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1 Uma publicação do Instituto Pensando o Brasil ANO 1 - Nº 1 - OUTUBRO DE 2014 PENSANDO O BRASIL REFORMA POLÍTICA: RESPONSABILIDADE COLETIVA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PLANEJAMENTO RODRIGO LOPES A INDÚSTRIA BRASILEIRA É UM NEGÓCIO DA CHINA JÚLIO MIRANDA O QUE ACONTECEU COM A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA? GUILHERME CASARÕES A PRÓXIMA GERAÇÃO MARCOS PAIM E CAIO SETUBAL

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Page 1: PENSANDO O BRASIL - Revista Vive Latinoamérica · um jogo de diversidade no qual as maiorias se compõem para fins es-pecíficos, mas sem a pretensão de absorver a vida política

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Uma publicação do Instituto Pensando o BrasilANO 1 - Nº 1 - OUTUBRO DE 2014

PENSANDO O BRASIL

REFORMA POLÍTICA: RESPONSABILIDADE COLETIVA

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

PLANEJAMENTORODRIGO LOPES

A INDÚSTRIA BRASILEIRA É UM NEGÓCIO DA CHINA

JÚLIO MIRANDA

O QUE ACONTECEU COM A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA?

GUILHERME CASARÕES

A PRÓXIMA GERAÇÃOMARCOS PAIM E CAIO SETUBAL

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Tenho a alegria de anunciar o nascimento do novo espaço de debates do Ins-tituto Pensando o Brasil. A revista digital Pensando o Brasil, com periodicidade trimestral, defende uma orientação editorial diversificada, que convém a um país complexo e multifacetado como o Brasil. Ao invés da convergência de opiniões, ela pretende, justamente, fomentar um grande debate de ideias, de propostas, de soluções aos problemas brasileiros, acima de posições partidá-rias ou ideológicas. Seu único compromisso, como confirmado pela escolha do nome, é pensar o País, promovendo discussões racionais e realistas a respeito dos entraves que ainda impedem o Brasil de atingir seu potencial pleno de progresso.

No seu primeiro número, Pensando o Brasil traz artigos do ex-presidente Fer-nando Henrique Cardoso, do consultor em planejamento de cidades Rodrigo Lopes, do Presidente da Rede Minas de Televisão Júlio Miranda, do professor de Relações Internacionais Guilherme Casarões, e dos educadores Marcos Paim e Caio Setubal.

Nosso desejo é o de que a debutante revista Pensando o Brasil seja acolhe-dora da nossa melhor produção, que tenha sensibilidade para antever sempre os temas da agenda nacional e que mantenha o ritmo constante e pontual de suas publicações. Tudo isso de forma acessível e interativa pelo site www.pensandoobrasil.com.br.Boa leitura e vida longa à revista Pensando o Brasil!

Maria Estela Kubitschek Lopes

EXPEDIENTE

PENSANDO O BRASIL, UM NOVO ESPAÇO DE DEBATES

PresidenteMaria Estela Kubitschek Lopes

Vice Presidente ExecutivoFábio Chateaubriand

Diretor do Fórum Pensando o BrasilGabriel Azevedo

Diretor de ProjetosJosé Tomás de Vasconcellos Gouvêa

Conselho FiscalAlexandre de Campos, Daniel Perrelli Lança, Davi Lago

Conselho ConsultivoAndrea Carreiro Kubitschek Lopes, Henry Isaac Sobel, Hervé Nicolas Linder, Rodrigo Paulo de Padua Lopes

Pensando o Brasil é uma publicação trimestral do Instituto Pensando o Brasil, focada no debate público nacional. Copyright © dos trabalhos publicados pertence a seus

autores.

EditorFábio Chateaubriand

Conselho EditorialCarlos Maciel (Université de Nantes)

Charles Cesconetto (GeoFilmes)Gilvani Moletta (Instituto Mauá de Tecnologia)

João Cesar Kubitschek Lopes (Instituto Pensando o Brasil)Kelly Maurice (Worldfund)

Marcos Mendonça (Fundação Padre Anchieta)Michel Schlesinger (Congregação Israelita Paulista)

Rodrigo Prando (Universidade Presbiteriana Mackenzie)Sebastián Baldunciel (América Latina ONGs)

Sérgio Fausto (Instituto Fernando Henrique Cardoso)

Projeto Gráfico e RevisãoAgência HIGGS

CapaFoto: Pedro Ladeira/Folhapress

SUMÁRIO

PG 3 - APRESENTAÇÃO

PG 4 - REFORMA POLÍTICA

PG 11 - PLANEJAMENTO

PG 15 - A INDÚSTRIA BRASILEIRAÉ UM NEGÓCIO DA CHINA

PG 20 - O QUE ACONTECEU COM A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA?

PG 30 - A PRÓXIMA GERAÇÃO

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Além de desmoralizar a instituição partido político, crucial à demo-cracia, o atual sistema partidário e eleitoral cria enormes dificuldades para uma gestão pública que faça uso eficiente dos recursos arrecada-dos e atenda às expectativas da so-ciedade. A hipertrofia do governo e o loteamento ilimitado do Estado virtualmente induzem à conivência com práticas de corrupção. Que, o diga o PT, que ao chegar ao poder, fez crescer de pouco mais de vinte para quase quarenta o número de ministérios. Dobrou o número de ministérios e o número de partidos integrantes da base parlamentar, em comparação com o meu gover-no. Como se não bastasse, o lote-amento do Estado pelos partidos passou a não conhecer fronteiras: invadiu o território das agências regulatórias, dos fundos públicos, como o FGTS, dos fundos de pen-são das estatais etc.

Não quero atirar a primeira pedra, mesmo porque muitas já foram lan-çadas. Não é de hoje que as coisas funcionam dessa maneira. Mas a contaminação da vida político-ad-ministrativa foi-se agravando até chegarmos ao ponto a que chega-

Max Weber, cuja obra eu li e reli desde jovem, dizia que fazer política é como perfurar tá-

buas grossas com uma verruma, uma broca: re-quer tanto senso de propósito quanto determina-ção. É com esse sentimento que volto ao tema da reforma política, à luz do sem-fim de escândalos que desfilam diariamente pela mídia. Algumas vezes, mesmo sem que haja indícios firmes, os nomes dos políticos aparecem enlame-ados. Pior, de tantos casos com provas veemen-tes de envolvimento em “malfeitos”, basta citar alguém para que o leitor se convença de imedia-to de sua culpabilidade. A sociedade já não tem mais dúvidas: se há fumaça, há fogo. Desde o re-torno do país à democracia, nunca foi tão gran-de o descrédito da população sobre os políticos e as instituições políticas. Essa situação não pode perdurar indefinidamente sem riscos à própria democracia.

