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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO
PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
MESTRADO EM DIREITO
JOSÉ FERNANDES MARIZ
PERSPECTIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM FACE DA AFIRMAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Recife
2017
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JOSÉ FERNANDES MARIZ
PERSPECTIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM FACE DA AFIRMAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Roberto Wanderley Nogueira
Recife
2017
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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada à fonte.
Ficha Catalográfica
Serviço da Biblioteca e Documentação
JOSÉ FERNAES MARIZ
M343p Mariz, José Fernandes Perspectiva da administração pública em face da afirmação
de direitos fundamentais / José Fernandes Mariz ; orientador Roberto Wanderley Nogueira, 2017.
146 f. : il. Dissertação (Mestrado) - Universidade Católica de Pernambuco.
Pró-reitoria Acadêmica. Coordenação Geral de Pós-graduação. Mestrado em Direito, 2017.
1. Direitos humanos. 2. Direitos fundamentais. 3. Administração Pública. I. Título.
CDU 342.7
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Perspectiva da administração pública em face da afirmação de direitos fundamentais
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco para a obtenção do título de Mestre em Direito.
Aprovado em: _______________________
Banca Examinadora:
___________________________________________________________________
Presidente e Orientador: Prof. Dr. Roberto Wanderley Nogueira (UNICAP)
___________________________________________________________________
Examinador Interno: Prof. Dr. Sergio Torres Teixeira (UNICAP)
___________________________________________________________________
Examinador Externo: Prof. Dr. Walber Moura Agra (UFPE)
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Dedico o presente trabalho
A minha mãe, FRANCISCA FERNANDES MARIZ, a minha esposa,
ERYKA ALBUQUERQUE MARIZ, aos meus filhos JÉSSICA BARROS
MARIZ, ALEXANDRE JOSÉ BARROS MARIZ, LETÍCIA ALBUQUERQUE
MARIZ e LOUISE ALBUQUERQUE MARIZ, que se privaram da minha
convivência e dos meus dias de lazer, em prol do desenvolvimento deste
trabalho.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço sobremaneira aos professores integrantes deste programa de Mestrado,
pela fundamental colaboração com a minha formação acadêmica e especialmente
ao Professor Dr. Roberto Wanderley Nogueira pela cordialidade e afetividade em
assinalar os pontos cardeais deste trabalho.
Ao Dr. Walber Moura Agra, conterrâneo admirável, pelas judiciosas lições
doutrinárias de vanguarda que adornaram esta dissertação.
A minha amada esposa Eryka Waleska Albuquerque Mariz, pela colaboração em
justificar a minha ausência em casa para me dedicar a produção desse trabalho,
pela afinidade ideológica e pela dedicação exclusiva as minhas filhas Leticia
Albuquerque Mariz e Louise Albuquerque Mariz.
Aos meus filhos amados Alexandre José Barros Mariz e Jéssica Barros Mariz pela
compreensão das lacunas afetivas que eventualmente eu tenha lhes dispensado.
Ao filho do meu filho, José Fernandes Mariz Neto, que, ainda no ventre materno, me
deu esperança da imortalidade.
A minha mãe Francisca Fernandes Mariz de onde extrai as mais virtuosas lições de
vida, de firmeza de caráter, garra e de enfretamento da vida sem medo.
Aos meus irmãos Bertúcio Fernandes Mariz, Thompson Fernandes Mariz, Bertolúcia
Mariz de Melo, Gisélia Mariz Simões, Isaac Mariz Filho, Francisco Steferson
Fernandes Mariz, Fátima Marques Mariz pelas suas sempre presente solidariedade
em todas as fases da minha vida.
As minhas irmãs falecidas Silvia Fernandes Mariz e Aluska Fernandes Mariz pela
felicidade de suas imorredouras lembranças.
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RESUMO
A evolução histórica da ciência jurídica passou, primeiramente, pela substituição do paradigma jusnaturalista ao modelo positivista. Posteriormente, a suplantação do positivismo pelo paradigma pós-positivista, que trouxe como tema central a busca pela afirmação dos direitos humanos e fundamentais. Referida busca por efetivação dos direitos sociais, tendo como protagonista o Poder Judiciário, sob a égide do ativismo judicial, trouxe uma série de dilemas para a administração pública. Impossibilitado de prover, na integralidade, a extensa gama de direitos constitucionalmente reconhecidos, o administrador público viu-se em uma verdadeira quimera. Desta feita, concluímos a presente discussão focando na Teoria da Reserva do Possível e seu preponderante papel na solução desta problemática.
Palavras-Chave: Administração Pública. Direitos Humanos e Fundamentais. Efetividade. Ativismo Judicial. Reserva do Possível.
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ABSTRACT
The historical development of legal science has, first, passed by replacing the natural law paradigm with the positivist model. Subsequently, the supplanting of positivism by post-positivist paradigm brought as a central theme the search for affirmation of human and fundamental rights. Said search for realization of social rights, with the protagonist the Judiciary, under the aegis of judicial activism, brought a number of dilemmas for public administration. Unable to provide, in full, the extensive range of constitutionally recognized rights, the public administrator found himself in a true chimera. This time, we conclude this discussion by focusing on the possible reserve theory and its key role in solving this problem.
Keywords: Public Administration. Human and Fundamental Rights. Effectiveness. Judicial Activism. Possible Reserve.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 – A IMPLOSÃO DO LEGALISMO JURIDICO E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS .............................................................................................. 14
1.1 AS BASES DO DIREITO: O JUSNATURALISMO ...................................................... 14
1.2. DIFERENÇA ENTRE JUSNATURALISMO E POSITIVISMO JURÍDICO ................... 21
1.3. A ORIGEM E ASCENSÃO DO POSITIVISMO JURÍDICO ........................................ 27
1.4. DA SUPERAÇÃO DO PROJETO POSITIVISTA E A ASCENSÃO DO PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO ................................................................................................ 33
CAPÍTULO 2 – O PAPEL DO JUDICIÁRIO DIANTE DA INÉRCIA ESTATAL ........ 45
2.1. DA CONCEPÇÃO DE ESTADO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ................................ 45
2.2. EXPANSÃO JUDICIAL E A CONSAGRAÇÃO DA REVISÃO JUDICIAL ................... 48
2.3. O ATIVISMO JUDICIAL E A CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS .............................. 53
2.4. A EXPANSÃO JUDICIAL NO BRASIL E O SUBJETIVISMO DAS DECISÕES ......... 55
CAPÍTULO 3 – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS .................................................................................................. 59
3.1. DA VINCULAÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DIREITOS SOCIAIS ..... 59
3.2. DIFICULDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS ........................... 63
3.3. ENTRENCHMENT DOS DIREITOS SOCIAIS ........................................................... 64
3.4. DENSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS PELA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ...................................................................................................... 66
CAPÍTULO 4 – DO DISCURSO ENGENHOSO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA MITIGAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS ............................................................. 83
4.1. RESERVA DO POSSÍVEL E O MÍNIMO EXISTENCIAL ........................................... 83
4.2. ANÁLISE DE CASO: PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE VERSUS
UNIÃO FEDERAL, EM QUE SE INVOCOU A RESERVA DO POSSÍVEL EM PROL DA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. .......................................................... 89
4.3. RESERVA DO POSSÍVEL E AUTONOMIA DO ENTE FEDERADO ......................... 97
4.4. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL E DO MÍNIMO EXISTENCIAL ............................................................... 100
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4.5. DO JULGAMENTO DE CASO CONCRETO SOBRE A GRATUIDADE DO ACESSO A EDUCAÇÃO PELAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS ...................................................... 103
4.6 DA DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO A PACIENTES PORTADORES DE DOENÇAS RARAS ......................................................................... 106
4.7 DA DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS NÃO CADASTRADO NA LISTA DO SUS/ANVISA .................................................................................................................. 122
CAPÍTULO 5 - DA FUNÇÃO ATÍPICA DO JUDICIÁRIO NA CONCRETIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. ................................................................................ 127
5.1 DA RATIO DO DISCURSO DE PROTEÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE DAS CONVENÇÕES E PACTOS INTERNACIONAIS “SUPRALEGALIDADE” ....................................................................................................................................... 130
5.2 TUTELA AO DIREITO DE COMUNICAÇÃO DO DEFICIENTE AUDITIVO. ............. 133
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 140
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INTRODUÇÃO
Um dos desdobramentos lógicos da pós-modernidade, do
neoconstitucionalismo e do reconhecimento da força normativa e supremacia da
Constituição é a valoração dos direitos fundamentais e da importância do ser
humano como elemento essencial do Estado Democrático de Direito.
Com efeito, após a consagração de tal desdobramento, torna-se
imprescindível o enfrentamento da nova problemática constitucional, qual seja: a
concretização desses direitos, principalmente os sociais, que são potencialmente
capazes de elidir as desigualdades, equilibrando as disparidades que tanto
separam os homens do seu semelhante.
Nesse sentido, Bobbio (2004, p. 23), em seu livro “A Era dos Direitos”,
lavrou com pena de ouro o seguinte: “O problema fundamental em relação aos
direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-lo, mas o de protegê-los. Trata-
se de um problema não filosófico, mas político”.
Por tal razão, as balizas do pensamento constitucional da respectiva
dissertação circunscrevem as consequências teóricas e práticas da aplicação dos
direitos fundamentais, principalmente no cenário brasileiro, analisando os meios
de aplicação e os casos de inércia estatal e a consequência disso.
Afinal, a quem deve competir o múnus público de concretizar os direitos? É
dever do Estado? Do Município? Da União? Do Judiciário? Qual papel e postura o
Poder Judiciário deve ter perante os casos de ineficiência de serviço público e de
inércia do Poder Legislativo? E de qual matriz ontológica a jurisprudência pátria
reveste a teoria da reserva do possível? Ela pode servir de manto limitador ao
exercício dos direitos fundamentais?
Por outro aspecto, os direitos sociais são exigíveis no Judiciário? Uma pessoa
do povo tem capacidade postulatória para reivindicar direito social? O Poder
Judiciário tem poderes para emendar lei orçamentária? Já que não há despesa sem
contingenciamento orçamentário? O judiciário não estaria usurpando funções
assinaladas pela Constituição Federal a outros Poderes?
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Esses questionamentos serão as válvulas impulsionadoras desta
dissertação, centrada no prisma constitucional brasileiro, cujo problema
teleológico reside na concretização dos direitos sociais, mormente o direito à
saúde e à educação, que tanto aflige o povo brasileiro, visto que nosso serviço
público nesses setores é tão deficitário.
Logo, com apanágio no exposto, pretende-se analisar os conflitos verticais
entre o cidadão e o Estado, fundados nos direitos sociais, bem como o papel do
Poder Judiciário nessa intermediação conflituosa e quase sempre litigiosa.
Ademais, a presente dissertação visa contribuir para o desenvolvimento de
uma abordagem teórica e constitucionalmente correta acerca da concretização
dos direitos sociais, direitos estes classificados como direitos de segunda
dimensão/geração, cuja consequência prática atinge tantos brasileiros,
principalmente aqueles menos favorecidos.
Para tanto, a preocupação doutrinária desta dissertação se limita ao fator
interventor do Poder Judiciário na instrumentalização e concretização das políticas
públicas e na densificação dos direitos sociais, quando a inércia e a omissão do
Poder Público restarem comprovadas, principalmente em relação ao Poder
Executivo e Legislativo. Na verdade, defende-se uma postura interventora do
Poder Judiciário, mas por meio de uma conotação subsidiária, ou seja, com o
objetivo teleológico de amparar o cidadão que não obteve o tratamento correto por
intermédio dos meios competentes.
Portanto, nos casos de omissão e de inércia dos Poderes Executivo e
Legislativo, torna-se imprescindível a intervenção do Poder Judiciário,
principalmente por meio do manto da inafastabilidade do poder jurisdicional,
defendendo e tutelando os direitos fundamentais constitucionalmente
consagrados, permitindo que o cidadão possa obter do Estado tudo aquilo que lhe
é de direito.
Com base nisso e para isso, adota-se, como ponto de partida, objeto do
primeiro capítulo, a implosão do projeto positivista e a efetividade dos direitos
humanos, principalmente abordando o jusnaturalismo e a origem do positivismo
jurídico, assim como a ascensão do pós-positivismo.
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Especificam-se, no segundo capítulo, a transformação do Estado em
Estado Constitucional e o surgimento do ativismo judicial, a judicialização da
política e a efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os plasmados na
Constituição Federal.
No terceiro capítulo, observa-se os dilemas da administração pública, a
partir do estudo da vinculação entre administração pública e direitos sociais, da
dificuldade de implementação e do entrenchment dos direitos sociais, como
também da densificação dos direitos sociais pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal (STF).
Por fim, concretiza-se, no quarto capítulo, a teoria da reserva do possível e
o mínimo existencial, bem como a análise de caso envolvendo o Município de
Campina Grande-PB versus União Federal, em que se invocou a reserva do
possível em prol da efetivação dos direitos fundamentais, encerrando-se com a
reflexão da reserva do possível e a autonomia do ente federado, da análise de
precedentes julgados pela Supremo Tribunal Federal, envolvendo a eficácia e a
aplicação dos direitos sociais, e o julgamento de caso concreto sobre a gratuidade
do acesso à educação pelas universidades públicas.
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CAPÍTULO 1 – A IMPLOSÃO DO LEGALISMO JURÍDICO E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS
1.1 AS BASES DO DIREITO: O JUSNATURALISMO
A boa doutrina de Lima (1951, p. 5) informa que é comum a escola jurídica
ocidental estabelecer um fluxo de ideia sobre a dissemelhança de conceito entre o
direito positivo e o direito natural, já amplamente trabalhada pela filosofia grega e
latina, afirmando ser novel o termo “direito positivo” em face de sua concepção se
encontrar nas penas laureadas dos escribas latinos medievais.
De forma muito concisa, podemos definir o Jusnaturalismo como sendo uma
dogmática do direito que preconiza a sua seara natural, podendo ser calcada em
três vertentes específicas: a) a primeira vertente circunscreve a legitimidade divina
no Direito, ou seja, a lei é estabelecida de acordo com a vontade de Deus e apenas
revelada aos homens; b) a segunda vertente descreve o sentido natural da
legislação, na acepção antropológica e instintiva dos seres humanos; c) por
derradeiro, a terceira vertente se relaciona aos cânones da razão, que fomenta uma
ressonância entre o texto legal e os valores morais da sociedade.
Em que pesem essas três vertentes, torna-se inexorável demonstrar que
todas partem da premissa da existência de uma lei anterior e superior que antecede
e que funda o próprio Estado.
A etimologia da expressão “Estado” advém do latim status, elucidando a
premissa básica de estrutura política vigente na sociedade. Singularmente, de
maneira bastante resumida, pode-se afirmar que a palavra Estado consubstancia
uma nação politicamente organizada, por meio de três elementos constitutivos:
povo, território e governo (LIMA, 1951).
A corrente jusnaturalista do Direito preconiza um direito natural inerente à
própria condição humana, estando presente em quaisquer desdobramentos de sua
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ortodoxia, inclusive perante a complexidade social. Assim sendo, qualquer
objurgação desses preceitos, será considerada, pela corrente jusnaturalista, como
ilegítima, para os cidadãos, o direito de resistência a ser exercido.
Evidencie-se que a vertente do jusnaturalismo que defende a existência de
leis anteriores ao próprio Estado, ou seja, superior ao direito positivo, teve início já
nos textos dogmáticos da Grécia Antiga. Isto porque a filosofia grega também
tinha como aspecto teleológico a relativização das leis humanas. Tanto é assim
que os Sofistas protagonizaram a proliferação de ideais e pensamentos acerca da
relatividade das coisas. Ao assumir essa posição diante da evidência dos fatos e
valores, respingou, no âmbito do pensamento dual sobre o que é justo ou injusto,
a relativização da justiça.
Os teólogos da idade média oferecem outra concepção do direito natural.
Para Santo Tomás de Aquino, que encampou posição de muita importância na
Igreja, há um perfeito aumento entre a tríade fundamental das leis: a lei eterna,
que seria razão divinal que rege o universo e o comportamento humano; a lei
natural, resultante da lei eterna que o homem conhece por meio de sua razão; e a
lei humana, criação individual do homem, legislação que é o instrumento para
ordenar a convivência (LIMA, 1951).
Para essa corrente, a fonte do direito natural é a vontade de Deus. Assim,
em qualquer lugar e em qualquer época, o direito natural é conhecido de todos e
busca assegurar o bem como a aplicação da justiça. Essa concepção admite a
supervalorização do direito natural perante as leis confeccionadas pelos homens,
que podem deixar de ser cumpridas quando julgadas como injustas. Consigna que
a lei humana, ainda que conduzida pelo governante ou pelo Estado, deve basear-
se na razão, pois, do contrário, tratar-se-ia de injusta. Não será lei se não visar ao
bem comum, se não for executada por quem tenha competência e se não for
corretamente promulgada (LIMA, 1951).
Para Reale (2002, p. 11), o Ius Naturale é constituído por alguns dogmas
que alicerçam a conduta, que se origina da razão, mas intrínseco na lei eterna ou
divina:
Santo Tomás de Aquino subordina a sua teoria de justiça ao conceito objetivo de lei, ou mais precisamente, de lex eterna, a qual ordena o cosmo de conformidade com a razão do legislador supremo, assim
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como, numa comunidade, a lex huaman representa a ordem dada por quem racionalmente a dirige de conformidade com o bem comum.
A esse respeito, Nader (2004, p. 365) ensina que “a ideia do Direito Natural
é o eixo em torno do qual gira toda a Filosofia do Direito. O jusfilósofo ou é
partidário dessa ideia ou é defensor de um monismo jurídico, visão que reduz o
direito apenas jurídica positiva”.
Deflui-se ainda que, o direito natural, tem como premissa a existência da
concepção geral do justo, livre de qualquer regra impositiva. O movimento do
jusnaturalismo, que é a lei da razão, se apresenta e se sobreleva a norma
antecessora e nestas circunstâncias, comprova-se que o direito justo antecede a
própria existência do Estado. Logo, as regras de direito positivo devem ser
fundamentadas em uma espécie de legislação superior, definida por meio da
nomenclatura de lei natural, que seria decorrente da natureza de todas as coisas e
do homem, entrelaçadas, nessa ótica, com a sua cultura, em um exercício
inexorável e simbiótico.
Nesse sentido, Yaguez (2010, p. 155) ensina que, em apertada síntese, o
direito natural se assenta em três pilares:
a) ser fundamento do direito positivo; b) inspirar o conteúdo dos direitos humanos, pois deve haver harmonia com o direito positivo; c) ser levado em conta quando da aplicação do direito positivo, da lei humana. Em síntese, essa ideia, de escola tradicional do direito natural, prega que a justiça deve ser feita em cada caso concreto, de acordo com valores naturalmente expostos no cenário social.
Essa concepção de justiça e de equidade que prevaleceu até o século XVI
padeceu de considerável mitigação, no século XVII, com a ascensão do pensamento
racionalista. Nesse contexto, o direito natural, aprioristicamente compreendido como
uma obra de origem divina, passa a ser considerado como objeto oriundo da razão
humana.
A esse respeito, Bittar e Almeida (2009, p. 95), explicam:
No debate entre o prevalecimento da natureza das leis (physis) e o prevalecimento da arbitrariedade das leis (nómos), os Sofistas optaram, em geral, pela segunda hipótese, sobretudo os partidários das teses históricas acerca da evolução humana; a lei (nómos) seria responsável pela libertação humana dos laços da barbárie. Isso
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porque, coerentemente com seus princípios, diziam ser o homem o princípio e a causa de si mesmo, e não a natureza. Ora, deliberar-se sobre qual será o conteúdo das leis é atividade preponderantemente humana, e nisso não há nenhuma intervenção da natureza, como admitido pela tradição literária e filosófica grega. A natureza (phýsis) faria com que as leis fossem idênticas em todas as partes, tendo-se em vista que o fogo arde em todas as partes da mesma forma, como posteriormente dirá Aristóteles. No entanto, pelo contrário, o que se vê é que homens de culturas diferentes vivem legislações e valores jurídicos diferentes, na medida em que se encontram em seu poder definir o que é justo e o que é injusto.
Como se percebe, o jusnaturalismo sempre teve como premissa a natureza
humana, otimizando os cânones da liberdade e igualdade dos homens. A tese
preconizada pelos sofistas era invocar esses preceitos para fazer prevalecer a
seara arbitrária e autoritária do Estado e do governo.
A ortodoxia do jusnaturalismo teve como invariável axiológica o conceito de
justiça como fator otimizante para a criação do Direito. Uma vez que, o fator
coercitivo do Direito deriva primordialmente da ressonância com os princípios de
justiça universais e não apenas de uma autoridade soberana.
Com efeito, Chorão (1986, p. 138) afirma que “a legalidade vigente é aferida
por critérios superiores de legitimidade jurídica e o Estado de Direito é verdadeiro
Estado de Justiça, sendo esta pautada pelos fins essenciais da pessoa humana”.
Os valores de justiça transcendem a relação jurídico-política com a vontade
divina, tornando-se autodeterminação humana, podendo, este último, de per se,
concretizar o direito natural, sem qualquer correlação com qualquer crença ou
vontade divina.
Ademais, Sócrates, Platão e Aristóteles, por um corte epistemológico,
estabeleceram uma distinção entre o conceito de justo, conforme a natureza, e o
conceito de justo, segundo a lei em sentido formal. Para essa vertente grega, o
justo conforme a sua natureza deriva do pensamento de cada ser humano,
consoante suas convicções pessoais e subjetivas. Assim, nesse plano, o direito
natural ostenta apenas o desiderato objetivo. Nader (2004) explica que essa
posição deu azo à concepção positivista, sob o auspício de que os sentidos dos
homens não resultam em um conhecimento inexoravelmente verdadeiro.
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Por conseguinte, de acordo com os valores modernos predominantes no
século XVI, assim como o avanço das ciências e da razão matemática e
geométrica, o jusnaturalismo sofreu profundas alterações, otimizando a razão
como um vetor interpretativo inexorável, principalmente no comportamento
humano.
Grócio (2005, p. 1625) define o Direito Natural “como mandamento da reta
razão que indica a lealdade moral ou a necessidade moral inerente a uma ação
qualquer, mediante o acordo ou o desacordo desta com a natureza racional”1.
Essa mudança de paradigma, calcada pelo advento da revolução
copernicana na esfera do Direito, aponta um novo horizonte a ser cultivado pela
Ciência Jurídica, que tergiversa de estar consubstanciada a concepções mítico-
religiosas, para aprofundar seus fundamentos dogmáticos, principalmente por
meio de uma ótica da razão.
Portanto, nessa concepção, aduz Reale (2004) que o direito natural
depreende-se em apenas duas facetas. A primeira concepção, a antiga, tem como
ponto de partida a cidade-estado Grega e usa a natureza como fonte da lei que
tem a mesma força em toda parte e independente da diversidade das opiniões. E
a segunda, por sua vez, inaugura um novo conceito de direito natural que o fim de
todas as coisas não seria da suprema divindade e muito menos da natureza e sim
da razão.
Dentro desse contexto, estava criada a Escola Clássica do Direito Natural,
que teve diversos representantes, entre eles, Hugo Grócio, Samuel Pufendorf,
John Locke e Rousseau.
O Ius Natureles, sobretudo aquele perfilados pelos contratualistas acima
mencionados, teve em Rousseau seu principal tutor. Venosa (2004, p. 65) explica
que o “pensamento ensejou a justificação do arbítrio e da força, distanciando-se da
história, dando margem ao surgimento da chamada escola histórica, com Savigny e
outros seguidores, os quais investiram contra as abstrações do direito natural”.
Rousseau assimila o direito natural como algo decorrente de uma revolução,
acoimando de injusto o estado social, porque aniquilaria com a satisfação de
contentamento do estado primitivo do ser humano que vive na natureza. Em
1 De jure belli ac pacis, 1625, Prol., § 10, I, 1 I
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19
agrupamento de pessoas, o homem, ungido por ter vindo ao mundo livre, encontra-
se enclausurado. O direito positivo que normatiza hipóteses subjetivas para se
subsumir as hipóteses dos casos concretos, está em rota de colisão com o direito
natural, entendido pelo genial filósofo iluminista como algo decorrente da natureza,
sem amarras. Essa situação conduziria o “homem a fazer a apologia da revolução e
a criticar todas as formas de Estado” (MONTEJANO, 2005, p. 216-7).
Jean-Jacques Rousseau investiga uma saída e aposta no retorno ao estado
da natureza propriamente dito, qual seja, uma fattispecie de associação social cujo
principal pilar é a defesa do homem enquanto ser social, bem como o
estabelecimento de direitos e liberdades civis, por meio de um pacto social.
Desse modo, nessa vertente, a comunidade cívica proveniente desse pacto
social deve assegurar e observar liberdades básicas fundamentais a civilidade,
como a liberdade e a igualdade, tendo em vista serem pilares para formação
humana.
Ao estabelecer tais diretrizes, consagrou-se a inadmissibilidade de qualquer
tipo de submissão a outrem, devendo apenas os integrantes da sociedade se
curvarem ao talante do que seja de interesse comum ao pacto social anteriormente
celebrado.
Nesse passo, é que Rousseau criou algo como a vontade geral, que é
pressuposto material necessário para o surgimento da própria legislação. Assim, ao
estar se submetendo a vontade geral da sociedade e não a vontade de um cidadão
particular, estar-se-á garantindo a liberdade individual do cidadão.
Esse modelo teórico contratualista, formulado por Rousseau, estabeleceu
bases materiais para permitir um maior tipo de legitimidade ao legislador, tendo em
vista que, segundo a concepção contratualista, este último é apenas um instrumento
da vontade geral da sociedade.
Paralelamente, a concepção de vontade geral mitiga a liberdade individual de
cada cidadão, tendo em vista que cada ser individual abdica de sua liberdade
absoluta e incondicionada em prol do benefício e da vontade da nação, enquanto
sociedade.
Assim sendo, a vontade geral passa a ser substrato legitimador para
condução e direção da organização da sociedade.
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Destaque-se que Jean-Jacques Rousseau é estimado por muitos, inclusive
por Bittar, como o último jusnaturalista relevante de sua era, tendo em vista que
desenvolveu concepções políticas, sempre privilegiando a ordem natural e o
jusnaturalismo, principalmente otimizando os graus de justiça divina.
Essas concepções de Rousseau findaram por, posteriormente, inspirar a
Revolução Francesa (Bittar, 2001, p. 240)2. Entretanto, mesmo que não fosse a ideia
nuclear do destacado jusnaturalista, a versão contratualista do direito natural verteria
no positivismo jurídico que será adiante enfocado.
Outrossim, Chorão (2000, p. 138, apud VENOSA, 2004, p.187) verbera com
extrema clareza o antagonismo entre os jusnaturalistas e os positivistas, da seguinte
forma:
Para os jusnaturalistas, os valores são algo proposto aos homens e suscetíveis de justificação objetiva e metafísica. Para o positivismo, quando se reconhece a existência de valores, estes têm origem na iniciativa dos homens. Para o jusnaturalismo, o direito natural prevalece sobre o direito positivo sempre pela origem e pelo fundamento. Direito natural e positivismo. Teoria tridimensional que ocorrer um conflito entre ambos. Prevalecerá a lei ideal superior. No positivismo, exclui-se qualquer norma derivada da natureza, qualquer que seja seu entendimento, existindo somente o direito positivo.
Como visto, para o professor português Mário Emílio Bigotte Chorão, a ideia
de prevalência ou superposição do direito natural sobre o direito positivo não se
justificaria em face do império do direito positivo.
Assim, os direitos sociais passaram a ser construídos aos poucos, ora pela
legitimidade divina conferida a todos os seres, ora pelo aspecto antropológico
vigente em cada membro da sociedade, ora pela força da razão e até pelo
sentimento geral do justo ou injusto com a satisfação de contentamento do estado
primitivo do ser humano na natureza.
Por ser uma ciência social o direito parte de premissas jusnaturalistas com
sua ortodoxia própria da época para abrigar direitos sociais no âmbito do positivismo
jurídico, demarcando território entre os dois movimentos.
2 Metodologia da pesquisa jurídica
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1.2. DIFERENÇA ENTRE JUSNATURALISMO E POSITIVISMO JURÍDICO
Segundo Bobbio (1995, p. 15), a utilização da terminologia “direito positivo” é
relativamente contemporânea, posto que sua introdução na história do direito
surgiu apenas por meio dos textos legais latinos medievais.
A distinção entre “positivo” e “natural” refere-se à conotação da linguagem e
não propriamente ao direito em si mesmo. A grande celeuma que se instaurou refere
à problemática do que seria natural e o que seria fator cultural.
Santo Tomás de Aquino (2006), em sua Summa theologica, faz extensa
dissertação a respeito dos diferentes tipos de lei. Para o autor da idade média,
seriam quatro as espécies existentes de leis: a lei eterna; a lei natural; a lei
humana e a lei divina.
O desmembramento conceitual entre direito natural e positivo, encontra-se
exposto nas lições de Platão e Aristóteles. A passagem a seguir, do livro “Ética a
Nicômaco”, reflete a lição de Aristóteles (1997, p. 144-145):
Da justiça civil uma parte é de origem natural, outra se funda em a lei. Natural é aquela justiça que mantém em toda a parte o mesmo efeito e não depende do fato de que pareça boa a alguém ou não; fundada na lei é aquela, ao contrário, de que não importa se suas origens são estas ou aquelas, mas sim como é, uma vez sancionada.
A respeito da distinção entre direito natural e direito positivo, na concepção
de Aristóteles, Bobbio (1995, p. 17) asseverou:
Dois são os critérios pelos quais Aristóteles distingue o direito natural e o positivo:
a) direito natural é aquele que tem em toda parte [...] a mesma eficácia [...], enquanto que o direito positivo tem eficácia apenas nas comunidades políticas singulares em que é posto;
b) o direito natural prescreve cujo valor não depende do juízo que sobre elas tenha o sujeito, mas existem independentemente do fato de parecerem boas a alguns ou más a outros. Prescreve, pois, ações cuja bondade é objetiva [...]. O direito positivo, ao contrário, é que aquele que estabelece ações que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente de um modo ou
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22
de outro, mas uma vez reguladas pela lei, importa (isto é: correto e necessário) que sejam desempenhadas do modo prescrito pela lei.
Com efeito, percebe-se que essa distinção aristotélica entre direito natural e
direito positivo equivale àquela disciplinada pelo Direito Romano, mormente no
que tange ao jus gentium e o jus civile.
Como se sabe, o jus gentium e o jus civile verberam uma das distinções
mais indeléveis entre direito natural e o direito positivo. Segundo explica BOBBIO
(1995, p. 13), o jus gentium circunscreve à natureza, envolvendo, por
consequência, questões naturais. Por outro lado, o jus civile designa ao
estabelecimento das instituições da sociedade.
Como efeito, o direito positivo estaria adstrito a determinado povo, ao passo
que o direito natural teria conotação universal. Isto implica dizer que o direito
positivo teria origem social, ou seja, emanado pelo próprio povo, ao modo que o
direito natural teria origem natural, inerente a própria natureza.
