perspectivas para a ação pedagógica inclusiva

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Regina Finck Ensinando Música ao Aluno Surdo: perspectivas para a ação pedagógica inclusiva Porto Alegre 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

Regina Finck

Ensinando Msica ao Aluno Surdo:

perspectivas para a ao pedaggica inclusiva

Porto Alegre

2009

1

Regina Finck

Ensinando Msica ao Aluno Surdo:

perspectivas para a ao pedaggica inclusiva

Tese de Doutorado a ser apresentada ao

Programa de Ps-Graduao em Educao

da Faculdade de Educao da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, como

requisito parcial para a obteno do ttulo de

Doutor em Educao.

Orientadora:

Prof. Dr. Esther Beyer

Linha de Pesquisa: Educao: Arte,

Linguagem Tecnologia.

Porto Alegre

2009

2

F493e Finck, Regina

Ensinando Msica ao aluno surdo: perspectivas para a ao

pedaggica inclusiva/ Regina Finck. 2009.

f. : Il, ; 30 cm

Bibliografia

Orientadora: Esther S. W. Beyer.

Tese (doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

Faculdade de Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao,

Porto Alegre, 2009.

1. Msica Instruo e estudo. 2. Deficientes auditivos Msica. 3.

Incluso escolar. I. Beyer, Esther. II. Universidade Federal do Rio

Grande do Sul. Faculdade de Educao. Programa de Ps Graduao

em Educao. III. Ttulo.

DCC 20. Ed. 780.7

Catalogao na Publicao (CIP) elaborada pela Biblioteca do CEFID/UDESC

3

Regina Finck

Ensinando msica ao aluno surdo:

perspectivas para a ao pedaggica inclusiva

Tese apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Educao da Faculdade de

Educao da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, como requisito parcial para

obteno do ttulo de Doutor em Educao.

Orientadora:

Prof. Dr. Esther Beyer.

Aprovada em: 30 de setembro de 2009.

Prof. Dr. Esther Beyer - Orientadora

Prof. Dr. Leda de Albuquerque Maffioletti - UFRGS

Prof. Dr. Geovana Mendona Lunardi Mendes- UDESC

Prof. Dr. Srgio Ferreira de Figueiredo- UDESC

4

Ao concluir este trabalho, quero agradecer...

... aos meus professores Hugo Otto e Esther Beyer. A eles devo meus primeiros passos na

aventura de investigar a incluso escolar. Professores que me acolheram junto aos seus grupos

de alunos e que sempre me diziam que este seria um trabalho orientado a quatro mos. Ao

professor Hugo (in memmorian) quero deixar registrado o meu especial agradecimento porque

foi em suas aulas sobre educao inclusiva, que pude tomar contato com o mundo da incluso

e da deficincia. Foi o seu profundo entusiasmo e conhecimento na rea, compartilhado com

seus alunos, que me estimulou a buscar uma reflexo sobre a educao musical direcionada a

alunos surdos. professora Esther, sou grata pelo seu precioso tempo despendido em ajudar a

dar forma a cada etapa, por sua gentileza e carinho, sua fora e estmulo. A eles dedico meus

sinceros agradecimentos, pois ambos constituram um modelo de referncia terico e

profissional humano irrepreensvel.

... aos professores Dr. Leda de Albuquerque Maffioletti, Dr. Geovana Mendona Lunardi

Mendes e Dr. Srgio Ferreira de Figueiredo por fazerem parte do comit que avaliou a minha

tese.

... aos membros do Grupo de Pesquisa Educao, Arte e Incluso, porque foi nessas reunies

semanais que encontrei um espao de dilogo, de reflexo e de criao para o

desenvolvimento de materiais pedaggicos. Tambm foi no grupo que consegui um

intercmbio de ideias, as quais formaram a base prtica de sustentao deste trabalho.

... Escola Bsica Estadual, localizada no municpio de Biguau/SC. Tambm agradeo o

apoio da Secretaria de Educao de Florianpolis, por oportunizar a minha insero nas

escolas municipais. Agradeo as Direes destas instituies e ao seu corpo docente. Graas

ao apoio recebido, foi possvel adentrar ao espao escolar para fundamentar a coleta de dados

e executar minha pesquisa.

... a Demi e Iva, alunas do curso de Licenciatura em Msica, que aceitaram colaborar no

Projeto Piloto. Cada semana deste trabalho se constituiu como um caminho a ser desvendado,

onde aos poucos fomos descobrindo e aplicando juntas as reflexes sobre o ensino da

msica e todas as suas singularidades no campo da surdez.

5

... s professoras intrpretes Lize e Dora um agradecimento profundo e especial por

traduzirem e darem voz aos alunos surdos.

... aos participantes do Projeto Piloto e da Oficina Sons em Movimento, bem como a todas as

famlias que permitiram tornar possvel a conduo desta pesquisa.

... a Aroldo, que no sentido exato da palavra companheiro, deu o apoio, a segurana e a

compreenso durante todo o percurso da tese.

... minha famlia e aos amigos que ofereceram seus conselhos e incentivos durante todo este

processo.

... a Universidade do Estado de Santa Catarina, que permitiu o meu afastamento das

atividades junto ao Departamento de Msica, tornando possvel a realizao desta pesquisa.

6

Se te perguntarem quem era essa que s areias e aos

gelos quis ensinar a primavera [...]. assim que

Ceclia Meireles inicia um dos seus poemas. Mas

como ensin-lo? Ser possvel ensinar a beleza de

uma sonata de Mozart a um surdo? E poderei ensinar

a beleza das telas de Monet a um cego? De que

pedagogia, irei eu me valer? H coisas que esto

alm das palavras. Cientistas, filsofos e professores

so aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que

podem ser ensinadas [...] (ALVES, 2007, p. 42).

7

RESUMO

A presente tese prope-se a investigar, a partir de uma abordagem qualitativa, como se d o

processo de aprendizagem musical de alunos surdos no contexto inclusivo, com vistas a

sistematizar uma base para educao musical com esses alunos junto escola regular. A

pesquisa foi desenvolvida em duas fases principais. A primeira fase, do tipo exploratria,

ocorreu no segundo semestre de 2007 e primeiro semestre de 2008 e envolveu aspectos

relativos ao universo escolar. Nesta fase foram realizadas observaes, entrevistas com

professores, diretores e outros profissionais que atuam com alunos surdos, buscando-se

elementos que pudessem traduzir o que pensam estes profissionais sobre a insero da msica

para alunos surdos na escola inclusiva e, ao mesmo tempo, verificar como as unidades

escolares estavam se adaptando s polticas governamentais de incluso. J a segunda fase,

estruturada dentro do princpio da pesquisa-ao, envolveu a aplicao de atividades prticas -

Projeto Piloto e Oficina Sons em Movimento - durante o ano de 2008. O Projeto Piloto foi

realizado com o apoio de duas estagirias, em uma unidade da Rede Municipal de Educao

de Florianpolis e envolveu uma turma de quinta srie, com trinta e cinco alunos, sendo duas

surdas. Neste projeto foram verificadas questes relacionadas s prticas musicais, adaptao

de material e recursos pedaggicos, buscando proporcionar aprendizagem musical

significativa. A Oficina Sons em Movimento foi realizada no segundo semestre de 2008,

tendo como base as atividades do Projeto Piloto, mas em um contexto diferenciado, j que o

grupo de dez crianas, quatro delas surdas, apresentava tambm uma intrprete da Lngua

Brasileira de Sinais - LIBRAS, duas bolsistas e a pesquisadora, atuando como ministrante dos

trabalhos. A anlise dos dados coletados na primeira e segunda fases demonstra que a

insero de alunos surdos na escola e as aes inclusivas, ainda no satisfazem plenamente as

necessidades educacionais destas crianas. Por ouro lado, a descrio das atividades prticas

contribuiu para ampliar as discusses sobre aprendizagens musicais das crianas surdas e

como elas se relacionaram com os contedos musicais. Verificou-se tambm, que a partir da

criao e da utilizao de materiais adaptados e de recursos pedaggicos foi possvel constatar

aprendizagens musicais significativas, o que evidencia a possibilidade da estruturao de

elementos de ao musical direcionada para crianas surdas em contexto inclusivo.

Palavras-chave: 1. Educao Musical. 2. Surdez. 3. Incluso

FINCK, Regina. Ensinando Msica ao Aluno Surdo: perspectivas para a ao pedaggica

inclusiva. Porto Alegre, 2009, 234 f. + Anexos. Tese (Doutorado em Educao)

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educao. Programa de Ps-

Graduao em Educao. Porto Alegre, 2009.

8

ABSTRACT

The purpose of this thesis is to investigate, by means of a qualitative approach, the way to

provide musical learning for students with impaired hearing within an inclusive context. This

has been undertaken with a view to combine a basic grounding in musical education with

regular schooling. The research was conducted in two key phases. The first was an

exploratory study which took place in the second term of 2007 and the first term of 2008 and

involved areas related to the world of the school. Observations were carried out, together with

interviews with teachers, directors and other professionals who work with hearing impaired

students. The aim of this was to find any clues that could reveal what these professionals

thought about the idea of incorporating music for hearing impaired students in an inclusive

school. At the same time, an attempt was made to find out the extent to which the regular

schools were adapting to the governments policies with regard to inclusion. The second

phase which was structured on the principles of action-research, involved carrying out two

practical activities in 2008 a Pilot Project and a Sounds and Movement Workshop. The Pilot

Project was undertaken with the support of two trainees in a municipal school in Florianpolis

and comprised a group of thirty-five 5th Year pupils, two of whom were hearing impaired.

