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5/19/2018 Pensamento Social Brasileiro Livros Did ticos MEUCCI
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XVI Congresso Brasileiro de Sociologia
10 a 13 de setembro de 2013, Salvador (BA)
GT 21Pensamento Social no Brasil
Pensamento social brasileiro nos livros didticos desociologia: balano
Simone Meucci
Doutora
Professora da UFPRDepartamento de Cincias Sociais
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Introduo
O objetivo deste texto apresentar alguns dados acerca dos livros didticos
de sociologia para o ensino mdio, publicados no Brasil entre os anos de 2009 e
20101. Em primeiro lugar, analisaremos algumas das especificidades dos livros
didticos em geral, procurando deslindar suas mltiplas faces. Nosso objetivo aqui
ser apresentar estes livros como artefatos culturais complexos que se constituem
num emaranhado de relaes sociais (por vezes contraditrias) que compreendem
numerosos agentes e imperativos da indstria editorial e do Estado, os autores,
professores e estudantes. Ainda que no possamos explorar estes aspectos em sua
totalidade acreditamos ser necessrio ao menos esboar esta viso geral do livro
didtico a fim de compreender quais so os enquadramentos que resultam num
gnero particular de escrita. Em seguida, identificaremos, na amostra de livros de
sociologia que objeto desta anlise, as editoras e seus autores. Nossa finalidade,
nesta etapa, ser fecundar hipteses que permitam compreender alguns dos
condicionamentos mais imediatos que marcaram esta produo em particular. Por
fim, apresentaremos os resultados da anlise preliminar sobre quais autores do
pensamento social brasileiro, incluindo a produo mais recente das cincias sociais
no pas, esto presentes nos livros escolares. Pretendemos, com isso, contribuir
para o entendimento das condies de circulao do conhecimento sociolgico
produzido no Brasil no meio escolar.
1Agradeo os comentrios dos membros do Seminrio Mensal de Pensamento Social Brasileiro da UFPR, emespecial as crticas e sugestes de Rafael Ginane Bezerra.
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O interesse nesta investigao tem origem em pesquisas anteriores sobre a
histria da literatura didtica de sociologia produzida no Brasil. (MEUCCI, 2011)
Entretanto, o esforo atual para compreender, em particular, a natureza e as
condies da sntese de pensamento social brasileiro nos livros recentes est
imediatamente relacionado ao projeto de elaborao da Biblioteca Virtual de
Pensamento Social Brasileiro (BVPS) que est em fase de implantao.2A BVPS
ser um ambiente virtual de pesquisa e aprendizagem que integrar diferentes
pesquisadores em atividades de produo, intermediao e uso dos fluxos de
informao e conhecimento, atravs de diferentes tipos de bases de informao
cientfica e tcnica. Entre seus diretrios haver um especialmente dedicado ao
ensino e divulgao cientfica, onde se pretende, por um lado, oferecer um
panorama sobre a repercusso da rea de pensamento social atravs de
levantamentos acerca das instituies, cursos e programas oferecidos na rea e, por
outro, deseja-se tambm oferecer textos inditos exclusivamente desenvolvidos para
a BVPS para difuso ampliada (inclusive entre estudantes do ensino mdio) do
conhecimento produzido na rea.
Para a BVPS, a investigao dos livros didticos interessa em dois sentidos.
Por um lado, possibilita o conhecimento acerca do modo como a fortuna intelectual
do pensamento social brasileiro est sendo sintetizada no ambiente escolar - o que
por si s contedo valioso para um ambiente virtual que no pretende apenas
tornar acessvel, mas tambm favorecer a reflexo sobre as condies de circulao
deste conhecimento. Por outro lado, a pesquisa, a partir de suas interpretaes,
poder auxiliar na elaborao das diretrizes que orientaro a produo de textos
inditos para a BVPS. como um estado da arte- reviso que reconhecer limites e
possibilidades da sntese escolar no campo do pensamento social, um balano
interessado em informar uma produo nova que pretende partir de novas condies
e novos pressupostos para a divulgao cientfica da rea.
Neste estudo, nos limitaremos a investigar 14 livros de sociologia que foram
inscritos no Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD) 2012. O PNLD um
programa de avaliao, aquisio e distribuio de livros didticos para alunos das
escolas pblicas brasileiras (inclusive na modalidade Educao de Jovens e
Adultos). No Brasil, todos os alunos das escolas pblicas (do ensino fundamental e
2Este projeto conta com apoio financeiro da Faperj, apoio institucional da Fiocruz e rene pesquisadores daUFRJ, UFF, Fiocruz, USP, UNICAMP e UFPR.
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mdio) recebem gratuitamente seus livros escolares, escolhidos pelos seus
professores entre as obras previamente aprovadas por uma comisso de
pareceristas nomeada pelo Ministrio da Educao (MEC). O processo tem seu
incio numa chamada pblica divulgada pelo MEC que apresenta os critrios, prazos
e condies para inscrio das colees didticas. Em seguida, as editoras
inscrevem seus livros para que sejam submetidos equipe de pareceristas que
examinar o cumprimento das exigncias tcnicas, tericas, didticas e legais do
edital. Os livros aprovados comporo a lista de alternativas dos professores e
constaro no Guia do Livro Didtico - publicao para o corpo docente distribuda
nas escolas que contm resenhas das obras aprovadas em cada disciplina. O Guia
constitui uma das ferramentas para que professores das escolas avaliem a
adequao de um livro ao seu contexto escolar especfico. A solicitao feita pelos
professores atravs de uma plataforma digital especfica e os livros so enviados
pelo Correio para todas as escolas que participam do PNLD.
O PNLD institudo por decreto em 1985 (quando se previa a aquisio
gratuita e universal para os alunos do ento chamado ensino de 1o grau), foi
ampliado desde 2003 para o ensino mdio.3 Atualmente este Programa faz do
Estado brasileiro um dos maiores compradores de livros do mundo. A vo alguns
nmeros sobre o PNLD 2012, especfico para o Ensino Mdio Regular (excetuando
o Ensino de Jovens e Adultos), cuja chamada ocorre a cada trs anos: segundo a
Fundao Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE), o investimento com
os custos de avaliao, aquisio e distribuio dos livros deste processo em
particular, foi de R$ 720,7 milhes; foram beneficiadas 18.862 escolas com a
distribuio de 79.565.006 livros para 7.981.590 alunos.4
O processo de seleo dos livros do PNLD 2012 ocorreu no perodo que vai
de outubro de 2009 at fevereiro de 2011. Os Guias com a divulgao das obras
aprovadas em cada componente curricular chegaram s escolas em maio de 2011
prevendo alguns meses de prazo exequvel para a escolha das obras pelo corpo
docente e a posterior distribuio dos livros at o incio do ano letivo de 2012.5
3Para compreender melhor a histria remota e recente da poltica nacional em relao aos livros didticos sugiroas seguintes leituras: (OLIVEIRA e GUIMARES, 1984) (FREITAG, COSTA e MOTA, 1989) (HOFFLING, 2000)4 Dados divulgados no site do FNDE: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos.Acesso em 10/06/20135O acesso ao Guia de Sociologia PNLD 2012 possvel no seguinte site: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guia-do-livro/item/2988-guia-pnld-2012-ensino-m%C3%A9dio
http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticoshttp://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticoshttp://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guia-do-livro/item/2988-guia-pnld-2012-ensino-m%C3%A9diohttp://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guia-do-livro/item/2988-guia-pnld-2012-ensino-m%C3%A9diohttp://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guia-do-livro/item/2988-guia-pnld-2012-ensino-m%C3%A9diohttp://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guia-do-livro/item/2988-guia-pnld-2012-ensino-m%C3%A9diohttp://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticoshttp://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos -
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O PNLD 2012 teve significao especial para a rea de sociologia, pois foi a
primeira vez que foram avaliados e distribudos livros da disciplina desde seu
ingresso como componente curricular obrigatrio no ensino mdio, no ano de 2008.