Os escândalos que vêm aparecendo numa onda crescente são sintomas de algo mais grave: é o próprio sistema político atual que está em causa, notadamente suas práticas eleitorais e partidá-rias. Nenhum governo pode funcionar na norma-lidade quando atado a um sistema político que permite e mesmo incentiva a criação de mais de trinta partidos, dos quais vinte e poucos com re-presentação no Congresso. Criar um partido para depois alugá-lo a quem esteja interessado em seu tempo de televisão e/ou apoio no Congresso se tornou um negócio, dos mais lucrativos, no Bra-sil. RE

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mos. Se, no passado, nosso sistema de governo foi chamado de “pre-sidencialismo de coalizão”, agora ele é apenas um “presidencialismo de cooptação”. Eu nunca entendi a razão pela qual o governo Lula fez questão de formar uma maioria tão grande e pagou o preço do mensa-lão. Ou melhor, posso entendê-la: é porque o PT tem vocação de he-gemonia. Não vê a política como um jogo de diversidade no qual as maiorias se compõem para fins es-pecíficos, mas sem a pretensão de absorver a vida política nacional sob um comando centralizado.

Essa vocação hegemônica do PT, entendida mais como ocupação de espaços e controle de instrumentos de poder do que como hegemonia político-cultural, aberta ao diálogo e ciosa do pluralismo, vem da jun-ção entre duas vertentes que estão na origem da formação do partido: a esquerda leninista e o movimento sindical moldado na estrutura do corporativismo brasileiro. Se por um lado moderou o esquerdismo original do PT, o pragmatismo sin-dical reforçou a visão leninista de que a política é jogo de soma zero, um prolongamento da guerra por Fe

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outros meios. Nessa visão, a política se resume a conquistar e manter os instrumentos de poder. A conquis-ta, no Brasil, felizmente, se faz pelo voto, mas a manutenção do poder requer que o Presidente e seu par-tido o compartilhem com os sócios minoritários da aliança governista. Guiado pelo objetivo de expandir os limites do seu poder e assegurar o seu controle sobre esse processo de expansão, o PT se entrincheirou nos postos de comando, hipertrofiou o Estado, estendeu os seus tentáculos pela máquina pública e loteou o go-verno, cedendo nacos menores aos demais partidos governistas.

Meu próprio governo precisou for-mar uma maioria ampla. Mas havia um objetivo político claro: precisá-vamos de três quintos da Câmara e do Senado para aprovar reformas constitucionais necessárias à mo-dernização do País. Eu havia assu-mido claramente o compromisso de realizar essas reformas. Apresentei o meu programa de governo – Mãos à Obra – ainda durante o processo eleitoral. Compus o governo com as forças aliadas, mas blindei várias áreas do Estado para protegê-las da barganha partidária. Ora, os governos que me sucede-

Fernando Henrique CardosoACERVO Pr. FHC

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ram não reformaram nada nem precisaram de tal maioria para aprovar emendas constitucionais. Deixaram-se levar pela dinâmica dos interesses partidários. Não só do partido hegemônico no gover-no, o PT, ou dos maiores, como o PMDB, mas de qualquer agregação de vinte, trinta ou quarenta parla-mentares, às vezes menos, que, para participar da “base de apoio”, se organizam numa sigla e plei-teiam participação no governo: um ministério, se possível; senão uma diretoria de empresa estatal ou uma repartição pública impor-tante. Daí serem precisos trinta e nove ministérios para dar cabida a tantos aderentes.

No México do PRI, que foi o par-tido hegemônico naquele país por cerca de setenta anos, dizia-se que fora do orçamento não havia salva-ção... No Brasil, tudo parece apon-tar para a mesma direção, com o agravante de que o orçamento não inclui todos os fundos públicos utilizados para cooptar interesses privados e partidários. Aqui, sim, parece haver vida fora do orça-mento, mas não porque a política se faz mais pela representação da

sociedade junto ao Estado do que pela cooptação de grupos por parte do governo de turno. E sim porque, sem qualquer transparência, parte dos recursos públicos que benefi-ciam seletivamente determinados grupos transita não por dentro do orçamento, mas por fora, por meio de empréstimos subsidiados cana-lizados através do BNDES, do FGTS etc. Reformar o sistema partidário e eleitoral não é condição suficien-te para construirmos as bases de uma gestão pública mais eficaz e transparente. É, porém, condição indispensável. Na raiz dos nossos problemas político-institucionais se encontram regras eleitorais que levam os partidos a apresentar lis-tas enormes de candidatos em cada estado para, nelas, o eleitor esco-lher seu preferido. São sempre cen-tenas de nomes, dentre os quais o cidadão faz sua escolha, sem saber bem quem são ou que significado político-partidário tem a sua esco-lha. Logo depois, nem se lembra em quem votou. A isso se acrescen-ta a liberalidade de nossa Consti-tuição, que assegura ampla liberda-de para a formação de partidos. Por isso, não se pode melhorar essas

regras por intermédio da legisla-ção ordinária. É certo que algumas melhorias foram aprovadas pelos parlamentares. Por exemplo, a exi-gência de uma proporção mínima de votos em certo número de esta-dos para a autorização do funcio-namento dos partidos no Congres-so, a chamada cláusula de barreira. Ou a proibição de coligações nas eleições proporcionais, por meio das quais se elegem deputados de um partido coligado aproveitando a sobra de votos de outro partido. Ambas, no entanto, foram recu-sadas por serem inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.Com o número absurdo de par-tidos (a maior parte deles, mera sigla sem programa, organização ou militância), forma-se, a cada eleição, uma colcha de retalhos no Congresso, em que mesmo os maiores partidos não têm mais do que um pedaço pequeno da re-presentação total. Até a segunda eleição de Lula, os presidentes se elegiam apoiados em uma coalizão de partidos e logo tinham de am-pliá-la para ter a maioria no Con-gresso. De lá para cá, a coalizão eleitoral passou a assegurar maio-

ria parlamentar. Mas, por vocação do PT à hegemonia, o sistema de-generou em “presidencialismo de cooptação”. E deu no que deu: um festival de incoerências políticas e portas abertas à cumplicidade diante da corrupção.

