pensando a biodiversidade: etnociência

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No mesmo espirito conservacionista, e no intuito de compilar informações sobre questões jurídicas e sociais, relacionadas a biodiversidade, bem como temas complexos envolvendo comunidades tradicionais, nasce o segundo livro "Pensando a Biodiversidade: etnociência". Os pesquisadores que contribuiram na construção desta obra atuam nos mais diversos institutos de ensino e pesquina do nordeste brasileiro e compilaram informações valiosas sobre a manutenção dos recursos biológicos e sociais presentes em nosso pais. Esperamos que os leitores possam aproveitar ao máximo os resultados e pensamentos apresentados para a conservação da biodiversidade brasileira.

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PENSANDO A BIODIVERSIDADE:

ETNOCIÊNCIA

Page 4: Pensando a biodiversidade: etnociência

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

REITORAngelo Roberto Antoniolli

VICE-REITORAndré Maurício Conceição de Souza

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

COORDENADOR DO PROGRAMA EDITORIALMessiluce da Rocha Hansen

COORDENADOR GRÁFICOVitor Braga

O CONSELHO EDITORIALAdriana Andrade CarvalhoAntonio Martins de Oliveira Junior Aurélia Santos Faraoni Ariovaldo Antônio Tadeu LucasJosé Raimundo Galvão

Cidade Universitária “Prof. José Aloísio de Campos”CEP 49.100-000 – São Cristóvão – SE.Telefone: 2105 – 6922/6923. e-mail: [email protected]/editora editoraufs.wordpress.com

Este livro segue as normas do Acordo Ortográico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.

Luisa Helena Albertini Pádua TrombetaMackely Ribeiro Borges Maria Leônia Garcia Costa CarvalhoUbirajara Coelho Neto

Page 5: Pensando a biodiversidade: etnociência

PENSANDO A BIODIVERSIDADE: ETNOCIÊNCIA

Organizadoras

Allívia Rouse Carregosa RabbaniLaura Jane Gomes

Renata Silva-Mann

São Cristóvão/SE2016

Page 6: Pensando a biodiversidade: etnociência

TODOS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráicos, microfílmicos, fotográicos, reprográicos, fonográicos e vídeográicos. Vedada a memorização e/ou a reprodução total ou parcial em qualquer sistema de processamento de dados e a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer programa juscibernético. Essas proibições aplicam-se também às características gráicas da obra e a sua editoração.

Projeto Gráico e Editoração Eletrônica | Allívia Rouse Carregosa RabbaniCapa | Carlos Gabriel Paiva Galvão

Foto da Capa | Pablo Eleutério de Holanda (Premiada no VIII Encontro Nordestino de Etnobiologia e Etnoecologia)

Os autores agradecem ao CNPq e CAPES pelo apoio inanceiro, às comunidades envolvidas, aos pesquisadores, à Universidade Federal de Sergipe (UFS) e ao Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) pelo apoio cientíico.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO INSTITUTO

FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA BAHIA (IFBA) -

CAMPUS PORTO SEGURO

P418 Pensando a biodiversidade: etnociência / Allívia Rouse Carregosa Rabbani, Laura

Jane Gomes, Renata Silva-Mann (Organizadoras) – São Cristóvão/SE: Universidade

Federal de Sergipe/UFS, 2016.

Disponível em: <http://genaplant.wix.com/genaplant>.

Bibliograia.

ISBN 978-85-7822-526-1

1. Biodiversidade. 2. Conlito. 3. Educação. 4. Leis. 5. Diagnóstico. I. Rabbani, Allívia Rouse Carregosa. II. Gomes, Laura Jane. III. Silva-Mann, Renata. IV. Título.

CDD: 574

Ficha catalográica elaborada por Aline Machado Cruz – CRB1593/5ª Região

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Sumário

Apresentação ........................................................................ 9

Prefácio ............................................................................... 11

O Novo Marco da Biodiversidade no Brasil: o conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético - Roberto Muhájir Rahnemay Rabbani e Allívia Rouse Carregosa Rabbani .............15

Índios Pipipã de Kambixuru e ICMBIO: conlitos socioambientais no sertão de Pernambuco em torno da Serra Negra - Nivaldo Aureliano Léo Neto e Rômulo Romeu Nóbrega Alves .................................................................................... 33

Educação, comunicação e juerana: adubos para a aldeia Cinta Vermelha-jundiba - Rita Simone Barbosa Liberato, Cleonice da Silva Pankararu e Tânia Regina Barbosa de Souza ................... 47

A Corrida pelo Saber Tradicional: novo cercamento dos comuns - Enio Antunes Rezende e Maria Teresa Franco Ribeiro .......... 65

Métodos etnobotânicos e ecológicos no diagnóstico rápido para conservação da biodiversidade - Henrique Costa Hermenegildo da Silva, Rinaldo Luiz Caraciolo Ferreira, Luiz Carlos Marangon e Lucilene Lima dos Santos ...................................................... 83

Uso e conservação de aroeira (Myracrodruon urundeuva Allemão) no Semiárido do Brasil - Carlos Antônio Belarmino Alves, Reinaldo Farias Paiva de Lucena, Ernane Nogueira Nunes, Natan

Medeiros Guerra e Jacob Silva Souto .................................... 105

Referências ......................................................................... 117

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Apresentação

Este é o segundo livro da série "Pensando a Biodiversidade". O

primeiro, Pensando a Biodiversidade: aroeira (Schinus terebinthifolius

Raddi.), foi o resultado de três anos de pesquisa, com a inalidade

de propor estratégias para o manejo sustentável da aroeira no baixo

curso do rio São Francisco, entre Sergipe e Alagoas, com estratégias

para uso e conservação da espécie.

No mesmo espirito conservacionista, e no intuito de compilar in-

formações sobre questões jurídicas e sociais, relacionadas a biodiversi-

dade, bem como temas complexos envolvendo comunidades tradicio-

nais, nasce o segundo livro "Pensando a Biodiversidade: etnociência".

Os pesquisadores que contribuiram na construção desta obra atuam

nos mais diversos institutos de ensino e pesquina do nordeste brasileiro

e compilaram informações valiosas sobre a manutenção dos recursos

biológicos e sociais presentes em nosso pais.

Esperamos que os leitores possam aproveitar ao máximo os resulta-

dos e pensamentos apresentados para a conservação da biodiversidade

brasileira.

As organizadoras

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Prefácio

Na arquitetura desse livro “Pensando a biodiversidade:

etnociência” organizado pelas pesquisadoras Allívia Rouse

Carregosa Rabbani, Laura Jane Gomes e Renata Silva-Mann reúne

uma coletânea de preciosos capítulos que se intercomplementam

pelas lentes de outros pesquisadores quando realçam conhecimentos

tradicionais, saberes, biodiversidades, métodos de avaliação, saberes

tradicionais e inventário etnobotânico.

Neste diálogo encontra-se entrelaçado profundos conhecimentos

teórico-práticos realizados pelos pesquisadores nos alertando para

uma necessidade de (re)pensar nossos atos enquanto sujeitos de

ações, e que se amealham com a efetividade de uma tutela jurídica que

promove a proteção/conservação dos recursos naturais e o respeito

às comunidade tradicionais. Com esse propósito são sancionadas

leis, a exemplo da recente Lei da Biodiversidade Nº 13.123/2015

que estabelece nova abordagem sobre a “[...] exploração econômica

e o acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio

genético” (p. 13) tão essencial para a compreensão de todos,

inclusive de pesquisadores com práticas cartesianas.

Nesta perspectiva, os conhecimentos advindos da ciência e dos

saberes tradicionais traduzem nesses diálogos, a reinterpretação

de conceitos a partir da visão de natureza que se tem, quebrando

paradigmas existentes e/ou melhorando-os, para uma dada

inalidade. O dialogo enquanto troca de saberes, como bem advertiu

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PENSANDO A BIODIVERSIDADE: ETNOCIÊNCIA12

Freire oportuniza um (re)pensar de todo o sistema originado da

cientiicidades tão presente entre os pesquisadores na atualidade.

Na harmonia entre a diversidade de conhecimentos dos

pesquisadores surge, portanto, um repositório de outros

conhecimentos, que, se bem apreendido por todos, auxilia

sobremaneira o entendimento e conservação da biodiversidade

entre as regiões primando pelo “[...] desenvolvimento sustentável e

proteção ambiental” com airma os autores (p. 25).

O ser humano, sujeitos de ações tem capacidades e responsabilidades

como salienta Hans Jonas em mudar sua atitude com base na sua

postura frente à natureza de explorador e/ou parte dela. Entre as

comunidades tradicionais existe um entendimento dos riscos/danos

que pode ocorrer na natureza por meio de seus saberes evidenciados na

experiência e na troca existente entre seus pares, ou seja, herdados de

outros que transmitem cotidianamente suas crenças – cultura.

Neste aspecto, os espaços territoriais dessas comunidades devem ser

(re) conigurados como lócus de vida protegendo sua biodiversidade de

modo equilibrado até porque se (re)produz elementos naqueles espaços

e assim assegura todo o ecossistema de modo natural. Os cenários

presentes em todos os capítulos nos reportam a territórios de vida em

comunidade tradicionais que resistem à ação de outros e tentam na

sua sabedoria, revigorar formas de sobrevivência e continuidade por

meio de estratégias de lutas que, por vezes, culminam em conlitos

socioambientais se não bem entendidos por todos, em especial os

gestores das políticas públicas institucionalizadas.

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13PREFÁCIO

Por suas lentes os pesquisadores capturam a essência das comunidades

tradicionais para representar o percebido, registrando por meio de

fotograias e vídeos, experiências inigualáveis e, assim, colocar outras

lupas para buscar enxergar outros aspectos ainda não percebidos, na

possibilidade de ultrapassar os limites e assim ir além-fronteiras de modo

ético, valorizando a autoestima social de toda a comunidade.

Neste sentido, os diálogos estabelecidos e compartilhados

entre os pesquisadores da etnociência oportunizam aprendizagens

signiicativas a todos e entre todos, fortalecendo a produção do

conhecimento sobre a biodiversidade brasileira de modo a instigar

pesquisadores para novos entusiasmos no sentido de investir na

busca por outros ideais na etnociência.

Profa. Dra. Maria José Nascimento Soares

Universidade Federal de Sergipe

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O Novo Marco da Biodiversidade no Brasil: o conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético

Roberto Muhájir Rahnemay Rabbani1 e Allívia Rouse Carregosa Rabbani2

Os direitos relacionados aos conhecimentos tradicionais asso-ciados ao patrimônio genético provenientes da biodiversidade sus-citam uma série de questionamentos em relação à possiblidade da apropriação intelectual havendo uma contínua tensão entre as co-munidades detentoras das fontes naturais e das empresas que obje-tivam angariar lucros a partir da bioprospecção.

Diante deste panorama, as populações tradicionais necessitam de uma tutela jurídica por parte do Direito. Desta forma, para promover a proteção dos recursos biológicos e do conhecimento tradicional, a recente Lei 13.123/20153, Lei da Biodiversidade, traz uma nova leitura para a exploração econômica e o acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, bem como prevê a possiblidade de seu reconhecimento por meio de publicações cientíicas, registro em cadastros ou banco de dados, ou inventários culturais, entre outros.

1 Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). E-mail: [email protected] Instituto Federal da Bahia (IFBA). E-mail: [email protected] Criada em 20 de maio de 2015. Regulamenta o inciso II do § 1o e o § 4o do art.

225 da Constituição Federal, o Artigo 1, a alínea j do Artigo 8, a alínea c do Artigo 10, o Artigo 15 e os §§ 3o e 4o do Artigo 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto no 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras providências.

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PENSANDO A BIODIVERSIDADE: ETNOCIÊNCIA16

Nesse sentido, o presente capítulo visa analisar a evolução do ordenamento jurídico pátrio que trata do conhecimento tradicio-nal associado, veriicando sua relação com legislações correlatas, dentre outras, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto 6.040/20074).

A partir da delimitação conceitual do conhecimento tradicional associado, será averiguada a possiblidade da apropriação intelectual e do patenteamento de tais recursos, e de que forma a nova Lei de Biodiversidade prevê o reconhecimento dos conhecimentos tradi-cionais associados como forma de incentivar a pesquisa e proteção das comunidades tradicionais.

Por im, será debatido de que maneira o conhecimento tradicional emerge como uma das formas de concretizar a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável, em decorrência dos direitos fundamentais.

Conhecimento tradicional associado: delimitação conceitual e

exploração econômica

Os recursos biológicos estiveram sempre presentes nas relações comerciais na história da humanidade. Parte signiicativa do co-mércio mundial é baseada no comércio de madeira, papel, produ-tos agropecuários, atividade extrativista etc. Houve a intensiicação desse extrativismo a partir do século XIX, com o elevado grau de consumo e crescimento demográico. Portanto, para atender as ne-cessidades dos seres humanos, a extração de recursos genéticos e bioquímicos surge como alternativa para incrementar a produção.

4 Decreto de 7 de fevereiro de 2007.

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17O NOVO MARCO DA BIODIVERSIDADE NO BRASIL...

Essa revolução biotecnológica exigiu a adequação do ordenamento jurídico. É na década de 1970, que se iniciam as primeiras discussões a nível internacional sobre a conservação dos recursos naturais e do meio ambiente, e, posteriormente, na década de 1980, instituições não governamentais como a International Union for Conservation of Nature (IUCN), o World Wide Fund for Nature (WWF) e a United Nations Environment Programme (UNEP), elaboram um “Relatório sobre a Estratégia Mundial para a Conservação”, que trata da biodi-versidade como fator inerente ao desenvolvimento e às necessidades sociais (Capobianco 2003; Antunes, 2002).

Foi na década de 1990 que houve o consenso sobre a necessida-de de se estabelecer um novo tratado internacional, que abordasse o uso sustentável dos recursos naturais. Neste período, as indústrias baseadas em recursos genéticos patenteiam seus produtos e processos de desenvolvimento, havendo assim uma limitação de seu controle e acesso. De fato, até o início dos anos 1990, os recursos genéticos constituíam como patrimônio da humanidade (disponíveis a todos), passaram a ser aceitos como direitos protegidos pela propriedade in-telectual. Valorizou-se então a diversidade genética pelos países de-tentores destes recursos.

Em 1992, como um dos resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92 ou Eco-92), é estabelecida a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que prevê a preservação e conservação dos recursos naturais e do acesso à biodiversidade (Antunes, 2015). A CDB foi promulgada no Brasil pelo Decreto no 2.159/19985, e o CDB é atualmente regulamentado pelo novo marco legal da biodiversidade (Lei no 13.123/2015), em substituição à anterior Medida Provisória 2.186-16/20016.

5 Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992 e entra em vigor em 16 de março de 1998.

6 Criada em 23 de agosto de 2001. Regulamenta o inciso II do § 1o e o § 4o do art. 225 da Constituição, os arts. 1o, 8o, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16, alíneas 3 e 4 da

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PENSANDO A BIODIVERSIDADE: ETNOCIÊNCIA18

Dentre outros aspectos, a CDB prevê a biodiversidade como recurso explorável, importante para a manutenção do equilíbrio ecológico e da diversidade genética e que os Estados são soberanos sobre seus próprios recursos biológicos e genéticos, sendo respon-sáveis pela sua conservação e utilização sustentável.

Passando para a análise do “conhecimento tradicional”, a lite-ratura o deine como os conceitos cognitivos de saber e saber-fa-zer sobre o mundo natural e sobrenatural, transmitido oralmente por grupos culturais distintos, que possuem um sistema de crenças e práticas características, que reletem a adaptação do homem ao meio ambiente (Digues, Arruda, 1987). Este sistema possui bens materiais e imateriais, que podem ser elencados dentre outros como conhecimentos relacionados à biodiversidade, expressões artísticas, ritos, mitos, símbolos etc.

Dentre as comunidades tradicionais, pode-se exempliicar comuni-dades indígenas, quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, caboclos etc. Portanto, o conhecimento tradicional engloba os conhecimentos in-dígena, local, tradicional ecológico, dos habitantes rurais, ecológico e sistemas de manejo (Rahamn, 2000).

Em oposição ao conhecimento ocidental, também denominado de conhecimento moderno, o conhecimento tradicional está nor-malmente associado aos regimes de propriedade que não estão vin-culados ao modo de produção capitalista. As sociedades tradicionais tem uma tendência a utilizar mecanismos “de deinição de direitos que englobam normas religiosas e regras de conduta individual e co-letiva que são resultado de lenta maturação” (Macedo, 2012).

Convenção sobre Diversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providências.

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19O NOVO MARCO DA BIODIVERSIDADE NO BRASIL...

Deve-se destacar que o presente capítulo não tem como objeti-vo exaurir todo universo que compõe o conhecimento tradicional, mas apenas demarcar um conceito legal capaz de ser compreendido aim de que possa ser objeto de proteção jurídica. Assim, reairman-do o que fora instituído pelo Decreto no 6.040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, a Lei nº 13.123/2015, Lei da Biodiver-sidade, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade, em seu art. 2o, inciso IV, deine expressamente que “comunidades tradicionais” são:

[...] grupo culturalmente diferenciado, que se reconhece como tal, possui forma prpria de organizao social, e ocupa e usa territrios e recursos naturais como condio para a sua reproduo cultural, social, religiosa, ancestral e econmica, utilizando conhecimentos, inovaes e prticas geradas e transmitidas pela tradio;

Por outro lado, o Decreto no 6.040/2007, em seu art. 3º, deine “territórios tradicionais” como “os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária [...]”. O novo marco legal da biodiversidade (Lei nº 13.123/2015), não fez qualquer referência aos territórios tradicionais, apenas mencionan-do em seu art. 1o que a legislação trata do acesso ao patrimônio genético do País, inclusive o território nacional, a plataforma con-tinental, o mar territorial e a zona econômica exclusiva.

Neste contexto, a Lei no 13.123/2015, em seu art. 2o, II, concei-tua o “conhecimento tradicional associado” como:

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PENSANDO A BIODIVERSIDADE: ETNOCIÊNCIA20

[...] informao ou prtica de populao indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional sobre as propriedades ou usos diretos ou indiretos associada ao patrimnio genético;7

A Lei no 13.123/2015, no art. 2o, I, deine “patrimônio genético” como:

[...] informao de origem genética de espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas do metabolismo destes seres vivos;8

É interessante destacar que a Lei no 13.123/2015 não traz em seu texto o termo “bioprospecção”, que era trazido na revogada Medida Provisória no 2.186-16/2001, art. 7o, inciso VII, como a atividade exploratória que busca “identiicar componente do pa-trimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial”. Contudo, apesar de não trazer o termo “bioprospecção”, a nova Lei no 13.123/2015, no art. 1o, IV, menciona que esta lei dispõe sobre os bens, direitos e obrigações referentes “à exploração econômica de produto acabado

7 A revogada Medida Provisória no 2.186-16/2001 especiicava dentro conceito de “conhecimento tradicional associado” a informação ou prática “individual ou coletiva” que foram suprimidas na Lei 13.123/2015, ao passo que mencionava “comunidade indígena ou de comunidade local” que foi substituído por “população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional”. A MP 2.186-16/2001, também mencionava o “valor real ou potencial” associado ao patrimônio genético, que também foram suprimidos no novo marco da biodiversidade. Desta forma, a legislação atual icou mais clara e objetiva, acrescentando o agricultor tradicional como um dos destinatários da proteção jurdíica.

8 A revogada MP no 2.186-16/2001, no art. 7o, I, deinia o “patrimônio genético” como: “[...] informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in situ, inclusive domesticados, ou mantidos em coleções ex situ, desde que coletados em condições in situ no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;”. Observa-se que na Lei no 13.123/2015 a deinição de “patrimônio genético” foi simpliicada, contudo as demais especiicações foram abordadas no art. 1o da nova lei.

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21O NOVO MARCO DA BIODIVERSIDADE NO BRASIL...

ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado”.

Desta forma, a normativa vincula o conhecimento tradicional ao patrimônio genético, reduzindo o amplo espectro do conhecimento tradicional à sua dimensão material, relacionada ao patrimônio gené-tico, de onde se denotaria uma “potencialidade econômica”.

Em realidade, como a própria ementa da Lei 13.123/2015 enuncia, a nova legislação é uma emanação do princípio maior de proteção ambiental, prevista na Constituição da República Federa-tiva do Brasil (CRFB), art. 225,§1º:

[...] Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: [...] II- preservar a diversidade e a integridade do patrimnio genético do País e iscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulao de material genético.

Por outro lado, não se pode olvidar da biopirataria prevista na Lei nº 9.605/1998, legislação que trata dos crimes ambientais, em que se estabelece a punição penal da biopirataria:

Art. 29 - Matar, perseguir, caar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratria, sem a devida permisso, licena ou autorizao da autoridade competente ou em desacordo com a obtida:

Pena – deteno, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

A partir dessas deinições e seguindo as normas que o antecedem, a estrutura e o conteúdo do novo marco legal da biodiversidade (Lei nº 13.123/2015) demonstram que mais uma vez o legislador brasi-leiro enfoca como ponto primaz da proteção do conhecimento tra-

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PENSANDO A BIODIVERSIDADE: ETNOCIÊNCIA22

dicional a exploração econômica do patrimônio genético. Assim, a proteção do conhecimento tradicional na legislação brasileira é mo-tivada principalmente pelo fator econômico, considerando que há uma atenção especial para a exploração do patrimônio genético nas terras ocupadas por comunidades tradicionais (Silva-Mann et al., 2014). Observa-se, portanto, que a produção legislativa brasileira é fortemente direcionada pelo valor econômico que o conhecimento tradicional associado possui no mercado, inclusive com a punição de crimes de biopirataria.