A importncia do PNLD e seu carter indito no campo da sociologia nos fazem
supor que os livros inscritos nesse processo so amostra significativa da produo
de didticos da disciplina em todo o Brasil no perodo de 2009 e 2010,
imediatamente aps a reintroduo da sociologia no sistema escolar brasileiro.6
Evidente que a circulao do pensamento social brasileiro no exclusiva da
sociologia. Livros de histria, literatura e geografia humana so tambm importantes
veculos de rotinizao do pensamento social e sociolgico. No obstante,
consideramos que a recente institucionalizao da sociologia e a nova produo de
livros para seu ensino, estimulada pelo PNLD, momento oportuno para
compreender as condies de circulao deste conhecimento.
A julgar pelas anlises j existentes dos livros didticos de sociologia
elaborados no Brasil desde os anos de 1930, podemos afirmar que esta produo
do primeiro decnio do sculo XXI que atende chamada do Edital do PNLD Ensino
Mdio- 2012 constitui a terceira safra de livros escolares de sociologia desde a sua
institucionalizao na educao bsica no Brasil. Com efeito, a produo de livros
didticos de sociologia no Brasil bastante limitada, inibida pelas prprias
circunstncias da institucionalizao da disciplina no sistema escolar.7
Nos anos de 1930 houve o surgimento do primeiro conjunto importante de
obras, cujos principais ttulos - apesar do desaparecimento da disciplina dos
currculos das escolas secundrias em 1942 - foram reimpressos at os anos de
1970, circulando principalmente nas Escolas Normais. (MEUCCI, 2011) A partir dos
anos de 1980 surgiu novo conjunto de obras sob o calor da democratizao e das
constantes demandas para retorno da sociologia ao ensino mdio. (SARANDY,
2004) Parte desta produo se apresenta agora nas livrarias de forma renovada
acompanhada de alguns ttulos inditos que surgiram muito recentemente.
Com efeito, exemplares destas duas safras se apresentaram ao PNLD Nesse
sentido, acreditamos que a obrigatoriedade do ensino da sociologia aps mais de 60
anos ausente do curso mdio regular e sua consequente introduo no PNLD-2012
6No identificaremos as obras e seus autores devido ao carter sigiloso da submisso ao PNLD. Dos 14 livrosinscritos 2 foram aprovados.7Em Moraes (2003) h uma boa sntese sobre a histria do ensino escolar da sociologia no Brasil.
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obrigou a renovao do escasso repertrio de livros didticos na rea. Estamos,
portanto, diante de um acervo de obras que, ainda que reduzido, tem muito a dizer
sobre as condies e possibilidades, sentidos e expectativas novas da sociologia
escolar no Brasil e suas conexes com a produo cientfica.
Entretanto, o valor dos livros didticos no campo da sociologia do
conhecimento no tem sido reconhecido. Consideradas obras de pouco valor porque
dedicadas sntese escolar, so, porm, recurso valioso para a compreenso da
dinmica de constituio de um repertrio estvel de conceitos, autores, temas e
problemas de determinada disciplina entre membros da sociedade em geral. So
reveladores do modo como uma disciplina especializada tornada visvel para o
pblico amplo. a isso que damos o nome de rotinizao de uma rea de
conhecimento. Em outras palavras, os livros didticos so fonte de anlise que
permitem reconhecer condies de circulao ampliada de um determinado campo
de conhecimento, os agentes protagonistas desta tarefa e principalmente a natureza
dos processos de seleo e canonizao de certos contedos, autores, temas,
teorias e abordagens. Nesse sentido, ao contrrio do que comumente se pensa, a
funo escolar do livro didtico faz dele um bem cultural bastante complexo, um
lugar privilegiado para compreender mecanismos e estratgias de produo e
circulao do conhecimento na sociedade.8
Evidente que h limitaes em nossa escolha metodolgica, pois a anlise
que estamos propondo no permite o acesso ao que de fato acontece em sala de
aula - uma dimenso nada desprezvel para compreenso das prticas efetivas de
circulao do conhecimento. De qualquer modo, os livros, ainda que no
apreendidos em sua dimenso mais ordinria e mais viva (na ordem dos seus usos
e apropriaes escolares, por professores e alunos) sero entendidos como um
veculo que, atravs do arranjo e dos sentidos do seu texto, expressa importantes
aspectos do processo de rotinizao de um campo de conhecimento no meio
escolar. Consideramos, com efeito, significativos os modos pelos quais so
selecionados, organizados e associados os contedos destas obras - em particular o
pensamento social brasileiro - e este ser objetivo principal da investigao que
apresentaremos aqui.
Nesse sentido, por enquanto, os focos centrais de nossa anlise sero o texto
e os autores. No obstante, de incio, faremos esforo para situar texto e autores na8A noo de livro didtico como bem cultural poder ser encontrada em (SILVA, 2011).
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complexa trama social na qual esto enredados e na qual tecem simultaneamente
editores, gestores do PNLD, alunos, professores e autores. Isso para ficarmos num
dimetro bastante limitado desta teia que, rigorosamente, envolve toda a estrutura
de produo e circulao de conhecimento da sociedade.
Condicionalidades dos livros didticos
Com efeito, pretendemos agora identificar alguns aspectos das obras
didticas que, vistas em conjunto, permitiro compreender a rede sofisticada de
relaes na qual esto inseridos. Os livros so, a um s tempo, mercadoria, objeto
de poltica pblica, ferramenta de ensino e aprendizagem, artefato intelectual
caracterizado por uma modalidade de escrita bastante singular.
Com efeito, a primeira dimenso que pretendemos pontuar o carter de
mercadoria do livro didtico. Em comparao com os demais livros produzidos pela
indstria editorial, o carter de mercadoria especialmente destacado neste gnero
de publicao. Distinguem-se dos livros convencionais em muitos aspectos,
especialmente pelas condies de sua produo. necessrio pesquisa mais detida
sobre seu processo de elaborao, mas pode-se dizer sem temor que, em particular
nas grandes editoras, h uma sofisticada diviso do trabalho que se impe ao autor
de livros didticos, composta por revisores, pedagogos, ilustradores, diagramadores,
diretores de arte, pareceristas, etc, etc. Os livros didticos so, rigorosamente,
resultado de um trabalho coletivo industrial, ainda que o trabalho dos autores se
mantenha como um artesanato sofisticado de composio do texto em conexo com
os recursos e em dilogo simultneo com o professor e o aluno.
Importante destacar que parte da indstria de livros didticos (a mais
significativa em termos de faturamento) pertence a conglomerados de empresas de
comunicao e entretenimento. A fim de exemplificar, vejamos apenas duas das
principais que atuam no setor no Brasil. A Editora tica pertence ao Grupo Abril, um
conglomerado de empresas de comunicao que possui plataforma de distribuio
de programao de TV caboa TVA - e mais de 60 marcas de revistas no Brasil
entre as quais Veja, Claudia, Capricho, Exame, Playboy, Placar. A tica, em
particular, compe um segmento deste grupo chamado Abril Educao composto
tambm pela editora Sipcione. Outra editora que merece destaque nesse aspecto a Editora Moderna, especializada em livros didticos. Pertence ao Grupo Santillana
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que, por sua vez, brao do maior conglomerado espanhol de empresas de
comunicao - o Grupo Prisa - que detm jornais (como El Pais), empresas de TV
cabo e de TV aberta, produtoras de audiovisuais, emissoras de rdio e editoras em
22 pases da Europa, Amrica Latina, frica e Estados Unidos. Na Amrica Latina o
Grupo Santillana atua desde 1964. No Brasil est desde 2001, quando adquiriu as
editoras Moderna e Salamandra. Em 2005 adquiriu ainda 75% das aes da editora
Objetiva. (Cassiano, 2007)
O livro didtico aparece nesse sentido, como um produto ordinrio da
indstria cultural. Alis, seu formato, ilustraes, exerccios, recursos, boxes e
colunas o aproximam da esttica das revistas semanais.
No Brasil, os livros didticos so o produto mais valioso de uma indstria que
tem se expandido de modo notvel nos ltimos anos. Segundo relatrio da Fipe,
entre os anos de 2010 e 2011, houve crescimento do faturamento do setor editorial
brasileiro em 7,36%.9Este crescimento tem sido considerado uma tendncia, pois o
mesmo fenmeno se verificou em anos anteriores. Entre 2009 e 2010, por exemplo,
houve variao positiva do faturamento na ordem de 8,12%.10 um mercado
bastante otimista que tem comemorado, alm das elevaes do faturamento, o
crescimento nas vendas de unidades e o aumento dos consumidores de livros no
Brasil.
