perícia contábil judicial uma análise crítica

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1 Perícia Contábil Judicial: Uma Análise Crítica. Paulo Cezar Ferreira de Souza Resumo A Perícia Contábil no Brasil, apesar de já contar com regras claras, emanadas pelo CFC e de uma legislação adequada, desde 1973, ainda está longe de ser executada como recomendam as regras e legislação vigente. Isto ocorre por diversas razões que impedem a correta execução dos trabalhos periciais. Dentre essas razões, pode-se citar a forma como os peritos são nomeados, o baixo nível da maioria dos trabalhos realizados, a ausência de conclusão até em laudos bem elaborados e a forma como os honorários do perito são determinados ou até a ausência desses honorários; além disso existe a confusão, muito comum, entre as técnicas contábeis de auditoria e perícia, que possuem um conjunto de procedimentos muito semelhante, mas que diferem na finalidade e no método e a pouca divulgação que existe em nosso país em relação aos trabalhos de perícia. Neste trabalho pretende-se denunciar essa situação visando trazer o assunto à discussão para que as soluções possam ser discutidas sendo adotadas as medidas mais adequadas. Para tanto, foi realizada uma pesquisa em diversas varas cíveis, trabalhistas e Federal, na Cidade do Recife, cujos resultados confirmaram as expectativas dos pesquisadores. 1. Objetivo O objetivo do presente trabalho é trazer à discussão, a realidade da perícia contábil praticada no Brasil, demonstrando a enorme diferença que existe naquilo que é apresentado na bibliografia sobre o assunto (livros e artigos), nas normas emanadas pelo CFC e pela legislação pertinente e o que é, efetivamente, praticado. 2. Introdução A palavra perícia originou-se do latim "Peritia", que significa conhecimento adquirido pela experiência. O dicionário Aurélio Buarque de Hollanda (1975 : 1069) a define como “vistoria ou exame de caráter técnico e especializado”. O professor Lopes Sá (2004: 28) acrescenta que significa também “habilidade em alguma arte ou profissão; experiência; destreza; exame, vistoria de caráter técnico-especializado". Antigamente, no início da civilização, o líder dos grupos desempenhava o papel de perito, legislador e executor dos assuntos que precisavam de seu auxílio ou aprovação. Com a evolução da civilização o poder saiu dos antigos líderes e assim a perícia tornou-se mais independente até chegar aos dias atuais. Na Índia, Grécia e Egito há registros de que o perito era eleito pelas partes para desempenhar não apenas o papel de perito mas também de juiz. Foi no Direito Romano primitivo que a figura do perito passou a existir de fato apesar de continuar ligada a de árbitro pois o laudo do perito era aceito como a própria sentença. Somente com o desenvolvimento jurídico no ocidente foi que a figura do perito desvinculou-se da pessoa do árbitro. A Perícia foi introduzida oficialmente no Brasil através do Código de Processo Civil - CPC de 1939. Isto não significa dizer que antes não existissem peritos e trabalhos de perícia. O que ocorria era que esse trabalho não era regulamentado. Entretanto, é fácil se supor que poucas autoridades, públicas ou privadas, faziam uso de peritos, nesta época.

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Page 1: Perícia Contábil Judicial Uma Análise Crítica

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Perícia Contábil Judicial: Uma Análise Crítica. Paulo Cezar Ferreira de Souza

Resumo A Perícia Contábil no Brasil, apesar de já contar com regras claras, emanadas pelo CFC e de uma legislação adequada, desde 1973, ainda está longe de ser executada como recomendam as regras e legislação vigente. Isto ocorre por diversas razões que impedem a correta execução dos trabalhos periciais. Dentre essas razões, pode-se citar a forma como os peritos são nomeados, o baixo nível da maioria dos trabalhos realizados, a ausência de conclusão até em laudos bem elaborados e a forma como os honorários do perito são determinados ou até a ausência desses honorários; além disso existe a confusão, muito comum, entre as técnicas contábeis de auditoria e perícia, que possuem um conjunto de procedimentos muito semelhante, mas que diferem na finalidade e no método e a pouca divulgação que existe em nosso país em relação aos trabalhos de perícia. Neste trabalho pretende-se denunciar essa situação visando trazer o assunto à discussão para que as soluções possam ser discutidas sendo adotadas as medidas mais adequadas. Para tanto, foi realizada uma pesquisa em diversas varas cíveis, trabalhistas e Federal, na Cidade do Recife, cujos resultados confirmaram as expectativas dos pesquisadores. 1. Objetivo

