESTO DANIEL STEFANI

Lançar no papel alguns dados sobre a bela e exuberante vida do

Irmão Roque Maria ou de Ernesto Daniel Stefani é motivo de alegria e de

grande responsabilidade. Existência de 83 anos e 4 meses toda dedicada à

obra de Deus em benefício da infância e juventude e de pessoas

necessitadas é um poema que merece melhor escriba. No entanto tratarei

de perlustrar os caminhos deste homem que viveu espargindo alegrias,

belos ideais e frutos de virtudes.

Irmão Roque Maria – Vice-Reitor

Nasceu numa propriedade rural do Município de Garibaldi entre as

localidades de Borgueto e Garibaldina, no dia 27 de setembro de 1908, sendo

os pais: Daniel Stefani, oriundo do Tirol e Isabel Debacco, procedente do

Vêneto. Os primeiros anos escoram-se entre alegrias, pequenas tristezas e

algumas tribulações. Houve treze filhos do casal: oito homens e cinco mulheres. Para o nosso tema interessam-nos Ernesto Daniel e o segundo José

que tomou o nome que o imortalizou — Irmão José Otão.

180

O pequeno Ernesto muito jeitoso assumiu, após o falecimento da mãe,

os afazeres de casa buscando instruir-se na escola de Garibaldina e depois no

Instituto Santo Antonio, na sede do Município. Aí encontrou os Irmãos Pacônio,

José e Geraldo que o entusiasmaram a seguir a vocação de religioso professor.

Anos depois estava em Porto Alegre no Instituto Champagnat onde realizou seu

noviciado em 1924; tendo professado na Congregação no dia 25 de dezembro

de 1924. Depois, vemo-lo no Ginásio Santa Maria, ministrando aulas e ao

mesmo tempo estudando com outros irmãos as disciplinas: Matemática,

Química, Física, Língua Portuguesa, Literatura, Filosofia, etc. Nessa ajuda

mútua iam-se preparando os orientadores do futuro do Rio Grande do Sul. O

Irmão Roque Maria teve a vocação para as ciências humanas e sociais. Era

exímio escritor, pois não perdia o tempo, sabia aproveitá-lo em leitura dos

clássicos portugueses e brasileiros. Terminados os anos de Santa Maria, ei-lo

no Colégio Conceição, de Passo Fundo. Era entusiasta na orientação daqueles

jovens, alguns notabilizaram-se nas letras e no Direito tais como Clio Fiori

Druck, Carlos Galves e outros.

De Passo Fundo foi para o Rio Grande onde o aguardam mais tarefas.

Em 1937/38 sendo Prefeito Dr. Antonio Meirelles Leite, os Irmãos Maristas

dirigiram o Ginásio Municipal Lemos Júnior, ao mesmo tempo em que o Colégio

São Francisco florescia com o Curso de Contador. Iniciava a seguir o Ginásio

que tantos talentos preparou para o Direito, a Medicina, a Economia e a

Política do Estado.

De 1938 a 1943, Ernesto Daniel era aluno da Faculdade de Direito de

Pelotas, junto com o Irmão Gelásio (Oscar Mombach). Era interessante e

admirável vê-los sobressando os pesados volumes e mergulhados nos códigos,

discutir leis, decretos e acórdãos. Na Faculdade brilhavam na época Mozart

Vitor Russomano, Alcides de Mendonça Lima e outros.

O velho Colégio São Francisco renovou-se física e estruturalmente com

o prédio altaneiro sobre a Rua Doutor Nascimento.

181

Em Porto Alegre, em 1940, começavam os Cursos de Filosofia,

Ciências Sociais, Geografia/História, Letras Clássicas, Letras Neolatinas e

Letras Anglo-Germânicas.

Irmão Roque foi a Porto Alegre, trabalhou no Colégio Champagnat e

nos Cursos de Pedagogia, recém-criado em 1942. A nova Faculdade tomava

amplitude com centenas e centenas de alunos. O Colégio Nossa Senhora do

Rosário abriu as portas para mais turmas de jovens para os Cursos do Colégio

nas modalidades de Clássico e Científico. Irmão Roque em alguns anos

atendeu à formação das novas gerações de Irmãos, em outros dirigiu o Colégio

Nossa Senhora do Rosário.

No trabalho que foi crescendo dia-a-dia não tirou o pensamento e os

cuidados na estruturação da Universidade junto com o mano, Irmão José Otão,

Irmão Faustino, guiados pelo Irmão Afonso.

Viu surgir a Escola de Serviço Social, em 1945, grande novidade para o

Sul do Brasil. Ajudou a preparar a estrutura da Faculdade de Direito. Ernesto

Daniel Stefani é o titular de Introdução à Ciência do Direito. Além dos trabalhos

com a Escola Normal, com o Curso de Pedagogia, lecionou Educação

Comparada, preparou a nova disciplina. As aulas dele metodicamente

preparadas eram um encanto em sua execução. Os 90 minutos dos períodos

geminados escoavam-se com suavidade e unção. Além da docência tinha as

funções de membro do Conselho da Faculdade. Eram mais horas dedicadas a

consolidar as Faculdades em vista da formação da UNIVERSIDADE. Irmão

Roque não teve atuação direta como o Irmão Faustino e o Irmão José Otão,

mas estava no Conselho da União Sul Brasileira de Educação e Ensino,

cuidando dos caminhos que eram palmilhados para o grande objetivo.

Naquela época tirou um tempo de um ano e meio para seu

aperfeiçoamento pessoal em Lyon, com cursos de extensão; no âmbito da

Filosofia na Université de Louvain; no Institut Catholique de Paris. Esteve na

direção do Instituto de Ciências Pedagógicas, em Campinas, São Paulo,

nos anos seguintes.

182

Em 1951, em dezembro, quando empossado no cargo de Reitor o Dr.

Cônego Alberto Etges. Irmão Roque foi o vice-Reitor, por três frutuosos anos,

Por aquele tempo, ao participar do Congresso Latino-americano das

Universidade Católicas, em Santiago do Chile, foi alvo de magnífica homenagem.

A Universidade Católica outorgou-lhe o título de Doutor Honoris Causa.

Mereceu o título por seu descortínio nas Ciências da Educação e nos trabalhos

desenvolvidos para que as Faculdades Livres de Porto Alegre se constituíssem

na Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 1948 e em 1950 — recebia

da Santa Sé o título de PONTÍFICIA.

Em 1960, como Conselheiro Geral do Instituto dos Irmãos Maristas das

Escolas colaborou para a transferência da Administração Geral de Saint-Genis-

Laval para Roma, no E.U.R. Durante oito ano supervisionou as obras maristas

do Brasil, de Portugal, de Angola e Moçambique. Do Centro da Congregação

sempre teve o pensamento e ação voltados para a Universidade.

Retornando aos pagos depois dos anos de administração geral 1967

em que realizou viagens à Africa, à América Central, ao Norte da América do

Sul, a vários países da Europa, dedicou-se a uma vida simples, modesta,

auxiliando o Irmão José Otão em algumas atividades e na direção

da Revista VERITAS.

Através das ações e empreendimentos do Irmão Roque Maria era

a PUCRS que estendia sua cultura, assistência na preparação dos

homens do amanhã.

Ação junto ao homem do campo

O Irmão Miguel começara um trabalho belíssimo na formação do

pessoal da agricultura, sob a denominação de FRENTE AGRÁRIA GAUCHA.

Formaram-se lideranças. mãos de obra especializada para os afazeres do

campo. Havia uma Escola em Bom Princípio em que rapazes e moças

passavam um período de estudos teóricos, seguindo-se a prática

supervisionada em seu âmbito rural.

183

Começaram então, sindicatos rurais, obra da Igreja. Depois

evoluíram para o campo político. O Irmão Roque destinava dias e horários

especiais em que realizava palestras e práticas na formação da juventude

das zonas rurais.

Em 24/8/1959 o corpo administrativo da Universidade prestou expressiva homenagem ao

Conselheiro Geral. De pé: Daniel Juckowsky, Ir. Liberato, Antonio César Alves, Ir. Rubio y Rubio, Antonio F. Oliveira Gonzalez, Ir. Elvo Clemente, Ir. Faustino João. Sentados: Balthazar Gama

Barbosa, Ir. Moacyr Empinotti, Ir. José Otão (Reitor), Ir. Roque Maria (Cons. Geral), Manoel Coelho Parreira (Vice-Reitor), Lúcia Gavello Castilho e Francisco Juruena.

Ação junto a professores e funcionários

Nos anos em que esteve na Universidade a partir de 1970, dedicou-

se a fazer palestras a grupos de professores e funcionários. Eram reuniões

em que havia a palestra dele, depois momentos de reflexão e de meditação.

Formaram-se, assim, pessoas que lideravam a vida científico-cultural e

espiritual na Universidade. Para facilitar a leitura formou-se biblioteca

especializada para os membros dos grupos de reflexão.

184

Ação junto aos funcionários

Os funcionários da Universidade entraram na preocupação do Irmão

Roque. Periodicamente, de quinze em quinze dias, fazia reuniões com

pequenos grupos de funcionários, conforme as categorias. Eram pequenas

instruções práticas sobre o valor da pessoa, sobre a importância da fé e da

religião. Tudo isso era feito de maneira afável e carinhosa. Tratava, outrossim,

de assuntos relativos à saúde, à alimentação, à maneira de alimentar-se e de

melhor aproveitar dos alimentos.

Ação para a saúde e bem-estar

Dedicou grande parte de seu tempo no estudo de plantas medicinais,

existentes no Campus ou nas proximidades da Cidade Universitária. Passava

horas, nos dias feriados ou domingos na busca de plantas em Viamão ou

alhures. Conhecia as plantas, suas propriedades medicinais. Preparava as

folhas de maneira técnica conforme a orientação de bibliografia-especializada.

Recebia as pessoas que desejavam algum chá, dava-lhes conselhos

quanto à alimentação e a seu teor de vida e oferecia-lhes o chá adequado,

tudo era feito de graça. Não se importava com o tempo e com a necessidade

de repetir a mesma coisa tantas vezes. Tudo isso ele fazia para ver as

pessoas felizes.

Arborização do Campus

Quando o Irmão Roque veio para a PUCRS, em 1970, o Campus

estava todo em ebulição: construções novas, caminhos recebendo os

paralelepípedos, tudo para fazer com que a Cidade Universitária recentemente

inaugurada, (setembro de 1968) fosse mais agradável a seus freqüentadores.

Amante da natureza, empreendeu o trabalho de arborizar tantas áreas.

Procurou semente de várias plantas: grevilhas, ipês, murtas, etc. Fazia

sementeiras e viveiros. Uma vez que a muda estivesse boa para transplantar,

185

os operários, sob a sua orientação iam preparando as covas para receber a

plantinha. Dessa maneira 90% da vegetação arbórea existente no Campus teve

origem na inteligente iniciativa do Irmão Roque. Durante vinte anos algumas

árvores deram sua sombra amiga a locais aprazíveis. Com a urbanização

empreendida em 1996 sob a orientação da arquiteta Léa Japur muitas daquelas

árvores foram revalorizadas, testemunhando assim, a benéfica iniciativa

daquele obreiro do início dos anos 70.

Revista VERITAS

O autor destes apontamentos secretariava a Revista VERITAS cujo

diretor era o Reitor Irmão José Otão. Ao chegar o Irmão Roque, o trabalho da

secretaria passou para ele. Fazia às vezes de Diretor, Editor e de Secretário.

Falava com os professores para conseguir os artigos. Fazia-lhes a revisão. Ia à

gráfica, revisava os textos compostos pela linotipo, naquela época. Era muito

trabalho, que o Irmão Roque fazia com grande dedicação. Muitos artigos ele

escreveu e publicou na VERITAS. Todos de grande profundidade filosófica,

ascética e cultural. Durante quatro anos foi o diretor do Editorial da

Universidade, Maria Rita Quintella era a revisora.

Homem de vasto saber

O Prof. Irmão Ernesto Daniel Stefani possuía vasto saber, fruto de suas

constantes e seletas leituras. Quando o Instituto de Geriatria iniciou os cursos

de Especialização foi-lhe reservada a disciplina de Geriatria Social. Como sabia

encantar o seleto auditório com as teses que expunha sobre o valor da vida e

sobre a importância de envelhecer com saúde, com alegria e felicidade!

O escritor

O Irmão Roque Maria era primoroso beletrista. Dedicou muitas horas de

sua vida a escrever para os jovens: pequenas narrativas de caráter cívico-

186

moral. Os livros tiveram alguma difusão nos colégios maristas. Obra

interessante e muito oportuna intitula-se MÃE. Coloca a maternidade no alto

grau que merece dentro de uma sociedade cristã que tem o ideal, de beleza e

de amor em Maria de Nazaré.

Nos últimos anos dedicou-se a escrever sobre figuras importantes da

história dos Irmãos Maristas e da Universidade.

Em 1973 publicou 25 ANOS de Universidade. 224p. edição da EPECÊ.

Em 1986 publicou IRMÃO JOSÉ OTÃO — Vida e obra, 164p pela D.C.

Luzzatto Editores Ltda.

Em 1987 publicou Irmão Afonso — Fundador da PUCRS 160p, teve

coautores: Irmão Faustino João e Irmão Elvo Clemente pela EPECÊ,

Porto Alegre.

Em 1989 publicou VIDA DO IRMÃO WEIBERT, fundador da Província

Marista do Brasil Meridional, 133p. sendo coautores: Irmão Faustino João e

Elvo Clemente, pela EPECÊ, Porto Alegre.

Numerosos e substanciais artigos publicados na Revista VERITAS,

constituem ensaios importantes para a educação de nossa gente.

Últimos anos

O Irmão Roque Maria teve um carinho especial pelos ex-alunos,

conhecido de tantas turmas. Ao encontrar um ex-aluno marista era sempre uma

grande alegria. Houve uma turma especialíssima, os Contadores do Colégio

São Francisco de 1938. Anualmente vinham buscá-lo e levá-lo para Rio Grande

junto com o Irmão Dionísio Fuertes Alvarez. Ali celebravam numa Missa de

agradecimento, a alegria da vida e do convívio fraterno sob as arcadas do

vetusto educandário.

