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1 Pensamento Crítico e Teoria das Organizações Autoria: Francis Kanashiro Meneghetti Resumo: Entender o sentido da palavra crítica é fundamental para compreender o que é pensamento crítico, embora não seja condição suficiente. Ao se identificar o papel do pensamento crítico nos estudos organizacionais e suas contribuições para a Teoria das Organizações verifica-se que o pensamento crítico é constituído do pensamento radical, da fuga à subversão da razão e da busca do humanismo e nem é conceito proveniente do acaso. Suas categorias analíticas são fundamentadas nas contribuições teóricas dos marxistas ocidentais e dos teóricos da Escola de Frankfurt. Assim, é possível falar de uma arqueologia do pensamento crítico e das contribuições temáticas que esses teóricos podem trazer para as análises organizacionais. Faz-se, porém, necessário e complementar verificar em que medida o pensamento crítico é relevante para entender as contradições; questionar as racionalidades dominantes; entender o contexto social-histórico; examinar as ideologias e promover a emancipação individual e coletiva nas organizações. Agir assim não deixa de ser uma crítica àquelas formas de pesquisas e de ensino desenvolvidas na Teoria das Organizações, que privilegiam o aparente e não investigam também a essência dos fenômenos. Introdução Pensamento crítico não é crítica teórica e, tampouco, ação sem princípios epistemológicos ou sem fundamentações teóricas. Esse processo implica entender os elementos constitutivos do pensamento crítico e sua relação com a Teoria das Organizações e compreender porque a Teoria das Organizações se ressente de estudos de que seja pressuposto central. Inicialmente, verificam-se os diversos significados da palavra crítica, de que, ao associá-la à palavra pensamento constituindo a expressão pensamento crítico, se identificam características incorporadas à sua dinâmica: o pensamento radical, a fuga da subversão da razão e o humanismo. Posteriormente, buscar-se-á apontar os fundamentos indicativos de que o pensamento crítico se consolida em categorias analíticas específicas, dificilmente encontradas nos estudos e nas pesquisas da teoria organizacional. Tais categorias analíticas não são constituídas de mero subjetivismo. Suas estruturas consolidadas em obras específicas de teóricos do Marxismo e da Escola de Frankfurt, foram acrescidas, mais recentemente, no âmbito da Teoria das Organizações, da Psicologia Social. Os temas estudados por esses teóricos, se corretamente interpretados, são de grande valia para os estudos organizacionais, sobretudo, para entender a lógica das organizações pela ótica das suas contradições e do que não está aparente. Não obstante, a Teoria das Organizações necessita também de compreensões outras, além das usualmente conhecidas, porque estudos divulgados atualmente, na sua maioria, tendem à uniformidade, à visão funcional e a destituir os princípios questionadores das contradições inerentes às organizações. 1. Pensamento Crítico A distinção fundamental a ser feita, quando se discorre sobre crítica, refere-se a seus vários sentidos. Quase sempre é entendida como adjetivo pejorativo que procura desqualificar, diminuir, prejudicar, ou seja, ação voltada para a destruição de uma opinião ou

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Pensamento Crítico e Teoria das Organizações Autoria: Francis Kanashiro Meneghetti Resumo: Entender o sentido da palavra crítica é fundamental para compreender o que é pensamento crítico, embora não seja condição suficiente. Ao se identificar o papel do pensamento crítico nos estudos organizacionais e suas contribuições para a Teoria das Organizações verifica-se que o pensamento crítico é constituído do pensamento radical, da fuga à subversão da razão e da busca do humanismo e nem é conceito proveniente do acaso. Suas categorias analíticas são fundamentadas nas contribuições teóricas dos marxistas ocidentais e dos teóricos da Escola de Frankfurt. Assim, é possível falar de uma arqueologia do pensamento crítico e das contribuições temáticas que esses teóricos podem trazer para as análises organizacionais. Faz-se, porém, necessário e complementar verificar em que medida o pensamento crítico é relevante para entender as contradições; questionar as racionalidades dominantes; entender o contexto social-histórico; examinar as ideologias e promover a emancipação individual e coletiva nas organizações. Agir assim não deixa de ser uma crítica àquelas formas de pesquisas e de ensino desenvolvidas na Teoria das Organizações, que privilegiam o aparente e não investigam também a essência dos fenômenos.

Introdução Pensamento crítico não é crítica teórica e, tampouco, ação sem princípios epistemológicos ou sem fundamentações teóricas. Esse processo implica entender os elementos constitutivos do pensamento crítico e sua relação com a Teoria das Organizações e compreender porque a Teoria das Organizações se ressente de estudos de que seja pressuposto central.

Inicialmente, verificam-se os diversos significados da palavra crítica, de que, ao associá-la à palavra pensamento constituindo a expressão pensamento crítico, se identificam características incorporadas à sua dinâmica: o pensamento radical, a fuga da subversão da razão e o humanismo.

Posteriormente, buscar-se-á apontar os fundamentos indicativos de que o pensamento crítico se consolida em categorias analíticas específicas, dificilmente encontradas nos estudos e nas pesquisas da teoria organizacional. Tais categorias analíticas não são constituídas de mero subjetivismo. Suas estruturas consolidadas em obras específicas de teóricos do Marxismo e da Escola de Frankfurt, foram acrescidas, mais recentemente, no âmbito da Teoria das Organizações, da Psicologia Social. Os temas estudados por esses teóricos, se corretamente interpretados, são de grande valia para os estudos organizacionais, sobretudo, para entender a lógica das organizações pela ótica das suas contradições e do que não está aparente.

Não obstante, a Teoria das Organizações necessita também de compreensões outras, além das usualmente conhecidas, porque estudos divulgados atualmente, na sua maioria, tendem à uniformidade, à visão funcional e a destituir os princípios questionadores das contradições inerentes às organizações.

1. Pensamento Crítico

A distinção fundamental a ser feita, quando se discorre sobre crítica, refere-se a seus vários sentidos. Quase sempre é entendida como adjetivo pejorativo que procura desqualificar, diminuir, prejudicar, ou seja, ação voltada para a destruição de uma opinião ou

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de uma idéia. Nesse sentido, faz-se necessária uma distinção entre as diferentes formas conceituais em que se manifesta. O conceito utilizado neste trabalho tem significado inverso ao emprego usual. Obrigatório, portanto, evidenciar seus limites, em termos de significado e de significância, fazendo-se uma distinção que deságua em suas diversas combinações, seja adjetivando outra palavra, ou aplicando-a em contexto específico. Esta análise não objetiva um estudo lingüístico ou gramatical do uso do termo “crítica”, embora se reconheça sua importância. Visando contribuir com a Teoria Crítica para o estudo das organizações, o foco do estudo dirigir-se-á para o plano da reflexão filosófica e das ciências sociais. No imaginário social, os pensamentos ou idéias que rompem com as racionalidades e as subjetividades comuns são tidos como ameaças. Castoriadis (1985), discorrendo sobre a constituição imaginária e sua transformação, ressalta a influência dos sentimentos e dos aspectos ligados às motivações inconscientes. As racionalidades, também influenciadas pelo inconsciente, constituem, de forma isolada, a engrenagem para as mudanças sociais. Assim, a crítica passa não só pela razão que possa justificá-la, mas também pela sua aceitação na convicção íntima da sociedade. Mesmo as melhores justificativas e explicações racionais não se mostram suficientes para convencer sobre a relevância e a coerência de uma crítica.

Não basta apresentar os limites de utilização da palavra crítica, para lhe conferir sentido, é necessário especificá-la como qualificativo, sendo relevante encontrar essas características: crítica destrutiva, crítica construtiva, crítica inteligente, crítica equivocada, crítica coerente, crítica radical, crítica persuasiva, crítica limitada.

