perfeccionismo e depressÃo pÓs-parto · 1 faculdade de medicina da universidade de coimbra...

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1 FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA PERFECCIONISMO E DEPRESSÃO PÓS-PARTO BERTA MARIA MARINHO RODRIGUES MAIA Dissertação de Doutoramento em Ciências da Saúde, ramo de Ciências Biomédicas, realizada sob a orientação do Professor Doutor António Ferreira de Macedo (Professor Auxiliar com Agregação, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra) e co-orientação da Professora Doutora Maria Helena Pinto de Azevedo (Professora Catedrática, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra), no âmbito de uma Bolsa de Doutoramento atribuída pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Referência SFRH/BD/27288/2006). Co-financiamento POPH/FSE. 2011

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    FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    PERFECCIONISMO

    E

    DEPRESSO PS-PARTO

    BERTA MARIA MARINHO RODRIGUES MAIA

    Dissertao de Doutoramento em Cincias da Sade,

    ramo de Cincias Biomdicas, realizada sob a orientao

    do Professor Doutor Antnio Ferreira de Macedo

    (Professor Auxiliar com Agregao, Faculdade de

    Medicina, Universidade de Coimbra) e co-orientao da

    Professora Doutora Maria Helena Pinto de Azevedo

    (Professora Catedrtica, Faculdade de Medicina,

    Universidade de Coimbra), no mbito de uma Bolsa de

    Doutoramento atribuda pela Fundao para a Cincia e

    a Tecnologia (Referncia SFRH/BD/27288/2006). Co-financiamento POPH/FSE.

    2011

  • 2

    you have to go about with that big smile on your

    face and people saying arent you lucky to have a

    dear little baby, and you feel utter despair.

    Welburn, 1980

  • 3

    AO PROFESSOR DOUTOR ANTNIO FERREIRA DE MACEDO

  • 4

    PROFESSORA DOUTORA MARIA HELENA PINTO DE AZEVEDO

  • 5

    Este trabalho no seria possvel sem a colaborao de pessoas e entidades que com a sua

    disponibilidade e apoio permitiram que chegasse a esta pgina.

    Ao meu Orientador Professor Doutor Antnio Ferreira de Macedo e Santos e

    minha Co-Orientadora Professora Doutora Maria Helena Pinto de Azevedo pela

    oportunidade que me concederam de integrar a sua equipa de trabalho em 2004 e por

    dedicarem tanto do seu tempo a formar os elementos que recebem no Instituto de

    Psicologia Mdica. Pela capacidade de partilharem generosa e humildemente os vastos

    conhecimentos em Psiquiatria, Psicologia e investigao cientfica. Pela dedicao na

    organizao regular de seminrios ps-graduados, muito pertinentes para este trabalho.

    Por reforarem que a cincia no autista, promovendo a partilha fundamental de

    ideias e de conhecimentos. Por incentivarem a abertura de horizontes, que se

    concretizou num estgio de trs meses na Perinatal Section, do Institute of Psychiatry

    da University of London, que em muito contribuiu para o meu crescimento pessoal e

    profissional. Pela possibilidade que me deram de integrar projectos de investigao, de

    colaborar em aulas, cujos temas se prendiam com o meu objecto de estudo. Pela

    oportunidade de seguir em regime de ambulatrio casos clnicos em que, pela

    psicopatologia apresentada, me foi possvel aperfeioar a interveno na rea especfica

    do meu doutoramento. Pela contribuio imprescindvel na elaborao do meu projecto

    de doutoramento. Pela orientao neste trabalho, que tal como no meu mestrado, primou

    pela presena, competncia e generosidade na partilha de saberes. Pelo apoio constantes

    e pelas reflexes interessantes, sempre construtivas, que enriqueceram este trabalho.

    Fundao para a Cincia e a Tecnologia por ter aceite este projecto, concedendo-

    me uma bolsa de doutoramento e por ter financiado o meu estgio em Londres.

    Aos restantes elementos e colaboradores do Instituto de Psicologia Mdica da

    Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra: aos Mestres Maria Joo Soares e

    Jos Valente por toda a ajuda no controlo de qualidade das entrevistas. Doutora Ana

    Telma Pereira pela dedicao com que acompanhou a elaborao da parte prtica desta

    dissertao. Dra. Mariana Marques, Doutora Ana Telma Pereira, Mestre Maria Joo

    Soares e Doutora Sandra Bos pela colaborao imprescindvel na recolha da amostra.

    Mestre Ana Cabral e Doutora Ana Allen por todo o apoio e incentivo ao longo destes

  • 6

    anos. Ao Sr. Mrio Rui e Sr. Bruno Craveiro pela colaborao na informatizao dos

    dados.

    A todos os profissionais pessoal administrativo, enfermeiros, mdicos e directores

    dos Centros de Sade de Coimbra e respectivas extenses, bem como das

    Maternidades Bissaya Barreto e Daniel de Matos cuja colaborao foi imprescindvel

    para a prossecuo deste trabalho.

    s centenas de mulheres que to generosa e pacientemente prescindiram do seu tempo

    para colaborar neste projecto, aceitando, sem reservas, responder aos instrumentos de

    avaliao utilizados.

    A um conjunto muito especial de pessoas, cuja importncia na minha vida seria

    dificilmente descrita em poucas palavras.

    Aos meus pais, Maria Rosa Marinho e Alberto Rodrigues Maia.

    Aos meus irmos, Rui e Liliana e, em especial, ao Francisco.

    Ao meu marido, Alberto Fragoso.

    Aos amigos, Francisco Cristvo, Mariana Marques, Ana Cabral, Sofia Amaral,

    Manuela Serra, Rita Oliveira e Cristina Nunes

  • 7

    NDICE

    GUIA DE ABREVIATURAS

    RESUMO

    ABSTRACT

    INTRODUO

    I CAPTULO: PERSONALIDADE

    1. Conceitos gerais

    2. Teorias da personalidade

    3. Dimenses da personalidade

    4. Bases biolgicas dos traos

    5. Estrutura fenotpica: algumas imprecises

    6. Estabilidade da personalidade

    7. Perfeccionismo

    8. Modelos do desenvolvimento do perfeccionismo

    9. Perfeccionismo e o modelo dos cinco factores

    10. Estabilidade do perfeccionismo

    11. Perfeccionismo, stresse e psicopatologia

    II CAPTULO: DEPRESSO PERINATAL

    1. Depresso

    2. Depresso no perodo perinatal

    2.1. Depresso na gravidez

    2.2. Alteraes afectivas no ps-parto

    2.3. Prevalncia e incidncia

    2.4. Sintomatologia

    2.5. DPP diagnstico distinto?

    2.6. Consequncias da Depresso perinatal

    2.7. Etiologia

    2.7.1. Factores genticos

    2.7.2. Factores hormonais

    2.7.3. Regulao do sono

    2.7.4. Factores obsttricos e ginecolgicos

    2.7.5. Factores clnicos

    2.7.6. Factores sociais

    2.7.7. Factores psicolgicos

    3. Preveno

    III CAPTULO: PERSONALIDADE E DEPRESSO PERINATAL

    1. Personalidade e depresso

    2. Relao entre personalidade e depresso

    3. Modelos de relao

    3.1. Modelo de vulnerabilidade

    3.2. Modelo patoplstico

    3.3. Modelo da complicao e sequela

    3.4. Modelo do espectro

    3.5. Modelo da causa comum

    3.6. Modelo da independncia

    3.7. Modelo estado dependente

    4. Desenho do estudo/mtodos de avaliao

    5. Personalidade e depresso

    6. Personalidade e depresso perinatal

    I

    III

    IV

    V

    1

    1

    4

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    88

    88

    89

    90

    93

    104

  • 8

    IV CAPTULO: ESTUDO EMPRICO

    1. mbito geral do projecto

    2. Objectivos

    3. Metodologia

    3.1. Instrumentos e medidas

    3.2. Procedimentos

    3.3. Anlise estatstica

    3.4. Amostra

    4. Resultados

    4.1. Prevalncia de perturbaes depressivas (DSM-IV e CID-10)

    4.2. Prevalncia de sintomatologia depressiva (BDI-II e PDSS)

    4.3. Incidncia

    4.4. Pontuaes mdias de perfeccionismo e de sintomatologia depressiva

    4.5. Correlaes entre o perfeccionismo e variveis scio-demogrficas

    4.6. Correlaes entre perfeccionismo e sintomatologia depressiva

    4.7. Comparao de mdias entre o perfeccionismo e a sintomatologia

    depressiva

    4.8. Regresso mltipla hierrquica

    4.9. Regresso logstica

    V CAPTULO: DISCUSSO E CONCLUSES

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ANEXOS

    109

    111

    111

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    112

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    138

    138

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    160

    190

    217

    251

    281

  • 9

    GUIA DE ABREVIATURAS

    AA, Assertion of Autonomy

    AI, Ansiedade/Insegurana

    AN, Afectividade Negativa

    AP, Afectividade Positiva

    APA, American Psychiatric Association

    BDI, Beck Depression Inventory

    BDI-II, Beck Depression Inventory-II

    CM, Confuso Mental

    CID-10, International Classification of Diseases Tenth Edition

    CID-9, International Classification of Diseases Ninth Edition

    CIDI, Composite International Diagnostic Interview

    CV, Culpa/Vergonha

    DALY, Disability-Adjusted-Life-Years

    DAS, Distrbios do Apetite e do Sono

    DEQ, Depression Experiences Questionnaire

    DIGS, Diagnostic Interview for Genetic Studies

    DPP, Depresso Ps-Parto

    DPt, Depresso Perinatal

    DSM-III-R, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 3rd Edition Revised

    DSM-IV, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders Fourth Edition

    DSM-IV-TR, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 4th Edition R

    DZ, Dizigticos

    E, Extroverso

    ECA, Epidemiologic Catchment Area

    EDI, Eating Disorders Inventory

    EMP, Escala Multidimensional do Perfeccionismo

    EPDS, Edinburgh Postnatal Depression Scale

    EPI, Eysenck Personality Inventory

    EPQ, Eysenck Personality Questionnaire

    ERA, Emotional Reliance on Another Person

    GBDS, Global Burden Disease Study

    IDI, Interpersonal Dependency Inventory

    IPSM, Interpersonal Sensitivity Measure

  • 10

    LE, Labilidade Emocional

    LKA, Lazare-Klerman Armor Inventory

    LOI, Leyton Obsessionality Inventory

    LSC, Lack of Social Self-Confidence

    MDM, Maternidade Doutor Daniel de Matos

    MPS, Multidimensional Perfectionism Scale

    MPS-H&F, Multidimensional Perfectionism Scale-Hewitt & Flett

    MPT, Munich Personality Test

    MZ, Monozigticos

    N, Neuroticism

    NEO-PI-R, NEO-Personality Inventory-Revised

    NSC, National Comorbidity Survey

    OPCRIT, OPerational CRITeria Checklist for Psychotic Illness (Lista de Critrios

    Operacionais Para Doenas Psicticas)

    PAO, Perfeccionismo Auto-Orientado

    PCA, Perturbaes do Comportamento Alimentar

    PCI, Perfectionism Cognitions Inventory

    PDSS, Postpartum Depression Screening Scale

    POMS, Profile of Mood States

    POO, Perfeccionismo Orientado para os Outros

    PP, Psicose Puerperal

    PSP, Perfeccionismo Socialmente Prescrito

    PSP-Ac, Perfeccionismo Socialmente Prescrito: Aceitao Condicional

    PSP-PpO, Perfeccionismo Socialmente Prescrito: Padres Elevados pelos Outros

    RDC, Research Diagnostic Criteria

    SADS, Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia

    SNC, Sistema Nervoso Central

    Sui, Pensamentos Suicidas

    TCI, Temperament and Character Inventory

    TPQ, Tridimensional Personality Questionnaire

    WHO, World Health Organization

    16 PF, 16 Personality Factors

  • 11

    RESUMO

    Introduo: So escassos os estudos que investigam a relao entre a depresso e as

    caractersticas de personalidade, nomeadamente o perfeccionismo.