Ainda demonstrando a diferenciação entre direito natural e direito positivo,
importante ressaltar que Bobbio (1995, p. 23-24) estabeleceu seis critérios de
diferenciação, a seguir elencados:
a) o primeiro se baseia na antítese universalidade/particularidade e contrapõe o direito natural, que vale em toda parte, ao positivo, que vale apenas em alguns lugares (Aristóteles, Inst. – 1ª definição);
b) o segundo se baseia na antítese imutabilidade/mutabilidade: o direito natural é imutável no tempo, o positivo muda. (Inst. – 2ª definição – Paulo); esta característica nem sempre foi reconhecida: Aristóteles, por exemplo, sublinha a universalidade no espaço, mas não acolhe a imutabilidade no tempo, sustentando que também o direito natural pode mudar no tempo;
c) o terceiro critério de distinção, um dos mais importantes, refere-se à fonte do direito e funda-se na antítese natura-potestas populus (Inst. – 1ª definição; Grócio);
d) o quarto critério se refere ao modo pelo qual o direito é conhecido, o modo pelo qual chega a nós (isto é, os destinatários), e lastreia-se na antítese ratio-voluntas felicidade: o direito natural é aquele que conhecemos através de nossa razão. (Este critério liga-se a uma concepção racionalista da ética, segundo a qual os deveres morais podem ser conhecidos racionalmente, e, de um modo mais geral, por uma concepção racionalista da filosofia) O direito positivo, ao contrário, é conhecido através de uma declaração de vontade alheia (promulgação);
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e) o quinto critério concerne ao objeto dos dois direitos, isto é, aos comportamentos regulados por estes: os comportamentos regulados pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos, enquanto aqueles regulados pelo direito positivo são por si mesmos indiferentes e assumem uma certa qualificação apenas porque (e depois que) foram disciplinados de um certo modo pelo direito positivo (é justo aquilo que é ordenado, injusto o que é vetado) (Aristóteles, Grócio);
f)a última distinção refere-se ao critério de valoração das ações e é enunciado por Paulo: o direito natural estabelece aquilo que é bom, o direito positivo estabelece aquilo que é útil.
Como se percebe, o período do racionalismo jurídico concebeu uma
sistematização completa da dogmática jurídica, a partir de bases racionais,
fundamentando em princípios da própria ortodoxia da razão, enaltecendo não o que
seria simplesmente bom, mas útil.
Por sua vez, em contrapartida, o direito natural aparecia como um conjunto de
direitos e deveres aplicados às relações entre os seres humanos de forma
antagônica à relação jurídica, que corresponde ao direito posto, o direito escrito ou
pelos costumes ou por uma decisão emanada por uma autoridade pública
competente.
Nessa quadra da história, o direito natural, até então uma disciplina moral,
ganhou certa autonomia e transformou-se numa insigne disciplina jurídica, autônoma
e dotada de todas as bases dogmáticas legais.
Todavia, tal contexto estabeleceu uma espécie de duplicação do sistema
jurídico, que mesmo com o advento do positivismo nunca se olvidou por completo a
existência e a observância dos pilares inerentes ao jusnaturalismo, nem contexto
dos direitos naturais.
Não obstante, importante mencionar que esse prisma fomentou, então, uma
separação dogmática entre direito e moral, onde o direito encontra-se em nítido
confronto com a moral. Inclusive, Hans Kelsen formulou a clássica distinção entre
direito e moral, sendo a última norma de caráter comportamental. Contudo, sem
preencher o caráter normativo, haja vista ser desprovida de sanção.
O advento do positivismo também acarretou uma nítida diferenciação entre
dever subjetivo e dever objetivo. Segundo Kelsen (1999), o corte epistemológico a
ser feito entre dever-ser subjetivo e dever-ser objetivo, reside que, na primeira
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hipótese, existe apenas uma suposição pessoal do agente que ocorre, inexistindo
qualquer elemento concreto na seara, residindo apenas uma cogitação pessoal do
agente, enquanto, na segunda ótica, o dever reside apenas em um mero desejo
pessoal do autor, consubstanciando uma mera opinião pessoal de fazer ou não fazer
algo.
Veja-se que a autonomia do direito natural em face da moral e sua
superioridade diante do direito positivo marcou, propriamente, o início da filosofia do
direito como disciplina jurídica autônoma. Isso foi assim até as primeiras décadas do
século XIX. Depois, a disciplina sofreu um declínio que acompanha o declínio da
própria ideia de direito natural e de jusnaturalismo. Contudo, no final daquele século,
a disciplina reaparece e ganha força nas primeiras décadas do século XX. A reflexão
sobre o direito natural toma novos rumos e a noção readquire sua importância. Na
ciência dogmática do direito, porém, embora a ideia esteja até hoje sempre
presente, a dicotomia, com instrumento operacional, isto é, como técnica para
descrição e classificação de situações jurídicas normativamente recidiveis, perdeu
força.
O professor Ferraz Junior (1993, p. 161) explica, nesse sentido, que a
separação dogmática entre direito natural e direito positivo reside, mormente na
esfera hodierna, de modo fragilizado. Entretanto, em que pese o exposto, o
mencionado professor alerta que tal distinção ainda persiste:
sua importância mantém-se mais nas discussões sobre a política jurídica, na defesa dos direitos fundamentais do homem, como meio de argumentação contra a ingerência avassaladora do Estado na vida privada ou como freio às diferentes formas de totalitarismo. Uma das razões do enfraquecimento operacional da dicotomia pode ser localizada na promulgação constitucional dos direitos fundamentais. Esta promulgação, o estabelecimento do direito natural na forma de normas postas na Constituição, de algum modo ‘positivou-o’. E, depois, a proliferação dos direitos fundamentais, a princípio, conjunto de supremos direitos individuais e, posteriormente, de direitos sociais, políticos, econômicos aos quais se acrescem hoje direitos ecológicos, direitos especiais das crianças, das mulheres etc. provocou, progressivamente, a sua trivialização.
Com efeito, podemos dizer que o constitucionalismo promulgou e positivou o
direito natural por meio de normas constitucionais estabelecidas por meio de uma
vontade política em um dado momento da sociedade. Ou seja, positivou-se o direito
natural. O que dantes era “natural” acabou sendo reconhecido como valor “positivo”,
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haja vista sua constitucionalização pelos textos constitucionais modernos e pelos
tratados internacionais que versem sobre direitos humanos.
Por conseguinte, a proliferação dos direitos fundamentais, a priori, a
valorização axiológica do seu caráter normativo, um vasto catálogo de direitos e
liberdades individuais, bem como o reconhecimento expresso da existência de
direitos coletivos, tanto quanto a ordem econômica e o meio ambiente, acarretou,
progressivamente, a sua trivialização, conforme concepção de Luhmann (1985).
Segundo Luhmann (1985, p. 67), algo se torna trivial quando deixa de possuir
uma característica diferencial em relação ao contexto social, ou seja, algo tão
comum que sua existência passa a ser vista como algo indiferente em face das
diferenças sociais.
Essa banalização dos direitos fundamentais, segundo Ferraz Júnior (2003),
foi precedida pela trivialização do próprio direito natural versus direito positivo.
Quando todo o direito passou a ser logicamente redutível a direitos naturais e, por
consequência, direitos fundamentais, a própria concepção de direitos fundamentais
passou a ser trivial, ou seja, sua supremacia lógico-jurídica fora sendo extirpada
conforme as indiferenças da dogmática jurídica vigente.
Diante o exposto, pode-se concluir que a taxionomia do direito positivo fora
enfraquecida por meio da classificação entre direitos fundamentais constitucionais e
demais direitos infraconstitucionais e, por conseguinte, por intermédio da
trivialização constitucional.
Não obstante, não podemos defender que essa dicotomia entre direito natural
e direito positivo esteja ultrapassada. Na verdade, o tema dos direitos naturais é
ainda hodiernamente relevante para fins dogmáticos da ciência jurídica, bem como
para a interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais, servindo de
parâmetro material para observância inclusive teleológica da existência e
manutenção do Estado.
Deve-se notar uma clarividente inversão sofrida no processo de definição de
direito natural e de direito positivo. Isto porque, até o século XVIII, o primeiro tinha
precedência, e o segundo definia-se negativamente. Ou seja, até o século XVIII,
predominava de forma inexorável o direito natural, algo imanente à natureza e
compulsório para o homem. O direito positivo era residual, não natural, outorgado
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por arbítrio e, portanto, sem permanência, mutável, de acordo com as condições
sociais vigentes. Com efeito, após o século XIX, cada vez mais, direito é posto, o
direito é estabelecido por autoridade do Estado ou pela sociedade; e o direito
natural, define-se negativamente como o direito que não é posto.
Essas reflexões, que formam o bloco substancial da teoria jusfilósifica acerca
do jusnaturalismo, verberam algumas ponderações fundamentais para própria
dogmática jurídica. A busca do direito natural e de seu fundamento é a procuração
do permanente, do universal e do comum a todos os homens na definição do direito
e da sociedade como um todo.
Ora, se por um lado, o positivismo jurídico é recheado por inequívocas
mutabilidades, inerentes a peculiaridade regional, o jusnaturalismo reflete o ideal
humano em busca de um mundo justo e isonômico, que como sabemos é uma
busca perene e inexorável decorrente da própria condição humana.
Não obstante, justamente por ter ideais mais abstratos e imensuráveis, o
jusnaturalismo e a concepção de direito natural encontra-se mais prazível em ser
relativizada, por meio da própria estrutura indeterminada de seus conceitos. E isso,
inexoravelmente, dificulta a concretização de seus primados, posto que a
globalização estabelece uma espécie de relativização universal de valores.
Por outro lado, a estruturação normativa objetiva e concreta do direito
positivo, torna sua implementação mais factível pelos operadores do direito, posto
que sua execução pode ser realizada por uma simples tarefa de subsunção entre o
fato e o direito positivo.
Portanto, apesar do abrandamento material da dicotomia direito positivo e
direito natural, o direito natural se encontra inequivocamente presente em nosso
sistema jurídico, sendo uma vertente inexorável da dogmática do direito,
principalmente por meio da revalorização jurídica dos princípios constitucionais e
dos fundamentos que legitimam a ordem constitucional vigente.
Também podemos perceber a sua implementação hermenêutica nas decisões
proferida em sede de controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal
Federal, quando muitas vezes, a imperatividade da lei é sufragada por um valor
inexoravelmente constitucional a ser tutelado pela jurisdição constitucional.
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Todavia, como a existência dos princípios e do reconhecimento expresso de
valores materiais pelo Texto Constitucional são desdobramentos lógicos do
jusnaturalismo, a atividade hermenêutica do Poder Judiciário requer uma indelével
prudência, sob pena de se olvidar por completo a própria estrutura dogmática do
direito, tendo em vista a nítida proliferação de princípios constitucionais e de
conceitos jurídicos indeterminados, que ensejam, muitas vezes, em interpretações
jurídicas distintas e resultados variavelmente antagônicos, o que também contribuí
para uma espécie de relativização pós-moderna do direito.
Por fim, a dicotomia entre direito natural e direito positivo deve ser vista de
forma sintética pelo interprete do direito, para que ele nunca olvide os valores e os
princípios inerentes ao sistema jurídico natural na interpretação do direito positivo.
Para que não haja um abismo entre o que é justo e o que é de direito. Agindo dessa
forma, estar-se-á legitimando o bem comum e preservando a higidez da dogmática
jurídica-natural.
1.3. A ORIGEM E ASCENSÃO DO POSITIVISMO JURÍDICO
Ferraz Júnior (1995, p. 31), afirma comentando o positivismo de Auguste
Comte que
O termo positivismo não é, sabidamente, unívoco. Ele designa tanto a doutrina de Auguste Comte, como também aquelas que se ligam à sua doutrina ou a ela se assemelham. Comte entende por “ciência positiva” coordination de faits. Devemos, segundo ele, reconhecer a impossibilidade de atingir as causas imanentes e criadoras dos fenômenos, aceitando os fatos e suas relações recíprocas como o único objeto possível da investigação científica. A physique sociale deveria neste sentido, tornasse uma estigmatização dos dogmas e dos pressupostos da filosofia do século XVIII. Comte afirma, que, numa ordem qualquer de fenômenos, a ação humana é sempre bastante limitada, isto é, a intensidade dos fenômenos pode ser perturbada, mas nunca a sua natureza. O estreitamento na margem de mutabilidade da natureza humana, que Comte recolhe do modelo da biologia anti-evolucionista, dá condições de possibilidade a uma sociologia. Supõe-se que o desenvolvimento humano é sempre o mesmo, apenas modificado na desigualdade da sua velocidade (vitesse de developpement). Em célebre disputa entre Lamarque e
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Cuvier, Comte colocou-se ao lado do último. Foi da biologia fixista que saiu o seu “princípio das condições de existência” garantia da positividade da Sociologia. A adoção da problemática da biologia positiva (...) implicou a recusa do método teológico e o predomínio da explicação causal. Daí a luta, na segunda metade do século XIX, contra a teologia nas ciências da natureza, e mais tarde, com Kelsen, na ciência do direito; daí o determinismo e a negação da liberdade da vontade. Todos os fenômenos vitais humanos deviam ser explicados a partir de suas causas sociológicas. (...) Todas essas teses de Comte foram base comum para o positivismo do século XIX. Daí surgiu, finalmente, a negação de toda metafísica, a preferência dada às ciências experimentais, a confiança exclusiva no conhecimento dos fatos etc.
Por conseguinte, a acepção da palavra “positivismo” revela uma guinada
cientifica inexorável do Século XIX e, nesse sentido, explica Streck (2010, p. 160):
Explicando melhor: o positivismo é uma postura científica que se solidifica de maneira decisiva no século XIX. O “positivo” a que se refere o termo positivismo é entendido aqui como sendo os fatos (lembremos que o neopositivismo lógico também teve a denominação de “empirismo lógico”). Evidentemente, fatos, aqui, correspondem a uma determinada interpretação da realidade que engloba apenas aquilo que se pode contar, medir ou pesar ou, no limite, algo que se possa definir por meio de um experimento. No âmbito do direito, essa mensurabilidade positivista será encontrada num primeiro momento no produto do parlamento, ou seja, nas leis, mais especificamente, num determinado tipo de lei: os Códigos. É preciso destacar que esse legalismo apresenta notas distintas, na medida em que se olha esse fenômeno numa determinada tradição jurídica (como exemplo, podemos nos referir: ao positivismo inglês, de cunho utilitarista; ao positivismo francês, onde predomina um exegetismo da legislação; e ao alemão, no interior do qual é possível perceber o florescimento do chamado formalismo conceitual que se encontra na raiz da chamada jurisprudência dos conceitos). No que tange às experiências francesas e alemãs, isso pode ser debitado à forte influência que o direito romano exerceu na formação de seus respectivos direitos privados. Não em virtude do que comumente se pensa – de que os romanos “criaram as leis escritas” – mas sim em virtude do modo como o direito romano era estudado e ensinado. Isso que se chama de exegetismo tem sua origem aí; havia um texto específico em torno do qual giravam os mais sofisticados estudos sobre o direito. Este texto era – no período pré-codificação – o Corpus Juris Civilis. A codificação efetua a seguinte “marcha”: antes dos códigos, havia uma espécie de função complementar atribuída ao Direito Romano. A ideia era simples, aquilo que não poderia ser resolvido pelo Direito Comum, seria resolvido segundo critérios oriundos da autoridade dos estudos sobre o Direito Romano – dos comentadores ou glosadores. O movimento codificador incorpora, de alguma forma, todas as discussões romanísticas e acaba “criando” um novo dado: os Códigos Civis (França, 1804 e Alemanha, 1900).
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Diante o exposto, podemos conceituar o positivismo jurídico como um sistema
ou pensamento jurídico indubitavelmente oposto ao jusnaturalismo, a metafísica,
sociológica, histórica, antropológica, consagrando o sistema lógico-sistemático do
Direito, concedendo uma compreensão científica do Direito. Ou seja, como bem
ressaltou Streck (2010), na citação acima transcrita, o termo positivo refere-se
indubitavelmente aos fatos.
Uma das premissas estabelecidas pelo modelo positivista é o corte
epistemológico delineado por Kelsen (1998, p. 291-293), que afastou qualquer tipo
de influência meta-jurídica da dogmática jurídica, ao afirmar:
A Teoria Pura do Direito propõe-se a uma análise estrutural de seu objeto, e, portanto, expurga de seu interior a justiça, a sociologia, origens históricas, ordens sociais determinadas etc. A ela não se defere a tarefa de empreender todo esse estudo, mas de empreender uma sistematização estrutural do que é jurídico propriamente dito.
De forma muito concisa, podemos definir o direito positivo como o complexo
de princípios e regras com vigência jurídica o suficiente para disciplinar a regência
da sociedade, denominado de ius in civitate positum. Apenas para exemplificar, a
terminologia “direito positivo brasileiro”, refere-se, por consequência lógica, ao
complexo de regras e princípios inerentes ao Estado Brasileiro.
Como acima explanado, a priori, o movimento positivismo jurídico contrapõe-
se, como regra geral, ao jusnaturalismo. Com efeito, considerando que o
jusnaturalismo possuí várias épocas e diversas escolas jurídicas, o movimento
positivista também ostenta várias tendências e escolas que serão adiante
demonstradas.
Segundo ensina Venosa (2008, p. 53),
O ponto de partida do positivismo é, de fato, afirmar que direito é apenas aquele existente nas leis criadas pelo ser humano e postas pelo Estado. O positivismo nega a existência de regras fora do direito positivo, isto é, fora do direito imposto pelos homens. Os estudiosos positivistas só creem naquilo que pode ser objeto de observação e experiência. O método positivista é composto primordialmente de três fases: observação, formulação de hipótese e experimentação. Essa experimentação não provoca fenômenos sociais, mas deve ser vista mais como uma confirmação do ocorrido nos citados fenômenos.
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30
Pode-se afirmar, portanto, que o movimento positivismo refuta por completo a
existência de regras jurídicas fora do contexto inerente ao direito positivo, ou seja,
por fora do direito codificado pela sociedade, fruto de uma legislação
invariavelmente política.
Utilizando essa dicotomia do sistema codificado, o sistema positivo tem como
objetivo alcançar os ideais de justiça. Todavia, como assevera o jurista Telles (2010,
p. 5), “há leis que são contrárias ao bem comum, que são injustas, que não realizam
verdadeiramente um fim de paz social”.
A escola clássica do positivismo extirpa por completo do sistema jurídico a
hipótese de juízos de valor e de ilações sobre fatos, tendo em vista que, adota a
metodologia cientifica de juízos de constatação. Assim sendo, estabelece-se um
método único para interpretação da lei. Para essa escola clássica, a tarefa do juiz se
circunscreve a reproduzir o que a legislação preconiza, em outras palavras, como
afirma Montesquieu “o Juiz é a boca da lei”, em um exercício financeiro da
subsunção entre a lei e um juízo de constatação, ou seja, entre fatos.
Para Nader (2004, p. 377), o modelo positivista alcançou seu ápice no Século
XX e, atualmente, encontra-se em pleno declínio:
O positivismo jurídico, que atingiu o seu apogeu no início do Século XX, é atualmente uma teoria em franca decadência. Surgiu num período crítico da história do direito natural, durou enquanto foi novidade e entrou em declínio quando ficou conhecido em toda a sua extensão e consequências. Com a óptica das ciências da natureza, ao limitar o seu campo de observação e análise aos fatos concretos, o positivismo reduziu o significado humano. O ente complexo, que é o homem, foi abordado como prodígio da física, sujeito ao princípio da causalidade. Em relação à justiça, a atitude positivista é de um cepticismo absoluto. Por considerá-la um ideal irracional, acessível apenas pelas vias da emoção, o positivismo esquece a sua relação aos valores. A sua atenção converge apenas para o ser do Direito, para a lei, independentemente do seu conteúdo. Identificando o Direito com a lei, o positivismo é uma porta aberta aos regimes totalitários, seja na fórmula comunista, fascista ou nazista.
Não é demasiado lembrar que foi esse modelo de sistema jurídico que
legitimou movimentos cruéis e maléficos a humanidade, como o nazismo na
Alemanha, bem como, o comunismo na União Soviética, cujas premissas fulcrais
eram estabelecidas por meio de métodos positivistas.
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31
Com efeito, evidencie-se que adotar um sistema jurídico calcado
exclusivamente na letra fria da lei, sem qualquer tipo de ponderações e valores,
criamos uma espada que pode tender tanto para o lado bom, quanto para o lado
mau, estando sempre submetida ao crivo de circunstâncias peculiares de quem
interpreta a legislação e aplica ao caso concreto.
Por outro lado, como já se discorrido, a utilização de forma desarrazoada e
desproporcional de princípios inerentes ao direito natural enseja uma incerteza
jurídica gritante, beirando extremismo, tendo como principal consequência, o
enfraquecimento do direito positivo e das regras jurídicas.
Bobbio (1995, p. 15) distingue, terminologicamente, os termos “positivismo
jurídico” e “positivismo filosófico”, realizando um corte epistemológico em suas
origens:
A expressão ‘positivismo jurídico’ não deriva daquela de ‘positivismo’ em sentido filosófico, embora no século passado tenha havido uma certa ligação entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas em sentido filosófico: mas em suas origens (que se encontram no início do século XIX) nada tem a ver com o positivismo filosófico — tanto é verdade que, enquanto o primeiro surge na Alemanha, o segundo surge na França. A expressão ‘positivismo jurídico’ deriva da locução direito positivo contraposta àquela de direito natural. Para compreender o significado do positivismo jurídico, portanto, é necessário esclarecer o sentido da expressão direito positivo.
A partir de tal corte epistemológico, Bobbio (1995) desenvolve um roteiro
histórico do positivismo filosófico perante a história do Direito, passando pela época
clássica até os tempos modernos, sempre em contraposição ao jusnaturalismo.
Tratando-se de positivismo jurídico e positivismo filosófico, Costa (1951,
p.3643) assevera:
O positivismo, porém, não inventou nem criou esse novo espírito filosófico. Ele é fruto do desenvolvimento das ciências. O novíssimo organon elaborado por Augusto Comte, visa descrever e sintetizar, num largo panorama, o estado geral das ciências no alvorecer do século XIX. O comtismo, porém, não se apresentaria apenas como uma síntese das ciências do início do século XIX. Destinada a servir de base a moral e a uma política que estivessem de acordo com o
3 COSTA, J. Cruz. Augusto Comte e as origens do Positivismo. Revista de História, Brasil, v. 2, n. 5, p. 81-103, mar. 1951. ISSN 2316-9141. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/34899>. Acesso em: 03 apr. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v2i5p81-103.
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32
grau de desenvolvimento das ciências, esta doutrina pretendia ainda alicerçar, no próprio poder que deriva da ciência, uma religião.
A respeito desse modelo de sistema jurídico Barroso (2011, p. 239) pontua
que
(i) a ciência é o único conhecimento verdadeiro, depurado de indagações teológica ou metafísicas, que especulam acerca de causas e princípios abstratos, insuscetíveis de demonstração; (ii) o conhecimento científico é objetivo: funda-se na distinção entre sujeito e objeto e no método descritivo, para que seja preservado de opiniões, preferências ou preconceitos; (iii) o método científico emprego nas ciências naturais, baseado na observação e na experimentação, deve ser estendido a todos os campos de conhecimento, inclusive as ciências sociais.
Evidencie-se que sete características são destacadas por Barroso (2011, p.
240), quais sejam:
a) a identificação plena do direito com a lei; b) a completude do ordenamento jurídico (não admissão de lacunas); c) o não reconhecimento dos princípios constitucionais como normas jurídicas; d) problemática para justificar a existência dos conceitos indeterminados; e) a confusão conceitual entre vigência e validade da lei; f) o formalismo jurídico; g) o não enfrentamento da legitimidade da legislação.
No âmbito jurídico, o termo pós-positivismo tornou-se conhecido na década
de 1990, quando foi utilizado para designar uma terceira via construída com o
objetivo de superação da tradicional dicotomia entre jusnaturalismo e positivismo
jurídico.
Figueroa (2006) denomina, apoditicamente, os elementos que vinculam o
jusnaturalismo e o juspositivismo, cujos traços centrais seriam o dualismo entre
direito e moral e o objetualismo, com o problema central consistindo em saber se a
pretensão de correção é uma propriedade do conceito de direito.
Adotando como referencial teórico as obras de Ronald Dworkin e Robert
Alexy, essa concepção filosófica do direito tem como alvo principal as três teses do
positivismo metodológico (por sinal, as únicas com as quais concordam todos os
principais posjusitivistas): teoria jurídica descritiva; separação entre direito, moral e
política; e conceito factual de direito.
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33
No sistema constitucional brasileiro, essa acepção fora introduzida pela
primeira vez por Bonavides, na edição publicada em 1995 do seu ‘Curso de Direito
Constitucional”. Bonavides denominou de juspublicismo e pós-positivista “a
construção doutrinária da normatividade dos princípios” desenvolvida a partir do
“empenho da filosofia e da teoria geral do direito em buscarem um campo neutro
onde se possa superar a antinomia clássica direito natural/direito positivo”. Paulo
Bonavides se valeu do tempo do pós-positivismo para identificar os momentos
constituintes do século XX, nos quais se destacavam a imponência axiológica da
principiologia “convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o
edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais” (BONAVIDES, 2012, p. 105).
Outra referência sobre o tema no direito brasileiro é Barroso (2005), no qual a
ascensão dos valores, a essencialidade dos direitos fundamentais e, sobretudo, o
reconhecimento da normatividade dos princípios são apontados como
características marcantes da investida pós-positivista.
1.4. DA SUPERAÇÃO DO PROJETO POSITIVISTA E A ASCENSÃO DO PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO
A superação do positivista é decorrência lógica da pós-modernidade e do
neoconstitucionalismo. Esses dois fenômenos ecoaram a necessidade de se
adequar os Textos Constitucionais à realidade pulsante nas ruas e aos anseios das
camadas sociais menos favorecidas, incorporando os valores tidos como
imprescindíveis para a sociedade.
Perceba-se que a conjunção desses fatores representa justamente uma
própria antinomia ao projeto positivista, haja vista que o próprio positivismo, ao
normatizar a razão iluminista, olvidou os valores sociais e morais do tecido social,
incorporando apenas os fatos.
Ademais, importante destacar que o positivismo jurídico entrou em declínio
nos tempos hodiernos, haja vista que a sua própria razão de ser, ou seja, a busca
pela razão, na verdade, consiste em uma utopia, impossível de ser alcançada.
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Nesse sentido, Barroso (2010, p. 8-11) ensina que o declínio do projeto
positivista se iniciou em meados do século XIX. O mencionado autor ainda elenca
dois fatores primordiais para o declínio do positivismo. O primeiro fator seria inerente
aos preceitos religiosos, filosóficos e políticos cominados por Karl Marx, que,
basicamente, ensinava que a razão não é algo inerente à liberdade individual, mas
está atrelada à conjuntura econômica e social. Portanto, o indivíduo não era livre o
suficiente para ser “senhor de sua razão”, estando essa última atrelada a sua classe
social e de sua posição econômica e política.
Por conseguinte, o segundo fator do declínio do positivismo teria ocorrido com
Freud, principalmente quando o mencionado autor fez a descoberta de que o
homem não é senhor absoluto da própria vontade, de seus desejos, de seus
instintos. De forma muito concisa, pode-se dizer que o ser humano nem sempre
calca suas posições e atitudes com base na razão. Freud explica que o
inconsciente, muitas vezes, faz impor a decisão humana sobre determinadas
situações e assuntos.
Diante desses dois fatores epistemológicos, o positivismo entrou em declínio.
Ora, se o seu objetivo era utilizar uma única metodologia para criar um método
puramente descritivo, percebeu-se que a situação é terminantemente inversa, ou
seja, o intérprete não pode descrever um método puramente descritivo, nem o direito
pode prescrever todas as situações sociais. O que a norma deve perseguir é um
dever-ser, para que a sociedade molde sua conduta a ela.
Assim sendo, a norma jurídica passa a ter uma função de criação para o
intérprete do Direito, e não apenas de subsunção. Por conseguinte, por meio do
corte epistemológico com as demais ciências sociais, o ordenamento jurídico passou
a ser desprovido de qualquer fator social ou valores culturalmente predominantes,
não possuindo o condão de representar o verdadeiro anseio da sociedade, inclusive
com os vetores do regime democrático. Por tal razão, o valor exegético do
ordenamento jurídico acabou fomentando a implantação do nazismo e do fascismo
na Europa. Como ensina Barroso (2010), esses dois movimentos políticos, em que
pesem todas as atrocidades que cometeram, acabaram por ter substrato de validade
nos Textos Constitucionais vigentes, criados sob o prisma do positivismo jurídico.
Doravante, com o termino da Segunda Grande Guerra Mundial, os preceitos
do positivismo jurídico foram devidamente suplantados pelo apogeu do
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neoconstitucionalismo, principalmente por meio do fenômeno da materialização da
constituição e a ideologia constitucional, com a incorporação pelo Texto
Constitucional dos valores éticos e morais imprescindíveis para a sociedade,
principalmente, sob o prisma simbiótico entre democracia e direito e facticidade e
validade.
Barroso (2010, p. 27) ensina, nessa quadra da histórica, que o apogeu do
neoconstitucionalismo abriu caminho, sobretudo, para uma reconstrução do Direito
Constitucional na Europa e na América Latina, provocando ponderações acerca da
Dogmática jurídica, bem como sua função social e sua atividade hermenêutica,
principalmente sob nos seguintes aspectos: a) reconhecimento normativo dos
princípios; b) nova interpretação constitucional; c) valoração dos direitos
fundamentais; d) reformulação da teoria da separação dos poderes; e) distinção
entre regras e princípios.
Cunha Júnior (2011) explica que o neoconstitucionalismo, consubstancia-se
como uma mudança de paradigma entre Estado Legislativo de Direito e Estado
Constitucional, consolidando a força normativa da Constituição e a supremacia
constitucional, bem como a supervalorização dos direitos fundamentais
assegurados.
Por sua vez, para Soares (2013), o neoconstitucionalismo modificou a forma
de eficácia das normas constitucionais, deixando as respectivas normas
constitucionais de terem eficácia meramente retórica, passando as mesmas a terem
eficácia direta, imediata e coercitivas, tendo, inclusive, um vetor dirigente, tanto em
relação ao Poder Executivo, como ao Legislativo, que é o caso das normas de
eficácia limitada.
Por conseguinte, as Constituições Modernas, inspiradas sob o prisma do
neoconstitucionalismo, passam a incorporar valores materiais e políticos
imprescindíveis ao tecido social, que, muitas vezes, assumem feição de princípio ou
de conceitos jurídicos indeterminados, ambos dotados de uma inexorável carga
axiológica, consubstanciando-se em vetores otimizantes para a interpretação
constitucional.
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Barroso (2001, p. 37) ensina que os princípios constitucionais possuem três
importantes acepções: “condensar valores, dar unidade ao sistema e condicionar a
atividade” do intérprete. Senão, vejamos nas palavras do próprio autor:
O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando da filosofia para o mundo jurídico, esses valores compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou implicitamente. […] A novidade das últimas décadas não está, propriamente, na existência de princípios e no seu eventual reconhecimento pela ordem jurídica. […] O que há de singular na dogmática jurídica da quadra histórica atual é o reconhecimento de sua normatividade. Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas. De parte isto, servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. Estes os papéis desempenhados pelos princípios: a) condensar valores; b) dar unidade ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete.
