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PECUÁRIA DE LEITE NO BRASIL Cenários e avanços tecnológicos Duarte Vilela Reinaldo de Paula Ferreira Elizabeth Nogueira Fernandes Fabrício Vieira Juntolli Editores Técnicos

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Page 1: PECUÁRIA DE LEITE · Produção Animal, Pós-doutoranda da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG Juliana Mergh Leão Médica-veterinária, doutoranda em Zootecnia/ Produção Animal,

PECUÁRIA

DE LEITE

NO BRASILCenários e avanços tecnológicos

Duarte Vilela

Reinaldo de Paula Ferreira

Elizabeth Nogueira Fernandes

Fabrício Vieira Juntolli

Editores Técnicos

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Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaEmbrapa Pecuária Sudeste

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

EmbrapaBrasília, DF

2016

PECUÁRIA DE LEITE NO BRASIL

Cenários e avanços tecnológicos

Duarte VilelaReinaldo de Paula Ferreira

Elizabeth Nogueira FernandesFabrício Vieira Juntolli

Editores Técnicos

Page 3: PECUÁRIA DE LEITE · Produção Animal, Pós-doutoranda da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG Juliana Mergh Leão Médica-veterinária, doutoranda em Zootecnia/ Produção Animal,

Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na:

Embrapa Pecuária SudesteRod. Washington Luiz, km 234,

Caixa Postal 339CEP 13560-970 São Carlos, SP

Fone: (16) 3411-5600Fax: (16) 33615754

www.embrapa.brwww.embrapa.br/fale-conosco/sac

Unidade responsável pelo conteúdoEmbrapa Pecuária Sudeste

Comitê Local de Publicações

PresidenteAlexandre Berndt

Secretária-executivaSimone Cristina Méo Niciura

MembrosEmilia Maria Pulcinelli Camarnado

Maria Cristina Campanelli BritoMilena Ambrosio Telles

Mara Angélica Pedrochi

Embrapa Informação TecnológicaParque Estação Biológica (PqEB)Av. W3 Norte (final)70770-901 Brasília, DFFone: (61) 3448-4236Fax: (61) 3448-2494www.embrapa.br/[email protected]

Unidade responsável pela ediçãoEmbrapa Informação Tecnológica

Coordenação editorialSelma Lúcia Lira BeltrãoLucilene Maria de AndradeNilda Maria da Cunha Sette

Normalização bibliográficaIara Del Fiaco RochaMara Angélica Pedrochi

Projeto gráficoCarlos Eduardo Felice Barbeiro

CapaPaula Cristina Rodrigues Franco

1ª edição1ª impressão (2016): 2.000 exemplares

Todos os direitos reservados.A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,

constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610).Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Embrapa Pecuária Sudeste

© Embrapa, 2016

Pecuária de leite no Brasil : cenários e avanços tecnológicos / Duarte Vilela ... [et al.], editores técnicos. – Brasília, DF : Embrapa, 2016.435 p. : il. color. ; 18,5 cm x 25,5 cm.

ISBN 978-85-7035-644-4

1. Pecuária leiteira. 2. Forrageiras e pastagens. 3. Inovações tecnológicas. 4. Transferência de tecnologia. I. Vilela, Duarte. II Ferreira, Reinaldo de Paula. III. Fernandes, Elizabeth Nogueira. IV. Juntolli, Fabrício Vieira. V. Embrapa Pecuária Sudeste.

CDD 636.2142

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Alberto Carlos de Campos Bernardi

Engenheiro-agronômo, doutor em Solos e Nutrição de Plantas, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

Ana Carolina de Souza Chagas

Bióloga, doutora em Medicina Veterinária Preventiva, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

André Luiz Monteiro Novo

Engenheiro-agrônomo, doutor em Sistemas de Produção, analista da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

Andrea Roberto Bueno Ribeiro

Zootecnista, doutora em Produção Animal, professora adjunta da Faculdade Metropolitanas Unidas, São Paulo, SP

Antonio Martinho Arantes Lício

Economista, Ph.D. em Economia, consultor em Brasília, Brasília, DF

Antonio Vander Pereira

Engenheiro-agronômo, doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Artur Chinelato de Camargo

Engenheiro-agronômo, doutor em Ciências Biológicas, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

Bruno Barcelos Lucchi

Zootecnista, mestre em Agronegócio, superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Brasília, DF

Carlos Augusto de Miranda Gomide

Engenheiro-agronômo, doutor em Forragicultura e Pastagens, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Luiz de Fora, MG

Autores

Carlos Eduardo Pullis Venturini

Economista formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Piracicaba, SP

Cauê Ribeiro de Oliveira

Engenheiro de materiais, doutor em Química, pesquisador da Embrapa Instrumentação, São Carlos, SP

Clara Pedroso Maffia

Cientista política, gerente técnica e econômica da OCB, Brasília, DF

Clara Slade Oliveira

Médica-veterinária, doutora em Ciências Veterinárias, analista da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Cláudio Antonio Versiani Paiva

Médico-veterinário, doutor em Medicina Veterinária Preventiva, analista da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Daniel Horacio Basigalup

Engenheiro-agrônomo, Ph.D. em Melhoramento Genético Vegetal, pesquisador do Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria (INTA - EEA Manfredi), Manfredi, Córdoba, Argentina

Daniel Souza Corrêa

Engenheiro de materiais, doutor em Ciência e Engenharia de Materiais, pesquisador da Embrapa Instrumentação, São Carlos, SP

Daniela Fávero

Bióloga, doutoranda no Programa de Pós- -Graduação em Agronomia, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS

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Décio Karam

Engenheiro-agrônomo, Ph.D. em Ciência das Plantas Daninhas, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Sete Lagoas, MG

Domingos Sávio Campos Paciullo

Engenheiro-agrônomo, doutor em Forragicultura e Pastagens, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Duarte Vilela

Engenheiro-agrônomo, doutor em Nutrição Animal, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Eduardo Alberto Comeron

Engenheiro-agronômo, doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, pesquisador do Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria (Inta – EEA Manfredi), Manfredi, Córdoba, Argentina

Eliseu Roberto de Andrade Alves

Engenheiro-agrônomo, doutor em Economia Rural, pesquisador da Embrapa Sede, Brasília, DF

Elísio Contini

Doutor em Desenvolvimento Regional, pesquisador da Embrapa Sede, Brasília, DF

Fabio Luiz Buranelo Toral

Zootecnista, doutor em Zootecnia, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

Fabrício Vieira Juntolli

Engenheiro-agrônomo, Especialização em Cafeicultura Empresarial e MBA em Agronegócios, fiscal federal agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Brasília, DF

Fausto de Souza Sobrinho

Engenheiro-agrônomo, doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Fernanda Samarini Machado

Médica-veterinária, doutora em Zootecnia, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Flávio Rodrigo Gandolfi Benites

Engenheiro-agrônomo, doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Francisco José da Silva Lédo

Engenheiro-agrônomo, doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Frank Akiyoshi Kuwahara

Zootecnista, doutor em Melhoramento e Produção Animal, professor da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), Presidente Prudente, SP

Gilmar Roberto Meinerz

Zootecnista, doutor em Zootecnia/Produção Animal, professor adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Santa Maria, RS

Gustavo Beduschi

Engenheiro-agrônomo, assessor técnico da Associação Brasileira de Laticínios Viva Lácteos, Brasília, DF

Henrique Pereira dos Santos

Engenheiro-agrônomo, doutor em Fitotecnia, pesquisador da Embrapa Trigo, Passo Fundo, RS

Ingrid de Almeida Rebechi

Estudante de Agronomia no Instituto de Desenvolvimento Educacional do Alto Uruguai (Ideau), Getúlio Vargas, RS

Ismail Ramalho Haddade

Engenheiro-agrônomo, doutor em Produção Animal, professor do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes), Santa Teresa, ES

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João Cláudio do Carmo Panetto

Zootecnista, doutor em Ciências Biológicas (Genética), pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

João José Prieto Flávio

Engenheiro-agrônomo, doutor em Produção Vegetal, analista técnico e econômico da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Brasília, DF

José Luiz Bellini Leite

Engenheiro civil, doutor em Economia Aplicada, analista da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Juliana Aparecida Mello Lima

Médica-veterinária, doutora em Zootecnia - Produção Animal, Pós-doutoranda da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Juliana Mergh Leão

Médica-veterinária, doutoranda em Zootecnia/Produção Animal, Belo Horizonte, MG

Kees Jansen

Sociólogo, Ph.D. em Sociologia do Desenvolvimento, professor associado da Wageningen University, Wageningen, Países Baixos

Lea Chapaval

Médica-veterinária, doutora em Ciências, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

Luciana Gatto Britto

Médica-veterinária, doutora em Ciências Veterinárias, pesquisadora da Embrapa Rondônia, Porto Velho, RO

Luigi Francis Lima Cavalcanti

Médico-veterinário, doutor em Zootecnia, pesquisador da Intergado, Belo Horizonte, MG

Luiz Felipe Ramos Carvalho

Médico-veterinário, doutor em Produção Animal, fiscal federal agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Brasília, DF

Luiz Francisco Machado Pfeifer

Médico-veterinário, doutor em Melhoramento e Reprodução Animal, pesquisador da Embrapa Rondônia, Porto Velho, RO

Luiz Francisco Zafalon

Médico-veterinário, doutor em Medicina Veterinária Preventiva, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

Luiz Gustavo Ribeiro Pereira

Médico-veterinário, doutor em Ciência Animal, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Luiz Sergio de Almeida Camargo

Médico-veterinário, doutor em Reprodução Animal, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Maja Slingerland

Engenheira-agrônoma, Ph.D. em Sistemas Mistos de Produção na África, professora associada da Wageningen University, Wageningen, Países Baixos

Marcelo Costa Martins

Engenheiro-agrônomo, mestre em Economia, diretor-executivo da Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos), Aparecida de Goiânia, GO

Marcelo Neves Ribas

Médico-veterinário, doutor em Zootecnia com ênfase em Nutrição de Ruminantes, diretor de tecnologia e inovação na Intergado, Juiz de Fora, MG

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Marcelo Pereira de Carvalho

Engenheiro-agrônomo, diretor-executivo da AgriPoint, Piracicaba, SP

Márcia Cristina de Sena Oliveira

Médica-veterinária, doutora em Medicina Veterinária, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

Márcio Lopes de Freitas

Administrador de empresas, presidente do Sistema Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Brasília, DF

Marco Antonio Machado

Engenheiro-agrônomo, doutor em Genética e Melhoramento, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Marcos Vinicius Gualberto Barbosa da Silva

Zootecnista, doutor em Genética e Melhoramento, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Maria Cristina de Alvarenga Viana Mosquim

Médica-veterinária, consultora técnica da Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos), Belo Horizonte, MG

Mariana Magalhães Campos

Médica-veterinária, doutora em Zootecnia, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Marta Fonseca Martins

Bióloga, doutora em Genética e Melhoramento, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Mirton José de Frota Morenz

Zootecnista, doutor em Ciência Animal, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Oscar Tupy

Engenheiro-agrônomo, doutor em Economia Aplicada, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

Paulo César Dias do Nascimento Júnior

Engenheiro-agrônomo, mestre em Economia Aplicada às Cadeias do Agronegócio, analista da OCB, Brasília, DF

Pedro Rodrigues Alves Silveira

Engenheiro-agrônomo, analista da OCB, Brasília, DF

Reinaldo de Paula Ferreira

Engenheiro-agrônomo, doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

Renata Veroneze

Zootecnista, doutora em Genética e Melhoramento, assessora-técnica nível II da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Uberaba, MG

Renato Serena Fontaneli

Engenheiro-agrônomo, doutor em Agronomia, pesquisador da Embrapa Trigo, Passo Fundo, RS

Roberto Serena Fontaneli

Engenheiro-agrônomo, doutor em Zootecnia, professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Erechim, RS

Rodrigo Sant’Anna Alvim

Engenheiro-agrônomo, presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA e Diretor da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG), Volta Grande, MG

Rogerio Morcelles Dereti

Médico-veterinário, mestre em Ciências Veterinárias, analista da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

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Rosangela Zoccal

Zootecnista, mestre em Produção Animal, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Rui da Silva Verneque

Zootecnista, doutor em Estatística e Experimentação Agronômica, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Rui Machado

Médico-veterinário, doutor em Medicina Veterinária na área de Reprodução Animal, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

Silvio Crestana Ferreira

Físico, pós-doutor em Ciência do Solo e Ciências Ambientais, pesquisador da Embrapa Instrumentação, São Carlos, SP

Thierry Ribeiro Tomich

Médico-veterinário, doutor em Ciência Animal, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

Valdéria Biazus

Zootecnista, mestre em Agronomia, doutoranda em Agronomia na Universidade de Passo Fundo (UPS), Passo Fundo, RS

Valter Bertini Galan

Engenheiro-agrônomo, sócio do MilkPoint Inteligência, Piracicaba, SP

Vivian Fischer

Engenheira-agrônoma, doutora em Zootecnia, professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS

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Agradecimentos

À Embrapa Pecuária Sudeste e à Embrapa Informação Tecnológica, responsáveis pela editoração deste livro.

À Secretaria do Produtor Rural e Cooperativismo (SPRC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por viabilizar os recursos necessários para esta publicação.

Aos autores pertencentes às seguintes instituições públicas: Embrapa Gado de Leite, Embrapa Instrumentação, Embrapa Milho e Sorgo, Embrapa Pecuária Sudeste, Embrapa Rondônia, Embrapa Trigo, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Faculdade Metropolitanas Unidas, Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (Inta), da Argentina, Universidade de Passo Fundo, Universidade do Oeste Paulista, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Universidade Federal da Fronteira Sul, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Wageningen University, da Holanda; e às seguintes instituições privadas: Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Viva Lácteos, Intergado e AgriPoint.

Nossos sinceros agradecimentos à Simone Cristina Méo Niciura, secretária-executiva do Comitê Local de Publicações da Embrapa Pecuária Sudeste; Maria Cristina Campanelli Brito, pela digitação dos capítulos; Mara Angélica Pedrochi, pela revisão bibliográfica; Ricardo Luiz Petrilli, pela revisão de português e a todos que colaboraram para a realização deste trabalho.

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Apresentação

A seguinte pergunta me ocorreu ao escrever esta apresentação: A quem este livro se dirige? À comunidade de pesquisadores, agroindustriais e exportadores? Aos formuladores de políticas pú-blicas? Quem responder, a todos estes, tem a resposta correta; evidentemente com ênfases muito diferentes. Mas e quanto aos agricultores e consumidores? A resposta é simples: eles são os desti-natários finais. O objetivo de quem labuta na pesquisa da agropecuária leiteira é reduzir o custo de produção, com tecnologia sustentável e produto de elevada qualidade. Aliás, essa é a única maneira de beneficiar simultaneamente consumidores e produtores e enfrentar a concorrência externa.

Em uma visão de caráter geral, distinguimos os mercados internos e externos, instituições como cooperativas, associações e indústrias que processam o leite e produzem insumos para a atividade, políticas públicas, tecnologias e inovações. Os textos discutidos, em detalhe no livro, pertencem a esses grupos.

A tecnologia aborda o transformador, no caso, a vaca, que consome insumos como infraestrutu-ra, pastagem, ração, silagem, feno e medicamento e os transforma em leite. O objetivo da pesquisa é aumentar a eficiência do transformador, tendo como objeto ele mesmo, os insumos que consome e o meio ambiente onde vive.

A Embrapa começa a vida com um problema de pesquisa, com a ajuda das observações e das teorias pertinentes, formulando hipóteses. Pelo método experimental, as testa. Daí nasce o conhe-cimento e a faina só termina quando os produtores o transformam em tecnologia, depois de avaliar sua lucratividade.

Outra percepção é considerar os textos como descrição de conhecimentos, recém-criados ou oriundos de nova organização de fatos já conhecidos, mas ainda na órbita da pesquisa. Essa per-cepção cobre os textos, exceto aqueles sobre instituições, agronegócio e difusão de tecnologia, que pertencem à órbita das relações que os mercados criam com suas ofertas e demandas, custo de produção, exportações e desenvolvimento econômico do meio rural, via pecuária leiteira. Aí se destaca a dualidade da pecuária, na qual um número reduzido de estabelecimentos é responsável pela maior parte da produção, via incremento da produtividade, e a maioria deles fica à margem da agricultura moderna – tema também abordado no livro.

Na discussão do papel das exportações, destaca-se que, sem o incremento delas, a expansão da produção redundará em enorme queda do preço do leite, inviabilizando a adoção de tecnologia e a expansão da indústria que processa o leite e o transforma em produtos demandados no Brasil e no exterior. Além disso, a eficiência dos programas de fomento, como extensão rural, crédito rural e mecanização, reduzir-se-á muito.

O tema difusão é discutido, estabelecendo os limites que a lucratividade impõe à adoção de tecnologia e mostrando como eles podem ser superados com engenhosidade.

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O livro reúne conhecimentos e tecnologias que visam aumentar a produção via eficiência, bus-cando a qualidade do leite e seus derivados, com a preservação do meio ambiente. Aborda-se o transformador, a vaca, e aí o livro cobre o programa de melhoramento animal, a eficiência bioener-gética e as questões de reprodução, sanidade, bem-estar animal, entre outros. A produção a pasto ficará conosco ainda por muito tempo, mas, em razão da competição com lavouras e reflorestamen-to, só será viável com produtividade elevada e sempre crescente. Nesse contexto, o livro ressalta o melhoramento de forrageiras, as pastagens cultivadas com alfafa, braquiária, capim-elefante, as forrageiras de inverno, assim como as dos gêneros Cynodon e Panicum, visando aumentar a eficiên-cia da produção de leite.

Agregar valor é um tema recorrente, melhor dito seria agregar novos produtos, ou seja, diver-sificar a produção, porque isso reduz riscos, abre possibilidades de exportação e incorpora novos consumidores. Dependendo dos preços, ainda se faz o bolo crescer. O livro aborda com criatividade e competência o assunto.

Na agregação de valor, encontram-se muitas organizações que processam o leite, fabricam ou vendem os insumos usados na produção de leite, como cooperativas e indústrias. A eficiência delas tem efeito sobre toda a cadeia láctea. Por isso, é muito importante estudar essas organizações, o que o livro faz com cuidado especial.

A produção do leite tem importância fundamental, por isso o agronegócio foi estudado com profundidade.

Não poderiam ficar de fora do livro temas que têm enorme potencial de impacto sobre a pesqui-sa e a inovação tecnológica em produção de leite, como nanotecnologia, genômica e tecnologia da informação e comunicação, e eles são também discutidos em profundidade.

Agora cabe aos produtores, industriais, cooperativas e formuladores de políticas públicas se de-bruçarem sobre o livro e o materializar em conhecimento e ações que façam que o setor seja mais próspero, os consumidores fiquem satisfeitos e que os exportadores ganhem mais e se incluam em novos mercados!

Eliseu Roberto de Andrade AlvesPesquisador e assessor da presidência da Embrapa

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PARTE 1: CENÁRIOS PARA O LEITE NO BRASIL

Capítulo 1 Perspectivas do Brasil no comércio internacional de lácteos .......................................................................... 17

Capítulo 2 A contribuição das políticas públicas no desenvolvimento da pecuária leiteira ...........................................33

Capítulo 3 A contribuição da indústria de laticínios no desenvolvimento da pecuária de leite ...................................47

Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite .................................. 61

Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil ................... 83

Capítulo 6 Cenários para a pecuária de leite no Brasil ...........................................................................................................105

Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil .........................................................................127

PARTE 2: TECNOLOGIAS DISPONÍVEIS EM PECUÁRIA DE LEITE

Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite .........................................................................147

Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira ..............................................................167

Capítulo 3 Capim-elefante: versatilidades de usos na pecuária de leite .........................................................................187

Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos .....................................213

Capítulo 5 A contribuição das forrageiras de inverno para a pecuária de leite ............................................................239

Capítulo 6 A contribuição do melhoramento animal para a pecuária de leite .............................................................255

Sumário

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Capítulo 7 Bem-estar animal em sistemas de produção de leite .......................................................................................265

Capítulo 8 Os desafios da transferência de tecnologia no setor produtivo do leite: o estudo de caso do Projeto Balde Cheio ..............................................................................................................285

PARTE 3: INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS EM PECUÁRIA DE LEITE

Capítulo 1 Pecuária de leite de precisão ........................................................................................................................................... 307

Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite ...............................................325

Capítulo 3 Inovações nos programas de melhoramento de bovinos de leite com foco em genômica...............345

Capítulo 4 Eficiência bioenergética em bovinos de leite ......................................................................................................359

Capítulo 5 A nanotecnologia e suas aplicações na pecuária de leite ...............................................................................375

Capítulo 6 Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente .............................383

Capítulo 7 Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite .....................401

Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros .............................................................................417

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Parte 1

CENÁRIOS PARA O LEITE NO BRASIL

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Capítulo 1 Perspectivas do Brasil no comércio internacional de lácteos 17CAPÍTULO 1

Perspectivas do Brasil no comércio internacional de lácteos

Eliseu Roberto de Andrade Alves | Antônio Martinho Arantes Lício | Elísio Contini

INTRODUçãO

O agronegócio brasileiro tem crescido a taxas elevadas, suprindo o mercado nacional e contri-buindo decisivamente para as exportações, com destaque para a soja e carnes. A história recente mostra que o dinamismo do setor está no mercado internacional, visto que a demanda doméstica é limitada. O leite é um dos produtos que não teve inserção adequada neste mercado, ficando seu po-tencial limitado ao consumo dos brasileiros. Assim, crescimentos acentuados na oferta implicariam fortes quedas de preços. Por que o Brasil não se torna um grande exportador de produtos lácteos, gerando renda inclusive para pequenos produtores? A resposta a esta indagação é um dos objetivos deste capítulo.

Dados dos Censos Agropecuários de 1995/1996 e 2006 (IBGE, 1996, 2006) sobre produtores de leite (Tabela 1) apresentam dois momentos, dos quais se pode concluir que:

a) Houve grande redução no número de pequenos produtores de leite.

b) A concentração da produção, que já era elevada em 1995/1996, intensificou-se em 2006. Ou seja, a grande massa de produtores pouco produziu e um número bem reduzido de produtores foi responsável pela maior parte da produção. Evidências recentes, ainda não reunidas numa tabela, apontam na direção de que esta tendência persiste atualmente.

Tabela 1. Distribuição dos produtores de leite (N) em classes de produção diária e participação (%) de cada classe na produção total. Censos agropecuários de 1995/1996 e 2006.

Classe (L/dia)

Censo agropecuário 1995/1996 Censo agropecuário 2006

N (mil) N (%) Produção (%) N (mil) N (%) Produção (%)

(0, 50] 1.587 87,6 36,1 1.084 80,4 26,7

(50, 200] 190 10,5 10,5 251 18,6 53,2

> 200 34 1,9 53,4 14 1,0 20,1

Total 1.870 100,0 100,0 1.349 100,0 100,0

Fonte: adaptado de IBGE (2012).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 118

Trata-se de problema de tecnologia da produção ou de algo inerente ao mercado de leite nas suas componentes externa e interna?

Este capítulo caracteriza os mercados nacional e internacional de leite com base na teoria eco-nômica. Mostra que os parâmetros zootécnicos estão sujeitos às leis de mercado e, por isto, sofrem ajustes com a variação do preço do produto e dos insumos. Aborda também dificuldades de a pro-dução nacional conquistar o mercado externo. Defende a tese de que o incremento da produção, sem a expansão das exportações, trará redução de preços suficiente para barrar a disseminação da tecnologia. Isto é muito mais grave para pequena produção, vítima das imperfeições de mercado1.

No contexto destas imperfeições, a pequena produção vende o leite a preço muito menor que a grande produção e compra os insumos por preços muito mais elevados. Por isto, a tecnologia moderna não é lucrativa e, somente por isto, não é adotada pelos pequenos produtores. Ou seja, sem a remoção das imperfeições, somente os produtores que conseguirem ultrapassá-las moderni-zarão seus estabelecimentos. A adoção de tecnologia não ocorre porque a extensão rural falha, mas unicamente porque a pequena produção não pode remunerar as inovações propostas e realizar os investimentos requeridos. Em consequência, os excluídos da modernização recorrerão ao programa Bolsa Família como solução de transição e, depois, o destino são as cidades.

O QUADRO RECENTE DA PRODUçãO E O COMéRCIO INTERNACIONAL DE LEITE

Nos últimos 13 anos, observou-se forte expansão da produção leiteira no Brasil. De 2002 a 2014, a produção cresceu 62,5% (4,1% a.a.), enquanto que o número de vacas ordenhadas aumentou de 22,7%. Esta diferença indica ganho de eficiência no sistema produtivo, ou seja, as vacas ordenhadas passaram a produzir mais leite (Figura 1). Embora a produção de leite esteja espalhada por todos os estados, dados do IBGE (2014) indicam que a produção se concentra em Minas Gerais (26,6%), Rio Grande do Sul (13,3%), Paraná (12,9%) e Goiás (10,5%). Esses quatro estados são responsáveis por 63,3% da produção nacional.

Como evoluíram os preços do leite para o produtor? A Tabela 2 mostra dados, em valores reais de 2014, para o Brasil como um todo, além de Minas Gerais, principal estado produtor, dois estados da região Sul próximos dos principais exportadores para o Brasil e o estado do Piauí, onde os preços são os mais elevados do País. São apresentados também dados do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) para efeitos comparativos. Chama a atenção que o IPC subiu 99%, enquanto o preço real do leite para o Brasil como um todo, 39,1%. Apenas em 2013, o preço do litro de leite esteve levemente acima de R$ 1,00. Para os estados do Nordeste, os preços estiveram acima da média brasileira, como pode ser visto pelos números do Piauí; isso impacta, inclusive, o consumo e a renda da região mais pobre do Brasil.

1 Para maiores informações sobre imperfeições de mercado, ver Alves et al. (2013).

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Capítulo 1 Perspectivas do Brasil no comércio internacional de lácteos 19

Figura 1. Produção de leite e vacas ordenhadas no Brasil – 2002 a 2014.

Fonte: adaptado de IBGE (2014).

Tabela 2. Evolução dos preços reais de 2014 do litro de leite para o produtor rural.

Preço do leite (R$/L)

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

IPC 100 109,3 117,6 124,3 128,2 133,9 141,9 147,9 156,7 166,9 176,6 187 199

Brasil 0,69 0,75 0,79 0,75 0,75 0,87 0,87 0,86 0,88 0,91 0,93 1,01 0,96

MG 0,71 0,77 0,82 0,79 0,76 0,95 0,93 0,9 0,91 0,94 0,95 1,06 0,99

RS 0,64 0,7 0,75 0,69 0,68 0,79 0,78 0,78 0,8 0,84 0,86 0,95 0,92

SC 0,59 0,7 0,71 0,69 0,72 0,79 0,76 0,76 0,82 0,89 0,89 0,98 0,9

PI 1,5 1,56 1,56 1,54 1,53 1,63 1,6 1,64 1,61 1,54 1,66 1,79 1,79

IPC = índice de preços ao consumidor, com índice de 2002 = 100. Fonte: dados brutos Fundação Getúlio Vargas (2016).

Foram incluídos os preços recebidos pelos produtores, sob a hipótese de que as regiões próxi-mas (estados do Sul) de países exportadores para o Brasil (Argentina e Uruguai) sofreriam pressões maiores de redução de preços do que as regiões mais distantes. Os dados comprovam a hipótese de que os preços pagos aos produtores dos dois estados do Sul foram, em todos os anos analisados, in-feriores à média brasileira. Para qualquer aumento de preços nesses dois estados, devido à proximi-dade geográfica, persiste a possibilidade de importação, já que tanto Argentina como Uruguai são membros da União Aduaneira (Mercosul). Isto explica a pressão de representantes de produtores,

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 120

principalmente da região Sul, junto aos órgãos de governo, para impor sanções às importações de leite, quando atingem volumes considerados altos.

Em relação ao mercado internacional, o Brasil participou marginalmente (Figura 2). De fato, pequenas quantidades importadas superaram ligeiramente as quantidades exportadas. As impor-tações são de origem integral da Argentina e Uruguai, envolvendo basicamente leite em pó. No período analisado, o Brasil foi importador líquido de 4,6 bilhões de litros de leite, sendo superavitário apenas em 4 anos dos 12 analisados (2004–2005 e 2007–2008). Mais recentemente, a expansão da renda interna permitiu a importação de cerca de 1 bilhão de litros entre os anos 2011–2013. Isto demonstra que há espaço para a ampliação da produção interna de leite, substituindo a importação, desde que a produção nacional seja competitiva.

Figura 2. Saldo comercial de leite: exportações e importações (em milhões de litros).

Fonte: Comissão Europeia (2016a, 2016b).

POTENCIAL E LIMITAçõES PARA ExPANSãO DO MERCADO INTERNO

A capacidade de expansão do mercado interno depende do aumento de renda e/ou redução de preços (Figura 3). De inicio, o mercado se encontra em equilíbrio no ponto E1, com produção em q1 e preço p1, em que a curva de demanda D1 se encontra com a curva de oferta S1.

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Devido a um aumento de renda, a demanda se expande para D2. Se os preços se mantiverem fixos, o novo ponto de equilíbrio será em E4, mas a produção se expande ao longo da curva de oferta S1 gerando novo ponto de equilíbrio em E2, com produção em q2 e preço p2.

Figura 3. Ajustamentos de mercado de leite.

AUMENTO DE RENDA

A medida do aumento de demanda gerado pelo crescimento de renda é chamada de “elastici-dade-renda da demanda”2, com muitas estimativas econométricas produzidas principalmente pela academia e institutos de pesquisas (na Figura 3, equivale à distancia horizontal entre E1 e E4, ou seja, aos mesmos preços, a nova demanda por leite seria no ponto E4).

Para o leite, essa medida encerra muita variação, haja vista que o leite pode ser consumido in na-tura ou na forma de derivados. No caso in natura, a elasticidade é geralmente baixa, isto é, para um aumento de renda o consequente aumento de demanda é baixo de uma maneira geral, embora seja média-alta para extratos inferiores de renda. Quando se trata de derivados como iogurte e queijos essas elasticidades aumentam (Tabela 3).

2 A expressão matemática da elasticidade-renda é: e = (dq/dy) / (q/y), em que q são as quantidades e y a renda. Em termos finitos, pode ser expressa por e = (dq/q) / (dy/y), cuja interpretação é dada como a variação relativa da quantidade demandada dividida pela variação relativa da renda.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 122

Tabela 3. Elasticidade-renda(1) do dispêndio com produtos lácteos no Brasil.

EstratoLeite e derivados Leite fluido Leite em pó Queijo

Elasticidade para POF1 1985/1986 (HOFFMANN, 2010)

1 0,004 0,918 0,729 0,328

2 0,282 0,300 -0,817 0,254

3 0,414 0,224 0,213 0,693

Elasticidade para POF 2002/2003 (OLIVEIRA; CARVALHO, 2006)

1 0,4648 0,5939 -0,0463 1,4067

2 0,6400 0,7446 -0,3279 0,9787

3 0,4281 0,2667 0,2216 0,8513

Elasticidade para POF 2008/2009

1 0,6227 0,678 0,1406 0,9690

2 0,5559 0,4564 -0,3737 1,4936

3 0,3687 0,0213 0,3225 0,6609(1) Mais informações sobre elasticidades-renda, consultar trabalho de Hoffmann (2010).Estrato 1: até R$ 1.200,00 (cerca de 3 salários-mínimos na época); estrato 2: entre R$ 1.200,00 e R$ 3.000,00 (renda média); estrato 3: mais de R$ 3.000,00 (renda alta).Fonte: Carvalho (2011).

Para todos os estratos e para as diversas estimativas, o leite fluído tem maior elasticidade-ren-

da para os níveis mais baixos de renda. Para o leite e seus derivados, as estimativas mais recentes

(POF 2008-2009) indicam valores mais elevados para os dois primeiros estratos de renda (mais bai-

xa), enquanto que, na primeira estimativa (POF 1985/1986), essas elasticidades eram bem mais ele-

vadas nos grupos de renda mais elevada. Uma explicação plausível é a de que o nível de renda da

população como um todo aumentou no período de mais de 20 anos, sendo razoável estimar que os

níveis de renda mais alta estivessem com suas demandas mais satisfeitas em anos recentes, portanto

com valores mais baixos. Essas estimativas referem-se a dispêndios no domicílio, não compreenden-

do o consumo fora de casa (restaurantes e outros estabelecimentos).

Os números da POF (HOFFMAN, 2010) indicam, ainda, que no Brasil 60% do leite é consumido

in natura e 40% na forma de queijos e derivados, o que sugere que a elasticidade-média da de-

manda esteja entre 0,50–1,00. Tomando-se por ponto médio 0,75, a interpretação seria que a um

aumento de 100% da renda, a demanda (a preços fixos) aumentaria em 75%. Como os preços não

são fixos normalmente, pois a curva de oferta é ascendente, o efeito-preço reduziria as quantidades

demandadas via elasticidade-preço da demanda3. O aumento do consumo total de leite no Brasil

3 Este conceito será examinado melhor à frente.

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no período (igual à produção, já que exportações=importações) foi de 62,5% (35,17 bilhões de litros em 2014, em relação aos 21,60 bilhões em 2002), pouco menor do que 75%, como sugere a teoria4.

Conclui-se que no período considerado de 2002–2014 no Brasil, os dados de produção e consu-mo de leite são coerentes com as indicações teóricas, e se expandiram pelo aumento da demanda interna, por sua vez decorrente do aumento da renda, com pequenos acréscimos de preços.

REDUçãO DE PREçOS

A expansão do mercado também pode ocorrer pela redução de preços. Nesse caso, há um au-mento das quantidades demandadas ao longo da curva de demanda D1, de E1 para E3.

Este é o caminho percorrido pelo ajustamento quando ocorre, por exemplo, um ganho de pro-dutividade. No caso, há um deslocamento para a direita da curva de oferta, decorrente de um des-locamento para baixo das curvas de custos. Na prática intuitiva significa que, em níveis de renda constantes, maiores quantidades só serão absorvidas pelo mercado a preços menores, dados pela curva de demanda. O problema no caso é a renda dos produtores, pois a queda proporcional de pre-ços pode se mostrar maior do que o aumento proporcional de quantidades, resultando em queda de renda (preços vezes quantidades).

A redução de preços será dada pela elasticidade-preço da demanda, e = (dq/dp) / (q/p), e tem o mesmo sentido intuitivo da elasticidade-renda da demanda, sendo que seu sinal é negativo, isto é, a aumentos de quantidades estão vinculados reduções de preços pela inclinação negativa da curva de demanda.

Segundo estimativas nos modelos do Food and Agricultural Policy Research Institute (2016), a elasticidade-preço da demanda no Brasil é em torno de -0,20, significando que a um aumento da quantidade produzida de apenas 1%, os preços devem cair em 5% para que o mercado absorva a nova produção. Um aumento maior da produção em 10% somente será absorvido pelo mercado se os preços caírem 50%5, como pode ser depreendido pela aplicação da formula de elasticidade acima, em sua expressão finita:

e = (dq/q) / (dp/p) e, isolando-se dp/p = (dq/q) / e , - 50% = 10%/0,20.

Pode-se afirmar que este forte impacto de aumento da produção sobre os preços decorre do fato do leite brasileiro não estar inserido no mercado internacional. A soja, por ter a produção sempre atrelada às exportações, permite uma expansão constante da sua produção, sem afetar significativa-mente os preços internos. Em anos mais recentes, o aumento da produção de milho, principalmente

4 A ideia aqui é simplesmente mostrar as direções dos ajustamentos indicados pela teoria, sem procurar estimativas econométricas concretas.

5 Comentário de Jacques Gontijo da Itambé dá conta que a produção de leite (em meados de 2016) caiu 10%, e os preços subiram 50%. Isso equivale à elasticidade de -0,2. Essa é a elasticidade utilizada no texto. Assim, o com-portamento do mercado confirma o valor da elasticidade.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 124

na segunda safra, garante a manutenção de preços remunerados aos produtores, isto porque as exportações do produto têm sido crescentes. Para que os preços do leite não despenquem no mer-cado interno devido ao aumento da produção, a solução é a inserção crescente, progressiva e cons-tante deste produto no mercado internacional.

POTENCIAL E LIMITAçõES PARA A INSERçãO NO MERCADO ExTERNO

A produção brasileira de grãos e de carnes teve um aumento significativo no período de 2002–2014, em decorrência do aumento de preços internacionais depois de décadas de declínio e da maior participação do Brasil nesses mercados. Todos os produtos tiveram aumentos mínimos de 100%, exceto carnes suínas e leite, com menores aumentos e tendências não tão claras. Tudo em função da explosão de demanda por alimentos no Continente Asiático, principalmente na China.

Como resposta ao aumento de preços internacionais, que se internalizaram depois da refor-ma cambial de 1999, a agricultura brasileira experimentou espetacular crescimento (lei da oferta). A Figura 4 mostra informações sobre o volume de produção, área colhida e produtividade dos prin-cipais grãos produzidos no Brasil entre 1990 e 2016 (estimativa). Considerando-se o período de 1970 a 2016, a produção cresceu 649%, enquanto que a área cultivada aumentou apenas 161% e a pro-dutividade, 186%. A produção passou de 27,3 milhões de toneladas para 204,8 milhões em 2016, e a produtividade média de 1.276 kg ha-1 para 3.656 kg ha-1.

A Figura 5 apresenta informações da produção de carne bovina, suína e de aves. A revolução mais espetacular tem sido na produção de carne de aves. Em 1975, o Brasil produzia apenas 519 mil toneladas e, em 2015, 13.133 mil toneladas – um aumento de 2.430%. A produção de carne bovina e suína também cresceu de maneira expressiva (em três vezes durante o período). O Brasil vem domi-nando muito bem a cadeia de carnes, principalmente a de aves. Dispõe de grande potencial de cres-cimento para o futuro, já que possui ainda disponibilidade de mão de obra (pequenos produtores), uma agroindústria estruturada e competitiva e insumos para a alimentação animal (milho e soja).

No entanto, o mesmo fenômeno não foi percebido no setor leiteiro brasileiro, cujos preços in-ternacionais sofreram grandes flutuações de difícil entendimento quanto a tendências (Figura 6). Nota-se que entre 2001 e 2014 os preços no mercado da União Europeia (UE), principal exportador e formador de preços internacionais, tiveram variações significativas em torno de uma média difícil de ser definida, talvez de € 2.500 por tonelada (€ 250 por 100 kg). Nestas condições, o empresário bra-sileiro não ousa investir em caríssimas fabricas de processamento de leite, visando exportações. Não surpreende saber que a capacidade instalada de produção de leite em pó não ultrapassa 700.000 t por ano, muito baixa para os padrões internacionais.

Na Figura 6, estão representados os preços médios de leite praticados na UE, no período de 2002 a 2014. Os valores apresentados podem ser considerados como proxy dos preços internacionais, já

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Figura 4. Área colhida, produção e produtividade dos grãos (arroz, feijão, milho, soja e trigo) no Brasil.(1) Estimativa para 2016.Fonte: IBGE (2012).

Figura 5. Produção de carne bovina, suína e de aves no Brasil.(1) Estimativa para 2016.Fonte: Conab (2016).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 126

que a UE é a maior produtora mundial. Naquele período, os preços médios de leite aumentaram apenas de 20,4%, em termos nominais.

Figura 6. Preço médio do leite no Continente Europeu (Euro por 100 kg).

Diante, porém, das instabilidades do mercado externo de leite (em pó), além dos altos subsídios tradicionais carreados pelos grandes produtores mundiais – UE, Estados Unidos e China – teriam as empresas brasileiras coragem de entrar nesse mercado? A Tabela 4 apresenta informações em euros do valor da produção (VP) e da transferência de subsídios para os produtores (TP), bem como o percentual da transferência sobre o VP (em %). Os valores em euros são a preços correntes.

Até o ano 2004, os subsídios aos produtores de leite (producer support estimates), estimados pela Organization for Economic Co-Operation and Development (OCDE), superavam os 40% do VP por-que os pagamentos eram realizados em função do volume produzido. A Reforma da Política Agrícola Comum (PAC) desvinculou os subsídios do volume produzido, gerando efeitos muito significativos nos subsídios diretos à produção. Observa-se que em anos recentes, depois de 2009 até 2014, os subsídios à produção de leite não chegavam a 2% do VP. Em 2015, os subsídios às exportações, prática histórica da UE, também foram abolidos por decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Portanto, os subsídios aos produtores de leite por parte da UE, o maior produtor mundial, in-fluenciaram sim, historicamente, o mercado internacional do produto ao distorcer os preços via subsídios à produção e às exportações. Mas em anos recentes, não é mais um fator limitante para a entrada do Brasil no mercado internacional. As novas regras daquele bloco econômico não mudam drasticamente no curto e médio prazos.

Além dos preços internacionais de leite não terem subido como os dos grãos e os subsídios da UE aos seus produtores, outro fator que pode explicar a pequena participação do produto no mercado internacional foi a volatilidade da taxa brasileira de cambio no Brasil. A Figura 7 mostra volatilidade na variação cambial, em termos reais, de 2002 a 2015, tendo-se como base o índice 100, relativo à média de 2010, segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2016). O câm-bio é uma variável fundamental para a competitividade no comércio exterior.

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Capítulo 1 Perspectivas do Brasil no comércio internacional de lácteos 27

Outro fator favorável à entrada no Brasil no mercado internacional de leite é verificar o significa-do das elasticidades renda da demanda para importantes países, potenciais importadores. Os valo-res dessas elasticidades, para países da Ásia, alguns da África e da América Latina, são apresentados na Tabela 5. Segundo dados do Food and Agricultural Policy Research Institute (2016), surpreendem os valores relativamente altos para a China, Tailândia e Vietnam, países com crescimento econômico elevado e populações numerosas.

Considerando-se o leite em pó, a elasticidade da China como um todo é de 0,3, indicando que de cada 10% de aumento na renda, há um aumento de 3% na demanda do produto. Para o Vietnam, o valor é de 9,5% e para o Peru de 5,4%. Estes dados demonstram que há potencial de importação por parte de países da Ásia e também da América Latina. é para países de alta elasticidade renda da de-manda que devem se concentrar os esforços das potenciais exportações brasileiras de leite em pó.

Para o sucesso nas exportações de leite, há “deveres de casa” a fazer. Esforço gigantesco deve ser realizado no âmbito da produção interna para elevar a competitividade na produção de leite e em todos os elos da cadeia produtiva. Em nível de fazenda, a produtividade média, mensurada por litros por vaca por dia, é muito baixa na maioria dos estados, somente superior a 7 L por dia por vaca para Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (dados de 2014). O maior produtor nacional, Minas Gerais, tem um valor de 4,42 (Tabela 6).

Outros requisitos são igualmente importantes para elevar a competitividade no mercado in-ternacional, destacando-se a melhoria da qualidade do produto, disponibilidade de tecnologias e

Tabela 4. Valor da produção e subsídios da União Europeia aos produtores de leite.

Ano Valor de produção (VP)

Transferência de subsídios para produtores (TP)

TP/VP (%)

2002 37.361 17.239 46,1

2003 36.491 16.460 45,1

2004 40.953 17.414 42,5

2005 41.204 12.359 30,0

2006 39.240 8.293 21,1

2007 46.600 154 0,3

2008 50.759 5.196 10,2

2009 39.316 615 1,6

2010 44.477 703 1,6

2011 50.714 662 1,4

2012 50.078 866 1,7

2013 56.245 739 1,3

2014 58.334 947 1,6

Fonte: adaptado de Organization for Economic Co-Operation and Development (2016).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 128

Figura 7. Taxa de câmbio.

Fonte: adaptado de Ipea (2016).

Tabela 5. Elasticidade-renda da demanda para diferentes países.

PaísElasticidade-renda da demanda

Leite Manteiga Queijo Leite em pó desnatado Leite em pó

Brasil 0,44 0,05 0,36 0,39 0,39

China 0,31 0,20 0,25 0,30 0,30

China Rural 4,10 0,45

Colômbia 0,27 0,26 0,41 -0,07 0,64

Egito 0,40 0,05 0,17 0,25 0,80

Índia 0,05 0,21 0,48

Indonésia 0,30 0,20 0,45 0,60 0,50

Japão 0,16 0,11 0,72 0,14

Malásia 0,40 0,50 0,50 0,30 0,60

México 0,15 0,41 0,55 0,33 0,15

Peru 0,44 0,42 0,40 0,13 0,54

Filipinas 0,50 0,10 0,35 0,10 0,34

Rússia 0,06 0,19 0,30 0,13 0,30

Coreia do Sul 0,01 0,10 0,50 0,03 0,06

Tailândia 0,78 0,50 0,47 0,46 0,44

Ucrânia 0,23 0,36 0,65 1,07 0,30

Venezuela 0,12 0,29 0,44 -0,06 0,41

Vietnam 0,38 0,43 0,16 0,67 0,95

Fonte: Food and Agricultural Policy Research Institute (2016).

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Capítulo 1 Perspectivas do Brasil no comércio internacional de lácteos 29

Tabela 6. Produção de leite no Brasil e por estado (2002–2014).

Produção de leite (L/vaca/dia)

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Brasil 3,16 3,17 3,21 3,27 3,32 3,39 3,50 3,55 3,67 3,79 3,88 4,09 4,18

RO 2,68 1,86 1,86 1,87 1,84 1,96 1,96 1,96 2,03 1,96 2,29 4,33 3,33

AC 2,26 2,05 1,94 1,44 1,66 1,50 1,35 1,67 1,59 1,62 1,62 1,66 1,75

AM 1,51 1,55 1,55 1,55 1,55 1,36 1,35 1,22 1,15 1,13 1,16 1,18 1,27

RR 1,12 1,13 1,13 0,86 0,85 0,85 0,85 0,85 0,85 0,85 0,84 0,92 0,94

PA 1,61 1,64 1,58 1,63 1,63 1,75 1,73 1,78 2,02 2,03 2,00 2,06 2,04

AP 1,54 1,61 1,53 1,67 1,60 2,00 2,07 2,31 2,20 2,30 2,37 2,29 2,29

TO 1,27 1,27 1,29 1,28 1,27 1,27 1,25 1,25 1,40 1,72 1,69 1,67 1,90

MA 1,45 1,53 1,70 1,74 1,79 1,76 1,82 1,79 1,79 1,79 1,71 1,70 1,73

PI 1,04 1,03 1,04 1,08 1,08 1,09 1,10 1,49 1,52 1,56 1,57 1,57 1,56

CE 2,10 2,14 2,17 2,18 2,19 2,24 2,26 2,26 2,26 2,31 2,20 2,22 2,33

RN 2,27 2,32 2,44 2,45 2,55 2,33 2,31 2,41 2,44 2,54 2,50 2,48 2,48

PB 1,81 1,97 2,07 2,11 2,09 2,24 2,42 2,51 2,48 2,51 2,09 2,20 2,18

PE 2,81 2,86 2,99 3,55 3,73 3,79 3,99 3,81 4,17 4,21 3,87 3,74 3,82

AL 3,77 3,88 4,05 4,09 3,95 3,80 4,10 4,20 4,24 4,21 4,42 4,50 5,17

SE 2,35 3,59 2,74 2,97 3,38 3,49 3,58 3,62 3,68 3,81 3,62 3,87 4,02

BA 1,36 1,42 1,46 1,49 1,47 1,50 1,45 1,52 1,53 1,54 1,52 1,53 1,61

MG 3,88 3,93 3,99 4,06 4,04 4,01 4,08 4,12 4,22 4,26 4,30 4,36 4,42

ES 3,03 2,99 3,07 3,08 3,06 3,08 3,02 2,97 3,04 3,03 3,05 3,01 3,17

RJ 3,15 3,16 3,17 3,25 3,25 3,09 3,10 3,14 3,23 3,20 3,44 3,53 3,51

SP 2,79 2,84 2,85 2,92 2,99 2,96 3,05 3,04 2,96 3,02 3,15 3,30 3,78

PR 4,58 4,87 5,03 5,17 5,35 3,47 5,82 6,14 6,35 6,58 6,73 6,94 7,20

SC 5,34 5,67 5,86 5,90 5,97 6,36 6,47 6,51 6,66 6,79 6,91 7,06 7,38

RS 5,38 5,34 5,39 5,62 5,80 6,09 6,40 6,39 6,66 6,95 7,31 7,94 8,31

MS 2,70 2,71 2,71 2,72 2,67 2,67 2,60 2,62 2,65 2,70 2,70 2,71 2,80

MT 2,94 2,92 3,19 3,11 3,08 3,12 3,11 3,13 3,14 3,21 3,35 3,35 3,41

GO 3,07 3,08 3,08 3,11 3,12 3,16 3,33 3,37 3,53 3,65 6,61 3,80 3,80

DF 3,71 2,77 2,42 3,87 4,31 4,98 6,11 4,72 4,85 4,21 5,80 3,88 4,07

Fonte: IBGE (2014).

extensão rural, logística adequada, eficiente cadeia de frios e uma política governamental de apoio às exportações. Deve-se reconhecer que exportar produtos lácteos não tem sido uma prioridade de governo. Recentemente (BRASIL..., 2015), o Ministério da Agricultura lançou um plano para dobrar a exportação de leite em três anos e beneficiar 80 mil pequenos produtores.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 130

CONSIDERAçõES FINAIS

• Este capítulo caracterizou os mercados nacional e internacional de leite com base na teoria econômica. Mostrou-se que os parâmetros zootécnicos estão sujeitos às leis de mercado e, por isto, sofrem ajustes com a variação do preço do produto e dos insumos. Defendeu-se a tese que o incremento da produção sem a expansão das exportações, trará redução de preços, suficiente para barrar a disseminação da tecnologia.

• Demonstrou-se que a produção de leite no Brasil está concentrada. Muitos pequenos pro-dutores com pouca produção e alguns com volumes bem expressivos. A ascensão de pe-quenos para médios produtores depende da superação de “imperfeições de mercado” que os atinge, tanto na compra de insumos como na venda do leite.

• O crescimento da produção brasileira de leite de 2002 a 2014 (+62%) se deveu ao mercado interno. O mercado externo para o produto foi errático, com exportações muito fracas e importações também limitadas, oriundas da Argentina e do Uruguai (Mercosul).

• Aumentos significativos da produção no futuro dependerão de uma agressiva ação para a conquista de mercado externo. Essas conquistas exigem, além da competitividade do pro-duto em termos de custo, infraestrutura adequada, ações mais arrojadas das representa-ções de produtores e de governo. Por ora, isso ainda não é possível. Países potencialmente importadores no futuro situam-se no sul da Ásia, como China, Indonésia, Vietnam e Índia.

• Finalmente, a inteligência de mercado deve ser fortalecida como fator determinante nos processos de tomada de decisão e formulação de políticas públicas.

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Capítulo 1 Perspectivas do Brasil no comércio internacional de lácteos 31

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Capítulo 2 A contribuição das políticas públicas no desenvolvimento da pecuária leiteira 33CAPÍTULO 2

A contribuição das políticas públicas no desenvolvimento da pecuária leiteira

Rodrigo Sant’Anna Alvim | Bruno Barcelos Lucchi

INTRODUçãO

Entre as atividades agropecuárias exploradas no Brasil, a pecuária de leite deve ter sido a que mais sensibilizou governantes para elaboração de políticas públicas nos últimos anos. Não é para menos; de acordo com o Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2013), realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 1,35 milhão de estabelecimentos produtores de leite, os quais representam 25% das propriedades rurais brasileiras. Do ponto de vista social, é uma das principais atividades prati-cadas por pequenos e médios produtores. Segundo o IBGE (2013), 58% do leite produzido no Brasil é oriundo de propriedades que se enquadram na Lei nº. 11.326/2006 da agricultura familiar.

No âmbito econômico, a atividade leiteira está presente em 552 microrregiões das 558 existentes no País (IBGE, 2013); emprega mais de 5 milhões de pessoas apenas no segmento da produção pri-mária (ZOCCAL; STOCK, 2011); e apresentou R$ 39 bilhões de valor bruto da produção (VBP) em 2015, ficando em sexto lugar entre os principais produtos do agronegócio brasileiro (CONFEDERAçãO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL, 2016).

Em que pese, o setor lácteo possuir grande relevância social e econômica para o País, observa-se que ainda não conseguiu atingir todo o seu potencial, diferentemente das cadeias produtivas dos grãos e das carnes. Embora importante, o crescimento apresentado até o momento ocorreu muito mais na esfera quantitativa do que na qualitativa, o que mantém a necessidade de se pensar estra-tégias de desenvolvimento dessa cadeia.

Nos últimos 6 anos, quatro ações do poder público tentaram estruturar a cadeia produtiva do leite:

• Agenda Estratégica da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Leite e Derivados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

• Documento Contribuições para a Política Nacional do Leite, coordenado pela Subcomissão do Leite da Câmara dos Deputados.

• Plano Mais Pecuária do Mapa.

• Programa Leite Saudável do Mapa.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 134

As propostas apresentadas por essas iniciativas estruturam grande parte das políticas públicas demandadas pelo setor. Nesse sentido, o presente artigo se propôs a analisá-las, verificando o que realmente foi implantado.

INICIATIVAS DE DESENVOLVIMENTO DA CADEIA PRODUTIVA DO LEITE

AGENDA ESTRATéGICA DA CâMARA SETORIAL DA CADEIA PRODUTIVA DO LEITE E DERIVADOS DO MAPA

As Câmaras Setoriais do Mapa são instâncias consultivas criadas na gestão do ministro Roberto Rodrigues (2003–2006), cuja missão estaria relacionada à identificação de oportunidades de desen-volvimento das cadeias produtivas, articulação dos agentes públicos e privados e atuação sistêmica. No caso da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Leite e Derivados (CSCPLD), os membros são representantes de produtores, cooperativas, indústrias de laticínios, fornecedores de insumos e en-tidades que representam o ambiente organizacional e institucional.

A iniciativa para a construção de uma agenda propositiva partiu da coordenação geral das Câmaras Setoriais, que propôs a cada câmara a elaboração de um documento que contivesse ações estruturantes para o desenvolvimento do setor em um horizonte de 5 anos (2010–2015). Além da visão de longo prazo, a agenda objetivou fortalecer as câmaras como ferramentas de construção de políticas públicas e privadas para o agronegócio, dando maior visibilidade às ações do Mapa em resposta às demandas da sociedade, fazendo com que estejam refletidas nos programas de trabalho do Mapa (VILELA; ARAUJO, 2006).

A proposta da agenda estratégica do leite e derivados foi aprovada em reunião ordinária da CSCPLD em 2009. Ao longo do ano de 2010, um grupo de trabalho elaborou as propostas que foram validadas pelos membros e publicadas em 2011. Vale salientar que a concepção da agenda estraté-gica aconteceu na gestão do ministro Reinhold Stephanes (mar./2007–abr./2010) e sua implementa-ção ocorreu durante a gestão do ministro Wagner Rossi (abr./2010–ago./2011).

O documento (BRASIL, 2011a) contou com dez temas de interesse da cadeia, que por sua vez, foram divididos em tópicos que concentravam as diretrizes da agenda, ações propostas, coorde-nações e prazos de execução. Nos comentários a seguir, buscou-se identificar as demandas mais relevantes dentro de cada tema, assim como sua efetivação.

Estatísticas

Informações estatísticas são a base para qualquer planejamento. Assim, a agenda previa uma grande reestruturação das informações estatísticas da cadeia. As diretrizes foram definidas a partir de três levanta-mentos: produção leiteira; produção industrial; e custos de produção.

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Capítulo 2 A contribuição das políticas públicas no desenvolvimento da pecuária leiteira 35

As ações previam maior interação entre IBGE, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e universidades para revisão da metodologia utilizada nas pesquisas e na criação de banco de dados com informações detalhadas dos produtores e indústrias de laticínios.

As iniciativas institucionais seriam coordenadas pelo Mapa e, para as ações que necessitassem de interlocução entre os setores, seriam criados grupos de trabalho específicos; o que não aconteceu. Porém, fruto dessas discussões, a Embrapa Gado de Leite apresentou informações detalhadas sobre o perfil do produtor e da produção de leite no Brasil a partir dos dados do Censo Agropecuário de 2006, que contou com a tabulação do IBGE. Esse trabalho trouxe informações relevantes para o setor que auxiliaram na estruturação de políticas públicas. Foi identificado que, quanto maior o volume de leite produzido, maior o nível de especialização do produtor. Outro dado importante se refere ao elevado número de estabelecimentos produtores de leite que não comercializam a produção, o qual ultrapassa 30% (ZOCCAL et al., 2011).

PD&I

No campo da pesquisa, a demanda era vasta. Desde a busca por maior captação de recursos para estudos do setor, até temas técnicos que envolvem melhoria da qualidade do leite, controle de enfermidades, combate à fraude, sistemas produtivos sustentáveis e desenvolvimento de novos produtos. Entretanto, não houve atuação direta da agenda nessa área.

As ações que ocorreram foram exclusivamente por iniciativas dos atores da cadeia. Por exem-plo, a indústria de laticínios inovou ao lançar o iogurte grego, que trouxe mais consumidores para cadeia. No caso da fraude, a Clínica do Leite aprofundou os estudos na área analítica utilizando a metodologia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) para análises de composição do leite. Para sustentabilidade, o Projeto Pecus da Embrapa reuniu mais de 300 pesquisadores de todo o Brasil para avaliar a dinâmica de gases de efeito estufa (GEE) e o balanço de carbono em sistemas agropecuários. Porém, todas essas ações se deram sem interferência da agenda.

Assistência técnica

Neste tópico, foram registradas todas as demandas de capacitações técnicas e gerenciais ligadas aos produtores; ações de transferência de tecnologia; ampliação e fortalecimento de programas de assistência técnica e gerencial; além de articulação e cooperações dos órgãos de assistência técnica oficiais com a iniciativa privada.

No entanto, também não houve atuação direta da agenda no desenvolvimento dessas ações. A evolução do setor será relatada posteriormente quando abordarmos os programas mais recentes.

Defesa agropecuária

Com relação à defesa agropecuária, as principais diretrizes foram os marcos regulatórios do Mapa, ações de fiscalização e controle e programas sanitários.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 136

Para o primeiro, as principais ações foram: conclusão do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa); alteração da Instrução Normativa n° 51/2002 do Mapa (BRASIL, 2002), de forma a viabilizar as análises individualizadas em tanques comunitários; harmonização dos marcos regulatórios com o Mercosul, entre outras. De certa forma, houve evo-lução em alguns desses itens, apesar de não se ter chegado à meta estabelecida pela agenda. Por exemplo, as alterações na IN-51 deram origem a IN-62/2011 (BRASIL, 2011b), que determinou que as coletas de leite em tanques comunitários deveriam ser individualizadas, a fim de se conseguir ras-trear aqueles que prejudicam a qualidade. No entanto, a norma não foi adiante em função da pres-são realizada pela indústria de laticínios que alegava que teria dificuldades de operacionalização.

Já as ações de fiscalização foram: intensificar o combate à fraude, combater a informalidade, consolidar o cadastro de produtores no SIG/SIF, consolidar o Lanagro de Pedro Leopoldo, MG, e promover programas permanentes de capacitação dos fiscais federais. Para esse tópico, não houve ações coordenadas pela agenda.

Por fim, para os programas sanitários, as ações elencadas foram: intensificar e fortalecer o pro-grama de controle e erradicação de brucelose e tuberculose, bem como o programa de controle de resíduos e contaminantes do leite. Nesse último caso, a Embrapa Gado de Leite apresentou alterna-tiva para o problema de análise quantitativa dos kits de triagem de antibiótico, porém não houve alteração no programa.

Marketing e promoção comercial

As ações que visaram fomentar o marketing dos produtos lácteos não progrediram. Muitas delas visavam a captação de recursos, outras o fortalecimento de programas, como o Láctea Brasil – orga-nização da sociedade civil de interesse público (Oscip), destinada a promover os produtos lácteos brasileiros – que acabou sendo extinta em função da falta de apoio do setor.

Para a diretriz “promoção comercial com foco no mercado externo” a principal meta era forta-lecer o programa da Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (Apex-Brasil) para promoção dos lácteos brasileiros. Na época, o programa era coordenado pela Organização das Cooperativas do Brasil (OCB); atualmente, encontra-se com a Viva Lácteos. O programa teve papel importante na criação da cultura de exportação das indústrias brasileiras, bem como no mapeamen-to de mercados potenciais.

Crédito e seguro

À exceção do seguro, que não teve elaboração de ação pontual, os demais temas relacionados à política agrícola foram trabalhados e concretizados. Exemplos como a ampliação do prazo de 2 anos para a linha retenção de matrizes e a adequação do prazo de financiamento das linhas de estocagem de lácteos de 6 para 9 meses foram atendidos em pelo menos um dos planos agrícolas apresentados no período da agenda.

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Capítulo 2 A contribuição das políticas públicas no desenvolvimento da pecuária leiteira 37

Governança da cadeia

Este item foi dividido em três diretrizes: serviço de inteligência, infraestrutura e logística e orga-nização do setor. Para o primeiro, houve iniciativa do Mapa para avançar no tema, que chegou até a estruturar quais seriam as principais informações a serem analisadas. Porém, com a mudança de ministro, não houve continuidade. Quanto às questões relacionadas à infraestrutura e logística, a principal proposta foi a melhoria das estradas vicinais via emendas parlamentares, que não foram trabalhadas pela agenda. Por fim, a organização do setor preconizava iniciativas como o associativis-mo dos produtores e a criação de cooperativas, as quais não tiveram ações concretas.

Legislação

A legislação tributária apresentou o maior número de demandas neste item. Ações relacionadas principalmente aos problemas gerados pelo acúmulo de créditos do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) pelos laticínios, bem como as distorções do Imposto por Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nos estados, foram apontadas como prioritárias. No entanto, nenhuma delas alcançaram melhorias por força da agen-da, em que pese a recente evolução da monetização dos créditos gerados do PIS/Cofins, que será detalhada no âmbito do Programa Leite Saudável.

Outra demanda do setor que se concretizou se refere à regulamentação de medicamentos gené-ricos de uso veterinário. Em 6 de maio de 2015 foi publicado o Decreto n° 8.448, que regulamentou o registro de medicamentos genéricos de uso veterinário. Apesar da Lei 12.689/2012, que versa sobre o assunto, ter sido sancionada em 2012, somente em 2015 houve a regulamentação. Com esse ato, o setor de produção primária espera que haja redução nos custos dos medicamentos veterinários.

Comercialização

A ação mais importante deste item refere-se ao combate de práticas desleais de comércio com base nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Nessa linha, a principal ação desenvol-vida no período foi a prorrogação dos direitos antidumping aplicados às importações de leite em pó oriundas da Nova Zelândia e União Europeia.

Em 2011, a CNA protocolou o pedido de renovação dos direitos antidumping do leite em pó impor-tado da União Europeia e Nova Zelândia. O processo tramitou em 2012, com resultado apresentado pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) em 2013, quando foi prorrogado por um prazo de 5 anos o direito antidumping aplicado às importações de leite em pó originárias da Nova Zelândia e da União Europeia, a ser recolhido sob a forma das alíquotas ad valorem de 3,9% e 14,8%, respectivamente.

Negociações internacionais

As principais diretrizes foram a priorização da celebração de acordos comerciais bilaterais em detrimento à negociação em bloco e à consolidação da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 138

dos 11 produtos lácteos sensíveis em 28%, visto que o vencimento da tarifa na lista de exceção terminava em 2011.

Sobre a primeira demanda, não houve avanços. Com relação à TEC, não se conseguiu a consoli-dação da tarifa, pois os parceiros do bloco só concordam com a elevação temporária. No entanto, no dia 17 de julho de 2015, o Conselho do Mercado Comum do Mercosul (CMC) prorrogou a TEC dos 11 produtos lácteos sensíveis até o final de 2023.

CONTRIBUIçõES PARA A POLÍTICA NACIONAL DO LEITE - SUBCOMISSãO DO LEITE DA CâMARA DOS DEPUTADOS

A Subcomissão Permanente do Leite foi criada em 2011 na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados com o intuito de acompanhar, avaliar e propor medidas sobre a produção de leite no mercado nacional. O requerimento foi apre-sentado pelo Deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), que foi eleito presidente da Subcomissão em seu ano de criação (INSTALADA..., 2011).

No dia 8 de novembro de 2012, a subcomissão do leite realizou, na sede da CNA, a I Conferência Nacional do Leite, que contou com a participação dos diversos representantes da cadeia produtiva. O evento objetivou elaborar o documento Contribuições para a Política Nacional do Leite, que foi organizado em nove eixos, conforme descrição abaixo (CONFERêNCIA NACIONAL DO LEITE, 2012):

1) Defesa sanitária: 16 itens

2) Defesa comercial: 4 itens

3) Capacitação e assistência técnica aos produtores: 12 itens

4) Políticas de crédito: 14 itens

5) Legislação e tributação: 13 itens

6) Infraestrutura e logística: 8 itens

7) Promoção comercial dos produtos lácteos: 4 itens

8) Organização do setor: 5 itens

9) Pesquisa e desenvolvimento: 16 itens

A base do documento foi a agenda da Câmara Setorial de Leite e Derivados do Mapa, que foi atualizada e sofreu a incorporação de novas ações. Das 92 solicitações, 12 foram indicadas como prioritárias:

• Garantir a defesa comercial do mercado lácteo brasileiro, por meio da renovação do acordo de cotas e preços do leite em pó argentino, incluindo os queijos e o soro de leite;

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Capítulo 2 A contribuição das políticas públicas no desenvolvimento da pecuária leiteira 39

estabelecer o acordo de cotas e preços para o leite em pó, queijos e soro de leite prove-nientes do Uruguai; manter os direitos antidumping sobre o leite em pó oriundo da União Europeia e da Nova Zelândia e consolidar a TEC em 28%.

• Garantir a implementação da IN 62/2011 (BRASIL, 2011b), priorizando questões de capaci-tação, pagamento por qualidade, fiscalização e eficiência dos laboratórios da RBQL.

• Assegurar recursos financeiros aos municípios a fim de viabilizar o escoamento da produ-ção; melhorar o abastecimento e a distribuição de energia elétrica e internet banda larga, assegurando oferta constante e regular para produtores e indústrias.

• Assegurar recursos financeiros para a execução dos programas sanitários e estruturação de serviços municipais e estaduais de inspeção sanitária de produtos de origem animal, visando à adesão ao Sisbi/Suasa, de forma a garantir a qualidade e segurança do alimento nacional.

• Revisar os marcos regulatórios do setor lácteo, em especial o Riispoa.

• Viabilizar a utilização dos créditos do PIS/Cofins para custeio e investimento em programas de capacitação de produtores e modernização do parque industrial.

• Revisar e ampliar as políticas de apoio à comercialização, aquisição de alimentos e alimen-tação escolar, observando as peculiaridades regionais.

• Fortalecer o processo de inovação tecnológica para a cadeia produtiva do leite, garantindo recursos orçamentários, sem cortes, e a criação de um fundo setorial específico.

• Reestruturar, fortalecer e ampliar os sistemas brasileiros de assistência técnica e extensão rural públicos e privados, estabelecendo convênios e parcerias com entidades afins (Senar, Sebrae, Embrapa, Oepas, Emater, outras instituições de Ater, SDC/Mapa, MDA, universida-des e indústrias de laticínios) voltadas à capacitação e assistência técnica e gerencial da cadeia produtiva do leite e derivados.

• Criar sistema unificado de dados e estatísticas para fundamentar tomadas de decisão.

• Estabelecer ações compensatórias aos produtores de leite devido aos custos ambientais.

• Promover o associativismo e cooperativismo no setor lácteo com o intuito de fomentar a organização de produtores e trabalhadores.

Em 2013, o Deputado Alceu Moreira (PMDB-RS) foi eleito presidente da subcomissão do lei-te e apresentou a proposta de criação da Política Nacional do Leite. O documento elaborado na Conferência Nacional do Leite foi desmembrado em 15 projetos de lei para o setor e 93 indicações ao Executivo, que foram entregues aos ministérios envolvidos: Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Fazenda, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além da Embrapa.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 140

Para as ações semelhantes às da agenda da Câmara Setorial, o resultado é o mesmo apresentado

anteriormente. Dos temas novos, vale destacar a pressão política da subcomissão do leite sobre os

ministérios responsáveis em validar o acordo de cotas e preços do leite em pó com a Argentina.

Mesmo não conseguindo acordo com o Uruguai, a subcomissão ajudou o setor a sensibilizar o

Executivo para a celebração do acordo.

Quanto aos projetos de lei, grande parte ainda se encontra em tramitação.

PLANO MAIS PECUÁRIA DO MAPA

O Plano Mais Pecuária foi lançado em 2014 (BRASIL, 2014), na gestão do ministro Antônio

Eustáquio Andrade Ferreira (mar./2013–mar./2014), e teve como objetivo aumentar de forma sus-

tentável a produtividade e a competividade da pecuária bovina de leite e corte em um horizonte de

10 anos. O plano foi dividido em Mais Leite e Mais Carne. Neste artigo, daremos destaque apenas ao

primeiro.

A gestão do plano ficaria a cargo de um comitê gestor e um comitê executivo que seriam com-

postos por secretários do Mapa e técnicos da assessoria de gestão estratégica do mesmo ministério.

O objetivo do Plano Mais Leite seria aumentar a produção e a produtividade do leite brasileiro

em 40% nos próximos 10 anos, atingindo os números de 46,8 bilhões de litros e 2.000 L por vaca por

ano respectivamente. Para atingir tais indicadores, as ações do programa foram divididas em quatro

eixos que serão descritos e analisados a seguir.

Melhoramento genético

O objetivo desse tópico era aumentar o uso de inseminação artificial no Brasil, bem como o nú-

mero de reprodutores nacionais no comércio de sêmen. As metas eram inseminar 25% do rebanho

nacional e aumentar de 50% a comercialização de doses de sêmen dos touros nacionais.

Para se atingir tais números, as ações seriam: a) incentivar financeiramente as associações de

criadores e demais entidades que realizam o melhoramento genético; b) disseminar o uso de ge-

nética superior através de capacitações aos produtores, incentivo à aquisição de matrizes e touros

melhoradores e fortalecimento de ampliação de programas de disseminação de material genético;

c) modernizar o arquivo zootécnico nacional.

Entre essas ações, as que tiveram maior avanço foram a linha de crédito para a retenção de ma-

trizes e reprodutores bovinos, que foi mantida nos planos agrícola de 2014/2015 e 2015/2016 e

o incentivo ao Programa de Melhoria da Qualidade Genética do Rebanho Bovino Brasileiro (Pró-

Genética), que foi ampliado para mais estados.

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Capítulo 2 A contribuição das políticas públicas no desenvolvimento da pecuária leiteira 41

Ampliação de mercados

O foco desse eixo era aumentar o consumo de leite e derivados no Brasil e elevar o volume de produtos lácteos exportados. Para tanto, a meta era aumentar de 23% o consumo interno, atingindo a marca de 210 L por habitante por ano, bem como exportar 1,5 bilhão de litros de leite.

As ações planejadas para o incremento do consumo doméstico foram: articular e apoiar financei-ramente ações de marketing do leite no mercado interno; desenvolver produtos de valor agregado, como os possuidores de “indicação geográfica” e lançar editais de pesquisa para desenvolvimento de novos produtos. À exceção dos trabalhos que já vinham sendo realizados pelo Mapa sobre indi-cação geográfica de queijos artesanais, as demais iniciativas não apresentaram evolução.

Com relação à ampliação das exportações, a estratégia foi a mesma apresentada pela agenda estratégica, baseada no projeto da Apex, que está ainda em andamento.

Incorporação de tecnologia

O objetivo principal desse tópico era a capacitação de produtores e trabalhadores rurais, bem como de técnicos que realizam a assistência técnica. A meta seria capacitar 10 mil técnicos e 650 mil trabalhadores/produtores até 2023.

Para atingir tais números, as estratégias seriam: a) articular e apoiar financeiramente instituições afins como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e outras; b) investir em pesquisa aplicada para as áreas técnicas e gerenciais da atividade leiteira.

O resultado mais expressivo foi o lançamento da Chamada Pública n° 2/2014 do Mapa, que se-lecionava propostas de projetos de assistência técnica, extensão rural e capacitação de produtores rurais, transportadores, técnicos de agroindústrias e técnicos multiplicadores da cadeia produtiva do leite para melhoria e garantia da segurança e da qualidade do leite produzido, armazenado, transportado e beneficiado nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás. O andamento dessa proposta será apresentado na discussão do Programa Leite Saudável.

Segurança e qualidade dos produtos

O objetivo principal foi garantir a segurança e qualidade do leite. Nesse sentido, duas metas se destacam: a primeira, atingir os parâmetros estabelecidos pela IN-62/2011 (BRASIL, 2011b) para o ano de 2016, e a segunda, reduzir a prevalência de brucelose e tuberculose para menos de 5% de foco e 2% de animais positivos.

Das ações propostas, citam-se: a) articular e apoiar financeiramente a expansão de projetos de comprovada eficiência na produção de leite com qualidade, assim como aqueles que melho-rem a infraestrutura e logística rural; b) aprimorar a gestão da Rede Brasileira de Laboratórios de

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 142

Controle da Qualidade do Leite (RBQL), acompanhar a adequação dos resultados da IN-62/2011 e do Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes e modernizar o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa); c) realizar ações no âmbito estadual e privado para reduzir a prevalência das zoonoses em questão.

No âmbito do programa, poucas foram as inciativas de implementação dessas ações; o panora-ma atual será dado na análise do Programa Leite Saudável.

PROGRAMA LEITE SAUDÁVEL DO MAPA

O Programa Leite Saudável foi criado na gestão da ministra Kátia Abreu (jan./2015–maio/2016), com o objetivo de melhorar a qualidade do leite brasileiro através do desenvolvimento da assistên-cia técnica, melhoramento genético e boas práticas agropecuárias, garantindo assim, o aumento da renda e a ascensão social dos produtores de leite em um horizonte de 4 anos.

O Programa, estruturado em sete pilares, pretende atingir 80 mil produtores de leite que se en-contram entre as classes de renda C e D e estejam localizados nos principais estados produtores: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Santa Catarina.

Os pilares do Programa Leite Saudável são:

Assistência técnica gerencial

A metodologia proposta para a assistência técnica gerencial é praticamente a mesma apresenta-da pelo Plano Mais Leite, compreendendo visitas mensais dos técnicos de campo, que seriam super-visionados e capacitados, assim como os produtores.

A Chamada Pública n° 2/2014 do Mapa que previa assistir 3.620 produtores foi viabilizada pelo Programa Leite Saudável em novembro 2015, em que foram alocados mais de R$ 10 milhões (57% da meta) para as entidades que venceram o edital: Senar e Cooperideal. O início dos trabalhos a campo está previsto para o segundo semestre de 2016.

Não obstante, o avanço da implementação de uma nova metodologia da assistência técnica no âmbito público, o Programa Leite Saudável desenvolveu uma importante inciativa para o setor atra-vés da publicação do Decreto 8.533/2015, que institui o Programa Mais Leite Saudável. Com isso, foi permitido aos laticínios utilizarem parte dos créditos presumidos do PIS/Cofins para o desenvol-vimento de projetos de assistência técnica e capacitação aos produtores de leite. Os laticínios que aderirem ao programa poderão apurar 50% do crédito presumido gerado pelo PIS/Cofins, ao passo que aqueles que não aderirem, apurarão somente 20%.

Assim, uma importante fonte de recursos foi criada para o fomento de assistência técnica e capa-citações aos produtores. De acordo com informações do Mapa, de outubro/2015 a maio/2016, foram aprovados 65 projetos apresentados por laticínios, disponibilizando R$ 21,7 milhões para assistência

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Capítulo 2 A contribuição das políticas públicas no desenvolvimento da pecuária leiteira 43

técnica e capacitação, que beneficiarão mais de dois mil produtores. Sem dúvida, esse foi um exce-lente exemplo de política pública envolvendo a parceria público-privado.

Melhoramento genético

As ações ligadas ao eixo melhoramento genético serão realizadas em conjunto com as Associações de Raça e com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

O programa visa ampliar o uso de inseminação artificial em até 40% e fornecer embriões de animais de genética superior para 2.400 propriedades assistidas pelos técnicos do Leite Saudável. Porém, as ações ainda não foram iniciadas.

Política agrícola

O programa não apresentou inovação nas linhas de crédito existentes para o setor, principal-mente em função da crise político-econômica que vive o País. Assim, os programas de custeio e investimento que mais se encaixaram no perfil do público do Leite Saudável, apresentando menores taxas de juros no Plano Safra 2015/2016, foram: Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ) e Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária (Inoavagro), cujos números do últi-mo ano são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1. Números das linhas selecionadas referentes ao Plano Safra 2015/2016.

Linha Pronamp Inovagro Pronaf

Recursos Programados (bilhões R$) 5,29 1,4 28,9

Limite de Crédito (mil R$) 385 1.000 300

Prazo Máximo (anos) 12 10 10

Carência (anos) 2 3 3

Taxa de juros (% a.a.) 7,5 7,5 2,5 – 5,5

Pronamp = Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural; Pronaf = Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; Inoavagro = Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária.Fonte: Brasil (2016a, 2016b).

Sanidade animal

O principal objetivo do eixo Sanidade é melhorar os indicadores referentes ao combate e erradi-cação da brucelose e da tuberculose no Brasil. As ações visam desde a reestruturação do Programa Nacional de Combate e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose (PNCEBT) à criação de fundos público-privados nos estados para indenização a produtores.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 144

Para a reestruturação do PNCEBT, um importante passo foi dado com a consulta pública de ins-trução normativa que aprova o regulamento técnico do programa e classifica os estados de acordo com o grau de risco das doenças. Já no que se refere ao fundo indenizatório, da mesma forma como foi explicado no eixo da política agrícola, não há ambiente econômico no País para se trabalhar esse tipo de proposta.

Qualidade do leite

As principais ações elencadas para o pilar qualidade do leite foram: a) real implantação do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNQL); b) aprimoramento da base de dados do serviço de inspeção, utilizando a Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA); c) investimentos no laboratório de referência, Lanagro, de Pedro Leopoldo, MG; d) desenvolvimento de um sistema de inteligência para gestão dos dados de qualidade do leite.

Apesar do pouco tempo de existência do Programa Leite Saudável, uma de suas grandes con-quistas foi o desenvolvimento do Sistema de Monitoramento da Melhoria da Qualidade do Leite (SIMQL) pela Embrapa Gado de Leite. Com esse sistema, será possível armazenar e analisar mais de 50 milhões de dados de qualidade do leite oriundos dos dez laboratórios da RBQL. Assim, o setor terá condições de ter um diagnóstico preciso da qualidade do leite no Brasil, que subsidiará políticas públicas, programas de capacitação e orientará a elaboração/adequação de normas de qualidade.

Em razão da falta de dados confiáveis, a IN-62/2011 (BRASIL, 2011b) foi prorrogada por mais 2 anos. Segundo estimativas do setor, em torno de 30% dos produtores apresentam leite fora do padrão estabelecido pela respectiva instrução normativa. Caso não houvesse a prorrogação, esse número passaria para 50% de inconformidade.

Ainda no âmbito do programa, foi publicado o Portaria n° 68/2016 do Mapa (BRASIL, 2016b), que institui a Comissão Técnica Consultiva para Monitoramento da Qualidade do Leite (CTC/Leite). Sua função será basicamente a mesma do PNQL, porém com maiores chances de sucesso, pois há a presença dos elos que compõem a cadeia produtiva, não apenas dos membros do governo.

Marco regulatório

As propostas que compõem o eixo Marco Regulatório são praticamente as mesmas citadas pelos planos e programas anteriores, como reformulação do Riispoa; revisão do regulamento técnico de identidade e qualidade dos produtos lácteos; regulamentação de procedimentos para a produção de queijos artesanais. Tais medidas não têm sido implementadas na velocidade apresentada pelos outros eixos.

Ampliação de mercados

O objetivo do programa é elevar o consumo doméstico de lácteos para 200 L por habitante por ano e triplicar o volume exportado de lácteos até o final de 2018. Nesse sentido, em 2015, as ações

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Capítulo 2 A contribuição das políticas públicas no desenvolvimento da pecuária leiteira 45

do Mapa foram agressivas para a abertura de mercados e habilitação de laticínios para exportação.

Com a autorização do Certificado Sanitário Internacional na China, abriu-se a possibilidade de oito

estabelecimentos exportarem. No caso da Rússia, houve a habilitação de 27 estabelecimentos pro-

dutores de lácteos, cuja pauta principal de exportação são queijos e manteiga. Como resultado,

as exportações para a Rússia, no primeiro trimestre de 2016, foram 82% maiores que a média dos

últimos 3 trimestres de 2015.

Como a abertura de mercado foi priorizada pelo Mapa em 2015, houve também avanço na área

de inteligência comercial. Já foram selecionados 12 países identificados como mercados estratégi-

cos para atuação do ministério no que tange à promoção internacional. Da mesma forma, Colômbia,

Equador e Estados Unidos também foram selecionados para se trabalhar a ampliação de cotas.

CONSIDERAçõES FINAIS

Toda ação que nos remete a pensar no futuro é extremamente válida para a sustentabilidade

de qualquer tipo de setor ou empreendimento. Nesse sentido, analisando as quatro iniciativas,

foi possível observar que mesmo que alguns planos/programas não apresentassem os resultados

esperados em um primeiro momento, possibilitaram avanço em outro, pelo amadurecimento das

discussões que permeiam a cadeia e o aprimoramento das propostas de solução de determinados

problemas.

Como ressaltado no início, o setor lácteo brasileiro possui grande apelo social, o que pode ter es-

timulado o elevado número de programas em pouco tempo. Provavelmente, por esse fato, o maior

problema identificado foi a falta de continuidade desses programas, principalmente em função de

mudança de gestão. Conforme observado, as diretrizes se repetem ao longo dos planos/programas;

caso tivesse havido centralização de esforços para cumprir o que já se havia estabelecido nas ges-

tões anteriores, certamente os avanços na cadeia teriam sido maiores.

O Programa Leite Saudável foi a iniciativa que mais apresentou resultados concretos frente aos

demais, mesmo com pouco mais de um ano de implementação, o que reforça a tese do amadureci-

mento das propostas. Porém, contou como fator principal a vontade política de quem estava no co-

mando. Os ganhos nos eixos de assistência técnica e qualidade do leite foram os mais significativos

e certamente ainda contribuirão muito para a evolução do segmento.

O desenvolvimento de políticas públicas se faz necessário para uma atividade tão heterogênea

como a pecuária de leite. Através delas, há possibilidade de se estruturar a cadeia para que o País

possa expressar todo o seu potencial de produção. A construção dessas políticas com a participação

do setor privado se mostrou a forma mais eficiente para obter os resultados almejados. O que se es-

pera do setor público é apenas a vontade política de desempenhar o que é de sua responsabilidade

e dar continuidade ao que foi planejado.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 146

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BRASIL. Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 51, de 20 de setembro de 2002. Aprova os regulamentos técnicos de produção, identidade e qualidade do leite tipo. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p. 13, 21 set. 2002. Seção 1.

BRASIL. Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 62 de 29 de dezembro de 2011. Aprova os regulamentos técnicos de produção, identidade e qualidade do leite tipo. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 dez. 2011b. Seção 1.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano mais pecuária. Brasília, DF: MAPA/ACS, 2014. 32 p.

BRASIL. Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento. Portaria n° 68 de 03 de maio de 2016. Institui a Comissão Técnica Consultiva para Monitoramento da Qualidade do Leite - CTC/Leite. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 maio 2016b. Seção 1, p. 12.

CONFEDERAçãO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL. Estimativa de abril prevê crescimento de 2,6% para o valor bruto da produção agropecuária (VBP). Boletim Valor Bruto da Produção, Brasília, DF, n. 122, abr. 2016. Disponível em: <http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/files/Boletim-VBP-ed12.pdf>. Acesso em: 10 maio 2016.

CONFERêNCIA NACIONAL DO LEITE: plenária dos delegados realizada em 8 de novembro de 2012. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2012. Ordem do Dia. Disponível em: <http://www.camara.leg.br/internet/ordemdodia>. Acesso em: 15 abr. 2016.

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INSTALADA a subcomissão sobre produção de leite. Agência Câmara Notícias, 8 jun. 2011. Agropecuária. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/198429-INSTALADA-SUBCOMISSAO-SOBRE-PRODUCAO-DE-LEITE.html>. Acesso em: 22 abr. 2016.

VILELA, D.; ARAUJO, P. M. Contribuições das câmaras setoriais e temáticas à formulação de políticas públicas e privadas para o agronegócio. Brasília, DF: MAPA/SE/CGAC, 2006. 496 p.

ZOCCAL, R.; OLIVEIRA, C. O.; TEOZOLIN, M. M. Quantos são os produtores de leite do Brasil?. Piracicaba: Milkpoint, 2011. Disponível em: <http://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/>. Acesso em: 12 mar. 2016.

ZOCCAL, R.; STOCK, L. A. Estrutura a produção de leite no Brasil. In: STOCK, L. A.; ZOCCAL, R.; CARVALHO, G. R.; SIQUEIRA, K. B. (Ed.). Competitividade do agronegócio do leite brasileiro. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2011. p. 35-57.

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Capítulo 3 A contribuição da indústria de laticínios no desenvolvimento da pecuária de leite 47CAPÍTULO 3

A contribuição da indústria de laticínios no desenvolvimento da pecuária de leite

Marcelo Costa Martins | Gustavo Beduschi | Maria Cristina de Alvarenga Mosquim

INTRODUçãO

No Brasil, a produção de leite tem importância significativa. Está presente em todo território nacional e gera um grande contingente de postos de trabalho. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016) relativos a 2014, dos 5.569 municípios brasileiros, somente em 63 não há nenhuma produção de leite, o que corresponde a praticamente 1%.

Dos 35,2 bilhões de litros produzidos em 2014, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste tiveram a maior participação com 34,7%, 34,6% e 14,1%, respectivamente. A taxa de crescimento entre 2004 e 2014 foi de 4,1% ao ano, com destaque para a região Sul, que no período teve um incremento da produção de 6,9% ao ano, com o Rio Grande do Sul passando de 10% para 13% da produção nacional (Figura 1).

Figura 1. Participação da produção de leite por região do Brasil.

Fonte: dados de IBGE (2016).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 148

Minas Gerais continua sendo o maior produtor de leite, com volume de 9,4 bilhões de litros de

leite por ano, seguido de Rio Grande do Sul com 4,7 bilhões de litros de leite por ano no e Paraná com

4,5 bilhões de litros por ano.

O setor, além de apresentar volume de produção crescente, destaca-se pela geração de emprego

e renda. No ano de 2015, a indústria de laticínios1 gerou 105 mil empregos diretos2. No entanto, é

na atividade primária que há o maior número de ocupações. Segundo o último Censo Agropecuário

do IBGE (2006) realizado 2006, a produção de leite é realizada em 1,35 milhão de propriedades,

sendo que 930 mil tem finalidade comercial e, nas outras 420 mil, o objetivo é o consumo próprio.

Assumindo-se um mínimo de dois trabalhadores atuando continuamente por propriedade, esse

segmento gerou pelo menos 2,7 milhões de postos de trabalho permanentes.

Outro aspecto interessante sobre a empregabilidade foi apontado no trabalho realizado por

Martins e Guilhoto (2001). Os pesquisadores analisaram dados econômicos e concluíram que, para

cada 1 milhão de reais em aumento de demanda, estima-se que o setor de lácteos gere 197 postos

de trabalho.

Entre as cadeias analisadas, a do leite foi a que mais gerou empregos. As outras foram calçados

(191 empregos), peças e veículos (129), construção civil (128), máquinas e equipamentos (122), in-

dústria têxtil (122), material elétrico (122), e siderurgia (116).

Há de se considerar também a importância da interiorização da geração desses empregos e a

renda por conta da produção primária, pelo processamento em laticínios e por meio da comerciali-

zação de insumos veterinários e agronômicos, bem como pela prestação de serviços. Nos municípios

menos dinâmicos e com restritas alternativas econômicas, o Produto Interno Bruto (PIB) municipal

tem no leite uma importante atividade, com a geração de créditos fiscais que permite o repasse de

receita originária do Fundo de Participação dos Municípios.

Em relação ao faturamento, o setor também está em evidência. O valor bruto da produção

agropecuária (VBP) atingiu 539,9 bilhões em 2015. Do total, R$ 338,2 bilhões são referentes às

lavouras e R$ 201,7 bilhões, à pecuária. O leite contribui com R$ 39 bilhões, correspondendo a

19,3% da produção pecuária e 7,2% do total (CONFEDERAçãO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO

BRASIL, 2015).

Dentro os diversos setores da indústria alimentícia, o de laticínios se destaca na segunda posição.

Segundo a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), em 2015 os lácteos só foram

superados pelo setor de derivados de carne, ficando à frente de importantes setores como benefi-

ciamento de café, chá e cereais, óleos e gorduras e açúcares.

1 Nesta publicação entende-se por indústria, as sociedades mercantis e as cooperativas que processam leite.2 Dados exclusivos da Viva Lácteos fornecidos aos autores deste capítulo.

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Capítulo 3 A contribuição da indústria de laticínios no desenvolvimento da pecuária de leite 49

Figura 2. Evolução do faturamento das indústrias de laticínios (valores deflacionadas pelo IPCA – abril 2016), em bilhões de R$.

Fonte: dados exclusivos da Viva Lácteos fornecidos aos autores deste capítulo em 2015.

Segundo estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT)3 para a Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos), em 2015 o faturamento das indústrias de laticínios foi da ordem de 75,5 bilhões de reais (Figura 2). O montante foi, em valores reais, 10,3% maior que em 2011. No entanto, em relação a 2014 houve uma queda de 2,6%, fruto da crise econômica que o País atravessa (variação do PIB do País foi negativa de 3,8%).

Sob a ótica da demanda interna, o consumo per capita cresceu significativamente entre 2004 a 2014. No período, a quantidade por habitante passou de 131 L para 175 L por habitante por ano, ou seja, 2,9% ao ano (Figura 3).

Em 2015, houve a reversão do cenário à medida que a taxa de crescimento da demanda desa-celerou em função do baixo crescimento da economia brasileira. A estimativa é que tenha ocorrido redução de 2,9% do consumo per capita.

Em 2014, o incremento da demanda se relacionou com o maior poder de compra dos consumi-dores e também com a maior gama de produtos ofertados.

Com base nos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2008/2009, Carvalho (2011) estimou que a elasticidade-renda do consumo per capita dos lácteos agregados foi de 0,339, ou seja,

3 Idem.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 150

Figura 3. Evolução do consumo aparente per capita de lácteos (L/hab./ano).

Fonte: dados exclusivos da Viva Lácteos fornecidos aos autores deste capítulo em 2015.

Tabela 1. Coeficientes de elasticidade-renda do consumo per capita com leite, obtidos com base no ajustamento da poligonal log-log, de acordo com os dados da POF 2008/2009.

Região Esquema de agrupamento R2

Elasticidade no estrato Elasticidade médiaI II III

Brasil 2-3-1 0,999 0,535 0,305 0,104 0,339

Centro-Oeste 2-2-2 1,000 0,170 0,247 0,460 0,274

Nordeste 2-13 1,000 0,476 0,184 0,314 0,359

Norte 2-3-1 0,913 -0,153 0,451 0,304 0,210

Sudeste 2-1-3 0,977 0,452 -0,104 0,137 0,141

Sul 2-1-3 0,991 -0,006 0,393 0,207 0,228

Fonte: Carvalho (2011).

para cada aumento de 1% na renda da população se projeta um incremento na despesa com leite da ordem de 0,339% (Tabela 1).

TRANSFORMAçõES RECENTES

Segundo Martins et al. (2004), as indústrias de laticínios são as principais responsáveis pela im-plementação das transformações em curso nos diferentes segmentos da cadeia produtiva.

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Capítulo 3 A contribuição da indústria de laticínios no desenvolvimento da pecuária de leite 51

A busca por maior competitividade tem levado essas empresas a investir na melhoria da qua-lidade do leite, na profissionalização da produção, na inovação tecnológica, no fortalecimento da imagem dos lácteos junto aos consumidores e na abertura de mercados à exportação.

A GRANELIZAçãO E A MELHORIA DA QUALIDADE DO LEITE

Dentre os vários avanços observados no setor lácteo, está a coleta do leite nas propriedades rurais. A partir da segunda metade da década de 1990, intensificaram-se os projetos de coleta de leite a granel. Até então, o leite ordenhado nas propriedades era acondicionado em latões e poste-riormente recolhido em caminhões “carga seca” com destino às indústrias.

Naquele modelo havia problemas de qualidade do leite e de custos logísticos. O leite saía das propriedades com temperatura elevada, o que propiciava o crescimento de microrganismos indese-jáveis que prejudicavam o rendimento industrial, além dos riscos à saúde do consumidor.

Alguns trabalhos, como os de Ferreira Sobrinho et al. (1995) e Jank e Galan (1998), destacam que a coleta a granel trouxe inúmeras transformações, entre as quais, a sensível redução de custos e a melhoria da qualidade da matéria-prima que chega à indústria processadora.

Com a granelização, o leite passou a ser acondicionado em tanques de resfriamento, que normal-mente têm alta capacidade de estocagem.

Para normatizar os padrões de qualidade do leite e seu transporte a granel, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), publicou, em 2002, a Instrução Normativa (IN) 51, que foi atualizada em 2011 pela IN 62.

Associado aos benefícios para a qualidade da matéria-prima, Martins et al. (2004) ressalta que a implementação do sistema de coleta a granel ocorreu de forma muito rápida no Brasil. Ou seja, mes-mo nas condições adversas de extensão territorial, desuniformidade dos produtores e condições das estradas, o empenho das indústrias foi grande para que essa nova etapa passasse a ser realidade. A coleta a granel colaborou sobremaneira para reduzir os custos com a logística de captação e trans-porte do leite da fazenda à indústria.

O setor industrial também aplicou recursos em sistemas de tecnologia da informação para defi-nir, por exemplo, as rotas de captação de leite, que possibilitam otimizar os tempos de coleta, obser-vando o atendimento à legislação e minimizando prejuízos aos produtores.

Essas inovações proporcionaram o fechamento de postos de resfriamento, redução de rotas de coleta, otimização da mão de obra e aumento do volume transportado por caminhão.

Outros avanços importantes foram a implantação do pagamento por qualidade e a valorização dos sólidos. Ainda que não seja praticado por todas as indústrias de laticínios, essa é uma importan-te medida que visa garantir maior rendimento industrial, propiciando que as propriedades nutritivas do leite estejam presentes e mantidas desde a obtenção.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 152

A continuidade do processo de melhoria da qualidade do leite brasileiro não acontecerá ape-nas por meio de incentivos aos produtores, pelo pagamento por qualidade e/ou por cobrança da fiscalização junto às indústrias. é necessária a adoção de políticas públicas voltadas à capacitação técnica de produtores e trabalhadores; a recuperação das estradas e a ampliação e manutenção da eletrificação rural; a disponibilidade de crédito para aquisição de equipamentos de refrigeração; e a consolidação dos laboratórios da Rede Brasileira de Qualidade do Leite (RBQL).

Para que essas medidas se tornem efetivas, o Mapa está reestruturando o Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNQL). Uma das medidas adotadas inclui o Sistema de Monitoramento da Qualidade de Leite (SIMQL) elaborado pela Embrapa, que visa sistematizar e padronizar os pro-cedimentos de análise do leite nos laboratórios da RBQL. Essas informações serão tratadas de forma continua, permitindo definir o perfil de qualidade do leite produzido no País, no espaço e no tempo, disponibilizando informações estratégicas para o setor leiteiro nacional.

PROFISSIONALIZAçãO DO SETOR

A melhoria da qualidade, da produção e da produtividade, são fundamentais para o aumento da competitividade do setor lácteo brasileiro. Esses avanços são possíveis com a adoção de programas de assistência técnica e de formação técnica que proporcionem maior profissionalização do setor.

De acordo com Meireles (2012), muitos dos produtores não têm condições de implantar sozi-nhos novos conceitos ou novas tecnologias, deixando para a indústria de laticínios o papel de de-senvolver o trabalho de transferência de tecnologia a seus fornecedores.

A grande maioria dos programas estabelecidos pelas próprias empresas, ou em parceria, foca a transferência de conhecimento técnico aliado ao gerencial. Em diversos casos, mais importante do que a aquisição de máquinas e/ou equipamentos, é a implantação de ferramentas que otimizem os fatores de produção, como animais e terra.

A falta de conhecimento gerencial fica evidente quando se verifica que uma parcela considerável dos produtores não faz nenhum tipo de registro das receitas e despesas, ou mesmo de controle zootécnico.

O baixo grau de instrução dos produtores é uma grande barreira para a introdução destes con-ceitos, o que dificulta, inclusive, a utilização de ferramentas simples de coleta de informações; 60,3% dos produtores de leite são semianalfabetos (Figura 4).

Um bom exemplo de programa de assistência técnica realizado com sucesso pelas indústrias, muitas vezes em parceria com entidades do Sistema ‘S’ e Federações de Agricultura, é o projeto Balde Cheio, desenvolvido pela Embrapa e difundido em praticamente todo território nacional. Atualmente, participam do projeto mais de 5 mil propriedades rurais, distribuídas em 25 Unidades da Federação. O foco do programa está na qualificação e aperfeiçoamento do técnico que atende as propriedades de leite. Outras formas de apoio ao produtor estão na intermediação da compra de

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Capítulo 3 A contribuição da indústria de laticínios no desenvolvimento da pecuária de leite 53

Figura 4. Nível de instrução dos produ-tores de leite. (1) Inclui alfabetização de jovens e adultos, fun-damental incompleto e os que sabem ler e es-crever, mas não realizaram nenhum curso.Fonte: Guimarães et al. (2013).

insumos e equipamentos, gerando uma economia para o grupo atendido e, também, na melhoria dos rebanhos, com incentivo à aquisição de futuras matrizes com alto potencial genético.

Dentro desse contexto, foi lançado o Programa Mais Leite Saudável, concebido através de parce-ria entre o Mapa e a iniciativa privada. O objetivo é promover a melhoria da qualidade do leite, de-senvolver ações de assistência técnica, melhoramento genético e boas práticas agropecuárias com a finalidade de aumento da renda e ascensão social dos produtores de leite.

Nesse programa, a principal parceria com o setor industrial é baseada no desenvolvimento de projetos decorrentes da recuperação dos créditos de PIS/Confins.

Em 2015, foi publicada a Lei nº 13.137, que alterou a forma de utilização dos créditos presumidos de PIS/Cofins para o setor de lácteos. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto nº 8.533, de 30 de setembro de 2015.

Desta forma, as empresas podem recuperar 50% dos créditos destes tributos, desde que apre-sentem projetos voltados aos produtores em um montante correspondente a 5% do valor referente ao que utilizarem para pagamento de outros tributos federais ou em ressarcimento em dinheiro.

Desde outubro de 2015, o setor industrial já apresentou 207 projetos, com um volume de recur-sos de mais de 90 milhões de reais (Figura 5).

INOVAçãO TECNOLóGICA NAS INDÚSTRIAS

A sobrevivência e o crescimento empresarial têm forte correlação com o desenvolvimento de novos produtos e processos.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 154

Figura 5. Valor total dos projetos de PIS/Cofins por estado/região(1) (em R$ mil).

Fonte: (1) dados exclusivos da Viva Lácteos fornecidos aos autores deste capítulo em 2016.

Em um mercado que está crescendo menos no País nos últimos anos, inovar é fundamental para continuar ganhando espaço e agregando valor. Aos derivados lácteos é possível incorporar uma série de inovações, desde formatos, sabores e tipos de produtos. A inovação e o lançamento de novos produtos são necessidades para empresas que pretendem manter ou estabelecer liderança no mundo globalizado com diferentes demandas.

Nesse sentido, ganham destaque os alimentos funcionais, que são a nova tendência no mercado lácteo neste início do século 21, pela forte relação com a saúde e qualidade de vida.

No Brasil, já são vários os alimentos funcionais presentes no mercado: além dos iogurtes com probióticos que melhoram a saúde intestinal, citam-se os leites enriquecidos com ferro (que ajudam na prevenção e no tratamento da anemia), com vitaminas e com baixo/zero percentual de lactose e gordura.

Acrescenta-se a isso o fato do crescimento acentuado da alimentação fora do lar ter aumenta-do muito a chance de inovação em produtos para o food service. As mudanças de comportamen-to de consumidores implicam alteração nos hábitos de compra e geram adequação nos produtos ofertados.

O mercado referente às famílias também mudou. Hoje há muitas pessoas morando sozinhas. O número de filhos por família também diminuiu. O País está envelhecendo. O mercado está ficando mais complexo.

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Capítulo 3 A contribuição da indústria de laticínios no desenvolvimento da pecuária de leite 55

Um exemplo de sucesso de inovação no Brasil foi o lançamento dos iogurtes gregos. Na chama-da linha de goumertização, os iogurtes gregos foram e continuam ser um grande sucesso chegando a crescer 11% nas vendas, em 2015. As razões principais desse ganho de mercado estão relacionadas com: a qualidade, o tipo de embalagem (modernas e bem trabalhadas), consistência diferenciada que agrada a diferentes perfis de consumidores e o marketing.

Novos desafios estão relacionados à utilização de tecnologias de concentração de leite, como a ultrafiltração e o melhor aproveitamento do soro de leite.

A viabilidade do processo de inovação está diretamente ligada à agilidade na modernização dos marcos regulatórios. Para tanto, há a necessidade de trabalho conjunto entre os setores público e privado para atualização e criação de marcos regulatórios, como os regulamentos técnicos de identidade e qualidade (RTIQs) de derivados lácteos, criando condições para aprovação de novos produtos.

IMAGEM DO SETOR: CONSUMO DE LÁCTEOS

Assim como outros alimentos, os lácteos circulam em meio a opiniões que, em alguns momentos, condenam o produto para a dieta humana e, em outros, atestam sua contribuição significante para a saúde e o desenvolvimento. As manifestações acerca do leite e seus derivados são apresentadas ao público por uma série de canais de comunicação, com destaque para a imprensa e as mídias sociais.

Na mídia, a transformação das redações influencia diretamente a disseminação da imagem de produtos lácteos. As mudanças no cenário midiático, percebidas desde a ascensão da internet e suas redes sociais e a crise econômica, trouxeram à tona a queda de repórteres sêniores nas redações e o aumento de jovens jornalistas, provocando uma “dança das cadeiras” nas editoras. O resultado é a disseminação de reportagens sobre o setor de lácteos mais superficiais, principalmente na área da saúde. Ao mesmo tempo, esse quadro compromete o processo de construção gradativa e qualitati-va da percepção da imprensa para a imagem dos lácteos.

Esse cenário abre caminho para uma maior exposição de instituições e profissionais das áreas de saúde, nutrição e gastronomia que ganham liberdade para abordar o tema lácteos de acordo com suas convicções. A sociedade civil ganha força e se tornam cada vez mais constantes os debates entre forças políticas interessadas em combater o atual modelo de comercialização de produtos lácteos e os interesses de uma parcela da população influenciada pelo novo Guia alimentar para a população brasileira. Um resultado efetivo desses embates está no fortalecimento de organizações não governamentais (ONGs) que demandam mudanças significativas nas regras de comercialização dos produtos.

O Brasil é um dos principais mercados para redes sociais e este foi o caminho utilizado não só pela sociedade civil, como a própria imprensa, para amplificar ideias e conquistar seguidores. O pú-blico comum passou a compartilhar notícias e a sociedade civil organizada cria canais próprios para defender sua ideologia.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 156

Cada vez mais as notícias são amplamente compartilhadas nas redes sociais. Segundo o Reuters Institute Digital News Report (2015), o Brasil está em 1º lugar no ranking de compartilhamento de notícias entre 12 países. Entre os brasileiros, 59% dos entrevistados pela instituição, afirmam usar as redes sociais para este compartilhamento de notícias.

Ainda de acordo com o trabalho do Reuters Institute Digital News Report (2015), dados do Facebook em 2014 revelaram que o público das redes sociais é de mais de 61 milhões de usuários, colocando o Brasil em terceiro lugar no ranking mundial para esse canal. No Twitter, são mais de 21 milhões de usuários no Brasil, dos quais 68% acessam a ferramenta pelo menos uma vez ao dia.

Nesse amplo universo, os produtos lácteos circulam entre defensores e opositores. Há uma le-gião de especialistas comentando sobre o consumo de leite e derivados, mas há, em maior parte, o consumidor final, que absorve essa série de informações e decide pelo consumo ou não dos lácteos.

Por isso, buscar meios de estreitar relacionamento com a sociedade civil, governo, imprensa e consumidor final deve ser prioridade para a cadeia produtiva de lácteos, no sentido de fortalecer a imagem do setor e garantir a informação correta sobre vantagens e benefícios do consumo equili-brado, aliado a uma dieta saudável.

Como a forma de informação mudou no mundo, é importante que as inovações sejam comuni-cadas às redes sociais para passar informações corretas e evitar inúmeros sites e blogs muitas vezes de pessoas sem formação técnica na área, de falarem mal dos lácteos.

ABERTURA DE MERCADOS E PROMOçãO COMERCIAL

No setor de lácteos, o descompasso entre a oferta e a demanda faz com que o mercado inter-nacional seja um foco para o setor. Analisando os dados entre 2004 e 2014, observa-se que a taxa média de crescimento da produção foi de 4,1% ao ano, enquanto o consumo per capita foi de 2,9% no mesmo período.

Na simulação realizada pela Viva Lácteos, projetando os próximos 20 anos, fica evidente que há a chance de o Brasil se inserir de forma contundente no mercado internacional, como importante player (Tabela 2).

O País será importador somente em cenários em que não há crescimento da produção, ou quan-do este é baixo, associado ao aumento na demanda. Caso contrário, os excedentes exportáveis serão constantes.

Na simulação, de uma taxa de crescimento da produção de 2% ao ano, o que é a metade do observado para a última década, combinado com um consumo por habitante de 180 L anuais, o volume para exportação em 2024 será próximo de 4 bilhões de litros, que é 4 vezes mais que a maior quantidade embarcada pelo Brasil. No ano de 2008, as exportações brasileiras foram, em equivalen-te leite, de 1 bilhão de litros.

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Capítulo 3 A contribuição da indústria de laticínios no desenvolvimento da pecuária de leite 57

Essas informações reforçam a necessidade de se estruturar ações com a finalidade de aumentar, de forma sistemática, as exportações. Não é possível esperar o País ter os excedentes para organizar as operações.

Assim, mesmo com os atuais preços internacionais em patamares baixos, foram iniciados traba-lhos de abertura de novos mercados e a promoção comercial junto àqueles países para os quais já há embarques.

A abertura de mercados é feita em parceria com o Mapa e visa à habilitação das empresas para atender às exigências de países importadores relevantes, a exemplo da China. Cabe ressaltar que, por se tratar de alimento, há a necessidade de uma permissão prévia do país de interesse.

A Rússia foi um bom exemplo para o setor da necessidade de estar habilitado a exportar para diferentes destinos. Quando do embargo russo à União Europeia, aos Estados Unidos e à Austrália, em agosto de 2014, o Brasil havia acabado de revisar o certificado sanitário para aquele país, sendo ainda necessário habilitar as unidades de lácteos.

Contudo, esse processo não ocorre em curto espaço de tempo. As demandas iniciais dos impor-tadores russos, que eram as de maior valor, foram supridas, entre outros, por argentinos e uruguaios.

Alcançar novos mercados depende de fortes ações na promoção dos produtos lácteos brasi-leiros. Nesse sentido, a Viva Lácteos assinou, em fevereiro de 2016, um convênio com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). No total, para a execução das ações do projeto, serão aportados cerca de 4 milhões de reais no biênio 2016/2018.

No âmbito desta parceria, a associação juntamente com a Apex-Brasil, elencou oito países como prioritários para o trabalho de abertura e promoção comercial: Angola, Arábia Saudita, Argélia, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos e Rússia.

Tabela 2. Simulação de excedente exportável para 2024.

Consumo per capita (L/hab./ano)

Taxa de crescimento anual da produção

0% 2% 4% 6%

170 -1.749 5.954 15.144 26.069

180 -3.920 3.782 12.972 23.897

200 -8.264 -561 8.628 19.553

220 -12.608 -4.905 4.284 15.209

230 -14.780 -7.077 2.112 13.037

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 158

Esse grupo de países foi selecionado por apresentar uma expressiva taxa de crescimento da de-manda; projeção de crescimento médio do PIB até 2018, superior a 4% ao ano; importações expres-sivas (média superior a 2 bilhões de dólares anuais); e baixa participação brasileira (Tabela 3).

Tabela 3. Informações dos países-alvo do projeto Apex-Brasil.

PaísCrescimento (%)

Importação (US$ bi)

Participação (%)

Manteiga Queijo Leite em póDemanda PIB Importação

Rússia 5 3,5 21 3,5 17 18 3

China 11 6 34 5,0 9 3 21

EUA 2 2 3 2,5 3 8 1

Arábia Saudita 7 4 10 2,0 7 7 4

Argélia 7 3 5,5 1,0 2 1 6

Egito 6 4 40 1,0 5 2 2

Emirados Arábes 6 2 3 1,0 2 2 1

Angola - 6 17 0,3 1 1 1

Total 16,3 46 42 39

Fonte: dados repassados pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) por meio de arquivo eletrônico, em 2015.

Para a China, estão sendo trabalhadas as habilitações das empresas brasileiras.

No caso dos demais mercados, como já há a permissão para o embarque de lácteos, o foco é au-mentar a presença dos produtos brasileiros nas compras destes países. Para tanto, foram seleciona-das algumas feiras como Gulfood, Sial e Anuga, além de missões comerciais e rodadas de negócios.

CONSIDERAçõES FINAIS

Para a indústria, o substancial aumento na produção brasileira de leite certamente foi benéfico, porém trouxe novos desafios, como aumentar o consumo interno e alcançar novos mercados. Para superá-los, foram necessários avanços, como a granelização, que permitiu um ganho substancial na qualidade do leite que é processado. Também houve, e ainda há, um grande processo de inovação tecnológica, disponibilizando ao consumidor uma maior gama de produtos a preços mais acessíveis.

Para o futuro, ações voltadas à ampliação do mercado interno e exportações são fatores que garantirão a continuidade do aumento sustentável na produção nacional. Assim, ampliar o acesso a

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Capítulo 3 A contribuição da indústria de laticínios no desenvolvimento da pecuária de leite 59

novos mercados é uma necessidade. Portanto, negociações de Certificados Sanitários Internacionais (CSI) e organizar missões para habilitação de plantas industriais são fundamentais, como também ações de promoção dos lácteos brasileiros.

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 61CAPÍTULO 4

A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite

Márcio Lopes de Freitas | Pedro Rodrigues Alves Silveira | João José Prieto Flávio | Paulo César Dias do Nascimento Júnior | Clara Pedroso Maffia

INTRODUçãO

Cooperativismo pode ser definido como um modelo de negócios pautado pelo empreendedo-rismo e pela participação democrática, com o objetivo de unir pessoas e compartilhar resultados, com a proposta de buscar a prosperidade conjunta, o atendimento às necessidades do grupo e não o individualismo. De forma particular, a prática cooperativista promove, simultaneamente, cresci-mento econômico e inclusão social (MANUAL..., 2016).

No Brasil, a história do movimento cooperativista está intimamente ligada à história das coo-perativas de leite. Segundo Martins et al. (2004), essa forte união se dá pela necessidade de reunir a produção originária nas diferentes propriedades em torno de uma planta industrial, visando à aquisição de leite in natura e a fabricação dos produtos lácteos. Nesse cenário, o cooperativismo no setor de leite é um dos responsáveis pela interiorização do processo industrial, desempenhando as cooperativas, portanto, importante papel na inclusão social, na geração de renda e emprego, além de, por vezes, ser a única solução para a viabilização dessa atividade.

COOPERATIVISMO

Uma cooperativa é a associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satis-fazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, através de uma empresa de propriedade comum e democraticamente gerida.

A base atual do cooperativismo tem suas raízes no século 19, período da Revolução Industrial na Inglaterra, com a Sociedade dos Probos de Rochdale, considerada a primeira cooperativa moderna do mundo. Ela criou os princípios morais e a conduta que são considerados, até hoje, a base do autêntico cooperativismo (ORGANIZAçãO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS, 2016b).

No Brasil, o cooperativismo é um modelo societário definido por legislação específica (Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971), que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas (BRASIL, 1971).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 162

Segundo Rodrigues (2008), o cooperativismo é uma doutrina baseada em sete princípios ado-tados universalmente que caracterizam e determinam o comportamento das cooperativas. Estas são, assim, o instrumento da doutrina e se constituem em empresas inseridas no mercado, com a diferença, em relação às empresas convencionais, de não buscarem o lucro. As cooperativas prestam serviços de interesse dos seus associados, tendo em vista aumentar a renda e o lucro deles. A coope-rativa é um meio e não um fim em si mesma. Com isso, serve à doutrina, cujo conceito fundamental é o de corrigir o social através do econômico.

é essencial entender o conceito supracitado, uma vez que às vezes, na prática, se confunde o pa-pel do cooperativismo e o das cooperativas. O grande diferencial das cooperativas é o compromisso com o produtor a elas associado e com a sociedade, visto que elas têm papel fundamental na inclu-são social. Para que possam atingir seus objetivos, devem ao mesmo tempo manter seus empreen-dimentos economicamente viáveis e sustentáveis, para que possam competir em quaisquer mer-cados nos quais atuem, desde pequenos negócios locais até grandes corporações multinacionais.

Conforme a classificação adotada pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), o coopera-tivismo no Brasil está presente em 13 setores da economia ou ramos do cooperativismo: agropecuá-rias, consumo, cooperativas de crédito, educacional, cooperativa de trabalho, especiais, habitacional, infraestrutura, minerais, cooperativas de produção, saúde, transporte e turismo e lazer.

De acordo com a Lei nº 5.764/1971 (BRASIL, 1971), as sociedades cooperativas podem ser classi-ficadas em singulares, centrais e confederações (Tabela 1).

No Brasil, atualmente, existem 1.543 cooperativas agropecuárias que geram mais de 180 mil em-pregos diretos e movimentam acima de 160 bilhões de reais. Esse valor correspondeu a aproxima-damente 13,5% de participação no PIB do agronegócio do País em 2014.

Historicamente, as principais funções das cooperativas agropecuárias para os produtores rurais são: a) barganha por melhores preços; b) possibilidade de agregar valor ao produto; c) acesso a mercados, inclusive internacionais; d) possibilidade de acesso e adoção de tecnologia. Além disso, as cooperativas agropecuárias geram e distribuem de maneira equitativa a renda, numa dada região, em decorrência de sua estrutura organizacional. Os produtores rurais exercem a autogestão da firma cooperativa e participam dos resultados econômicos da agregação de valor aos produtos agrícolas (BIALOSKORSKI NETO, 2000).

Atuando em distintas cadeias produtivas, as organizações cooperativas enfrentam os desafios particulares de cada mercado. E essa realidade não é diferente para as cooperativas que atuam no setor lácteo.

COOPERATIVISMO DE LEITE

No mundo, o cooperativismo no setor de lácteos se destaca especialmente nas regiões de tradi-ção e de grande produção mundial. Em sua pesquisa anual, baseada em faturamento com produtos

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 63

Tabela 1. Classificação das cooperativas segundo a Lei nº 5.764/1971.

Classificação Constituição Distinção

Singular Constituídas pelo número mínimo de 20 pessoas físicas, sendo excepcional-mente permitida a admissão de pes-soas jurídicas que tenham por objeto as mesmas ou correlatas atividades econômicas das pessoas físicas ou, ainda, aquelas sem fins lucrativos

Caracterizam-se pela prestação direta de serviços aos associados

Central ou Federação

Constituídas de, no mínimo, três sin-gulares, podendo, excepcionalmente, admitir associados individuais

Objetivam organizar, em comum e em maior escala, os serviços econômicos e assistenciais de interesse das filiadas, integrando e orientando suas ativida-des, bem como facilitando a utilização recíproca dos serviços

Confederações Constituídas, pelo menos, de três fe- derações de cooperativas ou coope-rativas centrais, da mesma ou de dife-rentes modalidades

Têm por objetivo orientar e coordenar as atividades das filiadas, nos casos onde o vulto dos empreendimentos transcender o âmbito de capacidade ou conveniência de atuação das cen-trais e federações

Fonte: adaptação de Brasil (1971).

lácteos, o Rabobank (2014) listou as 20 maiores empresas de laticínios do mundo. Dessa lista, seis são cooperativas: Fonterra (Nova Zelândia), FrieslandCampina (Holanda), Dairy Farmers of America (Estados Unidos), Arla Foods (Dinamarca e Suécia), DMK (Alemanha) e Sodiaal (França).

Além dessas conhecidas cooperativas do eixo Europa, Oceania e América do Norte, é importante destacar, no cenário internacional, o desempenho de cooperativas do setor lácteo como a Amul (Índia), Dairy Farmers Milk Co-operative (DFMC) (Austrália) e na América do Sul, as cooperativas Conaprole (Uruguai), Sancor (Argentina) e Colun (Chile).

Chaddad (2004) identificou com base nos dados das maiores cooperativas de leite do mundo, em 2002, pontos comuns que levavam essas cooperativas nos Estados Unidos, Europa e Oceania a se destacarem no cenário do mercado de lácteos. São eles:

1) Consolidação: nos países onde cooperativas detêm grande participação do mercado, observa-se a consolidação do setor por meio de fusões e incorporações. Esse processo criou cooperativas de grande escala que competem com grandes corporações multina-cionais que atuam no setor.

2) Alianças estratégicas: as cooperativas buscam ganhos de produtividade por meio de alianças estratégicas com outras cooperativas ou mesmo com empresas privadas. Aliança

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 164

estratégica é um termo genérico utilizado quando duas ou mais empresas independen-tes, que muitas vezes competem no mercado, decidem cooperar para atingir um deter-minado objetivo estratégico comum. A estrutura de governança pode variar de acordos formais e contratos até a formação de uma nova empresa a partir do aporte de capital das empresas cooperantes (joint venture). São vários os fatores que levam à formação de alianças estratégicas, que se originam a partir das forças do ambiente competitivo e desafios internos das próprias empresas. Entre os fatores mais comuns, o autor cita: globalização, para internacionalização; avanços tecnológicos; eficiência, para minimizar custos e ganhar escala; e motivos estratégicos, como alavancar marca e buscar capital (CHADDAD, 2004).

3) Governança corporativa: a completa separação entre propriedade e controle é uma ca-racterística comum das cooperativas pesquisadas.

4) Estrutura Centralizada: no modelo de estrutura centralizada, os produtores entregam leite diretamente para cooperativa central. Essa estrutura possui uma vantagem sobre a estrutura federada (singular-central), uma vez que evita a intermediação e, consequente-mente, há melhor controle de custos.

5) Fidelização do cooperado: a questão da fidelidade do cooperado se torna um proble-ma a partir do aumento dos associados que têm acesso aos benefícios e serviços gera-dos pelas cooperativas e não arcam proporcionalmente com seus custos, por meio da participação e capitalização adequada, sendo denominados por Cook (1995 citado por CHADDAD, 2004) como free riders, ou “caronas”.

O autor cita a importância de controlar a ação oportunista de associados que somente utilizam as cooperativas quando estas lhes oferecem um melhor negócio em termos de preços, qualidade de produtos e serviços e retornos financeiros. Esse cenário também deve induzir as cooperativas a serem competitivas, em termos de retorno, e com utilização de ferramentas para relacionamento com os associados.

