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PENTAGRAMA LECTORIUM ROSICRUCIANUM Ano vinte e três - Número 4 Revista bimestral do O SÉTIMO DIA DA CRIAÇÃO A ORIGEM DA ALQUIMIA OCIDENTAL JOSÉ E ASENATE, UMA ESTÓRIA DE AMOR DO EGITO ENQUANTO SEUS CORAÇÕES ESTÃO A MIL MILHAS DE DISTÂNCIA! O TEATRO CONTEMPORÂNEO E A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA LÚCIFER A ESTRELA DA MANHÃ O CURSO FATAL DO DESTINO DA HUMANIDADE

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Page 1: PENTAGRAMA - Í · PDF filedas Núpcias Alquímicas de Christian Rozenkreuz, Jan van Rijckenborg es-creveu sobre o sétimo dia da criação: “Por isso, dizemo-vos enfaticamente:

PENTAGRAMAL E C T O R I U M R O S I C R U C I A N U M

A n o v i n t e e t r ê s - N ú m e r o 4

R e v i s t a b i m e s t r a l d o

O SÉTIMO DIA DA

CRIAÇÃO

A ORIGEM DA

ALQUIMIA OCIDENTAL

JOSÉ E ASENATE, UMA ESTÓRIA

DE AMOR DO EGITO

ENQUANTO SEUS

CORAÇÕES ESTÃO A MIL

MILHAS DE DISTÂNCIA!

O TEATRO

CONTEMPORÂNEO

E A FORMAÇÃO

DA CONSCIÊNCIA

LÚCIFER – A ESTRELA

DA MANHÃ

O CURSO FATAL

DO DESTINO DA

HUMANIDADE

Page 2: PENTAGRAMA - Í · PDF filedas Núpcias Alquímicas de Christian Rozenkreuz, Jan van Rijckenborg es-creveu sobre o sétimo dia da criação: “Por isso, dizemo-vos enfaticamente:

ÍNDICE

2 O SÉTIMO DIA DA

CRIAÇÃO

6 A ORIGEM DA ALQUIMIA

OCIDENTAL

14 JOSÉ E ASENATE, UMA

ESTÓRIA DE AMOR DO

EGITO

24 ENQUANTO SEUS CORAÇÕES

ESTÃO A MIL MILHAS DE

DISTÂNCIA!

29 O TEATRO CONTEMPORÂNEO

E A FORMAÇÃO DA

CONSCIÊNCIA

36 LÚCIFER – A ESTRELA

DA MANHÃ

41 O CURSO FATAL DO

DESTINO DA HUMANIDADE

ANO 23NÚMERO 4

A ORIGEM DA

ALQUIMIA OCIDENTAL

A alquimia que se praticava na Idade Média, no ocidente,

vem da antiga tradição árabe. Esta sabedoria universal, que é

muito antiga, conheceu numerosas ramificações e foi adaptada

a inúmeras circunstâncias. Entretanto, a mensagem original aí

está presente como uma linha vermelha que atravessa toda a

história, mas que mal pode ser percebida porque muitas vezes

está recoberta por uma espessa camada de ignorância.

PENTAGRAMA

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O sétimo dia da criação

No princípio era o Verbo, e o Verboestava com Deus, e o Verbo eraDeus. Ele estava no princípio comDeus. Todas as coisas foram feitaspelo Verbo, e sem Ele nada do quefoi feito se fez. No Verbo estava aVida, e a vida era a luz dos ho-mens. A Luz brilha nas trevas, e astrevas não a compreenderam.

com a magia irresistível desse tes-temunho que se inicia o Evangelho deJoão. Essas primeiras palavras irra-diam a força mágica que provém domistério do princípio: o Verbo, a Pa-lavra. Uma energia, uma vibração, umasonoridade misteriosa que chama oUniverso à existência e impulsiona amanifestação divina em toda a sua ex-tensão. Na literatura hindu, essa ima-gem da Criação aparece sob a formade Vishnu: “a Voz”. Ele é o grandecantor que edifica os mundos e o uni-verso com seu canto. Ele manifesta asidéias de Deus, o Criador dos sistemassolares e dos mundos.

Portanto, o Verbo, a Palavra, é aFonte. No Verbo estava a vida, e a vi-da era a luz dos homens. A Luz brilhanas trevas, mas as trevas não a com-preenderam. Não se trata aqui de umfato passado, ao contrário: o Evange-lho de João mostra a evidência de quea Luz brilha, mas não é aceita e nemcompreendida pelas trevas. No entan-to, a Luz não cessa de brilhar. A Pala-vra Criadora de Luz e Vida ainda nãoterminou sua tarefa. O Som inexpri-mível ainda não parou totalmente desoar, a Criação não se completou. ALuz continua ainda a brilhar sobre

bons e maus, pois Sua Obra ainda nãoestá completa.

Quando Deus emite o Verbo, aPalavra, há um plano claro e bem de-terminado. Um desenvolvimento har-monioso e benéfico começa. Emboraesse plano não tenha se completado eainda continue inacabado, ele será ter-minado com êxito, pois a Palavra aindanão se cumpriu. O caos em que a hu-manidade se encontra agora é umaconseqüência da transição de um pe-ríodo para outro, o que dá origem anovo influxo de radiações, com a cor-respondente adaptação. Elas determi-nam a vida no novo período e colocamnovas exigências para a humanidadeem geral, e a cada ser humano em par-ticular. Cada vez que essas novas con-dições não são compreendidas nemaceitas, aparece um contra movimentoque se manifesta em desarmonia.

PERDER O PODER DE FERIR

A voz humana cria palavras. Cadaum tem seu próprio jeito de falar, peloqual também pode ser reconhecido –por exemplo, pela convicção com queafirma algo, ou justamente pelas coisasque não diz. Normalmente somos jul-gados num primeiro momento peloque dizemos. Nossas palavras teste-munham de nosso tipo, de nossamaneira de pensar e sobre qual funda-mento se baseia nossa vida. A palavrachama um pensamento, e esse pensa-mento cria então uma imagem. Essaimagem passa, por assim dizer, docampo abstrato para o campo físico:falar é literalmente dar forma aos pen-

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samentos e sentimentos, e disso emanauma poderosa força criadora mágica,para o bem ou para o mal. Mabel Collinsescreveu em A Luz sobre o Caminho:“Antes que a voz possa falar na pre-sença dos Mestres, ela deve ter perdidoo poder de ferir”.

Os homens falam em todos os tons.A questão é saber se a maneira comofalam e ferem ou causam dano é real-mente apenas a expressão de uma no-va percepção. A maior parte não estáconsciente disso, mas nem por isso suafala deixa de atingir alvos, pois cadapalavra produz um efeito, cada pala-vra é uma criação. Se for simples ebem intencionada, então não há nadade mais; mas se tiver a intenção de cri-ticar ou ofender, se for falsa e baseadanuma informação incorreta, então elacausa dano, sim. Tais palavras podemperturbar os impulsos ainda muitopouco perceptíveis da alma original:elas podem aniquilar de um só golpetudo o que se desenvolve de verdadei-ramente novo. Não importa se a críti-ca é verdadeira ou não. Para o ouvin-te, não faz diferença, ao contrário: to-das as palavras irrefletidas permanecemcomo “sujeira” no campo de respira-ção da humanidade. Elas provocam talcontaminação no ambiente que freqüen-temente são mais perigosas do que apoluição industrial, por exemplo.

ABRIR ESPAÇO PARA APALAVRA ORIGINAL

Pensamentos são criações, e formasque têm a mesma vibração e se juntampara constituir campos magnéticos.

Assim, palavras mal intencionadas oude qualidade inferior contaminam ocampo eletromagnético no qual ahumanidade vive, e também é dessemodo que os humanos podem semutilar, adoecer, e se matar uns aosoutros. “Antes que a voz possa falarna presença dos Mestres, ela deve terperdido o poder de ferir.” Aqueles quebuscam o sentido da existência, aque-les que tanto desejam contribuir paraaliviar o sofrimento do mundo, sãoaqui advertidos: cuidado com o quefalais! Cuidado com as vossas cria-ções, que são capazes de ferir e decontaminar. Começai por limpar e pu-rificar vosso próprio campo de respi-ração. Tornai-o cada vez mais límpi-do, e então a atmosfera se tornará cadavez mais leve e mais luminosa. É comisso que se inicia uma nova criação.Aquele que não o faz também é res-ponsável, sim, também é causador des-sa grande contaminação eletromagné-tica na qual ele e seus semelhantesdevem respirar e da qual devem viver.O abuso do poder criador da palavra edo pensamento – ou seja, seu emprego

Vishnu descansasobre a serpenteAnanda, símboloda eternidade.Deogarh, Índia,século V.

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num sentido negativo e burguês – su-focam a Palavra original no homem.Não há então mais espaço para essaPalavra, sem contar que o homem nãopode mais ouvi-la, portanto não podemais se purificar e regenerar com ela.

Antes que o homem possa efetiva-mente colaborar com a Fraternidadeda Vida para o benefício de seus seme-lhantes, antes que ele realmente tenhaa capacidade de ser um canal condutorpara a Luz, ele deve abandonar com-pletamente o poder de ferir e de cau-sar dano. Enquanto nele não houverlugar para o Amor, enquanto não hou-ver nele silêncio e serenidade, enquan-to nele a flor de lótus não se abrir parareceber a Palavra, enquanto ele não pu-der ouvir a Voz de Deus, essa Palavratambém não poderá ser emanada dele.

O objetivo não é calar-se enquanto avida passa: quem realmente compreen-der e reconhecer que seus pensamen-tos são criações que se manifestam empalavras, talvez passe a ser mais cuida-doso com seus comentários.

Quem expressa um pensamentofundamentado na verdade cria igual-mente uma imagem. Contudo, essaimagem pode despertar e esclarecer aoutrem, e proporcionar novas per-cepções.

Por isso é necessário que o templopuro e sereno seja restabelecido nohomem, a fim de que a Palavra possaser acolhida e retransmitida. Paraalcançar isso, o homem deve voltar-separa a Luz e se afastar de tudo quepossa se interpor entre os dois. O queele então deve fazer ou deixar de fazerpara se tornar um homem perfeito,será claro para ele a partir de suasexperiências nesse novo e semprerenovado caminho de vida. Em sua

solidão interior, ele terá que abrir umapassagem para poder encontrar seuVerdadeiro Ser: Aquele que segurasete estrelas na sua mão direita! Entãohaverá um fluir em conjunto no qual apersonalidade se coloca sob a direçãode seu Verdadeiro Ser. Graças a essaaproximação tão íntima, a essa fusão,desenvolve-se uma vibração mais ele-vada no ser renovado; uma sonorida-de pura se faz ouvir. Os sete sons dalira divina ressoam novamente emharmonia. Os sete chacras respiramnovamente um ar vital puro.

A Palavra ressoa. Ela emana do ser-vo renascido. Ela fala, ela cria, ela re-presenta a Luz. Se necessário, Ela éproferida silenciosamente, em ligaçãocom a Fraternidade da Vida. “No prin-cípio era o Verbo, e o Verbo estava comDeus, e o Verbo era Deus”.

A CRIAÇÃO AINDA NÃOESTÁ COMPLETA

A Luz ainda brilha. A Palavra aindanão foi completamente pronunciada.A Criação ainda não se completou.Cada ser humano representa um de-terminado som, e esse som vibra atra-vés das formas que ele cria. Também aterra possui seu próprio tom. Cadaátomo tem sua própria tonalidade ecada ser humano é um acorde conso-nante de todos esses sons. Quantomais puros soarem os acordes, maiseles poderão contribuir na grande sin-fonia que a Fraternidade das AlmasDespertas executa. À medida que otempo avança, todos esse sons, tons eacordes se unem, e são reintegrados nasinfonia planetária, até que ela se torne

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completa. Então a Nova Terra será umacontribuição importante na sinfoniado sistema solar, e em seguida a majes-tosa sinfonia do sistema solar poderácontribuir para a realização do Planodivino em sua totalidade. Então osFilhos de Deus cantarão todos juntos.

NADA DO QUE É REAL ESTÁFORA DO HOMEM

Tal será o resultado de pensamentospuros e de relações mútuas sinceras eplenas de amor que decorrem da per-cepção e do entendimento; da com-preensão do que se passa no mais ínti-mo do ser e da supressão do que nãovale a pena. Então, tudo o que é viven-te permanece e É e, portanto, não estáfora do homem. Tudo o que é real estácontido nele. A condição para isso é:orientação fundamental para a Luz, desorte que a Palavra pronunciada tam-bém seja verdadeiramente compreen-dida e se torne realidade. A PalavraCriadora ressoará então através domicrocosmo e poderá se manifestar emtodo o campo de vida da humanidade.Nessa harmonia de tons e de acordescada criatura se coloca totalmente aserviço do outro. No segundo volumedas Núpcias Alquímicas de ChristianRozenkreuz, Jan van Rijckenborg es-creveu sobre o sétimo dia da criação:“Por isso, dizemo-vos enfaticamente: otrabalho de Deus com nossa humani-dade, que na linguagem do Gênesisprogrediu até o sexto dia, ainda nãochegou ao fim. Nossa humanidadeainda está em processo de gênese. E osétimo dia da criação, o dia da realiza-ção, o grande dia de Deus, apenas

começa quando um ser humano iniciasua construção-alma. (...) É isso queimporta! (...) Quem constrói a almaconstrói a eternidade. (...) Podeis pen-sar em algo mais magnífico do quepoder entrar no Rozenhof, o Jardimdas Rosas, O Jardim das Rosas daEternidade, onde a própria vida, a vi-da de Deus, manifesta-se como contí-nuo nascimento de magnificência emmagnificência? Assim a morte terá umfim. A própria vida se tornará luz, nas-cida no roseiral do Espírito Santo. Asepultura desta existência material temde ser fechada para todos nós! Todosnós chegamos a determinado ponto denosso caminho de vida. E perguntai-vos agora: em que ponto estou agora?Já estais no ponto além da fronteira donovo início? Se não, então apressai-vos,pois o novo início é o sétimo dia, o diado Senhor, vosso Deus! E importa queesse dia possa festejar sua hora matuti-na em toda a vossa vida. Que todos vóspossais tornar-vos e ser testemunhasradiantes disso.”

