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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Regina Finck Ensinando Música ao Aluno Surdo: perspectivas para a ação pedagógica inclusiva Porto Alegre 2009

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    Regina Finck

    Ensinando Msica ao Aluno Surdo:

    perspectivas para a ao pedaggica inclusiva

    Porto Alegre

    2009

  • 1

    Regina Finck

    Ensinando Msica ao Aluno Surdo:

    perspectivas para a ao pedaggica inclusiva

    Tese de Doutorado a ser apresentada ao

    Programa de Ps-Graduao em Educao

    da Faculdade de Educao da Universidade

    Federal do Rio Grande do Sul, como

    requisito parcial para a obteno do ttulo de

    Doutor em Educao.

    Orientadora:

    Prof. Dr. Esther Beyer

    Linha de Pesquisa: Educao: Arte,

    Linguagem Tecnologia.

    Porto Alegre

    2009

  • 2

    F493e Finck, Regina

    Ensinando Msica ao aluno surdo: perspectivas para a ao

    pedaggica inclusiva/ Regina Finck. 2009.

    f. : Il, ; 30 cm

    Bibliografia

    Orientadora: Esther S. W. Beyer.

    Tese (doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

    Faculdade de Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao,

    Porto Alegre, 2009.

    1. Msica Instruo e estudo. 2. Deficientes auditivos Msica. 3.

    Incluso escolar. I. Beyer, Esther. II. Universidade Federal do Rio

    Grande do Sul. Faculdade de Educao. Programa de Ps Graduao

    em Educao. III. Ttulo.

    DCC 20. Ed. 780.7

    Catalogao na Publicao (CIP) elaborada pela Biblioteca do CEFID/UDESC

  • 3

    Regina Finck

    Ensinando msica ao aluno surdo:

    perspectivas para a ao pedaggica inclusiva

    Tese apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Educao da Faculdade de

    Educao da Universidade Federal do Rio

    Grande do Sul, como requisito parcial para

    obteno do ttulo de Doutor em Educao.

    Orientadora:

    Prof. Dr. Esther Beyer.

    Aprovada em: 30 de setembro de 2009.

    Prof. Dr. Esther Beyer - Orientadora

    Prof. Dr. Leda de Albuquerque Maffioletti - UFRGS

    Prof. Dr. Geovana Mendona Lunardi Mendes- UDESC

    Prof. Dr. Srgio Ferreira de Figueiredo- UDESC

  • 4

    Ao concluir este trabalho, quero agradecer...

    ... aos meus professores Hugo Otto e Esther Beyer. A eles devo meus primeiros passos na

    aventura de investigar a incluso escolar. Professores que me acolheram junto aos seus grupos

    de alunos e que sempre me diziam que este seria um trabalho orientado a quatro mos. Ao

    professor Hugo (in memmorian) quero deixar registrado o meu especial agradecimento porque

    foi em suas aulas sobre educao inclusiva, que pude tomar contato com o mundo da incluso

    e da deficincia. Foi o seu profundo entusiasmo e conhecimento na rea, compartilhado com

    seus alunos, que me estimulou a buscar uma reflexo sobre a educao musical direcionada a

    alunos surdos. professora Esther, sou grata pelo seu precioso tempo despendido em ajudar a

    dar forma a cada etapa, por sua gentileza e carinho, sua fora e estmulo. A eles dedico meus

    sinceros agradecimentos, pois ambos constituram um modelo de referncia terico e

    profissional humano irrepreensvel.

    ... aos professores Dr. Leda de Albuquerque Maffioletti, Dr. Geovana Mendona Lunardi

    Mendes e Dr. Srgio Ferreira de Figueiredo por fazerem parte do comit que avaliou a minha

    tese.

    ... aos membros do Grupo de Pesquisa Educao, Arte e Incluso, porque foi nessas reunies

    semanais que encontrei um espao de dilogo, de reflexo e de criao para o

    desenvolvimento de materiais pedaggicos. Tambm foi no grupo que consegui um

    intercmbio de ideias, as quais formaram a base prtica de sustentao deste trabalho.

    ... Escola Bsica Estadual, localizada no municpio de Biguau/SC. Tambm agradeo o

    apoio da Secretaria de Educao de Florianpolis, por oportunizar a minha insero nas

    escolas municipais. Agradeo as Direes destas instituies e ao seu corpo docente. Graas

    ao apoio recebido, foi possvel adentrar ao espao escolar para fundamentar a coleta de dados

    e executar minha pesquisa.

    ... a Demi e Iva, alunas do curso de Licenciatura em Msica, que aceitaram colaborar no

    Projeto Piloto. Cada semana deste trabalho se constituiu como um caminho a ser desvendado,

    onde aos poucos fomos descobrindo e aplicando juntas as reflexes sobre o ensino da

    msica e todas as suas singularidades no campo da surdez.

  • 5

    ... s professoras intrpretes Lize e Dora um agradecimento profundo e especial por

    traduzirem e darem voz aos alunos surdos.

    ... aos participantes do Projeto Piloto e da Oficina Sons em Movimento, bem como a todas as

    famlias que permitiram tornar possvel a conduo desta pesquisa.

    ... a Aroldo, que no sentido exato da palavra companheiro, deu o apoio, a segurana e a

    compreenso durante todo o percurso da tese.

    ... minha famlia e aos amigos que ofereceram seus conselhos e incentivos durante todo este

    processo.

    ... a Universidade do Estado de Santa Catarina, que permitiu o meu afastamento das

    atividades junto ao Departamento de Msica, tornando possvel a realizao desta pesquisa.

  • 6

    Se te perguntarem quem era essa que s areias e aos

    gelos quis ensinar a primavera [...]. assim que

    Ceclia Meireles inicia um dos seus poemas. Mas

    como ensin-lo? Ser possvel ensinar a beleza de

    uma sonata de Mozart a um surdo? E poderei ensinar

    a beleza das telas de Monet a um cego? De que

    pedagogia, irei eu me valer? H coisas que esto

    alm das palavras. Cientistas, filsofos e professores

    so aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que

    podem ser ensinadas [...] (ALVES, 2007, p. 42).

  • 7

    RESUMO

    A presente tese prope-se a investigar, a partir de uma abordagem qualitativa, como se d o

    processo de aprendizagem musical de alunos surdos no contexto inclusivo, com vistas a

    sistematizar uma base para educao musical com esses alunos junto escola regular. A

    pesquisa foi desenvolvida em duas fases principais. A primeira fase, do tipo exploratria,

    ocorreu no segundo semestre de 2007 e primeiro semestre de 2008 e envolveu aspectos

    relativos ao universo escolar. Nesta fase foram realizadas observaes, entrevistas com

    professores, diretores e outros profissionais que atuam com alunos surdos, buscando-se

    elementos que pudessem traduzir o que pensam estes profissionais sobre a insero da msica

    para alunos surdos na escola inclusiva e, ao mesmo tempo, verificar como as unidades

    escolares estavam se adaptando s polticas governamentais de incluso. J a segunda fase,

    estruturada dentro do princpio da pesquisa-ao, envolveu a aplicao de atividades prticas -

    Projeto Piloto e Oficina Sons em Movimento - durante o ano de 2008. O Projeto Piloto foi

    realizado com o apoio de duas estagirias, em uma unidade da Rede Municipal de Educao

    de Florianpolis e envolveu uma turma de quinta srie, com trinta e cinco alunos, sendo duas

    surdas. Neste projeto foram verificadas questes relacionadas s prticas musicais, adaptao

    de material e recursos pedaggicos, buscando proporcionar aprendizagem musical

    significativa. A Oficina Sons em Movimento foi realizada no segundo semestre de 2008,

    tendo como base as atividades do Projeto Piloto, mas em um contexto diferenciado, j que o

    grupo de dez crianas, quatro delas surdas, apresentava tambm uma intrprete da Lngua

    Brasileira de Sinais - LIBRAS, duas bolsistas e a pesquisadora, atuando como ministrante dos

    trabalhos. A anlise dos dados coletados na primeira e segunda fases demonstra que a

    insero de alunos surdos na escola e as aes inclusivas, ainda no satisfazem plenamente as

    necessidades educacionais destas crianas. Por ouro lado, a descrio das atividades prticas

    contribuiu para ampliar as discusses sobre aprendizagens musicais das crianas surdas e

    como elas se relacionaram com os contedos musicais. Verificou-se tambm, que a partir da

    criao e da utilizao de materiais adaptados e de recursos pedaggicos foi possvel constatar

    aprendizagens musicais significativas, o que evidencia a possibilidade da estruturao de

    elementos de ao musical direcionada para crianas surdas em contexto inclusivo.

    Palavras-chave: 1. Educao Musical. 2. Surdez. 3. Incluso

    FINCK, Regina. Ensinando Msica ao Aluno Surdo: perspectivas para a ao pedaggica

    inclusiva. Porto Alegre, 2009, 234 f. + Anexos. Tese (Doutorado em Educao)

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educao. Programa de Ps-

    Graduao em Educao. Porto Alegre, 2009.

  • 8

    ABSTRACT

    The purpose of this thesis is to investigate, by means of a qualitative approach, the way to

    provide musical learning for students with impaired hearing within an inclusive context. This

    has been undertaken with a view to combine a basic grounding in musical education with

    regular schooling. The research was conducted in two key phases. The first was an

    exploratory study which took place in the second term of 2007 and the first term of 2008 and

    involved areas related to the world of the school. Observations were carried out, together with

    interviews with teachers, directors and other professionals who work with hearing impaired

    students. The aim of this was to find any clues that could reveal what these professionals

    thought about the idea of incorporating music for hearing impaired students in an inclusive

    school. At the same time, an attempt was made to find out the extent to which the regular

    schools were adapting to the governments policies with regard to inclusion. The second

    phase which was structured on the principles of action-research, involved carrying out two

    practical activities in 2008 a Pilot Project and a Sounds and Movement Workshop. The Pilot

    Project was undertaken with the support of two trainees in a municipal school in Florianpolis

    and comprised a group of thirty-five 5th Year pupils, two of whom were hearing impaired.