Reconhecimento dos conhecimentos tradicionais associados:

um incentivo à pesquisa e proteção ambiental

No ordenamento jurídico, “propriedade intelectual” consiste no conjunto de normas que protegem os inventores e responsáveis por produção intelectual, o direito de obter retribuição por esta cria-ção, em um determinado período de tempo, incentivando a ino-vação. Segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI, 1967), a propriedade intelectual trata de direitos relativos às: obras literárias, artísticas e cientíicas; interpretações dos artistas intérpretes e execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão; invenções em todos os domínios da ati-vidade humana; descobertas cientíicas, desenhos e modelos indus-triais; marcas industriais, comerciais e de serviço, irmas comerciais e denominações comerciais; proteção contra a concorrência desleal, e demais direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios in-dustrial, cientíico, literário e artístico.

No Brasil, a CRFB, art. 5º, inciso XXIX, estabelece que:

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23O NOVO MARCO DA BIODIVERSIDADE NO BRASIL...

[...] a lei assegurar aos autores de inventos industriais privilégio temporrio para sua utilizao, bem como proteo às criaes industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do País.

Assim, a Lei nº 9.279/19969, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, traz em seu âmago a inovação como condição de utilização pela sociedade. Dentre outras, prevê a possibilidade de patentear invenções e modelos de utilidade, pre-visto nos arts. 8o e 9o da referida Lei. A invenção deve atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, ao passo que os modelos de utilidade são patenteáveis quando o objeto for de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. Contudo, a Lei citada excetua os seres vivos naturais e os materiais biológicos da natureza, mesmo que isolados, incluindo “o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os pro-cessos biológicos naturais” (Lei no 9.279/1996, art. 10, IX).

Veriica-se que o direito de invenção não é absoluto, devendo obedecer as condições gerais de “interesse social” e “desenvolvi-mento tecnológico e econômico do País”. Por outro lado, o art. 18 da Lei no 9.279/1996, estabelece que não haverá proteção por patente do que for contrário à moral, aos bons costumes, à seguran-ça, à ordem e à saúde pública. Em especial, o inciso III do referido artigo, determina que não é patenteável:

9 Criada em 14 de maio de 1996.

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PENSANDO A BIODIVERSIDADE: ETNOCIÊNCIA24

o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicao industrial - previstos no art. 8º e que no sejam mera descoberta.

Pargrafo único. Para os ins desta Lei, microorganismos transgênicos so organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante interveno humana direta em sua composio genética, uma característica normalmente no alcanvel pela espécie em condies naturais.10

Portanto, no atual sistema jurídico, somente poderão ser pa-tenteados aqueles organismos que sofrerem intervenção humana direta, que atendam os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

Nesse sentido, a Lei de Cultivares, Lei 9.456/1997, possibilita a proteção dos direitos de propriedade intelectual referente a cultivar, através de concessão de Certiicado de Proteção de Cultivar. Assim, somente poderão ser certiicados:

a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por sua denominao prpria, que seja homogênea e estvel quanto aos descritores através de geraes sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agrolorestal, descrita em publicao especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos;

10 No mesmo sentido, a Lei 13.123/2015, no art. 5o, determina que “É vedado o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado para práticas nocivas ao meio ambiente, à reprodução cultural e à saúde humana e para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas.”

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25O NOVO MARCO DA BIODIVERSIDADE NO BRASIL...

Não obstante, o conhecimento tradicional associado não é paten-teável. A Lei 9.279/1996 (art. 10, inciso IX, e o art. 18, inciso III) não considera como invenção ou modelo de utilidade substâncias ou mate-riais extraídos de seres vivos e materiais biológicos, obtidos ou isolados, e que sejam mera descoberta e que não apresentem os três requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

Apesar das críticas às restrições de patenteabilidade de inventos de usos e aplicações de matérias de organismos naturais desincentivarem in-vestimentos públicos e privados direcionados ao conhecimento e ao apro-veitamento econômico da biodiversidade brasileira11, a Lei 13.123/2015 trouxe a possibilidade de registro dos conhecimentos tradicionais, inte-grando o mesmo ao patrimônio cultural do Brasil.

É precisamente no art. 8o da Lei 13.123/2015 que se protegem con-tra a utilização e exploração ilícita os conhecimentos tradicionais asso-ciados ao patrimônio genético de populações indígenas, de comunidade tradicional ou de agricultor tradicional. Assim, se reconhece a esses su-jeitos a possibilidade de participar nas decisões sobre conservação e uso sustentável de seus conhecimentos tradicionais associados.

Portanto, entre outras formas, o reconhecimento dos conheci-mentos tradicionais associados pode ser realizado através de publica-ções cientíicas, registros em cadastros ou bancos de dados, ou tam-bém por inventários culturais (Lei 13.123/2015, art. 8o, §3o)12.

11 Assim, o Brasil é considerado como o maior detentor de biodiversidade do mundo, com mais de 50 mil espécies de lora (cerca de 22% do total mundial conhecido), e não pode sofrer com a atual barreira legal, que constitui um anacronismo em relação a outros países, em que há fomento da pesquisa de botânica e biologia exógena, e os resultados tecnológicos e práticas aplicadas podem ser patenteadas.

12 É interessante ressaltar que a Lei da Biodiversidade permite o intercâmbio e a difusão de patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado praticados entre si por populações indígenas, comunidade tradicional ou agricultor tradicional para seu próprio benefício e baseados em seus usos, costumes e tradições são isentos das obrigações desta Lei (Lei 13.123/2015, art. 8o, §4o).

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PENSANDO A BIODIVERSIDADE: ETNOCIÊNCIA26

Esta medida pode signiicar um avanço em relação à possiblidade de haver um registro de seres vivos e materiais biológicos. Por outro lado, a possibilidade deste registro poderá acarretar uma signiicati-va comercialização de bens que antes eram considerados de acesso irrestrito, relacionados ao interesse social. Não se pode negar que a possiblidade de registrar tais fontes naturais permitirá um maior in-vestimento econômico por parte dos interessados em pesquisar estas espécies, o que inclusive poderá reverter para o próprio benefício da preservação do ecossistema que compreende esses seres.

Portanto, a possiblidade de exploração econômica de determina-dos recursos naturais não deve ser considerada como algo lesivo ao meio ambiente e às populações tradicionais. Se tais atividades forem devidamente implementadas e iscalizadas pelos poderes públicos, os dividendos delas serão destinados para a preservação das áreas de es-tudo, como de fato é previsto no Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB) art. 30 e ss. da Lei 13.123/2015.

Inclusive, a repartição econômica da exploração do conhecimento tradicional associado para conservação e uso sustentável da biodiver-sidade é uma das mais importantes inovações trazidas Lei da Biodi-versidade. Nesse sentido, a art. 17 e ss. desta Lei, determina:

[...] os benefícios resultantes da explorao econmica de produto acabado ou de material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimnio genético de espécies encontradas em condies in situ ou ao conhecimento tradicional associado, ainda que produzido fora do País, sero repartidos, de forma justa e equitativa, sendo que no caso do produto acabado o componente do patrimnio genético ou do conhecimento tradicional associado deve ser um dos elementos principais de agregao de valor [...]

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27O NOVO MARCO DA BIODIVERSIDADE NO BRASIL...

A repartição de benefícios poderá ser monetária ou não-monetária,

a exemplo de projetos de conservação, transferência de tecnologias,

capacitação de recursos humanos, distribuição gratuita de produtos

em programas de interesse social etc. (art. 17, Lei 13.123/2015).

Quando for uma repartição monetária, será devida uma parcela de

1% (um por cento) da receita líquida anual obtida com a exploração

econômica (art. 20, Lei 13.123/2015). Poderá haver a redução para

até 0,1 (um décimo) da receita líquida anual, que pode ser estipula-

do para garantir a competitividade do setor contemplado, através da

celebração de acordo setorial por parte da União, a pedido do inte-

ressado, “com a exploração econômica do produto acabado ou do

material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou

ao conhecimento tradicional associado de origem não identiicável”

(art. 21, Lei 13.123/2015). Para auxiliar a celebração de acordo seto-

rial, os órgãos oiciais de defesa dos direitos de populações indígenas

e de comunidades tradicionais poderão ser ouvidos (art. 21, parágra-

fo único da Lei 13.123/2015).

Isso permitirá um maior harmonia entre os investimentos públi-

cos e privados, e a proteção das regiões em que ocorrem atividades

exploratórias do meio ambiente, consubstanciando no princípio

maior do desenvolvimento sustentável e proteção ambiental previs-

tas no art. 225 da CRFB.

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PENSANDO A BIODIVERSIDADE: ETNOCIÊNCIA28

O conhecimento tradicional como relexo da proteção

ambiental

É indubitável que o homem necessita dos recursos naturais para poder sobreviver e que a sua qualidade de vida está diretamente re-lacionada com a quantidade e a qualidade destes recursos. Transcen-dem-se ultrapassadas barreiras de ignorância, para exigir mínimos padrões de qualidade ambiental, em que se exige o respeito aos va-riados ecossistemas, como forma de sobrevivência no planeta Terra.

Diante desta exigência coletiva, o protecionismo ambiental exige, dentre outras formas de proteção, o respeito ao patrimônio ecológico, incluindo nele o conhecimento tradicional, como forma de preservar para as presentes e futuras gerações, todo um conjunto de valores asso-ciados a uma determinada comunidade.

Nesse sentido, a literatura ambiental destaca que os recursos na-turais são initos e limitados, e que, justamente por isso, exige-se uma atuação por parte do Estado, promovendo o protecionismo ambiental. Esta fragilidade ambiental desencadeia resultados ime-diatos sobre a qualidade de vida e saúde dos seres humanos. Esta realidade agrava-se dia após dia, com a intensiicação do consumis-mo desenfreado e do aumento populacional.

Pontuam-se então novos marcos na história moderna: riscos de privações e até mesmo de extinção de civilizações devido ao uso pre-datório dos recursos naturais. Não se defende aqui a privação do ser humano dos recursos naturais, mas sim o seu uso racional, dentro dos padrões de desenvolvimento sustentável. É notório que o desenvolvi-mento econômico propulsiona o desenvolvimento cientíico e as co-modidades modernas. Contudo, tudo isso pode ser acompanhado por padrões de qualidade ambiental, sendo inconcebível defender que este

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29O NOVO MARCO DA BIODIVERSIDADE NO BRASIL...

“organismo” planeta Terra poderá estar em gozo de perfeita saúde, se não possuir um equilíbrio entre suas diversas potencialidades.

Por outro lado, esta constrição progressiva, fruto de uma socieda-de ignorante, imatura e inconsciente de suas ações, também possui efeitos irreversíveis sobre a conservação do conhecimento tradicional.

Em vista disso, o direito ao meio ambiente pode ser considerado como uma emanação ou até mesmo parte dos direitos fundamentais de terceira geração, também denominados de direitos de solidariedade. Foi a partir de meados da década de 1960 que o valor do meio ambien-te para a sociedade foi destacado como uma política pública necessária, ou seja, como uma função a mais para o Estado (Rabbani, 2013).

Assim, quando se estuda o conhecimento tradicional, deve-se compreender a relação de dependência material, social e psicológica do ser humano ao ambiente em que vive, transcendendo as barrei-ras físicas e alcançando uma natureza simbólica e espiritual (Pereira, Diegues, 2010; Souza Filho, 2009).

É dentro desse conjunto de relações que o conhecimento tradi-cional se nutre, estabelecendo um vínculo íntimo com o local físico (Derani, 2002; Dantas, 2004, Canotilho, 2012;). Portanto, a degra-dação do espaço territorial e de seu ecossistema é um dos principais causadores da violação do conhecimento tradicional, uma vez que este somente pode ser interpretado “dentro do contexto da cultura em que é gerado”, precisamente pelas caraterísticas da transmissão do conhecimento pela oralidade e pela classiicação das espécies segundo suas próprias categorias e nomes (Digues, Arruda, 2001.)

Nesse contexto, em que se constata a initude dos recursos na-turais, a possiblidade da perda do conhecimento tradicional, e a dependência do homem da natureza, surge a necessidade do reco-nhecimento e proteção jurídica do conhecimento tradicional, com-

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preendendo que este é um bem jurídico a ser tutelado pelo Estado, justamente como um relexo do princípio da dignidade da pessoa humana, dos direitos e garantias fundamentais, e da proteção ao meio ambiente sadio.

Considerações inais

A possibilidade de explorar economicamente os recursos naturais das localidades ocupadas por comunidades tradicionais, e a devas-tação com “efeito dominó” que isso pode acarretar à raça humana, é o principal objeto de preocupação jurídico-ambiental. Entende-se que, apesar de sua preocupação especíica com a dimensão física do conhecimento tradicional, esta forma de intervencionismo é bené-ica à proteção global do mesmo, incluindo seu âmbito imaterial, visto que, como mencionado anteriormente, a propriedade material possui direta relação sobre a propriedade imaterial, e a preservação daquela inevitavelmente irá acarretar a proteção desta.

A proteção do conhecimento tradicional transcende a proteção do conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, alcançan-do patamares culturais e espirituais. Assim, o conhecimento tradicio-nal exige a proteção das localidades em que as comunidades tradicio-nais residem, por seu íntimo relacionamento com o meio natural que é a fonte de toda sua subsistência, cultura e expressão de espiritualidade.

Dentro da initude dos recursos naturais, as atividades antrópicas ambientalmente nocivas possuem direta inluência sobre conhecimen-to tradicional. O ser humano é orgânico com o meio ambiente, e esta relação transcende os limites materiais.

O ser humano tem a capacidade de transformar e moldar o seu meio. Sua atuação tem efeito sobre o meio em que vive, e negar a existência e continuidade de conhecimentos tradicionais que sequer compreende-

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mos, seria atestar a ignorância da raça humana e permitir que os valores inerentes ao ser humano fossem mitigados à insigniicância.

Conforme o novo marco legal da biodiversidade no Brasil, a Lei 13.123/2015, há uma preocupação do Estado brasileiro em evitar a diminuição ou até mesmo a extinção da riqueza material do co-nhecimento tradicional, que de certa forma inluencia no conheci-mento tradicional imaterial.

Contudo, apenas a preocupação em se instituir novas leis não irá garantir a devida proteção aos conhecimentos tradicionais. Urge-se pela necessária e incisiva atuação por parte de todos para preservar estes grupos de risco de extinção, sob pena de perdermos a chance de preservar toda sabedoria ainda não compreendida pelo conheci-mento ocidental, e apenas preservar o que em dado tempo históri-co atribuímos um valor econômico.

Todo sistema jurídico pode se tornar inócuo pela falta de iscaliza-ção e aplicabilidade das normas por parte dos órgãos responsáveis. Em desprezar e omitir proteção às minorias devastadas pelo poder econô-mico, o ser humano prova que novamente falhou em sua obrigação de proteger sua própria espécie.

O ser humano deve conservar em tempo as localidades em que ainda há conhecimento tradicional, a im de dar uma chance para que as presentes e futuras gerações possam desfrutar de conhecimen-tos ainda desconhecidos pela ciência moderna.

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Índios Pipipã de Kambixuru e ICMBIO: conlitos socioambientais no sertão de

Pernambuco em torno da Serra Negra13

Nivaldo Aureliano Léo Neto14 e Rômulo Romeu Nóbrega Alves15

O estabelecimento de áreas, que no Brasil passaram a ser chamadas de Unidades de Conservação (UCs), visando o controle dos recursos naturais é motivo de controvérsias ao redor do mundo. Quando estas, especiicamente, são inseridas em ambientes nos quais há a presença dos chamados “povos tradicionais”, na maioria das vezes sem consulta prévia aos mesmos, conlitos podem surgir (Diegues, 2000).

Para Bensusan (2014), “apesar das áreas protegidas serem parte obrigatória de qualquer estratégia de conservação da biodiversida-de, elas não são suicientes para manter a integridade dos processos ecológicos e evolutivos que geram e mantêm a biodiversidade”.

Boa parte desses conlitos, conforme veremos, é posto por uma di-cotomia entre “natureza” e “cultura”, percebendo o ser humano como elemento exógeno à tais processos, pondo em risco o suposto equilí-brio. Tais perspectivas, portanto, não prezam por ressigniicar o concei-to de “vida”, preferindo percebê-la como um conjunto de elementos, ao invés de processos que permitem a dinamicidade (Ingold, 2000) e, consequentemente, que tais equilíbrios não existiriam.

13 Esse trabalho contou com inanciamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíico e Tecnológico, através da concessão de bolsa de doutorado ao primeiro autor.

14 Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected] Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: [email protected].

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Este capítulo possui como foco a compreensão dos conlitos so-cioambientais decorrentes das interações suscitadas, principalmente, entre os índios Pipipã de Kambixuru e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO). Tais situações são geradas pelo direito de acesso à Serra Negra, percebida como território ances-tral pelo grupo indígena e como Unidade de Conservação pelo órgão governamental. As informações provém de entrevistas conduzidas tan-to com indígenas, quanto de funcionários do ICMBIO, além de uma vivência durante o ritual do Auricuri16, no qual situações iminentes de conlito puderam ser observadas.

Seguindo Little (2006), ao reletir sobre considerações envolvendo uma Ecologia Política, atestamos para uma constante ampliação do es-copo de estudo do paradigma ecológico, ao mesmo tempo em que re-presenta respostas para novas realidades políticas e ambientais das quais as sociedades se confrontam

Dessa forma, “a etnograia dos conlitos sociais se insere plenamente no paradigma ecológico: tem foco nas relações; usa uma metodologia processual; e contextualiza o conhecimento produzido” (Little, 2006: 92). Conlitos socioambientais, desta forma, “referem-se a um conjunto complexo de embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de inter-relacionamento ecológico” (Little, 2006: 91).

Convidamos para que, ao longo deste capítulo, possamos rele-tir sobre a atuação de percepções etnoecológicas para a compreen-são e mediação de tais conlitos.

16 De execução anual, durante o mês de outubro, é vedada a participação de não-indígenas e, e, de índios de outros grupos, no Auricuri dos índios Pipipã, que ocorre no interior da Serra Negra. As permissões para a permanência com o grupo indígena durante tal período ocorreram mediante consentimento do pajé, liderança máxima na execução do ritual.

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35ÍNDIOS PIPIPÃ DE KAMBIXURU E ICMBIO...

A Serra Negra: estabelecendo uma Unidade de Conservação

A Reserva Biológica de Serra Negra (REBIO Serra Negra) foi criada pelo Decreto nº 87.591, de 20 de setembro de 1982, em plena dita-dura civil-militar, do então João Batista de Figueiredo. Possui uma área de 1.044 hectares, sendo a maior parte inserida no bioma da Caatinga, com ocorrência de formações de Brejos de Altitude (Mata Atlântica).

Instituído pela lei 9.985, de 18 de julho de 2000, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) é o conjunto de Unidades de Conservação federais, estaduais e municipais. Para os ins previstos nesta lei, em seu artigo 2º, inciso I, entende-se por unidade de conservação

espao territorial e seus recursos ambientais, incluindo as guas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservao e limites deinidos, sob regime especial de administrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo.

O SNUC divide as Unidades de Conservação em Unidades de Pro-teção Integral e Unidades de Uso Sustentável. A REBIO Serra Negra, categorizada pelo SNUC como Unidade de Proteção Integral, pos-sui como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modiicações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais (cf. Art.10 da Lei 9985/2000).

Mas a atual coniguração dessa política ambiental vem antes da categorização de Serra Negra como Reserva Biológica. Voltemos um pouco na história do Brasil. Em 23 de janeiro de 1934, no

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governo de Getúlio Vargas, através do decreto nº 23.793, ica insti-tuído o primeiro Código Florestal brasileiro. Neste decreto, perce-bemos características que se referem ao aproveitamento econômico dos elementos existentes nas lorestas, bem como características es-téticas (lê-se, por exemplo, no art. 4º, alínea f, “proteger sítios que por sua beleza mereçam ser conservados”) e da soberania territorial (art 4º, alínea d, “auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessário pelas autoridades militares”). Após dezesseis anos, em 7 de julho de 1950, através do decreto nº28.348, o marechal Eurico Gaspar Dutra, considera como Floresta Protetora17 as existentes na área ocupada pelo acidente geográico denominado Serra Negra.

Como instituição protetora de recursos naturais, existiu, na época, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)18, autarquia federal do governo brasileiro vinculada ao Ministério da Agricultura.

A atuação do IBDF reside na memória dos interlocutores indí-genas, quando fazem referência a um passado no qual, segundo suas próprias palavras: “o ICMBIO não tomava de conta da Serra Negra”. De acordo com Santilli (2004a), nos tempos do IBDF, sem a emer-gência do conceito de biodiversidade, os focos eram a proteção da natureza genericamente deinida e o desenvolvimento lorestal.

