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PERSPECTIVAS INOVADORAS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA UNIVERSIDADE Este Painel, instigado pelo debate sobre os desafios da formação do professor no contexto universitário, apresenta três estudos que objetivam contribuir com práticas formativas docentes na universidade na perspectiva inovadora e emancipatória. O sentido inovador na formação do professor na universidade que compreendemos sustenta-se numa racionalidade pedagógica que se deixe contagiar por outros saberes além do científico, que rompa com a hierarquia epistemológica, que democratize as decisões curriculares e principalmente se autovigie e se reconheça como um complexo e contraditório sistema de produção de emancipação e regulação social. O primeiro estudo analisou práticas formativas em cursos de licenciaturas. As experiências destacadas nesse estudo dizem respeito a dois cursos licenciaturas que veem protagonizando experiências de ensino-aprendizagem consideradas inovadoras no contexto acadêmico. Por meio das narrativas dos docentes foi possível captar o desenvolvimento de suas práticas pedagógicas nos cursos e o sentido inovador dado a elas. O segundo estudo sobre “Estágio Curricular e Fenomenologia” buscou apresentar novas possibilidade de práticas pedagógicas a serem realizadas pelos estagiários dos cursos de licenciatura que possibilitem aos mesmos olharem o ambiente escolar como um campo de investigação que promova a novas práticas escolares e a utilização de novos métodos para o ensino das diversas disciplinas no ensino fundamental. O terceiro estudo investigou o que um grupo de estudantes do ensino fundamental têm a dizer sobre suas experiências nas escolas, em especial quanto suas relações com os saberes escolares buscando contribuir para os interesses da universidade em formar professores em condições de enfrentar o contraditório campo da educação. Os estudos apresentados nesse painel trazem elementos para compreendermos que o cenário de formação do professor na universidade requer refletir sobre a concepção de conhecimento que produz as práticas pedagógicas acadêmicas e sua repercussão nas práticas formativas dos professores. Palavras-chave: Formação de professores. Inovação pedagógica. Práticas escolares. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 8170 ISSN 2177-336X

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PERSPECTIVAS INOVADORAS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA

UNIVERSIDADE

Este Painel, instigado pelo debate sobre os desafios da formação do professor no

contexto universitário, apresenta três estudos que objetivam contribuir com práticas

formativas docentes na universidade na perspectiva inovadora e emancipatória. O

sentido inovador na formação do professor na universidade que compreendemos

sustenta-se numa racionalidade pedagógica que se deixe contagiar por outros saberes

além do científico, que rompa com a hierarquia epistemológica, que democratize as

decisões curriculares e principalmente se autovigie e se reconheça como um complexo e

contraditório sistema de produção de emancipação e regulação social. O primeiro estudo

analisou práticas formativas em cursos de licenciaturas. As experiências destacadas

nesse estudo dizem respeito a dois cursos licenciaturas que veem protagonizando

experiências de ensino-aprendizagem consideradas inovadoras no contexto acadêmico.

Por meio das narrativas dos docentes foi possível captar o desenvolvimento de suas

práticas pedagógicas nos cursos e o sentido inovador dado a elas. O segundo estudo

sobre “Estágio Curricular e Fenomenologia” buscou apresentar novas possibilidade de

práticas pedagógicas a serem realizadas pelos estagiários dos cursos de licenciatura que

possibilitem aos mesmos olharem o ambiente escolar como um campo de investigação

que promova a novas práticas escolares e a utilização de novos métodos para o ensino

das diversas disciplinas no ensino fundamental. O terceiro estudo investigou o que um

grupo de estudantes do ensino fundamental têm a dizer sobre suas experiências nas

escolas, em especial quanto suas relações com os saberes escolares buscando contribuir

para os interesses da universidade em formar professores em condições de enfrentar o

contraditório campo da educação. Os estudos apresentados nesse painel trazem

elementos para compreendermos que o cenário de formação do professor na

universidade requer refletir sobre a concepção de conhecimento que produz as práticas

pedagógicas acadêmicas e sua repercussão nas práticas formativas dos professores.

Palavras-chave: Formação de professores. Inovação pedagógica. Práticas escolares.

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ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO BÁSICA: PERSPECTIVA DE

ESTUDANTES PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

Sueli de Lima

Professora Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educadores – FEUSP (GEPEFE)

Resumo

Busca-se, neste artigo, contribuir para os interesses da universidade em formar

professores em condições de enfrentar o contraditório campo da educação investigando

o que os estudantes do ensino fundamental têm a dizer sobre suas experiências nas

escolas, em especial quanto às suas relações com os saberes escolares. Os trabalhos

desenvolvidos por Charlot (2000, 2009, 2013) serviram de base para a análise das

relações de estudantes com o saber escolar. Para dar voz aos sujeitos participantes,

constituiu-se um Grupo Dialogal com 15 adolescentes do ensino fundamental,

moradores de duas favelas cariocas, com renda média familiar de um salário-mínimo e

frágeis relações com suas escolas e a sociedade. Os resultados apontaram para a

necessidade de revisões conceituais e práticas, pois os estudantes relataram uma

experiência com o saber que só pode ser compreendida se posta ao avesso, uma vez que

se tornou evidente que participam de processos de ensino-aprendizagem e não

aprendem. Estas contribuições foram examinadas através do conceito de “leitura

positiva” de Charlot (2000), em diálogo com Paro (2003) quando questiona a

naturalização do “fracasso escolar”, e Almeida (2012), que nos questiona quanto à

valorização da dimensão pedagógica nas licenciaturas. A partir destes autores, indica-se

três dimensões que nos desafiam na Formação de Professores: Formar Para Novas

Relações com o Saber (interculturalidade e democracia); Formar Professores para

Reinventar a Escola; Formar Professores para não naturalizar o fracasso escolar.

Palavras-chave: Estudantes, Formação de Professores, Relação de Saberes.

Introdução

O primeiro direito social elencado no artigo 205 da Constituição Federal do Brasil

de 1988 é a educação, entretanto, sua garantia a todos os brasileiros, quase 27 anos

depois da promulgação da Constituição, ainda está longe de ser assegurada. O abandono

da escola ou o denominado “fracasso”, atinge fortemente a população mais pobre,

trazendo consequências para toda a sociedade. Sabemos que o percurso escolar de

estudantes no Brasil é marcado por fortes desafios. Segundo a PNAD 2012, a taxa de

frequência escolar bruta dos jovens entre 15 a 17 anos era de 84,2% em 2012. A taxa

líquida era de 54% no mesmo ano, para a mesma faixa de idade. Cerca de 30% dos

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jovens nesta faixa etária cursavam ainda o ensino fundamental. No âmbito escolar, as

desigualdades são expressas tanto no acesso à escola como na pirâmide que representa o

sistema escolar e as condições sociais de seus integrantes.

De acordo com Charlot (2000), entrar na escola é algo mais complexo do que

estar matriculado: possui também uma dimensão subjetiva. Trata-se de participar de

uma relação com o saber capaz de contribuir para a construção de sentido para quem

estuda. Os estudos desenvolvidos pelo autor (CHARLOT, 2009) apontam que a escola

é considerada importante para mais de 50% dos jovens entrevistados, mas,

contraditoriamente, eles não se sentem mobilizados por ela. O valor que atribuem à

escola situa-se em uma dimensão institucional, relacionada à aquisição de diploma,

afirma o pesquisador. A hipótese é que esta incongruência na relação com a escola se dê

porque “é preciso que o próprio saber (a formação, a cultura) surja enquanto chave do

futuro desejável” (CHARLOT, 2009). Como base de trabalho, utilizou-se as pesquisas

desenvolvidas por Charlot (2000, 2009, 2013) para investigar as relações de estudantes

com o saber escolar.

Na condição de professora interessada nos processos de ensino-aprendizagem de

jovens de camadas populares, o desafio foi pensar como as contribuições de estudantes

do ensino fundamental podem contribuir para o trabalho de formação docente que

realizamos nas licenciaturas, em especial com a didática. O trabalho teve como objetivo

investigar quais relações os estudantes entre 11 e 15 anos, do Ensino Fundamental,

estabelecem com os saberes escolares, buscando sistematizar suas contribuições para a

didática e a Formação de Professores.

O corpus da pesquisa

Para Franco (2008), os processos investigativos que tornam válida a pesquisa em

educação colocam em xeque a concepção clássica de investigação científica. Pesquisar

educação é atuar em meio a uma concepção metodológica que supera a concepção

dualística que pensa o objeto em separado do sujeito. Essa concepção não corresponde a

uma concepção subjetivista, mas a uma outra racionalidade para a pesquisa em

educação. Na perspectiva da autora, a investigação em educação requer a consciência

das relações complexas nela implicadas, ou seja, o foco nas relações que constituem a

ação de sujeitos entre si e sobre as circunstâncias.

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Se compreendermos o método como aquilo que possibilita a compreensão do

problema mediante algum instrumento, ele deve ser valorizado tanto na sua dimensão

filosófica propondo os fundamentos da prática investigativa, como também na dimensão

operatória, que instaura os procedimentos que o pesquisador vai utilizar para aproximar-

se de seu objeto de pesquisa (Ghedin e Franco, 2008). Nessa concepção metodológica,

a verdade que a ciência persegue é medida em função do grau de coerência que o

método mantém com o objeto investigado. O trabalho de construção do método é

simultâneo à elaboração do objeto de pesquisa e utiliza múltiplas abordagens

(qualitativas e quantitativas), buscando coordená-las.

Para desenvolver uma pesquisa científica a partir de fontes que são historicamente

construídas, buscou-se em Flick (2009), Ghedin e Franco (2008), Gatti (2005) e

Kincheloe e Berry (2007) as bases teóricas da pesquisa qualitativa para nos aproximar

do objeto investigado. Utilizou-se como instrumento metodológico o Grupo Dialogal

(DOMINGUES, 2006), que, em muitos aspectos, relaciona-se com o Grupo Focal

(FLICK, 2009, GATTI, 2005). Ambos são grupos constituídos de pesquisados e

pesquisador, que, juntos, realizam uma série de debates planejados previamente pelo

pesquisador para obter informações e identificar experiências acumuladas pelo grupo

em torno de um determinado conhecimento. Esta metodologia de pesquisa deve ser

desenvolvida em ambiente facilitador da comunicação, o mais horizontalizado possível,

sem que seus integrantes se sintam ameaçados por qualquer conjuntura externa ou

interna e possam desenvolver diálogos sempre abertos (apesar de possuírem algum grau

de planejamento).

O grupo constituiu-se de 15 estudantes1 do Ensino Fundamental

2, com idades

entre 11 e 15 anos3, de três escolas municipais próximas de uma favela no Rio de

Janeiro. Ao sexo feminino pertenciam 63,64% dos entrevistados; 36,36% eram do sexo

masculino. Autodeclararam-se da cor parda 45,45%; 27,27%, mulatos; 18,18%, negros;

e 9,09% se autodeclararam brancos. A renda declarada foi de entre um e dois salários-

mínimos para cerca de 80% das famílias, e abaixo, de meio salário para 20%.