Por sua vez, Agra (2012) afirma que o neoconstitucionalismo representou o
fim de modelos político-institucionais, em que o poder estabelecido não tinha
nenhum comprometimento com a concretização dos dispositivos estabelecidos na
Constituição, podendo implementar livremente as políticas públicas em nome do
princípio da soberania popular. Assim, o Texto Constitucional ganha força normativa
e se transforma em mandamento vinculante para o legislador ordinário, já que
cristaliza a vontade popular.
O neoconstitucionalismo faz com que os critérios de validade sejam materiais
(extrassistêmicos) e formais (intrassistêmicos). Ele não se compadece apenas com
regras de reconhecimento formal, em que os anseios da população são relegados
por formalidades jurídicas. Defende a adoção de critérios também materiais, em que
haja um parâmetro substancial para a aferição das normas. Representa uma
limitação ao procedimentalismo jurídico, calcado seja na democracia, seja no agir
comunicativo, ao mesmo tempo em que impulsiona um substancialismo alicerçado
nos direitos fundamentais.
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Com apanágio em tudo que fora exposto, pode-se dizer que a principal
característica desse novo modelo constitucional é a concretização dos direitos
fundamentais, mormente aqueles de cunho social que dependem de políticas
públicas efetivas por parte do Poder Executivo e que alcançam as camadas menos
favorecidas da sociedade.
Certamente, a história comprova que o surgimento do Estado e o
desenvolvimento do fenômeno do “constitucionalismo” consubstanciam um paralelo
inexorável, encampando uma carga axiológica reveladora de grandes conquistas da
humanidade na luta contra as arbitrariedades do Leviatã, objetivando a concessão
de direitos fundamentais à subsistência humana.
O termo constitucionalismo, por sua vez, denota várias acepções e
transmudações. Certamente, a retrospectiva histórica evidencia uma inexorável
evolução do termo “constitucionalismo” na vanguarda da luta por direitos
fundamentais pela sociedade. Zagrebelsky (1988) ensina que, inicialmente, o
constitucionalismo carrega o escopo de limitar o poder arbitrário do Estado.
Posteriormente, é caracterizado pelo surgimento das primeiras declarações de
direitos humanos. Hodiernamente, o constitucionalismo é adstrito à evolução
histórico-constitucional de determinado Estado, sofrendo fortes influências pelo
fenômeno da globalização.
Para Canotilho (1999), não há um único constitucionalismo, mas diversos
movimentos constitucionais. Dessa forma, de modo propulsor, já se define o
constitucionalismo como uma espécie de movimento político socialmente difundido.
Ensina Ferreira Filho (1993) que o constitucionalismo significa um movimento
político e jurídico, cujo escopo maior implica em estabelecer um pacto constitucional,
por meio da instituição de um governo moderado e limitado, submetido ao crivo de
uma Constituição escrita.
Diante do exposto, podemos conceituar o constitucionalismo como um
movimento de reivindicação política, cujo escopo inicial consubstancia a limitação do
poder estatal, angariando uma repactuação constitucional, por meio da criação de
um novo Texto Constitucional em consonância com os anseios sociais e políticos de
determinada sociedade.
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O marco cronológico do constitucionalismo é dúbio, principalmente por sua
diversidade política. Contudo, parte majoritária da doutrina imputa sua origem ao
movimento político hebreu, tendo suas notas iniciais na Antiguidade Clássica.
Nesse sentido, ensina Tavares (2010) que é errôneo supor o surgimento do
constitucionalismo apenas com o advento das revoluções modernas, que
instauraram a democracia e afastaram os regimes absolutistas até então existentes.
Obviamente, não se tratava de movimentos constitucionais semelhantes ao
constitucionalismo moderno, ou ao constitucionalismo pós-moderno, mas já
significam uma forma rudimentar de constitucionalismo, embrionária, de limitação ao
poder absoluto do Estado Teocrático, mediante a instituição da Lei do Senhor
(LOEWENSTEIN, 1976).
Nesse capítulo da história, o poder do Estado era legitimado por fatores
divinos. Assim, os atos reais eram verdadeiras reproduções da vontade divina e não
poderiam ser questionados por nenhum tipo de autoridade ou manifestação, sob
pena de usurpação à vontade real ou conspiração contra o Senhor. Assim sendo, o
que soberano constituía uma espécie de encarnação de Deus e era enviado à terra
para exercer a missão sagrada de comandar o povo, por intermédio das balizas
divinas.
É na Inglaterra que surgem as primeiras manifestações do constitucionalismo,
durante a Idade Média. Identifica-se explicitamente o constitucionalismo, em meados
do Século XII, por meio da implementação da Magna Charta Libertatum, também em
fase posterior, durante o Século XVII, por meio do embate clássico entre o Rei e o
Parlamento Inglês, por meio da criação da Petition of Rights, de 1628, as
Revoluções de 1648 e 1688 e a Bill of Rights, de 1689.
O resultado desses movimentos constitucionais foi o sepultamento do antigo
regime e a formação de uma Monarquia Constitucional na Inglaterra. E isso
consubstancia um dos marcos históricos do constitucionalismo, ao passo que, pelo
pioneirismo na história, houve uma ruptura da fonte legitimadora do poder estatal.
Assim, uma das primeiras conquistas do constitucionalismo inglês foi a
transmudação da legitimação do Poder do Estado para um Texto Constitucional e
não calcado em uma suposta vontade divina. Consagrou-se, então, a premissa de
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39
que até mesmo o Rei estava submetido aos ditames constitucionais, abolindo a
primazia do poder absoluto e ilimitado.
Nesse sentido, ensina Miranda (1990, p. 124):
o que distingue, sobretudo, a Revolução Inglesa de 1688 da Revolução Francesa está em que aquela se insere numa linha de continuidade, ao passo que a francesa tenta reconstruir a arquitetura toda do Estado desde o começo. A Revolução Inglesa, na linha das primeiras cartas de direitos, não pretende senão confirmar, consagrar, reforçar direitos, garantias e privilégios. A Revolução Francesa destrói o que vem a encontrar para estabelecer outros, de novo. Na Inglaterra, é a realeza que ataca o Parlamento que, em nome da tradição, defende e se defende; na França, o Rei remete-se ao papel de quem, sem forças nem convicção para resistir, tenta obter um adiamento numa liquidação inevitável.
Dessa forma, a transposição de regimes, isto é, da Monarquia Absolutista
para Monarquia Constitucional, fora calcada na própria ideia de progressividade do
antigo regime inglês. Não houve, por assim dizer, uma ruptura constitucional com o
antigo regime, mas apenas uma readequação ao quadro histórico vivido.
Contudo, tal fenômeno não pode menosprezar o valor histórico da Revolução
Gloriosa. Até porque, diferentemente do que ocorreu na França, a Inglaterra não
tinha o escopo de romper bruscamente com o antigo regime e fundar um regime
totalmente revolucionário – o que se pretendia era adequar o sistema às novas
exigências sociais, principalmente por parte das camadas menos favorecidas.
Justamente por isso, não se pode olvidar que um dos frutos da Revolução Sem
Sangue foi o surgimento de um Texto Constitucional escrito.
Doravante, a função de limitação do poder estatal passou a ser ineficiente
para os anseios sociais. Surgiu, então, de modo dialético, a necessidade de que o
constitucionalismo passe a exigir uma nova definição acerca do papel do Estado, ou
seja, uma espécie de repactuação constitucional. Portanto, é nesse ponto da história
que emerge a noção de constitucionalismo moderno, consagrando a primazia dos
textos constitucionais escritos, dotando-os de uma maior legitimação e controle por
parte da sociedade.
Segundo Tavares (2010, p. 32),
O instrumento idealizado para a realização das modernas concepções do constitucionalismo foi traduzido na consubstanciação escrita das normas constitucionais. Com a consagração de textos
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escritos, adota-se um modelo que, obviamente, caracteriza-se: a) pela publicidade, permitindo o amplo conhecimento da estrutura do poder e garantia de direitos; b) pela clareza, por ser um documento unificado, que afasta as incertezas e dúvidas sobre os direitos e os limites do poder; c) pela segurança, justamente por proporcionar a clareza necessária à compreensão do poder.
A exigência de que o texto constitucional seja escrito propicia certa
publicidade aos cidadãos, uma vez que garante o acesso à informação por parte de
toda a sociedade e não apenas de uma classe social, possibilitando um maior
controle da atuação estatal por meio dos serviços públicos.
Outra vertente básica do constitucionalismo moderno é a de que as normas
constitucionais não podem ter uma notação dúbia, evitando-se que pairem
incertezas sobre sua potencialidade e seu efetivo alcance. Busca-se evitar os
casuísmos hermenêuticos, por meio de interpretações lacunosas e dúbias que
otimizam o arbítrio e a baixa eficácia dos preceitos constitucionais, muitas vezes,
deixando as normas constitucionais ao talante da vontade política de determinado
Estado.
Nesta senda, explica Dimoulis e Lunardi (2011) que o modelo de constituição
escrita fora adotado por grande parte dos países europeus e americanos,
geralmente após uma grave e violenta ruptura como o antigo regime, monarquistas e
autoritários. Foi nesse cenário que os Estados Unidos elaboraram sua Constituição
em 1787 e a França, por sua vez, em 1791.
Assim sendo, os séculos XVII e XVIII foram cruciais e consagraram a
ascensão política da classe burguesa por meio das revoluções liberais, o marco do
constitucionalismo liberal. Um dos principais estandartes era o sepultamento do
absolutismo e a eliminação dos privilégios da nobreza. Outra questão crucial era o
combate perene ao estado de insegurança compartilhado pelos que não faziam
parte do poder político real, isto é, a burguesia. Nesse sentido, os pequenos
comerciantes e os membros do terceiro estado ficavam ao talante das incursões
reais, sem dispor de nenhuma espécie de segurança jurídica que os tutelasse.
Buscava-se, desse modo, frear as interferências arbitrárias em suas atividades
pessoais, em sua vida familiar, no exercício de suas profissões, bem como de seu
patrimônio.
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Com a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776, houve
uma ruptura da relação de subordinação que havia entre as treze colônias e a Coroa
Inglesa e o fim das arbitrariedades praticadas pela Coroa Britânica em face dos
colonos americanos, envolvendo, principalmente, a alta carga tributária explorada.
Influenciada pelo jusnaturalismo, uma de suas principais características foi
estabelecer expressamente que o cidadão detinha direitos inalienáveis, inerentes a
sua própria personalidade, e que, caso estes viessem a ser turbados, a população
possuía o direito subjetivo de exigir a substituição do governo tirano por outro que
respeitasse tais direitos naturais. Consagrava-se, de modo propulsor, o direito à
resistência e o princípio da soberania popular, assegurando a autodeterminação dos
povos.
Para Agra (2012), a declaração de independência não fora elaborada como
uma declaração de direitos. Ela foi um texto jurídico com o escopo central de
justificar a separação das colônias do jugo inglês. Para alcançar seu intento, ela
listou, de forma geral, arbitrariedades praticadas pelo governo britânico contra os
colonos e as afrontas que essas ações impingiam aos direitos naturais. Contudo,
não expressou uma lista dos direitos básicos que foram desrespeitados pela Grã-
Bretanha, mas elencou, de forma genérica, alguns direitos vilipendiados pelas
arbitrariedades cometidas.
A Revolução Francesa (1789-1799) representa o marco histórico da
passagem da Idade Média para a Idade Moderna, momento em que um movimento
político liderado pela burguesia, principalmente, pelos girondinos e pelos jakobinos,
suplantou o absolutismo e os privilégios da nobreza. Sua deflagração ocorreu
efetivamente com a queda da Bastilha, em 1789, consagrando o início do Estado
Moderno.
A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia
Nacional Constituinte da França, em 26 de agosto de 1789, inaugurou a nova matriz
do constitucionalismo, amparada na Constituição, na separação dos poderes e nos
direitos fundamentais.
Uma das principais postulações políticas era a criação de uma constituição
escrita, através de uma assembleia constituinte, consubstanciando a ideia de
formação de uma nova ordem que respeitasse determinados direitos fundamentais,
![Page 42: PERSPECTIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM FACE DA … · DIREITOS FUNDAMENTAIS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022110301/5c5bdea609d3f259368c7670/html5/thumbnails/42.jpg)
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sepultando o antigo regime. Tal movimento exigia também que os impostos fossem
isonomicamente repartidos entre as três classes sociais (os clérigos, os nobres e os
burgueses) e que se estabelecessem regras acerca do serviço público, beneficiando
a vida de todos os seus usuários e não apenas dos Clérigos e dos Nobres.
Nesse sentido, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão foi
incorporada ao preâmbulo do Texto Constitucional Francês, consubstanciando o que
hodiernamente se denomina de bloco de constitucionalidade. Ou seja, devido ao
aspecto material de seu texto, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão
passou a ter conotação de norma constitucional, por estar em consonância material
com o exposto na Constituição, gozando de imutabilidade relativa, supralegalidade e
supremacia.
Ensina Dallari (2010) que é bem expresso o fato de que, visando ir além da
afirmação de valores morais e pretendendo dar caráter de norma superior aos
preceitos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em
1789, documento em que se definiam os fundamentos e os pontos básicos de uma
nova organização política, a Assembleia Nacional Francesa tenha decidido colocar
aquela Declaração como preâmbulo da primeira Constituição da França, de 1791.
Tal acontecimento configurou um marco histórico, que impulsionou
movimentos sociais em vários outros países, que angariassem o mesmo escopo,
acarretando uma espécie de corrida constitucional que se alastrou por toda a
Europa.
As Revoluções Americanas e Francesas foram propulsoras na
constitucionalização dos direitos humanos. Surgia, então, a noção de Estado Liberal,
o qual concedia aos cidadãos direitos fundamentais de primeira dimensão, por meio
do constitucionalismo caracterizado pela inércia, ou seja, por uma não intervenção
estatal na vida dos cidadãos. Consagrava-se a ideia de liberdades clássicas e de
direitos individuais, impulsionados pelo novo modelo capitalista econômico e de
produção, no qual a economia estava desvinculada do Estado.
Dessa forma, um dos talantes do constitucionalismo liberal era a consagração
da autonomia individual, calcada pelo liberalismo econômico. Assim, exigia-se uma
obrigação de não fazer do Estado, caracterizado pela inércia na intervenção
![Page 43: PERSPECTIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM FACE DA … · DIREITOS FUNDAMENTAIS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco](https://reader038.vdocuments.com.br/reader038/viewer/2022110301/5c5bdea609d3f259368c7670/html5/thumbnails/43.jpg)
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econômica e social, angariando, desse modo, que cada cidadão pudesse
desenvolver suas próprias potencialidades concomitantes com o bem comum.
O Estado, então, garantia aos cidadãos liberdades fundamentais e direitos
individuais básicos que consubstanciavam as liberdades clássicas, como a de
consciência, de culto, da inviolabilidade de domicílio, de reunião. O destinatário
desses direitos é o homem, em seu aspecto individual, e não apenas a coletividade,
característica inexorável do liberalismo econômico.
A postura inerte do Estado com os problemas sociais, mormente com a
desigualdade, bem como as pressões populares decorrentes do processo de
industrialização em massa e o agravamento das disparidades no tecido social,
impuseram ao Estado uma postura ativa no papel da Justiça Social.
Corre que a própria noção de liberdade sufragava a noção de “igualdade”,
uma vez que ela acarreta suas próprias crises, na medida em que o Estado Liberal
tem uma função inexoravelmente inerte, ou seja, de não intervenção, quando a
Constituição se limita a tratar apenas de organização do Estado, garantindo a
separação dos poderes e direitos de primeira dimensão. Assim sendo, tornou-se
necessário o desenvolvimento de tal premissa constitucional, criando-se
mecanismos que atenuem as desigualdades sociais proporcionadas pelo
liberalismo.
Para Agra (2012), surgiu, então, a ideia de Estado Social, na segunda fase do
constitucionalismo, quando o Estado passa a ostentar uma função inexoravelmente
interventiva nos setores econômicos e sociais. Dessa forma, supera-se o modelo do
liberalismo econômico, passando a intervir diretamente no tecido social, para tentar
estabelecer uma isonomia material, por meio do serviço público e dos direitos
prestacionais positivos de segunda dimensão (à assistência social, à saúde, à
educação, dentre outros).
Todavia, a própria noção de igualdade pode levar à falta de liberdade. Ou
seja, por uma conduta intervencionista demasiada do Estado, objetivando
proporcionar determinada isonomia material, esta pode ser considerada uma
espécie de mitigação de determinadas liberdades, isto é, a busca pela igualdade
material pode engendrar a própria noção de liberdade de determinada parte da
sociedade.
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Dessa forma, surge, então, a terceira fase do constitucionalismo, quando da
instituição da primazia da fraternidade. Por meio da necessidade de que a
Constituição comporte direitos que vão além da relação cidadão-cidadão ou
cidadão-Estado, a titularidade desses direitos passa a ser difusa, coletiva,
transindividual. Assim, o destinatário desses direitos passa a ser toda a sociedade e
não apenas determinadas camadas sociais. Instituem-se, então, os direitos
chamados coletivos e difusos, como meio ambiente etc.
Com a consagração do Estado Democrático de Direito, após a Segunda
Grande Guerra Mundial, surge o denominado constitucionalismo do pós-guerra.
Procurava-se atender à necessidade de reformulação da teoria das fontes do Estado
e da própria noção de Constituição. Esse constitucionalismo emergente supera o
paradigma do positivismo jurídico e consagra a existência de um movimento teórico
jurídico-político em que se buscava a limitação das atividades do poder estatal, por
meio da concepção de mecanismos aptos a gerar e garantir o exercício da
cidadania. Assim, o sistema consagra uma facticidade lógica entre direito e
democracia, expurgando o corte epistemológico do positivismo normativista
desenvolvido por Kelsen durante o Século XIX. Tem início, então, o denominado
neoconstitucionalismo.
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CAPÍTULO 2 – O PAPEL DO JUDICIÁRIO DIANTE DA INÉRCIA ESTATAL
2.1. DA CONCEPÇÃO DE ESTADO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Bobbio (1994) aponta o surgimento da organização estatal como um produto
derivado da própria razão humana. Nas palavras do próprio autor:
O Estado é concebido como produto da razão, ou como sociedade racional, única na qual o homem poderá ter uma vida conforme à razão, isto é, conforme a sua natureza. O pensamento político moderno, de Hobbes a Hegel, caracteriza-se pela constante tendência – ainda que no interior de diferentes soluções – a considerar o Estado ou sociedade política, em relação ao estado de natureza (ou sociedade natural), como o momento supremo e definitivo na vida comum e coletiva do homem, ser racional; como o resultado mais perfeito ou menos imperfeito daquele processo de racionalização dos instintos ou das paixões ou dos interesses, mediante o qual o reino da força desregrada se transforma no reino da liberdade regulada (BOBBIO, 1982, p.19).
Ainda segundo Bobbio (1982, p 20):
ocorre mediante a utilização constante de um modelo dicotômico, que contrapõe o Estado enquanto momento positivo à sociedade pré-estatal ou antiestatal, degradada a momento negativo.
Hodiernamente, o contexto do Estado apresenta-se em vertentes distintas. A
primeira vertente, mais remota, consubstancia-se no Estado Patrimonialista, onde
existe uma inexorável confusão patrimonial entre bens do Estado e de seus
gestores. A segunda vertente diz respeito ao Estado Burocrático, e a terceira
corresponde ao Estado Gerencial.
Pereira (2001) expõe que o Estado Burocrático se consubstancia como
Estado interventor, usualmente reconhecido como centralizador. Dentro dessa
concepção, entende-se o Estado como um instrumento de inovação estrutural,
responsável pelas implementações econômicas, sociais e tecnológicas no tecido
social, concebido como uma instituição puramente racional, capaz de corrigir os
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desvios promovidos pelo setor privado, inclusive intervindo na esfera econômica da
sociedade.4
Ainda leciona o mencionado autor que, nesse tipo de Estado, o serviço
público mais importante é o da administração da Justiça, exercido por monopólio
pelo Poder Judiciário. Assim sendo, observa-se que a matriz da eficiência não era
vista de forma essencial. O princípio da eficiência, afirma Pereira (2001), só passou
a ser visto de forma categórica pelo Estado, em razão do apogeu do Estado Social,
a partir do Século XX, com a implementação e a consolidação do Welfare State,
quando o Estado passou a assumir um papel imprescindível nos serviços sociais e
na esfera econômica.5
Por sua vez, segundo Mafra (2005, p. 1):
O Estado marcado com uma administração gerencial é aquele que tem como objetivos principais atender a duas exigências do mundo atual: adaptar-se à revisão das formas de atuação do Estado, que são empreendidas nos cenários de cada país; e atender às exigências das democracias de massa contemporâneas.
Com efeito, a adoção do modelo de Estado Gerencial pela nossa Constituição
Federal de 1988 exige uma revalorização jurídica e política por parte dos mais
variados setores da Administração Pública dos nossos entes federais, fomentando
um protagonismo único do Poder Executivo na concretização de políticas públicas,
principalmente dos direitos fundamentais.
Passível de registro que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10
de dezembro de 1948, da III Sessão Ordinária da Assembleia Geral das Nações
Unidas, da qual o Brasil é signatário, assim dispões no seu artigo 25:
Artigo XXV § 1º Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em casos de
4 Por isso: Pereira (2001, p. 232) afirma que: “Além da clássica tarefa política e administrativa, a nova burocracia passava a ter uma função econômica essencial: a coordenação das grandes empresas produtoras de bens e serviços, fossem elas estatais ou privadas”. 5 A necessidade de uma administração pública gerencial, portanto, decorrente de problemas não só de crescimento e da decorrente diferenciação de estruturas e complexidade crescente da pauta de problemas a serem enfrentados, mas também de legitimação da burocracia perante as demandas da cidadania.
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desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios subsistência e circunstâncias fora de seu controle.
Exsurge, cristalinamente, que o art. 196 da Constituição da República
Federativa do Brasil teve inspiração na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
inclusive emoldurando a saúde como direito de todos e dever do Estado,
assegurando mediante políticas sociais que até então se encontra no âmbito
programático, prometendo políticas sociais e econômicas, que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Inversamente, o vasto catálogo dos direitos fundamentais e sociais exige do
Administrador Público políticas públicas efetivas concretizadoras de tais
mandamentos constitucionais, principalmente aqueles destinados à camada social
hipossuficiente que não possuem condições financeiras e econômicas para buscar
serviços alternativos senão o fornecido gratuitamente pelo Estado.
Para assegurar a gratuidade desses serviços a todos os brasileiros, o
constituinte originário estabeleceu no art. 194, do Título VIII, que trata da Ordem
Social – Seguridade Social, que os recursos deverão partir da seguridade social
definida como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e
da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social”.
A seguridade social tutela, a todos os brasileiros, três serviços essenciais com
o intuito da preservação da dignidade da pessoa humana, quais sejam: a
previdência, a assistência social e a saúde. Desses serviços – autônomos entre si –
a saúde se destaca por sua abrangência.
Enquanto que a Previdência implantou o sistema contributivo e retributivo, só
admitindo a possibilidade de ser aposentar com os mesmos vencimentos se o
contribuinte tiver recolhido o número mínimo de contribuição, decorrente de cálculos
atuariais (cf. Lei 8.213/91), não tendo, o pobre na forma da lei, direito aos benefícios
previdenciários pelo simples fato da sua condição social a assistência social, ao
revés, só ampara os brasileiros comprovadamente hipossuficientes.
O art. 203, da CR/88, estabelece que
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a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
De uma leitura atenta do texto legal, observa-se que brasileiros
hipossuficientes têm direito de ser tutelado por esse segmento autônomo da
seguridade social, mas os abastados e bem aquinhoados, não.
Já a saúde, de que trata o art. 194, da Constituição Federal, tem um sentido
mais abrangente e protetivo tendo em vista que é conferido a todos – sem exceção –
o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive aos que são detentores de
posse.
E o Sistema Único de Saúde do Brasil, inspirado no sistema Inglês National
Health Service (Serviço Nacional de Saúde), é um dos maiores sistemas de saúde
pública no mundo, que assegura acesso universal, igualitário e integral à população,
que abrange desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos6.
Por derradeiro, apesar dos serviços de Previdência, Assistência Social e
Saúde serem públicos, é possível a iniciativa privada atuar nestes segmentos, como
as previdências privadas, as casas de caridade (que fazem assistência social) e os
planos de saúde que cobram, supletivamente aos mais aquinhoados, a saúde.
2.2. EXPANSÃO JUDICIAL E A CONSAGRAÇÃO DA REVISÃO JUDICIAL
Como exposto, a priori, durante a década de 1960, houve uma intensificação
dos movimentos sociais com o escopo de garantir uma maior representatividade
6 Disponível em: <http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2013/agosto/28/cartilha-entendendo-o-sus-2007.pdf> Acesso em: 17 de abril de 2017.
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junto aos poderes constituídos do Estado, bem como, respeito aos direitos
fundamentais constitucionalmente reconhecidos.
Nesse desiderato, houve uma mudança radical de paradigma do cenário
político e social, mormente no que concernia às desigualdades sociais. Consolidou-
se a mutação do Estado Liberal ao Estado Social (Welfare State). Assim sendo, o
Estado e o constitucionalismo passaram a ter como fator conjugador teleológico a
tutela da isonomia material, densificando esse apanágio em um vasto e amplo
catálogo de direitos sociais.
O aumento progressivo da litigiosidade e a expansão do Poder Judiciário
foram resultantes lógicos disso, passando este último a ter a prerrogativa inexorável
de socorrer o cidadão perante a ineficiência das políticas públicas e a inércia
legislativa e executiva, concretizando os direitos fundamentais, principalmente os de
caráter social, garantidos pelo texto constitucional.
Vallinder e Tate (1995) ressaltam que a expansão judicial está intimamente
interligada à queda do comunismo no Leste Europeu e ao fim da União Soviética.
Tais autores ensinam que o sepultamento do socialismo e a ascensão do
capitalismo foram inexoráveis para o desenvolvimento da revisão judicial e o
consequente poder judicial, oriundo da própria jurisprudência dos tribunais nos
Estados Unidos. Por outro lado, há também quem entenda que a judicialização da
política atenda exclusivamente aos interesses econômicos globais.7
Como se percebe, a expansão do Poder Judiciário se caracteriza por um
papel decisório na concretização dos direitos fundamentais, sobretudo nos casos de
omissão do Poder Executivo e do Poder Legislativo, bem como por meio da
“Revisão Judicial”, que da possibilidade de certos atos administrativos do Poder
Executivo serem revistos pelo Poder Judiciário, mediante o controle de legalidade.
Carvalho (2004, p. 127) pontua seis motivos para o aparecimento da
judicialização da política no Brasil:
7 Conforme afirma Santos (2001, p. 127): "A reforma judicial é um componente essencial do novo modelo de desenvolvimento e a base para uma boa governação, devendo, por isso, ser a prioridade do Estado não intervencionista. A administração da justiça é essencialmente um serviço prestado pelo Estado à comunidade, de maneira a preservar a paz social e facilitar o desenvolvimento econômico por meio da resolução de conflitos" Conclui o autor: "De todos os consensos liberais globais, o do primado do Estado de Direito e do sistema judicial é, de longe, o mais complexo e intrigante" (SANTOS, 2001, p. 127).
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i) um sistema político democrático; ii) o princípio da separação de Poderes; iii) o exercício de direitos políticos; iv) o uso dos tribunais, em alguma medida, pelos grupos de interesse; v) o uso dos tribunais pela oposição; e vi) a inefetividade das instituições majoritárias.
A primeira condição política para a expansão judicial é a consolidação do
regime democrático. Tal pressuposto é inerente ao regime democrático consolidado,
consubstanciando-se a pluralidade de ideais como fonte inexorável para o
desenvolvimento do ambiente político, sendo pressuposto básico para qualquer tipo
de expansão judicial o desenvolvimento político e democrático da sociedade, por
meio do aperfeiçoamento das instituições democráticas e da consciência cívica dos
cidadãos.
Isto porque não há expansão judicial ou, muito menos, revisão judicial em
governos autoritários, nos quais o Poder Judiciário e seus membros não possuem a
liberdade e a independência funcional necessária para exercerem de forma coerente
suas funções, bem como de controlar os desmandos do Poder Executivo.
A segunda condição política para a expansão judicial é a separação dos
poderes, como textualizado e constitucionalizado pelo Texto Constitucional de 1988.
O princípio da separação dos poderes conforme fora constitucionalizado pela Carta
Magna, além de estabelecer competências básicas aos três poderes republicanos,
zela pela harmonia e independência de cada um deles, permitindo, por meio de um
vetor teleológico, que os três poderes possam ser protagonistas no dever de
concretizar os mandamentos constitucionais e os direitos fundamentais. Para
Ackerman (1993), o princípio da separação dos poderes deve ser interpretado em
consonância com a pós-modernidade, tendo um sentido teleológico.
A terceira condição política de possibilidade para a expansão judicial é a
existência de direitos políticos, depreendendo-se no exercício da cidadania passiva
(capacidade de ser votado) e da cidadania ativa (direito de votar). Contudo, Tate
(1995) adverte que não é condição suficiente, pois há casos contrários, como Israel,
em que a expansão judicial independe de uma carta formal de direitos políticos.
Contudo, a cidadania, de fato, tem encontrado suporte fático e normativo nos
tribunais, principalmente, acerca da participação política da sociedade no orçamento
público, bem como, por meio de plebiscito e referendo, de audiências públicas sobre
os mais variados assuntos, como também por meio da garantia, pelo Pode
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Judiciário, do direito de manifestação pública, seja a favor do governo, seja em
protesto sobre decisões políticas que foram tomadas.
A quarta condição política para a expansão judicial diz respeito a provocação
judicial dos tribunais pelos grupos de interesse, principalmente os grupos
minoritários, de modo a que direitos básicos sejam garantidos por meio da prestação
jurisdicional, por meio do controle de constitucionalidade.
Esses grupos, historicamente, não foram contemplados por políticas
direcionadas aos seus integrantes, tendo em vista a ausência de interesses
econômicos e sociais centrais, que, por sua vez, estruturam o sistema político
vigente.
A quinta condição política para a expansão judicial se refere aos partidos de
oposição, principalmente, quando a oposição não tem a maioria no parlamento e
recorrem ao Judiciário para frear as alterações realizadas pela base do governo,
utilizando-se, portanto, dos tribunais para obstaculizar e até mesmo inviabilizar
determinadas manobras do governo.
Por sua vez, a sexta condição política para a expansão judicial alude a
ineficiência das instituições majoritárias, tratando-se de um pressuposto negativo, se
refere à incapacidade das instituições democráticas em atender aos anseios sociais
(VALLINDER; TATE, 1995, p. 29).
Vallinder e Tate (1995, p. 35) explica que existem dois modelos de
judicialização da política: a “from without”, que seria a reação do Poder Judiciário à
provocação de um particular (tal modalidade de judicialização ostenta o escopo de
revisar uma decisão tomada pelo Poder Público, tendo como norte a Constituição
Federal, por meio de um controle jurisdicional de constitucionalidade); e a “from
within”, que é o manejo das ações judiciais na administração pública.