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A alquimia que se praticava naIdade Média, no ocidente, vem daantiga tradição árabe. Esta sabe-doria universal, que é muito anti-ga, conheceu numerosas ramifica-ções e foi adaptada a inúmeras cir-cunstâncias. Entretanto, a mensa-gem original aí está presente comouma linha vermelha que atravessatoda a história, mas que mal podeser percebida porque muitas vezesestá recoberta por uma espessacamada de ignorância.

A verdadeira alquimia tende a restabe-lecer a unidade entre o espírito, almae o corpo.

A verdadeira alquimia transforma os vismetais em metais preciosos.

A verdadeira alquimia baseia-se noensinamento inalterável de HermesTrismegisto.

A verdadeira alquimia é a chave da artereal da construção.

A verdadeira alquimia é um processotransfigurístico.

A verdadeira alquimia é a senda queconduz a Alma até o Espírito.

A verdadeira alquimia é a fabricação doremédio universal.

A verdadeira alquimia permite a trans-mutação e a transfiguração da parteextraviada da criação.

s palavras acima mostram que averdadeira alquimia é uma ciência in-terior, que acompanhou a humanidadea partir do momento em que esta aban-donou o domínio divino para seguirseu próprio caminho.

Logo após a morte do profeta Mao-

mé (632 d.C.), o Islã se propagou rapi-damente, graças às suas conquistas.Reconheceram logo que entre os paísesque haviam sido submetidos muitostinham um grau de cultura bem supe-rior ao dos conquistadores. Foi o casoda Síria e do Egito, que caíram sob ainfluência do Islã, em 640 d.C. Nosdois países, a antiga sabedoria e as tradi-ções das culturas passadas haviam sidopreservadas. Os conquistadores árabesali encontraram uma rica herança detextos sobre astrologia, hermetismo ealquimia, redigidos em siríaco e emcopta. Havia também traduções deobras de filósofos gregos como Pitá-goras, Platão, Aristóteles e Plotino.

A alquimia árabe tomou emprestadoelementos do ensinamento gnóstico eda filosofia grega. Mas a principal fonteé de origem hermética, como a célebreTábua Esmeraldina. A tradição árabeidentifica Hermes Trismegisto com oprofeta Ídris. Dizem que ele foi elevadoaté as mais altas esferas cósmicas, até aesfera exterior de Saturno – o que per-mitiu que ele ensinasse aos homens oconhecimento dos mundos superiores.

UMA GRANDE INFLUÊNCIANO DESENVOLVIMENTO OCIDENTAL

A alquimia árabe não é a simplesbusca de ensinamentos gnósticos, pla-tônicos e herméticos. Enquanto na Ida-de Média a leitura e a escrita ainda erammuito pouco desenvolvidas no ociden-te, os países árabes conheceram uma cul-tura científica com desenvolvimentoimpressionante. As ciências da naturezae a filosofia se destacavam. Numerososescritos antigos eram traduzidos para o

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A Origem da Alquimia Ocidental

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árabe. Esta assimilação da sabedoria clás-sica e seu desenvolvimento exerceramuma influência capital sobre o ocidente.

Logo que os turcos conquistaram osBálcãs e os árabes, a Espanha, a Europasofreu a influência da cultura árabe edescobriu assim o antigo Egito e osfilósofos gregos. Mas foi também atra-vés das cruzadas que a Europa entrouem contato com antigos conhecimentose técnicas novas. No final da IdadeMédia, a Europa foi se abrindo cada vezmais. Assim, podemos dizer que umagrande parte da civilização da Europaocidental provém do oriente. Mesmo afilosofia dos templários e dos cátaros,ou a de um sábio como Paracelso,sofreu forte influência árabe. A palavraalquimia vem do árabe al-kîmiyâ.

A ALQUIMIA DE DJABIR IBN HAYYAN

Do mesmo modo que Cristão Ro-sacruz, que representa o protótipo do

novo homem, a alquimia árabe tam-bém propõe um protótipo de novohomem. Ele se chama Djabir ibnHayyan (ou também Gabir ou Ge-ber). O verdadeiro alquimista devedominar quatro processos:

• a purificação das substâncias,• a dissolução,• a condensação,• a fusão.

Sabemos pouco a respeito do per-sonagem Djabir. Ele seria o autor deuma centena de obras e é consideradoo mais importante dos alquimistasárabes. Ele não só escreveu sobre a al-quimia, mas sobre outras ciências, taiscomo a medicina, a filosofia e a reli-gião. Por causa do grande número desuas obras, logo nos perguntamos sese tratava apenas de uma só pessoa.Ele teria vivido entre os séculos VIII eX. O professor francês Henri Corbin,cujas obras não só testemunham co-nhecimentos, mas uma alta espirituali-

O ovo de serpente,símbolo do progresso eterno.Speculum Veritatis,século XVII.

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dade, escreveu: “O personagem Dja-bir está presente em todos os seus escri-tos. Ele adquiriu um conhecimentoque ultrapassa os limites humanos.” 3

O nome de Gabir também se tor-nou célebre, pois ele aparece no Apo-calipse de Gabir (ver O Apocalipse deGabir, Pentagrama ano 21 n.º 1). Nãose trata de uma figura histórica, mas doprotótipo do homem capaz de reagirpositivamente ao toque regeneradorda Gnosis. Seus escritos contêm mui-tos elementos da crença dos ismaelitas,comunidade secreta da corrente xiitaque surgiu no século IX e que se inspi-rou no gnosticismo e no neoplatonis-mo. Os escritos de Djabir são de difí-cil compreensão. O Livro das Defini-ções (Kitab al-Hudud) fala da “liberta-ção da alma” e conduz o leitor ao mun-do da alquimia. Ele explica que os en-sinamentos terrenos, tais como a me-dicina tradicional, o conhecimento dostalismãs, a matemática, a música e alógica são subordinados à filosofia, àcosmologia e ao ensinamento da luz edas trevas. A alquimia se encontra en-tre a religião e a ciência e pode perfei-tamente unir os dois.

NÃO HÁ NENHUM MÉTODO PARAA FABRICAÇÃO DO OURO

O que será que este autor queria di-zer com isto? Queria mostrar que pra-ticar a verdadeira alquimia é começara seguir o caminho que leva ao Espí-rito – e não um caminho que permitafazer ouro, ou que enriqueça o pobre.Henri Corbin diz a esse respeito:

OS TESOUROS DE CRISTÃOROSACRUZ

Christian Rosenkreuz partiupara o Oriente Médio para apren-der a sabedoria dos povos árabes.Sua viagem o levou de Chipre aDamcar, depois ao Egito, e por fim,a Fez, no Marrocos. Com todas asidéias que ele recolheu durante estaviagem, ele retornou à Europa paradar ao cristianismo um impulsoregenerador. Esta viagem é descritano livro O Chamado daFraternidade Rosacruz 1. O autor,Jan van Rijckenborgh, escreve:“Não há rivalidade alguma entreas diversas escolas de Mistérios,mas, ao contrário, a mais estreitacooperação, pois seu trabalhocomum é o serviço à humanidade, eno que tange a este assunto, suasartes mágicas estão em concordân-cia, embora seus respectivos méto-dos sejam muito diferentes. É sem-pre cheio de profunda gratidão queChristian Rosenkreuz mencionasua estadia em Fez. Mas, compa-rando a magia que é exercida emsua suprema sabedoria, ele constataque ela não é pura, e que este ensi-namento secreto está mesclado,como é compreensível, a uma reli-gião pré-cristã. No entanto, ele sabetirar um ótimo proveito da sabedo-ria aplicada em Fez e encontra nelaum fundamento ainda melhor paraa sua fé.”

A prova de que a alquimia estápresente no ensinamento daRosacruz é o título de uma de suasobras: As Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreuz 2.Os comentários de Jan vanRijckenborgh dão a explicação do processo alquímico de renovaçãodo corpo e da alma, assim como a celebração das núpcias da Alma e do Espírito.

“Meu nome éPássaro de Hermes:vou roendo minhasasas para me tornarmanso.”Ripley Srowle,James Standish,século XVI, BritishMuseum, Londres.

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“Na obra alquímica é necessário fa-zer nascer o ‘corpus glorificationis’, es-te novo ser que foi descrito de váriasmaneiras e ao qual foram dadas cente-nas de formas e de nomes. Esta opera-ção não está separada da matéria senso-rial perceptível, sobre a qual ela age”.Em sua obra sobre a alquimia, o orien-talista Titus Burckhardt explica: “Ori-ginalmente, a obra interior e a obra ex-terior caminhavam juntas. Afinal, umaobra somente pode ter sentido em umcontexto total, quer dizer, no contexto

de uma cultura voltada para o que háde mais elevado no homem, quandoserve como caminho espiritual” 4.

Naquele que cultiva em si o germedivino para que possa desabrochar,ocorre ao mesmo tempo a ligação entrea alquimia espiritual e a alquimia mate-rial. Isto faz com que ele mude corpo-ralmente. Assim, ele também compro-va que a alquimia baseada em valores eforças gnósticas é possível. Para trans-formar a matéria vil em matéria nobre,a alquimia precisa de um elixir. Estapalavra vem do árabe al-iksir, a qualdeve ser de origem grega e quer dizer“pó para espargir”. Segundo os antigosalquimistas, os elementos mercúrio eenxofre, que deveriam fundir-se, apare-ciam graças à água, à fumaça, ao calor eà condensação. O mercúrio, que é úmi-do e brando, faz com que o enxofreígneo se torne moldável. É assim que seformam os minerais, os metais e aspedras preciosas. No ouro – que é umproduto do sol – encontram-se o maispuro enxofre e o mais puro mercúrio.

A fim de purificar os vis metais e detransformar o chumbo da natureza emouro do espírito, é necessário possuiro elixir: o puro enxofre e o puro mer-cúrio: afinal, é preciso “casar o mascu-lino, quente e seco, com o feminino,frio e úmido” 4. Nos dois se encontramos quatro elementos: terra, água, ar efogo. Quando o masculino e o femini-no se relacionam harmoniosamente,eles formam os princípios Yin e Yang.“É da união perfeita do enxofre e domercúrio que nasce o ouro vivente” 5.Segundo as mais antigas fontes alquí-micas, todos os minerais conteriammercúrio e enxofre. É também o queacreditaram, por muito tempo, asciências oficialmente admitidas.

O PRINCÍPIO ESPIRITUALCENTRAL EXCLUSIVO

Quando a ciência começou a se li-bertar de suas origens alquímicas, a

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É verdade!É certo!É a inteira verdade!

O que está embaixo é semelhanteao que está em cima,E o que está em cima é semelhan-te ao que está embaixo,A fim de que os milagres de umaúnica coisa possam se realizar.

Da mesma forma que todas ascoisas foram engendradas de umaúnica coisa, por um só interme-diário, assim todas elas nasceramde uma só coisa, por transmissão.

O Sol é seu pai, a Lua é sua mãe,o Vento a trouxe em seu ventre, aTerra é sua nutriz.

O Pai de todos os Talismãs domundo inteiro é onipresente.Sua força utilizada na terra ficaimaculada.

Vós separareis a terra do fogo, osutil do que é denso, suavementee com grande sabedoria.

(Extraído da Tábua Esmeraldina).

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Representação alegórica do casamento dosopostos.Figuarium AegyptorumSecretarum,século XVIII.

alquimia passou ao estado de supersti-ção e caiu no desdém. Os que estavambem informados afirmavam que aalquimia verdadeira referia-se exclusi-vamente ao princípio espiritual, aocaminho espiritual. Diziam que oenxofre e o mercúrio são respectiva-mente símbolos da Água da Vida e doFogo do Espírito, e que do enxofre edo mercúrio provém o elixir: “Numcerto sentido, o enxofre cristalizado re-presenta a compreensão: ele é o guar-dião do ouro do Espírito, mas sob umaforma estéril. Ele deve primeiramentese dissolver no mercúrio para que, torna-do um elixir, um fermento vivente, elepossa transformar os outros metais” 5. É a presença do mercúrio, elementodo elixir, que transforma os metaisimpuros.

Em O Livro da Compaixão, Djabirescreve: “Já que o próprio elixir pro-vém da união dos quatro elementos,do corpo e do Espírito, ele pode damesma forma fazer reviver os ‘corpos’.Ele ressuscita os mortos, ele triunfasobre a natureza grosseira de seus cor-pos... e os transforma em prata e emouro” 5. Djabir também chama este eli-xir de imã. Na língua corrente, umimã é um chefe temporal do islã. Paraos xiitas, é um chefe espiritual. Djabirprefere utilizar esse termo no sentidoesotérico para falar a respeito do “di-vino”, ou até mesmo da “divinizaçãodo homem”. Através da palavra “imã”ele designa a ação espiritual do elixir.

Na terceira fase do processo, acres-centa-se sal ao enxofre e ao mercúrio.Basílio Valentin, gnóstico egípcio doséculo II d.C., escreveu a esse respei-to: “Em todos os locais onde há metal,há enxofre, mercúrio e sal... Espírito,Alma e Corpo”. Esta trindade – enxo-fre, mercúrio e sal – ainda é respeitadaatualmente nas medicinas que consi-deram o homem em sua globalidadede criatura biológica espiritual. Pa-racelso trabalhava neste sentido e estatrindade continua sendo a base da me-dicina antroposófica, do tratado mé-dico do Ayurveda e da medicina chi-

nesa. Até a homeopatia se baseia nes-tes conhecimentos herméticos.

