consideracoes sobre a apropriacao na arte

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 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PA RANÁ Hugo A lexandre da Silva Ferreira CONSIDER AÇÕES SOBRE A A PROPRIAÇÃ O NA A RTE CURITIBA 2011

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Consideracoes Sobre a Apropriacao Na Arte

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  • UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARAN Hugo Alexandre da Silva Ferreira

    CONSIDERAES SOBRE A APROPRIAO NA ARTE

    CURITIBA

    2011

  • CONSIDERAES SOBRE A APROPRIAO NA ARTE

    CURITIBA

    2011

  • Hugo Alexandre da Silva Ferreira

    CONSIDERAES SOBRE A APROPRIAO NA ARTE

    Monografia apresentada como requisito parcial obteno do grau de Especialista em Ensino das Artes Visuais, Universidade Tuiuti do Paran, Programa de Ps-Graduao, Especializao em Ensino das Artes Visuais: Prticas Pedaggicas e Linguagens Contemporneas. Orientadora: Prof. Ms. Simone Landal

    CURITIBA

    2011

  • TERMO DE APROVAO Hugo Alexandre da Silva Ferreira

    CONSIDERAES SOBRE A APROPRIAO NA ARTE

    Esta monografia foi julgada e aprovada para a obteno do ttulo de Especialista em Artes Visuais do Curso de Ps-Graduao latu sensu Ensino das Artes Visuais: Prticas Pedaggicas e Linguagens Contemporneas da Universidade Tuiuti do Paran.

    Curitiba, 14 de maro de 2011.

    Prof. Ms. Renato Torres

    Coordenador do Curso de Ps-Graduao Ensino das Artes Visuais: Prticas Pedaggicas e Linguagens Contemporneas

    Universidade Tuiuti do Paran

    Orientador: Prof. Ms. Simone Landal Universidade Tuiuti do Paran

    Curso de Ps-Graduao Ensino das Artes Visuais: Prticas Pedaggicas e Linguagens Contemporneas

    Prof. Dr. Artur Freitas Faculdade de Artes do Paran

    Curso de Licenciatura em Artes Visuais

  • Dani

  • AGRADECIMENTOS

    A um Deus chamado Me, o qual eu acredito e deposito a minha f.

    minha orientadora Prof. Simone Landal, por botar meus ps no cho. Pessoa a

    qual tenho muita admirao pela sua inteligncia e competncia. Agradeo a sua

    pacincia e espero que esta pesquisa no seja um ltimo contato. Ainda tenho muito

    que aprender contigo.

    Aos professores da especializao. Em especial ao Renato Torres, eterno professor

    e amigo, sem este no seria possvel a concretizao desta pesquisa. Agradeo

    pela pacincia com este seu aluno um pouco indisciplinado. E Joslia S. Salom,

    com o olhar de chefe, mas com esprito maternal, pela pacincia, apoio e

    compreenso.

    turma toda da ps, que enfrentou esta comigo.

    minha famlia, em especial meu pai e minha av Regina, que me alimentou com

    seu macarron nos almoos entre as aulas. minha irm Sandra, meu irmo Renan

    e meu amigo/irmo Samuel, por saber que querem o meu bem. Ao Nivaldo, por

    apoiar e ter pacincia com este que lhe veio de brinde.

    Daniele, pelo companheirismo, pelo apoio, pelo capricho, pela correo

    ortogrfica, pela dedicao, pela pacincia com este louco dentro de casa e pelo

    amor. Agradeo e lhe dedico esta pesquisa.

    Agradeo a todos.

  • o novo

    no me choca mais

    nada de novo

    sob o sol

    apenas o mesmo

    ovo de sempre

    choca o mesmo novo

    Paulo Leminski

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .......................................................................................................11

    2 CONCEITUANDO E CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAO NA ARTE .......14

    2.1 CONCEITUANDO A APROPRIAO NA ARTE ................................................14

    2.2 CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAO NA ARTE: ANTECEDENTE

    HISTRICO - ARTE MODERNA SCULO XIX ........................................................17

    2.2.1 O realismo integral de Gustave Courbet ..........................................................18

    2.2.2 O realismo visual de douard Manet ...............................................................20

    2.2.3 A fotografia e outras transformaes ...............................................................22

    2.2.4 Os impressionistas ...........................................................................................23

    3 ARTE MODERNA : PRIMEIRA METADE DO SCULO XX..................................27

    3.1 VANGUARDAS ...................................................................................................28

    3.1.1 Colagem ................................................................................................30

    3.1.2 Ready-made ..........................................................................................33

    3.1.3 Fotomontagem .................................................................................................37

    3.1.4 Termos genricos ............................................................................................40

    4 ARTE CONTEMPORNEA: SEGUNDA METADE DO SCULO XX...................45

    4.1 NEO-DAD .........................................................................................................46

    4.2 POP-ART ............................................................................................................52

    4.3 NEOVANGUARDA e PS-VANGUARDA ..........................................................59

    5 CONSIDERAES FINAIS....................................................................................68

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .........................................................................71

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 01 - MANET, douard, Olympia, 1863.....................................................................16

    FIGURA 02 - TICIANO. Vnus de Urbino, 1538.....................................................................16

    FIGURA 03 - GIORGIONE. Vnus dormindo, 1508...............................................................16

    FIGURA 04 - COURBET, Gustave. O quebra-pedras, 1849..................................................18

    FIGURA 05 - COURBET, Gustave. O encontro, ou Bonjour Monsieur

    Courbet, 1854........................................................................................................................19

    FIGURA 06 - MANET, douard. L djeuner sur lherbe, 1863.............................................20

    FIGURA 07 - NIPCE, Joseph Nicphore. Vista da janela em Le Gras ,1827......................22

    FIGURA 08 - MONET, Claude. Impresso, nascer do sol, 1872...........................................23

    FIGURA 09 - COURBET, Gustave. O ateli do artista, 1855.................................................23

    FIGURA 10 - DEGAS,Edgar. O Ballet Clssico, entre 1871 e 1874......................................24

    FIGURA 11 - CZANNE, Paul. O Monte Sainte-Victoire,1902-04.........................................25

    FIGURA 12 - SEURAT,Georges. Um domingo na Grande Jatte, 1884.................................29

    FIGURA 13 - BALLA, Giacomo. Dinamismo de um co na coleira, 1911..............................29

    FIGURA 14 - CARR, Carlo. Demonstrao para interveno na guerra, 1914...................30

    FIGURA 15 - SEVERINI, Gino. Natureza-Morta com revista literria "Nord Sud"

    (Homenagem Reverdy), circa 1917.....................................................................................30

    FIGURA 16 PICASSO, Pablo. Natureza-Morta com palhinha, 1912..................................31

    FIGURA 17 - BRAQUE, Georges. Still Life with Tenora, 1913..............................................32

    FIGURA 18 - PICASSO, Pablo. Violino, 1912........................................................................32

    FIGURA 19 - DUCHAMP, Marcel. Roda de Bicicleta, 1913...................................................33

    FIGURA 20 - DUCHAMP, Marcel. Suporte de Garrafas, 1914, rplica 1964.........................34

    FIGURA 21 - DUCHAMP, Marcel. Fonte, 1917, rplica, 1964...............................................35

    FIGURA 22 - HAUSMANN, Raoul. ABCD, 1923-24...............................................................38

    FIGURA 23 - HCH, Hannah. Cortado com a Faca de Cozinha DADA Atravs

    da Pana de Cerveja da ltima poca Cultural da Alemanha de Weimar, 1919...................38

  • FIGURA 24- HEARTFIELD, John. Adolf, O Super-Homem Engole Ouro e

    Vomita Lixo, 1932...................................................................................................................40

    FIGURA 25 - RAY, Man. O presente, 1921, replica 1972.....................................................41

    FIGURA 26 GIACOMETTI, Alberto. Disagreeable Object. 1931.........................................41

    FIGURA 27 - OPPENHEIM, Meret. Le Djeuner em Fourrure, 1936.....................................41

    FIGURA 28 - PICASSO, Pablo. Cabea de touro, 1942........................................................42

    FIGURA 29 - DUBUFFET, Jean. Butterfly -Wing Figure, 1953..............................................43

    FIGURA 30 - RAUSCHENBERG, Robert. Cama, 1955.........................................................47

    FIGURA 31 - JOHNS, Jasper. Nmeros em cores, 1958-1959.............................................49

    FIGURA 32 - JOHNS, Jasper. Bandeira, 1954-55.................................................................50

    FIGURA 33 JOHNS, Jasper. Cortina, 1959........................................................................51

    FIGURA 34 - HAMILTON, Richard. O que torna os lares de hoje

    to diferentes, to atraentes?,1956........................................................................................54

    FIGURA 35 - LICHTENSTEIN, Roy. Whaam!, 1963..............................................................55

    FIGURA 36 - WARHOL, Andy. Campbell's Soup Cans, 1962..............................................56

    FIGURA 37 - RAUSCHENBERG, Robert. Desenho de De Kooning apagado, 1953 ...........63

    FIGURA 38 LEVINE, Sherrie. Sobre Walker Evans n 2, 1981..........................................64

    FIGURA 39 - DUCHAMP, Marcel. L.H.O.O.Q, 1919..............................................................66

    FIGURA 40 DUCHAMP, Marcel. L.H.O.O.Q. Rase, 1965.................................................66

  • RESUMO

    Esta monografia apresenta uma investigao sobre a apropriao na arte, entendendo seu incio no comeo do sculo XX na Arte Moderna e se desdobrando at a Arte Contempornea. Optamos em apresentar apenas os principais modos de apropriao, como meio delimitador, como tambm, por um recorte histrico na Arte Contempornea, chegando at os anos 80, pois a produo artstica com o auxlio da apropriao a partir desta poca torna-se vasta, sendo necessria uma outra pesquisa, mais extensa e aprofundada. A pesquisa representa uma contribuio aos estudos sobre apropriao na arte no contexto universitrio, haja vista o tema ser tratado de um modo fragmentado entre os referenciais tericos. A pesquisa foi desenvolvida segundo uma abordagem qualitativa e utilizamos fontes bibliogrficas que discorressem sobre teoria e histria da arte. Atravs deste mtodo de pesquisa buscamos identificar e conceitualizar o termo da apropriao, como tambm, investigar as causas que desembocaram nas primeiras apropriaes. Com isto, investigamos a histria a partir da concepo de realidade da poca, o que resultou no tema do desejo de ruptura da representao da realidade que permeou toda a pesquisa. A partir da apropriao de materiais heterclitos ainda no modernismo, investigamos a passagem deste para uma apropriao da imagem j na Arte Contempornea e tambm a ruptura da representao da realidade e o embaralhamento da arte com a vida. A partir das proposies vanguardistas, resultou numa investigao da apropriao na arte neovanguardista e ps-vanguardista, entendendo um possvel ocaso das vanguardas em meados dos anos 70. A apropriao desde o seu surgimento implicou em inmeros questionamentos acerca da arte, e, mesmo que seu ato torne-se repetitivo, continua a oferecer uma grande investigao sobre o tema. Palavras-chave: Apropriao, Arte Moderna, Arte Contempornea, vanguardas.