Dessa forma, segundo Carvalho (2004), é possível perceber a problemática
em conceituar, caracterizar e estabelecer alcance do processo de judicialização da
política. No que tange às causas geradoras da expansão judicial, a doutrina aponta
para o colapso do socialismo, a hegemonia americana, a evolução da jurisprudência
constitucional, as guerras mundiais, os direitos humanos, o neoliberalismo, o
ativismo dos juízes, dentre outras causas.
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Logo, percebe-se o amplo espaço no cenário político e no imaginário social
ocupado pelos Tribunais Constitucionais que, a partir da Segunda Grande Guerra
Mundial, lapidou-se um prisma de uma jurisdição constitucional calcada em uma
forte carga de legitimidade, por meio da concretização dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, em julgamento de caso concreto, juízes e Tribunais se
“acotovelam” entre tecnicismos jurídicos e sentimentos ideológicos em desprestígio
do jurisdicionado.
Conforme se observa no Recurso Extraordinário 858075, de origem no
Estado do Rio de Janeiro, cujo agravante foi o Ministério Público Federal em face da
União e do Munícipio de Nova Iguaçu/RJ. Tal recurso de repercussão geral, com
relatoria do Ministro Marco Aurélio, destacando o controle judicial e o princípio da
separação de poderes, garantiu a possibilidade de o Poder Judiciário determinar aos
municípios e à União a aplicação de recursos mínimos na área da saúde.
Em um breve relato do caso, tem-se que o Ministério Público Federal, em
ação civil pública, pleiteou o cumprimento das normas previstas no artigo 77 do Ato
das disposições Constitucionais Transitórias, bem como, nos artigos 160, parágrafo
único, inciso II e 198, §§ 2º e 3º, ambos da Constituição Federal, que discorrem a
respeito da aplicação de recursos orçamentários mínimos nas ações e serviços
públicos de saúde. Na sentença de primeiro grau, o magistrado julgou parcialmente
procedente o pedido e determinou que o Município de Nova Iguaçu incluísse no
orçamento e depositasse no Fundo Municipal de Saúde quantias para serem
utilizadas nas ações e serviços de saúde; determinou também que a União
acompanhasse e condicionasse a entrega de recursos relacionados à partilha de
receitas tributárias (Art. 159, I, “b”, CF).
Dessa sentença, a União apresentou apelação, que, por sua vez, foi provida
pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, reformando a sentença do juízo a quo,
que versava sobre a ausência de Lei Complementar, que indique a maneira pela
qual deveriam ser atendidos as normas constitucionais referentes à vinculação de
receitas orçamentarias, e, portanto, assentou que o Poder Judiciário não poderia
elaborar uma regra para esse caso concreto sem que violasse o princípio da
separação dos poderes, disposto no artigo 2º da Constituição Federal.
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E, dessa decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, surgiu o
Recurso Extraordinário em comento, que por unanimidade, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da matéria,
indicando que o Poder Judiciário pode impor a administração pública a aplicação de
medidas que garantam os direitos fundamentais a saúde.
Nessa perspectiva, pode-se ressalvar também o Agravo Regimental no
Recurso Extraordinário 1014959, de relatoria do Ministro Edson Fachin, em que o
agravante foi o Município de Aracajú e o agravado o Ministério Público do Estado de
Sergipe. O caso em comento, trata-se da existência de superlotação e
clandestinidade em cemitérios públicos, de modo a ocasionar riscos à saúde pública
e falta de condições de higiene. Na sentença de primeiro grau, foi determinado que o
Município deverá construir uma nova necrópole. Dessa decisão, o Município interpôs
recurso de apelação ao Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE), sob a
arguição de interferência do Poder Judiciário no Poder Executivo e falta de recursos
públicos. O TJSE decidiu, por unanimidade, por conhecer e não prover o recurso.
Insatisfeito com o acórdão proferido pelo TJSE, o Município interpôs recurso
ao STF, que foi negado em decisão monocrática, do qual surgiu o agravo regimental
em comento, que, em sessão virtual, os Ministros da Segunda Turma do STF
acordaram, por unanimidade, em negar o provimento a esse agravo regimental,
indicando ser firme o entendimento de que o Poder Judiciário pode determinar a
implementação de políticas públicas que asseguram direitos constitucionais, sem
que violem o princípio da separação dos poderes.
Se, por um lado, o Poder Judiciário avança no sentido de suprir as lacunas
deixadas e não preenchidas de forma adrede pelos Poderes Executivo e Legislativo,
respectivamente, por outro, insensível ao clamor social, passa a repetir a “mantra”
do jurista e filósofo dinamarquês Ross (2003, p. 199) de que “o poder não é
conferido às autoridades públicas para ser exercido como elas queiram, mas para
ser exercido de acordo com as regras estabelecidas ou princípios gerais
pressupostos”.
2.3. O ATIVISMO JUDICIAL E A CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS
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Kelsen (1928) foi o primeiro a utilizar o discurso de concretização dos direitos
fundamentais, como fonte legitimadora para a má postura mais ativa e
intervencionista do Poder Judiciário, por intermédio dos tribunais constitucionais e do
judicial review.
O Poder Judiciário brasileiro, nos últimos anos, tem ocupado papel de
destaque acerca da concretização das políticas públicas e dos direitos sociais,
principalmente em razão da ineficiência das políticas públicas fomentadas pelo
Poder Executivo e pela inércia do Legislativo em fiscalizar questões importantes
envolvendo direitos sociais.
Paula (2010) ressalta vários doutrinadores que procuram enfatizar duas linhas
de debate envolvendo os temas de ativismo judicial e direitos fundamentais. A
primeira, refere-se à nova reformulação da teoria da separação dos poderes e, a
segunda, seria a intervenção do Poder Judiciário para a concretização dos direitos
individuais e sociais, contidos, apodicticamente, nos arts. 5º e 6º do Texto
Constitucional.
O grande debate que fomenta o diálogo constitucionalista é o superpoder que
vem se tornando o Poder Judiciário, funcionando como válvula de escape para
solucionar todas as questões envolvendo políticas públicas e direitos sociais. A
substituição do legislador e do Executivo pela vontade do Juiz é vista com cautela,
principalmente, sob o ângulo da separação dos poderes e do regime democrático.
Com efeito, Paula (2010) alerta para os constantes conflitos normativos e
decisões contra legem que exsurgem com a massificação dos conflitos, sobretudo
envolvendo uma relação vertical entre o cidadão e o Estado, acerca do conflito entre
uma decisão judicial e um direito posto.
Como se percebe, a revalorização jurídica do Direito, calcada pelo viés do
neoconstitucionalismo, bem como a expansão judicial, modificou drasticamente a
postura dos juízes e do papel do Poder Judiciário nos Estados Constitucionais,
alterando significativamente o cenário jurídico dos diversos Estados que adotavam o
modelo constitucional do welfare states.
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Tal fenômeno, além de implicar na denominada judicialização moderna,
possibilitou a expansão e o desenvolvimento das instituições sociais e democráticas,
mormente como protagonistas da concretização e efetivação dos direitos individuais
e coletivos, aproximando o Poder Judiciário aos proclames sociais e aos anseios
populares (PAULA, 2010).
No que tange ao cenário brasileiro, podemos vislumbrar um ativismo judicial
mais calcado sob o prisma de concretização dos direitos fundamentais,
principalmente, aqueles que não foram regulamentados pelo Poder Legislativo, ou
seja, os de eficácia limitada, assim como os que, em razão da ineficiência das
políticas públicas, não são concretamente efetivados pelo Poder Executivo. Nessa
perspectiva, percebe-se que, no Brasil, a jurisdição constitucional se mostra calcada
sob o manto da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que objetiva
resguardar a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais.
Sob o ângulo da concretização dos direitos fundamentais, o Supremo Tribunal
Federal Brasileiro tem tomado decisões importantes, como, por exemplo: células-
tronco, união homoafetiva, a liberdade de expressão e a questão de infidelidade
partidária.
2.4. A EXPANSÃO JUDICIAL NO BRASIL E O SUBJETIVISMO DAS DECISÕES
A Carta Magna de 1988 tem proporcionado o maior elastério de tempo de
estabilidade política e institucional da história republicana deste país, quebrando
uma tradição de sequenciais de golpes de Estado e um período de instabilidade
institucional histórico. Nesse sentido, ensina Barroso (2005) que, sob a égide da
Constituição de 1988, o Direito Constitucional alcançou o seu píncaro em menos de
uma década. Barroso (op. Cit.) adverte que uma Constituição deve simbolizar,
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56
conquistar e movimentar o intelecto das pessoas para novas conquistas, por meio
do acordar de um sentimento constitucional.8
Foi a partir da promulgação da Constituição analítica de 1988 que houve, por
bem, um grande aumento de litigiosidade judicial e a expansão judicial, em razão da
consagração do princípio da universalidade de jurisdição e o vasto catálogo de
direitos sociais trazidos pelo Texto Constitucional, como também com a criação e
transformação do Estado brasileiro em um Estado Democrático Social de Direito.
Assim, o Poder Judiciário passa a ser provocado pela sociedade (cidadãos e
entidades de classes, partidos políticos), para intervir diretamente na esfera social,
seja para tutelar o cidadão, em uma relação vertical com o Estado, seja para
protegê-lo contra seu próprio semelhante, em uma relação horizontal.
Interessante notar que, com a expansão judicial, o Poder Judiciário brasileiro
também passa a ser órgão revisor dos atos administrativos, das políticas públicas do
Poder Executivo, no exercício inexorável de controle de legalidade e
constitucionalidade dos atos do Poder Público.
Isto ocorre, porque os séculos XX e XXI tentam conferir um caráter
plurifuncional à função jurisdicional do Estado, marcando um novo modo de se
interpretar o direito. Isto implica dizer que, a atividade jurisdicional deixa de ser
invariavelmente a aplicação do direito ao caso concreto, ou seja, o exercício
inexorável da subsunção, em que, segundo as lições de Cappelleti (1993), o Juiz
que se limita a dizer o direito, passa, mormente no século XXI, a uma atividade
criativa e axiológica9.
8 Nas palavras de Barroso (2005): “A Carta de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade institucional da história republicana do país. E não foram tempos banais. Ao longo da sua vigência, destituiu-se por impeachment um Presidente da República, houve um grave escândalo envolvendo a Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, foram afastados Senadores importantes no esquema de poder da República, foi eleito um Presidente de oposição e do Partido dos Trabalhadores, surgiram denúncias estridentes envolvendo esquemas de financiamento eleitoral e de vantagens para parlamentares, em meio a outros episódios. Em nenhum desses eventos houve a cogitação de qualquer solução que não fosse o respeito à legalidade constitucional. Nessa matéria, percorremos em pouco tempo todos os ciclos do atraso”. 9 “Significa que devem ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise linguística puramente formal, mas também e sobretudo aqueles da história e da economia, da política e da ética, da sociologia e da psicologia” (CAPPELLETTI, 1993, p. 35).
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57
Tanto é verdade que, em contraposição à teoria kelseniana, surge a teoria do
pensamento do possível, idealizada por Peter Häberle, alargando o espeque da
interpretação constitucional dentro do contexto da sociedade aberta “offene
Gesellschaf”, de que fazem parte os tentáculos do governo, bem como, as empresas
públicas e privadas e a sociedade em geral, não se podendo estabelecer um rol
taxativo de seus integrantes ou fixo com números clausus de intérpretes da
Constituição (HARBELE, 1997).
O que ensina Harbele (1997, p. 31) e tenta instituir é uma forma de
democratizar a noção de interpretação constitucional, objetivando alcançar a melhor
interpretação possível que esteja em sintonia e respaldo com a realidade fática de
determinada sociedade pluralista, pois “a vinculação judicial à lei a independência
pessoal e funcional dos juízes não podem escamotear o fato de que o juiz interpreta
a Constituição na esfera pública e na realidade”.
A densidade normativa das normas constitucionais, os princípios
constitucionais agasalhados pelo Constituição, assim como os valores por ela
positivados, permitem uma atividade hermenêutica axiológica, na aplicação do
direito. Inversamente, as cláusulas gerais, os conceitos jurídicos indeterminados e
as normas programáticas e o vasto leque de direitos sociais constitucionalizados
permitem que a sociedade civil possa reivindicar tais ilações, por meio de
provocação do Poder Judiciário.
Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal acaba rompendo o paradigma
de uma postura tradicional do que se denominava de legislador negativo e passa a
atuar também, ainda que de forma temporária, como legislador positivo, na medida
em que regula determinada situação, mormente a falta de criação por parte do
Poder Legislativo de norma regulamentadora. Explica o Ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal, que se trata de uma verdadeira sentença de perfil aditivo,
aplicada em contextos de eventuais faltas, lacunas ou omissões do próprio
legislador. Ou, às vezes, em certo estado de necessidade.10
Ocorre que, atrelado ao desenvolvimento e a expansão judicial, adveio um
subjetivismo acintoso das decisões judiciais, proporcionando, inclusive, decisões
10 MENDES, Gilmar F. Poder Judiciário. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: HTTP://conjur.estadao.com.br/static/text/60520,1>. Acesso em: 18 out. 2007.
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58
discrepantes, envolvendo casos semelhantes.11 Tal fenômeno enseja um estado
latente de insegurança jurídica permissivo ao regime democrático, além de extirpar o
cânone da isonomia, na medida em que são proferidas decisões conflitantes em
casos similares.
Sabe-se que, após sete constituições e as oscilações de governantes que
inspiravam medo, o Brasil fez a última constituição analítica, impondo ao Supremo
Tribunal Federal a tarefa de “guardião” da Lex Mater.
Por ser analítica o constituinte originário conferiu ao Supremo Tribunal
Federal o poder de processar e julgar matérias que afetam diretamente o texto da lei
maior, mas não foi só. Ainda conferiu poderes para processar e julgar os detentores
de foro privilegiado, de convocar audiências públicas com a instituição do Amicus
Curie visando discutir matéria sensíveis e de interesse da sociedade como é o caso
do aborto, células-tronco, fetos anencéfalos, direito dos homoafetivos, quotas raciais
e etc.
O STF é a terceira e última instância de julgamento e com direito de
estabelecer repercussão geral visando a edição de súmula vinculante para o Poder
Executivo e Judiciário.
Por estas premissas, ínsitas no texto constitucional, o Supremo Tribunal
Federal, é, sem medo de errar, a Corte que mais tem poderes de todos os país
aonde se respira o estado social de direito.
11 Exemplo disso foi o caso Jader Barbalho, calcado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 631102.
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CAPÍTULO 3 – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
3.1. DA VINCULAÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DIREITOS SOCIAIS
Entre o lapso temporal do aparecimento dos direitos sociais aos tempos
hodiernos, houve uma mutação inexorável por parte da sociedade, por meio de
vetores importantes, como, por exemplo, a industrialização, a urbanização, os
avanços tecnológicos e a globalização. Essa mudança orgânica do Estado, bem
como a falência do liberalismo econômico, fez surgir uma nova fase do
constitucionalismo.
Tavares (2010) conceitua os direitos sociais como direitos fundamentais de
segunda dimensão, que determinam a Administração Pública uma atuação positiva,
marcada pela implementação da isonomia material e uma tutela aos
hipossuficientes.
O art. 6º da Constituição Federal, refere-se, de forma bastante exemplificativa,
quais são os direitos sociais por excelência, o direito à saúde, ao trabalho, ao lazer,
à previdência social, à assistência aos desamparados etc.
Nesse sentido, cite-se:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015).
Explica Ferreira (1989) que o espeque dos direitos sociais não pode ser
interpretado de forma taxativa, ou seja, de lista fechada, sendo o seu rol de caráter
meramente exemplificativo, em que o legislador constituinte apenas condensou o
mínimo necessário indisponível para o bem-estar social.
De forma bastante concisa, podemos conceituar os direitos sociais como um
desdobramento lógico dos direitos humanos. Na verdade, os direitos sociais
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implicam um requisito concretizador dos direitos fundamentais, ao passo que
fomentam a relação vertical entre o cidadão e o Estado, exigindo-se uma postura
prestacional dos entes estatais na sociedade. Outrossim, utilizando as lições de
Alexy (2008, p. 487), deve-se falar em direitos sociais como o conjunto de direitos
sem os quais as liberdades públicas significam meras “fórmulas vazias”. Por outro
lado, ensina Stein que “a liberdade é apenas real quando se possuem as condições
da mesma, os bens materiais e espirituais para tantos pressupostos da
autodeterminação”.
Silva (2010, p. 289-290) entende os direitos sociais como sendo aquelas:
Prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.
De forma subliminar, o insigne constitucionalista parte da premissa aristotélica
da distribuição de direitos iguais aos iguais, dosando-o na medida de suas
desigualdades e nivelando-o pelo grau de fragilidade com o escopo de evitar
abismos colossais do tecido social.
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes alerta que
Em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos. Dessa forma, em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Essas escolhas seguiriam critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas, as quais pressupõem “escolhas trágicas” pautadas por critérios de macrojustiça. É dizer, a escolha da destinação de recursos para uma política e não para outra leva em consideração fatores como o número de cidadãos atingidos pela
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política eleita, a efetividade e a eficácia do serviço a ser prestado, a maximização dos resultados etc (MENDES, 2011. p. 668).
A conceituação acima transcrita aborda justamente a principal diferença entre
os direitos sociais e as liberdades individuais: enquanto, no que tange às liberdades
individuais, a titularidade circunscreve apenas ao ser humano de forma
individualizada; os direitos sociais comportam uma dimensão coletiva, abrangendo
toda a coletividade indistintamente, com condições mínimas de subsistência
garantidas pelo Estado, permitindo que cada cidadão possa desenvolver suas
potencialidades. Como se percebe, a projeção dos direitos sociais é direcionada à
sociedade e não ao indivíduo propriamente dito.
Portanto, a liberdade individual e a autonomia da vontade, pedras de toque do
liberalismo econômico, são substituídas pelo manto da invariável axiologia da
igualdade dos direitos sociais. Como se percebe, o surgimento dos direitos sociais
representa o apogeu do Estado Social, principalmente da expansão do Estado e do
aperfeiçoamento de suas funções, passando o Estado a ter um papel interventor da
sociedade, impelindo a atuar diretamente na ordem econômica e social, deixando de
ter um papel meramente absenteísta.
Obstante ao que se pode pensar, o apogeu dos direitos sociais não
representa o fim da liberdade individual e da autonomia da vontade, mas se
consubstancia como um vetor otimizador de tais prerrogativas, na medida em que,
por meio da intervenção estatal, possibilita a otimização da qualidade de vida dos
cidadãos, outorgando aos mesmos, condições de possibilidades para
desenvolverem sua personalidade da melhor forma possível, densificando a
pluralidade social.
Nesse sentido, ensina Miranda (2000, p. 386):
E aqui sobressaem, em geral, directamente, as incumbências de promover o aumento do bem-estar social e econômico e da qualidade de vida das pessoas, em especial, das mais desfavorecidas, de operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, de eliminar progressivamente as diferenças econômicas e sociais entre a cidade e o campo e de eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio.
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Igualmente, Agra12 assevera:
Essa prestação por parte do Estado não significa uma mitigação da liberdade, num incremento da burocracia ou em uma perda da autonomia individual. Eles não são ontologicamente contrários aos direitos individuais. Devem ser concebidos em interação com as prerrogativas de primeira dimensão, em razão de que sem determinados requisitos materiais eles não podem ter uma ampla eficácia empírica. Configura-se como uma evolução dos direitos de primeira dimensão, englobando com os liames da obrigatoriedade os entes estatais.
Independente de qualquer concepção ideológica de Estado que se adote, seja
pela vertente liberal, seja pela acepção social, modernamente, os direitos sociais
são caracterizados pela função de proteção aos setores sociais mais carentes,
objetivando condensar uma sociedade mais justa e solidária, concretizando o
corolário da isonomia material.
Justamente por ter esse caráter programático no contexto constitucional de
cada Estado, tutelando as camadas sociais hipossuficientes e contribuindo para uma
distribuição de políticas pública mais equânimes, os direitos sociais não são
passíveis de sofrer qualquer tipo de retrocesso por parte da organização política
vigente.
Como se sabe, o sistema jurídico não é um todo e que se encerra
individualmente, muito menos prepondera o corte epistemológico do positivismo
jurídico proposto por Hans Kelsen. Assim, impõe-se uma constante necessidade de
adequação às evoluções sociais, evitando-se qualquer lacuna ontológica ou
axiológica no sistema jurídico. Por conta do exposto, os direitos sociais devem ser
vistos, segundo Jardim (2012), em living constitution, como direito vivente, que de
acordo com Cavino (2001, p. 162), algo que acompanha o desenvolvimento do
contexto social. Outrossim, outros direitos sociais, como os dos trabalhadores e de
seguridade social, possuem eficácia imediata, consubstanciando o que a doutrina
constitucionalista denomina de self-executing.
Para Strauss (2010), a doutrina do living constitution significa um Texto
Constitucional variável de acordo com a evolução social, que acompanha as
mudanças sociais, adaptando-se à nova realidade social, sem necessariamente ser
12 Disponível em: <http://docslide.com.br/documents/walber-de-moura-agra-direitos-sociais.html> Acesso em: 15 de maio de 2017.
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flexível. Em contraponto, Ackerman (2007) critica bastante a respectiva teoria, tendo
em vista que o termo “living constitution” não é um slogan conveniente para
transformar uma imperfeita constituição em algo melhor que ela é.
Enquanto o esforço de tornar a Constituição americana é algo maravilhoso, é uma tentação sempre presente, o problema com essa estridente aspiração é óbvia: existem várias visões competitivas do constitucionalismo democrático liberal, e a Constituição não deveria ser sequestrada por nenhuma delas (ACKERMAN, 2007, p. 1737).
Em relação às normas self-executing, Pontes de Miranda (1970, p. 45) explica
que:
quando uma regra se basta por si mesma, para sua incidência, diz-se bastante em si, self executing, self enforcing, self acting. Quando, porém, precisa das regras jurídicas de regulamentação, porque sem a criação de novas regras jurídicas que as complementem ou suplementem não poderiam incidir e ser aplicadas, dizem-se não-bastantes em si.
Assim, necessário se faz a adoção de medidas de auto-execução ou de auto-
agir dando início ao processo legislativo que culmine, após a discussão e aprovação,
em edição de leis claras e precisas para que as lacunas das normas não se
transformem em manto mitigador de direitos sociais.
3.2. DIFICULDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
Na doutrina constitucionalista, existem vários autores advogando argumentos
fático-jurídicos que objurgam a concretização e a eficácia imediata dos direitos
sociais. A principal argumentação consiste em defender que, como os direitos
sociais estabelecem uma prestação afirmativa por parte do ente estatal, essa
intervenção acaba estiolando os preceitos da liberdade individual do cidadão,
suprindo a autonomia da vontade e o livre-arbítrio, estimulando um suposto retorno
ao Estado absolutista.
No ponto, AGRA (2012, p. 277) explica que:
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Essa linha argumentativa clássica se mostra desarrazoada porque parte da falsa premissa de que a intervenção estatal suprimiria a liberdade clássica. Ensina o mencionado autor que toda e qualquer prerrogativa humana necessita de intervenção estatal, constituindo mesmo um requisito para sua concretização, pois, sem esses requisitos materiais, sua efetivação seria impossível.
A segunda corrente doutrinária defende que as normatizações dos direitos
sociais não possuem um caráter universal, variando conforme as peculiaridades de
cada civilização. Por essa razão, ensina Leite (2001, p. 269) que o particularismo
que circunscreve os direitos sociais suplanta uma política universal de
desenvolvimento dos direitos sociais como expressão da dignidade da pessoa
humana.
A última corrente doutrinária que aponta as dificuldades para a concretização
dos direitos sociais defende a tese de que estes direitos humanos não são
categorias de normas jurídicas, mas apenas combinações abstratas e de caráter
meramente moral, ou seja, desprovidos de qualquer teor coercitivo ou sancionatório.
Analisando o contexto social brasileiro pelas decisões proferidas pelo STF,
percebe-se que a falta de concretização dos direitos sociais não se deve à falta de
estrutura normativa ou ao nosso sistema constitucional vigente, mas sim à vontade
política por parte de nossos governantes em concretizar os mandamentos
constitucionais, principalmente por meio de um processo mais isonômico de
distribuição de renda.
Por outro lado, o Brasil não tem tradição política para se deixar que os nossos
governantes sponte sua, reserve recursos para o cumprimento dos mais
requisitados direitos sociais e é por isso que se propugna o destacamento de
percentuais fixos da Receita Corrente Líquida para o seu cumprimento efetivo, sob
pena de estabelecimento das implicações de ordem civis e penais.
3.3. ENTRENCHMENT DOS DIREITOS SOCIAIS
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Agra (2012, p. 302) conceitua o entrenchment, ou entrincheiramento, como
uma tutela jurídica da densidade suficiente dos direitos socais, evitando que os
mesmos possam ter sua concretização obnubilada por questões políticas ou
administrativas.
O entrenchment dos direitos fundamentais pode ser desmembrado em três
vertentes consoante o nível de proteção estabelecido. A teoria do não retrocesso
terá eficácia máxima quando seus mandamentos e desdobramentos partirem
diretamente do Texto Constitucional. Por sua vez, apresentará eficácia mínima
quando seus desdobramentos ficarem circunscritos a garantir apenas condições
mínimas de direitos fundamentais. Por outro lado, terá eficácia intermediária, quando
sua matriz axiológica estiver ligada ao princípio da proteção da confiança ou à
necessidade de fundamentação constitucional dos atos legislativos que restrinjam
tais direitos.
Com efeito, o entrechment do núcleo essencial dos direitos sociais funciona
como um vetor constitucional que mantém uma condição de efetivação constante
dos direitos fundamentais no sistema jurídico constitucional, evitando que tais
conquistas sejam estioladas por decisões políticas temporárias e sem respaldo no
Texto Constitucional.
Nesse sentido ensina Tavares (2005, p. 492):
Realmente, aflora no discurso constitucional da atualidade a preocupação em discutir e demarcar a forma de atuação da jurisdição constitucional e, além dela, sua forma de composição. Nessa teorização prepondera uma vertente de preocupação legitimadora, que procurada indicar os elementos de Justiça Constitucional a partir de uma abordagem que lhe assegure caráter democrático.
Como se percebe, a teoria do entrincheiramento configura-se como um
congelamento da eficácia máxima dos direitos sociais dentro do sistema
constitucional, consolidando condições mínimas para que o tecido social possa
desenvolver suas aptidões e viver de acordo com o bem comum. Portanto,
evidencia-se que seu fator teleológico é concretizar os valores constitucionais
estabelecidos.
Assim sendo, seu fator teleológico consubstancia-se em caráter de eficácia ao
mandamento constitucional, fomentando a força normativa da Constituição Federal e
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garantindo a supremacia do Texto Constitucional perante a legislação
infraconstitucional, o que enseja que as normas constitucionais deixem de ter um
papel meramente lírico e possam ter eficácia prática interessante ao tecido social.
3.4. DENSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS PELA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O Texto Constitucional de 1988 é o primeiro diploma constitucional brasileiro
a consagrar o direito fundamental de proteção à saúde. Textos constitucionais
pretéritos possuíam apenas disposições esparsas sobre a questão em apreço,
como, por exemplo, a Constituição do Império de 1824, faz referência à proteção
dos “socorros públicos” (art. 179, XXXI).
Hodiernamente, o Texto Constitucional vigente não apenas consagra
expressamente a proteção aos direitos sociais, como também não estabelece
dissemelhança entre direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I do Título II)
e os direitos sociais (Capítulo II do Título II), ao estabelecer que os direitos e
garantias fundamentais têm aplicação e eficácia imediata plena (art. 5º, §1º
Constituição Federal).
O direito de proteção à saúde está previsto no art. 196 da Constituição
Federal como: a) direito de todos; b) dever do Estado; c) garantido mediante
políticas sociais e econômicas; d) que visem à redução do risco de doenças e de
outros agravos; e) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário; f) com
ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Nesse sentido, cite-se o texto constitucional (1988):
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
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regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
O legislador constituinte originário entendeu por bem estabelecer um modelo
básico de organização e procedimento para o direito básico de proteção à saúde.
Estabelecendo que a saúde é direitos de todos e dever do Estado e assegurando
políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença.
Evidencie-se que, embora o constituinte originário, no art. 196, tenha
garantido a todos os cidadãos o direito à saúde, ele impôs uma ligação direta desse
direito fundamental com a educação social e econômica que vise a diminuição de
chagas.
Vê-se ainda que o art. 197 do texto constitucional asseverou que as ações e
serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de forma descentralizada, com direção em
cada esfera do governo, voltado ao atendimento integral, com prioridade para
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços essenciais, assegurando-se a
participação da sociedade, nos termos expressos do art. 198 da Constituição da
República Federativa do Brasil, que assim dispõe:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Parágrafo único renumerado para § 1º pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº29, de 2000)
I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento); (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015)
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos
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de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015)
II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
IV - (revogado). (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015)
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006)
§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 63, de 2010) Regulamento
§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício (Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006).
Observa-se que, logo após o artigo antecedente estabelecer que o sistema
único deve ser integrado em uma rede pública regionalizada e hierarquizada, o art.
198, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelece como
seria a organização desse sistema, como a descentralização com comando único
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em cada ente federado, atendimento ilimitado com foco para a prevenção, sem
perder o foco na prevenção e a participação da sociedade.
O art. 198 da Lex Magna, ainda aponta a fonte de custeio que seria com
recursos orçamentário da seguridade social e também de todos os três entes da
federação como a União, os Estados e os Município.
Nota-se, do texto constitucional acima transcrito, que, os percentuais de 15%
(quinze por cento) a serem extraídos das receitas correntes líquidas (RCL) dos entes
federados, não são exclusivos para a aplicação em saúde, mas, neste ponto, seriam
para pagar a folha de pessoal dos que trabalham com esse direito social, como é o
caso dos agentes de combates as endemias, os agentes comunitários de saúde (art.
198, § 4º, CR/88) e tudo isso sem falar nos médicos etc.
Pela própria dicção constitucional, logo se observa que 15% da receita
corrente líquida é muito pouco para cobrir a densa folha de pessoal e para abastecer
as farmácias, equipar laboratórios, ambulatório e toda uma estrutura física que se
deve utilizar para retirar das filas e corredores dos hospitais públicos os que mais
precisam.
Por conseguinte, segundo a Constituição da República Federativa do Brasil,
compete ao Sistema Único de Saúde – SUS, entre outras atribuições:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
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VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Um dos reflexos do entrincheiramento na Constituição Federal é o
estabelecimento de recursos minguados com saúde. Por conta disso, tais direitos
sociais são densificados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Enquanto não se chega a um consenso sobre a efetividade desses direitos
sociais, o judiciário vem entendendo que o direito a saúde e a educação devem ser
financiados pelo ente federado, independentemente de ter ou não orçamento.
Em uma perscrutação feita nos sites dos tribunais, com mais de dois mil
acessos, se estabeleceu cruzamento de diversas expressões relacionadas a
medicamentos e saúde, logo se identifica que, as evidências práticas sobre
judicialização das políticas sociais no Brasil, apontam que o ingrediente principal do
item acionado são, de fato, os medicamentos.