COSMOLOGIA E ALQUIMIA

Não podemos falar de alquimia, demaneira completa, se não incluímosnela a noção de macrocosmo. Comefeito, os metais são muito fortementeligados aos planetas e às suas influên-cias. Os alquimistas descreviam os di-ferentes metais com os símbolos utili-zados para os planetas e muitas vezeslhes davam os mesmos nomes. Estasemelhança, que estabelece uma rela-ção entre a alquimia e a astrologia, estábaseada numa lei enunciada na TábuaEsmeraldina: “o que está embaixo écomo o que está em cima” 4. É assimque o Sol está ligado ao ouro, a Lua à

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prata, Júpiter ao estanho, Marte aoferro, Vênus ao cobre, Mercúrio aomercúrio e Saturno ao chumbo.

Os escritos dos Ikhwan as-safa, os“Irmãos Puros”, sociedade secretaesotérica do Islã, do século X, mos-tram a correspondência entre a alqui-mia árabe e a cosmologia conhecida naépoca, fortemente submetida à in-fluência do ensinamento neoplatônicoda emanação. Os Irmãos Puros que-riam reconciliar a ciência com a fé ver-dadeira. Segundo seus ensinamentos,a ação divina se manifesta na alma domundo. Pelas emanações, são forma-das a partir desta alma do mundo: asesferas (da mais elevada à mais baixa),depois, a matéria original, as proprie-

dades, os elementos, e, por fim, as coi-sas individuais.

A esfera mais elevada e a matériaoriginal são contíguas à alma do mun-do. Em seguida vem a esfera das estre-las fixas, e somente depois, Saturno,Júpiter, Marte, o Sol, Vênus, Mer-cúrio, a Lua – e, finalmente, as esferasde fogo, de ar, de água e de terra. Ossete corpos celestes que acabamos denomear formam, segundo os IrmãosPuros, o número perfeito. Segundoeles, esses sete corpos celestes nãoestão somente ligados com os metais,mas também com certos organismos ecertas propriedades: 1. O Sol (o ouro) é o guia, o senhor eo rei. Ele cria os reis e rege o coração.2. A Lua (a prata) é a “mãe das estre-las” garante sua proteção, velando porelas. Ela cria o feminino, governa onascimento e a morte, e controla ospulmões que inspiram e expiram ar.3. Júpiter (o estanho), é justo e sábio.Ele cria os homens justos e poderosos,rege o equilíbrio e controla o fígado. 4. Marte (o ferro) é guerreiro. Ele criaos seres corajosos. Ele rege o movi-mento e a ambição. Ele controla a bílis.5. Vênus (o cobre) é “a irmã e a servi-dora das estrelas”. Ela rege a beleza ea ordem, a vivacidade e a concupiscên-cia. Ela controla o estômago.6. Mercúrio (o mercúrio) é “o irmão-zinho das estrelas” e escritor. Ele criaos seres que têm discernimento e inte-ligência. Ele rege a habilidade e acuriosidade, e controla o mistério dasfaculdades mentais.7. Saturno (o chumbo) é o ancião queguarda o tesouro. Ele cria a lentidão ea constância, rege a solidez e a imobi-lidade. Portanto, ele garante a fixaçãoduradoura das formas na matéria. Elecontrola o baço.Estas proposições demonstram queeste ensinamento enxergava profun-damente as correspondências entremicrocosmo, cosmo e macrocosmo.Elas dão uma imagem do processoalquímico de renovação que pode fa-zer com que o homem transcenda sua

A purificação e atransformação doselementos fazemsurgir o caduceu de Hermes A.T. deLimojon de Saint-Didier, Le Triomphehermétique, 1689.

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condição material e fazer com que ogerme divino floresça dentro dele.

O SIGNIFICADO DO OURO

Para os alquimistas, o Sol e o ourosempre simbolizaram o centro, o co-ração, o Espírito. A prata, ou a Lua,refere-se à alma. Titus Burckhardtescreveu: “O homem foi criado paraparticipar ativamente do Espírito San-to, do qual ele é a imagem central. Apartir deste aspecto, podemos dizerque ele é o centro da terra, pois, con-forme ele vai se unificando com o Es-pírito, ele se torna o centro de todas asformas – do cosmos inteiro. O verda-deiro objetivo da alquimia é realizareste estado: ser o centro da terra. Osalquimistas dizem freqüentementeque o objetivo de sua obra é ‘a espiri-tualização do corpo e a encarnação doEspírito’ ”3.

O mesmo acontece com o ouro. Osímbolo do ouro é um círculo com umponto no meio. Isto mostra bem comoo ouro expressa a ligação essencial en-tre a imagem original e sua imagemmaterial, da mesma forma que o Es-pírito divino age somente no homemperfeito.

Para penetrar até o centro do mi-crocosmo, até o sol espiritual, o alqui-mista se submete a um processo depurificação: por meio do elixir, há apurificação dos seis metais elementa-res, ou de suas propriedades corres-pondentes no homem. O poeta persaHafiz (por volta de1320-1389), des-creve o processo alquímico assim:

Observa:Por mais que a matéria do corpo seja feita com muito chumbo, o alquimista do amora trabalhae a transformano mais puro ouro

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1 Jan van Rijckenborgh, De Roep derRozenkruisers Broederschap, Rozekruis Pers,Haarlem, 1966.

2 Jan van Rijckenborgh, As NúpciasAlquímicas de Christian Rosenkreuz,Lectorium Rosicrucianum, São Paulo, 1996.

3 Henry Corbin, Le Livre du glorieux JabirIbn Hayyan, Eranos Jaarboek 18/1950 RheinVerlag Zürich, 1950.

4 Titus Burckhardt, Alchemie. Sinn undWeltbild. Edition Ambra. Dingfelder Verlag,1992.

5 Prof. Edmund Lippmann, Entstehung und Ausbreitung der Alchemie, Verlag Julius Springer, Berlin, 1919.

Fonte complementar: Sjeik Abou Moussa Djaber ben Hayyan Es-Soufy, The Secret Tradition in Alchemy.

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A história de José e Asenate

á muito, muito tempo, depois defazer a interpretação dos sonhos doFaraó, José percorreu o Egito inteiro afim de reunir as abundantes colheitasde trigo como provisão para os seteanos de fome que haviam sido predi-tos. Foi nesse momento que a belaAsenate encontrava-se na torre do pa-lácio de seu pai. Ela tinha ao seu redorsete moças escolhidas entre as miljovens belezas da Síria, do Egito e daArábia. A escolha não havia sido fácil:elas deveriam ser todas da mesmaidade de Asenate, nascidas no mesmodia, na mesma hora, isto é, à meia-noite, mas em lugares que estivessembem afastados uns dos outros, sob amesma lua.

“Não pensem”, dizia Asenate às suascompanheiras, “que meu pai, Putifar,sacerdote de Heliópolis e sátrapa deFaraó, possa me dizer: ‘Tu amarás talhomem’, ou então, ‘tal homem te to-mará como esposa’! Não, o coração deAsenate pertence somente a ela mesmae não se voltará para nenhum homemmesmo que ele seja o maior de seu país,mesmo que até as estrelas se inclinemdiante de sua beleza. Sim, meu pai ébom e justo, entretanto eu não o obe-decerei nesse assunto, pois antes detudo tenho gravadas em meu coraçãoas sábias palavras de minha mãe.‘Minha filha’, ela disse-me, ‘teu pai éegípcio, mas tu não o és, pois eu sou dopovo hebreu da Síria, descendente deZedekiah, do país que está além doEufrates. Quando nasceste, eu te rou-bei dos egípcios. Fica atenta para nãoabraçar contra teu coração um prínci-

pe do país do Faraó: é melhor escolhe-res um homem de meu próprio sanguehebreu, sangue que corre para o lesteatravés da Síria, para que ele possaocupar o trono do Egito, a fim de queeste se eleve dos confins da terra e con-quiste a Síria em direção do oeste.’Compreendeis agora o que vos digo?”

“Ó Asenate, nós nos inclinamosdiante de ti. Mas os corações dos maispoderosos deste país estão inflamadosde paixão diante de tua beleza!”

“Jamais temerei estes fogos. Aliás, aspalavras de minha mãe já não têm va-lor para mim. E seu conselho para evi-tar os egípcios e me casar com um ho-mem de seu sangue não tem mais ne-nhum sentido, já que por minha pró-pria vontade, eu repelirei todo ho-mem, seja hebreu ou egípcio.”

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A história de José e Asenate está publicada no livro “PictureBook for the French Red Cross”de Edmund Dulac, uma ediçãoespecial de 1914 do DailyTelegraph de Londres, em benefício da Cruz VermelhaFrancesa. Um relato compilado eilustrado por Edmund Dulac.Podeis observar nesta lenda, “Josée Asenate, uma história de amor do Egito”, as núpcias alquímicasda Alma e do Espírito e captarprofundamente a sabedoria descrita nela. Pensamos que nãopoderíamos privar nossos leitoresde uma jóia como esta.

Redação Pentagrama

H

José e Asenate, uma história de amor do Egito

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As sete jovens se entreolharam emsilêncio. Por fim, uma síria com olhosnegros adiantou-se e disse:

“Ó Asenate, ouve-me! Nunca ou-viste essa voz misteriosa em teu cora-ção que te fala de teus olhos escuros, dovinho doce de teus lábios, e de braçosfortes que te abraçam e te apertam co-mo uma tenra flor?”

“Não. Eu não, Ashtar. E tu?” “Eu também não. No entanto, já ou-

vi cantarem sobre isto em canções do-ces e melancólicas. E não duvido queessas belas canções fazem bater violen-tamente o coração daqueles que elascomovem e ...”

“Cala-te Ashtar”, interveio Asenatecom uma certa cólera na voz. “Tuas

“Ó,Asenate,nos inclinamosdiante de ti.Os corações dosmais poderososestão inflamadosde paixão diantede tua beleza.”IlustraçãoEdmund Dulac,1914.

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palavras me invadem da cabeça aospés. Vejo a paixão brilhar em teusolhos!”

Então, Ashtar recuou diante de seuolhar duro, escondeu o rosto entre asmãos e afogou a luz de sua loucuranuma torrente de lágrimas quentes.

“Cala-te criança, ficaste certamentelouca para pronunciar tais palavras”.

As outras jovens permaneceram emsilêncio, sem se mexer. Elas temiamque sua compaixão por Ashtar reavi-vasse a cólera de sua senhora. Mas cadauma delas virou-se e ergueu um poucoos olhos para a vítima, a qual haviapronunciado palavras temerárias queelas mesmas não teriam jamais ousadopronunciar.

“Ouçam!” disse Asenate erguendo-se e elevando a voz, “hoje, fui infor-mada de que o filho mais velho do Fa-raó escolheu-me para esposa. Mas eunão o quero. Eu disse ao mensageiroque o rei do Egito deve desejar umamulher mais digna para seu filho, e queele faria melhor dirigindo-se ao rei deMoab, cuja filha não só é uma belezacomo também é uma rainha! Bem, eunão quero nenhum deles! Eu não que-ro me casar e não me casarei!”’

Mas, por mais que guardasse comgrande estima a lembrança de sua mãe,de como ela era tão bela quanto Ra-quel, de acordo com as normas doshebreus, e de como ela não gostavados egípcios e do governo deles, Ase-nate não conhecia outra religião senãoa deles – e seu pai lhe ensinou a vene-rar os deuses egípcios. Por isso, ela seretirava todos os dias lá no alto datorre, onde, no meio de doze salas, ha-via um quarto magnificamente deco-rado com jóias raras de todas as cores,trabalhadas pelas mãos de mestres. Láse encontravam muitos deuses emouro e prata, cinzelados de forma

artística. Havia alguns até mesmo noteto. Todos os dias ela ia adorá-los, aomesmo tempo que os temia e lhesfazia oferendas. Depois disso, tinha ohábito de se retirar para uma salaluxuosa cuja janela dava para o Orien-te. Então ela meditava ou sonhavaolhando o pátio interior do paláciopor detrás do qual corriam silenciosa-mente as águas do Nilo. Às vezes, elabordava tecidos ricamente decoradosque amava muito, às vezes ela tocavaem seu alaúde suaves melodias ou can-tava sob a luz prateado da lua. Suascompanheiras ficavam sempre juntodela; e, lá embaixo, na cidade, ressoa-vam sem cessar os passos desseshomens que ela não queria nem temernem amar, e que jamais estariam desti-nados a subir a escada de mármore datorre do palácio.

Nas doze salas, encontravam-seobjetos esplêndidos, que eram tãopreciosos quanto raros. Essas salascheias de tesouros e de jóias brilhan-tes, esplendidamente decoradas e or-nadas com admiráveis tapeçarias delinho e de seda, tinham grandes varan-das. No parque, estavam espalhadosencantadores pavilhões com finascolunas. Suaves brisas faziam fremir afolhagem das altas palmeiras. A águalímpida das fontes reluzia à luz do solantes de recair sobre leitos de musgo,ou em garoa fina sobre o rendado dassamambaias, até o momento de dei-xar-se embalar, como num sonho, nasgrutas profundas ou em frescas cavi-dades. Na morada de Asenate não fal-tava nenhuma flor que já tivesseencantado o olhar de um camponês oude um rei. Lá reinava um perfume tãoagradável que só era preciso fechar os

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olhos para se acreditar estar na suaveatmosfera do paraíso.

Após ter falado com suas compa-nheiras, Asenate deitou-se sobre umdivã de ouro recoberto por um tapetepurpúreo ornado de bordados doura-dos e de pedras preciosas que brilha-vam como estrelas à meia-noite. Elaestava olhando pela grande janela quedava para o Oriente quando uma certaatividade no pátio do palácio a fez es-tremecer. Escravos corriam para todosos lados sob as ordens de um inten-dente. Cada um parecia aguardar umacontecimento particular.

“O Faraó ordenou a José, o vice-rei,que fizesse a avaliação de todas asabundantes colheitas deste ano. Meupai o sabe, e ele certamente enviou ummensageiro para avisá-lo da chegadado vice-rei e ir ao seu encontro. É cer-tamente isso”.

“Será que José, o vice-rei viriamesmo até aqui?” disse Ashtar. “Nessecaso eu o verei. Dizem que ele é belocomo um deus!”

“Dizem? Mas quem diz isto, jovem?”“As canções”, balbuciou Ashtar, de

repente desanimada ... “as canções quefalam de amor...”