A dinmica editorial brasileira tem algumas especificidades. Os livros
didticos so responsveis por mais de 50% de todas as unidades comercializadas
e por cerca de 50% do faturamento de toda indstria editorial.11No nos parece,
portanto, casual que o subsetor de didticos seja tambm o segmento que mais
concentre capital: em 2009, as editoras de livros didticos com receita superior a R$
50 milhes (apenas 16 em todo o setor editorial) geraram 89% do faturamento e
comercializaram 94% do nmero de exemplares de livros didticos. (MELLO, 2012:
437)
9Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas. Produo e Vendas do Mercado Editorial Brasileiro. Base 2011 .Documento de sntese. Disponvel em:http://www.abdl.com.br/site/pesquisa.phpAcesso em: 15/06/2013.10 Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas. O comportamento do Setor Editorial Brasileiro em 2010.Documento de Apresentao para Imprensa. Disponvel em:http://www.abdl.com.br/UserFiles/producaoevendas_2010.pdfAcesso em: 15/06/2013.11O setor editorial dividido nos seguintes subsetores: didticos, obras gerais, religiosos e profissionais etcnicos.
http://www.abdl.com.br/site/pesquisa.phphttp://www.abdl.com.br/UserFiles/producaoevendas_2010.pdfhttp://www.abdl.com.br/UserFiles/producaoevendas_2010.pdfhttp://www.abdl.com.br/site/pesquisa.php -
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Subsetor Didticos2010 2011
Var(%)
Ttulos 14.637 14.812
Exemplares Produzidos 230.208.962 258.590.062
Faturamento Total 2.102.178.508,83 2.383.749.066,43
Mercado 1.102.340.882,22 1.189.043.068,30
Governo 999.837.626,61 1.194.705.998,13
Exemplares Vendidos 202.658.992 226.975.745
Mercado 58.278.373 60.602.520
Governo 144.380.619 166.373.225
Fonte: Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas. Produo e Vendas do Mercado Editorial Brasileiro. Base 2011.Documento de sntese. Disponvel em:http://www.abdl.com.br/site/pesquisa.phpAcesso em: 15/06/2013.
Nesta tabela, h dados que demonstram - no cotejamento entre os anos de
2010 e 2011 - o gigantismo deste subsetor da indstria editorial brasileira. Vale
pena observar que o governo responsvel por cerca de 50% do faturamento
oriundo da produo de livros didticos, ainda que a venda de exemplares para o
PNLD seja bastante superior em relao s vendas para o mercado.12Parece, com
efeito, que a centralidade dos didticos para o setor editorial brasileiro est
efetivamente relacionada s compras do governo para o PNLD. Ousamos at
afirmar que o governo, atravs do PNLD, dinamiza a indstria editorial brasileira.
Estes nmeros nos ajudam a compreender porque as editoras esto sempre
muito atentas ao PNLD. Muito frequentemente, a elaborao dos livros didticos tem
como meta o cumprimento das exigncias dos editais do Ministrio da Educao -
para imediata ou futura aprovao no PNLD. Por isso, autores, editores e toda
equipe responsvel pela produo dos livros esto no apenas em dilogo com
professores e alunos imaginrios postos no ambiente (tambm imaginrio) da
escola, como tambm esto dialogando secretamente com pareceristas annimos
que, por sua vez, agem como operadores de uma poltica pblica que visa qualificar
os livros adquiridos atravs de recursos pblicos para distribuio em escala quase
continental.
12Isso se explica porque o governo consegue negociar preos muito baixos por cada exemplar. Um livro que nomercado adquirido por R$25,00, o governo obtm por R$5,00.
http://www.abdl.com.br/site/pesquisa.phphttp://www.abdl.com.br/site/pesquisa.phphttp://www.abdl.com.br/site/pesquisa.phphttp://www.abdl.com.br/site/pesquisa.php -
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Podemos, nesse sentido, ao menos sugerir a hiptese de que um dos efeitos
do PNLD a imposio de um modelo de livro didtico disseminado entre todas as
disciplinas e por todo o pas. possvel que o PNLD tenha impacto tambm nos
livros comercializados no mercado, se constituindo como um padro e,
possivelmente, como um selo de qualidade para as editoras que os tem aprovados.
Com efeito, o edital do PNLD padroniza desde a forma (a gramatura do papel e a
dimenso das pginas) at a natureza e a compreenso do que didtico.
Segundo esta perspectiva, os livros aparecem como alvo importante de
regulamentao atravs da ao do poder pblico. uma poltica cujos efeitos, at
os imprevistos, no foram ainda suficientemente avaliados.
A compreenso dos livros didticos como objetos de poltica pblica, sujeito
avaliao perita parece ser uma dimenso muito importante que condiciona a
produo e a apropriao destas obras. Trata-se de uma dimenso que no se
ope, antes se sobrepe, ao seu carter de mercadoria, acrescentando uma
perspectiva na qual os livros se constituem tambm como objeto de ao estatal
distributiva e regulamentadora.
Finalmente no se pode esquecer que o livro didtico elaborado com a
finalidade mais imediata de servir de instrumento de ensino e de aprendizagem. Por
isso, h uma tenso muito singular do autor de obras didticas que afinal dialoga
simultaneamente com o professor e com o aluno.
Nesse aspecto, cabe mencionar algumas ideias contraditrias e corriqueiras
acerca dos usos do livro didtico por professores e alunos no Brasil. Por um lado, se
diz que o livro no figura apenas como recurso didtico, mas tambm como nica
obra de referncia para professores e alunos. Esta perspectiva acena para a
hipercentralidade do livro didtico como um dos efeitos das deficincias de formao
intelectual e das condies de acesso aos livros em geral. Por outro lado, afirma-se
tambm, tais livros so bens escolares ignorados tanto por professores e alunos que
desprezam seu didatismo e seu contedo superficial. Nessa perspectiva, o livro
considerado um artigo intil, quando no depe contra o ensino e a aprendizagem
de qualidade.
Evidente que pesquisas aprofundadas sobre usos previstos e imprevistos
(como tambm os no-usos) do livro didtico devem ser feitas e possvel que
ambos fenmenos aqui descritos de fato ocorram, como se fossem lados opostos deum mesmo processo social em que a vida escolar e a finalidade didtica so
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desqualificados e desvalorizados. Estas impresses parecem ocultar e revelar certas
vises da escola e da transmisso do conhecimento que, se no condicionam,
povoam o imaginrio dos autores, das editoras e do Estado. So imagens que
possivelmente tensionam a produo, a avaliao e, em particular, a escrita do livro,
sempre muito exigente.
Com efeito, consideraremos aqui que a modalidade de escrita do livro didtico
constitui um gnero que se distingue do texto acadmico, do texto literrio e do texto
jornalstico. No obstante, ao mesmo tempo, sua elaborao tem a especificidade de
demandar a presena deste repertrio de gneros dos quais se diferencia. O
contedo dos livros didticos , pois, sempre composto por textos acadmicos,
literrios e jornalsticos selecionados, dispostos, manipulados para determinadas
finalidades pedaggicas.
A escrita didtica ento uma operao que cria um ambiente no qual o texto
base dos autores composto por outros textos e recursos, movidos e posicionados
para criao de certos efeitos especficos. Esta escrita polifnica, pois demanda a
presena de muitas vozes que se manifestam em numerosos excertos e referncias.
Os autores de livros didticos sempre esto em dilogo com seu repertrio cultural
acumulado, indagando sobre as possibilidades de uso pedaggico de certo filme,
obra literria, imagem ou ditado popular. A seleo das vozes e recursos e a posio
que ocuparo no livro um trabalho sensvel e difcil que revela uma face da
especificidade da composio do texto didtico.
Relacionada a esta especificidade, o gnero didtico possui outras tcnicas
recorrentes de exposio do contedo. At agora, em nossas anlises, identificamos
trs tcnicas principais:
Em primeiro lugar, h o que chamaremos topicalismo: uma redao
organizada em tpicos, estratgia que visa demarcar um contedo num lugar
especfico. Livros didticos tm em suas pginas muitas reas intituladas,
subintituladas, muitas delas isoladas em boxes destacados que, por vezes, permitem
a correlao visual simultnea entre o contedo do texto bsico do livro e um texto
complementar. Por vezes, tpicos se repetem em cada captulo para assinalar a
inteno determinada daquele recurso e rea do texto: memorizando, leitura do
clssico, estudando uma situao. Neste caso, os tpicos so estruturantes e
conferem unidade organizao de todo o livro.