This project examined issues arising from musical practices, the application of material and

the use of teaching resources and aimed at providing musical learning of significance. The

Sound and Movement Workshop was held in the second term of 2008 and was underpinned

by the Pilot Project activities. However, it was carried out in a separate context, since the

group of children, four of whom had impaired hearing, also consisted of an interpreter of

LIBRAS (Brazilian Sign Language), two grant-maintained undergraduates and the researcher

who was overseeing the activities. The analysis of the data gathered in both the first and

second phases, showed that neither the incorporation of the hearing impaired students in the

school nor the inclusive actions, succeeded in meeting the educational requirements of these

children. However, the description of the practical activities helped to broaden the discussion

about the musical learning of children with impaired hearing and how they can adapt to the

musical syllabus. It was also found that by creating and employing the selected material and

the teaching resources, it was possible to bring about musical learning of real significance.

This is evidence that it is possible to provide a framework for musical activities within an

inclusive context with features that are designed for children with impaired hearing.

Key Words: 1. Musical Education 2. Impaired Hearing 3. Inclusion

FINCK, Regina. Teaching music to students with Hearing Impaired: perspectives for

inclusive pedagogical action. Porto Alegre, 2009, 234 f. + Anexos. Thesis (Doctors Degree in

Education) Federal University of Rio Grande do Sul. Education Faculty. Post-Graduate

Course in Education. Porto Alegre, 2009.

9

LISTA DE TABELAS E QUADROS

Tabela 1 Restries auditivas (SALMON, 2003)

Tabela 2 Unidades Escolares

Tabela 3 Relao dos participantes da pesquisa

Tabela 4 Relao dos entrevistados

Tabela 5 Membros da equipe de trabalho

Tabela 6 Cronograma de atividades Projeto Piloto

Tabela 7 Contedos musicais e adaptaes pedaggicas - Projeto Piloto

Tabela 8 Contedos musicais e adaptaes pedaggicas Oficina Sons em

Movimento

Tabela 9 Cronograma e Frequncia da participao na Oficina Sons em

Movimento

Tabela 10 Habilidades musicais a partir dos Pressupostos de Darrow (2008)

10

LISTAS DE FIGURAS E ILUSTRAES

Figura 1 Etapas do trabalho de campo

Figura 2 Apresentao Orquestra de Cordas UDESC

Figura 3 Alunos da Escola

Figura 4 Percepo da sensao vibrottil violoncello e viola

Figura 5 Contedos musicais derivados da sensibilizao sonora

Figura 6 Execuo de representao grfica Oiepo

Figura 7 Representao do Entorno Sonoro - Aluna Bia

Figura 8 Processo de conscientizao do entorno acstico

Figura 9 Partitura analgica Conto Sonoro

Figura 10 Partitura analgica Jardins da Udesc

Figura 11 Representao Grfica Histria da Bola

Figura 12 Representao Grfica Brincadeira Cantada Oiepo

Figura 13 Representao Grfica Interpretao

Figura 14 Percepo da sensao vibrottil piano

Figura 15 Percepo da sensao vibrottil instrumentos de cordas

Figura 16 Base para Educao Musical de alunos surdos

Figura 17 Cartela som e silncio

Figura 18 Cartela pulso e subdiviso

Figura 19 Cartela durao do som

Figura 20 Cartela acento do pulso

Figura 21 Representao do piano - Aluno Toni

11

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

NEE Necessidades Educacionais Especiais

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

SEESP Secretaria de Educao Especial

PNEE Poltica Nacional de Educao Especial

SEI Secretaria de Estado da Educao e Inovao

FCEE Fundao Catarinense de Educao Especial

LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais

UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

PPP Projetos Polticos Pedaggicos

LEDI Laboratrio de Educao Inclusiva

OMS Organizao Mundial para a Sade

RME Rede Municipal de Educao

UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina

CEART Centro de Artes

CEAD Centro de Educao a Distncia

PCNs Parmetros Curriculares Nacionais

IATEL Instituto de Audio e Terapia da Lngua

12

SUMRIO

INTRODUO ........................................................................................................................ 15

1 - REVISO DE LITERATURA ........................................................................................... 19

1.1 Legislao para os alunos com deficincias ................................................................... 19

1.1.1 Polticas Pblicas ..................................................................................................... 21

1.2 Escola Inclusiva .............................................................................................................. 26

1.2.1 Formao de professores: concepes vigentes na escola inclusiva ....................... 30

1.3 A Educao do Aluno Surdo .......................................................................................... 35

1.3.1 Vygotsky e os Processos de Aprendizagem do Aluno Surdo .................................. 39

1.4 Prticas musicais no contexto inclusivo ......................................................................... 48

1.4.1 Prticas musicais do aluno surdo ............................................................................. 52

1.4.2 Percepes sobre ensinar msica para alunos surdos .............................................. 59

2 - CONSTRUINDO A PESQUISA: OS CAMINHOS METODOLGICOS ADOTADOS

PARA INVESTIGAR PRTICAS MUSICAIS COM ALUNOS SURDOS .......................... 71

2.1 Enfoque qualitativo......................................................................................................... 71

2.2 Seleo dos contextos inclusivos .................................................................................... 75

2.3 Trabalho de campo ......................................................................................................... 80

2.3.1 Etapas do trabalho de campo ................................................................................... 81

3 - A EDUCAO MUSICAL DO SURDO SOB O PONTO DE VISTA DOS

PROFISSIONAIS QUE ATUAM NO ESPAO ESCOLAR .................................................. 91

13

3.1 O aluno surdo est na escola: anlise do contexto encontrado nas unidades escolares.. 91

3.1.1 Resistncia ou aceitao: como reagem os profissionais da escola quando o assunto

incluso? ........................................................................................................................ 97

3.2 Por que ensinar msica para o aluno surdo?................................................................. 100

3.2.1 Como os professores avaliam a participao do aluno surdo nas atividades

musicais .......................................................................................................................... 106

3.3 A gente vai se adaptando ao que no se tem: contextualizando as prticas musicais de

duas professoras com surdos .............................................................................................. 108

3.3.1 Caractersticas das turmas ..................................................................................... 111

3.3.2 Pensar a aula de msica: planejamento e adaptaes pedaggicas ....................... 112

4 ATIVIDADES MUSICAIS: RELATO DAS PRTICAS COM ALUNOS SURDOS EM

CONTEXTO INCLUSIVO .................................................................................................... 117

4.1 Projeto Piloto Escola Municipal EM2 .......................................................................... 118

4.1.1 Planejamento das Atividades ................................................................................. 119

4.1.2 Avaliao ............................................................................................................... 125

4.1.3 Aprendizagem musical significativa ..................................................................... 134

4.2 Oficina Sons em Movimento ........................................................................................ 140

4.2.1 Planejamento das Atividades ................................................................................. 141

4.2.3 Avaliao ............................................................................................................... 152

5 APRENDIZAGEM MUSICAL SIGNIFICATIVA: COMO A CRIANA SURDA SE

RELACIONA COM AS PRTICAS MUSICAIS ................................................................ 154

5.1 Processos de Conscientizao do Entorno Sonoro ........................................................ 156

5.1.1 Explorao Sonora Livre ....................................................................................... 158

5.1.2 Experimentao Sonora ......................................................................................... 168

5.1.3 Estruturao Grfica com base analgica .............................................................. 172

5.1.4 Interpretao: leitura e execuo ........................................................................... 175

14

5.2 Mecanismos que entram em jogo para a aprendizagem musical de alunos surdos ...... 177

5.2.1 Sensaes vibrotteis ............................................................................................. 177

5.2.2 Jogo de discriminao sonora ................................................................................ 180

5.2.3 Vocalizaes e mmicas ........................................................................................ 182

5.2.4 Influncias da famlia ............................................................................................ 183

5.3 Elementos para Educao Musical do Aluno Surdo .................................................... 186

5.3.1 Adaptao de material didtico e estratgias de ensino ........................................ 187

5.3.2 Contedos .............................................................................................................. 188

CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 203

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................... 213

ANEXOS ................................................................................................................................ 226

ANEXO 1 ............................................................................................................................... 227

ANEXO 2 ............................................................................................................................... 228

ANEXO 3 ............................................................................................................................... 230

ANEXO 4 ............................................................................................................................... 231

ANEXO 5 ............................................................................................................................... 232

15

INTRODUO

A presente pesquisa prope-se a investigar as aprendizagens musicais em contexto

inclusivo de alunos com surdez. O interesse nesta rea de estudo surgiu da experincia pessoal

da pesquisadora a partir das disciplinas relacionadas com a formao de professores junto ao

Curso de Licenciatura em Msica da Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC e

da experincia resultante da consultoria na rea de Msica junto Rede Municipal de

Educao RME da cidade de Florianpolis. A RME de Florianpolis atua desde 1998 em

uma proposta de escola aberta s diferenas, proporcionando o acesso ao ensino regular de

alunos com deficincias.

Deste modo, a opo pela abordagem de educao inclusiva foi se delineando, ao

longo desse perodo, ou seja, as discusses trazidas pelos acadmicos da disciplina de

Didtica da Msica e orientandos de Prticas Pedaggicas e Estgio, a observao das

dificuldades relatadas pelos colegas professores de escola pblica com alunos com

deficincias includos em suas salas de aula e as leituras de textos na rea motivaram a busca

pela superao dos prprios limites, visando a obteno de respostas para estas inquietaes.

Alia-se a isso, as discusses sobre a obrigatoriedade de contedos musicais na Educao

Bsica que j estavam em andamento junto a Associao Brasileira de Educao Musical -

ABEM. Estas questes se confirmaram e a recente publicao da Lei n. 11.769 de 18 de

agosto de 2008, que estabelece o ensino da msica como contedo obrigatrio, far com que o

futuro Educador Musical tenha um contato maior com alunos com deficincias includos na

escola regular.