Esses são apenas alguns exemplos das várias combinações possíveis com a palavra crítica. Cada uma delas se apresenta com entendimentos diferenciados, muitas vezes ligados à convicção íntima do intérprete, a uma hermenêutica. Dessa forma, essas várias interpretações oriundas de várias combinações, impõem delimitá-la.

Ser crítico, em muitas ocasiões, não pressupõe usar a razão, buscar a verdade, questionar a realidade, ir além do visível, mas constitui imperativos para qualificar o pensamento crítico.

Esse estudioso não representa uma teoria completa e definitiva; tampouco um denominado adjetivo para caracterizar indivíduos inconformados com a sociedade. Por não envolver os pressupostos singulares de cada pensador, difere-se da Teoria Crítica (desenvolvida, sobretudo, pelos teóricos da Escola de Frankfurt), que pretendia “denunciar a repressão e o controle social a partir da constatação de que uma sociedade sem exploração é a única alternativa para que se estabeleçam os fundamentos da justiça, da liberdade e da democracia” (FARIA, 2002, p. 1).

Outra característica da Teoria Crítica é a busca pelo entendimento das contradições da sociedade capitalista por meio da compreensão totalizante e dialética. A distinção, portanto, entre o pensamento crítico e a Teoria Crítica reside no fato de que o primeiro é a formulação de categorias analíticas presentes nos segundos.

O pensamento crítico, contudo, não se restringe às contribuições do Marxismo e da Escola de Frankfurt. Seja incorporando novas temáticas e novas formas metodológicas sem contudo perder a coerência epistemológica, o pensamento crítico tem a proposta de analisar assuntos novos ou já estudados sob a ótica da interdisciplinaridade. Configuram-se temas de interesse: questionamentos direcionados e condições materiais de existência; abordagem atual da existência do indivíduo; formas de produção e conseqüências delas decorrentes; papel do Estado; formas de controle social; elementos constitutivos da subjetividade individual e coletiva da sociedade e outros, assim como as formas de expressão humanas, ou seja, a lingüística, os símbolos e demais. Assim, o pensamento crítico é uma arqueologia de análise, denominada Economia Política do Poder (FARIA, 2002).

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Muitas vezes, por não servir ao senso comum ou à satisfação coletiva, o pensamento crítico pode ser classificado como radical por examinar a moral dominante, por interrogar as práticas sociais, por questionar as relações de poder instituídas na sociedade e nas organizações. Não sendo raro, portanto, rotular-se seus executores de radicais, de inconformados, ou de outros adjetivos geralmente utilizados mais com o intuito de desqualificar do que de classificar. Na atualidade, o discurso que recobre o pensamento único profere a existência de oportunidades de forma eqüitativa para todos os indivíduos, de forma que não haveria razão para crítica. Sem embargo, não é essa a realidade apresentada pelos organismos internacionais (ONU e o Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento - PNUD; OIT).

As condições de extrema miséria, em muitos países pobres, impossibilitam à maioria dos indivíduos o acesso à alimentação, à educação e às condições básicas de higiene e de infra-estrutura urbana e social, como saúde e emprego. Cabe ao pensamento crítico a denúncia de uma sociedade cada vez mais individualista, em que o centro do mundo deixa de ser a sociedade e passa a ser o homem. As dificuldades, que eventualmente um indivíduo possa ter superado, tornam-se justificativas para explicar os porquês da derrota dos que não se encaixam no imaginário social do que seja sucesso. Perde-se de vista que cada situação é praticamente única. Embora cada história de vida tenha suas particularidades, seus exemplos tendem à uniformização e as generalizações ganham espaços frente à vida coletiva. A concepção do pensamento radical passa, então, a ser vinculada à crítica do que já se acha incorporado e aceito socialmente. A inversão de valores e de formas de ver a realidade vai constituir a crítica radical não como a que pretende ir à raiz do fenômeno para entendê-lo, mas como a forma inflexível e “mal-humorada” de olhar o real. Diante da aceitação da miséria, da injustiça ou da violência, praticada em alguns países, regiões ou organizações, a anatomia do pensamento radical crítico deve ser formada pela intolerância e pela legitimação da justiça social e da democracia.

O pensamento radical, contudo, não deve ser confundido com radicalismo, pois se fundamenta na busca incessante das contradições sociais, ou seja, procura identificar o contraditório nas ações individuais e coletivas de uma sociedade. O seu objetivo essencial compreende os questionamentos da ordem vigente e da história. A realidade aparente passa a ser questionada e torna-se objeto de investigação. O pensamento radical é conceituado dessa forma, porque nem sempre é aceito como “normal”. Uma de suas características é procurar respostas para os fatos deixando que as superstições e as formas místicas não se transformem nas racionalidades predominantes, embora sejam partes importantes da análise pelo que podem revelar.

O pensamento radical diferencia-se do radicalismo, porque, na busca incessante do esclarecimento, pretende garantir que as contradições transformem a realidade e que as teorias se proponham a explicá-la. Dessa forma, o pensamento radical é amparado pelas teorias científicas, mas não as dogmatiza. A diferença elementar do radicalismo e do pensamento radical encontra-se no que é entendido por razão, sendo a que justifica determinadas atitudes humanas mais bem aceita em algumas situações do que em outras. A razão, amplamente defendida como o guia condutor das ações humanas, sempre foi repleta de questionamentos filosóficos. HORKHEIMER (2000), em “Eclipse da Razão”, afirma que a razão não consegue mais guiar os homens na direção da emancipação. A racionalidade instrumental, que tende a ser totalitária na sociedade tecnológica, passa a ser dominante, impregnando todas as dimensões da vida social.

Assim, o utilitarismo e a racionalidade instrumental passam a ser mediadores, inclusive, das relações sociais. As ações baseadas no cálculo utilitário de conseqüências perpetuam-se nas relações entre indivíduos. O progresso tecnológico institui a racionalidade técnica como a predominante, de tal forma que a sociedade, ao mesmo tempo em que admira

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os avanços nas áreas de desenvolvimento de alimentos geneticamente modificados, tolera o fato de um terço da população mundial padecer de fome. Ao tempo em que saúda os novos modelos de veículos, tolera o desalojamento de ocupações nas montadoras. Qualquer forma de barbárie implica subversão da razão. Outro elemento constitutivo do pensamento crítico é o humanismo. A Revolução Iluminista coloca o homem no centro das discussões. A crença de que ele é um bom selvagem e de que a ciência pode ajudá-lo a dominar a natureza transforma as concepções morais da época. A nova organização das relações de produção é a engrenagem para as mudanças ocorridas. A partir desse contexto histórico, as ciências passam a subsumir a lógica do capital. O conhecimento passa a ser balizado pelo interesse (HABERMAS, 1982) e a ciência torna-se ela própria ideologia (HABERMAS, 1997). Os avanços científicos, que deveriam atender a todos, passam a atender a poucos, mais especificamente, àqueles que podem pagar pelos novos conhecimentos. Assim, o humanismo cede lugar aos atos humanistas. Enquanto o primeiro significa a supremacia do social sobre as esferas econômicas, políticas e ideológicas, os outros (atos) são marcados por procurarem remediar as disparidades decorrentes das atitudes em que o econômico, o político e o ideológico servem a poucos. O humanismo é um objetivo a ser perseguido. Mesmo que em cada época isso tenha sido feito, as condições materiais e as limitações humanas impossibilitaram sua concretização. Embora sabendo que o atual contexto histórico limita a concepção e a consciência da necessidade de persegui-lo, somente a busca e a reformulação constante da concepção de humanismo pode levar à sua consolidação.