Analisando o processo de constituição e atribuição política da Serra Negra como UC, percebemos imbuídos nesta construção a dicoto-mia dos esquemas conceituais de “natureza” e “cultura”. Para Diegues (2000), o objetivo geral das áreas naturais protegidas é preservar es-paços com atributos ecológicos considerados importantes (pelo me-

17 De acordo com o Decreto 23.793/1934, em seu art.4º, são consideradas lorestas protetoras as que, por sua localização, servirem conjunta ou separadamente para qualquer dos ins seguintes: a-conservar o regime das águas; b- evitar a erosão das terras pela ação dos agentes naturais; c- ixar dunas; d- auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessário pelas autoridades militares; e- assegurar condições de salubridade pública; f- proteger sítios que por sua beleza mereçam ser conservados; g- asilar espécimes raros de fauna indígena.

18 O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) foi criado pelo decreto lei nº289, de 28 de fevereiro de 1967 e extinto pela lei nº7.732, de 14 de fevereiro de 1989.

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nos para um grupo de pessoas). Ainda segundo o autor, o modelo de conservacionismo norte-americano, baseado no conceito de “natureza selvagem” (wilderness), intocada pelo homem, espalhou-se rapidamen-te pelo mundo. Esta pode ser a situação encontrada no nosso caso especíico de Serra Negra, quando percebemos que os governos dita-toriais que acabaram por instituir as modalidades de proteção tiveram profunda inluência norte-americana.

De acordo com Diegues (2000), o período em que mais foram criadas unidades de conservação, entre os anos de 1970-1986, em pleno regime ditatorial civil-militar, basicamente foram sem con-sulta as populações afetadas.

Procurando visualizar a situação plural aqui analisada, apresen-taremos, mesmo que brevemente, as fundamentações jurídicas que norteiam o estabelecimento de terras indígenas.

A Serra Negra: terra indígena

As populações indígenas possuem determinadas garantias sobre o seu território. Por exemplo, de acordo com o artigo 14 e 15, da Convenção nº169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre Povos In-dígenas e Tribais, do qual o Brasil é signatário, garantem-se medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras das quais, tradicionalmente, foram base de suas atividades.

Direitos assegurados, também, pela Constituição Federal (CF) de 1988, no artigo 231:

So reconhecidos aos índios sua organizao social, costumes, línguas, crenas e tradies, e os direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à Unio demarc-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

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Entende-se por terras tradicionalmente ocupadas19, as de caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as impres-cindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (CF/88, artigo 231, parágrafo 1º).

Tais direitos, inclusive, possuem como primeiro registro de or-denamento jurídico, por parte do Estado português, o Alvará Ré-gio de 1680. De lá para cá, o que hoje é chamado, pelo Direito, de “instituto do indigenato”, permaneceu, evidentemente com algumas modiicações, mas sempre reconhecendo o “direito originário”20 dos povos indígenas às suas terras.

Atualmente, os processos conduzidos sob a égide da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), visando o reconhecimento territorial dos povos, se guiam no artigo 231 da Constituição da República Federativa do Brasil, Lei 6.001/73, Decreto 1.775/96, Portaria MJ 14/96 e Portaria MJ 2498/2011.

Recentemente, a instituição da Política Nacional de Gestão Am-biental em Terras Indígenas (PNGATI)21 em junho de 2012, por meio do Decreto n 7.747, para Barreto Filho (2014: 298), “parece ser uma importante janela de oportunidade para que povos indí-genas e órgãos de governo, das áreas ambiental e indigenista, se articulem para promover uma gestão ambiental e territorial que explore todas as suas potencialidades integrativas e democráticas”.

19 No Decreto nº6040/2007, deine-se como territórios tradicionais os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária.

20 Por ser um “direito originário”, os procedimentos instaurados são declaratórios e, portanto, a terra indígena não é criada por ato constitutivo, mas reconhecida a partir de determinados requisitos. Para Barreto Filho (2014), apesar disto ser aceito, não se deve esquecer que tais atos declaratórios constituem uma segurança para os povos detentores desses territórios.

21 Para mais informações referentes a PNGATI, sugerimos a visita ao site da Fundação Nacional do Índio no seguinte link: http://www.funai.gov.br/pngati/.

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39PREFÁCIO

No caso Pipipã, os processos que visam o reconhecimento de sua terra se arrastam por cerca de onze anos. Nas terras que apontam como suas, ainda há a presença de fazendeiros, acusados de intensas práticas de desmatamento, inclusive inanciadas, na década de 1950, pela Su-perintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

Tais direitos, contudo, atualmente estão sob ameaças de determina-dos setores da sociedade, interessadas que são em explorarem os territó-rios sobre uma lógica de apropriação capitalista (lógica esta, por sinal, que acabou por gerar a necessidade de se estabelecerem UCs)22.

Controvérsias jurídicas

Como base de sua cosmologia, os índios Pipipã necessitam da Serra Negra para a realização do ritual conhecido por Auricuri. Esta situação, reconhecidamente no discurso de uma funcionária do ICMBIO, é a mais conlitante em termos práticos e jurídicos.

Reivindicando acesso a um território ancestral (no qual há inúme-ros marcos históricos para a memória coletiva do grupo), os índios Pi-pipã de Kambixuru se proclamam “os ilhos apartados da Serra Negra”. As posições reivindicatórias são tomadas em inúmeros espaços, sejam eles em mesas de negociação com o Ministério Público Federal (MPF), na presença de pesquisadores, em encontros indígenas, enim, uma multiplicidade de arenas nas quais as relações de poder se emaranham.

Essas posturas, por sua vez, possuem como suporte a própria legitimidade do grupo, reconhecida pelo Estado, por meio de sua identidade enquanto povo indígena. O que se reivindica é a legiti-midade de acesso a um espaço ancestral do grupo, hoje impedido mediante a legislação ambiental das Unidades de Conservação.

22 Para mais informações, sugerimos a visita ao site do Instituto Socioambiental (ISA): http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/ameacas,-conlitos-e-polemicas/lista-de-ataques-ao-direito-indigena-a-terra. Ressaltamos, diante deste quadro, como muitas dessas ameaças também afetam políticas ambientais.

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A terra é signiicada como um território singular, de liberdade e vida, sobre o qual as diversas trajetórias são inscritas, fazendo com que os habitantes sejam conhecidos (e reconhecidos) como daquele lugar (Gusmão, 1999). A isto, o próprio nome do grupo, Kambixu-ru, quer dizer, para os interlocutores, Serra Negra. Reconhecem-na como “Mãe”, de onde os antepassados e toda a descendência vieram e para onde, um dia, irão retornar. O epicentro da cosmologia Pi-pipã, inclusive, é considerada como a Serra Negra (Arcanjo, 2003).

Devido a essa relação de afeto23, os interlocutores Pipipã procu-ram proteger este ambiente, embasados, para tal, em seu sistema de conhecimento local. Airmam que já apagaram vários focos de incêndio (enquanto a brigada do ICMBIO responsável por isto, demorava a chegar ou sequer chegava) e, inclusive, apontam sinais de danos dos quais, majoritariamente, levam a culpa.

Estimular a população local para auxiliar na salvaguarda de seu território deveria ser uma meta para auxiliar na própria conservação da dita “natureza”, que aqui deveríamos compreender, pelo menos, como “natureza humanizada” (Valenzuela, 1996). Em conversa com o cacique do povo Pipipã, este manifestou a vontade do povo de atuar em uma gestão compartilhada da Serra Negra.

Mas essa participação, segundo Diegues (2000), não deve ser de cunho paternalista, destacando, por exemplo, moradores mais ativos, geralmente jovens, para atuar como guardas. Essa institui-ção oicial da delação ocasiona rupturas na comunidade, gerando atritos entre os indivíduos, enquanto estes deveriam estar unidos em prol de uma meta comum.

23 Ao serem questionados como se sentiam ao ver a Serra Negra ou de irem visitá-la durante o Auricuri e o que sentiam ao sairem dela, extensos foram os relatos, carregados de emotividade e intervalos entre as palavras, nitidamente em uma busca por conseguir transmitir, a um não-índio e pesquisador, o que sentiam em seu próprio corpo. Em seu livro “Ecologies of the heart”, Anderson (1996) nos demonstra como esses afetos repercutem em “ecologias”.

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Para Santilli (2004a), uma das melhores alternativas seria de criar condições para os povos indígenas manejarem as suas terras, ao invés de criminalizá-los. Sobre processos de criminalização, por exemplo, observamos a seguinte ocorrência no ano de 2012.

No dia 28 de março do referido ano, a procuradora da república Raquel Teixeira Maciel Rodrigues, através de Portaria de Instauração de Inquérito Civil Público Nº 12 de 28 de março de 2012-2ºOF, re-solve converter procedimento administrativo, cujo objeto foi “apurar notícia de possíveis ações contra o meio ambiente, praticados por ín-dios da etnia Pipipã, no interior da Reserva Biológica da Serra Negra – inseridas nos municípios de Inajá/PE e Floresta/PE, durante o ritual denominado ‘ouricuri’, realizado no mês de outubro de cada ano”.

Cerca de um ano depois, no dia 18 de março de 2013, há o ar-quivamento do supracitado procedimento. Como causas, elencam-se que após reuniões realizadas entre os envolvidos, repercutindo em um Acordo Extrajudicial, posteriormente moldado na forma de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), não existiria moti-vo para a sustentação do feito, uma vez que os envolvidos, através do TAC, conciliaram os interesses em conlito.

Ressalto, contudo, que tais conciliações estão aquém do que se poderia almejar para solucionar os conlitos. Estes, inclusive, sem-pre iminentes, como atestado em algumas ocasiões em ritual de Auricuri pelo primeiro autor.

À uma “oposição de interesses constitucionalmente protegidos” (conforme consta no TAC), residem os paradoxos que entravam objetivos cujas metas inais se assemelham.

Percebemos que há um impasse entre a legislação ambiental e a constituição federal, o que gera conlitos entre esses atores. Para Leitão (2004), as leis até agora existentes não inovam com relação ao im-

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passe da permanência/acesso dessas populações ao ambiente, pois não conseguem romper a rígida e antiga classiicação utilitarista deste. As leis existentes, por exemplo, não podem culpabilizar povos indígenas de determinadas atividades, quando estas não estão de acordo com os objetivos de uma Unidade de Conservação, uma vez que a própria Constituição Federal garante, aos povos em questão, a manutenção das atividades imprescindíveis a sua existência (Santilli, 2004b).

A Etnoecologia: proposta perceptiva para um diálogo entre os saberes

Em um cenário político atual, no qual observamos um intenso ataque aos direitos indígenas e a legislação ambiental24 pela chama-da “bancada ruralista”, novos esforços devem ser efetuados, buscan-do, para tal, novas abordagens e formas de compreensão .

Nisto acreditando, abordagens etnoecológicas, além de promove-rem um diálogo de saberes, atuam na investigação participativa, con-tribuindo com a revalorização de culturas historicamente marginaliza-das (Toledo e Barrera-Bassols, 2009).

A Etnoecologia, percebida por Nazarea (1999) como uma forma de investigação dos sistemas de percepção, cognição e uso do ambiente, não pode ignorar os fundamentos históricos e políticos, tampouco de questões que envolvam a distribuição, acesso e poder dos sistemas de conhecimento que formam as práticas resultantes sobre o ambiente.

Devido a isto, talvez, Toledo (1992) também perceba um cará-ter subversivo em tais abordagens. Ao propor uma relativização dos sistemas de conhecimento, “abordagens etnoecológicas” deveriam al-mejar a crítica ao cientiicismo enquanto ideologia, problematizando a percepção de que a “ciência” (entendida aqui como aquele sistema de conhecimento produzida em âmbitos acadêmicos) seria superior,

24 Ataques esses não somente aos povos indígenas, mas aos quilombolas e as chamadas populações tradicionais.

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em medidas a serem adotadas visando o manejo do ambiente, em detrimento de outros sistemas locais (Toledo, 1992).

Isto, por sinal, foi bastante observado na situação aqui analisada, uma vez que alguns funcionários do ICMBIO entrevistados, apesar de airmarem (não exatamente reconhecerem) que os índios também possuem uma forma de manejo do ambiente, desconsideram-na.

Como vimos, tal desconsideração de todo um amplo sistema de conhecimento, historicamente processual e dinâmico, emba-sa-se em dispositivos normativos que asseguram ao Estado (nes-te caso o ICMBIO) os mecanismos de controle e decisão sobre a área. Tais concepções ancoram-se na concepção da efetividade de um modelo colonialista de territorialização e manejo do ambiente (Ferreira, 2014), em muito semelhante a “Tragédia dos Comuns” postulada por Hardin (1968). Contudo, algumas situações empí-ricas demonstraram que tal modelo torna-se inoperante, uma vez que as populações, em processos coevolutivos com o seu ambiente, estabelecem seus próprios sistemas de manejo.

No caso da Serra Negra, por exemplo, conforme airmado pelos próprios indígenas, ela funciona como uma espécie de berçário, onde diversos animais podem encontrar condições minimamente adequadas para a reprodução e, posteriormente, acessar outros es-paços. Exímios caçadores, os interlocutores airmam que não caçam na Serra Negra, ainal, não poderiam perturbar o local de morada dos “Encantados”, espíritos dos seus ancestrais.

Contudo, um peculiar quadro fundiário (com a terra indígena ainda não delimitada) faz com que a presença de fazendeiros ainda existam no entorno da Serra Negra. Esta presença, por sinal, é re-conhecida no discurso de um iscal do ICMBIO entrevistado, no qual airma que, muitas vezes, o fazendeiro prejudica muito mais ao ambiente, derrubando, inclusive, as cercas que delimitam a UC. Mesmo assim, os índios Pipipã são alvo de acusações (processos

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de crimininalização, como vimos), nos quais entre estas aparecem, inclusive, atividades de caça no interior da UC.

Compreender a importância do ambiente e, no caso especíico, da Serra Negra, para as populações indígenas que residem em seu entor-no, torna-se de fundamental importância para o vislumbramento de possíveis alternativas mitigadoras para as situações lá encontradas. O que nos remete a considerar as formas especíicas através das quais esses grupos imprimem sua lógica territorial ao seu espaço, com o objetivo de não reduzirmos a abrangência das relações territoriais à produção e às atividades de subsistência (Gallois, 2004).

O reconhecimento e a proteção das “terras tradicionalmente ocupadas” e⁄ou “territórios tradicionais”, uma vez que estas se cons-tituem a partir dos processos coevolutivos dos povos com os seus ambientes, se aiguram, para Barreto Filho (2014:287), “como par-te e parcela de uma gestão ambiental e territorial que se pretenda democrática, colaborativa, participativa e integradora”.

O cenário que se desenrola, sobre a questão das sobreposições territoriais, ganha novo enfoque a partir da compatibilidade entre os objetivos de preservação do ambiente e de realização dos direitos indígenas através do regime de dupla afetação25 (Ferreira, 2014).

A equidade, desta forma, torna-se um grande desaio à convi-vialidade entre os atores envolvidos (Ferreira, 2014). A referida autora, contudo, ressalta que não se deve generalizar e simpliicar uma situação plural encontrada em Terras Indígenas e Unidades de

25 Segundo resume Ferreira (2014: 384), “O regime jurídico de dupla afetação de bem público da União é uma prerrogativa exclusiva da Presidência da República, segundo interesse público, atribui mais de uma destinação ao bem”. A referida autora ainda nos concede os recentes casos nos quais tal atribuição ocorreu, sendo no ano de 2005 a Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, ao Parque Nacional do Monte Roraima; Em 2006 do Parque Nacional do Araguaia, ao decreto de homologação da TI Inãwébohona, no Tocantins; e em 2012, na TI Riozinho do Alto Envira, no Acre, a UC de uso sustentável da Floresta Nacional de Santa Rosa dos Purus.

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Conservação, como se constituíssem um bloco monolítico de bens da União, não considerando a diversidade de culturas indígenas e diferenças entre as categorias de manejo.

Considerações inais

Ressaltamos, que muito mais do que a garantia de um acesso a terra (entendida como unidade física), o que se procurou proble-matizar é a garantia de direitos associados (educação, saúde, pa-trimônio, etc) e que são impedidos de luirem, devido a entraves gerados por percepções antagônicas.

Como reletimos inicialmente, abordagens etnoecológicas po-dem se apresentar como uma frutífera forma de se compreender a diversidade e, inclusive, possíveis conlitos socioambientais daí suscitados. Seria uma questão, portanto, de se reletir em posturas que prezem pelo diálogo e respeito pela diversidade, sem, contudo, implicar uma suposta neutralidade. Em contextos de rápidas mu-danças ambientais e de interdisciplinaridade (Wolverton, 2013), cabe-se reletir, portanto, sobre o papel e atuação do Etnoecólogo.

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Educação, comunicação e juerana: adubos para a aldeia Cinta Vermelha-

jundiba

Rita Simone Barbosa Liberato26, Cleonice da Silva Pankararu27 e Tânia Regina Barbosa de Souza28

Em pleno Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, surgiu, em 2006, a aldeia Cinta Vermelha-Jundiba. Formada por dois povos (Pataxó e Pankararu), ela apresenta características muito singulares. Pela primeira vez na história do Brasil, indígenas se reuniram para comprar sua própria terra e construir um projeto de vida. O peque-no território de 68 hectares, que se localiza a 18 km do município de Araçuaí, foi adquirido pelas cinco famílias que migraram da Fa-zenda Guarani (Carmésia/MG).

Contrariando a lógica indígena e recebendo críticas inclusive dos não indígenas, o projeto desaiador teve, desde sua fase ele-mentar, embriões cruciais para o desenho de uma proposta eman-cipatória de vida. Algumas decisões foram tomadas inicialmente: o cultivo dos alimentos na Cinta Vermelha-Jundiba (CVJ) seria baseado na permacultura; a medicina tradicional seria resgatada e o modelo de escola que iria ser construído adubaria a conexão entre os saberes ancestrais e os cientíicos.

Nos primeiros anos, os habitantes da aldeia moravam em casas de taipa. Hoje, as famílias vivem em casas circulares de tijolo e con-

26 Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected] Bióloga/Aldeia Cinta Vermelha-Jundiba. E-mail: [email protected] Instituto Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]

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creto, com varanda, jardim e saneamento básico. O grande centro da CVJ é seu terreiro, que abriga a cabana circular, a escola e a ca-bana do segredo, erguida no tronco de uma aroeira, que simboliza a jundiba, árvore que abrigou o povo Pataxó durante as perseguições que sofreu, principalmente na década de 1950.

Percebe-se que a escola é o único espaço da CVJ construído em formato não circular, uma vez que foi instalado pelo Estado e teve, obrigatoriamente, de seguir os critérios arquitetônicos e es-peciicações do projeto oicial. Nesse edifício de três salas de aula e uma cozinha, o ensino fundamental menor e maior é oferecido aos estudantes que vivem na aldeia. Quando eles entram na fase de cursar o ensino médio, têm a opção de receber instrução na Escola Família Agroecológica de Araçuaí - EFA, criada como resultado da articulação dos povos indígenas, com os agricultores da região.

A maioria dos professores dessa escola é graduada pelo Programa de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, e prima por promover uma educação que responda às demandas dos povos e caminhe em direção ao fogo do conhecimento, guiado ora pela mão do pajé e pela cosmovisão indí-gena ora pelas tecnologias do tempo presente e vida moderna.

Moderna, aqui, é entendida à luz dos estudos do indígena - an-tropólogo, GERSEM LUCIANO (2013), como aquela vida que dialoga e se beneicia com as técnicas no tempo presente, mas não desvaloriza os conhecimentos tradicionais, ou seja, suas referências indenitárias e conceitos básicos.

Nessa dinâmica, o modelo de educação que a CVJ vem desen-volvendo para fortalecer as culturas, a alteridade e as relações inte-rétnicas do território tem como matriz ilosóica o Bem Viver. Por isso, a aldeia vem adubando com sua cosmovisão a “árvore da vida (jundiba), sagrada para o povo Pataxó, e não a árvore do capita-

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lismo, individualista e excludente” (YTXAHA BRAZ, entrevista gravada pelas autoras em abril de 2015).

Para se compreender o arcabouço complexo de saberes e práticas relacionadas à natureza, que os indivíduos da CVJ estão desenvol-vendo no seu território, esse trabalho parte de uma pesquisa de observação participante, que vem sendo realizada desde o ano de 2009; entrevistas semiestruturadas; consulta a documentos e pu-blicações. Deve-se registrar que as entrevistas foram realizadas com a utilização de equipamento videográico (Canon Vixia Full HD) e microfone H2N4, e resultaram em uma dissertação de mestra-do29, artigos e três vídeos participativos: A Terra é Nossa Me (2009, 28min), Aldeia Cinta Vermelha-Jundiba faz Travessia Buscando o Bem-Viver (2012, 10min) e A Mo do Pajé (2015, 15min).

Assim, para se investigar as dimensões e a inter-relação da aldeia Cinta Vermelha-Jundiba com o ambiente que está sendo (re)cons-truindo e os projetos que vêm sendo desenvolvidos transformando o “vale da miséria”, como foi chamado pela grande imprensa brasi-leira, em um vale de vida pujante e plena de signiicações materiais e imateriais, iremos dividir este artigo em três partes, além dessa introdução e da conclusão.

Na primeira, iremos apresentar a metodologia do vídeo partici-pativo utilizada nesta pesquisa e a relação construída nesse processo de colaboração e produção, com os atores sociais da CVJ, registran-do também as questões relativas aos processos de comunicação e a análise da narrativa dos protagonistas envolvidas. Os elementos que izeram surgir a aldeia CVJ e os pilares da educação praticada no terri-tório, especiicamente nas questões relativas à relação com a natureza, serão apresentados em um segunda parte.