O objetivo do presente trabalho é trazer à discussão, a realidade da perícia contábil praticada no Brasil, demonstrando a enorme diferença que existe naquilo que é apresentado na bibliografia sobre o assunto (livros e artigos), nas normas emanadas pelo CFC e pela legislação pertinente e o que é, efetivamente, praticado.

2. Introdução A palavra perícia originou-se do latim "Peritia", que significa conhecimento adquirido pela experiência. O dicionário Aurélio Buarque de Hollanda (1975 : 1069) a define como “vistoria ou exame de caráter técnico e especializado”. O professor Lopes Sá (2004: 28) acrescenta que significa também “habilidade em alguma arte ou profissão; experiência; destreza; exame, vistoria de caráter técnico-especializado". Antigamente, no início da civilização, o líder dos grupos desempenhava o papel de perito, legislador e executor dos assuntos que precisavam de seu auxílio ou aprovação. Com a evolução da civilização o poder saiu dos antigos líderes e assim a perícia tornou-se mais independente até chegar aos dias atuais. Na Índia, Grécia e Egito há registros de que o perito era eleito pelas partes para desempenhar não apenas o papel de perito mas também de juiz.

Foi no Direito Romano primitivo que a figura do perito passou a existir de fato apesar de continuar ligada a de árbitro pois o laudo do perito era aceito como a própria sentença.

Somente com o desenvolvimento jurídico no ocidente foi que a figura do perito desvinculou-se da pessoa do árbitro. A Perícia foi introduzida oficialmente no Brasil através do Código de Processo Civil - CPC de 1939. Isto não significa dizer que antes não existissem peritos e trabalhos de perícia. O que ocorria era que esse trabalho não era regulamentado. Entretanto, é fácil se supor que poucas autoridades, públicas ou privadas, faziam uso de peritos, nesta época.

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Em 1946, com a regulamentação da profissão contábil através do Decreto-lei 9.245, institucionalizou-se a Perícia Contábil. Mas, na realidade, foi somente a partir da promulgação do novo Código de Processo Civil de 1973 que a perícia passou a contar com regras claras e ordenação jurídica conveniente. Atualmente a Perícia Contábil conta com um conjunto de regras definidas pelo CFC, tanto relativas ao desenvolvimento do trabalho como à pessoa do perito. Tanto a NBC-P2, emitida através da Resolução CFC nº 857/99 que trata de Normas Profissionais do Perito, quanto a NBC-T13, emitida através da Resolução CFC nº 858/99 que trata da Perícia Contábil, são normas bastante claras que regulam os aspectos profissionais e pessoais dos Peritos Contábeis, bem como, os trabalhos de Perícia. Isto significa dizer que esta técnica contábil, conta com uma legislação adequada e uma regulamentação excelente, por parte do órgão de classe. Contudo, as leis e as normas não podem controlar o funcionamento das perícias contábeis no Brasil. A Perícia Contábil no Brasil ainda está longe de funcionar como preceituam as normas do CFC e até como determinam o CPC e legislações complementares. 3. A Perícia Judicial Contábil Segundo o Professor Lopes Sá (2004: 14): Perícia contábil é a verificação de fatos ligados ao patrimônio individualizado visando oferecer opinião, mediante questão proposta. Para tal opinião realizam-se exames, vistorias, indagações, investigações, avaliações, arbitramentos, em suma todo e qualquer procedimento necessário à opinião.

