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49 ANO IV / Nº 6 Forte Monte Serrat está localizado em Sal- vador, na ponta ocidental da península Itapagipana, debruçado nas águas esver- deadas da baía de Todos os Santos. Pon- to de atração turística dos mais procurados, é um dos cartões de visita que se destaca na capital baiana. Entretanto, por trás deste patrimônio, muito mais do que a beleza do acervo cultural, está uma histó- ria repleta de emoções, envolvendo personagens desconhecidos que se empenharam na sua preser- vação, colocando o pequeno Forte sempre em con- dições de emprego e lutando bravamente por oca- sião das investidas do inimigo. Foi construído em 1586, durante o Governo de D. Manoel Telles Barreto, e continuadas as obras por D. Francisco de Souza possuindo, inicialmente, O ... com figura de polígono irregular fortificado na mesma linha do polígono, sem flancos, com ângulos todos salientes abtusos, nos quatro primeiros da frente um torreão em cada ângulo, cobertos de abóbadas, e todos circulares ... Relatório Rohan – 1810 Paulo Roberto Rodrigues Teixeira

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49ANO IV / Nº 6

Forte Monte Serrat está localizado em Sal-vador, na ponta ocidental da penínsulaItapagipana, debruçado nas águas esver-deadas da baía de Todos os Santos. Pon-

to de atração turística dos mais procurados, é umdos cartões de visita que se destaca na capital baiana.Entretanto, por trás deste patrimônio, muito maisdo que a beleza do acervo cultural, está uma histó-

ria repleta de emoções, envolvendo personagensdesconhecidos que se empenharam na sua preser-vação, colocando o pequeno Forte sempre em con-dições de emprego e lutando bravamente por oca-sião das investidas do inimigo.

Foi construído em 1586, durante o Governode D. Manoel Telles Barreto, e continuadas as obraspor D. Francisco de Souza possuindo, inicialmente,

O

... com figura de polígono irregular fortificado na mesma linha do polígono,sem flancos, com ângulos todos salientes abtusos, nos quatro primeiros da frente um torreãoem cada ângulo, cobertos de abóbadas, e todos circulares ...

Relatório Rohan – 1810

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Paulo Roberto Rodrigues Teixeira

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como armamento de defesa, três canhões.Deve-se a sua construção à importância daposição estratégica, que oferecia excelentescondições para barrar qualquer ameaça vin-da pelo mar.

Em 1802, foi restaurada e concluí-da a obra realizada pelo Governador DiogoLuiz de Oliveira, que via a necessidade demanter a segurança da baía de Todos osSantos, onde concentravam as embarcaçõescarregadas com produtos destinados à me-trópole. A sua guarnição só veio a ser com-pletada em 1616, composta, a partir daqueleano, por 16 homens, assim discriminados:um capitão, um cabo, um condestável (ar-tilheiro), um tambor e 12 mosqueteiros.

O Governador Diogo de Mendon-ça Furtado, prevendo um possível ataquedos holandeses, novamente restaurou oForte em 1621.

No dia 9 de maio de 1624, ocorreua primeira invasão holandesa. O Forte, com

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Fotografia do século passado. Hoje neste local,no primeiro plano, existe uma quadra de esporte,e toda a área na periferiaencontra-se edificada e urbanizada

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os seus quatro canhões, impediu o desem-barque do invasor durante todo o dia, po-rém acabou capitulando em face da supe-rioridade inimiga. Em seguida, os luso-bra-sileiros construíram nas suas proximidadesuma trincheira, guarnecida por duas peçasde canhões de bronze, atuando durante todaa ocupação do Forte, fustigando os holande-ses, através de incursões rápidas, usando ar-mamento individual com apoio de fogo doscanhões de bronze. Durante este período,o Capitão Manoel Gonçalves, atacou umdestacamento holandês que escoltava o co-

mandante do Forte, que foi feito prisionei-ro. Mais tarde, este mesmo capitão incen-diou uma lancha holandesa. Ocorreu tam-bém neste ano, em 17 de julho, quando sedeslocava o Governador holandês da Bahia,General Johan Van Dorth, à frente de umacoluna de 200 homens, ao voltar de umainspeção, foi emboscado no local chamadoÁgua de Meninos, vindo a falecer. Atual-mente, nas instalações do Forte, existe umaplaca alusiva àquele episódio.