“Silêncio, não passas de um fogo fá-tuo! Os poetas te enfeitiçam. José é umhomem como todos os homens. Afinal,ele não é filho de um pastor? Não fu-giu, não foi vendido como escravo,jogado na prisão por seu dono, talvezpor bons motivos?”

“Sim, senhora bem amada, mas oFaraó não o libertou?”

“É verdade: ele o libertou porqueJosé soube lhe explicar seus sonhos.Mas isto não importa, pois qualquermulher velha pode interpretar sonhos

no Egito! Pareces estar enfeitiçada!”Ashtar calou-se e olhou para o céu

azul. “Por que esse José, depois de terinterpretado os sonhos para o Faraó,tornou-se seu favorito, ao passo queninguém tinha consideração por umavelha egípcia? Quem sabe talvez nãoseja porque, como proclamam os can-tores, ele é belo como um deus e por-que o espírito de um deus o habita?”perguntava-se Ashtar. E sentou-se to-da aflita, enquanto Asenate a observa-va, com ar altivo. Então, Ashtar suspi-rou e afundou-se em suas almofadas.Seus lábios tremiam.

“Ashtar está enfeitiçada”, cochicha-ram entre si as outras jovens. Será queisto pode nos acontecer também?”

Asenate as ouviu e gritou: “Ashtar é uma louca! Quem mais, a

não ser uma louca poderia ter pensa-mentos como estes e dizer coisas as-sim?”

Nesse momento, um tumulto se fezouvir, e, quando Asenate ouviu vozes,aproximou-se da janela.

“Olhai!” gritou ela. “Um grandecortejo se aproxima das portas. Nafrente, vejo meu pai. E quem é aqueleque está a cavalo ao lado dele? E o queos homens estão gritando? ‘José, opríncipe de Deus!’ E como ele está so-berbamente sentado sobre o seu cava-lo branco e que magnífica escolta! Oque achas, Ashtar, será o vice-rei?”

“Sim, senhora. Sim, esse homemchama-se José e ele é semelhante a to-dos os homens. Dizem que ele se ocupacom a colheita de trigo e não procura oamor de uma mulher”.

“Que ele se ocupe de seu trigo”, dis-se bruscamente Asenate levantando-se. “Saiam todas, quero ficar sozinha”.

As jovens se foram e Asenate vol-tou novamente para a janela. Agora asportas estavam abertas, e seu pai, José

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“...quando Asenateouviu vozes,ela aproximou-se da janela.”Ilustração Rie Cramer

e a escolta penetravam no pátio. Oh,como eram perfeitos seus gestos e suasvestimentas! O coração de Asenatequase explodiu de tanto bater ao verJosé. E então, sem querer, ela aproxi-mou-se um pouco mais da janela paraolhar para baixo. José ergueu poracaso os olhos. Seus olhares se encon-traram e Asenate sentiu uma agulhadano coração, escorregou e, em suaqueda, agarrou-se às almofadas. Derepente, a tristeza a invadiu e elacomeçou a soluçar. Ela havia proferi-do palavras tão amargas e agora, doceslágrimas de arrependimento reconfor-taram sua alma em suplício. Ela sen-tou-se, infeliz, mas com a luz da vitó-ria nos olhos.

“Ashtar não é doida”, murmurou tor-cendo as mãos, “e não creio em todomal que dizem dele. Ah, como sou in-feliz! De que vale a minha vida,

agora? Ele vem para receber a contri-buição que cada um deve fornecer emtrigo. Depois, ele irá embora e então...”

Ela deixou-se cair sobre as almofa-das, e, tomada de grande tristeza, cho-rou mais uma vez.

José entrou no palácio de Putifar etodos se ajoelharam e deram testemu-nho de seu respeito a ele. Todos, me-nos Asenate, que ficou escondida natorre. Quando terminaram de lavar ospés de José, os escravos lhe trouxeramiguarias e bebida. Mas fizeram isto emuma mesa apartada, pois “o filho deJacó”, “o hebreu” não poderia se sen-tar na mesma mesa com os egípcios:para estes, isto era uma abominação.

“Senhor Putifar”, disse ele depoisde ter-se alimentado “eu vos pergunto:

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quem é essa mulher que eu vi olhandopela janela de sua torre mais alta?Estou feliz por não vê-la aqui!”

Putifar sabia muito bem que Joséhavia visto sua filha e sabia tambémque não havia uma única mulher oufilha de dignitário egípcio que ao ver abeleza de José não fosse levada a nu-trir alguma negra intenção. Numero-sos eram os presentes de ouro, prata epedras preciosas enviados por aquelasque suspiravam por ele, e que, só aovê-lo de longe, ficavam com o coraçãoperturbado. Era um suplício para José,tão puro e casto quanto belo. Ele lem-brava-se do conselho de seu pai pararecusar cortesmente todas as mulheresestrangeiras, para não ter nenhumarelação com elas, e para guardar apureza de sua alma para seu Deus.

“Senhor”, respondeu Putifar, “a mu-lher que vistes nada mais é do que mi-nha filha, uma virgem pura e que nãocontemplou nenhum homem a não sereu mesmo. Ela zela pelo seu estado depureza. No caso de poderes falar comela, será preciso considerá-la comovossa própria irmã, pois ela rejeita oshomens de todas as formas”.

Estas palavras produziram umagrande alegria em José.

“Então é diferente”, disse. “Se é vos-sa filha, e ainda mais, uma virgem queevita todos os homens menos um paiou um irmão, faze-a pois vir aqui: elaserá uma irmã para mim e eu a amareicomo tal”.

Então, Putifar foi procurar Asenatee logo voltou com ela segurando-apela mão. Assim que viu José, seuolhar foi como o olhar de quem viu oparaíso.

“Aproxima-te de teu irmão”, lhe dizPutifar, “e acolhe-o com um beijo, poisele é como tu, de uma pureza virginal”.

Ela foi até ele dizendo:

“Salve Senhor todo-poderoso eabençoado do Altíssimo!”

E José respondeu:“Salve, jovem imaculada, que o

Senhor teu Deus que criou toda agraça e toda beleza te abençoe semcessar”.

Mas, quando Asenate aproximou-se modestamente para executar aordem de seu pai e beijar seu novoirmão, José viu um brilho de amor emseus olhos, mesmo que a pobre crian-ça nada conhecesse de um tal senti-mento, e ele sentiu que seu coraçãosaltava de seu peito para se aninhar nodela. Ele ergueu-se imediatamente e,levantando a mão direita, disse:

“Não fica bem para um homemcujos lábios glorificam o Deus viventebeijar uma mulher estrangeira queenvia suas preces aos blocos de pedra ede madeira, que come o pão dos opri-midos e bebe na taça da traição”.

Quando Asenate ouviu essas pala-vras, seus joelhos começaram a tremer,seu coração encolheu-se e se enterrouem seu peito. Ela suspirou, deu umgemido, e olhando José com dor, seusolhos se encheram de lágrimas. Josépercebeu o que estava acontecendo. Apiedade preencheu seu coração e elepousou amigavelmente sua mão sobrea fronte de Asenate, dizendo:

“Ó Deus de meus pais, que dás vidae luz a todas as criaturas, abençoa estajovem e considera-a como pertencendoao teu povo, o povo eleito desde a fun-dação do mundo. Possa ela encontrartua paz eterna e surgir pura e santifi-cada aos teus olhos”.

A bênção de José iluminou o rostode Asenate e secou suas lágrimas. Elalhe agradeceu plena de alegria e, após

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tê-lo saudado, retornou ao seu quartona torre. Lá, ela jogou-se em seu divã,diante da janela, fraca e trêmula de ale-gria, de tristeza, de angústia e de pesar.

Ah, como ela havia falado de José!Como ela manchara o seu nome! Co-mo ela o tratara de fugitivo, de conde-nado que deveria fazer penitência nu-ma cela, de simples vidente que inter-preta sonhos. E como ele a havia repe-lido porque ela adorava os ídolos ecomo, em seguida, ele a havia perdoa-do e abençoado – ela, a última sobre aterra para merecer isso! Mas ela logose recompôs, ergueu-se apertando osdentes, os olhos secos, cheios de fogoe de chamas. Correu para a parede deseu quarto, agarrou um ídolo e ojogou pela janela. Ela viu a imagemcair e quebrar-se em pedaços nas pe-dras do pátio

“A fé de José é a fé de minha mãe”grita ela, “e a fé de minha mãe será aminha fé!”

Quando José acabou de carregar otrigo e estava na hora de partir, Putifarsuplicou-lhe para ficar ainda aquelanoite a fim de prosseguir sua viagemna manhã seguinte. Mas José lhe res-pondeu:

“Isso não me é possível. Devo aindapercorrer o país durante sete dias, masno oitavo dia voltarei para aceitar tuahospitalidade”.

José partiu, pois, com seu séquito eatravessou as portas do palácio semerguer os olhos para a janela da torre;Asenate também não o viu partir.

Durante sete dias o sol se ergueu edeclinou. Neste tempo todo Asenatechorou, não comeu e nem bebeu. Suasjovens companheiras não conseguiamconsolá-la. O sono fugia dela.

“Infeliz de mim”, gritava batendono peito, “que falei mal dele! Para on-de posso ir para fugir de meu pesar? Des-graça para mim, infeliz, que caluniei ofilho mais glorioso do céu! Ah, quemeu pai me dê a ele como escrava oucomo serva: eu o servirei eternamente!”

Na noite do sétimo dia ela levan-tou-se, passou entre suas companhei-ras que dormiam, e foi até a escada datorre. Desceu e saiu do palácio pelagrande porta pois o guardião estava,ele também, profundamente adorme-cido. Sem acordá-lo, ela correu até ele,pegou a pele de animal com a qual eleestava coberto, procurou um montede carvão que havia sido queimadonum canto longe do pátio, encheu decinza a pele do animal e voltou para atorre. Ela entrou em seu quarto, tran-cou a porta, colocou a pele com as cin-zas perto da janela e deitou-se. Cho-rou de novo, e sua voz se partiu quan-do ela gritou:

“Agora repudio os deuses do Egito.Mudo o rumo de meu coração e purifi-co os lábios com os quais ele disse queeu adorava os deuses”.

Após ter chorado e gemido, cheiade arrependimento, no momento quea estrela da manhã, como uma lâmpa-da suspensa no céu e protegida dovento, brilhou, clara, cintilante, elaergueu sua alma para a estrela, estaporta luminosa onde a absolvição aaguardava. E eis que, de repente o céuse abriu e uma luz maravilhosa jorrousobre ela. Assim que ela a viu, olhoupara as cinzas. Então, um homem des-ceu do céu, inclinou-se para ela e cha-mou-a pelo seu nome: “Asenate,Asenate!” E sua voz era como o mur-múrio dos quatro rios que fluem doparaíso.

“Ó meu senhor, quem és?”, diz ela,sempre olhando para as cinzas.

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“Eu sou o príncipe e o chefe dos exér-citos do Senhor. Levanta e fica diantede mim, pois preciso falar-te”.

Quando Asenate ergueu a cabeçapara olhar o visitante, ela viu um anjode luz que tinha a forma e os traços deJosé. Ele estava revestido com ummanto de púrpura deslumbrante, car-regava uma coroa de ouro sobre a fron-te e trazia em sua mão o cetro real.Tomada de angústia, ela caiu com orosto nas cinzas, mas o radiante filhode Deus ergueu-a para consolá-la.

“Ergue teu coração, Asenate, vir-gem pura, pois teu nome está inscritono Livro da Vida e não será mais apa-gado por toda eternidade. Tua súplicachegou até o Altíssimo, como a precede uma filha chega a seu pai pleno de

amor. Ele ordenou hoje que sejas dadacomo esposa a José. Levanta pois e põenovas vestimentas. Tira o cilício querodeia teus rins, sacode as cinzas de teurosto e adorna-te com linho precioso ecom todas as jóias que convêm à espo-sa de um rei. Vai! E quando voltares,me encontrarás aqui, sozinho, com acondição de que voltes sozinha”.

Asenate foi para seu quarto, acor-dou suas jovens companheiras epediu-lhes para reunir os tecidos maispreciosos e as jóias mais cintilantes,dignas da esposa de um rei. Ela nadadisse sobre o anjo, e todas estavammuito surpresas. Entretanto Ashtarpercebia nos olhos de sua senhorauma luz que ela quase compreendia.

“Não, Ashtar”, disse Asenate en-quanto as mãos zelosas da jovem cum-priam sua tarefa, “não estás enfeitiçada.Sim, a voz me alcançou, não o vês?”

“Ela tinha ao seuredor sete moças cujabeleza era eclipsadapela dela”.Ilustração Rie Cramer.

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“Sim, senhora bem amada, eu o ve-jo, eu o vejo muito bem!”

Elas se entreolharam e as lágrimasde alegria brotaram dos olhos de Ashtar.Finalmente Asenate ficou pronta eadornada como a esposa de um futurorei. Seus cabelos trançados formavamuma longa trança sobre seus ombros euma tiara de ouro cintilante de pedraspreciosas cingia sua fronte. Fitas dou-radas ornavam seus braços, uma echar-pe vermelha cingia seus quadris; asrodas de sua saia brilhavam com milrubis e diamantes, mas o mais belo detudo era o longo véu transparente, quelhe caía dos ombros até o chão. Quan-do Asenate retornou para o anjo, elaestava de uma beleza indescritível, talcomo a Via Láctea plena de estrelascintilantes e de sóis com brilho de dia-mante, e carregava uma flor brancacomo sinal de pureza. Quando ela en-trou, sozinha, no quarto, o anjo estavadiante da janela. Ele fechou a portapor detrás dela.

“Meu Senhor”, disse ela enquantose ajoelhava humildemente, “se obtiveteu favor, peço-te que aceites esta flor,pois sabes o que ela significa. Ela é tãobranca e sem manchas como eu, e seucoração é de ouro, como o meu. Eu tepeço que a aceites e a plantes no Pa-raíso a fim de que ela não murche ja-mais”.

