o conceito de territÓrio na geografia xingu (os kalapalo) e o de um grupo de animais (leões). as...
TRANSCRIPT
BIOLOGIA
O CONCEITO DE TERRITÓRIO NA GEOGRAFIA
Território é um conceito que pode aparecer associado a vários elementos, sejam eles de ordem
biológica ou de ordem social, política ou económica. Leia os significados dessa palavra que aparecem
no dicionário Aurélio:
Território: l. Extensão considerável de terra; torrão. 2. A área de um país, ou estado, ou província,
ou cidade etc. 3. Nos EUA, região que não constitui Estado e é administrada pela União. 4. Base
geográfica do Estado sobre a qual ele exerce a sua soberania, e que abrange solo, rios, lagos, mares
interiores, águas adjacentes, golfos, baías e portos.
Fonte: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.Edição eletrônica. Curitiba: Positivo, 2009.
Na Biologia, uma das formas de se referir ao território é como uma área dominada por uma de-
terminada espécie animal. Como exemplo, podemos citar o território de um leão, em uma savana,
ou de uma onça, na floresta. Na Antropologia, o território pode estar associado à área vivida por
uma comunidade indígena, na qual ela sobrevive e mantém sua cultura. Já na Geografia, é comum
se referir ao território no sentido político-administrativo, ou seja, relacionado aos limites espaciais
de um país, estado ou município.
Ao observar as imagens da abertura do capítulo, portanto, é possível verificar diferentes represen-
tações de território. Há o território de um país (Angola), de um grupo indígena do Parque Indígena
do Xingu (os Kalapalo) e o de um grupo de animais (leões). As duas primeiras representações de
território são as que mais interessam nos estudos geográficos, pois decorrem das relações e ações
da sociedade e sua apropriação do espaço.
Neste capítulo, analisaremos algumas concepções geográficas de território e formas como esses
territórios se expressam efetivamente no espaço geográfico.
Nas Ciências Sociais, de modo geral, o território é definido pelas relações entre um grupo ou so-
ciedade e o espaço. De acordo com alguns pesquisadores, essas relações são mediadas pelo poder,
enquanto outros estudiosos afirmam que são as ações culturais que as norteiam.
Ao longo da história, estabeleceram-se debates sobre o conceito de território envolvendo diversas
áreas de conhecimento, como a Sociologia, a Geopolítica, a História, a Economia e a Geografia. Para
o geógrafo Rogério Haesbaert, é importante compreender as várias abordagens e concepções sobre
o território:
• a concepção naturalista compreende duas definições de território: uma estabelecida pelos
animais, como vimos no exemplo no início deste capítulo, e outra que envolve o comporta-
mento "natural"dos homens. Nela há, assim, importante relação entre Geografia e Biologia, pois
compreende-se o território em uma perspectiva que transpõe o darwinismo para as análises
sociais - o chamado darwinismo social;
• a concepção económica entende o território como fonte de recursos, ou seja, uma área estabe-
lecida que garante os recursos necessários à (re)produção material de um grupo social. Nessa
perspectiva económica, destacam-se as análises do geógrafo brasileiro Milton Santos. Segundo
esse estudioso, para aqueles que têm o poder económico e político, o território constitui-se
como um conjunto de recursos a serem explorados de acordo com seus interesses particulares;
para os que não têm, ele constitui um abrigo, onde se busca uma adaptação constante ao meio
geográfico, ao mesmo tempo que se recriam estratégias que garantam a sobrevivência;
a tradição jurídico-política associa território ao Estado. Entre os autores que defendem essa
concepção, destaca-se o geógrafo alemão Friedrich Ratzel (1844-1904), para quem o território
é um espaço definido pelo controle político de uma determinada área (leia o boxe a seguir);
a perspectiva idealista analisa o uso do espaço vivido e as relações culturais que nele se es-
tabelecem. Entende-se que os laços com o território são mediados pelos valores materiais e
também pelos culturais, espirituais, simbólicos, afetivos, e pela noção de pertencimento. Nessa
concepção utiliza-se mais a expressão territorialidade, e não território.
Per f i l
Friedrich Ratzel
Um revigoramento do processo de sistematização daGeografia vai ocorrer com as formulações de FriedrichRatzel. Este geógrafo alemão publica suas obras no últi-mo quartel do século XIX. Enquanto Humboldt e Rittervivenciaram o aparecimento do ideal de unificação alemã,Ratzel vivência a constituição real do Estado Nacionalalemão e suas primeiras décadas. A Geografia de Ratzelfoi um instrumento poderoso de legitimação dos desígniosexpansionistas do Estado alemão recém-constituído.