Outras vezes era convidado por religiosos ou religiosas para uma

palestra de retiro ou fervorino num encontro de espiritualidade. As suas

faces definhavam mas o ardor pelas coisas de Jesus Cristo e de Nossa

Senhora iam-se fortalecendo. Como ele falava com entusiasmo de Jesus

187

Cristo, fruto sublime de suas leituras, meditações e horas passadas em

colóquio profundo diante do Sacrário.

O grande coração não suportava mais o viver e no dia 6 de fevereiro de

1992, após ter entregue um pacote de chá para uma pessoa, teve um desmaio

no 5° andar da Reitoria. Levado ao Hospital São Lucas não retornou mais à

vida, entregando a sua bela alma a Deus no dia 8 de fevereiro. A Universidade

estava em férias totais. O enterro, no cemitério dos Irmãos Maristas em Viamão,

teve poucas pessoas presentes.

Os seus exemplos, a sua doutrina, o seu sorriso de plena e santa

felicidade ficou para a perene lembrança de alguém que passou pela

Universidade semeando vida e vontade de viver para o bem dos outros, pela

Glória de Deus e de Maria Santíssima.

188

ELISEU PAGLIOLI

Na década de 1890, Caxias do Sul iniciava sua condição de vila,

povoada de imigrantes italianos que haviam começado a chegar ali, em Nova

Milano, em 1875. A família Paglioli estabelecera-se numa pequena loja de

calçados em que o fabricante era o proprietário. Eram chinelos, sapatos para

homens e mulheres, tamancos, botas tudo quando pudesse ser útil para o bom

caminhar daquela gente.

Em 1898, no dia 26 de dezembro o casal foi enriquecido com o

choro de um menino que abrira os olhos para o mundo e para a vida. No

batismo e no registro civil recebeu nome um tanto estranho para os

habitantes da vila — ELISEU.

Prof. Eliseu Paglioli

A sapataria não dava muita vantagem para a família: trabalho árduo e

constante e rendimento pouco. Em 1910 a família Paglioli resolveu buscar

melhores condições de vida em São Francisco de Paula.

189

Em 1912, Francisco Paglioli, pai de Eliseu, trouxe o filho para estudar e

trabalhar em Porto Alegre. Conseguiu trabalho numa farmácia. Antes, porém,

de retornar já que o menino ficaria sozinho em Porto Alegre, foi à Igreja de

Nossa Senhora das Dores, recomendá-lo à proteção de Nossa Senhora.

Eliseu aprendera a ler e a escrever na escola pública municipal.

Vencera os conhecimento básicos do antigo Ginásio. Chegado a Porto Alegre,

empregou-se numa farmácia. Passava o dia entre frascos de remédios e

manipulações. Daqueles odores de medicinas surgiu-lhe no espírito a idéia de

ser médico. Para isso precisava freqüentar os Cursos preparatórios. Existiam

vários. O melhor era aquele dirigido pelo Irmão Weibert, à rua do Espírito Santo,

antigo Seminário arquidiocesano, onde se instalara o Colégio Nossa Senhora

do Rosário. Para preparar o vestibular precisava de dinheiro, para a Faculdade

de Medicina precisava pagar mensalidades. O dinheiro era pouco que lhe vinha

do trabalho na farmácia.

Assim mesmo resolveu encontrar-se com o Irmão Weibert, aquele

homem alto com olhar de longes horizontes. O encontro foi marcado pela

simpatia de parte a parte. “Se queres estudar, vem aqui, amanhã mesmo!

Não penses em pagar. Vamos combinar um serviço para ti. Vais ser o

copeiro dos Irmãos.”

Estava tudo resolvido. No dia seguinte os Cursos Preparatórios tinham

mais um aluno.

O Curso de Preparatórios, freqüentado pelos jovens que se preparavam

diretamente para o vestibular das faculdades dc Medicina, Direito, Engenharia,

Escola Militar e outras.

Dom João Becker, em visita ao Colégio escreveu: “Fiquei bem

impressionado e edificado em ver o imenso colmeal bem ordenado, cada

abelha-mestra ou operária sugando com ardor o saboroso mel da ciência unida

à sabedoria cristã.”

O Irmão Weibert era ajudado no Curso pelos irmãos Ambrósio Leão,

Florêncio, Tomás de Vilanova e Luís Bernardo. Os Preparatórios continuaram

190

até 1925, quando a Reforma Rocha Vaz introduziu os exames senados com

freqüência obrigatória.

Eliseu foi estudando, mostrou-se logo aluno especial. Em 1918

apresentou-se aos exames vestibulares da Faculdade de Medicina de Porto

Alegre. Ei-lo matriculado e feliz. Muito contente ficou o sapateiro Paglioli que

via o filho ascender nova escala social. Dentro de cinco anos, o aluno

brilhante e dedicado aos estudos e às investigações recebia o diploma de

Doutor, em 1923. Daí para diante a vida do jovem tomava rumos diferentes,

amplos e universais.

Em 1927, resolveu estabelecer o seu lar, contraiu matrimônio com a

jovem da sociedade local, Adda Beck. Aos poucos vieram os filhos: llka, Marília,

Eduardo, Vera e Gilda.

Nunca esqueceu o seu benfeitor Irmão Weibert, que lhe abrira as portas

do reino de Hipócrites.

Em 1927, Irmão Afonso, ex-aluno do irmão Weibert, em Beaucamps

(França), agora diretor do Colégio Nossa Senhora do Rosário, encontrou-se

com o Dr. Eliseu Paglioli, ex-aluno do Irmão Weibert nos Cursos Preparatórios,

aconteceu a fundação da Associação dos Antigos Alunos Maristas de Porto

Alegre (AAMPA). Na assembléia geral foi eleito presidente o Dr. Eliseu Paglioli.

Irmão Afonso em 1931 lançava os fundamentos da Universidade Católica;

Paglioli, anos mais tarde seria eleito o Reitor da Universidade do Estado do Rio

Grande do Sul. Durante 12 anos daria novos rumos, novos cursos, novos

prédios. Duas grandes vocações uníversitárias inspiradas nas lições fecundas

do mestre que sabia ver muito longe, para além dos horizontes de sua época.

A amizade entre os dois discípulos do Irmão Weibert era grande e muito

operosa. Apesar do imenso trabalho na direção do Colégio Nossa Senhora do

Rosário, Irmão Afonso reservava horas no planejamento das futuras

Faculdades de Ciências Políticas e Econômicas e de Filosofia, Ciências e

Letras, ali os confidentes eram Eloy José da Rocha, Eliseu Paglioli e Elpídio

Ferreira Paes. Preocupação grande era a seleção de professores para as

191

disciplinas que formariam os professores do ensino médio. Eliseu participava

com a sua visão e experiência da Faculdade de Medicina. Reservou para si o

ensino da Biologia no curso de História Natural. Na Associação dos Antigos

Alunos apareciam os discípulos de Santa Maria e do Rosário: Francisco

Juruena, Antonio César Alves, Salomão Pires Abraão, EIoy José da Rocha,

Elpídio Ferreira Paes. Eram os pilares da nova construção universitária que

vivia alterosa e promissora nos sonhos e no planejamento do Irmão Afonso.

Enquanto isso, o jovem Doutor Paglioli ia traçando os caminhos das

ciências médicas, Neurologia e Neuro-cirurgia. Em 1925, defendeu tese para a

Livre-docência em Clínica Obstetrícia, em 1929 vencia concurso para a cadeira

de Anatomia Humana.

Esses degraus universitários exigiam-lhe mais horas de estudos e de

pesquisas até alcançar a cátedra de Clínica Propedêntica-Cirúrgica em 1938.

Nesses anos de 1939, 40 e 41 encontrava-se seguidamente com o

Irmão José Otão que era professor do Colégio Nossa Senhora do Rosário e

aluno da Escola de Engenharia. Eram outras duas inteligências dinâmicas que

se preparavam para as tarefas que Deus lhe destinava.

As reuniões da AAMPA se sucediam. Os encontros com o Irmão

Weibert eram feitos de vez em quando no Instituto Champagnat, no Partenon.

Após uma rápida enfermidade o mestre, chegado aos 88 anos, no dia 6 de

setembro de 1947 entregava sua bela alma a Deus Pai. No dia seguinte, após a

missa de corpo presente celebrado por Mons. Pedro Frank, ex-aluno de Bom

Princípio, às 9h30min, a pedido dos ex-alunos o féretro transferiu-se para o

salão nobre do Colégio do Rosário. Ali estava Eliseu emocionado, chorando

agradecido a perda do inestimável mestre e benfeitor.

Desde 1946, Eliseu instituíra o Instituto de Neurocirurgia e o respectivo

hospital junto do Hospital São José, no complexo da Santa Casa da

Misericórdia de Porto Alegre. Sua relação com os homens que cuidavam das

Faculdades livres, sempre amistosas, sempre coadjuvantes, amadurecendo o

192

surgimento de novas escolas, até concretizar a equiparação que instituiu a

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no dia 9 de novembro de 1948.

Afirmava-se o valor do médico neurocirurgião, “o bisturi de ouro”,

consagrado no Brasil, na América Latina e na Europa. Fiel à sua profissão, à

cátedra, vai perlustrando os degraus da carreira administrativa, em 1952, eleito

Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Em 1954, o Irmão José Otão assumiu a reitoria da PUCRS. Os dois

reitores mantiveram elos estreitos de amizade e de colaboração.

Introduzimos a seguir breve testemunho de Eduardo:

“Eu iniciava en 1955, o meu convívio com o hospital, já aluno da

Faculdade de Medicina, e um dia o Irmão Otão apareceu no Instituto de

Neurocirurgia, na Santa Casa, para visitar o professor Paglioli, Reitor da

UFRGS e meu pai.

A conversa entre os dois era amistosa e vibrante, meu pai falava com

entusiasmo sobre a construção do grande Hospital de Clínicas e perguntava:

“Como é que o senhor planeja a sua grande universidade sem um hospital para

a medicina, Irmão Ótão”?

Falava com entusiasmo, desafiando o espírito inquieto de José Otão.

De repente meu pai vira-se para mim e diz: com os recursos com que

eu coloco um tijolo o Irmão Otão coloca dez!

Nunca esqueci aquela frase.

Anos mais tarde Irmão Otão me convidou para participar de uma

reunião na reitoria da PUC, lá estavam os Doutores Osvaldo Ludwig, Manoel

Albuquerque e Spolidoro.

Conversamos muito e eu via a PUC ao redor crescendo a olhos vistos e

me lembrava dos “TIJOLOS DO IRMÃO OTÃO!”

Ao fïnal da longa reunião, o Irmão Otão, leigo no assunto, faz uma

síntese do que havia sido discutido e então eu vi que havia outros milagres na

mente daquele homem, ele não perdeu nada da essência.

193

Hoje eu penso que o milagre dos tijolos do Irmão Otão já havia sido no

passado o milagre dos tijolos do Irmão Afonso e ultimamnente o milagre dos

tijolos do Irmão Norberto.

O milagre, sim, da Filosofia cristã dos irmãos maristas: Gestores

devotados de um patrimônio do qual nunca desfrutaram, de um patrimônio que

nunca distribuiu dividendos e que nunca ninguém compartilhou por herança;

gestores devotados cuja única recompensa é ver a obra crescer para o bem.

Assim é o milagre do qual participo no dia-a-dia do Hospital São Lucas

nos últimos 25 anos.”

O Reitor Eliseu Paglioli enfrentou com denodo as dificuldades

da Universidade.

Ao ser nomeado pelo Presidente Getúlio Vargas recebeu a missão de

muita responsabilidade, para “remover todos os obstáculos, congregar os

espíritos, atender ao ensino e à cultura, criar a pesquisa e conclamar

professores, funcionários e estudantes para uma nova jornada”.

Em Memória, Mozart Pereira Soares escreve:

“Dotado de excepcional dinamismo e extraordinário senso prático, foi o

Reitor providencial para aquele momento de transição entre uma Universidade

relativamente limitada, pela carência de recursos do Estado, que então

a mantinha, e a instituição voltada para o desenvolvimento que a

comunidade reclamava.”

Iniciava-se, no Brasil, o chamado ciclo da “Educação para

o Desenvolvimento “.

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul soube reformular sua

estrutura administrativa e funcional e colocar-se em condições de aproveitar ao

máximo, as oportunidades oferecidas, de progresso qualitativo e quantitativo.

Eliseu Paglioli exerceu a Reitoria em quatro mandatos sucessivos,

situação inédita na Universidade. A continuidade administrativa foi

conseqüência do prestígio e da capacidade da personalidade do Reitor.

194

Aquelas lições do Irmão Weibert floresciam na pessoa

do administrador, marcada pelo altruísmo e pelo sentimento de

solidariedade humana.

Mozart Pereira Soares insiste no retrato de Paglioli: “Administrador,

consciente de seus deveres, sofria quando lhe era impossível solucionar

dificuldades e problemas do cotidiano. Arguto e operoso não media sacrifícios

na captação de recursos materiais para a Universidade. Era, sobretudo, criativo,

engenhoso, habilíssimno e inigualável, entre outras qualidades, nas relações

públicas da Instituição, a que se consagrara.”

O Reitor refletindo sobre a gestão da Universidade, escreve: “Nem

todos sabem o que se fez e como foi feito. É preciso que se olhe a

Universidade não apenas em sua expressão física e de resultados materiais e

práticos. Nem sempre se apercebem que esse corpo possui uma “alma”, de

função altamente civiIizada, cuja geração foi motivo de sérias cogitações e

grandes apreensões e responsabilidade, e que suas finalidades sobrepassam

em muito a obra material.

No ano de 1952 as Faculdades de Direito, de Odontologia estavam

incorporadas à Universidade do Rio Grande do Sul pela Lei Federal 1.166 de

27/07/1950 continuavam a merecer a atenção da administração universitária

de Porto Alegre.