O pensamento crítico, nesse sentido, procura emancipar os indivíduos e promover a conscientização crescente da necessidade de uma sociedade cada vez mais humanizada, em que os interesses coletivos prevaleçam sobre os individuais, em que os homens sejam os donos do próprio destino, escrevendo coletivamente a história. Pensar criticamente é questionar se os atos individuais ou de grupos organizados na sociedade são meras atitudes remediadoras. É indagar-se sobre os atos humanos e se essas atitudes têm como objetivo atender a interesses de grupos específicos.

Assim sendo, o pensamento crítico é condição essencial para uma sociedade mais humana, detentora da própria história e consciente das suas responsabilidades e das atribuições coletivas. Por outro lado, o humanismo é a consolidação do pensamento crítico. É a situação social que legitima a consolidação da consciência coletiva, voltada para a emancipação dos homens e para uma sociedade justa. Destarte, a relação entre humanismo e pensamento crítico é dialética, de transformação constante das essências que governam a vida cotidiana. Em suma, o pensamento crítico compõe-se do pensamento radical, do uso da razão e do humanismo. Ele não pode ser tido como regras a serem seguidas e, tampouco, se vale de esquemas rígidos e imutáveis. Sua característica fundamental é ser questionador da ordem existente, procurando entender a realidade, mas, sobretudo, modificá-la em benefício do coletivo. Apresenta-se na fundamentação do materialismo histórico, em que as ordens existentes são as análises dialéticas sobre determinados fatos e acontecimentos. Não pode ser entendido como simples teorias, pois procura questioná-las e mudá-las, quando percebe suas ineficácias e suas limitações. Para compreender melhor o pensamento crítico, é necessário entender os elementos constitutivos da sua arqueologia.

2. Arqueologia do Pensamento Crítico Afirmar que o pensamento crítico é fruto arqueológico é aceitar que a constituição do conhecimento está em constante transformação. A cada novo tema a ser estudado, os fatos apresentam características singulares e merecem ser analisados caso a caso. Todavia, isto não

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implica afirmar que não possam ser aplicados métodos epistemológicos ou conhecimentos teóricos específicos para tentar compreender a realidade que envolve tal acontecimento. Por esse motivo, confirma-se a necessidade de apresentar categorias analíticas que caracterizam o pensamento crítico. Dentre eles, destacam-se:

a. Entender as Contradições Existentes: Os fatos se transformam, mas as aparências nem sempre denunciam as mudanças da essência. Cada contexto histórico apresenta ou esconde o que há por trás de determinadas ações humanas, organizações econômicas, políticas ou sociais. Uma realidade nega-se com o passar do tempo e mesmo as teorias são insuficientes para explicar determinados contextos ou situações. A história encarrega-se de corroborar ou questionar sua validade. É possível, portanto, compreender que as contradições são conseqüências naturais de uma sociedade que se constrói e se destrói, não à deriva, mas conforme as condições materiais de existência e, conseqüentemente, das suas relações de produção. Entender as contradições não é tarefa fácil e nem sempre é possível identificá-las de imediato. Às vezes, somente após algum tempo, evidenciam-se as contradições que levaram uma determinada realidade social a se modificar. Em uma organização, por exemplo, o que parece ser a chance de se sobressair diante da competição com outros trabalhadores, torna-se o próprio mecanismo que irá intensificar sua exploração. Um trabalhador que demonstra competência, qualidade e agilidade para executar determinadas atividades em menor tempo, não só será cobrado em outras tarefas com as mesmas qualificações com que executou a primeira, mas também servirá de modelo para os demais, como já se sabe desde o taylorismo.

b. Identificar a Ideologia Dominante: A ideologia torna parcial a consciência dos indivíduos em relação ao todo social. Além disso, a deformação imaginária da realidade é outro elemento que caracteriza a ideologia como fragmentadora da compreensão da totalidade. A consciência dos indivíduos enxerga uma outra realidade não correspondente ao fato real. O conjunto das representações de determinada realidade, na maioria das vezes, beneficia alguns grupos ou classes. As ideologias quase sempre são conseqüência natural de uma “prisão” social que impossibilita o conjunto dos indivíduos compreender a própria existência histórica. Nas organizações capitalistas, a participação nos lucros da empresa, as premiações por produtividade, os bônus de final de ano, os presentes e brindes por empenho e dedicação à empresa são formas de induzir ainda mais os indivíduos a trabalhar. Os trabalhadores vendem sua força de trabalho por um valor inferior ao realmente devido , de forma que, se a oferta de prêmios, benefícios e outros mascara a relação de exploração, ao mesmo tempo os discursos ideológicos devem ser eficientes para destituir dos trabalhadores a consciência necessária para enxergar tal realidade. As revistas, as normas de condutas das empresas, os jornais, são, entre outros, disseminadores da postura que a organização tenta instituir para manter essa relação.

c. Questionar as Racionalidades Dominantes: As racionalizações são capazes de convencer de que práticas exploradoras, opressivas e preconceituosas sejam praticadas quase que livremente. Na relação de trabalho, por exemplo, os trabalhadores são explorados e aceitam essa situação passivamente, reproduzindo-a, muitas vezes. A distribuição disforme dos lucros intensifica as diferenças sociais e, quase que naturalmente, os próprios explorados as justificam afirmando que os privilegiados “têm mais estudo”, “são predestinados”, “têm sorte”. As racionalidades são criadas para legitimar as idéias e valores morais dos pequenos grupos que tentam manter seus privilégios. Para isso, necessitam mascarar a realidade e diminuir as racionalidades que venham a colocar em risco as relações de poder. Como estratégia para demonstrar “mudanças” na forma de pensar e de ver a realidade, novas racionalidades são criadas para substituir as que estão se tornando ineficientes na manutenção da estrutura de controle. A força de legitimidade de uma racionalidade não requer somente o uso da razão. As correspondências emocionais, individuais ou coletivas, devem ser recíprocas.

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A racionalidade tecnológica é outra forma que tenta se impor de forma totalitária. No entanto, o discurso do progresso através da técnica não pode ser aceito sem questionamentos. É fato que os avanços decorrentes da associação da ciência com a técnica trazem benefícios para a humanidade, ainda que as contradições dessa associação sejam visíveis nas diferenças econômicas e sociais daqueles atingidos diretamente por tais avanços.

d. Analisar o contexto social-histórico: Cada contexto implica um conjunto de elementos singulares à sua época: condições materiais, graus de consciência distintos, conhecimentos específicos sobre determinados assuntos, concepções morais diferenciadas e outros. Nesse sentido, não é possível entender o desenvolvimento de um determinado fato social sem entender sua trajetória histórica. Os fatos modificam-se e são modificados de acordo com o conhecimento e a consciência daqueles que se propõem a entendê-lo. Assim, um mesmo fato histórico pode ser entendido de diversas formas, de acordo com as informações que se tem sobre o fato e as técnicas científicas que possam ajudar a desvendá-lo. Novas teorias, muitas delas embasadas em comprovações científicas, surgirão e formarão um conjunto de racionalidades que tentará justificar o porquê de sua aceitação. O grau de consciência e de entendimento sobre os fatos também se transforma, promovendo, assim, novos questionamentos sobre a validade das teorias aceitas. Entender de que forma se modificam as teorias que explicam determinados fatos é condição fundamental para que novas explicações não engendrem erros e equívocos das anteriores.