A incluso surgiu como resposta ao atendimento dado aos alunos da educao especial

s suas necessidades educacionais e sociais. O princpio de incluso foi pautado para atender,

efetivamente, s necessidades bsicas de aprendizagem de todos os alunos, seja nos

procedimentos que sero adotados no cotidiano das escolas, da educao infantil at a

educao superior, ou na formao de professores para atuar neste contexto. Se a educao

musical constitui-se como fator importante e agora tambm obrigatrio no estabelecimento de

qualquer currculo educacional e, se for levado em conta, que a RME de Florianpolis prev

na sua grade curricular a disciplina de Artes - Msica, esta tese teve como questo norteadora:

16

Como se d o processo de aprendizagem musical de alunos surdos, a partir de aes musicais

estruturadas em consonncia com as Polticas de Incluso no municpio de Florianpolis?

Para ampliar a discusso sobre o contexto inclusivo, alm dessa pergunta central

elaborou-se outras questes: como os sujeitos envolvidos com a incluso (professores,

intrpretes de LIBRAS, diretores e coordenadores pedaggicos) avaliam a insero de alunos

surdos em salas inclusivas? De que maneira os alunos surdos se relacionam com as prticas

musicais? Que materiais didticos e estratgias de ensino podem contribuir para uma

aprendizagem musical de alunos surdos?

Apesar de haver referencial bibliogrfico voltado para a educao musical do aluno

surdo, encontram-se poucas pesquisas na rea adaptadas realidade brasileira. Por outro lado,

observam-se as dificuldades manifestadas pelos professores de msica e profissionais da

educao na realizao de um trabalho na rea de msica voltado para as muitas diferenas

encontradas na sala de aula. Apesar de a legislao brasileira prever que todos os cursos de

formao de professores, do magistrio licenciatura, devem capacitar os professores para

receber, em suas salas de aula, alunos com e sem deficincia, sabe-se que muitas destas

instituies formadoras ainda no esto adaptadas para preparar este professor em um

contexto inclusivo. Assim, tendo em vista a documentao analisada e as dificuldades para

atender a toda a demanda de alunos com deficincia no ensino regular, este trabalho se

justifica na medida em que prope uma investigao da ao musical de professores voltada

para o aluno surdo em um contexto inclusivo na cidade de Florianpolis.

Com a crescente demanda de alunos com deficincias includos nas classes do ensino

regular e, desta maneira, nas atividades musicais desenvolvidas nestas unidades, tem-se

intensificado a necessidade de ampliao das produes tericas que auxiliem a compreender

as diferentes possibilidades de reorganizao das prticas vigentes para atender a esta

demanda. Com relao ao aluno surdo, o crescimento da demanda nas escolas regulares,

passando a frequentar, por meio perodo, pelo menos, as classes regulares, no diferente.

Deste modo, a opo pelo trabalho com alunos surdos foi uma consequncia direta da

ausncia de produo de pesquisa no campo da educao musical, direcionada a estes alunos.

Assim, optou-se por investigar como se d o princpio da incluso de alunos surdos em

uma proposta de aplicao prtica no campo da educao musical. Essa base de ao foi

estruturada de acordo com a reviso da literatura que aborda o tema educao musical para

alunos surdos e, tambm, fundamentou-se nas experincias prticas, desenvolvidas na

dissertao de mestrado da pesquisadora (FINCK, 2001), cujo trabalho resultou em um estudo

17

sobre o processo da construo do conhecimento musical a partir do fazer criativo em msica.

A base de ao, visando prticas musicais para alunos surdos foi estruturada, tambm, para

servir como suporte na formao dos professores que atuaro no contexto inclusivo, uma vez

que a pesquisadora est diretamente envolvida com este tipo de ao junto ao curso de

Licenciatura em Msica da UDESC.

Deste modo, a pesquisa foi desenvolvida, tendo como principal objetivo analisar os

procedimentos utilizados pelos professores de msica e outros profissionais que atuam com

alunos surdos, objetivando a compreenso dos processos de aprendizagem musical destes

alunos. Ao mesmo tempo, procurou-se conhecer o desenvolvimento musical de surdos, no

contexto de sala de aula. Este conhecimento ajudou a formular elementos de uma base de

ao que possa fundamentar o trabalho de formao de professores de msica para trabalhar

com alunos surdos. A partir desse conhecimento, pode-se estabelecer criteriosamente os

pontos da linguagem musical a serem trabalhados. O professor que ensinar msica s

crianas surdas ter que dominar uma srie de elementos para poder reunir e criar, um

material adequado e suficientemente variado para obter xito em sua tarefa. Da eficcia desse

professor, dos desdobramentos tcnicos e do seu senso crtico, depender no futuro, a incluso

ou no da msica na formao cultural da criana surda.

Na primeira seo, Reviso da Literatura, apresenta-se o contexto no qual surgem as

polticas pblicas para o atendimento de alunos da educao especial e os principais

documentos internacionais, dos quais o Brasil signatrio. Aborda-se as concepes de escola

inclusiva de alunos com deficincias e os processos de educao de alunos surdos. Nessa

seo apresenta-se, tambm, como a rea da Educao Musical aborda a questo da incluso

para alunos com deficincias e, mais especificamente, como a rea da surdez tem sido tratada

por educadores e/ou profissionais da rea da msica.

A seguir, o desenho metodolgico da pesquisa descrito. A seo intitulada

Construindo a pesquisa: os caminhos adotados para investigar as prticas musicais de alunos

surdos relata, passo a passo, como foram tomando forma os esboos da pesquisa,

estruturados no projeto de tese. Procura-se demonstrar como foram delineados os eixos

principais da coleta de dados, entre eles os questionrios preliminares e o roteiro das

entrevistas semiestruturadas. Apresenta-se, ainda, a importncia da fase inicial da pesquisa e a

sua reestruturao e adequao realidade encontrada no contexto escolar. O remanejamento

da estrutura da pesquisa se fez necessrio uma vez que o trabalho, inicialmente previsto para

uma anlise das prticas dos professores de msica com alunos surdos, passa a contar,

18

tambm, com o desenvolvimento de atividades musicais com alunos surdos em contexto

inclusivo. Assim, realizado de forma sistemtica, um projeto piloto, visando compreenso

de como se d o desenvolvimento musical de crianas surdas em contexto inclusivo em

Florianpolis.

A seo A Educao Musical do surdo sob a perspectiva dos profissionais que atuam

no espao escolar se constituiu como um estudo preliminar sobre como os profissionais da

educao dos contextos inclusivos participantes da pesquisa, se posicionam com relao

incluso e, principalmente, como os profissionais que atuam neste contexto percebem as

prticas musicais voltadas para o aluno surdo. Ainda, nesta seo, relata-se as prticas

musicais de duas professoras que j atuaram no contexto inclusivo com alunos surdos.

A quarta seo trouxe em evidncia um relato de como a pesquisadora estrutura as

aes prticas, a partir do estudo preliminar sobre o contexto escolar realizado na seo

anterior. Assim, a seo intitulada Atividades Musicais: relato das prticas com alunos

surdos em contexto inclusivo est subdividida em duas partes. A primeira relata o Projeto

Piloto, desenvolvido no primeiro semestre de 2008, em uma unidade escolar da RME do

municpio de Florianpolis. A segunda, denominada Oficina Sons em Movimento, mantem o

carter inclusivo iniciado na escola, mas sob nova perspectiva, ou seja, um grupo reduzido de

alunos, um espao fsico adaptado, materiais didticos criados por uma equipe de trabalho e

uma intrprete da Lngua de Sinais em tempo integral.

A quinta seo discute como as crianas surdas se relacionaram com as atividades

musicais propostas pela pesquisadora tanto no Projeto Piloto, como na Oficina Sons em

Movimento. Essa seo intitulada Aprendizagem Musical Significativa: como a criana

surda se relaciona com as prticas musicais, de uma forma mais ampla, busca trazer, luz da

literatura estudada, a aprendizagem e a construo do conhecimento como um processo que

integrou prtica, reflexo e conscientizao, encaminhando a experincia da conscientizao

do entorno sonoro para nveis cada vez mais elaborados. A partir de um processo ativo e

contnuo, contemplou situaes de aprendizagem musical em que cada criana surda

encontrou o seu prprio caminho para a percepo das sensaes vibrotteis.

Nas consideraes finais procura-se explicitar as contribuies desse estudo para a

rea da educao musical e responder a pergunta: enfim, qual a tese? Conhecer e interagir

com as unidades escolares, os profissionais que nela atuam, os alunos, perceber as relaes da

escola e suas novas funes, estruturar as atividades musicais para este contexto,

exemplificam as aes desenvolvidas e traduzem o processo desta pesquisa.

19

1 - REVISO DE LITERATURA

1.1 Legislao para os alunos com deficincias

No Brasil, constata-se que as polticas pblicas que visam a promoo de uma

sociedade integradora, justa e igualitria tm avanado consideravelmente. Estas polticas

esto em consonncia com as propostas de educao para todos, apropriadas pelos

movimentos internacionais, em prol de uma escola inclusiva e de boa qualidade, que no

exclua aqueles que apresentem necessidades educacionais especiais. Mendes (2006, p. 395)

descreve que no movimento denominado de incluso social o princpio da incluso passa a ser

defendido, em vrios pases, como uma proposta da aplicao prtica no campo da educao.

Neste sentido, a incluso social implicaria na construo de um processo bilateral no qual as

pessoas excludas e a sociedade buscariam, em parceria, efetivar a equiparao de

oportunidades para todos. Entre os documentos mais importantes citados pela autora esto a

Declarao de Sunderberg (UNESCO, 1981), Declarao de Salamanca e Linha de Ao

(1994), e a Declarao Mundial de Educao para Todos nas Amricas (UNICEF, 2000).

