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  • 7/25/2019 PF - Consideracoes Sobre a Sua Aplicao Em Infra-Estrutura No Brasil 2002 [ BORGES & FARIA - BNDES]

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    RESUMO Partindo daconceituao e do histrico doprojectfinance, este trabalho tenta demonstraralgumas conseqncias decorrentes desuas caractersticas, estrutura e riscos,bem como medidas mitigadoras egarantias. Tambm usa as formas efontes de financiamento existentespara extrair concluses de sua prticano Brasil e traa as vantagens edesvantagens dessa modalidade deengenharia financeira, comparando asoperaes de corporatee as deprojectfinance. As concluses permiteminferir que as operaes deprojectfinance no Brasil tm se mostradodispendiosas, demoradas em suaestruturao e sempre em ambiente deelevado risco, entre outros motivos,pela falta dos instrumentos financeiros(mercado de capitais e securitriomaduros, mercado de negociaessecundrias que permitam asecuritizao e a reciclagem etc.) epelas limitaes do arcabouo legal,como pela existncia de preferncias

    legais em caso de liquidao.

    ABSTRACT This paper beginswith the concept and historicaldescription of project finance,presenting some considerations aboutits characteristics, structure and risksinvolved, as well as warranties andother mitigations. It describes projectfinance financial structures, sourcesof credit, advantages anddisadvantages, comparing them withcorporate finance-oriented ones.Conclusions show project finance inBrazilian infrastructure projects as anexpensive, risky and long termnegotiated experience, mostly becauseof gaps in legal and institutionalframework, as well as the lack ofmaturity of capital and financialmarkets.

    * Respectivamente, advogado do BNDES e economista do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura.

    Project Finance:Consideraes sobre aAplicao emInfra-Estrutura no Brasil

    Project Finance:Consideraes sobre aAplicao emInfra-Estrutura no BrasilLUIZ FERREIRA XAVIER BORGESVIVIANA CARDOSO DE S E FARIA*

    REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 9, N. 18, P. 241-280, DEZ. 2002

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    1. Introduo

    ste trabalho tem por objetivo refletir sobre aspectos comuns aosproject finances no Brasil em operaes de infra-estrutura, com

    nfase nos setores eltrico e de telecomunicaes, por serem emblemticospara este estudo, no momento, na viso dos autores.

    Ainda que cada caso deva ser analisado em funo de suas caractersticasprprias, as generalizaes aqui buscadas so importantes elementos para acompreenso dessa engenharia financeira como um todo e facilitam asescolhas das equipes de anlise, acompanhamento e estruturao de opera-es, especialmente quanto s vantagens e desvantagens das operaes decrdito em bases corporativas (corporate) ou deproject finance.

    Um objetivo secundrio propor essas concluses como temas de discussoda matria, diante da ateno que vm despertando em diferentes segmentosempresariais, especialmente para quem estiver iniciando seu estudo. Esseobjetivo didtico levou os autores a mesclarem o jargo em ingls com suastradues ou contextualizaes em portugus, de modo a facilitar o estudo.

    Este trabalho divide-se em duas partes. Na primeira buscou-se encontrar,atravs de uma pesquisa terica, as caractersticas gerais e comuns, apontan-do suas vantagens e desvantagens. Para isso foi feito um trabalho de levan-tamento bibliogrfico do que existe de mais abrangente em nossa literaturarecente e foram selecionados os textos que melhor poderiam contribuir.Note-se que a bibliografia existente tem a tendncia a avaliar os riscos emprojetos dessa natureza do ponto de vista do patrocinador (scio), espelhan-do a experincia e o ambiente de negcios anglo-saxes, nos quais existemlimites regulatrios e maior proteo legal para os demais participantes. NoBrasil, isso no percebido pela produo acadmica nacional, que tende areproduzir essa postura sem critic-la, como se iguais protees existissementre ns. Neste trabalho, procurou-se fugir dessa limitao.

    A experincia dos autores com casos reais de infra-estrutura submetidos aoBNDES foi agregada a esse levantamento bibliogrfico. Assim, este traba-lho tem uma grande base emprica pelo estudo de mais de trinta operaesde apoio a projetos de infra-estrutura, especialmente em telecomunica-es (telefonia fixa e celular, bandas A e B) e energia, desenvolvidos de1997 a 2002.

    EE

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    A definio e a anlise histrica mostram que se trata de uma concepoantiga, mas que deve ser entendida, hoje, na forma que adotou na segundametade do sculo 20. Detalhadas a suas caractersticas, estruturas, partici-pantes e fontes de recursos, as concluses aparecem naturalmente porobservao.

    Na segunda parte deste texto, foi feito um exame comparativo pontual esinttico entre as operaes montadas como crdito corporativo ou como

    project finance.

    As concluses, colhidas durante o desenvolvimento do estudo, foram des-tacadas em negrito no texto para permitir as generalizaes desejadas aofinal e serem propostas como instrumento de debate.

    Este trabalho apresenta o arcabouo terico1referente estrutura doprojectfinanceaplicado a projetos de infra-estrutura. No seu objeto estudar asvariaes caso seja utilizado para projetos industriais e/ou comerciais.

    2. Definio

    O project finance, project-oriented finance ou project financing umconceito originrio da lngua inglesa, mas no significa simplesmentefinanciamento de projeto. De acordo com Azeredo (1999), o project

    financeconsiste em uma modalidade especfica de financiamento de proje-tos. A expresso financiamento de projetos pode abranger no s oproject

    financecomo tambm outras alternativas disponveis, tais como a utilizaode recursos prprios dos scios para tocar um projeto sob a forma desubscrio de ttulos subordinados, emprstimos corporativos, emisso dettulos com garantias corporativas ou instrumentos mais elaborados como asecuritizao de recebveis.

    Na prtica brasileira, o corpo tcnico da Petrleo Brasileiro S/A (Petrobras)[Guimares et alii(2002)] vem utilizando a expresso projeto financeiro,

    que, infelizmente, tem outras conotaes em Finanas, gerando dvidas notrato externo. Outros interessados vm defendendo, em congressos e semi-nrios, a expresso financiamento-projeto como um substantivo compos-to. Entretanto, os mercados financeiro e de capitais, que so os maiores

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    1 Os conceitos apresentados nesta parte do trabalho esto baseados em Nevitt & Fabozzi (1995),Razavi (1996), Finnerty (1999) e Azeredo (1999).

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    usurios desse instrumento, nunca tiveram problema em usar largamente aexpresso inglesaproject finance. Alis, usam tambm a maior parte dasexpresses relacionadas ao tema naquele idioma. Como sero objeto deexame neste trabalho as consideraes gerais e as concluses advindas daexperincia, foi mantida a praxe do mercado.

    Finnerty (1999) define o project financecomo captao de recursos parafinanciar um projeto de investimento de capital economicamente separvel,razo de ser das SPEs (Sociedades de Propsito Especfico). Neste caso, osprovedores de recursos vem o fluxo de caixa e/ou ativos do projeto comofonte primria de recursos para atender ao servio da dvida (juros), mais aamortizao do principal, a fim de fornecer um retorno compatvel sobre ocapital investido. Os prazos de vencimento da dvida e dos ttulos patrimo-niais so estabelecidos de acordo com as caractersticas do fluxo de caixado projeto. Para sua garantia, os ttulos da dvida do projeto dependem, aomenos parcialmente, de sua lucratividade e do valor dos seus ativos.

    Uma das caractersticas que distingue o project finance das demaismodalidades de financiamento a concesso de crdito a uma entidade

    jurdica segregada. O project finance estruturado de forma a alocarretornos financeiros e riscos com mais eficincia do que aquela obtidaatravs do financiamento corporativo.2Embora, normalmente, seja a opera-

    dora do projeto, podem-se apontar exemplos em que essa entidade ouveculo serviu exclusivamente para a captao de recursos, como no exem-plo da Companhia Petrolfera Marlin [Bononi e Malvessi (2002)].

    Conforme abordado por Nevitt e Fabozzi (1995), o termo project financepode ser utilizado para descrever as diversas modalidades de financiamentode projetos, com e sem responsabilidade solidria de terceiros (recourse).De acordo com eles, o termo merece uma definio mais precisa:

    A financing of a particular economic unit in which a lender is satisfied to lookinitially to the cash flows and earnings of that economic unit as the source offunds from which a loan will be repaid and to the assets of the economic unit ascollateral for the loan.

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    2 O termo financiamento corporativosignifica a concesso de crdito calcada em uma abordagemtradicional de anlise e de instrumentos de garantia. Ou seja, avaliao usual de crdito em funodo histrico, do balano patrimonial e, principalmente, da reputao do tomador do crdito.Adicionalmente, utilizam-se garantias normais, como: patrimnio, carta de fiana e demais ativosoferecidas pelos acionistas e/ou avalistas. Nesse caso, a preocupao dos credores limita-se capacidade financeira dos devedores em saldar as suas dvidas e, a princpio, no h nenhumapreocupao em relao alocao dos recursos.

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    Para os autores, o termoproject financedefine-se como uma modalidade definanciamento cujo processo de avaliao, estruturao e concesso dosrecursos est calcado, primordialmente, na capacidade financeira do proje-to.3A deciso dos credores se basear na capacidade do projeto em saldarsuas dvidas e remunerar o capital, sem contar com os fluxos de caixa deoutros empreendimentos dos acionistas (ou seja, sem solidariedade), nosendo, portanto, um meio de financiar projetos economicamente fracos.Diferentemente do financiamento corporativo, os financiadores s poderoacionar os acionistas da SPE, caso essa possibilidade seja definida emcontrato. Um dos objetivos doproject finance financiar projetos viveis

    economicamente, mesmo estando sediado em pases com elevado risco,como o caso do Brasil. Muitas vezes, exatamente para desfrutar decustos menores de financiamento, os acionistas direcionam os seusmelhores projetos para serem financiados via essa modalidade, com oobjetivo de obterem um melhorrating.4A empresa otimiza seu custo decapital quando financia seus projetos menos atrativos atravs de crditocorporativo.