    This project examined issues arising from musical practices, the application of material and

    the use of teaching resources and aimed at providing musical learning of significance. The

    Sound and Movement Workshop was held in the second term of 2008 and was underpinned

    by the Pilot Project activities. However, it was carried out in a separate context, since the

    group of children, four of whom had impaired hearing, also consisted of an interpreter of

    LIBRAS (Brazilian Sign Language), two grant-maintained undergraduates and the researcher

    who was overseeing the activities. The analysis of the data gathered in both the first and

    second phases, showed that neither the incorporation of the hearing impaired students in the

    school nor the inclusive actions, succeeded in meeting the educational requirements of these

    children. However, the description of the practical activities helped to broaden the discussion

    about the musical learning of children with impaired hearing and how they can adapt to the

    musical syllabus. It was also found that by creating and employing the selected material and

    the teaching resources, it was possible to bring about musical learning of real significance.

    This is evidence that it is possible to provide a framework for musical activities within an

    inclusive context with features that are designed for children with impaired hearing.

    Key Words: 1. Musical Education 2. Impaired Hearing 3. Inclusion

    FINCK, Regina. Teaching music to students with Hearing Impaired: perspectives for

    inclusive pedagogical action. Porto Alegre, 2009, 234 f. + Anexos. Thesis (Doctors Degree in

    Education) Federal University of Rio Grande do Sul. Education Faculty. Post-Graduate

    Course in Education. Porto Alegre, 2009.

  • 9

    LISTA DE TABELAS E QUADROS

    Tabela 1 Restries auditivas (SALMON, 2003)

    Tabela 2 Unidades Escolares

    Tabela 3 Relao dos participantes da pesquisa

    Tabela 4 Relao dos entrevistados

    Tabela 5 Membros da equipe de trabalho

    Tabela 6 Cronograma de atividades Projeto Piloto

    Tabela 7 Contedos musicais e adaptaes pedaggicas - Projeto Piloto

    Tabela 8 Contedos musicais e adaptaes pedaggicas Oficina Sons em

    Movimento

    Tabela 9 Cronograma e Frequncia da participao na Oficina Sons em

    Movimento

    Tabela 10 Habilidades musicais a partir dos Pressupostos de Darrow (2008)

  • 10

    LISTAS DE FIGURAS E ILUSTRAES

    Figura 1 Etapas do trabalho de campo

    Figura 2 Apresentao Orquestra de Cordas UDESC

    Figura 3 Alunos da Escola

    Figura 4 Percepo da sensao vibrottil violoncello e viola

    Figura 5 Contedos musicais derivados da sensibilizao sonora

    Figura 6 Execuo de representao grfica Oiepo

    Figura 7 Representao do Entorno Sonoro - Aluna Bia

    Figura 8 Processo de conscientizao do entorno acstico

    Figura 9 Partitura analgica Conto Sonoro

    Figura 10 Partitura analgica Jardins da Udesc

    Figura 11 Representao Grfica Histria da Bola

    Figura 12 Representao Grfica Brincadeira Cantada Oiepo

    Figura 13 Representao Grfica Interpretao

    Figura 14 Percepo da sensao vibrottil piano

    Figura 15 Percepo da sensao vibrottil instrumentos de cordas

    Figura 16 Base para Educao Musical de alunos surdos

    Figura 17 Cartela som e silncio

    Figura 18 Cartela pulso e subdiviso

    Figura 19 Cartela durao do som

    Figura 20 Cartela acento do pulso

    Figura 21 Representao do piano - Aluno Toni

  • 11

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    NEE Necessidades Educacionais Especiais

    LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    SEESP Secretaria de Educao Especial

    PNEE Poltica Nacional de Educao Especial

    SEI Secretaria de Estado da Educao e Inovao

    FCEE Fundao Catarinense de Educao Especial

    LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

    PPP Projetos Polticos Pedaggicos

    LEDI Laboratrio de Educao Inclusiva

    OMS Organizao Mundial para a Sade

    RME Rede Municipal de Educao

    UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina

    CEART Centro de Artes

    CEAD Centro de Educao a Distncia

    PCNs Parmetros Curriculares Nacionais

    IATEL Instituto de Audio e Terapia da Lngua

  • 12

    SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................................ 15

    1 - REVISO DE LITERATURA ........................................................................................... 19

    1.1 Legislao para os alunos com deficincias ................................................................... 19

    1.1.1 Polticas Pblicas ..................................................................................................... 21

    1.2 Escola Inclusiva .............................................................................................................. 26

    1.2.1 Formao de professores: concepes vigentes na escola inclusiva ....................... 30

    1.3 A Educao do Aluno Surdo .......................................................................................... 35

    1.3.1 Vygotsky e os Processos de Aprendizagem do Aluno Surdo .................................. 39

    1.4 Prticas musicais no contexto inclusivo ......................................................................... 48

    1.4.1 Prticas musicais do aluno surdo ............................................................................. 52

    1.4.2 Percepes sobre ensinar msica para alunos surdos .............................................. 59

    2 - CONSTRUINDO A PESQUISA: OS CAMINHOS METODOLGICOS ADOTADOS

    PARA INVESTIGAR PRTICAS MUSICAIS COM ALUNOS SURDOS .......................... 71

    2.1 Enfoque qualitativo......................................................................................................... 71

    2.2 Seleo dos contextos inclusivos .................................................................................... 75

    2.3 Trabalho de campo ......................................................................................................... 80

    2.3.1 Etapas do trabalho de campo ................................................................................... 81

    3 - A EDUCAO MUSICAL DO SURDO SOB O PONTO DE VISTA DOS

    PROFISSIONAIS QUE ATUAM NO ESPAO ESCOLAR .................................................. 91

  • 13

    3.1 O aluno surdo est na escola: anlise do contexto encontrado nas unidades escolares.. 91

    3.1.1 Resistncia ou aceitao: como reagem os profissionais da escola quando o assunto

    incluso? ........................................................................................................................ 97

    3.2 Por que ensinar msica para o aluno surdo?................................................................. 100

    3.2.1 Como os professores avaliam a participao do aluno surdo nas atividades

    musicais .......................................................................................................................... 106

    3.3 A gente vai se adaptando ao que no se tem: contextualizando as prticas musicais de

    duas professoras com surdos .............................................................................................. 108

    3.3.1 Caractersticas das turmas ..................................................................................... 111

    3.3.2 Pensar a aula de msica: planejamento e adaptaes pedaggicas ....................... 112

    4 ATIVIDADES MUSICAIS: RELATO DAS PRTICAS COM ALUNOS SURDOS EM

    CONTEXTO INCLUSIVO .................................................................................................... 117

    4.1 Projeto Piloto Escola Municipal EM2 .......................................................................... 118

    4.1.1 Planejamento das Atividades ................................................................................. 119

    4.1.2 Avaliao ............................................................................................................... 125

    4.1.3 Aprendizagem musical significativa ..................................................................... 134

    4.2 Oficina Sons em Movimento ........................................................................................ 140

    4.2.1 Planejamento das Atividades ................................................................................. 141

    4.2.3 Avaliao ............................................................................................................... 152

    5 APRENDIZAGEM MUSICAL SIGNIFICATIVA: COMO A CRIANA SURDA SE

    RELACIONA COM AS PRTICAS MUSICAIS ................................................................ 154

    5.1 Processos de Conscientizao do Entorno Sonoro ........................................................ 156

    5.1.1 Explorao Sonora Livre ....................................................................................... 158

    5.1.2 Experimentao Sonora ......................................................................................... 168

    5.1.3 Estruturao Grfica com base analgica .............................................................. 172

    5.1.4 Interpretao: leitura e execuo ........................................................................... 175

  • 14

    5.2 Mecanismos que entram em jogo para a aprendizagem musical de alunos surdos ...... 177

    5.2.1 Sensaes vibrotteis ............................................................................................. 177

    5.2.2 Jogo de discriminao sonora ................................................................................ 180

    5.2.3 Vocalizaes e mmicas ........................................................................................ 182

    5.2.4 Influncias da famlia ............................................................................................ 183

    5.3 Elementos para Educao Musical do Aluno Surdo .................................................... 186

    5.3.1 Adaptao de material didtico e estratgias de ensino ........................................ 187

    5.3.2 Contedos .............................................................................................................. 188

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 203

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................... 213

    ANEXOS ................................................................................................................................ 226

    ANEXO 1 ............................................................................................................................... 227

    ANEXO 2 ............................................................................................................................... 228

    ANEXO 3 ............................................................................................................................... 230

    ANEXO 4 ............................................................................................................................... 231

    ANEXO 5 ............................................................................................................................... 232

  • 15

    INTRODUO

    A presente pesquisa prope-se a investigar as aprendizagens musicais em contexto

    inclusivo de alunos com surdez. O interesse nesta rea de estudo surgiu da experincia pessoal

    da pesquisadora a partir das disciplinas relacionadas com a formao de professores junto ao

    Curso de Licenciatura em Msica da Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC e

    da experincia resultante da consultoria na rea de Msica junto Rede Municipal de

    Educao RME da cidade de Florianpolis. A RME de Florianpolis atua desde 1998 em

    uma proposta de escola aberta s diferenas, proporcionando o acesso ao ensino regular de

    alunos com deficincias.

    Deste modo, a opo pela abordagem de educao inclusiva foi se delineando, ao

    longo desse perodo, ou seja, as discusses trazidas pelos acadmicos da disciplina de

    Didtica da Msica e orientandos de Prticas Pedaggicas e Estgio, a observao das

    dificuldades relatadas pelos colegas professores de escola pblica com alunos com

    deficincias includos em suas salas de aula e as leituras de textos na rea motivaram a busca

    pela superao dos prprios limites, visando a obteno de respostas para estas inquietaes.

    Alia-se a isso, as discusses sobre a obrigatoriedade de contedos musicais na Educao

    Bsica que j estavam em andamento junto a Associao Brasileira de Educao Musical -

    ABEM. Estas questes se confirmaram e a recente publicao da Lei n. 11.769 de 18 de

    agosto de 2008, que estabelece o ensino da msica como contedo obrigatrio, far com que o

    futuro Educador Musical tenha um contato maior com alunos com deficincias includos na

    escola regular.