e. Proporcionar a Emancipação: Segundo as contribuições de Marx, entende-se por emancipação a busca incessante da autonomia do indivíduo e da sociedade, alimentada na capacidade de criar a própria história, desempenhando papel ativo sobre os problemas relevantes de interesse coletivo. Uma sociedade emancipada é, antes de tudo, consciente da sua existência. Assim, a emancipação é o oposto da alienação, da reificação, da opressão social, da dominação do homem pelo homem, da prevalência dos interesses individuais em detrimento dos coletivos. Promover a emancipação é uma tarefa que visa identificar as ilusões que aprisionam os indivíduos no pensamento supersticioso, inerte, preconceituoso, ideológico, ou seja, de todos os elementos que tornam os homens escravos das suas ambições ou das formas de opressão. Para tal feito, a necessidade de ir além do visível é atributo óbvio e para isso o conhecimento científico pode colaborar. Emancipar é, antes de tudo, esclarecer (ADORNO, HORKHEIMER, 1985), isto é, proporcionar aos indivíduos os elementos necessários para compor o pensamento racional. Para isso, entretanto, a razão deve ser questionada (HORKHEIMER, 2000), a fim de que não se constitua um instrumento de manipulação e ilusão. Assim, a razão que promove o esclarecimento é a engrenagem para romper os limites do conhecimento existente.

f. Promover a Conscientização Individual e Coletiva: Ter consciência é estar ciente de si mesmo, das próprias percepções, sentimentos, emoções. DAMÁSIO (2000) afirma que a constituição da consciência individual não se dá somente pela razão. Os sentimentos e as emoções que “amparam” o agir a partir da razão são fundamentais para dar sustentação à consciência que o indivíduo tem de si e dos outros. Compreender a realidade é outro fator preponderante. Os limites da compreensão estão relacionados à capacidade dos indivíduos ou de uma coletividade de se autoconhecerem. Como os indivíduos não podem compreender por total sua realidade, a via para melhor compreendê-la passa a ser um esforço coletivo. A soma das capacidades, aliada ao debate democrático e à abertura ao diálogo, incrementam os esforços para a compreensão da realidade. Na atualidade, com o advento do individualismo, a satisfação dos indivíduos está embasada na aquisição material (FROMM, 1979). As relações impessoais dos homens são influenciadas por comportamentos utilitaristas e individualistas. A relação que os indivíduos desenvolvem com os objetos materiais incorpora graus de instrumentalização que, invariavelmente, são transportados para as relações pessoais. A alienação no trabalho, em que os indivíduos são limitados na sua capacidade criativa e são

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diminuídos a “engrenagens” do sistema, é outro elemento encontrado na atualidade. Assim, o indivíduo é instrumentalizado na sua existência. Sua consciência é parcial e constitui-se, basicamente, na satisfação através da aquisição das posses materiais. A consciência individual fragmentada impossibilita o advento da consciência coletiva emancipada. Em termos gerais, a consciência plena, seja no plano individual ou coletivo, não deixa de ser objetivo utópico, mas, inegavelmente, deve ser perseguido. Dessa forma, fica coerente falar em conscientização, ou seja, em contínuo processo histórico. A consolidação de indivíduo e sociedade conscientes da sua realidade e da sua existência só é possível com abertura de espaços democráticos de discussão. Hoje, todavia, com a atual estrutura econômica e social, que tende a privilegiar os interesses individuais e privados, essa realidade parece estar bem distante. As categorias apresentadas não são únicas e nem excludentes. Dentro da perspectiva histórica de análise, os enlaces possíveis entre elas favorecem melhor compreensão dos fatos. Pesquisas científicas e ensaios teóricos que englobam essas categorias podem ser caracterizados dentro do pensamento crítico. Essas indicações referem-se a críticas que procuram romper com o controle social, a violência, a opressão, a dominação, a exploração, ao totalitarismo, ao autoritarismo e tantos outros temas que tornam os homens escravos de outros homens e de si mesmos.

3. Teóricos do Pensamento Crítico

Pela sua importância, foram analisadas as contribuições de Korsch, Bloch e Lukács.

3.1. Marxismo Ocidental Na sua obra “Marxismo e Filosofia” (KORSCH, 1977), Karl Korsch rejeita todas as

formas ideológicas e práticas de opressão. Sua preocupação centra-se na essência da dialética materialista para entender a realidade e fazer as relações da transformação social.

Para entendê-la, portanto, é importante compreender o papel da ideologia. Korsch defende que “o materialismo histórico não é método científico, e sim método empírico científico”. Com essa afirmação, ele é capaz de “formular uma crítica do marxismo no interior da estrutura teórica do próprio marxismo” (BRONNER, 1997, p. 25).

Sua contribuição teórica é balizada por sua experiência política na Alemanha. A práxis, portanto, é um dos fundamentos que norteiam seus escritos. Korsch conserva certos elementos idealistas e materialistas, apesar da sua defesa da dialética materialista. Críticas à metafísica e ao positivismo o qualificam como precursor da Teoria Crítica da Sociedade, guia condutor do pensamento frankfurtiano. Seu pensamento caracteriza-se, ainda, pela natureza “revolucionária”, isto é, pela procura da crítica, da interdisciplinaridade e dos valores marxistas como direção para a análise social.

A dificuldade de encontrar disponíveis trabalhos de Ernest Bloch remete os interessados nas suas contribuições a procurar obras de autores que façam análises da sua trajetória. Dentre os que se destacam, estão: “Ernest Bloch: filosofia da práxis e utopia concreta” de MÜSTER (1993) e “Da teoria crítica e seus teóricos” de BRONNER (1997).

Os eixos temáticos dos seus escritos referem-se à esperança e à utopia concreta. A esperança, segundo Bloch, não é oposta ao medo, mas sim um fenômeno que consegue antecipar um futuro melhor. A “utopia concreta é um topos da atividade humana orientada para o futuro, um topos da consciência antecipadora e a força ativa dos sonhos diurnos” MÜSTER (1993, p. 25). Assim, a esperança é elemento fundamental para entender o futuro que se cria guiado pela utopia concreta. O autor demonstra em todas as obras a vontade de “uma vida melhor” e de uma sociedade que consiga direcionar seus esforços para a construção do próprio destino. Suas obras não devem ser entendidas como exercício de futurologia, pois o autor afirma a necessidade de entender o processo histórico até um futuro

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provável através do entendimento das transformações materiais da história. Por isso, para que a utopia concreta se realize, a igualdade material é condição essencial. Outro fator fundamental é a instituição de condições de ascensão da capacidade crítica e reflexiva da sociedade.

A crítica mais comum às obras de Bloch é a de que o autor nunca se desvencilhou de um certo idealismo. Por mais que ele fale de utopia concreta e das formas para se chegar a ela através do materialismo, suas idéias são tidas como manifestações políticas motivadas por idealizações. Todavia, conforme BRONNER (1997), as idéias de Ernest Bloch são carregadas de esperança e de senso crítico. Seu pensamento, portanto, jamais deixará de ser original e diferenciado.

Gyëorgy Lukács é considerado, por muitos, um dos marxistas mais autênticos sem contudo distorcer ou fugir dos conceitos originários de Marx. Sua obra mais famosa, “História e consciência de classe” (LUKÁCS, 1989), é constantemente discutida entre os intelectuais da filosofia e das ciências sociais. Apesar dessa disposição em discutir os assuntos centrais dessa obra (reificação, alienação, totalidade e outros) poucos são os que compreendem a mensagem contida nesse clássico do marxismo. Essa limitação se deve menos por impossibilidade de interpretação do que está escrito objetivamente, do que pela falta de compreensão do vínculo que Lukács tem com os conceitos originais de Marx. Mantendo-se fiel às idéias marxistas, nenhum outro conseguiu fazer com tanta propriedade a leitura sobre os conceitos de alienação, reificação e da relação entre ambos.

Sua contribuição, dessa forma, caminha entre a compreensão do indivíduo dentro de uma totalidade e das classes sociais, mais especificamente a do proletariado, com as transformações históricas. Lukács afirma que uma sociedade e, conseqüentemente, todas suas propriedades, deve ser estudada dentro de uma totalidade, pois a aparência só confessa sua essência quando dentro da totalidade.

