paula de paiva villasbôas a importÂncia da participaÇÃo

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1 Paula de Paiva Villasbôas A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL. ESTUDO DE CASO DO PORTO DA BARRA LTDA., FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA. Tese apresentada ao programa de Pós- Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do grau de Doutor em Engenharia de Produção sob orientação do Prof. Luiz Fernando Jacintho Maia, PhD. FLORIANÓPOLIS 2003

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Paula de Paiva Villasbôas

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL. ESTUDO DE CASO

DO PORTO DA BARRA LTDA., FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA.

Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de

Santa Catarina para a obtenção do grau de Doutor em Engenharia de Produção sob orientação do Prof. Luiz Fernando

Jacintho Maia, PhD.

FLORIANÓPOLIS

2003

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PAULA DE PAIVA VILLASBÔAS

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL. ESTUDO DE CASO

DO PORTO DA BARRA LTDA., FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA.

Esta tese foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Doutor em Engenharia de

Produção no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, 29 de maio de 2003.

Prof. Edson Paladini, Dr. Coordenador do Programa

BANCA EXAMINADORA

Prof. Luiz Fernando Jacintho Maia, PhD Prof. João de Deus Medeiros, PhD Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina Orientador Prof. Harrysson Luiz da Silva, Dr. Prof. João Bosco da Mota Alves, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Lauro Roberto Witt da Silva, Dr. Prof. Cláudia Regina dos Santos, Dra. Fundação Universidade Federal do Rio Grande Ministério Público Federal Prof. Márcia Machado, Dra.

3

Dedico esta tese a Deus, por ter me concedido as condições

necessárias à realização deste trabalho.

4

Agradeço:

Aos meus pais, Luiz Romero Jardim Villasbôas e Clarisse de Paiva Villasbôas, pelo apoio, amor, e paciência dispensados a mim, principalmente durante estes quatro anos de doutorado;

Aos meus avós paternos, Jacy Jardim Villasbôas e Raul Jardim Villasbôas (in

memoriam), aos meus avós maternos, Argentina Vieira de Paiva e Paulo Ari de Paiva (in memoriam), pelos exemplos de vida e sabedoria;

A Rodrigo de Paiva Villasbôas, Andrea Villasbôas Malburg e Túlio Malburg, pelo carinho, apoio e incentivo;

Aos meus sobrinhos adorados Eduardo Villasbôas, Bárbara e Guilherme Villasbôas Malburg, por alegrarem minha vida;

Ao meu orientador, Luiz Fernando Maia, pelo apoio e incentivo;

À amizade daqueles que conheci no decorrer do curso do mestrado e doutorado da UFSC, João Zaleski Neto, Guilherme Miranda, Roberto Akerman, Lauro Witt, Gláucia Prates, Márcia Machado, Cândido Bordeaux, Simone Santos Guimarães, Hélida Pêgas, João Macedo, André Boclin, Sérgio Zampieri, Edson Silva, Pedro Paulo Andrade, Ester Eloísa Addison, entre outros.

À colaboração das seguintes pessoas, para a realização do estudo de caso: Alécio Neves, Ari Santana, Ivo Silva, Dilnei Bittencourt, Márcia Biela, Cláudia Regina dos Santos, Luis Vinatea Arana, e Grover Alvarado;

Aos professores João de Deus Medeiros, Harrysson Luiz da Silva e Sandra

Baasch, pelas contribuições feitas ao trabalho antes da defesa final.

À Universidade Federal de Santa Catarina, pelo apoio institucional.

5

"To me success means effectiveness in the world, that I am able to carry my ideas and values into the world - that I am

able to change it in positive ways." M. H. Kingston

6

RESUMO

VILLASBÔAS, Paula de Paiva. A importância da participação pública no processo de avaliação de impacto ambiental. Estudo de Caso do Porto da Barra Ltda., Florianópolis, Santa Catarina. 2003. 192f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção). Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis.

A participação pública em Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) é amplamente reconhecida como um elemento fundamental ao processo. Em muitos países têm sido feitos esforços para tornar a AIA um procedimento colaborativo, no qual dados científicos e técnicos são centrados nos interesses dos diferentes atores, levando a um aumento na transparência dos processos administrativos e a debates relacionados com o papel ativo do público na democracia e na tomada de decisão. O objetivo desta tese é destacar o papel essencial do envolvimento e da participação para o processo de Avaliação de Impacto Ambiental, visando a melhoria da participação dos atores no sistema brasileiro de AIA. Neste sentido, apresentam-se as etapas e atividades do processo de AIA, identificando aquelas nas quais a participação pública é viável e necessária. O sistema brasileiro de AIA é analisado, especialmente os aspectos relacionados à legislação e regulamentações, estrutura institucional, e à prática da AIA no país. São identificados diversos meios, incluindo técnicas e metodologias que podem ser utilizadas para promover um envolvimento e participação pública mais efetiva. Realizou-se um estudo de caso do projeto Porto da Barra Ltda., submetido ao processo de Avaliação de Impacto Ambiental junto ao órgão estadual de meio ambiente no ano de 1994. Este projeto se destacou pelo fato do empreendedor promover uma ampla participação pública antes da realização do EIA/RIMA e da audiência Pública. Através do estudo de caso é possível constatar o papel fundamental da participação pública no processo de AIA, bem como a importância da atuação das ONGs ambientalistas, principalmente no sentido de aprofundar os estudos de impacto ambiental e permitir a inclusão de questões e interesses que de outra forma não seriam considerados. A pesquisa conclui que é preciso que as melhorias no processo de AIA, principalmente as relacionadas ao envolvimento e participação pública, sejam realizadas no nível da política ambiental, das instituições governamentais e da legislação. Estas melhorias incluem a participação pública desde a etapa de escopo, o uso de outros canais de participação além das audiências públicas, a educação das comunidades visando o processo de AIA e não apenas o projeto, e a utilização da mediação e resolução de disputa ambiental para auxiliar a resolver conflitos em casos complexos.

Palavras-chave: Avaliação de Impacto Ambiental, participação pública, sistema brasileiro de AIA.

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ABSTRACT

VILLASBÔAS, Paula de Paiva. A importância da participação pública no processo de avaliação de impacto ambiental. Estudo de Caso do Porto da Barra Ltda., Florianópolis, Santa Catarina. 2003. 192f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção). Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis.

Public participation in Environmental Impact Assessment (EIA) is widely recognized as a fundamental element of the process. Many countries have been trying to turn the EIA process towards a more collaborative one, whereby scientific and technical data are centered on the interests of the different actors, increasing the transparency in administrative processes and fostering debates concerning the active role of the public in democracy and decision-making. This dissertation aims to point out the essential role of public involvement in the Environmental Impact Assessment process, in order to improve the participation of the stakeholders in the Brazilian EIA system. To reach its objectives this dissertation shows the EIA stages and activities, identifying those in which public participation is possible and even necessary. The Brazilian EIA system is analyzed, mainly with regards to the aspects related to legislation and regulation, institutional structure, and practice. Several ways of promoting a more effective public participation are identified. A case study is performed (Porto da Barra Ltd.), whose environmental impact report was submitted to the state environmental agency in 1994. That case was the first project in the municipality of Florianopolis, fostering public involvement and participation before the preparation of the EIA report. The case study shows the role of public participation in the EIA process, as well as the importance of Non-Governmental Organizations, mainly in deepening the environmental impact studies and in the inclusion of interests and issues which otherwise would not be considered. This research concludes that improvements in the EIA process should be included in the environmental policy and at the legislative level. Some of these improvements relate to public participation in the scoping stage, the use of other participation channels beside public hearings, public education focusing on the EIA process, and not only on the project and the use of mediation as well as environmental dispute resolution in helping resolve complex cases.

Key-words: Environmental Impact Assessment, public participation, Brazilian EIA system.

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SUMÁRIO

Lista de Figuras........................................................................................................ 9 Lista de Quadros....................................................................................................... 9 Lista de Siglas........................................................................................................... 10 1 Introdução............................................................................................................. 13

1.1 O processo de demarcação do fenômeno................................................. 13 1.2 Caracterização do Problema..................................................................... 20

1.3 Objetivos.............................................................................................................. 22 1.3.1 Objetivo Geral....................................................................................... 22

1.3.2 Objetivos específicos................................................................. 22 1.4 Hipótese.................................................................................................... 22 1.5 Justificativa............................................................................................... 23 1.6 Procedimentos metodológicos.................................................................. 24

2 As Etapas da AIA e a Participação Pública...................................................... 28 2.1 A triagem (screening) e a definição do escopo (scoping)........................ 31 2.2 Dos estudos de base à tomada de decisão sobre a AIA............................ 38

2.2.1 A identificação, previsão e avaliação dos impactos.................. 40 2.2.2 A mitigação e o gerenciamento dos impactos........................... 47 2.2.3 A preparação e revisão do relatório de AIA............................ 48 2.2.4 A tomada de decisão................................................................. 54

2.3 O acompanhamento da AIA: o monitoramento e a auditoria................... 57 3 O Sistema de AIA no Brasil................................................................................ 63

3.1 A AIA e a Política Nacional do Meio Ambiente..................................... 63 3.2 A estrutura institucional para a AIA no Brasil......................................... 66 3.3 Legislação e regulamentações sobre a AIA............................................. 73 3.4 A Resolução CONAMA nº 1/86 ............................................................ 76

3.4.1 As diretrizes gerais e o conteúdo do EIA/RIMA....................... 83 3.4.2 A responsabilidade de elaboração do EIA/RIMA..................... 85 3.4.3 O Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA)............... 87 3.4.4 A participação pública no processo de AIA.............................. 88

3.5 O papel dos atores envolvidos em AIA.................................................... 92 3.6 A implementação da AIA na prática........................................................ 102

4 O Envolvimento e a Participação Pública em AIA........................................... 1084.1 A consulta e a participação pública em AIA............................................ 1084.2 A educação pública para o processo de AIA............................................ 1194.3 A educação crítica e a aprendizagem no processo de AIA...................... 1264.4 Os mecanismos de participação pública propostos no Brasil.................. 1314.5 O papel das ONGs no processo de AIA.................................................. 1344.6 O papel da mediação no processo de AIA.............................................. 137

5 Estudo de Caso: Porto da Barra Ltda................................................................ 1415.1 Descrição do projeto................................................................................ 1415.2 Cronologia dos eventos............................................................................ 1475.3 O envolvimento e a participação pública no caso Porto da Barra Ltda... 1625.4 Identificação das opiniões,valores e preocupações dos atores principais 164

9

5.5 Principais impactos e aspectos técnicos do empreendimento.................. 1706 Análise e Discussão do Estudo de Caso.............................................................. 1857 Conclusões e Recomendações.............................................................................. 193

Referências Anexos

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Localização do empreendimento Porto da Barra Ltda................................ 143Figura 2: O Canal da Barra e o terreno do empreendedor.......................................... 143Figura 3: A implantação do empreendimento e seu entorno...................................... 144

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Vantagens e desvantagens de instrumentos para a identificação de Impactos....................................................................................................................

44

Quadro 2: Atores envolvidos na AIA e seus interesses........................................... 109Quadro 3: Técnicas para o envolvimento público................................................... 120Quadro 4: Inventário de técnicas de envolvimento público.................................... 121Quadro 5: Lista de técnicas de educação pública para a AIA................................. 123Quadro 6: Descritores do método Freireano........................................................... 128Quadro 7: Técnicas de participação usadas na Tchecoslováquia............................ 136Quadro 8: Preceitos e princípios da Resolução de Disputa Ambiental................... 140Quadro 9: Atores no Caso Porto da Barra Ltda....................................................... 142

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LISTA DE SIGLAS

AAE – Avaliação Ambiental Estratégica ACP – Ação Civil Pública AHP – Analytic Hierarchy Process AIA – Avaliação de Impacto Ambiental AIC – Avaliação de Impactos Cumulativos AIS – Avaliação de Impactos Sociais AISA – Avaliação de Impactos na Saúde AMOLA – Associação de Moradores da Lagoa da Conceição ANA – Agência Nacional de Águas ARA - Avaliação de Risco Ambiental BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BIRD – Banco Mundial CASAN – Companhia Catarinense de Águas e Saneamento CELESC – Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. CIDASC – Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina COMCAP – Companhia Melhoramentos da Capital CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente CONDEMA - Conselhos Municipais de Meio Ambiente CONSEMA – Conselho Estadual de Meio Ambiente DER – Departamento de Estradas de Rodagem DM - Departamentos Municipais de Meio Ambiente DPU – Defensoria Pública da União

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EIA – Estudo de Impacto Ambiental EIA (inglês) – Environmental Impact Assessment EU – European Union EUA – Estados Unidos da América FATMA – Fundação do Meio Ambiente FLORAM – Fundação Municipal de Meio Ambiente IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis INMET – Instituto de Nacional de Meteorologia IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Nacional IPUF – Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis LP ou LAP – Licença Prévia ou Licença Ambiental Prévia LI ou LAI – Licença de Instalação ou Licença Ambiental de Instalação LO ou LAO – Licença de Operação ou Licença Ambiental de Operação MMA – Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal MPF – Ministério Público Federal NEPA – National Environmental Policy Act OEMA – Órgão Estadual de Meio Ambiente PBA – Plano Básico Ambiental PCA - Plano de Controle Ambiental PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente PRAD - Plano de Recuperação de Áreas Degradadas RCA - Relatório de Controle Ambiental RIAM – Rapid Impact Assessment Matrix RIMA – Relatório de Impacto no Meio Ambiente

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SEMA – Secretaria Estadual de Meio Ambiente SIAM – Spatial Impact Assessment Methodology SIG – Sistemas de Informações Geográficas SINDIPESCA – Sindicato dos Pescadores da Grande Florianópolis SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente SM - Secretarias Municipais de Meio Ambiente SUSP – Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos OECD – Organization for Economic Cooperation and Development TBT – Tributiltin UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina UNISINOS – Universidade Do Vale do Rio dos Sinos UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí UNEP - United Nations Environmental Programme

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1 INTRODUÇÃO

1.1 O processo de demarcação do objeto de pesquisa

O final da década de 60 caracterizou-se por um período de crescimento econômico

acelerado, no qual grandes projetos foram iniciados no Brasil, causando sérios

problemas ambientais. A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) foi um dos

instrumentos de política e gestão ambiental que surgiram no mundo a partir desta época,

e tem sido muito debatido e adotado também no Brasil, pelo fato de incorporar aspectos

técnico-científicos e circunstâncias políticas, e seus princípios poderem ser adaptados a

diferentes estruturas legais e administrativas.

A adoção da Avaliação de Impacto Ambiental no Brasil e em países mais

desenvolvidos teve motivações distintas. Os países desenvolvidos implantaram a AIA

devido a pressões sociais e ao avanço do movimento ambientalista, enquanto que no

Brasil ela foi adotada em primeiro lugar por causa das exigências de organismos

multilaterais de financiamento como o Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID) e o Banco Mundial (BIRD).

A primeira avaliação ambiental no Brasil foi realizada em 1972, por exigência do

Banco Mundial para o financiamento da barragem e usina hidrelétrica de Sobradinho,

na Bahia. Outros projetos foram submetidos à AIA na década de 70 e início da década

oitenta, como a usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, e o terminal porto-ferroviário

Ponta de Madeira, no Maranhão, ponto de exportação do minério extraído pela CVRD,

na Serra dos Carajás. Até 1986, vários projetos dependentes de financiamento externo

foram objeto da AIA, embora não se tenha submetido os resultados dos estudos aos

órgãos de controle ambiental. As avaliações iniciais eram realizadas por consultores

estrangeiros e segundo as normas de agências internacionais, uma vez que o Brasil

ainda não possuía normas ambientais próprias. Posteriormente, foram sendo envolvidos

grupos de especialistas brasileiros, instituições de pesquisa e firmas de consultoria

nacionais (Moreira, 1989). Os primeiros estudos de impacto ambiental (EIA) não

forneceram informações adequadas para que os tomadores de decisão pudessem impedir

a degradação ambiental dos respectivos projetos, pois não havia uma legislação

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específica, nem liberdade de expressão que permitisse a opinião pública se manifestar

(Barbieri, 1996).

Para Moreira (1989) a Avaliação de Impacto Ambiental é considerada um

instrumento de caráter preventivo para a execução da política e da gestão ambiental,

que se destina ao planejamento de uma determinada atividade capaz de modificar o

meio ambiente ou que venha a utilizar os recursos naturais de forma intensiva, e

fornece subsídios para a tomada de decisão quanto às alternativas de sua

implementação. O fator mais importante para a sua ampla aceitação provavelmente é o

caráter democrático da AIA, cuja adoção demanda o envolvimento e participação da

sociedade nas decisões governamentais, bem como a acessibilidade pública às

informações sobre um projeto e seus impactos ambientais. No entanto, Dias e Sánchez

(1999) afirmam que a eficácia da AIA vem sendo continuamente colocada em dúvida,

e alega-se que o instrumento tem sido utilizado apenas para legitimar decisões já

tomadas, em vez de subsidiar a tomada de decisão por parte do poder público.

A AIA se constitui em uma metodologia formada por um conjunto de procedimentos

de natureza técnico-científica e administrativa, destinados em primeiro lugar à análise

sistemática dos impactos ambientais de um projeto. Esses procedimentos devem

assegurar que os resultados dessa análise influenciem a decisão de realizar ou não o

projeto. No caso da sua realização, é necessário que os procedimentos garantam a

adoção das medidas necessárias para controlar os efeitos ambientais previstos. Portanto,

os resultados, dados e informações sobre o projeto devem ser apresentados de forma

compreensiva a todos: os órgãos governamentais que tenham relação com o projeto,

principalmente aqueles responsáveis pela proteção do meio ambiente; as pessoas e

grupos sociais que serão diretamente afetados pelo projeto ou que se preocupam com a

conservação dos recursos ambientais a serem utilizados; a classe política e o público em

geral.

Enquanto instrumento de política e de gestão, a AIA tem como finalidade viabilizar

o uso dos recursos naturais e econômicos dentro dos processos de desenvolvimento. Ao

promover o conhecimento prévio, a discussão e a análise imparcial dos possíveis

impactos ambientais positivos e negativos de um empreendimento, a AIA deve fazer

com que alguns danos sejam evitados, outros sejam corrigidos, e que benefícios sejam

otimizados, tornando as soluções mais eficientes. Através do aprimoramento do escopo

15

e da qualidade dos dados, da divulgação das informações e do acesso aos resultados dos

estudos, a AIA deve possibilitar a identificação e o gerenciamento dos conflitos de

interesse dos diferentes grupos ou atores sociais (Moreira, 1989).

Conforme Moreira (1989), o processo de AIA apresenta duas vertentes: uma

técnico-científica e outra político-institucional. A vertente técnico-científica consiste

nos estudos de impacto ambiental propriamente ditos – os métodos, as técnicas, as

pesquisas e os dados vinculados à previsão dos impactos prováveis gerados pelas ações

das diversas etapas de implantação de um projeto e suas alternativas: o planejamento, a

construção, a operação e a desativação, sempre que as características da atividade a ser

desenvolvida o justifiquem. Por outro lado, a análise dos impactos ambientais implica a

abordagem dos diversos fatores que compõem o meio ambiente, ou seja, o ar, a água, o

solo, os seres vivos; e também os fatores relativos aos valores sociais e à qualidade de

vida, como a saúde pública, a economia, a educação, a cultura, as condições de

habitação e de transporte, os bens históricos, a paisagem, etc. Além disso é necessário

que se estude as interações entre todos esses fatores, investigando-se os processos pelos

quais a alteração em um deles venha a se refletir nos demais.

A vertente político-institucional diz respeito aos procedimentos administrativos e ao

aparato legal e burocrático que os regulam. As condições do processo de AIA são

determinadas pelos princípios e objetivos da política ambiental vigente, pelas

instituições governamentais e pela legislação protetora do meio ambiente. A aplicação

da AIA pode ser estabelecida para:

• projetos individuais – uma unidade industrial, uma rodovia, uma lavra de minério,

uma estação de tratamento de esgotos, etc.

• planos de desenvolvimento – um novo distrito industrial, o aproveitamento turístico

de uma área costeira, um plano de renovação urbana, etc.

• políticas ou programas mais amplos – uma proposta legislativa para regular o uso de

agrotóxicos, um programa de desenvolvimento de alternativas energéticas, um

programa de desenvolvimento econômico regional, etc.

O escopo e a abrangência dos estudos são indicados pela opção política quanto ao

grau de controle ambiental que se quer garantir, aos fatores ambientais considerados e

aos recursos prioritariamente protegidos.

16

Para Sankoh (1996), embora a AIA forneça uma metodologia de avaliação, sua

aplicação é inevitavelmente política. Conseqüentemente, o escopo, o tempo e o

conteúdo dos procedimentos de AIA são largamente influenciados em todo o mundo por

várias medidas legislativas e administrativas. Por este motivo, se não existem

oportunidades para revisão pública a AIA fica exposta à captura por parte de interesses

do governo.

Segundo o UNEP (1996), nos anos iniciais da AIA, eram considerados impactos

ambientais os impactos sobre meio ambiente natural, biofísico (tal como efeitos sobre a

qualidade do ar e da água, flora, fauna, níveis de ruído, clima e sistemas hidrológicos).

A institucionalização da AIA, com a sua descoberta pelo público e com os processos de

consulta, atraiu indivíduos, grupos e agências que queriam a incorporação de outros

tipos de impactos dentro das decisões. A evolução do termo ‘ambiente’, a qual tem

crescentemente sido ampliada para incorporar aspectos sociais e outros também ajudou

a inclusão de outros tipos de impacto. Em 1994, o Comitê de Assistência ao

Desenvolvimento da OCDE incluiu no termo ‘ambiente’, para fins de AIA:

• Efeitos sobre a saúde humana, bem-estar, meio-ambiente, ecossistemas e

agricultura;

• Efeitos sobre o clima e atmosfera;

• Uso de recursos naturais (regenerativo e mineral);

• Utilização e disposição de resíduos e lixo;

• Restaurações, sítios arqueológicos, paisagem, monumentos e conseqüências sociais,

bem como efeitos à montante, à jusante e trans-fronteiras.

Portanto, à medida que tipos adicionais de impactos têm sido identificados e

requerem análise e avaliação antes de tomada de decisão, o escopo da AIA tem sido

ampliado para incorporar questões sociais, econômicas, de saúde e outras. Contudo,

deve ser salientado que apesar da tendência geral em direção a esta abordagem, ela não

tem sido universal. Uma abordagem alternativa tem sido suplementar a AIA com

estudos relacionados (e relatórios), mas separados, acerca de impactos não biofísicos

quando eles são considerados particularmente importantes para os tomadores de

decisão. Assim sendo, conforme Gartner (2001), já existem técnicas para a avaliação de

17

impactos específicos, como a avaliação de impactos sociais (AIS), e a avaliação de

impactos na saúde (AISA). Outros autores ainda incluem a avaliação de risco ambiental

(ARA), a avaliação ambiental estratégica (AAE) e a avaliação de impactos cumulativos

(AIC).

De acordo com Maza (2001), logo após os EUA decretarem a primeira lei nacional

de Avaliação de Impacto Ambiental, o National Environmental Policy Act (NEPA) de

1969, muitos países em desenvolvimento começaram a desenvolver sua própria

legislação. Na década de 80, mais países decidiram estabelecer a AIA como um

elemento de política ambiental e como um requerimento legal para a proposição de

atividades de desenvolvimento. Muitos escolheram inserir provisões de AIA dentro de

sua legislação ambiental, enquanto que outros também elaboraram requerimentos de

AIA dentro de um decreto ou regulamentação complementar. No entanto, conforme

Ebisemiju (1993), em alguns países com mais de uma década de experimentação e

implementação da AIA, a lacuna entre a intenção e o desempenho da avaliação de

impacto ambiental ainda é grande, e deve-se mais a deficiências legislativas,

administrativas, institucionais e de procedimentos nos sistemas de AIA do que a

questões amplamente discutidas na literatura, como barreiras técnicas relacionadas à

não familiaridade com o conceito de AIA e seu papel no processo de planejamento, bem

como com as metodologias e técnicas; falta de dados de base, etc.

Um processo de AIA eficiente deve iniciar nos estágios iniciais de planejamento do

projeto, passando pelas diretrizes para a orientação das etapas de execução dos estudos,

apresentação e discussão dos resultados, pela tomada de decisão, tendo continuidade

através da implementação de medidas mitigadoras e do monitoramento criterioso dos

impactos. Para isso é preciso que haja a articulação dos vários setores governamentais

em ingerência na aprovação do projeto, e principalmente de mecanismos que favoreçam

a participação da comunidade (Moreira, 1989). No entanto, em muitos países em

desenvolvimento a AIA é conduzida mais ou menos como um exercício técnico

separado dos aspectos técnicos e econômicos do planejamento e desenho do projeto.

Freqüentemente as avaliações ambientais são conduzidas no último estágio do plano do

projeto, quando a maioria dos detalhes foi finalizada e há pouca ou nenhuma

oportunidade para a consideração de alternativas. A AIA torna-se então um pós-escrito

para o planejamento e é usada basicamente como um endosso superficial de ações

18

tomadas por entidades públicas e privadas em vez de influenciar decisões. O Brasil é

um dos poucos países em desenvolvimento a internalizar a AIA dentro do ciclo do

projeto através da sua incorporação dentro do sistema de licenciamento em três estágios

(Licença Prévia, Licença de Instalação, Licença de Operação) (Ebisemiju,1993).

Contudo, nem sempre esse processo de licenciamento é seguido adequadamente,

conforme será mostrado mais adiante.

De acordo com Glasson e Salvador (2000), embora os princípios básicos dos

sistemas de AIA em países menos desenvolvidos sejam similares àqueles dos países

industrializados, eles geralmente são aplicados e adaptados para contextos bastante

diferentes. Muitos princípios aplicam-se a países dentro ou próximos de áreas tropicais,

com muitas chuvas e graves problemas de erosão. As condições sócio-culturais,

tradições, hierarquias e redes sociais podem ser muito diferentes, e podem de fato ser

significativas para as causas dos problemas ambientais. As estruturas institucionais

podem ser fracas, e pode haver uma falta de vontade política para considerar as questões

ambientais em situações onde o foco é claramente o desenvolvimento econômico quase

a qualquer custo. A tomada de decisão pode ser menos aberta, os relatórios de impactos

ambientais podem ser confidenciais, e a participação pública pode ser fraca ou

inexistente. Pode também haver uma séria falta de pessoal treinado, e as mudanças em

direção à privatização podem causar uma fragmentação posterior de procedimentos já

complexos. As AIAs podem estar fracamente integradas em planos de desenvolvimento,

geralmente acontecendo muito tarde dentro do processo de planejamento. A

implementação da conformidade com relação à regulamentação pode ser fraca, e o

monitoramento ambiental limitado ou inexistente.

No Brasil, as características e contrastes do país estão refletidos nas características

das políticas e práticas ambientais, como é ilustrado pela AIA. Os problemas são

grandes, os processos são diversos, os recursos muito limitados, e a AIA varia muito em

sua natureza e efetividade dependendo da região, estado, ou municipalidade dentro da

qual ela está sendo posta em prática.

Conforme Lawrence (1997), a Avaliação de Impacto Ambiental tem evoluído sem

uma fundamentação conceitual adequada, de forma que é necessário que haja uma

prática mais reflexiva e uma construção de teoria mais coerente. Um esforço um tanto

desarticulado para consolidar e expandir a base teórica da AIA é evidenciado através de

19

um crescente arsenal de periódicos, textos, e procedimentos de conferências, diretrizes

de AIA gerais e específicas a projetos, e pesquisa aplicada patrocinada por fundos

públicos. A base teórica atual para a AIA é em grande parte uma mistura desigual de

teoria do planejamento (largamente representada pelo modelo de planejamento

racional); teoria científica tradicional (como um modelo geral para a previsão de

impactos), teorias sociais, econômicas e biológicas (para caracterizar as condições

ambientais), teoria e procedimentos de avaliação (para separar e comparar alternativas);

teoria organizacional e de políticas públicas (para facilitar a implementação e a consulta

pública); uma mistura de diversos métodos, conceitos e estruturas derivadas de uma

série de fontes, incluindo a prática da AIA. É preciso acrescentar aqui também as teorias

da aprendizagem e da pedagogia crítica, que vêm sendo introduzidas por Diduck e

Sinclair (1997), no Canadá, para tentar alcançar níveis mais elevados de envolvimento

público no processo de AIA. O todo conceitual para a AIA decididamente é menor do

que a soma de suas partes, e existe uma distância enorme entre a teoria e a prática,

levando a uma propensão em direção à teoria não fundamentada e à prática não crítica

(Lawrence, 1997).

Segundo Sadler (1996), os termos relacionados com a avaliação de impacto

ambiental podem ter diferentes significados e interpretações nos diferentes países.

Avaliação Ambiental (AA) e Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), especificamente,

são termos intercambiáveis. Muitos países, por exemplo, têm estabelecido sistemas de

AIA; alguns, contudo, descrevem um processo aproximadamente equivalente ou

comparável como Avaliação Ambiental. Com poucas exceções, os objetivos, princípios

e resultados são os mesmos ou semelhantes (embora no sistema federal dos EUA, o

termo AA refira-se a uma avaliação inicial). Do mesmo modo, quando é feita referência

aos processos estabelecidos pelos países ou organizações internacionais, estes são

descritos através de seu título formal e são usadas designações específicas (por

exemplo, procedimentos de AA do Banco Mundial, preparação do EIS – Environmental

Impact Statement nos Estados Unidos). Segundo a UNEP (1996) apud Gartner (2001),

o termo Avaliação Ambiental é usado para evitar que a noção de “impactos” possa

conferir uma conotação negativa implícita, destacando somente os efeitos ambientais

negativos do projeto. Sadler (1996) concebe a AA como um processo sistemático de

avaliação e documentação de informação sobre os potenciais, capacidades, e funções de

20

sistemas e recursos naturais para facilitar o planejamento do desenvolvimento

sustentável e a tomada de decisão em geral, e para antecipar e gerenciar efeitos adversos

e conseqüências de empreendimentos propostos.

Para a OECD (1986) apud Gartner (2001), a AA envolve além da identificação e

avaliação dos impactos ambientais potenciais feitos pela AIA, a incorporação de

medidas de controle apropriadas durante as fases de planejamento do projeto.

Feitos estes esclarecimentos, será usado neste trabalho preferencialmente o termo

Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), já consagrado no sistema brasileiro e de outros

países. O termo avaliação ambiental (AA) será utilizado somente quando houver

referência aos sistemas internacionais que utilizam esta designação, como o sistema

canadense.

1.2 Caracterização do problema

Segundo Furia e Wallace-Jones (2001), em muitos países têm sido feitos esforços

para tornar a AIA um procedimento colaborativo, no qual dados científicos e técnicos

são centrados nos interesses dos diferentes atores, levando a um aumento na

transparência dos processos administrativos e a debates relacionados com o papel ativo

do público na democracia e na tomada de decisão. Os benefícios provenientes da

participação não são apenas obtidos pelo público mas também pelo próprio

empreendedor, contribuindo para o fortalecimento do procedimento da AIA como um

todo, através do aumento da qualidade da decisão; de um planejamento mais eficiente;

do alcance de decisões transparentes e um nível mais alto de comprometimento com a

decisão; evitando controvérsias públicas e criando confiança no proponente e seu

planejamento.

Apesar dos benefícios citados acima, Fowler e Aguiar (1993) afirmam que

raramente é possível uma participação pública efetiva no processo de AIA brasileiro,

dentro do atual cenário institucional. Para tanto seria preciso uma melhor distribuição

de informação sobre os impactos de implementação do projeto e a criação de canais

através dos quais as comunidades afetadas pudessem identificar aqueles aspectos que

elas acreditam que deveriam ser levados em consideração na AIA, principalmente na

etapa inicial do processo, a definição do escopo (scoping).

21

Para Rohde, (1988 apud Queiroz,1992), alguns questionamentos devem ser

considerados no processo de AIA, como por exemplo:

• O processo de realização da avaliação de impacto ambiental é aberto e existe

liberdade de informação?

• Qual a extensão dos poderes discricionários nos procedimentos de avaliação de

impacto ambiental? É possível uma ação popular para forçar a transigência?

Segundo Baasch (1995, p.46), existem fortes críticas sobre a participação pública

prevista no processo de AIA, uma vez que os momentos pertinentes para esta

participação, são algumas vezes julgados inapropriados. Um exemplo é a audiência

pública, na qual o público em alguns casos tem sido manipulado pelas partes

interessadas no projeto. “Poucos têm sido os momentos, durante o processo, em que a

comunidade verdadeiramente expressa seus interesses. A audiência pública tem sido um

dos únicos, e neste momento, a AIA já está concluída, só não autorizada.”

Não é apenas no Brasil que a participação pública em AIA é fraca, quando não

inexistente. Em vários países em desenvolvimento e mesmo desenvolvidos também

existem inúmeras deficiências no processo. Apesar do quadro negativo da participação

pública promovida em nível institucional no Brasil, alguns autores já abordam a questão

com um certo otimismo. Brito (1996 apud Glasson e Salvador, 2001), afirma que nos

estados do sul e sudeste há uma prática razoável de AIA, que está melhorando a

participação pública, a conscientização ambiental, mecanismos de negociação entre as

várias partes e interesses envolvidos com as questões ambientais, e um processo de

tomada de decisão democrática. Contudo, ainda resta muito a ser feito para a AIA se

consolidar como um instrumento da sociedade. Falta informação sobre como promover

uma participação pública eficaz, na qual os atores, entre eles empreendedores,

comunidades, órgãos ambientais, ONGs, possam atuar para que os benefícios da

participação pública sejam plenamente alcançados. Portanto, a questão principal

formulada por esta pesquisa é a seguinte:

Como promover o envolvimento e a participação pública em AIA de forma

eficaz, especialmente em procedimentos complexos, envolvendo vários atores e

interesses diversos?

22

Esta pesquisa busca soluções para este problema, e o estudo de caso realizado

posteriormente procura mostrar a importância do envolvimento e da participação

pública para o aprimoramento do processo de AIA. O caso escolhido é o Porto da

Barra, um dos poucos empreendimentos que promoveram o envolvimento e

participação pública antes da audiência pública no Estado de Santa Catarina e que

gerou muita controvérsia entre os atores.

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo geral: destacar o papel do envolvimento e da participação pública

dentro do processo de avaliação de impacto ambiental, visando a melhoria da

participação dos atores no sistema brasileiro de AIA.

1.3.2 Objetivos específicos:

• Descrever as etapas e atividades do processo de AIA, tendo como base as

determinações do United Nations Environmental Programme (UNEP), identificando

aquelas onde a participação pública é viável e necessária;

• Apresentar a legislação, descrever a estrutura institucional, procedimentos e mostrar

alguns aspectos da prática do sistema brasileiro de Avaliação de Impacto

Ambiental;

• Identificar quais meios podem ser utilizados para envolver o público desde o início

do processo de AIA e promover uma participação pública mais efetiva;

• Analisar as atitudes dos atores no caso do empreendimento Porto da Barra Ltda., e

• Desenvolver recomendações para melhorar a participação pública no processo de

avaliação de impacto ambiental.

1.4 Hipótese

Para que se alcance uma participação pública mais eficaz em AIA é preciso que

sejam incorporados ao processo os seguintes elementos:

⇒ Promoção do envolvimento e participação pública a partir da etapa de escopo;

⇒ Utilização de outros canais de participação além das audiências públicas;

23

⇒ Transferência de conhecimento para as comunidades, não só sobre o projeto mas

principalmente sobre o processo de AIA, através da educação pública;

⇒ Assistência de um mediador externo e imparcial para ajudar as partes em

negociações relacionadas a projetos que envolvam questões litigiosas.

1.5 Justificativa

A questão da participação pública em AIA tem despertado o interesse de vários

pesquisadores em todo o mundo. Sinclair e Diduck (1995) destacam a necessidade da

educação pública para o processo de AIA, afirmando que em geral a educação leva a

uma melhoria no envolvimento e na participação do público. Na República Tcheca,

Richardson et al. (1998) sugerem uma participação pública paralela em resposta à

inércia na tomada de decisão. Na Hungria, Palerm (1999) identifica os pontos fortes e

fracos do sistema de AIA com relação à participação pública, destacando a necessidade

do envolvimento público desde a etapa inicial do processo. Na Itália, Furia e Wallace-

Jones (2000) examinam como a efetividade das provisões e práticas referentes à

participação pública em procedimentos de AIA pode ser melhorada.

No Brasil, Dias e Sanchez (1999) destacam em um artigo publicado na Revista de

Administração Pública, a importância da participação pública em oposição aos

procedimentos burocráticos no Estado de São Paulo, colocando-se entre os poucos

autores a abordar a questão da participação pública em AIA no país.

O ineditismo desta pesquisa deriva-se da abordagem feita sobre Avaliação de

Impacto Ambiental, onde a participação dos atores é considerada um fator fundamental

para se promover um processo eficiente e justo, especialmente em casos complexos e

controversos.

Na medida em que fornece subsídios para melhorar o envolvimento e a participação

pública no processo de AIA, esta pesquisa torna-se relevante para os diversos atores

que participam deste processo, entre eles os Órgãos Estaduais de Meio Ambiente,

IBAMA, empresas de consultoria, proponentes, organizações não governamentais,

comunidades, entre outros. Portanto, será possível utilizar as informações desta pesquisa

na prática, – com as devidas adaptações para a realidade nacional – visando promover

uma participação pública mais efetiva, auxiliando a delineação de programas de

24

envolvimento e participação pública, e até mesmo para orientar políticas e melhorar

provisões referentes a esta questão.

1.6 Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa é de natureza qualitativa e tem por finalidade orientar a investigação

do problema de pesquisa a partir da fundamentação conceitual estabelecida pelos

capítulos subseqüentes, e da análise de um procedimento de Avaliação de Impacto

Ambiental realizado em Florianópolis, Santa Catarina. De acordo com Gil (1991), a

pesquisa é exploratória, uma vez que busca uma maior familiaridade com o problema,

de modo a torná-lo explícito ou construir hipóteses.

Segundo Marshall e Rossman (1989) em pesquisa qualitativa, as questões e

problemas de pesquisa vêm de observações, dilemas e questões do mundo real. Este tipo

de pesquisa responde a questões muito particulares, preocupando-se com um nível de

realidade que não pode ser quantificado (Minayo, 1997). Para Patton (1986), o modelo

qualitativo é realista e o pesquisador não tenta manipular o cenário de pesquisa, o qual

pode consistir em um evento, relação ou interação de ocorrência natural. Os

pesquisadores que usam o método qualitativo esforçam-se para entender fenômenos e

situações como um todo.

Uma vez que, em se tratando de Avaliação de Impacto Ambiental, não existe

fundamentação teórica propriamente dita, esta pesquisa é embasada pela fundamentação

conceitual estabelecida pelos capítulos subseqüentes.

A tese foi construída em função dos objetivos apresentados. O segundo capítulo

descreve as etapas e atividades da AIA, desde a triagem até a auditoria, mostrando em

que momentos é possível ocorrer a participação pública. São mostrados os pontos

críticos do processo – com destaque para a etapa de definição do escopo. Para a

elaboração deste capítulo foram coletados dados provenientes da Internet, artigos de

periódicos, livros, e diretrizes internacionais sobre AIA, com destaque para as diretrizes

fornecidas pelo Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas (United Nations

Environmental Programme – UNEP) e European Commission.

O terceiro capítulo procura analisar o sistema de AIA no Brasil, através seus

principais componentes: a estrutura legal e institucional, os atores principais e seus

25

papéis, os procedimentos e a prática em AIA. Destaca-se o processo regulamentação da

AIA, bem como as determinações legais para a realização das avaliações de impacto

ambiental. O desenvolvimento deste capítulo baseou-se em diversos artigos de

periódicos nacionais e internacionais que mostram a experiência brasileira em AIA, bem

como em livros nacionais sobre o assunto.

O quarto capítulo apresenta os meios que podem ser utilizados para melhorar a

participação pública em AIA. Destaca-se, entre outras coisas, como podem ser

utilizadas variadas técnicas para promover o envolvimento e a participação pública,

bem como para educar o público, visando não apenas o projeto, mas o processo de AIA.

São apresentados os mecanismos propostos pelo IBAMA para melhorar a participação

pública no Brasil, o papel das ONGs dentro do processo de participação pública e as

possibilidades da mediação em AIA, trazendo como exemplo a sua utilização no

Canadá. Este capítulo foi elaborado principalmente com base em periódicos

internacionais, buscando mostrar o que está sendo feito em outros países para melhorar

a participação pública dentro do processo de AIA. Contudo, também foram utilizadas,

em menor proporção, informações de publicações nacionais.

O quinto capítulo apresenta o estudo de caso, que investiga os conflitos entre os

atores que participaram do processo de AIA do empreendimento Porto da Barra Ltda..,

no município de Florianópolis, Santa Catarina. O estudo de caso procura verificar as

interações entre os atores principais, suas atitudes, e examinar o envolvimento público

realizado por parte do empreendedor. Os critérios para a escolha deste estudo de caso

foram os seguintes:

(1) Existência de envolvimento e participação pública em etapas iniciais do processo de

AIA;

(2) Participação de diversos atores, entre eles o Ministério Público Federal;

(3) Alto grau de controvérsia com relação ao projeto;

(4) Importância dos impactos ambientais provenientes do projeto.

Para a realização do estudo de caso foram coletados documentos que compõem à

Ação Civil Pública nº 970000001-0, referente ao empreendimento Porto da Barra

Ltda., junto ao Ministério Público Federal e 4ª Vara da Justiça Federal, além de outros

26

documentos junto à empresa Portobello Ltda. e à FATMA. Foi necessário protocolar um

pedido junto ao Ministério Público Federal, em novembro de 2002, alegando a

realização de tese do doutorado, para se obter acesso aos documentos da ACP. Os

documentos coletados consistem no RIMA, Contestações, Despachos, Ofícios,

Recursos jurídicos, Manifestações, Pareceres técnicos, e Laudos Periciais, entre outros.

A análise da ACP foi realizada no período de janeiro a abril de 2003. Primeiro foi

necessário separar e colocar em ordem cronológica os documentos provenientes das

partes (ou atores) que participaram do caso (FATMA, PORTOBELLO, SINDIPESCA,

Ministério Público Federal, Justiça Federal, FLORAM, UFSC, e outros). Os três Laudos

Periciais produzidos nos anos de 2002 e 2003 foram analisados separadamente, para o

estabelecimento de categorias dos principais impactos e para o esclarecimento dos

aspectos técnicos do empreendimento.

Como fonte complementar de dados foram utilizadas entrevistas abertas (não

estruturadas) e semi-estruturadas. Através das entrevistas foram obtidas informações

sobre o envolvimento e a participação pública promovidas pelo empreendedor no caso

Porto da Barra Ltda., bem como dados adicionais para averiguar as atitudes,

preocupações e opiniões dos atores principais, para os quais não havia informação

suficiente nos documentos da ACP.

As entrevistas não estruturadas foram conduzidas conforme Richardson (1999), para

obter do entrevistado o que ele considera como os aspectos mais importantes de um

determinado problema. Este tipo de entrevista foi conduzido através de uma

conversação dirigida, para obter informações que possam ser analisadas

qualitativamente. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas de acordo com

Triviños (1987), partindo de certos questionamentos básicos que interessavam à

pesquisa (Ver Anexo A), oferecendo em seguida um amplo campo de interrogativas,

fruto de novas informações que foram surgindo à medida que se recebiam respostas do

informante. Ao todo foram entrevistadas seis pessoas: dois membros da ONG Fundação

Lagoa, um diretor da empresa Portobello Ltda., uma assessora do Ministério Público

Federal, um professor/pesquisador do Departamento de Aqüicultura, e um diretor da

CASAN. Todas as entrevistas foram gravadas em fitas micro-cassete, sendo

posteriormente transcritas para elaboração de parte do estudo de caso.

O estudo de caso foi estruturado da seguinte forma:

27

(1) Descrição do empreendimento Porto da Barra Ltda., com base no RIMA;

(2) Cronologia dos eventos ocorridos antes e durante o curso da Ação Civil Pública

proposta pelo Ministério Público Federal, com base na ACP;

(3) Identificação dos meios de envolvimento e participação pública utilizados pelo

empreendedor, com base nas entrevistas;

(4) Identificação das opiniões, preocupações e atitudes dos atores relevantes, com base

nas entrevistas e em documento fornecido pelo empreendedor;

(5) Identificação dos principais impactos e aspectos técnicos do empreendimento, com

base nos três laudos periciais produzidos na fase final da ACP.

O sexto capítulo apresenta a análise da pesquisa, desenvolvida através do

cruzamento transversal dos dados do estudo de caso com os dados dos capítulos

anteriores, procurando-se mostrar a importância da participação pública para o processo

de AIA.

A análise da participação pública no estudo de caso foi feita com base nas

entrevistas com o empreendedor e Fundação Lagoa. Procurou-se identificar quais dos

meios apresentados no terceiro capítulo foram utilizados pelo empreendedor para

envolver o público e promover a participação, especialmente das comunidades locais.

Deve-se ressaltar que, devido à subjetividade envolvida na análise, esta pode ter sido

afetada pelas percepções da pesquisadora, apesar do empenho no sentido de preservar a

imparcialidade necessária à pesquisa.

O sétimo capítulo apresenta as conclusões gerais e recomendações da pesquisa, com

base nos capítulos anteriores.

28

2 AS ETAPAS DA AIA E A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

Este capítulo apresenta as etapas e atividades da Avaliação de Impacto Ambiental, e

procura mostrar que, em princípio, a consulta e participação pública podem ser

empregadas praticamente em todas as etapas do processo (EIA Centre,1995; UNEP,

1996). Destaca-se a importância da participação pública na etapa do escopo, que serve

para orientar a realização dos estudos de impacto ambiental.

Antes de descrever as etapas e atividades do processo de AIA é necessário definir o

termo impacto e suas caracterizações. Segundo Wathern (1988), os termos ‘impacto’ e

‘efeito’ são usados freqüentemente como sinônimos, embora alguns autores defendam

uma diferenciação entre mudanças naturais e induzidas pelo homem, chamadas de

efeitos, e as conseqüências destas mudanças, chamadas de impactos. Um impacto pode

ter componentes espaciais e temporais, podendo ser descrito como uma mudança em um

parâmetro ambiental, sobre um período especificado e dentro de uma área definida,

resultando de uma atividade particular comparada com a situação que teria ocorrido se a

atividade não tivesse sido iniciada.

Existem várias caracterizações dos impactos segundo os diferentes autores. Segundo

Verocai (1987) apud Baasch (1995), os impactos ambientais podem ser distinguidos de

acordo com as seguintes características:

Características de valor:

• Impacto positivo, ou benéfico, quando uma ação resulta na melhoria da qualidade de

um fator ou parâmetro ambiental;

• Impacto negativo, ou adverso, quando uma ação resulta em um prejuízo da

qualidade de um fator ou parâmetro ambiental.

Características de ordem:

• Impacto direto, quando resulta de uma relação simples de causa e efeito; também

chamado de impacto primário ou de primeira ordem;

• Impacto indireto, quando é uma reação secundária em relação à ação, ou quando é

parte de uma cadeia de reações; também chamado de impacto secundário, ou de

enésima ordem, de acordo com sua situação na cadeia de reações.

Características espaciais:

29

• Impacto local, quando a ação afeta somente o próprio sítio e suas imediações;

• Impacto regional, quando um efeito se propaga por uma área além das imediações

do sítio onde se dá a ação;

• Impacto estratégico, quando é afetado um componente ambiental de importância

coletiva ou nacional.

Outro modo de caracterizar espacialmente os impactos em relação à área de

abrangência é:

• Impacto extensivo, caracterizado pela impossibilidade ou grande dificuldade de

delimitar sua área de abrangência, bem como seus possíveis efeitos cumulativos,

progressivos e acrônicos.

• Impacto intensivo, aquele que abrange uma área bem delimitável, qualquer que seja

a sua extensão.

Características temporais ou dinâmicas:

• Impacto imediato, quando o efeito surge no instante em que se dá a ação;

• Impacto de médio ou longo prazo, quando o efeito se manifesta depois de decorrido

um certo tempo após a ação;

• Impacto temporário, quando o efeito permanece por um tempo determinado, após a

execução da ação;

• Impacto permanente, quando os efeitos não cessam de se manifestar num horizonte

temporal conhecido, uma vez executada a ação.

Os impactos ainda podem ser caracterizados quanto a sua

reversibilidade/irreversibilidade, seus efeitos cumulativos e sinérgicos1 e também pela

sua distribuição social, uma vez que os impactos benéficos e adversos nunca são

igualmente sentidos pelos diversos grupos sociais.

Os impactos ambientais também possuem dois tipos de atributos, a magnitude

(grandeza em termos absolutos) e a importância (ponderação do grau de significância do

impacto).