O anjo sorriu, tomou a flor e a co-locou na cintura:

“Esta flor não murchará”, disse ele,“ela continuará florindo mesmo depoisque todas as criaturas tenham pereci-do. Quando encontrares a Árvore daVida, lá tu a encontrarás. Talvez aencontres até mesmo aqui”.

Asenate ponderou estas palavras em

seu coração e pediu-lhe para sentar-sena cadeira onde nenhum homem jamaistinha sentado. Então ela lhe disse:

“Meu Senhor, vou lhe trazer o quecomer. O que desejas?”

“Um favo de mel”, respondeu ele.“Pobre de mim: um favo de mel, eu

não tenho!” Ela estava cheia de pesar. “Desce à adega. Lá, encontrarás um

favo de mel”.Muito espantada, ela desceu. E lá

encontrou, com efeito, um favo demel: branco como a neve e tão perfu-mado como as flores das colinas e dasplanícies. Ela retornou e disse:

“Meu Senhor, o favo de mel estavana adega como disseste, e seu perfumeé semelhante ao que exala da tua pre-sença!”

“Abençoada sejas”, disse o anjo quepousou sua mão com ternura sobre acabeça de Asenate, “pois rejeitaste teusídolos e te voltaste para o Deus viven-te. Vieste a mim plena de penitência eagora vais comer desse favo de melconfeccionado pelas abelhas de Deusque o colheram das rosas vermelhas doÉden. É o alimento dos anjos e de to-dos aqueles que jamais morrerão”.

Ele tomou um pedaço do favo e le-vou-o aos lábios de Asenate, dizendo:

“Come! Manterás tua juventude,tua beleza não fenecerá, teus seios nãosecarão e surgirás enfim com tua eter-na juventude diante do Trono de Deus”.

Asenate tomou do mel e imediata-mente seu rosto irradiou a claridadedo céu. O anjo tocou o favo de melquebrado que imediatamente tornou-se novamente inteiro. Ele levantou-see, com seu dedo, traçou uma primeiralinha do leste para o oeste e uma se-gunda do norte para o sul. Essas linhastornaram-se vermelhas como o sangueque foi vertido sobre a cruz erguidasobre as fundações do mundo. Ase-

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nate viu, então, que do favo de melescorria uma multidão de abelhas comasas purpúreas. Elas formaram umenxame ao redor dela, depois voaramrapidamente para os jardins do Pa-raíso e voltaram para depositar sobreseu peito um favo de mel brancocomo a neve.

“Este será o sinal do amor eternopara ti”, disse o anjo.

Em seguida, ele ordenou às abelhasque voassem para o Éden, no Oriente.Ele pousou suas mãos sobre o favo demel, que foi consumido imediatamen-te pelo fogo. O perfume da união domel e do fogo encheu as narinas e ine-briou os sentidos de Asenate. Todas assua ligações com a vida terrestreforam rompidas. Ela ergueu seus bra-ços para o céu e caiu sobre seu divãcomo uma alma gloriosa que morrediante das Portas do Paraíso.

Logo que a alvorada surgiu, o anjose apressou em partir rumo ao Orien-te. O sol surgiu, anunciando o oitavo diadesde a partida de José. Um cortejoaproximou-se das portas do palácio.

“Ei! Abram as portas!”As portas se abrem amplamente e

opera-se grande atividade. Umhomem brilhante como o sol entra acavalo. Na cintura, ele traz uma florbranca com um coração de ouro. Suaescolta é igual à de um rei. É José! Umsonho o persegue: ele ergue os olhospara a janela da torre – mas não vê obelo rosto que esperava. Então, oamor o impulsiona e ele sobe a escada.Ele, que é um homem que tem todo opoder para comandar. Onde está ela?Onde? Um leve toque tira Asenate doesquecimento. Quem está se inclinan-do sobre ela? O anjo? Sim! A flor con-

tinua em sua cintura. Mas como podeser? Alguma coisa não está normal...No entanto, seus lábios se apertamcontra os dela, e ele a aperta contra seucoração, num selvagem abraço...

“Asenate, minha esposa!”

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Dá-se o nome de “Reforma” à reno-vação religiosa que se seguiu à Re-nascença. Além disso, a palavra “re-nascença” é também um conceito re-ligioso que se refere ao renascimentodo homem original. As palavras lati-nas “renatus” e “renata” significam“aquele que é renovado pelos Mis-térios”, ou seja: “nascido de novo”.A Reforma voltava-se para a “re-formatio”, a restauração da formaoriginal da alma divina, e ThomasMünzer se considerava um servidordessa “reformatio”.

a Europa Central, a onipotência daIgreja começou a ser quebrada pelo surgi-mento da religião protestante fundadapor Martinho Lutero (1483-1546), poiso impulso da Reforma não se dirigiasomente aos “eruditos da Europa”, masa todos em geral e a cada um em parti-cular. Grandes grupos da populaçãoeuropéia – a sua maior parte ainda sobo jugo da servidão – viram-se subita-mente confrontados com a dignidadee os direitos do homem. Como os pri-vilégios eram reservados ao rei, à no-breza e ao clero, o povo se voltou con-tra essa classe social superior que nor-malmente a explorava. Aliás, essa ex-ploração foi uma conseqüência do sis-tema feudal que se baseava na opressão.

Após o término de negociações pa-cíficas sem resultado, eclodiu na Ale-manha, em 1476, a pretensa guerra doscamponeses e dos burgueses, aconte-cimentos que se estenderam até a Suí-ça, a Áustria e os Países-Baixos, e quesó findaram em 1535. Essas revoltas

camponesas surgiram como conse-qüência da condição de vida lamentá-vel e de extrema penúria em que vi-viam os camponeses europeus, condi-ção de vida inimaginável e que poderiaparecer uma visão terrível para oshabitantes dos países industrializadosde agora. Como não podia deixar deser, o povo se revoltou antecipandomudanças e por estar seguro de novasperspectivas e da liberdade espiritualque estava por vir. Transformações ra-dicais e profundas eram necessáriasem todos os níveis de vida. Porém,sob o ponto de vista social, os resulta-dos foram um tanto pobres. A classereinante sabia manter sua posição e,quando queria, podia apertar o torni-quete mais uma vez.

Thomas Münzer e Martinho Lutero,de um lado, e Michel Servet e JoãoCalvino, de outro, representam as duascorrentes nas quais a Reforma se desen-volveu. Por intermédio de Lutero, oEleitor de Thüringen esperava atingir oImpério dos Habsburgos e realizar suaprópria independência. Lutero e oEleitor trabalharam de mãos dadas egraças a esse acordo político, a Reformade Lutero foi estabelecida como umareligião protestante em oposição aopapa da Igreja católica de Roma. Porserem veementes denunciadores dessasmanobras políticas, Thomas Münzer eMichel Servet foram executados. Lute-ro e Calvino apoiaram estas execuções.

UM DESPERTAR ENÉRGICO DO POVO

Lutero usou o holandês medieval(do qual foram derivados o holandês e

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“Enquanto seus corações estão a milmilhas de distância!”Thomas Münzer, uma voz que clama no deserto

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o alemão), em oposição ao latim daIgreja, para fazer com que seus adep-tos conhecessem a Bíblia e Münzerutilizou a mesma língua para sacudir edespertar o povo. De seus escritosemana uma força vivente que despertae faz surgir emoções intensas. Sua lin-guagem toca diretamente o coração.Seus textos não podem ser traduzidospara o alemão moderno sem perderalgo de sua força. Suas palavras dãotestemunho de processos interiorestremendos e de um agudo poder dediscernimento. Ele descreve as rela-ções e temperamentos humanos como mesmo realismo que Jacob Boehme.

Thomas Münzer era padre e pro-fessor. Muito culto, ele falava fluente-mente grego e hebraico e conheciaprofundamente a Bíblia e o Alcorão.Ele curava os doentes e era um defen-sor da ciência de seu tempo. Apesarde Thomas Münzer ir a Wittenbergpara falar com Lutero, não era um deseus discípulos. Ele pensou que iriaencontrar em Lutero uma alma comas mesmas disposições que a sua.Porém, seu anfitrião o qualificou de“lunático” em seu próprio círculo deamigos e logo se distanciou de Mün-zer. Depois que Lutero e seus partidá-rios foram excomungados pelo papa,Münzer, também banido, encontrourefúgio em um claustro em Erfurt,onde foi encarregado de ensinar latimaos monges. Em seguida, juntou-seaos seus irmãos da Boêmia, em Praga.Lá, encontrou-se com alguns segui-dores de João Hus, que foi levado àfogueira pelo Concílio de 1415. Coma execução de seu líder, os Hussitasperderam grande parte de sua força deinspiração. Em seu Manifesto de

Praga, Münzer escreveu em 1523:“Tanto os sábios doutores quanto ohomem de Wittenberg ensinam que asletras gravadas no papel são sagradas.E eles veneram a palavra enquantopalavra. Porém, eu digo que Deus nãoescreveu com tinta, mas com seusdedos viventes, a única linguagemsanta – e disto a Bíblia exterior tam-bém dá testemunho. E não há teste-munho mais verdadeiro que o daBíblia, pois é a palavra vivente deDeus, do Pai, que o Filho que resideno coração dos homens pronuncia. Aidos pregadores, que pronunciam essaspalavras apenas com a boca, enquantoseus corações estão a mil milhas docaminho! Oh, como os frutos estãomaduros! O tempo da colheita che-gou. Por isso, Deus chamou-me para aSua colheita. Eu amolei minha foice,

Segundo WalterNigg,ThomasMünzer era “uma papoula vermelha sobre osolo pedregoso docristianismo”.

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porque agora se trata de lutar pelaverdade. O povo deve aprender por simesmo a palavra vivente de Deuspela boca de Deus. E assim cada umverá, ouvirá e compreenderá como omundo inteiro está sendo enganadopelo pregador estéril”.

“EU SOU UM CAVALEIRO DE DEUS,EXATAMENTE COMO VÓS”

Thomas Münzer buscava o Espíritodivino e não se importava com pro-blemas pessoais. Essa atitude determi-nou sua vida inteira, o que não estavaao alcance do teórico nem do homemcomum. Por isso, já em seu tempo,recebeu o rótulo de “socialista revolu-cionário”. Para esse devotado mensa-geiro de Deus não havia caminho nemlongo nem árduo. Ele apenas cedia àpressão exterior de procurar um novocampo de trabalho. Durante sua pere-grinação pela Turíngia, Saxônia, Suá-bia e França, e até mesmo pela Áustriae pelo Tirol, ele procurou por aquelesque quisessem ouvi-lo.

Em 1523, tornou-se pastor emAllstedt e pela primeira vez começoua pronunciar seus sermões em lingua-

gem popular. As próprias cantigasque ele escreveu ainda hoje trazem amenção: “autor desconhecido”. É aopovo que ele se dirige porque “O ser-viço a Deus não é somente para umapessoa, mas deve ser realizado paratoda a comunidade. Em um serviço aDeus é preciso encorajar as pessoas a seentregarem à Palavra de Deus, a rom-perem todas as ligações impróprias e adarem-se por inteiro a Deus”. EmAllstedt ele se casou com Ottília vonGersen, uma religiosa que havia aban-donado o hábito. Mas nem agora asautoridades o deixaram em paz. OConde Ernst von Mansfeld, católicofervoroso, proibiu seus súditos defreqüentarem os serviços de ThomasMünzer. Ele escreveu ao conde que“ele, Mansfeld, quer ser mais temidoque Deus, faz-se passar por Cristo eao mesmo tempo contesta a suprema-cia de Deus sobre o homem. Por issoeu devo me opor ao conde e adverti-lo: ‘Eu sou um cavaleiro de Deus exa-tamente como vós. Por isso, cuidai daquietude e da paz, mas não vosenchais de orgulho, pois vosso velhomanto ainda um dia se rasgará’...”

Em 1524, Münzer publica trêslivros importantes. No primeiro, APropósito da Fé Ponderada, ele escre-ve: “Quem não quiser provar a amar-gura de Cristo morrerá do mel com oqual se farta. Cristo é a pedra angu-lar. Como nós o tratamos, assim tam-bém seremos tratados, para que nosdesenvolvamos até a verdadeira cons-trução da vida. Pois quem não morrercom Cristo não ressuscitará com ele.Pois, como alguém poderá ter partena Vida se não abandonar seu velhomanto?”

A virtude consiste em atos.A preguiça dopreguiçoso é tãogrande que ocapacete da virtudecaiu durante seusono. Otto vanVeen, 1607.

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DESMASCARAMENTO PÚBLICODA FALSA FÉ

Seu segundo livro foi intituladoRevelação e Apresentação, Ensina-mento Relativo ao Início da Verdadei-ra Fé Cristã. Nesse pequeno livro eleexpõe sua doutrina e contesta a acusa-ção do povo de Wittenberg de “nãopassar de um forasteiro”. Ao mesmotempo, ele defende sua doutrina dian-te do conde, que quer fazê-lo passarpor herético. O terceiro volume trazna página de rosto:

Desmascaramento público da falsa fé;do mundo infielcom base no testemunho doEvangelho de Lucas;da miserável e lastimável cristandade para fazê-la lembrar de seus enganos

Münzer escreveu ali: “Descobre-sea incredulidade quando se aceita a fé;ou quando se atravessa em sofrimentoo abismo onde vive a alma. Paulodisse: ‘vós tendes de aceitar Cristo’,porém, aquele que não passou pelomais profundo do ser não conhece a fé.Pois sua fé sem obras se agarra firme-mente a seu espírito empedernido,como um verdadeiro velho manto demendigo que é habilmente remendadopor escribas infiéis com um velhotrapo, como disse Lucas (5:36). Trata-se então agora de seguir sofrendo apaixão de Cristo. Ele liberta o homemde seu apego à forma e lhe mostraDeus, o qual preenche com Sua presen-ça a alma que se tornou como um ovovazio. Por isso tu deves, ó homemcomum, desenvolver-te a ti mesmo

para não seres mais enganado”.Esta última frase caracteriza o

empenho de Thomas Münzer. Eleesforçou-se por despertar a faculdadedo discernimento, por sacudir oshomens para despertá-los, a fim deque não seguissem mais as autoridadescomo carneiros levados ao sacrifício,mas que libertassem em si mesmos suaprópria autoridade. A teologia de Lu-tero, por outro lado, orientava-se peloCristo histórico transmitido pela Bí-blia, enquanto Münzer conhecia a ati-vidade de Cristo por experiência inte-rior. “Eu prego uma fé em Cristo quenão corresponde com a fé de Lutero,mas que é a mesma que está no cora-ção de todos os eleitos sobre a terra”.