Mudar o sistema atual é uma res-ponsabilidade coletiva. Na Assem-bleia Constituinte, não previmos os efeitos práticos que as regras institucionais criadas por nós iriam produzir sobre o quadro par-tidário ao longo dos anos a seguir. Deveríamos ter sido mais restriti-vos ou então deixar a matéria para a legislação infraconstitucional, o que facilitaria hoje o processo de reformas. Não adianta chorar so-bre o leite derramado. Não adianta tampouco nos acusarmos mútua e indefinidamente sobre quem tem maior ou menor responsabilidade pelo quadro político-institucional a que chegamos.

Repito o que disse a todos os que exerceram ou exercem a Presidên-cia em outra oportunidade: por que não assumimos nossas res-ponsabilidades, por mais diversa

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que tenha sido nossa parcela indi-vidual no processo que nos levou a tal situação, e nos propomos a fazer conjuntamente o que nos-sos partidos, por suas impossibi-lidades e por seus interesses, não querem fazer? Ou seja, mudar o sistema?

Se, de fato, queremos sair do loda-çal que afoga a política, não esta-rá passando a hora da busca dos mínimos denominadores comuns que ainda podem restabelecer a confiança do País no sistema de-mocrático representativo? Ou va-mos esperar que crise maior des-trua a crença em tudo e a mudança seja feita não pelo consenso demo-crático, mas pela vontade férrea de algum salvador da pátria?

O Brasil conviveu com uma infla-ção alta, crônica e crescente du-rante mais de duas décadas. Só foi possível debelá-la, com o Plano Real, quando a sociedade chegou a um ponto de saturação. Não resta dúvida de que o sistema partidá-rio-eleitoral atingiu o seu ponto de saturação. Agora, como então, será necessário ter liderança para encontrar solução ao problema. A responsabilidade é coletiva e deve

O planejamento vem sendo recentemente praticado como instrumento de exercício de poder na atividade privada, assim como nos governos.Pensar o futuro e definir ações a serem segui-das para atingir o ideal desejado é a mais sim-ples definição de planejamento.

No século passado, o planejamento governa-mental teve três momentos extremamente im-portantes: que foram os “Planos Quinquenais” da Rússia Soviética, o “New Deal” do Governo Roosevelt nos Estados Unidos e o “Programa de Metas” do Governo Kubitschek no Brasil.

São exemplos de governos responsáveis, que foram capazes de mudar e forjar um futuro para seus países e para toda a humanidade como exemplos de sucesso a serem seguidos.

Porque pensar o futuro e planejar ações no presente em função de uma visão estratégica é, antes de tudo, uma exigência ética para todos os governos.

“(...) na ausência do conhecimento, é o poder que determina deveres (...) ”

Mas isso tem de mudar e só poderemos fazê-lo através de uma nova contemplação do futuro. O Governo que não planeja vive à mercê das emergências para as quais nunca está prepa-

ser assumida pelas principais lide-ranças políticas do País.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSOSociólogo, foi Presidente da República (1995-2003)

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rado e não tem soluções simples. Assim como os governos do PT, no Brasil, nos últimos anos.

Os grandes homens, principalmen-te os grandes políticos e estadistas, têm características múltiplas em sua personalidade que são ressaltadas ou contestadas dentro da realidade dos momentos históricos dos quais participam. Entretanto, é sempre importante para as novas gerações aprender suas lições, principalmente as que marcaram os sucessos. Fica de JK a lição de:

ter sempre uma visão estratégi-ca na definição de objetivos de ação;

escolher não somente pessoas que sabem, mas pessoas que sabem fazer;

buscar sempre, a humildade, aprender como fazer;

fazer sempre com determina-ção, confiança e eficiência, dentro de um ritmo que até hoje chamamos de “ritmo de Brasília”. No setor privado, o planejamento faz

Juscelino Kubitschek e equipe de governo em reunião de planejamento.ACERVO CASA DE JUSCELINO

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parte da vida humana. Porém, nun-ca foi uma atitude universal, sendo utilizado de formas diferentes e muitas vezes nem utilizado.

No setor governamental, o planeja-mento tem sido utilizado há muito tempo e, no seu início, vinculava-se muito às ações militares estratégi-cas.

Max Weber avisava que “o negócio próprio do político é o futuro e sua responsabilidade é o futuro”. Dizia também que o possível é também que: “o possível nunca será alcança-do se, ao redor do mundo, alguém não tentar de novo e de novo, sem cessar, o impossível”.

Podemos citar como exemplo o que aconteceu no Estado de Minas Ge-rais nos últimos doze anos e que mostra o que pode ser alcançado por um adequado planejamento.

O PMDI – Plano Mineiro de Desen-volvimento Integrado é exemplo de um governo consciente de suas res-ponsabilidades com o futuro do seu estado. É um plano estratégico com um importante objetivo central,

que é transformar Minas Gerais no melhor estado para se viver no País e um dos melhores do mundo, em um horizonte de 15 anos. Foi a ela-boração desse plano que permitiu a implantação de um “Choque de Gestão”, que está transformando a administração pública no Esta-do, com influência em todo o País. O sucesso de Minas Gerais é um exemplo da atitude que pregamos para todos os governantes, como foi o Programa de Metas de Jusceli-no Kubitschek.

RODRIGO LOPESÉ engenheiro e consultor em planejamento de cidades

Li com um misto de respeito e tristeza en-trevista concedida pelo empresário Car-

los Tilkan, Presidente da Estrela, tradicional indústria brasileira de brinquedos, uma das tantas vítimas do Plano Collor na década de 1990. Respeito pelo brilhante trabalho de-senvolvido pelo executivo, que conseguiu re-erguer a empresa depois de amargos quinze anos de ameaças pela invasão de produtos chineses ao Brasil. Tilkan demitiu emprega-dos, fechou fábricas, driblou entraves à com-petitividade como logística cara e ineficaz, carga tributária escorchante e encargos pe-sadíssimos sobre a folha de salários, apenas para citar alguns fatores que tiram o sono dos empreendedores.