    Nem sempre foi assim, entretanto. No decorrer da histria econmicapodemos observar diferentes processos que guardam semelhanas com oque chama-se hoje deproject finance.

    3. HistricoA trajetria do financiamento baseado no fluxo de caixa do projeto inicia-secom os grandes empreendimentos relatados pela histria mundial. A lgicano nova. Portanto, os arranjos financeiros modernos e as sofisticadasopes oferecidas pelo mercado so o que realmente inovador. Hoje,h uma reduo dos riscos envolvidos nessa engenharia financeira, alavan-cando a capacidade das empresas em contrair emprstimos, o que viabilizasimultaneamente a implementao de novos projetos de grande porte.

    Em 1299, a coroa britnica negociou um emprstimo com o Frescobaldi um dos principais bancos de investimento italianos da poca para desen-

    volver as minas de prata da regio de Davon com uma estrutura financeira

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    3 Entenda-se capacidade financeira do projeto como: recursos prprios de capital, ativos, fluxo decaixa, contratos etc.

    4 Os ratings so classificaes de risco indicando a probabilidade de inadimplncia, atribudos apartir de informaes fornecidas pela prpria empresa, principalmente as suas demonstraesfinanceiras. Eles dependem da probabilidade de inadimplncia da empresa e da proteo dada pelocontrato de emprstimo em caso de inadimplncia. As principais classificadoras de ratingso aMoodys Investor Service e a Standard & Poors [Ross, Westerfield & Jaffe (1995)].

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    baseada em ativos. A estrutura do projeto permitia ao Frescobaldi retirar aquantidade desejada de minrio no-refinado, durante um ano, desde queassumisse integralmente o custo de operao das minas. No contrato firmadoentre as partes, no havia clusulas referentes a pagamento de juros e nemqualquer tipo de garantia oferecida pela coroa britnica, caso a quantidadede prata extrada durante o perodo no fosse suficiente para recompor ocapital investido [Finnerty (1999)].

    Outro exemplo de financiamento baseado em ativos, ocorrido alguns sculosmais tarde, foi a utilizao, pelos pases ibricos, desse tipo de estrutura nofinanciamento das grandes navegaes. A burguesia mercantil estava portrs de quase todos os empreendimentos de porte por ser a detentora docapital capaz de financiar a nobreza na expanso do seu territrio. A garantiaoferecida eram as especiarias encontradas ao longo das expedies ou asterras conquistadas, ou seja, o fluxo de caixa do empreendimento.

    Devido a diferentes momentos de escassez de recursos no mercado interna-cional, na segunda metade do sculo 20, comeam a surgir novas enge-nharias financeiras, cujo objetivo criar alternativas de financiamento,principalmente para o setor de infra-estrutura. Essa afirmao pode sercomprovada pelos casos citados pela literatura pertinente ao tema.5Refe-rente ao setor de energia, destacam-se os financiamentos do Trans Alaska

    Pipeline System (TAPS), entre 1969 e 1977, e o financiamento de platafor-mas de petrleo no Mar do Norte.

    Conforme explicitado por Finnerty (1999), a disseminao doproject finan-cenos EUA fruto da implementao da Lei da Poltica de Regulamentaode Servios Public Utility Regulatory Policy Act6(Purpa). Esse marcoregulatrio representou um passo fundamental na estruturao dessamodalidade de financiamento baseada em ativos, ao estabelecer asobrigaes contratuais de longo prazo e tornou-se bastante difundidanos EUA e na Inglaterra, cujas legislaes so baseadas na culturaanglo-saxnica em que os contratos possuem maior importncia legal.J em pases como o Brasil, onde o respeito aos contratos privados diferente (por exemplo, o interesse pblico sobrepe-se ao privado, emcontratos administrativos), seus instrumentos tornam-se frgeis; conseqen-temente, h maior cautela por parte dos investidores internacionais emparticipar de financiamentos nesses pases.

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    5 Para maiores informaes, consultar Finnerty (1999).6 Mais detalhes em relao ao Purpa encontram-se em estudos setoriais do BNDES (1999).

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    Esse modelo de engenharia financeira, que parece novo entre ns, vemcrescendo atravs de experincia h vinte anos nos EUA e pases daCommonwealth, consolidando tcnicas calcadas em seus sistemas legaise culturais. Isso pode explicar a preponderncia de institutos jurdicos efrmulas contbeis de origem anglo-saxnica. Os primeiros projetos tratadosnessa modalidade, no Brasil, trouxeram pessoal estrangeiro ou treinado noexterior, que reproduzia as tcnicas (e o jargo) l utilizadas.

    No Brasil, a introduo doproject financeocorreu somente na dcadade 1990, depois do processo de privatizao, quando os setores deinfra-estrutura, que haviam sido concedidos explorao pela iniciati-va privada, passaram a necessitar de novas fontes para seus inves-timentos. A mudana de gesto produziu relevantes alteraes no cenrioeconmico brasileiro, tornando necessrio recriar e/ou inventar arranjosfinanceiros, capazes de financiar um setor vital para impulsionar o cresci-mento econmico. Os investimentos em infra-estrutura so elevados, comalto risco poltico, a impossibilidade de oferta de garantias reais (bensreversveis ao poder pblico) e supe longa maturao, o que foge lgicavigente no setor financeiro local.

    Para tanto, oproject financeapresentou-se como uma alternativa ao finan-ciamento para os projetos de infra-estrutura, anteriormente de domnio

    estatal (quando no tinham necessidade de oferecer garantias aos entesfinanceiros pblicos). Adiante, sero destacadas as caractersticas que com-patibilizam a utilizao dessa modalidade para os projetos do setor. Con-forme explicitado por Azeredo (1999), a estratgia de expanso e financia-mento dos investimentos em energia eltrica, por exemplo, privilegia ofinanciamento atravs de capitais de terceiros, principalmente porproject

    finance, no qual o risco do empreendimento compartilhado, reduzindo aexposio dos scios sua participao no projeto. Adicionalmente, pro-porciona-lhes maior alavancagem financeira ao permitir que participem devrios projetos simultaneamente.

    4. Caractersticas

    desejvel que os projetos a serem financiados pela modalidade deprojectfinancetenham as seguintes caractersticas, que coincidem com as do setorde infra-estrutura:

    i) existncia como um investimento econmico separado, preferencial-mente segregado em uma sociedade de propsito especfico (SPE);

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    ii) porte elevado de investimento, exigindo um alto grau de alavancagempor parte dos acionistas caso fosse financiado atravs de financiamentocorporativo;

    iii) bom nvel de previsibilidade sobre o fluxo de caixa e a taxa de retorno,como no caso de um monoplio natural, reduzindo assim o riscomercadolgico do servio ou produto ofertado;

    iv) segregao e alocao de riscos entre necessariamente mltiplos parti-cipantes, com a reduo de solidariedade dos scios; e

    v) possibilidade de os credores/interessados poderem tomar medidas efe-

    tivas para trazerem a si a execuo ou operao do projeto em caso denecessidade.

    Esses itens caracterizam uma situao ideal, o que nem sempre pode seraplicvel na prtica. O ltimo item, por exemplo, de muito difcil execuono Brasil, quando se tratar de concesso de servio pblico.

    Tambm preciso lembrar que, embora normalmente se pense em umproject finance como aplicvel a um projeto novo (green field), comoocorreu com todas as operadoras de Banda B em telefonia celular, tambm comum utilizar-se dessa engenharia financeira para projetos existentes,em ampliao (brown field), como foi o caso de campos ou refinarias de

    petrleo em projetos da Petrobras [Bononi e Malvessi (2002)].

    Neste ltimo caso, providencia-se uma auditoria fsica, econmico-finan-ceira e legal (due diligences), alm das demais providncias antes damontagem de parceria, buscando identificar todas as contingncias decor-rentes do histrico da operao. Uma auditoria legal, por exemplo, envol-veria aspectos processuais, societrios, contratuais, tributrios, trabalhistas,fundirios/imobilirios e regulatrios.

    Em um projeto empreendido diretamente pelo Estado os recursos sooramentrios, no costumando haver financiamento e, se houver, no casode emprstimo externo, o projeto classificado de acordo com o risco

    soberano. Na hiptese de tratar-se de uma empresa pblica ou de umasociedade de economia mista, os financiamentos obtidos so de agentespblicos ou, no caso de crdito externo, geralmente tm o aval do Tesouro.Isso, em princpio, reduziria o risco de crdito para os bancos e credores emgeral, tendo em vista que a arrecadao tributria, associada ao governo, uma fonte de receita permanente, que afastaria (em tese) a possibilidade defalncia do negcio. Esse raciocnio conduz, em nosso Direito, conclu-

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    so de que s h project finance para pessoas jurdicas de direitoprivado, de controle pblico ou privado.

    A mudana de paradigma ps-privatizao da infra-estrutura est relacio-nada mudana do perfil de risco a ser assumido pelos entes privados e pelaforma utilizada para mitig-lo. A escolha peloproject finance, muitas vezes,ocorre em funo da substituio das garantias usuais, geralmente recursosoferecidos pelos acionistas (fiana ou aval), conhecidas como garantiassolidrias (full recourse),por duas novas modalidades: a de recurso limitado(limited recourse) e a de emprstimo sem garantias (non-recourse) deterceiros.

    As garantias de um financiamento sem solidariedade (sem fiana ou aval,por exemplo) dada por terceiros (non-recourse) podem ser classificadascomo as ideais de um project finance, do ponto de vista do patrocinador,embora representem uma parcela mnima das operaes deproject financeno mundo. Essas garantias so constitudas, primordialmente, pelas receitasdo projeto apoiado, bem como pela onerao de ativos da empresa-projeto(SPE):7aes; contas bancrias, inclusive da conta cauo para o servio dadvida; contratos; aplices de seguro; hipoteca dos bens mveis e imveisda SPE. A grande desvantagem para o empreendimento desse tipo de arranjofinanceiro o aumento do risco do negcio para os demais parceiros, que

    no o patrocinador, podendo encarecer o custo do financiamento. Como todoproject financeconcentra o risco dos interessados em um nico projeto, noh o benefcio da diluio desse risco pelos diferentes projetos que sotocados ao mesmo tempo em uma corporao. Ao concentrar o risco(teoricamente) aumenta o custo at onde o mercado aceite.