D. Fradique de Toledo, Comandan-te da Armada, chegou à baía de Todos os

O mesmo local, ontem e hoje, onde se encontra a placa alusiva aoepisódio da morte do Governador holandês da Bahia

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Santos, em 1625, retomando o Forte dosholandeses, sendo que a versão do fato his-tórico, está narrada de maneira diferentepor diversos autores:

· uma diz que 60 holandeses, queconstituíam a guarnição do Forte, abando-naram-no, recolhendo-se à cidade;

· outra que a guarnição holandesabombardeou a Armada, só se retirando nodia seguinte;

· e, finalmente, que os luso-brasilei-ros teriam conquistado o Forte de surpre-sa, aprisionando o seu comandante.

Das diversas afirmativas dos autores,uma é comum a todos – os holandeses fo-ram derrotados. A capitulação foi assinadaem 1o de maio de 1625.

Em 1638, 13 anos após a expulsão,e a retomada do Forte, novamente, apósnova investida dos holandeses, o Forte vol-tou a ser ocupado. O Conde Maurício de

Canhão colonial, no gramado queenvolve o Forte, acervo cultural que atraia curiosidade dos turistas

Vista parcial, observando ao fundo da baía deTodos os Santos, a cidade de Salvador

Canhão colonial, no gramado queenvolve o Forte, acervo cultural que atraia curiosidade dos turistas

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Nassau era o comandante da força que inva-dia o território baiano, e no dia 21 de abril, oMajor Van Den Brand avançou com um pe-queno efetivo pela praia, conduzindo cincopeças de artilharia, conquistando-o, sendo oCapitão Pedro Aires de Aguirre o seu coman-dante, dispondo com ele uma guarnição re-duzida e seis canhões. Mirales afirma no seulivro, História Militar, que os holandeses o to-maram graças ao pequeno ânimo do respecti-vo capitão, “sem embargo de se achar guar-necido por poucos soldados e de nenhumadefesa”. A operação do invasor durou de 16de abril até 26 de maio de 1638. A resistênciafoi maior do que a esperada, não conseguin-do conquistar Salvador. Nassau, desfalcado edesiludido, retornou para Recife

Em 1655, os piratas intensificavam suasações, causando grande transtorno à navega-ção de cabotagens, atacando impiedosamenteas embarcações que pretendiam atravessar ooceano. Para maior segurança o Governador-Geral D. Jerônimo de Athayde, Conde deAtaugia, proibiu que tais travessias fossem fei-tas por navios isolados, devendo ser organiza-dos em comboio. Desta maneira, quando car-regados, os navios deveriam rumar para os pos-tos de concentração, no Rio de Janeiro, Per-nambuco e Bahia, esperando o momento dapartida do comboio. Por esse motivo, o Con-de de Ataugia, em carta da Bahia, em outu-bro deste ano, dirigida ao Provedor e Conta-dor da Fazenda Real, Sebastião FernandesCorrêa, dava a seguinte ordem:

“Reedificar, a Fortaleza de Nossa Senho-ra de Montesserate do Rio da Villa dos Santos,para amparo e abrigo dos navios que entras-

Forte Monte Serrat projetando-seno céu azul de Salvador

Alameda junto ao pátio interno

Interior do Forte

Entre os dois torreões o canhão colonialapontado para o mar

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sem no referido porto e pudessem ficar seguros doinimigo, e se porem nella quatro peças de artilharia.”

Em 1693, ocorreu uma reforma expressiva,sendo a fortaleza reedificada por ordem de D. Joãode Lancastre, segundo a planta do engenheiro Flo-rentino Bacchio de Felisgaia. A partir daí, passou a

ter forma hexagonal, dispondo de largas muralhase de um torreão em cada ângulo.