    Objectivos: Avaliar o papel do perfeccionismo na depresso ps-parto. A prevalncia

    de depresso em toda a vida e a prevalncia e incidncia de depresso perinatal foram

    igualmente estimadas.

    Mtodos: 386 mulheres no terceiro trimestre de gravidez (idade mdia=30.08 anos;

    DP=4.205; variao=19-44) completaram a Multidimensional Perfectionism Scale na

    gravidez e o Beck Depression Inventory-II (BDI-II), a Postpartum Depression

    Screening Scale (PDSS) e o Profile of Mood States (POMS) e trs questes adicionais

    para avaliar a ansiedade trao, o stresse e o apoio social na gravidez e no ps-parto. Os

    diagnsticos (CID-10 e DSM-IV) foram produzidos usando a verso portuguesa da

    Diagnostic Interview for Genetic Studies na gravidez e no ps-parto e o sistema

    OPCRIT. Para as anlises estatsticas recorremos ao SPSS 15.0 e ao STATA.

    Resultados: A prevalncia de depresso em toda a vida foi de 39.6%/CID-10 e de

    35.0%/DSM-IV. A prevalncia na gravidez foi de 2.3%/CID-10 e de 1.3%/DSM-IV; no

    ps-parto foi de 16.6% e de 11.7%, respectivamente. A incidncia na gravidez foi de

    0%/CID-10 e de .3%/DSM-IV e no ps-parto foi de 7.5%/CID-10 e de 4.9%/DSM-IV.

    A prevalncia pontual na gravidez encontrada usando os pontos de corte do BDI-II

    variaram de 13.7% a 19.4% e usando a PDSS variaram de 14.2% a 17.9%. A

    prevalncia pontual de depresso ps-parto usando BDI-II variou de .8% a 13.0% e

    usando a PDSS variou de 3.9% a 12.7%. O Perfeccionismo Auto-Orientado (PAO)

    apresentou correlaes significativas com quase todas as dimenses do BDI-II, da

    PDSS e do POMS na gravidez; no ps-parto as correlaes foram quase inexistentes. O

    Perfeccionismo Socialmente Prescrito (PSP) apresentou um padro consistente de

    correlaes significativas com a maioria das dimenses do BDI-II, POMS e PDSS na

    gravidez e no ps-parto. O mesmo padro de correlaes foi encontrado para os

    subcomponentes do PSP (Percepo de que os Outros Impem Padres Elevados para o

    Self/PSP-PpO e Aceitao Condicional/PSP-Ac). O PSP-PpO apresentou as correlaes

    mais elevadas com o BDI-II e o PSP-Ac com a PDSS. As mulheres com nveis mdios e

    elevados de PAO e PSP apresentaram na gravidez pontuaes significativamente mais

    elevadas no BDI-II, POMS e PDSS comparativamente a mulheres com nveis baixos

    nestas dimenses. Este padro manteve-se no ps-parto apenas para o PSP. O PSP e o

    PSP-PpO revelaram-se importantes preditores de sintomatologia depressiva (BDI-II e

    PDSS) no ps-parto e o PSP-Ac mostrou ser um importante preditor apenas para a

    sintomatologia depressiva avaliada pela PDSS. Nenhuma das dimenses do

    perfeccionismo se mostrou significativa na predio do diagnstico de perturbao

    depressiva (CID-10 e DSM-IV).

    Concluses. As prevalncias foram mais elevadas quando a definio de caso se

    baseou em instrumentos de auto-resposta; a CID-10 produziu taxas mais elevadas do

    que o DSM-IV. O PAO um importante correlato para a sintomatologia depressiva na

    gravidez. A associao preferencial encontrada entre o PSP e o BDI-II, POMS e PDSS

    refora o seu carcter eminentemente negativo. O PSP, o PSP-PpO e PSP-Ac revelaram

    ser factores de risco para a sintomatologia depressiva no ps-parto, mas no para

    perturbao depressiva (CID-10 e DSM-IV) no ps-parto. Globalmente, os nossos

    resultados permitem-nos suportar o modelo ditese-stresse (para o PAO na gravidez), o

    modelo patoplstico (para o PAO na gravidez e para o PSP e subcomponente na

    gravidez e ps-parto) e o modelo de vulnerabilidade (para o PSP e seus subcomponentes

    no ps-parto).

  • 12

    ABSTRACT

    Context: The studies investigating the relation between personality characteristics and

    depression are scarce, including perfectionism.

    Aims: To examine the role of perfectionism in postpartum depression development.

    Lifetime prevalence of depression and depression prevalence and incidence in perinatal

    period were also estimated.

    Methods: 386 women in their third trimester of pregnancy (mean age=30.08 years;

    SD=4.205; range=19-44) completed the Multidimensional Perfectionism Scale in

    pregnancy and Beck Depression Inventory-II (BDI-II), Postpartum Depression

    Screening Scale (PDSS), Profile of Mood States (POMS) and three additional questions

    evaluating anxiety trait, stress and social support, both in pregnancy and in the

    postpartum. Diagnosis (ICD-10 and DSM-IV) were obtained using the Portuguese

    version of the Diagnostic Interview for Genetic Studies in pregnancy and postpartum

    and the OPCRIT system. SPSS 15.0 and STATA softwares were used.

    Results: The lifetime prevalence of depression was of 39.6%/CID-10 and of

    35.0%/DSM-IV. One-month prevalence in pregnancy was of 2.3%/ICD-10 and

    1.3%/DSM-IV; in postpartum it was of 16.6% and 11.7%. Pregnancy incidence was of

    0%/ICD-10 and .3%/DSM-IV and in the postpartum of 7.5%/ICD-10 and 4.9%/DSM-

    IV. Depression pregnancy point prevalence found with BDI-II cut-offs ranged from

    13.7% to 19.4% and with PDSS cut-offs from 14.2% to 17.9%. Postpartum depression

    point prevalence found with BDI-II cut-offs ranged from .8% to 13.0% and with PDSS

    from 3.9% to 12.7%. Self-Oriented Perfectionism (SOP) showed significant correlations

    with nearly of the BDI-II, PDSS and POMS dimensions in pregnancy; in postpartum

    correlations were almost inexistent. Socially Prescribed Perfectionism (SPP) showed a

    consistent pattern of significant correlations with almost of the BDI-II, PDSS and

    POMS dimensions both in pregnancy and postpartum. With respect to SPP

    subcomponents, the same pattern of correlations was found. SPP-Others High Standards

    (OHS) showed higher correlations with BDI-II, while SPP-Conditional Acceptance

    (CA) presented higher correlations with PDSS. Women with higher SOP and SPP

    scores presented in pregnancy higher BDI-II, POMS and PDSS scores comparing with

    women with low scores in these dimensions. The same finding was found in postpartum

    only for SPP. SPP and SPP-HOS showed to be important predictors of depressive

    symptomatology (BDI-II and PDSS) in the postpartum and SPP-CA shown to be an

    important predictor only for depressive symptomatology assessed by PDSS. None of the

    perfectionism dimensions predicted depression diagnoses (ICD-10 and DSM-IV).

    Conclusions: Self-report measures generated higher prevalence estimates; ICD-10

    produced higher rates comparing to DSM-IV. SOP was an important correlate for

    depressive symptomatology in pregnancy. The preferential association found between

    SPP and BDI-II, POMS and PDSS reinforces its negative character. SPP, SPP-HOS and

    SPP-CA showed to be important risk factors for depressive symptomatology in

    postpartum, but not for postpartum depression (ICD-10 and DSM-IV). In general, our

    results gives support to diathesis-stress model (for SOP in pregnancy), the patoplastic

    model (for SOP in pregnancy and SPP and its subcomponents in pregnancy and

    postpartum) and the vulnerability model (for SPP and its subcomponents in postpartum).

  • 13

    INTRODUO

    As perturbaes que ocorrem no perodo perinatal constituem um problema de

    sade pblica substancial, contribuindo para uma elevada mortalidade (especialmente

    nos pases em desenvolvimento) e morbilidade das mes e bebs. Vrios aspectos chave

    foram j tidos em conta na investigao. No entanto, necessrio delinear e clarificar

    outros menos estudados, como o papel de traos de personalidade especficos, para

    auxiliar o desenho de estratgias preventivas e intervenes mais efectivas. Da literatura

    emerge um ponto-chave: a considerao das caractersticas da personalidade crtica

    para a compreenso da depresso e de considervel relevncia para a optimizao do

    seu tratamento. Apesar deste reconhecimento, os estudos que privilegiam a investigao

    do papel da personalidade so escassos, mais ainda aqueles que se dedicam ao estudo do

    perfeccionismo. Nesse sentido, o objectivo deste trabalho consiste em avaliar o papel do

    perfeccionismo no desenvolvimento da depresso ps-parto.

    No captulo I tecemos breves consideraes sobre a personalidade, definindo os

    conceitos centrais. So descritas sucintamente as teorias da personalidade que se

    enquadram na teoria dos traos e na perspectiva psicobiolgica, dando relevncia s

    dimenses da personalidade do modelo dos cinco factores. So tambm abordados

    aspectos como as bases biolgicas dos traos, a estrutura fenotpica e a estabilidade da

    personalidade. Finalmente, focamos aspectos centrais do constructo do perfeccionismo,

    como a natureza unidimensional/multidimensional, o carcter positivo/negativo, os

    modelos de desenvolvimento e a sua relao com o stresse e a psicopatologia.

    No captulo II abordamos alguns aspectos epidemiolgicos da depresso, focando

    a ateno na depresso perinatal, explicitando aspectos clnicos e de investigao,

    epidemiolgicos e etiolgicos e fazemos uma breve aluso preveno deste quadro.

    No captulo III descrevemos a relao complexa entre a personalidade e a

    depresso, enunciando os modelos de relao existentes. So descritos os estudos que

    suportam a relao de vrios traos de personalidade com a depresso geral e, em

    particular, os poucos estudos existentes sobre esta relao com a depresso perinatal.