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Em segundo lugar, identificamos o nominalismocomo uma tcnica importante
que caracteriza a escrita do livro didtico. Consiste na estratgia de nomear os
fenmenos para possibilitar a compreenso de suas caractersticas, correlaes e
implicaes. Em geral, o nominalismo manifesta-se como uma correspondncia
entre certos fenmenos da vida ordinria e conceitos cientficos. Ocorre tambm no
sentido de qualificar certos autores ou certa produo intelectual.
Em terceiro lugar, temos o fenmeno do contextualismo que se manifesta de
duas maneiras distintas nos livros didticos. H o contextualismo que busca ilustrar
esquemas tericos de uma cincia descrevendo situaes corriqueiras que
exemplificam a abstrao cientfica. Contextualizar, neste caso, tem o sentido de
aproximar teoria e experincia ordinria.
Outra espcie de contextualismo aquela se caracteriza pelo esforo de
discorrer acerca do desenvolvimento histrico de determinado fenmeno. um
esforo particularmente notvel nos livros de sociologia. Esta uma estratgia que
serve para dois fins, nem sempre complementares: a) favorecer uma espcie de
deslocamento temporal; b) demonstrar que a origem do fenmeno marca a sua
situao atual. A primeira finalidade pressupe que a descrio histrica
instrumento til para provocar a desnaturalizao dos fenmenos. A segunda
pressupe que h uma relao de continuidade entre presente e passado. Da
mesma maneira como a primeira modalidade de contextualismo se serve da vida
para exemplificar a teoria, o contextualismo histrico se serve do tempo para ilustrar
a contingncia.
Com efeito, as tcnicas at agora identificadas topicalizar, nomear,
contextualizar- no so especificidades dos livros de sociologia, sequer da rea de
humanas. No obstante, um gnero de escrita bastante enquadrado que tem efeito
bastante significativo nas disciplinas de humanidades, na medida em que no
permite trazer ao conhecimento as dinmicas sofisticadas e complexas, tenses e
contradies dos processos reais. Rigorosamente, uma forma de escrita que
suprime a radicalidade do ato de conhecer.
Podemos relacionar esse didatismo a umamodalidade de conhecimento que
entende a teoria como recurso para classificao e a histria como recurso para a
genealogia dos fenmenos. Com efeito, este gnero de escrita que procuramos
agora caracterizar um fenmeno relativamente recente que revela a dominncia,
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no apenas na produo cientfica, mas tambm na circulao dos seus resultados
desta modalidade de conhecimento.
Do ponto de vista esttico, at meados dos anos de 1960, os livros didticos
tinham aparncia muito parecida com os livros convencionais: mesmas dimenses e
capa, exerccios discretos ao final dos captulos (em geral, questionrios ou
descrio de problemas a serem solucionados) e poucos excertos. Neste perodo,
as ilustraes eram quase exclusividade dos livros de geografia e botnica (que se
limitavam a gravuras em preto e branco). (FERNANDES, 2004) Apenas nos anos de
1970, houve a emergncia desde modelo de apresentao e escrita singular que
acabamos de descrever. Possivelmente, este novo modelo de livro didtico resultou
de uma confluncia entre vrios fatores alm da hegemonia de certa perspectiva
sobre o conhecimento: a dominncia de certas teorias no campo da educao, o
ensino apostilado, a emergncia de uma indstria editorial de entretenimento e uma
nova esttica favorecida pelos recursos tecnolgicos no campo editorial.
No Brasil, o aparecimento desta nova concepo de livro escolar sofreu
crticas severas logo aps seu aparecimento. Emblemtico, nesse sentido, o texto
de Osman Lins que denuncia o delrio iconogrfico dos livros didticos de
Comunicao e Expresso surgidos no incio dos anos de 1970. Livros, que
segundo seus termos, mimam os alunos com imagens e em cujas pginas tudo
parece obedecer ao conceito de que o aluno no est apto, jamais, a qualquer
esforo srio, s sendo motivado na esfera de puerilidade, de gracejo perptuo.
(LINS, 1977: 137-138)
Pesquisas dedicadas a histria da literatura didtica precisam ser feitas a fim
de desenvolver alguns dos pontos aqui destacados. No entanto, acreditamos que o
reconhecimento das caractersticas do texto didtico e de seus condicionamentos
serve finalidade de reconhecer melhor suas particularidades para que possamos,
na nova etapa desta pesquisa, aprofundar a anlise do contedo.
Autores e editoras dos livros recentes de sociologia no Brasil
Apresentaremos agora a identificao dos autores e das editoras que
produziram o conjunto de livros que objeto de nossa anlise. Acreditamos que os
dados permitem uma primeira aproximao dos livros didticos de sociologiaproduzidos recentemente no Brasil e fecundam novas perguntas e hipteses de
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trabalho necessrias para o exame da natureza da sntese didtica do pensamento
social.
De incio j observamos um detalhe nada desprezvel: os 14 livros foram
escritos por 24 autores. especialmente interessante este dado porque contrasta
com o que observamos no perodo compreendido entre os anos de 1930 a 1945,
quando 30 livros didticos de sociologia foram elaborados por 22 autores. Com
efeito, nesta poca mais remota, autores dedicavam-se com muita frequncia
elaborao de diversos manuais que atendiam s diferentes expectativas de uma
mesma disciplina no meio escolar. Alis, neste perodo era tambm frequente um
mesmo autor publicar livros escolares de diferentes reas de conhecimento (como
geografia, didtica, servio social e sociologia, por exemplo). Esse fenmeno
certamente est relacionado com a incipiente diviso do trabalho intelectual do
perodo, o que possibilitava que um nmero bastante limitado de autores
concentrasse as tarefas de sntese didtica de distintas.
Atualmente, o que vemos a tendncia contrria: um nico livro como
resultado de trabalho conjunto. Este parece ser resultado do acmulo de
conhecimento em cada rea e das especializaes no interior da prpria disciplina
cientfica. To profundo este fenmeno que at mesmo a elaborao do trabalho
panormico e introdutrio executado pelos autores do livro didtico exige a autoria
compartilhada. Segundo um dos editores de uma grande editora de So Paulo, o
maior nmero de autores por livro quase um imperativo porque se trata de mais de
uma cabea para pensar. (GATTI JUNIOR, 2005, 374-375) Com efeito, no conjunto
dos 14 livros que estamos agora analisando apenas sete foram escritos por um
autor, quatro livros foram elaborados por uma dupla e trs livros so resultado do
trabalho de trs autores.
Por vezes, ao analisar o currculo dos autores que escrevem em parceria,
constatamos uma tentativa de associao entre conhecimento terico e experincia
em sala de aula ou associao entre um autor bastante conhecido - porm no
especializado na rea - e um autor com legitimidade acadmica. Mas este no um
dado to ntido que nos faa pensar numa regularidade. Muito frequentemente, os
autores parceiros so colegas que estudaram na mesma instituio de ps-
graduao ou que exerceram a atividade docente na mesma instituio, o que
possibilita pensar que, na maioria dos casos, a associao para elaborao do livrodidtico resulta de laos de amizade e de profisso bastante espontneos.
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Ao examinar a titulao dos autores encontramos a grande maioria
especializada e bastante qualificada do ponto de vista acadmico. Sobre a formao
elementar podemos dizer que apenas dois autores no possuem bacharelado ou
licenciatura em cincias sociais. Quanto titulao, constatamos que 14 so
doutores, cinco mestres e cinco graduados. Em relao s reas de titulao
observamos predominncia de titulados nas reas de sociologia (trs doutores e trs
mestres), histria (quatro doutores), cincia poltica (trs doutores e um mestre) e
educao (um doutor e dois mestres). Entre os demais titulados temos: um doutor
em cincias sociais com nfase em antropologia, um doutor em servio social, um
doutor em comunicao. Entre os que possuem apenas graduao temos: dois
bacharis em cincias sociais, um bacharel em jornalismo, um bacharel em histria
e um licenciado em cincias sociais.