  • 11

    1 INTRODUO

    Esta pesquisa apresenta uma investigao sobre a apropriao na arte,

    entendendo seu incio na arte moderna e se estendendo para a arte contempornea.

    O interesse pela pesquisa surgiu de nossa tentativa de compreenso da apropriao

    na arte em geral. Devido ao fato de sermos artista e pblico percebemos a

    apropriao em diferentes contextos, seja ela histrica ou contempornea. Essas

    diferentes manifestaes de apropriao nos conduziram ao interesse pelo olhar do

    pblico de Arte, que vai s exposies e pesquisa os perodos histricos, seja pela

    convivncia, ou seja, pela teoria.

    O fato da apropriao estar presente contemporaneamente em exposies,

    e por ser um grande agente ativo nas transformaes da arte, justifica a relevncia

    de tal pesquisa, como tambm, nas consultas bibliogrficas, o tema se apresenta

    fragmentado e muitas vezes algumas questes terminolgicas acabam se

    confundindo com outras.

    Com isto surgiram questes como: O que apropriao na arte? Existe

    diferena entre termos prximos como apropriao e citao? O que levou a serem

    realizadas as primeiras apropriaes? Quais so os diferentes tipos de apropriao?

    E quais so as caractersticas da apropriao na Arte Moderna e na

    Contempornea?

    Para tais perguntas, traamos uma questo geral que se trata em investigar

    o uso da apropriao na Arte. Pela extenso e pela fragmentao dos textos

    recolhidos, acarretaram-se trs questes especficas, onde procuramos,

    primeiramente, conceituar o termo da apropriao e diferenci-la da citao, haja

  • 12

    vista so encontradas muitas confuses a cerca dos termos. Em conjunto,

    pesquisamos os momentos antecedentes apropriao, em busca de um possvel

    esclarecimento dos fatos. Partimos dos artistas que de uma forma ou de outra

    tentaram uma aproximao da arte com a realidade. Com isto chegamos na Arte

    Moderna da segunda metade do sculo XIX, com os primeiros modernos Courbet e

    Manet, sob a orientao da concepo de realidade destes artistas, at os

    impressionistas. Para isto utilizamos como principal referencial terico o livro Arte

    Moderna de Giulio Carlo Argan, com pontuaes de Antoine Compagnon com o livro

    Os cinco paradoxos da modernidade.

    No terceiro captulo, j entramos em contato com as primeiras apropriaes

    na arte, atravs das vanguardas artsticas, com as colagens cubistas, como

    tambm, oferecemos outras categorias de apropriao na arte moderna na primeira

    metade do sculo XX, como os ready-mades de Marcel Duchamp, as fotomontagens

    dadastas, o objet trouv surrealista e a assemblage, que primeiramente surgiu

    como a incorporao de materiais heterclitos na obra de arte, sejam eles orgnicos

    ou industriais, para posteriormente, desdobrar-se e tornar-se um termo quase

    generalizante das outras categorias. Para este captulo continuamos com os

    mesmos autores citados acima, como tambm utilizamos fragmentos de vrios

    textos, dentre eles o As vanguardas artsticas de Mario De Micheli, o Lies das

    coisas de Agnaldo Farias, o A fotomontagem como funo poltica Annateresa

    Fabris e o Da arte: sua condio contempornea de Luciano Vinhosa Simo.

    No quarto e ltimo captulo, nos encontramos com a apropriao realizada

    na Arte Contempornea, entendendo seu incio, por volta de 1955, com Jasper

    Johns. Na primeira parte deste captulo tambm chegamos ao trmino da tentativa

    do artista romper a barreira que havia entre a arte e a realidade, que permeou toda a

  • 13

    pesquisa desde ento. Como tambm na segunda parte deste captulo,

    encontramos com a Pop Art, a qual a apropriao deixa de pertencer ao plano

    matrico para se transformar em imagem. E na ltima parte, uma pequena

    considerao acerca da produo realizada aps as vanguardas artsticas, na ps-

    vanguarda, entendendo um possvel ocaso das vanguardas no final da dcada de 70

    do sculo XX. Optamos por fazer um recorte histrico, chegando at os anos 80,

    dando uma possibilidade de entendimento de parcelas da produo contempornea,

    mas no toda ela. Pois a partir desta poca, a produo artstica com o ato

    apropriacionista torna-se abundante, o que necessrio uma outra pesquisa

    futuramente, mais extensa e aprofundada. Para este captulo, alm dos j citados,

    optamos pelo livro de Michael Archer, Arte contempornea: uma histria concisa e o

    livro de Alberto Tassinari, O espao moderno, para pontuar a passagem da Arte

    Moderna para a Arte Contempornea. Para as transformaes que ocorreram no

    mundo e no mundo da arte, utilizamos na pesquisa toda, o livro de Maria Lcia

    Bueno, Artes plsticas no sculo XX: modernidade e globalizao. Para a

    transfigurao do problema das Belas-Artes em problemas da Arte em geral,

    utilizamos o texto O que fazer da vanguarda?Ou o que resta do sculo 19 na arte do

    sculo 20? de Thierry de Duve. Para algumas questes especficas sobre

    apropriao o texto Procedimentos alegricos: apropriao e montagem na arte

    contempornea de Benjamin Buchloh. E para as questes da neovanguarda, os

    livros Teoria da vanguarda de Peter Brger e Recodificao de Hal Foster, e ps-

    vanguarda em A Apropriao da Tradio Moderna de Ricardo Nascimento Fabbrini.

  • 14

    2 CONCEITUANDO E CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAO NA ARTE

    2.1 CONCEITUANDO A APROPRIAO NA ARTE

    O termo Apropriao, na sua forma literal, define-se como o ato de tomar

    posse daquilo que no lhe pertencia e o torna prprio. Em artes, o termo, difundido e

    utilizado a partir do final dos anos 70, expressaria a incorporao de materiais

    mistos e heterogneos que no faziam parte da produo artstica do passado,

    como tambm o apossamento de signos emblemticos da cultura de massa e como

    a utilizao da imagem de uma outra obra de arte (ou da prpria obra de arte).

    Mesmo que o termo no tenha sido proferido em seu momento inicial, temos

    como marco da apropriao na arte as primeiras colagens, no incio do sculo XX,

    do cubismo sinttico de Pablo Picasso e Braque. A colagem, como meio operador

    tcnico, ocorre quase simultaneamente com outras correntes artsticas e com os

    ready-mades de Marcel Duchamp, o que implica que, de uma forma ou de outra, o

    uso de materiais heterclitos compondo a feitura do objeto artstico no poderia ficar

    para mais tarde. Porm, no uso destes materiais at ento estranhos natureza da

    arte, nos diversos movimentos que se seguiram durante o incio do sculo XX,

    encontraremos associaes com o ato de apropriao destes materiais, mas em

    seus propsitos encontraremos vrios pontos de divergncia, at mesmo numa

    parceria estilstica como a de Picasso e Braque.

    Anteriormente ao uso de materiais heterogneos no mbito artstico, o que

    caracterizamos hoje de apropriao, um outro termo com caractersticas prximas

    deste j vinha sendo realizado por toda histria da arte, mas que tambm s ser

  • 15

    nomeada na mesma poca do termo apropriao, o termo da citao, ou melhor,

    Citacionismo.

    Para melhor entendermos o termo apropriao, e para no sermos

    confundidos com o termo citao ou citacionismo, no mbito da arte moderna e

    contempornea, analisaremos nesta pesquisa algumas obras e processos de

    criao de artistas que se utilizaram da apropriao de uma forma explcita e

    evidente, sendo necessrias algumas explicaes e definies de termos da

    linguagem utilizada na histria da arte mais recente.

    Na literatura, a citao geralmente utilizada sob a forma de texto e serve

    como apoio a uma pesquisa textual, servindo para afirmar ou refutar um certo

    pensamento. J em relao histria da arte, a citao tambm pode se apresentar

    sob a forma visual como, quando um artista utiliza a mesma imagem de um trabalho

    de outro artista para lhe dar um novo formato. As operaes e processos artsticos

    nos quais a citao o mtodo de base, levam o termo geral de Citacionismo:

    O termo se refere a um procedimento nas artes plsticas, principalmente nas artes moderna e contempornea, em que o artista faz uso de imagens j consagradas na histria da arte, como referncia na composio de seu prprio trabalho. Essa citao, que pode ser implcita ou explcita, acaba por evocar um dilogo entre artistas e obras, de diferentes perodos e estilos, criando novos contextos para uma mesma imagem (CITACIONISMO..., 2005).

    Um dos maiores exemplos de citao est em douard Manet (fig. 01), onde

    o artista cita Ticiano (fig. 02), que por sua vez cita Giorgione (fig. 03).

    Para o termo Citacionismo, Tadeu Chiarelli caracteriza-o como o uso de

    imagens de segunda gerao, onde uma grande parcela de artistas dos anos 80

    recupera a pintura e a escultura e empreende uma viagem pelo universo de

    imagens produzido pela humanidade atravs da Histria, disponveis a todos pelos

  • 16

    meios de comunicao de massa (1987, p. 257). O Citacionismo utiliza o que foi

    realizado pela humanidade como um banco de dados, passeando pelos movimentos

    artsticos sem se prender a eles (PASINI, 1985, citado por CHIARELLI, 1987, p.

    261).

    J o termo apropriao [...] empregado pela histria e pela crtica de arte para indicar a incorporao de objetos extra-artsticos, e algumas vezes de outras obras, nos trabalhos de arte. O procedimento remete s colagens cubistas e s construes de Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), realizadas a partir de1912" (APROPRIAO..., 2005).

    Esta definio se resume para um primeiro perodo do sculo XX na Arte

    Moderna, onde se usa um objeto pr-existente para incorpor-lo num trabalho

    artstico. J para um segundo perodo, na Arte Contempornea, no ser o objeto

    em si, mas sim, a apropriao da imagem de algo.

    Se atentarmos para as definies de Citao e de Apropriao, num primeiro

    momento podemos achar que estamos falando da mesma coisa, porm, a citao

    o mtodo de fazer referncia uma imagem ou obra com uma outra forma, a

    apropriao o apossamento direto de uma imagem, de uma ideia, de um objeto,

    de uma obra, para falar sobre uma outra questo.

    Fig.01- MANET, douard. Olympia, 1863. Fonte: http://www.musee-orsay. fr/en/collections/history-of-the-collections Acessado em: 26/01/2011.

    Fig.02- TICIANO. Vnus de Urbino,1538. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Tizian_102.jpg Acessado em: 26/01/2011.

    Fig.03- GIORGIONE. Vnus dormindo,1508 Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Giorgione_054.jpg Acessado em: 26/01/2011.

  • 17

    Sendo assim, e no sob uma defesa da qual a apropriao seria o ato,

    desde a Antiguidade Clssica, de se apoderar da imagem da natureza e represent-

    la, que utilizaremos o termo aqui.

    A noo de plgio, que apresenta o mesmo sentido literal de apropriao,

    mas no o seu sentido potico, no ser utilizada para o presente texto, pois

    entendida como um ato contra a legislao e referente a roubo e pelo simples

    diferencial da apropriao como sendo a utilizao de uma coisa j existente, e

    especialmente pela sua importncia como funo reflexiva e metalingstica na arte,

    sempre tendo a inteno de ser evidente.