“História e consciência de classe” rendeu a Lukács uma série de críticas. Dentre as mais freqüentes, destaca-se a denúncia de que ele subestimou o papel da ideologia em “corromper” os indivíduos dentro da própria estrutura da sua classe social. Mesmo coesa, uma classe social isola-se nos seus preceitos. A ideologia, silenciosamente e através dos mecanismos rebuscados, é capaz de seduzir os indivíduos, destituindo-os da convicção dos ideais que regem a classe em detrimento das realizações das ambições individuais. De certa forma, a crítica é pertinente, entretanto, Lukács fala da classe social com indivíduos suficientemente emancipados, ou seja, preparados a superar as “armadilhas” da sedução ideológica.

Outra obra de Lukács que merece destaque é “O assalto da razão” (LUKÁCS, 1959). Revisando atentamente Schelling, Schopenhauer, Nietzsche, Dilthey, Simmel, Max Weber, Spengler, Scheler, Heidegger e Jaspers, Lukács afirma que tais pensadores destruíram a razão dialética, equiparando, assim, intelecto e conhecimento e transformando a razão crítica em irracionalidades suficientemente “racionais” para o entendimento das massas. Toda essa destruição da razão teria levado à aceitação da ascensão do pensamento nazista. A afirmação de Lukács é um tanto “forte”, principalmente por soar como condenação direta. Contudo, o que Lukács pretende é chamar a atenção para os possíveis desastres decorrentes da anuência de princípios questionadores da realidade. A omissão e a pacificação em relação às bases filosóficas de um entendimento sobre a realidade é uma postura de submissão àqueles que procuram, de todas as formas, escrever sua história incorporando o outro apenas como coadjuvante.

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Quadro 1 – Contribuições Teóricas dos Pensadores do Marxismo Ocidental e Principais Obras Autor Temas Abordados Principais Obras

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h 1. Práxis teórica, marxismo como teoria crítica, ideologia, historicismo, dialética marxista, alienação e fetichismo da mercadoria.

1. Marxismo e filosofia.

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ch 1. Filosofia da esperança, futuro.

2. Utopia concreta, perspectivas do futuro, materialismo histórico.

1. O espírito da esperança. 2. Espírito da utopia.

Gyë

orgy

Luk

ács 1. “Idealismo subjetivo”, estética, realidade, fenomenologia.

2. Reificação, alienação, fetichismo da mercadoria, práxis social, totalidade, relação sujeito-objeto, consciência, classe social.

3. Democracia, filosofia burguesa, fenomenologia, existencialismo, marxismo.

4. Totalitarismo, origens intelectuais do fascismo, irracionalismo, ideologia, destruição da razão.

1. A alma e as formas. 2. História e consciência de

classe. 3. Existencialismo ou marxismo? 4. A destruição da razão.

Os teóricos do Marxismo Ocidental foram de extrema importância para os integrantes da Escola de Frankfurt. Sem suas contribuições, a Teoria Crítica da Sociedade não seria tão “crítica”. As bases epistemológicas e as fundamentações filosóficas permitiram a continuidade e, posteriormente, o aprofundamento de temas relevantes para a sociedade.

3.2. A Escola de Frankfurt O Instituto de Pesquisa Social (Institut für Sozialforschung) norteia a ascensão da chamada Escola de Frankfurt. Entre os seus integrantes destacaram-se Horkheimer, Adorno, Marcuse, Erich Fromm e Habermas. Este último tem sua inclusão questionada por se distanciar dos pressupostos marxistas, senso comum entre todos. Várias são as bibliografias que referenciam os acontecimentos históricos da Escola, bem como de seus integrantes: “A Escola de Frankfurt” de ASSOUN (1991), “Da Teoria Crítica e seus Teóricos” de BRONNER (1997), “Teoria Crítica de la Sociedad” de RUSCONI (1969) e “A Escola de Frankfurt: história, desenvolvimento teórico, significação política” de WIGGERSHAUS (2002), são exemplos de literaturas sobre o tema. Apesar de Karl Grünberg ter sido o primeiro diretor do Instituto de Pesquisa Social, é com Max Horkheimer que as nuances da Teoria Crítica ganham contornos. No texto “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” de HORKHEIMER (1991), originalmente de 1937, o autor analisa a concepção da ciência resultante do longo processo de desenvolvimento que remonta o “Discurso do Método” de Descartes. O marxismo, fundamento da Teoria Crítica da Sociedade, em contrapartida, não tem a pretensão de qualquer tipo de visão concludente da totalidade, preocupando-se, assim, com o concreto do pensamento. Esse primeiro texto direciona todos os demais produzidos por Horkheimer. Para ele, o capitalismo tende a ser tão totalitário quanto o regime nazista e o fascista. O processo de exclusão, dominação, exploração e violência tenderiam a avançar na medida em que o regime econômico capitalista tenderia a se impor. Grande parte da sua crítica encontra-se no “Eclipse da Razão” (HORKHEIMER, 2000). O lucro e o planejamento geram repressão. A autonomia dos indivíduos está comprometida frente à tendência uniformizante que a racionalidade instrumental tenta instituir em todas as esferas da vida humana. A razão, nesse processo, rende-se às deformações ideológicas de um sistema de produção que se inclina para alienar, cada vez mais, os indivíduos, tornando-os reificados. Assim, as idéias se tornam automáticas, instrumentalizadas, previsíveis. A tendência da racionalidade instrumental efetiva-se como a dominante, fazendo com que o autor questione o sentido de progresso. Este, proveniente da técnica, beneficia o homem ao mesmo tempo em que o aprisiona no próprio controle.

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“A redução da razão a um mero instrumento afeta finalmente até mesmo o seu caráter como instrumento” (HORKHEIMER, 2000, p. 61). As conseqüências desse fato levam os indivíduos a reduzirem seu poder de reflexão, fazendo-os interiorizar as formas de controles sociais, a aceitar a perda da autonomia, tornando-os mais pacíficos ante o “discurso racional” que sustenta as barbáries. Como solução a esses conflitos, a filosofia seria a principal via de denúncia à tentativa da racionalidade instrumental em se impor nas ciências sociais. Portanto, sua trajetória é marcada pela forma como critica o sistema dominante e os equívocos do uso da razão. Horkheimer teve a seu lado, durante grande parte da sua vida intelectual, a colaboração de Theodor W. Adorno. Considerado por muitos o intelectual mais brilhante e excêntrico da Escola, o pensamento de Adorno é considerado de difícil acesso. Por esse motivo, grande parte da sua obra continua inacessível para a maioria. Adorno e Horkheimer (1985) escreveram juntos um livro que é considerado polêmico e, ao mesmo tempo, admirado: “Dialética do Esclarecimento”. Nesse estudo, os autores afirmam que o Projeto Iluminista, que visava libertar os homens da superstição e da ignorância, não conseguiu cumprir sua meta. Influenciados pelo período de perseguição nazista, sobretudo por serem judeus, ambos afirmam que a sociedade caminha para a desumanização e que, parte desse fato, é conseqüência da Revolução Iluminista, que incentivava a incorporação da racionalidade instrumental em todas as instâncias da vida social. Os autores afirmam que a cultura passa a ser incorporada dentro da lógica do capital, fazendo parte, assim, da indústria cultural. Os meios de comunicação e toda sua dominação sobre a sociedade subsumem-se aos interesses dominantes, disseminando a ideologia que estancaria as relações de poder de acordo com os interesses dos detentores do capital. Outro livro, de ambos os autores, “Temas Básicos da Sociologia” (HORKHEIMER; ADORNO, 1956), dá continuidade à mesma linha de raciocínio, abordando temas fundamentais da sociologia: sociedade, indivíduo, grupo, massa, cultura e civilização, família, preconceito e ideologia. Para compreender o pensamento de Adorno é necessário, antes, entender sua obra “Dialética Negativa” (ADORNO, 1973). Fazendo uma análise da “Fenomenologia do Espírito” de Hegel, Adorno afirma que a dialética deve ser rejeitada como sistema. Essa conclusão baseia-se no fato de que o filósofo, ou qualquer outro indivíduo, não tem capacidade de, através da força do pensamento, captar a totalidade do real (ADORNO, 1991). Assim, a dialética negativa não é dialética idealista, mas sim dialética materialista. Isto implica aceitar que o concreto existe independente do pensamento. A capacidade de captá-lo e interpretá-lo está sujeita às limitações dos indivíduos. Questionar é a palavra de ordem, mas visando fugir das ilusões do pensamento idealista. A Dialética Negativa rendeu-lhe elogios e escritos que procuram elucidar o seu pensamento, dos quais se destacam dois: “O Marxismo Tardio: Adorno, ou a persistência da dialética” de JAMENSON (1997) e “A Dialética Negativa de Theodor W. Adorno”, de NOBRE (1998). Adorno sempre esteve preocupado com a emancipação da sociedade. Por isso, grande parte dos seus questionamentos é direcionada ao papel das ciências na atualidade. “Atualmente a ciência se converteu para seus adeptos em uma nova forma de heteronomia, de um modo que chega provocar arrepios. As pessoas acreditam estar salvas quando se orientam conforme regras científicas, obedecendo a um ritual científico, se cercam de ciência. A aprovação científica converte-se em substituto da reflexão intelectual do factual, de que a ciência deveria se constituir. (...) A consciência coisificada coloca a ciência como procedimento entre si própria e a experiência viva” (ADORNO, 2000, p. 70). Em “Prismas: crítica cultural e sociedade”, Adorno (1998) dá seqüência aos questionamentos aos métodos científicos empiristas e positivistas. Segundo o autor, a força do pensamento crítico e reflexivo não deixa os indivíduos se enclausurarem nos limites rígidos das disciplinas