1 Efeito cumulativo ou potencial cumulativo “é o impacto no meio ambiente resultante da soma do impacto incremental de uma ação aos impactos de outras ações, passadas, presentes ou com razoável possibilidade de ocorrer no futuro, independentemente do agente que executa as ações” (USA, 1997 apud Dias e Sanchez, 1999). Já um efeito sinérgico ocorre quando “o impacto total é maior do que a soma dos impactos individuais”.(ACP, fl.1717)

30

Segundo Sadler (1996), a concepção do processo de AIA pode ser diferente de

acordo com vários autores e as etapas podem variar conforme a estrutura jurisdicional

de cada país, mas em geral, em todo o mundo, o processo segue ou aproxima-se das

etapas e atividades generalizadas, mostradas a seguir:

1. Avaliação preliminar

Triagem (screening) • estabelecer se uma proposta de desenvolvimento deve ou

não estar sujeita à AIA, e em caso positivo, em que nível de

detalhe

Definição do Escopo

(scoping)

• identificar as questões e impactos que precisam ser tratados

e preparar os Termos de Referência

2. Avaliação detalhada

Estudos de base • coleta de informação sobre aspectos físicos, biológicos e

sócio-econômicos do projeto

Análise dos impactos • identificar, prever e avaliar a magnitude e importância dos

impactos potenciais do projeto

Mitigação

• especificar medidas necessárias para evitar, minimizar ou

compensar impactos adversos

Preparação relatório de

impacto ambiental

• documentar os impactos, as medidas mitigadoras

apresentadas, a significância dos efeitos, as preocupações

do público interessado e das comunidades afetadas pela

proposta

Revisão do relatório de

impacto ambiental

• assegurar que o relatório satisfaz os termos de referência,

fornece uma avaliação satisfatória da proposta e contém a

informação requerida para a tomada de decisão

Tomada de decisão • aprovar ou rejeitar a proposta e estabelecer os termos e

condições para sua implementação

3. Acompanhamento

Monitoramento • verificar se as ações estão em conformidade com os termos e

31

condições estabelecidos, se os impactos estão dentro dos

limites previstos e a efetividade das medidas mitigadoras.

Auditoria • documentar os resultados, aprender com a experiência,

melhorar a AIA e o planejamento do projeto.

2.1 A triagem (screening) e a definição do escopo (scoping)

De acordo com o UNEP (1996), o processo para determinar se uma proposta requer

ou não avaliação de impacto ambiental e o respectivo nível de avaliação é chamado de

triagem (screening). A triagem envolve o julgamento acerca dos impactos esperados de

uma proposta sobre o meio ambiente, para determinar se eles são ou não significativos.

A maioria das propostas pode passar por uma triagem muito rapidamente (uma ou duas

horas) e a conclusão pode ser de que não precisa haver maiores investigações. Outras

propostas podem requerer uma avaliação de impacto ambiental completa, pois podem

causar uma série de impactos adversos.

A escolha da metodologia de triagem é determinada geralmente por tomadores de

decisão política quando o sistema de AIA é estabelecido. Todas as metodologias de

triagem requerem informação sobre a proposta e todos envolvem o uso subjetivo de

julgamentos de valor em alguma etapa durante o seu desenvolvimento. A escolha do

método de triagem estabelecerá o número de propostas que serão sujeitas um processo

de AIA detalhado. As abordagens para a triagem envolvem uma, ou uma combinação

das seguintes técnicas:

• julgamento/discernimento por parte dos tomadores de decisão;

• avaliação ambiental inicial, avaliação ambiental de baixo custo que utiliza toda a

informação disponível sobre o projeto;

• listas de projetos que devem ser submetidos à AIA; e

• listas de exclusão de projetos que não precisam ser submetidos à AIA.

A responsabilidade da triagem depende da metodologia adotada.2 Quando existem

listas de projeto na legislação (como no caso brasileiro), os próprios proponentes podem

facilmente fazer a triagem de suas propostas. Contudo, quando a metodologia envolve 2 Para informações mais detalhadas sobre as metodologias de triagem consultar o UNEP (1996).

32

o julgamento do tomador de decisão, este geralmente tem a capacidade para influenciar

o resultado.

Quando existe o julgamento subjetivo na escolha dos projetos sujeitos à avaliação de

impactos ambientais, como no caso de muitas jurisdições, a consulta e participação

pública na etapa de triagem (screening) não é um fato incomum. Esta participação é

usual, por exemplo, na Austrália Ocidental. No Reino Unido, há uma oportunidade

formal para representações sobre a necessidade da AIA a ser realizada, mas é raro que

esta representação tenha algum resultado na decisão da triagem (EIA Centre, 1995).

De acordo com Beanlands (1988), a definição do escopo (scoping) refere-se ao

processo de identificar um número de assuntos prioritários, a partir de uma ampla série

de problemas potenciais, os quais serão tratados através da AIA. Em outras palavras é

uma tentativa de focalizar a avaliação em um número manejável de questões

importantes. A importância atribuída tanto à etapa de definição do escopo quanto aos

estudos de base surge devido ao fato das avaliações ambientais serem quase sempre

conduzidas sob sérias restrições de tempo e recursos, portanto deve haver uma definição

de prioridades para melhorar a eficiência do processo e fornecer um produto mais

focalizado para os tomadores de decisão.

A definição do escopo tem o objetivo de determinar valores prioritários da sociedade

com respeito aos efeitos potenciais de uma proposta de desenvolvimento. Em primeiro

lugar, é muito importante definir claramente o segmento da sociedade que está

envolvido, ou seja, a população alvo. Uma vez que a população alvo esteja identificada,

deve ser fornecida a ela informação adequada sobre o projeto e os efeitos ambientais

potenciais, em um formato que as pessoas possam entender. Além disso, é preciso dar

tempo suficiente para a população alvo organizar seus pensamentos e idéias com

relação a problemas ambientais potenciais. Finalmente, deve ser claramente entendido o

mecanismo através do qual a população alvo é capaz de expressar suas preocupações

para os tomadores de decisão. Para alcançar os objetivos acima é preciso um

planejamento detalhado, além do envolvimento de pessoal competente e acesso a

recursos adequados.

É importante destacar que embora a definição do escopo seja considerada como

uma etapa distinta do processo de AIA, que acaba com a elaboração dos Termos de

Referência, a atividade de scoping deveria continuar por todo o processo, de modo que

33

o escopo do trabalho possa ser melhorado à medida que surgirem novas questões e

informações. O escopo de uma AIA deve ser flexível o suficiente para permitir a

incorporação de novas questões que surgirem durante o curso dos estudos ambientais,

como resultado de mudanças no projeto ou através das consultas. A Diretiva da União

Européia permite que as autoridades competentes requeiram informação adicional em

uma etapa posterior no processo de AIA, mesmo se esta informação não foi requerida

no início da etapa de definição do escopo (European Commision, 2001).

Seja quando realizado como parte de um processo legal ou como uma medida de

‘boa prática’ dentro da AIA, a definição do escopo traz vários benefícios, entre eles:

• Ajuda a assegurar que a informação ambiental a ser usada na tomada de decisão

forneça um quadro amplo dos impactos importantes do projeto, incluindo questões

de interesse particular para grupos e indivíduos afetados.

• Ajuda a concentrar recursos nas questões importantes para a tomada de decisão e

evita o desperdício de esforços em questões de pouca relevância.

• Ajuda a assegurar que a informação ambiental forneça uma visão equilibrada e não

seja sobrecarregada com informação irrelevante.

• Estimula a consulta adiantada entre o empreendedor e a autoridade competente, e

com as autoridades ambientais, outras partes interessadas e o público, sobre o

projeto e seus impactos ambientais.

• Ajuda no planejamento, gerenciamento e alocação de recursos dos estudos

ambientais.

• Reduz o risco de atrasos no processo causados por pedidos de informação adicional

depois da submissão da informação ambiental, contida nos estudos e relatório de

AIA, à autoridade competente.

• Reduz o risco de desacordos sobre as metodologias de avaliação de impactos

(estudos de base, metodologias de previsão e critérios de avaliação) depois da

submissão da informação ambiental.

O escopo é focalizado principalmente na identificação dos impactos a serem

avaliados e quais destes são mais importantes, mas também pode tratar alguns ou todos

os seguintes assuntos:

• Os tipos de alternativa que devem ser consideradas;

34

• Os estudos de base que são requeridos para caracterizar o meio ambiente;

• Qualquer requerimento especial para os estudos de base com relação à sua extensão

geográfica ou tempo, por exemplo, devido a mudanças sazonais na fauna e flora;

• O nível de detalhe das investigações requeridas;

• As técnicas a serem usadas para prever a magnitude dos efeitos ambientais;

• Os critérios contra os quais a significância dos impactos deveria ser avaliada;

• Os tipos de mitigação a serem considerados;

• Quaisquer consultas adicionais a serem realizadas durante os estudos ambientais;

• A estrutura, conteúdo e tamanho da informação ambiental (ou estudo de impacto

ambiental);

• A composição e gerenciamento da equipe multidisciplinar de AIA;

• O plano de trabalho e a alocação de recursos para os estudos ambientais.

Em todas as formas de definição do escopo, a consulta com as autoridades

ambientais, outras partes interessadas e o público é uma parte importante do processo.

As consultas ajudam a assegurar que sejam tratados todos os impactos, questões,

interesses, alternativas e mitigações que as partes interessadas acreditam que devam ser

considerados. Consultas bem sucedidas podem ser facilitadas por uma série de meios,

incluindo:

• anúncios sobre o processo de definição do escopo em jornais locais ou nacionais;

• colocação de avisos anunciando o processo de definição do escopo no local do

projeto proposto, nas áreas vizinhas e nos escritórios das autoridades locais;

• preparo de folhetos ou panfletos sobre o projeto, dando detalhes do que está sendo

proposto com a ajuda de um plano ou mapa, descrevendo o processo de AIA e o

propósito da definição do escopo, e convidando os interessados a fazerem

comentários.

• Distribuição de questionários para as organizações e residentes próximos

potencialmente interessados, requerendo informação e comentários sobre a proposta

(em geral este é um bom ponto de partida para a definição do escopo se o número de

pessoas e organizações interessadas é grande);

• Discussões por telefone ou reuniões com organizações, grupos e indivíduos

fundamentais ao processo;

35

• Artigos em jornais, no rádio ou televisão;

• Reuniões públicas (pode ser útil convidar uma pessoa independente para presidir

estas reuniões);

• Exposições públicas (uma exposição pode ser preferível a uma reunião pública à

medida que pessoas nervosas para falar em público podem sentir-se mais

confortáveis falando com alguém, de pessoa para pessoa, durante uma exposição; as

reuniões também podem ser dominadas por umas poucas pessoas mais falantes e

não permitir que todas as questões ou mesmos questões mais importantes sejam

expressadas);

• Seminários (workshops) no qual os participantes trabalhem juntos através de um

programa estruturado para identificar assuntos a serem tratados no processo de AIA

(isto pode ser particularmente útil se as questões são complexas e existem vários

grupos interessados nas propostas; um facilitador independente pode ser útil para

assegurar que os seminários sejam bem sucedidos);

• Estabelecimento de um grupo de definição do escopo com base na comunidade ou

em especialistas para continuar a supervisionar os estudos ambientais através de

todo o processo (isto pode ser útil para projetos complexos ou quando um projeto

está em um estágio inicial no processo de planejamento e a significância das

questões não está clara);

• Publicação de um esboço do relatório da definição do escopo para revisão e

comentários antes de completar o processo (European Commission, 2001).

A consulta e participação pública na etapa de definição do escopo é comum em

muitos sistemas de AIA, mas é uma exigência em um pequeno número de países.

Podem ser distinguidos três diferentes níveis de prática de definição do escopo, em nível

mundial:

1. a consulta e participação pública é um requerimento da regulamentação (por ex.

a Holanda, Canadá, Dinamarca, EUA);

2. a consulta e participação pública não é um requerimento da regulamentação mas

é recomendada e largamente praticada (por ex. o Reino Unido); e

3. a consulta e participação pública não é um requerimento da regulamentação nem

uma prática comum (por ex. Polônia, Brasil e muitos países em desenvolvimento).

36

De acordo com Beanlands (1988), sob as regulamentações da NEPA, a agência

ambiental norte-americana deve organizar reuniões envolvendo todas as partes

diretamente afetadas ou interessadas no projeto proposto. Nestas sessões, os

participantes são encorajados a apresentar suas preocupações sobre o projeto e é feita

uma tentativa de definir as prioridades entre os problemas percebidos. As sessões de

scoping no Canadá são precedidas da distribuição de material escrito sobre o projeto,

bem como por sessões informais menores onde as pessoas são encorajadas a comparecer

informalmente e aprender mais sobre o projeto. Em projetos complexos (como por

exemplo o de usinas nucleares) a contribuição científica é um aspecto importante do

processo de definição do escopo, uma vez que muitos dos impactos potenciais podem

estar além do entendimento do público em geral.

A vantagem da reunião para a definição do escopo é proporcionar uma oportunidade

para o diálogo aberto entre os responsáveis pela AIA e o público, cujos interesses

deveriam ser representados. Estas discussões abertas geralmente podem levar à

resolução de problemas constatados de maneira equivocada. As desvantagens são que as

reuniões consomem muito tempo, requerem recursos financeiros e humanos e precisam

de cooperação total do proponente.

Quando não é possível organizar reuniões para a definição do escopo, podem ser

usados questionários ou pesquisas para avaliar os interesses públicos, embora este tipo

de abordagem indireta de definição do escopo seja menos desejável por várias razões.

Em primeiro lugar, a taxa de retorno de questionários é normalmente muito baixa, e

pode ser influenciada pelos segmentos da comunidade que costumam expressar mais

suas opiniões. Em segundo lugar, o desenho de uma pesquisa apropriada exige

especialistas de vários campos, os quais podem não estar disponíveis no tempo

requerido. E, por último, a análise e interpretação dos resultados da pesquisa estão

sujeitos a desacordos que podem posteriormente confundir mais as questões do que

esclarecê-las.

Quando se lida com populações alvo únicas ou razoavelmente bem definidas, é

possível auxiliar a própria comunidade a conduzir seu próprio programa de definição

do escopo. Através do fornecimento de apoio financeiro ou habilidades organizacionais,

os responsáveis pela condução de uma AIA podem encorajar a população local a usar os

37

mecanismos de comunicação existentes para determinar os interesses e preocupações da

comunidade. Tal atitude é altamente recomendável pois aumenta a credibilidade das

recomendações resultantes para o governo e proponentes.

Na seqüência normal dos eventos de um exercício de definição do escopo deveria

ser feita uma lista das preocupações prioritárias, que por sua vez, deveriam ser

incorporadas em diretrizes para a preparação de um estudo de impacto ambiental.

Dependendo da natureza das questões prioritárias identificadas, o programa de estudos

de base realizado como parte do EIA deveria ser estruturado em torno dos resultados do

exercício de definição do escopo. Desta forma, o programa de definição do escopo pode

ter uma grande influência sobre o foco da AIA, e portanto, sobre a recomendação

fornecida aos tomadores de decisão.

Segundo Mulvihill (1998), a importância da etapa de definição do escopo

geralmente é subestimada pelos teóricos e praticantes. Freqüentemente esta etapa

constitui-se em um exercício não criativo que produz uma mera lista dos impactos

potenciais e questões associadas a um empreendimento proposto. Uma definição do

escopo efetiva é especialmente crítica em casos controversos que envolvem audiências

públicas com uma ampla diversidade de atores e perspectivas. Em situações que lidam

com projetos altamente contenciosos, ou seja, onde há potencial para litígios, uma etapa

de definição do escopo hábil pode exercer uma forte influência no delineamento de

uma avaliação de impacto viável, aumentando a probabilidade de produzir um relatório

de impacto ambiental e um processo de avaliação que satisfaça aos atores.

A AIA deve refletir os diferentes conjuntos de valores, culturas e objetivos que estão

em jogo em um dado contexto de projeto, especialmente quando existem diversos

sistemas de conhecimento e modos de descrever os componentes e impactos ambientais.

Como a etapa de definição do escopo estabelece o cenário para as etapas subseqüentes

no processo de AIA, deve acomodar diversas abordagens de exposição do problema e

sua resolução. Nos casos caracterizados por uma considerável pluralidade, um método

analítico padrão pode não ser capaz de descrever e avaliar os vários impactos, e na

prática pode ser impossível integrar diversos métodos. Portanto, o processo de definição

do escopo deve ser instituído nos estágios iniciais do projeto, para evitar a imposição de

soluções de desenvolvimento em contextos que são diversos e onde os sistemas de

valores são diferentes daqueles do proponente do projeto.

38

Para ser efetivo em um cenário inter-cultural, o processo de definição do escopo

deve ser amplamente acessível; capaz de tratar visões de mundo competitivas;

caracterizar-se por justiça e eficiência; mais analítico do que enciclopédico; predisposto

a acomodar uma definição do problema adequada, mas não infinita; e aceitar dados

tanto qualitativos como quantitativos. A influência predominante na AIA consiste em

traduzir questões sociais e ecológicas complexas em impactos ou componentes do meio

ambiente afetado, para que possam ser facilmente estudados. Esta pode ser uma

abordagem razoável em casos relativamente diretos, mas não é efetiva em casos onde

co-existem ou competem múltiplas concepções sobre o meio ambiente a ser afetado

pelo projeto. Nestes casos, a AIA deve buscar alcançar uma mistura delicada entre

ciência e arte.

2.2 Dos Estudos de base à tomada de decisão sobre a AIA Conforme Beanlands (1988), talvez os estudos de base3 sejam o elemento da AIA

mais reconhecido e menos entendido. O termo refere-se à coleta de informação sobre

aspectos físicos, biológicos e sócio-econômicos de um projeto de desenvolvimento

proposto, e os estudos devem ser estruturados em torno dos resultados fornecidos pela

etapa de definição do escopo. Os estudos de base geralmente envolvem a utilização de

informação já existente, ou requerem a aquisição de novos dados através de amostragem

em campo, sendo responsáveis por uma grande parte do custo total da AIA.

As avaliações de impacto ambiental normalmente são conduzidas sob uma severa

restrição de tempo, e desde que é relativamente fácil coletar informação e dados, há uma

tendência a dar muita ênfase aos estudos de base, o que resulta em uma grande

quantidade de informação sobre o cenário ambiental de um determinado projeto, mas

esta informação pode ser irrelevante para a resolução de questões críticas levantadas em

etapas posteriores do processo de AIA.

Um problema universal com os estudos de base é o fato de eles serem realizados

sem objetivos claramente definidos. Raramente há o entendimento da razão pela qual os

dados estão sendo coletados ou para que problema eles serão aplicados. Ou seja, existe

um problema de demarcação do objeto, pois estes estudos não são feitos de forma 3 Os estudos de base também podem ser chamados de diagnóstico ambiental por alguns autores e praticantes da AIA.

39

científica. Para cobrir todos os requerimentos potenciais é reunida informação sobre

todos os aspectos do meio ambiente, o que leva inevitavelmente a pesquisas superficiais

e empíricas, que fornecem apenas informação em nível de reconhecimento, e no final,

muito do investimento em tempo e recursos é desperdiçado.

Talvez a inadequação mais evidente de muitos estudos de base é que eles não

refletem as necessidades finais dos tomadores de decisão envolvidos no planejamento

do projeto. Durante o planejamento de projetos de desenvolvimento existem pontos

fundamentais para os quais deveriam existir dados sobre aspectos físicos, biológicos e

sócio-econômicos, disponíveis a partir dos estudos de base. Se estes pontos críticos e as

necessidades de informação relacionada a eles não estão claramente definidos no início

da AIA, é improvável o estudo de impacto ambiental sirva para uma tomada de decisão

adequada.

Segundo o UNEP (1996), geralmente é requerido conhecimento especializado para

especificar, e estabelecer limites apropriados para a coleta de dados, de modo que as

necessidades da análise sejam encontradas e para que possam ser estabelecidos

programas de monitoramento. Em muitos casos, é provável que as condições de base

correntes ainda sejam as mesmas de quando o projeto é implementado. Porém, algumas

propostas, em particular de projetos muito grandes, podem levar algum tempo para

iniciar ou levar muito tempo para serem terminadas. Nestes casos, é necessário fazer

previsões sobre quais serão as condições de base futuras, o que envolverá a

consideração dos seguintes fatores:

• O estado atual;

• As tendências atuais e esperadas;

• Os impactos das propostas que já foram implementadas; e

• Os impactos de outras propostas que serão completadas antes da implementação da

proposta em consideração.

Em algumas circunstâncias a coleta de dados não será possível e o especialista ou a

equipe de AIA terá de usar seu julgamento para fazer as previsões. Quando isto ocorre

deveria ser indicado e explicado no estudo de impacto ambiental. Os gerentes de projeto

precisam exercer um controle estrito para assegurar que não seja gasto tempo e esforço

desnecessário na coleta de dados de base. Deve ser lembrado que o objetivo da AIA

não é somente descrever as condições de base. Os gerentes podem também impor

40

limites ao espaço devotado à descrição da situação de base no relatório de impacto

ambiental.

De acordo com Carpenter (1999), a experiência com a efetividade da AIA mostra

uma hierarquia de informação essencial. Primeiro, é fundamental a descrição correta do

sítio do projeto em termos geofísicos. Depois são adicionados os componentes

biológicos dos ecossistemas. A avaliação de ecossistemas é um tanto difícil, pois todo

projeto é um experimento perturbador com resultados altamente incertos, uma vez que

os sistemas naturais nunca experimentaram os impactos. É importante avaliar os efeitos

cumulativos sobre o sítio do recurso, provenientes de outras atividades além da ação do

projeto em questão. Quando existe uma grande incerteza e a magnitude dos impactos é

alta, é útil fazer uma análise de risco. Quando, e se, estas questões essenciais são

cobertas adequadamente e a tempo, então pode ser dada atenção maior a efeitos

estéticos, históricos, sociais, demográficos, culturais e religiosos. Mas essas questões

não deveriam impedir a investigação de questões relacionadas às ciências naturais ou

levar à ‘diluição’ do estudo de impacto ambiental (EIA).

2.2.1 A identificação, previsão e avaliação dos impactos

Segundo o UNEP (1996) é preciso usar uma abordagem lógica e sistemática para

refinar a lista de impactos que requer uma investigação detalhada, e para assegurar a

identificação de todas as causas prováveis dos impactos e suas interações. Embora

muitos praticantes de AIA executem estas tarefas usando uma abordagem ad hoc, ou

seja, através da reunião de um grupo de profissionais de diversas disciplinas, em uma

base caso a caso, a experiência tem mostrado que as AIAs gerenciadas desta maneira

tornam-se desestruturadas, indisciplinadas e freqüentemente falham em identificar todos

os impactos significativos. Elas também tendem a resultar em longas coleções de

informação descritivas, que não fornecem uma base adequada para a tomada de decisão.

Com o passar do tempo, têm sido desenvolvidos vários instrumentos formalizados

de AIA para melhorar a efetividade e a eficiência da identificação de impactos. (alguns

deles são também instrumentos úteis para apresentar os resultados da avaliação de

impactos ou conferir a significância). Estes instrumentos têm sido baseados na

experiência coletiva de um grande número de pessoas e seu uso ajuda a agilizar o

processo de avaliação de impactos ambientais e evitar muitos dos erros cometidos nos

41

tempos iniciais da AIA. Muitos desses instrumentos também têm sido talhados para o

uso em setores específicos, aumentando portanto a eficiência e precisão do processo de

identificação de impactos.

Os instrumentos formais mais comuns usados para a identificação de impactos,

alguns dos quais podem ser chamados de metodologias, são mostrados abaixo. Para

obter informações mais detalhadas4 sobre cada um deles consultar Gartner (2001),

Moreira (1992), Pastakia e Jansen (1998).

• Checklists (listagens de controle) – são desenvolvidas geralmente a partir de listas

das características ambientais ou atividades que deveriam ser investigadas para os

possíveis impactos. Elas podem variar em complexidade e propósito, consistindo em

uma listagem simples ou descritiva ou em um sistema que também confere

significância através do escalamento e ponderação dos impactos (as listagens

escalares e ponderadas são usadas para a avaliação dos impactos, sendo que a mais

conhecida é a Batelle5). As checklists podem ser melhoradas e adaptadas para se

adequar às condições locais e também podem ser desenvolvidas especificamente

para certos setores (como represas ou rodovias). Checklists setoriais são geralmente

usadas quando os proponentes se especializam em uma área particular de

desenvolvimento. Este recurso não é efetivo na identificação de impactos de ordem

mais alta ou do inter-relacionamento dos impactos.

• Matrizes – são metodologias que podem ser usadas para identificar a interação entre

as atividades do projeto e as características ambientais. A interação entre uma

atividade e uma característica ambiental pode ser mostrada na célula comum a

ambos. Podem ser feitas observações nas células para destacar a severidade do

impacto ou outras características relacionadas à natureza do impacto, utilizando por

exemplo, marcas ou símbolos que identificam o tipo de impacto (direto, indireto,

cumulativo), de forma ilustrada; números ou uma série de pontos de tamanho

diferente para indicar a escala; ou observações descritivas. A matriz de interação

mais conhecida é a matriz de Leopold, que é formada por 100 colunas que 4 Julgou-se suficiente apenas uma breve explicação de cada um dos métodos, uma vez o foco deste trabalho é a questão do envolvimento e participação pública na AIA, e devido à existência de vários trabalhos que descrevem detalhadamente os vários métodos para a identificação de impactos. 5 Para maiores detalhes sobre a listagem conhecida como Batelle consultar Gartner (2001) e Moreira (1992).

42

representam as ações do projeto e por 88 linhas relativas às características

ambientais, resultando em 8.800 interações possíveis. Outros tipos de matrizes têm

sido desenvolvidos a partir desta, como a matriz RIAM (Rapid Impact Assessment

Matrix) que usa uma matriz estruturada para permitir que tanto os julgamentos

subjetivos quanto os baseados em dados quantitativos sejam feitos em uma base de

igual para igual, fornecendo um registro transparente e permanente dos julgamentos

feitos (Pastakia e Jensen, 1998).

• Redes de interação – este instrumento ilustra as múltiplas ligações entre as

atividades do projeto e as características ambientais e é útil na identificação e

descrição de impactos de segunda ordem (indiretos, sinérgicos). Redes

simplificadas, usadas em conjunção com outros recursos são úteis para ajudar a

assegurar que impactos maiores de segunda ordem não foram omitidos das

investigações. Redes mais detalhadas podem consumir muito tempo e serem difíceis

de serem produzidas a menos que um programa de computador seja usado.

• Técnicas de sobreposição e sistemas de informação geográfica – a sobreposição de

mapas ou de imagens computadorizadas pode ser usada para mostrar os impactos de

forma ilustrada. A técnica de sobreposição original, relativamente simplista, foi

desenvolvida por McHarg que mapeava dados sobre transparências de modo que

elas podiam ser superpostas para dar uma impressão visual geral da concentração

dos impactos.

• Sistemas especialistas – Um sistema especialista é um sistema de tomada de decisão

computadorizado baseado em conhecimento. O usuário é sistematicamente

submetido a questões que são desenvolvidas a partir de um conhecimento pré-

existente do sistema e dos inter-relacionamentos que estão sendo investigados. O

sistema especialista revisa a resposta dada e move-se para a próxima questão à

medida que é dada uma resposta apropriada. Como os Sistemas de Informação

Geográfica, os sistemas especialistas são métodos de análise intensivos em

informação, e também têm o potencial de tornarem-se muito poderosos no futuro,

uma vez que são construídos lógica e sistematicamente sobre a experiência

adquirida com o passar do tempo.

43

• Experiência profissional – muitos profissionais usam o conhecimento e a perícia que

eles adquiriram para desenvolver bancos de dados e auxílios técnicos

sistematicamente, que podem ajudar em projetos futuros.

Nenhum meio único de identificação de impactos é necessariamente o melhor a ser

usado em todas as ocasiões, nem é necessário restringir-se ao uso de um instrumento

somente por vez. Geralmente considera-se que a combinação de aspectos úteis de dois

instrumentos diferentes pode ser a melhor abordagem a seguir.

A escolha do instrumento pode depender de vários fatores que incluem:

• O tipo e o tamanho da proposta de desenvolvimento;

• O tipo de alternativas que estão sendo avaliadas;

• A natureza dos prováveis impactos;

• A natureza e a conveniência do meio de identificação do impacto (ver Quadro 1);

• A experiência da equipe de AIA com o meio de identificação de impacto;

• Os recursos disponíveis – custo, informação, tempo, pessoal;

• A natureza do envolvimento público no processo;

• A experiência do proponente com o tipo e o tamanho do projeto; e

• Requerimentos ou limitações administrativas/processuais.

Uma vez que os impactos tenham sido identificados, o tamanho e a natureza

potencial de cada um deve ser prevista. A previsão de impactos é obtida através de

dados e técnicas físicas, biológicas, sócio-econômicas e antropológicas e pode empregar

modelos matemáticos, montagens fotográficas, modelos físicos, modelos sócio-

econômicos, modelos econômicos, experimentos ou julgamento de especialistas. Em

muitos casos este trabalho precisará ser realizado por especialistas das áreas de

interesse.

Para evitar gastos desnecessários, a sofisticação das técnicas de previsão usadas

deveria ser proporcional ao escopo da AIA e à importância de cada impacto particular.

Geralmente é muito tentador para aqueles envolvidos nesta fase envolver-se com

pesquisa que é do interesse pessoal em vez de relevância direta para a proposta. Para

evitar desperdício de tempo e dinheiro o programa de pesquisa e coleta de dados deve

ser focalizado para tratar os assuntos destacados nos Termos de Referência.

44

Quadro 1 - Vantagens de desvantagens de instrumentos para a identificação de impactos Instrumentos Vantagens Desvantagens Checklists simples, escalares e ponderadas

• Simples de entender e usar • Bom para seleção de sítio e

para estabelecer prioridade

• Não distinguem entre impactos diretos e indiretos

• Não ligam a ação ao impacto • O processo de incorporação de

valores pode ser controverso Matrizes • Liga a ação ao impacto

• Bom método para mostrar os resultados da AIA

• Difícil de distinguir entre impactos diretos e indiretos

• Potencial significativo de dupla contagem de impactos

Redes de interação

• Liga ação ao impacto • Útil como forma simplificada

de verificar impactos de segunda ordem

• Lida com impactos diretos e indiretos

• Pode tornar-se muito complexo se usada além da versão simplificada

Técnicas de Sobreposição • Fácil de entender • Bom método de exibição • Boa ferramenta para

localização

• Trata somente impactos diretos

• Não trata a duração ou probabilidade do impacto

SIG e sistemas especialistas • Excelente para identificação e análise de impacto

• Geralmente complexo e custoso

Fonte: UNEP (1996)

Os impactos podem ser previstos tanto quantitativa como qualitativamente. O uso

de quantificação pode tornar a comparação entre as alternativas e com as condições de

base mais fácil. Se a quantificação for difícil, é importante que sejam usadas técnicas

que possibilitem que os impactos sejam comparados sistematicamente. Muitas vezes,

terão de ser feitas descrições qualitativas, como por exemplo da qualidade da paisagem

ou de um habitat.

A avaliação dos impactos refere-se à importância dos impactos, ou seja, à

ponderação do grau de significância de um impacto em relação ao fator ambiental

afetado e a outros impactos. A importância de um impacto significa sua resposta social,

isto é, o quanto esse impacto é importante para a qualidade de vida do grupo social

afetado e para os demais, dependendo de um julgamento de valor. O grau de

importância estabelecido pelos técnicos que executam os estudos certamente será

diferente dos atribuídos pelos tomadores de decisão e pelos representantes da

comunidade. Por isso é necessária a criação de condições para o envolvimento de todos

os participantes do processo nesta atividade, especialmente os grupos sociais afetados

pelo projeto (Wathern, 1988 apud Baasch, 1995).

45

Conforme Appiah-Opoku (2001), o conhecimento empírico nativo não somente tem

o potencial para complementar o conhecimento científico de modo a melhorar os

estudos de avaliação; ele também pode encorajar a participação local e abordagens ‘de

baixo para cima’ nas decisões ambientais e de planejamento. O envolvimento das

populações locais pode ajudar a equipe de AIA a entender o uso dos recursos e as

nuances na área, e usar o conjunto de valores dessas pessoas para interpretar, avaliar e

monitorar os impactos de projetos sobre as comunidades locais.

De acordo com o UNEP (1996), a significância dos impactos deve ser derivada a

partir das preferências da comunidade e pode ser descoberta através do envolvimento

público ou outros meios especializados. A abordagem usada para determinar a

significância deve levar em consideração aspectos sociais e culturais dos sistemas de

valores locais e de práticas tradicionais. Um instrumento citado anteriormente,

denominado Batelle, que consiste em uma listagem de controle com escalamento e

ponderação, também pode ser útil para esta etapa.

O envolvimento público na identificação, previsão a avaliação dos impactos pode

ajudar a evitar tendenciosidades e imprecisões na análise, além de revelar valores e

preferências locais, permitindo uma análise mais informada dos impactos e opções.

Em muitos casos será requerido que o especialista individual ou a equipe de AIA

identifique ou estabeleça um conjunto de critérios de significância justificáveis através

dos quais os impactos podem ser avaliados.

Sadar (1995) apud UNEP (1996), observa que as bases para a avaliação da

significância do impacto são as seguintes:

• Nível de preocupação/interesse público (particularmente em relação à saúde e

segurança);

• Julgamento científico ou profissional;

• Perturbação/disrupção de valores de sistemas ecológicos; e

• Grau do impacto negativo sobre valores sociais e qualidade de vida.

Para a definição de critérios específicos para a determinação da significância dos

impactos, o autor citado sugere que estes critérios deveriam:

• Permitir a atribuição de significância de um modo racional através de discussão e

consenso;

46

• Fornecer uma medida da consistência necessária para a comparação de alternativas;

e

• Servir como documentação dos valores e crenças sobre os quais os julgamentos são

baseados.

A avaliação da significância dos impactos tem sempre uma dimensão subjetiva, que

surge da integração de valores, experiências, e conhecimento dos diferentes atores que

realizam a avaliação. Embora a subjetividade nunca possa ser eliminada, os resultados

de uma avaliação podem ser mais objetivos se são obtidos através de uma metodologia

pré-definida, com critérios de avaliação formulados claramente, e fazendo uso total da

informação gerada nas etapas anteriores. Antunes et al. (2001) desenvolveram uma

metodologia na qual o Sistema de Informações Geográficas (SIG) atua como uma

estrutura para apoiar o desenvolvimento de todas as tarefas dentro da AIA.

Particularmente na avaliação de impacto, a informação gerada pela utilização do SIG

nas etapas prévias da AIA pode ser usada mais a fundo na avaliação da significância do

impacto, contribuindo para aumentar a credibilidade da avaliação, e portanto para

melhorar a efetividade do processo inteiro da avaliação de impacto ambiental. Através

da metodologia de avaliação de impacto espacial desenvolvida por Antunes et al. (op.

cit.) (SIAM - Spatial Impact Assessment Methodology) a dimensão espacial dos

impactos é considerada explicitamente com o objetivo de melhorar a avaliação da

significância do impacto.

Metodologias multicritério também podem ser bastante úteis para a etapa de

avaliação da AIA. Segundo Ramanathan (2001), o processo de Análise Hierárquica de

Saaty (AHP) pode ser uma ferramenta útil para analisar sistematicamente as opiniões de

vários grupos de atores e especialistas pertencentes a diferentes campos em uma

avaliação de impacto ambiental. O AHP pode ser usado para capturar o conhecimento

empírico dos atores sobre a severidade relativa dos diferentes impactos, o que pode

ajudar as autoridades do projeto a priorizarem seus planos de gerenciamento ambiental.

Segundo Smit e Spaling (1995) as metodologias mais úteis para a avaliação de

efeitos cumulativos são o Sistema de Informações Geográficas, Análise da paisagem e

metodologias de modelagem e simulação. A análise de “loop” e “diagramas causa-

efeito” servem principalmente como mecanismos heurísticos. A criação de

47

metodologias que incorporem processos de mudança ambiental cumulativa é um

desafio para o futuro.

2.2.2 A Mitigação e gerenciamento de impactos

De acordo com Bisset (1996), tão logo sejam identificados os impactos adversos

significativos de um projeto deveriam ser realizadas discussões para ‘excluir’ estes

impactos através de mudanças no design, localização ou operação do projeto. Certos

impactos, no entanto, somente podem ser mitigados através da implementação de ações,

no tempo apropriado, durante a construção e operação de um projeto. Entre tais medidas

encontram-se as seguintes:

• Prevenir ou minimizar impactos antes que eles ocorram limitando a sua extensão ou

o tempo de ação;

• Eliminar ou reduzir um impacto atual no decorrer do tempo através de operações de

manutenção ou planejamento para contingência durante a vida do projeto;

• Retificar um impacto através de reparação, reabilitação ou restauração do meio

ambiente afetado;

• Compensar um impacto monetariamente ou através da reposição ou providenciando

recursos substitutos; e

• Maximizar os impactos benéficos através de ações adicionais específicas.

O foco da mitigação deveria estar sobre os impactos adversos significativos e sobre

impactos benéficos. Uma vez que estes impactos tenham sido tratados pode-se dar

atenção a impactos que são adversos, mas não são considerados significativos. Alguns

destes podem ser facilmente mitigados, outros não. Não é possível dar uma orientação

firme sobre a extensão na qual os impactos adversos deveriam ser mitigados, uma vez

que as decisões sobre esta matéria serão específicas para cada projeto e levarão em

consideração várias questões como custos, visões dos atores envolvidos na AIA

(incluindo consultas com o governo e com o público) e viabilidade. O envolvimento

público é importante para auxiliar na consideração das medidas mitigadoras que

deverão ser incorporadas dentro das alternativas favorecidas.

Para o UNEP (1996), é útil especificar detalhadamente no plano de mitigação, as

características das medidas mitigadoras a serem implementadas para os impactos ‘alvo’,

em particular:

48

• A descrição da ação mitigadora;

• O tempo/local da implementação;

• Os resultados esperados;

• A responsabilidade pela implementação;

• A estratégia de monitoramento necessária para verificar a implementação e o nível

de sucesso do desempenho; e

• Relatar os procedimentos para uma autoridade de controle e para um Comitê de

ligação com a comunidade (se existir algum).

Para monitorar e gerenciar os impactos com sucesso, e para implementar as medidas

mitigadoras no tempo apropriado, o proponente precisa de um plano de ação bem

definido. Dependendo dos requerimentos de sistema de AIA, este plano de ação,

chamado geralmente de plano de gerenciamento de impactos, pode ser incluído no

relatório de AIA. Um plano de gerenciamento de impactos deveria:

• Conter uma declaração da política ambiental do proponente, incluindo a

conformidade do projeto com a legislação ou padrões;

• Designar um responsável pela implementação geral do plano;

• Incluir uma tabela com as tarefas a serem empreendidas de acordo com as

recomendações do relatório de AIA e com os requerimentos da aprovação;

• Alocar a responsabilidade pela realização das tarefas;

• Incluir um sistema de relato do progresso das tarefas;

• Conter um plano de ações contingenciais a ser usado quando os resultados do

monitoramento indicam que os impactos não estão de acordo com as previsões e

padrões (UNEP, 1996).

2.2.3 A Preparação e Revisão do relatório de AIA

Segundo a UNEP (1996) o relatório de avaliação de impacto ambiental deve ser

feito para auxiliar:

• O proponente a planejar, projetar e implementar a proposta de modo que elimine ou

minimize os efeitos negativos sobre o meio biofísico (água, ar, solo, etc.) e sócio-

econômico e maximize os benefícios para todas as partes da maneira mais custo-

efetiva;

49

• O governo ou a autoridade responsável a decidir se a proposta deveria ser aprovada

e os termos e condições que deveriam ser aplicados;

• O público a entender a proposta e seus impactos sobre a comunidade e o ambiente.

O relatório de AIA deve ser preparado em nome do proponente, que é legalmente

responsável pela sua estrutura e conteúdo. A estrutura ampla e o conteúdo do relatório

geralmente é especificado na legislação e diretrizes do país ou da agência de

financiamento do projeto. Ao contrário da maioria dos relatórios técnicos preparados

durante os estudos de pré-viabilidade e viabilidade do projeto, o relatório de AIA será

utilizado por não-especialistas, portanto, precisa ser escrito de modo que comunique

efetivamente o seu conteúdo para as populações locais (principalmente aquelas afetadas

pela proposta), grupos de interesse e para os tomadores de decisão. Isto significa que

ele deveria ser breve (a UNEP sugere um limite de 200 páginas, incluindo os apêndices

técnicos), com o mínimo de terminologia técnica, e ser ilustrado com mapas de boa

qualidade, diagramas, gráficos e outros auxílios visuais. O relatório de AIA deve conter

um sumário executivo não-técnico que apresente as principais conclusões e opções

para a tomada de decisão. Este sumário não deveria tentar resumir todo o conteúdo do

relatório, ao invés disso ele precisa conter somente as informações/escolhas pertinentes

à decisão, com um limite de no máximo 10 páginas.

Segundo o UNEP (1996), o relatório de AIA deveria conter os seguintes itens:

• Um sumário executivo ou não técnico, conforme colocado acima, que pode ser

usado como um documento para promover o envolvimento público;

• Uma descrição dos objetivos do projeto;

• Uma discussão do relacionamento entre o projeto proposto e o uso do solo atual e

outras políticas relevantes para a área provavelmente afetada;

• Uma descrição do projeto proposto e as alternativas (incluindo a de não

desenvolvimento do projeto). Esta descrição deveria ser breve e dar atenção às

principais diferenças entre as alternativas;

• Uma descrição das condições ambientais esperadas no tempo de implementação

provável do projeto (biofísicas, sócio-econômicas, etc.);

50

• A avaliação dos impactos de cada alternativa, com informação clara sobre os

critérios usados para atribuir significância (e também descrições das características

de cada impacto);

• Avaliação comparativa das alternativas, cobrindo os impactos adversos e benéficos

significativos, medidas de mitigação e monitoramento e identificação da opção

preferida ambientalmente, se possível usando critérios de sustentabilidade;

• Um plano de gerenciamento de impactos;

• Uma discussão das incertezas envolvidas na interpretação/uso dos resultados

provenientes das técnicas de previsão e análise e uma descrição das lacunas nos

dados de base e outros dados usados no estudo de AIA e incluídos no relatório;

• Apêndices – toda a informação técnica e descrição dos instrumentos/técnicas usados

para fornecer conclusões no relatório de AIA, se não for adequada ao texto

principal, deveria ser incluída em apêndices, que deveriam conter:

• Um glossário;

• Uma explicação dos acrônimos;

• Uma lista completa do material de referência usado;

• Os termos de referência da AIA e dos especialistas individuais que investigaram

impactos específicos.

Os arranjos para disponibilizar os relatórios de AIA para o público e encorajar o

envolvimento público diferem de acordo com os requerimentos legislativos e

administrativos de cada país. Se houve o envolvimento público entre a etapa de

definição do escopo e produção do relatório de AIA pode ser útil adicionar uma seção

mostrando os comentários recebidos e as respostas dadas.

Deveriam ser consideradas outras formas de apresentação dos resultados do relatório

de AIA, com linguagem orientada para os diferentes interlocutores, através de:

• Vídeos em linguagem local

• Rádio e televisão locais

• Apresentações

• Boletins informativos

• Exibições, especialmente se elas são apoiadas por membros da equipe de AIA

• Reuniões baseadas em grupos da comunidade local

51

• Seminários e pequenos encontros

Todas as formas de apresentação citadas acima têm o seu lugar dentro da

comunicação com o público mas nenhuma pode ser efetiva sem o trabalho preliminar de

produção de um relatório compreensivo e claro, com dados acurados e consistentes.

O envolvimento do público na preparação do relatório de AIA deve, em princípio,

levar a uma melhoria na qualidade e na aceitabilidade do relatório. O conhecimento

público local sobre a área pode em geral ser útil na identificação de informação sobre o

meio ambiente provavelmente afetado. Além disso, geralmente o público pode

identificar áreas específicas de interesse local que deveriam ser destacadas no relatório

de AIA, e pode indicar os limites para mudanças aceitáveis localmente. Os comentários

públicos sobre os rascunhos dos capítulos do relatório de AIA, podem ser combinados

com opiniões sobre a aceitabilidade do projeto.

Em muitas jurisdições a participação pública antes da publicação do relatório de

impacto ambiental não é obrigatória. No Reino Unido, em comparação com outros

sistemas de AIA, os requerimentos para a participação pública antes da publicação do

relatório de AIA são fracos, uma vez que a etapa de escopo não é um requerimento

formal. Na Nova Zelândia as autoridades locais têm o poder de exigir que a consulta e a

participação pública aconteçam antes da submissão dos relatórios de impacto ambiental

para projetos notificados, enquanto que na Austrália a existência de uma etapa de

definição do escopo assegura efetivamente a participação pública, mesmo que isto não

seja obrigatório.

No Canadá, embora a participação ocorra durante um número limitado de revisões

de painel6, não há um requerimento obrigatório para o envolvimento na preparação dos

relatórios de AIA não sujeitos a revisão de painel. Na Califórnia, Estados Unidos, há

provisão para a participação e consulta antecipadas na preparação do estudo de impacto

ambiental e do relatório, respectivamente, mas as provisões relacionadas ao

envolvimento público na preparação das numerosos ‘avaliações ambientais’7 nos

6 Um painel é uma reunião na qual personalidades ou especialistas apresentam seus pontos de vista a respeito de um tema, a fim de serem debatidos pelo plenário (Dicionário Aurélio, 1995). 7 Nos Estados Unidos, o termo ‘avaliação ambiental’ (AA) é utilizado significando uma avaliação preliminar.

52

Estados Unidos em geral não são observadas, e não existe em relação aos ‘estudos

iniciais’ californianos. No entanto, a consulta e a participação públicas nas etapas

anteriores à submissão do relatório de avaliação de impacto ambiental estão fortemente

embutidas nos sistemas de AIA, como na Holanda e na Austrália Ocidental (EIA

Centre, 1995).

Os objetivos da revisão são revisar a qualidade do relatório de AIA, avaliar a

aceitabilidade da proposta, e obter comentários por parte dos atores. O processo de

revisão pode também ser usado para obter um julgamento imparcial de interesses

específicos, e geralmente conflitantes, das partes envolvidas e para evitar custos e

atrasos desnecessários. Geralmente a revisão identificará informação adicional que é

requerida ou medidas mitigadoras que poderiam ser incluídas. A revisão dos relatórios

de AIA geralmente é iniciada depois que o relatório é concluído, no entanto, ela pode

ser iniciada mais cedo e ser usada como um instrumento de monitoramento para

assegurar que o progresso é satisfatório e que a informação está de acordo com os

termos de referência. Portanto, é preferível que a revisão seja realizada antes que o

relatório final de AIA seja submetido à consideração por parte dos tomadores de decisão

finais.

A revisão dos relatórios de AIA pode ser realizada pelo governo, por autoridades

independentes, especialistas credenciados independentes ou painéis de revisão. Os

membros dos painéis de revisão não deveriam ser atores da proposta. Quando existem

questões que podem requerer pesquisa adicional, aspectos da proposta que requerem

modificação do relatório de AIA ou quando o relatório é inadequado, a revisão pode ser

um processo iterativo, com o retorno do relatório ao proponente para emendas que

visam remediar as inadequações identificadas.

A revisão através dos atores também pode ser realizada usando informação reunida

através de várias maneiras, que incluem informação fornecida pelo público quando da

exibição do relatório (ou quando o relatório é disponibilizado para o público), e da

realização de reuniões com as pessoas afetadas ou interessadas. Nesta etapa geralmente

são realizadas audiências públicas, que podem ser estruturadas de uma maneira formal

ou informal. Uma das maneiras de obter informação pública é receber comentários

escritos, contudo, a maioria das pessoas, com exceção dos mais instruídos e articulados,

53

fica intimidada em fazer tais comentários, portanto deveria haver outras maneiras de

alcançar respostas do público.

A revisão também pode ser realizada pelos proponentes durante a preparação do

relatório de AIA, como parte do processo de alcance da qualidade. Desta forma os

proponentes podem assegurar que seu trabalho tem um padrão apropriado, antes que ele

seja submetido à revisão externa.

O processo de revisão envolve o estabelecimento de um conjunto de critérios que

devem ser satisfeitos e padrões mínimos que devem ser alcançados. Estes padrões

variam de acordo com a importância relativa de um critério particular. Em alguns países

a revisão do relatório de AIA pode ser escrita, para consideração de um painel

independente.

A revisão pode ser realizada para verificar se:

• O relatório trata adequadamente o que foi estabelecido pelos Termos de Referência;

• Existe informação suficiente sobre os objetivos da proposta e seu cenário ambiental,

alternativas, impactos, mitigação e monitoramento;

• A informação é científica e tecnicamente correta;

• O processo de AIA foi conduzido apropriadamente, e os pontos de vista das partes

envolvidas têm sido levados em consideração;

• A informação tem sido apresentada de forma que possa ser entendida tanto pelos

tomadores de decisão quanto pelo público;

• A informação é relevante para as partes envolvidas na tomada de decisão; e

• Existe informação suficiente para que as implicações dos impactos ambientais sejam

tratadas pelos tomadores de decisão.

Quase todas as jurisdições preparam-se para a consulta e participação públicas

durante a revisão do relatório de impacto ambiental. Em um sistema de AIA

inteiramente participativo, estes direitos deveriam ser estendidos também à revisão da

informação posterior submetida pelo proponente. Cópias dos relatórios de impacto

ambiental deveriam ser obtidas gratuitamente ou a um preço razoável. Nos Estados

Unidos, tais documentos em geral são gratuitos, enquanto que em outras jurisdições

algumas vezes pode ser cobrada uma taxa substancial.