Tristeza por descobrir que a indústria brasi-leira Estrela já não é mais tão indústria e nem é mais tão brasileira assim. Para conseguir sobreviver, passou a exportar seus produtos, mas com o detalhe de que tais exportações se dão a partir de sua fábrica na China. No Brasil, a empresa passou de indústria a co-mércio.

Nas proximidades de Xangai, China, visitei fábricas de eletrodomésticos que exportam para “indústrias” brasileiras, as quais passa-ram a comercializar e não mais fabricar os produtos que deram origem à sua existência. Ainda bem que suas marcas conseguiram so-breviver ao homeopático processo de trans-ferência de empregos e processos industriais A

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do Brasil para aquele e outros pa-íses asiáticos. Fabricação de pro-dutos por terceiros não é proble-ma quando se trata de estratégia de negócios. No caso da Estrela e de tantas outras indústrias no Brasil, mais do que de negócios, a terceirização de sua produção ou a transferência de suas unidades fabris para a China é estratégia de mera sobrevivência, já que o seu país não oferece condições de se-rem competitivas.

Concorrentes internacionais pas-sam a ser parceiros, mas a que pre-ço para o Brasil no longo prazo? É a confirmação da triste máxima que aconselha: “Para sobreviver, se es-tiver no inferno, tem que abraçar o capeta”. Melhor seria se estivésse-mos no paraíso.

Entre sessenta países avaliados, ocupamos a 54 anos. posição no Ranking de Competitividade Mun-dial 2014 (World Competitiveness Yearbook) , ficando à frente apenas de Eslovênia, Bulgária, Grécia, Ar-gentina, Croácia e Venezuela. Em outros anos, estivemos melhores. Em 2013, por exemplo, ocupamos

Foto: Imprensa/ GEPR

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pois a sonegação é a financiadora de nossa competitividade”. Nada de novo, apenas é que aquele em-presário teve a coragem de falar o que todo mundo sabe.

Outro empresário, perguntado a respeito, me disse: “Se alguém fa-lar que eu não pago impostos, eu só nego”. É cômico mas igualmen-te triste, porque tal situação não é particular de um ou outro setor da economia, levando empresários ao constrangimento de violentarem seus próprios princípios.

Todos prefeririam pagar seus im-postos, mas ter de volta serviços compatíveis com seu patrocínio ao poder público. E pensar que já fomos inconfidentes por causa do quinto do ouro. Hoje, nossa indig-nação é por causa dos quase dois quintos. Precisamos de mais tira--dentes!

A falta de visão e de políticas de longo prazo tornam o País refém de iniciativas conjunturais, como quem evita o naufrágio retirando água do barco com uma canequi-nha. Só que, pelas nossas repetidas

quedas no ranking de competitivi-dade, dá para perceber que a água entra em maior quantidade do que é retirada da embarcação. Somen-te uma política de desenvolvimen-to industrial de longo prazo é ca-paz de tirar o país do isolamento das cadeias globais de produção. É preciso, ainda, melhorar a qualida-de dos gastos públicos e empreen-der reformas estruturais corajosas, a começar da política. Não é possí-vel ser competitivo num país que trabalha um ano e fica anestesiado no outro por causa de eleições.

Num País que precisa criar mi-nistérios para abrigar “aliados” e assegurar a governabilidade. É também imperativo que, como diz Hélio Schwartsman, governos parem de moldar fatos à narrativa conveniente.

E que nos deem de presente o país que assistimos nas propagandas governamentais e nas promessas eleitoreiras. E tem de ser rápido, porque o País tem pressa de que nossa indústria seja uma coisa do Brasil e não da China.

a 51 anos. posição. Em 2010, éramos o 38º país mais competitivo. Essa é uma trajetória preocupante para a sétima maior economia do mundo. Não há pacotes de bondades que deem jeito nessa situação. Deso-nerações pontuais apenas masca-ram a realidade e levam estados e municípios ao estrangulamento orçamentário com a consequente queda de repasses pelos Fundos de Participação. O governo central fica com o galardão, enquanto estados e municípios arcam com a conta.

Há pouco tempo, em consultoria a uma federação de indústrias, ouvi queixas de empresários de vários setores. Era unânime a reclamação das altas taxas de juros, dificul-dades de acesso a crédito, falta de mão de obra qualificada e, o que é pior, falta de mão de obra qualificá-vel. Na agenda, ainda, os elevados encargos sobre a folha de salários, o câmbio valorizado e, especial-mente, a elevada e complexa carga tributária. Para a minha surpresa, um industrial afirmou que a carga tributária não significava qualquer problema para o seu setor. Segundo ele, “nós não pagamos impostos,

Júlio Miranda É consultor de estratégias para gestão de negócios e Presidente da Rede Minas de Televisão

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Para um país que vinha numa traje-tória ascendente de projeção inter-nacional, seja no plano comercial ou político, os últimos três anos e meio representam um duro choque de realidade. O que aconteceu com a política externa brasileira? Mais importante, o que fazer para que ela volte aos trilhos?

Quando Dilma Rousseff foi eleita, em 2010, seu relativo desinteresse pelas questões internacionais era patente. Política externa não entra-va nas prioridades de campanha, à exceção da temática de direitos hu-manos, que fazia parte da retórica (e da biografia) da própria Presi-dente. A hipótese que muitos aven-taram, quase que intuitivamente, seria a do completo retorno dos po-deres de formulação e implementa-ção ao Itamaraty, ministério que vi-nha disputando espaço, na última década e meia, com a diplomacia presidencial de Fernando Henri-que Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

A nomeação de Antonio Patriota à chancelaria também sinalizava o estilo e a substância da nova polí-tica externa. De perfil mais baixo

e mais técnico que seu antecessor, Celso Amorim, esperava-se que o novo chanceler reparasse alguns excessos identificados no governo anterior, cuja orientação externa, a despeito das iniciativas e conquis-tas maiúsculas, aparentemente ga-nhara contornos demasiadamen-te políticos (como na questão de Honduras, em 2009, ou no Acordo de Teerã, em 2010). O fato de Pa-triota ter servido como embaixador em Washington também indicava o desejo de resgatar relações posi-tivas com os Estados Unidos, após dois anos de estranhamento diplo-mático.

