pensamento e linguagem - vygotsky

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Pensamento e linguagem Lev Semenovitch Vygotsky

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Pensamento e linguagem

Lev Semenovitch Vygotsky

Este livro aborda o estudo de um dos mais complexos problemas da psicologia – a inter-relação entre o pensamento e a linguagem. Tanto quanto sabemos esta questão não foi ainda estudada experimentalmente de forma sistemática. Tentamos operar, pelo menos, uma primeira abordagem desta tarefa, levando a cabo estudos experimentais sobre um certo número de aspectos isolados do problema de conjunto. Os resultados conseguidos fornecem-nos uma parte do material sobre que se baseiam as nossas análises.

A estrutura deste livro é forçosamente complexa e multifacetada. No entanto, todas as suas partes se orientam para uma tarefa central: a análise genética das relações entre o pensamento e a palavra falada.

O primeiro capítulo põe o problema e discute o método.

Os segundo e terceiro capítulos são análises críticas das duas mais influentes teorias da linguagem e do pensamento, a de Piaget e a de Stern.

No quarto capítulo tenta-se detectar as raízes genéticas do pensamento e da linguagem; este capítulo serve de introdução teórica à parte principal do livro, as duas investigações experimentais descritas nos dois capítulos seguintes.

O primeiro estudo (capítulo 5.) trata da evolução genérica geral dos significados durante a infância;

o segundo (capítulo 6) é um estudo comparativo do desenvolvimento dos conceitos “científicos” e espontâneos da criança.

O último capítulo tenta congregar os fios das nossas investigações e apresentar o processo total do pensamento verbal tal como surge à luz dos nossos dados.

CAPÍTULO 1 - O PROBLEMA E A ABORDAGEM

O PROBLEMA

A psicologia, até então, não abordava as inter-relações de seus objetos de pesquisa, estudava-os de modo isolado apenas apontando conexões aleatórias entre algumas funções, tais como :

Percepção x atenção

Atenção x memória

Memória x pensamento

PENSAMENTO X LINGUAGEM

A ABORDAGEM

Vygotsky aponta uma relação INTRÍNSECA e INTERDEPENDENTE entre pensamento e linguagem afirmando que :

A transmissão racional e intencional de experiências e de pensamentos exige um sistema mediador : a linguagem.

A palavra é uma unidade que funde o som e o significado. - Som -> elemento fonético da linguagem

- Significado -> permite a compreensão

Propõe a análise em unidades : estudo simultâneo do pensamento e da linguagem considerando-as como funções dependentes.

CAPÍTULO 2 : A TEORIA DE PIAGET SOBRE A LINGUAGEM E O PENSAMENTO DAS CRIANÇAS

Piaget tinha uma orientação evolucionista e foi o precursor dos estudos sistemáticos da percepção e da lógica infantis. Sua pesquisa é empírica, apoiada em conceitos da psicanálise e do desenvolvimento genético.

“Antes de mais nada, e acima de tudo, uma coleção de fatos e documentos. Os elos que unem entre si os diversos capítulos são os elos fornecidos por um método único a várias descobertas e de maneira nenhuma os de uma exposição sistemática”. (PIAGET, 1923, p. 1)

Segundo Piaget, o elo que liga todas as características específicas da lógica infantil é o egocentrismo do pensamento da criança.

Segundo ele, o pensamento humano se divide em três etapas:

• Autístico: pensamento subconsciente, forma mais primitiva, que é individual e incomunicável através da linguagem oral ou escrita, não se adapta à realidade externa, antes, cria para si próprio uma realidade de imaginação e sonhos.

• Egocêntrico: pensamento individual intermediário entre autístico e orientado, tem como principal função a satisfação das necessidades pessoais mesclada à algumas orientações e limitações da realidade.

•Orientado: pensamento consciente e inteligente, que pode ser comunicado através da linguagem oral e escrita. É adaptado à realidade e esforça-se por influenciá-la.

Para Piaget, o pensamento egocêntrico das crianças encontra-se a meio caminho entre o autismo e o pensamento socializado.

A concepção genética baseia-se na premissa da Psicanálise, segundo a qual o pensamento das crianças é original e naturalmente autístico e só se transforma em pensamento realista por efeito de uma longa e persistente pressão social.

Piaget, através das investigações que fez, chegou à conclusão de que todas as conversações das crianças classificam-se em dois grupos:

o egocêntrico → a criança fala apenas dela própria, não se preocupa com o interlocutor não tenta comunicar, não espera resposta e nem se preocupa com saber se alguém a escuta. (ex.: o monólogo)

o socializado → a criança não procura estabelecer um intercâmbio com os outros – pede, ameaça, transmite informações, faz perguntas.