Em alguns sistemas de AIA (por exemplo, Polônia e Hong Kong), é difícil o público

obter acesso às cópias dos relatórios de impacto ambiental para certos tipos de projetos,

54

e quando isso é possível, os relatórios podem ser altamente técnicos. Em muitos países

em desenvolvimento é difícil, e algumas vezes impossível obter ou consultar cópias de

relatórios de AIA (EIA Centre, 1995).

2.2.4 A tomada de decisão

AIA é um processo de revisão, negociação e tomada de decisão incremental que

culmina em uma escolha essencialmente política, mas deveria ter base no

conhecimento científico, e não no empírico, moral e político, para determinar se a

proposta deve ou não prosseguir, e sob que condições.

Quando o termo ‘tomada de decisão’ é usado na AIA ele geralmente toma o

significado da aprovação ou autorização final de uma proposta. Em certos casos os

indivíduos que executam a revisão têm poder de tomada de decisão; ou seja, suas

decisões estão amarradas a menos que sejam derrubadas por uma convenção executiva.

Como as bases política e legislativa para a AIA diferem de país para país, existe

geralmente um número de decisões menores feitas em cada etapa através de todo o

processo. Cada uma dessas decisões pode ser feita por um pessoa ou grupo de pessoas

diferente. Por exemplo, algumas decisões, como as relacionadas à triagem (screening) e

à definição do escopo (scoping), podem ser feitas juntamente pelo proponente, pelo

ministro responsável e pelas autoridades ambientais. Outras decisões, como a seleção

da alternativa viável, podem ser feitas pelo proponente. Segundo Wood (1995) apud

UNEP (1996) a tomada de qualquer decisão envolverá um grande número de escolhas

conflitantes: entre simplificação e a complexidade da realidade; entre fatos e valores;

entre previsões e avaliação; e entre certeza e incerteza.

É esperado daqueles que tomam a decisão final sobre a aprovação do projeto o uso

de informação fornecida pela avaliação de impacto ambiental, juntamente com

informação obtida de outras fontes, para informá-los das conseqüências ambientais da

sua tomada de decisão. O tipo de informação considerada importante para os tomadores

de decisão é apresentado a seguir:

• Plano de fundo: O plano de fundo do projeto e as questões ambientais mais

importantes envolvidas;

55

• Contexto político: A questão ou problema básico de desenvolvimento sendo tratado

(por exemplo, poluição, inundações, seca, erosão, saúde, economia em depressão,

etc); o relacionamento com metas, políticas e planos de proteção ambiental;

• Alternativas da proposta (incluindo a opção ambiental mais viável);

• Envolvimento público: visões públicas principais, preocupações das comunidades

afetadas, áreas de acordo e desacordo;

• Análise de impacto: custos e benefícios; distribuição de perdas e ganhos;

• Mitigação e monitoramento: as constatações principais, incluindo os benefícios

econômicos principais, efeitos ambientais significativos e medidas mitigadoras

propostas; a extensão na qual a proposta entra em conformidade com os princípios

do desenvolvimento sustentável; o design e mudanças operacionais que são

consideradas críticas para a melhoria da aceitabilidade ambiental do projeto.

Segundo o UNEP (1996), a extensão na qual o tomador de decisão deve usar os

resultados e recomendações da AIA varia de uma jurisdição para a outra. Geralmente há

um requerimento para o tomador de decisão levar em consideração os resultados

durante o processo de tomada de decisão. Dependendo da legislação, o tomador de

decisão pode:

• Ter completa discrição para tomar uma decisão sem fornecer justificativas;

• Ser capaz de tomar a decisão e não incorporar todas as recomendações do processo

de AIA mas ter de explicar publicamente as razões para ter feito isto;

• Ter de agir totalmente de acordo com as recomendações da AIA.

Pode haver vários resultados diferentes da tomada de decisão:

• A proposta pode ser aprovada;

• A proposta pode ser aprovada com algumas condições;

• A proposta pode ser aprovada sujeita a investigações contínuas;

• Um documento suplementar ou novo relatório de AIA pode ser requerido se há

problemas significativos com a investigação original ou o relatório de AIA; e

• Em um número muito pequeno de casos a proposta, conforme foi formulada, pode

ser rejeitada.

56

Os seguintes critérios para a tomada de decisão, adotados pelos principais sistemas

de AIA ocidentais, ajudam a assegurar a transparência e a responsabilidade do processo:

• As constatações do relatório e da revisão da AIA são um determinante central de

decisão sobre a ação;

• A decisão pode ser adiada até que o relatório tenha sido preparado e revisado;

• A permissão pode ser recusada, condições podem ser impostas, ou modificações

requeridas na etapa de decisão;

• A decisão é feita por uma instituição e não pelo proponente;

• Uma avaliação resumida é preparada antes da decisão ser tornada pública;

• A decisão, as razões para a mesma, e as condições anexadas a ela são publicadas;

• Estas razões incluem uma explicação de como o relatório e a revisão da AIA

influenciaram a decisão;

• Existe uma orientação pública sobre os fatores a serem considerados na decisão;

• Há um direito de apelo contra as decisões;

• A tomada de decisão funciona efetiva e eficientemente.

Algumas jurisdições requerem um registro público escrito da decisão. Por exemplo,

o Registro de Decisão nos Estados Unidos deve conter:

• Uma declaração explicando a decisão;

• Uma explicação das alternativas consideradas e aquelas que são ambientalmente

preferíveis;

• Os fatores sociais, econômicos e ambientais considerados pela agência na tomada de

decisão;

• Uma explicação das medidas mitigadoras adotadas e, se métodos de mitigação

viáveis não foram adotados, um explicado do por quê não; e

• Um sumário do programa de monitoramento e coação que deve ser adotado para

assegurar que quaisquer medidas mitigadoras sejam implementadas.

Muitas aprovações feitas como resultado da AIA precisarão de modificações na

proposta original, e também impor condições e padrões de desempenho. Quaisquer

condições impostas deveriam levar em consideração as previsões feitas na AIA, e

refletir de forma realista qualquer incerteza nestas previsões. Os tomadores de decisão

precisam ser informados de qualquer dúvida sobre a confiabilidade dos dados usados na

57

AIA, quaisquer lacunas de informação, e quaisquer limitações da avaliação por causa

destas deficiências.

A participação pública na tomada de decisão é muito menos comum do que nas

etapas prévias do processo de AIA. Apesar disso, quando é produzida pela autoridade

competente alguma forma de avaliação, com base no relatório de impacto ambiental e

nos comentários públicos feitos sobre ele, esta pode ser disponibilizada ao público antes

da decisão final ser feita. (como por exemplo, na Austrália). A Diretiva da Comunidade

Européia sobre AIA requer que a decisão seja comunicada ao público e que as razões

dela sejam explicadas, quando a legislação dos Estados-membros assim solicitar (EIA

Centre, 1995).

2.3 O acompanhamento da AIA: o monitoramento e a auditoria

O termo monitoramento é usado para realizar a mensuração e registro, de forma

planejada e sistemática, de dados relacionados às variáveis físicas, sociais e econômicas

associadas com os impactos de projetos de desenvolvimento (EIA Centre, 1998). O

monitoramento pode ser usado para assegurar que os benefícios antecipados como

resultado da AIA sejam efetivamente alcançados à medida que o projeto prossiga. O

planejamento de um programa de monitoramento envolve a coleta e análise de amostras

e a interpretação e relato dos dados. As informações compiladas do monitoramento

podem ser usadas para:

• Documentar as condições de base do início da AIA;

• Avaliar o desempenho e monitorar a conformidade com condições especificadas nas

permissões de construção e licenças de operação e modificar a atividade ou medidas

mitigadoras se existirem efeitos prejudiciais não previstos no meio ambiente;

• Revisar impactos ambientais previstos para o gerenciamento efetivo dos riscos e

incertezas;

• Identificar tendências nos impactos;

• Revisar periodicamente, alterar planos ou atividades de gerenciamento de impacto;

• Verificar a precisão das previsões passadas de impactos e a efetividade das medidas

mitigadoras, para transferir a experiência para atividades futuras do mesmo tipo; e

• Revisar a efetividade do gerenciamento ambiental.

58

Deve-se chegar a um acordo sobre a responsabilidade em relação aos seguintes

pontos antes de ser dada qualquer aprovação para o projeto prosseguir:

• Realização e remuneração do monitoramento (quem irá arcar com os custos do

monitoramento);

• O gerenciamento da informação obtida a partir do monitoramento; e

• Implementação de qualquer ação que poderia ser requerida como resultado do

monitoramento.

O monitoramento é um processo dispendioso, portanto deveria ser focalizado sobre

os impactos que são significativos ou não bem entendidos (e requerem uma análise

posterior). O planejamento de um programa de monitoramento precisa refletir a

capacidade local para implementar ou para obter assistência para a implementação. É

preciso que haja uma reflexão considerável dos objetivos do programa de

monitoramento antes que ele seja planejado. Deveria haver uma reflexão particular

sobre como os resultados serão usados na prática e por quanto tempo o monitoramento

precisa ser executado.

O programa de monitoramento deveria incluir também planos de ação ou

emergência de modo que possa haver uma ação apropriada no evento resultados ou

tendências de monitoramento adversas.

Segundo o EIA Centre (1998), o monitoramento deveria estar ligado à previsão de

impactos de modo que exista informação sobre:

• A natureza do impacto

• A magnitude do impacto

• A extensão geográfica do impacto

• A escala de tempo do impacto

• A probabilidade de ocorrência do impacto

• A significância do impacto, e

• A confiança na previsão do impacto

Os programas de monitoramento precisam ser revistos constantemente para

assegurar que estão sendo efetivos, e para identificar o tempo no qual eles podem ser

interrompidos. Programas de monitoramento efetivos possuem:

• Um programa de amostragem realista (temporal e espacial)

59

• Métodos de amostragem relevantes para as fontes (fontes pontuais, aéreas, 3d)

• Coleta de dados com qualidade

• Compatibilidade de dados novos com outros dados relevantes

• Coleta de dados custo-efetiva

• Controle de qualidade na mensuração e análise

• Inovações (por ex. estações automatizadas, e rastreamento de contaminantes)

• Bases de dados apropriadas

• Interpretação de dados multidisciplinares para fornecer informação útil

• Relatos para o gerenciamento interno e verificações externas

• Permitir e responder à entrada de informação de terceiros

• Apresentação na arena pública (avaliação externa)

Os seguintes passos na estrutura de um programa de monitoramento refletem as

características de um monitoramento efetivo e são apropriados para várias propostas de

desenvolvimento:

• Identificar o escopo do monitoramento e os aspectos que precisam ser monitorados

(por ex. qualidade da água);

• Definir os objetivos para o monitoramento e cada um destes aspectos;

• Decidir como a informação coletada será usada na tomada de decisão;

• Definir as fronteiras e selecionar mapas e planos, e sítios para observação,

mensuração e amostragem;

• Selecionar os indicadores principais para mensuração ou observação direta;

• Definir como os dados serão analisados e como a análise será apresentada;

• Tomar decisões sobre o nível de precisão requerido dos dados;

• Considerar como novos dados podem ser usados para melhorar os dados existentes e

assegurar que eles estejam em um formato que permita que sejam usados com os

dados existentes;

• Estabelecer um sistema para registrar a responder a dados fornecidos pela

comunidade;

• Estabelecer requerimentos mínimos para o monitoramento do ar, qualidade da água,

mudança social, etc.

60

Os responsáveis por programas de monitoramento não deveriam subestimar o valor

da observação simples e o relato, especialmente feitos pelas partes locais afetadas. A

participação de representantes locais no processo de monitoramento pode auxiliar os

proponentes e as agências a responder problemas à medida que eles forem surgindo.

(UNEP, 1996).

Um tipo especial de auditoria ambiental é a auditoria em AIA que pode fornecer

uma avaliação da conformidade do projeto com as condições de aprovação juntamente

com uma avaliação da efetividade de uma AIA particular na previsão de tipos e

características de impacto. Uma auditoria de AIA formal, portanto, somente pode ser

iniciada depois da implementação parcial ou total do projeto, uma vez que envolve a

comparação dos impactos previstos no relatório de AIA com aqueles que realmente

ocorreram depois da implementação. A retroalimentação fornecida por este tipo de

auditoria pode ser usada para melhorar a efetividade e eficiência de outras AIAs no

futuro.

Uma auditoria de AIA é planejada para ser específica a um determinado sítio,

embora possa fornecer informação que é válida para o processo de AIA como um todo.

Ela pode incluir a realização de checklists e questionários, bem como seguir diretrizes

escritas e usar sistemas de avaliação. Na literatura existem métodos de auditoria de AIA

como o desenvolvido por Wilson (1998), que identifica os impactos reais que aparecem

como resultado de um projeto e usa técnicas simples de campo para determinar se

aqueles impactos foram propriamente caracterizados na AIA.

As auditorias de AIA podem destacar os tipos e categorias de impacto que tendem a

ser previstos menos acuradamente do que outros. Isto estimula a melhoria das técnicas

usadas para fazer tais previsões. A adoção de uma abordagem tentativa-e-erro para a

previsão de impacto ambiental, sustentada pelo monitoramento e auditoria, é essencial

para lidar com a incerteza que caracteriza o ambiente natural. Com o passar do tempo a

auditoria poderia levar a melhorias na precisão e nas técnicas preditivas, e a incerteza

poderia ser reduzida.

A auditoria em AIA também pode fornecer informação sobre a efetividade das

medidas mitigadoras. Com a descoberta das falhas através da auditoria, os

empreendedores podem ser encorajados a melhorar seu comprometimento com a

implementação das medidas mitigadoras e com o gerenciamento do projeto. Portanto, a

61

auditoria pode ser vital para aumentar a credibilidade do processo de AIA e melhorar o

grau de confiança pública. Além disso, ela pode também ser usada para identificar e

corrigir (mitigar) impactos não antecipados (EIA Centre, 1998).

Para realizar a auditoria em AIA são requeridos os dados do monitoramento. Porém,

vários estudos destacam a falta de dados de monitoramento como o principal problema

quando se tenta realizar uma auditoria. Os requerimentos para o monitoramento variam

muito entre os diferentes países, embora requerimentos obrigatórios pareçam ser a

exceção e não a regra. Se os dados de monitoramento estão disponíveis para a auditoria,

eles podem não ser sempre apropriados. Existe também o perigo de que os dados de

monitoramento possam ser enviesados em direção aos interesses do empreendedor.

Mesmo se um programa de monitoramento existe, as variáveis que são monitoradas

podem não corresponder às variáveis (e/ou unidades) usadas na previsão, dificultando a

realização de uma auditoria. O monitoramento das condições de base pré-

desenvolvimento precisa ser realizado por tempo suficiente para assegurar que a

variabilidade natural dentro das variáveis relevantes sejam adequadamente entendida.

Além disso, a literatura indica que freqüentemente a formulação das previsões de

impacto nos relatórios de AIA é muito vaga, experimental ou incerta para permitir uma

auditoria rigorosa.

O custo do monitoramento e da auditoria é geralmente proibitivo para o

empreendedor, e existe uma falta geral de interesse nos benefícios que podem surgir de

uma AIA apropriadamente implementada e auditada. Existem também dificuldades

causadas por questões de confidencialidade e de acesso a dados. A percepção de que a

auditoria meramente destaca a inadequações de um relatório de AIA individual, e a

natureza freqüentemente adversa do processo, dificulta a melhoria da imagem da

auditoria. Muitas autoridades competentes podem enxergar a auditoria como uma

ameaça e um criticismo ao processo de tomada de decisão (Bisset, 1980).

A capacidade de comentar os resultados da etapa de monitoramento depende da

verificação dos procedimentos de operação e monitoramento. Os resultados do

monitoramento estão freqüentemente disponíveis, mas em geral são difíceis de obter.

Várias jurisdições, como o Canadá, recentemente tem tornado suas provisões relativas

ao monitoramento da AIA mais severas, requerendo a disseminação de informação para

o público. Na Holanda, a autoridade competente deve preparar um relatório pós-

62

auditoria, comparando os impactos com aqueles previstos na AIA, e publicá-lo. Porém,

esta provisão para participação pública ainda não tem provado sua efetividade, uma vez

que poucos relatórios pós-auditoria têm sido publicados e não há um recurso efetivo se

os resultados do monitoramento são piores do que os antecipados (Wood, 1995 apud

EIA Centre, 1998).

63

3 O SISTEMA DE AIA NO BRASIL Este capítulo mostra como a Avaliação de Impactos Ambientais – AIA – inseriu-se

dentro do sistema normativo brasileiro, constituindo-se através de diversas leis e

regulamentos em um instrumento preventivo de proteção ambiental. É analisada a

estrutura institucional para a AIA no Brasil, bem como se discutem as determinações

estabelecidas pela Resolução CONAMA nº1/86 e outras regulamentações adicionais. É

examinado o papel dos atores envolvidos no processo de AIA, e por fim, identificam-se

os principais problemas encontrados na prática da AIA no Brasil.

3.1 A AIA e a Política Nacional do Meio Ambiente

Segundo Monosowski (1989), em 1981, iniciou-se uma nova fase para a política

ambiental brasileira, com a criação da lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei

nº 6.938/81) e com sua regulamentação em julho de 1983. Os objetivos nacionais

relativos à questão ambiental são determinados procurando-se levar em consideração as

desigualdades e especificidades regionais e propondo novos instrumentos técnicos e

institucionais. Segundo a autora, em nível institucional, duas inovações principais dessa

lei se destacaram:

• A criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), diretamente

vinculado ao Presidente da República e encarregado da formulação das políticas

ambientais. Desta forma foi definida uma nova instância política de decisões. A criação

do CONAMA e dos conselhos ambientais propiciaria a integração e a coordenação das

ações de diferentes setores governamentais. A participação pública nas decisões foi

contemplada, embora de forma limitada, através da inclusão de organizações

representativas da sociedade civil entre os membros do conselho;

• A criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), tendo por instância

superior o CONAMA. O SISNAMA incluiu o conjunto das instituições governamentais

que se ocupam da proteção e gestão da qualidade ambiental, em nível federal, estadual e

municipal, e também de órgãos da Administração pública Federal, cujas atividades

afetem diretamente o meio ambiente.

A Política Nacional do Meio Ambiente propôs também algumas inovações quanto

aos instrumentos e estratégias de sua implantação. Entre as questões prioritárias para

64

ação governamental estão o estabelecimento de critérios e padrões de qualidade, bem

como diretrizes para a apropriação de recursos naturais e o desenvolvimento de pesquisa

e tecnologias apropriadas à gestão do meio ambiente. De acordo com essa política, os

recursos naturais devem ser preservados e recuperados para garantir sua utilização

racional e sua disponibilidade permanente; os poluidores e predadores são obrigados a

reparar ou indenizar as degradações provocadas e o usuário deve dar uma contribuição

pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos (Monosowski, 1989).

Conforme Machado (2000), a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente unificou

os princípios ambientais, assumindo a responsabilidade de supervisão e a formulação de

normas gerais da política ambiental em escala nacional. Por outro lado, a través da

formação do SISNAMA, projetou um sistema de descentralização da implementação,

atribuindo níveis de competência aos estados e municípios.

O objetivo principal dessa política, de acordo com o artigo 2°, é a “preservação,

melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no

País, condições para o desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança

nacional e a proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios”:

I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio

ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido,

tendo em vista o uso coletivo;

II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

III – planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;

IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;

VI – incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a

proteção dos recursos ambientais;

VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental;

VIII – recuperação de áreas degradadas;

IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação;

65

X – educação ambiental a todos os níveis de ensino, incluindo a educação da

comunidade, objetivando capacitá-la para a participação ativa na defesa do meio

ambiente.

Para atingir esse objetivo, a Lei 6.938/81 prevê a Avaliação de Impacto Ambiental –

AIA e uma série de outros instrumentos complementares e inter-relacionados, citados a

seguir:

• Licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, que

exige a elaboração a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo

Relatório de Impacto no Meio Ambiente (EIA/RIMA) e/ou outros documentos

técnicos como o Plano de Controle Ambiental (PCA), o Relatório de Controle

Ambiental (RCA) e o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), os quais

constituem instrumentos básicos de implementação da AIA;

• O zoneamento ambiental, o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental e a

criação de unidades de conservação, que condicionam e orientam a elaboração de

estudos de impacto ambiental e de outros documentos técnicos necessários ao

licenciamento ambiental;

• Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa ambiental, os

Relatórios de Qualidade Ambiental, as penalidades disciplinares ou compensatórias

ao não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da

degradação ambiental, os incentivos à produção, a instalação de equipamentos e a

criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental,

que facilitam ou condicionam a condução do processo de AIA em suas diferentes

fases (Moreira, 1989).

Segundo o artigo 10º da Política Nacional do Meio Ambiente,

“A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.” (PNMA, 1981)

66

O artigo 14º, parágrafo 1º, responsabiliza o poluidor por danos ambientais

decorrentes da sua atividade: “é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” (PNMA, 1981)

O mesmo artigo também prevê a aplicação de penalidades pecuniárias nos casos de

omissão da autoridade estadual ou municipal.

Uma das abordagens estratégicas mais importantes adotadas pela Política Nacional

de Meio Ambiente foi a responsabilização do Estado em relação a suas próprias ações,

ao se exigir que as atividades públicas e privadas sejam exercidas conforme os

princípios da legislação ambiental. Essa foi uma inovação importante, em especial no

que se refere aos grandes projetos de transformação da natureza, que até a criação da

Lei 6.938 estavam fora do controle das agências governamentais para proteção

ambiental.

A estratégia do planejamento ambiental é adotada através de dois instrumentos: a

avaliação de impactos ambientais (AIA) e o zoneamento ambiental. O zoneamento

definiria, em termos gerais, as diretrizes de uso e ocupação do solo e de apropriação de

recursos naturais, para as diversas regiões. A avaliação de impactos ambientais se

aplicaria ao estudo das possíveis conseqüências ambientais e sociais de projetos

públicos e privados.

A participação pública nas decisões da política ambiental foi contemplada através de

representação no CONAMA e conselho estaduais, e também no processo de

licenciamento das atividades. Em especial, a regulamentação da AIA (Resolução

CONAMA n°1/86) prevê a possibilidade de convocação de audiências públicas para a

discussão de projetos, abrindo assim um espaço para a participação social no processo

de tomada de decisões (Moreira, 1989).

3.2 A estrutura institucional para a AIA no Brasil

Segundo Glasson e Salvador (2000), a estrutura institucional para a avaliação de

impactos ambientais no Brasil possui três níveis reguladores distintos. Em nível federal

(nacional), está o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, um grande

67

conselho deliberativo criado em 1981 pela Lei 6.938 (PNMA), cujo papel é estabelecer

e coordenar a política ambiental, fazer as regulamentações principais e gerais, e propor

leis federais a serem submetidas ao Congresso Nacional.

Conforme Machado (2000), o CONAMA teria como finalidade a articulação de

todos os órgãos e entidades nas diversas instâncias governamentais, bem como de

instituições investidas pelo poder público de responsabilidade pela proteção e melhoria

da qualidade ambiental.

Entre as competências do CONAMA, incluem-se:

• estabelecer diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e recursos

naturais;

• baixar normas necessárias à execução e implementação da Política Nacional do

Meio Ambiente;

• estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou

potencialmente poluidoras;

• determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das

possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando

aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem como a entidade privadas, as

informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e

respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação

ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional (Lei 6938,

Artigo 8º ).

O CONAMA legisla por meio de Resoluções, quando a matéria se tratar de

deliberação vinculada à competência legal e através de Moções, quando versar sobre

matéria, de qualquer natureza, relacionada com a temática ambiental. Por meio de suas

resoluções, o CONAMA organizou um conjunto coerente de normas essenciais para a

preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente (Machado, 2000).

Atualmente o CONAMA é composto de Plenário e Câmaras Técnicas, sendo

presidido pelo Ministro do Meio Ambiente. A Secretaria Executiva do CONAMA é

exercida pelo Secretário Executivo do Ministério de Meio Ambiente (MMA).

O Conselho é um colegiado, representativo de diversos setores do governo e da

sociedade que lidam direta ou indiretamente com o meio ambiente. A composição do

Plenário é feita da seguinte forma:

68

• um representante do IBAMA;

• um representante da Agência Nacional de Águas - ANA;

• um representante de cada um dos Ministérios, das Secretarias da Presidência da

República e dos Comandos Militares do Ministério da Defesa, indicados pelos

respectivos titulares;

• um representante de cada um dos Governos Estaduais e do Distrito Federal,

indicados pelos respectivos governadores;

• oito representantes dos Governos Municipais que possuam órgão ambiental

estruturado e Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo;

• vinte e um representantes de entidades de trabalhadores e da sociedade civil;

• oito representantes de entidades empresariais;

• um membro honorário indicado pelo Plenário;

• um representante do Ministério Público Federal; (sem direito a voto)

• um representante dos Ministérios Públicos Estaduais, indicado pelo Conselho

Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça; (sem direito a voto)

• um representante da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e

Minorias da Câmara dos Deputados (sem direito a voto) .

Cada Câmara Técnica é composta de 07 Conselheiros, que elegem um Presidente e

um Relator. As Câmaras Técnicas Temporárias são criadas por determinação do

Plenário por prazo definido, para cumprir objetivo predeterminado.

Segundo Moreira (1989), as primeiras reuniões do CONAMA constituíram-se em

oportunidades para a discussão sobre a Avaliação de Impactos Ambientais. Na segunda

reunião ordinária do Conselho, foi discutida e aprovada a proposta do representante do

Estado do Rio de Janeiro para a execução de estudos e apresentação de RIMA dos

projetos de obras hidráulicas do Departamento Nacional de Obras e Saneamento para

aquele estado brasileiro. Juntamente com a resolução foram estabelecidas diretrizes

gerais e específicas para a elaboração dos estudos. Uma proposta semelhante foi

apresentada pelo representante da Associação Brasileira de Direito ambiental, na quarta

reunião ordinária do Conselho. Essa proposta determinava que a Eletrobrás apresentasse

estudos e relatórios de impacto ambiental referentes aos complexos hidrelétricos a

serem implantados no Estado do Paraná. O assunto levantou muitas questões, entre elas

69

a necessidade de se regulamentar a matéria, para evitar que a AIA viesse a ser utilizada

sem os critérios adequados. Levantou-se a necessidade de submeter ao licenciamento

ambiental todas as atividades que por seu porte, localização ou natureza, modificassem

significativamente o meio ambiente, principalmente aquelas executadas pelos órgãos e

instituições públicas, que até então ficavam livres de qualquer controle ambiental.

Conseqüentemente, o representante do Estado do Rio de Janeiro tomou a iniciativa de

encaminhar ao Presidente do CONAMA uma proposta de resolução que tivesse como

objetivo estabelecer as diretrizes gerais para a implementação do uso da AIA em nível

nacional.

Com base na terminologia e nas diversas determinações do Decreto nº 88.351/83,

que regulamentava a PNMA, a proposta de resolução definia impacto ambiental,

estabelecia a lista das atividades modificadoras do meio ambiente que deveriam ser

obrigatoriamente submetidas à AIA, atribuía as responsabilidades dos participantes e

fornecia diretrizes gerais para a elaboração do estudo e apresentação do respectivo

RIMA, determinando seus conteúdos mínimos. A proposta foi aprovada depois de

discussões exaustivas, constituindo a Resolução CONAMA nº 1, de 23/01/1986. Um

dos pontos mais importantes dessa resolução é a obrigatoriedade de licenciamento

ambiental para projetos governamentais, que antes não tinham de ser licenciados

(Moreira, 1989).

Para Capocianco (1997) apud Machado (2000), entre 1984 e 1986 o CONAMA

conseguiu desempenhar o papel de articulador das diversas áreas de governo no espaço

ambiental estatal, buscando promover a co-responsabilidade na formulação e

implementação das suas políticas ambientais e assegurando-lhe uma certa unidade. Mas

a partir de 1986, começou um processo crescente de tecnificação da política ambiental

formulada, sendo que as discussões do conselho começaram a se concentrar em torno

da definição de normas e procedimentos ambientais, com uma forte redução do

conteúdo político. Com isso, ocorreu uma retroalimentação entre a despolitização das

questões discutidas no CONAMA (através da tecnificação ou normalização técnica do

meio ambiente) e a perda do poder político desse órgão. A partir deste fato, abriu-se

espaço para a entrada de novos agentes e novos arranjos institucionais no cenário da

formulação e implementação da política ambiental brasileira.

70

Para Acselrad (1996) apud Machado (2000, p. 12),

“a falta de articulação intra, inter e extra governamental sobre questões ambientais estratégicas foi impedindo uma atuação afetiva do CONAMA e fez com que suas discussões girassem cada vez mais em torno de questões específicas e emergenciais, na maioria das vezes ligadas a aspectos técnico-normativos relacionados a problemas concretos e sem implicações efetivas para a política ambiental mais global.”

Para Machado (2000, p. 12),

“a estrutura organizacional desses novos arranjos institucionais é refratária à participação popular, limitando-a a situações especiais em que seus presidentes podem convidar representantes da sociedade civil e representantes das esferas estaduais e municipais de governo, sem direito a voto, a participar das atividades”.

Desta forma, para Machado (2000), apesar da ampliação da representatividade social

do CONAMA ao longo dos anos, com a presença de representantes do empresariado,

dos trabalhadores, e de entidades da sociedade civil preocupadas com os problemas

ambientais, houve uma redução cada vez maior em termos do seu peso político efetivo.

A repercussão política do CONAMA é cada vez mais limitada devido à despolitização

dos conteúdos debatidos e as decisões tomadas têm cada vez menos respaldo político,

levando a uma perda de legitimidade da instituição.

Nos seus primeiros anos, o colegiado do CONAMA alcançou um formato mais

democrático da gestão ambiental, no qual as forças sociais interagiam, lutavam e se

articulavam, buscando a cooperação e co-responsabilidade dos atores da dinâmica

territorial na busca de soluções para os problemas sociais e ambientais provenientes

desta interação. Atualmente, devido ao esvaziamento político do Conselho, ele não

possui mais a capacidade de influenciar a tomada de decisão na formulação e

implementação das políticas ambientais. E uma das piores conseqüências do

enfraquecimento do CONAMA é a diminuição da participação da sociedade nas

discussões da política ambiental brasileira, o que provavelmente gera repercussões que

dificultam a melhoria do processo de Avaliação de Impacto ambiental.

Além do CONAMA, outra instituição federal ambiental é o Ministério do Meio

Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), que tem o papel de

implementar e integrar a política ambiental nacional em todo o país. Subordinado ao

71

MMA está o Instituto Brasileiro de Meio ambiente e Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA), uma agência executiva central que tem vários papéis, entre eles:

• a coordenação e integração de ações em nível nacional, tais como o licenciamento

ambiental, avaliação de impactos ambientais, controle da poluição;

• licenciamento de projetos relacionados com a exploração de recursos naturais;

• o licenciamento e revisão dos estudos de impacto ambiental e relatórios de impacto

ambiental (EIA/RIMA) de projetos cujos efeitos ambientais estão relacionados a

mais de um estado ou a bacias hidrográficas federais;

• e o licenciamento, revisão de EIA/RIMA, e controle da poluição, de modo

suplementar, em alguns estados que têm dificuldades ou falta de condições para o

desenvolvimento dessas atividades. Este papel do IBAMA tem causado vários

problemas, em alguns casos, pela sobreposição de sua ação com as ações das

agências estaduais, o que gera conflitos, e em outros casos, pela omissão, quando

nenhum dos dois encarrega-se das ações necessárias.

Em nível estadual (regional), existem os Conselhos Estaduais de Meio Ambiente

(CONSEMAs), as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente (SEMAs), e os Órgãos

Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs). Os conselhos estaduais de meio ambiente

também têm muitos membros e um papel similar ao CONAMA, estabelecendo as

políticas ambientais estaduais, fazendo regulamentações e propondo leis estaduais. As

secretarias estaduais têm um papel similar ao MMA, implementando, coordenando, e

integrando as políticas estaduais. Os órgãos estaduais8 são geralmente subordinados às

SEMAs e lidam com o licenciamento ambiental, revisão de EIA/RIMA, controle da

poluição, etc. Alguns estados possuem diferentes agências para revisar o EIA/RIMA e

lidar com o licenciamento e controle da poluição.

Em nível municipal (local), existem os Conselhos Municipais de Meio Ambiente

(CONDEMAs), as Secretarias Municipais de Meio Ambiente (SMs) e os

Departamentos Municipais de Meio Ambiente (DMs). Os Conselhos e Secretarias têm,

respectivamente, papéis similares aos CONSEMAs e SEMAs. Porém, somente poucas

8 Em Santa Catarina, o OEMA (FATMA) desenvolveu Instruções Normativas para diferentes

tipos de licenciamentos (por exemplo, para Atividades Industriais, Atividades de Mineração, Estações de Tratamento de Esgoto, Suinocultura, e outros).

72

municipalidades (a maioria delas relacionadas com as principais cidades) têm

CONDEMAs, secretarias específicas ou departamentos específicos para lidar com

questões ambientais. As SMs e DMs geralmente não tratam do licenciamento ambiental,

da revisão de EIA/RIMA ou do controle da poluição; elas são limitadas principalmente

ao licenciamento de edificações. A maior parte das municipalidades brasileiras não

lidam com as questões ambientais e, mais especificamente, não lidam com aquelas

questões relacionadas à avaliação de impactos ambientais. Conseqüentemente, o sistema

de AIA é altamente centralizado em nível estadual, sem a base local que poderia

melhorar sua efetividade.

O licenciamento ambiental é composto por três tipos de licença:

• Licença Prévia (LP), para a fase preliminar de planejamento da atividade, contendo

requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação,

observados os planos municipais, estaduais e federais de uso do solo;

• Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as

especificações constantes do projeto executivo aprovado; e

• Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, o início da

atividade e o funcionamento dos equipamentos de controle da poluição, de acordo

com o previsto nas licenças prévia e de instalação (art. 19) (Barbieri, 1996).

O procedimento de licenciamento ambiental deve obedecer às seguintes etapas:

I – Empreendedor realiza consulta ao órgão ambiental competente (OEMA ou IBAMA),

requerendo a licença ambiental prévia (LP);

II – Órgão ambiental competente define, com a participação do empreendedor, os

documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao licenciamento e estabelece o

Termo de Referência, que orientará a elaboração do EIA/RIMA;

III – Empreendedor providencia o EIA/RIMA, contratando um firma de consultoria ou

utilizando profissionais próprios;

IV – Órgão ambiental competente analisa o EIA/RIMA apresentado pelo

empreendedor, podendo aceitá-lo ou não;

V – Caso não seja aceito, o órgão ambiental competente solicita esclarecimentos e

complementações do EIA/RIMA e outros documentos;

73

VI – Uma vez aceito, o órgão ambiental competente coloca o EIA/RIMA à disposição

do público, e marca-se uma audiência pública, de acordo com a regulamentação

pertinente;

VII – Órgão ambiental competente emite uma decisão sobre o projeto, aprovando-o ou

não;

VIII – Caso seja aprovado, o órgão ambiental competente dá a Licença Prévia ao

empreendedor;

IX – O empreendedor faz o projeto executivo das medidas mitigadoras e requer a

Licença de Instalação (LI);

X – O órgão ambiental competente verifica a adequação do projeto executivo e outros

estudos (PCA, RCA, PRAD) e em caso positivo dá a Licença de Instalação;

XI – O empreendedor pode dar início à implementação do projeto;

X – O empreendedor requer a Licença de Operação (LO);

XI – O órgão ambiental competente realiza vistoria, confirma o funcionamento dos

sistemas de controle ambiental e o cumprimento do que consta nas licenças anteriores;

XII – Em caso positivo, o órgão ambiental competente dá a LO e o empreendimento ou

atividade entra em operação (Bastos e Almeida, 1999; Glasson e Salvador, 2001;

CONAMA, 1997).

3.3 Legislação e regulamentações sobre a AIA

O EIA apareceu pela primeira vez no âmbito da Legislação Federal através da Lei n°

6.803/80, que dispõe sobre o zoneamento industrial, mas sem definições e critérios

(Barbieri, 1996). De acordo com essa lei o EIA só era exigível na aprovação de limites e

autorizações para a implantação de zonas de uso estritamente industrial destinadas à

localização de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos, bem como de

instalações nucleares. Em nenhum momento a lei previu a participação da comunidade

no processo decisório de escolha das alternativas ou sequer na fiscalização do EIA

(Milaré, 1994). Somente depois da decretação da Lei n° 6.938/81, que dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que a avaliação de impactos ambientais

passou a ser objeto de provisões explícitas em nível federal.

74

A obrigatoriedade do Poder Público em exigir o Estudo Prévio de Impacto

Ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de

degradação do meio ambiente foi fixada através do artigo 225 da Constituição Federal

de 1988, a primeira Carta Magna do mundo a tornar obrigatório o Estudo de Impacto

Ambiental no âmbito constitucional (Machado, 1998 apud Milaré, 1994).

Segundo Milaré (1994), os Estados-membros, quase por unanimidade, fizeram

inserir em seus textos constitucionais previsões específicas acerca dos estudos de

impacto ambiental, reforçando e consolidando esse instrumento.9

A Constituição Federal de 1988 produziu um texto inédito em constituições em todo

o mundo, capaz de orientar uma política ambiental no país e de induzir uma

mentalidade preservacionista. A incorporação pelo direito brasileiro desse instrumento

preventivo de tutela ambiental estimulou a participação da sociedade nas discussões

democráticas sobre a implantação de projetos e contribuiu para o manejo adequado dos

recursos naturais, o uso correto de matérias-primas e a utilização de tecnologias de

ponta. O estudo de impacto ambiental valoriza a vocação essencialmente preventiva do

direito ambiental, expressa pela máxima: ‘é melhor prevenir do que remediar’.

“Foi exatamente para prever (e, a partir daí, prevenir) o dano antes de sua manifestação que se criou o EIA. Daí a necessidade de que seja elaborado no momento certo: antes do início da execução, ou mesmo de atos preparatórios, do projeto. Não é à toa que a Constituição Federal preferiu rebatizar o instituto, passando de ‘avaliação de impactos ambientais’ para ‘estudo prévio de impacto ambiental10” (Milaré, 1994, p. 53).

9 Consultem-se, a propósito, as constituições dos Estados de Alagoas (art. 217,1V), Amazonas (arts. 230,

VI, e 235). Bahia (art. 214. IV), Ceará (art. 264), Espírito Santo (art. 187), Goiás (art. 132, § 3º), Maranhão (art. 241, VIII). Mato Grosso (art. 263, § único, IV), Mato Grosso do Sul (art. 222, § 2º, IV), Minas Gerais (art. 214, §§ 1º, IV, e 2º) Pará (art. 255, § 1º), Paraíba (sri. 228, § 2º), Paraná (art. 207, §1º, V), Pernambuco (art. 215), Piauí (art. 237, § 1º, IV), Rio de janeiro (art. 258, § 1º, X), Rio Grande do Norte (art. 50, § 1º, IV), Rio Grande do Sul (art. 251, § 1, V), Rondônia (art. 219, VI), Santa Catarina (art. 182, V), São Paulo (art. 192. parágrafo 2º), Sergipe (art. 232, § 1º, 1V).

10 Na verdade, a expressão Avaliação de Impacto Ambiental é utilizada neste trabalho para designar o instrumento da política ambiental, que consiste no processo de avaliação de impactos, enquanto que o Estudo de Impacto Ambiental ou Estudo Prévio de Impacto Ambiental consiste no documento técnico resultante deste processo.

75

A AIA instituída em nível Federal vincula-se ao licenciamento de quaisquer

atividades modificadoras do meio ambiente, sejam elas de iniciativa do setor público ou

privado. Através do Decreto n° 88.351/83, que regulamentava a Lei n° 6.938/81 até

1990, o estudo de impacto ambiental - EIA - tornou-se parte integrante do processo de

licenciamento de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente poluidores

ou causadores de degradação ambiental. Esse decreto determina que “a construção,

instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimento de atividades utilizadoras de

recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os

empreendimentos capazes, de qualquer forma, de causar degradação ambiental,

dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, integrante do

SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis” (artigo 18) (Barbieri,

1996).

Segundo Barbieri (1996), o Decreto Federal nº 99.274, de 6 de junho de 1990,

procurando incorporar os avanços legislativos verificados principalmente após a

implantação da nova ordem constitucional, revogou expressamente o Decreto n. 88.351,

de 1º de junho de 1983, regulamentando a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei

nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente, “sobre a criação de

Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente”.

Conforme Barbieri (1996), a nova regulamentação estabelecida pelo Decreto n°

99.274/90 determina que para fins de licenciamento, o EIA deverá conter, entre outros,

os seguintes itens: o diagnóstico ambiental da área; a descrição da ação proposta e suas

alternativas; e a identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e

negativos. O resultado do estudo, realizado por técnicos habilitados, constitui o

Relatório de Impacto no Meio Ambiente – RIMA, devendo ser custeado pelo

proponente do projeto, e ser acessível ao público.

As normas gerais para a realização do EIA e seu respectivo RIMA estão dispostas

em diversas resoluções do CONAMA (Ver Anexo B), sendo que a principal é a

Resolução CONAMA nº 1/86. Os Estados e o Distrito Federal podem acrescentar outras

normas específicas, segundo suas conveniências, desde que não haja conflitos com as

normas federais. Os municípios não possuem competência para legislar sobre o EIA,

nem para apreciar estudos dessa natureza, no entanto, podem exigir dos estados a

76

realização de EIAs com respeito à obras geradoras de impactos ambientais

significativos em seus territórios, bem como estabelecer exigências adicionais que

atendam às especificidades locais. Os municípios também podem elaborar normas

específicas que atendam aos interesses locais e suplementem a legislação federal e

estadual no que couber, conforme estabelece a Constituição Federal (art. 30,I e II)

(Barbieri, 1996).

3.4 A Resolução CONAMA nº 1/86

A regulamentação para a AIA no país estabeleceu-se através da Resolução

CONAMA n°1 de 1986, que traz as normas gerais para a realização do EIA e seu

respectivo RIMA. Existem diversas regulamentações adicionais que complementam

e/ou modificam essa Resolução. Conforme o artigo 1º da Resolução CONAMA nº1/86 ,

considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e

biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia

resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

a) a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) as atividades sociais e econômicas;

c) a biota;

d) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;

e) a qualidade dos recursos ambientais (art. 1º).

O art. 2º da Resolução CONAMA nº 1/86 lista várias atividades modificadoras do

meio ambiente, que para o licenciamento dependem de elaboração de Estudo de

Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), a serem

submetidos à aprovação do órgão estadual competente e do IBAMA em caráter

supletivo. Estas atividades são as seguintes:

I — estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento;

II — ferrovias;

III — portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos;

IV — aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, art. 48, do Decreto-Lei nº 32/66;

V — oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos

77

sanitários;

VI — linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230kW;

VII — obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como barragens para

quaisquer fins hidrelétricos, acima de 10 MW, de saneamento ou de irrigação, abertura

de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos de água, abertura

de barras e embocaduras, transposição de bacias e diques;

VIII — extração de combustível fóssil (petróleo, xisto e carvão);

IX — extração de minério, inclusive os da classe II, definidos no Código de Mineração;

X — aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos;

XI — usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária,

acima de 10 MW;

XII — complexos e unidades industriais e agroindustriais (petroquímicos, siderúrgicos,

cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recursos hídricos);

XIII — distritos industriais e zonas estritamente industriais (ZEI);

XIV — exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100ha ou

menores, quando atingir áreas significativas em termos de percentuais ou de

importância do ponto de vista ambiental;

XV — projetos urbanísticos, acima de l00 hectares ou em áreas consideradas de relevante

interesse ambiental a critério do IBAMA e dos órgãos municipais e estaduais

competentes;

XVI — qualquer atividade que utilize carvão vegetal, derivados ou produtos similares, em

quantidade superior a l0 toneladas por dia;

XVII — projetos agropecuários que completem áreas acima de 1.000 hectares ou

menores, neste caso quando se tratar de áreas significativas em termos percentuais ou de

importância do ponto de vista ambiental, inclusive nas áreas de proteção ambiental;11

XVIII — nos casos de empreendimentos potencialmente lesivos ao patrimônio

11 Acrescentado pela Resolução CONAMA nº 11/86.

78

espeleológico nacional.12

De acordo com Barbieri (1996), além das atividades acima relacionadas, depende

de EIA a ser submetido ao IBAMA o licenciamento de atividades que por lei sejam de

competência privativa da União (art. 3º). O EIA também é necessário para o

licenciamento do parcelamento e remembramento do solo, bem como da construção,

instalação, ampliação e funcionamento de atividades que alteram as características

naturais das zonas costeiras, de acordo com a Lei nº 7.661 de 1988 (Plano Nacional de

Gerenciamento costeiro - art. 6º). A Resolução CONAMA nº 5/88 determinou que

ficam sujeitas a licenciamento as obras de saneamento para as quais seja possível

identificar modificações ambientais significativas.

De acordo com a listagem aprovada pelo CONAMA, a aplicação da AIA limita-se

quase que exclusivamente a projetos individuais; apenas os distritos e as zonas

estritamente industriais se referem a planos. Contudo não existe impedimento legal para

que, implantado o processo para essas atividades, os órgãos ambientais possam utilizar

as mesmas técnicas e procedimentos para apreciar outros planos e programas de

desenvolvimento, caso seja essa a estratégia de atuação mais adequada. (Moreira, 1989).

A lei brasileira exige o EIA apenas para empreendimentos que possam causar

significativa degradação ao meio ambiente. No entanto, é difícil indicar com precisão o

conceito de “significativa degradação”, pois na implantação de um projeto sempre

existirão alterações adversas das características do meio ambiente.

“Muitas vezes o insignificante se reveste da maior significância, como ocorre, por exemplo, quando “um determinado projeto tenha exatamente o condão de romper o ponto de saturação ambiental de uma certa área. Nesse caso, evidentemente, seu impacto não pode ser considerado insignificante, por menor que seja”. Como saber, então, se uma obra ou atividade será potencialmente causadora de significativa degradação sem ter antes um estudo de impacto ambiental?” (Milaré, 1994, p. 63).

Para Alves (1995, p. 66) a situação é paradoxal: “Como saber se o empreendimento

causará significativa degradação, sem antes termos a apreciação técnica à respeito? (...)

Para se exigir o EIA, necessitaríamos das informações técnicas que esse mesmo estudo

forneceria.”

12 Acrescentado pela Resolução CONAMA nº 5/87.

79

Para tentar resolver esse problema, a legislação brasileira elaborou a lista mostrada

acima (Art. 2º da Resolução CONAMA nº 1/86), enumerando as obras e atividades

qualificadas para produzir efeitos ambientais indesejáveis. Contudo, a expressão tais

como, utilizada na Resolução CONAMA nº 1/86 apresentou um elenco meramente

exemplificativo de atividades ou empreendimentos modificadores do ambiente que

dependem da aprovação de EIA e de seu respectivo RIMA. Os incineradores de lixo,

por exemplo, não são citados pela Resolução, apesar de seu grande potencial poluidor,

com emissão de dioxinas, metais pesados e organoclorados de maneira geral. Esta

expressão, geralmente mal interpretada, permite aos órgãos governamentais ambientais

não exigir a realização de EIA para outros tipos de empreendimentos, que não são cita-

dos explicitamente neste artigo (Milaré, 1994; Barbieri, 1996).

De acordo com Alves (1995), a listagem de projetos fornecida pelo artigo 2º da

Resolução CONAMA nº 1/86 não é suficiente para garantir que a proteção do meio

ambiente, visto que existem casos relacionados que não provocam impactos

significativos, bem como casos de menor importância do que aqueles previstos que

oferecem oportunidade para a previsão de danos significativos na sua instalação ou

operação.

Portanto, é necessário

“(...) completar a referida legislação com a previsão normativa de exigência de um pré-estudo, realizado de conformidade com critérios singulares, de acordo com a natureza do empreendimento a ser analisado, fixados pela autoridade ambiental competente. Mesmo assim, há sempre um risco de não se ter contemplado um caso sobre o qual se verificará, posteriormente, a necessidade de apresentação do EIA.” (Alves, 1995, p. 66)

Segundo Gouvêa (1989) apud Milaré (1994), devido à redação obscura da

Resolução CONAMA nº 1/86, onde ao lado de algumas obras ou atividades claramente

descritas, outras aparecem referidas genérica ou insuficientemente descritas, a definição

deve ficar a cargo da autoridade administrativa. Por exemplo, no inciso VII que se

refere a “obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como barragens

para quaisquer fins hidrelétricos, acima de 10 MW, de saneamento ou de irrigação,

abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos de água,

abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias e diques”, a expressão “tais

80

como” é utilizada novamente, seguida de uma lista de obras, geralmente de grande porte

e causadoras de impacto ambiental significativo.