    2.2 CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAO NA ARTE: ANTECEDENTE

    HISTRICO - ARTE MODERNA SCULO XIX

    Como dito anteriormente, o inicio da Apropriao na arte se deu com as

    colagens cubistas e futuristas e os ready-mades duchampianos. Porm, antes de

    comear a tratar sobre a apropriao, precisamos buscar na histria da arte um

    possvel esclarecimento das causas que originaram as primeiras colagens.

    Para isto teremos que remontar as revolues ocorridas na arte da metade

    at o final do sculo XIX, na chamada Arte Moderna, sob o olhar da concepo de

    realidade da poca. Diante das controvrsias em relao aos limites temporais da

    Arte Moderna, quando alguns concebem o Impressionismo como o incio da Arte

    Moderna, entre 1860 e 1870 (ARGAN, 1992, p.75; CAUQUELIN, 2005, p.27;

    RUHRBERG, 2005, p.8), e poucos, como o caso de Gombrich (1999, p.536) que

    no inclui os impressionistas como os primeiros modernos, mas apenas um deles

    (Czanne), optamos pela maioria, na qual abarcam o movimento todo do

  • 18

    Fig.04 COURBET, Gustave. O quebra-pedras, 1849.Fonte:http:// www.russianpaintings.net/ Acessado em 26/01/11

    impressionismo como marca da ruptura com o passado. Porm, a exigncia desta

    ruptura no se dar somente neste momento, e sim uma busca desde o Romantismo

    histrico (ARGAN, 1992).

    Como o nosso propsito est reservado para a busca das causas das

    primeiras apropriaes, e que, esta est vinculada com a concepo de realidade

    das pocas, onde os artistas aos poucos querem se aproximar desta, e que, tambm,

    estar atrelada com a busca da ruptura com o passado ilusionista, a qual se dar

    concomitantemente quando o contedo cai da dialtica forma-contedo, ns

    iniciaremos com o primeiro artista a propor o conjunto da arte com a realidade

    (mesmo que esta ainda esteja arraigada nas concepes do passado).

    2.2.1 O realismo integral de Gustave Courbet

    O realismo de Courbet (fig. 04) no quer dizer uma imitao da natureza,

    pelo contrrio, o prprio conceito de natureza deve desaparecer, enquanto

    resultante de escolhas idealistas no ilimitado mundo do real (ARGAN, 1992, p.33-

    34). Se no romantismo o valor estava no apelo

    dramtico, para Courbet a fora da pintura est

    na prpria pintura, pintar as coisas como elas

    so, as imagens do seu tempo, sem ideais ou

    drama. Rompendo com as tradies artsticas,

    Courbet e seu realismo defendiam uma arte

    individualista, aceitando os costumes e regras

    da sociedade da sua poca e a realidade da vida em seu redor (STREMMEL, 2005,

    p. 6).

  • 19

    Fig 05- COURBET, Gustave. O Encontro, ou Bonjour Monsieur Courbet, 1854: Fonte:GOMBRICH, Ernst H. A histria da arte. 16 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999, p.510

    Tendo a realidade como matria-prima, Courbet supera as poticas do

    clssico e do romntico sem negar a importncia da histria, mas que de ambas no

    se herda uma concepo do mundo enquanto realidade, apenas com o embate direto

    com esta, livre de qualquer regra ou costume, que o artista no comprometer a

    sua representao (ARGAN, op. cit., p. 75). O realismo em Courbet um mtodo de

    representao da realidade, o que por vezes confundido por Naturalismo, que se

    entende como a reproduo da realidade externa fiel realidade (STREMMEL, op.

    cit., p.7). A realidade pintada por Courbet se aplica pelo motivo recolhido, e no pela

    forma como reproduzida. Com sua tcnica grosseira e pastosa, seus motivos

    implicam na rejeio ao convencional e assumem, conscientemente, um carter

    provocativo e de choque. Assim, afirma-nos Gombrich,

    pretendia que seus quadros fossem um protesto contra as convenes aceitas do seu tempo, chocassem a burguesia para obrig-la a sair de sua complacncia, e proclamassem o valor da intransigente sinceridade artstica contra a manipulao hbil de clichs tradicionais (op. cit., p.511).

    Este carter provocativo e de choque e a aproximao da arte com a

    realidade, prefiguram os motores que guiaram as

    vanguardas artsticas.

    Porm, se os motivos da realidade so to caros

    Courbet, isto , o contedo da obra, a realidade

    impe a realizao das formas. Ento, a expresso

    Forma-Contedo ainda estar presente em sua arte,

    onde o contedo da expresso decair somente a

    partir de Manet e com os impressionistas. Guardando o

    referente perspectivo, a realidade dos quadros de Courbet mostram uma outra

    realidade, mas que no participam da nossa.

  • 20

    2.2.2 O realismo visual de douard Manet

    Em conjunto, porm de forma distinta de

    Courbet, Manet (fig. 06) desenvolver um realismo

    num sentido essencialmente visual, o qual recusa o

    embate brutal com a realidade, propondo, ao

    contrrio, libertar a percepo de qualquer preconceito

    ou convencionalismo, para manifest-la em sua

    plenitude de ao cognitiva (ARGAN, op. cit., p.75). A

    pintura de Manet consiste na libertao da percepo e

    a sensao visual, a imediaticidade, a operao pictrica sem regras (acadmicas)

    ou apuro tcnico (clssico). Seu interesse estritamente pictrico, se preocupava

    apenas com o efeito brilhante das cores (id., p.95).

    Manet no recusa as obras do passado como Courbet, tanto que a histria da

    pintura ser retomada como um material compositivo e temtico (o que serviu de

    grande exemplo de citao ao qual nos referenciamos anteriormente), alterando o

    que est representado para o seu tempo. Onde um deus vira burgus e uma deusa

    vira uma cortes parisiense.

    Os quadros de Manet sero os primeiros a serem tratados como objeto a ser

    pintado. Os efeitos ilusionistas de volume ou de claro e escuro no participam da

    composio, tudo se apresenta atravs da cor. Porm, seus quadros apresentam

    uma estrutura perspectiva, o que caracteriza o adentrar na imagem, ou seja, uma

    outra realidade. Contudo, Manet no estar preocupado com o contedo da obra, o

    que implica na preocupao livre das formas, retirando o Contedo da expresso

    Forma - Contedo. Se a preocupao est na forma, e no no contedo, a

    preocupao estar voltada para a superfcie da tela, o que ser o guia para os

    Fig. 06 MANET, douard. L djeuner sur lherbe, 1863. Fonte: ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. So Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.96.

  • 21

    impressionistas a caminho de um segundo estgio da percepo da realidade, a da

    planeidade, que seria o achatamento e a justaposio dos planos e no a

    superposio das camadas (COMPAGNON, 2010, p. 55).

    Se Courbet queria chocar a sociedade pelos seus temas, Manet chocava,

    sem querer, pela sua pintura. Pois, ao desafiar as descobertas e convices

    adquiridas desde a Renascena, Manet ao perceber que no existem objetos na

    natureza com forma e cor fixas que definem e so facilmente reconhecveis em uma

    pintura, descobre que ao olhar a natureza, no vemos objetos individuais, cada um

    com sua cor prpria, mas uma brilhante mistura de matizes que se combinam em

    nossos olhos ou, melhor dizendo, em nossa mente (GOMBRICH, op. cit.,, p. 514).

    Gombrich acrescenta que esta descoberta no pode ser atribuda somente a este

    artista, mas que foram suas primeiras telas em que ele abandonou o mtodo

    tradicional de sombras suaves em favor de contrastes fortes e duros, causaram um

    clamor de protestos entre os artistas conservadores (id., ibid.). Recusado no salo

    oficial da poca (1863), e exposto no Salo dos Recusados, Manet motivo de

    chacota e ira pelo pblico conservador.

    Mesmo negando o papel de revolucionrio, pois acredita que sua inspirao

    advinha da tradio dos grandes mestres, Manet marca o que Gombrich chama de

    terceira onda de revoluo na Frana (aps a primeira onda de Delacroix e a

    segunda de Courbet) (op.cit., p.512), e caracteriza toda a arte moderna, pois se ele

    se inspira na tradio, mas aceita o presente, Manet est no comeo do movimento

    de fuga para o novo (COMPAGNON, op.cit., p.34)

    Tanto Courbet quanto Manet rompem sem querer romper, causam escndalo

    por outra via que no aquela desejada e apresentam o novo sem estar a sua

    procura, pois o que procuram o presente enquanto presente, e no, o novo como o

  • 22

    Fig.07 NIEPCE, Joseph Nicphore . Vista da janela em Le Grs,1827. Fonte:http://dcl.umn.edu/search/show_details?search_string=niepce&per_page=60&&page=1 Acessado em 26/01/11

    presente voltado para o futuro, como retrica da ruptura e mito do comeo (id., p.39),

    sendo estas caractersticas buscadas pelo modernismo.

    2.2.3 A fotografia e outras transformaes

    Podemos falar aqui de fotografia, pois a

    primeira apareceu em 1826 (fig. 07), tirada por

    Nicphore Niepce (RUHRBERG, 2005, p.7), a

    qual proporcionar uma revoluo na arte. Com

    a fotografia muitos servios sociais passam do

    pintor para o fotgrafo (retratos, vistas de

    cidades e de campos, reportagens, ilustraes

    etc.) (ARGAN, op. cit., p. 78). No s a

    fotografia exerceu uma grande transformao na

    arte, mas tambm a transformao das tecnologias, a organizao da produo

    econmica, a tecnologia industrial ultrapassando a tecnologia artesanal (id., p.14).

    Outros fatores importantes foram a ampliao do pblico das artes - com a

    modernizao dos transportes e dos meios de comunicao -, a implantao de

    novas tcnicas de reproduo, o crescimento de crticos em revistas especializadas,

    e at o tubo de tinta em metal, inventado em 1830 e comercializado a partir de 1840,

    o desenvolvimento da indstria qumica introduzindo novas cores no mercado e telas

    j preparadas para serem utilizadas (BUENO, 1999, p.25-26). Estes foram alguns

    pontos na transformao do mundo e da arte. Com a fotografia e a reproduo de

    imagens, os artistas se veem na obrigao de reformular a arte pictrica, cuja

    necessidade era redefinir sua essncia e finalidades frente ao novo instrumento de

    apreenso mecnica da realidade (ARGAN, op. cit., p. 75).

  • 23

    Fig. 08 MONET, Claude. Impresso, nascer do sol, 1872. Fonte: www. Marmottan.com Acessado em 26/01/11

    Fig. 09 - COURBET,Gustave. O ateli do artista, 1855. Fonte: http://www.musee-orsay.fr/fr/collections /oeuvres Acessado em 26/01/11

    2.2.4 Os impressionistas

    Seguindo os passos desenvolvidos por Manet -

    que no era impressionista, mas foi se acercando ao

    grupo aps 1870 - o grupo impressionista, dentre os

    mais conhecidos Monet (fig. 08), Renoir, Degas,

    Czanne, Pissarro e Sisley, continha seus pontos de

    convergncia:

    1) a averso pela arte acadmica dos salons oficiais; 2) a orientao realista; 3) o total desinteresse pelo objeto a preferncia pela paisagem e a natureza-morta; 4) a recusa dos hbitos de ateli de dispor e iluminar os modelos, de comear desenhando o contorno para depois passar ao chiaroscuro e cor; 5) o trabalho en plein-air, o estudo das sombras coloridas e das relaes entre cores complementares (Id., p. 76).