    J o emprstimo utilizando a modalidade de solidariedade limitada (limitedrecourse) figura como uma alternativa intermediria. Por exemplo, os scios(ou fornecedores ou construtores etc.) oferecem fiana ou aval (ou pagamuma fiana bancria) enquanto durar a fase de construo, que o momentomais arriscado (e sem receita) do projeto. Essa garantia oferecida porterceiros pode ter um prazo determinado ou ser dada apenas em um

    emprstimo-ponte que cubra o risco de construo ou ter uma previso,em contrato de longo prazo, de migrao para uma garantia calcada nareceita do projeto. A incluso de garantias adicionais temporrias oulimitadas no tempo ou no valor, oferecidas por terceiros (acionistas etc.),reduz os riscos envolvidos no empreendimento e, conseqentemente, torna

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    7 A definio desse termo encontra-se em trabalho do co-autor na Revista do BNDES(1999).

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    o custo do financiamento menos elevado. Pelos motivos apontados, essamodalidade a mais utilizada pelo mercado [Finnerty (1999)].

    O maior problema para a aplicao dos fundamentos de umproject financeno setor de infra-estrutura no Brasil, especialmente quando houver conces-so de servios pblicos envolvida, a impossibilidade de os credores(bancos, seguradoras, fornecedores etc.) poderem assumir a concluso daimplantao ou a operao do projeto. Pela lei brasileira de concesses deservios pblicos, a assuno do projeto por terceiros pode ser entendida(inclusive judicialmente) como fraude ao processo de licitao da conces-so, ainda que busque atingir os fins do interesse pblico.

    5. Estrutura e Participantes

    A estrutura bsica desse instrumento apresenta a SPE (Sociedade de Prop-sito Especfico) no centro, cercada pelos seguintes agentes: poder conceden-te; acionistas8 (sponsors); compradores (off-takers); Financiadores9 (len-ders); operadores (operators); banco lder10(arranger); fornecedores (sup-

    pliers); construtores (constructors); seguradoras (insurance companies);conselheiro financeiro11(financial advisor); engenheiro independente12(in-dependent engineer); agente fiducirio13 (trustee); e assessoria jurdica14

    (legal advisors). Para que o financiamento seja caracterizado como umproject finance preciso que todos os participantes assumam algum tipo deresponsabilidade. A Figura 1 mostra a estrutura de uma operao no setorhidroeltrico, sendo o Pacote de Garantias referente ao crdito de longoprazo ou s debntures.

    As relaes contratuais entre as partes envolvidas so o cerne da modalidadede financiamento em questo. atravs dos contratos que os riscos sero

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    8 Acionistas: tm interesse direto no projeto, o qual torna-se mais uma oportunidade de negcio.9 Financiadores: os principais financiadores dessa modalidade de financiamento so bancos, agn-

    cias bilaterais e multilaterais, ACEs, fundos de penso, fundos de investimento etc.10 Arrangerou estruturador um dos bancos envolvidos no financiamento, que possui a misso de

    estruturar o financiamento, sendo o responsvel pelos termos do emprstimo e pela documentao.

    11 Financial advisor ou consultor financeiro o conselheiro financeiro independente, cujo papel instruir os acionistas quanto aos riscos envolvidos e quais seriam os instrumentos e as fontes definanciamento que poderiam mitig-las. Geralmente, um banco comercial de reconhecida reputa-o internacional.

    12 O engenheiro independente desempenha um papel semelhante ao dos auditores independentes, ouseja, assegura aos demais participantes a viabilidade e as condies tcnicas do projeto.

    13 Trusteeou agente fiducirio o agente responsvel pela administrao do fluxo de caixa, realizaode pagamentos e o controle sob o recebimento de receitas do projeto.

    14 O assessor jurdico uma das figuras mais importantes na fase de anlise e preparao dofinanciamento, devido complexa estrutura contratual.

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    alocados, substituindo, dessa forma, as garantias usuais (carta de fiana, hi-poteca, aval, carta de crdito etc.) pelas garantias de construo, deperfor-mancee assemelhadas, mais adaptadas a esse tipo de engenharia financeira.

    Essa tcnica requer um arranjo contratual complexo (pela quantida-de de participantes envolvidos) e oneroso (pelos estudos e pareceresexigidos pelas partes), alm de longos prazos para a sua elaborao (en-volvendo desde legislao comparada at problemas de relaes huma-nas). Tais arranjos necessitam de um ambiente em que os contratos sejaminstrumentos confiveis e respeitados, pois neles baseiam-se todas as res-ponsabilidades, garantias e diviso de riscos.

    Antes de buscar parceiros para a formao doproject finance preciso queos acionistas j tenham desenvolvido o plano de negcios (business plan)do projeto. Alm disso, as autorizaes do rgo responsvel pelo meioambiente e do poder concedente, bem como o comprometimento por parte

    dos consumidores, so aspectos relevantes na projeo do fluxo de caixa e,conseqentemente, facilitam a montagem das fontes do projeto.

    O envolvimento prvio de fornecedores, construtores e operadores favorecea estruturao financeira doproject finance, partindo do princpio de que aparticipao efetiva desses agentes minimizar os riscos relativos a noconcluso e operao do projeto.

    ConstrutoresConstrutoresConstrutores

    FornecedoresFornecedoresFornecedores

    OperadoresOperadoresOperadores

    Receitas/Servios eProduto Final

    ReceitasReceitas//ServiosServiosee

    ProdutoProdutoFinalFinal

    Instituiesde Crdito e

    Financiadores(Locais e Externas)

    InstituiesInstituies

    dedeCrditoCrditoeeFinanciadoresFinanciadores

    ((LocaisLocaiseeExternasExternas))

    Trustee:Recebveis

    +Conta Reserva

    Trustee::RecebveisRecebveis

    ++

    Conta ReservaConta Reserva

    AcionistasAcionistasAcionistas

    SPESPE

    SeguradorasSeguradorasSeguradoras

    PoderConcedente

    PoderPoder

    ConcedenteConcedente

    UsuriosUsuriosUsurios

    CapitalDebnturesDebnturesDebntures

    Pacote dePacote de

    GarantiasGarantiasCauo de Aes

    Direitos EmergentesPenhor deRecebveis

    Conta-reserva

    FIGURA 1

    Estrutura do Project Finance

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    Adicionalmente, a participao de fornecedores poder significar mais umafonte de financiamento, j que a maioria dos pases desenvolvidos dispede agncias que concedem financiamento aos compradores de seus bensexportveis pelos grandes fornecedores de equipamentos. Elas so chama-das de ACE (Agncias de Crdito, ou de Fomento, Exportao), em ingls,ECA (Export Credit Agencies), muito ativas nesse tipo de estruturaofinanceira.

    6. Riscos Ponderados

    A anlise e a avaliao de um projeto devem identificar os riscos incidentes,quais seus impactos no fluxo de caixa e as aes que devem ser implemen-tadas para mitig-los. Por exemplo, o apoio inicial ao projeto atravs deemprstimos-ponte corporativos (por causa do risco e da ausncia dereceita), que depois podero migrar para umproject finance, quando areceita estiver estabilizada nos nveis pactuados entre as partes.Essaausncia de caractersticas deproject financenos financiamentos du-rante a fase de implantao observada no Brasil e no exterior. Derivada simples lgica de no haver forma de recuperao para um empreen-dimento nessas bases, caso ele no chegue a ser completado. Essa fase, normalmente, de risco exclusivo do construtor, do scio ou do fornecedor

    de equipamentos.Diferentemente da estrutura deproject finance, no financiamento corpora-tivo os riscos so assumidos quase integralmente pelos financiadores e pelospatrocinadores, em condies em que se sintam confortveis. A exposiodo fornecedor ao risco, que aceita receber em funo do incio da receita doprojeto, uma forma adicional de financiamento, podendo acarretar custosmais elevados para os tomadores de recursos, por cobrirem a fase deimplantao, ou menores, se fizerem parte de uma estratgia de vendas.

    A assuno de risco obedece lgica risco/retorno. Como o patrocinadortem o maior risco, tem direito ao maior retorno. Como o agente financeiroassume, em princpio, apenas o risco financeiro, atribuir ao patrocina-

    dor/operador todos os riscos operacionais. Embora sempre haja espaonegocial em umproject finance.

    Os riscos15mais comuns aos projetos dos setores de infra-estrutura adiantelistados (sem pretenso de esgot-los) vm sendo mitigados atravs de

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    15 Cabe ressaltar que a avaliao dos riscos pertinente s duas fases: construo e operao.

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    instrumentos disponveis, conhecidos na prtica brasileira e internacional.Por exemplo, a alocao e mitigao dos riscos podero ser feitas atravsde seguros, contratos, instrumentos de mercado, onerao de ativos, parti-cipao de instituies de crdito internacionais, consrcio (sindicato) deagentes financeiros, conta-garantia bloqueada (escrow account) etc.

    H diversas formas de classificar esses riscos. Este trabalho no tem apretenso de descrev-los ou esgot-los, mas apenas mostrar relaes lgi-cas entre eles e as medidas de mitigao. Por exemplo, o risco tecnolgicopode ser visto como um risco isolado ou desmembrado no risco de cons-truo (ou implantao) e no risco de operao. De qualquer forma, osriscos, listados aqui de maneira pontual, correspondem a alguns dos maisimportantes utilizados em matrizes de anlises de projetos j realizadas noBrasil e sempre avaliados como um todo e no isoladamente.

    Em uma tica de credor, pode-se dividir os riscos, tambm, em operacionaise financeiros. Os riscos operacionais afetam a gerao operacional de caixa,tais como os riscos comerciais, setoriais, de caso fortuito e de fora maior(cobertos por seguros). A partir da, temos os riscos financeiros propriamen-te ditos, os soberanos (de uma forma geral) e os legais, que tambmpermeiam os operacionais.