1) Novos mecanismos de capitalização: nas cooperativas selecionadas, em função da exposição à competição, houve uma busca por mecanismos de capitalização com a fi-nalidade de realizar investimentos e, consequentemente, o crescimento. Entretanto, é importante ressaltar que a busca por novos modelos de capitalização pode chegar a al-terar a estrutura de propriedade de cooperativas tradicionais (CHADDAD; COOK, 2004).

2) Estratégia competitiva alinhada com estrutura corporativa: Van Bekkum (2001 citado por CHADDAD, 2004) elaborou uma tipologia de modelos estratégicos de cooperativas de leite com base em estudo do mercado de lácteos na Europa e na Oceania. Sua tipolo-gia classifica quatro modelos estratégicos entre cooperativas leiteiras:

a) Cooperativa local: trata-se de uma cooperativa que atua localmente, captando leite para produtores ao seu redor. A escala de produção é pequena, mas os custos de produção são

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 65

relativamente baixos em razão da estrutura enxuta de menor gasto com funcionários e

custos fixos. A cooperativa adota estrutura tradicional, com quadro de associados aberto,

voto democrático e baixo aporte de capital pelos associados. O grau de diferenciação de

produtos também é baixo. Muitas vezes a cooperativa somente exerce o papel de coletar

o leite dos associados e barganhar um preço competitivo com a indústria processadora.

Este modelo tende a desaparecer à medida que a busca de ganhos de eficiência por parte

dos agentes da cadeia produtiva force os intermediários a deixar o mercado.

b) Cooperativa de commodity: neste modelo, a cooperativa compete no mercado por meio

da estratégia de liderança de custos. A escala de produção é alta, visando operar plan-

tas de processamento ao menor custo médio possível. A cooperativa também minimiza

os gastos com pesquisa e desenvolvimento, marketing e funcionários. O grande volume

de leite captado se traduz em poder de barganha na comercialização do leite com em-

presas, na cadeia produtiva e também em influência política. A estrutura da cooperativa

de commodity tende a ser tradicional. Entretanto, a demanda crescente por capital de

investimento leva a cooperativa a adotar mecanismos de incentivo à capitalização pelos

associados ou busca de capital de risco de terceiros por meio de alianças estratégicas.

c) Cooperativa de nicho: a cooperativa de nicho opera com pequena escala, mas focada em

um determinado segmento de mercado. A estrutura tende a ser não tradicional, pois o

capital de risco é necessário para dar suporte às estratégias de adição de valor. Exemplos

incluem cooperativas que trabalham com produtos lácteos de alta especificidade, utiliza-

dos como ingredientes na indústria farmacêutica e de alimentos.

d) Cooperativa de adição de valor: esta cooperativa adota uma estratégia de diferenciação

por meio de produtos de alto valor agregado direcionados ao consumidor final com mar-

ca própria. A demanda por capital de risco é elevada nesse segmento do mercado, pois

são necessários investimentos em desenvolvimento de novos produtos, marca e esforços

de marketing, além de uma eficiente estrutura de processamento e logística.

A EVOLUçãO DAS COOPERATIVAS DE LEITE NO BRASIL

Durante o XLV Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural,

Chaddad (2007) apresentou trabalho intitulado The Evolution of Brazilian Dairy Cooperatives: A Life

Cycle Approach1, posteriormente integrado ao livro Research handbook on sustainable co-operative

enterprise: case studies of organisational resilience in the co-operative business model (MAZZAROL

1 Tradução livre: A Evolução das Cooperativas de Leite: Abordagem pelo Ciclo de Vida

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 166

et al., 2014) com o título Responding to the external environment: the evolution of Brazilian dairy Cooperatives2.

O trabalho de Chaddad (2007) analisou a evolução das cooperativas de leite sob a ótica do ciclo de vida das cooperativas proposto por Cook (1995). Para chegar aos resultados, o autor realizou uma profunda revisão bibliográfica, entrevistas e múltiplos estudos de caso e, seguindo as cinco fases do modelo citado, descreveu os períodos de formação, organização, crescimento, crise e reestruturação das cooperativas do setor de lácteos no Brasil.

O ciclo de vida das cooperativas proposto por Cook (1995) sugere a estruturação em cinco fases: a) criação e justificativa econômica: quando os cooperados criam a cooperativa para atender a seus interesses no controle da oferta dos produtos, buscar redução de falhas de mercado, e entre outros objetivos; b) estruturação organizacional; c) expansão econômica e geográfica: que pode trazer pro-blemas como caronas, de portfólio, horizonte, controle e custos de influência; d) análise e reflexão sobre a cooperativa: quando a cooperativa necessita reconhecer e refletir sobre seus problemas; e e) escolha dentre os possíveis caminhos: quando ela deve buscar a redefinição estratégica para manter-se no mercado.

Utilizando a teoria do ciclo de vida proposta, Chaddad (2007) analisou a evolução das coopera-tivas de leite nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, que concentram a maior parte da captação de leite nacional e também da captação cooperativada, cerca de 92% (MARTINS et al., 2004).

Nessa análise, foi possível agrupar temporalmente as fases do ciclo de vida do cooperativismo de leite no Brasil que, de forma resumida, são apresentadas na Tabela 2.

é importante ressaltar que essa análise buscou agregar as informações das cooperativas do setor lácteo nacional. Tal fato não exclui a possibilidade de que, em diferentes períodos, as cooperativas pudessem (ou possam) estar em diferentes fases do ciclo de vida.

Com base no estudo proposto pelo autor, agregando fases do ciclo de vida e períodos corres-pondentes aproximados, buscamos acrescentar informações ao respectivo trabalho, com o intuito de melhor compreendermos o papel histórico e atual das cooperativas no cenário nacional.

O INÍCIO: DE 1900 A 1960

O cooperativismo no Brasil teve início na área urbana, com a criação da primeira cooperativa de consumo, em Ouro Preto, MG, no ano de 1889. Em 1902, surgiram as cooperativas de crédito no Rio Grande do Sul. A partir de 1906, nasceram e se desenvolveram as cooperativas no meio rural, idealizadas por produtores agropecuários. Muitos deles de origem alemã e italiana (ORGANIZAçãO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS, 2016a).

2 Tradução livre: Respondendo ao ambiente: a evolução das cooperativas de leite brasileiras.

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 67

Tabela 2. Agrupamento temporal da evolução das cooperativas de leite no Brasil com base na abor-dagem do ciclo de vida de Cook (1995).

Fase do ciclo DescriçãoPeríodos correspondentes (aproximados)

Justificação econômica

Cooperativas são formadas para proteger o valor dos ativos dos produtores em situações de excesso de oferta e/ou falhas de mercado

Início dos anos de 1900 até meados de 1960

Estruturação organizacional

O ambiente institucional define regras para consti-tuição de cooperativas e seu funcionamento, que devem ser compensadas pelos benefícios da ação coletiva para a cooperativa sobreviver

De meados de 1960 até aproximadamen-te a década de 1980

Crescimento e consequências

Crescimento conduz ao aumento da preocupação com custos de transação, incluindo os problemas do associado carona, de horizonte, de portfólio, de con-trole e de custos de influência

Década de 1980

Crise e reconhecimento de conflitos

Torna-se cada vez mais difícil gerir a organização cooperativa em função das pressões, do ambiente competitivo e dos custos de transação internos. Os líderes/dirigentes são confrontados com três opções estratégicas: sair do mercado, fazer pequenas altera-ções na estrutura tradicional ou mudar para um novo modelo

Final da década de 1980 até os anos 2000

Reestruturação Lideranças cooperativistas escolhem dentre as op-ções estratégicas e um novo ciclo de vida se inicia

Início dos anos 2000

Fonte: adaptação de Chaddad (2007) e Cook (1995).

No início do século 20 a cidade de São Paulo contava com cerca de 240 mil habitantes e o leite era distribuído por pequenos produtores da periferia denominados “vaqueiros”. Com o crescimento da cidade, a partir dos anos 1920, houve a necessidade dos vaqueiros se organizarem, além de importar leite de outras regiões, para abastecer a população. Na década de 1920, nasceu a Sociedade União dos Vaqueiros, com objetivo de instalação de usina, organização da pasteurização e engarrafamen-to. Somando à chegada e início da atuação, na mesma década, de indústrias como Empresa Paulista de Laticínios, inaugurada em 1927, Vigor, representantes da Nestlé no País, entre outras, podemos configurar o período como o nascimento do setor industrial de leite no Brasil (MEIRELES, 1983).

Em 1911, 17 pequenos agricultores no Rio Grande do Sul iniciaram uma microempresa de queijo e manteiga, que, em 1912, transformou-se na Cooperativa de Laticínios União Colonial, que em 1977 teve seu nome alterado para Cooperativa Santa Clara (COOPERATIVA SANTA CLARA, 2016).

Também nos anos 1920, nascia em Minas Gerais uma pequena cooperativa que posteriormente se transformaria na Laticínio Poços de Caldas (LPC–Danone).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 168

A Cooperativa Frísia surgiu em 1925, quando imigrantes holandeses na região de Campos Gerais, no Paraná, criaram a Sociedade Cooperativa Hollandeza de Lacticínios, que transformava 700 litros de leite em manteiga e queijos distribuídos na região e até em São Paulo. Em 1928, nascia a marca Batavo (FRÍSIA COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL, 2016).

Segundo Meireles (1983), o setor industrial de leite do início do século 20 poderia ser dividido em três segmentos: a) queijarias, adequadas pelas condições logísticas e tecnológicas, b) envasadoras de leite in natura, segmento ao qual a partir dos anos 1930 muitas cooperativas se dedicariam; e c) industrializadoras, segmento com mais exigência de investimentos e tecnologia.

Agregando ao surgimento da cadeia produtiva, o autor cita como importante lembrar que a época também coincide com o surgimento de relevantes marcos legais para o setor. A partir de 1933 teve início uma intensificação na fiscalização da venda de leite cru, com base no Decreto 5.032, de 1931, que regulava o consumo e a fiscalização do leite e produtos derivados no estado de São Paulo e, em 1939, o governo do estado baixou o decreto que estabelecia a obrigatoriedade da pasteuri-zação. Posteriormente, essas obrigatoriedades foram estendidas a todo o País com a publicação do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa) em 1952.

Castro (2010) acrescenta que para fazer frente ao crescimento da população urbana, aumentar a rentabilidade dos produtores e melhorar a distribuição do produto no País, além do aumento do nú-mero de cooperativas singulares, surgiram as centrais de São Paulo (Cooperativa Central de Laticínios do Estado de São Paulo – CCL, de 1933), Rio de Janeiro (Cooperativa Central dos Produtores de Leite – CCPL, de 1946), Minas Gerais (Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais – CCPR, de 1948) e Paraná (Cooperativa Central de Laticínios do Paraná – CCLP, de 1954).

Ainda segundo Castro (2010), o grande impulso para isso ocorreu na década de 1930, motiva-do pelo descontentamento dos produtores com o preço pago pelos laticínios. A CCL foi a primeira das cooperativas centrais de produtores de leite a ser criada no país, em 17 de setembro de 1933, durante assembleia que reuniu representantes de sete cooperativas. À CCL, filiaram-se inclusive coo-perativas mineiras.

As histórias dessas cooperativas são exemplos do surgimento de cooperativas em função da ne-cessidade comum, junto com o surgimento do setor lácteo e cooperativista no País, da adequação ao ambiente de mercado em que estavam inseridos e, principalmente, pela justificação econômica, em concordância com a primeira fase do ciclo de vida das cooperativas.

ESTRUTURAçãO: DE 1960 A 1980

Segundo Chaddad (2007), até 1966 as cooperativas tinham considerável flexibilidade para formar e organizar seus empreendimentos. Em 1903, surge a primeira legislação que menciona cooperati-vas no País: o Decreto nº 979 do mesmo ano. Já o Decreto Legislativo nº 1.637 de 1907 reconheceu o papel econômico do cooperativismo.

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 69

Sucessivamente em 1934, 1938 e 1945, surgiram outros decretos sobre o cooperativismo, mas foi somente em 1966, com o Decreto-Lei nº 59, que a legislação sofreu maior transformação, com o surgimento da Política Nacional de Cooperativismo, que posteriormente foi revogado pela Lei nº 5.764/1971 (BRASIL, 1971).

Se por um lado a legislação trouxe segurança jurídica para a estruturação dos empreendimen-tos cooperativos, por outro, nesse período, houve forte intervenção estatal quando o movimento passou a ser fiscalizado, controlado e fomentado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pelo o Conselho Nacional de Cooperativismo (CNC), com esse controle vigorando até 1988.

Em 2 de dezembro de 1969 foi criada a OCB, durante o IV Congresso Brasileiro de Cooperativismo. A entidade veio substituir a Abcoop e Unasco. A unificação foi uma decisão das próprias cooperati-vas (ORGANIZAçãO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS, 2016b).

Segundo Vilela (2002), a década de 1970 também foi marcada pela obtenção de recursos in-ternacionais relativamente baratos, possibilitando um fluxo pródigo de recursos para a agricultura brasileira.

De acordo com Meireles (1983), em meados de 1970, o Ministério da Agricultura lançou pro-grama para o leite que esbarrou no excesso de centralização de poder decisório nos ministérios da área econômica, que sacrificaram a política de leite. Os anos de intervenção governamental nos preços do leite prejudicaram pequenos produtores e laticínios, atingindo também as cooperativas, causando desabastecimento e obrigando o País a recorrer às importações. Esse cenário resultou, ao final da década, sérias consequências: falta de crescimento vertical da produção de leite, com produtor desestimulado a aumentar a produção, e multinacionalização da indústria de laticínios, enfraquecendo as empresas nacionais.

Todavia, no final de década de 1970, o cooperativismo caminhava para ser protagonista no setor.

De acordo com Meireles (1983), nesse período surgiu a Cooperativa Central Gaúcha (CCGL), no Rio Grande do Sul, enquanto no Estado de Santa Catarina também atuava a Cooperativa Central Agrícola Agrovale e, no Paraná, a CCLP. Esta última se consolidaria por meio da diversificação de produtos como iogurtes com frutas e sobremesas lácteas.

Enquanto isso, em Minas Gerais, na distribuição do leite in natura predominava a atuação da CCPR, que também participava do mercado de leite em pó. No Espírito Santo havia o domínio das cooperativas na captação, bem como a liderança do mercado de Vitória, no qual a Cooperativa de Laticínios de Cachoeiro do Itapemirim se destacava (MEIRELES, 1983).

Ainda segundo o autor, no Rio de Janeiro, três cooperativas independentes e a CCPL eram pro-tagonistas, enquanto o Sistema Paulista (CCL) atuava em outros estados, mas tinha seu principal mercado o Estado de São Paulo, com 37% do mercado da capital. Também é citada a atuação coo-perativista no Estado de Goiás, que passou a aparecer no cenário nacional por meio da Cooperativa Central Rural de Goiás, juntamente com outros laticínios.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 170

Nesse período, evidenciou-se a evolução na legislação que possibilitou a estruturação das coo-

perativas nacionais. Apesar da forte interferência estatal, foi possível notar que o cooperativismo

estruturado chegava fortalecido ao final da década de 1970.

CRESCIMENTO: FINAL DOS ANOS 1970 E COMEçO DOS 1980

Depois de sua estruturação, o cooperativismo chegou fortalecido à década de 1980, detentor de

grandes marcas como Elegê (CCGL), Paulista (CCL), Batavo (CCLP), e Itambé (CCPR), além das coope-

rativas que atuavam em mercados regionais (CHADDAD, 2007).

Em escala regional, segundo Rubez (2003), o cooperativismo de leite garantiu o primeiro passo

do Brasil rumo a um sistema mais moderno de transporte, em 1976. Nesse ano, pela primeira vez

no País, o leite de um grupo de produtores da Cooperativa de Laticínios de São José dos Campos,

no Vale do Paraíba, foi enviado das fazendas para a usina da cidade num caminhão equipado com

tanque refrigerado. Iniciava-se, assim, a chamada coleta do leite a granel.

Meireles (1983) também cita o final da década de 1970 como período em que ocorreram evo-

luções que foram decisivas para o desenvolvimento do cooperativismo de leite, uma vez que pela

necessidade de inovações tecnológicas e busca da melhor remuneração aos associados, por meio

da redução de custos, ocorreu a expansão dos serviços de assistência técnica agronômica e de

veterinária na cooperativa CCL. Isso aconteceu, especialmente, em razão da utilização do Fundo

de Assistência Técnica, Educacional e Social (Fates), previsto na Lei nº 5.794/1971 (BRASIL, 1971).

Anteriormente, em 1964, a cooperativa lançava a revista Balde Branco, através da qual foi possível

criar o canal de comunicação e informações técnicas sobre cooperativismo com os produtores.

O caso da CCL é exemplo do surgimento das práticas de assistência técnica e da evolução da

comunicação com o associado, que se tornaram comuns dentro das cooperativas.

Em todo o Brasil, as cooperativas de leite coexistiam com oito multinacionais e 12 empresas na-

cionais de grande porte, consideradas principais empresas do setor industrial de laticínios em 1981.

Somadas as receitas líquidas das seis maiores cooperativas centrais do setor leite no Brasil naquele

ano, obteve-se um acumulado de 62.144,9 milhões de cruzeiros. Já as demais empresas nacionais

somaram 49.347,5 milhões e as multinacionais 150.800 milhões (MEIRELES, 1983).

Outro fator decisivo para o desenvolvimento do cooperativismo no Brasil foi a ativa participação

da OCB nas discussões da Assembleia Nacional Constituinte.

Uma vez promulgada a Constituição de 1988, com as demandas do sistema cooperativista con-

templadas, ficou proibida a interferência do Estado na criação, funcionamento e fiscalização dos

empreendimentos cooperativos, dando início à era da autogestão das cooperativas (ORGANIZAçãO

DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS, 2016b).

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 71

Nesse cenário, no final década de 1980, as cooperativas captavam 60% do total do leite produzi-do no Brasil (MARTINS et al., 2004). Entretanto, o período seguinte reservou ao setor de lácteos mu-danças intensas, que alteraram toda a estrutura do segmento no País, incluindo a das cooperativas.

CRISE DAS COOPERATIVAS DE LEITE: DA DéCADA DE 1990 AOS ANOS 2000

Rubez (2003), em seu artigo intitulado O leite nos últimos 10 anos, cita que desde 1990 o setor atravessou quatro ciclos. Destes, destacamos os três primeiros:

1) Desregulamentação: após 40 anos, de maneira abrupta em 1990, acontece o fim do tabe-lamento dos preços de leite no Brasil.

2) Leite tipo longa vida: O leite tipo longa vida passa a ganhar maior fatia do mercado em substituição aos tipos B e C. Impacto relevante do longa vida, é que por ser menos pe-recível possibilitou expansão de bacias leiteiras; por outro lado, enfraqueceu marcas regionais.

3) Coleta a granel: proporcionou um salto na qualidade do produto.

Já Martinelli (2000) cita o aumento das importações de leite como um dos fatores responsáveis pela queda do crescimento do setor. Segundo o autor, em 1992, o Brasil importou aproximadamen-te 72 milhões de dólares, valor que passou a ser sete vezes maior até 1996.

[...] o leite em pó [... como matéria prima], tornou-se um insumo inerente à função de produção das empresas processadoras. Vale dizer, consolidou-se estruturalmente nas atividades de pro-cessamento de produtos finais a substituição corriqueira de leite fluido nacional por leite em pó importado, tornando esses dois tipos de leite insumos substituíveis no processamento indus-trial, balizado pelos seus preços relativos. Esse ponto foi considerado uma vantagem produtiva e comercial a mais para as multinacionais da atividade, que podiam importar o leite em pó de diversos mercados internacionais [...] (MARTINELLI, 2000, p. 36).

Para as cooperativas, a Constituição Federal de 1988 mudou o papel do Estado de fiscalizador para apoiador. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que já era o interlocu-tor entre o governo federal e o setor cooperativista, altera suas atribuições para ser apoiador.

Entretanto, os primeiros passos sem a tutela do governo não foram fáceis. A nova situação impôs desafios e se somou às dificuldades econômicas e políticas que o Brasil enfrentava, consequências de sucessivos planos econômicos e do impeachment do presidente da República, em 1992. O Banco Nacional de Credito Cooperativo foi extinto e cooperativas começaram a ter dificuldades financeiras (BRASIL, 2006).

Bialoskorski Neto (2005) cita que a década de 1990 foi um período importante para o Brasil e, em particular, para as empresas e organizações cooperativas. Gremaud et al. (2002 citado por

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 172

BIALOSKORSKI NETO, 2005) descrevem a economia brasileira na primeira metade da década, quan-do o Plano Collor, em março de 1990, promoveu uma diminuição de liquidez por meio do confisco da poupança e dos depósitos bancários, com objetivo de controle. Tal decisão impactou negativa-mente o crescimento econômico brasileiro. No caso específico da agricultura, essa política ocorreu em um período que o setor esperava a colheita e os resultados dos investimentos na safra das águas de 1989/1990, causando impacto negativo.

Assim, o descolamento entre as taxas de indexação balizadas pela inflação oficial do período e as taxas de juros efetivamente aplicadas criou uma situação particular e perversa para o endividamen-to das empresas e, em particular, das cooperativas.

Com o estabelecimento do Plano Real, em 1994, houve o controle do processo inflacionário e uma política de taxa de câmbio valorizada que não auxiliou a agricultura.

Martins et al. (2004) citam como as transformações macroeconômicas da década de 1990 en-sejaram mudanças de concepção no agronegócio leite, trazendo problemas de competitividade, apontando:

• O controle de taxas de inflação impedia que ineficiências fossem repassadas via preço.

• O descontrole das contas públicas impedia que o Estado tivesse ação indutora no desen-volvimento e no socorro às empresas, aos moldes ocorridos até meados dos anos 1980.

• O crédito tornou-se escasso e caro.

• A abertura econômica expôs as empresas a uma competição intensa com produtos impor-tados e com empresas transnacionais instaladas no mercado nacional. Estas tinham acesso muito maior à tecnologia de produção, de informação e de governança corporativa a cus-tos inferiores.

Com a abertura do mercado e grande mercado consumidor, o Brasil passou a atrair o interesse de grandes empresas multinacionais.

Mais da metade dos grandes laticínios atuantes em 1981, foi adquirida por outros grupos ou desenvolveu parcerias estratégicas desde então. Na verdade, as grandes multinacionais do leite prosperaram no período, valendo-se, basicamente, de estratégias de crescimento por integração horizontal, por meio da aquisição de empresas, visando ampliar sua participação de mercado. A Parmalat é o maior exemplo, ao adquirir cerca de 18 empresas entre 1988 e 1997 (BORTOLETO, 2000, p. 52).

Pelo lado do varejo, o Brasil experimentava o fenômeno da concentração de grandes redes. Desde os anos 1990, o setor tem sido contemplado pela introdução e pela manutenção maciça de grandes redes do varejo internacional, por meio da aquisição de supermercados nacionais. Em 2012, em termos de faturamento, as três maiores empresas (Grupo Pão de Açúcar/Casino, Carrefour e Walmart) controladas por grupos estrangeiros responderam por 47,3% do faturamento total

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 73

do segmento, em comparação com os 18,4% observados em 1994 (ASSOCIAçãO BRASILEIRA DE

SUPERMERCADOS, 2013).

Diante da crise econômica, do alto endividamento por ela provocado, das mudanças radicais na

dinâmica do setor e do aumento do grau de competitividade no mercado de leite nacional, espe-

cialmente algumas grandes cooperativas agroindustriais perderam fôlego e enfrentaram grandes

dificuldades.

Durante o período, vários foram os casos de cooperativas que pararam suas operações e ou-

tros, que para se manterem vivas, as cooperativas buscaram vender ativos, como no caso da marca

Paulista, da CCL, vendida à Danone nos anos 2000; da Elegê e das operações de lácteos da CCGL

vendidas ao grupo Avipal em 1996; e da venda da marca Batavo, quando em 1997, a CCLP se trans-

formou na Batávia S.A, em parceria com a Parmalat, posteriormente incorporada à Perdigão S.A,

atualmente do grupo BRF, que comercializava a marca Batavo para produtos lácteos e carnes e, em

2015, a marca foi comprada pelo grupo Lactalis.

Dessa forma, o período pode ser caracterizado como um marco para as cooperativas de leite, vis-

to que toda a dinâmica do setor foi alterada e, em grande parte dos casos, trouxe prejuízos ao setor.

Diante da forte crise que atingia o movimento cooperativista nacional, a OCB e lideranças coope-

rativistas do Brasil encontraram uma saída para o caos: tornar o cooperativismo competitivo numa

economia de mercado. Para tanto, dois programas foram desenhados: o primeiro previa a liberação

de recursos para as cooperativas que apresentassem um projeto de reestruturação completo, que

as tornassem autossustentáveis; o segundo viabilizava a efetiva implementação do Programa de

Autogestão. Mas eles só dariam resultado se fossem aprovados juntos pelo governo, o que acabou

acontecendo em 3 de setembro de 1998, quando o governo editou a Medida Provisória nº 1.715,

criando o Programa de Revitalização das Cooperativas Agropecuárias (Recoop) e o Serviço Nacional

de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop).

REESTRUTURAçãO: ANOS 2000

Em uma década, o setor de lácteos no Brasil mudou de forma drástica a sua dinâmica, somando

mudanças no âmbito da competição entre as firmas e as dificuldades enfrentadas pelas cooperati-

vas na década anterior. Entretanto, especialmente em função do Recoop, o cooperativismo inicia um

novo ciclo, com a necessidade e o compromisso de se reinventar nos novos ambientes de atuação.

Em 2002, a OCB e a Confederação Brasileira das Cooperativas de Laticínios (CBCL) iniciaram

trabalho para conhecer e propor ações para o fortalecimento do setor, denominado de Censo das

Cooperativas de Leite, que apontou haver naquele ano 288 cooperativas no Brasil, que eram res-

ponsáveis pela produção de 39,7% do leite formal apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) no mesmo período (MARTINS et al., 2004).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 174

A radiografia do setor mostrou que das 288 cooperativas, presentes em 16 estados, 98 capta-vam diariamente acima de 55,5 mil litros de leite, enquanto 97 captavam abaixo de 19,5 mil litros. As 93 restantes captavam entre esses dois volumes diários.

Do volume captado (5,254 bilhões de litros no ano de 2002), 52,7% estava na região Sudeste, e aproximadamente 37% na região Sul. Sendo que 53,8% eram captados por cooperativas singulares (MARTINS et al., 2004).

Segundo o autor, notou-se, portanto, que a participação das cooperativas na produção – estima-da em 60% ao final dos anos 1980 – diminuiu no período pós-crise, mas não deixou de ser relevante. Afinal, juntas, as cooperativas de leite representavam mais de três vezes o total captado pela maior empresa do setor, e 19% a mais que os dez principais laticínios do País.

O volume de 2,134 bilhões de litros (40,6% do total captado) não processados pelas cooperati-vas, ou por uma central vinculada, mostra que a parcela de leite comercializada na forma de leite cru pode ter sido uma das alternativas do setor, que no período de crise vendeu marcas e parte de seu parque industrial.

Ainda a mesma pesquisa indicou que 150.912 produtores de leite estavam vinculados a essas cooperativas. Destes, dois em cada três estavam vinculados a cooperativas com captação maior que 55,5 mil litros diários, também concentrados nas regiões Sul (52,9%) e Sudeste (34,9%).

Os dados também trouxeram à luz o quão pulverizada era a captação de leite pelas cooperativas: 60,5% dos produtores associados entregavam diariamente até 100 L; 16,8%, entre 100 L e 200 L; 10,9%, entre 200 L e 500 L; somente 5%, entre 500 L e 1.000 L e 6,8%, acima de 1.000 L (MARTINS et al., 2004).

Se por um lado essa informação preocupava – em função do adicional de custos que recaia sobre as cooperativas –, ela era a prova do compromisso e do papel social exercido pelas cooperativas no setor lácteo nacional. Produtores até 200 L diários somavam 31,4% da produção das cooperativas, enquanto os acima de 500 L representavam 49,9% desse volume.

No início dos anos 2000, também a CBCL, em conjunto com a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), tomaram a frente no processo de antidumping contra impor-tação de produtos lácteos subsidiados, que incluíam medidas de restrição de preços aos produtos lácteos oriundos da Argentina e Uruguai e tarifas para aqueles da União Europeia e Nova Zelândia. O melhor controle das importações também resultou em aumento dos investimentos no parque industrial (CHADDAD, 2007).

Ao mesmo tempo, surgia no âmbito da inspeção federal a Instrução Normativa nº 51, de 18 de setembro de 2002, do Mapa (BRASIL, 2002), que aumentava as exigências com relação à qualidade, determinando novas normas para a produção, identidade e qualidade de leites tipos A, B, C, pasteuri-zado e cru refrigerado, além de regulamentar a coleta de leite cru refrigerado e seu transporte a granel.

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 75

Nesse cenário, em 2003, com base no trabalho do Censo das Cooperativas de Leite, foi aprovada a implementação de um Plano de Desenvolvimento Estratégico, liderado pelas organizações OCB e CBCL às suas afiliadas. O documento era composto por ações tanto no âmbito das cooperativas quanto no ambiente institucional de políticas públicas para o setor leiteiro.

Com base na análise do ambiente, delimitaram-se três grandes objetivos ao cooperativismo do setor:

• Aumentar a participação das cooperativas no mercado de leite no Brasil, incrementando suas vantagens competitivas diante de grupos internacionais presentes no País.

• Aumentar as exportações de produtos lácteos industrializados pelas cooperativas.

• Agregar valor ao leite como forma de elevar o preço pago aos produtores, consolidando as cooperativas como a melhor opção de remuneração aos produtores de leite.

Desse plano, diversas ações foram executadas com sucesso, como a criação do Sistema de Monitoramento do Mercado de Leite no Brasil (SimLeite) em parceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz (Esalq/USP) e da Embrapa Gado de Leite.

Também houve uma atuação do setor em prol da melhoria de políticas públicas. Nesse sentido, destacam-se duas conquistas: a) ampliação de recursos do crédito rural para investimentos dispo-níveis às cooperativas por meio do Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop); e b) definição da Tarifa Externa Comum do Mercosul para produtos lácteos – fruto do trabalho conjunto entre entidades de representação das coopera-tivas e os produtores.

Posteriormente, outro importante programa demandado pelo setor e lançado em junho de 2009, a partir da Resolução CMN n° 3.739, foi o Programa de Capitalização das Cooperativas Agropecuárias (Procap-Agro), que até os dias atuais se apresenta como uma importante opção, viabilizando ope-rações de giro.

O setor cooperativista também foi pioneiro quando apoiou a criação dos indicadores de preços médios diários de Leite UHT e Queijo Muçarela no Estado de São Paulo em 2010 – até hoje uma das mais relevantes ferramentas de acompanhamento do mercado de lácteos no Brasil. A pesquisa que serve de subsídio a esses indicadores é financiada pela OCB. Vale destacar que esses dois indicado-res foram o primeiro passo para atender uma das ações desenhadas no Plano de Desenvolvimento Estratégico de 2003, com o objetivo de criar mercado futuro para as principais commodities lácteas.

Com o novo ciclo de investimentos, a busca pelo mercado externo passou também a ser aponta-da dentro do Plano como uma nova oportunidade de negócios.

De fato, entre os anos de 2004 e 2008, o Brasil teve sua balança comercial positiva em valores, em-bora nos anos seguintes ela tenha voltado a ser deficitária. Diante desse cenário – também de acordo

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 176

com a ação recomendada dentro do Plano de Desenvolvimento Estratégico – finalmente em 2012 foi firmado acordo entre a OCB, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). As três instituições foram parceiras na execução do Projeto Setorial de Promoção de Exportações de Produtos Lácteos (PS-Lácteos).

Durante os anos de 2013 e 2014, sob o gerenciamento da OCB, o projeto realizou missões em-presariais, rodadas de negócios, apoio à participação em feiras internacionais, visita de compradores estrangeiros ao Brasil, e outras ações de promoção da imagem dos produtos lácteos brasileiros e do Brasil como fornecedor desses produtos. Durante os 2 anos do projeto – denominado B Dairy – as 11 empresas e cooperativas participantes, que detinham cerca de 20% das exportações brasileiras de produtos lácteos, colheram os seguintes resultados, comparando-se o início e o final do projeto:

• Evolução de 1,5 vezes o número de destino dos produtos.

• Incremento de 2,85 vezes o número de produtos (NCMs).

• Aumento de 1,37 vezes no valor exportado.

Se por um lado, na década anterior, encontrava-se um ambiente favorável para o desenvolvi-mento dos grandes grupos no Brasil, nas décadas seguintes foram notáveis os casos dos grandes grupos que enfrentaram dificuldades, como a própria Parmalat e, posteriormente a LBR. Sem falar nos problemas enfrentados pelo setor diante das operações de fiscalização e combate a fraude.

Certamente, as ações conjuntas do sistema cooperativista contribuíram para o fortalecimento do setor leite; entretanto, nada poderia ser mais importante que as ações que as cooperativas, indivi-dualmente, tomaram para se reestabelecer no mercado.

A adoção de estratégias competitivas foi essencial. Não seria possível, aqui, citar todos os exem-plos das ações que as cooperativas que passaram por esses períodos de mudanças realizaram ou das estratégias que adotaram para sobreviver em alguns momentos e, em outros, se fortalecer.

Destaque no Estado do Rio Grande do Sul, a CCGL retomou suas operações com lácteos no ano de 2007 e inaugurou novo laticínio em 2008, investindo inclusive em produtos com objetivo de atin-gir o mercado externo. Também se fortaleceram por meio de marcas fortes no mercado de lácteos no estado as cooperativas Piá e Santa Clara.

Em Santa Catarina, a Cooperativa Central Aurora Alimentos – um dos maiores grupos agroindus-triais do País – além da atuação no segmento de aves e suínos iniciou a implantação da indústria de leite a partir de 2007.

No Paraná, o destaque fica por conta de um caso de intercooperação: o Pool Leite, operado pelas cooperativas Castrolanda, Frísia e Capal Cooperativa Agroindustrial. O projeto nasceu como alternativa para a comercialização do leite depois da negociação da antiga central da marca Batavo, que atualmente congrega oito cooperativas. Outros casos do estado são a atuação das cooperativas em nichos, a exemplo da Cooperativa Witmarsum, que trabalha também na produção de queijos

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 77

especiais e a consolidação da marca Frimesa, cooperativa central homônima que trabalha com port-fólio de mais de 370 produtos diferentes na área de alimentos.

Em Minas Gerais, o destaque fica por conta da aliança estratégica da CCPR. Antiga dona da marca Itambé, em 2013 esta central se aliou à Vigor Alimentos S.A. para viabilizar a ampliação dos negócios lácteos, com objetivo de fortalecer a estrutura de capital e contribuir para o crescimento de uma das mais tradicionais companhias de lácteos do Brasil, cujo capital social atualmente pertence à CCPR (50%) e à Vigor (50%). Destaca-se também a cooperativa central Cemil, fundada em 1993, uma das empresas líderes no mercado de leite longa vida no País.

Diante das necessidades de adaptação ao novo ambiente de mercado, a Cooperativa Central de Laticínios de Goiás (Centroleite), nasceu em 1997 com objetivo de prestar serviços de intermediação comercial na venda do leite in natura, representando no âmbito nacional suas 16 cooperativas afi-liadas, com uma proposta de trabalho moderna e inovadora, desempenhando o papel de empresa “virtual” (COOPERATIVA CENTRAL DE LATICÍNIOS DE GOIÁS, 2016).

No Espírito Santo, atualmente, as cooperativas são responsáveis por 63% do leite produzido no estado (SISTEMA..., 2016), oriundo das sete cooperativas lá instaladas. Destaque para as seguintes cooperativas singulares: Cooperativa Agropecuária do Norte do Espírito Santo, que fabrica e co-mercializa os produtos da marca Veneza, em atividade desde 1953; e Cooperativa de Laticínios de Cachoeiro de Itapemirim, fabricante dos produtos da marca Selita, fundada em 1938.

Em Mato Grosso, casos como o da Cooperativa dos Produtores de Leite de Campinápolis (Campileite), fundada em 2000, e da Cooperativa Agropecuária Mista Terranova (Coopernova), de 1987, são exemplos da expansão da pecuária leiteira naquele estado.

Vários outros exemplos de inovação e estratégias de mudanças e adaptação que tiveram êxito poderiam ser mencionados, entretanto, assim como ocorre em qualquer setor, alguns empreendi-mentos apresentaram resistência às mudanças, dificuldades de adequação ou mesmo sofreram com a competição, sendo obrigados a sair da atividade ou desfazer-se de ativos.

SITUAçãO: ARRANJO ATUAL

Ao final do mais conturbado período para o cooperativismo de leite no Brasil, em 2001, somente quatro cooperativas figuravam dentre as 15 maiores empresas de laticínios do Brasil (LEITE BRASIL, 2002).

Já em 2015, seis cooperativas estão na lista das maiores empresas de laticínios no País, junta-mente com quatro empresas nacionais, três multinacionais (Nestlé, Lactalis e DPA Brasil) e a joint venture da cooperativa CCPR e Vigor, a Itambé Alimentos (CCPR/Itambé) (Tabela 3). Contando com a última, sete das 15 maiores empresas de laticínios do País trabalham com foco na captação de leite de produtores associados às cooperativas (LEITE BRASIL, 2016).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 178

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Capítulo 4 A contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento da pecuária de leite 79

Vale destacar que, se no passado as maiores cooperativas de leite do Brasil, as cooperativas cen-trais, tinham foco somente na indústria de laticínios, no ranking atual se nota que, à exceção da CCPR/Itambé, Centroleite e Confepar, as demais cooperativas são reconhecidas por sua diversifica-ção de negócios, atuando em áreas como a produção de grãos, aves e suínos. Com essa estratégia, elas conseguem diversificar sua carteira de produtos e fortalecer suas marcas, além de oportunizar a diversificação na produção de seus produtores associados.

é importante citar que essas experiências com outras cadeias, a exemplo das operações verti-calizadas de aves e suínos, trouxeram ganhos para o aprimoramento da relação entre cooperativas e produtores associados, além de ampliar seu portfolio e o escopo de atuação e, em muitos casos, contribuir para melhor desempenho econômico.

Atualmente, podemos inferir que a bovinocultura de leite está vinculada a outras cadeias produ-tivas dentro dos empreendimentos cooperativos e, em muitos casos, dentro das propriedades dos seus associados. Exemplo disso é que, com base em levantamento interno realizado pela OCB, das 62 maiores cooperativas do Brasil, de acordo com o faturamento no ano de 2014, 39 cooperativas têm atuação na área de lácteos (associados produtores de leite), seja com suas marcas e indústria próprias ou vinculadas a cooperativas centrais. Dessas quase 40 grandes cooperativas, somente cin-co têm sua atuação exclusiva no negócio leite.

CONSIDERAçõES FINAIS

O cooperativismo está fortemente vinculado ao agronegócio leite em todo o mundo. No Brasil, as cooperativas de leite participaram da concepção do setor no início do século 20, exercendo papel fundamental na organização dos produtores. Na maioria dos casos, elas nasceram da busca proativa desses produtores por melhores remunerações, cresceram e se estruturaram como forma de aten-der ao crescente mercado consumidor durante a expansão da população urbana no País. Por isso, foram protagonistas no mercado de leite e derivados nacional até o final dos anos 1980, juntamente com o desenvolvimento e crescimento do cooperativismo nacional.

Por sua vantagem competitiva e capacidade de coordenação da cadeia produtiva, essas coo-perativas se tornaram líderes nos principais mercados de atuação e trouxeram inovações para o processo produtivo e desenvolvimento da cadeia, como nas iniciativas de coleta a granel e popula-rização da assistência técnica e informação ao produtor.

Mudanças intensas no mercado nacional a partir da década de 1990 tiveram impacto muito sig-nificativo no cooperativismo de leite, obrigando grande parte das cooperativas a se reinventarem enquanto negócio.

Outra vantagem competitiva do cooperativismo em relação aos demais empreendimentos está em sua raiz e sua doutrina. Por meio de ações conjuntas e um sistema cooperativista que inclui entidades de representação, OCB e o Sescoop, é possível encontrar disposição e capacidade para atender aos anseios coletivos.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 180

é justo reconhecer, no entanto, que não há contribuição maior para o setor que o compromisso assu-mido pelas cooperativas no crescimento e o foco no desenvolvimento e no aumento da renda dos seus produtores associados, que naturalmente contribui para o desenvolvimento do setor de leite nacional.

Assim como já ocorreu durante distintos períodos na história, as cooperativas não deverão per-der a habilidade de se adaptar aos ambientes nos quais estão inseridas. A capacidade de organiza-ção é um indicador de uma sociedade mais evoluída e, seguramente, também será para qualquer atividade econômica. Justamente por isso as cooperativas continuarão exercendo papel fundamen-tal no desenvolvimento da pecuária leiteira no Brasil.

Em um mundo em constante mudança, os ciclos de desenvolvimento ocorrem cada vez com mais frequência e, consequentemente, também os ciclos de vida nas cooperativas. Cooperativas atuam em todos os elos da cadeia do agronegócio e, diferentemente de outros modelos de inves-timentos, que por vezes buscam retornos em curto prazo em mercados extremamente voláteis e instáveis (como é o mercado de commodities agropecuárias), as cooperativas buscam se perpetuar em suas regiões de atuação, com visões e estratégias de longo prazo, buscando retornos e benefí-cios contínuos aos produtores associados.

Seguramente, a pecuária leiteira continuará evoluindo e, juntamente com ela, as cooperativas que atuam no setor, com a diferença que partimos de um patamar mais elevado, com as experiên-cias passadas pelo setor, atualmente com cooperativas alicerçadas em estruturas cada vez mais con-solidadas. A adoção de estratégias para enfrentamento das fragilidades do sistema cooperativista sob aspectos legais, gestão, governança e saúde financeira das cooperativas é indicadora dessa evo-lução e oportuniza, novamente, as cooperativas a trazerem inovações à cadeia produtiva nacional.

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 83CAPÍTULO 5

Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil

José Luiz Bellini Leite | Rosângela Zoccal

INTRODUçãO

Com um clima diversificado, sol, chuvas regulares, água e terras férteis e agricultáveis, o Brasil tem vocação natural para a agropecuária e todos os negócios relacionados às cadeias produtivas. O agronegócio é a principal locomotiva da economia brasileira, responsável por 33% do Produto Interno Bruto (PIB), 42% das exportações e 37% dos empregos. O País é um dos líderes mundiais na produção e exportação de vários produtos agropecuários, entre eles se destacam soja, milho, açúcar, álcool, laranja, café e, na pecuária, a carne bovina, de frango e o leite.

A pecuária leiteira tem passado por muitas transformações ao longo dos últimos anos, configu-rando uma dinâmica com características relevantes. Entre as mais importantes forças motoras destas mudanças, destacam-se a desregulamentação do setor na década de 1990, a reorganização do sistema de logística com a coleta a granel, a legislação ambiental, as práticas de gestão da cadeia como o for-talecimento das redes varejistas, o aumento dos requerimentos de qualidade da matéria-prima e dos produtos, o crescimento da demanda devido ao aumento da renda, a maior concorrência por fatores de produção em áreas tradicionais e de fronteira do leite devido ao avanço da agricultura de escala, a abertura da economia e as políticas sociais de apoio aos micros e pequenos produtores.

A dinâmica da produção de leite no Brasil tem ainda uma forte correlação e dependência com outras cadeias produtivas. Cita-se como relevantes as cadeias de soja (soja grão e farelo de soja), milho, carnes bovina, suína e de frango. Soja e milho têm impacto direto nos custos de produção, percebido no preço de ração. Assim, conhecer as perspectivas para essas cadeias produtivas é de relevância para quem tem interesse em expandir o conhecimento sobre a cadeia produtiva do leite. A seguir se discutem alguns cenários para esses importantes segmentos.

OS CENÁRIOS PARA O AGRONEGóCIO BRASILEIRO DE INTERESSE DA PECUÁRIA LEITEIRA

A dinâmica e os cenários para produtos do agronegócio com relevância para a pecuária leiteira serão discutidos a seguir com ênfase para milho e soja, pelo impacto que a disponibilidade e o

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 184

preço têm nos custos de alimentação para os animais. Na pecuária leiteira, há diferentes sistemas de produção, variando dos totalmente a pasto, sem nenhuma suplementação, até os totalmente confinados, onde a ração é completa e servida nos cochos. Independentemente do tipo de sistema, a alimentação animal é sempre um item de grande impacto no custo de produção do leite, sendo o milho e a soja os insumos mais relevantes, notadamente, nos sistemas mais intensivos, que são uma tendência atual da produção de leite no Brasil. Quanto mais se intensifica a produção, buscando a produtividade da terra, mão de obra e capital, mais se aumenta o peso da alimentação no custo final da produção de leite pelo fator imperativo da escala.

Os estudos de Leite et al. (2015) sobre a dinâmica da pecuária leiteira, que analisaram o desem-penho da produção de leite no período de 1996 a 2014, evidenciam a existência de mudanças, com vigores diferenciados, destacando-se:

• Decréscimo do número de produtores com menos de 30 vacas por fazenda em todo o pe-ríodo estudado, sendo que no segundo período (2006 a 2014), a taxa anualizada foi menor do que aquela do período anterior (1996 a 2006), podendo indicar uma redução do ímpeto de decréscimo.

• Crescimento do número de produtores no estrato de 30 a 70 vacas por fazenda no período de 1996 a 2006, quando este segmento começou a diminuir em número de produtores.

• Crescimento acentuado do número de produtores nos segmentos com mais de 70 vacas por fazenda, sendo que no segundo período (2006 a 2014) a taxa anualizada foi menor que aquela do período anterior, podendo indicar uma redução do ímpeto de crescimento.

• Crescimento do rebanho e redução da produtividade no segmento de até 30 vacas por fazenda, indicando a existência de ineficiências.

• Crescimento do rebanho e da produtividade nos segmentos com mais de 70 até 200 vacas por fazenda, indicando possível profissionalização da produção de leite neste segmento.

• Os estratos com até 70 vacas não possuem capacidade de investimento que possa alavan-car de forma sistemática a produção de leite, sendo que o estrato, até 30 vacas, não logra sequer pagar o custo de oportunidade da mão de obra.

• Os segmentos com mais de 30 vacas e até 200 vacas devem ser alvos preferenciais de as-sistência técnica pública e programas específicos de desenvolvimento, por possuírem ra-zoáveis escala, melhoria da produtividade e crescimento do rebanho ao longo do período estudado.

• Os sistemas acima de 200 vacas por fazenda devem ser alvos de política específica que considere o maior acesso ao crédito.

• O grupo de menos de 30 vacas por fazenda deve ter tratamento específico, pois se constitui problema de cunho social e não, econômico.

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 85

Para contextualizar melhor as transformações na pecuária de leite no tempo, além das cadeias produtivas do milho e da soja, serão ainda apresentadas e discutidas as projeções para as cadeias produtivas de carnes, pela sua importância no conjunto do agronegócio brasileiro, com grandes im-pactos na balança comercial brasileira, e por ser o frango, o boi e o porco, grandes consumidores de ração. As rações desses animais têm na soja e no milho a base de sua formulação, figurando, desta for-ma, como competidores por esses insumos básicos que compõe a alimentação dos bovinos de leite.

CADEIA PRODUTIVA DO MILHO1

As primeiras estimativas para a produção de milho em 2016, realizadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) (BRASIL, 2015), previam superprodução nos Estados Unidos e perspectiva de fraco crescimento do consumo mundial, projetando-se, também, um ce-nário de elevação dos estoques globais. Consequentemente, esperava-se que as cotações de milho seguissem pressionadas em Chicago e no mercado doméstico brasileiro, com o câmbio e o clima ditando o comportamento dos preços. Todavia, o 12º levantamento para a safra mundial de milho 2015/2016 do United States Department of Agriculture (Usda), prevê uma produção mundial de 972,1 milhões de toneladas, que é 40,7 milhões de toneladas inferior ao observado em 2014/2015. Esse fato decorre, segundo dados do departamento de agricultura dos EUA, da menor área plantada e da menor produtividade média global.

As previsões do USDA (ESTADOS UNIDOS, 2015) sobre a produção mundial de milho de 2016 indicam uma redução de 4%, o que equivale a mais de 40 milhões de toneladas. Os maiores decrés-cimos de produção estão previstos para os EUA (-4,3%) e para a União Europeia (-23,9%) devido, principalmente, à redução da área plantada e da produtividade.

Produção mundial de milho

Para o Brasil, a previsão para o ano de 2016 é de ligeira redução (-1,2%) na produção de milho, equivalendo a 1 milhão de toneladas (Tabela 1). A Conab (2016) projeta uma safra 2015/2016 inferior em 5,6% àquela do ano anterior, da ordem de 79,96 t, com redução expressiva da primeira safra e aumento da produção da chamada “safrinha”. Todavia, questão relativa à precipitação em diversas regiões produtoras tem afetado o desempenho da safrinha, podendo haver redução da produção, como previu o Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015). Em que pese à diferença de previsão para a produção de milho no Brasil, apresentada por diferentes órgãos, parece notório, se olharmos a dinâmica dos preços na bolsa de mercadoria e futuros de Chicago, que o mercado está prevendo uma produção inferior neste ano de 2016 em relação ao ano de 2015, pois os preços continuam firmes.

Há de se destacar que a previsão para a safra da China, em 2016, é superior a 4,1% em relação ao ano anterior, no qual ela importou 2,5 milhões de toneladas. Destaca-se também que a produção de milho projetada para a China em 2016 supera o consumo doméstico esperado em 6,6 milhões

1 Este tópico está fortemente amparado pelos dados do United States Department of Agriculture. Economic Resear-ch Service (USDA) – International Baseline Data.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 186

de toneladas. As estimativas do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) são de que o excedente de produ-ção e as importações chinesas da ordem de 2,5 milhões de toneladas irão para os estoques finais. Todavia, com preços interessantes no mercado internacional do milho, este excedente de produção, além de causar provável redução nas importações, poderá ser colocado no mercado internacional, podendo causar pressões baixistas nos preços desta commodity mesmo que os volumes não sejam expressivos.

Tabela 1. Produção mundial de milho (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 1.012,8 972,1 - 40,7 - 4,0

EUA 361,1 345,5 - 15,6 - 4,3

China 215,6 224,6 + 8,9 + 4,1

Brasil 85,0 84,0 - 1,0 - 1,2

UE 75,5 57,5 - 18,0 - 23,9

Fonte: Estados Unidos (2015).

Consumo mundial de milho

A previsão do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) para o ano de 2016 é de aumento do consumo mundial de milho de quase 9 milhões de toneladas, um crescimento pouco inferior a 1%. As pre-visões indicam ainda forte redução no consumo da UE e forte crescimento do consumo chinês. No caso da redução do consumo de milho na UE, podem-se levantar dúvidas sobre esta estimativa diante da esperada elevação da produção de leite. Há previsões de aumento da produção de leite devido ao encerramento das cotas de produção na UE. Sabe-se que milho é componente relevante para o preparo de rações para alimentação animal, implicando no aumento de sua demanda devido ao aumento da produção de leite (Tabela 2).

Tabela 2. Consumo mundial de milho (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 962,1 970,8 + 8,7 + 0,9

EUA 301,9 301,5 - 0,4 - 0,1

China 202,0 218,0 + 16,0 + 7,9

Brasil 57,0 58,0 + 1,0 + 1,8

UE 77,6 74,0 - 3,6 - 4,6

Fonte: Estados Unidos (2015).

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 87

O consumo nos EUA foi estimado em 301,5 milhões de toneladas, redução de 0,1% em relação à 2014/2015. Segundo o USDA (ESTADOS UNIDOS, 2015), esta pequena variação foi devida à menor demanda de milho para ração animal ter compensado o aumento da demanda para produção de etanol. As previsões para o Brasil são de aumento de consumo da ordem de quase 2%, atingindo 1 milhão de toneladas. Se for configurado o aumento do consumo e a redução da produção, o Brasil irá contribuir para a manutenção dos preços do milho em níveis elevados.

As previsões para a China mostram um aumento recorde no consumo de milho, atingindo 218 milhões de toneladas. O consumo, naquele País, tem crescido, sistematicamente, na ordem de 4,8% ao ano, sendo que nas estimativas para 2016 aparecem um ponto fora da curva, atingindo 7,9% em relação ao ano anterior.

Exportação mundial de milho

As previsões para as exportações mundiais de milho para o ano de 2016 são bastante pessi-mistas, apontando uma redução de 19,3 milhões de toneladas, que equivale a 13,6% do mercado internacional. Somente a produção da Argentina terá um ligeiro aumento, da ordem de 0,1 milhão de toneladas, sendo que os demais exportadores relevantes apresentarão fortes decréscimos. A re-dução das exportações dos EUA é de 5,4 milhões de toneladas, correspondendo a 11,5%, enquanto a previsão para o Brasil mostra uma redução de 18,7% dos embarques, atingindo 6,5 milhões de toneladas a menos em relação à safra 2014/2015. Mesmo com esta diminuição, espera-se que o Brasil exporte 28 milhões de toneladas de milho da safra 2015/2016. Há de se considerar que poderá haver surpresas na quantidade exportada do cereal, notadamente pelo efeito dos elevados preços internacionais, cambio e conquistas de novos mercados no oriente médio (Tabela 3).

Tabela 3. Exportações mundiais de milho (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 141,7 122,3 - 19,3 - 13,6

EUA 47,4 41,9 - 5,4 - 11,5

Brasil 34,5 28,0 - 6,5 - 18,7

Argentina 18,9 19,0 + 0,1 + 0,5

Ucrânia 19,7 15,7 - 4,0 - 20,1

Fonte: Estados Unidos (2015).

Se houver crescimento das exportações, poderá haver falta do produto no mercado doméstico, considerando que os estoques iniciais brasileiros são baixos, o que pressionará os preços do milho no mercado nacional, podendo levar o governo à política de flexibilização de regras de importação do produto para o mercado nacional.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 188

Estoques mundiais de milho

A previsão do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) para os estoques mundiais de milho é de cresci-mento de apenas 0,6%. Este pequeno aumento é afetado pela grande redução dos estoques da UE, da ordem de 31,4% ou 2,9 milhões de toneladas e, do Brasil, de 17,7% ou 1,4 milhões de toneladas. Positivamente afetado, o estoque vem dos aumentos da China da ordem de 9% ou 9,0 milhões de toneladas e dos EUA. Os estoques finais dos EUA tendem a crescer em 7,5% em 2015/2016, segundo o USDA, devido à redução do consumo e das exportações. Este aumento corresponde a 3,3 milhões de toneladas em comparação com o volume estocado em 2014/2015 (Tabela 4).

Tabela 4. Estoques mundiais de milho (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 207,6 208,9 + 1,3 + 0,6

EUA 44,0 47,3 + 3,3 + 7,5

China 100,5 109,5 + 9,0 + 9,0

Brasil 7,9 6,5 - 1,4 - 17,7

EU 9,3 6,4 - 2,9 - 31,4

Fonte: Estados Unidos (2015).

A China, como comentado anteriormente, possui estoques elevados da commodity e a pre-visão é de aumento da ordem 9 milhões de toneladas. O volume esperado para 2015/2016 é de 109,5 milhões de toneladas, que corresponde a 52,42% do estoque mundial de milho, estimado em 208,9 milhões de toneladas e, crescimento em relação ao ano de 2014/2015, da ordem de 0,6%. Os estoques chineses bastante elevados, frente a um mercado internacional ávido e com preços convidativos, podem incentivar o país a participar de forma acentuada no mercado internacional como exportador, deslocando o vetor dos preços internacionais do milho.

O estoque de milho do Brasil é baixo e espera-se uma redução de 17,7% em 2015/2016, atingin-do 6,5 milhões de toneladas. A relação entre produção e estoque, dos mais importantes produtores, está bem acima daquela observada pelo Brasil em 2014/2015. Enquanto nos EUA e UE esta relação é maior que 12%, na China ela é de 46,61% e no Brasil, de 9,29%, sendo que as previsões para o ano de 2015/2016 é de redução acentuada. Baixos níveis de estoque podem implicar grandes volatilidade dos preços e movimentos especulativos.

Cenários para a safra de milho em 2024/2025

A produção brasileira de milho ocorre em praticamente todo o território nacional e está forte-mente concentrada nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Os principais estados produtores: Mato

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 89

Grosso, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, respondem por mais de 80% da produção nacional. No Centro-Oeste, a liderança é de Mato Grosso, seguido por Mato Grosso do Sul, e, nas regiões Sul e Sudeste, as lideranças são do Paraná e Minas Gerais, respectivamente. Segundo a Conab (2016), estes foram os principais produtores de milho do País na safra de 2014/2015.

A previsão de produção de milho para o ano de 2024/2025, realizada pelo Mapa (BRASIL, 2015), com dados da Conab (2016), considera uma variação da produção em relação à safra 2014/2015 de 26,3%, que corresponde a um aumento médio anual de 2,36%, atingindo 99,76 milhões de tonela-das no ano agrícola de 2024/2025. O Mapa trabalha também com uma previsão ainda mais otimista, com uma previsão para 2024/2025 que atingiria 143,97 milhões de toneladas, correspondendo, em relação ao ano de 2014/2015, a um aumento médio anual de 6,19%.

A previsão do Mapa (BRASIL, 2015) para a área plantada de milho indica um crescimento médio anual de 2,9% entre as safras de 2014/2015 e 2024/2025, passando de 15,2 milhões de hectares para 21,4 milhões de hectares até 2025. O aumento da área plantada com milho é menor que o cresci-mento observado nos últimos 10 anos, que foi de 17,3%, acreditando-se que o milho avançará em áreas de produção de soja.

As previsões da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para o agronegócio bra-sileiro projetam um crescimento da área plantada de milho de até 1,5% ao ano, totalizando 18,3 mi-lhões de hectares plantados na safra 2024/2025 (FEDERAçãO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SãO PAULO, 2015). Projetam ainda um crescimento na produtividade de 7%, passando de 5,4 em 2014 para 5,8 toneladas/hectare em 2025. As previsões indicam uma safra de 105,2 milhões de toneladas, correspondendo a um aumento de 2,2% ao ano ou de 24% no período considerado. Cabe destacar que tanto a Fiesp quanto o Mapa (BRASIL, 2015) consideram aumentos médios anuais bastante pró-ximos, 2,3% para o Mapa e 2,2% para a Fiesp, sinalizando que se pode trabalhar com uma previsão de produção da ordem de 100 milhões de toneladas no ano de 2024/2025.

O consumo interno de milho foi de aproximadamente 70% da produção na safra passada. Estimativas do Mapa (BRASIL, 2015) indicam que este percentual deve ser reduzido para 65,3%, to-talizando 65,18 milhões de toneladas, indicando que o aumento da produção supere o aumento do consumo interno, gerando mais excedentes exportáveis. Na verdade, a estimativa do Mapa de aumento de consumo de milho para o período é de 1,71% de média anual, inferior às previsões de aumento da produção, e o Mapa espera um crescimento das exportações de 4,20% de média anual no período estudado. Estes números projetam exportações de milho de 31,7 milhões de toneladas em 2024/2025.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) tem previsão de aumento do consumo interno de 2% ao ano, atingindo 69,4 milhões de toneladas, que é superior àquela projetada pelo Mapa (BRASIL, 2015). A Fiesp também é mais otimista que o Mapa na previsão de crescimento das exportações, indicando uma média anual de 2,8% e um volume de 35,6 milhões de toneladas expor-tadas na safra 2024/2025.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 190

Previsões para a produção, consumo e exportação de milho (2014/2015 – 2024/2025)

A título ainda de comparação e possibilidade de análise crítica, dados de projeção da OECD-FAO... (2015) indicam um crescimento da produção de milho acima do crescimento da demanda interna. A OECD-FAO estima um aumento do consumo médio anual de 1,4%, atingindo em 2024/2025, 62,70 milhões de toneladas. Projeta-se ainda um crescimento da produtividade, que atingirá 5,2 tonela-das/ha em 2024, e aumento dos preços aos produtores de 5,5% ao ano, impulsionando a produção de milho para mais de 99 milhões de toneladas (Tabela 5).

Tabela 5. Produção, consumo e exportação de milho (milhões de toneladas).

AnoProdução Consumo Exportação

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

2014/2015 78,99 85,00 55,00 57,00 21,00 26,80

2015/2016 81,06 86,87 56,07 58,14 22,33 27,57

2016/2017 83,14 88,78 57,10 59,30 23,33 28,36

2017/2018 85,22 90,73 58,12 60,49 24,40 29,18

2018/2019 87,29 92,73 59,13 61,70 25,45 30,02

2019/2020 89,37 94,77 60,14 62,93 26,50 30,89

2020/2021 91,45 96,86 61,15 64,19 27,55 31,78

2021/2022 93,53 98,99 62,16 65,48 28,60 32,69

2022/2023 95,60 101,16 63,17 66,78 29,65 33,63

2023/2024 97,68 103,39 64,17 68,12 30,70 34,60

2024/2025 99,76 105,66 65,18 69,48 31,75 35,60

Fonte: Brasil (2015) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015).

CADEIA PRODUTIVA DA SOJA GRãO2

As condições climáticas na América do Sul, com previsão de efeitos adversos advindos do fe-nômeno climático El Niño, serão decisivas para as quantidades produzidas, podendo implicar em volatilidade dos preços no mercado de soja e definição do patamar médio das cotações. As cotações internacionais mais baixas para a soja deverão pressionar as margens dos produtores em todo mun-do, inclusive no Brasil.

O Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) está prevendo para a safra 2015/2016 um crescimento da pro-dução mundial de soja da ordem de 0,18%, praticamente estável e em torno de 320,15 milhões de

2 Este tópico utiliza de dados do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015).

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 91

toneladas. Foi revista para baixo a previsão de produção de soja dos EUA na safra 2015/2016 de 108,2 milhões para 106,93 milhões de toneladas.

Se o efeito do clima não afetar a produção brasileira, esta será de 100 milhões de toneladas, segundo o Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015), com aumento de 2,80 milhões de toneladas na safra 2015/2016. Isto representará um aumento de 2,88% em comparação à produção da safra 2014/2015. As previsões mostram uma redução na produção da Argentina de 3,91%, o que corresponde a 2,40 milhões de toneladas de soja na safra 2015/2016.

Produção mundial de soja

As previsões para a China e para a UE, também indicam queda de produção de 2,88% e 1,42%, respectivamente. Isto corresponde a um volume de 0,35 milhões de toneladas para a China e de 0,19 milhões de toneladas para a UE. Há de se destacar que entre os grandes produtores de soja, o Brasil é o único com previsões de aumento substantivo na produção (Tabela 6).

Tabela 6. Produção mundial de soja (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 319,55 320,15 + 0,60 + 0,18

EUA 106,88 106,93 + 0,05 + 0,05

Argentina 61,40 59,00 - 2,40 - 3,91

Brasil 97,20 100,00 + 2,80 +2,88

China 12,15 11,80 - 0,35 - 2,88

UE 13,39 13,20 - 0,19 - 1,42

Fonte: Estados Unidos (2015).

Acrescenta-se que previsões recentes da Conab (2016) indicam que a produção de soja no Brasil pode apresentar resultados menores que o esperado devido às condições climáticas que afetaram a produtividade em importantes regiões produtoras, bem como redução de 3,1% da área plantada. No conjunto da produção de soja no Brasil, a Conab espera uma redução da produtividade de 2,3%, atingindo 2.929 kg ha-1. Segundo a Conab, a produção brasileira, na safra 2015/2016, deverá ser de 96,91 milhões de toneladas, representando uma variação positiva de 0,7% em relação à safra anterior.

Consumo mundial de soja

O Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) está prevendo um aumento do consumo de soja, na safra de 2015/2016, da ordem de 5,36%, o que corresponde a um aumento de 16,06 milhões de toneladas

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 192

comparado à safra de 2014/2015. O consumo mundial esperado para a soja grão é da ordem de 315,75 milhões de toneladas. Este aumento virá, principalmente, da China, que terá um crescimento de consumo de 9,23%, que corresponde a 8,05 milhões de toneladas de soja grão, representando mais de 50% do aumento do consumo mundial desta oleaginosa. Na safra 2015/2016, o consumo da China será de 95,25 milhões de toneladas, correspondendo a 30,17% do consumo mundial (Tabela 7).

Tabela 7. Consumo mundial de soja (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 299,69 315,75 + 16,06 + 5,36

EUA 54,93 54,42 - 0,51 - 0,93

Argentina 44,40 40,05 - 4,35 - 9,80

Brasil 43,41 43,00 - 0,41 - 0,94

China 87,20 95,25 + 8,05 + 9,23

UE 15,07 15,32 + 0,25 + 1,66

Fonte: Estados Unidos (2015).

Na safra 2015/2016, o consumo dos EUA deverá recuar 0,93%, ou 0,51 milhões de toneladas a menos do que na safra anterior. Redução também está prevista para a Argentina, de 9,80% ou 4,35 milhões de toneladas, e para o Brasil a previsão é de 0,94% ou 0,41 milhões de toneladas de soja. Mesmo com estas reduções, o consumo de soja na Argentina e no Brasil são bastante expressivos, da ordem de 40,05 e 43,00 milhões de toneladas, correspondendo a 12,7% e 13,62% do consumo mundial, respectivamente.

Exportação/importação mundial de soja

O Usda está prevendo, para a safra 2015/2016, crescimento das exportações mundiais de 5,07%, correspondendo a 6,39 milhões de toneladas em um montante de 132,36 milhões. O Brasil e os EUA são os dois maiores exportadores líquidos de soja grão, atingindo no conjunto 79,85% de toda a soja exportada no mundo. Para a safra de 2015/2016, a previsão é de expansão das exportações brasileiras de 16,58%, correspondendo a 8,39 milhões de toneladas a mais do que na safra anterior. Para os EUA, a previsão é de redução na participação no comércio internacional da ordem de 7,51% em relação à safra 2014/2015 (Tabela 8).

Para a Argentina, outra grande exportadora, o Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) aponta crescimen-to das exportações, para a safra 2015/2016, de 0,83 milhões de toneladas, que correspondem a um aumento de 7,85% sobre a quantia exportada na safra anterior. China e UE são importadores líqui-dos e as previsões são de aumento de 5,94% para a China e redução de 1,42% para a UE.

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 93

Estoques mundiais de soja

Os estoques mundiais de soja grão, para a safra 2015/2016, são da ordem de 79,02 milhões de toneladas, com previsão de aumento de 1,66% em relação à safra anterior. Mesmo com previsão de redução de 2,40 milhões de toneladas, o maior estoque entre os grandes players é da Argentina, com um volume de 29,30 milhões de toneladas, o que corresponde a aproximadamente 50% de sua produção (Tabela 9).

Tabela 8. Exportação/importação mundial de soja (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 125,97 132,36 + 6,39 5,07

EUA 50,17 46,40 - 3,77 - 7,51

Argentina 10,57 11,40 + 0,83 + 7,85

Brasil 50,61 59,00 + 8,39 + 16,58

China(1) 78,35 83,00 + 4,65 + 5,94

EU(1) 13,39 13,20 - 0,19 - 1,42(1) Importações. Fonte: Estados Unidos (2015).

Tabela 9. Estoques mundiais de soja (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 77,73 79,02 + 1,29 + 1,66

EUA 5,19 12,11 + 6,92 + 133,33

Argentina 31,70 29,30 - 2,40 - 7,57

Brasil 19,50 17,30 - 2,20 - 11,28

China 17,03 16,43 - 0,60 - 3,52

UE 0,66 0,59 - 0,07 - 10,61

Fonte: Estados Unidos (2015).

Há de se destacar a grande variação nos estoques de soja grão dos EUA. Para a safra 2015/2016, espera-se um estoque de 12,11 milhões de toneladas, representando um aumento de 133,33% em relação à safra anterior. Os demais países selecionados apresentam redução prevista para os es-toques, sendo os mais relevantes os da Argentina, de 2,40 milhões de toneladas, e do Brasil, de 2,20 milhões de toneladas. A UE apresenta uma redução acentuada em termos percentuais de 10,61%, mas pequena redução em termos absolutos de 0,07 milhões de toneladas, devido ao seu baixo nível de estoque.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 194

Cenários para a soja em 2024/2025

A produção projetada para a soja em grãos para a safra brasileira de 2024/2025, segundo o Mapa (BRASIL, 2015), é de 126,22 milhões de toneladas, incorrendo em uma taxa de crescimento anualiza-da de 2,87% (Tabela 10). Este crescimento esperado representa um acréscimo de 33,90% em relação à safra de 2014/2015 e mostra uma redução da dinâmica vivenciada na década passada, quando a produção de soja cresceu mais de 72%. Estimativas realizadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) apresentam uma taxa de crescimento anual da produção de 2,99%, pou-co acima da previsão do Mapa, totalizando uma produção em 2025 de 128,99 milhões de toneladas. As estimativas do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) para a produção brasileira preveem produção de 128,16 milhões de toneladas na safra 2024/2025, com crescimento da ordem de 75% em relação à de 2014/2015. A área plantada de soja deve aumentar em 9,7 milhões de hectares segundo dados do Mapa, para o período considerado. Projeta-se uma área plantada de 41,2 milhões de hectares em 2025, sendo a lavoura de soja a com maior possibilidade de expansão da área plantada.

O consumo de soja grão no Brasil previsto para 2024/2025 pelo Mapa (BRASIL, 2015) pode atingir 54,34 milhões de toneladas, correspondendo a um crescimento anual de 2,09% e a 22,9% de au-mento no período estudado. Este volume, superior a 10 milhões de toneladas, deve ser consumido em grande parte pela fabricação de rações para alimentação animal. As previsões da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) são mais acanhadas, mostrando um consumo para a safra 2024/2025 de 52,50 milhões de toneladas, um aumento de 8,30 milhões de toneladas.

Tabela 10. Previsões para a produção, consumo e exportação de soja grão (milhões de toneladas) – safra 2024/2025.

SafraProdução Consumo Exportação

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

2014/2015 94,28 96,00 44,20 44,20 46,77 46,60

2015/2016 95,87 98,88 46,80 44,97 48,74 49,16

2016/2017 100,04 101,84 45,31 45,75 50,71 51,87

2017/2018 103,03 104,90 46,44 46,54 52,68 54,72

2018/2019 106,48 108,04 47,57 47,35 54,65 57,73

2019/2020 109,72 111,28 48,69 48,17 56,62 60,90

2020/2021 113,04 114,62 49,82 49,01 58,59 64,25

2021/2022 116,33 118,05 50,95 49,86 60,56 67,79

2022/2023 119,63 121,59 52,08 50,72 62,53 71,52

2023/2024 122,93 125,24 53,21 51,60 64,50 75,45

2024/2025 126,22 128,99 54,34 52,50 66,47 79,60

Fonte: Brasil (2015) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015).

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 95

As previsões do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015), para o mesmo período, são da ordem de 53,32 mi-lhões de toneladas.

As exportações brasileiras de soja grão devem crescer, segundo previsões do Mapa (BRASIL, 2015), atingindo 66,47 milhões de toneladas, o que corresponde a 42,1% de aumento em relação à safra 2014/2015. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) tem previsões mais dinâmicas para as exportações da oleaginosa pelo Brasil. Segundo suas estimativas, o País exportará mais de 79,60 milhões de toneladas em 2024/2025. O aumento previsto pela Fiesp é da ordem de mais de 58% em relação à safra de 2014/2015. As previsões do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) são mais otimistas ainda, projetando aumento da ordem de 67% nas exportações brasileiras, atingindo 74,21 milhões de toneladas na safra 2024/2025.

CADEIA PRODUTIVA DO FARELO DE SOJA3

A produção mundial de farelo de soja é 5,65% maior, correspondendo a 11,71 milhões de tone-ladas na safra 2015/2016, em relação à safra anterior. Destaca-se como maior produtor os EUA com 40,07 milhões de toneladas, o que corresponde a uma redução de 0,81 milhões de toneladas em relação à safra de 2014/2015. A Argentina apresenta um aumento de 14,39% ou 4,45 milhões de toneladas de produção de farelo de soja na safra 2015/2016. O Brasil apresenta uma ligeira redução da produção esperada da ordem de 1,09% (Tabela 11).

Tabela 11. Produção mundial farelo de soja (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 207,34 219,05 + 11,71 + 5,65

EUA 40,88 40,07 - 0,81 - 1,98

Argentina 30,93 35,38 + 4,45 + 14,39

Brasil 31,30 30,96 - 0,34 - 1,09

UE 10,74 11,30 + 0,56 + 5,21

Fonte: Estados Unidos (2015).

O consumo de farelo de soja aumentará de 14,31 milhões de toneladas, uma alta de 7,08% na safra 2015/2016 em relação à safra anterior, chegando a 216,36 milhões de toneladas (Tabela 12).

A perspectiva é de aumento do consumo de todos os principais players deste mercado, com grande destaque para a UE, que aumentará seu consumo de farelo de soja em 2 milhões de tonela-das, correspondendo a um aumento de 6,75% em 2015/2016 em comparação com a safra passada.

3 Dados utilizados do USDA (ESTADOS UNIDOS, 2015).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 196

Tabela 12. Consumo mundial de farelo de soja (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 202,08 216,36 + 14,31 + 7,08

EUA 29,24 30,21 + 0,97 + 3,32

Argentina 2,30 2,40 + 0,10 + 4,35

Brasil 15,25 15,55 + 0,30 + 1,97

UE 29,64 31,64 + 2,00 + 6,75

Fonte: Estados Unidos (2015).

O aumento percentual de consumo da Argentina é maior do que o aumento brasileiro, mas os valores absolutos são bastante diferentes, pois o Brasil consumirá 15,55 milhões de toneladas e a Argentina 2,40 milhões de toneladas. Espera-se que o consumo mundial atinja 216,36 milhões de toneladas, com grande contribuição do aumento de consumo pela UE, que atingirá 31,64 milhões de toneladas, e pelos EUA, que consumirão 30,21 milhões de toneladas (Tabela 12).

Brasil e Argentina serão os países que mais expandirão suas exportações de farelo de soja. As vendas brasileiras devem atingir 15,60 milhões de toneladas enquanto as exportações argentinas devem somar 32,80 milhões de toneladas. Em comparação com a safra anterior, as exportações de Brasil e de Argentina em 2015/2016 crescerão de 8,41% e 10,89%, respectivamente (Tabela 13).

A expectativa do mercado internacional de farelo de soja é de crescimento de 5,39%, equivalen-do a 3,43 milhões de toneladas para a safra de 2015/2016. Entre os grandes players, os EUA devem perder espaço no mercado internacional, com recuo de 14,98%, o que corresponde a uma redução de 1,79 milhões de toneladas na exportação americana. Mesmo com essa redução, as exportações líquidas dos EUA atingirão 10,16 milhões de toneladas.

Tabela 13. Exportação/importação mundial de farelo de soja (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 63,65 67,08 + 3,43 + 5,39

EUA 11,95 10,16 - 1,79 - 14,98

Argentina 29,58 32,80 + 3,22 + 10,89

Brasil 14,39 15,60 + 1,21 + 8,41

EU(1) 19,25 20,70 + 1,45 + 7,53(1) Importações. Fonte: Estados Unidos (2015).

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 97

O estoque mundial de farelo de soja apresentará aumento de 0,24 milhões de toneladas, corres-pondendo a 1,94% em 2015/2016 em relação à safra anterior, atingindo 12,63 milhões de toneladas. O estoque previsto para a safra 2015/2016 corresponde a 18,83% das exportações e a apenas 5,84% do consumo mundial. Esse baixo volume esperado do estoque mundial pode transmitir instabilida-de ao mercado na formação dos preços dessa commodity (Tabela 14).

Em relação ao consumo, os estoques de farelo de soja nos EUA parecem acanhados. Com con-sumo de 30,21 milhões de toneladas, o estoque previsto para a safra 2015/2016 é de somente 0,27 milhões de toneladas, o que corresponde a somente 0,89%. O mesmo se observa para o caso da UE, cujos estoques correspondem somente a 0,66% do consumo esperado para a safra 2015/2016. Esses valores parecem bem restritivos para esses dois consumidores bastante relevantes.

O estoque brasileiro deve recuar de 0,17 milhões de toneladas, com redução prevista de 3,58%. Todavia, o estoque previsto para a safra 2015/2016 é de 4,58 milhões de toneladas de farelo de soja, o que corresponde a 29,45% do consumo esperado para essa safra, bem mais elevado do que o dos EUA e UE, regiões notadamente consumidoras, com a UE sendo também grande importadora.

Cenários para a produção de farelo de soja em 2024/2025

Os cenários para o farelo de soja para os próximos 10 anos são mostrados na Tabela 15. Segundo projeções do Mapa (BRASIL, 2015), a produção brasileira de farelo de soja crescerá a uma taxa mé-dia anual de 2,36%, atingindo, na safra 2024/2025, 39,85 milhões de toneladas. As projeções da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) apresentam uma produção de farelo cres-cendo a uma taxa anualizada de 1,92%, atingindo 37,11 milhões de toneladas em 2024/2025. As projeções do Usda para o Brasil são mais otimistas e mostram uma taxa de crescimento anualizada da produção de 2,23%, atingindo 38,50 milhões de toneladas. O Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) projeta ainda um crescimento a taxas crescentes quando indica que, para o ano de 2025/2026 em relação ao ano de 2014/2015, o crescimento médio anual será de 2,40%.

O consumo de farelo de soja no Brasil, segundo o MAPA (BRASIL, 2015), crescerá a uma taxa anualizada de 3,02%, acima da taxa de crescimento esperada para a produção de farelo de soja,

Tabela 14. Estoques mundiais de farelo de soja (milhões de toneladas).

LocalSafra Variação

2014/2015 2015/2016 Milhões t %

Mundo 12,39 12,63 + 0,24 + 1,94

EUA 0,24 0,27 + 0,03 + 12,50

Argentina 4,13 4,34 + 0,21 + 5,08

Brasil 4,75 4,58 - 0,17 - 3,58

UE 0,25 0,21 - 0,04 - 16,00

Fonte: Estados Unidos (2015).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 198

o que poderá servir de estímulo para o aumento dos preços da soja grão nos próximos anos. O MAPA projeta um volume de 19,92 milhões de toneladas para a safra 2024/2025. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) projeta uma taxa média anual de crescimento do consumo desta commodity de 1,92%, atingindo 17,90 milhões de toneladas em 2024/2025. Nota-se que a taxa de mudança projetada pela Fiesp é menor do que a taxa de crescimento esperado da produção de farelo de soja no Brasil nos próximos 10 anos.

A previsão do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) para o crescimento médio anual do consumo de farelo de soja no Brasil, para os próximos 10 anos, é de 2,43%. Destaca-se que o crescimento médio esperado do consumo também é maior do que a taxa esperada para o crescimento da produção, corroborando as previsões do Mapa (BRASIL, 2015) e podendo prever estímulos à produção de fare-lo de soja via pressão sobre os preços futuros deste produto.

As previsões do Mapa (BRASIL, 2015) para as exportações de farelo de soja pelo Brasil indicam que o País exportará 17,38 milhões de toneladas na safra 2024/2025. Essa expressiva quantidade traz embutida uma taxa anual de expansão das exportações, no período estudado, de 1,92%. As previ-sões da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) para as vendas são mais otimistas, indicando 18,22 milhões de toneladas para a safra 2024/2025. Essa previsão está alicerçada na taxa anual de crescimento das exportações de farelo de soja de 2,10% (Tabela 15).

Previsões do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) para as exportações brasileiras de farelo de soja in-dicam que o País exportará 19,01 milhões de toneladas, bem acima das previsões do Mapa (BRASIL,

Tabela 15. Previsão para a produção, consumo e exportação de farelo de soja (milhões de tonela-das) para o período 2015–2025.

AnoProdução Consumo Exportação

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

2015 31,57 31,57 14,80 14,80 14,80 14,80

2016 32,77 32,08 15,36 15,08 15,59 15,11

2017 33,68 32,61 15,83 15,37 15,93 15,43

2018 34,07 33,14 16,31 15,67 15,93 15,75

2019 34,92 33,68 16,82 15,97 16,18 16,08

2020 35,95 34,23 17,35 16,28 16,38 16,42

2021 36,59 34,79 17,87 16,59 16,60 16,77

2022 37,45 35,35 18,38 16,91 16,80 17,12

2023 38,21 35,93 18,89 17,23 16,97 17,48

2024 39,01 36,52 19,41 17,56 17,19 17,84

2025 39,85 37,11 19,92 17,90 17,38 18,22

Fonte: Brasil (2015) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015).

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 99

2015) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015). A taxa anual de crescimento das exportações brasileiras, segundo o Usda, para o período estudado, é de 2,83% – bem acima das taxas das demais previsões.

Cabe especial destaque às perspectivas de preço do farelo de soja no mercado brasileiro. Considerando-se que há previsões que indicam que o consumo e a exportação de farelo de soja crescerão acima das taxas de crescimento da produção, é esperado incentivo, via preço, para a ex-pansão da produção. Esse crescimento do consumo e da exportação poderá ainda criar um vetor de incentivo para o aumento da produção de soja grão, requerendo maior produtividade e ou expan-são das áreas de produção.

CADEIA PRODUTIVA DE CARNES BOVINA, SUÍNA E DE FRANGO

A produção de carne é de alta relevância no âmbito do agronegócio brasileiro, consolidando o País como grande exportador líquido. A produção de carne bovina, suína e de frango implica forte demanda para a produção de grãos, notadamente soja e milho, que são a base da produção de ração para alimentação animal. Essa demanda afeta a dinâmica dos preços desses produtos, que são também de grande necessidade para a alimentação de gado de leite, notadamente em sistemas de produção intensivos de insumos modernos. A produção, o consumo e a exportação de carne bovina pode estimular o descarte de gado leiteiro caso os preços sejam compensadores frente à produção de leite. Estimativa da Embrapa Gado de Leite mostra que, no abate de animais para a produção de carne, 3,52% podem ser oriundos de rebanhos leiteiros.

Cenários para a produção de carne bovina (2015–2025)

Segundo o Mapa (BRASIL, 2015), a produção de carne bovina crescerá a uma taxa anualizada de 2,1%, atingindo 11,36 milhões de toneladas em 2025. Estimativas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) para a carne bovina para o período 2015–2025 apresenta uma taxa anual menor que a do Mapa, de 1,3%, projetando uma produção da ordem de 11,19 milhões de toneladas. As projeções do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) para esse produto, para o período, são também oti-mistas, atingindo 11,24 milhões de toneladas em 2025, representando aumento de 19% sobre o ano de 2014. Note que as três projeções sobre a produção de carne estão bastante próximas, indicando que a produção de carne brasileira aumentará acima de 11 milhões de toneladas até 2025, a uma taxa anualizada acima de 1,3% por 10 anos, a contar de 2014.

O consumo de carne bovina projetado pelo Mapa (BRASIL, 2015) considera uma taxa anualizada de crescimento de 1,5%, atingindo, em 2025, 8,48 milhões de toneladas. As previsões realizadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) mostram uma taxa de 1,04%, atingindo o consumo de 8,85 milhões de toneladas em 2025. A maior quantidade consumida, nas previsões da Fiesp, a despeito da menor taxa anual de crescimento, é devida a um maior volume de consumo considerado para 2015.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1100

Tabela 16. Previsão para a produção, consumo e exportação de carne bovina (milhões de toneladas) para o período 2015–2025.

AnoProdução Consumo Exportação

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

2015 9,21 9,83 7,19 7,98 2,10 2,13

2016 9,70 9,96 7,63 8,07 2,16 2,16

2017 9,84 10,09 7,78 8,15 2,24 2,19

2018 9,69 10,22 7,58 8,23 2,32 2,22

2019 10,24 10,35 7,96 8,32 2,40 2,26

2020 10,52 10,49 8,23 8,41 2,48 2,29

2021 10,57 10,62 8,11 8,49 2,56 2,32

2022 10,80 10,76 8,15 8,58 2,64 2,36

2023 11,19 10,90 8,49 8,67 2,72 2,39

2024 11,20 11,04 8,52 8,76 2,80 2,43

2025 11,36 11,19 8,48 8,85 2,88 2,46

Fonte: Brasil (2015) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015).

O crescimento da produção acima do consumo garante excedentes exportáveis. As vendas brasi-leiras de carne bovina terão crescimento forte e consistente na próxima década, atingindo, segundo o Mapa (BRASIL, 2015), 2,88 milhões de toneladas e, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015), 2,46 milhões de toneladas. Nas estimativas do Usda (2015), as exportações brasileiras de carne bovina no período de 2014 a 2025 aumentarão de 67%, atingindo 2,71 milhões de toneladas (Tabela 16).

Cenários para a produção de carne suína (2015–2025)

Segundo o Mapa (BRASIL, 2015), a produção de carne suína crescerá a uma taxa anualizada de 2,9%, atingindo 4,70 milhões de toneladas em 2025. Estimativas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) para a produção de carne suína para o período 2015–2025 apresentam uma taxa anual ligeiramente menor que a do Mapa, de 2,2%, projetando uma produção da ordem de 4,19 milhões de toneladas. As projeções do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) para a carne suína para o período de 2014–2025 são também otimistas, atingindo a quantidade de 4,09 milhões de toneladas em 2025, representando aumento de 16,81% sobre o ano de 2015.

O consumo de carne suína projetado pelo Mapa (BRASIL, 2015) considera taxa anual de crescimen-to de 2,6%, atingindo, em 2025, 3,89 milhões de toneladas. As previsões realizadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) são mais pessimistas e mostram uma taxa de 2%, atingindo 3,48 milhões de toneladas consumidas em 2025.

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 101

O crescimento da produção acima do consumo garante excedentes exportáveis. As exportações brasileiras de carne suína terão crescimento forte e consistente na próxima década, atingindo, se-gundo o Mapa (BRASIL, 2015), 0,74 milhões de toneladas e, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015), 0,73 milhões de toneladas. Segundo o Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015), as exportações brasileiras de 2014 a 2025 aumentarão de mais de 50%, atingindo 0,85 milhões de toneladas de carne suína exportada (Tabela 17).

Tabela 17. Previsão para a produção, consumo e exportação de carne suína (milhões de toneldas) para o período 2015 – 2025.

AnoProdução Consumo Exportação

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

2015 3,48 3,37 2,98 2,86 0,52 0,54

2016 3,68 3,45 3,10 2,91 0,54 0,55

2017 3,82 3,52 3,20 2,97 0,56 0,57

2018 3,98 3,60 3,32 3,03 0,58 0,59

2019 4,05 3,68 3,39 3,09 0,61 0,61

2020 4,14 3,76 3,47 3,15 0,63 0,62

2021 4,23 3,84 3,54 3,22 0,65 0,64

2022 4,36 3,93 3,63 3,28 0,68 0,66

2023 4,48 4,01 3,72 3,35 0,70 0,68

2024 4,60 4,10 3,81 3,41 0,72 0,71

2025 4,70 4,19 3,89 3,48 0,74 0,73

Fonte: Brasil (2015) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015).

Cenários para a produção de carne de frango (2015–2025)

Previsões do Mapa (BRASIL, 2015) para a produção de carne de frango indicam crescimento a uma taxa anualizada de 3,0%, atingindo 17,69 milhões de toneladas em 2025. Estimativas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) para a carne de frango para o período 2015–2025 mostram uma taxa um pouco menor que a do Mapa, de 2,3% ao ano, projetando uma produção de 16,31 milhões de toneladas. As estimativas do Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015) para a produção de car-ne de frango no Brasil para o período de 2014–2025 são também otimistas, atingindo a quantidade esperada de 18,03 milhões de toneladas em 2025, o que representa aumento de 31,88% sobre o ano de 2014.

O consumo de carne de frango projetado pelo Mapa (BRASIL, 2015) considera uma taxa anualiza-da de crescimento de 2,8%, atingindo, em 2025, 11,94 milhões de toneladas. As previsões realizadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) são mais pessimistas e mostram uma taxa de crescimento de 2%, atingindo 11,24 milhões de toneladas consumidas em 2025.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1102

O crescimento da produção acima do consumo garante excedentes exportáveis e a permanência do Brasil como grande player no mercado mundial de carne de frango. As vendas brasileiras de carne de frango terão crescimento forte e consistente na próxima década atingindo, segundo o Mapa (BRASIL, 2015), 5,80 milhões de toneladas e, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015), 5,56 milhões de toneladas. Segundo o Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015), as exportações brasileiras entre 2014 e 2025 aumentarão de mais de 41%, atingindo 5,58 milhões de toneladas de carne de frango exportada (Tabela 18).

Tabela 18. Previsão para a produção, consumo e exportação de carne de frango (milhões de tone-ladas) no período 2015–2025.

AnoProdução Consumo Exportação

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

ProjeçãoMapa

ProjeçãoFiesp

2015 13,13 12,99 9,04 9,22 4,10 4,10

2016 13,73 13,29 9,33 9,41 4,26 4,23

2017 14,01 13,60 9,62 9,59 4,40 4,36

2018 14,63 13,91 9,91 9,79 4,58 4,49

2019 14,92 14,23 10,20 9,98 4,73 4,63

2020 15,54 14,56 10,49 10,18 4,93 4,78

2021 15,84 14,89 10,78 10,38 5,09 4,92

2022 16,47 15,23 11,07 10,59 5,28 5,08

2023 16,76 15,58 11,36 10,80 5,44 5,23

2024 17,39 15,94 11,65 11,02 5,64 5,40

2025 17,69 16,31 11,94 11,24 5,80 5,56

Fonte: Brasil (2015) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015).

CONSIDERAçõES FINAIS

O cenário macroeconômico para o Brasil em 2016 é desafiador. Juros elevados, inflação per-sistente e desemprego crescente, juntamente com a necessidade de ajustes nas contas públicas, devem refletir no crescimento econômico e no arrefecimento da demanda agregada. Esse cenário aponta para a redução da demanda interna afetando produtos do agronegócio, indicando a necessi-dade de fortalecimento da participação brasileira no mercado internacional como forma de manter o dinamismo do crescimento. A redução da demanda interna certamente impactará também o con-sumo de produtos lácteos que possuem elevada elasticidade preço-demanda. O recuo esperado no consumo de lácteos e a esperada elevação dos custos advindos dos efeitos do câmbio e da elevação dos preços de commodities relevantes para a produção de leite, como soja e milho, tendem a impac-tar sobremaneira os níveis de produção de leite.

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Capítulo 5 Cenários para o agronegócio e as implicações para a cadeia produtiva do leite no Brasil 103

As diferentes projeções para o agronegócio brasileiro apontam para o arrefecimento do cresci-mento da produtividade das diferentes culturas. Isso pode indicar a aproximação de um patamar tecnológico para os sistemas de produção em uso no Brasil. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015), a produção de milho crescerá 24%, sendo que a produtividade crescerá 7% e a área plantada 16%, indicando que, para os próximos anos, o aumento da produtividade cede-rá espaço para o crescimento da área plantada, na explicação do crescimento da produção.

Para o Usda (ESTADOS UNIDOS, 2015), o crescimento médio anual da área colhida de milho será de 1,27%, totalizando um crescimento de 13,25% em 2025 comparado com 2014. O crescimento da produtividade projetada para 2025 é de 9,6%, o que implica crescimento médio anual para os próximos 10 anos de 0,92%. Situação semelhante é verificada em relação à soja: a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (2015) projeta crescimento da produtividade de 12% e da área plantada de 19%, enquanto o Usda prevê aumentos de 11,85% e 21,9% para produtividade e área colhida, respectivamente.

A conquista de patamar tecnológico e o arrefecimento de sua expansão, como se observa para a soja e para o milho, indicam a necessidade de aumento da produtividade dos diferentes fatores de produção. Destaca-se que novas cultivares e sistemas de produção mais produtivos serão ne-cessários para os próximos anos. Este crescimento só poderá ser alcançado com investimentos em pesquisa e desenvolvimento e protagonismos entre as instituições de pesquisa e o setor produtivo.

No que se refere aos diferentes estratos de produtores de leite, indicados no início deste traba-lho, o aumento do custo de produção, acompanhado da retração na demanda agregada por lácteos, pode centrar a redução do número de produtores nos seguimentos de 30 a 70 e de 70 a 200 vacas por propriedade. Isso pode acontecer porque este grupo utiliza insumos modernos com previsão de preços elevados para os próximos anos e não possuem, ainda, escala suficiente para suportar a redução das margens de lucro. Isso implicará em grande e concentrado esforço por eficiência para os que sobreviverem. Os produtores de subsistência, menos de 30 vacas por propriedade, tendem a se manter na produção de leite pela elevada resiliência advinda da diversificação, falta de condições para novas oportunidades e baixo custo de oportunidade da mão de obra. Os grandes produtores poderão se manter e expandir por conta dos ganhos de escala. Com isto, pode-se chegar a uma estrutura de produção de leite no Brasil composta por extremos. Muitos produtores de subsistência, com pouca relevância econômica e muita importância social, redução forte dos pequenos e médios produtores e um expressivo grupo de grandes produtores, com responsabilidade de abastecer o mercado interno e gerar excedentes exportáveis.

REFERêNCIASBRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Projeções do agronegócio: Brasil 2014/2015 a 2024/2025: projeções de longo prazo. Brasília, DF, 2015. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/PROJECOES_DO_AGRONEGOCIO_2025_WEB.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2016.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1104

CONAB (Brasil). Acompanhamento da safra brasileira de grãos: safra 2015/2016: oitavo levantamento. Observatório Agrícola, v. 3, n. 8, maio 2016. Disponível em: <http://www.CONAB.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos/16_05_10_09_03_26_boletim_graos_maio_2016.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2016.

ESTADOS UNIDOS. Department of Agriculture. Economic Research Service. International Baseline Data: 2015 international long-term projections to 2024. [Washington, DC], 2015. Disponível em: <http://www.ers.usda.gov/data-products/international-baseline-data.aspx>. Acesso em: 26 abr. 2016.

FEDERAçãO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SãO PAULO. Outlook Fiesp 2025: projeções para o agronegócio brasileiro. São Paulo, 2015. Disponível em: <http://apps2.fiesp.com.br/outlookDeagro/pt-BR>. Acesso em: 26 abr. 2016.

LEITE, J. L. B.; STOCK, L. A.; SIQUEIRA, K. B.; ZOCCAL, R. Dinâmica da pecuária leiteira no Brasil: evolução de características das propriedades. Panorama do Leite, v. 7, n. 82, p. 12-15, dez. 2015.

OECD-FAO agricultural outlook 2015-2024. Paris: OECD-FAO, 2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/agr_outlook-2015-en>. Acesso em: 26 abr. 2016.

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 105CAPÍTULO 6

Cenários para pecuária de leite no Brasil

Marcelo Pereira de Carvalho | Valter Bertini Galan | Carlos Eduardo Pullis Venturini

PORQUE TRABALHAR COM CENÁRIOS

A construção de cenários futuros é, não raro, confundida com a tentativa de se prever o que irá ocorrer para frente. é evidente que, por definição, os eventos futuros são desconhecidos, ainda que tenhamos variável cuja previsibilidade tende a ser maior do que outras.

Segundo Porter (1986), um cenário é uma visão internamente consistente do que o futuro po-derá vir a ser, e tem como principais funções a avaliação explícita de premissas de planejamento, o apoio à formulação de objetivos e estratégias, a avaliação de alternativas, o estímulo à criatividade, a homogeneização de linguagens e a preparação para enfrentar descontinuidades. Não é, portanto, uma tentativa de previsão do futuro, mas sim a possibilidade de, através de uma metodologia con-sistente, avaliar possíveis fotografias do futuro, permitindo-se maior compreensão dos fenômenos que podem levar a elas e, em maior ou menor grau, a preparação para descontinuidades e/ou a exploração de novas oportunidades hoje não claramente visualizadas.

Ainda conforme citado em Carvalho et al. (2007, p. 75),

[...] o planejamento com cenários contribui para evitar dois erros comuns: subestimar ou su-perestimar o ritmo e o impacto de mudanças. Há uma tendência de muitos indivíduos e or-ganizações subestimarem a taxa de mudanças, apesar de vivermos uma época de mudanças aceleradas, e, por outro lado, há casos de grupos de ‘futurólogos’ e entusiastas tecnológicos que tendem a superestimar a velocidade e abrangência de mudanças em assuntos tais como medicina, inteligência artificial, energia e viagens espaciais. Assim, os cenários alternativos per-mitem mapear caminhos distintos, considerando aquilo que acreditamos saber sobre o futuro (tendências pesadas) e os acontecimentos que consideramos incertos ou quase inatingíveis no horizonte de tempo especificado (eventos incertos).

Esse mesmo trabalho coloca que o planejamento por cenários melhora a qualidade das decisões e a compreensão de suas implicações para a estratégia competitiva das organizações.

Schoemaker (1995) afirma que a utilização de cenários beneficia especialmente situações que envolvem as seguintes condições:

• Há alto grau de incerteza com relação à capacidade de predizer o futuro ou corrigir rumos.

• Viveu-se um histórico marcado por surpresas desagradáveis e onerosas.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1106

• O pensamento estratégico tem sido de baixa qualidade.

• Mudanças significativas no contexto foram vivenciadas ou estão prestes a ocorrer.

• Há necessidade de uma nova perspectiva e linguagem comuns, sem perder de vista a diversidade.

• Coexistem fortes diferenças de opinião, sendo que muitas delas têm mérito.

AS VISõES DE FUTURO PARA O LEITE BRASILEIRO

Diversas entidades têm procurado projetar o futuro para o leite, normalmente restringindo-se às estimativas de produção, consumo e comércio exterior.

No trabalho Projeções do Agronegócio 2014/2015 a 2024/2025 (BRASIL, 2015a), que utilizou modelos econométricos, a produção de leite deverá crescer a uma taxa anual entre 2,4% e 3,3%. Segundo o trabalho em questão, essas taxas correspondem a passar de uma produção estimada de 37,2 bilhões de litros em 2015 para valores entre 47,5 e 52,7 bilhões de litros no final do período das projeções. Ainda, o consumo estaria, nos próximos anos, próximo da produção total, crescendo anualmente a taxa de 2,4% ao ano.

Os números correspondentes às exportações e importações também podem variar na projeção de Brasil (2015a). Conforme a Tabela 1, as projeções relativas às exportações variam de 748 milhões de litros ao ano no cenário projetado, até 2 bilhões no limite superior. Já as importações, projetadas

Tabela 1. Produção, consumo, importação e exportação de leite (milhões de litros).

AnoProdução Consumo Exportação Importação

Projeção L.sup. Projeção L.sup. Projeção L.sup. Projeção L.sup.

2015 37.166 38.794 37.627 39.410 508 892 698 1.927

2016 38.729 40.514 38.644 41.407 532 1.075 671 2.410

2017 39.363 42.011 39.650 43.165 556 1.221 645 2.774

2018 40.827 43.617 40.653 44.791 580 1.348 619 3.077

2019 41.416 44.863 41.656 46.336 604 1.462 593 3.341

2020 42.859 46.424 42.659 47.825 628 1.568 566 3.577

2021 43.439 47.545 43.663 49.271 652 1.668 540 3.792

2022 44.879 49.085 44.666 50.685 676 1.762 514 3.990

2023 45.457 50.132 45.669 52.073 700 1.852 487 4.174

2024 46.896 51.659 46.672 53.439 724 1.938 461 4.348

2025 47.474 52.656 47.675 54.787 748 2.021 435 4.511

Fonte: Brasil (2015a).

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 107

Tabela 2. Projeções para o leite brasileiro segundo o FAPRI.

2010 2015 2020 2025

Produção total (milhões de kg/ano) 30.150 35.115 39.329 44.203

Total de vacas (em mil) 22.145 24.090 25.190 26.515

Produção (kg/vaca/ano) 1.361 1.458 1.561 1.667

Balança comercial (em milhões de kg/ano)(1) -352 915 1.809 3.015(1) Estimado pelos autores deste capítulo, utilizando fatores de conversão para equivalente-leite para queijo e leite em pó.Fonte: Food and Agricultural Policy Research Institute (2012).

para apenas 435 milhões de litros, podem atingir até 4,5 bilhões, mais de quatro vezes os valores má-ximos dos últimos anos. Dessa forma, o Brasil poderia tanto se tornar marginalmente superavitário, como estruturalmente deficitário na produção.

O Food and Agricultural Policy Research Institute (2012), projetando as principais variáveis do mercado até 2025, indica que o Brasil terá um crescimento médio anual da produção de leite por volta de 2,3% ao ano, atingindo 44,2 bilhões de litros em 2025 e tendo balança comercial favorável em cerca de 3 bilhões de litros anuais, partindo de uma situação de déficit. O mesmo estudo aponta aumento de apenas 1,4% ao ano na produtividade animal, atingindo 1.667 kg por vaca por ano em 2025, partindo de um valor de 1.361 kg em 2010. A Tabela 2 traz algumas variáveis desse trabalho, em anos selecionados.

REVISANDO OS CENÁRIOS PARA O LEITE NO BRASIL EM 2020

Além dos números em si, a avaliação de cenários futuros se torna mais útil quando inclui também aspectos qualitativos que auxiliam no entendimento dos possíveis desdobramentos da atividade e do ambiente competitivo que, no final das contas, são os fatores por trás dos números finais.

Nesse sentido, em 2007, em parceria com a Embrapa Gado de Leite e com o Instituto Ouro Verde, e contando com a consultoria da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA/USP), a AgriPoint conduziu um trabalho inédito de construção de cenários para o leite, envol-vendo a participação de mais de uma centena de agentes da cadeia do leite, a partir da metodologia Delphi. Foram considerados como base os dados de 2005, de forma que a projeção para 2020 envol-veu um horizonte de 15 anos.

A seguir, estão resumidos os cenários construídos neste trabalho (CARVALHO et al., 2007).

O primeiro cenário, “crescimento continuado, mas heterogêneo”, pode ser considerado o cenário tendencial, isto é, aquele que, no seu conjunto, o setor entende como mais provável, sendo resultado

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1108

das forças atuantes e já conhecidas. Nele, o País aumenta a produção de acordo com taxas históricas e superiores ao aumento do consumo, resultando superávit estrutural destinado ao mercado externo. Permanece a tendência de concentração na produção e se intensifica a concentração na indústria. O setor mantém um nível de inovação suficiente para desenvolver o mercado de forma competitiva e logra algum sucesso em iniciativas envolvendo sustentabilidade de longo prazo, como o marketing institucional. A qualidade da matéria-prima evolui, embora permaneça ainda alguma quantidade de leite sendo comercializada sob canais não oficiais. Nesse cenário, o setor avança, mas vários desafios atuais continuarão por ser resolvidos.

O segundo cenário foi denominado “leite, a nova estrela do agronegócio”. Respondendo às boas perspectivas para o setor no Brasil e no mundo, são realizados fortes investimentos em novas plan-tas industriais, o que estimula o aumento da produção de leite a taxas acima da média histórica. Mesmo com um significativo aumento do consumo interno, calcado na combinação favorável entre renda/qualidade/marketing/inovação, os excedentes para exportação serão consideráveis e o Brasil se inserirá definitivamente no mercado internacional. A concentração na produção será significativa e o mercado operará com um mínimo de interferência governamental.

Nem tudo pode dar certo. é disso que trata o terceiro cenário, “o futuro desperdiçado”, formula-do a partir da percepção de uma parcela dos especialistas de que o setor não conseguirá superar como deveria os atuais desafios. Nesse cenário, o conflito entre os elos se mantém ou aumenta, inviabilizando iniciativas consideradas importantes para o crescimento sustentável da atividade. A produção crescerá notadamente nas áreas de fronteira, muito mais por falta de opção de agricul-tores sem assistência e alternativas econômicas do que por atratividade como negócio. O setor não se articulará em entidades de representação e pouco influenciará a regulamentação técnica relativa aos alimentos e às políticas públicas. A produção crescerá a níveis menores do que a média histórica e o superávit exportável será relativamente pequeno.

O quarto cenário, intitulado “agricultura familiar e competitiva”, apresenta a pujança do setor, que crescerá mais do que na média histórica, ancorado na agricultura familiar, principalmente na região Sul, que quase se equiparará à da região Sudeste em quantidade produzida. O enfoque na agricultura familiar é a principal diferença entre este e o segundo cenário, podendo este ser consi-derado o cenário normativo, ou desejado, pela maioria dos participantes. As cooperativas crescem em importância, o relacionamento entre os elos se harmoniza e o setor consegue, através de ações setoriais como o marketing institucional e a inovação, inclusive em ações pré-competitivas, apro-veitar as oportunidades de mercado existentes. Existirão oportunidades bem aproveitadas, como a produção de leite orgânico e a produção ambientalmente sustentável.

A Tabela 3 traz o resumo dos dados quantitativos do trabalho, ao passo que a Tabela 4 traz algu-mas informações qualitativas que permitem compreender os cenários traçados.

Ao ler criticamente as projeções em questão, percebe-se que o mundo real, como era de se es-perar, vem se desenrolando a partir de uma mescla dos diversos cenários, com alguma preferência para o cenário tendencial.

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 109

Tabela 3. Variáveis quantitativas para os quatro cenários definidos para o leite em 2020.

Variável Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3 Cenário 4

Nome do cenárioCrescimento

continuado, mas heterogêneo

Leite, a nova estrela do

agronegócio

O futuro desperdiçado

Agricultura familiar e

competitiva

Produção em 2020 40,25 bilhões 50,00 bilhões 34,00 bilhões 50,00 bilhões

Consumo per capita 167 kg 190 kg 150 kg 190 kg

Exportações 4,83 bilhões 10 bilhões 1,7 bilhão 10 bilhões

Importações 1,06 bilhão 1,61 bilhão 0,635 bilhão 1,61 bilhão

Produtividade vaca/ano 1.750 2.500 1.545 2.500

% de informalidade 20% 18% 25% 18%

Participação das cooperativas no total do leite captado

40% 45% 30% 50%

Tabela 4. Variáveis qualitativas para os quatro cenários definidos para o leite em 2020.

Variável Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3 Cenário 4

Nome do cenárioCrescimento

continuado, mas heterogêneo

Leite, a nova estrela do

agronegócio

O futuro desperdiçado

Agricultura fami-liar e competitiva

Concentração na produção Significativa Bastante

significativa Menos

significativa Significativa

Competitividade do leite perante outras culturas

Concorrerá bem com outras atividades

Aumento da produtividade levará a maior

competitividade

Sofrerá muito, leite crescerá em áreas de fronteira

Aumento da produtividade levará a maior

competitividade

Expansão por regiãoSul, Centro-Oeste e Norte crescem;

Sudeste perde

Sul, Centro-Oeste e Norte crescem;

Sudeste perde

Sul, Centro-Oeste e Norte crescem;

Sudeste perde

Sul, Centro-Oeste e Norte crescem;

Sudeste perde

Qualidade do leite

Forte evolução por sistemas de pagamento de

leite por qualida-de e fiscalização

Forte evolução por sistemas de pagamento de

leite por qualida-de e fiscalização

Evolução lenta, com persistência dos problemas

atuais

Forte evolução por sistemas de pagamento de

leite por qualida-de e fiscalização

Concentração na indústria Significativa Bastante

significativa Não ocorrerá Bastante significativa

Preços internacionais Manutenção em altos patamares

Aumento ainda maior dos

preços

Redução, em função de maior

oferta e consumo menor

Aumento ainda maior dos

preços

Continua...

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1110

A seguir, discutiremos brevemente algumas variáveis quantitativas que nos permitirão, poste-riormente, comentar a respeito de cenários futuros.

PRODUçãO, CONSUMO E COMéRCIO INTERNACIONAL

No caso da produção absoluta de leite (Figura 1), considerando o período de 2006 até 2014 (úl-timo dado oficial disponível quando da redação deste texto), tem-se um crescimento significativo, situado entre o cenário tendencial e os cenários de mais forte crescimento.

Já no caso do consumo aparente per capita, os dados até 2014 mostram um crescimento supe-rior mesmo em comparação aos cenários mais otimistas. Com efeito, o consumo aparente per capita brasileiro teria atingido 175 kg por pessoa por ano em 2013, com taxa de expansão anual de 3,15%, superior aos 2,45% considerados nos cenários 2 e 4 (Figura 2).

Em relação à balança comercial, houve uma clara superestimativa do nosso potencial exporta-dor, bem como da nossa abertura comercial. A Figura 3 mostra a evolução real das exportações até 2015, em equivalente-leite, em comparação aos cenários construídos, ao passo que a Figura 4 faz o mesmo para as importações. O erro não só foi de magnitude, mas de tendência, que aponta para baixo ao invés de para cima, como foi projetado. Já as importações, apesar das variações anuais, verificaram tendência de elevação a taxas compatíveis com os cenários que previam maior abertura comercial.

O resumo desses quatro gráficos mostra que, na visão dos participantes do estudo sobre cenários para o leite em 2020 (CARVALHO et al., 2007), o grande direcionador do crescimento da produção viria do mercado externo, sendo o consumo interno um driver secundário. é fundamental citar que tal trabalho foi realizado em meados de 2007, quando pela primeira vez os preços internacionais atingiram mais de US$ 5.000,00 por tonelada, criando a expectativa de um novo patamar de preços.

Variável Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3 Cenário 4

Legislação ambiental

Maior rigor na gestão dos

efluentes e dejetos, e uso da

água

Maior rigor na gestão dos

efluentes e dejetos, e uso da

água

Maior rigor na gestão dos

efluentes e dejetos, e uso da água; dificulda-de do setor se

adaptar

Maior rigor na gestão dos

efluentes e dejetos, e uso da

água

Legislação sanitária

Controle e erradicação da tuberculose e

brucelose

Controle e erradicação da tuberculose e

brucelose

Maior rigor, mas dificuldade de se

cumprir total-mente as normas

Controle e erradicação da tuberculose e

brucelose

Inovação na indústria Alta Muito alta Baixa Alta

Tabela 4. Continuação.

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 111

Figura 1. Crescimento anual da produção de leite no Brasil.

Fonte: a partir dos dados do IBGE (2014) e dos cenários construídos no trabalho em questão.

Figura 2. Crescimento do consumo de leite per capita no Brasil.

Fonte: a partir de dados do IBGE (2014) e dos cenários construídos no trabalho em questão.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1112

Figura 3. Variação das exportações no Brasil.

Fonte: a partir de dados do MDIC (BRASIL, 2016) e dos cenários construídos no trabalho em questão.

Na esteira desse novo patamar, determinado pela demanda crescente de leite sem que houvesse como a produção dos países tradicionalmente exportadores ser suficiente, o Brasil surgiria como o novo grande player do mercado. Como resultado desse momento particular, é de se entender por que a expectativa do setor era a de que, finalmente, o leite seria uma atividade com peso exportador significativo, o que evidentemente não ocorreu.

Ainda vale lembrar que, no cenário 3 (futuro desperdiçado), já se aventava a possibilidade de que os altos preços estimulariam a produção e que, assim, os preços internacionais voltariam a cair a valores próximos dos verificados antes do boom de preços, o que de fato a história comprovou.

DISTRIBUIçãO REGIONAL DA PRODUçãO

Todos os cenários trabalharam com a perspectiva de continuidade da expansão da produção na região Sul, resultando em aumento da participação porcentual dessa região em detrimento principalmente da região Sudeste. A principal razão para essa mudança residia nas características fundiárias (pequenas propriedades), culturais (presença do “colono” e sua família na atividade) e or-ganizacionais (forte presença de cooperativas), entre outras. Porém, a velocidade de transformação foi muito mais rápida do que o esperado (Figura 5), resultando o fato de que, já em 2014, a região Sul se tornou a principal produtora de leite no País.

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 113

Figura 4. Variação das importações no Brasil.

Fonte: dados do MDIC (BRASIL, 2016) e dos cenários construídos no trabalho em questão.

Figura 5. Participação porcentual da região Sul em relação à produção total brasileira (em % do total).

Fonte: dados do IBGE (2014) e dos cenários construídos no trabalho em questão.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1114

De forma geral, houve queda da participação das outras regiões do País em comparação com a região Sul, embora todas tenham tido crescimento em termos absolutos.

CONCENTRAçãO NA PRODUçãO

O trabalho considerou a redução do número médio de produtores que fornecem leite para os maio-res laticínios como uma proxy da redução do número de produtores, utilizando o levantamento da Leite Brasil como base. Percebe-se que apesar das variações anuais, a linha de tendência acompanha os cenários mais agressivos de concentração na produção, ainda que, reconhece-se, essa variável não possa, por si só, ser conclusiva a respeito da magnitude da queda do número de produtores (Figura 6).

Figura 6. Redução do número médio de fornecedores dos maiores laticínios no Brasil (em número médio de produtores fornecendo leite para os maiores laticínios).

Fonte: 18º Ranking... (2015).

REFLExãO SOBRE O TRABALHO DE CARVALHO ET AL. (2007)

é interessante pontuar que o período entre 2003 e 2014 se caracterizou pela forte expansão do mercado interno, da renda e da produção de leite brasileira. A demanda interna alavancou a pro-dução de leite. Em 2015 e nesse início de 2016, estamos experimentando uma nova realidade, em que o consumo se mostra anêmico, há perda de renda e a produção cai. Dados do IBGE (2016) para a produção inspecionada de leite indicaram, em 2015, a primeira redução interanual em 23 anos

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 115

da série. Será que teremos dois momentos distintos para o mercado de leite no Brasil: o primeiro, supramencionado, que pautou os cenários para 2020, e o segundo, entre 2015 e 2020, dando con-tornos radicalmente diferentes para a cadeia láctea brasileira? Essa é a grande questão que, em meio à conturbada situação política e econômica, não há como responder com certeza.

CENÁRIO FUTURO DO LEITE BRASILEIRO

Analisando o trabalho de Carvalho et al. (2007), bem como o descortinar da realidade entre 2007 e 2016, é possível comentar a respeito de diversas variáveis que comporão o futuro, sem incorrer no risco e na simplificação de apenas se propor valores numéricos. No presente capítulo, é mais relevante tratar de questões qualitativas e estruturais, do que de números específicos que acabam atraindo a atenção dos leitores e que são muito mais consequência do que ponto de partida.

TENDêNCIAS PESADAS

Tendências pesadas são aquelas para as quais existe conhecimento suficiente para que sejam tidas como praticamente certas. A seguir, discorreremos sobre algumas delas.

Redução do número de produtores de leite

é provável que esta seja a tendência pesada mais previsível, em um processo que, apesar da inexistência de estatísticas atualizadas, já deve estar ocorrendo em ritmo acentuado. O aumento do salário mínimo verificado nesses anos passados, a baixa escala de produção, dificultando a obten-ção de uma receita compatível com a necessidade dos produtores, a elevação do preço da terra e a existência de diferenciais de preços significativos (não raro de 30%, na mesma região), entre produ-tores de pequeno porte e os de grande porte são forças que, inexoravelmente, levarão à redução do número de produtores.

O aumento real do preço do leite entre 2007 e 2014 e os acréscimos de preço por volume têm contribuído para que grandes produtores invistam na atividade, como não ocorria no passado. O forte crescimento dos 100 maiores produtores de leite, conforme verificado no levantamento Top 100 MilkPoint (2016), demonstra esse processo. Enquanto a média dos 100 maiores era de pouco mais de 6.000 kg por dia em 2001, esse número passou dos 15.000 kg em 2015.

A Figura 7 mostra o crescimento relativo do salário mínimo e do preço do leite, ao passo que a Figura 8 mostra a valorização da terra. No primeiro caso, o aumento do custo de oportunidade do trabalho leva à necessidade de aumento de escala de produção; no segundo caso, força-se o aumen-to da produtividade da terra. Ambos os processos envolvem investimentos e melhoria da gestão das propriedades, o que é particularmente sensível ao se considerar que a base produtiva do leite brasileiro se alicerça na exploração familiar, de pequeno porte.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1116

Figura 7. Variação do salário mínimo e do preço do leite no Brasil – em valores relativos, nominais. Jan. 1994 = 100.

Fontes: Brasil (2015b), Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (2016) e MilkPoint (2016).

Figura 8. Valorização do preço da terra em áreas de pastagens e agricultura, em R$/ha, corrigidos pela inflação no período.

Fonte: MilkPoint (2016).

Paralelamente, assiste-se no mercado a movimentos das indústrias no sentido de não mais cap-tar leite de produtores de escala muito baixa de produção, como aqueles com produção inferior a 100 L por dia. Essa estratégia, ainda que politicamente problemática, visa reduzir os custos de captação e facilitar o controle e a melhoria da qualidade do leite.

Apesar de não haver dados atualizados disponíveis, já que o último Censo data de 2005/2006, há evidências de que esse processo de redução no número de produtores já ocorre. Em 2013, em parceria com a Leite Brasil, o MilkPoint fez um levantamento com empresas representando 33% do leite inspecionado brasileiro e, posteriormente, tal dado foi extrapolado para a totalidade desse mercado (Tabela 5).

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 117

De acordo com este trabalho, o Brasil teria pouco mais de 250.000 produtores de leite fornecen-do para a indústria, com produção média de 244 kg por dia. Há de se considerar que os dados não foram extrapolados para a parcela que atua no mercado informal, e que possivelmente possui mé-dia de produção diária inferior. Também, pode-se argumentar que, ainda que se tenha amostrado 33% do leite produzido em junho de 2013, os 67% não amostrados podem representar indústrias que tenham um perfil médio de produtores com menor produção, o que aumentaria esse número de produtores. Mesmo que, em um livre exercício, fosse considerado que dois terços do leite fos-sem produzidos por produtores médios que produzissem a metade dos 244 kg por dia (122 kg por dia), haveria um total de 419.000 produtores no mercado inspecionado, número bem menor do que o apontado pelo último Censo Agropecuário 2005/2006 (IBGE, 2006) (ainda que bastante elevado para padrões mundiais).

Apenas como um exercício para reflexão, se a taxa de crescimento da produção for igual à proje-tada pelo Brasil (IBGE, 2014), de 2,4% ao ano, e a taxa de evasão de produtores da atividade mantiver a taxa apresentada entre os Censos Agropecuários 1995/1996 e 2005/2006 (IBGE, 1996, 2006) (que foi de 2,9% ao ano) em 2025, o mercado de leite contará com cerca de 285.000 produtores no merca-do inspecionado, produzindo uma média de 307 kg/dia. Se os números reais serão próximos desses, é impossível dizer, mas certamente haverá aumento da escala de produção e consequente redução no número de produtores.

Esse processo não implica o fato de que o produtor familiar deixará de existir. Mesmo nos Estados Unidos, onde as fazendas de mais de 1.000 vacas representavam 48,7% do total do leite em 2012, mais de 90% da produção e das propriedades eram familiares, isto é, eram propriedades de uma família e tinham o proprietário e/ou familiares na gerência da operação (MACDONALD et al., 2016).

O desafio, porém, está na transformação de um produtor familiar em um empresário, envolvendo captação de recursos para investimento, contratação de pessoas e gestão. Esse processo representa um desafio considerável para milhares de produtores de leite do País.

Tabela 5. Distribuição do número de produtores e volume de leite produzido no Brasil, tendo como base o mês de junho de 2013.

Litros/diaNúmero de produtores Volume produzido

Quantidade % Litros/dia %

Até 250 168.463 67 14.062.050 23

250–500 46.637 19 12.679.935 21

500–1.000 22.668 9 12.432.707 20

1.000–3.000 10.821 4 13.668.693 22

Maior que 3.000 2.194 1 8.357.996 14

Total 250.782 100 61.201.381 100

Fonte: Carvalho (2013).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1118

Automação e aumento da produtividade do trabalho rural

O aumento do custo da mão de obra levará ao aumento da produtividade do trabalho, envolven-do não só a automação, mas a própria mudança no perfil do trabalhador rural. Já passou, há tempos, a época em que a mão de obra era barata no País, em que variáveis como a produção por homem por dia eram pouco relevantes para se definir a eficiência da atividade leiteira.

Como colocou Fonseca (2014), há em curso uma mudança no perfil do trabalhador rural. Na visão exposta por ele, faltará, sim, mão de obra para serviços braçais, mas haverá interesse para atividades mais qualificadas, como operação de máquinas sofisticadas e análise de dados.