Muitas vezes Münzer convocouLutero para um debate público, maseste nunca deu resposta e enviou umacarta aos príncipes da Saxônia sobreseu espírito rebelde. Nessa carta difa-matória, ele se vira contra Münzer e asatividades dos camponeses que semantinham atrás de seu líder. Apesardisso, Münzer foi uma vez convidadoao castelo de Allstedt para pregar parao príncipe e sua comitiva. Nesse assimdenominado “sermão principesco” elecomentou o 2º capítulo do Livro doprofeta Daniel onde este interpreta o

Quem é rico?Aquele que não cobiçanada. A sabedoriaestóica rejeita o luxo, o prazer,o poder, a honra e o lucro. Otto vanVeen, 1607.

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Martinho Luteropendura suas proposições naporta da igreja doCastelo deWittenberg. Pinturade Hugo Vogel,por volta de 1930.

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sonho do rei Nabucodonosor. AssimMünzer tentou lembrar aos governan-tes suas responsabilidades em relaçãoao povo e à tarefa que sua posiçãoenvolve.

Thomas Münzer estabeleceu tam-bém entre os habitantes de Allstedtuma comunidade de ajuda mútua, demaneira a aliviar ao máximo a terrívelmiséria reinante na cidade, conforme aconcepção cristã original.

“CONTRA A CARNE VAZIA DEESPÍRITO E DE VIDA FÁCIL...”

Em seguida, ele teve que sair deAllstedt e dirigiu-se a Mühlhausen. Àcarta de Lutero ele respondeu nosseguintes termos: “Contra a carnevazia de espírito e de vida fácil emWittenberg, que, pelo roubo de textossantos e seu uso iníquo, lastimavel-mente maculou a cristandade – quetem tanta necessidade de piedade”.

Em 1525, ele foi nomeado pastor emMühlhausen. Mas antes, ele ainda fezuma visita aos camponeses revoltososnuma província ao norte do Reno.Lutero voltou-se contra os campone-ses e fez imprimir um livreto intitula-do: Contra a corja dos camponesesladrões e assassinos.

Sete mil camponeses se reuniram àsportas de Frankenhausen. Münzerdeixou Mühlhausen com trezentoshomens e alguns canhões para juntar-se ao exército dos camponeses. Elenão foi lá para incitá-los a combater,mas para colocar-se a seu lado comopastor. Seu lugar era junto ao povo.Os camponeses não tinham líder epediram a Münzer que negociasse, emnome deles, com os príncipes quehaviam concentrado suas forças arma-das ao redor de Frankenhausen.

Contudo, suas cartas alcançaramapenas uma trégua. Mas, quando oscamponeses entoaram um canto dePentecostes escrito por Thomas Mün-zer, os príncipes quebraram o acordode trégua e atacaram os camponeses.Os camponeses tentaram fugir para acidade mas foram passados a fio deespada. Münzer foi preso e conduzidoao castelo do conde, onde sofreu tor-tura. Pretensamente, em nome deMünzer, o conde mandou uma cartaaos burgueses de Mühlhausen paraagitá-los até a rendição da cidade.

Em 17 de maio de 1525, ThomasMünzer foi decapitado junto com ocírculo de seus amigos íntimos. Maistarde, em suas Conversas em Volta daMesa Lutero declarou: “Eu deixeiMünzer ser executado. Sua morte éum peso para mim. Mas eu tive quefazê-lo, porque ele queria Cristomorto”.

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O dramaturgo alemão FriedrichDürrenmatt transpôs para a nossa é-poca os doze trabalhos de Hérculesda mitologia grega em sua peça: “Asestrebarias de Áugias”. A partir de-la, o espectador é levado a descobrirduas facetas do ser humano e a inda-gar-se por que ele é feito deste modo.De um lado, há o homem exteriorcom seus esquemas de comporta-mento; do outro, há o homem supe-rior. Tomar consciência destes doisaspectos exige uma pesquisa profun-da do “porquê” e do “como” da e-xistência.

ürrenmatt dá a Hércules uma es-pécie de gerente, Políbio, que admi-nistra seus bens e sua casa. Não é umatarefa fácil, pois inúmeros credoresperseguem Hércules e ele, por sua vez,trabalha pela purificação moral e espi-ritual de sua pátria. Dürrenmatt trans-porta seus espectadores para a Élida,país do rei Áugias. O rei declara: “Nos-so país cheira tão mal que é quase insu-portável. Estamos nos afogando emnossas imundícies”. Um deputadoacrescenta: “E, no entanto, somos opaís mais velho da Europa!” Um habi-tante declara: “Parece que há paísesem que o estrume não se amontoa tãoalto como aqui entre nós”. Um outroobserva: “A maior parte chega até otemplo! Não há nada mais feio de sever”. Alguém responde, depois derefletir: “Os templos já não oferecemnenhuma proteção contra as impure-zas. A única coisa a fazer é uma limpe-za profunda”.

D

O teatro contemporâneo e a formaçãoda consciênciaAs estrebarias de Áugias: uma adaptação moderna para teatro, de Friedrich Dürrenmatt

“QUANTO MAIS O HOMEMÉ METÓDICO, MAIS O ACASOO ATINGE COMO UM CURTO-CIRCUITO”,

declara Friedrich Dürrenmatt.

Este pintor e escritor (1920-1990)tentou resolver durante toda a suavida o conflito interior inerente aoser humano. Um de seus amigosdisse: “Ele sofria como um cão coma imperfeição do mundo: tanto, queacabou se voltando contra oshomens”. Como “habitante dafronteira”, Dürrenmatt não deixoude se engajar no conflito entre acompreensão e o impulso espiritual,sem encontrar saída para isto.Obrigações superficiais não fizeramcom que ele se desviasse e ele nãocobiçava nenhum sucesso fácil eduvidoso. É evidente que ele quer nos sacudirpara nos despertar. Ele viu que erapreferível terminar suas peçasnaquele momento dramático emque já não há nenhuma soluçãopossível. E ele tentou evocar a espi-ritualidade conscientemente paradescobrir uma solução de nível maiselevado: assim, ele arrasta os espec-tadores até uma fronteira que, semdúvida, eles jamais teriam alcança-do. Ora, nessa fronteira, é precisoforçar a passagem! E para criar con-dições como estas, Dürrenmatt situatemas clássicos no contexto domundo contemporâneo, com a pro-blemática que lhes é própria.

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As pessoas presentes balançam acabeça afirmativamente. Elas concor-dam plenamente. O país deve passarpor uma limpeza profunda, radical-mente. Uma limpeza radical! É preci-so simplesmente começar esta limpe-za! O rei Áugias retruca: “Tudo istonão passa de belas palavras. Mas se nósmesmos começarmos a fazer esta lim-peza, nós ficaremos com as mãos cheiasde sujeira e não poderemos fazer ou-

tras coisas. Proponho que chamemos oherói grego Hércules, o faxineiro maiscélebre da Grécia, para fazer essa lim-peza!” Então, Áugias decide pedir aHércules que o ajude a resolver esteproblema espinhoso e muito especial.Ele faz contato com Políbio, que achaque esta missão é muito vil e degra-dante. Apesar disso, Políbio fala sobreisto com Djanira, a esposa de Hércu-les, e lhe explica que esta limpeza po-

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Hermes, o mensageiro dosdeuses, carrega o pequenoHércules em seusbraços. Ânfora deAtenas, por voltade 530 a.C.

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de trazer muito dinheiro e aliviar asdívidas de seu marido. Diz que Áugiasreina sobre súditos camponeses e sósabe contar até três, mas que Hérculespode conseguir um belo salário se orei enfileirar muitas moedas em pilhasde três. Hércules fica perplexo: “Éverdade que temos dívidas. Mas seráque para isso eu preciso jogar o lixo fo-ra? Pensa um pouco no que estás mepedindo: que eu tenho que ir limpar opaís de um homem que mal conseguecontar até três! Não, isto não é possível”.

Neste meio tempo, a opinião públi-ca de Élida desperta. As pessoas jácontam com o consentimento de Hér-cules. Por toda parte, neste país ondemontanhas de imundícies se elevamaté o céu e onde os templos estão nomeio do estrume, já se canta: “O sal-vador está chegando!” E, quandoHércules se deixa convencer, por cau-sa de suas dívidas e por causa da lasti-mável podridão de Élida, ele é recebi-do por um coro de crianças que sol-tam suas vozes alegremente: “Por todocanto o lixo fede, mas o nosso salvadorchegou”. Um eminente representanteo recebe com um forcado de ouro namão. Por toda parte se percebempilhas de imundícies e todo mundocanta: “Vamos jogar o lixo fora!” Aspessoas se acotovelam para receberHércules. Somente o rei Áugias estáausente. E Dürrenmatt propõe a ques-tão: “Será que Áugias teria abandona-do seu ‘banquinho de tirar leite’, feitode prata maciça? Isto é: será que eleainda está agarrado à riqueza, aonepotismo, as empreitadas lucrativasque até agora haviam determinadosua vida?”

Hércules é acolhido sucessivamente

por deputados, por federações dosgrupos de interesse e por um grandenúmero de pessoas importantes. To-dos tentam pressioná-lo bastante, masele fixa sua atenção no grasnar de to-dos os corvos gorduchos que reviramo estrume e que mal conseguem alçarvôo. Quando o sol se põe na Élida, asenormes pilhas de estrume resplande-cem ao longe e Hércules chega a acharo espetáculo até romântico. Fileu,filho de Áugias, lhe serve de guia entreas imundícies. Hércules calça as botase atravessa regiões que nunca haviamsido exploradas até então.

Em sua viagem, Hércules tem umaidéia genial: desviar dois grandes riospara que estes atravessem a Élida. Osrepresentantes do povo mostram suaadmiração, mas informam que, antesde empreender um projeto como este,é preciso obter a autorização doMinistério dos Negócios Hidráulicos.Mais uma vez Djanira toma parte ati-va no problema. Ela explica a Fileu,filho de Áugias, que ela é descendentede Tebas, a magnífica cidade das setetorres, e que esta cidade foi arrancadada cega e cruel crosta terrestre pormeio de esforços dirigidos consciente-mente e através de constante dedica-ção. Fileu fica encantado, mas a Élidanão é capaz de tamanha diligência. Elediz: “Faz muito tempo que já não go-vernamos o país. Se Hércules limpá-lo,logo ficará soterrado pelo lixo, empouco tempo!”

Não é sem razão que Políbio des-confia da astúcia de Áugias. Enquantoeste último impõe sutilmente suasdecisões aos grupos de interesse, pare-ce na verdade que ele está preparandouma espécie de “nó górdio”. Ele age

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como se estivesse acima dos partidos edá a palavra a Penteu, que trabalha noschiqueiros. Este afirma: “É claro que épreciso fazer uma limpeza. Mas é meudever adverti-los a respeito dos riscosde uma empreitada como esta, poisdebaixo de nossos detritos repousamnossos tesouros culturais e objetos pre-ciosos. Quando a limpeza for feita,estes tesouros podem ser danificadosou até podem ser levados pela corren-teza”. Depois é a vez de Pathmos, quetrabalha na fábrica de queijos, dizer:“Não acredito que temos tesouros eobjetos sagrados. Isto não passa desuperstição e de fantasmagoria. Mas,se mandarmos limpar o nosso país, ve-remos com grande espanto que todasas nossas ilusões se dissiparão. E istoseria uma grande infelicidade. É prefe-rível não limpá-lo e guardar a nossacrença nas coisas sagradas”. Depoisdele, muitos outros tomaram a palavrae deram sua opinião por sua vez, a fimde encontrar uma solução. Umas apósoutras, foram constituídas comissõescompetentes. A assembléia terminou

com estas palavras: “Vamos pedir umacomissão, vamos pedir mil, mas nãovamos perder a coragem. Na Élida,nunca é tarde. Pelo contrário: sempre écedo demais”.

É INSUPORTÁVEL DESMASCARAR OPRÓPRIO MUNDO

Dürrenmatt mostra que ter de des-mascarar nosso pequeno mundo éinsuportável. Ele esboça as diferentesmanobras de dispersão que fazemospara evitar isto. O único resultadotangível não é mencionado, mas nin-guém o percebe. O caminho para asaída do monte de estrume da Élidanão é para amanhã!

Hércules fica indignado com a mul-tidão de comissões. Para ele isto é umacatástrofe. As idéias inúteis não têmfim e ele fica inquieto quanto a suafutura remuneração. Está na hora deele se preocupar. Neste momento,chega Tântalo, o diretor do circo, que

Hércules combatendoGerião, ummonstro comtrês corpos.Vaso de Exekias,século VI a.C.

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tem enormes dificuldades de dinheiro.Ele conta a Hércules que sua casa foiarrematada em leilão diante dele. Paraajudar o herói financeiramente, ele lhepropõe um acordo inédito: Hérculesganhará 500 dracmas por noite para seapresentar em público e fazer uma re-verência. Hércules protesta: “Só por-que precisamos de dinheiro eu vouprecisar me inclinar humildemente nafrente da multidão? Eu, o herói daGrécia, terei de me rebaixar diante dopúblico?” Mas, não vendo nenhumasaída, ele faz a reverência. Quanto aosalário, ele fica por conta da ajuda decusto, pois o diretor revela que todosos espectadores têm entrada gratuita.Desesperado, ele não vê como podemelhorar sua situação. Ele acaba alu-gando seu passe para o circo comoboxeador e halterofilista: a coisa vai demal a pior! Ele esbanja o que há demelhor em suas forças por falta deinteligência e reflexão. A energia deHércules vai sendo utilizada a torto ea direito, mas não para limpar a cidade– o que era a única coisa que deveriaser feita!