    A averso pela arte acadmica j vinha acontecendo h um bom tempo, com

    Courbet e Manet rompendo com os moldes clssicos e a poeticidade romntica, mas

    com a difuso da fotografia, os artistas esto libertos da tarefa de representar o

    verdadeiro, onde a pintura tende a se colocar como pura pintura, isto , mostrar

    como se obtm, com procedimentos pictricos rigorosos, valores de outra maneira

    irrealizveis (Id., p. 79), e a preferncia pela paisagem e o trabalho en plein-air, que

    s foram possveis depois da inveno da tinta

    em tubo e da tela pronta, comprovam como os

    artistas estavam afinados com as inovaes

    tecnolgicas e no contra elas.

    No caso da fotografia, os artistas tanto

    no foram contra, que fizeram uso dela (Fig. 09

    e 10), pois sabiam as distines que existiam

    entre uma imagem pictrica e uma imagem fotogrfica. Courbet foi o primeiro a

  • 24

    Fig. 10 -DEGAS, Edgar. O Ballet Clssico, entre 1871 e 1874.Fonte: http://www.Musee Orsay.fr/en/collections/works-in focus/painting.html? Acessado em 26/01/11

    captar o ncleo do problema: realista por

    princpio, nunca acreditou que o olho humano

    visse mais e melhor do que a objetiva; pelo

    contrrio, no hesitou em transpor para a pintura

    imagens extradas de fotografias (Id., p.81), e

    ainda, retratava o universo da classe

    trabalhadora inspirado na iconografia das

    representaes populares (BUENO, op. cit.,

    p.22).

    No caso da tinta em tubo, comprova,

    pelo menos em parcela, e serve de exemplo, a passagem da tecnologia artesanal

    para a tecnologia industrial.

    O Impressionismo ser um prolongamento das realizaes dos primeiros

    modernos, Courbet e Manet, muito mais prximo deste ltimo,

    no tange desvalorizao do tema, para se deter no problema da pintura pura; e, por outro, valorizar a cor empastada, a pincelada rpida e o fascnio pela luz de alguns pintores romnticos, bem como a noo de pintura como vivncia fenomenolgica. Ao conciliar duas formas diferenciadas de concepo artstica, o enfoque que o Impressionismo d a arte, apesar de se referenciar ao Romantismo em sua aparncia formal e ao Realismo no que diz respeito a sua postura frente ao real, ganha um novo sentido (SIMO, 1998, p. 10).

    Prximo da postura frente ao real, os impressionistas mostram uma nova

    possibilidade de pesquisa, pois suas pinturas aos poucos deixam de ser uma

    representao do real, para se preocupar com a representao da impresso

    (COMPAGNON, op.cit., p.56), e com o plano ou a superfcie pictrica. Como dito

    anteriormente, a planeidade - citada por Compagnon atravs dos escritos de

    Greenberg e conquistada segundo este autor por Czanne - seria o achatamento da

    imagem e a justaposio dos planos e se transformaria num equivalente da

  • 25

    Fig.11-CZANNE,Paul. O Monte Sainte-Victoire, 1902-04. Fonte: http://www.artchive.com/ artchive/C/cezanne/mt_s-v_4.jpg. html.Acessado em 26/01/11

    realidade (COMPAGNON, op.cit., p. 55). Acrescentemos a indagao de Simo:

    Mas o que inaugura no Impressionismo uma nova esttica? Parece-nos que a

    ruptura com a esttica realista se dar no momento em que sua pintura deixar de

    ser uma representao do real para se afirmar como um equivalente da realidade

    (SIMO, op. cit. p. 11). Porm, este equivalente da realidade no se dar com os

    impressionistas, pois se suas pinturas ainda guardam a perspectiva Renascentista,

    ou pelo menos algum aspecto de profundidade, a planeidade no ser conquistada.

    A profundidade no se v, ela uma construo do esprito, e a perspectiva engana o olho. Mas, segundo uma apologia que procura paradoxalmente tornar a nova pintura acessvel nos prprios termos da arte que ela pretende substituir, a pintura que elimina, pouco a pouco, o espao do relevo ainda considerada uma imitao, imitao seno daquilo que se sabe, pelo menos daquilo que se v (COMPAGNON, op.cit., p. 55-56).

    Esta imitao daquilo que se v, como modo das coisas a serem imitadas,

    perdurar desde Czanne at Jasper Jonhs (TASSINARI, 2001, p. 37).

    Como nem Czanne (Fig. 11) admitia o

    achatamento, a planeidade se dar em dois

    momentos, a primeira parcial com a colagem

    cubista e segunda total com Jasper Johns,

    aproveitando aqui a citao de Steinberg por

    Tassinari (2001, p. 9), a qual admite e aceita o

    ano de 1955 como a passagem da Arte Moderna

    para a Arte Contempornea.

    Contudo, o impressionismo marca uma

    espcie de evoluo em direo autenticidade, atravs da supresso do artifcio e

    da redeno da pintura clssica (COMPAGNON, op.cit., p. 55). O problema a partir

    de agora no est voltada de no que pintar e sim como pintar, revelando um

  • 26

    procedimento operacional em si (SIMO, op. cit., p. 14). O problema da arte est na

    prpria arte. Abriu-se o caminho para o modernismo.

  • 27

    3 ARTE MODERNA : PRIMEIRA METADE DO SCULO XX

    Na Arte Moderna, os artistas formam-se a partir e contra o naturalismo de

    matriz renascentista ou da perspectiva artificial. Esta negao perspectiva dada

    pela compreenso da superfcie pictrica nas palavras de Maurice Denis em 1890:

    Lembrar que um quadro antes de ser um cavalo de guerra, uma mulher nua ou

    uma anedota qualquer essencialmente uma superfcie plana recoberta de cores

    combinadas numa certa ordem (DENIS citado por TASSINARI, 2001, p.17). A

    negao ao passado tradicional, o antinaturalismo ou anti-ilusionismo, tambm por

    conta das inovaes tecnolgicas, o avano industrial, o apelo renovao esttica,

    a crise do artesanato e, principalmente, a crise da representao que desencadearo

    ao modernismo.

    Para no ficarmos em dvida sobre as noes dos termos modernizao,

    modernidade e modernismo, nos distinguir Bueno:

    Modernizao um processo econmico e tecnolgico, ligado esfera material da sociedade. Modernidade um fenmeno societrio e cultural, que emerge em decorrncia da modernizao. Modernismo um movimento artstico, que teve lugar na Europa no inicio do sculo XX, se tornando uma manifestao especfica da modernidade nas artes. O modernismo no foi a realizao da condio artstica moderna, apenas uma de suas expresses (op. cit., p. 42).

    Modernismo um termo genrico que se encaixa na ltima dcada do sculo

    XIX e na primeira do sculo XX. Dentro do modernismo encontramos vrias correntes

    artsticas, que, se antigamente a ruptura custava aparecer, aqui a ruptura se dar ao

    mesmo tempo entre as correntes artsticas, ou at dentro da prpria corrente. E a

    partir da primeira da dcada do sculo XX que se formaro as vanguardas

    artsticas, preocupadas no mais apenas em modernizar ou atualizar, e sim em

    revolucionar radicalmente as modalidades e finalidades da arte (ARGAN, op. cit.,

    p.185). E aqui que surgem as primeiras apropriaes.

  • 28

    3.1 VANGUARDAS

    O termo Vanguarda, derivado do francs Avant-garde, de origem militar,

    utilizado no decorrer do sculo XIX, significa, no sentido literal, a parte frente do

    corpo principal da tropa. Seu emprego poltico, aplicado desde a revoluo de 1848

    [...], designava tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita; aplicava-se ao

    mesmo tempo aos progressistas e aos reacionrios. Da, passou ao vocabulrio da

    crtica de arte (COMPAGNON, op.cit., p. 41).

    De 1848 a 1870, na vanguarda com atribuio uma metfora esttica,

    houve um deslocamento da arte servio do progresso social, tornando-se arte

    esteticamente frente de seu tempo, sendo o primeiro com seus temas e o segundo

    com suas formas (id., ibid.). Porm no podemos confundir a Modernidade dos

    primeiros modernos com a Vanguarda, como se os dois aparecessem ao mesmo

    tempo e possussem o mesmo dilema. Pois a Modernidade se identifica com o

    presente no presente contexto, j a Vanguarda supe uma conscincia histrica do

    futuro e a vontade de se ser avanado em relao ao seu tempo (id., p. 40). A

    Modernidade como termo abstrato, designa o conjunto dos traos da sociedade e

    da cultura que podem ser detectados em um momento determinado em uma

    determinada sociedade (CAUQUELIN, 2005, p. 25). Os primeiros modernos

    estavam na sua modernidade, enquanto ns que aqui escrevemos esta pesquisa

    estamos na nossa. Os primeiros modernos assumiram uma atitude vanguardista,

    sem s-los. Pois, na verdade, uma vanguarda artstica traz em si o progresso, o

    avano diante daquele que j foi. Se Courbet e Manet progrediram ou causaram

    escndalo ao apresentarem a sua novidade, no foi pela inteno de ser. Uma

    vanguarda artstica julga a sua prtica artstica, com um ponto de vista crtico

  • 29

    integrado esta prtica e com a inteno de estar frente de seu adversrio

    (COMPAGNON, op. cit., p. 43). Segundo Compagnon, os primeiros a reinvidicarem

    ou se considerarem uma vanguarda foram

    os neoimpressionistas (Fig. 12), que julgam

    a sua prtica artstica em termos de uma

    poltica da arte (id., ibid.). Os

    neoimpressionistas consideram-se frente

    do impressionismo, a vanguarda deste. Do

    sentido militar ao esttico, o termo

    vanguarda, entendido como antecipao,

    evolui de um valor espacial para um valor temporal, e Compagnon completa,

    depois do impressionismo, todo o vocabulrio da crtica de arte torna-se temporal. A

    arte se apega desesperadamente ao futuro,

    no tenta mais aderir ao presente, mas a

    antecip-lo, a fim de inscrever-se no futuro

    (Id., p. 44). Para os vanguardistas preciso

    romper com o passado e com o prprio

    presente a fim de no querer ser superado.