Segundo a Declarao de Salamanca e a Linha de Ao (1994), ficou estabelecida a

necessidade de concentrar esforos para atender as necessidades educacionais de inmeros

alunos at ento privados do direito de acesso, ingresso, permanncia e sucesso na escola

bsica. Na rea da deficincia, esse esforo vem sendo enfatizado no sentido de assegurar o

respeito aos direitos sociais, polticos e econmicos de todo o cidado (DECLARAO DE

SALAMANCA, 1994, p. 11). Neste sentido, de suma importncia que os alunos com

deficincia tenham acesso a um programa de ensino consistente. Em contrapartida,

importante que os professores que atuam com este pblico tenham uma formao slida para

viabilizar um trabalho nos diferentes contextos da educao especial.

Em decorrncia dos debates sobre a universalizao da educao, reforada na

Declarao de Salamanca, pode-se dizer que h um consenso de que crianas e jovens com

deficincia devam ser includos em escolas comuns no princpio da integrao e no

reconhecimento da necessidade de ao para conseguir escolas para todos, isto ,

20

instituies que incluam todos os alunos, reconheam as diferenas, promovam a

aprendizagem e atendam s necessidades de cada um:

[...] independentemente de suas condies fsicas, intelectuais, sociais, emocionais,

lingusticas ou outras, crianas deficientes e bem dotadas, crianas que vivem nas

ruas e que trabalham, crianas de populaes distantes ou nmades, crianas de

minorias lingusticas, tnicas ou culturais e crianas de outros grupos ou zonas

desfavorecidos ou marginalizados. (DECLARAO DE SALAMANCA, 1994, p.

17).

Apesar da importncia deste documento ele no tem poder legal em si mesmo. A

declarao apenas oferece diretrizes para os Estadosmembros nas Naes Unidas que podem

ou no incorporar em suas polticas pblicas as orientaes internacionais.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LDBEN - n. 9.394/96 garantiu

avanos ao atendimento educacional escolar de alunos portadores de necessidades especiais.

Em seu texto esto previstos trs artigos com seus pargrafos e incisos, includos no Captulo

V. Para os autores (EDLER CARVALHO, 2000, MANTOAN, 2003, DENARI, 2006,

MICHELS, 2006 e MENDES, 2006), faltam, contudo, mecanismos que garantam a

operacionalizao da LDBEN, seja em relao organizao de uma escola que efetivamente

atenda s necessidades bsicas de aprendizagem de todos os seus alunos, seja nos

procedimentos que sero adotados no cotidiano das escolas, da educao infantil at a

educao superior, alm da formao de professores para atuar neste contexto.

Em uma tentativa de garantir a efetivao do texto da lei, foram publicadas as

Diretrizes Nacionais para a Educao Especial na Educao Bsica (BRASIL, 2001), atravs

da Resoluo CNE/CEB n. 2 de setembro de 2001. Este documento busca dar parmetros

para a identificao dos portadores das necessidades educacionais especiais. Segundo o Art.

3. desta Resoluo, o conceito de educao especial est assim apresentado:

Processo educacional definido numa proposta pedaggica que assegure recursos e

servios educacionais especiais, organizados institucionalmente, para apoiar,

complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os servios educacionais

comuns, de modo a garantir a educao escolar e promover o desenvolvimento das

potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais

especiais, em todas as etapas e modalidades da educao bsica. (BRASIL,

CNE/CEB n. 2 de set. de 2001).

Esta Resoluo composta por vinte e dois artigos que tratam desde o conceito de

educao especial, da caracterizao do alunado, de sua identificao, das modalidades de

atendimento educacional escolar, dos servios de apoio especializado, da formao de

21

professores, dentre outros temas. Assim, se a educao geral enfrenta enormes desafios

relativos a questes que tratem da liberdade, da igualdade e da emancipao como ideais -,

atravs das prticas pedaggicas, o que dizer das propostas que buscam a integrao social e

aceitao cultural dos alunos com deficincias atravs de um humanismo politicamente

correto.

A Declarao de Santiago (UNESCO, 1981) prev um eixo pedaggico relativo a

profissionalizao do ensino nas escolas. Dentre as recomendaes destacam-se: a)

priorizao das aprendizagens de leitura, escrita e matemtica; b) remunerao e oferecimento

de melhores condies de trabalho aos docentes; e c) formao e aperfeioamento constante.

O texto estabelece como prioridade a capacitao docente para que se desenvolva, em sala de

aula, estratgias de integrao de crianas com deficincias. Neste sentido, trata-se de

recomendao importante, principalmente porque no se refere a especialistas e sim a todos os

professores. Assim, para um avano das propostas pedaggicas, as polticas oficiais que

defendem uma integrao dos alunos com deficincias na escola comum, embasadas pelos

discursos de igualdade de condies e oportunidades, identidade com os demais alunos e

pleno desenvolvimento cognitivo, social e cultural devem focar tambm as questes de

formao dos profissionais envolvidos.

1.1.1 Polticas Pblicas

Poltica Nacional de Educao Especial

A primeira verso do documento que estabeleceu a Poltica Nacional de Educao

Especial (BRASIL, 1994) adotava o conceito de necessidades educacionais especiais

NEE-, referindo-se s necessidades decorrentes das capacidades ou dificuldades de

aprendizagem em algum momento da escolaridade. A proposta enfatizava a identificao das

necessidades educacionais especiais, a modificao da escola, os ajustes e adequaes no

projeto pedaggico.

Atualmente, em vigor desde 2008, encontra-se disponvel a nova verso do documento

elaborado por um Grupo de Trabalho e publicado pelo MEC/SEESP: a Poltica Nacional de

Educao Especial agora sob a perspectiva da Educao Inclusiva (2008c). Neste documento

fica explcita a defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e

participando, sem nenhum tipo de discriminao. Assim, a educao inclusiva considerada

como uma ao poltica, cultural, social e pedaggica (BRASIL, 2008c, p. 01),

22

fundamentada em um novo paradigma, ou seja, na concepo de direitos humanos, que

conjuga igualdade e diferena como valores indissociveis, e que avana em relao ideia de

equidade formal ao contextualizar as circunstncias histricas da produo da excluso dentro

e fora da escola (BRASIL, 2008c, p. 01).

O documento reconhece que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino,

evidenciam a necessidade de confrontar as prticas discriminatrias e aponta para a

necessidade de se criar alternativas para super-las. Neste sentido, a educao inclusiva

assume espao central no debate acerca da sociedade contempornea e do papel da escola na

superao da lgica da excluso. a partir destes referenciais, que a construo de sistemas

educacionais, a organizao de escolas e classes especiais passa a ser repensada. Assim, sob a

perspectiva inclusiva, h a necessidade de uma mudana estrutural e cultural da escola para

que todos os alunos tenham suas especificidades atendidas.

A Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva

(2008) tem como objetivo o acesso, a participao e a aprendizagem dos alunos com

deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao nas

escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas s necessidades

educacionais especiais, garantindo:

1. Transversalidade da educao especial desde a educao infantil at a educao superior;

2. Atendimento educacional especializado; 3. Continuidade da escolarizao nos nveis mais elevados do ensino; 4. Formao de professores para o atendimento educacional especializado e demais

profissionais da educao para a incluso escolar;

5. Participao da famlia e da comunidade; 6. Acessibilidade urbanstica, arquitetnica, nos mobilirios e equipamentos, nos

transportes, na comunicao e informao; e

7. Articulao intersetorial na implementao das polticas pblicas. (BRASIL, 2008c, p. 08).

O texto para a implantao da Poltica Nacional de Educao Especial em uma

perspectiva inclusiva adota uma postura com relao designao do aluno com

necessidades educacionais especiais. O termo NEE abandonado, retornando o uso da

designao deficincia sob uma nova perspectiva:

[...] considera-se pessoa com deficincia aquela que tem impedimentos de longo

prazo, de natureza fsica, mental ou sensorial que, em interao com diversas

barreiras, podem ter restringida sua participao plena e efetiva na escola e na

sociedade. (BRASIL, 2008c, p. 09).

23

A escola, agora com uma perspectiva de educao inclusiva, deve ser organizada para

atender a todos. Assim, os estudos no campo da educao especial apontam para uma

contextualizao das definies e do uso de classificaes, considerando que as pessoas se

modificam em sua trajetria na escola. Neste sentido, o dinamismo resultante da

transformao do contexto exigir uma atuao pedaggica voltada para alterar a situao de

excluso, reforando a importncia dos ambientes heterogneos para a promoo da

aprendizagem de todos os alunos (BRASIL, 2008c, p. 09). Para garantir o atendimento

educacional especializado publicado o Decreto n. 6.571, DE 17 DE SETEMBRO DE 2008.

No Art. 2. Nesse artigo esto definidos os objetivos do atendimento educacional

especializado:

I - prover condies de acesso, participao e aprendizagem no ensino regular aos

alunos referidos no art. 1;

II - garantir a transversalidade das aes da educao especial no ensino regular;

III - fomentar o desenvolvimento de recursos didticos e pedaggicos que eliminem

as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e

IV - assegurar condies para a continuidade de estudos nos demais nveis de

ensino. (DECRETO n. 6.571, de 17 de set. de 2008a, p. 1).

De acordo com o Decreto n. 6.571, para assegurar o cumprimento dos objetivos

citados acima, ao Ministrio da Educao caber prestar o apoio tcnico e financeiro para a

implantao de salas de recursos multifuncionais; formao continuada de professores para o

atendimento educacional especializado; formao de gestores, educadores e demais

profissionais da escola para a educao inclusiva; adequao arquitetnica de prdios

escolares para acessibilidade; a elaborao, produo e distribuio de recursos educacionais

para a acessibilidade; e por fim, estruturao de ncleos de acessibilidade nas instituies

federais de educao superior.

Polticas Pblicas no Estado de Santa Catarina

O Estado de Santa Catarina, em consonncia com a realidade brasileira, elaborou uma

proposta de Poltica de Educao Especial (SANTA CATARINA, 2006) fundamentada nos

pressupostos de uma sociedade inclusiva, respaldada pelo reconhecimento e valorizao da

diversidade como caracterstica inerente constituio de qualquer grupo social. A sociedade

humana pautada nesse princpio no permite discriminao de qualquer natureza e preconiza

24

a garantia de direitos e a participao de todos, independente das peculiaridades individuais.