A perícia judicial se motiva no fato do juiz depender do conhecimento técnico ou especializado de um profissional para poder decidir. A Perícia Judicial contábil é aquela que tem origem na necessidade do magistrado em elucidar fatos contidos no processo, o qual necessita de um especialista para esclarecer e chegar-se a uma decisão. Ela poderá ser solicitada pelo juiz ou por uma das partes. Quando é uma das partes que acha necessário uma perícia, o interessado dirige-se ao juiz e, caso este considere realmente necessário, nomeia um perito. Ao ser requisitado, o perito tem um prazo de 5 (cinco) dias para responder ao juiz e fixar o valor de seus honorários de acordo com o trabalho a ser realizado a ser pago pela parte que solicitou a perícia e, mais tarde, por quem perder a demanda ou quem o juiz determinar. As principais perícias judiciais são : Ø Nas Varas Cíveis: Prestação de contas, avaliações patrimoniais, litígios entre sócios,

indenizações, avaliação de fundos de comércio, renovatórias de locação, etc.; Ø Nas Varas Criminais: Fraudes e vícios contábeis, adulterações de lançamentos e

registros, desfalques, apropriações indébitas, etc ; Ø Nas Varas de Família: Avaliação de pensões alimentícias, avaliações patrimoniais, etc; Ø Nas Varas de Órfãos e Sucessões: Apuração de haveres, prestação de contas de

inventariantes, etc; Ø Na Justiça do Trabalho: Indenizações de diversas modalidades, litígios entre

empregados e empregadores de diversas espécies; Ø Nas Varas de Falência e Concordatas: perícias falimentares em geral. Ø Nas Varas de Fazenda Pública, Federal ou Estadual: Dívidas em órgãos públicos ou

questionamento sobre tributos.

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4. Razões Principais Porque a Perícia Contábil não é Executada como Preconizam as Normas

4.1. Nomeação dos Peritos

Os problemas começam pela forma como são nomeados os Peritos. Na maioria dos Estados brasileiros, pouco mais de uma dezena de Peritos dominam, praticamente, 80% das Perícias realizadas no Estado. Isto ocorre porque, tal como acontece em outros ramos de atividade desenvolvida em nosso país, não é o mérito que determina a indicação, mas sim as relações pessoais. Assim, os Peritos normalmente nomeados são aqueles que possuem relações de amizade e/ou parentesco com os Juízes, Desembargadores ou outras autoridades do judiciário, fechando as portas para um grande grupo de profissionais competentes, que não conseguem ter acesso a esta atividade. E porque este problema ocorre? Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a própria legislação assim o determina. A perícia contábil não é uma profissão. É uma atividade desenvolvida por profissionais dentre os mais qualificados da área contábil, devidamente registrados no CRC. O item 2.1.1 da NBC-P2 reza o seguinte: “Perito é o contador regularmente registrado em Conselho Regional de Contabilidade, que exerce a atividade pericial de forma pessoal, devendo ser profundo conhecedor, por suas qualidades e experiência, da matéria pericial”. Este profissional é nomeado pelo Juiz (artigo 421 do CPC). Portanto, a escolha do perito é de competência exclusiva do Juiz e, na realidade, deve continuar sendo assim. Contudo, o que se verifica é que o número de peritos utilizados nos diversos tribunais das várias modalidades de justiça em cada Estado, é muito reduzido, havendo acumulação em muitos poucos, sem que haja avaliação do trabalho realizado, uma vez que, os juízes não têm a qualificação necessária para analisar a qualidade do trabalho de um perito contábil e, com certeza, os advogados das partes, também não. 4.2. Qualidade dos Trabalhos

Entretanto, se este fosse o único problema, ainda se poderia entender, pois, na realidade, não é diferente de outros segmentos profissionais em nosso país, em que a indicação é o fator definitivo para a ocupação de cargos estratégicos e altamente relevantes. O maior problema é a qualidade dos trabalhos. A experiência de mais de 15 anos do autor, realizando trabalhos de Perícia e lecionando a disciplina Perícia Contábil em Faculdades e Universidades, possibilitou o exame dezenas de trabalhos de Perícia realizadas tanto por contadores como por outros profissionais que também realizam trabalhos de Perícia Judicial. É certo que alguns laudos são extremamente bem feitos, focados no objetivo da perícia e com explicações que realmente auxiliam o magistrado na sua árdua tarefa de julgar a lide. Entretanto, a maioria é de uma qualidade duvidosa, apresentação precária, sem conclusão que encaminhe a solução, com argumentação frágil, de tal maneira que, com certeza, nada auxiliam ao Juiz no seu julgamento. Existem casos, inclusive, em que erros contábeis primários são cometidos. Erros que seriam considerados absurdos até se fossem cometidos por estudantes do 3º período de Ciências Contábeis, mas são praticados por “peritos contábeis”. Isto ocorre pelo despreparo desses profissionais, pois a formação de contador se ainda é precária na maioria das Universidades e Faculdades brasileiras, já o foi muito mais, motivo porque, o sistema CFC/CRC´s, em boa hora, implantou o exame de suficiência para permitir a habilitação na