195

Instalaçao da Universidade Federal de Santa Maria. José Mariano da Rocha Filho (Reitor), Eliseu

Paglioli, Irmão José Otão e Dom Victor Sartori, 18/03/1961 Grande feito científico-cultural foi a criação da Faculdade de Medicina

de Santa Maria, na sessão do Conselho Universitário de 8 de abril de 1954. O

Reitor entendeu a situação aflitiva de 51 candidatos excedentes, aprovados no

vestibular de Medicina. Envidou todos os esforços junto do Ministério da

Educação e a clarividência do Prof. Dr. José Mariano da Rocha Filho, para

fundar a Faculdade de Medicina de Santa Maria. Era o grande gesto da

interiorização do ensino superior.

Ao iniciar a sua administração havia escolas sem prédio próprio, meteu

mãos à obra e até 1964 concluiu quatro prédios iniciados na gestão anterior;

obras iniciadas e concluídas na gestão — 30; obras em construção 8. Os 12

anos do Reitor Elyseu Paglioli foram de expansão e da consolidação da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O relatório apresentado ao término do quarto mandato é um livro de

380 páginas em que se pode ler como progride uma instituição universitária

quando dirigida por um Reitor clarividente, honesto, sábio e solidário.

196

Ao deixar a Reitoria, Paglioli convidado pelo Presidente João Goulart

assumiu o Ministério da Saúde nos anos de 1962 e 63. Não deixou o exercício

da cátedra e da neurocirurgia.

Participava de congressos nacionais e internacionais em que a voz de

sua experiência era escutada com atenção e apreço.

As honrarias e títulos honoríficos são inumeráveis, mencionaremos

alguns: Chevalier de la Légion d’Honeur de France — 21/01/1952; Ordine

della Stella della Solidarietà Italiana, 30/09/1958; Ordine del merito della

Repubblica Italiana, 27/08/1958; Oficial del Ordem Condor, do Chile, 1957;

Ordem do Mérito Médico do Brasil, 1960; Membro FeIlow da Sociedade

Internacional de Cirurgia, Chicago, USA, 1934; Membro da Sociedade norte-

americana de Neurocirurgia (cushing).

Publicou numerosos artigos em revistas nacionais e internacionais

especializada sobre os temas importantes de suas pesquisas em neurocirurgia,

em tumores na cabeça, etc.

Os últimos anos foram vividos com lucidez e perseverante trabalho no

Pavilhão São José, onde eram atendidos numerosos clientes com poucos

recursos materiais.

Breve depoimento do Prof. Dr. Eduardo Beck Paglioli

Seu Hobby

Entusiasmado pela vida ao ar livre aproveitava os fins de semana de

inverno para caçadas. Quando comecei ser seu companheiro, ainda que, ele já

não participava das grandes caçadas de veados do passado, se afastara desde

que viu o filme BAMBU.

Entre as atiradas da manhã e a da tarde, e após o almoço,

seus companheiros não dispensavam a sesta, ele no entanto,

aproveitava este horário para atender como médico, as pessoas

pobres da redondeza, improvisando em qualquer lugar um consultório de

197

campanha, para o qual já levava uma mala cheia de remédios, e até

alguns ferros para pequenas cirurgias.

Os peões agradecidos, em troca, lhe segredavam o local dos perdigões.

Participei de alguns dos muitos almoços e jantares nos quais o

deslocado cirurgião e reitor obsequiava com perdizadas seus ilustres

convidados no ambiente espartano do restaurante da Reitoria e até os

sofisticados salões do Palácio do Catete, aonde não foram poucos seus

jantares com Getúlio Vargas.

Numa destas ocasiões o Presidente desconfiado perguntou-lhe: “Mas é

o senhor mesmo que caça estas perdizes, professor?” ao que meu pai

respondeu: “Senhor Presidente sou muito melhor caçador do que cirurgião e

Reitor”. Getúlio riu e completou: “Então deve ser muito bom caçador.”

Quando na comemoração do seu centenário de nascimento alguém se

queixava da falta de verbas para a UFRGS, meu ilustre psiquiatra alfinetou:

“mas o Professor Paglioli levava uma lata de perdizes e trazia um edifício”.

Evidentemente não eram só as perdizes.

Lembro-me de um dia ele contando que que identificou um alto

funcionário da DASP, no Rio de Janeiro, com um câncer na face. Que

imediatamente prontificou-se a trazer e tratar o doente em Porto Alegre.

Assim era o Professor Paglioli, cativava desde o secretário até

ao ministro e era sempre recebido com admiração respeito e carinho

onde chegava.

Sempre que me pedem para escrever sobre ele acho muito melhor

caracterizá-lo assim, do que enumerar seus títulos, diplomas e condecorações.

Estas qualidades humanas associadas a uma forte inteligência, energia e

confiança são o material para a construção do sucesso; e por conseqüência

chegam as homnenagens títulos e condecorações.

Eliseu Paglioli como José Otão foram personalidades riquíssimas de

uma época, sobre as quais se poderia contar inúmeros momentos de

198

inteligência, fraternidade, eficiência, humor e um seu número de adjetivos mais

e caracterizar a longa jornada de luz de suas brilhantes carreiras neste mundo.

Nos últimos anos dedicou-se a escrever suas memórias e atuar como

elemento aglutinador no local em que trabalhou.

Faleceu de enfarto do miocárdio aos 88 anos.

Eliseu Paglioli é um dos pilares da PUCRS de maneira diversa

daqueles que deram suas horas de ensino e de administração, era o

conselheiro do Irmão Afonso e do Irmão José Otão e indicador dos caminhos a

trilhar na intrincada atividade acadêmico-administrativa do ensino superior.

199

IVO WOLFF

Nasceu em São Leopoldo no dia 9 de junho de 1908, filho de Edmundo

Wolff e de Matilde Michaelsen. Passou os primeiros anos na pacata cidade à

beira do Rio dos Sinos. Nada fazia prever o surto industrial que aconteceria

anos depois, por influência da proximidade da Capital do Estado. Pouco tempo

depois a família se transferiu para Porto Alegre. O senhor Edmundo era músico,

apresentava-se na orquestra, ministrava aulas de música.

Prof. Ivo Wolff

Ivo começou a freqüentar a Escola São José, da Comunidade alemã ao

lado da Igreja do mesmo nome.

Os padres jesuítas em 1902 pediram que os Irmãos assumissem a

Escola, assim como os cursos primários do Colégio Anchieta, na Rua Duque de

Caxias. Dessa maneira o adolescente conheceu as primeiras letras com os

Irmãos Maristas.

Continuou os estudos no Colégio Anchieta até concluir o Ginásio. Ao

mesmo tempo aprendera música, dominava o piano e o violino.

200

Em 1925, venceu os vestibulares da Escola de Engenharia de Porto

Alegre. Em 1930 recebia o diploma de Engenheiro Civil. Para custear as

despesas dos estudos tocava piano ou violino nas matinês do cinema mudo ou

em teatros ou orquestras. O jovem estudante de Engenharia conhecia o valor

do tempo e do dinheiro. Outros afazeres em escritórios iam preparando o

profissional. Ensaiou os primeiros passos na Prefeitura de Carazinho, onde

permaneceu durante os anos de 1931 e 1932.

Junto com os trabalhos de escritório continuavam os estudos.

Apresentou-se o concurso na Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Em 1933

contratado engenheiro da Rede, conheceu o Eng° Manoel Coelho Parreira,

nesta época na chefia de setor importante.

A sua preparação continuada e séria lhe propiciou, em 1935, o contrato

para lecionar na Escola de Engenharia. Começou com a disciplina predileta —

Geometria descritiva.

Além da Escola, mantinha trabalho no escritório, às vezes, aproveitava

o seu talento musical na igreja ou em apresentações de orquestra.

Por esse tempo contraiu matrimônio com a jovem da sociedade porto-

alegrense Adélia Borges Fortes. Do matrimônio houve os filhos Helena e Geraldo.

Em 1938, na Escola teve um aluno especial. José Stefani, mais

conhecido pelo nome de Irmão José Otão.

Existia entre o Prof. Ivo Wolff e os Irmãos Maristas, grande amizade

desde os bancos da Escola São José. Depois houve o conhecimento de outros

Irmãos no Colégio Nossa Senhora do Rosário: Irmão Weibert e, em especial,

o Irmão Afonso.

Nos anos de 1937 e 38 colaborou com o Irmão Afonso e com o Eng°

Manoel Coelho Parreira na organização da Faculdade de Educação, Ciências e

Letras, cujo projeto foi enviado ao Ministério de Educação em 1939.

Outra tarefa importantíssima lhe estava reservada — a organização e

criação do Instituto Tecnológico do Estado do Rio Grande do Sul — ITERS, cuja

história começou em 1940. Muitos benefícios advieram para o desenvolvimento

201

da Ciência e Tecnologia do Estado. O velho prédio, na Av. Osvaldo Aranha está

sendo recuperado para ser urna espécie de museu tecnológico. Do ITERS

ampliado surgiu mais tarde o moderno CIENTEC em que colaboram, colegas e

muitos ex-alunos do Prof. Ivo Wolff. Além das funções diretivas do Instituto, o

Prof. Wolff continuava com as aulas na Escola de Engenharia que entrou na

estrutura da Universidade do Estado e depois da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul.

Com a grande carga de compromissos não negligenciou os deveres

de esposo e de pai. Os filhos Geraldo e Helena iam crescendo e se formando

para as lides da existência. Geraldo formou-se Engenheiro, continuou o

escritório do pai. Os acontecimentos políticos do Brasil, registraram em fins de

outubro de 1945, a demissão do Presidente Getúlio Vargas, que começara a

reger os destinos da Nação a 24 de outubro de 1930. Nos 15 anos, houve

anos de democracia e anos de ditadura principalmente a partir do fim de 1937.

Houve, então, a constituição do governo Judiciário sob o comando do

Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro José Linhares, que

convocou e presidiu as eleições no dia 2 de dezembro. No dia 31 de janeiro

de 1946, assumiu a presidência da República o Marechal Eurico Gaspar

Dutra, vencedor das eleições.

No Rio Grande do Sul, o Desembargador Samuel Figueiredo da Silva

foi nomeado interventor. No dia 4 de novembro de 1945, nomeou o Prof. Ivo

Wolff, prefeito da Capital, substituiu o Dr. Clóvis Pestana. Primeiro mandatário,

embora, por alguns meses soube imprimir na administração municipal a

seriedade e a disciplina exigidas pela qualidade dos serviços ao público. Não

mudaram os hábitos de estudo e de trabalho cio Prof. Ivo Wolff.

Ainda no comando do Paço dos Açorianos, o Prof. Ivo Wolff respondia

pela Direção da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, todo o ano de 1946.

Em 1958, o Prof. Ivo Wolff assumiu novamente a Direção da Faculdade de

Filosofia, até fins de 1959.

202

No dia 14 de dezembro de 1957, a mantenedora a União Sul Brasileira

de Educação e Ensino, na reunião do Conselho Administrativo resolveu

autorizar a fundação da Escola de Engenharia. Em dezembro de 1945 foi

escolhido paraninfo dos bacharéis em Filosofia, Ciências e Letras.

O Conselho Universitário em reunião de 6 de março de 1958 valendo-

se da decisão do Conselho da U.S.B.E.E., resolveu criar a Escola de

Engenharia. Foi nomeado e aprovada a comissão encarregada de organizar o

processo de estruturação da nova unidade acadêmica, formada pelos

professores: Manoel Coelho Parreira, (presidente); Ivo Wolff, Ernesto Bruno

Cossi e Waldemar Cabral Dau. A nova Escola teve as bênçãos do chanceler

Dom Vicente Scherer e o apoio do Ministério da Educação e Cultura.

O funcionamento da nova unidade acadêmica foi autorizado pelo

Decreto n°47.055 de 21 de outubro de 1959.

Em janeiro de 1960 realizaram-se os exames vestibulares. Foram

aprovados e matriculados 36 alunos. No dia 21 de março, no salão nobre,

com a presença de altas autoridades civis, eclesiásticas e universitárias

instalou-se a Escola de Engenharia da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul.

As aulas iniciaram de imediato em salas, nos porões da Universidade,

no lance do edifício sobre a Praça Dom Sebastião.

O Prof. Ivo Wolff foi o primeiro Diretor imposto por sua capacidade, por

sua brilhante atuação científica e pela dedicação à causa.

Tendo no Conselho Técnico administrativo as pessoas de: Manoel

Coelho Parreira, Luiz Leseigneur de Faria, Arthur Wentz Schneider, Heddy

Pederneiras, Álvaro Leão de Carvalho da Silva e Irmão Faustino João,

sendo secretário o Prof. Irmão Elvo Clemente e oficial administrativo o jovem

Lotário Skolaude.

Os professores escolhidos pelo Diretor Ivo Wolff regeram as disciplinas

da primeira série: Calculo Infinitesimal — Ernesto Bruno Cossi; Complementos

de Geometria Analítica e Noções de Namografia — Telmo Thompson Flores e

203

Roberto Nogueira Medici: Física — Luíz Paulo de Azambuja Felizardo;

Complementos de Geometria Projetiva — José Carlos Severini; Química

Tecnológica e Analítica — Álvaro Leão Carvalho da Silva e Celso Brizolara

Martins: Desenho a mão livre — José Carlos Bornancini.

No mês de setembro de 1960, o Diretor Prof. Ivo Wolff representou

a novel Escola nas Jornadas Luso-Brasileiras de Engenharia, em

Lisboa, Portugal.

1946 − Licenciados Ivo Wolff,

paraninfo, ao lado Ir. Vendelino, Francisco Carrion e Ir. Dionísio Fuertes Álvarez

No início de 1961, licenciou-se da direção da Escola de Engenharia

para cuidar de assuntos ao escritório particular. Continuava, porém, com as

aulas de Geometria no Curso de Matemática, da Faculdade de Filosofia.

Em 1965 foi escolhido para assumir a Direção da Escola de Engenharia

da UFRGS, no prédio novo. Neste mesmo ano teve a tristeza de perder a

esposa Dona Adélia Borges Fortes.

Novo empreendimento importante o aguardava para os anos de

1967/68 — a organização da Escola de Engenharia da recentemente criada

204

Universidade Federal de Santa Catarina. Os professores catedráticos iam

ministrar as aulas de Geometria, de Cálculo, de Química industrial e de outras

disciplinas na Escola de Engenharia do Campus Universitário da Trindade,

Florianópolis. Cada semana era a revoada dos professores pela manhã cedo

pela VARIG e regresso, à noite. Assim conseguiu-se estruturar uma grande

Escola de Engenharia no Estado vizinho.