(SANTA CATARINA, 2006, p.06).

Em data anterior a este documento a Secretaria de Estado da Educao e Inovao

(SEI) atravs da Fundao Catarinense de Educao Especial (FCEE) j havia estabelecido

uma Poltica Pblica para a Educao de Surdos no ano de 2004. Esta medida desempenhou

um papel importante para melhorar os ndices de incluso de alunos surdos, visando tornar a

escola um espao de acesso e permanncia destes alunos. Os pontos fundamentais do

documento foram norteados pelo estabelecimento da Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS,

como primeira lngua e pela importncia da convivncia com os pares surdos no contexto da

educao regular. Ao mesmo tempo, buscou-se atender os princpios da educao inclusiva,

garantindo ao aluno surdo o seu acesso e sua permanncia na escola pblica. O documento

apresenta como objetivo geral:

Reestruturar a Poltica de Educao de Surdos no Estado de Santa Catarina,

garantindo a utilizao da lngua de sinais de modo a assegurar a especificidade de

educao intercultural e bilnge das comunidades surdas, respeitando a

experincia visual e lingstica do surdo no seu processo de aprendizagem,

contribuindo para a eliminao das desigualdades sociais entre surdos e ouvintes e

que proporcione ao aluno o acesso e permanncia no sistema de ensino. (SANTA

CATARINA/SEI, 2004).1

Apesar da iniciativa do Governo Estadual e da proposta ainda no estar efetivamente

implantada, os movimentos surdos clamam por incluso em uma outra perspectiva. Segundo

Quadros (2006, p. 156) os movimentos da cultura surda entendem a incluso como garantia

dos direitos de terem acesso educao de fato, consolidada em princpios pedaggicos que

estejam adequados aos surdos. As proposies ultrapassam as questes lingusticas, incluindo

aspectos sociais, culturais, polticos e educacionais. Ento, se a educao inclusiva aponta

uma possibilidade de mudana radical do sistema educacional, uma escola aberta

diversidade implicaria numa redefinio do papel da escola, na mudana de atitude dos

professores e da comunidade. Desta forma, estaria se contribuindo para a recuperao da

educao como um direito humano, principalmente na concepo de educao da pessoa com

deficincia. Estas mudanas dependem do estabelecimento de polticas pblicas, medidas

administrativas e financeiras para que as escolas acolham a todo tipo de crianas.

No caso especfico de Santa Catarina, Quadros (2006) faz uma crtica sobre a

elaborao da Proposta de Poltica Pblica para a Educao de Surdos (SANTA CATARINA,

1 Nas citaes literais sero mantidas as regras de escrita em vigor no perodo que antecede o Acordo

Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

25

2004). Segundo ela, apesar da elaborao da proposta a escola ainda no pode ser considerada

um espao de acesso e permanncia destes alunos, a escola que os surdos querem e a escola

que o sistema permite ainda no so convergentes (QUADROS, 2006, p. 157).

Em nvel municipal, a Rede Municipal de Educao, atravs da sua Coordenadoria de

Educao Especial, implantou o programa Escola Aberta s Diferenas em 2001. Machado

(2006) apresenta o modelo de incluso da rede municipal de Florianpolis enfatizando as

salas de recursos como apoio ao do professor e do estudante numa abordagem inclusiva.

No texto a autora ainda enfatiza que as aes de incluso nas Salas de Recurso, priorizam a

adaptao, a construo e uso de objetos e materiais didticos que facilitem a incluso nas

salas regulares de ensino. Este programa procura garantir a democratizao do acesso,

permanncia e prosseguimento dos estudos nas etapas do nvel bsico do ensino onde o

atendimento educacional especializado deve ser oferecido como complemento educao

escolar e no como um substituto dela (MACHADO, 2004, p. 43). Nesta realidade, observa-

se que o poder pblico apresenta uma poltica clara de incluso.

Assim, na Rede Municipal de Educao as Salas de Recursos, tambm chamadas de

Salas Multimeios, foram criadas para assegurar o atendimento s diferenas, com a funo de

preparar o material pedaggico adaptado s necessidades de cada criana, seja ela surda, cega

e/ou baixa viso, com comprometimento motor. Estas salas fornecem um trabalho com

comunicao alternativa em horrio oposto ao da sala regular. Segundo dados levantados

junto Coordenadoria de Educao Especial, em 2007 estavam em funcionamento vinte e trs

polos, com previso para descentralizar este atendimento e estend-lo, tambm, para as

creches. , neste contexto, que a escola aberta s diferenas passa, por fora da Lei, a buscar

uma reestruturao da sua postura em relao abordagem inclusiva de alunos com

deficincias no municpio de Florianpolis.

Relatos de incluso de alunos surdos em turmas da escola regular tambm so

descritos em Escolas Estaduais de Santa Catarina. No entanto, as iniciativas de incluso, como

as descritas anteriormente, ainda mostram-se bastante tmidas diante das demandas que se

impem. Apesar dos avanos, as questes metodolgicas deixam a desejar, ignorando

aspectos culturais e sociais que fazem parte do processo educacional, deixando, muitas vezes,

a criana com deficincia margem da escola. A escola como uma instituio fundamental na

construo da cidadania deve necessariamente servir de modelo social, criando culturas que

celebrem a diversidade, sejam inclusivas e no alimentem o preconceito a discriminao

contra qualquer grupo social.

26

1.2 Escola Inclusiva

De acordo com Ferreira (2006), o nascimento da educao inclusiva est

historicamente ligado educao especial ou educao das pessoas portadoras de

deficincia2. O termo educao das necessidades especiais passou a ser usado como um

substituto ao termo educao especial. O termo educao especial foi entendido

principalmente com referncia educao de crianas com deficincia, oferecida em escolas

especiais ou instituies distintas e separadas (fora) das instituies, escolas e sistema

universitrio regular. Para a autora existe, em muitos pases, uma grande proporo das

crianas com deficincia que est sendo de fato educada em instituies de ensino regular.

Alm disso, o conceito de crianas com necessidades educacionais especiais se estende alm

daqueles estudantes que podem estar includos nas categorias de deficincia, para abranger

todos os estudantes que esto fracassando nas escolas por uma ampla variedade de razes,

conhecidas por provavelmente impedirem o progresso mximo da criana

(INTERNATIONAL STANDARD CLASSIFICATION OF EDUCATION- ISCED, 1997,

apud, FERREIRA, 2006, p. 224-5).

Ferreira (2006) deixa claro que estas definies ajudariam a entender que a expresso

necessidades educacionais especiais envolveria a possibilidade de desenvolvimento de

sistemas educacionais para todos que enfrentam barreiras para aprender. Para ela, o termo

special needs education deveria ser traduzido como educao das necessidades especiais por

implicar em pensar em como a escola pode mudar para oferecer os recursos necessrios para

responder s necessidades de qualquer aluno (a) (FERREIRA, 2006, p. 225). Na mesma

linha, a expresso disabled children no poderia ser traduzida como crianas portadoras de

deficincia j que o termo em ingls significa que so desabilitadas pelo meio ambiente, e a

traduo pressupe que a criana deficiente porque ela porta uma deficincia sobre a qual

o meio no tem responsabilidade alguma (FERREIRA, 2006, p. 226).

Para Silva e Facion (2005), a partir de uma reflexo histrica, o processo inclusivo

poderia ser dividido em quatro fases distintas. A primeira chamada de fase da excluso, em

que a maioria das pessoas com deficincia e outras condies excepcionais era tida como

indigna da educao escolar. Corresponde a esta fase o perodo compreendido entre as

sociedades antigas, Idade Mdia at o incio do sculo XX. A segunda fase, chamada de fase

2 Conforme terminologia usada na legislao brasileira, a qual destaca a deficincia ou incapacidade na pessoa

que a porta, em vez de destacar as barreiras impostas pela sociedade que os membros deste grupo social

encontram.

27

da segregao, j no sculo XX, comeou com atendimento s pessoas com deficincia

dentro de grandes instituies que, entre outras coisas, propiciava classes de alfabetizao e

de preparao para o trabalho. neste perodo que o sistema educacional ficou com dois

subsistemas funcionando paralelamente sem ligao: a educao especial e a educao

regular. J a partir da dcada de 1970, as pessoas com deficincia comeam a ter acesso

classe regular desde que se adaptassem ao contexto escolar sem lhe causar transtornos. Esta

fase caracterizada como a terceira e chamada de fase da integrao. A educao integrada

ou integradora exigia adaptao dos alunos ao sistema escolar, excluindo aqueles que no

conseguiam acompanhar os demais alunos. A quarta fase da incluso comeou a se projetar

na dcada de 1980. Nesta fase um maior nmero de alunos comea a frequentar, por meio

perodo, pelo menos, as classes regulares. Os autores afirmam que para muitos a incluso

surgia como resposta ao atendimento dado aos alunos da educao especial, vistos como

segregados e estigmatizados, uma vez que estas escolas no davam respostas adequadas s

suas necessidades educacionais e sociais.

Vayer e Rocin (1992) descrevem a noo de integrao (movimento de incluso assim

denominado em quase todos os pases da Europa). Para eles, o conceito de integrao tem

sentidos diferentes conforme empregado. Neste sentido, preciso diferenciar o integrar ao

nvel da existncia, do integrar ao nvel de uma simples operao formal. Em outras

palavras, a necessidade vital da diferena entre os indivduos e a necessidade social da

convivialidade. A condio de integrao depende, fundamentalmente, desta harmonizao. O

adulto exercer o papel de facilitador do processo de integrao, tanto para a criana

deficiente que precisa ser aceita pelo grupo, como para as crianas que toleram a diferena e

aceitam os modos de ser de quem diferente. Para os autores, o adulto s pode representar

este papel de facilitador do processo de integrao na escola, se ele prprio aceitar a criana

deficiente no contexto escolar.