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profissão. Mas, mesmo assim, com falhas de formação evidentes e sem nenhum interesse em aperfeiçoamento, esses profissionais despreparados, em razão de suas ligações pessoais com serventuários da justiça, conseguem ser nomeados peritos, seguidamente. Na prática, o Brasil conseguiu deformar a definição de perito. Aqui, perito não é o mais capaz em determinada atividade, é o mais bem relacionado. 4.3. Conclusão do Laudo Muito ligado à falta de qualidade nos trabalhos é a ausência de conclusões nos laudos periciais. Este problema afeta, inclusive, laudos bem elaborados. Os peritos restringem-se a responder os quesitos das partes, não acrescentando o seu ponto de vista sobre a controvérsia que tanto auxílio prestaria ao magistrado no momento do julgamento. Dentre as dezenas de laudos examinados ao longo dos anos de experiência em perícia, menos de 10% apresentavam conclusões, e mesmo nestes poucos casos, as conclusões eram, em sua maioria, incompletas e pouco elucidativas. Mesmo na escassa bibliografia sobre o assunto existente em nosso país, a conclusão não é apresentada como aspecto relevante do laudo. No entanto, a conclusão está para o laudo, como o diagnóstico está para a doença. É o aspecto que caracteriza e dá consistência a prova, que é a razão de ser da perícia. Além disso, é o momento em que o perito se compromete com o resultado do exame, apresentando sua opinião sobre a controvérsia e indicando ao magistrado a possível solução da lide. 4.4. Honorários

A área de ação da Justiça onde mais é requerido o trabalho do perito contábil é a Trabalhista, seguida das áreas Cível, Comercial (Falências e Concordatas), Família, etc. Justamente na área da justiça onde é mais requisitado o trabalho do perito contábil é onde repousam os maiores problemas: a área trabalhista. Em diversos Estados brasileiros, a perícia realizada na área trabalhista, acaba sem que o perito receba seus honorários. Isto ocorre porque a maioria esmagadora das ações em curso na Justiça do Trabalho termina em acordo entre patrões e empregados. Em vista de haver acordo, cada lado da questão precisa ceder um pouco em suas pretensões. Neste processo de cessão, eliminam-se os honorários do perito. Apesar do caso trabalhista ser o pior, não é o único problema deste tipo. As áreas cíveis, comerciais e de família, também, freqüentemente, ou não remuneram o perito, ou os honorários demoram tanto a serem pagos aos profissionais que a data do recebimento por parte do perito, acaba virando dia de comemoração, como já foi presenciado por um dos pesquisadores. Ainda em relação aos honorários, um outro problema também grave, é a pratica, muito comum em Estados do Norte e Nordeste, do juiz pré-determinar o valor dos honorários da perícia, sem consultar o perito. Na maioria das vezes o valor arbitrado é aviltante, mas mesmo assim, algum “perito” acaba por realizar o trabalho. Com base no que já foi relatado anteriormente e considerando-se a baixa remuneração, que qualidade pode-se esperar deste laudo? 4.5. Auditoria X Perícia

Uma das principais razões porque a perícia ainda é pouco conhecida pelo público em geral é a eterna confusão que se faz entre ela e a Auditoria. É muito comum se ouvir ou ler declarações de políticos, lideres empresariais e até administradores públicos se referindo à

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necessidade de se realizar uma ampla auditoria em determinado órgão, ou setor de empresas públicas, autarquias, sindicatos, etc. Na maioria das vezes o que se requer não é auditoria e sim perícia. Na verdade as técnicas têm muitos aspectos comuns, mas possuem diferenças relevantes, como acentua o Prof. Lopes Sá (1997: 28):

Variam quanto à natureza das causas e efeitos, de espaço e de tempo. A perícia serve a uma época, a um questionamento, a uma necessidade; a auditoria tende a ser necessidade constante, atingindo um número muito maior de interessados, sem necessidade de rigores metodológicos tão severos; basta dizer que a auditoria consagra a amostragem e a perícia a repele, como critério habitual. A auditoria tem como objetivos normais a maior abrangência, a gestão como algo em continuidade, enquanto a perícia se prende à especificidade, tem caráter de eventualidade, só aceita o universo completo para produzir opinião como prova e não como conceito.