A primeira contribuição que a pesquisa apresenta trata da importância dada pelos

estudantes às relações que desenvolvem com o ambiente escolar de modo geral, com

todos os envolvidos que lá atuam (diretores, inspetores, colegas etc.) e não somente com

os professores, como relações que também são significativas para o processo de

aprendizagem. Afirmam que o “clima” escolar é importante, pois interfere na postura

que assumem na escola. Quanto menos espaço possuem para serem ouvidos, maiores

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são os problemas nas relações de ensino e aprendizagem: “Para mim, a forma mais

fácil de aprender é quando não sou obrigado. Na escola, a gente é obrigado a tudo, a

gente nem pode se colocar, tudo é obrigado.” (MATHEUS).

A escola é um lugar onde deveríamos ser respeitados, pois se alguém

nos falta com respeito, eu acho que isso é o máximo da falta de ética

de um profissional, para mim isto muda tudo com relação à escola e

com tudo o que ela possa me ensinar. (CRISTIANO)

Os estudantes acreditam que as condições que possuem de participar e interferir

na vida escolar estão diretamente relacionadas às suas chances de aprender. Destacam a

necessidade de que haja, na escola, espaço para compartilhar e rever, coletivamente, os

desafios de convivência entre os distintos atores que compõem a comunidade escolar.

O segundo resultado que a pesquisa apresenta refere-se às condições que a escola

proporciona ao estudante para tornar-se “si mesmo” ou para descobrir o que deseja ser.

Eu acho que deveria ter tempo na escola para a gente se descobrir

mais, não sei, mais conversas. Tempo para coisas além de estudar, isto

iria ajudar a aprender. (EMERSON)

Acho que a principal melhora que devia haver na escola seria arrumar

uma forma de fazer-nos nos identificar com as coisas diferentes que

têm na escola para que possamos descobrir quem realmente somos. A

escola está lá para ensinar a matéria, mas aí você não tem tempo de

pensar em você. Não sei por que não aprendo lá um monte de coisas

que poderiam me ajudar na minha vida. (CRISTIANO)

Essas narrativas nos fazem refletir se a escola, para ser um espaço capaz de

contribuir na construção de sentido à existência de cada um, precisa investir em práticas

democráticas. “A escola não me ajuda a ser quem eu sou.” (ANDERSON).

O último resultado a destacar trata das condições expressas na voz dos estudantes

quando evidenciam um reverso de aprendizagem. As situamos como o reverso, pois

seria incorreto nos referirmos a aprendizagens sem sucesso.

“Na minha escola eles [os professores] não fazem a mínima questão de ensinar,

e quando ensinam é de má vontade” (MARIA). A perspectiva do reverso é próxima da

perspectiva do avesso. Tomemos como exemplo o trabalho das costureiras e bordadeiras

(VALENTINI, 2013). Só compreendemos o trabalho que realizam se o viramos ao

avesso, pois assim podemos identificar como os pontos foram dados, o caminho

percorrido pelas tramas. Essas narrativas, portanto, tratam de uma espécie de perversão

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na experiência com a escola: estudantes participam de processos de ensino-

aprendizagem, mas não aprendem, o que nos levou à necessidade de formulação de um

outro termo para a compreensão do que narram.

Do ponto de vista da compreensão das experiências que nos contam os estudantes,

tudo nos leva a questionar se o que compreendemos como ensino tem a aprendizagem

como consequência. Isto porque afirmam que frequentam escolas, participam de

diversas aulas, afirmam que os professores ensinam, porém, revelam que nem sempre

aprendem com os professores. Aquilo que lhes “ensinam” só conseguem aprender com

os colegas, familiares ou explicadoras4. Trata-se de uma revelação inquietante, pois

torna patente as marcas de um processo educativo constituído pelo avesso, uma prática

pedagógica invertida, uma não educação que interpela nossa compreensão dos

processos pedagógicos o que precisa ser processado pela universidade que forma

professores e também pelas escolas. Quando o professor não desenvolve uma relação

pedagógica com o estudante, o constrange, intimidando-o, promovem o que chamei de

experiências de reverso da aprendizagem, condutas não pedagógicas que precisamos

compreender.

Resultados: dialogando com as narrativas de estudantes, a didática e a formação

de professores

É no coração da profissão, no ensino e no trabalho escolar que

devemos centrar o nosso esforço de renovação da formação de

professores. (NÓVOA, 2011, p. 204)

A partir dos resultados apresentados busca-se, a seguir, contribuir para os desafios

do campo da formação docente através de reflexões voltadas para o ensino da didática

nos cursos de licenciaturas. Como vimos, os estudantes nos informam que: todas as

relações que estabelecem nas escolas são determinantes para suas aprendizagens; as

escolas não contribuem para que conheçam a si mesmo e que vivenciam experiências

contraditórias nos questionando se as relações entre ensinar e aprender não deveria ser

compreendida na perspectiva do seu reverso. Estas contribuições serão examinadas

através do conceito de “leitura positiva” de Charlot (2000), em diálogo com Paro

(2003), quando questiona a naturalização do “fracasso escolar”, e Almeida (2012), que

nos questiona quanto à valorização da dimensão pedagógica nas licenciaturas. A partir

destes autores, indica-se três dimensões que nos desafiam na Formação de Professores:

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Formar Para Novas Relações com o Saber (interculturalidade e democracia); Formar

Professores para Reinventar a Escola; Formar Professores para não naturalizar o

fracasso escolar.

Formar para novas relações com o saber (interculturalidade e democracia)

Quando os estudantes nos cobram mais participação e diálogo nas relações com

toda a escola somos desafiados, na formação de professores, a pensar a

interculturalidade e a democracia na perspectiva da didática. Interculturalidade é um

conceito que tem desafiado a educação, principalmente na reflexão quanto a hegemonia

de saberes que tem marcado os currículos e as práticas pedagógicas e, sob muitos

aspectos, impedindo que as práticas escolares possam alimentar-se da diversa cultura

brasileira. Uma escola que trabalhe numa dimensão intercultural, que promova uma

educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre diferentes grupos

sociais e culturais ainda nos desafia.

O problema nos leva ao que Charlot (2000) chama de “leitura positiva” e

nesta mesma direção teórica Certeau (2009) estuda o cotidiano das pessoas comuns e

afirma que ele é constituído de silenciosas maneiras de construir o mundo. Acredita que

nesses fazeres estejam escondidas narrativas que possam contribuir com as ciências,

cabendo ao professor procurar aprende-las. Para isso deveríamos compreender a cultura

quando é praticada, e não pelo que representa, pelo valor atribuído ou por sua

oficialidade. O conceito de “leitura positiva” que Charlot (2000) convoca os professores

a praticar, nos auxilia a compreender as silenciosas maneiras de construir o mundo

como nos mostra Certeau (2009). Através dela podemos conquistar relações de saberes

plurais e as condições para as trocas na compreensão do outro de do mundo, como

defende a visão intercultural de escola.

A perpetuação da cultura autoritária expressa-se em diversas vivências sociais que

imprimem relações distintas entre homem/mulher; adulto/criança;

empregador/empregado e também professor/aluno. Todas condicionadas por hábitos

hierárquicos que caracterizam também nossa visão de escola, de saberes e

consequentemente as estratégias didáticas-pedagógicas que desenvolvemos.

Poder-se-ia dizer que a oposição à promoção escolar não é uma

conduta original adstrita ao ensino, mas derivada de atributo mais

abrangente e arraigado na personalidade das pessoas, que se refere a

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maneira como encaram o outro na condição de sujeito. (Paro, 2003, p

73)

Na escola predomina a ideologia do mérito, disputa-se a melhor nota, produto de

um esforço e da competição pela vida, compara-se os alunos entre si, reprova-se os

diferentes, os “acomodados”, difundido o “cada um por si”. Estuda-se para passar nas

provas e o fracasso é vergonha que deve ser evitado a qualquer preço. Toda esta cultura

autoritária e dominadora tem se constituído parte intrínseca dos processos formativos;

compreendê-los a partir de outros critérios é desafio para os formadores de professores.

(PARO, 2003)

No entanto, a partir das contribuições de Franco (2012), para quem as condutas

pedagógicas dependem de uma intencionalidade conduzida exclusivamente pela crítica

reflexiva, que é substancialmente democrática, a pedagogia demanda a postura

democrática. Se pensarmos a escola como espaço de disputas por diferentes projetos de

sociedade, a necessidade de valorizar o pensamento pedagógico se faz ainda mais

presente, pois os profissionais que atuam em meio a tantas contradições precisam da

ciência pedagógica para lidar com as circunstâncias e cumprir seus objetivos. Franco

(2012) destaca que há muita disputa em torno do que, como e para que ensinar, e que

será através da valorização da pedagogia como ciência na formação de professores que

será possível enfrentar o contraditório campo da realidade escolar. Cabe-nos atenção ao

problema em nossas licenciaturas.

Formar Professores para Reinventar a Escola

Aqui o desafio é ir além da naturalização da cultura escolar instituída, na direção

da instauração radical de relações solidárias, democráticas, horizontalizadas; inovadoras

porque inclusivas, constituídas de sujeitos livres, capazes de se respeitarem e

expressarem suas diferenças em práticas pedagógicas, críticas, sucessivamente

mutáveis.

Para Almeida (2012), as universidades para cumprir seu papel social devem

valorizar a formação pedagógica nas licenciaturas. Critica a ênfase na formação do

pesquisador/especialista na formação docente desenvolvida nas universidades. Para a

autora, as tensões produzidas nas políticas neoliberais dominantes no cenário nacional e

internacional vem impactando também a função social da universidade e

consequentemente a formação de professores no país.

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Estudantes filhos de famílias pouco escolarizadas possuem mais dificuldades de

compreender e se relacionar com a cultura escolar, o que também se reflete nas

condições de aprendizagens que possuem, por isto a valorização da dimensão

pedagogica, através dela os futuros professores terão mais chances de debater

pedagogicamente os conteudos, as abordagens, os objetivos e metodos. Os estudantes

ouvidos nos informam que não basta conhecermos os conteúdos que ensinamos, é

preciso também debater nossas intenções, valores e estratégias, o que corresponde a

compreender as contribuições da pedagogia, como nos cobra Almeida (2012).

Formar Professores para não naturalizar o fracasso escolar.

O que ouvimos dos estudantes nos leva a perguntar se a cultura da reprovação está

sendo legitimada pela didática que desenvolvemos nos cursos de Formação de

Professores. O que podem fazer as universidades que formam professores no

enfrentamento deste problema? Para enfrentar a naturalização do fracasso escolar, um

de nossos desafios é conceber a educação como intrinsicamente responsável pela

formação do sujeito, oposta a tudo o que impeça o desenvolvimento de sua autonomia.