Para que a criana desfavorecida pessoalmente ou pelas circunstncias que

marcaram as primeiras relaes se integre no mundo dos outros, preciso, em

primeiro lugar e antes de mais nada, que esse mundo a aceite. No basta dar um

lugar criana no fundo da classe ou numa estrutura de atendimento, para que ela

participe activamente na vida do grupo social em que se encontra. A integrao

algo completamente diferente. Ora, na medida em que a criana se integra na

estrutura de comunicao que ela pode envolver-se na aco no relacionamento

com os outros, envolvimento esse que a condio de todo o desenvolvimento.

(VAYER; ROCIN, 1992, p. 53).

Segundo a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura -

UNESCO (2007), a educao inclusiva uma abordagem desenvolvimental que procura

28

responder s necessidades de aprendizagem de todas as crianas, jovens adultos com um foco

especfico naqueles que so vulnerveis marginalizao e excluso3. Neste sentido, a

excluso assumiria um novo papel, ou seja, o de incluso, j que aqueles que tm sido

permanentemente colocados do lado de fora das escolas regulares, hoje so chamados a entrar

e a estar do outro lado.

[...] a cada momento se elaboram conceitos mais refinados de excluso, de

desigualdade econmica e de desqualificao e desafiliao social para estabelecer

novos nmeros, quantidades atualizadas, estatsticas modernas. O conceito de

excluso , ao mesmo tempo, um non-sense terico e um consenso social, poltico e

cultural. Depois de tudo, a transformao dos nmeros no faz-se suficiente para

acalmar e silenciar identidades: as promessas se evaporam, se desintegram quando

reunimos todos os mundos at aqui imaginados. (SKLIAR; QUADROS, 2000, p.

18).

A recomendao da Declarao de Salamanca (1994) levou ao conceito de escola

inclusiva, cujo principal desafio desenvolver uma pedagogia centrada na criana, capaz de

educar a todas elas, ou seja, o especial da educao poderia ser traduzido como um meio para

atender diversidade a partir de um conjunto de medidas para dar respostas educacionais da

escola, compatveis com as necessidades dos alunos. Alm dessa mudana de atitude dos

profissionais envolvidos e da comunidade, tambm se destaca o conceito de rentabilizao dos

recursos, na medida em que os estudos e pesquisas oriundos da educao especial possam ser

aproveitados pela educao regular e vice-versa. A luta pela qualidade da educao e pela

integrao uma luta pedaggica e social, concomitantemente a escola para todos, a escola

inclusiva, tem como princpio fundamental que todas as crianas e jovens devem aprender

juntos, sempre que possvel, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenas que

eles possam ter.

Assim, de um modo geral, visando suprir esta diversidade de caractersticas de

aprendizagem dos alunos, a legislao brasileira prev que os Municpios da Federao

devero organizar suas redes de ensino, atendendo toda a demanda de ensino fundamental e o

restante investir nos outros nveis. Neste sentido, segundo Pietro (2004b, p. 8) fica

estabelecido que a manuteno dos alunos com deficincias nas escolas regulares depender

de investimento dos gestores em parcerias com a esfera Estadual e com a efetiva participao

da Unio. Para a autora o investimento em aes e medidas que visem a melhoria da

qualidade da educao, o investimento em uma ampla formao dos educadores, a remoo

de barreiras, a previso e proviso de recursos materiais e humanos, dentre outras

3 A citao traduzida pela autora foi retirada da internet e no apresenta nmero de pgina.

29

possibilidades de ao, so necessrios para potencializar um movimento de transformao da

realidade educacional brasileira e a reverso do percurso de excluso de crianas, jovens e

adultos nos sistemas de ensino.

Como afirmam, Stainback e Stainback (1999, p. 31), a incluso [...] um novo

paradigma de pensamento e de ao, no sentido de incluir todos os indivduos em uma

sociedade na qual a diversidade est se tornando mais norma do que exceo. Neste sentido,

a maneira de se promover a independncia dos indivduos com deficincia remover as

barreiras que a sociedade criou e restaurar os direitos dos cidados, para compartilhar o direito

de frequentar a escola do bairro, que deve estar adaptada s necessidades da diversidade de

seus alunos, sejam eles portadores de deficincia ou no.

Para promover uma mudana de paradigmas Santos (2005) destaca a importncia do

papel das Universidades. Para o autor, quando se fala de mudana de paradigmas as

Universidades devero assumir, efetivamente, o papel de centros de pesquisas de temas

polmicos como as dificuldades de aprendizagem e seu enfrentamento. Da a importncia das

pesquisas na rea de incluso para a mudana de postura da sociedade em geral com relao a

escola inclusiva. Destaca-se que as mudanas ainda no foram absorvidas por toda a

comunidade. H, ainda, muitos questionamentos com relao ao tema e o papel dos

pesquisadores na rea certamente influenciar nas futuras aes.

Outro problema enfrentado para a promoo da incluso para todos est na adaptao

dos Projetos Polticos Pedaggicos (PPP) das unidades escolares. Edler Carvalho (2004),

afirma que a elaborao de um projeto pedaggico com carter inclusivo tem se mostrado um

desafio. Sendo assim, no basta a insero deste ou daquele aluno no ensino regular preciso

a reestruturao das culturas, polticas e prticas de nossas escolas que, como sistemas

abertos, precisam rever suas aes, at ento predominantemente, elitistas e excludentes

(EDLER CARVALHO, 2004, p. 158). Observa-se que as discusses neste sentido j

avanaram significativamente, mas necessitam de esforos constantes, pois trata-se de um

processo a ser executado a longo prazo.

Para exemplificar uma proposta de incluso prevista em um PPP cita-se a Escola

Municipal Especial Lucena Borges, em Porto Alegre. Essa escola implantou um Projeto

Poltico Pedaggico, visando a remoo das barreiras para a aprendizagem e participao

inclusiva. Apesar de o texto no relatar nenhuma ao especfica para alunos surdos, esta

escola pblica municipal foi pioneira em oferecer s crianas e aos adolescentes excludos do

sistema escolar, seja pelo rtulo de psictico ou autista ou porque realmente apresentavam

30

falhas simblicas significativas na constituio subjetiva, um atendimento voltado para a

incluso social (FLECK, 2003, p. 11).

1.2.1 Formao de professores: concepes vigentes na escola inclusiva

Formao inicial

Alm da implantao de Polticas Pblicas e da elaborao dos Projetos Polticos

Pedaggicos, a formao inicial constitui-se como fator importante para a implantao da

escola inclusiva. A LDBEN 9.394/96 afirma em seu captulo cinquenta que os educadores

devem ser capacitados e especializados. Como deveria ser a formao ou a capacitao de

profissionais para uma Educao Inclusiva? Eles deveriam conhecer profundamente apenas

uma rea de deficincia ou adquirir um conhecimento geral de todas as reas? Deveriam

receber, preliminarmente, uma formao geral e, depois, uma formao especfica?

De acordo com Lima (2006), nas dcadas de 1980 a 1990, os especialistas (tcnicos)

elegiam, em sua atuao prtica, uma rea especfica: visual, auditiva, fsica, entre outras. A

viso geral e a poltica educacional, voltada para um ncleo bsico, pertinente a todas as

deficincias, ficavam a cargo de diretorias, coordenaes e assessores. Atualmente, so

consideradas necessrias informaes gerais sobre o percurso histrico das ideias sobre

deficincias, e a compreenso sobre o contexto scio histrico da excluso e o da proposta de

incluso. Para a autora, o aprofundamento de cada deficincia ou sndrome deve ocorrer

quando da necessidade que a prtica na sala de aula impe, das demandas concretas de alunos

que j esto inseridos nela o professor no tem como saber, a priori, tudo sobre todas as

deficincias, para atender a qualquer aluno que procure a escola, mesmo porque as

deficincias so dinmicas: mudam e se alteram (LIMA, 2006, p. 122).

Ferreira (2006) refora a idia de que passado o impacto provocado pela implantao

de polticas pblicas nacionais no que diz respeito a temas que abrangem do conceito de

incluso a seus fundamentos (tericos, metodolgicos e epistemolgicos); da prtica de sala

de aula formao do(a)s professores(as), da mudana de paradigmas da educao especial

educao para todos, das diretrizes internacionais da educao inclusiva, ainda h inmeras

questes que precisam ser exploradas ou respondidas neste campo de conhecimento

(FERREIRA, 2006, p. 212). Para a autora, importante que se discuta a questo da formao

dos docentes que atuaro ou atuam em sala de aula.

31

Os cursos de formao inicial parecem representar uma sria ameaa ao movimento

de incluso, pois, enquanto alguns rebeldes teimam em lutar pela defesa e

promoo da educao inclusiva, as universidades formam anualmente exrcitos

de docentes preparados para excluir. Por outro lado, no contexto da educao das

professoras em exerccio, estes cursos representam uma barreira para o

desenvolvimento das prticas inclusivas porque desvalorizam as professoras ao

desconsiderarem seu repertrio de experincias docentes acumulados durante anos,

e a valorizao dos docentes o primeiro e mais importante fundamento da

incluso. (FERREIRA, 2006, p. 235).

Apesar dos relatos de prticas inclusivas na escola regular, o que se constata, nas salas

de aula, efetivamente, a presena dos alunos com deficincia, muitas vezes, relegados a um

papel secundrio, geralmente motivados pela insegurana de muitos professores, associada

ao despreparo profissional proporcionado por muitos cursos (LIMA, 2006, p. 123).