A conclusão que se pode chegar sobre o ensinamento do ilustre Prof. Lopes Sá é a de que existem duas diferenças fundamentais: (1) Objetivo: enquanto a auditoria tem como objetivo avaliar a gestão, apresentando um parecer que demonstre serem ou não fidedignas as demonstrações contábeis publicadas, a perícia tem como objetivo servir de prova; (2) Método: enquanto a auditoria utiliza, preferencialmente o método da amostragem em virtude da abrangência do seu exame, a perícia repele a amostragem, como método habitual, só o utilizando em casos extremos, em virtude da especificidade de sua ação, que requer o exame completo do objeto a ser analisado. Assim, pelo desconhecimento que se tem acerca das diferenças das técnicas contábeis, o termo AUDITORIA, por ser mais conhecido é utilizado para nomear a ação que se deseja de examinar um determinado órgão ou setor, quando na realidade, o correto seria a realização de uma PERÍCIA, pois o que se pretende é obter prova contra alguém. A perícia contábil difere da auditoria pela delimitação do escopo de trabalho e também pelo objetivo, pois a auditoria, utilizando a amostragem, busca identificar a veracidade das informações prestadas pela entidade através dos procedimentos administrativos e das demonstrações contábeis, enquanto que a perícia, raramente usando o método da amostragem, consiste em obter prova fundamentada que poderá trazer à luz a verdade, podendo assim auxiliar o magistrado em seu julgamento. 4.6. Divulgação muito reduzida Uma outra dificuldade para a expansão da perícia em nosso país é a pouca (ou nenhuma) divulgação dos trabalhos de perícia realizados, seja judicial ou particular. Este é um assunto que só muito recentemente, passou a ser objeto de artigos e textos científicos, não existindo matéria jornalística sobre o assunto. A própria bibliografia existente no país sobre o assunto, é escassa e, conseqüentemente, uniformizada, não permitindo uma diversidade de opiniões tão salutar para o desenvolvimento de uma técnica tão importante para o engrandecimento da Ciência Contábil. É preciso que se estimule a produção de textos científicos sobre perícia e até matéria jornalística, a fim de que a técnica passe a ser mais conhecida do grande público e, dessa forma, se possa corrigir enganos e, principalmente, permita a expansão do uso desta técnica contábil.

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5. A Pesquisa Foi realizada uma pesquisa em algumas varas cíveis, de órfãos e sucessões, Federal e juntas trabalhistas da Cidade do Recife, no período de abril a maio de 2002, visando obter informações para os seguintes aspectos: Ø Critério de nomeação dos peritos (a razão pela qual os peritos são nomeados); Ø Verificação de quem realmente escolhe o perito: o Juiz ou seus auxiliares; Ø Verificação da existência de um banco de dados ou arquivo de currículos de peritos; Ø Quantos peritos, efetivamente, são utilizados na vara (o nome dos peritos que

aparecem na maioria dos processos); Ø Análise da qualidade dos laudos apresentados (considerando-se a obediências ao CPC,

as normas emitidas pelo CFC e a doutrina existente). Ø Razão pela qual um perito é nomeado várias vezes pelo mesmo Juiz (o que faz um

Juiz nomear um mesmo perito para vários processos);

As unidades da justiça visitadas foram s seguintes:

Número Unidade Justiça Nº de Processos 3ª Vara Órfãos e sucessões 06 13ª Vara Cível 10 15ª Vara Cível 10 1ª Vara Federal 07 6ª Junta Trabalhista 09 19ª Junta Trabalhista 07 Total 49 6. Resultados da Pesquisa A pesquisa revelou os seguintes resultados: PARÂMETRO 1: Critério de nomeação dos Peritos. Unidade Resposta 3ª Vara de órfãos e Sucessões

São analisados, primordialmente, a presteza, o prazo e a eficiência. A confiança origina-se destes pontos.