Nos anos de 1969/70 coordenou a reforma da UFRGS, dentro dos

dispositivos da nova Lei Federal.

De 1968 a 71 assumiu a vice-Reitoria da UFRGS.

De 1972 a 1976 exerceu com eficiência o cargo de Reitor. Em seu

reitorado muitas inovações foram realizadas no âmbito da Universidade.

Em 1975 foi co-fundador do CRUB (Conferência dos Reitores das

Universidades Brasileiras), junto com o Reitor Irmão José Otão e demais

reitores naquela época.

Ao findar o quatriênio na Reitoria, retornou à Escola de Engenharia

onde organizou os cursos de pós-graduação Mestrado e Doutorado e as áreas

de pesquisas. O Conselho Universitário outorgou-lhe o merecido título de

Professor Emérito. Nesse tempo desposou a pror Mercedes Marchard que o

acompanhou com carinho e amor até seus últimos dias.

Colaborou na Fundação Universidade — Empresa de Tecnologia

e Ciências (FUNDATEC) cujo edifício ostenta, atualmente, o nome de

Prof. Ivo Wolff.

Exerceu, outrossim, nessa época a presidência do CIENTEC, Centro de

Ciências e Tecnologia, reformulação e melhoramento do ITERS por ele fundado

e administrado nos anos de 1940.

Muitas são as obras mais de 200 projetos, que têm a assinatura e

responsabilidade do Prof. Ivo Wolff.

Entre as principais destacam-se: Usina do Salto Grande, chaminé de

equilíbrio (1952); Ponte de Mussum na rede Ferroviária (1953); Palácio de

Justiça, de Porto Alegre (1953); Galeria Malcon (1956); Aços Finos Piratini

205

(Aciaria, reservatório elevado, em Charqueadas (1965); Prédio de Zero

Hora; Estruturas metálicas do Edifício Vera Cruz; Tomada de água da

Siderurgia COSSIGUA, da Gerdau, Rio de Janeiro; base das turbinas da

Termolétrica Candiota, Bagé.

Muito trabalhou, muito ajudou à ciência e à tecnologia nas escolas de

Engenharia ou no âmbito profissional.

Homem respeitado e honrado por sua vida, por suas ações e por seus

ideais cristãos e humanitários, soube “manter a fé e combater o bom combate

como escreveu o Apóstolo Paulo. Passou tranqüilamente os últimos anos na

companhia da esposa Mercedes, veio a falecer no dia 27 de julho de 1986, aos

78 anos de idade.

Permanece nas novas gerações a sua lembrança e a mensagem de um

homem fiel ao seu Cristianismo, às tradições, à arte e à ciência.

206

IRMÃO LIBERATO ⎯ WILHELM HEINRICH HUNKE

Escrever num esboço biográfico a bela vida do Irmão Liberato é uma

temeridade. O tema é fascinante cheio de surpresas e de belas realizações.

Nasceu no rescaldo da guerra de 1914 a 1918, no dia 15 de outubro de

1919. O pai, ex-combatente daqueles quatro anos de horrores de frentes de

batalhas e de trincheiras, era trabalhador nas minas de carvão e ferro da

Westfália e do Ruhr. Morava na localidade de Werne aldeia de camponeses às

margens do rio Lippe. Bernard Hunke era casado com Friederike Henriette

Vehring. Do casal houve dois rapazes e duas moças.

Ir. Liberato − Vice-Reitor e Reitor

O pequeno Wilhelm freqüentou a Wiehagen-Schule, em Werne a. d.

Lippe de 1926 a 1930.

Era belo ver aquele menino junto dos coleguinhas freqüentando as

aulas, indo à igreja. Sabia estudar e sabia rezar. Aos 11 anos foi convidado a ir

à cidade de Recklinghausen para freqüentar as aulas na Rektorat — Realschule

St. Josef. Ali conheceu a vida dos Irmãos Maristas, seu modo de ser, de

trabalhar e fazer apostolado.

207

Encantou-se com aqueles religiosos, sentiu dentro de si a vocação de

prosseguir no caminho que lhe era oferecido. Em 1932, movido pelo desejo de

ser missionário, encontramo-lo em Grugliasco/Turim/Itália. Em cinco anos

aprovara com brilhantismo as matérias do currículo do Collège International

des Frères Maristes.

A 15 de agosto de 1937 professou no Instituto dos Irmãos Maristas,

nessa data Wilhelm Heinrich passou a chamar-se Irmão Liberato, nome que

honraria por toda a vida.

Em setembro de 1937, fez rápida visita de despedidas aos pais, do

irmão e das irmãs. Poucas semanas depois deveria partir para o Rio Grande do

Sul. Em sua saída da Europa atravessou parte da Itália, a França, a Espanha

em plena guerra civil. Entre projéteis, trens avariados conseguiu alcançar o

porto de Vigo onde o esperava o navio que o levou até o Rio de Janeiro. Depois

um Ita o deixou nos braços dos Irmãos Maristas no Colégio Nossa Senhora do

Rosário, em Porto Alegre, no dia 12 de outubro.

Após alguns meses de adaptação e de aprendizado da língua

portuguesa, em março de 1938, entrava na sala de aula do 1° ano primário

do Rosário onde o esperavam oitenta pares de olhinhos atentos e curiosos.

Aquele jovem de 19 anos incompletos enfrentava a realidade da

alfabetização no Brasil. Até 1940 esteve ministrando aulas no Curso

primário, toda a manhã e parte da tarde.

Em 1941 a 1967 lecionou no Ginásio e Colégio Nossa Senhora do

Rosário era o mestre que entendia e ditava classes com autoridade, de

Francês, de Inglês, de Matemática e Desenho.

Era belo ver aquele professor alto, bastante magro, voz forte explicando

teoremas ou falando francês ou inglês, ou riscando no quadro negro traços de

figuras de desenho.

O convívio na comunidade era muito divertido, e edificante onde se

encontravam 30 a 40 religiosos: nas orações comunitárias, nas refeições, nas

208

horas de lazer, nos piqueniques, nas horas de canto, nas horas de estudo e de

preparação das aulas, na orquestra em que ele tocava clarineta.

De 1953 a 1961, ei-lo Diretor do Colégio, coordenando atividades

escolares, religiosas, esportivas e cívicas.

Durante os anos da 2a Guerra Mundial, foi muito discreto. Seu coração

de missionário sentia com amargura as vicissitudes da Alemanha, sabia, porém,

estimular nos alunos o respeito e o amor à pátria brasileira.

Em 1940, quando começou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,

Irmão Liberato fez vestibular para o Curso de Letras anglo-germânicas. Em

1942 e 43 ei-lo respectivamente bacharel e licenciado. Em 1947 assumiu o

ensino de Língua alemã e Literatura, substituindo o mestre Irmão Aloys Behr

que marcou profundamente os estudos germânicos desde a primeira hora. Ao

mesmo tempo continuava com as aulas e com a direção do Colégio, de que foi

diretor de 1953 a 1961.

Era extraordinária a sua maneira de agir para dar conta de tantas

tarefas: aulas, direção, orientação de estudos, atendimento de alunos e de pais.

Tudo isso nas 16 horas das cinco da manhã às 21h, aonde estavam as horas

de oração, de estudo e de lazer.

Em 1957 fundou junto com alguns pais de alunos a APAMECOR

(Associação de Pais e Mestres do Colégio Rosário), que em pouco tempo

construiu a esplêndida sede no alto do morro Teresópolis.

De 1961 a 63, vemo-lo afastado parcialmente da Universidade, (onde

mantém as aulas) na direção da Escola Normal Superior dos Irmãos Maristas

em Viamão, na Vila Nossa Senhora das Graças.

Passou os anos de 1951 e 52 em curso de aperfeiçoamento ascético-

pedagógico em Saint-Quentin-Fallavier/Isère-França, durante 6 meses;

continuando com Curso de Especialização em Germanística, na Universidade

de Muenster — sua terra natal. Nos anos de 1963 e 64 teve outra oportunidade

de estudos acadêmicos mediante bolsa do D.A.A.D na Universidade de

Munique. Especialização em Língua e Literatura Alemã.

209

Em 1964 fundou o Seminário de Estudos germânicos que regeu até

1973, passando depois a tutelá-lo com carinho e dedicação, merecendo auxílios

em livros e dinheiro do Consulado Geral da Alemanha.

No ano de 1969 durante vários meses participou do Curso de

Especialização em Administração Acadêmica nas Universidades de Houston —

Texas/USA e de Guadalajara, México.

É belo ver pessoa de tantos trabalhos e responsabilidades procurar

sempre o seu aperfeiçoamento espiritual, científico e cultural! A leitura era seu

alimento cotidiano, aproveitando todos os vagares de suas trepidantes

ocupações e responsabilidades.

De 1968 a 1973 dirigiu com sabedoria e dinamismo o Instituto de Letras

e Artes, desvinculado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Criou em

1971 os cursos de Tradutor e Intérprete que deram excelentes profissionais.

Em 1969 numa primeira reestruturação da Universidade criou-se o

cargo de vice-reitor acadêmico, sendo inaugurado pelo Irmão Liberato. A ele

estavam afetas todas as atividades da vida científico-acadêmica dos

alunos e professores.

Muito trabalhou o novel vice-reitor que mantinha ainda para si a

coordenação dos cursos de Letras. Era interessante vê-lo na discussão e

reformulação de currículos. Na estruturação do Conselho de Coordenação de

Ensino e Pesquisa colocou muita de suas horas e de suas ponderações.

Dedicou-se com o Professor Ernani Coelho na adaptação do Estatuto e do

Regimento Geral da Universidade.

Representou o Reitor em muitos eventos nacionais e internacionais:

em assembléias da Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas

(ABESC); no Grande Júri do Prêmio Moinhos Santistas, no Comitê d’Experts

da UNESCO em Londres, 1976; em reuniões plenárias do Conselho de

Reitores, em Brasília.

210

Exerceu funções importantes como Presidente da Comissão

preparatória da XII Assembléia Geral da Federação Internacional as

Universidades Católicas (FIUC), realizada na Universidade em agosto de 1978.

Como entusiasta e eficiente colaborador da cultura francesa ocupou a

vice-presidência da Alliance Française de Porto Alegre de 1978 a 1985.

Em 1978, participou oficialmente do 5º Seminário Internacional das

Universidades AIU, em Halle, na Alemanha do Leste.

No referido ano de 1978, desde janeiro vinha exercendo as atividades

de Reitor, pois o Irmão José Otão era penalizado de maneira violenta pela

doença que dia-a-dia lhe encurtava a existência.

No dia 2 de maio, veio a falecer.

Seguiram-se as exéquias, tudo coordenado serena e fraternalmente

pelo Reitor Irmão Liberato.

O ano de reitorado foi intenso de atividades administrativas muitas

delas auxiliadas pelo Prof. Irmão Norberto Francisco Rauch.

No dia 4 de dezembro retornaram do Japão, o reitor Irmão Liberato e o

Diretor da Faculdade de Medicina, Prof. José João Menezes Martins, após

terem visitado diversos centros universitários e núcleos hospitalares, como

hóspedes oficiais.

No dia 7 de dezembro realizou-se a última reunião do Conselho

Universitário e do COCEP do ano, nas vésperas da comemoração do 30º

aniversário da instalação da Universidade. Participou da reunião o chanceler

Cardeal Vicente Scherer, que a seguir celebrou a Missa em ação de graças:

Concluíram-se as solenidades com uma recepção nos salões da Prefeitura

Universitária. O prof. Irmão Elvo Clemente fez o discurso alusivo à efeméride.

No dia 29 de dezembro, em solene sessão, presidida pelo Cardeal

Vicente Scherer e pelo Prof. Irmão Silvino Susin, presidente da USBEE, tomou

posse a nova administração Superior para o 11º triênio 1978/1981 assumindo o

cargo de Reitor o Prof. Irmão Norberto Francisco Rauch e para vice-reitor

o Irmão Liberato.

211

Desde 1978 participou ativa e assiduamente como membro do

Conselho Deliberativo do Instituto Goethe, Instituto Cultural Brasileiro Alemão.

Em 1979, Irmão Liberato representou a Universidade no Congresso da

Organização das Universidades Católicas da América Latina (ODUCAL)

em Valparaíso/Chile.

No dia 12 de outubro de 1979 em sessão solene do Conselho

Universitário foi descerrado o retrato do Irmão Liberato, na galeria dos ex-reitores.

Foi saudado pelo Prof. Dr. José João Menezes Martins.

Destacam-se alguns parágrafos da resposta do homenageado:

“O vosso gesto, caríssimos amigos, realmente me confunde. Jamais

poderia eu aspirar à homenagem, que tão carinhosamente me proporcionastes,

pois minha passagem por esta Reitoria foi tão efêmera, quase meteórica, que

só me permitiu levar a termo o trabalho do meu predecessor. Fui apenas um

despretensioso Cirineu e como tal não me caberia este lugar de desta que na

história de nossa Universidade. Outros há — não vou citar seus nomes, para

não lhes ferir a modéstia — que bem mereciam essa honra.

Verdade é que, por um decênio, ajudei o saudoso Irmão José Otão a

carregar a cruz da Reitoria e o fiz com desprendimento e entusiasmo, jubiloso e

feliz. Se mérito houve de minha parte, foi ter colaborado, como tantos outros

que aqui se encontram, no desenvolvimento desta Universidade, enfrentando

dificuldades de toda ordem, inclusive econômicas.

Também é verdade que, em numerosas ocasiões, tive a

responsabilidade de substituir o grande chefe e de assumir as

responsabilidades confiadas ao cargo de Reitor. Na multiplicidade das tarefas

que então me eram cometidas, pelo exercício simultâneo e cumulativo do

magistério e da administração, nem semprefoi fácil dar vencimento aos

compromissos assumidos.

Quando em princípios do ano passado, em circunstâncias

particularmente difíceis, o Reitor se viu compelido a deixar o cargo, coube-me a

tarefa de substituí-lo definitivamente até o término do período administrativo e

212

de carregar a cruz, que lhe havia escorregado dos ombros debilitados, contando

felizmente, nessa hora, com a colaboração direta do Irmão Faustino, homem

experiente e conselheiro abalizado, bem como de uma luzida equipe de

dedicados obreiros.