A Geografia proposta por Ratzel privilegiou o ele-mento humano e abriu várias frentes de estudo, valori-zando questões referentes à História e ao espaço, como:j formação dos territórios, a difusão dos homens noglobo (migrações, colonização etc.), a distribuição dospovos e das raças na superfície terrestre, o isolamento esuas consequências, além de estudos monográficos dasáreas habitadas. Tudo tendo em vista o objeto central queseria o estudo das influências que as condições naturaisexercem sobre a evolução das sociedades.
[...] Os discípulos de Ratzel radicalizaram suas colo-cações, constituindo o que se denomina "escola determi-nista" de Geografia. Os autores dessa corrente partiramda definição ratzeliana do objeto da reflexão geográfica e
simplificaram-na. Orientaram seus estudos por máximas,como "as condições naturais determinam a História",ou "o homem é um produto do meio" - empobrecendobastante as formulações de Ratzel.
Fonte: MORAES, António Carlos Robert de. Geografia: pequena
história crítica. São Paulo: Hucitec, 1984. p. 53-58.
Diante da diversidade de abordagens sobre o território, é necessário pensar em uma proposta
que integre as contribuições citadas anteriormente, para que esse conceito não seja estritamentenatural, político, económico ou cultural.
Dessa forma, o território poderia ser entendido considerando-se as múltiplas relações de poder:
do poder material das relações político-econômicas ao poder simbólico das relações culturais. Apesar
de haver a possibilidade de ampliar esse conceito, muitos estudiosos ainda continuam a utilizaraquelas noções fragmentadas e separadas de território.
No entanto, ainda há um predomínio da ideia de território como um espaço definido e delimitado
a partir de relações de poder, em geral relacionado ao Estado Nacional, por exemplo, o territóriobrasileiro, paraguaio, nicaraguense, paquistanês, entre outros.
PARAGUAI: POLÍTICO - 2010
ALÍO'PARAN,
ARGENTINA ~i COROlLLERA CAAGUAZlKAssunção^ Caacupé; Coronel
"*-• ' ' oudacK __^ Fonte: Geografia de Paraguay. Portal
paraguayo de notícias. Educação.PARAGUARÍ' • Caazapg--'—-"-*-->
....cAAZApA- / Disponível em: <http://www.ppn.com.py/html/servicios/futuro/
educacion/geografia_paraguay.
J^—— asp>. Acesso em: 18 jul. 2012.
Porém, como discutimos anteriormente, o conceito de território abarca mais do que o poder do
Estado Nacional, uma vez que todo espaço definido e delimitado a partir de relações de poder também
é um território. Isso pode ser visto desde um pequeno quilombo, área estabelecida pelas relações de
pertencimento, até uma organização supranacional, como a União Europeia.
Neste capítulo o conceito de território será abordado a partir de relações que delimitam um
espaço pela sociedade, mediadas por relações de poder, seja ele político, económico, cultural ou
simbólico.
EUROPA: FORMAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA - 1952-2007
Ano de adesão à UE
l l 1952
l l 19731981
19861995
[~~Í20042007
Fonte: União Europeia. Países. Disponível em: <http://europa.eu/about-eu/countries/indexjJt.htni>. Acesso em: 18jul. 2012.
l UM TIPO DE TERRITÓRIO: OS ESTADOS NACIONAIS
Os Estados Nacionais constituem uma das formas de organização do território mais representa-
as em mapas políticos. Neste tópico, será analisado como essa forma de organização espacial se
ixistituiu na modernidade. Para tanto, mostraremos exemplos de países europeus, pois foi nesse
rntinente que se organizaram os primeiros territórios com as características de Estado-Nação.
Geralmente se tem a ideia comum de que os países são organizações"naturais"do espaço, tendo em
sta que seus limites muitas vezes são definidos por rios, montanhas, mares, entre outros elementos
a natureza. Outro fator que contribui para essa ideia é a crença de que os limites dos países estão
stabelecidos há muito tempo e, assim, seriam definitivos.
É preciso reconhecer que os países são organizações espaciais constituídas de relações sociais e,
esse modo, a dinâmica de suas transformações é estabelecida pela história dos povos que neles
wm e pelas relações desses povos com o espaço. Além disso, os limites de um país, que nem sempre
50 demarcados por elementos naturais, podem realmente ter sido conformados há muitos anos e
c= séculos, mas nem por isso são imutáveis, pois podem mudar no decorrer da história.
O Estado-Nação só se consolida no século XIX. Sua constituição está diretamente relacionada ao
esenvolvimento e à expansão do capitalismo na fase industrial. Esse modelo de organização do
soaco teve início na Europa Ocidental e, posteriormente, expandiu-se para o Oriente e mesmo para
s antigas colónias europeias, após os movimentos de independência.
