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Campinas Julho 2007

Page 4: Tese Paiva,ClaudioCesarde

v

Este trabalho é dedicado especialmente para Suzana e Sofia que são o norte da minha vida e responsáveis pelos meus sucessos.

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vii

AGRADECIMENTOS

O ano de 2007 é realmente o melhor período da minha vida, dois filhos irão nascer

com diferença de um mês: a Sofia e a tese. São filhos com prazeres diferenciados, uma vez que a

primeira foi um projeto exclusivo meu e da Suzana, enquanto que o segundo, embora solitário na

maioria do tempo, se constitui um projeto de construção coletiva. Daí minha gratidão a tantos

amigos e pessoas que no afã de ver os resultados desse projeto me incentivaram ao longo da tese.

Quero inicialmente agradecer aos membros da banca. Ao Prof. Wilson Cano, mestre

de uma geração de economistas regionais, a quem devoto minha admiração e respeito acadêmico

desde a graduação. Suas observações e sugestões para as mudanças de rumo na banca de

qualificação foram fundamentais para que a tese ganhasse um aspecto mais orgânico e que se

atingissem os resultados aqui apresentados.

À Profª. Maria Alejandra Caporale Madi não somente por suas pertinentes

observações e sugestões na banca de qualificação e pela seriedade na condução das análises, mas,

sobretudo pelo apoio dado durante o período que trabalhamos juntos na graduação. Sou

eternamente grato por tudo.

Ao Prof. Fernando Macedo pela amizade, pela força e pelo rigor acadêmico com que

teceu seus comentários e conduziu os trabalhos de avaliação da tese.

Ao Prof. Carlos Vian (e família) pelas cobranças diárias para a finalização da tese,

pela amizade e pela “pessoa” de tal grandeza.

Aos Professores Marcelo Silva Pinho (UFSCAR), Tânia Bacelar de Araújo (UFPE) e

Tarcísio Patrício de Araújo (UFPE), pela disposição de aceitarem o convite de participar da banca

de defesa.

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viii

Meus agradecimentos especiais à Profª. Ana Cristina Fernandes, orientadora e

incentivadora de um projeto que se mostrava ousado, em virtude da complexidade da temática e

do fato de muitos aspectos desse debate não estarem evidentes quando o projeto foi pensado.

Ao Prof. Carlos Brandão por ter sido um entusiasta do projeto, pelos incentivos e por

ter trilhado um caminho para mim que parecia extremamente denso em determinado momento da

tese. De fato, como verdadeiro mestre, me ensinou a pescar em águas turvas.

Ao amigo Marcelo Soares de Carvalho, companheiro de trincheiras, que mantém a

luta mesmo quando todos desertaram ou foram eliminados. Pena que estudou tanto e não entende

nada de futebol. Liga desnecessariamente em casa a cada 6 meses para falar de uma vitória do

Guarani (terceira divisão), quando ocorre...

Aos Profs. Francisco Lopreato e Gustavo Zimmermann por terem me ensinado a

trilhar sobre os meandros das finanças públicas.

A construção desse trabalho certamente foi facilitada pelos amigos de caminhada

acadêmica, em especial: Anderson, Murilo, Aristides, Epaminondas, Rose, Leila, Andréa, Malú,

Virgínia.

Creio que tenho uma dívida de gratidão com alguns amigos que no início da carreira

acadêmica ousaram e me incentivaram a sonhar, desde nossos primeiros desafios em reerguer e

transformar o Centro Acadêmico, passando pela veemência das cobranças por um ensino sempre

melhor nas reuniões de departamento até as quixotescas viagens aos congressos (Conecos,

Enecos e outros Ecos). Valeu a pena... Daí minha dívida fundada com Alexandre Alves Porshe

(e Melody), Fernando Vendramel Ferreira, Sandro Aparecido Bertoni e Vamerson Schwingel

Ribeiro.

Por fim, gostaria de agradecer o apoio financeiro do NESUR/IE-UNICAMP (Núcleo

de Estudos Urbanos e Regionais) e da CAPES pelo apoio finnaceiro que permitiu a conclusão

dessa tese de doutorado.

Page 7: Tese Paiva,ClaudioCesarde

ix

Haicai

Quando fiz de tudo poesia... pra dizer o que eu sentia fui mostrar... ela não me ouvia e mesmo insistindo todo dia... era inútil... não me ouvia Sofia! Sofia!

não ouvia e não havia o que fizesse ela atender sempre dispersiva... sempre tão ativa Sofia é do tipo que não pára...não espera e mal respira imagine se ela vai ouvir poesia! Sofia, escuta essa, vai...é pequena...é um haicai por fim noite de lua cheia prometeu que me ouviria bem mais tarde ás onze e meia nunca senti tanta alegria, mas cheguei ela já dormia Sofia! Sofia!

não ouvia e não havia o que fizesse ela acordar Sofia quando dorme...sente um prazer enorme fui saindo triste abatido...tipo tudo está perdido imagine agora a chance que me resta pra pegá-la acordada, só encontrando numa festa então, liguei de novo pra Sofia confirmando o mesmo horário, mas numa danceteria a casa de tão cheia já fervia e ela dançando nem me via Sofia! Sofia!

não ouvia e não havia o que fizesse ela parar Sofia quando dança pode perder a esperança, mas eu tinha que tentar: Sofia, estou aqui esperando pra mostrar pra você aquela poesia, aquela, lembra? que eu te lia, te lia, te lia, e você não ouvia, não ouvia, não ouvia hoje é o dia vem ouvir vai...ela é pequenininha...parece um haicai e foi feita especialmente Sofia, eu estou falando com você pára um pouco...vamos lá fora...eu leio e vou embora ou então aqui mesmo te leio no ouvido...se você não entender a gente soletra, interpreta, etc, etc, etc... nada, nada, nada, só pulava não ouvia uma palavra aí já alguma coisa me dizia que do jeito que ia indo ela nunca me ouviria essa era a verdade crua e fria que no meu peito doía Sofria! Sofria! e foi sofrendo que eu cheguei nessa agonia de hoje em dia...fico aqui pensando onde é que estou errando... será que é o conceito de poesia ou é defeito da Sofia? ainda vou fazer novos haicais reduzindo um pouco mais...todos muito especiais ah, Sofia vai gostar demais!

Luiz Tatit

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xi

RESUMO

A problemática fundamental da tese é compreender, a partir de incursões teóricas e

empíricas, a estreita imbricação entre o capital financeiro e o capital imobiliário, que procuram

interagir de maneira sistêmica para potencializar a acumulação de capital. Desta maneira, será

possível realizar uma reflexão teórica não somente acerca das articulações e conflitos existentes

entre os agentes que participam do processo de apropriação do espaço urbano, mas, sobretudo,

compreender a força do capital financeiro imobiliário no capitalismo contemporâneo. Não

obstante, procura-se enfatizar em diversos momentos do trabalho que não se trata de uma relação

recente entre essas duas frações do capital, mas de uma relação que adquire contornos

diferenciados no capitalismo contemporâneo, onde o padrão de acumulação está baseado

predominantemente na financeirização.

Num contexto em que o setor imobiliário emerge como alvo privilegiado do

investimento realizado por grandes investidores institucionais e por instituições financeiras

bancárias e não-bancárias, o capital financeiro imobiliário surge como resultado de uma busca

incessante para “revolucionar” as formas de acumulação de capital, decorrentes da exploração de

ativos imobiliários. Para tanto, um conjunto de inovações financeiras são implementadas, por

meio de novos instrumentos e novas formas de atuação do capital imobiliário, no sentido de

reduzir as barreiras aos investimentos em ativos imobiliários e maximizar os lucros provenientes

do mercado imobiliário. Com isso, uma sagrada trindade se estabelece entre o capital financeiro,

as inovações financeiras e o capital imobiliário.

A emergência do capital financeiro imobiliário torna-se um elemento chave para

compreender a dinâmica da economia contemporânea, em virtude de sua capacidade de participar

ativamente do processo de acumulação e de sincronizar seu poder destrutivo, quando se torna um

turbilhão especulativo. Essa última dimensão do capital imobiliário se tornou bastante evidente

com a crise econômica desencadeada pelo estouro da bolha imobiliária no Japão no início da

década de 1990.

Palavras-chave: mercado imobiliário, capital financeiro, bolha imobiliária, ciclos imobiliários.

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xiii

ABSTRACT

The main issue to be dealt with in this thesis is realizing, by means of empirical and

theoretical findings, what is the tight bond between financial capital and real estate capital, which

interact in a systematic way so that capital accumulation becomes more powerful. By doing so it

will be possible to build up a theoretical reflection – not only on the connections and conflicts

between the agents who take part in the process of urban spaces appropriation, but, above all – to

understand the power of real estate financial capital in contemporary capitalism. However, it is

strongly emphasized throughout the text that this doesn’t mean there is just a relation between

these two fractions of capital; instead, it is shown that they combine themselves into a relation

which acquires specific features of nowadays capitalistic system, whose capital accumulation

standard remains mainly based on financialization.

Within a context in which real estate economic sector becomes the primary target of

investment brought about by large institutional investors and by banking or non-banking

institutions, real estate financial capital rises as a result of a non-stopping search for

“revolutionizing” capital accumulation forms, through the exploitation of real estate assets. To

make it possible, a whole collection of financial innovations are implemented, by means of new

instruments and new ways of performing real estate capital accumulation; these new paths mean

lowering the regulation regarding investment on real estate assets and maximizing real estate

market profits. A holy trinity rises as an outcome of this process: financial capital related to

financial innovations and real estate capital.

The emergence of real estate financial capital becomes a key-element for

understanding the dynamics of contemporary economics, due to its power of commanding the

dynamics of capital accumulation process and synchronizing its destructive power, whenever it

turns into a speculative spiral. This last particular aspect of real estate capital has become quite

evident after the economic crisis set off by the blowing of a real estate speculative bubble in

Japan, in the beginning of the 1990’s.

Key words: real estate market, financial capital, speculative bubbles, real estate cycles.

Page 10: Tese Paiva,ClaudioCesarde

xv

LISTA DE TABELAS

CAPÍTULO II

TABELA 2.1 - RELAÇÃO DE ESTUDOS HIERARQUIZADORES E AS

PRINCIPAIS CIDADES GLOBAIS ................................................................. 67

CAPÍTULO III

TABELA 3.1 - ESTIMATIVA DO VALOR DO MERCADO IMOBILIÁRIO

COMERCIAL GLOBAL ................................................................................... 113

TABELA 3.2 - OS 15 MAIORES MERCADOS IMOBILIÁRIOS COMERCIAL DO

MUNDO ............................................................................................................. 115

CAPÍTULO IV

TABELA 4.1 - TAXA MÉDIA DE CRESCIMENTO ANUAL DO PRODUTO NACIONAL

BRUTO (Estados Unidos, Japão e Alemanha) ................................................. 152

TABELA 4.2 - PRINCIPAIS CORPORAÇÕES ZAITECH EM TERMOS DE LUCROS

PRÉ-IMPOSTOS EM 1986 ................................................................................ 168

TABELA 4.3 - TAXA DE PERDAS DE CAPITAL DE ALGUNS BANCOS FALIDOS ...... 184

LISTA DE FIGURAS

CAPÍTULO III

FIGURA I - NOMENCLATURA DAS FASES DOS CICLOS IMOBILIÁRIOS ................... 103

CAPÍTULO IV

FIGURA I - ÁREA CENTRAL DE TÓQUIO ........................................................................... 161

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xvii

LISTA DE GRÁFICOS

CAPÍTULO III

GRÁFICO 01 - DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DO MERCADO IMOBILIÁRIO

COMERCIAL GLOBAL – 2004 ....................................................................... 114

GRÁFICO 02 - OS 15 MAIORES MERCADOS IMOBILIÁRIOS COMERCIAL DO

MUNDO ............................................................................................................ 116

CAPÍTULO IV

GRÁFICO I - EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS PARA O SETOR IMOBILIÁRIO E

O COMPORTAMENTO DO PREÇO DA TERRA ............................................. 166

GRÁFICO II - COMPORTAMENTO DOS PREÇOS DOS IMÓVEIS COMERCIAIS E

RESIDENCIAIS NO JAPÃO ENTRE 1974 E 2005 ......................................... 172

GRÁFICO III - COMPORTAMENTO DA TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB, DA TAXA

DE INFLAÇÃO E DA TAXA DE DESEMPREGO ENTRE 1990 E 2005 ...... 175

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xix

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 01

PARTE I .......................................................................................................................... 13

CAPÍTULO I - DE BRETTON WOODS À ACUMULAÇÃO FINANCEIRIZADA –

a trajetória do sistema econômico e financeiro internacional ................................................ 13

1.1. Introdução .............................................................................................................................. 13

1.2. Auge e declínio do Sistema Monetário Internacional de Bretton Woods e seus

desdobramentos ................................................................................................................... 16

1.3. Inovações Financeiras e Transformações Institucionais: os impactos do colapso

Bretton Woods sobre o Sistema Financeiro Internacional .................................................. 29

1.4. A Retomada da Hegemonia Americana e o Processo de Financeirização: rumos de

uma nova ordem econômica internacional .......................................................................... 38

CAPÍTULO II – A CONSOLIDAÇÃO DO PROCESSO DE FINANCEIRIZAÇÃO E O

RETORNO DO PÊNDULO: impactos sobre o território e o desenvolvimento Urbano ......47

2.1. Introdução .............................................................................................................................. 47

2.2. A Construção da Escala Territorial da Urbanização no Capitalismo Financeirizado ........... 50

2.2.1. Cidades Globais – a emergência das novas capitais do capital ................................. 57

2.2.2. O Novo Planejamento Urbano: a interseção dos processos globais com a

localidade – a “glocalização”.................................................................................... 71

PARTE II - AS PERFÍDIAS DO CAPITAL IMOBILIÁRIO NO CAPITALISMO

CONTEMPORÂNEO .................................................................................................... 79

CAPÍTULO III - CICLOS IMOBILIÁRIOS E BOLHAS ESPECULATIVAS: a busca

por uma compreensão teórica da dinâmica do capital imobiliário........................................ 85

3.1. Introdução .............................................................................................................................. 85

Page 13: Tese Paiva,ClaudioCesarde

xx

3.2. Análise das evidências teóricas e históricas dos ciclos nos mercados imobiliários .............. 89

3.2.1. O caráter endógeno dos ciclos imobiliários ............................................................. 104

3.3. A emergência de um ciclo imobiliário global: causas e conseqüências............................... 108

3.4. Bolhas Imobiliárias: a exuberância irracional ..................................................................... 117

3.5. A interação entre ciclos imobiliários e bolhas especulativas: algumas considerações

finais ..................................................................................................................................... 130

CAPÍTULO IV - A ARTICULAÇÃO ENTRE O CAPITAL FINANCEIRO E O

CAPITAL IMOBILIÁRIO: a irracionalidade em processo.................................................. 133

4.1. Introdução............................................................................................................................. 133

4.2. O capital financeiro imobiliário e a Santa Trindade em processo - capital imobiliário,

inovações financeiras e capital financeiro ............................................................................ 136

4.3. Os ventos do “Moinho Satânico”: bolhas especulativas no mercado imobiliário e os

impactos na economia real .................................................................................................... 144

4.4. A Emergência e o Estouro da Bolha Imobiliária no Japão: do capitalismo kamikaze à

aterrissagem forçada ............................................................................................................. 149

4.4.1. O Processso de Desregulamentação Financeira e o Fim do “Capitalismo

Organizado” .............................................................................................................. 150

4.4.2. O boom imobiliário, a bolha especulativa e as características estruturais da

crise ........................................................................................................................... 159

4.4.3. O estouro da bolha imobiliária e as conseqüências econômicas e financeiras do fim

do “mito da terra” .................................................................................................... 170

CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 187

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 195

Page 14: Tese Paiva,ClaudioCesarde

1

INTRODUÇÃO

“Some days I speculate. Other days I just accumulate.”

Anúncio publicitário do Lloyds Bank

“A riqueza em suas várias formas, da imobiliária à

mobiliária, é verdadeiramente o único fenômeno global

que ampliou e homogeneizou os padrões de

comportamento das elites cosmopolitas mundiais. Pode-

se dizer que este tipo de ‘globalização’ produziu

finalmente uma burguesia internacional que extrapolou

o reduzido grupo da ‘aristocracia dos negócios’ do

mundo anglo-saxônico do final do século 19 e do começo

do século 20.”

Profa. Maria da Conceição Tavares

No alvorecer do século XXI a hipertrofia do capital financeiro e a instabilidade

sistêmica se mostram como traços fundamentais do capitalismo contemporâneo, o qual se

apresenta sob dominância do capital financeiro e das práticas rentistas1. Essa dinâmica associada

ao crescimento vertiginoso das finanças internacionais e da hiper-mobilidade do capital, num

contexto de ausência de mecanismos endógenos de regulação, têm corroborado para a construção

de uma nova República de Poyais2 com dimensões globais, onde a obsessão especulativa pela

apropriação de riquezas (fictícia ou não) segue padrões e critérios puramente financeiros.

1 As atividades rentistas são praticadas pelos chamados rentiers, ou seja, agentes econômicos que vivem de rendimentos recebidos como compensação pelo empréstimo de recursos financeiros. De origem francesa, a palavra “rentier” era a denominação dada aos detentores de “rentes”, uma forma de título da dívida do governo francês largamente difundido no século XIX. Cf. The New Palgrave a Dictionary of Economics. Eatwell, J.& Milgate, M. e Newman, P. (eds). London: The Macmillan Press Limited, Vol.4, 1987. p. 146-147. 2 A fraude de Poyais foi gestada em 1822 pelo general escocês, sir Gregor MacGregor, que anunciou na City uma emissão de 200.000 libras em títulos (equivalentes a 11 milhões de libras hoje), com juros de 6% pagáveis semestralmente nas principais casas bancárias britânicas. Esses recursos seriam utilizados para financiar a colonização de Poyais, seu país imaginário na América Central. Para tanto, viajou para a Grã-Bretanha, alugou um escritório para vender lotes de terra poyaisianos e passou a ser chamado de sua alteza Gregor I, Cazique de Poyais.

Page 15: Tese Paiva,ClaudioCesarde

2

Desde os anos 80, com o florescimento dos mercados de securities e de derivativos,

têm sido paulatinamente sepultados os ideais de Keynes quanto à “eutanásia dos rentistas”,

sobretudo ao submeter o funcionamento do capitalismo às novas formas de centralização do

capital-dinheiro e às estratégias de valorização ditadas por instituições de finança privada, como

os fundos mútuos, fundos de pensão e seguradoras, que administram uma quantidade de ativos

financeiros que excede o PIB agregado do mundo industrial3.

Esses novos donos do poder (fundos de pensão, fundos mútuos e companhias de

seguros), conduzidos pela lógica de acumulação rentista e pela supressão das regulamentações e

dos controles nacionais dos fluxos de capitais, procuram impor a autonomia e a liquidez

apresentada por uma fração do capital - o dinheiro -, como modus operandi ao conjunto de

operações financeiras realizadas, isto é, no capitalismo contemporâneo os agentes econômicos

fazem a composição e a gestão de seu portfólio com ativos que permitam uma situação de

liquidez permanente.

O forte movimento de internacionalização dos mercados financeiros tem

proporcionado não somente a ampliação dos fluxos de capitais cross-border, mas também a

expansão das oportunidades de arbitragem com novos instrumentos financeiros que, por sua vez,

se multiplicaram com a difusão acelerada dos avanços tecnológicos nas áreas de

telecomunicações e informática, permitindo aos grandes players assumirem posições

especulativas imobilizando apenas uma pequena parte da liquidez.

A tentativa de contornar as restrições impostas por alguns mercados à atuação dos

agentes financeiros e a busca de novos instrumentos que pudessem atenuar a volatilidade dos

mercados, resultaram no aumento do ritmo das inovações financeiras. Esses processos de

inovações financeiras associado ao processo de desregulamentação foram fundamentais para a

intensificação da mobilidade do capital, o que potencializou a capitalização desmensurada da

riqueza fictícia (paper wealth) em relação à riqueza real (economic fundamentals).

A emergência de um padrão de acumulação baseado predominantemente na

financeirização tem promovido mudanças nas condições e nas circunstâncias da acumulação do

Ele distribuía na City o prospecto de Poyais, onde exaltava a fertilidade do solo e a riqueza mineral, além da opulência da capital cosmopolitana de São José, com suas elegantes avenidas e edifícios públicos, livrarias e uma grande ópera. O resto dessa história se deduz com relativa facilidade... O fato é que essa foi uma das fraudes mais audaciosas na história e até hoje os títulos de Poyais continuam sendo o único empréstimo realizado para um país fictício lançando na Bolsa de Valores de Londres. 3 Cf. Josef Van ’t dack (1998)

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3

capital. A apropriação e a valorização da riqueza tem se dado num ambiente de capitalização

intrinsecamente especulativo, onde a dinâmica das atividades econômicas passam a estar

“baseadas em posições nos mercados imobiliário, financeiro e nas transações comerciais”.4

Neste cenário em que o capital encontra formas e oportunidades globais de

valorização, ao mesmo tempo em que a esfera financeira alcança relativa autonomização em

relação à produção e à capacidade de intervenção das autoridades monetárias, verifica-se uma

estreita imbricação entre o processo imobiliário e o capital financeiro, que procuram

interagir de maneira sistêmica para potencializar a reprodução do capital. Todavia, não se

trata de uma relação que se estreita em momentos de crises ou de sobreacumulação do setor

produtivo, conforme proposto por Harvey5, onde o circuito secundário (atividades da construção

imobiliária) “aparece como uma dádiva dos céus para a absorção de capital sobreacumulado,

excedente”6, mas uma relação imbricada entre duas frações do capital que se aprofunda quando se

colocam como um capital único para atingir uma autonomia relativa no processo de valorização.

O acirramento nas relações entre o capital imobiliário e o capital financeiro, que às

vezes atinge uma dimensão absurda vis-à-vis a formação das bolhas especulativas, é atribuído

basicamente ao desenvolvimento dos mecanismos de securitização7, que proporciona que um

ativo imobilizado e pouco líquido se torne negociável e com alta liquidez para os

investidores ao se transacionar os direitos de propriedade e de apropriação dos rendimentos do

ativo. Esse mecanismo aumenta a volatilidade dos preços dos imóveis, devido ao movimento

especulativo de uma grande massa de capitais que procura se valorizar por meio de uma intensa

atividade especulativa, fazendo com que o valor de troca dos bens imobiliários predomine

frequentemente sobre o valor de uso.

4 Ver: “Novo capitalismo intensifica velhas formas de exploração”. Folha de São Paulo, caderno especial sobre globalização, entrevista com François Chesnais, 02.11.1997, p.4. 5 A idéia dos circuitos de valorização foi desenvolvida originalmente por David Harvey no artigo The urban process under capitalism: a framework for analysis, para mostrar como o capital dissimulou crises inevitáveis de acumulação. A proposta de Harvey corresponde a um modelo de circulação do capital por três circuitos de valorização: no circuito primário se concentrariam os meios de produção e de consumo; no circuito secundário estaria o ambiente construído, que compreende todas as construções, estruturas e formas fundiárias; e, por último, o circuito terciário na qual abrangeria os investimentos sociais, bem como os investimentos em ciência e tecnologia. 6 Cf. Harvey (1982:236) “(…) the secondary circuit appears as a godsend for the absorption of surplus, overaccumulated capital”. 7 O termo securitização, derivado do latim securus, refere-se a uma operação de crédito caracterizada pelo lançamento de títulos com determinada garantia de pagamento. O termo foi apropriado por países de língua inglesa como securitization ou securities, ao passo que, em outros países, esse processo tem sido denominado de: titulización na Espanha; bursatilización no México, titrisation na França; titularización na Colômbia; securitización no Chile e na Argentina e securitização no Brasil (Lei 9.514/97).

Page 17: Tese Paiva,ClaudioCesarde

4

O desenvolvimento de um processo de acumulação com base na financeirização tem

sido responsável por alterações importantes na forma de organização do capital e na composição

da riqueza social. Em relação a esse último aspecto, é importante ressaltar que a materialidade

(ativos físicos) da riqueza das famílias deixa de ser algo primordial, tendo em vista que a

representatividade é trocada pelo atributo da liquidez no momento em que a riqueza social passa

a ser desmaterializada numa massa de títulos negociáveis de propriedade.

Esta tendência de substituir a posse de bens tangíveis pela propriedade de ativos

financeiros – ações, debêntures, títulos de securitização, títulos de dívida pública e privada –

ocorre porque os ativos financeiros tornam-se negociáveis como uma espécie de “mercadorias”.

Isso possibilita a criação de um circuito paralelo de valorização do capital, onde a dinâmica se

torna relativamente autônoma em relação aos valores fundamentais dos ativos reais que

representa. Nesse sentido, ganhar ou perder com as flutuações de preços desses títulos de

propriedade, “torna-se virtualmente mais e mais resultado do jogo, que toma o lugar do trabalho,

como modo original de adquirir propriedade do capital”. (MARX, 1985:vol III:21)

O fato de a riqueza privada estar sendo crescentemente corporificada em ativos

financeiros no capitalismo contemporâneo é motivo de grande preocupação, pois movimentos

cíclicos no processo de valorização do capital imobiliário tendem a gerar um efeito-riqueza8

significativo em períodos de crescimento econômico, induzindo os agentes a assumirem maiores

riscos com a alavancagem de suas posições, mas também um efeito-riqueza adverso em períodos

de reversão do ciclo, quando ocorre um ajuste nos preços dos ativos (deflação de ativos),

rompendo, dessa forma, com a grande wealth illusion”9.

O crescente processo de globalização financeira por meio da desregulamentação dos

mercados de capitais e dos mercados imobiliários para investidores estrangeiros, e os avanços

tecnológicos nas áreas de telecomunicações e informática, têm contribuído para a emergência de

um ciclo imobiliário global associado aos grandes movimentos do capital de investimento na

construção e na especulação imobiliária. Essa conexão entre o processo imobiliário e o capital

financeiro tem se constituído num condutor endógeno de instabilidade econômica vis-à-vis a

8 Segundo Dean Baker, co-diretor do Center for Economic Policy Research em Washington, o “efeito riqueza” da valorização dos imóveis é ainda mais poderoso que o das ações, isto porque para cada dólar de valorização de imóveis residenciais gera-se 6 cents de consumo adicional, quase o dobro dos 3 ou 4 cents no caso das ações. 9 O termo “wealth illusion” foi proposto pela revista The Economist para se referir à ilusão patrimonial dos agentes econômicos com os ganhos advindos do mercado imobiliário. (The Great Illusion. The Economist, 30 de setembro de 2004).

Page 18: Tese Paiva,ClaudioCesarde

5

crescente interação entre as estruturas financeiras de financiamento, os processos

especulativos e as flutuações nos níveis de investimento.

É justamente nesse ambiente ainda inextricável que se encontra a motivação original

para a realização de nossa pesquisa de tese de doutoramento, ou seja, nossa proposta de estudo

tem como objetivo compreender, tanto do ponto de vista teórico quanto empírico, a influência das

transformações ocorridas no capitalismo para a dinâmica do processo de valorização do capital

imobiliário. Desta maneira, será possível realizar uma reflexão teórica não somente acerca das

articulações e conflitos existentes entre os agentes que participam do processo de apropriação do

espaço urbano, mas, sobretudo, compreender a força do capital financeiro imobiliário no

capitalismo contemporâneo.

No entanto, para se apreender as transformações processadas no âmbito da fusão do

capital imobiliário com o capital financeiro, torna-se inevitável encontrar respostas para um

conjunto de indagações: Quais são os determinantes da dinâmica do processo de valorização do

capital imobiliário? Quais as conexões entre processo imobiliário e capital financeiro? Quais são

os fatores que explicam a lógica de investimentos no mercado imobiliário na atual configuração

do capitalismo? Qual tem sido o papel atribuído ao poder público neste processo de valorização

do capital imobiliário?

O desenvolvimento da tese demonstrará que essas indagações iniciais, embora bem

delineadas para o propósito do estudo, deverão ser ampliadas gradualmente em termos de

complexidade e de abrangência, já que algumas respostas ensejarão outros questionamentos a

respeito dos fenômenos aqui tratados.

A partir dessas considerações preliminares a respeito da relação entre o capital

financeiro e o capital imobiliário na atual fase do capitalismo, entende-se que a tese deverá ser

estruturada em duas partes.

A primeira parte da tese, que é composta pelos capítulos I e II, tem um caráter

bastante específico na construção do trabalho, pois deverá funcionar como uma espécie de

colchão teórico-histórico para as principais contribuições que serão delineadas ao longo da

segunda parte da tese.

O primeiro capítulo da tese tem uma perspectiva fundamentalmente histórica. O

objetivo desse capítulo é condensar uma investigação histórica acerca das transformações

estruturais que vêm ocorrendo no capitalismo contemporâneo, em particular no Sistema

Page 19: Tese Paiva,ClaudioCesarde

6

Financeiro Internacional, desde a implantação do Sistema de Bretton Woods e que nas décadas de

1980 e 1990 tem sido amplamente definido como globalização financeira.

As discussões terão como ponto de partida o acordo de Bretton Woods, que

representou uma tentativa bem sucedida de construir uma nova ordem econômica internacional

com capacidade de engendrar um ambiente econômico virtuoso, que garantiu a diversas nações

quase três décadas de crescimento e estabilidade econômica. Não por acaso, esse período foi

denominado pela literatura econômica como sendo os “trinta gloriosos” do capitalismo.

O esgotamento do sistema regulatório de Bretton Woods fez emergir um novo padrão

de acumulação baseado na financeirização. Em virtude da natureza rentista desse processo que

fomenta primordialmente atividades especulativas em detrimento de investimentos produtivos, os

ciclos de prosperidade e depressão têm se tornado mais vertiginosos, tendo em vista que os

agentes econômicos, diante de uma incerteza não-probabilística quanto ao futuro, apresentam

comportamentos cada vez mais subjetivos e instáveis.

O segundo capítulo tem como objetivo tratar de uma dimensão fundamental desse

processo de acumulação contemporâneo que se refere às repercussões da acumulação financeira

para a reconfiguração de estruturas espaciais, isto é, os impactos da consolidação do processo de

financeirização sobre o território e o desenvolvimento urbano.

A priori observa-se que a consolidação de um processo de acumulação financeirizado

promoveu a constituição de novas hierarquias urbanas e territoriais, que refletiu, de modo geral,

um reordenamento dos sistemas espaciais urbanos e a redefinição do papel das cidades. A

despeito de alguns teóricos apontarem para o declínio da importância da localização das

atividades econômicas, em face às revoluções das tecnologias de informação e comunicação e da

iminência do surgimento de um “espaço de fluxos”10, a realidade tem mostrado a proeminência

das “cidades globais”. Diante disso, nota-se uma renovada importância das grandes cidades

como locais destinados a certos tipos de atividades e funções, particularmente relacionadas com

serviços altamente especializados (terciário avançado) e transações financeiras transnacionais.

Nesse contexto, as atenções de estudiosos, gestores governamentais e políticos em

geral têm se voltado para este novo modelo de cidade – a cidade global –, enxergando nelas um

novo papel estratégico. Com efeito, surge um grupo de teóricos e urbanistas, que logo se tornam

hegemônicos, propondo um novo planejamento urbano que procura enfatizar o caráter ativo e

10 O’BRIEN, R. Global Financial Integration: the End of Geography. Pinter, London, 1999.

Page 20: Tese Paiva,ClaudioCesarde

7

diferenciado da cidade, por meio de instrumentos como o city marketing e o urbanismo de

espetáculo, como forma de melhorar a atratividade e a inserção da cidade (ou região) em um

sistema de relações internacionais. Não obstante, o domínio do capital imobiliário se manifesta

não somente na idéia de ver a cidade como uma máquina de produzir riquezas, mas

também na subordinação das políticas urbanas à lógica da concorrência entre lugares para

atrair o capital financeiro global.

A segunda parte dessa tese de doutorado é composta pelos capítulos III e IV, e tem

como objetivo apreender o papel que assume o capital financeiro imobiliário na dinâmica

capitalista contemporânea, sobretudo quando se estabelece uma articulação fundamental entre o

capital imobiliário e o capital financeiro para dinamizar o processo de acumulação.

A organização dessa segunda parte da tese ocorre a partir de dois cortes analíticos

distintos que orientam a estrutura metodológica. No capítulo III, parte-se dos microfundamentos

(comportamento dos agentes econômicos) para se promover a fusão de duas interpretações sobre

flutuações no mercado imobiliário, ou seja, tem-se nos fatores microeconômicos o ponto de

partida para se compreender movimentos macroeconômicos. No capítulo seguinte (capítulo

IV), o objetivo é evidenciar a emergência de um novo conceito – o capital financeiro imobiliário -,

e os impactos econômicos e financeiros provocados pelas crises imobiliárias da década de 1990,

sobretudo a partir da crise desencadeada pelo estouro da bolha especulativa imobiliária no Japão.

O objetivo é compreender o papel do capital imobiliário na dinâmica de acumulação por

vias estritamente macroeconômicas.

O procedimento analítico estabelecido para o primeiro capítulo tem como pressuposto

básico o fato de que a economia capitalista é inerentemente instável, em virtude do grau de

incerteza presente nas decisões capitalistas. Sendo assim, procura-se compreender teoricamente a

dinâmica do capital imobiliário no capitalismo contemporâneo a partir de duas vertentes

analíticas que têm seu foco teórico centrado no estudo das flutuações econômicas, quais sejam: a

teoria dos ciclos imobiliários e a teoria das bolhas especulativas.

Os estudos sobre os ciclos imobiliários não são recentes, considerando que vários

pesquisadores ao longo da história vêm documentando extensivamente os movimentos cíclicos

dos preços dos diferentes tipos de propriedade. As primeiras contribuições para a consolidação de

um arcabouço teórico dos ciclos imobiliários foram realizadas nos trabalhos clássicos escritos por

Henry George, Simon Kuznets e Homer Hoyt. Esses autores enfatizaram o papel de fatores

Page 21: Tese Paiva,ClaudioCesarde

8

relacionados à imigração e à precariedade da oferta de imóveis como responsáveis pelas

flutuações dos preços no mercado imobiliário.

O debate recente em torno dos fatores responsáveis pelos movimentos cíclicos no

mercado imobiliário tem sido bastante inconcluso. Uma pesquisa meticulosa realizada por

Dehesh, Egan & Pugh11, sobre as causas dos modernos ciclos imobiliários, sob três perspectivas -

causas endógenas, instabilidades exógenas e mudanças estruturais da economia -, revelou que as

causas dos ciclos imobiliários poderiam ser encontradas numa miríade de fatores que estariam

associados, no plano internacional, ao processo de desregulamentação financeira, que teria

incrementado as relações econômicas e financeiras internacionais e, no plano nacional, aos

principais fundamentos econômicos do país. Esses fatores internacionais e nacionais seriam

mediados por estruturas institucionais e condições políticas e econômicas locais.

Por seu turno, as discussões sobre a emergência de bolhas especulativas no mercado

imobiliário e os impactos sobre a dinâmica de acumulação, ganham maior dimensão no final da

década de 1980 e início da década de 1990, com as crises imobiliárias ocorridas nos Estados

Unidos e no Japão, que não podiam ser suficientemente explicadas por meio das teorias dos

ciclos imobiliários.

Nesse contexto, a abordagem das bolhas especulativas apresenta maior poder

explicativo para as crises econômicas ao tratar as discrepâncias entre o valor de mercado de um

ativo e seus fundamentos como resultante de comportamentos especulativos dos agentes que

participam do processo imobiliário, das assimetrias de informação sobre mercados e valores de

imóveis (myopic behavior e noise traders), e do comportamento free-rider de alguns agentes

econômicos.