    O Captulo IV dedicado ao estudo emprico; definem-se os objectivos do

    presente trabalho, descreve-se a metodologia seguida e, finalmente, so apresentados os

    resultados.

    O Captulo V dedicado discusso dos resultados e concluses.

  • 14

    I CAPTULO

    PERSONALIDADE

  • 15

    1. CONCEITOS GERAIS

    1.1. PERSONALIDADE Depus a mscara e vi-me ao espelho. Depus a mscara, e

    tornei a p-la. Assim melhor, assim sem mscara. E volto

    personalidade como a um terminus de linha.

    lvaro de Campos

    A palavra personalidade tem timo latino, derivando de persona, que se reporta

    mscara de teatro que os actores usavam na antiguidade, para transmitir emoes e

    atitudes distintas.

    O estudo da personalidade constitui um domnio que tem suscitado particular

    interesse. A definio do conceito no de todo consensual, sendo que existem quase

    tantas teorias como o nmero de autores que abordam esta temtica. Como sublinhado

    por Heatherton e Nichols (1994, p.4) a personalidade pode ser definida de forma a

    englobar praticamente todos os aspectos da vida e experincia humana. Assim, se por

    um lado o carcter heurstico desta diversidade1

    de abordagens permite explorar

    conceptualizaes diversas, por outro, o desacordo terico marcado, acarretando srias

    implicaes para a investigao e prtica clnica.

    Allport (1937) definiu a personalidade como uma organizao dinmica

    (activa/interaco com o meio) de sistemas psico-fsicos (bases biolgicas) do indivduo

    que determinam o seu comportamento caracterstico e os seus pensamentos. Trata-se de

    uma entidade nica, que traduz a forma como uma pessoa pensa, reflecte, age e se

    comporta em diferentes situaes.

    Eysenck (1953), um dos mais destacados tericos da personalidade, refere que a

    personalidade constitui uma organizao mais ou menos firme e durvel do carcter,

    temperamento, inteligncia e da dimenso fsica de um indivduo (bases biolgicas),

    que determina a sua adaptao ao meio.

    Na perspectiva de Cattell (1965), a personalidade um conjunto de traos que

    predispem o indivduo a agir de determinada maneira, num conjunto de situaes.

    Assim sendo, a personalidade pode ser definida como o repertrio individual

    completo de comportamentos relativamente estveis e duradouros. Nestas ltimas

    conceptualizaes est implcita a ideia de que uma avaliao da personalidade fornece

    1 Muitas destas teorias esto j, na melhor das hipteses, desactualizadas, sendo que as actuais teorias

    beneficiam, sem margem de dvida, do avano dos conhecimentos em Psicologia (Hansenne, 2005).

  • 16

    a base para a predio do comportamento no futuro.

    Importa, ento, esclarecer alguns termos especficos da psicologia da

    personalidade, no raras vezes usados na linguagem corrente como se de sinnimos se

    tratassem, quando na realidade possuem caractersticas que os tornam distintos, a saber:

    temperamento, carcter, traos de personalidade e tipos de personalidade.

    1.2 TEMPERAMENTO

    Segundo Allport (1966, cit. por Vaz Serra, 1972) por temperamento entendem-se

    os fenmenos caractersticos da natureza emocional do indivduo, nos quais se incluem

    a sua susceptibilidade estimulao, a intensidade e rapidez usuais de resposta, a

    qualidade da sua disposio predominante e todas as peculiaridades de flutuaes dessa

    disposio, sendo vistos tais fenmenos como dependentes da organizao

    constitucional e, por conseguinte, em grande parte originrios da hereditariedade.

    Os temperamentos representam a dimenso afectiva e emocional da personalidade

    e possuem uma base biolgica. Estes surgem precocemente na nossa vida e continuam a

    desempenhar um papel na vida adulta (Buss & Plomin, 1984), embora possam ser

    modificados pela experincia. A ideia de que os temperamentos possuem uma base

    biolgica remonta antiguidade, tal como foi exposto por Galeno na sua teoria dos

    quatro temperamentos, inspirada nas ideias de Hipcrates. Mais recentemente,

    Cloninger (1986, 1987), no seu modelo biossocial da personalidade aponta trs

    temperamentos relacionados com neurotransmissores especficos (explicitados no ponto

    2.2.). No entanto, segundo alguns peritos em Gentica Comportamental (Loehlin, 1992),

    a ideia dos temperamentos serem influenciados por factores genticos, de um modo

    mais especfico do que a personalidade no demonstrada com clareza. Apesar de

    serem vrios os temperamentos, possvel agrup-los mediante anlise factorial2, num

    nmero mais restrito (Hansenne, 2005).

    1.3. CARCTER

    A palavra carcter foi durante longos anos usada como sinnimo de personalidade.

    Trata-se, porm, de um termo que foi sendo suprimido da literatura cientfica, devido s

    2 Foi Spearman que deu origem ao mtodo de anlise factorial, marco de grande importncia para o

    estudo da personalidade. Resumidamente, perante um grande nmero de itens que descrevem a

    personalidade, habitualmente avaliados mediante questionrios de auto-resposta, avalia-se a correlao

    entre os itens. Estes so subsequentemente extrados da matriz de correlaes sob a forma de dimenses

    que maximizam a similaridade entre os loadings dos itens num factor especfico.

  • 17

    conotaes morais, tendencialmente negativas, que normalmente lhe so atribudas.

    Segundo Allport (1966, cit. por Vaz Serra, 1972) por carcter deve-se entender a

    personalidade qual se fez um juzo de valor. Por esta razo, o autor manifestou em

    1937 uma notria preferncia pelo termo trao, por ser desprovido de tais conotaes

    morais.

    Apesar destas crticas, Cloninger mantm este termo e o seu modelo integra trs

    caracteres auto-determinao, cooperao e transcendncia (Cloninger et al., 1993),

    definidos como dimenses da personalidade determinadas pela aprendizagem social e

    cognitiva, no sendo, ao contrrio dos temperamentos, influenciados por factores

    hereditrios.

    1.4. TRAOS E TIPOS DE PERSONALIDADE

    Cada indivduo como todas as outras pessoas, como

    algumas outras pessoas e como nenhuma outra pessoa.

    Kluckhohn e Murray, 1953

    Um trao de personalidade representa uma caracterstica durvel, a disposio

    individual que orienta a conduta, em diferentes contextos, de forma particular. Os traos,

    tambm designados por subdimenses, so considerados num continuum, que vai de um

    extremo ao outro. Em ambas as extremidades da recta encontram-se qualificativos

    opostos. Em mdia, os indivduos situam-se no meio dessa mesma recta, sendo as

    posies extremas ocupadas apenas por alguns. Exemplos de traos habituais so a

    impulsividade, a generosidade, a sensibilidade, a timidez ou a empatia. Por sua vez, um

    tipo de personalidade (ou dimenso de personalidade) corresponde a um conjunto de

    diferentes traos (ou subdimenses).

    A segunda metade do sculo XX pautou-se por uma distanciao relativa s

    tipologias, focando-se em modelos estruturais da personalidade, baseados em traos

    dimensionais. Pioneiros nesta abordagem foram Hans e Sybil Eysenck (1975), os quais

    propuseram que a personalidade podia ser medida ao longo de trs dimenses:

    extroverso/introverso, neuroticismo/estabilidade emocional e psicoticismo/fora do eu.

    Cattell (1990) props um sistema mais complexo no qual a variao da personalidade

    dependia de dezasseis dimenses diferentes. Quer Hans e Sybil Eysenck, quer Cattell

    derivaram as suas dimenses-trao usando a abordagem da anlise factorial.

  • 18

    2. TEORIAS DA PERSONALIDADE

    2.1. PERSPECTIVA DOS TRAOS

    Allport e Odbert (1936, cit. por Costa & McCrae, 2006) produziram a primeira

    lista compreensiva de traos de personalidade, consultando o dicionrio. Esta estratgia

    permitiu identificar mais de dezassete mil nomes de traos, sendo que destes, pelo

    menos quatro mil pareciam ser descries significativas dos indivduos. Allport referiu

    que os traos eram estruturas neuropsicolgicas reais que contribuam para cada aco

    individual, sendo organizadores dinmicos do comportamento na transaco com as

    circunstncias ambientais. Na distino que fez entre traos comuns e disposies

    pessoais, os primeiros dizem respeito s dimenses das diferenas individuais, sendo

    relevantes para todas as pessoas (e.g. todos os indivduos podem ser considerados mais

    ou menos agressivos), enquanto as disposies pessoais, em contraste, so tendncias

    concretas encontradas nos indivduos que podem no ser relevantes para todas as

    pessoas.

    Na dcada de 70, vrios psiclogos, seguindo a influncia crtica de Mischel,

    olharam os traos como meras fices cognitivas. Contudo, na ltima metade do sculo

    passado, investigao emprica mais rigorosa clarificou a natureza, estrutura, origens e

    consequncias dos traos de personalidade.

    Cattell (1965) constituiu uma real viragem no estudo da personalidade, uma vez

    que se baseou na observao, definindo a personalidade como o que permite uma

    predio do que uma pessoa vai fazer, numa determinada situao, tendo desenvolvido

    o questionrio 16 Personality Factors (16 PF) mediante uma abordagem lexical.

    Hans Eysenck criou uma taxonomia hierrquica com trs grandes dimenses:

    psicoticismo, extroverso e neuroticismo. Cada dimenso neste sistema um conjunto

    de comportamentos, hbitos e factores co-variantes hierarquicamente organizados, que

    descrevem traos biologicamente baseados. Estas caractersticas so vistas como

    constructos dimensionais e as diferenas individuais so assumidas como resultando de

    combinaes destes trs super factores, os quais compreendem vrios outros factores de

    segunda ordem, derivados do Eysenck Personality Questionnaire (EPQ; Eysenck &

    Eysenck, 1975).

    De acordo com o Modelo dos Cinco Factores (Five Factor Model) existem cinco

    grandes factores para apreender o conjunto dos traos de personalidade,

    designadamente: neuroticismo, extroverso, amabilidade, abertura experincia e

    conscienciosidade. Este modelo derivou do trabalho de Eysenck, que identificou a

  • 19

    extroverso e o neuroticismo como dois componentes essenciais da estrutura da

    personalidade.

    A ideia central da teoria dos traos a de que os traos devem ser distinguidos da

    maior parte dos atributos estudados pelos psiclogos, designadamente, atitudes, crenas,

    valores, hbitos, papis, relacionamentos, etc. Todos estes atributos podem mudar e de

    facto, mudam com o tempo e as circunstncias, enquanto os traos no. Como referido

    por Costa e McCrae (1980), os traos fornecem uma estrutura estvel atravs da qual,

    com a idade, o indivduo capaz de se adaptar, defender ou ajustar. Quinze anos mais

    tarde esta ideia conduziu distino entre tendncias bsicas (incluindo traos de

    personalidade) e adaptaes caractersticas (atitudes, crenas, etc.).