No início, os desencontros com a diplomacia pareciam relacionar--se com o estilo de liderança da Presidente. Centralizadora e dire-ta (ao contrário, por exemplo, do estilo amplamente consociativo de Lula e Fernando Henrique), Dilma não demonstrava paciência para o ofício diplomático. Reduziu o nú-mero de viagens internacionais e esquivou-se do protocolo ao ne-gar audiências a diversos líderes estrangeiros e não comparecer a cúpulas internacionais. Seja por força das circunstâncias ou das

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O Itamaraty só tira (ou dá) voto no Burundi”. Com essa máxima, Ulysses Guimarães des-

crevia, com a sagacidade que lhe era própria, o papel da política externa nas eleições brasileiras. De fato, as questões internacionais ainda apare-cem de maneira muito tímida no debate público e não lhes é dada a devida saliência em época elei-toral. Ainda assim, uma transformação recente salta aos olhos até do observador desavisado: das páginas de opinião dos jornais aos noticiários da televisão, nunca se falou tanto de política exter-na. E nunca se criticou tanto as escolhas do Brasil nesta seara.

Se, no governo Lula, questionava-se o excesso de voluntarismo do presidente e da diplomacia, acu-sados por vezes de tingir com cores partidárias as decisões internacionais do país, o que vemos hoje é o quadro oposto. As vitórias são fugazes e a inércia é generalizada. No seio do governo, desdenha-se a atividade diplomática. Baluarte da excelência intelectual e do profissionalismo burocrático, o Ministério das Relações Exterio-res vem navegando à deriva, ignorado pela pre-sidência da República e munido de poucos re-cursos orçamentários e humanos. Até mesmo no tocante à reputação do Itamaraty, em que não se pensou haver flancos abertos, as críticas e acusa-ções começaram a surgir nos grandes veículos de comunicação: de supersalários a assédio moral, os operadores da política exterior vêm perdendo prestígio.

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crenças pessoais, determinou que sua política externa seria pautada pelos resultados tangíveis e de cur-to prazo, inaugurando uma espécie de “diplomacia dos balancetes” no sentido contrário ao das décadas anteriores.

Não haveria problema algum caso se tratasse somente de uma ques-tão de prioridades. Desde 2011, a desaceleração do crescimento eco-nômico expôs a fragilidade de di-versos setores da indústria nacio-nal, escancarou problemas ligados à infraestrutura e exigiu do recém--empossado governo uma promes-sa de correção de rumos macroe-conômicos. Ficava claro, naquelas circunstâncias, que a política ex-terna não poderia ser prioridade de um governo diante de severas difi-culdades econômicas.

Não se imaginava, no entanto, que veríamos uma verdadeira retração internacional do Brasil, sobretudo se compararmos com os anos ime-diatos que antecederam o governo Dilma Rousseff. A nova política ex-terna, além de revelar um profundo dissenso entre as visões de mundo da Presidente e da diplomacia, aca-

Palácio Itamaraty | Brasília, DFMinistério das Relações Exteriores

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bou levando a um esvaziamento das prerrogativas e dos poderes do Itamaraty.

A descrença de Dilma Rousseff nos instrumentos diplomáticos tradi-cionais traduziu-se em uma série de desavenças com o chanceler Pa-triota, muitas das quais se torna-ram públicas e que culminaram em sua demissão em agosto de 2013. Na contramão da tradição bachareles-ca que caracteriza a diplomacia na-cional, a Presidente chegou a fazer um pedido por mais diplomatas--engenheiros por ocasião da for-matura de uma classe do Instituto Rio Branco. “O Itamaraty faz muita diplomacia e pouca política exter-na”; a frase, entoada como um man-tra por Dilma, revela com clareza o lugar que a chancelaria ocupa nas prioridades governamentais.

Muitas das iniciativas externas dos últimos três anos e meio foram to-madas sem o devido envolvimento (ou, por vezes, sem o consentimen-to) do Ministério das Relações Ex-teriores. No plano regional, proje-tos de infraestrutura conectando o Brasil a seus vizinhos andinos, rea-lizados sob o guarda-chuva do Con-

selho Sul-Americano de Infraestru-tura e Planejamento (Cosiplan) da UNASUL, são coordenados pelo Ministério do Planejamento e con-tam com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES). Embo-ra haja ações coordenadas com o Itamaraty, perdeu-se a perspectiva mais ampla, de longo prazo, dos empreendimentos brasileiros.

O caso das relações entre Brasil e Peru é exemplar. O país, que se tor-nou sócio indispensável diante da necessidade de minimizarem-se os gargalos estruturais às exportações nacionais (e que recebeu nada me-nos que quatro visitas da Presiden-te), não está integrado ao projeto mais amplo de integração regional que envolve, por exemplo, o Mer-cosul. Da mesma maneira, não se fazem os devidos esforços para in-corporar a Bolívia, país com quem temos profunda interdependência energética, no espaço econômico do Cone Sul.

São bem conhecidas, aliás, as crí-ticas que diplomatas, acadêmicos e empresários fazem ao funciona-mento do Mercosul. Pouco foi re-

alizado, nos anos Dilma, para res-gatar o livre-comércio para o qual o bloco foi originalmente criado, o que continua trazendo consequên-cias negativas para a inserção brasi-leira nas cadeias produtivas globais e nos acordos inter-regionais. Isso, ademais, vem frustrando o projeto sul-americano do Brasil, sempre à sombra dos interesses norte--americanos. Os Estados Unidos assinaram acordos bilaterais de li-vre-comércio com Peru, Colômbia e Chile – e já ensaiaram tentativas de aproximação de Uruguai e, mais recentemente, Paraguai.

O diagnóstico parece estar ligado à politização do Mercosul, em detri-mento da eficiência de seus meca-nismos comerciais. Nos primeiros trinta meses do governo Dilma, o debate mais candente no âmbito do bloco regional era o ingresso da Venezuela, processo que se en-contrava paralisado no senado pa-raguaio. Sem entrar no mérito dos potenciais ganhos ou prejuízos eco-nômicos da entrada venezuelana, a manobra diplomática que admitiu o governo Chávez, aproveitando-se de uma crise política no Paraguai, foi responsável por fragilizar ainda

mais o bloco.

Contrário à decisão de suspender o governo paraguaio, o Itamaraty foi devidamente marginalizado do processo. Coube a Luís Inácio Ada-ms, Advogado-Geral da União, ela-borar o parecer que sustentou juri-dicamente a decisão dos membros do Mercosul. Numa função que tradicionalmente é desempenha-da pela chancelaria, Adams foi in-cumbido de fazer a defesa pública da posição brasileira, nas páginas da Folha de São Paulo. Na reunião em que se optou pelo alijamen-to temporário do Paraguai, Dilma estava acompanhada não somente de Patriota, mas também de Aloi-zio Mercadante, então Ministro da Educação.