O corte analítico para o desenvolvimento do capítulo IV parte de um pressuposto não

trivial na comunidade acadêmica que, em geral, tende a analisar todas as bolhas imobiliárias

como sendo iguais em qualquer parte do mundo, isto é, bolhas imobiliárias são sempre bolhas

imobiliárias. Estamos inclinados a sustentar justamente o contrário. Entendemos que as bolhas

especulativas são diferentes no tempo e no espaço, e que essa distinção não se encontra na sua

natureza, revelada por uma situação em que o valor de mercado de um ativo se “descola” do

preço intrínseco, mas na interação da bolha especulativa com as estruturas financeiras de

11 Os principais resultados da pesquisa desenvolvida por Dehesh, A.& Egan, D. & Pugh, C., foram apresentados num artigo intitulado “Property Cycles, Financial Markets and the Global Economy”, na First International Real Estate Society Conference, realizada em Stockholm (Suécia), entre 28 de junho e 01 de julho de 1995.

Page 22: Tese Paiva,ClaudioCesarde

9

financiamento. Nessa perspectiva, as conseqüências macroeconômicas e financeiras advindas do

rompimento da bolha de ativos são imprevisíveis, o que denota que uma mesma bolha

especulativa possa ter efeitos distintos em diferentes países. O rompimento da bolha imobiliária

no final da década de 1980 nos Estados Unidos e, em seguida, no Japão são exemplos críveis dos

distintos impactos de uma bolha especulativa.

A formação da bolha especulativa imobiliária estaria a priori relacionada a um

ambiente que propicia a interação entre baixa taxa de juros, elevada disponibilidade de crédito e

provisão insuficiente de imóveis. Esse cenário macroeconômico se constituiria num ambiente

oportuno para o desenvolvimento de uma intensa atividade especulativa por parte de alguns

investidores, cujas decisões de investimento estariam assentadas em expectativas não justificadas

plenamente pelas informações econômicas existentes. A coadunação desses fatores

macroeconômicos poderia ensejar bolhas especulativas de alto poder de destruição, pois haveria

estímulos para a atuação tanto de investidores que acreditam convictamente serem possuidores da

“Síndrome de Midas”, quanto de investidores noise traders que mudam frequentemente seu

“estado de confiança” com base em rumores, onde “such changes can be a response to pseudo-

signals that investors believe convey information about future returns but that would not convey

such information in a fully rational model (...). An example of pseudo-signals is advice of brokers

or financial gurus” (SHLEIFER E SUMMERS, 1990: 23).

Uma dimensão relevante desse processo é que os ativos valorizados ficticiamente

possuem a propriedade de transformar o que os fundamentos mostram ser apenas uma

valorização contábil das ações em ganhos monetários efetivos. Desse modo, no momento em

que os agentes econômicos vendem seus ativos supervalorizados e realizam lucros, ocorre a

legitimação, ainda que num horizonte finito, das expectativas e da riqueza virtual. Esse processo

tende a continuar até que o retorno que sancionaria a valorização fictícia dos ativos revele o que

todos já sabem, a existência da bolha especulativa.

Nesse sentido, Harvey (2005) ao reportar ao capital fictício ressalta:

“ Naturalmente, tal capital não é uma mera invenção da imaginação. Na medida em que isso provoca transformações lucrativas do sistema produtivo, atravessando todo o ciclo de moeda transformada em mercadoria e retornando sob a forma de moeda original mais lucros, isso cessa de ser fictício e se torna lucro realizado. No entanto, para que isso aconteça, depende-se sempre das expectativas, que devem ser socialmente construídas. As pessoas têm de acreditar que a riqueza fundos mútuos, pensões, fundos de hedge – continuará a crescer indefinidamente. Assegurar essas

Page 23: Tese Paiva,ClaudioCesarde

10

expectativas é um trabalho de hegemonia, que recai sobre o Estado e se veicula pela mídia.” (HARVEY, 2005:39).

O estouro da bolha especulativa imobiliária conduz a uma rápida depreciação dos

ativos imobiliários, cujos efeitos deletérios sobre as estruturas financeira e produtiva irão

depender, em maior ou menor grau, da interação direta ou indireta desses ativos com as estruturas

de financiamento e da habilidade de atuação das autoridades monetárias como emprestador em

última instância.

Em geral, os efeitos decorrentes do estouro da bolha especulativa têm sido associados

a fortes declínios na atividade econômica, à instabilidade financeira e, às vezes, a um elevado

custo orçamentário para a recapitalização do sistema bancário. Nesse sentido, tornam-se

pertinentes as observações de Macedo e Silva (2006:62) sobre o rompimento da bolha de ativos

que tende, em geral, a culminar numa crise econômica e financeira de conseqüências

imprevisíveis: “movimentos especulativos inflam os preços de ativos como se fossem bolhas de

sabão. A metáfora termina aí. Bolhas de sabão desaparecem com um estalido quase inaudível.

Bolhas econômicas, quando explodem, retumbam, e podem deixar crateras patrimoniais de

proporções assombrosas.”

Um último aspecto que merece alguns comentários introdutórios é a polêmica em

torno do fato de as bolhas imobiliárias terem sido forjadas intencionalmente pelas autoridades

monetárias. O tratamento despendido no terceiro capítulo para entender a formação de bolhas

especulativas privilegia e estará circunscrito basicamente à análise comportamental irracional (ou

racional) dos agentes econômicos, como faz praticamente toda a literatura econômica sobre o

tema. Todavia, a observância dos ciclos recentes da economia americana permite revelar que, em

algumas ocasiões, a autoridade monetária tem contribuído, sem maiores constrangimentos, para a

formação de uma bolha no mercado imobiliário como um mecanismo anticíclico, de modo a

amenizar a amplitude da crise econômica. A redução das taxas de juros tem se mostrado um

exemplo contundente desse processo, pois alimentou as engrenagens da especulação financeira e

inflou a bolha imobiliária ao possibilitar a renegociação dos contratos hipotecários com juros

mais baixos.

O barateamento dos juros hipotecários, a valorização dos imóveis e a flexibilidade do

mercado de financiamento imobiliário, que permite a utilização do mecanismo equity

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11

extraction12, através da utilização de instrumentos do tipo refinancing cash-outs13 e home equity

loans14, possibilitou que uma quantidade significativa de recursos financeiros fosse direcionada

para a ampliação do consumo das famílias ou para a compra de um segundo imóvel15. Nesse

sentido, há indicações de que a atual bolha imobiliária americana foi criada com o propósito

anticíclico de amenizar as perdas com o estouro da bolha de ações de alta tecnologia, afastar o

temor de uma crise nos moldes da japonesa e sustentar o hedonismo norte-americano. Não

obstante, o ex-presidente do Federal Reserve (FED) foi duramente taxado por Stephen Roach,

vice-presidente do Morgan Stanley, e pela revista The Economist de inveterado insuflador de

bolhas financeiras - “serial bubble-whistler”.

12 Com a valorização dos imóveis os proprietários podem aproveitar para realizar ganhos de capital por meio da venda do imóvel por um valor superior ao valor de aquisição ou ainda através da antecipação de ganhos de capital que se espera obter no futuro. Segundo Stephen Roach, os “saques” através desse mecanismo foram de aproximadamente US$ 600 bilhões somente no ano de 2004. 13 Por meio desse instrumento o proprietário contrata uma nova hipoteca, num valor superior ao seu débito anterior, já amortizado em parte ou referente a um valor de mercado inferior ao atual, e embolsa a diferença. 14 Através desse instrumento o proprietário da casa hipotecada toma um empréstimo adicional. Esse empréstimo é garantido pelo imóvel e remunerado por juros flutuantes, que têm como referência os retornos dos títulos do Tesouro americano de 2 ou 5 anos. 15 Segundo estimativa da NAREIT (National Association of Real Estate Investment Trusts), 23% das residências vendidas em 2004 foram adquiridas como investimento.

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13

PARTE I

CAPÍTULO I

DE BRETTON WOODS À ACUMULAÇÃO FINANCEIRIZADA – a

trajetória do sistema econômico e financeiro internacional

1.1. Introdução

O objetivo desse capítulo é condensar uma investigação histórica acerca das

transformações estruturais que vem ocorrendo no capitalismo contemporâneo, em particular no

Sistema Financeiro Internacional, desde a implantação do Sistema de Bretton Woods e que nos

anos 80 e 90 tem sido amplamente definido como globalização financeira. A premissa básica é

que diante de uma intensa interação entre distintos regimes monetários e estruturas financeiras,

cujos desdobramentos afetam diretamente a morfologia dos ciclos econômicos, “a história do

capitalismo é melhor contada através dos relatos que informam sobre as transformações sofridas

pelo comércio do dinheiro e da riqueza”16.

Nesta perspectiva, o ponto de partida é a discussão a respeito dos principais

fundamentos que condicionaram os arranjos monetários e financeiros definidos pelo acordo de

Bretton Woods, buscando explicitar as bases que garantiram a diversas nações quase três décadas

de crescimento e estabilidade econômica.

De modo geral, o Sistema de Bretton Woods foi uma tentativa de construir uma nova

ordem econômica internacional com capacidade de engendrar um ambiente econômico virtuoso,

indutor de um processo de desenvolvimento econômico, comandado por políticas nacionais de

desenvolvimento comprometidas com a promoção do crescimento e do pleno emprego. Para tanto,

o êxito do novo sistema dependia fundamentalmente do controle da movimentação de capitais

16 Cf. Belluzzo (1997:151)

Page 26: Tese Paiva,ClaudioCesarde

14

entre países, o que despertara profunda antipatia dos especuladores, que foram transformados em

figuras execradas pelo público e em bode expiatório conveniente para os governos.

O arcabouço regulatório criado pelo acordo de Bretton Woods estava alicerçado no

pressuposto de que o mercado não era suficientemente capaz de evitar crises sistêmicas, nem de

conduzir a economia ao pleno-emprego, de modo que a estrutura institucional e as políticas

macroeconômicas deveriam ser delineadas para evitar que se repetisse o crash financeiro de 1929.

O acordo de Bretton Woods foi fundamental para a institucionalização da hegemonia

dos Estados Unidos no campo monetário e financeiro internacional, especialmente ao definir o

ouro como lastro da moeda americana, dada a posição assimétrica dos EUA, que possuíam dois

terços da reserva de ouro mundial. O ouro representava a antítese da especulação, isto é, sempre

que os movimentos especulativos escapavam ao controle e uma crise financeira emergia, todos

procuravam refúgio no ouro. Com a hegemonia da moeda americana, a gestão monetária e

financeira mundial passou a estar subordinada aos ditames da política econômica americana.

Contudo, em meados da década de 1960, o sistema começa a evidenciar suas contradições e

abalar a estabilidade econômica instituída sob a Pax Americana.

Em 1973, por ocasião do colapso do Smithsonian Agreement, o acordo de Bretton

Woods foi formalmente declarado extinto pelo presidente Richard Nixon. Com efeito, os

especuladores, que durante o período de vigência do acordo foram duramente taxados de

“mercadores da miséria humana” e “gnomozinhos de Zurique”, alcançaram sua vitória contra os

que haviam proposto em 1944 a expulsão dos “cambistas usurários do templo das finanças

internacionais”17.

O esgotamento do sistema regulatório de Bretton Woods fez emergir um novo padrão

de acumulação baseado predominantemente na financeirização, cuja dinâmica surpreende tanto

em seus momentos expansivos – heterogêneos e assincrônicos interpaíses, bem como paradoxais

na peculiar combinação de produção e especulação – quanto em seus aspectos instáveis, pela

capacidade tanto de sinalizar a iminência de uma crise de grandes proporções, como pela

“habilidade” de protelar e, até mesmo, sugerir, enganosamente, que os problemas básicos estão

resolvidos18 . Não obstante, dada a natureza rentista desse processo de financeirização que

fomenta primordialmente atividades de caráter especulativo em detrimento de investimentos

17 Referência as palavras do secretário do tesouro americano Henry Morgenthau. 18 Cf. Braga (2000:269-270)

Page 27: Tese Paiva,ClaudioCesarde

15

produtivos, os ciclos de prosperidade e depressão têm se tornado mais vertiginosos, pois os

agentes econômicos, diante de uma incerteza não-probabilística quanto ao futuro, apresentam

comportamentos cada vez mais subjetivos e instáveis.

O processo de desregulamentação e liberalização dos mercados e as inovações

financeiras têm contribuído de forma decisiva para a consolidação de um mercado financeiro

global, na medida em que tem promovido a erosão das barreiras regulatórias entre instituições

financeiras e mercados. Com efeito, verifica-se um vigoroso processo de internacionalização vis-

à-vis a significativa ampliação das operações cross-border, bem como o fortalecimento dos

processos especulativos e da instabilidade financeira.

Essas transformações no padrão de acumulação capitalista, no entanto, têm conduzido

às economias nacionais para o que John Gray denominou de “Falso Amanhecer”, visto que a

ambiciosa crença ideológica num laissez-faire global, capaz de promover a prosperidade

universal – uma utopia do século XVIII -, tem promovido, na prática, instabilidades contínuas

dos mercados monetários e financeiros, fracionamento das sociedades, debilitamento do Estado e

aumento das desigualdades sociais. A essência desse processo está justamente em compreender

que o livre mercado global não é uma lei pétrea do desenvolvimento histórico19, mas um projeto

político da nação hegemônica - os Estados Unidos.

Dessa forma, é necessário problematizar as idéias dos paladinos do livre comércio

global, sobretudo o discurso de que a desregulamentação dos mercados de capitais domésticos e a

redução da participação do Estado é condição sine-qua-non para a atração de novos capitais

(quiçá atingir investment grade) e a criação de condições de governabilidade em nível

internacional. Na verdade, a história contemporânea tem se encarregado de mostrar a

incompatibilidade da manutenção simultânea dos seguintes elementos: i) soberania nacional; ii)

mercados financeiros regulados, supervisionados e protegidos de distúrbios financeiros

internacionais; e iii) benefícios de mercados financeiros integrados internacionalmente. (The

Economist, 1999).

19 Segundo afirma Michael Pettis, professor da Columbia University (EUA), “as histórias dos países ricos tendem a mostrar que eles se tornaram defensores do livre comércio global só depois de alcançar altos níveis de produtividade; quase nunca antes disso. A Inglaterra, por exemplo, que foi um dos países mais produtivos no mundo nas primeiras décadas do século 18, só desenvolveu a lógica da teoria do livre comércio já no final do século. Ainda assim, não se tornou um país de livre comércio até 1846, quando foram abolidas as Leis do Trigo (proteção dos cereais nacionais). Nessa altura, o produto industrial ‘per capita’ da Inglaterra já equivalia a duas vezes e meia o do resto da Europa”. (...) “Na Alemanha e no Japão, a história foi bastante parecida; só nos últimos tempos ambos se tornaram paladinos do livre comércio global.” (PETTIS, 1988:B2)

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16

1.2. Auge e declínio do Sistema Monetário Internacional de Bretton Woods

e seus desdobramentos

O sistema regulatório de Bretton Woods foi criado em 1944, numa reunião de 22 dias,

no Hotel Mount Washington, no vilarejo de Bretton Woods, em New Hampshire (EUA), com a

participação de delegações de 44 países, sob a liderança da Inglaterra, cujo principal

representante era John Maynard Keynes, e dos Estados Unidos, representado por Harry Dexter

White, o principal assessor técnico do Secretário do Tesouro americano Henry Morgenthau.

Originalmente as propostas elaboradas por Keynes e Dexter White para balizar o funcionamento

de uma nova ordem monetária internacional no pós-guerra era diametralmente opostas,

especialmente no que tange as obrigações que eles impunham aos países credores, na

flexibilidade das taxas de câmbio e na mobilidade de capital permitida entre as nações.

O Plano Keynes admitia aos países modificar suas taxas de câmbio e adotar restrições

cambiais e comerciais para compatibilizar o pleno emprego com equilíbrio no Balanço de

Pagamentos, enquanto que o Plano Dexter White propugnava um mundo livre de controles e de

paridades fixas sob a supervisão de uma instituição internacional com poder de veto sobre

mudanças nessas paridades. O Plano de Keynes previa a criação da Clearing Union, uma espécie

de Banco Central dos bancos centrais, com poder de emissão do bancor20, uma moeda bancária

que promoveria a distribuição mais eqüitativa do ônus do ajustamento dos desequilíbrios no

Balanço de Pagamentos entre países superavitários e deficitários. Com isso, Keynes buscava

evitar ajustamentos por meio de políticas deflacionárias que afastariam as economias nacionais

da trajetória de pleno-emprego. A proposta da Clearing Union foi rechaçada pelos norte-

americanos, pois, em última instância, recairia sobre os EUA, que era superavitário nas relações

comerciais com os demais países e que emergiria como credor do mundo no pós-guerra, o ônus

do ajustamento dos países deficitários21.

As restrições impostas pelos Estados Unidos a Clearing Union resultaram na

necessidade de maior flexibilidade nas taxas de câmbio, o que implicava na rejeição da proposta

norte-americana de paridades cambiais fixas, que não possibilitava graus de liberdade para alterá- 20 Os superávits ou déficits no Balanço de Pagamentos corresponderiam a reduções ou aumentos das contas dos bancos centrais (em bancor) junto a Clearing Union, o que permitiria o acesso ao crédito a países deficitários ao passo que penalizaria os países superavitários. 21 Cf. Belluzzo (1992:13), Eichengreen (2000:131-141)

Page 29: Tese Paiva,ClaudioCesarde

17

las em respostas a distúrbios econômicos, bem como a concordância com a manutenção de

controles sobre a mobilidade de capital. Os controles sobre os fluxos de capitais permitiriam

relativa separação entre os objetivos macroeconômicos internos e o mercado cambial, isto é, os

governos poderiam orientar suas políticas econômicas para o crescimento e pleno-emprego, sem

se preocupar com os impactos de tais medidas sobre a taxa de câmbio. Na verdade, as propostas

de Keynes e Dexter White foram sendo progressivamente refinadas por meio de extenuantes

discussões até a aprovação no dia 22 de julho de 1944 do Acordo de Bretton Woods.

O objetivo central do acordo firmado na Conferência de Bretton Woods22 era reduzir a

instabilidade econômica e financeira que havia caracterizado o período do entre-guerras,

especialmente as décadas de 1920 e 1930, por meio da criação de instituições e normas para a

gestão do sistema monetário internacional, a fim de facilitar a retomada do comércio

internacional. A criação de instituições supranacionais fortes, como o FMI (Fundo Monetário

Internacional), o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) e,

posteriormente, o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), que se transformaria na

década de 1990 na Organização Mundial do Comércio (OMC), tornar-se-ia fundamental para a

viabilização do acordo de Bretton Woods e do objetivo de criar um ambiente internacional

estável e regulado, que favorecesse o comércio entre nações.

Neste contexto, o FMI fora idealizado como uma instituição que deveria promover a

cooperação monetária entre as nações, através de um acompanhamento conjuntural permanente,

onde a instituição funcionaria como órgão de consulta e de colaboração nos problemas

monetários internacionais. Além disso, deveria promover a estabilidade cambial, manter em boa

ordem os regulamentos de câmbio entre os membros e evitar depreciações cambiais com o intuito

de concorrência, bem como auxiliar o estabelecimento de um sistema multilateral de pagamentos

em relação às transações correntes entre os países-membros e eliminar as restrições cambiais que

geravam entraves a expansão do comércio internacional.

A criação do BIRD (Banco Mundial), por sua vez, deveria contribuir para as obras de

reconstrução e desenvolvimento de países associados, facilitando a inversão de capitais para fins

22 Roberto Campos, representante brasileiro na reunião ao lado de figuras proeminentes como Eugênio Gudin e Octávio Gouveia de Bulhões, resume de maneira irônica a forma com que o acordo foi firmado em Bretton Woods: “O sadismo consistia em aprisionar 300 homens num hotel isolado nas montanhas. Ao fim de 22 dias, dizia-se, os delegados assinariam qualquer acordo para voltarem àquilo que o poeta Camões chamou de ‘venério ajuntamento’. O único delegado autorizado a levar a esposa foi Lord Keynes, casado com uma bailarina russa, Lígia [Lydia] Lopokova. Sendo ele homossexual, dizia-se que a castidade do recinto não seria violada”. (CAMPOS, 1994)

Page 30: Tese Paiva,ClaudioCesarde

18

produtivos, inclusive a restauração das economias destruídas pela guerra. Além disso, a

Instituição deveria colaborar para aumentar a produtividade e melhorar as condições de trabalho

nesses países. Desse modo, o BIRD funcionaria como um organismo fornecedor de créditos de

médio e longo prazos, atuando como captador de capitais internacionais que seriam destinados

para investimentos produtivos em países subdesenvolvidos.

Todavia, o poder efetivo de intervenção dessas instituições, em especial do FMI, nas

decisões internas de política econômica não eram consensuais entre os principais formuladores

dos arranjos de Bretton Woods. Por exemplo, Dexter White, representante de um país credor,

postulava o uso do poder financeiro para forçar os países a normalizarem seus desequilíbrios

macroeconômicos, enquanto que Keynes, representando um país devedor, rejeitava

categoricamente a idéia de uma agência supranacional intervindo nas decisões de política

interna23. No entanto, houve ao final das discussões uma concordância fundamental entre Dexter

White e Keynes acerca dos pressupostos que deveriam orientar a atuação das instituições e as

regras criadas para a gestão de uma nova ordem financeira internacional, quais sejam: a

descrença no mercado auto-regulado e a crítica a livre movimentação de capitais de curto prazo.

Contudo, nem Keynes (morreu em abril de 1946), nem Dexter White (morreu em agosto de 1948),

sobreviveram para acompanhar as ações e os resultados alcançados pelas instituições por eles

arquitetadas durante o encontro de Bretton Woods.

Um dos pilares centrais do acordo de Bretton Woods foi a adoção de taxas de câmbio

fixas em relação ao dólar americano que, por sua vez, possuía uma paridade fixa em termos de

ouro, sendo a moeda americana conversível em metal na base de US$ 35 por onça24, a mesma

paridade estabelecida em 1934. Todavia, os bancos centrais tinham liberdade para flexibilizar a

taxa de câmbio mediante variações num intervalo de até 1%, para cima e para baixo, em relação a

paridade estabelecida entre a moeda do país e o dólar americano. A racionalidade de

funcionamento do sistema estava apoiada no fato de que, se um banco central, exceto o Federal

Reserve (FED), praticasse uma expansão monetária excessiva, perderia reservas internacionais e

se tornaria incapaz de manter a taxa de câmbio de sua moeda fixa em dólar, em virtude dos

desequilíbrios causados no balanço de pagamentos. Nesses termos, a paridade cambial fixa, tendo

23 Cf. Moffitt (1984:128) 24 Segundo Moffitt (1984:21) a idéia do Tesouro americano de trocar dólar por ouro pela paridade de 35 dólares a onça (preço de 1934) tinha como objetivo soerguer a credibilidade do dólar.

Page 31: Tese Paiva,ClaudioCesarde

19

o ouro como ativo de reserva oficial, garantiria a disciplina monetária no sistema e evitaria a

prática de desvalorizações competitivas.

É importante ressaltar que diferentemente do padrão ouro-libra que vigorou sob

domínio inglês até o início da primeira Guerra Mundial, as paridades cambiais definidas pelo

acordo de Bretton Woods podiam ser modificadas, desde que o FMI entendesse que o balanço de

pagamentos do país estivesse numa situação de “desequilíbrio fundamental”, isto é, que a

economia apresentasse desequilíbrios estruturais que impedisse o restabelecimento do equilíbrio

interno (crescimento e pleno emprego) e externo (equilíbrio do balanço de pagamentos).

Nesse sentido, Eichengreen (2000) afirma que o sistema de Bretton Woods afastou-se

do antigo padrão ouro em três aspectos fundamentais, quais sejam: a) o câmbio fixo tornou-se

ajustável; b) aceitavam-se controles para limitar os fluxos de capitais internacionais; e, c) uma

nova instituição (o FMI), foi criada para monitorar as políticas econômicas nacionais e oferecer

financiamento para equilibrar o balanço de pagamentos de países em situações de risco. Neste

contexto, o autor conclui:

“ Essas inovações tinham como alvo as principais preocupações que os formuladores de política tinham herdado das décadas de 20 e 30. O câmbio ajustável era um instrumento para eliminar déficits no balanço de pagamentos – uma alternativa aos aumentos deflacionários nas taxas de redesconto dos bancos centrais, algo que se revelara tão doloroso no período entre-guerras. Os controles foram concebidos de maneira a evitar a ameaça em que se constituíam os fluxos de capital voláteis do tipo que se revelou desestabilizador nas duas décadas entre guerras. E o FMI, dispondo de recursos financeiros, poderes de monitoração e uma cláusula da escassez de divisas, tinha condições de penalizar os governos responsáveis por políticas que desestabilizassem o sistema internacional e oferecer compensações aos países que fossem afetados negativamente.” (EICHENGREEN, 2000:131-132).

A partir do momento em que a paridade ouro-dólar assume a posição de numéraire do

sistema financeiro internacional e que é firmado um novo pacto nas relações entre Estados e

moedas, os Estados Unidos aproveitam de sua supremacia econômica, política e militar, e do fato

de se tornarem o grande credor internacional ao término da segunda Guerra Mundial, para

assumir o papel de potência hegemônica, capaz de coordenar o funcionamento da economia

internacional e reorganizar o espaço geopolítico mundial. Nesse sentido, Moffitt (1984:14)

enfatiza que “depois da Segunda Guerra Mundial somente os Estados Unidos possuíam os meios

Page 32: Tese Paiva,ClaudioCesarde

20

para financiar a reconstrução econômica do mundo; ademais, além do dinheiro, detinham, com

a bomba atômica, um poderio militar incontestável”.

Na avaliação de Fiori (2003), só se pode falar de uma verdadeira hegemonia mundial

em dois momentos da história do sistema moderno: entre 1870 e 1900, com a Inglaterra, e entre

1945 e 1973, com os Estados Unidos. Segundo o autor somente nesses dois momentos da história

houve convergência entre os interesses da potência ascendente com os interesses das demais

grandes potências derrotadas ou superadas, transitoriamente, pela escalada imperial25.

É importante ressaltar que se utiliza a palavra “hegemonia” em seu sentido

etimológico de “liderança” entre Estados, ou como aponta Arrighi (1996), “o conceito de

‘hegemonia mundial’ (...) refere-se especificamente à capacidade de um Estado exercer funções

de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas.” (ARRIGHI, 1996:27).

No caso dos Estados Unidos a liderança política exercida assentava-se na teoria da

estabilidade hegemônica, a qual procura demonstrar que sem a existência de uma

responsabilidade de última instância não seria possível qualquer forma de estabilidade

internacional, pois, do contrário, a lógica anárquica do sistema acabaria prevalecendo

(Kindleberger, 1984). Dessa forma, considerando que nesse período a maioria dos países

europeus se encontravam fragilizados economicamente, a hegemonia americana adquiriu uma

conotação gramsciana, no sentido de “um poder global legitimado pelos demais estados, graças à

eficácia ‘convergente’ de sua governança mundial.” (FIORI, 2003:02).

A condição de nação hegemônica, no entanto, exigia dos Estados Unidos uma sólida

presença na ordem econômica internacional, em decorrência da responsabilidade de prover

liquidez internacional e, portanto, assumir o risco do sistema como emprestador internacional em

última instância. De fato, nos primeiros anos a falta de liquidez foi um dos principais problemas

enfrentados para a manutenção do acordo de Bretton Woods, tendo em vista que a destruição

provocada pela segunda Guerra Mundial na Europa impedia que esses países fossem

25 Segundo Fiori (2003), “a hegemonia mundial foi e será sempre uma posição de poder disputada e transitória, e nunca será o resultado de um consenso ou de uma eleição democrática. A posição hegemônica, portanto é uma conquista, uma vitória do estado mais poderoso, num determinado momento, e neste sentido, é também, ao mesmo tempo, um ‘ponto’ na curva ascendente deste estado, rumo ao império mundial. É um típico ponto de passagem, um momento de negociação ou um movimento tático imposto pela estratégia ascensional dos candidatos ao império global. Mas foi quando ocuparam esta posição transitória, que os países hegemônicos puderam exercer as funções de um governo global, mais ou menos favoráveis ao desenvolvimento econômico e político dos demais membros do sistema.” (FIORI, 2003:13)

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21

suficientemente competitivos para realizar exportações substanciais para os EUA e,

conseqüentemente, gerar liquidez em divisas fortes.

Para prover suficiente liquidez ao sistema uma das formas encontradas foi a utilização

ativa das instituições criadas pelo acordo, em especial do Banco Mundial, que deveria ajudar na

reconstrução dessas economias, de modo a melhorar a competitividade, reduzir o desemprego e

estimular o crescimento. Contudo, os recursos foram insuficientes para alcançar tais objetivos,

além do fato que as ações do Banco Mundial e do FMI não contavam com o apoio político do

Congresso Americano, onde estavam arraigados os sentimentos isolacionistas, nem dos

banqueiros de Wall Street, que repudiavam a idéia dos Estados Unidos financiar uma Instituição

internacional que solaparia seu monopólio sobre o mercado internacional de crédito.

Diante dos ínfimos resultados alcançados pelas instituições criadas em Bretton Woods

no atendimento da extraordinária demanda dos países europeus por divisas fortes, outras

alternativas de transferências de recursos foram adotadas para limitar a severidade da escassez,

como, por exemplo, a instalação de bases militares, cuja construção e pagamentos dos soldados

eram realizados em dólares. Todavia, foi o conflito geopolítico que se estabeleceu com a Guerra

Fria entre dois sistemas econômicos antagônicos, comandados pelos EUA e pela URSS, que se

tornou o ponto fundamental para garantir liquidez internacional em dólares, sem as restrições

políticas do Congresso Americano. Neste contexto, deve ser destacada a criação em 1948 do

Plano Marshall de Auxílio à Europa, programa pelo qual os Estados Unidos passaram a fornecer

empréstimos bilaterais e doações para a reconstrução dos países da Europa, como forma de evitar

a dominação comunista no velho continente.

Não há dúvidas de que a grande dotação de recursos financeiros disponibilizados pelo

Plano Marshall resolveu o problema da escassez de dólares ao mesmo tempo em que promoveu a

recuperação da capacidade produtiva das principais economias européias e, conseqüentemente,

impôs a supremacia do dólar como meio de financiamento e pagamento internacional. Nesse

sentido, Moffitt (1984) afirma que no curto período de existência do Plano Marshall os Estados

Unidos enviaram mais recursos ao exterior do que o Banco Mundial e o FMI seriam capazes de

enviar em conjunto. Os dados mostram que, de meados de 1948 até 1952, o Plano Marshall

proveu mais de US$ 12 bilhões em empréstimos e concessões à Europa e ao Japão. Em contraste,

o FMI e o Banco Mundial gastaram em conjunto, no mesmo período, menos de US$ 3 bilhões.

Não obstante, Belluzzo (1995:12) diz que “sob o manto desta hegemonia foram reconstruídas as

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22

economias da Europa e do Japão e criadas as condições para o avanço das experiências de

industrialização na periferia do capitalismo”.

O padrão de Bretton Woods permitiu que os Estados Unidos exercessem sua

supremacia econômica e financeira de maneira consistente até a década de 1960, quando o

sistema começa a evidenciar suas contradições e abalar a estabilidade e a prosperidade econômica

instituída sob a Pax Americana nas relações internacionais. Desse modo, os déficits crônicos no

balanço de pagamentos americano - mecanismo que garantiu o sucesso dos arranjos de Bretton

Woods e o poder financeiro norte-americano, enquanto regulador da liquidez do sistema -, torna-

se também o responsável pela erosão e destruição das bases que garantiam ao dólar a função de

standard universal, no momento em que a profusão de dólares torna o mercado internacional

excessivamente líquido.

Este aparente paradoxo ficou conhecido como “Dilema de Triffin”, em homenagem

ao economista Robert Triffin, que em meio a euforia causada pelo fim da escassez de dólares,

declarou ao comitê econômico do Congresso americano que o sistema de Bretton Woods era

“congenitamente fraco” e que os déficits do balanço de pagamentos dos Estados Unidos não

poderiam servir eternamente como fonte de liquidez internacional, pelo menos enquanto se

mantivesse o lastro e a conversibilidade entre o dólar e o ouro. A base do argumento de Triffin

era que o fluxo constante de capitais norte-americano para o exterior, em decorrência dos déficits

crônicos no balanço de pagamentos, criaria um excesso de dólares no exterior, estimulando

governos a demandarem ouro com esses dólares. Com isso, o estoque de ouro do Tesouro

diminuiria, solapando a confiança na capacidade dos Estados Unidos de honrar o lastro de dólar

em ouro, conduzindo o sistema financeiro internacional a uma imensa crise monetária26.

A advertência feita por Triffin foi sendo paulatinamente confirmada no decorrer da

década de 1960, quando o montante dos estoques de ouro americano conservado no Fort Knox

passa a ser menor do que a quantidade de dólares existentes junto às autoridades monetárias

externas, resultando numa redução da credibilidade do compromisso de conversibilidade do

passivo monetário norte-americano em ouro. Uma das razões desse desequilíbrio encontrava-se

na recuperação das economias européias e do Japão, reconstruídas sob padrões industriais e

empresarias de elevada competitividade, que passaram a competir efetivamente com as empresas

26 Triffin apresenta de maneira sistematizada o problema fundamental de longo prazo do sistema de Bretton Woods (o problema da confiança) no livro “Gold and the Dollar Crisis”. New Haven: Yale University Press, 1960.

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23

americanas nos mercados de automóveis, aço, bens de capital, etc. O resultado foi uma

deterioração persistente dos saldos comerciais ao longo da década de 1960, ainda que tenha

permanecido superavitária a balança comercial americana durante o período.

Um outro fator de grande relevância foi o agravamento do déficit público americano,

em virtude dos elevados gastos militares com a Guerra do Vietnã, e a forma com que o Presidente

dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, financiava estes déficits orçamentários. Como a Guerra do

Vietnã não era aclamada popularmente pelos norte-americanos, seu financiamento também não

poderia ser realizado por meio da elevação da carga tributária, sob pena de sofrer grandes

prejuízos políticos, o que forçou a adoção de uma política monetária expansionista, cujo

desdobramento mais óbvio, dado que a economia americana se encontrava próxima ao pleno

emprego, foi a elevação da taxa de inflação de 1,9% em 1965, para 4,7% em 1968. Sem embargo,

a Guerra do Vietnã e a decrescente competitividade da indústria americana, constituíam-se em

vulnerabilidades cruciais para a manutenção do dólar como moeda hegemônica do Sistema

Financeiro Internacional.

A decisão de utilizar uma política monetária expansionista para financiar os crescentes

déficits orçamentários teve repercussões além das fronteiras nacionais, tendo em vista que a

condição de economia hegemônica, em especial o fato de possuir a prerrogativa de emissão da

moeda de reserva internacional, transformou os Estados Unidos no grande beneficiário da prática

de seignorage, além de ter gerado um circulo vicioso de financiamento público que traz o

embrião da destruição do sistema - o excesso de dólares em circulação no mercado internacional -,

especialmente no Euromercado.

Por outro lado, Padoan (1986) é enfático ao afirmar que os arranjos de Bretton Woods

favoreceram a prática de seignorage pelos Estados Unidos, como forma de alcançar os seguintes

objetivos:

a) objetivos estratégicos: os americanos suportaram a maior parte dos custos da

aliança militar formalizado no tratado do Atlântico Norte (Otan) e puderam fazê-lo, em grande

medida, graças à condição de emissores da moeda reserva internacional;

b) objetivos econômicos: a seignorage permitiu a expansão da indústria americana e

de seu estilo tecnológico (o fordismo), sobretudo através do investimento direto;

c) objetivos financeiros: a posição de “banqueiro internacional” dos Estados Unidos

concedeu um enorme espaço para o crescimento dos bancos americanos.