    Para Argan, o primeiro movimento que se

    pode chamar de vanguarda o Futurismo

    italiano (1910) (Fig.13), entendendo o termo vanguarda como aquele que

    [...] investe um interesse ideolgico na arte, preparando e anunciando deliberadamente uma subverso radical da cultura e at dos costumes sociais, negando em bloco todo o passado e substituindo a pesquisa metdica por uma ousada experimentao na ordem estilstica e tcnica (op. cit., p. 310)

    Fig.13 -BALLA,Giacomo. Dinamismo de um co na coleira ,1911. Fonte : ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. So Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 444

    Fig.12 - SEURAT,Georges. Um domingo na Grande Jatte, 1884. Fonte:http://www.artic.edu/artaccess/ AA_Impressionist/pages Acessado em 26/01/11

  • 30

    Fig.14-CARR,Carlos. Demonstrao para interveno na guerra (manifesto Intervencionista), 1914. Fonte: AGUILAR, Gonzalo Moiss. Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2005

    Por sua vez, o Futurismo (Fig.14), que no

    seu incio utilizava uma linguagem divisionista,

    onde o movimento dado pelas reverberaes

    luminosas que envolvem os corpos, multiplicando

    as vibraes e dilatando-as no espao (DE

    MICHELI, 2004, p. 224), por volta de 1911, sua

    orientao torna-se cada vez mais prxima do

    sintetismo de tendncias cubistas (Fig. 15). O

    cubismo analtico que surgiu um ano antes do

    Futurismo, j havia revolucionado o mundo da arte

    influenciando um sem nmero de artistas. Picasso e

    Braque no tinham este esprito da revoluo e da

    polmica igual aos futuristas, por isto, por vezes no

    so chamados de artistas vanguardistas. Aqui, ns

    atribuiremos o Cubismo Sinttico uma vanguarda

    positiva, a qual foge das intenes extremamente

    radicais da vanguarda negativa, porm questiona o

    sistema de representao vigente desde o

    Renascimento, com a imagem disposta a partir de uma

    perspectiva central (BRGER, 2008, p. 203). Com o

    advento de suas colagens em 1912 que Picasso e Braque marcam um gesto ou

    um passo essencial para a histria da pintura (COMPAGNON, op. cit., p. 59 e

    TASSINARI, op. cit., p. 37).

    3.1.1 Colagem

    Fig.15-SEVERINI, Gino . Natureza morta com revista literria "Nord Sud" (Homenagem Reverdy), circa ,1917 Fonte: http://www.christies.com Acessado em 26/01/2011;

  • 31

    No modernismo, os primeiros a romperem quase completamente com a

    representao, numa tentativa de apresentar a realidade ao invs de represent-la,

    sero os cubistas Picasso e Braque, mais precisamente, na fase do Cubismo

    Sinttico.

    A primeira colagem de Picasso,

    Natureza-morta com palhinha (Fig.16), foi

    realizada em maio de 1912, e em setembro,

    Braque utiliza a tcnica da papier coll numa

    natureza morta. No mesmo ano, Boccioni prope

    introduzir na arte a dimenso real. Cubismo e

    Futurismo haviam introduzido no interior da

    matria pictrica e escultrica materiais

    heterogneos, provenientes do universo industrial e da sociedade de massa, dando

    vida colagem e escultura polimatrica (FABRIS, 2003, p.11). O ano de 1912 ser

    o marco da apropriao na arte. Difcil estabelecer quem fez a primeira colagem,

    pois, enquanto um associa a primeira Picasso (Id., ibid.), outro associar Braque

    (GREENBERG,1959, p.95). Porm a maioria no far esta distino (ARGAN, 1992;

    SCHAPIRO, 2002; RUHRBERG, 2002; DE MICHELI, 2004; GOLDING, 1967;

    TASSINARI, 2001), atribuindo ao cubismo sinttico, ou seja, ambos, a inveno da

    colagem. Porm, preciso estabelecer uma distino entre as colagens realizadas

    em ambos: Picasso (Fig. 18) o inventor da colagem, e Braque (Fig. 17) inventor do

    papier coll.

    indicativo das diferenas de temperamento e de talento entre os dois pintores que Picasso tivesse sido o descobridor da colagem, a qual pode ser descrita como a incorporao de qualquer material estranho superfcie do quadro, enquanto Braque foi o inventor do papier coll, uma forma particular de colagem, em que tiras ou fragmentos de papel so aplicados superfcie da pintura ou desenho (GOLDING, 1967, p.46).

    Fig.16-PICASSO, Pablo. Natureza-Morta com palhinha, 1912. Fonte : ZIMMERMMAN, Beate; BUCHHOLZ. Elke Linda. Picasso . Colgna: Knemann, 2001. p. 41

  • 32

    Fig. 17 -BRAQUE, Georges Still Life with Tenora, 1913. Fonte: http://www.moma.org/ collection/provenance/provenance_object.php?object_id=38330 Acessado em 26/01/11

    Ainda pode parecer a mesma coisa, mas a

    diferena que a colagem a introduo de um

    elemento real numa representao da realidade, e o

    papier coll um elemento independente da

    composio que pode ser constituda como base

    cromtica ou pode receber intervenes grficas,

    funcionando tanto como fundo quanto como

    representao ilusionista no primeiro plano (FABRIS,

    op. cit., p.12). O que isto quer dizer que, se um pedao

    de jornal para Picasso pode se transformar numa

    guitarra na sua pintura, para Braque o pedao de jornal

    ser um pedao de jornal em sua pintura. Se os

    fragmentos de Braque so utilizados de maneira lgica,

    ainda naturalista, os de Picasso so utilizados de

    maneira paradoxal, pois convertem e extraem

    significados diferentes daquele conhecido, e seu uso no

    servir de maneira representacional do elemento. Cada

    fragmento de jornal forma o signo de um significado

    visual; ento quando junta sua extremidade de outro, ele se re-forma e o

    significado muda (KRAUSS, 2006, p.43). Portanto, Picasso quem mais se

    aproxima do rompimento total com a representao.

    A colagem picassiana funde figura e fundo, coisas e espao, no

    apresentando mais aquela linha perspectiva que desde o Renascimento controlava a

    nossa viso. Se, como falvamos, que desde os artistas realistas e dos

    impressionistas, o artista tende aproximao da arte com a realidade, mesmo que

    Fig 18-PICASSO, Pablo. Violino, 1912. Fonte: http:// collection.centrepompidou.fr/Navigart/images/ Acessado em 26/01/11

  • 33

    Fig.19 DUCHAMP,Marcel Roda de Bicicleta, 1913. FONTE: MINK, Janis. Marcel Duchamp Germany: Taschen, 1996. p. 50

    de forma paradoxal, a colagem de Picasso a que mais se aproximara desde ento.

    S no se apresenta como objeto participante da nossa realidade, porque as

    colagens esto aplicadas sobre um fundo. um fundo raso. E se ainda

    apropriado pens-lo como um fundo porque, apesar dos papis colados ou das

    linhas riscadas sobre ele, ou, ainda, em razo dessas mesmas linhas e recortes, ele

    recua para uma profundidade, ainda que rasa, ptica (TASSINARI, op.cit., p. 39).

    Para exemplificar esta questo, poderemos citar a janela renascentista. No

    Renascimento, com sua perspectiva aplicada, um quadro d a iluso de ser uma

    janela aberta, a qual os nossos olhos adentram para este outro espao, uma outra

    realidade. Agora, se fecharmos a vidraa desta janela, chegamos aos

    impressionistas que pintam este vidro de modo que deixam transparecer o outro

    espao, a outra realidade. J com a colagem cubista, a vidraa est fechada com os

    recortes colados no seu anverso, e no reverso do vidro est aplicada uma demo de

    tinta que cobrir todo o vidro.

    O vidro/tela tido como pintura/objeto. A colagem a figura que est na

    superfcie. A demo de tinta o fundo. A distncia da

    figura e do fundo da espessura do vidro. Raso. Porm,

    um fundo.

    3.1.2 Ready-made

    Em 1913, Marcel Duchamp apresenta seu primeiro

    ready-made (objeto pronto) retificado, que consiste em

    uma roda de bicicleta acoplada a uma cadeira de

    madeira (Roda de Bicicleta) (Fig.19). Em 1914 a vez

    de um ready-made sem assistncia (WOOD, 2002, p.

  • 34

    Fig. 20 DUCHAMP, Marcel. Suporte de Garrafas, 1914, rplica,1964. Fonte:www.abcgallery.com. Acessado em 26/01/11.

    12), quer dizer, um objeto retirado do seu mbito original e colocado sem

    interferncia alguma do artista, num local expositivo, sendo este apenas um suporte

    de metal para garrafas (Suporte para Garrafas) (Fig. 20). Na verdade, somente em

    1915 que Duchamp nomeou estes objetos como ready-mades, pois, segundo o

    artista, antes serviam apenas como forma de distrao (DUCHAMP in CABANNE,

    2002, p. 79). Se, como sugere Farias,

    a colagem o gnero o ready-made a espcie. Embora tenha surgido um ano depois da colagem, em 1913, o ready-made, isto , a apropriao e re-contextualizao no mbito da arte de um objeto qualquer produzido em escala industrial, de autoria annima, cuja ordem funcional supera qualquer pretenso esttica, joga o problema para um territrio muito mais amplo, do qual a colagem apenas um caso particular, e denominado posteriormente por alguns tericos, como assemblage (2007, p. 6).

    Foi somente em 1917 que Duchamp props seu

    ready-made mais conhecido e provocativo, a Fonte (Fig.

    21), um urinol comprado numa loja de ferragens. Na

    realidade, no o exps, visto que o Comit de Seleo do

    Salo dos Independentes de Nova York retirou o objeto da

    exposio. Duchamp fazia parte do Comit, mas inscreveu

    seu ready-made com a assinatura R. Mutt para despistar

    a sua presena na exposio. O nome de Duchamp, de

    fato, no apareceu como tendo sequer contribudo para a

    exposio de 1917. Ele foi, no entanto, responsvel pela obra mais famosa da

    mostra uma obra que o pblico jamais viu (TOMKINS, 2004, p.204).

    A Fonte rompe com o passado tradicional, onde a mais importante

    caracterstica era a visualizao de uma obra de arte, a sua feitura, a sua tcnica,

    acabando com o deslumbre visual e com as retinas viciadas, como nas palavras do

    prprio artista:

  • 35

    Desde Courbet acredita-se que a pintura endereada retina; este foi o erro de todo mundo. O frisson retiniano! Antes, a pintura tinha outras funes, podia ser religiosa, filosfica, moral (...) absolutamente ridculo. Isso tem que mudar; no foi sempre assim (DUCHAMP in CABANNE, op. cit., p. 73).

    O ready-made no uma obra de arte uma antiobra. Esta antiobra tem

    o efeito de provocar a histria da arte e as instituies que apresentam essas obras,

    a priori, porque no o objeto de Duchamp que a sua obra, e sim, o seu ato, a sua

    idia, a sua ao de pr tal objeto em um local, e a posteriori, porque este mesmo

    local tem por costume tornar sagrado um trabalho artstico.

    O ready-made, dentro de sua concepo de antiarte, nega toda possibilidade de julgamento esttico fundado no objeto, situando-o para alm do juzo da fealdade e da beleza. A noo de esttica neste caso se confunde com o prprio ato reflexivo acerca do valor da arte. A partir desta iniciativa, Duchamp afirma que tudo ou qualquer coisa poder vir a ser arte, mas nem tudo de fato o . (SIMO, op. cit., p.3)

    Tanto que a escolha dos ready-mades se d pela

    indiferena esttica, que tal objeto no acarrete a

    nenhuma emoo esttica, numa total ausncia de bom

    ou mau gosto (DUCHAMP in CABANNE, op. cit., p. 80).

    assim que Duchamp quebra as relaes que

    entendamos sobre a arte, matria e obra, o autor e obra,

    espao institucional e museolgico e obra. a

    apropriao do objeto como negao da manualidade,

    da unicidade, da individualidade, da autoria, por

    conseguinte, a retirada do estatuto de valor artstico do objeto.