O setor tem verificado vários indícios desse processo que está em curso, entre eles a introdução de robôs para ordenha, tecnologia de aplicação impensável no Brasil há 10 ou 15 anos e que, hoje, já começa a ser realidade, ainda que em um número muito pequeno de propriedades.

Concentração na indústria

Dentre os principais países da América Latina, o Brasil é o que apresenta a menor concentração no processamento (Figura 9) (SITUACIóN..., 2012).

Ainda que se possa argumentar que, dadas as dimensões territoriais do Brasil e o próprio volu-me de produção, não se possa comparar, por exemplo, Brasil e Uruguai, há indícios de que a frag-mentação na indústria é suficiente para afetar a competitividade do setor mesmo guardando-se as

Figura 9. Índice de concentração da indústria na América Latina, considerando os 4 maiores laticínios.

Fonte: Situación... (2012).

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 119

devidas proporções. Em outras cadeias de proteína animal, a concentração é maior: segundo Moita e Golon (2014), somente o maior frigorífico de carne bovina do Brasil possuía um market share de mais de 34% em 2013. Ainda, o varejo apresenta concentração muito superior à do setor de laticínios (as quatro maiores redes detém 47,4% do comércio de alimentos, segundo o ranking Associação Brasileira de Supermercados (2016), o que ajuda a explicar porque vários laticínios de grande porte, nos últimos anos, verificaram problemas significativos a ponto de falirem (como a Leite Nilza) ou entrarem em recuperação judicial (como a LBR, que posteriormente foi vendida).

Dentro desse processo, a presença crescente de empresas internacionais também é uma tendên-cia pesada. Recentemente, a General Mills adquiriu os Laticínios Carolina e a Mate Leão (do grupo Coca-Cola) tem uma opção de compra para adquirir a Verde Campo, sem contar na francesa Lactalis, que adquiriu os ativos de lácteos da BRF e parte dos ativos da LBR. Com a indústria fragmentada, um mercado que dificilmente será significativo através unicamente de importações e a estagnação de mercados tradicionais, a aquisição de laticínios em países como o Brasil é algo de se esperar.

Apesar da concentração ser uma tendência, principalmente nos produtos mais comoditizados, por outro lado haverá espaço crescente para empresas regionais ou que atuem em nichos de mer-cado específicos, como produtos de alto valor agregado.

Redução da informalidade

Outra variável pesada envolve a continuação da redução da informalidade, isto é, do leite vendi-do sem inspeção. Esse processo deverá ocorrer tanto pela maior fiscalização, como pelas existências do mercado consumidor, cada vez mais atento e sensível à qualidade do que consome.

Os dados oficiais apontam que a informalidade vem caindo e esse processo deve continuar. Em 1997, segundo dados do IBGE (2014), 42,7% do leite era vendido sem inspeção. Já em 2014, a parti-cipação do leite informal se reduziu a 29,6% do total captado.

Importância do pagamento por sólidos

O pagamento diferencial do leite pelo teor de sólidos (gordura e proteína) é prática que passou a ser adotada por muitas indústrias no mercado brasileiro nos últimos anos.

Alguns fatores justificam o aumento do teor de sólidos do leite fresco como fator de elevação da competitividade da cadeia láctea brasileira:

• A maior parte do portfolio de produtos elaborados pelas indústrias lácteas brasileiras ga-nha eficiência em seu processo industrial trabalhando com matéria-prima com mais sóli-dos. é o caso dos queijos (que respondem pela absorção de 38% do leite fresco produzido no mercado brasileiro), leites em pó (18%), iogurtes (4%) e outros produtos, como creme de leite, leite condensado, manteiga, etc. (que, somados, absorvem cerca de 14% do leite produzido no País). Os produtos que dependem do teor de sólidos para obter eficiência na

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1120

conversão de leite para os produtos finais são justamente os que devem verificar aumento maior de consumo, razão pela qual se espera que o pagamento por sólidos ganhe espaço.

• A competitividade dos lácteos brasileiros no mercado internacional está intimamente as-sociada ao teor de sólidos da nossa matéria-prima, já que a absoluta maioria dos produtos transacionados entre países tem elevado teor de sólidos lácteos e baixa umidade (como leites em pó, queijos e gorduras lácteas). Se as exportações ganharem importância como destino do leite brasileiro, é de se esperar também que haja incremento da disseminação dos sistemas de pagamento por sólidos.

No entanto, apesar da adoção dos sistemas de pagamento por sólidos e da importância do au-mento do teor destes no leite matéria-prima, pouco resultado efetivamente tem sido conseguido nesse aspecto. Segundo serviços de análises realizadas pela Clínica do Leite/Esalq/USP, os teores de Gordura + Proteína do leite analisado por aquele laboratório (que analisa principalmente amostras de leite de produtores dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás) têm se mantido estáveis ao longo dos últimos anos, ao redor de 6,8%, perdendo competitividade (em relação aos sólidos conti-dos) na comparação com a Nova Zelândia, principal exportador lácteo do mundo que, no período, aumentou o teor de sólidos em 2,4%, indo de 8,69% em 2010 para 8,9% em 2015.

Premiunização do mercado

Outra variável pesada é a busca constante por agregação de valor na indústria, fruto tanto das margens baixas nos produtos vendidos em larga escala e sem grande diferenciação de marca ou outros atributos, como também da própria sofisticação de parcela importante do mercado de con-sumo, como pode ser atestado pelo forte crescimento do iogurte grego e, mais recentemente, dos produtos sem lactose.

VARIÁVEIS INCERTAS

Participação das cooperativas

Antes da década de 1990, as cooperativas captavam cerca de 60% do leite processado no País. No Censo das Cooperativas de Leite de 2002, esse número havia caído para 40% (CARVALHO, 2003). As cooperativas, de fato, sentiram significativamente a abertura de mercado ocorrida no início da década de 1990, e muitas delas não se adaptaram aos novos tempos, perdendo espaço para empre-sas não cooperativas.

Esse processo irá continuar? Essa é uma variável incerta. De um lado, nota-se cooperativas do Sul do País prosperando, como Castrolanda e Batavo, bem como Aurora, CCGL e possivelmente outras. Por outro lado, as cooperativas de outras regiões perderam espaço.

A maior parte do leite em países desenvolvidos é captada por cooperativas. Porém, a maior parte desses países possui um mercado em maior ou menor grau regulamentado, com preços controlados

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 121

(como nos EUA), com subsídios e cotas de produção (ainda que a Europa as tenha abolido em 2015) ou praticamente monopolizado, como ocorre com a Nova Zelândia. Em todos esses países, a rede de proteção gerou ambiente propício para que as cooperativas crescessem e mesmo moldassem o perfil da atividade no mundo. Muitas delas se tornaram grandes empresas altamente eficientes e inovadoras, como Fonterra, Arla Foods, Friesland Campina, DFA e Land’O’Lakes. Já em outros países cuja atividade é menos regulamentada, como Austrália e Argentina, as cooperativas já não têm a mesma participação que tiveram no passado.

As cooperativas brasileiras, em um ambiente altamente competitivo, conseguirão prosperar? Que posições competitivas terão no mercado? Processarão o leite com marca de terceiros, com al-guma agregação de valor? Ou investirão em suas marcas e em inovação?

Do ponto de vista de arranjo acionário, o modelo CCPR/Vigor, em que ambas são sócias da Itambé S.A., é um caminho viável para outras cooperativas? As fusões seriam, em si, uma solução estrategicamente interessante, ou outras formas de parceria menos drásticas seriam mais viáveis e oportunas? Haverá um processo crescente de profissionalização na gestão?

Por fim, conseguirão as cooperativas trabalhar de forma favorável a fidelização e o comprometi-mento de longo prazo de sua base produtiva, sem dúvida um de seus principais trunfos competitivos?

Relacionamento indústria/produtor

Historicamente, a relação indústria/produtor tem sido marcada não só pelo conflito inerente à condição de comprador/vendedor, mas pelo comportamento oportunista de ambos os lados, di-ficultando ações de desenvolvimento da base produtiva capitaneados pela indústria. Ainda que a indústria valorize os produtores estratégicos (os de maior volume, qualidade e influência), o cerne da questão é que, como não há contratos de longo prazo e garantia de que os produtores de fato estarão, em um futuro próximo, fornecendo leite à empresa e não a um concorrente direto, os incen-tivos para uma postura mais cooperativa entre indústria e produtor são menores.

Se a integração que ocorre no setor lácteo for comparada, por exemplo, com a integração exis-tente em outros segmentos como a produção de aves e suínos, fica patente o estágio ainda pri-mitivo da coordenação da cadeia de fornecimento das indústrias de leite, muito embora algumas iniciativas tenham sido postuladas (por exemplo, Integralat e o projeto de integração da BRF no Nordeste) ou mesmo implementadas.

Há, no entanto, uma tendência de que a base produtiva possa se tornar fonte de vantagem com-petitiva para as empresas, seja por pressão do consumidor (afinal, a forma como o leite é produzido pode impactar significativamente as marcas), seja pelo entendimento de que existe a possibilidade de ganhos importantes caso os laticínios consigam mudar o relacionamento com o fornecedor e dividir com ele o bônus resultante da ineficiência existente. Nesse sentido, clubes de compra, pro-gramas nos quais o fornecedor do laticínio tem acesso a produtos em condições diferenciadas de preços (MILKPOINT, 2005), para citar uma ação concreta, são exemplos do que pode ser feito nesse

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1122

sentido, ressaltando que só realmente haverá evolução nesse item caso os instrumentos para a ga-rantia de uma relação de mais longo prazo sejam aplicados.

Balança comercial: o Brasil será exportador de lácteos?

Não há dúvida de que o Brasil está entre os países com maior potencial de expansão na produção de leite e, consequentemente, é um candidato a exportador natural. Afinal, há disponibilidade de área, água, temperatura, insolação, insumos e baixa produtividade, que pode ser facilmente amplia-da. Além disso, há também um histórico de sucesso em diversas cadeias do agronegócio.

Porém, as expectativas de que o Brasil seria um grande exportador de lácteos foram, até agora, frustradas. Quais as razões para isso?

Em primeiro lugar, é preciso partir do fato de que, até pouco tempo atrás, éramos importadores estruturais de leite. Em 1995, mais de 12% do consumo brasileiro vinha de produtos importados. Após o ano 2000, houve forte crescimento do consumo, com nosso mercado se ampliando em mais de 13 bilhões de litros, comparando-se 2001 com 2014. O foco da indústria, nesse período, foi aten-der à demanda interna, acima de tudo.

Ligado ao atendimento prioritário da demanda interna está o fato de que a visão brasileira no que se refere ao mercado de lácteos é eminentemente protecionista, seja porque a cadeia de pro-dução é ineficiente e, portanto, pouco competitiva, seja porque os lácteos são uma categoria ainda muito protegida no mundo, embora exista um processo de diminuição da interferência dos gover-nos na atividade (porém, quando se vivenciam crises de preços como agora, mecanismos de apoio são rapidamente ativados). A ineficiência da cadeia produtiva não é só culpa dela, mas também da falta de infraestrutura em estradas, energia elétrica e o chamado “custo brasil”. A somatória de todos esses fatores cria um cenário no qual o setor passe naturalmente a se proteger e explorar o grande mercado interno, ainda mais em um período recente de grande expansão do consumo.

Paralelamente, nos últimos anos, a política comercial externa brasileira foi equivocada, apos-tando em acordos multilaterais que não ocorreram, bem como aliando-se a países periféricos, ao mesmo tempo em que outros países como o Chile e a Nova Zelândia se abriram a acordos bilaterais com maior possibilidade de sucesso.

Por fim, a frustração das exportações e a incerteza de se apostar no mercado internacional têm também explicação no fato dos preços internacionais terem retrocedido depois da forte alta de 2007/2008, oscilando a partir de então em níveis que ora nos traziam de volta ao mercado inter-nacional, ora nos colocavam como alvo de produtos importados, tornando inviável a adoção de estratégias empresariais que fossem diferentes do simples oportunismo (exportar o excedente em momentos de preços favoráveis). Para complicar o cenário, a principal variável condicionadora da competitividade externa nos últimos anos foi o câmbio, para o qual o setor obviamente não exerce controle. Em 2011, com o dólar valendo de R$ 1,60 a R$ 1,80, o leite brasileiro era um dos leites mais bem remunerados do mundo (e, portanto, inviável de ser exportado), ao passo que a desvalorização recente da moeda colocou o País novamente no jogo, desde que os preços voltem a um patamar de

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 123

Figura 10. Expansão do consumo per capita brasileiro (litros/pessoa/ano) – dados de 2015 estimados.

Fonte: MilkPoint (2016).

US$ 3.000,00 a US$ 3.500,00 por tonelada. é evidente que tanto o câmbio como os preços interna-cionais são variáveis incertas quando se projeta o futuro.

Vale citar que há ações positivas em curso, como a aproximação do setor com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), cujos frutos podem ser colhidos no futuro.

Taxa de crescimento do consumo

O Brasil verificou uma expansão sem paralelo no consumo per capita de lácteos de 2000 a 2014, segundo a interpretação dos dados oficiais. A Figura 10 mostra que cada habitante passou de um consumo de cerca de 120 kg por ano em 2001, em equivalente-leite, para 175 kg em 2013. Esse processo se deu em função principalmente do aumento da renda da população, notadamente das camadas mais pobres.

A expansão do mercado total, em volume, foi considerável neste período. De 1989 a 2000, o mercado cresceu 3,12% ao ano; de 2001 a 2006, 3,13%; de 2007 a 2014, 4,25%. é pouco provável que a produção volte a crescer nessas taxas de forma seguida, ainda que, depois da superação da crise econômica em que hoje o País se encontra, haja rápida recuperação do consumo. Taxas de 2,5% a 3,0% ao ano, para os próximos 10 anos, parecem mais realistas, ainda que essa variável dependa de uma série de fatores, como retomada da renda e inovação (que passa não só por investimentos em pesquisa e desenvolvimento, como também por aspectos de regulamentação, redução da burocra-cia, agilidade em registros e outros).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1124

Expansão da produção

A taxa de expansão da produção é simplesmente consequência de muitas dessas variáveis, po-dendo expandir-se a taxas de 4% ao ano, caso o consumo interno continue crescendo e/ou tenha-mos competitividade internacional em um mercado que tenha demanda maior do que o potencial de crescimento da oferta. Caso contrário, a taxa de crescimento poderá ficar entre 2% e 3%, normal-mente projetados, ou até ter crescimento marginal ou nulo caso a cadeia produtiva não consiga remover seus obstáculos e/ou caso o ciclo de dificuldades econômicas persista (vale lembrar aqui que a Argentina, a despeito do potencial de crescimento na produção, há 7 anos tem sua produção praticamente estagnada).

A INCERTEZA SOBRE OS NÚMEROS DISPONÍVEIS

Um aspecto que dificulta a projeção de cenários futuros é a ausência ou baixa confiabilidade dos números estatísticos atuais existentes. Alguém pode afirmar, por exemplo, que a produtividade brasileira por vaca em 2010 era próxima de 1.361 kg por ano, como apontou o Fapri (2012)? Ou que a informalidade é mesmo de 29,6% ou próxima desse valor?

Claro que, aqui, não se busca o número exato, mas sim a ordem de grandeza, que pode afetar em muito diversas análises e mesmo o conhecimento a respeito do mercado.

Recentemente, Carvalho (2016) publicou um artigo questionando a informalidade e o tamanho do mercado brasileiro. Partindo de estimativas, o autor chegou a um volume de leite produzido informalmente de 5,12 bilhões de litros, a metade do dado apontado pelo IBGE (2014) (de 10,43 bilhões de litros). Para chegar a esse número, foram utilizadas estimativas de comercialização de leite clandestino (1,2 bilhão de litros por ano); da venda informal de queijos (entre 180 e 260 mil toneladas por ano); do leite consumido pelas famílias e funcionários das propriedades (0,44 bilhão); e também do leite consumido por bezerros (1,72 bilhão de litros). Considerando apenas o leite clandestino comercializado e a venda informal de queijos, o autor apontou que o leite efetivamente comercializado atingiria 2,96 bilhões de litros ao ano, bem abaixo dos 10,43 bilhões apontados na estatística disponível.

Há que se considerar, no entanto, que parte do leite não comercializado permanece nas fazen-das, sendo consumido pelas famílias e funcionários e pelos bezerros e bezerras. Estimando esses volumes como sendo de 0,44 bilhão e 1,72 bilhão, respectivamente, tem-se que a produção total informal atingiria não mais do que 5,12 bilhões de litros, a metade do que se estima (a estrutura de cálculo pode ser vista no artigo publicado no MilkPoint (2016).

As consequências dessa análise não são irrelevantes. Primeiro, o Brasil teria produzido em 2014 cerca de 29,87 bilhões de litros, e não os 35,17 bilhões oficialmente considerados. Segundo, desses 29,87 bilhões, apenas 28,15 bilhões seriam efetivamente consumidos pelas pessoas, já que o consu-mo por bezerros teria de ser desconsiderado do cálculo de consumo.

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Capítulo 6 Cenários para pecuária de leite no Brasil 125

Como consequência, o nosso consumo per capita em 2014, considerando ainda a balança co-mercial, teria sido de 139,6 kg por pessoa, e não 174 kg como antes calculado. Essa constatação traz uma implicação relevante para o potencial de crescimento de nosso mercado, que evidentemente ganharia um “extra” de 34 kg por pessoa por ano ainda a crescer, considerando os mesmos 174 kg supostamente consumidos. Por fim, a informalidade calculada pela produção efetivamente comer-cializada por canais clandestinos seria de apenas 10% do total.

é evidente que esses números são estimativas e que, portanto, são sujeitas a erros. Porém, acre-ditamos que os números reais sejam próximos desses e, mais do que isso, esse exemplo mostra a dificuldade adicional de se trabalhar com números em cenários futuros, diante das incertezas do próprio presente.

CONSIDERAçõES FINAIS

A cadeia do leite vem passando por fortes transformações no País, como pode ser percebido pela leitura do texto. Paradoxalmente, isso não só torna mais difícil a análise de cenários futuros, como faz com que a reflexão a respeito dos cenários se torne ainda mais relevante.

Há, sem dúvida, muitas variáveis que não são controladas pelo setor e para as quais o que nos cabe é a preparação, seja para desdobramentos que representem ameaças, seja para outros que representem oportunidades e expansão.

Há, no entanto, uma série de decisões que cabem aos agentes do setor – produtores, indústrias, governo, lideranças – e que podem ajudar a moldar um futuro mais desejável. Para que isso ocorra, é fundamental que exista uma visão clara do futuro desejado e do que precisa ser feito para que esse futuro se torne realidade. A partir dessa visão, é fundamental que se construa um plano de futuro consistente, alicerçado em conhecimento e em um cenário de mais longo prazo, que vise contornar as limitações que hoje o setor vivencia. Para que tudo isso aconteça, são necessárias lideranças e or-ganização setorial, bem como um ambiente econômico e político mais estável, que permita planejar as ações com maior assertividade. Espera-se que este capítulo e esta publicação contribuam para que parte dessas condições possa começar a ser atendida.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1126

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Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil 127CAPÍTULO 7

Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil

Duarte Vilela

INTRODUçãO

Entre os grandes desafios a serem enfrentados pela humanidade até meados do século 21 sem dúvida que energia, crescimento populacional e urbanização preocupam o meio rural. Segundo estimativas da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, 2015) em relatório publicado no final da década passada, em 2050 a produção agrícola terá que aumentar de 70% para atender à demanda projetada. Considerando-se que a maioria das terras próprias para a agricultura já é explorada, esse crescimento deverá ser proveniente de rendimentos mais elevados, o que de-mandará muitos recursos. Pelo lado da oferta, chamam a atenção para os limites dos recursos de produção, notadamente os hídricos e as terras agricultáveis, sugerindo que as próximas décadas serão de grandes dificuldades para a expansão da produção agrícola mundial, e o cenário é pouco otimista para atender à crescente demanda por proteína, exigindo novas estratégias e inovações tecnológicas (FAO, 2011).

Segundo o relatório da ONU (NAçõES UNIDAS, 2014) Perspectivas da População Mundial, a mé-dia mundial de crescimento da população até 2050 será de 0,9% ao ano, alcançando 9,6 bilhões de habitantes, com a particularidade de que 30% da população estará com 60 anos ou mais de idade. No mesmo ano, o Brasil terá 226,3 milhões de habitantes (IBGE, 2013) e praticamente essa mesma taxa de idosos. A crescente demanda por proteína animal no mundo indica não somente a neces-sidade de mais alimento, mas de produtos seguros e de qualidade, diversificados para atender aos novos hábitos de consumo da população, ao seu envelhecimento e a novos valores, como alimentos funcionais, nutracêuticos, sem lactose, entre outros, com maior preocupação com a saúde e, conse-quentemente, com maior valor agregado.

Para tanto, é necessário uma abordagem ampla, em sistemas cada vez mais complexos e com forte ênfase em tecnologias convergentes. Esse cenário coloca o Brasil em evidência, pois o País tem experimentado o modelo de desenvolvimento agrícola de maior sucesso do mundo contemporâ-neo, que foi estruturado há mais de 40 anos como um programa ambicioso e bem fundamentado pelas instituições de pesquisa e ensino nacionais. Nesse período, o Brasil transitou de importador líquido de produtos agropecuários para exportador líquido, tornando-se um dos maiores fornece-dores de produtos agrícolas no mundo (FAO, 2015). Contudo, esse modelo está se esgotando e os

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1128

avanços obtidos no passado, por meio da Revolução Verde na década de 1970 seguida da Revolução Tropical entre 1970 e 1980, não garantem continuidade, exigindo novos paradigmas para viabilizar a Revolução Agrossócioambiental nas próximas décadas (CRESTANA; MORI, 2015).

No caso dos lácteos, apesar do sensível progresso registrado pela indústria, esse setor não acom-panhou os demais segmentos, fazendo com que o Brasil tenha sido importador líquido de lácteos nos últimos 50 anos. Quadro este que pode mudar na próxima década por meio da tecnologia, à semelhança do que ocorreu com a agricultura brasileira. A geração de conhecimentos aplicados ao campo nas últimas décadas, com investimento em tecnologia e inovação, teve grande impacto na maneira de produzir, passando de processos extrativos e de subsistência para produção em escala e inserção na economia global, tornando o Brasil uma potência agrícola exportadora.

Mas, para o futuro, esses avanços não serão suficientes. O agronegócio nacional deverá crescer cerca de 40% na próxima década e enfrentará sérios desafios como a dependência dos insumos importados, falta de mão de obra especializada, insuficiência de renda, inflação, câmbio, legislação ambiental severa, energia e barreiras sanitárias às exportações. Para complicar ainda mais, a chama-da modernização aconteceu de modo concentrado, o que acentuou a heterogeneidade estrutural existente no setor, notadamente no de lácteos. Este processo tem suscitado preocupações com as perspectivas e a sustentabilidade de milhares de pequenos produtores de leite.

CONTExTUALIZAçãO DA PECUÁRIA DE LEITE NO SISTEMA AGROALIMENTAR BRASILEIRO

Segundo a Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (AGRICULTURAL..., 2013), a produção mundial de leite em 2024 chegará a 1 trilhão de litros e a América Latina contribuirá com boa parte da demanda prevista para amenizar a fome no mundo, tendo em vista que o aumento da produção de leite ocorrerá, principalmente, nos países em desenvolvimento (INTERNATIONAL FARM COMPARISON NETWORK, 2014).

A demanda por lácteos vem crescendo a taxas maiores do que o crescimento da população. Mudanças na estrutura da pirâmide populacional, nos hábitos de consumo, na melhoria do poder aquisitivo e nas condições de bem-estar das pessoas têm influenciado o consumo per capita de lác-teos nos países emergentes. O consumo por habitante também vem crescendo nos lares brasileiros. O incremento, com base na última década, foi de 1,2 kg per capita por ano. Porém, nos 2 últimos anos, os produtos lácteos, como queijos e iogurtes, têm perdido espaço. Depois de uma contração estimada de 1% no consumo per capita de lácteos no Brasil em 2015, estima-se que a demanda recuará 4% este ano, segundo estudo sobre o segmento de lácteos no Mercosul (RABOBANK, 2015). O consumo per capita brasileiro de lácteos alcançou o máximo da média histórica em 2013, quando atingiu 174 L, decaindo a partir daí, reflexo da inflação e redução da renda real.

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Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil 129

A retração no consumo desses produtos, depois de anos de crescimento expressivo no País, afeta as margens da indústria de lácteos, que enfrenta também menor oferta de matéria-prima e alta dos custos do leite. Nesse cenário, há espaço para mais consolidação no segmento com a par-ticipação de empresas estrangeiras ou nacionais. é um momento importante para quem quer fazer investimentos olhando em longo prazo o Brasil.

Entre os anos 2005 e 2014, os laticínios foram favorecidos pelo crescimento extraordinário do consumo de lácteos no Brasil, principalmente em razão do crescimento da renda real, com destaque para queijos, leite longa vida e leite em pó. Contudo, será difícil recuperar esses níveis rapidamente, já que uma retomada depende da situação de emprego e renda dos consumidores, considerando-se que a correlação entre aumento da renda e crescimento do consumo de lácteos tem sido de mais de 90% nos últimos 10 anos no País. A expectativa é de que o consumo se recupere gradualmente a partir de 2017 (RABOBANK, 2015). Não obstante o bom desempenho da atividade leiteira nacional na última década, os índices de produtividade do rebanho e os padrões de qualidade da matéria-prima ainda são muito baixos comparativamente aos de países do Mercosul, como a Argentina e o Uruguai. Nesse cenário, a maioria dos pequenos e médios produtores está ameaçada de deixar a atividade em virtude do restrito acesso às novas tecnologias de produção. A situação se agrava ao analisar o país por região, onde o Norte e o Nordeste, apesar de todo potencial que apresentam, têm ficado à margem do desenvolvimento. Por outro lado, os grandes produtores, com acesso a tecnologias e com volumes de produção e qualidade adequados, têm sido beneficiados com me-lhores preços para a matéria-prima e financiamentos para modernizar suas atividades produtivas. Enquanto isso, os pequenos e médios produtores veem suas rendas reduzirem e muitos deles estão abandonando a produção e migrando para as cidades, aumentando o contingente de pobres urba-nos desempregados.

Ao se avaliar a cadeia produtiva do leite no Nordeste, por exemplo, percebe-se a grande rele-vância socioeconômica. Porém, o baixo nível tecnológico aplicado na exploração leiteira e a falta de gestão mais profissionalizada nas propriedades conferem ao segmento produtivo indicadores técnicos aquém das suas reais potencialidades. A média de produção por vaca/ano na região é de 774 kg e a produção por propriedade por dia é de apenas 21,4 L (IBGE, 2006). Todavia, ao considerar a produtividade entre os rebanhos participantes dos principais programas de melhoramento ge-nético em execução no País, bem como a produtividade nas raças Girolando e Gir, principalmente, foram excelentes, com registros de produção de leite superiores a 4.300 kg em 305 dias, ajustada a idade adulta para o Gir leiteiro (PANETTO et al., 2016). O principal canal de informação eletrônica do setor (MILKPOINT, 2016) realiza desde 2001 o levantamento Top 100, que reúne os 100 maiores produtores de leite do Brasil. Com relação à média de produção de leite por dia, o 100o produtor da base de dados do ano de 2001 produziu 3.493 L por dia, enquanto em 2015, essa quantia foi de 7.493 L. Sendo assim, o crescimento da “nota de corte” foi de 115% e as produções totais comerciali-zadas, respectivamente, foram de 1.275.106 L e 2.734.945 L de leite por ano. A produção do primeiro lugar foi de 60 mil litros diários de leite. Esses indicadores refletem o longo caminho a ser percorrido em busca da eficiência e sustentabilidade da atividade leiteira no País (REIS FILHO; SILVA, 2013).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1130

Nesse contexto, conclui-se que há duas características marcantes que diferenciam a pecuária de leite nacional: a primeira é a grande diversidade dos sistemas de produção e a segunda, a produção pulverizada que ocorre em praticamente todos os estados da Federação. Estima-se que a produção de leite esteja presente em 554 das 558 microrregiões consideradas pelo IBGE para 2013 e não existe um sistema padrão em raça, manejo e forrageira, independentemente da região. Apesar de a atividade ocorrer em todo o território nacional, existem regiões onde ela está mais concentrada e tecnificada do que em outras. As regiões de maior produção e produtividade são a Sul, Sudeste e Centro-Oeste, respectivamente, sendo que aproximadamente 80% do leite produzido se concentra em oito estados (MG, PR, RS, GO, SP, MS, BA, CE). Diferenças entre as regiões, principalmente as referentes ao clima e ao solo, são responsáveis por impor os mais variados sistemas de produção de leite imagináveis, o que dificulta políticas e diretrizes em ciência e tecnologia (C&T) unificadas para todo o País.

Agrava esse quadro a ausência de uma agenda nacional de prioridades de pesquisa e desenvol-vimento de longo prazo, com base em formulações que levem em conta as diferenças eco regionais e sociais, identificando restrições ao desenvolvimento do setor leiteiro nacional, e que resultem em soluções em seu benefício.

Diante dessa complexidade, em qual Brasil devem ser considerados os desafios e as oportunida-des para a pecuária de leite nacional? No Brasil que não evolui e está à margem do desenvolvimento ou naquele que se moderniza, cresce e é competitivo?

O BRASIL QUE NãO EVOLUI

A Figura 1 caracteriza o Brasil que ainda tem sérios desafios à frente, carente em recursos de toda ordem, com solos e pastagens degradadas e manejo e higiene da ordenha precários. A solução para o problema de pobreza da agricultura brasileira requer que a tecnologia seja também o carro chefe da modernização da agricultura de baixa renda e da agricultura familiar. Aí está o problema, uma vez que essas são as que mais necessitam de acompanhamento e assistência técnica. Aliados a isso, existem ainda os graves problemas de acesso ao mercado, preço dos insumos e inspeção sanitária, que exigem programas especiais de governo.

De acordo com estatísticas oficiais (IBGE, 2006), em 2005, pouco mais de 5 milhões de estabele-cimentos rurais no Brasil estavam envolvidos com algum tipo de exploração agrícola. Dos proprie-tários ou dirigentes desses estabelecimentos, apenas 2,5% possuíam alguma qualificação formal e a maioria deles (57%) foi classificada como detentora de pouca instrução, 78% não recebiam assis-tência técnica e 80% não usavam implementos agrícolas, e nada autoriza supor que houve grandes mudanças desde então, segundo Buainain e Garcia (2015). Ou seja, era um universo de pessoas que não tiveram alfabetização normal (embora soubessem precariamente ler e escrever), ou que haviam recebido alfabetização depois de adultas, ou que tinham ingressado no ensino fundamental, mas não o concluíram.

Comparando dados dos Censos Agropecuários de 1996 e de 2006 (IBGE, 2006), constata-se que o número de propriedades que exploravam leite diminuiu de 1.810 mil para próximo de 1.350 mil

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Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil 131

Figura 1. O Brasil que não evolui.

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– uma redução de 26% ou de 460 mil estabelecimentos no período de 10 anos. Nos dias atuais, estima-se que o número de propriedades que produzem e comercializam leite seja próximo de 871 mil. Dos estabelecimentos que comercializavam leite, cerca de 20% não dispunha de ordenha mecânica e não adotava manejo reprodutivo direcionado ao melhoramento genético, como adoção de tecnologias de inseminação artificial. Do total de produtores, 78% nunca recebeu algum tipo de assistência técnica, agravado pelo fato de 79% serem analfabetos ou pouco letrados.

Observando a evolução da pecuária de leite em termos da estrutura de produção no Brasil em 2014, segundo o International Farm Comparison Network (2014), houve crescimento expressivo na produção apenas nos estratos acima de 400 L por fazenda por dia, o que representa apenas uma minoria – 59 mil produtores. No outro extremo, com produção diária abaixo de 100 L por dia, 80% das propriedades possui menos de 30 vacas e produtividade inferior a 1.000 L por vaca por ano, respondendo por 16% da produção de leite, ou seja, 836 mil fazendas produzem próximo a 6 bilhões de litros de leite por ano.

Se nada acontecer nas próximas décadas, a expectativa é de contínua redução no número de estabelecimentos que produzem leite, seja por falta de renda, em razão da baixa escala de produção

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1132

e competitividade, seja por falta de mão de obra. O envelhecimento da população e o baixo índice de sucessores nas fazendas, ocasionado pela migração para as cidades e pela falta de estímulo para retornar ao campo, agravam esse quadro.

Quanto à qualidade do leite, a minoria dos estabelecimentos que vendiam leite dispunha de unidades de resfriamento. Das amostras de leite classificadas de acordo com os limites de 100.000 UFC mL-1, estabelecidos pela Instrução Normativa nº 62 do Mapa (BRASIL, 2011), 53% não sa-tisfaz a exigência da legislação que vigorará a partir de 2016 para a região Centro-Sul do País, segundo informações de quatro laboratórios que compõem a Rede Brasileira de Laboratórios de Qualidade do Leite (RBQL), que totalizavam 4,5 milhões de dados. Pior, o País ainda contabiliza 30% do leite na total informalidade, ou seja, 10,8 bilhões de litros são produzidos sem nenhum serviço de inspeção sanitá-ria. Questiona-se o volume total de leite na informalidade, confundindo-o com o leite para consumo próprio na propriedade ou mesmo com aquele fornecido aos bezerros. De qualquer forma, há carência de dados oficiais sobre esse volume, o que impacta a estimativa de consumo per capta.

é um Brasil heterogêneo que se reveste de desafios que passam pela necessidade de políticas públicas eficazes de estímulo à assistência técnica, à formação e qualificação da mão de obra, ao controle sanitário do rebanho e à melhoria da qualidade do leite. A combinação desses fatores é essencial para avalizar o aumento da escala de produção e a competitividade para que o Brasil que não evoluiu passe a ser o que cresce e se insere definitivamente no mercado internacional.

O BRASIL QUE EVOLUI E CRESCE

A Figura 2 caracteriza o Brasil que cresce e emprega tecnologias de ponta em sistemas de auto-mação na ordenha, uso da robótica e sensores que avaliam em tempo real o consumo de alimentos, a ruminação, o diagnóstico precoce de doenças e sinais de estro. Nesse Brasil, cada vez menos pro-dutores produzem mais leite, o que faz com que o País se destaque na produção mundial de leite.

O Brasil já é o quarto maior produtor de leite de vaca do mundo e, de acordo com as estatísticas oficiais, a produção brasileira de leite cresceu em média 4,2% ao ano entre 2000 e 2010 e no início desta década cresceu 4,5% ao ano, exceto em 2013, quando registrou 6% de crescimento. Contudo, as expectativas são de que a produção a partir de 2015 decresça em relação aos anos anteriores – em 2014, a produção atingiu 35,1 milhões de toneladas de leite e a de 2015 está estimada em 35 milhões de toneladas (IBGE, 2015; INTERNATIONAL FARM COMPARISON NETWORK, 2014; ZOCCAL, 2015). Isso leva a acreditar que, independentemente da fonte de projeção, a produção brasileira está retornando aos índices de 2013. Contudo, há estrutura eficiente para retomar o crescimento de 4% ao ano até o final desta década.

Para ser eficiente, o agronegócio brasileiro passou por mudanças importantes ao longo dos úl-timos 40 anos. Atualmente, cerca da metade da produção ocorre em 0,4% dos estabelecimentos (ALVES et al., 2012a). Obviamente, isso trouxe implicações significativas na estrutura de produção e desdobramentos sociais. O preço dessa suposta eficiência tem sido uma maneira de o País conseguir equilibrar a balança de pagamentos. Fato semelhante é observado em relação ao leite, com algumas

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Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil 133

Figura 2. O Brasil que cresce.

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projeções para 2025 indicando excedentes exportáveis, como descrito no item “Inovações tecnoló-gicas e gerenciais para agregar valor aos produtos lácteos” deste capítulo.

A produção de leite nacional tem migrado para novas fronteiras nas últimas décadas, concen-trando-se principalmente a oeste dos estados e do País. Destaque surpreendente tem sido a região Sul, caracterizada por uma pecuária familiar forte, principalmente no Rio Grande do Sul, com bons índices de produtividade, mais que dobrando a produção na última década, estimando-se produ-zir 12,3 bilhões de litros em 2015, ultrapassando a da região Sudeste a partir de 2014. Nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, estimam-se produções de 4,2 e 4,8 bilhões de litros, respectivamente, en-quanto que na região Norte a produção pouco cresce, com 1,8 bilhão de litros (IBGE, 2015).

DESAFIOS

No Brasil, 88% das propriedades leiteiras ainda produzem menos de 100 L de leite por dia e não possuem um sistema de produção bem definido, caracterizando um setor heterogêneo e,

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1134

consequentemente, criando-se oportunidades, mas também desafios, que passam pela necessi-dade de formação e qualificação da mão de obra, baixa produtividade dos fatores de produção, melhoria da qualidade e segurança do leite e políticas públicas bem definidas. Somam-se a isso as questões estruturantes do setor, como a falta de conectividade entre os diferentes segmentos, pouca sensibilidade ao cooperativismo, assim como as questões macroeconômicas, principalmente câmbio e inflação, o que cria dificuldade, comparativamente a outros setores, para se traçar cenários. A evolução combinada desses elementos é essencial para garantir o crescimento da produção, pro-dutividade e competitividade do leite nos mercados nacional e internacional.

A produtividade animal cresce 27 L por vaca por ano, apresentando um quadro pessimista com um longo caminho a ser percorrido. Com estimativa de média de 1.605 L por vaca por ano para 2015 (IBGE, 2013), a produtividade desponta como uma das piores do mundo, e apesar dos ganhos recentes em razão da adoção de tecnologias, está muito distante de níveis ideais que garantam competitividade ao setor. Mesmo considerando-se a produtividade por vaca em lactação, a forma mais correta de expressar o índice, o País ocuparia as derradeiras posições no ranking mundial de produtividade. Essa baixa produtividade, aliada à pequena escala de produção, é cruel para o pro-dutor de leite em todos os sentidos. Na maioria das vezes, os produtores pagam mais caro pelos insumos, onerando seu custo de produção e perdendo em competitividade; perdem na renda, por terem pouco volume de produção e baixa qualidade do produto e ainda perdem na venda do leite, com preço comparativamente mais baixo.

Em função da baixa renda e baixa competitividade, elevado número de estabelecimentos rurais têm sido excluídos pelas suas características de produção e, provavelmente, 40% deles não perma-necerão em atividade na próxima década (IBGE, 2013).

A falta de mão de obra ocasionada pela migração para as cidades, alavancada pela irreversível mecanização e automação agrícola, cada vez mais mudará o perfil demográfico no meio rural, que na década de 1950 contava com 75% da população e hoje conta com apenas 15% (IBGE, 2006). A urbanização acelerada será um dos maiores desafios para a competitividade da atividade leiteira em razão da necessidade de atração, capacitação e retenção de mão de obra para o campo. Com a expectativa de crescimento da renda e diminuição da pobreza nos países emergentes, associada à expansão da população e seu envelhecimento, por um lado o quadro se agrava em relação à deman-da por alimentos numa dimensão quantitativa e qualitativa, por outro se reveste de oportunidades para os países emergentes exportarem seus produtos.

Para a cadeia produtiva do leite, a falta de conhecimento daqueles que atuam na produção pri-mária e a falta de interlocução entre os elos da cadeia se revertem em uma importante restrição ao setor, com reflexos tanto na indústria de lácteos, que depende de matéria-prima de qualidade para poder se modernizar e buscar competitividade diante das exigências do mercado internacional, quanto em nível nacional, para o consumidor obter um produto seguro e a baixo preço.

As indústrias de laticínios nacionais pouco têm inovado em desenvolvimento de novos produtos de alto valor agregado. Quando muito, repetem produtos já consagrados no exterior, ou inovam a

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Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil 135

reboque dos fornecedores de insumos e de equipamentos com alta densidade de componentes importados. As grandes multinacionais que atuam no setor mantêm seus centros de P&D no exterior e trazem as tecnologias já protegidas para o País. Mesmo as grandes empresas nacionais encontram dificuldades para manter seus centros de pesquisa em virtude dos altos custos dos materiais, geral-mente importados. Desta forma, o número de produtos lácteos inovadores genuinamente nacionais é muito limitado em um mercado internacional altamente competitivo.

OPORTUNIDADES

A região tropical do mundo responde por aproximadamente 25% da produção mundial de leite de vaca e mesmo assim a maioria de seus países é deficitária, incluindo praticamente todos os paí-ses africanos, a maioria dos latino-americanos e grande parte dos asiáticos. Somente Ásia e África somam déficit superior a 19% em relação ao volume de lácteos que consomem (FAO, 2011).

Considerando-se que vivemos em um mundo em transição, entender as megatendências mun-diais e seus impactos para o setor poderá trazer vantagens competitivas que podem ser revertidas em oportunidades, principalmente para países emergentes como o Brasil, destacando-se:

• Mudanças demográficas – O perfil da população mundial está mudando, tornando-se mais populoso, com expressiva parte da população de idosos e com renda per capta maior, esti-mulando o consumo e criando oportunidades para o desenvolvimento de novos produtos alternativos pela indústria láctea.

• Urbanização acelerada – Hoje, 54% da população mundial vive em áreas urbanas, propor-ção que deverá aumentar para 66% em 2050. As projeções mostram que a urbanização associada ao crescimento da população mundial poderá trazer mais 2,5 bilhões de pessoas para as populações urbanizadas até 2050, com quase 90% do crescimento centrado na Ásia e na África (NAçõES UNIDAS, 2014). Com isso, dois pontos merecem reflexões: maior com-petitividade da atividade leiteira em consequência da retenção, atração e disponibilidade de mão de obra no meio rural e maior capacidade de acesso à informação, que aumentará significativamente a exigência por alimentos mais saudáveis e diferenciados, demandando que o setor se especialize e diversifique seu portfólio de produtos. Atualmente, a socieda-de vive um estilo de vida mais acelerado, esta nova forma de viver têm mudado o habito alimentar da população que cada vez mais busca formas mais rápidas, práticas, nutritivas e saudáveis de se alimentar que se encaixem no seu dia-a-dia, cada vez mais corrido. Essa demanda do mercado por alimentos mais saudáveis tem aumentado nos últimos anos em razão do maior acesso a informações que evidenciam a relação direta do consumo de ali-mentos saudáveis com a manutenção de uma boa saúde.

• Economia global – Os mercados emergentes estão redesenhando o mapa geopolítico e econômico, fazendo com que o mundo passe a observar mercados nunca antes cobiçados, como o da região Ásia-Pacífico.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1136

• Eventos climáticos extremos – A elevação de temperatura e umidade poderá afetar a pro-dução de alimentos de forma drástica e elevar problemas fito e zoosanitários. Segundo o professor Robert Mendelsohn, da Universidade de Yale, Estados Unidos, as regiões tropi-cais serão as mais afetadas pelas mudanças climáticas. A previsão é de que dentro de 50 a 100 anos os rendimentos agrícolas apresentem uma queda de 10% a 20% decorrente do aumento das temperaturas. Por isso, é importante que os produtores e a pesquisa agrope-cuária estejam atentos e se adaptem às mudanças climáticas. A dependência energética por recursos renováveis e recicláveis e a baixa disponibilidade de terras aliada à tendência da área de pecuária ceder espaço para a área agrícola colocarão pressão para incrementos cada vez maiores em produtividades.

• Desenvolvimento científico – Os segmentos primários e industriais serão mais eficazes e sairão na frente no uso efetivo de tecnologias se conseguirem incorporar inovações em seus processos produtivos, de gestão e de negócios. A consolidação do sistema de inova-ção tecnológica constituirá importante vantagem competitiva para a produção nas econo-mias emergentes.

A região Ásia-Pacífico caminha para concentrar 60% da classe média mundial, que impulsionada pela maior urbanização, classe média emergente e maior renda per capita, com grande incentivo de governo, demandará segurança alimentar com implicações no volume de demanda por proteína animal. Esse aumento na demanda em uma região onde há relativamente baixa disponibilidade de áreas cultiváveis poderá levar a um complexo sistema de comércio, ampliando a dependência de outras regiões, o que poderá ser uma grande oportunidade para abrir novos mercados para a América Latina, notadamente o Brasil. O comércio de lácteos é muito concentrado e dominado por poucos países e precisa urgentemente ser expandido, e há espaço para isso. O Brasil, por exemplo, insiste em vender lácteos para alguns poucos países africanos e para a Venezuela, que dependem excessivamente do preço do petróleo, o que deixa esses mercados vulneráveis e extremamente vo-láteis. é preponderante garimpar novos mercados como o russo e o mexicano – dois grandes impor-tadores de lácteos e não tão dependentes do petróleo, assim como expandir o mercado africano.

A China, um dos maiores clientes comerciais do Brasil em várias commodities, ostentou o título mundial de fiel da balança comercial de lácteos na última década e agora dá sinais de desacelera-ção, mas ainda com expressiva participação no mercado internacional, exceto para o Brasil, que não consegue consolidar esse potencial mercado de lácteos.

Outro gigante asiático que desponta e mostra o caminho, tornando-se a maior surpresa entre os grandes países emergentes do mundo, é a Índia, que compõe com o Brasil no BRICS. Certamente, a Índia tornar-se-á o próximo acontecimento global em virtude de suas características únicas: 1,2 bilhão de pessoas, das quais 50% são jovens, elevada urbanização e com aumento da renda per capita – cresce a uma taxa de 7,5% a.a. A demanda por leite poderá aumentar 29% e isso proporcio-nará imensas oportunidades para a América Latina, principalmente por falta de recursos naturais, terra e água.

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Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil 137

A África também desperta atenção, não apenas pelo aumento de sua produção, mas também pela insuficiência para atender ao consumo interno, continuando a demandar alimentos no merca-do externo. Há expectativa de que a agricultura africana testemunhe uma transformação nas próxi-mas duas décadas, semelhantemente ao que ocorreu no Brasil nos últimos 40 anos. é nesse contexto que surgem os chamados corredores ou ilhas agrícolas, com objetivo de identificar regiões poten-ciais e traçar estratégias de desenvolvimento específicas, à semelhança do que ocorre no Brasil com a Matopiba.

Com esse quadro, pode-se perceber o potencial enorme que se abre para o setor lácteo nacional, que precisa se organizar e agregar mais valor aos seus produtos para aproveitar as oportunidades que se descortinam no horizonte. é necessário incorporar tecnologias e inovações para alavancar de vez a produção de leite de forma sustentável e competitiva. No agronegócio brasileiro, o setor lácteo constitui a cadeia produtiva com a maior expectativa em termos de transformação, busca por eficiência e crescimento econômico para garantir o abastecimento interno e ter excedentes para se inserir com expressão e definitivamente no mercado internacional, ficando atento às futuras oportunidades.

As oportunidades para a indústria láctea também são evidentes. Estima-se que de 70% a 75% da população mundial seja intolerante à lactose e, considerando-se um consumo total de leite, io-gurte e queijo de mais de 250 milhões de toneladas em 2014, produtos lácteos sem lactose repre-sentam uma oportunidade substancial para a indústria. Embora o leite e os derivados sem lactose sejam, atualmente, um importante nicho de mercado, é evidente que tenham grande potencial de crescimento em longo prazo. Oportunidades mais significativas estão se evidenciando na Ásia e na América Latina e o Brasil está incluso nesse mercado de forma muito significativa, assim como na produção de lácteos funcionais e em sistemas orgânicos de produção. Os alimentos funcionais têm surgido como uma alternativa para melhorar a saúde e o bem-estar. Eles são alimentos muitas vezes ricos em compostos bioativos – substâncias que previnem diversos tipos de doenças, e vários desses compostos podem ser utilizados como aditivos alimentícios naturais com diversas funções, realçando a cor, o sabor e o aroma, e muitas vezes ajudando na estabilidade do produto final.

Assim, algo deverá e irá mudar. Faz-se necessário revisar a estratégia e saber quem começa. Segundo Klaus Schwab (2016), fundador e presidente do Foro Econômico Mundial, nesse novo mundo, não é o peixe grande que come o pequeno, mas o mais rápido que come o mais lento. é estratégico definir o modelo de negócio e os fatores que o fazem competitivo. Muitas vezes, sus-tentar um negócio implica disposição para mudar: às vezes, é necessário aprender coisas novas e outras vezes, desaprender velhos hábitos. O recente acordo de comércio regional, o Trans-Pacific Partnership (TPP), que representará 22,9% das exportações mundiais, envolvendo 40% do PIB mun-dial, 793 milhões de consumidores e um comércio de 223 bilhões de dólares por ano até 2025, é um exemplo claro da nova onda de globalização. Nas Américas, Estados Unidos, Canadá, México, Peru e Chile já estão a caminho da Ásia-Pacífico. Por que o Brasil ainda não entrou não se sabe ao certo, talvez por falta de competitividade ou mesmo falta de política setorial adequada. Quando o assunto é lácteos, ainda se desliza nos acordos laterais, haja vista a posição no Mercosul, em que mais preo-cupa-se em criar barreiras e defender-se do que atuar como bloco econômico.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1138

é inconcebível delinear cenários para a produção de leite nas próximas décadas sem considerar os investimentos em C&T, os atuais avanços da pesquisa agropecuária brasileira e sua futura con-tribuição para a inovação tecnológica. Do ponto de vista dos avanços e contribuições da pesquisa, os últimos anos foram positivos e serviram para acelerar a quebra de paradigmas, substituindo a cultura do imediatismo pela cultura da inovação. Os estudos científicos em bovinocultura se rea-lizam em áreas que há até pouco tempo eram restritas à ficção. A pesquisa se modernizou e está avançando na fronteira do conhecimento. O futuro já chegou a vários campos da ciência: automa-ção, nanotecnologia, genômica, biotécnicas reprodutivas, bioenergética, etc. Mas ainda é preciso avançar. A pecuária de precisão marca a era dos sensores onde a tecnologia para mensurar indica-dores produtivos, fisiológicos e comportamentais em tempo real já é uma realidade. Resta agora ao setor industrial se apropriar do novo para acelerar o aumento da produtividade, da eficiência e da sustentabilidade nas próximas décadas.

PREVISõES FUTURAS PARA A PRODUçãO DE LEITE NO PAÍS

Dois cenários (provável e desejável) para o leite no Brasil foram projetados para 2024 por Vilela e Resende (2014) e posteriormente atualizados para 2025 por Vilela (2015). As projeções diferiram apenas quanto à base de dados de 2014 para 2015. No cenário provável, espera-se crescimento con-tínuo da produção, porém heterogêneo, considerando algumas tendências fortes como: incertezas na economia (inflação, recessão); investimentos moderados nas indústrias e em pesquisa, desenvol-vimento e inovação (PD&I) (< 1,3% do PIB); consumo crescente, mas em ritmo menor do que o atual; permanência da heterogeneidade na produção; presença no comércio mundial de forma tímida; e expressivo aumento do custo de produção, alavancado principalmente pela mão de obra e alimen-tação. Como premissa: “O País crescerá aquém das médias históricas da última década, levando em consideração as tendências elencadas”. No cenário desejável, esperam-se crescimentos expressivos na produção, onde as oportunidades de mercado interno e externo serão bem aproveitadas pelo setor, considerando como tendências: fortes investimentos em PD&I (> 1,5% do PIB); aumento ex-pressivo da produtividade por área e por animal; maior uso de mecanização e automação (mão de obra escassa e cara); melhoria da qualidade do leite; expressivo aumento do consumo e forte crescimento da produção na região Sul; estímulo à produção e incentivos à exportação; e mercado internacional aquecido em razão das grandes compras de lácteos pelos asiáticos. Como premissa: “O País crescerá nas médias históricas”.

Como resultado, no cenário provável, o Brasil continuará importador líquido de queijos e leite em pó (1,53 milhões de toneladas por ano), mas no Cenário Desejável há probabilidade de o Brasil se tornar relevante no mercado internacional, com exportação de lácteos, apesar de no momento haver fortes tendências demonstrando o contrário. A ampliação da oferta de lácteos se apoiará no consumo interno, que seguirá dinâmico, baseado no aumento da renda familiar, no lançamento de novos produtos e com o setor mais formal. Assim, o consumo de lácteos por habitante apresentará variação anual crescente de 2,2%. A expectativa é que o consumo anual se aproxime do recomenda-do pela OMS de 220 L por habitante.

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Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil 139

A produtividade por animal crescerá em ambos cenários, alavancada pela adoção de tecnologias, mas estará ainda aquém da de outros países. Os dois cenários projetam produtividades de 2.131 kg e 2.577 kg por vaca por ano, respectivamente. Essas projeções parecem factíveis, ou mesmo modes-tas, levando-se em consideração que a produtividade das fazendas colaboradoras dos programas de melhoramento genético de raças leiteiras no País (mostrada anteriormente), acompanhadas pela Embrapa entre 1985 e 2015, cresceu de 1.900 kg para mais de 4.300 kg por lactação.

Em 2024/2025, projeta-se que o Brasil estará produzindo no cenário provável de 45,4 a 47,5 milhões de toneladas, respectivamente, semelhantemente ao previsto na literatura onde as perspectivas consideradas pelos autores eram mais favoráveis (AGRICULTURAL..., 2013; BRASIL, 2014). No entanto, as projeções da Fao e Oecd (AGRICULTURAL..., 2016) em seu Outlook 2016–2025 não são tão otimistas em relação à produção de leite, estimando produzir 39 milhões de toneladas em 2025, confirmando um cenário de desaceleração da demanda e da oferta globais por produtos agropecuários na próxima década, com relativa estabilização das cotações internacionais das com-modities agrícolas no período. Porém, estimaram que, nesse contexto, o Brasil tende a ganhar mais participação em alguns de seus principais mercados, e o leite pode entrar na cesta de negociação.

No cenário desejável, a projeção de produção será de 54,8 a 54,5 milhões de toneladas para os 2 anos, respectivamente. A Figura 3 mostra a evolução da produção nacional de leite desde 1975, a estimada para 2015 e a projeção provável para 2025.

Para que o agronegócio brasileiro tenha alcançado o nível atual de eficiência, mudanças importantes ocorreram ao longo dos últimos 40 anos. Aproximadamente metade da produção agrícola ocorre hoje em 0,4% dos estabelecimentos e, obviamente, isso trouxe implicações sig-nificativas na estrutura de produção e desdobramentos sociais. No setor leiteiro não é diferente, onde cada vez menos produtores produzem mais leite, 200 mil deles já respondem por 82% do leite produzido no País.

O estrato de produção de leite que mais cresceu nos últimos anos se encontra acima de 400 L por fazenda por dia, porém aquele que mais se destacou na participação da produção foi o estrato acima

Figura 3. Produção nacional de leite e projeção para 2025 (milhões de toneladas de litros de leite/ano).(1) Estimativa por Zoccal (2015).(2) Projeção por Vilela (2015).Fonte: IBGE (2013, 2015).

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de 2.000 L por fazenda por dia. Estudos conduzidos pela equipe de economia da Embrapa Gado de Leite indicam que atualmente cerca de um terço do leite do País é produzido por um contingente de apenas 28 mil fazendas com produtividade próxima de 3.500 kg por lactação.

Para Alves et al. (2012b), 70% do incremento da produção nacional de leite é explicado pela ado-ção de tecnologias, enquanto a elevação da produtividade do trabalho e da terra responde pelos restantes 20% e 10%, respectivamente. Nos últimos 40 anos, as pesquisas têm concentrado esforços na busca por tecnologias que comportem produtividades entre 2.500 kg e 4.500 kg por lactação. é chegado o momento de concentrar esforços para se conseguir produtividades mais elevadas, sem perder a eficiência em consequência do maior preço da terra e do custo da mão de obra, principal-mente próximo aos grandes centros consumidores.

INOVAçõES TECNOLóGICAS E GERENCIAIS PARA AGREGAR VALOR AOS PRODUTOS LÁCTEOS

Os avanços nos sistemas de produção, que virão agregar valor aos produtos originados das ca-deias produtivas de origem animal, demandarão cada vez mais inovações tecnológicas e gerenciais sofisticadas e intensivas, passando a ser decisivos para a incorporação de modelos inovadores de gestão ao longo das cadeias produtivas e causarão impactos sensíveis sobre os processos de co-mercialização e de relacionamento com os consumidores finais de seus produtos. Grande parte da agregação de valor aos produtos de origem animal no futuro virá de inovações derivadas dessas possibilidades.

O futuro do desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira busca antecipar tendências e garantir o ajuste permanente das prioridades de pesquisa e de transferência de tecnologia, com vistas à inovação que se inspira na lógica de cadeias produtivas, cada vez mais dependentes de co-nhecimento e tecnologias. Tem-se a convicção de que nenhuma organização ou grupo de cientistas detém isoladamente as competências para ajudar o País a enfrentar um ambiente cada vez mais complexo e dinâmico. A migração de sistemas de produção com poucas atividades para aqueles mais complexos se destaca como forte tendência para as próximas décadas e as plataformas tecno-lógicas poderão contribuir com os processos cada vez mais difíceis que acompanharão a pecuária que se descortina para o futuro.

Como temas de alta prioridade de pesquisa para que o setor de lácteos passe a ser o protagonis-ta de crescimento sustentável a taxas superiores ao registrado em todo o mundo, atuando de modo eficiente e eficaz visando agregar valor ao produto, com grande retorno à sociedade, ênfase deve ser dada à pesquisa e desenvolvimento em: recursos genéticos; qualidade e segurança do alimento; alimentos alternativos às atuais fontes de energia e proteína na alimentação animal; análise de riscos químicos e biológicos, desenvolvimento de kits para diagnóstico rápido de resíduos químicos e bio-lógicos nos produtos; avaliação de resíduos e contaminantes; certificação e rastreabilidade; agrega-ção de valor aos produtos de origem animal (alimentos funcionais, sem lactose, nutracêuticos, etc.);

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Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil 141

desenvolvimento de embalagens ativas/bioativas; desenvolvimento de alternativas tecnológicas para uso econômico de novos produtos lácteos como o soro do leite; monitoramento em tempo real das cadeias produtivas do leite; análise da influência de políticas públicas sobre a competitivi-dade das cadeias produtivas; percepção do consumidor; análise da bioeficiência socioeconômica da atividade leiteira e análise da adoção de tecnologias.

Figura 4. Matriz com proposta de uma plataforma estruturada em quatro eixos contendo as lacunas a serem incentivadas com propostas de projetos estruturantes em futuros programas de pesquisa.

Tendo em vista a importância da indústria de laticínios para o atendimento da demanda interna por produtos lácteos seguros, de qualidade e de alto valor agregado, o seu potencial de exportação, as áreas de competências disponíveis no País e as oportunidades e necessidades de inovação do setor, considera-se altamente desejável a adoção de plataformas multi-institucionais e multiusuá-rios que viabilizem a união de diversas competências para atuarem, em conjunto, na promoção de inovações e no desenvolvimento tecnológico e sustentável do setor lácteo nacional.

A Figura 4 apresenta o organograma conceitual resumido do que se idealiza de uma plataforma tecnológica, alicerçada em quatro eixos estruturantes – Produção Eficiente, Qualidade e Inocuidade, Mercado e Novos Produtos – contendo as inovações tecnológicas e gerenciais para agregar valor à cadeia produtiva de leite que poderão nortear as futuras pesquisas em láteos no País.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1142

CONSIDERAçõES FINAIS

A importância que a atividade leiteira adquiriu no País é incontestável, tanto no desempenho econômico como na geração de empregos e renda. Garantir o desenvolvimento efetivo do setor, revertendo cenários adversos, dependerá de decisões e ações dos diferentes atores da cadeia.

A pesquisa em bovinocultura de leite no Brasil está no compasso da modernidade. Os exemplos citados estão longe de perfazer a totalidade de inovações que surgiram nos últimos anos, como também estão longe de alcançar a meta que a ciência procura atingir em 10 ou 20 anos, uma vez que em ciência não existe uma meta fixa, ela sempre se desloca de acordo com os avanços obtidos. Ainda há muito a avançar, seja no campo científico e tecnológico, que passa necessariamente pela proposta futura de incrementar a produção e a produtividade com menor custo, seja no campo político, estimulando a inovação do setor.

Em mercados cada vez mais abertos e globalizados, a competitividade aumentará com base nos custos de produção e as propriedades que continuarão a produzir leite no futuro não serão as maio-res nem as menores, porém as mais competitivas.

O crescimento da produção apenas para atender o consumo interno, como acontece hoje, deixa o setor vulnerável a intempéries no País e a crises internacionais. Para reverter esta tendência, há muito a avançar na qualidade do leite para que o País se insira definitivamente no mercado interna-cional e não ocasionalmente como nas últimas décadas. Deve-se estar atento a isso. E como posto anteriormente, os agentes de uma cadeia produtiva mais madura e cada vez mais atuante deverão estar necessariamente mais próximos da pesquisa e inovação na busca por projetos estruturantes que construirão um futuro promissor para o setor. Esse cenário que passa pela criação de políticas públicas que valorizem o setor, incentivem a produção de lácteos com qualidade e segurança e criem as condições necessárias para fazer com que as tecnologias desenvolvidas pelas instituições cheguem até o produtor e a indústria. Se o setor se mantiver nesse caminho, certamente o País ocupará um cenário à frente das atuais projeções nas próximas décadas.

Assim, a integração de esforços do poder público e da iniciativa privada, dentro de uma visão sistêmica de organização, será fundamental para assegurar a valorização e a competitividade do setor leiteiro nacional e a sua inserção no cenário mundial.

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Capítulo 7 Desafios e oportunidades para a pecuária de leite no Brasil 143

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 1144

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Parte 2

TECNOLOGIAS DISPONÍVEIS EM PECUÁRIA DE LEITE

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 147CAPÍTULO 1

A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite

Flávio Rodrigo Gandolfi Benites | Fausto Souza Sobrinho | Duarte Vilela

INTRODUçãO

O gênero Cynodon reúne algumas das espécies forrageiras mais difundidas e utilizadas no mun-

do em razão de seu elevado potencial produtivo, qualidade e capacidade adaptativa a diferentes

condições edafoclimáticas (HANNA; SOLLENBERGER, 2007).

Pertence à família Poaceae e sua taxonomia é controversa em virtude de diferenças em relação

ao número de espécies e de variedades. Contudo, a maioria considera que esse gênero é constituído

por oito espécies e 10 variedades de acordo com sua distribuição geográfica. As espécies estudadas,

incluindo Cynodon dactylon, Cynodon nlemfuensis, Cynodon plectostachyus e Cynodon aethiopicus,

são predominantemente encontradas na região tropical e, às vezes, na região subtropical do Leste

da África. Cynodon incompletus e Cynodon transvaalensis são encontradas na África do Sul, enquanto

Cynodon arcuatus e Cynodon barbieri ocorrem predominantemente no Sul da Ásia e em Ilhas do

Pacífico Sul (HARLAN, 1970).

Estudos para diferenciação entre as espécies do leste africano resultaram na seguinte classifi-

cação: Gramas-Bermudas (C. dactylon), que apresentam rizomas e estolões e Gramas-Estrelas (C.

nlemfuensis, C. aethiopicus e C. plectostachyus), que possuem apenas estolões. As espécies de maior

importância como forrageiras são C. dactylon e C. nlemfuensis, segundo Taliaferro et al. (2004).

Estudos realizados por Caro e Sanchez (1969, 1972) descrevem espécies nativas do continente

americano. Algumas gramíneas desse gênero, antes tidas como C. dactylon, foram reclassificadas

por Caro e Sanchez como novas espécies. Ao final do estudo, foram identificadas cerca de 20 novas

espécies desse gênero distribuídas na América, sendo a maior parte encontrada na Argentina, Brasil,

Chile, EUA, Uruguai e Paraguai. Esta descoberta amplia, de forma significativa, o número de espécies

pertencentes ao gênero.

Nova classificação feita por Harlan et al. (1970) quanto às espécies de Cynodon, incluem como

nova espécie Cynodon x magennisii, que é um híbrido triploide natural entre C. dactylon e C. trans-

vaalensis, passando de oito para nove espécies.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2148

No The Plant List (2015) estão catalogadas atualmente 13 espécies, 4 subespécies, 25 variedades, 96 sinônimos e 5 espécies sem descrição dentro do gênero Cynodon. Essas classificações geram complicações quanto à correta taxonomia desse gênero, havendo a necessidade de trabalhos utili-zando dados moleculares, bioquímicos, citogenéticos e botânicos para agrupar essas espécies.

Harlan e De Wet (1969), assim como Taliaferro et al. (2004) e Wu et al. (2006) descrevem três raças na variedade dactylon. A primeira raça é descrita como tropical com distribuição pan-tropi-cal, apresentando potencial produtivo em áreas de encharcamento e em áreas com deficiência hídrica. A segunda raça é de clima temperado, tolerante a baixas temperaturas e encontrada em áreas de clima frio. A terceira raça é chamada de selêucida, nome dado em razão de seu centro de origem compreender desde o Paquistão até a Turquia, coincidindo com as fronteiras do anti-go Império Selêucida. Tolerantes a períodos frios, são frequentemente produtivas em solos férteis. As características que chamam atenção para a raça selêucida são a coloração azulada das folhas e estolões que parecem “galopar”, emergindo do solo como estolões para logo adiante voltarem para o subsolo como rizomas.

Ao contrário de outras gramíneas forrageiras, todas as cultivares de Cynodon disponíveis para os pecuaristas nacionais têm sua origem nos programas de melhoramento norte-americanos. Essas cultivares não foram desenvolvidas para as condições edafoclimáticas brasileiras, mesmo assim al-gumas cultivares introduzidas, como Coast-cross e Tifton 85, destacam-se quanto à produtividade e ao valor nutritivo da forragem.

As gramíneas do gênero Cynodon (estrelas, bermudas e seus híbridos) apresentam grande po-tencial forrageiro, principalmente, por sua elevada resposta à fertilização, grande capacidade de adaptação às diversas condições de solo, clima e pisoteio, assim como apresentam bom valor nutri-tivo, característica essencial para uso na alimentação de vacas leiteiras. Em função disso, foi realizada uma série de pesquisas para avaliar a produtividade por área e por vacas de leite de alto potencial genético utilizando pastagens com cultivares de Cynodon.

RESULTADOS DE PESQUISAS

A Embrapa vem trabalhando desde 1992 com cultivares de Cynodon oriundas dos programas de melhoramento genético dos EUA e introduzidas no Brasil há mais de 3 décadas. Os resultados das avaliações para produção de leite de vacas Holandesas sob pastejo foram animadores (ALVIM et al., 1997, 1999; VILELA, 2005; VILELA et al., 1996, 2002, 2003, 2004, 2005a, 2005b, 2006, 2007), o que levou, a partir de 2011, à implantação de um programa de melhoramento genético para o gênero Cynodon, com o objetivo de desenvolvimento de cultivares adaptadas às condições edafoclimáticas brasileiras, que prossegue até os dias atuais.

As abordagens neste capítulo resumir-se-ão à produção de leite, tendo em vista que o li-vro Cynodon: forrageiras que estão revolucionando a pecuária brasileira, de autoria de Vilela et al. (2005), descreve amplamente a formação e o manejo de pastagens de Cynodon, assim como a sua

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 149

aplicabilidade como silagem, feno e pasto, com os respectivos potenciais de utilização na explora-ção de gado de leite, de carne e equinos.

PRODUçãO DE LEITE

Entre abril de 1992 e janeiro de 1993, foram comparados dois sistemas de produção de leite. Um sistema de pastejo rotacionado em coast-cross, suplementado com 3 kg de concentrado por vaca po dia e o outro em confinamento total, com dieta à base de silagem de milho e concentrado, utilizando-se em ambos os casos vacas da raça Holandesa (VILELA et al., 1996).

Os resultados evidenciaram que o pastejo intensivo em coast-cross se constituiu em alternativa viável para a produção de leite na região Sudeste do Brasil, registrando-se produção média diá-ria de 16,6 kg por vaca. A taxa de lotação média da pastagem foi de 5,8 vacas ha-1, com produção média diária de 74 kg ha-1. A produção de leite das vacas mantidas em confinamento, consumindo diariamente, em média, 7,8 kg de concentrado e 30 kg de silagem de milho foi de 20,6 kg por dia, 5.750 kg em 280 dias de lactação. Apesar de a produção de leite ter sido menor quando as vacas foram mantidas a pasto, a margem bruta foi 32% superior ao confinamento.

Em outra pesquisa a aplicação de três diferentes níveis de nitrogênio (100 kg, 250 kg e 400 kg por hectare por ano) numa pastagem de coast-cross foi avaliada por Alvim e Botrel (2001), concluindo que a produção de leite por vaca não foi afetada pela quantidade de nitrogênio aplicada. No en-tanto, a taxa de lotação melhorou com os níveis mais elevados de nitrogênio, sendo que o nível de 250 kg de N por hectare por ano maximizou a taxa de lotação da pastagem e a produção de leite por área, resultando em maior retorno econômico por unidade de área.

Visando aprimorar a produção de leite de vacas da raça Holandesa mantidas em pastagem de Coast-cross irrigada e fertilizada com 200 kg de N por hectare por ano, Alvim et al. (1997) conduzi-ram pesquisa com o objetivo de avaliar dois níveis de concentrado: 3 kg ou 6 kg por vaca por dia. Como em todas as outras pesquisas, o concentrado foi composto basicamente de fubá de milho (48%), farelo de soja (35%), farelo de trigo (15%), calcário calcítico (1%) e mistura mineral (1%).

A taxa de lotação da pastagem na época das chuvas foi de 5,9 a 6,4 vacas por hectare, mais elevada do que a da época da seca, 3,0 a 3,7 vacas por hectare. Com 3 kg e 6 kg de concentrado, a produção de leite por vaca foi de 16,9 kg e 20,5 kg por vaca, respectivamente. Não houve grande variação na produção individual de leite na época das águas em relação à da seca, indicando que a qualidade da pastagem de Cynodon não varia demasiadamente ao longo do ano. Por outro lado, a taxa de lotação quase duplicou entre as duas estações (de 3,0 para 5,9 vacas por hectare e de 3,7 para 5,4 vacas por hectare, para 3 kg e 6 kg de concentrado, no outono/inverno e primavera/verão, respectivamente).

Com 3 kg de concentrado, a produção diária de leite foi de 77,9 kg ha-1, equivalente a 28.430 kg ha-1 por ano. Ao passar a quantidade de concentrado para 6 kg por dia, a produção diária subiu para 104 kg ha-1, equivalente a 37.959 kg ha-1 por ano.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2150

Houve maior persistência da lactação quando as vacas receberam 6 kg de concentrado. Para os dois níveis de concentrado (3 kg e 6 kg por dia), as curvas de produção de leite corresponderam a 168 dias de lactação na época da seca e 197 dias na época das chuvas. Ainda era preciso saber se a menor quantidade de concentrado fornecida às vacas de alto potencial produtivo mantidas a pasto, principalmente no início da lactação, interferiria nos índices de reprodução e, consequentemente, nos aspectos econômicos da atividade. Inicialmente, avaliaram-se estratégias de distribuição do concentrado ao longo da lactação de vacas Holandesas (ALVIM et al., 1999) de forma que um grupo recebeu 6 kg de concentrado por dia (fixos ao longo de toda a lactação), enquanto o outro recebeu suplementação decrescente de 9, 6 kg e 3 kg por dia nos terços inicial (0 a 90 dias), médio (91 a 180 dias) e final (181 a 270 dias) da lactação, respectivamente. O período de avaliação foi de 270 dias e os resultados mostraram que o fornecimento diário de 6 kg de concentrado, distribuídos em quantidades fixa e variável, na média, resultou em produções de leite que atingiram 18,5 kg e 19,8 kg por vaca por dia, 87,3 kg ha-1 e 95,2 kg ha-1 por dia e 23.382 kg ha-1 e 25.695 kg ha-1 em 270 dias, respectivamente. A pequena diferença individual de leite entre as produções pode ter ocor-rido em função da elevada qualidade da forragem disponível nas pastagens, o que ocorre quando essas pastagens são manejadas intensivamente, irrigadas e fertilizadas. Quando se considera o ma-nejo em lotes separados de alimentação, necessário no fornecimento do concentrado em diferentes quantidades para um rebanho com data de parição desuniforme durante todo o ano, esse sistema pode apresentar desvantagem em razão do aumento nos gastos com instalações e mão de obra.

Para avaliar os efeitos residuais dos níveis de concentrado nas lactações subsequentes de vacas da raça Holandesa quanto aos aspectos produtivos e reprodutivos, pesquisas foram conduzidas du-rante 3 anos consecutivos (VILELA et al., 2004, 2006, 2007) levando-se em consideração 108 lacta-ções (36 vacas por 3 anos consecutivos).

As vacas apresentaram boas condições corporais na ocasião do parto, levando a crer que a qua-lidade do pasto e as suplementações foram suficientes para estimular o primeiro estro antes dos 85 dias, verificado pela dosagem de progesterona. Observou-se que as vacas, ao permanecerem no experimento por mais de uma lactação, mostraram tendência para reduzir o intervalo parto-primei-ro estro. Na primeira parição, este intervalo foi de 91 dias pela observação visual e de 68 dias pela progesterona, caindo, na segunda parição, para 85 e 60 dias, respectivamente. Concluiu-se que, pela dosagem de progesterona, 3 kg de concentrado por dia foram suficientes para se obter intervalo parto-primeiro estro dentro do limite desejável, ou seja, inferior a 85 dias.

Normalmente, a ingestão de energia é um limitante da produção de leite quando se utilizam pas-tagens tropicais, principalmente para vacas de alto valor genético. Isto é mais problemático no terço inicial da lactação, quando as vacas não são capazes de consumir energia suficiente para sustentar a produção e são levadas a mobilizar reservas corporais. A inclusão de uma fonte extra de energia insolúvel no concentrado pode ser uma forma de incrementar a densidade energética. Com o pro-pósito de avaliar o efeito da inclusão de fontes extras de energia no concentrado de vacas da raça Holandesa, Vilela et al. (2002) avaliaram os efeitos da adição diária de 700 g por vaca de fonte comer-cial de gordura insolúvel no concentrado. Essa estratégia possibilitou aumentar a produção de leite (corrigida para 3,5% de gordura) em 3,2 kg por vaca por dia, em relação ao sistema convencional,

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 151

sem fonte extra de energia. O aumento da produção, no entanto, não foi suficiente para compensar o custo adicional do suplemento.

Em outra pesquisa da mesma linha, Vilela et al. (2003) incluíram soja integral tostada (SIT) na for-mulação do concentrado, de modo que este tratamento contivesse alta energia e 9,3% de proteína degradada no rúmen. Concluiu-se que o fornecimento de concentrado contendo SIT, em relação ao concentrado sem SIT, aumentou o teor de gordura do leite (de 3,4% para 4,1%), a produção de leite por animal (de 19,8 kg para 22,2 kg por dia) e por área (de 122 kg ha-1 para 145 kg ha-1), além de ter melhorado a persistência da lactação (de -0,062 kg para -0,038 kg por dia).

A análise da qualidade do leite (em termos de proteína, gordura, lactose, sólidos totais, contagem de células somáticas e uréia) produzido por vacas Holandesas mantidas em pastagem, recebendo por dia 3 kg ou 6 kg de concentrado, assim como da viabilidade econômica entre os dois níveis de concentrados, foi feita mediante a quantificação e análise do resultado monetário; esses fatores foram discutidos por Vilela et al. (2005).

Concluiu-se que os níveis de concentrado avaliados podem seguramente ser utilizados sem qualquer prejuízo às características qualitativas do leite de vacas da raça Holandesa mantidas em pastagem de coast-cross, atendendo aos padrões regulamentares vigentes. Embora tenha ocorrido diferença para o teor de proteína do leite em função do nível mais elevado de concentrado, as variá-veis gordura, lactose, uréia, sólidos totais e contagem de células somáticas não sofreram influência dos níveis de concentrado utilizados.

De modo geral, todos os resultados anteriores comprovaram o grande potencial de utilização de pastagens do gênero Cynodon para a produção de leite. Maiores detalhes a respeito do manejo e da produção de leite de vacas sob pastejo em cultivares de Cynodon podem ser obtidos em Vilela (2005) e Vilela et al. (2005b).

FORRAGEIRAS DO GêNERO CyNODON UTILIZADAS EM PASTAGENS

Em revisão sobre o manejo de pastagem do gênero Cynodon, conclui-se que, entre as gramas bermuda, ‘Tifton 85’ tem boas características para corte e pastejo e coast-cross tem surpreendido pelo potencial apresentado em termos de capacidade de suporte e qualidade da pastagem para vacas de leite (VILELA; ALVIM, 1998; VILELA, 2005; VILELA et al., 2005b).

Entre 1998 e 1999, foram também avaliadas diferentes cultivares de Cynodon do grupo das ber-mudas e das estrelas, sob pastejo rotacionado, sem irrigação, utilizando-se vacas secas como instru-mento de corte. Concluiu-se, após 2 anos, que, entre as bermudas, a cultivar Florakirk apresentou melhor cobertura do solo, vigor de rebrota, produção de matéria seca e capacidade de suporte. Contudo, prosseguindo a pesquisa por mais dois anos, percebeu-se que a Florakirk não mantinha a persistência anterior, indicando possibilidade de esta cultivar não tolerar períodos longos de paste-jo, sendo mais indicada para corte.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2152

Entre as gramas estrela, destacaram-se ‘Florico’, por sua elevada digestibilidade, e ‘Florona’, por sua persistência e dominância sobre outras espécies forrageiras que produzem mais sob déficit hí-drico e são mais tolerantes a geadas.

O manejo pode também ser decisivo e ter grande impacto sobre a qualidade. Quando bem manejados, a diferença na produção e qualidade entre cultivares é mínima, e a qualidade de-cresce sobremaneira depois de 5 a 6 semanas de rebrota. Recomenda-se resíduo pós-pastejo de 20 cm a 25 cm de altura para forrageiras do gênero Cynodon.

Em relação à estacionalidade da produção de forragem, observou-se que as principais forragei-ras desse gênero têm condições de permitir lotação no inverno próxima a 50% da realizada no pe-ríodo do verão, evidenciando sua boa adaptação às condições tropicais.

PROGRAMA DE MELHORAMENTO DO GêNERO CyNODON

O programa de melhoramento do gênero Cynodon da Embrapa utiliza como estratégia para ex-plorar a variabilidade genética a coleta de sementes em pastagens e a introdução e avaliação de acessos exóticos provenientes do United States Departament of Agricultural (USDA) – EUA e semen-tes de meios-irmãos introduzidas do International Livestock Research Institute (ILRI) – Etiópia.

A primeira estratégia utilizada no programa, foi a coleta de sementes da cultivar Grama-Estrela-Roxa (C. nlemfuensis). Foram coletadas inflorescências nas pastagens dos campos experimentais da Embrapa Gado de Leite, localizados nos municípios de Coronel Pacheco, MG e Valença, RJ. A segun-da estratégia foi a introdução e avaliação de germoplasma proveniente da importação de 21 acessos do USDA e de 75 famílias de meios-irmãos provenientes do intercâmbio com o ILRI.

RESULTADOS DO PROGRAMA DE MELHORAMENTO

Coleta de sementes em pastagens da cultivar Grama-Estrela-Roxa

Foram coletadas sementes em duas pastagens da cultivar Grama Estrela Roxa nos campos ex-perimentais da Embrapa localizados nos municípios de Coronel Pacheco (MG) e Valença (RJ). Não há relatos na literatura de dormência nas sementes em Cynodon e, desta forma, as mesmas foram semeadas em bandejas plásticas contendo substrato comercial. Depois da germinação, foram obti-das milhares de plântulas, que foram transplantadas para copos plásticos de 500 ml contendo uma mistura de terra, areia e esterco (1:1:1) para que os trabalhos de melhoramento fossem conduzidos.

O primeiro resultado do programa de melhoramento foi observar que as sementes da culti-var Grama Estrela Roxa são viáveis e germinam, contestando a afirmação de Botrel (1983) de que sementes de Grama Estrela Roxa não germinavam. Pelo fato da cultivar Grama Estrela Roxa ser

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 153

propagada vegetativamente, por meio de estolões, as plantas de uma pastagem são, teoricamen-te, todas iguais. Portanto, as plantas obtidas a partir da coleta e germinação de sementes foram originadas da autofecundação. Foi observada grande variabilidade entre os genótipos em relação à coloração dos estolões (variando de verde a roxo intenso), comprimento dos entrenós, além de caracteres agronômicos. Parte das plantas obtidas foi avaliada em experimentos de campo e casa de vegetação, conforme descrito a seguir.

PRODUçãO DE FORRAGEM VERDE

No ano de 2011, 197 genótipos provenientes da coleta de sementes da cultivar Grama Estrela Roxa foram avaliados na estação experimental de Santa Mônica (Valença – RJ) em delineamento de blocos aumentados, com cinco testemunhas comuns (Tifton 85, Tifton 68, Grama-Estrela-Roxa, Grama-Estrela-Porto-Rico e Florona), com parcelas de uma planta, com espaçamento de 2,5 m tanto nas linhas como nas entrelinhas. As plantas foram avaliadas com relação à produção de forragem em quatro cortes, com intervalos de crescimento médio de 50 a 60 dias no verão e 60 a 70 dias no inverno. Depois de cada corte foi realizada adubação nitrogenada referente a 50 kg de N por hectare.

Os resultados dos quatro cortes foram analisados de forma conjunta, em esquema de parcela subdividida no tempo. A Figura 1 apresenta a produção de forragem dos 16 melhores e 10 piores genótipos, além das quatro testemunhas. Houve variabilidade para a característica produção de forragem e os 29 clones mais produtivos foram identificados e selecionados para continuidade do programa de melhoramento (Figura 1). Os clones selecionados superaram o desempenho da pior cultivar utilizada como testemunha (Florona).

Os 29 clones selecionados foram avaliados durante todo o ano de 2012 na mesma estação expe-rimental, em delineamento em blocos ao acaso, com três repetições, utilizando como testemunhas as cultivares Tifton 85 e Grama-Estrela-Roxa, com condução do experimento idêntica a do anterior. Foram realizados quatro cortes com intervalos médios de 60 dias, avaliando-se a produtividade de forragem (Tabela 1).

O clone 14 se mostrou superior estatisticamente à cultivar Tifton 85 e, os clones 7, 20 e 21, apre-sentaram comportamento semelhante. Dessa forma foi possível selecionar os clones que apresenta-ram produtividade semelhante ou superior à da cultivar Tifton 85, que é atualmente uma das culti-vares mais plantadas do gênero Cynodon no Brasil.

Cigarrinhas-das-pastagens

A resistência à cigarrinha-das-pastagens é tida hoje como um dos principais objetivos de progra-mas de melhoramento genético de espécies forrageiras (SOUSA SOBRINHO et al., 2016). é desejável que as novas cultivares forrageiras, geradas pelos programas de melhoramento, associem produtivi-dade de forragem com resistência à cigarrinha-das-pastagens.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2154

Figura 1. Produção de forragem verde dos 16 melhores e 10 piores clones de Cynodon e das quatro testemunhas (cultivares Grama-Estrela-Roxa, Grama-Estrela-Porto-Rico, Tifton 68 e Tifton 85). Média de quatro cortes.

Inicialmente, Auad et al. (2012) avaliaram a resistência de nove cultivares de Cynodon plantadas no Brasil quanto a resistência à cigarrinha-das-pastagens (Notozulia entreliana). As melhores cultiva-res (Florona e Jiggs) dessa avaliação apresentaram 50% de sobrevivência de ninfas de cigarrinha e a pior (Grama-Estrela-Branca) apresentou 76% de sobrevivência, porém, segundo padrão estabele-cido por Cardona et al. (1999), para uma planta ser considerada resistente a porcentagem de ninfas deve ficar abaixo de 30%. Desta forma, nenhuma das cultivares avaliadas foi considerada resistente à cigarrinha Notozulia entreliana.

Os 29 clones selecionados e avaliados quanto à produtividade de forragem verde descritos ante-riormente foram testados paralelamente quanto à resistência à cigarrinha-das-pastagens Mahanarva spectabilis. Empregou-se o delineamento de blocos ao acaso, com dez repetições. Cada um dos 29 clones foi clonado para obtenção de mudas cultivadas em copos de 500 mL. Posteriormente os copos foram lavados para que as raízes das plantas fossem expostas, facilitando a alimentação das ninfas. Em cada copo foram colocados seis ovos de cigarrinhas próximos à eclosão. Depois de 45 dias, foram contados os números de ninfas de tamanho médio e adulto para avaliação da resistência à cigarrinha-das-pastagens. Como não há padrão de resistência para o gênero Cynodon, foram uti-lizadas como testemunhas resistentes e susceptíveis as cultivares de Braquiária, Marandú e Basilisk, respectivamente (Figura 2).

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 155

Tabela 1. Produtividade de massa verde (t ha-1) dos 29 clones de Cynodon avaliados e das testemu-nhas ‘Tifton 85’ e Grama-Estrela-Roxa. Média de quatro cortes.

Clone PV (t ha-1) Scott-Knott(1)

EGL - 14 21.948 a

EGL - 21 16.975 b

Tifton 85 15.924 b

EGL - 7 15.290 b

EGL - 20 15.147 b

EGL - 2 12.910 c

EGL - 18 12.861 c

EGL - 13 12678 c

EGL - 27 12.027 c

EGL - 25 12.027 c

EGL - 3 11.991 c

EGL - 22 11.667 c

Grama-Estrela-Roxa 11.631 c

EGL - 10 11.566 c

EGL - 6 11.194 c

EGL - 5 11.112 c

EGL - 26 11.054 c

EGL - 29 10.986 c

EGL - 23 10.785 c

EGL - 8 10.757 c

EGL - 16 10.337 c

EGL - 15 10.183 c

EGL - 9 9.921 c

EGL - 11 9.252 c

EGL - 12 9.243 c

EGL - 24 9.196 c

EGL - 19 8.795 c

EGL - 17 8.432 c

EGL - 28 8.152 c

EGL - 1 8.096 c

EGL - 4 7.652 c(1) Letras diferentes evidenciam diferenças significativas pelo teste de Scott-Knott (p < 0,05).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2156

Figura 2. Porcentagem de sobrevivência de ninfas de M. spectabilis nos 29 clones de Cynodon, das cultivares Tifton 85 e Grama-Estrela-Roxa e de testemunhas resistentes e susceptíveis, B. brizantha e B. decumbens, respectivamente.

Os 29 clones avaliados apresentaram variabilidade em relação à resistência à cigarrinha-das-pas-

tagens, com percentuais de sobrevivências das ninfas de 15% a 95% (Figura 2). O clone 7 apresen-

tou nível de sobrevivência de ninfas de M. spectabilis estatisticamente semelhante ao da cultivar

Marandú. O clone 7, além de apresentar resistência à cigarrinha-das-pastagens, agregou produtivi-

dade de forragem semelhante à da cultivar Tifton 85 (Tabela 1).

Sendo assim, na estratégia de coleta de sementes em pastagens de Grama-Estrela-Roxa, foi pos-

sível selecionar clones com elevada produtividade de forragem (clones 7, 14, 20 e 21) e também

identificar variabilidade para cigarrinhas-das-pastagens. O clone 7 mostrou-se altamente produtivo

e resistente à cigarrinha pelo mecanismo de antibiose, evidenciando a possibilidade de agregar es-

sas duas importantes características forrageiras em um só genótipo de Cynodon. Vários trabalhos fo-

ram realizados avaliando resistência a diferentes espécies de cigarrinhas e em diferentes forrageiras

(AUAD et al., 2007, 2009, 2010; SOUZA SOBRINHO et al., 2010). Tais trabalhos mostram ser possível a

seleção de clones melhorados resistentes às diferentes espécies de cigarrinhas-das-pastagens pelo

mecanismo de antibiose.

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 157

INTRODUçãO E AVALIAçãO DE SEMENTES E ACESSOS DE CyNODON

INTRODUçãO DE SEMENTES DE MEIOS-IRMãOS

A Embrapa realizou a introdução de sementes de 75 famílias de meios-irmãos provenientes do International Livestoock Research Institute (ILRI) – Etiópia. Parte das sementes foi plantada em ban-dejas plásticas e, posteriormente, as plântulas germinadas foram transplantadas para copos plás-ticos. Observou-se, inicialmente, a mesma variabilidade encontrada nos genótipos coletados de pastagens da cultivar Grama Estrela Roxa (cor de estolões, distância entre folhas e entre nós).

Foi instalado no ano de 2013 um experimento onde se avaliaram 434 genótipos provenientes da introdução de sementes do ILRI, em blocos aumentados, juntamente com as testemunhas ‘Tifton 85’ e ‘Grama-Estrela-Roxa’. O experimento foi constituído de 11 blocos e parcelas de uma planta, com espaçamento de 3 m tanto nas linhas como nas entrelinhas, onde se avaliou a produção de forragem verde (kg por parcela) em quatro cortes. O intervalo de cortes utilizado foi de 50 a 60 dias no verão e de 60 a 75 dias no inverno. Ao final de cada um dos quatro cortes foi realizada a adubação de 50 kg de N por hectare. As informações coletadas nos quatro cortes foram utilizadas para a realização de análise conjunta, empregando-se análise de parcela subdividida no tempo. Foram selecionados os 39 melhores clones que superaram o desempenho da melhor testemunha (Tifton 85). O clone 14 apresentou quase o dobro da produção do ‘Tifton 85’ e mais de três vezes a produção da culti-var Grama-Estrela-Roxa (Tabela 2), evidenciando o elevado potencial de produção de forragem e a possibilidade de sucesso com a seleção dentro das famílias de meios-irmãos do germoplasma de Cynodon introduzido no Brasil.

SELEçãO DE CLONES DA RAçA SELêUCIDA

Durante a avaliação do experimento com plantas oriundas da introdução de sementes de meios-irmãos de germoplasma do ILRI foram identificadas plantas fenotipicamente diferentes das demais. A característica que mais chamou a atenção foi a coloração das folhas, dando a impressão de um verde-azulado (Figura 3). Além disso, observou-se a presença de estolões galopantes. Baseado nessas características e na descrição realizada por Harlan e De Wet (1969), Taliaferro et al. (2004) e Wu et al. (2006), concluiu-se tratar de plantas da raça selêucida.

Benites et al. (2015) avaliaram dois experimentos conduzidos nos campos experimentais da Embrapa localizados em Coronel Pacheco (MG) e em Valença (RJ). Foram avaliados 19 clones da raça selêucida juntamente com a cultivar Grama-Estrela-Roxa. Os experimentos foram conduzidos em delineamento de blocos casualizados, com três repetições. Após a implantação dos experimentos foi realizado o corte de uniformização. Foram realizados três cortes em Coronel Pacheco (abril, julho e outubro de 2014) e dois em Valença (abril e junho de 2014) e, depois de cada corte, as parcelas

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2158

Tabela 2. Produtividade de matéria verde (PMV – kg/planta) dos 39 clones de Cynodon selecionados, das testemunhas ‘Tifton 85’ e Grama-Estrela-Roxa e dos cinco piores clones. Média de quatro cortes.

Clone PMV(kg/planta) Clone PMV (kg/planta)

CL - 14 14.64 CL - 227 8.42

CL - 337 10.65 CL - 332 8.38

CL - 338 10.48 CL - 296 8.32

CL - 325 10.46 CL - 342 8.31

CL - 349 10.41 CL - 328 8.28

CL - 336 9.86 CL - 279 8.27

CL - 333 9.79 CL - 387 8.23

CL - 323 9.64 CL - 204 8.22

CL - 350 9.34 CL - 56 8.17

CL - 339 9.26 CL - 341 8.16

CL - 326 9.24 CL - 300 8.05

CL - 124 9.18 CL - 298 8.04

CL - 335 9.12 CL - 340 8.00

CL - 319 9.12 CL - 334 7.98

CL - 16 9.09 CL - 13 7.97

CL - 352 8.86

CL - 284 8.85 ‘Tifton 85’ 7.93

CL - 57 8.84 Grama-Estrela-Roxa 4.92

CL - 348 8.82

CL - 15 8.69 CL - 250 2.13

CL - 84 8.56 CL - 62 2.10

CL - 324 8.53 CL - 263 2.04

CL - 351 8.48 CL - 119 2.02

CL - 327 8.47 CL - 264 1.96

receberam adubação referente a 50 kg de N por hectare. Foi avaliada a característica produtividade de forragem verde (PV). A Figura 4 apresenta o resultado da análise conjunta dos cinco cortes para a característica produtividade de forragem verde.

Houve diferença significativa pelo teste de F e pelo teste de Scott e Knott para a caracterís-tica peso verde de forragem (t.ha-1), indicando variabilidade genética entre os clones avaliados. A Figura 4 mostra a formação de dois grupos de clones estatisticamente diferentes. O clone 1 (10,7 t ha-1) apresentou o maior valor absoluto para produtividade de forragem, superando a cultivar Grama-Estrela-Roxa (6,5 t ha-1) em 64%. No total, 10 clones apresentaram peso verde de

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 159

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Figura 3. Ilustração da variabilidade fenotípica de plantas de Cynodon obtidas do germoplasma introduzido do ILRI. Planta da raça selêucida (A); coast-cross (B).

Figura 4. Produtividade de forragem verde dos clones da raça selêucida. Médias de cinco cortes.

forragem estatisticamente superior ao da ‘Grama-Estrela-Roxa’. A média destes 10 clones foi de 9.455 t ha-1, 44% superior à da ‘Grama-Estrela-Roxa’. Esses clones selecionados são fenotipicamen-te diferentes daqueles das raças tropicais e temperadas, aumentando com isso a possibilidade de exploração direta dos clones em avaliações futuras ou de serem empregados em cruzamentos intra- e interespecíficos com a finalidade de aumento da variabilidade genética para serem explo-rados no programa de melhoramento.

A B

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2160

INTRODUçãO DE ACESSOS DE REPRODUçãO ASSExUADA

Produção e qualidade da forragem

A introdução de germoplasma do continente africano mostrou-se um método de melhoramento muito eficiente em forrageiras. Os programas de melhoramento de Brachiaria e Panicum tiveram êxito, inicialmente, em virtude da introdução e avaliação do germoplasma introduzido da África. Exemplo disso são os lançamentos das cultivares de B. brizantha (cv. Marandú, xaraés e Piatã), B. decumbens (cv. Basilisk), B. humidicola (cv. BRS Tupi) e P. maximum (cv. Tanzânia, Mombaça, Massai).

Desta forma, outra estratégia utilizada pelo programa de melhoramento de Cynodon foi a intro-dução de alguns acessos provenientes do Usda. Foram introduzidos 21 acessos do banco ativo de germoplasma, localizado em Tifton na Geórgia. Esses acessos foram avaliados quanto à produtivi-dade e teor de proteína bruta (PB), resistência à cigarrinha-das-pastagens e tolerância ao alumínio.

No ano de 2014, os 21 acessos introduzidos foram avaliados a campo em delineamento de blocos casualizados, com três repetições, juntamente com as testemunhas ‘Tifton 85’ e ‘Grama-EstrelaRoxa’, na estação experimental localizada em Coronel Pacheco, MG. Cada parcela foi constituída de uma planta, espaçadas de 3 m, sendo avaliadas as características altura e produção de forragem. O in-tervalo de cortes utilizado foi de 50 a 60 dias no verão e, de 60 a 75 dias no inverno. Depois de cada corte realizado as parcelas foram adubadas com 50 kg de N por hectare.

Os clones EGL 3, 6, 7, 8, 9, 10, 19, 20 e 21 apresentaram altura abaixo de 20 cm e produtividade por planta abaixo de 2 kg. A avaliação fenotípica, juntamente com a avaliação a campo, classificaram esses acessos com aptidão para gramados, mas não para uso forrageiro. Apenas os clones EGL 2 e EGL 4 apresentaram produção de forragem semelhantes estatisticamente às cultivares Tifton 85 e Grama-Estrela-Roxa, porém estatisticamente inferiores em relação ao teor de proteína bruta (Tabela 3).

Resistência à cigarrinha-das-pastagens

Paralelamente às avaliações de campo, os 21 acessos introduzidos do USDA foram avaliados em relação à resistência à cigarrinha-das-pastagens M. spectabilis pelo mecanismo de antibiose (comunicação pessoal)1. Cada clone foi avaliado com 10 repetições, utilizando como testemunha resistente a cultivar Marandú (Brachiaria brizantha) e susceptível a cultivar Basilisk (Brachiaria decumbens). Cada um dos copos foi lavado para que as raízes fossem expostas e colocados seis ovos próximos à eclosão. Depois de 45 dias, foram contados os números de ninfas de tamanho médio e adulto para avaliação da resistência à cigarrinha das pastagens. Os resultados encon-trados mostram susceptibilidade dos 21 acessos. O nível de sobrevivência de ninfa mais baixo foi de 51,28% (Clone 6) e o mais alto de 92,31% (Clones 1 e 16). Como os níveis de sobrevivência

1 Informação obtida a partir trabalhos conduzidos pelo pesquisador Alexander Machado Auad, da Embrapa Gado de Leite, em 2014.

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 161

Tabela 3. Altura (Alt), produtividade de forragem verde PV (Kg/parcela), proteína bruta (PB), e por-centagem de sobrevivência de ninfas de cigarrinha-das-pastagens – M. spectabilis (% sobrevivência) de 21 acessos de propagação vegetativa de Cynodon introduzidos do USDA.

Clones Alt SK PV (Kg/parcela) PB SK Clones %

sobrevivência SK

EGL- 1 27.42 d 3.03 b 11.9 b EGL - 1 92.31 a

EGL-2 27.50 d 4.16 a 11.1 b EGL -2 78.21 a

EGL-3 9.96 g 0.95 d 13.9 a EGL -3 55.13 b

EGL-4 38.33 c 4.81 a 11.1 b EGL -4 65.38 b

EGL-5 22.92 e 2.39 c 12.8 a EGL -5 75.77 a

EGL-6 12.17 g 0.70 d 13.0 a EGL -6 51.28 b

EGL-7 12.71 g 1.17 d 13.3 a EGL -7 69.23 b

EGL-8 13.67 g 0.94 d 12.9 a EGL -8 74.36 a

EGL-9 12.92 g 1.55 d 14.9 a EGL -9 75.00 a

EGL-10 15.08 f 1.57 d 13.3 a EGL -10 71.79 b

EGL-11 41.88 c 2.85 b 12.5 a EGL -11 79.49 a

EGL-12 30.42 d 3.49 b 11.6 b EGL -12 84.61 a

EGL-13 39.46 c 2.90 b 12.8 a EGL -13 80.55 a

EGL-14 23.00 e 2.55 c 11.6 b EGL -14 78.21 a

EGL-15 28.13 d 3.42 b 11.4 b EGL -15 83.33 a

EGL-16 37.08 c 2.22 c 12.6 a EGL -16 92.31 a

EGL-17 36.25 c 3.78 b 11.2 b EGL -17 75.00 a

EGL-18 25.50 e 3.06 b 11.6 b EGL -18 80.77 a

EGL-19 16.46 f 1.24 d 11.7 b EGL -19 70.51 b

EGL-20 15.50 f 1.44 d 13.1 a EGL -20 67.95 b

EGL-21 18.33 f 1.92 c 14.3 a EGL -21 67.95 b

Grama-Estrela-Roxa 62.08 a 4.84 a 13.6 a cv. Basilisk 75.64 a

‘Tifton 85’ 50.00 b 5.51 a 12.7 a cv. Marandu 11.54 c

SK – Teste de comparação de média de Scott e Knott, significativos a 5% de probabilidade.

encontrados foram superiores aos 30% preconizados por Cardona et al. (1999), todos os 21 aces-sos se mostraram susceptíveis à cigarrinha-das-pastagens da espécie M. spectabilis (Tabela 5).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2162

Tolerância ao Alumínio

Em 2014, os 21 acessos de Cynodon introduzidos foram avaliados com relação à tolerância ao Al tóxico. Os acessos foram avaliados juntamente com as testemunhas ‘Tifton 85’ e ‘Jiggs’, em delinea-mento em blocos ao acaso, com três repetições, em solução nutritiva (comunicação pessoal)2.

Os 21 acessos foram clonados em bandejas de tubetes e, no momento da montagem do experi-mento, as raízes foram lavadas e limpas de qualquer quantidade de substrato. Os genótipos foram colocados em potes plásticos revestidos com saco plástico preto. O experimento foi iniciado com os genótipos colocados apenas em solução nutritiva durante 7 dias, contendo metade da dose dos nutrientes necessários para o desenvolvimento ideal dos clones preconizada pela solução nutritiva de Clark (1975).

Na segunda semana, alumínio foi adicionado a solução nutritiva na concentração de 30 mg L-1, com troca da solução a cada 7 dias até o final do experimento. No momento de instalação do ex-perimento foi mensurado o comprimento inicial da raiz principal. Cerca de 35 dias depois da in-clusão do alumínio na solução nutritiva, o sistema radicular foi seccionado da parte aérea e seu comprimento novamente determinado em centímetros. Foram avaliados o incremento da parte aérea (IPA), o incremento da raiz (IR) e o incremento do volume (Ivol). Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância e, as médias, comparadas pelo teste de Scott-Knott (p < 0,05). O clone EGL 4 destacou-se em relação às testemunhas, apresentando-se estatisticamente superior à cultivar Jiggs para a característica incremento de raiz e, ao Tifton 85, em relação ao incremento da parte aérea (Tabela 4). O clone EGL 4, além de apresentar tolerância ao Al, apresentou produção de forragem semelhante às testemunhas ‘Tifton 85’ e ‘Grama-Estrela-Roxa’ nos experimentos conduzi-dos no campo (Tabela 3).

CONSIDERAçõES FINAIS

O sumário dos resultados experimentais entre 1992 e 2003 pode ser visualizado na Tabela 5. Pelos resultados se pode concluir sobre o potencial da pastagem de coast-cross em condições tropi-cais para vacas leiteiras, tanto em relação à capacidade de suporte, quanto em produção por animal e por área.

Considerando os dados agregados durante os 12 anos de pesquisa e comparando-os na estação seca (outono/inverno) em relação à estação das chuvas (primavera/verão), a variação da taxa de lotação foi praticamente o dobro, ou seja, de 3,0 a 3,8 vacas por hectare para 5,9 a 7,2 vacas por hectare, respectivamente, com reflexo na produção diária de leite por área, que registrou variação de 50 kg ha-1 a 96 kg ha-1 para 93 kg ha-1 a 145 kg ha-1, respectivamente. Outra informação relevan-te, ao considerar esses dados, foi a produção de leite no primeiro terço da lactação, que variou de

2 Informação obtida a partir trabalhos conduzidos pelos pesquisadores Carlos Eugênio Martins e Wadson Sebastião Duarte da Rocha, da Embrapa Gado de Leite, em 2014.

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 163

Tabela 4. Avaliação de 21 acessos de Cynodon, de propagação vegetativa, introduzidos do USDA quanto à tolerância ao Al. Incremento da parte aérea (IPA cm), incremento da raíz (IR) e incremento do volume (Ivol).

Clones IPA (cm) SK IR (cm) SK IVOL (cm3) SK(1)

EGL- 1 40.83 c 7.77 a 4.5 b

EGL-2 35.27 c 4.97 b 11.1 a

EGL-3 15.3 d 1.77 b 4.67 b

EGL-4 84.3 a 10.8 a 14.83 a

EGL-5 7.27 d 1.77 b 6.77 b

EGL-6 10.63 d 1.93 b 3.93 b

EGL-7 11.63 d 3.43 b 5.33 b

EGL-8 11.47 d 3.23 b 4.33 b

EGL-9 22.6 d 1.13 b 5.37 b

EGL-10 57.1 b 3.87 b 8.03 b

EGL-11 26.07 d 8.43 a 7.53 b

EGL-12 52.73 b 2.67 b 7.6 b

EGL-13 14.13 d 3.87 b 7.13 b

EGL-14 40.7 c 0.5 b 5.1 b

EGL-15 40.5 c 3.05 b 12.93 a

EGL-16 53.37 b 0 b 12.97 a

EGL-17 35.17 c 7.33 a 11.27 a

EGL-18 22.07 d 2.9 b 5.77 b

EGL-19 80 a 0 b 15.1 a

EGL-20 12.43 d 2.93 b 5.43 b

EGL-21 19.67 d 2.83 b 5.4 b

Jiggs 88 a 4.67 b 12.03 a

‘Tifton 85’ 44.33 c 9.67 a 14.17 a(1)SK = Teste de comparação de média de Scott e Knott, significativos a 5% de probabilidade.

20,8 kg a 25,5 kg por vaca por dia, sendo maior nas situações em que se forneceu o concentrado de mais alta energia (85% de NDT na MS), fornecido na quantidade de 9 kg por vaca por dia nos pri-meiros 90 a 100 dias de lactação. O fato mais animador foi que as reservas corporais das vacas nesse período não foram comprometidas a ponto de interferir nos índices reprodutivos.

As elevadas produções médias de leite alcançadas, associadas às altas taxas de lotação, resulta-ram em produções anuais que variaram de 28.430 kg a 37.959 kg de leite por hectare, refletindo o grande potencial dessa forrageira para suporte aos sistemas futuros de produção de leite em con-dições tropicais.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2164

Os trabalhos conduzidos pelo programa de melhoramento de Cynodon, apesar de recentes, obtive-ram resultados que mostram que a espécie apresenta variabilidade nas plantas provenientes da coleta de sementes e entre os acessos introduzidos. é possível selecionar plantas com elevada produtividade, qualidade de forragem satisfatória para a espécie, resistência à cigarrinha e tolerante ao Al tóxico.

O gênero Cynodon, por multiplicar-se assexuadamente, permite que a variância genética possa ser fixada pela clonagem. Com isso, em uma primeira abordagem, as plantas identificadas e selecio-nadas como superiores podem ser avaliadas em experimentos em rede para se confirmar o compor-tamento produtivo dos clones em condições edafoclimáticas distintas, com o objetivo de obtenção de uma cultivar melhorada. As plantas selecionadas entre 2011 e 2016 serão recombinadas para formação de populações melhoradas, com ampla variabilidade genética e características de interes-se, onde o melhoramento irá atuar.

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Tabela 5. Resultados dos experimentos com vacas da raça Holandesa em pastagem de Coast-cross na Embrapa.

Ano Concentrado(kg/vaca/dia)

Taxa de lotação(vaca/ha)(1)

Produção diária de leite

Kg/vaca Kg/ha

1992/1993 3,0 5,8 16,6 74,0

1993/19953,0 4,5 16,9 77,9

6,0 5,1 20,0 104,0

1995/19966,0F(2) 5,0 18,5 87,3

9-6-3V(3) 5,1 19,8 95,2

1996/19979-6-3N(4) 4,6 17,7 72,4

9-6-3E(5) 4,6 20,0 80,4

1997/19989GV1(6) 6,0 (19,8) 9 (112,0)

9GV2(7) 6,0 (22,2) (150,6)

2000/20033,0(8) 5,0 15,4 76,4

6,0 5,0 19,1 94,2

Variação 3,0 – 6,0 4,5 – 6,0 16,6 – 20,0 72,4 – 104,0(1) Total: Considerando-se as médias anuais das vacas experimentais e vacas extras; (2)F = Fixo; (3)V= Variável; (4)N = Variável e Energia normal; (5)E= Variável e Energia extra, com gordura protegida; (6)GV1= Concentrado sem SIT (23,5%PB e 80% NDT); (7)GV2= Concentrado com SIT (19,5% PB e 85% NDT), fornecido 100 dias depois do parto, (8)Médias de três lactações. (9)Resultados entre parênteses não computados na variação por representarem apenas 100 dias de lactação.

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Capítulo 1 A contribuição do gênero Cynodon para a pecuária de leite 165

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2166

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 167CAPÍTULO 2

As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira

Domingos Sávio Campos Paciullo | Carlos Augusto de Miranda Gomide

INTRODUçãO

No Brasil, a atividade leiteira é praticada por mais de 1 milhão de produtores, que têm na pasta-gem a principal ou única fonte de alimentação para seus rebanhos. No passado, os sistemas eram exclusivamente extensivos e tinham como base o uso de pastagens de gramíneas pouco produtivas e de baixo valor nutricional, o que resultava em baixas taxas de lotação e de produtividade animal. Nesse contexto, os ganhos de produção eram obtidos pelo aumento do tamanho da área destinada à alimentação dos animais. Entretanto, o aumento dos custos da terra, a volatilidade dos preços internacionais do leite e o aumento do custo de grãos observados nos útimos anos têm exigido dos produtores estratégias que contribuam para aumentos de produtividade e lucratividade da pecuá-ria leiteira.

A intensificação da produção animal a pasto, com maior eficiência de exploração do potencial produtivo das gramíneas tropicais, tem trazido benefícios ao produtor, incrementando sua capaci-dade produtiva, além de ser uma estratégia capaz de acomodar a expansão dos cultivos de alimen-tos, biocombustíveis e fibras sem a necessidade de abertura de novas fronteiras (MARTHA JUNIOR et al., 2012). O manejo intensivo de pastagens preconiza o aumento da produção animal por área, buscando aumentar a rentabilidade do produtor. Para tanto, além do maior investimento em insu-mos, é necessário o uso de tecnologias respaldadas em conhecimentos específicos e de forrageiras com alta capacidade de produção de matéria seca e bom valor nutritivo.

A partir da introdução de coleções de germoplasma de Brachiaria e Panicum, na década de 1980, foi possível a seleção de materiais mais produtivos e adaptados às condições edafoclimáticas, o que favoreceu o predomínio destes gêneros nos sistemas de produção pecuários brasileiros (Tabela 1). Informações indicam que aproximadamente 85% da área dos Cerrados com pastagens cultivadas são cobertas por espécies do gênero Brachiaria (MACEDO, 2006).

O desenvolvimento e lançamento de novas cultivares, com alto potencial produtivo e bom valor nutricional, intensificados a partir da década de 1990, levam a crer que teremos, ainda por muitos anos, predomínio dessas forrageiras nas regiões tropicais brasileiras. Por outro lado, essa diversi-ficação de cultivares de forrageiras, ao mesmo tempo em que representa uma oportunidade de

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2168

diversificação das áreas de pastagens, diminuindo a vulnerabilidade dos sistemas produtivos (VALLE et al., 2010), traz grande responsabilidade a técnicos e pesquisadores no sentido de corretamente identificar os benefícios e a real contribuição de cada nova cultivar para sistemas de produção espe-cíficos. Fonseca et al. (2010), adequadamente, lembram que a simples substituição da forrageira não garante a lucratividade, caso outras ações necessárias de manejo não sejam empregadas.

Nos tópicos a seguir apresentaremos as principais características das cultivares de Brachiaria e Panicum utilizadas na pecuária de leite, os resultados de pesquisas com produção de leite e as pers-pectivas do uso dessas gramíneas em sistemas de pecuária leiteira.

BRAChIARIA SP.

BREVE HISTóRICO

Recentemente, o gênero Brachiaria, apesar da discordância de alguns taxonomistas e pesquisa-dores da área de forragicultura, foi reclassificado como Urochloa (COOK; SCHULTZE-KRAFT, 2015). Entretanto, devido à ampla disseminação e aceitação do gênero Brachiaria entre técnicos e pesqui-sadores nacionais, esse será mantido nesta obra.

Segundo Valle et al. (2010) o gênero Brachiaria inclui cerca de 100 espécies de origem africana (tropical e subtropical). No Brasil, o capim-braquiária (B. decumbens) foi introduzido em 1952 pelo

Tabela 1. Evolução do uso e substituição de gramíneas tropicais no Brasil.

Década Gênero, espécie e/ou cultivar

1960 (Introdução) Cynodon e Digitaria

1970 (Introdução)

Panicum maximum (Green Panic, Sempre Verde e Makueni)Setaria anceps (Nandi, Kazungula)Brachiaria decumbenshyparrhenia rufa (capim-jaraguá)

1980 (Introdução) Panicum maximum (Centenário)Andropogon gayanus

1980 (Introdução) BrachiariaPanicum

1980 (Lançamento)) Brachiaria brizantha cv. Marandú

1990 (Lançamento) Panicum maximum cv. Vencedor, Tanzânia e Mombaça

2000 (Lançamento) Brachiaria brizantha cvs. xaraés e Piatã, Panicum maximum cv. Massai, Paspalum atratum cv. Pojuca Brachiaria sp. cv. Mulato II

2010(1) (Lançamento) Panicum maximum cv. BRS Zuri, Brachiaria brizantha BRS Paiaguás (1) Adicionados a partir de informações apresentadas neste capítulo. Fonte: adaptado de Fonseca et al. (2010).

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 169

Instituto de Pesquisa Agropecuária do Norte (Ipean), sigla que deu nome à cultivar (SERRãO; SIMãO

NETO, 1971). Outro ecótipo de B. decumbens foi introduzido no estado de São Paulo no início da dé-

cada de 1960 pelo Instituto de Pesquisas Internacionais (IRI). Esta segunda introdução se deu através

de material anteriormente levado e registrado na Austrália como cv. Basilisk.

Através de programas de incentivo à formação de pastagens e devido à boa adaptação aos solos

de Cerrado, facilidade de multiplicação de sementes, melhor desempenho animal relativamente às

gramíneas nativas e boa capacidade de competição com plantas invasoras, houve rápida e grande

disseminação dessa braquiária nas regiões tropicais, estabelecendo grandes áreas em monocultivo

(VALLE et al., 2010).

Com a introdução do germoplasma de Brachiaira na década de 1980, pela Embrapa, iniciam-se

os trabalhos de seleção e melhoramento dessa forrageira no Brasil. Em 1984, a liberação da B. brizan-

tha cv. Marandú constituiu outro marco na história de pastagens cultivadas no Brasil. Superando as

limitações apresentadas pela B. decumbens, como susceptibilidade às cigarrinhas-das-pastagens e

fotossensibilização, o capim-marandu tornou-se a principal forrageira cultivada no Brasil.

Com o fortalecimento do programa de melhoramento de forrageiras no Brasil, ocorrido a partir da

década de 1990, novas cultivares começam a surgir no mercado (Tabela 1), ampliando a variabilida-

de genética, possibilitando a diversificação e reduzindo a vulnerabilidade dos sistemas produtivos.

A BRAChIARIA NOS SISTEMAS DE PRODUçãO DE LEITE

O gênero Brachiaria é dos mais diversificados dentre os da família Poaceae, possuindo mais

de 100 espécies (VALLE et al., 2010). Dentre as espécies de interesse para uso na pecuária tropical

destacam-se: B. brizantha, B. decumbens, B. ruziziensis e B. humidicola. As cultivares dessas espécies,

utilizadas nos sistemas de pastagens, á exceção da B. ruziziensis, são clones propagados por meio

de sementes apomíticas. Mais recentemente, o desenvolvimento de novas técnicas moleculares

permitiu a poliploidização de espécies de interesse e, consequentemente, possibilitou a abertura

da variabilidade genética pelo cruzamento entre espécies apomíticas e sexuais. Como resultado,

foram obtidos os primeiros híbridos interespecíficos de Brachiaria, como é o caso da cultivar Mulato

II (híbrido triplo de B. brizantha x B. decumbens x B. ruziziensis).

As cultivares de Brachiaria já disponibilizadas pelos institutos de pesquisa apresentam uma am-

pla variação de características agronômicas e adaptativas (Tabela 2), permitindo explorar tais atri-

butos dentro do sistema de produção. Por exemplo, para áreas sujeitas ao encharcamento tem-se

como opção, dentro do gênero Brachiaria, a B. humidicola cv. BRS Tupi.

A seguir, apresentaremos breve descrição das principais cultivares de Brachiaria usadas em siste-

mas de produção animal a pasto.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2170

Tabela 2. Sumário de algumas características forrageiras das principais cultivares de Brachiaria.

Cultivar Valor nutritivo

Tolerância/Adaptação Produção de ForragemSeca Encharcamento Solo ácido Cigarrinha

Marandu M M B B A A

xaraés M M M M B A

BRS Piatã M/B M M B B M

BRS Paiaguás M A B B B M

BRS Tupi B B A M M B

Basilisk B M B A B B

Mulato II A M B M B A

Kennedy A B B B B M

A = alto; M = médio; B = baixo.

B. brizantha cvs. Marandu, Xaraés, BRS Piatã e BRS Paiaguás

As cultivares de B. brizantha, de um modo geral, estão entre as de maior potencial de produção de forragem do gênero Brachiaria. Entretanto, pela sua boa flexibilidade de uso, podem ser usadas desde em sistemas extensivos, com pouco uso de insumos e sob pastejo de lotação contínua, até em sistemas mais intensivos, com adubação e sob lotação rotacionada.

a) Marandú: esta cultivar apresenta alta produção de forragem, tolerância às cigarrinhas-das-pastagens e boa versatilidade de uso, o que a tornou a forrageira mais cultivada no Brasil. Entretanto, com a ocorrência da síndrome da morte do capim-marandú nas regiões Norte (ANDRADE; VALENTIM, 2007) e Centro-Oeste (PEDREIRA et al., 2014), observa-se a sua crescente substituição em áreas sujeitas ao encharcamento. Segundo Andrade e Valentim (2007), a causa da morte do capim-marandú está associada ao encharcamento do solo em áreas de baixa permeabilidade, debilitando e predispondo a planta ao ataque de fun-gos. Pedreira et al. (2014) estimaram que somente em 2011, no Estado do Mato Grosso, 2,23 milhões de hectares foram acometidos pelo problema. Apesar disso, em áreas livres de encharcamento, o capim-marandú continua sendo ótima alternativa forrageira para sistemas de produção de leite de médio a alto nível de intensificação.

b) xaraés: lançada em 2003, época de relatos da síndrome da morte do capim-marandú, ga-nhou destaque junto aos produtores. Apesar de ser um pouco mais tolerante ao enchar-camento que o capim-marandú, apresenta baixa tolerância às cigarrinhas-das-pastagens (Tabela 2), não sendo indicada para a maior parte das regiões Centro-Oeste e Norte, de grande ocorrência desta praga. Apresenta maior capacidade de suporte que o capim-ma-randu e florescimento tardio, o que permite prolongar a estação de pastejo. Entretanto, sua inserção em sistemas de produção de leite dar-se-ia da mesma forma que o capim-marandú, ou seja, em sistemas de médio a alto nível tecnológico.

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 171

c) BRS Piatã: foi lançada em 2007 pela Embrapa e caracteriza-se por apresentar maior pro-porção de folhas e colmos finos. Apresenta melhor valor nutritivo que o ‘Marandu’ e o ‘xaraés’, mas possui menor capacidade de suporte. Assim, como as demais, pode ser usa-da em sistemas de médio a alto nível tecnológico. Tem sido usada também como alterna-tiva para sistemas de integração lavoura-pecuária (iLP).

d) BRS Paiaguás: esta foi a última cultivar de B. brizantha lançada pela Embrapa no mercado. Esta cultivar se destaca pela alta produção de forragem no início da estação seca do ano, sendo superior às demais cultivares de Brachiaria. Também tem sido usada em sistemas de iLP e pode ser inserida em sistemas de produção de leite com o intuito de reduzir o déficit de forragem durante período seco.

Brachiaria sp. cv. Mulato II

O capim-mulato II foi lançado no Brasil, em 2009, pela Dow Agroscience com o nome de ‘Convert HD364’. é um híbrido triplo de B. brizantha, B. decumbens e B. ruziziensis. Tal hibridação buscou conci-liar a alta produção de forragem da B. brizantha com a rusticidade da B. decumbens e com o melhor valor nutritivo da B. ruziziensis. Resultados de pesquisa com essa cultivar realizadas no Brasil são ainda escassos, mas os relatos existentes têm mostrado que essa forrageira apresenta alta produ-ção de forragem de bom valor nutritivo. Assim, seu uso em sistemas de produção de leite pode ser imaginado tanto para sistemas de alto (adubações regulares e pastejo rotacionado) como de médio nível tecnológico (adubações moderadas sob lotação contínua). Produz quantidades aceitáveis de sementes de boa qualidade, oscilando entre 150 kg ha-1 e 420 kg ha-1 de sementes puras, depen-dendo do local, idade e manejo do cultivo. Apresenta resistência a várias espécies de cigarrinhas-das-pastagens, sendo moderadamente susceptível a fungos foliares como Rhizoctonia solani.