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acadêmicas e do puro cientificismo. Analisando a cultura e as posturas da sociedade por esse meio, é possível evitar que a consciência se torne ainda mais reificada e fragmentada. Essas reflexões de Adorno têm dois objetivos: questionar o sentido de razão e refletir sobre o conceito de progresso. O primeiro é um tema que se perpetua ao longo das obras do autor. O segundo é conseqüência do primeiro e ganha destaque no livro “Palavras e sinais: modelos críticos 2”. Para Adorno, “a fetichização do progresso fortalece o particularismo deste, sua limitação às técnicas. Se o progresso realmente se adonasse da totalidade, cujo conceito leva a marca de sua violência, já não seria totalitário. O progresso não é uma categoria conclusiva” (ADORNO, 1995, p. 61). Assim, o progresso é sempre um meio, que deve ser utilizado para beneficiar os indivíduos indistintamente, sem promover a destruição da natureza e sem ser utilizá-la como arma contra o próprio homem. O progresso não deve ser tido como conseqüência do avanço da racionalidade instrumental. É certo que a sociedade se beneficia das ciências que dela se guiam; todavia, sua totalização, incluindo as ciências sociais e a filosofia, é condição para a destruição da razão crítica e reflexiva. Herbert Marcuse, outro teórico da Escola de Frankfurt, é o pensador que, juntamente com Fromm, mais aproxima as teorias de Freud às de Marx. Suas temáticas de estudos estão relacionadas aos conteúdos de alguns elementos constitutivos da sociedade unidimensional, a saber: a repressão social, o aniquilamento do pensamento de protesto, a tolerância repressiva, a introjeção das normas sociais, as formas de controle, a supressão do individualismo, a alienação, o instrumentalização do homem, a incorporação da competição, a relação entre ciência e interesse, o advento das necessidades falsas e a perda da autonomia (FARIA; MENEGHETTI, 2002). Partindo do pressuposto de que a sociedade é produto da repressão dos instintos dos indivíduos, toda sua análise teórica fundamenta-se na contribuição de Freud sobre o tema. Em “Eros e Civilização” (1975), Marcuse procura mostrar que as teorias psíquicas, junto às contribuições de Marx, conseguem demonstrar explicações convincentes sobre a origem e a evolução da sociedade. Assim, toda análise marcuseana é focada na relação entre indivíduo e contexto social. Em “O homem unidimensional” (MARCUSE, 1999), ao analisar os diversos aspectos da sociedade americana, isto porque permaneceu exilado nos Estados Unidos no período de perseguição nazista, Marcuse descobre uma sociedade repressiva, que promove a perda da autonomia dos indivíduos em detrimento, principalmente, da criação de necessidades falsas – o consumismo, por exemplo. A reflexão central dessa obra gira em torno da perda da capacidade da sociedade em gerar pensamento independente frente à dominação ideológica que o capitalismo impõe à sociedade industrial. Na sociedade unidimensional, o homem perdeu a dimensão da autonomia, da personalidade e do humanismo. Dessa forma, com a perda do pensamento crítico, os indivíduos submetem-se mais facilmente às formas de controle sociais e às falsas necessidades. Apesar do tom pessimista, Marcuse entende que se o homem é reprimido, é, também, profundamente livre para imaginar e pensar. Grande parte desse otimismo fica visível na sua obra intitulada “O final da utopia” (MARCUSE, 1986). Nesse livro, o autor afirma que é possível eliminar, tecnicamente, a opressão e a miséria. O único obstáculo para esse acontecimento é a organização sociopolítica do mundo.

Erich Fromm também tenta combinar as obras de Freud e de Marx, de forma que suas obras são marcadas por duas fases: a de influência da teoria marxista e a da teoria freudiana. Grande parte dessa dicotomia deve-se ao fato do rompimento de Fromm com a Escola de Frankfurt. Divergências de objetivos e opiniões, principalmente com Horkheimer, afastaram-no da escola. Após sua fase de inspiração marxista, Fromm dirige seus estudos para nova fase, caracterizada por certa abordagem metafísica.