Vale pena tambm destacar que uma parte significativa dos autores fez
ps-graduao em centros de excelncia avaliados com nota mxima: seis so ps-
graduados em programas com nota sete na USP. Esse um dado que confirma o
elevado ndice de qualificao acadmica de parte dos autores. No entanto, os
centros de excelncia so ambientes que se limitam formao destes autores que
acabam atuando como docentes em centros mais perifricos.
Com efeito, sobre a experincia profissional destes autores, foi possvel
levantar as seguintes informaes: 15 deles se dedicam atividade de ensino
superior (dez em universidades pblicas e cinco em instituies privadas), sete so
professores do ensino mdio, um editor, um jornalista. Estes dados revelam que
a atividade de escrever livros didticos atrai, sobretudo, professores de ensino
superior, seguidos de professores do ensino mdio e, finalmente, em menor nmero,
agentes dedicados indstria cultural. No desprezvel a quantidade dos
professores de ensino mdio dedicados formulao de livros didticos de
sociologia: na verdade, dez autores tiveram experincia significativa no ensino
mdio, porm trs deles lecionam agora no ensino superior. Isso demonstra que o
interesse pelo gnero didtico tem sido tambm despertado a partir do exerccio da
atividade docente nas escolas. No entanto, a predominncia de autores com
experincia exclusiva no ensino superior, especialmente nas universidades pblicas.
Nesse sentido, os dados nos mostram que a elaborao de livros didticos escolares
uma atividade para a qual o professor do ensino superior (em particular pblico)tem se mostrado sensvel.
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Convm ainda observar que as universidades pblicas nas quais estes
autores atuam no so propriamente centros de excelncia, mas se encontram
numa espcie de raio perifrico muito prximo destes centros: UEL, UNESP,
UNIFESP, USP Leste, UERJ e UFPR por exemplo. Possivelmente estas instituies
se constituem como ambientes mais favorveis para o engajamento nas questes de
ensino do que os centros de excelncia em ps-graduao. H, nesse sentido, outra
hiptese pertinente: ainda que no tenha sido possvel verificar a idade, a trajetria
de alguns autores sugere que h um perfil de jovens titulados em centros de
excelncia (em programas de nota sete), qualificados e que recentemente prestaram
concurso para as novas vagas que surgiram nas universidades pblicas. Isso algo
que merecer nossa observao mais atenta e pode estar relacionado
centralidade da licenciatura e de suas atividades nos cursos destas instituies
novas ou ampliadas.
Outro dado que nos parece importante destacar a concentrao regional
dos autores, que tm como sede de sua carreira (no se trata do local de
nascimento) apenas trs estados: dez trabalham em So Paulo, dez no Paran e
quatro no Rio de Janeiro. Este fenmeno bastante curioso e possivelmente s
poder ser compreendido se o relacionarmos a vrios fatores. Comecemos pela
concentrao da oferta de cursos de cincias sociais. Dados coletados em 2008 nos
mostram que a distribuio dos cursos de graduao em cincias sociais bastante
desigual e, de fato, se concentra escandalosamente no sudeste e mais
modestamente no sul: 47 se localizam no sudeste, 18 no sul, 13 no norte e nove no
centro-sul.13
H tambm desigualdades na distribuio dos cursos de ps-graduao,
embora esta no seja atualmente to extremada como na graduao. A expanso
recente dos programas de ps-graduao no nordeste sugere que este no um
fator que isoladamente explica o recrutamento to concentrado de autores de livros
didticos de sociologia em So Paulo e no Paran. Vejamos: dos 49 programas de
sociologia ou cincias sociais existentes no pas, 22 esto no Sudeste (dos quais 8
no estado de So Paulo), 12 no nordeste , dez no sul (dos quais quatro no Paran),
dois no centro-oeste, trs no norte.14 Observemos tambm a concentrao dos
13Dados levantados por Ileizi Fiorelli da Silva e apresentados na VII Semana Acadmica de Cincias Sociais daUFPR. Curitiba, 13 de junho de 2012.14 CAPES. Distribuio dos Programas de ps-graduao no Brasil Ano Base 2011 Disponvel em:http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/#Acesso em 13/06/2013
http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/ -
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cursos de ps graduao em histria e cincia poltica que, conforme observamos,
so predominantes entre os autores. Dos 57 cursos de ps-graduao em histria ,
26 esto no sudeste (dos quais seis no estado de So Paulo), 12 no nordeste, 12 no
sul (dos quais quatro no Paran), cinco no centro-oeste, dois no norte.15 Dos 30
programas de ps em cincia poltica observamos 12 no sudeste (dos quais quatro
no Estado de So Paulo), sete no sul (dos quais dois no Paran), quatro no centro-
oeste.16
Com efeito, observamos aqui que embora haja grande concentrao de
programas de ps no sudeste, o nmero de programas do nordeste por vezes
supera do sul. Isso nos mostra que no h uma correlao direta entre a
concentrao de oferta de cursos de ps-graduao e a concentrao regional dos
autores dos livros didticos. Nesse sentido, possvel supor provisoriamente que a
maior oferta dos cursos de graduao em cincias sociais seja o fator mais
sensivelmente relacionado ao elevado ndice de recrutamento de autores de livros
didticos. No entanto, por outro lado, os dados acerca da graduao no so ainda
suficientes para nos ajudar a compreender porque a concentrao singular dos
autores em So Paulo e no no Rio de Janeiro ou Minas Gerais; ou por que no
Paran e no no Rio Grande do Sul, por exemplo.
nesse sentido que devemos procurar associar a concentrao da oferta de
curso de graduao com a concentrao da indstria editorial na regio da cidade
de So Paulo. No temos agora a possibilidade de aprofundar uma pesquisa sobre a
distribuio das editoras nas regies do Brasil (no encontramos este dado em
pesquisa da Fipe para o Sindicato dos Editores de Livros SNEL). No entanto,
podemos sugerir algumas questes a partir dos dados extrados dos livros didticos
complementados com informaes disponveis sobre o mercado editorial brasileiro.
Observemos que dos 14 livros analisados dez foram publicados em editoras
localizadas na cidade de So Paulo, onde certamente se concentra um dos maiores
parques grficos da Amrica Latina. Destes dez livros, oito foram produzidos por
grandes editoras localizadas em So Paulo, especializadas em livros didticos. Dois
livros didticos foram produzidos por uma mesma pequena editora de So Paulo.
15 CAPES. Distribuio dos Programas de ps-graduao no Brasil Ano Base 2011 Disponvel em:http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/#Acesso em 13/06/201316 CAPES. Distribuio dos Programas de ps-graduao no Brasil Ano Base 2011 Disponvel em:http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/#Acessoem 13/06/2013
http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/ -
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Alm disso, h quatro pequenas editoras fora de So Paulo que inscreveram seus
livros: trs de Curitiba e um do Rio de Janeiro.
Nesse sentido, a amostragem de livros que estamos analisando revela a
predominncia, no PNLD, das grandes editoras de So Paulo (algumas ligadas a
grandes conglomerados de empresas), especializadas na produo de didticos e
interessadas na aprovao. As editoras de So Paulo focadas na produo didtica
parecem atrair autores que esto ligados complexa malha de instituies de ensino
superior em seu entorno. No entanto, estas editoras tm tambm capacidade de
atrair autores de regies prximas como Paran (quatro) e Rio de Janeiro (dois).
No entanto, no possvel ignorar a presena significativa de trs pequenas
editoras de Curitiba. Como tambm no possvel desprezar que nove autores tm
suas carreiras fixadas no Estado do Paran (ainda que tenham publicado seus livros
em editoras paulistanas). Apesar da modesta a amostragem, o caso da
concentrao de editoras e, sobretudo, de autores fixados no estado do Paran
merecer anlise mais detida. No entanto, provisoriamente, podemos sugerir trs
fatores que concorrem para favorecer este fenmeno:
Em primeiro lugar, provvel que isso esteja ligado ao fenmeno da
emergncia de editoras vinculadas a grupos educacionais desde os anos de 1980
em Curitiba. A capacidade de mobilizao de autores do Paran estaria, portanto,
em alguma medida, relacionada criao de um nicho regional de oportunidades de
trabalho para os acadmicos e professores relacionado produo de textos
didticos.