Não dá para admitir que, diante do não aprendizado, no final do ano,

se possa impunemente pensar na alternativa da retenção. Trata-se,

primeiro, de não deixar chegar ao final do ano sem saber. Mas, se

chegou sem aprender, é preciso prever alguma medida que compense

o erro cometido, sem o recurso cômodo (mas deletério) da

reprovação.” (Paro, 2003,p. 62).

É responsabilidade dos formadores de professores trabalhar por uma cultura

contrária à reprovação, para isto somos desafiados a elaborarmos alternativas que, de

preferência, nasçam das relações escola/universidade. A reprovação está muito presente

na cultura escolar, está presente não só nos indicadores, mas nas práticas cotidianas. As

relações com o saber são marcadas pelos resultados, avaliações, distantes das relações

histórico-culturais que animam os sentidos de por que aprender e ensinar.

Para enfrentar os desafios que marcam o fracasso escolar, um caminho poderá ser

compreender a escola como um espaço público no qual se cruzam práticas culturais

distintas. Neste contexto, a atuação do professor vai além da transmissão de

conhecimentos, superando o modelo de racionalidade técnica para lhe assegurar a base

reflexiva na sua formação e atuação profissional, como apontam Almeida et al. (2008),

Franco (2008), Libâneo (2012) e Pimenta (2002). Para esses autores, as escolas podem

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não ser somente espaços de aplicação de saberes, mas virem a ser espaços privilegiados

de diálogo entre teorias e práticas, de reflexão pedagógica e de construção de saberes

sobre a própria prática educativa. Como nos aponta Almeida (2009), “a escola

contemporânea exige que o professor trabalhe ativamente no projeto pedagógico da

escola, em solidariedade com alunos e professores...” (PIMENTA & ALMEIDA, 2009,

p. 60). Inscrevem-se concretamente neste projeto as Universidades que buscam

desenvolver uma formação docente capaz de enfrentar o contraditório campo das

práticas pedagógicas através da centralidade nas parcerias com as escolas.

Considerações Finais

Construir um campo de investigação pedagógica comum, entre escolas e

universidades, que avance na direção democraticamente nas relações desenvolvidas no

ensino (em ambas as instituições) é um desafio que ainda precisa ser superado. A

formação de professores, se realizada através de ações de colaboração periódicas, pode

fazer emergir os “saberes profissionais” e nos permitir avançar a partir do que nos

cobram os estudantes aqui ouvidos. Nesta perspectiva, aponta-se a necessidade de

pensarmos a formação docente para novas relações com o saber, sendo estes

interculturais e democráticos; para reinventar a escola e a epistemologia pedagógica

através de culturas solidárias e, por fim, formar professores para não naturalizar o

fracasso escolar.

Se pretendemos renovar as condições de que dispomos nas licenciaturas através

da instauração de uma dimensão epistemológica própria é preciso, também, trabalhar na

dimensão política, pois ambas as instituições e os sistemas a que estão submetidas,

precisam desenvolver condições de trabalho em conjunto, o que demanda um fazer

também político dos profissionais da área. Se estamos buscando os saberes que possam

nascer do trabalho em conjunto, é preciso criar e sustentar as condições políticas deste

trabalho, superando a fragmentação, a distância e o escasso compromisso entre as

instituições. Dito de outra forma, se compreendemos o trabalho pedagógico como uma

prática relacional desenvolvida através da comunicação e da parceria entre distintos

sujeitos, é preciso que construamos as condições para o método de trabalho que as

pesquisas desenvolvidas na área apontam.

Dar visibilidade à complexidade do ensino, superando a ideia de ensinar como

transmissão de conhecimento para uma ideia de ensino como negociação de saberes,

desenvolvendo relações que permitam as trocas de conhecimentos, práticas e valores

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entre professores e estudantes, entre escolas e universidades e seus respectivos sistemas.

A formação não pode ser mera aplicação prática de qualquer teoria, ela exige

sucessivamente sua reelaboração diante de condições singulares, instáveis, carregadas

de conflito e dilemas, características do ensino como prática social contextualizada

historicamente (PIMENTA, 2008).

Silva Jr. (1990) e Nóvoa (2011) destacam a dimensão coletiva da prática docente

como sendo uma ação que se realiza, também, através da colaboração. Eles afirmam que

a complexidade do trabalho pedagógico exige que possamos desenvolver equipes com

competência coletiva, mais do que equipes que somem competências individuais, de

modo que elas possam se enriquecer mutuamente como num “tecido profissional

enriquecido” capaz de enfrentar os desafios comuns. Essa condição coletiva e

colaborativa da prática docente exige uma postura de partilha de práticas e uma grande

capacidade de comunicação entre professores, estudantes, escolas e universidades,

inclusive recuperando a dimensão pública destes atores sociais.

Podemos afirmar, com base no que ouvimos dos estudantes, que articular as

dimensões do trabalho da escola com as licenciaturas para a constituição de

comunidades de aprendizagens (tanto dentro das escolas e universidades como entre

elas) pode nos levar ao desenvolvimento de culturas pedagógicas capazes de reinventar

a escola, reconstruindo as relações de saberes na direção de superarmos a naturalização

da reprovação e instaurando novos impulsos para a pedagogia nas licenciaturas.

Nos contextos dinâmicos das culturas contemporâneas precisamos formar o

professor para atuar solidariamente com seus colegas e, em diálogo com seus

estudantes, debatendo as estratégias pedagógicas que desenvolve. A docência possui

uma dimensão coletiva em constante revisão. Ouvir o que pensam os estudantes sobre

as experiências de aprendizagem contribui para a atualização da didática diante dos

desafios para um ensino democrático e intercultural.

_____________________

1 Nomes alterados para: Janaína, 14 anos, 8

o ano; João, 11 anos, 5

o ano; Paula, 11 anos, 5

o ano; Julia, 11

anos, 5o ano; Emerson, 15 anos, 6

o ano; Dyellen, 13 anos, sala de aceleração do Ensino Fundamental,7

o

ano; Andrea, 10 anos, 4o ano; Fernanda, 11 anos, 5

o ano; Maria, 13 anos, 8

o ano; Larissa, 14 anos, 8

o ano;

Pérola, 13 anos, 6o ano; Deise, 12 anos, 6

o ano; Matheus, 14 anos, 9

o ano; Adriana, 12 anos, 6

o ano;

Cristiano, 14 anos, 8o ano.

2 Integravam o grupo 36,36% do 5

o ano; 27,27% do 6

o ano; 9,09% do 7

o ano; 18,18% do 8

o ano e 9,09%

do 9o ano.

3 Com 11 anos – 27,27%; com 12 anos – 18,18%; com 13 anos – 9,09%; com 14 anos – 9,09%; com 15

anos – 27,27%.

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4 São explicadoras, geralmente mulheres que conseguiram concluir o Ensino Fundamental e auxiliam

crianças e jovens nas tarefas escolares, cobrando pequenas quantias por hora de trabalho.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Maria Isabel. Formação do professor do Ensino Superior: desafios e

políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012.

CHARLOT, Bernard. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos

ideológicos na teoria da educação. São Paulo, Cortez, 2013.

__________, Bernard. A relação com o saber nos meios populares. Uma investigação

nos liceus profissionais de subúrbio. Porto: Legis, 2009.

__________, Bernard. Da relação com o saber. Porto Alegre: Artmed, 2000.

DOMINGUES, Isaneide. Grupos dialogais: compreendendo os limites entre pesquisa e

formação. In: PIMENTA, Selma G.; GHEDIN, Evandro; FRANCO, Maria Amélia S.

(Orgs.). Pesquisa em educação ‒ Alternativas investigativas com objetos complexos.

São Paulo: Loyola, 2006.

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8182ISSN 2177-336X

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INOVAÇÃO PEDAGÓGICA E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR NA

UNIVERSIDADE

Adriana Campani

Universidade Estadual Vale do Acaraú

Introdução

Esse texto é fruto de uma pesquisa em desenvolvimento do Grupo de Estudos e

Pesquisas sobre Pedagogia Universitária – (GEPPU-UVA) com o apoio do

CNPq/FUNCAP. Objetivou identificar e analisar os princípios e os procedimentos das

práticas formativas inovadoras presentes em Cursos de Licenciaturas da Universidade

Estadual Vale do Acaraú – UVA. A seleção das práticas ocorreu a partir do depoimento

dos alunos sobre a suas melhores aulas na universidade. Essa manifestação discente

ocorreu em um seminário dos cursos de licenciaturas da UVA realizado no inicio do

semestre de 2015.1. Para esse artigo elegemos dados coletados de dois professores,

mencionados no seminário, a saber: professor do curso de licenciatura em ciências

biológicas e educação física.

A pesquisa segue por meio de dois procedimentos metodológicos que se

complementam; o primeiro ocorre nas leituras desenvolvidas no Grupo de Estudos com

discussões sistemáticas acerca da temática, oferecendo suporte para a compreensão de

conceitos fundamentais ao aprofundamento teórico, tais como: inovação pedagógica,

pedagogia universitária e currículo. O segundo caminho corresponde à parte

operacional, que se apoia em entrevistas abertas junto aos professores responsáveis

pelas práticas consideradas inovadoras. A escolha dos sujeitos da pesquisa ocorreu dois

critérios: professores que foram citados pelos alunos como promotores de boas aulas e

que se aceitassem participar do estudo.

As experiências destacadas nesse texto dizem respeito a dois professores dos

cursos de biologia e educação física que veem protagonizando experiências de

aprendizagem consideradas inovadoras no contexto acadêmico. Por meio de suas

narrativas foi possível captar o desenvolvimento de suas práticas pedagógicas nos

cursos e o sentido inovador dado a elas.

Entendemos que o sentido inovador na universidade deva se sustentar numa

racionalidade pedagógica que se deixe contagiar por outros saberes além do científico,

que rompa com a hierarquia epistemológica, que democratize as decisões curriculares e

principalmente se autovigie e se reconheça como um complexo e contraditório sistema

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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de produção de emancipação e regulação social. Esse sentido de mudança não estará em

um projeto, mas nas próprias experiências institucionais. As experiências institucionais

pautadas nas novas formas de sociabilidades na universidade.

Inovação como epistemologias compartilhadas e contextualizadas na universidade

O entendimento de práticas inovadoras no processo de ensino-aprendizagem na

universidade de que tratamos nesse texto nos desafia a conceber o currículo

universitário como prática protagonista na relação de ensino-aprendizagem, como

produtor de rupturas com a racionalidade técnica instrumental e como espaço ecológico

de saberes.