    Risco ComercialO sucesso comercial do projeto depende de uma srie de fatores, entre osquais: a concluso (recebimento do projeto, desobrigando o fornecedor ouo construtor); a escolha de uma tecnologia adequada; a correta avaliaoeconmico-financeira (demanda, custo e o fornecimento de matria-primae a avaliao do projeto); a operao e o cumprimento das exignciasregulatrias, especialmente as ambientais.

    interessante observar que o conceito ideal de fim da implantao e inciodo risco comercial no a concluso da obra ou o incio da produo, masa estabilizao das receitas geradas pelo projeto. Esse ser o fator fun-damental para a definio do fim do perodo de carncia dos emprstimos

    e do incio da amortizao.

    Risco Financeiro

    O risco de financiamento refere-se exposio aos efeitos de possveisdesequilbrios no fluxo de caixa do projeto decorrentes da descontinuidadeem relao s projees quanto a inflao, taxa de juros e de cmbio.

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    Projetos modulares admitem financiamentos atravs de diferentes subcr-ditos com diferentes prazos e condies, permitindo carncias intermedi-rias ou cobranas em funo de eventos previstos contratualmente. Outraforma de lidar com esse risco a utilizao mesclada de instrumentos demercado financeiro e de capitais, dando flexibilidade (e complexidade) aoprojeto.

    Diante do risco emproject finance, comum a formao de consrcios dediferentes agentes financeiros para a diluio desse risco, exigindo a con-tratao de pactos entre esses credores para tratar de questes relativas atratamento de inadimplncia, cobrana, taxas, execuo judicial etc. Tam-bm comum que esses financiadores repassem seus riscos, no todo ou emparte, a terceiros, numa espcie de resseguro. Assim como tambm comumque as sociedades operadoras do projeto sejam joint-venturescom vriosscios que compartilhem o poder de deciso e os riscos relativos a aportesextraordinrios de capital. Isso exigir a elaborao de acordos de acionistassuficientemente complexos para definir o comprometimento individual daspartes.

    Normalmente osproject financestm vrios patrocinadores (scios) evrios credores, tomadores primrios de risco e tomadores residuais.

    Risco do Pas (ou Soberano)

    O risco soberano, ou do pas, envolve aspectos polticos partidrios (credi-bilidade em uma mudana de poder), de moeda ou de cmbio (moratria outransferncias para o exterior), regulatrios (setorial, ambiental, de concen-trao econmica etc.) e legal. tambm conhecido, em termos jurdicos,como Risco de Atos de Imprio ou Atos de Poder do Prncipe, quandointerfere em relaes privadas j pactuadas, como no caso de um confiscoou um programa de racionamento obrigatrio.

    O risco de cmbio pode apresentar-se atravs de um embargo ou boicote aoprojeto quando decide pelo no pagamento de suas dvidas ou pela inter-rupo nas remessas de divisas devidas por fora do comrcio exterior ouatos de guerra, afetando negativamente a poltica do pas de captao dedivisas em moedas fortes.

    O risco poltico pode ser assumido pelos acionistas do projeto, mas quandoisto no possvel, os financiadores, algumas vezes, assumem tais riscos.A securitizao dos recebveis associados aos contratos de venda da produ-

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    o de petrleo e gs natural, pelos pases em desenvolvimento, umexemplo de assuno de risco poltico.

    O risco poltico pode ser atenuado tomando-se recursos financeiros para oprojeto com bancos locais. Supe-se que estes sofreriam financeiramentemenos ou teriam outras formas de ressarcimento, se o projeto vier a serimpedido de liquidar sua dvida devido expropriao de seus ativos.Tambm pode ser mitigado tomando-se os recursos financeiros para oprojeto com o Banco Mundial (Bird), o Banco Interamericano de Desenvol-vimento (BID) ou com outro rgo multilateral de financiamento, os quaispossuem subsidirias que cobrem risco poltico para pases em desenvolvi-mento. Vrias agncias multilaterais, empresas e fontes governamentaisoferecem seguros contra riscos polticos. A cobertura e o montante a sercoberto variam no tempo. Geralmente, as taxas so altas e o montantedisponvel a ser a assegurado limitado.

    O risco legal refere-se, ainda, execuo dos contratos em bases jurdicasdistintas daquelas contratadas. Por exemplo, o arcabouo legal do pas ondeo projeto estar sediado pode no ser o mesmo dos financiadores, gerandoavaliao incorreta de riscos. Com o objetivo de minimizar o risco legal nasduas pontas, utilizam-se conselheiros locais ou escritrios de advocaciainternacionais.

    Risco de Caso Fortuito ou Fora Maior

    O risco de caso fortuito ou fora maior (Acts of God) catstrofes provoca-das pelo homem ou pela natureza pode ser segurado at um certo limite,atravs de contratos de seguro existentes no mercado. De todos os tipos deriscos citados, o que no pode ser controlado pelas partes envolvidas no

    project finance.

    Refere-se a algum determinado evento que possa prejudicar, ou impedircompletamente, a operao do projeto por um perodo de tempo prolongado,

    j desde o perodo de construo e sua entrada em operao. No mbito maisgeral, destacamos a ocorrncia de guerras, revolues, enchentes, ter-remotos, furaco, podendo ocorrer alguns eventos restritos rea de atuaodaquele empreendimento, inviabilizando a sua operao devido a uma falhatcnica, incndio etc.

    Certos eventos de fora maior, como incndios e terremotos, podem sergarantidos por seguro. Os credores exigiro das partes financeiramente

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    capazes garantias de que as exigncias de servio da dvida do projeto seroatendidas no evento de uma ocorrncia de fora maior. Se da ocorrncia deum evento de fora maior resultar o abandono do projeto, os credoresgeralmente exigiro a amortizao da dvida em bases aceleradas. No casode eventos cobertos por seguro, os credores exigiro que os acionistas demao projeto seu direito de recebimento de indenizaes de seguro comogarantia parcial dos emprstimos.

    Risco Setorial

    O risco setorial est relacionado a variveis que influenciam o desempenhodo setor no qual est alocado o projeto. Podemos destacar o arcabouoregulatrio (visto como interferncia nas regras de mercado do setor), o graude competio e de concentrao.

    So exemplos de setores com caractersticas especficas, o setor eltrico comexpressiva demanda de recursos e prazos dilatados; o setor de telecomuni-caes com produtos diferenciados, competitivo e com alto risco tecnolgi-co; setores, como gs de cozinha e transporte urbano, que so sensveis influncia poltica em sua tarifao. Tambm devem ser tratados de formadiferenciada os setores com baixa transparncia contbil ou capazes de

    mobilizar a mdia.

    Risco Legal

    O risco legal, examinado do ponto de vista microeconmico, envolveprimeiramente o exame da existncia e regularidade das partes, as tcnicasde estruturao, segregao e securitizao, bem como o contedo dasclusulas contratuais, que consubstanciam os objetivos do projeto e suascondies financeiras. O risco legal tambm trata do exame da regularidadedos diferentes processos decisrios envolvidos e da competente repre-sentao das partes nos instrumentos contratuais.

    Em especial, o risco legal cuida da constituio e registro de garantias ou demedidas mitigadoras de riscos, do acompanhamento de medidas legislativase administrativas pertinentes ao projeto, bem como da negociao da ina-dimplncia e efetividade, em juzo, das medidas coercitivas necessrias.

    Estuda tambm as obrigaes de fazer e de no fazer (covenants), querepresentam interferncias diretas sobre os gestores da SPE e dos demais

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    intervenientes, obrigando-os prtica de certos atos (affirmative covenants)ou restringindo outros (negative covenants), buscando a solvncia do projetoe a realizao do fluxo de caixa projetado, que devem ser observados durantea existncia do projeto. Podem ser tambm dirigidos prtica de atos quepermitam a manuteno da posio dos credores, como a proibio de dargarantias reais ou pessoais a terceiros e a autorizao plena de acesso contabilidade da SPE.

    So exemplos de covenantsas obrigaes da manuteno de indicadoresfinanceiros que obriguem a manuteno de um capital de giro mnimo ouuma relao prpria entre capital de risco e capital de emprstimo. O seudescumprimento resultar em um evento que dar eficcia a alguma aoconcreta, exigida por uma das partes. Por exemplo, a verificao do dese-quilbrio entre capital prprio e de terceiros pode obrigar algum (um scio)a aportar capital conta de patrimnio lquido da SPE.

    Esses indicadores financeiros normalmente tratam de alguns ndices mni-mos de liquidez que dem conforto s partes envolvidas na operao,especialmente que dem conforto aos credores para o repagamento. Oseventos determinados em contrato exigem a criao de um banco ou empresade auditoria como mandatrio das partes para fazer o acompanhamentodetalhado do risco emergente do projeto e a tomada de medidas mitigadorasprprias.

    7. Medidas Mitigadoras16

    As medidas mitigadoras envolvem um elenco de hipteses que englobamatos como o controle ou acompanhamento do projeto atravs de contratos,o financiamento de riscos emergentes (como um crdito de reserva stand-by para financiar filtros de proteo ambiental, exigidos em legis-lao inexistente poca da implantao), a realizao de estudos oupesquisas, a sua alocao a um (ou mais) dos participantes (para ser coberto,absorvido ou assumido) e at a deciso de no investir acima de certo limite,vender a posio a partir de certo estgio ou retirar-se do projeto em

    circunstncias determinadas.

    Em relao ao setor de infra-estrutura, o maior entrave a falta de liquidezdos ativos tradicionalmente oferecidos como garantia pelos acionistas. No possvel receber em garantia, em um projeto de uma hidreltrica, por

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    16 Para maiores detalhes, ver Fabozzi & Nevitt (1995), Finnerty (1999) e Azeredo (1999).

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    exemplo, o reservatrio, as construes civis ou os equipamentos, sejapor restrio legal, seja pela impossibilidade de retir-los ou ter umcomprador para eles. Essa caracterstica refora a opo dos projetosde infra-estrutura peloproject finance.

    O pacote de garantias de emprstimos recai em duas categorias gerais: asmedidas que asseguram a concluso e operao do projeto e as que as-seguram o pagamento pontual do servio da dvida aps a concluso doprojeto. Cada um dos riscos e exposies demanda um tipo de tratamentoespecfico, adaptando-os s caractersticas econmicas do projeto e sescolhas de risco e retorno das vrias partes envolvidas no projeto.