BRS RB 331 Ipyporã

é a primeira Brachiaria híbrida desenvolvida pelo programa de melhoramento da Embrapa. é um híbrido do cruzamento entre B. brizantha e B. ruziziensis. Apresenta porte baixo, boa cobertura do solo, alta proporção de folhas, menor capacidade de suporte do que a ‘Marandú’, mas melhor valor nutritivo, o que a torna uma excelente opção para gado leiteiro. é resistente à cigarrinha-de-pasta-gens e à Mahanarva, cigarrinha-da-cana-de-açúcar. Seu lançamento está previsto para os próximos anos e sua avaliação para a produção de leite está sendo conduzida em ensaio na Embrapa Gado de Leite.

B. decumbens cv. Basilisk

O capim-braquiária ou braquiarinha apresenta boa rusticidade, podendo ser cultivado em solos ácidos de baixa fertilidade. Também é de fácil manejo, o que o torna versátil dentro do sistema de produção. Seu uso para produção de leite deve ser pensado para sistemas de baixo nível tecnológi-co (extensivos) ou compondo áreas de baixa fertilidade e/ou de relevos acidentados.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2172

B. ruziziensis cv. Kennedy

O uso da B. ruziziensis tem aumentado nos últimos anos principalmente por sua adaptação a sistemas integrados (iLP). Esta espécie apresenta melhor adaptação à sobressemeadura do que as demais espécies do gênero e demanda menos herbicida na dessecação para o estabelecimento da cultura seguinte (SOUSA SOBRINHO et al., 2016).

Apesar de seu maior valor nutritivo, relativamente às demais braquiárias, sua utilização em sis-temas de produção de leite é bastante restrita. Este fato se deve à elevada susceptibilidade às cigar-rinhas-das-pastagens e ao menor potencial produtivo comparado às cultivares de B. brizantha. A Embrapa tem realizado esforços no sentido de obter novas cultivares mais produtivas e resistentes às cigarrinhas.

Em face de seu maior valor nutricional, sua utilização na pecuária de leite pode ser pensada para sistemas que se propõem a trabalhar com vacas de maior potencial produtivo. Contudo, relativa-mente às cultivares de Panicum e Cynodon, essa vantagem comparativa pode desaparecer e o maior potencial de produção desses últimos acaba se sobressaindo.

B. humidicola cv. BRS Tupi

A B. humidicola é uma opção de forrageira para ser usada em áreas sujeitas ao encharcamento. A cultivar BRS Tupi, desenvolvida pela Embrapa, apresenta maior capacidade de suporte e maior tolerância às cigarrinhas-das-pastagens que a cultivar comum.

A B. humidicola é reconhecidamente de menor valor nutritivo que outras espécies de Brachiaria. Por isso, sua inserção em sistemas de produção de leite se justificaria apenas como alternativa for-rageira para exploração de áreas encharcadas ou sujeitas a alagamento temporário. Assim como mencionado para a B. ruziziensis, a adoção da ‘BRS Tupi’ para produção de leite merece criteriosa avaliação. Dependendo da condição (duração) de encharcamento do solo, o uso, por exemplo, da grama-estrela BRS Lua (Cynodon nlemfuensis) pode ser mais interessante devido à sua maior capaci-dade de suporte e melhor valor nutritivo.

MANEJO DO PASTEJO EM CULTIVARES DE BRAChIARIA

Alguns trabalhos avaliaram as respostas produtivas de cultivares de B. brizantha às estratégias de manejo tanto sob lotação intermitente (ANJOS et al., 2016; GIACOMINI et al., 2009) quanto sob lota-ção contínua (CARLOTTO et al., 2011; FLORES et al., 2008; SBRISSIA; SILVA, 2008). A cultivar Marandu é a mais bem estudada em virtude de ser também a mais antiga. Os resultados obtidos até o momento têm contribuído para orientar o manejo mais adequado para cada sistema de utilização. Sob lotação contínua, os resultados indicam que a taxa de acúmulo de forragem é praticamente constante em uma amplitude de condições de pasto entre 20 cm e 40 cm de altura (FLORES et al., 2008; SBRISSIA; SILVA, 2008). Da mesma forma, o consumo diário de forragem apresentou um platô entre as alturas

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 173

de 20 cm e 40 cm, sendo a escolha da altura para manejo determinada pelo objetivo e natureza do sistema de produção (SARMENTO, 2003).

Em condições de lotação contínua, pastos mantidos mais altos possibilitam maiores ganhos por animal, porém com menores taxas de lotação, enquanto que pastos mantidos mais baixos apresenta-ram maiores taxas de lotação, mas menores ganhos por animal (ANDRADE, 2004). Vale registrar que a maior produção animal por área foi verificada em pastos mantidos com 30 cm e 40 cm de altura.

Em sistemas de lotação intermitente, tem sido preconizada interrupção do período de descanso no momento em que o nível de interceptação luminosa pelo dossel seja de 95% da luz incidente. Para a cultivar Marandu, tal condição está associada a uma altura pré-pastejo entre 25 cm (TRINDADE et al., 2007) e 35 cm (ANJOS et al., 2016). Para a altura de resíduo pós-pastejo, têm-se obtido otimiza-ção da estrutura do pasto e da eficiência de colheita de forragem pelos animais com alturas variando entre 15 cm (TRINDADE et al., 2007) e 20 cm–25 cm (ANJOS et al., 2016).

Para a cultivar xaraés, em regime de lotação rotativa, tem sido sugerido que o manejo do pastejo seja feito observando-se a altura de entrada ou pré-pastejo de 30 cm e de saída ou pós-pastejo de 15 cm para evitar o acúmulo de colmos (PEDREIRA et al., 2009).

Resultados experimentais com as novas cultivares de Brachiaria estão ainda sendo levantados. Sob lotação contínua, Euclides et al. (2016) observou bons resultados durante a estação chuvosa, com altura média do dossel de 30 cm para as cultivares BRS Piatã e BRS Paiaguás nas condições de Cerrado.

PANICUM MAXIMUM

BREVE HISTóRICO

Esta espécie é uma das mais importantes para a produção de bovinos nas regiões de climas tropical e subtropical. Em face de suas qualidades, a espécie mereceu atenção de pesquisadores em quase todo o mundo tropical, resultando na identificação de grande número de ecótipos, cuja seleção deu origem a diversas cultivares tanto no Brasil como no exterior.

Ao menos um acesso de P. maximum, originário da África, foi introduzido acidentalmente no Brasil no período da escravatura, servindo de cama aos escravos nas embarcações. Por ter apresen-tado boa adaptação às condições ambientais brasileiras, a espécie se alastrou rapidamente, dando origem à primeira cultivar no País, o capim-colonião. A partir da década de 1980, vários materiais introduzidos por instituições de pesquisa foram selecionados e lançados como novas cultivares. Entre as várias cultivares citadas na literatura, destacam-se Tobiatã, Centenário, Centauro e Aruana, lançadas na década de 1980 pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e a cultivar Vencedor, lançada em 1990 pela Embrapa (JANK et al., 2010). O programa de melhoramento genético de P. maximum, iniciado na Embrapa em 1982, gerou as cultivares mais adotadas pelos pecuaristas na

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2174

última década. Os primeiros lançamentos comerciais resultados do projeto de melhoramento foram as cultivares Tanzânia-1, em 1991, e Mombaça, em 1993. Em 2001, foi lançada a cultivar Massai e mais recentemente a cultivar Zuri (Tabela 1).

O PANICUM MAXIMUM NOS SISTEMAS DE PRODUçãO DE LEITE

Gramíneas da espécie P. maximum têm ganhado destaque nos últimos anos para alimentação de vacas leiteiras em sistemas intensivos de produção de leite a pasto. Apesar do lançamento de diversas cultivares a partir da década de 1980, somente as cultivares Tanzânia e Mombaça possuem, atualmente, participação significativa nas áreas de pastagens cultivadas para produção de leite. No início dos anos 2000 a cultivar Tanzânia experimentou um aumento considerável nas áreas planta-das para o pastejo de vacas leiteiras, mas a cultivar Mombaça se tornou, nos últimos anos, a principal cultivar em sistemas de produção de leite a pasto. Isto se deve ao maior potencial produtivo desta cultivar. Além disso, problemas decorrentes da doença causada no capim-tanzânia pelo fungo foliar Bipolaris maydis têm dificultado o cultivo desta forrageira. Essas gramíneas se destacam pelo alto potencial produtivo, com relativamente bom valor nutricional, o que tem contribuído para o au-mento considerável da capacidade de suporte das pastagens e da produção de leite por área. Por outro lado, são forrageiras consideradas exigentes em fertilidade do solo e, portanto, para obtenção de elevada produtividade, visando à exploração intensiva da pastagem, são necessárias correção e adubação do solo.

A seguir são descritas, brevemente, as principais cultivares de P. maximum utilizadas ou com potencial de uso em sistema intensivos de produção de leite a pasto.

a) Tobiatã: a cultivar Tobiatã foi lançada pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) em 1982. é uma planta cespitosa de porte alto, com folhas largas (cerca de 4,6 cm) e eretas. As folhas apresentam pouca pilosidade na lâmina, mas a bainha possui muitos pelos curtos e duros. Segundo Gonçalves et al. (2003), essa cultivar apresentou potencial para produção de leite no nordeste paraense devido à sua alta produção de forragem, quando submeti-da ao manejo intensivo. Entretanto, a partir de 2001, a demanda por sementes dessa culti-var diminuiu, enquanto a procura pelas cultivares Tanzânia e Mombaça cresceu (HERLING et al., 2000).

b) Tanzânia: lançado em 1991, pela Embrapa, o capim-tanzânia é uma planta cespitosa de porte médio (em torno de 1,2 m de altura), com folhas decumbentes (curvadas) de até 2,6 cm de largura e sem pilosidade ou cerosidade. Apresenta resistência às cigarrinhas Notozulia entreriana e Deois flavopicta, causando menor sobrevivência ninfal. Entretanto, essa cultivar é também susceptível ao ataque de Bipolaris maydis, um fungo que ataca as folhas, sendo recomendada como controle a eliminação das plantas atacadas (JANK et al., 2010). Como outras cultivares de P. maximum, apresenta alta produção de forragem e bom valor nutritivo, sendo indicada para a intensificação da produção animal a pasto em sistemas que utilizam o pastejo rotacionado.

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 175

c) Mombaça: o capim-mombaça foi lançado no Brasil pela Embrapa em 1993. é uma forra-geira cespitosa que pode alcançar até 1,60 m de altura. Apresenta folhas largas e longas, com poucos pelos curtos na face superior. Os colmos são levemente arroxeados. é uma cultivar exigente quanto à fertilidade do solo e, portanto, não apresenta bom desempe-nho em solos pobres. A cultivar apresentou produção 96% maior de massa verde e 136% maior de massa seca de folhas e 224% menor estacionalidade de produção em compara-ção à cultivar Colonião (JANK et al., 2010).

d) Massai: essa cultivar é um híbrido espontâneo entre P. maximum e P. infestum que forma touceiras de baixo porte (altura média de 60 cm a 65 cm), com alta densidade de perfi-lhos constituídos por folhas estreitas e eretas, que se dobram nas pontas (LEMPP et al., 2001; VALENTIM et al., 2001). A principal deficiência apresentada por essa cultivar está relacionada ao seu valor nutricional. Estudos comparando os capins Massai, Tanzânia e Mombaça sob pastejo evidenciaram menor desempenho de bovinos de corte em pasta-gens de capim-massai (BRâNCIO et al., 2003; EUCLIDES et al., 2008). Tem sido mostrado que a forte ligação dos tecidos da epiderme, esclerênquima e bainha parenquimática dos feixes nas lâminas foliares do capim-massai dificultam sua digestão, pois formam um con-junto de células de parede espessa e lignificada. Esta estrutura de baixa digestão afeta o tempo de retenção das partículas no rúmen, possivelmente aumentando a excreção de parte significativa da proteína bruta ingerida pelos animais (LEMPP et al., 2000, 2001).

e) BRS Zuri: esta cultivar, lançada em 2014, apresenta porte ereto e alto, com folhas verdes escuras, longas e largas. Os colmos são grossos, de internódios de comprimento mediano e com pouca cerosidade. Apresenta resistência às cigarrinhas-das-pastagens, alta produti-vidade e proporção de folhas. No bioma Cerrado, apresentou produção animal (ganho de peso de novilhos) 10% superior à da cv. Mombaça (EMBRAPA, 2014).

f ) BRS Tamani: lançada em 2015, é a primeira cultivar híbrida de P. maximum, obtida pela Embrapa por meio de cruzamentos realizados em 1992. Apresenta como principais carac-terísticas porte baixo, com alta produção de folhas de alto valor nutritivo (elevados teores de proteína bruta e digestibilidade), sendo de fácil manejo e resistente às cigarrinhas-das-pastagens. Não é indicada para áreas sujeitas a alagamentos, mesmo que temporá-rios, por apresentar baixa tolerância ao encharcamento do solo. Em condições de baixas temperaturas, apresenta maior persistência que as cvs. Massai e Tanzânia e persistência semelhante à da cv. Mombaça (EMBRAPA, 2015).

MANEJO DO PASTEJO EM CULTIVARES DE PANICUM MAXIMUM

Vários critérios têm sido propostos para o manejo do pastejo de cultivares de P. maximum. Para a maioria das cultivares, tem sido recomendado o uso de lotação rotacionada, tendo em vista o rápido alongamento de colmo da maioria das cultivares. O capim-massai, de porte mais baixo, tem mostrado bons resultados também quando manejado em regime de lotação contínua. A utilização

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2176

do pasto, no momento em que o relvado intercepta 95% da luz incidente, tem trazido benefícios em termos de eficiência do pastejo, além de se constituir em critério plausível de ser usado pelos manejadores do pasto, quando se associa esse momento com uma altura que, em última instância, seria a meta balizadora do manejo (SILVA; NASCIMENTO JUNIOR, 2007).

Estudos indicam que as alturas em pré-pastejo mais adequadas para o manejo do pastejo do ‘Tanzânia’ e do ‘Mombaça’ em regime de lotação rotacionada são 70 cm e 90 cm, respectivamente (BARBOSA et al., 2007; DIFANTE et al., 2010; SILVA et al., 2009). Em geral, os resíduos pós-pastejos avalia-dos variam entre 25 cm e 50 cm de altura para o capim-tanzânia e 30 e 50 cm para o mombaça. Difante et al. (2010) avaliaram pastos de capim-tanzânia submetidos a estratégias de lotação rotacionada de-finidas por pastejos com 95% de IL (ou 70 cm de altura pré-pastejo) e resíduos pós-pastejo de 25 cm e 50 cm. Os resultados revelaram um maior ganho de peso por animal (0,800 kg por novilho por dia vs 0,660 kg por novilho por dia), menor taxa de lotação (4,9 vs 6,1) e menor eficiência de pastejo (50 % vs 90%) quando os pastos foram rebaixados a 50 cm comparativamente àqueles rebaixados a 25 cm de resíduo pós-pastejo. O menor desempenho animal nos pastos manejados a 25 cm de resíduo foi con-sequência de uma redução de 20% no consumo diário de forragem, uma vez que não houve diferença em termos de valor nutritivo da forragem consumida. Conforme salientado por Silva e Nascimento Junior (2007), esses resultados demonstram a importância do ajuste da intensidade de pastejo (resí-duo pós-pastejo) como forma de regular o nível de desempenho animal almejado, ajustar a eficiência de colheita da forragem produzida e gerar flexibilidade de manejo no sistema de produção.

Gomide et al. (2007) avaliaram o critério de interrupção da rebrota de capim-mombaça baseado no número de folhas surgidas por perfilho. Os autores estudaram intervalos de desfolha definidos por 2,5, 3,5 e 4,5 folhas surgidas por perfilho e concluíram que o período de descanso em pastagem de capim-mombaça não deve exceder o tempo para aparecimento de três folhas adultas por perfi-lho, condição que esteve associada à altura entre 85 cm e 90 cm, corroborando os resultados obtidos com uso da interceptação luminosa.

Para o capim-massai consorciado com amendoim-forrageiro (Arachis pintoi), Andrade (2004) su-geriu, para as condições da Amazônia Ocidental, as alturas em pré-pastejo de 50 cm a 55 cm (junho a setembro) ou de 65 cm a 70 cm (de outubro a maio) e para o pós-pastejo de 30 cm a 35 cm (de junho a setembro) ou de 35 cm a 40 cm (de outubro a maio).

Para a ‘BRS Zuri’, recomenda-se que o pasto seja manejado com altura de entrada no piquete de 70 cm a 75 cm e altura de saída de 30 cm a 35 cm. Este manejo promoveu bom controle do desenvol-vimento de colmos e florescimento na Amazônia, assegurando a manutenção da estrutura do pasto e bons níveis de produção animal (EMBRAPA, 2014).

PRODUçãO DE LEITE EM PASTAGENS DE BRAChIARIA

Como apresentado nos tópicos anteriores, o gênero Brachiaria apresenta ampla variedade de espécies e cultivares, permitindo ocupar diferentes nichos nos sistemas de produção de leite. De

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 177

um modo geral, as cultivares de B. brizantha são as que apresentam maior potencial de produção de forragem e desta forma podem ser recomendadas para sistemas mais intensivos de produção, buscando altas taxas de lotação (Figura 1). Taxas de acúmulo de forragem durante a estação chuvosa da ordem de 93 kg a 178 kg MS por hectare por dia são encontradas na literatura para os capins ‘Marandú’, ‘Xaraés’ e ‘Piatã’ (CARLOTTO et al., 2011; DEMSKI, 2013; GOMIDE et al., 2015; MELO et al., 2013), revelando o alto potencial de produção de forragem.

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Figura 1. Vaca mestiça em pasto de capim-marandu.

Também a cultivar Mulato II, híbrida tripla de B. brizantha x B. decumbens x B. ruziziensis, tem mostrado bons resultados produtivos (DEMSKI, 2013; PEQUENO, 2014), podendo contribuir para a intensificação da produção de leite em pastagens de Brachiaria. Pequeno (2014) encontrou, para o capim ‘Mulato II’, acúmulo anual de forragem, produção sazonal de forragem e taxa de acúmulo de forragem semelhantes ou superiores às dos capins ‘Marandú’ e ‘Tifton 85’.

A B. ruziziensis apresenta o melhor valor nutritivo entre as braquiárias, embora seu potencial de produção de forragem esteja abaixo das cultivares de B. brizantha. Seu uso tem sido preconizado em sistemas integrados (iLPF) por sua facilidade de dessecação e adaptação à sobressemeadura (SOUSA SOBRINHO et al., 2016). Contudo, seu potencial para a produção de leite também pode ser explorado, como apresentado no trabalho de Gama et al. (2016).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2178

A B. decumbens, apesar de sua grande dispersão em todo País, apresenta limitado potencial de produção de leite por área, podendo ser utilizada em sistemas extensivos ou em áreas de solo po-bre ou com declive limitante. Uma síntese dos resultados sobre produção de leite em pastos de Brachiaria encontrados na literatura é apresentada na Tabela 3.

Observam-se valores de produção diária de leite por vaca em torno de 15 L com oferta de 2 kg de concentrado. Produções individuais maiores, como as relatadas no trabalho de Gama et al. (2016) com capim-marandu e ruziziensis, são conseguidas às custas de maior suplementação concentrada, e até volumosa, entre as ordenhas. Tal incremento na suplementação permite elevar também a den-sidade de lotação que aqui, para fins práticos, estamos chamando de taxa de lotação.

Assim, pastagens de B. brizantha (‘Marandú’, ‘xaraés’ e ‘Piatã’) e de capim-mulato II com aplicações anuais de nitrogênio da ordem 200 kg ha-1 por ano, suportam de 5 a 6 vacas por hectare durante a estação chuvosa, com produção média diária variando entre 12 kg e 16 kg por vaca.

Os trabalhos com B. decumbens mostram resultados mais modestos tanto em termos de taxa de lotação quanto na produção por vaca. Paciullo et al. (2014), utilizando pasto de capim-braquiá-ria consorciado com leguminosas em sistema de lotação contínua, com baixo uso de insumos,

Tabela 3. Resultados experimentais de produção de leite em pastagens de Brachiaria durante a es-tação chuvosa.

Cultivar PD(1) N (kg/ha/ano)

Concentrado (kg/vaca/dia)

Taxa lotação (UA/ha)

Produção de leite (kg/dia) Autor

Vaca Hectare

Marandu 22,8(2) 250 2 5,7 16,4 93,5 Anjos (2012)

Marandu 30 250 2 4,5 15,7 71,3 Anjos (2012)

Marandu 26 100 5-6 5,0(5) 14,3 71,5(5) Demski (2013)

Marandu 18 200 4,5+SM(3) 8,0 22,5 180,0 Gama et al. (2016)

xaraés 27 100 4 3,9 13,2 51,63 Alves (2013)

xaraés(3) 30 - 2-4 2,0 8,0 16,0 Carvalho et al. (2013)

Decumbens - 100 2 5,3(5) 11,0 56,5(5) Gomide et al (2001)

Decumbens 30 0(4) 0 1,3 11,0 14,3 Paciullo et al. (2014)

Mulato II 26 100 5-6 5,0(5) 15,3 76,6(5) Demski (2013)

Ruziziensis 18 200 4,5 + SM(3) 8,0 24,5 196,0 Gama et al. (2016)(1) Período de descanso (dias); (2) Baseado na interceptação luminosa de 95%; (3)Silagem de milho entre as ordenhas; (4)Pasto consorciado com leguminosas. (5) Informações estimadas dos respectivos trabalhos

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 179

observaram produções de leite de vacas mestiças da ordem de 11 kg por vaca, com taxa lotação de apenas 1,3 vacas por hectare. Já Gomide et al. (2001) conseguiram elevar a taxa de lotação média para 5,3 vacas por hectare, adotando o pastejo em faixas e fertilização do pasto, mas obtiveram a mesma produção por vaca durante o auge da estação chuvosa.

Trabalhos com a cultivar BRS Paiaguás têm mostrado seu potencial para pecuária de corte, so-bretudo como opção forrageira para diminuir o déficit de forragem na seca (EUCLIDES et al., 2016). Entretanto, sua avaliação para a produção de leite é ainda inexistente, sendo que pesquisas com esse objetivo se encontram em andamento na Embrapa.

PRODUçãO DE LEITE EM PASTAGENS DE PANICUM MAXIMUM

As gramíneas da espécie P. maximum se caracterizam por apresentar elevado potencial de pro-dução de matéria seca e boa qualidade da forragem. São encontradas na literatura taxas de acúmulo de matéria seca de P. maximum variando entre 140 kg ha-1 e 200 kg ha-1 por dia (CâNDIDO et al., 2005; CASTAGNARA et al., 2011; GOMIDE et al., 2007), o que tem permitido taxas de lotação de 4,5 UA a 7,0 UA por dia (CHAMBELA NETO, 2011; FUKUMOTO et al., 2010; PENATI, 2002). O uso de suplementa-ção concentrada e/ou volumosa da pastagem possibilita acréscimos nas taxas de lotação entre 50% e 60%, dependendo do tipo e da quantidade do suplemento fornecido. De maneira geral, cultivares de P. maximum apresentam teores de proteína bruta variando entre 10% e 14% e de fibra em deter-gente neutro (FDN) entre 66% e 73% (CHAMBELA NETO, 2011; FUKUMOTO et al., 2010; GONçALVES et al., 2003; HACK, 2004; OLIVEIRA et al., 2014; PORTO et al., 2009). Para a digestibilidade da matéria seca e da FDN, foram relatados valores de 61,6% (FUKUMOTO et al., 2010) e 56,3% (CHAMBELA NETO, 2011), respectivamente.

A Tabela 4 apresenta um resumo de resultados sobre produção de leite em pastagens de gramí-neas da espécie P. maximum. Em pastagem de capim-tobiatã, manejado sob lotação rotacionada, com período médio de descanso de 28 dias (22 na época mais chuvosa e 33 dias na menos chuvosa) e com adubação nitrogenada anual de 75 kg ha-1, foram observadas produções diárias de leite de 7,8 kg e 12,2 kg por vaca e 26,7 kg ha-1 e 41,5 kg ha-1, respectivamente para animais exclusivamente a pasto ou recebendo 3 kg de concentrado por dia (GONçALVES et al., 2003).

A literatura é escassa em resultados de produção de leite em pastagens de capim-mombaça. No trabalho de Hack (2004) foram comparadas duas metas de alturas para orientar a entrada de vacas da raça Holandesa no piquete, quais sejam, 90 cm e 140 cm. As produções médias de leite foram de 14,0 kg e 10,8 kg por vaca por dia, respectivamente para a menor e a maior altura do pasto. Embora tenham sido avaliados apenas dois ciclos de pastejo, os resultados evidenciaram o potencial para produção de leite de vacas em regime exclusivo de pastejo em capim-mombaça, quando manejado com 90 cm de altura.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2180

A maior parte dos trabalhos com produção de leite foi realizada com o capim-tanzânia. Sem o fornecimento de suplementação concentrada, Oliveira et al. (2014) verificaram produção média de leite de vacas mestiças de 10,9 kg por vaca por dia em pastejo no capim-tanzânia. Esse resultado é semelhante aos observados por Lima et al. (2004) e Santos et al. (2005) com a mesma gramínea sub-metida ao pastejo de lotação rotacionada e sem uso de concentrado, os quais relataram produções médias diárias de 10,0 kg e 11,1 kg por vaca, respectivamente.

Com o uso de suplementação concentrada, Oliveira et al. (2014) registraram produções ligei-ramente superiores às relatadas sem o uso de concentrado. No estudo, foi fornecido concentrado (14% de PB) nas quantidades de 3 kg e 5 kg por vaca por dia, verificando-se produções de leite da ordem de 12,2 kg e 13,0 kg por vaca por dia. A baixa resposta ao concentrado em relação à produção sem concentrado (10,9 kg por vaca por dia) foi atribuída, entre outros fatores, ao baixo potencial genético dos animais.

Porto et al. (2009) estudaram a produção de leite de vacas Holandês x Zebu em pastagem de capim-tanzânia, manejada com 24 e 30 dias de descanso, dependendo da época do ano, e suple-mentada com 2 kg por vaca por dia de concentrado (Figura 2). A produção diária foi de 11,5 kg por vaca nos primeiros 90 dias de lactação e 9,8 kg por vaca, considerando a média de todo o período de lactação. Os autores também comentaram que as produções obtidas estiveram abaixo do espe-rado para as condições experimentais e consideraram que a utilização de grande número de vacas primíparas provavelmente pode ter impactado negativamente os baixos valores observados. Os au-tores argumentaram que vacas primíparas com bom potencial leiteiro devem ser alimentadas com aproximadamente 20% de nutrientes a mais do que as suas necessidades de mantença para suprir as exigências para o desenvolvimento corporal.

Tabela 4. Resultados experimentais de produção de leite em pastagens de P. maximum.

Cultivar PD(1) N(2) Concentrado (kg/vaca/dia)

Taxa lotação (UA/ha)

Produção de leite (kg/dia) Autor

Vaca Hectare

Tobiatã(1) 28 75 0 2,7 7,8 26,7 Gonçalves et al. (2003)

Tobiatã(1) 28 75 3 2,7 12,2 41,5 Gonçalves et al. (2003)

Tanzânia(2) 27 200 2 4,5 9,8 45,5 Porto et al. (2009)

Tanzânia(3) 30 200 2 4,6 9,1 41,6 Fukumoto et al. (2010)

Tanzânia(4) 30 220 2 5,0 11,4 57,2 Chambela Neto (2011)

Tanzânia(5) IL(3) 220 2 6,5 11,4 74,5 Chambela Neto (2011)

Mombaça ALT140(4) 200 0 - 10,8 - Hack (2004)

Mombaça ALT90(5) 200 0 - 14,0 - Hack (2004)(1) Período de descanso (dias); (2) Nitrogênio (kg/ha/ano); (3) Variável conforme 95% de interceptação luminosa (entre 24 e 30 dias); (4) Altura do pasto (140 cm); (5) Altura do pasto (90 cm).

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 181

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Figura 2. Vacas mestiças em pasto de capim-tanzânia.

No trabalho de Fukumoto et al. (2010) com capim-tanzânia, manejado com período de descanso fixo de 30 dias, a produção média diária de leite de vacas mestiças foi de 9,1 kg por vaca, consideran-do todo o período de lactação. Os autores consideraram que o baixo potencial genético das vacas mestiças utilizadas no estudo pode ter contribuído para a baixa produção obtida. Outros fatores que podem ter influenciado na baixa produção, segundo os autores, foram o avanço do estágio de lactação dos animais e a perda de qualidade e a queda da massa de forragem a partir do mês de abril, em razão da fase reprodutiva das plantas e dos fatores associados ao clima.

Observa-se na Tabela 4 que as produções de leite, por hectare, variaram entre 26,7 kg e 74,5 kg por dia, dependendo da cultivar e do manejo. Os resultados evidenciaram também a influência que o manejo do pastejo exerce sobre a produção de leite. Os resultados de Chambela Neto (2011) mos-tram um aumento de 30% na produção de leite por hectare quando se adotou o critério de intercep-tação luminosa (95%) em comparação ao manejo com intervalo fixo em dias. Conforme comentado anteriormente, o uso de uma meta de altura do pasto (70 cm para o capim-tanzânia), associado à interceptação de 95% da luz, têm repercutido em aumentos da taxa de lotação e da produção de leite por área (CHAMBELA NETO, 2011). Da mesma forma, quando o capim-mombaça foi utilizado com pastejo com 90 cm de altura, obteve-se produção de leite por vaca 29,6% maior do que quando

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2182

utilizado com 140 cm de altura. Esses dados evidenciam uma tendência atual do manejo do pastejo baseado na altura das plantas e, para isso, a pesquisa tem definido metas de alturas para as diferen-tes cultivares, como descrito anteriormente neste capítulo. Os ganhos na qualidade da forragem e na produção de leite por área são notórios, para diferentes espécies e cultivares forrageiras, e devem ser considerados por técnicos e produtores no processo de manejo das pastagens.

Nota-se também pelos dados apresentados na Tabela 4, a importância da adubação nitrogenada para os aumentos da taxa de lotação e da produção de leite por área. O aumento da produção de leite por vaca pode ser obtido com o uso de suplementação com concentrados, o que pode repre-sentar uma estratégia interessante, desde que sejam usados animais com maior potencial de produ-ção de leite. Como verificado na Tabela 4, para animais com baixo potencial genético, a resposta ao concentrado pode não ser satisfatória e a economicidade da suplementação é duvidosa.

Reconhece-se que produções médias de leite da ordem de 40 kg ha-1 a 70 kg ha-1 por dia, durante a época chuvosa, com uso de pequenas doses de concentrado, são muito superiores aos níveis mé-dios produtivos atuais alcançados pela pecuária leiteira nacional. Este fato evidencia os benefícios que a utilização dessas gramíneas pode representar para sistemas de produção de leite a pasto.

PERSPECTIVAS PARA USO DE BRAChIARIA E PANICUM PARA A PRODUçãO DE LEITE

Dados disponíveis na literatura indicam que, desde o início dos anos 2000, o número de produ-tores que abandona o mercado formal de leite é significativo. A redução do número de produtores de leite no País tem sido expressiva especialmente no grupo de produtores considerados peque-nos, os quais não conseguem investir em tecnologias associadas ao sistema de produção. Por ou-tro lado, tem-se observado aumento de sistemas intensivos de produção baseados em pastagens de gramíneas forrageiras altamente produtivas e de boa qualidade nutricional. Várias cultivares de Brachiaria e Panicum disponíveis no mercado têm se mostrado adequadas para esse tipo de sistema de produção.

Os programas de melhoramento genético de Brachiaria e Panicum conduzidos pela Embrapa em parceria com diversas instituições de ensino e pesquisa, públicas e privadas, indicam perspectivas positivas para o desenvolvimento e lançamento de novas cultivares para uso em sistemas intensivos de produção leiteira. Para o gênero Brachiaria, em 2013, houve o lançamento da ‘BRS Paiaguás’, de elevada produtividade, bom valor nutritivo e de elevado potencial para produção animal durante a época seca do ano. Embora ainda não avaliada sob o pastejo de vacas leiteiras, essa cultivar é pro-missora para a intensificação da produção de leite a pasto. O desenvolvimento de cultivares híbridas pode contribuir para obtenção de forrageiras superiores em termos de produtividade e valor nutri-tivo. Como exemplo tem-se a cultivar Mulato II. A Embrapa tem se dedicado ao desenvolvimento de cultivares obtidas pelo cruzamento de B. brizantha com B. ruziziensis, com perspectivas de obtenção de genótipos melhorados para lançamento nos próximos anos.

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 183

Na espécie P. maximum, foi lançada a cultivar Zuri, de porte alto e elevadas produtividade e valor nutritivo. Recentemente foi lançado o primeiro híbrido (cultivar Tamani), de porte mais baixo, com alta produção de folhas de alto valor nutritivo. Os resultados com desempenho de bovinos para pro-dução de carne com ambas as cultivares indicam alto potencial para produção animal (EMBRAPA, 2014). Embora ainda não tenham sido avaliadas sob pastejo de vacas leiteiras, as cultivares de Brachiaria e Panicum, recentemente lançadas, serão objeto de pesquisa em projetos em fase de im-plantação na Embrapa. Nesses estudos, serão avaliadas as produções de leite de vacas mestiças em regime de pastejo.

CONSIDERAçõES FINAIS

A produção de leite em pastagens pode ser competitiva, tendo em vista os custos mais baixos de produção relativamente àqueles exigidos em sistemas de confinamento. Uma premissa básica para a intensificação da produção de leite a pasto é a utilização de forrageiras altamente produtivas, com elevada capacidade de suporte, com vistas ao aumento da produção de leite por hectare. As prin-cipais cultivares de Brachiaria e Panicum disponíveis no mercado são adequadas à intensificação, pois apresentam alto potencial produtivo. é provável que os dois gêneros continuem a represen-tar as principais gramíneas em sistemas intensivos de produção de leite a pasto, pois apresentam programas de melhoramento genético bem estabelecidos. Assim, os trabalhos de melhoramento de Brachiaria e Panicum têm resultado no lançamento de várias cultivares com elevado potencial forrageiro, especialmente na última década.

Embora os trabalhos com produção de leite em pastagens de Brachiaria e Panicum não sejam nu-merosos, os resultados demostram que produções por vaca de 10 kg a 12 kg por dia podem ser ob-tidas sem utilização de suplementação concentrada, indicando o potencial dessas gramíneas para sistemas de produção de leite a pasto. A viabilidade de sistemas de produção de leite em pastagens de Brachiaria e Panicum, com uso de vacas de maior potencial de produção, depende basicamente do uso de alimento concentrado para os animais. Os resultados mostram que pastagens adequada-mente manejadas podem proporcionar produções de leite de até 16 kg por vaca e 90 kg ha-1 por dia, com fornecimento diário de apenas 2 kg ou 3 kg por vaca de alimentos concentrados. Contudo, se torna fundamental considerar a relação preço do leite/preço do concentrado para avaliação da via-bilidade econômica do sistema. A relação variável entre os preços do leite e concentrado evidencia que sistemas mais flexíveis, que se adaptem melhor à variação no preço dos insumos, sejam os mais recomendáveis. A atual gama de cultivares dessas gramíneas disponível no mercado e a perspectiva do desenvolvimento de novas cultivares apontam um cenário promissor para essas gramíneas na pecuária de leite.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2184

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Capítulo 2 As contribuições de Brachiaria e Panicum para a pecuária leiteira 185

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Capítulo 3 Capim-elefante: versatilidades de usos na pecuária de leite 187CAPÍTULO 3

Capim-elefanteVersatilidades de usos na pecuária de leite

Antonio Vander Pereira | Mirton José de Frota Morenz | Francisco José da Silva Lédo | Reinaldo de Paula Ferreira

INTRODUçãO

As pastagens ocupam a maior parte das áreas utilizadas para a exploração agrícola. Entretanto, no âmbito da agricultura, as pastagens não têm recebido a merecida importância, sendo, muitas ve-zes, consideradas como subculturas e, normalmente, são implantadas em áreas marginais de menor fertilidade. Isso tem ocorrido por falta de uma profunda avaliação da importância do papel desem-penhado pelas pastagens na produção agropecuária e no equilíbrio ambiental. Lamentavelmente, a maioria dos consumidores urbanos não consegue perceber a importância das pastagens na sustentação da produção de alimentos e artigos de consumo diário, como leite, carne, lã e couro. Adicionalmente, a área verde coberta com pastagens contribui significativamente para a produção de oxigênio, fixação de carbono e proteção de ambientes contra a erosão.

A produção brasileira de leite e carne é baseada no uso de pastagens, por constituírem alimento mais barato em relação às forragens processadas. O Brasil possui cerca de 200 milhões de hecta-res de pastagens, metade dos quais são pastagens cultivadas, que constituem o mais importante componente da produção agropecuária em todas as regiões. Fatores como a integração do Brasil aos mercados internacionais, a expansão da agricultura, a crescente exigência dos consumidores por preços e qualidade dos produtos e as pressões por preservação ambiental e inclusão social re-sultaram aumento do valor da terra e, por consequência, têm provocado mudanças nos sistemas de produção. Tecnologias que promovem a intensificação da produção animal a pasto constituem alternativa de redução da pressão por abertura de novas áreas. Assim, sistemas de cultivo como a integração lavoura-pecuária, lavoura-pecuária-floresta, pastejo rotativo e plantio direto têm sido adotados em substituição aos sistemas tradicionais. O sucesso desses sistemas depende da utiliza-ção de forrageiras adaptadas, com elevado potencial produtivo e qualidade nutricional que, asso-ciadas à utilização de práticas de manejo racionais, possibilitam manter uma alta taxa de lotação e, consequentemente, aumentar a produtividade.

O sucesso da atividade pecuária depende, em grande parte, da disponibilidade de forragem em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades nutricionais dos animais. Entre as forrageiras, as espécies Brachiaria, Panicum, Pennisetum, Medicago sativa e Cynodon se destacam pela elevada capacidade produtiva e valor nutricional.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2188

As condições climáticas brasileiras possibilitam a utilização das pastagens durante todo o ano.

Entretanto, no período da seca, a disponibilidade de forragem das pastagens não é suficiente para

atender às necessidades dos animais, necessitando de suplementação com alimentos volumosos e

concentrados.

O CAPIM-ELEFANTE

O capim-elefante é uma das mais importantes forrageiras, sendo cultivada em todas as regiões

tropicais e subtropicais. Possui como centro de origem e diversidade a África tropical, onde ocorre

naturalmente em vários países (BRUNKEN, 1977; STAPT; HUBBARD, 1934).

O capim-elefante foi descoberto em 1827, tendo sido descrito e classificado taxonomicamen-

te como Pennisetum purpureum Schumach (STAPT; HUBBARD, 1934). A espécie pertence à família

Poaceae, tribo Paniceae e gênero Pennisetum.

Desde a sua descrição original, o capim-elefante já passou por uma série de denominações

(TCACENCO; BOTREL, 1994), sendo Pennisetum purpureum (Schum) a nomenclatura mais aceita e

utilizada pela comunidade científica. Entretanto, estudos filogenéticos recentes, baseados em carac-

teres morfológicos e análises moleculares, evidenciaram que as espécies que compõem os gêneros

Pennisetum, Cenchrus e Odontelytrum apresentam origem comum. Fundamentados nesses estudos,

taxonomistas propuseram a existência apenas do gênero Cenchrus, composto pelo conjunto das espé-

cies dos três gêneros (CHEMISQUY et al., 2010; GUTIéRREZ, 2015). Dessa forma, também foi apresenta-

da nova nomenclatura para as espécies antes pertencentes aos gêneros Pennisetum e Odontelytrum,

sendo proposta alteração na denominação do capim-elefante para Cenchrus purpureus (Schumach.)

Morrone. Contudo, a adoção definitiva dessa nova nomenclatura dependerá de discussões e consenso

entre botânicos, taxonomistas, geneticistas e melhoristas.

O capim-elefante foi coletado na natureza pela primeira vez em 1903 pelo coronel Napier de

Bulawayo, que o levou ao Departamento de Agricultura da Rodésia (atual Zimbábue), onde foi ava-

liado com êxito no arraçoamento animal e, por conseguinte, passou a ser designado também como

capim-Napier (BOONMAN, 1993). Em razão da excelente produção de matéria verde e boa aceitação

pelos animais, o capim-elefante foi reconhecido como forrageira de alto valor para a alimentação de

rebanhos, principalmente bovinos, sendo rapidamente disseminado por todas as regiões tropicais e

subtropicais (BOGDAN, 1977).

Esta forrageira foi introduzida no Brasil em 1920 a partir de estacas oriundas de Cuba (GRANATO,

1924). A planta apresentou excelente adaptação ao clima brasileiro, tendo sido rapidamente disse-

minada por todo o País.

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Capítulo 3 Capim-elefante: versatilidades de usos na pecuária de leite 189

DESCRIçãO DA PLANTA

O capim-elefante é uma espécie perene com hábito de crescimento cespitoso. Suas caracterís-ticas morfológicas e fenológicas variam amplamente, revelando a existência de grande diversidade genética na espécie (PEREIRA, 1999). A planta apresenta caules do tipo colmo, eretos, cilíndricos, glabros e cheios. As touceiras apresentam numerosos perfilhos, podendo alcançar 1 m de diâmetro. As plantas apresentam de 3,5 cm a 6,0 m de altura com colmos de 20 ou mais internódios, de 15 cm a 20 cm de comprimento e de 1,5 cm a 3,0 cm de diâmetro. As raízes são grossas e rizomatosas.

As folhas são distribuídas nos colmos de forma alternada e apresentam até 1,25 m de compri-mento por 4,0 cm de largura; lâminas foliares com bordas serrilhadas; nervura central larga, proe-minente na face dorsal e de cor mais clara em relação ao limbo; bainha lanosa, fina e estriada; lígula curta e ciliada. As inflorescências do capim-elefante são classificadas como panículas, muito embora apresentem aparência de espigas.

A época de florescimento é bastante influenciada por fatores ambientais como o comprimento do dia, temperatura e umidade, existindo ampla variação entre os genótipos aos estímulos climá-ticos. O capim-elefante é uma espécie de dias curtos, requerendo 11 horas ou menos de luz para florescimento (HANNA et al., 2004). Na região Sudeste do Brasil, a época de florescimento normal-mente ocorre entre os meses de março a agosto, podendo as cultivares serem classificadas como precoces (florescimento entre março e abril), intermediárias (florescimento entre maio e junho) e tardias (florescimento a partir de julho).

Essa forrageira é caracterizada pelo elevado potencial de produção de matéria seca (até 30 t de MS por hectare por ano), com boa qualidade nutricional, palatabilidade, vigor e persistência. Outro fator favorável a sua utilização é a baixa incidência de pragas e doenças quando comparada com a outras espécies cultivadas. A sua utilização mais frequente ocorre no regime de corte (capineiras), podendo também ser utilizada para ensilagem (VILELA, 1997a, 1997b) e para pastejo rotacionado (DERESZ; MOZZER, 1997; GOMIDE et al., 2014). O capim-elefante também tem sido considerado uma das espécies mais promissoras para produção de biomassa energética (ANDERSON et al., 2008).

A espécie é bastante exigente quanto à fertilidade do solo, não se adaptando bem a locais expos-tos à inundação ou a grandes períodos de encharcamento. Entretanto, é uma gramínea rústica que apresenta bom suporte ao pisoteio, mediana resistência ao frio (em geadas prolongadas, as folhas queimam, podendo chegar até a morte dos rizomas), à seca e ao fogo.

FORMAS DE UTILIZAçãO

O capim-elefante se destaca das outras forrageiras pelo potencial de produção, valor nutritivo e versatilidade de utilização. Além de alimento para o rebanho, essa forrageira também apresenta potencial para outras formas de uso.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2190

CAPINEIRA

O capim-elefante é amplamente utilizado na pecuária leiteira sob a forma de capineira (Figura 1), na qual a forragem é fornecida picada. Embora o objetivo principal da capineira seja o de fornecer alimento volumoso durante a estação seca, principalmente em pequenas e médias proprie-dades, o rendimento nesse período representa apenas 15% do potencial de produção anual. Assim, deve-se dar preferência ao uso de cultivares de florescimento tardio para formação de capineira, visto que estas apresentam uma melhor distribuição da produção de forragem ao longo do ano.

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Figura 1. Capineira de capim-elefante.

A principal vantagem de seu uso na forma de capineira está relacionada ao maior aproveitamen-to da grande massa de forragem produzida. Contudo, o manejo de corte deve ocorrer entre 60 e 90 dias de crescimento, dependendo da época do ano, de modo a evitar a perda do valor nutritivo decorrente do avanço da idade da planta. é importante observar que o corte da capineira com ida-de maior do que o recomendado, apesar de proporcionar maior produção de matéria seca, resulta forragem com menor valor nutritivo. Isso ocorre em consequência do aumento dos teores da fração fibrosa e redução do teor proteico, limitando a ingestão diária de matéria seca, com reflexos negati-vos sobre a produção animal.

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Capítulo 3 Capim-elefante: versatilidades de usos na pecuária de leite 191

De acordo com Cóser et al. (1999a), um hectare de capineira é capaz de produzir forragem para alimentar dez vacas de leite durante 120 dias, exclusivamente com forragem picada, com produção diária de leite em torno de 6 kg por vaca.

A eficiente utilização da capineira depende, além do sucesso do estabelecimento da cultura, do manejo adotado, observando-se as alturas de corte e as adubações. No entanto, a mensuração dessa eficiência não deve levar em consideração apenas a produtividade de biomassa, mas também o valor nutritivo da forragem produzida, bem como os reflexos sobre a produção de leite por área. O principal desafio no manejo da capineira é obter equilíbrio entre maior produção de matéria seca, com o me-lhor valor nutritivo possível. Cóser et al. (2000) recomendam, para a estação as águas, a realização de cortes rentes ao solo quando as plantas atingem 1,80 m de altura (ou a cada 60 dias), enquanto que, na estação seca, a recomendação é de que os cortes sejam realizados observando-se a altura de 1,50 m.

O capim-elefante extrai grandes quantidades de nutrientes do solo sendo a reciclagem de nu-trientes no sistema de capineira insignificante, pois toda a forragem produzida é retirada do local. Segundo Costa et al. (1990), para a produção de 30 t de MS por hectare por ano, o capim-elefante extrai do solo 480 kg de N, 117 kg de P205;,360 kg de K20 e 168 kg de CaO. Assim, para manter a produtividade e longevidade da capineira, é fundamental a utilização de adubações químicas e or-gânicas de manutenção.

Um detalhe importante na formação da capineira é a escolha da área, que deve ser localizada o mais próximo possível do curral ou estábulo, tendo em vista facilitar o transporte da forragem colhida e a distribuição do esterco na capineira. Para formação de capineiras, recomenda-se o uso de cultivares de porte ereto e elevada capacidade de perfilhamento; contudo, deve-se evitar cultivares muito pilosas em virtude do desconforto causado ao trabalhador no corte e transporte da forragem.

Lima et al. (2007) avaliaram genótipos de capim-elefante cortados com 56 dias de crescimento e observaram produção de 14,5 t de MS por hectare para a cultivar Cameroon. Queiroz Filho et al. (2000), avaliando a produção de MS e a qualidade do capim-elefante cv. Roxo, em diferentes idades de corte, verificaram que aumento dos intervalos entre cortes resultam em maior produção de MS, redução na relação folha:colmo, diminuição nos teores de proteína bruta (PB) e incrementos lineares nas frações fibrosas da fibra em detergente neutro (FDN) e fibra em detergente ácido (FDA).

Andrade e Gomide (1971) reportaram valores de 8,4% de PB para o capim-elefante cv. Napier cortado na altura média de 1,73 m (56 dias); Zanine et al. (2007) verificaram teores de PB de 11,23% para essa mesma cultivar, com 60 dias de idade e Soares et al. (2009) reportaram valor médio de 9,1% de PB e 70,1% de FDN para a cultivar Napier aos 60 dias de idade.

Deresz e Mozzer (1997) avaliaram o efeito da suplementação concentrada na produção de vacas alimentadas com capim-Napier picado e observaram valores médios de produção de leite diários (corrigido para 4% de gordura) de 7,7 kg e 5,6 kg por vaca, para animais alimentados com ou sem concentrado, respectivamente. Sendo assim, vacas alimentadas exclusivamente com capim-elefan-te fornecido picado no cocho apresentam baixos níveis de produção de leite, sendo necessário o uso de suplementos concentrados para obter acréscimos nas produções diárias de leite.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2192

PASTO

A intensificação da produção de leite a pasto, a partir da década de 1980, implicou o uso de forrageiras com elevado potencial de produção de matéria seca, sendo o capim-elefante uma das primeiras forrageiras utilizadas com esse objetivo. Posteriormente, gramíneas do gênero Cynodon e Panicum, além da Brachiaria brizantha, passaram a ser testadas sob manejo intensivo com vacas leiteiras.

O capim-elefante é uma das forrageiras que mais tem contribuído para alimentação animal em sistemas de produção de leite. Além da sua comprovada superioridade para formação de capinei-ras, essa forrageira apresenta excelente comportamento quando manejada sob lotação rotacionada (DERESZ, 1994; DERESZ; MOZZER, 1997).

Pesquisas realizadas pela Embrapa, na década de 1980, demonstraram que um hectare de ca-pim-elefante, manejado sob pastejo rotativo e recebendo adubação nitrogenada em dose corres-pondente a 150 kg ha-1 a 200 kg ha-1 por ano de N, pode suportar de 4 a 5 vacas por hectare por ano, com produções de leite no período das chuvas variando de 12 kg a 14 kg por vaca por dia, sem fornecimento de concentrado. Na época da seca, a suplementação com cana-de-açúcar + 1% de ureia, a partir de maio até o início do período chuvoso, possibilita a manutenção da mesma taxa de lotação. As produções de leite nesse período variam de 7 kg a 10 kg por vaca por dia, sendo neces-sária a suplementação com alimentos concentrados. Diversos sistemas de manejo para o capim-ele-fante, sob pastejo rotativo, têm sido propostos (CORSI et al., 1996; DERESZ, 1994; FARIA et al., 1996). Recomendações sobre o número de dias de pastejo e descanso, altura de resíduo pós-pastejo, taxa de lotação e outros componentes do sistema têm variado bastante entre os autores (CORSI et al., 1996; CóSER et al., 1999b), provavelmente em função das diferenças entre cultivares e condições edafoclimáticas.

O manejo do capim-elefante sob pastejo apresenta dificuldades em função das características morfológicas da planta de crescimento cespitoso e porte muito alto. Eventuais falhas no rebaixa-mento das plantas por meio do pastejo animal implicam a necessidade de realização de roçadas, com consequente aumento do custo de produção.

Embora muitas cultivares possam ser utilizadas sob pastejo, aquelas com elevado potencial de perfilhamento aéreo e basal apresentam melhor adaptação ao sistema de pastejo, visto que estas características estão associadas com maior disponibilidade de forragem em sistema de pastejo, bem como maior persistência da forrageira na pastagem.

Visando tornar mais simples o manejo do pasto de capim-elefante, os programas de melhora-mento têm desenvolvido cultivares de porte baixo, específicas para esta forma de uso. As cultivares de porte baixo apresentam internódios mais curtos e maior relação folha:caule em relação às varie-dades de porte alto, sendo mais recomendadas para uso sob pastejo. A cultivar Mott foi a primeira cultivar de porte baixo obtida por meio da autofecundação da cultivar Merkeron (HANNA; MONSON, 1988). Essa cultivar não ultrapassa a altura de 1,30 m a 1,50 m, mesmo em idades mais avançadas,

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Capítulo 3 Capim-elefante: versatilidades de usos na pecuária de leite 193

apresentando elevada relação folha:colmo na biomassa da forragem produzida. Entretanto, a cv. Mott apresenta potencial de produção de matéria seca inferior ao das cultivares de porte normal. Ressalta-se, ainda, a baixa persistência dessa cultivar quando submetida ao pastejo intensivo, o que resulta a necessidade de reformas frequentes da pastagem, aumentando, consequentemente, os custos de produção. Mais recentemente, a Embrapa lançou a cultivar Kurumi, mais produtiva e per-sistente que a cv. Mott, sendo recomendada para formação de pastagens (Figura 2).

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Figura 2. Pastagem de capim-elefante de porte baixo ‘Kurumi’.

FORRAGEM CONSERVADA

Os sistemas intensivos de produção de leite utilizam suplementação volumosa, seja durante todo o ano em sistemas confinados, ou no período de escassez de forragem em sistemas de pro-dução a pasto. A principal forma de conservação de forragem para suplementação é o processo de ensilagem, onde o milho é a principal cultura utilizada.

Um dos problemas do uso do milho para silagem é o elevado custo de produção da cultura, por vezes, comprometendo a viabilidade econômica dos sistemas de produção de leite. Soma-se ao

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2194

fator econômico o risco climático decorrente de veranicos cada vez mais frequentes e mais longos, que concorrem para prejuízos significativos à cultura do milho.

A maioria das forrageiras tropicais concentra a produção no período do verão (chuvas). No perío-do do inverno (seca), as pastagens não produzem forragem suficiente para atender às necessidades de alimentação animal. Para contornar esse problema, pode-se armazenar, sob a forma de feno ou silagem, a forragem produzida com maior facilidade no período das chuvas para uso como suple-mento volumoso na época de seca. O capim-elefante apresenta potencial de produção de até 50 t de MS por hectare por ano, sendo que a conservação da forragem sob as formas de silagem ou feno constitui uma maneira de aproveitar o excesso de forragem produzido no verão e utilizá-lo no inver-no. Além de maior capacidade produtiva, o capim-elefante pode ser produzido a um menor custo e risco do que outras espécies como o milho e o sorgo.

Vilela (1997a, 1997b, 1998) apresenta ampla discussão sobre a utilização do capim-elefante para produção de silagem e de feno. Uma das dificuldades da produção tanto de silagem como de feno, é que o teor de água da planta ainda se encontra muito elevado quando a forragem apresenta melhor valor nutritivo. A colheita do capim-elefante com alto teor de umidade pode resultar em problemas fermentativos da silagem e risco de perda do alimento conservado. Uma das soluções seria o emurchecimento da forragem antes da ensilagem, contudo, isso eleva o custo do processo. Segundo Vilela (1998), a secagem artificial do capim-elefante é um processo inviável em termos de balanço energético. De outra forma, a colheita da planta mais velha, quando esta atinge o teor de matéria seca ideal para ensilar, resulta na redução do valor nutritivo da silagem.

Para a ensilagem, o capim-elefante deve ser colhido quando alcança a relação mais favorável entre o teor de matéria seca e valor nutritivo, visando obter uma boa fermentação da massa ensi-lada. Normalmente, a idade ideal para colheita ocorre entre 70 e 90 dias de crescimento pós-corte (Figura 3).

A inclusão de aditivos, como polpa cítrica, fubá de milho, casca de soja e outros, com o objetivo de elevar os teores de MS e adicionar fontes de carboidratos fermentáveis, pode melhorar o padrão de fermentação e o valor nutritivo da silagem, mas também aumenta o custo de produção da sila-gem, tornando sua produção economicamente inviável quando comparada as silagens de milho e de sorgo. A inclusão desses aditivos deve levar em conta, basicamente, o custo de produção do volumoso com o aditivo (R$ por quilo de MS) comparado ao custo de produção da silagem de milho, bem como a quantidade de concentrado utilizada em cada situação.

De modo geral, em função do menor valor nutritivo quando comparada à silagem de milho, a silagem de capim-elefante é recomendada para animais de baixo ou médio potencial de produção, ou para categorias menos exigentes como novilhas e vacas secas. Para animais com maior potencial de produção e, consequentemente, com maiores requerimentos nutricionais, torna-se necessário a suplementação com alimentos concentrados e até com outros volumosos de melhor valor nutritivo como, por exemplo, a silagem de milho.

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Figura 3. Colheita de capim-elefante ‘Capiaçu’ para produção de silagem.

Brevemente, a Embrapa deverá lançar a cultivar de capim-elefante BRS Capiaçu com potencial para produzir até 50 t de MS por hectare por ano. Essa cultivar produz silagem de bom valor nutri-tivo, porém de valor energético inferior a silagem de milho, contudo a um custo significativamente inferior.

PRODUçãO DE BIOMASSA ENERGéTICA

O uso do capim-elefante, como fonte de bioenergia, requer a seleção de materiais genéticos com características diversas daquelas tradicionalmente contempladas para a alimentação animal (LéDO; MACHADO, 2013). Características como alta relação carbono/nitrogênio, elevado potencial de pro-dução de biomassa e baixos teores de proteína são alguns dos requisitos para que a energia deriva-da desta biomassa seja de boa qualidade e com mínimo consumo de energia fóssil (QUESADA, 2001; MORAIS et al., 2009).

As vantagens comparativas do capim-elefante para produção de bioenergia em relação à cana-de-açúcar e outras gramíneas fontes de biomassa energética são: maior potencial produtivo, melhor

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2196

balanço energético, crescimento rápido, menor ciclo de produção e possibilidade de corte a cada 180 dias de crescimento (RA et al., 2012; SAMSON et al., 2005).

OUTRAS FORMAS DE UTILIZAçãO

O capim-elefante pode também ser usado como palhada para plantio direto e cama de frangos, apresentando a vantagem de ser facilmente dessecado com uso de herbicidas.

A alternativa do uso do capim-elefante como planta ornamental também tem sido considerada, com o uso das cultivares de porte baixo e de coloração roxa como elemento paisagístico.

PRINCIPAIS CULTIVARES

O capim-elefante é uma espécie amplamente difundida por todo o Brasil, sendo que a maioria das propriedades leiteiras cultivam essa forrageira sob forma de capineira. Como não existe um sis-tema de produção e comercialização de mudas (estacas) das cultivares melhoradas, a maioria das propriedades ainda utiliza cultivares tradicionais, menos produtivas. Entretanto, as cultivares melho-radas apresentam vantagens significativas em relação às cultivares tradicionais. A escolha da cultivar deve considerar não somente o potencial de produção e o valor nutritivo, mas também o objetivo de uso e de manejo requerido para se obter o melhor desempenho econômico.

As principais cultivares de capim-elefante são:

BRS Capiaçu – Esta cultivar foi lançada pela Embrapa em outubro de 2016. Caracteriza-se por apresentar florescimento tardio; porte alto; touceiras de formato ereto; folhas com lâminas largas, compridas e de cor verde; bainha da folha de cor verde-amarelada; e colmo de diâmetro médio com coloração do internódio amarelada.

Esta cultivar destaca-se pela alta produtividade e qualidade da forragem (Tabela 1); resistência ao tombamento e boa adaptação ao corte mecanizado, podendo ser manejada em diferentes altu-ras de cortes. A forragem da ‘BRS Capiaçu’ também produz silagem de boa qualidade, constituindo alternativa mais barata em comparação com o milho, já que como cultura perene não necessita de aquisição anual de sementes e apresenta maior produtividade.

Tabela 1. Produção de matéria seca (PMS), produção de matéria seca de folhas (PMSF) e teor de proteína bruta (PB).

Cultivar PMS anual (t/ha) PMSF anual (t/ha) PB planta inteira (%)

BRS Capiaçu 49,75 21,60 9,10

Mineiro 36,79 16,16 6,94

Cameroon 29,87 14,32 7,17

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Capítulo 3 Capim-elefante: versatilidades de usos na pecuária de leite 197

A avaliação da curva de crescimento da ‘BRS Capiaçu’ demonstra o elevado potencial de produ-ção de biomassa forrageira dessa cultivar (Tabela 2), com incrementos significativos na produção de matéria seca até os 110 dias de idade.

Tabela 2. Produção de biomassa e altura do dossel forrageiro da cultivar BRS Capiaçu em diferentes idades de corte.

VariávelIdade de corte (dias)

50 70 90 110

Altura (m) 2,4 2,9 3,6 4,1

Produção MN(1) (t./ha) 54,3 93,5 108,5 112,2

Produção MS(2) (t./ha) 5,1 13,3 17,5 22,5

Teor MS(2) (%) 9,3 14,2 16,1 20,1(1) Matéria natural; (2) matéria seca.

Tabela 3. Valor nutritivo (base da matéria seca) das silagens de BRS Capiaçu em duas idades de corte.

Idade (dias)

Nutrientes

MS (%)(1) PB (%)(2) FDN (%)(3) DIVMS (%)(4) EM (Mcal/kg)(5)

90 18,5 5,3 72,2 54,8 1,65

110 20,8 5,1 73,8 52,5 1,56(1) Matéria seca; (2) proteína bruta; (3) fibra em detergente neutro; (4) digestibilidade in vitro da matéria seca; (5) energia metabolizável.

Quando usada para a produção de silagem, a ‘BRS Capiaçu’ apresenta elevado potencial para a produção de material de bom valor nutritivo. Para a ensilagem, a forragem deve apresentar a me-lhor relação entre teor de matéria seca e valor nutritivo, o que, durante a estação das águas, ocorre a cerca de 90 dias de idade, o que corresponde à altura média de aproximadamente 3,5 m. Não se recomenda o corte do material com mais de 120 dias de idade em função do significativo acréscimo nos teores de fibra, com consequente redução dos teores de energia e de proteína. Além disso, o material mais fibroso pode dificultar o processo de compactação do material ensilado, aumentando as perdas durante a fermentação.

Embora seja de boa qualidade nutritiva, a silagem da ‘BRS Capiaçu’ (Tabela 3) apresenta menores teores de proteína e energia quando comparado àqueles da silagem de milho. Sendo assim, o uso da silagem de capim implica o maior uso de alimentos concentrados, o que pode ser compensado pelo baixo custo de produção da MS da silagem de capim-elefante. Destaca-se que, além de ser utilizada na alimentação de vacas em lactação, a silagem de capim-elefante ‘BRS Capiaçu’ também pode ser empregada na alimentação de outras categorias menos exigentes, como novilhas e vacas secas.

A cultivar ‘BRS Capiaçu’ possui propagação vegetativa por meio de estacas, sendo indicada para suplementação volumosa na forma de silagem ou picado verde, apresentando também potencial

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para produção de biomassa energética (Figura 4). Essa cultivar é exigente em relação à fertilidade do solo e apresenta susceptibilidade à cigarrinha-das-pastagens.

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Figura 4. Cultivar BRS Capiaçu.

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raFigura 5. Cultivar BRS Kurumi.

BRS Kurumi – Lançada pela Embrapa em 2012, a ‘BRS Kurumi’ é um clone de propagação vege-tativa, perene e de porte baixo, recomendada para uso sob lotação rotacionada, picado verde ou silagem. Essa cultivar caracteriza-se por apresentar touceiras de formato semiaberto, folhas e colmos de cor verde, internódios curtos (média de 4,8 cm) e altura média de 70 cm durante a fase vegetativa (Figura 5).

Apresenta crescimento vegetativo vigoroso, rápida expansão foliar e intenso perfilhamento ba-sal e axilar. O florescimento ocorre entre os meses de junho e julho, época em que se observa o alon-gamento dos colmos, podendo a planta atingir até 3 m de altura. A cultivar é propagada por meio de estacas vegetativas resultantes da subdivisão dos colmos, com gemas apresentando excelente poder germinativo.

Além de maior facilidade de manejo sob pastejo, quando comparada a cultivares de porte normal, a cultivar BRS Kurumi apresenta elevada produção de forragem de alto valor nutricional (23t ha-1). O teores de PB da forragem chegam de 18% a 20% e os DIVMS em torno de 70% (PACIULLO et al., 2015).

Essa cultivar caracteriza-se pela alta produção de massa de forragem, alto valor nutritivo e exce-lente arquitetura para pastejo, destacando-se pela elevada proporção de folhas e pequeno alonga-mento do colmo. Essas características favorecem o consumo de forragem pelos animais em pastejo,

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2200

além de facilitar o manejo do pasto (GOMIDE et al., 2015), sem necessidade de roçadas frequentes. Recomenda-se que o manejo do pasto seja realizado adotando-se como critério 80 cm de altura pré-pastejo e altura de resíduo de 35 cm a 40 cm. As adubações de cobertura devem ser realizadas ao longo da estação chuvosa, após a saída dos animais dos piquetes.

Madeiro et al. (2012) avaliaram a ‘BRS Kurumi’ manejada sob lotação rotacionada de novilhas ½HxZ com 24 dias de descanso e 4 dias de ocupação dos piquetes. Os autores reportaram produ-ções médias de 4,6 t ha-1 de matéria seca por ciclo de pastejo e, no extrato colhido acima da altura de resíduo, teores de 20,5%, 53,6% e 72,7%, para PB, FDN e DIVMS, respectivamente. Do ponto de vista nutricional, a cultivar BRS Kurumi surpreende pelos teores de PB e de FDN, visto que a forragem consumida é constituída apenas de folhas que apresentam melhor valor nutritivo que os caules. Os teores de FDN observados, em tese, não limitam o consumo de matéria seca de pasto, já que valores de FDN superiores a 55% correlacionam negativamente com o consumo de matéria seca (MERTENS, 1987). Sendo assim, essa cultivar se apresenta como excelente alternativa forrageira para a inten-sificação da produção de leite a pasto, permitindo elevadas taxas de lotação (4 UA ha-1 a 7 UA ha-1).

Em experimento conduzido na Embrapa, foram observados ganhos médios diários de 0,834 ± 0,05 kg por animal por dia para novilhas ½HxZ manejadas em pasto da cultivar BRS Kurumi, recebendo apenas sal mineral. Em função da composição química dessa cultivar, espera-se obter produções de leite de 18 L a 19 L por vaca por dia, apenas utilizando-se suplementação energética e sal mineral (GOMIDE et al., 2015).

A cultivar BRS Kurumi é susceptível à cigarrinha-das-pastagens, sendo recomendado o seu cul-tivo em solos férteis.

BRS Canará – Lançada pelo programa de me lhoramento genético da Embrapa em 2012, a BRS Canará é um clone perene com propaga ção vegetativa por meio de estacas.

Essa cultivar caracteriza-se por apresentar plantas de porte alto, touceiras de formato semiaber-to, folha de cor verde, bainha verde-amarelada e colmo de diâmetro médio (Figura 6). Possui propa-gação vegetativa por meio de estacas, sendo indicada para cultivo como capineira e uso como pi-cado verde ou silagem. Apresenta alta produtividade de forragem (47 t ha-1) e se adapta aos Biomas Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia.

Pioneiro – A cultivar Pioneiro foi obtida por meio de cruzamentos e lançada pela Embrapa em 1996. A cultivar apresenta touceiras de formato aberto, grande número de brotações aéreas e basais, colmos finos e folhas eretas (Figura 7). O intenso lançamento de perfilhos aéreos e basais possibilita uma recuperação mais rápida dos piquetes depois do pastejo. O florescimento é precoce, ocorrendo no mês de abril, podendo produzir folhas mais finas e curtas nos meses de inverno.

Cultivar para uso em sistema de lotação rotacionada podendo também ser usada como picado verde ou silagem. Indicada para cultivo nas regiões Sudeste e Sul.

A cultivar é propagada por meio de estacas vegetativas e seu plantio deve ser realizado em solos férteis ou com uso de fertilizantes e corretivos.

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Figura 6. Cultivar BRS Canará.

Figura 7. Cultivar Pioneiro.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2202

Napier – Foi a primeira variedade de capim-elefante introduzida no Brasil, sendo cultivada em todo o país. Apresenta touceiras com formato semiaberto, atingindo altura de até 5 m. Os colmos têm diâmetro médio; entrenós com 10 cm; folhas com pelos apenas na sua face superior e comprimento médio de 1,20 m (Figura 8). Na região Sudeste, o florescimento ocorre entre os meses de abril e maio.

A cultivar Napier se encontra entre as melhores em termos de produção de forragem, tendo-se registro de produção de até 37 t de MS por hectare por ano. Pode ser utilizada nos sistemas de corte e de pastejo.

A cultivar Napier é propagada por meio de estacas vegetativas e seu plantio deve ser realizado em solos férteis ou com uso de fertilizantes e corretivos.

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Figura 8. Cultivar Napier.

Mineiro – Cultivar foi obtida pela seleção entre progênies da cv. Napier. é uma das cultivares mais tradicionais e com maior área cultivada. Apresenta elevada capacidade de produção de maté-ria seca e perfilhamento vigoroso, com predominância dos lançamentos aéreos (Figura 9). A cultivar Mineiro é propagada por meio de estacas e apresenta características muito próximas às da cultivar Napier.

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Figura 9. Cultivar Mineiro.

Cameroon – Esta cultivar foi introduzida no Brasil na década de 1960 e alcançou rápida popu-laridade pelo rendimento e vigor dos perfilhos basais, sendo indicada para formação de capineiras.

As touceiras apresentam formato ereto com até 3 m de altura. Os colmos são grossos, pilosos e com raízes adventícias; as folhas são compridas, largas e com pelos na parte superior (Figura 10). Essa cultivar apresenta boa relação folha:colmo com até 60 dias de crescimento. O florescimento é tardio (depois do mês de junho), podendo não florescer em determinados anos.

Apresenta elevado potencial de produção, podendo atingir até 40 t de MS por hectare por ano. Pode ser utilizada para capineiras e pastejo. A intensa presença de pelos causa desconforto aos ope-radores durante a colheita manual.

A cultivar é propagada por meio de estacas vegetativas e seu plantio deve ser realizado em solos férteis ou com uso de fertilizantes e corretivos.

Roxo Botucatu – Cultivar introduzida da República do Togo; apresenta folhas de coloração roxa (Figura 11). Embora sem comprovação científica, acredita-se que os animais demonstram preferência

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Figura 10. Cultivar Cameroon.

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Figura 11. Cultivar Roxo.

por essa variedade. A cultivar apresenta colmos grossos, plantas altas, touceiras abertas e pouco densas, sendo susceptível ao acamamento.

Paraíso – Trata-se de um híbrido resultante do cruzamento interespecífico entre o capim-ele-fante e o milheto (Figura 12). Foi a primeira cultivar propagada por meio de sementes lançada no mercado brasileiro. Apesar da vantagem de ser cultivada por meio de sementes, sua produtividade é inferior à dos clones de propagação vegetativa melhorados.

CULTIVO E MANEJO DO CAPIM-ELEFANTE

De maneira geral, recomendam-se as cultivares de porte alto para formação de capineiras e as cultivares de porte baixo para pastagens. A razão é que as cultivares de porte alto apresentam maior produção total de forragem, enquanto as de porte baixo produzem maior massa de folhas e são de manejo mais simples. A forma de cultivo do capim-elefante pode variar em função do objetivo de utilização dessa forrageira no sistema de produção, com diferenças, principalmente, quanto ao espaçamento e manejo.

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Figura 12. Cultivar Paraíso.

PREPARO DO SOLO, CORREçãO E ADUBAçãO

Para o estabelecimento da cultura, devem ser escolhidas, preferencialmente, áreas com solos mais férteis e com possibilidade de mecanização e irrigação, com vistas ao uso do capim-elefante em sistemas de produção de leite intensivos. Devem ser evitadas áreas de várzeas úmidas ou sujei-tas a alagamentos, uma vez que o capim-elefante não tolera solos encharcados.

O estabelecimento das áreas de pastagem ou capineira se inicia com o preparo do solo, efe-tuando-se arações e gradagens conforme a necessidade e condição do terreno. De forma geral, recomenda-se uma aração de 15 cm a 30 cm de profundidade, seguida de gradagem. Em áreas que necessitem de duas arações, é recomendado realizar a primeira mais rasa (para destruir restos culturais) e, a segunda, de 15 cm a 30 cm de profundidade (MARTINS; FONSECA, 1994). Em caso de necessidade de calagem, utilizar calcário dolomítico espalhado na área 20 a 30 dias antes do plantio.

Durante essa fase, atenção especial deve ser dada ao controle de invasoras, de forma a não com-prometer o estabelecimento e a longevidade da capineira ou da pastagem. Esse controle deve ser

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Capítulo 3 Capim-elefante: versatilidades de usos na pecuária de leite 207

ainda maior quando da formação de pasto de capim-elefante em áreas cultivadas anteriormente com gramíneas dos gêneros Brachiaria ou Panicum, para reduzir os custos com capinas e aplicação de herbicidas após o estabelecimento da cultura.

Recomenda-se o plantio do capim-elefante no início do período chuvoso, de forma a garantir condições climáticas adequadas (temperatura, fotoperíodo, precipitação) para o rápido crescimento e estabelecimento. O método mais utilizado é o plantio em sulcos. Para a maioria das cultivares, o plantio é realizado por meio de propagação vegetativa, utilizando-se colmos, que podem ser in-teiros ou na forma de estacas (propagação vegetativa). No caso das cultivares de propagação por meio de sementes, as mesmas podem ser misturadas com o fertilizante fosfatado no mesmo dia do plantio e distribuídas por meio de plantadeiras comuns.

A idade da planta interfere diretamente na qualidade dos colmos para plantio e, consequente-mente, na eficiência do estabelecimento da forrageira. Para a obtenção de colmos de boa qualidade, as plantas deverão ter em torno de 100 dias de idade, sem qualquer início de brotação. A quantida-de de mudas necessárias para formar as áreas depende da cultivar. Estima-se que 1 ha de mudas seja suficiente para formar de 8 ha a 10 ha para cultivares de porte normal (por exemplo, ‘Napier’ e ‘Cameroon’) e de 3 ha a 4 ha para cultivares de porte baixo (por exemplo, ‘BRS Kurumi’).

O espaçamento de plantio influencia a produção de biomassa por afetar a incidência de in-vasoras e a competição por luz, água e nutrientes. O espaçamento entre sulcos pode variar em função da forma de utilização da forrageira. Para a formação de áreas de capineiras, recomenda-se um espaçamento entre sulcos de 0,80 m a 1,00 m (GOMIDE, 1997), enquanto que para áreas de pastagens o espaçamento entre sulcos recomendado varia de 0,50 m a 0,80 m (GOMIDE et al., 2015). No caso de pastagens, é desejável a utilização de espaçamentos menores, de forma a se ob-ter maior cobertura do solo, reduzindo, assim, o aparecimento de plantas invasoras e facilitando o estabelecimento da cultura e a manutenção da área. O plantio também pode ser feito em covas, utilizando-se estacas ou mudas, com espaçamento de 50 cm x 50 cm, aumentando significativa-mente o rendimento de mudas.

ADUBAçãO DE ESTABELECIMENTO

A adubação de estabelecimento deve ser baseada nos resultados da análise de solo. Nas condi-ções tropicais, os maiores limitantes em relação à fertilidade do solo estão relacionados aos baixos teores de fósforo e à acidez (MONTEIRO, 1994). Sendo assim, recomenda-se apenas a aplicação de adubação fosfatada, na base de 100 kg ha-1 de P2O5, distribuída no fundo dos sulcos, que deverão ter uma profundidade de 20 cm a 25 cm.

A aplicação do potássio (K) deverá ser realizada de acordo com os resultados da análise de solo, recomendada quando o teor de K trocável no solo for inferior a 58 ppm, numa dose de 80 kg ha-1 a 100 kg ha-1 de KCl.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2208

Além desses, outros nutrientes importantes são o enxofre (S) e o zinco (Zn). O S deve ser aplicado em áreas de comprovada carência, ou quando fontes tradicionais de outros nutrientes (por exemplo, sulfato de amônio) são substituídas por outras que não apresentam enxofre em sua composição. Em solos com deficiência, recomenda-se a aplicação de 20 kg ha-1 a 40 kg ha-1 de enxofre (CARVALHO, 1985). O Zn deve ser aplicado na dose de 2 kg ha-1, utilizando-se como fonte o sulfato de zinco, na quantidade de 10 kg ha-1.

De forma geral, a aplicação de micronutrientes pode ser realizada por meio do fritted trace ele-ments (FTE) nas formulações BR-10 ou BR-16, na base de 30 kg ha-1 a 50 kg ha-1, juntamente com a adubação fosfatada (MONTEIRO, 1994).

ADUBAçãO DE COBERTURA E DE MANUTENçãO

A adubação de cobertura deve ser realizada quando as plantas estiverem com 40 cm a 50 cm de altura, aplicando-se 200 kg ha-1 de KCl e 300 kg ha-1 de (NH4)2SO4, na estação das águas, quando as condições de umidade do solo forem favoráveis. Após o primeiro corte, recomenda-se uma nova adubação de cobertura, utilizando-se as mesmas doses descritas anteriormente.

Em áreas manejadas sob corte, as quantidades de todos os nutrientes exportados são muito maiores quando comparadas àquelas de sistema manejado sob pastejo. Estima-se que para cada tonelada de matéria verde colhida, haja remoção de 3 kg a 4 kg de N, o qual deve ser reposto.

Em sistemas sob pastejo, considerando-se a menor extração de nutrientes e o fato de que parte deles retorna via excreções dos animais, a adubação pode ser feita em doses menores. Recomenda-se a aplicação de 200 kg ha-1 a 250 kg ha-1 de N por meio da fórmula 20-05-20. A quantidade deve ser dividida, preferencialmente, depois de cada ciclo de pastejo, durante a estação das águas.

IRRIGAçãO

O uso da irrigação tem ganhado importância nos sistemas de produção de leite, com objetivo de aumentar e/ou garantir a produção de biomassa forrageira, principalmente em pastagens.

No entanto, é importante lembrar que a capacidade produtiva das forrageiras depende além da disponibilidade de água, de fatores como temperatura e fotoperíodo.

Desataca-se que irrigação de pastagens não tem sido feita de maneira adequada, podendo le-var a aplicação excessiva de água, o que resulta prejuízos ao ambiente, consumo desnecessário de energia elétrica e de água, lixiviação de nutrientes e maior compactação do solo, repercutindo na diminuição da produção e vida útil da pastagem.

Portanto, esse recurso deve ser utilizado com critério e de forma racional, visando não compro-meter a eficiência do sistema de produção de leite.

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PRAGAS E DOENçAS

Embora vários fungos e bacterias possam causar doenças ao capim-elefante, a principal preocupação se refere a helmintosporiose, causada pelos fungos helminthosporium sacchari e helminthosporium ocellum, que pode acarretar sérios prejuízos à produção e à qualidade da forra-gem, bem como em relação à persistência da planta. A solução para esse problema é o desenvolvi-mento de cultivares resistentes.

Em relação às pragas, as cigarrinhas-das-pastagens constituem a principal ameaça ao cultivo do capim-elefante, visto que a maioria das cultivares apresenta susceptibilidade ao inseto. As ci-garrinhas causam sérios prejuízos à produção de forragem, tornando a forrageira menos palatável, reduzindo o consumo pelos animais e diminuindo a produção de leite e de carne.

O controle químico é antieconômico; sendo assim, a ameaça representada pelas cigarrinhas pode ser minimizada com a adoção da associação de práticas de controle biológico, cultural e químico de forma a reduzir a densidade populacional desse inseto de forma econômica, social e ambiental. A solução para esse problema é a obtenção de cultivares resistentes.

CONSIDERAçõES FINAIS

O capim-elefante é cultivado na maioria das pequenas e médias propriedades, sendo uma das forrageiras que mais têm contribuído para a sustentabilidade da atividade leiteira em razão de seu elevado potencial de produção, valor nutritivo, versatilidade de utilização e adaptação a todas as regiões brasileiras.

Contudo, o estoque de conhecimentos para a sua maior exploração ainda é limitado, com o maior volume de informações referente ao manejo da forrageira. Maiores esforços em pesquisa e transferên-cia de tecnologia precisam ser exercidos visando superar os entraves na utilização dessa forrageira.

Entre as prioridades de pesquisa na área de melhoramento se destaca a obtenção de cultivares para corte e pastejo, propagadas por sementes, tolerantes a solos de baixa fertilidade e resistentes às cigarrinhas. O desenvolvimento de cultivares para usos não forrageiros, como a produção de bio-massa energética, apresenta grande potencial para ampliar a exploração econômica dessa planta. Pesquisas nas áreas de manejo de pastagem e capineira, irrigação e controle de pragas apresentam alta prioridade.

Na área de transferência de tecnologia, esforços devem ser concentrados na difusão de novas cultivares, mais produtivas e de melhor qualidade, bem como nas estratégias de manejo visando tornar a cultura mais produtiva e rentável.

Para tanto, é necessário haver uma maior integração entre os trabalhos das universidades, insti-tuições de pesquisa e extensão rural visando gerar e transferir aos produtores novos conhecimentos que promovam a maior produtividade e economicidade no uso dessa forrageira.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2210

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Capítulo 3 Capim-elefante: versatilidades de usos na pecuária de leite 211

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 213CAPÍTULO 4

Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos

Reinaldo de Paula Ferreira | Duarte Vilela | Oscar Tupy | Eduardo Alberto Comeron | Daniel Horacio Basigalup | Alberto Carlos de Campos Bernardi | Frank Akiyoshi Kuwahara | Décio Karam

INTRODUçãO

Em razão do seu potencial de produção de forragem e da sua adaptação a diversas condições ambientais, a alfafa é uma das espécies forrageiras de maior importância mundial, com mais de 32 milhões de hectares de cultivo. Os EUA, a Rússia, o Canadá, a Argentina, a China e a Austrália são os principais países produtores. A alfafa possui excelentes características agronômicas e qualitativas, tais como qualidade proteica, palatabilidade, digestibilidade, capacidade de fixação biológica de nitrogênio no solo e baixa sazonalidade de produção; além disso, contém altos teores de vitaminas A, E e K, bem como a maioria dos minerais requeridos pelos animais produtores de leite e de carne, especialmente cálcio, potássio, magnésio e fósforo (RASSINI et al., 2008).

A alfafa pode ser fornecida aos animais na forma conservada ou na forma verde picada ou sob pastejo. As principais formas de conservação da forragem da alfafa são o feno (forragem armazena-da com teor de umidade abaixo de 20%), a silagem (forragem armazenada com teor de umidade aci-ma de 70%) e o pré-secado (forragem normalmente armazenada em sacos de polietileno com teor de umidade que varia de 40% a 60%). Existem outras formas menos utilizadas, tais como a de péletes e de cubos (forragem desidratada e compactada em pequenos cilindros e cubos de alta densidade, respectivamente). A alfafa também pode ser utilizada sob pastejo direto e na forma verde fornecida no cocho. Na Argentina, a alfafa é utilizada em grande proporção sob pastejo e, nos EUA, na forma de feno. No Brasil, a forma de utilização mais difundida até o momento tem sido o feno, possivelmente pela facilidade de transporte e de comercialização, embora sua utilização na forma verde picada ou em pastejo esteja adquirindo importância, tendo em vista o elevado custo de produção do feno de alfafa (RODRIGUES et al., 2008).

Existem poucos trabalhos sobre a avaliação da produção de leite de vacas em pastagem ex-clusiva de alfafa, principalmente em clima tropical. Em pesquisa inédita no Brasil conduzida pela Embrapa, Vilela et al. (1994) avaliaram dois sistemas de manejo de vacas de alto potencial de produ-ção de leite: um deles tinha o pasto de alfafa irrigado e fertilizado como único alimento, enquanto no outro os animais eram mantidos em confinamento total alimentados à base de silagem de milho e concentrado. A taxa de lotação da pastagem de alfafa foi de 3 vacas por hectare e a produção média de leite foi de 20,0 kg por vaca por dia, atingindo no início da lactação 23,6 kg por vaca por

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2214

dia sem comprometer o peso vivo e a eficiência reprodutiva dos animais. Os autores concluíram que a utilização do pasto de alfafa como alimento exclusivo para vacas em lactação foi viável eco-nomicamente, proporcionando margem bruta 16% superior àquela do sistema em confinamento. Não houve nenhum caso de timpanismo, a cada dia foram acrescentadas duas horas de pastejo, até totalizar 24 horas por dia.

Outra pesquisa realizada na Embrapa (PERES NETTO et al., 2008a, 2008b) mostrou que a utiliza-ção da alfafa em pastejo, como parte da dieta de vacas no estágio médio da lactação, alimentadas com silagem de milho e 5,0 kg de concentrado, permitiu média de produção de 25 L de leite por vaca por dia. Isso representa economia significativa na quantidade de concentrado geralmente uti-lizada, que é de 8,0 kg para obtenção desse nível de produção, bem como redução do teor proteico do concentrado e da quantidade de silagem de milho necessária, o que contribui para redução do custo de produção de leite. Com base nesse trabalho, Vinholis et al. (2008) verificaram redução no custo de produção de leite variando de 9% até 15% para dietas onde a alfafa participou com 20% ou 40% da matéria seca, respectivamente.

Esses resultados mostram, de forma inequívoca, a viabilidade da inserção da alfafa em sistema sustentável e competitivo de produção de leite a pasto no país.

ADUBAçãO DE PLANTIO E DE MANUTENçãO

A alfafa é uma planta extremamente exigente em fertilidade e os desbalanços na correção do solo e adubação podem levar à perda de vigor do alfafal, ocasionando infestação de plantas da-ninhas e redução da longevidade. A alfafa demanda grandes quantidades de nutrientes para se desenvolver, extraindo para cada 20 t de matéria seca, 400 kg de N, 133 kg de P2O5 e 678 kg de K2O (WERNER et al., 1996).

Os efeitos benéficos da calagem ocorrem durante todo o ciclo de produção, por isso o monitora-mento por meio de análises de solo anuais é fundamental para a adequada recomendação de cor-retivos. Deve-se enfatizar que o suprimento de nitrogênio (N) para alfafa é realizado exclusivamente pela simbiose entre a planta e estirpes da bactéria Sinorhizobium melilotti, não havendo necessidade de fornecer esse nutriente na forma de fertilizantes.

O fósforo é um dos nutrientes que tem apresentado as maiores e mais frequentes respostas quando aplicado à cultura da alfafa. Em razão dos baixos níveis de P nos solos brasileiros, a longevi-dade da cultura e a produção são diretamente dependentes da adubação fosfatada para o estabele-cimento e manutenção do estande. O teor ideal de P disponível no solo é de 20 mg dm-3. A aplicação para alcançar esse teor deve ser realizada no estabelecimento da cultura e, uma vez por ano, quando a análise de solo indicar a necessidade (RASSINI et al., 2008).

Na produção de alfafa, é necessária especial atenção à adubação a base de potássio (K), pois o K é um dos nutrientes mais extraídos do solo (MOREIRA et al., 2008). O macronutriente K é essencial para o processo fotossintético e, quando deficiente, a fotossíntese diminui e a respiração aumenta,

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 215

condições que reduzem o suprimento de carboidratos para as plantas, afetando, inclusive, a fixação biológica do N (LANYON; GRIFFITH, 1988). A calagem, associada à gessagem e adubação correta com K, contribuem decisivamente para o aumento da longevidade do alfafal (BERNARDI et al., 2013b). As melhores repostas da alfafa à adubação potássica ocorreram com 80 % de saturação por bases (V). Observou-se também a tendência de diminuição da ocorrência de plantas daninhas com a melhora da fertilidade do solo, pois, nessa situação, a forrageira se apresenta mais vigorosa.

Altas produtividades foram alcançadas com K trocável no nível de 5% da CTC do solo (BERNARDI et al., 2013a). Por isso, em função da extração elevada de potássio pela cultura, há necessidade de realizar adubações de cobertura frequentes. Doses de 100 kg a 120 kg de K2O por hectare depois de cada corte têm sido suficientes para se obter altos rendimentos de forragem (RASSINI; FREITAS, 1998; BERNARDI et al., 2013a).

O enxofre (S) é um macronutriente importante para o metabolismo e crescimento da alfafa, sen-do que, em combinação com o N, participa da síntese de aminoácidos e proteínas. Devido à exigên-cia da alfafa por este macronutriente, mesmo em solos cujo conteúdo de S disponível é considerado suficiente, o seu fornecimento aumentou a produção de matéria seca. Recomenda-se aplicação anual de 4 kg de S por hectare por tonelada de matéria seca produzida (MOREIRA et al., 2008).

Os micronutrientes (B, Co, Cu, Fe, Mn, Mo, Ni e Zn) são elementos essenciais para o crescimen-to das plantas, mas são exigidos em quantidades menores que os macronutrientes. Resultados de experimentos e observações de campo evidenciaram que a aplicação de 50 kg ha-1 de FTE BR-12 por ano foi suficiente para que fossem supridas as necessidades desses nutrientes (MOREIRA et al., 2008). Caso a planta não adquira o vigor e a produtividade esperada, sugere-se realizar adubação foliar a cada três ciclos de corte ou pastejo.

As adubações de manutenção em alfafa devem ser realizadas a lanço, em toda a área cultivada. Na região sudeste, obtém-se comumente produções de 20 t ha-1 de matéria seca por ano, realizan-do-se entre 10 a 12 ciclos de corte ou pastejo.

De acordo com Moreira et al. (2008), as faixas adequadas de nutrientes na parte aérea, que permitem que o alfafal alcance o seu maior potencial produtivo são: N = 26 g kg-1 a 35 g kg-1, P = 2,5 g kg-1 a 3,5 g kg-1, K = 20 g kg-1 a 40 g kg-1, Ca = 10 g kg-1 a 20 g kg-1, Mg = 2 g kg-1 a 6 g kg-1, S = 1,2 g kg-1 a 1,4 g kg-1, B = 46 mg kg-1 a 60 mg kg-1, Cu = 11 mg kg-1 a 14 mg kg-1, Fe = 124 mg kg-1 a 220 mg kg-1, Mn = 60 mg kg-1 a 82 mg kg-1, Mo = 1,1 mg kg-1 a 4,0 mg kg-1 e Zn = 42 mg kg-1 a 83 mg kg-1.

CULTIVARES

Países com maior tradição no cultivo da alfafa tais como EUA, Canadá e Argentina dispõem de número elevado de cultivares, adaptadas aos diferentes ambientes para os quais foram seleciona-das. Já o Brasil tem a maior parte da área cultivada de alfafa ocupada por variedades oriundas da po-pulação Crioula. A população Crioula é resultante de um processo de seleção realizado pelo homem

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2216

e pela natureza, ocorrido no Rio Grande do Sul, a partir da introdução e do cultivo da alfafa nos vales dos rios Caí, Taquari, Jacuí e Uruguai e nas encostas da Serra, iniciado por volta de 1850 (PEREZ, 2003). Nesses cultivos, os produtores colhiam sementes de alfafais com 4 a 5 anos de idade, o que acabou gerando a população ‘Crioula’. A consequência desse processo de seleção foi o desenvolvimento de uma população de ampla variabilidade genética e de boa adaptação à maioria dos ambientes. As principais variedades oriundas da população Crioula de que se tem conhecimento são: Crioula CRA, Crioula Itapuã, Crioula na Terra, Crioula Nativa, Crioula Ledur, Crioula Roque, Crioula Chile e Crioula UFRGS (KÖPP et al., 2011).

A alfafa Crioula se caracteriza por não apresentar queda de folhas durante o seu desenvolvimen-to, o que resulta em maior acúmulo de reservas nas raízes e na coroa da planta. Essa retenção foliar proporciona rebrota intensa e vigorosa e leva à rápida recuperação da área foliar após os cortes, com bom rendimento de matéria seca, boa distribuição sazonal e grande persistência. Além disso, por ser uma cultivar sem dormência hibernal, apresenta crescimento ativo durante o outono e o inverno (NUERNBERG et al., 1990). A população Crioula apresenta hábito de crescimento ereto, característica interessante para fenação, finalidade para a qual tem sido mais cultivada no Brasil (PEREZ, 2003), bem como variação de tipos de planta persistentes, ideal para pastejo (FAVERO, 2006).

CONTROLE DE PLANTAS DANINHAS

As plantas daninhas podem reduzir consideravelmente a produtividade da cultura da alfafa, competindo por água, luz, nutrientes, além de reduzir a qualidade da forragem e das sementes (PETERS; PETERS, 1992). O período crítico de competição se estende dos 15 aos 50 dias depois da emergência da alfafa (SILVA et al., 2004). Ou seja, esse período corresponde à fase em que as práti-cas de controle devem ser efetivamente adotadas. Assim, a comunidade infestante que se instalar depois desse período não mais terá condições de interferir, de maneira significativa, sobre a produ-tividade da cultura da alfafa.

As principais plantas daninhas que infestam a cultura da alfafa (Figura 1) são: cabelo-de-anjo (Cuscuta spp.), nabiça (Raphanus raphanistrum), picão-preto (Bidens spp.), capim-braquiária (Brachiaria decumbens), marmelada (Brachiaria plantaginea), capim-colchão (Digitaria spp.), grama-bermuda (Cynodon dactylon), trapoeraba (Commelina benghalensis), capim-pé-de-galinha (Eleusine indica), corda-de-viola (Ipomoea spp.), pata-de-cavalo (Centella asiatica) e agriãozinho (Synedrellopsis grisebachii) (BRIGHENTI; CASTRO, 2008).

Entre as alternativas para o controle eficiente das plantas daninhas em alfafa está o controle quí-mico com herbicidas. Suas principais vantagens são a rapidez na aplicação, a economia de recursos humanos e a eficácia do controle das espécies infestantes. Em contrapartida, esse método exige téc-nica apurada, acompanhamento de um engenheiro-agrônomo, pessoal capacitado e bem treinado, além dos cuidados com a saúde do aplicador e com o meio ambiente. Deve-se tomar cuidado com a frequência e dosagens de aplicação de herbicidas por afetar a velocidade de rebrota e a persistência do alfafal.

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 217

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Figura 1. Principais plantas daninhas da cultura da alfafa: cabelo-de-anjo (Cuscuta spp.) (A); nabiça (Raphanus raphanistrum) (B); picão-preto (Bidens spp.) (C); capim-braquíaria (Brachiaria decumbens) (D); capim-marmelada (Brachiaria plantaginea) (E); capim-colchão (Digitaria spp.) (F); grama bermuda (Cynodon dactylon) (G); taparopeba (Commelina benghalensis) (H); capim-pé-de-galinha (Eleusine indica) (I); corda-de-viola (Ipomoea purpurea) (J); pata-de-cavalo (Centella asiatica) (K); agriãozinho (Synedrellopsis grisebachii) (L).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2218

O número de herbicidas registrados no Brasil para a alfafa é muito limitado. Apenas o diuron é registrado para essa cultura no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Esse herbicida é utilizado em alfafais com mais de um ano, em cobertura total, logo depois do corte e antes do surgimento de nova brotação nas doses de 1,2 kg a 2,0 kg de i.a. por hectare(RODRIGUES; ALMEIDA, 1998).

Serão descritos, a seguir, alguns herbicidas utilizados em alfafa em outros países do mundo e que apresentam boa seletividade para a cultura.

Para o controle de espécies daninhas, principalmente as de folhas largas (dicotiledôneas), há o imazethapyr, o imazamox e o paraquat. E para o controle de espécies daninhas de folhas estreitas (gramíneas), há o trifluralin, o fluazifop-p-butyl e o clethodim. Entretanto, vale salientar que, como ainda não há registro desses herbicidas no Mapa, não podem ser recomendados para o cultivo da alfafa no Brasil.

O herbicida imazethapyr é aplicado em pós-emergência precoce, até quatro folhas das plan-tas daninhas de folhas largas. Preferencialmente, se aplica esse produto na dose de 100 g i.a. ha-1 quando as plantas da alfafa se encontram com a terceira folha trifoliolada (MELLO et al., 2000; SILVA et al., 2004).

O imazamox é aplicado em condições de pós-emergência da cultura da alfafa e controla espécies daninhas de folhas largas na dose de 28 g de i.a. por hectare (MESBAH; MILLER, 2005; SILVA et al., 2004). é aconselhável sua aplicação 25 dias depois da emergência da alfafa, a fim de evitar injúrias mais acentuadas quando da aplicação em estádios iniciais do ciclo da cultura.

O paraquat é um herbicida de contato, não seletivo, utilizado em aplicação em pós-emergência das plantas daninhas de folhas largas e estreitas. é aplicado logo depois do corte da alfafa, pois como a coroa fica abaixo do nível do solo, ela não recebe o herbicida, ficando protegida. A dose de paraquat normalmente aplicada é de 300 g de i.a.por hectare acrescida do adjuvante não iônico na dosagem de 0,2% v/v (RAINERO et al., 1995). Não é aconselhado aplicá-lo depois da rebrota das plantas de alfafa, pois os sintomas de intoxicação são muito acentuados e, em aplicações excessivas, pode afetar a velocidade de rebrota e a persistência do alfafal.

O trifluralin controla espécies daninhas, na sua maioria gramíneas, embora também seja eficaz no controle de algumas folhas largas. Em pré-semeadura incorporado, as concentrações variam de 445 g a 600 g de i.a. por litro. Nessa modalidade de aplicação, o solo deve estar bem preparado, prefe-rencialmente seco ou com baixa umidade, livre de torrões, para facilitar a mistura do produto, evitando as perdas, principalmente por volatilização (RODRIGUES; ALMEIDA, 1998). A incorporação é feita por meio de duas passadas de grade niveladora. Em pré-emergência, o trifluralin é aplicado na formulação 600 g de i.a. por litro, logo depois da semeadura da alfafa. Nessas condições, o solo deve estar bem pre-parado, livre de torrões, restos de cultura e em boas condições de umidade. Aplicado em solo seco, há necessidade de chuvas ou irrigação num prazo de 5 dias, caso contrário a eficácia do produto será redu-zida. As doses recomendadas são de 0,9 kg a 1,2 kg de i.a. por hectare em pré-semeadura incorporado e de 1,8 kg a 2,4 kg de i.a. por hectare, em pré-emergência (RODRIGUES; ALMEIDA, 1998).

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 219

O fluazifop-p-butyl controla espécies daninhas de folhas estreitas nas dosagens de 125 g a 187 g de i.a. por hectare (MELLO et al., 2000; SILVA et al., 2004). é aplicado de preferência quando as plantas daninhas se encontram nos estádios iniciais de crescimento.

O clethodim também é aplicado em pós-emergência para o controle de plantas daninhas gra-míneas na dose de 100 g de i.a. acrescido de 0,5% v/v de óleo mineral (MELLO et al., 2000; RAINERO et al., 1995).

MANEJO DA FORRAGEM

A produtividade e persistência do alfafal estão diretamente relacionadas ao seu manejo, uma vez que a rebrota da planta ocorre as expensas de reservas de carboidratos das raízes e da coroa da planta, acumuladas durante o período de crescimento da forrageira. O primeiro corte ou pastejo da alfafa deve ser realizado quando a cultura se encontra em florescimento pleno, com 80% das plantas florescidas, para que, por meio da fotossíntese, acumule maior quantidade de carboidra-tos e apresente coroa e sistema radicular bem desenvolvidos. Para as cultivares testadas na região Sudeste do país, esse período é de 70 a 80 dias. A partir da segunda etapa, é recomendado realizar o corte ou iniciar o pastejo quando 10% das plantas entrarem em florescimento, período em que há equilíbrio entre a produção e a qualidade da forragem. No período de inverno pode não haver emissão de flores e, quando esse fato ocorre, recomenda-se que a alfafa seja cortada ou pastejada quando a brotação basal atingir altura média de 3 cm a 5 cm. Isso permitirá que a planta, depois de cada pastejo, acumule reserva para favorecer boa rebrota, elevada produção e alta persistência ao longo do tempo. O corte da forragem deve ser realizado entre 8 cm e 10 cm da superfície do solo, mesma altura em que deve ser mantido o resíduo de pastejo. O pastejo em alfafa deve ser diário, com período de descanso na região Sudeste no inverno ao redor de 34 dias e, nas demais estações do ano, de aproximadamente 28 dias. O sistema com pastejo rotacionado possibilita o descanso ne-cessário para que a recomposição de reservas nas raízes redunde em rebrotes vigorosos e pastagens longevas e produtivas (RASSINI et al., 2008).

A coroa da alfafa é formada por tecidos perenes provenientes do talo e também pela parte su-perior da raiz. A conformação da coroa é influenciada por período de frio, período de seca, práticas culturais, ataque de pragas e de doenças, vigor geral e idade das plantas. Como essa estrutura se situa abaixo do nível do solo, ela fica protegida contra danos causados pelo pastejo e pelo corte da planta, de modo que essa localização é um mecanismo natural de proteção da alfafa (RODRIGUEZ; EROLES, 2008).

A Figura 2 mostra as imagens da coroa de alfafa já formada com 1, 2 e 3 anos de vida.

O rebrote da alfafa é promovido por meio de reservas de carboidratos armazenados principal-mente na parte superior de sua raiz e na coroa basal, constituídos em maior proporção por amido e, em menor escala, por glicose, frutose e sacarose. Em função do tipo de exploração da planta forra-geira (corte ou pastejo), esse acúmulo de reservas não é contínuo, uma vez que é interrompido em

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Figura 2. Coroa de alfafa com 1 (A) , 2 (B) e 3 (C) anos de vida.

cada período de produção da planta. é nesse tempo decorrido, entre intervalo de corte ou pastejo, que se acumulam carboidratos não estruturais na raiz e na coroa basal. Dessa forma, um maior per-centual de reservas de carboidratos na alfafa implica uma redução do tempo necessário para que o novo rebrote atinja o ponto de corte ou pastejo (RASSINI et al., 2008).

UTILIZAçãO DA ALFAFA NA ALIMENTAçãO DE VACAS LEITEIRAS

Nos sistemas intensivos de produção leiteira, os gastos com o uso de concentrados e de fertili-zantes nitrogenados representam porcentagem elevada do custo total de produção, implicando, ainda, em custos agregados com transporte, armazenamento, fornecimento dos concentrados e aplicação dos fertilizantes, afetando a lucratividade da atividade leiteira. As vacas com maior produ-ção de leite requerem quantidade elevada de concentrado e ao proporcionar a oferta de forragem de melhor qualidade, menor será a quantidade de concentrado necessária para determinado nível de produção. A alfafa é, por natureza, de digestibilidade elevada e possui alto teor de proteína, o que

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 221

permite, dependendo do nível de produção de leite da vaca, sua utilização como substituto parcial do alimento concentrado, com redução do custo de produção de leite e manutenção da qualidade da dieta (RODRIGUES et al., 2008).

Além dos concentrados, os fertilizantes nitrogenados que devem ser utilizados na produção in-tensiva de leite a pasto também oneram o custo de produção. A alfafa, pelo fato de realizar a fixação biológica do nitrogênio atmosférico no sistema solo-planta, elimina as necessidades de fertilizantes nitrogenados, reduzindo o custo de adubação e, consequentemente, o custo de produção de leite (MOREIRA et al., 2008).

Além desses benefícios, espera-se que a inserção da alfafa em um sistema de produção de leite a pasto promova redução da sazonalidade da produção de leite, diminuindo a estacionalidade da produção de forragens e aumentando a produtividade do rebanho. Além desses aspectos, a utiliza-ção da alfafa na alimentação animal tem potencial para propiciar benefícios para o meio ambiente, diminuindo os riscos de contaminação do lençol freático por nitrato, o que pode ocorrer quando se utiliza níveis muito elevados de adubos nitrogenados (RODRIGUES et al., 2008).

POTENCIAL FORRAGEIRO DA ALFAFA

O objetivo de qualquer modelo intensivo de produção de leite a pasto consiste em obter eleva-da e sustentável produtividade por área, implicando o aumento da taxa de lotação das pastagens, sem descuidar, entretanto, da produtividade individual das vacas. Esse modelo, com a participação do pasto na dieta, consiste em utilizar forrageiras produtivas de boa qualidade nutricional e baixa estacionalidade de produção, bem como programar uma estratégia alimentar (dieta e manejo) que favoreça a eficiência da conversão e mantenha controlados os custos de alimentação. A alfafa é uma forrageira que reúne características especiais, como alta produtividade, elevado teor proteico, boa palatabilidade, alta digestibilidade, capacidade para fixar nitrogênio no solo e baixa sazonalidade da produção de forragem, sendo especialmente indicada para integrar dietas de vacas de alto po-tencial genético em sistema intensivo de produção de leite a pasto (CASTILLO; GALLARDO, 1995; RODRIGUES et al., 2008).

Comeron et al. (2002), avaliando o pastejo em alfafa para vacas de alta produção, concluíram que não se deve utilizar essa forrageira como alimento exclusivo, quando a produção de leite for superior a 5.000 L por lactação, em virtude da perda de condição corporal. Quando o objetivo for incrementar a produtividade tanto por vaca quanto por área, além de intensificar-se o uso das pastagens por meio de aumento da taxa de lotação, deve-se melhorar a qualidade da dieta mediante o emprego de concentrados e/ou forragens conservadas de boa qualidade, para que o consumo e, consequen-temente, a produção de leite não sejam prejudicados (CASTILLO; GALLARDO, 1995).

Para produção superior a seis mil litros de leite por lactação, recomenda-se1 a utilização de die-tas com uma relação pastagem (alfafa): silagem (milho ou sorgo): feno: concentrado de 40:20:15:25

1 Informações pessoais de E. A. Comeron (2016).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2222

como média anual de matéria seca consumida, respectivamente. Esses valores podem ser modifi-cados durante a lactação (maior quantidade de concentrado para as vacas com menos de 120 dias pós-parto) e a época do ano (maior proporção de alfafa e menor quantidade de silagem durante primavera-verão). Com dietas com maior participação de concentrado (máximo de 40%) e redu-zindo-se o tempo de pastejo em alfafa (mínimo de 30%), pode-se chegar a 18 mil litros de leite por hectare por ano.

Vilela (1998) recomenda, com base em revisão de literatura, a suplementação da pastagem de al-fafa de acordo com o nível de produção das vacas. Segundo esse autor, para vacas com potencial de produção de 18 kg a 20 kg de leite por vaca por dia, seria suficiente a suplementação apenas com mi-nerais; para produção de 20 kg a 24 kg de leite por vaca por dia, seria necessário suplementar com mis-tura mineral e concentrado preferencialmente energético; e quando a produção de leite for acima de 25 kg de leite por vaca por dia, recomenda-se fornecer minerais e concentrados energéticos enri-quecidos com proteína, preferencialmente de baixa degradabilidade no rúmen, evitando-se suple-mentos a base de ureia na dieta.

Em vacas leiteiras sob pastejo exclusivo de alfafa normalmente ocorre desequilíbrio na relação energia:proteína da dieta consumida (VILELA, 1998). Esse desequilíbrio pode afetar negativamente a produtividade dos animais, a fermentação ruminal, a composição química do leite (especialmente a fração nitrogenada), a eficiência reprodutiva e também causar problemas de contaminação am-biental (FERGUNSON; CHALUPA, 1989; TAMINGA, 1990). A alfafa possui altos teores de proteína bruta e de frações proteicas rapidamente degradáveis no rúmen, de modo que há produção excessiva de amônia, que as bactérias fibrolíticas não aproveitam com eficiência, que passa pela parede ruminal e entra na circulação sanguínea. Como altos níveis de amônia no sangue são tóxicos, o fígado transfor-ma-a novamente em ureia para ser eliminada na urina. Entretanto, esse processo requer energia e, em consequência, diminui a quantidade de energia disponível para a produção de leite (COMERON; ROMERO, 2007). Apesar do elevado teor de PB da alfafa, estima-se que 75% dessa proteína seja degradada no rúmem (FALDET; SATTER, 1991), o que pode limitar a produção em vacas com alto potencial genético quando a alfafa é usada de forma exclusiva.

Segundo Arias (1996), citado por Comeron et al. (2007), para cada excesso de 0,450 g de proteína bruta por dia na dieta de vacas leiteiras é necessário o adicional de 1 Mcal de energia líquida de lactação por dia para a excreção da amônia na forma de ureia. Esse mesmo autor afirma que para valores de nitrogênio ureico no leite (NUL) de 20 mg dL-1 haveria redução na produção de leite equi-valente a 3,5 L diários, devido à energia que seria desviada para a síntese da ureia.

Butler (2004) observou que as taxas de prenhez de vacas leiteiras caíram aproximadamente 20% quando a concentração NUL ultrapassou 19 mg dL-1 de leite. Assim, esses resultados indicam a ne-cessidade de suplementos energéticos para equilibrar a relação energia:proteína e reduzir os exce-dentes de amônia ruminal de vacas leiteiras em pasto exclusivo de alfafa.

A utilização da alfafa em pastejo como parte da dieta de vacas leiteiras é uma alternativa pro-missora para dietas baseadas em volumosos tropicais, melhorando a relação energia:proteína

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(RODRIGUES et al., 2008). Outro aspecto é que, utilizando-se a alfafa somente como parte da dieta, diminui-se o risco de ocorrer timpanismo, que pode ser elevado em condições onde a alfafa é o único alimento (DAVIES; MéNDEZ, 2007).

é importante lembrar que, quando se utiliza a pastagem de alfafa por poucas horas por dia, a dieta dos animais precisa ser complementada com outro volumoso como, por exemplo, silagem de milho, pasto, feno de gramíneas ou mesmo concentrado, dependendo do nível de produção de leite da vaca. Entre as forrageiras conservadas, a silagem de milho é um recurso adequado para suple-mentar a dieta de vacas de alta produção em pastagens de alfafa, por fornecer a energia que está normalmente em déficit e para equilibrar a proteína de alta degradabilidade presente nas pastagens de alfafa (COMERON; ROMERO, 2007).

Na Embrapa Pecuária Sudeste, ao adicionar pastejo de alfafa por 1 hora, 2 horas e 4 horas ao siste-ma de produção, no período da seca, obteve margem de lucro sobre o sistema de produção tradicio-nal de leite (silagem de milho + concentrado) da ordem de 2,77%, 5,05% e 7,52%, respectivamente (Tabela 1). A redução do custo de produção de leite que se observou, quando se utilizou alfafa como parte da dieta, deveu-se à menor oferta de concentrado praticada, principalmente, diminuindo-se a quantidade de farelo de soja na dieta, ingrediente normalmente mais caro da ração. A produção de leite, nos diversos tratamentos com alfafa, foi praticamente constante e não se observaram diferen-ças significativas no peso dos animais. Os animais ingeriram 2,75 kg, 5,08 kg e 6,17 kg MS de alfafa com 1 hora, 2 horas e 4 horas de pastejo, respectivamente. O pastejo de 1 hora foi realizado à tarde, o de 2 horas foi realizado 1 hora pela manhã e 1 hora à tarde e o pastejo de 4 horas foi realizado 2 horas pela manhã e 2 horas à tarde. Todos os pastejos foram realizados depois da ordenha, feita às 5:00h e às 16:00h. A utilização de 4 horas de pastejo em alfafa proporcionou maior margem de lucro, cerca de 7,52%, com alfafa participando com 35% da matéria seca consumida.

Conclui-se que o sistema preconizado de pastejo em alfafa inclui a utilização dessa forrageira como parte da dieta de vacas leiteiras, suplementando com silagem de milho e concentrado, no pe-ríodo da seca, e forrageira tropical (capim-tanzânia ou tobiatã) e concentrado, no período das águas. Na época da seca, a silagem e o concentrado são fornecidos duas vezes ao dia, 40% pela manhã e 60% à tarde, sempre depois do pastejo em alfafa, objetivando estimular o consumo dessa forrageira. Na época das águas, o concentrado é também fornecido duas vezes ao dia, 40% pela manhã e 60% à tarde, também depois do pastejo em alfafa, para estimular o consumo dessa forrageira. À tarde, depois do segundo pastejo em alfafa, os animais ficam livres para pastejar a forrageira tropical, o que ocorre, preponderantemente, à noite. Na época da seca, pode-se optar por realizar o pastejo da alfa-fa à noite, mas na época das águas, o pastejo de alfafa à noite requer atenção, porque se chover em excesso e o solo ficar muito úmido, o pisoteio intenso poderá prejudicar a coroa da alfafa, afetando a densidade de plantas e a persistência do alfafal.

Para o agricultor que pretende ter em sua propriedade 10 vacas em lactação utilizando esse sistema, é necessário ter 1,5 ha de alfafa e 1 ha de capim tanzânia em pastejo rotacionado, pres-supondo uma produção média de 20 t e 15 t de MS por hectare por ano para alfafa e capim tanzâ-nia, respectivamente. Os cálculos foram feitos imaginando 80% e 70% de eficiência de utilização

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2224

de pastejo para a alfafa e o capim-tanzânia, respectivamente. No período da seca, recomenda-se o plantio de 1,2 ha de milho, quantidade suficiente para suprir os animais com silagem, prevendo uma produtividade de 13 t de MS por hectare por ano.

Na Argentina, tem-se utilizado a alfafa cortada e enleirada para consumo. Normalmente, o pas-tejo ocorre quatro horas depois do corte da forragem, reduzindo-se o potencial de timpanismo por consumir alfafa desidratada. Essa técnica é recomendada para áreas maiores, por exigir maquinário, trazendo como benefícios redução da perda da forragem durante o consumo e rebrote uniforme da área (Figura 3).

Tabela 1. Margem de lucro em diversos tempos de pastejo em alfafa na época da seca.

Variável Controle 1 hora(1) 2 horas 4 horas

Consumo de alfafa (kg MS) - 2,75 5,08 6,17

Consumo de silagem (kg MS) 10,08 9,05 6,43 5,72

Consumo de concentrado (kg MS) 8,37 7,02 6,28 5,20

Consumo total (kg MS) 18,45 18,33 17,79 18,09

Produção de leite (L/vaca/dia) 26,28 26,18 25,69 26,09

Peso dos animais (kg) 561,75 573,69 548,23 571,19

Custo da dieta (R$/kg) 0,53 0,48 0,47 0,43

Custo do concentrado (R$/kg) 0,98 0,95 0,91 0,91

Custo/litro de leite (R$) 0,41 0,38 0,36 0,33

Custo da dieta/vaca/dia (R$) 10,81 9,99 9,17 8,62

Margem de lucro/controle (%)(2) - 2,77 5,05 7,52(1) Tempo de pastejo; (2) Margem de lucro obtida em março de 2014.

Figura 3. Pastejo com vacas de leite em área de alfafa enleirada para consumo.

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 225

Normalmente, cultiva-se alfafa por 3 a 4 anos, fazendo-se, posteriormente, rotação de cultura com o milho. Sheafer et al. (1991) concluíram que a alfafa, depois de 3 anos consecutivos na mesma área, contribuiu com 100 kg ha-1 de nitrogênio residual para a cultura subsequente.

ALIMENTAçãO DE VACAS EM PASTAGEM DE ALFAFA SUPLEMENTADA COM FORRAGENS CONSERVADAS

A utilização de forragens conservadas em sistemas de produção de leite baseados em pastagem de alfafa tem como objetivos: equilibrar a relação energia:proteína da dieta; prevenir timpanismo ou meteorismo; complementar a dieta na época de menor produção da pastagem de alfafa; e aumen-tar a taxa de lotação e, consequentemente, a produção por hectare.

O aumento da produção de leite por hectare tem sido um dos principais objetivos nos sistemas intensivos de produção de leite com base em pastagens tropicais e também com base em pastagens de alfafa.

A silagem de milho ou de sorgo é o recurso adequado para suplementar a dieta de vacas de alta produção em pastagens de alfafa. A qualidade da silagem de milho ou de sorgo deve ser apropriada para fornecer a energia que normalmente está em déficit e para equilibrar a proteína de alta degra-dabilidade que está em excesso nas pastagens de alfafa e reduzir o risco de timpanismo.

Os resultados de produção de leite com o fornecimento de feno de alfafa, com silagem de milho e com feno de Cynodon dactylon são apresentados na Tabela 2. Observa-se que a dieta com feno de alfafa proporcionou maior produção de leite em razão do menor teor de FDN e da maior digestibi-lidade da fração fibrosa deste volumoso, possibilitando maior consumo de nutrientes digestíveis e maior produção de leite com a utilização de menor quantidade de concentrado.

Os resultados relativos ao efeito de diferentes estádios de maturação da alfafa utilizada na forma de feno sobre a qualidade da forragem, sobre o consumo de matéria seca e sobre a produção de leite são mostrados na Tabela 3. Observa-se que à medida que a planta entra em processo de matu-ração aumenta a concentração de fibra e reduz a concentração de proteína, diminuindo o consumo de matéria seca e afetando, consequentemente, a produção de leite.

Tabela 2. Produção de leite em função da qualidade do volumoso.

Variável Feno de alfafa Feno de Cynodon Silagem de milho

FDN do volumoso (%) 46 70 55

FDN da dieta (%) 36 36 36

Concentrado (% da MS da dieta) 30 60 45

Consumo diário de MS (kg por vaca) 24 19 20

Produção diária de leite (kg por vaca) 23 18 20

Fonte: Mertens (1983).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2226

TIMPANISMO ESPUMOSO

Embora a alfafa apresente características altamente desejáveis para os sistemas intensivos de produção de leite, como alta produção de forragem e alta qualidade nutricional, a alfafa em pastejo pode causar timpanismo espumoso. O aparecimento de timpanismo é difícil de ser previsto dada a complexidade de fatores que contribuem para a sua ocorrência.

Depois da mastigação e da ensalivação, a forragem consumida chega ao rúmen, onde ocorre o processo de fermentação a partir do qual se originam os gases (anidrido carbônico e metano), que normalmente se separam do conteúdo ruminal e são eructados.

As leguminosas meteorizantes, tais como a alfafa e os trevos, de alta qualidade forrageira, têm velocidade inicial de desaparecimento ruminal 25% a 30% mais rápida do que as leguminosas não meteorizantes, o que faz com que nas etapas iniciais da digestão produzam elevado volume de gases e grande acumulação de partículas vegetais no rúmen. Essas partículas, associadas a proteínas vegetais e polissacarídeos microbianos, dão origem a uma massa espumosa formada por pequenas borbulhas estáveis que retém os gases e inibe a eructação, provocando aumento progressivo da tensão no rúmen (DAVIES; MéNDEZ, 2007). As consequências variam desde a diminuição do consu-mo, nos casos leves, até a morte por asfixia, nos quadros graves.

O estádio fenológico ou de maturidade da planta de alfafa no momento do pastejo é a variável que melhor se associa com o aparecimento do timpanismo. No estádio de crescimento vegetativo, a forragem disponível apresenta alta relação folha-talo, elevado teor de proteína bruta (mais de 20%), baixo teor de parede celular (40%) e grande fragilidade das folhas, características que se relacionam com alto risco de ocorrência de timpanismo (RODRIGUES et al., 2008).

À medida que a alfafa atinge a maturidade, seu potencial meteorizante diminui, pelo fato de haver redução no teor de proteína bruta, aumento na proporção de fibra (FDN) e, principalmente, diminuição na relação folha-talo. Por um lado, embora a forragem tenha menos capacidade de pro-duzir timpanismo no estádio avançado de maturidade, por outro lado, apresenta qualidade e valor nutritivo reduzidos. Porém, nesse estádio, aumenta a biomassa dos rebrotes basais, que podem ser selecionados pelo animal e que também causam timpanismo (RODRIGUES et al., 2008).

Tabela 3. Efeito do estádio de maturação da alfafa sobre a qualidade da forragem, sobre o consumo de MS e sobre a produção de leite.

Estádio de maturação PB(%)

FDN(%)

Consumo de MS (kg por dia)

Produção de leite (kg por dia)

Pré-florescimento 21 < 40 19,1 23,9

10% de florescimento 18 44 15,9 16,1

50% de florescimento 16 51 13,4 9,7

PB = proteína bruta; FDN = fibra em detergente neutro; MS = matéria seca.Fonte: Kawas et al. (1983).