Santos (1996) nos mostra a trajetória da modernidade identificada com a

trajetória do capitalismo onde o “pilar da regulação se fortaleceu a custa do pilar da

emancipação (p.277)”, provocando um desequilíbrio e um excesso de regulação em

ambos os pilares. Possibilitando, dessa forma, que a racionalidade cognitiva

instrumental da ciência e da técnica se desenvolvesse em detrimento das demais

racionalidades. Esse excesso de regulação transformou a ciência moderna numa

hegemonia das epistemologias positivas, cuja transformação teve fortes afinidades com

as forças produtivas.

Para o autor o conhecimento produzido pelo paradigma emergente tende a

superar a dicotomia entre as ciências naturais e as ciências sociais e promover uma nova

ordem científica sustentada pela valorização das racionalidades e subjetividades

produzidas nos diferentes espaços sociais.

Para Santos (1996) o diálogo entre o conhecimento produzido pela ciência e o

conhecimento produzido pelo senso comum possibilita uma reconfiguração dos saberes

da ciência e do senso comum, produzindo, assim, novas formas de conhecer e de viver.

A possibilidade da ciência “sensocomunizar-se” é o princípio de ruptura colocada pelo

paradigma ecológico.

O paradigma ecológico também, permite que o conhecimento seja produzido em

locais próprios de sua natureza, mas também esse conhecimento pode ser tomado como

exemplo em outras comunidades. O conhecimento tende a ser local e total ao mesmo

tempo.

Ora, se a própria ciência é multicultural, as formas de conhecimento

que estão aí também o são; o que é que preciso é determinar

efetivamente qual é esse padrão de multiculturalismo, se ele é

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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conservador, se é emancipatório, como é que ele pode ser utilizado ou

não. (SANTOS, 2003, p.17)

Na perspectiva de Santos (1996) a universidade encontra-se em uma

contradição básica sobre a função social: de um lado, a produção de alta cultura,

pensamento crítico e conhecimentos exemplares, científicos e humanísticos, necessários

à formação das elites de que a universidade se tinha ocupado desde a Idade Média

europeia. Do outro, a produção de padrões culturais médios e de conhecimentos

instrumentais, úteis na formação de mão de obra exigida pelo desenvolvimento

capitalista. Essa função contraditória levou o Estado e os agentes econômicos a procurar

fora da universidade meios alternativos de atingir objetivos deles.

A crise de legitimidade da universidade pode ser definida pelo questionamento

da sociedade em relação ao seu caráter democrático. A universidade que surgiu com a

intenção de formar uma elite, hoje se depara com a necessidade de criar alternativas que

possa responder as exigências dos grupos sociais excluídos. Ela tem uma multiplicidade

de funções: formação humanística e profissional, transmissão de conhecimento,

formação à elevação do nível cultural da sociedade e a resoluções de seus problemas

sociais. É nessa multiplicidade de funções que surge o conhecimento

“pluriuniversitário”.

O processo de reinvenção de novas sociabilidades na universidade requer do

docente a capacidade de inventar tudo, inclusive o ato de inventar-se. De compreender a

sociedade uma questão pessoal e sentir que está participando da criação de um novo

mundo, pois se está aplicando experiências e memórias individuais e coletivas num

contexto completamente novo. Criar diferentes formas de se comunicar e se relacionar

já que deve estar preparado para aceitar tudo e todos com seus diferentes interesses,

desejos, formas. Saber encontrar diferentes oportunidades para o enriquecimento mútuo,

possibilitando novas invenções de sociabilidade. Gerando diferentes formas de lutas

contra os poderes, promovendo múltiplas fontes de autoridade, poderes e direitos.

Como prática curricular inovadora e reinventiva a produção do conhecimento

na universidade seria contextual, resultado de uma pesquisa colaborativa, compartilhada

e interventiva, onde a problematização partiria interlocução entre pesquisadores e

protagonistas sociais em processo teórico metodológico da “ecologia de saberes”.

A ecologia dos saberes é um aprofundamento da pesquisa-ação. É algo que

implica um revolução epistemológica no seio da universidade e, como tal, não pode ser

decretada por lei. A reforma deve apenas criar espaços institucionais que facilitem e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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incentivem a sua ocorrência. A ecologia dos saberes é, por assim dizer, uma forma de

extensão ao contrário, de fora da universidade para dentro da universidade. Consiste na

promoção de diálogos entre o saber científico ou humanístico, que a universidade

produz, e saberes leigos, populares, tradicionais, provindos de culturas não ocidentais

(indígenas, africanas, orientais, etc.) que circulam na sociedade (SANTOS, 2008, p.53).

O princípio reinventivo do conhecimento produzido estaria na participação e

no protagonismo da prática docente em tencionar e recriar os caminhos percorridos para

a aproximação entre os grupos sociais e a universidade. Esses caminhos vão sendo

vislumbrados de acordo com os seus limites, de forma a produzir uma subjetividade

fronteiriça entre instituição e sociedade. O significado dessa subjetividade fronteiriça

potencializa a disputa epistemológica. Esse confronto epistemológico entre os diferentes

conhecimentos e saberes tenciona os princípios curriculares requerendo uma

organização mais aberta, flexível e heterogênea, menos hierárquica, colocando em causa

a relação entre ciência e sociedade.

Umas das principais metas das políticas educacionais no Brasil esta sendo o a

ampliação do acesso das classes sociais menos favorecidas ao ensino superior. Essas

políticas de ampliação e interiorização do ensino superior, assim como as das ações

afirmativas, estimularam o acesso de diferentes grupos sociais, tanto docentes como

discentes, à universidade, gerando uma atmosfera de multiplicidade relacional destes

grupos. A existência desta multiculturalidade tende a gerar novas sociabilidades nesse

campo social. Essas novas sociabilidades tornam-se desafiadoras para a docência

universitária à medida que esses grupos têm histórias, saberes e práticas individuais e

coletivas que se entrecruzam, enunciando uma ecologia de saberes.

Uma das importantes críticas às consequências da razão instrumental à

sociedade e ao conhecimento advém de Santos (2000) com o que ele denomina de

epistemologias do sul. Epistemologia é, de uma maneira geral, a teoria do conhecimento

ou filosofia do conhecimento, o ramo filosófico que se ocupa de pensar os problemas

que dizem respeito ao conhecimento (seus métodos, sua organização, sua procedência e

sua relação com uma realidade histórica, sua validade, seus limites, etc.).

A partir disso, podemos adiantar que a Epistemologia do Sul (SANTOS, 2000)

visa à recuperação dos saberes e práticas dos grupos sociais que, devido ao capitalismo

e aos processos coloniais, foram histórica e sociologicamente colocados na posição de

serem apenas objetos ou matéria-prima dos saberes dominantes (epistemologia do

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8186ISSN 2177-336X

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Norte), considerados durante séculos e séculos como os únicos válidos. Trata-se,

portanto, mais de um conjunto de epistemologias do que uma única epistemologia. Uma

diferença básica da epistemologia do Sul em relação à do Norte é a inclusão do máximo

de experiências de conhecimentos do mundo (incluindo, depois de reconfiguradas, as

próprias experiências de conhecimento do Norte).

Não se trata, portanto, de fortalecer o Sul numa postura combativa ao Norte;

muito pelo contrário, trata-se de subverter modos de entendimento do mundo em que

está implícita uma lógica binária, combativa, intolerante e com pretensões de

universalidade.

As epistemologias do sul passam a ser, então, o fortalecimento das

possibilidades emancipatórias das comunidades que visam alternativas de resistência ao

a hegemonia capitalista. O papel da universidade estaria em fortalecer essas

comunidades contaminando-se por suas epistemologias para produzir novos

conhecimentos e novas racionalidades.

O princípio inovador do conhecimento produzido estaria na participação e no

protagonismo da prática docente em tencionar e recriar os caminhos percorridos para a

aproximação entre os grupos sociais e a universidade. Esses caminhos vão sendo

vislumbrados de acordo com os seus limites, de forma a produzir uma subjetividade

fronteiriça entre instituição e sociedade. O significado dessa subjetividade fronteiriça

potencializa a disputa epistemológica. Esse confronto epistemológico entre os diferentes

conhecimentos e saberes tenciona os princípios curriculares requerendo uma

organização mais aberta, flexível e heterogênea, menos hierárquica, colocando em causa

a relação entre ciência e sociedade.

Portanto, eu penso que estas são mudanças que assinalam a tal transição

paradigmática. A transição paradigmática põe a questão do conhecimento e o

conhecimento põe a questão da aprendizagem e a aprendizagem põe a questão da escola

e põe a questão da educação. E, portanto, aqui se põe o problema de que na luta por um

novo senso comum, como é que esse novo senso comum pode começar a ser criado –

não ensinado, criado – nas escolas e a começar a ser criado nos educadores, nos

professores. (Santos, 2003, p.20)

A prática de pesquisa tem por função subordinar a racionalidade instrumental

aos valores éticos e morais das experiências sociais. O reconhecimento de outros

saberes e conhecimentos externos a universidade desafia o docente a buscar novas

formas de produção para um novo senso comum. A valorização das experiências sociais

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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potencializa a ruptura com a hierarquia de poder, presente nas relações de pesquisa,

ensino e extensão. A pesquisa significa a produção de um conhecimento que rompa com

as fronteiras curriculares e se recrie constantemente.

Princípios inovadores nas práticas formativas de professores na universidade

Apesar das dificuldades existentes na Universidade como a infraestrutura

precária, falta de transportes para as aulas de campo, laboratórios equipados e

climatizados, os professores dos cursos de licenciaturas estudadas afirmam que existem

condições para inovação pedagógica. E afirmam, ainda que, considerado o perfil

discente que se tem na UVA, a inovação pedagógica se torna necessária.

Aproximadamente 55% dos alunos da UVA pertencem aos cursos de

licenciaturas. Os alunos cursos de licenciaturas, 46% residem na zona rural e 95% são

egressos de escola pública e a média de renda é entre 1 a 3 salários mínimos. Nos

últimos 4 anos, mais da metade dos alunos das licenciaturas já teve experiência como

professor nas escolas municipais da região. Todos os alunos tem acesso à internet em

casa ou próximo a sua casa. 63% dos alunos das licenciaturas viajam 2 a 3 horas por dia

para irem e voltarem às aulas na universidade. Os professores entrevistados consideram

o aluno da UVA excepcional por originar-se de uma realidade social difícil que não

favorece uma aprendizagem mais tranquila. Por isso é necessário que os professores

criem novos mecanismos para ensinar, além da sala de aula e do livro.

Os professores entrevistados consideram suas práticas pedagógicas inovadoras,

apesar das dificuldades que precisam ser vencidas para melhor alcançar os seus

objetivos nas disciplinas. A inovação, no sentido das respostas dos professores, seria a

“busca de experiências de ensino que possam alcançar o interesse dos alunos mudando a

sua realidade para melhor” (Prof. Bio). Destacaram fortemente como categorias

significativas e constituintes dessas experiências, a relação positiva entre professor e

aluno e o estímulo à participação e ao protagonismo dos estudantes.