Na subdivisão da judicialização de fármacos, se encontra as ações judiciais
para a aquisição de medicamentos de alto valor monetário e até mesmo os que
ainda não foram incorporados a lista do SUS e, por conseguinte, não aprovado pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Ressalte-se que decisões dos juízes e Tribunais têm, de fato, desequilibrado
as finanças públicas, mas tudo isso ocorre por culpa in vigilando e in elegendo dos
administradores dos entes federados, porque, ao passo em que se consolida e se
firma a jurisprudência no sentido de concessão de medicamentos, cirurgias etc, o
Poder Legislativo não estabelece regras claras, objetivas, rígidas e diretas para o
custeio desses direitos e o Executivo assiste quase que inerte as suas previsões
orçamentárias serem transformadas em “coxas de retalho”, que o judiciário vem
recrudescendo a cada julgamento.
Se por um lado, a saúde e a educação, são direitos sociais de segunda
dimensão decorrentes de conquistas dos movimentos constitucionalistas e sempre
têm prevalência em julgamento de caso concreto, por outro, de quando em vez, se
observa que esses direitos são suscetíveis de casuísmo hermenêutico por parte do
poder judiciário, que geram incertezas sobre a sua concretização em face inércia
estatal em adotar políticas públicas exequíveis.
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Nos julgamentos do Recurso Extraordinário nº 661.288 e na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.330, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
assentou, respectivamente, o seguinte: a) é inconstitucional a lei que regulamente o
“cartão cidadão” para permitir o acesso do cidadão aos serviços públicos municipais,
como, por exemplo, educação, saúde, esporte e lazer, tendo em vista que o
programa foi instituído somente para abranger os munícipes, extirpando o caráter
universal dos serviços públicos; b) a educação, escolar ou formal, é direito social
que a todos deve alcançar, sendo, portanto, um direito fundamental e indisponível
dos indivíduos.
Destaque-se que o Recurso Extraordinário nº 661.288, cujo relator foi o
Ministro Dias Toffoli e as partes foram o Município de Guararema e a Câmara
Municipal de Guararema, enquanto agravantes, e o Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, enquanto agravado, se refere a um agravo contra decisão que
não acolheu recursos extraordinários, em razão da sua intempestividade, propostos
pelo Município de Guararema e pela Câmara Municipal de Guararema em face do
acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Ora, os recursos extraordinários, não admitidos e que foram interpostos no
agravo em comento, versam sobre ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº
2.600, de 8 de julho de 2009, e do Decreto nº 2.716, de 28 de dezembro de 2009, do
Munícipio de Guararema-SP, que estabelecia o “cartão cidadão” como documento
indispensável e obrigatório para acesso aos serviços públicos da municipalidade, de
tal forma que, se o cidadão não possuísse o “cartão cidadão”, não poderia gozar de
direitos constitucionalmente garantidos, como saúde, educação, assistência social,
dentre outros.
Para os agravantes, considerar Lei nº 2.600/2009, e o Decreto nº 2.716/2009,
como sendo inconstitucionais demonstra patente violação aos artigos 5º, II; 34, VII;
37; 84, IV; 165, §9º, II; e 167, I, II e V, todos da Constituição Federal; bem como,
viola a premissa constitucional relativa a autonomia municipal, a dignidade da
pessoa humana e a proporcionalidade.
Da analise desse Recurso, os Ministros da Primeira Turma do STF,
acordaram, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, por unanimidade, em não
acolher o agravo proposto pela Câmara Municipal de Guararema; por maioria de
votos, em conhecer o recurso interposto pelo Município de Guararema e, por
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unanimidade, em a ele negar provimento, por entender que o programa do “cartão
cidadão” foi criado com intendo excludente e segregatório, uma vez que, restringiu,
por exemplo, o acesso aos serviços públicos de saúde ao porte de um cartão;
excluindo, portanto, do gozo desses serviços, os cidadãos que não moravam no
munícipio de Guararema ou que, morando, não possuíam o cartão.
Para o STF, o Município, ao sancionar a Lei 2.600/2009 e o Decreto
2.716/2009, infringiu a natureza universal e igualitária que a Constituição Federal de
1988 atribuiu aos serviços de saúde (art. 196, CF/88), bem como, violou os artigos
205 e 206 também da Constituição, que versam a respeito da educação, indicando-a
como direito de todos e dever do Estado (Art. 205, CF/88) e instituindo os princípios
norteadores para o ensino, dentre os quais, “a igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola” (Art. 206, I, CF/88)).
Já a ADI 3.330, como a própria nomenclatura da ação demonstra, trata-se de
uma ação direta de inconstitucionalidade, sob relatoria do Ministro Ayres Britto, cujas
partes requerentes foram: Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
(CONFENEN), Democratas e Federação Nacional dos Auditores-Fiscais da
Previdência Social (FENAFISP), esta foi considerada sem deter legitimidade ativa e,
portanto, participou do processo na qualidade de amicus curiae; e as partes
requeridas foram: o Presidente da República, CONECTAS Direitos Humanos e
Centro de Direitos Humanos (CDH).
Nessa ADI, foi analisada a Medida Provisória nº 213/2004, convertida na Lei
nº 11.096/2005, que instituiu o Programa Universidade Para Todos (Prouni). De
modo resumido, pode-se depreender que a tese defendida pelos requerentes arguiu
que a União não possui competência legislativa para discorre a respeito de
educação por meio de normas especificas, no caso, a MP nº 213/2004, bem como,
argumentou que em alguns dispositivos, a matéria explanada é reservada à lei
complementar. Os requerentes ainda imputaram que a MP censurada desrespeitou
alguns princípios, tais como: legalidade, igualdade, autonomia universitária,
pluralismo de ideias e concepções pedagógicas.
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Nesse sentido, o STF, em sessão presidida pelo Ministro Ayres Britto, julgou,
por maioria de votos13, pela improcedência a ADI. Tendo em vista que a Lei nº
11.096/2005, decorrente da MP 213/2004, não atuou em área material reservada à
lei complementar, já que, apenas determinou um “critério de contabilidade
compensatória da aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições
educacionais” (ADI 3.330, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 3-5-2012,
Plenário, DJE de 22-3-2013).
Quanto ao argumento de desrespeito a princípios constitucionais, entendeu-
se por sua inexistência, pois, embora, o Prouni se operacionalize através da
concessão de bolsas de estudo a alunos de baixa renda, ele não os vincula
forçosamente, antes o aluno, que cumpra os requisitos do programa, poderá,
voluntariamente, por ato de adesão, requerer a sua participação. Inexistindo
qualquer violação aos princípios da autonomia universitária (Art. 207, CF/88) e da
livre iniciativa (Art. 170, CF/88).
Evidencie-se que a evocação dessa jurisprudência (ADI 3.330), acentuou o
dever do Estado de garantir a educação, enquanto direito fundamental e indisponível
dos cidadãos, através de meios que viabilizem o seu exercício (Art. 205, CF/88). Por
consequência, a omissão da administração importa em afronta à Constituição,
conforme entendimento já firmado no STF, no julgamento do RE 594.01814 e da AI
658.491-AgR15, de relatoria, respectivamente, dos Ministros Eros Grau e Dias Toffoli.
Observa-se que esse entendimento do STF não é recente, ainda no ano 2012
foi apreciado o AI 550.53016, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, que
defendeu a consolidação da jurisprudência do Supremo no sentido de que o
“Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo
do direito à saúde por todos os cidadãos” (AI 550.530 AgR, rel. min. Joaquim
Barbosa, j. 26-6-2012, 2ª T, DJE de 16-8-2012). Sendo dever solidário da União, do
Estado e do Município providenciar os meios para garantir os direitos fundamentais,
13 Vencido apenas o voto do Ministro Marco Aurélio e impedida a Ministra Cármen Lúcia (ADI 3.330, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 3-5-2012, Plenário, DJE de 22-3-2013). 14 RE 594.018-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-6-2009, Segunda Turma, DJE de 7-8-2009. 15 AI 658.491-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 20-3-2012, Primeira Turma, DJE de 7-5-2012. 16 As partes que compõem essa lide são: Autarquia Municipal de Saúde – MAS (agravante) e Ministério Público do Estado do Paraná (agravado).
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independentemente de ter ou não recurso, já que, mais importante do que a
limitação de gastos em percentuais é a tutela dos direitos sociais mundialmente
protegido.
Como visto, apesar da composição do STF da época já ter firmado
posicionamento a respeito de afirmar o direito fundamental a saúde e a educação,
logo se percebe, através das interposições recursivas de folego, que a espada de
Dâmocle ainda pairava na cabeça do recorrido que vindicava o direito a saúde e a
educação.
Nesse sentido, no julgamento do Recurso Extraordinário ARE 727.86417, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal assegurou o direito subjetivo do paciente em
ser atendido em rede hospitalar privada, nos casos de urgência e de inexistência de
leitos nas unidades hospitalares públicas. Sublinhando o dever estatal de assistência
à saúde e de proteção à vida, resultante da norma constitucional e da obrigação
jurídico-constitucional dos entes públicos.
No ARE, em analise, interposto pelo Estado do Paraná em face do Ministério
Público do Estado do Paraná, o agravante, recorreu de decisão unânime, proferida
pelo Tribunal de Justiça local, que sustentava a garantia do direito constitucional à
vida e à saúde diante da inércia governamental. Dentre as alegações defendidas
pelo agravante, tem-se a ideia de que, em face da omissão constitucional, o pedido
formulado pelo Ministério Público Estadual seria juridicamente impossível de ser
atendido, já que diante do princípio da reserva do possível, existem outros serviços a
serem custeados pelo Estado.
Ora, o pedido do Ministério Público Estadual visava compelir o Estado a
custear serviços hospitalares de instituições privadas para os usuários do Sistema
Único de Saúde (SUS), em virtude da omissão do Estado, que deixou de empregar
medidas essenciais à efetivação concreta dos pressupostos constitucionais, quando,
por ausência de leitos hospitalares na rede pública de saúde, privou os cidadãos do
atendimento médico.
Assim, o Tribunal de Justiça local acatou o pleito ministerial, rechaçando
todos os argumentos agitados pelo Estado do Paraná, salientando que, ao avaliar os
17 ARE 727.864, rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-9-2014, DJE de 17-9-2014.
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valores vida e patrimônio, deve-se prevalecer medidas que salvaguardem,
primeiramente, a vida humana e sua dignidade. Ressaltando que o internamento em
leitos de hospitais privados deve ser uma diligência excepcional, porém
indispensável a garantia da saúde. E os argumentos de prejuízo ao erário, ônus
demasiado e de apreciação da reserva do possível devem ser afastados18.
Dessa decisão, o Estado do Paraná interpôs recurso extraordinário que foi
inadmitido pelo Presidente da Corte e dessa decisão foi interposto o agravo, visando
destrancar a interposição recursiva.
No ARE 727.864, sob a relatoria Ministro Celso de Melo, o Supremo Tribunal
Federal, consignou que o menosprezo da Constituição, por inatividade do Estado,
retrata um dos mais complexos aspectos da patologia constitucional, porque
configura incabível desconsideração da soberania da Lei Fundamental do Estado,
por parte das entidades governamentais.
O STF esclareceu, ainda, que o princípio da reserva do possível não pode ser
requerido pelo Estado, com o objetivo de se omitir, dolosamente, da execução de
seus deveres constitucionais, especialmente quando, esse ato governamental
negativo, for capaz de ocasionar nulificação ou extinção de direitos fundamentais.
Em outras palavras, a maldizente teoria da reserva do possível e do mínimo
existencial são usadas como substrato justificador ou mitigador do inadimplemento
dos deveres estatais na efetivação de políticas públicas constitucionais inerentes ao
Poder Executivo.
Por estas judiciosas razões, o STF, por intermédio do Ministro Celso de Melo,
conheceu o agravo, em face da tempestividade, para, em sessão da segunda
turma19, sob Presidência do Ministro Teori Zavascki, por unanimidade, negar
provimento ao recurso de agravo. Concretizando o entendimento pela ortodoxia do
Poder Judiciário na efetivação das políticas públicas voltadas ao Poder Executivo,
garantidas pelo Constituição e, injustificadamente, não materializadas pela
Administração Pública.
18 Apelação Cível nº 824.239-9, Rel. Juíza Subst. 2º Grau ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES 19 Os Ministros presentes nessa sessão de julgamento foram: Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, além do presidente o Ministro Teori Zavascki.
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Em 2009, o STF enfrentou direito de terceira dimensão, visando tutelar a
saúde pública e o meio ambiente, por intermédio da Ação de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 101, com relatoria da Ministra Cármem Lúcia,
ajuizada pelo Presidente da República em face de diversas decisões judiciais de
primeiro grau20, que conferiam a possibilidade de importação de pneumáticos
usados21.
Dentre os argumentos utilizados para motivar a ADPF, tem-se que as
sentenças judiciais, que permitiam a importação de pneus usados, violaram
disposições fundamentais do direito à saúde e meio ambiente ecologicamente
equilibrado, uma que feriram: a) ao preceito constitucional de livre iniciativa e da
liberdade de comércio (Art. 170, IV, parágrafo único, da CF); b) ao princípio da
isonomia (Art. 5º, CF), porque o Poder Público estaria possibilitando a importação de
pneus remoldados oriundos de países participantes do Mercosul; c) os atos
normativos proibitivos da importação, que abarcam os pneus usados; d) a
Resolução CONAMA nº 258/99, com redação estabelecida pela Resolução
CONAMA nº 301/2002, que revogou o impedimento de importação de pneus usados,
20 Sendo intimados para compor o polo passivo dessa Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental: o Presidente do Superior Tribunal Federal; os Tribunais Regionais Federais da 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Regiões; Juízes Federais das 2ª, 3ª, 5ª, 7ª, 8ª, 11ª, 14ª, 15ª, 16ª 17ª, 18ª, 20ª, 22ª, 24ª, 28ª e 29ª Varas Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro; Juiz Federal da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo; Juiz Federal da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Espírito Santo; Juiz Federal da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais; Juízes Federais das 2ª, 4ª, 6ª e 7ª Varas Federais da Seção Judiciária do Paraná; Juiz Federal da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará; Juiz Federal da Vara Federal Ambiental de Curitiba; Pneus Hauer do Brasil LTDA; Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados – ABIP; Associação Nacional da Indústria de Pneumático – ANIP; Pneuback Indústria e Comércio de Pneus LTDA; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; Tal Remoldagem de Pneus LTDA; Bs Colway Pneus LTDA; Conectas Direitos Humanos; Justiça Global; Associação de Proteção do Meio Ambiente de Cianorte – APROMAC; Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus – ABR; Associação de Defesa da Concorrência Legal e dos Consumidores Brasileiros – ADCL; Líder Remoldagem e Comércio de Pneus LTDA; RIBOR – Importação, Exportação, Compercio e Representações LTDA. Evidenciando-se que a CONECTAS Direitos Humanos e a Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte (APROMAC) foram admitidas pelo STF como Amicus Curiae. 21 Entendendo-se que o pneu usado, segundo o Acórdão da ADPF 101, seria tanto o “pneu inservível – aqueles que apresentam danos irreparáveis em sua estrutura, não se prestando a recapagem, recauchutagem e remoldagem”, como também o “pneu reformado – aqueles que foram submetidos a processo de recapagem (processo pelo qual o pneu usado é reformado pela substituição de sua banda de rodagem e dos ombros), e remoldagem (processo pelo qual o pneu usado é reformado pela substituição de sua banca de rodagem, dos ombros e de toda a superfície de seus flancos)” (ADPF 101, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24-6-2009, Plenário, DJE de 4-6-2012).
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na medida em que teria previsto o destino de pneus importados reformados; dentre
outros.
Para o Requerente dessa ação, a proibição da importação de pneus usados é
de essencial importância para a tutela da saúde pública e a defesa do meio
ambiente, uma vez que, ainda não existe meio eficiente de extinção integral de
resíduos identificados por pneumáticos que não demonstre risco ao meio ambiente,
visto que a incineração, emite gases tóxicos que oferecem relevantes danos à saúde
humana e ao meio ambiente, o aterro não é permitido, pois pode ocasionar o
desencarceramento de resíduos líquidos e sólidos perniciosos ao ecossistema e a
vida humana, bem como, o acumulo de pneus ao ar livre, que pode causar incêndios
(provocando a emissão de gases tóxicos na atmosfera) ou ser criadouro de
mosquitos transmissores de doenças).
Evidencie-se que foram formulados pelo Arguente da ADPF, em comento,
três pedidos, a saber: a) o reconhecimento do dano à disposição fundamental
materializado no direito à saúde e ao meio ambiente equilibrado, no teor dos artigos
196 e 225 da Constituição Federal; b) a declaração de inconstitucionalidade das
decisões judiciais que permitiram a importação de pneumáticos usados, com efeito
ex tunc, até mesmo sobre ações judiciais com trânsito em julgado e; c) a declaração
de constitucionalidade do art. 27, da Portaria DECEX n. 8, de 14.05.1991; do
Decreto n. 875, de 19.7.1993, que ratificou a Convenção da Basiléia; do art. 4°, da
Resolução n. 23, de 12.12.1996; do art. 1°, da Resolução CONAMA n. 235. de
7.1.1998, do art. 1°, da Portaria SECEX n. 8. de 25.9.2000; do art. 1· da Portaria
SECEX n. 2, de 8.3.2002, do art. 47-A no Decreto n. 3.179, de 21.9.1999 e seu 2°,
incluido pelo Decreto 4592, de 11.2.2003; do art. 39, da Portaria SECEX n. 17, de
1.12.2003; e do art. 40, da Portaria SECEX n. 14, de 17.11.2004 com efeitos ex
tunc.
Ora, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Gilmar Mendes, os
Ministros do STF acordaram, por maioria dos votos22, em dar provimento parcial à
arguição de descumprimento de preceito fundamental, discordando dos pedidos do
Arguente, apenas em relação a incidência dos efeitos pretéritos referentes as
decisões judiciais com trânsito em julgado, que devem ser excluídas dos efeitos do
presente acórdão, ressalvando que não se incluiu nessa exceção, decisões em que
22 Os Ministros Cezar Peluso e Menezes Direito estavam ausentes nesse julgamento.
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no dispositivo apresente determinação pronunciada de maneira ilimitada para o
futuro.
Com tal decisão, percebe-se que em homenagem a efetivação dos direitos
fundamentais, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental, fazendo cessar todas as decisões
proferidas em desfavor do meio ambiente e da saúde pública.
Destaque-se também, em relação ao dever estatal de assistência à saúde e
de proteção à vida, o julgamento do STA 223-AgR, cuja a relatora originária foi a
Ministra Ellen Gracie e o relator do acórdão foi o Ministro Celso de Mello.
Ora, o Agravo regimental na suspensão de tutela antecipada nº 223 foi
proposto por Marcos José Silva de Oliveira, representado por Patrícia Silva de
Oliveira, em face do Estado de Pernambuco, que recorreu da decisão que
suspendeu a execução da decisão que antecipou a tutela proferida no Agravo de
Instrumento nº 0157690-9, em tramitação diante do Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco (TJPE).
Eis um breve relato dos fatos que culminaram na STA 223-AgR:
a. no dia 03 de dezembro de 2006, o agravante ficou tetraplégico, em
decorrência de disparo de arma de fogo proveniente de um assalto em
via pública. E, portanto, pleiteou23 a caracterização da responsabilidade
civil subjetiva do Estado de Pernambuco, com base no artigo 37, §6º,
da Constituição Federal, por omissão do dever constitucional zelar pela
segurança pública;
b. no dia 14 de agosto de 2007, o magistrado de primeiro grau, indeferiu o
pedido de antecipação de tutela, sob o fundamento de que existe a
necessidade de averiguar os limites de responsabilidade do Estado
pelo fornecimento de serviço de segurança pública a seu ofício;
c. no dia 20 de agosto de 2007, o ora agravante apresentou Agravo de
Instrumento nº 0157690-9 diante do TJPE;
23 Por meio da Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais, processo nº 001.2007.043289-0, que tramita diante da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Recife/PE.
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79
d. no dia 11 de outubro de 2007, o Tribunal, por meio do Desembargador
João Bosco Gouveia de Melo, julgou parcialmente o agravo de
instrumento retro, dando provimento para que o Estado de
Pernambuco custeie a totalidade de despesas necessárias para a
realização de cirurgia de implantação de marcapasso diafragmático;
e. no dia 06 de março de 2008, o magistrado a quo, em cumprimento da
decisão do TJPB, despachou determinando a transferência do
montante depositado judicialmente pelo Estado de Pernambuco;
f. no dia 10 de março de 2008, o Estado de Pernambuco impetrou,
perante o STF, o pedido de suspenção de tutela antecipada, deferido
por ato da presidência dessa Corte. No mesmo dia, o Desembargador
Francisco Bandeira de Melo, substituindo o Desembargador João
Bosco Gouveia de Melo, também suspendeu, a título cautelar, o
despacho de transferência do valor constante em conta judicial
determinado pelo Juízo da 3ª Vara da Fazenda Estadual.
g. no dia 12 de março de 2008, o Estado de Pernambuco formulou pedido
arguindo o reexame a matéria pleiteada, que foi indeferida, no dia 17
de março de 2008, em tal decisão, requereu-se, do ora agravante,
juntada de documentos aptos a provar, minuciosamente, a
inexequibilidade de tratamento alternativo disponibilizado pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), bem como, a carência de profissional
habilitado, residente no Brasil, capaz de implantar o marca-passo e o
registro do procedimento e do aparelho solicitados no órgão de
controle norte-americano competente.
h. e, por fim, para terminar esse pequeno resumo, em observância aos
requerimentos apontados no item anterior, o interessado apresentou
novo pedido de reconsideração e o Agravo Regimental, em comento.
Nesse Agravo Regimental, arguiu-se pela: prejudicialidade da suspenção da
determinação de liberação da quantia depositada em conta judicial pelo Estado de
Pernambuco; existência de tratamento similar fornecido pelo SUS; ausência de
médico capacitado para executar o procedimento cirúrgico no Brasil; impossibilidade
de oferecimento de garantias de êxito na cirurgia; emergência da intervenção
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cirúrgica; demonstração que o aparelho a ser implantado está registrado no U.S.
Food and Drug Administration; e garantia de contraprestação.
No julgamento dessa STA 223-AgR, em Sessão Plenária, com Presidência da
Ministra Ellen Gracie, os Ministros acordaram, por maioria de votos24, em dar
provimento ao recurso de agravo, vencido apenas o voto da Ministra Ellen Gracie
(Relatora). Ficando o Ministro Celso de Mello responsável por lavrar o acórdão, que,
por sua vez, afirmou o dever estatal de assistência à saúde e de proteção à vida,
resultante de norma constitucional e da obrigação jurídico-constitucional dos entes
públicos.
Demonstrando que a inércia governamental, ante a falha do Poder Público em
proporcionar segurança, por meio da promoção de atitudes acertadas de segurança
pública em prol da sociedade, comprometeu a eficácia de preceitos normativos
constitucionais, quais sejam: a inviolabilidade do direito à vida (Art. 5º, CF), a tutela
ao direito à saúde (Art. 196, CF) e o reconhecimento do direito à segurança pública
(Art. 144, CF).
O Ministro Celso de Mello, em seu voto, ressaltou que a teoria da reserva do
possível não pode ser utilizada como substrato justificador do inadimplemento dos
deveres estatais na efetivação de políticas públicas constitucionais inerentes ao
Poder Executivo, salvo em caso de equitativo motivo objetivamente aferível. Além de
indicar a intervenção jurisdicional como meio de implementar políticas públicas
asseveradas pela Constituição e, injustificadamente, não concretizadas pela
Administração Pública; firmando-se, dessa forma, a ortodoxia do Poder Judiciário na
concretização das políticas públicas imputadas, a priori, ao Poder Executivo.
Isto posto, surge um embate entre o ativismo judicial por meio da imposição,
ao Poder Executivo, de efetividade dos direitos sociais e o argumento da
impossibilidade orçamentária para tanto, sob o manto da reserva do possível.
A respeito do qual defendemos, desde já, uma solução jurídica com base na
razoabilidade, nos termos descritos por Nogueira (2006, p. 220), que sugere a
razoabilidade por meio de uma "avaliação isenta de contradição e arbítrio"
(razoabilidade formal ou lógica), além de consistente na "observação criteriosa e
24 Os Ministros Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito estavam ausentes nesse julgamento.
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bem pautada dos objetos do conhecimento submetidos ao caso concreto"
(razoabilidade experimental ou empírica), tendo em vista que "a razoabilidade
jurídica reflete a atuação do Juiz em um cenário social pós-moderno, devendo estar
incorporada na cultura jurídica do povo" (NOGUEIRA, 2006, p. 510).
Ademais, a proporcionalidade e razoabilidade, afeiçoa-se um tema de índole
axiológico decorrente da ideia de justiça e tudo se antecede a positivação da norma
jurídica, de matiz constitucional, servindo de esteio para se extrair a boa
interpretação para todo o arcabouço jurídico, quando do inevitável confronto entre
valores constitucionalizados.
O filósofo alemão Larenz (1997, p. 63-66), em seu livro Metodologia da
Ciência do Direito, traz a discussão a denominada “jurisprudência dos interesses”,
doutrina do positivismo jurídico do século XX, desenvolvida pelo jurista alemão
Philipp Heck, aonde se defendia que a lei escrita deve ser interpretada para
expressar aos interesses para qual foi efetivamente concebida.
Segundo Larenz (1997, p. 65-66), a denominada “jurisprudência dos
interesses”,
Significa isto que os preceitos legislativos - que também para HECK constituem essencialmente o Direito - «não visam apenas delimitar interesses, mas são, em si próprios, produtos de interesses» (GA, pág. 17). As leis são «as resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa e ética, que, em cada comunidade jurídica, se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento». Na tomada de consciência disto, garante-nos HECK, reside «o cerne da Jurisprudência dos interesses», sendo também daí que ele extrai a sua fundamental exigência metodológica de «conhecer com rigor histórico, os interesses reais que causaram a lei e de tomar em conta, na decisão de cada caso, esses interesses» (GA, pág. 60). Deste modo, também para HECK, como para JHERING, o legislador como pessoa vem a ser substituído pelas forças sociais, aqui chamadas «interesses» (o que é justamente uma forma de sublimação), que, através dele, obtiveram prevalência na lei. O centro de gravidade desloca-se da decisão pessoal do legislador e da sua vontade entendida psicologicamente, primeiro para os motivos e, depois, para os «factores causais» motivantes. A interpretação, reclama HECK, deve remontar, por sobre as concepções do legislador, «aos interesses que foram causais para a lei». O legislador aparece simplesmente como um «transformador», não sendo já para HECK nada mais do que a «designação englobante dos interesses causais>>>> (GA, págs. 8 e 64) - fórmula que STOLL também viria a fazer sua.
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Larenz (1997) afirma que apesar dos defeitos da fundamentação teórica que a
jurisprudência dos interesses traz é de se enaltecer que atingiu as suas finalidades
práticas, que a ela o importava.
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CAPÍTULO 4 – DO DISCURSO ENGENHOSO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA MITIGAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
4.1. RESERVA DO POSSÍVEL E O MÍNIMO EXISTENCIAL
Muito se tem falado e discutido sobre a teoria alemã da reserva do possível,
com o instituto maldito de arrefecer a interpretação das normas constitucionais,
bastando que o ente federado comprove que não teria condições financeiras de
custear a saúde e pronto: estaria livre desse ônus.
Visando descortinar essa pujante preocupação, objeto de intensa
perscrutação dos mais diversificados trabalhos científicos, passamos, então, a fazer
uma comedida análise doutrinária e jurisprudencial sobre o tão festejado tema.
Andreas Krell apud Sarlet (2008, p. 29) afirma que a teoria da reserva do
possível surgiu de uma decisão do Tribunal Constitucional Alemão, em julgamento
de um caso concreto – isso ainda no ano de 1970 – no qual se digladiava a decisão
administrativa do Governo Central, de limitação de vagas nas Universidades
Públicas, e o art. 12 da Lei Fundamental Alemã, que preconiza: “todos os alemães
têm direito a escolher livremente sua profissão, local de trabalho e seu centro de
formação”.
Para solucionar o caso em apreço, a Corte alemã desenvolveu a teoria da
“Reserva do Possível” que, logo em seguida, fora epitetada de “teoria da restrição”
ou de “numerus clausulus”.
Visando encontrar um ponto de equilíbrio, o Tribunal Constitucional Alemão,
identificou, entre as partes, um ponto de convergência e outro de distensão.
O de convergência seria a própria vaga nas universidades públicas, visto que,
enquanto uma parte reivindicava uma vaga, a outra afirma que essa vaga existia,
mas em número finito, de modo que os interessados deveriam entrar em processo
de concorrência pública, com vistas a ocupar as vagas oferecidas.
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Já o ponto de distensão, entre vários outros argumentos desferidos pelo
Governo Alemão, encontrava-se as limitações financeiras para custear todos os
direitos sociais, tendo em vista que, além da educação, o governo também iria se
preocupar com a saúde e as condições de bem-estar do povo Alemão.
Como assevera os professores Krell e Fabbris (2002, p. 61),
vários autores brasileiros tentam se valer da doutrina constitucional alemã para inviabilizar um maior controle das políticas sociais por parte dos tribunais. Essa posição é discutível e, na verdade, não corresponde às exigências de um Direito Constitucional Comparado produtivo e cientificamente coerente.
Para Lima e Melo (2011), a toria da Reserva do Possível é um instituto falido.
Tendo em vista que, primeiro, foi importado para um pais que tem dimensões
continental, populacional, econômica e cultural absolutamente dissemelhante e,
segundo, porque o “transporte” de uma tese de educação para saúde, esta como
condição sine qua non para a própria vida, sendo, no mínimo, desarrazoado.
Nesse sentido, cite-se a conceituação dos dois autores:
O Princípio da Reserva do Possível consiste em uma falácia decorrente de um Direito Constitucional Comparado equivocado, na medida em que a situação social brasileira não pode ser comparada àquela dos países membros da União Europeia (máxima do Princípio da Igualdade Material). Devemos lembrar que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social com milhões de cidadãos socialmente excluídos, um grande contingente de pessoas que não acha uma vaga nos hospitais mal equipados da rede pública, crianças e jovens fora da escola, deficiência alimentar, subnutrição e morte (LIMA; MELO, 2011, p.1).
Lima e Melo (2011) lembram que sistema jurídico alemão se volta para uma
população bem menor que a nossa, enquanto os brasileiros são milhões vivendo
abaixo da linha da pobreza, ressaltando que nem todos são atendidos em termos de
direitos sociais, pois falta vaga nos hospitais, equipamentos (e aqueles em uso,
muitas vezes, mal funcionam), crianças e jovens estão fora da escola, carecendo de
alimentos, o que corrobora com a existência de subnutrição e morte.
Na mesma linha de raciocínio, o jurista Cunha Junior (apud LIMA; MELO, 2011,
p.1), afirma que
nem a reserva do possível, nem a reserva de competência orçamentária do legislador pode ser invocado como óbices, no direito brasileiro, ao reconhecimento e à efetivação de direitos sociais originários a prestações. O Princípio da Reserva do Possível
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demonstra um limite à validade dos direitos fundamentais e direitos sociais.