29 LIBERATO, R.S. Indigenous culture and food security in Brazil: he case of the Cinta Vermelha-Jundiba village. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura. York University e Ryerson University, Canadá, 2009.

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A ressigniicação da juerana, árvore plantada pelos atores sociais da aldeia, cujas sementes são utilizadas para a confecção do artesana-to, cerzido pelas agulhas indígenas em um imbricado processo am-biental, estético e cultural, serão exploradas na terceira parte.

Na conclusão, relexões para estudos futuros serão apontadas.

As lentes do vídeo participativo

Na população dos nativos digitais, como são chamados os indi-víduos que nasceram após 1980 (JOHN PALFREY e URS GAS-SER, 2008), a imagem se alia à imaginação e a forma de ver o mun-do, como nunca havia acontecido em toda a história da humani-dade. Os meios para se produzir fotograias e vídeos são inúmeros: aparelhos celulares, câmeras compactas, mini câmeras ilmadoras, tablets e vários equipamentos são utilizados por milhões de pessoas para signiicar o mundo e toda sua diversidade, não somente nas zonas urbanas, mas também nas rurais.

As plataformas digitais de “postagem” de fotograias e peque-nos vídeos são múltiplas. No Brasil Profundo, as modestas “lan house” recebem inúmeros atores sociais, que alugam computado-res conectados à internet e compartilham no My Space, Facebook, YouTube e blogs seus registros audiovisuais com familiares, movi-mentos sociais e redes. Essas iniciativas têm fortalecido agendas sociais emergentes, e comunidades rurais de diferentes regiões do Brasil têm conhecido as iniciativas locais de inúmeros atores no campo das técnicas agroecológicas, captação de água da chuva, re-ceitas tradicionais e até mesmo o manejo do mundo (LUCIANO, 2011), abrindo uma issura no campo hegemônico das grandes cor-porações de mídia, que, em todo o mundo, são hierarquicamente organizadas (CHOMSKY e HERMAN, 1988) e raramente trabalham

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mais estreitamente para a construção conjunta das notícias, fato que fortalece a sociedade de exclusão e verticalizada. Nesse sentido, GIANNI VATTIMO (1992) airma:

A par do im do colonialismo e do imperialismo, um outro grande fator foi determinante para a dissoluo da idéia de histria e para o im da modernidade. Reiro-me ao advento da sociedade da comunicao (pag. 04).

A mídia, que possui um papel crucial na sociedade contempo-rânea, não tem tornado as relações mais transparentes, pelo contrá-rio. Vattimo observa que nessa relativa opacidade reside esperança de emancipação, surgida como resultado dos registros das lentes dos agricultores, pescadores, extrativistas e muitos outros povos e comunidades tradicionais de todo o planeta.

Sendo assim, mesmo que as corporações de mídia que formam o mainstream não insiram em suas pautas realizações como as das mu-lheres que coletam a mangaba em Capoã, restinga sergipana, ou as ati-vidades de permacultura praticadas pelas comunidades no semiárido mineiro, o que se observa é que, com a produção dos vídeos facilitada pelo acesso às tecnologias da comunicação, a informação passou a cor-rer pelas plataformas digitais e provocar um fenômeno que fortalece uma grande rede de informações, que inspira atitudes de inúmeras co-munidades e provoca a (re) construção de práticas e saberes.

No caso dos povos indígenas, isso não está sendo diferente. As redes sociais têm sido um espaço virtual para lutas diárias de di-ferentes etnias, nos mais distintos espaços planetários. No Brasil, o caso do massacre dos Guarani Kaiowa de Mato Grosso do Sul pelos grandes proprietários de terra (TONICO BENITES, 2014), por exemplo, ganhou expressão notória a partir das redes digitais, e apoio de inúmeros grupos e movimentos sociais.

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Também no campo das pesquisas, como a etnográica e, mais especiicamente, a etnobiologia, a produção do vídeo vem abrindo uma importante tela para se compreender as sociabilidades e as relações entre diferentes espaços. Chamamos atenção aqui para o fato de que existe uma metodologia de produção de vídeo, surgida na década de 1960, no Canadá, que tem servido de caminho para diversas investigações relacionadas à relação das pessoas com a na-tureza. É o chamado vídeo participativo.

Em seus estudos, Wendy Quarry (1994) explica que esse trabalho surgiu

quando Donald Snowden era o diretor do Departamento de Extenso da Universidade de Newfoundland, o governo canadense divulgou o Relatrio da Pobreza no Canad. Provocado pelo conteúdo do documento, que descrevia a pobreza em Newfoundland puramente do ponto de vista da concepo urbana, Snowden teve a idéia de produzir uma série de ilmes com a participao da comunidade local. Ele pretendia discutir os múltiplos signiicados da pobreza, dentre eles, o no acesso a informao. Juntamente com o cineasta Coin Low, Snowden visitou cerca de cinco comunidades em diferentes reas da província e, ao inal da pesquisa, a Ilha do Fogo foi escolhida como o melhor lugar para se iniciar o que icou conhecido como o processo do Fogo (Apud Don Snowden, Program for Development Communication, 2013, traduo das autoras).

Esse evento fez surgir um diálogo com o Ministro da Pesca, que rea-valiou a posição do governo e ouviu as comunidades, criando estruturas (barcos, comunicação, inanciamentos) para que elas permanecessem em seus locais de origem. O Canadá criou, através do Conselho de Ci-nema, o Challenge for Change, “um programa desenhado para fortalecer a comunicação, criar um entendimento e promover novas ideias que provoquem mudança social” (SPILGEMAN, 1969, p. 74,). Nessa pers-pectiva, portanto, a produção cinematográica viria agir como um catali-sador para a emancipação social, e para novas narrativas.

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No campo da etnograia, o caráter polissêmico da imagem vem sendo trabalhado há várias décadas, principalmente no que se refere à apresentação dos dados, uma questão que incomoda os cientistas sociais. Ao explicar o estudo de Becker sobre essa questão, AARON CICOUREL airma que ele propõe

apresentar uma descrio da histria natural das concluses permitindo ao leitor seguir a evidencia tal como veio a chamar a ateno do observador no decorrer da pesquisa e tal como o problema sob investigao foi sendo conceituado durante esse tempo (1975, p. 97).

As conclusões que emergem, por ser fruto de pesquisa qualitati-va, são embebidas pelas narrativas dos intelectuais orgânicos (GRA-MISCI, 1988) e pela imaginação, aqui entendida como a capacidade de “formular imagens de objetos e situações, que já foram ou não percebidos, articulando novas combinações de conjuntos e de refe-rências” (BARBOSA e CUNHA, 2006, p. 14). Tudo isso fortalece um conjunto semântico resultante de situações cotidianas, capazes de inspirar iniciativas que respondam aos desaios enfrentados na busca da autonomia, dignidade e de uma sociedade mais justa e igualitá-ria, principalmente para as gerações futuras. Por isso, as realizações de vídeos participativos são importantes, pois objetivam promover o respeito pelo outro, pelo seu senso de pertencimento e identidade (SHIRLEY WHITE, 2003) em um mundo globalizado, no qual a alteridade não tem espaço.

Como elucida PAUL RICOUER (1994), isso somente torna-se possível a partir de uma pré-compreensão do que ocorre com as ações humanas, com sua simbologia e temporalidade. As imagens captadas equivalem, portanto, às “anotações minuciosas que posteriormente fo-ram analisadas, e são essas análises que se acrescentam às imagens no mo-mento da montagem do ilme” (BARBOSA e CUNHA, 2006, p. 35).

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Desde o primeiro ilme documentário, Nanook of the North, reali-zado em 1992 por Robert Flaherty, que seguiu um plano de inserção com longa permanência no trabalho dos Inuit, no Canadá, como Ma-linowski30 fez entre a comunidade que investigou, Flaherty acreditava que a narrativa deveria surgir a partir do trabalho de campo. O resul-tado não poderia ser diferente: o mundo de Nanook foi mostrado por uma perspectiva ixa e a natureza gélida se revela hostil. A sequência da caça à foca exibe a dramaticidade da busca pelo alimento.

O antropólogo e cineasta Jean Rouch, no inal dos anos 40, em sua etnologia sobre a África do Sul, que incluiu a câmera pela pri-meira vez na pesquisa etnográica, não somente como elemento de registro, mas também como elo de comunicação com os povos, deu origem, ao chamado cinema colaborativo, que não se tratava do cinema verdade, mas da verdade no cinema (MARCO GONÇAL-VES, 2008). Tanto a Antropologia, nessa perspectiva do cinema colaborativo, cinema-verdade quanto a Comunicação, na perspec-tiva do vídeo participativo, convergem na questão de que o “docu-mentário não é uma conseqüência do tema, mas uma maneira de se relacionar com o ele” (Ibid, p.142). E essa relexão é crucial para que a cena social, de fato, não seja resultado de encenações. No ilme de Flaherty, o “herói Nanook vencia o gelo do ártico, na vida real foi vencido por este vilão. O protagonista morreu de fome dois anos depois da ilmagem” (Ibid, p.137).

Por isso, a relexibilidade e a subjetividade devem ancorar a pro-dução dos vídeos participativos, para que a relevância da experiência e do olhar, resultantes da percepção e das escolhas realizadas em campo, transcendam o texto etnográico escrito.

30 MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacíico Ocidental. São Paulo: Editora Abril, 1984.

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De posse desses pressupostos, resta ao pesquisador conhecer as téc-nicas de ilmagem, enquadramento, iluminação, roteiro, fotograia e captura de áudio. É importante também se ter conhecimento de sof-twares de edição mais proissionais, como o adobe premiere e o inal cut. Hoje existem inúmeras câmeras disponíveis no mercado a preços acessíveis. Recomendamos a aquisição de um equipamento que tenha entrada para microfones e headphones, pois o som em si, e a forma como se ouve essa voz, são importantes componentes dessa constru-ção. O vídeo pode ser valioso para se registrar dados da etnobiologia e etnoecologia, “todavia, o seu uso implica na necessidade de grande proissionalismo, e experiência para produzir materiais de qualidade cientíica e artística” (ALBUQUERQUE et AL, 2010, p. 49).

Nesse contexto, os aspectos estéticos devem ser somados aos éticos, como as questões relativas à autorização do uso de imagem e à exi-bição do produto inal nos diferentes espaços. Portanto, não se deve esquecer de gravar no take de abertura de um dia de trabalho o con-sentimento verbal dos entrevistados e das pessoas presentes à cena.

Com essas ideias na cabeça e o questionário semiestruturado na mão, é imprescindível que o pesquisador tenha pelo menos uma bateria extra para cada equipamento e possua ainda cabos, exten-sões elétricas e diferentes adaptadores para tomadas. Hoje, no Bra-sil rural, luz elétrica já não é um problema, mas recomendamos o uso de um estabilizador simples, por questão de segurança, caso seja necessário se recarregar a câmera e demais aparelhos. Ao inal do dia, os cartões de memória deverão ser esvaziados, o que poderá consumir algumas horas, mas é sempre prudente fazê-lo, caso a câmera apresente algum problema posteriormente. Usar um HD externo de boa qualidade é recomendável, pois ele armazenará seu material e ajudará a organizar seus arquivos (clips), o que pode evi-tar problemas sérios no processo de decupagem e edição.

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Sugerimos que, nas comunidades às quais se pretende realizar investigação etnológica utilizando-se a metodologia do vídeo parti-cipativo, o pesquisador planeje uma entrada no campo guiada por oicinas de roteiro, direção e fotograia. Vale a pena se construir uma agenda com os atores sociais, respeitando-se o tempo da co-munidade e articular mini cursos e oicinas, que contribuam para a formação das pessoas interessadas no campo da produção vide-ográica, um interessante caminho para se estreitar laços, articular pré-roteiros, bem como fortalecer a observação participante, como nos apontou Rouch. Após um dia de oicina de captura de ima-gens, recomenda-se a apreciação delas coletivamente. Dessa forma, os espectadores podem avaliar as sequências realizadas e discutir so-bre elas. Em nossa experiência de trabalho de campo, percebemos que esse é um momento muito interessante para a comunidade, que se fortalece ao se ver, e passa a acreditar que de fato ela pode ser protagonista de seu próprio ilme. Nesses instantes, que são o início de um processo de decupagem ou seleção de takes, surgem informações substanciais sobre os espaços que devem ser ilmados, pessoas a ser entrevistadas e até mesmo cortes que deverão ser fei-tos. Ao mergulhar nessa forma de relação face a face, o pesquisador se insere no cenário natural dos protagonistas e colhe dados, crian-do intersubjetividades e intertextualidades. “Assim, o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modiicando e sendo modiicado por esse contexto” (CICOUREL, 1985, p.89).

Por im, o investigador pode optar por fazer a captura de imagens seguindo a orientação de seu orçamento, que na maioria das vezes é enxuto. Uma mini câmera full HD quase sempre resolve. No entan-to, deve-se investir nos microfones. Basicamente, dois jogos de lapela e um boom são necessários. Nunca esqueça de, durante as gravações, ouvir pelo headphone a captura do áudio, não somente porque isso

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poderá evitar prejuízos no momento da edição, mas porque esse pro-cesso tem o poder de levar o pesquisador completamente para o espa-ço sonoro em que está situado, já que o headphone amplia o volume das vozes. Aliado à lente da câmera, esse processo contribui para que o entrevistado e a cena sejam o universo singular do pesquisador, que completamente mergulha no que ouve e vê.

Isso faz com que se estabeleça um processo relacional e comple-xo, mediado pela cultura, aqui entendida como todas as formas de

representao, que têm relativa autonomia perante os campos econmico, social e político, e que amiúde existem sob as formas estéticas, mas é o prazer um dos seus principais objetivos (EDWARD SAID, 1995, p. 12).

E nesse campo das representações, o vídeo participativo pode con-tribuir para a compreensão das relações culturais e sociais dos grupos humanos com o ambiente, bem como as interpretações que esses dão a seus próprios atos (AMOROZO e VIERTLER, 2010), pois auxilia na interpretação de imagens que poderão ser analisas posteriormente.

A escola da natureza em uma aldeia curumim

Estudos demonstram que vários povos indígenas vêm partici-pando de um movimento em torno da construção de um modelo de educação que responda as suas reais necessidades. Eles buscam construir uma escola que dialogue com os conhecimentos tradicio-nais e os cientíicos, propondo uma lógica não binária da educação, que possa fortalecer os saberes locais, as identidades e alteridades. Como explica BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS (1988),

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estamos de novo regressados à necessidade de perguntar pelas relaes entre a ciência e a virtude, pelo valor do conhecimento tido como ordinrio ou vulgar que ns, sujeitos individuais ou coletivos, criamos e usamos para dar sentido às nossas prticas e que a ciência teima em considerar irrelevante, ilusrio e falso. (p. 2)

No campo para além do sim e do não, o saber dos mais velhos, os sonhos, os símbolos e a natureza circundante são alguns dos elementos que estão relacionados com a formação dos povos in-dígenas, para que eles sejam capazes de se fortalecer diante de um mundo globalizado, como explica a professora da CVJ, YAMANY PATAXÓ sobre seu próprio percurso de formação e sua prática:

Eu aprendi muita coisa com outras etnias (...) Hoje eu posso dizer que eu sei muita coisa. As crianas daqui da aldeia gostam muito de ler livros. O meu percurso é de pesquisa e de histria com os mais velhos. Eu vou pesquisar histria e depois eu quero fazer cartilha de alfabetizao para criana. Eu quero alfabetizar as crianas, para elas saírem com o dom de estar lendo bem e entender aquilo que ela lêem. (Entrevista do vídeo A Terra é Nossa Me, 2009)

Como Yamany relata, a alteridade é uma marca do projeto de educação da CVJ. Outro aspecto importante nesse processo é des-crito pelo professor YTXAY PATAXÓ:

A escola tradicional no passa um ensinamento de acordo com as necessidades de cada comunidade, de cada grupo familiar, e eu no me situei muito bem [no curso de técnica agrícolas que iniciei], pois eles orientam uma formao para se trabalhar com adubo químico, inseticida e esse no é o meu ramo, estar destruindo o solo, a natureza, depositando na terra uma coisa que no é boa para as futuras geraes. Hoje a

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gente quer passar para as crianas na escola, na comunidade, a idéia de fazer a permacultura, que é muito importante, no s para a gente, mas para o nosso planeta, enriquecendo mais a nossa cultura indígena, seja ela Pankararu, Patax, Guarani, Krenak…seja qualquer etnia. Acho que isso é o que é importante. (Entrevista do vídeo A Terra é Nossa Me, 2009)

É evidente que a Cinta Vermelha-Jundiba sabe como quer a escola, grande

aliada de seu projeto de bem-viver. Nesse contexto, o território da aldeia trans-

cende-se, constituindo-se em um espaço também de etnoeducação em uma área

territorial especíica que d visivilidade às relaes interétnicas construídas como resultado da histria de luta e reairmao étnica dos povos indígenas, para a garantia de seus territrios e de políticas especíicas nas reas de saúde, educao e etnodesenvolvimento. (LUCIANO, 2013, p.142)

Nesse processo de valorização identitária e de autoestima social (Ibid, p. 141) do povo, os projetos que a aldeia desenvolve com a so-ciedade circundante são fulcrais. O Encontro de Pajés, o Encontro In-terdisciplinar de Vivências Agroecolgicas e o projeto de Medicina Tra-dicional Ohk-kahb: casa de saúde, cura e harmonia são importantes iniciativas fomentadoras do diálogo, pois promovem uma interação teórica e prática com o mundo fora da aldeia. Dessa interação surge a riqueza, como registra a bióloga Cleonice Pankararu em seu traba-lho de pesquisa31, quando discorre na formação de sujeitos que pos-sam corresponder às demandas do mundo atual, e sejam capazes de ultrapassar os limites de um conhecimento meramente declarativo, podendo desenvolver conhecimentos aplicáveis e contextualizados.

31 Os desaios do professor – educador na (re) construção de novos caminhos para o ensino fundamental e médio: educação – formação e transformação (UFMG, 2014).

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Somente através do projeto Ohk-Kahb: casa de saúde, cura e har-monia, a CVJ realiza uma interlocução permanente com múltiplas organizações não governamentais e escolas da sociedade nacional. As mudas das ervas medicinais que a aldeia está resgatando em diversas regiões do país e cultivando na ampla estufa do projeto vêm fortale-cendo muito mais que uma relação entre os conhecimentos tradicio-nais e os cientíicos, pois estão ressigniicando também a saúde sim-bólica de um sistema de comunicação construído através das plantas de cura, cujos signos e receitas de uso resultam em um complexo sistema de linguagem (BARTHES, 1961).

Nessa rede de diálogos, o território com suas plantas, animais, rios e montanhas forma uma plataforma que permite aos indíge-nas, visitantes, estudantes e pesquisadores compartilhar ideias, re-sultando em aprendizado e fortalecimento dos saberes ancestrais, que estão no centro de toda a tela. Pensando nisso, como explica Cleonice, a aldeia desenvolveu uma metodologia própria para rece-ber os convidados, pois

a gente apresenta as plantas para as pessoas sentirem o cheiro, olhar sua forma, folha, lor, seu tamanho. Isso causa envolvimento com aquele vegetal. Ao sentir a planta, as pessoas comeam a compreender seu valor benéico […] Deve-se ter todo respeito nesse processo. Por isso, orientamos as pessoas a no arrancar de qualquer jeito. É necessrio se ter cuidado, porque essa relao é de troca de um ser vivo com outro ser vivo. (Entrevista gravada pelas autoras em abril de 2015)

Ao trazer para o processo a importância da percepção para a aprendizagem, a CVJ trabalha para além da concepção assimétrica, “do binarismo ontológico” (LUCIANO, 2013, p. 147), já que o gru-po opera com outra lógica de conhecimento, e fomenta o sentir, o apalpar, o relacionar, o imaginar e o aprender com o próprio mundo.

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Ressigniicando sementes: a juerana tecida pela mão indígena

Como para os povos indígenas não somente as plantas medici-nais, mas as pedras, rios e árvores têm uma relação simbólica com a vida, na aldeia Cinta Vermelha-Jundiba o processo de relores-tamento possui uma lógica também baseada nos signos culturais e ecológicos. Desde 2005, quando o grupo comprou a terra, um processo de plantio das árvores foi iniciado na aldeia. Ao se visua-lizar a CVJ desde um ponto mais distante, percebe-se que as áreas de pastagens de gado do entorno contrastam com a faixa verde dos 68 hectares indígenas, que atrai pássaros, borboletas e animais silvestres. Esse boom ecológico, principalmente na época da chuva, é resultante de um projeto organizado de plantio de árvores que têm uma relação cultural com o povo Pataxó e Pankararu. O cuida-do para com o cultivo de ipês, umbuzeiros, mangabeiras, aroeira e juerana, entre outros, demonstra a importância dessas árvores para o povo da aldeia, uma vez que o suco do umbu e da mangaba são importantes para seus rituais, e a juerana, que generosamente doa suas sementes para as índias produzirem artesanato, transforma-se em fonte de renda.

Géo Pataxó (Entrevista gravada pelas autoras em abril de 2015) conta que trouxe algumas mudas da aldeia onde morava anteriormente, a Fazenda Guarani, pois sabia da sua importância. Hoje, há várias jueranas espalhadas pela aldeia e as sementes, que recebem múltiplas cores oriundas do urucum e do jenipapo, são costuradas pacientemente pelas mulheres indígenas, que as trans-formam em complexos artefatos estéticos. Os colares, brincos, braceletes e até bolsas que produzem, todos cerzidos na agulha, garantem o sustento das famílias.