Na parte culminante do arco da minha vida, na posição que atingi, por

um critério meramente cronológico e um dispositivo estritamente estatutário, fui

um Reitor de transição, um homem-ponte, ligando duas épocas marcantes da

Universidade, e da estruturação e do crescimento e o da consolidação, em que

atualmente estamos empenhados.

Todos sabemos que a vida é uma permanente seqüência de

ocorrências e de fatos interligados pelos nossos ideais e nossas realizações. O

fato de eu ter subido ao mais alto degrau administrativo desta Universidade, o

considero, na verdade, como um simples acidente, pois foi no exercício

apostolar do magistério que sempre procurei dar real sentido à minha vida.

Bem cedo, aliás, assentou-se em mim a idéia de me tornar religioso-

educador. E quando, em 12 de outubro de 1937, na festa de Nossa Senhora

Aparecida, eu desembarcava no cais de Porto Alegre, iniciando minha

caminhada por um mundo novo, reafirmei meus propósitos de servir à causa da

educação. Nada me deteve a partir de então. Vencendo barreiras lingüísticas,

ávido por satisfazer aquela íntima vocação, me lancei decididamente nas lides

educacionais, no afã de servir à terra que tão generosamente me havia

acolhido. Após 42 anos, posso assim dizer com o poeta Fagundes Varela:

Brasil querido, Brasil glorioso!

Se meu berço não foi teu grêmio ilustre,

as primícias te dei da mocidade,

os labores de estudo, as flores d’alma,

o sentimento e a vida!

Na verdade, nem tudo foi fácil nestes anos todos, pois “homo sum et

humani nihil a me alienum...” Houve dificuldades, contrariedades e

213

contratempos. Mas, o ideal esposado em minha juventude e perseguido com

persistência, coragem e sinceridade, nunca se apagou em mim. Servir aos

outros sempre foi a tônica de minha vida em louvor a Jesus Cristo.”

Deixando as funções de vice-reitor em 1987 passou a Assessor da

Reitoria para Assuntos Internacionais.

As atividades foram diminuindo, algumas aulas de Língua alemã,

atendimento a alunos estrangeiros, bolsistas do Convênio PUCRS e

Universidade de Sofia de Tóquio. Ajudava a incrementar as ações do Centro de

Cultura Japonesa, por ele fundado junto com o Prof. Yukio Moriguchi em 1979.

Agora com bela sede no 5° andar do prédio 8.

Em 1984, o governo Japonês outorgou ao Irmão Liberato a comenda

“KUN SANTO ZUIHOSHO” (Ordem do Sagrado tesouro de terceira classe). O

ato aconteceu na residência do Cônsul Geral Toshio Takahata em bela e

comovente cerimônia com a assistência do Reitor Irmão Norberto, pró-reitores e

pequeno grupo de pessoas amigas.

Outras honrarias recebidas pelo Irmão Liberato:

1- Comenda “Verdienstkruz”, da Alemanha (Cruz do Mérito de 1ª classe

em 1976).

2- Troféu Gaúcho honorário, conferido pela Rede Brasil Sul de

Comunicações 1978.

3- Comenda Educador Emérito, conferida pelo Governo do Estado do

Rio Grande do Sul, 1978.

4- Palmes Académiques da França, no grau de oficial, 1981.

5- Medalha Irmão Afonso da PUCRS, 1981.

Em 1993, o Irmão Elvo Clemente promoveu a edição de um livro em

homenagem ao Irmão Liberato. sob o título LÍNGUA: Ciência, Arte e

Metodologia, publicação da EDIPUCRS.

Entre os capítulos mais importantes destacam-se: O Irmão Liberato e o

pluralismo escolar, do Prof. Irmão Mainar Longhi; Saudades do mestre, da Pror

214

Olga Creidy; Ter amigos ou ser amigo, do Prof. Urbano Zilles; os outros textos

são de caráter geral literário ou linguístico.

Em 1993, Irmão Liberato foi vítima de uma isquemia, levado ao

Hospital São Lucas teve os cuidados especiais do Prof. Dr. Eduardo Beck

Paglioli e sua equipe. O mal foi debelado em parte. O estado do paciente

merecia cuidados especiais. Após semanas e meses de tratamento

hospitalar e na residência Santo Tomás de Aquino dos irmãos da PUCRS,

no dia 15 de julho de 1994 passou a viver na Casa de Repouso São José na

Vila Nossa Senhora das Graças. A doença foi combalindo aquele corpo alto

e forte. Dificuldades e mais dificuldades lhe tornavam o caminhar cansativo,

aos poucos socorreu-se da cadeira de rodas. Nos primeiros tempos era

apenas por algumas horas. Desde janeiro de 1998, entregou-se e está

prisioneiro do elegante carrinho... O mal progrediu, atualmente reconhece as

pessoas, não é, porém, capaz de acompanhar um diálogo, menos ainda a

conversa. Sempre alegre, paciente e conformado.

Irmão Liberato, religioso convicto e perseverante, mestre de gerações,

amigo de quantos conviveram com ele é, hoje, exemplo de paciência e de

resignação em Deus e em Nossa Senhora.

Percorrendo a bela vida toda devotada à educação e ao ensino da

juventude no Colégio Nossa Senhora do Rosário e na Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul, Irmão Liberato (Wilhelm Heinrich Hunke) se

afirma como um dos pilares da instituição cinqüentenária.

Irmão Liberato ostenta as caraterísticas de:

- Verdadeiro religioso marista, pautado nas linhas carismáticas de São

Marcelino Champagnat:

- Verdadeiro mestre que ama os seus alunos, procurando-lhes o melhor

para a formação científica, moral e espiritual, fazer deles: “Bons cristãos

e honestos cidadãos (Champagnat):

- Verdadeiro sustentáculo desta colossal construção — a Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

215

- Verdadeiro amigo de todos os que souberam tê-lo a seu lado nos

momentos alegres ou difíceis da existência.

Concluem-se estas linhas do perfil do Irmão Liberato com parte do

poema dedicado a ele pelo excelso poeta Irmão Dionísio Fuertes Alvarez em 17

de fevereiro de 1985.

CREPÚSCULO

Hora após hora foram indo os dias,

dias após dia foram indo os anos.

Agradecia a Deus as alegrias

e oferecia a Deus os desenganos.

Pagou tributo ao tempo que, inimigo,

foi tingindo de prata os seus cabelos,

mas seu olhar e seu sorriso amigo

foram ficando cada dia mais belos.

A sua vida serena calma

longe do mundo, ambicionava os céus. Vivia com Maria, e a sua alma,

sempre mais pura, mergulhava em Deus.

Como sempre imitara com coragem

o exemplo do Beato Champagnat,

ao findar os seus dias era a imagem

do santo Fundador de Lavalla.

O sol já se escondia n ocidente

serenamente a luz também partia

e sobre o sol, sorritido meigamente

brilhava sempre a estrela de Maria.

216

PRECE FINAL

Graças dou pela vida que conservo,

por tudo quanto tenho e quanto sou.

Podes levar Senhor, este teu servo.

Novamente o que é teu hoje te dou.

Estrela da manhã que conquistaste

meu coração, que foste minha Mãe,

e até aqui bondosa me guiaste

guia-me agora ao coração do Pai.

Amém.

217

ANTONIO CÉSAR ALVES Antonio César Alves, filho de Júlio Alves e Hortênsia AIves nasceu, em

Porto Alegre, no dia 13 de junho de 1914. O batismo aconteceu alguns dias

depois, recebendo então o nome de Antonio para celebrar o santo de sua data

de nascimento, efeméride sempre lembrada e bem celebrada.

O pai, pequeno comerciante encaminhou o filho para o Colégio Nossa

Senhora do Rosário, em 1927. No mesmo ano o Irmão Afonso assumia a

direção do educandário da Avenida Independência.

Antonio César Alves

Realizado o curso fundamental e secundário, em 1932 preparou-se

para enfrentar o exame vestibular na Faculdade de Direito de Porto Alegre.

Durante os sete anos de vida estudantil no Rosário adquiriu a estima do

venerando Irmão Weibert que cuidava dos alunos que se dirigiama à capela

para as confissões mensais e para as missas aos domingos. Era belo ver o

ancião, fundador da Província Marista do Sul do Brasil, em sua senectude, usar

de suas forças de apóstolo para supervisionar os atos religiosos dos alunos.

Assim é que se estabeleceu boa amizade entre o ancião, o adolescente e o

218

senhor Júlio Alves. Os professores daquela época lembravam com carinho as

atividades de Antonio César Alves e dos colegas, briosos nas paradas e

excelentes alunos nas salas de aula. Antonio notabilizou-se por sua simpatia

contagiante, por seus dotes de orador. Nas festas do Colégio, nas reuniões do

Grêmio Literário Carlos de Laet brilhava a palavra vibrante de César Alves. O

Diretor Irmão Afonso, acompanhava com alegria e esperança a vida do

adolescente e do jovem. Concluiu o Ginásio, a 5ª série, com brilhantismo.

Preparou os exames vestibulares com as disciplinas de: Latim, Língua

Portuguesa e Literatura, Sociologia. Higiene, História Universal e do Brasil.

Eram dias de grandes preocupações e de muito estudo.

Aprovado iniciou a Faculdade em março de 1932. O primeiro ano ficou

perturbado pela Revolução constitucionalista, de 9 de julho em São Paulo. Os

estudos não podiam esmorecer. Na Faculdade encontrou mestres que no

decorrer da vida seriam colegas: Elpídio Ferreira Paes, Ruy Cirne Lima,

Ernani Estrela, Eloy José da Rocha, Armando Pereira da Câmara, Edgar

Schneider e outros.

Para enfrentar as despesas com os estudos soube empregar-se em

escritórios ou dando aulas particulares. Seitiu desde então propensão ao

magistério. Encerrou-se solenemente o curso de Direito em 24 de dezembro de

1937. Ei-lo bacharel! Festas na família, festas na roda de amigos. Antônio

César Alves não esqueceu os Irmãos do Colégio e nem os Irmãos esqueceram

César Alves ... É convidado a ministrar aulas na Faculdade de Ciências

Políticas e Econômicas ao lado de Francisco Juruena, Mem de Sá, Elpídio

Ferreira Paes, Irmão Afonso já não está no Rosário e na Faculdade, ocupa o

cargo de administrador da Província do Brasil Meridional, dos colégios do

Rio Grande do Sul...

Veio o ano de 1940, todo o mundo marista vibra com o 1º centenário da

morte do Fundador Marcelino Champagnat. Os ex-alunos participam, aí está o

Irmão Weibert rodeado do Dr. Eliseu Paglioli, do Dr. Baltazar da Gama Barbosa,

do Dr. Daniel Krieger e outros tantos oriundos de Santa Maria, do Rosário ou de

219

outros colégios. César Alves presente, vibrante pela causa marista. Professor

da Faculdade, está às ordens de seus velhos mestres. Irmão Afonso havia

preparado durante vários anos o projeto da Faculdade de Educação depois

denominado Filosofia, Ciências e Letras, para formar professores para o ensino

fundamental e secundário. Presente na estruturação dos currículos, na

indicação dos responsáveis pelas disciplinas. Tudo era novo na Faculdade.

Havia formados em Direito, em Medicina, em Engenharia, em Filosofia e

Teologia que seriam convidados a ministrar: Matemática, Geometria, Física,

Biologia, Zoologia, Mineralogia, Latim, Francês, Italiano, Alemão, Inglês,

Literaturas do Brasil e estrangeiras...

César Alves começaria a lecionar no Curso de Ciências Sociais —

Doutrinas Econômicas, Política, Sociologia. Participou da Congregação da

Faculdade desde a primeira hora, trabalhando intensamente na administração e

na docência. Tomava horas de seu escritório de advocacia para dedicá-las ao

magistério. Exerceu as funções de Diretor da Faculdade de Filosofia de 25 de

março de 1947 a 8 de dezembro de 1951.

Em 1947 ao ser criada a Faculdade de Direito, Antonio César Alves

assumiu a cátedra de Direito Civil que regeu por vários anos.

Na Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas lecionou por muitos

anos Princípios de Sociologia Aplicada à Economia. Pertenceu desde 1938 à

congregação da mesma Faculdade.

Em 1955 foi escolhido para paraninfar os bacharéis economistas e

administradores, em sinal de estima pelo mestre dedicado aos discípulos. Em

seu discurso apresentou várias perguntas aos novos diplomados, ciente de sua

importância e valor de que destacamos alguns parágrafos:

Já sabeis que nunca, em tempo algum, como nos dias que correm,

nenhuma classe profissional revestiu, como a vossa, uma importância tão

decisiva, em seu campo de aplicação.

Quem não percebe a presença de forças malignas conspirando contra

os valores culturais e morais da sociedade? Quem não as identifica, com suas

220

garras sinistras, predispostas a aniquilar as belezas ideológicas de um passado

nobre e enobrecedor da família brasileira, imprimindo em tudo o selo do

materialismo mais denegrido?

Quem há que ignore que, neste século de pressa e de valores

espantosos, ao lado do progresso da ciência, que realiza assombros,

desenvolvem-se e se aperfeiçoam técnicas de destruição e de morte?

Será possível negar que os sistemas econômicos e políticos, assentes

num individualismo exagerado, deram como resultado a ascensão vertiginosa e

vertical de certos grupos privilegiados e o afundamento progressivo e trágico de

famílias inteiras, que estiolam à míngua de teto, de vestuário e de alimento, de

higiene e de educação?

Será possível esconder, que em diversos planos de atividade humana,

se afastam, sumariamnente, os imperativos da ética elementar e as normas

superiores de justiça e de eqüidade?

Na conclusão insistiu sobre a obrigação de os novos bacharéis serem

portadores do facho da verdade e do bem:

Daqui saireis levando uma mensagem de fé e de esperança, certos de

que cada inteligência cultivada e um gerador de idéias novas, que a sociedade

aproveita, construindo para o futuro.