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 227

A pré-secagem da alfafa é uma técnica usada para reduzir o risco de timpanismo. Entretanto,

deve-se tomar cuidado com o tempo de secagem para evitar perdas por respiração.

Existem vários produtos que apresentam níveis de eficácia distintos na prevenção e no controle

do timpanismo. Esses produtos incluem os tensioativos sintéticos (poloxaleno e álcool etoxilado),

antiespumantes (dimetilpolisiloxano) e antibióticos (ionóforos). Os produtos tensioativos e anties-

pumantes podem ser fornecidos de forma individual ou coletiva. O uso de 1% de bicarbonato na

composição da mistura de sal mineral tem sido eficaz.

Podem ser utilizados também os ionóforos à base de monensina, um modificador da fauna ru-

minal cujo efeito com relação ao timpanismo é a redução da produção de gases, principalmente do

metano, no rúmen (DAVIES; MéNDEZ, 2007). A monensina está disponível na forma de pó para ser

misturado no concentrado ou em cápsulas de liberação lenta, que se colocam no rúmen. Quando

se optar por utilizar a mistura no concentrado, há necessidade de que esteja homogênea para evitar

intoxicação por sobredosagem e obter consumo uniforme do produto, de modo que seja assegu-

rada a eficácia da técnica de aplicação do ionóforo. Entretanto, a eficiência da monensina é menor

quando comparada a do poloxaleno (JOHNS, 2007). Assim, em condições de alto risco, a monensina

não impede totalmente a aparição de alguns casos de timpanismo (LATIMORI; KLOSTER, 2007).

Com um programa de melhoramento destinado à seleção de genótipos com menor velocidade

inicial de desaparecimento ruminal, o INTA-Argentina lançou comercialmente, em 2008, a cultivar

ProINTA Carmina, que diminuiu de 5% a 23% a incidência de timpanismo em condições de pastejo

(BASIGALUP et al., 2007).

CUSTO DE PRODUçãO DA ALFAFA

O custo de produção anual de 1 ha de alfafa foi de R$ 7.223,89, levando-se em consideração no

cálculo o custo de sua manutenção, o custo de oportunidade da terra e as depreciações dos ativos

fixos (Tabela 4).

O investimento na formação do pasto de alfafa foi de R$ 2.655,85 por hectare depreciado em

3 anos. O valor do investimento em ativos fixos, que inclui o conjunto de irrigação, a cerca elétrica

e o bebedouro foi de R$ 8.307,59 por hectare depreciado proporcionalmente à vida útil de cada

ativo: 10 anos para os dois primeiros e 5 anos para o último. O custo de formação da alfafa envolveu

preparo do solo, calagem e adubação de plantio, aplicação de herbicida e compra de sementes. Já

o custo de manutenção do pasto de alfafa foi de R$ 4.757,85 por hectare, composto por despesas

com insumos (calcário, adubo, herbicida e inseticida), reposição de peças, mão de obra e consumo

de energia elétrica. Considerando-se produção de 20 t de MS de alfafa por ano e vida útil do alfafal

de 3 anos, produz-se alfafa ao custo de R$ 0,36/kg de MS. O que mais pesou no custo de produção

de alfafa foi a utilização de insumos, especialmente cloreto de potássio (Tabela 4).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2228

Tabela 4. Custo de produção de 1 ha de alfafa1.

Especificação Unidade(2) Quant./ha Preço unitário (R$) Total (R$/ha)

Formação

Sementes kg 15,00 40,00 600,00

Calcário dolomítico t 4,00 100,00 400,00

Superfosfato simples t 0,80 1.100,00 880,00

Cloreto de potássio t 0,10 1.800,00 180,00

FTE BR 12 t 0,05 1.700,00 85,00

Formicida Decis kg 1,00 45,00 45,00

Herbicida Trifluralina L 1,50 64,00 96,00

Espalhante adesivo Assist L 1,00 7,60 7,60

Análise de solo Ud 1,00 20,00 20,00

Subtotal 2.313,60

Operações

Subsolagem Hm 2,00 36,96 73,92

Grade aradora Hm 2,00 36,96 73,92

Grade niveladora Hm 1,00 40,73 40,73

Calagem Hm 0,50 41,00 20,50

Fosfatagem Hm 0,50 37,80 18,90

Potassagem Hm 0,50 37,80 18,90

Plantio Hm 1,00 57,80 57,80

Compactação Hm 0,50 37,80 18,90

Herbicida Hm 0,30 62,27 18,68

Subtotal 342,25

Custo de formação 2.655,85

Manutenção

Cloreto de potássio t 1,20 1.800,00 2.160,00

Superfosfato simples t 0,50 1.100,00 550,00

Calcário dolomítico t 2,00 100,00 200,00

FTE BR 12 t 0,03 1.700,00 51,00

Pulverização foliar Néctar L 0,80 85,00 68,00

Herbicida Gramoxone L 2,00 25,00 50,00

Herbicida Zethapyr e/ou Fusilade L 4,00 65,00 260,00

Espalhante adesivo Assist L 5,00 7,60 38,00Continua...

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 229

Especificação Unidade(2) Quant./ha Preço unitário (R$) Total (R$/ha)

Inseticida Engeo Pleno L 0,10 110,00 11,00

Análise do solo Ud 1,00 20,00 20,00

Mão de obra Dh 30,00 33,00 990,00

Energia para irrigação Kwh 2.205,00 0,07 154,35

Reposição materiais de irrigação Ud 205,50

CUSTO DE MANUTENçãO 4.757,85

Investimento

Conjunto de irrigação Ud 1 6.107,59

Cercas internas m 1700 1.700,00

Bebedouro Ud 1 500,00

Total de investimento 8.307,59

Depreciação do conjunto de irrigação 610,76

Depreciação da cerca 170,00

Depreciação do bebedouro 100,00

Depreciação da alfafa 885,28

Total da depreciação 1.766,04

Custo de oportunidade da terra (aluguel)(3) 700,00

Custo total (R$/ha/ano) 7.223,89

Produção de matéria seca (t MS alfafa/ha/ano) 20

Vida útil da pastagem de alfafa (anos) 3

Custo do Kg de MS 0,36(1) Custo de produção obtido em outubro de 2015.(2) Hm: Hora-máquina; t: tonelada; L: litro; Ud: unidade; Dh: dia-homem; m: metro; kg: quilogramas.(3) Preço de aluguel da terra no estado de São Paulo.

Tabela 4. Continuação.

IMPACTO ECONÔMICO DA UTILIZAçãO DA ALFAFA NA ALIMENTAçãO DE VACAS LEITEIRAS

Para demonstrar a viabilidade econômica da utilização da alfafa na alimentação de vacas leitei-ras, tomou-se como referência um sistema de produção de leite tradicional em que as vacas, com lactação média de 25 L por dia, são alimentadas com capim-tanzânia e concentrado no período das águas (novembro a março) e silagem de milho e concentrado, no período da seca (abril a outubro). Neste exemplo, o produtor destina 35 ha de sua propriedade ao sistema de produção de leite e há fêmeas de reposição.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2230

Tabela 5. Informações da tecnologia utilizada pelo sistema tradicional.

Itens Silagem de milho Capim-tanzânia Concentrado

Consumo/vaca/dia verão (kg MS) - 10,40 8,14

Consumo/vaca/dia inverno (kg MS) 12,60 - 5,45

Área (ha) 22,87 12,13 -

Produção (t MS/ha) 13,00 15,30 -

O emprego da alfafa no sistema tradicional, como uma terceira fonte de volumoso, muda o vo-lume da matéria seca das forragens e do concentrado. Observa-se que a área com capim-tanzânia reduzirá de 12,13 ha para 10,11 ha e a área destinada à silagem de milho de 22,87 ha para 17,52 ha. A introdução da alfafa, no sistema tradicional, será a única mudança proposta. A alfafa será fornecida em pastejo direto na quantidade de 5 kg de MS por vaca por dia durante todo o ano (Tabelas 5 e 6). Para consumir 5 kg de MS alfafa por vaca por dia são necessários 2 horas de pastejo, sugere-se 1 hora após a ordenha da manhã e 1 hora após a ordenha da tarde. Recomenda-se pastejo em faixas na área de alfafa, para maior eficiência no uso da forragem.

O manejo alimentar indicado é fornecer, na época da seca, silagem de milho e concentrado duas vezes ao dia, 40% pela manhã e 60% à tarde, sempre depois do pastejo em alfafa, objetivando esti-mular o consumo dessa forrageira. Na época das águas, o concentrado será também fornecido duas vezes ao dia, 40% pela manhã e 60% à tarde, também depois do pastejo em alfafa, para estimular o consumo dessa forrageira. À tarde, após o segundo pastejo em alfafa, os animais ficarão livres para pastejar o capim-tanzânia, o que ocorre, preponderantemente, à noite. Para animais com produção superior a 6.000 L de leite por lactação, recomenda-se alfafa participando com 30% a 40% da matéria seca consumida.

A composição do concentrado, nas épocas da seca e das águas, para o sistema tradicional e com alfafa consta das Tabelas 7 e 8. Observa-se que a adição da alfafa, como parte da dieta, permite reduzir e eliminar o farelo de soja na época da seca e das águas, respectivamente.

Tabela 6. Informações da tecnologia com o emprego da alfafa no sistema tradicional.

Itens Alfafa Silagem de milho Capim-tanzânia Concentrado

Consumo/vaca/dia verão (kg MS) 5,00 - 7,01 6,89

Consumo/vaca/dia inverno (kg MS) 5,00 7,62 - 5,67

Área (ha) 7,37 17,52 10,11 -

Produção (t MS/ha) 20,00 13,00 15,30 -

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 231

Tabela 7. Quantidade dos ingredientes das dietas nos tratamentos controle e de pastejo em alfafa na época da seca(1).

Ingrediente(2) Sistema tradicional Sistema com alfafa

Silagem de milho 12,60 7,62

Alfafa 0,00 5,00

Farelo de milho 1,30 3,75

Farelo de soja 3,56 1,33

Núcleo mineral 0,42 0,42

Bicarbonato de sódio 0,16 0,16

Monensina sódica 0,01 0,01

Matéria seca total 18,05 18,29(1) Critério adotado: dieta isoenergética e isoprotéica; (2) Quantidade do ingrediente (kg.animal.dia-1).

A análise bromatológica da silagem de milho, do capim-tanzânia, da alfafa, do farelo de milho e do farelo de soja componentes das dietas encontra-se na Tabela 9. A alfafa, pela sua qualidade forrageira, pode ser avaliada como substituto parcial do concentrado ou como indutor da melhoria da qualidade da forragem consumida pelo animal. Já o capim-tanzânia e a silagem de milho, como parte da dieta, fornecerão a energia digestível ou metabolizável que está em déficit, equilibrarão a proteína de alta degradabilidade que está em excesso e reduzirão o potencial de timpanismo que pode ocorrer quando se utiliza alfafa como único volumoso (RODRIGUES et al., 2008).

Os investimentos necessários para introdução da alfafa no sistema tradicional são apresentados na Tabela 10 e a viabilidade econômica e financeira foi analisada levando-se em conta um horizonte de planejamento de oito anos. O custo de formação da alfafa será depreciado em três anos, tempo

Tabela 8. Quantidade dos ingredientes das dietas nos diversos tratamentos controle e de pastejo em alfafa na época das águas(1).

Ingrediente(2) Sistema Tradicional Sistema com Alfafa

Capim-tanzânia 10,40 7,01

Alfafa 0,00 5,00

Farelo de milho 6,25 6,30

Farelo de soja 1,30 0,00

Núcleo mineral 0,42 0,42

Bicarbonato de sódio 0,16 0,16

Monensina sódica 0,01 0,01

Matéria seca total 18,54 18,90(1) Critério adotado: dieta isoenergética e isoprotéica; (2) Quantidade do ingrediente (kg.animal.dia-1).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2232

Tabela 9. Análise bromatológica dos componentes das dietas experimentais(1).

Parâmetro Silagem de milho Tanzânia Alfafa Farelo de

milhoFarelo de

soja

PB (% da MS) 8,25 16,23 25,60 9,24 48,93

Proteína Solúvel (% PB) 41,40 42,00 30,00 11,00 35,9

FDN (% da MS) 44,25 65,00 44,08 16,71 14,88

FDA (% da MS) 22,53 38,91 29,01 5,93 9,49

N-FDN (% da MS) 0,13 1,17 0,97 0,21 0,32

Lignina (% da MS) 3,48 4,11 7,21 1,51 2,50

Extrato Etéreo (% da MS) 3,20 2,27 3,24 6,05 0,93

Cinzas (% da MS) 3,50 8,78 10,31 1,61 8,28(1) Laboratório de Nutrição Animal, Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP.

Tabela 10. Investimentos na produção de alfafa(1).

Itens R$

Investimento em equipamentos de irrigação 54.012,85

Investimento em formação da alfafa no primeiro ano 20.092,42

Investimento total 74.105,27(1) Custo dos investimentos obtidos em outubro de 2015.

de vida útil de um alfafal. A rotação de cultura na área de alfafa será feita com milho. Estima-se que a alfafa, depois de três anos de cultivo na mesma área, contribua com 100 kg ha-1 de N residual para a cultura subsequente (SHEAFER et al., 1991). Normalmente, a rotação de cultura com alfafa é feita com milho.

O investimento foi financiado com prazo de oito anos com taxa de juros real de 1% (taxa de juros nominal-inflação). Os fluxos de caixa foram projetados em moeda constante, portanto, a taxa de juros considerada foi real.

Na Tabela 11 são apresentados os custos de produção das vacas no sistema tradicional e no sistema com alfafa. O sistema com alfafa permitiu alocar mais quatro vacas em lactação do que no sistema tradicional, dada a maior competitividade da alfafa na produção de matéria seca por hecta-re. Mesmo com um maior número de vacas no sistema que utiliza alfafa, houve redução no consumo de concentrado, dado o potencial proteico dessa leguminosa, que permite reduzir ou eliminar farelo de soja da dieta na época da seca e das águas, respectivamente. Houve também menor consumo de silagem de milho e redução no custo de manutenção do capim-tanzânia, explicando o menor custo por vaca por ano no sistema que utiliza alfafa.

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 233

Tabela 11. Custos de produção operacionais das vacas no sistema tradicional e no sistema com alfafa(1).

Itens de custo de produção Sistema tradicional (R$)

Sistema com alfafa (R$)

Sal mineral 4.412,45 4.656,42

Concentrado época das águas 53.565,54 38.734,54

Concentrado época da seca 83.889,94 59.570,09

Silagem de milho 81.474,95 52.264,52

Mão-de-obra 139.654,77 147.376,43

Vacinas e medicamentos 7.662,73 8.086,41

Inseminação artificial 6.077,51 6.413,54

Manutenção do capim-tanzânia 30.728,34 25.598,36

Manutenção da alfafa - 46.525,98

Manutenção de benfeitorias, máquinas e equip. 2.298,82 2.425,92

Custo operacional total 410.687,91 391.652,22

Nº de vacas em lactação 77 81

Nº de vacas secas 14 14

Nº de rufiões 3 3

Custo operacional/vaca/ano(2) 5.359,55 4.843,34(1) Custo de produção obtido em outubro de 2015; (2) Inclui vacas secas e rufiões.

A variação nos custos operacionais de fêmeas de reposição é pequena; os itens de custos são os mesmos, com as diferenças sendo atribuídas ao menor número de animais do sistema tradicional (Tabela 12). Foram ofertados dois kg de concentrado para fêmeas de reposição durante todo o ano, a partir dos seis meses de idade.

Na Tabela 13 são apresentados os resultados econômicos do sistema tradicional e do sistema com alfafa. Observa-se que a utilização da alfafa na alimentação de vacas leiteiras permitirá aumento de quatro vacas no sistema de produção (Tabela 11), proporcionando aumento na produção diária de leite da ordem de 5,53% (Tabela 13). A elevada quantidade de matéria seca produzida pela alfafa, sem estacionalidade da produção de forragem, permitiu alocar mais vacas ao sistema. O custo de produção das vacas será reduzido de 9,63%, já que ao adicionar alfafa na dieta há redução (Tabela 7) e eliminação (Tabela 8) do farelo de soja da dieta na época da seca e das águas, respectivamente. O lu-cro líquido por hectare por ano será de 9,89% e essa lucratividade se deve ao aumento do número de animais e à redução do custo da dieta (Tabela 13). A premissa utilizada foi a seguinte: ao se adicionar alfafa na alimentação de vacas leiteiras, se mantém a produção de leite individual das vacas em relação ao tratamento controle, conforme demonstram trabalhos desenvolvidos na Embrapa (KUWAHARA et al., 2014a, 2014b).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2234

Tabela 13. Resultados econômicos do sistema tradicional e do sistema com alfafa.

Resultado econômico Sistema tradicional Sistema com alfafa Diferença (%)

Lucro líquido/ha/ano (R$)(1) 3.393,24 3.728,85 9,89

Custo de produção de vacas (R$) 5.359,55 4.843,34 -9,63

Produção diária (kg de leite) 1.915,68 2.021,68 5,53(1) O lucro líquido/hectare/ano é obtido descontando-se as despesas de financiamento do investimento realizado em alfafa.

Tabela 12. Custos de produção operacionais de fêmeas de reposição do sistema tradicional e do sistema que utiliza alfafa do nascimento aos 24 meses(1).

Itens de custo de produção Sistema tradicional (R$)

Sistema com alfafa (R$)

Leite das bezerras 7.448,17 7.859,99

Sal mineral 1.540,03 1.625,17

Concentrado 26.288,75 27.801,83

Silagem de milho 28.491,48 29.025,94

Vacinas e medicamentos 9.999,86 10.552,76

Inseminação artificial 2.605,58 2.749,65

Manutenção de pastagens (capim-tanzânia) 9.001,38 9.506,07

Manutenção de benfeitorias, máquinas e equip. 2.999,96 3.165,83

Custo operacional total 90.610,84 94.651,39

Nº de fêmeas de reposição 33 35

Custo operacional/fêmea de reposição/ano 2.699,52 2.669,61(1) Custo de produção obtido em outubro de 2015.

O sistema de produção com alfafa é superior ainda em dois aspectos essenciais para o produtor de leite: remunera melhor as despesas operacionais (assistência técnica, administração e pró-labore do produtor) e o fluxo de caixa livre é superior em relação ao do sistema tradicional (Tabela 14).

Pode-se concluir que as principais vantagens da utilização da alfafa como parte da dieta de vacas leiteiras são: reduz a utilização de concentrado; permite a utilização de concentrado com menor teor proteico; reduz o custo de produção de leite; reduz a utilização da silagem na época da seca; reduz o potencial de timpanismo; permite melhor equilíbrio na relação energia:proteína; aumenta o nú-mero de animais que pastejam alfafa; aumenta a produção de leite por hectare; reduz a aplicação de fertilizante nitrogenado; reduz a estacionalidade da produção de forragem; reduz a sazonalidade da produção de leite e aumenta a lucratividade da atividade leiteira. Deve-se ressaltar, entretanto, que a alfafa é uma forrageira exigente em tratos culturais, requerendo calagem, adubação de plantio e de

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 235

CONSIDERAçõES FINAIS

As características da alfafa, como elevada produção, alta qualidade e alta digestibilidade, fazem com que ela desempenhe papel importante para a melhoria da qualidade das dietas utilizadas nas regiões tropicais, pois os volumosos que são muito produtivos nessas regiões são caracterizados por apresentar digestibilidade da fibra e teor de proteína muito baixos, o que afeta o consumo de nutrientes digestíveis e, consequentemente, o desempenho animal.

A utilização da alfafa como parte da deita é uma alternativa promissora como complemento de volumosos tropicais, pois proporciona melhoria da qualidade da forragem consumida pelo animal e permite melhor balanceamento da relação energia:proteína. Outro aspecto é que a utilização da alfafa como parte da dieta diminui o risco de ocorrência de timpanismo, que pode ser elevado em condições onde a alfafa é o único alimento.

Merece ainda ser ressaltado que o pastejo em alfafa durante poucas horas por dia permite que maior número de animais tenha acesso à alfafa, o que satisfaz um dos objetivos principais dos siste-mas intensivos de produção de leite, que é a utilização de elevada taxa de lotação para que se possa obter elevada produção por hectare. Nesse sentido, além da utilização da alfafa em pastejo para complementar outros volumosos de boa qualidade produzidos em condições tropicais, a associação com quantidade moderada de concentrados contribuirá não somente para o aumento da produção individual, mas também para a obtenção de elevado nível de produção de leite por área.

Na época da seca, o que se preconiza é que se utilize pastejo em alfafa, forragem conservada (silagem de milho) e concentrado, ao passo que nas águas, recomenda-se pastejo em alfafa, pastejo em forragem tropical (capim-tanzânia ou tobiatã) e concentrado. Para animais com produção su-perior a 6.000 L de leite por lactação, recomenda-se alfafa participando com 30% a 40% da matéria seca consumida.

Tabela 14. Despesas operacionais e fluxo de caixa livre dos sistemas de produção com e sem alfafa(1).

Itens Sistema tradicional (R$)

Sistema com alfafa (R$)

Despesa operacional 118.700,79 144.982,68

Assistência técnica 23.740,16 28.996,54

Administração 11.870,08 14.498,27

Pró-labore do produtor 83.090,55 101.487,87

Fluxo de caixa livre do produtor 118.700,79 134.978,46(1) Despesas e fluxo de caixa obtidos em outubro de 2015.

manutenção, irrigação e controle de plantas daninhas. Portanto, o produtor rural que tiver interesse em adicionar alfafa na dieta de vacas leiteiras deve ter o perfil de pecuarista e de agricultor.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2236

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Capítulo 4 Potencial forrageiro da alfafa para alimentação de vacas de leite nos trópicos 237

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2238

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Capítulo 5 A contribuição das forrageiras de inverno para a pecuária de leite 239CAPÍTULO 5

A contribuição das forrageiras de inverno para a pecuária de leite

Renato Serena Fontaneli | Gilmar Roberto Meinerz | Roberto Serena Fontaneli | Henrique Pereira dos Santos | Valderia Biazus | Daniela Fávero | Ingrid de Almeida Rebechi

INTRODUçãO

Nos sistemas de produção de leite mais competitivos do mundo, as pastagens se constituem no componente principal da dieta dos animais. O uso de pastagens como base alimentar dos sistemas de produção tem como principal benefício a redução no custo do alimento, que representa mais de 50% dos custos totais de produção de leite (PARKER et al., 1992). Especialmente em regiões de clima subtropical, onde as condições edafoclimáticas permitem o cultivo de diversas espécies forra-geiras, é usual o cultivo sequencial de forrageiras anuais e perenes de estação quente e fria (CLARK; KANNEGANTI, 1998).

Uma das características marcantes das forrageiras é o seu padrão estacional de produção de forragem, ocasionando períodos de entressafra caracterizados pela escassez de forragem. Essa es-cassez é chamada comumente de vazio forrageiro, que é definido pela insuficiência de forragem, em quantidade e valor nutritivo, seja pela estacionalidade, maturação ou insuficiência das espécies forrageiras (OLIVEIRA, 2009). Esse período é especialmente crítico para a atividade leiteira, pois nor-malmente é a época do ano quando são observados os maiores preços do leite. Para diminuir esse problema, normalmente se faz uso da suplementação com silagem, feno ou concentrado (ROCHA et al., 2007), implicando maiores custos de produção.

O cultivo de cereais de estação fria, como a aveia (Avena spp.), o trigo (Triticum sativum L.) e o centeio (Secale cereale L.), ocupa aproximadamente 35% das áreas destinadas à agricultura no mun-do (PHILLIPS et al., 1996). A utilização dessas espécies é uma alternativa de produção de forragem precoce, em um período caracterizado pela escassez de pastagens tropicais. Ainda, considerando o seu elevado potencial de produção e de qualidade da forragem, é uma das alternativas para viabi-lizar sistemas de produção baseados no pasto. Juntamente com o potencial genético do animal, o valor nutritivo do pasto e o consumo de forragem são determinantes para a produção de leite. Em animais de elevado potencial genético, a eficiência de aproveitamento dos nutrientes provenientes da forragem exerce forte influência sobre a produtividade.

Na região sul-brasileira, as pastagens nativas e as cultivadas de verão se encontram maduras (senescentes) com redução ou cessação em suas taxas de crescimento durante o outono, o que afeta

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2240

sobremaneira a disponibilidade de alimento in natura para os herbívoros. O cultivo das forrageiras hibernais anuais ou perenes se torna fundamental para o adequado forrageamento dos animais durante aquela estação, no inverno e também início da primavera, residindo aí a sua principal con-tribuição para a produção leiteira nessa macrorregião.

As forrageiras hibernais são conhecidas por sua qualidade, identificada pelos elevados níveis de consumo (> 2,5% do PV) e da concentração de nutrientes digestíveis (> 80%) quando em estádio vegetativo, o que propicia um bom desempenho animal. A adaptação das espécies exóticas, tan-to gramíneas como leguminosas, é marcada pela necessidade da correção de solos para atender suas exigências nutricionais, visto que as condições climáticas encontradas na região subtropical do Brasil são mais favoráveis ao crescimento das espécies de inverno.

O cultivo das forrageiras hibernais anuais também é importante nos sistemas de produção de grãos como alternativa para cobertura do solo, produção de palha e rotação cultural, fundamentais para a sustentabilidade do sistema de plantio direto.

Na região sul-brasileira, o sistema integrado de produção agropecuária predominante é a ali-mentação animal com plantas de cobertura e/ou pastagens anuais em rotação com cultivos anuais de grãos. O sucesso desse sistema está em compatibilizar a produção animal sem afetar a sustenta-bilidade das culturas de verão, especialmente a soja. Outro, menos frequente, é a rotação de pasta-gens perenes com culturas anuais.

Neste capítulo são apresentadas as principais forrageiras de inverno utilizadas em sistemas in-tegrados de produção agropecuária, com ênfase na região sul-brasileira, focando a adaptação, o estabelecimento e as indicações de utilização e manejo.

PRINCIPAIS FORRAGEIRAS DE INVERNO E CEREAIS DE DUPLO-PROPóSITO

As principais forrageiras de inverno utilizadas em sistemas integrados são a aveia preta e o aze-vém anual, secundadas pelos cereais de duplo propósito (trigo, aveia branca, cevada, centeio e triti-cale). As leguminosas perenes (trevo-branco, trevo-vermelho e cornichão) e as anuais (ervilhacas e trevo-vesiculoso) participam na composição de consorciações em pastagens muito bem manejadas ou em sobressemeadura outonal em pastagens perenes de verão nativas ou cultivadas (FONTANELI et al., 2011b).

AZEVéM (LOLIUM MULTIFLORUM LAM.)

Esta espécie anual rústica e vigorosa é nativa do sul da Europa (Itália), daí seu nome popular de azevém italiano, sendo espontânea em muitas áreas da região sul-brasileira (JUNG et al., 1996). A irrigação é indispensável para o sucesso do cultivo de azevém e aveia na região sudeste (ALVIM

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Capítulo 5 A contribuição das forrageiras de inverno para a pecuária de leite 241

et al., 1994; CóSER et al., 1981). Populações de azevém provenientes do sul avaliadas por Pereira et al. (2008) em Valença, RJ, produziram de 3,6 t ha-1 a 8,5 t ha-1 de MS, sendo que algumas delas podem ser indicadas para cultivo na região sudeste.

O azevém é uma gramínea cespitosa, perfilha em abundância, com folhas brilhantes e lisas, muito produtiva, podendo superar as demais espécies de inverno quando bem fertilizada. Apresenta ele-vado valor nutritivo, sendo, juntamente com a aveia preta, as forrageiras temperadas mais cultivadas no sul do Brasil (FONTANELI et al., 2012). é utilizada para compor pastagens anuais consorciadas com dezenas de espécies, podendo compor pastagens para serem utilizadas de meados do outono ao final da primavera. Também tem sido muito utilizada como forragem conservada na forma de feno e silagem pré-secada. Embora tenha o desenvolvimento inicial lento, supera em quantidade e valor nutritivo as demais gramíneas anuais na primavera. A ressemeadura natural é uma das característi-cas que a torna popular na formação de pastagens para produção animal.

Na região sul-brasileira é notória a sua participação cada vez mais crescente em pastagens con-sorciadas com trevos. Em adição aos programas nacionais de melhoramento de cultivares diploides, há também o aumento da oferta de sementes de cultivares tetraploides, de ciclos mais longos, de-sejáveis para produção animal. Em sistemas integrados de produção agropecuária, deve-se ter aten-ção com o azevém antecedendo trigo, triticale, cevada e centeio, pois transmite mais doenças do sistema radicular (mal-do-pé – Gaeumannomyces graminis var. tritici e podridão comum – Bipolaris sorokiniana) do que a própria monocultura do trigo (SANTOS; REIS, 1995).

Adaptação e estabelecimento

O azevém adapta-se a quase todos os tipos de solo, preferindo os de textura média. Pode ser cultivado em regiões com precipitações pluviais altas, embora possa ser cultivado em regiões com até 500 mm anuais bem distribuídos na estação de crescimento (VENDRAMINI et al., 2013). Tolera umidade, pela emissão de raízes adventícias, a partir do nó basal dos afilhos, mas não resiste ao encharcamento. As raízes são superficiais (5 cm a 15 cm), não resistindo a secas prolongadas. A temperatura ótima para seu crescimento situa-se ao redor de 20 oC. Embora tolere temperatu-ras negativas, paralisa o crescimento com temperatura baixa (< 6 oC), resultando em crescimento lento durante o inverno.

Durante a primavera, é comum o acamamento decorrente da estrutura da planta com folhagem abundante. Apresenta resposta à adubação fosfatada e nitrogenada, que aumenta consideravel-mente a produção de biomassa. A semeadura deve ser realizada de março a junho, com deposi-ção de sementes a baixa profundidade (1 cm). Em semeadura singular, indica-se de 25 kg ha-1 a 40 kg ha-1 de sementes e, quando consorciada, de 15 kg ha-1 a 25 kg ha-1. A massa de mil sementes das cultivares diploides precoces é de, aproximadamente, 2,3 g. O azevém é geralmente consorciado com aveia preta e/ou centeio, compondo pastagem com maior período de pastejo no sul do Brasil. A inclusão de leguminosas como a ervilhaca e o trevo-vesiculoso constitui opção interessante, em-bora com menor adoção. O azevém constitui ótimas consorciações com outras gramíneas precoces como cevada, triticale e aveia branca. Também consorcia excelentemente com espécies perenes

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2242

como trevo-branco, trevo-vermelho e cornichão (FONTANELI; FREIRE JR., 1991; FONTANELI et al., 2005), e mesmo em sobressemeadura em pastagens compostas de gramíneas perenes de verão (FONTANELI et al., 2013) como bermudas, quicuio, hemártria, pensacola, missioneira, braquiária bri-zanta, ou ainda espécies cespitosas como capim elefante e colonião.

Manejo

O azevém é tolerante ao pisoteio e possibilita período de pastejo de até cinco meses, embora com maior contribuição primaveril, justificando-se as consorciações com forrageiras precoces, como as aveias e o centeio. Possui grande capacidade de rebrote e é bem aceito pelos animais, podendo produzir mais de 6 t ha-1 de MS em cultivos singulares e até 10 t ha-1 de MS em consórcios.

O pastejo deve ser iniciado com plantas com altura de cerca de 20 cm, 60 a 80 dias após a emergência, quando as plantas tendem a se inclinar em condições favoráveis de umidade, tempe-ratura, luminosidade e fertilidade do solo. Em pastejo com lotação contínua, muito usado no Sul do Brasil, a carga animal deve ser ajustada à disponibilidade de forragem, mantendo-se a altura do pasto entre 10 cm e 20 cm. Segundo Salermo e Tcacenco (1986), o intervalo de pastejo que pro-picia maior produtividade de forragem de elevado valor nutritivo é de 4 a 6 semanas. Vendramini et al. (2008) obtiveram um aumento linear de produção diária de 32 kg a 64 kg de MS por hectare em resposta a níveis de adubação nitrogenada de 0 a 80 kg ha-1 com intervalos de seis semanas. Lupatini et al. (1993), no Rio Grande do Sul, reportam eficiência de utilização de 20,1 kg de MS por hectare por quilograma de N por hectare aplicado em pastagem de aveia e azevém adubada com 300 kg ha-1 de N, resultando em produção de 10,9 t ha-1 de MS e Gonçalves (1979) registrou incremento de 40 kg de MS por hectare por kg de N por hectare com aplicação de 50 kg ha-1 de N.

A ingestão diária de 16 kg de MS de forragem por vaca Holandês (530 kg PV) em pastagem de azevém anual com elevada oferta diária (40 kg MS por vaca) propiciou produção diária de 20 kg de leite (RIBEIRO FILHO et al., 2009). Os mesmos autores estimaram uma redução diária de 0,2 kg de leite por vaca a cada quilo de diminuição na oferta de MS de forragem.

Vacas leiteiras com potencial de produção diária de até 22,5 kg de leite depois o pico de lactação, pastejando azevém anual manejado com alta oferta de forragem, não respondem à suplementação maior que 2,0 kg de grão de milho moído (RIBEIRO FILHO et al., 2007).

AVEIAS PRETA (AVENA STRIGOSA SCHREB.) E BRANCA FORRAGEIRA (AVENA SATIVA L.)

O gênero Avena é originário do Mediterrâneo e compreende dezenas de espécies. A aveia preta é utilizada principalmente para compor pastagens como adubação verde e cobertura de solo para o sistema plantio direto, inibindo o crescimento de plantas daninhas e é conservada como feno pré-secado ou silagem de planta inteira. A aveia branca é utilizada também para produção de grãos

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Capítulo 5 A contribuição das forrageiras de inverno para a pecuária de leite 243

destinados à alimentação humana ou animal, ou ainda como forrageira, com variedades mais tar-dias de maior porte, maior afilhamento e valor nutritivo.

é cespitosa, com dois a três perfilhos, com folhas compostas por hastes, lâminas e lígula. A au-sência de aurículas permite diferenciá-la dos demais cereais de inverno na fase de desenvolvimento vegetativo. As hastes são longas, com quatro a cinco entrenós ocos. O entrenó superior é denomi-nado pedúnculo, que suporta a panícula, composta de ráquis principal, secundárias e espiguetas.

Adaptação e estabelecimento

A aveia possui ampla adaptabilidade, desenvolve-se em regiões temperadas e subtropicais. No Brasil é cultivada principalmente nos estados do sul (RS, SC e PR), sudeste (SP, RJ, MG e ES) e Mato Grosso do Sul, em regiões com temperaturas de 20 ºC a 25 oC, que favorecem seu desenvolvimento vegetativo. Pode ser cultivada do nível do mar a 1.300 m de altitude (DERPSCH; CALEGARI, 1992).

A aveia preta adapta-se a uma grande variedade de solos, preferindo os argilosos com boa dre-nagem. Embora menos sensível à acidez do solo que o trigo, vegeta bem em solos com pH de 5 a 7 e responde à adubação.

A época de semeadura é de março a julho, dependendo da finalidade de uso. A semeadura acon-tece mais cedo (de março a maio) quando destinada à cobertura do solo, para compor pastagens ou como duplo-propósito, e mais tarde (de 15 de maio a 15 de julho) para produção de grãos, minimi-zando acamamento e risco de geadas no florescimento. A densidade varia de 200 a 300 sementes aptas por metro quadrado, para produção de grãos, e 350 sementes aptas por metro quadrado, para produção forrageira e cobertura de solo. O espaçamento entre linhas indicado é de 0,17 m e a profundidade de semeadura de 2 cm a 3 cm. Pelo elevado potencial de produção (5,0 t ha-1 a mais de 9,0 t ha-1 de MS), indicam-se as orientações de adubação e calagem para os estados do RS e SC, constantes do Manual... (2004).

As cultivares de aveias forrageiras indicadas (INDICAçõES..., 2014) são Embrapa 29 Garoa, Embrapa 139 Neblina, UPFA 21-Moreninha, IPR Cabocla e Iapar 61-Ibiporã (aveias pretas) e FAPA 2, FUNDACEP FAPA 43, IPR 126, IPR Esmeralda e IPR Suprema (aveias brancas). A Embrapa também indica para fins forrageiros e de cobertura de solo as cultivares BRS Centauro e BRS Madrugada de Avena brevis (semelhante à aveia preta).

Manejo

Para pastejo de aveias forrageiras, é indicada a entrada dos animais quando as plantas atingem de 25 cm a 30 cm e saída com 10 cm. No método de pastejo com lotação contínua, é recomendável manter a pastagem com altura média de 15 cm a 20 cm.

Para silagem pré-secada, é indicado o corte no emborrachamento das plantas (antes da emer-gência da panícula), estádio com equilíbrio entre produção de massa e valor nutritivo. As plantas estarão com aproximadamente 0,8 m e devem ser cortadas a 0,1 m acima da superfície do solo.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2244

Esse estádio ocorre cerca de 70 a 130 dias depois da emergência, dependendo da cultivar, nível de fertilidade e condições climáticas. Após o corte, deixa-se secar no campo até atingir de 305 a 45% de MS, levando de 6 a 48 horas, dependendo do volume de massa, condições climáticas; pelo menos um revolvimento é necessário para acelerar e uniformizar a forragem.

No RS, Canto et al. (1997) avaliaram aveia consorciada com ervilhaca ou com 100 kg ha-1 de adu-bação nitrogenada ou em mistura de ambas as espécies com azevém. Os autores reportaram que, apesar da superioridade em digestibilidade in vitro da matéria orgânica (DIVMO) dos tratamentos com ervilhaca, o desempenho animal foi similar com alta oferta de forragem (11 kg de MS por 100 kg de peso vivo), resultando ganho médio diário de novilhos de 1,3 kg e total anual de 250 kg ha-1.

A estimativa de produção de leite utilizando pastejo de aveias forrageiras, baseado na qualidade bromatológica reportada por Carvalho e Strack (2014), em média de 6 anos nos Campos Gerais do Paraná, foi de 5,9 t ha-1 a 8,6 t ha-1 de leite. Juntamente com as tradicionais cultivares de aveia preta, incluiu-se aveias brancas forrageiras resultantes de seleção para produção de forragem, tolerância ao pastejo, ciclo longo e alto valor nutritivo. A tolerância ao pisoteio está associada ao hábito de crescimento prostrado a semivertical e maior afilhamento. As aveias brancas forrageiras tem menor capacidade de produção de grãos do que as variedades de aveia graníferas, que são precoces, de porte baixo e hábito de crescimento vertical.

O pastejo restringido de vacas leiteiras mestiças, por 3 horas, em aveia cultivar São Carlos, no es-tado de São Paulo, permitiu produção diária de leite próxima a 15,0 kg por vaca, semelhante àquela das vacas que consumiram silagem de milho como único volumoso. Entretanto, as vacas em pastejo na aveia ganharam mais peso, 0,53 kg por dia, enquanto as que receberam somente silagem como volumoso ganharam 0,25 kg por dia (RODRIGUES; GODOY, 2000).

Em Minas Gerais, Cóser et al. (1981) registraram produções de leite diárias superiores a 13 kg por vaca, enquanto vacas alimentadas com silagem/concentrado produziram 11 kg por vaca. Os autores indicaram a utilização da aveia em pastejo de junho a setembro, com entrada dos animais com as plantas até 35 cm de altura e retirada dos mesmos com as plantas com altura média inferior a 20 cm e, para que o consumo e ganho de peso por animal fossem maximizados, indicaram uma disponibilidade de forragem de 1.500 kg de MS por hectare, referenciais semelhantes aos utilizados para pastejo das forrageiras anuais de inverno também na região Sul.

CENTEIO (SECALE CEREALE L.)

é uma gramínea anual de inverno, cespitosa, de 1,2 m a 1,8 m de altura, com colmos cilíndricos, eretos e glabros. As folhas são lineares, de coloração verde-azuladas, com lígula membranosa e aurí-culas pequenas. A espiga do centeio é comprida, laxa e tem de 5 cm a 20 cm de comprimento.

O centeio se adapta a diferentes tipos de solo e clima, destaca-se pelo crescimento inicial vigoro-so, sistema radicular profundo e rusticidade; é resistente ao frio, à acidez nociva do solo, ao alumínio

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Capítulo 5 A contribuição das forrageiras de inverno para a pecuária de leite 245

tóxico e a doenças (BAIER, 1988). é considerado o mais eficiente dos cereais de inverno na utilização de água, produzindo a mesma biomassa de trigo com 70% da água.

Adaptação e estabelecimento

Possui ampla adaptação de cultivo, do nível do mar até 4.300 m, crescendo em condições de baixa e elevada fertilidade. Em comparação com as demais forrageiras de inverno, produz mais for-ragem nos meses mais frios.

A época de semeadura com fins forrageiros é o outono. Indica-se de 250 a 350 sementes aptas por metro quadrado, cerca de 40 kg ha-1 a 60 kg ha-1. As cultivares de centeio indicadas para compor pastagens são: BRS Serrano, BRS Progresso e Temprano.

A aplicação de calcário para a correção de acidez somente é necessária em pH extremamente baixo, exceto em consorciações. Para adubação de manutenção e nitrogenada de cobertura, seguir as indicações para a cultura (MANUAL..., 2004).

Manejo

O centeio é utilizado estrategicamente, em razão de sua precocidade, para compor pastagens visando o forrageamento outonal e, geralmente, é consorciado com aveias e azevém, podendo ser incluído nas misturas uma leguminosa anual como as ervilhacas (Vicia spp.) ou o trevo-vesiculoso (Trifolium vesiculosum Savi).

O centeio pode ser fenado ou ensilado, embora com restrições pela grande participação de col-mos na composição da forragem conservada. é muito produtivo, supera frequentemente 10 t ha-1 de MS, rendimento 605 a 70% maior que os reportados com aveias forrageiras, azevém e cereais de duplo-propósito (FONTANELI et al., 2009, 2011a).

O desempenho de novilhos em pastagem de centeio-aveia-azevém superaram aquele em pas-tagens de festuca-leguminosas, proporcionando ganho de 575 kg ha-1 (HOVELAND et al., 1991). Pastagens consorciadas de azevém-centeio, sem ou com leguminosas (trevo encarnado e trevo ver-melho), possibilitaram consumo diário de 13,5 kg de MS por vaca Holandês de 600 kg de peso vivo, correspondendo a aproximadamente 55% da dieta total diária de 24,8 kg de MS, quando produziram 25,1 kg de leite por dia, enquanto em confinamento o total foi de 29,8 kg (FONTANELI et al., 2005).

TRIGO (TRITICUM AESTIVUM L.)

A maioria das cultivares de trigo semeadas no Brasil e no mundo objetiva a produção de grãos para moagem e fabrico de farinha. Atualmente, na Embrapa, é mantida uma linha de melhoramen-to de trigo visando a obtenção de cultivares com ciclo vegetativo mais longo, denominado ciclo tardio-precoce, ou seja, o período da semeadura ao espigamento é longo e o do espigamento a maturação é curto, presente nas cultivares BRS Umbu, BRS Tarumã e BRS Pastoreio. Essas cultivares

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2246

podem ser utilizadas como duplo propósito (pasto e grãos do rebrote ou silagem), somente para ensilagem ou exclusivamente para pastoreio. Em Passo Fundo, RS, pode-se semear, por exemplo, o trigo BRS Tarumã em meados de abril, cerca de 40 dias antes do início do período de semeadura do trigo exclusivo para grãos, submeter a pastejo geralmente até meados do inverno, quando se inicia a elongação das plantas, e então retirar os animais (diferimento) e manejar o trigo para colheita de grãos, sem comprometer a produtividade (FONTANELI et al., 2012).

A semeadura antecipada do trigo, além do reforço de forragem para ruminantes no período frio, de menor taxa de crescimento das pastagens, contribui para a conservação de solos, minimiza ero-são e perda de nutrientes e contribui com palhada para a sustentabilidade do sistema plantio direto, propiciando cobertura de solo permanente depois as culturas de verão.

Adaptação e estabelecimento

As indicações de calagem e adubação para o trigo de duplo propósito são as mesmas indicadas para o trigo convencional (MANUAL..., 2004). Deve-se fracionar a adubação nitrogenada, na semea-dura e em 2 ou 3 aplicações de acordo com o número de cortes ou pastejos. Para a reposição de cada 1,0 t ha-1 de forragem seca, consumida pelos animais em pastejo ou fornecida no coxo, deve-se adicionar 25 kg ha-1 a 30 kg ha-1 de N em cobertura (FONTANELI et al., 2012).

O trigo de duplo-propósito possui período vegetativo mais longo que o precoce e pode ser se-meado mais cedo, inclusive logo após a colheita da soja, em linhas espaçadas de 0,2 m e profundi-dade de semeadura de 2 cm a 5 cm, dependendo da textura do solo e umidade. A densidade de se-meadura é de 350 sementes aptas por metro quadrado, resultando no uso de 90 kg ha-1 a 140 kg ha-1 de sementes. A massa de mil sementes é de aproximadamente 30 g.

Manejo

O trigo pode ser cortado ou pastejado rotativamente quando as plantas atingirem de 20 cm a 30 cm, cerca de 40 a 70 dias após a emergência, deixando-se uma altura na saída de 7 cm a 10 cm (re-síduo). Os demais ciclos de pastejo ocorrem a cada 3 a 5 semanas, utilizando-se o mesmo critério de altura de entrada e saída dos animais. No método de pastejo com lotação contínua, a carga animal deve ser ajustada para manter a pastagem entre 20 cm a 30 cm de altura (FONTANELI et al., 2016). é imprescindível a adubação nitrogenada após cada ciclo de pastejo ou pelo menos duas aplicações no método contínuo, para estimular e uniformizar o rebrote.

LEGUMINOSAS

A utilização de leguminosas em consorciações de forrageiras é um recurso para a nutrição de ruminantes e pode constituir bancos de proteínas para melhorar o valor nutritivo da dieta.

O melhoramento de leguminosas forrageiras, especialmente da Embrapa e da UFRGS, tem dispo-nibilizado novas cultivares para as condições sul-brasileiras como o trevo-branco (Trifolium repens L.)

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Capítulo 5 A contribuição das forrageiras de inverno para a pecuária de leite 247

cultivar BRSURS Entrevero, o cornichão (Lotus corniculatus L.) cultivar URSBRS Posteiro, o trevo-vesicu-loso (Trifolium vesiculosum Savi) cultivar BRS Piquete e o trevo-persa (Trifolium resupinatum L.) cultivar BRS Resteveiro.

Essas leguminosas de estação fria são indicadas para consorciações diversas, por exemplo, com o azevém anual (Lolium multiflorum Lam.), com as gramíneas perenes de inverno como festuca (Festuca arundinacea Schreb.), capim-dos-pomares (Dactylis glomerata L.) e cevadilhas (Bromus spp.). Além dis-so, podem ser utilizadas em sobressemeadura visando o melhoramento de campo nativo e em pasta-gens de gramíneas perenes cultivadas como as gramas bermuda (Cynodon spp.), quicuio (Pennisetum clandestinum Hochst. Ex Chiov.) e hemártria [hemarthria altissima (Poir) Stapf & C.C. Hubb.].

Adaptação e estabelecimento

O estabelecimento de leguminosas requer níveis adequados de fósforo no solo, que são natu-ralmente deficientes nos campos nativos sul-brasileiros. Calagem e adubação são imprescindíveis para o estabelecimento de leguminosas (MANUAL..., 2004). Embora os trevos sejam mais toleran-tes à acidez que a alfafa (Medicago sativa L.), é recomendável pH entre 6,0 e 7,0 para otimizar a produtividade.

As leguminosas perenes de inverno são semeadas no outono, podendo ser estabelecidas a lanço ou em linhas espaçadas de 0,2 m. A profundidade de semeadura deverá ser de 0,5 cm a 1,5 cm, com bom contato semente/solo. Normalmente, em consorciações, indica-se 6 kg ha-1 a 8 kg ha-1 de cor-nichão ou trevo-vermelho e 2,0 kg ha-1 de trevo-branco. As leguminosas conseguem obter a maioria do N para o crescimento pela simbiose com bactérias do gênero Rhizobium, para isso é necessária a inoculação com estirpes de bactérias específicas para cada espécie de leguminosa. Os trevos são capazes de fixar até 200 kg de N por hectare por ano. Entretanto, P e K devem ser adicionados com base na análise de solo.

O melhoramento de pastagem natural com introdução de espécies de inverno proporciona pro-dução animal superior a 500 g ha-1 de ganho de peso vivo, quatro ou mais vezes superior à obtida em campo nativo.

Manejo

As leguminosas de inverno são componentes de pastagens consorciadas com gramíneas, que são os referenciais para utilização e manejo. Leguminosas eretas como o cornichão, trevo-vermelho e trevo-vesiculoso necessitam, obrigatoriamente, maior altura residual (mais que 10 cm) para re-brote, enquanto o trevo-branco, que é prostrado-estolonífero, suporta desfolhas mais frequentes e intensas (FONTANELI et al., 2011b).

Pastagens consorciadas de gramíneas com leguminosas de inverno resultam em maior desem-penho animal em comparação com pastagens singulares de gramíneas. Bouton et al. (2005) repor-taram maior ganho de peso em bovinos em pastagem de festuca com trevo-branco do que em fes-tuca singular. Rouquette et al. (1997) obtiveram maior peso ao desmame de bezerros em pastagem

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2248

de azevém consorciado com trevo-vesiculoso do que com azevém singular, enquanto Hoveland et al. (1978) reportaram maior ganho de peso de bezerros quando vacas e bezerros permaneceram na pastagem de azevém com trevo-encarnado em comparação com azevém singular. Ganhos de peso diário em novilho superior a 1,0 kg são frequentes em pastagens anuais de inverno consorciadas com ervilhaca ou trevo-vesiculoso (CANTO et al., 1997; LESAMA; MOOJEN, 1999; RESTLE et al., 1998).

O valor nutritivo das leguminosas é elevado e propicia maior ingestão de forragem e, conse-quentemente, maior consumo de nutrientes digestíveis pelos animais, principalmente na prima-vera, quando as gramíneas reduzem rapidamente o valor nutritivo em decorrência da maturação. Krolow et al. (2012) avaliaram a composição do leite de animais em pastejo de azevém (Lolium multiflorum Lam.) alimentados com trevo-branco (TB) (Trifolium repens L.) como substituição ao com-ponente proteico da ração com farelo de soja (FS). Diferenças significativas foram observadas para teor de proteína e lactose, sendo os maiores valores de proteína no leite encontrados em TB (3,02%) e de lactose em FS (4,64%). Não houve diferença para as demais variáveis, com valores de 10,40% e 10,39% de sólidos totais e 182,88 e 153,53 (x 1.000) células somáticas em TB e FS, respectivamente, mostrando que a utilização de trevo-brando como fonte alternativa de proteína foi eficiente.

CARACTERÍSTICAS DAS PRINCIPAIS FORRAGEIRAS ANUAIS DE INVERNO

Embora as principais forrageiras sejam as gramíneas anuais aveia preta e azevém, a utilização de cultivares adaptadas e produtivas de aveia branca, trigo e centeio têm aumentado em pastejo, comprovando o sucesso de programas de melhoramento da Embrapa, Universidades, Fundações/Empresas estaduais de pesquisa e iniciativa privada. Essas espécies, juntamente com cevada e triticale, também estão sendo utilizadas para silagem e feno, aproveitando extensas áreas ociosas no período frio. é possível colheitas de 15 t ha-1 a 30 t ha de forragem fresca para ensilar que correspondem de 5 t ha-1 a 10 t ha-1 de MS, com teor de proteína bruta geralmente superior às silagens de milho.

Precocidade para produção de forragem e período de pastejo

O ciclo produtivo das forrageiras de inverno é distinto, considerando-se as espécies e genótipos disponíveis. Nesse sentido, espécies precoces como aveia preta e centeio podem apresentar pe-ríodos de estabelecimento de aproximadamente 30 a 35 dias, enquanto espécies/cultivares mais tardias de azevém e trigo podem necessitar até mais de 60 dias entre a emergência das plantas e o início do pastejo.

Períodos curtos de estabelecimento são desejáveis para as forrageiras de inverno, em função do vazio forrageiro outonal, bastante significativo na atividade pecuária. Esse período é especial-mente crítico para a atividade leiteira, pois normalmente é a época do ano em que são observados os maiores preços do leite (CENTRO DE ESTUDOS AVANçADOS EM ECONOMIA APLICADA, 2011), ocasionados pela redução significativa na oferta.

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Capítulo 5 A contribuição das forrageiras de inverno para a pecuária de leite 249

As diferenças de ciclo entre as espécies forrageiras de inverno também são observadas quan-do comparados os períodos de pastejo, com intervalos entre o início do pastejo e a retirada dos animais, variando de 40 a 50 dias para centeio, triticale e aveia branca, podendo chegar a 120 dias para o azevém e o trigo. Estratégias de utilização da pastagem de inverno também podem afetar o seu período de utilização. Forrageiras utilizadas com único propósito de produzir forragem podem apresentar períodos de pastejo mais longos (Tabela 1), enquanto aquelas inseridas em estratégias de duplo-propósito (forragem verde mais grãos ou silagem) geralmente apresentam períodos de pastejo inferiores a 60 dias, para que não ocorram reduções significativas na produção de grãos.

Produção de forragem, eficiência de colheita e estrutura do pasto

A produção de forragem das espécies de inverno é elevada, considerando-se o período de pro-dução. Nesse contexto, espécies e genótipos com ciclos produtivos mais longos apresentam pro-dução mais elevada (Tabela 2). é importante ressaltar que as diferenças de ciclo dessas forrageiras

Tabela 1. Períodos de estabelecimento e de pastejo, em dias, de espécies e genótipos de forrageiras de estação fria em diferentes estratégias de utilização na Depressão Central do Rio Grande do Sul.

Espécie/genótipo

Estratégia de utilização

Exclusivamente pastejo Duplo-propósito

Estabelecimento Pastejo Estabelecimento Pastejo

Aveia preta Agro Zebu 39 75 40 42

Aveia branca UPF 18 - - 38 54

Centeio BRS Serrano - - 43 48

Trigo BRS Tarumã 40 101 54 72

Azevém anual 64 115 - -

Fonte: adaptado de Meinerz (2012).

Tabela 2. Produção de forragem, taxa de lotação animal, estrutura da forragem e consumo de forra-gem em espécies de cereais de estação fria em pastejo exclusivo ou em duplo-propósito sob pastejo com bovinos leiteiros na Depressão Central do Rio Grande do Sul.

Espécie/genótipoProdução de

Forragem(kg/ha de MS)

Taxa de Lotação(UA/ha)

Relação Folha/Colmo

Eficiência de Colheita

(% da MF)

Consumo deForragem(% do PV)

Aveia preta Agro Zebu 4.655 2,7 1,25 46,6 2,7

Aveia branca UPF 18 4.329 2,8 2,15 57,9 2,8

Centeio BRS Serrano 3.671 2,2 2,20 50,4 2,8

Trigo BRS Tarumã 6.647 3,2 1,39 49,8 3,0

Azevém anual 6.679 3,0 1,34 46,8 2,8

UA: unidade animal; MF: massa de forragem; PV: peso vivo.Fonte: Adaptado de Meinerz (2012).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2250

possibilitam uma distribuição da produção de forragem mais equilibrada no decorrer do período

de inverno, permitindo adequado suprimento de forragem ao rebanho leiteiro no mesmo período.

A elevada produção de forragem permite às pastagens de inverno suportarem bons índices de

lotação animal, aproximando-se de 3,0 UA ha-1. Esses índices são conseguidos mediante o uso de

materiais genéticos superiores e selecionados para atender mais especificamente sistemas de pro-

dução integrados entre agricultura e pecuária.

As espécies forrageiras de inverno apresentam elevada relação folha/colmo e em função da

arquitetura da planta permitem eficiências de colheita pelos bovinos leiteiros próximas a 50% da

forragem produzida. Parsons e Chapman (2000) afirmam que eficiências de pastejo em torno de

50% estariam relacionadas à maximização do rendimento da forragem colhida por área, ou seja,

permitem o consumo de forragem de bovinos próximo a 3% do peso vivo.

Valor nutritivo da forragem

Bovinos leiteiros com elevado potencial de produção de leite necessitam consumir forragens de

valor nutritivo superior para atender sua demanda energética e proteica. Nesse sentido, a forragem

das espécies de inverno apresenta elevados teores de proteína bruta (Tabela 3), que na dieta de

bovinos leiteiros, podem contribuir para a redução dos teores de proteína do concentrado oferecido

como suplemento.

Os baixos teores de fibra encontrados na forragem de espécies de inverno permitem que essa

apresente níveis energéticos satisfatórios, mas seu principal efeito é reduzir o tempo de ruminação,

acelerando a taxa de passagem do alimento pelo trato digestivo dos bovinos e permitindo níveis

mais elevados de consumo de forragem.

Tabela 3. Valor nutritivo da forragem em espécies de cereais de estação fria em pastejo exclusivo ou em duplo-propósito sob pastejo com bovinos leiteiros na Depressão Central do Rio Grande do Sul.

Espécie/Genótipo FDN(%)

PB(%)

DIVMO(%)

DIVFDN(%)

NDT(%)

Aveia preta Agro Zebu 48,1 30,2 79,7 61,0 71,5

Aveia branca UPF 18 46,0 28,6 85,7 60,1 77,2

Centeio BRS Serrano 45,9 29,9 84,9 66,5 76,8

Trigo BRS Tarumã 46,4 30,7 85,7 62,2 77,1

Azevém anual 52,0 22,7 75,7 46,9 64,8

FDN: fibra em detergente neutro; PB: proteína bruta; DIVMO: digestibilidade in vitro da matéria orgânica; DIVFDN: digestibili-dade ‘in vitro’ da fibra em detergente neutro; NDT: nutrientes digestíveis totais.

Fonte: adaptado de Meinerz (2012).

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Capítulo 5 A contribuição das forrageiras de inverno para a pecuária de leite 251

CONSIDERAçõES FINAIS

Pastagens compostas de forrageiras de inverno contribuem para prolongar o período de pastejo, fornecendo forragem adicional em parte do outono, inverno e primavera, geralmente com valor nutritivo superior às forrageiras tropicais.

A viabilidade de utilização de pastagens anuais está consolidada em sistemas integrados de pro-dução agropecuária, principalmente na integração lavoura-pecuária na região sul-brasileira, com-pondo sistemas com soja, milho e, também, com arroz irrigado.

é notório o maior rendimento das pastagens cultivadas de inverno em sucessão às lavouras, de-corrente da melhoria da fertilidade propiciada pelos cultivos anuais. Atualmente, cresce o interesse pelos sistemas integrados de produção agropecuária, embora mais complexos, também em decor-rência da menor atratividade econômica da produção de grãos dos cultivos de inverno. Evoluiu-se na compreensão das interações e sinergias que resultam maior produtividade dos sistemas integra-dos no tocante ao manejo, incluindo as necessárias rotações e sucessões culturais diversificadas, com melhor proteção de solo pelas coberturas vegetais e a minimização dos problemas de pragas, doenças e plantas daninhas em relação aos tradicionais cultivos monoculturais ou sucessionais.

A produção animal, em sistemas integrados de produção sem afetar ou afetando minimamente a renda proveniente dos cultivos de verão, proporciona maior liquidez para o sistema e maior sus-tentabilidade de produção, especialmente em pequenas propriedades rurais.

As cultivares disponíveis no mercado são provenientes de programas de melhoramento de for-rageiras de inverno da Embrapa, Universidades, Iapar, Epagri e instituições privadas, que disponibi-lizam anualmente novas cultivares, com melhores características produtivas para a sustentabilidade dos sistemas agropecuários. Finalmente, lembramos que novas cultivares facilitam a chegada de conhecimentos para a melhoria dos processos produtivos nas empresas agropecuárias de qualquer escala.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2252

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Capítulo 5 A contribuição do melhoramento animal para a pecuária de leite 255

INTRODUçãO

O melhoramento genético desempenha papel importante no aumento de produtividade de

qualquer espécie, animal ou vegetal. Seu objetivo, no entanto, precisa estar alinhado às condições

de ambiente em que se pretende utilizar essas espécies. Na pecuária de leite isso não é diferente.

No Brasil, são comuns sistemas de produção onde há grande desequilíbrio entre genética e con-

dição de ambiente. Há sistemas ou rebanhos leiteiros onde o produtor propicia ótimas condições

de ambiente aos animais, em termos de manejo, saúde e alimentação; porém, a baixa capacidade

genética destes impede uma melhor resposta em produção e rentabilidade. Existem, também, siste-

mas de produção onde as condições de ambiente são precárias, muitas vezes com animais de ótima

capacidade genética. Nesse caso, as condições ambientais restringem a expressão do potencial ge-

nético dos animais, fazendo com que produzam aquém da sua possibilidade. Por outro lado, siste-

mas de produção de leite eficientes, sobretudo sob o ponto de vista econômico, são caracterizados

por apresentar equilíbrio entre a genética e as condições de ambiente propiciadas aos animais.

Produzir leite no Brasil é uma tradição. O País é o quinto maior produtor mundial desse produto

e em quase 100% dos municípios brasileiros existe ao menos um produtor de leite. No entanto, a

produtividade está aquém do que seria necessário para que a atividade proporcionasse sustenta-

bilidade, principalmente econômica, para a maioria dos produtores de leite. A aplicação de proce-

dimentos de melhoramento genético, tais como a utilização racional da seleção e dos sistemas de

acasalamento, é uma forma de contribuir efetivamente para a evolução dessa atividade tão impor-

tante para o País.

A seleção é a escolha dos animais utilizados na reprodução, os machos e fêmeas que serão os

pais da próxima geração, já os sistemas de acasalamentos representam as estratégias adotadas na

definição de quais machos serão acasalados com quais fêmeas. Por meio dessas duas ferramentas é

possível modificar, ao longo do tempo, as frequências gênicas de alelos de interesse econômico nos

rebanhos e, assim, otimizar os resultados esperados, contribuindo para o aumento da produtividade

e da lucratividade dos sistemas de produção de leite no País.

CAPÍTULO 6

A contribuição do melhoramento animal para a pecuária de leite

Rui da Silva Verneque | Renata Veroneze | João Cláudio do Carmo Panetto | Marcos Vinicius Gualberto Barbosa da Silva | Fabio Luiz Buranelo Toral

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2256

No passado, os trabalhos de seleção e os sistemas de acasalamento ou de cruzamento eram praticados dentro dos rebanhos, utilizando-se métodos empíricos, sem uso de informações de características aferidas por procedimentos mais precisos. Os trabalhos conduzidos nos rebanhos de seleção constituíram importante passo para o desenvolvimento inicial da atividade. Todavia, as respostas foram diminuindo ao longo do tempo em decorrência da baixa diversidade genética exis-tente dentro dos rebanhos, resultante da falta de utilização de novos genótipos ou de genética de outros rebanhos.

Com a criação do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária no Brasil, em 1976, as instituições de pesquisa agropecuária passaram a contribuir com orientações sobre o uso de novas tecnologias para o setor. As áreas abordadas envolviam manejo alimentar e sanitário, sistemas de cria e recria, uso das raças ou sistemas de cruzamento adequados e, principalmente, técnicas de melhoramento genético animal. Nesse último item, podem ser citados os bem-sucedidos trabalhos de seleção e sis-temas de acasalamento focados no aumento da produtividade de leite. Como consequência, houve consistente aumento do número de rebanhos envolvidos, possibilitando a socialização da genética para grande número de produtores. Nesse mesmo período, também houve grande evolução na utilização de novas biotécnicas reprodutivas, com expansão do uso da inseminação artificial e da fertilização in vitro e, mais recentemente, da adoção da inseminação em tempo fixo.

O objetivo deste capítulo é demonstrar como o melhoramento animal pôde e ainda pode contri-buir para o desenvolvimento da pecuária leiteira nacional.

PROGRAMAS DE MELHORAMENTO GENéTICO CONDUZIDOS NO BRASIL

Programas delineados de melhoramento genético se iniciaram no Brasil com o planejamento e a execução de dois projetos de pesquisa sobre avaliação de estratégias de cruzamento entre raças leiteiras e sobre teste de progênie de touros mestiços (europeu−zebu). Os trabalhos foram coorde-nados pela Embrapa Gado de Leite, conduzidos no período de 1975 a 1992 em diversas fazendas de produtores de leite e em unidades de pesquisa localizadas na região Sudeste do Brasil (FREITAS et al., 1992; LEMOS et al., 1992; MADALENA, 1989, 1992; VALENTE etal., 1982). No período, usando expertise de equipe multidisciplinar e multiinstitucional de pesquisadores e técnicos especialistas em melhoramento animal, foi conduzido o primeiro programa de teste de progênie para leite no Brasil e avaliadas diferentes estratégias de cruzamento, com avaliação do desempenho produtivo, reprodutivo e econômico de fêmeas de diversas composições genéticas Holandês-Zebu. Os projetos se enquadravam no programa de assistência técnica da Food and Agriculture Organization (FAO). Os aspectos operacionais dos trabalhos incluíram a produção e distribuição de sêmen; produção e distribuição de fêmeas de diferentes composições genéticas Holandês-Zebu em rebanhos colabo-radores; acompanhamento dos registros zootécnicos; controle leiteiro; processamento de amostras para análise do teor de gordura do leite e desenvolvimento de um software para a organização e registro das informações. Os objetivos dos projetos foram promover e coordenar a implantação de

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Capítulo 5 A contribuição do melhoramento animal para a pecuária de leite 257

um programa de seleção nacional para produção de leite; obter material experimental para estudos, visando o aperfeiçoamento da metodologia de seleção de gado de leite e proporcionar oportuni-dade para os técnicos conhecerem diretamente os problemas encontrados na aplicação prática de um programa de melhoramento. Entre os antecedentes favoráveis à execução de projetos em me-lhoramento genético no Brasil, mencionavam-se a carência de avaliações genéticas nos touros lei-teiros nacionais, usados em inseminação artificial, e as novas normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), exigindo provas de progênie para que reprodutores pudessem ser utilizados. Além disso, havia o interesse de criadores em utilizar material genético de quali-dade comprovada. Naquele momento, eram muito escassas as informações sobre desempenho produtivo, reprodutivo e econômico de animais mestiços criados nas condições brasileiras, espe-cialmente nas regiões Sudeste, Nordeste e Norte do País.

Os projetos foram conduzidos com grande sucesso e mostraram resultados consistentes, iden-tificando a melhor composição genética de animais bovinos para produção de leite, a ser usada nas condições de manejo predominantes no Brasil Central, e especialmente na região Sudeste. Desde então, os trabalhos de melhoramento genético de gado de leite no Brasil foram se expandindo.

Em 1985, por meio de parceria público-privada, estabelecida entre a Embrapa Gado de Leite, a Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGIL) e a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), iniciou-se o Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro (PNMGL), com envolvimento de produtores selecionadores, rebanhos leiteiros colaboradores e das prin-cipais empresas estaduais de pesquisa agropecuária, tais como a de Minas Gerais (Epamig), do Rio Grande do Norte (Emparn), da Paraíba (Emepa) e o Instituto de Zootecnia de São Paulo (IZ), de universidades federais com atividades de pesquisa nas ciências agrárias e centrais de insemi-nação artificial. Em sua fase inicial, o programa era constituído pelo teste de progênie somente para avaliação genética de touros para produção de leite. Com o sucesso alcançado, novas carac-terísticas e tecnologias foram incorporadas. Atualmente, o teste de progênie contempla, além da avaliação genética de machos e fêmeas para produção de leite, a avaliação genética para os constituintes do leite (gordura, proteína e sólidos totais), as estimativas individuais de parentes-co médio na população, a genotipagem para os genes da beta-caseína (leite A2), kappa-caseína e beta-lactoglobulina e a avaliação genética para características lineares de conformação e ma-nejo (STAs). O programa se tornou mais amplo, incluindo a avaliação de touros jovens a serem inseridos no teste quanto à sua fertilidade, conformação e temperamento, também denominado pré-teste, o programa de avaliação de desempenho de fêmeas de primeira cria a pasto, chamado de Gir Leiteiro Sustentável, e a aplicação de técnicas de seleção genômica, que está em fase de implantação, mas já contribui, a partir de 2016, com a correção da matriz de parentescos e com a possibilidade de auxílio ao criador na escolha dos touros a serem inscritos no teste. Atualmente, estão sendo iniciadas pesquisas sobre eficiência alimentar em animais Gir Leiteiro com vistas ao contínuo aprimoramento do programa.

O sucesso alcançado pelo PNMGL foi inquestionável, propiciando o planejamento do Programa de Melhoramento da Raça Guzerá para Leite (PNMGuL), iniciado em 1994 nos mesmos moldes do PNMGL, envolvendo além dos criadores selecionadores e rebanhos colaboradores com gado

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2258

mestiço, a Embrapa Gado de Leite, o Centro Brasileiro de Melhoramento do Guzerá (CBMG), um braço técnico da Associação dos Criadores dessa raça, a Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais e empresas estaduais de pesquisa. O trabalho com a raça Guzerá inclui, além do teste de progênie de touros, um núcleo aberto de seleção de múltipla ovulação e de transferência de embriões, também denominado núcleo Moet e tem como característica a seleção de reprodutores da raça Guzerá de dupla aptidão, carne e leite.

Na raça Girolando, o programa teve inicio em 1997 e é conduzido pela própria Associação Brasileira da raça, com coordenação técnica da Embrapa Gado de Leite, envolvendo também produtores selecionadores e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Nos últimos anos, o programa Girolando de melhoramento tem apresentado grande evolução, com enorme incremento nas parcerias, ampliação do número de touros em teste, maior participação de rebanhos colaboradores, bem como crescimento do interesse dos produtores e incorporação das tecnologias inseridas no programa do Gir Leiteiro, com inovações, especialmente com forte atuação no uso da genômica no trabalho de seleção. O uso de sêmen de touros mestiços provados tem apresentado amplo crescimento no Brasil.

Para a raça Sindi, houve a iniciativa da Embrapa Gado de Leite com a Associação de criadores da raça Sindi (ABCSindi) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (Emepa), onde também se seguiu os moldes do PNMGL, já no ano de 2009. Na ocasião, foram escolhidos os touros para compor o primeiro grupo a ser incluído em teste de progênie para produção de leite e consti-tuintes nessa raça. Posteriormente, foram realizados estudos genômicos nos quais as principais linhagens dessa raça foram identificadas. A intenção foi evitar, com a implantação do programa de melhoramento, que houvesse perdas importantes de diversidade genética na raça, que sempre apresentou pequeno tamanho populacional, e assim fomentar a sustentabilidade do programa de seleção ao longo das futuras gerações, e na viabilidade dessa raça como alternativa para produção de leite no Brasil. Até o momento, a evolução do programa ainda esbarra na falta de rebanhos que realizem controles leiteiros, para que os touros possam ter número suficiente de progênies mensuradas e, consequentemente, possam ser geneticamente avaliados.

As raças puras de origem europeia, tais como Holandesa, Jersey e Pardo-Suíça, apesar de não apresentarem programa delineado de melhoramento genético atualmente em execução em nível nacional, se beneficiam da espetacular evolução genética alcançada nos Países desenvolvidos, decorrência da alta intensidade de seleção praticada ao longo do tempo. Os benefícios são re-sultantes do uso de material genético importado, incluindo sêmen e embriões, e, por vezes, da importação de animais. Além disso, sobretudo na raça Holandesa, existe trabalho estruturado da Associação dos Criadores da raça fornecendo excelente suporte aos seus Associados. Como consequência, a evolução na produtividade de leite dessas raças no Brasil é muito expressiva e consistente.

No passado, havia um sistema de avaliação genética de touros da raça Holandesa, com publi-cação de sumário de touros, que foi descontinuado. Assim, atualmente, falta ainda para essas ra-ças um sistema de avaliação genética de touros e vacas que permita a correta classificação desses

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Capítulo 5 A contribuição do melhoramento animal para a pecuária de leite 259

animais nas condições de produção do Brasil. Há, nesse sentido, uma ação iniciada em 2012, mas

ainda não concluída, da Embrapa Gado de Leite com a Associação Brasileira de Criadores da Raça

Holandesa e empresas de inseminação artificial para filiação do Brasil ao ICAR/Interbull e para o

estabelecimento de equações nacionais de predição genômica.

Observa-se, ao longo dos anos, que a aplicação dos conhecimentos da genética quantitativa, das

metodologias estatísticas, dos métodos de seleção e dos sistemas de acasalamento marcou nova

era no melhoramento genético animal no Brasil, permitindo ganhos substanciais em características

quantitativas e qualitativas de importância econômica, tal como a produção de leite. Atualmente,

vive-se a era da genômica aplicada aos trabalhos de seleção, o que, por certo, propiciará redução

do intervalo de gerações, correção de erros de pedigree e aperfeiçoamento dos trabalhos de me-

lhoramento genético. Espera-se que o desenvolvimento da pecuária leiteira continue ocorrendo de

forma consistente, com o alcance de novos patamares em produção, reprodução, e vida útil dos ani-

mais, trazendo, como consequência, retorno econômico e sustentabilidade para a atividade leiteira

nacional.

A seleção genômica (SG) proposta por Meuwissen et al. (2001) utiliza painéis de marcadores de

alta densidade para a predição de valores genéticos genômicos. Esse método se baseia na pressupo-

sição de que parte dos marcadores estaria em desequilíbrio de ligação com os loci de características

quantitativas (QTLs), tornando possível a predição de valores genéticos genômicos.

A utilização da informação genômica aumenta o ganho genético por meio da redução substan-

cial do intervalo de geração e aumento da acurácia de predição para animais jovens (HAYES et al.,

2009). Essas vantagens, associadas ao rápido desenvolvimento das técnicas de biologia molecular

que possibilitam a genotipagem de alta densidade a custos cada vez menores, fizeram com que a SG

fosse rapidamente adotada na seleção da raça Holandesa por diversos países.

Na seleção genômica, uma população de referência é genotipada com um painel de marcadores

do tipo SNP (polimorfismo de base única) de alta densidade e fenotipada para as características de

interesse (MEUWISSEN et al., 2001). Por meio de procedimentos estatísticos, esses dados são utiliza-

dos para construir uma equação de predição que permitirá a obtenção de valores genéticos genô-

micos para indivíduos genotipados, mas que não possuem fenótipo (candidatos à seleção).

Utilizando dados da raça Holandesa de 26 características e um painel com aproximadamente

50 mil marcadores, VanRaden et al. (2009) mostraram que a confiabilidade dos valores preditos foi

de 50% para as predições genômicas e de 27% para o método tradicional, ou seja, um aumento

médio de 23% para as diversas características. Esses dados mostram o grande potencial da SG no

melhoramento genético de gado de leite, uma vez que o aumento da acurácia de predição de touros

jovens resultará maior ganho genético anual. A SG já é uma realidade no melhoramento internacio-

nal de gado de leite e já está sendo incorporada aos programas de melhoramento genético nacio-

nais, o que, sem nenhuma dúvida, contribuirá para o aumento da produtividade do rebanho leiteiro.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2260

ALGUNS RESULTADOS OBTIDOS

Nos projetos iniciais de melhoramento genético de gado de leite conduzidos no Brasil, foram identificados touros mestiços melhoradores para serem utilizados como produtores de sêmen, visando socializar o seu uso. Como consequência, diversos rebanhos passaram a utilizar a técnica da inseminação artificial usando sêmen de touros mestiços provados. Também foi avaliado o de-sempenho produtivo, reprodutivo e econômico de fêmeas de diferentes composições genéticas em dois níveis de manejo, manejo A, mais intensivo e manejo B, menos intensivo (MADALENA et al., 1980). O que se pretendia era avaliar qual a composição genética dos animais a serem utilizados nos rebanhos nacionais, especialmente nas regiões onde havia maiores dificuldades de condução de sistemas de produção com gado de raças europeias especializadas. Concluiu-se que o cruzamento alternado de raças Zebuínas e a Holandesa para sistemas de produção menos intensivos (manejo B) seria o recomendável. Nas mesmas condições, os animais F1, ou meio sangue, da primeira gera-ção de cruzamento entre animais da raça Holandesa com animais Zebuínos, especialmente Gir ou Guzerá, apresentaram melhor desempenho produtivo, reprodutivo e econômico (Figura 1). Ou seja, para sistemas de produção com manejo mais simples ou mais rústico, a composição genética mais apropriada para os produtores seria próxima de 50% entre a raça zebuína e a raça europeia; para sistemas de produção de leite com manejo mais intensivo (manejo A), animais com crescente fração de genes da raça Holandesa apresentaram maior produção de leite. Nessas condições, no entanto, os animais F1 mostraram desempenho econômico e produtivo semelhante aos dos animais com maior fração da raça Holandesa. Com o envolvimento de 69 rebanhos colaboradores e avaliação de quase 500 animais, a divulgação dos resultados alcançados provocou aumento no uso de animais mestiços no Brasil, especialmente nas regiões Sudeste e Nordeste.

Lemos et al. (1997) confirmaram os resultados alcançados utilizando dados de 20 anos de produção no sistema de produção de leite da Embrapa Gado de Leite (Figura 2). Esse sistema de produção ado-tava tecnologias recomendadas pela Embrapa, considerando as condições de manejo predominantes

Figura 1. Desempenho produtivo e econômico nas diferentes alternativas de cruzamentos em 69 fazendas colaboradoras na região Sudeste do Brasil.

Fonte: Madalena et al. (1980).

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Capítulo 5 A contribuição do melhoramento animal para a pecuária de leite 261

na região Sudeste do Brasil, com animais criados a pasto, com capins nativos ou cultivados, com predo-minância de Brachiaria; suplementação volumosa na seca, com capim elefante (Pennisetum sp.), cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) picada e ureia, ou silagem de milho (Zea mays), para as fêmeas de maior produção. As fêmeas também recebiam alimentação concentrada de acordo com a produção de leite na proporção de 1 kg de concentrado para cada 3 kg de leite produzidos.

Figura 2. Desempenho produtivo e reprodutivo nas diferentes alternativas de cruzamentos no Sistema Mestiço da Embrapa Gado de Leite.

Fonte: Lemos et al. (1997).

O trabalho publicado por Lemos et al. (1997) destaca maior produção de leite por lactação e maior produção de leite por dia de intervalo de parto para animais F1 ou ½ Holandês x Gir.

Com a execução do programa de seleção no Gir Leiteiro em 1993, foram publicados os primeiros resultados do teste de progênie, contemplando o primeiro grupo de seis touros inseridos no teste. A partir daquele ano, anualmente, tem-se a publicação de resultados de avaliação genética, com novo grupo de touros, a partir do desempenho de suas filhas. Assim, somente a partir de 1993 é que os produtores brasileiros passaram a ter a sua disposição informações consistentes de avaliação ge-nética de touros Gir Leiteiro e as centrais de comercialização puderam oferecer sêmen de touros pro-vados aos produtores. No início do programa, a média de produção de leite até 305 dias de lactação na raça Gir Leiteiro nos rebanhos participantes era de 2.079 kg e a produção na lactação, ajustada à idade adulta, de 2.517 kg (Figura 3A). Com a utilização de touros provados e melhorias nos siste-mas de manejo, as médias, tanto em produção de leite, como em valor genético, têm aumentado consistentemente. A produção média da raça, entre os animais que tiveram parto em 2014, foi de 3.686 kg até 305 dias e de 4.360 kg para produção de leite até 305 dias ajustada à idade adulta. Neste mesmo período, observou-se crescimento substancial dos valores genéticos médios da população Gir Leiteiro no Brasil. Pelos dados da Figura 3B, animais que pariram em 1993 (ano da publicação dos primeiros resultados do teste de progênie) apresentaram médias de valor genético correspondentes a 70,3 kg para produção de leite até 305 dias iguais para os dados com ou sem ajuste à idade adulta. Para os animais que pariram em 2014, as médias foram de 434,8 kg e 550,1 kg, respectivamente.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2262

Ou seja, no período se observa aumento em produção de leite próxima a 80% (3,1% ao ano) e, em valor genético, o aumento foi de aproximadamente 1,0% ao ano, demonstrando que o trabalho de seleção conduzido no programa de melhoramento genético do Gir Leiteiro tem sido efetivo, com reflexos positivos na produtividade de leite e melhorias genéticas nos rebanhos participantes.

Figura 3. Produção média de leite (l305) e produção média de leite corrigida para a idade adulta (l305c) (A) e valores genéticos da produção média de leite até 305 dias (VG_l305) e da produção média de leite até 305 dias corrigida à idade adulta (VG_l305c) (B), por ano de parto de animais Gir Leiteiro participantes do Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro.

A B

Na raça Girolando, o programa teve início em 1997, com foco na seleção de touros por meio do teste de progênie. Na Figura 4A são apresentadas as informações das médias de produção de leite até 305 dias de lactação na raça Girolando, entre os rebanhos participantes do programa de melhoramento genético da raça. As médias da produção de leite até 305 dias de lactação oscilaram de 2.625 kg a 4.702 kg, para animais que pariram em 2000 e 2014, respectivamente, com crescimen-to de cerca de 80% em 14 anos. Os valores genéticos para a mesma característica nesse período variaram de -153,41 kg a 84,2 kg, crescimento de 0,62% ao ano (Figura 4B). O crescimento em valor genético foi mais pronunciado entre os anos de 2006 e 2014, indicando maior utilização de touros provados a partir de 2006. O programa Girolando se inseriu nos trabalhos de seleção genômica com expectativas de resultados para o próximo ano. Em decorrência da utilização dessa nova tecnologia, por certo, os ganhos genéticos por geração deverão ser ampliados nos próximos anos.

Na raça Holandesa, apesar de não haver programa delineado de melhoramento genético para a raça no Brasil, é grande a utilização de sêmen importado de touros provados em outros Países, prin-cipalmente Estados Unidos, Holanda, Canadá. Além disso, os produtores de leite com rebanhos es-pecializados da raça Holandesa utilizam manejo cada vez mais intensivo para a raça. Pelos dados da Figura 5, verifica-se pequeno crescimento nas médias da produção de leite até 305 dias, sem e com ajuste à idade adulta, entre os animais que pariram entre os anos de 2000 e 2015, segundo informa-ções da Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos da Raça Holandesa (ABCBRH). A produção média de leite até 305 dias de lactação (L305) passou de 7.705 kg para 8.894 kg e a produção média

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Capítulo 5 A contribuição do melhoramento animal para a pecuária de leite 263

Figura 4. Produção média de leite (l305) (A) e valores genéticos da produção média de leite até 305 dias (B), por ano de parto de animais da raça Girolando participantes do Programa Nacional de Melhoramento Genético da raça.

Figura 5. Produção média de leite (l305) e produção média de leite corrigida para a idade adulta, por ano de parto de animais da raça Holandesa no Brasil.

A B

de leite até 305 dias ajustada à idade adulta (L305C), passou de 9.480 kg para 11.071 kg entre os anos de 2000 e 2015. Em ambos os casos, o crescimento foi de aproximadamente 16% no período.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2264

CONSIDERAçõES FINAIS

A produção e a produtividade de leite apresentaram crescimentos marcantes nos últimos 30 a 40 anos no Brasil. O crescimento em produtividade superou 100% e em produção se aproxima de 500%. A produtividade ainda é baixa, não superando os 1.600 litros por vaca por ano considerando-se todos os rebanhos, a maioria formados por animais não especializados e com sistema de ma-nejo inapropriado para a produção de leite eficiente. Todavia, ao considerar a produtividade entre os rebanhos participantes dos principais programas de melhoramento genético em execução no País, bem como a produtividade nas raças europeias, constata-se, claramente, produtividade mui-to superior, sendo perfeitamente possível dobrar a produtividade do rebanho leiteiro nacional em um intervalo muito curto, desde que os produtores tenham à disposição políticas de incentivo ao aumento da produção, por meio de adoção de medidas de pagamento por qualidade, ampliação da assistência técnica com vistas à adoção das tecnologias em manejo, sanidade, reprodução e so-bretudo à massificação do uso da inseminação artificial e de outras biotécnicas reprodutivas que permitam utilização em larga escala de sêmen de touros provados.

Considerando as informações apresentadas, bem como as futuras implementações de novos procedimentos de seleção e de sistemas de cruzamento, a contribuição dos programas de melhora-mento genético para a atividade leiteira é inquestionável e marcante no Brasil.

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Capítulo 7 Bem estar animal em sistemas de produção de leite 265

INTRODUçãO

O século 20 marcou o início de uma reflexão coletiva sobre a necessidade de aperfeiçoamento das relações entre os homens, homem-ambiente e homem-animal. No plano mais amplo das re-lações homem-ambiente, um dos desencadeadores dessa reflexão foi o livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson (1962), sobre os danos ao meio ambiente oriundos do intenso desenvolvimento das cidades e indústrias. No plano das relações homem-animal, a publicação em 1964 de Animal Machines (Máquinas Animais), de Ruth Harrison (1964), levantou questionamentos sobre a forma como vinham sendo criados os animais em sistemas intensivos de produção e se tornou um marco para o desenvolvimento do bem-estar animal (BEA).

Tão logo passaram a viver junto ao homem e não mais como presa ocasional, os animais assumi-ram importância estratégica para a nossa sobrevivência, seja como fonte de alimento, de trabalho, de companhia ou de proteção. Portanto, fazer o possível para conservá-los sadios era o caminho natural e necessário; todavia, em algum momento, essa relação começou a alterar-se.

No caso dos animais de produção, depois das guerras mundiais, a carência e a necessidade de oferta rápida e intensa de alimentos fez com que os modelos de produção, antes extensivos, se transformassem. O desenvolvimento de novas técnicas de nutrição, criação, melhoramento genéti-co, manejo sanitário e de processamento de alimentos, bem como o surgimento de grandes agroin-dústrias impulsionaram a intensificação da produção nas fazendas – máxima produção em menor tempo e área. Assim, por exemplo, em 1925, as poedeiras produziam em média 176 ovos por ano, já em 1998 esse valor passou à 309 ovos por ano e, nesse mesmo período, o tempo para um frango atingir 1,5 kg de peso vivo passou de 120 para 33 dias. De forma semelhante, em bovinos de leite, a média americana de produção de leite passou de 2.415 kg por lactação em 1950 para 9.853 kg em 2012 (DECUYPERE et al., 2003; ESTADOS UNIDOS, 2014; HAVENSTEIN, 2006).

Segundo McInerney (2004), existe uma relação entre o nível de produção e o de BEA (Figura 1), onde melhorias de manejo para o aumento de produção também trazem melhorias no bem-estar (ponto A ao B); todavia, a partir de um momento (ponto B), esse aumento da produtividade em decorrência de manejos mais intensivos de produção gera declínio no BEA e com a continuidade

CAPÍTULO 7

Bem estar animal em sistemas de produção de leite

Rogério Morcelles Dereti | Andrea Roberto Bueno Ribeiro | Vivian Fischer

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2266

dessa condição de manejo, os graus de bem-estar serão muito baixos, podendo ser classificados como crueldade.

Assim, o desenvolvimento dos modelos de produção seguiu uma filosofia ainda mecanicista, ou seja, próxima dos pontos C e D e em alguns sistemas produtivos atingindo o ponto E (Figura 1), com os animais sendo considerados “máquinas” de produzir e sua produtividade levada até seus limites fisiológicos, sem grandes questionamentos em relação ao BEA.

Essa visão foi fortemente contraposta pelo livro de Harrison (1964), que descreveu alguns mode-los de criação intensiva, especialmente de poedeiras, frangos de corte e vitelos, o que causou enor-me impacto no público consumidor. Em resposta, o governo inglês constituiu, em 1965, o Comitê de Brambell, formado por vários especialistas que comprovaram os achados de Harrison e começaram a delinear o que, após adequações, em 1993, foi publicado como As cinco liberdades pelo então Conselho de Bem-Estar dos Animais de Produção (FARM ANIMAL WELFARE CONCIL, 1993).

O conceito das “cinco liberdades” tem sido utilizado como referência em estudos na formulação de legislações, manuais técnicos e modelos para avaliação do BEA. Esse conceito institue que os animais sejam: 1) livres de fome e sede; 2) livres de desconforto; 3) livres de dor ou doença; 4) livres para expressar seu comportamento natural; 5) livres de medo ou estresse (FARM ANIMAL WELFARE CONCIL, 1993). Assim, essas liberdades se referem a aspectos observáveis que formam uma imagem geral de como está o bem-estar do animal. De alguma forma, a simplicidade, o fácil entendimento e a memorização dessas liberdades auxiliou sua ampla divulgação e uso mundialmente.

Figura 1. Relação entre bem-estar animal e produtividade

Fonte: adaptado de McInerney (2004).

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Capítulo 7 Bem estar animal em sistemas de produção de leite 267

Atualmente, décadas depois do início dessas discussões, o conceito de BEA e das cinco liberda-des ganha maior profundidade e importância e novas propostas sobre o seu uso estão em discus-são, entre elas, a necessidade de incluir a avaliação de aspectos relacionados a emoções positivas e não apenas à exclusão de aspectos negativos (MELLOR, 2016; WEBSTER, 2016).

Nesse cenário, o estudo do BEA é uma atividade multidisciplinar e sua definição ainda sucita discussões. Uma das definições mais aceitas foi formulada por Broom (1986, p. 524, tradução nossa): “[...] bem-estar é o estado de um indivíduo em relação as suas capacidades de adaptar-se ao seu ambiente”, portanto, um estado intrínseco ao animal, ou seja, não pode ser oferecido a ele – não se dá bem-estar a um animal, pode-se melhorá-lo ou piorá-lo (BROOM; FRASER, 2007).

Como consequência do exemplo britânico, diversos países se ocuparam do tema e criaram regu-lamentos, diretivas e legislações de BEA. Na Europa, com a consolidação da União Européia (UE) nos anos 90, esses regulamentos foram unificados, permanecendo algumas diferenças específicas em alguns países. Assim, já foram implatandas importantes mudanças na EU como, por exemplo: poe-deiras – abolição da criação em gaiolas (baterias); suínos – proibição da criação de matrizes suínas em celas de gestação individuais (depois de 4 semanas de gestação), do corte de cauda e de dentes de leitões rotineiramente e da castração cirúrgica sem analgesia e/ou anestesia; bezerros – banição da criação em gaiolas de bezerros para produção de vileto, de acorrentados do oferecimento de dietas totalmente líquidas e pobres em ferro, entre outras.

Sem dúvida, principalmente por ter sido o berço do BEA, a Inglaterra, assim como os países da UE têm sido pioneiros no desenvolvimento e instituição de leis e regulamentos sobre o assunto, mas em várias regiões do mundo alterações nos modelos de produção estão sendo impostas e se observa pressão tanto de grandes empresas alimentícias, hoteleiras e grandes supermercados, bem como do próprio consumidor de exigir a adoção de práticas de bem-estar pelo setor agropecuário.

Pesquisas recentes têm demonstrado que os consumidores estão preocupados com o bem-es-tar de animais de produção e rejeitam a intensificação dos sistemas de produção animal (ANIMAL WELFARE INSTITUTE, 2016; HÖTZEL, 2014)

No Brasil, algumas legislações federais, estaduais e municipais tratam de questões relacionadas ao bem-estar de animais de produção e há no Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) a Comissão Técnica Permanente de Bem-Estar Animal, criada em 2008, cujo objetivo é “[...] coordenar as diversas ações de bem-estar animal do Ministério [Mapa] e fomentar a adoção das boas práticas para o bem-estar animal pela cadeia produtiva, sempre embasada na legislação vigen-te e no conhecimento técnico-científico disponível.” (BRASIL, 2016). Assim, o BEA no Brasil é um con-ceito relativamente novo se comparado às décadas de discussões e questionamentos já vivenciadas na Europa. Porém, considerando-se o atual mundo globalizado, as transformações devem ocorrer muito rapidamente por aqui como consequência da pressão do consumidor, das agroindústrias ou do mercado internacional, por meio de barreiras comerciais.

Vamos nos deter, a partir de agora, na organização e disponibilização de alguns conhecimentos sobre aspectos que influenciam ou determinam o bem-estar de bovinos de leite.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2268

Comportamento Como base para o manejo de bovinos

Comportamento pode ser definido como “[...] todo e qualquer ato executado por um animal, perceptível ou não ao universo sensorial humano” (deL-CLaro et al., 2008); a etologia é a ciência que estuda o comportamento.

Conhecer o comportamento dos animais é fundamental para qualquer prática e convívio com eles e é provável que esta tenha sido uma das primeiras características selecionadas pelo homem no processo de domesticação, onde os animais mais dóceis eram trazidos e permaneciam mais facil-mente junto às pessoas (Grandin; deesinG, 2014).

assim, os funcionários que lidam com o gado nas propriedades rurais e abatedouros, os trans-portadores, os técnicos, os fazendeiros, aqueles que projetam instalações e equipamentos para o manejo dos animais precisam conhecer as atualizações e pesquisas desenvolvidas sobre comporta-mento animal. padrão de alimentação e descanso de um rebanho, formas e preferência na seleção de alimentos, padrão do comportamento reprodutivo, comportamento maternal e social, hierarquia e dominâncias são algumas informações que a etologia avalia e que fornecem subsídios para o bom manejo de um rebanho (broom; Fraser, 2007).

visÃo, aUdiÇÃo, oLFato dos bovinos e sUas impLiCaÇÕes no Comportamento

os bovinos apresentam olhos localizados mais lateralmente na cabeça, o que lhes confere um ângulo horizontal maior de visão (aproximadamente 320º) quando comparados aos humanos, to-davia apresentam um menor ângulo de visão binocular (cerca de 20º à 30º à frente da cabeça), o que dificulta a distinção de pequenas alterações, objetos ou sombras no chão, tendo a necessidade de abaixar a cabeça para conseguir o foco necessário e fazer a identificação (boUissoU et al., 2001; Grandin, 1980), assim, muitas vezes, o “empacar’ desses animais durante a condução por uma ins-talação é apenas a tentativa de visualizar possíveis obstáculos no caminho. enxergam e conseguem diferenciar cores, sendo as mais facilmente diferenciadas, em ordem decrescente, laranja, vermelho e amarelo e as menos diferenciadas, verde, azul e violeta (rioL et al., 1989).

possuem alta sensibilidade auditiva, assim, sons altos, barulhos e gritos assustam esses animais, que podem identificar sons de alta frequência não audíveis ao homem (HeFFner; HeFFner, 1983). o olfato é muito importante para a comunicação dos bovinos em atividades sociais, sexuais, mater-nais, entre outras. estudos mostraram que esses animais apresentam maior medo quando na pre-sença de urina de outros bovinos estressados (boissY et al., 1998) e alterações no comportamento são evidenciadas na presença do odor de fezes de predadores, de outros animais da mesma espécie, de sangue e de urina (pFister et al., 1990; terLoUW et al.,1998).

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Capítulo 7 Bem estar animal em sistemas de produção de leite 269

COMPORTAMENTO SOCIAL x MANEJO PRODUTIVO

Os bovinos são tipicamente considerados presas, assim, várias de suas características que acaba-mos de citar e seu comportamento estão relacionadas com essa condição. São animais que vivem em grupos e estabelecem vínculos entre os membros, o que possibilita maior proteção contra pre-dadores, ficando, portanto, estressados quando são retirados de seu grupo e manejados sozinhos, ou quando reagrupados (PARANHOS DA COSTA; SILVA, 2007). Ao realizar o pastejo, mantêm-se pró-ximos uns dos outros e realizam suas atividades (ruminar, deitar, pastar, beber água) em conjunto e cada animal parece apresentar mais afinidade (proximidade) com alguns indivíduos do rebanho do que com outros (REINHARDT; REINHARDT, 1981).

Bezerros de leite também formam vínculos e permanecem mais próximos àqueles criados desde cedo no mesmo grupo. Bovinos com acesso livre à piquetes pastam cerca de 7 à 13 horas diariamen-te, com a maior parte do pastejo ocorrendo durante o dia, com picos ao amanhecer e entardecer. Ruminam cerca de 5 a 10 horas por dia, com maior frequência quando estão deitados e no período noturno (KILGOUR, 2012).

Seu sistema social é hierárquico, com animais dominantes, intermediários e submissos; há tam-bém o líder, que é aquele que vai à frente durante a movimentação do grupo, sendo considerado um animal intermediário no ranking de hierarquia social do rebanho – não é o dominante. A domi-nância é definida, muitas vezes, pelas características de tamanho do animal, presença de chifres, ca-tegoria, idade ou raça, sendo a relação dominante-submisso estabelecida pelas interações positivas e agressivas entre cada par de animais, podendo ser evidenciada principalmente quando se decide a prioridade de acesso a recursos como sombra, alimento e água.

Assim, quando os recursos são limitados, ou o lote é muito heterogêneo, os animais subordi-nados podem não ter acesso a estes. Hötzel et al. (2013) verificaram que quando as vacas tiveram acesso à água apenas uma vez por dia, o consumo foi de 70% do volume consumido quando em condição de livre acesso aos bebedouros e as vacas submissas chegaram a permanecer até 48 ho-ras sem beber água no sistema restrito. De forma semelhante, Coimbra et al. (2012) identificaram que vacas de leite dominantes em pastejo rotacionado, com bebedouro posicionado no corredor, tomaram água por mais tempo e mais vezes do que as subordinadas, não sendo observada essa diferença com o bebedouro posicionado nos piquetes. Tresoldi (2012) verificou que as vacas domi-nantes, além de ter acesso preferencial à água também produziram mais leite. Assim, em condições limitadas de acesso ou recursos, a mistura de animais de diferentes categorias pode trazer prejuízos importantes para os grupos menos favorecidos.

O tamanho do lote também é importante – em grupos muito grandes o reconhecimento mútuo é dificultado por falta de memorização, aumentando as interações agonísticas e a dificuldade de manutenção da estrutura social (PARANHOS DA COSTA, 2000). Segundo Broom (2014), vacas de leite confinadas em lotes com mais de 50 indivíduos apresentam maior risco de ter seu bem-estar redu-zido em razão do maior número de interações agressivas entre elas, além de questões sanitárias, nutricionais e de manejo. Nesse contexto, em rebanhos maiores, a introdução de novos animais nos

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2270

grupos de ordenha é um manejo comum e que gera estresse, aumento de interações agonísticas e queda na produção de leite (KEYSERLINGK et al., 2009). Uma alternativa que pode minimizar esses efeitos negativos do reagrupamento é a introdução dos novos animais em pares e não individual-mente (BOE; FAEREVIK, 2003; NEISEN et al., 2009).

NASCIMENTO E MANEJO DE BEZERROS

Em relação ao nascimento, vacas próximas do parto apresentam necessidade de isolamento e devem ter privacidade para parir. O piquete ou baia maternidade deve propiciar distância suficiente entre as vacas que estão para parir ou entre as recém-paridas, evitando a troca ou abandono de bezerro.

A prática comumente utilizada em rebanhos leiteiros de alta produção é a separação do bezerro da mãe logo após o parto ou nas primeiras 24 a 48 horas. Este é um manejo altamente estressante e se verifica que, durante o primeiro ano de vida, as mais altas taxas de mortalidade (75%) de bezerros de leite ocorrem nos primeiros 30 dias depois do nascimento (COELHO, 2005). Um dos problemas identificados está relacionado ao comportamento alimentar e à quantidade de alimento fornecida aos bezerros.

De forma geral, trabalha-se com a oferta de colostro ou leite na relação de 10% do peso vivo do bezerro, oferecido duas vezes por dia em baldes ou mamadeiras, sendo essa quantidade cerca da me-tade do que seria seu consumo voluntário (APPLEBY et al., 2001). Na presença da mãe, o animal mamaria mais vezes e maior volume de leite. Em estudo com bezerros divididos em grupos com consumo à von-tade (CV) e com consumo restrito (CR) de leite, utilizando um alimentador automático, Vieira et al. (2008) concluíram que os indivíduos do grupo CV ganharam quatro vezes mais peso e consumiram o dobro de leite comparados aos indivíduos do grupo CR, onde os bezerros permaneceram mais tempo e foram um número maior de vezes ao alimentador e realizaram mais mamadas não nutritivas (apenas sugando o bico das teteiras). Nesse contexto, Thomas et al. (2001) evidenciaram que a vocalização dos bezerros, mesmo depois da separação das mães, pode ser reduzida com o maior fornecimento de leite ou colostro, ou seja, novamente uma relação com a fome.

Assim, adequações do manejo com base no comportamento e necessidades dos bezerros, com o aumento da quantidade de leite fornecida, em maior número de vezes, em mamadeiras que propiciem uma ingestão mais lenta, ou o uso de alimentadores automáticos podem diminuir a fome, possibilitar a criação em grupo, diminuir o estresse e comportamentos como o sugar de orelhas e partes do corpo de outros bezerros ou de objetos (KEYSERLINGK et al., 2008).

Outro manejo que ainda pode ser melhorado com base nas necessidades dos bezerros é o uso de casinhas individuais até os 70 dias de vida. Estudos têm mostrado a importância da interação social e da possibilidade de brincar para esses animais. Segundo Silva et al. (2007), bezerros criados sob ma-nejo racional, em baias maiores, recebendo maior quantidade de colostro e leite em baldes com bicos acoplados, com acesso a piquete durante o dia e maior contato com o tratador (escovação durante

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Capítulo 7 Bem estar animal em sistemas de produção de leite 271

a mamada) apresentaram menor ocorrência de diarreias e desidratação, menor uso de antibióticos e menor mortalidade do que àqueles criados sob manejo tradicional.

COMPORTAMENTOS ANORMAIS

Comportamentos anormais são mais comuns em sistemas intensivos de produção, onde o animal não tem domínio sobre o seu ambiente, e são indicativos de comprometimento da condição de BEA. Entre os comportamentos anormais estão as estereotipias, definidas como movimentos repetitivos, relativamente invariáveis, sem função específica. Nas espécies bovinas, pode-se identificar, por exemplo, o contínuo esfre-gar da cabeça contra paredes, observado em animais em baias; o rolar repetido dos olhos em suas órbitas (apenas a parte branca é vista); o movimento espiral da língua para fora da boca e a lambedura excessiva de partes do corpo (BROOM; FRASER, 2007).

Além das esterotipias, outros comportamentos anormais observados em bovinos são: ocorrên-cia da lambedura e sugação de paredes, objetos e partes do corpo de outros animais – problema comumente verificado em bezerros desmamados nos primeiros dias depois do nascimento e que recebem leite no balde ou em pouca quantidade em mamadeiras; ingestão de solo ou areia – mui-tas vezes resultado de deficiência alimentar; ocorrência de cio silencioso; sodomia; comportamento materno inadequado; rejeição dos neonatos; troca de bezerros; anormalidade nos movimentos; imobilidade tônica e hiperatividade (BROOM; FRASER, 2007; MALAFAIA et al., 2011).

Devemos procurar adequar o ambiente no qual os animais vivem de acordo com suas necessi-dades, de forma a torná-lo propício para a expressão dos comportamentos típicos da espécie, dimi-nuindo ou extinguindo as ocorrências de comportamentos anormais e, assim, melhorando o BEA.

TEMPERAMENTO

O temperamento é uma característica importante para o sistema produtivo de bovinos, com consequências práticas e econômicas, merecendo a atenção dos produtores e profissionais. Animais com temperamento agitado podem tornar-se excitados e excessivamente estressados, dificultando o manejo e apresentando menor produção.

Temperamento pode ser definido, segundo Fordyce et al. (1982), como as reações dos animais em relação ao ser humano, geralmente atribuídas ao medo. Dentro de um sistema de criação que es-timule contatos positivos entre os animais e o homem, os animais são mais dóceis, principalmente, se o contato ocorrer nos primeiros meses de vida ou até a fase inicial da pós-desmama e for positivo. Além da experiência prévia, fatores genéticos podem contribuir para as diferenças de comporta-mento observadas em bovinos.

Assim, alguns testes para avaliação do temperamento têm sido desenvolvidos e utilizados na se-leção de bovinos de leite: o temperamento na ordenha (milking temperament) é utilizado em vários países, inclusive no Brasil, em programas de coleta de dados de associações de raças – o produtor

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2272

classifica cada vaca, normalmente nos seus primeiros 6 meses de ordenha, em escala que pode va-riar de 1 a 4, de 1 a 5 ou de 1 a 9, representando a variação de temperamento de nervoso a calmo durante a ordenha; a distância de fuga avalia a menor distância que o animal se deixa aproximar antes de iniciar um movimento, onde animais menos reativos apresentam menores valores, que podem chegar a zero, quando se deixam ser tocados; na resposta a novos objetos ou a novos locais é avaliada a reação do animal ao ser apresentado a um novo objeto ou ao entrar em local desconhe-cido, onde animais menos reativos se aproximam mais facilmente.

As correlações entre os resultados dos testes de temperamento e características produtivas têm mostrado que animais menos reativos apresentam maior velocidade, maior produção de leite e maior resistência à mastite, sendo a sobrevivência ou manutenção desses animais no rebanho mais prolongada (HASKELL et al., 2014).

Além desses testes, atualmente, tem-se incluído avaliações de estados positivos e das preferên-cias dos animais (por exemplo, tipo de cama, de cocho, de bebedouro que preferem), uma vez que a melhoria do BEA se deve não apenas à exclusão de estados negativos, mas também ao aumento de estados positivos. Nesse contexto, as avaliações qualitativas do comportamento têm sido utilizadas e mesmo incluídas em protocolos de auditoria de BEA como o Welfare Quality® (WELFARE QUALITY, 2009). No qualitative behavior assessment (QBA), é atribuída uma pontuação ao animal em relação a adjetivos como: ativo, relaxado, apático, calmo, atento, curioso, ocupado, contente, irritado, sociável, amigável, entre outros, e com base nessa pontuação se atribui uma nota final geral.

MEDO E MANEJO AVERSIVO

O medo de seres humanos também pode ter implicações práticas para a produtividade em vacas leiteiras comerciais, dificultando o manejo e aumentando o tempo de ordenha e o leite residual (BREUER et al., 2000; LINDAHL et al., 2013; RUSHEN et al., 1999). Vacas conduzidas do campo até a sala de ordenha de forma aversiva, apressada e com gritos pelos seus tratadores foram mais reativas durante a ordenha, com maior movimentação dos membros posteriores e defecaram mais vezes que aquelas conduzidas de forma não aversiva (PETERS et al., 2010).

As interações homem-animal repercutem no comportamento e na produção dos animais e são dependentes de fatores inerentes aos mesmos (temperamento, idade e categoria egenética), fato-res inerentes ao homem (atitude, personalidade, conhecimento e habilidade) e fatores ambientais (espaço, manejo, temperatura e outros animais). Erros na manutenção e regulagem de equipamen-tos, como ordenhadeiras mal conservadas, com vácuo excessivo ou insuficiente, pulsadores com mau funcionamento e sobreordenha são fatores ambientais potencialmente aversivos.

Bovinos têm ótima memória para esse tipo de situação e identificam pessoas que os tratam bem ou mal. Por isso, é necessário cultivar atitudes positivas em quem lida com animais, na busca de interações positivas, de natureza tátil, como afagos, coçadas na cabeça, tapinhas na garupa, ou de natureza sonora, como tom de voz suave e assobios, evitando as atitudes negativas.

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Capítulo 7 Bem estar animal em sistemas de produção de leite 273

Os animais que têm interações positivas durante a fase de aleitamento tendem a mostrar menos medo nas fases seguintes. Novilhas no pré-parto que são conduzidas à sala de ordenha para habi-tuação se mostram mais adaptadas à ordenha e interagem melhor com o lote em lactação. Vacas em lactação, por sua vez, ruminam mais tempo, apresentam menor reatividade e produzem mais quando interagem positivamente com os tratadores e ordenhadores.

Os prejuízos trazidos ao BEA pelo manejo agressivo se estendem a todo o sistema de produção, pelos riscos de danos às instalações, aos animais e às pessoas e pela diminuição da produção e pro-dutividade (DODZI; MUCHHENJE, 2011). é preciso reconhecer que o bem-estar animal e o humano não estão dissociados. Não se conseguirá que um funcionário que se sinta explorado e sem perspec-tivas de vida digna trate os animais com o respeito que nem a ele é dedicado.

Assim, a valorização e o treinamento de tratadores para manejo gentil, bem como a seleção de animais com comportamentos menos reativos e instalações e manejos que integrem as necessida-des e o comportamento natural dos animais são questões fundamentais para o estabelecimento dos rebanhos leiteiros atuais.

TERMORREGULAçãO E BEM-ESTAR ANIMAL

Os bovinos são animais que mantêm a temperatura corporal constante por meio de mecanismos internos de produção de calor, onde a geração deste depende da alimentação, da atividade física, da fase do ciclo de vida (crescimento, gestação, lactação) e do ambiente externo.

A temperatura corporal interna deve ser mantida dentro de certos limites, entre 38 ºC e 39,3 ºC (ROBERTSHAW, 2006) para o funcionamento adequado do organismo. Quando a temperatura exter-na sobe ou desce além da zona de conforto térmico do animal, este começa a ter um gasto maior de energia para manter a temperatura corporal dentro dos limites adequados, desviando energia que seria utilizada para fins produtivos (FERREIRA et al., 2006). Estudos mostram que esses limites ideais variam de acordo com local, ambiente, raça e nível de produção: Johnson (1987) estimou faixa ideal entre -0,5 ºC e 20 oC para bovinos de leite; Berman et al. (1985) estabeleceram que o limite máximo está em torno de 25 ºC; segundo Pires (2006), o limite máximo de temperatura para a produção de leite é até 25 °C, com valores de umidade relativa abaixo de 50%.

Na realidade, o estresse térmico é resultado da ação de vários fatores ambientais associados e não apenas a temperatura. Assim, índices que associem esses fatores têm sido utilizados para au-xiliar no monitoramento do ambiente e do conforto térmico dos animais. O índice mais utilizado é o índice de temperatura e umidade (ITU), que engloba os valores de temperatura e umidade do ar.

A partir do ITU, pode-se avaliar o estresse térmico do animal segundo a seguinte classificação: menor ou igual a 70 = normal; 70 a 72 = alerta; 72 a 78 = alerta, e acima do índice crítico para a produção de leite; 78 a 82 = perigo; acima de 82 = emergência (PIRES; CAMPOS, 2004). Em trabalho realizado no Brasil (AZEVEDO et al., 2005) com vacas cruzadas ½, ¾ e 7/8 Holandês-Zebu, os níveis críticos de ITU foram 80, 77 e 75, respectivamente. Assim, o grupo genético e sua adaptabilidade

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2274

influenciam os valores considerados crítcos de ITU. Outra forma de se avaliar o estresse térmico é a

observação do comportamento do bovino, utilizando-se aspectos citados anteriormente, como a

busca pela sombra, parada da ingestão de alimentos, ofegação e salivação excessiva.

EFEITOS DO ESTRESSE TéRMICO

As perdas em produtividade decorrentes do estresse térmico foram avaliadas por St-Pierre et al.

(2003) nos EUA e os resultados, no estado da Flórida, para bovinos de leite são sintetizados na Tabela

1, ilustrando a importância do controle dos fatores climáticos na produção de rebanhos leiteiros.

Tabela 1. Consequências do estresse térmico em impacto na produtividade de bovinos leiteiros da Flórida (EUA).

Consequências do estresse térmico Impacto na produção

Queda na ingestão de matéria seca: 6 a 30% - 894 kg por vaca por ano

Queda na produção de leite: 15 a 20% -1.803 kg por vaca por ano

Queda na eficiência reprodutiva 40 a 50% + 59,2 dias de intervalo parto-concepção

Aumento da mortalidade + 1,72%

Fonte: adaptado de St-Pierre et al. (2003).

A produção aumenta ou diminui rápida e intensamente frente aos estímulos do ambiente, onde essa sensibilidade é tanto maior quanto maior for o grau de especialização dos animais, particular-mente no que diz respeito às necessidades metabólicas (BAUMGARD; RHOADS, 2012; RENAUDEAU et al., 2012).

A temperatura retal e a frequência respiratória são parâmetros frequentemente associados à re-dução da produção de leite e da taxa de concepção. De forma geral, em grupos homogêneos, se sete ou mais animais em um grupo de 10 estiverem com a temperatura acima de 39,4 °C, pode-se presumir que eles estão em estresse térmico. Outros sinais da ocorrência de estresse térmico são: identificação de sete ou mais animais (em um grupo de 10) com frequência respiratória acima de 60 movimentos por minuto e redução da ingestão de alimentos e da produção de leite superior a 10%, em condições de temperatura e umidade relativa do ar acima da zona de conforto, sem outras causas associadas (PIRES, 2006).

O estresse por calor diminui a imunidade e interfere nas funções de crescimento, manutenção e reprodução dos animais. Em relação à reprodução, o estresse térmico diminui a taxa de concep-ção e aumenta a morte embrionária em bovinos. A fase de maior susceptibilidade ao estresse pa-rece situar-se entre 2 a 3 dias antes do cio e até 3 dias depois da cobertura (BAUMGARD; RHOADS, 2007).

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Capítulo 7 Bem estar animal em sistemas de produção de leite 275

Altas temperaturas ambientais podem alterar o comportamento de pastejo, reduzindo a inges-tão de alimentos em até 10%, com a ingestão podendo parar por horas em casos extremos. De forma semelhante, vacas estabuladas em condições de estresse térmico reduzem a ingestão total de matéria seca, ainda que possam escolher entre alimentos volumosos e concentrados (PASSINI et al., 2009).

A qualidade do leite também pode ser alterada em resposta ao estresse térmico, estando, entre outros fatores, relacionada a restrições hídricas, uma vez que a água é o componente encontrado em maior quantidade no leite.

ALTERNATIVAS PARA MITIGAR OS EFEITOS DO ESTRESSE TéRMICO

Há diversas alternativas que podem ser utilizadas para minimizar os efeitos do estresse térmico em bovinos, entre elas o uso de sombras, naturais ou artificiais, em pastagens e o uso de aspersores, ventiladores e nebulizadores (pad cooling) em confinamentos.

O uso da sombra

Simon et al. (1995) mostraram que novilhas em crescimento criadas em pastagem arborizada, por exemplo, atingem idade para cobertura até 5 meses antes do que aquelas criadas em pasto sem sombreamento. Vacas com livre acesso à sombra apresentam maior ingestão de alimentos e maior produção leiteira.

No centro-sul brasileiro, a temperatura do ar, no verão, foi reduzida em até 8 °C, e a incidência de radiação solar global foi 80% menor sob a proteção de árvores dispostas em renques (SILVA, 1998).

Em tempo frio, os renques de árvores funcionam retendo calor e como quebra-vento. A radiação recebida pelo corpo do animal protegido sob as copas ou próximo delas, melhora o seu conforto térmico. Uma redução de 33% na velocidade dos ventos pode resultar em 10% de economia em energia (SILVA, 1998).

Outro aspecto importante é que, em sistemas silvipastoris, a presença de árvores, ainda que dis-postas em renques lineares equidistantes e não na forma habitual de bosques, facilita a expressão de comportamentos naturais pelas vacas, como busca de privacidade no momento do parto, refe-rencial espacial para deslocamento e interação social dos animais.

Em condições amenas, em Lages, no sul do Brasil, a privação de sombra nas pastagens tendeu a reduzir o teor de lactose, sem modificar a produção e demais características físico-químicas do leite; todavia, em condições de estresse moderado a severo, essa privação reduziu de 38% a produção, a estabilidade do leite no teste do álcool e o teor de proteína, enquanto aumentou o valor de acidez titulável e os teores de gordura e de nitrogênio ureico (ABREU, 2015). Com o uso da sombra, Barbosa et al. (2004) encontraram aumentos no teor de gordura e de proteína do leite em vacas em lactação.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2276

Todavia, o uso da sombra pelos animais é afetado pela oferta e tipo de sombreamento. O uso de área insuficiente de sombra para o tamanho do rebanho gera disputa pelo recurso e estresse. Nessa situação, os animais podem expressar comportamentos agonísticos, os animais submissos podem ficar sem sombra ou, ainda, a proximidade forçada entre os animais pode diminuir a eficiência das trocas de calor.

Além do sombreamento natural, pode-se usar o sombreamento artificial na pastagem, com área de sombra de pelo menos 3 m² a 5 m² por animal. No caso de coberturas com tela, o ideal para animais é que esta ofereça cerca de 80% de bloqueio dos raios ultravioletas (CONCEIçãO, 2008). O uso de telhas (barro, fibrocimento, aço galvanizado, etc.) também é positivo. As telhas podem ser pintadas de branco, aumentando a reflexão dos raios solares e reduzindo a carga térmica sobre os animais (SILVA, 2000).

Instalações e sistemas artificiais de controle térmico

A orientação da instalação tem grande importância para o conforto térmico. Animais mantidos em instalações construídas no sentido Leste-oeste da cumieira do galpão sofrem menos com a inci-dência de radiação solar sobre o mesmo. As aberturas laterais do galpão auxiliam na troca e manu-tenção da qualidade do ar através da ventilação natural.

O uso de ventiladores e aspersores é uma fonte suplementar de resfriamento para períodos mais quentes. O objetivo é que a água dos aspersores molhe os animais e os ventiladores evapo-rem essa água, levando com ela o calor e esfriando os animais. Já os nebulizadores, que espalham gotículas minúsculas, têm o objetivo de resfriar o ar.

O cuidado com o fornecimento de água é tão importante que iremos tratar dele separadamente na sequência, dadas as implicações entre termorregulação, as necessidades de água para bovinos leiteiros e o BEA.

OFERTA DE ÁGUA E BEM-ESTAR ANIMAL

A oferta de água em um sistema de produção leiteira é um dos pilares do BEA e está diretamente relacionada com a termorregulação. A água é uma das necessidades mais básicas e de atendimento mais urgente, só perdendo para o oxigênio. Prova disso é que perdas de 100% da gordura e de mais de 50% da proteína corporal são toleráveis. Porém, perdas de 10% a 12% da água do organismo levam a grave desidratação e óbito. Portanto, não há como exercer nenhuma das cinco liberdades em estado de privação hídrica.

Um bovino adulto tem cerca de 55% a 70% do seu PV em água, um jovem, de 80% a 85% e um neonato cerca de 90%. Aproximadamente 87% do leite é água, que deve ser excretada pela vaca. O rúmem é uma grande câmara de fermentação em meio aquoso, água esta que vem da ingestão dos alimentos, da bebida e da saliva. Caso falte água, o rumen não realiza suas funções e o animal adoece. Esta breve argumentação deveria ser suficiente para convencer as pessoas de que o BEA na

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Capítulo 7 Bem estar animal em sistemas de produção de leite 277

produção leiteira é tão dependente de água quanto de alimento. No entanto, é frequente encontrar-mos propriedades em que o fornecimento de água é negligenciado.

A necessidade de água dos bovinos leiteiros pode ser dividida em dois níveis: água para manu-tenção dos ciclos vitais e água para produção de leite.

Na Tabela 2 estão descritos os valores de consumo de água de diferentes categorias de bovinos em condições do Brasil Central, onde esses valores podem ser alterados de forma importante com o aumento da temperatura do ambiente.

Tabela 2. Consumo de água pelo gado leiteiro (litros/cabeça/dia), por categoria, nas condições do Brasil Central, em criação semi-intensiva.

Categoria animal Consumo (L/cabeça/dia) Variação (±)

Vacas em lactação 62,5 15,6

Vaca e novilha no final da gestação 50,9 12,9

Vaca seca e novilha gestante 45,0 12,9

Novilha em idade de inseminação 48,8 14,4

Fêmea desmamada até a inseminação 29,8 7,2

Bezerro lactente a pasto 11,2 3,0

Bezerro lactente (baia até 60 dias) 1,0 0,4

Fonte: adaptado de Benedetti (1986).

O consumo de água pode ser estimado pela relação entre a ingestão de alimento e a tempe-ratura ambiental: consumo (kg por dia) = 0,9 (Kg por leite por dia) + 1,58 (kg de MS por dia) + 0,05 (consumo de Na por gramas por dia) + 1,20 (temperatura média do dia).