13ª Vara Cível O critério de nomeação é feito observando-se a presteza, a eficiência, o respeito aos prazos e, sobretudo, a confiança que o magistrado tem no perito.

15ª Vara Cível O critério utilizado é observação de currículos visto que eles são apresentados para que haja uma escolha.

1ª Vara Federal O Juiz Federal é quem nomeia o profissional sob o critério da estrita confiança no trabalho.

6ª Junta Trabalhista Primordialmente confiança, qualidade técnica do trabalho, experiência, pontualidade na apresentação do trabalho, revezamento dentre aqueles que têm seu trabalho considerado confiável, afinidade pessoal e honestidade.

19ª Junta Trabalhista Confiança, qualidade técnica do trabalho, experiência, pontualidade apresentação do trabalho, afinidade pessoal e honestidade.

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OBS: As respostas foram obtidas junto ao Juiz substituto (3ª Vara de Órfãos e Sucessões), pela secretária do Juiz (varas cíveis e federal) e pelo escrivão (juntas trabalhistas). PARÂMETRO 2: Quem realmente escolhe os peritos Unidade Resposta 3ª Vara de órfãos e Sucessões

O Juiz

13ª Vara Cível O Juiz 15ª Vara Cível O Juiz 1ª Vara Federal O Juiz 6ª Junta Trabalhista O Juiz 19ª Junta Trabalhista O Juiz PARÂMETRO 3: Existência de um banco de dados ou arquivo de currículos de peritos Unidade Resposta 3ª Vara de órfãos e Sucessões Existe. 13ª Vara Cível Existe 15ª Vara Cível Existe 1ª Vara Federal Existe 6ª Junta Trabalhista Existe 19ª Junta Trabalhista Existe PARÂMETRO 4: Número de Peritos efetivamente utilizados Unidade Resposta 3ª Vara de órfãos e Sucessões Quatro. 13ª Vara Cível Oito 15ª Vara Cível Diversos 1ª Vara Federal Quatro 6ª Junta Trabalhista Cinco 19ª Junta Trabalhista Seis PARÂMETRO 5: Qualidade dos laudos Unidade Resposta 3ª Vara de órfãos e Sucessões

Atendem, parcialmente as normas. Foram, efetivamente utilizados pelo juiz para sua decisão.

13ª Vara Cível Na maioria são laudos muito simples que se limitam a responder os quesitos. Contribuem pouco para a elucidação da lide.

15ª Vara Cível Na maioria são laudos muito simples que se limitam a responder os quesitos. Contribuem pouco para a elucidação da lide.

1ª Vara Federal Na maioria são laudos muito simples que se limitam a responder os quesitos. Contribuem pouco para a elucidação da lide.

6ª Junta Trabalhista Laudos que se limitam a fazer cálculos sem orientar a decisão do juiz. Em quase nada seguem a orientação das normas.

19ª Junta Trabalhista Laudos que se limitam a fazer cálculos sem orientar a decisão do juiz. Em quase nada seguem a orientação das normas.

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PARÂMETRO 6: Razão da nomeação de um mesmo perito Unidade Resposta 3ª Vara de órfãos e Sucessões

Não se conseguiu identificar a razão. Os laudos são pouco elucidativos, mas, mesmo assim, os peritos são mantidos.

13ª Vara Cível Não se conseguiu identificar a razão. Os laudos são pouco elucidativos, mas, mesmo assim, os peritos são mantidos.

15ª Vara Cível Não se conseguiu identificar a razão. Os laudos são pouco elucidativos, mas, mesmo assim, os peritos são mantidos.

1ª Vara Federal Rapidez na entrega do laudo. 6ª Junta Trabalhista Rapidez na entrega do laudo. 19ª Junta Trabalhista Rapidez na entrega do laudo. Observações gerais sobre a Pesquisa

Observou-se na análise dos processos no Judiciário de Pernambuco que poucos laudos periciais apresentam-se de forma circunstanciada, clara e objetiva, como preconiza a NBC-T13 emitida pelo CFC. Dessa forma, ficam a desejar como instrumento relevante para auxiliar o Magistrado em sua decisão.