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24

Na medida em que o déficit público era financiado por meio de políticas monetárias

excessivamente expansionistas, os Estados Unidos transferiam sua irresponsabilidade na

administração fiscal para os países europeus e para o Japão que, por sua vez, eram obrigados a

intervir nos seus mercados cambiais comprando dólar para manter a paridade cambial. Diante

disso, muitos governos passaram a questionar a prática de seignorage pelos Estados Unidos ao

mesmo tempo em que procuravam trocar seus dólares por ouro, como ocorreu em 1965, quando

Charles De Gaulle, presidente da França, após realizar severas críticas ao “exorbitante privilégio”

norte americano de autofinanciar-se livremente, liderou uma demanda agressiva pela troca de

dólares por ouro 27 . Embora não tenha desencadeado uma corrida especulativa de grandes

proporções, o ataque de De Gaulle fez com que as reservas de ouro dos Estados Unidos se

reduzissem em mais de US$ 1,5 bilhão28.

Numa tentativa de mitigar o processo especulativo em relação ao dólar e estancar a

evasão de capital, o governo americano anunciou ao longo da década de 1960 medidas

discricionárias e paliativas contra a saída de dólares, como, por exemplo, restrições a

investimentos realizados no exterior e a concessão de empréstimos externos por parte de bancos

americanos29, o que resultaria, posteriormente, num dos fatores aceleradores do processo de

internacionalização bancária dos Estados Unidos. Por outro lado, foi proposto durante a reunião

do FMI realizada no Rio de Janeiro em fins de 1967, a criação de uma nova moeda internacional,

conhecida como Direitos Especiais de Saque (DES) ou “papel-ouro” (ainda que não fosse

conversível em ouro), que seria utilizada nas transações entre bancos centrais.

As nações industrializadas que apresentavam forte vulnerabilidade cambial apoiaram

decisivamente o plano de criar o DES para suplementar o dólar e o ouro como moeda

internacional, com exceção da França que exigia que os Estados Unidos eliminassem seu déficit

27 Segundo Eichengreen (2000:159), havia coerência histórica na posição assumida pelo Governo francês, tendo em vista que “desde a Conferência de Gênova, em 1922, a França se opunha a qualquer arranjo que conferisse um status especial a uma determinada moeda. O fato de Paris nunca ter sido um centro financeiro comparável a Londres ou a Nova York limitou a liquidez de ativos denominados em francos e, portanto, o interesse em usar a moeda francesa como reservas internacionais”. 28 Cf. Ricardo Dathein “De Bretton Woods à Globalização Financeira: evolução, crise e perspectivas do Sistema Monetário Internacional”. VII Encontro Nacional de Economia Política. Disponível em: <http://www.sep.org.br 29 É importante salientar que desde 1933, com a aprovação da Lei Glass-Steagall, os bancos comerciais foram separados dos bancos de investimento nos Estados Unidos. Com essa divisão os bancos comerciais como o Chase dominaram o mercado de empréstimos e depósitos, enquanto que os bancos de investimentos como o Morgan Stanley dominaram o mercado de títulos, subscrições, incorporações e aquisições.

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25

no balanço de pagamentos, como condição de ativação do esquema DES30. Já os Estados Unidos,

ainda que reticentes, a princípio, por temer os impactos dessa medida para a manutenção da

hegemonia do dólar, passaram a apoiar o sistema de direitos especiais de saque em virtude da

possibilidade de retardar o crescimento dos seus passivos monetários no exterior.

Apesar dos esforços do Federal Reserve (FED) para promover o controle dos fluxos

de capitais para o exterior e a cooperação internacional entre governos e bancos centrais para a

preservação do regime de Bretton Woods31, a instabilidade do Sistema Financeiro Internacional

permanecia substancialmente crítica, devido a três razões principais: i) havia um excesso de

dólares no mercado internacional, especialmente na Europa; ii) não havia sinal de melhora do

déficit no balanço de pagamentos americano, com agravante de que, a partir do início da década

de 1970, o déficit comercial passa a ter uma participação importante no déficit global; iii) o dólar

permanecia artificialmente valorizado em virtude das taxas de câmbio fixas definidas pelo acordo

de Bretton Woods.

Diante do agravamento da crise do dólar e da relutância das principais autoridades

monetárias européias em intervir nos mercados de câmbio em defesa da paridade cambial, o

presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, anunciou em 15 de agosto de 1971 o rompimento

unilateral com o lastro do dólar firmado no acordo de Bretton Woods, o que significava a

suspensão da conversibilidade do dólar a uma taxa fixa com o ouro. Além disso, impôs uma

sobretaxa de 10% sobre a importação de mercadorias para pressionar os demais países a

valorizarem suas moedas. Essa decisão dos Estados Unidos foi comunicada ao diretor-gerente do

FMI como um fato consumado, demonstrando a insignificância e a submissão de uma instituição

que deveria funcionar como órgão de consulta e de colaboração nos problemas monetários

internacionais.

Segundo Triffin (1972:377), “se os bancos centrais tivessem reagido ao problema do

dólar como fizeram com a libra esterlina em 1931, teria sido em 1960, ou logo em seguida, que a

conversibilidade do dólar teria que ter sido suspensa”. Não obstante, o autor conclui que: “o

dólar sobreviveu mais de dez anos como moeda dominante somente graças a sua

30 Cf. Eichengreen (2000:163) 31 Dentre os acordos de cooperação internacional, deve-se destacar: o Acordo da Basiléia (1961), pelo qual cada país se comprometia a defender as demais moedas e a participar de empréstimos recíprocos; o “Pool do ouro”, tinha como objetivo impedir o esgotamento das reservas de ouro dos EUA; além do Acordo Geral para Empréstimos, os Direitos Especiais de Saque e outros dispositivos de ampliação dos recursos disponíveis para bancos centrais com dificuldades. Cf. Eichengreen (1995:66)

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26

inconversibilidade de facto, inconversibilidade que todos julgavam de próprio interesse não

forçar os Estados Unidos a declararem de jure.”32

Nos meses seguintes ao rompimento da conversibilidade do dólar ocorreram várias

rodadas de negociações para a reestruturação do sistema monetário internacional, as quais

resultaram na assinatura do que ficou conhecido como Acordo Smithsoniano, em virtude do

acordo ter sido discutido no Smithsonian Institute, em Washington (EUA). O acordo assinado em

18 de dezembro de 1971 previa que algumas moedas deveriam ser valorizadas (iene japonês,

franco suíço, xelim austríaco, marco alemão, franco belga e florim holandês), algumas

permaneceriam sem alteração (libra esterlina e franco francês) e outras desvalorizadas (lira

italiana, coroa sueca e dólar americano). O dólar foi desvalorizado em 8%, elevando-se o preço

do ouro de US$ 35,00 para US$ 38,00 a onça, ao passo que a sobretaxa de 10% sobre as

importações foi eliminada. Por fim, as novas paridades cambiais tiveram ampliadas suas bandas

de variações para 2,25%, para cima e para baixo, permitindo um intervalo total de variação de

4,5%, o que permitiria uma maior flexibilidade para os valores das moedas, sem alijar

completamente o conceito de taxas de câmbio fixas.33

Na tentativa de aumentar a credibilidade do Acordo Smithsoniano e, principalmente,

reduzir a instabilidade cambial em nível regional, alguns países membros do Mercado Comum

Europeu assinaram em 1972 o Acordo Europeu de Flutuação Comum, que lhes obrigava manter a

flutuação de suas moedas dentro de um intervalo máximo de 2,25% (1,125% para cima ou para

baixo), sendo que, em relação às demais moedas o intervalo máximo de variação poderia ser de

4,5% (2,25% para cima ou para baixo). A definição de taxas intra-européias de variação cambial

ficou conhecida na literatura econômica e nos mercados financeiros como a “serpente dentro do

túnel” (snake in the tunnel ou European Snake), sendo a serpente representada pelo intervalo de

2,25% e o túnel pelo intervalo de 4,5%.34

No entanto, “o maior acordo monetário da história”, como Nixon denominou o

Acordo Smithsoniano, solapou diante de poderosas pressões especulativas que ocorreram não

somente em relação à moeda americana, mas também sobre as principais moedas que faziam

parte do acordo. Nesse sentido, Moffitt (1984) assinala que:

32 Robert Triffin (1972) “International Monetary Collapse and Reconstruction” in: Journal of International Economics. V.2, nº 4. 33 Cf. Ratti (1994:274-275), Moffitt (1984:74) 34 Cf. Ratti (1994:275), Eichengreen (2000:183-247)

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27

“O sistema monetário de Bretton Woods colapsou quando empresas multinacionais, bancos e outros investidores começaram a alocar maiores quantias de seu capital na forma de moedas estrangeiras. No início da década de 70, as firmas americanas já não eram tão leais ao dólar, a exemplo de qualquer outra firma multinacional. Segundo o Wall Street Journal, elas estavam ‘apostando contra’ o dólar. O que ocorreu essencialmente foi que as empresas e bancos, antecipando uma desvalorização, vendiam dólares nos mercados europeus de moedas para reduzirem seus descobertos em dólares.” (MOFFITT, 1984:77)

Neste contexto de enfraquecimento da moeda americana e do aumento da pressão

especulativa sobre as demais moedas, as intervenções no mercado de câmbio para a manutenção

da paridade tornaram-se dispendiosas, tendo em vista que para combater a especulação e a

arbitragem internacional, os bancos centrais eram obrigados a adquirir enormes quantidades de

dólares, como forma de garantir que as flutuações permanecessem no interior das bandas

cambiais. Essa situação fez com vários países abandonassem as intervenções sistemáticas nos

mercados cambiais e deixassem suas respectivas moedas flutuar.

Este episódio revela a ineficiência tanto da política monetária expansionista americana,

quanto da austeridade da política monetária européia, ambas praticadas simultaneamente no

início da década de 1970, já que a existência de um canal para o fluxo livre de capitais - o

Euromercado35 -, tornava incongruente a manutenção de um regime de taxas de câmbio fixas.

Noutros termos, a restrição ao crédito imposta pela política monetária européia, em especial a

política adotada pelo Bundesbank, tornava-se inócua diante da facilidade de obtenção de recursos

no mercado de eurodivisas, enquanto que estando o nível da taxa de juros no Euromercado acima

da existente nos Estados Unidos, incentivava as filiais estrangeiras dos bancos americanos a

realizarem operações fora dos Estados Unidos, esterilizando os esforços das autoridades

monetárias.

A tentativa derradeira de conter a especulação cambial que pressionava a moeda

americana ocorreu em 12 de fevereiro de 1973, com o anúncio da desvalorização de 10% do

dólar, que logo se revelou uma medida insuficiente para refrear o dinâmico processo especulativo.

Diante do malogro em combater o processo especulativo, o governo americano procurou romper

35 O Euromercado é um mercado off-shore, formado por bancos internacionais situados em centros financeiros como Londres e Luxemburgo, realizando transações financeiras para não residentes, em moedas diferentes as dos países onde esses agentes econômicos estão situados (geralmente em dólares).

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28

definitivamente com as disfunções que fragilizavam sua condição hegemônica, através do

rompimento em março de 1973 com o sistema de paridades cambiais fixas (mas ajustáveis), que

havia sido instituído pelo acordo de Bretton Woods, decretando o abandono definitivo dos

“esforços sistemáticos de reordenamento das taxas de câmbio para chegar a uma nova estrutura

de paridades fixas”. (BAER et alii, 1995:79)

Com isso, consolidava-se definitivamente a crise do regime norte-americano, cujo

tripé perverso representado por três esferas distintas (militar, financeira e ideológica), mas

estreitamente relacionadas, foi desenvolvido entre 1968 e 1973. Em termos militares, o exército

americano entrou em dificuldades cada vez mais sérias no Vietnã; financeiramente, o Federal

Reserve não conseguiu coordenar as ações para a manutenção do acordo de Bretton Woods; e,

ideologicamente, a cruzada anticomunista do governo norte-americano começou a perder

legitimidade no país e no exterior. (ARRIGHI, 1996:310).

O colapso do sistema regulatório de Bretton Woods representou a origem da

desordem no sistema monetário internacional, sobretudo a partir da adoção de um instável e

problemático sistema de flutuação cambial, que promovia uma redução contínua do papel da

moeda americana nas transações comerciais e financeiras, bem como no montante que formavam

as reservas em divisas dos bancos centrais.

A desorganização do sistema monetário e de pagamentos criados em Bretton Woods,

abriu as portas para uma nova fase do capitalismo, que passava a ser comandada sob auspícios do

rentismo contemporâneo, cujas características se expressaram na redução do escopo de ação dos

Estados nacionais que passaram a estar submetidos aos ditames dos mercados financeiros, no

circuito financeiro comandado por grandes bancos comerciais à margem de qualquer

regulamentação dos bancos centrais, na criação endógena de liquidez e de elevados prêmios de

risco, no afrouxamento dos critérios de avaliação de risco pelos bancos, resultando numa elevada

expansão do crédito concedido às empresas, aos bancos e aos governos, no aumento da

volatilidade das taxas de câmbio, no espetacular crescimento do Euromercado e dos centros

financeiros off-shore, enfim, na ascensão de uma nova etapa da internacionalização financeira.

Page 41: Tese Paiva,ClaudioCesarde

29

1.3. Inovações Financeiras e Transformações Institucionais: os impactos do

colapso Bretton Woods sobre o Sistema Financeiro Internacional

A análise das transformações ocorridas no sistema financeiro internacional ao longo

das últimas décadas estaria incompleta se restringida apenas às mudanças nos padrões de

regulação dos sistemas financeiros domésticos, visto que se excluiria da análise alguns fatores

microeconômicos relevantes, como alterações nos padrões de concorrência e as inovações dos

instrumentos financeiros, que são implementados pelos agentes econômicos como forma de

contornar as restrições impostas pelas autoridades monetárias, bem como para reduzir os novos

riscos de mercado e maximizar a acumulação financeira de capital. Nesse sentido, torna-se

imprescindível o entendimento do papel desempenhado pelas inovações financeiras, em especial

a securitização de dívidas e os instrumentos derivativos, no gerenciamento da liquidez e do risco

e seus impactos sobre a dinâmica assumida pelas finanças internacionais.

O eixo central desse debate está na compreensão da natureza das transformações

econômicas desencadeadas pelo processo de inovação financeira e pela revolução da tecnologia

da informação e da comunicação, que permitiram desenvolvimentos de novos produtos e serviços,

os quais reduziram os custos das transações financeiras36. É importante notar que as inovações

financeiras diferem das inovações industriais em vários aspectos, dentre os quais cabe

destacar o tempo de criação (novos produtos) e difusão para o mercado, que é infinitamente

inferior no caso das inovações nos mercados financeiros. Com efeito, a revolução das

telecomunicações tornou-se fundamental para o processo de globalização das finanças

internacionais, pois proporcionou uma crescente automação das instituições financeiras e, por

conseguinte, seus efeitos reverberaram diretamente no sistema financeiro internacional. Nesse

contexto, torna-se evidente a relação simbiótica entre tecnologia da informação e mercados

financeiros, tendo em vista que “a globalização financeira constitui-se, (...), em grande usuária e

fomentadora da revolução nas tecnologias de informação”. (CANUTO & LIMA, 1999:09).

A consolidação de um padrão de acumulação financeirizado nas décadas de 1980 e

1990, consubstanciado ao avanço das novas tecnologias da informação e da comunicação, torna

36 Segundo o estudo “Recent innovations in international banking”, publicado em 1986, pelo BIS (Bank for International Settlements), os custos das transações financeiras caíram em mais de 90% nas duas décadas anteriores em virtude dos novos instrumentos financeiros.

Page 42: Tese Paiva,ClaudioCesarde

30

praticamente desprezível o tempo de circulação do capital que se encontra na forma dinheiro, no

mesmo instante em que o espaço de valorização desse capital se amplia absurdamente. A essência

dessas transformações foi captada por David Harvey (1993), que descreveu este processo como

sendo um “ciclo de compressão do espaço-tempo”, e por Manuel Castells (1989) ao discutir a

reestruturação do capitalismo e o novo padrão de desenvolvimento em curso (modo

informacional), sobretudo quando enfatiza que a “revolución tecnológica de proporciones

históricas está transformando las dimensiones fundamentales de la vida humana: el tiempo y el

espacio.” (CASTELLS, 1989:21).

As inovações técnicas no setor financeiro ao modificarem as dimensões do tempo e do

espaço, atendem a uma necessidade premente de reprodução do capital que passa a se

metamorfosear e se reproduzir em escala global. Nesta perspectiva, pode-se concluir que os

estímulos para a intensificação do processo de criação e difusão de novos instrumentos

financeiros estariam a priori subordinados ao movimento de internacionalização dos mercados

financeiros, à concorrência entre instituições financeiras, à emergência de condições

macroeconômicas mais voláteis, à busca por uma maior liquidez dos ativos financeiros e às novas

formas de reprodução do capital.

Neste contexto, é conveniente introduzir na análise uma distinção dos processos de

inovações financeiras a partir de suas características motivacionais, tal qual sugerida por Ferreira

& Freitas (1990) e Mendonça (2002), que dividiram as inovações financeiras em dois grupos

distintos. Num primeiro grupo se concentrariam as inovações financeiras motivadas pela tentativa

de contornar as restrições impostas aos agentes financeiros, restrições estas colocadas pela

legislação vigente em cada país, assim como pelos procedimentos adotados pelas autoridades

reguladoras dos mercados de capitais. No segundo grupo se enquadrariam as inovações cujo

sentido fosse criar novos instrumentos que possibilitassem a atenuação do quadro de maior

volatilidade dos mercados que sucedeu a estabilidade vigente durante o período do acordo de

Bretton Woods.

A partir das transformações ocorridas durante a segunda metade do século XX na

estrutura e forma de funcionamento do mercado financeiro internacional, é possível inferir que as

inovações financeiras, nos anos 70, apresentaram um caráter reativo aos controles financeiros

domésticos, ou seja, “foram introduzidas com o sentido de propiciar às instituições financeiras

mecanismos de evasão às rígidas regulações nos mercados domésticos e aos altos impostos

Page 43: Tese Paiva,ClaudioCesarde

31

sobre as operações financeiras com não-residentes.” 37 Por outro lado, o avanço da

desregulamentação dos mercados financeiros domésticos e a volatilidade das condições

macroeconômicas, em particular das taxas de câmbio e de juros, gerou a necessidade de que, nos

anos 80 e 90, novos instrumentos financeiros fossem desenvolvidos “com a função primordial de

garantir aos bancos e seus clientes meios para se protegerem contra a crescente volatilidade das

taxas de juros e de câmbio, bem como o acesso a formas de endividamento mais baratas.”38

Entretanto, deve-se ressaltar que as evidências empíricas mostram que as inovações

financeiras têm desempenhado no cenário econômico contemporâneo, caracterizado por uma

economia de endividamento39 e por um forte processo de desregulamentação dos mercados

financeiros, um papel fortemente contraditório, pois embora os novos instrumentos financeiros

tenham contribuído para redistribuir riscos entre os grandes players internacionais como

corporações, bancos, governos, fundos de pensão, seguradoras, etc., a elevada alavancagem

desses agentes tem sido responsáveis por uma maior instabilidade e volatilidade dos mercados

internacionais, potencializando os recorrentes choques especulativos e as crises financeiras

sistêmicas. Não obstante, Belluzzo (2003) é taxativo ao afirmar que:

“o veloz desenvolvimento de inovações financeiras nos últimos anos, associado à intensa informatização dos mercados, permitiu acelerar espantosamente o volume de transações e acentuar a busca de liquidez por parte dos investidores. Essas características, combinadas com técnicas de alavancagem que envolvem o crédito bancário, explica não só a exuberância do ciclo americano dos anos 90 como também o enorme potencial de realimentação dos processos especulativos. Nesses mercados, não foram raros os momentos de colapso das expectativas, acompanhadas da sede de liquidez”. (BELLUZZO, 2003:B2).

Dentre as transformações que apresentaram impactos relevantes para os mercados

financeiros torna-se inevitável apontar o arranjo financeiro do Euromercado como uma das mais

importantes, pois como salientou Hobsbawm, a criação desse mercado representou a primeira vez

na história em que um grande volume de uma determinada moeda passava a ser transacionada

fora da base territorial e do controle da sua respectiva autoridade monetária. O desenvolvimento 37 Cf. Ferreira & Freitas (1990:33) 38 Cf. Ferreira & Freitas (1990:33) 39 Segundo Minsky (1986:42) “um atributo fundamental em nossa economia é a propriedade de ativos ser tipicamente financiada por dívidas, e dívidas implicam compromissos de pagamento”. Contudo, os agentes econômicos endividados têm se utilizado, invariavelmente, de arranjos financeiros para pagar suas dívidas não com as receitas derivadas da produção, mas com recursos obtidos pela emissão de mais dívida.

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32

de um mercado de capitais sem o domínio regulatório de Governos nacionais, resultou na

fragilização da atuação das autoridades monetárias, que passaram a apresentar dificuldades para a

execução de políticas macroeconômicas estabilizadoras, em especial na operacionalização de

políticas monetárias e cambiais, que são instrumentos basilares para evitar excessivas flutuações

nos níveis de preços e emprego.

Segundo Ferreira & Freitas (1990), no âmbito do Euromercado desenvolveram-se

importantes inovações, como, por exemplo, o desenvolvimento de um mercado de transações

interbancárias, que rapidamente se transformou no mecanismo central do refinanciamento dos

bancos internacionais. Além disso, outras inovações foram desenvolvidas neste período, como o

“eurobond”, título de longo prazo emitido no Euromercado por corporações industriais e

governos, subscrito por bancos comerciais; o “eurocredit”, criado a partir de três inovações:

juros flutuantes, “spread” sobre a taxa de juros de referência (LIBOR) e empréstimos sindicados -

loan sindycate (crédito concedido por um conjunto de bancos) -, possibilitando empréstimos de

médio prazo em euromoeda; os certificados de depósito bancários em euromoedas; e os títulos

de dívida direta de médio e longo prazos à taxa de juros flutuantes (floating rate notes)40.

Em fins de década de 1960 e, mais especificamente, a partir do fim do acordo de

Bretton Woods, a conjuntura econômica mundial apresentava elevada volatilidade e grande

incerteza, o que favoreceu o acirramento do processo de desregulamentação e de introdução de

novos instrumentos financeiros, os quais tornaram os mercados mais integrados e complexos,

portanto, mais suscetível às operações especulativas. Nesta perspectiva, Aglietta (1998) vê a

liberalização financeira como uma inovação sistêmica, que destruiu a coerência anterior sem criar

uma nova e, assim, concluiu que “a liberalização do mercado financeiro é o elo frágil na criação

do tipo de incerteza que conduz a entradas de capital insustentáveis e às subseqüentes crises

auto-realizáveis.” (AGLIETTA, 1998:13)

A proliferação de novos instrumentos financeiros nas últimas décadas, em paralelo ao

processo de desregulamentação dos mercados, resultou na transformação das estruturas do setor

financeiro, em particular no modus operandi dos agentes econômicos, que diante de sistemas

financeiros mais sofisticados e complexos, encontraram formas e oportunidades globais de

valorização do capital, com distintos graus de risco, rentabilidade e liquidez.

40 Floating Rate Notes são títulos de dívida direta de médio e longo prazos, pagando juros a taxas repactuadas em intervalos de três e seis meses, com base em uma taxa internacional de referência (freqüentemente a LIBOR).

Page 45: Tese Paiva,ClaudioCesarde

33

Com isso, ocorreram alterações relevantes nos padrões de concorrência nos mercados

de crédito, sobretudo com a expansão da participação dos novos agentes (fundos de pensão,

seguradoras, grandes corporações), em detrimento das tradicionais instituições bancárias. Nesse

sentido, Ferreira & Freitas (1990) afirmam que nos anos 80 “as fontes internacionais de liquidez

deslocam-se dos países exportadores de petróleo para os fundos de pensão, companhias de

seguro e grandes corporações, enquanto os bons tomadores, reduzidos a governos de países

desenvolvidos e corporações, passaram a obter recursos mais baratos que empréstimos

bancários, por meio da emissão de títulos de dívida direta negociáveis”. (FERREIRA &

FREITAS, 1990:09).

Não obstante, Braga (2000) mostra alguns dados que revelam que nos Estados Unidos

a relação entre ativos bancários e ativos totais das instituições financeiras, que oscilou em torno

de 40% da década de 1930 à de 1970, reduz-se para apenas 28% nos anos 90. De forma

complementar, Goldstein et alii. (1992:01) afirma que, entre 1980 e 1990, a parcela dos

empréstimos bancários nos passivos das empresas declinou de 67,4% para 58,8% no Japão e de

33% para 25,4% nos Estados Unidos.

Essa redução do market-share dos bancos no mercado de crédito desencadeou uma

reestruturação dos serviços financeiros prestados pelas instituições bancárias que, num esforço

permanente por novas oportunidades de negócios, passaram a direcionar seus recursos creditícios

para os empréstimos imobiliários e ao consumidor. Com efeito, as instituições bancárias

recuperam sua importância no mercado, sobretudo ao suprir liquidez aos investidores que

necessitavam para o carregamento de ativos. Desse modo, o avanço do processo de

desintermediação financeira resultou numa redefinição das estratégias bancárias, o que levou

Braga a concluir que “não se trata propriamente da decadência dos bancos, mas de uma

metamorfose que é sinal dos tempos”, isto é, “os bancos se redefinem com base no perfil de

money manager capitalism que a economia americana foi assumindo”. (BRAGA, 2000:153-154)

As transformações estruturais no modus operandi das instituições financeiras, em

especial do sistema bancário, são reflexos direto de uma conjuntura inerentemente instável que se

estabeleceu a partir do colapso do Sistema de Bretton Woods, onde os agentes econômicos

passaram a dar preferência às instituições mais dinâmicas no sentido de desenvolver respostas

sofisticadas, em termos de risco e rentabilidade, aos desafios colocados pela nova conjuntura, em

detrimento das instituições financeiras conservadoras. Não obstante, Carvalho et alii (2000:339)

Page 46: Tese Paiva,ClaudioCesarde

34

aponta para o fato de que, a partir da década de 1970, “as instituições mais bem-sucedidas

passariam a ser aquelas capazes de se diferenciar com a evolução dos mercados financeiros ou,

ainda melhor, em antecipação às mudanças destes últimos. Em suma, as instituições pareciam

ter descoberto que inovar é a forma mais eficaz de competir e crescer numa economia de

mercado”.

Com o dinâmico processo de desregulamentação financeira em várias economias

nacionais o mercado internacional de capitais passou a ser, recorrentemente, fonte de recursos

utilizados pelos grandes players globais, onde a mercadoria passou a ser representada por títulos

financeiros de propriedade e de dívida (bonds 41 , commercial paper, debêntures 42 ), o que

contribuiu para o desenvolvimento de uma segunda onda de inovações financeiras. A natureza

especulativa dessa segunda onda de inovações financeiras conduzida pelo processo de

securitização de ativos e pelos derivativos, influenciou decisivamente a dinâmica dos mercados

financeiros internacionais nas décadas de 1980 e 1990, considerando que essas inovações

implementadas simultaneamente ao processo de desregulamentação, permitiram aumentar

extraordinariamente o horizonte de captação e aplicação dos agentes econômicos em mercados

financeiros globalizados.

De acordo com Ferreira & Freitas (1990:10), o processo de securitização de dívidas é

o aspecto distintivo do processo de transformação dos mercados financeiros internacionais nos

anos 80, com intensa participação dos bancos na emissão e compra de títulos de dívida direta

(securities ou bonds) e em operações de subscrição (underwriting).

A securitização de ativos representa a transformação de obrigações financeiras

geradas anteriormente em processos de oferta de crédito em papéis colocáveis diretamente no

mercado, ou seja, a transformação de obrigações de crédito em instrumentos negociáveis. Essa

capacidade de conversão de um ativo de baixa liquidez em títulos mobiliários de elevada liquidez

se constituiu num aspecto fundamental para explicar a relação desse instrumento financeiro com

o mercado imobiliário. Daí o intenso crescimento das operações com recebíveis imobiliários,

especialmente nas economias desenvolvidas, que atende diversos segmentos do mercado

41 O termo “bônus” (bond) é usado, convencionalmente, no exterior, para designar título com mais de 10 anos de prazo. Para os títulos com menos de 10 anos, utiliza-se o termo “notes”. 42 Debênture é um título emitido por sociedade anônima, com garantia de seu patrimônio e com ou sem garantia subsidiária da instituição financeira que a lança no mercado, para obter recursos de médio e longo prazos, destinados normalmente a financiamento de projetos de investimento ou alongamento do perfil de endividamento. Ela garante ao comprador juros periódicos e reembolso do principal (valor nominal da debênture), na data do seu vencimento, não dando direito de participação nos bens ou lucros da empresa.

Page 47: Tese Paiva,ClaudioCesarde

35

imobiliário (residencial, comercial e industrial), bem como a vários tipos de clientes (prime, sub-

prime, etc). Essa diversidade de segmentos e clientes permite várias alternativas para a

estruturação de uma operação de securitização de recebíveis imobiliários, com distintos riscos

para os investidores e para o mercado43.

Segundo Carvalho et alii (2000:344), a securitização de ativos corresponde a dois

tipos diferentes de processos financeiros. Um primeiro processo seria a securitização primária,

que corresponde à colocação direta de papéis de tomadores junto ao público não-financeiro, em

substituição ao crédito bancário comumente utilizado. Um exemplo tradicional deste processo é a

captação de recursos de curto prazo para financiamento de capital de giro pelas empresas, através

da colocação de commercial papers, ao invés de empréstimos de recursos junto a bancos

comerciais. Por outro lado, a securitização secundária refere-se ao processo de transformação

sofrido pelos próprios intermediários financeiros que buscam se adaptar às novas tendências do

mercado. Neste caso, são securitizados os ativos dos bancos, representados por empréstimos

originalmente realizados aos tomadores finais.

O desenvolvimento do instrumento da securitização secundária constituiu-se um

processo de maior complexidade e institucionalmente inovador, considerando que, embora a

instituição financeira continue a ofertar crédito da forma tradicional, ocorre uma homogeneização

dos contratos de crédito até então representativos de empréstimos bancários não-negociáveis, de

modo que se possa realizar posteriormente um agrupamento desses contratos em um único ativo,

cujo “retorno é constituído pelo serviço da dívida criada pelo intermediário [instituição

bancária], e vendido para um ‘poupador’, normalmente um investidor institucional, que controle

recursos em volume suficiente para absorver esses ativos”. (CARVALHO et alii, 2000:345).

O instrumento da securitização secundária foi criado principalmente para resolver a

crise do sistema de financiamento da construção norte-americana, porém, o sucesso alcançado

impulsionou seu desenvolvimento em vários países desenvolvidos, cujo mercado secundário

possuía relativa profundidade para garantir liquidez aos investidores. Sendo assim, o instrumento

da securitização secundária tem representado um potencializador da oferta de créditos pelas

instituições financeiras ao transformar obrigações inicialmente geradas sob a forma de crédito em

“papéis negociáveis”, que são repassados a investidores, liberando recursos para que instituições

43 O exemplo mais recente é o da crise da New Century nos EUA, que atua no segmento de crédito imobiliário para clientes sub-prime, isto é, que não tem um bom histórico de crédito no mercado.

Page 48: Tese Paiva,ClaudioCesarde

36

financeiras possam retomar o processo de oferta de crédito, ou seja, a securitização permite as

instituições financeiras desvincular o risco de crédito (risco de default do devedor) do risco de

mercado.

Segundo Ferreira & Freitas (1990:10) dois fatores contribuíram de forma decisiva

para o crescimento do processo de securitização. Em primeiro lugar, o retorno à prática de taxas

de juros reais positivas e o declínio das taxas de inflação nos países desenvolvidos reduziram o

prêmio de risco dos compradores desses ativos, que comportam alto risco de mercado em função

dos longos prazos. Um segundo fator importante para o crescimento do processo de securitização

foi a desconfiança dos credores quanto à qualidade dos ativos dos grandes bancos internacionais

após 1982, aumentando a demanda por ativos com mercados secundários desenvolvidos, tais

como os existentes para os bônus.

Em paralelo a expansão do processo de securitização de ativos ocorreu a proliferação

dos produtos derivativos (swaps, opções, mercados futuros), como forma de transferência e

transformação de riscos de câmbio e juros. Os contratos derivativos referem-se a ativos cujo valor

é derivado de outros ativos, com o objetivo de decompor e negociar os riscos que cercam

determinada transação financeira, não sendo, portanto, instrumento de captação ou alocação de

poupança.

Segundo Carvalho et alii (2000), os contratos derivativos tornaram-se imprescindíveis

nas transações financeiras contemporâneas em função da instabilidade econômica derivada do

aumento da volatilidade dos mercados financeiros. Nesses termos, os autores acrescentam que o

mercado para os contratos derivativos estaria em expansão devido a três aspectos fundamentais:

a) Em primeiro lugar, pela sua capacidade de decomposição de riscos, os

derivativos têm servido para que os diversos aspectos que caracterizam uma dada

transação possam ser negociados separadamente, permitindo a cada parceiro aceitar

apenas aqueles riscos que lhe atraem, transferindo o restante para outros (isto é,

fazendo hedge contra esses outros riscos, o que nada mais é que a compra de

contratos que lhe garantam uma compensação contra contingências específicas);

b) Em segundo lugar, porque os derivativos podem cumprir as mesmas funções que os

mercados secundários para um dado papel, à medida que asseguram a possibilidade

de revenda do título em condições adversas determinadas. Deste modo, derivativos

Page 49: Tese Paiva,ClaudioCesarde

37

permitem conferir um atributo semelhante à liquidez a um dado ativo, assegurando-

lhe comprador e condições de negociações em contingências especificadas;

c) Em terceiro lugar, os derivativos mais complexos permitem a parceiros mimetizar

condições de mercados que, por alguma razão, possam ser inacessíveis àquelas

transacionadas. Notadamente, esta é a propriedade dos swaps, contratos derivativos

em que a natureza das obrigações efetivamente aceitas por um agente correspondem

àquelas de um mercado diferente do que deu origem ao contrato.

Contudo, deve ser salientado que a despeito de serem os contratos derivativos

instrumentos de negociação de risco, portanto, mecanismo de proteção dos agentes econômicos

contra contingências adversas (hedging finance), seu funcionamento tem sido responsável pela

potencialização de processos especulativos. Nesse sentido, ao permitir a transferência de risco a

outros agentes econômicos torna mais confortável a idéia de se elevar o endividamento, o que

acaba induzindo a elevação da alavancagem financeira, ou seja, a disseminação de novas técnicas

de hedging finance acaba contribuindo para aumentar a volatilidade no sistema financeiro

internacional.

De modo geral, as inovações financeiras desenvolvidas nas décadas de 1980 e 1990

foram responsáveis pela concretização de uma “economia do endividamento”, nos termos de

Minsky (1984 e 1986), considerando que a atenuação dos movimentos cíclicos das taxas de juros

e de câmbio, promovidas pelas novas técnicas de hedge, gerou estímulos para o acúmulo de

dívidas. Diante disso, Minsky (1986) ressalta que “um período de funcionamento bem-sucedido

da economia conduz a um decréscimo no valor da liquidez e a uma aceitação de práticas

financeiras mais agressivas.”44 É justamente com base nessas transformações desencadeadas

pelas inovações financeiras que Minsky havia salientado em trabalho anterior que “existe um

processo autocumulativo na moderna economia capitalista, conectando inovações financeiras, o

financiamento do investimento e os lucros realizados”. (MINSKY, 1984:27-28).