As fronteiras do continente europeu: um pouco de história
Antes de se constituir como Estados-Nações, o espaço geográfico hoje conhecido como con-
snente europeu estava organizado de um modo muito diferente do que conhecemos atualmen-
•=. A organização dos povos gregos e romanos, que chegaram a ocupar terras além da Europa,
ãác exemplos de como esse espaço geográfico era organizado na Antiguidade (entre os séculos
' a.C.elVd.C).
Na Grécia Antiga, a cidade-Estado ou polis era uma for-
—è de organização territorial, autónoma e independente.
jz DS romanos constituíram um grande império, que
acrangia áreas dos três continentes conhecidos na épo-
3.0 império era tão extenso que, em certo momento,
se j território foi dividido entre Ocidente e Oriente, para
lue se pudesse viabilizar sua administração. Observe no
—apa da próxima página como era a organização desse
território. Compare-o com um mapa político atual da
Ejropa e observe como o aspecto e os limites territoriaisdesse continente foram transformados.
Os limites entre os territórios do Império Romano e
as partes não pertencentes a ele eram muito ténues,
pois era difícil estabelecer com precisão onde as áreas
3€ domínio iniciavam e onde terminavam efetivamente.
Geralmente, os grupos que eram conquistados e tinham
seus territórios dominados precisavam pagar impostos,porém, muitas vezes permaneciam vivendo conforme N° lmPéri° R°™"° -frança *Apostos era uma forma de
garantir certa unidade territorial. Na foto, moeda de prata do século l,seus costumes e sua Cultura. cunhada pelos romanos.
IMPÉRIO ROMANO - SEC. II a.C.-SEC. Ill d.C.
[___J Territórios conquistados 200 anos a.C.
[____] Territórios conquistados 100 anos a.C.
[ Extensão do Império no princípio da E
[ ^ J Conquistas no século ! da Era Cristã
Conquistas ulteriores (Trajano, Severo
Fonte: SALLES, C. Larousse das civilizações antigas. Paris: Larousse, 2008.
r*Fronteiras e limites
Ampliando conceitos
Muito ouvimos falar de fronteira como algo que
separa um território do outro, ou mesmo uma região
da outra, como se fosse sinónimo de limite. Porém é
importante perceber que existe uma diferença entre
esses dois conceitos.
Enquanto o conceito de fronteira pressupõe aqui-
lo "que está na frente", sendo um fenómeno da vida
social que acontece de forma espontânea, o conceito
de limite busca denominar o fim daquilo que mantém
uma unidade político-territorial coesa.
A fronteira, diferentemente do que se pensa, não
consiste em uma ideia de fim, mas sim de começo, ou
seja, um lugar para onde se tende a expandir, sendo
possível perceber tal conotação quando falamos de
fronteira agrícola, fronteira tecnológica etc.
Já a ideia de limite se reforça e se estrutura com
base na concepção do Estado Moderno, em que há
por parte deste um controle efetivo (língua nacional
e moeda comum, sistema de impostos etc.) exercidopor um governo central.
Enquanto a fronteira é dinâmica e se encontra
orientada para fora, onde a presença social é funda-
mental, o limite é fixo, sendo, portanto, uma abstração
somente, determinada por lei ou acordos (internos e
externos), não estando ligado à presença de pessoas
para caracterizá-lo, sendo um elemento de separação
entre uma unidade territorial e outra.
Um exemplo atual para entender essa diferença
é a questão que envolve Brasil e Paraguai. Embora
os dois países estejam separados por um limite que
determina até onde vai o território de um e de outro,
sendo isso o que se visualiza em um mapa político, a
fronteira entre os dois países é algo mais dinâmico e
implica uma relação económica peculiar, em função
do interesse dos brasileiros em comprar produtos
paraguaios, vendidos a preços mais baixos que os
nacionais, levando a uma intensa mobilidade popu-
lacional na fronteira, onde se encontra a Ponte da
Amizade.
Na Idade Média, outras formas de organização do espaço europeu foram estabelecidas, e não
existiam Estados da forma como os conhecemos na atualidade. Nem sequer existia a ideia de Europa
como a concebemos hoje. Naquela época havia reinos, principados, senhorios, condados ou ducados.
Observe no mapa a seguir como era a organização do espaço europeu na Idade Média. Compare-o
com o mapa dos respectivos países na atualidade.