Agente tenta aproximar mais os alunos dos conteúdos, a gente tenta

motivar os alunos (...) eu acho assim, eu sinto quando o aluno está

motivado, eu sinto ele irá tá aprendendo, eu sinto quando ele acha um

saco aquela aula, então eu tento aproximar o conteúdo o quanto mais,

o aluno percebe. (Prof Bio)

Com relação ao que eu coloquei no meu coração como professor um

propósito nessa missão de ser professor eu acredito que o que faz o

aluno vir até seu professor é essa questão de mostrar o aluno que ele é

importante e capaz, só que muitas vezes isso parece que não é muito

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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claro para o aluno, então quando você começa a mostrar para o aluno

que isso é verdade e você valoriza tudo aquilo que ele fala, o que ele

manifesta. Isso rompe barreiras e ao romper essas barreiras o aluno se

sente a vontade para uma relação professor-aluno. (Prof.E.F).

Os respondentes nos relataram que não transmitem simplesmente conteúdos,

mas trabalham a motivação, pois acreditam que o aluno motivado desenvolverá suas

potencialidades. Como professores, investigam o que eles sabem sobre a disciplina e

suas expectativas, mostrando que eles têm potenciais que podem e devem ser

desenvolvidos.

Eu tento arranjar com... atrelar com os objetivos da disciplina, então

eu tento puxar pra juntar as duas coisas: os objetivos da disciplina e o

que eles estão querendo saber sobre aquele tema. Porque, em geral

quando eles vão fazer uma disciplina, eles vão, o quê? Com uma

expectativa, já esperam alguma coisa. (Prof Bio B)

Trabalhar a questão da motivação independente da disciplina que eu

esteja ministrando, eu acredito se o aluno pode ser motivado ele

poderá com certeza desenvolver potencialidades, então o que eu faço

procuro sempre que possível não transmitir conteúdos, mas mostrar

que eles fazem parte de uma realidade importante para a vida deles e

da sociedade e que eles têm potencias que podem e devem ser

desenvolvidos e que a disciplina é mais uma oportunidade é mais uma

etapa, uma oportunidade para que eles desenvolvam sues talentos,

suas potencialidades e sempre procuro mostrar de uma forma ou de

outra que eles são importante. (Prof. E.F)

A valorização dos saberes existentes é o ponto de partida para qualquer

experiência de aprendizagem. Portanto aprender, por ser uma experiência, só é possível

acontecer numa relação onde “cada saber só existe dentro de uma pluralidade de

saberes, nenhum deles pode compreender-se a si próprio sem se referir aos outros

saberes” (Santos, 2003).

Por meio das experiências relatadas pelos professores, entendemos que a sala

de aula é um espaço de reprodução, produção de novos conhecimentos e também de

inovação que contribui para a construção de teorias pedagógicas alternativas, através

das quais as práticas vivenciadas tornam-se a inspiração para a construção de novos

conhecimentos e que a disciplina é mais uma oportunidade e que tem a ver com a

realidade deles não é algo isolado, que não estão aprendendo simplesmente por causa da

necessidade curricular, mas que é possível de ser usado no seu dia a dia.

Geralmente, eu começo a disciplina fazendo uma análise dos

objetivos e mostrando que a disciplina tem a ver com a realidade

deles, não é uma coisa isolada da realidade que eles vivem. Eu

procuro mostrar que o que eles vão aprender não é uma coisa

simplesmente por causa da necessidade curricular. (Prof. Bio)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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É na aula de campo. Vai pro-campo, eles gostam mais porque

eles veem mais plantas que eles não prestavam atenção antes,

eles começam a... aí começa o interesse e começam a lembrar de

alguns conceitos, observam mais, lembram até algumas coisas

que a avó disse, que alguém... que tem na casa dele, na casa de

um vizinho.( Prof E.F)

Nos relatos dos professores identificamos uma ruptura com o estilo didático

habitual, suas aulas começam pela prática, saindo do convencional que é o conceito e

depois a prática. Eles afirmam que há um maior protagonismo dos alunos, porque são

motivados a lidar com o objeto de estudo, ou seja, com a prática eles ficam mais atentos

a aprendizagem; se dedicam mais e ao mesmo tempo vão agregando conteúdos à

medida que estão praticando. Tornando assim alunos mais propensos a criticidade e

tendo uma nova visão sobre aquela realidade.

Eu considero inovadora no sentido que eu penso que nós temos

dificuldades e fatores que precisam ser vencidos para melhor

alcançarmos nossos objetivos, então à inovação vem no sentido de

buscarmos soluções que possam alcançar o interesse do aluno,

inovação é tudo ou qualquer movimento, pensamento ou ação no

sentido de mudar a realidade para melhor... Eu não consigo conceber

Universidade, nem formação superior sem que isso traga uma mente

crítica, uma mente que possa construir e trazer soluções para a

sociedade. (Prof. Bio)

Agora eu fiz mesmo aqui no campus da Betânia, sai com eles

mostrando o tipo de caule, de folha, olha a variabilidade de folhas...

Aí depois a gente vai pro livro, porque eles acham ruim a

classificação. É muito minuciosa a classificação, são muitos nomes

que eles não conhecem. Eles reclamam muito dos nomes. Então eu fiz

o oposto a prática depois o conceito (Prof, E.F)

A racionalidade pedagógica que se configura nas práticas desses professores

apresenta princípios inovadores na medida em que o objetivo é inverter a lógica

tradicional de ensino na universidade que primeiro instrumentaliza com conceitos

teóricos para posteriormente dar o aluno o direito de vivencias experiências. Começar

uma disciplina envolvendo o aluno numa situação prática desafia o professor em seu

planejamento e desafia o aluno em sua capacidade técnica e intelectual.

Outro momento de protagonismo dos alunos é nas aulas de campo, considerada

de fundamental importância para contextualizar o que estão estudando no laboratório.

Na sala de aula e no campo eles têm contato direto com o objeto de estudo, assim eles

começam a ter uma curiosidade mais aguçada pelo próprio fato de estarem no ambiente.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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É porque eu já observei que quando os alunos são motivados a lidar

com os objetos de estudo, ou seja, se a gente traz a prática eles ficam

muito mais atentos, aprendizagem se torna mais participativa é aquilo

que nós costumamos dizer em pedagogia é uma assimilação ativa,

então eles se concentram mais, se dedicam mais e aos poucos vão

agregando conteúdos a medida que vão praticando. (Prof. Bio)

Eu achei que eles ficaram mais motivados para aprender os conceitos.

Foi mais fácil, como eu falei no começo, eles reclamam muito da

nomeclatura, então quando eu mostro a classificação que é uma

porção de nomes eles reclamam aí eu vou explicar porque tem várias

formas, eu não posso nomear da mesma formar.( Prof E.F)

Observamos nas falas dos professores elementos inovadores embrionários na

forma de condução de suas disciplinas, na relação que estabelecem com o conhecimento

disciplinar e nas relações interpessoais com seus alunos. Quando o professor preocupa-

se em valorizar os saberes produzidos pelas emergentes sociabilidades existentes no seu

curso abre-se caminho para uma experiência de aprendizagem transformadora. “O lugar

de enunciação da ecologia de saberes são todos os lugares onde o saber é convocado a

convertesse em experiência transformadora” (SANTOS, 2003).

A inovação requer uma ruptura necessária que permita reconfigurar o

conhecimento para além das regularidades propostas pela modernidade. Ela pressupõe,

pois, uma ruptura paradigmática e não apenas a inclusão de novidades, inclusive as

tecnológicas. Nesse sentido envolve uma mudança na forma de entender o

conhecimento. (Cunha, 2008, p.23).

Considerações Finais

Os procedimentos de ensino presentes nas experiências pedagógicas dos cursos

analisados apresentam dimensões inovadoras diferenciadas. Algumas incorporam novos

conhecimentos direcionados às necessidades dos alunos e diversificam e flexibilizam as

ações curriculares como evidenciamos nas práticas do curso de biologia, outras

articulam a pesquisa à ação pedagógica como na prática do professor de educação física.

Essas experiências revelam iniciativas inovadoras que na perspectiva

emancipadora, sinalizam o campo de possibilidades de progresso nos cursos de

licenciaturas da UVA, principalmente, quando apontam uma ação pedagógica

direcionando-se ao cultivo da motivação, autonomia, criticidade e criatividade como

atitudes interdependentes. Tais reflexões, nutrem a esperança de melhoria na qualidade

do ensino superior, cujo propósito possa realizar uma formação sólida, cidadã e

profissional.

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Encontramos aqui novos aspectos para entender-se a docência universitária,

valorizando-se mais a parceria e coparticipação entre professores e alunos e entre os

próprios alunos na dinâmica do processo de ensino, de aprendizagem e de comunicação

construindo novas formas de trabalho pedagógico e aproveitamento das atividades

escolares. Reforça-se, o papel do professor como educador responsável pela mediação

pedagógica, que estimule a aprendizagem do aluno como processo pessoal e grupal,

oriente seus trabalhos e discuta com ele suas dúvidas, seus problemas, incentivando a

avançar no processo do conhecimento. A pluralidade do saberes contextualizados dentro

e fora da sala de aula, a partilha e a gestão democrática desses saberes, a ruptura

epistemológica em beneficio de uma ecologia de saberes pontencializa um cenário de

aprendizagem técnica, humana e política na formação docente.

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8192ISSN 2177-336X

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O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FENOMENOLOGIA: CAMINHOS

PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

Arthur Vianna Ferreira – UERJ/FFP1

Resumo

Este artigo tem como objetivo relatar a utilização da corrente filosófica fenomenológica

como parte dos trabalhos desenvolvidos por alunos de estágios de observação em cursos

de licenciatura e os impactos deste trabalho coletivo no processo de formação inicial

docente. Os relatórios finais e os diários de observação foram produzidos a partir da

teoria filosófica de Edmund Husserl (1975) e da estrutura básica do método

fenomenológico de noema, noesis e redução eidética. Estes materiais foram produzidos

por duas turmas de estágio de observação para licenciaturas da Faculdade de Formação

de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP) no primeiro

semestre de 2015 e analisados como discursos epidícticos (ARISTOTELES, 1998)

segundo a retórica do discurso de Olivier Reboul (2004) e Perelman Chaïm (2002). Os

principais resultados desta experiência de estágio citados pelos alunos podem ser

organizados nas seguintes conclusões: a contribuição do estágio para a desconstrução do

papel da escola em uma função social distinta do „ser-discente‟; os novos tipos de

relacionamentos estabelecidos com seus futuros pares docentes; e, a possibilidade de

ressignificar a disciplina Estágio Supervisionado como momento de reflexão sobre as

práticas educativas. Estas realidades vividas pelos estagiários oportunizam enxergar a

escola como espaço de investigação das realidades educacionais segundo a

especificidade de suas licenciaturas. A utilização da fenomenologia como parte da

metodologia utilizada ao longo do estágio curricular facilita na organização da

experiência no campo escolar, da vivência com os sujeitos educacionais que compõem

este ambiente e da reflexão necessária para a organização da problematização do campo

educacional e da consciência da formação de sua identidade profissional como futuro

docente desde a sua primeira entrada no espaço escolar público.