A crise econômica e financeira emergirá na medida em que os fluxos de receitas

esperadas não mais validarem os compromissos de dívidas passadas, devido a uma frustração nas

expectativas de desempenho dos fundamentos macroeconômicos45. A frustração das expectativas

44 Minsky (1986:249) 45 Minsky (1984 e 1986), Ferreira & Freitas (1990)

Page 50: Tese Paiva,ClaudioCesarde

38

de valorização dos ativos e uma conseqüente ruptura nas convenções estabelecidas desencadeiam

uma abrupta deflação dos preços dos ativos e um ajuste da riqueza financeira, com impactos

severos sobre a economia real, dado o grau de alavancagem dos agentes econômicos. Nestas

circunstâncias, torna-se evidente a necessidade de um lender of last resort, que atue no sentido de

amenizar os impactos da frustração de expectativas, garantindo, com isso, a segurança dos

sistemas monetários-financeiros nacionais.

1.4. A Retomada da Hegemonia Americana e o Processo de

Financeirização: rumos de uma nova ordem econômica internacional

Os anos que seguiram o declínio do Acordo de Bretton Woods foram marcados pelo

acentuado grau de instabilidade econômica e por crises monetárias recorrentes, cujas principais

características estiveram expressas no crescimento da inflação internacional, na redução das taxas

de crescimento dos países centrais, na adoção de taxas de câmbio flutuantes, na

desregulamentação dos mercados financeiros e no rompimento com o compromisso keynesiano

de pleno emprego.

O fim do Acordo de Bretton Woods desencadeou uma importante controvérsia entre

teóricos das relações internacionais no que concerne a interpretação dos fatos atinentes à crise e

suas repercussões. Enquanto alguns teóricos identificavam nos episódios de 1971 e 1973 um

sinal do declínio da hegemonia norte-americana, em outro extremo, encontravam-se outros

analistas que consideravam as decisões tomadas pelos Estados Unidos como um ato de

afirmação de poder.

O fato é que a substituição das taxas de câmbio fixas por taxas de câmbio flutuantes, a

despeito de terem aumentado os riscos e incertezas do sistema financeiro internacional,

possibilitou ao governo norte-americano, durante o período compreendido entre 1973 e 1978,

uma maior liberdade de ação para combater as disfunções que fragilizavam sua condição

hegemônica. Nesse sentido, Parboni46 assinala que:

46 PARBONI, Riccardo. The Dollar and its Rivals. Londres: Verso, 1981.

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39

“ O sistema de taxas de câmbio flutuantes (...) eliminou qualquer necessidade de os Estados Unidos controlarem seu déficit no balanço de pagamentos, qualquer que fosse sua fonte, pois tornou-se então possível liberar na circulação internacional quantidades ilimitadas de dólares não conversíveis. Portanto, mesmo continuando a depreciar o dólar, numa tentativa de recuperar a competitividade na produção de bens, os Estados Unidos deixaram de ser sobrecarregados pelo problema de gerar um superávit na conta corrente para financiar seu déficit na conta de capitais. (...) Em termos práticos, o problema do ajuste do balanço de pagamentos norte-americano simplesmente desapareceu.” (PARBONI, 1981:89-90).

As mudanças no regime cambial e a prática de políticas monetárias frouxas pelo

governo americano na década de 1970, com o objetivo de romper com os problemas estruturais

que afetavam o balanço de pagamentos e manter a centralidade do dólar, tiveram como

contrapartida o enfraquecimento da demanda pela moeda americana para transações e como

reserva pelos bancos centrais, bem como o surgimento de um instável e problemático sistema de

paridades cambiais, onde o dólar flutuava continuamente para baixo.47

De modo a reduzir a elevada depreciação da moeda americana 48 e atender aos

interesses dos banqueiros de Wall Street, que se mostravam preocupados com os possíveis efeitos

desestabilizadores de um colapso do dólar, o então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter,

lançou em 01 de novembro de 1978, um pacote econômico de recuperação do dólar que incluía

duas ações principais: a) um fundo de moedas estrangeiras de US$ 30 bilhões, que o FED usaria

para comprar dólares e combater a especulação nos mercados de câmbio; b) a elevação das taxas

de juros em um ponto percentual pelo FED.

Essas medidas alcançaram reduzido sucesso na defesa da moeda americana, pois se

mostraram num curto espaço de tempo insuficientes para enxugar “o grande excesso de oferta –

ou excedente – de dólares nos mercados de moeda do mundo.” (MOFFITT, 1984:167).

Todavia, dois acontecimentos contribuiriam para o fortalecimento da moeda

americana até meados de 1979. Em primeiro lugar, houve um significativo impulso à manutenção

do dólar como moeda forte do comércio internacional com o advento do segundo choque do

petróleo. A idéia propalada era que, enquanto a Arábia Saudita aceitasse pagamentos em dólares

47 Cf. Belluzzo (1999:103) 48 “Em outubro de 1978, uma doentia sensação de pânico se alastrou pelos mercados de câmbio. Em treze meses o dólar havia perdido 67 por cento do seu valor em relação ao franco suíço, 55 por cento em relação ao iene e quase 35 por cento em relação ao marco alemão. Até mesmo em relação à libra britânica ele sofreu uma queda.” (Moffitt, 1984:165)

Page 52: Tese Paiva,ClaudioCesarde

40

pelo petróleo, os demais países deveriam primeiro comprar dólares e depois comprar petróleo.

Em segundo lugar, a nomeação em julho de 1979 de Paul Volker para presidente do Federal

Reserve Board.49

A nomeação de Paul Volker, um democrata conservador e ferrenho adversário da

inflação, não foi suficiente para acalmar a especulação nos mercados de divisas. Até fins de 1978,

os Estados Unidos mantinham uma persistente taxa de inflação na casa dos dois dígitos pari

passu a uma taxa de juros relativamente baixa, que incentivava grandes especuladores, incluindo

os principais bancos e corporações americanas, a praticar a arbitragem com moedas relativamente

mais fortes nos mercados futuros, como é o caso do marco alemão e do iene japonês. Já em

meados de 1979, ocorreu uma situação mais complicada para a moeda americana, pois o mercado

spot foi inundado por dólares de investidores que não estavam necessariamente interessados na

arbitragem monetária, mas se dirigindo para o que Moffitt (1984) chamou de “o último refúgio

dos investidores amedrontados: ouro e prata”.

A situação econômica dos Estados Unidos em 1979 tornou-se ainda mais dramática

quando os países da OPEP reduziram a compra de títulos de Tesouro, devido ao spread de juros

obtido no Euromercado, o que significou um rompimento na forma de financiamento do déficit

orçamentário americano. Com efeito, o financiamento do déficit orçamentário teria que ser feito

através da expansão monetária, o que colidia diretamente com as políticas de contenção da

inflação adotadas por Volcker. No plano internacional, a debilitada liderança de Washington, a

fuga persistente do dólar para os mercados de ouro e prata e a redução da participação do dólar

nas reservas internacionais dos bancos centrais, tornava questionável o papel do dólar como

moeda hegemônica nas transações comerciais e como reserva de valor.

Não obstante, na reunião anual do FMI em Belgrado (Iugoslávia), no início de outubro

de 1979, os principais agentes do mundo financeiro internacional - bancos, corretoras, industriais,

xeiques do petróleo e bancos centrais -, aguardavam um posicionamento de Paul Volcker em

relação à crise financeira que se estabelecera no sistema financeiro internacional. No entanto, o

presidente do FED retirou-se da reunião e retornou para os Estados Unidos com a certeza de que

o dólar estava em vias de entrar em colapso, e direto de Washington “declarou ao mundo que

estava contra as propostas do FMI e dos demais países-membros, que tendiam a manter o dólar

desvalorizado e a implementar um novo padrão monetário internacional.” Nesse sentido,

49 Cf. Moffitt (1984:168)

Page 53: Tese Paiva,ClaudioCesarde

41

afirmou de forma contundente “que o FMI poderia propor o que desejasse, mas o EUA não

permitiriam que o dólar continuasse se desvalorizando tal como vinha ocorrendo desde 1970, em

particular depois de 1973 com a ruptura do Smithsonian Agreement.” (TAVARES, 1985:06).

Diante disso, em 06 de outubro, após uma reunião de emergência no Federal Reserve,

Volcker anunciou unilateralmente um conjunto de medidas para o fortalecimento da moeda

americana, dentre as quais se destacam:

a) a elevação da taxa de redesconto - corresponde a taxa que os bancos pagam quando

pedem dinheiro emprestado ao Federal Reserve;

b) mudança na política monetária - que se concentraria no controle do crescimento da

oferta monetária, em vez de estabilizar a taxa de juros em qualquer nível específico.

Essas mudanças no sistema monetário e financeiro americano, com o objetivo de

restaurar a hegemonia econômica por meio da diplomacia do dólar forte, refletiram tanto nos

Estados Unidos como nos demais países do mundo, em particular nos países devedores da

periferia. No plano macroeconômico, a elevação das taxas reais de juros fez com que os

investimentos se deslocassem do ouro e da prata para ativos denominados em dólares, bem como

desencadeasse a crise da dívida dos países em desenvolvimento, que já sentiam os impactos da

queda nos preços das commodities.50 O nível da atividade econômica nos Estados Unidos caiu

abruptamente, as grandes corporações passaram a enfrentar o risco da falência (ex. Chrysler), o

desemprego se elevou para mais de 10%, sendo que em alguns centros industriais, como

Michigan e Ohio, as taxas de desemprego aproximaram-se dos níveis da grande depressão da

década de 1930. Em suma, a elevação das taxas reais de juros conduziu a economia americana e,

por conseqüência, a economia mundial, para uma recessão prolongada. Ainda assim, a taxa de

inflação americana permaneceu na casa de dois dígitos (13%) em 1979.

Nos primeiros meses de 1980 parecia evidente para o mercado que o pacote de 06 de

outubro não estava funcionando no controle da inflação, considerando que os preços no atacado

haviam se elevado a uma taxa anualizada de quase 20%, enquanto que os preços ao consumidor

avançavam rapidamente a uma taxa de 17%. Para Volcker o problema permanecia na abundância

de crédito, isto é, apesar da adoção de uma política monetária restritiva, a expansão creditícia não

havia se reduzido. Isso mostrava que as novas exigências de reservas proposta pelo FED para a

50 Cf. Samuel Kilsztajn. “O Acordo de Bretton Woods e a evidência histórica. O sistema financeiro no pós-guerra” in: Revista de Economia Política, vol.9, nº 04, outubro/dezembro de 1989. p. 98.

Page 54: Tese Paiva,ClaudioCesarde

42

captação de recursos em eurodólares pelos bancos eram ineficazes, pois ao invés de tomarem

empréstimos em Nova York, as companhias norte-americanas transferiam seus pedidos de

empréstimos para as agências de Londres, onde as novas regulamentações não tinham validade. 51

Noutros termos, o sistema bancário privado estava operando totalmente fora do controle das

autoridades monetárias, em particular do FED52.

Diante disso, em 14 de março de 1980, Volcker impôs ao sistema financeiro

americano controles creditícios compulsórios, o que conduziu definitivamente a economia para

uma profunda recessão. Em alguns setores altamente dependentes do crédito, como a indústria

automobilística e a de construção civil, a situação foi ainda mais crítica. Na indústria da

construção civil a taxa de desemprego alcançou 18% em 1981, refletindo o fato da construção de

novas residências terem caído aos níveis mais baixos desde 1946. Além disso, o aumento da taxa

de juros tornou os custos das hipotecas imobiliárias extremamente elevados para as famílias

americanas. Com efeito, o arrocho monetário e a recessão promovida por Volcker atingiram

finalmente o objetivo de controlar a inflação numa trajetória declinante.

Paralelamente a implementação de uma política monetária contracionista, Ronald

Reagan, então presidente dos EUA, realizou uma política keynesiana bastarda, no sentido de que

aumentou o déficit fiscal com gastos em armamentos, redistribuindo renda em favor dos mais

ricos e reduzindo os gastos com o welfare state. Essa política keynesiana associada à política

monetária conservadora, contribuiu para a ampliação do duplo déficit americano - orçamentário e

comercial -, cujos desdobramentos obrigavam os demais países a um forte ajuste reativo, ou seja,

a um alinhamento à política macroeconômica americana. Não obstante, Tavares (1985) salienta

que “os americanos, indiscutivelmente, deram, de 1979 a 1983, uma demonstração de sua

capacidade maléfica de exercer sua hegemonia e de ajustar todos os países, através da recessão,

ao seu desideratum. E o fizeram, está claro, com a arrogância e com uma violência sem

precedentes”. (TAVARES, 1985:08).

O processo de retomada da hegemonia econômica, através da diplomacia do dólar

forte, ocasionou durante a primeira metade da década de 1980 uma grande valorização da moeda

americana em relação as principais economias da Europa e do Japão53. A conseqüente perda de

51 Cf. Moffitt (1984:178) 52 Cf. Tavares (1985); Tavares & Melin (1997) 53 Entre meados de 1980 até meados de 1985, a taxa de câmbio comercial do dólar frente a outras divisas [marco e iene] valorizou-se quase 90%. (Eichengreen, 1995:68)

Page 55: Tese Paiva,ClaudioCesarde

43

competitividade no comércio internacional, fez com que o Congresso Americano preparasse um

pacote de medidas protecionistas para amenizar os efeitos da valorização do dólar54. Com efeito,

os países centrais do G-5 foram obrigados, através de uma cooperação forçada, a assinarem em

1985 o Acordo do Plaza 55 , onde os governos das principais economias acordaram a

desvalorização gradual (soft landing) da moeda norte-americana, através do ajuste de suas

políticas monetária e fiscal.

Segundo Tavares (1997), a reafirmação da hegemonia americana no plano

geoeconômico (diplomacia do dólar forte) e no plano geopolítico (diplomacia das armas),

modificou profundamente o funcionamento e a hierarquia das relações internacionais a partir da

década de 1980. Esse movimento de retomada da hegemonia econômica pelos Estados Unidos

foi seguido pela consolidação de um padrão de acumulação de capital baseado

predominantemente na financeirização.

Nesse sentido, as transformações na dinâmica de acumulação de capital têm

conduzido a uma nova ordem econômica, comandada vigorosamente pela hegemonia do sistema

financeiro global, cuja natureza se expressa na centralização e concentração de capitais, na

desregulamentação dos mercados domésticos, na liberalização financeira, no regime de taxas de

câmbio flexíveis, na redução da autonomia dos Estados Nacionais em fazer a gestão das políticas

macroeconômicas, na volatilidade de capitais e no risco sistêmico.

Este capitalismo sob dominância financeira ou regime de acumulação financeirizado,

como é tratado pela Escola da Regulação, se refere a um padrão sistêmico de riqueza, cuja gênese

encontra-se na década de 1960, e que se expressa na forma capitalista de definir, gerir e realizar

riqueza. Este padrão de acumulação é sistêmico no sentido de que possui múltiplas determinações

e que nele estão envolvidos diferentes dimensões e diferentes atores do processo capitalista.

Neste sentido, Braga (2000) afirma que:

54 Segundo Eichengreen (2000:198) os países do G-5 “estavam unidos por seu desejo de impedir a aprovação da legislação protecionista a ser votada no Congresso norte-americano como conseqüência dos prejuízos infligidos aos produtores domésticos de artigos de exportação. Para a administração de Reagan, o protecionismo do Congresso punha em risco a agenda presidencial de desregulamentação e liberalização econômica; para japoneses e europeus, a iniciativa no Congresso ameaçava seu acesso ao mercado norte-americano. Os cinco governos divulgaram uma declaração conjunta defendendo ‘uma valorização ordeira das outras moedas’ (uma maneira tipicamente prosaica de que se valeram os políticos para se referir à desvalorização do dólar) e manifestando sua disposição em cooperação para alcançar esse objetivo.” 55 Reunião realizada em setembro de 1985 no Hotel Plaza, em Nova York, com a participação dos ministros das finanças e os presidentes dos bancos centrais do G-5.

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44

“Trata-se de um padrão sistêmico porque a financeirização está constituída por componentes fundamentais da organização capitalista, entrelaçados de maneira a estabelecer uma dinâmica estrutural segundo princípios de uma lógica financeira geral. Neste sentido, ela não decorre apenas da práxis de segmentos ou setores – o capital bancário, os rentistas tradicionais – mas, ao contrário, tem marcado as estratégias de todos os agentes privados relevantes, condicionado a operação das finanças e dispêndios públicos, modificado a dinâmica macroeconômica. Enfim, tem sido intrínseca ao sistema tal como ele está atualmente configurado”. (BRAGA, 2000:270).

Essa dinâmica do capitalismo contemporâneo alude necessariamente ao conceito de

capital financeiro. Neste ínterim, é importante salientar que o capital financeiro é constituído por

frações de capital de diferentes origens, do capital bancário ao capital produtivo, que estão sendo

canalizados para a esfera financeira e daí para outros setores e regiões, onde o cálculo capitalista

tem apontado como locais férteis para o processo de acumulação. Assim sendo, a reflexão teórica

proposta será balizada pela definição de capital financeiro apresentada por Braga que consiste, no

seu sentido amplo, na “fusão das diferentes formas de riqueza ou, genericamente, a fusão da

forma lucro com a forma juros.” (BRAGA, 2000:209).

A partir dessa definição é importante ter claro que quando se refere ao capital

financeiro não está se reportando unicamente àquele capital monetário que está na circulação

financeira stricto sensu, realizando ganhos exclusivamente derivados dos juros e de operações de

arbitragem nos mercados monetários, cambial, acionário e imobiliário. Desse modo, o capital em

seu movimento de valorização se desdobra tanto na dimensão financeira, quanto no âmbito da

reprodução ampliada do capital, o capital produtivo, ou seja, o capital está simultaneamente nas

duas dimensões de valorização do capital, na dimensão financeira e na dimensão produtiva.

Sendo assim, o capital no seu movimento de valorização pode estar se expressando

operacionalmente em atividades comerciais, industriais e atividades financeiras propriamente

ditas, simultaneamente articuladas e estrategicamente comandadas pelas grandes corporações

capitalistas. Nesse sentido, o capital ao mover-se incessantemente entre o dinheiro, os ativos

financeiros e as mercadorias, assume intrinsecamente a “propriedade de colocar-se sob múltiplas

formas com a finalidade de valorizar-se.” (BRAGA, 2000:198).

Um ponto crucial desse padrão de acumulação financeirizado, onde o capital está

presente nas duas dimensões de valorização capitalista, é a evidente preponderância do dinheiro e

dos ativos financeiros sobre os ativos operacionais, o que Braga (1993) denominou de “paradoxo

Page 57: Tese Paiva,ClaudioCesarde

45

da financeirização”56. Com isso, verifica-se uma autonomização da dinâmica de valorização do

capital financeiro-monetário - que circula nos mercados financeiros globais - em relação aos

fundamentos ou parâmetros de valorização na esfera produtiva. Contudo, esta autonomização está

sempre, de alguma maneira, relacionada com a dimensão do mundo das mercadorias, que

realizam a revolução técnica e econômica do capital.

Nesta perspectiva, as estratégias e decisões sobre o investimento produtivo ficam

condicionadas ao cálculo capitalista e a concorrência financeira impulsionada pelos

“conglomerados financeiros”, pela interconexão dos diferentes tipos de mercados

internacionalizados e pela participação das corporações na circulação financeira. Dessa forma, a

dinâmica do tripé moeda-crédito-patrimônio tende a contrapor-se ao produtivismo57.

Esta relação, no entanto, possui uma lógica contraditória no sentido de que ao mesmo

tempo em que o capital tende a se autonomizar, não consegue uma separação absoluta da

dimensão produtiva. E assim, nos momentos em que esta autonomização passa a avançar de

maneira absurda, como dizia Hilferding, ela tende a mostrar toda a instabilidade estrutural do

sistema e a provocar grandes crises financeiras e patrimoniais, que se expressam nos ciclos

econômicos e nos ciclos imobiliários.

Com a consolidação do processo de financeirização da economia, os ativos

financeiros ganharam um caráter permanente na carteira dos agentes econômicos e, por

conseguinte, na gestão da riqueza capitalista. Não obstante, nos países capitalistas desenvolvidos,

especialmente nos Estados Unidos, são constatadas alterações significativas na composição da

riqueza social das famílias, que passaram a deter importantes carteiras de títulos e ações,

diretamente ou através de fundos de investimentos ou de fundos de pensão. Nesse sentido,

Belluzzo afirma que “as empresas, bancos e também as famílias abastadas passaram a

subordinar suas decisões de gasto, investimento e poupança às expectativas quanto ao ritmo do

seu respectivo ‘enriquecimento’ financeiro” (BELLUZZO, 2000:105).

Essa mudança na composição da riqueza social tem afetado diretamente a demanda

agregada da economia, sobretudo ao subordinar as decisões de gastos com consumo e de

investimento à validação das expectativas de ganhos no mercado financeiro. Desse modo, em

56 Segundo Braga, o paradoxo da financeirização se processa “(...) no âmbito de uma macro-estrutura financeira internacionalizada – formada por corporações privadas e bancos centrais - [e], se expressa na valorização dos diversos ativos financeiros numa velocidade superior à expansão mundial da produção e do comércio de bens e serviços”. (BRAGA, 1993:57) 57 Cf. Braga (1997:234)

Page 58: Tese Paiva,ClaudioCesarde

46

períodos de euforia dos mercados financeiros, onde o ciclo ascendente de valorização dos ativos

revela estratégias ganhadoras, os agentes econômicos, movidos por uma redução da aversão ao

risco e pela perspectiva de enriquecimento acelerado, são induzidos a alavancar suas carteiras de

ativos com base no aumento do grau de endividamento junto ao sistema bancário. Além disso, na

fase expansiva do ciclo financeiro ocorre uma alteração na propensão marginal a consumir, em

decorrência de um efeito-renda inter-temporal, ou seja, a expectativa de crescimento da riqueza

faz com que os agentes ampliem o consumo, gerando impactos na demanda agregada, no balanço

de pagamentos e nas decisões de investir.

Dessa forma, se tratando de uma economia desregulada, conduzida pela supremacia

dos mercados financeiros, a ação dos investidores institucionais, ao afetar as decisões de

consumo e investimento, impõe desafios importantes para a execução das políticas

macroeconômicas e, conseqüentemente, para a manutenção da estabilidade econômica.

Uma incursão mais sistematizada nas transformações econômicas, financeiras e

sociais, nos permite compreender não somente as mudanças na composição da riqueza social,

mas também a emergência de um rentismo contemporâneo, baseado predominantemente na

gestão dos investimentos de portfólio e na arbitragem nos mercados cambiais, monetários e

financeiros. Neste padrão de acumulação financeirizado, as principais instituições

administradoras de dinheiro (fundos de pensão, fundos mútuos, companhias de seguro)

constituem o que Minsky denominou de money-manager capitalism.

A emergência desses investidores institucionais como os principais atores das finanças

globalizadas, traz à tona a discussão sobre a lógica de valorização da riqueza em suas várias

formas, da imobiliária à mobiliária. Neste caso, a compreensão da dinâmica de valorização dos

ativos imobiliários adquire uma atenção especial, considerando que a participação desses ativos

na carteira de investimentos dos agentes econômicos tem aumentado significativamente.

Entretanto, antes de direcionar o centro da pesquisa para a análise da dinâmica assumida pelo

capital imobiliário no capitalismo contemporâneo, torna-se premente verificar os impactos da

consolidação desse novo padrão de acumulação sobre o urbano, procurando destacar a

constituição de novas hierarquias urbanas e territoriais.

Page 59: Tese Paiva,ClaudioCesarde

47

CAPÍTULO II

A CONSOLIDAÇÃO DO PROCESSO DE FINANCEIRIZAÇÃO E O RETORNO

DO PÊNDULO: IMPACTOS SOBRE O TERRITÓRIO E O

DESENVOLVIMENTO URBANO

El desafio político de la ciudad en la globalización es el de obtener un reconocimiento de actor político a escala global, más allá de su territorio y más allá de las cada vez más artificiales fronteras de “su” Estado. El mundo actual exige un planteamiento “glocalizador”, una articulación de lo local-global.

Jordi Borja

“A reificação (a coisificação) da cidade, quando combinada com uma linguagem que vê o processo urbano mais como um aspecto ativo do que passivo do desenvolvimento político-econômico, coloca sérios problemas. Dá a impressão que “a cidade” pode ser um agente ativo quando não passa de mera “coisa”. A urbanização, ao invés disso, deveria ser considerada como um processo social que ocorre no espaço (...).”

David Harvey 2.1. Introdução

As transformações econômicas e financeiras ocorridas a partir da desestruturação do

acordo de Bretton Woods associadas às inovações tecnológicas (telecomunicações, informática e

automação industrial) conduziram a economia mundial para um novo padrão de acumulação

baseado primordialmente nas finanças especulativas, sob coordenação do capital financeiro

internacional. Entretanto, parafraseando Braudel o capitalismo financeiro não foi um novo

rebento das décadas de 1980 e 1990, tendo em vista que outros processos poderiam ser

considerados originários, como é o caso de Gênova (século XIV e XV) e Amsterdã (século XVII

Page 60: Tese Paiva,ClaudioCesarde

48

e XVIII). Todavia, o crescimento espetacular das transações financeiras mundiais, após a

liberalização e a desregulamentação, revela uma das principais facetas do atual regime de

acumulação, que apresenta um capital financeiro extraordinariamente mais concentrado e

centralizado se comparado a qualquer outro período anterior do capitalismo.

Existe, no entanto, uma dimensão fundamental desse processo contemporâneo que

será objeto de análise deste capítulo que se refere à relevância e às repercussões da acumulação

financeira para a reconfiguração de estruturas espaciais, isto é, os impactos da consolidação do

processo de financeirização sobre o território e o desenvolvimento urbano.

Nesse sentido, um amplo e diversificado debate acerca das transformações provocadas

pelo processo de globalização econômica e pela difusão das novas tecnologias de informação e

comunicação tem, amiúde, proposto a emergência de novas configurações econômicas e

territoriais. Os debates iniciais forneceram um campo fértil para o desenvolvimento de

interpretações teóricas que podem ser polarizadas em duas linhas de pesquisa. Uma apontava

para a emergência de “espaços de fluxos” ou “território de fluxos”, onde a localização do

empreendimento seria indiferente em relação aos lugares, o que levou muitos analistas não

somente a colocar a questão territorial num segundo plano, mas a proclamar o fim da geografia e

das cidades ou pelo menos a obsolescência dessas enquanto entidades econômicas. Em outro

extremo, encontravam-se reunidos os teóricos das “cidades mundiais” ou “cidades globais”, que

apontavam para a concepção de que algumas cidades se constituíam centros de controle e

comando da atividade econômica mundial.

Ao longo da década de 1990 observou-se a consolidação dessa segunda corrente

teórica de pesquisa, sobretudo a partir dos trabalhos de Saskia Sassen, que suscitavam a renovada

importância das grandes cidades como lugares estratégicos no capitalismo contemporâneo. Os

defensores da “cidade global” assumiram a existência de uma totalidade que é estruturada da

longa distância, isto é, “they envision capitalism as a single ‘world' economy that is commanded

and controlled by a limited set of ‘global cities' and ‘global command centres.'”58

Nesta visão, as cidades globais se tornam centros hierarquizados de decisão no mundo

globalizado, um fenômeno que não se resume simplesmente à questão de coordenação global,

mas de produção de capacidades de controle global, num mundo em que estão entrelaçadas

58 Cf. Smith, R.G. & Doel, M.A. (2007). “A New Theoretical Basis for Global-City Research: From Structures and Networks to Multiplicities and Events”. GaWC Research Bulletin 221 (A). Disponível em: http://www.lboro.ac.uk/gawc/publicat.html. acesso: 02.03.2007.

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49

múltiplas formas de organização territorial, que reiteram e amplificam as desigualdades

espaciais. Brenner aponta para essa complexidade ao afirmar que: “geography of contemporary

capitalism can be viewed as a polymorphic, multi-layered ‘jigsaw puzzle’ in which multiple forms

of territorial organization – including cities, inter-urban networks and territorial states – are

being superimposed and intertwined ever more densely”. (BRENNER, 1989:08)

A partir das possibilidades geradas pelas tecnologias de comunicação e informação,

da redução das barreiras à livre circulação de fluxos financeiros em escala global, bem como da

concepção de que a economia contemporânea é composta por uma combinação de dispersão

global das atividades econômicas e de um controle integrado globalmente, as cidades passaram a

ser pensadas e hierarquizadas em termos dos fatores de decisão de localização do capital, dos

setores e fatores econômicos que o atraem ou não, cujas decisões das corporações tendem a gerar

vários impactos territoriais. As corporações multinacionais se tornaram atores decisivos para a

gestão do sistema econômico e da espacialidade, o capital se tornou mais livre das determinações

do território e tende-se a identificar a forma financeira como sua expressão mais adequada. Não

obstante, Storper (1997) denominou esse processo de “territorialidade das firmas estratégicas”.

Em paralelo ocorreu a redefinição de escalas de decisão, sendo que as escalas global e local

passaram a sobrepujar as escalas intermediárias. A escala global é liderada pelos interesses

corporativos e pelas ações do grande capital financeiro, enquanto que a escala local procura

adequar-se aos novos requisitos locacionais para se inserir na geografia de interesses do capital

global. Não surpreende que um intenso movimento de competição entre cidades pelos

investimentos corporativos passe a ser uma das características do capitalismo contemporâneo.

Essa redefinição de escalas de poder em favor de uma maior interação global-local – a

glocalização, como sugeriu Swyngedouw – se constitui, na prática, num retorno do pêndulo da

ação pública para posições pré-fordistas, sobretudo ao enfatizar uma gestão urbana e

regional baseada em critérios de eficiência e competição59.

Neste contexto, emerge o planejamento estratégico e os grandes projetos de renovação

urbana como pedra filosofal dos planejadores urbanos para resolver os problemas decorrentes do

processo de decadência econômica e atrair novos investimentos de empresas multinacionais.

Nesse processo de “adequação” às exigências das corporações multinacionais, ocorre a

mobilização de diversos atores, especialmente as elites rentistas locais, de modo a tornar

59 Cf. Fernandes & Cano (2005).

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50

seus territórios competitivos, ou luminosos, nos termos de Santos60, na globalização. Com

isso, os capitalistas têm à sua disposição uma solução espacial (spatial fix), nos termos de Harvey,

onde a relocalização aparece como um mecanismo para superar a crise de retornos decrescentes

de seus ativos. Este processo produz alterações no mosaico de territórios que redefinem seus

limites, ora enfatizando diferenças nacionais, ora ignorando conexões espaciais.

Para discutir essas questões e atingir o objetivo geral de compreender os impactos e os

desdobramentos do processo de financeirização sobre a dinâmica territorial e urbana, o presente

capítulo foi estruturado em três seções, além desta introdução. Na primeira parte procura-se

problematizar a questão da construção da escala territorial no atual padrão de acumulação,

sobretudo a visão reificada de território, que trata o mesmo como uma mera superfície recipiente,

de embarque e desembarque de capitais/coisas/pessoas, sem passado nem futuro. A segunda

seção trata da renovada importância das grandes cidades que abrigam certos tipos de atividades e

funções, particularmente relacionados com serviços altamente especializados e transações

financeiras transnacionais. Essas cidades denominadas de “cidades globais” são consideradas

como “novos” lugares estratégicos para a produção e gerenciamento das operações econômicas e

financeiras globais. Na última seção do capítulo, procura-se mostrar que, além do processo de

reconfiguração de estruturas espaciais, houve nas últimas décadas uma mudança importante nas

políticas e na forma de condução do planejamento urbano, no sentido de sua adequação às

exigências do capital globalizado que terminaram por ampliar, por sua vez, os limites e

proporções da acumulação imobiliária.

2.2. A Construção da Escala Territorial da Urbanização no Capitalismo

Financeirizado

As transformações nas relações econômicas e financeiras ocorridas ao longo do último

quartel do século XX desencadearam, nos termos de Harvey (1993), uma intensa fase de

compressão do espaço-tempo, com rebatimentos importantes sobre a configuração das estruturas

espaciais, isto é, sobre o processo geral de estruturação da sociedade e do território. Nesta

acepção, diferentemente do proferido pelos adeptos da abordagem de “espaços de fluxos”, as

60 Cf. Santos, Milton. A natureza do espaço, 2002.

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51

mudanças não conduzem para uma economia desligada de territórios concretos, mas representa

uma renovação do debate em torno da dimensão territorial do capitalismo contemporâneo.

Esses movimentos de transformação em escala planetária têm promovido um

revigoramento teórico do “pensar a cidade” e o território de modo geral, num contexto onde o

processo de financeirização tem induzido alterações importantes na forma de organização do

capital e na composição da riqueza social. Embora velhas questões urbanas persistam, como é o

caso do direito à cidade, exigindo a reconstrução de um aparato teórico capaz de compreender os

processos sociais subjacentes à problemática urbana contemporânea, a situação adquire maior

complexidade com a dimensão multiescalar da questão urbana e a renovada centralidade exercida

pela cidade, como espaço de comando na nova geografia da globalização financeira.

Nesse sentido, Brenner (1998) aponta, a partir de análise das mudanças nas relações

entre cidades globais e território na Europa, que as transformações econômicas, financeiras e

políticas impõem um importante desafio: “the most recent round of capitalist globalization

presents a major methodological challenge to urban studies: to integrate analyses of

contemporary urban dynamics with an account of the rapidly changing scalar organization of

capital accumulation, state territorial power and the urbanization process.” (BRENNER,

1998:29).

Na década de 1970 e início dos anos 80 os principais estudiosos da área urbana como

Castells (1972)61 , Lefèbvre (1974)62 ; Lojkine (1977)63; Topalov (1979)64 ; Harvey (1982)65 ,

Gottdiener (1985) 66 centravam suas perspectivas analíticas na discussão da produção e

apropriação social da cidade, ou seja, como os diversos atores sociais se articulavam em torno de

seus interesses em disputa pela apropriação do espaço urbano, em torno do direito à cidade e dos

movimentos sociais urbanos como atores importantes na estruturação espacial intra-urbana e nas

reinvidicações por equipamentos coletivos urbanos. A perspectiva política e espacial estava

basicamente associada ao âmbito nacional e a suas escalas, com forte ênfase em aspectos

econômicos e históricos específicos das sociedades.

61 Castells, Manuel (1972) La Cuestión Urbana. México, Siglo Veintiuno, 1978. 62 Lefèbvre, Henry (1974). The Production of Space. Oxford UK & Cambridge USA, Blackwell, 1991. 63 Lojkine, Jean (1977) O Estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1981. 64 Topalov, Christian. La Urbanización capitalista: algunos elementos para su análisis. México: Editorial Edicol, 1979. 65 Harvey, David. The Limits to Capital. Oxford: Basil Blackwell, 1982. 66 Gottdiener, Mark. A produção social do espaço urbano São Paulo: Edusp, 1985.

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52

O debate proposto por esses autores convergia, em geral, para a concepção do urbano

enquanto lugar da reprodução da força de trabalho e das relações sociais de produção, procurando

mostrar que é no território que se estabelecem as relações espaciais e sociais de produção e de

consumo. Daí a idéia de Lefèbvre que cada território é um produto social, que é construído e

permanentemente modificado, ou seja, é realçada a concepção de “espaço social” como sendo

uma obra coletiva das sociedades ao longo do tempo. Com efeito, o espaço transcende sua

materialização física ao se atribuir visibilidade ao sentido social na sua construção, logo o espaço

urbano seria apenas uma expressão de um processo social.

Entretanto, não se trata de estabelecer categorias analíticas que apontem para a

primazia do social sobre o espaço, mas compreender a existência de um caráter dialético na

organização do espaço – que pressupõe inter-relações sociais num mesmo plano – e que, portanto,

essa dialética sócio-espacial implica que as relações sociais de produção e as relações espaciais

estão intimamente interligadas, condicionando e sendo condicionadas uma pela outra. Nesses

termos, o espaço urbano torna-se, por definição, um lugar de conflitos entre agentes econômicos

e forças sociais, uma vez que é neste espaço que se revelam de maneira mais nítida as

contradições impostas pelo modo de produção capitalista.