“AQUI, NINGUÉM MAIS PRECISADE MIM”

Enquanto isso, o conselho da Gré-cia conclama seus membros a se reuni-rem. A Arcádia, que é célebre por seuturismo, sofre forte concorrência deTebas. Esparta teme por seus concida-dãos, por causa da crise de limpezaque é muito séria no país de Áugias.Este desejo de limpeza cria agitação eisto não é desejável. Para terminar,

Hércules suspira, desiludido: “Estouno final de minhas forças!” Tudo oque o rodeia começa a deprimi-lo. Éentão que chega de repente o anúnciode uma nova missão. O rei Estínfalo,que somente sabe contar até dois, temnecessidade absoluta de Hércules paralivrar suas terras de um bando de pás-saros horríveis que fazem mais sujeirado que todos os animais da Élida.Hércules responde: “Estou pronto.Aqui, ninguém mais precisa de mim”.Quando é noite alta, ele parte comseus companheiros para o reino deEstínfalo, onde a situação é pior aindado que na Élida. Na manhã do diaseguinte, Fileu procura Hércules, emvão. A casa dele está vazia. Que pena!Afinal, ele vinha lhe anunciar que oMinistério dos Negócios Hidráulicosia provavelmente dar a autorizaçãopara desviar os rios.

Áugias ficou aliviado por Hérculester partido discretamente. Ele consolaseu filho: “Hércules é a chance quepassa uma vez, mas volta”. E conti-nua: “A verdadeira democracia na Éli-da pode ser perigosa. As pessoas jáficam enlouquecidas quando alguémtem a coragem de limpar a casa!” Áu-gias está com medo. Ele prefere conti-nuar sendo o rei de seu monte de es-trume. “Vem, vou mostrar-te uma coi-sa”. E ele leva seu filho até o jardimque fica atrás da casa. “Aí está meu be-lo jardinzinho com flores e uma terrafértil, que eu consegui com o estrume.Meu filho, sou um homem político,não um herói. Vou te dar um bom con-selho: tenha coragem para continuar aviver na imundície de Élida. Eis atarefa heróica que eu coloco sobre teusombros!”

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A MUDANÇA FICA SEMPREPARA AMANHÃ

Eis como termina esta peça deDürrenmatt. No final, ele leva os es-pectadores ao suplício, diante de umasituação sem saída, diante dos aconte-cimentos do mundo que seguem umcurso imutável, pelo menos enquantoa consciência humana não estiverdesenvolvida o bastante para buscaroutras soluções. Aparentemente, Dür-renmatt quer despertar energicamentea sociedade adormecida, denunciandocertas situações políticas e sociais. Masoutras associações de idéias vão se

impondo sobre o espectador, quer elequeira ou não. • Primeiramente, porque é difícil ad-

quirir a autoconsciência! Todos ostipos de mecanismo de fuga e desobrevida, estabelecidos há milê-nios, criam obstáculos para a com-preensão.

• Segundo, porque a maioria doshomens não está preparada paralevar a sério a mudança fundamen-tal. Eles não percebem a dimensãoespiritual. Quem conhece o mundosabe que quem determina o podersão os critérios do mundo. Paraficar mais fácil, Áugias (o “eu”),quer reinar em seus domínios onde

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Hércules eHermes fazemCérbero sair dosinfernos.Vaso do BritishMuseum, Londres.

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nada muda, onde nada deve serquestionado, nem purificado, nemampliado. As imundícies vão seamontoando em camadas espessas ebem visíveis.

• Em terceiro lugar, todos dispõemde forças latentes, forças nobres quepermitiriam tomar um outro cami-nho. Mas, estas “forças hercúleas”são utilizadas de modo impensado enegligente para coisas completa-mente diferentes. Isto arrasta a exis-tência cristalizada ao circo deTântalo, à pista em circuito fechadoda vida cotidiana.

• Em quarto lugar, o espectador tomaconsciência de que é fácil perder aoportunidade de entrar na vidasuperior, e que neste momento as“forças hercúleas” se retiram, e queassim os poderes superiores têm deesperar um novo ciclo para se mani-festarem em circunstâncias aindamais críticas – por exemplo, as cir-cunstâncias que são simbolizadaspelos pássaros de Estínfalo. Natu-ralmente, estes poderes superioresnão foram criados para serem utili-zados no circo!

• Em quinto lugar, chegará a hora emque o joguinho de Áugias vai termi-nar, e ele haverá de delegar a Hér-cules a direção das operações quecontribuem para o desenvolvimen-to do homem superior.

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OS DOZE TRABALHOS DEHÉRCULES

O dramaturgo grego Eurípidesdisse: “Hércules nos libertou desteanimal que é o medo”. Os gregosafirmam que Hércules era umsemideus que Zeus transformouem mortal. Aquilo que chamamosde “Os 12 Trabalhos deHércules”, segundo nos conta amitologia grega, simboliza o com-bate contra os doze aspectos quedesviam o homem terrestre de suarealização espiritual. Cada vitóriarepresenta um passo a mais rumoà divinização do herói.

Ele deve:1º fazer com que o leão de

Neméia saia de sua toca;2º matar a hidra de Lerna, um

monstro de nove cabeças querenascem à medida que vãosendo cortadas;

3º capturar a corça que tem pésde bronze e chifres de ouro;

4º capturar o javali de Erimanto;5º destruir os pássaros do lago

Estínfalo, que têm bicos e gar-ras de cobre;

6º limpar as estrebarias deÁugias;

7º agarrar os cavalos deDiomedes que se nutriam decarne viva;

8º domar o touro branco do reiMinos;

9º arrebatar o cinto de Hipólita,a rainha das Amazonas;

10º levar os bois de Gerião paraa Grécia;

11º apoderar-se das maçãs deouro do jardim dasHespéridas;

12º descer aos infernos, acorren-tar o cão Cérbero e levá-lo àluz do dia.

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Existem muitas histórias a respeitode Lúcifer e nos perguntamos o queé verdade e o que é lenda. A maiorparte das histórias conta a queda dahumanidade do seu campo de vidaoriginal e faz referência a muitosperíodos de desenvolvimento. Ou-tras são histórias mais curtas, comoque “flagrantes”, e às vezes apre-sentam contradição umas com asoutras. Assim, Lúcifer é descrito co-mo Satã. Mas, na Bíblia, por exem-plo, ele aparece como “A Estrela daManhã”.

ma das lendas conta que, num lon-gínquo passado, Lúcifer, encabeçandoum grande número de anjos, haviaalcançado um tal grau de conhecimen-to e de sabedoria que pensou que po-dia se igualar a Deus. Ele desejouapossar-se do poder, simbolicamenterepresentado por uma coroa ornadacom magníficas pedras preciosas. Oarcanjo Miguel travou combate contraele e fez com que a coroa se soltasse desua cabeça. Uma das pedras preciosascaiu sobre a terra. Segundo essa lenda,essa pedra tornou-se a taça do Graal,da qual os discípulos beberam na vés-pera da Páscoa, e na qual foi recolhi-do, em seguida, o sangue de Jesus cru-cificado quando a lança traspassou seucoração. A partir desse momento,muitas histórias falaram sobre a taçachamada “Santo Graal”.

Outra lenda conta que há dezesseismilhões de anos Lúcifer era um plane-ta denominado Mallona. Sua órbitaencontrava-se entre Júpiter e Marte.

No Scientific American de 9 de setem-bro de 1972, o professor canadenseMichael Ovenden, especialista emastronomia, escreveu que há mais oumenos dezesseis milhões de anos, umplaneta circulava entre Marte e Júpitercom uma massa de mais de noventavezes a da Terra. Ele denominou esteplaneta Aztex. Segundo ele, esse pla-neta deve ter se estilhaçado e seus res-tos movem-se no sistema solar sob aforma de asteróides.

Segundo as lendas, esse planeta teriasido o bem-amado filho do Sol epoderia ter se tornado seu igual. Pelasua grande força luminosa, Lúcifer, oespírito desse planeta, teria adquiridotanto conhecimento e poder que oshabitantes de seu planeta adquiriramcada vez mais cultura e técnicas cadavez mais avançadas, a tal ponto queeles conheciam a fissão do átomo esuas aplicações. Mas suas experiênciascada vez mais avançadas racharam oplaneta e fizeram com que ele explo-disse em seguida. O que sobrou delesão as quatro luas: Ceres, Juno, Palas eVesta que ainda circulam com osnumerosos fragmentos de Mallona(Lúcifer) entre Júpiter e Marte.

Lúcifer havia perdido seu corpoplanetário. Na metade da época lemu-riana, ele instalou-se com seus anjossobre a terra, da qual fez sua morada.As criaturas viventes foram entãoseparadas em femininas e masculinas.A ligação entre a divindade da origeme a humanidade tornou-se cada vezmais tênue. Por um lado, houve umaperturbação cada vez maior do desen-volvimento previsto originalmente – oque denominamos a queda – e, poroutro lado, apareceram ao mesmo

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Lúcifer, a Estrela da Manhã

U

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tempo novas possibilidades para res-tabelecer a ligação consciente com odivino.

Enquanto a Bíblia ainda se refere aLúcifer sob o nome de “Estrela da Ma-nhã”, na cultura judaico-cristã ele é de-nominado Lúcifer – e, após sua queda,ele é chamado de Satã, o tentador.“Satã” é uma palavra hebraica que sig-nifica “adversário”. Em Isaías, capítu-lo 14, versículos de 12 a 14, é ditosobre Lúcifer: “Como caíste do céu, óestrela da manhã, filho da alva! Comofoste lançado por terra, tu que debili-tavas as nações! E tu dizias no teucoração: Eu subirei ao céu, e, acima

das estrelas de Deus, exaltarei o meutrono, e, no monte da congregação, meassentarei, nas extremidades do Norte.Subirei acima das mais altas nuvens eserei semelhante ao Altíssimo”.

Nessa passagem encontramos algodas antigas lendas. É evidente que Lú-cifer escolheu um caminho que seafastava do plano de Deus e que, emseguida, ele “caiu” do céu. A coroaque ele queria carregar para se glorifi-car lhe foi fatal. Ele poderia ter “caídodo céu” sobre um planeta, enquantoque “a estrela da manhã” significariatanto um planeta quanto uma estrela.

O que é cativante nas lendas é que,

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Como Lúcifer,Prometeu roubou a luz do céu paratrazê-la aos homens.Jan Cossters,século XVII,Bridgeman Art Library.

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segundo o princípio hermético: “oque está embaixo é como o que está emcima”, isso pode ser aplicado ao pró-prio homem e nesse caso o assuntotoma outro significado. O microcos-mo, por exemplo, nosso próprio pe-queno mundo, possui também seupróprio firmamento, seu céu estrela-do, onde se encontrava na origem uma“estrela da manhã”, puro reflexo daidéia divina com referência ao serhumano. Portanto, a lenda de Lúciferse referia a cada um de nós.

Nossa própria estrela da manhã nãopôde manter-se em seu domínio devida original e ligou-se aos domíniosinferiores. No mito de Narciso, este seprende a seu próprio reflexo. Textos

do mundo inteiro relatam casos emque o homem pensa que pode tornar-se semelhante a Deus. É, aliás, o quesugeriu a serpente (Lúcifer ou Satã) aoprimeiro homem! A serpente repre-senta aqui o sistema da medula espinalpelo qual a consciência humana devese desenvolver. A cabeça da serpenteencontra-se na fronte; o fim da cauda,nos ossinhos do cóccix. A medula es-pinal e o sistema nervoso foram com-parados a uma árvore. Segundo aBíblia, a serpente encontrava-se numaárvore quando falou a Eva. Adãoescutou as sugestões de Lúcifer e deseus anjos. Ele tomou consciência desi mesmo, rejeitou a direção de Deuse, sob a conduta dos anjos luciferia-

Assim evidencia-se que o mal éuma força negativa que acabarásendo subjugada quando o homemtiver aprendido a se tornar umaforça positiva, querendo o bem efazendo o bem unicamente pelobem. Enquanto não realizarmosplenamente esse plano, “o mal esta-rá ligado a nós”, como diz Paulo:quando me esforço pelo bem, Satãvem junto de mim, para a necessá-ria fricção, para atender à necessá-ria dualidade. Assim surgiram duasforças em nosso caminho: a do Beme a do Mal. A força do Mal é comoum aguilhão que impulsiona oBem. Portanto, estamos diante deduas tendências que caracterizam adualidade: a tendência ao ódio e atendência ao amor. A esse respeito,o catecismo de Heidelberg diz que,por natureza, o homem é levado a

odiar o homem e Deus. Isso é exato,mas Lutero esquece que o homemtambém tem uma outra natureza,que, naturalmente, ele também élevado a amar e a servir ao homeme a Deus; que, a sua frente, a luzacena para ele e, por detrás deleestá o pecado; que nessa encruzilha-da encontram-se Lúcifer e Satã, os dois prontos para o servirem. Se seguirmos a tendência inferior,Satã e Lúcifer caminham à nossafrente. Pelos sofrimentos de Satã,através de montanhas de resistên-cias, em meio do pesar e da dor, eles nos conduzem à Luz. EntãoLúcifer, a Estrela da Manhã cai do céu, empalidecendo diante dagrande luz do Sol divino.

(Het Rozenkruis, setembro de 1936)

“O MAL NADA MAIS É QUE O BEM EM SEU VIR A SER”.(MAX HEINDEL)

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nos, começou a constituir seu própriodomínio de vida. Essa evolução estáconfirmada por numerosos escritosgnósticos e de outras filosofias.