Conforme pontua o Ministro Celso de Melo, durante o Julgamento do Recurso
Extraordinário de nº 711775-SC,
Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246-MC/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”, e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, ‘Comentários à Constituição de 1988’, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
Sensível a resolução do caso concreto, o Ministro desfere ácidas críticas a omissão
propositada do Poder Público em não efetivar as regras do art. 196 da CR/88. Ei-la:
Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas – preventivas e de recuperação –, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República.
O sentido de fundamentalidade do direito à saúde – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas – impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias
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governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.
Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais – que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, ‘Poder Constituinte e Poder Popular’, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) –, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculado à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.
Firme no que defendia, o Ministro apela para a abolição do lirismo jurídico
contido nos textos de lei, pois a norma não seria um quadro a ser adornado por
penas de ouro, mas um pacto que o gestor deve cumprir.
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar, por relevante, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. (STF - RE: 711775 SC, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 22/10/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-241 DIVULG 06-12-2013 PUBLIC 09-12-2013).
Com efeito, durante os primeiros passos da década de 70, no século XX, a
doutrina constitucionalista alemã começou a debater a temática da concretização
dos direitos sociais e o custo financeiro dessa tarefa ao Estado Social. Dentre eles,
destacaram-se Peter Haberle, que desenvolveu a doutrina da “reserva das caixas
financeiras”, aduzindo que a efetivação dos direitos sociais se encontra
umbilicalmente interligada à competência financeira e orçamentária do estatal, não
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medindo uma contraprestação financeira do Erário Público; e W. Martesn, quando
explicou que os direitos subjetivos sociais não podem ser outorgados de forma
ilimitada, mas com certas restrições, encontrando óbice na capacidade financeira do
Estado (CANOTILHO, 2008, p. 106-107).
Até então, tal tema tem ostentado grande importância e fomentado o debate
doutrinário, haja vista a expansão das demandas judiciais, nas quais o Estado
encontra-se coagido, por meio de uma ordem judicial, a concretizar direitos sociais,
inclusive os que estão fora do orçamento público ou, até mesmo, sem uma fonte de
custeio prévio (BITTENCOURT; GRAÇA, 2008).
Nessa perspectiva, Canotilho (2008, p. 108) afirma que a reserva do possível,
a efetividade dos direitos sociais, se caracteriza pelos seguintes requisitos:
a) pela gradatividade ou gradualidade na sua realização; b) pela dependência financeira do orçamento público; c) pela tendencial liberdade de conformação pelo legislador em relação às políticas públicas a serem assumidas (as políticas de realização destes direitos); d) pela insuscetibilidade de controle jurisdicional dos programas político-legislativos, a não ser quando estes se mostram em clara contradição com as normas constitucionais ou quando manifestamente desarrazoados.
Não obstante, explica de Barcellos (2002, p. 245-246):
A limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.
Sendo importante mencionar o conceito trazido pelo Ministro Celso de Mello,
na Decisão Monocrática da Medida Cautelar em Arguição de descumprimento de
preceito Fundamental nº 45 (ADPF 45), que indica que os regulamentos
determinados pela teoria da reserva do possível, ao procedimento oneroso de
implementação dos direitos de segunda geração, configuram um binômio que
abrange: a razoabilidade de pleito individual-social deduzida em face do Estado e a
realidade financeira do Estado, em dispor de verbas capazes de efetivar as
prestações positivas dele requeridas. Nesse sentido, o Ministro Celso de Mello
afirma que a teoria da reserva do possível não pode ser arguida pelo Estado, sob o
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pretexto de eximisse do cumprimento de seus deveres constitucionais,
especialmente quando, do ato governamental, resultar violação de direitos
fundamentais.
Percebe-se, portanto, que a reserva do possível significa um paradoxo,
porque da mesma forma que representa um conceito limitador jurídico-fático ao
exercício dos direitos fundamentais, também funciona como uma garantia da
máxima eficácia e efetividade destes direitos, porque garante, a partir de uma
política universal de controle, que toda sociedade possa se beneficiar desses
direitos prestacionais do Estado, impedindo que um particular, de forma individual,
possa prejudicar toda a coletividade, exercendo desproporcionalmente um direito
social, salvaguardando uma parcela mínima dos direitos fundamentais.
Tendo em vista que, os recursos públicos são extremamente escassos e
limitados, bem como, devem obedecer aos parâmetros orçamentários, e os gastos
públicos não se resumem apenas ao aspecto concretizador dos direitos sociais,
tornando-se imprescindível a implantação de condições mínimas de
desdobramentos da dignidade da pessoa humana (mínimo existencial)
(COMPARATO, 2010).
Portanto, a faceta mínima dos direitos sociais é denominada de “mínimo
existencial”, que, conforme Canotilho (1999, p. 203),
Das várias normas sociais, econômicas e culturais é possível deduzir-se um princípio jurídico estruturante de toda a ordem econômico-social portuguesa: todos (princípio da universalidade) têm um direito fundamental a um núcleo básico de direitos sociais (minimum core of economic and social rights) na ausência do qual o estado português deve se considerar infractor das obrigações jurídico-sociais constitucional e internacionalmente impostas.
A esse respeito, Barcellos (2002, p. 246) ensina que
A meta central das Constituições modernas e da Carta de 1988 em particular, pode se resumida (...) na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições da própria dignidade (o mínimo existencial) estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.
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Em contrapartida, ainda permanece a busca incessante sobre a plausividade
jurídica do que se convencionou por mínimo existencial. Ora, que Estado é esse que
descura da obrigação do controle de política de natalidade, de orientação
educacional e de contingenciamento populacional, mas restringe o acesso a saúde e
a educação por vias oblíquas?
Sem exercício de lógica e inteligência logo se deduz que o Estado brasileiro
se apresenta multifacetado, porque, se, de um lado, o país é subscritor de
convenções e pactos internacionais sobre direitos humanos, constituindo normas
“supralegais, segundo o STF, por outro – vias processuais –, no trato da relação
vertical entre Estado e cidadão, se omite e mais: se opõe a efetivação dos direitos
fundamentais com toda uma carga ideológica mitigatória.
Mesmo com a engenhosidade suscitadas nas defesas dos entes federados,
como é o caso de importação de teorias – reserva do possível e intangibilidade do
mínimo existencial –, da eleição de normas programáticas, do princípio da
separação dos poderes, o que se verifica até o presente momento é que, o poder
judiciário tem se agigantado e se transformado em vetor de inclusão social ao
rechaçar.
4.2. ANÁLISE DE CASO: PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE VERSUS UNIÃO FEDERAL, EM QUE SE INVOCOU A RESERVA DO POSSÍVEL EM PROL DA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
O presente estudo de caso refere-se ao caso no qual o Município de Campina
Grande, Paraíba, foi impelido a assumir perante a União, no dia 31 de janeiro de
2000, um débito de R$ 24.158.467,15 (vinte e quatro milhões, cento e cinquenta e
oito mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e quinze centavos).
Evidencie-se que em 15 de dezembro 1999, o citado município celebrou com
a União, tendo o Banco do Brasil S.A. como órgão interveniente, o “Contrato de
Confissão, Consolidação e Refinanciamento de Dívidas”, por meio do qual o
Governo Federal assumiu diversas dívidas do Município, com instituições bancárias
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internacionais, que totalizavam o montante de R$ 24.158.467,15 (vinte e quatro
milhões, cento e cinquenta e oito mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e quinze
centavos).
De acordo com o disposto no contrato administrativo lavrado, a dívida seria
paga em 360 (trezentas e sessenta) prestações mensais e sucessivas, vencendo-se
a primeira em 10 de janeiro de 2000 e as demais no mesmo dia dos meses
subsequentes.
Celebrado o Contrato, tiveram início, em 10 de janeiro de 2000, os
pagamentos por parte do Município, cujas parcelas eram calculadas, mês a mês,
mediante a aplicação da Tabela Price sobre o saldo devedor.
Em 26 de abril de 2000, foi celebrado um Termo Aditivo ao referido Contrato,
por meio do qual a União assumiu uma nova dívida do Município, no valor de R$
1.143.984,80 (um milhão, cento e quarenta e três mil, novecentos e oitenta e quatro
reais e oitenta centavos).
E, finalmente, em 04 de maio de 2000, foi celebrado um Segundo Termo
Aditivo ao referido Contrato, por meio do qual o Município optou pela redução da
taxa de juros de 9% a.a. para 6% a.a., comprometendo-se a amortizar 20% do saldo
da dívida em um prazo de trinta meses.
Em março de 2007, o Município solicitou ao Banco do Brasil um extrato do
financiamento, para saber o quanto ainda era devido. Tal não foi a sua surpresa,
quando recebeu uma planilha que demonstrava que, decorridos pouco mais de sete
anos dos trinta de vigência contratual, apesar de já ter desembolsado mais de R$
25.700.000,00 (vinte e cinco milhões e setecentos mil reais), o Município de
Campina Grande continuava, em 2007, com um saldo devedor de mais de R$
53.000.000,00 (cinquenta e três milhões de reais).
Como a dívida, nos termos em que estava sendo calculada pela União e pelo
Banco do Brasil, era impagável. Em 17 de maio de 2007, o Município ajuizou uma
Ação Cautelar contra a União e o Banco do Brasil, seguida de uma Ação Ordinária,
com o objetivo de questionar o valor do saldo devedor do referido contrato.
A referida ação ordinária foi julgada parcialmente procedente pelo MM. Juízo
da 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campina Grande, tendo sido
reformada a sentença pelo Eg. TRF da 5ª Região, que julgou os pedidos
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improcedentes. O Município, então, interpôs um Recurso Especial, que foi admitido
pela Vice-Presidência desse Eg. Tribunal, estando o referido Recurso, atualmente,
em tramitação perante o C.STJ.
Em um primeiro momento, em virtude de decisão proferida nos autos da
referida ação cautelar pelo MM. Juízo da 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária da
Paraíba; em um segundo momento, em virtude de decisão proferida pelo Emérito
Magistrado da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos de
um Mandado de Segurança impetrado; por fim, em virtude de decisão exarada pelo
Superior Tribunal de Justiça.
No dia 30 de abril de 2013, o Relator do Recurso Especial interposto pelo
Município entendeu por bem negar seguimento ao mesmo, tendo, no dia 29 de maio
daquele ano, tornado sem efeito a medida liminar concedida nos autos da Ação
Cautelar nº 17.817/PB e negado seguimento à mesma.
Tendo sido notificados da referida decisão, a União e o Banco do Brasil
corrigiram o saldo devedor do contrato, segundo critérios desconhecidos pelo
Município de Campina Grande, tendo chegado a um valor de R$ 117.029.432,19
(cento e dezessete milhões vinte e nove mil, quatrocentos e trinta e dois reais e
dezenove centavos), dos quais R$ 51.568.247,51 (cinquenta e um milhões,
quinhentos e sessenta e oito mil, duzentos e quarenta e sete reais e cinquenta e um
centavos), referem-se às parcelas não pagas no período entre 2007 e 2013.
Ato contínuo, a União e o Banco do Brasil transferiram das contas bancárias
municipais para a conta do Tesouro Nacional R$ 1.854.899,81 (hum milhão,
oitocentos e cinquenta e quadro reais e oitenta e um centavos), no dia 29 de maio
de 2013, e outros R$ 249.774,43 (duzentos e quarenta e nove mil, setecentos e
setenta e quadro reais e quarenta e três centavos), no dia 04 de junho de 2013.
No dia 20 de junho de 2013, a União efetuou um novo bloqueio nas contas
municipais, agora no valor de R$ 776.679,55 (setecentos e setenta e seis mil,
seiscentos e setenta e nove reais e cinquenta e cinco centavos).
Em menos de um mês, foram sequestrados e transferidos, automaticamente,
das contas públicas municipais para a conta do Tesouro Nacional, nada menos do
que R$ 2.881.353,79 (dois milhões, oitocentos e oitenta e um mil, trezentos e
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cinquenta e três reais e setenta e nove centavos – R$ 1.854.899,81 + R$ 249.774,43
+ R$ 776.679,55).
Como o valor bloqueado correspondia a mais de 1/3 da receita do FPM do
mês de maio, que foi de R$ 6.293.884,85 (seis milhões, duzentos e noventa e três
mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e oitenta e cinco centavos), a continuidade da
prestação de serviços públicos municipais essenciais como saúde, educação e
assistência social pela Edilidade restou inviabilizada, razão pela qual não restou
outra alternativa ao Município, senão ajuizar uma ação ordinária de obrigação de
fazer e não fazer com o intuito de regularizar e ordenar a retomada dos pagamentos
das parcelas do referido contrato, de forma a que as finanças municipais não fossem
levadas a um colapso, mercê da nova ordem jurídica estabelecida após a subscrição
do último contrato.
Desse modo, por meio da ação de obrigação de fazer e não fazer, o Município
requereu, em suma, que: (i) o montante relativo ao período de 2007 a 2013, que foi
calculado, unilateralmente, pela União e o Banco do Brasil em R$ 51.568.247,51,
fosse retirado do saldo devedor do contrato e liquidado nos termos do artigo 811,
parágrafo único do Código de Processo Civil, que determina que os prejuízos
sofridos pelo União em ações cautelares devem ser liquidados nos autos da própria
ação cautelar; (ii) a nova parcela a ser paga pelo Município doravante fosse
calculada sem tal montante; e (iii) que da Receita Líquida Real – RLR está
literalmente dividida nos seguintes percentuais, a saber: 25% (vinte e cinco por
cento) da RRL deve ser investido pelo Município em Educação, por força do que
dispõe o art. 212 da CR/88; 15% (quinze por cento) deve ser investido na Saúde, por
força do que dispõe o art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
CR/88; e mais 5% (cinco por cento) deve ser destinado para a Câmara dos
Vereadores, por força do que dispõe o art. 29-A, III, da CR/88.
Foi argumentado que, além dos compromissos constitucionais, é preciso
lembrar que a Administração Pública é feita de pessoas, sem as quais a máquina
pública não se move e os serviços públicos não são prestados.
Atualmente, 49% (quarenta e nove por cento) da RLR do Município vai para o
pagamento da folha de pessoal, sem a qual os demais serviços públicos não podem
ser prestados ou executados. Note-se, ainda, que, além de ser imprescindível, o
gasto com a folha tem natureza alimentícia, estando o percentual de 49% dentro do
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limite estabelecido no art. 20, III, b, da Lei Complementar 101/2000 e 1% para
precatório judicial (cf. impõe o art. 97, II, “a” da CR/88, alterado pela Emenda
Constitucional 62, de 09 de novembro de 2009).
Dessa forma, na prática, essas despesas – obrigatórias segundo a
Constituição – consomem 95% (Noventa e Quatro por Cento) da RLR do Município,
remanescendo 5% (cinco por cento) para o pagamento de todas as demais
despesas municipais como INSS, FGTS e PASEP, etc.
Note-se, que a situação é tão absurda que, caso o Município seja obrigado a
continuar sendo saqueado em 17% da RLR com o pagamento do Contrato de
Financiamento, o Ente municipal deve escolher: ou deixar de pagar a folha ou deixar
de investir em saúde ou deixar de investir em educação ou deixar de repassar o
duodécimo à Câmara. Ou seja, ou se cumpriria um contrato de 2000, feito em uma
outra ordem jurídica ou a Constituição Federal com os novos comandos.
Devidamente comprovado, a reserva do possível foi usada, nesse caso, não
para mitigar direitos, mas para afirmar os direitos sócias a saúde e a educação e não
como mando limitador dessas conquistas dos movimentos constitucionais.
Antes de apreciar o pedido de antecipação de tutela formulado pelo
Município, o MM. Juízo a quo entendeu por bem conceder um prazo de 72 horas
para que a União e o Banco do Brasil – órgão interveniente e arrecadador - se
manifestassem.
Em sua manifestação, a União defendeu a tese de que a execução das
garantias contratuais não tem limite algum, razão pela qual ela poderia executá-las
imediata e integralmente, até o que o saldo devedor do contrato fosse quitado.
Por meio da decisão interlocutória, o MM. Juízo rechaçou essa tese da União,
reconhecendo que “a execução das garantias não pode englobar ilimitadamente
todas as receitas do Município, mas deve respeitar sua capacidade de
endividamento, assim entendida como um percentual incidente sobre a Receita
Líquida Real. Portanto, em vista da inadimplência, deve ater-se a aplicar o limite
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mensal de 1/12 um doze avo) de 17% (dezessete por cento) da sua Receita Líquida
Real – RLR”25.
E, quanto aos demais pedidos formulados pela Edilidade, em especial o que
se referia à retirada do montante referente às parcelas de 2007 a 2013 do saldo
devedor e a determinação de sua liquidação nos autos da ação cautelar, o Juízo a
quo entendeu por extinguir a ação sem julgamento de mérito com relação a tais
pedidos, por entender que “falece a este juízo competência para apreciar a maior
parte dos pedidos deduzidos pelo município, autor na presente ação, pois, se assim
o fizer, estará usurpando a competência do Superior Tribunal de Justiça – STJ”26
Após a primeira decisão, em 20 de junho de 2013, a União e o Banco do
Brasil efetuaram novo bloqueio nas contas municipais, no valor de R$ 776.679,55
(setecentos e setenta e seis mil, seiscentos e setenta e nove reais e cinquenta e
cinco centavos), totalizando, assim, R$ 2.881.353,79 (dois milhões, oitocentos e
oitenta e um mil, trezentos e cinquenta e três reais e setenta e nove centavos) em
bloqueios levados a cabo em menos de 30 dias (R$ 1.854.899,81 + R$ 249.774,43 +
R$ 776.679,55).
Em virtude desse novo bloqueio, o Município apresentou, perante o MM.
Juízo, um pedido de reconsideração, requerendo que: (i) os Agravados – A União e
o Banco do Brasil – fossem impedidos de efetuar novos bloqueios nas contas
municipais; (ii) que os Agravados fossem obrigados a devolver aos cofres públicos
municipais os valores que excederam a R$ 195.555,46 nos meses de maio e junho,
valor este igual a 17% de 6% da RLR utilizada pela União para efetuar os bloqueios,
e (iii) que a exordial da ação originária fosse recebida em sua integralidade, de
forma a que os demais pedidos pudessem ser apreciados e deferidos, em especial
os relativos à sujeição do período de 2007 a 2013 ao regime previsto no art. 811 do
CPC e no art. 100 da CF/88.
Em sede de reconsideração, o Juízo a quo impediu as Agravadas de efetuar
novos bloqueios por um prazo de 30 dias, tendo, contudo, indeferido os demais
25 Ação Ordinária nº 0001195-25.2013.4.05.8201, em curso da 4ª Vara Federal em Campina Grande – Estado da Paraíba. 26 Ação Ordinária nº 0001195-25.2013.4.05.8201, em curso da 4ª Vara Federal em Campina Grande – Estado da Paraíba.
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pedidos, por entender haver litispendência entre tais pedidos e os formulados em
outros processos, ajuizados anteriormente pelo Agravante contra os Agravados.
Ao analisar o recurso de agravo de instrumento interposto, o Eminente
Desembargador Federal Elío Siqueira (convocado), considerando a jurisprudência
pátria, que estabelece limites para os bloqueios de contas e de repasses do FPM,
principalmente, quando estes bloqueios impedem que as respectivas edilidades
possam concretizar os serviços públicos essenciais, levando em consideração ainda
que os adimplementos contratuais por parte dos entes públicos devem respeitar a
autonomia de cada ente, sobretudo no que tange à consecução dos serviços
públicos, concedeu parcialmente provimento ao agravo para determinar que o valor
das parcelas seja limitado em 17% de 5% da RLR do Município de Campina Grande,
para que os descontos não respingassem nos percentuais constitucionais.
Eis a parte final decisão27: “Nesse sentido, para que seja preservada a
autonomia do Município/Agravante e para que este possa manter o funcionamento
adequado básico, entendo que merece acolhida, em parte, o pleito formulado, haja
vista que a manutenção do bloqueio, da forma como determinou a decisão
agravada, pode causar danos irreparáveis aos munícipes (...) Com essas breves
considerações, portanto, DEFIRO, EM PARTE, o pedido formulado pelo Agravante,
apenas para que o valor das parcelas seja limitado a 17% de 5% da RRL do
Município. Dê-se ciência desta decisão ao MM. Juiz a quo que, se assim houver por
bem, poderá oferecer, a tempo e modo, as ‘informações’ que reputar interessantes
para o julgamento deste Agravo.(...) Intime(m)-se o(a)(s) Agravado(a)(o)(s) para, em
querendo, apresentar(em) a contraminuta, no prazo da Lei. Expedientes. Cautelas.
P.I. Recife(PE), 18 de julho de 2013 – Desembargador Federal Élio Siqueira (Relator
Convocado)”
Observa-se que, ao se deparar com a ordem de bloqueio de 17% sobre a
Receita Líquida Real, índice este ajustado no ano de 2000, logo se verificou que o
ordenamento constitucional foi alterada para fatiar em percentuais 25% (vinte e
cinco por cento) da RCL para Educação, 15% (quinze por cento) para a saúde, 5%
(cinco por cento) para o duodécimo da Câmara dos Vereadores, 49% (quarenta e
nove por cento) para pagamento da folha de pessoal e 1% para precatório judicial
27 Agravo de Instrumento nº 133362-PB (0006994-14.2013.4.05.0000)
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(cf. impõe o art. 97, II, “a” da CR/88, alterado pela Emenda Constitucional 62, de 09
de novembro de 2009).
Ora, ressalta-se mais uma vez que, na prática, essas despesas – obrigatórias,
segundo a Constituição – consomem 95% (Noventa e Quatro por Cento) da RCL do
Município, remanescendo 5% (cinco por cento) para o pagamento de todas as
demais despesas municipais.
Portanto, visando preservar as políticas públicas deveria ser aplicado o
percentual de 17% (dezessete por cento) sobre 5% (cinco por cento) da RCL, já que,
os demais percentuais, por força da nova ordem jurídica, encontram-se devidamente
comprometido.
Entretanto, caso o Município deixasse de investir os percentuais mínimos em
educação e saúde, o atual Prefeito teria as suas contas rejeitadas pelo Tribunal de
Contas do Estado, sofrendo as graves consequências previstas na conhecida “Lei
da Ficha Limpa”.
Tendo em vista que, caso o Prefeito deixasse de repassar à Câmara
Municipal o duodécimo em sua integralidade, estaria sujeito a ser processado por
crime de responsabilidade, nos termos do art. 29-A, §2º, da CR/88.
Percebe-se, assim, que nenhuma dessas alternativas é minimamente
aceitável.
Porquanto, restou-se claro que, em que pese o fato do percentual de 17% da
RCL estar previsto no Contrato de Financiamento e na MP 1.891-10/1999, existem
obrigações de natureza alimentar e outras previstas na própria Constituição da
República que devem, evidentemente, prevalecer sobre o pagamento das parcelas
do referido Contrato.
Ora, sendo direto: o que o município faria? Cumprir um contrato, feito em
outra realidade econômica/jurídica com flagrante onerosidade excessiva ou a
constituição federal?
Como solucionar essa questão?
Em Direito, sabe-se que situações excepcionais devem ser tratadas de forma
excepcional. Esta foi uma dessas situações, que demandava um tratamento
totalmente diferenciado, cuja solução não estaria na interpretação da letra fria do
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Contrato de Financiamento, devendo ser buscada no ordenamento jurídico como um
todo, no qual o Contrato está inserido, e, especialmente, à luz de princípios maiores
como os do interesse público, da razoabilidade e da proporcionalidade.
A saída encontrada pelo Município e proposta por meio da ação originária foi
dar, ao período de 2006 a 2014, no qual os pagamentos não foram feitos com base
em decisões judiciais, um tratamento específico, permitindo, assim, que, a partir da
revogação da última decisão judicial que suspendia a exigibilidade das mesmas, o
pagamento das prestações do Contrato fosse retomado com base no saldo devedor
de 2006, o que levaria a uma prestação muito menor do que R$ 158.545,09, ou
aplicar, em homenagem à teoria da reserva do possível, os 17% sobre os 5% da
RLR.
Diante desse confronto – o contrato com a nova ordem constitucional –
buscou a Edilidade, excepcionalmente, invocar a reserva do possível, como forma
de solucionar o litigio, sugerindo a aplicação dos 17% previstos no contrato, aos
valores remanescentes da RCL que não estão reservados em lei. Ou seja, 17%
sobre 5% que não estão reservadas às políticas sociais do ente municipal.
O pleito foi acatado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, para baixar
uma prestação mensal de R$5.600.000,00 (cinco milhões e seiscentos mil reais),
para pouco mais de R$83.000,00 (oitenta e três mil reais).
Isto posto, a reserva do possível foi usada não como manto mitigador dos
direitos sociais, como usado a exaustão pelos tribunais superiores, mas, ao revés,
como forma de preservar os percentuais constitucionais que, em tese, seriam para
custear a saúde, educação etc.
4.3. RESERVA DO POSSÍVEL E AUTONOMIA DO ENTE FEDERADO
O artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
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I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Evidencie-se que esse artigo pode ser dividido em três partes
contextualizadas: a primeira, discorre sobre os princípios fundamentais dos Estados
e de seu governo; a segunda, define os fundamentos da república e, dentre eles,
observa-se “a dignidade da pessoa humana”; e, a terceira, estabelece as bases do
regime adotado.
Segundo Silva (2012, p. 34)
o valor normativo [desse] artigo consiste na definição de vários princípios conformadores do ordenamento constitucional brasileiro, dos quais decorre a previsão de outros princípios de grau secundário referente a cada uma das instituições definitivamente estabelecidas no dispositivo: a Federação, que gera o princípio da autonomia das entidades-membros (v. art. 34, I, II e VII, Título III, e a República, com seus princípios (v. art. 34, VII, “a”, “b” e “d”) e a organização de seus Poderes constante do Título IV; e o regime político com seus valores traduzidos na declaração dos direitos fundamentais da pessoa humana, arrolado no título II [grifos nossos].
Extrai-se ainda da fonte acima mencionada que
o artigo definido ‘a’ na expressão ‘a República Federativa do Brasil’ que inicia o articulado da Constituição, tem função sintática de referência histórica. Exprime um juízo de preexistência que denota que a Constituição não instituiu a República Federativa, mas a tem como um signo do passado e como tal a recebe e pereniza (SILVA, 2012, p. 34).
Ora, dessa “perenização” vislumbrada por Silva (2012) se faz a seguinte
inferência: o Brasil é uma república e também uma federação formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal com autonomia
administrativa e financeira.
O vocábulo “autonomia” possui várias acepções e significados, mas, dentro
do contexto em lume, consubstancia o significado de quem tem a faculdade de se
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governar por si mesmo.28 Por sua vez, Cosetta (2001, p. 106) leciona que “a
autonomia é prerrogativa política conferida pela Constituição da República
Federativa do Brasil a entidades estatais internas para formalizar o seu autogoverno
e prover sua Administração conforme a Lex Mater”.
Por esta razão, a Constituição assegurou a autonomia dos entes federados,
garantindo que o interesse local não será olvidado por incursões de outros entes
(MEIRELLES, 2007). A autonomia municipal é condição sine qua non para a
preservação do federalismo pátrio. Tanto é verdade que sempre esteve implícito no
sistema federativo brasileiro, acarretando o que, doutrinariamente, se denomina de
federalismo de terceiro grau.
Nesse sentido, a Constituição de 1988, plasmou o princípio da autonomia dos
municípios na Ordem Jurídica brasileira, emoldurando no Título III, Capítulo I, da
Organização Político-Administrativa, art. 18, cuja disposição é a seguinte:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. § 1º Brasília é a Capital Federal. § 2º Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar. § 3º Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar. § 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 15, de 1996) Vide art. 96 – ADCT
Com efeito, deve ser advertido que, hodiernamente, o Município assume
todas as vertentes de um ente federado, seja na organização dos serviços públicos
de interesse locais, seja na tutela ambiental de sua área, proporcionando o bem-
estar aos seus habitantes (MEIRELLES, 2007).
28 Segundo o dicionário Aurélio Buarque de Holanda (2001): “1.Faculdade de se governar por si mesmo; 2.Direito ou faculdade de se reger (uma nação) por leis próprias; 3. Condição pela qual o homem pretende poder escolher as leis que regem sua conduta”.
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Portanto, os Municípios são entes federados de terceiro grau, uma vez que a
Constituição outorgou aos mencionados entes sua respectiva autonomia municipal,
nos três aspectos: político, administrativo e financeiro.
Em relação ao aspecto financeiro, que se enquadra a teoria da reserva do
possível, deve-se estabelecer um limite para os gastos com a concretização dos
direitos sociais e as implementações de políticas públicas, sob pena de não se
respeitar a autonomia financeira do Município, impedindo que o mesmo execute
seus serviços públicos essenciais e arque com suas despesas básicas.
4.4. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL E DO MÍNIMO EXISTENCIAL
Como mencionado no subitem 4.1, deste capítulo, a teoria da reserva do
possível foi incorporada ao repertorio jurisprudencial brasileiro por intermédio de um
voto do Ministro Carlos Britto, nos autos da Ação Cautelar 2.442-1 -RS, em que
o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul da comarca de Getúlio Vargas ingressou com Ação Civil Pública n. 050/1.07.0002799-2 contra o Estado do Rio Grande do Sul e contra a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, visando à implantação, naquela comarca, de atendimento em caráter de plantão 24 horas, nos sete dias da semana.
O magistrado de 1º grau deu ganho de causa ao Ministério Público para
assegurar, em nome da dignidade da pessoa humana, a implantação de
atendimento da Defensoria Pública em regime de plantão de 24h.
Entretanto, embora o Estado do Rio Grande do Sul tenha interposto apelação
ao Tribunal de Justiça Local, seu apelo não foi provido. Conduzindo o Estado, a
apresentar recurso extraordinário, que, por sua vez, foi inadmitido. E, por isso,
protocolou no Supremo Tribunal Federal, uma ação cautelar visando imprimir efeito
suspensivo a decisão de primeiro grau em face da agressão a economia, pautado no
argumento da teoria da reserva do possível e da interferência do poder judiciário
sobre o poder executivo.
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A respeito da teoria da reserva do possível, o constitucionalista português
José Joaquim Gomes Canotilho, voraz crítico dessa teoria, taxando-a de “reserva
dos cofres cheios”, afirma:
rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) para traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica (CANOTILHO, 2004, p. 481).
Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal tem discutido a temática com a
perspectiva de que, uma vez provada a ausência de recursos por parte do ente
federado, deve ser aplicada a reserva do possível. Entretanto, de todas as decisões
do STF, até então catalogadas neste trabalho, a Corte passou longe de mitigar
direitos a saúde e a educação com esteio na reserva do possível, senão vejamos.
No julgamento do Agravo nos autos do Recurso Extraordinário – ARE
745745/MG, em que o Município de Belo Horizonte foi o agravante e o Ministério
Público do Estado de Minas Gerais, o agravado, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, sob relatoria do ministro Celso de Mello, assentou que a manutenção de
rede de assistência da criança e do adolescente é dever do Estado, resultante
diretamente de norma constitucional. Nesse sentido, reconheceu-se a omissão
inconstitucional do Município em manter a rede de assistência à saúde da criança e
do adolescente. Inversamente, consignou-se que o Município não pode invocar a
teoria da reserva do possível, tendo em vista, o núcleo básico que qualifica a mínima
existência.