“Ocorre que, a prevalecer o entendimento de que a relação deve ser obedecida in totum, teremos que quando se trata de fins hidrelétricos, apenas as barragens acima de 10MW estariam obrigatoriamente sujeitas à elaboração do EIA/RIMA. Já obras hidráulicas de iguais características, porém de volume e impacto muito menores (equivalentes, por exemplo, a 5 MW), se para fins de irrigação ou saneamento, não poderiam ser dispensadas do estudo. E mais, não se admitindo o uso de critério do órgão ambiental no julgamento da matéria, até mesmo uma pequena barragem num córrego, para irrigação de uma horta familiar, dependeria de EIA”. (Gouvêa, 1989 apud Milaré, 1994, p. 66)

Em relação ao inciso XV, que faz menção a “projetos urbanísticos, acima de l00

hectares ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério do IBAMA

e dos órgãos municipais e estaduais competentes”, a mesma autora afirma que:

“À evidência, não pode ser tida como absoluta uma listagem que deixa decisões e definições a critério do órgão aplicador. As ‘áreas de relevante interesse ambiental’ (não definidas legalmente), se não forme integrantes de uma unidade de conservação ou se já não tiverem sido assim previamente consideradas, deverão ser identificadas, em cada caso concreto, à vista de suas características e de acordo com o julgamento feito pelo órgão ambiental (...) Ora, arremata a autora, para que um elenco possa ser considerado obrigatório em todos os seus termos, não admitindo o uso de critério pelo aplicador da norma, deve ser preciso, exato, não podendo dar margem a dúvidas ou interpretações casuísticas”. (Gouvêa, 1989 apud Milaré, 1994, p. 66-7)

Por outro lado, o art. 2º da Resolução CONAMA nº1/86 tem sido objeto de muitas

críticas, pois permite aos órgãos governamentais exigir a realização de EIA para

qualquer empreendimento.

“Se tal vier a ocorrer, esse importante instrumento de política ambiental corre o risco de ser banalizado. O EIA deve ser utilizado apenas para os projetos que, pelo seu vulto e pela incerteza quanto aos seus possíveis impactos, exigem um estudo especial mais detalhado e, conseqüentemente, mais demorado. Para os empreendimentos menores, ou cujos principais impactos, dada a sua repetitividade, já são conhecidos, ele pode ser substituído por medidas de prevenção e controle dos danos ambientais” (Barbieri, 1996, p. 158).

Conforme Barbieri (1996), a Resolução CONAMA nº 10/90 estabeleceu a

81

possibilidade de dispensa do EIA e respectivo RIMA, a critério do órgão ambiental

competente, para os empreendimentos voltados para a extração de minerais de emprego

imediato na construção civil (mineral da classe II, conforme o Decreto-Lei nº 227/67),

em função de sua natureza, porte, localização e demais peculiaridades. Na hipótese de

dispensa do EIA/RIMA, o empreendedor deverá apresentar um Relatório de Controle

Ambiental (RCA), elaborado de acordo com diretrizes estabelecidas pelo órgão

ambiental competente.

Segundo Milaré (1994), como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente,

o EIA não pode se constituir em um obstáculo à liberdade de empreender, contrariando

um dos objetivos mais sensíveis dessa política, que defende a busca da

“compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da

qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico” (Lei n. 6.938/81, art. 4º, I).

Além disso, o estudo de impacto ambiental, por seu alto custo e complexidade, deveria

ser usado com parcimônia e prudência, preferencialmente para projetos mais

importantes sob a ótica ambiental.

Contudo, em Barbieri (1996, p. 158), é feita uma análise equivocada com relação a

essa questão:

“A rigor, o EIA/RIMA deveria ser exigido para os projetos de empreendimentos que têm potencial para causar degradação ambiental, e não para os que já existem. No entanto, tem sido comum exigir a realização desse tipo de estudo para empreendimentos em operação, principalmente os de grande vulto, tais como refinarias de petróleo, terminais portuários, mineradoras etc., muitos deles instalados antes da vigência da atual legislação sobre EIA/RIMA. Nesse caso, o estudo prévio de impacto só se justificaria nos casos previstos de expansão dos empreendimentos existentes ou mudanças significativas em seus regimes de operação.

Na verdade, não tem sido tão comum a exigência deste estudo para

empreendimentos em operação, e deveria ser, especialmente nos casos de ocorrência de

acidentes graves como os ocorridos com a PETROBRÁS no passado recente, e não

apenas para a expansão dos empreendimentos ou mudanças em seus regimes de ope-

ração.

Nesse sentido, Custódio (1995, p. 60) recomenda que deveria ser aplicada a AIA,

juntamente com propostas para a recuperação do ambiente danificado, no caso de

82

atividades que, embora legal e regularmente autorizadas, ocasionam comprovados

perigos e danos ao meio ambiente e à saúde pública. Para uma execução fiel da Política

nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938, de 31.8.81, artigo 10 e §§ 1º a 4º), deveria

haver um reexame dos critérios e das diretrizes em vigor, para que seja exigido o estudo

de impacto ambiental das atividades em funcionamento, ou impor condições à

renovação do licenciamento de atividades já licenciadas, cujas operações ou

explorações, apesar de previstas na legislação, causam danos ao patrimônio ambiental

(natural e cultural) e prejudicam os interesses sócio-econômicos, afetando indiretamente

a saúde e bem-estar públicos.

Para Alves (1995, p.66), é necessária a definição de um órgão público com funções

técnicas, devidamente institucionalizado, para avaliar os empreendimentos a serem

implantados ou reavaliados para a renovação das respectivas licenças, cujas

manifestações técnicas possam subsidiar circunstancialmente as decisões de forma a

justificá-las e legitimá-las. É importante considerar, neste ponto, a relevância da

justificação técnica e dos critérios utilizados para o exame dos EIAs, tendo em vista o

elevado grau de contingência subjetiva, que pode interferir na objetividade

indispensável das análises a que estão submetidos.

Um dos pontos fortes da Resolução CONAMA nº 1/86 é a determinação

estabelecida, em seu artigo 4º:

“Os órgãos ambientais competentes e os órgãos setoriais do SISNAMA deverão compatibilizar os processos de licenciamento com as etapas de planejamento e implantação das atividades modificadoras do meio ambiente, respeitados os critérios e diretrizes estabelecidas por esta Resolução e tendo por base a natureza o porte e as peculiaridades de cada atividade”. (CONAMA, 1986)

Conforme Moreira (1989), esse artigo salienta a necessidade das entidades de meio

ambiente e os órgãos governamentais e empresas estatais, tanto aqueles responsáveis

por concessões de uso de recursos ambientais, quanto àqueles executores de projetos

(como a PETROBRÁS), compatibilizarem os processos de licenciamento com as etapas

de planejamento e implantação de atividades modificadoras do meio ambiente. Até

então os órgãos e empresas estatais nunca haviam sujeitado suas atividades aos prazos,

exigências e controles dos órgãos ambientais.

83

3.4.1 As diretrizes gerais e o conteúdo do EIA/RIMA

Através do art. 5º da Resolução CONAMA nº 1/86, fica estabelecido que o estudo

de impacto ambiental, além de atender a legislação, em especial os princípios e

objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, deverá obedecer às

seguintes diretrizes gerais:

I – contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto,

confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;

II – indicar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de

implantação e operação da atividade;

III – definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos

impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a

bacia hidrográfica na qual se localiza;

IV – considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na

área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

Segundo Milaré (1994), o art. 6º da Resolução nº 1/86 do CONAMA impõe alguns

requisitos mínimos a serem considerados quando da elaboração do EIA, mostrados a

seguir:

1) O diagnóstico ambiental da área de influência do projeto. Esta exigência legal

implica o inventário do meio ambiente anterior à ação proposta, buscando

informações que permitam uma avaliação eficiente dos efeitos do projeto. Deve ser

feita a exposição das interações dos fatores ambientais físicos, biológicos e sócio-

econômicos, indicando os métodos adotados para sua análise, com a finalidade de

descrever as inter-relações entre os componentes bióticos, abióticos e antrópicos do

sistema a ser afetado pelo empreendimento.

2) Análise dos impactos ambientais do projeto e suas alternativas. Esta fase

destina-se à apresentação da análise (identificação, valoração e interpretação) dos

prováveis impactos ambientais ocorridos nas fases de planejamento, implantação,

operação e, se for o caso, desativação do empreendimento, sobre os meios físico,

biológico e antrópico, devendo ser determinados e justificados os horizontes de

tempo considerados (...) A análise dos impactos inclui, necessariamente, a

84

identificação, previsão de magnitude e interpretação da importância de cada um

deles, permitindo uma apreciação abrangente das repercussões do empreendimento

sobre o meio ambiente, entendido em sua forma mais ampla. O resultado dessa

análise constituirá um prognóstico da qualidade ambiental da área de influência do

empreendimento, útil não só para os casos de adoção do projeto e suas alternativas

como também na hipótese de sua não-implementação (SEMA de São Paulo, 1991,

apud Milaré, 1994).

3) Definição de medidas mitigadoras dos impactos negativos. O objetivo aqui é

tornar explícitas as medidas que visam minimizar os impactos adversos

identificados e quantificados no item anterior, as quais deverão ser apresentadas e

classificadas quanto: a) à sua natureza preventiva ou corretiva, avaliando-se,

inclusive, a eficiência dos equipamentos de controle da poluição em relação aos

critérios de qualidade ambiental e aos padrões de disposição de efluentes líquidos,

emissões atmosféricas e resíduos sólidos; b) à fase do empreendimento em que

deverão ser adotadas: planejamento, implantação, operação e desativação, e para o

caso de acidentes; c) ao fator ambiental a que se destinam: físico, biológico ou

sócio-econômico; d) ao prazo de permanência de suas aplicações: curto, médio ou

longo; e) à responsabilidade pela implementação: empreendedor, poder público ou

outros; f) ao seu custo. Deverão também ser mencionados os impactos adversos que

não podem ser evitados ou mitigados (SEMA de São Paulo, 1991 apud Milaré,

1994).

4) Programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos ambientais.

Aqui são apresentados os programas de acompanhamento da evolução dos impactos

ambientais causados pelo empreendimento em todas a suas fases – planejamento,

implantação, operação -, inclusive na eventual desativação e, quando for o caso, na

de acidentes. O órgão ambiental competente deverá fornecer, nos termos de

referência, as instruções adicionais que se fizerem necessárias, pelas características

do empreendimento e do meio ambiente a ser afetado.

Para Alves (1995), as diretrizes e critérios definidos pela Resolução CONAMA nº

1/86, artigos 5º e 6º, foram fixados de forma estratificada e inelástica para qualquer

empreendimento, sem nenhuma consideração sobre a natureza e a dimensão dos

85

projetos a serem submetidos à AIA. É adotada a mesma medida de análise para

empreendimentos cuja complexidade apresenta grandes variações. Portanto, esta

disposição normativa deveria ser revista para possibilitar uma maior flexibilidade e

agilidade burocrática na análise dos projetos. Nesse sentido, deveriam ser estabelecidos

critérios e diretrizes diferenciados, de acordo com a complexidade tipológica dos

projetos a que se destinam.

3.4.2 A responsabilidade de elaboração do EIA/RIMA O art. 7º da Resolução CONAMA nº 1/86 estabelece que o EIA deve ficar a cargo

de uma “equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do

proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados

apresentados”. No entanto, para Milaré (1994, p. 70),

“No trato multidisciplinar de uma questão, os especialistas nas várias disciplinas envolvidas não se reúnem necessariamente em função de um nexo ou compromisso entre si, posto que cada qual vê e trata o seu objeto unicamente com seus próprios critérios”.

Portanto, é possível o surgimento de divergências entre os membros da equipe, que

devem ser expressas no RIMA, para posterior consideração por parte do órgão

licenciador.

Para Milaré (1994), a independência em relação ao proponente do projeto tem sido

ilusória, uma vez que as consultorias vem sendo contratadas pelo autor do projeto, que

também arca com todas as despesas e custos da realização do EIA.

“A contratação de elaboração de um Estudo de Impacto ambiental estabelece, de imediato, um forte vínculo de dependência econômica e jurídica entre contratante e contratada, que a Resolução quis impedir. Já se tem noticiado a existência de contratos com cláusulas exoneratórias de pagamento das despesas com o EIA/RIMA em caso de não-aceitação do projeto pelo órgão de controle ambiental!” (Antumes, 1990 apud Milaré, 1994, p. 71).

De acordo com Alves (1995, p.67), “como será possível que todas as despesas e os

custos referentes à realização do EIA/RIMA fiquem por conta do proponente, sem que

com ele haja uma relação de dependência da equipe técnica que o elaborará?” Portanto,

a expressão “não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto” é

86

totalmente descabida e contraditória, pois sempre haverá uma relação de dependência

econômica e jurídica do proponente com os profissionais que deverão elaborar o

EIA/RIMA. Esta expressão, na verdade, tenta justificar a necessidade de contratação de

empresas ou profissionais que, respectivamente, não pertençam ao grupo da empresa

interessada ou a seus quadros funcionais.

O surgimento da chamada “indústria do EIA/RIMA” pelos escritórios de consultoria

privada, marginalizava os técnicos vinculados ao empreendedor, muitas vezes os mais

competentes e bem informados a respeito da situação do objeto de estudo. Em vista

disso, foi sugerida a elaboração do EIA/RIMA por equipe técnica vinculada ao

proponente do projeto, com o que “(...)Assegurar-se-ão, a um só tempo, a necessária responsabilidade técnica e jurídica em relação à execução substantiva do referido estudo e a minimização dos custos a serem incorridos, com expressiva vantagem não só para o interessado como para os que indiretamente possam dele se beneficiar. Essa questão torna-se sobremaneira expressiva no caso dos projetos de interesse público, para os quais as empresas ou entidades públicas já mantêm profissionais técnicos de grande valor em seus respectivos quadros, dispensando-se as contratações custosas e nem sempre confiáveis” (Alves, 1990 apud Milaré, 1994, p. 72).

O CONAMA, através do artigo 11º da Resolução nº 237 de 19 de dezembro de

1997, retirou esta exigência de independência das equipes em relação ao empreendedor,

fazendo com que, atualmente, os estudos necessários ao processo de licenciamento

possam ser realizados por profissionais vinculados ao proponente do projeto

(CONAMA, 1997).

Para Alves (1995), com a possibilidade do EIA/RIMA ser elaborado por equipe

técnica habilitada vinculada à empresa interessada, é assegurada a necessária

responsabilidade técnica e jurídica em relação à execução do referido estudo e também

a minimização dos custos a serem incorridos, com expressiva vantagem não só para a

interessada como para os que indiretamente possam dele se beneficiar. Está questão é de

grande importância no caso de projetos de interesse público, para os quais as empresas

ou entidades públicas já mantêm profissionais técnicos de grande valor em seus

quadros, dispensando-se as contratações custosas e nem sempre confiáveis.

Quanto à responsabilidade causada por danos ao meio ambiente, é suficiente que o

prejuízo tenha resultado do exercício de determinada atividade, e não do

87

comportamento do agente. Uma vez que é o empreendedor quem recebe os benefícios

da sua atividade, cabe a ele suportar os riscos da mesma. No entanto, “Fica ressalvado

ao empreendedor, é claro, voltar-se regressivamente contra o causador do dano,

alcançando, inclusive, o profissional que eventualmente se tenha excedido ou omitido

no cumprimento da tarefa a ele cometida” (Milaré, 1994, p. 74). Como no sistema do

direito penal brasileiro não há responsabilidade das pessoas jurídicas ou ideais, mas

apenas de pessoa física, quem responde pelo dano é o empreendedor, agente público,

profissional, etc.

3.4.3 O Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA)

Conforme Barbieri (1996), a Resolução CONAMA nº 1/86 diferencia o EIA do

RIMA, conforme tradição já consagrada no mundo todo. O EIA é o estudo mais amplo,

que se constitui em um dos elementos da AIA, e trata da execução de tarefas técnicas e

científicas destinadas a analisar sistematicamente as conseqüências da implantação de

um projeto no meio ambiente, através de métodos e técnicas de previsão dos impactos

ambientais. Segundo o artigo 9º da Resolução CONAMA nº1/86, o RIMA, por sua vez,

refletirá as conclusões dos estudos de impacto ambiental, e deve conter, no mínimo:

• os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as

políticas setoriais, planos e programas governamentais;

• a descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando

para cada uma delas, nas fases de construção e operação, a área de influência, as

matérias-primas, mão-de-obra, as fontes de energia, os processos e técnicas

operacionais, os prováveis efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos diretos

e indiretos a serem gerados;

• a síntese dos resultados dos estudos de diagnóstico ambiental da área de influência

do projeto;

• a descrição dos prováveis impactos da implantação e operação da atividade,

considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos

impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios adotados para sua identificação,

quantificação e interpretação;

• a caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando

88

as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a

hipótese de sua não realização;

• a descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos

impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de

alteração esperado;

• programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos;

• a recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários de

ordem geral).

O artigo 10º da Resolução CONAMA nº 1/86 estabelece que “O órgão

governamental competente, estadual, federal ou, quando couber, o município, terá um

prazo para se manifestar de modo conclusivo sobre o RIMA apresentado.”. Portanto,

para a outorga da licença ambiental é imprescindível a manifestação conclusiva dos

órgãos ambientais responsáveis em cada nível de governo. Nesse sentido, Alves (1995,

p. 70) questiona: “Como poderá o órgão ambiental competente manifestar-se

conclusivamente sobre o RIMA, sem o exame específico de caráter técnico e jurídico do

estudo correspondente, objetivando lastrear, com segurança, a outorga da respectiva

licença ?” Isso significa que é indispensável a manutenção de equipes técnicas pelos

órgãos ambientais do governo, para garantir a vigilância a respeito do preenchimento de

todas as condições técnicas referidas no projeto, em face das condições factuais e das

prescrições legais pertinentes.

3.4.4 A participação pública no processo de AIA

O acesso público à informação é um direito constitucional (Artigo 50). O artigo 10º

da Lei 6.939/81 requer que os pedidos, concessões e renovações de licenças ambientais

sejam publicadas em jornal local ou regional bem como no jornal oficial do estado. A

Resolução CONAMA nº 6/86 estabelece normas para a notificação de concessões e

renovações das licenças preliminar, de instalação, e de operação (Fowler e Aguiar,

1993). Os procedimentos para tornar público o EIA e seu RIMA envolvem:

a) acesso às cópias do RIMA em centros de documentação;

b) divulgação da existência desse material;

89

c) uma fase de comentários a serem feitos pelos órgãos públicos e demais

interessados; e

d) realização de audiências públicas para discussão do RIMA.

O Decreto 88.351/83 garante o acesso público ao EIA, e o artigo 11º da Resolução

CONAMA nº 1/86 determina que:

“respeitado o sigilo industrial, assim solicitado e demonstrado pelo interessado, o RIMA será acessível ao público. Suas cópias permanecerão à disposição dos interessados nos centros de documentação da SEMA e do órgão estadual de controle ambiental correspondente, inclusive no período de análise técnica.”

Segundo Barbieri (1996), o princípio da publicidade plena admite restrição para os

casos que contenham sigilo industrial, cabendo ao proponente do projeto ou

empreendedor demonstrar a necessidade de resguardar tal sigilo. Trata-se de

providência necessária para impedir que o proponente sonegue informações importantes

para o EIA/RIMA sob a alegação de sigilo industrial. A possibilidade de restringir o

acesso público aos segredos industriais também é uma tradição na legislação mundial.

No entanto, Custódio (1995) afirma que é necessário reexaminar as normas que

regulamentam os estudos de impacto ambiental para suprimir a exceção de publicidade

referente ao “sigilo industrial”, uma vez que isto entram em conflito com os objetivos

da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.838).

Para assegurar a publicidade não basta apenas tornar acessível a documentação

resultante dos estudos realizados, é preciso que as informações contidas no RIMA sejam

apresentadas de forma objetiva e adequada à sua compreensão, como determina o artigo

9º da Resolução CONAMA nº 1/86. Portanto, as informações devem ser traduzidas em

linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas

de comunicação visual, para possibilitar o entendimento das vantagens e desvantagens

do projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação

(Resolução CONAMA nº 1/86, art. 9º, parágrafo único).

Os comentários podem ser feitos por qualquer pessoa física ou jurídica interessada,

tais como órgãos de classe, sindicatos, instituições de ensino e pesquisa, órgãos

governamentais, indivíduos, grupos e empresas. Também o próprio proponente pode

comentar o RIMA concernente ao seu projeto. Os comentários devem ser feitos sempre

por escrito e, dessa forma, anexados ao processo. A abertura da fase de comentários

90

deve ser precedida de comunicação em veículo de publicação oficial, como o Diário

Oficial da União ou do estado, bem como em periódicos de grande circulação. A

publicação do RIMA e de outras informações obtidas durante o processo de estudos e a

participação do público, quer diretamente, quer através de representantes ou de órgãos

públicos, complementam os estudos da equipe responsável pelo EIA (Barbieri, 1996).

A Resolução CONAMA nº 9/87 disciplina as audiências públicas previstas na

Resolução CONAMA nº 1/86, abrindo um importante canal para a participação

comunitária na aferição do conteúdo dos Estudos de Impacto Ambiental (Milaré, 1994).

Seu objetivo é expor aos interessados o conteúdo do EIA e do RIMA correspondente,

para esclarecer dúvidas e obter críticas e sugestões. Nos estados onde a legislação não

estabelece a obrigatoriedade de audiência pública para todos os casos em que o EIA se

aplica, a audiência poderá ser requerida, para cada caso específico, por entidade civil,

pelo Ministério Público ou por um mínimo de 50 cidadãos. Havendo esse requerimento,

a audiência torna-se obrigatória e qualquer licença concedida antes de sua realização

não terá validade (Resolução CONAMA nº 9/87, art. 2º). Poderá haver mais de uma

audiência pública, caso se constate a existência de vícios no RIMA ou nos

procedimentos para torná-lo público, por exemplo, defeitos no edital de convocação; ou

no caso da localização geográfica dos solicitantes ou a complexidade do tema exigirem

(Fink, 1993). As atas das audiências, seus anexos e o próprio RIMA servem de base

para a análise e o parecer final do órgão licenciador quanto à aprovação ou não do

projeto (Resolução CONAMA nº 9/87, art. 5º).

De acordo com Fink (1993), no caso do Estado de São Paulo a própria Constituição

traz o dispositivo a respeito da realização de audiência pública para a execução de obras

ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.

O § 2º, do art. 192, estabeleceu que, quando da aprovação do EIA/RIMA, a este se dará

publicidade, acrescentando que será “garantida a realização de audiência pública”.

Desta forma, o Estado de São Paulo, ao contrário do estabelecido pelo CONAMA, por

força de sua Constituição, não deixou margem à discricionaridade do órgão ambiental.

“Quando previu a garantia da realização da audiência pública, a Constituição do Estado

determinou que esse ato do procedimento de licenciamento fosse indispensável. E de

fato o é.” (p. 266). Outros estados também adotaram a obrigatoriedade da audiência

pública, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sendo que neste último são

91

realizadas tantas audiências quantas forem necessárias (Duarte, 2002, informação

pessoal).

Além da finalidade legal da audiência pública, positivada pela norma do art. 1º da

Resolução CONAMA nº 9/87 (“expor aos interessados o conteúdo do produto em

análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as

críticas e sugestões a respeito”), esse ato do procedimento tem outros objetivos. O

principal deles é a participação direta da comunidade, afetada ou não pela obra ou

atividade, na decisão da sua realização. Na audiência, além da discussão do RIMA, a

Administração ou o empreendedor procurarão convencer os setores interessados da

sociedade civil sobre a necessidade da obra. Outras questões poderão ser debatidas, tais

como, o projeto e suas alternativas tecnológicas, como áreas de influência, matéria-

prima e mão-de-obra; a validade do diagnóstico ambiental da área de influência feito

pelo empreendedor; os impactos ambientais no tempo e no espaço; as medidas

mitigadoras dos impactos e seus efeitos; o programa de acompanhamento e

monitoramento dos impactos ambientais; e principalmente os impactos

socioeconômicos para a população afetada.

O prazo de requerimento da audiência pública é de no mínimo 45 dias, contados a

partir da publicação do edital pela imprensa local. No edital deverão constar os dados

indispensáveis para a identificação do empreendimento, sua natureza e área de

influência, do empreendedor, da existência do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental

e outros dados que permitam à comunidade o completo conhecimento do

empreendimento que se pretende realizar e os impactos dele decorrentes.

A não realização de audiência pública (nos casos em que ela é obrigatória) implica

na invalidade da licença ambiental eventualmente expedida, ou seja, será nula a licença

ambiental expedida nessas condições, podendo levar à paralisação da obra ou

empreendimento, inclusive por decisão judicial (Fink, 1993).

Segundo Custódio (1995) deveria haver uma revisão adequada dos critérios e das

diretrizes gerais para a AIA de forma clara e eficaz, para definir expressamente um

processo efetivo de informação extensiva ao público e às pessoas legalmente habilitadas

e interessadas (naturais ou jurídicas), para proporcionar o conhecimento de todas as

etapas da AIA e do estudo de impacto ambiental de projetos através de meios de

comunicação de massa (televisão, rádio, imprensa em geral, publicidade mediante a

92

fixação de anúncios em locais de fácil visibilidade), além do tradicional e restrito

processo de comunicação pela imprensa oficial, com a previsão de prazo razoável e

compatível com a complexidade da matéria e com as peculiaridades locais.

3.5 O papel dos atores envolvidos em AIA

A seguir são apresentados os principais atores do processo de AIA, bem como o

papel que eles devem desempenhar.

• OEMA e/ou IBAMA

Segundo o IBAMA (1995), o órgão ambiental responsável pelo licenciamento

ambiental tem o papel principal de promover a articulação entre os diversos atores

sociais envolvidos no processo de AIA, tendo a maior parte da responsabilidade na

efetivação da participação social ao longo de todo o processo.

Para Bastos e Almeida (1999), no primeiro contato com o empreendedor, o órgão

ambiental examina a documentação apresentada, consulta a legislação e dados

disponíveis sobre o local do empreendimento e avalia a necessidade de elaboração de

estudo de impacto ambiental ou documento semelhante. Se julgar necessário, realiza

vistoria para avaliar a situação ambiental no local proposto para o empreendimento.

Pode também fazer outras exigências, como a apresentação de projetos, relatórios e

pareceres específicos. O pedido de licenciamento pode ser negado, e se permanecer o

interesse do empreendedor, este deverá providenciar as alterações necessárias no projeto

inicial para, então, entrar com novo pedido de licenciamento.

Conforme IBAMA (1995), dependendo da complexidade do empreendimento e das

demandas surgidas antes e durante o processo de AIA, o órgão de meio ambiente deve

estar capacitado para cumprir as seguintes funções:

• Assessorar o empreendedor na escolha da equipe consultora multidisciplinar

responsável pela elaboração do EIA/RIMA ou de outro documento técnico

semelhante, mediante, por exemplo, o fornecimento de critérios de escolha e acesso

ao Cadastro Técnico Federal e/ou Estadual de Atividade e Instrumentos de Defesa

Ambiental (pessoa física e jurídica);

• Elaborar os Termos de Referência, junto com o empreendedor, comunidades e

93

demais atores para definir quais as questões prioritárias a serem tratadas no Estudo

de Impacto Ambiental;

• Estruturar grupos específicos de assessoramento popular através do seu setor de

Educação Ambiental;

• Criar, especialmente em casos de empreendimentos complexos ou controversos,

Grupos de Trabalho e/ou Comitê de Assessoramento Técnico-Científico;

• Propor a criação ou fortalecimento de Conselhos Estaduais de Meio Ambiente

CONSEMA e/ou Conselhos Municipais de Meio Ambiente - CONDEMAS. Esses

Conselhos constituem instâncias regulamentadoras do licenciamento ambiental e

podem servir de fórum de discussão de processos controversos de licenciamento

ambiental, através de suas Câmaras Técnicas;

• Desenvolver metodologias para análise de EIA/RIMA;

• Organizar as audiências públicas, sendo que no dia de sua realização a audiência é

dirigida pelo representante do órgão de meio ambiente, que após a exposição

objetiva do projeto e seu respectivo RIMA, abre a discussão com os interessados

presentes;

• Alocar recursos humanos, físicos e financeiros para a fiscalização dos efeitos

ambientais negativos e para o acompanhamento e monitoramento dos impactos

ambientais de empreendimentos licenciados.

• Estruturar a Equipe de Auditoria Ambiental, composta por técnicos próprios,

especialistas diversos, representantes do empreendedor e dos grupos sociais afetados

pelo empreendimento.

Segundo Bastos e Almeida (1999), quando o empreendedor submete os estudos de

impacto ambiental ao órgão ambiental licenciador, estes estudos devem ser

cuidadosamente analisados por uma equipe técnica qualificada, que aprovará os estudos,

ou fará sugestões de algumas modificações para poder aprovar os relatórios, ou

definitivamente não aprovar os referidos estudos. Caso aceito, o órgão ambiental coloca

o EIA/RIMA à disposição do público, e marca-se audiência pública.

Com relação ao monitoramento, os órgãos estaduais de meio ambiente vêm

adotando os seguintes procedimentos:

• Recebimento dos Relatórios de Monitoramento Ambiental elaborados pelo

94

empreendedor, em atendimento às determinações de cada licença ambiental;

• Análise dos Relatórios de Monitoramento Ambiental, com a realização, em alguns

casos, de vistoria no local do empreendimento para verificar a veracidade das

informações repassadas pelo empreendedor;

• Emissão de parecer técnico abordando, basicamente: a necessidade de aumentar a

eficiência das técnicas de controle ambiental adotadas; a necessidade de

aperfeiçoamento dos métodos de coleta e análise; e de relocalização dos pontos de

amostragem;

• Alterações no conjunto de indicadores monitorados;

• Comunicação formal ao empreendedor das conclusões do parecer técnico sobre cada

Relatório de Monitoramento Ambiental recebido, aplicando penalidades previstas

em lei, se for verificada alguma irregularidade.

• Empreendedor

Para Bastos e Almeida (1999), no primeiro contato com o órgão ambiental

licenciador, o empreendedor realiza consultas sobre questões legais, sócio-econômicas

e políticas relacionadas com a implantação do projeto.

O empreendedor deve fornecer ao órgão de meio ambiente todas as informações

sobre o empreendimento e natureza das atividades a serem implantadas e preencher a

ficha do Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou

Utilizadoras de Recursos Ambientais.

Se o empreendimento requerer a realização de EIA/RIMA, para que se possa

atender ao Termo de Referência, o empreendedor deve proceder da seguinte forma:

• Mediante observância deste documento, utilizar quaisquer metodologias de

abordagem, desde que de acordo com a literatura nacional e/ou internacional sobre o

assunto;

• Submeter à apreciação do órgão licenciador as metodologias gerais e específicas de

trabalho, a serem aplicadas pela equipe responsável, em prazo a ser estipulado pelo

referido órgão. Além das metodologias, deverão estar bem claras as interações entre

as diversas atividades e o cronograma físico de execução dos trabalhos;

• Apresentar o estudo de impacto ambiental em duas versões básicas: Integral, EIA

95

(destinada à utilização do órgão licenciador) e Síntese, RIMA (destinada à consulta

pública).

Para a realização do estudo de impacto ambiental, o empreendedor utiliza equipes

próprias ou contrata uma empresa consultora através de Convite Direto, Tomada de

Preços, Carta-convite ou Licitação. O empreendedor deve fiscalizar os segmentos da

realização dos estudos, que devem ser apresentados pela empresa de consultoria sempre

que requisitados. É de responsabilidade do empreendedor formar uma equipe

especializada para fazer um acompanhamento sistemático de todas as atividades a serem

realizadas na elaboração dos estudos, exigindo principalmente que os cronogramas

sejam cumpridos, podendo haver interferências técnicas e reavaliação de alguns custos

operacionais. Depois de prontos os estudos, o empreendedor os submete ao(s) órgão(s)

ambiental(is).

Para a realização da audiência pública, o empreendedor encomenda material à

equipe consultora. Todos os custos necessários à realização da audiência são de

responsabilidade do empreendedor. Na audiência, o empreendedor deve apresentar as

características do empreendimento e suas justificativas.

Ao Receber a Licença Prévia, deve haver um comprometimento por parte do

empreendedor de que suas atividades serão realizadas observando os pré-requisitos

estabelecidos pelo órgão de meio ambiente.

Para a obtenção da Licença de Instalação, o empreendedor deve apresentar o projeto

executivo do empreendimento e outros estudos que especificam os dispositivos de

controle ambiental, de acordo com o tipo, porte, características e nível de poluição da

atividade e de recuperação de áreas degradadas. A obtenção dessa licença implica o

compromisso do empreendedor em cumprir as especificações constantes no projeto

apresentado ou comunicar eventuais alterações dessas especificações.

Para requerer a Licença de Operação o empreendedor deve preencher um

requerimento padrão de LO e anexar os seguintes documentos:

a) cópias das publicações do requerimento de LO e da concessão da LI no diário

Oficial da União ou estadual e em jornal de grande circulação, de acordo com os

modelos de publicação aprovados pela Resolução CONAMA nº 6/86;

b) recolhimento, pelo empreendedor, da taxa fixada pelo órgão de meio ambiente

para a emissão da LO;

96

c) estudo ambiental contendo projetos executivos de minimização de impacto

ambiental, para empreendimentos instalados antes da entrada em vigor da

Resolução CONAMA nº 1/86;

d) relatório técnico de vistoria confirmando se os sistemas de controle ambiental

especificados na LI foram efetivamente instalados;

e) parecer técnico do órgão de meio ambiente sobre o pedido de LO, que contém os

condicionantes para a continuidade da operação do empreendimento e prazo de

validade da LO.

Também cabe ao empreendedor executar o programa de acompanhamento e

monitoramento dos impactos positivos e negativos.

Independentemente de pertencer ao setor público ou privado, o empreendedor deve

estabelecer uma relação de parceria com o órgão de meio ambiente, onde os

antagonismos sejam tratados com o objetivo de se alcançarem soluções compartilhadas.

Para tanto, cabe ao empreendedor fornecer informações que possibilitem a identificação

dos efeitos ambientais potenciais do empreendimento proposto. Essa relação deve

permanecer ao longo de toda a vida útil do empreendimento, especialmente na

implementação dos compromissos negociados (Programas de Acompanhamento e

Monitoramento de Impactos e Auditoria Ambiental). Além disso o empreendedor deve

alocar recursos financeiros e materiais necessários para conferir qualidade ao Estudo

Ambiental (EIA/RIMA, PCA, RCA, PRAD13. etc.) e para implementar as medidas

mitigadoras, os Programas de Acompanhamento e Monitoramento de Impactos e as

Auditorias Ambientais periódicas (IBAMA, 1995).

• Equipe Multidisciplinar

A equipe multidisciplinar, que pode ser proveniente de uma empresa de consultoria

ou do próprio empreendedor, deve fornecer as bases técnico-científicas para o

estabelecimento de compromissos políticos e institucionais em relação às conclusões do

EIA/RIMA ou de outro documento técnico semelhante, pelo qual é tecnicamente

responsável.

13 As siglas PCA, RCA e PRAD significam Plano de Controle Ambiental, Relatório de controle Ambiental e Plano de Recuperação de Áreas Degradadas, respectivamente.

97

Para maior efetividade de seu papel, deve estabelecer uma relação de parceria

permanente com o órgão de meio ambiente e os grupos criados para orientar e

assessorar processos de AIA. Essa interação, realizada nos foros instituídos pelo órgão

de meio ambiente com esse fim, deve resultar em revisões que permitam o

aprimoramento dos estudos (IBAMA, 1995).

Para Bastos e Almeida (1999), a empresa de consultoria deve formar uma equipe

multidisciplinar habilitada e administrativa; obter dados e informações técnico-

científicas e dar um tratamento a esse material; obedecer a um cronograma de trabalho;

e garantir a gestão da qualidade dos estudos.

Na audiência pública a empresa consultora deve apresentar os estudos ambientais

realizados e suas conclusões.

A equipe multidisciplinar deve conferir total transparência às informações

trabalhadas, colocando-se sempre disponível ou tomando a iniciativa de discutir com os

demais agentes participantes do processo de elaboração do EIA/RIMA ou de outro

documento técnico semelhante:

• a base conceitual do método adotado no estudo de impacto ambiental;

• as análises e conclusões do Estudo Ambiental:

• as possibilidades reais de operacionalização dos programas propostas para o

acompanhamento e monitoramento dos impactos ambientais do empreendimento,

com o efetivo envolvimento dos atores sociais previstos (IBAMA, 1995).

O estudo de impacto ambiental (EIA) tem um caráter interdisciplinar, e por isso a

equipe multidisciplinar deve envolver profissionais dos diversos ramos técnico-

científicos, possibilitando a troca de conhecimentos e a obtenção de resultados que

reflitam a síntese das interações das diversas disciplinas e não apenas a justaposição de

trabalhos individuais (Moreira, 1989).

• Órgãos da Administração Pública

Enquanto interessados institucionais no licenciamento de empreendimentos, os

Órgãos da Administração Pública, respeitadas as afinidades pertinentes, devem:

• fornecer informações da sua área de atuação ao órgão de meio ambiente e à equipe

multidisciplinar, especialmente visando compatibilizar o projeto proposto com

98

planos setoriais existentes;

• participar dos grupos de orientação e assessoramento coordenados pelo órgão de

meio ambiente, desde o momento inicial do processo de Avaliação de Impacto

Ambiental, sempre com a preocupação de internalizar as discussões ocorridas nesses

grupos;

• estabelecer relações de parceria com o órgão de meio ambiente e com o

empreendedor, e com a sociedade na implementação das ações de mitigação e

controle de impactos e na implantação da infra-estrutura prevista no projeto.

• Empresas Públicas e Privadas

As empresas públicas e privadas instaladas na área de influência do empreendimento

proposto devem contribuir com o órgão de meio ambiente, a equipe multidisciplinar e

grupos de orientação e assessoramento, através de:

• fornecimento de dados e informações sobre a situação ambiental na sua área de

influência;

• participação em ações conjuntas de acompanhamento e monitoramento da

qualidade ambiental, sempre que houver o risco de ocorrência de efeitos

cumulativos e sinérgicos com o empreendimento proposto;

• participação em equipes de auditoria ambiental, sempre que forem detectados

efeitos cumulativos e sinérgicos com o empreendimento instalado.

• Comunidade Técnica e Científica

Para IBAMA (1995), a comunidade técnica e científica, principalmente as

universidades têm o principal papel de:

• assessorar o órgão de meio ambiente, o empreendedor e a sociedade em questões

técnico-científicas;

• participar dos grupos de orientação e assessoramento coordenados pelo órgão de

meio ambiente;

• desenvolver o referencial teórico-conceitual para aprimoramento do processo de

AIA; métodos de elaboração de EIA/RIMA e de outros documentos técnicos

semelhantes; tecnologias adequadas de controle de impacto ambiental.

99

Segundo Assunção (1995), a comunidade técnico-científica deve trabalhar para

gerar informações que servirão de base para o estabelecimento de diretrizes, critérios e

normas a serem seguidas nas execuções dos estudos de impacto ambiental.

As universidades e outros centros de pesquisa podem ajudar a desenvolver pesquisa

básica (por ex. sobre ecossistemas brasileiros) e metodologias mais adequadas à

realidade nacional, visando:

• a identificação, mensuração dos impactos, avaliação do grau de importância de cada

impacto;

• o diagnóstico ambiental;

• avaliação de riscos ambientais;

• a realização de auditorias ambientais;

• o envolvimento e participação efetiva das comunidades.

Além de fornecer profissionais para a análise de EIA/RIMA e elaboração de laudos

periciais e pareceres técnicos quando requisitados, as universidades também devem

promover debates sobre os aspectos principais do processo de avaliação de impacto

ambiental, como legislação, estrutura institucional, participação comunitária, entre

outros.

• Entidades Civis

Enquanto representantes da diversidade de interesses presentes na sociedade, essas

entidades devem, além de questionar, compartilhar das decisões de prevenção, controle,

mitigação e monitoramento dos efeitos ambientais esperados e fiscalizar a execução dos

programas de controle ambiental acordados com o empreendedor (IBAMA, 1995).

As ONGs ambientalistas, por exemplo, têm um papel fundamental a desempenhar

no processo de AIA, articulando-se com os demais atores, no sentido de exigir um

maior rigor e qualidade dos estudos de impacto ambiental e demais documentos

produzidos para o licenciamento dos empreendimentos.

As ONGs também têm um papel importante a desempenhar na promoção do

envolvimento e participação pública, principalmente quando isto não é feito

adequadamente pelo empreendedor ou pelo órgão ambiental. Estas instituições

também podem trabalhar educando as comunidades sobre o processo de AIA, ou

100

desenvolvendo uma participação pública paralela (como é feito na Tchecoslováquia,

conforme será visto no capítulo 4).

• Ministério Público

O Ministério Público deve, quando devidamente acionado, aplicar os instrumentos

previstos em lei (ação civil pública, inquérito civil, etc.) para garantir o cumprimento,

por parte do empreendedor, dos condicionantes estabelecidos na licença ambiental.

Segundo Milaré (1996), uma vez que tanto o EIA como o RIMA podem ser

impugnados, administrativa ou judicialmente, o Ministério Público passa a exercer um

papel essencial na garantia de um meio ambiente equilibrado. A impugnação

administrativa se dá perante a própria autoridade administrativa ambiental responsável

pelo ato atacado ou perante seu superior hierárquico, já a judicial, leva a questão para

apreciação do poder judiciário. Tanto os vícios materiais (conteúdo inadequado, por

exemplo), como os vícios formais (não-realização de audiência pública, por exemplo),

permitem a impugnação. A impugnação judicial se dá através de ação civil pública ou

de ação popular ambiental (Constituição Federal, art. 5º, inciso LXXIII).

Antes da promulgação da lei nº 6.938/81, Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente, o Ministério Público pouco intervinha nas questões ambientais,

principalmente porque não existia uma base legal para tal. A sua ação limitava-se a

processar criminalmente alguns casos de poluição, o que produzia resultados irrisórios e

insatisfatórios.

O Ministério Público adquiriu um papel essencial na proteção do meio ambiente

com a Lei nº 6.938/81, ao determinar que,

“sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente” (PNMA, 1981).

Com a promulgação da Lei nº 7.347/85, conhecida como Lei da Ação Civil Pública

ou Lei dos Interesses Difusos, conferiu-se ao Ministério Público, estadual e federal, bem

como aos órgãos e instituições do governo federal e às associações ambientalistas, a

legitimidade para acionar, mesmo que liminarmente, os responsáveis por danos

101

causados ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico,

estético, histórico e paisagístico. Essa lei se constituiu em eficiente instrumento do

Poder Judiciário e dos ambientalistas para tomar medidas relacionadas com os

responsáveis pelos empreendimentos e os dirigentes dos órgãos ambientais, no

cumprimento de normas legais, principalmente as relacionadas à exigência de estudo e

relatório de impacto ambiental (Moreira, 1989).

Com a Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, a Lei de Crimes Ambientais, o meio

ambiente conta com mais um instrumento que devidamente utilizado, servirá para

proteger a natureza e punir os agressores. Esta lei descreve as condutas lesivas ao meio

ambiente, com suas correspondentes respostas do Poder Público, nas esferas penal e

administrativa, e dispõe sobre o processo penal e cooperação internacional para a

preservação do meio ambiente (Souza, 2002). O avanço na Lei de Crimes Ambientais

vem no sentido de tornar certas infrações que anteriormente eram contravenções, agora

como crimes e, tentar resgatar uma lacuna que existia no Código Penal com relação às

questões ambientais (Silva, 2002).

A constituição Federal de 1988 incluiu entre as funções institucionais do Ministério

Público a de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do

patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos”. Em vista das novas atribuições ambientais – sem qualquer tradição no país e

na própria instituição –, o Ministério Público Federal procurou aparelhar-se e

estruturar-se, criando promotorias de justiça e coordenadorias ambientais especializadas

na questão ambiental (Milaré, 1996).

Segundo Mauro (1993), uma das principais dificuldades inerentes às Ações Civis

Públicas, em casos de agressões ambientais potenciais, é o fato de que elas são movidas

em geral contra grandes interesses de empresas privadas e públicas, que além de

possuírem assessorias jurídicas especializadas, geralmente conhecem as brechas nas

tramitações judiciais. A morosidade na tramitação judicial é outro fator que estimula os

agressores, muitas vezes beneficiados por punições administrativas inócuas. A

elaboração de documentos técnicos e laudos judiciais contribuem para que a sociedade

amplie seus conhecimentos técnicos sobre os temas abordados, para que as Ações

judiciais movidas tenham maiores possibilidades de sucesso.

102

3.6 A implementação da AIA na prática

Apesar de já terem sido discutidos nas seções anteriores deste capítulo alguns dos

problemas relacionados à implementação prática da AIA no Brasil, julgou-se necessário

apresentar aqui algumas considerações de ordem mais geral.

Segundo Glasson e Salvador (2000), todos os sistemas de AIA tem pontos fortes e

fracos, porém os problemas em países em desenvolvimento como o Brasil são

geralmente mais agudos em virtude das limitações de recursos e das pressões

econômicas e políticas enfrentadas pelo país, bem como pelas limitações inerentes aos

procedimentos, à legislação e ao exercício da participação. Há uma lacuna marcante

entre os procedimentos e a prática da AIA.

Apesar da existência de uma regulamentação nacional principal (Resolução

CONAMA nº 1/86) que se aplica a todos os estados brasileiros, a mesma resolução

possibilita que cada estado execute suas próprias políticas, regulamentações e prática. A

provisão que permite às autoridades estaduais e locais fazerem sua própria legislação

pode levar a inconsistências através do país.

Desde o início da AIA no Brasil têm ocorrido vários problemas e enganos

relacionados à prática e a fatores políticos e institucionais, reduzindo sua efetividade. A

AIA é muito centralizada em nível estadual, o que limita a consciência local sobre as

questões ambientais, bem como a participação dos atores locais principais (por

exemplo, autoridades, ONGs, e o público em geral). A participação efetiva das

autoridades de planejamento locais poderia ser fundamental, mas infelizmente na

maioria das municipalidades não existem condições humanas e materiais para isso. As

limitações do processo de planejamento no Brasil, especificamente sobre aspectos

relacionados ao meio ambiente restringe o controle da AIA sobre os impactos diretos

dos projetos, em vez de ser utilizado como um instrumento efetivo para modificar o

planejamento e as políticas de desenvolvimento.

A ligação entre a AIA e o planejamento local para implementação de projetos é

fraca. A única conexão é o requerimento legal de licenças ambientais para aplicações de

licenciamento de edificações, mas na maioria dos casos este requerimento não é

realizado no tempo apropriado ou algumas vezes não é levado em consideração pelas

autoridades de planejamento locais. De acordo com Brito (1996) apud Glasson e

Salvador (2001) em vários estados o licenciamento ambiental e os procedimentos de

103

AIA não estão sendo aplicados de acordo com a lei (Lei 6938/81 e Resolução

CONAMA nº 1/86). Estas regulamentações estabelecem que o EIA/RIMA tem de ser

realizado durante a etapa de licença prévia (LP), mas em muitos casos este

procedimento está sendo realizado apenas na etapa de licença de instalação (LI),

reduzindo o papel da AIA como um instrumento preventivo e de planejamento.

Em nível estadual, o processo de AIA é empreendido pelas SEMAs/OEMAs, com

um forte foco setorial. Outras secretarias de estado que têm algum relacionamento com

questões ambientais (por exemplo, secretarias de transporte e energia) estão menos

envolvidas com a AIA diretamente, tendo em alguns casos apenas uma participação

distante e secundária no processo, sem consulta, através de seus representantes no

CONSEMA. Esta abordagem setorial produz fortes lutas entre as instituições

ambientais e as outras instituições que acreditam que a AIA possa perturbar seus

próprios projetos. Uma solução possível para estes problemas poderia ser a

implementação de regulamentações secundárias, que redistribua a responsabilidade da

AIA de alguns tipos de projetos para a competência de outras secretarias (apesar de

algumas poucas exceções, não existem regulamentações secundárias e orientação para

projetos específicos). Além disso a maioria dos estados brasileiros possui problemas

ambientais muito sérios, e as SEMAs/OEMAs não possuem pessoal treinado e

qualificado e recursos materiais, nem apoio político para revisar o RIMA e outros

procedimentos de AIA (Glasson e Salvador, 2001). Em muitos casos o órgão ambiental

estadual alega falta de pessoal e recursos para justificar sua omissão, no entanto,

quando não existem condições para sua atuação esta competência deve ser transferida

para o órgão federal.

Na maioria dos casos, as OEMAs não providenciam os Termos de Referência para

que os EIA de projetos específicos levem em consideração as características ambientais

e do projeto. Os Termos de Referência geralmente são feitos pelos empreendedores

(proponentes) e a etapa de definição do escopo (scoping) pode ser deficiente. A falta de

Termos de Referência ou sua elaboração inadequada resulta em EIA/RIMAs de baixa

qualidade, dificultando a revisão do RIMA. Alguns RIMAs feitos por certas empresas

de consultoria são repetitivos, e comenta-se severamente sobre a “indústria do

EIA/RIMA”, já citada anteriormente neste trabalho.