E vossa mensagem proclamará em resposta ao naturalismo sociológico

que o homem é um todo, composto de corpo e alma; é uma substância natural,

elevada à ordem sobrenatural. A sociedade existe para auxiliá-lo a alcançar seu

fim. Consequentemente, não tem fim em si mesma. É apenas um meio de

aperfeiçoamento do homem para um fim superior. Proclamareis a existência de

Deus, como princípio de todas as coisas e fim a que tendem todos os homens.

Sustentareis que o homem não se aniquila como pretende o socialismo, mas se

afirma como pessoa, ser racional e livre, gozando da faculdade de fazer ou

deixar de fazer o que lhe aprouver, e por isso mesmo responsável por seus

atos. Direis, enfim, que Cristo, Filho de Deus, desceu à terra, para melhorar o

homem e a sociedade, para redimi-los ao preço de seu sangue. A palavra de

221

Cristo é a Verdade. O homem não poderá se separar de Cristo, a menos que

deseje trair sua origem, negando uma parte de sua personalidade.

Realizou concurso para a Justiça Militar do Estado do Rio Grande do

Sul alcançando o posto Juiz Auditor, passando anos mais tarde a Juiz Togado.

No dia 8 de dezembro de 1971, foi inaugurada nos jardins da Cidade

Universitária, a herma do Irmão Afonso, obra do escultor Ari Cavalcanti, de

Caxias do Sul. O Prof. Irmão Félix Roberto (Robertão) arrecadou entre os ex-

alunos o dinheiro necessário ao pagamento dos trabalhos do artista. O prof.

Antonio César Alves, Diretor da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas,

realizou belíssima peça oratória exaltando a figura ímpar e imorredoura

do mestre, fundador da Universidade, Prof. Irmão Afonso, falecido no dia

10 de junho de 1970.

Aqui se reproduz o último parágrafo veemente e saudoso do discurso:

“Intérprete dos antigos e admiradores do Irmão Afonso, de seus antigos

alunos e de seus irmãos de hábito, quiseram perpetuar no bronze, trabalhado

pelo escultor Ari Cavalcanti, o busto daquele que honrou o magistério, deu

exemplo de uma vida santa, foi líder inconteste de gerações, conduziu sua

Congregação ao exercício do magistério religioso onde quer que suas

necessidades se faziam sentir, por entender, que assim agindo prestigiava a

Santa Igreja nas suas legítimas preocupações de transmissão da mensagem

salvadora. Quiseram a Pontifícia Universidade Católica, seus amigos e

admiradores perpetuar no bronze à veneração dos pósteros, o busto de um

homem providencial, que foi fiel a seus votos religiosos, fiel a sua missão, fiel a

sua Congregação e a quem ficam a dever os benefícios de sua obra a

sociedade e a Pátria, que nesta hora se inclinam em sinal de reverência e em

preito de gratidão a seu grande benfeitor.”

Naquela época a Faculdade tinha 131 professores e 22 alunos,

distribuídos em 31 turmas.

Em 1987, ao celebrar-se o 1º centenário de nascimento de Charles

Désiré-Joseph Herbaux (Irmão Afonso), os Irmãos Roque Maria, Faustino João

222

e Elvo Clemente escreveram-lhe a biografia. Era evidente que a pessoa mais

indicada para fazer-lhe o prefácio fosse Antonio César Alves, o discípulo dos

anos de 1930. Nas páginas escritas conta todo o tirocínio de uma vida dedicada

à juventude, ao ensino, à cultura, à ciência e à evangelização.

Destacam-se a seguir dois parágrafos do extenso prefácio, verdadeiro

hino de amor, de gratidão de uma grande alma ao grande mestre Irmão Afonso.

“Por maior que seja minha intenção de limitar-me a dizer apenas

palavras de introdução à biografia do irmão Afonso, com objetividade e isenção,

creio que não me será possível fugir ao papel de testemunho, roborando fatos e

apreciações sobre este notável educador. Tantas e por tantos anos foram

minhas vinculações com ele nas áreas do apostolado, do magistério e da

administração, que até hoje perduram indeléveis em mim os mesmos

sentimentos de respeito, de afeto e admiração que sempre lhe dediquei.

Escrever a página prefacial de sua biografia era hipótese que estava

longe da minha imaginação. Considero minha escolha como mais um ato de

fidalga benevolência dos caros Irmãos Maristas, a cuja Congregação muito

devo de minha formação e de minha realização no campo do ensino superior,

do que resultou, por certo, amiga convivência por toda a vida.”

Voltando ao relato da biografia do educador, do jurista, do

administrador, vê-se seu grande afã em auxiliar os outros, apesar dele viver

solitário. Por volta de 1970, decidiu casar-se com Dona Zaida Regis. O

Arcebispo Dom Vicente Scherer fez questão de abençoar o novo lar.

A sua vida agora a dois tornou-se mais calma, mais dada a leituras, ao

lazer, em sua nova residência na Av. Carlos Gomes.

Aos poucos vieram as aposentadorias da Justiça Militar e da

Universidade. Entregava-se com mais tranqüilidade à intimidade do lar,

recebendo visitas de parentes, amigos e ex-alunos. A saúde ia-se alterando

com os problemas de idade e da vida sedentária.

223

Em seus breves passeios na calçada da Avenida foi atingido por um

ciclista distraído. Derrubado e quebrado foi levado ao hospital, após longos dias

de sofrimento e de tratamento recompôs sua rotina diária.

Fiel às leituras, à meditação, sabia viver seus grandes

momentos de transcendência.

A saúde deteriorou-se e veio a falecer no dia 14 de agosto de 1989,

contava 75 anos e dois meses.

As exéquias tiveram grande acompanhamento de autoridades da

Universidade, do governo do Estado, de parentes e amigos.

Antonio César Alves. bela vida, espargindo bondade, cumpriu o

bom combate, guardou a fé. Deixou em todos nós a saudade e a

esperança do reencontro.

224

IR. DIONÍSIO FUERTES ÁLVAREZ

Irmão Dionísio Fuertes Álvarez, filho de Agustin Fuertes e de Rosália

Alvarez, nasceu em León (Espanha) a 28 de março de 1913.

Ir. Dionísio Fuertes Álvarez

Entrou no juvenato em Venta de Baños, em 1925 indo dois anos depois

para Grugliasco (Turim) onde concluiu os estudos secundários, programa

francês. No dia 15/08/30 começava o Noviciado em Santa Maria, perto de

Turim, emitindo ano depois os primeiros votos. Foi enviado à Província do Brasil

Meridional no ano de 1930. Começou a trabalhar no Colégio N.S. do Rosário

em 1931, dando aula aos pequenos, passando depois ao colégio. De 1934 a 38

esteve em Garibaldi no Instituto Santo Antonio. Ministrava as aulas do Curso de

Técnico de Contabilidade, movimentava a banda, criava o coral. Era entusiasta

e semeador de entusiasmo. Em 1939 esteve no Colégio São Francisco (Rio

Grande) prosseguindo no Curso de Técnico de Contabilidade. Era a pessoa que

movimentava a comunidade e os alunos maiores dando-lhes lições de oratória e

de canto. Em 1940 encontramo-lo no Colégio Santana de Uruguaiana onde

prosseguiu sua maneira de ser e de agir: vibrante amador da natureza, da

225

campanha, eram memoráveis os passeios e as pescarias. Com os alunos era o

grande incentivador. Em 1941 começou os estudos na Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras. Fez o Curso de Letras neolatinas de maneira brilhante, ao

mesmo tempo mantinha horário completo de aulas pela manhã, cinco horas...

Quatro anos depois era professor de Língua Espanhola, substituindo

Frei Amador, Carmelita Descalço, colega de Frei Otávio.

Mais e mais compromissos o ligavam aos cursos da Universidade. Além

da Língua Espanhola e respectiva literatura, ministrou aulas de Introdução à

Filosofia nos Cursos da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, Didática

Geral e Didática especial. Em 1945, entusiasta como sempre criou com o Irmão

Liberato, o Clube de Línguas Vivas. Eram reuniões em que cada grupo falava

e cantava numa das línguas que estudava. Reuniam-se as Neolatinas com as

Anglo-germânicas. Em 1956, o Clube de Línguas dava um passo em frente —

fundava o Coral da PUCRS, que se desenvolveu com o Irmão Fidêncio (Ernesto

Dewes). Pouco depois começaram as apresentações das óperas. Além de tudo

o Irmão Dionísio assumiu, depois do Irmão Salústio (Waldemar Colvero) a

Biblioteca Central. Em 1956 junto com o Irmão Faustino, com Hugo Di Primio

Paz e com Altair de Lemos fundou o Instituto de Cultura Hispânica. Anos depois

constituiu-se em setor da Universidade.

O Irmão Dionísio despendeu o melhor de suas forças nos 30 anos para

engrandecimento do Instituto com os Cursos de Língua e Cultura de Espanha.

Na Biblioteca Central o seu trabalho foi enorme, nos 20 anos de diretor,

desde a proposta da arquitetura do prédio até a organização dos livros,

antes da informatização.

Continuaram suas aulas na Universidade diminuindo os títulos,

mantendo, porém, a Cultura Hispânica até abril do ano 2000.

A pertinaz doença vinha-lhe minando a cabeça há uns três anos,

resguardando-se com pequenas cirurgias. Os cânceres da pele da superfície

penetraram e ali começou o longo purgatório. Entregou a sua bela alma a Deus

na madrugada do dia 21 de julho, na Casa de Repouso São José. As exéquias

226

foram celebradas à tarde do mesmo dia, com missa de corpo presente e

inumação no Cemitério da Comunidade.

Descrever uma vida de 87 anos em poucas linhas é um atrevimento

inaudito, que meu amigo saberá perdoar-me, lá do céu, onde repousa na

eterna felicidade.

Procurarei sintetizar os aspectos marcantes desta vida exemplar.

Irmão Dionísio Fuertes Alvarez teve os traços distintivos:

1 − Homem de oração. A sua fidelidade às orações comunitárias, até o

dia 16 de junho, véspera de ir a Viamão, compareceu à reza de Laudes

e da Santa Missa.

2 − Homem de Cultura profunda. O seu amor à leitura era

extraordinário. Os livros lidos num ano chegavam mais de uma centena.

Cultura vasta não se restringia ao campo das Letras, caminhava seguro

na Filosofia e nas Ciências, em geral.

3 − Homem avaro do tempo. Sabia aproveitar de todos os minutos

para se instruir pela leitura, pelo estudo, pela meditação.

4 − Escritor e Poeta. Quanto escreveu este homem além da tese de

Doutoramento? Núcleo mínimo da expressão lingüística, em 1954. Em

1956 — Poesía y Belleza para o concurso de cátedra. Mais notáveis

são os livros de poemas: Casa Dourada (as ladainhas de Nossa

Senhora, 1961); Terra habitada, 1958; Escuro labirinto, 1972; Salmos

do Silêncio, 1957; O Espelho e a Face, 1960. Pelos méritos literários foi

eleito e recebido na Academia Rio-Grandense de Letras em 1968, tendo como patrono — Lobo da Costa.

5 − Amigo sincero e marista de escol. Outra face do Irmão Dionísio

era a amizade sincera com os Irmãos e outras pessoas. Acima de todos

e de tudo estava a comunidade marista.

Hoje, nesta pequena homenagem recordamos o coirmão que deu a sua

vida a Jesus por Maria na Congregação, serviu inteiramente a comunidade em

seus 70 anos de vida religiosa!

227

Belo testemunho é dado pelo Prof. Irmão Nilo Berto:

“Era dotado de raros dons: prodigiosa memória, senso artístico,

inspiração poética, veio ,nusical. Compôs numerosos cantos para os alunos

(música e versos), cantados durante décadas nos colégios”.

Quero destacar a sua função de pilar na estruturação da Universidade

por sua paixão incorrigível pelos livros, na organização e desenvolvimento da

Biblioteca Central.

Biblioteca Central

A força de uma Universidade é, sem dúvida, a Biblioteca, que foi chamada

outrora: o repositório dos tesouros da alma, entre os assírios e babilônios.

Irmão Dionísio era homem de visão, de planos e de realizações.

Nomeado Diretor da Biblioteca, em 1950, estava situada no 3º andar do

prédio que se levanta na esquina Av. Independência/Praça Dom Sebastião.

Era um salão de algumas dezenas de metros quadrados. Irmão Dionísio

sucedeu ao Irmão Salústio (Waldemar Colvero). Os livros chegavam a vários

milheiros. Eram poucos para o número de estudantes e de cursos que iam

aumentando ano a ano.

A Biblioteca contava, em 1953, 14066 obras em que sobressaíam as

obras de Literatura, Ciências Sociais, Geografia e História e Ciências puras. O

movimento de consultas atingiu um total de 4.027. A matrícula dos alunos

atingiu o número de 1225.

Os horários de atendimento aos consulentes eram de manhã: das 8h às

11h30min, de tarde: das 14h às 18h45min: de noite: das 20h às 22h.

O Irmão Dionísio visitou bibliotecas da França, da Espanha e do Rio de

Janeiro e de São Paulo, dessa investigação sobre organização do acervo de

livros e de classificação, resolveu ele mesmo realizar a Classificação Decimal

de Dewey, que continua até o presente, porém, informatizada.

228

Em 1968, houve o traslado para a Cidade Universitária: O prédio da

Reitoria, recebeu os livros no 2° piso. Ali, o Irmão Dionísio criou nova

organização, com o espaço mais amplo.

Durante 10 anos, alunos e professores buscavam seus horários de

leituras e consultas nesse local.

Em 1975, houve estudo de melhor estrutura de prédio para a Biblioteca

Central, com visitas a locais já consagrados. Irmão Dionísio Fuertes Alvarez

com o Arq° José Guilherme Piccoli foram planejando o prédio da Biblioteca.

Deveria ter amplos corredores com sabor dos claustros medievais. O Reitor

Irmão José Otão, engenheiro, bastante combalido na saúde acompanhava o

desenrolar do projeto. Com o esforço e operosidade do Irmão Valério (Thealmo

Hennemann) os fundamentos, os pilares e as paredes foram-se erguendo,

formando três amplos pisos com 10.000 m2.

No dia 28 de novembro de 1978, o Ministro da Educação e Cultura,

Prof. Dr. Euro Brandão inaugurou a Biblioteca Central consagrando-a com o

nome de Irmão José Otão. Participaram da solenidade o Reitor interino Prof.