55'A/ 20° O I. Faroe
* REINO DACONDADO/ -NORUEGA
DASÓRCAiíAS /# »
i REINO DA™«u« í J SUÉCIA;SCÓCIA
REINO DA
EUROPA - IDADE MEDIA40' L
DINAMARCA"í «LU. ri
DJF%JGLXfERRA /,:*
/"-"í; IMPÉRIO '----í; GERMÂNICO
Irlandeses
OCEANO t~-ATLÂNTICO \O DA /\ FRANÇA J ';
C"*"" /' l ' cr * 'í REINtD"-«INODE y'NO,?A'ÍDELEÃO NÁVÁR.RA BI RGONHA
y ^-, ^. w*"*-»í-i/-*—v>i
, ffèò^ ^f^~^BARCELONA ^*C< JM,PrE™°n , - - - ';
CALIFADO-, ' BUnG,f0<-nmiAnA / X Gaeta^ ;\O iOMÍADA
. Amalfí |.\O DE.
M 3 ,
DO lOCIDENTE
DOMÍNIOS MUÇULMANOS
SALERNO ff
PRINCIPADO DE
"^^-x-, cis^ IMPÉRtoBIZANTINO
•3*,
PRINCIPADO DECÁPUA-BENEVENTO
370 740 kn
^ne. McEVEDY, C. Atlas de história medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Com o fim da Idade Média, o desenvolvimento de outras formas de governo, a expansão do
capitalismo e a ascensão da burguesia, a organização do espaço europeu passou a ter uma nova
configuração. Entre os séculos XV e XVIII, constituíram-se as monarquias e os regimes absolutistas
e, como consequência, uma nova organização territorial foi estabelecida. É nesse período que a
Inglaterra e a França, por exemplo, iniciam a consolidação de Estados absolutistas, com um controle
maior do Estado sobre o espaço e a definição de fronteiras.
No século XVII, os territórios de alguns países como França, Espanha, Portugal e Inglaterra, entre
outros, apresentavam uma configuração próxima à da atualidade. Porém, não se pode afirmar que
nesse período eles já tinham uma unidade cultural e linguística.
No caso das terras das atuais Alemanha e Itália não havia organizações territoriais com poder
centralizado; havia pequenos territórios fragmentados, com características de organização espacial
próximas ao do período medieval. Isso indica que a organização territorial dos Estados europeus não
se deu de forma regular, mostrando que a história não é linear para todos os países. Ao contrário: há
mudanças, avanços e retrocessos.
EUROPA - SÉCULO XVII
r ..*.•:/'l REINO DA
^ / ^ y^y^si^&JÍ*. l MBrcl°C^^^V^UBPs / Norte ^-,* \-.\ ;/ ,
REINO DA ^p3REINO DA DINAMARCA
INGLATERRA i l '^~ ,- ~7::J^REPÚBLps, ST
OCEANO P^?f!?í!ÍÍ*?S
ATLÂNTICO
L feiNCFBÁ ; ' xiííSuÉcK ^ $r<t
f. ,, p r i ff /7, P xx- - s
<?- \40°L
3v\O
RUSSO
AtSES-BAIXOS - tf1 »*.ESPANHÔtS ^50;ô« ^k
Baixo 'ÍXAUSTRIAPalatmàrln -Alto
S -iaíônft ^W REINO DA
feo ^ xfuSTRIÀ P°LÔNIAlatir^ldo .Alto
-. .-i . • i_ HBd _Condado d-BoígorfcH^v-^x^Jj
REINO -./r: SUÍÇA Sattborgò
DA l_^n-íff\x FRANÇA
^clo^—v_^ X - la^o , \„ Moidâ^ft ^~^ te Crimeia \ Mncipado i
""•a*** Império Ger nanico
Fonte: McEVEDY, C. Atlas de história moderna (até 1815). São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Mas o que é o Estado-Nação? O texto a seguir discute os significados de Estado e nação, e suas
implicações para a sociedade.
Ampliando conceitosl)A formação primitiva do Estado
O conjunto de instituições que exercem essas funçõesde legislar, executar e julgar em nome do conjunto doscidadãos de uma sociedade se chama Estado. Uma funçãoessencial e preliminar do Estado é a organização de sua de-fesa em relação às pretensões territoriais de outros Estadose assim garantir a sua soberania sobre o seu território e apopulação que nele habita. O Estado, ainda que em suas for-mas primitivas e de alcance pouco abrangente, é, portanto,essencial para a convivência pacífica dos diversos gruposde indivíduos que habitam um determinado território epara a defesa de seus interesses em confronto com outrascomunidades organizadas sob a forma de Estado. [...]