O pico de consumo de água coincide com o pico do consumo de MS, mesmo quando o alimento é fornecido várias vezes ao dia. Picos de consumo são também observados depois das ordenhas, podendo chegar à 40%–50% do consumo total.

CONDIçõES DE OFERTA DE ÁGUA

Machado Filho et al. (2004) verificaram que, quando dada a oportunidade, as vacas preferem in-gerir maior quantidade de água em bebedouros maiores. Teixeira et al. (2009), comparando a prefe-rência e o consumo em bebedouros de 500 L (circular), 125 L (circular) e 100 L (retangular), também evidenciaram a preferência pelo bebedouro maior, sendo importante além do volume, a área maior do espelho d’água.

No caso de bebedouros tipo tigela, deve-se disponibilizar um bebedouro com fluxo de 10 L por minuto para cada 10 vacas. Tanto para os bebedouros tipo tigela como para os circulares e

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2278

retangulares dos piquetes, o espaço linear mínimo deve ser de 6 cm por animal e, os últimos devem ter vasão de 20 L por minuto e altura de 0,6 m a 0,8 m (GARCIA, 2013).

Os bebedouros devem ser submetidos à limpeza e desinfecção periódicas. Produtos clorados atendem a essa finalidade, mas se deve ter o cuidado de eliminar resíduos que alterem a palatabili-dade e o odor da água.

Boa parte das fazendas leiteiras no Brasil utiliza água proveniente de açudes – captada no perío-do das chuvas, onde os animais entram, defecam e urinam, não ocorrendo renovação. A localização dos bebedouros influencia o pastejo, pois as vacas permanecem muito tempo junto das fontes de água. O ideal é sempre possibilitar o consumo livre, com disponibilidade em todos os locais de per-manência do rebanho. O sombreamento interfere no consumo e na permanência dos animais junto às fontes de água.

Dureza da água – teores de sólidos acima de 200 mg L-1 – definem a água como dura (GUERRA et al., 2011). Esta pode ter odor e sabor desagradáveis, formar precipitados e trazer danos ao trato digestório. Água salobra - concentração de sais maior que 500 mg L e menor que 30.000 mg L-1 – apresenta salinidade intermediária entre a água do mar e a água doce. Embora o gado tolere maior salinidade que os humanos, deve-se evitar o fornecimento dessas águas.

AVALIAçãO DO BEA EM SISTEMAS DE PRODUçãO LEITEIRA

A avaliação do bem-estar em rebanhos deve ter caráter multidisciplinar, incluindo diferentes medidas, algumas relacionadas a problemas de curto prazo (manejo humano, condição fisiológica específica) e outras a problemas de longo prazo (confinamento excessivo, manejo alimentar, adap-tação), sendo importante identificá-los para a correta intervenção.

De forma geral, a avaliação do BEA compreende a observação do comportamento animal e de indicadores fisiológicos e sanitários, bem como do ambiente e instalações.

Há diversos indicadores de bem-estar usados em bovinos de leite. Alguns são incluídos nos pro-gramas de avaliação de BEA e outros mais comuns estão descritos na Tabela 3.

INOVAçõES PARA MELHORA DO BEM-ESTAR ANIMAL

Com o conhecimento atual de que métodos convencionais de criação que melhoram o bem-es-tar dos animais podem ser alterados sem prejuízo direto na produção e com o entendimento de que o consumidor está cada vez mais ciente de como os animais são criados para a produção do alimento que será consumido por ele e sua família, a adoção de certificações que atestem a quali-dade da criação em relação ao bem-estar dos animais será provavelmente um importante requisito comercial em poucos anos.

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Capítulo 7 Bem estar animal em sistemas de produção de leite 279

Tabela 3. Problemas de bem-estar identificados em bovinos de leite e as formas de avaliação.

Problemas Avaliação

Locomotor (membros e cascos)

Escore de claudicação, tempo deitado, em pé e ruminando, le-sões, escore corporal, ingestão de matéria seca, exame físico.

Mastite Avaliação exterior da glândula, teste da caneca de fundo tela-do, CMT*, CCS*.

Reprodutivos Retorno ao cio, ausência de cio, intervalo entre partos, idade à reprodução.

Nutricionais Escore corporal, doenças nutricionais.

Estresse de confinamento Comportamentos anormais. Ausência da expressão de com-portamentos naturais.

Manejo (relação tratador × animal)

Escores de temperamento, escore de coice durante a ordenha, tempo de ordenha, leite residual, produção de leite.

Instalações inadequadas (baias/cama/ piquetes)

Comportamento (tempo deitado, em pé, ruminação), local de descanso, comportamentos anormais, escore de sujida-de, escore de locomoção, mastite, problemas respiratórios e gastrointestinais.

Estresse térmico Temperatura retal, frequência respiratória, ITU, ofego, ingestão de matéria seca e água, ruminação, tempo deitado.

Técnicas de manejo que causam dor e lesões

Modo como são realizadas a descorna, castração, marcação, va-cinação e ocorrência de lesões.

(1) CMT – California mastites test; CCS – contagem de células somáticas.

Assim, para a avaliação da qualidade do BEA nas fazendas, alguns programas de certificação foram criados, entre eles o Welfare Quality®, Humane Certified®, GlobalG.A.P e RSPCA. Os critérios uti-lizados nesses programas englobam aqueles já ressaltados neste capítulo e podem ser usados pelo produtor para uma avaliação de seu rebanho. A guisa de exemplo, no programa Welfare Quality® são avaliados: ausência de fome e sede prolongada, conforto em relação à área de descanso, conforto térmico, facilidade de movimento, ausência de injúrias, ausência de doenças e de dor induzida por procedimentos de manejo, expressão de comportamentos sociais e de outros comportamentos, boa relação homem-animal e estado emocional positivo (WELFARE QUALITY, 2009).

Há também grande desenvolvimento de inovações tecnológicas que podem melhorar o bem-estar dos bovinos leiteiros e muitas delas estão disponíveis ao produtor.

O uso de controles eletrônicos que monitoram o comportamento, a ingestão de alimentos e os parâmetros fisiológicos do animal podem ajudar na identificação precoce de problemas de BEA. Esses dados podem ser acessados através do computador da fazenda ou diretamente nos aparelhos móveis (mobiles).

Há sensores que permitem a liberação de alimentos por vaca, dando maior segurança para a alimentação correta para cada animal, sem desperdícios ou déficits. Nesse contexto, o uso de

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2280

alimentadores de leite automáticos para bezerros já estão disponíveis no mercado e permitem que os bezerros ingiram leite (bico ou balde) várias vezes ao dia, havendo um controle eletrônico desse consumo, sendo assim possível identificar animais que mudaram sua rotina de consumo, podendo indicar alterações em seu estado de saúde. Esses alimentadores podem ser utilizados em sistemas coletivos de criação bem como contribuir para o melhor controle da necessidade nutricional dos bezerros e para a diminuição do comportamento de sugar outros bezerros e objetos.

Sistemas de monitoramento do ambiente do estábulo e da sala de ordenha que automatica-mente acionam ventiladores e aspersores com base nas variáveis de controle climáticos já têm sido utilizados e possibilitam a melhor manutenção do conforto térmico. Novas linhas com a inclusão de dados fisiológicos dos animais trarão maior sensibilidade e precisão a esse sistema.

O uso de identificadores individuais em salas de ordenha, onde o animal se encaminha para a ordenha conforme a sua necessidade e é ordenhado por ordenhadeiras robotizadas, é mais uma alternativa que permite maior controle pelo animal de seu ambiente, melhorando seu bem-estar (BROOM; FRASER, 2007).

CONSIDERAçõES FINAIS

A aplicação de conceitos como o do BEA à pecuária leiteira ou a qualquer área da produção animal depende de mudanças culturais e de estratégias para a inovação dos sistemas produtivos que permitam a percepção imediata dos benefícios decorrentes de seu uso tanto para os homens quanto para os animais. A reflexão isolada a respeito do papel do homem frente à natureza e de suas relações com os demais seres vivos não será o motivador único das transformações, que deverá agregar também o desenvolvimento de novas tecnologias e informações práticas e econômicas.

Ressaltamos neste capítulo que nem sempre animais produtivos ou sistemas de produção eficazes são sinônimos de BEA. Bovinos são animais herbívoros, pastejadores que caminham longas distâncias à procura do melhor alimento e que vivem em grupos sociais. A criação destes em condições que levem em conta suas necessidades e a expressão dos comportamentos naturais, ainda que os animais já tenham sido intensamente modificados pela domesticação, traz benefícios produtivos e sanitários, melhora o bem-estar animal e, consequentemente, a percepção da sociedade acerca da pecuária.

Permanecem, no entanto, desafios para o entendimento dos aspectos qualitativos e quanti-tativos que norteiam o manejo em diferentes sistemas e do equilíbrio entre a produção e o BEA. A identificação de indicadores práticos e confiáveis e o desenvolvimento de novas tecnologias que propiciem maior controle e a melhoria do bem-estar animal são desafios e áreas prósperas para novos estudos.

Cresce a consciência mundial em torno da maneira como manejamos e tratamos os animais que nos fornecem alimentos, roupas, trabalho e companhia. Assim, é fundamental incorporarmos o con-sumo consciente, e o respeito e a compaixão às nossas atitudes cotidianas para criar uma relação harmônica com os animais e o ambiente que habitamos.

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Capítulo 7 Bem estar animal em sistemas de produção de leite 281

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Capítulo 8 Os desafios da transferência de tecnologia no setor produtivo do leite 285CAPÍTULO 8

Os desafios da transferência de tecnologia no setor produtivo do leiteO estudo de caso do Projeto Balde Cheio

André Luiz Monteiro Novo | Kees Jansen | Maja Slingerland | Ismail Ramalho Haddade | Artur Chinelato de Camargo

INTRODUçãO

Sob vários aspectos, o Brasil é um país de contrastes extremos. Ao mesmo tempo em que volume de leite cresce em taxas surpreendentes – em pouco mais de 20 anos, a produção nacional mais que dobrou – temos um cenário pouco otimista quando analisamos de modo mais detalhado os fundamentos de tal expansão. O texto a seguir, de autoria do professor Vidal Pedroso de Faria (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirós da Universidade de São Paulo), retrata um cenário de mu-danças, porém, de pouca evolução tecnológica da atividade leiteira no Brasil nos últimos 40 anos. No artigo, originalmente escrito para o editorial da Revista Balde Branco de agosto de 1999, percebe-se que muitas das dificuldades inerentes à transferência de tecnologia desde o final da década de 1950, ainda persistem, infelizmente, até os dias atuais.

Quem viveu as últimas quatro décadas tentando contribuir para a tecnificação da atividade leiteira, sabe como é difícil fazer propostas que sejam aceitas e aplicadas pelos produtores. As palestras proferidas em linguagem simples, para despertar o interesse e motivar mudanças de atitudes, não conseguem sensibilizar mais que uma parcela muito pequena da audiência. Um dia de campo, cuidadosamente planejado para demonstrar na prática a importância do uso cor-reto de tecnologia, nem sempre tem o sucesso que se esperaria, porque poucos se interessam pelos detalhes do que foi feito e dos resultados obtidos.

As reuniões organizadas para discutir economia de produção são indiscutivelmente as mais interessantes, quando a reação de muitos dos participantes é de revolta e descrédito, porque se procura demonstrar que os custos de produção podem ser reduzidos pela intensificação da produção, através do uso de tecnologia. Não é raro ouvir, nesses encontros, que as informa-ções apresentadas são falsas, que as empresas compradoras de leite financiaram a reunião com objetivo de manter baixo o preço pago ao produtor, e que a vivência no campo mostra outra realidade. Entrevistas, análises e artigos técnicos publicados pelas revistas raramente são lidos, a não ser que apresentem propostas mirabolantes de resultados bons, sem gastos.

Tudo o que foi comentado, não se constituiu, ao longo dos anos, em motivo de desânimo, sendo na realidade um estímulo para continuar a pregação. Deve-se reconhecer que muitas mudan-ças aconteceram nos últimos tempos como resultado dos esforços de pessoas envolvidas em

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2286

atividades de extensão. Alguns exemplos podem ser citados, como a difusão do uso da cana-de-açúcar corrigida para suplementação alimentar, a eliminação do conceito de milho e sorgo forrageiros, a consciência da importância da reprodução na economia do processo produtivo e a aceitação de que a qualidade da vaca só pode ser caracterizada através da persistência de produção.

A adubação de pastagens, que no passado era considerada loucura, passou a ser aceita como técnica viável, quando associada a um manejo racional. Praticamente desapareceu a ideia de que era necessário criar, através de cruzamentos, uma raça adaptada aos trópicos para se ter sucesso na atividade leiteira, por não existir uma racionalidade técnica que justificasse as tenta-tivas feitas no País na década de 1960. Acima de tudo, é gratificante verificar que vários produ-tores passaram a considerar o leite como uma atividade viável, obtendo resultados mensuráveis sob o ponto de vista econômico.

Não se deve esquecer que muito ainda precisa ser feito, porque a produção de leite continua atrasada, sob o ponto de vista tecnológico. [...] (FARIA, 2015, p. 154-155).

Mesmo com o cenário apresentado, é possível a demonstração de que, em certas condições, a inovação tecnológica, que leva à intensificação produtiva, pode permitir aos produtores de leite, em especial aos de economia familiar, aumentos significativos da lucratividade e da competitivi-dade em seus sistemas (NOVO et al., 2012). Este capítulo descreve uma das possíveis iniciativas de transferência de tecnologia e analisa como esta se diferencia do esquema tradicional de pesquisa e desenvolvimento, assim como de outros programas de extensão rural. O Programa Balde Cheio é um exemplo de como reduzir a distância existente entre os institutos de pesquisa e os produtores de leite.

MODELOS USUAIS DE P&D E ExTENSãO RURAL PARA PRODUçãO DE LEITE

Como muitos outros países, o Brasil tentou alterar o modelo tradicionalmente linear de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), no qual as inovações derivadas da ciência são subsequentemente repassadas para os usuários, para um modelo mais dinâmico, no qual os usuários teriam um papel mais ativo na inovação. Nesse último caso, a inovação tecnológica efetiva é vista como um processo de longo prazo que envolve diversos atores (BESSANT; RUSH, 1993). O processo de inovação, mais do que propriamente a tecnologia em si, deve ser compreendido como um processo multidimen-sional contendo ao menos três faces: administrativo/tecnológico, produto/processo e incremental/radical (COOPER, 1998; KLERKx; LEEUWIS, 2008). Em muitas áreas do conhecimento, desde o me-lhoramento de plantas (ALMEKINDERS, 2011), passando pelas mudanças climáticas (CRANE et al., 2011) e pela produção de biocombustíveis (SCHUT et al., 2011), o conhecimento dos produtores e os mecanismos de participação destes têm sido incluídos nos processos de P&D no desenvolvimento da agricultura (BROUWER; JANSEN, 1989; JANSEN, 2009).

No Brasil, ainda persiste o modelo convencional de transferência de tecnologia, normalmen-te citado na literatura com diversas denominações (top-down, linear, fim-do-tubo, blueprint,

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Capítulo 8 Os desafios da transferência de tecnologia no setor produtivo do leite 287

modelo 1). Modelos inclusivos que incentivavam a participação ampla dos produtores (PINHEIRO et al., 1997) não obtiveram sucesso no País em razão da falta de apoio dos serviços de extensão rural governamental e da relativa falta de interesse da comunidade científica local (TEIxEIRA, 2004). Muitos formadores de opinião e grande parte da comunidade científica acreditam que a inovação somente é possível de ser obtida pela pesquisa de ponta, de fronteira, tais como genômica, nanotecnologia e uso massivo de análises remotas de satélites. Entretanto, a eficácia e a eficiência de tais pesquisas (fundamentais ou aplicadas) no campo são questionadas por outros autores. Schwartzman (2002) demonstra que apesar dos investimentos em pesquisa e em recursos humanos, houve poucos avan-ços quantificáveis ou melhorias significativas na produção agrícola. Diversos fatores comuns citados na literatura internacional também podem ser verificados para o caso brasileiro. Em primeiro lugar, muito da tecnologia desenvolvida pela pesquisa aplicada permanece como protótipo ou na fase piloto, e não alcança o campo de produção. Em segundo lugar, o sistema de pesquisa e de extensão rural pública tende a universalizar e desconsiderar as complexidades e as contradições, inerentes às ações de inovação (EDGE, 1995). Por exemplo, muitas tecnologias ligadas à produção de leite e aos serviços de apoio (tais como: tanques de expansão, inseminação artificial, treinamentos para melhoria da qualidade do leite cru, ou cursos sobre vacinação) foram implantadas como parte de programas governamentais de apoio à atividade. Esses últimos, planejados sem qualquer referência das condições locais de cada produtor. Como resultado disso, pode ser questionado então: qual o real benefício da inseminação artificial em um rebanho que passa fome, ou qual seria a utilidade de uma nova gramínea forrageira nos casos de baixa fertilidade de solo, ou que relevância teria a concessão de crédito para construção de uma sala de ordenha onde o rebanho não seja saudável e assim por diante. Infelizmente, tais situações são muito comuns em sistemas de produção de leite no Brasil. Em terceiro lugar, a maior parte dos projetos governamentais assume que o uso de uma determinada tecnologia depois de sua introdução tenha continuidade garantida ao longo do tem-po. Frequentemente, pouca atenção é dispensada na construção das competências dos usuários finais (BESSANT; RUSH, 1993). Em quarto lugar, seguindo os cortes drásticos nos recursos federais nos anos 1990, o sistema de extensão rural oficial sofreu falta de recursos humanos e de capital (IBGE, 2010). Além disso, muitas instituições estaduais de extensão e de transferência de tecnologia foram profundamente afetadas e praticamente encerraram suas atividades (TEIxEIRA, 2004). Dados do último censo do IBGE de 2006 demonstram que essa situação de falta de assistência persiste até os dias atuais, visto que apenas 22% dos produtores declararam ter recebido algum tipo de assistência técnica (IBGE, 2010). Em quinto lugar, o chamado envolvimento de ‘stakeholders’, ou seja, das partes interessadas no planejamento de pesquisa, conduzido na década de 1990, terminou por excluir os produtores rurais.

Em aparente contraste com essa ênfase em “pesquisas de ponta’” e pouco investimento em pro-gramas de extensão rural, o discurso oficial nos anos 1990 deu muito mais peso à inclusão de produ-tores familiares nos programas de intervenção governamental. Contudo, os esforços para colocar a agricultura familiar no centro do processo de transferência de tecnologia falharam completamente (OLINGER, 1998). Apesar de haver, em alguns Estados, uma extensão rural que realmente atendeu aos pequenos produtores, o mesmo não aconteceu em âmbito nacional, havendo um viés importante na direção de dar suporte aos produtores mais ricos e com maior grau de instrução. Por exemplo, em

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2006, produtores que receberam assistência técnica possuíam em média ao redor de 228 ha, enquan-to que os produtores não atendidos possuíam 42 ha na média de todas as regiões. Somente 16,8% dos produtores com educação formal incompleta receberam alguma ajuda técnica, enquanto 44,7% dos produtores com nível superior declararam ter recebido alguma forma de assistência técnica (IBGE, 2010). Esse viés não é resultado da falta de interesse dos pequenos produtores, pois a grande maioria indicou grande interesse em receber assistência técnica (GOMES, 2006).

Apesar da crescente atenção à agricultura familiar, a adoçãode tecnologia nesse segmento per-manece muito baixa. Um dos motivos tem relação com o “pacote tecnológico” predominante nas últimas décadas que consiste na aquisição de vacas de raças europeias de alta produção, ordenhas mecanizadas sofisticadas, confinamento total em free-stall e silagem de milho como principal ali-mento volumoso (FARIA; MARTINS, 2008), além da recente onda de encerrar vacas leiteiras em confi-namento estabulado tipo compost-barn. Tal pacote tem como suporte uma forte cadeia de insumos agropecuários que movimenta ao redor de US$ 4,6 bilhões por ano somente no âmbito do primeiro elo da cadeia produtiva (da porteira para dentro), segundo Neves (2005). De modo geral, a estratégia comercial para aumento de vendas de insumos é culpar as “velhas” tecnologias, destinadas aos pro-dutores “antigos” ou “ultrapassados” propondo em seu lugar uma “nova e revolucionária” tecnologia como solução definitiva para todos os problemas. O sistema proposto de alta produtividade por vaca parece ter funcionado relativamente bem em grandes fazendas, mas não tem sido apropriado para os inúmeros sistemas de exploração extensivista com gado azebuado. Além disso, a imensa maioria dos quase 900mil produtores de leite brasileiros não tem condições financeiras para dar suporte ao pacote, o que enfatiza ainda mais a distância entre o sistema de P&D e a realidade dos produtores de leite no Brasil.

Em nosso País, uma das estratégias mais comuns para transferência de tecnologia (TT) para pro-dutores de leite é a realização de palestras, ministradas por pesquisadores em comunidades locais (SOUZA et al., 2007). As limitações de tal estratégia, como instrumento de TT para produtores de leite, ficaram mais claras por meio de um evento ocorrido em 1997, na região do Vale do Paraíba (RJ). Em uma pequena comunidade, um especialista falou durante horas sobre novos métodos de produ-ção, assim como das vantagens da intensificação da produção de leite, em particular para pequenos produtores. Ao final da palestra, um dos produtores presentes agradeceu ao pesquisador e questio-nou quanto tempo ele ficaria na comunidade, pois ele gostaria muito de aplicar em sua fazenda os conceitos apresentados. O pesquisador respondeu dizendo que iria retornar imediatamente à sua cidade de origem e que não poderia ficar. O produtor então perguntou: “Existe alguém com esse conhecimento nas redondezas que poderia nos ajudar a melhorar nossos sistemas de produção?” (CAMARGO, 2011a, p. 15) O pesquisador respondeu: “Desculpe-me, mas eu não tenho ideia se existe tal pessoa aqui na região com treinamento suficiente para ajudá-los em tais mudanças.” (CAMARGO, 2011a, p. 15). O produtor então afirmou:

Então porque você veio? (seguido de um breve silêncio na sala). Antes da sua palestra, eu estava relativamente resignado à baixa renda que aufiro com a atividade leiteira e do modo de vida em minha pequena área de terra. Não havia alternativa, eu pensava. Então você vem aqui, nos mostra uma série de tecnologias e processos que poderiam definitivamente mudar a nossa vida,

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mas não há quem possa nos ajudar. Eu me sinto muito frustrado. Você deveria ter ficado em sua casa (CAMARGO, 2011a, p. 15).

As palavras do produtor indicavam que o método tradicional de palestras isoladas como forma de TT não mais funcionava. Esse tipo de crítica inspirou a criação de uma rede de técnicos da ex-tensão rural e pesquisadores determinados a alterar essa realidade por meio de uma metodologia alternativa e inovadora que pudesse trabalhar em proximidade com os produtores de leite. Esse tornar-se-ia o Programa Balde Cheio.

O NASCIMENTO E AMADURECIMENTO DE UM NOVO ENFOQUE: O PROGRAMA BALDE CHEIO

Em 1998, um grupo de cinco pesquisadores da Embrapa Pecuária Sudeste elaborou um progra-ma oficial envolvendo um conjunto de práticas tecnológicas, anteriormente testadas em fazendas experimentais de algumas instituições de ensino e pesquisa, que poderiam ser adaptadas a diferen-tes situações locais. A ideia básica envolvia a seleção entre as técnicas conhecidas que pudessem ser ajustadas caso a caso de diversidade biofísica e socioeconômica de cada sistema de produção. Depois da aprovação formal do programa por parte da Embrapa, que mais tarde seria denominado Balde Cheio, os trabalhos tiveram seu ponto de partida nos estados de São Paulo e Minas Gerais, com sete e cinco produtores, respectivamente. Os pesquisadores da Embrapa treinavam diretamente os extensionistas e os produtores trabalhando com eles nas fazendas em visitas periódicas. Depois de 3 anos, o programa demonstrou um impacto positivo em termos de produtividade e bons indicadores econômicos. O objetivo de elevar a renda do produtor pela introdução de tecnologias no âmbito da propriedade, adaptando os processos e aprendendo com os produtores, foi amplamente alcançado (CAMARGO et al., 2006; ESTEVES et al., 2002; TUPY et al., 2002). Uma avaliação interna do programa revelou alguns pontos importantes. Em primeiro lugar, a experiência fora da estação experimental trouxe algumas reflexões importantes sobre como e quando uma tecnologia específica deveria ser estabelecida na prática em uma determinada situação da vida real. Em segundo lugar, trabalhar com produtores de base familiar ao invés de produtores que empregavam mão de obra foi mais eficiente quanto ao aprendizado de ambos, extensionistas e produtores. Com a evolução do trabalho, verifi-cou-se que as taxas de migração dos membros das famílias decresceram e a carga de trabalho para todos que trabalhavam diretamente no leite foi reduzida, havendo maior tempo livre durante o dia. Os produtores assistidos tiveram condições financeiras de pagar os estudos para os adolescentes, puderam fazer algumas reformas na habitação, como um banheiro no interior da casa, por exemplo, e adquirir alguns eletrodomésticos. Além disso, e talvez mais importante, foi o resgate da autoesti-ma dos produtores e dos extensionistas. A experiência com os produtores que empregavam mão de obra foi menos positiva em virtude de problemas na condução prática das mudanças sugeridas, falhas na comunicação entre os envolvidos (pesquisadores, extensionistas, produtores e mão de obra executora dos trabalhos), dada à falta de gestão adequada nessas propriedades.

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Essa primeira fase do programa passou por uma avaliação crítica por parte do grupo de pesqui-sadores que identificou dois elementos importantes para o desenvolvimento do modelo alternativo de TT. Em primeiro lugar, dada a complexidade da atividade leiteira, com suas múltiplas interações entre solo, planta, clima, ação do rebanho, trabalho e gestão, a inovação requereria grande habilida-de dos pesquisadores e dos técnicos locais em escolherem, mediante ampla gama de possibilidades tecnológicas, quais as opções mais adequadas para cada um dos processos de produção de cada propriedade, concluindo que não existem duas propriedades iguais e, portanto, as estratégias de ação deveriam ser personalizadas. Um segundo elemento recaiu sobre o papel do técnico local, o extensionista. Na primeira fase, a função desse técnico em treinamento era menos relevante no sentido de tomadas de decisão e manipulação dos dados e dos indicadores de cada fazenda e isso precisava ser revisto.

Nesse ponto, uma mudança fundamental foi conduzida, sendo atribuída maior relevância ao ex-tensionista. O programa passou a ter o foco voltado ao treinamento dos técnicos locais que eram con-tratados por parceiros locais, como agências governamentais, prefeituras, cooperativas ou associações de produtores. De modo geral, os técnicos da extensão rural têm pouco conhecimento específico das particularidades da produção leiteira intensiva, eficiente, rentável e sustentável sob o ponto de vista ambiental. O novo formato do programa aplicou um enfoque essencialmente prático, no qual a peque-na propriedade de leite familiar era considerada como a melhor “sala de aula prática” para a capacita-ção do extensionista local. Trabalhando em proximidade com os produtores durante esse treinamento de longo prazo, ampliaram-se as responsabilidades dos técnicos participantes e dos pesquisadores. O desenho da proposta de capacitação previa que idealmente os produtores que participassem do trabalho não deveriam ter renda externa à propriedade rural, para que servissem como exemplo para outros produtores da localidade e que estivessem focados no desenvolvimento do seu sistema de produção. O grupo do Balde Cheio esperava que pesquisadores, técnicos e produtores discutissem, trocassem ideias e sugestões sobre como introduzir as tecnologias na produção leiteira e as aplicassem depois da concordância de todos.

Depois desta mudança na ênfase do trabalho, mais focada nos técnicos do que nos produtores, além da entrada de diversas parcerias com outras instituições, o Balde Cheio vem experimentando um crescimento lento, porém constante no que concerne ao número de extensionistas, produtores, municípios e estados participantes. Muitas parcerias informais foram estabelecidas com serviços de extensão rural governamental, associações de produtores, cooperativas de laticínios, cooperativas de técnicos, organizações não governamentais, prefeituras, fundações, agências de desenvolvimen-to e, principalmente, profissionais autônomos ligados à extensão rural. Em razão do crescimento oriundo da demanda gerada foi criada a figura do instrutor do programa em apoio ao trabalho dos pesquisadores. Dentre os extensionistas, os mais dedicados ao aprendizado e comprometidos com o sucesso do trabalho e que tivessem perfil de educador, foram convidados para serem instrutores do Balde Cheio permitindo ao programa atender às solicitações crescentes. As propriedades uti-lizadas como “sala de aula prática” passaram a ser denominadas oficialmente como unidades de demonstração (UDs), e as propriedades, na localidade onde estava situada a UD, que demandaram a assistência do extensionista em capacitação, após aprovarem o trabalho executado na UD e onde

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este, atuava sozinho, passaram a ser chamadas de propriedades assistidas (PAs). A partir da avalia-ção por parte dos pesquisadores, da qualidade do trabalho nas PAs e da quantidade de PAs sob a responsabilidade do técnico local, ocorreu a seleção dos profissionais que receberam o convite para serem instrutores do Balde Cheio em outras regiões do País. Na maior parte das regiões, as despesas da Embrapa e dos instrutores indicados são pagas pelas parcerias locais.

CONTRIBUIçãO DO BALDE CHEIO PARA A SUSTENTABILIDADE DA PRODUçãO LEITEIRA

Nesta seção, o impacto do programa Balde Cheio na produção leiteira e suas contribuições para a produção sustentável é investigado. Os investimentos gradativos e equilibrados, principalmente providos pela melhor alocação do capital já existente, por meio de um conjunto de técnicas simples e complementares, aumentou significativamente o desempenho das propriedades participantes (NOVO et al., 2013). Os dados dos produtores no Estado de São Paulo (n = 58) que aderiram à pri-meira fase do programa foram analisados e complementados com visitas e entrevistas por telefone para explorar os diferentes perfis dos produtores. Noventa e dois por cento dos produtores tinham a posse de suas terras, quase metade dos produtores dependia exclusivamente do trabalho da família e apenas um quarto deles contratava algum trabalho externo de modo esporádico. O tamanho mé-dio das áreas era menor que 20 ha e somente um terço dos produtores tinha alguma renda oriunda de fora do meio rural, no caso, menor do que um salário mínimo. A Tabela 1 resume as características dos produtores e sua produção antes e depois do processo de inovação no Estado de São Paulo.

Tabela 1. Características de 58 propriedades avaliadas do programa Balde Cheio no Estado de São Paulo.

Item Média DP(1) Mínimo Máximo

Área destinada à atividade leiteira(2) (ha) 16,4 15,5 1,0 75,1

Número de vacas 16 22 1 96

Trabalho Familiar (número de pessoas) 2,6 1,4 0,0 6,0

Contratação de mão de obra (%) 54 86 0 400

Renda externa (R$) 1.703 4.476 0,0 24950(1) DP = desvio padrão(2) Áreas com ou sem intensificação, necessárias para a produção alimentos volumosos destinados ao rebanho, bem como as áreas destinadas ao sombreamento dos animais, corredores de trânsito do rebanho, recria das bezerras e novilhas, piquetes- -maternidade e benfeitorias.Fonte: adaptado de Novo (2012).

O aumento da produção de leite nas propriedades participantes no Estado de São Paulo ilustra o potencial da abordagem do Balde Cheio. Em média, o volume de leite produzido aumentou 2,3 vezes (de 113 para 260 L por dia) em uma época de forte tendência de queda na produção de leite estadual (-8% entre 2003 e 2009). A competição por terra, principalmente, pela indústria canavieira

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produtora de açúcar e etanol e a redução da disponibilidade de mão de obra, em razão do cresci-mento intenso da economia urbana e consequente êxodo rural, contribuíram para a falta de cresci-mento da produção de leite no Estado de São Paulo (NOVO et al., 2012).

O aumento da produção de leite por área e por propriedade teve um efeito nos indicadores econômicos e zootécnicos. A tendência do melhor desempenho foi também observada em outro conjunto de dados coletados em outros 50 produtores com, pelo menos, três anos de monitoramen-to de dados em cinco diferentes regiões brasileiras. Os resultados estão resumidos na Tabela 2. Nas cinco regiões do estudo, a média da margem bruta por hectare quase dobrou. Isso foi obtido pela combinação de ganhos em diferentes indicadores tais como mais leite produzido (43%), utilizando menos área (-7%), com ganhos de 54% a mais na produtividade do fator terra e maior produtividade por vaca do rebanho (24%). Além disso, houve expressiva melhoria no desempenho da mão de obra (37%). A maior renda por propriedade foi resultado de ganhos em produtividade e não por aumento dos preços do leite pagos ao produtor, que no período cresceram somente 7% em termos reais (de R$ 0,621 por litro para R$ 0,664 por litro). A aplicação de um teste estatístico (t-test) demonstra que todos os indicadores da Tabela 2 foram significativos (p < 0,001), exceto a redução da área. O cres-cimento da renda foi importante, particularmente, quando comparado com as demais opções de geração de renda em âmbito regional, como o arrendamento para grandes usinas sucroalcooleiras ou o plantio de soja. O programa também gerou mais renda por unidade de mão de obra utilizada, acima do salário mínimo.

Tabela 2. Mudanças nos indicadores zootécnicos e econômicos de 50 propriedades participantes do Balde Cheio, em cinco diferentes regiões brasileiras, entre o primeiro e o terceiro anos de acom-panhamento técnico.

Item 1º Ano 3º Ano Variação

Área (ha) 20,4 ± 2,5 19,0 ± 2,9 -7%

Volume de leite (L/dia) 216 ± 30 309 ± 37 +43%

Margem bruta (R$/ha/ano)(1) 1.700,00 ± 256,00 3.273,00 ± 441,00 +92%

Produtividade por vaca do rebanho (L/vaca/dia) 7,88 ± 0,55 9,79 ± 0,47 +24%

Produtividade da Mão de Obra (L/Homem/dia) 117,0 ± 12,0 160,0 ± 13,3 +37%

Produtividade da terra (L/ha/ano) 5.635 ± 601 8.655 ± 745 +54%(1) Preços deflacionados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IBGE, 2010).Fonte: adaptado de Novo (2012).

Os resultados do programa em termos de produtividade podem ser considerados excepcionais, pois produtores familiares que fizeram parte do estudo por pelo menos três anos alcançaram pro-dutividades da terra equivalentes às observadas em países de pecuária leiteira desenvolvida que aplicam os conceitos de sistemas de produção intensivos, eficientes e rentáveis. A possibilidade de

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produzir mais leite do que o volume médio inicial utilizando menos área tem oferecido uma inte-ressante oportunidade de diversificação de atividades como produção de madeira (plantio próprio ou terceirizado) na área remanescente. Dessa forma, a intensificação das áreas de produção de leite e a diversificação com outras atividades rurais têm potencial para aumentar ainda mais a renda e a resiliência da propriedade, em especial, a de cunho familiar, configurando uma forma sustentá-vel de produção. Além disso, por possibilitar uma renda maior usando menos área de produção, produtores de leite podem atender, mais facilmente, à legislação ambiental vigente que obriga a preservação de 20%, 50% ou 80% da área, dependendo do bioma em questão e do tamanho da propriedade (SPAROVEK et al., 2010), sem comprometer a sobrevivência da família com qualidade de vida no campo.

ELEMENTOS-CHAVE DO PROGRAMA BALDE CHEIO

Simplificar não significa baixar o nível, mas, sim, transformar uma proposta aparentemente com-plexa, em outra fácil de ser entendida e executada (FARIA, 2015). Como visto anteriormente, o pro-grama se desenvolveu ao longo do tempo, configurando um enfoque específico para inovação, no qual os principais elementos são discutidos nas seções seguintes:

ANOTAçõES ZOOTéCNICAS E ECONÔMICAS: A FERRAMENTA PARA REFLExãO DE PRODUTORES PARA A INOVAçãO NA PRODUçãO LEITEIRA

Os membros da equipe do Balde Cheio sustentam que a melhoria da produção leiteira requer monitoramento constante das variáveis técnicas e econômicas. A ideia fundamental é que a correta coleta de dados permite a visão realística da estabilidade econômica da propriedade rural, em curto e em longo prazos, ajudando nas escolhas e nas decisões, por estar fundamentada em fatos e não em opiniões sem fundamento técnico. Além disso, auxilia a minimizar os riscos para a sobrevivência da família, que são os primeiros a investir capital e tempo para a inovação. Planilhas de coleta de dados simples foram elaboradas para ajudar nessa tarefa. Nesse aspecto, o programa é rigoroso, de-vendo haver a coleta de informações relacionadas ao rebanho, às finanças e às condições climáticas:

• Ao rebanho (nas unidades demonstrativas e propriedades assistidas): parições, anotando-se nome e número do animal que pariu, dia do parto e sexo, nome e número da cria; cober-turas, anotando-se nome e/ou número da novilha ou vaca coberta, data, nome e número do touro; controle leiteiro, anotando-se pesagem ou medição individual, com frequência mínima mensal, idealmente duas vezes ao mês, do volume de leite produzido por cada uma das vacas que estejam em lactação e pesagem mensal das fêmeas em crescimento desde o nascimento até a parição, via uso de balanças ou fitas métricas que correlacionem o perímetro torácico com o peso do animal.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2294

• Às finanças (nas unidades demonstrativas e propriedades assistidas): anotação das despe-sas efetuadas para a condução da atividade leiteira na propriedade e das receitas auferidas com a venda de leite, derivados de leite, animais, esterco e outros produtos relacionados à bovinocultura de leite.

• Às condições climáticas (somente nas UDs): anotação de ocorrências e da quantidade de chuvas e das temperaturas máximas e mínimas mensuradas diariamente.

Essas informações mínimas para a gestão da atividade deverão ser obtidas pelos produtores sob a supervisão do extensionista, devendo ser organizadas e arquivadas na propriedade. No caso do produtor ser iletrado, outro membro da família assumirá a responsabilidade (em geral, a esposa ou filhos adolescentes). No caso da ausência de dados em qualquer propriedade o programa será encerrado imediatamente.

ADAPTAçãO À COMPLExIDADE E PROCURANDO POR INOVAçõES ATRAVéS DA RECOMBINAçãO DE TECNOLOGIAS

Um dos fatores relacionados à coleta de dados nas propriedades é a escolha das práticas tecnoló-gicas. Assim, onde e como introduzir determinada solução tecnológica é diferente em cada situação. Nesse sentido, o enfoque do programa difere da ideia de um pacote tecnológico padrão, onde se assume a aplicação universal das tecnologias. A seleção de novas práticas tecnológicas, feita conjun-tamente por pesquisadores, instrutores, extensionistas e produtores, é baseada nos requerimentos de diferentes áreas de conhecimento, como: sistemas de produção de forragem (gramíneas tropicais principalmente em razão do grande potencial de produção de matéria seca), nutrição (forragem de alta qualidade e dieta balanceada), saúde animal e ambiência (calendário de vacinações e bem-estar animal) e gestão (controles climáticos, econômicos e zootécnicos).

A experiência prática adquirida durante a primeira fase do programa conduziu a uma série de práticas zootécnicas e administrativas que podem ser introduzidas no contexto da maior parte das propriedades leiteiras, podendo ser citadas algumas destas tecnologias, como:

a) Manejo rotacionado de pastagens de gramíneas forrageiras tropicais, pela divisão do pas-to em pequenos piquetes diários, com o objetivo de organizar a colheita da forragem produzida.

b) Uso de cana-de-açúcar como forragem para a época em que ocorre redução na quantida-de de pastagem produzida (estacionalidade de produção).

c) Uso de ferramentas simples para controle reprodutivo do rebanho, como: fichas zootécni-cas individuais e quadros dinâmicos de acompanhamento da reprodução e do desenvol-vimento das fêmeas em crescimento.

d) Irrigação de pastagens monitoradas por dados climáticos ou por instrumentos.

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e) Aveia e azevém em sobressemeadura nas pastagens tropicais na entressafra das pasta-gens de gramíneas forrageiras tropicais, desde que haja irrigação na propriedade.

f ) A introdução gradual de vacas leiteiras especializadas, não estando o conceito de espe-cialização relacionado à raça do animal e sim à sua eficiência zootécnica, ou seja, se o animal produz uma cria por ano, se apresenta elevada persistência de produção e se sua produção leiteira está acima da média do rebanho ao qual pertence.

g) Outras práticas complementares em relação ao rebanho, tais como: o uso de subprodutos locais na dieta dos animais, ordenha mecanizada e melhoria na ambiência das vacas, com pastejos noturnos e sombras durante o dia, por exemplo.

h) Práticas de restauração da vegetação ao redor das nascentes e da mata ciliar em cursos d’água.

A introdução dessas práticas tecnológicas analisadas individualmente pode não ser caracterizada como uma inovação, visto que a maior parte delas é conhecida. Com certeza, pesquisas na fronteira do conhecimento, que têm grande ênfase nas tecnologias de ponta, podem falhar em reconhecer o que há de novo sobre esse tipo de programa. No caso do Balde Cheio, a inovação não se refere ao conjunto de conhecimento codificado, que é embarcado em um novo artefato, como sementes melhoradas ou maquinário sofisticado, mas ao contrário, é conceitualizado como uma nova forma de aplicação de tecnologias comuns. Pela adoção de práticas conhecidas, porém, combinando-as de forma diferente, pode-se definir o programa em seu todo, como uma inovação (PLOEG et al., 2004).

TESTES E ExPERIMENTAçãO NO âMBITO DA FAZENDA

A estratégia de conduzir pequenos testes nas propriedades tem sido fundamental nesse tipo de programa. Logo nos primeiros encontros a equipe do Balde Cheio coleta informações sobre o sis-tema de produção (análises de solo, topografia, informação do rebanho e disponibilidade e preços relativos dos insumos e do leite). A partir desses dados, são planejados entre os atores envolvidos no trabalho, os futuros passos e as ações baseadas no capital disponível para investimento, o tamanho do rebanho, a espécie estabelecida na pastagem, entre outros. Se por um lado, alimentar correta-mente todos os animais do rebanho é um alvo importante, o principal objetivo na fase inicial é o estímulo à aprendizagem. O tamanho da área destinada ao pastejo rotacionado ou para plantio de cana-de-açúcar é também determinado pela quantidade de recursos que o produtor pode gerar, de modo geral pela venda de animais de pouco valor, como vacas vazias e secas, bezerras desnutridas, machos leiteiros, ou ainda, cavalos, ferro-velho, etc. Existe grande cuidado em não expor o produtor a contrair dívidas por participar do trabalho.

O método de conduzir testes é realizado em passos subsequentes de acordo com o processo de intensificação. Por exemplo, a introdução generalizada de vacas especializadas requer investi-mento e controle primoroso da gestão e da nutrição. A partir do momento em que haja condições básicas como volumosos de boa qualidade, conforto animal, procedimentos sanitários adequados,

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o produtor é incentivado a substituir duas ou três vacas de baixa qualidade por uma ou duas de melhor potencial. O programa tem verificado bons resultados do processo de intensificação, mes-mo com o rebanho original, cujo potencial de produtividade nunca havia sido atingido em razão do manejo inadequado e da falta de alimento de qualidade. O sucesso na introdução de animais especializados pode ser entendido como um indicativo de que o processo de intensificação tem sido conduzido com êxito.

Processos similares são aplicados na introdução de novas variedades de gramíneas forrageiras tropicais, iniciando-se com a espécie encontrada na propriedade, e, gradualmente, substituindo-a por espécies mais produtivas, se necessário. Com a irrigação, o processo começa com a averiguação da possibilidade de irrigação pela propriedade via medição da vazão disponível e, em caso positivo, com a distribuição manual de água em, ao menos um piquete, e, posteriormente, pela implantação de um sistema de irrigação mais eficiente.

Essa fase de testes e experimentações contribui para um consistente processo de aprendizagem, no qual os erros da introdução de tecnologias complexas podem ser corrigidos sem comprometer o orçamento doméstico do produtor rural, diferentemente do processo clássico de um modelo de “recomendações”.

Os testes são usados não somente para introdução, adaptação e recombinação de tecnologias, mas em alguns casos, também, para geração de novos conhecimentos e práticas. Como exemplo, a sobressemeadura de aveia e azevém em pastagens de gramíneas forrageiras tropicais irrigadas e manejadas em sistema rotacionado de pastoreio ocorreu a partir da experimentação em algumas UDs do programa e não oriunda de alguma estação experimental. Outro exemplo foi o uso de irri-gação de pastagens em diferentes condições agroecológicas. Esse fato, não havia sido explorado por cientistas e poucos estudos haviam sido conduzidos no Brasil, e, portanto, não havia evidência alguma antes do início do teste a campo. Alguns produtores de leite do programa que possuíam equipamentos de irrigação passaram a fazer testes em períodos de seca extrema obtendo expres-sivos resultados. Ao longo do tempo, a equipe de pesquisa do Balde Cheio agregou as informações vindas de produtores de diversas regiões do Brasil, sobre o uso mais eficiente de bombas, sistemas de baixa pressão, melhores aspersores, dentre outras práticas, originando um conhecimento mais estruturado sobre a irrigação de pastagens em gramíneas forrageiras tropicais. Esse conjunto de vivências possibilitou aumentar a eficiência do processo de irrigação por meio de controles tanto da frequência de irrigação, como de métodos precisos para se medir a evapotranspiração, trabalhando junto aos produtores na busca por soluções incrementais. Em situações como a previamente descri-ta, o procedimento formal de pesquisa demandaria um tempo relativamente grande para levar as soluções para as necessidades mais imediatas dos produtores. No caso da sobressemeadura, foram necessários três anos depois do início dos primeiros testes no campo para que a pesquisa formulas-se recomendações de plantio (OLIVEIRA et al., 2005).

Essa característica de testes e experimentações do programa chamou a atenção pela quantidade de adaptações nos processos feitos pelos produtores e extensionistas. Essas adaptações são fre-quentemente intuitivas (NUTHALL, 2012), realizadas por meio do que outros acadêmicos chamam

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Capítulo 8 Os desafios da transferência de tecnologia no setor produtivo do leite 297

de performance (GLOVER, 2011; JANSEN; VELLEMA, 2011), mais do que por terem sido planejadas. O Balde Cheio está consciente da importância das soluções desenvolvidas nas propriedades, conside-rando com seriedade tais adaptações incrementais e, geralmente, introduzindo-as como testes em outras propriedades leiteiras e regiões. Nesse sentido, um vasto repertório de pequenas e inéditas soluções foi disseminado, o que difere esse programa do modo tradicional de se fazer transferên-cia de tecnologia. Entre os vários exemplos, estão: o uso de bebedouros móveis, que reduzem o investimento em instalações e a distância a ser caminhada pelas vacas em lactação; o sistema de plantio direto de gramíneas forrageiras tropicais, que evita a erosão em relevos acidentados bem como o consequente assoreamento dos cursos d’água; um novo método de multiplicação rápida e barata de mudas da grama-tifton e da grama-jiggs, utilizando bandejas de semeadura, normal-mente empregadas na horticultura; as subdivisões com cerca eletrificada dentro dos piquetes, para aumentar a eficiência de colheita da forragem ao longo do dia; a construção de cercas eletrificadas com materiais alternativos como garrafas pet, bambus e arames usados; a substituição de madeira por material reciclado oriundo de descartes da indústria de plástico resistente batizado com o nome de “madeira plástica” em cercas e cochos trenó; a adaptação do fosso de ordenha feito diretamente na terra sem o uso de alvenaria e o uso de adesivos magnéticos nos quadros de acompanhamento dinâmico tanto da reprodução como do crescimento de fêmeas para reposição. Esses exemplos se tornaram relevantes no contexto do programa pela ênfase dada ao processo de testes, experimen-tações e aprendizado no âmbito da propriedade rural.

REDE DE TRABALHO PARA TROCA DE INFORMAçõES E PRÁTICAS

O processo de formação da rede de trabalho é outro aspecto importante a ser destacado. O de-senvolvimento de uma trama de propriedades rurais e de técnicos por várias regiões do Brasil e as visitas periódicas dos pesquisadores da Embrapa e dos instrutores a essas regiões tornou possível a intensa circulação do conhecimento. Mesmo tecnologias antes designadas como específicas a uma determinada região, atraíram a atenção de outras regiões e passaram a ser objeto de experimenta-ções em outras condições, sendo adaptadas e/ou encontradas novas formas de uso. Por exemplo, a prática de semeadura de espécies de clima temperado sobre pastos de gramíneas forrageiras tro-picais durante a entressafra destas últimas, usual na região Sul, foi estendida para outras regiões, onde se tornou popular em virtude do evento da irrigação. Outro exemplo, na região semiárida do Nordeste, o uso de palma forrageira era apenas local, alimentando os rebanhos em lugares onde a irrigação não era possível. Depois do Balde Cheio ter se familiarizado com esta prática, a mesma foi introduzida nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, em propriedades com ca-racterísticas de pouca água para irrigação, apresentando resultados satisfatórios. Esses exemplos de experimentos com práticas conhecidas em diferentes contextos ilustra o contínuo processo de aprendizado, uma das características chave do programa Balde Cheio.

A formação de rede de trabalho também ocorre pela organização de troca de visitas entre os produtores para discussão de problemas em diferentes situações de clima, solo e relevo, porém, mantendo-se as similaridades de perfil social. Visitas são preferencialmente organizadas antes do

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2298

início de cada teste a ser feito para observação, colhendo-se informações no local sobre o assunto desejado, seja este uma nova forma de manejar as pastagens, ou a avaliação de novas espécies forrageiras, ou mesmo de vacas mais produtivas. Outro modo de formação dessa rede envolve a troca de informações entre os técnicos locais, os instrutores e a equipe do Balde Cheio pela troca de mensagens eletrônicas e encontros específicos para esse propósito, sem periodicidade definida, onde ocorre a discussão de temas relevantes que tenham surgido. Esses canais ajudam a dissemi-nar as práticas tecnológicas para outros produtores de outras regiões. Por exemplo, durante anos a Embrapa recomendou o uso de um modelo específico de abrigo para bezerros adaptado para o clima tropical. Esse modelo foi adotado por vários produtores ao longo do tempo, porém, era dispendioso e muitos produtores não tiveram condição financeira de copiar o modelo sugerido. Em 2006, técnicos do projeto tiveram a iniciativa de alterar o sistema de criação de bezerras em aleita-mento para um modelo aplicado na Argentina, a partir do uso de sombra artificial (sombrite) e um sistema de coleiras, que demonstrou ser mais eficiente, mais barato e com maior conforto para os animais. O conhecimento desse modelo foi disseminado pela rede de trabalho e muitos produtores gradativamente migraram para ele com sucesso. Esses tipos de inovações e adaptações poderiam não ter sido gerados ou disseminados sob a ótica tradicional de P&D e extensão rural.

O RITMO DA INTRODUçãO DA TECNOLOGIA: LEVANDO EM CONTA A CADêNCIA DE CADA PRODUTOR

Na experiência do Balde Cheio, a disponibilidade de capital, ou a falta deste, não é o principal fator que define a inovação tecnológica. Ao menos tão importante é quando e como cada nova prática tecnológica será introduzida. Anteriormente, foi discutida a questão de “como” as tecnologias são aplicadas. Nesta seção, destacamos o “quando”. A condução de pequenos testes para a introdução de tecnologias reduz o risco de investimentos elevados em tecnologias sem propósito. O programa está permanentemente alerta aos perigos da introdução prematura de tecnologias de alto custo como, por exemplo, a aquisição de matrizes de alto potencial produtivo em situações de falta de bom manejo alimentar. A inseminação artificial, um símbolo tecnológico da moderna produção leiteira, somente é recomendada a partir da obtenção de bons indicadores reprodutivos e um processo confiável de recria de bezerras. O programa considera que existam precondições essenciais que definem a melhor sequência lógica para cada tecnologia selecionada. O que é recomendado para um produtor pode ser totalmente inapropriado para seu “vizinho de cerca”, onde as condições básicas não foram atendidas, independente das características de disponibilidade de capital, área da propriedade, tempo no pro-grama ou disponibilidade de mão de obra. Desde os contatos iniciais com os extensionistas são men-cionados inúmeros casos da necessidade de conter o entusiasmo dos produtores que gostariam de aplicar, imediatamente, tudo o que haviam visto em outras propriedades mais avançadas. Há a neces-sidade de convencê-los a iniciar com soluções mais adequadas a sua situação momentânea. Ao invés de simplesmente copiar e introduzir as tecnologias, os produtores são incentivados a experimentar um processo contínuo de domínio do conhecimento. O aprendizado com outros produtores (aprendizado social) deve ser acoplado às experimentações locais (aprendizado ambiental). A experiência com os produtores do programa (CAMARGO, 2011b; NOVO et al., 2013; RODRIGUES et al., 2006) sugere que a

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Capítulo 8 Os desafios da transferência de tecnologia no setor produtivo do leite 299

sequência da introdução tecnológica, na maioria das vezes, é mais importante para o estabelecimento de um processo sustentável do que a própria tecnologia.

No programa Balde Cheio, foi desenvolvido um modelo de “caixa de marchas”, como uma ferra-menta de comunicação, ilustrando a natureza sequencial da introdução tecnológica em sistemas de produção leiteira (Figura 1). A ideia destaca como o conhecimento local do produtor pode ser combinado e enriquecido por conceitos externos e intervenções de desenvolvimento. No modelo, a seleção de um conjunto específico de práticas fornecidas pelo conhecimento formal é aplicada como a primeira marcha, com objetivo de mudar a intensidade do sistema produtivo para um ní-vel mais alto e, sequencialmente, outras combinações de práticas são usadas e assim por diante. A combinação de fatores externos e internos como o conhecimento prévio do produtor, o ambiente econômico (mercado, preços relativos dos insumos e disponibilidade de capital), trabalho e organi-zação doméstica (organização do trabalho, ciclo de vida, objetivos do produtor), além de arranjos institucionais e políticas governamentais definem o ritmo e a sequencia das ‘marchas’ necessárias para garantir a cadência correta da introdução tecnológica. O retorno do desempenho obtido é feito pelo monitoramento dos resultados das tecnologias específicas que foram aplicadas, dando infor-mações gerais do desempenho no processo de intensificação, dos problemas observados com o seu uso e da descoberta de potenciais, além, obviamente, de onde sejam necessárias mais pesquisas.

Figura 1. Modelo conceitual de “caixa de marchas” utilizado no Projeto Balde Cheio.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2300

A locação do conhecimento do Balde Cheio não tem aderência com o fluxo clássico, no qual o conhecimento desenvolvido no instituto de pesquisa é transferido para os usuários. Também não pode ser visto como o tipo de conhecimento que se ergue dos produtores, geralmente arraigado a uma localidade específica. Ao contrário, o conhecimento é embutido em todo o programa cir-culando e crescendo via uso intenso da rede. Conhecimento, habilidades e artefatos tecnológicos são distribuídos entre os atores envolvidos no trabalho, formado por pesquisadores, instrutores, extensionistas e produtores de leite que participam da rede do Balde Cheio, muito mais do que controlado por um único indivíduo.

DESAFIOS E USO POR TERCEIROS DA ABORDAGEM DO BALDE CHEIO

Se por um lado o programa alcançou bons resultados técnicos e econômicos em várias regiões, isso não foi feito sem que houvesse dificuldades. Nesta seção, serão discutidos três problemas que surgiram no andamento do programa: produtores que não podem ou não querem seguir o modelo idealizado, o uso inadequado do nome Balde Cheio e a inconstância das parcerias.

Produtores que não podem ou não querem seguir a abordagem

Vários produtores rejeitam a prática das anotações técnicas e econômicas. Como já analisado, o programa define como essencial que as anotações sejam efetuadas e usadas como ferramenta para auxílio na tomada de decisão, avaliação do desempenho e planejamento do processo de intensifi-cação. O programa exclui os produtores que falham em anotar dados. Os produtores raramente dão explicações claras dos motivos pelos quais não iniciaram ou interromperam a coleta de informações, visto que entendem, de modo geral, ser importante. A razão pode residir no fato de os produtores não terem a confiança necessária no extensionista e no receio de ver seus dados expostos a outros produtores. Baseado em observações casuais e na falta de dados sistematizados quanto a esse as-sunto, pode-se supor a hipótese de que o fator decisivo para a aceitação da prática das anotações esteja na forma como o técnico apresenta a tarefa aos produtores, da necessidade das anotações fi-carem claramente explicadas, ou se elas são apresentadas apenas como uma mera formalidade para que se participe do programa. Em alguns casos, os produtores saem do projeto de forma conjunta, evidenciando desse modo, que o papel do técnico parece ter sido o fator mais importante.

A perspectiva de tempo de permanência no programa é um de seus pontos fortes. Em média, são necessários pelo menos três anos para se atingir resultados positivos em relação aos índices lucro por área ou lucro por mão de obra (NOVO et al., 2013). Uma das queixas de produtores que saíram do programa no Estado de São Paulo foi a respeito do longo tempo necessário para obtenção de lucro na atividade leiteira, em entrevistas concedidas a pesquisador do Embrapa nos meses de junho e julho de 2010. Outros produtores deixaram o programa depois da introdução de algumas poucas melhorias, que os levou a um estado de satisfação com os resultados, não sendo clara a necessidade de mudanças mais profundas.

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Capítulo 8 Os desafios da transferência de tecnologia no setor produtivo do leite 301

O poder da marca induzindo ao uso inadequado do nome Balde Cheio

Um efeito colateral imprevisto do sucesso do programa Balde Cheio tem sido a apropriação inde-

vida da marca por terceiros: governos estaduais, prefeituras municipais, fundações de apoio, bancos,

cooperativas de técnicos, associações de produtores, laticínios, organizações não governamentais,

entre outras envolvidas em temas como mudanças econômicas, sociais e políticas. Apesar das par-

cerias serem fundamentais para a expansão do programa e para seu sucesso, estas tem trazido pro-

blemas, na medida em que grupos tentam adaptar o programa aos seus próprios interesses.

Um dos exemplos é o modo como parceiros do programa redirecionam o foco com vistas aos

seus interesses, visando exclusivamente ganhos econômicos. Algumas cooperativas de leite e la-

ticínios deram apoio ao trabalho empregando extensionistas capacitados para a aplicação da me-

todologia do programa com o objetivo de que eles reaplicassem a mesma metodologia com seus

fornecedores. Apesar de declararem promover o desenvolvimento social dos produtores familiares,

pelo aumento da produção por propriedade e melhoria da qualidade de leite, o foco se concentra-

va na geração de lucro para as empresas não no desenvolvimento das propriedades propriamente

dito. Como exemplo, uma das cooperativas que contratou vários técnicos capacitados passou a pa-

gar valores menores por litro de leite de produtores que eram assistidos pelo programa. A diretoria

da empresa sabia que tais produtores eram mais eficientes, tinham menores custos operacionais e

apreciavam a assistência técnica prestada. A cooperativa usou o programa para reter esses produ-

tores, apesar do menor preço pago ao litro de leite dos mesmos. O problema veio a público quando

o departamento técnico da cooperativa (32 técnicos) declarou sua posição contrária, pediram de-

missão conjuntamente e fundaram uma nova cooperativa que proveria assistência técnica de forma

justa com liberdade de escolha na questão do fornecimento de leite.

Empresas ligadas ao negócio de leite também forjaram manter ligações com o programa, crian-

do uma imagem de responsabilidade social (JANSEN; VELLEMA, 2004). Essas empresas divulgam na

mídia especializada que são entidades apoiadoras do programa e sua mensagem de preocupação

social com o desenvolvimento dos produtores familiares é divulgada em forma de propaganda. Pela

proximidade com o Balde Cheio, acabam se aproximando da Embrapa, uma marca confiável e forte

em todo o Brasil.

Outro exemplo de uso indevido do nome Balde Cheio é o crescente número de técnicos em todo

o País que se apresentam como fazendo parte do programa sem ter nenhum vínculo oficial como o

Balde Cheio. Alguns técnicos participaram de alguns cursos teóricos de curta duração previstos no

treinamento oficial de longo prazo, ou mesmo fizeram parte do trabalho até serem excluídos por

não cumprirem com suas obrigações, mas mesmo assim, se apresentam como técnicos capacitados

para aplicar a metodologia do Balde Cheio, o que representa um risco para os produtores, visto que

cursos de curta duração não representam de modo algum todo o treinamento de longo prazo que

diferencia o trabalho e técnicos que foram excluídos não merecem confiança.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 2302

Arranjos de parcerias e a qualidade da assistência técnica

O programa não tem controle total sobre os técnicos da extensão rural que, enquanto, no trei-namento do programa, estão sob regime de contrato com alguma instituição ou empresa parceira. No caso de algumas parcerias, nas quais o técnico local não tem um contrato de longo prazo, pode haver problemas na continuidade do trabalho. No lado oposto, técnicos empregados em agências governamentais de extensão rural, que têm contratos estáveis como membros permanentes do quadro funcional, sofrem com a falta de coordenação, pouco controle para que executem um traba-lho de alta qualidade e as múltiplas tarefas alocadas em um único técnico, desde prestar consultoria a todo tipo de cultura e/ou criação, planejar e ajustar a documentação dos produtores para emprés-timos bancários, até mesmo providenciar o seguro rural. Nas parcerias locais em que a prefeitura é o parceiro, o problema geralmente é o baixo salário pago ao técnico, gerando elevada rotatividade dos profissionais em capacitação. Apesar de o programa ter alcançado bons resultados, em grande parte pelo comprometimento dos técnicos, tanto no âmbito do funcionalismo local quanto no esta-dual, existem problemas no suporte aos produtores de leite se for considerado um prazo mais longo de tempo.

CONSIDERAçõES FINAIS

Este capítulo analisou um programa de inovação que assiste produtores de leite pela intensifi-cação no processo produtivo. O programa tem obtido sucesso por manter a viabilidade e a susten-tabilidade da produção de leite, em especial a familiar, mesmo em um contexto de competição por recursos naturais e por fatores de produção. Argumentamos que um programa dessa natureza pode ajudar a remover alguns obstáculos para produção intensiva, eficiente, rentável e sustentável de leite, mesmo em áreas reduzidas, tornando qualquer tipo de empresa rural viável. Contudo, isso não significa que intervenções diretas no sentido da intensificação da produção possam sempre superar problemas políticos e econômicos na produção leiteira, mas sim, que existam alternativas para o desenvolvimento, principalmente, para a pequena propriedade rural. O programa Balde Cheio traz alguns aspectos a serem abordados:

1) é possível para os institutos de ensino e pesquisa, que predominantemente priorizam o desenvolvimento do conhecimento de fronteira, mudar o foco para programas de alto impacto para produtores de leite, em particular, os familiares.

2) é preciso mudar o modelo clássico de TT em direção ao formato de aprendizado conjunto. O Balde Cheio é, na verdade, um exemplo de como diferentes formas de conhecimentos e habilidades podem ter ampla circulação, apoiadas por arranjos institucionais, trabalho em rede e aplicação dinâmica de tecnologias relativamente simples.

3) O programa mostra que é possível adaptar a inovação à enorme complexidade existente em relação às propriedades leiteiras. Atividades inter-relacionadas incluem a observação constante de variáveis no âmbito da propriedade e o monitoramento das intervenções

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Capítulo 8 Os desafios da transferência de tecnologia no setor produtivo do leite 303

(coleta de dados), condução de testes e experimentos adequados à condição de cada produtor, intensa troca de informações entre diferentes tipos de agentes da rede e ajus-tes da inovação ao ritmo de cada produtor. Com relação a esse último aspecto, foi diagra-mado o conceito de ‘caixa de marchas’ como uma metáfora ilustrativa.

4) O tipo de enfoque usado pelo Balde Cheio requer grande comprometimento para cus-tear a capacitação de longo prazo, abrangente e integrada para os técnicos da extensão rural e seu trabalho.

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Parte 3

INOVAçõES TECNOLóGICAS EM PECUÁRIA DE LEITE

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Capítulo 1 Pecuária leiteira de precisão 307CAPÍTULO 1

Pecuária leiteira de precisão

Cláudio Antonio Versiani Paiva | Fabrício Vieira Juntolli | Luiz Felipe Ramos Carvalho | Alberto Carlos de Campos Bernardi | Thierry Ribeiro Tomich | Luiz Gustavo Ribeiro Pereira

INTRODUçãO

A produção nacional de leite apresentou crescimento consistente nas últimas três décadas e o volume anual produzido se aproxima de 35 bilhões de litros. No entanto, as fazendas leiteiras no Brasil apresentam baixa produtividade. Para se manterem competitivas, terão que aumentar a pro-dutividade de forma econômica e socialmente sustentável e se enquadrarem às regras ambientais. Adicionalmente, estão defrontando-se com grandes aumentos nos salários dos trabalhadores. Isso se deve ao contínuo êxodo rural e ao crescimento econômico das ultimas décadas, que geraram maior escassez de trabalhadores no campo e aumento dos salários e também ao desenvolvimento educacional que aumentou o leque de atividades que o trabalhador pode desenvolver em outros setores da economia. Assim, a produtividade da mão de obra passa a ser cada vez mais importante para a eficiência dos sistemas de produção de leite.

No Brasil, o incremento da produção de leite tem ocorrido com base no adensamento animal por sistema produtivo em contrapartida da redução no uso de mão de obra. Assim, tem-se observado taxa de crescimento anual constante de vacas por fazenda nos últimos anos, o que poderá levar a dificuldades operacionais de rotina como: observar cio, identificar animais com problemas de saúde, ordenha, e manejo alimentar. Práticas de manejo e adoção de tecnologias que permitam a automa-ção e a intensificação sustentável passam a ser demandas atuais e necessárias para o aumento da bioeficiência dos sistemas de produção de leite.

O conceito de “precisão”, aplicado à pecuária de leite, segue os preceitos básicos de gerenciar a variabilidade espacial e temporal com o intuito de maximizar o retorno econômico e minimizar efeitos negativos ao meio ambiente (BERNARDI; INAMASU, 2014). No cenário atual de expansão da produção agropecuária, o conjunto de tecnologias adotadas na Agricultura e Pecuária de Precisão pode ser decisivo.

Assim, como forma de estimular a adoção da Agricultura de Precisão (AP) nos diversos setores do agronegócio brasileiro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) criou, em 2012, a Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão (CBAP). Esta Comissão tem como objetivos promover, organizar e unir os setores da AP, levantar dados e informações setoriais e propor programas de fomen-to e capacitação de forma a ter um setor organizado com maiores condições de articulação.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3308

Como catalisador dos esforços em pesquisa e desenvolvimento tecnológico para atender aos crescentes desafios para a melhoria da eficiência dos sistemas de produção de leite, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estruturou o Complexo Multiusuário de Bioeficiência e Sustentabilidade da Pecuária (CMB), que abriga o Laboratório de Pecuária de Precisão, infraestrutu-ra destinada ao estudo da variabilidade da resposta individual dos animais, como forma de maximi-zar o retorno econômico e minimizar o efeito ao meio ambiente. Nesse laboratório, estão sendo con-duzidas pesquisas na área de Pecuária de Precisão (PP) com o objetivo de mensurar o consumo para avaliar a eficiência alimentar em vacas, bem como estudo para associar a eficiência alimentar com fertilidade e saúde animal. Os animais são monitorados diariamente quanto ao consumo de alimen-tos, água e peso vivo por um sistema automático, composto por cochos e bebedouros eletrônicos associados às estações de pesagem corporal dos animais. A tecnologia de precisão empregada nesse sistema facilita a coleta e o armazenamento dos dados gerados e aumenta a confiabilidade das infor-mações. As pesquisas realizadas têm possibilitado a qualificação de fenótipos para eficiência alimen-tar, permitindo o entendimento da variabilidade individual, o que tornará possível incorporar essas características nos programas de melhoramento, com impacto positivo no desempenho econômico e ambiental dos sistemas de produção. Outra linha em execução diz respeito à nutrição de precisão. A associação de cochos eletrônicos com sistemas automatizados de alimentação (Optimat, DeLaval) e de avaliação da composição de alimentos (NearInfrared Reflectance Spectroscopy – NIRS) favorece a coleta de dados e a formulação de estratégias para o manejo nutricional de forma individualizada. Pesquisas associando esses sistemas estão sendo iniciadas na Embrapa e possibilitam avaliar o im-pacto da nutrição de precisão em condições tropicais. A nutrição de precisão aplicada à pecuária de leite deve ser abordada como uma postura gerencial que considera a variabilidade animal para que as exigências nutricionais sejam atendidas pontualmente (sem excesso ou escassez), maximizando o retorno econômico e minimizando o efeito negativo sobre o meio ambiente. Esses são alguns exem-plos de como a Embrapa está contribuindo para o avanço do conhecimento em pecuária leiteira de precisão, gerando produtos, processos e serviços a favor da cadeia produtiva do leite.

DESENVOLVIMENTO E USO DE TECNOLOGIAS DE AGRICULTURA E PECUÁRIA DE PRECISãO

TECNOLOGIAS DE AGRICULTURA DE PRECISãO

Atualmente, é consenso mundial que a Agricultura de Precisão (AP) é a forma de gestão mais eficiente das propriedades rurais, pela qual se detecta significativa variabilidade espaço-temporal.

Os benefícios e limitações potenciais do uso da AP em sistemas de pastagens foi apresentado e discutido inicialmente por Schellberg et al. (2008) e Bernardi e Perez (2014). Já os marcos conceituais para a pecuária de precisão em sistemas de pastagem e sistemas integrados, considerando os com-ponentes animal e forragem, foram apresentados por Schellberg et al. (2008), Wathes et al. (2008), Laca (2009) e Banhazi et al. (2012).

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Capítulo 1 Pecuária leiteira de precisão 309

Podem-se elaborar mapas de aplicação com taxa variável de insumos a partir de mapas de atri-butos químicos do solo. Dessa forma, corretivos e fertilizantes podem ser aplicados em quantidades distintas para diferentes partes da faixa ou piquete (BERNARDI et al., 2015).Essa tecnologia está di-fundida nos sistemas de produção de culturas anuais, mas o trabalho de Bernardi et al. (2016) mostra as possibilidades de uso em sistema de produção pecuária com base no uso de pastagens. A partir de resultados de análise química do solo (P, K, CTC, e saturação por bases), georreferenciados, ela-boraram-se os mapas de aplicação de insumos (superfosfato simples, cloreto de potássio e calcário), mostrados na Figura 1. Esses mapas ilustram a recomendação de calagem e adubação com P e K para uma pastagem de alfafa considerando a variabilidade espacial do sistema de produção. Eles indicaram que existem áreas nas quais a necessidade de fertilizantes fosfatados variava de menos de 300 kg ha-1 a próxima de 800 kg ha-1. Para a recomendação de calcário, também houve grandes diferenças, com doses variando de 300 kg ha-1 a1.500 g ha-1. No caso da adubação potássica, apesar de a maior parte da área requerer uma baixa aplicação do insumo (< 50 kg ha-1), observaram-se manchas que exigiam mais de 300 kg ha-1 para atingir o nível adequado. Os efeitos dessas diferenças nas quantidades necessárias de fertilizantes podem ser observados no custo de produção estimado para o sistema de produção de leite que utilizava pastagem de alfafa (Figura 1D). Os resultados mostraram que as variações foram em torno de 7% nos extremos.

A análise da sustentabilidade de qualquer sistema de produção tem de considerar tanto os as-pectos agronômicos e zootécnicos, quanto os ambientais e econômicos. No trabalho de Bernardi et al. (2016), foram realizadas estimativas da produção de forragem e de leite com base nas diferen-ças espaciais da oferta de forragem (Figuras2A e 2B). Dessa forma, foi também possível estimar a receita (Figura 2C). A partir do custo e da receita, os autores relataram diferenças de cerca de 30% no retorno econômico do sistema (Figura 2D), considerando a variabilidade espacial.

A quantificação da variabilidade espacial da produção da biomassa e de índices de vegetação pode auxiliar nas práticas de manejo de pastagens, como rotação, manejo de nutrientes e previsão de rendimento (BERNARDI; PEREZ, 2014). Para tanto, ferramentas de AP podem ser muito interessantes, aumentando a eficiência e a qualidade dos dados levantados (BERNARDI; PEREZ, 2014; SCHELLBERG et al., 2008). Entre as tecnologias se destacam a sonda de capacitância e os sensores ultrassônicos e óticos (SERRANO et al., 2009; YULE et al., 2006). Porém, esses sensores não são adequados para avaliar a qualidade das pastagens, sendo necessário o uso de sensores óticos (PULLANAGARI et al., 2011). Os índices de vegetação obtidos por sensoriamento remoto têm sido amplamente utiliza-dos para estimar a biomassa de culturas e pastagens, uma vez que fornecem padrões temporais e espaciais das mudanças nos ecossistemas pastoris, e têm sido úteis na estimativa de parâmetros biofísicos (SCHELLBERG et al., 2008).

TECNOLOGIAS DE PECUÁRIA LEITEIRA DE PRECISãO

Tecnologias de pecuária leiteira de precisão (PP) utilizam sistemas de monitoramento por sen-sores desenvolvidos com o objetivo de identificar (EDAN et al., 2009) e mensurar os indicadores produtivos, comportamentais e fisiológicos em benefício da saúde, produtividade e bem-estar

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3310

Figura 1. Recomendação espacial da calagem (A), adubação com fósforo (B) e potássio (C) para uma pastagem de alfafa, e custo de produção (D) para um sistema de produção de leite.

Fonte: adaptado de Bernardi et al. (2016).

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animal (STEENEVELD et al., 2015). Dessa forma, estão sendo disponibilizados aos produtores siste-mas automatizados de pesagem, produção de leite, consumo de alimentos e água, comportamento alimentar, frequência cardiorrespiratória, temperatura corporal, atividade e posição dos animais, entre outros. No entanto, sistemas de informação avançados são necessários para que os dados de monitoramento e controle, individual ou em grupo, dos vários sensores disponíveis sejam efetivos e possam orientar as decisões de manejo mais adequadas (EDAN et al., 2009).

Há grandes possibilidades para novas tecnologias de automação na pecuária para o monito-ramento de parâmetros individuais dos animais. Entretanto, para que tais tecnologias possam au-xiliar a rápida tomada de decisões pelos produtores, os dados registrados precisam ser coletados, armazenados, interpretados e utilizados para otimizar a eficiência produtiva, sanitária e aumento do bem-estar dos animais.

Esses sistemas de automação na pecuária podem ser descritos a partir de quatro níveis de desen-volvimento e utilização (Figura 3): (I) tecnologia(sensor) que mensura algum parâmetro individual

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Capítulo 1 Pecuária leiteira de precisão 311

Figura 2. Produção de forragem (A), estimativas da produção espacial de leite (B), da receita (C) e do lucro (D) para um sistema de produção de leite utilizando pastagem de alfafa.

Fonte: adaptado de Bernardi et al. (2016).

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da vaca (ex.: atividade da vaca) gerando um conjunto dedados; (II) interpretação que resume as alterações observadas no conjunto de dados gerados pelo sensor (ex.: aumento da atividade) para produção de uma informação sobre o status da vaca (ex.: vaca em cio); (III) integração dessa infor-mação gerada pelo sensor, acrescida a outra informação (ex.: informação de cunho econômico) para proposição de uma recomendação (ex.: inseminar a vaca); (IV) tomada de decisão pelo gestor da fazenda ou autonomamente pelo sistema (ex.: o inseminador é acionado).

O uso de tecnologias de precisão está se tornando uma prática cada vez mais comum em fa-zendas leiteiras. Entre os principais parâmetros monitorados atualmente estão: produção, compo-sição, temperatura, condutividade, presença de sangue no leite, assim como contagem de células somáticas, tempo de ruminação, consumo de alimentos e água, medidores de atividade para de-tecção de cio, problemas de casco, pesagem e escore corporal das vacas (BEWLEY, 2010; BÜCHEL; SUNDRUM, 2014; CHAPINAL et al., 2010; CHIZZOTI et al., 2015; HOLMAN et al., 2011; MIEKLEY et al., 2012). No entanto, vários outros parâmetros estão sendo propostos ou se encontram em fase de desenvolvimento.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3312

De acordo com Banhazi et al. (2012), a pecuária de precisão, devidamente implementada, tem potencial para: i) melhorar e documentar objetivamente os parâmetros de bem-estar animal nas propriedades; ii) reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) e melhorar os aspectos ambien-tais dos diferentes sistemas de produção agropecuários; iii) melhorar a comercialização e facilitar a segmentação dos produtos de origem animal; iv) reduzir o comércio ilegal de produtos de origem animal por meio da rastreabilidade; e v) melhorar o retorno econômico das atividades agropecuá-rias. Banhazi et al. (2012) alertam que para assegurar que o potencial da pecuária de precisão seja adotado pelo setor produtivo é necessário: i) estabelecer uma nova indústria de serviços; ii) avaliar, demonstrar e divulgar os benefícios da PP; iii) coordenar esforços do setor privado e órgãos públicos de pesquisa e transferência interessados no desenvolvimento e implementação de tecnologias de PP nas propriedades; e iv) incentivar o setor de prestação de serviços no desenvolvimento de produ-tos de gestão profissional das propriedades.

Figura 3. Níveis de desenvolvimento e utilização dos sistemas de monitoramento por sensores na gestão de fazenda leiteira.

Fonte: adaptado de Rutten et al. (2013).

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Capítulo 1 Pecuária leiteira de precisão 313

A pecuária de precisão deve ter início na identificação e no conhecimento do comportamento animal, pois esse conhecimento é fundamental para o desenvolvimento de métodos integrados com tecnologia eletrônica, sem fio, com os sistemas de decisão para o manejo de animais. A identifi-cação eletrônica dos animais permite, também, a rastreabilidade das informações referentes àquele indivíduo, fornecendo informações para a tomada de decisão mais rápida e adequada sobre o ma-nejo. Existem várias alternativas de identificadores animais sendo utilizadas tanto na pesquisa como comercialmente (ANDERSON et al., 2013; SCHLEPPE et al., 2010). A identificação eletrônica animal tem como base o transponder, que utiliza microchips com memória EPROM que permitem ou não a regravação, podendo ser encapsulados em material biocompatível (para implantação no animal) ou fixos a brincos. Há transponders passivos (sem fonte de energia) e ativos. A transmissão das infor-mações pode ser realizada por RFID (MACHADO; NANTES, 2004). Essa tecnologia permite interligar outras ferramentas práticas de manejo ao sistema, como balanças, cochos e bebedouros eletrôni-cos. Com isso é possível alimentar um sistema de dados informatizados, flexibilizando os processos de gestão da propriedade por meio de sistemas de suporte à decisão. Adicionalmente, as aplicações da identificação animal podem incluir a rastreabilidade dos produtos, oferecendo registros quanto à origem dos produtos e ao seu meio de produção (ANDRADE et al., 2015).

IMPLICAçõES DO USO DAS TECNOLOGIAS DE PECUÁRIA LEITEIRA DE PRECISãO

As maiores oportunidades e ganhos na utilização de tecnologias de precisão na pecuária de leite estão relacionados às atividades de rotina que ocupam grande parte do tempo do produtor ou que representam a maior parte do custo de produção, como produção de alimentos, alimentação, reprodução e ordenha dos animais. Nesse sentido, a crescente adoção de tecnologias poupadoras demão de obra, que proporcionem economias, diminuam o desperdício e o tempo das operações e aumentem a produtividade, é uma tendência mundial. Outra importante contribuição do uso de tecnologias de precisão consiste na identificação precoce de animais doentes. Esse fator é um com-ponente crítico de qualquer sistema de produção, sendo de grande interesse o desenvolvimento de métodos, dispositivos e processos para o monitoramento da saúde dos animais.

OTIMIZAR A MãO DE OBRA

As fazendas estão defrontando-se com maior escassez de mão de obra e aumento dos salários dos trabalhadores em razão do crescente desenvolvimento econômico e educacional observado nas últimas décadas. Nesse contexto, as tecnologias de precisão que envolvem mecanização e auto-mação estão cada dia mais presentes nas fazendas leiteiras, já que a produtividade da mão de obra passa a ser cada vez mais importante para o aumento da eficiência bioeconômica dos sistemas de produção. A operação de ordenha, por exemplo, requer mão de obra capacitada, porém cada vez mais escassa e onerosa. Para o manejo reprodutivo, a baixa disponibilidade de mão de obra gera consequências graves, como tempo reduzido para observar cio nos animais. O tempo despendido

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3314

por um funcionário para a realização de atividades ligadas à alimentação animal pode chegar a 50% do tempo total disponível, contribuindo para o aumento da ineficiência de todo o sistema.

Entre os principais motivos que levam o produtor de leite a adquirir sistemas de monitoramento por sensores, comumente denominados de tecnologias de precisão, destacam-se: escassez e custo da mão de obra; reduzir o trabalho e facilitar o manejo diário do rebanho; reduzir problemas relativos à sucessão familiar e estimular a adoção de tecnologias inovadoras pelos mais jovens; proporcionar mais tempo com a família e com isso mais qualidade de vida e maior flexibilidade no trabalho e pro-longar o tempo de vida no trabalho a partir da terceira idade (SCHEWE; STUART, 2015; STEENEVELD; HOGEVEEN, 2015). No entanto, as razões para investir-se em sistemas de monitoramento por senso-res apresentam variações em função do perfil socioeconômico do produtor de leite.

Dessa forma, o uso de tecnologias de PP tende a apresentar um resultado econômico positi-vo, especialmente em virtude da redução esperada sobre os custos da mão de obra (STEENEVELD et al., 2015). Em pesquisa realizada na Holanda, fazendas que adotaram algum tipo de tecnologia de precisão obtiveram uma redução de até 23% das horas trabalhadas por vaca/semana, comparadas àquelas que não faziam uso de sistemas de monitoramento por sensores (STEENEVELD; HOGEVEEN, 2015).

Além da questão da redução da mão de obra, Sniffen e Chalupa (2015) citam como exemplo o uso de sistemas automáticos de alimentação, que podem proporcionar o refinamento das rações para atender de forma mais precisa às exigências nutricionais das vacas em lactação. Esses sistemas possibilitam o controle de todas as atividades de alimentação após o carregamento de ingredientes em silos (alimentos concentrados), mesas forrageiras (deposição de forragens) e recipientes para armazenagem de aditivos e núcleos minerais, fazendo o transporte, a pesagem e a mistura de ingre-dientes, bem como o transporte e a distribuição da ração de forma autônoma.

Schewe e Stuart (2015) avaliam que o sistema de ordenha automático (AMS) está entre as tec-nologias de pecuária leiteira de precisão mais importantes e inovadoras, justamente por ser um sistema poupador de mão de obra e tempo (Figuras 4A e 4B). A adoção do AMS tem alterado de forma significativa o papel do produtor de leite e sua relação com as vacas. Ao invés de gastarem o tempo ordenhando vacas, eles permanecem mais tempo inspecionando e observando os animais, o que pode ser considerado uma vantagem em relação ao sistema de ordenha convencional. Dessa forma, os produtores podem detectar problemas mais precocemente em função da maior disponi-bilidade de tempo para observá-las (BUTLER et al., 2012; SCHEWE; STUART, 2015). A vantagem do AMS está justamente na disponibilidade de se ter mais tempo para atividades gerenciais e estratégi-cas (EDMONDSON, 2012). Pesquisas têm apontado reduções entre 19% e 50% do tempo associado à ordenha das vacas, além da redução no quantitativo e custo da mão de obra após a instalação do AMS (KONING; RODENBURG, 2004; STEENEVELD; HOGEVEEN, 2015).

Nesse contexto, as tecnologias de automação e precisão em todas as suas dimensões e áreas aplicáveis surgem para complementar a mão de obra. Ao criar novas oportunidades, demandam

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Capítulo 1 Pecuária leiteira de precisão 315

mão de obra especializada, ampliam os salários pagos aos novos trabalhos e funções, promovem o aumento da produtividade e a eficiência dos sistemas de produção (AUTOR, 2015).

AUMENTAR A PRODUçãO DE LEITE

A automação do processo de ordenha é uma tendência mundial e uma resposta aos aumentos do custo, menor disponibilidade de mão de obra e à necessidade de melhoria de qualidade de vida e rotina de trabalho na fazenda. Os equipamentos de ordenha robotizados (Figuras 4A e 4B) disponí-veis no mercado geram informações que permitem o entendimento da variabilidade individual dos animais, contribuindo para a aplicação dos conceitos de pecuária de precisão.

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Figura 4. Unidade de sistema de ordenha automático instalado na Fazenda Morro dos Ventos, Carambeí, PR (A), e detalhe do braço robótico em operação durante a ordenha voluntária (B).

Fonte: Paiva (2015).

O uso de tecnologias de monitoramento da produção diária de leite e sua composição já estão disponíveis aos produtores e podem ser adquiridos no momento da compra do equipamento de ordenha, ou isoladamente em qualquer outro momento específico. O fator econômico é ainda, na maioria das vezes, o maior obstáculo para a aquisição desses sensores. Adicionalmente, o perfil dos produtores de leite que utilizam tecnologias de precisão apresenta grande variação. Existem aque-les que o fazem de forma deliberada, investindo em sensores para melhorar a eficiência da gestão do rebanho. Outros já os utilizam porque estão embarcados no equipamento de ordenha adquirido como, por exemplo, em sistemas de ordenha robotizados (STEENEVELD; HOGEVEEN, 2015).

Uma unidade de ordenha robótica (AMS) pode aumentar a produção de leite entre 6% e 35% em razão, principalmente, do aumento da frequência de ordenha (NEW BRUNSWICK..., 2014; STEENEVELD et al., 2015). O número de frequências de ordenha alcançado no AMS depende de fato-res como tipo de fluxo e rotina de ordenha adotada, onde as frequências podem ser predetermina-das e adaptadas ao estágio de lactação ou ao tipo de sistema de produção (SVENNERSTEN-SJAUNJA;

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3316

PETTERSSON, 2008). Steeneveld et al. (2015) observaram que a utilização de sensores embutidos no AMS resultou maior produção de leite do rebanho. No entanto, não puderam afirmar se o aumento da produção de leite ocorreu em função da maior taxa de frequência de ordenha, normalmente ob-servada nesse tipo de sistema de produção (SPERONI et al., 2006), ou se foi decorrente do uso mais eficiente dos dados e informações obtidos pelo sistema de sensores.

Adicionalmente, o fornecimento de alimentação concentrada durante a ordenha no sistema au-tomático tem sido associado à redução do tempo de ordenha, aumento do fluxo e maior extração do leite (SAMUELSSON et al., 1993). A explicação mais provável tem a ver com a melhora do refle-xo de liberação da ocitocina quando a alimentação concentrada é fornecida (SVENNERSTEN et al., 1995). Outro fator que tem sido associado ao aumento da produção de leite no AMS é a adoção de uma rotina de ordenha consistente e sistemática (RASMUSSEN et al., 1990). O AMS permite que o processo de ordenha seja executado sempre da mesma forma a cada ordenha, tornando a rotina previsível para as vacas.

Algumas fazendas comerciais têm reportado que a expectativa de aumento na produção de leite não se concretizou depois da implantação do AMS. O resultado negativo pode ser creditado parcial-mente à redução da curva de lactação, ocorrida em função dos intervalos irregulares entre ordenhas e às falhas na colocação dos insufladores (BACH; BUSTO, 2005). Porém, a maioria dos casos de queda na produção reportados aconteceu em razão das mudanças estruturais nas instalações e no manejo, que ocorreram concomitantemente com a adoção do AMS (STEENEVELD; HOGEVEEN, 2015).

MELHORAR A SAÚDE ANIMAL

Segundo Rutten et al. (2013), atualmente, a maioria dos estudos sobre as implicações das tecno-logias de precisão na saúde animal está relacionada à detecção de mastite e problemas de locomo-ção e ao aumento da fertilidade.

Detecção de mastite

Sensores para detecção precoce de animais com mastite, como a medição da condutividade elétrica e presença de sangue, além da contagem de células somáticas do leite em tempo real, estão entre as tecnologias mais utilizadas por produtores de leite no mundo. Nos EUA, os parâmetros mais comumente mensurados por tecnologias de precisão são a produção diária de leite (52,3%), a ativi-dade da vaca (41,3%) e a detecção de mastite (25,7%) (BORCHERS; BEWLEY, 2015). Entre os maiores produtores de leite do Brasil, esses valores correspondem a 58,7%, 28,3% e 26,1%, respectivamente (PAIVA et al., 2016). O grau de utilidade dada pelos produtores brasileiros aos parâmetros que as tec-nologias de precisão permitem mensurar encontra-se na Tabela 1. Os parâmetros de maior utilidade considerados pelos maiores produtores brasileiros foram: produção diária de leite (4,67), detecção de estro (4,43) e de mastite (4,26). Já nos EUA, a ordem de importância foi detecção de mastite (4,77), detecção de estro (4,75) e produção diária de leite (4,72). Além disso, produtores dos EUA citaram os sistemas de medição de atividade da vaca, temperatura corporal e comportamento alimentar como

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Capítulo 1 Pecuária leiteira de precisão 317

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3318

os parâmetros mais úteis (BORCHERS; BEWLEY, 2015). No Brasil, esse cenário vem mudando com a presença cada vez maior de empresas que têm importado e também desenvolvido tais tecnologias no mercado doméstico, tornando-as mais conhecidas do produtor de leite brasileiro.

A robotização dos sistemas de ordenha (AMS) promoveu a automação completa de todo o pro-cesso de ordenha. Nesse sistema, normalmente, estão embutidos sensores que monitoram e regis-tram automaticamente o volume de leite, parâmetros de qualidade do leite, frequência de ordenha e saúde da glândula mamária dos animais, mantendo um arquivo de todos os processos realizados sem a intervenção humana (BLOSS, 2014). A adoção do AMS tem alterado de forma significativa o papel do produtor de leite e sua relação com as vacas. Ao invés de gastarem o tempo ordenhando as vacas, eles permanecem mais tempo inspecionando e observando os animais, o que pode ser con-siderado uma vantagem em relação ao sistema de ordenha convencional (SCHEWE; STUART, 2015). Por fim, Edmondson (2012) cita que em rebanhos bem dimensionados e manejados, os níveis de mastite e outras doenças podem ser menores com o uso de robôs na ordenha. Porém, quando essas condições não estão presentes, pode haver aumento da CCS e problemas de casco e de nutrição.

Aumento da fertilidade

O desempenho da detecção do cio pode ser melhorado pela utilização de medidores eletrôni-cos de atividade. Pedômetros e acelerômetros são as tecnologias mais comuns disponíveis comer-cialmente; esses últimos possuem os sensores de medição da atividade embutidos em colares de pescoço para vacas. O sistema com base em pedômetros normalmente é composto por dispositivos eletrônicos acoplados às patas das vacas que identificam o animal e registram o número de passos. Antenas localizadas em pontos estratégicos da fazenda fazem a leitura dos dados e os enviam para um software que os interpreta (GALON, 2010). Adicionalmente, alguns pedômetros podem contro-lar a posição do animal e registrar o tempo que o animal permanece deitado ou em pé. Esses dis-positivos possuem maior capacidade de armazenamento e a transmissão dos dados ocorre após a passagem dos animais por cortinas de leitura (AUNGIER et al., 2015). De acordo com Senger (1994), um sistema eletrônico de detecção de cio deve garantir o monitoramento contínuo das mudanças fisiológicas ou comportamentais que ocorrem durante o estro.

Os sistemas de monitoramento de atividade podem detectar cerca de 80 a 85% de vacas em cio, enquanto que o método visual normalmente detecta apenas 55% das vacas nessa mesma condição (KAMPHUIS et al., 2012). No entanto, nem sempre o aumento na detecção do cio pelos sistemas de monitoramento resulta melhoria dos índices de idade ao primeiro parto e dias ao primeiro servi-ço. Em grande parte das vezes os produtores que fazem uso de sistemas de detecção de cio ainda utilizam as mesmas regras, por exemplo, sobre o melhor momento para a inseminação, resultando alterações pouco efetivas nos parâmetros reprodutivos. O investimento em sensores de detecção de cio deve ser feito visando melhorar a taxa de detecção de cio, reduzir o trabalho (STEENEVELD; HOGEVEEN, 2015) e melhorar os índices de saúde e zootécnico do rebanho.

O aumento da eficiência de detecção de cio e o diagnóstico precoce de doenças são exemplos de como essas tecnologias podem contribuir para o aumento da eficiência reprodutiva em bovinos de

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Capítulo 1 Pecuária leiteira de precisão 319

leite. A expectativa é que essas tecnologias sejam gradualmente incorporadas aos sistemas de pro-dução e que, em futuro próximo, façam parte da rotina da maioria das propriedades leiteiras no Brasil.

Detecção de problemas de locomoção

A claudicação é definida como uma alteração na marcha ou postura resultante de dor ou descon-forto nas pernas e cascos do animal (FLOWER; WEARY, 2009). Problemas de locomoção continuam a ser uma das maiores preocupações para a saúde e bem-estar das vacas. Esses problemas normal-mente estão associados a uma diminuição da produtividade, a efeitos negativos sobre o desempe-nho reprodutivo e a elevadas taxas de descarte, resultando em perdas consideráveis na produção (HUxLEY, 2013).

A utilização de métodos manuais ou automáticos de detecção de problemas de locomoção tem como objetivo a prevenção, detecção e gestão eficiente das condições que induzem à locomoção deficitária (SCHLAGETER-TELLO et al., 2014). O método mais comum para detectar problemas de lo-comoção é o sistema manual de escore de locomoção (FLOWER; WEARY, 2009), onde as pontuações são baseadas na observação visual por técnico treinado. A avaliação visual depende de vários pa-râmetros, como assimetria da marcha, movimento da cabeça e curvatura das costas (SCHLAGETER-TELLO et al., 2014). No entanto, o método manual de escore de locomoção não é viável em grandes rebanhos por ser muito demorado. Como resultado, as vacas que apresentam discretos problemas de locomoção frequentemente não são diagnosticadas e tratadas até o momento em que se tornem severamente afetadas (ZIMMERMAN, 2001). Essa é uma das principais razões para o desenvolvimen-to de sistemas automáticos de detecção de problemas de locomoção.

Os sistemas automáticos de detecção de problemas de locomoção recolhem dados das vacas através do uso de sensores presentes nas vacas ou no ambiente onde vivem. Os dados desses sensores são analisados usando algoritmos matemáticos para avaliar a locomoção desses animais (SCHLAGETER-TELLO et al., 2014). No entanto, a maioria das tecnologias de precisão para detecção automática de problemas de locomoção se encontra em fase de desenvolvimento ou validação nos centros de pesquisas. O monitoramento do comportamento de locomoção da vaca pode fornecer aos pesquisadores e produtores uma ferramenta de alerta precoce. Nesse sentido, várias tecnologias para monitorara atividade da vaca estão sendo desenvolvidas e aperfeiçoadas nos centros de pes-quisas (ROELOFS et al., 2005); algumas já se encontram disponíveis comercialmente.

Como exemplo de sistema disponível comercialmente, o sensor Cow-manager SensOor System® (Agis Automatisering BV, Harmelen, Países Baixos) é composto por um microchip embutido no brinco de identificação de orelha (Supertag; Dalton ID Ltd., Oxfordshire, Reino Unido). Esse sistema permite a quantificação em tempo real da temperatura da orelha, ruminação, consumo alimentar e atividade das vacas. Basicamente, um acelerômetro registra continuamente os movimentos da orelha da vaca e envia os dados através de uma rede sem fios para o computador. Os dados são continuamente coletados e cada minuto é classificado em uma das quatro categorias comporta-mentais: ruminação, consumo, descanso e ativo. Esses dados serão posteriormente expressos em porcentagem do comportamento por hora ou dia.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3320

Outro exemplo é o StepMetrix® (BOUMATIC, Madison, WI). O modelo desse sistema utiliza cinco variáveis dos movimentos dos membros e calcula a probabilidade de um dos membros posteriores apresentarem problemas. O StepMetrix foi testado em ensaio de campo por Bicalho et al. (2007) e Liu et al. (2009, 2011). Ainda que promissor, o sistema precisa ser aperfeiçoado para que vacas sem problemas não sejam erroneamente classificadas pelo modelo.

Há diferentes abordagens científicas sendo estudados no desenvolvimento de sistemas de de-tecção automática de problemas de locomoção. A abordagem cinemática mede a geometria do movimento, sem considerar as forças que provocam o movimento, e calcula diferentes aspectos da marcha, tais como o comprimento da passada, a posição e a duração da oscilação ou a curvatura das costas. Métodos cinéticos, tais como medidas de força de reação do solo e sensores de carga, ava-liam a claudicação pela distribuição do peso/pressão exercidos sobre uma superfície (SCHLAGETER-TELLO et al., 2014). Outros estudos têm demonstrado o potencial da utilização de imagens de vídeo para detecção de problemas de casco. A técnica de processamento de imagem transforma as gravações de vídeo em sequência de imagens binárias para facilitar a detecção de peças anatô-micas das vacas (HERTEM et al., 2013; VIAZZI et al., 2013) e identificar anomalias no movimento e posicionamento do animal. A termografia de infravermelhos (IRT) é uma técnica não invasiva que mede a radiação térmica a partir da superfície de um objeto e apresenta a informação como um termograma (EDDY et al., 2001). Finalmente, a abordagem indireta (SCHLAGETER-TELLO et al., 2014) utiliza variáveis comportamentais e de produção com base no comportamento bidimensional ou tridimensional de dispositivos ligados aos membros ou pescoço das vacas para detectar alterações no comportamento e da produção, como por exemplo, frequência e tempo deitada ou em pé por dia (ALSAAOD et al., 2012; ITO et al., 2010), associadas aos dados produtivos.

CONSIDERAçõES FINAIS

O emprego das tecnologias de pecuária de precisão estimulará novas vertentes de agregação de valor e de fabricação, com grandes possibilidades de aumento de competitividade do setor de pecuária de leite. As oportunidades ligadas à pecuária de precisão podem surgir tanto dentro como fora da porteira da fazenda. Os produtores podem beneficiar-se nas áreas de automação e tomadas de decisões mais eficientes ao fazer melhor uso dos escassos e cada vez mais onerosos recursos. O uso dessas tecnologias tornará possível, por exemplo, inferir padrões de comportamento animal, fisiológicos e sanitários e ajustar o manejo para cada indivíduo, com ganhos de eficiência operacio-nal e econômica.

A era do “big data” indica as possibilidades de gerar, medir, coletar e armazenar enormes quan-tidades de dados que são a matéria-prima do conhecimento. O uso dessas tecnologias pode contri-buir, por exemplo, para garantir a qualidade e a segurança do alimento para as indústrias de laticí-nio. Técnicos podem interagir com os sistemas de precisão para alimentar as suas próprias análises, oferecendo serviços sobre o uso das tecnologias de precisão e na capacitação dos produtores. Isso pode incluir o monitoramento remoto de parâmetros de desempenho, de melhoramento genético,

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Capítulo 1 Pecuária leiteira de precisão 321

da previsão de clima e o entendimento da dinâmica dos mercados. Nesse sentido, os bancos de dados de cada sistema de produção podem ser conectados aos da indústria ou governos. Isso per-mitirá comparar diferentes sistemas e desenhar políticas públicas e privadas de fomento à pecuária leiteira com maior precisão.

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Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite 325

INTRODUçãO

O Brasil tem aumentado gradativamente a sua produção de leite. Parte dessa expansão se deve ao uso de tecnologias que contribuem para melhorar a nutrição e a saúde dos animais, associadas ao melhoramento genético do rebanho. Apesar disso, o país ainda possui baixa média de produção de leite, salvo em algumas regiões onde a produção se iguala à de países grandes exportadores de produtos lácteos como Nova Zelândia, Estados Unidos e Argentina. A reprodução tem papel im-portante na elevação da produtividade e está associada aos aspectos nutricionais e sanitários do rebanho. Fêmeas inadequadamente alimentadas ou doentes demoram em ficar gestantes ou estão sujeitas a perdas embrionárias e abortos e, com isso, produzirão menos leite na sua vida produtiva. Além disso, o manejo reprodutivo inadequado, como má observação de cio e inseminação artifi-cial em momento errado, leva não só à perda do sêmen pela falha na gestação, mas também ao aumento dos dias que o animal ficará no rebanho sem dar cria e, consequentemente, sem produzir leite. Várias regiões do Brasil ainda apresentam outro fator agravante para a reprodução: o estresse causado pela elevada temperatura e umidade do ambiente em grande parte do ano, principalmente nas regiões tropicais e subtropicais. Esse estresse térmico aumenta a dificuldade da identificação do cio e reduz a qualidade de oócitos e embriões, levando à falha em se estabelecer a gestação.

As biotecnologias reprodutivas objetivam melhorar a reprodução, facilitar o manejo e disseminar o material genético de animais produtivos. A inseminação artificial (IA) com sêmen criopreservado foi uma das primeiras biotecnologias; surgiu na década de 1940. Apesar de seu uso ser estimado em apenas 11,9% dos animais aptos à reprodução no Brasil (ASSOCIAçãO BRASILEIRA DE INSEMINAçãO ARTIFICIAL, 2014), a IA permite que o produtor tenha acesso ao sêmen de touros que possuam com-provadamente alto valor genético em diferentes aspectos produtivos. Com isso o produtor pode aumentar a produtividade do seu rebanho usando sêmen de touros selecionados. Contudo, a IA exi-ge um manejo diferenciado, como a observação de cios – rotina que por vezes o produtor não con-segue manter. Para contornar esse tipo de problema, foi desenvolvido um procedimento chamado Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), que faz uso de hormônios para se preestabelecer o mo-mento ideal de inseminação, mesmo que o cio não seja observado. A transferência de embriões con-vencional, ou produção in vivo, foi a segunda biotecnologia a surgir, porém orientada para aplicação

CAPÍTULO 2

Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite

Luiz Sergio de Almeida Camargo | Clara Slade Oliveira | Luiz Francisco Pfeifer | Rui Machado

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3326

em fêmeas, possibilitando que uma doadora possa gerar vários embriões depois do procedimento de superovulação e inseminação artificial. Nesse procedimento, a vaca doadora recebe hormônios para induzir a superovulação e depois da inseminação artificial, os embriões são coletados direta-mente do útero por meio de lavagens. Apesar de possibilitar maior disseminação do material gené-tico da fêmea, a técnica esbarra em algumas limitações, como baixa resposta superovulatória.

Mais recentemente, a fecundação in vitro, ou produção in vitro, de embriões (Pive) surgiu como uma opção à produção in vivo para produzir muitos embriões a partir de uma mesma fêmea. Oócitos coletados diretamente da fêmea são maturados e fecundados in vitro e os embriões são cultivados em incubadora em laboratório por 7 dias, quando, então, são transferidos para as receptoras apro-priadas. Com essa metodologia, é possível produzir um maior número de embriões comparado ao uso da biotécnica de produção in vivo. Por conta dessa capacidade de produzir mais descendentes, a Pive se expandiu no mercado de embriões, principalmente no Brasil. Em 2014, o país respondeu por pouco mais de 59% da produção mundial de embriões Pive, gerando mais de 348.000 embriões (INTERNATIONAL EMBRYO TRANSFER SOCIETY, 2015).

A tecnologia de sexagem do sêmen surgiu no final da década de 80, mas somente na década de 2000 se tornou disponível comercialmente no Brasil. Com essa biotecnologia é possível separar o espermatozoide que carrega o cromossomo x (para fêmea) daquele que carrega o Y (para macho) e, assim, produzir mais bezerros fêmeas ou machos. O seu uso é direcionado para a IA, mas acabou sendo de grande valor na Pive, permitindo a produção de embriões fêmea para atender, princi-palmente, ao mercado de produtores de leite. A associação da produção de embriões in vitro com sêmen sexado para fêmea foi uma das principais responsáveis pela expansão da Pive nos últimos anos no Brasil. Em virtude de algumas restrições do sêmen sexado, como menor concentração de espermatozoides por dose do que o sêmen convencional, o seu uso na IA ainda é limitado e exige bom manejo reprodutivo para reduzir eventuais falhas de concepção que podem ocorrer em razão dos procedimentos de sexagem.

O estabelecimento de laboratórios para a Pive contribuiu para que outra biotecnologia fosse aplicada comercialmente. A transferência nuclear com células somáticas (TNCS), ou simplesmente clonagem, utiliza de várias etapas da Pive para produzir os embriões, com exceção da fertilização in vitro. Nessa técnica, os oócitos têm seu núcleo (material genético) removido e o núcleo de outra célula, coletada de outro animal, é transferido para esse oócito sem núcleo (enucleado). O exemplo mais conhecido de clone é a ovelha Dolly, nascida em 1996, mas o touro Bandido, personagem conhecido de uma novela no Brasil, também já foi clonado. Antes do touro bandido, o Brasil havia produzido a vaca Vitoria da Embrapa em 2001, porem utilizando a técnica de clonagem de em-briões, um pouco diferente daquela usada para produzir a ovelha Dolly e o touro Bandido. A clona-gem permite obter um animal geneticamente idêntico àquele que doou a célula (com exceção de genes mitocondriais). Apesar de ainda possuir inúmeras dificuldades que reduzem a sua eficiência em obter animais vivos, a clonagem é adotada comercialmente em países como Brasil, Argentina e Estados Unidos. Em algumas centrais, é possível encontrar sêmen de touros clones de raças de corte e de leite para inseminação artificial.

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Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite 327

Finalmente, uma biotecnologia que não está disponível comercialmente, mas tem capacidade de trazer grandes mudanças na produtividade, é a engenharia genética associada às biotecnologias reprodutivas. A engenharia genética tem sido utilizada na produção de grãos como soja e milho em diversos países, incluindo o Brasil, trazendo um impacto positivo na produtividade e retorno econômico. Porém, em animais de produção, há dificuldade em se estabelecer métodos eficientes para produção em escala. Novos métodos de engenharia genética ainda em estudo permitem que o genoma de um embrião possa ser editado com precisão, isto é, permite que erros no genoma pos-sam ser corrigidos ou que polimorfismos responsáveis por características desejáveis, que levariam décadas para serem disseminadas na população por meio de cruzamentos, possam ser inseridos no genoma, acelerando o ganho genético.

Portanto, o objetivo deste capítulo é relatar os avanços e as novidades das principais biotecno-logias reprodutivas, como IATF, Pive, sêmen sexado, clonagem e engenharia genética em embriões bovinos.

INSEMINAçãO ARTIFICIAL EM TEMPO FIxO (IATF)

Todos os países produtores de leite que investem intensivamente no melhoramento genético do rebanho têm observado que as taxas de concepção do rebanho leiteiro têm diminuído nas últimas três décadas (WILTBANK et al., 2006). Essa tendência pode ser visualizada de forma mais acentuada em países que possuem rebanhos leiteiros altamente produtivos. A baixa fertilidade de vacas de alta produção (produção diária > 35 L de leite) tem origem multifatorial, onde a baixa concentração sanguínea de progesterona durante o período embrionário inicial e o estresse térmico têm sido relacionados como uma das principais causas (LONERGAN, 2011). Esses fatores podem levar ao au-mento do intervalo parto-concepção (IPC), que é um dos índices que auxiliam o produtor a avaliar a eficiência reprodutiva do rebanho. Se o IPC médio de um rebanho excede 80 dias, o produtor pode se beneficiar de programas reprodutivos que, por meio do controle exógeno do ciclo estral, permitem que os animais possam ser submetidos à inseminação artificial em tempo-fixo (IATF), ou seja, sem a observação de cio.

Após o fim do período voluntário de espera (PVE), a taxa de prenhez é determinada pela taxa de submissão à inseminação (calculada pelo número de vacas inseminadas/número total de vacas elegíveis à IA) e pela prenhez por inseminação (P/IA). Uma das limitações que afeta diretamente a eficiência reprodutiva é a baixa taxa de detecção de cios que, consequentemente, leva à baixa taxa de submissão à IA, isto é, baixo número de animais inseminados. Quando o único sistema de acasalamento utilizado na fazenda leiteira é a detecção de cios seguida de IA, o número de animais submetidos à inseminação é muito inferior àquele de fazendas que utilizam programas de IATF. Além disso, rebanhos que possuem vacas de alta produção são os que mais apresentam redução da taxa de submissão à IA em razão da redução da atividade estral (cios mais curtos) causada pelo alto metabolismo desses animais (WILTBANK et al., 2006).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3328

O manejo reprodutivo da fazenda de leite evoluiu muito nos últimos 20 anos, especialmente em virtude do desenvolvimento das técnicas de manipulação do ciclo estral que permitiram que os programas de IATF fossem inseridos nas rotinas das fazendas. Os programas de sincronização de ovulação que viabilizam a IATF envolvem o controle do desenvolvimento folicular ovariano e da duração do corpo lúteo (CL), com o objetivo de induzir o folículo dominante a ovular de forma que a IA possa ser realizada em momento predeterminado.

A maioria dos trabalhos científicos sobre os métodos de IATF em rebanhos leiteiros é oriunda dos Estados Unidos, onde mais de 90% do sêmen comercializado é destinado ao rebanho leiteiro. Em contraste, no Brasil, cerca de 40% do sêmen comercializado é oriundo de reprodutores leiteiros. Para melhorar esse índice, o país tem conduzido pesquisas para aprimorar e adaptar as técnicas de IATF para as suas condições, o que tem contribuído para aumentar o uso da inseminação artificial. De fato, a venda de sêmen para gado de leite cresceu 34% entre 2009 e 2014 (ASSOCIAçãO BRASILEIRA DE INSEMINAçãO ARTIFICIAL, 2014), em parte pelo aumento do uso de protocolos de IATF.

PROTOCOLOS E RESULTADOS

Atualmente, vários métodos de IATF para gado leiteiro estão disponíveis no mercado; no entan-to, restrições legais quanto ao uso de alguns hormônios tem limitado as opções de manipular o ciclo estral em alguns países, especialmente nos Estados Unidos (LANE et al., 2008). Apesar do uso de alguns hormônios, como os ésteres de estradiol, ser permitido no Brasil, atenção especial deve ser dada aos períodos de carência desses fármacos, pois não há consenso quanto ao tempo de descarte do leite e da carne de um mesmo princípio ativo entre diferentes fabricantes. Em uma simples busca nos compêndios veterinários e nas próprias bulas dos fármacos disponíveis no mercado brasileiro, foi possível detectar que os períodos de carência são altamente heterogêneos. O período de descar-te para animais tratados com benzoato de estradiol (BE) é geralmente de 30 dias para o leite. Já para o cipionato de estradiol (ECP), há laboratórios que indicam período de carência 0 (zero), enquanto outros não indicam seu uso para animais de produção leiteira. Isso é ainda um assunto de pesquisa. Independentemente do protocolo, a prenhez por inseminação (P/IA) dos métodos hormonais mais utilizados dentro e fora do Brasil é de cerca de 25% a 45% (BISINOTTO et al., 2010; KASIMANICKAM et al., 2005; SAMPAIO et al., 2015; SOUZA et al., 2009).

Ovsynch e suas associações

Desde a primeira publicação do protocolo Ovsynch (PURSLEY et al., 1995), os programas de IATF que utilizam hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) e prostaglandina F2α (PGF) têm sido refinados para melhorar o controle do crescimento folicular ovariano, o tempo de vida do CL e a sincronia da ovulação que deve ocorrer momentos antes da IA. Esse protocolo consiste basicamente na aplicação de uma injeção de GnRH no dia 0, uma de PGF no dia 7 e outra de GnRH no dia 9.

Apesar dos protocolos Ovsynch terem sido bastante utilizados em rebanhos leiteiros, especial-mente nos Estados Unidos no final da década de 1990 e início dos anos 2000, dois fatores foram

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Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite 329

detectados como limitantes: capacidade de ovulação à aplicação da primeira dose de GnRH e efe-tividade da PGF em causar lise do CL. Alguns programas de pré-sincronização têm sido estudados com o intuito de aumentar a fertilidade dos protocolos Ovsynch. O método mais comum para pré-sincronizar o ciclo estral de vacas antes da IA é através da injeção sequencial de duas doses de PGF em um intervalo de 14 dias, seguido pelo protocolo Ovsynch 11 a 14 dias depois (EL-ZARKOUNY et al., 2004; MOREIRA et al., 2001). Esse método (PGF-Ovsynch), além de melhorar consideravelmen-te a P/IA, permite ao produtor optar por inseminar as fêmeas que forem observadas em cio antes do protocolo Ovsynch (após as injeções de PGF). Apesar da pré-sincronização apresentar resultados adequados, a maior limitação desse programa de IATF é que as fêmeas só respondem se estiverem com atividade estral regular, pois necessitam ter CL para responder à pré-sincronização. Como a proporção de vacas em anestro após o PVE pode ser bastante expressiva em sistemas intensivos de produção de leite, a adoção de um método para pré-sincronizar o ciclo estral e também induzir a ovulação em vacas em anestro pode ser mais eficiente, como é o caso do uso do duplo Ovsynch (dois programas Ovsynch seguidos), que pode aumentar a P/IA quando comparado com PGF-Ovsynch (HERLIHY et al., 2012). Assim, se o objetivo for inseminar em tempo fixo todas as vacas ou ainda se a ocorrência de vacas em anestro for muito alta, o produtor pode optar por utilizar o programa duplo Ovsynch. Entretanto, se houver disponibilidade de detecção de cio e a taxa de anestro for baixa, ele pode optar por utilizar o protocolo PGF-Ovsynch.

Outra variação do protocolo Ovsynch pode ser obtida pela substituição da última injeção de GnRH pela injeção de 1 mg de ECP, 24h depois da injeção de PGF. Esses protocolos são conhecidos como Heatsynch, pois com a utilização do ECP ocorre maior incidência de cio do que com os pro-tocolos que utilizam GnRH como indutor de ovulação. No Brasil, esse protocolo associado com a inserção de um implante de progesterona, nos dias entre a injeção de GnRH e PGF, tem sido muito utilizado nos rebanhos leiteiros. Uma prática comum é utilizar a detecção de cio para inseminação depois da injeção de PGF. Vacas que não demonstram cio até 48h depois da aplicação do ECP são inseminadas em tempo fixo depois desse período. Protocolos Heatsynch têm resultado, em média, 40% de P/IA (Tabela 1). O custo desse protocolo é mais baixo do que o do protocolo Ovsynch con-vencional em razão do custo do ECP ser cerca de 10x mais barato do que a dose de GnRH. Entretanto, o uso de ECP pode levar à indução de cio sem que este seja, necessariamente, seguido de ovulação.

Ovsynch curtos (5 dias)

A redução da duração dos protocolos Ovsynch de 7 para 5 dias tem sido amplamente estudada e aplicada nos rebanhos norte-americanos (BISINOTTO et al., 2010) como alternativa, principalmen-te, para vacas de alta produção que possuem elevada depuração de hormônio esteroides graças ao alto metabolismo hepático. Vacas de alta produção possuem maior período de dominância folicular, pois os níveis de estradiol levam mais tempo para atingirem concentrações suficientes para estimular o pico pré-ovulatório de hormônio luteinizante (LH) e a consequente ovulação. Esse maior período de dominância tem sido relacionado a menores P/IA em vacas submetidas à IATF com protocolos Ovsynch tradicionais. A redução do intervalo entre a primeira injeção de GnRH e a injeção de PGF de 7 para 5 dias diminui o período de desenvolvimento do folículo em 2 dias, resultando aumento

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3330

de P/IA (SANTOS et al., 2010). Além disso, como o intervalo entre a primeira injeção de GnRH e a PGF é reduzido, para a completa regressão do CL há a necessidade de aplicação de outra injeção de PGF 24h depois da primeira. Em protocolos curtos de IATF em vacas de leite, a IA tem sido realizada 36 h (GARCIA-ISPIERTO; LOPEZ-GATIUS, 2014) ou 48 h depois da segunda injeção de PGF (BISINOTTO et al., 2010), em ambos casos juntamente com a aplicação de GnRH. Esses protocolos têm resultado em torno de 30% a 45% de P/IA. A Tabela 1 mostra a P/IA dos principais protocolos descritos anteriormente.

Protocolos à base de estradiol e progesterona

Os protocolos mais utilizados no Brasil apresentam algumas diferenças dos protocolos usados na América do Norte em razão da livre comercialização dos ésteres de estradiol e por serem eficientes e economicamente viáveis. Esses protocolos associam o uso dos ésteres de estradiol com implantes de progesterona para induzir a regressão do folículo dominante presente no ovário no início do procedimento. Além disso, no momento da remoção do implante de progesterona, é necessário a injeção de uma dose luteolítica de PGF e de um indutor de ovulação. Os dois principais ésteres utili-zados nos sistemas de produção de leite no Brasil são o BE e o ECP, sendo cada qual utilizado em um momento diferente dentro do protocolo. O ECP é comumente utilizado no momento da retirada do implante intravaginal de progesterona e possui menor potencial de indução do pico pré-ovulatório de LH (SOUZA et al., 2009) e ovulação quando comparado ao BE ou ao GnRH. Apesar disso, seu uso tem registrado resultados adequados de P/IA (~ 40%) e elimina o manejo adicional para injeção de BE ou GnRH, tornando mais simples a execução dos protocolos.

Assim como ocorre em protocolos Ovsynch, programas de IATF à base de estradiol-progesterona podem ser melhorados para vacas de alta produção. Estudo recente demonstrou que os protocolos podem ser reduzidos para 6 dias de permanência do implante de progesterona. Nesse estudo, a PGF foi injetada 24 horas antes da retirada do dispositivo (Tabela 1). Esse programa de IATF atingiu P/IA de 30% a 35% de prenhez (SAMPAIO et al., 2015). Uma opção para vacas leiteiras de baixa condição corporal é o uso de gonadotrofina coriônica equina (eCG) nos protocolos à base de estradiol-proges-terona. Souza et al. (2009) verificaram que o efeito do eCG foi benéfico somente em vacas com baixo escore da condição corporal (<2,75).

USO DE SêMEN SExADO NA IA E NA IATF EM REBANHOS LEITEIROS

Atualmente, os produtores podem optar pela utilização de sêmen sexado para fêmeas na inse-minação artificial, ou mesmo em programas de IATF de vacas leiteiras, e com isso ter mais bezerras e novilhas para reposição e venda. Contudo, o seu uso tem sido restrito nos sistemas de produção do Brasil por conta, principalmente, do custo mais elevado e da redução na fertilidade das suas doses em relação ao sêmen convencional, seja pela baixa concentração espermática, seja pela menor via-bilidade dos espermatozoides (SEIDEL, 2014). Estima-se que a fertilidade do sêmen sexado seja de aproximadamente de 70% a 80% da daquela observada com sêmen convencional em vacas de leite lactantes inseminadas com observação de cio (ANDERSSON et al., 2006; DEJARNETTE et al., 2009).

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Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite 331

Em razão dessa redução da fertilidade, o sêmen sexado tem sido mais indicado para novilhas, que geralmente apresentam melhor condição corporal e menor risco de infecção uterina. Em um amplo estudo com mais de 30.000 novilhas inseminadas com sêmen sexado em cio natural, Dejarnette et al. (2009) detectaram uma taxa de concepção de 47% e 53% para fêmeas das raças Holandesa e Jersey, respectivamente. Em outro estudo que comparou vacas lactantes inseminadas em cio ou em IATF com sêmen sexado, foi observado taxas de prenhez de 31,7% e 19,4%, respectivamente (SÁ FILHO et al., 2013).

O uso de sêmen sexado na IATF ainda é restrito e poucos estudos foram realizados. Entretanto, já se sabe que protocolos de IATF para sêmen convencional podem não funcionar adequadamente para sêmen sexado, exigindo modificações. Baruselli et al. (2007) observaram que a taxa de concep-ção depois da IATF em vacas de leite de alta produção inseminadas com sêmen sexado tendeu a ser menor do que aquela para fêmeas inseminadas com sêmen convencional (9,8% vs 21,3%).