No plano bilateral, as ambições po-líticas do governo Lula foram subs-tituídas por objetivos mais mo-destos e pragmáticos, tendo como uma de suas bandeiras o programa Ciência Sem Fronteiras (CSF). Des-tinado a enviar estudantes de gra-duação e pós-graduação a univer-sidades estrangeiras de excelência nos campos de ciência, tecnologia e inovação, a iniciativa foi quase

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totalmente conduzida no âmbito dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia. Uma análise dos roteiros das viagens oficiais e do conteúdo dos atos bilaterais as-sinados durante o governo Rousseff mostra que foi dada ênfase a parce-rias estratégicas com países vincu-lados ao CSF, como Estados Uni-dos, Canadá e as maiores nações da União Europeia, tendo como mote a cooperação científico-tecnológi-ca.

Trata-se de guinada importante nas prioridades bilaterais do País, sem que isso necessariamente este-ja vinculado a estratégias diplomá-ticas mais abrangentes e de longo prazo. As relações com os Estados Unidos encontram-se estagnadas desde que irrompeu o escândalo de espionagem de agências do governo americano contra o Brasil, levando ao adiamento da viagem oficial da Presidente, inicialmente agendada para setembro de 2013.

Os contatos com os países euro-peus, embora prósperos, não foram poupados de duras críticas feitas por Dilma Rousseff à condução da crise na zona do Euro por parte da

Alemanha e à intervenção militar francesa no Mali. O acordo de asso-ciação birregional Mercosul-União Europeia, negociado há vinte anos, permanece no papel.

As relações com a África, anterior-mente pautadas pela diversidade de parceiros e projetos, perderam densidade política, originalmente ligada à necessidade de apoio ao desejo brasileiro pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Em geral, as rela-ções que se mantêm intensas são aquelas de fundo comercial – como Angola, Moçambique, Nigéria e África do Sul. Nestes países, as li-nhas de crédito do BNDES con-tinuam abundantes, bem como a atividade de empresas brasileiras nos campos de mineração, infraes-trutura e energia.

Ademais, temos uma próspera co-operação militar com a Namíbia e um general brasileiro atua como o comandante militar da Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUS-CO). Em ambas as frentes, quem vem buscando fortalecer a presen-ça brasileira em questões de segu-

rança internacional é o Ministério da Defesa, encabeçado por Celso Amorim. No Oriente Médio, me-rece destaque a presença de uma fragata da Marinha brasileira no Líbano, em nome da ONU, além de diálogos de cooperação em defesa com a Turquia.

De resto, o Brasil optou por retrair--se das crises decorrentes da “pri-mavera árabe”. Buscou manter neu-tralidade diante dos conflitos na Líbia e na Síria quando ainda ocu-pava um assento não-permanente no CSNU, em 2011, abstendo-se nas resoluções vinculadas àqueles temas. Com o desenrolar da guer-ra civil síria, as posições brasileiras foram marcadas por perfil baixo, deixando as poucas ações mais substantivas (como o envio de uma missão diplomática a Damasco) para o arranjo trilateral do IBAS. Num ato de simbólico desinteresse, o governo optou por enviar o Secre-tário-Geral do Itamaraty, Eduardo dos Santos, à Conferência de Ge-nebra II sobre a Síria, em lugar do chanceler Luiz Alberto Figueiredo.

A questão nuclear do Irã, tão proe-minente nos dois últimos anos do

governo Lula, tampouco ganhou espaço na agenda do atual gover-no. Para a Cúpula sobre Seguran-ça Nuclear, realizada em Haia em março de 2014, o Brasil enviou o Subsecretário-Geral para Assuntos Políticos, Carlos Antonio Paranhos – enquanto os chanceleres dos de-mais BRICS estiveram presentes.

No plano multilateral, os últimos três anos e meio foram marcados por resultados ambíguos. A refor-ma do Conselho de Segurança dei-xou de ser prioridade na agenda do governo, o que talvez explique a re-tração brasileira em temas de segu-rança internacional. O que parecia ser a grande iniciativa do Itamaraty neste âmbito – a iniciativa Respon-sabilidade ao Proteger, lançada no contexto da crise síria, em fins de 2011 – não teve a devida continuida-de nos anos seguintes. Da mesma maneira, não seguiram as negocia-ções para um eventual retorno do país ao órgão máximo de segurança da ONU, o que nos distancia ain-da mais da aspiração a um assento permanente.

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Os direitos humanos tampouco ganharam a devida centralidade na política exterior do Brasil. Ao contrário das gestões anteriores, nenhuma doação foi realizada à Comissão Interamericana de Direi-tos Humanos (CIDH) da OEA nos últimos anos. A ajuda financeira para o alívio da crise humanitá-ria na Síria foi ínfima. Ao mesmo tempo, as obras da hidrelétrica de Belo Monte e seus impactos sobre as comunidades indígenas foram criticados pela CIDH, que solicitou sua interrupção, causando incômo-do no Palácio do Planalto. Fruto do agravamento da crise humanitária no Haiti a despeito dos esforços da MINUSTAH, o número de re-fugiados haitianos no Brasil vem aumentando e também traz empe-cilhos à posição do Brasil – neste caso, a cargo do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), do Ministério da Justiça.

Em outros temas, como no meio--ambiente ou na questão do mo-nitoramento extraterritorial de comunicações nacionais, houve avanços pontuais. A grandeza sim-bólica da realização da Rio+20, em 2012, contrastou-se com uma

tímida declaração final, causando ceticismo com relação ao futuro dos debates ambientais. A resolu-ção acerca do direito à privacidade na era digital, co-patrocinada por Brasil e Alemanha no contexto dos episódios de espionagem norte--americana, representou uma im-portante demarcação da posição brasileira sobre o tema, embora de maneira reativa – e circunscrita ao plano recomendatório.