Irmão Liberato, o Reitor Honero Só Jobim e o Vice-Reitor, Prof. Mario Rigatto da

UFRGS, pró-Reitores, Diretores e professores.

O Irmão Dionísio, Diretor, sentiu-se realizado pela inauguração do

prédio que lhe permitia organizar a Biblioteca conforme os seus sonhos.

Era coadjuvado pelo Conselho Diretor constituído pelos professores:

Alfredo Steinbruch, Ir. Elvo Clemente, Braz Augusto Aquino Brancato e

Fernando Severo Recena.

Figura importante pelo trabalho e pelo senso de organização era

Alberto Aveiro de Campos. Pessoa conhecedora das várias tarefas de uma

biblioteca: encadernações, restauração e empréstimos, soube ser o braço

direito na administração. Outra coisa importante de Campinhos era o seu amor

à Literatura sul-riograndense. Soube organizar o setor especializado de autores

do Rio Grande do Sul.

229

O trabalho do final do ano de 1978 e começo de 1979 foi enorme na

compra de estantes metálicas, a montagem e organização dos espaços.

No final do ano de 1981, o Prof. Irmão Dionísio Fuertes Alvarez foi

nomeado Diretor honorário e o Prof. Aureliano Calvo Hernández Diretor efetivo.

Em 1981, último ano da gestão do Irmão Dionísio, a Biblioteca teve o

colaborador Alberto Aveiro de Campos com 42 funcionários. O número de

usuários foi de 234.684. As consultas externas chegaram a 34.651 e as

internas a 148.973.

Durante o ano foram incorporados 7.560 obras novas. O acervo total

era de 197.842 volumes, em fins de 1981.

Irmão Dionísio em seus 30 anos de labor ininterrupto colocou a

Biblioteca Central entre as maiores e melhores bibliotecas universitárias do

país. A sua dedicação diuturna viu com alegria a Biblioteca crescendo e se

aperfeiçoando até a sua informatização pioneira pelo software ALEPH, na

gestão do Prof. César Augusto Mazzillo, em 1993.

Instituto de Cultura Hispânica

Outra paixão cultural do Irmão Dionísio foi o Instituto de Cultura

Hispânica cuja administração em 1979 era assim formada: Presidente: Prof.

Ir. Dionísio Fuertes Álvarez; Vice-Presidente Administrativo: Dr. Antônio

Antonacci Rebello; Vice-Presidente Cultural: Prof. Ir. Elvo Clemente; Vice-

Presidente Social: Sra. Olímpia Rodriguez de Raya; Secretário: Prof.

Aureliano Calvo Hemandez; Tesoureiro: Sr. Alberto Aveiro de Campos;

Assessor Jurídico: Dr. Altair de Lemos; Assessora de Divulgação: Sra. Leda

Einloft; Representante do Consulado da Espanha: Vice-Cônsul Álvaro Raya

Ibànez; Representante da PUCRS: Ir. Faustino João; Representante da

Casa de Espanha: Dr. Francisco Rozado Rivero; Conselheiros: Doutores:

Aldo Einloft, Celso Alcaraz Gomes, Earle Diniz Moreira, Élbio Gomez

Moraes, Francisco Juruena, João Borges Fortes, José Figueras Filho,

230

Oswaldo Dick, José Oliveira Santiago e Pedro Câncio da Silva. Secretária e

encarregada da Biblioteca: Beatriz Araújo Moreira Silva.

Desde 1972, quando o Irmão Dionísio assumiu a presidência do ICH,

o Reitor Irmão José Otão colocou à disposição todo o segundo piso do

prédio 3, onde funciona o Restaurante Universitário e o Curso de Pós-

Graduação de História.

Foi construído amplo salão de atos, salas para a Biblioteca

especializada com livros, video-cassetes, diapositivos, CD’s e filmes, salas para

as aulas de língua, literatura e cultura espanholas.

Anos depois o ICH instalou potente antena parabólica a serviço das

aulas e investigações dos professores.

As atividades principais desenvolvidas pela administração de 1979,

modificada nos anos seguintes por falecimentos e mudanças de domicílio, até

1998 são: a realização de cursos de temas diversos: conferências, simpósios,

ou seminários de temas espanhóis; exposições de arte; excursões culturais e

turísticas; recepções a visitantes ilustres da literatura e da filosofia de Espanha;

o uso da biblioteca, da discoteca e videoteca pelos sócios, professores e

alunos; celebrações de festas nacionais e de efemérides de grandes nomes da

história e das letras espanholas.

No decorrer de suas quatro décadas de existência, o Instituto de

Cultura Hispânica é o único centro que se manteve fiel aos propósitos de seus

fundadores de 23 de abril de 1956. Em 1998 a Diretoria era assim constituída:

Presidente: Prof. Ir. Dionísio Fuertes Alvarez; Vice-Presidente

Administrativo: Prof. Ir. Mainar Longhi; Vice-Presidente Cultural: Prof. Ir. Elvo

Clemente; Secretária: Profª Beatriz Araújo Moreira da Silva; Tesoureiro: Prof. ir.

Mainar Longhi; Representante da Reitoria: Prof. Ir. Faustino João;

Representante do Consulado da Espanha: Sr. Luis Abiega; Consultor Jurídico:

Dr. Altair de Lemos.

Conselheiros: Dr. Celso Alcaraz Gomes, Prof. Earle Diniz Macarthy

Moreira, Felipe Dios González, Emílio de La Puerta Garvin, Prof. Jaime Parera

231

Rebello, Dr. João Borges Fortes, Prof. Ir. Joaquim Clotet, Dr. José Elbio Gomes

Moraes, Juan Felix Garcés Rubo, Laureano Rodriguez Diaz, Prof. Pedro Cancio

da Silva, Prof. Pedro Miguel Cinel e Prof. Volnyr da Silva Santos.

232

IRMÃO FAUSTINO JOÃO

- SALOMÓN TORRECILLA

Quintanilha San Garcia

A história da vila se reflete na vida dos seus habitantes. Salomón, filho

de Faustino João Torrecilla e de Venância Vesga, nascido no dia 21 de outubro

de 1908 tem dentro de si a saga e a valentia da Villa de Quintanilla San García.

Pequeno povoado com dois mil anos de história, situado na estrada Briviesca —

Cerezo do rio Tirón está a 40 km de Burgos e a 10 km de Briviesca, com 500

habitantes. Em sua história bimilenar teve heróis e santos entre os quais

sobressai o santo abade — García. Viveu na época de São Domingos de Silos,

de Cid Campeador, de Pedro Bermúdez, de Iñigo de Oña, forjadores de

Castela. Gonzalo de Berceo dedica ao santo a estrofe:

“Avia y un Abbad Santo, servo del Criador,

Don GARCIA por nombre, de bondad amador:

Era del Monesterio Cabdiello et sennor,

La grey demonstraba qual era el Pastor...”

Preparando a missão

Na Igreja do santo recebeu o batismo o recém-nascido Salomón. À

sombra de sua proteção foi crescendo entre os irmãos e os colegas da escola

primária. Cedo enveredou para o juvenato marista de Arceniega onde

completou o curso primário. Aos quatorze anos recebeu o convite para realizar

o curso secundário na Itália, no juvenato São Francisco Xavier, em Grugliasco

(Turim). Sua alma aberta aos amplos horizontes aderiu ao ideal missionário.

Deixou Quintanilia San Garcia e foi além dos Pirineus ao pé dos Alpes, sempre

perto das grandes montanhas. Convite e destino das alturas e das distâncias.

233

Ir. Faustino João

Após a expulsão dos religiosos da França, em 1900, sob o império da

lei de Combes, os Irmãos Maristas se estabeleceram em Grugliasco, pequena

cidade perto da metrópole dos Alpes. Os Maristas até 1900 estavam em grande

maioria circunscritos ao território francês. A diáspora providencial os envia aos

quadrantes do mundo. O irmão Teofânio, superior geral, teve a idéia genial de

estabelecer uma casa de formação para missões sob a tutela do grande

missionário das Índias — Francisco Xavier.

Salomón Torrecilla com várias dezenas de colegas da Espanha, da

França, da Alemanha, da Bélgica, da Itália freqüenta o Curso secundário dentro

dos moldes e currículos da Escola Normal Francesa baccalauréat français.

Foram cinco anos de estudo e de aprofundamento constante na vida religiosa

marista. Depois seguiram-se os anos de noviciado 1926 e 27, no Remitaggio

Santa Maria, perto dos cimos da Superga dominando toda a planície turinese. O

jovem aperfeiçoa os ideais religiosos e vai alimentando a sede e a fome das

distâncias missionárias. Terminado o noviciado no dia 15 de agosto de 1927,

Irmão Faustino João é destinado pelo Irmão Diógenes, superior geral, para a

Província do Brasil Meridional. Passou algumas semanas junto com pais e

234

irmãos na saudosa vila Quintanilia san García. Depois a longa viagem pelo mar-

oceano até chegar a Porto Alegre no dia 27 de setembro de 1927.

Ei-lo em Porto Alegre, no Colégio Nossa Senhora do Rosário, sob a

direção do incansável, clarividente educador, Irmão Afonso.

Professor e Estudante

Poucas vezes na história de um religioso se registra a sua permanência

numa só comunidade ou numa única cidade. Irmão Faustino chega a Porto

Alegre em 1927, em 2000 com 92 anos, ainda vive e trabalha na Cidade

Sorriso, às margens do Guaíba. O Colégio Nossa Senhora do Rosário

inaugurara havia pouco a sede na Av. Independência, 359, deixando as

instalações do antigo seminário, hoje Cúria Metropolitana, à Rua Espírito Santo

n° 95. Ali nas diversas casas muito havia que fazer. O jovem de 19 anos cheio

de entusiasmo, deveu aprender a Língua Portuguesa. Como falasse bem o

francês e o espanhol foi-lhe relativamente fácil a aprendizagem. Em março de

1928 adentrava nas aulas do Curso Primário, com numerosos meninos. As

aulas corriam tranqüilas, ativas e interessantes de manhã e à tarde. Ensino do

catecismo, da leitura, da Caligrafia, da História, Geografia do Brasil e Educação

Moral e Cívica, Canto e Música. Belas recordações daqueles anos, quer para os

alunos quer para o mestre!

A partir de 1931 iniciou o ensino no Ginásio, Colégio e Escola

Superior de Comércio.

O Diretor, Irmão Afonso, era o dínamo propulsor do grande educandário

com numerosos internos e externos. Irmão Faustino sentia e vivia de perto os

projetos do Fundador da Escola Superior do Comércio que seria o embrião da

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Com todo o dia ocupado em sala de aula destinava parte do horário

noturno a seu aprimoramento científico, cultural, frequentando a Escola

Superior de Comércio de 1930 a 1932 e a seguir de 1934 a 1937 a Faculdade

de Ciências Políticas e Econômicas, conquistando dois diplomas superiores. O

235

ciclo regular de formação culminaria com a apresentação de tese em Ciências

Econômicas em 1938. Depois seguiram-se os anos de estudos, de pesquisas

pessoais quer na ampliação de conhecimentos, quer na preparação de aulas

de várias disciplinas.

Professor Universitário

Além de continuar a lecionar no Colégio Rosário, iniciou em 1942 o

magistério nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras e Ciências Políticas e

Econômicas. Naqueles tempos o ensino universitário, pela escassez de

mestres, cada professor lecionava mais de uma disciplina. Irmão Faustino

ministrou de maneira sucessiva ou concomitante, as disciplinas: Estatística

Educacional, Metodologia das Ciências Sociais, Administração Educacional,

Economia Política, Valor e formação de preços, História das Doutrinas

Econômicas, Estrutura e Funcionamento do Ensino Universitário. Em sua

atividade docente não entrava em sala de aula sem o ponto bem preparado:

resumo, exercícios, tudo previsto. Alunos recordam o mestre cumpridor, severo,

compreensivo e amigo.

Empreendedor e silencioso

Um grande homem idealizador, organizador e fundador tem a seu lado

outra pessoa ou equipe. Irmão Afonso desde os labores do empreendimento

universitário teve a seu lado o Irmão Faustino, secretário, pessoa encarregada

de levar adiante os planos, junto com os construtores da primeira hora: Eloy

José da Rocha, Salomão Pires Abrahão e Elpídio Ferreira Paes. Enquanto a

equipe afrontava as dificuldades de toda ordem o Irmão Faustino agia na

sombra, fortalecendo os alicerces. Parecia que obedecesse ao lema da

Sociedade de Maria: “Ignoti et occulti”.

Isso ocorreu na estruturação da Faculdade de Ciências Políticas e

Econômicas, mais evidente e ativa foi a sua ação na modelação da Faculdade

236

de Educação, Ciências e Letras que depois passaria a ser Faculdade de

Filosofia. Assim também surgiu em 1945 a Faculdade de Serviço Social, última

a ser ordenada pelo emérito educador Irmão Afonso. As outras unidades

acadêmicas todas tiveram na pessoa do Irmão Faustino o empreendedor

silencioso e eficiente. Outros apareciam e trabalhavam à luz do dia, ele

trabalhava na sombra. Em meados da década de 1940 e nas subseqüêntes

sobressai a figura do Irmão José Otão que regeria os destinos da Universidade

de 1954 a maio de 1978.

Irmão Faustino esteve presente e atuante na concretização da

Faculdade de Direito, na estruturação do Curso de Jornalismo, atual Faculdade

dos Meios de Comunicação Social. O trabalho para equiparação da

Universidade até o coroamento pelo Decreto n° 25.794/48, em 1948. E, 1950

após muitos esforços viria o título de Pontifícia, no dia 1º de novembro com a

chancela do Papa Pio XII. A floração de cursos e unidades acadêmicas

mereceu os suores, as preocupações e andanças do Irmão Faustino. Nos dias

de crise e nas horas tumultuadas sempre presente, sempre ativo, sereno,

enérgico defensor dos direitos e da melhoria de qualidade de ensino, de

pesquisa e de organização. As várias reformas do Estado e do Regimento

mereceram-lhe com o Irmão Liberato e outros professores cuidados especiais

para que a PUCRS tomasse a dianteira dos cursos e da eficiência no ensino. O

Doutorado em Educação saiu de suas mãos nos anos em que foi diretor da

Faculdade de Educação. Nestes 50 anos de Universidade Irmão Faustino foi

pIanejador, empreendedor e consolidador da grande Instituição de Pesquisa,

Ensino e Extensão.