Palavras-chaves: Estágio Curricular – Fenomenologia – Práticas investigativas na

educação

1. Introdução: a construção do estágio curricular nas licenciaturas.

Ao longo da organização da formação docente no século XX, as práticas de

estágio tiveram um caráter suplementar ao corpo disciplinar dos cursos, o que

evidenciou em uma constante dicotomia entre teoria e prática na formação docente

inicial. Assim, vivemos atualmente neste campo educacional os resquícios históricos de

1 Doutor em Educação: Psicologia da Educação pela PUCSP. Professor Adjunto de Didática e Estágio

Supervisionado da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(UERJ/FFP). Email: [email protected]; [email protected].

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8193ISSN 2177-336X

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uma prática de estágio que não favorecem – ou potencializam – aos alunos práticas

transformadoras que ajudem a propor novas definições sobre o trabalho docente e os

desafios impostos pela cultura contemporânea ao ambiente escolar para o qual se busca

formar os futuros licenciados.

De fato, a preocupação com prática escolar como formação de novos docentes

aparece nos anos de 1930. Conforme Fazenda (1991) esta realidade tem sua dimensão

ampliada com as Leis 1190 de 1939 e 9053 de 1946 que regulamentam a instituição do

curso de didática na habilitação do magistério de 2º grau. Assim, a prática de ensino –

ou estágio – passa ser a possibilidade do sujeito em formação em aplicar o que foi

aprendido na formação docente inicial nas salas de aulas com as crianças e adolescentes.

O estágio passa ser o local para simples aplicação de métodos e didáticas anteriormente

testados e aprovados pelo grupo de professores formadores. Este processo se assemelha

ao de reprodução de modelos e de continuidades de formas de ensino que não se

preocupam com as diferenças existentes nos ambientes educacionais. A padronização

do método e a rigorosidade na aplicação dos modelos de ensino previam o sucesso ou

não do exercício do magistério das séries iniciais. E o estágio atendia a estas demandas

formativas de aplicação destes modelos na formação dos futuros docentes.

Com a reforma universitária da segunda metade do século XX, as leis 5540 de

1968 e a 5692 de 1971 vislumbram outro olhar sobre a temática do estágio. Na verdade,

a disciplina estágio supervisionado surge como parte mínima do currículo das

licenciaturas oferecidas pelas universidades e pretendia, mesmo que atendendo ainda a

modelos de reprodução de técnicas e métodos já existentes, aproximar a realidade

escolar dos discentes universitários em formação docente inicial. Nas escolas normais,

esta prática poderia ser identificada em disciplinas como “Formação profissional:

métodos e processos de ensino”. Conforme Piconez (1991) ao mesmo tempo, embora

apareça neste período o espaço de disciplinas dedicadas ao estágio e práticas de ensino

nas licenciaturas, ainda era depositado na disciplina „didática geral‟ a responsabilidade

da aproximação da realidade das salas e colocando o estágio, novamente, como

observação das práticas estabelecidas nas escolas primárias.

Esta realidade regulada pela legislação educacional do inicio do século XX e,

consequentemente, vivida na formação docente em relação ao estágio trouxe

desdobramentos que fortaleceram a dicotomia do processo de teoria e prática vivida

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pelos sujeitos na formação docente ao longo de décadas no ensino brasileiro. A didática

continuou sozinha na condução das práticas de ensinos em uma nova modalidade

denominada como „Estágio Supervisionado‟ que se apresenta, por sua vez, cada vez

mais distante de um diálogo com os demais conteúdos do núcleo comum das disciplinas

de fundamentos da educação presente nos cursos de formação de professores.

Na verdade, a busca por um estágio supervisionado mais integrado com a

realidade educacional vivida pelos alunos em formação docente tem seu embasamento

na possibilidade de um diálogo entre as demandas socio-históricas atribuídas à escola e

os conteúdos pedagógicos organizados nos cursos de licenciatura para atender aos

desafios de ensino-aprendizagem dos conteúdos específicos do ensino fundamental e

médio na formação básica do sujeito na sociedade.

O estágio supervisionado deve levar o sujeito a entender que as teorias

pedagógicas que orientam as práticas dos professores atendem a um projeto político

pedagógico concreto e uma concepção de educação. Desta forma, descortina-se a

necessidade de uma „desnaturalização‟ de uma prática ideal que nos fará excelentes

professores de português, matemática, ciências ou qualquer outra disciplina específica.

Para que isto ocorra, a problematização do campo educacional realizada pelo aluno em

seu processo de estágio é algo que deve ser conduzido pelo seu professor supervisor de

estágio. Ao questionar-se sobre as diferentes práticas e métodos desenvolvidas pelas

diferentes disciplinas que compõem o ensino fundamental, o estágio favorece a

sistematização coletiva de novos conhecimentos e prepara o professor a compreender as

estruturas de ensino e suas práticas transformadoras existentes no campo de estágio.

Esta reflexão terá sentido quando orientadas pelos professores de estágio à uma reflexão

fundamentada sobre o ensino, a política e a formas de relacionamento social

estabelecidas pela educação.

Outro ponto importante a ressaltar é que a prática do estágio deve levar a um

sentido do „provisório‟, ou seja, que as práticas devem se configurar para atender as

demandas históricas e sociais dos grupos envolvidos na educação. A consciência das

representações de vivências constituídas coletivas e socialmente ao longo da história

escolar dos estagiários auxilia nas mudanças de seu „ser-estar‟ neste ambiente

socioeducacional. Segundo Fazenda (1991), o estágio pode resgatar o sentido social e

anti-hegemônico das ações humanas, levando às consciências das finalidades da

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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educação e dos meios para a efetivação das atividades profissionais dos professores no

cotidiano dos grupos sociais existentes na escola.

Conforme Pimenta (2010) faz-se necessário levantar alguns pontos importantes

da relação estágio e didática que devem ser levados em consideração pelos professores

de estágio supervisionado na organização de suas atividades com seus alunos e seus

campos de atuação escolar, assim como os estagiários para o desempenho das práticas

de estágio buscando fugir da dicotomia entre teoria e prática existentes nos cursos de

formação de professores em qualquer licenciatura.

1. A prática de estágio pertence ao currículo de formação docente e não é tarefa

exclusiva da didática: o estágio deve estar situado no projeto político pedagógico do

curso e deve buscar articulares os outros fundamentos da educação necessários para a

formação dos indivíduos;

2. A elaboração do projeto de estágio precisa ser construído de maneira ampla

por todo o corpo docente: a sua organização deve levar em consideração os docentes do

curso, os professores da disciplina e os supervisores pedagógicos desta atividade de

formação profissional.

3. A prática de estágio, assim como a didática, não pode ser responsabilizada

pela qualificação integral do aluno: a formação é composta de elementos de formação

que abrange a vida acadêmica e social do indivíduo como um todo. Desta forma, tanto a

didática quanto as outras disciplinas de fundamentos da educação estão contextualizadas

na vida acadêmica dos alunos e os diversos elementos da sua formação integral como

profissional da educação.

4. A prática de estágio precisa ampliar sua caracterização política,

epistemológica e profissional: o estágio deve apenas sair da dicotomia teoria e prática,

mas se „encarnar‟ na realidade política e social em que se encontra a escola e os alunos.

Ou seja, as escolhas epistemológicas de atuação do indivíduo não vão apenas conduzir

os seus saberes e práticas profissionais ao longo da sua formação inicial e continuada

(TARDIFF, 2002), mas também constituirá elementos importantes para a negociação de

seus processos identitários que se iniciam desde sua formação inicial e que o incluirão

no grupo profissional enquanto docente em uma determinada licenciatura. (DUBAR,

2006)

Enfim, levando em consideração estas reflexões iniciais sobre o estágio

curricular e a superação entre a teoria e prática, foi proposta a duas turmas de estágio

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8196ISSN 2177-336X

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supervisionado na faculdade de formação de professores da Universidade do Estado do

Rio de Janeiro, a proposta de organizarem o estágio I de observação comum a todas as

licenciaturas, atividades de observação e vivências do campo de estágio que

originassem práticas investigativas e problematizadoras da realidade do estágio. Para

tanto, eles foram orientados a utilizar, nos distintos momentos do estágio, a filosofia

fenomenológica de Edmund Husserl como método de compreensão e questionamento

da realidade escolar. Ao final desta curta experiência, os estagiários esboçaram um

mini-projeto de pesquisa em uma determinada área vivenciada ao longo da realização e

da participação das atividades do estágio junto aos pares específicos das licenciaturas as

quais eles encontram em período de formação inicial.

2. As atividades do estágio de observação e a fenomenologia de Edmund Husserl

As práticas de estágio foram desenvolvidas na escola pública Cel. João Tarcisio

Bueno localizada no município de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro.

A escola, localizada no bairro do Patronato, está em uma região empobrecida da cidade

e se encontra próximo a um subaglomerado urbano denominado “morro do feijão”. As

turmas de estágio, compostas no máximo por 15 alunos, desenvolveram as suas

atividades no período noturno com as turmas de Educação de Jovens e Adultos, que no

sistema estadual do Rio de Janeiro é conhecido pela terminologia NEJA (Novo ensino

de jovens e adultos) possuindo material e metodologia próprio de funcionamento.

A ferramenta utilizada para a organização de todas as atividades propostas para

o estágio foi baseada no pensamento filosófico de Edmund Husserl e nos elementos

básicos da fenomenologia. O filosofo alemão Edmund Husserl (1859-1938) buscando

romper com a orientação positivista da sua época propôs um método filosófico de

conhecimento da realidade baseado no empirismo que levasse o sujeito a conhecer, a

partir da experiência das realidades e assuntos concretos vividos pelos sujeitos, à

essência das coisas de forma consciente.

Para Husserl, as coisas em si são levadas a nossa consciência a partir da forma

com a qual se manifesta para nós. O fenômeno seria esta apresentação da realidade aos

sujeitos situada na sua experiência tanto imanente quanto transcendente ao próprio

sujeito e a realidade a ser conhecida. Assim sendo, a experiência que fazemos da

realidade se constitui em nós não somente a forma como conhecemos o mundo, mas

como nos movimentaremos nele.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8197ISSN 2177-336X

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Por esta realidade humana de conhecimento não da realidade em si, mas de

como ela se apresenta, ou seja, o seu fenômeno, a experiência deve ser reorganizada em

nós para que possamos capturar a essência dos fatos que se apresentam para nós. Ou

seja, a fenomenologia para Husserl não busca descrever as vivências factuais, mas a

essência das vivências, que permanecem singulares e concretas em cada uma das

pessoas no processo de conhecimento do mundo. Para este processo de compreensão da

realidade como um fenômeno que traz em si uma essência maior que a própria

existência com a qual o objeto se apresenta para os indivíduos, ele propõem três

movimentos de pensamento reflexivo fundamental para a consciência das experiências

dos sujeitos no mundo concreto: o noema, a noese e a redução ou variação eidética.