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Entre as obras de destaque de Fromm estão: “Conceito Marxista do Homem” (FROMM, 1967), “A revolução da esperança” (FROMM, 1978), “Psicanálise da Sociedade Contemporânea” (FROMM, 1979) e “Análise do Homem” (FROMM, 1980). Na primeira, Fromm faz um resgate dos conceitos de Marx no que se refere à alienação, à desumanização e à automatização dos homens. O autor afirma que Marx negligenciou o valor do indivíduo, deixando de compreender suas necessidades espirituais. No intuito de contribuir com essa perspectiva, Fromm discorre sobre a natureza humana, procurando relacionar a transformação histórica da sociedade com as transformações intrínsecas e subjetivas de cada indivíduo. A crítica a Marx, em relação à não abordagem dos aspectos psicológicos dos indivíduos dentro do processo histórico, é correta, embora Marx nunca tenha se proposto a fazer tal estudo. Em “A revolução da esperança”, Fromm ressalta a necessidade de humanizar a sociedade tecnológica. Para sustentar a possibilidade de humanização, ele afirma que o consumo humanizado, as mudanças de valores e normas voltados para uma sociedade mais justa seriam condições fundamentais para a nova sociedade. Nesse livro, por trás das palavras, o autor resgata uma concepção romântica do homem, isto é, de que ele é bom por natureza. Apesar disso, as críticas à atual forma como a sociedade disponibiliza seus avanços tecnológicos são pertinentes, ressaltando-se a tentativa de Fromm em propor uma saída para as desigualdades que afligem a sociedade como um todo. Na “Psicanálise da sociedade contemporânea”, Fromm passa a entender o sentido de humanização de uma forma menos idealizada. Nesse livro, a ajuda da psicanálise para compreender os indivíduos dentro do processo histórico passa a estar mais presente. Sua preocupação é apresentar as responsabilidades do homem moderno diante das transformações históricas. Entendendo ser a produção econômica, e não o aprimoramento humano, a motivação da sociedade, cada vez mais os indivíduos apresentam-se alienados e potenciais “doentes”. A preocupação do autor, portanto, centra-se na saúde mental dos indivíduos e das possíveis psicopatologias que o atual sistema de produção gera. Na obra “Análise do homem”, Fromm, analisando a natureza e o caráter dos indivíduos, procura apresentar os problemas da ética humanista e as possíveis soluções para uma convivência mais harmônica entre os indivíduos. Apesar de algumas dificuldades de Fromm em relação à sua compreensão da teoria de Marx e de sua capacidade de fazer Marx conversar com Freud, sua contribuição para o entendimento e formulação de uma ética humanista sem, contudo, cair no equívoco de tentar impor a imagem do indivíduo ideal, é de extrema importância. As propostas conceituais de Fromm para entender os indivíduos, na sua singularidade, ante um sistema econômico que tende a instrumentalizá-los, são caminhos que necessitam ser percorridos para que se possa construir o ser esclarecido e emancipado. Habermas, considerado por muitos como o herdeiro da Escola de Frankfurt, tem uma trajetória que se distingue das demais. Vivendo a maior parte da sua vida adulta no período pós-guerra, suas contribuições teóricas parecem não conter a mesma intensidade crítica dos antecessores. Seu papel de crítico dos críticos é justificável. Na obrigação de propor uma “solução” – representada pela “Teoria da ação comunicativa” (HABERMAS, 2001) - aos problemas apresentados pelos antecessores, sobretudo às idéias de Horkheimer, Adorno e Marcuse, Habermas procura enfrentar as expectativas geradas pelos primeiros integrantes da Escola de Frankfurt. Naturalmente, suas idéias são parte de suas convicções íntimas; entretanto, as obras que expressam mais fielmente os pressupostos do marxismo, garantem-no como herdeiro da escola. Uma dessas obras é “Técnica e ciência como ‘ideologia’” (HABERMAS, 1997). Nesse livro, Habermas faz críticas à racionalidade e à forma como ela é utilizada para dominação do homem pelo homem. Nesse sentido, a razão, quando utilizada na direção

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oposta à emancipação dos indivíduos, é ideologia, isto é, serve para atender aos interesses dominantes. Outra obra de Habermas que atende aos pressupostos da Teoria Crítica da Sociedade é “Conhecimento e interesse” (HABERMAS, 1982). Opondo-se ao cientificismo positivista, o autor confirma a especificidade das ciências sociais. A relação entre conhecimento e interesse é o fio condutor do avanço cientifico. O conhecimento universal é conseqüência dos interesses comuns da espécie humana. Todavia, tais interesses nem sempre se apresentam como resultado do diálogo democrático. A ideologia, que destitui os indivíduos de uma posição mais crítica, distorce o que é o melhor para o coletivo. Habermas, assim como os demais teóricos, contribui para o incremento da Teoria Crítica da Sociedade. Contudo, é sempre importante salientar que suas obras não são todas caracterizadas dentro dos pressupostos que caracterizaram a Escola de Frankfurt no seu período inicial. Cada integrante tem suas características singulares, sendo, apesar delas, possível identificar eixos temáticos comuns e contribuições de autores que guiam, tanto epistemológica como metodologicamente, as análises feitas sobre temas específicos de sua época. Para melhor distinção das contribuições de cada teórico, o Quadro 2 apresenta o autor, os temas abordados e as principais obras, que se caracterizam pelos pressupostos do pensamento crítico.

Quadro 2 – Contribuições Teóricas dos Pensadores da Escola de Frankfurt e Principais Obras Autor Temas Abordados Principais Obras

Max

Hor

khei

mer

1. Conceito de Teoria Crítica, crítica ao positivismo e ao totalitarismo.

2. Materialismo, autoridade, racionalismo na filosofia, ciências sociais.

3. Subversão da razão, perda da autonomia do indivíduo, progresso, dominação.

4. Conhecimento, ideologia e utopia. 5. Esclarecimento, Indústria Cultural, Anti-Semitismo, preconceito,

crítica ao capitalismo, totalitarismo. 6. Crítica ao Iluminismo e à razão instrumental.

1. Teoria tradicional e teoria crítica.2. Max Horkheimer: teoria crítica I. 3. Eclipse da razão. 4. Origens da filosofia burguesa da

história. 5. Dialética do esclarecimento (em

parceria com Adorno). 6. Conceito de Iluminismo (em

parceria com Adorno).

The

odor

W. A

dorn

o

1. O papel da filosofia sobre a totalidade. 2. Crítica à dialética hegeliana. 3. Crítica social, temas da sociologia. 4. Filosofia, educação, o papel do professor, emancipação,

televisão e comunicação de massa. 5. Pensamento filosófico, razão, progresso, tempo livre, educação. 6. Crítica cultural e sociedade, conhecimento, sociologia. 7. Indivíduo, sociologia, grupo, massa, ideologia, preconceito,

sociedade, cultura e civilização, investigação empírica, família.

1. Actualidad de la filosofía. 2. Dialética Negativa 3. Minima Moralia; 4. Educação e emancipação. 5. Palavras e sinais – modelos

críticos 2. 6. Prismas. 7. Temas básicos de sociologia.

Her

bert

Mar

cuse

1. Paralisia da crítica, novas formas de controle, perda da consciência política, fim do protesto, sociedade tecnológica, dominação social, sociedade unidimensional.

2. Repressão do indivíduo, trabalho alienado, civilização repressiva, dialética da civilização, fantasia e utopia, dimensão estética, Marx e Freud.

3. Dialética hegeliana, teoria dialética da sociedade, dialética marxista, trabalho alienado, crítica ao positivismo, materialismo histórico.

4. Fim da utopia, violência da oposição, moral, política. 5. Implicações sociais da tecnologia, estado, indivíduo, mudança

social, mentalidade alemã. 6. Socialismo na sociedade industrial, revolução de 1969,

comunismo democrático, ecologia e crítica da sociedade. 7. Combate ao liberalismo, filosofia e teoria crítica, crítica do

hedonismo, trabalho, existencialismo, obsolescência da psicanálise, crítica a Weber, ética e revolução, cultura.

1. El hombre unidimensional. 2. Eros e civilização: a

interpretação filosófica do pensamento de Freud.

3. Razão e revolução. 4. El final de la utopía. 5. Tecnologia, guerra e fascismo:

coletânea de artigos de Herbert Marcuse.

6. Herbert Marcuse: a grande recusa hoje.

7. Cultura e Sociedade.

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Eri

ch F

rom

m

1. Liberdade, autonomia, autoritarismo, controle social. 2. Ambivalência dos homens, liberdade de escolha, autonomia,

controle social. 3. A esperança, sociedade desumanizada, condições de existência,

valores e normas, humanização da sociedade tecnológica. 4. Marxismo, materialismo histórico, consciência, estrutura social,

natureza humana, alienação, pensamento de Marx. 5. Patologias sociais, necessidades dos homens, razão e

irracionalidade, alienação, autoridade, frustração, consciência, democracia, transformação econômica, política e cultural.

6. Ética humanista, ciência, natureza e caráter do homem, consciência autoritária e humanista, prazer e felicidade, repressão, ética universal.

1. Medo à liberdade. 2. O coração do homem: seu gênio

para o bem e para o mal. 3. A revolução da esperança. 4. Conceito Marxista do Homem. 5. Psicanálise da sociedade

contemporânea. 6. Análise do homem.

Jürg

en H

aber

mas

1. Trabalho e interação, técnica e ciência, ideologia, progresso técnico, mundo social da vida, política cientificada, autonomia, racionalidade instrumental, controle social, capitalismo.