    Duchamp abriu mo da sua condio de artista, compreendido como aquele que cria obras de arte, em troca do artista como aquele que se apropria, uma estratgia capaz de provocar o colapso do meio artstico fundamentado em valores como o carter artesanal da obra de arte, cujo primeiro e principal corolrio era justamente a figura do autor. Tomando o objeto feito anonimamente, Duchamp desferia um golpe mortal na noo clssica de arte. (FARIAS, op. cit., p. 7-8)

    Fig.21DUCHAMP, Marcel. Fonte, 1917. Rplica, 1964. Fonte: MINK, Janis. Marcel Duchamp. Germany: Taschen, 1996. p. 66

  • 36

    O artista em Duchamp se transforma em sujeito artista, sendo aquele que

    existe antes do trabalho artstico. Ele participa de uma rede, a qual legitima a sua

    posio enquanto artista, sendo que este legitimar um objeto como sendo artstico

    (SIMO, op. cit., p. 3).

    Como afirma Cauquelin, instaura-se um novo mtodo no qual o artista passa

    a escolher o material para fazer arte, "no cria mais, ele utiliza material" (op. cit., p.

    97). Nas prprias palavras de Duchamp, "fazer alguma coisa escolher um tubo do

    azul, um tubo do vermelho (...). Esse tubo foi comprado por voc, no foi feito por

    voc. Voc o comprou como um ready-made: todas as telas do mundo so ready-

    mades 'acrescentados' e trabalhos de montagem" (DUCHAMP citado por

    CAUQUELIN, 2005, p. 97).

    O ready-made foi uma alternativa que Duchamp encontrou para quebrar a

    esfera representacional que, mesmo com a extraordinria abertura propiciada pela

    colagem e a conseqente utilizao de materiais extra-artsticos (FARIAS, op. cit.,

    p. 7), os cubistas ainda insistiam. No podemos colocar Duchamp em relao com

    aquela linearidade a qual estvamos falando anteriormente, em que os artistas

    vinham se aproximando da arte com a realidade e rompendo aos poucos o carter

    representacional do objeto pictrico, pois a leitura dos objetos no entra em

    concordncia com os trabalhos dos artistas lidos at ento. Pois, como afirma

    Brger:

    Os ready-mades de Duchamp no so obras de arte, e sim manifestaes. No a partir da totalidade forma-contedo dos objetos individuais assinados por Duchamp que se pode fazer uma leitura do sentido de sua provocao, mas unicamente a partir da oposio entre objetos produzidos em srie, por um lado, e assinatura e exposio de arte, por outro (op. cit., p. 110)

    O trabalho artstico de Duchamp est em seu ato ou gesto. Valorizando o

    gesto casual e no o gesto movido pelo eventual interesse esttico de um objeto

  • 37

    dado, Duchamp valoriza o conceito, a idia que preside toda ao (FARIAS, op. cit.,

    p. 7). E seu gesto implode no sistema artstico, alterando todo um pensamento que

    vinha rastejando h sculos. Troca todos os sentidos estticos de feitura, material,

    gosto, autoria, por questionamentos com potencial ontolgico (o que arte?),

    epistemolgico (como saber se ?) e institucional (quem determina?) (KRAUSS,

    2004, citada por FARIAS, 2007, p.8).

    Tanto este gesto quanto o processo de 'escolher' coisas j existentes esto

    intimamente ligados s idias de apropriao, que influenciaram um grande nmero

    de artistas na arte contempornea, no sendo 'escolhidos' somente elementos do

    mundo, mas tambm se valendo de imagens de obras prprias ou alheias ou at

    mesmo a prpria obra de um outro artista, concreta e materialmente.

    3.1.3 Fotomontagem

    Com a inveno da colagem e a vanguarda provocativa e o grito de

    liberdade dos futuristas, como tambm os ready-mades duchampianos, surge em

    Berlim com o movimento dadasta a Fotomontagem em 1918. A data gera

    controvrsia entres os participantes, pois enquanto uns como Hannah Hch e Raoul

    Hausmann tomam para si a ideia da fotomontagem em 1918, para outros como

    George Grosz e John Heartfield dizem que a inveno foi realizada por eles em

    1916. A defesa de Grosz, que, as correspondncias que ele tinha com Heartfield,

    eram realizadas com recortes dos mais variados tipos como:

    [...] anncios publicitrios, rtulos de garrafas e fotografias de revistas, recortados arbitrariamente e montados de maneira absurda. Essa estrutura gerou cartes postais feitos mo que os dois amigos trocavam entre si, nos quais as imagens justapostas diziam aquilo que as palavras no podiam afirmar por razes de censura (FABRIS, 2003, p. 16)

  • 38

    Fig.23-HCH, Hannah. Cortado com a Faca de Cozinha DADA Atravs da Pana de Cerveja da ltima poca Cultural da Alemanha de Weimar, 1919.Fonte:http://www.artres.com/c/htm/CsearchZ Acessado em 26/01/11

    Porm nenhum destes cartes sobreviveu e por falta de evidncia concreta,

    intitula-se como a primeira fotomontagem a Cinema sinttico da pintura (perdida),

    realizada por Hausmann de 1918 (id., ibid.). Independentemente de quem a

    inventou, a fotomontagem pertence ao grupo dadasta, mais especificamente o de

    Berlim.

    O Dadasmo, como movimento, surgiu no Cabaret Voltaire em Zurique com

    o manifesto de 1916 de Hugo Ball, continuado em Paris por Tristzan Tzara e Francis

    Picabia com o Dad Manifesto em 1918 e depois em Berlim com o Berlim Dad

    por John Heartfield (Fig. 24), George Grosz, Raoul Hausmann (Fig. 22) e Hannah

    Hch (Fig. 23) em 1920.

    Diferente da vanguarda positiva a que atribumos ao Cubismo, o Dadasmo

    se assumir como uma vanguarda negativa, (posto dado pelos Futuristas). O

    positivo para o Cubismo est para questionar a arte mas no para neg-la. A sua

    atitude de antecipao, apresentao do novo, estar ligada aos desdobramentos

    da arte enquanto progresso. J uma vanguarda negativa assume a proposio da

    negao e o prefixo anti como norma. Uma vanguarda negativa antiartstica,

    Fig.22-HAUSMANN,Raoul. ABCD, 1923-24. Fonte: http://www.metmuseum.org. Acessado em 26/01/11

  • 39

    antiliterria, antipotica, etc.; vai contra a beleza, contra as leis da lgica, contra a

    perfeio, contra ao que universal, contra a ordem, etc.; contudo a favor da

    liberdade do indivduo, da espontaneidade, do imediato, do atual, do aleatrio e

    principalmente da contradio. O Dad tudo isto e mais um pouco. Seus gestos,

    mais do que obras de arte, assumem a provocao, o choque e o escndalo como

    instrumento de expresso (DE MICHELI, op. cit., p. 135). Como o dadasmo nasceu

    aps as outras manifestaes que j haviam se afirmado, tornar-se- anticubista,

    antifuturista, antiabstracionista, porm operando com os meios, as invenes e

    inovaes destes movimentos. O Dad a miscelnia destes movimentos, agindo

    nas suas contradies (id., p. 137).

    No caso do Dad de Berlim, o ingrediente que se serviro os artistas est na

    colagem cubista. Apenas como ingrediente, no como afirmao. Sua forma de

    subverso e seu contedo revolucionrio. A fotomontagem age nos extremos da

    arte e da poltica. Lembremos que o perodo de Primeira Guerra Mundial e de

    censura. E como bons dadastas, os artistas de Berlim iro contra a censura e contra

    ao militarismo, tornando-se cada vez mais politizados.

    O fato de Heartfield e Grosz trabalharem em estreita colaborao com rgos de oposio ao governo deve ser analisado num quadro de politizao da cultura, que a marca distintiva do grupo dadasta de Berlim. Antiprussiano, antiburgus e antiliberal, o grupo de Berlim ope-se Repblica de Weimar e demonstra simpatia pela linha revolucionria da Liga Spartacus, na qual militavam Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. A Primeira Guerra Mundial o grande aglutinador das atitudes anticonvencionais de Herzfelde, Heartfield e Grosz, que desenvolvem aes desestabilizadoras da ordem a fim de protestar contra o militarismo e o patriotismo alemes (FABRIS, op. cit., p. 19).

    E no caso artstico, lembremos que a fotomontagem s foi possvel em

    conjunto com a proliferao da fotografia, a reproduo tcnica e os meios de

    comunicao e cultura de massa. O incio das vanguardas e da fotomontagem

    coincide

  • 40

    Fig. 24 - HEARTFIELD , John .Adolf, O Super-Homem Engole Ouro e Vomita Lixo 1932, impresso aps1942. Fonte:http://cybermuse.gallery. ca/cybermuse/ Acessado em 26/01/11

    [...] com esse momento crucial da histria no qual, sob o impacto da crescente participao das massas na produo coletiva, os modelos tradicionais, que contriburam para a formao do carter do indivduo burgus, foram rejeitados em favor de modelos que reconheciam os fatos sociais de uma situao histrica na qual o sentido de igualdade se havia intensificado a tal ponto, que essa igualdade poderia ser adquirida at mesmo a partir de um nico, graas aos meios de reproduo (BUCHLOH, 2000, p. 181).

    Os dadastas de Berlim viram que a

    fotografia tinha um potencial muito maior do que um

    simples instrumento burgus. E se a questo

    negar a funo interpretativa da arte, estabelece-se

    uma convergncia dos meios de reproduo tcnica

    com os dispositivos operadores de arte. E se os

    meios de comunicao atingem uma massa, ou

    seja, um maior nmero de espectadores, a

    alternativa da provocao e do choque cria um

    estranhamento no pblico em relao s situaes

    experimentadas no dia-a-dia (FABRIS, op. cit., p. 48), como tambm serve de alerta,

    como denncia, as notcias falsas sobre a guerra pela imprensa burguesa (id., p.

    23).

    Por mais non sense que fosse o Dad, os artistas sabiam o que estavam

    fazendo. Sabiam tanto, que sabiam negar a si prprio. Dada como antidad. Pois

    eles sabiam que a estratgia da provocao e do choque, quando vira um esquema,

    da segunda vez que se tenta provocar o choque, no choca mais.

    3.1.4 Termos genricos

    Preferimos chamar de termos genricos alguns termos que correspondem

    ou se assimilam com aqueles que acabamos de relatar. Tal preferncia se d por

  • 41

    Fig.26-GIACOMETTI, Alberto. Disagreeable Object. 1931. Fonte: WoodParishttp:// artanddesign.lelaluxe.com/2009/06/momas-collection-of-erotic-surrealism.html Acessado em 26/01/11

    Fig. 27 - OPPENHEIM, Meret. Le Djeuner en Fourrure, 1936. Fonte: SCHNECKENBURGER, Manfred. Escultura. In: WALTHER, Ingo F. (org.). Arte do sculo XX. Vol. 2. Lisboa: Taschen, 2005

    uma questo linear e pelo fato que, se abrirmos uma

    subseo para cada termo, podemos cair na redundncia.