Nação em seu sentido político moderno é uma comu-nidade de indivíduos vinculados social e economicamen-te, que compartilham certo território, que reconhecema existência de um passado comum, ainda que divirjamsobre aspectos desse passado; que têm uma visão defuturo em comum; e que acreditam que esse futuro serámelhor se se mantiverem unidos do que separados, ainda
Fonte: GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Nação
que alguns aspirem modificar a organização social danação e seu sistema político, o Estado.
Nesse sentido, é possível falar de uma nação brasileira,de uma nação mexicana, de uma nação indiana, de umanação norte-americana, e assim por diante, ainda que gru-pos sociais dentro dessas nações possam ter interpretaçõesdiferentes de seu passado e aspirações distintas para seufuturo em comum, sem, todavia, que nenhum grupo sig-nificativo chegue a desejar e a lutar pela secessão.
Nacionalismo é o sentimento de considerar a naçãoa que se pertence melhor do que as demais. São mani-festações extremadas desse sentimento a xenofobia, oracismo e a arrogância imperial. Nacionalismo é, tam-bém, o desejo de afirmação e de independência políticadiante de um Estado opressor ou, quando o Estado jáse tornou independente, o desejo de assegurar em seuterritório um tratamento melhor dado pelo Estado, oupelo menos igual ao tratamento concedido ao estrangei-ro, seja ele pessoa física ou jurídica., nacionalismo, Estado. Estudos Avançados, Universidade de São Paulo,
São Paulo, v. l, n. l,p. 145,148-149,1987.
O Estado-Nação resulta de processos históricos que se estabeleceram na Europa desde a cons-
tituição dos Estados absolutistas, e só assume a configuração atual na Europa e América entre os
séculos XVIII e XIX. É importante destacar ainda que, se de um lado, a constituição do absolutismoestá vinculada ao desenvolvimento inicial do capitalismo, de outro, as tentativas de definição detonteiras, a organização de um Estado centralizador e a constituição dos Estados Nacionais estão
apoiadas no capitalismo industrial.
• Estado-Nação: o exemplo da Alemanha
O caso da Alemanha é um bom exemplo de constituição de um Estado Nacional.
No fim da Idade Média, o que conhecemos hoje como Alemanha era uma reunião de mais ou-nenos trezentos principados, feudos eclesiásticos, reinos, cidades livres, entre outros. Eram unidades
teritoriais e políticas praticamente autónomas, de modo que não existia unidade entre elas, ou seja,
-ao existia um Estado centralizado, que controlasse ou comandasse tudo.Essas unidades apresentavam níveis de desenvolvimento económico distintos; algumas já estavam
içadas às atividades pré-capitalistas e outras ainda apresentavam características tipicamente feudais,
como a existência da servidão e da vassalagem. A Renânia e a Vestfália, por exemplo, mais próximasZc. Europa Ocidental, destacavam-se entre as que já desenvolviam o comércio e as primeiras formas
ré indústria. De outro lado, a Prússia e a Áustria constituíam monarquias absolutistas com grande
ceder militar e atreladas às tradições medievais.É somente no século XIX que a organização do espaço da Alemanha se configura de modo a obter
jna unidade nacional. Com o acordo feito entre as monarquias absolutistas europeias no Congresso
ae Viena, em 1815, foi constituída a Confederação Germânica, conforme se pode observar no mapa
a seguir, composta de 39 Estados soberanos, sob a hegemonia da Áustria.No entanto, não se pode afirmar que já havia um Estado centralizado, pois cada um dos membros
•zà confederação permanecia politicamente independente.
CONFEDERAÇÃO GERMÂNICA - 1815
DINAMARCA
Mar Báltico- v -,SCHLESWIG-
OLDEMBURGO -HÕtíTÊÍN ' f*~íí-úlseck \ -
i Hamburgo -••'ftx ; ""• ' »* M|CKLEMBUfíGO - -
^^ ,.-- :-... POMERANfA PRiXíiaÀ>. / S >Breme7V<—H;RELITz;: ooplm
Fronteiras da ConfederaçãoGermânica
Reino da Prússia
Império Austríaco
^__^ Estados germânicos foraj do controle prussiano ouaustríaco
Fonte: DUBY, George. Grand atlas historíque. Paris: Larousse, 2008.
ALEMANHA - 1871
A liderança da Confederação era almejada pela Prússia, que, estando em uma etapa avançada do
desenvolvimento industrial, via na unidade política a possibilidade de desenvolvimento económico
e de ampliação do mercado. Desse modo, em 1834, a Prússia conduziu um processo de abolição das
barreiras comerciais existentes entre os Estados da Confederação.