O noema é o aspecto objetivo da vivência, ou seja, a descrição da realidade tal

qual ela pode ser entendida e captada pelos sentidos da pessoa, levando em

consideração o seu tempo, espaço e história pessoal e social. É o lado possível da

consciência do indivíduo diante do objeto (fenômeno) como ele se apresenta para ele.

Em nosso caso, um estagiário que observa a uma aula de matemática faria uma

descrição, a mais detalhada possível, sobre o que está acontecendo no momento de sua

experiência. Para isto, ele deveria prestar a atenção em todos os seus sentidos para ser

capaz de descrever de maneira mais imparcial possível a realidade, buscando não

envolver outros elementos a não ser àqueles que estão sendo captados pelos seus

sentidos.

O noese corresponde ao aspecto subjetivo da vivência, constituído por todos os

atos de compreensão que visam apreender o objeto (fenômeno) vivido, tais como

perceber, lembrar, sentir, entre outros. Assim sendo, o noese é a parte da vivência da

realidade apresentada na qual o sujeito poderá descrever as suas impressões,

sentimentos e outros elementos que a vivência desta realidade proporcionou a ele. O

noese tem a ver com o corpo do indivíduo diante o fenômeno, possibilitando o sujeito a

entrar em contato com os sentimentos suscitado pelo fenômeno e/ou nomear os afetos

provocados pela experiência e que fazem parte da construção do conhecimento da

realidade. No exemplo tomado no campo de estágio, a noese da observação de uma aula

fará com que os estagiários façam conexões com sentimentos e percepções da realidade

com aquilo que eles trazem dentro de si (suas representações, valores, ideais) e que

serão expressos através de suas posturas como futuros professores diante da experiência

de sala de aula. A observação dos sentimentos, e de como o sujeito reage frente ao

fenômeno, também fazem parte da sua experiência. E estes devem ser filtrados e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8198ISSN 2177-336X

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reconhecidos por estes para que o sujeito da experiência não os confunda com a

essência do próprio fenômeno.

A redução ou variação eidética (em grego, „eidos‟, „oxéa‟, entendido como

„ideia‟, „forma‟, „visto‟) é o processo pelo qual podemos levar a nossa consciência todas

as variações ou formas possíveis que o objeto (fenômeno) é suscetível a sofrer. Assim

sendo, o sujeito é convidado a imaginar as diferentes formas a serem vivenciadas pelos

outros que compartilhar deste mesmo fenômeno. Nesta parte do processo reflexivo, o

estagiário poderia ver o fenômeno „aula de matemática‟ a partir dos lugares vividos

pelos outros sujeitos que compartilham da mesma realidade dele. Esta reflexão sobre

outros olhares sobre o mesmo objeto (no caso, alunos e professor que está participando

da observação do estagiário) promove a comparação das diferenças existentes em toda a

composição da realidade vivida no ambiente escolar, levando o sujeito a pensar o que

realmente se apresenta como a essência do objeto e aquilo que é periférico e provisório

da realidade que está sendo vivida, e, portanto, podendo ser modificado e transformado

por uma nova prática educativa.

O método fenomenológico se apresenta como uma possibilidade de pensar as

atividades de observação do estágio de uma forma mais reflexiva e potencializadora de

práticas investigativas a respeito do ambiente escolar. Os recursos filosóficos do noema

e noeses na estrutura filosófica de Husserl também pode ser chamada de epoché

(Husserl ,1975). A sua característica principal é interromper o curso natural de nossos

pensamentos habituais e de nossas ações mais cotidianas, de modo a motivar a

conversão do olhar. Assim sendo, o exercício proposto por estas duas estruturas de

pensamento ajudam os alunos a saírem do senso comum vivido por eles como alunos ao

longo de sua trajetória escolar. A epoché proporciona a criação de novas experiências

reflexivas sobre a escola e suas partes constitutivas que servirão de base para a

constituição de sua formação identitário inicial como futuros docentes.

A redução ou variação eidética, pedra angular do pensamento do método

fenomenológico, surge após o exercício da epoché e leva àquele que pensa o estatuto do

transcendental fundamental para o exercício filosófico. Ao se colocar no lugar dos

outros que participam da experiência dos fenômenos factuais vividos no campo de

estágio o aluno chega a um nível de consciência importante para tomadas de decisões

sobre a realidade. É a tentativa de outra „epoché‟ porém no lugar daqueles que partilham

com ele o fenômeno, dando subsídios para que eles possam se comprometer – ou não –

com a realidade educacional e buscar meios para novas práticas educacionais e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8199ISSN 2177-336X

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posicionamentos políticos educacionais que atendam a essência da coisa em si

apresentada a partir do fenômeno escolar.

Tanto o epoché quanto a redução eidética capacitam o sujeito a uma conversão

reflexiva como aponta o próprio Husserl. Para ele, o „ato reflexivo é um gesto de

conversão do olhar‟ (Husserl, 1975, p.145). A conversão, ou convertere, remete a esse

gesto de se voltar para si desviando-se do mundo. De fato, a reflexão como conversão

descreve a consciência operando uma volta sobre ela mesma. O mundo não é exterior a

mim mesmo e independente do meu modo de ser. Ele possui um sentido para mim e,

mais que do que isto, ele me é dado em seu sentido antes que em seu ser. Assim, para

Husserl, o ser do mundo reside em seu sentido para os que fazem a sua experiência

como fenômeno.

A experiência do estagio deve promover nos alunos este movimento, pois é a

partir desta „conversão do olhar sobre a escola‟ que os estagiários poderão

problematizá-la a ponto de que ela ganhe novo sentido para o seu futuro „ser-professor‟.

O relatório final como um esboço de pré-projeto de investigação sobre a escola cumpre

este papel de forçá-los a esta reflexão que não se fecha sobre si embora „dobra-se‟ sobre

as suas próprias experiências, Assim, o estagiário busca na essência do fenômeno que é

a escola e seus desafios concretos e pontuais, os elementos fundamentais da sua

formação identitária e inicial docente.

Enfim, o método fenomenológico Husserliano é uma proposta para encararmos o

mundo como se fosse pela primeira vez. A sedimentação conceitual que acumulamos ao

longo da vida e as representações que organizamos socialmente sobre a realidade podem

obscurecer nossa maneira de apreender as coisas. Segundo Depraz (2011) o método

redutivo fenomenológico e suas consequências buscam considerar a realidade de outra

maneira a partir da experiência que ativa a consciência do ser em relação aos

fenômenos. Neste caso, a experiência é a modificação de nossa relação com aquilo que

nos cerca, ou até mesmo, da nossa relação conosco. Dando sentido a nossa percepção do

fazer educativo a partir dos fenômenos no campo de estágio, descobre-se a vivência,

isto é, aquilo que o fenômeno representa para o estagiário em um plano cognitivo e

emocional. Na verdade, diante de todos os encontros factuais que compõe a realidade se

aloja a essência das coisas ou conforme nos propõe o método fenomenológico „a

qualidade única de verdade do mundo‟. (cf. DEPRAZ, 2011, p.38)

A partir desta reflexão fenomenológica realizada com os alunos nos encontros de

supervisão de estágio ao longo do semestre, os alunos foram orientados a participar das

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8200ISSN 2177-336X

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atividades existentes na escola, desde as aulas até os projetos de extensão existentes no

ambiente escolar, sempre buscando uma integração maior com os professores de suas

disciplinas específicas, uma vez que as turmas eram formadas por alunos de distintos

cursos de licenciatura (Letras, História e Matemática). Ao longo do semestre os alunos

deveriam produzir três materiais a serem entregues no final do semestre letivo: Controle

de atividades, o diário de observação fenomenológico e um relatório final investigativo.

O controle de atividades era um material de registro de todas as atividades

realizadas ao longo do semestre pelo aluno. Ele não serviria apenas para o controle de

presença dos alunos na instituição, mas também com um „mapa geral‟ de todas as

atividades desenvolvidas pelos alunos e que os possibilitaram a problematizar o seu

campo de estágio ao longo do semestre.

O diário de observação foi construído a partir da abordagem específica da

filosofia fenomenológica de Husserl onde todas as etapas tiveram que ser organizadas a

partir do noema, noeses e redução eidética dos fenômenos do campo de estágio. Os

alunos deveriam desenvolver 4 observações chaves que seriam a base fundamental para

justificar a escolha da problematização a ser organizada ao longo do estágio. Os quatros

pontos principais de observação chaves desenvolvidas a partir da leitura

fenomenológica estudadas pelos alunos em sala de aula e colocada em prática nos

campo de estágio foram:

A – Observação do ambiente escolar: Nesta prática os alunos não apenas

deveriam observar os espaços, mas também interagir com eles ao longo do semestre. A

participação dos alunos nas aulas, nos intervalos, atividades de biblioteca e outras

atividades existentes na escolar trariam o material necessário para que eles pudessem

produzir os conteúdos pedidos pela metodologia da fenomenologia. Neste mesmo

processo, foi pedido que ampliassem a visão destes alunos com visitas a comunidade e

outros espaços que estão em contato direto com o ambiente escolar como hospitais,

associação de moradores e delegacias e outras instituições sociais que estabelecem

relacionamento com a escola.

B – Observação das aulas: Participando de algumas aulas junto aos alunos e

dialogando com seus pares de licenciaturas no ensino fundamental, o aluno

estabeleceria outro vinculo diferente do que foi acostumado a exercer ao longo de sua

vida como discente. O „ser-estagiário‟ é uma identidade provisória importante na

formação docente inicial e deve ser trabalhada para que ela seja uma base fundamental

para ancoragem de novas representações sobre as práticas escolares e relacionamentos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8201ISSN 2177-336X

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sócio-educativos a serem estabelecidos ao longo da atividade enquanto futuros

docentes.

C – Diálogos com os sujeitos escolares: Nesta atividade, que foi desenvolvida ao

longo do semestre, os alunos tentaram estabelecer relacionamentos e conversas com

todos os envolvidos no espaço escolar: diretores, coordenadores, técnicos da educação,

professores, alunos e pais, caso possível. A intenção não era realizar entrevistas, mas

que os alunos construíssem um canal de comunicação com os sujeitos escolares ao

longo do semestre e que fossem encontrando espaço a partir de relacionamentos e

possíveis parcerias que os comprometessem com a realidade escolar e suas

necessidades.