    O que chamaremos de genricos so os termos: objet

    trouv e a assemblage.

    O objet trouv, derivado do francs objeto

    encontrado, designa a maior parte dos objetos

    surrealistas e surgem por volta de 1920. Muito prximo do

    termo ready-made inventado por Duchamp, o objet trouv

    consiste em encontrar objetos pelo acaso,

    escolhidos pelas suas funes estticas e fazer a

    juno destes, provocando um estranhamento pelas

    associaes inconciliveis. Se o objet trouv joga

    com os mesmos procedimentos do ready-made e

    da colagem, como a apropriao e a subtrao do

    sentido, fragmentao e justaposio dos

    fragmentos, a diferena maior est na escolha do

    tal objeto. Enquanto os ready-mades esto para a

    indiferena visual do objeto e a recusa da emoo

    esttica, o objet trouv reconhece no objeto achado

    um objeto esttico, portanto um critrio de gosto e

    de beleza, mesmo que est beleza seja um tanto

    estranha, pois a beleza surrealista se afirmar

    atravs do enunciado de Lautramont: Belo como

    o encontro casual de uma mquina de costura e um

    guarda-chuva sobre uma mesa cirrgica (DE MICHELI, op. cit.,161).

    Fig.25- RAY, Man. O presente, 1921, replica 1972. Fonte:http://www.tate.org.uk/tateetc/issue12/unholytrinity.htm. Acessado em 26/01/11

  • 42

    Fig. 28 : PICASSO,Pablo Cabea de touro, 1942. Fonte:http://gramatolo gia.blogspot.com/2008 _04_01_archive.html Acessado em 26/01/11

    Continuando o legado dos primeiros ready-mades

    duchampianos, onde dois ou mais objetos so

    justapostos, os primeiros objets trouvs assumiram um

    carter, atravs do automatismo, de irritabilidade das

    faculdades do esprito (id., p. 162). Invs da indiferena

    duchampiana, o objet trouv surrealista agir como

    provocador ptico, tanto que viraram referncia para os

    objets desagrables (objetos desagradveis) tendo como

    exemplo os trabalhos de Man Ray (Fig.25) e Alberto

    Giacometti (Fig26).

    Ao longo dos anos 30 do sculo XX, os objetos surrealistas (Fig.27) se

    proliferam de modo que cada objeto ser classificado pela sua categoria: objetos

    transubstanciados, de origem afetiva; objetos a serem projetados, de origem

    onrica; objetos-modelos, de origem hipnaggica; e outros mais (id., ibid.).

    Tomado por modelos e significados dspares, o objet trouv ao longo dos

    anos da Histria ser atribudo a tudo que carrega este procedimento: acoplamento

    de duas realidades aparentemente inconciliveis num plano que aparentemente no

    conveniente para elas (ERNST citado por DE MICHELI, op. cit., p. 161). Por isto

    veremos em textos o termo atribudo, mesmo que erroneamente, para ready-mades

    duchampianos at objetos que se comportam para representar algo, como o caso

    da Cabea de touro (Fig. 28) de Pablo Picasso. o termo generalizado para tudo

    que se parece com o procedimento. O mesmo acontece com o termo Assemblage.

    O termo assemblage cunhado por Jean Dubuffet (Fig. 29) em 1953,

    orientado pela esttica da acumulao, para fazer referncia aos trabalhos que vo

    alm das colagens, onde qualquer tipo de material pode ser incorporado uma obra

  • 43

    de arte (ASSEMBLAGE..., 2008). Oriundo de todas as categorias as quais j

    relatamos aqui, como colagem cubista, ready-made, fotomontagem, objet trouv,

    etc., a assemblage

    [...] uma modalidade de construo plstica na qual se enquadra a colagem, simples ou complexa, no importa, mas que se define por ser composta de materiais distintos quanto as suas caractersticas fsicas como tambm quanto ao uso que dele se fazia [...] e, como tais, portadores de temporalidades, informaes e conceitos diversos (FARIAS, op. cit., p. 10).

    No se valendo apenas de materiais

    industrializados ou da comunicao, os materiais para

    confeccionar uma assemblage podem ser de origem

    natural, como areia, pedra, madeira, asas de borboleta,

    etc.. A partir de materiais banais, mas sem retirar a sua

    identidade fsica e funcional, Dubuffet os utiliza de

    maneira informal, para, diferente da colagem cubista,

    enfatizar as qualidades visuais e tteis destes

    fragmentos aplicados em uma obra de arte.

    O termo de Dubuffet se expandiu com a exposio The Art of Assemblage,

    no MOMA de Nova York em 1961. A exposio incluiu 140 artistas internacionais,

    incluindo Braque, Cornell, Dubuffet, Picasso, etc. num mesmo pacote. Fazendo com

    que o termo se misturasse com as outras categorias das quais j relatamos. Por isto

    o termo assemblage vira histrico, sendo aplicado, por vezes, tanto para colagens

    cubistas, aos objets trouvs (sendo este a matria-prima para a assemblage), etc.,

    como tambm para aquilo que veio depois do termo, como as esculturas junk de

    John Chamberlain, que fazem uso de refugo industrial, sucatas e materiais

    descartados de todo tipo; os trabalhos dos membros do Nouveau Ralisme como o

    artista Arman, que se apropria das coisas que pertencem ao contexto fenomnico do

    Fig.29-DUBUFFET, Jean. Butterfly-Wing Figure,1953 Fonte:http://hirshhorn.si.edu/visit/collection_object.asp?key=32&subkey=2718 Acessado em 26/01/2011

  • 44

    mundo moderno e as acumulam como se fossem presas (ARGAN, op. cit., p. 558);

    as combine paintings de Robert Rauschenberg e as pinturas de Jasper Johns, as

    quais no retrataremos por hora, pois estamos a um passo da Arte Contempornea.

  • 45

    4 ARTE CONTEMPORNEA: SEGUNDA METADE DO SCULO XX

    No entenderemos por hora, como se a Arte Contempornea no se

    dispusesse de um tempo de constituio, ou melhor, como se a Arte

    Contempornea fosse atemporal, podendo ser retratada entre recortes de ida e

    volta, assinalando certos artistas da Arte Moderna pertencentes Arte

    Contempornea, como descreve Cauquelin (2005). Claro que entendemos que um

    artista como Duchamp ser um agente ativo em que se espelhar a

    contemporaneidade, e que sua Fonte ganha fora ou reconhecimento a partir dos

    anos 50. Porm, um objeto como a Fonte, na Arte Contempornea, ganha aspectos

    contrrios daqueles que lhe foram propostos. A Fonte ganha estatuto de obra de

    arte e se transforma em um objeto histrico e esttico, como teria dito Rauschenberg

    afirmando nunca ter visto uma escultura to bonita como o urinol de Marcel

    Duchamp (HONNEF, 2004, p.8).

    Por isto entenderemos a passagem da Arte Moderna para uma Arte

    Contempornea seguindo trs fatores: 1) a obra de arte deixando de representar

    algo para participar da realidade, como vnhamos relatando - com Jasper Johns e o

    fim da iluso (STEINBERG, 2008, p.32); 2) a apropriao deixa de ser material para

    se transformar em uma imagem novamente com Johns (BUCHLOH, op. cit., p.

    182) e depois com a Pop Art; 3) quando a arte moderna se transforma em histria

    com as vanguardas tardias e a ps-vanguarda1 (FABBRINI, 2003).

    Para o primeiro fator, como j vnhamos relatando, que, desde o

    Renascimento, atravs da perspectiva, os artistas representavam uma realidade, a

    1 Deixemos claro que para Fabbrini (2003), a periodizao da arte neste presente contexto se divide num imaginrio da modernidade artstica, dos artistas vanguardistas, ou seja, do fim do sculo XIX aos anos 1960 e 1970, e num imaginrio contemporneo, ou ps-vanguardista, a partir do final dos anos 70, o que no concorda com o ponto de partida da Arte Contempornea aplicada por Archer (2001) e Tassinari (2001).

  • 46

    qual nossos olhos eram guiados para dentro da imagem. Com os artistas modernos,

    aos poucos, aquela distncia vai se aproximando do plano pictrico. Na Arte

    Contempornea a representao da realidade posta de lado, para o objeto artstico

    ser uma realidade. Se um quadro ia para dentro, agora ele salta para fora. Se

    antigamente a tridimensionalidade era realizada atravs da iluso ptica num

    espao bidimensional, agora a tridimensionalidade passa a ser real.

    Para isto, tomemos como ponto de partida - tanto do ponto de vista de

    Tassinari (2001) quanto do ponto de Michael Archer (2001) com o livro Arte

    Contempornea - os artistas neodadastas, Robert Rauschenberg e Jasper Johns.

    4.1 NEO-DAD2

    Os trabalhos de Robert Rauschenberg e Jasper Johns, a partir dos anos 50,

    foram denominados por Neo-dad devido ao uso particular de temas derivados do

    mundo cotidiano (ARCHER, 2001, p. 2). O termo, continua Archer, est mais

    voltado para os trabalhos de Duchamp do que as atividades do Cabaret Voltaire de

    1916 (id., p. 3). Estes temas derivados do mundo cotidiano apresentam-se como

    qualquer tipo de objeto que pode ser utilizado para fazer um trabalho artstico,

    seguindo a risca e ampliando a idia da assemblage. Archer completa o conceito de

    assemblage com duas idias-chaves:

    A primeira a de que, por mais que a unio de certas imagens e objetos possa produzir arte, tais imagens e objetos jamais perdem totalmente sua identificao com o mundo comum, cotidiano, de onde foram tirados. A segunda a de que essa conexo com o cotidiano, desde que no nos envergonhemos dela, deixa o caminho livre para o uso de uma vasta gama de materiais e tcnicas at agora no associados com o fazer artstico (id., p.3-4)

    2 Optamos pelo termo Neo-dad, mesmo que desprezado por Steinberg (2008) e por Argan (1992), pelo simples fato destes artistas se encontrarem a meio caminho do Expressionismo abstrato Pop Art.

  • 47

    Seguindo este pensamento podemos associar o

    uso do cotidiano com a aproximao da arte com a vida

    to desejada por Rauschenberg (Fig. 30).

    A partir de 1953, Rauschenberg produziu uma

    srie de pinturas a qual ele denominou de Combine

    Paintings, que atravs de combinaes como fragmentos

    de pintura gestual expressiva (ensinamentos do provindos

    do Action Painting) com animais empalhados, sinais de

    trnsito, fotografias, etc., formam uma assemblage, tanto

    na apropriao e no uso de materiais heterclitos, quanto

    uma assemblage de categorias apropriacionistas das quais relatamos anteriormente:

    colagem, ready-made, objeto surrealista, etc., tudo numa mesma obra. Porm, de

    forma alguma, meramente uma aglomerao vital e arbitrria como uma

    representao de uma cena de rua, mas sim um tecido polifnico com referncias

    formais, iconogrficas e polticas cruzadas (SCHNECKENBURGER, 2005, p.510).