Foi em 1866, porém, que o choque de interes-
ses entre Áustria e Prússia tornou-se insustentá-
vel. A disputa pelo poder de administração dos
territórios levou as duas potências a entrar em
uma guerra que ficou conhecida como Guerra
Austro-Prussiana, da qual a Prússia saiu vitorio-
sa. A Áustria então foi obrigada a ceder gran-
de parte de seu território à sua oponente. Em
1867, a Prússia organizou a Confederação Alemã
do Norte, provocando a dissolução da antiga
Confederação Germânica. Os esforços de seus
governantes estavam voltados ao estabelecimen-
to de condições favoráveis ao desenvolvimento
do capitalismo, de modo a consolidar o domínio
sobre áreas fornecedoras de matéria-prima e fon-
tes de energia.
Napoleão III, rei da França, temia a expansão do
poder prussiano sobre seu território. Após a bata-
lha de Sedan pela disputa do domínio da região
da Alsácia-Lorena, o temor de Napoleão foi então
concretizado, já que, tendo perdido a guerra, foi
obrigado a ceder a região à Prússia. Finalmente,
em 1871, com a proclamação do Império Alemão
e a coroação de Guilherme l imperador, constituiu-
-se a unificação nacional alemã.
É importante destacar que os diferentes gru-
pos sociais que viviam nesses territórios e traziam
identidades distintas tiveram de assumir uma
nacionalidade baseada nos ideais prussianos. A
Alemanha passou então a apresentar a organi-
zação territorial representada no primeiro mapa.
Após esse processo histórico, a Alemanha
teve seu território configurado e passou por um
desenvolvimento industrial significativo. Sua
derrota na Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
e as disputas entre os países socialistas e capi-
talistas no pós-guerra resultaram na divisão do
território germânico e na criação de dois Estados
antagónicos, em 1949: a República Federal da
Alemanha (Alemanha Ocidental - RFA), capitalis-
ta, e a República Democrática Alemã (Alemanha
Oriental - RDA), socialista (ver mapa ao lado).
Fonte: DUBY, George. Grand atlús historique. Paris: Larousse, 2008.
ALEMANHA - 1967
^] Alemanha Oriental
^] Alemanha Ocidental
— Fronteiras externas
Limites internos
SUÉCIA
DINAMARCA?§?li. V
JdembuWJB- _-PomerâniaOcidental
/ Renânia do ::Norte-Vestfália/-,
Fonte: DUBY, George. Grandatlas historique. Paris: Larousse, 2008.
O MURO DE BERLIM EM DOIS MOMENTOS HISTÓRICOS
A cidade de Berlim, capital da Alemanha antes da divisão e situada no lado oriental, também ficou
dividida em duas, cada parte pertencendo a uma Alemanha. Em 1961, o governo socialista ergueu
jm muro entre as duas áreas. Por essa razão, o Muro de Berlim é considerado um dos símbolos do
oeríodo que ficou conhecido como Guerra Fria (1945-1991), marcado por disputas indiretas entre
rs dois Estados hegemónicos da época: Estados Unidos e União Soviética.
Foi somente na década de 1990,
após a queda do Muro de Berlim,
que o território da Alemanha
chegou à configuração atual. A
AJemanha Ocidental incorporou
a Alemanha Oriental, de modo
que a constituição, o nome e os
s."nbolos da República Federal da
i.emanha foram mantidos. A anti-
ga República Democrática (RDA) foi
r^tão reorganizada e dividida em
z -co novos estados que compõem
: atual Estado alemão.
Como se pode observar, a cons-
rtuição de um Estado-Nação é
_n processo histórico complexo,
r nâmico, decorrente de fatores
sociais, económicos e políticos que
nplicam a definição de um terri-
tório e a relação entre sociedade
f espaço.
Atualmente, é possível falar de
nacionalidade alemã, fato que foi
_—ia realidade para os alemães em
um primeiro momento, a partir de
:" l, e, em um segundo momento,
a partir da década de 1990, quando
3 reunificação propiciou a ideia de
"acão e os cidadãos puderam com-
cartilhar o desejo de reconhecer um
rassado em comum.
Assim como o Estado alemão,
cada Estado-Nação da atualidade
apresenta o seu processo históri-
co de formação territorial. Agora
que você já conhece os conceitos
de território e de Estado-Nação,
procure identificar e analisar, nos
conteúdos estudados em História,
as particularidades dos processos
de formação territorial de outros
Estados-Nações. Fonte: DUBY, George. Grand atlas historique. Paris: larousse, 2008.
O Muro de Berlim, um dos mais famosos e polémicos da história da humanidade, foi erguidoapós uma decisão política autoritária do governo da Alemanha Oriental e derrubado pela pressãopopular das "duas Alemanhas", 28 anos após sua construção. Na foto à esquerda, a construção domuro, em 1962. À direita, sua queda, em 1989.