Em segundo lugar, possvel tambm destacar a forte atuao da
licenciatura na Universidade de Londrina que teria agido no sentido de beneficiar o
aparecimento da sociologia como disciplina optativa no ensino mdio do estado
antes mesmo de sua institucionalizao obrigatria a nvel nacional. Nesse sentido,
o estado do Paran protagonizou um esforo pelo ensino escolar da sociologia que
possivelmente teria despertado com mais precocidade o interesse pela produo de
material didtico.
Por fim, o terceiro ponto parece estar relacionado ao segundo. Trata-se do
desenvolvimento do Projeto Folhas, implantado em 2003 pela Secretaria de
Educao do Estado do Paran visando estimular a produo didtica dos
professores atravs de uma plataforma aberta de recursos educacionais. Esteprojeto acabou resultando no Livro Didtico Pblico, reunio na forma de livro de
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alguns dos textos publicados na plataforma. O livro foi distribudo aos alunos em
todas as disciplinas. provvel que esse fato, somado s oportunidades editoriais
tenha contribudo para criao de um ambiente favorvel ao recrutamento de
autores para a indstria editorial.
Com isso conclumos, por enquanto, a anlise dos dados sobre os autores
dos livros. Ficam muitas questes para novas investigaes com amostragem mais
ampla de livros que possibilite compreender melhor as condicionalidades da
produo de livros didticos da rea de sociologia.
Referncias aos autores do pensamento social brasileiro
Elaboramos um sistema de contagem das referncias aos principais autores
do pensamento social brasileiro nos livros que compem a nossa amostragem.
Inclumos tambm nesta contabilidade os autores contemporneos das cincias
sociais brasileiras: cientistas polticos, socilogos, antroplogos e historiadores.
Este levantamento considerou as seguintes modalidades de referncia: a
mera citao ao nome do autor, as snteses de sua trajetria, obra e contribuies e
os excertos de texto destacados em boxes e atividades. Por vezes, um mesmo autor
foi referido em diferentes captulos do mesmo livro e, neste caso, consideramos um
registro e anotamos os diferentes temas ou captulos nos quais o autor referido.
Limitamos este levantamento ao contedo do texto didtico no livro do aluno e, por
isso, no inclumos as sugestes bibliogrficas em anexo ao final dos captulos nem
as atividades sugeridas no volume prprio para o professor.
Seguindo estes critrios, o levantamento resultou num repertrio composto
por 86 autores da cincia social no Brasil, referidos nas pginas dos 14 livros. H
grande contraste entre os livros analisados: alguns com nmero de referncias
bastante expressivo, ao passo que outros so pobres no dilogo com a produo
cientfica remota ou recente das cincias sociais no Brasil. Vejamos os dados mais
precisos: no extremo superior desta contagem se situam trs livros que tm desde
20 at 36 referncias, enquanto no extremo inferior h trs livros que tm de uma a
quatro menes aos autores das cincias sociais no Brasil. Entre os extremos, os
demais livros (oito) possuem de seis at catorze referncias.
Com exceo de um caso analisado (cujo livro faz apenas referncia sntese de Roque Barros Laraia sobre cultura), observamos que dois livros com
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menos referncias mencionam exclusivamente alguns clssicos do pensamento
social da dcada de 1930 e 1950: Gilberto Freyre, Caio Prado Junior, Srgio
Buarque de Holanda, Florestan Fernandes e Octavio Ianni so os autores
mencionados em suas pginas. As referncias a estes autores se limitam a meras
menes aos seus nomes nos captulos e tpicos sobre histria da sociologia no
Brasil. Constata-se, portanto que, nestes livros em particular, no h, rigorosamente,
dilogo com a produo sociolgica.
Observamos ainda, nestes trs livros em particular, que a escassez de
referncias produo cientfica remota ou recente da rea contrasta com a
abundante referncia a outros livros didticos de sociologia (sobretudo aqueles
publicados no perodo dos anos de 1980 e 1990). Definies de conceitos, excertos
de texto so, pois, selecionados de livros didticos mais antigos.
Embora referncias a livros didticos no seja um fenmeno dominante no
conjunto de livros analisados, pode ser algo significativo, sobretudo quando se
constata, pela trajetria dos autores destes livros, que tais publicaes so resultado
da experincia mais imediata em sala de aula. Vejamos alguns dados sobre os cinco
autores destes trs livros: trs so professores de ensino mdio da rede pblica,
dois so professores de instituies privadas de ensino superior; um doutor, trs
so mestres e um graduado com licenciatura. No se trata de correlacionar
mecanicamente a experincia profissional e a titulao escassez de referncias,
mas parece evidente que estes livros de sociologia produzidos para pequenas
editoras por professores do ensino mdio pblico e do ensino superior privado, cuja
titulao inferior mdia geral da amostra, so tambm os que menos se referem
produo cientfica atualizada na rea e recorrem frequentemente aos demais
livros didticos para compor o acervo de referncia. No nos aqui cabe julgar a
qualidade destes livros (at mesmo porque o nmero de referncias no garantia
de excelncia didtica), tampouco de seus autores (que demonstram esforo de
organizao e publicao de seu material de aula), mas apontar para a possibilidade
de reforo da hiptese de que livros didticos so referncia importante para o
preparo das aulas e formam, em alguns meios (tanto no nvel mdio quanto
superior), um crculo endgeno, auto-referido, constituindo uma espcie de
didatismo de segunda ordem - que se produz a partir de outras snteses didticas.
Voltando a nossa tabela, devemos agora notar que os trs livros didticos queficam no extremo superior da contagem de referncias so responsveis pela
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ampliao do repertrio de autores do pensamento social na literatura escolar que
investigamos.
Alguns dos clssicos figuram no nosso levantamento porque foram
mencionados nestes trs livros. Alberto Torres, Azevedo Amaral, Capistrano de
Abreu, Josu de Castro, Manoel Bonfim, Maria Izaura Pereira de Queiroz, Monteiro
Lobato, Nina Rodrigues, Oracy Nogueira, Raymundo Faoro e Vtor Nunes Leal so
citados apenas em suas pginas. Por vezes, estes autores so to simplesmente
mencionados nos resumos dedicados histria do pensamento sociolgico no
Brasil, no entanto esta no a regra nestes trs livros em particular, pois predomina
uma abordagem que vincula os autores a certos temas especficos para os quais se
julga que contribuem.
Entre os autores mais recentes das cincias sociais, h 23 que constam em
nossa listagem e que foram citados exclusivamente por estes trs livros: Alba Zaluar,
Angela de Castro Gomes, Antonio Flavio Pierucci, Carlos Hasenbalg, Carlos
Rodrigues Brando, Celi Scalon, Maria Celina DAraujo, Csar Barreira, Claudia
Matos, Clovis Caldeira, Edgar Carone, Edmundo Campos Coelho, Emir Sader, Julio
Czar Melatti, Lilia Schwarcz, Livia Barbosa, Luis Antonio Machado da Silva, Luis
Eduardo Soares, Marcelo Ridenti, Marco Aurlio Nogueira, Maria Vitria Benevides,
Mirian Abromovay, Roberto Cardoso de Oliveira. Nestes casos, os autores so
chamados para contribuir com certos temas do Brasil contemporneo.
Com efeito, somando as referncias aos clssicos e contemporneos, os
dados nos indicam que 34 autores que constam no repertrio geral identificado so
exclusivos aos trs livros ricos em referncias, o que revela que h um nvel
bastante elevado de concentrao das referncias.
Outro aspecto que vale pena mencionar que os trs livros que se situam
neste extremo superior da contagem foram publicados por grandes editoras e, dos
seus quatro autores (um livro foi elaborado por dois autores) se pode dizer: trs so
ou foram professores do ensino superior pblico (um aposentado) e um
professor do ensino superior privado; todos so doutores, dois dos quais com
atividades em programas de ps-graduao. Ainda que no seja, conforme j
mencionamos, um critrio de excelncia didtica, o dilogo com a bibliografia do
campo das cincias sociais nos livros escolares tem sido realizado, sobretudo, pelos
pesquisadores acadmicos que tm maior acesso a este acervo intelectual emelhores condies de trabalho (se comparados aos professores do ensino mdio
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rede pblica ou do ensino superior privado) para a realizao deste difcil trabalho e
para reconhecimento da indstria editorial.