    A incluso surgiu como resposta ao atendimento dado aos alunos da educao especial

    s suas necessidades educacionais e sociais. O princpio de incluso foi pautado para atender,

    efetivamente, s necessidades bsicas de aprendizagem de todos os alunos, seja nos

    procedimentos que sero adotados no cotidiano das escolas, da educao infantil at a

    educao superior, ou na formao de professores para atuar neste contexto. Se a educao

    musical constitui-se como fator importante e agora tambm obrigatrio no estabelecimento de

    qualquer currculo educacional e, se for levado em conta, que a RME de Florianpolis prev

    na sua grade curricular a disciplina de Artes - Msica, esta tese teve como questo norteadora:

  • 16

    Como se d o processo de aprendizagem musical de alunos surdos, a partir de aes musicais

    estruturadas em consonncia com as Polticas de Incluso no municpio de Florianpolis?

    Para ampliar a discusso sobre o contexto inclusivo, alm dessa pergunta central

    elaborou-se outras questes: como os sujeitos envolvidos com a incluso (professores,

    intrpretes de LIBRAS, diretores e coordenadores pedaggicos) avaliam a insero de alunos

    surdos em salas inclusivas? De que maneira os alunos surdos se relacionam com as prticas

    musicais? Que materiais didticos e estratgias de ensino podem contribuir para uma

    aprendizagem musical de alunos surdos?

    Apesar de haver referencial bibliogrfico voltado para a educao musical do aluno

    surdo, encontram-se poucas pesquisas na rea adaptadas realidade brasileira. Por outro lado,

    observam-se as dificuldades manifestadas pelos professores de msica e profissionais da

    educao na realizao de um trabalho na rea de msica voltado para as muitas diferenas

    encontradas na sala de aula. Apesar de a legislao brasileira prever que todos os cursos de

    formao de professores, do magistrio licenciatura, devem capacitar os professores para

    receber, em suas salas de aula, alunos com e sem deficincia, sabe-se que muitas destas

    instituies formadoras ainda no esto adaptadas para preparar este professor em um

    contexto inclusivo. Assim, tendo em vista a documentao analisada e as dificuldades para

    atender a toda a demanda de alunos com deficincia no ensino regular, este trabalho se

    justifica na medida em que prope uma investigao da ao musical de professores voltada

    para o aluno surdo em um contexto inclusivo na cidade de Florianpolis.

    Com a crescente demanda de alunos com deficincias includos nas classes do ensino

    regular e, desta maneira, nas atividades musicais desenvolvidas nestas unidades, tem-se

    intensificado a necessidade de ampliao das produes tericas que auxiliem a compreender

    as diferentes possibilidades de reorganizao das prticas vigentes para atender a esta

    demanda. Com relao ao aluno surdo, o crescimento da demanda nas escolas regulares,

    passando a frequentar, por meio perodo, pelo menos, as classes regulares, no diferente.

    Deste modo, a opo pelo trabalho com alunos surdos foi uma consequncia direta da

    ausncia de produo de pesquisa no campo da educao musical, direcionada a estes alunos.

    Assim, optou-se por investigar como se d o princpio da incluso de alunos surdos em

    uma proposta de aplicao prtica no campo da educao musical. Essa base de ao foi

    estruturada de acordo com a reviso da literatura que aborda o tema educao musical para

    alunos surdos e, tambm, fundamentou-se nas experincias prticas, desenvolvidas na

    dissertao de mestrado da pesquisadora (FINCK, 2001), cujo trabalho resultou em um estudo

  • 17

    sobre o processo da construo do conhecimento musical a partir do fazer criativo em msica.

    A base de ao, visando prticas musicais para alunos surdos foi estruturada, tambm, para

    servir como suporte na formao dos professores que atuaro no contexto inclusivo, uma vez

    que a pesquisadora est diretamente envolvida com este tipo de ao junto ao curso de

    Licenciatura em Msica da UDESC.

    Deste modo, a pesquisa foi desenvolvida, tendo como principal objetivo analisar os

    procedimentos utilizados pelos professores de msica e outros profissionais que atuam com

    alunos surdos, objetivando a compreenso dos processos de aprendizagem musical destes

    alunos. Ao mesmo tempo, procurou-se conhecer o desenvolvimento musical de surdos, no

    contexto de sala de aula. Este conhecimento ajudou a formular elementos de uma base de

    ao que possa fundamentar o trabalho de formao de professores de msica para trabalhar

    com alunos surdos. A partir desse conhecimento, pode-se estabelecer criteriosamente os

    pontos da linguagem musical a serem trabalhados. O professor que ensinar msica s

    crianas surdas ter que dominar uma srie de elementos para poder reunir e criar, um

    material adequado e suficientemente variado para obter xito em sua tarefa. Da eficcia desse

    professor, dos desdobramentos tcnicos e do seu senso crtico, depender no futuro, a incluso

    ou no da msica na formao cultural da criana surda.

    Na primeira seo, Reviso da Literatura, apresenta-se o contexto no qual surgem as

    polticas pblicas para o atendimento de alunos da educao especial e os principais

    documentos internacionais, dos quais o Brasil signatrio. Aborda-se as concepes de escola

    inclusiva de alunos com deficincias e os processos de educao de alunos surdos. Nessa

    seo apresenta-se, tambm, como a rea da Educao Musical aborda a questo da incluso

    para alunos com deficincias e, mais especificamente, como a rea da surdez tem sido tratada

    por educadores e/ou profissionais da rea da msica.

    A seguir, o desenho metodolgico da pesquisa descrito. A seo intitulada

    Construindo a pesquisa: os caminhos adotados para investigar as prticas musicais de alunos

    surdos relata, passo a passo, como foram tomando forma os esboos da pesquisa,

    estruturados no projeto de tese. Procura-se demonstrar como foram delineados os eixos

    principais da coleta de dados, entre eles os questionrios preliminares e o roteiro das

    entrevistas semiestruturadas. Apresenta-se, ainda, a importncia da fase inicial da pesquisa e a

    sua reestruturao e adequao realidade encontrada no contexto escolar. O remanejamento

    da estrutura da pesquisa se fez necessrio uma vez que o trabalho, inicialmente previsto para

    uma anlise das prticas dos professores de msica com alunos surdos, passa a contar,

  • 18

    tambm, com o desenvolvimento de atividades musicais com alunos surdos em contexto

    inclusivo. Assim, realizado de forma sistemtica, um projeto piloto, visando compreenso

    de como se d o desenvolvimento musical de crianas surdas em contexto inclusivo em

    Florianpolis.

    A seo A Educao Musical do surdo sob a perspectiva dos profissionais que atuam

    no espao escolar se constituiu como um estudo preliminar sobre como os profissionais da

    educao dos contextos inclusivos participantes da pesquisa, se posicionam com relao

    incluso e, principalmente, como os profissionais que atuam neste contexto percebem as

    prticas musicais voltadas para o aluno surdo. Ainda, nesta seo, relata-se as prticas

    musicais de duas professoras que j atuaram no contexto inclusivo com alunos surdos.

    A quarta seo trouxe em evidncia um relato de como a pesquisadora estrutura as

    aes prticas, a partir do estudo preliminar sobre o contexto escolar realizado na seo

    anterior. Assim, a seo intitulada Atividades Musicais: relato das prticas com alunos

    surdos em contexto inclusivo est subdividida em duas partes. A primeira relata o Projeto

    Piloto, desenvolvido no primeiro semestre de 2008, em uma unidade escolar da RME do

    municpio de Florianpolis. A segunda, denominada Oficina Sons em Movimento, mantem o

    carter inclusivo iniciado na escola, mas sob nova perspectiva, ou seja, um grupo reduzido de

    alunos, um espao fsico adaptado, materiais didticos criados por uma equipe de trabalho e

    uma intrprete da Lngua de Sinais em tempo integral.

    A quinta seo discute como as crianas surdas se relacionaram com as atividades

    musicais propostas pela pesquisadora tanto no Projeto Piloto, como na Oficina Sons em

    Movimento. Essa seo intitulada Aprendizagem Musical Significativa: como a criana

    surda se relaciona com as prticas musicais, de uma forma mais ampla, busca trazer, luz da

    literatura estudada, a aprendizagem e a construo do conhecimento como um processo que

    integrou prtica, reflexo e conscientizao, encaminhando a experincia da conscientizao

    do entorno sonoro para nveis cada vez mais elaborados. A partir de um processo ativo e

    contnuo, contemplou situaes de aprendizagem musical em que cada criana surda

    encontrou o seu prprio caminho para a percepo das sensaes vibrotteis.

    Nas consideraes finais procura-se explicitar as contribuies desse estudo para a

    rea da educao musical e responder a pergunta: enfim, qual a tese? Conhecer e interagir

    com as unidades escolares, os profissionais que nela atuam, os alunos, perceber as relaes da

    escola e suas novas funes, estruturar as atividades musicais para este contexto,

    exemplificam as aes desenvolvidas e traduzem o processo desta pesquisa.

  • 19

    1 - REVISO DE LITERATURA

    1.1 Legislao para os alunos com deficincias

    No Brasil, constata-se que as polticas pblicas que visam a promoo de uma

    sociedade integradora, justa e igualitria tm avanado consideravelmente. Estas polticas

    esto em consonncia com as propostas de educao para todos, apropriadas pelos

    movimentos internacionais, em prol de uma escola inclusiva e de boa qualidade, que no

    exclua aqueles que apresentem necessidades educacionais especiais. Mendes (2006, p. 395)

    descreve que no movimento denominado de incluso social o princpio da incluso passa a ser

    defendido, em vrios pases, como uma proposta da aplicao prtica no campo da educao.

    Neste sentido, a incluso social implicaria na construo de um processo bilateral no qual as

    pessoas excludas e a sociedade buscariam, em parceria, efetivar a equiparao de

    oportunidades para todos. Entre os documentos mais importantes citados pela autora esto a

    Declarao de Sunderberg (UNESCO, 1981), Declarao de Salamanca e Linha de Ao

    (1994), e a Declarao Mundial de Educao para Todos nas Amricas (UNICEF, 2000).