    2.2. PERSPECTIVA PSICOBIOLGICA

    Na teoria de Gray (1970) os determinantes biolgicos ocupam uma posio

    importante, assentando primeiramente em dois factores: impulsividade e ansiedade. Um

    elevado nvel de ansiedade manifesta-se atravs de uma reaco emocional intensa

    diante de acontecimentos novos, de eventos que podem ser sancionados atravs de uma

    punio e ainda perante acontecimentos que no so reforados ou que so perigosos.

    Por outro lado, um comportamento que traduza impulsividade reflecte uma reaco

    mais importante a acontecimentos ligados a uma recompensa. Gray props, igualmente,

    um terceiro factor: o sistema luta/fuga. Este autor supe que o nvel de ansiedade

    controlado por um sistema de inibio comportamental, constitudo pelo sistema septo-

    hipocmpico, pelos aferentes noradrenrgicos e serotoninrgicos do tronco cerebral e

    respectivas projeces corticais dos lobos frontais. Uma excitao destes sistemas induz

    uma inibio da resposta. Por sua vez, o sistema de facilitao comportamental

    compreende os gnglios de base e as respectivas projeces dopaminrgicas no crtex,

    o que encaminha os indivduos no sentido de objectos atraentes3. Este sistema

    equivalente ao sistema de activao comportamental proposto por Cloninger.

    O modelo proposto por Zuckerman (1994) comporta diferentes verses. O

    primeiro modelo abrange trs factores: sociabilidade e emocionalidade (bastante

    prximos dos factores de extroverso e neuroticismo do modelo de Eysenck e de Costa

    e McCrae) e procura impulsiva de sensaes de carcter anti-social. Este ltimo

    assemelha-se dimenso de procura de novidade de Cloninger, embora enfatize o seu

    3 Este modelo provm, em exclusivo, de investigaes realizadas em animais, sendo que a aplicao aos

    comportamentos humanos assenta essencialmente em hipteses.

  • 20

    lado anti-social. Contudo, o mesmo factor corresponde incapacidade de inibir um

    comportamento ao servio de uma adaptao social.

    Cloninger (1986, 1987) props uma teoria biossocial4 unificada do temperamento

    e da personalidade. Nesta teoria, a personalidade conceptualizada como uma

    combinao de traos hereditrios e neurobiolgicos (dimenses do temperamento) e

    traos reflectindo a aprendizagem sciocultural (dimenses do carcter). As dimenses

    do temperamento parecem estar relacionadas com a actividade em sistemas

    neurotransmissores centrais especficos e so designadas: evitamento do perigo (sistema

    serotoninrgico), procura de novidade (sistema dopaminrgico) e dependncia de

    recompensa (sistema noradrenrgico). Este modelo inicial foi posteriormente

    modificado, tendo sido aumentado para sete o nmero de dimenses da personalidade:

    quatro temperamentos e trs caracteres. Aos trs temperamentos descritos atrs, foi

    acrescentada a persistncia, que descreve a tendncia de um indivduo para prosseguir

    um determinado comportamento, sem considerar as respectivas consequncias. Os

    caracteres, por seu lado, definem-se como dimenses da personalidade determinadas

    pela aprendizagem social e cognitiva.

    3. DIMENSES DA PERSONALIDADE

    Tendo em conta o vasto nmero de modelos da personalidade, uma das grandes

    questes que se coloca a de saber quais so, afinal, as dimenses fundamentais e

    suficientes para descrever o conjunto da personalidade. Eysenck referiu serem trs.

    Cattell, por seu lado, definiu dezasseis, Cloninger sete, ao passo que Zuckerman props

    trs, cinco ou sete dimenses. Nas ltimas dcadas o Modelo dos Cinco Factores o

    que tem gerado mais consenso relativamente ao nmero de dimenses, mas no

    relativamente denominao das mesmas.

    Apresentamos, de seguida, uma breve descrio das cinco dimenses nucleares.

    3.1. NEUROTICISMO

    O termo neuroticismo descreve um dos domnios bsicos da personalidade (Costa

    & Stone, 1997), que avalia a adaptao versus instabilidade emocional, sendo um dos

    traos mais estudados em todo o campo da Psicologia. As crianas e os adultos que tm

    pontuaes elevadas de neuroticismo ou emocionalidade negativa, so ansiosas,

    4 Teoria amplamente influenciada pela gentica comportamental e pela psiquiatria biolgica.

  • 21

    vulnerveis ao stresse, propensas a sentir culpa, tm falta de confiana, deficiente auto-

    imagem, sentem-se facilmente frustradas, possuem relaes inseguras e tm propenso a

    pensar irrealistamente. Pontuaes baixas neste domnio correspondem a indivduos

    emocionalmente estveis e adaptados, calmos, com humor constante, relaxados, seguros

    e resilientes face a situaes de stresse. O aspecto central deste domnio a tendncia

    para vivenciar afectos negativos, como a tristeza, medo, embarao, raiva, culpabilidade

    e repulsa.

    3.2. EXTROVERSO

    Os extrovertidos so calorosos, divertidos, expressivos, enrgicos, dominantes e

    amigveis. Apreciam a conversao e as relaes pessoais chegadas, bem como a

    estimulao social de estranhos. So assertivos e desempenham facilmente papis de

    liderana. Temperamentalmente, so caracterizados por uma necessidade de excitao,

    nveis elevados de energia e actividade e so muito optimistas. Pelo contrrio, os

    introvertidos, embora tenham competncias sociais adequadas, preferem evitar

    multides e tendem a ser reservados, sbrios, adoptando um ritmo de vida mais calmo.

    So mais orientados para a tarefa e independentes nas suas tomadas de deciso.

    Contrariamente ao que se pensa, no so necessariamente introspectivos, nem os

    extrovertidos so necessariamente ajustados (McCrae & Stone, 1997).

    3.3. ABERTURA EXPERINCIA

    A abertura experincia ou intelecto um dos domnios do Modelo dos Cinco

    Factores menos debatido e menos compreendido, embora seja, segundo Costa e McCrae

    (1992a) o mais relevante para o estudo da imaginao e da cognio. O facto de

    formulaes alternativas ao Modelo dos Cinco Factores designarem este domnio por

    intelecto, no significa que a abertura experincia seja equivalente inteligncia

    (McCrae & Stone, 1997). Segundo os autores, este trao sublinha o interesse pela

    experincia sensorial, para alm da experincia intelectual. Globalmente, esta dimenso

    traduz a procura produtiva, a apreciao da experincia, a tolerncia e a explorao do

    no familiar (Lima, 1997). A abertura experincia (imaginao, criatividade e

    sensibilidade esttica) e o intelecto (facilidade em aprender, inteligncia, capacidade de

    compreenso) foram propostos como sendo o ncleo deste trao (John & Srivastasa,

    1999); cada um destes traos pode ser um subcomponente de traos de ordem elevada.

    Os indivduos abertos experincia preferem a novidade, variedade e

  • 22

    ambiguidade em vrios aspectos da vida. So curiosos em relao ao seu mundo

    exterior e interior, so imaginativos e criativos e interessam-se pela beleza na arte e na

    natureza. Possuem um nvel elevado de curiosidade intelectual, so liberais e no

    convencionais nas suas vises polticas e sociais. Por sua vez, indivduos fechados

    experincia so conservadores, convencionais e terra a terra, preferem a simetria e

    simplicidade e tendem a ter um pensamento a preto-e-branco. So relutantes em mudar

    as suas vises e os seus comportamentos.

    3.4. AMABILIDADE

    Os indivduos amveis so altrustas, cooperativos, empticos, generosos,

    educados e simpticos. Os indivduos desagradveis so agressivos, hostis, rudes,

    teimosos, cnicos, manipulativos e egocntricos. A amabilidade tambm inclui a

    vontade de se acomodar vontade dos outros. Esta dimenso tambm est ligada

    conscienciosidade ou constrangimento, na medida em que ambos os traos possuem

    aspectos de inibio versus desinibio (Clark & Watson, 1999). Os dois plos da

    amabilidade antagonismo e tendncias pr-sociais tm sido avaliados separadamente

    como traos distintos em vrios estudos com crianas e adultos. O antagonismo varia

    entre a tendncia para ser calmo e gentil e a tendncia para ser agressivo e hostil. Um

    terceiro factor de segunda ordem que tem sido identificado nos adultos e que pode estar

    relacionado com o neuroticismo ou emocionalidade negativa o cinismo/alienao

    (Martin et al., 2000). Este ltimo inclui a tendncia individual para desconfiar dos

    outros e para se sentir maltratado.

    3.5. CONSCIENCIOSIDADE

    Os indivduos conscienciosos so responsveis, atentos, cuidadosos, persistentes,

    ordenados e metdicos. Pontuaes elevadas nesta dimenso representam pessoas que

    trabalham muito, so persistentes e altamente motivadas; pontuaes baixas

    representam pessoas algo desorganizadas, com uma clara falta de direco na vida. No

    seu melhor, as pessoas conscienciosas so efectivas, no seu pior, so guiadas pelo

    perfeccionismo e negligenciam a sua vida pessoal em funo do seu trabalho (McCrae

    & Stone, 1997). Os indivduos que possuem baixas pontuaes de conscienciosidade

    so irresponsveis, distrados e pouco cuidadosos. As diferenas individuais no controlo

    podem estar relacionadas com diferenas biolgicas nos sistemas de ateno executiva

    que se desenvolvem ao longo da infncia e dos primeiros anos escolares (Posner &

  • 23

    Rothbart, 2000). De facto, a capacidade para focar a ateno na infncia prediz o

    controlo mais tarde (Kochanska et al., 2000) e a capacidade que um adulto possui para

    se esforar em estar atento est associada conscienciosidade (Rothbart et al., 2000).

    4. BASES BIOLGICAS DOS TRAOS

    Est bem estabelecido que os efeitos genticos so importantes para as diferenas

    individuais na personalidade (Bouchard, 1994). A maioria dos trabalhos sobre a

    gentica da personalidade recorre a questionrios de avaliao administrados a crianas

    e a adultos, sendo que os mais utilizados so o EPQ de Eysenck, o Temperament and

    Character Inventory (TCI) de Cloninger, o 16PF de Cattell e o NEO-Personality

    Inventory-Revised de Costa e McCrae.

    O grau em que dois traos tm influncias genticas e ambientais comuns

    evidenciado pelos coeficientes de correlao. Habitualmente comparam-se as

    correlaes intra-pares de gmeos monozigticos5

    (MZ) e dizigticos (DZ). Uma

    correlao elevada entre pares de gmeos MZ, comparada com a de gmeos DZ, sugere

    a presena de influncias genticas.

    Os estudos de gmeos (um dos mtodos mais utilizados em gentica

    comportamental) indicam que as influncias genticas contribuem para

    aproximadamente 40 a 60% da varincia para virtualmente todos os traos de

    personalidade. Estudos de gmeos usando questionrios de personalidade de auto-

    resposta tm sugerido hereditabilidades6 moderadas. H mais de trs dcadas atrs, um

    estudo (Loehlin & Nichols, 1976) envolvendo 800 pares de gmeos e dezenas de traos

    de personalidade, permitiu concluir que quase todos os traos de personalidade revelam

    uma influncia gentica moderada, sendo as correlaes entre gmeos MZ mais

    elevadas do que as correlaes entre gmeos DZ.