Demonstrando a essencialidade do direito à saúde, através da legitimação da
atuação do Poder Judiciário para intervir nos casos, em que o Poder Executivo,
anomalamente, ostenta uma postura omissa em relação as políticas públicas
relevantes. Com efeito, atestou-se o papel do Poder Judiciário na afirmação das
políticas públicas, consignadas pela Constituição Federal de 1988, no tocante as
hipóteses em que os entes políticos, injustificadamente, deixam que cumprir os
preceitos fundamentais tutelados pela constituição.
Nesse sentido, pontuou o Ministro Celso de Mello que a matéria central a ser
observada é averiguar se se revela possível ao Poder Judiciário, sem afrontar ao
axioma da separação de poderes, impor ao ente público, quando este permanecer
inerte ao cumprimento de políticas públicas protegidas pela constituição, a adoção
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de diligências destinadas a garantir o acesso e o gozo de direitos abalados pela
inadimplência governamental de deveres jurídico-constitucionais.
Assim, consignou-se a atividade fiscalizatória judicial, com apanágio nos
preceitos constitucionais da proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo
existencial, vedação da proteção insuficiente e vedação de excesso.
Ora, o Plenário do Supremo Tribunal Federal manteve incólume o acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas, que garantiu a interferência
do Poder Judiciário para instrumentalizar a respectiva política pública de saúde,
garantindo ao cidadão o acesso ao serviço médico necessário.
Corroborando com esse entendimento, tem-se o acórdão proferido pelo STF,
em julgamento do Recurso Extraordinário 581.352, sob relatoria do Ministro celso de
Mello, em que o Estado do Amazonas (agravante) recorreu da decisão que
conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário pleiteado pelo Ministério
Público estadual (agravado).
Do julgamento desse Recurso Extraordinário, a Segunda Turma do STF, sob
presidência da Ministra Cármen Lúcia, acordou, por unanimidade, em negar
provimento ao agravo regimental, mantendo a decisão que determinava que o
Estado do Amazonas, não apenas prestasse os serviços de saúde, como também,
ampliasse a assistência da maternidade infantil.
No entendimento do Ministro/Relator Celso de Mello, caracteriza-se
incontestável a legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar ação civil pública
pretendendo tutelar direitos coletivos revestidos relevância social. No caso em
comento, o Ministério Público objetivava resgatar o desrespeito a direitos
fundamentais de parturientes e neonatos, que estão recebendo atendimento
hospitalar irregular, decorrente de omissão do Estado e falta de estrutura na rede
pública de saúde. Portanto, cumpre assegurar o direito à saúde, marcadamente
expresso no artigo 196, da Constituição Federal de 1988.
Ora, mantendo parecer nesse mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello,
enquanto relator do Recurso Extraordinário 655.452, cujo o agravante foi o Ministério
Público do Estado de Minas Gerais em face do, então agravado, Munícipio de Piau,
entendeu por dá provimento ao recurso, reformando o acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que havia decidido pela
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impossibilidade pelo Poder Judiciário de, em face do princípio da separação dos
poderes, determinar a construção de cheche no Município de Piau.
Para o Ministro Celso de Mello, garantir o direito de crianças de até cinco
anos de idade serem atendidas e matriculadas em creche e em pré-escola, próximas
de sua moradias ou do endereço de trabalho de seus responsáveis legais, é preceito
assegurado no artigo 208, inciso IV, da Constituição Federal, que protege o direito
de educação infantil às crianças. Sendo, portanto, dever legal-constitucional do
Município a criação de políticas públicas no sentido de concretizar tal mandamento
constitucional.
Em que, no caso em apreço, atestando-se a inércia e a omissão do Município,
torna-se imprescindível a intervenção do Poder Judiciário para se preservar os
direitos constitucionais objurgados, principalmente dos hipossuficientes.
Reafirmando-se a compreensão consolidada de que o ente público não deve evocar
a formula da reserva do possível para justificar o inadimplemento de efetivação de
políticas públicas básicas por parte do Poder Executivo, retirando o caráter cogente
dos direitos fundamentais.
Restando, ao Poder Judiciário, a competência do controle jurisdicional de
legitimidade das omissões incorridas pelo Poder Público, tendo em vista, a
necessidade de observância de parâmetros constitucionais, como a proibição do
retrocesso social, proteção ao mínimo existencial e a vedação da proteção
insuficiente.
Pode-se perceber que o preenchimento das lacunas institucionais decorrentes
das necessidades institucionais, calcadas em decisões afirmativas dos magistrados
e tribunais brasileiros resultam em uma auspiciosa e inovadora criação
jurisprudencial do direito, a ensejar desmedidos freios e contra pesos, vigilância do
Poder Judiciário, que se justifica pela carência de atenta observação das balizas
constitucionais mínimas.
4.5. DO JULGAMENTO DE CASO CONCRETO SOBRE A GRATUIDADE DO ACESSO A EDUCAÇÃO PELAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
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No dia 26 de abril de 2017, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar ao
Recurso Extraordinário 597854, da Universidade Federal do Goiás, conclui pela
possibilidade das universidades públicas cobrarem por cursos de pós-graduação lato
sensu e isso depois de ter julgado inconstitucional taxa de matrícula por instituição
de ensino superior nos autos do RE 567801/MG e também no julgamento do RE
500171, por manifesta violação ao artigo 206, inciso IV, da CR/88.
Passível de registro que alguns juízes da Corte, como foi o caso dos Ministros
Gilmar Mendes, Luiz Fux e Alexandre de Moraes ainda sustentaram a ideia
inovadora das cobranças de taxas se estenderem aos cursos de pós-graduação
stricto sensu, como é o caso de mestrados e doutorados, em estabelecimentos
oficiais de ensino.
Relatam os autos, que o estudante Tiago Macedo dos Santos foi classificado
no processo seletivo promovido pela Universidade Federal do Goiás, para o
preenchimento de vagas no curso de Pós-Graduação em Direito Constitucional para
o biênio 2007/2008. E, depois da publicação e homologação dos resultados da
seleção, o Agravado foi à secretária do programa de pós-graduação, com o intuito
de proceder a sua matrícula. Todavia, como pré-requisito da matrícula, foi requerido
o preenchimento de uma ficha de inscrição padronizado, o recolhimento de uma taxa
no valor de R$50,00 (cinquenta reais) e a adesão a um contrato de prestação de
serviços educacionais, que previa o pagamento de mensalidades. Evidenciando que
sem à adesão contratual, os estudantes selecionados perderiam direito à vaga.
Assim, diante da imposição feita pela Universidade Federal do Goiás, o Sr.
Tiago Macedo dos Santos impetrou mandado de segurança na 3ª Vara Federal de
Goiânia (processo nº 2007.35.00.009372-9), no dia 18 de maio de 2007, pleiteando,
em medida liminar, a suspensão da cobrança de mensalidades até o provimento
final da demanda e, no mérito, dentre outros pedidos, a concessão da segurança em
definitivo a fim de afastar a cobrança de mensalidade, por considera-la ilegal.
No dia 28 de maio de 2007, o Juiz Carlos Humberto de Sousa, denegou a
liminar (fls. 23 dos autos), argumentando, sem muitas delongas, que os precedentes
judiciais recorrentes seguem o entendimento da gratuidade dos cursos de
graduação, enquanto que de cursos de pós-graduação, a exemplo do mestrado e
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doutorado, a receita seja necessária para cobrir as despesas do custo operacional,
que correm por conta da própria instituição de ensino. E, portanto, denegou a
liminar.
Dessa decisão, foi interposto agravo de instrumento ao Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, cuja relatoria foi do Desembargador Federal Souza Prudente,
que, após as contrarrazões apresentadas pela Universidade Federal de Goiás,
assim decidiu pelo deferimento do pedido de antecipação da tutela recursal, sob a
marca de efeito suspensivo, para cessar a cobrança das mensalidades referentes ao
curso de pós-graduação frequentado pelo ora agravado até a decisão definitiva do
pleito.
Meses após a concessão da tutela recursal, que reformava a decisão de
primeiro grau o Juiz da 3ª Vara Federal de Goiânia, na linha do que já tinha decidido,
constatou-se a ausência do direito líquido e certo do impetrante, julgando-se
improcedente o pleito inicial para denegar a segurança (fls. 100/104 dos autos).
Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação ao Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, visando reforma a sentença a quo e em maio de 2008, o
recurso de apelação nº 2007.3500.009372-9/GO, foi julgado procedente por
contrariar o art. 206, IV, da CR/88.
A Universidade Federal de Goiás, insatisfeita com a decisão do TRF-1º
Região, interpôs embargos declaratórios com o objetivo de prequestionar matéria de
recurso especial e extraordinário por transgressão aos artigos 205; 206, I; 208, VII; e
213, § 3", todos da Constituição Federal.
Após a rejeição dos embargos a Universidade Federal interpôs recurso
extraordinário para o Supremo Tribunal Federal que foi admitido pela Presidência da
Corte.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que as universidades públicas
poderiam sim sobrar mensalidades em curso de pós-graduação lato sensu, apesar
do voto discordante do Ministro Marcos Aurélio, que alertava que a Corte não
poderia fazer as vezes de legislador ao estabelecer a distinção entre “as esferas e
os graus de ensino que a Constituição Federal não prevê. Destacou ainda que o
inciso IV do artigo 206 da CF garante a gratuidade do ensino público nos
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estabelecimentos oficiais e que, em sua avaliação, isso é um princípio inafastável” e
que as universidades oficiais são efetivamente públicas e não “hibridas”.
A decisão do STF, abre espaço, pelo seu grau de subjetividade e de lacunas,
para se erigir diversas teses jurídicas capazes de inserir, neste contexto de cobrança
de mensalidade por estabelecimentos oficiais de ensino, que são custeadas com
recursos públicos, registre-se, dos cursos de mestrado e doutorado, ficando, os
cursos de graduação, a um passo de também seguir nesta mesma linha.
4.6 DA DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO A PACIENTES PORTADORES DE DOENÇAS RARAS
Segundo informação do Ministério da Saúde do Brasil (2016), as ações
judiciais impactam em R$ 7.000.000.000,00 (sete bilhões de reais) no Sistema Único
de Saúde29, fato que motivou o Governo Federal a promover Congressos e
Palestras em todo o Brasil sobre a gestão do SUS e as demandas de saúde na
esfera federal, estadual, distrital e municipal.
O Ministério da Saúde (2016) ainda informa que
em seis anos, os custos do governo federal destinados ao cumprimento de decisões judiciais somam R$ 3,9 bilhões. Um aumento de 727% nos gastos da União no cumprimento de ações para aquisição de medicamentos, equipamentos, insumos, realização de cirurgias e depósitos judiciais. Só neste ano30 já foram desembolsados R$ 730,6 milhões30.
Diante do acentuado valor, o Ministério da Saúde (2016) provocou a
assinatura de um termo de cooperação com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
com o objetivo de oferecer
subsídios técnicos para qualificar as decisões judiciais com base em evidências científicas nas ações relacionadas à saúde no Brasil. Os Núcleos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (NATS) estarão
29 Informação fornecida no PORTAL DA SAÚDE, 2016. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/25275-ministro-da-saude-fala-sobre-impacto-de-acoes-judiciais-no-sus> Acesso em: 17/04/2017. 30 Dados do dia 24.08.2016
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disponíveis para subsidiar os magistrados e também será dado acesso às bases para análise de evidências científicas. O CNJ ainda deve disponibilizar aos magistrados banco de dados com as notas técnicas e pareceres técnico-científicos consolidados emitidos pelos NAT-JUS, TJ-MG, NATS, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (Conitec)30.
Em pesquisa feita pela Associação da Industria Farmacêutica de Pesquisa,
Relatório Anual de Atividades (INTERFARMA, 2016, p. 35)31, constata-se que o
orçamento do Ministério da Saúde cresceu em 3% neste ano de 2017, um
percentual menor do que 2016 que foi de 24,5% e que, por sua vez, foi maior do que
12,6%, do ano de 2015.
Pelos índices colhidos por entidades públicas e privadas, logo se observa que
os orçamentos com saúde pública nas três esferas de poder, passaram a ser uma
peça com desfecho imprevisível com inegável lesão à economia pública e tudo isso
por ausência de políticas públicas previamente definidas.
Dois casos que estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal, com
três votos emitidos, sendo o primeiro do relator Marcos Auréilio, o segundo do
Ministro Luis Roberto Barroso e o terceiro do Ministro Edson Fachin, tendo, o
saudoso Ministro Teori Zavaski pedido vistas, traz a discussão a obrigatoriedade de
o Estado fornecer medicamentos de alto custo a pacientes portadores de doenças
raras, mas sem o prévio registro na ANVISA.
Os fatos, levado a Suprema Corte, remete-nos a uma reflexão sobre até onde
se encontra o respeito à dignidade da pessoa humana e o direito à vida, quando se
trata de concessão de medicamentos de alto custo e em fase de experimento, aos
portadores de doenças raras em face das peculiaridades dos casos e das limitações
financeiras do ente financiador.
Os dois recursos extraordinários tiveram repercussão geral reconhecida pelo
Ministro Relator Marcos Aurélio, sendo o primeiro – RE 566471, originário do Estado
do Rio Grande do Norte, e o segundo – RE 657718, do Estado de Minas Gerais.
No Recurso Extraordinário 566471, interposto pelo Estado do Rio Grande do
Norte (apelante) em face de Carmelita Anunciada de Souza (apelada), o apelante se
31 INTERFARMA, 2016. Disponível em: <https://www.interfarma.org.br/public/files/biblioteca/109-relatario-anual-de-atividades-site.pdf> Acesso em: 17/04/2017.
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negou a doar um fármaco denominado de Sildenafil 50mg (citrato de sildenafila), a
uma senhora carente portadora de miocardiopatia isquêmica e hipertensão arterial
pulmonar, doença essa, que causa acúmulo de muco nos pulmões e em outras
regiões do corpo humano.
O Procurador do Rio Grande do Norte argumentou que, uma vez sendo
concedido o direito ao fármaco do alto custo, além de não existir um programa de
Dispensação de Medicamentos por parte do ente estadual, o valor estrangularia o
orçamento em execução, causando grave lesão à ordem jurídica tendo em vista a
ausência de previsão de reembolso ou mesmo rateio por parte da União,
exatamente porque, a droga não consta na relação do Ministério da Saúde, motivo
pelo qual estariam malversados os artigos 2º, 5º, 6º, 196 e 198, parágrafos 1º e 2º,
da CR/88.
No mérito, o Estado do Rio Grande do Norte, suscitou a teoria da reserva do
possível em face da limitação de recursos “pois o Estado está destinando os
recursos previstos para fazer face às políticas universais de saúde ao cumprimento
das decisões judiciais que determinam o fornecimento individualizado de
medicamentos extremamente caros”32.
A recorrida, a Senhora Carmelita Anunciada de Souza, não apresentou as
contrarrazões ao recurso extraordinário e o STF, no dia 15 de novembro de 2007,
concluiu repercussão geral da temática.
Como foi reconhecida a repercussão geral, vários Estados da Federação,
Distrito e vários institutos, associações e conselhos foram admitidos como terceiros
interessados para fins de sustentação oral perante aquela corte, senão vejamos:
Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS); Defensoria Pública-Geral
da União; União; Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose (ABRAM);
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Estado do Acre; Estado de
Alagoas; Estado do Amapá; Estado do Amazonas; Estado da Bahia; Distrito Federal;
Estado do Espírito Santo; Estado de Goiás; Estado de Mato Grosso do Sul; Estado
de Minas Gerais; Estado do Pará; Estado da Paraíba; Estado do Paraná; Estado de
Pernambuco; Estado do Piauí; Estado do Rio de Janeiro; Estado do Rio Grande do
32 Fls. 142, do RE 566471 - STF
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Norte; Estado de Rondônia; Estado de Santa Catarina; Estado de São Paulo; Estado
de Sergipe; Defensor Público-Geral do Estado do Rio de Janeiro.
O Ministério Público Federal emitiu parecer pelo conhecimento do Recurso
Extraordinário, mas que a interposição recursiva fosse improvida.
Sete anos após o reconhecimento de repercussão geral, o Procurador do
Estado do Rio Grande do Norte atravessa uma petição nos autos informando que a
interposição recursiva perdeu o objeto, tendo em vista que o fármaco Sildenafil
50mg (citrato de sildenafila), para os portadores de miocardiopatia isquêmica e
hipertensão arterial pulmonar, passou a ser fornecido pelo Sistema Único de Saúde.
Mesmo assim, o voto do Ministro Marcos Aurélio enfocou que os direitos
fundamentais estão associados a evolução das Constituições do início do século
XVIII ao início do século XX, dentre os quais, a saúde encampa o livre acesso aos
produtos farmacológicos que tardam, minimizam e aparecem como lenitivo para as
dores dos que mais sofrem e esse direito não pode estar ao sabor do estado de
humor da autoridade pública. Argumentou, ainda, que pouco importa se a droga
estava ou não na lista de distribuição do SUS – Sistema Único de Saúde e
registrado na ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pois basta apenas
que o medicamento seja prescrito por autoridade médica competente para garantir o
direito a seu fornecimento.
Relata o Ministro Marcos Aurélio que, a sentença do Juiz de primeiro grau, foi
no sentido de conceder o medicamento e que a decisão foi mantida pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Evidenciou, na parte do relatório, que da
decisão do TJRN, o Procurador Estadual interpôs recurso extraordinário, de modo
que, ao chegar no STF, foi distribuído para ele e, em face da peculiaridade do caso,
reconheceu a repercussão geral, a fim de que o STF analise as argumentações dos
entes federados que gravitam em torno da ausência de recurso financeiro, da teoria
da “reserva do possível”, vedação de fornecimento de medicamentos sem
comprovação científica e proibição de medicamento que não sejam distribuídos pelo
SUS e sem registro na ANVISA.
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Já o Recurso Extraordinário nº 65771833, também de relatoria do Ministro
Marco Aurélio, tem como apelante Alcirene de Oliveira e apelado o Estado de Minas
Gerais34, que se negou a fornecer o medicamento cloridrato de cinacalcete sem
registro na ANVISA.
Neste caso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) confirmou a
sentença do juiz de primeiro grau para, com base no art. 6º e 196 da CR/88,
reconhecer que existe uma primazia do direito coletivo sobre o direito individual e,
caso o medicamento fosse fornecido, o administrador público poderia responder por
“crime de descaminho”.
O ponto de tensão se estabeleceu quando os portadores de
mucopolssacarídose Tipo VI (MPS VI), que é o nível mais agudo da síndrome
“Síndrome de Maroteaux-Lamy”, procuraram o órgão do Ministério Público, para
solicitar que o Estado e o Município adquirissem o medicamento de alto curso,
denominado N-acetylgalactosamine 4-sulfatose (rhASB) 1mg/ml.
De um lado, a vida como condição sine qua non para obtenção dos demais
direitos sociais e, do outro, os entes públicos, que invocam tanto tese de ausência
de recursos para custear os medicamentos, usando a teoria mitigadora da reserva
possível, como também a teses de que o medicamento solicitado ainda não tem
uma comprovação científica a respeito da eficácia do tratamento com o fármaco;
destacando que a droga exigida pelo Poder Judiciário não está regulamentada pela
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária e, portanto, de acordo com o
art. 12, da Lei Federal n.º 6.360/1976, “nenhum dos produtos de que trata esta Lei,
inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao
consumo antes de registrado no Ministério da Saúde.”
33 Informação fornecida no site do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326275> Acesso em: 17/04/2017. 34 Tendo em vista a repercussão geral do RE 657718, consta como assistentes: a União, o Estado do Acre, o Estado de Alagoas, o Estado de Roraima, o Estado de Santa Catarina, o Estado de Sergipe, o Estado de São Paulo, o Estado do Tocantins, o Estado do Amazonas, o Estado do Amapá, o Estado da Bahia, o Estado do Ceará, Distrito Federal, o Estado do Espírito Santo, o Estado de Goiás, o Estado do Maranhão, o Estado de Mato Grosso, o Estado de Mato Grosso do Sul, o Estado do Pará, o Estado da Paraíba, o Estado de Pernambuco, o Estado do Piauí, o Estado do Paraná, o Estado do Rio de Janeiro, o Estado do Rio Grande do Norte, o Estado do Rio Grande do Sul e o Estado de Rondônia.
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No dia 15 de setembro de 2016, o Ministro/relator Marcos Aurélio, proferiu
voto no sentido de negar provimento ao recurso, mas entendeu que o Estado pode
ser obrigado a fornecer o fármaco de alto custo, não fornecidos pelo SUS e
registrado na ANVISA, por questões burocráticas, desde que seja comprovado a
imprescindibilidade do fármaco ao paciente e que, o mesmo, comprove a sua
incapacidade financeira e de sua família também. Após esse voto do Ministro/relator,
o Ministro Luís Roberto Barroso pediu vistas dos autos.
Na sessão do STF do dia 28 de setembro de 2016, quando do voto vista do
Ministro Luís Roberto Barroso, o Ministro Marcos Aurélio manteve seu voto com a
ressalva de que o reconhecimento, pelo Estado, do direito individual ao fornecimento
de fármaco dispendioso, não inserido em Programa de Medicamentos de
Dispensação em Caráter Excepcional ou em Política Nacional de Medicamentos,
depende da comprovação de imprescindibilidade, impedimento de permuta do
remédio e da incapacidade financeira do doente, considerando a ausência de
espontaneidade dos familiares em custeá-lo.
Quanto ao voto vista do Ministro Luís Roberto Barroso, tem-se que as
políticas públicas não podem ser judicializadas e que seria necessário
“desjudicializar” o debate sobre direitos sociais, evitando, assim, milhares de
demandas judiciais nesse sentido.
Para o Ministro Barroso, a Lei nº 12.401/2011, que dispõe sobre a assistência
terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS), e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC),
criada pela lei federal nº 12.401, de 28 de abril de 2011, têm como premissa estudar
fármacos e terapias que devem integrar a lista do SUS, observando, além do
aspecto técnico, o critério de custo-benefício.
No que diz respeito, a inafastabilidade da jurisdição, o Ministro Luís Roberto
Barroso entende que, antes de provocar o poder judiciário, no sentido de efetivar as
políticas públicas, o paciente deveria provar que formulou pedido pela via
administrativa e que o Estado não lhe socorreu.
Ressalte-se, entretanto, que ao fazer análise do caso concreto, o Ministro não
observou e nem sentiu a via crucis que o paciente poderia passar no âmbito do
processo administrativo – isso desde a negativa de receber um pedido formal até o
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prazo de quinze dias para a resposta do órgão e, sem considerar, a elaboração do
próprio pedido formal; ocasionando mais uma barreira para o paciente, que agoniza
e se deblatera em busca de transpor burocracia para salvar a sua própria vida.
Tratando-se das drogas farmacológicas não incorporadas pelo SUS, o
Ministro Barroso entendeu que o Estado não é obrigado, em regra, a fornecê-lo,
sustentando que não existe sistema de saúde capaz de aguentar um modelo em que
todos os medicamentos devam ser fornecidos a todas as pessoas pelo Poder
Público, sem considerar o impacto financeiro que tais fornecimentos acarretam.
Diante das peculiaridades do caso, o Ministro Luiz Roberto Barroso formulou
como proposta de repercussão geral a ideia de que o Estado não pode ser
compelido a disponibilizar fármacos que ainda estejam em fase experimentais, cuja
eficácia e segurança não foram comprovadas. No tocante a medicamentos com
comprovada eficácia e segurança, embora não registrados na ANVISA, defende o
Ministro Barroso, que o Estado poderá ser constrangido a fornecê-los mediante o
desarrazoado prazo da ANVISA em apreciar o pedido de registro, prazo esse que
seria superior a 365 dias, além do preenchimento três requisitos, a saber: 1. a
existência de pedido de registro do fármaco no Brasil; 2. a comprovação de registro
do fármaco em agências de regulação no exterior; e 3. a ausência de droga
terapêutica substituta com registro no Brasil.
Nessa perspectiva, o Ministro Luís Roberto Barroso discorreu sobre a
necessidade de existir comunicação entre o Poder Judiciário e entes com expertise
técnica na área de saúde, como as câmaras e núcleos de apoio técnico,
profissionais do SUS e CONITEC.
Observa-se, sem esforço de lógica e inteligência, que uma vez, se sagrando
vencedor o voto divergente do Ministro Luís Roberto Barroso, o Brasil daria muitos
passos atrás, no tocante a efetivação da saúde como conquista social, tendo em
vista que, o mesmo poder judiciário que vem conferindo direito de percepção de
medicamentos, é o mesmo que importa teorias e cria ambiência ao casuísmo
hermenêutico que pode erigir pilares mitigatórios da efetivação dos direitos
fundamentais.
Após o voto-vista do Ministro Luiz Roberto Barroso, o Ministro Edson Fachin
se pronunciou partindo da premissa que existe, sim, um direito subjetivo às políticas
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públicas de assistência à saúde, constituindo em grave transgressão a direito
individual e sua omissão, de modo que as tutelas de efetivação de dispensas de
terapêutico ou tratamento que não foi incorporado ao SUS devem ser,
preferivelmente, ajuizadas em ações coletivas, de maneira a cooperar para que
ocorra uma maior eficácia ao comando de universalidade que impera no direito à
saúde.
O Ministro Fachin discorreu sobre a excepcionalidade ao direito prestacional
individual, de modo que a ampla produção de provas, demonstre a materialização
negativa por parte do Estado de fornecer o fármaco pela rede pública da saúde, em
decorrência de ausência de política pública, bem como, evidencie que existem
terapêuticos eficazes e seguros, com base nos desdobramentos da medicina
firmada em evidências.
Com isso, o Ministro Fachin propõe que o Poder Judiciário, antes de deferir
prestação de serviço à saúde, observe cinco requisitos cumulativos, a saber:
incapacidade financeira; comprovação que a não incorporação do fármaco não foi
resultado de determinação expressa dos órgãos competentes; falta de medicamento
substituto fornecido pelo SUS; demonstração de eficácia do terapêutico pleiteado; e
propositura da ação judicial em face da União.
No que diz respeito ao fornecimento de medicamentos que não foram
registrados pela ANVISA, em resposta ao RE 657718, o Ministro Fachin votou pelo
provimento, a fim de impor fornecido imediato do fármaco pleiteado, já que durante
os cincos anos de tramitação do Recurso Extraordinário perante o Supremo Tribunal
Federal, a droga havia sido incluído na lista do SUS e que ao “normatizar as regras
de segurança, qualidade e eficácia, a Anvisa garante a participação de empresas e
consumidores no mercado de medicamentos em condições mais equilibradas” 23.
Assim como os Ministros Marcos Aurélio e Luís Roberto Barroso, o Ministro
Edson Fachin apresentou alguns pontos cardeais, não cumulativos, para se encarar
a repercussão geral, quais sejam: a) controle de legalidade; b) controle de
motivação; c) controle da instrução de provas no âmbito da política pública
regulatória e; d) controle da razoabilidade de prazo de resposta por parte da agência
regulatória.
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E em observância da segurança jurídica, o Ministro Fachin recomendou a
manutenção da decisão recorrida até ulterior decisão do Supremo Tribunal Federal,
sobre as interposições recursivas sub analise. Após os três votos emitidos, o então
Ministro Teori Zavascki pediu vistas e o Supremo Tribunal Federal (STF) sobrestou a
apreciação conjunta dos Recursos Extraordinários (REs) 566471 e 657718.
O mais grave é que, apesar do fármaco ser de acentuado valor monetário, os
portadores dessas doenças raras sobrevivem – comprovadamente – por intermédio
dele e quando não são medicados pela droga vão a óbito, independentemente da
droga está ou não na lista do SUS.
Deflui-se, então, que a alegativa renitente de que as disposições do art. 196 e
ss da Constituição Federal são normas programáticas e, por isso, não ter força
normativa, já foi superada e a reserva do possível – usada apenas para mitigar a
efetividade dos direitos fundamentais – não vem, dia a dia, empolgando o poder
judiciário.
No começo da implementação da teoria da reserva do possível, até que o
judiciário alentou uma perspectiva aos representantes dos entes federados de uma
reflexão sobre a proliferação de decisões de concessão de provimentos
antecipados, em face da “escassez de recursos” públicos para atender aos mais
carentes, no entanto, essa teoria – que seja bem-vinda – poderia ser usada, no caso
do Município de Campina Grande, em prol da afirmação dos direitos fundamentais e
não para negar.
Isto posto, judiciário foi vacilante ao sugerir que se aplicasse o mínimo
existencial criando um espaço para, uma vez demonstrado que não tem recursos,
ficaria isento de custear a saúde pública. Ou seja, pela exceção levantada pelo STF,
quando os entes públicos se modernizarem e passarem a mostrar ao judiciário, em
número, que não têm recursos para custear a saúde, a Suprema Corte facultará a
efetivação desses direitos sociais.
O que se extrai dessas decisões do STF é que não existe uma preocupação
na exequibilidade de seus julgados, tendo em vista que, uma vez decidido pelo não
cumprimento dessa obrigação estatal, em face da ausência de recursos, não há
estabelecimento de mecanismos de controle – mesmo que fosse por intermédio do
Ministério Público - visando identificar se, daquele dia em diante, o ente público não
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contratará mais cantores com cachês altos e muito menos se aventurará em farras
de diárias e outras atividades correlatas.
Bastava uma simples expedição de recomendação ao Ministério Público
Estadual para se fazer um acompanhamento, de pelo menos, um por ano, nas
finanças públicas do ente “anistiado” pela “falta de recursos”. De modo que, ou os
entes federados permanecerão sofrendo com as imprevisões das decisões do Poder
Judiciário, transformando as reservas orçamentárias em execução, em verdadeiras
“coxas de retalho”, ou se fará uma política pública desses direitos com o objetivo de
estabelecer, por vontade política, a afirmação dos direitos fundamentais sem a
necessidade de transcursos de pedidos formais de medicamentos pela via
administrativa para, logo após, garimpar um advogado para se ajuizar uma ação
judicial. Ou seja, sem a necessidade de se criar mais uma barreira na relação
vertical entre Estado e o cidadão.
Destaque-se que diante da expansão mundial do Poder Judiciário, o Poder
Executivo aqui no Brasil, através do Ministério da Saúde, vitimado pelo fatiamento
das suas receitas para o custeio de medicamentos e tratamento de saúde, ao invés
de enviar ao Poder Legislativo projeto de lei estabelecendo percentuais das suas
receitas para atender as políticas públicas e dar efetividade aos direitos sociais, de
forma sui generis, procurou o CNJ com a alegativa de subsidiar os juízes nas
demandas judiciais.
Sensível a suplica do Poder Executivo e tentando, com isso, arrefecer a
escalada exponencial das ações que suplicam por tratamento de saúde ou
medicamentos, no dia 06 de abril de 2010, o Conselho Nacional de Justiça expediu
a resolução nº 107/2017, para instituir o Fórum Nacional do Judiciário para
monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde.