De certa forma, isso nos reporta a um debate complexo e controverso realçado por

Harvey (1993) sobre modernistas e pós-modernistas. De acordo com Harvey o pós-modernismo

reapresenta uma ruptura com os modernistas no que tange à concepção de espaço, uma vez que

os primeiros trabalham com um conceito de tecido urbano como algo necessariamente

fragmentado, descontínuo e caótico.

“Enquanto os modernistas vêem o espaço como algo a ser moldado para propósitos sociais e, portanto, sempre subserviente à construção de um projeto social, os pós-modernistas o vêem como coisa independente e autônoma a ser moldada segundo objetivos e princípios estéticos que não têm necessariamente nenhuma relação com algum objetivo social abrangente, salvo, talvez, a consecução da intemporalidade e da beleza ‘desinteressada’ como fins em si mesmas.” (HARVEY, 1993:69).

De acordo com Limonad (1996:51), quatro premissas deveriam ser consideradas ao se

discutir o papel do espaço social na organização do território:

a) O espaço social é produto de uma sociedade; como tal é ao mesmo tempo meio,

condicionante e resultado das ações e relações sociais, o que lhe confere um caráter dialético. A

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53

estruturação espaço-temporal da vida cotidiana interfere e condiciona a concretização e

constituição das ações e relações sociais;

b) A constituição do espaço socialmente produzido é plena de contradições e lutas,

muitas rotinizadas no cotidiano, decorrentes do caráter dialético de sua produção, através da

atividade social e econômica, por ser simultaneamente suporte, meio, produto e expressão da

reprodução das relações sociais de produção em escala ampliada, o que confere a estas relações

um caráter espacial necessário;

c) O espaço socialmente produzido é simultaneamente fruto das tensões entre capital e

trabalho e de estratégias de luta pela reprodução do capital e do trabalho, bem como de práticas

sociais organizadas que visam antagonicamente quer a manutenção do espaço social existente,

quer uma transformação radical deste espaço;

d) O espaço socialmente produzido condensa em si desde a cotidianidade do viver até

a história, nele se mesclam marcas de tempos passados e persistem e coexistem, conforme o caso,

formas capitalistas e pré-capitalistas de produção. Neste sentido, não há como realizar uma

interpretação materialista da história sem uma concomitante interpretação do espaço social e

vice-versa (LIMONAD, 1996:51).

Essa visão lefèbvriana de espaço socialmente produzido também encontra amparo, a

despeito das inúmeras divergências teóricas, na análise desenvolvida por Castells (1972), quando

o mesmo afirma que não há teoria do espaço que não seja parte integrante de uma teoria social

geral, isso porque “el espacio es un producto material en relación con otros elementos materiales,

entre ellos los hombres, los cuales contraen determinadas relaciones sociales, que dan al espacio

(y a los otros elementos de la combinación) una forma, una función, una significación social”.

Não obstante, o autor conclui: “El espacio urbano está estructurado, o sea, no se organiza al

azar, y los procesos sociales que se refieren a él expresan, especificándolos, los determinismos

de cada tipo y de cada período de la organización social” (CASTELLS, 1972:142).

Nota-se nas análises da década de 1970 que a urbanização era compreendida como um

fenômeno vinculado a um processo geral de estruturação do território, que se expressava

espacialmente em duas escalas. A primeira era a cidade que figurava na escala dos lugares,

enquanto que a segunda escala era a rede urbana, que seria a manifestação espacial da cooperação

entre lugares (LOJKINE, 1977:152-162).

Page 66: Tese Paiva,ClaudioCesarde

54

Nesse período, Castells definia na sua obra “A Questão Urbana”, a urbanização como

uma noção ideológica, pois entendia que essa se referia tanto às formas espaciais quanto a um

sistema cultural específico, o que o levara a concluir que não haveria uma problemática

especificamente urbana. Assim, ao reduzir o espaço urbano a um espaço funcional, locus de

concentração de uma parte da população e das atividades econômicas, Castells afirmava de modo

contundente que “más que hablar de urbanización, trataremos del tema de la producción social

de formas espaciales” (CASTELLS, 1972:26). Desse modo, a cidade seria considerada uma

forma específica de organização do espaço, ou seja, o urbano designaria uma forma especial de

ocupação do espaço por uma população em sua trajetória social e econômica.

A partir de meados da década de 1980 as principais contribuições para a compreensão

do espaço urbano e regional passam a enfatizar, sob diferentes perspectivas, as mudanças

econômicas, sociais e espaciais decorrentes das transformações no padrão de acumulação, de

regulação econômica e das novas tecnologias de informação e comunicação. Com isso, alteram-

se as percepções acerca das escalas territoriais, com a valorização de novas e diretas interações

entre as escalas local e global, sendo que a escala supranacional dita os requisitos locacionais e a

escala local promove as forças sinérgicas para se adequar a esses requisitos e, assim, se tornar

receptora das benesses de um suposto desenvolvimento econômico global.

A partir desse período muda-se a perspectiva das análises e interpretações sobre a

problemática urbana e territorial vis-à-vis aquela produzida nos decênios anteriores, em que se

observa o foco em conceitos que ressaltam a particularidade, dentre as quais pode-se destacar:

Friedmann e Wolff (1982); Friedmann (1986); Smith e Feagin (1987); Castells (1987, 1989);

Harvey (1989); Sassen (1991, 1998); Soja (1993), Storper (1997), Veltz (1999). São abordagens

que, na verdade, expressam os eventos que caracterizam a década de 1990, quais sejam, o

contraditório processo de integração e fragmentação da economia mundial, o fortalecimento do

papel das grandes metrópoles num contexto de hiper-escala de circulação do capital, o que

promoveu a centralidade da questão urbana no debate contemporâneo sobre a organização do

espaço.

Neste contexto, o território assumiu amplitudes variadas, do microrregional ao

continental67, e converteu-se num recurso estratégico fundamental, em termos de concorrência

intercapitalista, ou seja, assumiu um aspecto reificado, onde ações estratégicas empresariais

67 Cf. Monte-Mór (2006:61)

Page 67: Tese Paiva,ClaudioCesarde

55

seriam adotadas para construir uma imagem empreendedora e um ambiente propício aos negócios,

de modo a interligá-lo à rede global, a qual promoveria o crescimento econômico e um

desenvolvimento sustentável. Com efeito, Veltz (1999) ressalta que “el território social y

económico se vuelve a la vez más homogéneo a gran escala, y más fraccionado a pequena

escala.” (VELTZ, 1999:55).

Uma análise crítica desse fenômeno de reificação do território é apresentada por

Brandão et alii (2006), quando afirmam estar em curso uma opção de substituição do Estado por

uma nova condensação de forças sociais e políticas chamada de território. Desse modo, os

autores ressaltam:

“É um retorno, com maior sofisticação, à velha visão reificada do território – capaz de vontade e endogenia, personalizadas nos desejos de ‘toda a comunidade local/regional’ –, que oferece sua plataforma vantajosa a investidores. O desenvolvimento passa a depender da performance do território, de seu acúmulo de relações e capacitação institucional. O território é visto como uma espécie de platô que busca atrair ‘bons’ capitais e cria barreiras à atração de habitantes ‘ruins’ (pobres, com baixa qualificação profissional, consumidores não solventes, etc). No território, mera superfície recipiente, de embarque e desembarque de capitais/coisas/pessoas, se construirá, graças à proximidade de atores cooperativos, um poderoso consenso, baseado nas relações de confiança mútua comunitária, que sustentaria, ao fim e ao cabo, o processo de avanço e progresso para todos. Prepondera aí, portanto, uma visão de ambiente não construído socialmente, mas de território como um pressuposto, dado naturalmente.” (BRANDÃO et alii, 2006: 196-197).

Essa tem sido não apenas a caracterização do território, que se contrapõe de modo

fundamental às interpretações críticas dos teóricos que se apóiam na tradição da economia

política marxista ou de inspiração marxista da década de 1970, mas também à base de

sustentação de uma nova orientação de política de desenvolvimento regional e urbano, cuja

natureza é eminentemente endógena.

De modo geral, essas transformações são reflexos de uma transição de políticas do

tipo Top-Down, que enfatizavam a redução dos desequilíbrios regionais e a convergência do

crescimento e do desenvolvimento de regiões e países, para políticas do tipo Bottom-up, que se

apóiam na implementação de políticas descentralizadas, com foco na competitividade das

economias regionais e locais.

Page 68: Tese Paiva,ClaudioCesarde

56

Na prática, essas mudanças nas políticas urbana e regional têm significado não

somente uma reorientação das instâncias de coordenação e governança, mas, sobretudo, a

substituição do planejamento compreensivo e orientado para a melhoria da qualidade de vida do

conjunto da sociedade - ao menos no discurso - por uma agenda corporativa internacional, ou seja,

uma mudança nas relações entre a sociedade e o Estado, uma vez que as políticas públicas

deixam de focar objetivos como os de redução das desigualdades interpessoais e regionais para

centrar-se no conceito de eficiência, economicidade e de gestão estratégica (New Public

Management).

Neste contexto, o Estado vai paulatinamente modificando sua atuação no

planejamento do território, alterando suas escalas de ação, no sentido de privilegiar intervenções

urbanas pontuais em detrimento de intervenções mais gerais. Sob a argumentação de uma pseudo

modernização da administração pública e de uma fragilidade financeira do Estado, as parcerias

público-privado têm assumido a primazia no desenho das políticas públicas, associada com um

paradigma gerencial, cuja ênfase está no controle dos custos, autonomização de sub-unidades

organizacionais, descentralização da autoridade gerencial, transparência e o reforço da

responsabilidade perante aos “clientes” pela qualidade do serviço, através da criação de

indicadores de desempenho e mecanismos de prestação de contas (accountability). Enfim, a

gestão econômica e financeira desenvolvida nas grandes corporações é rapidamente difundida em

órgãos de governo, provocando resistências, uma vez que a racionalidade privada tem

dificuldades em reconhecer culturas institucionais e direitos adquiridos.

Uma reflexão crítica sobre o quadro conceitual que vai se consolidando torna-se

necessária na medida em que a reificação do território, ou a preponderância de uma visão de

ambiente não construído socialmente, implica mudanças nas relações entre a economia, a política

e o território. As transformações colocadas em marcha forçada pelo processo de financeirização

tendem a convergir (e confundir) a definição conceitual de espaço e a de território, visto o

primeiro a partir de suas definições mais basilares, isto é, o espaço demarcado por um critério de

homogeneidade, e o território como área de exercício de um poder, um espaço capaz de sustentar

heterogeneidades sócio-culturais. Nesse sentido, Brenner (1998) ao se referir às reconfigurações

dessas relações afirma: “contemporary processes of state re-scaling are reconfiguring the

relationship between capital, state institutions and territorially circumscribed sociopolitical

Page 69: Tese Paiva,ClaudioCesarde

57

forces within major urban regions, producing new constellations of territorial politics on both

urban, regional and national scales. (BRENNER, 1998:22).

Do mesmo modo, torna-se relevante nesse contexto as palavras de Milton Santos ao

discutir a questão do território:

“o território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da resistência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi.” (SANTOS, 2000:96).

Não convém aqui entrar num histórico e inconcluso debate interdisciplinar sobre a

definição de espaço, mas questionar en passant a importância que tem sido atribuída à

participação da sociedade nas decisões e na gestão de recursos territorializados ou ainda até que

ponto os instrumentos de planejamento territorial têm garantido os pactos sociais

democraticamente construídos. O fato é que as cidades continuam a exercer um papel relevante

na economia mundial, particularmente as denominadas “cidades globais”, e, por isso, continuam

a representar elementos chaves numa estratégia de desenvolvimento territorial.

2.2.1. Cidades Globais – a emergência das novas capitais do capital

As capitais do capital se sucederam ao longo da história, com maior ou menor poder

político, administrativo, financeiro e ostentação econômica, dentre as quais podem ser

destacadas: Roma, Gênova, Antuérpia, Florença, Amsterdã, Londres, Tóquio e Nova York.

Essas cidades se caracterizavam, inicialmente, como sendo centro de reprodução de

todas as funções financeiras necessárias ao funcionamento da economia interna do país, no

momento em que a colaboração entre mercados nacionais era ainda precária e intermitente. Com

a consolidação dos mercados globais de capital, a cooperação entre elas tem se tornado um

elemento estratégico, tanto que as principais empresas de serviços financeiros estão

estabelecendo escritórios nas principais cidades da porção solvável do planeta, ao mesmo tempo

em que os tradicionais centros nacionais passam a sediar empresas estrangeiras de alcance global.

Algumas cidades dominantes, como Nova York, Londres e Tóquio, estão executando complexas

Page 70: Tese Paiva,ClaudioCesarde

58

operações para empresas e governos de uma miríade de países, redefinindo transferências de

capital de maneira inovadora e, simultaneamente, mantendo contato com cidades secundárias por

intermédio de suas filiais e de exportações diretas de serviços financeiros.68

Neste contexto, a consolidação de um processo de acumulação financeirizado nas

décadas de 1980 e 1990, a partir da convergência de processos de desregulamentação global do

sistema financeiro, sistematizado no capítulo anterior da presente tese, da disponibilidade de

novas tecnologias de comunicação e informação e dos novos instrumentos financeiros, implicou

profundas mudanças na organização do território e nas estratégias de desenvolvimento ao

estabelecer novos padrões locacionais e, conseqüentemente, promover a emergência de “novos”

lugares estratégicos para a produção, mas que reiteraram a posição dos grandes centros no topo

da hierarquia mundial, no gerenciamento das operações econômicas e financeiras globais.

Com efeito, observou-se a constituição de novas hierarquias urbanas e territoriais, que

refletiu, de modo geral, um reordenamento dos sistemas espaciais urbanos e a redefinição do

papel das cidades. Esta redefinição decorrente das mudanças no padrão de acumulação é

destacada por Saskia Sassen69, quando afirma que há uma renovada importância das grandes

cidades como locais destinados a certos tipos de atividades e funções, particularmente

relacionadas com serviços altamente especializados (terciário avançado) e transações financeiras

transnacionais.

É importante observar, no entanto, que o debate teórico sobre o papel das grandes

cidades na economia mundial não é recente. Uma rápida revisão da literatura internacional aponta

que o termo “cidade mundial” foi utilizado pela primeira vez em 1915 por Patrick Geddes70 e,

posteriormente, retomado nos trabalhos desenvolvidos por Peter Hall71, Friedmann e Wolff72,

John Friedmann73, dentre outros. Os trabalhos de Geddes e Hall apresentaram as preferências

locacionais das corporações multinacionais, o que contribuiu para uma despretensiosa

hierarquização de cidades mundiais (Londres, Paris, Randstad, Reno-Ruhr, Moscou, Nova Iorque

e Tóquio), a partir de suas capacidades funcionais em relação ao comércio, finanças, política,

68 Cf. Sassen (1991) 69 Refiro-me especialmente aos seguintes trabalhos: “The Global City: New York, London, Tokyo”, Princeton (NJ), Princeton University Press, 1991; “As Cidades na Economia Mundial”, São Paulo: Studio Nobel, 1998. 70 Geddes, Patrick (1915). “Cities in evolution”. Londres: Williams & Norgate. 71 Hall, Peter (1966). “The World Cities”. Londres: Weidenfeld & Nicholson; Nova York: McGraw-Hill. 72 Friedmann, John e Wolff, Goetz (1982). “World city formation: an agenda for research and action”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 6, no 3, pp. 309-44. 73 Friedmann, John (1986). “The world city hypothesis”, Development and Change, vol. 17, 69-83.

Page 71: Tese Paiva,ClaudioCesarde

59

educação, comunicação, cultura e tecnologia. Por outro lado, Friedmann apresentou uma proposta

de análise da organização espacial global com base no papel desempenhado por grandes

metrópoles como centros de controle do capital numa nova divisão internacional do trabalho.

De modo geral, esses trabalhos ainda não evidenciavam a necessidade de abandono de

vínculos com a escala nacional e a adoção de alianças supranacionais, apenas utilizavam o termo

para denominar as principais regiões urbanas do mundo onde havia uma forte concentração dos

centros decisórios corporativos de várias atividades econômicas.

A partir de meados da década de 1980 e, em especial no início da década de 1990,

ocorreu um revigoramento do debate sobre o novo papel das metrópoles, em decorrência das

transformações econômicas e financeiras globais em curso, fazendo com que a temática de uma

economia mundial articulada com certas cidades passasse a ser abordada sob diferentes aspectos

e perspectivas teóricas. Não obstante, torna-se freqüente na literatura urbana a utilização de uma

variedade de terminologias, como “cidade mundial”, “cidade informacional”, “cidade global”,

“cidade-região”, “cidades-rede”, “cidade dual”, “cidade fragmentada”, “cidade global-dual”,

“cidade pós-fordista”, para realçar o protagonismo das grandes cidades no padrão de acumulação

financeirizado.

De acordo com Beaverstock et alii (1999), apesar de muitas vezes os termos utilizados

possuírem um mesmo sentido explicativo, é possível identificar uma divisão de abordagens entre

os diversos estudos:

“Although often closely entwined, there is a basic division of approaches which can be easily identified. There is a demographic tradition which is largely interested in the sizes of cities and a functional tradition which treats cities as part of a larger system. The former tradition is today represented by the mega-city project, which is exploring the human and ecological implications of contemporary and future huge population concentrations. The functional tradition is to be found in studies of world and global cities which are interpreted as integral to contemporary globalization processes.” (BEAVERSTOCK, SMITH & TAYLOR, 1999:445). Dentre as diversas abordagens desenvolvidas nesse período, a contribuição de Saskia

Sassen tornou-se referência paradigmática no debate sobre “cidades globais” ao propor uma nova

interpretação para a relação entre as cidades e a economia mundial. Em certa medida, a autora se

apóia no debate proposto por Castells no que tange à importância da rede hierárquica de espaços

interconectados mundialmente, mas rompe com o determinismo tecnológico da “cidade

Page 72: Tese Paiva,ClaudioCesarde

60

informacional” ao acentuar o fenômeno da expansão da indústria financeira, decorrente da

extraordinária mobilidade do capital induzida pela dispersão geográfica do setor industrial,

sobretudo graças à transnacionalização da propriedade e da necessidade de serviços altamente

especializados para atender o setor financeiro74.

Sassen tem como ponto de partida o pressuposto de que a globalização econômica

teve impactos significativos sobre os sistemas espaciais urbanos, dado que a espacialidade urbana

passa a estar diretamente relacionada com as decisões das grandes corporações organizadas em

rede e de empresas do setor terciário avançado, que promovem um aquecimento da atividade

imobiliária de escritórios. Nessa perspectiva, a autora ressalta que: “Economic globalization and

the new information and communications technologies have contributed to produce a spatiality

for the urban that pivots on cross-border networks as well as territorial locations with massive

concentrations of resources” (SASSEN, 2002: 25). Note que o “rompimento” com Castells se

deve mais a este argumento: a globalização e as TICs permitem amplificação dos fluxos

informacionais, mas não dispensa a velha e conhecida “locação territorial”.

A partir de então, Sassen caracteriza o atual estágio econômico e sua relação com as

grandes cidades da seguinte maneira:

“... na atual fase da economia mundial, é precisamente a combinação da dispersão global das atividades econômicas e da integração global, mediante uma concentração contínua do controle econômico e da propriedade, que tem contribuído para o papel estratégico desempenhado por certas grandes cidades, que denomino de cidades globais.” (SASSEN, 1998:16).

A combinação entre dispersão espacial e integração global foi responsável por

transformações importantes na ordem econômica, social e urbana, que resultaram em novas

hierarquias em escala mundial que puseram abaixo as tradicionais fronteiras territoriais nacionais

e seus marcos regulatórios. Desde então, a cidade passou a ser tratada pela vertente teórica

hegemônica como um receptáculo, um espaço plasmado, que refletia a forma dialética com que

as transformações econômicas e financeiras impactavam o espaço urbano e como o território

reagia ao processo de reestruturação produtiva global, procurando aprimorar sua inserção num

padrão de acumulação financeirizado.

74 Cf. Compans (1999:93-94)

Page 73: Tese Paiva,ClaudioCesarde

61

Não obstante, Sassen ressalta que poderíamos pensar as grandes metrópoles do mundo

capitalista como lugares onde os processos de globalização assumem formas concretas, de tal

modo que essas metrópoles se tornam um lugar onde as contradições da internacionalização do

capital ou se acomodam, ou entram em conflito.

Nesse contexto, as atenções de estudiosos, gestores governamentais e políticos em

geral têm se voltado para este novo modelo de cidade – a cidade global –, enxergando nelas um

novo papel estratégico, que passa a exercer quatro novas funcionalidades:

“ first, as highly concentrated command points in the organization of the world economy; second, as key locations for finance and for specialized service firms, which have replaced manufacturing as the leading economic sectors; third, as sites of production, including the production of innovations, in these leading industries; and fourth, as markets for the products and innovations produced.” (SASSEN, 1991:03-04)

Segundo Compans (1999:98), ao cunhar a expressão global cities75 a preocupação de

Sassen era fazer referência a pontos nodais dos fluxos financeiros a partir dos quais se produz um

controle global dos mercados financeiros e dos locais de produção dispersos. Neste contexto, é

interessante fazer referência aos dados apresentados por Sassen que mostram que em 1997, 25

cidades concentravam 83% dos ativos sob administração institucional no mundo e eram

responsáveis por cerca de metade da capitalização de mercado global (por volta de US$ 20,9

trilhões). As cidades de Londres, Nova York e Tóquio detinham conjuntamente um terço dos

valores sob controle de instituições no mundo e respondiam por 58% do mercado de câmbio

global.

A partir da análise de variáveis relativas aos fluxos de capitais e de operações

comerciais, Sassen procura identificar um conjunto de grandes cidades com inserção relevante

nesse novo padrão de acumulação, com capacidade de organizar e comandar as atividades

econômicas mundiais. Desse modo, a autora objetiva construir uma nova geografia de lugares

estratégicos em escala global, o que denota que diversos centros manufatureiros e cidades

portuárias, outrora importantes, não mais fariam parte da nova geografia da centralidade

econômica e financeira. 75 Deve ser mencionado que a terminologia “cidade global” não foi cunhada em 1991 por Sassen. O primeiro autor a utilizar a expressão com o sentido corrente foi David Heenan, no artigo “Global cities of tomorrow”, publicado na Harvard Business Review, 55, em 1977.

Page 74: Tese Paiva,ClaudioCesarde

62

Ao analisar as mudanças nas relações históricas entre cidades globais e o território, a

partir das transformações ocorridas na década de 1970 e suas implicações para a geografia do

mundo capitalista, Brenner (1998) afirma que:

“I interpret global city formation and state re-scaling as dialectically intertwined processes of reterritorialization that have radically reconfigured the scalar organization of capitalism since the global economic crises of the early 1970s. Global city formation is linked both to the globalization of capital and to the regionalization/localization of state territorial organization. As nodes of accumulation, global cities are sites of reterritorialization for post-Fordist forms of global industrialization. As coordinates of state territorial organization, global cities are local-regional levels of governance situated within larger, reterritorialized matrices of ‘glocalized’ state institutions.” (BRENNER, 1998:03).

Diante desse quadro, um questionamento importante aos teóricos do debate urbano e

regional se apresenta com maior intensidade, qual seja: se estamos vivendo em uma era de

comunicação instantânea ou numa economia informacional, nos termos de Castells, não seria

pertinente pensar que isso favoreceria a descentralização econômica? Então, por que ainda há

uma necessidade funcional por grandes cidades mundiais?

Essa é uma das problemáticas centrais enfrentadas por Sassen, em “The Global City”,

ao procurar mostrar que a dispersão territorial da atividade econômica e a reorganização da

indústria financeira nas últimas décadas têm criado novas formas de centralização em termos de

coordenação das redes globais de produção e de gerenciamento dos mercados financeiros. Não

obstante, Sassen afirma que:

“The spatial dispersion of production, including its internationalization, has contributed to the growth of centralized service nodes for the management and regulation of the new space economy. Major cities, such as New York, London, and Tokyo, have greatly expanded their role as key locations for top-level management and coordination. And the reorganization of the financial industry has led to rapid increases in the already significant concentration of financial activities in major cities. The pronounced expansion in the volume of financial transactions has magnified the impact of these trends. Finally, the reconcentration of a considerable component of

foreign investment activity and the formation of an international property market in

these major cities has further fed this economic core of high-level control and servicing functions. In brief, alongside well-known decentralization tendencies, there are less known centralization tendencies.” (SASSEN, 1991:324 grifo nosso).

Page 75: Tese Paiva,ClaudioCesarde

63

Além disso, é importante ressaltar que, a despeito das abordagens que privilegiam a

análise de “espaços dos fluxos”, onde a localização não é um fator tão relevante, Sassen, ao

contrário, procura enfatizar a importância da localização. Para a autora, continua sendo necessária

uma base central para assegurar o modo atual de conduzir os negócios e não apenas um endereço,

a partir do qual seja possível coordenar operações financeiras, uma vez que, tanto os mercados

como as empresas necessitam, para cumprir seus objetivos, de recursos maciços e de uma

extraordinária concentração de tecnologia avançada, ou seja, dois fatores que requerem a

existência de centros urbanos. A natureza complexa das informações exige pessoas altamente

qualificadas, capazes de analisar dados e transmitir resultados dessas análises a outros

participantes do mercado. Estes, por sua vez, podem avaliar melhor as informações e os riscos

quando mantêm um contato estreito entre si. Desse modo, mesmo com a formação de uma rede

internacional de telecomunicações, são as pessoas localizadas nas cidades, e não os

computadores, que continuarão a coordenar os empreendimentos e as finanças.

Nesse aspecto, nota-se uma convergência entre Sassen (1991 e 1999) e Storper (1997)

e Storper & Venables (2005) no tocante à importância aferida ao contato face a face, ao qual

esses últimos se referem como o “burburinho” das cidades, que contribuiria para explicar a

concentração espacial da atividade econômica e de pessoas, numa era em que tanto os custos de

transporte quanto os custos de transmissão de informações têm declinado acentuadamente76.

Nesta perspectiva, Sassen salienta que, em princípio, a infra-estrutura tecnológica para

a comunicação, ou conectividade, global pode ser reproduzida em qualquer parte do mundo, mas

a infra-estrutura social necessária para a conectividade global acontecer depende em grande

medida de condições locais específicas, o que indica que a transmissão de conhecimento,

especialmente o tácito, depende fortemente de fatores culturais e históricos. Assim, quando os

investidores não encontram em seus bancos de dados modalidade mais complexas de informação

para a realização de grandes negócios internacionais, eles podem consegui-las por meio da troca

de informações e idéias entre indivíduos talentosos e bem-informados situados nas proximidades.

Em consonância, Storper & Venables (2005) ressaltam que a comunicação através do

contato face a face é essencial para a transmissão do complexo conhecimento tácito e se efetiva

por meio de diferentes formas: verbal, físico, contextual, intencional e não intencional. Nesses

76 Michael Storper & Anthony J. Venables (2005:22).

Page 76: Tese Paiva,ClaudioCesarde

64

termos, as ações cooperativas e solidárias entre firmas e agentes sociais tornam-se fundamentais

para a ampliação da produtividade econômica e, com isso, a dinâmica socioeconômica de

determinado território estaria crescentemente subordinada às relações econômicas intangíveis e à

apropriação de sinergias coletivas. Isso sem mencionar o fato de que a proximidade física de uma

grande variedade de indivíduos talentosos e informações, a exemplo de outros fatores

substituíveis, reduz o risco de “vazamentos” em benefício da desconcentração espacial do poder

econômico, assegurando o processo “natural” de centralização de capital.

Em trabalho anterior, Storper (1997), argumenta que o surgimento de novas

tecnologias, que ele chama de “metacapacities”, não tem resultado em dispersão, mas, ao

contrário, tem promovido uma particular concentração da atividade econômica. Ele argumenta

que o mundo contemporâneo é caracterizado por economias reflexivas, onde para atingir o

sucesso econômico é necessário fazer parte de um dinâmico processo de difusão e absorção de

conhecimento, um processo de aprendizado contínuo. Todavia, esses processos podem ser muito

específicos a dados espaços, uma vez que alguns ativos locais são difíceis de serem reproduzidos

em outros lugares, daí a importância da proximidade para que ocorra a efetivação da

reflexividade e, assim, permitir uma ação econômica coletiva e uma maior “solidariedade” entre

os diversos agentes econômicos. Desse modo, o autor ressalta que:

“The organization of reflexivity is importantly, though not exclusively, urban. This is because reflexivity involves complex and uncertain relationships between organizations, between the parts of complex organizations, between individuals, and between individuals and organizations, in which proximity is important because of the substantive complexity and uncertainty of these relationships. These two characteristics of relationships frequently require that they be embedded either in direct, concrete relations between individuals or that they be carried out according to locally evolved routines or conventions that permit actors caught up in these complex relations to go forward under conditions of great uncertainty or substantive complexity” (STORPER, 1997:245).

Entretanto, uma análise mais profunda sobre os esforços de conceituação da cidade

global realizados por Saskia Sassen e as discussões desenvolvidas por Michael Storper,

especialmente na obra The Regional World77, mostra que essa convergência é apenas aparente.

77 Storper, M. “The Regional World: territorial development in a global economy. New York: Guilford Press, 1997.

Page 77: Tese Paiva,ClaudioCesarde

65

Enquanto Storper afirma que as cidades se constituiriam em locais privilegiados de

reflexividade, provendo uma explicação da razão pela qual as cidades estão prosperando como

lugares, pouco ou nada diz sobre redes de cidades. Por outro lado, Sassen ressalta, com base num

argumento semelhante ao conceito de reflexividade econômica, que a produção de serviços

financeiros avançados é a característica distintiva das cidades no capitalismo avançado. No

entanto, as cidades globais seriam muito mais do que lugares onde um grande número de

transações financeiras acontecem, são espaços criativos que continuamente apresentam inovações

financeiras para atender aos anseios do capital global. Nesse sentido, evidencia-se um aspecto

distintivo fundamental com relação à análise de Storper, tendo em vista que para “Sassen these

cities are part of a network of strategic locations, hence the learning has to transcend particular

places”.78

De modo geral, verifica-se que a globalização econômica e financeira não somente

acelerou vertiginosamente os movimentos do capital no processo de acumulação, como também

influenciou as dinâmicas da concorrência capitalista, através das novas formas de cooperação

entre empresas e da capacidade coletiva de domínio de sistemas técnicos cada vez mais

sofisticados. Esse intercâmbio imaterial gera externalidades positivas, em termos de geração e

apropriação de sinergias coletivas, passando a influenciar profundamente a competitividade

econômica em certas localidades. Nessa perspectiva, Veltz (1999) ressalta: “! La economía

avanzada se mueve cada vez más en lo ‘extraeconómico’! Y el territorio, por supuesto,

desempenã una función esencial dentro de esta dinámica.” (VELTZ, 1999:13).

Apesar dos variados enfoques não parece haver discordâncias em torno das principais

características apresentadas para uma cidade global no capitalismo contemporâneo. Todavia, o

mesmo não ocorre quando se procura apresentar uma classificação do conjunto de cidades que

estariam inseridas no circuito de prestação de serviços altamente especializados e de transações

financeiras globais. Ao contrário, foi justamente a operacionalização do conceito em termos de

instrumento de identificação de “cidades globais” um ponto de grande disputa, com óbvias

implicações nas estratégias competitivas especialmente privilegiadas por gestores

governamentais. Se, por um lado, existe certo consenso em relação às cidades situadas no topo da

hierarquia global, como é o caso de Nova York, Londres e Tóquio, por outro, o mesmo não

78 Cf. Taylor, P.J. & Walker, D.R.F. & Beaverstock, J.V. “Firms and their Global Service Networks”, in Sassen, Saskia (2002) Global Networks, Linked Cities New York, : Routledge, 93-115.

Page 78: Tese Paiva,ClaudioCesarde

66

ocorre em relação aos demais centros, como, por exemplo, São Paulo, Manchester, Rio de Janeiro,

Dallas, Calcutá, Chicago, Abu Dhabi. A falta de uma padronização dos critérios hierarquizadores

refletem as referidas disputas e tornam as tentativas de ordenamento sempre subjetivas,

insuficientes e, portanto, objeto de permanente contestação.

A título de ilustração, a seguir apresentaremos um pequeno inventário de alguns

trabalhos que procuraram promover, com base num conjunto diversificado de fatores

relacionados com serviços financeiros altamente especializados e centros decisórios de

corporações multinacionais, uma classificação de cidades globais/mundiais (tabela 2.1), com

grande capacidade de absorver e conduzir operações com fluxos de capitais nacionais e

internacionais. É necessário esclarecer que são consideradas apenas as principais cidades

identificadas como “cidade global” em cada trabalho, com exceção feita à contribuição de Peter

Hall (1966), que identificou sete cidades.

A maioria dos estudos apresentados na tabela 2.1 são bastante conhecidos, alguns

inclusive já se tornaram clássicos no debate sobre cidades globais. A despeito das diversas

tipologias utilizadas nesses trabalhos para classificar as cidades globais, os resultados têm, em

geral, confirmado não somente a primazia das cidades de Londres, Nova York e Tóquio, mas

também têm revelado uma geografia da marginalidade e da exclusão, isto é, territórios que não se

enquadram nas estratégias do grande capital financeiro, no que tange a prestação de serviços

financeiros especializados e gerenciamento de operações econômicas globais. Nesse sentido,

Beaverstock et alii (1999) ressaltam que “world city formation has largely proceeded in three

world regions, northern America, western Europe and Pacific Asia, which we have termed them

the major 'globalization arenas'”.

Page 79: Tese Paiva,ClaudioCesarde

67

TABELA 2.1

RELAÇÃO DE ESTUDOS HIERARQUIZADORES E AS PRINCIPAIS CIDADES GLOBAIS

AUTORES PRINCIPAIS CIDADES GLOBAIS

IDENTIFICADAS

Hall (1966) Londres, Paris, Randstand, Rhine-Ruhr, Moscou, Nova York e Tóquio

Hymer (1972) Nova York, Londres, Paris, Bonn, Tóquio Heenan (1977) Coral Gables (Miami), Paris, Honolulu Cohen (1981) Tóquio, Londres, Osaka, Paris, Rhine-Ruhr Reed (1981) Londres Friedmann and Wolff (1982) Tóquio, Los Angeles, San Francisco, Miami, Nova York Friedmann (1986) Londres, Paris, Nova York, Chicago, Los Angeles Glickman (1986) Londres, Nova York, Tóquio e Paris Meyer (1986) Nova York, Londres, Paris, Zurique, Tóquio Feagin and Smith (1987) Londres, Nova York e Tóquio Reed (1989) Nova York e Londres Thrift (1989) Londres, Nova York e Tóquio Sassen (1991) Londres, Nova York e Tóquio The Economist (1992) Londres, Nova York e Tóquio O'Brien (1992) Londres, Frankfurt, Paris, Hong Kong, Singapura Lee & Schmidt-Marwede (1993) Londres, Nova York e Tóquio Martin (1994) Londres, Nova York, Tóquio, Osaka, Chicago Budd (1995) Londres, Nova York e Tóquio, Paris, Frankfurt Drennan (1995) Londres, Nova York e Tóquio Friedmann (1995) Londres, Nova York e Tóquio Knox (1995) Londres, Nova York e Tóquio Llewelyn-Davies (1996) Londres, Paris, Nova York, Tóquio Muller (1997) Londres, Nova York, Tóquio The Economist (1998) Londres, Nova York e Tóquio Beaverstock et alii (1999) Londres, Paris, Nova York, Tóquio Fonte: Tabela elaborada a partir do trabalho de Beaverstock et alii (1999)

Como ilustração dos diversos estudos sobre cidades globais serão apresentados os

principais resultados do trabalho A Roster of World Cities79 , desenvolvido na University of

Loughborough, no âmbito do grupo de pesquisa Globalization and World Cities (GaWC), com

base em critérios gerais apresentados por Sassen (1991), a qual, como já mencionado, considera a

79 De acordo com Peter Hall (2001) essa pesquisa é a maior revisão de literatura sobre “cidade global” já realizada.

Page 80: Tese Paiva,ClaudioCesarde

68

cidade global como um “local de produção pós-industrial”, onde são prestados serviços

especializados. Segundo os autores da pesquisa, devido a restrita disponibilidade de dados, o

trabalho se limitou a analisar a prestação de quatro tipos de serviços corporativos: contabilidade e

auditoria, publicidade, bancos e serviços advocatícios. Foram considerados para a análise apenas

as grandes empresas, com participação expressiva na economia mundial, como é o caso do ramo

de contabilidade e auditoria, onde foram consideradas as informações de empresas como a Ernst

& Young, Price Waterhouse, Arthur Andersen, Coopers & Lybrand e KPMG.