“Poder-se-ia dizer que o adulto pensa socialmente, mesmo quando se encontra só, ao passo que as crianças com menos de sete anos pensam e falam egocêntricamente, mesmo em sociedade com os outros”. (PIAGET, 10923, p. 56)

Piaget : • parte do pensamento individual ( egocêntrico) para o socializado (orientado). • pensamento infantil é predominantemente egocêntrico.• discurso egocêntrico não influencia o comportamento ou as ações: limita-se a atrofiar-se à medida que a criança atinge a idade escolar.•o discurso egocêntrico desaparece ( 7 ou 8 anos ) dando lugar ao discurso socializado.Para Piaget, a trajetória vai do discurso autístico ao discurso socializado e o pensamento lógico, através do discurso e do pensamento egocêntrico.

Vygotsky :• parte do pensamento socializado para o individual.• o discurso egocêntrico afeta e influencia as ações.• o discurso egocêntrico não desaparece : transforma-se em discurso interior.Vygotsky inverte a trajetória: do discurso social, perpassando o discurso egocêntrico ao discurso interior.

Vygotsky aponta dois pontos na teoria de Piaget que considera serem equivocados :

Piaget afirma que o sincretismo ( mistura desordenada de diferentes ideias e conceitos ) é uma característica peculiar do pensamento infantil que tem ênfase na fase pré-operatória de seu desenvolvimento ( de 2 à 7 anos de idade). Vygotsky afirma que a criança não se utiliza do sincretismo emqualquer circunstância, mas somente recorre à ele quando se trata de objetos sobre os quais ela não tem nenhum conhecimento ou pouca familiaridade.

Para Vygotsky, as descobertas de Piaget não se aplicam às crianças em geral, mas somente àquelas submetidas ao meio social e às condições educacionais em que suas pesquisas foram realizadas, pois o caráter mais egocêntrico ou mais socializado da fala da criança depende diretamente do meio em que está inserida e do tipo de educação a que tem acesso.

CAPÍTULO 3 : A TEORIA DE STERN SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

Stern tem uma orientação idealista e sua teoria é anti-genética.

A linguagem possui 3 raízes/tendências diferentes: expressiva, social/comunicativa e intencional.

Tendência intencional: surgimento espontâneo especificamente humana direciona-se para a expressão e compreensão do sentido ou significado é resultado de um processo do pensamento.

Stern crê que, por volta de um ano e meio ou dois anos de idade, a criança descobre que cada objeto tem um símbolo permanente, que cada coisa tem seu significado.

Para Vygotsky :

a intencionalidade da fala tem uma raiz genética e é resultado de um processo evolutivo das primeiras palavras pronunciadas, somadas ao gestos de apontar objetos.

a criança não desenvolve subitamente aos 2 anos de idade a capacidade de compreender e apreender a relação entre signo e significado, tal desenvolvimento ocorre de modo contínuo e gradual.

CAPÍTULO 4 : AS RAÍZES GENÉTICAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM

Pensamento e linguagem têm raízes diferentes – as primeiras palavras de uma criança são puramente emocionais

Inicialmente o pensamento é não-verbal e a linguagem é não-intelectual

Mais tarde a criança passa a reconhecer que determinadas palavras referem-se à certos objetos, ações e desejos, e então sua linguagem que era afetiva-conativa passa a ser intelectual ( racional).

A fusão entre pensamento e linguagem é chamada de pensamento verbal

O pensamento verbal não é inato, é determinado pelo processo sociocultural.

CAPÍTULO 5 : GÊNESE E ESTUDO EXPERIMENTAL DA FORMAÇÃO DOS

CONCEITOS

o pensamento completamente desenvolvido é aquele capaz de criar conceitos

a FUNÇÃO SENSORIAL e a PALAVRA são indispensáveis na formação de um conceito.

Os processos que levam à formação de conceitos têm duas trajetórias principais:

1) Formação de complexos : a criança agrupa objetos por “ famílias”

As formações por complexo podem se manifestar de 5 maneiras:

Associativo : semelhança -> objetos diferentes porém com mesma cor, mesma forma , etc. (ex.: bola vermelha -> bolsa vermelha ...)