    O prximo passo ser estudar os principais instrumentos utilizados namitigao dos riscos, ainda que de forma superficial, j que este no oescopo principal deste trabalho.

    Contratos17

    Cabe ressaltar que o simples uso das obrigaes contratuais no mini-miza completamente os riscos envolvidos nesse tipo de transao finan-ceira. preciso que os contratos sejam compatveis com a legislao

    local e internacional. A maioria dos contratos citados adiante foi con-cebida seguindo a base legal anglo-sax, exigindo adaptao ao regimeromano-germnico usado no Brasil, sob pena de no serem efetivos aoserem demandados em juzo.

    Contrato Take-or-Pay

    Nesse tipo de contrato o consumidor da produo ou dos servios do projetose compromete a pagar periodicamente por uma quantidade estipulada daproduo ou servios, independentemente do fato de receb-los ou no.

    Contrato Take-If-Offered

    O contrato obriga o comprador da produo ou dos servios do projeto areceber e pagar pelos servios ou produo apenas se o projeto for capaz deentreg-los. O pagamento s feito mediante a entrega.

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    17 As definies para os contratos destacados nesta seo, esto baseadas em Finnerty (1999).

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    Contrato de Compra de Energia (PPA Power Purchase Agreement)

    Esse tipo de contrato assegura, ao produtor, garantia de venda da energiagerada, sendo um importante instrumento na estruturao de um financia-mento de projetos de energia eltrica.18

    Contrato de Custo de Servio (Cost of Service Contract)

    O contrato exige que cada devedor pague sua parte proporcional dos custos

    do projeto medida que forem efetivamente incorridos, em troca de umaparcela, definida em contrato, da produo ou dos servios disponveis doprojeto.

    Contrato de Supply-or-Pay

    Obriga o fornecedor de matria-prima a entregar as quantidades necessriasde matria-prima especificadas no contrato ou ento realizar pagamentos entidade-projeto que sejam suficientes para cobrir o servio da dvida.

    Contrato de Pedgio (Tolling Agreement)

    A empresa-projeto cobra pedgio pelo processamento de matrias-primasque geralmente so de propriedade dos acionistas do projeto e por elesentregues.

    Garantias Complementares19

    Apesar de a estrutura deproject financeprivilegiar as garantias deperfor-mance, as garantias usuais, como carta de fiana, ativos, hipoteca, aval dosacionistas etc., tambm podem ser acionadas como suporte financeiro.Muitas vezes so pedidas, pois, embora ineficazes como retorno, elidem orisco de uma concordata, significam uma posio privilegiada no quadro decredores na falncia ou servem de instrumento de negociao numa execu-

    o singular (distores derivadas do rito processual de cobrana judicial).

    A garantia mais compatvel com a lgica doproject finance a reteno dereceitas futuras do projeto, o que pode ser feito atravs de contas em um

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    18 Este tpico foi abordado em trabalho do co-autor, na Revista do BNDES(1998).19 Mais detalhes, ver Finnerty (1999).

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    agente fiducirio (trustee), sob diversas modalidades, especialmente meiode pagamento ou escrow account.

    O suporte financeiro pode tomar a forma de uma carta de crdito. Pagamen-tos realizados sob carta de crdito ou de garantia so geralmente tratadoscomo emprstimos subordinados feitos empresa-projeto. Em alguns casos, vantajoso comprar a garantia de um terceiro financeiramente capaz parafornecer suporte creditcio s obrigaes da SPE. Tais formas de suporte decrdito so utilizadas em conjunto com financiamentos com benefciosfiscais e financiamentos atravs de commercial papers.20

    Seguros

    A compensao dos investidores por eventuais sinistros (por exemplo,acidentes) e a concesso de seguros garantia contra riscos de fora maior eo poltico21funciona no s como uma medida mitigadora para estes riscos,mas tambm como uma forma de financiamento que se difere das demaispor no estar vinculada necessariamente a desembolso de recursos. Osseguros garantia so ideais para projetos com garantias a serem constitudasdurante a sua implementao.

    O seguro garantia um contrato acessrio que visa assegurar a plena

    satisfao do objeto contratual, garantindo a sua consecuo na formaplanejada pelas partes. So exemplos de seguro garantia: executante (per-

    formance bond), concorrncia (bid bond), adiantamento de pagamento,reteno de pagamento, perfeito funcionamento, aduaneiro e imobilirio.

    O seguro garantia assegura obrigaes de fazer (obras, entregas etc.) e nosubstitui as garantias reais ou pessoais, que exigem a execuo do contratopara o ressarcimento de obrigaes financeiras. O pagamento decorrente defiana, por exemplo, feito a primeiro requerimento, enquanto as in-denizaes decorrentes de seguro garantia s sero feitas aps a verificaodo prejuzo pela seguradora e se no estiver includo em casos de exclusode pagamento. Isso ocorre tambm no caso do seguro garantia financeira,que o produto concorrente da fiana bancria.

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    20 Commercial papersou notas promissrias comerciais dizem respeito a um ttulo de curto prazoemitido por instituies no financeiras, sem garantia real, podendo ser garantido por fianabancria, negocivel em mercado secundrio e com data de vencimento predefinida. Essa modali-dade de captao de recursos foi criada, no Brasil, em novembro de 1990, com o objetivo de queas empresas utilizassem esse instrumento para obter recursos de curto prazo que resolvessem seusproblemas de caixa.

    21 Ver maiores detalhes em artigo do co-autor na Revista do BNDES(1998).

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    Seguros garantia de construo so feitos por, no mximo, 50% da obra.Ocorrida a paralisao com a realizao de mais de 50% da execuo fsicada obra, a seguradora assume e termina a obra; em percentual inferior, aseguradora pagar aos credores o valor desembolsado.

    Um contrato de seguro abrangente torna a seguradora mais uma parte aacompanhar o andamento do projeto, a ter acesso a seus controles fsicos econtbeis, a ser ouvida em caso de alteraes e a ter acesso a contragarantias.

    Instrumentos de Mercado

    A medida indicada para mitigar os riscos financeiros seria a utilizao deinstrumentos modernos disponveis no mercado de capitais, como os deri-vativos, conhecidos como um dos instrumentos de hedging22(contratos atermo, contratos futuros,23opes,24cap/floor25e o swap26). Cabe salientarque esses instrumentos so de curto e mdio prazos, dificilmente podem serutilizados para projetos de longa maturao. No Brasil, o prazo mais longoque o mercado dispe de um ano, no cumprindo a finalidade a que

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    22 Os instrumentos de hedgingprocuram proteger o investidor de uma determinada exposio. Taisinstrumentos so usados de forma a compensar eventuais perdas, quanto a exposies atuais

    relativas a expectativas inversas no futuro. Assim, quando uma posio gerar perdas, a outra estarganhando. Ou seja, o hedge uma espcie de seguro, o qual recebe uma dinmica muito similar das aes cotadas em bolsa, i.e., a sua cotao depende da demanda e oferta de contratos a seremoferecidos no mercado com caractersticas compatveis. O uso desse instrumento nem sempre estassociado ao objetivo de proteo. Muitas vezes, so usados para arbitragem e podem gerar ganhosconsiderveis numa aposta acertada, ou perdas, em caso contrrio. A liquidez desses contratos nosmercados financeiros se d atravs desse uso.

    23 As operaes envolvendo o mercado de futuros representam a compra e venda de contratos de umdeterminado ativo hoje para ser exercido no futuro a um preo prefixado. O caso do investidor quepossui uma dvida cotada em dlar um exemplo, pois ele poder comprar contratos futurosque garantam comprar uma quantidade dessa moeda, cujos data e preo esto estabelecidos emcontrato. Esse tipo de operao pode ser estendido para outras variveis (commodities, aes, jurosetc.).

    24 As opes possibilitam maior flexibilidade na redistribuio dos riscos entre os agentes que soavessos ao risco e os que aceitam. Esses papis do aos seus compradores o direito de comprar ouvender um determinado nmero ou quantidade de um ativo no futuro, a um preo preestabelecido(Nota Tcnica ANP 08/1999).

    25 Contrato de teto (Cap) de taxas de juros obriga o vendedor do contrato a pagar ao seu compradora diferena entre a taxa de juros do mercado e a taxa-teto especificada sempre que a taxa de jurosdo mercado exceder a taxa-teto. Contratos de piso (floor) de taxas de juros permitem umaremunerao mnima.

    26 Fortuna (1997) define o swapcomo troca ou permuta e designa como uma operao cada vez maisprocurada pelo mercado financeiro internacional, envolvendo inclusive vrias empresas brasilei-ras. As operaes de swapso largamente utilizadas por empresas com dvida em dlar corrigidaspor taxas flutuantes, as quais contratam para as transformarem em dvidas com taxas fixas ouvice-versa. O Banco Central, atravs da Resoluo 1.902, autorizou as operaes de swapde taxasde juros. Existem quatro tipos de swap: swapde moeda, swapde taxa de juros, swapde commoditiese o swapde aes.

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    proposta. Isso explica o carter quase monopolista que bancos pblicos,como o BNDES (que tem garantida fonte de longo prazo), tm em nossomercado.

    Essas opes permitem oportunidades para reduzir, sobretudo, os riscosrelacionados aos custos financeiros (funding costs), ou seja, taxas de jurose de cmbio, e aos custos associados s flutuaes de preos de commodities.

    Os credores geralmente emprestam recursos a um projeto se seus emprs-

    timos forem expostos a riscos econmicos ou de negcios. Os credores estodispostos a assumir algum risco financeiro, mas insistiro em ser compen-sados por esse risco. Por essa razo faz-se to necessria a identificao dosriscos (e do grau de riscos) que os credores se dispem a assumir. Quantomaior a confiana no sucesso do projeto e na previsibilidade do fluxo decaixa, maior o nvel de envolvimento financeiro por parte dos credores, porexemplo, pelo aumento do volume financiado. A identificao dos riscossignificativos do projeto e a elaborao de disposies contratuais paraaloc-los, entre as partes dispostas a assumi-los ao menor custo possvel,no so uma tarefa fcil. Esse processo demanda tempo, profissionaisqualificados e um ambiente econmico-legal favorvel.