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E mais. O artesanato passa a servir de ponte para divulgar a história da CVJ e dos povos indígenas, pois sua imbricada trama de cores e soisticada beleza chamam a atenção da sociedade nacional, que quer saber onde, como e por quem é feito o trabalho. Assim, as sementes da juerana, quando são unidas pelas mãos das índias da CVJ, constroem uma tela orgânica de signos, que comunicam histórias e saberes ancestrais, revelados pelos jogos de cores e tintas naturais. A jovem Wakyre conta que,

quando a pessoa vai pegar a juerana, deve transmitir o sentimento de gratido, pois sua semente é muito importante, ajuda na construo de artesanato, uma fonte de gerao de renda para as comunidades indígenas […] mas no é s isso, gostamos de fazer o artesanato, que tem toda nossa espiritualidade, nossos sentimentos, nossa criatividade (Entrevista gravada pelas autoras em abril de 2015).

Considerações inais

Em um mundo cada vez mais marcado pela velocidade da co-municação, os conhecimentos tradicionais indígenas e sua cos-mologia em relação ao mundo e as plantas que os circundam são importantes fontes de estudos para a etnobiologia. A Cinta Verme-lha-Jundiba é um exemplo de como os indígenas constroem diálo-gos com a sociedade nacional através de diversos mecanismos, para fortalecer sua identidade, autonomia e cidadania plena para além do espaço do seu território. Dialogando com o mundo não indí-gena através de seus projetos e espalhando as sementes da juerana, ressigniicadas, a aldeia leva sua vitalidade e agenda social para os diversos cantos do país.

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A pesquisa qualitativa e o vídeo participativo são importantes me-todologias de registro e análise desses processos. Em estudos futuros, esses caminhos poderão ser analisados mais detalhadamente através dos cinco documentários participativos que estão sendo produzidos sobre os projetos sociais da aldeia e sua relação com a própria vida.

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A Corrida pelo Saber Tradicional: novo cercamento dos comuns32

Enio Antunes Rezende33 e Maria Teresa Franco Ribeiro34

Para muitos observadores, a recente proliferação de pedidos de propriedade intelectual no começo deste século, protagonizada pari passu com a expansão da economia mundial calcada cada vez mais no conhecimento, está tornando a produção e circulação do saber em uma questão estratégica. Esse movimento pode ser visto como parte de um processo maior de “novo cercamento dos comuns” ou ainda uma “grilagem intelectual em massa” em que recursos que eram tidos como bens públicos, passam a ter seu acesso restrito e acabam por se transformar em mercadorias escassas. (Aoki, 1996; Boyle, 1996; apud Humphrey e Verdery, 2004; Shiva, 2010; Khor, 2002).

A questão da aplicação da propriedade intelectual à biodiversidade e aos saberes tradicionais é ainda mais conlitante. Segundo Santos (1997, p. 89),

[...] os direitos de propriedade intelectual protegem o conhecimento tecnocientíico moderno e a possibilidade de converter as inovaes biotecnolgicas em fonte de imensos lucros. Por isso mesmo, os Estados Unidos e os países industrializados preconizam a universalizao desses direitos, tanto em nível internacional (via GATT-TRIPs35, OMC36, CDB37, Banco Mundial e outras

32 Este trabalho é dedicado à memória de Darrell A. Posey.33 Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected] Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected] General Agreement on Trade and Tarifs – (Agreement on) Trade-Related

Aspects of Intellectual Property Rights.36 Organização Mundial do Comércio.37 Convenção da Diversidade Biológica.

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instâncias multilaterais), quanto em nível nacional (via adoo do regime de patentes e de leis de cultivares pelo maior número possível de países).

Tratar dos atuais aspectos econômicos e sociais decorrentes do uso da biodiversidade, mais especiicamente das informações genéticas, em um país de altíssima diversidade biológica parte da inevitável constatação de que o próprio nome - Brasil - vem da loresta. Alguns dados são especialmente relevantes: 10% dos 1,4 milhões de organis-mos vivos já descritos pela ciência encontram-se no Brasil. No caso especíico das angiospermas, o Brasil possui 55 mil espécies o que totaliza 22% desse tipo de planta em todo o planeta. (Mittermeier et al.1992, p.21). Esse quadro de altíssima diversidade biológica permi-te enquadrar o Brasil na categoria dos países “megadiversos”, iguran-do juntamente com a Costa Rica, Madagascar, entre outros, como um dos países de maior diversidade biológica do planeta.

Além de ocupar uma posição ímpar no contexto dos países me-gadiversos, o Brasil conjuga outros fatores-chave que coniguram-se como vantagens comparativas na crescente valorização dos diversos saberes, como os conhecimentos tradicionais, a saber: a) expressiva diversidade cultural e cognitiva; b) razoável capacidade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) instalada e; c) signiicativo consumidor de produtos farmacêuticos e cosméticos. (Vasconcellos & Rodri-gues, 2006). A realização da CDB, na Cúpula da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro, foi um marco que chamou atenção para o valor econômico decorrente do uso do patrimônio genético e dos saberes tradicionais para indústria farmacêutica e alimentícia, entre outras. A CDB também foi o catalisador político por estabelecer regras para o acesso ao patrimônio genético e saberes tradicionais, antes da CDB, estes eram tidos como bens comuns da humanidade e caracterizavam-se pela ausência de propriedade privada. Trata-se de

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um conhecimento social e politicamente construído por comunida-des tradicionais dinâmicas, organizadas com identidades próprias, e modos particulares de sociabilidade. O processo de expansão do capital, agora comandado pelo capital inanceiro induz e direciona a constituição de um marco legal que lhe beneicie, transformando conhecimento em commodity.

Nos anos 1980 entretanto, os EUA instituíram a Lei Bayh-Do-le, a qual estabeleceu que as descobertas cientíicas decorrentes de pesquisas realizadas com verbas públicas (em universidades, labora-tórios públicos e institutos de pesquisa) poderiam ser patenteadas e licenciadas, com cláusulas de exclusividade, para empresas privadas. Nesse quadro, a idéia de herança ou patrimônio comum da huma-nidade deu lugar à airmação dos Estados nacionais como legítimos proprietários da biodiversidade em seu território. Assim, os países signatários da CDB, agora “soberanos” de sua biodiversidade, devem prover acesso às empresas interessadas em transformar o patrimônio genético e saberes tradicionais em mercadorias. Criam-se assim as condições de expansão do capital, reservando o uso exclusivo dos co-nhecimentos pelas grandes empresas transnacionais. (Coriat, 2002).

A partir da análise da corrida pelo saber tradicional, (Rezende, 2008), dedicar-se-á neste estudo uma especial atenção aos interes-ses envolvidos na obtenção de inovações a partir da pesquisa da biodiversidade brasileira e as condições dos povos detentores desses conhecimentos indissociáveis de suas formas de vida. A mercanti-lização do saber tradicional é um processo chave a ser discutido.

A corrida pelo saber tradicional: um novo colonialismo?

O recorte escolhido para ilustrar a dinâmica do conhecimento das comunidades tradicionais e sua interação com a sociedade en-volvente é a de que se vive hoje uma “corrida pelo saber tradicional”

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(Rezende, 2008). Uma corrida, tanto nos termos da urgência de sua apropriação, pelas empresas empenhadas em transformá-lo em inovações tecnológicas lucrativas, quanto nos termos de sua preser-vação e uso, já que existe uma tendência ao desaparecimento, uma vez que seus detentores freqüentemente não possuem uma tradição escrita de repasse desse conhecimento e muitas comunidades vêm sofrendo ameaças à manutenção de seus estilos de vida tradicionais. Esse fato é conirmado, principalmente, pelas denúncias de etno-biopirataria38 de plantas medicinais brasileiras, por Coelho (1997). Não há maneira segura de se atestar quanta etnobiopirataria ocor-re efetivamente e, apesar de os porta-vozes da indústria relutarem em admitir a existência do processo de “transferência tecnológica reversa” Khor (2002), característico da etnobiopirataria, consta-se um aumento nas denúncias e acusações de ações de biopirataria em nível mundial. (RAFI, 1999; WRI, 1994; Shiva, 2007, 2010; Santos, 1997; OMC, 2002; Buydens, 1999; Coelho, 1997; Khor, 2002; Rezende & Ribeiro, 2001; Delgado, 2002; Mgbeoji, 2006; Pantoja & Tapajós 2007).

Ainal, no atual contexto em que a competitividade capitalista é fortemente baseada na capacidade de inovação associada à garantia da sua apropriabilidade completa - mesmo que limitada no tem-po - as patentes são um instrumento chave para as indústrias que utilizam o conhecimento tradicional e o patrimônio genético para a geração de inovações tecnológicas.

Assevera-se que a atual aceleração na dinâmica socioespacial da coleta de germoplasma e conhecimentos associados é fruto de uma nova e con-

38 Para o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, não se trata de biopirataria, mas de etnobiopirataria, uma vez que se apropria do conhecimento ancestral de camponeses, dos povos originários e de afrodescendetes, de que rezadeiras, curandeiros, parteiras, pajés e xamãs são portadores e que tanto foi desqualiicado pelo saber eurocêntrico.

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temporânea combinação de fatores econômicos, tecnológicos e regulató-rios. Esse movimento pode se caracterizar como um novo colonialismo, ou como airma David Harvey (2004) um novo imperialismo.39

Em geral, as pessoas que visitam as comunidades com interesse voltado para o conhecimento tradicional desses povos, está voltado para o desenvolvimento de pesquisas cientíicas na área agrícola, botânica, arqueológica, antropológica e das Etnociências. Nas visi-tas de pesquisadores voltados para aplicação comercial do conheci-mento tradicional pelas indústrias, busca-se geralmente:

- Conhecimento do uso atual, prévio, ou potencial tanto de es-pécies de plantas e animais, como de minerais e outros componen-tes do solo;

- Conhecimento das formas de preparação, processamento ou armazenamento de espécies úteis;

- Conhecimento de formulações envolvendo mais de um ingrediente;

- Conhecimento de espécies individuais (métodos de cultivo, critérios de seleção, etc.);

- Conhecimento de conservação do ecossistema (métodos de pro-teção ou preservação de um recurso que tenha valor comercial) e;

- Sistemas de classiicação do conhecimento tradicional, tal como a classiicação sistemática tradicional.

Esses tipos de conhecimentos descritos acima seriam procurados pelas empresas transnacionais como insumo para o desenvolvimento de novos produtos, servindo como “atalho” que permite uma maior eiciência no processo de desenvolvimento de inovações tecnológicas. Cabe lembrar que a importância do conhecimento tradicional para a

39 Para David Harvey o processo de “acumulação interminável de capital”, que conigura histórica e geograicamente o capitalismo, combina, de forma contraditória, a lógica econômica, os processos moleculares de acumulação e as estratégias políticas, diplomáticas e militares que denomina “acumulação por espoliação”, renomeando o arsenal de práticas que Marx chamava de acumulação primitiva.

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consecução dessas inovações no setor farmacêutico é corroborada por Farnsworth (1997), quando este relata que mais de 80% dos fárma-cos com algum princípio ativo derivado de plantas comercializadas atualmente têm correlação positiva entre a sua aplicação na medicina tradicional e a sua indicação terapêutica pelos médicos.

Para Leonel (2000, p.333), “três quartos das drogas utilizadas pelo receituário médico derivam de plantas descobertas do conhe-cimento indígena. De 120 componentes ativos isolados de plantas, 75% têm origem em seu uso tradicional”. De modo complemen-tar, também se pode inferir, através de dados de Elisabetsky (2000, p.95), que as chances de se encontrar um composto ativo numa planta rastreada a partir de uma informação etnobotânica é mais de mil vezes maior do que as chances das técnicas de rastreamento ran-dômicas convencionais. Já com relação ao mercado de itoterápi-cos, airma-se que “dados do setor já mostram que os itoterápicos já representam 7% do setor farmacêutico no Brasil, movimentando cerca de US$400 milhões por anos. Em nível internacional, analis-tas estimam que a rica biodiversidade brasileira traz uma excelente perspectiva para o desenvolvimento de novos fármacos e nutracêu-ticos, uma vez que estes mercados movimentam cerca de US$320 e US$31 bilhões de dólares por ano, respectivamente. (Gruenwald, 2002, apud Funari e Ferro, 2005, p.179).

Além do setor de fármacos, ressalta-se que outras áreas também se beneiciam do uso desse conhecimento, como as empresas de cosmé-ticos e produtos para higiene pessoal, alimentos e nutracêuticos, pro-dutos agrícolas modernos, e outros campos da biotecnologia, além do campo da saúde e da agricultura.

Destaca-se as características mais especíicas da aceleração da cor-rida pelo saber tradicional ou as razões para essa aceleração seriam:

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- A descoberta de novos medicamentos, através dos processos de análise e fracionamento químico, que permitiram grandes avanços entre as décadas de 1930 a 1950, diminuiu muito o seu avanço atualmente. (Kaplan e Figueredo, 2006).

- O desenvolvimento de novos equipamentos e metodologias para o exame massal de amostras de plantas, tais como o HTPS (High throughtput screening), RAPD (Random ampliied polymorphic DNA), RFLP (Restriction length fragment polymorphism), análise, seqüencia-mento e codiicação de moléculas de DNA; técnicas de criogenia, estudos avançados de substâncias proteicas e seus derivados, cultura de tecidos, além do próprio desenvolvimento das tecnologias da in-formação que permitiram a aceleração do processamento das infor-mações coletadas. (Pinto et al. 2002; Carvalho, 2006).

- A percepção de uma maior eiciência da etnobioprospecção na busca de novos compostos farmacêuticos. (Balick et al.1996; Elisabetsky, 2000).

- A implementação e ampliação do escopo do sistema de proprieda-de intelectual nos países em desenvolvimento através do acordo TRIPs implementação, ainda que parcial do quadro regulador da CDB para o acesso ao saber tradicional e material biológico. (Shiva, 2010; Khor, 2002; MacAfee, 1999; Parry, 2004).

- O uso do apelo ambiental, marketing verde, para empresas, produtos e serviços desenvolvidos a partir ou com compostos naturais. (Rezende, 2008).

- O aumento do número de estudos em Etnobotânica, Etnofar-macologia e Etnociências em geral, envolvendo saber tradicional no Brasil, uma vez que até 1959, ocorreram apenas 21 publicações nesta última área do conhecimento, e já entre 1960 e 2000 aproximadamen-te 1000 trabalhos foram publicados. (Ming, 2007; Moreira, 2003).

Esses fatores sociais, tecnológicos, econômicos e regulatórios elencados acima ressaltam a grande transformação recentemente

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ocorrida no contexto histórico da coleta de material biológico e sa-ber tradicional. Se antes o poder era exercido através da habilidade de adquirir, concentrar, controlar e recircular estrategicamente es-tes materiais para obtenção de vantagens políticas e ou econômicas, pode-se airmar que havia uma dinâmica inerentemente espacial naquele processo, em que certas plantas eram enviadas para de-terminados lugares em que poderiam ser organizadas, relacionadas e controladas. Isso possibilitou um uso estratégico dessas “merca-dorias” em circuitos de comércio e troca para o benefício de seus controladores. Já com o conjunto de elementos descritos acima, pode-se argumentar que estes agiram no sentido de acelerar a atual dinâmica socioespacial da coleta de saber tradicional.

Ressalta-se também, que essas características da corrida pelo conhecimento, apontam para algumas mudanças que facilitam e aceleram o uso da “bio-informação”. O novo modelo de pesquisa internacional atual supera o modelo excessivamente centralizado por um modelo mais lexível, em que as organizações em rede dos atores de bioprospecção é a tônica, como o programa de pesquisa do ICBG40, desenvolvido a partir dos anos 1990, no âmbito da NSF41 e da USAID42. Essa talvez seja uma das maiores iniciativas contemporâneas de bioprospecção. Seu objetivo é integrar con-servação da biodiversidade, atividades econômicas sustentáveis e a descoberta de novos fármacos. (Rosenthal, 2007).

Segundo Parry (2004, p. 127) “Esta seria a primeira vez na histó-ria que empresas e institutos de pesquisa com inanciamento público entraram em operação juntos, como sócios”. Muda o sentido da pa-tente, a pesquisa pública torna-se passível de ser patenteada, transfor-mado-a em propriedade privada. A racionalidade que está por trás é

40 International Cooperative Biodiversity Groups.41 National Science Foundation.42 United States Agency for International Development.

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a do monopólio do conhecimento, da apropriação de informações básicas da vida. A implementação das redes de bioprospecção tam-bém expandiu o espaço geográico das coletas, Parry (2004) remarca que, já durante o inal dos anos 1980, o NCI43 promovia coletas em mais de 40 países e que a rede de parcerias do ICBG teria possibilita-do a sua presença continuada em 8 países: Suriname, Chile, México, Argentina, Costa Rica, Peru, Camarões e Nigéria. O impacto desses programas de bioprospecção em populações especíicas foi variado e complexo, como Hayden (2005) e outras etnograias mais deta-lhadas podem revelar. Talvez o escopo e intensidade dessa fase da corrida pelo saber tradicional não tenha tido precedentes na histó-ria do desenvolvimento de fármacos, com o número cada vez maior de participantes envolvidos nesses programas e também o número e o tamanho das coleções existentes. (Parry, 2004). Para Benjamin Coriat (2002), esse processo levará, inevitavelmente, à ampliação do fosso entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Economia e sociobiodiversidade: a força do capital

A crescente corrida pela apropriação de conhecimentos tradicio-nais se dá na fase de reestruturação do capital e de lexibilização da produção potencializada pelas tecnologias da informação e comuni-cação- TICs. As mudanças no marco regulatório, particularmente nos sistemas de propriedade intelectual, têm estimulado a criação de um novo mercado de saber tradicional, bem como a sua crescente importância para garantir a apropriabilidade da “bio-informação”.

É interessante notar que as mudanças nos modos de se apre-sentar e representar o conhecimento tradicional e os recursos ge-néticos também facilitou a sua concentração e arquivamento. A informação que era guardada pelas pessoas e livros agora pode ser representada e armazenada em arquivos de computador, em gran-

43 National Cancer Institute.

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des quantidades. Isso facilitou muito a coleção e o acesso recorrente a estes conhecimentos, ainda que seu conteúdo sofra alterações ou corrupções de algumas de suas propriedades durante o processo.

Para Scholz (2003, p.214), as mudanças tecnológicas sofridas pela indústria biotecnológica nos últimos dez anos, inluenciaram a distribuição de poder global nas negociações sobre a biodiversida-de, introduzindo essa indústria como um ator-chave na arena das negociações políticas internacionais do meio ambiente.

Essa discussão evidencia que o saber tradicional tem sido tratado como um novo tipo de insumo, e que ele vem sendo representado, retrabalhado e utilizado de maneiras novas e, até inesperadas, pelas indústrias e seus consórcios de P&D.

Veriicou-se que, com a alteração da natureza desse saber e o uso de mecanismos de propriedade intelectual, abre-se um amplo caminho para o desenvolvimento de inovações tecnológicas lucrativas para essas indús-trias, trazendo, entretanto, grandes desaios para a proteção desse saber.

Além de relevar o papel da indústria como ator-chave nesse proces-so, buscou-se remarcar a grande inluência das mudanças tecnológicas e do marco político-econômicos no qual as universidades e institutos de pesquisa também estão inseridos.

Muitos desses recursos e saberes ainda são largamente desconhe-cidos ou ignorados pela ciência, e pior, acredita-se que estejam so-frendo um processo de erosão cultural e genética com o avanço da mercantilização e da corrida pelo conhecimento tradicional. Mas esses riscos se intensiicam com o descaso e abandono dos povos tradicionais, como a não demarcação de suas terras, facilitando a grilagem seja pelo agronegócio, seja pelas mineradoras, que avan-çam pelos territórios dessas comunidades. São territórios constituí-dos principalmente a partir das práticas tradicionais sobre bens de

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uso comum como a terra, campos, lorestas, mar e lagoas. (Barbosa & Porto- Gonçalves, 2014). Em alguns casos, a destruição desses territórios é a destruição de um patrimônio cultural milenar.

O avanço das tecnologias e das novas e complexas práticas de trans-ferência e circulação do saber tradicional têm tornado mais fáceis e eicientes a coleta, a transmissão e o armazenamento, a concentração, a recombinação e a recirculação desses materiais e conhecimentos.

Segundo o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2007) não é possível alcançar a justiça social se não houver justiça cognitiva. Não se pode esquecer que a violência cognitiva, que desqualiicou os modos de vida dessas comunidades, autorizou a violência física e simbólica que respaldou a violência colonial. Assim, a justiça social, cultural e econômica na gestão do saber tradicional não se alcança a partir de mudanças no marco regulatório deinidos pela potência hegemônica e sustentado pelos demais países, inclusive o Brasil. Nesse contexto, é preocupante a recente sanção presidencial da nova lei que trata do patrimônio genético e conhecimentos tradicionais associados. É sobre essa questão que discutiremos a seguir.