Coleção:contraste e complementaridade -> objetos iguais porém com cores diferentes, formas diferentes, etc .(ex.:cubo azul, cubo rosa)

Cadeia : os critérios mudam de acordo com o que chamar mais a atenção da criança . ( ex.: TRIÂNGULO amarelo -> triângulo vermelho -> triângulo AZUL -> esfera azul -> retângulo azul -> QUADRADO azul -> quadrado preto... )

Difuso: impressão de semelhança -> indefinidos e ilimitados ( ex.: triângulos -> trapézios -> quadrados ... Os trapézios PARECEM ser triângulos com os vértices cortados... Os quadrados PARECEM ser trapézios ...)

Pseudo-conceitos: é o elo de ligação entre o pensamento por complexos e o pensamento por conceitos : a criança começa a se apropriar dos significados das palavras A formação por complexos é o que faz com que uma mesma palavra tenha significados diferentes e até mesmo opostos desde que haja algum nexo associativo entre os significados . Por exemplo, a criança pode usar a palavra “amanhã” querendo se referir à “hoje”, “ ontem” ou “ amanhã”, e se confunde pois todas fazem parte de uma mesma “família”: referem-se ao tempo.

2) Formação de conceitos potenciais: resulta do isolamento dos elementos antes agrupados, sendo o critério desse isolamento as semelhanças perceptivas sensoriais ou a semelhança de significados

CAPÍTULO 6: O DESENVOLVIMENTO DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS NA INFÂNCIA

O desenvolvimento dos conceitos – significados das palavras – pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais tais como: atenção, memória, lógica, capacidade de comparar e diferenciar.

Os conceitos quotidianos/espontâneos são centrados no objeto (irmão) e SÃO DIFERENTES dos conceitos científicos , que se formam num ato de pensamento (exploração)

A cada nível etário a criança tem um grau de abstração de generalidade ( planta – flor – rosa ). Dessa forma os conceitos passam a ter significados de forma hierarquizada.

A inter-relação entre os conceitos científicos e os conceitos espontâneos remete-se à relação entre a instrução escolar e o desenvolvimento mental da criança :

INSTRUÇÃO X DESENVOLVIMENTO

As funções necessárias para a aprendizagem nunca se encontram maduras quando o ensino começa - há um contínuo desenvolvimento psicológico que desabrocha com o início dos ensinamentos.

O ensino precede o desenvolvimento

As disciplinas escolares facilitam cada uma a aprendizagem das outras : as funções psicológicas por elas estimuladas desenvolvem-se num único processo.

Com a cooperação de adultos a criança pode explorar um potencial ainda não desenvolvido de sua inteligência : a Zona de Desenvolvimento Proximal ( ZDP) permite que se faça uma projeção da evolução intelectual da criança.

CAPÍTULO 7 – PENSAMENTO E LINGUAGEM

A unidade do pensamento verbal está no significado da palavra

Cada significado se remete à um conceito

O significado é um ato de pensamento consciente

O significado das palavras se desenvolve – a forma como a realidade é generalizada e refletida numa palavra se altera durante a infância

Dois aspectos da linguagem : Interno : significante, semântico -> progride do todo para a parte (complexo significante -> unidades semânticas -> significado único de cada palavra )

Externo : fonético -> progride da parte para o todo ( palavra -> frase simples – frase complexa -> discurso coerente )

DISCURSO INTERIOR X DISCURSO EXTERIOR

Interior :

desenvolvimento do discurso egocêntrico volta-se para o pensamento permite a compreensão, a consciência do significado ajuda a solucionar problemas e dominar ideias mais complexas predominância do sentido sobre o significado , da frase sobre a palavra e do contexto sobre a frase

Exterior:

materialização e objetivização do pensamento em palavra transição do significado para o som abrange o discurso oral e escrito

Discurso oral:

Pressupõe que o interlocutor compartilhe o conhecimento do assunto conversado ( compatibilidade de pensamentos).

É constituído por respostas e réplicas : é uma cadeia de reações.

Admite abreviações e simplificações.

Discurso escrito:

O interlocutor não está presente e por isso exige um maior número de palavras para conseguir expressar o pensamento desejado.

As palavras devem ser associadas a símbolos alfabéticos ( imagens de palavras ).

Exige intelectualização e consciência dos significados.

Para finalizar ...

Pensamento x linguagem :

O pensamento é gerado por nossos desejos, necessidades, interesses e emoções.

O pensamento passa primeiro pelos significados e depois transforma-se em palavras.

As ideias são condensadas num único pensamento mas a expressão do pensamento se dá por meio de várias palavras separadas ( o pensamento é uma nuvem que faz cair uma chuva de palavras ).