    Segundo a Declarao de Salamanca e a Linha de Ao (1994), ficou estabelecida a

    necessidade de concentrar esforos para atender as necessidades educacionais de inmeros

    alunos at ento privados do direito de acesso, ingresso, permanncia e sucesso na escola

    bsica. Na rea da deficincia, esse esforo vem sendo enfatizado no sentido de assegurar o

    respeito aos direitos sociais, polticos e econmicos de todo o cidado (DECLARAO DE

    SALAMANCA, 1994, p. 11). Neste sentido, de suma importncia que os alunos com

    deficincia tenham acesso a um programa de ensino consistente. Em contrapartida,

    importante que os professores que atuam com este pblico tenham uma formao slida para

    viabilizar um trabalho nos diferentes contextos da educao especial.

    Em decorrncia dos debates sobre a universalizao da educao, reforada na

    Declarao de Salamanca, pode-se dizer que h um consenso de que crianas e jovens com

    deficincia devam ser includos em escolas comuns no princpio da integrao e no

    reconhecimento da necessidade de ao para conseguir escolas para todos, isto ,

  • 20

    instituies que incluam todos os alunos, reconheam as diferenas, promovam a

    aprendizagem e atendam s necessidades de cada um:

    [...] independentemente de suas condies fsicas, intelectuais, sociais, emocionais,

    lingusticas ou outras, crianas deficientes e bem dotadas, crianas que vivem nas

    ruas e que trabalham, crianas de populaes distantes ou nmades, crianas de

    minorias lingusticas, tnicas ou culturais e crianas de outros grupos ou zonas

    desfavorecidos ou marginalizados. (DECLARAO DE SALAMANCA, 1994, p.

    17).

    Apesar da importncia deste documento ele no tem poder legal em si mesmo. A

    declarao apenas oferece diretrizes para os Estadosmembros nas Naes Unidas que podem

    ou no incorporar em suas polticas pblicas as orientaes internacionais.

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LDBEN - n. 9.394/96 garantiu

    avanos ao atendimento educacional escolar de alunos portadores de necessidades especiais.

    Em seu texto esto previstos trs artigos com seus pargrafos e incisos, includos no Captulo

    V. Para os autores (EDLER CARVALHO, 2000, MANTOAN, 2003, DENARI, 2006,

    MICHELS, 2006 e MENDES, 2006), faltam, contudo, mecanismos que garantam a

    operacionalizao da LDBEN, seja em relao organizao de uma escola que efetivamente

    atenda s necessidades bsicas de aprendizagem de todos os seus alunos, seja nos

    procedimentos que sero adotados no cotidiano das escolas, da educao infantil at a

    educao superior, alm da formao de professores para atuar neste contexto.

    Em uma tentativa de garantir a efetivao do texto da lei, foram publicadas as

    Diretrizes Nacionais para a Educao Especial na Educao Bsica (BRASIL, 2001), atravs

    da Resoluo CNE/CEB n. 2 de setembro de 2001. Este documento busca dar parmetros

    para a identificao dos portadores das necessidades educacionais especiais. Segundo o Art.

    3. desta Resoluo, o conceito de educao especial est assim apresentado:

    Processo educacional definido numa proposta pedaggica que assegure recursos e

    servios educacionais especiais, organizados institucionalmente, para apoiar,

    complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os servios educacionais

    comuns, de modo a garantir a educao escolar e promover o desenvolvimento das

    potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais

    especiais, em todas as etapas e modalidades da educao bsica. (BRASIL,

    CNE/CEB n. 2 de set. de 2001).

    Esta Resoluo composta por vinte e dois artigos que tratam desde o conceito de

    educao especial, da caracterizao do alunado, de sua identificao, das modalidades de

    atendimento educacional escolar, dos servios de apoio especializado, da formao de

  • 21

    professores, dentre outros temas. Assim, se a educao geral enfrenta enormes desafios

    relativos a questes que tratem da liberdade, da igualdade e da emancipao como ideais -,

    atravs das prticas pedaggicas, o que dizer das propostas que buscam a integrao social e

    aceitao cultural dos alunos com deficincias atravs de um humanismo politicamente

    correto.

    A Declarao de Santiago (UNESCO, 1981) prev um eixo pedaggico relativo a

    profissionalizao do ensino nas escolas. Dentre as recomendaes destacam-se: a)

    priorizao das aprendizagens de leitura, escrita e matemtica; b) remunerao e oferecimento

    de melhores condies de trabalho aos docentes; e c) formao e aperfeioamento constante.

    O texto estabelece como prioridade a capacitao docente para que se desenvolva, em sala de

    aula, estratgias de integrao de crianas com deficincias. Neste sentido, trata-se de

    recomendao importante, principalmente porque no se refere a especialistas e sim a todos os

    professores. Assim, para um avano das propostas pedaggicas, as polticas oficiais que

    defendem uma integrao dos alunos com deficincias na escola comum, embasadas pelos

    discursos de igualdade de condies e oportunidades, identidade com os demais alunos e

    pleno desenvolvimento cognitivo, social e cultural devem focar tambm as questes de

    formao dos profissionais envolvidos.

    1.1.1 Polticas Pblicas

    Poltica Nacional de Educao Especial

    A primeira verso do documento que estabeleceu a Poltica Nacional de Educao

    Especial (BRASIL, 1994) adotava o conceito de necessidades educacionais especiais

    NEE-, referindo-se s necessidades decorrentes das capacidades ou dificuldades de

    aprendizagem em algum momento da escolaridade. A proposta enfatizava a identificao das

    necessidades educacionais especiais, a modificao da escola, os ajustes e adequaes no

    projeto pedaggico.

    Atualmente, em vigor desde 2008, encontra-se disponvel a nova verso do documento

    elaborado por um Grupo de Trabalho e publicado pelo MEC/SEESP: a Poltica Nacional de

    Educao Especial agora sob a perspectiva da Educao Inclusiva (2008c). Neste documento

    fica explcita a defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e

    participando, sem nenhum tipo de discriminao. Assim, a educao inclusiva considerada

    como uma ao poltica, cultural, social e pedaggica (BRASIL, 2008c, p. 01),

  • 22

    fundamentada em um novo paradigma, ou seja, na concepo de direitos humanos, que

    conjuga igualdade e diferena como valores indissociveis, e que avana em relao ideia de

    equidade formal ao contextualizar as circunstncias histricas da produo da excluso dentro

    e fora da escola (BRASIL, 2008c, p. 01).

    O documento reconhece que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino,

    evidenciam a necessidade de confrontar as prticas discriminatrias e aponta para a

    necessidade de se criar alternativas para super-las. Neste sentido, a educao inclusiva

    assume espao central no debate acerca da sociedade contempornea e do papel da escola na

    superao da lgica da excluso. a partir destes referenciais, que a construo de sistemas

    educacionais, a organizao de escolas e classes especiais passa a ser repensada. Assim, sob a

    perspectiva inclusiva, h a necessidade de uma mudana estrutural e cultural da escola para

    que todos os alunos tenham suas especificidades atendidas.

    A Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva

    (2008) tem como objetivo o acesso, a participao e a aprendizagem dos alunos com

    deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotao nas

    escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas s necessidades

    educacionais especiais, garantindo:

    1. Transversalidade da educao especial desde a educao infantil at a educao superior;

    2. Atendimento educacional especializado; 3. Continuidade da escolarizao nos nveis mais elevados do ensino; 4. Formao de professores para o atendimento educacional especializado e demais

    profissionais da educao para a incluso escolar;

    5. Participao da famlia e da comunidade; 6. Acessibilidade urbanstica, arquitetnica, nos mobilirios e equipamentos, nos

    transportes, na comunicao e informao; e

    7. Articulao intersetorial na implementao das polticas pblicas. (BRASIL, 2008c, p. 08).

    O texto para a implantao da Poltica Nacional de Educao Especial em uma

    perspectiva inclusiva adota uma postura com relao designao do aluno com

    necessidades educacionais especiais. O termo NEE abandonado, retornando o uso da

    designao deficincia sob uma nova perspectiva:

    [...] considera-se pessoa com deficincia aquela que tem impedimentos de longo

    prazo, de natureza fsica, mental ou sensorial que, em interao com diversas

    barreiras, podem ter restringida sua participao plena e efetiva na escola e na

    sociedade. (BRASIL, 2008c, p. 09).

  • 23

    A escola, agora com uma perspectiva de educao inclusiva, deve ser organizada para

    atender a todos. Assim, os estudos no campo da educao especial apontam para uma

    contextualizao das definies e do uso de classificaes, considerando que as pessoas se

    modificam em sua trajetria na escola. Neste sentido, o dinamismo resultante da

    transformao do contexto exigir uma atuao pedaggica voltada para alterar a situao de

    excluso, reforando a importncia dos ambientes heterogneos para a promoo da

    aprendizagem de todos os alunos (BRASIL, 2008c, p. 09). Para garantir o atendimento

    educacional especializado publicado o Decreto n. 6.571, DE 17 DE SETEMBRO DE 2008.

    No Art. 2. Nesse artigo esto definidos os objetivos do atendimento educacional

    especializado:

    I - prover condies de acesso, participao e aprendizagem no ensino regular aos

    alunos referidos no art. 1;

    II - garantir a transversalidade das aes da educao especial no ensino regular;

    III - fomentar o desenvolvimento de recursos didticos e pedaggicos que eliminem

    as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e

    IV - assegurar condies para a continuidade de estudos nos demais nveis de

    ensino. (DECRETO n. 6.571, de 17 de set. de 2008a, p. 1).

    De acordo com o Decreto n. 6.571, para assegurar o cumprimento dos objetivos

    citados acima, ao Ministrio da Educao caber prestar o apoio tcnico e financeiro para a

    implantao de salas de recursos multifuncionais; formao continuada de professores para o

    atendimento educacional especializado; formao de gestores, educadores e demais

    profissionais da escola para a educao inclusiva; adequao arquitetnica de prdios

    escolares para acessibilidade; a elaborao, produo e distribuio de recursos educacionais

    para a acessibilidade; e por fim, estruturao de ncleos de acessibilidade nas instituies

    federais de educao superior.