Para o IBAMA (1995), as principais dificuldades que têm limitado a capacidade do

104

órgão de meio ambiente em estabelecer as diretrizes constantes no Termo de Referência

são as seguintes:

• falta de informações adequadas e suficientes sobre o local do empreendimento e seu

potencial modificador, contando para isso quase que exclusivamente com as

informações constantes na proposta do projeto. Desse constam, geralmente, dados e

informações incompletos e inexatos, com tendência natural a superestimar aspectos

positivos e subestimar aspectos negativos;

• falta de participação de outros órgãos na elaboração do Termo de Referência, o que

tem levado à desconsideração de interesses setoriais e à desconexão com outros

projetos e atividades existentes na área de influência do empreendimento;

• falta de pessoal qualificado para elaborar, sem apoio externo, o Termo de

Referência;

• insuficiência de recursos materiais e financeiros que impede, muitas vezes, a visita

de técnicos do órgão de meio ambiente ao local do empreendimento proposto para

coletar informações complementares, que possam melhor subsidiar a elaboração do

Termo de Referência.

Conforme Moreira (1989), nas empresas de consultoria privada parece faltar

experiência na coordenação do trabalho dos especialistas de diversas áreas de

conhecimento envolvidas, bem como o conhecimento das metodologias de AIA,

técnicas de pesquisa e previsão de impactos ambientais, e a capacidade de promover a

integração das diferentes disciplinas. Outras questões que interferem no processo

referem-se ao custo e à duração dos estudos, além da carência de dados primários, que

afetam diretamente a qualidade dos estudos.

Conforme Glasson e Salvador (2000), uma vez que a maioria das metodologias de

avaliação utilizadas no Brasil é proveniente da experiência internacional (por exemplo,

alguns métodos de matrizes, e a metodologia Battelle), é preciso que tais metodologias

sejam adaptadas às condições do país, com base na experiência brasileira em AIA. As

alternativas do projeto não são desenvolvidas adequadamente e a análise custo-benefício

raramente é aplicada no Brasil. Impactos secundários, indiretos e cumulativos também

não são bem identificados ou propriamente avaliados. A participação pública dentro do

procedimento atual de AIA é muito limitada, sendo raros e fracos os canais formais para

105

esta participação. Existe também pouca evidência da Avaliação Ambiental Estratégica14

(AAE) no Brasil.

A insatisfação da sociedade e de alguns órgãos e instituições (públicas e privadas)

com os resultados das audiências públicas, e com as respostas aos questionamentos

feitos sobre os empreendimentos, têm levado a uma reivindicação de realização de

audiências públicas em outros momentos importantes do processo de AIA, bem como

têm gerado junto ao Ministério Público ações civis públicas e inquéritos públicos

(Machado, 2000).

Fowler e Aguiar (1993) afirmam que o estabelecimento de critérios para a AIA é

sempre dependente de prioridades, e na maioria das avaliações de impacto ambiental

realizadas no Brasil as considerações sociais e econômicas têm prioridade sobre as

preocupações ambientais. Mesmo que as considerações ambientais sejam obrigatórias

por lei, existem deficiências estruturais básicas. O principal problema é a falta de

informação sobre a maioria dos ecossistemas brasileiros. Os dados cartográficos são

desatualizados e raramente disponíveis nas escalas apropriadas para as avaliações de

impacto ambiental, o que significa que a maioria das AIAs requer um extenso trabalho

de campo. Muitas vezes, mesmo quando os dados estão disponíveis, eles estão dispersos

entre diferentes instituições. Em muitos casos os dados não são coletados, mas

extrapolados a partir de ambientes semelhantes, levando a uma perda em tolerância e

critério. Em muitos casos as avaliações de impactos ambientais são conduzidas em um

curto período de tempo, o que geralmente resulta em uma descrição física com dados

biológicos e sócio-econômicos limitados.

A análise de risco ambiental ainda é raramente aplicada no Brasil. A importância de

cada impacto em relação àqueles fatores ambientais envolvidos é determinada pela

importância relativa de cada impacto em comparação com os outros. Não existe um

14 O termo Avaliação Ambiental Estratégica representa uma maneira convencionada de identificar o processo de avaliação dos impactos ambientais de decisões feitas nos níveis de planejamento, políticas e programas, no estágio mais inicial possível. A AAE considera uma série de alternativas possíveis de modo sistemático, e assegura uma integração completa das questões relevantes, incluindo considerações biofísicas, econômicas, sociais e políticas. Atualmente, a AAE é utilizada como uma abordagem fundamental no processo de melhoria do desempenho da avaliação ambiental, sendo uma ferramenta inestimável para a integração de questões ambientais dentro do processo de tomada de decisão e para a busca de metas relacionadas à sustentabilidade (Partidário, 1996).

106

critério estabelecido que seja mais usado para este processo, e atualmente são

geralmente usados os índices de qualidade ambiental ou escalas ordinais.

A importância de um impacto é considerada em termos de seu retorno social, ou

quanto importante pode ser o impacto para a qualidade de vida da população afetada.

Atualmente, os impactos são em primeiro lugar julgamento de valor social, e as

decisões técnicas freqüentemente entram em conflito com decisões políticas. Por isso é

importante que o público participe nas decisões que se baseiam na importância daqueles

impactos.

O monitoramento ambiental é obrigatório no sistema brasileiro de AIA, apesar de

seu custo. A definição e medida dos impactos ambientais projetados incorporam

elementos desconhecidos por causa das limitações do diagnóstico ambiental e das

previsões da magnitude e inter-relações destes impactos. Independentemente da

avaliação do impacto, o critério, importância e interpretação de impactos refletem o

conhecimento atual, bem como julgamentos de valor pessoal, sejam eles provenientes

de grupos de trabalho técnicos ou de representantes do público que têm a última palavra

sobre o projeto e as dimensões da AIA. O monitoramento ambiental deveria iniciar com

as fases de aprovação e implementação do projeto, para verificar aqueles parâmetros

identificados na AIA e permitir o desenvolvimento de estimativas de parâmetros mais

realísticas.

Para realizar o acompanhamento e monitoramento ambiental da execução, pelo

empreendedor, do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos

positivos e negativos, os órgãos de meio ambiente têm encontrado as seguintes

dificuldades:

• Falta de pessoal qualificado para análise dos relatórios de monitoramento elaborados

pelo empreendedor, vistorias técnicas mais produtivas e elaboração de pareceres

técnicos, provocando atraso na tomada de decisão;

• Falta de articulação interna no sentido de utilizar as informações produzidas

pontualmente pela fiscalização, no processo contínuo de acompanhamento e

monitoramento ambiental exercido pelos órgãos sobre o empreendimento, falta de

conhecimento do conteúdo e respectivo embasamento técnico dos programas de

acompanhamento e monitoramento dos impactos ambientais aprovados no

EIA/RIMA ou em outros documentos técnicos semelhantes e falta de conhecimento

107

,da legislação referente ao controle (Bastos e Almeida, 1999).

O processo de aprovação do RIMA é muito burocrático, levando muito tempo para

ser concluído. Quando existe uma discussão do RIMA nos CONSEMAs,

freqüentemente ela é influenciada por pressões políticas e econômicas. Dependendo da

complexidade do projeto e suas implicações, um procedimento completo de AIA pode

levar no mínimo um ano, ou mais. Conseqüentemente, é comum o empreendedor iniciar

a implementação do projeto embora o procedimento de AIA esteja sendo realizado.

Portanto, é necessário estabelecer um tempo limite para a revisão e aprovação do EIA

pelas SEMAs/OEMAs (Glasson e Salvador, 2000).

108

4 O ENVOLVIMENTO E A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA EM AIA

Este capítulo mostra os meios apresentados na literatura para promover uma

participação pública15 mais eficiente dentro do processo de Avaliação de Impacto

Ambiental. São apresentadas diversas técnicas que podem ser usadas nas diferentes

etapas da AIA, e levanta-se a importância da educação pública para se alcançar níveis

mais altos de participação. Também são mostrados alguns exemplos da importante

atuação das Organizações Não Governamentais, e o papel que a mediação pode

desempenhar em procedimentos de AIA complexos.

4.1 A consulta e a participação pública em AIA

O envolvimento dos atores no processo de AIA é amplamente reconhecido como um

elemento fundamental do processo. Programas de envolvimento público oportunos, bem

planejados e bem implementados têm contribuído para o sucesso no planejamento,

implementação, operação e gerenciamento dos projetos (UNEP, 1996). Os atores

tipicamente envolvidos na AIA e seus interesses são mostrados no Quadro 2.

Quase todos os sistemas de AIA requerem a consulta e participação pública depois

da publicação do relatório de impacto ambiental, antes da decisão sobre o projeto.

Contudo, muitas jurisdições em alguns países também requerem ou encorajam a

consulta e participação em etapas iniciais do processo de AIA, durante a etapa de

definição do escopo do estudo, por exemplo. Na realidade, parece existir uma

compreensão crescente de que uma maior participação pública, usando um ou mais dos

numerosos meios de participação pública existentes, pode produzir resultados

significativos tanto para o proponente do projeto como para o público afetado por ele

(EIA Centre, 1995).

De acordo com o UNEP (1996), não há um conjunto consistente de definições para

os termos usados para descrever os diferentes tipos de envolvimento público em AIA.

Por exemplo, é comum encontrar os termos ‘consulta’ e ‘participação’ sendo utilizados

intercambiavelmente por algumas organizações, enquanto que outras podem considerar

15 Neste trabalho utiliza-se o termo ‘participação pública’, e não ‘participação popular’, por considerar que o termo ‘pública’ implica na participação de todos os atores envolvidos no processo de AIA, e por entender que o termo ‘popular’ refere-se somente à participação das comunidades locais.

109

seus significados bem diferentes. Na prática estas diferenças sutis na terminologia

seriam esclarecidas através de requerimentos detalhados de um programa de

envolvimento público. Apesar da literatura e legislação brasileiras somente usar o

termo ‘participação pública’, neste capítulo serão feitas algumas distinções entre os

termos envolvimento, consulta e participação.

Quadro 2 - Atores envolvidos na AIA e seus interesses Atores Interesses Comunidades locais Os indivíduos ou grupos dentro da comunidade local terão interesse em saber o

que está sendo proposto; em que seus valores sejam conhecidos, entendidos e levados em conta; e que as sugestões que eles possam oferecer sejam cuidadosamente consideradas em seus méritos. Eles geralmente têm conhecimento local que pode ser utilizado. Eles querem que suas preocupações sejam ouvidas e tratadas pelos proponentes.

Proponentes Muitos proponentes podem compartilhar dos objetivos acima, e terão outros também. Eles desejarão moldar a proposta para dar a ela uma melhor oportunidade de sucesso. Isto geralmente envolve alcançar um maior entendimento e aceitação pública da proposta através do fornecimento aberto de informação. Em geral o projeto também pode ser melhorado através do uso do conhecimento local e entendimento dos valores locais.

Órgãos do governo Para os administradores e tomadores de decisão, um programa efetivo de envolvimento público pode significar que o projeto é menos provável a tornar-se controverso nas etapas posteriores do processo.

Empresas de consultoria Para as empresas de consultoria envolver o público em etapas cruciais do processo contribui para a aceitação do relatório de AIA por parte das comunidades e órgãos ambientais, e melhora a qualidade da tomada de decisão.

ONGs Os comentários das ONGs geralmente fornecem uma perspectiva pública mais ampla sobre a proposta. Suas visões também podem ser muito úteis quando existem dificuldades em envolver a população local (embora isto nunca substitua completamente a informação solicitada diretamente da população).

Outras Outros grupos interessados podem ser de universidades, setor privado, financiadores, etc. Especialistas de campos específicos podem dar uma contribuição importante.

Fonte: modificado de UNEP (1996)

Segundo o UNEP (1996) existem três níveis de envolvimento público: informação,

consulta e participação. Para o Banco Mundial, o fator que distingue a consulta da

participação é o grau no qual é permitido que as pessoas envolvidas influenciem,

compartilhem ou controlem a tomada de decisão. A disseminação de informação é a

pré-condição necessária para a consulta e a participação, e envolve o fluxo de

informação em uma via (do proponente do projeto para o público). A consulta envolve a

solicitação das opiniões do público sobre as ações propostas e o engajamento das

pessoas em um diálogo. A consulta é caracterizada por um fluxo de informação em duas

vias, das autoridades do projeto para as pessoas, e das pessoas para as autoridades do

projeto. Embora a autoridade da tomada de decisão seja retida pelo governo, a interação

110

com as pessoas e a elicitação de uma retroalimentação de informação permite às

populações afetadas influenciar o processo de tomada de decisão, levantando questões

que deveriam ser consideradas em várias etapas do processo de AIA, como na definição

do escopo; no desenho do projeto; nos planos de mitigação, monitoramento e

gerenciamento; e na análise de alternativas. Já a participação é um processo voluntário

no qual as pessoas reúnem-se com as autoridades do projeto para compartilhar, negociar

e controlar o processo de tomada de decisão no planejamento e gerenciamento do

projeto. O processo requer um grau maior de envolvimento das pessoas afetadas na

tomada de decisão do que a consulta; mas também é baseado no fluxo de informação e

idéias em duas vias (World Bank, 1993).

O nível de envolvimento público requerido para uma determinada proposta

dependerá de seu contexto social e político. O envolvimento público pode variar de uma

mera informação para o público sobre o que está sendo proposto, através de consulta, à

uma tomada de decisão amplamente participativa. Embora os vários níveis de

envolvimento público pareçam um tanto distintos, em muitas AIAs as distinções entre

os níveis será obscurecida. Os processos de envolvimento público e participação pública

fornecem muitas oportunidades e caminhos através dos quais os tomadores de decisão

tornam-se conscientes das preocupações dos participantes, e podem ter uma influência

maior na tomada de decisão através de meios informais. O caso extremo de participação

pública total na tomada de decisão é raro porque muitos tomadores de decisão têm uma

relutância em compartilhar seu poder de tomada de decisão com a comunidade afetada.

Eles sentem que têm a responsabilidade de tomar as decisões em nome da comunidade

mais ampla (UNEP, 1996).

De acordo com o UNEP (1996), os objetivos do envolvimento público podem ser

resumidos conforme mostrado a seguir:

• Informar aos atores sobre o que está sendo proposto e fornecer a oportunidade para

criar um senso de domínio da proposta;

• Fornecer uma oportunidade para aqueles que de outra forma não seriam

representados a apresentar suas visões e valores, permitindo portanto uma

consideração mais sensível das medidas mitigadoras e das escolhas entre objetivos

conflitantes (trade-offs);

• Fornecer aos envolvidos no planejamento da proposta uma oportunidade para

111

assegurar que os benefícios sejam maximizados e que nenhum impacto maior tenha

sido negligenciado;

• Fornecer uma oportunidade para o público influenciar o design do projeto de uma

maneira positiva;

• Obter conhecimento local e tradicional (corretivo e criativo), antes da tomada de

decisão;

• Aumentar a confiança pública nos revisores e tomadores de decisão;

• Fornecer uma maior transparência e responsabilidade na tomada de decisão;

• Reduzir conflitos através da identificação antecipada de questões contenciosas.

Benefícios menos tangíveis são obtidos através do envolvimento público à medida

que os participantes vêem que suas idéias podem ajudar a melhorar as propostas. As

pessoas ganham confiança e auto-estima tomando parte do processo e as percepções são

melhoradas através da reunião, e do intercâmbio de idéias e informação com pessoas

que têm valores e visões diferentes.

Para Webler et al. (1995), existem três razões principais para a inclusão de

oportunidades para a participação pública na avaliação de impactos ambientais e sociais.

Em primeiro lugar, a competência da decisão final é mais alta quando o conhecimento

local é incluído e quando o conhecimento de especialistas é examinado publicamente.

Segundo, a legitimidade do resultado final é mais alta quando as partes potencialmente

afetadas podem declarar os próprios argumentos antes dos especialistas e têm chances

iguais para influenciar o resultado da decisão, isto é, o processo é justo. Terceiro, a

participação pública é identificada como uma conduta apropriada do governo

democrático em atividades de tomada de decisão pública.

Através do envolvimento público desde o início do processo de AIA é possível

identificar questões que os ‘especialistas’ não consideram importantes, mas que podem

ter um grau de importância desproporcional à magnitude do impacto (EIA Centre,

1995).

De acordo com Dias e Sánchez (1999, p. 90), o sucesso da AIA depende mais de

uma atitude aberta e flexível, com muita participação, do que a utilização de qualquer

procedimento rígido para identificar e prever cientificamente os impactos. “A

participação pública, muitas vezes, é capaz de revelar implicações de uma ação não

112

identificadas ou devidamente avaliadas através da aplicação de outras ferramentas de

avaliação.”

Apesar dos benefícios conhecidos, são percebidos certos riscos pelas partes que

relutam em envolver o público no procedimento de AIA. Conforme a UNEP (1996),

muitos dos riscos associados com o envolvimento público podem ser evitados com um

planejamento correto. Talvez a falta de consulta e participação possa colocar no longo

prazo um risco muito maior para os projetos. A seguir são mostrados alguns dos

principais motivos que são apresentados como justificativa para evitar o envolvimento

público, segundo o UNEP (1996):

• É muito cedo; nós ainda não temos uma proposta firme – o fornecimento adiantado

de informação para o público, minimizará o risco de rumores falsos e prejudiciais

sobre a proposta. Mesmo que o proponente possa não ter uma idéia clara dos

detalhes do projeto, a comunicação dos objetivos da proposta começará a construir

confiança com a comunidade, e pode permitir a entrada de informação do público

sobre as limitações do sítio e alternativas. A tendência da AIA é realizar o

envolvimento público na etapa de viabilidade do projeto, quando as opções ainda

estão sendo consideradas, de forma que os interesses da comunidade possam ajudar

o proponente a planejar um esquema robusto.

• Isto levará muito tempo e custará muito – Se for integrado dentro do planejamento

do projeto, um gasto de tempo excessivo pode ser evitado. Os custos de não

envolver o público podem ser mesmo maiores em termos de custos que surgem de

atrasos, e de projetos que não alcançam seus objetivos. Aqueles que provavelmente

irão se opor ao projeto não serão dissuadidos pela falta de um programa de

envolvimento público.

• Isto instigará a oposição, e o processo será tomado por ativistas – tal programa

pode, porém, assegurar que todos os lados do debate sejam ouvidos. É importante

que as questões levantadas pelos oponentes deveriam ser completamente

examinadas, e tratadas pelos seus méritos. Se impactos não podem ser evitados, e o

projeto é considerado necessário por motivos de força maior, o programa de

envolvimento público deveria demonstrar a todos que as preocupações dos

segmentos da comunidade estão sendo tratados justamente.

• Nós vamos ouvir somente os articulados – Pessoas articuladas, instruídas e

113

habilidosas encontram facilidade em usar as oportunidades fornecidas através do

envolvimento público. As pessoas que preparam e administram tais programas

devem estar cientes disso, e incorporar medidas para assegurar que as opiniões da

‘maioria silenciosa’ sejam expressadas e entendidas.

• Nós levantaremos expectativas que não podemos satisfazer – deve-se tomar muito

cuidado nas primeiras fases de um programa de envolvimento público para

assegurar que não sejam levantadas expectativas excessivas. Decisões que já tenham

sido tomadas, as quais excluem opções, deveriam ser comunicadas o mais cedo

possível. O propósito do envolvimento da comunidade, do processo de estudo, e do

processo de tomada de decisão deveriam ser comunicados claramente.

• A comunidade local não entenderá as questões envolvidas – a falta de educação

técnica não nega a inteligência e entendimento que as pessoas têm de sua

circunvizinhança. Geralmente o conhecimento das pessoas e seu ambiente e como

ele reage a mudanças pode ser mais acurado do que o previsto através de modelos.

Nenhum programa de envolvimento público será efetivo a menos que o proponente

queira genuinamente engajar-se em um diálogo em duas vias com a comunidade. O

espírito de abertura precisa abraçar uma disposição a ouvir a informação, valores e

preocupações da comunidade, retificar a proposta de modo a minimizar estas

preocupações, e reconhecer o valor da contribuição fornecida pela comunidade.

Segundo Ebesson (1999), embora exista uma percepção por parte de alguns países

de que o envolvimento dos indivíduos e ONGs na AIA nada mais é do que um

obstáculo para a tomada de decisão, esta percepção tem mudado, o envolvimento ativo

dos cidadãos é visto agora como um meio para implementar a política ambiental, em

vez do contrário. Isto pode ser ilustrado, por exemplo pela Declaração do Rio sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento, de acordo com a qual

“As questões ambientais são mais bem manipuladas com a participação de todos os cidadãos interessados, no nível relevante. Em nível nacional, cada indivíduo deve ter o acesso apropriado à informação mantida pelas das autoridades públicas concernente ao meio ambiente, incluindo a informação sobre materiais perigosos e atividades em suas comunidades, e a oportunidade de participar nos processos de tomada de decisão. Os Estados devem facilitar e encorajar a consciência e participação pública tornando a informação amplamente disponível. O acesso efetivo a procedimentos judiciais e administrativos, incluindo emendas e recursos, devem ser

114

providenciados.” (Declaração sobre Meio ambiente e Desenvolvimento, 1992 apud Ebesson, 1999, p. 53)

A Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental em um Contexto

Transfronteiras, conhecida como “Convenção da AIA” ou “Convenção de Espoo”,

realizada em 1991, obriga as partes a assegurar a participação pública e o acesso à

informação. Esta convenção manifesta que a participação pública é conceitualmente

uma parte da AIA, e que nenhuma oportunidade para o público participar significa que

não existe AIA. A participação pública não beneficia somente a proteção do meio

ambiente, mas também adiciona legitimidade à decisão ambiental. Por isso os

procedimentos deveriam ser transparentes com relação à informação mantida pelas

autoridades das partes interessadas.

Segundo o EIA Centre (1995), a consulta com autoridades, estados e países

vizinhos quando são feitas propostas de desenvolvimento que possam afetar seus meios

físicos, biológicos e sócio-econômicos é um fato claramente justificável. Mas,

infelizmente, isso não ocorre sempre, apesar da provisão para esse tipo de consulta,

estabelecida pela referida Convenção (Convenção de AIA). Isto requer o

estabelecimento de um tipo de procedimento de AIA que permita as mesmas

oportunidades para a participação pública, tanto no país adjacente como no país em que

o projeto proposto será localizado.

As principais técnicas para promover o envolvimento e a participação pública na

AIA são apresentadas pelo EIA Centre (1995), da Universidade de Manchester. As

vantagens e desvantagens de cada técnica são apresentadas a seguir:

• Questionários e pesquisas – estas técnicas têm o objetivo de determinar as atitudes e

opiniões públicas sobre várias questões, através de um processo de questionamento

estruturado, realizado pelo proponente. Para evitar a interpretação errada das

respostas, a pesquisa deve ser planejada cuidadosamente, para assegurar que os

indivíduos pesquisados representem devidamente a comunidade como um todo. As

desvantagens do método são a alta demanda de pessoal e a ausência de um diálogo

em duas vias.

• Anúncios – anúncios públicos descrevendo os detalhes do projeto e as questões

envolvidas podem ser colocados em locais acessíveis (por exemplo, livrarias,

centros recreativos). Eles fornecem um meio rápido, fácil e de baixo custo para

115

informar uma grande parte da comunidade e pode em geral avisar sobre outras

atividades de participação. Porém, a quantidade de informação que pode

efetivamente ser comunicada é limitada e não dá oportunidade a retroalimentação

por parte do público.

• Panfletagem – folhetos, panfletos e pacotes de informação podem ser distribuídos ao

público em geral, sendo um método rápido e fácil de fornecer informação geral. Esta

informação deveria ser breve mas deveria incluir um sumário do projeto, as questões

envolvidas e detalhes de outras atividades de participação (com números de telefone

e endereços). O fluxo de informação em uma via pode estar sujeito a

tendenciosidades ou interpretação errada por parte do público em geral.

• Uso da mídia – a cobertura através de jornais, televisão e rádio são métodos

efetivos e não muito dispendiosos para alcançar uma grande parcela da

comunidade. Este método sozinho não fornece uma retroalimentação para o

proponente e também é restringido pela quantidade de informação que pode ser

disponibilizada para o público através de cada meio da mídia.

• Exposições e exibições – estas técnicas empregam a comunicação visual de

informação para educar e informar o público. Quando realizadas em locais

acessíveis elas fornecem um meio de baixo custo para alcançar um grande número

de pessoas, que de outra forma, podem falhar em participar em um programa de

participação pública. As exposições deveriam basear-se em fotografias, mapas e

diagramas em vez de textos para permitir uma fácil comunicação. Um diálogo em

duas vias somente é facilitado através de pessoal preparado ou por outros meios de

participação.

• Visitações públicas (Open houses) – estas visitações deveriam ser promovidas em

um local dentro da comunidade onde o público possa assistir a exposições, fazer

perguntas e discutir questões com o pessoal do projeto. A natureza informal desta

participação pode atrair indivíduos que podem ser dissuadidos a comparecer a

reuniões públicas mais formais. Os problemas associados a este método incluem o

alto custo de fornecer pessoal para receber uma retroalimentação (feedback) do

público e discutir as questões relevantes.

• Linha telefônicas (‘hot lines’) – números telefônicos que são alocados para uso do

público em geral permite a colocação de perguntas ou comentários sobre os

116

diferentes aspectos do projeto. O mérito deste método está na acessibilidade a todos

os indivíduos que possuem telefone, fazendo dele um meio apropriado quando o

público está largamente distribuído em áreas remotas. Porém, este método depende

de pessoal instruído, com habilidades de comunicação efetivas, e também incorre

em custos mais altos do que outros métodos de receber realimentação.

• Contato pessoal – este meio envolve discussões diretas entre o pessoal do projeto e

indivíduos que estão particularmente interessados nos efeitos do projeto. A íntima

interação pessoal permite que informação complexa e detalhada seja explicada e

discutida. Porém, este método consome tempo, por isso muitas pessoas interessadas

podem não querer participar.

• Equipe de ligação com a comunidade (community liaison staff) – este tipo de

equipe consiste em empregados do proponente que se ligam a membros da

comunidade para fornecer informação a eles e reduzir as interpretações erradas dos

compromissos feitos seja pelo proponente ou pela comunidade. Esta equipe precisa

ter boas habilidades de comunicação e um entendimento claro dos detalhes do

projeto. Podem surgir problemas quando a comunidade está amplamente distribuída

ou é composta por vários grupos étnicos/culturais.

• Comitês consultivos da comunidade – consistem em membros do público que

representam o resto da comunidade. Eles aconselham o proponente sobre o projeto e

se comunicam com o resto da comunidade. Um diálogo efetivo em duas vias pode

ser estabelecido cedo dentro do processo de planejamento e deveria demonstrar a

disposição do proponente em trabalhar com a comunidade. Este método depende de

um grupo que represente uma gama completa de interesses e tenha comunicação

regular com o público para assegurar a participação efetiva.

• Apresentações para grupos – são apresentações dadas pelo proponente a grupos

específicos da comunidade. Elas permitem que o proponente focalize questões

específicas relevantes à audiência e escolha um nível apropriado de detalhe. Uma

discussão depois da apresentação permite uma retroalimentação e previne a

interpretação errada da informação. Nestas reuniões, a cobertura restrita de todas as

questões pode impedir o público de receber uma visão geral realista do projeto.

• Seminários (workshops) – este é o meio mais efetivo para discussão e identificação

de soluções para problemas, para identificar o escopo dos impactos potenciais e

117

criar outros planos de ação. Porém, ele é limitado pelo uso de grupos pequenos de

representantes da comunidade e requer uma organização extensiva pelos

proponentes, o que pode torná-los caros.

• Reuniões públicas – estas reuniões requerem que o proponente faça uma

apresentação descrevendo o projeto e as questões relevantes, que é então seguida de

uma sessão de perguntas e respostas. Deveriam ser realizadas em um local central e

de fácil acesso para a comunidade. As reuniões públicas são relativamente baratas.

A informação fornecida pelo proponente deveria ser simples, para ser comunicada a

uma ampla seção da sociedade, de outra forma a discussão pode falhar em beneficiar

o proponente ou o público.

• Audiências públicas e inquéritos – as audiências são mais formais do que as

reuniões públicas e são vistas como o método tradicional de participação pública em

muitas jurisdições. No entanto, muitos indivíduos não estão dispostos a expressar

suas opiniões em um ambiente tão formal onde a discussão é altamente estruturada.

Estes métodos também consomem tempo e são caros para todas as partes que

desejam apresentar suas opiniões. Apesar disso, elas fornecem uma oportunidade

para a comunicação em duas vias.

As técnicas apresentadas acima possuem vantagens e desvantagens quando usadas

em diferentes circunstâncias nacionais e em diferentes etapas do processo de AIA. É

preciso atingir um equilíbrio entre os benefícios positivos da consulta e participação

pública na melhoria dos impactos das ações, e alcançar um consenso sobre os resultados

ambientais e os custos financeiros e tempo envolvidos. O ponto de equilíbrio varia entre

os sistemas de AIA e com o tempo, mas a tendência em direção a uma consulta e

participação mais efetivas é indiscutível.

A escolha da técnica deveria ser obviamente apropriada à etapa do processo de AIA

para o qual ela é empregada. Por exemplo, uma audiência pública pode ser apropriada

imediatamente após a tomada de decisão, e é muito improvável que seja apropriada para

a etapa de triagem (screening). Na prática, muitas jurisdições deixam os tomadores de

decisão e proponentes à vontade na escolha das metodologias de consulta e

participação.

A escolha da técnica de participação também deve ser apropriada à sociedade no

meio da qual o projeto proposto será localizado. Por exemplo, o tamanho e o estilo das

118

reuniões públicas em áreas rurais de países em desenvolvimento pode ser muito

diferente daquelas de países industrializados. O Banco Mundial reconhece que as

técnicas de participação pública utilizadas nos países desenvolvidos podem não ser

sempre apropriados aos países em desenvolvimento. “Em alguns casos, particularmente

na África, o Banco tem recomendado que consultores e agências complementares

trabalhem por intermédio de instituições e líderes tradicionais locais de tomada de

decisão para disseminar informação.” (World Bank, 1993, p.2)

As provisões e a prática com relação à consulta, e particularmente à participação

pública, são fortemente influenciadas pela cultura, pelo nível educacional e pelo sistema

político de cada jurisdição. Portanto, a prática da participação pública em países Anglo-

saxões e no nordeste da Europa pode diferir daquela que existe nos países

mediterrâneos, em economias em transição e nos países em desenvolvimento.

A participação pública nos sistemas de AIA em países em transição é em geral

insuficientemente desenvolvida por causa da pouca tradição da participação na tomada

de decisão (por exemplo, na Polônia). Em alguns países, porém, pode existir uma ampla

série de provisões relativas à participação pública, mas que não funcionam

eficientemente na prática (por exemplo, na República Eslovaca). Nesses países, a

consulta com as agências ambientais, que muitas vezes não possuem pessoal adequado,

pode ser um procedimento relativamente freqüente.

Em muitos países em desenvolvimento pode ocorrer o mesmo, sendo que a falta de

experiência pode ser exacerbada pela falta de conhecimento sobre a AIA, pela

confidencialidade dos relatórios de impacto ambiental, pela falta de cultura de

participação, e algumas vezes por baixos níveis de alfabetização. Na verdade, a noção

ocidental de participação pública na tomada de decisão relativa a projetos pode ser

totalmente estranha em alguns países em desenvolvimento, embora tenham sido

desenvolvidas abordagens para essa participação em muitas sociedades tradicionais

(EIA Centre, 1995).

Segundo Palerm (1999), as mudanças pelas quais tem passado a legislação de AIA

na Hungria mostram uma melhoria em direção a maiores oportunidades de participação

pública, e em alguns aspectos superam as da União Européia. Talvez devido à ausência

de ONGs bem estabelecidas e consulta voluntária tem havido uma maior urgência em

criar mecanismos formais para assegurar níveis de participação mínimos.

119

4.2 A educação pública para o processo de AIA

Para Sinclair e Diduck (2001), a participação pública em Avaliação Ambiental tem

sido vista como um meio de fornecer informação para melhorar a tomada de decisão por

parte do governo e proponentes, ou como um meio de ajudar a assegurar que o projeto

seja aceitável para o público antes que ele seja implementado. No entanto, programas

de envolvimento público têm sido descritos, na melhor das hipóteses, como tentativa

(Diduck e Sinclair (1997). Para Schibuola e Byer (1991) apud Diduck e Sinclar (1997),

o envolvimento público em AIA é freqüentemente inadequado por causa da falta de

conhecimento sobre o processo de AIA.

Lenny (1876) apud Sinclair e Diduck, (1995) argumenta que o envolvimento

público contribui para o sucesso do processo de tomada de decisão administrativa da

seguinte maneira:

• O envolvimento público ajuda a impedir a ‘captura’ do órgão da administração

pública pela indústria ou setor que está sendo regulamentado, e tende a produzir

decisões mais equilibradas;

• Como a administração pública deve ser justa, é necessário envolver o público de

forma que outras preocupações que não sejam a da indústria/setor sejam ouvidas, e

para que sejam expressados interesses tradicionalmente não representados;

• O aumento do envolvimento público promoverá a confiança pública no processo;

• O aumento do envolvimento e do escrutínio público encoraja a eficiência e a

produção de políticas e decisões que correspondam às necessidades do público;

• a ameaça de apelo ou revisão colocada pelos interventores do interesse público pode

gerar uma maior responsabilidade;

• a capacidade de o público intervir desafia ações/decisões ilegais ou inválidas antes

que elas entrem em vigor.

Uma grande série de técnicas de envolvimento público e uma variedade de

taxonomias de envolvimento tem sido listada e descrita. Praxis (1988) apud Sinclair e

Diduck (1995) apresenta um amplo inventário classificado de acordo com o grau de

envolvimento público inerente a cada técnica, conforme mostrado no Quadro 3.

120

Quadro 3 - Técnicas para o envolvimento público Taxonomias de envolvimento Técnicas Informação/educação pública: o uso da disseminação de informação e instruções gerais para criar uma consciência sobre o processo de AIA e assuntos relacionados

Anúncios Debates/eventos Conferências Liberações de notícias Programas de treinamento de cidadãos Exposições/apresentações Suplementos em jornais

Publicações Relatórios Brochuras Mala direta Boletins informativos Pré-estréias políticas Publicidade

Retroalimentação de informação: a distribuição de informação sobre uma posição política e a solicitação da contribuição pública a respeito dessa posição

Análise de dados do envolvimento público Perfis sociais ou da comunidade Questionários

Entrevistas Votações Submissões escritas Participação através de computador

Consulta: o uso de comunicação em duas vias com base em objetivos inicialmente estabelecidos e mutuamente aceitos

Painéis Reuniões e audiências públicas

Brainstorming Delphi

Envolvimento extendido: é dada ao público uma voz na tomada de decisão de forma que ele tenha influência sobre a decisão

Comitês consultivos Forças-tarefa

Etc.

Planejamento conjunto: tomada de decisão compartilhada, isto é, processo onde o público concorda com a decisão

Arbitragem Negociação

Conciliação Mediação Etc.

Fonte: Praxis (1988) apud Sinclair e Diduck (1995)

Já Westman (1985) apud Sinclair e Diduck (1995) propõe uma estrutura de

classificação fundamentada na extensão pela qual cada técnica fornece poder para o

público a respeito da decisão final (Quadro 4).

As avaliações do envolvimento público focalizam invariavelmente a quantidade de

poder dada ao público no processo de tomada de decisão. Argumenta-se que para ser

efetivo, eficiente e justo, o processo de envolvimento público deveria permitir um grau

maior de poder dos cidadãos na tomada de decisão. Contudo, tem sido ignorado que,

para alcançar graus mais altos de poder dos cidadãos, os mesmos precisam ter um firme

entendimento do processo de tomada de decisão do qual eles fazem parte, e que uma

transferência efetiva de poder requer uma transferência efetiva de conhecimento

(Sinclair e Diduck, 1995).

Para Grima (1983) apud Sinclair e Diduck (1995), a educação é um componente

integral do envolvimento público. Contudo, a educação pública como parte do

envolvimento público tem focalizado quase que exclusivamente o projeto e ignorado o

processo de AIA. A educação a respeito do processo de AIA é, pelos menos em parte,

121

uma forma de educação e informação legal pública, de modo que ela lida com

legislação e regulamentações de AIA, políticas de governo, audiências públicas, e

procedimentos administrativos.

Quadro 4 - Inventário de técnicas de envolvimento público Técnicas Poder público na tomada

de decisão Vantagens Desvantagens

Informação Apresentações de slides ou filmes, kits de informação, informes em jornais, notícias, etc.

Nenhum Informativo; rápido Nenhuma retroalimentação; sujeito a influências

Consulta Audiências públicas, ombudsman ou representante, etc.

Baixo Permite comunicação em duas vias; permite discussão limitada

Não permite comunicação contínua; consome tempo

Planejamento conjunto Comitê consultivo, workshop estruturado, etc.

Moderado Permite entrada e retroalimentação contínuas; aumenta a educação e o envolvimento público

Consome tempo; dependente da informação fornecida por planejadores

Delegação de Autoridade conselho de revisão pública, comissão de planejamento público

Alto Permite um melhor acesso a informação relevante; permite um maior controle sobre as opções e o tempo da decisão

Comprometimento a longo prazo; difícil de incluir ampla representação em um conselho pequeno

Fonte: Westman (1985) apud Sinclair e Diduck(1995)

O termo educação não é usado estritamente no sentido pedagógico, mas de um modo

mais informal que inclui disseminação da informação, práticas de comunicação

variadas, bem como metodologias pedagógicas formais. O conceito refere-se à educação

como o uso da disseminação de informação e instrução geral para estimular o

conhecimento sobre o processo de AIA e assuntos relacionados (Praxis,1988 apud

Sinclair e Diduck, 1995).

A base lógica para a educação e informação legal pública pode ser resumida da

seguinte maneira:

• A sociedade como um todo sofre porque muitos cidadãos não participam ativamente

da criação das leis e do sistema jurídico;

• Grupos específicos de pessoas e indivíduos sofrem porque eles não entendem a lei e

o sistema jurídico e não entendem leis específicas que afetam suas vidas;

• A educação e informação podem capacitar as pessoas a participarem mais

ativamente e efetivamente da criação das leis e do sistema jurídico;

122

• As pessoas que são instruídas sobre a lei serão mais capazes de proteger seus

direitos e cumprir suas responsabilidades sob a lei do que aquelas que não são;

• A informação sobre a lei e o sistema jurídico atualmente não está acessível de

forma adequada para informar a maioria das pessoas (Alderson, 1992 apud Sinclair

e Diduck, 1995).

Thompson (1989) apud Diduck e Sinclair (1997) sumariza as razões para a

educação legal pública de uma maneira um pouco diferente:

• A consciência legal cria uma sociedade mais disciplinada e em conformidade com a

lei;

• O conhecimento legal facilita o reconhecimento de problemas legais quando e se

eles ocorrem, o que permite os indivíduos buscarem a assistência profissional

apropriada;

• O conhecimento dos cidadãos acerca da lei e o acesso a serviços legais são

essenciais para o funcionamento de uma sociedade democrática e eqüitativa; e

• A consciência da lei habilita cidadãos que estão em desvantagem social e

economicamente, capacitando-os a desempenhar um papel mais ativo dentro do

processo político.

Segundo Sinclair e Diduck (1995), no Canadá, embora a educação seja um pré-

requisito para níveis avançados de envolvimento público e exista uma forte razão para a

educação em avaliação de impactos ambientais, a educação pública tem sido

amplamente ignorada nos processos de AIA. Os autores sugerem uma lista ampla das

atividades potenciais que poderiam facilitar a educação pública (Quadro 5), e avaliar

este componente nas práticas, políticas e legislação de AIA existentes.

Das técnicas potenciais para promover a educação pública no Canadá, mostradas no

Quadro 5, algumas parecem ser mais promissoras para alcançar a tarefa de educar o

público sobre processos complexos de AIA. A diferença das técnicas apresentadas a

seguir em relação às técnicas apresentadas na primeira seção deste capítulo consiste em

que elas podem ser empregadas visando o processo de AIA, e não apenas o projeto.

• Programas de treinamento de cidadãos/palestras/seminários – Técnicas que

fornecem um componente interativo, por exemplo, seminários (workshops) terão

resultados mais efetivos. As pessoas aprenderão não somente a partir da informação

123

que é comunicada e elas, mas também das perguntas que outros fazem. Os

participantes são três vezes mais dispostos a perguntar questões sobre material

escrito se ele é apresentado em forma de aula em vez de sem nenhuma apresentação.

Quadro 5 - Lista das técnicas de educação pública para AIA Áudio/visual Serviços diretos/individualizados Filmes Mala direta Apresentação de slides Linha telefônicas Vídeos Registros públicos Métodos baseados em computador Assistência técnica Acesso a dados eletrônicos E-mail direto Sistemas baseados em conhecimento Educação formal Apresentações de filmes Integração no currículo existente Mídia Discussão em programas de alfabetização Anúncios Publicações Circular de notícias Panfletos Chamadas em televisão Livros cômicos Conversas através de rádio Artigos Entrevistas Cartas para o editor Cobertura das audiências Boletins informativos Conferências de notícias Relatórios Reuniões/eventos públicos Manuais Conferências Cartazes Debates Fotonovelas Exposições/apresentações Encartes em jornais Palestras Legislação em linguagem simples Visitações públicas (open houses) Kits de informação Painéis Notícias Programas de treinamento dos cidadãos Visitas organizadas a audiências Exercícios de simulação Seminários (workshops) Fonte: Modificado de Sinclair e Diduck (1997)

• Audiências simuladas, ou visitas a audiências reais, também farão com que as

pessoas fiquem mais à vontade com o processo e com o seu lugar dentro dele, além

de serem técnicas estabelecidas e bem sucedidas no campo legal. Os principais

problemas com esta técnica são o custo, o consumo de tempo, e o fato de alcançar

provavelmente uma porção limitada do público.

• Visitações públicas (open houses) – as visitações públicas há longo tempo têm sido

parte da AIA e provavelmente continuarão a ser. Embora seu uso na educação do

processo de AIA possa ser limitado, comparada com seu uso na educação ‘do

projeto’, há uma clara oportunidade para proporcionar ao público uma

fundamentação adicional em AIA através destes eventos. A maior desvantagem

desta abordagem é o ar de hostilidade que geralmente cerca estas visitações e

124

geralmente as partes têm pouca paciência para discussões que não são relacionadas

ao projeto. Em grande parte por esta razão as visitações públicas ocorrem

geralmente muito tarde para discussões sobre o processo de AIA. Além disso, as

visitações públicas geralmente têm oferecido um tempo limitado para o

questionamento.

• Uso de Linguagem simples – proporcionar uma legislação com linguagem clara e

simples auxilia muito as pessoas no seu entendimento do processo e faz com que

elas sintam-se como parte dele. Embora certos grupos tenham discutido a

necessidade da linguagem simples em documentos e legislação por anos, tem havido

pouco desenvolvimento a esse respeito. Os impedimentos principais parecem ser a

não disposição para aceitar a idéia de que conceitos complexos possam ser

expressos em termos simples, e uma inércia geral de parte das instituições legais e

do governo com relação à mudança de qualquer tipo.

• Linhas telefônicas – As linha telefônicas têm se tornado uma técnica muito popular

no provimento de informação e educação pública. Muitas municipalidades têm

linhas telefônicas para informação sobre a redução de resíduos, re-uso e programas

de reciclagem. Grupos ambientais fazem uso desta técnica assim como organizações

de educação legal pública. Existem linhas telefônicas para dar informação legal por

todo o Canadá e são usadas extensivamente porque são convenientes, gratuitas e

anônimas. O custo é a maior desvantagem desta técnica porque é preciso pessoal

para operar as linhas.

• Publicações – materiais escritos, prontamente disponíveis, oferecem um modo

efetivo e de custo-eficiente de proporcionar a educação. A informação escrita sobre

o processo de Avaliação de Impacto Ambiental e a participação dentro desse

processo é essencial para desmistificar a AIA. Além da desvantagem óbvia da

necessidade das pessoas serem capazes de ler e interpretar materiais escritos,

precisa ser fornecido um serviço de informação para responder questões que

poderiam surgir.

• Vídeo/filme – um vídeo ou filme a respeito do processo de AIA seria um meio

efetivo de educação. Embora este possa ser um modo agradável, divertido e custo-

efetivo para aprender, precisa também ser auxiliado com um serviço de informação

para responder à questões levantadas pelo filme.

125

• Participação baseada em computador – os sistemas baseados em conhecimento

proporcionam uma grande oportunidade para educar o público tanto no processo de

AIA como e na avaliação dos relatórios de impacto ambiental. Schibuola e Byer

(1991) apud Sinclair (1995) estabelecem a utilidade desta técnica para facilitar um

melhor entendimento da avaliação do relatório de impacto ambiental, que pode ser

estendida para todo o processo de AIA. Esta técnica também oferece a oportunidade

para as pessoas aprenderem na privacidade de suas próprias casas. As desvantagens

óbvias são que muitas pessoas ainda não dominam computadores e não tem pronto

acesso a eles, como também o programa de computador é capaz somente de lidar

com uma simulação que pode deixar muitas questões não respondidas.

Dentre as técnicas analisadas anteriormente não existe uma única que proporcione a

solução perfeita para facilitar a educação pública. Por exemplo, para fornecer uma

experiência de aprendizagem ótima seria necessário uma combinação de opções que

poderia incluir a distribuição de um folheto sobre o processo de AIA, seguido de um

seminário onde os facilitadores utilizam um vídeo no início de suas discussões, seguido

de um jogo de simulação e uma sessão de perguntas e respostas. Obviamente existem

várias combinações possíveis a partir das técnicas citadas no Quadro 5, sendo que a lista

em si destaca as técnicas mais úteis para educação.

Em termos de quem poderia facilitar a educação na AIA, há várias possibilidades. O

governo desempenha um papel importante assegurando que exista pelo menos algum

material de educação pública disponível a respeito da legislação. Este material poderia

posteriormente ser desmistificado através de reuniões, seminários, etc.. A delicada

tarefa de prover educação para os tomadores de decisão que participam do processo

pode ser realizada através do oferecimento de cursos, através de universidades, por

exemplo.

Existe atualmente um movimento para tornar a AIA mais efetiva, eficiente e justa, e

para tornar a lei mais acessível e compreensível para o público ao qual ela se aplica. É

necessário que maiores oportunidades sejam oferecidas para o público ser educado no

processo de AIA, para que ocorram benefícios para os participantes, e para que no longo

prazo, o custo de realização de audiências para o envolvimento público seja

substancialmente reduzido.

126

4.3 A educação crítica e a aprendizagem dentro do processo de AIA

Em países desenvolvidos como o Canadá, alguns autores buscam o auxílio de

modelos teóricos e metodologias formais para explicar como a participação pública se

desenvolve e pode ser aprofundada dentro do processo de AIA.

Sinclair e Diduck (2001) apontam para a crescente literatura produzida nos últimos

anos sobre as dimensões educação e aprendizagem no envolvimento público em AIA.

Segundo estes autores, tem sido sugerido que a investigação destas dimensões poderia

iluminar questões vitais para o gerenciamento de recursos tais como resoluções de

conflito entre os atores, aprendizagem social no desenvolvimento de políticas e a busca

de objetivos sociais de sustentabilidade.

Diduck e Sinclair (1997) desenvolveram a estrutura conceitual de uma educação

crítica para avaliação ambiental durante um estudo que explorava a educação e

aprendizagem dentro do contexto de uma avaliação de impacto ambiental de um projeto

de desenvolvimento no Canadá. Neste estudo foram identificadas correlações de

importância variada entre algumas variáveis:

• Número de leitores de documentos que apresentavam uma posição favorável ao

desenvolvimento (pró-desenvolvimento);

• Entendimento da posição pró-desenvolvimento;

• Entendimento do processo de avaliação ambiental;

• Pensamento crítico em relação à posição pró-desenvolvimento;

• Se o participante estava ou não envolvido em audiências públicas; e

• O nível de envolvimento nas audiências públicas.

Em uma análise posterior, Sinclair e Diduck (1999) adotaram a abordagem de

educação crítica de Paulo Freire, sugerindo variáveis adicionais que podem ser

importantes no processo:

• Entendimento e pensamento crítico em relação a posições que se opõe à posição

dominante (pró-desenvolvimento);

• Entendimento e pensamento crítico em relação a posições opostas;

• Qualidade do envolvimento público nas audiências públicas e em outros aspectos do

processo de avaliação ambiental;

127

• Entendimento e pensamento crítico em relação a interesses e estruturas subjacentes

às posições apresentadas no caso;

• Diálogo e cooperação entre participantes com interesses semelhantes; e

• Esforços para efetuar uma mudança pessoal e social.

As variáveis acima compõem a estrutura conceitual da educação crítica em avaliação

ambiental, a qual pode ser aplicada a outros processos de gerenciamento de recursos

que incluam o envolvimento público e tenham como alvo o desenvolvimento

sustentável. Diduck (1999) desenvolve ainda mais esta estrutura, considerando de

forma mais completa os processos de aprendizagem de adultos e as formas de

conhecimento mais compatíveis com a mudança social para um futuro sustentável.

A educação crítica tem como objetivo facilitar o surgimento de uma consciência

crítica e o desenvolvimento de habilidades e competências relacionadas à ação social.

Embora tenha sido criticada por, entre outras coisas, negligenciar questões de gênero,

fiar-se em concepções simplistas de poder e omitir o contexto social, a educação crítica

tem inúmeros defensores e tem sido aplicada à dimensão ambiental tanto em níveis

teóricos quanto em estudos empíricos, para a educação formal de jovens e educação

não formal de adultos (Diduck e Sinclair, 1997).