O novo marco legal sobre o acesso ao patrimônio genético: o

im do bem comum

A regulação da Convenção sobre a biodiversidade no Brasil, que substitui a Medida Provisória n 2.186-16/2001 tem provocado vários debates. Na verdade, a “lexibilização” do acesso ao conhecimento tra-dicional põe em risco a nossa biodiversidade, um dos bens mais deci-sivos; sem ela, não só perderíamos a possibilidade de manutenção e reposição das espécies, e, afetaríamos tudo o que está ao redor – bens naturais, recursos hídricos, regimes climáticos. Seria negar a Conven-ção da Biodiversidade (ONU), da qual o Brasil é signatário (1992).

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Apesar dos esforços dedicados para regulamentação da legislação an-terior, o processo de implementação da MP 2.186 foi diicultado por problemas operacionais, falta de capacidade técnica, restrições orçamen-tárias, fraca estrutura e articulação institucionais, reduzido apoio político além conlitos sobre os recursos e saberes em questão que impossibilita-ram a plena concretização das suas medidas. (Rezende, 2008).

Ainda que grande parte das ambiguidades e complexidades ope-racionais originais da medida provisória tenham sido tecnicamente superadas, o Estado brasileiro optou por uma modiicação radical protagonizada com a Lei 7735.

A Lei 7.735 de 2014, que revogou a Medida Provisória no 2.186-1, anula em parte o reconhecimento do papel fundamental de índios e comunidades tradicionais na conservação da biodiversi-dade de vegetais, animais, micro-organismos, óleos, resinas, frutos da loresta. De início, a substituição do termo “povos” por “popu-lações” indígenas, no texto legal revela renitência em reconhecer a autonomia desses grupos sociais.

A Lei 7.735 também extinguiu a necessidade da autorização prévia do Estado e instituiu um cadastro de notiicação de produ-tos. A autorização faz-se necessária agora apenas para comercializar produtos acabados, já no caso de uma pesquisa, bastará um registro eletrônico. A regulamentação da lei detalhará esse registro, mas de antemão ressalta-se que seu desaio será o de reunir informações suicientes que garantam a rastreabilidade dos produtos e também dos seus usos e desdobramentos tecnológicos e comerciais.

O parágrafo 2º do artigo 9º da referida lei estabelece que o aces-so a conhecimento tradicional associado de origem não identiicá-vel independe de consentimento prévio informado. Esse mecanis-mo facilita o descumprimento do direito ao consentimento prévio, uma vez que, por deinição, a grande maioria dos conhecimentos tradicionais difusos é compartilhada por inúmeros detentores.

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Nesse caso, o usuário pode inclusive alegar diiculdade ou impossi-bilidade de identiicar a origem do conhecimento tradicional associa-do, eximindo-se da obrigação de obter o consentimento prévio infor-mado, ou ainda buscar melhores condições de negociação do acesso promovendo uma disputa entre os chamados “provedores”, conforme neologismo criado pela Lei.

Entende-se que esse consentimento facilitado, fast track, da nova lei está sujeito a abusos inclusive pela diiculdade de se diferenciar totalmente a pesquisa básica e a comercial, principalmente porque terceiros podem apropriar-se de resultados da básica para ins co-merciais, além disso, diiculta-se o exercício do direito dos detento-res de negar acesso aos seus recursos e saberes.

Sobre a repartição de benefícios a nova lei deine que produtos provenientes do acesso a patrimônio genético brasileiro terão que pagar royalties de 1% sobre o faturamento líquido obtido com esse produto. A parte desta receita destinada aos detentores será revertida ao Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB) órgão responsável pelo seu repasse, e que ainda será criado pela União.

O parágrafo 8º do artigo 17 da nova lei também traz diiculda-des por afrontar a autonomia e o consentimento prévio dos deten-tores nas negociações de repartição de benefícios, o parágrafo prevê que nas relações comerciais em que participam pessoas jurídicas estrangeiras e na ausência de informações necessárias à determi-nação da base de cálculo de repartição de benefícios, “em tempo adequado”, o Estado arbitrará o valor da base de cálculo de acordo com a “melhor informação disponível”.

Tendo-se em vista as sanções previstas e a infrações cometidas frente a legislação anterior, a lei 7735 facilita a regularização de infrações e o perdão de dívidas. Os infratores punidos sob a MP terão sua punibi-

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lidade extinta, nos termos do artigo 38. Já o seu artigo 43 autoriza o perdão da dívida correspondente às indenizações civis relacionadas ao patrimônio genético e a conhecimento tradicional associado.

Outro problema antigo não sanado é que a Lei 7735 não tipiica o crime de biopirataria, mantendo as infrações relativas ao acesso e uso de patrimônio genético e conhecimentos tradicionais asso-ciados apenas como administrativas e não penais. Sem a deinição do tipo penal, torna-se impossível medir quanta biopirataria efeti-vamente existe, o que impede a determinação clara das ações que devem ser tomadas para evitá-la.

No campo da legislação da propriedade intelectual outras mu-danças são necessárias para evitar que o sistema atue no sentido de legitimar ou encorajar a apropriação indevida. Torna-se fundamen-tal melhorar os padrões de exame de concessão de patentes, banir as patentes referentes às formas de vida naturais e inclusive modiica-das e incorporar requisitos de origem que atestem a conformidade do acesso, além de oferecer mecanismos de resolução de disputa adequados á diferença de poder de barganha dos atores envolvi-dos nos contratos de bioprospecção. O redesenho dessas práticas no campo da propriedade intelectual também deve resultar de um processo participativo que envolva todos os setores da sociedade.

Considerações Finais

A literatura sobre a bioprospecção como um desaio regulatório para países em desenvolvimento detentores de alta diversidade bio-lógica emergiu rapidamente nas duas últimas décadas sob o impacto da mercantilização da biodiversidade e das denúncias de biopirataria.

Buscou-se investigar aqui como as relações entre a sociedade e o meio ambiente remodelaram-se a partir de mudanças tecnológicas,

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econômicas e regulatórias; bem como os seus impactos na produção, consumo e regulação do uso da “bio-informação”. Essas novas condi-ções sociotécnicas redirecionaram o processo de inovação tecnológica apontando para a necessidade de fortalecimento de bases tecnológicas estratégicas para favorecer a competitividade na área de biotecnologia.

Por outro lado, o avanço do sistema de patentes sobre a biodiver-sidade e a sociodiversidade mundial tornou processo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) uma complexa cadeia de patentes e licen-ciamentos que condicionam o desenvolvimento de novos produtos e processos. Essa cadeia, ao mesmo tempo em que se retroalimenta (através do retorno de investimentos em novas pesquisas), também se fragiliza por estar sujeita a uma sucessão de manifestações dos indivíduos que detêm o privilégio patentário em cada elo da cadeia, incorrendo inclusive, em custos advocatícios elevadíssimos dentro do próprio sistema. A partir da discussão da corrida pelo conheci-mento tradicional constatou-se a importância da sociobiodiversi-dade no atual processo competitivo, bem como suas implicações para o desenvolvimento e redução de desigualdades, assim como determinante para a soberania/segurança nacional.

O “atalho” ou a “matéria-prima” para o salto biotecnológico é a sociobiodiversidade, um patrimônio ambiental (genético) e cultural (sistemas de conhecimentos tradicionais) de natureza, uso e funcio-namento essencialmente coletivos. Povos indígenas, quilombolas, extrativistas e outros grupos humanos locais sobrevivem justamente em função dessa característica coletiva, que lhes permitem evoluir, em tempos e dinâmicas distintas da sociedade envolvente, e cujos direitos costumeiros hoje são reconhecidos internacionalmente.

A CDB levanta questões de equidade e justiça e traz elementos-cha-ve para a participação de povos e comunidades tradicionais. Tratar esses direitos adquiridos com respeito é condição sine qua non não apenas de

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uma ciência séria, mas também para a concretização do desenvolvimen-to sustentável na sociedade brasileira como um todo.

Nesse sentido, o desequilíbrio de poder entre as comunidades tradicionais e outras partes interessadas, seja na preservação am-biental ou na extração de recursos, é a maior ameaça tanto para a integração desses modos de se conhecer, como, principalmente, para a manutenção e desenvolvimento continuado dos sistemas de conhecimento das comunidades tradicionais, diicultando uma compreensão mais aprofundada de sua natureza e a devida aprecia-ção de seu valor. (Mai, 2004). Isso aponta para a necessidade de um maior aprofundamento no estudo da interface entre os sistemas de conhecimento, conferindo importância renovada ao papel dos saberes tradicionais, para além da sua mercantilização.

Ao lidar com esse dilema, Posey (1999) sugere a promoção da interação da ciência com o saber tradicional concedendo bolsas de pesquisa para pesquisadores nativos. Em adição, Colfer (et al. 2005, p. 320) comentam que “juntos, o saber tradicional e o conhecimen-to cientíico formam, potencialmente, a combinação mais poderosa para o bem estar humano e qualidade do meio ambiente”. No en-tanto, tal integração demandaria o reconhecimento do saber tradi-cional como parte dos direitos das comunidades tradicionais e povos indígenas sobre seu território e recursos, suas regras costumeiras de uso, bem como o estabelecimento de registros de saber tradicional e fundos para repartição de benefícios com mecanismos de co-gestão.

Visando superar a armadilha da “cientiização” do saber tradicional, Sar-dar ressalta que, “apenas quando aceitar-se a especiicidade que o conheci-mento cientíico tem em nossa cultura, poder-se-á dar mais dignidade às outras formas de se conhecer” (2006, p.28).

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81A CORRIDA PELO SABER TRADICIONAL...

Em seu sentido mais amplo, o saber tradicional constitui-se um sistema complexo e dinâmico de conhecimento regulado por sis-temas tradicionais de autoridade e organização social. São sistemas voltados para o funcionamento de uma gestão ambiental proativa; e, neste sentido, ele é inseparável da questão dos direitos dos povos tradicionais. Portanto ele não pode ser resumido a uma ferramenta política ou a um recurso retórico e eminentemente discursivo visan-do à recompensa inanceira devida pelo seu emprego no processo de inovação tecnológica. Nestes termos, em que a desigualdade é uma constante, a ausência de aparatos legais equitativos, ponderados e justos, que considerem as várias formas de possessão, muitas delas legitimadas pelo tempo, pela cultura, pelo trabalho – como geral-mente é o caso de comunidades tradicionais -, pode levar a situações de desapropriação e exclusão dos detentores originais desses saberes.

As discussões sobre direito de propriedade, a produção intelec-tual das comunidades tradicionais e o seu acesso/uso é uma questão muito delicada, permeada por controvérsias, pois colidem interes-ses privados, públicos e costumeiros. Em virtude da especiicidade do ativo em questão, há um limite bastante tênue que divide os direitos costumeiros das comunidades tradicionais, a propriedade intelectual e o interesse geral da sociedade. Instala-se, desse modo, o conlito em torno da apropriação dos frutos do saber tradicional.

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Métodos etnobotânicos e ecológicos no diagnóstico rápido para conservação da

biodiversidade

Henrique Costa Hermenegildo da Silva44, Rinaldo Luiz Caraciolo Ferreira45, Luiz Carlos Marangon46 e Lucilene Lima dos Santos47

Considerando os esforços para a “conservação” da diversidade biológica, o que esta palavra representa? A WWF (World Wide Fund for Nature)/ IUCN (International Union for Conservation of Nature) apresenta uma deinição clássica na Estratégia Mundial para a Conservação em 1980: “Conservação é o manejo do uso hu-mano de organismos e ecossistemas, com o im de garantir a susten-tabilidade desse uso. Além do uso sustentável, a conservação inclui proteção, manutenção, reabilitação, restauração e melhoramento de populações (naturais) e ecossistemas” (DIEGUES, 2000).

Para alcançar os objetivo propostos para conservação e contor-nar o atual quadro de degradação ambiental são apresentados mé-todos de coleta de dados que possibilitem tomada de decisões con-servacionistas em tempo hábil. Assim muitas organizações como, por exemplo, WWF e IC (International Conservation) além de muitos pesquisadores têm buscado desenvolver ferramentas de ava-liação ou inventário rápido da diversidade (HELLIER et al., 1999; NASCIMENTO e VIANA, 1999; GAVIN e ANDERSON, 2005; NASCIMENTO et al., 2005; PESEK et al., 2006).

44 Universidade Federal de Alagoas. E-mail: [email protected] Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: [email protected] Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: [email protected] Instituto Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

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A questão crucial para alcançar este objetivo seria o grande número de técnicas e métodos, que serão elencados adiante, para amostragem da diversidade, surgindo a necessidade de compará-las para apresentar uma proposta que exija pouco tempo de execução sem perder eicácia na qualidade dos dados obtidos e incorporá-los ás abordagens de avaliação rápida.

Desde muito tempo se tem veriicado um elevado grau de amea-ça a biodiversidade, considerando que o número de espécies amea-çadas de extinção supera de longe a conservação dos recursos dispo-níveis e esta situação tende a se tornar rapidamente pior (MYERS et al., 2000). Dessa forma, surge a necessidade em desenvolver mé-todos que gerem informações biológicas em curto espaço de tem-po como por exemplo a “Avaliação Ecológica Rápida” (AER). Esta abordagem consiste de um processo lexível utilizado para obter, de forma acelerada, dados biológicos e ecológicos para tomada de de-cisões, pela integração de níveis múltiplos de informação, gerando-se mapas ecológicos que descrevem a lora e fauna, assim como as atividades humanas e uso atual da terra (AVELAR, 2005). Apesar da pertinência de tais abordagens, tem havido pouca relexão sobre os métodos para coleta de dados incorporados em tais avaliações.

O início dessas abordagens se deu a partir da Convenção da Di-versidade Biológica (CDB) de 1992, que é o mais importante acordo internacional sobre diversidade biológica. A CDB tem como pila-res, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos (MMA, 2010). A CDB é resultado da Conferência das Nações Uni-das para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - CNUMAD (Rio 92), realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992 (COP8/MOP3, 2010). Segundo Novaes (1992), a Rio 92 tem história e desdobra-mentos importantes dos pontos de vista cientíico, diplomático, po-

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lítico, social e da comunicação. Desta forma, inluenciou correntes cientíicas e de gestão ambiental no sentido de encurtar os prazos das ações ambientais diante das atuais demandas.

A necessidade de gerar informações biológicas para uma área pode surgir, por exemplo, dos governos, população local, organi-zações cientíicas internacionais e organizações não-governamen-tais (ONGs) (SAYRE, 2000). A partir da década de 90 é possível veriicar o surgimento de trabalhos que discutem esta geração de informações biológicas em curto tempo por inluência da CNU-MAD e têm contemplado análise de dados ambientais (CALISTO et al., 2002, RODRIGUES et al. 2008), faunísticos (BRANDÃO, 2002), lorísticos (COHEN et al., 2005; WALTER e GUARINO, 2006) e etnobiológicos (HELLIER et al., 1999; GAVIN e AN-DERSON, 2005; PESEK et al., 2006) e tem fornecido dados que servem como indicadores para tomada de decisões.

Muito embora estas ferramentas, que propõem avaliação em cur-to espaço de tempo seja cada vez mais usual para distintos grupos biológicos, como supracitado, há pouca relexão sobre os métodos aplicados na coleta de dados. Trabalhos que testem a eiciência e pre-cisão entre os métodos existentes de coleta de dados devem ser esti-mulados e incorporados nas abordagens de avaliação rápida. Muitas vezes estas ferramentas de avaliação rápida tem sido utilizadas sem que haja indicativos de métodos mais rápidos para a coleta de dados sem perda na eiciência e precisão das informações.

Desta forma, algumas questões devem ser levantadas para que as avaliações rápidas sejam aplicadas da melhor forma: Dentre os métodos mais usuais para coleta de dados biológicos, qual exigiria menos tempo de trabalho de campo sem perder eiciência e precisão? Existem protoco-los que podem ser recomendados e aplicados a situações distintas?

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Métodos de avaliação rápida

Dependendo da instituição de origem, as abordagens da ava-liação rápida apresentam peris distintos. “A Conservation Inter-national” foi pioneira neste tipo de abordagem e seu programa (Rapid Assessment Program) foi desenhado para preencher lacunas no conhecimento local de “hotspots” de biodiversidade e fornecer informações biológicas rapidamente para encorajar oportunidades de ações conservacionistas (STEM et al., 2005). O peril de pro-gramas de outras instituições tais como WWF e TNC (he Nature Conservancy) têm utilizado tais ferramentas para priorizar ações de conservação ou avaliar status de áreas (STEM et al., 2005).

Para contornar o quadro de ameaça a integridade biológica a “he Nature Conservancy” desenvolveu uma proposta para o pla-nejamento da conservação em ambientes terrestres, de água doce e perto da costa em ambientes marinhos, criando sete passos: Passo 1: Identiicar os alvos de conservação; Passo 2: Coletar informações e identiicar lacunas; Passo 3: Estabelecer metas de conservação; Etapa 4: Avaliar as áreas de conservação existentes; Passo 5: Avaliar a capacidade de persistir nos alvos de conservação; Passo 6: Montar um portfólio de áreas de conservação; Passo 7: Identiicar as áreas prioritárias para conservação (GROVES et al., 2002).

Semelhante a “passos” como apresentados pela TNC, a WWF (2003) apresentou um quadro (Tabela 1) que contempla a avaliação rápida de unidades de conservação cujo método se baseia em um re-ferencial avaliativo elaborado pela Comissão Mundial de Áreas Pro-tegidas (WCPA/ World Commission on Protected Areas) que segue:

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Tabela 1. Elementos de avaliação no Questionário para Avaliação Rápida (WWF, 2003).

Contexto Planejamento e

desenho da UC Insumos Processos do Manejo Produtos do Manejo Resultados• Ameaças• Importância biológica• ImportânciaSocioeconômica• Vulnerabilidade• Políticas relativas

a unidades de conservação• Contexto político

• Objetivos da UC• Amparo Legal• Planejamento e desenho da UC• Desenho do sistema de UC´s

• Recursos Humanos• Comunicação e Informação• Infraestrutura• Finanças• Planejamento do Manejo• Práticas de manejo• Pesquisa, monitoramento eavaliação

• Prevenção de ameaças• Restauração da UC• Manejo da vida silvestre• Divulgação na comunidade• Controle de visitantes• Infra-estrutura • Produtos do planejamento• Monitoramento• Treinamento• Pesquisa

• Pressões

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Assim, os trabalhos de Avaliação Ecológica Rápida (AER) e Ava-liação Rápida da Diversidade (ARD) contemplam coleta de dados ambientais em curto tempo (CALISTO et al., 2002, RODRIGUES et al. 2008), sejam dados faunísticos (BRANDÃO, 2002), lorísticos (COHEN et al., 2005; WALTER e GUARINO, 2006) e etnobioló-gicos (HELLIER et al., 1999; GAVIN e ANDERSON, 2005; PE-SEK et al., 2006).Sobre a abordagem do Programa de Avaliação Bio-lógica Rápida da Conservation International (CI), Fonseca (2001) indicou que atenções devem ser dirigidas em áreas de fronteira para o desenvolvimento, cuja descrição deve ser urgente para antecipar possíveis danos à sua integridade biológica. Segundo o autor, o obje-tivo da abordagem é o de rapidamente coletar, analisar e disseminar informações sobre áreas pouco conhecidas, que são potencialmente importantes sob o ponto de vista da conservação da biodiversidade.

Quanto aos métodos utilizados na coleta de dados lorísticos a se-rem aplicados nas abordagens de avaliação rápida, Walter e Guarino (2006) apresentaram a ferramenta do Levantamento Rápido (LR). Este método constitui de caminhadas em linhas de picada, onde os pontos de amostragem das espécies de plantas são determinados em intervalos de tempo. Esta ferramenta apresentou-se tão eiciente no inventário lorístico de uma área de cerrado stricto sensu quanto o mé-todo de parcelas de área ixa, que exige mais tempo e maior esforço de campo, pela necessidade de delimitação de áreas para a amostra-gem. Consequentemente, decisões que exijam o conhecimento da lora tal como a distribuição geográica de uma espécie ameaçada de extinção, caracterização de áreas de tensão (transição entre ecossiste-mas) pode ter acesso a informação num espaço de tempo menor por meio do LR em relação às ferramentas convencionais que ainda são utilizadas mesmo em alguns peris de avaliação rápida.

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Na elaboração do mapa de distribuição das disjunções de cer-rado, Ritter et al. (2007) aplicaram a Avaliação Ecológica Rápida (AER) para estabelecer os táxons dominantes e sua densidade mé-dia por parcelas, bem como descrever sua itoisionomia. A AER tem empregado ferramentas de Sistemas de Informação Geográica (SIG) associadas a ferramentas de análise da vegetação. Estas ferra-mentas de triangulação de métodos de SIG e análise da vegetação são características da Avaliação Ecológica Rápida criada pela TNC (AVELAR, 2005). A partir dos resultados obtidos, por meio de fer-ramentas de imagens satélite e inventários em campo, Ritter et al. (2007) puderam caracterizar itoisionomicamente e mapear fácies do Cerrado do Alto Tibagi, Paraná. As áreas caracterizadas pelos autores contituem disjunções gramíneo-lenhoso, com ocorrência de arbustos perilhados formando moitas e arvoretas esparsas, reve-lando uma formação itoecológica do tipo Savana arbórea aberta. Dados desta natureza podem ser coletados a partir de ferramentas rápidas, tais como o LR, possibilitando caracterizar as diversas ito-isionomias que podem ocorrer num domínio.