O reflexo dessa moção do CNJ foi refletido de forma relâmpago no Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, com esteio nessa recomendação do
CNJ e visando diminuir do números de ações relacionadas ao tratamento de saúde
e distribuição de medicamentos – segundo sitio do CNJ a redução alcançou mais 30
mil ações, em cinco anos – criou o Comitê Estadual de Saúde do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), composto pelo Ministério Público
Estadual, Secretaria de Saúde do Estado, Tribunal de Justiça, Procuradoria
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Regional da União, Defensoria Pública, Procuradoria Geral do Estado, Federação
das Associações de Municípios e Conselho Regional de Medicina.
A criação do Comitê Estadual de Saúde do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul (TJRS), inspirou o Conselho Nacional de Justiça -CNJ – a editar
a Recomendação nº 36, de 12 de julho de 2011, Ato nº 0003257-77.2011.2.00.0000,
com o intento de estimular os Tribunais a adotarem medidas visando subsidiar os
magistrados e demais operadores do direito, com vistas a assegurar maior eficiência
na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde suplementar.
A recomendação do CNJ, confere aos Tribunais a possibilidade de
estabelecer convênios que objetivem disponibilizar apoio técnico, sem ônus para as
Cortes, compostos por médicos e farmacêuticos, indicados pelos Comitês
Executivos Estaduais, para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor
quanto a apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes, observadas
as peculiaridades regionais.
Ora, apesar dos serviços de saúde, educação e assistência social serem
públicos e de obrigação efetiva do Estado, sabe-se que o constituinte originário
conferiu a iniciativa privada a possibilidade de prestar os mesmos serviços através
dos planos de saúde que custeiam até medicamentos, das escolas e universidades
privadas e das entidades religiosas que fazem a assistência social.
Diante dessa possibilidade é de se pensar em institucionalização do sistema
híbrido de políticas públicas visando suplementar a ausência do estado na política
de afirmação dos direitos sociais.
O Ministério da Saúde apresentou, a nível nacional, o custo da judicialização
até o ano de 2015 e quanto está previsto para ser gasto, no âmbito dos Governos
dos Municípios, Estados e União, no ano de 2016. Eis a subida vertiginosa dos
custos da judicialização, com os seguintes gráficos:
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Assim ao ver a cada dia se avolumarem o número de ações judiciais
vindicando o cumprimento do direito à saúde, a educação e assistência social, resta
ao Estado a perspectiva de institucionalizar o Sistema Híbrido de Saúde Pública com
a institucionalização de Câmeras de Compensação, aonde os planos de saúde
passem a bancar os medicamentos e tratamentos dos seus segurados – mesmo
com estímulos de pequenas compensações financeiras – e que, um pequeno
percentual da exportação e comercialização das nossas riquezas minerais, sejam
destinados a custear os direitos sociais sob pena de assistirem sine die ao
fatiamento da economia pública - cada vez mais acentuado - pelo Poder Judiciário
que está autorizado por lei até mesmo a bloquear e sequestrar as contas públicas e
sem falar nos consectários penais e civis para quem viola princípios e texto de lei
federal.
Observa-se, nos gráficos acima, a nível nacional, os gastos que o Ministério
da Saúde teve com a saúde, provenientes de ações judiciais nos anos de 2010 a
2015, bem como, a previsão de aumento desses gastos no ano de 2016.
Destaque-se, entretanto, a nível local/municipal, por meio da análise do
Relatório sintético de pagamentos por demanda judicial, emitido pela Gerência de
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Finanças da Secretaria Municipal de Saúde, do Município de Campina Grande/PB,
que existe a necessidade de se refletir a respeito do impacto que as decisões surtem
no orçamento de um município com 406.000 Habitantes
Assim, ao ver a cada dia se avolumarem as ações judiciais vindicando o
cumprimento do direito à saúde e a educação resta ao Estado a perspectiva de
institucionalizar o Sistema Híbrido de Saúde Pública, com câmera de compensação,
aonde os planos de saúde passem a bancar os medicamentos e tratamentos dos
seus segurados – mesmo com estímulos de pequenas compensações financeiras –
e que, um pequeno percentual da exportação e comercialização das nossas
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riquezas minerais, sejam destinados a custear os direitos sociais sob pena de
assistirem sine die ao fatiamento da economia pública – cada vez mais acentuado –
pelo Poder Judiciário, que está autorizado por lei, até mesmo a bloquear e
sequestrar as contas públicas, sem mencionar os consectários penais e civis para
quem violar princípios e texto de lei federal.
4.7 DA DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS NÃO CADASTRADO NA LISTA DO SUS/ANVISA
Uma grave situação vivenciada pelos tribunais brasileiros ocorre quando o
tribunal se deparada com casos que envolvem pedido de fornecimento de
medicamentos não cadastrados na denominada “lista do SUS”. Para agravar ainda
mais essa situação, têm-se os casos de fármacos em fase de experimentos
científicos, que, por vezes, os portadores de doenças raras precisam para
sobreviver; todavia, pelas regras do SUS, sua distribuição é vedada.
Conforme o artigo 19 – T, da Lei Federal 8.080, de 19 de setembro de 1990,
estabelece:
Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011) I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011) II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.
É bem verdade que, por traz de disposições como esta, existe toda uma
carga científica de exposições de motivos para não se gerar efeitos colaterais
inimagináveis nos seres humanos, principalmente, quando se observa que os
fármacos ainda estão em fase de experimentos científicos, daí a precisão da Lei no
sentido de vedar, em toda a esfera da gestão do SUS, o ressarcimento ou
reembolso de medicamentos, produtos e procedimentos clínicos ou cirúrgicos em
fase de experimentos.
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A lei ainda proíbe a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o
reembolso de medicamentos e produtos, nacional ou importado, sem o devido
registro na ANVISA. Destaque-se que o problema se acentua ainda mais, quando se
verifica o fastio e o desinteresse dos poderes constituídos em dar início ao processo
legislativo de regulamentação dos direitos sociais, dentre esses, a saúde.
O Supremo Tribunal Federal, nos autos do ARE 831915 Agr – RR, chegou a
reconhecer que, mesmo após a edição da Lei 8.080/90, não assiste fundamento a
arguição do Estado agravante em afirmar que não está obrigado a fornecer o
medicamento que não esteja cadastrado na lista do SUS, conforme decisão da
Corte, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, que assim ementou:
Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Estado não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à vida, de medicamento que não esteja na lista daqueles oferecidos gratuitamente pelas farmácias públicas, é dever solidário da União, do estado e do município fornecê-lo. Nesse sentido, AI 396.973 (rel. min. Celso de Mello, DJ 30.04.2003), RE 297.276 (rel. min. Cezar Peluso, DJ 17.11.2004) e AI 468.961 (rel. min. Celso de Mello, DJ 05.05.2004).
Na decisão do ARE 831915 Agr – RR, o Ministro relator Luiz Fux, invoca outro
precedente da Primeira Turma do STF que, julgando o RE 831.385-AgR, relatado
pelo Ministro Roberto Barroso, assim pacificou:
Em quarto lugar, esta Corte tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido. De fato, assim concluiu o Tribunal de origem: […]. Nesse sentido, veja-se trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes na STA 175- AgR: ‘[…] em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso.
Apesar do STF ter pacificado decisões como as supramencionadas, ressalte-
se o posicionamento o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 26 de abril de
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124
2017, sob a relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, nos autos do Recurso
Especial nº 1.657.156 - RJ (2017/0025629-7), interposto pelo Estado do Rio de
Janeiro, contra a decisão do Tribunal de Justiça, que decidiu:
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. DIREITO À SAÚDE. PACIENTE PORTADORA DE GLAUCOMA. HIPOSSUFICIÊNCIA COMPROVADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE CONDENOU O ESTADO E O MUNICÍPIO DE NILÓPOLIS AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. Inconformismo do Estado apelante, ora agravante, contra a decisão monocrática que manteve a condenação dos réus ao fornecimento dos medicamentos pleiteados, objetivando rediscutir a matéria. A saúde é direito fundamental assegurado constitucionalmente a todo cidadão, devendo os poderes públicos fornecer assistência médica e farmacêutica aos que dela necessitarem, cumprindo fielmente o que foi imposto pela Constituição da República e pela Lei nº. 8.080/90, que implantou o Sistema Único de Saúde. Ademais, não há que se falar em violação dos artigos 19-M, I, 19-P, 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/90, visto que se cuida de orientação para dispensação de medicamento, como ação de assistência terapêutica integral, que não inviabiliza a assistência por medicamento orientado pelo médico da paciente e, por consequência, não afronta o texto constitucional e não significa contrariedade à Súmula Vinculante 10 do STF. Desprovimento do recurso.
Na interposição do recurso especial, o Estado do Rio de Janeiro invoca, em
sede de preliminar, vários artigos do Código de Processo Civil supostamente
agredidos, como é o caso dos artigos 480 a 482 do CPC/1973 ou 948 a 950 do
CPC/2015.
O Ministro Relator entendeu que o Recurso Especial afetaria vários recursos
aportados no STJ, como era o caso do REsp 1.102.457/RJ, e outros tantos em
trâmite nos tribunais do todo o país e em diversas Varas Federais e Estaduais. Por
esta razão – sistemática de recursos especiais repetitivos –, deveria ser julgado com
os efeitos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, “considerando a multiplicidade de
recursos a respeito do tema em foco”.
O STJ demarcou a controvérsia em dois pontos cardeais, sendo o primeiro,
que os medicamentos não estavam contemplados na Portaria n. 2.577/2006 do
Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais), e o segundo, que a
Portaria n. 2.577/2006 já tinha sido ab-rogada pela Portaria 2.982, de 26 de
novembro de 2009.
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O recorrente era o Estado do Rio de Janeiro e a recorrida era Fatima Theresa
Esteves dos Santos de Oliveira, através da defensoria pública do Estado do Rio de
Janeiro.
A decisão do STJ foi assentada na seguinte ementa:
ADMINISTRATIVO. PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. CONTROVÉRSIA ACERCA DA OBRIGATORIEDADE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS AO PROGRAMA DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS DO SUS. 1. Delimitação da controvérsia: obrigatoriedade de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria n. 2.982/2009 do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais). 2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24, de 28/09/2016) (...) Nesse sentido, e nos termos do art. 1.037 do CPC/2015, devem ser observadas as seguintes providências: (i) suspensão, em todo o território nacional, dos processos pendentes, individuais e coletivos, que versem sobre a questão ora afetada (art. 1.037, inciso II, do novel Código de Processo Civil); (ii) Comunicação aos senhores Ministros integrantes da Primeira Seção e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça; (iii) Após decorridos todos os prazos acima estipulados, abra-se vista ao Ministério Público Federal, pelo prazo de 15 (quinze) dias (art. 1.038, inciso III e § 1º, do CPC/2015). É como voto. (STJ - ProAfR no REsp: 1657156 RJ 2017/0025629-7, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 26/04/2017, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 03/05/2017).
Com essa decisão, criou-se uma ambiência própria para se oficializar a
negativa do Estado na implantação dos direitos sociais por intermédio de mais
obstáculos – além dos que já foram criados – para se cadastrar medicamentos na
ANVISA e, por consequência, na lista do SUS.
Se, por um lado, o art. 1037, inciso II, do CPC/2015, impõe que os processos
que tratam de medicamentos fora da lista do SUS devem ser suspensos, por outro,
o art. 314 também do CPC/2015 abre uma minúscula luz no fim do túnel:
Art. 314. Durante a suspensão é vedado praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de arguição de impedimento e de suspeição.
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A excepcionalidade do art. 314, quando confere a possibilidade da realização
de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, pode poupar milhares de vidas
humanas.
Em laboriosa pesquisa no site do STF, com cruzamento de expressões como
“saúde e medicamento”, “saúde e hipossuficiente” e “saúde e cirurgia”, do ano de
2000 até a presente data, logo se evidencia que o bem mais judicializado é
medicamento.
Os argumentos suscitados pela parte recorrente de que as regras do art. 196
da CR/88 são programáticas e de eficácia contida, está na defesa de apenas quatro
recursos, que são: ARE 727864 – PR, RE 393175-RS, RE 271286 – RS e ARE
639337-SP.
A reserva do possível e o mínimo existencial foi argumentado em apenas dez
recursos: ARE745745 – MG, ARE 727864-PR, RE 581352-AM, RE 642536-AP,
ARE 639337-SP, SL 47-PE, STA 175 – CE, STA 223 – PE e dois que estão em
repercussão geral RE 566471-RN e 657718-MG.
Já a teoria da separação dos poderes está contida em vinte e cinco recursos:
RE 858075 – RJ, 1014959 -SE, ARE 947823-RS, ARE 831915-RR, ARE 894085 –
SP, ARE 839629-DF, ARE 886710 – SE, ARE 903216 – DF, ARE 892114 – MG, RE
696077 – RS, ARE 879204 – RJ, ARE 859350 – SC, ARE 814878 – PE, AI 810864 –
RS, ARE 803281 – RS, RE 820910 – CE, ARE 801676 -PE, RE 429903 -RJ, RE
762242 – RJ, AI 809018 – SC, SL 47 – PE, STA 175 – CE, RE 463210 – SP, ADPF
5400-DF e RE 259508 – RS.
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CAPÍTULO 5 - DA FUNÇÃO ATÍPICA DO JUDICIÁRIO NA CONCRETIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS.
Pela concepção clássica da tripartição dos poderes, o judiciário apenas julga,
o legislativo apenas legisla e o executivo apenas administra.
Em face da expansão do Poder Judiciário como fenômeno mundial, o
judiciário se tornou a única porta a se bater quando o tecido social padece dos
efeitos da ausência de cumprimento dos seus direitos, quer pela inafastabilidade da
jurisdição, quer pelo controle da legalidade.
As decisões incisivas forçando o Executivo a cumprir metas em saúde e
educação, em face da sua propositada omissão, evidenciou o judiciário, no tocante
ao cumprimento das políticas sociais, como instrumento de inclusão, apesar das
imprecisões e permissividades dos seus julgados, até porque, o judiciário, a
princípio, não tem a expertise na relação vertical com o tecido social e também não
tem meio eficiente de filtrar demandas de cunhos políticos e aventureiros.
Por intermédio da ARE 639337 Agr/SP, o Supremo Tribunal Federal, apreciou
um pleito do Ministério Público do Estado de São Paulo, de relatoria do Ministro
CELSO DE MELO, cujo fundamento seria a obtenção de decisão judicial favorável a
crianças de até cinco anos de idade, a ser recebida em creches nas unidades
próximas as suas residências ou trabalho dos seus responsáveis.
O Município de São Paulo interpôs recurso extraordinário argumentando que
a matéria é administrativa e que não compete ao Poder Judiciário substituir o
Executivo; que a edilidade não teria recursos para arcar com a despesa gerada pelo
Poder Judiciário, invocando a reserva do possível e da intangibilidade do mínimo
existencial, interferência de um poder sobre o outro, além de outros argumentos que
foram, por obvio, rechaçados pelo Ministro Relator com os seguintes e judiciosos
argumentos:
CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR
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CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. (STF - ARE: 639337 SP, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 21/06/2011, Data de Publicação: DJe-123 DIVULG 28/06/2011 PUBLIC 29/06/2011).
Para refutar os argumentos traçados pelo Município de São Paulo, o Ministro
Celso de Melo, assim se posicionou:
A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas asseguram, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.
Também fez duras críticas à política municipal de ensino afirmando que a
gestão não poderá se demitir do mandato imposto pela Constituição da República
Federativa do Brasil, disposto no art. 208, IV, da Lex Mater:
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A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
No seu voto, condutor do acórdão, o Ministro Celso de Melo rechaçou ainda a
reserva do possível, taxando-a de “escolhas trágicas”:
A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. - A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança.
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130
Assim, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal, negou provimento ao
recurso de agravo para indeferir a subida do Recurso Extraordinário, deixando
bastante evidente que, para o Corte Constitucional, direitos sociais não podem ser
taxados de norma condecorativas, apesar da omissão propositada dos poderes
legislativo e executivo.
5.1 DA RATIO DO DISCURSO DE PROTEÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE DAS CONVENÇÕES E PACTOS INTERNACIONAIS “SUPRALEGALIDADE”
O modelo lírico e até ideológico da supralegalidade parece que se incorporou
ao modus faciendi do legislador brasileiro. E o caso mais perceptível está na edição
do Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
É do conhecimento mediano que os tratados e convenções internacionais,
dos quais o Brasil é signatário, gozam de status de “supralegalidade”, fato
devidamente reconhecido pelo STF, nos autos da ADIN 5240, cuja emenda foi assim
publicada:
Tratados e convenções internacionais com conteúdo de direitos humanos, uma vez ratificados e internalizados, ao mesmo passo em que criam diretamente direitos para os indivíduos, operam a supressão de efeitos de outros atos estatais infraconstitucionais que se contrapõem à sua plena efetivação. (ADI 5240, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgamento em 20.8.2015, DJe de 1.2.2016).
Mercê desse reconhecimento, que motivou o cancelamento da súmula 619,
que dispunha sobre prisão do depositário infiel, o STF entendeu que existe, sim,
uma hierarquia das regras estabelecidas em tratados internacionais sobre direitos
humanos, dos quais o Brasil é signatário, com as normas estabelecidas no próprio
texto constitucional.
Para se ratificar essa atenção especial que o Estado brasileiro assumiria com
a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
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Protocolo Facultativo, o art. 2º do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 foi
assim redigido:
Art. 1o A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, apensos por cópia ao presente Decreto, serão executados e cumpridos tão inteiramente como neles se contém.
Feitas estas considerações, é de se observar que, dezenas de centenas de
pessoas com deficiências físicas procuram o poder judiciário em busca de receber
direitos elementares.
No 27 de outubro de 2015, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do ARE
903216 AgR/DF, cuja relatora foi a Ministra Rosa Weber, apreciou um pedido de
destrancamento do recurso extraordinário, que foi indeferido. E, visando reformar a
decisão da Presidência do Tribunal, o Agravante, no caso o Distrito Federal, interpôs
o agravo ao Supremo.
Trata-se de uma ação civil pública com pedido de obrigação de fazer, em
que o Ministério Público do Distrito Federal obteve sentença favorável no primeiro
grau, no sentido de impor que o poder público fizesse reformas e adaptações nas
escolas públicas, como forma de amparar e inserir os alunos com necessidades
especiais na educação.
O Tribunal confirmou a decisão e o Distrito Federal, por intermédio dos seus
procuradores, interpôs o recurso extraordinário alegando o princípio da separação
dos poderes.
Ao que, a primeira turma do STF, seguiu o voto da relatora para nega a
interposição do agravo, nos seguintes termos:
DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REFORMA E ADAPTAÇÃO DE ESCOLA PÚBLICA. ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. DIREITO À EDUCAÇÃO. OMISSÃO CARACTERIZADA. CONTROLE JUDICIAL DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. EXCEPCIONALIDADE. LIMITES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 13.02.2015. 1. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão
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agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. Entender de modo diverso demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. 2. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 3. Agravo regimental conhecido e não provido.
Pelos extratos das movimentações processuais dos autos dos processos
originários, logo se chega à conclusão que, apesar do recurso extraordinário não
imprimir efeito suspensivo, o direto vindicado pelo Ministério Público e concedido
pelo Poder Judiciário, ainda não foi concretizado.
Em situação igual, também conta as sucessivas decisões que gerou o ARE
839629 AgR/DF, que teve o mesmo desfecho. Neste caso, o Ministério Público
ajuizou ação civil pública com pedido e obrigação de fazer para que o Distrito
Federal oferecesse monitor a alunos, da rede pública municipal, portadores de
necessidades especiais.
O julgamento desse agravo ocorreu no dia 02 de fevereiro de 2016 e a
Segunda Turma do STF, também rechaçou a interposição recursiva nos seguintes
termos:
Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Constitucional. Ação civil pública. Criança com necessidade educacional especial. Acompanhamento por monitor. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Legislação local. Ofensa reflexa. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade. Precedentes. 1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos poderes, inserto no art. 2º da Constituição Federal. 2. O recurso extraordinário não se presta para o exame de matéria ínsita ao plano normativo local, tampouco ao reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 280 e 279/STF. 3. Agravo regimental não provido.
Pelos julgamentos de casos envolvendo a educação de pessoas portadores
de deficiência e de necessidades especiais, nas duas turmas do STF, pode-se
observar o desapego dos poderes públicos com a dignidade da pessoa humana,
esta, registre-se, com o status de supralegalidade, até porque, o Brasil incorporou a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo, através do Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009.
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Passível de registro que o artigo 2º do Decreto presidencial nº 6.949/2009
dispõe que
Art. 2º. São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão dos referidos diplomas internacionais ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, I, da Constituição.
Ou seja, o direito encontra-se em pleno vigor, mas, na prática, de eficácia
silente. Destacando que, apesar da falsa ideia de que se trata de documento adstrito
aos direitos das pessoas com deficiência, vai além e acaba por prescrever tópicos
que devem ser levados em consideração na hora de descrevermos o que seria o
mínimo existencial, a saber, o direito à vida, o acesso à justiça, a garantia de
liberdade e segurança, mobilidade humana, liberdade de expressão, opinião e
privacidade, educação, saúde, trabalho e emprego, além de participação na vida
política, pública, cultural e social, incluindo-se a recreação, o lazer e o esporte.
Assim sendo, torna-se imprescindível que sejam reconhecidos direitos
fundamentais mínimos à população, para que o Estado possa garantir a existência
digna de seus membros, ultrapassando a sua subsistência, permitindo que cada um
possa desenvolver suas aptidões e potencialidade em consonância com seus
direitos de personalidade. Ou seja, “a reserva do possível só se justifica na medida
em que o Estado garanta a existência digna indistintamente a todos os integrantes
da sociedade” (CUNHA JUNIOR, 2008, p. 395).
5.2 TUTELA AO DIREITO DE COMUNICAÇÃO DO DEFICIENTE AUDITIVO.
Sabe-se que a comunicação é um direito social dos mais discutidos e
questionados, mas no vasto acervo do tecido social, encontra-se cidadãos que não
se comunicam por ausência de conhecimento de meios educacionais e, por isso,
ficam a margem da sociedade em estado de vulnerabilidade.
Ciente dessa lacuna da rede pública, o Ministério Público Federal ajuizou
ação civil pública com o objetivo de o Judiciário compelir o Distrito Federal a
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contratar professores de libras, visando atender aos deficientes auditivos, que
almejavam o acesso à educação, como meio de inclusão social.
A sentença da Justiça Federal foi favorável ao pleito ministerial, mas o Distrito
Federal interpôs recurso de apelação que foi improvido, mas impulsionados pelos
argumentos de reserva do possível e da interferência de um poder sobre o outro, a
edilidade interpôs recurso extraordinário que foi inadmitido.
Insatisfeito, o Distrito Federal agravou da decisão ao Supremo Tribunal
Federal de inadmissibilidade, visando destrancar o Recurso Extraordinário, cuja
relatoria coube ao Ministro Gilmar Mendes, que assim relatou no Agravo Regimental
de nº 860.979-DF:
Trata-se de agravo regimental contra decisão que negou provimento a recurso extraordinário com agravo, aos seguintes fundamentos: (i) o princípio da separação dos poderes não inviabiliza, por si só, a atuação do Poder Judiciário, quando diante do inadimplemento do Estado de políticas públicas constitucionalmente previstas; (ii) inoponibilidade da cláusula da reserva do possível na hipótese, tendo em conta o núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais tutelados; e, (iii) a constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade. No agravo regimental, sustenta-se, em síntese, que não há jurisprudência pacífica no âmbito do STF sobre a temática. Alega-se, ainda, que a decisão agravada viola a separação dos poderes, uma vez que “as escolhas políticas sobre alocação de recursos públicos e definição de políticas públicas prioritárias devem ser realizadas pelos representantes eleitos pelo povo” (fls. 257). É o relatório.
No seu voto, o Ministro Gilmar Mendes rechaça o agravo por questões de
ordem processual, motivo pelo qual o recurso extraordinário não deve ser
recebimento, mas faz duras afirmações de ordem a imantar e a preservar os direitos
sociais, nos seguintes termos:
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Constitucional. Educação de deficientes auditivos. Professores especializados em Libras. 3. Inadimplemento estatal de políticas públicas com previsão constitucional. Intervenção excepcional do Judiciário. Possibilidade. Precedentes. 4. Cláusula da reserva do possível. Inoponibilidade. Núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais. 5. Constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade. Precedentes. 6. Ausência de argumentos suficientes a infirmar a decisão recorrida. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.
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No voto, eleva a patamares superiores a constitucionalidade da
supralegalidade do direito do deficiente auditivo, porém registra nas entrelinhas que,
embora o poder judiciário não seja um órgão de inclusão social, sente-se coagido a
intervir, porque não se enxerga uma moção volitiva por parte dos detentores de
poder.
No mesmo sentido, o STF julgou o ARE 845247 SP 0005340-
90.2011.8.26.0663, sob a relatoria Ministro Ricardo Lewandowski, plasmando a
seguinte recomendação:
Direito Constitucional. Educação de deficientes auditivos. Professores especializados em Líbras. 3. Inadimplemento estatal de políticas públicas com previsão constitucional. Intervenção excepcional do Judiciário. Possibilidade. Precedentes. 4. Cláusula da reserva do possível. Inoponibilidade. Núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais. 5. Constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade. Precedentes. 6. Ausência de argumentos suficientes a infirmar a decisão recorrida. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.
Assim, como a saúde, a educação constitui um outro gargalo da
administração pública e os noticiários estão recheados de flagrantes de fraude e
corrupção com recursos destinados à educação.
As decisões judiciais para a educação são pouco cumpridas, conforme se
observa nos extratos de movimentação processual das ações que chegaram de
forma obtusa ao STF, em que se registra envio de cópia da decisão para se apurar
o crime de desobediência, mas, querendo ou não, e com raras e honrosas
exceções de alguns detentores de poder de boa vontade, o judiciário ainda é a
única porta que se bate para efetivação dos direitos sociais.
Poder-se-ia pensar também em um sistema híbrido para a educação,
levando-se em consideração a renda mensal convivente aonde o(a) aluno(a) de
família abastada seja obrigado a contribuir com valores suportáveis para as
Universidades Públicas, fomentando o surgimento de vagas para os que estão
abaixo da linha de pobreza, impedindo um fenômeno, já identificado pelo Ministério
da Educação, de que os alunos de famílias pobres estão estudando em instituições
de ensino superior privadas, sendo, na sua grande maioria, financiados pelo Fundo
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de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – FIES e os alunos provenientes
de famílias afortunadas, ocupando vagas nas Universidades Públicas.
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CONCLUSÃO
Com apanágio, em tudo que fora exposto ao longo dessa dissertação,
percebe-se que os direitos fundamentais representam conquistas histórias do
constitucionalismo, principalmente como forma de combate aos meios de
desigualdade social.
Essas conquistas e esses direitos, a partir do momento em que foram
reconhecidos pelo Texto Constitucional como imprescindíveis ao tecido social e ao
bem comum, passaram a fazer parte do núcleo essencial da Constituição. Por essa
razão, passam a ter status de supremacia, supralegalidade e imutabilidade relativa,
bem como, caráter vinculatório em relação aos poderes legislativo, executivo e
judiciário.
Com efeito, incumbe ao Estado o dever de concretizar tais direitos, de zelar
pela sua prestação de forma satisfatória, seja por meio de políticas públicas, seja por
meio do seu papel fiscalizador.
Ocorre que, constando-se as omissões do Poder Executivo e Legislativo em
realizar tais funções, o Poder Judiciário, otimizado pelo fenômeno da expansão da
atividade jurisdicional, encontra-se proferindo decisões, de modo a forçar e impor o
Poder Executivo a cumprir os mandamentos constitucionais, sobretudo no que tange
aos gastos com educação e com saúde.
Esse fenômeno de expansão judicial deve ser visto com cautela, tendo em
vista a imperiosidade do regime democrático. Ideal seria que o Poder Executivo
cumprisse seu papel, concretizando as políticas públicas e prestando serviços
públicos à sociedade de forma satisfatória. Contudo, tendo em vista que tal preceito
não consubstancia a realidade brasileira, o Poder Judiciário, com apanágio no
preceito da inafastabilidade de controle jurisdicional, vem perfilhando caminhos
obtusos, ao passo de garantir direitos inerentes ao núcleo essencial da Constituição,
que representam condições mínimas que o Estado deve promover aos seus
cidadãos.
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Diante de tudo que fora exposto, torna-se imprescindível realizar um paralelo
entre a reserva do possível e o núcleo essencial dos direitos fundamentais,
mormente o mínimo existencial, para que seja traçada uma política administrativa
coerente e proporcional, de modo que o Estado possa ter uma parcela de
contribuição satisfatória acerca dos serviços públicos e possa atender aos
proclames da sociedade.
Por outro lado, torna-se importante também estabelecer limites ao aspecto
positivo desse dever do Estado com a sociedade, sob pena de se vilipendiar
preceitos básicos, como a autonomia do ente político e as finanças públicas, de
modo a desequilibrar toda a atividade estatal em detrimento do interesse privado de
determinado particular.
Por essa razão, mostra-se imprescindível estabelecer esse paralelo,
conjugando tais premissas ao ponto de refletir o caminho para o consenso sobre a
concretização dos direitos fundamentais no cenário brasileiro.
A alegativa renitente de que as disposições do art. 196 e ss da Constituição
Federal são normas programáticas e, por isso, não ter força normativa, já foi
superada e a reserva do possível – usada apenas para mitigar a efetividade dos
direitos fundamentais – não vem, dia a dia, empolgando o poder judiciário.
No começo da implementação da teoria da reserva do possível, até que o
judiciário alentou uma perspectiva aos representantes dos entes federados de uma
reflexão sobre a proliferação de decisões de concessão de provimentos
antecipados, em face da “escassez de recursos” públicos para atender aos mais
carentes, no entanto, essa teoria poderia ser usada, no caso do Município de
Campina Grande, em prol da afirmação dos direitos fundamentais e não para negar.
Evidencie-se que judiciário foi vacilante ao afirmar que se aplicar o mínimo
existencial criando uma ambiência para, uma vez demonstrado que não tem
recursos, ficaria isento de custear a saúde pública. Ou seja, pela exceção levantada
pelo STF, quando os entes públicos se modernizarem e passarem a mostrar ao
judiciário, em número, que não é têm recursos para custear a saúde, a Suprema
Corte facultará a efetivação desses direitos sociais.
O que se extrai dessas decisões do STF é que não existe uma preocupação
na exequibilidade de seus julgados, tendo em vista que, uma vez decidido pelo não
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cumprimento dessa obrigação estatal, em face da ausência de recursos, não há
estabelecimento de mecanismos de controle – mesmo que fosse por intermédio do
Ministério Público – visando identificar se, daquele dia em diante, o ente público não
contratará mais cantores com cachês altos e muito menos se aventurará em farras
de diárias e outras atividades correlatas.
Desta feita, ou os entes federados permanecerão sofrendo com as
imprevisões das decisões do Poder Judiciário, transformando as reservas
orçamentárias em execução, em verdadeiras “coxas de retalho” ou se fará uma
política pública desses direitos com o objetivo de estabelecer, por vontade política, a
afirmação dos direitos fundamentais.
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