Uma alternativa para melhorar os índices de P/IA é selecionar vacas de acordo com a resposta ovariana para utilização de sêmen sexado na IATF. Recentemente, Karakaya et al. (2014) induziram vacas de leite lactantes à IATF com protocolo Ovsynch e selecionaram somente vacas com folículos entre 12 mm e 18 mm de diâmetro e que apresentavam claros sinais de muco vaginal no momento da IATF. O índice de P/IA de vacas inseminadas com sêmen sexado (31,8%) tendeu a ser menor do

Tabela 1. Taxa de prenhez de vacas de leite submetidas a diferentes protocolos de IATF.

Protocolo de IATF(1) Prenhez/IA Referência

Ovsynch (GnRH D0/PG D7/GnRH D9) 37,8 % Pursley et al. (1997)

Ovsynch (GnRH D0/PG D7/GnRH D9) 41,0% Fricke et al. (1998)

Ovsynch + Progesterona 45,7% McDougall (2010)

Heatsynch (GnRH D0/PG D7/ECP D8) 27,8% Kasimanickam et al. (2005)

Duplo Ovsynch (Ovsynch - 7 d - Ovsynch) 46,3% Herlihy et al. (2012)

Presynch (PG - 14 d - PG - 12 d -) + Ovsynch 41,7% Souza et al. (2008)

Presynch (PG - 14 d - PG - 12 d -) + Ovsynch 5d 46,4% Bisinotto et al. (2010)

Presynch (PG - 14 d - PG - 12 d -) + Cosynch 5d 45,5% Bisinotto et al. (2010)

BE+CIDR D0/PG-CIDR D8/GnRH D10 28,9% Souza et al. (2009)

BE+CIDR D0/PG+eCG-CIDR D8/GnRH D10 33,8% Souza et al. (2009)

BE+CIDR D0/PG-CIDR D8/ECP D9 30,9% Souza et al. (2009)

BE+CIDR D0/PG+eCG-CIDR D8/ECP D9 29,1% Souza et al. (2009)

BE+CIDR D0/PG D5/ECP-CIDRD6 35,7% Sampaio et al. (2015)

BE+CIDR D0/PG D5/ECP+eCG-CIDR D6 30,9% Sampaio et al. (2015)(1) A descrição detalhada dos protocolos e a metodologia utilizada podem ser acessadas através das respectivas referências.BE, benzoato de estradiol; CIDR, do inglês controlled internal drug release; D, dia do protocolo; d, dias entre as injeções; ECP, cipionato de estradiol; GnRH, do inglês Gonadrotrophin releasing hormone; PG, prostaglandina F2 alfa.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3332

que o da IATF com sêmen convencional (40,9%), mas apesar disso é aceitável quando comparado à média geral de rebanhos de alta produção.

Algumas empresas que comercializam sêmen no Brasil já estão indicando protocolos de IATF específicos quando o sêmen sexado é utilizado. Uma delas sugere protocolo à base de progesterona e estradiol, que deve ser aplicado da seguinte forma: dia 0, BE + implante de progesterona; Dia 8, retirada do implante de progesterona + PGF + eCG; dia 9, BE; e dia 10, IATF (36 horas depois do BE). Apesar dessa sugestão, a empresa esclarece que o resultado dependerá do efeito individual do touro e que, para otimizar os resultados, as fêmeas observadas em cio depois da remoção do implante de progesterona devem ser inseminadas, ou ainda que as vacas podem ser avaliadas por ultrassonografia, onde apenas aquelas que apresentarem folículo dominante acima de 11 mm de diâmetro devem ser inseminadas.

PRODUçãO IN VITRO DE EMBRIõES (PIVE)

A Pive compreende todo o processo de produção de embriões em laboratório, a partir de oócitos e espermatozoides (Figura 1). Os oócitos (Figura 2) são coletados de fêmeas de interesse zootécni-co e transportados ao laboratório para serem preparados para fertilização – etapa de maturação in vitro. Depois disso, ocorre a fertilização desses oócitos pela coincubação com espermatozóides – etapa de fertilização in vitro, e os prováveis zigotos são cultivados por 7 dias, até alcançarem o estádio de blastocisto, fase mais utilizada para transferência de embriões em bovinos – etapa de cultivo in vitro. Os blastocistos obtidos são transferidos para receptoras de embriões, que são fêmeas selecionadas que tiveram seu estro previamente sincronizado.

A Pive foi desenvolvida em mamíferos a partir de experimentos com coelhos em 1959 (CHANG, 1959), mas sua projeção em bovinos foi especialmente importante depois de otimizações da aspi-ração folicular guiada por ultrassonografia (OPU, Ovum Pick-up) para a espécie nos anos 1990 (BOLS et al., 1995). Antes da OPU, as aspirações eram realizadas por laparotomia, um procedimento cirúrgi-co invasivo que permite o acesso aos ovários e a aspiração dos folículos contendo oócitos. O sistema OPU possibilita que os oócitos sejam coletados da doadora sem cirurgia, em um procedimento de poucos minutos por animal. Para tanto, uma sonda de ultrassom intravaginal é acoplada ao sistema de punção, composto por agulha conectada a circuito de pressão negativa (vácuo), e através da imagem produzida pelo ultrassom , o médico veterinário acessa e aspira os folículos ovarianos.

Esse método revolucionou a Pive em bovinos, pois o custo, o tempo de realização do procedi-mento e o tempo de recuperação do animal foram reduzidos drasticamente. No Brasil, em 2000, já havia animais nascidos a partir de embriões produzidos com oócitos obtidos por OPU e fertilizados in vitro (VIANA et al., 2001). A partir de então, a Pive teve seu uso intensificado comercialmente no país, que se tornou o maior produtor de embriões Pive do mundo (INTERNATIONAL EMBRYO TRANSFER SOCIETY, 2015). Ao contrário do ocorrido no Brasil, a Pive não apresentou o mesmo crescimento em outros países que também possuem a pecuária como componente de destaque no produto interno bruto. Essa peculiaridade observada no cenário brasileiro se deve, em parte, a

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Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite 333

Figura 1. Esquema do processo de produção in vitro de embriões bovinos. Oócitos são coletados de doadoras e, no laboratório, ocorre a fertilização com espermatozoides e o desenvolvimento embrionário subsequente. No final do processo, são produzidos blastocistos que serão transferidos para receptoras de embriões.

características ovarianas de animais zebuínos e mestiços, que representam a maioria das doadoras de oócito no Brasil. Por exemplo, doadoras Gir e Girolando permitem a recuperação de grande nú-mero de oócitos por punção, resultando maior produção de embriões do que doadoras Holandesas (PONTES et al., 2010). Essas características tornam possível a produção de número elevado de em-briões e prenhezes por bateria de PIVE. Outro fator importante para o avanço da Pive no Brasil foi o desenvolvimento científico dessa biotécnica, através de pesquisas em universidades e instituições científicas brasileiras, além dos laboratórios privados, que não somente aprimoraram a biotecnolo-gia, mas também contribuíram para a formação de profissionais com alto nível de qualificação.

A Pive oferece grandes vantagens aos sistemas leiteiros. Primeiramente, confere grande dina-mismo ao manejo reprodutivo de bovinos leiteiros. Por dispensar hormônios para o preparo das doadoras, permite o uso de animais pré-púberes, animais com patologias adquiridas sem origem genética, e animais gestantes. Assim, o preparo das doadoras é simples, sem que haja a necessidade de formar um lote estático de doadoras, pois elas podem ser identificadas de forma dinâmica em todo o sistema. Além disso, as doadoras podem ser utilizadas em intervalos curtos, já que não há ne-cessidade de protocolo hormonal no preparo das fêmeas. Ainda, um grande número de descenden-tes pode ser produzido a partir de um animal utilizando-se essa técnica, assim, a Pive é uma ótima

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3334

Figura 2. Imagens de oócitos bovinos. Os oócitos são células grandes, circundadas pela zona pelúcida e revestidos por camadas de células do cumulus. O conjunto forma os complexos cumulus-oócito (CCOs). De acordo com a qualidade do citoplasma do oócito e o número de camadas de células que o circundam, os CCOs são classificados qualitativamente. Oócito de boa qualidade circundado por uma a três camadas de células do cumulus (A). Oócito parcialmente desnudo, com parte da zona pelúcida exposta, sem células do cumulus (B). Oócito com mais de 3 camadas de células do cumulus (C). Exemplo de CCOs selecionados para a Pive (D). Barras em cada imagem representam aproximadamente 150 µm.

A

C

B

D

ferramenta para disseminar a genética de fêmeas superiores. Por outro lado, por a OPU se tratar de uma biotécnica invasiva, é importante que os animais sejam cuidadosamente acompanhados por médicos veterinários capacitados a fim de evitar patologias como aderências e fibroses nos ovários. Estas lesões podem ser ocasionadas pelo uso excessivo ou não adequado das doadoras de oócitos. Em algumas situações, são utilizados hormônios para o preparo de doadoras. Porém, o uso repetido e constante de hormônios pode causar disfunções no trato reprodutivo, portanto essa prática deve ser acompanhada por médico veterinário especializado.

AVANçOS NOS SISTEMAS DE PIVE

Os sistemas de Pive estão em constante evolução. Entre as principais podemos apontar o apri-moramento dos meios de cultivo embrionário e de sistemas direcionados à produção de embriões

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Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite 335

fêmea. Desde a década de 1990, no Brasil, programas de Pive foram delineados para zebuínos (OLIVEIRA et al., 1994) e, a partir de então, expressivo crescimento do uso da técnica no país foi alcançado, envolvendo o desenvolvimento de aparatos direcionados à aspiração folicular OPU em bovinos por empresas inovadoras brasileiras.

Com relação aos meios de cultivo, o primeiro avanço digno de nota diz respeito à redução ou à substituição do soro fetal bovino como suplemento. Na década de 1990, foi descrita uma síndrome relacionada à Pive que ocasionava crescimento excessivo dos fetos e, consequentemente, proble-mas de parto. O quadro foi denominado large offspring sindrome, ou síndrome do bezerro grande (YOUNG et al., 1998), caracterizada como síndrome de origem epigenética (CHEN et al., 2013) asso-ciada a componentes do meio de cultivo embrionário, entre eles o soro fetal bovino (SFB) (LAZZARI et al., 2002). Atualmente, os meios foram aprimorados e reduzidos níveis de SFB ou ausência de SFB são utilizados e, na prática, a maioria dos laboratórios produz embriões que se desenvolvem em bezerros com peso semelhante ao de bezerros produzidos por inseminação artificial ou monta natural. A remoção do SFB também foi um fator muito importante para o aumento da resistência dos embriões à criopreservação (RIZOS et al., 2003), uma excelente estratégia para otimização de doadoras e receptoras, cujo uso está em plena expansão.

Outras inovações apresentaram notável aplicação e continuam em processo de evolução. Suplementos que controlam níveis de radicais livres foram padronizados para adição nos meios de cultivo e indicados para o desenvolvimento in vitro de embriões em condições estressantes (MOSHKDANIAN et al., 2011). A adição de fatores de crescimento, que promovem aumento do número de células embrionárias (AHUMADA et al., 2013), também foi padronizada e incluída nos meios de cultivo embrionário. Ainda, a adição de agentes que reduzem teores lipídicos foi padroni-zada para aumento da tolerância dos embriões à criopreservação (DIEZ et al., 2001). Outro avanço foi o aprimoramento da produção de embriões fêmea in vitro. Inicialmente, os sistemas de cultivo embrionário incluíam glicose na sua formulação, como fonte de energia para os embriões. Nesses primeiros sistemas, foi detectado que embriões fêmea atrasavam seu desenvolvimento e formavam blastocistos com menor frequência (AVERY et al., 1992; xU et al., 1992). Depois disso, foi evidenciado que esse atraso era influenciado pela glicose e se devia ao sistema enzimático metabólico (pentose-fosfato), cujas enzimas são codificadas por genes presentes no cromossomo x (PEIPPO et al., 2001). Em embriões fêmea, por terem dois cromossomos x ativos no início do desenvolvimento embrioná-rio, esses genes se apresentavam duas vezes mais expressos em comparação aos embriões macho (BERMEJO-ALVAREZ et al., 2010). Assim, a glicose foi substituída por piruvato nos meios e essa con-dição ocasionou melhoria nos sistemas. Atualmente, a velocidade do desenvolvimento in vitro dos embriões fêmea e macho que formarão blastocistos é parecida (OLIVEIRA et al., 2016a).

Porém, existem outras diferenças no desenvolvimento inicial de embriões macho e fêmea. A par-tir da fase de transição de mórula para blastocistos, embriões fêmea apresentam índices elevados de morte celular (OLIVEIRA et al., 2016b), o que contribui para a formação de blastocistos com menor número de células e índices elevados de apoptose (OLIVEIRA et al., 2010; xU et al., 1992), sugerindo que o sistema de cultivo in vitro é ainda desafiador nesse sexo. Entretanto, os sistemas atuais permi-tem taxas altas de gestação, em torno de 40%, para embriões fêmea.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3336

USO DE SêMEN SExADO NA PIVE

A disponibilidade de sêmen sexado para fêmea revolucionou novamente o mercado da PIVE. O sêmen sexado apresenta bons resultados na fertilização in vitro, pois, diferentemente da IA, antes da utilização do sêmen na fertilização in vitro, existe preparo do sêmen por centrifugação e remoção de fatores decapacitantes. Além disso, o contato do espermatozoide com o oócito é mecanicamente facilitado, pois os gametas são incubados juntos, em pequenas gotas de meio de fertilização. Dessa forma, com a possibilidade de uso rotineiro do sêmen sexado, a produção de machos é reduzida a 10% (BERMEJO-ALVAREZ et al., 2008; HAMANO, 2007). Em propriedades leiteiras, essa condição melhora muito a eficiência de produção de bezerras. Atualmente, a grande maioria dos clientes de laboratórios de Pive em bovinos adota a abordagem do uso de sêmen sexado, principalmente para as raças de aptidão leiteira.

Existe um fenômeno ainda não elucidado que envolve o desempenho de touros na Pive e de-termina que alguns touros tenham melhor produção de embriões do que outros. Esse fenômeno é conhecido como efeito touro (WARD, 2001; CAMARGO et al., 2002) e afeta também a velocidade de desenvolvimento dos embriões (OLIVEIRA et al., 2016b). Estudos recentes em animais de laboratório identificaram padrões de expressão gênica embrionária que sugerem influência genética paterna durante o desenvolvimento embrionário, que poderia afetar o desempenho desses touros (xUE et al., 2013).

CLONAGEM ANIMAL

A clonagem animal ficou conhecida a partir do nascimento da ovelha Dolly (WILMUT et al., 1997) e abriu uma oportunidade de gerar-se embriões sem a necessidade da fertilização e que fossem cópias de um animal adulto. De fato, os embriões clones podem ser gerados a partir da transferência de uma célula de um animal já nascido para um oócito sem núcleo e por isso possuem o mesmo genoma desse animal, com exceção de genes mitocondriais que são originados dos oócitos.

Com a clonagem, vislumbraram-se diversas aplicações como uso de células geneticamente mo-dificadas para produzir o embrião clone; conservação do material genético de um animal vivo de alto valor por meio de cópias desse animal, ou formação de rebanhos clones idênticos originados de um ou poucos animais de alta produção. No último caso, a intenção seria obter animais de alta produção, mas que, por serem copias de um mesmo animal, teriam requerimentos nutricionais e sanitários semelhantes. As fêmeas clones dos rebanhos receberiam também embriões clones, com preferência para àqueles obtidos de animais superiores. Esse esquema facilitaria o manejo na fazen-da, que normalmente enfrenta dificuldade em atender às diferentes exigências de cada animal de seu rebanho, principalmente para aqueles formados a partir de cruzamentos.

Apesar dos inúmeros estudos com clonagem animal desde a década de 1990, a eficiência da técnica em produzir animais vivos saudáveis continua baixa: na maioria dos casos não alcança 10% de nascimentos (PANARACE et al., 2007; POWELL et al., 2004). Na tentativa de melhorar a eficiência,

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Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite 337

foram testados agentes que pudessem aumentar a viabilidade do embrião clone, entre esses ve-rificou-se que a tricostatina, um inibidor de histonas deacetilases, pode melhorar a qualidade do embrião. A taxa de gestão observada foi de 64,2% contra 45,4% dos embriões não tratados com a tricostatina, com o nascimento de um (7,1%) bezerro Gir, mas seguido de morte depois de alguns dias (CAMARGO et al., 2011). Essa baixa taxa de nascimento seguida de alta incidência de morte pós-nascimento limita a produção em escala e encarece o processo de clonagem. Com isso, o uso dessa biotecnologia ainda não é viável para a produção de rebanhos clones objetivando a produção com manejo homogêneo. Contudo, a clonagem tem sido demandada pelo mercado de animais de ele-vado mérito genético, no qual os indivíduos a serem clonados têm maior valor econômico e não exi-gem produção em quantidade, de modo que empresas de produção in vitro de embriões no Brasil, China e Estados Unidos têm oferecido esse serviço. Assim, animais de várias raças já foram clonados e é possível encontrar sêmen de touros clones de Angus e Gir, por exemplo, sendo comercializados por centrais de inseminação artificial. Animais clones devem ser registrados nas associações das respectivas raças. Para as raças zebuínas, exige-se que tanto o doador da célula como a doadora do oócito sejam animais registrados e que ao nome do animal clone seja acrescido a expressão “TN” (transferência nuclear), além da marcação a fogo da sigla “TN” na perna esquerda até a desmama.

Uma questão recorrente é se animais clones teriam alguma diferença na qualidade da carne ou do leite produzido. Em 2008, foi definido pelo Departamento de Alimentos e Medicamentos Norte-Americano (U. S. Food and Drug Administration – FDA), depois de intensivas avaliações de segurança do alimento e ensaios de riscos à saúde, que a carne e o leite de bovinos, cabras e por-cos clones e de seus filhos são tão seguros quanto o alimento que se come no dia-dia (FOOD AND DRUG ADMINISTRATION, 2008). Apesar disso e devido ao alto valor de um animal clone, ainda não se encontram no mercado leite e carne de animais clones, sendo usados somente como animais por-tadores e disseminadores de genética. Por outro lado, em setembro de 2015, o Parlamento Europeu votou por banir animais clones, seus descendentes e a comercialização de produtos de clones e descendentes nos países da comunidade europeia (EP WANTS..., 2015). A principal justificativa foi o bem-estar animal, relatando a baixa eficiência da clonagem em produzir animais vivos saudáveis. No entanto, o banimento não proíbe pesquisas com clonagem ou seu uso em animais em risco de extinção. Ao prevalecer o banimento para comercialização, poderá haver algum impacto em expor-tações de leite e carne bovina e suína para a Comunidade Europeia a partir de países que possuem animais clones como doadores de genética. Além disso, está em estudo na Comissão Europeia a necessidade de rotular os animais e produtos de clones e descendentes, o que poderia exigir que todos os animais e produtos, mesmo não clones, fossem rastreados individualmente, aumentando os custos de produção.

ENGENHARIA GENéTICA EM EMBRIõES

A engenharia genética é uma ferramenta usada na agricultura desde a década de 1990. Sementes geneticamente modificadas de soja e milho são comercializadas em diferentes países e têm contri-buído para aumentar a produtividade e o retorno financeiro para os produtores (BROOKES; BARFOOT,

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3338

2015). Apesar disso, ainda há algum embate ideológico entre defensores de produtos convencionais e os de produtos geneticamente modificados. Na pecuária, o uso da engenharia genética tem se li-mitado à pesquisa, pois além da modificação gênica em si, é também necessário manipular gametas e zigotos para gerar embriões que darão origem aos animais geneticamente modificados. Soma-se a isso o longo intervalo entre gerações, que inclui o tempo de gestação, crescimento e início da produ-ção, para que haja certeza do sucesso da modificação desejada. A exceção é a produção de animais geneticamente modificados capazes de secretar medicamentos recombinantes de utilidade para a saúde humana (biofábricas), onde poucos indivíduos são capazes de produzir grande quantidade de medicamentos. Um bom exemplo são cabras geneticamente modificadas que secretam no leite antitrombina recombinante que, depois de extraída e purificada, é comercializada com o nome de ATryn® (KLING, 2009) e recomendada para prevenção de tromboembolia em pacientes com defi-ciência dessa proteína.

Apesar das restrições atuais, a engenharia genética possui grande potencial para revolucionar a produção de alimentos de origem animal. Recentes processos biotecnológicos permitem a manipu-lação do embrião e de seu genoma, abrindo novas perspectivas para aplicação na produção em es-cala de animais mais saudáveis e produtivos. Em nossos estudos, confirmamos que é possível gerar embriões e animais nascidos geneticamente modificados através da simples injeção perivitelínica de vetores lentivirais contendo o gene de interesse em oócitos bovinos. Com esse procedimento, obtivemos um bovino recém-nascido com a inserção do gene de uma proteína verde fluorescente (CAMARGO et al., 2016), mas que veio a óbito no mesmo dia.

Mais recentemente, surgiram novos métodos de manipulação gênica que permitem editar o genoma com maior precisão e segurança e, por isso, são chamados de ‘edição do genoma’. Tais métodos fazem uso de enzimas intracelulares (nucleases) que cortam o DNA e que orientadas por guias genômicos, sejam proteínas ou pequenos RNA, são capazes de quebrar o DNA em local espe-cifico e remover ou inserir uma sequencia gênica (GAJ et al., 2013). Um dos métodos mais recentes é denominado sistema Clustered Regularly-interspaced Short Palindromic Repeats associated to Cas9 Endonuclease (DOUDNA; CHARPENTIER, 2014), ou Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas associadas à Endonuclease Cas9. A eficiência desse sistema tem sido mostrada em diferentes tipos de células de animais e plantas (DOUDNA; CHARPENTIER, 2014; SAMANTA et al., 2016). Em bovinos, os estudos são ainda incipientes, mas devem também permitir a edição do genoma de um embrião com mais segurança e precisão.

A expectativa é que essas biotecnologias possam aumentar a frequência de alelos favoráveis a características produtivas. Em uma simulação, foi mostrado que a edição de 20 nucleotídeos asso-ciados a características quantitativas (QTN) poderia dobrar o ganho genético em bovinos ao longo de gerações quando vinculado à seleção genômica (JENKO et al., 2015). Como características quan-titativas podem ser influenciadas por um grande numero de QTNs, somente procedimentos que permitam múltiplas edições do genoma embrionário, como o sistema CRISPR/Cas9, teriam sucesso. Espera-se que no futuro, com a descoberta de QTNs associados a diferentes características quan-titativas, possa-se editar o genoma de acordo com o fenótipo desejado. Exemplo hipotético seria

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Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite 339

promover características de tolerância ao estresse térmico ou resistência a carrapatos, presentes em zebuínos, para bovinos de origem europeia.

Sistemas de edição gênica poderão também ser usados para impedir que genes letais ou não desejados sejam expressos pelo animal. Nesse caso, uma mutação é induzida com precisão no ge-noma embrionário e impede o gene em questão de ser expresso. Esse modelo geralmente depende de apenas um gene e por isso é mais fácil de ser alcançado, de modo que existem diferentes grupos de pesquisa usando sistemas de edição gênica para a inibição da expressão de genes. Um exemplo do uso na pecuária leiteira é a inibição da expressão do gene da beta-lactoglobulina. Essa proteína é responsável por boa parte da alergia ao leite de vaca na população (FIOCCHI et al., 2010) e com a inibição de seu gene nos embriões será possível gerar vacas que produzam leite hipoalergênico para atender a um nicho no mercado de lácteos.

CONSIDERAçõES FINAIS

As biotecnologias reprodutivas têm tido papel de destaque no desenvolvimento da pecuária de leite e devem continuar sendo importantes à medida que novas tecnologias surgem. Um exemplo é a seleção genômica, onde por meio da PIVE, poderá ser usada para selecionar embriões ao invés de animais, reduzindo o custo com receptoras e aumentando o nascimento de animais de alto valor genético.

A IATF tem sido uma ferramenta fundamental para manter os índices de fertilidade do gado lei-teiro. Entretanto, um maior entendimento das razões das falhas na concepção pode melhorar esses índices, pois, dadas suas causas multifatoriais, o estudo aprofundado do complexo fertilidade ainda é necessário. O uso de sêmen sexado em programas de IATF tem crescido nos últimos anos, apesar de ainda estar restrito a poucos rebanhos no Brasil. Para que ocorra uma maior disseminação de seu uso na IATF entre os produtores de leite, é necessário melhorar a fertilidade espermática e adequar os protocolos para uso na rotina das fazendas e obter-se ganho genético considerável no rebanho brasileiro.

A Pive vem sendo amplamente utilizada em sistemas leiteiros como ferramenta para programas de melhoramento genético. O crescimento do uso dessa biotécnica é esperado em razão do grande dinamismo que ela confere às diferentes categorias animais, que podem ser novilhas, vacas lactantes ou prenhes e ainda permanecerem como doadoras de oócitos. O uso do sêmen sexado, com maior taxa de nascimento de fêmeas, é uma grande vantagem para os produtores de leite, ainda que não esteja disponível no momento para todas as raças. Em algumas propriedades, embriões Pive fertili-zados com sêmen sexado já têm sido usados para gestar vacas em lactação, o que resulta aumento no número de bezerras nascidas com maior mérito genético. Essa estratégia permite aumentar a intensidade de seleção através da disponibilidade de maior número de novilhas de reposição com genética elevada, com reflexo direto no ganho genético do rebanho. A expectativa é que, com a eficiência da Pive e de processos relacionados como a criopreservação de embriões, mais proprieda-des leiteiras possam adotar essa estratégia focando o melhoramento genético. Porém, é importante

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3340

ressaltar a necessidade de um programa eficiente de seleção genética dos animais superiores, para que bons resultados sejam alcançados e para que haja efetivo melhoramento do rebanho.

A clonagem animal deverá continuar a ser utilizada para gerar clones cópias de animais de alto valor genético, mas poderá futuramente ser associada a programas de seleção genômica onde em-briões ou fetos selecionados genomicamente poderão ser clonados, gerando rebanhos homogê-neos. Contudo, isso dependerá também do aumento da eficiência da clonagem. Por outro lado, o avanço da engenharia genética poderá, em médio a longo prazo, contribuir para o aumento da produtividade na pecuária de leite. Aspectos genéticos relacionados à melhoria da saúde do animal, como resistência a doenças e tolerância ao estresse térmico, poderão ser manipulados pela edição gênica e refletirem positivamente na produção e na qualidade do leite. Outras possibilidades envol-vem a produção de leite enriquecido com nutrientes benéficos à saúde humana, como o ômega 3, ou a geração de vacas leiteiras que possuam maior capacidade de aproveitamento de dietas de bai-xa digestibilidade, seja pela modificação de genes do animal ou dos microrganismos de seu rúmen, aumentado a capacidade de digestão ruminal. Esse aspecto pode ter maior importância em regiões tropicais, onde pastagens de alta digestibilidade são menos comuns.

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Capítulo 2 Avanços e inovações em biotécnicas da reprodução em bovinos de leite 343

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Capítulo 3 Inovações nos programas de melhoramento de bovinos de leite com foco em genômica 345

INTRODUçãO

A seleção para fenótipos desejáveis tem sido praticada em bovinos desde sua domesticação, ocorrida há cerca de 10.000 anos (SONSTEGARD; VAN TASSELL, 2004). Até o início do século passado, entretanto, tal seleção era feita com base na avaliação visual. A partir de 1930, começaram a ser esta-belecidos os métodos científicos, estatísticos e computacionais para avaliação genética de animais domésticos. Com isso, o melhoramento baseado nos conhecimentos da genética quantitativa tem assegurado ganhos genéticos expressivos para a maioria das características de interesse econômico. Assim, a maior parte do progresso genético obtido tem sido decorrente da seleção baseada nos fenótipos dos animais ou nas estimativas dos valores genéticos aditivos derivados dos fenótipos. Essa seleção é realizada sem o conhecimento do número e do efeito dos genes que atuam nas ca-racterísticas de interesse (DEKKERS, 2004).

Comparados às outras espécies de animais domésticos, os bovinos, em especial os explorados para a produção de leite, apresentam algumas particularidades em termos do valor comercial de cada animal, do longo intervalo de gerações e da limitada fertilidade das fêmeas (WELLER, 2007). Diferentemente dos programas de melhoramento genético de plantas e de aves, por exemplo, os programas de melhoramento de gado de leite são baseados na seleção também dentro de popula-ções comerciais. Na maioria dos países europeus, nos Estados Unidos e no Canadá, tais programas são baseados em testes de progênie (TP), delineamento mais apropriado para grandes e médias populações, o qual objetiva predizer, com alta confiabilidade, a contribuição genética média de um reprodutor para a geração futura (PEARSON; CASSELL, 2005).

Vários são os estudos mostrando taxas positivas de ganhos genéticos quando a seleção de animais é praticada com base nas predições obtidas a partir das técnicas de genética quantitativa. Tais valo-res são normalmente preditos por meio das equações de modelos mistos e das soluções Best linear unbiased prediction (Blup), ou seja, melhor preditor linear não viesado (HENDERSON, 1984), sendo obtidos, dessa forma, com uso da estatística sobre as informações de registros fenotípicos. Em raças europeias, Nicholas e Smith (1983), e Israel e Weller (2000) mostraram que as taxas de ganho genético, em programas envolvendo TP, podem ser da ordem de 0,1 a 0,2 desvios-padrão genético por ano. No Brasil, os resultados obtidos no Programa de Melhoramento Genético da Raça Gir Leiteiro, indicaram

CAPÍTULO 3

Inovações nos programas de melhoramento de bovinos de leite com foco em genômica

Marcos Vinicius Gualberto Barbosa da Silva | Marco Antonio Machado | João Cláudio do Carmo Panetto | Marta Fonseca Martins

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3346

ganho genético da ordem de 0,84% da produção inicial de leite, ao ano, desde o início do programa, em1985, o que corresponderia a cerca de 0,04 desvio-padrão genético ao ano (PANETTO et al., 2015). Outro ponto importante é o alto custo para a obtenção da prova de um touro. Segundo Schaeffer (2006), no Canadá, esse custo foi estimado em 50.000 dólares-canadenses e envolve os cuidados com a manutenção, a alimentação, a colheita e o acondicionamento do sêmen, os testes de acasalamento e o incentivo ao produtor para classificar suas vacas e efetuar o controle leiteiro.

Todavia, aumentar essa taxa de ganho, por meio dos procedimentos da seleção tradicional, é extremamente difícil em razão da precisão de seleção e do intervalo de gerações, que em bovinos é de cerca de 5 a 7 anos. No caso dos testes de progênie de bovinos leiteiros, são obtidas estimativas dos valores genéticos dos touros com acurácia adequada aos processos seletivos somente quando eles estão com 9 ou 10 anos de idade.

O uso de dados genômicos no melhoramento animal foi sugerido, primeiramente, por Smith, nos anos 1960 (SMITH, 1967), como uma alternativa para a seleção de algumas características, as quais eram difíceis de melhorar por meio da seleção tradicional devido à baixa herdabilidade e ao alto custo para a coleta de dados fenotípicos. De acordo com Guo et al. (2014), a seleção genômi-ca é especialmente útil para características de baixa herdabilidade, limitadas pelo sexo ou, então, para aquelas difíceis ou muito caras para serem mensuradas, tais como características de carcaça, saúde, longevidade ou fertilidade. A partir de então, o foco das pesquisas em genética quantitativa passou a ser direcionado também para a genética molecular. Uma das justificativas é que o uso de informações do genoma dos animais possibilita acelerar o ganho genético em relação ao método tradicional, o qual utiliza somente os registros fenotípicos (MEUWISSEN et al., 2001). Vários tipos de marcadores moleculares de DNA para os estudos da arquitetura genética das características foram identificados, incluindo restriction fragment length polymorphisms (RFLPs), amplified fragment length polymorphisms (AFLPs), microssatélites ou short tandem repeats (STR) e single nucleotide polymor-phisms (SNPs). Cada tipo de marcador apresenta vantagens e desvantagens, dependendo de sua abundância no genoma, do grau de polimorfismo e da facilidade e do custo de genotipagem. No entanto, o que é realmente crucial para seu uso no mapeamento de locos de características quanti-tativas, do inglês quantitative trait loci (QTL), e na seleção assistida por marcadores (SAM), é o grau de desequilíbrio de ligação (DL) que eles possuem em relação aos locos que contribuem para a varia-ção genética da característica em estudo, numa determinada população (DEKKERS; VAN DER WERF, 2007). De acordo com Ron e Weller (2007), os únicos polimorfismos com densidade suficiente para atender a esses requisitos são os SNPs, os quais têm sido identificados por meio do sequenciamento do genoma de várias espécies e de diferentes populações e/ou raças em cada espécie.

Os marcadores do tipo SNP possibilitaram a implementação prática da seleção genômica (SG) (MEUWISSEN et al., 2001) como uma nova ferramenta para aumentar os ganhos genéticos no melho-ramento animal, trazendo profundas mudanças na indústria bovina leiteira (STOCK; REENTS, 2013).

Dois fatos foram determinantes para a implementação e para o sucesso da SG em bovinos. O pri-meiro deles foi o sequenciamento e a publicação do genoma bovino de referência (THE GENOME..., 2009), o qual possibilitou a base para a identificação de milhares de marcadores do tipo SNP. O

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Capítulo 3 Inovações nos programas de melhoramento de bovinos de leite com foco em genômica 347

segundo foi o desenvolvimento de chips de SNP, contendo milhares de marcadores, que são ge-notipados de modo rápido, eficiente e com baixo custo. A disponibilização comercial desses chips permitiu que as predições dos valores genômicos fossem realizadas de modo prático e com alta acurácia (MEUWISSEN et al., 2001).

Em um sentido mais amplo, a SG pode ser definida como o uso dos valores genômicos (genomic estimated breeding values – GEBV) na seleção animal. O GEBV é a soma dos efeitos dos marcadores espalhados em todo o genoma, portanto, capturando potencialmente os QTL que contribuem para a variação na característica. Para estimar o efeito dos marcadores SNP na característica, procedimen-tos de estimação confiáveis e definição da base de estimação são necessários (HAYES et al., 2009).

De acordo com Schaeffer (2006), um dos principais benefícios do uso do GEBV, em programas de melhoramento de bovinos leiteiros, é que a seleção pode ser feita logo após o nascimento do animal ou mesmo quando ele ainda é um embrião, o que reduz o intervalo de gerações e pode duplicar a taxa de progresso genético. Trabalho publicado recentemente por García-Ruiz et al. (2016), mostrou o impacto altamente positivo da seleção genômica na raça Holandesa, nos EUA, desde sua introdu-ção, em 2008. Esses autores mostraram acentuada redução no intervalo de gerações, especialmente nas trilhas de touro pais de touros (de 7 anos para 2,5 anos) e touros pais de vacas (de cerca de 4 anos para 2,5 anos). As mudanças mais dramáticas ocorreram nas características de baixa herdabilidade, como a taxa de prenhez das filhas, a vida produtiva e o escore de células somáticas. O objetivo deste capítulo foi revisar os principais aspectos da genômica em gado leiteiro, abordando suas atuais e potenciais aplicações nos programas de melhoramento.

ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA GENÔMICA: DESEQUILÍBRIO DE LIGAçãO, BLOCO DE HAPLóTIPOS E FASE DE LIGAçãO

Segundo Van Tassell et al. (2008), a genômica de bovinos entrou em uma nova era pela gran-de disponibilidade de dados de sequências genômicas. Esses autores desenvolveram um chip de 54.000 SNPs, o qual está disponível comercialmente desde 2008, possibilitando a genotipagem de animais em larga escala. Por meio do uso desse chip, pode-se cobrir todo o genoma com marca-dores distribuídos com distância média de 0,05 cM, assumindo-se que são informativos e estão em desequilíbrio de ligação (DL). O DL, definido como a associação não aleatória de alelos de dois ou mais locos, pode ser usado para identificar o que tem acontecido na população em estudo (sele-ção, deriva genética ou mutação, por exemplo) e para mapear QTL (DU, 2007). Para que estudos de associação envolvendo todo o genoma (genome-wide association studies) possam ser realizados com sucesso, o conhecimento e a caracterização da extensão do DL entre dois marcadores proveem informação valiosa para a predição do DL entre o marcador e a variante alélica associada à caracte-rística de interesse (TANAKA et al., 2005). Tal informação também é útil quando se pretende estimar a densidade necessária de marcadores a serem usados em estudos de associação, identificar regiões cromossômicas sob seleção, e caracterizar os recursos genéticos e a diversidade. Em gado de leite,

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3348

trabalhos visando à caracterização do DL em populações sujeitas à seleção têm sido conduzidos em vários países, como os publicados por Khatkar et al. (2007), na raça Holandesa, McKay et al. (2007), em diferentes raças taurinas de bovinos, e Bohmanova et al. (2010), na raça Holandesa. Em seus estudos, Khatkar et al. (2008) e Qanbari et al. (2010) observaram DL, calculado como r2, maior ou igual a 0,2 para distâncias menores do que 100 kb. Santos et al. (2013) relataram valores iguais a 0,15, 0,17 e 0,17 para as raças Guzerá, Gir e Sindi, no Brasil. Como esperado, esses estudos levaram à identificação de grande quantidade de DL ao longo do genoma.

De acordo com Dekkers (2004), para a aplicação da genética molecular no melhoramento ani-mal, três tipos de locos com polimorfismos observáveis podem ser distinguidos: a) os marcadores diretos, ou locos que codificam para a mutação funcional; b) os marcadores em DL com a mutação funcional; e c) os marcadores em equilíbrio de ligação com a mutação funcional. Os métodos para detecção desses tipos de locos foram descritos por Andersson (2001).

Todavia, esses três tipos de marcadores diferem não somente em relação aos métodos de detec-ção, mas também pela aplicabilidade na seleção assistida por marcadores (SAM). Enquanto a seleção por meio dos marcadores diretos (gene-assisted selection ou GAS) e, em menor grau, dos marcadores em DL (SAM-DL) permitem a escolha dos genótipos em toda a população em razão da consistente associação entre genótipo e fenótipo, a seleção por marcadores em equilíbrio de ligação (SAM-EL) pode ser usada quando os marcadores e o QTL estão em diferentes fases de ligação, como no caso em que famílias distintas são analisadas (DEKKERS; VAN DER WERF, 2007). Atualmente, todos os três tipos de SAM estão sendo empregados comercialmente (DEKKERS, 2004). No entanto, segundo Hayes (2007), a SAM-EL é mais difícil de ser implementada, pois a ligação entre marcadores e QTL não é suficientemente estreita para assegurar que a relação entre ambos persista em toda a popu-lação, como ocorre com marcadores em DL, em razão da necessidade do conhecimento da fase de ligação dentro de cada família antes que aumentos na resposta à seleção possam ser obtidos.

Associações entre marcadores, diretos ou em DL, e características de importância econômica podem ser identificadas com base em números limitados de indivíduos com genótipos e fenótipos disponíveis, mesmo sem uma estrutura de família ou população específica. A detecção de QTL usan-do marcadores em DL, no entanto, requer que a presença de DL seja estendida sobre 20 ou mais centimorgans (cM) (DEKKER, 2004; DEKKER; VAN DER WERF, 2007).

A seleção genômica explora o DL, sob a pressuposição de que os efeitos dos segmentos cromos-sômicos serão os mesmos em toda a população, porque os marcadores estão em DL com o QTL que eles delimitam. Desta forma, a densidade de marcadores deve ser suficientemente alta para asse-gurar que todos os QTL estejam em DL com os marcadores ou com os haplótipos dos marcadores.

Blocos de haplótipos, segundo Khatkar et al. (2007), são regiões cromossômicas de alto desequi-líbrio de ligação que tipicamente mostram baixa diversidade de haplótipos. A construção de blocos de haplótipos tem sido bastante informativa na identificação de marcadores específicos para estu-dos de associação em humanos (PE’ER et al., 2006; ZHANG et al., 2005). A vantagem do uso de blocos de haplótipos em relação a marcadores simples, na seleção genômica, é dependente da acurácia

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Capítulo 3 Inovações nos programas de melhoramento de bovinos de leite com foco em genômica 349

dos haplótipos em identificar segmentos cromossômicos idênticos por descendência (IBD) compa-rada à acurácia das marcas simples em efetuar o mesmo processo. De acordo com Hayes (2007), a comparação das proporções da variância do QTL, obtidas nos dois tipos de estratégias (marcadores simples ou blocos de haplótipos), pode ser determinante para definir a melhor estratégia.

Quando o DL em duas populações é estimado por meio do mesmo conjunto de SNPs pode-se estu-dar a persistência de fase (PF) entre eles. A PF está relacionada às mudanças nos segmentos cromossô-micos em razão das distâncias físicas entre os marcadores, nas diferentes populações, raças ou espécies. Essa medida é baseada na correlação r2 entre as duas populações ao longo das distâncias físicas (ROOS et al., 2008). A PF influencia a acurácia dos estudos de associação genômica-ampla (GWAS) e a predição dos valores genômicos (GEBV) nas populações (ROOS et al., 2008). Dessa forma, é possível realizar ava-liações genômicas multirraciais, que consideram os efeitos desses SNP nas diferentes raças envolvidas. No entanto, em Zebuínos das raças Gir, Guzerá e Sindi, foram obtidas correlações entre 0,40 e 0,56 para distâncias de 100 kb, além de ter sido observado acentuado declínio da PF, sugerindo baixa eficiência para uma avaliação multirracial baseada nos mesmos efeitos genômicos dos SNPs dessas raças (SILVA, 2013). A despeito da baixa PF observada em alguns casos, o aumento da densidade do painel de SNP está relacionado ao aumento da correlação de fase entre pares de marcadores a curtas distâncias, o que melhora a possibilidade de análises multirraciais baseadas nos mesmos efeitos dos SNP.

CORREçãO DO PARENTESCO E DE ERROS DE PEDIGREE

Para a correta e bem-sucedida avaliação dos indivíduos em qualquer programa de melhoramen-to, o parentesco correto e as informações de pedigree são essenciais. A informação de pedigree é parte-chave das estimações dos componentes de variância e dos valores genéticos. Trabalhos pu-blicados na literatura relataram que, em média, os erros nos parentescos e as inconsistências no pedigree em raças de gado leiteiro são de cerca de 10% a 12% (BANOS et al., 2001; SPELMAN, 2002; VISSCHER et al., 2002). A possível redução de erros de pedigree e de parentesco pode ser em virtude da rápida adoção dos testes de parentesco usando microssatélites na bovinocultura. Embora os erros tenham sido reduzidos com o passar dos anos, estima-se que inconsistências no parentesco e no pedigree, de cerca de 10%, possam levar à redução de 2% a 18% no ganho genético (BANOS et al., 2001; VISSCHER et al., 2002).

Antes dos avanços nas plataformas de genotipagem de SNP, os grupos sanguíneos (STORMONT, 1967) e os mini e microssatélites (KASHI et al., 1990a, 1990b) eram as informações básicas para se inferir o parentesco. Embora os microssatélites ainda sejam usados para isso, a genotipagem de SNP de um grande número de touros (FRITZ et al., 2013; HARRIS; JOHNSON, 2010; VANRADEN et al., 2013b; WEIGEL et al., 2010a) e de vacas (SPELMAN at al., 2013; VANRADEN et al., 2013b) nos EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e França, entre outros, possibilitou o uso desses marcadores para realizar importantes correções de genealogia nas respectivas populações por meio da matriz de parentesco genômica.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3350

USO DA SELEçãO GENÔMICA NOS PROGRAMAS DE MELHORAMENTO GENéTICO DE GADO LEITEIRO

A implementação da seleção genômica pode ser conceitualmente dividida em duas etapas: a primeira é relativa à estimação dos efeitos dos segmentos cromossômicos na população, a partir dos seus registros fenotípicos; e a segunda é a predição dos valores genômicos (GEBV) para os animais que não têm informações fenotípicas como, por exemplo, indivíduos jovens candidatos à seleção. A principal dificuldade na primeira etapa é que grande número de marcadores (ou haplótipos) exis-tentes nos segmentos cromossômicos devem ser estimados, muito provavelmente em conjuntos de dados nos quais o número de informações fenotípicas é menor do que o número de efeitos dos segmentos cromossômicos a serem estimados. Hayes (2007) afirmou que a seleção genômica tem a propriedade desejável de estimar simultaneamente os efeitos de todos os segmentos cromossômi-cos, o que impede a ocorrência da superestimação dos efeitos do QTL em razão dos múltiplos testes efetuados. Ressalta-se que os procedimentos para a seleção genômica podem ser usados tanto para o mapeamento de QTL quanto para a predição do GEBV.

A seleção genômica pode ser efetuada utilizando-se marcadores simples ou por blocos de ha-plótipos de marcadores, sendo a diferença entre essas estratégias relacionada ao número de efeitos estimados por segmento cromossômico. A determinação da estratégia a ser utilizada é questão im-portante e estreitamente relacionada ao efeito do DL sobre a acurácia da seleção genômica.

Desde 2009, os EUA, em colaboração com o Canadá, têm publicado avaliações genômicas basea-da na genotipagem com o chip Illumina BovineSNP50. Em 2011, esses dois países incluíram o chip Bovine3K, também da Illumina, como parte do processo para estimação dos GEBV. Como esse chip tem custo mais baixo, apesar de conter menor número de marcadores do tipo SNP, ocorreu grande aumento do número de animais avaliados genomicamente (VANRADEN et al., 2011a). Muitos países como Austrália, Nova Zelândia, Alemanha e Suíça também implementaram a SG nos seus progra-mas e encorajaram os produtores a usarem amplamente os touros jovens genomicamente avaliados (WIGGANS et al., 2011).

Um dos mais importantes pontos para a implementação da SG é o uso de uma ampla população de referência ou de treinamento, que inclui os animais que possuem informações sobre os fenótipos e os genótipos. Desta forma, todas as características avaliadas em programas de seleção comer-cial são passíveis de terem os GEBV estimados para os animais. Nos EUA, mais de 30 características tradicionalmente avaliadas e relacionadas à saúde, à produção e à fertilidade de gado leiteiro têm sido disponibilizadas publicamente, incluindo índice de mérito total (Net Merit), produção de leite, produção de proteína, produção de gordura, percentagem de gordura, percentagem de proteína, vida produtiva, escore de células somáticas e taxa de prenhez das filhas (WEIGEL et al., 2009, 2010b).

Resultados obtidos na Austrália para produção e percentagem de proteína, fertilidade e para outros dois índices locais (Australian Profit Ranking e Australian Selection Index) revelaram que as confiabilidades associadas aos GEBV, estimadas por meio das metodologias Bayes A e BLUP foram

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de 14% a 48% e de 18% a 44%, respectivamente. As confiabilidades estimadas foram consideravel-mente maiores do que os EBV tradicionais, ainda que para pequenas populações de referência, em torno de 600 animais (HAYES et al., 2009).

Resultados obtidos pelo Australian Dairy Futures Cooperative Research Centre mostraram que a expansão da população de referência para 10.000 animais na raça Holandesa, e para 4.000 animais na raça Jersey, levaram a ganhos na confiabilidade dos GEBV entre 4% e 8%, dependendo da carac-terística (PRYCE et al., 2012).

Em um estudo similar conduzido pela empresa Livestock Improvement Corporation (LIC), na Nova Zelândia, os GEBV para características de produção de leite, peso vivo ao parto, fertilidade, contagem de células somáticas e longevidade apresentaram confiabilidades para touros jovens, os quais não possuíam nenhuma informação de filhas, entre 50% a 67%, indicando aumento na taxa de progresso genético acima de 50%, quando comparada à taxa obtida pelo EBV tradicional (HARRIS at al., 2008).

Como dito anteriormente, a seleção genômica nos Estados Unidos foi introduzida em 2009 com a avaliação de cerca de 5.000 touros provados pelos tradicionais testes de progênie. No Brasil, embora a quantidade de animais provados em teste de progênie não seja tão grande, o uso de chips de DNA de alta densidade, aliado às atuais metodologias estatísticas, como a single-step Blup (LEGARRA et al., 2009), permite que a avaliação genômica seja feita de forma bastante acurada, com-pensando o baixo número de animais. Resultados na raça Gir Leiteiro (dados não publicados), ob-tidos pela Embrapa Gado de Leite, mostraram que as confiabilidades dos valores genômicos foram muito superiores às confiabilidades obtidas apenas com as médias dos pais (valor genético parental convencional). Os valores genéticos dos touros jovens, obtidos por meio da avaliação genômica, tiveram confiabilidade ao redor de 57%, enquanto que, considerando apenas as médias dos pais, essa confiabilidade seria de aproximadamente 35%. Isto significa um ganho médio de 22 pontos percentuais, além da possibilidade de se diferenciar e classificar irmãos completos entre si quanto ao seu valor genético genômico, o que não seria possível por meio da avaliação genética tradicio-nal, dado que quaisquer indivíduos, filhos do mesmo touro e da mesma vaca, teriam exatamente o mesmo valor genético parental.

Além da citada vantagem na pré-seleção dos touros a serem testados, a inclusão da genômica será importante na condução dos testes de progênie em curso no Brasil, pois a avaliação genética dos touros jovens poderá ser antecipada. Isso porque a inclusão da genômica no processo de ava-liação pode resultar em ganhos na confiabilidade, e assim, mesmo os touros com menor número de filhas poderão ter seus valores genéticos divulgados com boa confiabilidade. As vantagens serão a diminuição do intervalo de gerações e a melhor acurácia das predições.

As perspectivas para o uso da genômica nos testes de progênie da raça Gir Leiteiro são excelen-tes. Atualmente, a Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro (ABCGIL) e a Embrapa Gado de Leite estão estudando a possibilidade de utilizar os valores genômicos para a escolha dos tourinhos candidatos ao pré-teste da raça, já em 2016. Isso, certamente, trará grandes ganhos para a raça e

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3352

para os produtores, que serão beneficiados pela maior disponibilidade e maior qualidade genética dos touros jovens.

Como a produção de leite tem se tornado especializada e competitiva, novas características rela-cionadas à lucratividade e eficiência animais, tais como emissão de metano (WALL et al., 2010), ba-lanço energético (VERBYLA et al., 2010) e resistência às doenças (KIRKPATRICK et al., 2011) têm sido consideradas como objeto de seleção. Para tanto, fenótipos que não são tradicionalmente mensura-dos em programas de seleção, começaram a ser avaliados. Uma das restrições relativas à introdução de novas características na SG, no entanto, é a baixa acurácia das estimações das confiabilidades devido ao reduzido tamanho das populações de referência.

Calus et al. (2013), ao avaliarem a introdução de uma nova característica em um programa de se-leção, cuja herdabilidade era entre 5% e 30%, com população de referência de tamanho moderado, demonstraram que, embora as acurácias sejam baixas (15% e 43%, para características de herdabili-dades iguais a 5% e 30%, respectivamente), a resposta à seleção poderia ser substancial dependen-do da herdabilidade e do valor econômico dessa nova característica e de sua correlação genética com o objetivo de seleção. De acordo com esses autores, a obtenção de confiabilidades aceitáveis em programas de seleção de gado leiteiro depende diretamente do tamanho da população de refe-rência, a qual deve ser grande, se possível, com milhares de animais.

OUTROS USOS DA INFORMAçãO GENÔMICA

Há grande número de aplicações da genômica em gado de leite, além da melhoria da confiabilida-de dos EBV de animais jovens. Provavelmente, a mais interessante aplicação seja o uso de haplótipos em combinação com dados de sequenciamento de nova geração visando à identificação de variantes causais ligadas a alelos recessivos. A metodologia para identificação de haplótipos recessivos, por meio da procura de déficit de homozigotos, foi primeiramente descrita por VanRaden et al. (2011b), que uti-lizou uma combinação de dados de chips de SNP e de sequenciamento genômico para identificar uma variante causal (APAF1, associada com o haplótipo HH1), a qual foi descrita por Adams et al. (2012) e que está associada ao aumento de abortos espontâneos na raça Holandesa, nos EUA. Detalhes adicio-nais são fornecidos por VanRaden et al. (2012). Atualmente, os EUA rastreiam 19 haplótipos recessivos relacionados a problemas reprodutivos, cujas variantes causais já são conhecidas (COLE et al., 2013).

Em teoria, a SG deveria resultar em baixas taxas de endogamia (DAETWYLER et al., 2007). A prin-cipal razão para a redução dessa taxa, segundo os autores, é que a seleção genômica resultaria em aumento das acurácias do termo da amostragem mendeliana, o que permitiria fazer uma melhor diferenciação dentro das famílias e fazer com que indivíduos muito aparentados não fossem co-selecionados, o que reduzira a endogamia. Todavia, de modo geral, isso ainda não pode ser total-mente comprovado na prática (VANRADEN et al., 2011a). Sun et al. (2013) mostraram que o uso de coeficientes de endogamia estimados com base na genômica, em relação aos obtidos por meio de pedigree, resultaram em reduções na endogamia esperada da progênie.

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Capítulo 3 Inovações nos programas de melhoramento de bovinos de leite com foco em genômica 353

Além disso, com base na característica lucro na vida produtiva (ou lifetime net merit), esses au-

tores mostraram que o retorno econômico do uso de parentescos genômicos é superior a 3 mi-

lhões de dólares para a raça Holandesa, nos EUA, quando todas as fêmeas são genotipadas. Esses

resultados são consistentes com os obtidos por Pryce et al. (2012), os quais também encontraram

benefícios ao considerarem estimativas de endogamia por meio da genômica para determinação

dos acasalamentos. Entretanto, Cole e VanRaden (2011) mostraram que as melhores combinações

cromossomais geralmente consistiam de animais homozigotos para duas cópias do mesmo hapló-

tipo, mesmo após o ajuste para endogamia, enfatizando o antagonismo entre as estratégias que

maximizam as taxas de ganhos genéticos e aquelas que tentam balancear a resposta à seleção em

relação à necessidade de se manter a diversidade genética na população.

Em termos de seleção genômica no Brasil, a Embrapa Gado de Leite finalizou, em 2016, o projeto

intitulado Seleção Genômica em Raças Leiteiras no Brasil. A proposta deste projeto era estruturar

uma rede institucional para implementar a seleção genômica nos programas de Teste de Progênie

(TP) e/ou avaliação genética que estão sendo conduzidos por ela. O projeto permitiu desenvolver e

aprimorar metodologias para a integração da informação de marcadores moleculares aos resultados

dos TP, estudar diferentes modelos visando a otimização das avaliações genéticas e identificar os ge-

nes ligados às características de interesse econômico em gado de leite. Assim, os touros podem ser

pré-selecionados para os TP, sendo possível predizer seu valor genético com alta acurácia, reduzindo

os custos e o tempo necessário para sua correta avaliação. No médio prazo, possibilitará intensificar

a seleção de fêmeas nos rebanhos, aumentando a competitividade da pecuária leiteira nacional.

Devido ao interesse de várias empresas privadas no assunto, em 2012 a Embrapa Gado de Leite

lançou, em comum acordo com as associações das raças Gir Leiteiro, Guzerá e Girolando, um edital

de chamamento público para seleção de pessoa jurídica para parceria na execução do projeto cita-

do, aberto a todas as empresas interessadas em participar desse projeto. O objetivo principal do edi-

tal público foi ampliar o projeto e melhorar os resultados finais, produzindo ferramentas genômicas

mais precisas para a pecuária nacional.

Após o encerramento do edital, o consórcio formado pelas empresas Zoetis e CRV Lagoa (únicas

empresas que se manifestaram formalmente) foi declarado vencedor. Com o término do processo,

formou-se um grupo científico de trabalho entre Embrapa Gado de Leite, associações e o consórcio

vencedor para o início do projeto.

Os resultados obtidos, na raça Gir, evidenciam que a seleção genômica pode aumentar, em

média, 23 pontos percentuais na confiabilidade de touros jovens, nas PTAs para produção de leite

(dados não publicados). As informações dos genótipos dos animais têm grande importância es-

tratégica e elevado valor econômico, pois podem, por exemplo, subsidiar o criador na escolha do

sêmen e orientar acasalamentos/cruzamentos para ter um produto especializado em um mercado

específico, ou seja, agregação de valores.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3354

CONSIDERAçõES FINAIS

Os métodos que incluem os marcadores moleculares para a predição de valores genéticos são conhecidos por vários anos. Recentemente, a ampla utilização desse tipos de seleção usando in-formações de DNA tem resultado em avanços nas metodologias de seleção genômica bem como na descoberta de um grande número de SNPs e métodos mais baratos para genotipá-los. O uso desse tipo de seleção em vários países, especificamente em programas de melhoramento de bovi-nos leiteiros, mostra que é possível selecionar indivíduos de modo efetivo logo após o nascimento do animal ou mesmo quando ele ainda é um embrião, o que reduz o intervalo de gerações e pode duplicar a taxa de progresso genético, além de outros benefícios adicionais, como, por exemplo, a correção da matriz de parentesco.

No Brasil, pesquisadores da Embrapa Gado de Leite vêm desenvolvendo projetos de pesquisa que objetivam incluir a seleção genômica nos programas coordenados em parceria com as asso-ciações de raça. Os resultados desses projetos permitirão, em curto prazo, fazer a pré-seleção dos touros a serem testados, bem como antecipar os resultados, reduzindo os custos do processo. Isso porque a inclusão da genômica no processo de avaliação pode resultar em ganhos na confiabilidade e, assim, mesmo os touros com menor número de filhas, poderão ter seus valores genéticos divulga-dos com boa confiabilidade. As vantagens serão a diminuição do intervalo de gerações e a melhor acurácia das predições.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3356

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Capítulo 3 Inovações nos programas de melhoramento de bovinos de leite com foco em genômica 357

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Capítulo 4 Eficiência bioenergética em bovinos de leite 359CAPÍTULO 4

Eficiência bioenergética em bovinos de leite

Mariana Magalhães Campos | Juliana Aparecida Mello Lima | Juliana Mergh Leão | Fernanda Samarini Machado

INTRODUçãO

A pecuária leiteira nacional vem lidando com novos desafios a cada ano, além do histórico aumento dos custos de produção, também vem ganhando destaque a crescente percepção dos consumidores quanto à segurança dos alimentos, o bem-estar animal e impactos ambientais da agropecuária, o que tem gerado pressão da sociedade por sistemas de produção sustentáveis sob todos os aspectos (econômico, social e ambiental). Neste cenário de desafios, com margens de lucro reduzidas, é evidente que o caminho a ser seguido se baseasse na utilização de métricas de susten-tabilidade, ou seja, no estabelecimento de parâmetros e/ou metas que definirão se um sistema de produção é sustentável ou não, com o objetivo do aumento da eficiência dos sistemas de produção de leite. Para que métricas de sustentabilidade do sistema possam ser estabelecidas, parâmetros relacionados às diversas áreas do setor produtivo precisam ser avaliados e considerados.

A Nutrição Animal pode influenciar de forma expressiva a viabilidade e sustentabilidade do sis-tema de produção, tanto pelo impacto da alimentação do rebanho no custo de produção de leite quanto pela emissão de gases causadores de efeito estufa e excreção de agentes poluidores como o nitrogênio e o fósforo, que pode ser aumentada quando o manejo nutricional é inadequado.

A aplicação do conceito de Nutrição de Precisão, que visa a eficiência máxima e o mínimo impac-to ambiental e a geração de métricas relacionadas à nutrição de bovinos leiteiros, contribuirá para que os parâmetros e/ou metas de sustentabilidade do setor produtivo sejam estabelecidos e que essas metas sejam alcançadas.

A Embrapa Gado de Leite e instituições parceiras vem desenvolvendo uma série de pesquisas em nutrição de precisão e eficiência alimentar objetivando o estabelecimento de parâmetros e me-tas aplicáveis à realidade do Brasil para alcançar melhor eficiência de produção. Desta forma, serão apresentadas as contribuições tecnológicas relacionadas à eficiência bioenergética em bovinos de leite pelos principais projetos que estão sendo realizados pela Embrapa e parceiros.

Diante das restrições ambientais, o aumento da produtividade na pecuária leiteira será essen-cial para garantir incrementos na produção e oferta de leite e seus derivados frente à crescente

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3360

população mundial. Logo, tecnologias adequadas deverão ser desenvolvidas e adotadas para possi-bilitar aumento da produtividade de maneira sustentável, garantindo maior produção de leite com redução do número de animais e da área ocupada, além de impactos mínimos no meio ambiente. Ou seja, não há demanda apenas para produção de leite, mas sim, produção de leite com qualidade, baixo custo e de forma ambientalmente correta, com baixa emissão de gases de efeito estufa e resí-duos, e sem a necessidade de ocupar áreas destinadas à vegetação nativa ou à produção de grãos.

Neste processo de busca pelo aumento da eficiência produtiva e ambiental dos sistemas de produção de leite, a eficiência de utilização dos nutrientes da dieta deve ser considerada na formu-lação de dietas, visando direcionar a partição de energia, proteína e minerais para o crescimento, desenvolvimento do feto e/ou produção de leite, bem como reduzir a eliminação de resíduos po-luentes no meio ambiente. O uso eficiente dos nutrientes da dieta é uma das premissas dos sistemas de produção sustentáveis, visto que seu uso ineficiente não apenas resulta em perdas excessivas e potencialmente prejudiciais ao meio ambiente, mas também afeta a viabilidade econômica da atividade leiteira.

Nesse contexto, é importante a identificação de características relacionadas à eficiência meta-bólica e produtiva, que poderão ser futuramente incorporadas aos programas de melhoramento genético de bovinos leiteiros. O grande avanço das tecnologias genômicas tem permitido a geração de uma enorme quantidade de dados moleculares num curto espaço de tempo. No entanto, para que esses dados sejam explorados em seu potencial máximo, eles devem ser correlacionados ao conjunto de características observáveis de um indivíduo em determinado ambiente (fenótipo), tais como a sua morfologia, desenvolvimento, propriedades bioquímicas e fisiológicas e comportamen-to, que ainda são extremamente escassas. O alto grau de descrição das características de indivíduos permitirá a realização de diversos estudos moleculares que ajudarão no entendimento detalhado da regulação dos processos metabólicos.

EFICIêNCIA BIOENERGéTICA

Os gastos com alimentação representam o principal custo da atividade pecuária. Uma alterna-tiva para vencer esse desafio é a identificação de animais mais eficientes no aproveitamento do alimento consumido. Animais que utilizam alimentos de forma mais eficiente necessitam consumir menos para atingir o mesmo nível de produção e, dessa forma, são mais lucrativos e produzem mais alimento por unidade de área.

Eficiência alimentar é uma característica complexa para a qual não existe uma única definição. Em geral, a eficiência alimentar descreve unidades de saída (outputs) do produto (leite, carne) por unidade de entrada (inputs) de alimentação, com as unidades em geral sendo de massa, de energia, de proteína ou de valor econômico. Para a análise de eficiência alimentar é importante que seja considerada a vida útil de uma vaca e incluir toda a alimentação consumida quando bezerra, novilha em crescimento, vaca em lactação e vaca seca, assim como todos os produtos, incluindo leite, carne e bezerros (VANDEHARR et al., 2016).

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Capítulo 4 Eficiência bioenergética em bovinos de leite 361

Na bovinocultura brasileira, a seleção para eficiência alimentar vem sendo abordada somente nos últimos anos e ainda está restrita à pecuária de corte. Este atraso na avaliação dessa caracte-rística para inserção nos programas de melhoramento genético pode ser atribuído principalmente à dificuldade de mensurar o consumo alimentar, particularmente em sistemas a pasto. Embora a quantificação do consumo dos animais seja um grande desafio, os australianos e, mais recentemen-te, os americanos, canadenses e europeus têm investido anualmente milhões de dólares em pes-quisas com eficiência alimentar, buscando aumentar a competitividade e sustentabilidade dos seus sistemas de produção de carne e de leite. Os estudos no mundo envolvendo eficiência alimentar para rebanhos leiteiros geralmente contemplam animais Bos taurus de raça pura, indicando que estudos com gado zebuíno e mestiço são desafios para a pesquisa agropecuária tropical.

Nesse contexto, a Embrapa em conjunto com instituições parceiras brasileiras e do exterior criaram, no final de 2014, uma rede de pesquisa para iniciar um trabalho pioneiro em Eficiência Alimentar para Gado de Leite no Brasil. Os primeiros experimentos já foram conduzidos com fêmeas Holandês-Gir, desde o nascimento, para o estabelecimento de um protocolo para ensaios de eficiên-cia alimentar para gado de leite. O objetivo do estudo é o desenvolvimento de um banco de dados através da determinação de perfil de características de cada indivíduo, que permita a identificação de um padrão relacionado às eficiências metabólica e produtiva, que futuramente poderão ser in-corporadas aos programas de melhoramento genético de bovinos leiteiros. Nesse mesmo projeto, serão avaliados os touros das raças Gir e Girolando do pré-teste dos programas de melhoramento.

O projeto está sendo conduzido em rede, visando à conjugação de esforços da equipe para o estabelecimento de conceitos, geração de parâmetros e padronização metodológica para avaliação da eficiência alimentar em bovinos de leite.

Independentemente do parâmetro de eficiência alimentar a ser escolhido para uso nos progra-mas de seleção genética de bovinos leiteiros, medir a ingestão de alimentos é fundamental, por ser o ponto de partida. Coletar informações sobre consumo e outras características de interesse (ganho de peso, deposição de gordura, produção de leite, composição do leite, fertilidade e meta-bólitos sanguíneos) permitirá a organização de um banco de dados consistente com a inclusão das avaliações dessas características nos programas de melhoramento genético de bovinos de leite, o estudo de alternativas para mensuração da eficiência alimentar, estudos genômicos e a busca de marcadores moleculares que permitam a identificação precoce dos animais mais eficientes. Assim, o uso de ferramentas genômicas nos estudos de nutrição animal, como a determinação do perfil transcricional de genes relacionados a funções biológicas importantes, possibilitará entendimento detalhado da regulação dos processos metabólicos que influenciam a eficiência de utilização dos nutrientes da dieta.

Evidentemente, é importante assegurar que os animais metabolicamente mais eficientes não apresentem características indesejáveis de reprodução e de saúde. As correlações genéticas entre a eficiência alimentar e outras características de interesse, tais como fertilidade, saúde, comporta-mento alimentar, escore de condição corporal, composição da carcaça e composição do leite, estão sendo investigadas.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3362

é importante garantir a padronização metodológica na obtenção dos dados de eficiência ali-mentar em gado de leite pelas diferentes instituições de pesquisa, universidades, associações de criadores, fazendas comerciais e centrais de melhoramento. Neste momento, é necessária a soma de esforços para que sejam estabelecidos os procedimentos padrão para ensaios de eficiência alimen-tar em bovinos de leite, com diretrizes sobre a duração do ensaio, tipo de dieta, idade dos animais, entre outras. Além disso, é preciso avaliar se há interação genótipo-ambiente para eficiência alimen-tar. Uma crítica frequente é que animais eficientes em condições de confinamento não necessaria-mente seriam os mais eficientes em condições de pastejo. Pesquisas que vêm sendo realizadas na Austrália confirmaram que os touros com avaliações genéticas favoráveis para eficiência alimentar medida como consumo alimentar residual (CAR), em confinamento, produziram progênie com me-nor CAR a pasto, ou seja, com maior eficiência alimentar. é preciso confirmar com dados nacionais se a avaliação de eficiência realizada em confinamento é válida para animais em pastagem. Outra demanda que está sendo estudada é se fêmeas avaliadas como mais eficientes quando jovens con-tinuam eficientes quando adultas em lactação.

No processo de busca pelo aumento da eficiência produtiva e ambiental, a aplicação do conceito de Pecuária de Precisão vem se tornado cada vez mais frequente, e pode ser definido como: uso de tecnologia para maximizar a eficiência nos sistemas de produção, a partir da coleta de dados de modo mais refinado, com maior frequência e de forma automatizada. Dessa maneira, a utilização de tecno-logias de precisão para avaliação de eficiência alimentar surge como oportunidade para o estudo da variabilidade individual e para acelerar o processo de seleção e melhoramento genético dos animais.

Atualmente, a utilização de cochos eletrônicos com o objetivo de medir consumo individual de alimento tem aumentado, e com o aumento da oferta de equipamentos e redução nos custos de implantação a aquisição destes equipamentos tende a seguir ascendente e em ritmo acelerado. No entanto, apesar da maior ascensão de tecnologias que facilitam a mensuração direta do consumo individual e consequentemente a determinação da eficiência alimentar, tecnologias de mensuração indireta, como a termografia por infravermelho (TIV), mensuração de produção de calor (PC) e fre-quência cardíaca (FC), produção de metano, metabólitos e comportamento alimentar, também têm se mostrado como ferramentas alternativas e estão sendo estudadas.

MéTODOS DE AVALIAçãO DE EFICIêNCIA ALIMENTAR

Vários métodos para avaliar a eficiência alimentar foram utilizados ao longo dos anos, sendo os principais métodos a conversão alimentar e seu inverso, a eficiência alimentar bruta. Um índice que vem sendo bastante estudado para avaliar eficiência alimentar é o CAR. O CAR é definido como a dife-rença entre o consumo real e o consumo estimado, baseado no peso vivo metabólico animal e ganho de peso diário ou produção de leite. A estimativa da ingestão de matéria seca (MS) pode ser predita a partir dos dados de peso e de produção, utilizando-se as normas e padrões de alimentação (por exem-plo, NRC, 2001), ou por regressão, utilizando-se dados de alimentação real do ensaio, dentro de um grupo contemporâneo. Dessa forma, animais mais eficientes têm CAR negativo (consumo real menor

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Capítulo 4 Eficiência bioenergética em bovinos de leite 363

que o esperado) e os menos eficientes tem CAR positivo (consumo real maior que o estimado). Na Tabela 1, são apresentados os principais índices e forma de cálculo de eficiência alimentar.

O foco atual na melhoria da eficiência deve se concentrar em aumentar a eficiência metabólica e digestiva. O objetivo é a busca de animais que convertam energia bruta em energia líquida de forma mais eficiente, que possuam exigência de mantença mais baixa que o esperado e consumam menos que o esperado para o mesmo nível de produção (VANDEHARR et al., 2016).

Coleman et al. (2010) estudaram definições alternativas de eficiência alimentar e mostraram que as definições convencionais, tais como a eficiência de conversão alimentar ou CAR, podem ser me-didas inadequadas de eficiência para vacas em lactação. O parâmetro alternativo proposto pelos autores foi a produção de sólidos residuais, que permitiu a identificação de animais que produzem maiores quantidades de sólidos de leite em relação ao consumo de alimento, sem mobilização ex-cessiva de tecido corporal e com melhores índices de fertilidade. Obtiveram também resultados que evidenciam a existência de diferenças entre as linhagens de Holandês-Friesian e entre genótipos de um mesmo grupo racial, assim as melhorias na eficiência de alimentação podem ser realizadas se a definição apropriada de eficiência alimentar é incorporada em programas de melhoramento.

De acordo com o estudo conduzido por Herd et al. (2004), cerca de 10%, 9%, 5% e 10% da varia-ção observada no CAR em gado de corte pode vir da digestão, do incremento calórico, composição corporal e diferenças de atividade física, respectivamente. Desta forma, 66% da variação do CAR em bovinos de corte permanecem sem resposta. Porém, segundo os autores, essa variação pode estar relacionada à energia requerida por processos biológicos, como bombeamento de prótons na mitocôndria, turnover proteico e bombeamento de íons.

Animais com baixo CAR demonstram melhor digestibilidade, com menor perda de energia fecal. De acordo com Nkrumah et al. (2006), animais com baixo CAR apresentaram menores perdas de energia fecal e metano, porém as perdas energéticas via urina foram semelhantes às dos animais CAR positivo, o que correspondeu a uma diferença de 6,3% em energia metabolizável entre animais de baixo e alto CAR. Hegarty et al. (2007) também encontraram uma diferença em perda de energia em metano quando animais foram alimentados ad libitum. Paddock (2010) concluiu que a maior variância do CAR está provavelmente relacionada aos gastos de energia entre os animais.

Estudos com gado de corte em crescimento têm demonstrado que 4% a 9% da variação no CAR está associada às diferenças na composição da carcaça (LANCASTER et al, 2009). Correlações genéti-cas positivas de baixas a moderadas entre as características de carcaça e gordura mostram que be-zerros com baixo CAR têm composição corporal ligeiramente mais magra. Esse fato poderia causar a preocupação de que a seleção para CAR poderia levar a um rebanho mais magro, porém ajustando o modelo para algumas características de carcaça, pesquisadores poderiam explicar essas diferenças na composição corporal. A variação no CAR pode ser explicada pelas diferenças nas taxas de cres-cimento e composição corporal, sugerindo que a maior parte da variação da energia metabolizável total (EMT) entre bovinos em crescimento com fenótipos de baixo e alto CAR estão provavelmente associadas a diferenças entre produção de calor (PC) entre animais.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3364

Tabela 1. Principais índices e forma de cálculo de eficiência alimentar.

Índice Fórmula Definição

Conversão Alimentar (CA)

1) CA = CMS/GPD

2) CA = CMS/PL OU PSL

1) Animais em crescimento e touros: Relação entre o consumo médio em kg de matéria seca (CMS) dividido pelo ganho de peso diário em kg (GPD). Valores menores são favoráveis

2) Fêmeas em lactação: Relação entre o consu-mo médio de matéria seca em kg (CMS) dividido pela produção diária de leite (PL) ou pela produ-ção diária de sólidos no leite (PSL). Valores me-nores são favoráveis

Eficiência Leiteira (EL) EL = PL/CMS

Relação entre a produção de leite não corrigida para gordura (PL) com a ingestão de matéria seca em kg (CMS)

Desempenho em relação ao peso vivo (DPV)

DPV = GP ou PL ou PSL/PV

Ganho de peso em kg (GP), ou produção de lei-te em kg (PL), ou produção de sólidos no leite em kg (PSL) dividido pelo peso vivo em kg (PV). Valores maiores são favoráveis

Relação consumo de matéria seca total com o peso vivo (RCP)

RCP = CMS/PVConsumo de matéria seca em kg (CMS) dividido pelo peso vivo em kg (PV). Valores menores são favoráveis

Consumo alimen-tar residual (CAR) CAR = CMSr - CMSe

Diferença entre o consumo de matéria seca real (CMSr) e o estimado (CMSe) com base no ganho de peso diário e peso vivo metabólico. Valores menores são favoráveis

Ganho residual (GR) ou Ganho de Peso Residual (GPR)

GR = GMDr - GMDe

Diferença da estimativa do GMD (GMDe) basea-do na ingestão de matéria seca e no peso vivo com o GMD real (GMDr) em kg. Valores maiores são favoráveis

Consumo e Ganho Residual (CGR) CGR = GR + (-1 × CAR)

Associa o CAR e o GR; é a soma do CAR multipli-cado por -1 e o GR; CGR = CAR × (-1) + GR. Valores maiores são favoráveis

Produção de Leite Residual (PLR) PLR = PLr - Ple

Diferença da produção de leite real em kg (PLr) pela estimativa da produção de leite (PLe) ba-seado na ingestão de matéria seca e no peso vivo. Valores maiores são favoráveis

Produção de Sólidos no Leite Residual (PSLR)

PSLR = PSLr – PSLe

Diferença da produção de sólidos real em kg (PSLr) pela estimativa da produção de sólidos no leite (PSLe) baseado na ingestão de matéria seca e no peso vivo. Valores maiores são favoráveis

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Capítulo 4 Eficiência bioenergética em bovinos de leite 365

De acordo com Brosh (2007), os principais fatores que afetam a partição de energia nos ruminan-tes são: nível de consumo alimentar, condições ambientais, gasto energético ou produção de calor (PC), nível de produção de leite ou ganho em tecido corporal e variabilidade individual entre animais com respeito à eficiência de utilização de energia para mantença e produção. Ao calcular o equilí-brio energético do animal, a produção de calor se apresenta como um componente substancial do balanço de energia dos ruminantes.

O desenvolvimento de marcadores genéticos para CAR iria permitir maior facilidade do teste, diminuindo seu custo. Isso facilitaria a implementação mais ampla em programas de melhoramento visando acurar o mérito genético para a eficiência alimentar em bovinos de corte. No entanto, vários genes são passíveis de contribuição para variação genética em CAR, sendo assim, os mecanismos biológicos que representam o CAR precisariam ser investigados para identificar genes candidatos para desenvolvimento de um marcador genético (MOORE et al., 2009).

TECNOLOGIAS DE PRECISãO NA MENSURAçãO DO CONSUMO

Em ruminantes, o consumo pode ser estimado por métodos diretos e indiretos. Em sistemas de alimentação em confinamento a mensuração do consumo é feita de forma direta; medem-se os consumos dos alimentos e das eventuais sobras. Por outro lado, nos sistemas de alimentação a pasto, a determinação desse consumo é complexa, em razão do procedimento de mensuração em si, ou do método de estimativa a empregar e do grande número de variáveis envolvidas. Apesar da sua complexidade, a mensuração do consumo a pasto pode ser feita de forma direta, pela diferença do peso ou altura da pastagem antes e depois do pastejo ou indireta, através da técnica dos indica-dores, cálculos matemáticos, mudança no peso do animal, etc.

Independentemente da adoção de métodos diretos ou indiretos, a realização da mensuração do consumo, em grande número de animais e de forma confiável, ainda representa uma etapa muito laboriosa. Nos últimos anos, outra forma de mensuração do consumo tem ganhado destaque. Trata-se do uso de dispositivos eletrônicos de monitoramento de consumo baseado na tecnologia de identificação por rádio frequência (Radio Frequency Identification – RFID). Várias empresas comerciais apresentam dispositivos eletrônicos que utilizam este sistema para a mensuração do consumo e comportamento alimentar, entre elas: Growsafe, no Canadá; CalanGattes, nos Estados Unidos da América; BioControl e Insentec na Europa; e Intergado, no Brasil.

Basicamente, estes sistemas funcionam da seguinte forma: quando o animal, devidamente identificado com bóton eletrônico, se aproxima do leitor de radiofrequência colocado na entrada do cocho de alimentação, este capta o sinal do bóton eletrônico, transferindo a informação para o banco de dados do sistema. Ao mesmo tempo, células eletrônicas de carga instaladas sob o cocho registram a quantidade de alimento presente no cocho antes da entrada e depois da saída do animal e, por diferença, a quantidade consumida é calculada.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3366

De acordo com Eradus e Jansen (1999), os sistemas computadorizados que utilizam tecnolo-gias baseadas em RFID permitem a avaliação simultânea de grande número de animais alojados em grupos, o que facilita a mensuração de características únicas de um determinado animal. Estes equipamentos tem sido utilizados em diversos estudos (DEVRIES et al., 2003; LANCASTER et al., 2009; SVENNSON; JENSEN, 2007) e, além das aplicações na identificação e seleção de animais mais eficien-tes e mais lucrativos para os sistemas, as informações geradas por esses sistemas podem ser valiosas na identificação precoce de doenças, dada a possível relação entre a modificação do comportamen-to natural de consumo com o surgimento de enfermidades diversas (QUIMBY et al., 2001; ROBLES et al., 2007; WEARY et al., 2009). Em experimentos, objetivando a validação desses equipamentos, foram observados que os sistemas baseados em RFID são fontes confiáveis para medir o consumo animal e o comportamento alimentar dos animais (CHAPINAL et al., 2007; CHIZZOTTI et al., 2015; SCHWARTZKOPF-GENSWEIN et al., 2003).

No Brasil, pesquisas com tecnologia de precisão na mensuração do consumo já vêm sendo con-duzidas na Embrapa Gado de Leite, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a em-presa nacional Intergado, para avaliação da eficiência alimentar em vacas em lactação e em bezerras e novilhas em crescimento, bem como para o estudo da associação da eficiência alimentar com fertilidade e saúde animal. Esses animais estão sendo diariamente monitorados quanto ao consumo de alimentos, água e peso vivo por um sistema automático, composto por cochos e bebedouros eletrônicos associados a estações de pesagem corporal dos animais. Além de fornecer informações de consumo de alimento e de água, o sistema permite monitorar: a frequência de visitas ao cocho e ao bebedouro, bem como a duração destas visitas; os horários preferencias de alimentação; a taxa de ocupação dos cochos; os horários dos tratos; monitoramento das sobras e pesagem corporal automática cada vez que o animal acessa o bebedouro.

Atualmente, a utilização de cochos eletrônicos tem aumentado e, com o aumento da oferta de equipamentos e redução nos custos de implantação, tende a seguir ascendente e em ritmo acelera-do. A facilidade de coleta e armazenamento dos dados gerados, a confiabilidade dessas informações e a possibilidade de se avaliar simultaneamente grupos de animais ou um único indivíduo, são algu-mas das razões que justificam essa tendência.

Apesar da maior ascensão de tecnologias que facilitam a mensuração do consumo individual e consequentemente a determinação da eficiência alimentar (EA), tecnologias de mensuração indire-ta, como a termografia por infravermelho (TIV), mensuração de produção de calor (PC) e frequência cardíaca (FC), produção de metano, metabólitos e comportamento alimentar também têm se mos-trado como ferramentas alternativas.

TERMOGRAFIA POR INFRAVERMELHO (TIV)

Termorregulação é um fator relacionado à eficiência alimentar, pois está associado ao metabo-lismo energético e à produção de calor (HERD et al., 2004). A TIV é um método rápido, indireto e não invasivo de avaliação de produção de calor que passou a ser utilizado para medir a temperatura da

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Capítulo 4 Eficiência bioenergética em bovinos de leite 367

superfície do corpo em bovinos na tentativa de identificar os animais mais eficientes (SCHAEFER et al., 2005).

Montanholi et al. (2007) e Schaefer et al. (2005) sugeriram que animais mais eficientes (CAR nega-tivo) tinham menor temperatura de superfície corporal que animais menos eficientes (CAR positivo), dando indícios que a TIV pode apresentar utilidade na avaliação da eficiência animal.

Posteriormente, foram surgindo novos estudos avaliando a correlação da temperatura corporal via imagens termográficas como CAR, a produção de calor e metano. TIV foi analisada para predizer a produção de calor e metano em vacas leiteiras. Imagens termográficas de múltiplas localizações do corpo do animal foram realizadas simultaneamente com a mensuração de suas trocas gasosas. Segundo esses autores a TIV pode ser aplicada na mensuração indireta da produção de calor e me-tano, através da análise da temperatura das patas (r = 0,88; P < 0,01) e da diferença de temperatura entre flanco direito e esquerdo (r = 0,77; P < 0,01), respectivamente (MONTANHOLI et al., 2008). Montanholi et al. (2009) relataram que a extremidade dos membros posteriores e a temperatura da ganacha foram os locais do corpo mais indicados para avaliar indiretamente a eficiência alimentar em bovinos. Montanholi et al. (2010) avaliaram potenciais preditores de eficiência alimentar pela termografia da área do globo ocular, ganacha, focinho e costelas em 91 novilhas durante dois perío-dos de ensaio (ano 1 = 46; ano 2 = 45) com duração de 140 dias. Novilhas foram classificadas como baixo, médio e alto CAR. Os animais de baixo CAR obtiveram menor IMS e temperaturas de ganacha e focinho mais baixas que animais menos eficientes (alto CAR) (28,1 °C x 29,2 °C e 30,0 °C x 31,2 °C, respectivamente) indicando melhor eficiência energética nos animais de CAR baixo.

Colyn (2013) determinou CAR de 61 novilhas de corte em ensaio de 113 dias após desaleita-mento. As novilhas foram classificadas em baixo, médio ou alto CAR. Os animais de baixo e médio CAR apresentaram IMS 7,5% e 6,5%, respectivamente, menores quando comparados aos animais classificados como alto CAR. Novilhas de baixo e médio CAR obtiveram temperaturas médias de ganacha de 19,88 °C e 20,40 °C (P > 0,05), respectivamente, porém menores do que novilhas de alto CAR (21,29 °C; P < 0,0001). Médias das temperaturas do globo ocular tenderam a crescer nos grupos de baixo ao alto CAR (P = 0,07). Houve correlação de r = 0,46 (P < 0,001) da temperatura da ganacha com CAR. Assim como Montanholi et al. (2010), este autor concluiu que a mensuração de perda de calor irradiado na área da ganacha poderia predizer a eficiência alimentar em novilhas, mas sugeriu a realização de mais ensaios para confirmar a correlação.

No Brasil, apenas neste ano é que trabalhos com animais Bos indicus ou seus mestiços e nas condições de temperatura e ambiente nacionais, avaliando a relação da temperatura corporal via TIV e sua associação com parâmetros de eficiência vem sendo publicados. Martins et al. (2016) con-duziram um estudo na Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora, MG) com o objetivo de determinar a relação da temperatura corporal utilizando a termografia por infravermelho e o CAR em novilhas F1 Holandês-Gir. Trinta e seis novilhas foram utilizadas em uma prova de eficiência alimentar com 113 dias de duração. Os animais foram ranqueados e divididos em baixo CAR (eficientes) e alto CAR (ine-ficientes). A avaliação termográfica foi realizada no meio da prova de eficiência alimentar. A tempe-ratura máxima do olho (-0,308, P = 0,09) e do focinho (-0,426, P < 0,05) tiveram correlação moderada

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3368

com CAR. As novilhas de baixo CAR apresentaram maiores temperaturas que as de alto CAR no olho (38,26 °C v. 37,85 °C), costelas (34,42 °C v. 33,63 °C), flanco (34,90 °C v. 33,93 °C) e focinho (33,62 °C v. 32,67 °C, P = 0,09). Os autores sugerem que o olho e o focinho são os locais mais promissores para avaliação indireta de eficiência alimentar em novilhas via TIV. Resultados semelhantes tam-bém foram descritos por Martello et al. (2015) em estudo com 144 novilhos Nelore com o objetivo de avaliar a relação do TIV com o consumo residual alimentar. Os animais de baixo CAR obtiveram maiores temperaturas do fronte do que animais de alto CAR (P < 0,001). No entanto, estes resultados são divergentes aos encontrados na literatura internacional. Esta divergência, segundo Martello et al. (2015), pode estar relacionada à diferença entre as temperaturas ambientais entre os estudos e à maior eficiência na termorregulação dos animais de alto CAR em situações fora da temperatura termoneutra.

A TIV, por ser um método rápido e não invasivo, apresenta potencial para ser aplicada na identi-ficação de animais mais eficientes; no entanto, existe a necessidade do desenvolvimento de novas pesquisas com número amostral consistente para estabelecer os parâmetros e referências de tem-peraturas das diversas raças dentro da espécie bovina em diferentes condições biológicas e ambien-tais, para que a tecnologia possa se estabelecer com método preciso e confiável na medida indireta de eficiência alimentar.

PRODUçãO DE CALOR E FREQUêNCIA CARDÍACA

Por definição, o somatório de produção de calor (PC) associado ao metabolismo basal, incremen-to calórico, respostas termorregulatórias e atividades físicas, além da energia retida como produto (por exemplo: leite ou tecido) será igual ao consumo de energia metabolizável total. A energia retida pelos animais em crescimento é utilizada para formação de proteína ou ganho de gordura, porém há necessidade de mais energia para depositar gordura quando comparado à formação de tecido muscular.

Paddock (2010) estudou 16 novilhas Brangus selecionadas para alto e baixo CAR e observou maior frequência cardíaca (FC) nos animais de alto CAR (97,7 vs 89,6 batimentos por minuto) em detrimento dos animais de baixo CAR. Além disso, as novilhas com alto CAR consumiram mais oxi-gênio por batimento cardíaco (mL por batimento) e como resultado, o gasto energético (produção de calor) foi 17,4% maior nos animais de alto CAR comparado aos animais de baixo CAR.

Diversos autores demonstraram que animais eficientes produzem menos calor em relação aos ineficientes (ALMEIDA, 2005; BASARAB et al., 2003; NKRUMAH et al., 2006). A produção de calor foi 21% menor para animais de baixo CAR, quando comparados a animais de alto CAR e, 10% menor para animais de médio CAR, quando comparados a animais de alto CAR, mostrando que um dos fatores que pode explicar a melhor eficiência dos animais baixo CAR é o menor gasto energético com produção de calor (NKRUMAH et al., 2006). A menor produção de calor em animais eficientes está relacionada à menor exigência de mantença, e isto pode ser consequência de mecanismos

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Capítulo 4 Eficiência bioenergética em bovinos de leite 369

biológicos, como baixa produção de metano durante a digestão, baixa atividade física e menor res-posta ao estresse (NKRUMAH et al., 2006).

Leão et al. (2015) avaliaram a produção de calor em bezerras Holandês-Gir (F1) aos 50 dias de idade, com diferentes fenótipos para CAR, medindo as trocas gasosas respiratórias pelo método da máscara facial, experimento conduzido na Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora, MG). Dezoito animais foram classificados em CAR baixo (eficientes) e alto (ineficiente). Dados de consumo de oxigênio, dióxido de carbono e produção de metano foram registrados utilizando o sistema Sable acoplado à máscara facial e cada leitura foi feita em 20 minutos, 3 h após o fornecimento do leite da manhã, em dois dias consecutivos. A FC foi registada durante 20 min com transmissor equino Polar. Bezerras alto CAR ob-tiveram 12,39% a mais de consumo de MS (P < 0,05) do que o grupo de baixo CAR (1,07 kg e 0,941 kg por dia, respectivamente), mas o peso corporal foi superior em 0,6% (P < 0,05) para o grupo CAR baixo. A frequência cardíaca não diferiu entre os grupos, porém animais de alto CAR apresentaram maior produção de calor (177,64 kcal kg-1 de peso metabólico – PM) do que os animais de baixo CAR (144,40 kcal kg-1 de PM).

Hafla et al. (2013) não estudaram a relação do CAR com a produção de calor, mas observaram como a classificação de CAR pode afetar algumas características de desempenho em 48 novilhas Bonsmara no meio da gestação, dentre elas a frequência cardíaca. O autor observou que a FC das fêmeas classificadas em baixo CAR foi 7% menor em relação às fêmeas classificas em alto CAR (66,1 vs 71,1 batimentos por minuto).

São poucos os estudos que avaliaram esses parâmetros como medida indireta de eficiência alimen-tar, sendo necessárias mais pesquisas avaliando diferentes raças, categorias aumentando a confiabili-dade dessa ferramenta. Ainda é necessário compreender os fatores metabólicos e a participação de cada um nas diferenças de eficiência alimentar entre os animais. Esse entendimento facilitará as me-lhores estratégias de manejo dos animais e o maior avanço nos programas de melhoramento genético.

COMPORTAMENTO ALIMENTAR

Richardson e Herd (2004), estudando padrões de alimentação de novilhos selecionados para CAR, demonstraram que animais menos eficientes permanecem 5% mais tempo se alimentando.

Nkrumah et al. (2006), trabalhando com 27 novilhos cruzados Angus x Charolês, concluíram que os animais menos eficientes ficaram mais tempo se alimentando a cada visita ao cocho e apresenta-ram número de visitas superior quando comparados com novilhos baixo CAR, apresentando menor digestibilidade da matéria seca e da proteína bruta. Os autores encontraram correlações significati-vas entre tempo de alimentação e digestibilidade da matéria seca (0,55), digestibilidade da proteína bruta (0,47) e energia digestiva (0,55). Já os animais mais eficientes tiveram menor gasto de energia em relação à taxa de alimentação e taxa de mastigação.

Nkrumah et al. (2007) avaliaram o CAR de novilhos da raça Angus e Charolês e verificaram que os mais eficientes permaneceram menos tempo se alimentando, visitaram menos vezes o cocho e

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3370

apresentaram menor gasto energético com essas atividades quando comparados a animais menos efi-cientes. Aldrighi (2013) avaliou animais jovens da raça Nelore (machos e fêmeas) e encontrou diferença significativa entre as classes de CAR (baixo, médio e alto CAR) no tempo utilizado para alimentação.

Chen et al. (2014) avaliaram a relação do comportamento alimentar de novilhos da raça Angus e Charolês e eficiência alimentar. Dos seis parâmetros avaliados, o tempo em consumo diário e o tempo em consumo com cabeça baixa foram os parâmetros com maior correlação fenotípica (0,17 ± 0,06; 0,32 ± 0,04) e genética (0,29 ± 0,17 para 0,54 ± 0,18) com CAR em comparação com outros comportamentos de alimentação.

Egawa (2012) estudando fêmeas da raça Nelore, não detectou diferença significativa entre as classes de CAR para tempo de ruminação. Entretanto, quando comparou o tempo de ruminação destinado para cada kg de matéria seca ingerida, observou que os animais mais eficientes (baixo CAR) gastaram maior tempo ruminando, aproveitando os alimentos de forma mais eficiente.

Bonilha et al. (2015) avaliaram eficiência alimentar de 768 machos e fêmeas da raça Nelore. Os autores observaram diferença de sexo em relação ao comportamento alimentar. Os machos passam menos tempo comendo, consomem mais alimento e passam mais tempo ruminando que as fêmeas.

Green et al. (2013) estudaram a relação entre eficiência alimentar e comportamento alimentar em novilhas leiteiras. Os autores encontraram correlações baixas de índices associados ao comporta-mento alimentar (frequência das refeições, alimentação, duração e taxa de ingestão) (r = 0,14 - 0,26), indicando que o comportamento alimentar não é uma ferramenta para prever, de forma confiável, o CAR em novilhas leiteiras em crescimento.

Ainda são escassos os dados com bovinos de leite, sendo a grande maioria dos trabalhos desen-volvidos com gado de corte. Existem variações de comportamento alimentar entre os animais e os dados publicados demostram haver diferença entre os animais de diferentes eficiências alimentares. é importante que mais estudos sejam realizados para verificar qual o melhor parâmetro de avalia-ção, que possui maior associação com eficiência alimentar, para que possamos utilizá-lo com uma ferramenta indireta de avaliação.

CONSIDERAçõES FINAIS

O campo de estudo de eficiência alimentar é uma área muito abrangente e tem se tornado a cada dia mais promissor. Isto se deve graças à utilização de tecnologias de precisão que vem possibilitado a determinação de um perfil de características para eficiência alimentar, permitindo o entendimento da variabilidade individual. Assim, com o avançar dos estudos será possível incorporar estas carac-terísticas nos programas de melhoramento e impactar positivamente o desempenho econômico e ambiental dos sistemas de produção.

Embora estudos utilizando métodos alternativos indiretos que envolvem o uso de dispositivos de precisão, como a termografia por infravermelho, avaliação de produção de calor e frequência

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Capítulo 4 Eficiência bioenergética em bovinos de leite 371

cardíaca, estejam se intensificando e demostrando resultados promissores quanto à sua capacidade de predizer a eficiência alimentar, é importante destacar a necessidade de mais estudos para o es-tabelecimento de método preciso e confiável na medida indireta de eficiência alimentar, para que possa haver aplicabilidade prática.

Possivelmente novas tecnologias impulsionadas pela pecuária de precisão, combinada com as ferramentas genômicas, permitirão otimizar a gestão de dados individualizados por animal dentro do rebanho. Novas abordagens combinando nutrição, genética e práticas de manejo ajudarão a otimizar a eficiência bioenergética dos animais e, consequentemente, aumentar a rentabilidade e sustentabilidade ambiental.

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Capítulo 4 Eficiência bioenergética em bovinos de leite 373

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Capítulo 5 A nanotecnologia e suas aplicações na pecuária de leite 375CAPÍTULO 5

A nanotecnologia e suas aplicações na pecuária de leite

Cauê Ribeiro de Oliveira | Daniel Souza Côrrea | Silvio Crestana

INTRODUçãO

No cenário das tecnologias mais avançadas que se encontram na fronteira do desenvolvimento ou já em fase de incorporação aos sistemas de produção agropecuária, destacam-se as chamadas tecnologias convergentes. São tecnologias derivadas da capacidade humana de explorar os bits, genes, átomos, moléculas e neurônios. Isto é, observar, compreender, manipular e controlar a ma-téria e a vida na escala atômica e molecular e/ou do gene, do bit e do neurônio. Fazer tudo isso em combinações múltiplas ou simultaneamente visando atingir um dado fim. Daí a ideia da conver-gência tecnológica, que compreende a combinação e possíveis sinergias envolvendo Tecnologia da Informação, Biotecnologia, Nanotecnologia e Ciências Cognitivas. Dessa maneira, torna-se viável gerar maior colaboração e extrair sinergias positivas a partir da interação das ciências do homem (principalmente as socioeconômicas) com as ciências da natureza (biofísicas). Nesse sentido, conver-gir significa escolher um alvo e tentar atingi-lo via uso de tais tecnologias e ciências; por exemplo, usar o conhecimento e a tecnologia para produzir sem degradar, tornando a agricultura cada vez mais sustentável; ou para se obter uma planta ou animal mais resistente ao estresse hídrico ou que utilize de modo mais eficiente os insumos agrícolas. Nos dias de hoje, há várias aplicações derivadas dessas tendências que se manifestam através da Agricultura e Pecuária de Precisão, da Agricultura e Pecuária Inteligente (Smart Agriculture), da Automação e Robótica, entre outras.

A nanociência e a nanotecnologia estão entre essas ciências e tecnologias convergentes, as quais lidam com o mundo na dimensão atômica e molecular. é como se pudéssemos modelar o futuro, átomo por átomo. Especificamente, a nanotecnologia trabalha com materiais de dimensões nanométricas, compreendidas na escala de tamanho de 1 nanômetro (nm) a algumas centenas de nanômetros, sendo que 1 nm representa 1 bilionésimo de metro, ou seja, dimensões que vão de um átomo a um vírus ou bactéria. Para se ter uma ideia de comparação, um fio de cabelo humano tem diâmetro de cerca de 30.000 nm. Nessa escala, a matéria apresenta propriedades físico-químicas únicas que fazem com que novas aplicações sejam possíveis. Quando se comparam as propriedades macroscópicas da matéria com as nanoscópicas, muitas vezes elas podem diferir diametralmente a ponto do comportamento ser oposto – por exemplo, o que repele passa a atrair ou vice-versa. A integração da tecnologia será baseada na unidade da natureza na nanoescala e em um sistema de

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3376

informação cruzando disciplinas e campos de relevância. A nanoescala é onde se formam as molé-culas complexas, onde são estruturadas a construção de blocos de células vivas e onde os menores componentes das memórias de computadores são engenheirados (CRESTANA, 2011). Produtos que empregam matérias-primas nanoscópicas já estão surgindo no Brasil. Em Naime et al. (2014), podem ser encontrados alguns exemplos, como o da Língua Eletrônica, desenvolvida pela Embrapa e par-ceiros, que é uma plataforma sensorial formada por materiais de dimensões nanométricas, que se mostrou capaz de avaliar sabores (doce, salgado, amargo e azedo) em amostras de sucos de frutas, café e leite com sensibilidade muito maior que a da língua humana.

À medida que se reduz o tamanho da partícula, a nanotecnologia pode melhorar as proprieda-des dos compostos bioativos, como solubilidade e absorção através das células. As aplicações da nanotecnologia ao setor alimentar e lácteo devem trazer mudanças significativas no futuro pró-ximo. Nessa perspectiva, as aplicações potenciais incluem técnicas superiores de processamento, melhoria dos materiais de contato dos alimentos, melhor qualidade, maior tempo de prateleira e segurança de produtos alimentares e lácteos, assim como novos materiais para embalagens com melhores propriedades mecânicas, de barreira e antimicrobianas. No momento, há considerável in-teresse em explorar o potencial da nanotecnologia no encapsulamento e liberação de substâncias biologicamente ativas, que ressaltam o aroma e outras características sensoriais de alimentos, bem como o emprego de aditivos em embalagens com propriedades antibacterianas. No entanto, antes de se explorar comercialmente tais tecnologias e inovações é preciso avaliar possíveis efeitos nega-tivos da nanotecnologia na saúde humana e ambiental, assim como as suas viabilidades econômicas (GILLESPIE et al., 2014; RADHA et al., 2014; SEKHON, 2014; THORNTON, 2010). O Brasil ainda carece de regulação específica e de mecanismos mais expeditos de transferência de tecnologia e inovação de modo a incorporar mais eficientemente possíveis produtos, serviços e tecnologias derivados das aplicações nanotecnológicas no setor agropecuário. Especificamente, neste capítulo, serão explo-rados os potenciais de uso, na pecuária leiteira, dos sensores nanoestruturados e a nanotecnologia aplicada ao tratamento veterinário.

SENSORES NANOESTRUTURADOS PARA USO NA PECUÁRIA LEITEIRA

Atualmente, vários métodos físico-químicos são empregados comercial e industrialmente para a avaliação da qualidade e detecção de contaminantes em alimentos como o leite, incluindo as téc-nicas de cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), espectrometria de massa (MS) e métodos espectroscópicos como absorção UV-Vis, FTIR, e fluorescência. O emprego dessas técnicas demanda equipamentos sofisticados e de alto custo e mão de obra qualificada, tornando necessária a busca por alternativas tecnológicas que possam auxiliar ou mesmo substituir as técnicas convencionais empregadas no monitoramento da qualidade de alimentos. Nesse contexto, o desenvolvimento de sensores químicos nanoestruturados surge como uma importante alternativa para a análise da qua-lidade de alimentos, já que a elevada razão área superficial/volume dos nanomateriais utilizados nos dispositivos tem a capacidade de potencializar e modificar as propriedades elétricas e ópticas dos

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Capítulo 5 A nanotecnologia e suas aplicações na pecuária de leite 377

dispositivos finais, melhorando seu desempenho em termos de sensibilidade, limite de detecção e miniaturização. Para que de fato os sensores possam ser utilizados em escala industrial, além do elevado desempenho, os dispositivos devem ser de fácil operação técnica e baixo custo (CALBO et al., 2014).

Especificamente, sensores químicos são dispositivos que transformam uma informação química em um sinal analítico mensurável (CORREA et al., 2014; PALLAS-ARENY; WEBSTER, 2001). Essa in-formação química é oriunda de uma reação química entre o analito (substância investigada) e a camada sensoativa do sensor, ou ainda de alterações de propriedades físicas, incluindo condutivi-dade elétrica ou pH. Esses sinais são então detectados por um transdutor e convertidos em um sinal de saída que pode ser processado por técnicas estatísticas e métodos de reconhecimento padrão. Atualmente, os sensores encontram aplicações na área da saúde, contribuindo para a detecção de doenças, no monitoramento da qualidade de água e do estado de conservação de alimentos, no monitoramento de poluentes e nos dispositivos de segurança em veículos aéreos e terrestres (LUTKENHAUS; HAMMOND, 2007; RAJESH; KUMAR, 2009).

Entre os sensores químicos empregados para análise de alimentos, destacam-se os sensores do tipo língua eletrônica, que utilizam reconhecimento padrão baseado no “paladar” ou assinatura di-gital das substâncias presentes nas amostras analisadas através do conceito de “seletividade global” (TOKO, 1996). Sistemas desse tipo são usualmente formados por um conjunto de sensores nanoes-truturados não específicos, onde a resposta final do sensor, processada por métodos de reconheci-mento padrão ou inteligência artificial, é obtida pela combinação das respostas individuais das uni-dades sensitivas. Essa natureza não específica fornece uma resposta global do líquido analisado, ou “impressão digital” de amostra, o que contorna a impossibilidade de identificação e discriminação de cada composto químico presente no líquido analisado. Portanto, essa é uma ferramenta muito in-teressante para fins de controle de qualidade e classificação de produtos, já que o líquido analisado pode ser uma matriz complexa, como o leite, composta por centenas de moléculas distintas. Línguas eletrônicas de diferentes tipos (potenciométricas, voltamétricas, impedimétricas) já foram aplicadas com sucesso para identificar e classificar líquidos variados, como diferentes tipos de vinho, de sucos e amostras de água contaminadas com metais pesados e pesticidas.

Sensores para avaliação da qualidade de leite em relação a diferentes parâmetros também têm sido desenvolvidos e reportados por diferentes grupos de pesquisa. Recentemente, uma língua eletrônica utilizando filmes condutores nanoestruturados (MERCANTE et al., 2015) foi desenvolvi-da e aplicada para avaliar o teor de gordura em amostras comerciais de leite integral, desnatado e semidesnatado. Utilizando ferramentas estatísticas, a língua eletrônica demonstrou ser capaz de discriminar e separar as amostras de leite de acordo com o teor de gordura.

O desenvolvimento de sensores para detecção de antibióticos em leite também é de grande in-teresse, já que esses medicamentos podem ser empregados de modo indiscriminado no tratamento de doenças infecciosas do rebanho leiteiro. Por exemplo, a tetraciclina é um antibiótico largamente empregado no tratamento de mastite bovina e seu uso indiscriminado pode resultar na presença de resíduos de antibiótico no leite destinado ao consumo humano, ocasionando problemas como

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distúrbios gastrointestinais e reações alérgicas (DENOBILE; NASCIMENTO, 2004; NASCIMENTO et al., 2001). Por essa razão, diversos grupos de pesquisa têm atuado no desenvolvimento de sensores químicos para a detecção de resíduos de tetraciclina em leite, incluindo sensores do tipo língua ele-trônica (SCAGION, 2015), imunossensores amperométricos (CONZUELO et al., 2012), sensores bio-miméticos (MOREIRA et al., 2010) e sensores amperométricos combinados à técnica de impressão molecular (ZHAO et al., 2013). Apesar de algumas das tecnologias de sensoriamento químico para leite já estarem disponíveis comercialmente, torna-se necessário um maior esforço por parte das Instituições de Ciência e Tecnologia, do governo e da indústria, para que os resultados das pesqui-sas acadêmicas possam ser transferidos para o setor produtivo de maneira mais efetiva, em menor espaço de tempo e a custo acessível.

NANOTECNOLOGIA APLICADA AO TRATAMENTO VETERINÁRIO DE ANIMAIS DE PRODUçãO

O aumento da produção leiteira está associado aos avanços obtidos nos medicamentos para tratamento das doenças mais típicas dos rebanhos. No entanto, doenças recalcitrantes apresentam desafios maiores, principalmente aquelas de característica infecciosa que podem, dependendo das condições de higiene, levar à contaminação de todo o rebanho – entre as quais a mastite bovina tem destaque como uma das mais importantes causas de perda de produção e qualidade do lei-te (ZAFALON; NADER FILHO, 2007). Assim, essas doenças demandam o desenvolvimento de novos princípios ativos que, invariavelmente, tendem a tornar-se, ao longo do tempo, menos efetivos. Para contornar esse problema, esforços têm sido dispendidos para melhorar o direcionamento de dro-gas e o controle de concentração no organismo animal por meio de sistemas de liberação lenta ou controlada de ativos.

Os conceitos de liberação lenta ou controlada podem ser diferenciados considerando-se que liberação lenta seja todo e qualquer sistema que aumente o tempo de liberação de um principio ati-vo no meio, seja retardando a cinética de liberação ou impondo uma barreira de liberação inicial; já a liberação controlada seria relacionada aos sistemas nos quais uma mudança de características do meio de liberação (como variação de temperatura ou pH) determinaria a liberação do ativo (PEREIRA et al., 2015). Não há, desta forma, uma divisão limitante entre essas duas classificações, podendo um sistema apresentar características de liberação lenta em meio neutro, porém de comportamento distinto em condições ácidas, por exemplo.

Estratégias típicas de liberação lenta ou controlada envolvem a encapsulação do princípio ativo em uma estrutura de sacrifício, como um polímero biodegradável ou nanoemulsão. Essa estratégia se mostrou efetiva para veiculação intramamária de antibióticos antimastíticos, permitindo que a distribuição do medicamento fosse mais efetiva que o observado nas formulações oleosas tradicio-nais. Ainda, a proteção física conferida pelo polímero de sacrifício garantiu que o seu processo de biossolubilização mantivesse concentração elevada do medicamento, evitando, assim, a recorrên-cia da doença (MOSQUEIRA et al., 2012). Uma variante da mesma estratégia permitiu formular um

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Capítulo 5 A nanotecnologia e suas aplicações na pecuária de leite 379

antibiótico nanoestruturado natural à base de própolis, que apresentou significativa vantagem na redução de contaminações do leite pelo medicamento, conforme mostrado no esquema ilustrativo da Figura 1A. Nesse caso, pôde-se observar que o processo de encapsulamento somente teve efe-tividade pela interação química entre polímero e ativo, permitindo a formação de nanodomínios – que de fato foram os responsáveis pelo processo estendido de liberação observado (TRONCARELLI et al., 2014).

A forma das nanopartículas e suas características superficiais podem também interferir na efeti-vidade desses sistemas de liberação. A interação com mucosas é favorecida pelo formato, onde mor-fologias fibrosas podem garantir maior área de contato e, consequentemente, melhor transferência do medicamento da matriz polimérica para o organismo. A produção de nanofibras pode ser feita por sistemas de eletrofiação ou fiação por sopro, sendo o medicamento carreado durante a produ-ção (OLIVEIRA et al., 2013). Esse modelo de liberação se mostrou efetivo para o controle de aplicação de hormônios em bovinos e vem sendo avaliado como alternativa para aplicação de outros medica-mentos. Ainda, outros sistemas de liberação, como nanoemulsionados, encapsulados em lipossomos e ciclodextrinas, são mencionados e alvo de investigação tecnológica e científica (GRUET et al., 2001).

Por fim, outros sistemas inorgânicos também são investigados pelo seu potencial como antimi-crobianos, com possíveis ganhos no maior espectro de atuação ou menores efeitos colaterais. A prata nanométrica (ou prata coloidal) é o mais estudado desses sistemas (KIM et al., 2007), com resultados promissores em infecções comuns em animais de produção – como no controle das infecções por Staphilococus aureus e E. Coli. Os possíveis ganhos com essas nanopartículas são promissores, ainda que não tenha sido identificado, até o momento, produto comercial específico para o tratamento de animais. No entanto, deve-se notar o avanço no uso dessas nanopartículas em embalagens para aumento do tempo de prateleira de produtos, sendo o leite um dos exemplos mais comumente mencionados (CHAUDHRY; CASTLE, 2011).

CONSIDERAçõES FINAIS

A grande potencialidade da nanotecnologia em fornecer soluções para a produção agropecuária e, em especial, para a pecuária leiteira, é vista nos resultados promissores em diferentes áreas de aplicação – como os exemplos apresentados no monitoramento da qualidade do leite e no trata-mento veterinário de animais de produção. Esses exemplos, além de outros – como embalagens ati-vas com nanopartículas para aumento do tempo de prateleira do leite ou indicação de parâmetros de qualidade de produto envasado; nanoencapsulação de compostos ativos para enriquecimento nutricional do leite – demonstram o potencial e transversalidade da área. Apesar de alguns desses exemplos não serem imediatamente vistos em produtos comercializados atualmente, observa-se uma contínua incorporação e assimilação do mercado, muitas vezes não percebida pelo consumi-dor final, mas de impacto concreto para o produtor. Dessa forma, a nanotecnologia ganha espaço continuamente e se torna cada vez mais cotidiana na realidade agropecuária.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3380

Figura 1. Esquema ilustrativo da ação de antibiótico nanoestruturado versus formulação oleosa convencional: o tamanho das nanopartículas permite distribuição mais homogênea no organismo e consequente melhora da ação do medicamento (A); melhor absorção do fármaco nanoencapsulado reduz ainda o descarte de antibiótico no leite (% liberada ao longo do tempo) (B).

A

B

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Capítulo 5 A nanotecnologia e suas aplicações na pecuária de leite 381

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Capítulo 6 Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente 383CAPÍTULO 6

Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente

Thierry Ribeiro Tomich | Luiz Gustavo Ribeiro Pereira | Cláudio Antonio Versiani Paiva

INTRODUçãO

Entre os desafios que o setor pecuário enfrenta estão aqueles relacionados à premente necessi-dade de atendimento a questões ambientais para que os sistemas produtivos se tornem ambiental-mente adequados, além de tecnicamente eficientes, economicamente viáveis e socialmente aceitos.

Considerando-se que a pecuária leiteira é uma atividade complexa e que o componente am-biental e a alimentação dos animais constituem aspectos centrais a serem abordados, essa atividade requer a adoção de estratégias cientificamente embasadas para que ocorram produção eficiente dos alimentos, precisão no balanceamento e no fornecimento das dietas e a respectiva redução na geração e emissão de resíduos. Para tanto, inovações tecnológicas têm contribuindo para ampliar a adequação ambiental dos sistemas de produção de leite sem prejuízo às viabilidades dos compo-nentes técnico e econômico.

Ainda sob o aspecto ambiental, deve ser destacado que não há apenas um sistema de produção de leite ideal. Dependendo da intensidade das tecnologias adotadas, tanto os sistemas confinados quanto os sistemas a pasto com altas e medianas produtividades, respectivamente, podem gerar menos impactos ambientais e ser considerados ambientalmente adequados.

Neste capítulo, serão apresentados os impactos ambientais da pecuária de leite, assim como as estratégias tecnológicas que possibilitam a redução de impactos ambientais que podem estar associados ao funcionamento dos sistemas de produção de leite.

IMPACTO AMBIENTAL DA INOVAçãO TECNOLóGICA

O impacto ambiental associado à atividade leiteira está geralmente relacionado ao uso de recursos naturais (solo, água, etc.), de energia (elétrica e combustíveis fósseis), de insumos externos ao sistema (adubos, alimentos, etc.) e à geração de resíduos com potencial poluidor. Assim, a avaliação criteriosa dos impactos positivos ou negativos das inovações tecnológicas sobre o ambiente em sistemas de produção de leite deve sempre abranger múltiplos aspectos. O Ambitec-Agro (RODRIGUES et al., 2003), sistema

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3384

proposto para a avaliação de impacto ambiental da inovação tecnológica agropecuária, considera os aspectos da eficiência tecnológica, da conservação e da recuperação ambiental em função do alcance da adoção da tecnologia. A eficiência tecnológica está relacionada aos usos de agroquímicos (pesticidas e fertilizantes), de energia (combustíveis fósseis, biomassa e eletricidade) e de recursos naturais (água e solo). Enquanto a conservação ambiental abrange os impactos sobre a atmosfera (gases de efeito estufa, material particulado/fumaça, odores e ruídos), sobre a capacidade produtiva do solo (erosão, compactação e perdas de matéria orgânica/nutrientes) e sobre a água (perda de qualidade), a recu-peração ambiental considera a biodiversidade (perda de vegetação natural, de corredores de fauna e de espécies/variedades locais) e a perspectiva de recuperação ambiental (solos e ecossistemas degradados e áreas de preservação permanente e de reserva legal).

RESÍDUOS NA PECUÁRIA LEITEIRA

Os resíduos gerados pelos sistemas de produção de leite podem causar contaminações do solo, água (superficial e subterrânea) e atmosfera. A principal fonte de resíduos nesses sistemas é repre-sentada pelos dejetos (urina mais fezes). Para efeito de planejamento na atividade leiteira, Garcia-Vaquero (1981) considera que uma vaca de leite produz dejetos diários da ordem de 9%-11% do peso vivo, o que corresponde a aproximadamente 45 kg dia-1 para cada Unidade Animal – 450 kg de peso vivo. Nitrogênio (N), fósforo (P), enxofre (S) e matéria orgânica – carbono (C) estão presentes no dejeto em concentrações distintas dependendo do manejo nutricional dos animais e podem apresentar alto potencial poluidor quanto disponibilizados em quantidades elevadas em áreas geo-gráficas e espaços de tempo restritos.

Estudo conduzido por Cela et al. (2014) abordando a incorporação de nutrientes com potencial poluidor por sistemas de produção de leite, avaliou o balanço de N e P em fazendas leiteiras no estado Americano de Nova York e apontou que o saldo positivo (incorporação) no balanço anual pode chegar a 259 kg ha-1 para o N e a 51 kg ha-1 para o P. Esses autores consideraram que a principal contribuição para esse balanço positivo deriva da importação de nutrientes para a propriedade, especialmente pela compra de alimentos produzidos em outros locais.

Atualmente, tem sido dada ênfase à emissão de gases de efeito estufa (GEE) associada a ativi-dades agropecuárias em razão da sua importância para as mudanças que vem ocorrendo no clima. Segundo Pereira et al. (2015), o metano (CH4) entérico produzido nos processos digestivos de rumi-nantes é um importante GEE, responsável por aproximadamente 15% do aquecimento global. Já para o óxido nitroso (N2O), considera-se que sua contribuição relativa para o efeito estufa represente 5% e, segundo Brasil (2009), 39,4% das emissões antrópicas desse GEE acontecem através dos deje-tos dos bovinos nas pastagens.

A tendência, ou a obrigação legal, para mitigar os efeitos deletérios dos resíduos da atividade agropecuária sobre o meio ambiente tem sido objeto de pesquisas atuais e os avanços tecnológicos gerados nesses estudos geralmente estão relacionados à redução relativa na geração/emissão de

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Capítulo 6 Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente 385

resíduos em função do produto gerado (forragem, leite, etc.) ou ao tratamento dos dejetos para redução do seu potencial em gerar impacto negativo.

PRODUçãO EFICIENTE DE ALIMENTOS PARA GADO DE LEITE

A adoção da estratégia de produção de alimentos na propriedade deve ser positivamente cor-relacionada à redução no aporte de insumos externos e à maximização do uso dos insumos dis-poníveis no próprio sistema para suporte à produção de leite pretendida. Nesse caso, a produção de alimentos em quantidade e qualidade adequadas é fundamental para que ocorra a respectiva redução na necessidade de aquisição de insumos para alcance e manutenção de produtividade e escala de produção de leite economicamente compatíveis.

Como exemplo, por ser uma cultura mais rústica que a do milho e requerer menos insumos, o cultivo do sorgo para confecção da silagem destinada à alimentação dos animais em sistemas lei-teiros confinados tem sido testado e indicado (NEVES et al., 2015; RODRIGUES et al., 2014; SANTOS et al., 2013). Nesse caso, o uso de genótipos melhorados de sorgo permite obtenção de elevadas produtividades de forragem, produção de silagem com valor nutritivo semelhante às silagens de milho com economia no uso de insumos.

Uma vez definidos pela estratégia de produção local de alimentos e o que será produzido, os sistemas empregados nessas produções também apresentam inovações tecnológicas importantes com foco na redução de impactos ambientais negativos. Tecnologias como o plantio direto, os siste-mas integrados de produção e a adubação de precisão devem ser destacadas.

Sendo uma modalidade do cultivo mínimo, o plantio direto ocorre sem as etapas de aração e gra-dagem, normalmente empregadas no preparo convencional do solo. Plantas em desenvolvimento e resíduos de culturas são mantidos para cobertura do solo, garantido sua proteção contra impacto direto da chuva, escorrimento superficial de água e erosão eólica. Essa cobertura também controla o aparecimento de plantas daninhas, favorece a infiltração lenta da água e a manutenção de umi-dade no solo, contribui para elevação da concentração de matéria orgânica e armazenamento de nutrientes, fertilizantes e corretivos. Como o solo é trabalhado somente no momento do plantio (aplicação de agroquímicos – fertilizantes e pesticidas – pode estar associada), também há redução no uso de máquinas e equipamentos (tratores, arados, etc.), com as correspondentes reduções da compactação do solo e dos possíveis processos erosivos associados ao uso desses equipamentos. Adicionalmente, o uso repetido desse sistema de plantio normalmente melhora a produtividade e a produção.

O plantio direto tem tido adoção crescente no país e, conforme informação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa (BRASIL, 2016), mais da metade a área plantada no Brasil já é ocupada por esse sistema de plantio. Embora essa informação não esteja relacionada ape-nas aos sistemas de produção de leite, o alcance dessa tecnologia favorece a redução de possíveis

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3386

impactos ambientais decorrentes de sistemas leiteiros tradicionais, com efeitos positivos e significa-tivos na avaliação de impacto ambiental decorrente das tecnologias agropecuárias, como eficiência técnica (reduz o uso de agroquímicos, energia e recursos naturais – área ocupada e água), conserva-ção ambiental (reduz a emissão de poluentes para a atmosfera e a possibilidade de contaminação de água; aumenta a capacidade produtiva do solo, favorecendo a biodiversidade) e a recuperação ambiental (reduz a incidência de solos degradados, favorecendo as áreas de preservação permanen-te e reserva legal). Esse sistema de plantio é um passo para outra inovação tecnológica na agrope-cuária – a produção em sistemas integrados.