Outras instituições tiveram a mão firme e clarividente do Irmão

Faustino: Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras — Marcelino Champagnat

(Porto Alegre); Santa Cruz do Sul, Pelotas, Uruguaiana, Santa Maria e Caxias

do Sul. Em 1992, é nomeado pela Assembléia dos Reitores do Peru, presidente

da Comissão organizadora da Universidade Marcelino Champagnat, de Lima.

237

Publicações

No campo das publicações, Irmão Faustino desde o começo da

Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas preocupou-se com os ANAIS.

De igual modo aconteceu com a Faculdade de Filosofia na edição dos ANAIS.

Em 1955 surgiu a Revista VERITAS e em decorrência aparecia o ANUÁRIO.

reunindo as crônicas da Universidade, seus cursos, corpo docente e corpo

discente. VERITAS e ANUÁRIO, continuam a trajetória de preservar a história,

os fatos e a produção científica e filosófica. Mais adiante surgiram outros

periódicos: Letras de Hoje, Educação, Estudos Ibero-americanos e outros. É co-

autor dos 3 volumes da História da PUCRS com o Irmão Elvo Clemente.

Em 1998 publicou pela EDIPUCRS: PENSAMENTOS de Marcelino

Champagnat.

História viva

Irmão Faustino é repositório vivo da história da PUCRS desde os

primórdios 1929 até hoje. A memória extraordinária e lúcida guarda os fatos o

nome e as atuações das pessoas na origem e na constituição das unidades e

setores acadêmicos. Além de memória proverbial o Irmão Faustino possui o

senso de ordem, de preservação e de conservação dos documentos e de tudo

quanto possa servir para o historiador. Volumes encadernados guardam papéis,

cartas, recortes de jornais, com notas e notícias referentes à vida da

Universidade.

O Apóstolo

A vocação missionária levou o Irmão Faustino a deixar Castela e vir

para o Rio Grande para entregar-se de corpo e alma à educação cristã no

Instituto dos Irmãos Maristas. Desde os primeiros dias de sua chegada

distribuiu o pão da doutrina às crianças do curso primário, depois continuou a

tarefa no ensino médio e superior. Perseguiu sempre o ideal que levou o irmão

238

Afonso e os paladinos fundadores da Universidade a formarem “bons cristãos e

honestos cidadãos” nas diversas carreiras liberais: economistas, bacharéis,

assistentes sociais e especialmente professores. É lembrada a ação do Irmão

Faustino na batalha pela Lei de Diretrizes e Bases de 1942 em que se

defrontaram ideais pedagógicos tão adversos — ensino laicizante e o ensino

católico e confessional. A atuação da Associação de Educação Católica (AEC)

teve marcas indeléveis no Brasil e no Rio Grande graças à atitude do Irmão

Faustino. Os próceres do ensino leigo Anísio Teixeira e Lourenço Filho se

notabilizaram com a Escola Nova.

O Irmão Marista

Irmão Faustino é sempre por toda a parte, em todas as circunstâncias,

o devotado e fiel discípulo de Marcelino Champagnat. Dificuldades, oposições e

problemas não o desviaram da rota da vocação e da espiritualidade marista.

Dedicado membro das comunidades em que viveu nestes 73 anos, modelo de

vida comunitária, estímulo aos coirmãos tanto nos exercícios de piedade como

no desempenho das tarefas de cada dia. Sempre atento ao bem dos outros e

ao bom andamento da comunidade, não poupou e não poupa sacrifícios para

que todos estejam satisfeitos. Embora ocupasse as funções de superior de

comunidade apenas durante seis anos sempre foi força integradora entre os

coirmãos. Sabe ser, no dizer do Apóstolo Paulo: “Tudo para todos”.

Incansável no trabalho, apesar dos 92 anos sempre tem uma ocupação útil

para os outros. A sua vida marista cumpriu e cumpre o lema de São Bento

“ORA et LABORA” bem como as palavras do Irmão Weibert (fundador da obra

marista no Rio Grande do Sul): “Pouco, bem e sempre”. O verdadeiro irmão

marista é o religioso, verdadeiro devoto de Nossa Senhora. Maria Santíssima

lhe iluminou os passos ao sair de Quintanilla San García, ao deixar pais e a

pátria em 1927. Sempre esteve e está presente em todos os

empreendimentos e em todas as horas.

239

O Consolidador

Filho da gloriosa Castela, da Villa Quintanilla San Garcia hauriu a força

daquela brava gente e levou adiante o grande sonho da Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul do Irmão Afonso, do Irmão José Otão e do Irmão

Norberto Francisco Rauch e da plêiade de denodados colaboradores. Nestes 73

anos, Irmão Faustino João — Salomón Torrecilla Vesga — foi batalhador

incansável, não medindo fadigas, para abrir novas possibilidades à investigação

científica e literária, ao ensino e à extensão universitária.

Irmão Faustino, aos 80 anos saudado por Eloy José da Rocha e Francisco Juruena

No patamar de sua existência vê o labor florescendo em tantas

iniciativas e tantos projetos para o avanço da ciência e da cultura para o bem de

tantas pessoas que buscam na Universidade a habilitação para funções que

redundem em benefício das pessoas e da sociedade e da pátria, na luz de Deus

e na proteção de Nossa Senhora.

Luzes do entardecer

No dia 21 de outubro de 1998, ao completar 90 anos de idade, no salão

nobre da Reitoria, às 17h, o Cônsul geral de Espanha, Sr. Ramón Alvarez-

240

Nóvoa entregou ao Irmão Faustino João, a ENCOMIENDA de NÚMERO de la

Ordem de Isabel la católica. A homenagem é concedida a personalidades que

se dedicam à divulgação da língua e cultura espanholas. Após a execução dos

hinos do Brasil e da Espanha o Cônsul saudou o homenageado com

emocionante discurso abaixo transcrito:

“Encontro-me hoje aqui, com a grata satisfação de conferir uma das

mais prestigiosas condecorações previstas no regulamento espanhol para

premiar as condutas mais honrosas e os comportamentos mais exemplares: “La

Ordem de Isabel la Católica”.

Dentre os muitos anos de carreira diplomática em que tive a honra de

conferir a cidadãos espanhóis e estrangeiros, condecorações de todo tipo, é

portanto, a de hoje, por sua relevância excepcional, a de mais elevado mérito

que, em nome de S. M. o Rei da Espanha, me é dada a missão de conferir.

Segundo dizem e pude comprovar, no Brasil e em Portugal, países sem

dúvida com generosidade maior que a nossa na concessão de tratamento de

cortesia, a utilização de ilustríssimo Senhor faz-se relativamente freqüente na vida

social cotidiana. Creiam-me, no entanto, que na Espanha e na mente dos que na

época instituíram a Ordem, a reserva desse tratamento aos Comendadores de

Número foi concebida como uma mui alta e especial distinção.

Senhor Reitor, Ilustríssimo Senhor Comendador de Número, é para

mim um imenso prazer e uma grande honra conferir esta condecoração ao

Irmão Faustino João. Honra e prazer que resultam hoje ademais, multiplicados

por três, pelos seguintes motivos:

O primeiro deles, como não poderia ser de outra forma, vem dado

pela singular personalidade de seu destinatário, o emérito Professor Irmão

Faustino João.

Não é o momento, já o fez ademais muito melhor do que eu, com

sua brilhante oratória, o Irmão Elvo Clemente, de fazer o panegírico do

Irmão Faustino. Basta-me dizer que se alguma vez a entrega desta altíssima

241

distinção encontrou-se justificada de uma forma quase paradigmática, esta e

não outra é a oportunidade.

O motivo pelo qual a condecoração leva o nome da Rainha Católica (a

cuja política e auxílios deveu-se à gesta mais importante, sem dúvida, da

história da humanidade: o encontro com as Américas), e sobretudo, para

significar que com ela quer-se premiar os méritos mais eminentes contraídos no

fomento das relações entre a Espanha e este grande continente. Os mais de 70

anos do Irmão Faustino no Brasil e em Porto Alegre, e seu brilhantíssimo e

abnegado labor em favor da Educação e da Cultura durante todo esse tempo,

convertem-no, repito, em um dos mais merecedores destinatários da Ordem.

Não é, pois, somente o Irmão Faustino o honrado pela condecoração, é

o país que a concede, Espanha, e a própria Ordem de Isabel a católica, que

resultam igualmente dignificados em poder tê-lo entre seus membros.

Senhor Reitor, o segundo motivo de minha grande satisfação por estar

neste ato não é outro senão o local para sua realização: esta prestigiosa

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Esta importante

instituição, à qual o Consulado Geral da Espanha em Porto Alegre está unido

por mui estreitos laços de amizade e cooperação e que, além do mais, há

muitos anos acolhe em seu âmago o Instituto de Cultura Hispânica.

Permitam-me, por favor, neste ponto, fazer um pequeno inciso para

render homenagem também a outro notável espanhol que junto com o Irmão

Faustino, foi e é o primeiro inspirador e o incansável executor de tão meritório

labor do Instituto, seu Diretor, o admirado e querido Irmão Dionísio Fuertes Álvarez.

Senhor reitor, o terceiro e não menos importante motivo, “the last but

not time least”, dizem os ingleses, do mui especial significado que para mim tem

o ato de hoje, é de um caráter menos oficial e muito mais íntimo e entranhável:

Vou conferir esta alta condecoração a um Irmão Marista.

Os dez anos de minha infância e adolescência como aluno do Colégio

dos Irmãos Marisas de minha cidade natal, estão neste momento, rodeado por

todos os senhores, extraordinariamente presentes. O menino que fui e que de

242

alguma forma ainda perdura em meu interior, não pode evitar de associar hoje

os luminosos 90 anos do Irmão Faustino (Parabéns, Irmão!), com os daqueles

queridos mestres que sem dúvida hoje teriam uma idade semelhante.

Eles dirigiam e conduziam pela mão aquele menino durante todos

aqueles anos, na abnegada, paciente e incansável intenção (temo, que não

sempre coroada pelo êxito), de converter aquele rapaz em um cidadão

responsável e em um ser humano melhor.

Permita-me, Excelentíssimo e Magnífico Senhor Reitor, permita-me,

Ilustríssimno Senhor Comendador de Número, permitam-me, por favor, todos os

senhores, que estas minhas última palavras sejam em homenagem e

agradecimento àqueles Irmãos.”

O caminho dos anos é sempre cheio de surpresas agradáveis ou

menos agradáveis. A saúde vai diminuindo o impulso vital apesar da vontade

heróica de resistir. Irmão Faustino vem resistindo impávido na vontade mas

limitado pela senetude. A sua convivência sempre amena em companhia dos

confrades ou com outras pessoas, ex-alunos e amigos. Aos poucos, porém, os

achaques e outras limitações exigiram que o superior provincial o convidasse a

viver na Casa de Repouso São José, em Viamão.

Tudo disposto, tudo combinado o Irmão Faustino foi transferido numa

manhã fria e chuvosa de sexta-feira, dia 16 de junho de 2000.

Na Casa São João junto com outros Irmãos idosos ou enfermos, Irmão

Faustino passa os dias na oração, em passeios pelo jardim, na conversa com

os coirmãos ou com os amigos que o visitam.

Em sua idade de 92 anos, é sempre o mesmo cedro que não se dobra,

que se mostra valente, que se entusiasma com as boas notícias da

Universidade que ele tanto ajudou a construir.

243

BIBLIOGRAFIA

ANUÁRIO da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, anos

1948, 1949, 1950 e segs.

ANUÁRIO da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, anos

1952, 1953, 1954, 1955. Porto Alegre.

ANUÁRIO da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,

EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999.

ANUÁRIO da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande dos Sul dos anos

1951, 1952 e 1972.

ANUÁRIO da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1971.

CLEMENTE, Elvo e João Faustino. História da PUCRS, Vol. II, 1951 — 1978,

EDIPUCRS, 1997.

DE BONI, Luís (org). Armando Câmara — obras escolhidas. Pensadores

Gaúchos — 1, EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999.

ENRICONE, Délcia (org.) Educação, vivências e Projetos. EDIPUCRS, Porto

Alegre, 1993.

HASTENTEUFEL, Zeno. Apontamentos para a publicação dos textos de A voz

do Pastor, in: TEOcomunicação n° 112, junho de 1996.

HESSEL, Lothar Francisco. JUC — Juventude Universitária Católica. In:

TEOcomunicação, junho 2000 — Porto Alegre.

JOÃO, Faustino e CLEMENTE, Elvo. História da PUCRS, Vol.I (1931 — 1951),

EDIPUCRS, Porto Alegre, 1995.

KAERCHER, Nestor José. Alberto Bispo de Santa Cruz. Pallotti,

Santa Maria, 1996.

MARIA, Roque, JOÃO, Faustino e CLEMENTE, Elvo. Irmão Afonso —

Fundador da PUCRS. EPECÊ Gráfica, Porto Alegre, 1987.

MARIA, Roque, JOÃO, Faustino e CLEMENTE, Elvo. Vida do Irmão Weibert.

EPECÊ, Porto Alegre, 1989.

244

MENDONÇA, Jacy de Souza. Diálogos no Solar dos Câmara. Pensadores

gaúchos —2 — EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999.

MOMBACH, Oscar (Gelásio). Sabedoria e piedade —Irmão Vendelino. Gráfica

Pallotti, Santa Maria, s/d.

PAGLIOLI, Elyseu. Universidade do Rio Grande do Sul — Uma fase em sua

história, 1952 — 1964. Gráfica da Universidade, Porto Alegre, 1964.

RODRIGUES, Nadir Bonini. Ação Inovadora dos Irmãos Maristas no Sul do

Brasil. Gráfica EPECÊ, Porto Alegre. 2000.

SOARES, Mozart Pereira e SILVA, Pery Pinto Diniz da. Memória da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul 1934 — 1964, Gráfica da

Universidade, Porto Alegre. 1992.

245