Antes que nos aprofundemos na anlise dos dados, cremos ser importante
compreender a natureza da apropriao dos autores do pensamento social nos
limites e possibilidades do enquadramento do gnero didtico.A apropriao de
Euclides da Cunha nos parece exemplar para discutir as formas de referncia que
encontramos nos livros. Vejamos como ele aparece nos cinco livros em que
referido: em dois deles, h algumas informaes sobre sua trajetria para
identificao da origem e do tema dOs Sertes. No terceiro livro, num captulo sobre
o mundo rural, selecionado um pequeno excerto onde Cunha descreve a
mestiagem da populao dos sertes da Bahia. No quarto livro, Euclides da Cunha
aparece em diferentes momentos: ora como autor racialista, prximo de Lombroso,
ora como exmio narrador da religiosidade popular e das brigas familiares do serto
nordestino. Por fim, no quinto livro, num captulo sobre desigualdade social,
mencionado, considerado um dos autores fundantes das cincias sociais no Brasil,
prximo de Nina Rodrigues e Capistrano de Abreu porque partilha com eles
afinidade com teses racialistas.
Observa-se, nas diferentes referncias a Euclides da Cunha, as
possibilidades de apropriao de autores nos livros escolares. A primeira
modalidade aquela em que Cunha aparece como pioneiro da histria da
constituio do pensamento social. Isso ocorre de trs modos: a) a mera citao ao
seu nome; b) a descrio de sua trajetria, c) a sntese da sua produo intelectual.
O autor e sua trajetria so sempre nomeados e classificados segundo uma
determinada linhagem ou etapa do desenvolvimento intelectual. Para isso, se
despreza outras condicionantes que compem sua interpretao forando
aproximaes e afinidades a fim de subsumir matizes sutis. Frequentemente se diz,
nas pginas dos livros didticos, que Florestan Fernandes foi militante marxista,
Darcy Ribeiro foi militante indigenista, DaMatta culturalista, Srgio Buarque de
Holanda foi weberiano, Caio Prado Junior marxista e Fernando de Azevedo
humanista, para citar apenas alguns exemplos.
A segunda modalidade que podemos destacar aquela em que Cunha surge
em diferentes captulos de um livro que, vistos em conjunto, apresentam
contradies. Ou seja, o autor apresentado no inicio do livro, no captulo histrico,como racialista, surge ora como um analista da trajetria de Antonio Conselheiro do
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ponto de vista de suas relaes familiares, ora como intrprete arguto da experincia
religiosa popular. Isso tambm comum nos livros didticos: o fracionamento do
autor em diversos captulos e tpicos, onde se destacam diferentes dimenses da
sua obra, dificultando a possibilidade de reconstituio de uma unidade intelectual.
Essa apropriao parcelada ocorre principalmente com autores que tem obra
abrangente. o caso de Florestan Fernandes que, por vezes aparece em captulo
sobre desigualdade e raa numa determinada chave de leitura e depois surge em
captulo sobre mudana social e modernizao em outra chave, como se fossem
fenmenos dissociados. Algo equivalente ocorre tambm com Octavio Ianni: sua
anlise das relaes de classe e raciais apartadas do estudo sobre populismo no
Brasil, por exemplo.
A terceira modalidade de apropriao de Euclides da Cunha so os excertos,
destacados em boxes isolados do texto base do livro didtico. Tais excertos
assumem um carter documental a fim de atender dois objetivos: contextualizao e
evidenciao emprica do fenmeno que se quer discutir. Exemplar nesse sentido
a evocao a Joaquim Nabuco como narrador dos efeitos da escravido no sculo
XIX, de Antonio Candido como narrador da vida caipira em So Paulo dos anos de
1940 e de Fernando de Azevedo como autor dedicado a reconstituio da vida
intelectual no Brasil desde a colnia at os anos de 1940. Os excertos aproximam,
do vida, realidade aos fatos sociolgicos ao mesmo tempo em que conferem
autoridade ao livro didtico. Essa , pois uma funo que autores do pensamento
social cumprem frequentemente, sobretudo os considerados clssicos. Os
contemporneos so mais facilmente substituveis pelos textos jornalsticos e pelos
dados estatsticos.
Observando a totalidade dos livros, podemos extrair constataes que
fecundam algumas hipteses interessantes acerca da circulao do pensamento
social e sociolgico brasileiro no meio escolar. No quadro geral composto pelos 14
livros, Florestan Fernandes, Gilberto Freyre e Srgio Buarque de Holanda so
disparados os autores mais mencionados. Fernandes tem pequena vantagem sendo
referido em 13 livros, enquanto Freyre aparece em 11 e Srgio Buarque de Holanda
em dez. So seguidos pelos autores: Octavio Ianni (referncia em sete livros),
Euclides da Cunha (cinco livros), Caio Prado Junior (quatro), Antonio Candido
(quatro), Fernando de Azevedo (quatro), Darcy Ribeiro (quatro), Oliveira Vianna(trs), Fernando Henrique Cardoso (dois). Entre os autores do final do sculo, foram
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identificadas as seguintes referncias: Joaquim Nabuco (trs livros) Slvio Romero
(dois), Nina Rodrigues (dois).
H, conforme j notamos nos livros com baixo nmero de referncias,
predominncia dos autores do pensamento dos anos de 1930 e queles da
denominada Escola Paulista.
Dos anos de 1930, vale destacar que Caio Prado Junior e Oliveira Vianna so
citados em poucos livros (quatro e trs, respectivamente), em comparao com o
nmero de referncias Freyre e Buarque de Holanda. Alm disso, tanto Caio Prado
Junior quanto Oliveira Vianna so apenas mencionados em snteses acerca da
histria do pensamento sociolgico, ao passo que Fernandes, Freyre e Buarque de
Holanda so frequentemente mencionados em diferentes captulos de um mesmo
livro e numa abordagem que destaca o valor heurstico de suas obras para a
compreenso de certos fenmenos em particular.
Importante observar que estas snteses histricas do pensamento social
brasileiro, responsveis pela ampliao do acervo de referncias, so muito
frequentes nas pginas dos livros didticos. So tratadas num captulo prprio ou
num tpico anexado histria da sociologia em geral onde se faz breves
comentrios sobre a trajetria de autores e um resumo das suas obras (com maior
peso para a trajetria).
A maioria destas snteses apresenta este percurso histrico do pensamento
brasileiro cindido em duas grandes etapas demarcadas pela passagem da
perspectiva racial para a perspectiva sociolgica. uma abordagem histrica
assentada sobre a qualificao dos autores a partir de duas tendncias tericas. Os
autores frequentemente considerados racialistas so Nina Rodrigues, Oliveira
Vianna e, em dois livros, Euclides da Cunha. Provvel que a pouca importncia dada
a Oliveira Vianna seja resultado desta perspectiva que confere sua interpretao a
adjetivao de racialista, logo pr-sociolgica. Isso ocorre a despeito de Vianna ter
uma obra mais matizada e ser um personagem intelectual importante na arquitetura
do Estado Novo, momento poltico destacado nos livros escolares tanto da
perspectiva da regulamentao do trabalho industrial urbano e da constituio de
uma nova burocracia estatal, como na elaborao, politicamente orientada, da
identidade nacional.
Com efeito, os autores considerados fundadores do pensamentopropriamente sociolgico so, sobretudo, Freyre e Buarque de Holanda. Certamente
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muitos fatores concorrem para a seleo destes dois autores, entre os quais o
acesso e a natureza das suas obras. No entanto, uma de nossas hipteses de
trabalho de que o foco em Freyre e Buarque de Holanda diz, possivelmente,
respeito a uma tendncia dos livros escolares de destacar a perspectiva culturalista,
ainda que a obra de ambos no possa ser assim definida seno com o sacrifcio de
outros aspectos decisivos para sua interpretao. Na grande maioria dos livros
didticos, a plasticidade cultural e mestiagem biolgica apontadas por Freyre so
dimenses complementares cordialidade destacada por Buarque de Holanda. Os
autores, assim apropriados, permitem revelar algo da essncia do brasileiro que ter
desdobramentos nas demais pginas dos livros didticos, em particular no exame da
vida religiosa e poltica nacional, onde se trata messianismo, o misticismo, o
patrimonialismo, o coronelismo, a corrupo e o nepotismo como fenmenos
prprios do ser brasileiro.