    7. Formas de Financiamento

    Conforme ressaltado por Benoit (1995), operaes de project financeen-volvem vrias formas de financiamento. Os principais tipos geralmentepresentes nesse tipo de estrutura de financiamento so:

    Recursos Prprios dos Acionistas (Equity)

    Usualmente, uma operao de project finance comea com o aporte decapital por parte dos acionistas. O aporte inicial de recursos tem comocontrapartida o direito sobre a participao acionria da empresa e, conse-qentemente, nos seus lucros. Entretanto, esse acionista ou patrocinadortentar limitar ao mximo sua responsabilidade solidria (non- oulimited recourse). No Brasil, a aplicao da teoria da desconsideraode personalidade jurdica praticamente inviabiliza onon-recourse.

    Existem basicamente dois tipos de equityemproject finance:

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    equitydireto, no qual os investidores participam da administrao ou daoperao ou de ambos; e

    equitypassivo (portflio), no qual os investidores somente investem osseus recursos, delegando a administrao aos demais acionistas ou aprofissionais especializados.

    Recursos de Terceiros (Debt)

    Os recursos de terceiros significam uma forma de financiamento isenta departicipao direta no projeto e/ou empresa em questo. No caso doprojectfinance, a captao de recursos necessrios para o seu financiamento umponto central. O atributo principal da dvida (debt) especificamente oretorno sobre o investimento, compatvel com o retorno tradicionalmenteauferido em operaes de crdito, mas provisionando proteo contra perdasprovenientes, principalmente, dos ativos do projeto.

    Esse tipo de financiamento freqentemente provido por colocaes priva-das (quer dizer, negociaes entre o acionista e os investidores). Alternati-vamente, esse financiamento pode, em certas circunstncias, ser viabilizadovia mercado de capitais (por exemplo, ttulos pblicos).

    Os crditos concedidos por construtores contratados (contractors), fornece-dores (suppliers) e compradores (purchasers) so mais uma forma definanciar as estruturas deproject finance. Alm desses, o leasing tambmmuito utilizado para o financiamento de mquinas e equipamentos, oumesmo imveis no caso de lease back. Muitas vezes, determinados projetosdestinam-se a atender s necessidades de determinado comprador (consu-midor). O caso do setor eltrico bem ilustrativo, pois as distribuidoras deenergia eltrica constroem, ou incentivam a construo, de plantas de gera-o para que, dessa forma, haja capacidade para atender sua demanda.

    Fornecedor no se restringe apenas ao fornecedor do insumo utilizado, porexemplo, na produo de energia, mas so tambm as mquinas e equipa-

    mentos necessrios sua perfeita operao. No que tange ao comprador,podemos citar as distribuidoras, os comercializadores e os grandes consu-midores de energia eltrica. Os contratos de garantia firme de compra daenergia viabilizam a concesso de financiamentos; caso em que a clas-sificao de risco de um projeto em operao desloca-se da SPE para o ratingdas compradoras.

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    Muitas agncias governamentais (Eximbanks) oferecem, diretamente ouatravs de repasses dos fabricantes de equipamentos, financiamentos con-dicionados a compras de certos produtos ou servios (suppliers e tiedcredits). So tambm comuns os financiamentos com um teto de juros, apso qual os valores devidos so transformados em capital (sweat capital).

    Recursos Hbridos (Quasi Equity)

    Essa terceira forma de investimento, como o prprio nome exprime, uma

    mescla das duas alternativas apresentadas anteriormente, a qual denomina-se quasi equity. Significa uma modalidade de financiamento que freqente-mente tem a forma de recursos de terceiros, mas com algumas caractersticasde recursos prprios. Esto includas, nesta categoria, as debntures conver-sveis, os commercial papers de curtssimo prazo, entre outros inves-timentos que possuem atributos de debte equity. Sua caracterstica jurdica o fato de serem preferidos pelos demais credores em caso de quebra, spreferindo aos scios, o que d aos demais credores a certeza de no divi-dirempro ratao retorno judicial.

    Utilizemos o caso de uma debnture que um instrumento tpico de recursosde terceiros, pois no pressupe uma possvel participao acionria. J no

    caso de uma debnture conversvel em ao, ela pode ser caracterizada comorecurso prprio, caso a opo seja realizada. Para tanto, o mercado decapitais o canalizador dessa modalidade de financiamento, pois atravsdele que os demais agentes so acionados.

    8. Fontes de Financiamento27

    Os investimentos no setor de infra-estrutura demandam alto volume derecursos, sendo necessrio envolver diferentes fontes de financiamento afim de levantar os recursos necessrios para a implementao do projeto.Para tanto, sero relacionadas a seguir as principais fontes de financiamentoutilizadas pela estrutura de project finance. Cada uma delas desempenhauma funo dentro dessa estrutura, mas o grande diferencial do project

    finance obter o comprometimento de todos agentes na viabilidade doprojeto.

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    27 As informaes dos rgos citados neste trabalho esto disponveis em seus stios eletrnicos nainternet.

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    Os investidores mais importantes de umproject financeem infra-estrutura,alm dos fornecedores na fase de construo, so agentes que tenhamdisponibilidade de fontes (funding) de longo prazo e que necessitem de re-cursos perenes, tais como fundos de penso e as reservas tcnicas de ins-tituies financeiras e de seguradoras.

    Em operaes internas, h uma grande distoro pelo peso expressivodo BNDES no papel de provedor de recursos de longo prazo, atuandoquer diretamente, quer atravs de agentes repassadores, quer em rendafixa, quer em renda varivel.

    Em operaes internacionais ou com parceiros internacionais, podem par-ticipar agncias multilaterais e agncias bilaterais (agncias de crdito exportao, agncias de seguro e garantia e agncias de desenvolvimento),tema j bastante explorado na literatura [Azeredo (1999)]. Tambm tmparticipado de operaes deproject financebancos comerciais, que atuamno s como financiadores, mas muitas vezes tambm como consultoresfinanceiros. Dessa forma, difere-se das modalidades convencionais de con-cesso de crdito, pois, em geral, os recursos so viabilizados atravs deconsrcio (ou sindicalizao) de bancos.

    Um dos principais fatores de sustentabilidade do crescimento de uma

    economia a gerao de poupana interna, de forma continuada, a fim deser canalizada para financiar o setor produtivo via sistema financeiro. Nessecampo destacam-se os investidores institucionais: as EFPPs (entidadesfechadas de previdncia privada), os fundos mtuos de investimento, asseguradoras [Pereira, Miranda e Silva (1997)].

    As EFPPs so mais conhecidas como fundos de penso, sendo elas ins-tituies mantidas pela contribuio peridica de seus associados e acionis-tas que, com o objetivo de valorizar seus patrimnios, aplicam suas reservasem vrios ativos, contudo respeitando os limites legais.

    A maioria dos pases centrais, com exceo do Japo e da Alemanha,

    apresentou um expressivo crescimento dos ativos de seus fundos de penso,como proporo da poupana financeira pessoal e do PIB. Apesar de aspercentagens serem distintas, vale ressaltar a sua importncia na gerao depoupana interna a fim de financiar os setores demandantes. Dessa forma,configura-se como o grande desafio a criao de um mercado atuantede emprstimos de longo prazo e instrumentos financeiros apropriados demanda do setor.

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    As seguradoras podem participar do financiamento de um projeto de duasformas. Na primeira, elas atuam na mitigao dos riscos atravs da conces-so de seguros e garantias, em que no h necessariamente desembolso derecursos.

    J a segunda modalidade, diz respeito ao potencial e s necessidades queessas empresas possuem em encontrar produtos ou projetos de investimentoque se enquadrem com seu perfil de compromissos de mdio e longo prazos(reservas tcnicas etc.).

    Os fundos mtuos de investimento so constitudos sob a forma de con-domnios abertos e administram recursos de poupanas do pblico, des-tinados aplicao em carteira diversificada de ttulos e valores mobilirios.Sendo assim, uma fonte de recursos para investimento em capital perma-nente de empresas.

    Os fundos de investimento em infra-estrutura so investidores bastanterecentes no mercado internacional, cujo crescimento iniciou-se na dcadade 1980. Tais fundos podem apoiar projetos de infra-estrutura ou empresasque atuam no setor, basicamente de duas formas: investimentos atravs departicipaes acionrias e financiamentos. A maior parte dos fundos es-tabelecidos atua atravs de participaes acionrias, buscando altos retor-

    nos, normalmente associados ao investimento como acionista.

    Os principais investidores desses fundos so: fundos de penso; empresasfornecedoras de equipamentos e servios para projetos de infra-estrutura,com interesse de promover as vendas do seu produto; agncias multilaterais,como o BID, o IFC e a Opic; bancos comerciais; seguradoras, como a AIG;e grandes investidores, como Soros Capital Inc., entre outros.

    As fontes locais de financiamento variam de pas para pas, sendo as maisusuais os investimentos pblicos concedidos pelos bancos estatais e pelasagncias de fomento; mercado de capitais; a oferta de matria-prima esistema de transporte subsidiado etc.

    Tomar recursos ou levantar capital no mercado de capitais local, muitasvezes, uma boa maneira de reduzir o risco poltico, ao julgarmos que ogoverno no empreenderia aes que pudessem prejudicar o desempenhodo projeto.

    As formas usuais de se levantarem recursos no mercado de capitais soatravs de certificado de depsito bancrio (CDB), commercial papers,

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    debntures, lanamento de aes etc. Elas constituem uma importante fontede recursos de curto prazo para esse tipo de financiamento. A sua venda nose limita exclusivamente ao mercado local, podendo ser estendida a inves-tidores estrangeiros e at mesmo ser lanada em outros mercados.

    O mercado de capitais uma fonte potencial de financiamento, mas ospases em desenvolvimento ainda no podem contar com essa fonte derecurso em funo de sua incipincia. Esperava-se que o desenvolvi-mento das economias dos pases emergentes impulsionasse tambm osseus mercados de capitais, embora a realidade venha mostrando a con-centrao dos mercados de capitais em poucos centros internacionais.