Unir mais de uma ferramenta permite fornecer uma melhor com-preensão da realidade local. Lykke et al. (2000) compararam dados de fotograias aéreas, acompanhamento de parcelas permanentes e dados etnobotânicos e interpretaram as percepções das pessoas sobre o declínio de densidade e redução de espécies relacionada ao uso das espécies de plantas. Assim, os autores traçaram prioridades para con-servação de uma vegetação de savana lenhosa no Senegal.

Ferramentas ecológicas que caracterizem ambientes do ponto de vista lorístico são importantes na quantiicação da ocupação espacial de determinados ecossistemas. Para o domínio Cerrado, por exemplo, os cálculos de seu tamanho ocupado no território brasileiro variam bastante e depende basicamente da inclusão ou não das áreas de tran-

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sição existentes nas bordas da área central do bioma (Machado et al., 2004). As ferramentas apresentadas pela TNC, que associam coleta de dados biológicos e de sistema de informaçõe geográica (AVELAR, 2005) tem se mostrado eicientes e podem ser uma alternativa para solucionar esta lacuna de forma rápida e eicaz.

Brandão (2002) avaliou a riqueza, diversidade e abundância de répteis e anfíbios (grupos que atuam como excelente bioindicado-res de status de conservação) utilizando a abordagem da AER e observou o status de conservação de cinco ecossistemas da loresta amazônica em Rondônia (mata de terra irme, mata de igapó, baía, campina e praia). A partir desses resultados, foi possível recomen-dar maior atenção para conservação do ecossistema baía por corres-ponder ao local de maior diversidade por área em relação aos outros quatro ecossistemas estudados.

Calisto et al. (2002) aplicaram um protocolo previamente ela-borado para realizar uma avaliação rápida da diversidade de habita-ts e níveis de degradação em bacias hidrográicas, a partir de adap-tação do trabalho realizado pela agência de proteção ambiental de Ohio (EUA) (EPA, 1987) que buscou avaliar as características de trechos de bacia hidrográica e nível de impactos ambientais decor-rentes de atividades antrópicas. O protocolo se baseou nos procedi-mentos apresentado por Hannaford et al. (1997) que examinou as condições de habitat e nível de conservação de ambientes naturais. No protocolo aplicado por Calisto et al. (2002) constavam itens tais como “Qualidade da água”, “Cobertura das margens dos rios” e etc. e pontuações atribuídas a cada um destes ítens. Este tipo de ação pode ser adaptado a outros grupos valorizando a participação de pessoas tais como comunidades ribeirinhas e avaliar o grau de degradação de habitats, auxiliando no diagnóstico de impactos am-bientais e orientar tomadas de decisões.

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Quanto ao envolvimento de pessoas em trabalhos de avaliação rápida, uma alternativa a ser utilizada é a Pesquisa Etnobotânica Rápida (Rapid Ethnobotanical Survey), que deriva da Avaliação Ru-ral Participativa, que foi criada originalmente para avaliar iniciati-vas de desenvolvimento. Neste, um pequeno grupo focal de pessoas locais são selecionadas e entrevistadas qualitativamente sobre uma gama de tópicos por meio de entrevista semi-estruturada, permitin-do uma visão compreensiva de como uma comunidade utiliza seus recursos (GERIQUE, 2006; PESEK et al., 2006).

Helier et al. (1999) aplicaram uma variação das técnicas aplica-das na Avaliação Rural Rápida (ARR) e Avaliação Rural Participati-va (ARP), incluindo entrevistas semi-estruturadas, turnês guiadas e mapeamentos participativos em conjunção com análises de mapas de uso da terra e fotograias aéreas para avaliar mudanças recentes na cobertura da vegetação e abundância de espécies utilizadas. Os autores veriicaram que a maioria das espécies de árvores madei-reiras e as espécies animais utilizadas como fonte proteica foram consideradas em decréscimo populacional signiicativo em duas comunidades. Entretanto, chamam atenção quanto à percepção da população sobre a cobertura vegetal, pois houve divergência entre a visão apresentada pela população e as imagens satélites. Assim, os resultados apresentados por Helier et al. (1999) podem orien-tar propostas quanto ao uso destas espécies em declínio como, por exemplo, pela recomendação de substituição de espécies com me-nor capacidade de regeneração por outras espécies com mesmo po-tencial de uso e maior poder de regeneração.

Gavin e Anderson (2005) testaram dois métodos para avaliação de valor de uso lorestal numa região da Amazônia peruviana, sen-do um método de entrevista rápida contra um estudo mais rigoro-so de seis meses para determinar se o primeiro dá uma estimativa

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razoável dos valores da loresta. Enquanto o método etnobiológi-co rápido deu uma lista precisa das espécies mais utilizadas, com poucas variações em relação ao método de maior duração, este se apresentou substancialmente “fraco” na obtenção de dados preci-sos sobre as quantidades coletadas. O método executado em longo prazo pôde apresentar dados sobre a quantidade consumida dos recursos citados, enquanto o método rápido pôde apresentar uma lista dos recursos que, por serem mais frequentemente coletados, estão presentes no vocabulário ativo das pessoas e em suas memó-rias. Desta forma, os autores recomendam o levantamento rápido quando for necessário fornecer dados sobre as espécies mais úteis, que foram frequentemente citadas devido a sua elevada frequência de uso a im de evitar destruição lorestal iminente.

Gavin e Anderson (2005) apresentaram dados relevantes para a escolha de informantes a particicipar de uma abordagem rápida par-ticipativa e veriicaram que famílias cujos ancestrais viviam na área de estudo acumularam conhecimentos ao ponto de reconhecer de duas a três vezes mais tipologias lorestais e seu histórico de uso em relação a outras famílias que se estabeleceram na mesma localidade a menos tempo. Desta forma, ao necessitar de uma coleta rápida de informações sobre a paisagem manejada, o foco deverá ser diri-gido aos habitantes que moram na localidade há mais tempo. Para diagnosticar tais informações sobre a biodiversidade e paisagem, estes autores adaptaram métodos usuais no campo da antropologia e esta-belecimento rápido de políticas em saúde pública, para amostrar os conhecimentos e usos de espécies de três comunidades.

Apesar da necessidade em coletar dados em curto tempo, é ne-cessário ter cautela com os métodos realizados em curto prazo que muitas vezes são menos precisos principalmente “do ponto de vista quantitativo” que os intensivos de longo prazo (GAVIN e ANDER-

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SON, 2005). Ferramentas que empregam questões como recall de longo prazo (ou seja, questões que envolvem coleta de informações sobre ações realizadas há mais tempo) apresentam uma limitação em relação aos métodos de curto prazo, visto que muitas vezes o informante não recordará de muitas informações vivenciadas há tempos atrás, reduzindo a quantidade de informações fornecidas.

A escolha da ferramenta para avaliação rápida é importantíssima e pode ser aplicado a distintas situações a depender do objetivo do pesquisador. Silva et al (2014) compararam três métodos etnobotâ-nicos para coleta de dados: aplicação de etrevistas semi-estruturadas com uma amostra representativa da comunidade, inventário entre-vista (que consiste em entrevistar pessoas ao apresentar plantas re-gistradas numa amostragem itossociológica) e oicina participativa utilizando estímulos visuais. Os autores concluíram que, o inventário entrevista provou ser a melhor forma de registrar as espécies locais e seus usos. Apesar do tempo investido no inventário da vegetação, há maior garantia de identiicar corretamente as espécies botânicas e o informante é capaz de identiicar melhor as plantas apresentadas. Na amostragem da vegetação é melhor para utilizar o método de pontos quadrantes para otimizar o seu tempo. Se os pesquisadores pretendem coletar informações dos idosos ou outros membros da comunidade com uma maior diiculdade em realizar a entrevista no local, eles podem apresentar estímulos visuais, tais como fotograias ou exsicatas. No entanto, os investigadores devem oferecer informa-ções adicionais para os informantes, tornando mais fácil para eles para recriar ambiente original.

Quanto a Pesquisa Etnobotânica Rápida, Pesek et al. (2006) aplicaram um método que constava de uma expedição com a du-ração de sete dias para inventariar espécies utilizadas na cura tradi-cional pelo povo Maya Q’eqchi’, nas montanhas Belize da Améri-

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ca Central. A equipe da expedição consistiu de um etnobotânico, um etnógrafo da descendência Maya, três mateiros Maya Q’eqchi’, dois curandeiros sênior tradicionais Maya Q’eqchi’ e guias espiri-tuais, um navegador e um especialista de mapeamento. A viagem apresentou uma rica e variada diversidade ecológica e botânica in-cluindo 53 espécies botânicas, das quais oito espécies não tinham sido relatadas anteriormente para a região de Belize e possíveis no-vas espécies. Mesmo que o estudo tenha sido realizado em poucos dias, o método foi preciso para áreas sem informações cientiicas, devido ao difícil acesso. Foi possível recomendar alternativas con-textualizadas à área e que visam o envolvimento da população local e espécies úteis reconhecidas durante a pesquisa de forma a traba-lhar o uso dos recursos e a conservação.

Apesar da eicácia e aplicabilidade da avaliação rápida da diversi-dade biológica, não há comparação entre técnicas para indicar qual seja a mais eicaz para estudos de diagnóstico rápido. Esta abordagem tem sido aplicada sem que haja protocolos indicando que ferramen-tas podem ser aplicadas a que objetivos ou metas de conservação.

Ferramentas ecológicas

A forma de obtenção dos dados em trabalhos de avaliação rápi-da da lora é uma etapa que precisa de relexão, pois, mesmo diante dos distintos métodos de coleta de dados disponíveis há necessida-de examiná-los e apresentar quais sejam recomendadas. Ao resgatar trabalhos que tenham coletado dados sobre a lora e aplicado uma metodologia de avaliação rápida observa-se o trabalho realizada por Ritter et al. (2007) a partir do método de parcelas de área ixa. Outro, como o realizado por Guadagnin et al. (2000) não deixam claro sua forma de obtenção dos dados, mesmo sendo uma etapa

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importante na coleta de dados. Meerman et al. (2003) realizaram sua coleta de dados sobre a lora a partir de transeções com dimen-sões de 800m2 (200 x 4 m). Ritter et al. (2007) e Guadagnin et al. (2000) aplicaram a Avaliação Ecológica Rápida (AER), desenvolvi-da pela he Nature Conservancy (TNC) e esta abordagem propõe intercalar imagens de satélite e coleta de dados biológicos e ecoló-gicos para orientar a tomada de decisões sobre conservação de áreas e dependendo do objetivo, estes autores poderiam utilizar métodos mais rápidos na coleta de dados sobre a lora.

Considerando que a proposta das avaliações rápidas é exami-nar uma área num curto espaço de tempo de campo é necessário apresentar quais métodos sejam os mais rápidos, precisos e eicazes. Dentre as ferramentas para amostragem da vegetação as mais usuais são o método de parcelas de área ixa e o de ponto quadrante (que apresenta área variável), no qual o método de parcelas de área ixa é o mais antigo e frequentemente utilizado. O método de ponto quadrante foi apresentado como uma ferramenta alternativa mais rápida para inventário da vegetação na década de 50 (SPARKS et al., 2002; BRYANT et al., 2004; ZHU e ZHANG, 2009).

O método de parcelas é o mais antigo e o mais usual na aná-lise da vegetação, também conhecido como parcela de área ixa, consiste em estabelecer várias amostras, usualmente quadradas ou retangulares, instalados em locais da comunidade vegetal, ou parce-la única com tamanho e forma predeinida (GORESTEIN, 2002; DIAS, 2005). Dentre os métodos de amostragem da vegetação, o de parcelas é considerado aquele que leva mais tempo para execu-ção e também de custo mais elevado (GORESTEIN, 2002; DIAS, 2005; DIAS e COUTO, 2005; WALTER e GUARINO, 2006). Entretanto, é o método mais aceito e utilizado como base de com-paração para outros métodos (MOREIRA, 2007).

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Apesar de ser o mais aceito, há a necessidade de avaliar a eiciên-cia do método de parcelas de área ixa porque os resultados podem ser distintos dependendo, por exemplo, da área de amostragem, tamanho e forma. A este respeito Péllico Netto e Brena (1997) air-mam que no que tange ao método de amostragem ou tamanho e forma das unidades de amostras utilizadas para a captação dos dados do inventário, não há consistência na decisão sobre tamanho e forma de unidades de amostras ideais e sugere que se considere a experiência prática e um confronto entre precisão e custos.

Assim, a experiência e prática devam ser levados em conta na escolha de forma e tamanho das unidades de amostragem, mas, algumas consi-derações devem ser feitas devido aos distintos resultados decorrente das escolhas relacionadas a amostragem.

Em relação ao tamanho, Moreira (2007) estudou uma área de cerradão e veriicou a eiciência de parcelas com tamanhos distintos e concluiu que as de 10 x 10 m são mais eicientes e apresentam menos viés que as de 50 x 50 m e 100 x 100 m. A autora compa-rou viés das estimativas de densidade e dominância e alterações na posição das espécies na tabela itossociológica (MOREIRA, 2007). Desta forma, parcelas de menor dimensão são mais recomendáveis que parcelas de maior dimensão (VIEIRA e COUTO, 2001).

Chytrý (2001) recomenda atenção quanto a escolha preferencial do tamanho das parcelas pelos pesquisadores. Muitos pesquisadores tendem a inserir parcelas maiores em locais “pobres” em espécies, resultando em resultados enviesados quanto a estimativa de espécies.

Quanto à forma, Higuchi et al. (1982) testaram vários tama-nhos e formas de parcelas amostrais, concluindo que as parcelas retangulares apresentaram melhores resultados que as quadradas, em inventários lorestais. A forma retangular é a mais recomenda-

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da, pois em função de serem mais alongadas possui uma grande probabilidade de incluir maior número de espécies que apresentem distribuição agrupada (DIAS, 2005).

Segundo Ubialli et al. (2005) deve-se observar que a utilização de um processo de amostragem acarreta a existência de um erro de amos-tragem, devido à medição de apenas parte da população e que quanto menor for esse erro de amostragem, mais precisas são as estimativas. De maneira geral, em qualquer procedimento de amostragem, a maior preocupação está na acuracia, a qual pode ser obtida dentro de uma precisão desejável, eliminando ou reduzindo os erros não amostrais.

A precisão é indicada pelo erro padrão da estimativa, desconsi-derando a magnitude dos erros não amostrais, ou seja, refere-se ao tamanho dos desvios da amostra em relação a média estimada ( x), obtido pela repetição do procedimento de amostragem. Já a acu-racidade expressa o tamanho dos desvios da estimativa amostral em relação à média paramétrica da população (μ), incluindo os erros não amostrais (MANTOVANI et al. 2005). O pesquisador poderá optar por assumir a que nível de erro pode ser aceitável, sendo chamado, neste caso de erro admissível. O erro admissível pode variar, na maio-ria dos trabalhos de inventário lorestal entre 10 e 20 %.

Dentre os métodos de distância, o método de quandrantes é o mais comumente empregado em estudos itossociológicos em Florestas Tro-picais (GORESTEIN 2002; DIAS, 2005; GORESTEIN et al., 2007). De acordo com Martins (1979) trata-se de um método de rápida insta-lação no campo, pois dispensa a instalação de uma área amostral.

Gorenstein et al. (2007) estudaram a aplicação do método de ponto quadrante, que parte do pressuposto que haja completa aleatoriedade da distribuição dos indivíduos e veriicaram que de-pendendo do padrão espacial da loresta os resultados obtidos pe-

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los pesquisadores podem ser inluenciados por superestimativa ou subestimativa. Os autores simularam padrões de distribuição por meio de lorestas geradas através da função make.pattern, do pro-grama S-Plus. Florestas com padrão de distribuição aleatório não apresentam viés na estimativa de densidade, enquanto que lorestas com padrão de distribuição agregado apresentam subestimativa na sua densidade e lorestas com padrão de distribuição “regular”, si-muladas a partir do padrão de distribuição em Lattice (onde as ár-vores ocupam os vértices de quadrados, representando um plantio onde o espaço entre linhas é o mesmo que entre plantas) apresenta-ram padrões de densidade superestimada

Os métodos de parcela e ponto quadrante são os mais usuais para in-ventário da vegetação, sendo registrada uma variedade de trabalhos que compararam precisão, eiciência e tempo de execução entre estes métodos (MELLO et al., 1996; MOSCOVICH et al., 1999; FARIAS et al., 2002; GORESTEIN 2002; ROCHA, 2003; DIAS, 2005; DIAS e COUTO, 2005; WALTER e GUARINO, 2006; UBIALLI et al. 2009).

Dias e Couto (2005) compararam os métodos de parcelas e ponto quadrante para veriicar a eiciência na amostragem da vege-tação e concluíram que o método de parcelas foi o mais eiciente, principalmente quanto ao parâmetro riqueza da vegetação. Pelo método de ponto quadrante, os autores veriicaram o registro de no máximo 70% das espécies levantadas em relação ao de parcelas e registraram menos espécies representadas por apenas um indivíduo pelo método de parcela. Na estimativa de diversidade e equabilida-de, os resultados foram similares, em que o índice de diversidade de Shannon variou entre 4,411 e 4,702 e de equabilidade de Pielou entre 0,803 e 0,884 independente do método utilizado. Os autores concluíram que o método de quadrante resulta em densidade su-bestimada, necessitando de um maior esforço amostral.

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Quanto ao tempo de execução, Rocha (2003) registrou um gas-to de tempo cinco vezes maior para o método de parcelas de área ixa em relação ao de ponto quadrante. Gorestein (2002) registrou um tempo de execução três vezes maior para o método de parcelas e Dias e Couto (2005) reforçam a maior necessidade de tempo para amostragem por meio do método de parcela.

Encontrar o melhor método para a amostragem da comunida-de arbórea de uma vegetação não é uma tarefa fácil, considerando que mesmo o método de parcelas sendo apresentado como o mais eiciente e utilizado como parâmetro em estudos de comparação de métodos, pode apresentar variações dependentes do tamanho das parcelas utilizadas e o próprio padrão de distribuição espacial dos indivíduos. Assim, em qualquer método de amostragem utilizado deve-se tomar cuidado quanto ao tamanho, quantidade e espaça-mento das unidades amostrais (MELLO et al., 1996; MOSCO-VICH et al., 1999; FARIAS et al., 2002; GORESTEIN, 2002; ROCHA, 2003; DIAS, 2005; DIAS e COUTO, 2005; WALTER e GUARINO, 2006; UBIALLI et al., 2009).

Como apresentado, existem muitos trabalhos que comparam métodos e apresentam formas distintas de coleta de dados em cur-to prazo de execução (contextualizado aos diferentes domínios). Desta forma, as abordagens como “Avaliação Ecológica Rápida”, por exemplo, podem ser trabalhadas de forma a seguir protocolos quanto ao método para coleta de dados a ser aplicado.

Ferramentas etnobotânicas

Uma das formas mais básicas de obtenção de dados em estudos etnobotânicos é a realização de entrevistas (ALBUQUERQUE et al., 2010) que podem ser aplicadas para coleta de dados de natureza tanto

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quantitativa como qualitativa (DUARTE, 2002; FRASER e GON-DIM, 2004). As entrevistas podem ser: 1) Estruturadas, na qual cada informante é questionado sobre as mesmas perguntas previamente es-tabelecida; 2) Não estruturadas, em que as perguntas não são previa-mente elaboradas; 3) Semi-estruturadas, com perguntas parcialmen-te formuladas, em que o informante tem a possibilidade de discor-rer sobre o tema proposto e 4) Informais, semelhante às entrevistas não estruturadas, porém, totalmente fora do controle do pesquisador (DUARTE, 2002; BERNARD et al., 2004; FRASER e GONDIM, 2004; BONI e QUARESMA, 2005; ALBUQUERQUE et al., 2010).

Dentro da pesquisa etnobotânica, a entrevista semi-estruturada tem sido uma importante ferramenta, possibilitando aos pesquisa-dores avaliaram os usos e a importância cultural de diferentes tá-xons (ALBUQUERQUE et al., 2006; MONTEIRO et al., 2008), coleta de dados para prospecção de fármacos (ALBUQUERQUE e HANAZAKI, 2006) ou mesmo sendo utilizada para fornecer uma ampla visão sobre as atitudes para a conservação e ameaças às lores-tas e os sistemas de subsistência (LUZAR e STEPP, 2007).

Muitas vezes estas entrevistas são conduzidas de forma a gerar uma listagem de plantas, cuja técnica é denominada de lista livre (ALBUQUERQUE et al., 2010), seguida da coleta de informa-ções especíicas de cada planta, tais como, seu uso citado pelos in-formantes, de forma a abordar toda a comunidade ou parte dela (FERRAZ et al., 2006; LUCENA et al., 2007b). Assim, muitas inferências sobre uso das plantas tornam-se possíveis e por abordar uma amostra representativa da população alguns cálculos, como o valor de uso das espécies, diversidade e equabilidade de espécies tornam-se possíveis, para a partir de então, serem traçadas metas para a conservação de espécies (ALBUQUERQUE et al.,2006; LUCENA et al., 2007b). Outras formas de coleta de dados etnobo-

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tânicos que não contemplam amostragem ou senso da população não permitem realizar tais cálculos.

As desvantagens da entrevista não estruturada e semi-estruturada, tem relação com as limitações do próprio entrevistador como a escas-sez de recursos inanceiros e o dispêndio de tempo (BONI e QUA-RESMA, 2005). De um modo geral, pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de entrevistas semi-estruturadas e quase sempre necessitam serem realizadas a médio e longo prazo (DUARTE, 2002).