    Polticas Pblicas no Estado de Santa Catarina

    O Estado de Santa Catarina, em consonncia com a realidade brasileira, elaborou uma

    proposta de Poltica de Educao Especial (SANTA CATARINA, 2006) fundamentada nos

    pressupostos de uma sociedade inclusiva, respaldada pelo reconhecimento e valorizao da

    diversidade como caracterstica inerente constituio de qualquer grupo social. A sociedade

    humana pautada nesse princpio no permite discriminao de qualquer natureza e preconiza

  • 24

    a garantia de direitos e a participao de todos, independente das peculiaridades individuais.

    (SANTA CATARINA, 2006, p.06).

    Em data anterior a este documento a Secretaria de Estado da Educao e Inovao

    (SEI) atravs da Fundao Catarinense de Educao Especial (FCEE) j havia estabelecido

    uma Poltica Pblica para a Educao de Surdos no ano de 2004. Esta medida desempenhou

    um papel importante para melhorar os ndices de incluso de alunos surdos, visando tornar a

    escola um espao de acesso e permanncia destes alunos. Os pontos fundamentais do

    documento foram norteados pelo estabelecimento da Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS,

    como primeira lngua e pela importncia da convivncia com os pares surdos no contexto da

    educao regular. Ao mesmo tempo, buscou-se atender os princpios da educao inclusiva,

    garantindo ao aluno surdo o seu acesso e sua permanncia na escola pblica. O documento

    apresenta como objetivo geral:

    Reestruturar a Poltica de Educao de Surdos no Estado de Santa Catarina,

    garantindo a utilizao da lngua de sinais de modo a assegurar a especificidade de

    educao intercultural e bilnge das comunidades surdas, respeitando a

    experincia visual e lingstica do surdo no seu processo de aprendizagem,

    contribuindo para a eliminao das desigualdades sociais entre surdos e ouvintes e

    que proporcione ao aluno o acesso e permanncia no sistema de ensino. (SANTA

    CATARINA/SEI, 2004).1

    Apesar da iniciativa do Governo Estadual e da proposta ainda no estar efetivamente

    implantada, os movimentos surdos clamam por incluso em uma outra perspectiva. Segundo

    Quadros (2006, p. 156) os movimentos da cultura surda entendem a incluso como garantia

    dos direitos de terem acesso educao de fato, consolidada em princpios pedaggicos que

    estejam adequados aos surdos. As proposies ultrapassam as questes lingusticas, incluindo

    aspectos sociais, culturais, polticos e educacionais. Ento, se a educao inclusiva aponta

    uma possibilidade de mudana radical do sistema educacional, uma escola aberta

    diversidade implicaria numa redefinio do papel da escola, na mudana de atitude dos

    professores e da comunidade. Desta forma, estaria se contribuindo para a recuperao da

    educao como um direito humano, principalmente na concepo de educao da pessoa com

    deficincia. Estas mudanas dependem do estabelecimento de polticas pblicas, medidas

    administrativas e financeiras para que as escolas acolham a todo tipo de crianas.

    No caso especfico de Santa Catarina, Quadros (2006) faz uma crtica sobre a

    elaborao da Proposta de Poltica Pblica para a Educao de Surdos (SANTA CATARINA,

    1 Nas citaes literais sero mantidas as regras de escrita em vigor no perodo que antecede o Acordo

    Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

  • 25

    2004). Segundo ela, apesar da elaborao da proposta a escola ainda no pode ser considerada

    um espao de acesso e permanncia destes alunos, a escola que os surdos querem e a escola

    que o sistema permite ainda no so convergentes (QUADROS, 2006, p. 157).

    Em nvel municipal, a Rede Municipal de Educao, atravs da sua Coordenadoria de

    Educao Especial, implantou o programa Escola Aberta s Diferenas em 2001. Machado

    (2006) apresenta o modelo de incluso da rede municipal de Florianpolis enfatizando as

    salas de recursos como apoio ao do professor e do estudante numa abordagem inclusiva.

    No texto a autora ainda enfatiza que as aes de incluso nas Salas de Recurso, priorizam a

    adaptao, a construo e uso de objetos e materiais didticos que facilitem a incluso nas

    salas regulares de ensino. Este programa procura garantir a democratizao do acesso,

    permanncia e prosseguimento dos estudos nas etapas do nvel bsico do ensino onde o

    atendimento educacional especializado deve ser oferecido como complemento educao

    escolar e no como um substituto dela (MACHADO, 2004, p. 43). Nesta realidade, observa-

    se que o poder pblico apresenta uma poltica clara de incluso.

    Assim, na Rede Municipal de Educao as Salas de Recursos, tambm chamadas de

    Salas Multimeios, foram criadas para assegurar o atendimento s diferenas, com a funo de

    preparar o material pedaggico adaptado s necessidades de cada criana, seja ela surda, cega

    e/ou baixa viso, com comprometimento motor. Estas salas fornecem um trabalho com

    comunicao alternativa em horrio oposto ao da sala regular. Segundo dados levantados

    junto Coordenadoria de Educao Especial, em 2007 estavam em funcionamento vinte e trs

    polos, com previso para descentralizar este atendimento e estend-lo, tambm, para as

    creches. , neste contexto, que a escola aberta s diferenas passa, por fora da Lei, a buscar

    uma reestruturao da sua postura em relao abordagem inclusiva de alunos com

    deficincias no municpio de Florianpolis.

    Relatos de incluso de alunos surdos em turmas da escola regular tambm so

    descritos em Escolas Estaduais de Santa Catarina. No entanto, as iniciativas de incluso, como

    as descritas anteriormente, ainda mostram-se bastante tmidas diante das demandas que se

    impem. Apesar dos avanos, as questes metodolgicas deixam a desejar, ignorando

    aspectos culturais e sociais que fazem parte do processo educacional, deixando, muitas vezes,

    a criana com deficincia margem da escola. A escola como uma instituio fundamental na

    construo da cidadania deve necessariamente servir de modelo social, criando culturas que

    celebrem a diversidade, sejam inclusivas e no alimentem o preconceito a discriminao

    contra qualquer grupo social.

  • 26

    1.2 Escola Inclusiva

    De acordo com Ferreira (2006), o nascimento da educao inclusiva est

    historicamente ligado educao especial ou educao das pessoas portadoras de

    deficincia2. O termo educao das necessidades especiais passou a ser usado como um

    substituto ao termo educao especial. O termo educao especial foi entendido

    principalmente com referncia educao de crianas com deficincia, oferecida em escolas

    especiais ou instituies distintas e separadas (fora) das instituies, escolas e sistema

    universitrio regular. Para a autora existe, em muitos pases, uma grande proporo das

    crianas com deficincia que est sendo de fato educada em instituies de ensino regular.

    Alm disso, o conceito de crianas com necessidades educacionais especiais se estende alm

    daqueles estudantes que podem estar includos nas categorias de deficincia, para abranger

    todos os estudantes que esto fracassando nas escolas por uma ampla variedade de razes,

    conhecidas por provavelmente impedirem o progresso mximo da criana

    (INTERNATIONAL STANDARD CLASSIFICATION OF EDUCATION- ISCED, 1997,

    apud, FERREIRA, 2006, p. 224-5).

    Ferreira (2006) deixa claro que estas definies ajudariam a entender que a expresso

    necessidades educacionais especiais envolveria a possibilidade de desenvolvimento de

    sistemas educacionais para todos que enfrentam barreiras para aprender. Para ela, o termo

    special needs education deveria ser traduzido como educao das necessidades especiais por

    implicar em pensar em como a escola pode mudar para oferecer os recursos necessrios para

    responder s necessidades de qualquer aluno (a) (FERREIRA, 2006, p. 225). Na mesma

    linha, a expresso disabled children no poderia ser traduzida como crianas portadoras de

    deficincia j que o termo em ingls significa que so desabilitadas pelo meio ambiente, e a

    traduo pressupe que a criana deficiente porque ela porta uma deficincia sobre a qual

    o meio no tem responsabilidade alguma (FERREIRA, 2006, p. 226).

    Para Silva e Facion (2005), a partir de uma reflexo histrica, o processo inclusivo

    poderia ser dividido em quatro fases distintas. A primeira chamada de fase da excluso, em

    que a maioria das pessoas com deficincia e outras condies excepcionais era tida como

    indigna da educao escolar. Corresponde a esta fase o perodo compreendido entre as

    sociedades antigas, Idade Mdia at o incio do sculo XX. A segunda fase, chamada de fase

    2 Conforme terminologia usada na legislao brasileira, a qual destaca a deficincia ou incapacidade na pessoa

    que a porta, em vez de destacar as barreiras impostas pela sociedade que os membros deste grupo social

    encontram.

  • 27

    da segregao, j no sculo XX, comeou com atendimento s pessoas com deficincia

    dentro de grandes instituies que, entre outras coisas, propiciava classes de alfabetizao e

    de preparao para o trabalho. neste perodo que o sistema educacional ficou com dois

    subsistemas funcionando paralelamente sem ligao: a educao especial e a educao

    regular. J a partir da dcada de 1970, as pessoas com deficincia comeam a ter acesso

    classe regular desde que se adaptassem ao contexto escolar sem lhe causar transtornos. Esta

    fase caracterizada como a terceira e chamada de fase da integrao. A educao integrada

    ou integradora exigia adaptao dos alunos ao sistema escolar, excluindo aqueles que no

    conseguiam acompanhar os demais alunos. A quarta fase da incluso comeou a se projetar

    na dcada de 1980. Nesta fase um maior nmero de alunos comea a frequentar, por meio

    perodo, pelo menos, as classes regulares. Os autores afirmam que para muitos a incluso

    surgia como resposta ao atendimento dado aos alunos da educao especial, vistos como

    segregados e estigmatizados, uma vez que estas escolas no davam respostas adequadas s

    suas necessidades educacionais e sociais.

    Vayer e Rocin (1992) descrevem a noo de integrao (movimento de incluso assim

    denominado em quase todos os pases da Europa). Para eles, o conceito de integrao tem

    sentidos diferentes conforme empregado. Neste sentido, preciso diferenciar o integrar ao

    nvel da existncia, do integrar ao nvel de uma simples operao formal. Em outras

    palavras, a necessidade vital da diferena entre os indivduos e a necessidade social da

    convivialidade. A condio de integrao depende, fundamentalmente, desta harmonizao. O

    adulto exercer o papel de facilitador do processo de integrao, tanto para a criana

    deficiente que precisa ser aceita pelo grupo, como para as crianas que toleram a diferena e

    aceitam os modos de ser de quem diferente. Para os autores, o adulto s pode representar

    este papel de facilitador do processo de integrao na escola, se ele prprio aceitar a criana

    deficiente no contexto escolar.