Esses sistemas de produção são caracterizados por serem planejados para explorar sinergismos, como os que integram lavoura, pecuária e floresta. Destes, os que têm o componente de produ-ção animal são contemplados nas seguintes modalidades de integração: agropastoril (Integração Lavoura-Pecuária), silvipastoril (Integração Pecuária-Floresta) e agrossilvipastoril (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta). A correta implantação desses sistemas demanda a existência de condi-ções edafoclimáticas favoráveis: solo corrigido, pluviometria adequada, temperatura e luz não limi-tantes e água disponível em quantidade e qualidade adequadas. Também se preconiza a utilização de alguns princípios fundamentais: manejo e conservação do solo e água; manejo integrado de insetos-praga, doenças e plantas daninhas; aptidão de uso da terra, ao zoneamento climático agrí-cola e ao zoneamento agroecológico; redução da pressão para abertura de novas áreas; estímulo ao cumprimento da legislação ambiental, principalmente quanto à regularização das reservas legais (regeneração ou compensação) e das áreas de preservação permanente; melhorias dos serviços ambientais; adoção de boas práticas agropecuárias; certificação da produção e balanço energético positivo (BALBINO et al., 2011).

Ainda conforme Balbino et al. (2011), a adoção de sistemas integrados para produção propicia a eficiência no uso dos recursos naturais com vantagens para os componentes técnicos, cujos be-nefícios estão associados ao aumento da matéria orgânica e à redução de perdas de produtividade causada pelos veranicos; minimiza a ocorrência de doenças e plantas daninhas; favorece o bem-es-tar animal em razão do maior conforto térmico; aumenta a eficiência no uso de insumos e amplia o balanço positivo de energia. Entre os benefícios ambientais, destacam-se a redução da pressão para abertura de novas áreas; a melhoria na utilização dos recursos naturais pela complementariedade e sinergia entre os componentes vegetais e animais; a diminuição no uso de agroquímicos para con-trole de insetos, pragas e doenças; a redução dos riscos de erosão; o aumento de disponibilidade e qualidade da água; a mitigação do efeito estufa como resultado da maior capacidade de sequestro de carbono pelo sistema; a promoção da biodiversidade e favorecimento de novos nichos e habitats para agentes polinizadores e inimigos naturais de insetos-praga; a intensificação da ciclagem de nutrientes e o aumento da capacidade de biorremediação (redução de contaminantes pela ação de microrganismos) do solo.

O processo tradicional de adubação do solo consiste em corrigir as diferenças entre a exigência pela planta cultivada e a disponibilidade média do nutriente na área total utilizada para o cultivo. Dessa forma, não considera as variações em disponibilidade de nutrientes em áreas distintas no

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Capítulo 6 Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente 387

local de cultivo, o que pode acarretar excesso ou escassez pontuais de nutrientes para o desenvol-vimento ótimo da cultura.

Para assegurar a expressão do potencial produtivo máximo da cultura sem o uso excessivo de corretivos e adubos, a correção e a adubação devem considerar as diferenças nas características físicas e a disponibilidade dos nutrientes no solo nas distintas áreas do local de plantio e entregar adubos e corretivos em taxas variáveis. Nesse caso, ferramentas de georreferenciamento são empre-gadas para elaboração de mapas de fertilidade e de aplicação de corretivos e adubos para atender às necessidades da cultura com precisão.

PRECISãO NA ALIMENTAçãO

A alimentação com precisão é o fornecimento de nutrientes em quantidades e tempo exatos para que as exigências nutricionais dos animais sejam atendidas de forma a garantir o potencial produtivo máximo com o uso mínimo de nutrientes. Há crescente pressão sobre produtores de leite e nutricionistas para fornecer soluções práticas que resultem redução no desperdício de nutrientes com potencial poluidor, especialmente nitrogênio (N) e fósforo (P), na emissão de gases de efeito estufa (GEE), sobretudo o metano (CH4).

A aplicação da nutrição com precisão pode colaborar para a redução da pressão sobre o meio ambiente em produzir alimentos para os animais e reduzir a geração de resíduos nocivos a ele. Conforme Branco e Osmari (2010), o balanço de massa de nutrientes tem sido adotado com fre-quência cada vez maior em sistemas de produção animal e agrícola. é uma estimativa que usa os registros e dados da propriedade, contabilizando os nutrientes importados ao sistema por meio da fixação de N (estimada), de fertilizantes, de alimentos e animais; e os exportados do sistema, como a venda de produtos (leite, carne), animais, grãos e dejetos. A diferença entre a importação e a expor-tação representa o balanço de massa. Essas informações permitem a adoção de medidas que visem reduzir o uso de insumos e as emissões e fontes de contaminação ambiental.

Experimento clássico com vacas de leite conduzido por Colmenero; Broderick (2006) indicou que dietas com 16,5% de proteína bruta (PB) são capazes de suportar máximas produções de leite com mínima excreção de N para o meio ambiente em comparação às dietas com concentrações proteicas mais altas. Foi verificado nesse estudo que aumento de 13,5% para até 19,4% de PB na dieta resultou aumentos lineares no consumo de PB, no teor de nitrogênio ureico no leite (NUL) e nas excreções de N, sem que a elevação no teor proteico da dieta tenha resultado variações significativas no ganho de peso dos animais, na produção de leite ou nos teores de gordura, proteína verdadeira e lactose do leite (Tabela 1).

De acordo com Sniffen e Chalupa (2015), o consumo excessivo de proteína, N urinário e NUL são altamente correlacionados e, embora não se faça monitoramento periódico do N excretado na urina ou nas fezes, o NUL tem sido rotineiramente monitorado. O excesso de N nas dietas tem sido fre-quente, tendo sido observado por anos o padrão para alimentação de vacas de alta produção com

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3388

Tabela 1. Efeito do teor de proteína bruta na dieta sobre o consumo proteico, excreção de N para o meio ambiente, peso corporal, produção e composição do leite.

ItemProteína bruta na dieta (% da MS)

13,5 15,0 16,5 17,9 19,4

Consumo de proteína bruta (kg por dia) 3,02 3,32 3,78 4,00 4,44

Excreção urinária de N (g por dia) 113 140 180 213 257

Excreção fecal de N (g por dia) 196 176 196 197 210

Alteração de peso vivo (kg por dia) 0,49 0,46 0,70 0,55 0,64

Produção de leite (kg por dia) 36,3 37,2 38,3 36,6 37,0

Composição de leite

Gordura (%) 3,14 3,27 3,27 3,47 3,44

Proteína verdadeira (%) 3,09 3,15 3,09 3,18 3,16

N uréico (mg dL-1) 7,7 8,5 11,2 13,0 15,6

Lactose (%) 4,91 4,89 4,94 4,91 4,92

Fonte: Colmenero e Broderick (2006).

dietas contendo 17%-18% de PB. Nesse caso, buscava-se NUL entre 14 mg dL-1 e 18 mg dL-1. Porém, sabe-se que grupos de vacas de alta produção podem ser eficientemente alimentados com dieta de 14%-15% de PB, buscando conseguir valores de NUL próximos a 10 mg dL-1 .

Além do teor proteico, a composição da dieta pode afetar a amplitude da excreção de N para o meio ambiente. Nesse caso, devem ser consideradas as necessidades de sincronização das taxas de liberação de energia e de N no rúmen e de quantidades não limitantes de aminoácidos essenciais na fração de proteína metabolizável da dieta. Revisão feita por Oldham (1984) sobre a inter-rela-ção proteína/energia da dieta de vacas leiteiras apontou que a forma de energia afeta a utilização da proteína e do amido, possibilitando, muitas vezes, reduzir o uso de proteína na dieta. Diversos estudos (CASPER et al., 1999; HERRERA-SALDANA et al., 1990; KOLVER et al., 1998) mostraram que a sincronização no suprimento de N e de energia em substratos para síntese proteica microbiana no rúmen pode maximizar a utilização do N disponível no rúmen, a eficiência da síntese proteica micro-biana e o fluxo de proteína microbiana para o duodeno, resultando efeito poupador para a proteína dietética, possibilitando redução na excreção de N.

Conforme Knowlton (2011), o animal utiliza o P de forma ineficiente excretando de 60%-80% do total consumido, fazendo com que a maior parte do P utilizado na fazenda fique nela ao invés de ser exportado na carne ou no leite e, de acordo com Morse et al. (1992), o P tem sido frequentemente fornecido acima das exigências das vacas de leite, sem, contudo, saber se essa estratégia traz bene-fícios ou prejuízos para a saúde ou produção. Esses autores observaram aumento linear na excreção com o aumento no consumo de P (0,30%, 0,41% ou 0,56% da MS na dieta) e verificaram que as fezes são a principal rota para a excreção desse mineral. Observaram, ainda, que vacas com consumo

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Capítulo 6 Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente 389

restrito a 20 kg de MS por dia consumindo 0,30% de P na MS da dieta apresentaram excreção de P 22,7% inferior à de vacas alimentadas com a mesma restrição de consumo e 0,56% de P na MS da dieta. Esses resultados mostram que a redução no teor de P das dietas, que frequentemente está em excesso, pode ser uma estratégia para reduzir a excreção de P em dejetos de vacas de leite.

O uso de P acima das exigências de vacas de leite tem sido justificado principalmente em razão do conceito que dietas altas em P são capazes de melhorar o desempenho reprodutivo. Todavia, estudo conduzido por Satter e Wu (1999) sumarizando resultados de desempenho reprodutivos de vacas em lactação obtidos em 13 experimentos e 393 dados não verificaram diferenças significativas nos índices reprodutivos para os animais que receberam dietas com teor de P mais alto (Tabela 2). Outros estudos (WU; SATTER, 2000; WU et al., 2000) também não apontaram comprometimento no desempenho reprodutivo quando as vacas foram alimentadas abaixo do recomendado pelo National Research Council (2001). Além disso, experimentos de longa duração (KUIPERS et al., 1999; WU; SATTER, 2000; WU et al., 2000) não apontaram diferenças nas produções de leite quando as vacas foram alimentadas com quantidades de P ligeiramente inferiores às exigências preconizadas pelo National Research Council (2001). Ainda, Cerosaletti et al. (2004), avaliando modificações nas dietas de dois rebanhos para alcançar a média de 25% de redução do teor de P, observaram redu-ções de 33% da concentração de P nas fezes sem que houvesse comprometimento da produção de leite. Esses autores concluíram que modificações em dietas podem resultar em grandes reduções na entrada de P em alimentos adquiridos pelas fazendas leiteiras, no balanço geral de P da fazenda e nas excreções.

Tabela 2. Desempenho reprodutivo de vacas de leite em lactação alimentadas com dietas com alto ou baixo teor de fósforo (P) – 393 dados de 13 experimentos.

Item Baixo P Alto P

P na dieta (% da MS) 0,32 – 0,40 0,39 – 0,61

Dias para o 1o cio(1) 46,8 ± 10,9 51,6 ± 13,8

Dias vazias(1) 103,5 ± 21,4 102,1 ± 13,0

Taxa de prenhez(1) 92% ± 6% 85% ± 5%(1) Médias ± desvio-padrão, sem diferenças estatísticas significativas.Fonte: Satter e Wu (1999).

Com relação ao CH4, sua produção no rúmen ocorre por microrganismos do domínio Archaea, utilizando predominantemente hidrogênio livre (H2) e dióxido de carbono (CO2) como substrato. De acordo com Martin et al. (2010), as estratégias de nutrição de ruminantes para mitigação do CH4 devem focar um ou mais dos seguintes objetivos: redução da produção de H2 no rúmen sem afetar negativamente a digestão; estimulação do uso de H2 no rúmen por produtos alternativos e inibição de Archaeas metanogênicas (número e/ou atividade) associada à estimulação de vias que conso-mem H2 para evitar os efeitos negativos do aumento da pressão parcial de H2 no rúmen. Segundo

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3390

Pereira et al. (2015), as estratégias tecnológicas que estão sendo consideradas para mitigação CH4 entérico incluem modificações da composição e qualidade da dieta, adição de lipídios, uso de adi-tivos (ionóforos, ácidos orgânicos, extratos de plantas), vias alternativas para uso de H2 no rúmen (probióticos acetogênicos, nitrato e sais de sulfato), vacinação contra organismos metanogênicos ruminais, uso de bacteriófagos e bacteriocinas, variações no manejo de pastagem e uso de sistemas de produção integrados.

Considerando as alterações na dieta, Pereira et al. (2015) destacaram que o aumento nos índices zootécnicos, principalmente quando relacionados ao uso mais eficiente de forragem associado à nutrição adequada, pode constituir uma estratégia importante para mitigação de GEE de origem entérica em ruminantes. Estudo com vacas de leite recentemente conduzido por Hristov et al. (2015) mostrou a capacidade da molécula 3-nitrooxypropanol para reduzir a emissão de CH4 entérico sem afetar o consumo de alimento, a produção de leite ou a digestibilidade da fibra.

Dois sistemas de alimentação predominam em fazendas leiteiras: os animais têm acesso ilimi-tado aos volumosos e as suplementações de concentrado, mineral e vitaminas ocorrem de forma individual; os animais são alimentados com mistura completa ou dieta total contendo todos os alimentos. A diferença é que no primeiro se busca o atendimento das exigências nutricionais indi-vidualmente e no segundo daquelas para grupos ou lotes de vacas definidos em função da ordem de parição, da produção de leite, do período da lactação e do escore de condição corporal. Tanto as suplementações individuais quanto os lotes de alimentação visam sempre aproximar a composição da dieta ao requerimento nutricional dos animais.

Os programas empregados para formulação de dietas utilizam dados médios de exigências nu-tricionais dos lotes de alimentação sem considerar as variações das exigências observadas nesses lotes. Além disso, os valores de nutrientes das bibliotecas de alimentos usadas nesses programas podem não representar a composição do alimento utilizado. Dessa forma, há etapas no processo de alimentação do gado de leite que podem ser associadas a falhas de precisão na nutrição (Figura 1) e representam pontos que requerem atenção, controle e ajustes eventuais.

Conhecendo as possíveis diferenças da dieta formulada para a misturada, para a fornecida e para a consumida pelos animais, o primeiro passo para melhorar a precisão da nutrição é aproximar ao máximo o valor nutritivo utilizado na formulação daquele do alimento que comporá a dieta forne-cida. Nesse caso, sempre que viável, é recomendado substituir o uso de dados tabelados por dados gerados em análises de amostras dos alimentos realmente utilizados. O que geralmente dificulta essa prática é a frequente morosidade para condução das análises, com consequente atraso no aces-so aos resultados em relação ao prazo requerido para o uso do insumo.

As vantagens do uso da técnica Near Infrared Reflectance Spectroscopy (NIRS) frente às análises que empregam procedimentos químicos e biológicos para análises de alimentos incluem não re-querer reagentes e nem gerar resíduos com potencial poluente, não destruir a amostra e possibilitar várias análises numa mesma amostra, gerar múltiplos dados analíticos em procedimento único e demandar menos trabalho e tempo para processamento da amostra e para execução da análise.

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Capítulo 6 Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente 391

Figura 1. Fluxo do processo de alimentação e exemplos de falhas na precisão para atendimento das exigências nutricionais.

Dessa forma, permite amostragem em larga escala e agilidade para geração de resultados. Essas duas características levaram ao recente desenvolvimento de sistemas portáteis para avaliação de valor nutritivo de alimentos para gado leiteiro em tempo real. Análises em tempo real são particu-larmente importantes para forragens verdes e silagens em virtude da interferência do estádio de desenvolvimento das plantas e do tempo de estocagem sobre o valor nutritivo desses volumosos, respectivamente.

Os sistemas que empregam analisador NIRS portáteis na propriedade podem requerer a amos-tragem dos alimentos como atividade exclusiva ou processar a análise dos alimentos de forma auto-matizada em pontos específicos da linha de produção da ração. Nesse caso, o analisador NIRS pode ser instalado diretamente na pá carregadeira, na esteira de transporte, no vagão misturador, etc., escaneando os alimentos à medida que são manejados para confecção da ração, gerando automa-ticamente os dados sobre os teores de MS e de nutrientes. O ganho na precisão da nutrição ocorre por possibilitar recalcular o peso dos ingredientes que serão inseridos na ração sempre que houver discrepância entre o dado utilizado para a formulação e aquele encontrado na análise feita em tem-po real, aproximando, dessa forma, a composição formulada daquela ofertada no cocho.

Quanto à formulação de dietas para o atendimento mais acurado das exigências nutricionais, trabalho conduzido por White e Capper (2014), modelando o aumento da frequência de formulação (trimestral, mensal ou semanal) em diferentes condições climáticas, mostrou que a reformulação foi

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3392

capaz de influenciar positivamente o consumo de energia e nutrientes, o consumo de matéria seca (CMS), o balanço de energia metabolizável e a produção de leite. Esses autores consideraram que a reformulação mais frequente possibilitou aumento no CMS em períodos de balanço energético negativo e verificaram que o balanceamento semanal das dietas possibilitou aumento na produção individual de leite de 0,59 kg/d em relação à estratégia de balanceamento trimestral (Tabela 3). Esse estudo mostrou que a formulação de dietas feita semanalmente, e não trimestralmente, poderia melhorar o retorno econômico sobre os custos variáveis. Apontou, ainda, que a formulação mensal, em vez de trimestral, apresenta maior viabilidade para ser implementada e que, em regra, também resulta ganhos econômicos.

Tabela 3. Energia metabolizável (EM) e proteína metabolizável (PM) na dieta, consumo de matéria seca (CMS), produção de leite e balanço de energia metabolizável em diferentes frequências de ba-lanceamento de dietas para vacas em lactação.

Frequência de balanceamento

EM (Mcal/dia)

PM(g/dia)

CMS(kg/dia)

Produção de leite (kg/dia)

Balanço EM (Mcal/dia)

Trimestral 56,7 2,459 20,63 35,93 - 0,24

Mensal 56,8 2,461 20,70 35,91 - 0,19

Semanal 56,6 2,454 20,73 36,52 - 0,07

Fonte: White e Capper (2014).

Com foco na nutrição de precisão, aferições quantitativa e qualitativa de consumo devem ser permanentes. Nesse caso, a leitura de cocho fornece uma informação que é rotineiramente empre-gada nas fazendas para avaliar o consumo e definir estratégias de manejo alimentar. A quantificação e qualificação das sobras associadas aos dados de fornecimento de alimentos e nutrientes permitem ganhos de precisão na informação sobre a estimativa do consumo de nutrientes, mas a acurácia desta informação é comprometida quando são considerados os dados de lotes de alimentação e não os dos animais individualmente.

Adicionalmente, como regra, o manejo alimentar nas fazendas leiteiras é definido em função de lotes de produção e o balanceamento das rações é geralmente delineado para atender aos animais mais exigentes do lote, visando reduzir perdas produtivas. Mesmo trabalhando com lotes homogê-neos em termos de exigências nutricionais, os animais mais exigentes representam cerca de 20%-30% do total e sempre haverá situações de sobrealimentação ou subalimentação para a maioria dos animais do lote.

Sistemas automatizados para monitoramento de ingestão de alimentos e de comportamento de consumo têm sido desenvolvidos e validados para bovinos (CHAPINAL et al., 2007; CHIZZOTTI et al., 2015; DEVRIES et al., 2003) e são inovação contrapondo ao excessivo uso de mão de obra para gerar dados individualizados. Esses sistemas apresentam variações entre si, mas contam com cochos

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Capítulo 6 Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente 393

de alimentação associados a medidores de massa, mecanismos que permitem o registro individual de acesso e/ou restrição de acesso aos cochos e dispositivos e softwares para coleta, processamen-to e apresentação dos dados. Possibilitam a geração de dados sobre horário de tratos, quantidade fornecida de alimento e taxa de ocupação dos cochos ao longo do dia, dados individualizados de consumo diário de alimento, consumo em cada acesso ao cocho, taxa de consumo (Figura 2), tempo de permanência no cocho com e sem consumo e sobre monitoramento das sobras.

Estudos de validação feitos por Chizzotti et al. (2015) e Devries et al. (2003) mostraram a acurácia desses sistemas para quantificar o consumo individual diário, com possibilidade de uso dessa infor-mação para aproximar o perfil de nutrientes utilizados na formulação das dietas daquele realmente consumido pelos animais, aumentando a precisão da alimentação para atendimento das exigên-cias nutricionais. Outra possibilidade potencial de uso de dados gerados por esses sistemas está em estabelecer, de forma exata, as melhores frequências e períodos indicados para realização dos tratos. A transformação dos dados gerados por esses sistemas em informações que repercutam em aumento na precisão da nutrição ainda é um desafio para a pesquisa em nutrição de gado leiteiro.

Para a etapa de mistura da dieta, falhas em equipamentos de pesagem para medir acuradamen-te a quantidade do ingrediente representam um problema adicional que pode afastar a composição de nutrientes da formulação daquela apresentada na dieta fornecida aos animais. Aferição e calibra-ção periódica dos equipamentos de pesagem são recomendadas e devem ser efetuadas de acordo com a periodicidade estabelecida pelo fabricante. Ainda nessa etapa, cuidados adicionais com mis-turadores devem ser observados. Misturadores com sistema de rocas horizontais, de rotor ou por tombamento são comuns no Brasil e cada um apresenta características, capacidades operacionais e necessidades singulares de regulagem e manutenção para produzir ração com mistura homogênea.

Cada ingrediente apresenta características próprias capazes de interferir na homogeneidade da ração (tamanho de partícula, densidade e capacidade para reter umidade). Assim, entre as orienta-ções para obter-se dietas com mistura uniforme está a ordenação de carregamento do misturador, sendo indicado inserir primeiro os ingredientes com maior tamanho de partícula, como as forragens, seguidos por aqueles com menor tamanho de partícula, os concentrados. O uso de forragem úmida ou de subprodutos úmidos e de ingredientes líquidos pode favorecer uma mistura uniforme e difi-cultar a segregação de ingredientes durante o transporte ou pela seleção no cocho. Recomenda-se, ainda, que ingredientes incluídos em quantidades pequenas em relação ao total da ração, como os núcleos minerais e aditivos, sejam primeiramente misturados com outro ingrediente isoladamente antes de serem inseridos na mistura total, de forma a permitir a distribuição uniforme em toda a ração. O tempo ótimo de mistura também deve ser considerado para que a apresentação da ração tenha mínima variação em ingredientes e nutrientes, dificultando a possibilidade de seleção em rações que não apresentem composição homogênea em razão do reduzido tempo de mistura, ou pela mistura excessiva capaz de produzir segregação de partículas pelas diferenças em densidade.

O aumento na frequência de fornecimento de alimentos para vacas leiteiras geralmente aumen-ta a produção de leite e minimiza a ocorrência de problemas de saúde, principalmente em razão da manutenção de condições mais estáveis no rúmen. Assim, fracionar o fornecimento da ração e

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3394

Figura 2. Dados diários individuas de ingestão acumulada de alimento (A), ingestão de alimento por evento (B) e taxa de ingestão gerados por sistema automatizado (C).

Fonte: Intergado (2016).

A

B

C

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Capítulo 6 Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente 395

aumentar o número de tratos diários pode favorecer a digestibilidade da dieta, o consumo e a preci-são no atendimento das exigências nutricionais das vacas. Além disso, manter alimentos recém-mis-turados no cocho pode reduzir as perdas de nutrientes por espoliação, deterioração ou lixiviação, ocorrências que são dependentes das condições climáticas associadas à variável temporal. Hutjens (2011) considera adequado sobras entre 5% e 10% do alimento fornecido para o gado de leite, mas deve-se progredir para sobras entre 2% e 5%, condição atualmente verificada em sistemas bem manejados.

Uma das estratégias para aumentar a eficiência com a alimentação e poupar nutrientes utiliza-dos para a produção de leite é aumentar o número dos lotes de alimentação para uniformizá-los e favorecer a gestão dos nutrientes. Essa alternativa adiciona desafios relativos ao aumento de custos com trabalho para alimentação e à crescente necessidade de adaptação dos animais aos lotes e às alterações nas dietas. O uso de sistemas robóticos de alimentação pode proporcionar o refinamento das rações para atender de forma mais precisa as exigências nutricionais (SNIFFEN; CHALUPA, 2015).

Os sistemas robóticos ou automatizados de alimentação mais completos possibilitam o controle digital de todas as atividades de alimentação após o carregamento de ingredientes em silos (alimen-tos concentrados), mesas forrageiras (deposição de forragens) e recipientes para armazenagem de aditivos e núcleos minerais/vitamínicos, fazendo o transporte, a pesagem e a mistura de ingredien-tes e o transporte e a distribuição da ração como processos mecanizados (Figura 3).

A

C

DE

B

Figura 3. Sistema automatizado de alimentação de gado de leite composto por silos para concen-trados (A), compartimentos para deposição de forragens (B), re-cipiente para armazenagem de aditivos, minerais ou núcleos vitamínicos (C), misturador (D) e vagão para distribuição de ração (E).

Fonte: DeLaval Corporate (2016).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3396

Desenvolvidos para funcionar durante 24 horas, trabalhar com inúmeros ingredientes e proces-sar diariamente diferentes tipos de ração, esses sistemas possibilitam a programação de horários para mistura e fornecimento, reduzindo o tempo de ocupação da mão de obra para alimentação do rebanho, colaborando para a precisão da nutrição por favorecer a ampliação do número de lotes de alimentação (lotes mais homogêneos alimentados com dietas customizadas) e/ou de tratos diários (otimizar consumo, reduzir perdas no cocho e favorecer o aproveitamento de nutrientes).

A individualização da coleta de dados relacionados à nutrição com a respectiva possibilidade de formulação de estratégias mais precisas para alimentação dos animais também tem sido favo-recida pela crescente disponibilidade de sensores, dispositivos e sistemas para as fazendas leiteiras. Sensores, dispositivos e sistemas que geram dados de produção e composição de leite, peso e esco-re de condição corporal podem ser utilizados para embasar informação individual sobre a exigência por nutrientes, nortear estratégia para a designação dos animais com exigências similares para lotes de alimentação específicos e para a customização das dietas com ajuste fino. Com foco na nutrição, os sensores de ruminação e de pH do rúmen geram dados indicativos do funcionamento dos pro-cessos digestivos associados à dieta consumida e, juntamente com os dados gerados por sensores de comportamento alimentar, possibilitam avaliações e ajustes da formulação e da estratégia de for-necimento da dieta na busca do exato atendimento das exigências nutricionais de lotes ou animais, com respectiva redução de impacto ambiental associado à alimentação dos animais.

TRATAMENTO DE RESÍDUOS

O tratamento de resíduos e efluentes (resíduos líquidos) gerados em sistemas de produção de leite tem o objetivo de transformá-los em coprodutos aproveitáveis dentro ou fora do próprio sis-tema e/ou reduzir seu potencial de causar prejuízo para o ambiente. Para os resíduos orgânicos gerados nesses sistemas, as técnicas de compostagem (empregadas para estimular a decomposi-ção de material orgânico e produção de material estável que pode ser utilizado como fertilizante), de tratamento de efluentes (empregadas com finalidade de adequar resíduos líquidos à qualidade requerida para descarga em corpo d’água aceptor) e/ou de biodigestão (processo de digestão rea-lizado por colônia mista de microrganismos em ambiente sem oxigênio, resultando produção de biogás combustível e fertilizante) estão entre as alternativas tecnológicas empregadas para esse fim.

Otenio et al. (2010) descreveram uma técnica de compostagem para destino resíduos biológicos sólidos e das carcaças de animais mortos para sistemas de produção de leite. Nesse caso, apresenta-ram um método alternativo às práticas mais comuns de destinação desse tipo de resíduo (queima ou descarte em aterro), com benefícios ambientais em relação às práticas tradicionais. Essa técnica, além de não causar poluição do solo ou do ar, demonstrou ser economicamente viável, evitando a forma-ção de odores, destruindo os agentes causadores de doenças e não contaminando o lençol freático. Adicionalmente, pode ser executada em qualquer época do ano e pode disponibilizar nutrientes para solo da propriedade, porque o produto pode ser usado em adubação de áreas da própria fazenda, além de poder ser comercializado gerando receita adicional para os sistemas de produção de leite.

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Capítulo 6 Avanços tecnológicos para a redução do impacto da pecuária no meio ambiente 397

Os efluentes (resíduos líquidos) em sistemas de gado de leite são constituídos basicamente por urina + esterco; por água residual utilizada na higienização de instalações, que pode conter deter-gente (principalmente de origem na higienização da sala de ordenha) ou não e por leite descartado. Conforme Cronk (1996), esses efluentes são ricos em matéria orgânica, condição que faz com que apresentem alta demanda bioquímica de oxigênio (DBO), N e P como nutrientes mais abundantes e cuja descarga em corpos d’água é considerada uma forma importante para eutrofização destes.

As várias formas empregadas para tratamento desse efluente visam condicionar sua qualidade para a descarga em corpos d’água sem que haja impacto ambiental significativo. Entre as estraté-gias usadas para tal, os sistemas de lagoas de estabilização são muito frequentes e incluem várias configurações de separador de resíduos sólidos/areia, lagoa facultativa (sistema de tratamento bio-lógico onde a estabilização da matéria orgânica ocorre em duas camadas, sendo a superior aeróbia e a inferior anaeróbia, simultaneamente), lagoa aneróbica (sistema de tratamento biológico onde a estabilização da matéria orgânica ocorre principalmente pela fermentação anaeróbia – imediata-mente abaixo da superfície onde não há oxigênio dissolvido), lagoa aeróbica (sistema de tratamen-to biológico onde a estabilização da matéria orgânica ocorre pelo equilíbrio entre a oxidação e a fotossíntese), lagoa aerada (normalmente aeração mecânica para suprir a maior parte do oxigênio necessário para degradação da matéria orgânica), lagoa de maturação (tratamento biológico usado como refinamento do tratamento prévio por lagoas; reduz bactérias, sólidos em suspensão, nutrien-tes e DBO) e unidade de decantação.

De acordo com Serafim (2014), o processo de biodigestão anaeróbica representa um modelo eficiente para reciclagem de resíduos da pecuária, pode ser utilizado para resíduos líquidos e sólidos em quantidades consideráveis, permite alta redução da DBO, redução de patógenos e de odor, além da produção de energia com o biogás. O efluente tratado no processo anaeróbico pode ser reuti-lizado na irrigação e o biofertilizante utilizado depois de sua estabilização evita problemas como a contaminação de plantas, água e solo por conta da presença de nutrientes em formas não assimi-láveis. A produção do biogás com dejetos de bovinos depende do manejo alimentar dos animais, da temperatura no ambiente e da eficiência do sistema do biodigestor. O metro cúbico de biogás apresenta equivalência energética de 0,6 L a 0,8 L de petróleo e se avalia que cada bovino produza diariamente resíduos em quantidade suficiente para gerar cerca de 0,37 m3 desse gás em sistemas de biodigestão anaeróbica. Adicionalmente, ressalta-se que na utilização do biogás para produção de energia, o CH4 dá origem a dióxido de carbono (CO2) no processo de combustão em presença de oxigênio, reduzindo o potencial poluente dos gases gerados pelos dejetos.

CONSIDERAçõES FINAIS

Em regra, as atividades antrópicas ocorrem com algum impacto sobre o meio ambiente e esta condição não é distinta para o desenvolvimento da pecuária leiteria. Contudo, avanços tecnológicos incorporados aos sistemas produtivos têm possibilitado reduzir e remediar os impactos ambientais negativos. Esses avanços estão especialmente relacionados à adoção de estratégias que conferem

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3398

precisão às atividades desenvolvidas nos sistemas produtivos, fornecendo exatamente a quantida-de de insumos necessária para a manutenção de níveis sustentáveis de produção (sem excesso ou escassez), com a respectiva otimização do uso da área natural alterada para suporte às atividades do sistema e no emprego de insumos (internos e externos aos sistemas), e reduzindo a emissão de resíduos com potencial ambiental deletério.

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Capítulo 7 Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite 401CAPÍTULO 7

Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite

Luigi Francis Lima Cavalcanti | Marcelo Neves Ribas | Luiz Felipe Ramos Carvalho | Fabricio Vieira Juntolli | Cláudio Antonio Versiani Paiva | Luiz Gustavo Ribeiro Pereira

INTRODUçãO

Os avanços das tecnologias da informação e comunicação tem permitido a coleta de dados de forma refinada, com maior frequência e de forma automatizada. Esse processo intenso tem como consequência imediata a geração de bancos de dados que devem ser interpretados eficientemente com o intuito de prover aos usuários suporte para tomadas de decisão. Caso este objetivo final (i.e., embasar tomadas de decisão) não se torne possível, corre-se o risco de invalidar ou tornar obsole-tas todas as etapas anteriores e, dessa forma, todo o esforço despendido desde a identificação do problema, passando por desenvolvimento de sensores e algoritmos que consigam monitorá-lo, até a geração da informação em si, podem ter sido em vão. Embora esse objetivo seja claro, alcançá-lo não é tarefa simples e implica custo associado a investimento em tempo, experimentação, desenvol-vimento e aplicação de tecnologias e recursos humanos qualificados.

Rutten et al. (2013) revisaram 126 trabalhos publicados e encontraram relatos de utilização de 139 dispositivos para monitoramento do manejo sanitário em sistemas leiteiros, mas nenhum atin-giu o objetivo final de aconselhar o fazendeiro ou técnico em suas decisões, ou mesmo integrar as leituras dos dispositivos de forma a gerar informações capazes de dar suporte a decisões, concluin-do-se que muito se tem feito para o desenvolvimento de dispositivos, mas pouco tem sido aplicado para de fato auxiliar no manejo dos animais. Esse cenário é coerente com um questionário realizado em fazendas no estado do Kentucky, EUA, onde 35% dos respondentes concordaram que o excesso e o não saber lidar com a informação contribuíram como causas da lenta adoção de tecnologias de pecuária de precisão (BEWLEY; RUSSEL, 2010).

Este capítulo tem como objetivo descrever de forma generalizada, independentemente do tipo de sensor ou utilidade de dispositivos, as etapas consecutivas à coleta de dados, caracterizando o desenvolvimento de algoritmos, processamento dos dados e geração de informações para suporte para tomada de decisão na pecuária de leite.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3402

GERAçãO E COLETA DE DADOS

O advento do fenômeno conhecido como “internet das coisas (IoT)”1 proporcionou a geração ex-ponencial de dados, consequência da popularização de dispositivos capazes de gerá-los, tais como celulares, computadores domésticos, ferramentas de empresas e objetos em um estoque. Este ex-cesso de informação demanda grande habilidade de pesquisadores e cientistas para que se consiga extrair informação útil. Esse recurso humano deve ser dotado de habilidades da área de estatística, mas também da área da origem do problema que está sendo debatido. Em alguns momentos, a distância entre essas duas áreas se torna tão grande que se faz premente a formação de equipes interdisciplinares para que se crie a solução ideal.

No âmbito do agronegócio, a entrada de dispositivos desse tipo se tornou popular primeira-mente no meio agrícola, com a entrada de sensores capazes de comunicar com o Sistema de Posicionamento Global (GPS) e a implementação de softwares habilitados com ferramentas de georreferenciamento. Esse tipo de mapeamento digital em tempo real garante aos seus usuários a capacidade de identificar eficientemente cada gleba de terra e, portanto, subdividir custos, receitas e tomadas de decisão conforme a performance de cada setor da propriedade. Esse processo de individualização, a base da Agricultura de Precisão, permite ações como aplicações específicas tanto quantitativamente quanto qualitativamente de adubos e pesticidas e o uso mais eficiente de imple-mentos, entre outros quesitos que antes seriam utilizados de forma generalista. Esse tipo de ação fomenta, entre outras vantagens, a uniformidade da produção e efeitos colaterais positivos como o direcionamento do uso de herbicidas apenas em regiões de maior demanda, reduzindo custos diretos e indiretos como o impacto ambiental dos resíduos.

Seguido a mesma tendência, algumas tecnologias passaram a ser adotadas corriqueiramente por fazendas leiteiras brasileiras: ordenhadeiras mecânicas que registram produção e condutivida-de elétrica do leite produzido pelos animais, balanças de passagem que estimam o peso vivo dos animais bem como as variações de peso ao longo do tempo e sensores de atividades que a partir da contagem de passos detectam animais em estro. Outras tecnologias estão sendo desenvolvidas e avaliadas em centros de pesquisa e precisam de um maior tempo de maturação para que sejam adotadas em propriedades comerciais, como sensores que registram consumo de alimentos e água, comportamento alimentar, frequência cardíaca e respiratória, temperatura corporal, pH ruminal, ati-vidade e posição dos animais.

ExTRAçãO DO CONHECIMENTO

O aumento exponencial de dados coletados automaticamente por dispositivos eletrônicos nas atividades agropecuárias traz como consequência direta a geração de grandes conjuntos de dados.

1 Internet das coisas (do inglês: “internet of things”) foi o nome dado a intercomunicação e integração de dados gerados automaticamente por equipamentos/objetos individualmente identificados com o intuito de gerar informação útil.

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Capítulo 7 Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite 403

Para que essa coleta tenha significado, a massa de dados deverá ser cuidadosamente analisada e interpretada para que se chegue à informação de interesse.

Muitos esquemas e teorias tentando formalizar esse processo de interpretação foram apresenta-dos ao longo dos anos, entretanto destaca-se o fluxograma denominado extração do conhecimento (Knowledge Discovery in Database – KDD). Embora esse termo tenha se tornado mais corriqueiro nos últimos anos, seu conceito foi formalizado no final da década de 1980 e se baseia em um processo de várias etapas, não trivial, iterativo e interativo, para a identificação de padrões compreensíveis, válidos, novos e potencialmente úteis a partir de grandes conjuntos de dados (FAYYAD et al., 1996). A designação “não trivial” implica que o processo de KDD é passível de inferência, e isso revela que essa metodologia é dependente da capacidade do analista de interpretar o fenômeno, ou seja, não se baseia somente em cálculo de médias ou desvios-padrão. O termo “iterativo” denota que o pro-cesso como todo é passível de repetição e ensaios do tipo tentativa e erro, ou seja, demanda que o executor avalie o problema por várias óticas, aplicando diferentes técnicas ou algoritmos quantas vezes for preciso para que se atenda ao objetivo primordial com acurácia e precisão.

O diagrama apresentado na Figura 1 resume as etapas do KDD. Como pode ser observado, a primeira etapa consiste em retirar do banco de dados os fragmentos ou subsets de interesse. No caso da pecuária de precisão essa etapa é crucial, pois favorecerá o processo de integração dos dados brutos. Isso porque é comum que dados sejam coletados por diferentes dispositivos e, muitas vezes, esses sensores são produzidos por diferentes fabricantes. Nesse sentido, a seleção passa a ser essencial, uma vez que cada dispositivo retornará diferentes arquivos, com diferentes formatos e, muitas vezes, com padrões diferentes de unidade (por exemplo, padrões de data/horário: padrão americano (mês/dia/ano – versus padrão brasileiro – dia/mês/ano).

Figura 1. Diagrama de formalização do processo de extração do conhecimento, do inglês, Knowledge Discovery from Database.

Fonte: adaptado de Fayyad et al. (1996).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3404

Como exemplo, pode ser citado o caso de sensores que produzem séries temporais (i.e., dados em função do tempo) para comportamento (por exemplo, pedômetros) e sensores para condições atmosféricas (i.e., temperatura, umidade, etc.). Nesse exemplo, muitas vezes almeja-se correlacionar eventos climáticos com possíveis respostas animais. Esse tipo de integração requer que os dados coletados por ambos os sensores estejam contidos em um mesmo conjunto de dados, devidamente indexados e sincronizados. A indexação se refere à identificação dos dados, ou seja, certo dado foi obtido pelo pedômetro, que estava no animal A no horário x. Nesse mesmo horário x, o sensor 2 coletava dados relativos ao clima em que o animal A estava submetido. Esse tipo de integração se torna mais complexa e susceptível a erros com o aumento da quantidade de dispositivos envolvidos. Como exemplos dessa vulnerabilidade, um cadastro incorreto de um animal em uma das plataformas pode causar não pareamento de dados, por outro lado, a sincronia dos relógios dos sensores pode gerar atribuição indevida (por exemplo, para um outro animal ou evento que não os que originaram o dado coletado). Assim, cabe ao analista conscientizar a equipe de campo sobre a responsabilidade da qualidade da coleta de dados e exigir que a mesma saiba manusear e utilizar corretamente todos os dispositivos. Falhas nesse nível podem inviabilizar todas as etapas a posteriori.

Após a seleção dos dados, procede-se o pré-processamento. Essa etapa é marcada pelo ajuste de variáveis, transformações de unidades, identificação de dados faltantes, eliminação de dados ruidosos e identificação de outliers. Muitos equipamentos possuem algoritmos internos (i.e., não completamente controlados pelo usuário) que se destinam a realizar esse tipo de pré-processamen-to. Embora esse procedimento automatizado reduza o trabalho do analista e frequentemente torne os dados mais limpos, pode mascarar falhas dos sensores ou, muitas vezes, dificultar o casamento e integração da informação com outros dispositivos. Cabe aqui salientar que os dados podem ser de qualquer natureza, incluindo imagens, que podem ser pré-processadas para a obtenção de dados como biometria animal e temperatura (câmeras termográficas). Esse tipo de procedimento foi, por exemplo, utilizado para a determinação da angulação de dorso de vacas ao se locomoverem com o intuito de predizer escores de claudicação (VIAZZI et al., 2013). Esse tipo de dado requer intenso e eficiente pré-processamento para obtenção dos dados.

As etapas seguintes do fluxograma do KDD não são muito comuns na pecuária. Segundo Fayyad et al. (1996), elas consistem da formatação e mineração de dados, cujo objetivo é buscar padrões no banco por meio de técnicas como: redução de dimensão por eliminação de variáveis (por exemplo, componentes principais), transformação de variáveis (conversões lógicas, criação de classes) e, por fim, métodos clássicos como correlações, classificação (i.e., análise de cluster), regressões de Ridge e árvores de decisão. A aprendizagem de máquina (learning machine) permite que com base em uma parcela dos dados, o computador seja treinado para que chegue a uma resposta baseada no cená-rio criado pela interseção de variáveis de entrada. Usam-se, nesse processo de treinamento, vários algoritmos, empregados para avaliação no restante do banco de dados. Esse tipo de procedimento é conhecido como aprendizado supervisionado, visto que existe um padrão ouro para que se avalie a capacidade do modelo criado. Existem ainda métodos não supervisionados que visam, a partir de características similares, classificar resultados. Como exemplo, pode-se citar as análises de cluster, que tem como objetivo criar uma rede de similaridade entre possíveis classes.

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Capítulo 7 Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite 405

As análises supracitadas dependem da integração de muitas variáveis e, até o momento, poucos trabalhos avaliaram essas técnicas no âmbito da pecuária de leite, usando dados não completamen-te coletados automaticamente e com sucesso questionável (SHAHINFAR et al., 2014a; SHAHINFAR et al., 2014b). Segundo Rutten et al. (2013), a maioria dos dispositivos encontrados no mercado para detecção ou auxílio no manejo sanitário de rebanhos leiteiros falham no quesito integração de dis-positivos. Esse cenário limita a aplicação de ferramentas como o aprendizado de máquina e análi-ses multivariadas. Isso é explicável do ponto de vista das empresas fabricantes, que normalmente tentam desenvolver solução para um problema específico, mas poucas conseguem criar um pacote para a atividade como um todo. Nesse contexto, o diagrama proposto por esses autores é mais coe-rente com o que atualmente ocorre com os dados obtidos na pecuária (Figura 2).

Figura 2. Diagrama do fluxo de dados e informações desde o processamento de dados coletados automaticamente até a tomada de decisão pelo produtor e/ou equipe.

Fonte: adaptado de Rutten et al. (2013).

Na Figura 2 pode ser observado o processo de geração de suporte para tomadas de decisões a partir de dados coletados automaticamente por um sensor é dividido em quatro estágios. No primeiro, o sensor captura dados a partir de um animal ou do ambiente. é possível que algum al-goritmo atue junto ao hardware para que o dado seja gerado. Exemplo disso são as balanças que trabalham com células de carga. Esses sensores trabalham gerando alterações de tensão (voltagem) e estas são linearmente convertidas em unidades de massa por métodos de calibração. Esse tipo de conversão (volts para kg) caracteriza um algoritmo interno. A depender do recurso do equipamento,

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3406

é possível que leituras consideradas fora de uma faixa específica sejam eliminadas ou gerem alertas, que podem representar erros de calibração (i.e.¸ o fator de conversão utilizado durante a calibração pode não estar correto ou não mais ser adequado, por exemplo, caso o sensor tenha fadigado). Caso os dados brutos não sejam passados para o banco exportado pelo dispositivo, o analista poderá não conseguir caracterizar esses tipos de outlier e a informação poderá ficar viesada.

No próximo estágio, os dados gerados são interpretados por algoritmos previamente validados e um status é gerado, ou um valor é computado (por exemplo, o animal está em estro). Esse tipo de al-goritmo é também denominado modelo preditivo (um status é predito a partir dos dados). Para esse tipo de informação é essencial o processo de validação, geralmente realizado pela metodologia de comparação dos outputs com um padrão ouro, mas com o advento do sensor, o processo se tornou mais efetivo, embora passível de questionamentos, pois numa perspectiva simplista implicaria em caso de falso positivo, isto é, o algoritmo em teste marcou como positivo ou presente um fenômeno que para o padrão ouro seria negativo. Assim, é preciso cautela e bom senso, pois pode caracterizar supervalorização das capacidades do sensor, o que não é bem aceito pela comunidade científica. A melhor saída é utilizar como padrão ouro os métodos mais sensíveis possível. Uma vez que o algoritmo seja aceito, novas validações deverão ser realizadas o mais frequentemente possível, de forma a aumentar cada vez mais a sensibilidade e especificidade do algoritmo de detecção. Muitas vezes, para se aumentar a acurácia dos dispositivos, a adição de informações obtidas a priori podem ser úteis, ainda que não advenham de sensores. Como exemplo pode-se citar o histórico de cios de-tectados. O intervalo relativamente regular do ciclo estral é uma informação bastante interessante, pois facilita a busca por comportamentos em intervalos regulares. O final da etapa2 no fluxograma é caracterizada pela síntese da informação em si, objetivo similar ao processo de KDD. Os níveis 3 e 4, descritos por Rutten et al. (2013), são relativos à tomada de decisão.

O desenvolvimento de algoritmos preditivos requer habilidade estatística e entendimento dos conceitos básicos sobre modelagem de fenômenos. Nesse caso, o analista deve possuir ampla ca-pacidade de observação e abstração. é muito comum desviar-se da meta inicial durante o processo de modelagem, podendo, portanto, levar a conclusões não desejadas, além de perda de tempo e de esforço (TEDESCHI et al., 2005).

Como passo inicial, o modelista deverá ser capaz de descrever o fenômeno por meio das variáveis coletadas e ter habilidade para reconhecer as distribuições das mesmas e características como insta-bilidade, variância, correlação entre elas, multicolinearidade, entre outros atributos que lhe permitirão aplicar às mesmas a técnica estatística mais adequada. Muitas vezes, a seleção de variáveis poderá ser essencial. Segundo o princípio reducionista conhecido como a Navalha de Occam a explicação de qualquer fenômeno deve assumir apenas as premissas estritamente necessárias à explicação do mesmo, de forma que as entidades não sejam adicionadas ao problema, além da necessidade. Colocar essa filosofia em prática implica reduzir ao máximo o nível de complexidade, ou dimensões geradas por variáveis desnecessárias, sem que se perca qualidade preditiva. Vários métodos estatísticos foram desenvolvidos para esse propósito, entre eles um dos mais populares na estatística aplicada a modelos lineares é o método de regressão stepwise. Esse método de busca é caracterizado pelo ajuste de mode-los de regressão em sequência, onde cada uma das variáveis candidatas é adicionada a cada passo, e

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Capítulo 7 Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite 407

os modelos ajustados podem ser comparados por várias técnicas como erros quadráticos médios, coe-ficientes parciais de correlação, estatística t ou F, critérios de Akaike ou Schwarz, entre outros (KUTNER et al., 2005). No âmbito da estatística multivariada, o uso da análise de componentes principais visa explicar a estrutura de variância-covariância das variáveis envolvidas por meio de poucas combinações lineares, resultando redução de dados e possíveis inferências, como exemplo, quais variáveis são mais “impactantes” para o fenômeno (WICHERN; JOHNSON, 2007).

Passado a etapa de ajuste, torna-se premente a avaliação dos modelos. Segundo Tedeschi (2006), o termo “validação” deve ser preterido nesses casos, pois do ponto de vista filosófico, modelos são representações abstratas da realidade, de forma que nunca poderão mimetizar completamente a realidade em quaisquer condições; dessa forma, jamais será totalmente verdadeiro, correto e, por-tanto, válido. Uma interessante discussão a respeito dessa temática foi apresentada por Sterman (2002), no texto All models are wrong, onde se tentou esclarecer como o mundo que nos cerca é com-plexo e que devemos ser humildes quanto à qualidade dos modelos. Assim, torna-se mais adequado o termo avaliação ou teste de modelos. Embora subestimada, a avaliação de modelos é etapa fun-damental para o sucesso de dispositivos eletrônicos. Isso porque é nessa etapa que se executaram testes para se avaliar a acurácia e precisão dos modelos que gerarão as respostas à demanda inicial. Modelos muitos simples, essencialmente empíricos, podem acabar sendo muito precisos, mas pouco acurados, isto é, muitas vezes serão muito eficientes em predizer resultados nas mesmas condições em que foram desenvolvidos, porém, poderão ter desempenhos insatisfatórios em condições adversas. Por outro lado, modelos muito complexos, excessivamente mecanicistas2, embora geralmente sejam mais robustos e acurados, podem tornar a coleta de dados inexequível ou muito complexa.

Essa característica de poder preditivo deverá ser sempre estudada, pois essa avaliação trará como resultados não somente melhoras aos futuros modelos como também poderá sinalizar fragili-dades dos sensores envolvidos no processo de coleta de dados, apontando lacunas que poderão dar margem ao desenvolvimento de novos dispositivos. No âmbito da estatística quantitativa, Tedeschi (2006) apresentou diversas técnicas e a interpretação das mesmas quando da avaliação de modelos. Do ponto de vista de dispositivos que visem detectar condições lógicas ou binárias, por exemplo, o animal está doente ou não, em cio ou não, testes clássicos de especificidade e sensibilidade podem ser adequados. Em ambos os casos, pode-se aplicar a técnica de validação cruzada, cujo método se baseia no uso de fragmentos de banco de dados para desenvolvimento dos modelos, com posterior uso dos dados remanescentes como padrão ouro para avaliação dos modelos. Essa técnica é co-nhecida como k-fold, onde um conjunto de dados (k) é particionado em n subconjuntos dos dados (k/n = ki) e o i-ésimo subconjunto é utilizado para desenvolvimento do modelo (ou aprendizado de máquina supervisionado), sendo sua capacidade preditiva sucessivamente avaliada frente aos resul-tados observados para os dados em k - ki. Esse processo é repetido até que todos os subconjuntos tenham sido utilizados.

2 Segundo Baldwin (1995), modelos mecanicistas ou mecanísticos são aqueles onde relações empíricas são construídas em nível inferior ao da resposta de interesse, e conjuntamente chegarão a esta última. Como exem-plo, relação entre entidades em nível celular dariam, em conjunto, respostas em nível tissular, ao passo que este daria suporte para predições em nível de órgão, órgãos seriam capazes de predizer uma resposta animal, e assim sucessivamente.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3408

Caso um modelo seja aceito frente sua avaliação, pode-se dizer que se extraíram dos dados o conhecimento ou a informação necessária para suportar tomadas de decisão.

TOMADA DE DECISãO

Modelos de suporte a tomadas de decisão (Decision Supporting Systems – DSS) têm como objeti-vo principal assistir ao usuário durante a solução de problemas cotidianos, muitas vezes subestima-dos quanto a sua complexidade. O uso desses modelos traz como benefício simplificar ou apontar soluções mais eficientes para se atingir um objetivo ou mais objetivos concomitantes. O cenário da pecuária leiteira é demasiadamente complexo e uma miríade de forças é imposta simultaneamente ao sistema (por exemplo, sustentabilidade social, econômica e ambiental) tornando humanamente impossível manejá-lo ao ponto de atender, de forma equilibrada, a todas essas demandas. Agrava-se, nesse cenário, o fato dos níveis de um sistema serem altamente integrados e interações diversas poderem ocorrer, de forma que uma decisão tomada em um nível possa causar distúrbios nos de-mais. Esse tipo de cenário é altamente propício para a aplicação de DSS, todavia a adoção dessas ferramentas raramente ocorre na pecuária leiteira.

Segundo Newman et al. (2000), a baixa frequência de adoção desses sistemas se deve à falta de coerência entre a real demanda dos pecuaristas e as capacidades do sistema e, muitas vezes, à incapacidade e inabilidade do produtor para operar e abastecer o sistema. Para o último caso, o uso de sensores automáticos, base da pecuária de precisão, tem potencial óbvio para sanar o problema da implementação de DSS em fazendas; entretanto, segundo pesquisa de Rutten et al. (2013), dis-positivos capazes de prover suporte a esses sistemas são poucos ou inexistentes. Como abordado na Figura 2, esses dispositivos teriam de agir no âmbito dos níveis 3 e 4 do fluxograma proposto, integração da informação e tomada de decisão, respectivamente.

A falha na integração de dispositivos é recorrente entre os produtos disponíveis no mercado e é uma das queixas de fazendeiros que limita a adoção da pecuária de precisão (BEWLEY; RUSSEL, 2010). Como citado anteriormente, os fabricantes têm como principal objetivo sanar problemas pon-tuais, sendo raros os pacotes de solução que seriam essenciais para a tomada de decisão. Ademais, ferramentas gerenciadoras da informação são escassas no mercado e, em razão da quantidade de dados, são normalmente complexas e demandam treinamento e reciclagem constante dos usuários. Além disso, sistemas como esses carecem de avaliações econômicas e, portanto, limitam tomadas de decisões eficientes quanto a esse quesito, o que causa insegurança em produtores que acabam optando por outras melhorias ou implementos para suas fazendas (STEENEVELD; HOGEVEEN, 2015).

Do ponto de vista estatístico, o processo de suporte a tomadas de decisão é uma evolução da clássica abordagem da modelagem preditiva, porque o intuito é gerar opções a partir das predições e informações geradas a priori, demonstrando os possíveis impactos advindos das decisões tomadas. Esse tipo de técnica é denominada modelagem prescritiva, uma vez que o sistema prescreverá solu-ções e atitudes a serem tomadas e, em algumas situações, poderá ele mesmo tomar a decisão direta-mente. Esse tipo de situação somente é possível para sistemas altamente sensíveis e específicos, pois

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Capítulo 7 Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite 409

para algumas decisões, erros podem ser drásticos. Na pecuária, sistemas prescritivos automatizados podem ser citados como aqueles onde os animais, com base em dados coletados por dispositivos, são colocados em uma lista para apartação e, ao passarem por um corredor (por exemplo, brete), são automaticamente apartados por portões eletrônicos ou são identificados por painéis eletrônicos, sirenes ou similares, para que o usuário saiba que aqueles animais demandam atenção.

Na pecuária, exemplos desse nível de integração e fluxo bidirecional entre dispositivos e algorit-mos em funcionamento ainda são escassos.

ExPLORAçãO DAS INFORMAçõES

Em cenários de alta complexidade como o manejo de atividades leiteiras, por mais que dados sejam coletados automaticamente, para que modelos preditivos e prescritivos atuem eficientemen-te e soluções sejam propostas, faz-se essencial o desenvolvimento de ferramentas adequadas para visualização dos dados e interação entre homem e máquina. A evolução acelerada dos dispositi-vos pessoais portáteis, como tablets e smartphones, aproximou consideravelmente as aplicações e ferramentas de tecnologia da informação e comunicação (TIC) de seus usuários, de forma que muitas pessoas se mantêm conectadas à internet ou a redes pessoais 100% do dia. Esse fenômeno é altamente favorável à pecuária de precisão, contudo é essencial, principalmente em telas pequenas como a dos dispositivos móveis, que a informação seja apresentada da forma mais concisa possível, fomentando rápida interpretação e interação intuitiva. Criar interfaces entre máquinas e humanos é um desafio muito grande e muitos profissionais da área da ciência da informação têm se especiali-zado nessa área, que requer não só habilidade com os dados em si, mas também conhecimento de design, usabilidade, entre outras disciplinas.

Surge, nesse contexto, a utilização de ferramentas visuais denominadas dashboards. Esse termo, que significa painel de instrumentos (por exemplo, o painel de um avião), foi figurativamente adota-do por cientistas da comunicação, pois resume o objetivo de seu emprego na visualização de dados, visto que o piloto de avião tem de ter disponível aos olhos, ainda que em frações de segundo, todas as informações necessárias para pilotar a aeronave, principalmente em momentos de emergência, para que possa tomar as decisões cabíveis.

Segundo Few (2013), especialista da área da tecnologia da informação, a maior parte dos dashboards desenvolvidos para empresas falham em passar a informação, muitas vezes por design pobre, outras por focarem em informação não necessária para o monitoramento.

Na pecuária, dashboards tem de ser desenvolvidos para trazer ao usuário as notificações, alertas e status de forma clara e direta. Devem, além disso, ser personalizáveis de acordo com o perfil do usuário, já que diferentes tomadas de decisão deverão ser propostas, assim como as atitudes a se-rem tomadas. A maior parte dos softwares trabalha ainda com relatórios tradicionais que requerem, muitas vezes, interpretação excessiva dos usuários.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3410

UTILIZAçãO DE BANCOS DE DADOS OFICIAIS BRASILEIROS NO GERENCIAMENTO PECUÁRIO

O controle de genealogia, o cadastro de animais e a documentação do trânsito de animais são bancos de dados sob controle oficial e estão relacionados a processos de rastreabilidade de produ-tos pecuários.

Segundo Schiefer (2006), a rastreabilidade de produtos através da cadeia produtiva está no centro das discussões sobre o desenvolvimento de uma rede de produção de alimentos compe-titiva e sustentável. A organização do fluxo da informação pode seguir duas alternativas: a infor-mação pode estar diretamente ligada ao fluxo do produto (isto é, anexada ao produto), ou pode estar concentrada em bases de dados centralizadas. A rastreabilidade da informação nas cadeias produtivas demanda o uso de sistemas de informação. Sem o suporte da TIC não será possível a construção de sistemas de rastreabilidade eficazes, acessíveis e, acima de tudo, úteis para atender às necessidades e regulamentações cada vez mais exigentes (MURAKAMI; SARAIVA, 2005).

No caso do registro genealógico, as informações constam dos certificados de registro e dos pe-digrees. Entretanto, com o grande volume de informações coletadas para os programas de melho-ramento genético animal e o grande número de gerações já controladas e presentes nos bancos de dados das associações de criadores e programas de melhoramento, é difícil o gerenciamento e uso de um grande número de informações na pecuária sem o suporte da tecnologia da informação (CAVALCANTI et al., 2015).

O controle de trânsito de animais gera uma grande quantidade de informações e o processa-mento de dados por computadores atualmente possibilita compilar e avaliar dados sobre doenças (OLSSON et al., 2001). é importante incluir nas bases de dados a quantidade de animais por reba-nho, região ou país para as mensurações usuais de ocorrência de doenças (incidência, prevalência, risco e densidade de incidência) que só podem ser obtidas dependendo da qualidade dos dados utilizados, independente do sistema utilizado (CHRISTENSEN, 2001). A implantação de uma base de dados nacional para o trânsito de bovinos atende às exigências tanto de mercados importadores do Brasil quanto às expectativas crescentes dos mercados consumidores de produtos de origem animal nacional (CAETANO JUNIOR, 2000).

O conhecimento e utilização das informações existentes nos bancos de dados oficiais constitui importante fonte para a tomada de decisões em uma propriedade rural.

UTILIZAçãO DE INFORMAçõES DO REGISTRO GENEALóGICO E DE PROGRAMAS DE MELHORAMENTO ANIMAL

A execução do Serviço de Registro Genealógico e os programas de avaliação e melhoramento genético são ações de interesse público, pois tem como principal objetivo a preservação da herança genética e a promoção das raças e espécies destinadas à produção de alimentos no País (BRASIL, 2016).

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Capítulo 7 Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite 411

A função primordial do registro genealógico é garantir o assentamento das informações dos ascendentes e descendentes dos animais registrados da forma mais fidedigna possível, sendo que essas informações são base de diversos programas de avaliação genética animal e também devem ser utilizadas no gerenciamento e na tomada de decisões nas propriedades rurais. A regulamenta-ção do registro genealógico permitiu a organização, o arquivamento de dados de produção da pe-cuária e a condução dos trabalhos de registro genealógico em todo o território nacional, auxiliando o desenvolvimento da atividade pecuária e a posterior disponibilização dos dados compilados aos produtores.

O Serviço de Registro Genealógico (SRG) é regulamentado no Brasil pela Lei nº 4.716, de 29 de junho de 1965 (BRASIL, 1965), autoriza entidades e associações de criadores a executá-lo. A lei tem como orientação básica a manutenção dos arquivos zootécnicos dos animais de interesse econô-mico. Para tal objetivo, a lei determina que o Ministério da Agricultura seja o órgão governamental responsável pela normatização do registro, pela concessão da autorização para a execução dos tra-balhos de registro genealógico, pela fiscalização das entidades autorizadas e pela sua regulamen-tação, segundo o Decreto nº 8.236, de 5 de maio de 2014 (BRASIL, 2014). Atualmente, existem 44 associações de criadores e 18 programas de melhoramento animal autorizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Comunicações repassadas equivocadamente interferem na validade dos pedigrees e informa-ções zootécnicas assentadas, repercutindo individualmente nos pedigrees dos animais. Entretanto, esses equívocos são muito mais deletérios quando se imagina a utilização dos resultados desses animais e de seus descendentes nos programas de avaliação genética. O trabalho de avaliação para seleção de animais deve ser iniciado com uma coleta efetiva dos dados nas propriedades rurais (JOSAHKIAN et al., 2003) e essas informações devem ser corretamente encaminhadas para as asso-ciações de raça responsáveis pelo SRG ou aos programas de avaliação genética.

As principais informações utilizadas pelas associações de criadores para o registro genealógico são: comunicação de cobertura, comunicação de nascimento, inspeção ao pé da genitora ou a des-mama, inspeção definitiva e verificação de paternidade por genotipagem, com diferenças de no-menclaturas utilizadas entre as diferentes associações de raça. As informações sobre os animais são repassadas às associações pelos próprios criadores ou por técnicos credenciados das associações.

O registro genealógico e o melhoramento animal necessitam de grandes arquivos com uma in-finidade de informações armazenadas ao longo dos anos e, com o advento da TIC, a maioria das associações, principalmente as que trabalham com o maior número de registros, incentiva seus as-sociados e técnicos a fazerem as comunicações regulamentares em formato eletrônico. Além disso, as manutenções dos livros de registro estão regulamentadas pelo Decreto nº 8.236, de 5 de maio de 2014 (BRASIL, 2014).

A utilização de sistemas informatizados pelas associações e programas de melhoramento gera grandes benefícios para todos os interessados, lembrando que essas informações, apesar de serem geradas pelas entidades, são autorizadas pelo Mapa e consideradas oficiais: 1) a recepção dos dados

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3412

de campo é muito mais ágil; 2) os erros de transcrição das fichas são reduzidos; 3) é possível a inte-gração de alguns programas de gerenciamento de propriedades com os sistemas das associações e programas de melhoramento; 4) são realizadas mais avaliações sobre a qualidade dos dados na digitação e posteriormente na recepção dos dados pelo banco de dados; 5) padronização das infor-mações recebidas pelas associações e também pelos criadores; 6) as fiscalizações das atividades das associações e programas de melhoramento animal pelo Mapa são facilitadas; 7) possibilidade de acesso do produtor às informações referentes a sua criação, principalmente quanto aos resultados das avaliações zootécnicas e da situação individual dos animais, possibilitando sua utilização na tomada de decisões.

UTILIZAçãO DE INFORMAçõES DO CADASTRO DE PROPRIEDADES E DO TRâNSITO DE ANIMAIS

O Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) estabeleceu a obrigatoriedade do cadastro das explorações pecuárias e que estas atividades serão executadas pelas instâncias cen-tral e superior, intermediárias e locais (BRASIL, 2006), designadas Serviço Veterinário Oficial.

Várias ações demandam a utilização de cadastros das explorações pecuárias junto às unidades veterinárias locais. São registradas informações sobre o proprietário dos animais, quantidade de ani-mais e georreferenciamento das propriedades (CARVALHO et al., 2012). Apenas como exemplo da utilização do saldo de animais em atividades rotineiras, menciona-se a obrigação da comprovação da aquisição da vacina contra a febre aftosa em quantidade compatível com a exploração pecuária e a comprovação de vacinação contra a brucelose no estabelecimento de criação de origem dos ani-mais para o trânsito de bovinos ou bubalinos. Além disso, os dados de saldo de animais são neces-sários para os estudos detalhados de trânsito e para o planejamento das ações de defesa sanitária animal (MORAES, 1993; ROSEMBERG, 1986).

Considerando o objetivo de padronização das informações, a organização do cadastro pelos órgãos executores de defesa sanitária animal deve estar de acordo com o Suasa (BRASIL, 2006). As seguintes definições são utilizadas para o cadastro de propriedades no Brasil: 1) propriedade rural: corresponde à área física total do imóvel rural; 2) exploração pecuária: representa o conjunto de ani-mais, de uma ou mais espécies, mantido em uma propriedade rural sob a posse de um determinado produtor rural; 3) produtor rural: qualquer pessoa física ou jurídica que detenha a posse de uma exploração pecuária em uma propriedade rural; e 4) proprietário: corresponde ao detentor da posse da propriedade rural.

O Decreto nº 24.548 do Mapa, de 3 de julho de 1934, estabeleceu a necessidade de certificação sanitária para o trânsito interestadual de animais (BRASIL, 1934). A Portaria DDSA nº 51, de 19 de de-zembro de 1977, instituiu os modelos de certificação chamados Cisa – “A”, “B”, “C” e “D” (BRASIL, 1978), que foram substituídos pela Guia de Trânsito Animal (GTA) instituída pela Portaria nº 22, de 13 de janeiro de 1995 (BRASIL, 1995), documento que atualmente é utilizado para o controle sanitário do

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Capítulo 7 Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite 413

trânsito de animais no Brasil. Atualmente, existem basicamente dois processos federais relacionados à rastreabilidade de animais no Brasil:

• Sistema de identificação individual de bovídeos – Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (Sisbov): de adesão voluntária e estabelecido pela Instrução Normativa n° 17, de 13 de julho de 2006 (BRASIL, 2007).

• Sistema da Guia de Trânsito Animal (GTA): documento emitido obrigatoriamente para o trânsito de animais, baseado nos cadastros de explorações pecuárias dos órgãos execu-tores de defesa sanitária animal nas unidades federativas. é utilizado em todo o território nacional para o trânsito de animais vivos, ovos férteis e outros materiais de multiplicação animal. Ainda não conta com uma base dos dados de trânsito que centralize todas as infor-mações do trânsito de animais no País.

Segundo Cócaro e Jesus (2007), o conjunto de medidas de controle e monitoramento das en-tradas e saídas nas unidades compõe um sistema de rastreabilidade e permite identificar a origem do produto desde o campo até o consumidor final. Tanto o Sistema GTA quanto o Sistema Sisbov mantêm um estrito controle de saldo dos animais nas explorações pecuárias baseado nos controles de entrada e saída na propriedade, nascimentos e mortes de animais.

O Decreto n° 5.741, de 3 de março de 2006 (BRASIL, 2006), estabeleceu que o Mapa promoverá a articulação, a coordenação e a gestão de banco de dados, interligando as instâncias do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) para o registro e cadastro único, com base em identificação uniforme.

Para implementação do cadastro único referente ao Suasa e também visando atender demandas internacionais de maior rastreabilidade de produtos pecuários, foi firmada em 2009 uma parceria público-privada (PPP) entre a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e o Mapa para implemen-tação da Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA) (COUTINHO et al., 2014).

A PGA é uma ferramenta pública de integração de bancos de dados e sistemas que objetiva me-lhorar o acesso às informações do setor agropecuário, aperfeiçoando a gestão operacional e padro-nizando a coleta e disponibilização das informações de produtores, indústria e serviço veterinário oficial.

A PGA está estruturada em quatro módulos: 1) Base de Dados Única (BDU) – inclui o cadastro de todas as informações da cadeia agropecuária, como propriedades rurais, estabelecimentos de produto de origem animal, produtores e laboratórios, além das explorações pecuárias com seus res-pectivos saldos de animais; 2) Gestão do Trânsito de Animais (GTA) – permite o monitoramento das Guias de Trânsito Animal eletrônicas (e-GTA); 3) rastreabilidade – inclui o serviço de rastreabilidade da cadeia produtiva de bovinos e bubalinos (Sisbov), além de servir como base para a gestão dos protocolos de adesão voluntária referentes à Lei nº 12.097, de 24 de novembro de 2009; e 4) Sistema de Informações Gerenciais do Serviço de Inspeção Federal (SIGSIF) – responsável pelo controle dos estabelecimentos processadores com inspeção federal e exportadores para o Brasil.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3414

A PGA possibilita ao produtor o acesso às informações oficiais referentes a sua propriedade, in-cluindo vacinações, condições sanitárias dos animais, saldo do rebanho estratificado por faixa etária e a documentação referente ao trânsito de animais. Além disso, a mesma permite a comunicação remota pelo produtor de informações sanitárias e de trânsito de animais, atualizando automatica-mente suas informações cadastrais. A BDU da PGA é uma ferramenta de gestão tanto dos produto-res rurais, quanto do serviço veterinário oficial.

CONSIDERAçõES FINAIS

As TICs têm propiciado mensurações, predições e análise de dados de variáveis dos animais e do ambiente, permitindo um extraordinário fluxo de informações coletadas automaticamente, geran-do uma infinidade de possibilidades de controle e intervenções que seriam impossíveis dentro dos sistemas tradicionais de produção.

Apesar de estar em fase inicial de desenvolvimento e adoção, o avanço tecnológico em diversas áreas tem permitido que novos sensores e equipamentos cheguem à pecuária com custos cada vez mais acessíveis. Entretanto, para que essas novas tecnologias possam auxiliar a rápida tomada de decisões pelos produtores, os dados registrados precisam ser devidamente analisados e interpreta-dos por software e modelos matemáticos, sendo imprescindível a interdisciplinaridade no desenvol-vimento de novas ferramentas úteis ao setor produtivo.

A aplicação dessas novas tecnologias e de outras que virão com a transformação digital e com a IoT poderá gerar grandes modificações dentro da cadeia produtiva, possibilitando a criação de novos setores de serviço digital, novas demandas pelos consumidores, rastreabilidade dos produ-tos, melhoria na eficiência do uso de recursos, aumento no bem-estar animal e das pessoas que trabalham em fazendas, redução do impacto ambiental e maior lucro e sustentabilidade do sistema. As TICs estão transformando a maneira de gerenciamento da pecuária leiteira.

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Capítulo 7 Contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a pecuária de leite 415

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3416

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 417

INTRODUçãO

Várias doenças podem produzir mortalidade e morbidade nos bovinos, reduzindo a produtivida-de dos rebanhos leiteiros e causando perdas econômicas substanciais. As doenças da produção, tais como a mastite e algumas parasitoses, muitas vezes não resultam na morte dos animais, mas dimi-nuem a quantidade e a qualidade do leite produzido, a fertilidade, a idade para início da reprodução e a conversão alimentar. A produção leiteira em pequena escala nos países em desenvolvimento está sujeita a muitos riscos de doença, porque os pecuaristas muitas vezes possuem conhecimento limitado sobre a prevenção de doenças, gestão e controle dos rebanhos. Além disso, existe ainda pouca disponibilidade ou adequação dos serviços de saúde animal. As diferentes raças de bovi-nos leiteiros apresentam diferentes graus de adaptação ao ambiente tropical, dependendo de suas características físicas e fisiológicas e do tipo de criação. Os bovinos criados em sistemas intensivos de produção de leite são mais expostos a agentes de doenças transmissíveis, enquanto aqueles criados em sistemas extensivos são mais propensos a infecções ou infestações parasitárias.

CONSIDERAçõES SOBRE A MASTITE BOVINA: DIAGNóSTICO E CONTROLE

MéTODOS DE DIAGNóSTICO

A mastite é uma inflamação da glândula mamária, geralmente de origem infecciosa, que pode ocor-rer na forma clínica ou subclínica. O controle e tratamento da mastite são grandes desafios para os países produtores de leite por ser uma doença endêmica que afeta diretamente a glândula mamária, re-duzindo a quantidade e comprometendo a qualidade do leite. Trabalhos realizados nos Estados Unidos da América, Reino Unido e Brasil relataram elevadas perdas econômicas em razão dessa enfermidade.

A correta identificação das espécies bacterianas que causam a mastite bovina é de importân-cia não apenas no aspecto clínico, mas também no biotecnológico, epidemiológico e em estudos

CAPÍTULO 8

Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros

Márcia Cristina de Sena Oliveira | Ana Carolina de Souza Chagas | Lea Chapaval | Luiz Francisco Zafalon | Luciana Gatto Brito

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3418

ambientais. Esses conhecimentos podem ajudar no desenvolvimento de estratégias preventivas, in-dicando formas de manejo e tratamento do animal durante a lactação, descarte ou servindo de base para a administração do tratamento seletivo no período seco. O alto investimento no tratamento da mastite e o risco de recorrer a terapias inadequadas, ou ainda, desenvolver resistência bacteriana, tornam o diagnóstico preciso necessário.

Existem diversos métodos de diagnóstico das mastites bovinas, tanto fenotípicos como ge-notípicos, que possibilitam discriminar os microrganismos em gêneros, espécies e estirpes. As análises fenotípicas dependem da expressão de fatores biológicos da célula tais como, pro-dução de enzimas, utilização de nutrientes, produtos finais do metabolismo e susceptibilidade a agentes químicos. Dessas abordagens fisiológicas, poucas são úteis na caracterização de amostras bacterianas, porque as mesmas dependem da expressão de genes regulados de acordo com as condições do meio ambiente, o que torna o uso dessas técnicas limitado. A cultura bacteriana tem grande valor quando aplicada para enfocar um programa de controle específico, detectar a presença de um patógeno novo ou emergente, avaliar a eficiência do tratamento ou estabelecer padrões de suscetibilidade para auxiliar no desenvolvimento de uma estratégia de tratamento racional. Porém, o sucesso do programa de cultura varia dependendo do tipo de organismo, me-todologia de coleta de amostra e procedimentos laboratoriais. As análises genotípicas, por outro lado, detectam variações nas sequências de DNA que tendem a ser bastante estáveis por longos períodos e menos afetadas por condições ambientais. Essas metodologias permitem a identifica-ção acurada de subtipos bacterianos, fontes de infecção e transmissão, bem como o reconheci-mento de tipos virulentos e o monitoramento de programas de vacinação.

As células somáticas são as células de defesa do animal originadas do sangue que migram para o úbere e também as células de descamação da glândula mamária. Quando bactérias ou outros tipos de patógenos invadem o úbere de uma vaca, ocorre de imediato uma resposta inflamatória a esta invasão. As células de defesa do sangue são transportadas para dentro da glândula mamária com o objetivo de destruir as bactérias. Com isso, a consequência direta é o aumento do número destas células no leite, ou seja, a elevação da contagem de células somáticas (CCS). Há muitos anos o California Mastitis Test (CMT) vem sendo usado como um método para detecção de mastite sub-clínica em vacas. é um teste rápido e simples que estima a CCS no leite de amostras individuais ou compostas dos quartos mamários de um animal. A CCS eletrônica é um teste mais preciso quando comparado ao CMT, por expressar os resultados de forma quantitativa (número exato de células), enquanto o CMT expressa os resultados de forma qualitativa (resultados divididos por categoria e variação de acordo com a pessoa que está fazendo e interpretando o teste). Entretanto, muitas vezes os resultados de CCS não são obtidos de forma rápida e algumas decisões nas propriedades leiteiras devem ser tomadas de forma imediata. Nesses casos, o CMT é uma ferramenta importante.

Estudos compararam algumas técnicas tradicionais, como as baseadas na detecção de células no leite, com outras mais recentes, como a condutividade elétrica, visando a triagem de casos da doen-ça. Porém, os resultados relacionados com a sensibilidade diagnóstica nem sempre são adequados (FOSGATE et al., 2013). Técnicas analíticas podem ser usadas para detecção da mastite por meio do

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 419

desenvolvimento de sistemas multissensoriais. Existem relatos avaliando o sistema de “língua ele-trônica” baseado em sensores químicos potenciométricos (MOTTRAM et al., 2007).

A detecção de alterações na glândula mamária antes do agravamento de casos da doença é fundamental para a redução de prejuízos causados aos produtores. A proteômica pode ser utilizada para a identificação de proteínas na glândula mamária com mastite, presentes em maior escala que em glândulas sadias. Informações obtidas por meio destas técnicas podem ser aplicadas na desco-berta de novos alvos terapêuticos e na pesquisa de novos biomarcadores diagnósticos, porém o uso prático desses novos biomarcadores é um desafio (VIGUIER et al., 2009).

Nos últimos 25 anos, métodos para detecção rápida e para a correta identificação de agentes patogênicos têm sido desenvolvidos para testes clínicos laboratoriais, para a indústria alimentar e para o monitoramento ambiental. Até agora, os métodos de detecção rápidos e bem estudados tais como o enzyme linked immunosorbent assay (ELISA) e o imunoensaio de fluxo lateral (IFL) reduziram o tempo do ensaio para 10 a 24 horas e a reação em cadeia da polimerase (PCR) para 4 a 6 horas, com limites de detecção que variam entre 102 UFC mL-1 a 106 UFC mL-1. Entretanto, o custo elevado e a infraestrutura exigida para o funcionamento apropriado desses testes limitaram suas aplicações em larga escala, especialmente em países em vias de desenvolvimento. Nos últimos anos, pesquisas intensivas foram empreendidas para descentralizar tais testes com boa sensibilidade e seletividade, bem como de operacionalização rápida e fácil. A detecção baseada em reconhecimento biológico, conhecida como biosensing, consiste em instrumentos analíticos com uma biomolécula com uma superfície reativa na proximidade a um transdutor que converte a ligação de um analito à biomolé-cula em um sinal mensurável.

Uma plataforma biosensing ideal deve cumprir as exigências de miniaturização, rentabilidade e ha-bilidade para a detecção simultânea de analitos múltiplos. O principal foco da pesquisa em tecnologia de biosensing está em testes tipo point of care (POCT) ou teste laboratorial portátil (TLP). O princípio fundamental do TLP é fornecer resultados mais rapidamente, executando o procedimento de teste em proximidade com o paciente. Além disso, os pacientes podem ser tratados para obtenção de resulta-dos mais precisos, uma vez que os agentes patogênicos foram identificados. A maioria dos imunoen-saios do TLP usa técnicas de fluxo lateral (IFL), métodos eletroquímicos, ou versões miniaturizadas dos métodos já usados nos analisadores do laboratório. Tiras de papel imunocromatográficas que unem a cromatografia com imunoensaios convencionais são chamados testes de uma etapa, de baixo custo e rápidos, e facilitam a identificação de vários bioanalitos. Esses testes têm sido desenvolvidos para a detecção qualitativa ou semiquantitativa específica de antígenos, anticorpos, haptenos, tais como resíduos de droga e mesmo oligonucleotideos através de visualização colorimétrica.

CONTROLE DA MASTITE BOVINA

O rápido e correto diagnóstico da mastite é fundamental para o estabelecimento de estra-tégias para o seu controle. O conhecimento do tipo de micro-organismo que causa a doença é relevante para a tomada de decisões sobre o tipo de conduta a ser seguida, assim como é de

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3420

importância para o reconhecimento e correção das possíveis falhas no manejo dos animais antes, durante e depois da ordenha.

As rotinas de manejo relacionadas com a obtenção de um leite de ótima qualidade a ser envia-do ao processamento pela indústria ou pela própria fazenda leiteira são amplamente conhecidas. Cuidados devem ser tomados com relação à higiene do ambiente e o bem-estar animal desde antes da entrada dos animais no local de ordenha até o momento posterior à ordenha, de modo a im-pedir que micro-organismos invadam a glândula mamária caso o animal se deite em ambientes contaminados.

Durante a ordenha, o manejo deve ocorrer de modo a proporcionar um tempo adequado para a pré-ordenha, que não ultrapasse demasiadamente o limite de um minuto desde a entrada da vaca até o acoplamento das teteiras, visando o aproveitamento da liberação da ocitocina na corrente sanguínea. Antes da colocação das teteiras nos animais, a antissepsia dos tetos pré-ordenha deve ocorrer de maneira que possibilite o contato do produto antisséptico pelo tempo mínimo necessá-rio para inativação das principais bactérias que possam estar presentes. O uso da água para lavagem dos tetos antes da antissepsia pré-ordenha deve ser permitido somente se os tetos se encontrarem com sujeiras visíveis. Quando os tetos se encontram sem sujeira aparente, a ação do higienizante durante a antissepsia antes da retirada do leite é suficiente dentro da rotina da ordenha, evitando riscos de se carrear sujeiras a partir do úbere em direção aos tetos caso a lavagem seja mal efetuada. Em muitas propriedades também pode haver ausência de controle da qualidade da água utilizada para a lavagem dos tetos, tornando-a um meio de transmissão de micro-organismos. Durante a or-denha, os ordenhadores devem estar atentos para evitar a sobre ordenha das vacas que, caso ocorra, aumenta a possibilidade de ocorrência de lesões nos tetos e, consequentemente, o aparecimento de casos de mastite. Depois da ordenha, a antissepsia dos tetos deve novamente ocorrer com pro-dutos próprios como, por exemplo, aqueles à base de iodo.

Estes são princípios básicos de ordenha que devem ser seguidos, em conjunto com a regulagem adequada do equipamento de ordenha, a correta higiene dos ordenhadores e a manutenção de água de boa qualidade que entrará em contato com as vacas. Essas ações, quando feitas de maneira não preconizada ou mesmo a ausência delas, podem fazer com que a mastite evolua para casos clínicos que são visíveis ao produtor de leite, ou acarrete a elevação da CCS no leite de conjunto da propriedade. Atualmente, a CCS é uma das maneiras de se aferir a qualidade do produto e um dos quesitos utilizados pelos laticínios não só para a efetivação do pagamento do leite por qualidade como também para a tomada de decisão sobre aceitação ou recusa do leite daquela propriedade. O leite com alta CCS está relacionado com a alta frequência de casos de mastite subclínica, que apesar de não serem visíveis ao produtor, ocasionam os maiores prejuízos financeiros.

Dentre as principais formas de tratamento existentes para o combate da mastite em vacas leitei-ras, destaca-se o tratamento alopático feito com produtos antimicrobianos. Ele é amplamente usa-do nas propriedades leiteiras, apesar de muitas vezes acontecer sem o acompanhamento técnico necessário. Ao final da lactação, rotineiramente, preconiza-se o uso de antimicrobianos na secagem das vacas, estando elas com ou sem mastite. O uso da terapia da vaca seca somente em animais

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 421

reconhecidamente infectados também poderá ser utilizado, entretanto exige investimentos por parte do produtor em exames diagnósticos para detecção do agente que causa a mastite e para testar a sensibilidade antimicrobiana do agente ao produto a ser usado na terapia. Cresce em níveis mundiais a preocupação com o uso indiscriminado de antibióticos em animais de produção e a rotina de tratar todos os animais à secagem poderá ser uma prática de manejo em desuso no futuro.

Durante a lactação, o tratamento é realizado substancialmente nos casos clínicos da doença. As informações a respeito dos fatores de risco para a mastite clínica são escassas e, segundo Oliveira et al. (2015a), o seu conhecimento é útil para a construção de medidas de controle. Esses autores investigaram oito rebanhos leiteiros em Minas Gerais por meio de um estudo retrospec-tivo longitudinal durante 65 meses e verificaram que o número de lactações, a raça, as contagens de células em meses anteriores, a época do ano e os casos anteriores de mastite clínica foram fatores que influenciaram a ocorrência de novos casos clínicos.

O uso do tratamento com antibióticos em casos de mastite subclínica na lactação deve ser feito em casos especiais, com decisão conjunta entre produtores e técnicos especializados, principalmen-te quando o agente etiológico for sensível a esse tipo de tratamento e/ou o produtor estiver com pro-blemas perante o estabelecimento processador devido à baixa qualidade de seu leite por apresentar elevada CCS. Assim, as vantagens financeiras desse tipo de tratamento deverão ser consideradas.

Mesmo com agentes de difícil controle como o Staphylococcus aureus, condutas poderão ser aplicadas na lactação, como o uso da “terapia estendida”, ou seja, a utilização por 5 a 8 dias de produ-tos antimicrobianos, período superior ao recomendado normalmente para casos clínicos. O sucesso do tratamento sempre deverá ser testado por meio de informações como a cura bacteriológica, a redução da CCS e a manutenção do animal sadio no restante da lactação, além da ausência de resí-duos no leite depois do tratamento. Também deverão ser considerados a capacidade de produção da vaca, a sua idade e o estágio de lactação em que ela se encontra (BARKEMA et al., 2006). Algumas vezes, torna-se vantajoso para produtor antecipar a secagem do animal e tratá-lo com antimicro-bianos próprios para animais secos, que apresentam um período de liberação na glândula mamária superior aos antimicrobianos utilizados para a lactação.

O tratamento da mastite, seja de casos clínicos ou subclínicos, deveria sempre ser feito depois da identificação do micro-organismo causador da doença, pois a eficácia da terapia antimicrobiana depende do agente causal da doença. Entretanto, nem sempre o diagnóstico é rápido ou possível de ser realizado, principalmente quando a vaca está acometida clinicamente e a intervenção técnica é necessária rapidamente.

A glândula mamária bovina é um local de difícil ação para os antimicrobianos em virtude do leite apresentar uma composição que muitas vezes prejudica a ação do medicamento. Além disso, nem sempre o antimicrobiano indicado para determinada bactéria é eficaz contra outros tipos de micro-organismos (HONKANEN-BUZALSKI; PYORALA, 2007). Nesse sentido, estudos adicionais relacionados com técnicas que aumentem a efetividade antimicrobiana no interior da glândula mamária, como a nanoencapsulação dos princípios ativos, serão muito úteis para colaborar com

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3422

informações para o controle da doença. De qualquer forma, deve-se sempre atentar para a neces-sidade de obediência aos períodos de carência registrados na bula do produto, durante os quais o leite é considerado impróprio para o consumo humano, devendo ser descartado.

Muitos métodos alternativos são estudados para o tratamento e controle da mastite, de forma a impedir a presença de resíduos de antibióticos no leite ou mesmo pela necessidade de cura da doença não proporcionada pela terapia convencional. Existem, por exemplo, formas de tratamen-to da mastite subclínica com o uso de substâncias antimicrobianas como a nisina, a lisozima e a utilização da medicina tradicional chinesa. A nisina é um polipeptídeo que pode inibir bactérias gram-positivas. Ervas tradicionais chinesas também podem ser usadas para controlar formas agudas da mastite e, até mesmo, a mastite subclínica (WU; HU, 2007).

Esses métodos alternativos são úteis em propriedades leiteiras que utilizam a produção orgânica do leite, onde o uso de antibióticos convencionais é aceito somente em casos excepcionais. Como exemplo, a qualidade do leite aferida por meio de quesitos relacionados com a presença ou ausência de mastite em propriedades orgânicas parece ser similar à de propriedades não orgânicas, quando consideradas as contagens celulares no leite individual dos animais e a prevalência de bactérias (MULLEN, et al., 2013).

Mais estudos de caráter científico devem ser conduzidos com relação ao controle da mastite por formas não alopáticas, como a homeopatia, por exemplo. Segundo os princípios homeopáticos, as vacas não necessariamente responderão ao tratamento com redução das contagens celulares no lei-te, às vezes, pelo contrário, poderá haver um aumento dessas células na dependência do período de tempo em que os medicamentos serão oferecidos aos animais. Assim, torna-se questionável o uso de um tipo de tratamento que aumenta a contagem de células somáticas do leite em regiões onde os laticínios pagam pela qualidade, desde que o lucro seja visado pelo produtor orgânico. Talvez, nessas propriedades, uma investigação mais rigorosa dos quadros infecciosos de mastite possa ser feita, a fim de não prejudicar os produtores perante os esquemas de pagamento empregados pelos laticínios.

A vacinação é uma das ferramentas que pode ser utilizada para o controle da mastite. Porém, o ato de vacinar os animais contra a doença não parece ter efeitos positivos quando a vacinação é usada como única medida de controle dentro da propriedade. Estudos demonstram que vacas não vacinadas não apresentaram diferença na ocorrência de casos clínicos quando comparadas com ani-mais vacinados, nem a CCS variou significativamente entre os grupos vacinado e não vacinado. A se-veridade dos casos clínicos apresentou redução quando os animais foram vacinados, o que pode ter influenciado a maior produção de leite e de sólidos no leite (BRADLEY et al., 2015). Em outro estudo, a vacinação reduziu a proporção de micro-organismos, porém, devido a questões metodológicas do experimento, os autores citam ser possível que suas estimativas de eficácia da vacina possam ter sido superestimadas quando comparadas com a eficácia da vacina em condições de campo. A eficá-cia vacinal pode variar de acordo com as práticas de manejo em cada propriedade, contudo, alerta-se que a vacinação necessita ser combinada com excelentes procedimentos de ordenha, descarte de vacas reconhecidamente infectadas que transmitam micro-organismos a outras vacas e outros procedimentos que reduzam a incidência e a duração da infecção (SCHUKKEN et al., 2014).

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 423

INOVAçõES NAS TéCNICAS DE DIAGNóSTICO E MONITORAMENTO DAS PRINCIPAIS PARASITOSES QUE AFETAM O GADO LEITEIRO

Nas condições tropicais brasileiras, um dos principais parasitas que afetam os bovinos leiteiros são os carrapatos da espécie Rhipicephalus microplus. Esses artrópodes causam prejuízos da ordem de milhões de dólares anuais aos pecuaristas no Brasil, em razão da intensa espoliação produzida pelo hematofagismo, transmissão de agentes patogênicos, gastos com acaricidas e medicamentos veterinários (GRISI et al., 2014). Além disso, podem ocorrer problemas de saúde pública e restrições comerciais por conta da presença de resíduos de fármacos no leite e derivados. Entre os agentes patogênicos transmitidos por R. microplus, destaca-se os protozoários hemoparasitas Babesia bovis e Babesia bigemina e a bactéria Anaplasma marginale.

As infestações por carrapatos são combatidas principalmente através do uso sistemático de aca-ricidas, o que tem determinado a seleção de populações resistentes aos princípios químicos usados (FURLONG et al., 2004). Os métodos estratégicos de controle desse parasita tornaram o processo mais racional, porém, poucos produtores os usam de modo eficiente. A resistência aos princípios químicos disponíveis se desenvolveu de forma alarmante, levando à necessidade de se adequar melhor o uso desses acaricidas.

Estudos desenvolvidos em diferentes populações de R. microplus demonstram uma grande as-sociação entre diversos fatores fenotípicos analisados, tais como concentrações letais (CL) e fato-res de resistência (FR), e a frequência de mutações específicas. Como a detecção da resistência em populações de carrapatos é uma ferramenta importante na preservação das bases químicas ainda disponíveis, a procura por novos métodos de diagnóstico tanto fenotípico como genotípico se tor-nou prioridade.

Os métodos de diagnóstico da resistência fenotípica aos pesticidas nas populações de carrapa-tos devem obedecer a certos preceitos definidos pela FAO (2004): devem ser de fácil reprodução, ter baixo custo e ser capazes de detectar a resistência precoce a todos os princípios químicos em uso, de forma rápida. Os testes que detectam a resistência fenotípica aos pesticidas usam fêmeas adultas ou larvas de carrapatos. O chamado teste de imersão de fêmeas adultas (TIA), que foi originalmente descrito por Drummond et al. (1973), é o mais usado no Brasil. Porém, o teste do pacote com larvas (LPT) é considerado pela FAO como o mais eficiente para detectar a resistência, tendo o inconve-niente de ser mais demorado (cerca de 6 semanas). Nesse teste, larvas produzidas em laboratório a partir de fêmeas adultas são expostas a papéis de filtro impregnados com as diferentes bases aca-ricidas a serem testadas. A leitura é feita após 24 horas em condições controladas de temperatura e umidade, sendo contadas todas as larvas mortas e vivas.

Os principais mecanismos de resistência aos pesticidas já identificados em vários artrópodes são: a redução da penetração de moléculas pesticidas na cutícula do parasita, o aumento da expressão de enzimas envolvidas em processos de detoxificação e a insensibilização de receptores do sistema

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3424

nervoso dos ácaros (SCOTT, 1995). Esses mecanismos são usados como guias na identificação de marcadores moleculares que facilitem o rastreamento das populações resistentes, já que resistên-cia a pesticidas é um fenômeno de origem genética. Indivíduos mutantes que sobrevivem a altas concentrações desses compostos transferem as características de sobrevivência a sua progênie por meio de mutações genéticas.

Em levantamento feito por Mendes et al. (2013), foi verificado que o controle dos carrapatos nos rebanhos brasileiros têm sido feito principalmente com acaricidas à base de cipermetrinas, del-tametrinas e, mais recentemente, a associação de cipermetrinas e organofosforados. Assim, serão abordados nesse capítulo os métodos de diagnóstico relativos a esses dois grupos de inseticidas.

Os piretróides são os inseticidas mais usados em todo o mundo e assim a resistência a esse princí-pio já foi assinalada em diferentes espécies de artrópodes. Esses compostos sintéticos são derivados de neurotoxinas naturais de plantas que atuam ligando-se às proteínas dos canais de sódio, localizados nas membranas dos neurônios dos artrópodes, impedindo seu fechamento e provocando descargas neurais repetitivas (SODERLUNG; BLOOMQUIST, 1989). A abertura permanente dos canais de sódio provoca o bloqueio da transmissão dos impulsos nervosos e rápida ataxia, efeito conhecido como knockdown. Assim, a insensibilidade do sistema nervoso dos artrópodes originária do uso intensivo de piretróides ficou conhecida como resistência tipo KDR (knockdown resistance). Essa insensibilidade confere resistência também ao diclorodifeniltricloroetano (DDT) e seus análogos (SCOTT, 1995). Duas mutações no canal do sódio em mosca-dos-chifres com altos níveis de resistência à cipermetrina fo-ram descritas por Guerrero et al. (1997): a substituição da leucina por fenilalanina, que foi associada à resistência do tipo KDR e a de metionina por treonina, que foi associada à resistência denominada super-KDR (s-KDR). Essa ultima mutação foi identificada apenas em indivíduos homozigotos resisten-tes para KDR, em populações com altos FR aos pesticidas piretróides. Analogamente, He et al. (1999) identificaram uma mutação pontual no segmento S6 do domínio III do gene do canal de sódio em po-pulações de R. microplus muito resistentes aos piretróides e ao DDT. Jonsson et al. (2010), na Austrália, identificaram uma mutação no linker do domínio S4-S5 do canal do sódio, onde o aminoácido glicina foi substituído por valina em populações de R. microplus resistentes a flumetrina.

Um teste para identificação da mutação que confere resistência aos piretróides no carrapato bovino foi desenvolvido por Guerrero et al. (2001). A mutação produz a substituição do aminoácido fenilalanina por isoleucina no segmento S6 da transmembrana do domínio III do canal de sódio em indivíduos com o genótipo resistente. Este teste (Figura 1) torna possível a genotipagem das larvas de carrapato como homozigotas sensíveis (SS), heterozigotas (SR) e homozigotas resistentes (RR) e foi utilizado para avaliar várias populações de carrapatos no Brasil.

Andreotti et al. (2011) não encontraram mutação em três populações de carrapatos resistentes aos piretróides colhidas no estado de Mato Grosso do Sul. No estado de Minas Gerais, Faza et al. (2013) estudaram 587 populações de carrapatos e concluiram que 97,44% delas eram resistentes e 91% dos indivíduos testados apresentavam o gene mutante em heterozigose. No estado de São Paulo, Oliveira et al. (2015b) estudaram dez populações de carrapatos com diferentes graus de re-sistência aos pesticidas piretróides. Foram genotipadas 631 larvas, sendo encontrada frequência de

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 425

95,9 % (n = 605) de larvas com alelos homozigotos sensíveis (SS), 3,6 % (n = 23) de larvas com alelos heterozigotos (SR) e 0,48% (n = 3) de larvas com alelos homozigotos resistentes (RR). A análise geno-típica de larvas de carrapatos oriundas de populações colhidas em Rondônia mostraram níveis mais altos de alelos resistentes em homozigose (RR), chegando a 23,2% das amostras analisadas em uma propriedade. Esses testes genotípicos não estão ainda disponíveis para os pecuaristas, sendo usados apenas em levantamentos epidemiológicos efetuados em pesquisas científicas.

Com relação aos inseticidas organofosforados, as esterases parecem ser as principais enzimas que atuam no metabolismo e eliminação desses pesticidas, em especial as acetilcolinesterases (AchEs), fosfotriesterases e carboxilesterases (SOGORB et al., 1996). A acetilcolina é um importante neurotransmissor que se liga temporariamente à proteína associada ao canal de sódio na membra-na das células nervosas, promovendo a abertura desse canal e a passagem do impulso nervoso de uma célula à outra. Após a propagação do estímulo nervoso, a acetilcolina deve ser degradada pelas AchEs, evitando que as células permaneçam com seus canais de sódio permanentemente abertos. Os inseticidas organofosforados atuam ligando-se fortemente a essas enzimas, impedindo a sua ação. Pontos de mutação no gene que codifica a AchE foram associados à resistência aos organofos-forados em diferentes espécies de artrópodes. Alguns estudos foram desenvolvidos com a finalida-de de identificar mutações provocadas pelo uso sistemático desses acaricidas, porém nenhum resul-tado efetivo foi encontrado até o momento, levando à hipótese de que a resistência pode envolver o aumento da transcrição ou da amplificação de genes que codificam enzimas metabolizantes como as AChEs (GUERRERO et al., 2012). O aumento da transcrição ou amplificação dessas enzimas poderá viabilizar o desenvolvimento de provas moleculares quantitativas (qPCR) mais rápidas e com alta acurácia, que tornarão menos trabalhoso e demorado o processo de detecção de cepas de R. micro-plus resistentes aos organofosforados (BRITO et al., 2015).

Figura 1. Eletroforese dos produtos de amplificação do gene que codifica o canal do sódio (KDR) em Rhipicephalus microplus (68 pb). Padrão de pares de bases (100 pb); S= sensível, R= resistente. Larvas heterozigotas (SR) e homozigotas resistentes (RR) em destaque.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3426

Com relação aos hemoparasitas, agentes causais da tristeza parasitária bovina (TPB), os métodos de diagnóstico também têm evoluído de forma notável. As babesioses são provocadas por proto-zoários que se multiplicam exclusivamente no interior de eritrócitos, originando uma enfermidade hemolítica e febril cuja gravidade é dependente de vários fatores relacionados ao parasita e ao hos-pedeiro. Anaplasma marginale também se multiplica nas células vermelhas dos bovinos, produzin-do sinais clínicos que se confundem com a babesiose. As perdas ocasionadas por essas doenças são atribuídas ao menor ganho de peso dos animais, decréscimo na produção de leite, infertilidade de touros, abortos, morbidade, mortalidade e gastos com medicamentos e serviços veterinários. Além de todos esses problemas, a ocorrência dos hemoparasitas representa um obstáculo à introdução de animais oriundos de áreas livres de carrapatos, com o propósito de melhorar a produtividade dos rebanhos. O diagnóstico da forma clínica dessas hemoparasitoses é feito, além da avaliação clínica do animal, por meio do exame microscópico de esfregaços de sangue periférico dos animais afe-tados, técnica considerada regra de ouro. Esse método, além de não ser capaz de detectar animais em fases iniciais da doença e portadores sadios, é demorado e laborioso. Os exames sorológicos que detectam anticorpos específicos contra os hemoparasitas têm sensibilidade e especificidade dependentes, principalmente, do antígeno usado. A técnica imunoenzimática (ELISA) é a mais usada para a pesquisa de anticorpos contra A. marginale e Babesia spp.

Muitas dificuldades são encontradas nos estudos sobre a dinâmica das infecções pelos hemopara-sitas nos carrapatos vetores das babesioses e anaplasmoses. A pesquisa de Babesia spp., em esfregaços de hemolinfa e em macerados de ovos e larvas, apresenta como principais limitações a impossibilida-de de se diferenciar B. bovis e B. bigemina a partir da análise morfológica dos esporocinetos e a baixa sensibilidade da técnica. Modernos métodos de diagnóstico molecular tornaram possível a detecção de pequenas quantidades de DNA de qualquer organismo em uma amostra. A reação em cadeia da polimerase (PCR) possibilitou o desenvolvimento de técnicas de diagnóstico mais sensíveis e espe-cíficas. Testes baseados em PCR, desenvolvidos para a detecção de Babesia spp., têm demonstrado sensibilidade 100 a 1.000 vezes maior que o limiar de detecção da microscopia óptica.

Figueroa et al. (1993) desenvolveram um PCR “multiplex” para detecção de B. bovis, B. bigemina e A. marginale em sangue bovino. A sensibilidade do teste foi de 0,00001% de eritrócitos infectados para B. bovis e B. bigemina e 0,0001% para A. marginale. Estudos conduzidos em colaboração entre os laboratórios da Embrapa Pecuária Sudeste e do departamento de Parasitologia da Unesp–Botucatu empregando a técnica de PCR e “Nested” PCR mostraram que, em bovinos leiteiros criados em área de estabilidade endêmica para as babesioses no estado de São Paulo, as frequências de infecção por B. bovis não diferiam das de B. bigemina e que a infecção por ambas foi semelhante em bezerros e vacas, sendo que os carrapatos que se alimentavam em bezerros mostraram maiores níveis de infec-ção por B. bigemina (OLIVEIRA et al., 2005; OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2005). Um protocolo baseado na PCR quantitativa em tempo real (qPCR) foi descrito por Buling et al. (2007), tornando possível o diagnóstico rápido das babesioses bovinas (Figura 2) com a possibilidade de estimar o grau de parasitemia nos animais. Esses testes moleculares representam um grande avanço no desenvolvi-mento dos estudos epidemiológicos das babesioses, permitindo determinar rapidamente o risco da ocorrência de surtos em rebanhos leiteiros.

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 427

Figura 2. Curva de dissociação para detecção simultânea de Babesia bovis, B. bigemina (gene mt-cyB) e Anaplasma marginale (gene MSP1b).

CONSIDERAçõES E PERSPECTIVAS NA PESQUISA DE ANTIPARASITÁRIOS À BASE DE BIOATIVOS VEGETAIS

A PESQUISA DE ExTRATOS VEGETAIS COM ATIVIDADE ACARICIDA

O sucesso na pecuária bovina depende da aplicação de práticas adequadas de manejo nutri-cional, reprodutivo e sanitário. No manejo sanitário, o controle de parasitas é um grande desafio, uma vez que o agrupamento de animais implica, inevitavelmente, infestação parasitária. O rápido estabelecimento da resistência em parasitas, como o carrapato bovino R. microplus, criou um cená-rio preocupante que tem influenciado o curso da investigação científica na área de manejo animal e parasitologia veterinária. Portanto, a busca de ferramentas para minimizar esse problema tem sido proposta em inúmeros projetos de pesquisa, tais como o uso de antiparasitários à base de extratos

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3428

vegetais. A pesquisa por fitoterápicos busca obter parasiticidas biodegradáveis e com menor elimi-nação de resíduos nos produtos de origem animal e no meio ambiente (CHAGAS et al., 2016).

Algumas famílias botânicas são reconhecidas por apresentar várias atividades biológicas contra diferentes organismos. Além disso, há um número crescente de estudos sobre o uso de óleos es-senciais no domínio veterinário, particularmente como agentes de controle de ectoparasitas como piolhos, moscas e carrapatos. Uma possível vantagem do uso de extratos vegetais, como os óleos es-senciais, em relação aos tratamentos convencionais, é que os mesmos possuem eficácia ovicida re-latada, ação repelente em razão dos seus componentes voláteis e efeito na fecundidade das fêmeas quando as mesmas são expostas a doses subletais (ELLSE; WALL, 2014). Assim, existe a necessidade de investigações mais completas, que não se restrinjam apenas a indicar se um fitoterápico é ou não eficaz contra uma ou outra fase parasitária, mas também buscar estimar o impacto deste extrato ou bioativo em todo o ciclo parasitário, incluindo a infestação da pastagem ao longo do tempo. Além disso, se a avaliação in vitro de um extrato vegetal indicar ineficácia, deve-se comparar as substân-cias identificadas no extrato com o modo de ação relatado na literatura, pois uma ação indireta, ou seja, não por contato com a cutícula do carrapato e sim pela ingestão, justificaria a continuidade do estudo por meio de experimentos a campo com bovinos (CHAGAS et al., 2012).

Dessa forma, os extratos vegetais têm sido investigados na tentativa de se incrementar as opções de carrapaticidas disponíveis para os produtores, existindo ainda a possibilidade de associação de moléculas sintéticas com moléculas naturais, que possam potencializar a ação das primeiras. Além disso, os bioativos isolados e identificados podem servir como ponto de partida para a produção de substâncias semissintéticas e sintéticas. Sua obtenção ocorre em nível laboratorial, em maior volume, com produção monitorada por meios analíticos conforme resultados recém-adquiridos de nosso grupo de pesquisa (dados não publicados). Nesta linha de pensamento, outro exemplo foi um estudo realizado avaliando óleos essenciais quimicamente modificados de Cymbopogon spp. e Corymbia citriodora em R. microplus, buscando-se obter substâncias com ação similar a juvenoides. O citronelal presente nos dois óleos foi quantificado e convertido em N-butilcitronelilamina e em N-prop-2-inilcitronelilamina, análogos de juvenoides. A modificação química otimizou o efeito dos óleos nos carrapatos in vitro, mas não no teste in vivo, onde se comparou a eficácia do óleo original em relação ao óleo modificado na contagem de fêmeas ingurgitadas. Acredita-se que tal resultado foi obtido devido à baixa estabilidade das aminas em condições de campo. Esse estudo foi conside-rado pioneiro em R. microplus e esse conceito expande o horizonte para a pesquisa de substâncias quimicamente modificadas para o controle parasitário, além de demonstrar os desafios de se desen-volver formulações eficazes (CHAGAS et al., 2014).

A maior parte dos testes in vitro que têm sido utilizados para verificar a atividade biológica dos fito-terápicos foi inicialmente desenvolvida para detectar a resistência dos parasitas aos grupos químicos de carrapaticidas comerciais. Dessa forma, o efeito de um extrato vegetal pode ser subestimado e até ignorado se o método de avaliação selecionado desconsiderar alguns fatores que podem influenciar os resultados, tais como a solubilidade ou um efeito indireto sobre o parasita alvo. Apesar dessas defi-ciências, o desenvolvimento de estratégias menos dependentes de testes in vivo é de grande impor-tância em virtude das preocupações pertinentes ao uso de animais em experimentos científicos.

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 429

As técnicas mais tradicionalmente utilizadas para levantamento de atividade biológica in vitro de extratos vegetais no carrapato R. microplus são o teste do pacote de larvas ou do papel impreg-nado (FAO, 1971; STONE; HAYDOCK,1962), o teste de imersão de larvas (SHAW, 1966) e o teste de imersão de fêmeas ingurgitadas (DRUMMOND et al., 1973). Entretanto, como óleos essenciais são ricos em monoterpenos extremamente voláteis, adaptou-se e validou-se o teste de repelência na Embrapa Pecuária Sudeste (CHAGAS; RABELO, 2012), levando-se em consideração o geotropismo das larvas, ou seja, o comportamento de se deslocarem para a extremidade superior das gramíneas. Essa metodologia é de extrema importância na identificação de substâncias que possam ser incor-poradas a formulações carrapaticidas, causando repelência à fase de larva e impedindo sua fixação no bovino. Isso se mostra muito vantajoso já que repele o parasita antes que o mesmo se estabeleça e inicie o repasto sanguíneo, evitando a transmissão da TPB e os prejuízos advindos do parasitismo. Nessa técnica, a partir da contagem das larvas presentes em cada área de hastes de madeira impreg-nadas com o extrato vegetal, é possível obter a relação entre o número total de larvas inseridas no teste e o total de larvas em cada área. Esses dados devem ser obrigatoriamente comparados com aqueles de um grupo controle composto de água destilada e outro de solvente utilizado na mesma concentração (Figura 3).

Atualmente, existem vários projetos de pesquisa em andamento, nos quais diferentes bio-mas brasileiros têm sido investigados. Pode-se citar o projeto da Embrapa Verdevet: Avaliação de Tecnologias para a Melhoria da Saúde Animal e Redução do Uso de Drogas Veterinárias na Produção de Bovinos de Leite. Espécies vegetais foram definidas, autorizações de coleta e remessa adquiridas e extratos têm sido produzidos para screening laboratorial e identificação das espécies com maior potencial acaricida. Frações mais purificadas dos melhores candidatos têm sido produzidas para no-vos testes in vitro, além de estudo fitoquímico para levantamento dos bioativos de melhor potencial.

A B C D E

Figura 3. Esquema das hastes de madeira com as áreas 1 e 2 imersas em tubo tipo Falcon de 15 mL com o extrato vegetal (A); esquema da inversão das hastes e suas respectivas áreas (B); inserção das hastes em base de gesso com papel filtro. Aproximadamente 100 larvas do carrapato dos bovinos são colocadas em cada haste, rente ao papel filtro, em três repetições (C); bomba de vácuo adaptada com borracha e ponteira na extremidade (D); e contagem das larvas de R. (B.) microplus presentes em cada área (E).

Fonte: adaptado de Chagas e Rabelo (2012).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3430

Na escolha do melhor candidato, leva-se em consideração a facilidade de cultivo da espécie vegetal, o rendimento do óleo essencial ou da fração pretendida e, ainda, a presença de um constituinte ou bioativo que possa ser facilmente obtido de forma comercial, ou cuja rota de síntese não seja muito laboriosa e de custo elevado, além de ser desejável que este bioativo e/ou seus metabólitos possam ser monitorados analiticamente em tecidos, sangue, carne e leite. Entre os resultados mais recentemente obtidos por nosso grupo de pesquisa, pode-se citar um levantamento feito com 11 óleos essenciais extraídos de plantas cultivadas no Bioma Amazônia (Figura 4).

O óleo de Curcuma longa (açafrão) obteve o melhor desempenho nos testes com o carrapato R. microplus (CL50 de 10,24 mg mL-1 e 0,54 mg mL-1 contra fêmeas ingurgitadas e larvas, respectiva-mente), apresentando eficácia de 71% sobre as fêmeas e 100% sobre as larvas nas concentrações de 6,25 mg mL-1 a 25,0 mg mL-1. De acordo com o estudo dos constituintes do óleo essencial, a pre-sença de sesquiterpenos α, β e ar-turmerona (62% no total) pode estar relacionada com o efeito de C. longa. O potencial dos isolados de turmerona indica a necessidade de continuidade do estudo, que deve incluir a avaliação da toxicidade aos hospedeiros. Essa nova informação, quando combi-nada aos resultados já adquiridos, pode fornecer uma forte fundamentação para a concepção de ensaios pré-clínicos e clínicos para avaliar o seu potencial uso em formulações para o controle do carrapato bovino (CHAGAS et al., 2016).

Portanto, diversos aspectos devem ser levados em consideração em relação à utilização de extra-tos vegetais e seus compostos no controle de parasitas: extração, conservação, estudo fitoquímico, metodologia laboratorial a ser utilizada, determinação da concentração letal in vitro, toxicidade para o hospedeiro, dose efetiva in vivo, período residual, estabilidade da(s) substância(s), possibilidade de síntese ou modificação química para maior estabilidade, resíduos/metabólitos gerados e custos (CHAGAS, 2015).

DESAFIOS A SEREM SUPERADOS PARA O AVANçO NA OBTENçãO DE FORMULAçõES ACARICIDAS

Acredita-se que o uso de extratos vegetais para controle parasitário possa retardar o desenvolvi-mento da resistência, já que os mesmos consistem de uma série de substâncias que podem agir de maneira diferente, dificultando a defesa e a sobrevivência do parasita (ATHANASIADOU et al., 2007). Se a substância ativa for isolada e usada extensivamente, nada impedirá o rápido desenvolvimento da resistência parasitária se ela possuir um único mecanismo de ação. Por outro lado, uma formu-lação desenvolvida à base de somente um bioativo pode ter sua qualidade muito mais facilmente controlada, além das questões residuais serem de fácil monitoramento. O que poderia ser conside-rado um dilema, classificamos como diferentes aplicações da fitoterapia.

A divergência dos resultados de eficácia obtidos in vitro em relação aos obtidos in vivo pode ser atribuída a fatores-chave relacionados, por exemplo, à volatilidade dos bioativos de um óleo essencial, ou ainda, à inexistência de uma formulação adequada que fixe o carrapaticida-teste na

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 431

Figura 4. Espécies vegetais utilizadas na obtenção de óleos essenciais: Croton cajucara [morfotipo branco (A) e vermelho (B)], C. sacaquinha – sacaquinha (C), Curcuma longa – açafrão (D), Lippia alba – erva-cidreira-brasileira (E), L. gracilis (F), L. origanoides – sálvia-de-marajó (G), L. sidoides – alecrim-pimenta (H), Mentha arvensis – hortelã-japonesa (I), M. piperita – hortelã-pimenta (J), Zingiber officinale – gengibre (K).

Fonte: Chaves et al. (2016).

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3432

pele do bovino e aumente seu período residual (Figura 5). é importante concentrar esforços em estudos para determinar os adjuvantes mais apropriados a serem associados a moléculas vegetais e desenvolver formulações-modelo que possam ser adaptadas de acordo com a natureza do extrato ou do bioativo vegetal (CHAGAS, 2015).

Figura 5. Concentrado emulsionado produzido na Embrapa Pecuária Sudeste, aspergido em bovino carrapateado e efeito nos carrapatos obtidos dos animais tratados em relação aos do animal controle.

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Atualmente, nossas pesquisas estão focadas no isolamento de novas substâncias acaricidas de origem vegetal, sua síntese e inclusão em formulações seguras e com controle de qualidade, para que possam ser adquiridas pelos produtores e usadas na rotina das fazendas. Recomenda-se forte-mente que formulações caseiras e produtos sem autorização no Ministério da Agricultura não sejam aplicados em bovinos. Existe risco de intoxicação do animal, aborto, aumento da carga parasitária devido à ausência de efeito na infestação pelo carrapato e, ainda, prejuízos com a compra de pro-dutos ditos fitoterápicos, mas sem comprovação de eficácia em testes exigidos para sua comercia-lização. O controle biológico do carrapato por meio da utilização de fungos entomopatogênicos (Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana) e de nematoides entomopatogênicos (Steinernema glaseri e heterorhabditis baujardi) tem sido pesquisado já há várias décadas; entretanto, apesar de bons resultados terem sido obtidos in vitro, os testes a campo indicam baixa eficácia. Alguns grupos de pesquisa têm tentado elevar a eficácia de vacinas no controle do carrapato bovino, além de re-duzir a variabilidade de sua resposta, número de doses e custo. Atualmente, as vacinas disponíveis comercialmente não têm sido utilizadas por conta, principalmente, desses problemas. Em nossa opinião, este é um campo promissor que talvez gere bons resultados em longo prazo.

é essencial que os produtores entendam que os antiparasitários (quer sejam sintéticos ou de origem natural) não devem ser adotados como a única alternativa para o controle dos parasitas. Os antiparasitários devem ser entendidos como uma das ferramentas disponíveis a serem usadas em associação ao controle integrado de parasitas, incorporando o conceito de uso racional de antipara-sitários. Deve-se realizar o teste de sensibilidade dos carrapatos a carrapaticidas para direcionar os

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 433

tratamentos na propriedade, identificar animais mais susceptíveis para descarte e os mais resisten-tes, como reprodutores/matrizes, fornecer alimentação adequada por categoria animal e sempre ter controle dos animais tratados, do medicamento utilizado e da data do tratamento. Informações técnicas quanto às épocas adequadas para o tratamento carrapaticida, técnica correta de aplicação do banho carrapaticida e manejo dos grupos químicos estão amplamente disponíveis. Somente com o uso racional e controlado de carrapaticidas, sejam eles sintéticos ou naturais, é possível desa-celerar o estabelecimento da resistência aos carrapaticidas e reduzir o risco da presença de resíduos em produtos de origem animal.

CONSIDERAçõES FINAIS

A sanidade dos rebanhos é fundamental para a melhoria da qualidade e quantidade do leite produzido pelos rebanhos brasileiros. Assim, nesse capítulo abordamos de forma simples, algumas inovações tecnológicas que foram desenvolvidas ou aplicadas em pesquisas nessa área, na Embrapa Pecuária Sudeste. Novos protocolos para o controle da mastite bovina são de importância estraté-gica para os sistemas de produção de leite. Do mesmo modo, o diagnóstico precoce dessa doença poderá ser feita de modo rápido no futuro próximo, usando-se os testes laboratoriais portáteis. Esses testes permitirão a rápida intervenção nos casos de mastite, evitando o agravamento da infecção e os prejuízos advindos dela. O uso contínuo de acaricidas para o controle das infestações pelo carra-pato bovino disseminou a resistência e deixou produtores praticamente sem opções de tratamen-to. O manejo adequado dos princípios carrapaticidas disponíveis deve ser feito de forma criteriosa, usando modernas técnicas moleculares que detectam de forma precoce a ocorrência de mutações genéticas nos carrapatos, provocadas pelo uso sistemático de pesticidas. Paralelamente trabalhos científicos têm mostrado que os extratos de várias plantas, que contém substâncias inseticidas, po-derão ser usados em breve no controle dos carrapatos, reduzindo os prejuízos para os produtores e os resíduos tóxicos no leite. Por fim, novas metodologias de diagnóstico molecular para B. bovis, B. bigemina e A. marginale tornaram possível entender melhor a epidemiologia dessas doenças, e são fundamentais principalmente na previsão da ocorrência de surtos.

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Pecuária de leite no Brasil | PARTE 3434

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Capítulo 8 Inovações tecnológicas em sanidade de bovinos leiteiros 435

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Impressão e acabamentoEmbrapa Informação Tecnológica

O papel utilizado nesta publicação foi produzido conforme a certificaçãodo Bureau Veritas Quality International (BVQI) de Manejo Florestal.

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A obra Pecuária de leite no Brasil: cenários e avanços tecnológicos

descreve as predições e as proposições de soluções de natureza

política, além de recomendações técnicas para a cadeia produtiva

do leite.

Mostra a importância das exportações para a estabilidade dos

preços na cadeia produtiva do leite, pois, sem essa estabilidade, a

inovação tecnológica deixará de ser lucrativa, podendo não ser

adotada pelos produtores.

O livro aborda também tecnologias já consagradas, a capacidade

de geração de novos produtos, e o que há de mais moderno nessa

área, além de analisar as tendências com base em estudos cientí-

ficos.

Discorre sobre a importância da pesquisa que gera conhecimento,

transformado em tecnologias para a sociedade, completando,

assim, o ciclo em que a pesquisa começa com um problema e só

termina com a solução: a tecnologia nas mãos dos produtores.

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