Os métodos participativos são caracterizados pelo envolvimento dos membros de uma comunidade para construção coletiva de so-luções e diagnósticos (SIEBER e ALBUQUERQUE, 2010). Esta abordagem apresentou seu auge na década de 80 a partir de tra-balhos extensionistas com a Avaliação Rural Rápida (ARR), que posteriormente evoluiu para a Avaliação Rural Participativa (ARP) na década de 90 (CHAMBERS, 1994).

Os métodos participativos são importantes nos trabalhos em que se faz necessário compreender informações compartilhadas e consensuais entre os moradores de uma localidade como, por exemplo, informa-ções sobre mudanças na vegetação e compreensão sobre os recursos naturais disponíveis na paisagem (MEDLEY e KALIBO, 2005; KALI-BO e MEDLEY, 2007). Na coleta de dados etnobotânicos, podem ser aplicadas oicinas participativas na forma de inventários ex situ (inven-tários realizados fora do ambiente natural das plantas pela observação dos informantes sobre partes ou fotograias das plantas) e são impor-tantes na conirmação mais consensual possível entre os membros de uma comunidade sobre a identidade de uma planta citada ou caracte-rização histórica da vegetação.

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O uso de oicina participativa se apresentou como uma impor-tante ferramenta na compreensão sobre os distintos ambientes de ocorrência do umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda, Anacardia-ceae) pela população do sítio Carão no município de Altinho – PE, contribuindo para o conhecimento sobre as unidades de paisagem reconhecidos pela população, permitindo traçar o histórico de uso da vegetação (LINS-NETO et al., 2010; ALMEIDA et al., 2011).

As oicinas participativas comumente apresentam a vantagem de necessitar de menos tempo para coleta de dados, entretanto, a iden-tiicação das plantas é mais problemática, porque muitos detalhes botânicos e ecológicos são perdidos. Em relação às vantagens, a oi-cina participativa valoriza a participação de pessoas menos móveis da comunidade, tais como idosos, em relação a outros métodos como turnê guiada e inventário-entrevista (THOMAS et al., 2007).

Para a realização de coleta de dados etnobotânicos, as oicinas participativas são comumente acompanhadas de estímulos visuais (THOMAS et al., 2007; ALBUQUERQUE et al., 2010; MELO et al. 2008; SANTOS et al. 2009). Os métodos participativos e fer-ramentas visuais são cada vez mais populares como abordagens qua-litativas para enriquecer e complementar as ferramentas de pesquisa quantitativa (GOTSCHI et al., 2009).

Dentre os possíveis estímulos visuais utilizados na coleta de dados etnobotânicos segue: fotograias (THOMAS et al., 2007; ALBU-QUERQUE et al., 2010) exsicatas (THOMAS et al., 2007; ALBU-QUERQUE et al., 2010; SANTOS et al., 2009), e material fresco (MELO et al., 2008, ALBUQUERQUE et al., 2010).

Santos et al. (2009) izeram uso de um herbário de campo com exsicatas de plantas férteis e fotograias das plantas em seu contexto original para coleta de informações sobre plantas de zonas antropogê-

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nicas. Este método é bastante útil na coleta de informações etnobotâ-nicas, principalmente por garantir que o pesquisador faça uma seleção da (s) planta (s) que busca informações. Ao comparar a eiciência do uso da fotograia e exsicata como estímulo visual, homas et al. (2007) veriicaram que embora a fotograia seja um recurso menos utilizado na coleta de dados etnobotânicos foi mais eiciente que exsicatas. Uma das limitações do uso de excicatas como estímlo visual, seria que nelas, muitas características originais da planta são perdidas, diicultando as-sim sua identiicação (MEDEIROS et al., 2010).

Uma alternativa para apresentar as características originais das plantas aos informantes seria mostrá-las in situ, no local onde a mesma é encontrada O método inventário-entrevista envolve um inventário vegetacional associado com a coleta de dados etnobotâ-nicos a partir de entrevistas em campo (ALBUQUERQUE et al. 2010). Pode ser uma eiciente ferramenta para analisar espécies de plantas que ocorrem numa área e a respectiva proporção das reco-nhecidas como recurso e que consequentemente apresentem valor local de uso (LUOGA et al., 2000). Desta forma é possível inventa-riar espécies que ocorrem numa localidade e que não foram citadas em listas de entrevistas semi-estruturadas.

O inventário-entrevista pode ser útil na compreensão de mudanças num gradiente vegetacional, associadas ao uso de plantas neste gradien-te (MEDLEY e KALIBO, 2005; VERLINDENA e DAYOT, 2005) e fazer inferências sobre o potencial utilitário das plantas relacionando a sua disponibilidade no ambiente.

As interpretações sobre a percepção de mudanças na vegetação podem complementar-se e ser mais bem compreendidas ao associar a coleta de dados etnobotânicos com, por exemplo, a avaliação de parcelas permanentes. Lykke et al. (2000) veriicou que espécies reco-nhecidas como em declínio apresentaram uma redução populacional

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veriicada em parcelas acompanhadas por três anos. O autor destaca a percepção de declínio para espécies preferidas pela população.

Ainda em relação ao uso do inventário-entrevista para veriicar mudanças na vegetação, Tabuti e Mugula (2007) constataram um declínio na população de Albizia coriaria Welw. ex Oliv. reforçado pela percepção de informantes locais.Enim, esta é a técnica etnobo-tânica que melhor contempla a avaliação dos usos das plantas e sua abundância na lora local como veriicado, por exemplo, nos estudos que avaliam aparência ecológica das espécies (ALBUQUERQUE e LUCENA, 2005; LUCENA et al., 2007a; LUCENA et al., 2007b).

Como ferramenta para estímulo visual apresenta uma vantagem em relação aos métodos ex situ, devido aos informantes terem acesso às plantas em seu habitat original, apresentando todas as caracterís-ticas necessárias ao seu reconhecimento (MEDEIROS et al., 2010).

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Uso e conservação de aroeira (Myracrodruon urundeuva Allemão) no

Semiárido do Brasil

Carlos Antônio Belarmino Alves48, Reinaldo Farias Paiva de Lucena49, Ernane Nogueira Nunes50, Natan Medeiros Guerra51 e Jacob Silva Souto52

A região semiárida do Nordeste do Brasil é considerada de gran-de importância, pois além de possuir uma dinâmica peculiar em sua vegetação (Araújo et al., 2007), apresenta uma rica biodiversi-dade, que vem sendo prospectada com os mais variados objetivos, sendo as propriedades medicinais a principal linha de investigação, o que vêm inluenciando abordagens com foco conservacionista (Silva et al., 2012; Cavalcanti e Albuquerque, 2013).

Estas prospecções abordam o conhecimento e a dinâmica de co-munidades tradicionais como quilombos, ribeirinhos, aldeões ou até mesmo habitantes do meio rural (Arruda, 1999). Essas comunidades possuem um grande conhecimento sobre a vegetação na qual con-vivem, e com isso fornecem bases empíricas que colaboram com a ciência acadêmica, principalmente através de estudos etnobotânicos que buscam compreender a dinâmica das relações homem-planta (Ford, 1978; Oliveira et al., 2009), conquistando resultados impor-tantes, como, por exemplo, a descoberta de novos princípios ativos e indicando espécies que estejam sofrendo grande pressão de uso (Yu-nes et al., 2001; Cartaxo et al., 2010; Silva et al., 2011).

48 Universidade Estadual da Paraíba. Email: [email protected] Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected] Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected] Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected] Universidade Federal de Campina Grande. E-mail: [email protected]

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A vegetação do semiárido é rica e diversa em princípios ativos para uso medicinal, pois as plantas habitam lugares com condições adversas e por isso necessitam constantemente se defender, seja da agressão de pragas e doenças, raios solares intensos e as próprias recessões hídricas típicas da região, o que acaba gerando uma gama de produtos oriundos do metabolismo secundário, com as mais variadas atividades biológicas (Cuchillo et al., 2013).

Dentre as muitas espécies encontradas no Semiárido do Nordes-te, uma se destaca por apresentar enorme resistência e versatilidade, a aroeira (Myracrodruon urundeuva Allemão). É uma espécie vege-tal arbórea, pertencente à família Anacardiaceae, com distribuição restrita a América do Sul, sendo encontrada principalmente em áreas mais secas e em solos rochosos, em variadas faixas de altitude e condições climáticas, apresentando uma madeira bastante densa, sendo considerada uma madeira nobre (Rizzini, 1970; Lorenzi e Matos, 2002; Carvalho, 2003; Siqueira et al., 2012).

Devido a essas características, diversos estudos vêm evidencian-do a amplitude de ins madeireiros e não madeireiros desta espécie, como o uso medicinal e para a construção das mais variadas estru-turas rurais e domésticas (Albuquerque e Oliveira, 2007; Oliveira et al., 2007; Ramos et al., 2008a; Machado et al., 2011; Pereira et al., 2014), além de estar sendo estudada como participante de sistemas agrolorestais, conservação de recursos genéticos, estudos químicos e bioquímicos, principalmente por apresentar taninos e lavonoides, considerados importantes princípios ativos de drogas (Nobre-Júnior et al., 2009; Gaino et al., 2010; Siqueira et al., 2012).

Por conta de tamanha versatilidade, necessita de constante mo-nitoramento, ou poderá ingressar novamente na lista de espécies ameaçadas de extinção, onde atualmente encontra-se como leve-mente preocupante (Brasil, 2015), mesmo assim, constantemente

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vem sendo alvo de estudos que a valorizam e incitam a sua con-servação por tamanha importância para as pessoas do meio onde a espécie existe (Leite, 2002; Monteiro et al., 2012).

Com base nas informações apresentadas na literatura sobre o uso e conservação das espécies vegetais encontradas na Caatinga, resolvemos fazer uma análise pontual sobre M. urundeuva, com base em informa-ções coletadas pelo nosso grupo de pesquisa em comunidades rurais de seis municípios do estado da Paraíba sobre esta importante espécie.

Áreas de estudo

O presente estudo de caso foi realizado no estado da Paraíba, Nordeste do Brasil, em diferentes regiões de Caatinga. Foram ava-liadas seis comunidades rurais com seus respectivos municípios: São Francisco no município de Cabaceiras, Santa Rita no Congo, Pau D’Arco em Itaporanga, Coelho em Remígio, Várzea Alegre em São Mamede e Capivara em Solânea, distribuídas entre a Depres-são Sertaneja e o Planalto da Borborema (Figura 1).

Informações sobre as áreas de estudo podem ser encontradas nos artigos publicados pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Etnoecologia do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Fe-deral da Paraíba (Guerra et al., 2012; Leite et al., 2012; Lucena et al., 2012; Pedrosa et al., 2012; Sousa et al., 2012; Lucena et al., 2013; Lucena et al., 2014; Silva et al., 2014; Ribeiro et al. 2014).

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Figura 1. Localização geográica dos municípios de Cabaceiras, Congo, Itaporanga, Remígio, São Mamede e Solânea, Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil.

Inventário etnobotânico

Os dados etnobotânicos foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas (Albuquerque et al., 2010). Nas comunidades estu-dadas foram realizadas visitas em todas as residências habitadas, sendo explicado o objetivo do estudo, solicitando-se em seguida aos que con-cordaram participar da pesquisa, assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido exigido pelo Conselho Nacional de Saúde por meio do Comitê de Ética em Pesquisa (Resolução 196/96) no Brasil, sen-do aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) do Hospital Lauro Wanderley da Universidade Federal da Pa-raíba, registrado com o protocolo CEP/HULW nº 297/11.

Foram abordados 100% de todos os moradores das comunidades, considerando-se os mantenedores da família, tanto os homens como

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as mulheres, totalizando 426 participantes, sendo 123 em São Fran-cisco (53 homens e 70 mulheres), 98 em Santa Rita (41h e 57m), 15 em Pau D’Arco (08h e 07m), 42 em Coelho (18h e 24m), 36 em Várzea Alegre (17h e 19m) e 112 em Capivara (53h e 59m).

Para analisar os dados etnobotânicos, foram consideradas apenas as informações das pessoas que durante as entrevistas airmaram co-nhecer e atribuíram usos a aroeira, tendo em vista que alguns dos informantes não reconheceram ou não atribuíram usos a espécie. Nesse caso, apenas 317 informantes dos 426 visitados participa-ram, sendo 109 em São Francisco, 59 em Santa Rita, 11 em Pau D’Arco, 28 em Coelho, 15 informantes em Várzea Alegre e 95 na comunidade de Capivara, o que representa em média 74,41% de todos os informantes. O formulário utilizado nas entrevistas abor-dou perguntas especíicas, visando registrar o uso local. As catego-rias foram determinadas de acordo com a literatura: Combustível, Construção, Forragem, Medicinal, Tecnologia, Veterinária, Or-namentação, Veneno/Abortiva e Outros usos (Ferraz et al., 2006; Lucena et al., 2012). Na categoria outros usos, foram incluídos as citações para bioindicadores de chuva (sinal de chuva) e sombra.

Em cada categoria, as citações de uso foram divididas em subca-tegorias e classiicadas em citações de uso atual (as pessoas informa-ram como usam a planta, efetivamente no presente) e citações de uso potencial (baseado nos usos que os informantes relatam conhe-cer, porém não estão utilizando) (Lucena et al., 2012), bem como foram organizadas em usos madeireiros e não madeireiros.

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Conhecimento e uso

Estudos vêm registrando o conhecimento e usos atribuídos à M. urundeuva pelas populações tradicionais, principalmente no semiá-rido nordestino (Albuquerque e Oliveira, 2007; Albuquerque et al., 2011; Carvalho et al., 2012; Silva et al., 2014a).

Neste estudo registraram-se 1.587 citações de usos para a espé-cie (Figura 2). Registraram-se 856 (53,93%) citações atuais e 731 (46,07%) potenciais. 985 (62,06%) citações de usos madeireiros e 602 (37,93%) não madeireiros (Figura 3).

Figura 2. Divisão dos usos madeireiros e não madeireiro de Myracrodruon urundeuva Allemão, nas comunidades de Capivara, Coelho, Pau D´Arco, Santa Rita, São Francisco e Várzea Alegre. Paraíba, Brasil.

Evidenciou-se no presente estudo o predomínio de citações de usos madeireiros sobre os não madeireiros, em quase todas as comunidades, exceto em Santa Rita. Mas no geral, o predomínio de uso da espécie se dá, por conta do grande destaque das categorias construção e com-bustível, que demandam maiores quantidades de material vegetal, con-

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forme estudo de Lucena et al. (2011), que evidenciaram os mesmos resultados no município de Soledade, também na Paraíba.

Figura 3. Número de citações de uso geral, atual e potencial de Myracrodruon urundeuva Allemão nas comunidades de Capivara, Coelho, Pau D´Arco, Santa Rita, São Francisco e Várzea Alegre. Paraíba, Brasil.

As citações de usos totais, foram divididas em atuais e poten-ciais, onde as atuais destacaram-se das potenciais em quase todas as comunidades, exceto, novamente na comunidade de Santa Rita (Figura 33). Com esta distinção, veriicou-se a importante informa-ção, ligada a conservação da espécie, tendo em vista que os usos po-tenciais, estão apenas na memória dos informantes e os usos atuais, que podem causar a pressão de uso, indicam que a espécie está sendo utilizada constantemente. As informações encontradas neste trabalho, foram semelhantes aos do estudo de Lucena et al. (2012), que registraram um destaque da utilização atual de M. urundeuva.

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Classiicando os usos mencionados pelos informantes em categorias pode-se registrar a grande representatividade da categoria combustível nas citações totais da pesquisa. Muitos trabalhos recentes, também re-gistraram o uso predominante da espécie como fonte combustível (Lu-cena et al., 2011; Lucena et al., 2012a; Carvalho et al., 2012; Lucena et al., 2012b; Sousa et al., 2012; Silva et al., 2014b).

Tal uso é explicado pela alta qualidade da madeira como fonte energética, conforme citado por Ramos et al. (2008b), em trabalho realizado no município de Caruaru, Pernambuco, onde a espécie foi citada como fonte atual de combustível, embora os informantes tenham airmado que a espécie não está entre as preferidas para a queima, possivelmente por medo de infringirem alguma lei am-biental, mas mesmo assim, foram atribuídas características impor-tantes como: alto valor calórico, longa duração, facilidade de coleta e reduzida produção de cinzas.

Para a categoria construção e seus usos madeireiros, podemos dividi-la em dois grandes grupos, sendo construções rurais (estaca, vara, mourão, porteira, entre outros) e domésticas (linha, caibro, caxi de porta, entre outros), o que corrobora com diversos outros estudos (Lucena et al., 2011; Lucena et al., 2012a; Lucena et al., 2012b). As citações de uso para esta categoria são altas devido à resistência da espécie ao ataque de decompositores, principalmente em madeiras coletadas de indivíduos mais velhos os quais apresen-tam maior resistência a incidência de fungos (Paes et al., 2004) e cupins (Sá et al., 2009). Paes et al. (2004), destacaram que outra característica conferida a espécie na categoria construção é a densi-dade elevada da madeira, que confere também maior durabilidade, como por exemplo, em móveis.

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A categoria tecnologia também contribui de forma signiicativa para as citações totais de usos madeireiros, onde foram registradas citações de uso da espécie em todas as comunidades estudadas, con-irmando assim a utilidade da aroeira para as inalidades tecnológi-cas, corroborando com trabalhos realizados no semiárido paraibano (Lucena et al., 2011; Lucena et al., 2012a,b; Silva et al., 2014b). As citações de uso atual apresentaram em todas as categorias, indican-do a grande versatilidade da espécie dentro da categoria, mostrando assim que a mesma está sendo utilizada efetivamente.

A categoria medicinal apresentou grande importância nas comuni-dades estudadas, com exceção de Pau D’Arco, destacando-se entre as três categorias que mais receberam citações de uso, o que se assemelhou aos resultados de Monteiro et al. (2012), onde mais de 75% dos infor-mantes airmaram só conhecer a aroeira para ins medicinais.

As utilizações medicinais e indicações terapêuticas da aroeira, segundo o conhecimento das comunidades estudadas nesse estudo, foram registradas no tratamento de 69 patologias.

A retirada da casca é a principal pratica registrada para ins me-dicinais, sendo comum na região do semiárido (Albuquerque et al., 2011). A categoria medicinal apesar de não ser uma categoria madeireira, apresenta implicações na conservação da espécie, tendo em vista que a extração indiscriminada da casca pode ocasionar a morte dos indivíduos (Albuquerque e Oliveira, 2007).

Diversos trabalhos etnobotânicos vem registrando os usos medici-nais da aroeira (Viana et al., 2003; Albuquerque e Oliveira, 2007; Lu-cena et al., 2011; Carvalho et al., 2012; Lucena et al., 2012a,b). Silva et al. (2012), avaliaram a ação anti-inlamatória e analgésica de extrato retirado do caule em ratos, e registrou eiciência para a aplicação intra-peritoneal e menor eiciência quando ministrado de forma oral.

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Pereira et al. (2014), evidenciaram o uso da espécie como cica-trizante e no tratamento de pruridos vaginais, confecção de sabo-nete, cozimentos, chás e infusões, citados no trabalho os quais são utilizados no combate as inlamações de garganta e gastrites, sendo o extrato e tintura usado como cicatrizante. Em estudo do uso e diversidade de plantas medicinais no Quilombo Olho D’agua dos Pires, Franco e Barros (2006), relataram o uso de chá no trata-mento da gastrite, e garrafadas contendo M. urundeuva para uso em inlamações assemelhando-se com o trabalho de Albuquerque e Andrade (2002), que airmam que a aroeira é utilizada externa-mente contra inlamações e pancadas e no alivio da gastrite.

Silva et al. (2006), mostram o uso da entrecasca de aroeira como agente anti-inlamatório e cicatrizante utilizado no tratamento de inlamações ginecológicas, anti-histamínico e anti-bradicinínico utilizado no tratamento de gastrite e ulcera gástrica.

Cartaxo et al. (2010), também fazem citações do uso da aroeira no tratamento de doenças uterinas, renais, e ainda como anti-inlamató-rio, tratamento de câncer, cistos ovarianos, coceira, gripe, lesões, dor de dente e pernas, gastrite, úlceras, infecção urinária, como expec-torante, inlamação dentária, inlamação em mulheres, inlamação na garganta e do útero, inchaço nas pernas, problemas hepáticos, próstata, queimaduras, tosse e vermes (Silva et al. 2014a).

Considerações inais

De acordo com os dados etnobotânicos, a espécie se mostrou muito versátil, onde os moradores conhecem os usos e estão uti-lizando-a, seja para ins madeireiros e medicinais, que foi bastante amplo em todas as comunidades.

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115USO E CONSERVAÇÃO DE AROEIRA...

Esse estudo de caso evidenciou o atual e constante uso da aroeira em diversas regiões do semiárido da Paraíba, o que remete à neces-sidade de ações imediatas com foco no manejo e conservação dessa espécie, em virtude de sua condição frágil e em perigo de extinção em algumas localidades do semiárido.

Embora a espécie não esteja mais na Red List, é necessário estar sempre alerta aos seus usos e práticas de manejo, pois por sofrer esta possível pressão de uso poderá voltar à lista de plantas ameaçadas de extinção, correndo risco de extinção no semiárido brasileiro.

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Esta obra foi composta em Adobe Garamond Proem outubro de 2015 para a Editora Edufs.

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