2. Crise do conhecimento, metafísica, crítica ao positivismo, ao pragmatismo e ao historicismo, razão e interesse, auto-reflexão, interesse universal e particulares.

3. Sistema social, capitalismo avançado, crise econômica, racionalidade da crise, motivação da crise, legitimação, complexidade e razão.

1. Técnica e ciência como “ideologia”.

2. Conhecimento e interesse. 3. Crise de legitimação do

capitalismo tardio.

As contribuições, tanto dos Marxistas Ocidentais quanto dos integrantes da Escola de Frankfurt, permitem destacar categorias analíticas que justifiquem se falar em pensamento crítico. As fundamentações epistemológicas e o método dialético, legitimador da arqueologia do pensamento crítico, possibilitam interpretar as organizações por outros métodos que não a da ótica do que está aparente ou facilmente interpretado e apresentam-se como indispensáveis para entender a lógica que rege as organizações. 4. Contribuições do Pensamento Crítico para a Teoria das Organizações ALVENSON e DEETZ (1998, p. 227-266) esboçam parcialmente o papel da Teoria Crítica nos estudos organizacionais, entretanto, suas análises são insuficientes para demonstrar a grandeza e a riqueza com que a Teoria Crítica da Sociedade poderia contribuir. A crítica a esses autores expressa o senso comum do que se analisa e do que se considera ao se abordar a teoria crítica nos estudos organizacionais. A falta de análise mais aprofundada sobre os diversos teóricos da Escola de Frankfurt e a linearidade com que discorrem sobre suas contribuições, reduz suas conclusões a dois temas possíveis de serem estudados nas organizações: crítica ideológica e ação comunicativa. Assim, a limitação das observações dos autores pode ser apontada de três formas. Primeiro: a ação comunicativa de Habermas não deve ser enquadrada, totalmente, dentro dos princípios dos teóricos críticos. A legitimidade de Habermas em ser ou não ser um herdeiro da Teoria Crítica da Sociedade é discussão longa, sobretudo, no que tange à fase em que foi escrita essa obra. Segundo: a proposta dos temas a serem abordados nos estudos organizacionais não expressa igual riqueza em relação aos temas estudados pelos teóricos, dentre os quais se destacam:

a. A perda da autonomia dos indivíduos. b. O processo de reificação dentro da estrutura social e econômica. c. A alienação. d. A relação tecnologia/trabalho. e. A exploração, a dominação, o preconceito.

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f. O processo de burocratização. g. O sentido de razão, progresso e avanço científico. h. O individualismo e a desumanização das relações e outros.

Terceiro: as contribuições mais significativas não se referem às abordagens temáticas, mas ao método que caracteriza o materialismo histórico e dialético de análise, ao qual devem ser acrescidas novas abordagens que com ele guardem a necessária coerência epistemológica. O pensamento crítico não é mera sugestão de temáticas para serem estudadas na Teoria das Organizações, mas sim, entendimento sobre o método materialista dialético nas análises dessas temáticas nas organizações. Procurando romper com a tendência empirista e funcionalista incorporada nas análises organizacionais, seu fundamento é quebrar com as formas totalitárias com que a racionalidade instrumental tenta se instituir nas organizações através dos métodos científicos. Pesquisas fomentadas apenas por coletas de dados estatísticos e com tendência a generalizar os resultados encontrados como verdades absolutas sem a devida reflexão crítica são consideradas reducionistas. A estatística e as formas experimentais, sobretudo nas ciências sociais, são meios e não fins em si mesmos. A capacidade reflexiva do pesquisador e o entendimento da evolução das teorias são fundamentais para tentar compreender a totalidade, mesmo que esteja comprometida com os limites do pesquisador. A dialética caracteriza-se por levar ao extremo a forma como se analisa um objeto de pesquisa. As incorporações do pensamento radical, da fuga da subversão da razão e da busca do humanismo são as categorias que elevam o método para uma análise que vai de encontro aos princípios fundamentais da filosofia: análises radicais, rigorosas e totais. Assim, por meio do materialismo histórico, a dialética é muito mais que um método, é uma forma de entendimento da realidade por sucessivas análises contextualizadas na história. É, ainda, fuga do totalitarismo, das análises prontas, da aceitação de verdades inquestionáveis etc. Dessa forma, além das temáticas de que os estudos organizacionais podem se beneficiar, o mais significativo é a forma como o método dialético deve ser utilizado. Todos os teóricos do marxismo ocidental, bem como da Escola de Frankfurt, convergiam para essa concepção de que o materialismo histórico dialético surge como oposição natural à teoria tradicional, que caracteriza grande parte do ensino e da pesquisa na Teoria das Organizações. A Teoria das Organizações, que não foi estudada diretamente por esses pensadores, precisa beneficiar-se das reflexões já feitas por esses teóricos sobre a questão e enquadrar-se na tendência de movimento utilizada pela dialética para questionar realidade “prontas”. Essa teoria tem de ir além do imediato rompendo com a tendência apresentada pelo empirismo, funcionalismo e positivismo de se configurar única forma epistemológica de conhecimento da área. Enfim, os pesquisadores e educadores da Teoria das Organizações devem aceitar que dados, fatos e informações sem teorias baseadas em método favorável a análises constantes centradas no movimento da razão crítica. Esse “casamento” da Teoria das Organizações com a Teoria Crítica não só é necessária como fundamental para possibilitar mudanças na forma como se faz ciência sem, contudo, cair na primazia dos fatos impedindo que a razão se torne “prisioneira” do próprio formalismo. Referências ADORNO, Theodor W. Negative Dialetics. USA, New York, 1973. _____. Actualidad de la filosofía. Colección Pensamiento Contemporáneo. España,

Barcelona: Ediciones Piados, 1991. _____. Palavras e sinais: modelos críticos 2. Petróplois, RJ: Vozes, 1995. _____. Prismas: crítica cultural e sociedade. São Paulo: Editora Ática, 1998. _____. Educação e emancipação. 2 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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_____; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. Petrópolis: Vozes, 1999. ALVENSON, M.; DEETZ, S. Teoria crítica e abordagens pós-modernas para estudos

organizacionais. In: CLEGG, S.R.; HARDY, C. e NORD, W.R. (orgs.). Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1998.

ASSOUN, Paul-Laurent. A Escola de Frankfurt. São Paulo: Ática, 2001. BRONNER, Stephen Eric. Da teoria crítica e seus teóricos. Campinas: Papirus, 1997. CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1985. DAMÁSIO, Antônio. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. FARIA, José Henrique de. Economia política do poder: uma proposta teórico-

metodológica para o estudo e a análise das organizações. Recife: II Encontro Nacional de Estudos Organizacionais, 2002. Anais do ENEO [CD-Rom]. 2002.

_____; MENEGHETTI, Francis Kanashiro. As organizações e a sociedade unidimensional: as contribuições de Marcuse. Recife: II Encontro Nacional de Estudos Organizacionais, 2002. Anais do ENEO [CD-Rom]. 2002.

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1979. _____. Análise do homem. 11 ed. Rio de janeiro: Zahar Editores, 1980. JAMESON, Frederic. O marxismo tardio: Adorno, ou a persistência da dialética. São

Paulo: Editora da UNESP: Editora Boitempo, 1997. HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa, Portugal: Edições 70,

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hasta Hitler. Mexico, D.F: Fondo de Cultura Economica, 1959. _____. Historia e consciência de classe: estudos da dialética marxista. 2 ed. Rio de

Janeiro: Elfos, 1989. MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975. _____. El final de la utopía. Barcelona: Editorial Ariel, 1986. _____. El hombre unidimensional. Barcelona: Editorial Ariel, 1999.

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