    Para que a criana desfavorecida pessoalmente ou pelas circunstncias que

    marcaram as primeiras relaes se integre no mundo dos outros, preciso, em

    primeiro lugar e antes de mais nada, que esse mundo a aceite. No basta dar um

    lugar criana no fundo da classe ou numa estrutura de atendimento, para que ela

    participe activamente na vida do grupo social em que se encontra. A integrao

    algo completamente diferente. Ora, na medida em que a criana se integra na

    estrutura de comunicao que ela pode envolver-se na aco no relacionamento

    com os outros, envolvimento esse que a condio de todo o desenvolvimento.

    (VAYER; ROCIN, 1992, p. 53).

    Segundo a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura -

    UNESCO (2007), a educao inclusiva uma abordagem desenvolvimental que procura

  • 28

    responder s necessidades de aprendizagem de todas as crianas, jovens adultos com um foco

    especfico naqueles que so vulnerveis marginalizao e excluso3. Neste sentido, a

    excluso assumiria um novo papel, ou seja, o de incluso, j que aqueles que tm sido

    permanentemente colocados do lado de fora das escolas regulares, hoje so chamados a entrar

    e a estar do outro lado.

    [...] a cada momento se elaboram conceitos mais refinados de excluso, de

    desigualdade econmica e de desqualificao e desafiliao social para estabelecer

    novos nmeros, quantidades atualizadas, estatsticas modernas. O conceito de

    excluso , ao mesmo tempo, um non-sense terico e um consenso social, poltico e

    cultural. Depois de tudo, a transformao dos nmeros no faz-se suficiente para

    acalmar e silenciar identidades: as promessas se evaporam, se desintegram quando

    reunimos todos os mundos at aqui imaginados. (SKLIAR; QUADROS, 2000, p.

    18).

    A recomendao da Declarao de Salamanca (1994) levou ao conceito de escola

    inclusiva, cujo principal desafio desenvolver uma pedagogia centrada na criana, capaz de

    educar a todas elas, ou seja, o especial da educao poderia ser traduzido como um meio para

    atender diversidade a partir de um conjunto de medidas para dar respostas educacionais da

    escola, compatveis com as necessidades dos alunos. Alm dessa mudana de atitude dos

    profissionais envolvidos e da comunidade, tambm se destaca o conceito de rentabilizao dos

    recursos, na medida em que os estudos e pesquisas oriundos da educao especial possam ser

    aproveitados pela educao regular e vice-versa. A luta pela qualidade da educao e pela

    integrao uma luta pedaggica e social, concomitantemente a escola para todos, a escola

    inclusiva, tem como princpio fundamental que todas as crianas e jovens devem aprender

    juntos, sempre que possvel, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenas que

    eles possam ter.

    Assim, de um modo geral, visando suprir esta diversidade de caractersticas de

    aprendizagem dos alunos, a legislao brasileira prev que os Municpios da Federao

    devero organizar suas redes de ensino, atendendo toda a demanda de ensino fundamental e o

    restante investir nos outros nveis. Neste sentido, segundo Pietro (2004b, p. 8) fica

    estabelecido que a manuteno dos alunos com deficincias nas escolas regulares depender

    de investimento dos gestores em parcerias com a esfera Estadual e com a efetiva participao

    da Unio. Para a autora o investimento em aes e medidas que visem a melhoria da

    qualidade da educao, o investimento em uma ampla formao dos educadores, a remoo

    de barreiras, a previso e proviso de recursos materiais e humanos, dentre outras

    3 A citao traduzida pela autora foi retirada da internet e no apresenta nmero de pgina.

  • 29

    possibilidades de ao, so necessrios para potencializar um movimento de transformao da

    realidade educacional brasileira e a reverso do percurso de excluso de crianas, jovens e

    adultos nos sistemas de ensino.

    Como afirmam, Stainback e Stainback (1999, p. 31), a incluso [...] um novo

    paradigma de pensamento e de ao, no sentido de incluir todos os indivduos em uma

    sociedade na qual a diversidade est se tornando mais norma do que exceo. Neste sentido,

    a maneira de se promover a independncia dos indivduos com deficincia remover as

    barreiras que a sociedade criou e restaurar os direitos dos cidados, para compartilhar o direito

    de frequentar a escola do bairro, que deve estar adaptada s necessidades da diversidade de

    seus alunos, sejam eles portadores de deficincia ou no.

    Para promover uma mudana de paradigmas Santos (2005) destaca a importncia do

    papel das Universidades. Para o autor, quando se fala de mudana de paradigmas as

    Universidades devero assumir, efetivamente, o papel de centros de pesquisas de temas

    polmicos como as dificuldades de aprendizagem e seu enfrentamento. Da a importncia das

    pesquisas na rea de incluso para a mudana de postura da sociedade em geral com relao a

    escola inclusiva. Destaca-se que as mudanas ainda no foram absorvidas por toda a

    comunidade. H, ainda, muitos questionamentos com relao ao tema e o papel dos

    pesquisadores na rea certamente influenciar nas futuras aes.

    Outro problema enfrentado para a promoo da incluso para todos est na adaptao

    dos Projetos Polticos Pedaggicos (PPP) das unidades escolares. Edler Carvalho (2004),

    afirma que a elaborao de um projeto pedaggico com carter inclusivo tem se mostrado um

    desafio. Sendo assim, no basta a insero deste ou daquele aluno no ensino regular preciso

    a reestruturao das culturas, polticas e prticas de nossas escolas que, como sistemas

    abertos, precisam rever suas aes, at ento predominantemente, elitistas e excludentes

    (EDLER CARVALHO, 2004, p. 158). Observa-se que as discusses neste sentido j

    avanaram significativamente, mas necessitam de esforos constantes, pois trata-se de um

    processo a ser executado a longo prazo.

    Para exemplificar uma proposta de incluso prevista em um PPP cita-se a Escola

    Municipal Especial Lucena Borges, em Porto Alegre. Essa escola implantou um Projeto

    Poltico Pedaggico, visando a remoo das barreiras para a aprendizagem e participao

    inclusiva. Apesar de o texto no relatar nenhuma ao especfica para alunos surdos, esta

    escola pblica municipal foi pioneira em oferecer s crianas e aos adolescentes excludos do

    sistema escolar, seja pelo rtulo de psictico ou autista ou porque realmente apresentavam

  • 30

    falhas simblicas significativas na constituio subjetiva, um atendimento voltado para a

    incluso social (FLECK, 2003, p. 11).

    1.2.1 Formao de professores: concepes vigentes na escola inclusiva

    Formao inicial

    Alm da implantao de Polticas Pblicas e da elaborao dos Projetos Polticos

    Pedaggicos, a formao inicial constitui-se como fator importante para a implantao da

    escola inclusiva. A LDBEN 9.394/96 afirma em seu captulo cinquenta que os educadores

    devem ser capacitados e especializados. Como deveria ser a formao ou a capacitao de

    profissionais para uma Educao Inclusiva? Eles deveriam conhecer profundamente apenas

    uma rea de deficincia ou adquirir um conhecimento geral de todas as reas? Deveriam

    receber, preliminarmente, uma formao geral e, depois, uma formao especfica?

    De acordo com Lima (2006), nas dcadas de 1980 a 1990, os especialistas (tcnicos)

    elegiam, em sua atuao prtica, uma rea especfica: visual, auditiva, fsica, entre outras. A

    viso geral e a poltica educacional, voltada para um ncleo bsico, pertinente a todas as

    deficincias, ficavam a cargo de diretorias, coordenaes e assessores. Atualmente, so

    consideradas necessrias informaes gerais sobre o percurso histrico das ideias sobre

    deficincias, e a compreenso sobre o contexto scio histrico da excluso e o da proposta de

    incluso. Para a autora, o aprofundamento de cada deficincia ou sndrome deve ocorrer

    quando da necessidade que a prtica na sala de aula impe, das demandas concretas de alunos

    que j esto inseridos nela o professor no tem como saber, a priori, tudo sobre todas as

    deficincias, para atender a qualquer aluno que procure a escola, mesmo porque as

    deficincias so dinmicas: mudam e se alteram (LIMA, 2006, p. 122).

    Ferreira (2006) refora a idia de que passado o impacto provocado pela implantao

    de polticas pblicas nacionais no que diz respeito a temas que abrangem do conceito de

    incluso a seus fundamentos (tericos, metodolgicos e epistemolgicos); da prtica de sala

    de aula formao do(a)s professores(as), da mudana de paradigmas da educao especial

    educao para todos, das diretrizes internacionais da educao inclusiva, ainda h inmeras

    questes que precisam ser exploradas ou respondidas neste campo de conhecimento

    (FERREIRA, 2006, p. 212). Para a autora, importante que se discuta a questo da formao

    dos docentes que atuaro ou atuam em sala de aula.

  • 31

    Os cursos de formao inicial parecem representar uma sria ameaa ao movimento

    de incluso, pois, enquanto alguns rebeldes teimam em lutar pela defesa e

    promoo da educao inclusiva, as universidades formam anualmente exrcitos

    de docentes preparados para excluir. Por outro lado, no contexto da educao das

    professoras em exerccio, estes cursos representam uma barreira para o

    desenvolvimento das prticas inclusivas porque desvalorizam as professoras ao

    desconsiderarem seu repertrio de experincias docentes acumulados durante anos,

    e a valorizao dos docentes o primeiro e mais importante fundamento da

    incluso. (FERREIRA, 2006, p. 235).

    Apesar dos relatos de prticas inclusivas na escola regular, o que se constata, nas salas

    de aula, efetivamente, a presena dos alunos com deficincia, muitas vezes, relegados a um

    papel secundrio, geralmente motivados pela insegurana de muitos professores, associada

    ao despreparo profissional proporcionado por muitos cursos (LIMA, 2006, p. 123).