    A esperada retomada dos investimentos no Brasil questionaria a pos-sibilidade de reproduo do antigo modelo de financiamento, apresentandocomo alternativas: a) a expanso do mercado de capitais, de modo a viabi-lizar o financiamento direto em larga escala; e b) a formao de um sistemade crdito bancrio privado de longo prazo, em substituio ao crditopblico e externo.

    Como se procurou mostrar neste trabalho, devido ao risco envolvido, umproject financetem, normalmente, vrios patrocinadores (scios ou no) evrios financiadores (bancos ou no). Isso gera a contratao de uma infi-

    nidade de prestadores de servios acessrios, tais como, corretoras, agentesfiducirios, auditores, escritrios de advocacia, firmas de engenharia, rbi-tros, consultores etc, dando mais complexidade e encarecendo a operao.

    9. Project Financeno BNDES

    O resultado da experincia do BNDES em operaes corporativas e o examedos pontos aqui citados, tanto na bibliografia como nos estudos realizadosdentro do BNDES, permitiu que se pinassem alguns instrumentos que fo-ram utilizados originalmente em operaes do setor de telecomunicaes edepois no setor de energia. Todas as operaes de financiamento de teleco-

    municaes (1997/2002) e as do setor de energia de 2001/02 foram utiliza-das para esta anlise.

    O aspecto central foi a lenta evoluo da compreenso de que no seriapossvel a aplicao de princpios puros deproject financeno Brasil. Nossetores mencionados no possvel trabalhar simplesmente com os receb-veis dos projetos, pois o valor fundamental, que a concesso, no pode ser

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    objeto de transao, impedindo os credores de trazerem para si o projeto.Isso obrigou a exigncia de garantias, que foram alm dos recebveis e dosativos dos projetos em questo.

    Entretanto, a possibilidade de constiturem-se SPEs (segregao), o consr-cio de bancos, as garantias de fornecedores (alocao diferenciada de riscos)e a utilizao de covenantsconstituram-se em operaes hbridas com mui-to mais sofisticao que as experincias anteriores (plos petroqumicos).Por exemplo, pelo uso de emprstimos-ponte atravs de repasses, totalmenteem bases corporativas, cobrindo a fase de implantao, mas permitindo amigrao para garantias de recebveis a partir da fase de operao.

    As parcerias com os demais partcipes da operao (bancos, fornecedores,operadores etc.) deram novo contorno aos contratos do BNDES, tomandocomo exemplo os contratos de Depsito, Cobrana e Outras Avenas,utilizados pelos bancos credores como forma de usar os recebveis do projetocomo meio de pagamento ou como garantia. Isso sem que o BNDES fizesseparte dos consrcios de seus agentes repassadores. Compostos sempre dedois ou mais bancos, entrando com risco e sua experincia operacional emabertura e controle de contas centralizadoras de receita ou pagadoras. Asgarantias foram sempre compartilhadas e as negociaes de eventuaisproblemas tocadas em conjunto.

    Os covenantssempre foram utilizados pelo BNDES, existindo at clusu-las-padro publicadas emDirio Oficialpara serem tornadas parte integran-te dos contratos. Entretanto, sua utilizao como instrumentos de confortoou de acompanhamento de indicadores financeiros foi levada a extremos desofisticao que permitem demonstrar a nova qualidade dessa engenhariafinanceira moderna. Os contratos feitos com o setor de telecomunicaes,muitos deles de domnio pblico, so exemplos dessa nova postura deacompanhamento de crdito. Tambm, os covenantsforam utilizados parainduzir a compra de equipamentos e servios com origem no Pas.

    Respeitou-se o limite mnimo de 20% de capital prprio, sendo 30% umpatamar mais desejvel. As operaes de emprstimo de longo prazo tive-ram, normalmente, 70% de repasses e 30% de participao direta do BNDES.

    Sob esses aspectos podem-se reavaliar as caractersticas descritas no item 3retro, deste trabalho, da seguinte forma:

    i) existncia como um investimento econmico separado preferencial-mente segregado em uma SPE: embora as operadoras de telefonia ce-

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    lular pudessem ser identificadas como projetos economicamente isola-dos, as operaes em telefonia fixa comumente abriam-se em diversosoutros negcios como call-centerse outros servios (como atividadedireta ou sob controladas), tornando o fluxo de caixa mais de acordocom operaes de crdito corporativo, fazendo com que vrias opera-es apenas utilizassem instrumentos deproject finance, sem poderemser caracterizadas como tal.

    ii) porte elevado de investimento, exigindo um alto grau de alavancagempor parte dos acionistas caso fosse financiado atravs de financiamen-to corporativo: sem dvida, as operaes do setor hidreltrico seriama enquadradas, mas no necessariamente as termoeltricas, nem tam-pouco as de TV a cabo, levando tambm a operaes hbridas;

    iii) bom nvel de previsibilidade sobre o fluxo de caixa e a taxa de retorno,como no caso de um monoplio natural, reduzindo assim o riscomercadolgico do servio ou produto ofertado: embora o setor deeletricidade seja um monoplio (natural e/ou legal), mesmo a a previ-sibilidade da receita provou-se falha com os problemas ligados escassez de gua, igualmente, o setor de telefonia celular jamais gozoude um bom patamar de previsibilidade, levando-se em conta a compe-tio (incluindo os novos entrantes); ou seja, temos novamente poucasaplicaes de embasamento puro em fluxo de caixa do projeto;

    iv) segregao e alocao de riscos entre os mltiplos participantes, coma reduo de solidariedade dos scios: a diluio de riscos entre vriosparticipantes foi a caracterstica das operaes de telefonia e de energiana qual mais amplamente pudemos encontrar o uso de instrumentosprprios doproject finance, seja pela interveno dos fornecedores econstrutores assumindo risco nos dois setores, seja pela prtica cons-tante dos consrcios de bancos credores. Em compensao, o pedidonormalmente feito de fiana (do acionista ou bancria), ainda quelimitada, descaracterizou completamente a quase totalidade dessasoperaes comoproject finances;

    v) possibilidade de os credores/interessados poderem tomar medidasefetivas para trazerem a si a execuo ou operao do projeto em casode necessidade: essa caracterstica provou-se invivel na prtica brasi-leira, devido s limitaes para se tomar uma concesso de serviospblicos do grupo a que ela foi concedida. A semelhana com um

    project finance ficou na utilizao de indicadores financeiros comocovenantsnos contratos, servindo como eventos de mitigao de riscodos credores.

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    Assim, com base no exame feito pelos autores, apontando sempre a exis-tncia de elementos estranhos centralizao do risco no fluxo de caixa doprojeto, pode-se dizer que no houve nenhum project finance puro nasoperaes realizadas pelo BNDES em Telecomunicaes ou Energia, em-bora seja claro que os instrumentos deproject financepassaram a fazer partecorriqueira das anlises e dos contratos.

    10. Vantagens de um Project Finance

    As vantagens proporcionadas pela utilizao do project finance, comomecanismo de financiamento, j foram de alguma forma mencionadasanteriormente, cabendo, a seguir, uma descrio mais detalhada de cada umadelas.

    Aumento da Alavancagem Financeira

    Essa modalidade de financiamento proporciona uma significativa ala-vancagem financeira para os acionistas, possibilitando que eles partici-pem de diversos projetos, comprometendo um reduzido volume decapital, oferecendo a possibilidade de diversificao de sua carteira de

    projetos e o aumento do retorno sobre o capital investido, desde que ocusto da dvida(lquido do impacto do imposto de renda28) seja inferiorao retorno do projeto sem dvida.No exterior, a dvida pode vir a participarem at 100% dos recursos necessrios para o investimento (apesar de osnveis normalmente praticados variarem de 60% a 80% do projeto, depen-dendo da capacidade financeira e dos riscos do projeto). Portanto, asvantagens para o acionista privado tambm se convertem em vantagenspara o Estado, uma vez que oproject financese trata de uma forma dealavancar investimentos em reas nos quais os altos montantes envol-vidos, os diversos riscos e o longo prazo de maturao so fatoreslimitadores para que a iniciativa privada29 comprometa seu capital[Azeredo (1999)].

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    28 Custo lquido da dvida: i x (1-T), onde i = taxa de juros e T = alquota do imposto de renda, clculoadotado considerando-se o benefcio da dedutibilidade dos juros para fins fiscais.

    29 O investimento de um patrocinador privado persegue uma lgica distinta da pblica, por exemplo,o investidor privado , naturalmente, propenso diversificao e mais preocupado com o retornosobre o capital investido. Quanto menor for a exposio do patrocinador no projeto, maior poderser a sua atratividade final.

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    Tratamento Contbil Distinto entre a Empresa-Me e a SPE

    Muitos autores30argumentam que uma das principais vantagens doprojectfinance a obteno de financiamento fora do balano (off balance sheet),evitando uma possvel contaminao entre os balanos da empresa-me e oda SPE. O tratamento contbil distinto proporciona aos credores uma maiortransparncia em relao capacidade financeira da SPE, justamente porterem abdicado da carteira de ativos bem como do fluxo de caixa de outrosnegcios dos acionistas. J os acionistas, principalmente os que tm as suas

    aes negociadas em bolsa de valores, vislumbram, com essa modalidadede financiamento, reduzir os indicadores de endividamento.

    Outros autores, como Finnerty (1999), questionam essa vantagem utilizandoa seguinte justificativa:

    O risco financeiro no desaparece simplesmente porque a dvida relacionadaao projeto no registrada no corpo do balano. A atividade contbil, pelomenos nos EUA, apertou as exigncias de divulgao em notas de rodap, nosltimos anos. Num mercado razoavelmente eficiente aquele em que inves-tidores e rgos classificadores processam todas as informaes financeirasdisponveis de forma inteligente , os benefcios do tratamento fora do balanoprovavelmente se mostraro ilusrios.