O modelo de educação crítica descrito por Diduck (1999) é um modelo de educação

não formal para adultos e destaca o método de educação crítica desenvolvido por Paulo

Freire (1970) (apud Diduck, 1999) e a teoria da aprendizagem transformadora proposta

por Mezirow (1981) (apud Diduck (1999).

Segundo Diduck (1999), as implicações metodológicas da educação crítica de Freire

têm recebido uma atenção considerável na literatura. Freire tem uma visão da educação

como uma interação social que pode capacitar ou domesticar o aprendiz. Ele incentivou

o diálogo democrático que muda o centro do processo de aprendizagem do facilitador

(ou professor) para o aprendiz. No método Freireano (sumarizado no Quadro 6), o

facilitador propõe problemas críticos para indagação, relacionados a características

importantes da experiência do aprendiz. Isto permite aos participantes ver sua

linguagem e pensamentos e refletidos no curso do estudo. A abordagem dialógica

incentiva os aprendizes a pensar criticamente sobre o assunto que está sendo discutido,

doutrinas relacionadas, o processo de aprendizagem em si e sobre a sociedade. Isto

também desafia os aprendizes e facilitadores a se capacitarem para a mudança social e

128

avançar em democracia e igualdade. Isto corre através da prática, em um ciclo de ação-

reflexão-ação.

Quadro 6 - Descritores do método Freireano Descritores Definições conceituais Participativo Os participantes estão envolvidos em construir a sua própria educação Multi-cultural A diversidade cultural da sociedade é reconhecida e aceita Situado no participante O conteúdo do ‘curso’ é situado no pensamento e linguagem dos participantes Crítico A discussão encoraja a auto-reflexão e a reflexão social Democrático O discurso é construído mutuamente tanto pelo facilitador quanto pelo

participante Dialógico O formato básico é baseado no diálogo sobre problemas colocados no ambiente

da sala de aula Orientado para a pesquisa O facilitador pesquisa a linguagem, comportamento e desenvolvimento

cognitivo dos participantes, enquanto que os participantes pesquisam os problemas colocados em classe

Ativista A classe é ativa e interativa Afetivo O diálogo está interessado no amplo desenvolvimento da intuição e da

sensibilidade humanas Confiante na prática O processo fia-se no ciclo de aprendizagem ação-reflexão-ação Fonte: Adaptado de Diduck (1999)

Em seu modelo para educação crítica, Diduck (1999) destaca também a teoria da

aprendizagem transformadora de Mezirow (1981), a qual focaliza o processo de

aprendizagem e acomoda o contexto social no qual a aprendizagem ocorre, para tentar

explicar como os adultos aprendem. 16

A aprendizagem transformadora descreve um processo através do qual os indivíduos

melhoram sua competência instrumental e comunicativa e desenvolvem quadros de

referência mais funcionais. Competência instrumental refere-se a aprender como

controlar ou manipular o ambiente, isto é, como lidar com o mundo externo.

Competência comunicativa envolve tentar entender o que alguém quer dizer quando ele

se comunica com você. Isto ajuda o aprendiz a negociar significados, intenções e

valores, em vez de meramente aceitar aqueles de outros. Um quadro de referência

consiste de duas dimensões: uma significando perspectivas (amplas predisposições

psicológicas, sócio-culturais e epistêmicas); e outra significando esquemas mentais

(crenças, sentimentos, atitudes e julgamentos de valor específicos). Os quadros de

referência são mais funcionais quando eles se tornam mais inclusivos, diferenciadores,

criticamente reflexivos e quando integram experiências pessoais.

16 O sistema de conceitos, valores, hábitos, etc. a partir do qual se avalia um conjunto de dados, informações, idéias, etc. (Dicionário Aurélio, 1999).

129

As transformações em quadros de referência ocorrem através da reflexão crítica

sobre as suposições subjacentes aos vários elementos da dimensão perspectiva ou da

dimensão esquema mental. As transformações mais significativas, que geralmente são

desencadeadas por um dilema desorientador ou uma série de transições menores, ocorre

quando os elementos da dimensão perspectiva são transformados através da auto-

reflexão crítica. A auto-reflexão crítica com relação a pressuposições sócio-culturais

(tais como normas sociais, ideologias e filosofias) pode envolver uma crítica de formas

sociais alienantes, podendo resultar em uma ação social coletiva.

De acordo com Diduck (1999), o modelo de educação crítica descrito acima poderia

ajudar os participantes da AIA a aumentar o entendimento sobre a avaliação de

impactos ambientais, além de analisar os interesses básicos dos indivíduos e grupos

envolvidos nesse processo. A revelação desses interesses poderia aumentar o

entendimento sobre as estruturas sócio-econômicas subjacentes, as quais podem ou não

ser compatíveis com as necessidades, valores e ideais dos vários participantes do

processo de AIA.

A identificação e análise dos interesses básicos também capacitam os participantes

da AIA a avaliar os discursos pró-desenvolvimento e apresentar contra-discursos

eficazes. Tais contra-discursos poderiam cobrir uma série de disciplinas e tópicos, entre

eles uma descrição da cooperação entre as comunidades e modelos alternativos de

desenvolvimento econômico. Além disso, o modelo poderia incluir a aprendizagem

sobre como iniciativas locais podem afetar a mudança nas instituições e estruturas de

poder existentes.

Outros autores, como Webler et al. (1995), ilustram como a perspectiva da

aprendizagem social pode ser usada para contribuir para a avaliação e melhoria de um

programa de participação pública em AIA. Quando os cidadãos envolvem-se na busca

de soluções mutuamente aceitáveis para um projeto ou problema que afeta a sua

comunidade e suas vidas pessoais, eles amadurecem tornando-se cidadãos democráticos

e responsáveis e reafirmam a democracia. Para os autores, esse fenômeno pode ser

descrito em um nível societário através do termo aprendizagem social.

Reconhecem-se dois componentes gerais da aprendizagem social: o melhoramento

cognitivo e o desenvolvimento moral. O melhoramento cognitivo significa muito mais

130

do que um ganho em competência técnica. O melhoramento cognitivo é a aprendizagem

– a aquisição do conhecimento, e inclui:

• aprendizagem sobre o estado do problema (informação e conhecimento);

• aprendizagem sobre as soluções possíveis e as suas conseqüências (relações causa e

efeito, predições, etc.)

• aprendizagem sobre os interesses e valores de outras pessoas e grupos (informação,

explicação);

• aprendizagem sobre os próprios interesses pessoais (reflexão);

• aprendizagem sobre métodos, ferramentas, e estratégias para comunicar bem e

alcançar um acordo (retórica, teoria da decisão e interação em grupos pequenos);

• prática do pensamento holístico e integrativo.

O desenvolvimento moral é um termo que salienta como os indivíduos tornam-se

capazes de fazer julgamentos sobre o certo e o errado. Quando as pessoas agem

moralmente, deixam de lado suas demandas egoísticas e agem para o bem de todos. Na

participação pública, isto inclui:

• desenvolvimento de um senso de auto-respeito e responsabilidade para si mesmo e

para com outros, indiferentemente de como estes possam impactar os interesses ou

valores pessoais dos outros, e agir de acordo;

• ser capaz de considerar a perspectiva dos outros;

• desenvolver habilidades para o raciocínio moral e resolução de problemas que

capacite as pessoas a resolver os conflitos à medida que eles surgirem;

• desenvolver o senso de solidariedade com o grupo (fazer dos interesses coletivos o

próprio interesse);

• aprender como integrar novo conhecimento cognitivo dentro da própria opinião

quanto à escolha preferida; e

• aprender como cooperar com outros na resolução de problemas coletivos.

De acordo com Webler et al. (1995), para uma participação pública ser bem

sucedida, ela tem de lidar com a tendência das pessoas desejarem perseguir objetivos

egoísticos antes de objetivos coletivos, e tem de contribuir de uma maneira positiva para

a qualidade democrática de nossas sociedades, e a aprendizagem social é um conceito

que pode auxiliar a participação pública a encontrar esses fins.

131

4.4 Os Mecanismos de Participação Pública propostos no Brasil

De acordo com IBAMA (1995), a prática participativa implica na administração dos

conflitos que surgem das divergências de interesse entre os atores sociais envolvidos no

processo de Avaliação de Impacto Ambiental. Os princípios básicos estabelecidos

pela lógica da negociação orientam as possibilidades de ampliação dos espaços

participativos na AIA.

A Audiência Pública é o único mecanismo de participação pública previsto na

legislação ambiental brasileira para o processo de AIA. A experiência acumulada, desde

a aprovação da Resolução CONAMA nº1/86, demonstra que a Audiência Pública tem

sido pouco explorada na prática da AIA e que, por si só, não é capaz de efetivar a

participação social no processo de tomada de decisão quanto ao licenciamento

ambiental de atividades modificadoras do meio ambiente.

É necessária a inclusão de outros mecanismos institucionalizados de participação

social desde o início do processo de Avaliação de Impacto Ambiental, com a adoção de

novos parâmetros para orientar: (i) a relação entre o órgão de meio ambiente e o

empreendedor, desde o momento em que este procura informações sobre o

licenciamento ambiental até a desativação do empreendimento; (ii) a rede de relações

entre o órgão de meio ambiente e os demais atores sociais (empreendedor, equipe

multidisciplinar, grupos de apoio técnico, sociedade afetada, etc.), nas diferentes fases

do processo de AIA.

Com a inserção de outros mecanismos participativos no processo de Avaliação de

Impacto Ambiental, a Audiência Pública passaria a representar o arremate do processo

de elaboração do EIA/RIMA. Esse processo deve culminar com o estabelecimento de

soluções compartilhadas por todos os atores sociais envolvidos e a co-responsabilização

no acompanhamento e monitoramento dos impactos resultantes dos empreendimentos.

Os novos mecanismos de participação pública no processo de AIA sugeridos

pelo IBAMA (1995) são os seguintes:

1) Grupo de Trabalho - formalizado e coordenado pelo órgão ambiental licenciador,

com a função de compartilhar responsabilidades em diferentes fases do processo de

AIA:

• elaboração de Termos de Referência para orientar a elaboração do EIA/RIMA ou

132

documento técnico semelhante (PCA, RCA, PRAD, etc.);

• orientação à equipe multidisciplinar na elaboração do Estudo Ambiental e outros

documentos técnicos (EIA/RIMA, PCA, RCA, PRAD, etc.);

• análise dos resultados preliminares e finais do EIA/RIMA ou documento técnico

semelhante;

• acompanhamento da implementação do Programa de Acompanhamento e

Monitoramento dos Impactos Ambientais constantes do EIA/RIMA ou de

documento técnico semelhante, exigida do empreendedor na fase de licenciamento

Prévio-LP.

Esse grupo de trabalho pode ser composto por representantes de todas as instituições

interessadas no empreendimento a ser licenciado: órgãos da administração pública,

especialmente aqueles que expedem licenças de implantação de atividades; instituições

científicas e acadêmicas; entidades de classe; grupos sociais afetados; organizações não-

governamentais.

Dependendo das características do empreendimento, do seu grau de complexidade e

dos conflitos de interesse, poderão ser criados mais de um grupo de trabalho ou, ainda,

subgrupo, para aprofundamento de discussões específicas e setoriais demandadas, desde

que mantida a interação entre eles. As análises realizadas pelo grupo de trabalho devem

ser registradas em atas, pareceres, laudos, etc. e circular junto ao corpo técnico das

diferentes instituições envolvidas no processo de AIA, de forma a facilitar a

internalização e eventual sistematização dos conteúdos abordados.

2) Comitê de Assessoramento Técnico-Científico ao órgão de meio ambiente, com a

função de apoiar:

• a elaboração de Termos de Referência para orientar a elaboração do EIA/RIMA ou

documento técnico semelhante;

• a elaboração do EIA/RIMA ou documento técnico semelhante pela equipe

multidisciplinar;

• a análise dos resultados preliminares e finais do EIA/RIMA ou de outro documento

técnico semelhante;

• monitoramento dos impactos ambientais do empreendimento licenciado.

Os comitês, coordenados pelo órgão ambiental, devem ser compostos por

profissionais de diferentes áreas de conhecimento, organizados por tipologia de

133

atividade econômica, com mandato por período pré-determinado. Sua estruturação pode

ser viabilizada através de convênios ou cooperações técnicas entre o órgão licenciador e

instituições de ensino e pesquisa e órgãos da administração pública ou de contratação

direta de especialistas.

3) Grupo de Assessoramento Popular - organizado preferencialmente com o apoio

do setor de Educação Ambiental do órgão ambiental licenciador, com a função de:

• auxiliar a equipe multidisciplinar, o Grupo de Trabalho e o Comitê de

Assessoramento Técnico-científico na identificação empírica dos efeitos ambientais

esperados do empreendimento e de medidas alternativas de prevenção/correção de

efeitos negativos;

• auxiliar o órgão licenciador na análise do EIA/RIMA ou de outro documento técnico

semelhante;

• servir de elo de ligação entre o empreendedor e o órgão de meio ambiente e as

comunidades que representam, fazendo chegar até elas as informações e propostas

inerentes ao processo de licenciamento ambiental;

• fiscalizar permanentemente os efeitos ambientais do empreendimento.

Esse grupo deveria ser formado por representantes de organizações não-

governamentais interessadas e das comunidades a serem potencialmente afetadas pelo

empreendimento, em suas diferentes alternativas de localização. Poderiam ser criados

mais de um Grupo de Assessoramento Popular ou, ainda, subgrupos, para

aprofundamento de questões específicas e setoriais demandadas pelo empreendimento,

desde que mantida a interação entre eles.

4) Audiências Públicas Intermediárias - visam um escalonamento do processo de

AIA, com possibilidade de concessão de licença Prévia a empreendimentos, antes de

concluído o EIA/RIMA ou outro documento técnico semelhante exigido pelo órgão de

meio ambiente. Este mecanismo permite correções no processo, antes da Audiência

Pública final, podendo agilizar a tomada de decisão e reduzir custos, tanto para o

empreendedor quanto para o órgão ambiental. A quantidade de audiências dependeria

da complexidade do empreendimento e das necessidades detectadas pelos grupos e

comitês de assessoramento ou pela sociedade.

134

4.5 O papel das ONGs no processo de AIA

No Brasil, Dias e Sánchez (1999) destacam a importância da participação pública no

processo de avaliação de impacto ambiental (AIA), em contraposição à rigidez dos

procedimentos formais atrelados estritamente às leis e regulamentos vigentes. Através

de um estudo de caso, os autores revelam as fragilidades dos procedimentos

burocráticos adotados no estado de São Paulo para a avaliação de projetos de

mineração. A não realização de audiência pública no decorrer do processo de AIA fez

com que a discussão de um projeto de uma pedreira tenha sido aberta à participação

pública somente na etapa de decisão final, quando os aspectos questionados por

organizações não-governamentais na reunião final do CONSEMA, sobre a não inclusão

dos impactos cumulativos na avaliação, conduziram à reprovação do projeto.

Se não fosse o controle público, através das organizações não-governamentais, a

falha do controle administrativo, responsável pela revisão do EIA/RIMA, teria levado à

aprovação do projeto e a comunidade estaria exposta a mais impactos ambientais.

Também no estado de Santa Catarina existem exemplos da ação efetiva de ONGs

ambientalistas que têm impedido a realização de empreendimentos cujo potencial de

afetar negativamente o meio ambiente não foi devidamente avaliado pelos Estudos e

relatórios de impacto ambiental e pelo órgão estadual de meio ambiente. Um destes

exemplos refere-se ao projeto de construção de uma usina hidrelétrica na localidade de

Salto Pilão, que provocou uma grande polêmica entre as comunidades do Alto Vale do

Rio Itajaí-Açu e entre ambientalistas. A usina seria implantada em uma área que se

estende por três municípios: Lontras, Apiúna e Ibirama. Segundo instituições contrárias

ao projeto, entre elas a Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí (Amavi), o

empreendimento afetaria o rafting, principal atividade turística da região. Isto porque o

projeto, uma vez realizado, teria potencial para reduzir para 8% a vazão da água nos 14

quilômetros do Rio Itajaí-açu onde se situa a maior parte da pista de rafting. Outro

impacto negativo, este não previsto no relatório de impacto ambiental (RIMA), seria o

alagamento de uma área que contém uma espécie de planta endêmica (Rauliona

echinata), conhecida popularmente como cutia-de-espinho. Este impacto foi levantado

pela Federação das Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC), que congrega diversas

ONGs, como Grupo Pau Campeche, Acaprena, Apremavi, SOS Itajaí-mirim, Spea,

135

Ação Ecológica, entre outras. Esta planta tem sido estudada visando o tratamento da

doença de Chagas, e segundo Convenção da Diversidade Biológica, áreas onde existem

espécies cientificamente catalogadas para estudo devem ser protegidas

permanentemente. Além deste importante impacto específico, o EIA e o RIMA não

apresentaram elementos quantitativos e qualitativos suficientes com relação à fauna e a

flora para que a sociedade e os órgãos licenciadores pudessem avaliar com mais

precisão os impactos reais do projeto.

O segundo exemplo refere-se à Usina Hidrelétrica de Cubatão, que seria implantada

no município de Joinville. Apesar de o órgão estadual responsável pelo licenciamento

(FATMA) ter concedido a licença ambiental prévia e de instalação, a atuação de uma

ONG formada especialmente para fazer oposição pública frente ao empreendimento –

SOS Cubatão – conseguiu reverter o processo de implementação da referida usina.

Neste caso o estudo de impacto ambiental havia constatado, através de amostragem

muito pequena, que na área a ser desmatada para a construção do empreendimento

existia somente e vegetação rasteira e pinus, mas a atuação da ONG junto ao IBAMA

mostrou a existência de uma grande área com remanescente de mata nativa (floresta

ombrófila densa), fazendo com que este órgão não concedesse o licenciamento.

Em países da Europa Central e Oriental, segundo Richardson et al. (1998), a

participação pública em AIA é um fenômeno relativamente novo que está sendo

introduzido em processos de planejamento tradicionalmente fechados. Devido à inércia

contra a democratização da tomada de decisão, as organizações não-governamentais

(ONGs) estão começando a desempenhar um papel crítico, advogando a necessidade de

uma reforma e estabelecendo pró-ativamente novas práticas de participação pública.

A escolha dos métodos utilizados no envolvimento do público é um fator importante

para determinar a qualidade da participação. No sistema de AIA da Tchecoslováquia,

por exemplo, o uso de métodos padronizados - consultas formalizadas e audiências

públicas, limita a acessibilidade ao processo bem como o que pode ser debatido dentro

dele. Contudo, está surgindo uma série mais ampla de técnicas participativas, mostradas

no Quadro 7, para a tomada de decisão, tanto na Tchecoslováquia como em outros

países, para possibilitar uma participação mais forte dos cidadãos na AIA.

Em vez de fazer pressão para uma melhoria da participação pública, as ONGs

decidiram desenvolver seus próprios programas informais para a participação pública

136

paralela em avaliação de impacto ambiental. Os programas basearam-se nos seguintes

princípios:

• Os programas focalizavam os mesmos planos, questões e propostas que um processo

formal de AIA;

• Os programas relacionavam-se ao procedimento formal de AIA tanto na estrutura

como no tempo, e portanto eram capazes de fornecer informação e comentários em

etapas críticas do processo;

• A estratégia geral foi desenhada para ser mais inclusiva do que em um processo

formal; e

• A estratégia e métodos pretendiam ser não-manipulativos, de forma que eles

criassem oportunidades para a participação genuína dos cidadãos, em vez de

simplesmente fortalecer as posições de certas ONGs.

Quadro 7 – Técnicas de participação usadas na Tchecoslováquia

Nível de participação Técnicas típicas

1. Persuasão Visitas, eventos culturais e debates no sítio do projeto

2. Provisão de informação Centros de informação, usando a mídia, exposições, exibições, folhetos e

cartazes

3. Informação de realimentação Entrevistas com grupos organizados, entrevistas de porta em porta, e

questionários, exibições interativas

4. Consulta pública Consultas formais, reuniões públicas e audiências

5. Planejamento conjunto Painéis consultivos com os cidadãos

6. Democracia direta Referendum, iniciativa legislativa*

Fonte: Richardson et al. (1998)

* Estas técnicas são raramente usadas.

Nota: as técnicas de participação são apresentadas em uma forma hierárquica, identificando os diferentes

níveis de concessão de poder permitido por cada técnica. ‘Persuasão’ é o nível mais baixo e ‘Democracia

direta’ o mais alto.

Vários passos foram seguidos pelas ONGs dentro do processo de AIA. Nos estudos

de caso citados em Richardson et al. (1998), uma ONG interessada primeiro fazia

contato com outras ONGs locais, políticos e outros grupos (por ex. sindicatos, igrejas,

etc.) e construía uma coalisão informal de interesses para promover um debate público

apropriado para sobre a proposta de desenvolvimento. As atividades de coalisão eram

então desenhadas para informar aos cidadãos sobre a proposta e convidá-los – junto

com as escolas locais, mídia, e especialistas externos – para eventos de participação

137

pública. Em seguida a coalisão organizava audiências públicas paralelas em um lugar

bem acessível e conhecido (como um cinema, teatro ou livraria) sobre o escopo

(scoping) ou revisão pública da documentação da Avaliação de Impacto Ambiental. O

empreendedor e a equipe consultora eram convidados para apresentar as suas

informações. Se eles não concordassem, a coalisão ou ONG fazia a apresentação, a qual

era seguida pelo questionamento e submissão de comentários. Estes comentários eram

submetidos a todas as agências relevantes, e uma campanha na mídia era promovida

para despertar a consciência pública sobre os resultados da consulta e assegurar que eles

foram propriamente considerados.

4.6 O papel da mediação no processo de AIA

De acordo com Saarikoski (2000), o papel da participação pública na avaliação de

impacto ambiental (AIA) tem passado por mudanças importantes nos últimos anos.

Quando do surgimento da AIA, as principais formas de participação eram as audiências

públicas e outros tipos de consulta, onde os planejadores podiam obter informação sobre

as preocupações públicas e educar o público a respeito dos projetos propostos. Na

maioria dos casos, a ênfase era colocada na troca de informação. Considerava-se que o

público podia contribuir para uma avaliação subjetiva das metas do projeto, enquanto

que os especialistas providenciariam a informação científica e técnica necessária sobre

os impactos ambientais potenciais. Contudo, além da perda de confiança no

conhecimento científico imparcial e em modelos racionalistas de planejamento, a AIA

tem perdido sua credibilidade como um processo dirigido por especialistas, dentro do

qual o público pode apenas reagir a relatórios prontos como os relatórios de impacto

ambiental. A visão emergente da AIA sustenta que a participação pública é não

somente uma parte suplementar da avaliação, mas que a AIA é um processo coletivo

onde diferentes atores – cidadãos afetados, grupos de interesse, autoridades e

especialistas – podem deliberar e trocar suas visões a respeito das metas e seu

conhecimento sobre os impactos dos desenvolvimentos propostos.

Para a AIA servir como um processo de aprendizagem, as etapas básicas de uma

avaliação deveriam ser seguidas por um processo de negociação, no qual as partes

podem discutir as conclusões e buscar soluções mutuamente aceitáveis. A literatura

138

sobre mediação ambiental e resolução de disputa alternativa é útil para mostrar com

criar um diálogo construtivo entre as partes. Em muitos casos o processo é injusto

porque os diferentes níveis de habilidade fazem com que algumas partes dominem a

discussão, silenciando outras.

Com base em um estudo de caso na Finlândia (uma estratégia de gerenciamento de

resíduos regionais), Saarikoski (2000) sugere que um processo de AIA colaborativo

deveria incluir um mediador externo para permitir que todas as partes tenham espaço

para falar e explorar opções conjuntamente. Além disso um processo de mediação

ajuda a tratar questões como as responsabilidades, identidades, medos e desconfianças

das partes. No estudo de caso citado acima, uma fonte importante de desigualdade foi a

capacidade limitada de grupos mais fracos produzirem informação que poderia ter

ajudado e dado mais credibilidade ao caso. Esta é uma tendência que atua contra

novas idéias vindas geralmente de grupos de oposição ou marginalizados e que

consolida os modos estabelecidos de pensamento.

De acordo com o EIA Centre (1995), a mediação envolve a assistência de um

mediador para auxiliar as partes em negociações sobre a disputa em relação a um novo

desenvolvimento. Existem quatro pré-requisitos para o sucesso de uma mediação: uma

situação de impasse (‘beco-sem-saída’), ou o reconhecimento de que uma situação de

impasse é inevitável; a participação voluntária; algum espaço para flexibilidade; e um

meio de implementar acordos. No entanto, esses pré-requisitos parecem aplicar-se

somente a uma pequena minoria de decisões envolvendo a AIA.

Segundo Sadler (1993), o Canadá, através do Canadian Environmental Assessment

Act (CEAA), a principal lei sobre avaliação ambiental canadense, tem instituído um

procedimento formal de mediação como um caminho em seu novo sistema de avaliação

ambiental, a ser utilizado ocasionalmente, quando as circunstâncias ditam a necessidade

de negociações detalhadas entre as partes. O propósito fundamental do CEAA é

promover o desenvolvimento sustentável, assegurar que os efeitos ambientais de

projetos sejam totalmente considerados na tomada de decisão, e fornecer oportunidades

apropriadas para a participação pública na avaliação ambiental. O processo é dividido

em fases de auto-avaliação e revisão pública. A revisão pública é requerida para

projetos que possam causar efeitos ambientais potencialmente significativos, ou quando

os interesses/preocupações públicas garantem uma revisão. A mediação é uma das

139

duas opções disponíveis para revisão pública. A opção alternativa é a designação de um

painel de avaliação ambiental. Os painéis de revisão oferecem a um grande número de

indivíduos e grupos com diferentes pontos de vista, uma chance para apresentar

informação e expressar preocupações.

A mediação fornece uma extensão evidente e importante dentro da série de

instrumentos para revisão pública da avaliação ambiental. Os processos de tomada de

decisão negociada e consultiva são mais diferentes em gênero do que em grau. A ênfase

na abordagem negociada está na colaboração voluntária, descoberta conjunta de fatos e

construção de consenso para alcançar um acordo mutuamente satisfatório sobre as

questões e interesses. A consulta pública envolve a troca de informação e examina com

antecedência uma decisão que está sendo tomada pela agência responsável.

As cláusulas de interpretação na seção 2.1 do CEAA declaram que a “mediação”

significa uma avaliação ambiental realizada com assistência de um mediador e que

inclui a consideração dos seguintes fatores: o propósito do projeto, alternativas técnica e

economicamente viáveis, os efeitos ambientais (incluindo efeitos cumulativos) e sua

significância (incluindo a capacidade dos recursos renováveis suportarem o

desenvolvimento sustentável), comentários do público, medidas mitigadoras, e

requerimentos para um programa de acompanhamento do projeto.

Toda avaliação ou parte dela pode ser encaminhada a um mediador. Contudo, a

mediação, por sua natureza, permanece como um processo subordinado. Quando há um

impasse, o(s) problema(s) devem ser encaminhados para uma mediação ou para um

painel. Para todos os indicados para a mediação, é necessário que sejam identificadas as

partes interessadas e a disposição das mesmas em participar do processo. O Ministro do

Meio Ambiente está autorizado a indicar um mediador, que deve ser imparcial, livre de

conflitos de interesse com relação ao projeto e ter conhecimento e experiência em atuar

na função. O mediador pode, a qualquer momento, permitir que uma parte interessada

adicional participe da mediação, e ao final do processo deve preparar e submeter um

relatório ao Ministro do Meio Ambiente ou à autoridade responsável (Canada, 2002).

No entanto, uma vez que o Ministro é quem possui o poder final da tomada de decisão,

surgem implicações importantes com relação aos princípios básicos da mediação e da

resolução de disputa alternativa, mostrados no Quadro 8.

140

Quadro 8 – Preceitos e princípios da Resolução de Disputa Ambiental • A resolução de disputa alternativa (RDA) refere-se a um processo voluntário, colaborativo no qual

as partes tentam resolver suas diferenças, construir um consenso, e alcançar soluções mutuamente aceitáveis

• Estes processos são baseados em várias formas de diálogo face-a-face e negociação • A mediação é um processo de consenso que é realizado com a assistência de um facilitador

imparcial • Nenhuma abordagem única cobre todas as situações ou questões; e a escolha deve ser feita de

acordo com as circunstâncias e participantes • As abordagens de consenso podem ser aplicadas para antecipar questões ou quebrar um impasse

de longa duração; o senso de oportunidade no processo de negociação depende da dinâmica do conflito e dos incentivos à colaboração

• Todas as partes com um interesse direto em um assunto ou com poder para bloquear ou impedir a implementação de um acordo deveriam estar à mesa de negociação

• A participação das partes no processo deve ser motivada por um entendimento realístico do custos e benefícios potenciais, incluindo a melhor alternativa para o acordo negociado

• Um facilitador ou mediador imparcial deve ser aceitável a todas as partes, e conduzir o processo de uma maneira justa e eqüitativa

• As partes em uma negociação ou diálogo devem participar com boa fé, respeitar as visões dos outros, e ser responsáveis por seus constituintes

• Nenhuma parte é forçada a aceitar um acordo contra seu melhor julgamento e pode se retirar a qualquer ponto do processo

• Todas as partes deveriam ter oportunidade igual para uma participação efetiva no processo, incluindo o acesso a recursos de apoio quando necessário

Portanto, os painéis de revisão e a mediação do sistema Canadense são

procedimentos consultivos, e não de tomada de decisão. As recomendações feitas pelos

painéis de revisão e mediadores são aconselhadoras e a decisão final sobre o curso

apropriado de ação fica a cargo do governo (Canada, 2002).

Para Sadler (1993), todas as negociações devem passar por uma série de fases e

passos, que proporcionam uma integração com as etapas da avaliação ambiental. As

principais fases da mediação envolvem:

• Pré-negociação para assentar a base para a condução do processo;

• Negociação real para tentar alcançar acordos sobre os problemas;

• Pós-negociação para assegurar a implementação do acordo.

Onde quer que seja empreendido um processo de mediação, o treinamento dos

participantes precisa ser um elemento indispensável, uma vez que o treinamento

minimiza a disparidade entre as habilidades de negociação dos participantes, e contribui

para acordos mais duráveis e efetivos.

141

5 ESTUDO DE CASO: PORTO DA BARRA LTDA. Este estudo de caso investiga os conflitos entre os atores que participaram do

processo de AIA do empreendimento Porto da Barra Ltda., verificando os

posicionamentos dos atores principais (Quadro 9), e constatando como foi realizado o

envolvimento público por parte do empreendedor.

Não cabe a este estudo de caso fazer uma análise do EIA/RIMA e demais

documentos técnicos produzidos para o licenciamento do empreendimento. Depois da

descrição do empreendimento Porto da Barra Ltda., é relatada a cronologia dos eventos

que ocorreram antes e durante o curso da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério

Público Federal. A seguir são descritos os principais impactos e aspectos técnicos do

empreendimento, com base nos três laudos periciais produzidos na fase final da ACP.

5.1 Descrição do projeto

O projeto do Porto da Barra Ltda. possui caráter náutico e habitacional, e prevê um

setor náutico com instalações de ancoragem e apoio de navegação para 300

embarcações (iates, veleiros, lanchas etc), além de edificações de usos misto e coletivo

como hotel, espaços comerciais e habitações multifamiliares. O empreendimento tem

características de um porto de lazer e pretende ser implantado em um terreno, de

propriedade do empreendedor, localizado à margem esquerda do Canal de Barra, na

Barra da Lagoa, município de Florianópolis, Santa Catarina (Figuras 1 e 2). A Licença

Ambiental de Implantação - LAI nº 052/97 - concedida pela FATMA considera o

empreendimento grande, classe três e potencial poluidor médio.

O empreendimento é caracterizado como turístico-habitacional com estrutura

náutica, a ser implantado em áreas alodiais com 105.122,395 m2, e de marinha com

24.155,875 m2 com total de 129.278,27 m2, compreendendo um eixo principal e uma

rede de canais isolando sete ilhas, que se interligariam por pontes no estilo veneziano

(Figura 3). O terreno previsto para o empreendimento, que tem hoje 600 m de frente

para o canal, com a construção dos canais artificiais aumentaria seus limites com a água.

Cada ilha, em sua especificidade, alocaria equipamentos de apoio coletivo, habitacional

e/ou náutico (ACP, 2002).

142

Quadro 9 – Atores no Caso Porto da Barra Ltda.

Empreendedor • Portobello Ltda.

Empresa de consultoria • ENGEVIX (EIA/RIMA)

• Sócio-Ambiental Consultores Associados (Plano Básico

Ambiental – PBA e Plano de Monitoramento)

ONGs principais • Fundação Lagoa

• AMOLA

Comunidades • Barra da Lagoa

• Lagoa da conceição

• Costa da Lagoa

Representantes das

comunidades pesqueiras

• Federação dos pescadores de SC

• Sindicatos dos pescadores da Grande Florianópolis

• Colônia de pescadores Z-11

Órgão Estadual de Meio

Ambiente

• FATMA

Órgão Federal de Meio

Ambiente

• IBAMA

Universidades • UFSC

• UNISINOS

• UNIVALI

Ministério Público Federal • Procuradoria da República em SC

Outros órgãos

governamentais

• IPHAN

• IPUF

• CAPITANIA DOS PORTOS

• FLORAM

• COMCAP

• CASAN

• SUSP

• DPU

Elaboração: A autora (2003)

De acordo com o RIMA (1995), o projeto prevê a implantação de áreas de comércio

e serviços comunitários (mercado, farmácia, padaria, etc.) próximo ao acesso principal

143

da Estrada Geral ou junto ao Canal da Barra. Estão incluídas áreas comerciais e

residenciais estruturadas em um Setor Central e dois Setores Habitacionais.

Figura 1 – Localização do empreendimento Porto da Barra Ltda., na Praia da Barra da Lagoa, Florianópolis, SC.

Figura 2 – O Canal da Barra e o terreno do empreendedor

144

Figura 3 – A implantação do empreendimento e seu entorno

O Setor Central é constituído por um eixo principal de acesso, que une a estrada

geral da Barra da lagoa ao Canal da Barra no local denominado “Enseada”, tendo seu

foco na Praça do Mercado, ponto de maior convergência do projeto. A configuração

desses espaços coletivos é concretizada por edificações de uso misto: (a)

Residencial/Comercial, no caso do eixo de acesso e adjacências; (b) Turístico/Hoteleiro

com comércio, no caso da Praça do Mercado.

Complementando o Setor Central, foram projetados equipamentos coletivos:

• Um estacionamento público com previsão para até 630 vagas de carros, em 3 níveis

de implantação;

• Um Clube Náutico, com áreas para exposição e comércio, bem como pequenos

reparos, guarda e zeladoria de embarcações;

• Um Hotel/Apart Hotel de porte médio, na Praça do Hotel, conjugado à Praça do

Mercado, consolidando as atividades turísticas de hospedagem e gastronomia.

145

No projeto do empreendimento, os setores habitacionais são constituídos por

condomínios multifamiliares, formados por:

• conjuntos de unidade habitacionais geminadas, de 2 pavimentos e ático (duplex ou

triplex) predominantes nas “ilhas” habitacionais denominadas Corais, Campeche,

Galés, Badejo e Arvoredo;

• conjuntos de unidades habitacionais em blocos de apartamentos de dois pavimentos

com ático, sobre pilotis (ou subsolo), predominantes nas áreas limítrofes do

empreendimento.

As áreas sociais/coletivas do empreendimento têm, como principal objetivo, servir

de espaço de integração no conjunto em 3 diferentes níveis:

• vilas náuticas entre si;

• empreendimento x comunidade da Barra;

• comunidade x visitantes.

O eixo principal de acesso, anunciado por um pórtico, busca efetuar a

transição/integração entre a comunidade da Barra da Lagoa e o centro de animação

principal do empreendimento: a Praça do Mercado. Com edificações de uso misto

(residencial e comercial), abrigará uma série de serviços e comércios de interesse

comunitário, tais como farmácia, padaria, mini-mercado, agências bancárias, etc.

De acordo com o RIMA (1995), a Praça do Mercado será animada por bares e

restaurantes, e pelo comércio qualificado de interesse turístico (artesanato, artigos

náuticos, etc.) localizado no térreo do edifício do apart-hotel que conforma a praça, o

espaço principal do empreendimento deverá ser enriquecido por atividades eventuais de

animação comunitária, como feiras-livres, módulos para exposições, mostras de arte,

palco para shows e espetáculos culturais.

Em sua parte aquática, o Porto terá capacidade para 50 amarras de embarcações,

onde se instalará um sistema de transporte coletivo aquático, o barco/táxi. As

atividades e serviços ligados à água serão reforçados pelo Clube Náutico do

empreendimento, contendo:

• rampa-guincho para retirada de embarcações e garagem de barcos;

• um serviço de radiocomunicação a ser implementado para o empreendimento e que

também apoiará as embarcações da colônia de pescadores.

146

As unidades habitacionais serão agrupadas em conjuntos geminados ou em blocos

de apartamentos tipo “vilas”, com a circulação de pedestres prevalecendo sobre a de

carros, com acessos e visuais voltados preferencialmente para os canais.

Nas ilhas, as residências serão constituídas de unidades com 2, 3 e eventualmente 4

dormitórios.

Nos edifícios, dispostos nos limites do empreendimento e junto ao acesso principal,

as unidades habitacionais serão de 1, 2 e 3 dormitórios. As garagens destas unidades

estarão localizadas sob pilotis ou em subsolos parcialmente elevados, cuja cobertura

constituir-se-á em um jardim/terraço para as unidades do pavimento térreo.

No Apart-hotel, localizado na Praça do Mercado, as unidades deverão atender

predominantemente a demanda de hospedagem temporária. Serão formados

basicamente por unidades de 2 dormitórios, 2 banheiros, sala com varanda e

“kitchenette” com área de serviço. As vagas para carros destas unidades estarão locadas

no edifício para estacionamento coletivo, junto ao eixo de acesso principal (EIA/RIMA,

p. 7)

A obra pretende ser implantada seguindo etapas:

1) Construção dos canais internos (eixo central e rede), derrocamento do acesso

principal - alterações das margens, leito do canal e ponte existente;

2) Infra-estrutura básica de construção habitacional e náutica - aterramentos,

terraplanagens, contenção de margens e canais, impermeabilização, pavimentação e

drenagem, rede elétrica, água, esgoto, telefone, antenas de apoio à rádio e comércio;

3) Construções náuticas;

4) Construções habitacionais.

5.2 Cronologia dos eventos

Segundo o Ministério Público Federal, há muitos anos a empresa Portobello Ltda.

pretendia viabilizar um equipamento náutico de grandes proporções, no canal que liga a

Lagoa da Conceição à praia da Barra da Lagoa. O empreendedor apresentou seu

primeiro projeto de equipamento náutico ao órgão estadual de meio ambiente –

FATMA, em 1989. Naquela época o empreendimento denominava-se “Marina Vila

Náutica”, e constituía-se em uma marina/porto e duas vilas náuticas, prevendo uma área

147

construída de 53.589 m², em um imóvel de 141.000 m². Já se pretendia a criação de

canais artificiais, recortar e dar nova conformação ao Canal da Barra.

O órgão estadual de meio ambiente – FATMA, depois de analisar o referido projeto,

o indeferiu liminarmente, mesmo sem a realização de EIA/RIMA. Em 1990, de acordo

com o Parecer Técnico Interno deste órgão, os impactos ambientais do referido

empreendimento eram os seguintes:

• Destruição completa de vegetação fixadora e estabilizadora de mangues;

• Ocupação de áreas de uso público dentro da faixa sanitária recomendada na

legislação;

• Escavações e dragagens de curso d’água essencial na dinâmica dos ecossistemas

adjacentes (mangues, restingas, e lagoa);

• Introdução de equipamentos e serviços estranhos à comunidade local e incompatível

com seu contexto cultural;

• Poluição das águas, erosão e assoreamento;

• Conflitos sócio-ambientais decorrentes dos impactos físicos e biológicos”

Em 16 de janeiro de 1990, a Superintendência do órgão estadual acatou o parecer

interno concluindo o seguinte:

“Conclui-se tratar-se de ambientes altamente significativos do ponto de vista ecológico, que na área pretendida são considerados como Reservas Ecológicas por força de Lei, e da lógica ambiental. O manguezal existente na área mede cerca de aproximadamente 8.434 m². O canal da Barra da Lagoa no meandro em frente à área do projeto em seu curso mais largo mede aproximadamente 59,82 m de largura. (...) Fica claro também que a proposta de implantação da Marina Vila Náutica é em local completamente inadequado, face a importância e fragilidade do canal que liga a Lagoa da Conceição ao mar. Diante do exposto, somos de PARECER CONTRÁRIO à implantação do projeto, na forma proposta.” (ACP, fl. 7/8, 1996)

Em 22 de janeiro de 1990, a então superintendente de Recursos Naturais da

FATMA, Sra. Jucélia Cardoso Caetano, levou ao conhecimento da empresa Portobello

o parecer contrário ao empreendimento.

Segundo o MPF, em setembro de 1994, a empresa Portobello entrou com um novo

pedido de licenciamento junto ao órgão estadual de meio ambiente, com novo nome

148

para o projeto: “Porto da Barra”. Apesar do caso precedente, a FATMA exigiu da

empresa um Estudo Prévio de Impacto Ambiental, em vez de se decidir pela

impossibilidade do empreendimento.

Em agosto de 1995 é concluído o EIA/RIMA, realizado pela firma ENGEVIX. Em

novembro do mesmo ano, após a publicação do EIA/RIMA, a Fundação Lagoa, um dos

principais opositores ao projeto, solicitou a diversos professores da UFSC que

elaborassem pareceres técnicos sobre o empreendimento proposto. Desta forma, a ONG

buscou se fundamentar no conhecimento de especialistas da comunidade científica,

professores e pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (alguns dos

quais são membros da Fundação Lagoa). Os documentos foram analisados por 23

professores e especialistas em diferentes áreas e concluído em 57 dias. Com base

nesses pareceres, a ONG alertou a Procuradoria da República sobre as implicações

ambientais do projeto Porto da Barra. Em meados de 1995, foi reaberto no Ministério

Público Federal o dossiê que fora instaurado em 1989, quando da primeira tentativa de

licenciamento do empreendimento pela empresa Portobello. Em fins de 1995 foram

formulados quesitos pela Fundação lagoa para obter respostas do empreendedor sobre o

projeto Porto da Barra.

Depois de elaborados judiciosos pareceres, e da realização de inúmeras reuniões,

inclusive com a direção e responsáveis da empresa Portobello, a Procuradoria da

República em SC enviou à FATMA em 11 de dezembro de 1995, uma correspondência

na qual eram questionados diversos aspectos do projeto, entre eles:

• A não realização de levantamento sócio-econômico pela empresa proponente,

imprescindível em se tratando de EIA/RIMA, principalmente em projeto inserido

em comunidade tradicional;

• A não apresentação de bibliografia sobre inúmeros estudos científicos já realizados

no ecossistema da Lagoa da Conceição pela equipe multidisciplinar contratada pelo

proponente, que poderiam auxiliar à compreensão das conclusões do RIMA;

• O sub-dimensionamento da área de influência do projeto – o estudo desconsidera a

importância do impacto sobre o sistema lagunar como um todo, concentrando-se no

levantamento dos possíveis riscos à biota do canal da Barra da Lagoa apenas;

149

• O curto período de tempo utilizado pela equipe que elaborou o EIA/RIMA,

notadamente nas pesquisas de campo, o que é facilmente demonstrado pela ausência

de informações mais abrangentes do ecossistema em suas diversas situações;

• Não existência de prognóstico seguro sobre os impactos do empreendimento sobre

os camarões marinhos, fonte de riqueza e alimentação de toda a comunidade, além

de caracterizar a exploração turístico-gastronômica da região;

• Abordagem superficial do EIA no que diz respeito aos impactos causados pelo

aumento do consumo de água, não indicando os mananciais que poderão garantir tal

consumo, sem prejuízos à comunidade local;

• Informações insuficientes sobre o sistema de tratamento de esgotos, não havendo

dados conclusivos sobre capacidade e localização, o que configura um estudo

inacabado, impossível de ser convenientemente analisado;

• Ausência de análise dos impactos a serem desencadeados pelo grande afluxo de

veículos automotores para a área, que possui acanhadas vias de circulação; ficaram

desconhecidas as posições do IPUF e DER sobre o tema;

• A influência da rede de canais artificiais sobre a hidrodinâmica da área do canal da

Barra da Lagoa não foi abordada;

• A insuficiência dos dados apresentados sobre o impacto resultante do aumento do

fluxo d’água no canal, provocado pelas alterações propostas e pelo aumento de

tráfego de embarcações, decorrente da instalação do equipamento previsto;

• O aumento do número de embarcações, que poderá provocar o decréscimo da

população de espécies migratórias, algumas delas também de interesse comercial,

como a tainha e o camarão;

• A Lagoa da Conceição e o Canal da Barra não possuem regulamento de uso das

águas, o que já provoca reclamações e pequenos acidentes, o que poderá alcançar

níveis insuportáveis com o empreendimento;

• A área de mangue ainda sobrevivendo na região do pretendido empreendimento,

apesar de pequena, constitui bem da União Federal, assim como as áreas limítrofes

ao canal;

150

• Riscos de contratação de mão-de-obra estranha à comunidade da Barra da Lagoa, o

que poderá ocasionar a formação de bolsões de ocupação em áreas de dunas, terras

de marinha, sambaquis, entre outras;

• O estudo não contempla as alternativas tecnológicas e de localização do projeto,

confrontadas com a hipótese de não execução do mesmo, em desobediência à

Resolução nº 1/86 do CONAMA;

• Não foram respondidas as questões sobre o controle do tráfego de embarcações no

canal da Barra, e sobre o solapamento das margens;

• São necessários maiores detalhes sobre o destino do material excedente e sistema de

drenagem pluvial. A elevação de 2,5 do nível do terreno a ser aterrado pode

representar uma intervenção de difícil absorção paisagística.

No documento, foi requisitada à FATMA a consulta prévia aos órgãos: DPU,

IBAMA, IPUF, Fundação Municipal de Meio Ambiente, DER, CASAN,CELESC E

IPHAN.

Tendo recebido o ofício da Procuradoria da República, a Direção da FATMA

comprometeu-se com a exigência de uma Complementação do EIA/RIMA,

encaminhando à empresa Portobello uma cópia da manifestação do Ministério Público

Federal.

Portanto, as complementações do EIA/RIMA foram realizadas à medida que eram

feitos questionamentos pela Fundação Lagoa, com base nos pareceres técnicos

produzidos por professores da UFSC.

Em dezembro de 1995, a Fundação Municipal do Meio Ambiente, através de seu

então Superintendente, Paulo Fernando Lago, manifestou-se à Procuradoria da

República em Santa Catarina declarando a participação de diretores e técnicos da

Fundação em reuniões com a empresa Portobello, com a Fundação Lagoa e com

técnicos da ENGEVIX. À época, o Professor Lago discernia da seguinte forma os

conflitos que estavam se tornando cada vez mais acirrados:

“O projeto Porto da Barra, de admirável sofisticação arquitetônica, se coloca, a rigor, entre a Barra e a Lagoa, como que, num espaço que define a comunidade a jusante, a da Barra, e a comunidade a montante, a Lagoa da Conceição. A jusante, o empreendimento é desejado e aplaudido. A montante, é repelido. Redenção para uns, demoníaco para outros. Redutor de antagonismos para uns, ampliador de impactos para outros.” (ACP, fl. 136, 1996).

151

Em 6 de abril de 1996, antes de ter sido entregue a Complementação do Estudo de

Impacto Ambiental, foi realizada uma audiência pública na Barra da Lagoa. Segundo o

MPF, apesar dos inúmeros pedidos protocolados na FATMA, não foi considerada a

hipótese de audiência nas demais comunidades a serem atingidas, especialmente a do

Centro da Lagoa da Conceição. Para o Ministério Público Federal, nesta audiência

pública “tudo não passou de encenação em que se buscou convencer da viabilidade da

obra, comportando-se os técnicos da Fundação estadual, claramente, como defensores

da proposta, e não da sociedade e de seu patrimônio, como deveriam.” (ACP, fl. 12,

1996)

Segundo a Procuradoria da República em Santa Catarina, nenhuma novidade foi

trazida ao conhecimento público durante a audiência pública, a não ser expor a todos as

fragilidades do EIA/RIMA apresentado, especialmente na falta de atendimento aos

requisitos exigidos pela legislação para esse tipo de procedimento, bem como sobre o

desconhecimento dos técnicos contratados acerca dos impactos prováveis causados pelo

projeto. A realização da pesquisa de campo em apenas quatro ou cinco dias, o que é

ressaltado na análise dos professores da UFSC e confessado durante a audiência, é um

exemplo da negligência da equipe multidisciplinar que participou do Estudo de Impacto

Ambiental. Além disso, a referida equipe não consultou a bibliografia básica sobre o

ecossistema estudado, “o que fez com que até mesmo fossem indicados peixes que não

existem no sul do Brasil como parte da fauna da região” (ACP, fl. 12, 1996).