    Eaves et al. (1989) efectuaram uma meta-anlise dos estudos de gmeos que

    usaram os trs factores de Eysenck. As correlaes para gmeos DZ foram cerca de

    metade das encontradas para MZ, sendo as hereditabilidades de .58 para a extroverso

    (n=36 estudos), .44 para o neuroticismo (n=22 estudos) e de .46 para o psicoticismo.

    Numa reviso posterior, Loehlin (1992) apresentou os resultados de cinco grandes

    estudos que incidiam sobre um total de 24000 pares de gmeos, usando o NEO-PI

    5 Constituem um achado da gentica comportamental; uma vez que possuem o mesmo genoma, possvel

    afirmar que toda a diferena constatada entre ambos forosamente devida ao meio. 6 Mtodo estatstico que descreve o tamanho do efeito da influncia gentica e que se refere proporo

    da varincia observada (fenotpica) que pode ser explicada pela varincia gentica, variando de 0 a 1.

  • 24

    (Quadro I.1). No domnio da extroverso, os gmeos MZ, tendencialmente,

    assemelham-se mais do que os DZ, o que implica uma participao da hereditariedade

    nesta dimenso da personalidade. Do mesmo modo, os MZ educados separadamente

    assemelham-se quase tanto como os MZ educados juntos, o que constitui uma indicao

    adicional da contribuio dos genes. Mais ainda, os MZ assemelham-se muito mais do

    que os gmeos DZ educados, quer separadamente, quer juntos. As semelhanas entre os

    MZ so tambm muito mais importantes do que as encontradas nas fratrias biolgicas.

    Quadro I.1: Correlaes entre gmeos MZ e DZ (Modelo dos Cinco Factores)

    Proximidade gentica e do meio Extroverso Neuroticismo

    Gmeos MZ que vivem juntos

    Gmeos DZ que vivem juntos

    Gmeos MZ que vivem separados

    Gmeos DZ que vivem separados

    Fratrias biolgicas

    .51

    .18

    .38

    .05

    .20

    .46

    .20

    .38

    .23

    .09

    A amabilidade, a conscienciosidade e a abertura experincia mostraram uma

    correlao de cerca de .45 para MZ e de cerca de .20 para DZ, sugerindo estimativas de

    hereditabilidade de cerca de 40% (Loehlin, 1992).

    Estudos subsequentes de gmeos, usando o NEO-PI-R obtiveram estimativas de

    hereditabilidade de 41% para o neuroticismo, 53% para a extroverso, 41% para a

    amabilidade e 44% para a conscienciosidade (e.g. Jang et al., 1996). Na abertura

    experincia, os efeitos genticos contriburam para cerca de 61% da varincia. Esta

    correspondncia entre a estrutura gentica e a estrutura de factores observada no NEO-

    PI-R sugere que todas as partes constituintes de cada domnio mais vasto partilham uma

    base gentica comum. Os resultados indicam uma correspondncia entre a estrutura

    fenotpica da personalidade e a arquitectura gentica subjacente, sendo esta observao

    consistente ao longo de vrias medidas. Estes resultados so especialmente interessantes,

    dada a grande falha de correspondncia entre o gentipo e o fentipo para a maioria das

    perturbaes mentais (Merikangas, 2002). De acordo com Plomin e Caspi (1999) todas

    as medidas de auto-resposta da personalidade so hereditrias. Embora a maior parte

    dos estudos de hereditabilidade tenha usado medidas de auto-resposta, os poucos

    estudos que usaram mtodos de avaliao alternativos chegaram a resultados similares

    (Heath et al., 1992; Riemann et al., 1997).

    Em suma, quase sem excepo, os estudos convergem em trs resultados: 1) cerca

    de metade da varincia nas medidas dos traos de todos os cinco factores parece ser

  • 25

    gentica; 2) o ambiente comum contribui para uma varincia quase nula; e 3) a

    varincia restante atribuda ao que se designa por ambiente no-partilhado. Parte da

    varincia relativa ao ambiente no partilhado erro de medida, quer aleatrio, quer

    sistemtico. Alguns tericos defendem que o resto devido influncia dos pares

    (Harris, 1998) ou a eventos biolgicos aleatrios, como o ambiente pr-natal ou doena

    (Pinker, 2002). De salientar que os esforos no sentido de identificar as influncias no

    partilhadas especficas tm sido mal sucedidos (Riemann et al., 1997).

    Perante os slidos resultados suportando a base gentica dos traos de

    personalidade, um dos tpicos que tem suscitado particular interesse o de procurar os

    genes especficos associados aos traos. Contudo, a procura de genes para a

    personalidade difcil uma vez que, ao contrrio do que acontece nas perturbaes

    monognicas, nas quais um nico gene necessrio e suficiente para produzir a

    perturbao, no h dados para tais efeitos no respeitante personalidade. Para os traos

    quantitativos complexos como a personalidade, a influncia gentica provavelmente

    resulta do envolvimento de mltiplos genes de pequeno efeito.

    Diversos estudos tentaram identificar os genes que participam na expresso de

    determinadas dimenses da personalidade, os quais se tm centrado nas dimenses dos

    modelos de Cloninger e dos Cinco Factores. Em dois estudos foi demonstrado que um

    polimorfismo7 do gene do receptor dopaminrgico D4 se encontra ligado dimenso

    procura de novidade (Benjamin et al., 1996; Ebstein et al., 1995). Os indivduos que

    possuam alelos8 mais longos obtiveram resultados significativamente mais elevados do

    que os que tinham alelos curtos. No entanto, as replicaes subsequentes conduziram a

    resultados mistos (e.g. Vandenbergh et al., 1997). Lesch et al. (1996) mostraram uma

    relao entre a dimenso de neuroticismo do NEO-PI-R e o gene do transportador de

    serotonina. Os indivduos com alelos longos tinham pontuaes mais baixas de

    neuroticismo do que os indivduos com alelos curtos. Este resultado tambm se

    observou na dimenso evitamento de perigo de Cloninger e na dimenso de segunda

    ordem de ansiedade de Cattell.

    7 , por definio, uma variao fenotpica que pode ser separada em classes distintas e bem definidas. O

    controlo gentico d-se por um ou poucos locus, sendo a caracterstica pouco susceptvel a factores

    ambientais. 8 cada uma das vrias formas alternativas do mesmo gene.

  • 26

    5. ESTRUTURA FENOTPICA: ALGUMAS IMPRECISES

    Apesar do acordo entre os tericos dos traos de que a personalidade est

    hierarquicamente organizada e do entusiasmo a favor da estrutura dos cinco factores,

    existem ainda vrios problemas por resolver. Permanece a confuso em relao ao

    nmero de factores no sendo, portanto, possvel afirmar qual o nmero especfico de

    dimenses que compem a personalidade. Exemplos destas divergncias so os artigos

    trocados entre Eysenck e Costa e McCrae, cujos ttulos so bastante reveladores:

    Quatro maneiras de demonstrar que os cinco factores no so fundamentais (Eysenck,

    1992) e Quatro maneiras de demonstrar que os cinco factores so fundamentais

    (Costa & McCrae, 1992b).

    Mais problemtico que a aceitao de uma estrutura universal so os problemas

    relativos ao contedo dos domnios de ordem elevada (Zuckerman et al., 1991, 1993),

    bem como relativamente natureza da relao entre os traos de ordem elevada e os

    traos de segunda ordem. Ao considerarmos como exemplo o cluster de traos

    designado de impulsividade-procura de novidade apercebemo-nos de uma srie de

    divergncias. Para Zuckerman et al. (1991, 1993) estes traos definem um factor de

    ordem elevada separado que se assemelha ao psicoticismo de Eysenck e ao

    constrangimento de Tellegen (Hansenne, 2005). Em contraste, o modelo dos cinco

    factores de Costa e McCrae (1992a) enquadra a impulsividade e a procura de novidade

    em domnios separados. A impulsividade considerada uma faceta do neuroticismo e a

    procura de excitao considerada uma faceta da extroverso. Tal significa que as

    definies dos constructos major, como o neuroticismo e a extroverso, diferem

    consoante os modelos.

    Estes problemas de definio revelam incertezas bsicas relativamente

    taxonomia dos traos de personalidade e comprometem a assumpo de que o Modelo

    dos Cinco Factores fornece a estrutura adequada. A persistncia destes problemas

    sugere tambm que as anlises psicomtricas e fenotpicas tpicas usadas para descrever

    a estrutura dos traos podem no ser suficientes para resolver as questes relativas

    definio (Livesley & Jang, 2005). Tais anlises recaem em constructos que so na sua

    natureza imprecisos, como ilustrado pela confuso relativa aos componentes da

    extroverso (Depue & Collins, 1999; Watson & Clark, 1997). As concepes de

    extroverso incluem sociabilidade ou afiliao, actividade, procura impulsiva de

    sensaes, emoes positivas e optimismo. Dada esta grande variedade de contedos,

    no pois surpreendente que os estudos relativos estrutura fenotpica gerem resultados

  • 27

    inconsistentes. Esta impreciso que provavelmente uma consequncia de se usarem

    conceitos da linguagem natural para descrever comportamentos complexos, contribui

    para a considervel variabilidade dos fentipos de personalidade.

    6. ESTABILIDADE DA PERSONALIDADE

    Vrios autores questionaram a ideia de estabilidade da personalidade. Por

    exemplo, os tericos ambientais, como Dollard e Miller e Skinner defenderam que a

    situao ou o conjunto de contingncias comportamentais determinavam o modo como

    cada um se comportava numa situao particular e que as estruturas da personalidade

    duradouras ou disposies eram, na melhor das hipteses, irrelevantes, sendo mais

    provavelmente inexistentes, como defendia Mischel (Maiden et al., 2003). Epstein

    (1980), contudo, defendia uma consistncia considervel nos traos de personalidade

    quando era realizado um nmero de observaes comportamentais ao longo de um

    nmero de situaes e condies.

    Alguns estudos fornecem algum suporte para a base temperamental da

    personalidade (Caspi & Silva, 1995; Block & Kremen, 1996). Na idade adulta, alguns

    autores defendem a imutabilidade da personalidade (McCrae & Costa, 1999), enquanto

    outros sustentam que os traos de personalidade continuam a desenvolver-se para l da

    meia-idade e na velhice (Field & Millsap, 1991; Helson et al., 2002).

    Deste modo, a estabilidade versus mutabilidade da personalidade um dos

    problemas centrais do desenvolvimento da personalidade do adulto. De acordo com

    Simes (1999) so inmeras as questes relativamente a este ponto, as quais ilustram a

    complexidade do problema. Efectivamente, o que que se quer dizer com o termo

    estabilidade? estvel a personalidade, no sentido de que se revela imutvel, de uma

    situao para a outra ou de que se mostra consistente, de uma circunstncia temporal

    para outra? Que quantidade de mudana que considerada mudana? Existe uma

    continuidade/mudana, durante todo o perodo da vida adulta, ou ela limita-se a uma

    fase da mesma? Considera-se a mudana, ao nvel das caractersticas especficas ou ao

    nvel da estrutura factorial global da personalidade? Como que se reconhece a

    continuidade subjacente (genotpica) apesar da descontinuidade aparente (fenotpica)?