    Nestas pinturas, em que objetos vo sendo depositados e acabam

    representando algum motivo genrico, numa mistura desorganizada desenvolvem-

    se campos de tenso entre os territrios do artstico e do real (HONNEF, op. cit., p.

    22). Como bem entendia Rauschenberg sobre o processo artstico:

    A pintura est ligada arte e vida. Nenhuma delas pode ser feita. (tento agir no espao que se encontra ambas.) Um par de meias no menos adequado para fazer um quadro do que a madeira, pregos, terebentina, leo e tecido. Uma tela nunca est vazia (RAUSCHENBERG citado por RUHRBERG, 2005, p. 314).

    Se Rauschenberg age entre o intervalo da arte e da vida, seu amigo Jasper

    Johns opta pela relao arte e realidade.

    Fig.30-RAUSCHENBERG, Robert. Cama,1955.Fonte: http://www.moma.org/collection/. Acessado em 26/01/11

  • 48

    Ao contrrio de Rauschenberg, Johns reconhecido pelas suas pinturas que

    se apropriam de imagens banais e que so tratadas isoladamente como um alvo,

    uma bandeira, um conjunto de nmeros. Para muitos sem muito objetivo. Em

    grande parte, o objetivo dessas imagens a sua falta de objetivo o espectador

    procura um significado especfico, o artista est mais preocupado em criar uma

    superfcie (LUCIE-SMITH, 2006, p. 95). As pinturas de Johns, aproveitando uma

    imagem j preestabelecida, como uma bandeira, j no uma bandeira, como

    tambm no uma bandeira pintada, e sim uma questo sobre pintura. Com muita

    ironia, o artista renova as questes provocadas pelos ready-mades. Ao utilizar estas

    coisas vulgares, descontextualiz-las do seu primeiro sentido, com suas formas j

    existentes sem a necessidade de invent-las, o artista se interessa pelo fato de uma

    coisa no ser o que , de ela se tornar qualquer coisa diferente daquilo que

    (JOHNS citado por RUHRBERG, op. cit., p. 311). Uma bandeira se transformando

    em uma superfcie pintada. A realidade da coisa pintada esbatendo-se com a

    realidade da pintura (RUHRBERG, op. cit., p.310).

    Johns, como havamos dito, ser o artista que encerrar uma linha histrica

    que tentou romper a noo da representao da realidade. Uma pintura como Flag

    (Bandeira) de 1955, marca dois pontos de transformao na arte em que devemos

    nos concentrar.

    O primeiro a ruptura com a noo de representao da realidade. Isto se

    d, a grosso modo, por no haver temas sublimes ou uma iluso ptica e pela

    ambivalncia da pergunta quando estamos diante dela: isto uma bandeira ou uma

    pintura?. Se uma pintura, uma pintura abstrata, empastada, e muito banal. Se

    uma bandeira, uma imagem representando uma bandeira. Se continuar a

    apresentar uma dicotomia entre as coisas, no se chega a lugar nenhum. Pois,

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    Fig.31 - JOHNS, Jasper, Nmeros em cores,1958-1959. Fonte: http:// www.superstock.com. Acessado em 26/01/11

    com a relao da pintura com a coisa pintada que se investiga o fenmeno da coisa

    percepcionada como realidade. Johns construiu um idioma pessoal no qual objeto e

    emblema, quadro e tema convergem indivisivelmente. O

    tema est de volta no como preenchimento ou

    adulterao, no em algum tipo de parceria, mas como

    condio mesma da pintura (STEINBERG, op. cit., p. 49).

    A pintura, que j por sua tcnica se apresenta como

    objeto, ao se apropriar de uma imagem ou um cone, ou

    seja, na sua condio abstrata da coisa, se transformar

    em uma estrutura rgida, no havendo meios que se

    traspassem tela. Quando uma imagem tratada como imagem e no sobre

    aquilo que ela representa, aceitasse a imagem de uma maneira planificada. Se

    antigamente uma pintura apresentava uma leitura arredondada que nossos olhos

    escorregavam para dentro do quadro, a pintura de Johns a mesma coisa de ponta

    a ponta3. Archer faz esta relao para a pintura com nmeros (Fig.31):

    No caso de Johns isto era a soluo do problema originado no Expressionismo Abstrato de pintar com igual nfase sobre toda tela, em lugar de faz-lo no centro, onde o assunto principal normalmente aparecia, e arredondar as margens para dar sustentao. Uma sequencia numrica que comeava no canto superior esquerdo e terminava no inferior direito era um sistema apropriado para a obteno do resultado desejado (op. cit., p. 9-10)

    Se continuarmos com o exemplo que fizemos anteriormente para a colagem

    cubista, onde a perspectiva renascentista daria a iluso de uma janela aberta, a qual

    os nossos olhos adentram para uma outra realidade; com os impressionistas a

    vidraa da janela fechada e pintada de modo que deixam transparecer a outra

    realidade. Posteriormente, com a colagem cubista, a vidraa permanecer fechada

    3 Pgina seguinte: Fig.32 - JOHNS,Jasper. Bandeira, 1954-1955. Fonte: http://www.moma.org/collection/ Acesso em: 26/01/11.

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    Fig. 33 JOHNS, Jasper. Cortina, 1959. Fonte: STEINBERG, Leo. Outros critrios: confrontos com a arte do sculo XX. So Paulo: Cosac Naify, 2008.p. 69

    com os recortes colados no seu anverso e, no reverso do vidro, estar uma

    aplicao de uma demo de tinta que cobrir todo o vidro, restando apenas um

    mnimo de profundidade; no trabalho de Jasper Johns, o artista vai at a janela e

    fecha a cortina (STEINBERG, 2008, p.68) (Fig. 33).

    Se Jasper Johns fecha algo histrico,

    tambm abre uma outra questo, que corresponde

    ao nosso segundo ponto de transformao da arte:

    quando a apropriao deixa de ser material para se

    transformar em imagem.

    Se, antes a apropriao estava destinada

    ao uso de materiais palpveis, no caso de Johns,

    como tambm em Rauchenberg, pois este realizou

    inmeras pinturas atravs da serigrafia, a

    apropriao estar destinada ao uso de uma

    imagem pr-concebida, como melhor afirmara

    Buchloh:

    ...a Flag, de Jasper Johns, 1955, no apenas marcou o incio da recepo de Duchamp na arte americana, e portanto o comeo da pop art, como introduziu, para sermos mais precisos, um mtodo pictrico at ento desconhecido pela Escola de Nova York: a apropriao de um objeto/imagem cujos aspectos de estrutura, cor e composio determinaram as escolhas do pintor durante a execuo do quadro (op. cit., p. 182).

    Johns no pega uma bandeira de verdade e cola sobre a superfcie do

    quadro, ele reproduz uma bandeira. Com isto, ao utilizar a apropriao da imagem,

    abre um caminho para os artistas da Pop Art. Porm, devemos lembrar que a

    apropriao de imagens no se tornar uma regra, tanto que os trabalhos de Johns

    dos meados da dcada de 60 apresentaro objetos incorporados em sua pintura.

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    4.2 POP-ART

    A Pop Art surgiu na Inglaterra em 1956 com Richard Hamilton, e quase ao

    mesmo tempo, a partir das invenes de Rauschenberg e de Johns, nos Estados

    Unidos, com este ltimo obtendo mais sucesso. Se atentarmos ao fato, veremos que

    dois plos distintos apresentam uma proposta igualada, mesmo com finalidades

    distintas, concomitantemente. Isto se d por duas questes importantes na

    transformao do mundo da arte: a consolidao da mudana da capital da arte, de

    Paris para Nova York, e a globalizao da arte (BUENO, op. cit., p. 193). A mudana

    da capital da arte se d, a grosso modo, a partir de trs fatores histricos

    conseqentes. O primeiro com o Armory Show em 1913.

    A ideia de realizar uma grande exposio retrospectiva do movimento moderno foi resultado da iniciativa de 25 artistas, oriundos da Ash Can e do grupo de Stieglitz, que, em 1913, organizaram a primeira mostra de arte moderna de repercusso nacional: The International Exibition of Modern Art. Ocupando as instalaes do 69th Regiment Armory de Nova Iorque, ficou conhecida como Armory Show (Id., p. 60).

    A proposta da mostra, a princpio, era divulgar e promover a pintura

    americana, porm, como a maioria dos trabalhos era europia e de grandes e

    renomados artistas, posta ao lado, a pintura americana s serviu para ser

    ridicularizada pela maior parte do pblico (id., p. 62). Alm da revelao e do

    sucesso da obra europia, muitos artistas, ao visitarem a Amrica, viram uma

    potncia inovadora no mbito artstico naquele local. Alm de que, Nova York seria

    um bom reduto para escapar da Primeira Guerra. Mas aps o fim desta, os artistas

    retornam Paris.

    O segundo fator foi o xodo dos artistas europeus em direo Amrica,

    devido a Segunda Guerra, na passagem dos anos 30 para os 40, e muitos se

    instalando de vez (Id., p.91). Aps a guerra uma nova gerao de artistas

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    americanos vai caminhando com os prprios ps, sem sofrer muita influncia dos

    europeus ou querendo romper de vez com eles, comeando uma nova identidade:

    segmentada, atomizada e mutante (id., p. 93). Durante a guerra surge o fenmeno

    da internacionalizao, que para a populao consistia no desejo da preservao da

    paz entre seus iguais, porm, no seu miolo, consistia na dominao poltica de

    liderana americana (id., p.110). Para melhor entendermos a noo de

    internacionalizao, nos explicar Bueno:

    A internacionalizao consiste na exportao, para alm das fronteiras nacionais, de modelos econmicos, polticos, filosficos, modos de ser e viver, contedos artsticos e culturais, produzidos em naes poltica e economicamente fortes para adquirirem hegemonia internacional em alguns ou em muitos setores (id., p. 111).

    A internacionalizao ser um passo para a sociedade globalizada que

    ento conhecemos. A globalizao implica nas mesmas questes da

    internacionalizao, como a expanso, a queda de fronteira, a aproximao de

    culturas, etc., porm opera de forma distinta. Ao invs de operar na

    homogeneizao da humanidade, como num processo civilizatrio de

    ocidentalizao mundial e de domnio americano, como o caso do conceito da

    internacionalizao, a globalizao implicar na heterogeneizao da sociedade,

    que, da mesma forma que amplia as relaes sociais e um repertrio simblico

    comum, ainda guarda uma pluralidade de vises (id., 112). Porm, isto se dar

    apenas aps a guerra.

    O terceiro fator que consolidar de vez a mudana da capital da arte est, de

    forma simblica, no ano de 1956.

    Em 1956, comea a transparecer a influncia dos americanos com a exposio Modern Art in United States, na Tate Gallery, em Londres. O impacto sobre os artistas da nova gerao gerou um deslocamento do foco das inovaes artsticas na Inglaterra, de Paris para Nova Iorque (id., p. 157).

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    Fig. 34 - HAMILTON,Richard. O que torna os lares de hoje to diferentes, to atraentes?,1956. Fonte :http://www.kunsthalle-tuebingen.de/ Acessado e