Esse distanciamento da direçãodivina foi também o distanciamentoda brilhante Estrela da Manhã origi-nal: o plano de desenvolvimento quedeveria conduzir à unificação comDeus foi rejeitado. Essa Estrela daManhã, o eu superior da origem querecebia a luz de Deus, apagou-se sob ainfluência de Lúcifer e “caiu do céu”sobre a terra. Uma imitação, um eusuperior que é um reflexo do mundonão-divino, tomou seu lugar. Todavia,uma possibilidade de desenvolvimen-to da consciência sempre permaneceuao alcance do homem caído.

No Novo Testamento, a Estrela daManhã aparece como símbolo da res-surreição, a manifestação do eu supe-rior original, reflexo do divino. É porisso que no Apocalipse, capítulo 2,versículo 28, é dito: “E eu lhe darei aestrela da manhã”, e no capítulo 3,versículo 11: “Guarda o que tens a fimde que ninguém tome tua coroa”.

É de se notar que nessas citaçõesencontramos os termos “coroa” e “es-trela” como nas lendas. A coroa comosímbolo da nova consciência, a cons-ciência divina, pode ser colocada so-bre a cabeça quando o eu dá lugar aoser original que havia perdido seureino com Lúcifer. Entretanto, en-quanto a antiga personalidade aindaviver no microcosmo, a seguinte ad-vertência conservará a sua força:“Guarda o que tens a fim de que nin-guém tome a tua coroa”.

O que aconteceu com a pedra pre-ciosa que caiu da coroa de Lúcifer?Ela é o símbolo da luz de Cristo queacompanha cada um no caminho dodesenvolvimento da nova consciência.

Essa pedra, assim diz a lenda, se que-brou em inúmeros pedaços e se en-contra tanto no coração do homemcomo no coração do planeta. É oGraal que pode se tornar Santo Graalquando o ser humano voltar a se har-monizar com o plano de Deus. É aforca que pode de novo santificar oser humano.

Em seguida o céu poderá novamen-te refletir o plano original da Estrelada Manhã. O poder de Lúcifer é ven-cido e se dissolve no nada. Um novoLúcifer surge no céu microcósmico. Omesmo processo acontecerá um diapara a terra, que está também sob a

Lúcifer vencido porMiguel. Bronze dafachada da catedralde Coventry,Grã Bretanha.

A filosofia gnóstica atual designa esse “eu superior” comoo adversário microcósmico.Todo o decorrer da vida domicrocosmo se encontra inscritonele. Esse depósito, o carma,representa exatamente a aspiração à Luz, ou a oposiçãoà Luz. A oposição à Luz semanifesta na encarnação presente ou nas futuras, até queo ocupante do microcosmo sevolte para a Luz.

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“Um mensageiro enviado do Centronão retornou após ter alcançado aPeriferia. Esse ser, concebido como aprimeira e mais poderosa criatura deDeus, representa o Pai através detodas as Hierarquias como o servidorrepresenta seu Senhor. É por isso queessa criatura é dotada de um tal poderque ela pode conceber uma imagemdos três princípios divinos, dos trêsaspectos da Tri-unidade. Esse ser queemana do Pai original como umaestrela brilhante tem a capacidade dese mover livremente entre o Centro ea Periferia e de percorrer os domíniosdos Coros Hierárquicos dos anjos. É oprimeiro ser que tem consciência daTri-unidade divina, mesmo que sejasob a forma de um fraco eco [.....].Ora, ele fez mau uso da liberdadeque Deus lhe deu em sinal de con-fiança e com a qual ele deveria servirseu Senhor e Criador em harmoniacom o Plano divino – a tal ponto queopôs o Pai divino ao princípio originalque ele possui em si mesmo. Ele dirigesua própria vontade contra a de seuPai. Ele cria obstáculos para o ele-mento amor e combate Cristo, o

Mediador, manifestando seu próprioamor em lugar do Amor divino,opondo sua própria sabedoria à sabe-doria da Mãe original divina.Dessa maneira, ele sai do domínio daManifestação divina e caminha forada Luz, fora do reino de Deus: elepenetra no reino desconhecido dasTrevas para aí governar, e ele se ima-gina ser igual a Deus, manifestando aprópria trindade do seu ser. A partirdesse momento, ele não é mais a pri-meira criatura de Deus, mas os Filhodas Trevas.”

* “O caráter simbólico do nomeIntermediarius faz compreender que é precisodistinguir entre o autor do livro e o Espíritoque fala. As interpretações, a forma das idéiase as imagens intuitivas são do autor, mas asabedoria esotérica e as considerações relati-vas aos diferentes arcanos e seus simbolismosemanam das tradições crísticas herméticas ins-piradas pelos Mistérios da Ressurreição”.Intermediarius, Universum, 1ª parte.

influência de Lúcifer. A terra serálibertada da ignorância e das ilusõescom as quais Lúcifer mantém a huma-nidade prisioneira.

A atividade de Lúcifer na terra é aatividade das almas extraviadas. Sãoelas que lhe deram o seu poder porqueelas fazem sistematicamente o que elesugere. Entretanto, no momento emos seres humanos se tornarem cons-cientes de sua elevada vocação, esco-lherão conscientemente o caminho doretorno a Deus. Portanto, Lúcifertambém será libertado quando todasas almas extraviadas retornarem à ori-gem divina.

LÚCIFER, SEGUNDO A FILOSOFIA DE INTERMEDIARIUS *

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O curso fatal do destino da humanidade

Há séculos os homens sondam ouniverso. Dentro dele, depois deobservar o movimento dos astros,eles se outorgaram o lugar central.Os equipamentos espaciais mos-tram a terra sob a forma de umaesfera azul que vai girando lenta-mente no espaço, envolvida porbrancas tiras de nuvens.

as fotos do sistema solar, a terraaparece somente como um ponto, e ésobre essa cabeça de alfinete que mi-lhares de seres lutam noite e dia paragarantirem sua vida. Enquanto a terraviaja através dos espaços do universo,seus habitantes são submetidos às leisdesses espaços. Entre os campos mag-néticos dos corpos celestes e o da terrahá uma interação que determina ascondições de vida das diferentes re-giões terrestres.

Vamos supor que uma criança nasçaem uma dessas regiões. O corpo dospais é constituído por átomos ligadosaos valores que são irradiados por estaregião. Essas radiações são mensurá-veis, elas são diferentes em toda partee dependem em geral do grau de lati-tude, da estrutura do solo e das forma-ções rochosas. Nesse lugar o homemse sente bem ou não. No primeirocaso, ele se acomoda e se adapta ao lu-gar. No segundo caso, ele quer ir em-bora: então, ele será atraído por outrasradiações, que dependerão, por exem-plo, da situação geográfica, da conjun-tura econômica e política que ele esco-lherá respectivamente por razão desaúde, ou para melhor ganhar sua

vida, ou por não suportar o ambienteque o rodeia.

A criança que nasce é receptiva aosvalores do lugar. A estrutura astral dopaís e do povo exprime-se na lingua-gem e no costume. Tal país, tal costu-me. Quem nunca se aventura fora decasa permanece sob as mesmas radia-ções. Há aldeias que podem permane-cer isoladas do mundo durante cente-nas de anos, ou até países como oJapão que, durante séculos, fechousuas fronteiras aos estrangeiros.

EM VEZ DE AQUIETAR-SE... ENFERRUJAR

Uma das características da vida ter-restre é que o crescimento semprevem seguido pelo declínio. Todas ascivilizações começaram quase desper-cebidas, depois alcançaram um grandepoder, para no final acabarem sendoesmagadas. Isso não é novidade e serepete mais uma vez em nossos dias. AEuropa lutou para sair da obscuraIdade Média e tentou estabelecer suaunidade econômica e política. Mas adecadência corroeu os ideais e a civili-zação européia perdeu o seu poder.Todos os países, os povos, as cidades,as aldeias, as famílias e os indivíduosvivem esse mesmo crescimento segui-do de decadência.

Um ser humano é uma materializa-ção de um campo de força que surgenum dado momento. Isto, se as radia-ções forem apropriadas, e se este serestiver apto para aprender as lições devida oferecidas por esse campo deforça. Para tanto, uma consciência é

N

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“depositada” numa determinada região,ou seja, em certas condições psíquicas,atmosféricas e materiais que formamseu berço. Aí se constroem e se conso-lidam as bases de sua vida terrestre, atéo momento em que sua consciênciadeve empreender pessoalmente umanova etapa. Então, o filho parte paraconstruir sua própria existência.

AS CONDIÇÕES CÓSMICAS MUDAM ACADA SEGUNDO

Mas a terra continua a girar atravésdos espaços do universo. Portanto, ascondições cósmicas se modificam atodo o instante e a vida terrestre, a na-tureza e a humanidade devem se adap-tar a isto. Continentes desaparecem eaparecem, as correntes marinhas e osventos dominantes mudam de direção,as civilizações perecem, os princípiosvariam e as espécies animais e vegetaismorrem. Outros fenômenos tomamseu lugar. E os homens, acidentes dotempo, acumulam conhecimentos gra-ças a essas transformações. Eles fazemparte disso, mas não estão ainda sufi-cientemente conscientes, apesar de es-tudarem e buscarem as causas da vida.

As radiações mudam, os campos deforça cercam a terra e tocam a huma-nidade. Os seres humanos reagem pelaoposição ou pela compreensão. Algunstentam formar por si mesmos certosvalores, irradiá-los, cultivá-los e re-vestir-se deles como se fosse uma capade proteção. Outros se deixam levarpela correnteza e se deixam conduzirpara um novo futuro.

Assim, cada um forma seu próprio

futuro, conscientemente ou não. Comsuas idéias, seus sentimentos e seusatos cada um semeia as condições deradiação de sua próxima etapa. A cadaum seu quinhão ! Mas esse “quinhão”geralmente não é satisfatório. Entre-tanto é preciso aceitá-lo e tirar delealguma lição.

Agora que os meios de comunica-ção revelam em massa os aconteci-mentos do mundo inteiro, parece nãohaver mais um minuto de paz sobre aterra. Por toda parte surgem focos deincêndios, que se inflamam ou explo-dem. Sempre foi assim: este fenôme-no faz parte do mundo dialético – sóque nós não sabíamos disso. Nosséculos precedentes, a história daEuropa limitava-se às regiões querodeavam o mar Mediterrâneo: pare-cia que, além dele, nada acontecia!

Os sítios arqueológicos mostramque todas as sociedades passaram porlutas. Monumentos como as pirâmi-des de Gizé e o Templo de Borobudurdão testemunho de que, apesar disso,existiu uma vida superior que trans-cendeu os campos de batalha.

O SER HUMANO É INCAPAZ DE SEREGENERAR POR SI MESMO

Como o campo de vida humano – ocampo da natureza terrestre – temuma vibração que há muito tempo jánão está em concordância com a vidaimortal, os homens já não têm a possi-bilidade de se regenerar por si mes-mos. Eles permanecem fechados nocírculo vicioso do nascimento, da vidae da morte, e perdem força continua-

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À esquerda: Os minerais do solo têm cada um sua própria radiação.Embaixo: Corte de um tipo de radiação entre as cidades de Lackenhäuser e de Phillipsreut na Alemanha.

Em cima: Representação gráfica das diferentes espécies de radiações que agem sobre o homem a partir do solo.A direta: O homem é o ponto central de três fontesde radiação: seu próprio potencial de radiação,o da terra e o do cosmos.

Radiação cósmica

Radiaçãointerna

Radiaçãoterrestre

Quartzo

Quartzo

Granito

Granito

Trilha de Floresta

AlcatrãoCascalho

Caminho pertode Rodovia

Gnaisse

Gnaisse

Os três componentes:radiações cósmicas, terrestrese internas, têm efeito sobre

todos os seres humanos,suas forças dependem

de seuambiente

específico.

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mente. É por isso que é possível tentarcalcular o fim do planeta e do sistemasolar por computador. A natureza ter-restre submeteu-se à força que se vol-tou contra Deus. Lúcifer governa ocampo de vida terrestre e o homemdeve segui-lo.

TORRENTES DE FORÇA CIRCUNDAMA TERRA.

A terra e as suas criaturas recebem aenergia do sol e dele vivem. Mas ogerme do espírito imortal no homemvive do sol que está por trás do sol, oCriador intangível do universo, en-quanto que a natureza terrestre viveda natureza luciferiana, cujas forçasenvolvem a terra, aglutinam-se emlugares determinados e são reforçadaspor aqueles que a elas aderem. Ai dequem vive nesta natureza! Apesar detudo, as influências das forças divinasdissipam regularmente as forças luci-ferianas. Então, acontece um períodode paz; mas a roda gira e a luta reco-meça. É assim que as experiências vãose acumulando na consciência, quealcança o limite de suas possibilidades.Além disso está o ponto de toque apartir do qual outras forças – as forçasde origem divina – podem influenciara vida humana.

UM TOQUE CONTÍNUO NOCORAÇÃO

O nascimento na matéria coloca oser humano em correntes energéticas

suscetíveis de sustentá-lo. No maisprofundo de sua miséria e de seusofrimento ele pode reconhecer o seuaprisionamento. Na fartura, ele podetambém aprender o desapego. As si-tuações são infinitamente variadas.Nenhuma vida é igual a outra. O car-ma do mundo envolve a terra e leva ascriaturas a vivenciarem experiênciasprofundas. Mas o amor de Deus tam-bém engloba a terra enviando conti-nuamente um chamado para os cora-ções humanos, a fim de que eles trans-cendam o sofrimento.

Todos reagem a isto, seja pela opo-sição ou pela entrega. Aqueles que seopõem têm de ir mais longe e são apa-nhados pelas forças luciferianas.Aqueles que se entregam à Luz divinajá têm o poder de dar as costas a Lú-cifer. Então, a morte espiritual é ven-cida: a morte terrestre perde seu agui-lhão e a porta do campo de vida eter-na se abre.

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“O tempo da colheita chegou. Por isso, Deus

chamou-me para a Sua colheita. Eu amolei minha foice,

porque agora se trata de lutar pela verdade.

O povo deve aprender por si mesmo a palavra vivente

de Deus pela boca de Deus.”

(Thomas Münzer, Manifesto de Praga, 1523, p. 4)