A pesquisa considerou na classificação final o desempenho de 122 cidades, que foram

distribuídas a partir de um score de desempenho 1 a 12. As cidades que atingiram uma pontuação

de 10 ou superior foram consideradas como centro de prestação de serviço global em todos os

quatro setores. Na tipologia utilizada na pesquisa, essas cidades foram qualificadas como “Alpha

world cities”. As cidades com pontuação entre 7 e 9 foram denominadas de “Beta world cities”,

enquanto que as cidades com score entre 4 e 6 foram definidas de “Gamma world cities”. As

demais cidades que não foram enquadradas nessa classificação (68 cidades) foram qualificadas

como cidades em processo de formação da cidade global.

A seguir apresentamos a distribuição das cidades globais segundo estudo realizado por

Beaverstock et alii (1999):

A. ALPHA WORLD CITIES

• 12 Pontos: Londres, Paris, Nova York e Tóquio;

• 10 Pontos: Chicago, Frankfurt, Hong Kong, Los Angeles, Milão e Cingapura;

B. BETA WORLD CITIES

• 9 Pontos: São Francisco, Sidney, Toronto, Zurique;

• 8 Pontos: Bruxelas, Madrid, Cidade do México, São Paulo;

• 7 Pontos: Moscou, Seul;

C. GAMMA WORLD CITIES

• 6 Pontos: Amsterdã, Boston, Caracas, Dallas, Dusseldorf, Genebra, Houston,

Jacarta, Johannesburgo, Melbourne, Osaka, Praga, Santiago do Chile,

Taipei, Washington;

Page 81: Tese Paiva,ClaudioCesarde

69

• 5 Pontos: Bancoc, Pequim, Montreal, Roma, Estocolmo, Varsóvia;

• 4 Pontos: Atlanta, Barcelona, Berlin, Buenos Aires, Budapeste, Copenhagem,

Hamburgo, Istambul, Kuala Lumpur, Manila, Miami, Minneapolis,

Munique, Shangai;

D. EVIDÊNCIAS DE FORMAÇÃO DE CIDADE GLOBAL

a) Fortes evidências:

• 3 Pontos: Atenas, Auckland, Dublin, Helsinki, Luxemburgo, Lyon, Mumbai, Nova

Delhi, Filadélfia, Rio de Janeiro, Tel Aviv, Viena;

b) Algumas evidências:

• 2 Pontos: Abu Dhabi, Almaty, Birmingham, Bogotá, Bratislava, Brisbane,

Bucareste, Cairo, Cleveland, Colônia, Detroit, Dubai, Ho Chi Minh

City, Kiev, Lima, Lisboa, Manchester, Montevidéu, Oslo, Roterdã,

Riyadh, Seattle, Stuttgart, Haia, Vancouver;

c) Evidências mínimas:

• 1 Ponto: Adelaide, Antuérpia, Arhus, Baltimore, Bangalore, Bolonha, Brasília,

Calgary, Cidade do Cabo, Colombo, Columbus, Dresden, Edimburgo,

Gênova, Glasgow, Gotemburgo, Guangzhou, Hanói, Kansas City, Leeds,

Lille, Marselha, Richmond, São Petersburgo, Tashkent, Teerã, Tijuana,

Turin, Utrecht, Wellington.

A partir dessa hierarquização, o desafio colocado às cidades é como melhorar a

articulação com a economia global, de modo a conseguir um posicionamento mais elevado no

ranking das cidades globais. Em outras palavras, como o planejamento e a gestão urbana devem

ser conduzidos para “vender a cidade” e gerar vantagens comparativas, num ambiente altamente

competitivo e, assim, atrair investimentos de grandes corporações transnacionais e fluxos

internacionais de capital financeiro.

Page 82: Tese Paiva,ClaudioCesarde

70

A lógica desse raciocínio é que a construção de atributos valorizados pelo capital

transnacional, como a constituição de um centro urbano de gestão e serviços avançados,

organizados em torno de um aeroporto internacional, um sistema de telecomunicações por satélite,

a construção de hotéis de luxo com segurança adequada, empresas financeiras e de consultoria

com conhecimento da região, escritórios de governos regionais e locais capazes de proporcionar

informação e infra-estrutura de apoio ao investidor internacional80 , atrairia o grande capital

financeiro internacional e as empresas de prestação de serviços avançados. A atração dessas

corporações multinacionais faria com que a metrópole ganhasse centralidade na geografia

econômica mundial, ou seja, fosse ativamente inserida nos circuitos globais do capital.

Enfim, no capitalismo financeirizado as cidades globais tornam-se locais de grande

concentração do poder econômico, enquanto que aquelas cidades que foram protuberantes no

padrão de acumulação produtivista passam por um declínio desordenado. Com isso, define-se não

somente parâmetros para uma nova geografia da centralidade, mas também o território da

marginalidade econômica, uma vez que novas hierarquias urbanas passam a ser estabelecidas

com base nas exigências e critérios impostos pelo recente processo de globalização.

Desse modo, a reorganização das cidades contemporâneas estaria atrelada à

importância que cada cidade assume na economia mundial, em termos de preencher funções de

interesse da acumulação do grande capital financeiro. Com efeito, isso desperta a coalizão de

diversos grupos de interesses, notadamente as elites locais, os financistas e os capitalistas do

mercado imobiliário, que passam a defender a revitalização do espaço urbano como forma de

criar espaços atrativos e, assim, inserir “o local” no processo de globalização. Nessa perspectiva,

seria pertinente questionar: será que as intervenções urbanas pontuais impostas por uma

tecnocracia que se utiliza de um discurso “modernizante” e uma ação autoritária (inobservância

de leis de uso e ocupação do solo e ambientais), para garantir os ganhos do grande capital

imobiliário, não estariam esvaziando as instâncias democráticas tão revelantes na construção do

espaço urbano?

Este questionamento torna-se “idéias fora do lugar” quando se revela os “interesses

velados” do capital imobiliário. O fato é que existe um evidente domínio do capital imobiliário

que se manifesta não somente na idéia de ver a cidade como uma máquina de produzir riquezas,

mas também na subordinação das políticas urbanas à lógica da concorrência entre lugares para

80 Cf. Borja & Castells, (1997:37)

Page 83: Tese Paiva,ClaudioCesarde

71

atrair o capital financeiro global. O esforço por uma centralidade na geografia do capital global se

constitui, na prática, numa busca incessante pela valorização dos ativos imobiliários das elites

locais, isto é, uma estratégia muito competente de valorização de capitais rentistas.

2.2.2. O Novo Planejamento Urbano: a interseção dos processos globais

com a localidade - a “glocalização”

Concomitante ao processo de reconfiguração de estruturas espaciais se observou um

movimento de reificação da cidade, através da disseminação da idéia de um novo planejamento

urbano, cujos principais instrumentos de valorização do espaço urbano estariam estruturados

num plano de desenvolvimento estratégico que promoveria a reconversão econômica de áreas

urbanas decadentes ou em processo de deterioração, de modo a inserir essas localidades num

“arquipélago das cidades globais”81.

Esse novo planejamento urbano, concebido num ambiente de liberalização econômica

e financeira, procura enfatizar o caráter ativo e diferenciado da cidade, por meio de instrumentos

como o city marketing e o urbanismo de espetáculo, como forma de melhorar a atratividade e a

inserção da cidade (ou região) em um sistema de relações internacionais. A tônica que se

estabelece é a competição entre cidades e regiões, o que implica em mudanças no foco da política

urbana, que, como aponta Harvey (1996), deixa de lado o enfoque de gerenciamento de serviços

urbanos para assumir uma abordagem de empresariamento urbano, fundamentada na idéia de

eficiência, competitividade interurbana e estilo empresarial.

Sob essa ótica não demora a se difundir, segundo Fernandes & Cano (2005), a idéia de

que a escala geográfica mais relevante no capitalismo globalizado seria a local, levando governos

locais a buscar inserir suas cidades entre os espaços potenciais centrais para a acumulação de

capital. Sendo assim, a retórica dominante passa a atribuir aos governos locais o papel de

produtor de ambientes favoráveis à competitividade das grandes corporações, orientando sua

ação para a construção de vantagens comparativas interurbanas e para a promoção do chamado

81 Segundo Borja & Castells (1997:156) “en todas estas ciudades el proyecto de transformación urbana es la suma de tres factores: a) La sensación de crisis agudizada por la toma de conciencia de la globalización de la economia. b) La concertación de los actores urbanos, públicos y privados, y la generación del liderazgo local (político e cívico). c) La voluntad y el consenso ciudadano para que la ciudad dé un salto adelante, tanto desde el punto de vista físico como económico, social y cultural”.

Page 84: Tese Paiva,ClaudioCesarde

72

empreendedorismo urbano. Segundo Fernandes (2001) “o embarque numa trajetória competitiva

perante outras localidades em disputa pelos mesmos recursos apresenta-se, assim, como uma

tendência funcional aos interesses dos beneficiários do processo de centralização do capital que

a globalização e a financeirização da acumulação produzem.” (FERNANDES, 2001:34).

Neste contexto, a cidade é transformada numa espécie de máquina de crescimento,

nos termos sugeridos por Logan & Molotch (1996), com coalizões de interesses entre as elites

imobiliárias locais e o poder público para permitir fluidez à implantação dos grandes projetos de

revitalização urbana. Os estímulos às ações privadas tornam-se elementos fundamentais para o

crescimento da cidade e para a valorização fundiária e imobiliária, viabilizando, com isso, a

acumulação do grande capital internacional e das elites rentistas locais. Diante disso, os teóricos

adeptos desse “novo” planejamento chegam a sustentar que “a mercadotecnia da cidade, vender

a cidade, converteu-se, portanto, em uma das funções básicas dos governos locais e em um dos

principais campos de negociação público-privada.” (BORJA & FORN, 1996:33).

A cidade adquire uma conotação de simples mercadoria ou mais precisamente um

sentido de “cidade-mercadoria”, onde o espaço urbano torna-se um produto potencial para lucros

extraordinários, que pode ser explorado através de sistemáticas operações especulativas. Esse

circuito de valorização do capital imobiliário não mais está restrito aos capitais nacionais, mas

conta com a participação também de investidores internacionais, que associados com as elites

locais atuam de diversas formas, direta e indiretamente, para promover transformações

valorativas dos ativos imobiliários. Em relação a essa transformação da cidade em “simples”

mercadoria, Sànchez (20001) esclarece:

“A transformação das cidades em mercadorias vem indicar que o processo de mercantilização do espaço atinge outro patamar, produto do desenvolvimento do mundo da mercadoria, da realização do capitalismo e do processo de globalização em sua fase atual. A existência de um mercado de cidades, como um fenômeno recente, mostra a importância cada vez maior do espaço no capitalismo – a orientação estratégica para a conquista do espaço, que agora alcança cidades como um todo, postas em circulação num mercado mundial – evidencia a produção global do espaço social.” (SÁNCHEZ, 2001:33)

Page 85: Tese Paiva,ClaudioCesarde

73

A difusão de uma estratégia que aponta cada vez mais para a idéia de “vender a

cidade” e o local como base de promoção do desenvolvimento é apresentada de maneira crítica

por Compans (1999), quando ressalta:

“As estratégias de desenvolvimento local que são oriundas do paradigma das global cities têm como pressuposto que fatores endógenos poderão favorecê-lo, desde que se saibam interpretar as dinâmicas econômicas dominantes e as possibilidades de nichos de mercado que possam ser exploradas para a inserção competitiva da cidade nas redes dos fluxos dos capitais internacionais. Entre os fatores endógenos responsáveis pela atratividade destes fluxos de capitais, encontram-se transformações, tanto políticas e institucionais quanto físicas, que sejam capazes de fornecer as condições para melhor ‘vender a cidade’ no contexto de uma competição interurbana impulsionada pela globalização.” (COMPANS, 1999:107).

Nesses termos, o desenvolvimento local ocorreria a partir de uma concepção de gestão

urbana que articularia a esfera local aos interesses econômicos do capital global, sem a mediação

da escala nacional, isto é, todas as escalas intermediárias entre o “global” e o “local” estariam

sendo progressivamente descartadas como esferas relevantes no processo de promoção do novo

padrão de desenvolvimento. Essa visão confere importância desproporcional aos microprocessos

e às microdecisões de agentes empreendedores e à potencialidade da localidade, e tende a negar,

segundo Brandão et alii (2006), os conflitos, a dinâmica de classes sociais e todas as questões

estruturais do processo de desenvolvimento e sua complexidade escalar.

Nesta perspectiva, o grande desafio dos governos locais e da política urbana, em

particular, tem sido “vender a cidade” e o sucesso dessa política passa a ser mensurado com base

na capacidade da localidade atrair capitais internacionais e de gerar renda e emprego, após a de

reconversão econômica. A odisséia localista para se constituir numa nova centralidade na

geografia do grande capital internacional, acompanhada da reconversão do foco da política

urbana, tem como pressuposto que a cidade é um elemento ativo do processo de desenvolvimento

econômico82, logo a promoção do desenvolvimento das cidades dependeria de fatores endógenos,

que deveriam ser estrategicamente estimulados pelos seus gestores públicos e cidadãos em geral.

Todavia, essa idéia de empreendedorismo urbano e seus rebatimentos sobre as ações

dos gestores públicos não torna prioritária a agenda de políticas públicas para atender certas áreas

82 Segundo Harvey (1996:51) “dá a impressão que ‘a cidade’ pode ser um agente ativo quando não passa de mera ‘coisa’.”

Page 86: Tese Paiva,ClaudioCesarde

74

carentes de infra-estrutura nas cidades, o que contribuiria para a agudização da fragmentação.

Desse modo, a política urbana deixa de enfrentar prioritariamente as fraturas internas da grande

metrópole, cuja dinâmica de crescimento tem historicamente empurrado parte significativa da

população para a marginalidade urbana, para ser um instrumento viabilizador de uma coalizão de

interesses entre as elites locais e o grande capital financeiro e imobiliário.

O empresariamento na administração urbana, como salienta Harvey (1996), prioriza

um desenvolvimento econômico baseado no simbolismo de empreendimentos imobiliários

pontuais e especulativos em detrimento de uma reflexão sobre a gestão da metrópole tomada em

sua totalidade e de intervenções físico-territoriais que promovam uma melhoria nas condições de

reprodução de grande parcela da população. Nesse sentido, o autor afirma que o novo

empresariamento urbano apresentaria três características fundamentais:

“Em primeiro lugar, o novo empresariamento tem como característica central a noção de ‘parceria público-privada’ na qual as tradicionais reinvidicações locais estão integradas com a utilização dos poderes públicos locais para tentar atrair fontes externas de financiamento, novos investimentos diretos ou fontes geradoras de emprego. (...) Em segundo lugar, a atividade dessa parceria público-privada é empresarial precisamente porque ela tem uma execução e uma concepção especulativas e, em conseqüência disso, sujeita a todas as dificuldades e perigos inerentes aos empreendimentos imobiliários especulativos os quais se contrapõem aos empreendimentos imobiliários coordenados e racionalmente planejados. (...) Em terceiro lugar, o empresariamento tem como foco de atenção muito mais a economia política do local do que do território.” (HARVEY, 1996:52-53) Os rebatimentos espaciais das exigências impostas pelo atual padrão de acumulação

evidenciam um duplo movimento de redefinição de escalas de ação político-econômica, na

medida em que desencadeiam simultaneamente dois processos antagônicos: a homogeneização e

a diferenciação do espaço. Se, por um lado, o intenso processo de flexibilização dos mecanismos

regulatórios e liberalização econômica-financeira têm contribuído para uma homogeneização do

espaço global para a circulação do capital, por outro, a escala local tem procurado criar ou

reforçar especificidades para se manter permanentemente como lócus de atratividade para o

grande capital internacional.

Esse antagonismo é analisado por Schapira (2000) da seguinte forma:

Page 87: Tese Paiva,ClaudioCesarde

75

“la globalización no determina una lógica única de espacialización de las actividades, existen formas específicas ligadas a los procesos endógenos de producción de la ciudad. Dicho en otras palabras, la mundialización obliga a pensar un doble proceso, el de una uniformización y, al mismo tiempo, la existencia de modelos específicos.” (SCHAPIRA, 2000:407)

A relação aparentemente contraditória entre os processos de homogeneização e de

diferenciação do espaço levou Swyngedouw (1989) a afirmar que a esfera local estaria sendo

ressuscitada numa era de hiper-espaço 83 , o que lhe permitiu cunhar o neologismo de

“glocalização” para expressar a importância assumida por essas duas escalas espaciais.

Entretanto, este inusitado poder de decisão da esfera local tem desencadeado diversas

críticas, sobretudo no que tange às interações e articulações entre escalas, visto que o aumento

das relações entre atores globais e espaços locais, formando uma complexa rede de interações e

determinações múltiplas, não significa necessariamente que as escalas intermediárias não tenham

um papel ativo a ser desempenhado, nem que as oportunidades de atração de investimentos

externos estejam ao alcance de todas as regiões. Sendo assim, Fernandes & Cano (2005)

salientam que a compreensão do processo de globalização permite perceber que esta “nova

concepção da ação do poder público local consiste num ajuste reativo e subordinado aos

interesses econômicos hegemônicos, na maioria das vezes inócuo, dramaticamente custoso aos

fundos públicos e à integridade do tecido urbano – físico e social – além de extremamente

funcional aos interesses rentistas, tanto os urbanos (velhos conhecidos nossos), quanto os

financeiros, estes sim, os poderosos protagonistas da nova ordem global” (FERNANDES &

CANO, 2005:254)

Nessas circunstâncias, é importante ressaltar que, em geral, a reconversão econômica

de áreas decadentes, através de planos estratégicos de revitalização urbana, tem apresentado

profundas contradições entre os objetivos explicitados e resultados alcançados com a

implementação de tais projetos, tendo em vista que a criação de um espaço diferenciado no

interior da metrópole tem exacerbado ainda mais a tensão entre incluídos (insider) e excluídos

(outsider). Os grandes projetos de revitalização de espaços urbanos decadentes na Europa,

83 Cf. E.Swyngedouw. The heart of the place: the resurrection of locality in an age of hyperspace, 1989.

Page 88: Tese Paiva,ClaudioCesarde

76

implementados ao longo da década de 1990, são experiências bastante ilustrativas desse processo

de gradual, mas planejada (planned gentrification), exclusão social84.

Desse modo, torna-se evidente que algumas intervenções imobiliárias pontuais,

adotadas com o objetivo de promover a regeneração urbana e de melhorar a inserção da

localidade na geografia do capital global têm, na verdade, contribuído fortemente para que “la

mundialización desarrolla en la ciudad sus lógicas de separación”85. Essas intervenções têm

favorecido, por um lado, o aparecimento de novas centralidades integradas aos fluxos comerciais

e financeiros mundiais, mas, por outro, têm colaborado para o debilitamento da coesão social, já

bastante comprometida, e o desenvolvimento de processos de gentrificação.

A natureza dessa contradição se encontra na incapacidade de compatibilizar os

interesses do grande capital, representado pelos modernos rentiers, constituídos a partir da fusão

do capital imobiliário com o capital financeiro, e a ocupação democrática do espaço público

como forma de aumentar a sociabilidade. Com efeito, a imposição de espaços de exclusão reforça

as contradições entre a produção social do espaço e sua apropriação privada, tornando-se mais

acentuado o debilitamento da coesão social e, conseqüentemente, dando maior visibilidade às

tensões, à barbárie e à insegurança no espaço urbano fragmentado. A importância desse fato é

reconhecida inclusive por um dos baluartes do planejamento estratégico, Jordi Borja, ao afirmar

que: “la ciudad fragmentada es una ciudad fisicamente segregada, socialmente injusta,

económicamente despilfarradora, culturalmente miserable y politicamente ingobernable”.

(BORJA, 2000:27).

Em suma, as transformações econômicas, políticas e financeiras, desencadeadas a

partir do rompimento do acordo de Bretton Woods, resultaram na reestruturação da economia

mundial e no advento de um novo padrão de acumulação financeirizado, com impactos

importantes sobre o espaço urbano, a hierarquização de escalas territoriais e na reorientação das

atitudes em relação ao planejamento e à gestão urbana. A despeito de alguns teóricos apontarem

para o declínio da importância da localização das atividades econômicas, em face às revoluções

das tecnologias de informação e comunicação e da eminência do surgimento de um “espaço de

fluxos”, verificou-se, isto sim, a proeminência das metrópoles globais. Desse modo, a

84 A esse respeito recomenda-se a leitura do trabalho de SWYNGEDOUW, E, MOULAERT, F. & RODRIGUEZ, A. (1999). Large scale urban development projects: a challenge to the urban policy in European cities. Disponível em: www.ifresi.univ-lillel.fr. 85 Cf. Marie-France Prévôt Schapira no artigo: Segregación, fragmentación, secesión. Hacia una nueva geografía social en la aglomeración de Buenos Aires (2000).

Page 89: Tese Paiva,ClaudioCesarde

77

globalização financeira intensificou a importância destas últimas na nova ordem econômica

mundial e, com isso, promoveu a reorganização da estrutura espacial urbana com base nas

condições e circunstâncias da acumulação de capital, conferindo às cidades globais funções de

comando das grandes corporações e produção de serviços altamente especializados e de alto valor.

A disseminação dos novos modelos de planejamento e gestão urbana, com a

substituição do planejamento integrado pelo planejamento “estratégico” e pelos grandes projetos

de renovação urbana, promoveu o acirramento da concorrência interurbana pari passu à adoção

de uma legislação urbana laxista e à intensificação de espaços de exclusão na metrópole. Todavia,

esses elementos estariam em consonância com um novo modelo de crescimento urbano, derivado

de um modo de acumulação – baseado no crescimento dos mercados financeiros, na expansão

internacional dos serviços especializados e na nova configuração dos fluxos de investimento

estrangeiro direto – parcialmente disperso, mas globalmente integrado.

Nesse processo de transformação da cidade num espaço de empreendedores cria-se

um ambiente propício para a atuação do capital imobiliário que, aproveitando dessa nova agenda

“estratégica” e das transformações financeiras, passou a obter lucros cada vez maiores, uma vez

que são geradas, por exemplo, novas demandas por edifícios modernos e escritórios

“inteligentes” para atender a emergência de um setor terciário avançado. Com efeito, novos

agentes econômicos (fundos de pensão, seguradoras, fundos mútuos) passaram a atuar no

mercado imobiliário nas últimas décadas com grande poder de construir novas centralidades nas

grandes metrópoles.

Este cenário de profundas mudanças impõe a necessidade de uma reflexão sobre como

os agentes que atuam no mercado imobiliário se articulam no capitalismo financeirizado para a

produção e apropriação do espaço urbano, ou seja, como as transformações que moveram o

pêndulo da acumulação novamente em favor dos rentiers moldam as relações entre os circuitos

imobiliários e os circuitos mais amplos do capital financeiro. O que sabemos a priori é que o

capital imobiliário também se modificou, sobretudo ao deixar de representar apenas um capital

importante no processo de acumulação, para se tornar, em alguns momentos, comandante desse

processo. Destarte, o ponto de partida de tal reflexão deverá ser o seguinte questionamento: a

teoria econômica apresenta algum arcabouço conceitual capaz de captar essas transformações do

capital imobiliário e seus desdobramentos sobre o ambiente construído?

Page 90: Tese Paiva,ClaudioCesarde

79

PARTE II

AS PERFÍDIAS DO CAPITAL IMOBILIÁRIO NO CAPITALISMO

CONTEMPORÂNEO

O objetivo principal dessa segunda parte da tese será analisar e apreender o papel

assumido pelo capital financeiro imobiliário na dinâmica capitalista contemporânea, sobretudo

quando se estabelece uma articulação fundamental entre o capital imobiliário e o capital

financeiro para dinamizar o processo de acumulação, num ambiente onde a obsessão especulativa

pela apropriação de riquezas segue padrões e critérios puramente financeiros. Deve ser ressaltado,

no entanto, que não será realizada uma construção teórica da transição do capital mercantil

imobiliário para o capital financeiro imobiliário, mesmo porque nada indica a existência de um

rompimento definitivo entre o capital mercantil imobiliário e o capital financeiro imobiliário,

além de que, na maioria das economias em desenvolvimento, dada a pequena profundidade do

mercado de capitais, o movimento do capital financeiro imobiliário ainda é impérvio na dinâmica

macroeconômica.

O ponto fundamental a ser demonstrado é que a conexão entre o processo imobiliário

e o capital financeiro tem constituído num condutor endógeno de instabilidade econômica, em

virtude da crescente interação entre as estruturas financeiras de financiamento, processos

especulativos e as flutuações nos níveis de investimento.

O esforço para compreender o aprofundamento das relações entre essas duas frações

do capital, que não é uma relação nova, mas que assume no capitalismo contemporâneo uma

dimensão importante para a dinâmica capitalista, se justifica na possibilidade de entender a lógica

dos processos imobiliários e, portanto, os movimentos de expansão imobiliária. Noutros termos,

Page 91: Tese Paiva,ClaudioCesarde

80

isso implica afirmar que a cidade torna-se cada vez mais um produto eminentemente da

necessidade (ou obsessão) especulativa do capital imobiliário no seu processo de valorização e

não necessariamente das necessidades de grande parte da sociedade. Obviamente, nem sempre os

interesses objetivos dos promotores imobiliários são revelados, talvez sejam os interesses velados

– não defensáveis publicamente -, os que mais impactam sobre a paisagem da cidade e nos

ganhos das elites imobiliárias urbanas.

Essa percepção sobre o papel dos agentes imobiliários na transformação das cidades

não inviabiliza a afirmação de Gottdiener (1993:11) de que “as cidades são produto de fatores

econômicos, políticos e culturais”, apenas realça que estes fatores são hierarquizados no

capitalismo contemporâneo, isto é, há uma sobreposição dos fatores econômicos, que passam a

cooptar os demais fatores no sentido de impulsionar o processo de valorização do capital

imobiliário.

Além disso, a proliferação de novos instrumentos financeiros nas últimas décadas, em

paralelo ao processo de desregulamentação dos mercados, resultou na transformação das

estruturas produtivas do setor financeiro e imobiliário, em particular no modus operandi dos

agentes econômicos, que diante de sistemas financeiros sofisticados e complexos, encontraram

formas e oportunidades globais de valorização do capital, com distintos graus de risco,

rentabilidade e liquidez.

Com isso, ocorreu a transposição das últimas barreiras que faziam com que alguns

capitalistas relutassem em investir no setor imobiliário, uma vez que os meios tradicionais de

investimentos em negócios imobiliários, embora apresentassem o atributo da segurança do lastro,

também eram caracterizados por inversões de longo prazo de maturação e baixa liquidez. Neste

contexto, sobressaem os instrumentos de securitização imobiliária, que é a emissão de títulos

lastreados em hipotecas, como é o caso das mortgage-backed securities, que se tornaram

instrumentos eficazes de captação de recursos para grandes empreendimentos imobiliários86. A

pulverização destes empreendimentos por meio das securities, com o propósito de atrair uma

86 A estimativa era que em 2001 o volume total de títulos lastreados em hipotecas em circulação no mercado americano já excedia a US$ 4 trilhões, o que representava, aproximadamente, 80% do mercado americano de ativos securitizados. (FANNIE MAE, 2001). Para maiores informações a respeito do processo de securitização nos EUA ver: A Brief History of Real Estate Securitization de Stephen E. Roulac, Special Report do Institutional Real Estate, INC, 2000. No caso do Japão, segundo a Association of Real Estate Securitization, os investimentos imobiliários securitizados deverão alcançar em 2007 algo em torno de 5 trilhões de ienes. Todavia, a expectativa é que atinja em futuro próximo 10 trilhões de ienes, o que seria suficiente para atrair a entrada dos fundos de pensão nesse mercado.

Page 92: Tese Paiva,ClaudioCesarde

81

plêiade de pequenos investidores, possibilitou quebrar a rigidez do mercado imobiliário,

ampliando desse modo à liquidez do ativo.

O aumento da liquidez proporcionado pela divisibilidade do investimento em títulos

tende a favorecer a atração dos grandes investidores institucionais, pois permite a desmobilização

da carteira de investimento e, consequentemente, possibilita maior agilidade para aproveitar as

oportunidades de mercado (gestão do portfólio) e menores custos de transação em relação aos

tradicionais investimentos com imóveis. Enfim, seja através da atração de poupança de pequenos

investidores individuais ou da poupança conjunta administrada pelos grandes players o fato é que

a securitização tem assumido importante papel de recapitalização do setor imobiliário em

diversos países.

De modo geral, o processo de securitização proporcionou que um ativo

imobilizado e de baixa liquidez se tornasse mais líquido e negociável para os investidores ao

se transacionar os direitos de propriedade e de apropriação dos rendimentos do ativo.

A securitização não é o único instrumento de desmobilização da carteira de

investimentos, o segmento imobiliário corporativo tem apresentado constantemente novos

produtos imobiliários, dentre os quais poderia ser citado o Built-to-suit, que são empreendimentos

comerciais e industriais construídos para atender um público previamente determinado87. Este

mecanismo exclui, por um lado, a necessidade de imobilização de grande volume de capital na

construção de imóveis pelas empresas e, por outro, representa para os grandes investidores

institucionais a redução dos riscos do empreendimento, dada a garantia de locação por um longo

período e, portanto, a capacidade de gerar rendimentos regulares por meio dos fluxos de aluguéis

pagos pelos locatários.

Diante de um quadro geral de transformações no padrão de acumulação, cujas bases

de conformação foram amplamente discutidas no capítulo I, torna-se cada vez evidente a

imbricação entre o capital imobiliário e o capital financeiro, isto é, as principais instituições

financeiras e as corporações produtivas, dentro de suas estratégias de diversificação do portfólio,

têm crescentemente ampliado os investimentos no mercado imobiliário como forma de reforçar

seu core business.

87 No Brasil tem se tornado tendência nos últimos anos, especialmente entre grandes redes de lojas e bancos, as operações imobiliárias do tipo sale&leaseback, que consiste numa operação onde o proprietário vende o imóvel e continua ocupando-o como locatário.

Page 93: Tese Paiva,ClaudioCesarde

82

Em virtude da multiplicidade de facetas assumidas pelo capital imobiliário no

capitalismo contemporâneo torna imperativo uma análise de dimensões amplas, com mediações

no plano teórico e histórico, que, em nosso entendimento, poderiam ser ordenadas sob três

perspectivas: macroeconômica, microeconômica e financeira.

Deste modo, procurando atingir o objetivo primordial de compreender a importância

assumida pelo capital financeiro imobiliário na dinâmica de acumulação capitalista, sobretudo a

partir da articulação que se estabelece entre o capital imobiliário e o capital financeiro, optou-se

pela construção dessa segunda parte da tese, a qual foi estruturada em dois capítulos (capítulos III

e IV) com propósitos bem definidos.

A organização dessa segunda parte da tese ocorre a partir de dois cortes analíticos

distintos que orientam a estrutura metodológica. No primeiro capítulo parte-se dos

microfundamentos (comportamento dos agentes econômicos) para se promover a fusão de duas

interpretações sobre flutuações no mercado imobiliário, ou seja, tem-se nos fatores

microeconômicos o ponto de partida para se compreender movimentos macroeconômicos. No

capítulo seguinte (capítulo IV), o objetivo é evidenciar, através da análise empírica, os impactos

econômicos e financeiros provocados pelo estouro da bolha imobiliária no Japão, no início da

década de 1990. A intenção é compreender o papel do capital financeiro imobiliário na dinâmica

de acumulação por vias estritamente macroeconômica.

O corte analítico estabelecido para o primeiro capítulo tem como pressuposto básico

que a economia capitalista é inerentemente instável, em virtude do grau de incerteza presente nas

decisões capitalistas. Com isso, procura-se compreender teoricamente a dinâmica do capital

imobiliário no capitalismo contemporâneo a partir de duas vertentes analíticas que têm seu foco

teórico centrado no estudo das flutuações econômicas, quais sejam: a teoria dos ciclos e a teoria

das bolhas especulativas.

Embora as duas abordagens apresentem uma raiz histórica bem definida, a aplicação

dessas teorias ao mercado imobiliário é relativamente recente.

O debate acerca dos ciclos imobiliários adquire maior relevância na atual fase do

capitalismo na medida em que assume uma conotação estratégica, sobretudo para identificar as

melhores oportunidades de investimentos no setor imobiliário e a localização dos

empreendimentos. PYHRR et alii. (1999) sintetizam bem a importância dos ciclos imobiliários ao

ressaltarem que: “often ignored in the past, the concept of real estate cycles is now in the

Page 94: Tese Paiva,ClaudioCesarde

83

forefront of consciousness of virtually every practitioner involved in the real estate markets.”

(PYHRR et alii, 1999:24)

As discussões em torno das bolhas especulativas no mercado imobiliário, por seu

turno, ganham maior dimensão nas décadas de 1980 e 1990, com as crises imobiliárias dos

Estados Unidos e do Japão, que não podiam ser suficientemente explicadas por meio das teorias

dos ciclos imobiliários. As bolhas especulativas apresentam maior poder explicativo para as

crises econômicas ao tratar as discrepâncias entre o valor de mercado de um ativo e seus

fundamentos como resultante de comportamentos especulativos dos agentes que participam do

processo imobiliário, das assimetrias de informação sobre mercados e valores de imóveis (myopic

behavior e noise traders), e do comportamento free-rider de alguns agentes econômicos.

Nesses termos, as bolhas especulativas no mercado imobiliário seriam derivadas

fundamentalmente de comportamentos especulativos e irracionais dos agentes econômicos. No

entanto, o reconhecimento da irracionalidade como fator preponderante para explicar os

movimentos nos preços dos ativos imobiliários apresentava-se como um imbróglio teórico para o

mainstream econômico, em especial para os adeptos da hipótese de mercados eficientes (HME),

pois como explicar a existência de bolhas especulativas num mundo onde os agentes econômicos

agem com base em expectativas racionais?

As considerações a respeito da racionalidade dos agentes econômicas muitas vezes

extrapolam o campo da análise econômica e revelam as limitações dessa ciência em explicar

plenamente os comportamentos de manada, a atuação de noise traders e as falhas cognitivas de

interpretação das informações disponíveis, que, em última instância, são os fatores que tornam os

mercados mais voláteis.

O corte analítico para o desenvolvimento do capítulo IV, parte de um pressuposto não

trivial na comunidade acadêmica, que, em geral, tende analisar todas as bolhas imobiliárias como

sendo iguais em qualquer parte do mundo, isto é, bolhas imobiliárias são sempre bolhas

imobiliárias. Estamos inclinados a provar justamente o contrário no capítulo IV. Para tanto,

partimos do pressuposto de que as bolhas especulativas são diferentes e que essa distinção não se

encontra na sua natureza, revelada por uma situação em que o valor de mercado de um ativo se

“descola” do preço intrínseco, mas na interação da bolha especulativa com as estruturas

financeiras de financiamento. Nesta perspectiva, os efeitos macroeconômicos e financeiros

Page 95: Tese Paiva,ClaudioCesarde

84

advindos do rompimento da bolha de ativos também devem ser diferentes, o que denota que uma

mesma bolha especulativa possa ter efeitos distintos em diferentes países.