Finalmente, a mais celebrada con-quista diplomática dos últimos anos – a eleição do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo para a Direção-Geral da Organização Mundial do Comércio – foi pro-pagandeada como fruto do envol-vimento pessoal nas negociações da Presidenta Dilma Rousseff e de seu Ministro do Desenvolvimen-to, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Na narrativa oficial do governo, nenhuma pala-vra foi dita a respeito dos contatos diplomáticos construídos pelo Ita-maraty ao longo de toda uma déca-da e que foram fundamentais para a vitória de Azevêdo. Como balanço final da política ex-

terna do governo Dilma Rousseff, cumpre ressaltarmos dois pontos. Em primeiro lugar, houve uma rup-tura com relação ao processo da política externa brasileira. O alija-mento do Itamaraty do centro deci-sório representa um retrocesso que deve ser reparado com urgência. Não é dizer que a chancelaria deva monopolizar as estratégias globais do Brasil, muito pelo contrário; ela opera como elemento de integra-ção de uma complexa e múltipla agenda, que envolve ministérios, interesses privados e sociedade ci-vil. Tampouco é dizer que os me-canismos e as práticas diplomá-ticas não tenham que se renovar, adequando-se aos desafios deste novo século. Sem um fio condutor, entretanto, a política exterior perde densidade e qualidade.

O segundo ponto relaciona-se ao conteúdo da atuação internacio-nal do Brasil. O que vemos é uma agenda fragmentada, que carece de um horizonte de longo prazo. O País não pode, por um lado, aban-donar o estreito vínculo que liga a política externa às necessidades de desenvolvimento econômico, mas deve lhe conferir maior coerência.

O primeiro passo é respondermos às questões “o que queremos?” e “do que precisamos?”. Além disso, é essencial que sejam trazidos para o centro do debate as iniciativas de caráter político que sempre carac-terizaram a projeção brasileira, de segurança internacional a direitos humanos, e que foram parcialmen-te negligenciadas nestes últimos anos. Nosso país merece uma polí-tica externa à altura de suas aspira-ções.

GUILHERME CASARÕESÉ professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas e das Faculdades Faculdades Integradas Rio Branco

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Para que um país tenha boas condições de desenvolvi¬mento econômico e social, é preciso ter

energia dis¬ponível. Na ciência, de uma forma simplifi-cada, energia tem a ver com a capacidade de gerar traba-lho. O Brasil tem muita energia disponível – a ser gerada pelos jovens brasileiros - para o trabalho de sustentar o crescimento projetado para o século XXI. No entanto, a grande maioria dos alunos que frequentam o sistema de ensino público se sente pouco motivada e, menos ainda, preparada para capitanear o desenvolvimento do País. As oportunidades são abundantes para os atuais estudantes e o futuro reserva carreiras que sequer imaginamos.

Mesmo com os recentes baixos índices de crescimen-to, a demanda do mercado de trabalho por engenheiros qua¬lificados e profissionais técnicos é significativa e con-tinua crescendo. Atividades bem remuneradas, que esta-riam ao alcance dos alunos das escolas públicas no futuro próximo, estão cada vez mais relacionadas a habilidades de resolução de pro¬blemas, criatividade e trabalho cola-borativo. Essas habili¬dades têm ganhado cada vez mais importância, uma vez que informações técnicas estão dis-poníveis na internet e não mais constituem a maior par-te do valor atribuído a um profissional. Conhecimentos técnicos e habilidades do século XXI são os componentes que formam a base do sucesso profissional.

A ONG internacional Worldfund desenvolveu um pro-grama chamado STEM Brasil, que visa formar, oferecer apoio contínuo e qualificar em serviço os docentes de ci-ências da natureza e matemática do ensino médio públi-co, que, por sua vez, motivam e incentivam os seus alunos para que eles possam seguir carreiras nas áreas economi-

camente críticas, as áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática).

De acordo com José Arthur Gian-notti, professor emérito da Univer-sidade de São Paulo, “o fato de que o sistema de educação no Brasil fun-ciona tão mal é parti¬cularmente grave para os jovens. As universi-dades não estão formando um nú-mero suficiente de enge¬nheiros e técnicos e os professores das esco-las secundárias e de ensino médio também não receberam uma edu-cação adequada” (Credit Suisse Youth Barometer, 31/10/2013). O STEM Brasil busca justamente aju-dar a construir soluções viáveis para esses problemas críticos apresenta-dos pelo professor Giannotti e criar um futuro mais promissor para a próxima geração de brasileiros.

A contribuição da Worldfund para ajudar a resolver o problema edu-cacional no âmbito do Ensino Bá-sico é focada no STEM Brasil, um curso de dois anos com carga ho-rária de 180 horas, durante o qual os professores e coordenadores de Ci¬ências da Natureza e Matemá-tica de escolas públicas são forma-

dos a partir de uma metodologia inova¬dora, focada no cotidiano de trabalho do professor. O tra-balho busca romper o modelo de aprendizagem em que o professor fica isolado na frente de alunos enfileirados indi¬vidualmente ex-pondo conteúdos e solicitando a eles o uso da imaginação para si-tuações de pouca ou nenhuma co-nexão com a realidade prática. O STEM Brasil prepara os professores para criar um ambiente de apren-dizagem dinâmico dentro da sala de aula. Durante as formações, os partici¬pantes são separados em grupos para entender a importân-cia do trabalho em equipe e o for-mador os ajuda a construir pon-tes entre áre¬as do conhecimento como arte, design, tecnologia e engenharia. Há um forte estímulo ao protagonismo dos professores, em que cada grupo in¬vestiga solu-ções inovadoras através de práticas e de experimentos, usando desde materiais simples até sensores e 3D. Além das atividades práticas, é jus¬tamente essa dinâmica com foco na aprendizagem contextua-lizada proposta pela Worl¬dfund que os professores formados pelo STEM Brasil aplicam na escola com

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os seus alunos. O curso tem seis módu-los, que cor¬respondem às disciplinas de Física, Química, Biologia e Matemática. Cada um desses módulos também enfa-tiza Habilidades do Século XXI, como, por exemplo, o uso da tecnologia dentro da sala de aula e outras habilidades ne-cessárias para o sucesso no mercado de trabalho, assim como profissões envolvi-das em cada tópico abordado.

Os professores participantes do STEM Brasil comparecem a quatro encontros no primeiro ano (dividi¬dos de acordo com o início de cada bimestre) e dois workshops de atu¬alização no segundo ano (um em cada semestre). Também compartilham melhores práticas dentro de uma plata¬forma online desenvol-vida pela equipe STEM Brasil chamada Comunidade de Aprendizagem Virtual (CAV).