    Quais so os factores explicativos da estabilidade/mudana? H certos aspectos da

    personalidade mais mutveis do que outros? A personalidade de certas pessoas revela-se

    mais estvel do que a de outras? Assim, de acordo com o autor esta lista (incompleta) de

  • 28

    questes ilustra bem a extrema complexidade do problema e revela tambm a

    necessidade de fixar terminologias e de definir conceitos.

    7. PERFECCIONISMO

    7.1. CONCEITO

    O conceito de perfeccionismo9

    tem sido objecto de interesse e de ateno

    crescente, por parte dos investigadores e clnicos (Hamachek, 1978; Hollender, 1965).

    Contudo, e uma vez que este trao tem sido estudado mediante o uso de uma variedade

    de instrumentos de avaliao, ainda difcil compreender o seu significado, apesar das

    vrias tentativas no sentido da sua definio.

    A ttulo de exemplo, Horney em 1950 (Hewitt & Flett, 2002) descreveu o

    perfeccionismo como a tirania do dever (the tyranny of the shoulds). Por sua vez,

    Hollender (1965) considerou-o como a prtica de exigir a si prprio ou aos outros um

    desempenho qualitativamente elevado, maior do que o requerido pela situao. Burns

    (1980) postulou que o perfeccionismo como uma rede de cognies que inclui

    expectativas, interpretao dos acontecimentos e avaliao de si e dos outros. Segundo

    este autor os indivduos perfeccionistas estabelecem padres irrealistamente elevados,

    aderem rigidamente a eles, interpretam os acontecimentos de forma distorcida e definem

    o seu valor pessoal em funo da sua capacidade para atingir esses mesmos padres.

    Patch (1984) definiu o perfeccionismo como o estabelecimento de padres de

    desempenho elevados acompanhado de auto-avaliaes crticas. J o Obsessive

    Compulsive Cognitions Working Group (1997) definiu o perfeccionismo como a

    tendncia para acreditar que existe uma soluo perfeita para todos os problemas e de

    que fazer tudo de forma perfeita, no s possvel, como necessrio, sendo que o mais

    pequeno erro acarretar srias consequncias.

    Outras questes importantes, que sero desenvolvidas mais adiante, relacionam-se

    com a natureza uni ou multidimensional do perfeccionismo e com a delimitao dos

    aspectos positivos e negativos que integra.

    O grande interesse que o perfeccionismo tem motivado relaciona-se com a

    hiptese deste trao de personalidade estar relacionado com comportamentos mal-

    adaptativos de reaco ao stresse e de poder desempenhar um papel importante na

    etiologia, manuteno e curso de vrios quadros clnicos incluindo depresso (Hewitt &

    9 O termo perfeccionista provm do latim perfectione, significando vontade obsessiva de atingir a

    perfeio, tendncia para exigir a perfeio (Porto Editora, 2008).

  • 29

    Flett, 1991a, Hewitt et al., 1996), comportamentos suicidas (Hamilton & Schweitzer,

    2000; Hewitt et al., 1994, 1997), perturbao obsessivo-compulsiva (Frost & Steketee,

    1997; Maia et al., 2009), perturbaes do comportamento alimentar (Bardone-Cone,

    2007; Maia et al., 2009; Macedo et al., 2007; Soares et al., 2009) e insnia (Azevedo et

    al., 2009, 2010).

    7.2. DIMENSES

    Uma das formas de distino entre as vrias conceptualizaes do perfeccionismo

    diz respeito ao seu carcter unidimensional ou multidimensional. Historicamente, o

    campo unidimensional enfatizava os aspectos intra-pessoais na forma de factores

    cognitivos, como crenas irracionais (Ellis10

    , 1962) ou atitudes disfuncionais (Burns,

    1980; Weissman & Beck, 1978).

    No incio da dcada de 90 do sculo XX, em oposio viso anterior, comea a

    desenvolver-se uma perspectiva multidimensional do perfeccionismo. Esta mudana

    assentou em dois aspectos: 1) as descries clnicas dos indivduos com perfeccionismo

    referiam que se tratavam de indivduos muito preocupados com os erros, que

    duvidavam da qualidade do seu desempenho, que atribuam um valor considervel s

    expectativas parentais e que enfatizavam a ordem (Frost et al., 1990) e 2) as

    observaes clnicas independentes revelaram que o perfeccionismo tambm englobava

    aspectos interpessoais e que estes eram importantes nas dificuldades de ajustamento

    (Hewitt & Flett, 1991b).

    Em resposta insatisfao com as conceptualizaes unidimensionais do

    perfeccionismo foram desenvolvidos instrumentos de avaliao como as duas escalas

    que partilham a mesma designao: Multidimensional Perfectionism Scale11

    de Frost et

    al. (MPS-F; 1990) e de Hewitt et al. (MPS-H&F; 1991a), que conceptualizaram o

    perfeccionismo como um constructo multidimensional. O aparecimento destas duas

    medidas foi significativo, por ter promovido a noo de que, sendo o perfeccionismo

    uma entidade complexa e multidimensional, as abordagens unidimensionais podiam

    negligenciar alguns aspectos chave desta orientao da personalidade.

    Embora as conceptualizaes subjacentes aos dois instrumentos no sejam iguais,

    a necessidade de diferenciar as facetas do comportamento perfeccionista um tema

    comum. Os autores sugerem que a focalizao exclusiva nos componentes cognitivos

    10

    Ellis foi o primeiro autor a referir o perfeccionismo como uma crena irracional central. 11

    Traduzida para Portugus como Escala Multidimensional do Perfeccionismo (EMP).

  • 30

    restritiva e que os factores interpessoais e motivacionais devem ser tidos em conta

    (Hewitt & Flett, 1990; Hewitt et al., 1991a).

    A MPS-F uma medida de seis factores que avalia quatro aspectos do

    perfeccionismo direccionados para o self, a saber: Padres Pessoais elevados, Dvidas

    acerca da Aco, Preocupao com os Erros e Organizao e dois aspectos do

    perfeccionismo que reflectem a percepo de exigncias parentais relativamente ao

    prprio (Expectativas Parentais Elevadas e Crtica Parental). Os autores excluram a

    subescala da Organizao do score total devido s baixas correlaes que apresentava

    com as restantes cinco subescalas. A questo sobre se a Organizao deve ser

    considerada como parte do constructo do perfeccionismo permanece por resolver (Flett

    & Hewitt, 2002).

    A MPS-H&F identifica dimenses intra-pessoais (i.e. perfeccionismo dirigido ao

    prprio), como o Perfeccionismo Auto-Orientado (PAO), bem como aspectos

    interpessoais, quer na forma de perfeccionismo dirigido aos outros (Perfeccionismo

    Orientado para os Outros - POO), quer na forma de perfeccionismo dirigido ao prprio,

    que radica nas crenas ou percepes de que os outros impem exigncias irrealistas

    face ao self (Perfeccionismo Socialmente Prescrito - PSP).

    O PAO uma dimenso intra-individual que envolve comportamentos

    perfeccionistas que derivam do self e que para ele so direccionados. O indivduo com

    elevado PAO cria as suas prprias expectativas perfeccionistas e exige a perfeio a si

    prprio. Esta dimenso inclui uma forte auto-motivao para ser perfeito, a manuteno

    de expectativas irrealistas face ao fracasso, auto-avaliaes exigentes que se focam nas

    prprias falhas e generalizao das expectativas irrealistas e avaliaes para os diversos

    domnios comportamentais. Esta dimenso pode estar relacionada com perturbaes e

    sintomas que envolvem o auto-conceito, como a depresso e as perturbaes do

    comportamento alimentar (Hewitt & Flett, 2001).

    O POO uma dimenso interpessoal do perfeccionismo que tambm surge do self,

    mas as exigncias perfeccionistas so direccionadas para os outros. Isto , integra fortes

    motivaes para que os outros sejam perfeitos em vrios domnios do funcionamento,

    expectativas irrealistas e avaliaes exigentes dos outros. Esta dimenso pode no

    produzir necessariamente perturbaes relacionadas com o self ou sintomas para o

    indivduo perfeccionista. No entanto, produz insatisfao ou dificuldades para os

    indivduos que so alvo destas exigncias. Estes ltimos podem sentir-se criticados e

    expressam o seu ressentimento por serem tratados de forma hostil. Assim, o

  • 31

    perfeccionista com um elevado POO pode vivenciar problemas interpessoais, bem como

    a perda de relaes importantes (Hewitt & Flett, 2001).

    O PSP outra dimenso interpessoal e envolve exigncias irrealistas que so

    percebidas como emanadas dos outros e direccionadas para o self. Por exemplo, envolve

    a crena na incapacidade pessoal para conseguir atingir as expectativas e as exigncias

    perfeccionistas percebidas. Assim, incorpora a percepo de que os outros impem

    exigncias irrealistas para o self e de que os outros s estaro satisfeitos quando aquelas

    forem atingidas. Esta dimenso envolve a preocupao com a falta pessoal de perfeio.

    Contudo, e talvez mais importante a forte preocupao destes perfeccionistas em obter

    e manter a aprovao e a considerao das outras pessoas e um sentido de pertena que

    poder ser alcanado se aos olhos dos outros se conseguir ser perfeito (Hewitt & Flett,

    2001).

    O contedo dos itens da MPS-H&F foi baseado em descries de casos e na

    literatura, bem como na experincia clnica dos autores. As trs dimenses do

    perfeccionismo actuam como factores de vulnerabilidade nucleares e esto

    distintamente associadas a vrios tipos de psicopatologia (Hewitt & Flett, 1991b). As

    dimenses podem estar envolvidas, quer no incio das perturbaes psicolgicas, quer

    na exacerbao da gravidade dos sintomas, uma vez que reflectem vulnerabilidades

    especficas para perturbaes particulares que se manifestam na presena de

    acontecimentos ambientais especficos, situaes ou caractersticas da personalidade. As

    facetas trao tambm podem funcionar ao manterem nveis elevados de sintomas por

    influenciarem os mecanismos de coping. Deste modo, podem desempenhar um papel

    mediador12

    ou moderador13

    no desenvolvimento e manuteno da psicopatologia, ao

    influenciar os fracassos stressantes percebidos.

    A ampla aplicao em numerosos estudos destes dois instrumentos de avaliao

    veio fortalecer a noo de que o perfeccionismo uma entidade complexa e

    multidimensional e conduziu alguns investigadores a reexaminar as medidas

    unidimensionais, de modo a verificar se era possvel a identificao de subfactores.

    Joiner e Schmidt (1995) efectuaram uma anlise factorial dos seis itens da subescala do

    perfeccionismo do Eating Disorders Inventory (EDI; Garner et al., 1983) e encontraram

    12

    Os factores mediadores so factores de risco que ligam o factor de risco de interesse doena;

    explicam como e porqu outros factores so predictivos de psicopatologia (Susser & Schwartz, 2006). 13

    Um factor moderador afecta a relao entre o factor de risco de interesse e a doena.