Por fim, é importante ressaltar que as mudanças ocorridas nas últimas décadas na

dinâmica do sistema capitalista global, têm trazido à tona um conjunto de fenômenos e

problemáticas extremamente importantes para a compreensão do capital imobiliário, o que nos

conduz a um conjunto de indagações iniciais, que são expostas na seqüência, as quais certamente

serão ampliadas no desenvolvimento dos capítulos.

Quais são os fatores que explicam a lógica de investimentos no mercado imobiliário

na atual configuração do capitalismo? Quais são os determinantes da dinâmica do processo de

valorização do capital imobiliário? Quais as conexões entre processo imobiliário e capital

financeiro? Qual tem sido o papel atribuído ao poder público neste processo de valorização do

capital imobiliário? Por que o capital flui de forma seletiva em direção a espaços urbanos que

compõem o circuito mundial de valorização patrimonial?

Por se tratar de um ambiente ainda inextricável já estaremos satisfeitos se a tese

contribuir para que uma parte desses questionamentos sejam adequadamente respondidos ao

longo do estudo.

Page 96: Tese Paiva,ClaudioCesarde

85

CAPÍTULO III

CICLOS IMOBILIÁRIOS E BOLHAS ESPECULATIVAS: A BUSCA PELA

COMPREENSÃO TEÓRICA DA DINÂMICA DO CAPITAL

IMOBILIÁRIO

“O verdadeiro remédio para o ciclo econômico não consiste em evitar o auge das expansões e em manter assim uma semidepressão permanente, mas em abolir as depressões e manter deste modo permanentemente em um quasi-boom!”

J.M. Keynes, p. 299-300

3.1. Introdução

A análise histórica do desenvolvimento capitalista mostra que os movimentos de

booms e crises econômicas são recorrentes e que a interpretação desses movimentos cíclicos se

constitui um dos fenômenos mais complexos e abrangentes da teoria econômica, cuja natureza só

poderá ser apreendida e explicada com base em mediações tanto no plano da teoria como no

plano da história. O reconhecimento de que a economia capitalista é inerentemente instável,

conforme demonstrou Keynes, Kalecki e Schumpeter, não somente abalou os pressupostos

básicos da teoria neoclássica como também rompeu definitivamente com a idéia ortodoxa de uma

suposta harmonia universal derivada de um equilíbrio geral walrasiano, tendo em vista que a

análise da dinâmica econômica mostra que a alternância de fases de crescimento e contração no

nível de produção e emprego é contínua ao longo da história.

Desse modo, o individualismo triunfante da sociedade burguesa, responsável pela

reconstrução da teoria econômica, a partir de um comportamento individual idealizado (racional e

maximizador), e a tradicional premissa de equilíbrio – uma hipótese genérica e apriorística -,

passaram a ser questionados por meio do reconhecimento explícito de que as flutuações

Page 97: Tese Paiva,ClaudioCesarde

86

econômicas são periódicas no capitalismo e refletem o comportamento de alguns elementos da

estrutura econômica.

Nesse sentido, é importante ressaltar que o elemento central dos desequilíbrios

macroeconômicos, em geral, e do mercado imobiliário, em particular, encontra-se no grau de

incerteza que afeta a formação das expectativas, isto é, na impossibilidade de reduzir a incerteza a

um cálculo probabilístico, devido à insuficiência de base objetiva de informações que permita um

cálculo confiável do futuro da economia. Com isso, verifica-se a ocorrência de uma fragilidade

endógena do “estado de confiança” e a possibilidade de abruptas mudanças de expectativas.

A predominância desse estado de incerteza fundamental no sentido Knight-Keynes e

a conseqüente instabilidade econômica permite concluir que no capitalismo contemporâneo os

desequilíbrios macroeconômicos são a regra, enquanto que o equilíbrio é a exceção.

Neste contexto, o objetivo geral do capítulo é buscar compreender teoricamente a

dinâmica do capital imobiliário no capitalismo contemporâneo a partir de duas vertentes

analíticas básicas que têm seu foco teórico centrado no estudo das flutuações econômicas, quais

sejam: a teoria dos ciclos e a teoria das bolhas especulativas.

A hipótese geral que orientará a análise sustenta que, em grande parte, os ciclos

imobiliários são dependentes dos ciclos econômicos, isto é, da evolução dos principais

fundamentos macroeconômicos. Entretanto, considera-se a existência de um componente

autônomo, que concede ao setor imobiliário uma dinâmica específica em determinados períodos e

espaços, o que explicaria as alterações especulativas dos preços dos ativos em relação aos seus

valores fundamentais, bem como seus desdobramentos, tais como as bolhas especulativas. Este

componente autônomo no mercado imobiliário está associado a priori ao comportamento

psicológico de especulação dos agentes que participam do processo imobiliário; às assimetrias de

informação sobre mercados e valores de imóveis (myopic behavior e noise traders); ao

comportamento free-rider de alguns agentes econômicos e a gestão da preferência pela liquidez.

Ao assumir esta hipótese de que os ciclos imobiliários são dependentes dos ciclos

econômicos e que existe um componente endógeno no mercado imobiliário, tenta-se formular

uma interpretação da dinâmica do processo de valorização imobiliária, a partir dessas duas

abordagens contemporâneas: a dos ciclos imobiliários e a das bolhas especulativas88. Convém

88 Embora não seja o objetivo dessa tese construir um modelo macrodinâmico para interpretação dos ciclos imobiliários, cumpre sugerir, como agenda de pesquisa, que uma boa análise poderá ser construída a partir da integração da macrodinâmica dos ciclos-tendência Kaleckiano com a instabilidade financeira de Minsky.

Page 98: Tese Paiva,ClaudioCesarde

87

registrar, no entanto, que o esforço teórico para apreciação da dinâmica do capital imobiliário,

apesar de árduo, não se encerra em si mesmo, tendo em vista que o desafio derradeiro será o de

promover uma reflexão em torno da possibilidade de integrar essas duas vertentes teóricas

divergentes, cujo poder explicativo para as oscilações nos preços dos ativos imobiliários torna-se,

quando associadas, muito mais abrangente e cabal, em virtude do alargamento do foco analítico.

A abordagem dos ciclos imobiliários não é recente, embora as contribuições teóricas

tenham se tornado mais relevantes a partir de meados da década de 1970 e início da década de

1980, com os booms imobiliários ocorridos nos Estados Unidos e na Inglaterra. A principal

diferença entre os primeiros estudos desenvolvidos nas décadas iniciais do século XX, está a

priori no fato de que estes tratavam os ciclos imobiliários (ou ciclos de construção) como um

caso particular de ciclo econômico, cuja função se restringia a explicar as flutuações do setor da

construção civil, ao passo que as pesquisas desenvolvidas últimas três décadas desse século

sugerem maior relevância para os ciclos imobiliários, sobretudo, porque o capital imobiliário se

encontra amalgamado com o capital financeiro.

Por outro lado, a aplicação da noção de bolhas especulativas aos mercados

imobiliários é relativamente recente e os estudos ainda se encontram em processo de

amadurecimento teórico, embora a relação entre bolhas especulativas e ativos imobiliários possa

retroceder ao início do século XVII. A partir da análise empírica de diversos surtos especulativos

(Bolhas das Tulipas, Exchange Alley, South Sea, Mania das Ferrovias nos Estados Unidos,

Bolhas Imobiliárias do Japão e dos Estados Unidos), é possível afirmar que as bolhas são

fenômenos inerentemente espaciais, que decorrem de um conjunto de fatores que interagem em

determinadas regiões, gerando expectativas excessivamente otimistas e fazendo com que o

montante de direitos financeiros sobre a propriedade de ativos de capital exceda fortemente a taxa

de crescimento da produção de ativos reais. Os efeitos macroeconômicos e financeiros da

bolha imobiliária na dinâmica econômica dependerão fundamentalmente dos aspectos

estruturais e das restrições institucionais de cada economia, o que implica afirmar que as

bolhas de ativos são diferentes no tempo e no espaço.

Essas duas abordagens utilizadas para explicar a lógica dos processos imobiliários são

bastante diferentes no que se refere à causa desencadeadora dos movimentos cíclicos. A

abordagem das bolhas especulativas “diverge da abordagem dos ciclos imobiliários justamente

por negar a inter-relação direta entre a ciclicidade econômica e os ciclos imobiliários. Ela

Page 99: Tese Paiva,ClaudioCesarde

88

identifica na internacionalização dos ciclos imobiliários fatores como o fim do fordismo e a

desregulamentação financeira e retorna o conceito de Hoyt de ‘ciclos excepcionais’ no setor da

construção, nitidamente relacionados com os mercados financeiros”. (Van Wilderode, 2000:12)

Sendo assim, a dinâmica dos preços dos ativos imobiliários somente poderá ser

compreendida se analisarmos o comportamento dos agentes econômicos sem fixarmos

exclusivamente na premissa do comportamento racional e maximizador, uma vez que o mercado

é composto de investidores heterogêneos (investidores profissionais, amadores e noise-traders),

que atuam num ambiente de incerteza não-probabilística. Desse modo, a partir de uma visão

confluente entre a dinâmica de formação dos preços dos ativos financeiros e a teoria

comportamental, pode-se afirmar que nem todas as decisões econômicas que se distanciam da

racional devam ser consideradas como comportamentos irracionais, mas limitações dos agentes

econômicos em analisar as informações disponíveis no mercado (falhas cognitivas).

O debate em torno da racionalidade é, no entanto, algo muito controverso na teoria

econômica, pois constantemente traz a tona os conflitos entre os fundamentos da teoria e a

realidade econômica. A teoria clássica, por exemplo, aponta que bolhas não devem existir num

mundo de agentes racionais. Entretanto, a realidade econômica mostra que as bolhas de ativos

são recorrentes, dada a especulação permanente sobre os retornos futuros de um ativo, que

invariavelmente conduz a discrepâncias entre o valor de mercado de uma ativo e seus

fundamentos. Neste contexto, Blanchard & Watson (1982) ao investigarem a natureza das bolhas

especulativas nos mercados financeiros e sua relação com a racionalidade, afirmam que:

“Economists and financial market participants often hold quite different views about the pricing of assets. Economists usually believe that given the assumption of rational behavior and of rational expectations, the price of an asset must simply reflect market fundamentals, that is to say, can only depend on information about current and future returns from this asset. Deviations from this market fundamental value are taken as prima facie evidence of irrationality. Market participants on theother hand, often believe that fundamentals are only part of what determines the prices of assets. Extraneous events may well influence the price, if believed by other participants to do so; t'crowd psychology becomes an important determinant of prices.” (BLANCHARD & WATSON, 1982:03).

Por fim, é importante ressaltar que a análise que será desenvolvida neste capítulo

sobre ciclos imobiliários e bolhas especulativas terá um caráter fundamentalmente histórico e

apreciativo, procurando dar uma lógica à construção teórica do debate em torno dessas temáticas,

Page 100: Tese Paiva,ClaudioCesarde

89

sem a preocupação, no entanto, de realizar uma apresentação dos modelos formais, no sentido

matemático, os quais tornariam o debate árido e estéril.

3.2. Análise das evidências teóricas e históricas dos ciclos nos mercados

imobiliários

A tradição teórica de investigação da dinâmica capitalista parte de um princípio que

reconhece na economia capitalista um caráter inerentemente instável, ou seja, o crescimento

econômico não ocorre de maneira contínua e uniforme, sendo por essa razão que uma das

principais características da dinâmica capitalista é a flutuação no nível da atividade econômica

em torno de uma tendência de crescimento do produto real no longo prazo. Nesse sentido, as

tentativas de compreensão das causas e da duração efetiva dessas flutuações tem sido o propósito

de inúmeros estudos e de controversos debates na literatura econômica desde a segunda metade

do século XIX, quando se desenvolveu o conceito de ciclo para explicar os movimentos

econômicos (sobretudo as crises) de curto prazo que passaram a assolar a economia inglesa a

partir da revolução industrial.

As discussões em torno das fricções que originam as flutuações econômicas e a busca

de um consenso acerca da periodicidade dos ciclos possibilitaram o desenvolvimento de uma

distinção teórica importante entre ciclo econômico e crise. De acordo com a contribuição de

Carvalho e Hermanny, a análise do ciclo econômico tinha como base a “hipótese de que

economias capitalistas se moviam de acordo com um padrão estruturado, que gerava

movimentos regulares do produto agregado, observáveis empiricamente, enquanto a noção de

crise se baseava principalmente na hipótese de ruptura, de quebra de padrões.” (CARVALHO

& HERMANNY, 2003:50)

Não obstante, Carvalho e Hermanny ressaltam que esta hipótese era particularmente

reforçada pela percepção de que não apenas fases de expansão e contração da economia se

sucediam de forma repetitiva, mas também que existia certa regularidade na duração do ciclo.

Todavia, deve-se ressaltar que, embora haja uma concordância a respeito da ciclicidade da

atividade econômica, o mesmo não ocorre com relação à regularidade das flutuações da atividade

Page 101: Tese Paiva,ClaudioCesarde

90

econômica, uma vez que a observância do comportamento da economia no mundo real nos indica

periodicidade e amplitude variáveis, ou seja, os ciclos se mostram iminentemente irregulares.

A tentativa de sistematização de uma teoria capaz de explicar o fenômeno do ciclo

econômico e a proposta de uma taxonomia dos ciclos, de acordo com suas causas, regularidade

de ocorrência, amplitude e duração, foi sugerida embrionariamente por Joseph Aloïs Schumpeter,

no livro Business Cycles (1939), onde distinguiu-se três tipos de ciclos: de curta duração,

identificado como “Ciclo de Kitchin”89, em homenagem ao estatístico e negociante de ouro sul-

africano Joseph Kitchin, um ciclo decenal, conhecido por “Ciclo de Juglar”90, como mérito ao

economista e médico francês Clément Juglar (1819-1905), e um ciclo longo, descrito como de

“Ciclo de Kondratieff”91, em homenagem ao economista e estatístico russo Nicolai Dmitrievitch

Kondratieff (1892- 1930).

No início do século XX os estudos sobre os ciclos econômicos seguiram duas

trajetórias distintas, porém não excludentes, para ampliar os conhecimentos sobre os movimentos

cíclicos da economia. A primeira corrente tinha como objetivo a formulação de uma teoria para

os ciclos econômicos a partir da identificação das causas responsáveis pela origem das flutuações

econômicas, ou seja, a identificação do princípio da ciclicidade era na essência o que

circunscrevia os debates. Em outro extremo, encontrava-se um segundo grupo de pesquisadores

que direcionavam seus trabalhos para o exame empírico das flutuações econômicas, com o

89 O Ciclo de Kitchin refere-se a um ciclo regular de flutuação da atividade econômica, geralmente associado à demanda por produtos de bens duráveis, de duração de quarenta meses. O ciclo recebeu este nome em homenagem a Joseph Kitchin, que foi o primeiro a estudá-lo. Utilizado por Schumpeter em sua análise dos ciclos econômicos, é explicado por mudanças em estoques e por pequenas ondas de inovação, especialmente em equipamentos que podem ser produzidos rapidamente. Superpostos aos ciclos longos de Juglar e de Kondratieff, existiriam três ciclos Kitchin em cada Juglar e dezoito em cada Kondratieff. 90 O Ciclo de Juglar refere-se a um ciclo de flutuação da atividade econômica, geralmente associado à demanda de bens de capital, de duração de sete a onze anos. O ciclo recebeu este nome em homenagem ao médico e economista francês Clément Juglar, cuja inserção na economia ocorreu ao estudar os fenômenos demográficos. Posteriormente, passou a analisar as crises econômicas, que, para ele tinham causas naturais inevitáveis, mas previsíveis, e que retornariam em ciclos. Além disso, Juglar identificou quatro fases de um movimento cíclico. Destacou-se como estatístico realizando previsões acuradas da retomada das atividades econômicas, o que também lhe permitiu acumular uma grande fortuna por meio da especulação. Professor da Escola Livre de Ciências Políticas de Paris e fundador da Sociedade de Estatística de Paris, seu mais importante trabalho foi Des Crises Commerciales et de Leur Retour Périodique en France, en Angleterre et aux États-Unis (Das Crises Comerciais e Seu Retorno Periódico à França, à Inglaterra e aos Estados Unidos), 1862, a primeira obra a fornecer uma descrição pormenorizada do ciclo econômico e a insistir na periodicidade das crises. 91 O Ciclo de Kondratieff refere-se a um ciclo longo de flutuação da atividade econômica de duração de quarenta a sessenta anos. O ciclo recebeu este nome em homenagem ao economista e estatístico russo Nicolai Dmitrievitch Kondratieff. A maioria dos economistas admite a existência de três ciclos Kondratieff no período que vai de 1790 a 1950. O primeiro estende-se até 1850, compreendendo 24 anos de alta e 36 de baixa; o segundo, entre 1850 e 1896, corresponde a 23 anos de alta e 23 de baixa da atividade econômica, e o terceiro, de 1896 a 1940, com 22 anos de alta e 22 de baixa.

Page 102: Tese Paiva,ClaudioCesarde

91

objetivo de identificar a duração (regularidade dos ciclos), a profundidade e as inter-relações dos

ciclos econômicos. Essa segunda corrente contribuiu de modo fundamental para a compreensão

dos ciclos econômicos ao desenvolver os indicadores cíclicos que foram denominados na

literatura especializada como: antecedente (leading), coincidente (coincident) e atrasado

(lagging).92

Neste período o debate acadêmico em torno do conceito de ciclo econômico foi

bastante profícuo, no sentido de que possibilitou o desenvolvimento de conceitos teóricos e de

diversos métodos de previsão dos ciclos, com destaque para os indicadores de antecedentes,

proposto originalmente por Arthur Burns 93 e Wesley Mitchell 94 , durante o período em que

trabalhavam no National Bureau of Economic Research (NBER). A contribuição desses autores

foi fundamental para a construção de uma teoria dos ciclos, pois ofereceram elementos de

mensuração estatística dos movimentos cíclicos, uma vez que foram responsáveis pelo primeiro

estudo sistemático sobre ciclos econômicos baseados em séries temporais. Além disso, no campo

teórico contribuíram, especialmente nos trabalhos elaborados Mitchell no primeiro quarto do

século XX95, para a construção de uma visão de que os ciclos econômicos eram característicos de

modernas economias mercantis, de modo que cada fase do processo econômico traria consigo o

germe da fase seguinte, isto é, os fundamentos endógenos explicariam os movimentos cíclicos da

economia.

92 A definição desses indicadores é apresentada por Klein & Moore (1982) da seguinte forma: “The leading, coincident, and lagging indicators cover a wide variety of economic processes that have been found to be important in business cycles. The leading indicators are for the most part measures of anticipations or new commitments. They have a "look-ahead" quality and are highly sensitive to changes in the economic climate as perceived in the marketplace. The coincident indicators are comprehensive measures of economic performance, pertaining to output, employment, income, and trade. They are the measures to which everyone looks to determine whether a nation is prosperous or depressed. The lagging indicators are more sluggish in their reactions to the economic climate, but they serve two useful functions. First, since they are usually very smooth, they help to confirm changes in trend that are first reflected in the more erratic leading and coincident indicators. Second, their very sluggishness can be an asset in cyclical analysis, because when they do begin to move, or when they move rapidly, they may show that excesses or imbalances in the economy are developing or subsiding. Hence the lagging indicators frequently provide the earliest warnings of all, as when rapid increases in costs of production outstrip price increases and threaten profit margins, thus inhibiting new commitments to invest, which are among the leading indicators.” (Klein & Moore, 1982:01-02) 93 Burns, A. F. Long Cycles in Residencial Construction. Economic Essays in Honor of Wesley Clair Mitchell Columbia University Press, New York, 1935. 94 Burns, A. F. & Mitchell, W. Measuring business cycles. New York: National Bureau of Economic Research, 1946. 95 Apenas como menção deve ser realçado que a obra de 1946 foi fortemente criticada pelo empirismo sistemático, cuja atenção esteve voltada para a ilustração da seqüência de eventos que caracterizavam o ciclo em detrimento de esforços para explicar as causas dos ciclos. Daí a forte crítica a esse trabalho de Burns e Mitchell.

Page 103: Tese Paiva,ClaudioCesarde

92

Todavia, os trabalhos que tratavam de temas alusivos aos ciclos econômicos

praticamente desapareceram no período pós-guerra, como afirma Contador (1977), Kindleberger

(1978) e Carvalho e Hermanny (2003), devido ao longo período de quase três décadas de

estabilidade monetária e prosperidade econômica propiciado pelos “trinta gloriosos” do

capitalismo, que proporcionou baixas taxas de inflação e desemprego. Em decorrência disso, o

interesse subjacente aos estudos sobre as flutuações no nível da atividade econômica somente

reapareceu no debate acadêmico na década de 1970, a partir de contribuições pioneiras de

economistas da Escola Novos-Clássicos96 que, sob a perspectiva das expectativas racionais e do

enfoque microeconômico, construíram uma agenda de pesquisa macroeconômica.

Para os novos-clássicos as flutuações cíclicas estão vinculadas basicamente a erros

expectacionais dos agentes, ou seja, mesmo considerando a hipótese de expectativas racionais, se

os agentes econômicos não forem dotados de perfect foresight, haverá espaço para que alterações

não previstas em variáveis nominais tenham efeitos reais. Sendo assim, Lucas e Sargent

desenvolveram na década de 1970 os primeiros modelos novos-clássicos para mostrar que essas

variações reais somente ocorrerriam no curto prazo (rompimento da dicotomia clássica) se os

agentes fossem surpreendidos por ações inesperadas das autoridades monetárias, especialmente

as mudanças discricionárias na política monetária (surpresa monetária). No longo prazo e nas

situações onde as alterações da política macroeconômica fossem antecipadas não ocorreria

alterações reais (emprego e produto), apenas nominais (preços e salários)97.

Neste contexto, Lucas (1973) fazendo uso explícito da hipótese de expectativas

racionais, formalizou um modelo teórico que ficou conhecido como “curva de oferta de Lucas”98,

onde mostrava que políticas macroeconômicas discricionárias não antecipadas pelos agentes

econômicos ampliariam a demanda agregada de uma economia e, com isso, desencadearia a ação

de um componente cíclico, dado pela diferença entre o nível de preços efetivo (P) e o preço

esperado (Pe). Assim, a curva de oferta de Lucas mostrava que oscilações no produto agregado

eram derivadas de erros expectacionais em relação ao comportamento dos preços, que resultava,

em última instância, numa relação positiva entre preços e produto.

96 Cf. Carvalho & Hermanny (2003:51-52) 97 Ver PAIVA (2005) “Evolução do pensamento macroeconômico: de Keynes aos pós-keynesianos”. Cap. 11. 98 Ver Robert LUCAS, “Some International Evidence on Output Inflation Trade-offs”, American Economic Review, Vol. 63, pp.326-334, 1973.

Page 104: Tese Paiva,ClaudioCesarde

93

Uma segunda geração de modelos novos-clássicos, a qual foi denominada de Real

Business Cycles99 , surge na década de 1980 para se contrapor às críticas da Escola Novo-

Keynesina. O teóricos dos Ciclos Reais de Negócios enfatizam os fatores reais do lado da oferta

como causadores das flutuações econômicas de curto prazo, ou seja, as flutuações no emprego e

no produto seriam originárias de variações nas oportunidades reais da economia privada, que, por

sua vez, eram derivadas de choques tecnológicos, variações de condições ambientais, alteração

nos preços reais de matérias-primas importadas (ex. petróleo).

Os teóricos dos Ciclos Reais de Negócios afirmam que o ciclo de negócios pode ser

explicado como um fenômeno de equilíbrio, de modo que flutuações no produto surgem quando

agentes econômicos otimizadores reagem a choques reais que afetam as condições e

possibilidades de produção.

As contribuições dos economistas novos-clássicos, embora amplamente dominantes

na macroeconomia desde a segunda metade da década de 1970, não se constituíam as únicas

construções teóricas para a compreensão das flutuações no nível da atividade econômica. Neste

contexto, é necessário destacar também os economistas pós-keynesianos, cuja contribuição tem

sido fundamental para compreender a dinâmica do processo de financeirização da economia, em

particular a instabilidade financeira como fator explicativo da dinâmica econômica.

“En la tradición postkeynesiana, Hyman Minsky (1982) construye un modelo que explica las fluctuaciones económicas como el resultado de la especulación, la inversión y la deuda financiera en un entorno marcado por la incertidumbre. El modelo, bajo un esquema de oferta monetaria endógena, le otorga un rol activo a los intermediarios financieros, quienes al tomar ventaja de las condiciones cambiantes del mercado, generan un ambiente de creciente fragilidad financiera. Así, en condiciones de crecimiento económico, se favorecen expectativas de inversión y por tanto el crédito que la viabiliza. En la medida que la prosperidad se incrementa, las expectativas optimistas se enfatizan, lo que presiona al alza el precio de los bienes de capital y el precio de las acciones de las empresas, las cuales finalmente terminan sobrevaluadas y sobre-endeudadas. La nueva situación transforma las expectativas en sentido pesimista: se comienzan a liquidar activos y comienza un período de deflación, esto conduce a una contracción de la inversión y finalmente de la demanda agregada.” (LEVY-CARCIENTE, 2004).

99 Embora não seja parte de nossos objetivos a discussão dos modelos formais, deve ser ressaltado que a teoria dos ciclos reais de negócios tem contribuído significativamente com modelos econométricos para avaliar os surtos especulativos. Dentre esses instrumentos destacam-se os chamados filtros econométricos, que se prestam a decompor os ciclos econômicos nas componentes de tendência, sazonalidade e aleatoriedade. Um dos filtros mais utilizados pela academia americana e consultores imobiliários é o chamado filtro de Hodrick-Prescott.

Page 105: Tese Paiva,ClaudioCesarde

94

A teoria dos ciclos econômicos proposta por Hyman Minsky tem como base a

“hipótese da instabilidade financeira”, que atribui à incerteza um papel preponderante na

determinação da preferência pela liquidez, que, em última instância, é o que define as condições

de crédito e, portanto, a dinâmica de uma economia de mercado. O grau de incerteza em relação

às contingências futuras (comportamento dos preços dos ativos) e a percepção dos riscos são

elementos cruciais que induzirão os agentes econômicos modificar seu comportamento ao longo

do ciclo econômico, de modo a serem levados a posturas financeiras mais frágeis quiçá à la Ponzi.

Com efeito, essas mudanças no comportamento dos agentes tornam-se condutoras

endógenas de instabilidade econômica, dada a forte interação entre as estruturas financeiras de

financiamento e as flutuações nos níveis de investimento. É importante ressaltar que as relações

financeiras são viabilizadas por expectativas que motivam a emissão e aquisição de dívidas, que,

por sua vez, são derivadas de avaliações objetivas do risco (risco do devedor e risco do

prestamista) e do “otimismo espontâneo”, a que Keynes se referiu na Teoria Geral. Nesse sentido,

o grau de fragilidade da economia dependerá não somente das condições específicas dos

contratos de dívida firmados, mas também das expectativas de retorno do empreendimento serem

sancionadas pelo mercado. Sendo assim, Minsky afirma que “such capitalist economy is

unstable due to endogenous forces which reflect financing processes. These processes transform

a tranquil and relatively stable system into one in which a continued accelerating expansion of

debts, investment, profits, and prices is necessary to prevent a deep depression.” (MINSKY,

1982:85).

No modelo analítico desenvolvido por Minsky as economias capitalistas que operam

em mercados financeiros complexos e organizados (paradigma Wall Street) são inerentemente

frágeis, pois trabalham num ambiente de constante incerteza, onde a distribuição de

probabilidade de futuros estados da natureza não são confiáveis, já que os parâmetros da análise

se modificam ao longo do ciclo econômico, tornando instáveis as expectativas dos agentes

econômicos e, portanto, a preferência pela liquidez. Com efeito, a principal causa para a

instabilidade e fragilidade do sistema econômico-financeiro encontra-se no processo de

investimento, pois alterações na preferência pela liquidez poderão gerar – e a experiência

empírica sugere que isso ocorra para posturas financeiras especulativas e Ponzi – um

descasamento de prazos entre ativos e os passivos dos agentes tomadores de empréstimos.

Page 106: Tese Paiva,ClaudioCesarde

95

Cumpre sublinhar, em adição, que é neste contexto que Minsky elaborou sua maior

contribuição à teoria econômica - a “hipótese de instabilidade financeira” -, a qual é definida

como sendo “a theory of how a capitalist economy endogenously generates a financial structure

which is susceptible to financial crises, and how the normal functioning of financial markets in

the resulting boom economy will trigger a financial crisis”. (MINSKY, 1982: 67-68).

Enfim, essa visão bastante sucinta e panorâmica sobre a evolução dos estudos a

respeito dos ciclos econômicos tornou-se necessária na medida em que nossas pesquisas

preliminares sobre os ciclos imobiliários apontavam para o fato de que existia “high correlation

between economic cycles and real estate performance”100, ou seja, considera-se a priori que os

movimentos cíclicos no mercado imobiliário sejam decorrentes, em larga medida, de mudanças

ocorridas no ambiente macroeconômico.

A análise teórica dos ciclos imobiliários ainda necessita de uma definição mais

consistente e menos evasiva para o termo, uma vez que o mesmo tem sido frequentemente

utilizado para descrever muitos fenômenos – ciclos na atividade de construção, ciclos de

aluguéis, ciclos de ocupação, ciclos de absorção -, porém, “never develops a standard definition

of a cycle as economists have done in the business cycle literature.” (PYHRR et alii, 1999:29)

Uma das definições de ciclos imobiliários que tem encontrado forte aceitação junto

aos profissionais e associações internacionais do setor imobiliário foi apresentada no relatório

Economic Cycles and Property Cycles, publicado pelo The Royal Institution of Chartered

Surveyors 101 , em 1994. De acordo com este relatório os ciclos de propriedade podem ser

definidos da seguinte maneira:

‘‘The property cycles are recurrent but irregular fluctuations in the rate of all-property total return, which are also apparent in many other indicators of property activity, but with varying leads and lags against the all-property cycle.’’ (RICS, 1994)

Embora seja uma interpretação que dispensa maiores demonstrações, dada a

simplicidade na definição dos ciclos imobiliários - o que supostamente explicaria sua rápida

absorção pelos profissionais do setor -, duas observações críticas nos parecem pertinentes:

100 Cf. Brown, G. T., Real Estate Cycles Alter the Valuation Perspective, Appraisal Journal, 1984, p. 539-549. 101 The Royal Institution of Chartered Surveyors é um Instituto internacional formado em 1868, na cidade de Londres. O termo "chartered surveyor" não tem uma tradução adequada a outras línguas, sendo utilizado em todo o mundo como sinônimo de "profissional imobiliário".

Page 107: Tese Paiva,ClaudioCesarde

96

primeiro, a definição considera a taxa de retorno de todos os tipos de propriedades de modo

agregado, o que impede a análise de importantes movimentos, porém contrários à dinâmica geral,

que certos tipos de propriedades podem apresentar ao longo de seu ciclo de valorização no

mercado; segundo, ao definir os ciclos imobiliários “como recorrentes, porém com flutuações

irregulares”, não realiza nenhuma contribuição, tendo em vista que qualquer série temporal

padrão tende a apresenta este comportamento.

Os movimentos cíclicos dos preços dos diferentes tipos de propriedade têm sido

extensivamente documentados por vários pesquisadores ao longo da história, ainda que o

conceito de ciclos imobiliários tenha sido freqüentemente ignorado no passado102. Dentre os

primeiros trabalhos que contribuíram para a consolidação de um arcabouço teórico sobre os

ciclos imobiliários podem ser mencionados os trabalhos clássicos de Henry George, Simon

Kuznets e Homer Hoyt103. Em períodos mais recentes, a temática é amplamente tratada em

textos acadêmicos e em publicações especializadas, dentre os quais podem ser destacados: Barras

& Fergunson (1985, 1987a, 1987b), Barras (1987, 1994), Leitner (1994), Wheaton (1987),

Wheaton & Torto (1987), Pyhrr et alii (1999).

A primeira proposta teórica para a análise do mercado imobiliário e de seus impactos

na economia foi sugerida, ainda que de forma bastante incipiente, por Henry George104, em seu

livro Progress and Poverty105, originalmente publicado em 1879. Em sua obra clássica, Henry

George procurou mostrar que a dinâmica econômica influenciava diretamente os movimentos

especulativos com a terra, já que o crescimento econômico torna a terra um fator cada vez mais

escasso, o que beneficiaria os proprietários de terras improdutivas. A análise de suas idéias revela

uma forte influência de David Ricardo, tendo em vista que o pressuposto principal da análise era

o fato de que a renda da terra era influenciada pelo crescimento da economia e não pelos esforços

102 Cf. Pyhrr et alii (1999: 24). 103 Refiro-me em especial ao clássico trabalho One Hundred Years of Land Values in Chicago, publicado originalmente em 1933, pela Universidade de Chicago. 104 Embora seja praticamente desconhecido atualmente, Henry George pode ser considerado como a legítima encarnação americana do self-made man, tendo vista sua fabulosa trajetória de vida do menino pobre da Philadelphia até ser transformado num dos homens mais conhecidos dos Estados Unidos. A biografia escrita por sua neta, Agnes George de Mille, afirma que: “During his lifetime, he became the third most famous man in the United States, only surpassed in public acclaim by Thomas Edison and Mark Twain.”. Suas idéias tiveram grande influência nos Estados Unidos no século XIX, tanto que chegou a disputar as eleições para prefeito de Nova York, como candidato do Partido do Imposto Único. 105 Cf. Progress and Poverty. ([1879] 1960). New York: Robert Schalkenbach Foundation. Disponível em: http://www.schalkenbach.org/books/george.htm. acesso: 12.06.2005.

Page 108: Tese Paiva,ClaudioCesarde

97

realizados pelo proprietário. Não obstante, propunha uma tributação única sobre o valor das

terras improdutivas e que a arrecadação fosse destinada a realização de obras públicas.106

Entretanto, a literatura econômica tem freqüentemente apresentado o economista

Simon Kuznets, como sendo o pioneiro na identificação dos ciclos imobiliários de longa duração,

pelo fato de ter observado empiricamente, durante a década de 1930, os ciclos de construção com

aproximadamente 20 anos, dando origem ao que ficou conhecido entre os economistas que

estudam os ciclos econômicos como “Ciclo de Kuznets”107. A partir desse trabalho, os estudos

sobre os ciclos longos da construção tornaram-se recorrentes nos Estados Unidos até o final da

segunda Guerra Mundial. Em geral, os trabalhos desenvolvidos nesse período procuravam realçar

os fatores econômicos, tais como: terrenos baratos, custos de construção depreciados, taxas de

juros baixas e rendimentos reais crescentes da classe média.

Assim como ocorreu com os estudos sobre ciclos econômicos, a prosperidade do pós-

guerra ofuscou os debates teóricos em torno dos ciclos longos da construção, que encontrariam

renovado vigor acadêmico somente a partir da irrupção da crise do acordo de Bretton Woods,

quando turbulências nos mercados cambiais e a estagflação contribuíram para que novas

investigações fossem empreendidas em relação aos ciclos imobiliários.

No contexto de retomada das investigações sobre os ciclos e sua previsibilidade

observou-se uma discussão teórica relevante entre duas correntes de pensamento, a qual poderia

ser caracterizada como sendo a “controvérsia mãe” no debate contemporâneo sobre os ciclos

imobiliários, cuja contenda teórica se resume na seguinte questão: os ciclos imobiliários são

relevantes? A primeira corrente afirmava que os ciclos imobiliários não eram relevantes e que,

portanto, poderiam ser ignorados, enquanto que a segunda corrente assegurava que os ciclos

imobiliários eram muito relevantes e que deveriam ser estudados de forma sistemática por

analistas de mercado e investidores.