D – Experiência em atividades extracurriculares e/ou educação não-formal: No

processo de observação e vivência educacional foi pedido para que os alunos pudessem

realizar a vivência e observação de práticas educacionais que fossem foco dos

conteúdos do currículo escolar, porém que não se apresentassem nos formatos formais

de aprendizagem de sala de aula. Atividades como projetos de extensão escolar,

atividades de contraturno, instituições parceiras e/ou ONGs, museus e entre outros,

foram vivenciados no estágio como compreensão de ampliação da atuação e articulação

dos saberes disciplinares escolares com as diversas realidades vividas pelos alunos e

pela escola em relação ao seu entorno social.

Conforme mencionado, cada uma destas áreas de Observação recebeu o

tratamento da metodologia fenomenológica, exigindo dos alunos uma reflexão vivencial

do noema, noeses e redução/variação eidética do fenômeno observado no campo de

estágio, assim como o difícil exercício de expressar de forma escrita e sistemática, cada

uma das experiências vividas pelos sujeitos. A aplicação deste método fenomenológico

não pode ser desenvolvida em uma simples observação no campo de estágio. Ao

contrário, para que o sujeito possa entender o fenômeno escolar, ele deve querer se

envolver com as realidades apresentadas a eles no campo de estágio de forma

sistemática. Somente assim ele poderá, diante de cada uma das áreas temáticas pedidas,

desmembrar as realidades observadas, refletir de forma consciente e racional sobre as

possibilidades de observações/vivências sobre a mesma realidade e a reconstrução dos

conceitos vividos e novos relacionamentos a serem estabelecido com a mesma realidade

educacional.

A intenção deste processo sistemático de construção e desconstrução do objeto

vivido no estágio é potencializar os estagiário saíssem do senso comum sobre escola

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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para uma construção de uma nova forma identitária que prepara o indivíduo para

escolhas políticas e sociais importante sobre o seu futuro „ser-docente‟. Além disto,

auxilia na criação de um espírito reflexivo-crítico sobre as realidades educacionais que

instiga a criatividade para que possam transforma o campo de estágio em futuras e

possíveis áreas de investigação na área da educação (cf. Pimenta, 2010).

A partir das realidades expostas, surge a terceira atividade que é o relatório final

investigativo organizado a partir do controle de atividades e do diário de observação.

Este será constituído de um esboço de um pré-projeto de possível investigação em

alguma área vivida e observada ao longo do estágio e que necessita de um

aprofundamento teórico. O objetivo é que o aluno saia do estágio de observação com

uma vivência escolar diferenciada do seu período como discente e com a capacidade de

pensar a escola de forma racional, buscando articular, a partir dos fundamentos da

educação estudados ao longo da sua formação docente, possibilidades de

aprofundamento sobre os problemas reais e sociais vividos em seu campo de estágios

alunos tiveram que construir uma questão norteadora, objetivos gerais e específicos,

relevância e justificativa sobre a importância desta possível pesquisa para a escola e

seus sujeitos. Também foi pedido para que os alunos realizassem uma autoavaliação que

abrangesse três pontos importantes: um pequeno memorial de sua vivência escolar no

ensino médio e as motivações para a escolha do curso de licenciatura; a experiência de

realização do estágio de observação e as projeções para as próximas práticas de ensino

nos estágios subsequentes.

3. Os resultados e as contribuições da fenomenologia no campo de estágio para

licenciaturas.

Após entendermos a metodologia utilizada para a organização das aulas de

estágio de observação em licenciatura, faz-se importante trazer alguns resultados desta

prática de estágio de observação. Para alcançarmos estes resultados foram analisados os

„noeses‟ recolhidos dos diários de observação e a „conversão reflexiva‟ expressa no

relatório final a partir da problematização do campo de estágio e da autoavaliação. A

análise desde material foi realizada a partir da a retórica do discurso de Olivier Reboul

(2004) e Perelman Chaïm (2002), priorizando o campo metafórico do discurso como

constituinte de sentidos para os discursos epidicticos (cf. ARISTOTELES, 1998) dos

estagiários.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8203ISSN 2177-336X

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Entre duas turmas de estágio de observação podemos inferir três categorias

figurativas comuns nos discursos dos estagiários de diferentes licenciaturas: a

desconstrução da ideia de escola; a relação com seus futuros pares profissionais e a

escola como espaço de reflexão da realidade.

As metáforas existentes na categoria figurativa „desconstrução da ideia de

escola‟ procuram mostrar que a relação vivida pelo aluno no campo de estágio o coloca

em uma posição diferente da que ele vem ocupando ao longo de sua vida acadêmica. A

palavra “tempo” ganha um sentido metafórico que se repete muitas vezes ao longo dos

diferentes noeses dos estagiários, mostrando que algo diferente está em processo de

mudança dos sentidos de escola que traziam em sua formação.

“Não é mais como no meu tempo. Senti-me deslocado quando do meu lado

um aluno pegou o celular e entrou no facebook. A professora não disse nada,

mas eu fique incomodada. O que estava sendo falado não era importante para

ele. O que ele está fazendo na escola?” (Noese 1)

“A escola mudou.. O sinal toca e ninguém se mexe no pátio até a inspetora

voltar. No meu tempo era diferente. A inspetora deu uma bronca neles

(...)Senti vergonha por eles.” (Noese 7)

“No estágio pensei que ia encontrar algo parecido com a minha antiga

escola, pois moro perto daqui. Mas não foi isso. O tempo é outro e as

pessoas também. Pensei como seria ser professor nesta escola e com estes

alunos de matemática e acredito que seria um desafio” (Autoavaliação 5.)

Infere-se que a metáfora „tempo‟ está relacionada a uma relação do estagiário

com a sua representação de escola construída ao longo de sua formação fundamental e

média. Assim, o campo de estágio proporcionou que ele pudesse repensar seus

conceitos sobre „escola‟ e perceber que ela está em um tempo histórico bem diferente do

que foi vivido por ele e que os seus novos sujeitos exigem novas posturas enquanto

futuros profissionais.

Da mesma forma, os estagiários buscam um novo posicionamento frente aos

professores que agora partilham com elas as alegrias e as dificuldades do trabalho

pedagógico como podemos ver nestes noeses e redução eidética retirados dos diálogos

com os professores.

“A professora de português se encontrou comigo no intervalo. Parece que

não estava muito a fim de muito papo. Eu me senti constrangida e com sua

postura. Ela respondeu as perguntas que foram feitas. Depois da conversa

acho que entendi a sua postura (...) senti ela cansada, pois tudo acaba

sobrando para o professor na escola.” (Noeses 2)

“O professor estava bem falante e bem iluminado com as respostas que

dava. Parecia que estava bem feliz em responder as minhas perguntas. Não

gaguejou em responder nada. Eu gostaria de ser assim. Parecia que tinha

todas as respostas para o que eu fazia e me animou a ser um professor de

história como ele.” (redução eidética 1)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8204ISSN 2177-336X

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“Ele me encontrou depois da aula de física e a conversa foi rápida. Eu

consegui gravar tudo o que ele disse, porém ele não me disse muito. Estava

desanimado, mas não da aula, mas de todo o resto. Ele me perguntou por

que eu fazia matemática mesmo sabendo que os alunos são do jeito que eu

tinha visto. Fiquei pensativa sobre tudo isto.” (Noeses5)

Três tipos de figuras metafóricas transitam nesta categoria: O professor

indiferente com a presença do aluno (noeses 2), o que serve como modelo para o aluno

(redução eidética 1) e o que questiona a entrada do aluno no campo educacional

(Noeses5). Estes discursos variam ao longo dos relatórios e diários, porém caracterizam

a vivência destes alunos com seus futuros pares e possibilitam uma „conversão

reflexiva‟ fundamental para a proposta de práticas investigativas.

Da mesma forma, outras metáforas do discurso formam categorias sobre a escola

e sua possibilidade de investigação, oriunda desta experiência e reflexão sobre as

diversas nuances do campo de estágio como fenômeno do processo formativo do

indivíduo. Veja nestas autoavaliações e noeses abaixo:

“A escolha do tema sobre acessibilidade foi algo que achei importante na

observação da escola. É necessário que as pessoas se locomovam e que ela

possa transitar na escola. A escola não pode ser cega a esta realidade e a

nenhuma outra, pois como cobrar dos alunos depois se ela não oferece o

mínimo?” (Noeses 3)

“Como aluno nunca pensei que poderia propor algo para a escola. Mas o

estágio me ajudou a entender que eu vou ser parte da escola também para

que ela funcione.” (Autoavaliação3)

“O estágio foi difícil não pela escola, mas por que a gente teve que pensar e

escrever o que acontece na escola. O mais difícil foi fazer a

problematização, pois tinha muita coisa errada na escola. Com os meus

colegas e com as orientações eu acho que consegui e por isto acho que fiz

um bom estágio.” (autoavaliação 5)

As figuras mostram que os alunos vão se identificando com a escola ao longo do

processo do estágio de forma diferente a do antigo „ser-discente‟ (autoavaliação 3) e que

a problematização por mais que seja difícil cria no aluno esta conversão reflexiva que o

possibilita a posicionamentos políticos frente a realidade (Noeses 3). Esta reflexão, por

mais difícil que pareça nos leva a novas relações-em-si com a realidade de forma crítica

com respeito ao espaço escolar e a sua autoformação. (autoavaliação5).

Enfim, este artigo mostra algumas possibilidades de superar a dicotomia teoria e

prática muitas vezes presentes na disciplina estágio de observação em licenciatura. As

estruturas filosóficas da fenomenologia de Husserl (1975) se apresentam como

metodologia para retirar os alunos da passividade da observação do ambiente escolar

buscando inseri-lo em uma reflexão sobre a sua „primeira‟ experiência na escola como

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8205ISSN 2177-336X

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estagiário. Ao mesmo tempo, propõe subsídios para que ele possa problematizar o seu

período de experiência a partir de futuros projetos de investigação sobre o ambiente

escolar.

De fato, o maior impacto desta vivência de estágio curricular é a possibilidade

de pensar a escola de maneira dinâmica, onde o aluno consegue sair do senso comum de

escola como „local de transmissão de conhecimento‟ para a produção de novos tipos de

relacionamentos educacionais que articulam o conhecimento com a realidade social,

histórica e política. Desconstruir as representações de escola, pensar os relacionamentos

com seus futuros pares e construir uma nova identidade profissional a partir de uma

reflexão a partir de seu campo de estágio são resultados possíveis e importantes para

que o estágio supervisionado se transforme uma disciplina fundante na formação inicial

do docente em qualquer licenciatura.

Referências

ARISTOTELES. Arte Poética e Arte Retórica. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.

DEPRAZ, Natalie. Compreender Husserl. Petrópolis: Vozes, 2011.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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