Em 1717 foram reforçadas as peças de arti-lharia, contando agora com 12 canhões.

Em 1810, a fortaleza foi descrita no relatórioRohan da seguinte maneira:

“...com figura de polígono irregular fortifi-cado na mesma linha do polígono, sem flancos,com ângulos todos salientes obtusos, nos quatroprimeiros da frente do torreão em cada ângulo,cobertos de abóbadas, e todos circulares, um servede casa de pólvora, faz frente para o nascente, ondecorre a montanha e sobre a dita frente numa par-te donde está a casa do comandante, e para baixooutros cômodos...”

A história registra fato interessante ocorridona época, descrito por Carlos Alberto de Carvalhoem seu livro, Tradições e Milagres do Bonfim, do qualtranscrevemos o texto:

“A propósito deste Forte versa uma lendamuito interessante, a qual reproduzimos aqui aosnossos leitores.

É o caso de lá ter ido, em visita campestre, umpresidente da Província e ao contemplar algumas

Torreões circulares, cobertosde abóbadas

Quatro torreões, com ângulossalientes e obtusos

Foto

: Rica

rdo S

iqueir

a

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carretas e canhões da fortaleza, dizer ao oficial quelá estava como comandante da mesma:

– melhor seria demolir esta muralha, e fundiro ferro destes canhões em peças novas.

Ao que o comandante inquiriu:– Por que, senhor?– Porque não lhes vejo serventia.Contam que a esta resposta do Presidente o ofi-

cial calou-se, e que à saída daquele, perguntou-lhe:– A que horas Vossa Senhoria almoça?– Ao meio-dia no Palácio da Praça.– Mandarei um queijo a Vossa Senhoria, se

me permite a liberdade.E concluem os contadores da história do

queijo que ao meio-dia o Forte Monte Serrat man-dava um tiro de peso à esquina do Palácio da Praça,

como prova de que os seus canhões ainda tinhamboa serventia.”

Por ocasião da Guerra da Sabinada, em no-vembro de 1837, 200 anos depois da ocupação doForte pelos holandeses, um novo confronto ocor-reu. Os sabinos armaram, com duas peças de arti-lharia, o paquete Brasília e tomaram o Forte. A res-posta das forças governamentais foi imediata, vindocontra os revoltosos a coluna imperial, composta dequatro lanchas tripuladas por 60 marujos da fraga-ta Imperial Marinheiro, que tentaram desembarcarem frente da posição, sendo, porém, repelidos porintensos fogos de artilharia e fuzis. No dia seguinte,a fragata Imperial Marinheiro, a corveta Regenera-ção e o brigue Três de Maio, bombardearam o For-te. Simultaneamente, o destacamento do Exército

Vista lateral de um dos torreões, vendo-se aofundo a baía de Todos os Santos

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aproximou-se para realizar o ataque por terra, comreforço dos imperiais, obrigando os revoltosos ase entregarem.

Sofreu reparos em 1883 e 1915, bem comorestauração no Governo de Góes Calmon.

Foi tombado pelo Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1957.

Atualmente o sítio histórico de Monte Serrat,totalmente restaurado e administrado pelo Exér-cito, é um dos atrativos turísticos mais visitados,na Cidade de Salvador. Independente das suasinstalações, que representa um riquíssimo pa-trimônio, possui também no seu interior pre-cioso acervo, que retrata a sua história, e que em-polga o visitante, rememorando o passado e des-pertando-o a valorizar a memória do nosso País.

Paulo Roberto Rodrigues Teixeira – Coronel de Infantaria e Estado-Maior, énatural do Rio de Janeiro. Tem o curso de Estado-Maior e da Escola Superior deGuerra. Atualmente é assessor da FUNCEB e redator-chefe da Revista DaCultura.

O Forte Monte Serrat, restaurado e administradopelo Exército, é um dos pontosturísticos mais visitados, na cidade de Salvador

Cisterna de água potável queabastecia o Forte

Foto

: Rica

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iqueir

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