    Como afirma Skliar (2006), em relao ao aluno surdo, os programas locais de

    incluso tm sido, via de regra, uma prxis perversa de obscurecimento da diferena; de

    perceb-la, e paradoxalmente, desconsider-la:

    notvel como a via de sada para o fracasso educativo- e econmico - da

    educao especial seja, justamente, a incluso fsica dentro de uma escola

    caracterizada, tambm, por um sem-nmero de problemas. O certo que agora os

    problemas vivem todos na mesma sala. [...] No se trata simplesmente de entender

    a incluso como uma preocupao por hospedar ao outro e de impor-lhe, as leis

    da hospitalidade que a tornam hostilidade: a imposio da lngua nica, o

    comportamento considerado normal, a aprendizagem eficiente, etc. (SKLIAR,

    2006, p. 33).

    Para Skliar parece no haver ainda um consenso sobre o que significa estar preparado

    e, muito menos, acerca de como deveria se pensar a formao quanto s polticas de incluso

    propostas em todo mundo. Do mesmo modo, Lima (2006), tambm destaca a necessidade de

    se diferenciar o estar preparado do estar pronto. Para a autora, a informao, a formao de

    base e o conhecimento especializado constituem um eixo da preparao dos professores para

    ao inclusiva. O outro eixo estaria fixado na formao continuada e na consolidao dos

    saberes articulados s experincias. Finalmente, o ltimo eixo estaria relacionado s condies

    concretas de trabalho e ao salrio dos professores (LIMA, 2006, p. 123).

    Apesar de no haver um consenso sobre as demandas de formao de professores para

    atuar em contexto inclusivo, o certo, contudo, que esta situao provoca um profundo mal

    estar nos profissionais envolvidos, pois estes encontram dificuldades em desempenhar o seu

    papel poltico-pedaggico em relao ao aluno. Sentem-se despreparados para o trabalho,

  • 32

    necessitando, certamente, de ajuda e apoio para darem as respostas educacionais necessrias

    aprendizagem dos alunos com deficincia e, tambm, de todos os alunos.

    Mais urgente que a especializao a capacitao de todos os educadores para a

    integrao4 desses alunos nas turmas do ensino regular. Mudana de atitudes frente

    diferena, conhecimento sobre os processos de desenvolvimento humano e sobre a

    aprendizagem, sobre currculos e suas adaptaes, sobre trabalhos em grupo, so

    alguns dos temas que devem ser discutidos por todos os professores.

    Independentemente se egressos das chamadas Escolas Normais de 2. Grau, dos

    Institutos Superiores de Educao ou das Universidades, os professores devem ser

    profissionais da aprendizagem de seus alunos. (EDLER CARVALHO, 2000, p.

    100).

    Ao mesmo tempo em que as Organizaes Mundiais como a Unesco, por exemplo,

    estabelecem os parmetros para a incluso dos alunos com deficincias, e espaos para a

    formao continuada de professores, a Portaria 1.793/94 do MEC recomenda alm de estgios

    com alunos, a incluso nos cursos de formao de professores e de outros profissionais, de

    disciplina ou de itens em disciplinas do currculo, referentes ao atendimento especializado a

    alunos com deficincia.

    Art.1. Recomendar a incluso da disciplina aspectos tico-politico educacionais

    da normalizao e integrao da pessoa portadora de necessidades especiais,

    prioritariamente, nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as Licenciaturas.

    (BRASIL, MEC/PORTARIA n. 1.793, dez. 1994).

    Contudo, para que estes avanos ocorram, preciso que instituies de ensino

    implementem aes que favoream a formao de seus professores para trabalharem com a

    incluso. Denari (2006) sugere que uma proposta de escola inclusiva supe uma verdadeira

    revoluo nos sistemas tradicionais de formao docente, geral ou especial. Para ela, um

    sistema unificado de ensino nos obrigaria a abandonar esta clssica separao, para buscar

    uma integrao entre os conhecimentos provenientes de ambos os sistemas:

    A formao docente de educao tem de ser mais especializada para atender

    diversidade do alunado, recomendando a incluso de disciplinas ou contedos afins,

    nos diferentes cursos de formao que contemplem, ainda, que minimamente, o

    campo da EE. (DENARI, 2006, p. 59).

    4 O termo integrao utilizado pela autora para referir-se interao, relaes de reciprocidade. No Livro

    Educao Inclusiva com os pingos nos is, Edler Carvalho tece vrias argumentaes sobre o aspecto

    conceitual de incluso e integrao: pessoalmente considero que a discusso sobre o abandono do termo

    integrao um esforo enorme, em busca de exatido terminolgica para que uma palavra no caso, a incluso

    d conta, com a maior preciso possvel, de todas as implicaes de natureza tericas e prticas dela

    decorrentes e que garanta a todos, o direito a educao, bem como o xito na aprendizagem. (EDLER

    CARVALHO, 2004, p. 28).

  • 33

    No Brasil, grande parte das dificuldades para cumprir a Portaria 1.793/94 do MEC,

    est na falta de recursos humanos para orientar outros professores ou para lecionar as

    disciplinas especficas nos cursos de formao de professores. Pensa-se que mais adequado

    para garantir o processo de incluso ser considerar para a educao inclusiva, tal como

    apontado anteriormente, a utilizao de todos os recursos e servios educativos que possam

    contribuir para o processo de aprendizagem de alunos com deficincia.

    Formao continuada

    A formao continuada constitui-se em uma estratgia que permitir a substituio de

    prticas rgidas, no contexto de educao especial e perpetuadas ao longo do tempo. Para

    Mantoan (2003), esse exerccio de desalojar o estatudo, substituindo-o por novas teorias e

    novas prticas aliceradas em outra leitura de mundo e, principalmente, na crena da infinita

    riqueza de potencialidades humanas, feito sobre as experincias concretas, os problemas

    reais, as situaes do dia-a-dia que desequilibram o trabalho nas salas de aula: esta matria

    prima das mudanas pretendidas pela formao (MANTOAN, 2003, p. 83). A autora aponta

    para a necessidade de investimentos macios na formao de profissionais direcionadas

    incluso escolar ensinar, na perspectiva inclusiva, significa ressignificar o papel do professor,

    da escola, da educao e de prticas pedaggicas que so usuais no contexto excludente do

    nosso ensino, em todos os seus nveis (MANTOAN, 2003, p. 81).

    Como afirma Lima (2006), a efetivao plena e permanente do processo inclusivo

    depende muito da atuao e das atitudes dos professores e, ainda, do seu acesso s

    informaes: essencial que os professores reconheam sua prpria importncia no processo

    de incluso, pois a eles cabe planejar e implementar intervenes pedaggicas que dem

    sustentao para o desenvolvimento das crianas (idem, p. 122).

    Edler Carvalho (2004) tambm esclarece a importncia do conhecimento bsico sobre

    pessoas com deficincias e que os professores, que atuam em uma proposta inclusiva, devem

    dominar:

    [...] os professores devem desenvolver competncias para as prticas alternativas e

    para todos os procedimentos didticos-pedaggicos necessrios para prover a

    incluso (...). So providncias para mdio e longo prazos, porque as formaes

    inicial e continuada requerem tempo, no s para a transmisso de contedos como,

    e basicamente, para a realizao de estgios e modificao de crenas, valores e

    atitudes. (EDLER CARVALHO, 2004, p. 147).

  • 34

    Da mesma forma Quadros (2006) destaca que um processo de incluso depende de

    vrios fatores que extrapolam os aspectos legais. Para a autora, as questes de ordem poltica

    e econmica tambm influenciam no processo, sobretudo, os profissionais envolvidos que

    esto em processo de formao. Para Quadros, as iniciativas de incluso ainda mostram-se

    bastante tmidas diante das demandas que se impem ao pas. Para exemplificar, relata a ao

    do professor intrprete da Lngua de Sinais:

    Algumas pesquisas comeam a despontar no Brasil, apresentando resultados sobre

    as funes deste profissional no espao escolar e o que tem sido reportado que,

    apesar do intrprete romper uma barreira comunicativa na rede regular de ensino, as

    questes metodolgicas deixam a desejar, ignorando aspectos culturais e sociais

    que fazem parte do processo educacional, deixando, muitas vezes, a criana surda

    margem da escola. (QUADROS, 2006, p. 144).

    Ferreira (2006) faz uma distino do carter epistemolgico das duas concepes

    vigentes nos cursos de formao continuada, questionando inclusive os pressupostos

    embutidos na terminologia formao de professores. A formao continuada tem sido

    usada para se referir a qualquer ao de formao de professoras j atuando no campo, isto

    nas escolas e, em particular, nas salas de aula (FERREIRA, 2006, p. 228). Estes cursos

    oferecem, normalmente, contedos tericos e/ou prticos que, acredita-se, sejam necessrios

    ao docente. Para a autora, o engano epistemolgico, ocorre por pressupor que as

    professoras necessitam de formao, pois no estariam ainda suficientemente qualificadas

    para a prtica educacional em seus cursos de ensino superior. E, por outro lado, a formao

    seria necessria porque as experincias, os conhecimentos e as habilidades adquiridas pelo

    docente na escola atravs da sua prtica pedaggica no so considerados fatores relevantes

    para sua formao, repertrio sem valor. Deste modo, a autora prope um novo enfoque para

    aes de formao, qual seja, o desenvolvimento e aperfeioamento de prticas docentes em

    servio. Para Ferreira (2006), os cursos de desenvolvimento e o aperfeioamento das prticas

    docentes em servio seriam muito oportunos na educao de alunos com deficincias, j que

    para muitos professores estes cursos, representaro a nica oportunidade de atualizar

    conhecimentos, conhecer novas prticas e de esclarecer dvidas de como atender,

    educacionalmente, a alunos com necessidades educativas especiais (FERREIRA, 2006, p.

    228).