ALEMANHA - APÔS 1989
TERRITORIALIDADES
Como foi dito no início do capítulo, o espaço delimitado por um país é apenas um tipo de território.
Existem outras formas de organização e subdivisão territorial: o território brasileiro, por exemplo, é
subdividido em estados, e estes, em municípios.
Assim como o Estado-Nação, o estabelecimento de territórios em âmbito estadual ou municipal
resulta da história dos grupos sociais que os habitam, das relações económicas, culturais e políticas
que foram desenvolvidas ao longo do tempo. No caso brasileiro, muitos estados tiveram seus territó-
rios definidos ainda no período colonial. Outros, no entanto, apresentam uma história mais recente.
Países como Argentina e Espanha são divididos em províncias, que, por sua vez, são divididas em
municípios, e estes apresentam a cidade como centro administrativo.
Nas cidades, principalmente nas grandes áreas
urbanas, podem-se encontrar vários grupos de
jovens, como góticos, esqueitistas, emos, punks,
skinheads, hip-hop, entre outros, que são defini-
dos como tribos urbanas. Parte desses grupos
estabelece relações espaciais na cidade, definin-
do espaços de encontro, como praças, ruas ou
bairros, onde buscam expressar livremente suas
posições políticas, culturais ou ideológicas, por
meio do discurso, das vestimentas, dos adereços,
das músicas, da dança, do grafite etc. Dessa for-
ma, esses espaços podem ser identificados como
territorialidades desses grupos sociais.
Outro caso comum em áreas urbanas são as
territorialidades estabelecidas com base nas
relações espaciais definidas pela ocupação de
grupos específicos ligados à orientação sexual (homossexuais e bissexuais); à procedência (nordes-
tinos, bolivianos, entre outros); à identidade étnica ou religiosa (judeus, árabes, entre outros).
Grupo de esqueitistas na Praça Roosevelt, em São Paulo (SP), em 2012.
Loja voltada à comunidade judaica, próxima ao bairro de
Higienópolis, São Paulo (SP), em 2010. Nessa região estão
localizados várias sinagogas e vários centros de cultura
israelitas, evidenciando uma territorialidade religiosa.
Bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo do movimento GLBT (gays, lésbicas,
bissexuais e transgêneros), na praia.de Ipanema, no Rio de Janeiro (RJ) em 2009. A
presença dessa bandeira em locais públicos, bares, restaurantes e lanchonetes indica
territorialidade ligada à comunidade GLBT.
No campo também existem diferentes territorialidades, estabelecidas por grupos indígenas, pelos
^jilombolas, pelos sem-terra, pelas comunidades tradicionais (pescadores, extrativistas, entre outras).
Esse assunto será aprofundado no capítulo 11 deste livro.A definição dessas territorialidades tem origem em relações distintas das que estabelecem o
Estado, que são instituídas e oficializadas por meio de uma legislação e de uma organizaçãosolítico-administrativa. O Estado apresenta soberania e é reconhecido como organização político-
-administrativa por outros países. Nos casos que discutimos anteriormente (que envolvem homosse-ruais, jovens, judeus, entre outros), as territorialidades são definidas com base em relações políticas,
culturais, afetivas ou simbólicas, e não são mediadas por uma instituição como o Estado; é o própriogrupo que define condutas, relacionamentos, posicionamentos políticos.
Vejamos o caso dos indivíduos ligados ao hip-hop, por exemplo. Esse movimento tem forte relação
on a cultura negra e se originou nos Estados Unidos. Uma forma de expressão da identidade e cultura-,z-hop é a música. Em geral, os compositores criam raps, cujas letras falam do dia a dia da periferia
e aos lugares de origem dos artistas. Assim, expressam a territorialidade do grupo, demarcada pelas~idições sociais e económicas e pela exclusão socioespacial das cidades. Observe nos trechos de
" a seguir como isso aparece.
À minha favela
Favela, ôFavela que me viu nascerEu abro meu peito e canto amor por vocêAmor e ódio e muita vida sem culpa de nada
Favela, ô (e o respeito por ela)Favela que me viu nascerSó quem te conhece por dentro pode te entender(e o respeito por ela).
Fonte: HOOD, Rappin. À minha favela. Intérprete: Rappin
Hood. In: Sujeito homem 2. São Paulo: Trama, 2005.