Em grande número de laudos, sua estrutura apresenta-se de forma precária. Foram encontrados históricos em apenas cinco deles, representando 10%. Em 29% dos laudos analisados, o perito não evidenciou sequer o objetivo do seu trabalho. A metodologia utilizada nos trabalhos periciais foi percebida em 43% da amostra.

Naqueles em que foram apresentados quesitos pelas partes em litígio, todos tinham as perguntas seguidas das respectivas respostas. Entretanto, em uma boa parte, encontrou-se respostas fazendo referência a anexos, contudo, sem informar os valores solicitados. Em relação às conclusões dos laudos observou-se que poucos a apresentam e, na maioria dos casos, (54%) ocorreram pedidos de esclarecimentos sendo grande parte devido a desatenção nos cálculos feitos, que necessitaram de correções e os demais obedeceram a pedidos dos advogados sobre pontos específicos que lhes interessavam ressaltar.

Alguns poucos profissionais, entretanto, têm encarado o trabalho pericial com esmero, elaborando laudos bem estruturados quanto à forma de apresentação, fundamentação, clareza, objetividade, e outros aspectos que os fazem distinguir-se dos demais. Abaixo é apresentado um gráfico relacionando em termos percentuais, em relação ao total de laudos examinados, o montante de laudos que possuíam metodologia, objeto da perícia, histórico, respostas ordenadas, conclusão satisfatória e pedidos de esclarecimento.

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7. Considerações finais Pelo exposto pode-se observar que ainda existe um longo caminho para que a perícia passe a funcionar, na pratica, como previram os legisladores e os dirigentes do sistema CFC/CRC´s. A realidade da perícia é muito diferente do que é observado nos (poucos) livros existentes, na legislação pertinente (inclusive CPC) e normas emanadas pelo CFC. O que se vê, na realidade, é uma técnica utilizada de forma inadequada, por profissionais despreparados e de utilidade e qualidade duvidosa. Os próprios magistrados não têm noção desta realidade, pois ao lidarem com trabalhos mal elaborados, não sabem avaliar o que seria um trabalho bem feito, talvez por raramente terem acesso a um de boa qualidade. Além disso, a ausência de conclusão é uma “praga” que assola a maioria esmagadora dos laudos, mesmo os bem elaborados, e mais uma vez, os magistrados, não têm noção de sua necessidade, porque, simplesmente, poucas vezes devem ter examinado algum que possuísse este detalhamento, que tanto auxilia o julgamento da lide. É ainda relevante ressaltar, que a pesquisa realizada no judiciário de Pernambuco pode ter suas conclusões estendidas para o Brasil, como um todo, visto que a situação observada naquele estado não difere, em essência, do que ocorre nos demais Estados do país. Como já foi enfocado, no início deste trabalho, esta denúncia é colocada para que a classe contábil, incluindo profissionais, dirigentes do sistema CFC/CRC´s, professores, mestres e doutores em contabilidade, possam discutir as soluções possíveis para estes problemas. Com certeza, existem soluções e elas estão ao nosso alcance. É preciso, porém, que o problema seja apontado para que se possa reunir um conjunto de idéias que consiga elucidá-lo. 8. Conclusão Pelo exposto, conclui-se que a perícia é uma técnica nobre da contabilidade que deveria ser praticada pelos mais competentes profissionais da área contábil mas, que vem sendo exercida, em sua maioria, por profissionais despreparados que podem vir a comprometer o futuro desta atividade pela precária qualidade da maioria dos trabalhos apresentados e as conseqüências que daí poderão advir, como por exemplo, a redução dos casos de perícia, em virtude da pouca (ou nenhuma) contribuição que esses trabalhos vêm dando à elucidação da lide.

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20Metodologia

Objeto daperícia

Histórico

Respostasordenadas

Conclusão

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9- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERTO, Valder Luiz Palombo, Perícia Contábil . São Paulo, Atlas, 1.996. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – CPC. Rio de Janeiro: Auriverde. 1988. HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. ORNELAS, Martinho Maurício Gomes de. Perícia Contábil . São Paulo, Atlas, 1994. SÁ, Antônio Lopes de. Perícia Contábil . 6ª ed. São Paulo, Atlas, 2004.