Em 9 de maio de 1996 são entregues pela empresa proponente as “Respostas aos

quesitos formulados pela Fundação Lagoa”, elaboradas em 161 dias.

Em junho de 1996, é concluída a Complementação do EIA/RIMA (1ª etapa),

realizada pela equipe multidisciplinar da firma Sócio-ambiental Consultores

Associados, sendo então encaminhada pela Procuradoria da República à Fundação

Lagoa e aos professores da UFSC em agosto do mesmo ano. Em agosto de 1996 é

concluída a 2ª etapa da Complementação do EIA/RIMA, sendo então enviada pela

Procuradoria à Fundação Lagoa em 25 de setembro de 1996, e desta para os

professores da UFSC em 15 de outubro do mesmo ano.

Em 18 de setembro de 1996, foi assinada pela FATMA a Licença Ambiental Prévia

- LAP, no entanto, segundo o MPF (1996), tal licença só foi entregue ao empreendedor

152

em 01 de outubro de 1996, ou seja, duas semanas depois de assinada, nas vésperas do

primeiro turno da eleição municipal. O ato formal de entrega da LAP, que

rotineiramente é feito nas dependências do órgão ambiental estadual, foi realizado na

Barra da lagoa, com o Diretor Geral da FATMA Vladimir Ortiz da Silva representando

oficialmente o Governador do Estado.

Na mesma data, o MPF, surpreendido com o deferimento da licença, fez chegar à

Direção da FATMA a preocupação e inconformidade com tal procedimento. Segundo o

MPF (1996):

“A empresa pretende alargar e aprofundar o curso d’água, recortar as margens do mesmo, fazendo desaparecer os terrenos da União, e tornar privativas as margens das novas margens, nos canais artificiais. Desta forma, a população local, que mantém os hábitos de pescaria e utilização daquelas margens, como lhe é garantido pela legislação em vigor, também será afastada das áreas que pretende a Ré transformar em privativas” (ACP, fl. 14, 1996).

Em 7 de outubro de 1996, o então Diretor Geral da FATMA manifestou seu

inconformismo junto à Procuradoria de República, declarando que o projeto Porto da

Barra foi objeto de elaboração de EIA/RIMA, o qual foi colocado à disposição de toda a

sociedade para análise e discussão.

“De outra forma, as contribuições ao aprimoramento do estudo de impacto do empreendimento encaminhadas à Fundação do Meio Ambiente foram detalhadamente analisadas pela equipe multidisciplinar, e todas aquelas julgadas pertinentes forma devidamente adotadas, sem que se descuidasse no estabelecimento de exigências máximas na fixação de diretrizes da Licença Ambiental Prévia em prol do meio ambiente abrangido pelo empreendimento. Na emissão daquela licença resultante tanto das conclusões emergentes do EIA/RIMA quanto da participação comunitária, a FATMA observou e adotou, rigorosamente, todos os procedimentos técnicos e legais relativamente ao licenciamento ambiental” (ACP, fl. 390, 1996).

Em 30 de outubro de 1996, o Sindicato dos Pescadores da Grande Florianópolis -

SINDIPESCA, se manifestou junto à Procuradoria da República declarando sua

indignação com a assinatura da LAP:

“A assinatura da LAP, deixou estupefatas as instituições sérias envolvidas na questão ambiental no âmbito da Grande Florianópolis, principalmente porque uma série, bastante considerável, de dúvidas persistem, especificamente no que pertine a depredação do meio

153

ambiente com a implantação do chamado Porto da Barra. (...). É público e notório, que a comunidade pesqueira da região da Barra da Lagoa vive diretamente da pesca, sustentando suas famílias com os resultados econômicos dessa atividade. Ora, se nós temos a iminência de sepultarmos toda uma atividade econômica, de cunho claramente subsistencial, condenando centenas de famílias ao desemprego e a miséria” (ACP, fl. 23, 1996).

Após o deferimento da LAP, o MPF buscou mais uma vez a ajuda dos especialistas

da Fundação Lagoa e da UFSC. Em 6 de novembro de 1996, A Fundação Lagoa envia à

Procuradoria os pareceres de professores que apontam riscos irreversíveis do projeto no

Canal da Barra. Em 11 de novembro, a Procuradoria da República entrega à Fundação

Lagoa, documentos complementares para serem analisados por professores da UFSC.

Em 19 de dezembro de 1996, o Ministério Público Federal e a União Federal,

através de seus Procuradores e de seu advogado, propõem a Ação Civil Pública

(Processo nº 97.0000001-0) com pedido liminar contra os réus Porto da Barra Ltda. e

FATMA, requerendo que o empreendedor fosse condenado “à recomposição ambiental

e ao desfazimento de obras que tenham degradado o meio ambiente”, bem como “seja

reconhecida a incompetência da FATMA para o licenciamento em discussão, bem como

a nulidade do ato administrativo – LAP, pelas irregularidades cometidas e omissões

constatadas” (ACP, fl. 20, 1996). Os autores, na referida ACP, sustentam portanto a

ilegalidade da Licença Ambiental Prévia, além de afirmarem que o Estudo de Impacto

Ambiental – EIA – elaborado não considera toda a área de influência do projeto, nem

analisa todos os impactos ambientais que possivelmente serão gerados. Afirmam

também que a competência para o licenciamento ambiental da obra é do IBAMA, a teor

dos artigos 10, § 4º, da Lei nº 6.938/81 e 3º da Resolução CONAMA nº 01/86 (ACP,

fls. 647, 1996).

Em fevereiro de 1997, o empreendedor através de seus advogados, contestou a Ação

Civil Pública junto à 4ª Vara de Justiça Federal, abordando alguns aspectos teóricos

negligenciados pelos autores da ACP, entre eles o seguinte:

“Sem contestar a importância e utilidade do estudo de impacto ambiental, há no entanto que refletir sobre a insegurança jurídica a que conceitos amplos e fórmulas genéricas adotados no texto da Resolução nº 001/86 do CONAMA podem levar quando manipulados por espíritos estremados impermeáveis ao diálogo e à concertação,

154

posto que imbuídos à priori do propósito de vetar a qualquer preço uma iniciativa econômica legítima e válida” (ACP, fl. 451, 1997).

O empreendedor também alega a natureza evolutiva e dinâmica do EIA/RIMA e

que, em virtude deste caráter evolutivo, o Estudo de Impacto Ambiental não se esgota

no processo de licenciamento. Citando um dos especialistas brasileiros em Avaliação de

Impacto Ambiental, Dr. Luís Henrique Sanchez, o empreendedor coloca o seguinte:

“(...) um empreendimento típico passa por diversas modificações ao longo de sua vida útil. – principalmente projetos industriais, de forma que a previsão dos impactos ambientais deve ser continuamente revista, sob pena de ficar desatualizada. Também após a implantação de um empreendimento podem surgir impactos não identificados, ou pode-se verificar que os impactos são de magnitude bem maior que o previsto, de modo que tornem-se necessárias novas medidas de atenuação ou de compensação. Em suma a avaliação de impacto ambiental (e sua contínua revisão ao longo da vida útil de um empreendimento) tem também a finalidade de contribuir para melhorar o desempenho ambiental de um empreendimento” (ACP, fl. 451, 1997).

Para o empreendedor a Ação Civil Pública nega ao estudo de impacto esse caráter e

desqualifica todos os estudos, informações complementares e medidas que, em virtude

da própria avaliação de impacto ambiental, foram somadas no curso do processo de

licenciamento.

“Lastreados apenas em perguntas e críticas efetuadas pelos poucos opositores ao projeto, os Autores desconsideram totalmente as respostas que foram aportadas pela empresa requerida, em termos de soluções e explanações que, ou bem demonstraram que as objeções não procedem, ou bem atestaram que as medidas e dispositivos adequados existem e serão adotados.” (ACP, fls. 451-452, 1997)

Sobre a validade e suficiência do Estudo de Impacto Ambiental, o empreendedor

alega que o Termo de Referência apresentado junto à FATMA jamais foi atacado ou

invalidado, e cita Milaré e Benjamin (1993),

“O termo de referência é um balizamento estabelecido pela Administração Pública para a equipe técnica multidisciplinar que irá trabalhar na elaboração do Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Através do termo de referência a Administração Pública mostrará ao empreendedor quais são os elementos que ela julga que devam ser privilegiados na análise a ser realizada pelos técnicos. O termo de referência é um instrumento que serve tanto para a administração

155

pública, como para o empreendedor. Assim é, na medida em que a complexidade de determinados estudos exige que a própria Administração Pública se prepare para examiná-los e, neste sentido, o termo de referência serve como um orientador na constituição das equipes que serão encarregadas de oferecer um parecer conclusivo sobre o Estudo Prévio de Impacto Ambiental. A Administração Pública não poderá rejeitar um Estudo Prévio de Impacto ambiental sob o argumento de que faltaram análises específicas sobre determinado ponto se tais análises não forem solicitadas no termo de referência e nem são daquelas obrigatórias, por força da Resolução do CONAMA. Em ocorrendo um caso que tal, a Administração deverá limitar-se a determinar novos estudos”(ACP, fl. 471, 1997)

Também reclama o empreendedor que os autores da ACP “negam valor aos

resultados que o EIA/RIMA do “Porto da Barra” exerceu e alcançou como instrumento

de negociação ambiental, entre os atores sociais envolvidos no processo. Para o

empreendedor, os autores da ACP, inconformados com o sucesso da empresa e vencidos

na sua oposição ao projeto, “optaram por buscar o impasse, contrapondo-se a um dos

princípios fundamentais do direito ambiental: o direito à negociação.” (ACP, fl. 455,

1997).

O empreendedor alega que as citações e os documentos administrativos

mencionados no pedido de licenciamento requerido junto à FATMA em 1990 não se

referem ao projeto do Porto Barra:

“mas a outro empreendimento de concepção diversa, com área, localização e obras de outra natureza. (...) Todo o articulado na petição inicial em torno do Parecer Técnico FATMA (1990), não tem relação com o presente projeto, e as objeções levantadas caducaram ou estão preclusas. (...) A Requerida não está renovando o pedido de licenciamento anterior. Precisamente, desenvolveu novo projeto, outra forma de utilização de sua propriedade, adaptando suas intenções de investimento às evoluções do próprio direito ambiental. (...) As questões suscitadas pelo novo projeto, e exclusivamente respondidas no Estudo de Impacto Ambiental relativo ao empreendimento ora em fase de licenciamento ambiental, não podem ser mecanicamente respondidas pelos termos do parecer anterior, já caduco.”(ACP, fl. 469-470, 1997)

Sobre a participação popular no caso do Porto da Barra o empreendedor critica o

posicionamento do Ministério Público e da Fundação Lagoa:

“A corrente da comunidade que apóia o empreendimento é bem mais expressiva que o contingente não representativo de opositores (...)

156

Motivados pelas discussões em torno do projeto do Porto da Barra, os habitantes da Barra da Lagoa, preocupados com os graves problemas urbanísticos da localidade aderiram a um novo espaço democrático, criado espontaneamente no curso do processo, o Fórum da Barra. Na expectativa de encontrar solução para os problemas existentes, através da novas parcerias – comunidade, empresa privada e setor público – instaurou-se um diálogo isento com mais de duas dezenas de ONGs, do qual os únicos ausentes justamente são os requerentes e a Associação para a Fundação Lagoa. Um Acordo foi assinado com a comunidade definindo objetivos e responsabilidades.”(ACP, fl. 490, 1997)

No que se refere ao estudo de alternativas locacionais, o empreendedor alega que

não tem sentido, no caso de um empreendimento privado como o Porto da Barra, a

análise de alternativas locacionais:

“(...) o empreendedor é proprietário de apenas uma área específica onde é possível a realização deste tipo de empreendimento. “A Requerida não dispõe de uma outra área com características similares permitindo escolha entre diferentes hipóteses de localização. Por outro lado, no EIA/RIMA foi realizado o prognóstico sobre a qualidade ambiental da área de influência do projeto com e sem a implantação do Porto da Barra” (ACP, fl. 507, 1997).

Sobre a área de influência do projeto, o empreendedor afirma que:

“Todos os mapas e diagnósticos consideram a bacia hidrográfica da Lagoa da Conceição. Os estudos hidrodinâmicos demonstram, como condições de contorno para a simulação matemática do regime da circulação das águas no canal, a inclusão da Lagoa e do mar. O estudo biológico concentrou-se no canal em virtude da inexistência de estudos com ênfase nessa área, enquanto que os dados científicos sobre a Lagoa já são bem diversificados e abrangentes. No EIA é realizada a descrição do que foi considerado como área de influência, estando bastante claro que a área de influência indireta corresponde a toda a bacia hidrográfica da Lagoa da Conceição” (ACP, fl.508, 1997).

Em 19 de junho de 1997, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS,

em resposta a solicitação feita pela Fundação Lagoa, apresenta o parecer técnico sobre

o Plano Básico Ambiental e a proposta de programa de monitoramento do

empreendimento Porto da Barra, concluindo que:

“As atividades da marina e a criação de larvas de camarões e sementes de ostras não são compatíveis. A marina sempre será um foco de poluição – os laboratórios do Departamento de Aqüicultura dependem de água limpa. O empreendimento do Porto da Barra pode causar danos irreversíveis para a aqüicultura marinha do Estado de Santa

157

Catarina e do Brasil em geral pois o complexo da maricultura da Barra da Lagoa está se tornando um Centro Nacional de Excelência em Aqüicultura e Ciência Ambiental” (ACP, fl. 606, 1997).

Após a contestação dos réus, é indeferida pela Justiça Federal a liminar pleiteada

pelo Ministério Público Federal para a paralisação do processo de licenciamento. O

MPF e a União renovaram o pedido de decisão liminar em 20 de junho de 1997,

criticando os argumentos utilizados pela defesa da Ré, principalmente no que diz

respeito à “natureza evolutiva” do EIA/RIMA. A Procuradoria da República também

aponta para a falta de estrutura da FATMA e despreparo da equipe técnica responsável

pela análise do estudo de impacto ambiental, evidenciada pela necessidade de

contratação de pessoal especializado para esta tarefa. Segundo a Procuradora, esta

contratação só feita pelo fato da Direção do órgão estadual de meio ambiente negar-se a

aceitar a colaboração dos professores da UFSC.

A decisão do Poder Judiciário considerou válida a Licença Ambiental Prévia,

mantendo o indeferimento da liminar, em 15 de novembro de 1997, ressalvando “a

possibilidade de renovação do pedido de liminar, na hipótese de as licenças ambientais

serem expedidas sem os requisitos legais ou esgotamento dos estudos ambientais

necessários” e “afastou as preliminares de incompetência e ilegitimidade suscitadas na

contestação” (ACP, fls. 647/650, 1997). Através desta decisão do Poder Judiciário,

também foram fixados os ‘pontos controvertidos da demanda’, que são os seguintes:

(a) a afetação, pelo empreendimento, de áreas de propriedade da União, sem

autorização ou com autorização irregular dos órgãos competentes;

(b) a existência de formação de mangues ou outras áreas de preservação permanente

na área de implantação do projeto;

(c) a possibilidade de dano ambiental irreparável na Lagoa da Conceição em razão

da instalação do empreendimento;

(d) a possibilidade de danos irreparáveis no próprio canal da Barra e na Lagoa em

razão dos poluentes liberados pelas embarcações que freqüentarão o porto de lazer;

(e) influência do projeto nos laboratórios de moluscos e camarões mantidos pela

UFSC, próximos ao local do empreendimento;

(f) legalidade e suficiência do processo de licenciamento ambiental, ponto no qual

podem ser incluídas as importantes alegações de que o EIA/RIMA não aprecia a área

158

total de influência do projeto e de que a obra não atende ao Plano de Urbanização do

Município;

(g) competência para o licenciamento ambiental do empreendimento (fl. 897 da

ACP).

Em 17 de novembro de 1997, a FATMA assina a liberação da Licença Ambiental de

Instalação – LAI, que autoriza o início das obras. No dia 19 de novembro do mesmo

ano a Fundação Lagoa protesta contra a liberação da LAI nº 52/97 – Porto da Barra

Ltda., junto à Procuradoria da República em SC, alegando falta de estudos

complementares que sustentem este projeto sem causar danos irreversíveis ao sistema

lagunar.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional – IPHAN, em dezembro de

1997, declara à 4ª Vara da Justiça Federal que o empreendedor apresentou ao instituto

documentos técnicos relacionados com as características do empreendimento, e que na

análise do projeto foi verificada a ocorrência de dois sítios arqueológicos situados nas

margens do canal, além de ocorrências submersas ou parcialmente submersas em suas

proximidades.

“Os sítios situados nas margens, não podem, por determinação do IPHAN, sofrer qualquer interferência, tendo-se obtido ao contrário, garantias por parte do empreendedor de sua valorização. (...) Quanto às ocorrências, verificou-se na visita ‘in loco’ que estão fora da área onde o empreendimento pretende operar e não serão portanto afetadas. (...) Sendo assim, não existe por parte do IPHAN, impedimento às obras propostas, uma vez que as mesmas não interferem nos sítios arqueológicos locais.” (ACP, fl. 887, 1997)

Em fins de 1997, o Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Sr. Rodolfo

Pinto da Luz, manifesta-se junto à 4ª Vara da Justiça Federal comunicando que os danos

ambientais gerados pela implantação do projeto Porto da Barra foram discutidos na

gestão anterior da UFSC, pelo então Reitor Prof. Antônio Diomário de Queiroz e que

este se manifestou pública e oficialmente a posição favorável da Instituição ao

empreendimento, durante Audiência Pública na Barra da Lagoa.

Em 20 de novembro de 1997, o Ministério Público Federal e a União renovaram o

pedido de liminar, desta vez para suspender os efeitos da LAI expedida e garantir a

conservação do estado atual da área em que se pretende implantar o projeto. Segundo o

MPF,

159

“não se busca impedir o empreendedor de apresentar seus projetos e pleitear licença ambiental, mas estabelecer a inviabilidade do projeto do Porto da Barra assim como está definido, e a nulidade da atuação da FATMA, por vícios que vão desde análise negligente e das exigências insuficientes, até a afronta aos ditames legais e aos direitos da sociedade e da União” (ACP, fl. 680, 1997).

Em dezembro de 1997 a FATMA, através de seus procuradores manifesta-se junto à

4ª Vara da Justiça Federal para defender a competência do órgão ambiental estadual

para promover o licenciamento do empreendimento Porto da Barra.

“(...) o IBAMA, promove o licenciamento ambiental, de forma supletiva, ou seja, quando o órgão estadual se omitir ou, no caso de inexistência de órgão ambiental no Estado. No presente caso, a Fundação do Meio Ambiente, como órgão estadual do meio ambiente integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, tem total competência para, em Santa Catarina, instruir e analisar os processos de licenciamento no Estado. (...) Quanto ao projeto do Porto da Barra, o fato de ocupar parte de terras de marinha ou localizar-se na Ilha de Santa Catarina, não transfere a competência licenciatória para o IBAMA. Primeiro pelo fato de não haver previsão legal, conforme explicitado acima; segundo, no caso da Ilha de Santa Catarina, por essa vertente, a competência permaneceria no Estado, vez que a Ilha, por ser ocupada por núcleo urbano, não pertencia à União, na forma do disposto no artigo 20, IV, c/c o artigo 26, II, da Constituição Federal. A persistir o raciocínio de que qualquer atividade na Ilha de Santa Catarina devesse ser licenciada pelo IBAMA e não pela FATMA, todas as licenças ambientais para empreendimentos e atividades licenciadas pela FATMA seriam nulas – contra as quais jamais se perquiriu a nulidade, quer pelo IBAMA, quer pelo Ministério Público Federal, ou outras instituições” (ACP, fl. 784, 1997).

Em 27 de fevereiro de 1998, a Justiça Federal decidiu-se por deferir a liminar

pleiteada, para impedir o início das obras de instalação do projeto, bem como para

suspender os efeitos das licenças ambientais expedidas pela FATMA. Foi imposta à

empresa uma multa diária de dez mil reais, caso houvesse descumprimento da ordem

judicial. Foram nomeados peritos da Faculdade de Ciência da mar da UNIVALI, para a

apresentação de um laudo conjunto.

Em março de 1998 o empreendedor entrou com recurso para suspender a liminar

(Agravo de Instrumento), junto ao Tribunal Regional da 4ª Região, alegando entre

outras coisas os prejuízos que teria caso a liminar fosse mantida, uma vez que teria

realizado investimentos de grande vulto para atender às novas exigências do órgão

160

ambiental estadual, enquanto não havia sido concedida a liminar. A decisão inicial do

Poder Judiciário, em abril de 1998, foi de não conceder o efeito suspensivo requerido

pelo empreendedor.

Em 12 de junho de 1998, diversos moradores da Barra da lagoa manifestaram-se

junto à Procuradora da República Analúcia Hartmann, a favor do empreendimento

Porto da Barra Ltda. O Manifesto Público alega a existência de quase 1.500 pessoas que

são favoráveis à implantação do empreendimento, as quais acreditam que o mesmo

proporcionará melhores condições econômicas, sociais e educacionais as comunidades

locais. “Com esse empreendimento teremos a oportunidade de acesso a 400 novos

empregos diretos, além é claro, de todo o desenvolvimento econômico que trará para a

região” (ACP, fl. 1078, 1998).

O documento declara a opinião da comunidade com relação ao projeto:

“Como todos já sabemos, por acompanharmos exaustivos estudos, o Projeto Porto da Barra provocará impactos controláveis. (...) A comunidade participou de inúmeras reuniões desde 1992, estudando, mudando e aperfeiçoando o Projeto Porto da Barra para que ele atendesse não somente aos anseios econômicos da empresa mas também, as necessidades de estrutura que nossa comunidade carece, mais que qualquer outro ponto da ilha. Seis anos se passaram, o Projeto está maduro e pronto para implementação, respeitando os moldes da lei e a vontade da comunidade. Como Vossa Excelência pode ver pelo número de assinaturas colhidas, a comunidade espera ansiosa o início das obras.”(ACP, fl. 1078, 1998)

Em 3 de julho de 1998, a Procuradora da República em SC alerta o então

Superintendente do Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA,

acerca da omissão do órgão federal com relação ao caso Porto da Barra Ltda. O órgão

federal havia alegado não haver justificativa para a participação formal do IBAMA no

processo de licenciamento, mas depois de instruído pela Procuradoria Geral do órgão,

retratou-se, assumindo sua responsabilidade no caso e declarando a legalidade do

empreendimento e validade das licenças expedidas para o empreendimento pelo órgão

ambiental estadual.

Em 3 de julho de 1998, diversos professores da Universidade Federal manifestaram-

se junto ao Reitor Rodolfo Pinto da Luz, lamentando que o ex-Reitor tivesse cometido a

imprudência de emitir sua opinião pessoal como oficial, quando representava uma

161

entidade de interesse público e científico. Nesta ocasião, o atual Reitor foi convidado

para conhecer os resultados da análise dos prováveis impactos ambientais do

empreendimento, trabalho realizado pelos professores da instituição durante quatro

anos. Também se manifestou junto ao Reitor o chefe do Departamento de Aqüicultura

da UFSC, expondo sua preocupação com a construção do empreendimento Porto da

Barra, pelo fato de que o empreendedor não tenha demonstrado, técnica nem

cientificamente, que o impacto ambiental do projeto não afetará os laboratórios de

maricultura localizados nas proximidades do Canal da Barra, onde se pretende implantar

o projeto.

“Os empreendedores têm plena consciência dos riscos potenciais que o Porto de Barra representa para o ecossistema lagunar e para os laboratórios de maricultura da UFSC, o que ficou claro durante a reunião realizada entre ambas as panes no dia 06 de março de 1996 e conforme carta enviada para este Departamento em 25 de março de 1996. Entretanto, nem a intenção de se regulamentar o uso de tintas anti-incrustantes compostas à base de TBT nem o suposto monitoramento das águas que se pretende seja feito para detectar derrame de detergentes, lubrificantes e combustíveis, são suficientes para evitar, ou mesmo mitigar os impactos sobre as atividades de nossos laboratórios e sobre o ambiente da Lagoa da Conceição como um todo. A preocupação do Departamento de Aqüicultura centra-se basicamente em que a poluição das águas, de fato, poderá ocorrer conforme o manifestado pelo Estudo de Monitoramento Ambiental apresentado pelos próprios empreendedores e conforme consta na LAI expedida pela FATMA. Quando esta poluição ocorrer, será tarde para reverter os seus impactos nos laboratórios. É um risco que não gostaríamos de correr”(ACP, fl. 1157, 1998).

No segundo semestre de 1998 todas as partes já haviam indicado assistentes técnicos

com diferentes habilitações e áreas de especialidade para a produção de prova pericial.

Em 20 de agosto de 1998, é cassada a liminar que determinava a paralisação das

atividades de implantação do projeto Porto da Barra, pelo Tribunal Regional Federal da

4ª Região, sob a alegação de que “(...) houve autorização da FATMA e do IBAMA,

mediante expedição de Licença Ambiental Prévia (LAP) e de Licença Ambiental de

Instalação (LAI); razão pela qual é inviável a pretendida paralisação, já que as

atividades foram iniciadas face à expedição de ato administrativo cuja presunção de

legalidade não foi desfeita” e também que “laudos técnicos colidentes, razoáveis todos,

162

não são suficientes para desacreditar a opção técnica do órgão ambiental em expedir a

LAP e a LAI.”

Em fins de 1998 o MPF renovou o pedido de liminar para a suspensão dos efeitos

das licenças ambientais expedidas pela FATMA, não reconhecida pelo juiz por não

estar fundada em fato novo.

No ano de 2001, durante fase de produção de prova pericial, as partes

apresentaram assistentes técnicos e quesitos relacionados à questão técnica do

empreendimento.

De acordo com o Código de Processo Civil (Brasil, 1973), a perícia poderá consistir

apenas na inquirição pelo juiz do perito e dos assistentes, por ocasião da audiência de

instrução e julgamento a respeito das coisas que houverem informalmente examinado

ou avaliado. A parte que desejar esclarecimento do perito e do assistente técnico,

requererá ao juiz que mande intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo

as perguntas, sob forma de quesitos.

O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com

outros elementos ou fatos provados nos autos. O juiz poderá determinar, de ofício ou a

requerimento da parte, a realização de nova perícia, se a matéria não lhe parecer

suficientemente esclarecida.

5.3 O envolvimento e a participação pública no caso Porto da Barra

O envolvimento e a participação pública no caso Porto da Barra começou a partir de

1992. Inicialmente foram realizadas reuniões públicas na sede da empresa Portobello

para a apresentação do projeto, envolvendo diversas instituições como IPHAN,

FLORAM, FATMA, Capitania dos Portos, diversos departamentos da UFSC, IPUF,

Polícia Ambiental, DER, CELESC, entidades civis, SUSP, entre outros. Houve uma

forte reação pública contra o projeto, constatada através de pesquisas de opinião

pública realizadas pelo empreendedor através da empresa Luppi Associados.

O empreendedor decidiu então trabalhar junto à comunidade local, realizando

contatos pessoais com lideranças comunitárias, realizados por dois membros da empresa

Portobello, com a orientação de uma socióloga. Foram realizadas reuniões públicas

junto às comunidades da Barra da Lagoa e Lagoa da Conceição, atendendo a

solicitações da Fundação Lagoa.

163

O Presidente da Colônia de Pescadores Z-11 colaborou desde o início com o

empreendedor, mostrando meios de reunir os membros da comunidade da Barra da

Lagoa para a apresentação do projeto. Na primeira reunião realizada para este fim houve

o comparecimento de cerca de 50 pessoas. Portanto, a divulgação do projeto foi

realizada em diversas oportunidades, através de documentos impressos, apresentações

através de retroprojetor, maquetes, elaboração de caderno de perguntas e respostas,

entre outros.

O Presidente da Federação de Pescadores de Santa Catarina e o da Colônia de

Pescadores Z-11 serviram de contato entre a comunidade e o empreendedor, colhendo

informações nos encontros realizados com o empreendedor, levando estas informações

para a comunidade mais ampla, e retornando uma resposta da comunidade para o

empreendedor (este meio de participação se assemelha ao comitê consultivo da

comunidade, citado no capítulo 4).

Através do envolvimento das lideranças locais foi criado o Fórum da Barra, que

conseguiu congregar diversas ONGs da Barra da Lagoa e Lagoa da Conceição, muitas

das quais não tinham comunicação entre si antes do surgimento do projeto.

O Fórum da Barra permitiu que fossem discutidas as necessidades da comunidade,

não somente aspectos de negociação relacionados diretamente com o projeto. Neste

sentido, o empreendedor trabalhou junto à comunidade da Barra da Lagoa visando uma

melhoria na auto-estima local, e conseqüente valorização da comunidade. Realizou

estudos de reurbanização, identificando as necessidades urbanas locais. Construiu a

pracinha, organizou a coleta seletiva de lixo, realizou reformas no colégio local, e

auxiliou a realização da Festa da Tainha por vários anos. O empreendedor também

encomendou um projeto de terminal pesqueiro com câmara fria para que os próprios

pescadores, reunidos em cooperativa, pudessem gerir o resultado da pesca e evitar os

atravessadores.

Foram realizadas reuniões mensais durante cerca de dois anos, antes, durante e

depois da realização do EIA/RIMA, sendo que o desenho do projeto foi sendo adaptado

de acordo com as preocupações e sugestões manifestadas pela comunidade.

Segundo o Presidente da Colônia de Pescadores Z-11, no início apenas 10% da

comunidade era favorável ao projeto, mas ao final de dois anos essa porcentagem

passou para 60%.

164

A parcela da comunidade que apóia o projeto o faz contando com benefícios como a

geração de empregos, melhorias na urbanização local e tratamento de esgoto.

5.4 Identificação das opiniões, valores e preocupações dos atores principais

EMPREENDEDOR

⇒ Quanto a um dos principais problemas manifestados pelos opositores ao projeto, a

poluição causada pelas embarcações, o empreendedor afirma que o projeto

estimulará o uso de embarcações em direção ao mar e não à lagoa, e que em

nenhum momento haverá a circulação simultânea das 300 embarcações previstas

para o empreendimento;

⇒ Existem pesquisas realizadas em empreendimentos semelhantes na França e em

outros países, indicando que no máximo dez a vinte por cento das embarcações são

utilizadas ao mesmo tempo, portanto os impactos relacionados à poluição seriam

controláveis;

⇒ Devido a este fato e ao monitoramento que será realizado, o empreendedor acredita

que não haverá nenhum prejuízo aos laboratórios de aqüicultura da UFSC;

⇒ A solução para o problema da poluição passa portanto pelo monitoramento das

embarcações, com estabelecimento de proibições. Foi realizado o Plano de

Monitoramento e este será entregue ao Poder Público;

⇒ O empreendimento possui um Regimento interno que determina as normas de uso

das embarcações, portanto, caberá aos usuários das embarcações cumprirem estas

normas, uma vez que também interessa a eles a qualidade das águas da Lagoa da

Conceição e do canal;

⇒ O empreendedor acredita que o monitoramento terá resultados positivos, e no caso

das normas serem descumpridas, haverá meios de punir os infratores;

⇒ As razões para o projeto estar localizado na Barra da Lagoa são a acessibilidade ao

mar e a identidade cultural da Barra da Lagoa, que é uma das poucas comunidades

da Ilha de Santa Catarina que ainda possui valores próprios, sejam religiosos,

folclóricos ou relacionados à pesca;

165

⇒ O empreendedor considera que estes fatores, principalmente a questão cultural, são

um atrativo adicional para o empreendimento, portanto tem preocupações em não

descaracterizar a comunidade;

⇒ O empreendedor está comprometido com a garantia da qualidade ambiental da Barra

da Lagoa, por força do documento assinado com o Fórum da Barra;

⇒ O projeto terá tratamento de esgoto; o empreendedor foi é parceiro da comunidade

no esforço pela implantação da rede de esgoto para a Barra da Lagoa;

⇒ Com o empreendimento, a pesca artesanal e a pesca esportiva se potencializam

como produtos turísticos;

⇒ Os canais secundários recriam meandros antigos, embelezam o local e é o principal

elemento da viabilização econômica do empreendimento;

⇒ Mais de 60% do terreno do empreendedor será de uso coletivo da população: áreas

de eventos, praças, área comercial, canais, ruas públicas;

⇒ Estudos científicos que integram o licenciamento ambiental (LAI) comprovaram

que o assoreamento é provocado principalmente pela ação dos ventos nas dunas e

sedimentos das urbanizações no entorno da lagoa;

⇒ O empreendimento facilita a migração de espécies e não altera o transporte de

sedimentos;

⇒ O aprofundamento da foz é antiga aspiração dos pescadores; não se pretende alargar

o canal em nenhum trecho, como também não se aprofundará o canal entre o Projeto

e a Lagoa;

⇒ O sucesso do Porto da Barra depende da recuperação e manutenção da qualidade da

água no canal da Barra;

⇒ A convivência dos usuários do canal facilitará a educação ambiental, pelo uso

normatizado e disciplinado.

⇒ O empreendedor afirma ter dificuldade em promover o envolvimento e a

participação pública nas diversas etapas do projeto, pelo desconhecimento dos

meios que podem ser utilizados para este fim.

166

FUNDAÇÃO LAGOA

⇒ A ONG reconhece que o projeto foi muitas vezes debatido abertamente na

comunidade, e que foi louvável o empenho do empreendedor em abrir o projeto para

o público.

⇒ Para a Fundação Lagoa o entusiasmo do empreendedor com relação ao projeto é tão

grande que prejudica a sua compreensão integral da gravidade dos impactos que

serão causados;

⇒ Afirma que a capacidade de carga de poluição da Lagoa já se esgotou e que este

projeto significaria uma carga adicional que não teria como ser absorvida;

⇒ Critica o EIA/RIMA, principalmente o estudo sobre o fluxo de entrada e saída de

água no canal da Barra, e a ausência de estudos sobre solapamento das margens;

⇒ O aterro feito sobre uma área de manguezal, no terreno do empreendedor, foi feito a

pedido da comunidade, para a realização da Festa da Tainha;

⇒ Segundo a ONG, a comunidade só compreende os benefícios potenciais que o

projeto traria, como melhoria da urbanização do local, geração de empregos, entre

outros, sem entender a gravidade dos impactos que seriam causados;

⇒ Reconhecem que a postura da ONG nas reuniões junto à comunidade era vista de

forma negativa, em virtude dos questionamentos feitos com base nos pareceres

fornecidos pelos professores da UFSC;

⇒ Considera que um dos maiores impedimentos ao projeto é o impacto que a poluição

por TBT e outros poluentes poderá causar ao Laboratório de Maricultura da UFSC,

comprometendo suas atividades;

⇒ A ONG manifesta preocupação com a abertura do calado do canal da Barra.

Lembram o assoreamento da Lagoa da Conceição causado pelas dragagens

realizadas no início dos anos 80;

⇒ Não participaram da audiência pública por uma questão estratégica, mas

reconhecem que talvez esta não tenha sido uma decisão acertada;

⇒ Reconhece que a composição inicial da ONG era extremamente heterogênea, daí os

conflitos dentro da própria organização. Na época, um dos membros da diretoria da

167

ONG era a favor do empreendimento, vindo a ser advogado do empreendedor, tendo

de deixar a ONG. Outro membro, que chegou a ser Presidente da ONG, retirou-se

alegando que os demais membros não queriam negociar com o empreendedor;

⇒ Reconhece os benefícios que seriam gerados pelo empreendimento, principalmente

os relacionados à melhoria na paisagem, mas consideram que os riscos são muito

maiores do que os benefícios, uma vez que existem impactos que são

desconhecidos;

⇒ Propuseram a realização do empreendimento sem a construção dos canais internos,

aspecto que foi logo descartado pelo empreendedor, pois prejudicaria o acesso dos

usuários à Lagoa da Conceição e ao mar;

⇒ Manifestam preocupação com o controle do uso de embarcações na Lagoa da

Conceição, principalmente nos dias em que as condições do mar estiverem

desfavoráveis para passeios de lanchas e outras embarcações;

REPRESENTANTES DA COMUNIDADE DE PESCADORES

⇒ A Federação dos Pescadores de SC se preocupou desde o início com os impactos

ambientais e solicitou informações sobre como estes impactos seriam tratados.

Solicitou ao empreendedor informação sobre a construção dos canais internos.

⇒ O projeto foi enviado à Federação de Pescadores e à Colônia de Pescadores Z-11

para análise e sugestões. As preocupações maiores da comunidade são a questão do

assoreamento e o tratamento de esgoto.

⇒ As principais reivindicações foram o tratamento de esgoto, o Estudo de Impacto

Ambiental, e a utilização da mão-de-obra local na construção do empreendimento,

havendo garantias por parte do empreendedor de que elas serão atendidas.

⇒ Para o Presidente da Federação as reuniões informais favoreciam mais o diálogo

entre membros da comunidade e o empreendedor, enquanto que na audiência

pública muitas pessoas da comunidade não se manifestaram.

⇒ Tanto o presidente da Federação de Pescadores como o presidente da Colônia de

Pescadores Z-11 fazem críticas aos posicionamentos radicais de alguns membros da

Fundação Lagoa.

168

⇒ O Presidente da Colônia de Pescadores Z-11 confia na responsabilidade do

empreendedor e nos benefícios que o projeto trará para a comunidade.

⇒ O Presidente da Federação dos pescadores vê positivamente o papel desempenhado

pelo Ministério Público.

DEPARTAMENTO DE AQÜICULTURA - UFSC

⇒ A preocupação maior do Departamento de Aqüicultura da UFSC com relação ao

empreendimento é a poluição que será causada pelas embarcações;

⇒ Um dos professores do Departamento afirma que em diversas oportunidades foi

solicitado ao empreendedor que demonstrasse que o empreendimento não afetaria a

qualidade das águas utilizadas pelos laboratórios da UFSC, e eles não conseguiram

responder os questionamentos feitos a contento.

⇒ A poluição causada pelos barcos, principalmente o TBT (tributiltin) poderá

inviabilizar os altos investimentos realizados nos laboratórios, que realizam

atividades de ensino e pesquisa, além de produzirem sementes de mariscos e ostras

que são distribuídas por todo litoral de Santa Catarina, e no caso das sementes de

ostras por todo o litoral do Brasil.

⇒ Para o laboratório de aqüicultura, a alegação por parte do empreendedor, que em

nenhum momento haverá 300 embarcações na água não é suficiente para afastar os

riscos aos laboratórios. Não houve demonstração científica de que os laboratórios

estarão livres dos impactos que serão causados pela poluição.

⇒ O Departamento realizou uma revisão profunda dos históricos de empreendimentos

similares ao Porto da Barra no mundo, sendo constatado que é muito comum a

contaminação de moluscos e larvas jovens, inclusive em áreas a 50 km de distância

do empreendimento, o que demonstra como são potentes os poluentes liberados

pelas embarcações.

⇒ Se a produção do laboratório vier a parar devido à contaminação causada por

poluentes gerados pelo empreendimento, o Departamento de aqüicultura quer saber

do empreendedor quem arcará com o ônus, uma vez que o prejuízo afetará toda a

sociedade.

169

⇒ Quanto ao Plano de Monitoramento o Departamento de Aqüicultura acredita que até

que sejam detectados pelo monitoramento níveis altos de poluição nas águas no

canal, os laboratórios de aqüicultura já terão sofrido com o impacto.

⇒ Se o empreendimento for implementado os laboratórios assumirão uma atitude

preventiva, cobrando do empreendedor a execução do monitoramento, inclusive o

controle estrito do uso de embarcações, e caso seja necessário denunciarão o

empreendedor aos órgãos competentes.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

⇒ O MPF deu início à ACP por causa das deficiências encontradas no estudo de

impacto ambiental. Se tanto o empreendedor quanto a FATMA tivessem acatado

todas as determinações do MPF, no sentido de melhorar os estudos, talvez não

houvesse a ACP;

⇒ O papel da Fundação Lagoa foi essencial para expor os pontos frágeis do

EIA/RIMA e exigir as complementações;

⇒ Não faz parte das atribuições do MPF participar das discussões promovidas pelo

Fórum da Barra;

⇒ Quando há a participação do MPF esta deve ser apenas como ouvinte;

⇒ As discussões e negociações devem ser feitas entre o procurador e o empreendedor,

depois de ouvir a comunidade e outros atores;

⇒ Possivelmente o empreendedor quisesse a presença do MPF para legitimar o

projeto;

⇒ A Procuradora fez várias audiências com o empreendedor e tentou inclusive fazer

um Termo de Ajustamento de Conduta, propondo em primeiro lugar a não

realização dos canais secundários, mas não houve consenso, pois o empreendedor

recusava-se terminantemente a aceitar a proposta.

170

CASAN

⇒ Ainda não foi implantada a rede de coleta e tratamento de esgoto no local do

empreendimento, uma vez que este ainda não começou a ser construído;

⇒ A CASAN irá tratar o esgoto proveniente do empreendimento, mas é o

empreendedor que terá de arcar com os custos da implantação da rede coletora;

⇒ O Sistema Costa Leste já está em funcionamento a dois anos e poderá atender à

demanda de água gerada pelo empreendimento.

5.5 Principais impactos e aspectos técnicos do empreendimento

• Quanto aos impactos sobre os sítios arqueológicos

Para os peritos do Ministério Público Federal (2002), os Sítios Arqueológicos num

total de 6 registros (IPHAN), localizam-se no Canal da Barra da Lagoa, mais

especificamente na área de influência direta do empreendimento “Porto da Barra”. Os

Sítios Arqueológicos tipo oficina lítica, estão instalados nas rochas situadas nas margens

do Canal da Barra da Lagoa; localizando-se na área de influência direta de

empreendimento e debaixo da ponte pênsil (oficina lítica).

Os impactos negativos mais importantes são aqueles vinculados ao derrocamento,

que podem abrir fissuras ou mesmo partir a rocha matriz onde as Oficinas Líticas estão

localizadas. Mudanças no nível da água alterando as temperaturas das rochas podem

também agravar no comprometimento da conservação das Oficinas Líticas. Conforme

proposto no projeto apresentado ao IPHAN, as obras de derrocamento apesar de não

afetarem diretamente os Sítios Arqueológicos tipo oficina lítica, serão limítrofes a eles.

Para os peritos do empreendedor (2003), a oficina lítica existente às margens do

canal, próxima à Ponte Pênsil será resgatada pois um dos pilares da ponte se assenta

sobre ela. O novo projeto de ponte apresentado à Prefeitura terá seus pilares localizados

fora da oficina lítica. O derrocamento não atingirá nenhum sítio arqueológico e será

acompanhado pelo IPHAN.

171

• Quanto ao aumento do consumo de água

Para os peritos do Juiz (2002), existem cinco fluxos de água doce em torno da Lagoa

da conceição, além do manancial do Rio Vermelho que dista aproximadamente 7.000

metros da área do empreendimento. Este rio poderia atender a uma população de até

5.000 habitantes. Também está prevista a futura implantação do sistema Costa Leste-

Sul, a partir de uma captação da Lagoa do Peri, que poderia beneficiar a região da Barra

da Lagoa, e prover o empreendimento de um fornecimento regular de água.

Para os peritos do MPF (2002), não foi realizado no EIA/RIMA um levantamento

detalhado do aqüífero subterrâneo que poderá ser utilizado no empreendimento em

questão. Os rios que deságuam na Lagoa não poderão ser usados para captação, por se

situarem distante do local do empreendimento. A região não apresentava até

recentemente água de qualidade para os próprios munícipes e contribuintes. O

abastecimento atual da Barra da Lagoa vem da Lagoa do Peri (desde 1999), porém este

abastecimento só poderá abastecer no futuro um total de 147 mil habitantes (incluindo

toda a Planície do Campeche, Lagoa da Conceição, Armação, Pântano do Sul).

• Quanto aos impactos sobre o sistema viário

Para os peritos do MPF (2003), o impacto sobre o sistema viário é um dos tópicos

menos trabalhados pelo EIA/RIMA. A solução indicada a partir da duplicação da SC

406, não considera os lucros internalizados pelo empreendedor e os custos

externalizados para o Estado advindos da construção desta obra.

Para o peritos do Juiz (2002), deverá ocorrer um aumento no fluxo de veículos auto-

motores em torno de 750 unidades, mas o maior movimento de veículos deverá ocorrer

somente até o empreendimento. Além disso, um dos trechos de SC 406 que apresenta

maior fluxo de veículos já se encontra com planos aprovados para a duplicação.

Os peritos do empreendedor (2003) argumentam que o problema do trânsito

independe da implantação do empreendimento, e é comum a todas as cidades

brasileiras, dependendo para o seu equacionamento de políticas públicas. O

empreendedor é um agente pró-ativo nesta questão, atuando da seguinte forma:

- o Projeto contempla um volume de construções inferior ao que permite o Plano

diretor;

172

- a ocupação do empreendimento se dá ao longo do ano e não somente na alta

temporada;

- o empreendedor considera como alternativa o acesso aquático;

- uma rota alternativa utilizada com freqüência nos períodos de tráfego intenso é o

deslocamento pelo Rio Vermelho até a SC 401.

• Quanto ao tratamento de esgoto do empreendimento

Para os peritos do MPF (2002), no EIA/RIMA, não há um detalhamento do sistema

de tratamento de esgoto proposto e tão pouco o local da Estação. O RIMA afirma que “a

disposição do esgoto deverá merecer atenção na próxima fase de estudo, onde, através

de uma análise benefício x custo, poder-se-á concluir sobre a melhor alternativa” (p.

51). Isto é considerado pelos peritos uma falha de procedimento em termos de

implantação do empreendimento. “Como é possível realizar um EIA/RIMA, e submetê-

lo á análise pública, deixando-se para depois o estudo específico sobre um aspecto

central do impacto ambiental do empreendimento?”

Também é apontada a ausência de medidas referentes à adoção de tratamento não-

convencional dos resíduos sólidos (coleta e tratamento seletivo dos resíduos), o que

permitiria diminuir a sobrecarga exercida pelo empreendimento sobre o sistema

convencional da Prefeitura Municipal de Florianópolis.

Para os peritos do Juiz (2002), no EIA/RIMA o empreendedor se compromete a

tratar o esgoto gerado pelo empreendimento através de um sistema compacto composto

por lodo ativado, sendo depositado em uma área de 12.000 m² do empreendimento,

onde ocorrerá a infiltração no solo. Embora exista uma boa permeabilidade do solo, não

foi abordada no EIA/RIMA a distância do lençol freático, bem como os possíveis riscos

de contaminação da água.

Para os peritos do empreendedor (2003), todos os esgotos gerados, inclusive o das

embarcações serão tratados. Para isso a CASAN está em fase de conclusão do sistema

de tratamento de efluentes de toda a Barra da Lagoa, incluindo a demanda

proporcionada pelo empreendimento.

173

• Quanto à descaracterização do manguezal e marismas

Para os peritos do Juiz, durante o processo de ocupação da Barra da Lagoa e áreas

adjacentes ocorreu e está ocorrendo uma descaracterização do manguezal e dos

marismas existentes nessa região, decorrente das atividades antropogênicas e da

ocupação desordenada (não planejada e ilegal) das margens do canal da Barra.

Na área onde está sugerida a instalação do projeto Porto da Barra Ltda. não existe

um ecossistema manguezal bem estabelecido, sendo observadas durante visita técnica

apenas algumas pequenas manchas de espécimes de marismas (Spartina alternifolia) e

do mangue Laguncularia racemosa. Teoricamente seria possível a recuperação destes

ecossistemas, sendo que o tempo de recuperação estará inversamente relacionado com

o estágio de degradação do local.

O empreendedor compromete-se a respeitar a faixa de 15 metros da margem do

canal, não realizando edificações nesta faixa, o que não se observa na maioria das áreas

ocupadas no entorno, onde as edificações ocuparam a margem do canal.

Se após o estabelecimento do empreendimento forem respeitadas as questões de

controle ambiental e se o ambiente apresentar uma boa qualidade, poderá ocorrer o

estabelecimento de novos ecossistemas (micro-ambientes), nas áreas internas onde serão

abertos os novos canais.

Para os peritos do Ministério Público Federal (2002), houve descaracterização da

área por aterramentos feitos em datas passadas, para a realização de festas locais e por

ação de prepostos do empreendedor. Este fato foi constatado pelo IBAMA, em

06/10/95, quando o instituto autuou a empresa pela supressão e aterro do manguezal,

bem como a retilinização do canal da Barra. Em 1991 a área do empreendedor abrigou

a Festa da Tainha, através da qual a empresa buscaria “justificar” a eliminação da

cobertura vegetal e o aterramento parcial.

A recuperação da área é possível, desde que sejam suspensas quaisquer

interferências que alteram as condições mínimas de suporte a este ecossistema. A

retirada do aterramento é fundamental para o retorno das áreas inundáveis, caso

contrário, a nova situação instalada poderá comprometer a fauna aquática, ocorrer a

erosão das margens e o aumento de áreas atingidas pela enchente.

Para os peritos do empreendedor (2003), a área do terreno do empreendedor era

utilizada no período da colonização açoriana para a agricultura, e o terreno mantém

174

praticamente inalteradas suas características desde sua aquisição pelo empreendedor. A

implantação do empreendimento resgatará a vegetação da borda do canal (como

proposto no EIA/RIMA). Não houve supressão de manguezal nem aterros na área, e

tampouco a retilinização do Canal executados pelo empreendedor. O empreendedor

entrou com defesa administrativa contra a referida autuação do IBAMA, comprovando-

se que a mesma era descabida.