  • 32

    dois factores. O primeiro possua um contedo de itens que explorava o PAO e o

    segundo possua um contedo de itens que explorava o PSP.

    Porm, relativamente a esta questo da uni ou multidimensionalidade do

    constructo do perfeccionismo, ainda no foi alcanado um completo consenso. Shafran

    et al. (2003) postularam que se deve voltar a uma abordagem unidimensional para

    estudar o perfeccionismo, uma vez que as dimenses interpessoais descritas por Hewitt

    et al. (1991b) e por Frost et al. (1990) devem antes ser encaradas como meros

    correlatos14

    e no como aspectos centrais do perfeccionismo clnico. Defendem,

    tambm, que os actuais instrumentos de avaliao do perfeccionismo avaliam uma

    grande variedade de caractersticas alm das descritas pelos trabalhos anteriores; no

    avaliam o perfeccionismo per se mas, antes, constructos relacionados. Assim, apenas as

    subescalas PAO (MPS-H&F), Padres Pessoais (MPS-F) e alguns dos itens da

    subescala Preocupao com os Erros (MPS-F) se aproximam da avaliao do constructo

    do perfeccionismo tal como este tem sido descrito e mesmo estes possuem alguns itens

    que se referem auto-avaliao. O POO e o PSP da MPS-H&F so, ento, encarados

    como constructos que podem estar associados ao perfeccionismo, em vez de serem

    elementos integrais do mesmo. Esta perspectiva defendida por Shafran et al. (2003) est

    em contracorrente e ignora os principais achados da investigao na rea. Desde h mais

    de uma dcada que os aspectos interpessoais do perfeccionismo so essenciais

    compreenso do constructo. Os padres e exigncias auto-impostos so sem dvida

    importantes, impulsionados pela motivao central do perfeccionismo negativo que o

    medo de falhar. No entanto, igualmente essencial entender que este medo mrbido de

    errar se relaciona com o valor pessoal contingente aceitao pelos outros, com base

    num elevado desempenho. aqui que radica a importncia dos aspectos interpessoais.

    Em boa parte, o perfeccionista pensa que s vai ser estimado e considerado pelos outros

    se for perfeito nos seus padres e desempenhos, o que foi evidenciado por Campbell e

    DiPaula (2002). Neste estudo, foi explorada a soluo factorial da MPS-H&F (PAO e

    PSP), numa amostra de estudantes universitrios, com o intuito de melhor compreender

    os concomitantes das diferentes auto-crenas. Estes autores ao avaliarem o PSP

    encontraram dois tipos distintos de auto-crenas representadas nos itens. Uma era a

    crena de que ser amado e aceite pelos outros era contingente a um elevado desempenho

    e a outra era a crena de que as outras pessoas apresentavam padres ou expectativas

    14

    Um correlato uma varivel que est associada ao resultado de interesse (outcome). Porm, no um

    factor de risco confirmado por no se demonstrar a precedncia em relao a este.

  • 33

    elevadas para o self. Estes autores encontraram tambm dois tipos distintos de auto-

    crenas na subescala PAO: 1) importante ser perfeito e 2) crena de que lutamos

    activamente pela perfeio. Para determinar em que medida estas diferenas se

    reflectiam na estrutura da MPS, os autores efectuaram uma anlise factorial, aps a

    administrao das duas subescalas a uma amostra no clnica de estudantes

    universitrios. Desta emergiram dois factores para cada uma das dimenses de

    perfeccionismo. O PSP subdividiu-se em Aceitao Condicional (PSP-Ac) e Percepo

    de que os Outros impem Padres Elevados para o self (PSP-PpO) e o PAO em

    Importncia de ser Perfeito e Procura da Perfeio. De seguida, os autores

    correlacionaram estas escalas com uma bateria de outras medidas como o BDI (Beck,

    1967), uma verso abreviada do inventrio dos cinco factores (Costa & McCrae, 1989)

    e uma escala de afectividade positiva/negativa (Watson et al., 1988). Como esperado, os

    autores verificaram que o PSP estava positivamente correlacionado com a depresso,

    neuroticismo e afectividade negativa. O PSP-Ac encontrava-se positivamente

    correlacionado com a depresso, neuroticismo e afecto negativo e negativamente

    correlacionado com a auto-estima, extroverso, amabilidade, conscienciosidade,

    abertura experincia e afecto positivo. J o PSP-PpO apresentou correlaes positivas

    com a depresso e negativas com a amabilidade. Mais importante, a anlise de

    correlaes das duas subescalas construdas mediante os itens do PSP mostrou que os

    concomitantes deletrios do PSP pareciam derivar quase exclusivamente da percepo

    de que a aceitao por parte dos outros era condicional ao alcance de um desempenho

    superior. Por sua vez, o PSP-PpO no parecia em si mesmo ser um factor importante

    para a contribuio dos aspectos problemticos do PSP. Por seu lado, as duas subescalas

    do PAO no se mostraram correlacionadas com aspectos negativos substanciais.

    Recentemente explormos a estrutura factorial da MPS-H&F (PAO e PSP) numa

    amostra de mulheres grvidas e encontrmos duas solues factoriais (Macedo et al.,

    2009). A primeira engloba o PAO e PSP e a segunda alm de englobar o PAO, integra

    tambm uma subdiviso do PSP em Percepo de que os Outros impem Padres

    Elevados para o self (PSP-PpO) e Aceitao Condicional (PSP-Ac). Na seco da

    Metodologia (Captulo IV: Estudo Emprico) encontram-se descritos, em pormenor,

    estes subcomponentes, uma vez que os consideramos na anlise estatstica.

  • 34

    7.3. PERFECCIONISMO POSITIVO E NEGATIVO

    Tem sido sugerido que o campo do perfeccionismo sofre do mesmo enviesamento

    que caracteriza a psicologia em geral, isto , uma tendncia para focar a ateno nos

    aspectos negativos, sem reconhecer os aspectos positivos do constructo (e.g. Slaney et

    al., 1995). Deste modo, emergiram tentativas adicionais de melhor conceptualizar o

    perfeccionismo com o intuito de identificar os seus aspectos positivos. J Hamachek,

    em 1978, tinha sugerido que o perfeccionismo podia ser normal e neurtico. O

    perfeccionismo normal era definido como uma luta por padres razoveis e realistas que

    conduziam a um sentido de auto-satisfao e que aumentavam a auto-estima; o

    perfeccionismo neurtico era consubstanciado por uma tendncia para lutar por padres

    excessivamente elevados, motivado pelo medo de falhar e pela preocupao em no

    desiludir os outros. Deste modo, as pessoas com perfeccionismo normal estabeleciam

    padres elevados de forma similar s pessoas com perfeccionismo neurtico. No entanto,

    sentiam-se satisfeitas quando estes padres eram alcanados e retiravam prazer dos seus

    esforos direccionados para atingir os resultados.

    Todavia, a ideia de que o perfeccionismo era predominantemente negativo

    imperou na dcada seguinte. Burns (1980) defendia uma concepo negativa do mesmo,

    realando como caracterstica central dos perfeccionistas, a auto-avaliao realizada em

    funo do sucesso nos desempenhos. Pacht (1984) partilhava uma concepo

    inteiramente negativa, postulando que a procura da perfeio era um objectivo

    indesejvel e debilitante, que reflectia uma motivao que no era saudvel. Segundo

    este autor, esta procura por uma perfeio que no existe, que se torna perturbadora e

    que est associada a um nmero significativo de problemas psicopatolgicos.

    Actualmente, volvidos cerca de 30 anos aps o artigo de Hamachek, tem-se

    acumulado um substancial conjunto de dados que confirma existirem facetas positivas e

    negativas de perfeccionismo. Esta dicotomia foi retomada a partir da dcada de 90 por

    vrios autores, aps o aparecimento das conceptualizaes multidimensionais, sob

    diferentes designaes15

    . Apesar das aparentes diferenas entre as duas medidas do

    perfeccionismo em termos da natureza e nmero de facetas e caractersticas associadas,

    estas mostram ter dimenses comuns subjacentes. O trabalho pioneiro de Frost et al.

    15

    Positive striving e maladaptative concerns (Frost et al., 1993), perfeccionismo activo e passivo (Adkins

    & Parker, 1996), perfeccionismo positivo e negativo (Terry-Short et al., 1995), perfeccionismo adaptativo

    e mal-adaptativo (Rice et al., 1998), perfeccionismo funcional e disfuncional (Rhaume et al., 2000),

    perfeccionismo saudvel e no saudvel (Stumpf & Parker, 2000), personal standards e evaluative

    concerns (Blankstein & Dunkley, 2000).

  • 35

    (1993) relativo anlise factorial das nove subescalas das duas MPSs revelou uma

    soluo de dois factores, designados como Maladaptative Evaluative Concerns (MEC)

    e Positive Striving (PS). Os autores concluram que o PS representava o aspecto

    adaptativo da motivao pessoal. Porm, estudos posteriores seguindo o mesmo mtodo

    implementado por Frost et al. (1993) verificaram que o PS estava relacionado tanto com

    caractersticas positivas, como negativas (e.g. Bieling et al., 2004). Mais recentemente,

    Stoeber e Otto (2006) efectuaram uma reviso sobre o carcter positivo e negativo do

    perfeccionismo que mostra que apesar das diferentes concepes e das duas

    abordagens bsicas (dimensional ou baseada em grupos) h considervel acordo para

    as duas formas de perfeccionismo: Positive Perfectionistic Strivings que inclui as

    dimenses Padres Pessoais elevados da MPS-F e PAO da MPS-H&F e Negative

    Perfectionistic Concerns que inclui as dimenses Preocupao com os Erros e Dvidas

    acerca da Aco da MPS-F, PSP da MPS-H&F e discrepncia percebida entre os

    desempenhos actuais e as expectativas elevadas (abordagem dimensional). Esta reviso

    revela ainda, tendo em conta uma abordagem baseada em grupos, que os perfeccionistas

    saudveis (healthy perfectionists) so indivduos com nveis elevados de perfectionistic

    strivings e nveis baixos de perfectionistic concerns e que os perfeccionistas no

    saudveis (unhealthy perfectionists) possuem nveis elevados de perfectionists strivings

    e nveis elevados de perfectionistic concerns, sendo que os no perfeccionistas

    apresentam nveis baixos de perfectionistic strivings. Assim, as concepes seguindo

    uma abordagem dimensional e as concepes seguindo uma abordagem baseada em

    grupos podem ser combinadas e comparadas de acordo com uma estrutura conceptual

    comum.

    Apesar destes resultados, a grande maioria da investigao suporta a viso de que

    os perfectionistic strivings esto associados a caractersticas positivas, particularmente

    quando as preocupaes perfeccionistas so controladas (no caso das concepes

    dimensionais: perfectionistic striving e perfectionistic concerns) ou quando estas

    apresentam nveis baixos (no caso das concepes baseadas nos grupos).