    O estudo realizado por Soares (2006) sobre a formao e a atuao do professor de

    msica na rea de ensino, educao musical e educao especial ajuda a compreender a

    importncia dos cursos de formao continuada para a compreenso do significado da

  • 35

    incluso e a traduo deste conhecimento em condutas apropriadas nos diferentes contextos

    escolares. Este estudo apontou para a necessidade de cursos de formao de professores

    (inicial e continuada) que discutam as prticas inclusivas na educao musical, bem como a

    importncia das condies de ensino nestes contextos de incluso: a formao inicial dos

    professores de msica foi considerada por eles mesmos como precria, mas foi sendo

    lapidada com o decorrer da carreira, atravs de diferentes cursos (p.111). Soares demonstra

    atravs da sua pesquisa que as falhas relativas formao inicial do professor de msica para

    a Educao Especial podem ser superadas. A formao continuada prossegue Soares, deve ser

    o foco de ateno do poder pblico e das universidades, especialmente quando o assunto a

    incluso de pessoas com necessidades educativas especiais (p.112).

    Assim, a educao inclusiva, traduz-se por prticas pedaggicas que respondem,

    positivamente, diversidade do alunado em um contexto de escola para todos. Trata-se de

    oferecer respostas educacionais centradas no processo de construo da cidadania de todos os

    alunos, sejam eles com deficincia, ou no. Todavia, a incluso depende do trabalho cotidiano

    dos professores na sala de aula e do seu sucesso em garantir que todas as crianas possam

    participar de cada aula e da vida da escola como um todo. Os professores por sua vez,

    necessitam trabalhar em escolas que sejam planejadas e administradas de acordo com linhas

    inclusivas e que sejam apoiadas pelos governantes, pela comunidade local, pelas autoridades

    educacionais locais e, acima de tudo, pelos pais.

    1.3 A Educao do Aluno Surdo

    De acordo com a Organizao Mundial para a Sade OMS (2007), surdez um

    termo genrico para a perda completa ou parcial da habilidade de ouvir5. J transtornos de

    audio so definidos como condies que prejudicam a transmisso ou percepo de

    impulsos auditivos e informao desde a orelha at os crtices temporais, incluindo as vias

    sensorioneurais. O Decreto 3.298 de 20/12/99 define deficincia auditiva como sendo perda

    parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e nveis (BRASIL,

    1999).

    Ballantyne e Martin e Martin (1995) descrevem que o ouvido, funcionalmente,

    consiste de duas partes: a parte sensorioneural essencial, abrangendo o rgo sensorial e suas

    conexes neurais; e um aparelho condutivo, cuja funo simplesmente conduzir o som de

    5 Texto extrado da internet e sem indicao de nmero de pgina.

  • 36

    sua fonte para o ouvido interno. Isso consiste do conduto auditivo externo, da trompa de

    eustquio, do ouvido mdio e seu contedo e das janelas labirnticas. De modo

    correspondente, a surdez tambm de dois tipos principais: condutiva, devido a qualquer

    afeco do aparelho condutivo; e sensorioneural, devido a qualquer leso da cclea e do nervo

    auditivo (BALLANTYNE; MARTIN; MARTIN, 1995, p. 62).

    Na legislao Federal o termo empregado para dirigir-se ao surdo deficincia

    auditiva. O Decreto 3.298 de 20/12/99 em seu Art.4, define deficincia auditiva como sendo:

    [...] perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e

    nveis na forma seguinte:

    a) de 25 a 40 decibis (db) - surdez leve;

    b) de 41 a 55 db - surdez moderada;

    c) de 56 a 70 db - surdez acentuada;

    d) de 71 a 90 db - surdez severa;

    e) acima de 91 db - surdez profunda. (BRASIL,1999).

    Lehnhardt e Lehnhardt (2007) esclarecem que dependendo do nvel mdio de decibis

    percebidos (frequncias entre 500 a 2.000 hertz), os estudantes com uma perda leve e

    moderada (41 a 55 db) compreendem, razoavelmente, a conversao face-a-face com pouca

    dificuldade, mas podem ser incapazes de compreenso se muitos estiverem falando ao mesmo

    tempo. As pessoas com uma perda moderada (56 a 70 db), provavelmente, ouviro uma

    conversao se o volume estiver muito alto. J os estudantes com uma perda severa (71 a 90

    db) podem, provavelmente, ouvir vozes se estas forem pronunciadas em alto volume. Embora

    estes indivduos possam ter algumas habilidades lingusticas, a Lngua de Sinal e a ateno

    visual sero necessrias, alm da utilizao de aparelhos de amplificao sonora para reforar

    a comunicao. Para as pessoas com perda severa (91 db ou mais), embora possam ouvir

    alguns sons atravs da utilizao de um dispositivo de audio, recomenda-se a Lngua de

    Sinais para ser usada como meio de comunicao principal.

    No quadro a seguir, Salmon (2003)6 apresenta a restrio da funo auditiva. Este

    quadro complementa as informaes sobre os efeitos da perda auditiva:

    6 Traduo da autora

  • 37

    PERDA

    MDIA DE

    AUDIO

    CARACTERIZAO

    EFEITO

    < do que 30 db Perda de audio de grau

    leve

    Sem uso de aparelho de audio, as crianas tm

    dificuldades, sobretudo no entendimento de fala

    sussurrada (cochicho).

    30 at 60 db Perda de audio de grau

    mdio

    Sem uso de aparelho de audio, as crianas tm

    dificuldades para entender a fala cotidiana em

    volume normal a 1 metro de distncia da pessoa

    que fala.

    60 at 120 db Perda de audio de grau

    alto chegando a quase

    completa ausncia de

    audio

    Sem aparelho no e possvel compreender a lngua

    falada.

    90 at 120 db Resto de audio

    (ausncia de audio e/ou

    surdez)

    As crianas que tenham perda auditiva desta ordem

    dispem normalmente de um resto de capacidade

    auditiva que pode servir para a percepo de algum

    tipo de som.

    >120 db Completa surdez A perda auditiva to grande que mesmo com

    aparelhos auditivos a lngua no pode ser mais

    compreendida

    Tabela 1- Restries auditivas segundo Salmon (2003).

    A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia (BRASIL, 2008 d)7, a

    qual o Brasil signatrio define pessoas com deficincia como aquelas que tm

    impedimentos de natureza fsica, mental, intelectual ou sensorial permanentes, os quais, em

    interao com diversas barreiras, podem obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade

    em bases iguais com as demais pessoas. Assim, por acreditar que o indivduo que apresenta

    surdez no apresenta indicativo de impedimento que restrinja a sua participao efetiva na

    sociedade, para se referir ao aluno com surdez e/ou perda auditiva, desconsidera-se a

    denominao deficiente auditivo e adota-se surdo, conveno esta adotada pela Federao

    Nacional de Educao e Integrao dos Surdos FENEIS (2007).

    Nos ltimos anos tem-se discutido qual seria o papel da escola e, especificamente, da

    educao do surdo. Vrios pesquisadores/educadores (PERLIN, 2003, LUNARDI, 2003,

    SACKS, 2005, SKLIAR, 2005, 2006 e QUADROS, 2006), afirmam que uma escola que se

    pretenda inclusiva precisa oferecer uma situao de ensino em que este aluno possa se

    construir e se constituir como um indivduo capaz de comunicao, onde ele possa buscar o

    conhecimento, a compreenso de um mundo, que, em geral, est pouco acessvel para ele. A

    7 A Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia e seu respectivo Proctocolo Facultativo

    aprovados pela Assemblia Geral das Naes Unidas no dia 6 de dezembro de 2006, atravs da resoluo

    A/61/611 e ratificados pelo Congresso Nacional em 09/07/2008 pelo Decreto Legislativo n 186/2008 e todos os

    seus artigos so de aplicao imediata.

  • 38

    escola como uma instituio fundamental na construo da cidadania deveria,

    necessariamente, servir de modelo social e criar culturas que celebrem a diversidade, sejam

    inclusivas e sem preconceitos e/ou discriminao.

    Contudo, nem sempre foi assim. Por muito tempo considerou-se o surdo uma vtima de

    uma sequela orgnica, que o privava de receber os sons da fala e que, portanto, o impedia de

    falar como qualquer pessoa normal. A surdez era ento entendida como uma situao fsica

    crnica, compreenso esta perfeitamente ajustvel com o discurso praticado pelos

    profissionais que atuavam na educao especial, em dcadas passadas. A idia central da

    educao de surdos perpassava pelo domnio da lngua oral. Com o domnio da linguagem

    oral, o indivduo surdo poderia ter acesso ao mercado de trabalho e manter o controle nas

    condies adversas que lhe so apresentadas no seu dia-a-dia. No oralismo, como foi chamada

    a linguagem oral, o indivduo surdo considerado como deficiente auditivo e, portanto,

    sofre de uma patologia crnica, traduzida por leso no canal auditivo e/ou rea cortical. Esta

    patologia impedia a aquisio normal da linguagem e, demandava ento, por intervenes

    clnicas de especialistas responsveis por lhe restituir a fala. Porm, considerar a falta de

    comunicao oral como estigma aparente do surdo, que precisa ser anulado de qualquer

    forma, desconsiderar que ele pudesse ser respeitado na sua diferena e na sua lngua. Sem

    dvida, o surdo porta um estigma que o impossibilita desta aceitao social plena

    (GOFFMAN, 1988). Contudo, este estigma no ser removido atravs do ensino da fala e do

    aproveitamento dos resduos auditivos, pois ele continua surdo e se distingue daqueles que

    ouvem, ditos normais.

    Segundo Souza (1998), por muito tempo os alunos de cursos de graduao eram

    preparados para lidar com o indivduo surdo como excepcional e, portanto, estes eram

    colocados simbolicamente no lugar de deficiente:

    O poder se materializava na palavra do especialista, que tomava para si a

    responsabilidade de pronunciar o veredicto final sobre a sorte do enfermo.

    quele que foi feito, pela palavra, anormal cabia assumir o papel passivo de

    paciente. (SOUZA, 1998, p. 05).

    Para a autora, esta concepo muda, definitivamente, pela prpria ao dos sujeitos

    surdos, que atravs das suas entidades representacionais lutaram para reverter o atributo

    estereotipado e que muitas vezes, os ouvintes ainda lhes conferem at os dias atuais. Isto , o

    de serem deficientes. Assim, entendendo que as relaes que se estabelecem entre si so

    materialidades j ditas, criadas e geradas por uma comunidade em determinado momento

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    histrico,