Nas pginas destes livros didticos (creio que temos apenas uma exceo),
menos do que a anlise e a inquirio das intepretaes clssicas, temos a
essencializao do carter nacional brasileiro. Por isso, podemos formular a
hiptese de que os livros escolares, quando evocam interpretaes do Brasil dos
anos de 1930, qualificam de sociolgica exclusivamente uma certa perspectiva
histrico-culturalista, desprezando outros recortes ou dimenses (como os aspectos
econmicos e institucionais, por exemplo).
O investimento neste tipo de abordagem e a sntese que se faz dos autores,
possivelmente dificulta o tratamento de uma perspectiva como a de Caio Prado
Junior, por exemplo, que acaba, como Oliveira Vianna, no apenas aparecendo
menos, mas tambm de modo menos consequente. Este fenmeno explicaria,
talvez, a inquietante ausncia de Raymundo Faoro (que aparece brevemente num
livro apenas) apesar do tema de sua principal obra17 - o patrimonialismo estar
presente de maneira destacada nas pginas dos livros didticos nos captulos
dedicados discusso da vida poltica nacional. provvel que os Donos do Poder
seja, pois, considerado um livro menos sociolgicono sentido de menos submisso
a uma apropriao culturalista do que os livros de Srgio Buarque de Holanda e
Gilberto Freyre.18
17FAORO, Raymundo. Os donos do poder: a formao do patronato brasileiro. So Paulo: Globo, 2008.18 Essa constatao leva a um desdobramento mais profundo da questo que, a rigor, diz respeito ideia desocial que predomina nestes livros. Uma hiptese que, possivelmente, explicaria a debilidade das contribuiesdas reas de cincia poltica e antropologia nas pginas dos livros didticos. A ideia de vida social
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Nesse sentido, interessante pensar a insero de Florestan Fernandes nos
livros. Conforme j notamos, Fernandes aparece em quase todos os livros (com
exceo de um). Em dez deles, mencionado nos captulos e tpicos especficos
sobre a histria da sociologia, onde so oferecidos alguns detalhes sobre sua
trajetria (em particular a origem modesta). Considerado terico fundamental da
sociologia no Brasil , tambm, qualificado frequentemente como militante marxista.
Em trs livros analisados, Fernandes aparece em dois captulos diferentes o que
mostra que, alm de mais citado, sua obra tem repercusso em diferentes reas
dos livros. O autor associado, sobretudo, ao tema da desigualdade social, com
especial foco questo racial, embora haja duas referncias mudana social e
modernizao, uma estratificao social e outra ao fenmeno de
subdesenvolvimento. Em apenas trs livros so confrontadas as perspectivas de
Freyre e Florestan acerca das relaes raciais no pas, o que demonstra que os
livros didticos, com algumas excees raras, no colocam frente a frente diferentes
abordagens e tendem a trata-los quase como abordagens complementares. Desse
modo, se Freyre e Srgio Buarque de Holanda ajudam na constituio da imagem
de um pas marcado pela diversidade cultural e pelo privatismo das relaes,
Florestan complementa esta imagem com novo atributo: a desigualdade, legado da
escravido, que, no entanto, se expressa contemporaneamente na cidadania
deficitria, na violncia e no racismo.
H, com efeito, nas pginas dos livros didticos, predominncia
inquestionvel do que se convencionou denominar de escola paulista de sociologia
e dos autores que estiveram, de alguma maneira, ligados a Florestan Fernandes.
Em todos os livros analisados, h apenas uma citao Guerreiro Ramos e
nenhuma referncia Costa Pinto, por exemplo. Em contraste, notvel Oracy
Nogueira que aparece em dois livros (num deles alm de sua trajetria, h excerto
de texto sobre seus estudos acerca das relaes raciais). Octavio Ianni tem tambm
grande repercusso: aparece em sete livros ao passo que Fernando Henrique
Cardoso tem apenas referncias em dois livros. De incio consideramos que a
repercusso de Octavio Ianni estivesse relacionada maior abrangncia de sua
obra que vai da questo racial ao tema da globalizao. No obstante, a maioria das
referncias Ianni (quatro) so de fato relacionadas aos seus estudos raciais no
essencializada no favorece nem a compreenso da trama institucional, nem uma perspectiva mais sofisticadaacerca da cultura, da diversidade e dos desafios da alteridade. Esse um dos temas cruciais a ser enfrentado noaprofundamento desta anlise.
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final dos anos de 1950 e incio de 1960. Nesse sentido, possvel supor que a
trajetria poltica de Fernando Henrique Cardoso no tenha favorecido a circulao
de suas pesquisas acadmicas nos livros escolares de sociologia deste perodo. E
acreditamos que seja at mesmo razovel considerar que seu veto presidencial, em
outubro de 2001, ao Projeto de Lei que introduzia a filosofia e a sociologia no ensino
mdio, transformou-o numa espcie de autor tabu, a despeito da importncia das
suas pesquisas para o perodo e o tema, ambos valorizados pelos livros didticos.
As referncias aos autores contemporneos so bastante esparsas, como
tambm o a produo cientfica atual. Eis os autores mais citados segundo nosso
levantamento: DaMatta (em quatro livros) Wanderley Guilherme dos Santos (quatro),
Francisco Weffort (trs), Jos Murilo de Carvalho (trs), Rud Ricci (3). Da Matta
refora a perspectiva culturalista e no raro ser associado, nas pginas dos livros,
perspectiva de Freyre e Srgio Buarque de Holanda. Wanderley Guilherme dos
Santos, Francisco Weffort e Jos Murilo de Carvalho aparecem como descritores da
cidadania deficitria no Brasil. O conceito de cidadania regulada de Wanderley
Guilherme dos Santos recebe tratamento equivalente aos conceitos clssicos da
sociologia e, possivelmente, , do conjunto da produo brasileira contempornea
das cincias sociais, a categoria de maior repercusso nos livros escolares. As
referncias a Rud Ricci so relativas anlise dos movimentos sociais
contemporneos e a uma pesquisa sobre classe mdia feita para a Fundao
Getlio Vargas.
Interessante constatar que a maioria dos autores referidos (como os prprios
autores dos livros didticos), tm suas carreiras na regio sudeste do Brasil, ligados
em algum momento de sua trajetria, USP, a Unicamp e a UFRJ. A bibliografia
mobilizada pelos livros escolares de sociologia tem sido, portanto, at agora,
refratria produo contempornea realizada nos demais programas de ps-
graduao.
preciso ainda acrescentar que a mobilizao dos autores contemporneos
est tambm condicionada aos temas que so selecionados como essenciais para a
discusso das questes sociolgicas do Brasil atual. Nesse sentido, interessante
verificar que os seguintes temas esto associados bibliografia especfica sobre o
Brasil: movimentos sociais, violncia, famlia e desigualdade social (incluindo classe,
raa e gnero). Ao passo que para os temas meio ambiente, consumo, indstriacultural e socializao raramente reclamada a bibliografia contempornea das
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cincias sociais no Brasil. Isso nos indica que numa prxima etapa da pesquisa
teremos que aprofundar essa relao entre a bibliografia mobilizada e os temas
brasileiros considerados prprios para abordagem nos livros escolares.
Nota final
O trabalho at agora realizado cumpriu trs objetivos: em primeiro lugar,
possibilitou a compreenso do valor dos livros didticos enquanto artefatos
intelectuais complexos, cuja investigao ajuda na reflexo sobre nossa rea de
pesquisa. Em segundo lugar, foi um exerccio para compreender as diversas
condicionalidades sociais do livro didtico, com especial relevncia para o perfil dos
autores e para a identificao do gnero de escrita didtica. Por fim, a partir do
levantamento inicial das referncias, foi possvel fecundar algumas hipteses
importantes que conduzem a pesquisa a uma nova etapa, quando ser necessrio
investigar os sentidos de Brasil, de sociedade e de sociolgico que parecem
mobilizar as selees e modos de apropriao dos autores do pensamento social
brasileiro.
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