    Existe considervel acordo de que o perfeccionismo no tem de ser apenas

    negativo, podendo igualmente ter aspectos positivos. Contudo, h ainda alguns autores

    que tm fortes dvidas quanto ao carcter positivo, saudvel ou funcional (j para no

    referir adaptativo) do perfeccionismo (e.g. Flett & Hewitt, 2002, 2005). Na distino

    entre perfeccionismo adaptativo e mal-adaptativo importante compreender a

    motivao subjacente a cada um deles. O perfeccionismo positivo, tal como descrito por

  • 36

    Terry-Short et al. (1995) um comportamento que funo do reforo positivo e inclui

    a disposio para se aproximar do estmulo. Em contraste, o perfeccionismo negativo

    funo do reforo negativo e envolve o desejo de evitar resultados indesejveis. Assim

    sendo, o perfeccionismo positivo acompanhado de uma baixa preocupao com a

    rejeio pelos outros, elevada auto-estima e auto-eficcia percebida, sendo a motivao

    primria atingir o sucesso. O perfeccionismo negativo, por sua vez, est associado a

    dvidas relativas qualidade do desempenho pessoal, a baixa auto-estima e a

    preocupaes excessivas com a possvel rejeio pelos outros, sendo a motivao

    primria evitar falhar.

    Em suma, a distino entre perfeccionismo adaptativo e mal-adaptativo de

    grande relevncia. No entanto, Hewitt e Flett (2002) referem que este aspecto est longe

    da resoluo, devido ao facto de no ter sido avaliado um conjunto de aspectos

    relacionados, os quais apresentamos em pormenor nos subtpicos seguintes.

    7.4. PERFECCIONISMO E O ALCANCE DA PERFEIO

    Outro aspecto chave na literatura do perfeccionismo envolve a necessidade de

    reconhecer a distino entre o estabelecimento de padres perfeccionistas e o atingir

    desses mesmos padres. Tendo em conta este aspecto, Slaney et al. (2001) optaram por

    incluir uma medida separada de discrepncia como parte da sua Almost Perfect Scale-

    Revised. O conceito de discrepncia envolve a percepo pessoal da forma como os

    padres perfeccionistas foram alcanados. Assim, tal como postulado por alguns autores,

    as percepes de discrepncia desempenham um papel importante na experincia de

    distress (Higgins, 1987).

    De acordo com Slaney et al. (2002) a discrepncia um aspecto central no

    constructo do perfeccionismo. Flett e Hewitt (2002) referem, a este respeito, que as

    definies de perfeccionismo se devem restringir procura da perfeio e que as

    diferenas individuais nas discrepncias percebidas devem ser vistas como parte de um

    constructo relacionado, embora distinto, que enfatiza a auto-avaliao. Segundo os

    autores, as discrepncias e o trao perfeccionista podem diferir a vrios nveis, sendo

    que a diferena chave envolve factores temporais. Enquanto o perfeccionismo visto

    como um constructo da personalidade relativamente estvel, as discrepncias podem

    flutuar substancialmente em funo do feedback do desempenho, experincias de vida,

    etc.

  • 37

    Um estudo realizado por Hankin et al. (1997) avaliando a associao entre as

    dimenses do perfeccionismo e as auto-discrepncias numa amostra de estudantes,

    encontrou que o PAO no se mostrava correlacionado com as medidas de discrepncia

    ideal e actual. Por sua vez, o PSP mostrou-se positiva e significativamente associado

    com a avaliao da discrepncia. Assim, os autores sugeriram que as dimenses do

    perfeccionismo e as auto-discrepncias podem diferir conceptual e empiricamente, uma

    vez que o perfeccionismo, tal como conceptualizado na MPS-H&F, avalia a magnitude

    dos padres individuais independentemente da capacidade para os atingir (Flett &

    Hewitt, 2002).

    A necessidade de distinguir entre perfeccionismo e auto-avaliao tambm

    evidente na investigao do perfeccionismo e da auto-eficcia. As investigaes

    experimentais no estabelecimento de padres e auto-eficcia so baseadas na premissa

    de que desejvel e faz sentido distinguir entre padres e capacidade pessoal percebida

    para atingir esses mesmos padres (Wallace & Alden, 1991). A potencial utilidade da

    distino entre o perfeccionismo e as tendncias auto-avaliativas ilustrada pelo estudo

    do perfeccionismo, auto-estima e depresso. Alguns estudos tm avaliado a

    possibilidade da auto-estima mediar a ligao entre o perfeccionismo e a depresso

    (Preusser et al., 1994; Rice et al., 1998). Embora os dados relativos aos efeitos da

    mediao sejam mistos, uma implicao clara para a investigao de que possvel, e

    teoricamente significativo, distinguir o perfeccionismo e a valncia de auto-julgamentos.

    8. MODELOS DO DESENVOLVIMENTO DO PERFECCIONISMO

    Vrios investigadores tm sugerido que o ambiente familiar e, em particular os

    comportamentos dos pais, desempenha um papel crucial no desenvolvimento do

    perfeccionismo (e.g. Blatt, 1995; Hamachek, 1978; Pacht, 1984; Shafran & Mansell,

    2001).

    8.1. MODELO DAS EXPECTATIVAS SOCIAIS

    Quer Hamachek (1978), quer Missildine (1963) discutiram o desenvolvimento do

    perfeccionismo em resposta contingente aprovao parental, ou seja, as crianas

    aprendem que a aprovao parental manifestada se forem perfeitas. Esta ideia deriva

    do trabalho de Rogers (1951) sobre as condies do valor. O autor defendia que as

    crianas estavam propensas a uma baixa auto-estima quando a aprovao dos pais era

    contingente concretizao das expectativas parentais. No caso do perfeccionismo,

  • 38

    acredita-se que os padres parentais so demasiado elevados; esta nfase reflectida no

    contedo dos instrumentos do perfeccionismo (Expectativas Parentais e Crtica Parental

    da MPS-F).

    Implcito no modelo das expectativas sociais est a noo de que as crianas que

    no so capazes de atingir as expectativas parentais iro vivenciar um sentimento

    crnico de desesperana como resultado da sua incapacidade para atingir os padres que

    lhes so impostos. Um sentido de valor pessoal contingente tambm um aspecto

    central do PSP, tal como descrito por Hewitt e Flett (1991). As pessoas que tm nveis

    elevados de PSP tm uma maior probabilidade de terem sido expostas a condies de

    valorizao contingente, sendo altamente vulnerveis a sentimentos de desnimo

    (helplessness) em resposta ao feedback negativo pelos outros.

    Enquanto Frost e colaboradores se focaram especificamente nas Expectativas

    Parentais, Hewitt e Flett conceptualizaram o PSP de modo a incluir a influncia dos

    membros da famlia, mas tambm presses sociais mais abrangentes, incluindo pares e

    professores. A um nvel mais amplo, esta viso iria envolver a noo de contingncia da

    sociedade como um todo (e.g. o ideal social de ter a aparncia fsica perfeita).

    8.2. MODELO DA APRENDIZAGEM SOCIAL

    O modelo da aprendizagem social foca a ateno no papel da imitao, isto , a

    criana ter tendncia a imitar os comportamentos perfeccionistas que observa nos pais.

    O possvel papel da aprendizagem social na aquisio de tendncias perfeccionistas foi

    demonstrado na investigao clssica conduzida por Bandura (1986). A sua

    investigao demonstrou que as crianas tendem a imitar e a adoptar os padres

    avaliativos modelados pelos outros. Por exemplo, no trabalho de Bandura e Kupers

    (1964, cit. por Flett et al., 2002), as crianas foram expostas a um modelo adulto que

    tinha padres altos e baixos que tinham de ser alcanados de forma a resultar em

    recompensa. Os autores verificaram que as crianas expostas a modelos que as

    recompensassem s depois de atingir os elevados padres tinham uma menor

    probabilidade de se auto-recompensarem a menos que tambm atingissem padres

    elevados. Em contraste, crianas expostas a modelos que as recompensavam por

    atingirem padres mais baixos, imitavam o padro de auto-recompensa.

    Os investigadores do perfeccionismo tm testado indirectamente a perspectiva da

    aprendizagem social ao avaliarem os nveis de perfeccionismo nos pais e nos filhos.

    Frost et al. (1991) avaliaram a ligao entre duas amostras de estudantes universitrias e

  • 39

    as suas mes e pais. Os resultados indicaram que o perfeccionismo nas mes, mas no

    nos pais, estava associado ao perfeccionismo nas filhas. Vieth e Trull (1999)

    conduziram uma investigao semelhante, mas usando a MPS-H&F para avaliar os

    nveis de perfeccionismo em estudantes universitrios e nos seus pais. Os autores

    verificaram que o PAO nas filhas estava correlacionado com o PAO nas mes, mas no

    nos pais. O PAO nos filhos estava positivamente associado com o PAO nos pais e

    negativamente com o PAO nas mes. O PSP estava correlacionado nas filhas e nas mes.

    Estes dados sugerem que o papel da imitao no perfeccionismo pode estar

    especificamente relacionado com o progenitor do mesmo gnero.

    8.3. MODELO DA RESPOSTA/REACO SOCIAL

    O modelo da reaco social baseia-se na premissa de que a criana se torna

    perfeccionista em consequncia de ter sido exposta a um ambiente adverso (e.g. abuso

    fsico ou maus tratos psicolgicos, incluindo carncia de amor ou exposio a vergonha

    ou ambiente familiar catico). A criana pode reagir ou responder a este ambiente

    tornando-se perfeccionista, como um mecanismo de coping.

    O perfeccionismo como uma reaco social ou resposta adversidade pode

    envolver vrios objectivos inter-relacionados. A criana pode tornar-se perfeccionista

    numa tentativa de escapar ou de minimizar o abuso futuro ou de reduzir a exposio

    vergonha e humilhao (e.g. se eu for perfeccionista, ningum me ir magoar).

    Alternativamente, a criana pode tornar-se perfeccionista como uma forma de tentar

    estabelecer um sentido de controlo e de previsibilidade a um ambiente imprevisvel.

    Relativamente poucos estudos testaram directamente este modelo. No entanto, a

    investigao sobre as perturbaes do comportamento alimentar consistente com a

    noo de que algumas pessoas se tornam perfeccionistas de forma a lidarem com

    ambientes hostis (Kaner et al., 1993; Kinzl et al., 1994).

    8.4. MODELO DA EDUCAO PARENTAL ANSIOSA

    O modelo da educao parental ansiosa constitui outra via pela qual se pode

    desenvolver o perfeccionismo. Neste modelo a criana exposta a uma preocupao

    parental excessiva por no ser perfeita. A sobreproteco pode-se tornar numa forma

    especfica dos pais estarem constantemente a lembrar criana sobre a necessidade de

    evitar possveis erros. Esta educao ansiosa promove o desenvolvimento de tendncias

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    perfeccionistas e a orientao futura que envolve a necessidade de evitar ameaas

    associadas com erros antecipados.

    A investigao sobre o desenvolvimento das perturbaes de ansiedade comeou

    a ter em conta o papel da expo