Como afirma Skliar (2006), em relao ao aluno surdo, os programas locais de

incluso tm sido, via de regra, uma prxis perversa de obscurecimento da diferena; de

perceb-la, e paradoxalmente, desconsider-la:

notvel como a via de sada para o fracasso educativo- e econmico - da

educao especial seja, justamente, a incluso fsica dentro de uma escola

caracterizada, tambm, por um sem-nmero de problemas. O certo que agora os

problemas vivem todos na mesma sala. [...] No se trata simplesmente de entender

a incluso como uma preocupao por hospedar ao outro e de impor-lhe, as leis

da hospitalidade que a tornam hostilidade: a imposio da lngua nica, o

comportamento considerado normal, a aprendizagem eficiente, etc. (SKLIAR,

2006, p. 33).

Para Skliar parece no haver ainda um consenso sobre o que significa estar preparado

e, muito menos, acerca de como deveria se pensar a formao quanto s polticas de incluso

propostas em todo mundo. Do mesmo modo, Lima (2006), tambm destaca a necessidade de

se diferenciar o estar preparado do estar pronto. Para a autora, a informao, a formao de

base e o conhecimento especializado constituem um eixo da preparao dos professores para

ao inclusiva. O outro eixo estaria fixado na formao continuada e na consolidao dos

saberes articulados s experincias. Finalmente, o ltimo eixo estaria relacionado s condies

concretas de trabalho e ao salrio dos professores (LIMA, 2006, p. 123).

Apesar de no haver um consenso sobre as demandas de formao de professores para

atuar em contexto inclusivo, o certo, contudo, que esta situao provoca um profundo mal

estar nos profissionais envolvidos, pois estes encontram dificuldades em desempenhar o seu

papel poltico-pedaggico em relao ao aluno. Sentem-se despreparados para o trabalho,

32

necessitando, certamente, de ajuda e apoio para darem as respostas educacionais necessrias

aprendizagem dos alunos com deficincia e, tambm, de todos os alunos.

Mais urgente que a especializao a capacitao de todos os educadores para a

integrao4 desses alunos nas turmas do ensino regular. Mudana de atitudes frente

diferena, conhecimento sobre os processos de desenvolvimento humano e sobre a

aprendizagem, sobre currculos e suas adaptaes, sobre trabalhos em grupo, so

alguns dos temas que devem ser discutidos por todos os professores.

Independentemente se egressos das chamadas Escolas Normais de 2. Grau, dos

Institutos Superiores de Educao ou das Universidades, os professores devem ser

profissionais da aprendizagem de seus alunos. (EDLER CARVALHO, 2000, p.

100).

Ao mesmo tempo em que as Organizaes Mundiais como a Unesco, por exemplo,

estabelecem os parmetros para a incluso dos alunos com deficincias, e espaos para a

formao continuada de professores, a Portaria 1.793/94 do MEC recomenda alm de estgios

com alunos, a incluso nos cursos de formao de professores e de outros profissionais, de

disciplina ou de itens em disciplinas do currculo, referentes ao atendimento especializado a

alunos com deficincia.

Art.1. Recomendar a incluso da disciplina aspectos tico-politico educacionais

da normalizao e integrao da pessoa portadora de necessidades especiais,

prioritariamente, nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as Licenciaturas.

(BRASIL, MEC/PORTARIA n. 1.793, dez. 1994).

Contudo, para que estes avanos ocorram, preciso que instituies de ensino

implementem aes que favoream a formao de seus professores para trabalharem com a

incluso. Denari (2006) sugere que uma proposta de escola inclusiva supe uma verdadeira

revoluo nos sistemas tradicionais de formao docente, geral ou especial. Para ela, um

sistema unificado de ensino nos obrigaria a abandonar esta clssica separao, para buscar

uma integrao entre os conhecimentos provenientes de ambos os sistemas:

A formao docente de educao tem de ser mais especializada para atender

diversidade do alunado, recomendando a incluso de disciplinas ou contedos afins,

nos diferentes cursos de formao que contemplem, ainda, que minimamente, o

campo da EE. (DENARI, 2006, p. 59).

4 O termo integrao utilizado pela autora para referir-se interao, relaes de reciprocidade. No Livro

Educao Inclusiva com os pingos nos is, Edler Carvalho tece vrias argumentaes sobre o aspecto

conceitual de incluso e integrao: pessoalmente considero que a discusso sobre o abandono do termo

integrao um esforo enorme, em busca de exatido terminolgica para que uma palavra no caso, a incluso

d conta, com a maior preciso possvel, de todas as implicaes de natureza tericas e prticas dela

decorrentes e que garanta a todos, o direito a educao, bem como o xito na aprendizagem. (EDLER

CARVALHO, 2004, p. 28).

33

No Brasil, grande parte das dificuldades para cumprir a Portaria 1.793/94 do MEC,

est na falta de recursos humanos para orientar outros professores ou para lecionar as

disciplinas especficas nos cursos de formao de professores. Pensa-se que mais adequado

para garantir o processo de incluso ser considerar para a educao inclusiva, tal como

apontado anteriormente, a utilizao de todos os recursos e servios educativos que possam

contribuir para o processo de aprendizagem de alunos com deficincia.

Formao continuada

A formao continuada constitui-se em uma estratgia que permitir a substituio de

prticas rgidas, no contexto de educao especial e perpetuadas ao longo do tempo. Para

Mantoan (2003), esse exerccio de desalojar o estatudo, substituindo-o por novas teorias e

novas prticas aliceradas em outra leitura de mundo e, principalmente, na crena da infinita

riqueza de potencialidades humanas, feito sobre as experincias concretas, os problemas

reais, as situaes do dia-a-dia que desequilibram o trabalho nas salas de aula: esta matria

prima das mudanas pretendidas pela formao (MANTOAN, 2003, p. 83). A autora aponta

para a necessidade de investimentos macios na formao de profissionais direcionadas

incluso escolar ensinar, na perspectiva inclusiva, significa ressignificar o papel do professor,

da escola, da educao e de prticas pedaggicas que so usuais no contexto excludente do

nosso ensino, em todos os seus nveis (MANTOAN, 2003, p. 81).

Como afirma Lima (2006), a efetivao plena e permanente do processo inclusivo

depende muito da atuao e das atitudes dos professores e, ainda, do seu acesso s

informaes: essencial que os professores reconheam sua prpria importncia no processo

de incluso, pois a eles cabe planejar e implementar intervenes pedaggicas que dem

sustentao para o desenvolvimento das crianas (idem, p. 122).

Edler Carvalho (2004) tambm esclarece a importncia do conhecimento bsico sobre

pessoas com deficincias e que os professores, que atuam em uma proposta inclusiva, devem

dominar:

[...] os professores devem desenvolver competncias para as prticas alternativas e

para todos os procedimentos didticos-pedaggicos necessrios para prover a

incluso (...). So providncias para mdio e longo prazos, porque as formaes

inicial e continuada requerem tempo, no s para a transmisso de contedos como,

e basicamente, para a realizao de estgios e modificao de crenas, valores e

atitudes. (EDLER CARVALHO, 2004, p. 147).

34

Da mesma forma Quadros (2006) destaca que um processo de incluso depende de

vrios fatores que extrapolam os aspectos legais. Para a autora, as questes de ordem poltica

e econmica tambm influenciam no processo, sobretudo, os profissionais envolvidos que

esto em processo de formao. Para Quadros, as iniciativas de incluso ainda mostram-se

bastante tmidas diante das demandas que se impem ao pas. Para exemplificar, relata a ao

do professor intrprete da Lngua de Sinais:

Algumas pesquisas comeam a despontar no Brasil, apresentando resultados sobre

as funes deste profissional no espao escolar e o que tem sido reportado que,

apesar do intrprete romper uma barreira comunicativa na rede regular de ensino, as

questes metodolgicas deixam a desejar, ignorando aspectos culturais e sociais

que fazem parte do processo educacional, deixando, muitas vezes, a criana surda

margem da escola. (QUADROS, 2006, p. 144).

Ferreira (2006) faz uma distino do carter epistemolgico das duas concepes

vigentes nos cursos de formao continuada, questionando inclusive os pressupostos

embutidos na terminologia formao de professores. A formao continuada tem sido

usada para se referir a qualquer ao de formao de professoras j atuando no campo, isto

nas escolas e, em particular, nas salas de aula (FERREIRA, 2006, p. 228). Estes cursos

oferecem, normalmente, contedos tericos e/ou prticos que, acredita-se, sejam necessrios

ao docente. Para a autora, o engano epistemolgico, ocorre por pressupor que as

professoras necessitam de formao, pois no estariam ainda suficientemente qualificadas

para a prtica educacional em seus cursos de ensino superior. E, por outro lado, a formao

seria necessria porque as experincias, os conhecimentos e as habilidades adquiridas pelo

docente na escola atravs da sua prtica pedaggica no so considerados fatores relevantes

para sua formao, repertrio sem valor. Deste modo, a autora prope um novo enfoque para

aes de formao, qual seja, o desenvolvimento e aperfeioamento de prticas docentes em

servio. Para Ferreira (2006), os cursos de desenvolvimento e o aperfeioamento das prticas

docentes em servio seriam muito oportunos na educao de alunos com deficincias, j que

para muitos professores estes cursos, representaro a nica oportunidade de atualizar

conhecimentos, conhecer novas prticas e de esclarecer dvidas de como atender,

educacionalmente, a alunos com necessidades educativas especiais (FERREIRA, 2006, p.

228).

O estudo realizado por Soares (2006) sobre a formao e a atuao do professor de

msica na rea de ensino, educao musical e educao especial ajuda a compreender a

importncia dos cursos de formao continuada para a compreenso do significado da

35

incluso e a traduo deste conhecimento em condutas apropriadas nos diferentes contextos

escolares. Este estudo apontou para a necessidade de cursos de formao de professores

(inicial e continuada) que discutam as prticas inclusivas na educao musical, bem como a

importncia das condies de ensino nestes contextos de incluso: a formao inicial dos

professores de msica foi considerada por eles mesmos como precria, mas foi sendo

lapidada com o decorrer da carreira, atravs de diferentes cursos (p.111). Soares demonstra

atravs da sua pesquisa que as falhas relativas formao inicial do professor de msica para

a Educao Especial podem ser superadas. A formao continuada prossegue Soares, deve ser

o foco de ateno do poder pblico e das universidades, especialmente quando o assunto a

incluso de pessoas com necessidades educativas especiais (p.112).