    Alm disso, a multiplicidade de participantes (scios, financeiras, segu-radoras, fornecedores, compradores, construtores etc.) exige prticassofisticadas de governana corporativa, adequadas a joint ventures.Compreendendo-se governana corporativa como o estudo da distribuiodo poder em sociedades privadas e de sua contestabilidade. O project

    financevem contribuindo com inmeros exemplos de acordo de acionistas,contratos de compartilhamento de garantias atravs de um agente fiducirio,criao de covenantsacompanhados por auditorias especializadas (contbeis,ambientais, legais etc.). Todos esses contratos representados por instrumentoscujas clusulas exigem transparncia e diferentes graus de parceria.

    Segregao de RiscosA segregao dos riscos e, conseqentemente, de recursos entre os partici-pantes torna essa estrutura de financiamento mais atrativa para os setoresintensivos em capital, como o de infra-estrutura.

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    30 Podemos citar Nevitt & Fabozz (1995); Garcia (1995), entre outros.

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    Segundo Finnerty (1999), o processo de avaliao e anlise pelo qual passao projeto reduz sensivelmente a assimetria de informaes, podendo refletirpositivamente numa reduo dos custos de financiamento.

    A segregao de risco e maior previsibilidade em relao ao retorno do pro-jeto atraem os diversos investidores31devido s taxas de remunerao docapital compatveis com as praticadas pelo mercado.

    Substituio de Garantias Usuais por Garantias dePerformance

    O grande benefcio da disseminao dessa modalidade de financiamen-to diz respeito substituio de garantias usuais (pouco efetivas pelaexigncia da execuo de contratos) pelas deperformance. Ou seja, asgarantias deperformancepermitem maior flexibilidade a acionistas ecredores.

    Em relao aos acionistas, a principal vantagem dispor da possibilidadede utilizar os ativos e os resultados do projeto ao invs de oferecer os seusativos como garantia. Sem dvida, para os credores, o fluxo de caixa doprojeto constitui-se numa garantia mais lquida do que os ativos, por

    exemplo, de uma usina hidreltrica.A utilizao dos covenants um grande avano, ao permitir um monitora-mento da performance financeira e administrativa do projeto, podendoimplicar reduo de custos de financiamento justamente pela qualidade dasgarantias retidas pelos credores.

    11. Desvantagens

    Como foi dito anteriormente, a participao de um nmero maior deagentes constitui uma vantagem ao diluir os riscos entre eles. Por outrolado, a tentativa de compatibilizar os diferentes interesses dos agentesenvolvidos pode se tornar uma desvantagem, devido complexa es-trutura contratual necessria nesse tipo de operao. Geralmente, essetipo de estrutura consome inicialmente mais tempo que a modalidadede financiamento corporativo.

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    31 Principalmente os investidores estrangeiros mais agressivos, tendo em vista as baixas taxas de jurospraticadas no mercado internacional.

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    A maior complexidade dessa estrutura tambm eleva os custos detransao em razo das despesas legais envolvidas na elaborao doprojeto, pesquisa e gerenciamento de informaes e questes fiscais,preparao de documentao e o grande investimento de tempo degerncia. Quanto mais desconhecido o cenrio do projeto, maioressero o tempo de pesquisa e a busca por instrumentos de mitigao.Pode-se dizer que um primeiroproject financelevar mais tempo paraser estruturado e sair mais caro que uma operao tradicional. Apartir da, o tempo e o custo caem com a reutilizao dos instrumentose das parcerias.

    Cabe ressaltar que ao utilizar oproject finance, o scio est tambm secomprometendo a relatar todas as suas decises e atos administrativose financeiros aos financiadores, atravs de relatrios regulares: deinvestimentos fsicos, operacionais e situao contbil e financeira.Essaabertura de informaes somada ao fato de todos os contratos relacionadosao projeto constiturem parte das garantias fornecidas aos credores, ga-rantindo a estes, portanto, poder de interveno em muitas das decises aserem tomadas , pode ser considerada mais uma desvantagem (para opatrocinador) na medida em que restringe o poder de deciso do scio sobreo projeto [Azeredo (1999)].

    Em alguns casos, os riscos do projeto a ser financiado so to altos que oscustos de captao da SPE supera o dos seus scios, anulando, dessa forma,uma das principais vantagens dessa modalidade, que proporcionar SPEum ratingmelhor do que o de seus scios. Nesse caso, o project financepoderia ser justificado por motivos estratgicos. Teoricamente falando,como umproject financeconcentra todos os riscos em um s projeto,em vez de dilu-los, como numa operao tradicional corporativa, suaclassificao de risco tenderia a ser maior que a de seu grupo originador.

    A anlise das vantagens e dificuldades de se implementar oproject finance o primeiro passo para a deciso de adotar ou no essa modalidade. Oconhecimento do contexto macroeconmico, poltico, regulatrio e legal do

    pas onde o projeto ser instalado tambm relevante para essa anlise. Aimplementao doproject financeexige um ambiente macroeconmico elegal razoavelmente estvel, que permita um nvel aceitvel de previsibili-dade da gerao de caixa do projeto, assim como do comportamento dosagentes envolvidos e da validade jurdica dos contratos firmados. Este umdos principais desafios para a implementao dessa modalidade de finan-ciamento em mercados emergentes [Azeredo (1999)].

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    12. Comparao entre Project Financee12. Financiamento Corporativo

    De uma forma sinttica e utilizando os conceitos de Finnerty (1999), socomparados, a seguir, diversos pontos da modalidade de financiamentousual corporativo e doproject finance.

    Quanto Organizao

    Grandes empresas (atividades econmicas) so geralmente organizadas deforma corporativa (atravs de sociedades comerciais), incluindo vriosempreendimentos econmicos em seu bojo, em que fluxos de caixa de di-ferentes ativos e negcios podem se misturar. Se uma operao for estru-turada a partir dessas sociedades com mltiplos projetos no h segregaode risco por projeto. Diz-se, ento, que a operao (em base) corporativa(corporate finance).

    Noproject finance, ativos e fluxos de caixa relacionados a um determinadoprojeto so segregados das demais atividades dos acionistas (investidoresde capital de risco) atravs de uma sociedade de propsito especfico (SPE)ou special purpose company(SPC). O projeto pode ser organizado como

    parceria (sociedade, consrcio, condomnio ou associao) ou como socie-dade de responsabilidade limitada (S.A. ou Ltda.) para utilizar, de formamais eficaz, os benefcios desejados, por exemplo, fiscais (decorrentes devantagens legais reconhecidas a certas propriedades) ou, no caso mais co-mum para financiamento de projetos, buscando um equacionamento melhordas fontes a partir dos mritos de um projeto de explorao econmica.

    Quanto ao Controle e ao Monitoramento

    No corporate,h alguma modalidade de direito de regresso dos credorescontra os acionistas do projeto, e os riscos so diversificados entre os ativosda carteira deles. Certos riscos podem ser transferidos a terceiros, atravs

    da contratao de seguros, atividades de hedgingetc., mas sem eximir osscios controladores do amplo direito de gesto e da responsabilidaderesidual.

    Noproject finance, deve haver um limite claro de risco a ser assumido pelosscios e a exposio financeira dos credores especfica para cada projeto.As condies contratuais redistribuem riscos relacionados ao projeto entre

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    as partes que melhor possam assumi-los (fornecedores, construtores, opera-dores etc.). O project finance pressupe alguma medida de comparti-lhamento das decises entre os tomadores de risco.

    Quanto Flexibilidade Financeira

    Um financiamento de projeto pode ser rapidamente montado no crditocorporativo (com base na classificao de risco da sociedade multiprojetosoriginal), e os recursos gerados internamente (nos mltiplos projetos exis-

    tentes) podem ser usados para financiar outros projetos, evitando as exign-cias e os custos dos mercados financeiro e de capitais.

    No project finance, os arranjos financeiros so altamente estruturados,complexos e grandes consumidores de tempo, envolvendo maior volume deinformaes, contratos e custos de transao. Fluxos de caixa, geradosinternamente nos mltiplos projetos em bases corporativas do grupo, podemser reservados para os projetos considerados prioritrios, mas com baixaatratividade para o mercado, deixando as operaes estruturadas como

    project finance para alavancarem sozinhas seus recursos, em funo desinergias percebidas pelos terceiros interessados (venda de equipamentos,garantias de suprimento de insumo etc.).

    Quanto ao Fluxo de Caixa

    No corporate, os administradores tm amplo arbtrio com relao alocaodo fluxo de caixa lquido entre dividendos e reinvestimento. Os fluxos decaixa misturam-se e depois so alocados de acordo com a poltica corpora-tiva do grupo econmico a que pertencem.

    Noproject finance, os administradores da SPE tm arbtrio limitado comrelao alocao do fluxo de caixa lquido. Por contrato (por exemplo,conta corrente centralizadora de recebveis), normalmente, o fluxo de caixalquido pode ser distribudo aos investidores de capital de emprstimo, antesde qualquer distribuio de dividendos, por exemplo.

    Quanto a Custos de Intermediao

    Investidores de capital de risco esto expostos sozinhos aos custos financei-ros para o desenvolvimento de um projeto, no corporate. mais difcilsegregar a captao de recursos especficos para um determinado projeto,pois os recursos so captados tendo em vista uma necessidade multiprojetos,

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    alm das dificuldades em oferecer uma remunerao diferenciada para osdiversos fornecedores de capital. No corporate, os custos de intermediaoprovavelmente sero menos elevados, para os investidores de risco in-dividualmente, do que noproject finance, pois, devido baixa complexidadede sua estruturao, os custos de intermediao como um todo so subs-tancialmente menores para o corporatee para seus usurios, que pagaropelo servio/produto final.

    No project finance, os custos de intermediao dos recursos devem ser,

    embora menos racionalizados, diludos e deduzidos dos ganhos finais doprojeto. Incentivos gerncia de captao, realizada por terceiros, podemser atrelados ao desempenho do projeto e o problema do subinvestimentopode ser atenuado pela fiscalizao dos parceiros. O monitoramento maisrigoroso por parte dos investidores facilitado, ficando os custos (maisaltos) de intermediao, teoricamente, mais condizentes com os riscos doprprio projeto do que no financiamento corporativo.

    Quanto aos Contratos de Dvida

    No corporate, os credores valem-se de toda a carteira de ativos do acionistapara o servio da dvida. H uma segregao clara de interesses q