Interagindo
Fórmula mágica da paz
.] Quantas vezes eu pensei em me jogardaqui, mas, aí, minha área é tudo o que eu tenho. A minha. :da é aqui e eu nãoconsigo sair. É muito fácil fugir, mas eu não vou. Não vourrair quem eu fui,quem eu sou. Eu gosto de onde eu vou e de onde eu vim,ensinamento dafavela foi muito bom pra mim.rada lugar um lugar, cada lugar uma lei, cada lei uma razão^. eu semprerespeitei, em qualquer jurisdição, qualquer área. JardimSanto Eduardo,Grajaú, Missionária. Funxal, Pedreira e tal, Joaniza.
Fonte: BROWN, Mano. Fórmula mágica da paz. Intérprete: Racionais MC's.
In: Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Cosa Mostra, 1997.
Após a leitura dessas letras de rap, responda:
1. É possível identificar algumas semelhanças em relação aos lugares descritos nas duas letras? Comente.2. O que identifica a relação dos autores com o lugar onde vivem?
3. Crie uma letra em forma de rap que fale da identidade e da realidade social do bairro ou da cidade ondevocê vive. Apresente-a aos colegas.
Outra forma de expressão são as"pichações", cujo objetivo é demarcar áreas da cidade e mostrar
a presença do grupo, ou seja, definir territórios. Em geral, os integrantes do hip-hop são vistos como
problema por parte da sociedade, pois "rabiscam" as paredes de edifícios e residências com deter-minadas letras que os identificam.
Mural de grafite feito pelos artistas Otávio e Gustavo Pandolfo (Osgêmeos), Nina, Nunca, Zefix e Finok,
no centro de São Paulo (SP), em 2010.0 estilo desses grafiteiros sofreu influência do hip-hop e hoje
seus trabalhos - muitos deles contendo críticas sociais - são conhecidos internacionalmente.
Iníerdisciplinaridade-
Atualmente o grafite, que se
diferencia da pichação, é uma
das formas de expressão desse
movimento e busca mostrar o
pensamento do grupo para as
pessoas que passam pelas ruas
das grandes cidades. Muitos
grupos de hip-hop estão intrin-
secamente ligados aos lugares de
origem e utilizam a palavra posse
para se referir a essas áreas, onde
desenvolvem suas atividades.
As territorialidades das tribos
urbanas apresentam algumas
características em comum. Estão
apoiadas em uma dinâmica es-
pacial e temporal muito intensa,
e em alguns casos efémera. A
mesma área estabelecida por um
grupo pode, ao longo do dia, ter
usos e funções sociais diferentes. Um mesmo território, como uma rua ou um quarteirão, pode apre-
sentar diversas funções ao longo do dia; por exemplo, de manhã e à tarde desenvolvem-se atividades
comerciais e, à noite, passa a ser frequentado por uma dessas tribos. Essa área pode se expandir, caso
haja um aumento no número de integrantes, ou pode desaparecer, caso o grupo chegue ao fim ou
o movimento perca o sentido. Mas o que define o território é a marca que o grupo social expressa
por meio de suas identidades. O que definem as territorialidades são as identidades dos grupos.
Nas cidades, outros tipos de território são estabelecidos, por meio da prática de atividades margi-
nais. Por exemplo, para o uso de drogas, a prostituição e o tráfico de entorpecentes, selecionam-se
determinadas áreas da cidade, geralmente onde não há presença do poder público. Esses territórios
também apresentam características em comum: a exclusão social, a degradação urbana, a falta de
investimentos públicos, a desvalorização imobiliária. São situações que podem mudar se houver
medidas efetivas por parte de instituições ligadas à segurança pública, à educação e à saúde.
Às áreas de prostituição podem ser estabelecidas em ruas próximas a boates, avenidas beira-mar,
quarteirões das áreas centrais da cidade, entroncamento de estradas nas saídas ou entradas dascidades, entre outras.
O grave problema do uso de drogas no Brasil também tem definido territórios, o que vem preo-
cupando a sociedade. Geralmente os usuários de drogas ocupam áreas relativamente abandona-
das, onde há pouco interesse imobiliário e escassa ação policial. Daí resulta o surgimento de áreasdenominadas "crackolândia".
O consumo de crack, no Brasil, é um problema de saúde pública e é considerado uma endemia.
Em 2011, o Governo Federal lançou um programa voltado ao tratamento dos usuários de drogas,
aumentando o número de leitos hospitalares; à prevenção, levando informações a escolas e comu-nidades; e à repressão ao tráfico.
Por meio dos estudos sobre o território é possível compreender a realidade em que você vive,
assim como as realidades vivenciadas por outros grupos sociais. Caso você preste atenção em seu
bairro, cidade, país, verá que existem territórios e territorialidades, sejam eles estabelecidos pelas
identidades ou resultantes de processos de marginalização de grupos sociais.