O STEM Brasil teve o seu primeiro pro¬grama piloto em 2009, em Re-cife, Per¬nambuco, que também foi implementa¬do em Araraquara, interior de São Paulo, em 2011. Em 2013 e 2014, a Worldfund o expandiu para todas as es-colas do Progra¬ma de Ensino Integral do Estado de São Paulo, atingindo mais da metade das Di¬retorias de Ensino do Estado. Neste ano, o curso também

Foto: André Gomes de MeloGERJ (15/01/2014)

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será implementado em escolas do Rio Grande do Sul, tornando o STEM Brasil uma parte da cultura edu¬cacional de três regiões im-portantes do País. Hoje o STEM Brasil tem 209 escolas participan-tes, atingindo 1.700 docentes e 110.000 alunos.

A rápida expansão do programa da Worldfund tem como uma das cau-sas a preparação de uma formação que ajuda a dar vida ao currícu¬lo, utilizando uma metodologia com base em projetos e em um espíri-to de in¬vestigação ao alcance de qualquer professor que atue na rede pública, aumentando o inte-resse dos alunos pelas Ciências e Matemática.

O incremento do interesse pelas áreas STEM é um caminho a ser trilhado para ajudar a melhorar os resulta¬dos de provas estadu-ais e nacionais como o SARESP e o ENEM. Hoje, o Brasil ocupa po-sição baixa no ranking internacio-nal nessas áreas, como foi divul-gado pelo OECD (Organization for Economic Co-opera¬tion and Development) nos resul¬tados do Pisa de 2012 (Program for Interna-

tional Assessment). Apesar dessa classificação ruim, o Brasil é um dos poucos países que vem “mos-trando uma melhoria consis¬tente” na área de Matemática (The Guar-dian, 03/12/2013).

O Brasil pode melhorar ainda mais o seu ranking nas áreas de Ciências e Matemática com iniciativas como a da Worldfund.

No entanto, jovens continuam op¬tando por outras carreiras fora das áreas técnicas e engenharia, apesar da grande quantidade de oportuni¬dades existentes para es-sas áreas. De acordo com um artigo publicado na revista Exame em ja-neiro de 2014, a engenharia é o cur-so com mais vagas no Sisu (Sistema de Seleção Unificada) neste ano. “O Sisu é o sistema informatizado do Ministé¬rio da Educação por meio do qual instituições públicas de ensino su¬perior oferecem va-gas a candidatos participantes do ENEM” (MEC). São 25,1 mil vagas na área, quase 15% das 171,4 mil ofertadas pelo Sisu no primeiro se-mestre de 2014.

A deficiência existente no Bra¬sil

em torno das áreas STEM não é ne-cessariamente causada por uma fal-ta de ambição ou habilida¬de dos alunos brasileiros. A pro¬fessora de matemática Cecília Dório, da Esco-la Estadual Ilza Irma (SP) e partici-pante da formação do STEM Brasil, afirma: “Trabalhar com computa-dores é o que [os alunos] querem. Esse é o mundo deles, então eles mergu¬lham nisso. Você só preci-sa mostrar o primeiro passo para eles que eles decolam – não pedem mais ajuda, adoram mexer, explo-rar e aprender. Você não imagina do que eles são capazes se mostrarmos como dar o primeiro passo”. Assim como os professores ajudam os seus alunos com os primeiros passos, o STEM Brasil ajuda os professores no seu próprio desenvolvimento profissio¬nal para que tenham su-cesso den¬tro da sala de aula.

A formação do STEM Brasil oferece habilidades e ferramentas que os professores repassam para os seus alunos, aumentando o interesse por áreas STEM que podem me¬lhorar a sua situação socioeconô¬mica. Ademais, de acordo com uma pes-quisa feita pela revis¬ta The Eco-nomist (Skills that Pay the Bills,

07/01/2014), habilidades nas áre-as STEM são fundamentais para o mercado de trabalho: “De modo geral, o impacto das habili¬dades sobre renda não é surpreen¬dente. Focando nos números, foi mostra-do que pessoas com mais habili-dades nessas áreas têm uma renda mais alta. Um aumento de um des-vio padrão em habilidades com nú-meros é associado a um au¬mento salarial de 18% entre pessoas na fai-xa etária de 25 a 54 anos.” O STEM Brasil ajuda alunos a adqui¬rir habilidades importantes, que os prepararão para o mercado de tra¬balho do século XXI quando chega¬rem à idade mencionada no arti¬go. É nesse momento que a ge-ração do futuro se tornará a geração do presente.

A expansão do STEM Brasil ao lon-go dos anos já mostrou resultados e os professores parti-cipantes no-taram a diferença nos seus alunos. Caroline Malafronte, professora de física na Esco-la Estadual Professor José Vasques Ferrari (SP), relata: “Nossos jovens brasi¬leiros pos-suem mentes brilhantes, extrema-mente criativas, e o que eles mais precisam é de incentivo e motiva-

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ção. Através da parceria en¬tre a Secretaria de Educação do Es¬tado de São Paulo e o STEM Brasil, isso se tornou possível. As forma¬ções ampliaram nossos caminhos, nos-sas ideias e, consequentemen¬te, nossas práticas na escola”.

O desafio é grande e a Worldfund ainda tem muito tra¬balho pela frente. Com a ajuda dos apoiado-res à Worldfund, o STEM Brasil está se mostrando um caminho eficaz para melhorar as demandas de incremento da qualidade na educação científica básica. É ne-cessário um envolvimento ainda maior da sociedade e dos governos para criar uma revolução dentro da sala de aula, que realmente trans-forme a aprendizagem de Ciências e Ma¬temática no Brasil. O STEM Brasil quer ajudar a prepa¬rar a próxima geração de brasileiros para as demandas do País e, segundo a diretora da Worldfund Brasil, Kelly Maurice, o caminho passa por uma mu¬dança sistêmica no ensino público do Brasil: “Queremos ver o STEM Brasil virar uma política pública. Assim, poderemos impac-tar mi¬lhões de alunos e realmente gerar uma mudança duradoura na

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edu¬cação e no mercado de traba-lho”.

MARCOS PAIMFísico, é Diretor do programa STEM Brasil

CAIO SETUBALMatemático e antropólogo, é assistente do programa STEM Brasil

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