Assim, a educao inclusiva, traduz-se por prticas pedaggicas que respondem,

positivamente, diversidade do alunado em um contexto de escola para todos. Trata-se de

oferecer respostas educacionais centradas no processo de construo da cidadania de todos os

alunos, sejam eles com deficincia, ou no. Todavia, a incluso depende do trabalho cotidiano

dos professores na sala de aula e do seu sucesso em garantir que todas as crianas possam

participar de cada aula e da vida da escola como um todo. Os professores por sua vez,

necessitam trabalhar em escolas que sejam planejadas e administradas de acordo com linhas

inclusivas e que sejam apoiadas pelos governantes, pela comunidade local, pelas autoridades

educacionais locais e, acima de tudo, pelos pais.

1.3 A Educao do Aluno Surdo

De acordo com a Organizao Mundial para a Sade OMS (2007), surdez um

termo genrico para a perda completa ou parcial da habilidade de ouvir5. J transtornos de

audio so definidos como condies que prejudicam a transmisso ou percepo de

impulsos auditivos e informao desde a orelha at os crtices temporais, incluindo as vias

sensorioneurais. O Decreto 3.298 de 20/12/99 define deficincia auditiva como sendo perda

parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e nveis (BRASIL,

1999).

Ballantyne e Martin e Martin (1995) descrevem que o ouvido, funcionalmente,

consiste de duas partes: a parte sensorioneural essencial, abrangendo o rgo sensorial e suas

conexes neurais; e um aparelho condutivo, cuja funo simplesmente conduzir o som de

5 Texto extrado da internet e sem indicao de nmero de pgina.

36

sua fonte para o ouvido interno. Isso consiste do conduto auditivo externo, da trompa de

eustquio, do ouvido mdio e seu contedo e das janelas labirnticas. De modo

correspondente, a surdez tambm de dois tipos principais: condutiva, devido a qualquer

afeco do aparelho condutivo; e sensorioneural, devido a qualquer leso da cclea e do nervo

auditivo (BALLANTYNE; MARTIN; MARTIN, 1995, p. 62).

Na legislao Federal o termo empregado para dirigir-se ao surdo deficincia

auditiva. O Decreto 3.298 de 20/12/99 em seu Art.4, define deficincia auditiva como sendo:

[...] perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e

nveis na forma seguinte:

a) de 25 a 40 decibis (db) - surdez leve;

b) de 41 a 55 db - surdez moderada;

c) de 56 a 70 db - surdez acentuada;

d) de 71 a 90 db - surdez severa;

e) acima de 91 db - surdez profunda. (BRASIL,1999).

Lehnhardt e Lehnhardt (2007) esclarecem que dependendo do nvel mdio de decibis

percebidos (frequncias entre 500 a 2.000 hertz), os estudantes com uma perda leve e

moderada (41 a 55 db) compreendem, razoavelmente, a conversao face-a-face com pouca

dificuldade, mas podem ser incapazes de compreenso se muitos estiverem falando ao mesmo

tempo. As pessoas com uma perda moderada (56 a 70 db), provavelmente, ouviro uma

conversao se o volume estiver muito alto. J os estudantes com uma perda severa (71 a 90

db) podem, provavelmente, ouvir vozes se estas forem pronunciadas em alto volume. Embora

estes indivduos possam ter algumas habilidades lingusticas, a Lngua de Sinal e a ateno

visual sero necessrias, alm da utilizao de aparelhos de amplificao sonora para reforar

a comunicao. Para as pessoas com perda severa (91 db ou mais), embora possam ouvir

alguns sons atravs da utilizao de um dispositivo de audio, recomenda-se a Lngua de

Sinais para ser usada como meio de comunicao principal.

No quadro a seguir, Salmon (2003)6 apresenta a restrio da funo auditiva. Este

quadro complementa as informaes sobre os efeitos da perda auditiva:

6 Traduo da autora

37

PERDA

MDIA DE

AUDIO

CARACTERIZAO

EFEITO

< do que 30 db Perda de audio de grau

leve

Sem uso de aparelho de audio, as crianas tm

dificuldades, sobretudo no entendimento de fala

sussurrada (cochicho).

30 at 60 db Perda de audio de grau

mdio

Sem uso de aparelho de audio, as crianas tm

dificuldades para entender a fala cotidiana em

volume normal a 1 metro de distncia da pessoa

que fala.

60 at 120 db Perda de audio de grau

alto chegando a quase

completa ausncia de

audio

Sem aparelho no e possvel compreender a lngua

falada.

90 at 120 db Resto de audio

(ausncia de audio e/ou

surdez)

As crianas que tenham perda auditiva desta ordem

dispem normalmente de um resto de capacidade

auditiva que pode servir para a percepo de algum

tipo de som.

>120 db Completa surdez A perda auditiva to grande que mesmo com

aparelhos auditivos a lngua no pode ser mais

compreendida

Tabela 1- Restries auditivas segundo Salmon (2003).

A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia (BRASIL, 2008 d)7, a

qual o Brasil signatrio define pessoas com deficincia como aquelas que tm

impedimentos de natureza fsica, mental, intelectual ou sensorial permanentes, os quais, em

interao com diversas barreiras, podem obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade

em bases iguais com as demais pessoas. Assim, por acreditar que o indivduo que apresenta

surdez no apresenta indicativo de impedimento que restrinja a sua participao efetiva na

sociedade, para se referir ao aluno com surdez e/ou perda auditiva, desconsidera-se a

denominao deficiente auditivo e adota-se surdo, conveno esta adotada pela Federao

Nacional de Educao e Integrao dos Surdos FENEIS (2007).

Nos ltimos anos tem-se discutido qual seria o papel da escola e, especificamente, da

educao do surdo. Vrios pesquisadores/educadores (PERLIN, 2003, LUNARDI, 2003,

SACKS, 2005, SKLIAR, 2005, 2006 e QUADROS, 2006), afirmam que uma escola que se

pretenda inclusiva precisa oferecer uma situao de ensino em que este aluno possa se

construir e se constituir como um indivduo capaz de comunicao, onde ele possa buscar o

conhecimento, a compreenso de um mundo, que, em geral, est pouco acessvel para ele. A

7 A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia e seu respectivo Proctocolo Facultativo

aprovados pela Assemblia Geral das Naes Unidas no dia 6 de dezembro de 2006, atravs da resoluo

A/61/611 e ratificados pelo Congresso Nacional em 09/07/2008 pelo Decreto Legislativo n 186/2008 e todos os

seus artigos so de aplicao imediata.

38

escola como uma instituio fundamental na construo da cidadania deveria,

necessariamente, servir de modelo social e criar culturas que celebrem a diversidade, sejam

inclusivas e sem preconceitos e/ou discriminao.

Contudo, nem sempre foi assim. Por muito tempo considerou-se o surdo uma vtima de

uma sequela orgnica, que o privava de receber os sons da fala e que, portanto, o impedia de

falar como qualquer pessoa normal. A surdez era ento entendida como uma situao fsica

crnica, compreenso esta perfeitamente ajustvel com o discurso praticado pelos

profissionais que atuavam na educao especial, em dcadas passadas. A idia central da

educao de surdos perpassava pelo domnio da lngua oral. Com o domnio da linguagem

oral, o indivduo surdo poderia ter acesso ao mercado de trabalho e manter o controle nas

condies adversas que lhe so apresentadas no seu dia-a-dia. No oralismo, como foi chamada

a linguagem oral, o indivduo surdo considerado como deficiente auditivo e, portanto,

sofre de uma patologia crnica, traduzida por leso no canal auditivo e/ou rea cortical. Esta

patologia impedia a aquisio normal da linguagem e, demandava ento, por intervenes

clnicas de especialistas responsveis por lhe restituir a fala. Porm, considerar a falta de

comunicao oral como estigma aparente do surdo, que precisa ser anulado de qualquer

forma, desconsiderar que ele pudesse ser respeitado na sua diferena e na sua lngua. Sem

dvida, o surdo porta um estigma que o impossibilita desta aceitao social plena

(GOFFMAN, 1988). Contudo, este estigma no ser removido atravs do ensino da fala e do

aproveitamento dos resduos auditivos, pois ele continua surdo e se distingue daqueles que

ouvem, ditos normais.

Segundo Souza (1998), por muito tempo os alunos de cursos de graduao eram

preparados para lidar com o indivduo surdo como excepcional e, portanto, estes eram

colocados simbolicamente no lugar de deficiente:

O poder se materializava na palavra do especialista, que tomava para si a

responsabilidade de pronunciar o veredicto final sobre a sorte do enfermo.

quele que foi feito, pela palavra, anormal cabia assumir o papel passivo de

paciente. (SOUZA, 1998, p. 05).

Para a autora, esta concepo muda, definitivamente, pela prpria ao dos sujeitos

surdos, que atravs das suas entidades representacionais lutaram para reverter o atributo

estereotipado e que muitas vezes, os ouvintes ainda lhes conferem at os dias atuais. Isto , o

de serem deficientes. Assim, entendendo que as relaes que se estabelecem entre si so

materialidades j ditas, criadas e geradas por uma comunidade em determinado momento

39

histrico, poltico e econmico, torna-se importante apresentar uma reviso dos principais

fundamentos da aprendizagem do surdo.

1.3.1 Vygotsky e os Processos de Aprendizagem do Aluno Surdo

Os escritos defectolgicos de Vygotsky8 formaram uma parte importante e integrante

de sua abordagem terica geral e, como tal, refletiram as vrias mudanas p