• Quanto aos impactos às espécies migratórias

Para os peritos do MPF (2002), os alevinos de tainhas e pós-larvas de camarão

certamente serão afetados pelo forte ruído provocado pelos motores dos barcos. Além

disso, a exposição de formas jovens à maior carga de poluentes estacionados no Canal

da Barra poderá impactar negativamente o comportamento e a sobrevivência destes

animais.

Para os peritos do Juiz (2002), o aumento do fluxo de embarcações no canal e o

conseqüente incremento no nível de ruído alterará o padrão de migração das espécies do

mar para o canal. No entanto a iluminação poderá atrair a comunidade zooplanctônica,

concentrando uma biomassa significativa destes organismos na região iluminada, o que

poderá ocasionar uma atração de larvas de camarões e peixes para estes locais. No

entanto estas duas hipóteses precisam ser comprovadas através de experimentos

científicos.

Para os peritos do empreendedor (2003), já existe um fluxo de embarcações de

recreio e de pescadores e que este fluxo aumenta independentemente da presença ou não

do empreendimento, sem nenhuma espécie de controle.

O impacto real sobre a migração somente poderá ser avaliado através de um

monitoramento permanente. Além disso, o movimento das embarcações é em sua

maioria diurno e concentra-se mais nos finais de semana, portanto pode não causar

nenhum ou pouco impacto sobre a migração, que pode ocorrer à noite. Há a

necessidade de se realizar estudos para identificar o ciclo de vida das espécies estuarino-

residentes e seu comportamento migratório, com ou sem o empreendimento, pois os

impactos já existem. O PBA apresenta uma proposta nesse sentido, assim será possível

determinar corretamente os impactos sobre a biota.

175

• Quanto aos impactos do aumento do número de embarcações para o ecossistema

lagunar

Para os peritos do Juiz (2002), o solapamento das margens do canal da Barra

atualmente é provocado não pelo fluxo de água, mas sim pelas marolas originadas pelo

movimento das embarcações. Portanto, se não houver controle da velocidade das

embarcações que transitam no canal ocorrerá o agravamento da situação já existente,

ocasionado problemas para os proprietários de imóveis às margens do canal.

Os impactos sobre o meio biótico ocorrerão tanto na fase de construção do

empreendimento como na operação, sendo que estes impactos serão concentrados

principalmente nas áreas imediatamente adjacentes ao empreendimento, com

comprometimento reduzido dos complexos bióticos presentes na Lagoa da Conceição e

mesmo nos trechos mais afastados do Canal da Barra da Lagoa.

Caso não exista um controle da eliminação de resíduos (domésticos, óleos,

combustíveis, tintas anti-incrustantes, etc.) e a implantação de um programa preventivo

de segurança de navegação e acidentes com poluentes, o ecossistema da Lagoa da

Conceição poderá sofrer sérias conseqüências, principalmente se ocorrer algum acidente

associado a períodos de maré de enchentes, que poderão transportar os resíduos para o

interior da Lagoa da Conceição.

O maior fluxo de embarcações também aumenta sobremaneira o risco de acidentes

no canal e conseqüentemente de eventos poluentes. Para a minimização dos riscos e

danos, deveria haver uma ação coordenada entre o poder público, o empreendedor e a

sociedade organizada, no sentido de providenciar fiscalizações intensas e continuadas

sobre a conduta dos usuários do canal, sobre as condições de manutenção das

embarcações, a instalação e manutenção de equipamentos de sinalização náutica, etc.

Para os peritos do empreendedor (2003), o empreendimento implantará um rigoroso

sistema de monitoramento para a manutenção das condições ambientais do ecossistema

lagoa-canal-mar e para o disciplinamento da navegação. O Canal já é utilizado por um

número determinado de embarcações, tanto de pesca como de recreio, sem nenhuma

fiscalização, sendo evidenciada esta situação no EIA/RIMA, onde é mostrada a

necessidade de um ordenamento, fiscalização e educação dos usuários.

176

• Quanto aos impactos da rede de canais sobre a Lagoa da Conceição

Para os peritos do MPF (2002), o projeto do empreendedor prevê que os canais

artificiais (3.200 m) seriam dragados sem contato com o canal principal, deixando-se 5

selos de 50 m (LAI 52/97), que seriam abertos após a construção das 9 pontes (10 m)

‘venezianas’ que interligariam as ilhas. Sem os muros, a erosão seria continua, fato que

se agravaria com a retirada da vegetação fixadora dos sedimentos no canal da Barra.

As modificações na morfologia do canal, caso instalado o empreendimento,

repercutiriam no ecossistema lagunar até onde se propaga a onda de maré, como já foi

observado com as obras da CIDASC, em 1982, obras estas consideradas pelos

especialistas como a maior agressão já realizada contra a Lagoa da Conceição.

As escavações e a derrocagem do leito e das margens do canal da Barra revolveriam

e suspenderiam os sedimentos, soterrando a vegetação e a fauna submersa de todo o

canal (LAI item B18). O sedimento obstruiria as brânquias dos peixes, crustáceos e

moluscos, causando-lhes a morte por asfixia ou por soterramento.

Segundo o PBA (1997) “o empreendimento criará um ‘novo ecossistema aquático

com características próprias distintas do canal principal da Barra, como por exemplo, o

menor fluxo da água, o maior tempo de residência, assim como a taxa de sedimentação,

as variações diárias serão mais marcantes e o aporte de poluição química será mais

direto, etc. (pág. 8 PBA)”. Para os peritos, mesmo no ‘ecossistema criado’ serão

necessárias dragagens contínuas porque o aumento do fluxo (6%) na entrada

possibilitará a entrada de mais sedimentos, seja da Lagoa na maré vazante, seja do mar

na montante.

Portanto, a implantação do empreendimento causaria a ruptura da dinâmica das

linhas laterais do canal da Barra, alterando o reabastecimento de areia, o fluxo de

entrada da maré e a vida do ecossistema lagunar, incluindo a sociedade humana

residente e flutuante.

Quanto às modificações na margem do canal, o empreendedor sugere a colocação de

telas de fibra naturais biodegradáveis, para propiciar uma proteção contra a erosão do

terreno e fertilizar o solo arenoso (LAI 052 B.14), tarefa que, segundo os peritos do

MPF, não é impossível, mas de difícil concretização e resultado satisfatório, face ao

“novo fluxo criado”.

Para os peritos do Juiz (2002), durante a fase de construção do empreendimento, se

177

a construção dos canais internos for realizada como está previsto, a seco, utilizando-se

escavadeiras hidráulicas e depois a abertura para o canal da Barra, não haverá aumento

na turbidez das águas do canal. O principal impacto dos canais internos da marina será a

possibilidade de criação de áreas de estagnação dentro dos mesmos, o que poderá levar

ao estabelecimento de ambientes anóxidos e com altas taxas de deposição de sedimentos

finos. Portanto, caberá ao empreendedor identificar tais áreas e tomar as medidas

necessárias para minimizar os efeitos dessa situação.

Quanto à modelagem hidrodinâmica apresentada pelo EIA, fica claro que não está

correta e portanto não permite avaliar as variações do fluxo da corrente que resultará

dos trabalhos de aumento do calado do canal.

Além disso, o estado da arte para a avaliação da estabilidade de embocaduras de

canais de maré está ainda em desenvolvimento e a adoção de uma ou outra abordagem

pode levar a diferentes conclusões. É necessário que o Poder Judiciário defina que o

ônus da manutenção das características de profundidade e largura do canal deve recair

sobre o empreendedor, independente dos usos futuros que o canal venha a ter.

Para os peritos do empreendedor (2003), em épocas passadas o Canal da Barra

possuía meandros e os canais artificiais de alguma forma irão recompor esses meandros.

O modelo matemático da circulação das águas formulados no EIA/RIMA e em estudos

adicionais induziram a um desenho dos canais de modo que não ocorra a estagnação das

águas. Além disso os estudos mostram que não haverá transporte significativo de

sólidos, com desprezível risco de assoreamento pela movimentação das águas no canal

principal e nos canais artificiais, sendo que estes poderão beneficiar a biota marinha.

Quanto a possíveis influências na hidrodinâmica do Canal da Barra, os estudos não

apontaram nada de significativo neste sentido. Foi realizado um estudo complementar

com registros de maré, correntes e parâmetros físico-químicos da água e sedimentos que

servirão como subsídios para melhoria e aferição do Modelo hidrodinâmico

desenvolvido.

Haverá um maior fluxo que permitirá uma maior taxa de renovação das águas da

Lagoa da Conceição, levando a uma melhoria da sua qualidade. Pode ocorrer também

um aumento da salinidade. Atualmente a salinidade média da Lagoa é de 27 ppm.

Devido à fixação do Canal da Barra, a Lagoa passou da condição mixohalina (salobra)

para eurihalina (marinha). A possibilidade de aumento da salinidade da água da lagoa

178

será acompanhada pelo Plano de Monitoramento, e em caso da necessidade de

diminuição da troca de água entre a lagoa e o mar, o EIA/RIMA prevê dispositivos de

redução da vazão facilmente aplicáveis, para permitir um controle do fluxo de água e

preservar a salinidade da Lagoa. Uma possível hipersalinização da lagoa só ocorreria

caso houvessem mudanças climáticas acentuadas, com drástica redução de chuvas e alta

evaporação, padrão que não é apontado pelos registros históricos do Instituto de

Nacional de Meteorologia (INMET).

• Quanto aos resíduos de combustíveis sobre a fauna e flora

Para os peritos do Juiz (2002), o EIA/RIMA não trata diretamente dessa questão,

mas descreve resumidamente os possíveis efeitos da contaminação por hidrocarbonetos.

Ressaltam que todos os produtos provenientes de petróleo podem ficar retidos nos

sedimentos finos dos manguezais e marismas, sendo posteriormente incorporados às

plantas. Para a fauna, o óleo livre ou emulsificado pode interferir nos processos

respiratórios, e provocar asfixia. Em experimentos com aves marinhas alimentadas por

peixes impregnados com óleo, as mesmas apresentaram alterações fisiológicas e

comportamentais.

Para os peritos do MPF (2002), os motores usados nas embarcações (lanchas,

veleiros, iates e jet-ski), de dois ou quatro tempos, quando em funcionamento lançam

uma média de 25 a 30% do combustível bruto na água. Os óleos lubrificantes e

combustíveis como gasolina, diesel, ou a mistura gasolina-diesel contém longas e

cíclicas cadeias de hidrocarbonetos de difícil degradação como o tolueno, benzeno,

xileno, naftaleno, indano, fenóis, formaldeído e também metais pesados que têm efeito

cumulativo, mutagênico e cancerígeno. Estes poluentes dissolvidos na água causam

danos à biota, em nível celular, metabólico e fisiológico, além de lhes conferirem sabor

e odor característico.

Para aos peritos do empreendedor (2003), os impactos que podem ocorrer serão

identificados e quantificados pelo Monitoramento e aplicadas as medidas corretivas se

necessário. As principais medidas são o controle, a fiscalização e a educação ambiental,

além do monitoramento permanente proposto pelo PBA.

179

• Quanto aos possíveis danos sobre a pesca

Para os peritos do Juiz (2002), a pesca realizada na região de implantação do

empreendimento e áreas internas adjacentes (principalmente Lagoa da Conceição) pode

ser definida como desportiva ou de subsistência. O EIA/RIMA não apresenta

informações sobre a importância da Lagoa da Conceição sobre as atividades de pesca

realizadas pela comunidade da Costa da Lagoa.

No EIA/RIMA são feitas considerações sobre a compatibilização da pesca artesanal

com o empreendimento Porto da Barra. Está comprovado que a região que apresenta

uma maior atividade pesqueira, com um maior envolvimento da comunidade artesanal e

importância econômica para a região e a área externa ao Canal da Barra da Lagoa, ou

seja, em mar aberto. As obras e a instalação do empreendimento Porto da Barra

poderão prejudicar o recrutamento da fauna nesta região, e a produção a ser capturada.

Também os efluentes (domésticos, combustíveis, óleos) que podem ser oriundos do

empreendimento podem prejudicar as características organolépticas dos pescados da

região, presentes tanto na área interna como externa ao canal da Barra da Lagoa.

“Externamente, se existirem acidentes ou não ocorrer um rigoroso monitoramento da qualidade da água na área sob influência do empreendimento, os moluscos (mariscos-gastrópodes) apresentarão características impróprias para o consumo, pois estes organismos são tradicionais bio-acumuladores e são coletados nos costões adjacentes ao canal da Barra da Lagoa, pela própria comunidade local.” (ACP,fl. 1674, 2002)

Para os peritos do empreendedor (2003), caso a poluição por esgotos, tintas e

combustíveis não for devidamente controlada, poderá haver comprometimento tanto da

qualidade como da qualidade do pescado, mas o PBA e o EIA/RIMA contemplam as

medidas corretivas e mitigadoras. Argumentam que estes impactos estão presentes hoje

e sem nenhuma medida corretiva em vigor.

• Quanto aos impactos sobre a fauna aquática

Para os peritos do Juiz (2002), durante a construção do empreendimento ocorrerá a

remoção da cobertura vegetal, causando a diminuição da área de proteção e alimentação

de camarões e tainhas. O processo de dragagem também causará, segundo o

EIA/RIMA, “o maior aporte de sedimentos finos, decorrentes da movimentação de

180

áreas adjacentes, comprometendo a produtividade primária (...) também ocorrerá a

depleção total da endofauna e epifauna na área afetada..”

Outro efeito negativo na fauna local, que poderá ser decorrente da operação do

empreendimento é o aumento no fluxo de embarcações no canal, com um incremento

no nível de ruído, o que irá alterar o padrão de migração das espécies do mar para o

canal. Além disso, a qualidade da água na região poderá sofrer com a utilização de

tintas anti-incrustantes e potenciais derramamentos de óleos e combustíveis,

apresentando efeitos diretos na reprodução, sobrevivência e desenvolvimento da flora e

fauna aquática local.

Para os peritos do empreendedor (2003), o PBA propõe a restauração das margens

do canal e áreas adjacentes, lembrando que as obras atingem um pequeno espaço e são

de curta duração. Já o aporte de sedimentos finos resultantes da dragagem também será

de curta duração, mas pode comprometer a transparência da água, a produtividade

primária e secundária, e causar a supressão da fauna local. Segundo os peritos isto será

restaurado após o processo naturalmente, ou pode-se incrementar o processo re-

introduzindo a fauna (peixes e camarões).

• Quanto aos impactos da obra sobre a bacia hidrográfica

Para os peritos do MPF (2002), o EIA/RIMA não considerou os impactos da obra

sobre a bacia hidrográfica. O EIA/RIMA considerou apenas o canal onde deveria ser

implantada a obra, embora o mesmo seja o maior contribuinte da bacia hidrográfica da

Lagoa da Conceição.

Também para os peritos do Juiz (2002), do ponto de vista hidrodinâmico, o

EIA/RIMA não considera os impactos sobre toda a bacia hidrográfica, sendo que a

modelagem hidrodinâmica apresentada tem como limites as embocaduras externa e

interna do canal da Barra da Lagoa. Para estes, a Lagoa da conceição, bem como a área

oceânica adjacente, deveriam também ser objetos de estudos para esclarecer as

seguintes questões:

- No caso de um acidente com derrame de óleo diesel ou gasolina, qual o alcance da

mancha nos dois sistemas? Quais ecossistemas seriam atingidos?

- Qual é a taxa de renovação das águas da Lagoa da Conceição?

181

- Qual seria o aumento da salinidade em vários pontos da Lagoa com o derrocamento

na seção da ponte pênsil?

- Qual a probabilidade de uma mancha, gerada no canal, atingir pontos estratégicos,

como a tomada d’água do laboratório de maricultura da UFSC?

Para os peritos do empreendedor (2003), a definição das áreas direta e indiretamente

afetadas seguiu o recomendado pela legislação específica e que os consultores

responsáveis pelos estudos desenvolveram uma análise muito mais abrangente do que a

definida pelas metodologias convencionais, principalmente nos estudos que precisavam

de uma maior precisão técnica, como a questão hidrodinâmica nas áreas dos canais

internos, os estudos de circulação, marés, e vazões no Canal da Barra e no corpo

lagunar. “O empreendedor manteve por mais de dois anos equipamentos e técnicos especificamente para a coleta e registro de dados necessários a alimentar os modelos matemáticos de simulação hidrodinâmica que permitiram a compreensão dos processos de fluxos e trocas de matéria e energia entre a lagoa, o Canal e o Oceano, e a efetiva ação em qualquer plano de contingência, se necessário. (...) essa infra-estrutura de investigação e monitoramento foi planejada para ser permanente a partir da implantação do empreendimento e que estes dados serão disponibilizados, gratuitamente, a comunidade científica e outros interessados. A FATMA, através do seu corpo técnico e por consultores externos por ela contratados, considerou a área de abrangência como suficiente para a análise dos impactos ambientais.”(ACP, fl. 2333, 2003)

• Quanto ao uso de tintas tóxicas

Para os Peritos do Juiz (2002), de acordo com o EIA/RIMA, a maioria das tintas

comercializadas são constituídas por um ligante (colofane, resina vinílica) que em

contato com a água, podem liberar propriedades tóxicas com efeito letal sobre a fauna e

flora. A partir de 1982, a utilização de tintas a base de organoestânicos passou a ser

controlada, diminuindo o aporte de sais mercúrio, arsênico e chumbo, substâncias que

possuem efeito cumulativo na cadeia trófica e podem chegar até a população humana

local pela ingestão de moluscos bivalves, crustáceos e peixes.

Não há meios de impedir o uso de tintas tóxicas nas embarcações que aportarão na

marina, uma vez que mesmo nos barcos de fibra ou nos de madeira e metal, é

imprescindível aplicar algum tipo de tinta para controlar ou reduzir a ação de

182

organismos incrustantes. Nas embarcações que aportarão na marina, mesmo não sendo

aplicado algum tipo de tinta durante sua permanência no local, ainda pode ocorrer

pequeno desprendimento de partículas. Entretanto, podem ser usadas tintas de baixa

toxicidade como o óxido cúprico, que diminuiria a contaminação das águas por tintas a

base de metacrilato de TBT.

Para os peritos do empreendedor (2002) é necessária a introdução de um controle

rígido da aplicação das tintas. Atualmente essa aplicação é feita de modo incorreto pelos

pescadores artesanais. As tintas de baixa toxicidade devem ter seu uso obrigatório no

empreendimento, sendo necessária uma campanha pública de esclarecimento através de

um Programa de Educação Ambiental. A mitigação dos impactos ambientais das tintas

anti-incrustantes depende da implantação do programa de monitoramento proposto pelo

empreendedor, sendo que este deve ser aplicado com ou sem a presença do

empreendimento, pois todos os riscos decorrentes destas tintas estão presentes hoje. O

sistema de monitoramento proposto pelo empreendedor será disponibilizado à

comunidade e às autoridades públicas.

Para os peritos do MPF (2002), como as tintas anti-incrustantes são usadas somente

em barcos de maior porte, que permanecem na água, elas já são aplicadas no estaleiro e

o barco chega na marinha com a tinta aplicada. As tintas anti-incrustantes na base de

óxido cúprico também podem causar impacto sobre a fauna. Estudos mostram a

toxicidade sobre as larvas da ostra Cassostrea gigas, a mesma espécie que é criada no

laboratório de Cultivo de Moluscos Marinhos da UFSC.

Substâncias como o TBT, em concentrações mínimas (2 partes por trilhão) causam

efeitos maléficos em moluscos bivalves (ostras), gastrópodes (litorina) e microalgas

(fitoplâncton), que vão desde a redução das populações, deformações da concha e

esterilidade, até a mortalidade massiva de ostras com perdas econômicas graves, como

por exemplo, da ordem de 147 milhões de dólares na baía de Arcachon (França).

• Quanto à contratação de mão-de-obra estranha à comunidade

Para os peritos do Ministério Público Federal (2002), no caso de contratação de

mão-de-obra estranha à comunidade, além do risco de ocupação desordenada de áreas

protegidas, há o problema de um adensamento populacional muito intenso e repentino,

que ameace a qualidade de vida da comunidade local.

183

“Ainda que a ocupação de áreas protegidas possa ser fiscalizada e coibida, um adensamento populacional não se constitui em crime ou contravenção, não podendo portanto ser contido por vias legais. Esse adensamento, entretanto, poderá pesar sobre o já precário sistema de transportes e de educação básica, e poderá multiplicar o número de ligações clandestinas de água, esgoto, eletricidade, etc.”(ACP, fl..1767, 2002)

Para os Peritos do Juiz (2002), serão criados aproximadamente 600 novos empregos

no pico da fase de implementação e 533 na operação, podendo levar a uma expansão da

população economicamente ativa (PEA) residente na Barra da Lagoa, devido às

oportunidades de emprego e trabalho, caso o empreendedor não procure absorver a PEA

local, o que poderá levar a uma ocupação desordenada, inclusive em áreas de proteção.

Para os peritos do empreendedor (2002), durante a realização das obras haverá

contratação de mão-de-obra específica de construção civil, com absorção temporária de

pessoas da comunidade local e de fora. Durante a fase de operação a mão-de-obra será

permanente, sendo que o empreendedor se compromete com o treinamento e absorção

de pessoas da comunidade local, como descrito no EIA/RIMA.

• Quanto aos impactos aos laboratórios de maricultura da UFSC

Para os peritos do Ministério Público Federal (2002), a preocupação dos técnicos

destes laboratórios surge da não demonstração, por parte do empreendedor, que a

poluição resultante do empreendimento não irá atingir a água de captação destes

laboratórios. Os laboratórios possuem dois pontos de captação da água, um na praia de

Moçambique (a 2 km do Canal) e outro na Lagoa da Conceição (a 1.200 metros da

ponte de concreto). Num eventual acidente naval no canal, onde o combustível seja

derramado, ou simplesmente por causa do aumento da concentração de poluentes das

tintas dos barcos, as conseqüências nos referidos laboratórios serão mais do que

desastrosas.

Para os peritos do Juiz (2002), não se sabe ao certo se a poluição dos barcos poderá

afetar a captação de água dos laboratórios de maricultura da UFSC. Não existem

informações de correntes oceânicas obtidas nessa região, nem modelos hidrodinâmicos

devidamente calibrados, que permitam o cálculo da advecção e do espalhamento de

184

manchas de óleo diesel e gasolina gerados por acidente que possam vir a ocorrer com as

embarcações. Os laboratórios da UFSC, no entanto, não estão livres de derramamentos

de óleo, uma vez que podem acontecer acidentes com lanchas oriundas de outras

localidades, barcos de pesca, navios cargueiros, petroleiros, plataformas de petróleo

operando na Bacia de Santos, etc.

Para os peritos do empreendedor (2003), os riscos de contaminação das águas

captadas pelos laboratórios da UFSC, decorrentes da presença do empreendimento, são

praticamente nulos, mas o PBA prevê medidas corretivas caso corram acidentes, tendo

sido feita uma análise dos riscos.

185

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DO ESTUDO DE CASO

O projeto Porto da Barra Ltda. foi um dos primeiros casos em que se promoveu o

envolvimento e a participação pública, no município de Florianópolis, antes da

realização do EIA/RIMA e da audiência pública, e espera-se que ele seja pioneiro neste

sentido, abrindo o caminho para que outros empreendimentos submetidos à Avaliação

de Impacto Ambiental façam o mesmo. No entanto, é possível que a percepção das

pessoas, principalmente de outros empreendedores, a partir do caso do Porto da Barra,

leve a conclusões errôneas, como por exemplo, ‘a participação pública estimulou a

oposição’, ou ‘causou atrasos no processo’, portanto, é preciso que se esclareçam os

conflitos que acabaram resultando em uma Ação Civil Pública.

Inicialmente, devemos considerar que as constatações feitas pelo estudo de caso

apontam em primeiro lugar para as deficiências do EIA/RIMA produzido para o

empreendimento Porto da Barra Ltda., em vista de um empreendimento vultoso e com

impactos variados sobre o meio ambiente. Os aspectos abordados no EIA/RIMA não

forneceram um quadro amplo dos impactos importantes do projeto, incluindo questões

de interesse particular para todos os grupos e indivíduos afetados.

Através deste estudo de caso é possível constatar o papel fundamental da

participação pública no processo de Avaliação de Impacto Ambiental, principalmente

no sentido de aprofundar os estudos de impacto ambiental e permitir a inclusão de

questões e interesses que de outra forma não seriam considerados. A participação

pública evita que impactos importantes sejam negligenciados, e mesmo que torne o

processo mais trabalhoso para o empreendedor, o ajuda a assegurar uma maior

confiança e credibilidade junto à comunidade, além de evitar surpresas desagradáveis

que podem acontecer durante a implementação e operação do projeto, devido a uma

avaliação de impacto ambiental deficiente.

No caso Porto da Barra, o envolvimento e a participação pública ocorreram antes da

realização do EIA/RIMA e da audiência pública, no entanto, seria desejável que este

envolvimento tivesse iniciado na etapa de escopo. Relatou-se neste trabalho que a

elaboração inadequada do Termo de Referência resulta em EIA/RIMAs de baixa

qualidade. Segundo o empreendedor, o Termo de Referência do empreendimento nunca

foi atacado ou invalidado, mas como o escopo apenas mostra ao empreendedor os

186

aspectos que devem ser privilegiados no EIA/RIMA, talvez o documento resultante

desta etapa, o Termo de Referência, elaborado pelo órgão estadual de meio ambiente –

FATMA, não tenha sido capaz de orientar a realização dos estudos de impacto

ambiental adequadamente.

Embora não seja obrigatório pela legislação brasileira referente à Avaliação de

Impacto Ambiental, e talvez dentro da atual cenário institucional isto não seja possível,

o órgão ambiental responsável pelo licenciamento deveria determinar a realização de

consultas públicas durante a etapa do escopo, para assegurar que todos os impactos,

questões, alternativas, mitigações e interesses levantados pelas partes possam ser

considerados. Desta forma, aumentam-se as chances de produzir um relatório de

impacto ambiental que satisfaça aos diversos atores que participam do processo de

AIA, e reduz-se o risco de atrasos no processo, devido a pedidos de informação

adicional depois que o relatório de impacto ambiental é submetido à autoridade

competente.

Como foi visto neste trabalho as diretrizes da Resolução CONAMA nº 1/86

determinam, embora sem muito detalhamento, o conteúdo obrigatório dos estudos de

impacto ambiental. Entre outros aspectos essa Resolução determina que sejam

consideradas todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, o que é

dificultado no caso Porto da Barra Ltda. pelo fato do empreendedor ser o proprietário da

área onde o projeto está localizado. No entanto, esse fato não anula a determinação de

que sejam avaliadas outras alternativas locacionais, e não deveria ser utilizado pelo

empreendedor para justificar a não inclusão destas alternativas no EIA/RIMA.

Quanto à definição da área de influência do projeto considerando a bacia

hidrográfica na qual se localiza, outra determinação da Resolução CONAMA nº 1/86,

fica claro que, do ponto de vista hidrodinâmico, o EIA/RIMA não considerou os

impactos sobre toda a bacia hidrográfica da Lagoa da Conceição, e que isto seria

necessário para garantir um maior grau de controle dos impactos provenientes do

empreendimento.

Nesta pesquisa foi destacado o papel fundamental das ONGs ambientalistas dentro

do processo de Avaliação de Impacto Ambiental. No caso Porto da Barra Ltda., a

ONG Fundação Lagoa, atuou no sentido de revisar o EIA/RIMA e aprofundar o

processo de AIA, através de consultas com diversos departamentos da Universidade

187

Federal de Santa Catarina, que permitiram a identificação de impactos e questões

adicionais.

A articulação entre a Fundação Lagoa e o Ministério Público Federal foi

necessária para que o órgão ambiental estadual considerasse os aspectos levantados

pela ONG, a partir das consultas feitas com os professores da UFSC. Contudo, a

atuação do órgão ambiental estadual – FATMA – foi bastante criticada pelo Ministério

Público Federal. Devido à falta de estrutura e à complexidade dos impactos ambientais

do empreendimento Porto da Barra, este órgão não foi capaz de realizar sozinho a

revisão dos estudos de impacto ambiental, sendo necessária a contratação de técnicos

externos à instituição. Na verdade, a falta de pessoal qualificado é um problema da

maioria dos órgãos ambientais estaduais, sendo necessários recursos e ações para

fortalecer a estrutura institucional e atender efetivamente às demandas do processo de

Avaliação de Impacto Ambiental. É fundamental que os órgãos ambientais do governo

mantenham equipes técnicas capazes de garantir que todas as condições técnicas

referidas nos projetos submetidos ao licenciamento sejam devidamente preenchidas.

No caso Porto da Barra Ltda., o deferimento da LAP para o empreendimento, e

posteriormente da LAI, foi realizado antes que todos os impactos apontados pelo

Ministério Público Federal fossem devidamente considerados. Como o órgão ambiental

estadual acatou somente algumas das determinações estabelecidas pela Procuradoria da

República em Santa Catarina, no sentido de aprofundar a avaliação dos impactos, o

caso resultou numa Ação Civil Pública.

A Ação Civil Pública é um dos instrumentos que podem ser utilizados pelo

Ministério Público Federal para acionar, mesmo que liminarmente, os responsáveis por

danos causados ao meio ambiente. Apesar de não haver danos prévios no caso Porto da

Barra Ltda., uma vez que o projeto não chegou a ser implementado, as atitudes do

Ministério Público Federal basearam-se no Princípio da Precaução, proposto

formalmente na Conferência RIO 92, que consiste na “garantia contra os riscos

potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda

identificados.” Este Princípio afirma que “a ausência da certeza científica formal, a

existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de

medidas que possam prever este dano.”

188

Um dos principais problemas do processo de AIA é justamente a falta de

embasamento científico na análise dos impactos, até mesmo porque, analisar

cientificamente certos impactos de um projeto pode levar mais tempo do que

geralmente é dispensado para a elaboração dos estudos e do relatório de impacto

ambiental. No entanto, a utilização de informação científica não deveria nunca ser

negligenciada por causa de atrasos que podem ser ocasionados ao processo. A

contribuição científica, como foi visto nesta pesquisa, pode e deve começar desde a

etapa da definição do escopo de um projeto, principalmente em casos complexos e que

envolvam impactos variados.

Um fator gerador de conflitos no caso Porto da Barra Ltda. é o impacto potencial

que a poluição gerada pela operação empreendimento poderá causar aos Laboratórios

de Maricultura da Universidade Federal de Santa Catarina. Não foi demonstrado

cientificamente que a poluição gerada pelas embarcações não atingirá o ponto de

captação de água pelos laboratórios, em caso de um acidente com derramamento de

combustível ou pelo aumento da concentração de poluentes nos canais. As medidas

mitigadoras e de monitoramento apresentadas pelo empreendedor não foram suficientes

para garantir aos pesquisadores dos laboratórios que a produção de sementes de

moluscos, alevinos de peixes, e pós-larvas de camarões marinhos não será

comprometida, bem como para resguardar a defesa dos interesses difusos de toda a

comunidade. Portanto, esta é uma questão que precisará de maiores esclarecimentos

para reduzir as incertezas com relação aos impactos da operação do empreendimento.

Quanto à participação pública no caso Porto da Barra Ltda., o próprio empreendedor

afirma ter encontrado dificuldades em promover o envolvimento do público,

principalmente das comunidades locais. Isto ocorreu devido à falta de informação sobre

o envolvimento e participação dos atores em AIA, antes da realização da audiência

pública. Mesmo assim, o empreendedor, ao abrir o projeto à participação pública

conferiu uma transparência fundamental ao processo de AIA, dando oportunidade para

que os diversos atores tomassem conhecimento do que estava sendo proposto. A opção

por trabalhar posteriormente junto às comunidades locais, uma vez estas seriam a

principais afetadas pelo projeto, fez com que fosse criado um espaço de negociação, o

Fórum da Barra, que permitiu discussões sobre as necessidades da comunidade, visando

a sua valorização, além de aspectos relacionados diretamente com o projeto. Foram

189

utilizadas várias formas para envolver o público como a disseminação de informação

sobre o projeto (cadernos de perguntas e respostas, distribuição de materiais impressos),

consulta (contatos pessoais, equipe de ligação com a comunidade, comitê consultivo da

comunidade, reuniões públicas, audiência pública) e participação (negociação). No

entanto, o órgão ambiental estadual permitiu a realização da audiência pública antes da

entrega da complementação do EIA/RIMA, contrariando a determinação da Resolução

CONAMA nº 237 de 1997, no que se refere às etapas do procedimento de

licenciamento ambiental. Além disso foram protocolados junto ao referido órgão,

pedidos para a realização de audiências públicas em outras localidades do distrito da

Lagoa da Conceição, solicitações que não foram levadas em consideração.

No que diz respeito à negociação promovida pelo Fórum da Barra, alguns atores

criticaram a Fundação Lagoa e o Ministério Público Federal, alegando que estes se

negaram a negociar com o empreendedor. O Ministério Público alega que não tem a

atribuição de negociar em reuniões do Fórum da Barra, e que as negociações devem ser

feitas entre o procurador e o empreendedor, depois de serem ouvidos a comunidade e

outros atores. No entanto, o Ministério Público Federal propôs um Termo de

Ajustamento de Conduta, recusado pelo empreendedor. No caso da Fundação Lagoa,

há de ser destacado que a mesma se recusou a negociar principalmente pelo fato do

empreendedor não admitir a possibilidade de construir o empreendimento sem os canais

internos e sem o aprofundamento da foz do canal principal. Como estes canais são, para

o empreendedor, o principal elemento da viabilização econômica do empreendimento, e

para a Fundação Lagoa (e Ministério Público Federal), uma ameaça capaz de causar

danos irreversíveis ao meio ambiente, criou-se um impasse e não foi possível chegar a

um consenso.

É possível que, se estas negociações tivessem sido conduzidas por um facilitador

externo e imparcial, como ocorre nos casos de mediação ambiental, e não pelo

empreendedor, as discussões tivessem encontrado um resultado mais favorável, mas não

se pode afirmar que isto aumentaria as chances de se chegar a um consenso entre o

empreendedor e a Fundação Lagoa. A mediação e resolução de conflitos ambientais é

um instrumento muito útil para ser usado em processos de AIA litigiosos, e pode ser

aplicado em casos como o do Porto da Barra, desde que exista uma certa flexibilidade

das partes.

190

Esta pesquisa considera que, mesmo quando existe um amplo envolvimento e

participação das comunidades no processo de AIA, como houve no caso do

empreendimento Porto da Barra Ltda., sempre existem formas de fazer com que os

cidadãos participem de modo a alcançar graus mais altos de poder dentro do processo

de tomada de decisão. Muito se falou nesta pesquisa sobre a educação pública visando o

processo de AIA, e não somente o projeto. A educação das comunidades é um dos

princípios da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), e pode ser um

meio através do qual as pessoas da comunidade que se opõem a um projeto se

organizem para fazer valer o peso da oposição, principalmente nos casos onde esta

oposição não é conduzida por outros atores, como as ONGs. A educação para a AIA

poderia ser promovida pelas universidades ou por organizações não governamentais, de

forma a levar informação sobre as diversas etapas do processo e sobre como a

comunidade pode se organizar para, de acordo com Diduck (1999), ‘avaliar discursos

pró-desenvolvimento e apresentar contra-discursos eficazes’.

A educação para a AIA deveria ter como alvo também os próprios empreendedores,

de modo a proporcionar a informação adequada para garantir o cumprimento da

legislação e evitar maiores conflitos.

Quanto aos principais impactos e aspectos técnicos do projeto Porto da Barra,

algumas considerações devem ser feitas. A operação do empreendimento poderá afetar a

disponibilidade e a qualidade do pescado, devido aos impactos sobre o recrutamento da

fauna e dos poluentes que serão gerados, inviabilizando a pesca artesanal e esportiva,

que segundo o empreendedor, são elementos que com o empreendimento se

potencializam como produtos turísticos.

No que se refere à área de manguezal de 8.434 m² constatada pelo órgão estadual

ambiental em 1990, fica evidente a descaracterização ocorrida, pois na perícia

realizada em 2002 os peritos do Juiz constataram haver somente “pequenas manchas”

deste ecossistema. No entanto, pela legislação brasileira, a área, mesmo

descaracterizada, continua sendo Área de Preservação Permanente (APP), de forma que

a descaracterização não pode tornar relativa a norma.

Quanto à infra-estrutura necessária para o empreendimento Porto da Barra Ltda., já

existe alguma definição sobre o atendimento das demandas de água e esgoto, aspectos

essenciais para a viabilização do empreendimento. O abastecimento de água poderia ser

191

proveniente do Sistema Costa Leste, que segundo a CASAN já se encontra em

funcionamento à dois anos e poderia atender à demanda do empreendimento. A questão

do esgoto conta com o empenho do empreendedor, e segundo a CASAN os efluentes do

Porto da Barra serão tratados, desde que o empreendedor se comprometa a arcar com os

custos de implantação da rede coletora para o empreendimento.

Quanto ao sistema viário, a duplicação da SC 406, apontada como uma possível

solução para o problema do maior afluxo de veículos automotores no caso da

implantação empreendimento, ainda não possui prazo determinado para sua realização.

No entanto, apesar das indefinições com relação ao atendimento desta demanda, o

empreendedor afirma que existem alternativas que poderiam ser utilizadas pelos

usuários do empreendimento, como o transporte aquático e o deslocamento pelo Rio

Vermelho até a SC 401.

Com relação à mão-de-obra a ser utilizada na construção do empreendimento, a

utilização de empregados que não pertençam à comunidade poderá causar problemas

durante a implantação do empreendimento, como a ocupação desordenada e

conseqüentemente pressões sobre a infra-estrutura local. Por outro lado, durante a fase

de operação do Porto da Barra, a utilização da mão-de-obra residente na Barra da

Lagoa, prometida pelo empreendedor, será um aspecto positivo do empreendimento,

que pode contribuir para o aumento da população economicamente ativa local.

O empreendedor propõe tratar os impactos potenciais do aumento do número de

embarcações, da poluição por combustíveis, tintas anti-incrustantes e outros através da

implementação de medidas de educação ambiental, monitoramento contínuo e

fiscalização. Na verdade, o Porto da Barra Ltda. é um projeto que vai exigir um

monitoramento eficaz e permanente para evitar que o agravamento dos impactos

ambientais negativos se torne uma ameaça não só às águas do canal e da Lagoa da

Conceição, mas também ao próprio empreendimento. Os impactos do empreendimento

são sérios, e caso ocorra falhas neste monitoramento poderão ser causados danos

irreparáveis à Lagoa da Conceição.

Será preciso uma grande eficiência para gerenciar a informação obtida a partir

desse monitoramento e implementar no tempo certo as ações requeridas como resultado

do mesmo, para evitar que seja causado algum dano ao meio ambiente. A fiscalização

não poderá ser delegada ao poder público somente, sendo necessário que o

192

empreendedor e a sociedade organizada participem ativamente das atividades que terão

de ser realizadas de forma intensa e contínua, para que se alcance os efeitos desejados.

O empreendedor alega que o estado atual de conservação da Lagoa da Conceição já

é preocupante, pois os impactos decorrentes das embarcações que circulam atualmente

no canal e na Lagoa já estão presentes, e que a implantação do empreendimento atuaria

no sentido de melhorar esta situação, em virtude do disciplinamento dos usuários, a ser

promovido pelo monitoramento. No entanto, se este falhar em algum momento, o

empreendimento causará um maior nível de poluição no local, aumentando muito os

impactos que ocorrem hoje em dia. E como foi visto neste trabalho, o empreendedor é o

responsável por eventuais danos ocasionados ao meio ambiente, uma vez que é ele

quem recebe os benefícios da atividade.

O empreendedor também não poderá se fiar no comportamento ecologicamente

correto dos usuários, sendo imprescindível a aplicação efetiva de punições no caso de

desobediência às normas de uso das embarcações (como por exemplo, dirigir

embriagado ou sem habilitação).

Portanto, a implantação do empreendimento exigirá um comprometimento

permanente da empresa Portobello com a comunidade da Barra da Lagoa e com a

garantia da qualidade ambiental local, não só pelo que foi firmado através do Fórum da

Barra, mas porque, ao que tudo indica, os atores interessados realizarão uma forte

pressão e cobrarão a responsabilidade no caso de eventuais danos ocasionados ao meio

ambiente.

193

7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

As diretrizes estabelecidas pelo UNEP (1996) e European Commission (2001)

servem para orientar o processo de AIA, de forma que seja realizado de forma eficaz,

responsável, e transparente. A definição do escopo da AIA é uma etapa decisiva, na

qual o público deve ser envolvido e consultado para que sejam considerados todos os

impactos, questões e interesses levantados por todos os participantes do processo de

Avaliação de Impacto Ambiental. Desta forma aumentam-se as chances de produzir um

relatório de impacto ambiental que satisfaça a todos os atores.

As principais deficiências do processo de AIA derivam-se da grande subjetividade

envolvida em etapas essenciais do processo, como na identificação, previsão e avaliação

dos impactos, bem como na revisão dos estudos de impacto ambiental, da priorização de

aspectos políticos sobre aspectos técnico-científicos quando da tomada de decisão, e das

dificuldades para a realização do monitoramento e da auditoria.

A aplicação da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) depende das

condições políticas e institucionais de cada órgão ambiental. Nessa situação incluem-se

a atuação do sistema de licenciamento e o processo de revisão dos relatórios de impacto

ambiental (RIMA), a criação dos Conselhos Estaduais de Meio ambiente ou o

atendimento adequado às decisões do CONAMA.

No que se refere à estrutura institucional, são necessários recursos humanos e

financeiros suficientes para atender satisfatoriamente às demandas do processo de AIA,

principalmente para suprir os órgãos ambientais estaduais com equipes capazes de

revisar satisfatoriamente os estudos e relatórios de impacto ambiental.

É clara a necessidade de se complementar a regulamentação brasileira sobre a AIA,

principalmente a estabelecida pela Resolução CONAMA nº 1/86, para evitar equívocos

que podem surgir de aspectos insuficientemente descritos ou obscuros. Com relação à

participação pública, é preciso que sejam estabelecidas determinações no sentido de

melhorar o processo. A realização de audiências públicas no final da AIA não é

suficiente para garantir que o público tenha alguma influência no processo e na tomada

de decisão. Portanto, há a necessidade de utilização de outros mecanismos, desde os

momentos iniciais do processo, para se promover uma participação mais eficaz.

194

O envolvimento dos atores no processo de AIA é essencial para promover uma

tomada de decisão mais democrática, e para alcançar os vários benefícios que resultam

da participação pública. A educação pública deve fazer parte do envolvimento público,

sendo necessária para se transferir conhecimento para as comunidades, não apenas sobre

o projeto, mas principalmente sobre o processo de AIA. As ONGs podem atuar de

diversos modos, promovendo a participação, e inclusive conduzindo a educação

pública, sempre no sentido de aprimorar o processo de avaliação de impacto ambiental.

A mediação em AIA pode ser uma forma de promover uma negociação mais efetiva,

através de um facilitador imparcial que atua no sentido de criar um diálogo construtivo e

ajuda a resolver os conflitos entre as partes. No entanto, é preciso ser reiterado que para

se utilizar a mediação ambiental em AIA é essencial que haja flexibilidade das partes

envolvidas.

É importante salientar que cabe aos próprios atores do processo de AIA a

responsabilidade de promover uma participação mais eficaz, através de pressões no

sentido de melhorar os canais e mecanismos de envolvimento e participação pública,

uma vez que não estejam satisfeitos com aqueles existentes atualmente.

RECOMENDAÇÕES

É preciso que as melhorias no processo de AIA, principalmente as relacionadas ao

envolvimento e participação pública, sejam realizadas no nível da política ambiental,

das instituições governamentais e da legislação. O fornecimento de informação sobre as

técnicas adequadas que podem ser empregadas para promover a participação pública

nas diferentes etapas do processo de AIA, bem como a informação sobre os benefícios

decorrentes desta prática (não só para o processo em si, mas também para o sucesso do

empreendimento) pode estimular os empreendedores a tomar a iniciativa nesse sentido,

mesmo que não exista uma obrigação para que isso ocorra. No entanto, no que se refere

à legislação, deveriam ser feitas algumas melhorias no sentido de corrigir as falhas e

omissões existentes.

Em primeiro lugar, deveria ser determinado em nível legislativo que a participação

pública comece a partir da etapa de escopo. Os órgãos ambientais deveriam realizar

195

consultas públicas com os atores, antes da preparação dos Termos de Referência, para

uma ampla identificação dos impactos e interesses envolvidos.

A audiência pública deveria ser obrigatória em todos os estados brasileiros, e não

somente naqueles que estabelecem esta obrigatoriedade por reconhecer que isto é o

mínimo que se pode fazer para que o processo de avaliação de impacto ambiental seja

aberto e democrático. Além disso, deveriam ser realizadas audiências públicas em todas

as localidades a serem afetadas pelo projeto. Também é preciso que haja uma

informação extensiva ao público e às pessoas interessadas sobre o processo de AIA, e

sobre o acesso aos estudos de impacto ambiental, além de um prazo maior para se

fazerem comentários sobre o projeto.

A legislação poderia tornar obrigatório que cada empreendedor desenvolvesse seu

próprio programa de envolvimento e participação pública e o apresentasse ao órgão

ambiental estadual no início do processo de licenciamento. A extensão do programa de

envolvimento e participação pública requerido deveria ser proporcional ao tamanho e

aos impactos do projeto, bem como ao número de atores envolvidos e comunidades a

serem afetadas, e os meios de envolvimento e participação utilizados deveriam adequar-

se às peculiaridades de cada caso. Desta forma, não somente os órgãos ambientais

arcariam com a responsabilidade e com os custos do envolvimento e participação

pública.

A legislação também poderia determinar que em processos complexos envolvendo

questões litigiosas, poderiam ser utilizadas técnicas de mediação e resolução de

conflitos ambientais.

Enfim, é essencial que sejam desenvolvidas diretrizes e guias para

empreendedores, administradores de órgãos ambientais, cidadãos e advogados

interessados em participar do processo de AIA.

196

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202

ANEXO A

Questionamentos/Entrevistas 1. Colônia de Pescadores Z-11/ Federação de Pescadores de Santa Catarina

− Como eram as reuniões realizadas com o empreendedor para discutir o projeto?

− Faz parte do envolvimento público o empreendedor apresentar

compensações e garantias pelos impactos que serão causados. Quais as compensações e garantias que o empreendedor prometeu para a comunidade?

2. Empreendedor

− Quais foram os meios de participação pública utilizados (reuniões, assembléias, palestras)?

− O público foi envolvido, ou consultado de alguma forma para o

estabelecimento dos termos de referência? Como foi realizado o termo de referência?

− O público participou dando sugestões ao projeto? Quais sugestões foram

incorporadas ao projeto?

− Houve alguma modificação no projeto?

− Vocês aceitariam sugestões de mudanças no design por parte dos atores (ONGs, universidade, etc.)?

3. Fundação Lagoa

− Como eram realizadas as reuniões feitas pelo empreendedor?

− Quais foram as garantias e compensações que o empreendedor fez à comunidade?

− Por que a Fundação Lagoa não participou da audiência pública?

− Quais os principais problemas deste projeto para a Fundação Lagoa?

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− Os representantes da comunidade pesqueira reclamaram que os

membros da Fundação Lagoa e da Amola faziam críticas ferrenhas ao projeto e não ouviam as argumentações do empreendedor. O que vc tem a dizer sobre isso?

4. CASAN

− Sobre as demandas de água e esgoto do empreendimento Porto da Barra Ltda., existem condições de atendê-las satisfatoriamente?

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ANEXO B

RESOLUÇÕES CONAMA • Resolução CONAMA nº 1/96 – estabelece a exigência de elaboração de Estudo de

Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto ambiental (RIMA) para o licenciamento das atividades constantes em seu artigo 2º.

• Resolução CONAMA nº 6/86 – trata dos modelos de publicação de pedidos de licenciamento, em quaisquer de suas modalidades, sua renovação e respectiva concessão de licença.

• Resolução CONAMA nº 11/86 – altera e acrescenta atividades modificadoras do meio ambiente apresentadas no artigo 2º da Resolução n. 001/86.

• Resolução CONAMA nº 6/87 – estabelece regras gerais para o licenciamento ambiental de obras de grande porte de interesse relevante da União, como geração de energia elétrica.

• Resolução CONAMA nº 10/87 – estabelece com pré-requisito para licenciamento de obras de grande porte a implantação de uma estação ecológica pela instituição ou empresa responsável pelo empreendimento com a finalidade de reparar danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas.

• Resolução CONAMA nº 5/88 – dispõe sobre licenciamento das obras de saneamento para as quais seja possível identificar modificações ambientais significativas.

• Resolução CONAMA nº 8/88 – dispõe sobre licenciamento de atividade mineral, o uso do mercúrio metálico e do cianeto em áreas de extração de ouro.

• Resolução CONAMA nº 9/90 – estabelece normas específicas para o licenciamento ambiental de extração mineral das classes I, II, IV, V, VI, VII, VIII e IX.

• Resolução CONAMA nº 10/90 – estabelece critérios específicos para o licenciamento ambiental de extração mineral da classe II.

Fonte: Bastos e Almeida (1999)