Os argumentos utilizados pela primeira corrente para afirmar que os ciclos

imobiliários eram irrelevantes ou que poderiam ser ignorados, tem como base teórica

106 A respeito da contribuição de Henry George ver os seguintes trabalhos: Real Estate and Business Cycles: Henry George’s Theory of the trade cycle, de Fred Foldvary (1991); Henry George: rebel with a cause, de Mark Blaug (2000); George on land speculation and the winner's curse, de Nicolaus Tideman (2004); Land Taxation and the Henry George theorem under uncertainty. Kangoh Lee (2005). 107 O Ciclo de Kuznets refere-se a um ciclo de duração aproximada de quinze a vinte anos, cuja força propulsora seria as mudanças populacionais e a expansão da indústria da construção civil.

Page 109: Tese Paiva,ClaudioCesarde

98

fundamental a teoria dos mercados eficientes ou Hipótese dos Mercados Eficientes (HME)108,

que seria uma aplicação das expectativas racionais para a determinação do comportamento dos

preços mobiliários. De acordo com a teoria da HME, o preço de um ativo financeiro reflete todas

as informações disponíveis para os agentes econômicos (simetria de informação), o que denota

que o preço de mercado corresponderia ao valor fundamental do ativo e que os agentes não

deveriam esperar que o retorno desse ativo fosse maior do que o retorno normal de equilíbrio.

Desse modo, dado que as expectativas são racionais e que, portanto, os preços dos

títulos são equivalentes às previsões ótimas, não se considera nos trabalhos seminais da HME a

existência de investidores desinformados ou irracionais. Sendo assim, ganhos excepcionais nos

mercados financeiros, desde que instaurada a hipótese de mercados eficientes, estariam restritos a

realocações de portfólios motivados por mudanças na demanda por liquidez, no grau de

propensão a assumir riscos ou nos padrões de oferta.

A segunda corrente, em contraste, assegura que os investidores e os responsáveis pelo

gerenciamento de carteiras de investimentos deveriam utilizar os conhecimentos sobre a teoria

dos ciclos para mensurar os impactos dos movimentos cíclicos sobre o retorno e os riscos de

investimento em determinados ativos. Nesse sentido, a compreensão dos ciclos imobiliários

adquire uma conotação estratégica, sobretudo para identificar as melhores oportunidades de

investimentos no setor imobiliário e a localização dos empreendimentos.

Pyhrr et alii (1999) acentuam a importância estratégica que têm assumido os estudos

sobre a previsibilidade dos ciclos dos preços imobiliários na economia contemporânea ao relatar

o fato que “numerous pension fund advisors and investment banking companies have developed

cycle research capabilities to enhance their investment advisory services and company

publications”. (PYHRR et alii, 1999:24).

Não obstante, os autores são enfáticos ao concluir que:

“The overwhelming academic and practitioner interest in real estate cycles, as evidenced by the growing body of knowledge on the subject, leads to the clear conclusion that real estate cycles are relevant and will become a more important decision variable for investors and portfolio managers in the future. While in the past, the concept of market cycles has been oversimplified and used more to support

108 Os trabalhos seminais sobre efficient market hypothesis foram apresentados na década de 1970 por Eugene F. Fama. O primeiro trabalho foi publicado no Journal of Finance, volume 25, nº 2 (1970), p. 383–417, com o título Efficient Capital Markets: A Review of Theory and Empirical Work. O segundo trabalho foi publicado em 1976, sob o título Foundations of Finance, Basic Books, p. 133-167.

Page 110: Tese Paiva,ClaudioCesarde

99

selfserving assertions about probable market recovery than as a guide to investment decisions, the situation appears to be changing rapidly. Increasing numbers of investors and portfolio managers appear to understand the dynamics and complexity of real estate cycles and their implications for investment and portfolio strategies and decisions.” (PYHRR et alii, 1999:27)

Desse modo, com base numa extensa literatura econômica que demonstra com

argumentos teóricos e evidências empíricas a existência de movimentos cíclicos no mercado

imobiliário, procura-se rejeitar de forma contundente as conclusões propostas pelos teóricos da

HME e, simultaneamente, reconhecer a importância da compreensão dos ciclos imobiliários, o

que nos aproxima da segunda corrente teórica. Entretanto, isso não significa uma aderência

teórica completa a essa corrente, tendo em vista que há alguns elementos importantes que

conduzem a divergências fundamentais, sobretudo no que tange à crença de alguns investidores e

gestores de portfólios de que as modernas técnicas econométricas de previsibilidade cíclica

permitiriam aos agentes a tomada de decisões sob bases racionais substantivas

(maximizadoras)109.

Nesta perspectiva, salienta-se que, embora os agentes econômicos procurem otimizar

suas decisões por meio de simulações computacionais, procurando permanecer numa fronteira

eficiente entre a previsão de retorno e o risco, não conseguem mensurar a incerteza presente no

mercado imobiliário, o que resulta, invariavelmente, em erros de cálculo prospectivo sobre o

sucesso do empreendimento. A plausibilidade dessa constatação é reforçada por inúmeros

exemplos, como o que ocorreu com a companhia canadense Olympia & York, que faliu ao

construir o maior prédio na área das docas em Londres (Operação Docklands), a bolha no

mercado de escritórios nos EUA e na Inglaterra no final da década de 1980 e a crise imobiliária

japonesa na década de 1990.

Em nossa argumentação teórica sobre a previsibilidade do comportamento do

mercado imobiliário, afirmamos de maneira crítica que uma parte daqueles que reconhecem a

importância estratégica da análise do comportamento dos ciclos imobiliários cometem o equívoco

de tentar metamorfosear o conceito de incerteza em risco, isto é, transformar a incerteza em algo

passível ao cálculo probabilístico.

109 Vide aquilo que afirma o relatório de investimento Emerging Trends in Real Estate 1998: “Today’s real estate investors have literally emerged from the Dark Ages. They’re better positioned to gauge cycles, and can move more rapidly to take advantage. Real estate has always been a cyclical business, but you were always looking through a rear-view mirror trying to figure out what was going on. That’s not true today”.

Page 111: Tese Paiva,ClaudioCesarde

100

Essa incerteza intrínseca ao setor imobiliário, a qual provoca constantes instabilidades

no mercado e flutuações conspícuas, foi extensivamente documentada em vários tipos de

propriedades e em diversos mercados imobiliários internacionais. Um exemplo é a pesquisa

realizada por Richard Barras e D. Ferguson, em meados da década de 1980, a respeito da

atividade da construção imobiliária na Inglaterra, onde procuravam identificar os principais

fatores que afetavam os níveis de oferta de imóveis pelos construtores, a demanda dos

investidores e a demanda dos usuários.110

Os resultados da pesquisa realizada por Barras e Ferguson revelaram um

comportamento extremamente instável do mercado imobiliário inglês no período pós-guerra,

considerando que os ciclos apresentaram flutuações e amplitudes irregulares. Além disso, os

autores observaram na série histórica utilizada a existência de três ciclos de construção distintos,

mas sobrepostos, que se dividiam em: ciclos curtos de demanda, de quatro a cinco anos de

duração, que refletiam a influência do ciclo econômico atuando por meio de flutuações da

demanda para construções; ciclos de oferta de construção maiores, de cerca de nove anos de

duração, provocados pelos atrasos da produção do espaço construído, que afetavam todas as

categorias de construção, mas, sobretudo, a construção industrial e comercial; e ciclos de

oscilações longas, de vinte a trinta anos, que os autores denominaram de “urban development

cycles”, que correspondiam às ondas sucessivas de urbanização provocadas pelos ciclos de

crescimento da economia em geral.

Após revisitar os trabalhos desenvolvidos em parceria com Ferguson na segunda

metade dos anos 80, Barras elaborou uma nova proposta teórica que relacionava a mudança

tecnológica e o processo de urbanização como elementos-chave para a análise dos ciclos

imobiliários no longo prazo e com base nessa constatação salientou que, além dos ciclos que já

eram conhecidos, existiria um ciclo de ondas longas de aproximadamente 50 anos, que estaria

diretamente relacionado com as mudanças tecnológicas.111

As análises desenvolvidas por Barras e Ferguson (1987a e b) revelaram que no setor

da construção comercial na Inglaterra os ciclos seriam em torno de nove anos. Um outro famoso

pesquisador inglês, David Harvey, em seu estudo sobre as tendências de investimentos no

110 Refiro-me, em especial, aos três trabalhos publicados por BARRAS, R. e FERGUSON, D. no Journal Environment and Planning A: A spectral analysis of building cycles in Britain (1985); Dynamic modelling of the building cycle: 1 Theoretical framework (1987); Dynamic modelling of the building cycle: 2 Empirical results (1987). 111Para maiores detalhes ver o artigo: Property and the economic cycle: building cycles revisited in Journal of Property Research, 11, p. 183-197, 1994.

Page 112: Tese Paiva,ClaudioCesarde

101

ambiente construído entre o século XIX e início do século XX, na Inglaterra e nos Estados

Unidos, identificou ciclos de investimento no setor imobiliário com duração entre quinze a vinte

e cinco anos, sobrepostos a ciclos menores de oito a dez anos.

O trabalho desenvolvido por Harvey (1978) torna-se relevante na medida em que

desconsidera perspectivas e análises clássicas apontadas por Kuznets 112 , Abramovitz 113 e

Gottlieb 114 , que indicavam a interação entre economia e demografia como sendo as forças

responsáveis pelo aumento da demanda e, consequentemente, do investimento privado no setor

imobiliário, ou seja, pela geração dos ciclos longos na atividade de construção. De acordo com

Harvey, os fatores explicativos para a existência dos ciclos longos na construção deveriam ser

procurados no processo de formação do capital nas economias capitalistas, considerando que

“building cycles are dictated by rhythms of capital accumulation, conditioned by the physical and

economic lifetime of built structures. Their physical durability means that change is bound to be

relatively slow.” (LEITNER, 1994:783).

O esquema analítico proposto por Harvey (1978) sugere que os movimentos do

capital ocorram com base no comportamento da taxa de lucro. Desse modo, Harvey desenvolve

o esquema dos três circuitos do capital, onde a manifestação em um dos circuitos de uma

sobreacumulação torna-se um indicativo de queda próxima na taxa de lucro, o que pode conduzir

o excedente de capital da produção industrial (circuito primário), para a atividade da construção

imobiliária (circuito secundário) e para setores vinculados com ciência e tecnologia e consumo

coletivo (circuito terciário). Sendo assim, o capital fluiria para o circuito secundário em virtude

tanto de um gerenciamento eficiente do retorno dos investimentos realizados pelas instituições

financeiras quanto de crises na esfera da produção.

Neste aspecto, Leitner contribui para a construção teórica de Harvey ao ressaltar que

“overproduction and falling rates of profit in the sphere of industrial production result in the

flow of capital investment into the built environment, but investment in the built environment is

itself prone to overaccumulation, characterized by cycles of busts and booms.” (LEITNER,

1994:784).

112 Kuznets, S. (1958) Long Swings in the growth of population and in related economic variables. Proceedings of the American Philosophical Society 102 (February). p. 25-52. 113 Abramovitz, M. (1968) The passing of the Kuznets cycles. Economica 35 p. 349-367. 114 Gottlieb, M. (1976) Long Swings in Urban Development. National Bureau of Economic Research, NY.

Page 113: Tese Paiva,ClaudioCesarde

102

Por outro lado, Wheaton (1987) afirma com base num modelo exploratório sobre os

ciclos de construção de escritórios, que no período compreendido entre meados da década de

1960 e meados da década de 1980, a periodicidade dos ciclos da construção de escritórios foi de

aproximadamente dez anos nos Estados Unidos. Além disso, o autor sugere que as explicações

atribuídas por Barras e Ferguson (1987a e b) para a existência dos ciclos imobiliários comerciais

na Inglaterra, não eram factíveis para a realidade desse mercado nos Estados Unidos. O autor

afirma que os ciclos de construção de escritórios nos Estados Unidos estiveram diretamente

relacionados com o comportamento das condições macroeconômicas, isto é, em períodos de

crescimento econômico ocorreu um rápido incremento da atividade de construção, enquanto que

nos períodos de recessão verificou-se um declínio da demanda e uma conseqüente redução na

taxa de absorção de espaços de escritórios.

O interessante é que embora sejam diferentes as explicações para os mecanismos

desencadeadores dos ciclos imobiliários identificados por Barras e Ferguson, Wheaton e Harvey,

esses ciclos tornam-se relativamente coincidentes, em termos de período de duração das

flutuações, com os Ciclos de Kitchin, de Juglar e também de Kuznets.

A partir de uma adaptação dos modelos clássicos de ciclos econômicos apresenta-se

uma nomenclatura (Figura I) para análise e compreensão da dinâmica dos mercados imobiliários,

na qual os ciclos imobiliários são definidos por quatro fases distintas: recessão, recuperação,

expansão e contração. É importante notar que as fases do ciclo são definidas pela interação entre

oferta e demanda de imóveis, cuja dinâmica de mercado se expressa no comportamento da taxa

de vacância. Sendo assim, nas fases I e IV (recessão e contração), a taxa de vacância tende a

aumentar, enquanto que nas fases II e III (recuperação e expansão), a taxa de vacância tende,

necessariamente, a diminuir, devido à elevação da taxa de ocupação dos imóveis. A transição da

fase III (ascendente) para a fase IV (descendente), geralmente ocorre de forma repentina e

violenta, enquanto que a passagem da fase I para a fase II, tende a ser um movimento menos

súbito, geralmente com maior morosidade, dada a existência de um grande volume espaço

construído não absorvido pelo ciclo anterior.

Existem alguns fatos relevantes que devem ser observados na nomenclatura proposta

na Figura I, mesmo em se tratando de uma ilustração bastante hipotética. Primeiro, as fases

condensam decisões passadas pelo lado da oferta e expectativas presentes e futuras pelo lado da

demanda, de tal modo que, o diferencial existente entre a oferta e demanda é resultante de erros

Page 114: Tese Paiva,ClaudioCesarde

103

expectacionais, derivados de decisões tomadas com base em informações assimétricas, falhas

cognitivas, expectativas não validadas, etc. Segundo, o modelo corresponde à análise da

dinâmica de um único tipo de propriedade imobiliária (ex. mercados habitacionais singulares ou

multi-familiares, mercados de escritórios, mercados industriais, mercados de hotéis, mercados de

shopping centers, etc) em uma determinada área geográfica (região ou cidade). Entretanto, essa

segmentação da análise não exclui a possibilidade de ocorrer em mercados imobiliários

dinâmicos coincidências de fases em alguns tipos de propriedade, nem que localidades distintas

apresentem a mesma dinâmica cíclica para determinados tipos de propriedade, sendo necessário

para isso apenas que o caráter atrativo (lucratividade) do investimento na propriedade seja

semelhante nessas localidades.

FIGURA I

NOMENCLATURA DAS FASES DOS CICLOS IMOBILIÁRIOS

Nota: Elaborado a partir da adaptação dos modelos clássicos de ciclos econômicos

Page 115: Tese Paiva,ClaudioCesarde

104

O fato relevante é compreender que, em geral, diferentes tipos de propriedades têm

diferentes comportamentos cíclicos e que, portanto, os impactos advindos de crises econômicas

são diferenciados, o que exige uma análise particularizada sobre a dinâmica de cada setor. Não

obstante, existe a possibilidade de vários ciclos de propriedade estar afetando simultaneamente o

mercado imobiliário. Daí a crítica à definição de ciclo imobiliário proposta pelo The Royal

Institution of Chartered Surveyors e a importância dada pelos bancos e fundos de pensão para o

conhecimento dos movimentos cíclicos da propriedade imobiliária.

A observância da fase do ciclo em que se encontra cada tipo de propriedade

imobiliária é fundamental para a composição do portfólio e, portanto, para a otimização do

desempenho dos investimentos, tendo em vista que uma previsão correta dos movimentos

cíclicos resultará em retornos crescentes para o investidor.

No entanto, Pyhrr et alii (1999) advertem para o fato de que muitos investidores não

compreendem a natureza cíclica do mercado imobiliário e, com isso, interpretam as informações

disponíveis como tendências do mercado, o que conduz “most investors do the wrong thing at the

wrong time over the cycle, buying high (during the boom) and selling low (a foreclosure sale

during the bust), following the ‘herd instinct’ and doing what the crowd is doing.” (PYHRR et

alii, 1999:31).

Neste contexto, apesar da retomada dos estudos sobre as flutuações dos preços nos

mercados de imóveis e da existência de várias teorias, modelos aplicados e análises descritivas,

ainda existem muitos pontos controversos na análise dos ciclos imobiliários, como por exemplo:

Quais são as causas dos ciclos imobiliários? Os fatores responsáveis pelos ciclos imobiliários são

de natureza endógena ou exógena? Existe algum componente determinístico que poderia

contribuir com os agentes econômicos na previsão das flutuações cíclicas? Como saber se

determinadas flutuações correspondem a fases do ciclo ou é apenas um choque estocástico?

3.2.1. O caráter endógeno dos ciclos imobiliários

As concepções teóricas endógenas procuram as causas e os mecanismos para a

existência dos ciclos imobiliários no próprio processo, visando demonstrar basicamente a

formação e a transmissão de um processo cumulativo de alta ou baixa dos preços. Com efeito, a

Page 116: Tese Paiva,ClaudioCesarde

105

existência de características intrínsecas ao mercado imobiliário tende a perpetuar ou ampliar os

impactos sobre o valor dos imóveis e o ritmo da construção a despeito da ocorrência de choques

no ambiente macroeconômico, o que não significa que fatores econômicos exógenos, como

inflação e disponibilidade de crédito, não afetem a dinâmica do ciclo imobiliário, mas tão

somente que os fatores endógenos são preponderantes.

Dentro desta perspectiva, Rottke e Wernecke (2002), da European Business School,

afirmam com base numa pesquisa realizada no mercado imobiliário da Alemanha que os ciclos

imobiliários podem ser causados por imperfeições de mercado de caráter endógeno, sendo

considerada a mais importante dessas imperfeições a existência do lag temporal. Não obstante,

os autores ao aprofundarem a discussão dessa imperfeição do mercado imobiliário dizem que

“three types of time lags are distinguishable: the price-mechanism lag, the decision lag and the

construction lag.” (ROTTKE E WERNECKE, 2002:04).

Os atrasos na oferta de novos espaços construídos tornam-se evidentes quando ocorre

um rápido e inesperado incremento da demanda e, em paralelo, verifica-se uma relativa rigidez,

no curto prazo, para o incremento da oferta de imóveis. Desse modo, a reação do mercado para

promover o equilíbrio temporário ocorre, num primeiro momento, através do ajuste nas

quantidades ofertadas, o que resultará em reduções na taxa de vacância. Com efeito, os preços

dos aluguéis e de venda dos imóveis se elevam pari passu à redução da taxa de vacância para

níveis abaixo do denominado “nível natural”, ou seja, a absorção de imóveis além do “nível

natural” de vacância faz com que o mecanismo preço seja acionado automaticamente pelo

mercado. É justamente este período de reação dos preços dos aluguéis e de venda de imóveis a

um aumento da demanda que Rottke e Wernecke denominam de lag do mecanismo preço.

O período compreendido entre as alterações nos níveis de preços dos imóveis

(sinalização do aumento da atratividade) e as decisões internas das grandes companhias

imobiliárias (construtoras, incorporadoras, etc) para a realização dos investimentos em novos

empreendimentos é considerado como lag de decisão, enquanto que o período entre a compra do

terreno, a elaboração do projeto, a aprovação pelos órgãos públicos competentes, a contratação

das empresas para a execução da obra e a entrega definitiva de novos espaços é considerado

como sendo o lag da construção.

Não obstante, Rottke e Wernecke (2002) realizam as seguintes considerações sobre a

relação entre o atraso temporal e os movimentos cíclicos do setor imobiliário:

Page 117: Tese Paiva,ClaudioCesarde

106

“It is the time period of these three time lags together that is characterized mainly by price reactions and that makes up the “short run” in the microeconomic sense. If at least some investors form their expectations based on exaggerated prices, substantial overbuilding may occur, causing price reactions - this time to the opposite direction. The repetition of this process leads to a (probably softened) endogenous cycle, which varies in time, space and from sector to sector.” (ROTTKE & WERNECKE, 2002:04).

Uma outra tentativa de explicar as flutuações ocorridas no mercado imobiliário por

meio das causas endógenas foi proposta por Barras & Ferguson (1987), ao atribuir como

elemento explicativo fundamental dos ciclos de construção os atrasos na entrega de novos

espaços construídos. Partindo de uma visão equilibrista walrasiana do mercado imobiliário, os

autores assumem que o nível de investimento líquido em novas construções é proporcional às

mudanças no nível da respectiva atividade (por exemplo, a atividade de serviços) e que o nível de

equilíbrio de longo prazo do espaço construído é uma função somente do nível de uso de

determinada atividade, que ao expandir-se irá gerar demanda por imóveis neste mercado, ou seja,

no longo prazo o mercado imobiliário tenderia a um equilíbrio geral.115

Todavia, para explicar a existência dos ciclos imobiliários no curto e médio prazos

procuraram mostrar que os descompassos entre oferta e demanda no mercado imobiliário eram

decorrentes da discrepância existente entre os prazos legais estabelecidos nos contratos

comerciais e a entrega efetiva de estoques adicionais de construção.

É importante ressaltar que Barras e Ferguson também identificaram outras variáveis

que poderiam influenciar os movimentos cíclicos no mercado imobiliário, como o custo do

capital financeiro para o investidor, o rendimento de formas alternativas de investimentos e as

políticas públicas. No entanto, atribuíram um papel secundário a essas variáveis como forma de

reforçar a idéia de que a instabilidade do mercado imobiliário é criada fundamentalmente por

fatores endógenos via lag da construção.

Dessa forma, o ponto de partida de Barras e Ferguson para enfatizar a importância dos

fatores endógenos como responsáveis pelas flutuações cíclicas no mercado imobiliário foi

considerar a especificidade do processo da construção civil, isto é, o longo período de produção,

o que tornaria o período de resposta a um incremento abrupto da demanda demasiadamente longo

115 Cf. Barras & Ferguson (1987) “Dynamic modeling of the building cycle 1. Theoretical framework”. Environment and Planning A 19 p. 363.

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107

quando comparado a outros produtos, já que um aumento na demanda por prédios comerciais,

por exemplo, poderia ter um período de atendimento entre quatro e cinco anos.

A partir dessa concepção de que existe um lag temporal importante entre o

incremento da demanda e a entrega de novos imóveis, a lógica dos movimentos cíclicos do

mercado imobiliário e seus efeitos de transmissão via preços para a economia tornam-se

coerentes. Nesse sentido, um déficit de área construída, resultante do atraso no atendimento da

demanda, reflete diretamente no valor dos aluguéis e no preço dos imóveis, o que gera uma fase

de aquecimento (hot real estate) e euforia imobiliária. As expectativas de valorização dos ativos

imobiliários tornam-se elevadas, incentivando os empresários do setor a iniciar um volume

excessivo de novas construções, que tende a conduzir o mercado a um overbuilding. Todavia,

quando ocorre a entrega desses estoques adicionais de imóveis, verifica-se uma oferta demasiada

de novas áreas construídas, cujo resultado repercutirá sobre o valor dos aluguéis e dos imóveis,

bem como na dinâmica de crescimento da atividade da construção, que tende a passar por um

longo período recessivo, até que ocorra a reversão do ciclo.

Dessa forma, os descompassos entre a oferta e a demanda no mercado imobiliário

explicariam as fases alternativas de expansão e depressão, ou seja, as flutuações cíclicas seriam

decorrentes de períodos alternados de oferta excedente e oferta insuficiente de imóveis pelo

mercado imobiliário. Nesse sentido, Barras (1983) assinala que: “a tendency to cyclical

fluctuations in development is thus created, corresponding to alternating phases of relative

undersupply and oversupply in the user market” (BARRAS, 1983:1383).

Do mesmo modo, Leitner (1994), salienta que os estudos desenvolvidos recentemente

por economistas do mainstream sobre as tendências dos investimentos no mercado imobiliário,

em particular na construção de prédios destinados para ocupação de escritórios, tem se

concentrado na análise de dois fatores: “first, by fluctuations in the demand for office space,

which in turn are related to the three-to-five-year swings of the business cycles; and, second, by

forces endogenous to the operation of the office market, such as the construction lag between the

start and completion of office projects” (LEITNER, 1994:782).

Segundo o relatório “Real Estate Cycles & Outlook 2001 Report”, da Torto Wheaton

Research (TWR)116, os ciclos imobiliários de natureza endógena são gerados por diversos fatores,

116 Real Estate Cycles & Outlook 2001 Report. Torto Wheaton Research (GMAC Commercial Mortgage). Disponível em www.tortowheatonresearch.com <acesso 11.01.2003>.

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108

todavia com impactos diferenciados nos diversos tipos de propriedade imobiliária. Daí a

necessidade de análises particularizadas sobre a dinâmica de cada tipo de propriedade, de modo a

tornar mais eficiente a alocação do investimento no portfólio dos agentes econômicos. Neste

contexto, o relatório aponta para as seguintes situações que poderão contribuir para a ocorrência

dos ciclos de oferta de imóveis:

“A property market is more likely to have a long-run endogenous cycle when supply is more elastic than demand, when there are long lags in the delivery of new space, when there are high rates of physical or economic obsolescence, and when the underlying demand for space is growing quickly. In addition, these conditions will be particularly prone to generate instability if investors make decisions based on current market conditions (myopic behavior) as opposed to using all available information to make forecasts of future market conditions (rational behavior).” (TWR, 2001:06)

A análise realizada no relatório da Torto Wheaton para a existência de ciclos

imobiliários endógenos são enfatizados dois aspectos como síntese das causas das flutuações

cíclicas no mercado imobiliário: a elasticidade da oferta e a miopia das decisões dos agentes

econômicos.

Em suma, as análises sobre os ciclos imobiliários de caráter endógeno sugerem que os

recorrentes desequilíbrios no mercado imobiliário refletiriam essencialmente problemas

decorrentes de atrasos na produção de novas unidades. Em se admitindo a veracidade desta

conclusão, tornar-se-ia necessário uma análise do comportamento dos agentes econômicos e de

sua influência na estrutura de mercado. Entretanto, dada a multiplicidade de relações e agentes

que atuam na cadeira produtiva imobiliária, os principais agentes que compõe a estrutura de

mercado poderiam ser agrupados e classificados em quatro grandes grupos: construtores,

investidores, usuários e poder público.

3.3. A emergência de um ciclo imobiliário global: causas e conseqüências

As reformas conservadoras realizadas por Ronald Reagan e Margaret Thatcher,

promoveram a desregulamentação e liberalização dos mercados financeiros, o que possibilitou a

emergência de um sistema financeiro global nas décadas de 1980 e 1990. Com efeito, houve um

acirramento das interligações entre os sistemas monetários e os mercados financeiros nacionais,

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109

provocando uma ampliação dos riscos financeiros sistêmicos e, por conseqüência, uma maior

fragilidade financeira do sistema econômico.

Embora essas transformações monetárias e financeiras já fossem prenunciadas desde a

criação do Euromercado e da revogação unilateral pelos Estados Unidos do acordo de Bretton

Woods, é nas décadas de 1980 e 1990 que se concretiza esse novo regime de acumulação

financeirizado, onde os atores principais passam a ser os fundos de pensão, bancos, seguradoras e

sociedades de aplicação coletiva em valores mobiliários e imobiliários (mutual funds), cuja

racionalidade na composição do portfólio atende aos princípios de segurança do investimento,

forte preferência pela liquidez e especulação com diversos ativos.

No curso das reformas que promoveram a desregulamentação financeira e a baixa

restrição aos fluxos de capitais, Bertrand Renaud (1995) desenvolveu uma pesquisa, no âmbito do

Banco Mundial, onde analisou o comportamento dos ciclos imobiliários em vários países da

OCDE, no período entre 1985 e 1994. Os resultados da pesquisa sugerem que houve nesse

período uma ampliação das relações entre mercados imobiliários e mercados financeiros, o que,

por sua vez, imputou aos ciclos imobiliários uma dimensão global.

A pesquisa desenvolvida por Renaud (1995), intitulada “The 1985-1994 Global Real

Estate Cycle: Its Causes and Consequences”, possibilitou mostrar a coincidência dos ciclos

imobiliários em vários países, o que o levou a concluir sobre a existência de um primeiro ciclo

imobiliário global. De acordo com o trabalho, um ciclo global de crescimento se intensificou a

partir de 1986, especialmente no setor de escritórios, e atingiu o auge em 1990, quando ocorreu o

catastrófico crash global do setor imobiliário. Essa crise teve início no mercado imobiliário

americano e, em seguida, por meio dos efeitos de transbordamento se dissipou com intensidades

variadas para outros mercados imobiliários internacionais, como Inglaterra, Alemanha, França,

Canadá e Japão.

“The rapid emergence of a global financial system during the late 1980s has been signaled in the real estate sector of most OECD industrial countries -and NIE middle-income countries as well-by coincident cycles with unusually strong booms followed by exceptionally sharp and protracted real estate busts. The peak of the boom was reached in 1990 in most OECD countries. The massive asset inflation which tool place can be illustrated by the performance of office markets across Europe as monitored by the Jones-Lang-Wootton European Property Index. (…) that capital values rose 400% between 1980 and 1990 with an acceleration after 1986. During that period, average consumer price inflation went up only 150%. Since 1990, the

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110

decline in property values has been sharper, most property markets losing at least 20% in nominal terms the first year of the onset of the crash. Cumulative falls in capital value have often reached 50% by the end of 1993. This pattern of a long sustained build-up in real estate asset prices usually peaking in 1990 followed graphically by a very sharp fall in nominal values thereafter has been encountered in most OECD markets and in several NIE countries.” (REUNAUD, 1995:07).

O ciclo imobiliário global identificado por Renaud revela características singulares

quando comparado a outros ciclos de investimentos ocorridos anteriormente no setor imobiliário.

A volatilidade dos preços dos ativos imobiliários e o montante de capitais envolvidos nas

transações financeiras são fatores muito importantes neste novo contexto, porém as principais

mudanças encontram-se na intensidade destrutiva das crises que afetam profundamente não

somente a indústria imobiliária, mas também setores financeiros que mantêm fortes inter-relações

com o mercado imobiliário. Não obstante, verifica-se que, em momentos de reversão das

expectativas, o sistema financeiro e o setor bancário nacional poderão ser conduzidos

rapidamente ao default financeiro.

A liberalização dos mercados de capitais e o dinâmico processo de inovação e

introdução de novos produtos financeiros favoreceram o crescimento dos investimentos

estrangeiros em diversos países. No entanto, diferentemente do ocorrido com os investidores do

mercado de ações, os impactos da liberalização financeira sobre os investidores do mercado

imobiliário foram mais lentos e traumáticos em alguns casos, devido a falta de uma estrutura

corporativa para administrar eficientemente os investimentos imobiliários cross-border e da

elevada precariedade de informações disponíveis que pudessem contribuir para a compreensão do

funcionamento dos mercados imobiliários além das fronteiras nacionais.

Segundo Worzala (1994), para mitigar os riscos envolvidos com investimentos no

setor imobiliário no exterior os investidores institucionais europeus procuram fazer

preferencialmente parcerias de riscos (joint venture) com outros investidores institucionais e, em

alguns casos, parcerias com companhias imobiliárias locais. Essa última situação ocorre

fundamentalmente nos investimentos realizados no sudeste asiático pelos investidores europeus,

que procuram buscar num expertise do mercado imobiliário local a garantia de melhor

desempenho dos investimentos realizados. No caso da China, a legislação obriga que os

investimentos estrangeiros em qualquer empreendimento imobiliário ocorram somente após a

criação de uma joint venture com uma empresa local. Entretanto, recentemente (2007) o Governo

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111

chinês limitou rigidamente a entrada e administração pelo capital estrangeiro de

empreendimentos imobiliários, sendo que somente as filiais de órgãos estrangeiros que vivem ou

trabalham há mais de um ano poderão comprar imóveis na China. Além disso, os negócios

deverão estar em consonância com o artigo 10 da Constituição chinesa, que diz que as terras das

cidades são de propriedade do Estado, enquanto que áreas rurais e suburbanas são de propriedade

coletiva, excetuando pequenas áreas definidas pela lei como pertencentes ao Estado.

Neste contexto, Tschabold (2003) ao analisar os investimentos estrangeiros no

mercado imobiliário, enfatiza que:

“International investing is not new to the investment community. It is, however, relatively new to the real estate community. Significant cross-border investment in real estate by institutional investors did not occur until the 1980s. The experience was not particularly pleasant for many investors because their initial foray into another country’s property market coincided with downturns in most of the developed markets. U.S. institutional investors largely avoided the emerging property markets in Asia, Europe, and the Americas until the 1990s because of perceived high risk and strong institutional barriers.” (TSCHABOLD, 2003:01).

No caso do mercado imobiliário mais dinâmico do mundo – o americano -, observa-se

também uma situação semelhante no que tange aos investimentos realizados no mercado

imobiliário externo por investidores americanos. Segundo relatório da Deloitte Touche

Tohmatsu117, algumas dificuldades e incertezas de natureza política, econômica e legal, têm

contribuído para gerar constrangimentos aos fluxos de capital americano para determinadas

regiões do mundo, o que é comprovado pelo desempenho pífio do market-share americano nos

investimentos estrangeiros realizados no mercado imobiliário. Não obstante, o referido relatório

aponta para o seguinte fato:

“Many U.S. investors first invested abroad in a big way only in the late 1990s. The globalization of U.S. real estate investors is still in its infancy, and most investors have still not lived through an entire real estate cycle overseas. In addition, U.S. investors are confronting the additional complexities of international investing including different legal systems, government regulations and the need to hedge against currency risk” (DELOITE TOUCHE TOHMATSU, 2004:25).

117 Refiro-me ao relatório “Real Estate Capital Markets Industry Outlook – Mid – 2004 & Beyond”, produzido pela Deloitte Touche Tohmatsu e publicado em maio de 2004.

Page 123: Tese Paiva,ClaudioCesarde

112

Esse processo lento de ampliação dos investimentos imobiliários cross-border

também foi observado por outra pesquisa realizada na Europa por Colin Lizieri, Patrick

Mcallister e Charles Ward (2002), com base em informações de 155 companhias imobiliárias em

treze países, disponibilizadas no GPR Handbook of European Property Companies 1998. Os

resultados da pesquisa revelaram que 27% dessas companhias tinham seu portfólio composto por

apenas empreendimentos em uma cidade ou região, 49% das empresas tinham em seu portfólio

apenas empreendimentos localizados no país, 9% possuíam na composição do seu portfólio

algum investimento no exterior, mas era uma participação insignificante ou secundária na carteira

de investimentos, e 15% eram empresas imobiliárias de atuação internacional. Desse percentual

de empresas que atuam ativamente no mercado imobiliário global, um terço correspondia a

empresas alemãs. Todavia, se excluídas as companhias alemãs, apenas 10% das companhias

imobiliárias européias atuam ativamente com propriedades no exterior.

Diante da perspectiva de que o capital imobiliário encontra algumas dificuldades para

sua expansão global e da vigência do princípio da seletividade do capital no processo de

valorização, Tschabold (2003) afirma que a geografia para investimentos no mercado imobiliário

estaria restrita basicamente a 44 diferentes mercados regionais. Desse modo, o autor sugere que a

análise do mercado imobiliário global deveria ser estruturada em três categorias: core markets,

core plus markets e emerging markets118.

A categoria denominada de core markets corresponderia aos mercados bem

desenvolvidos, países com economias maduras, isto é, completamente integrado aos principais

mercados de capitais do mundo e cujo risco-país é relativamente baixo. Nessa categoria estariam

incluídos os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha, França, Holanda, Bélgica,

Dinamarca e Japão. A segunda categoria, denominada de core plus markets, refere-se a um

conjunto de países cujo risco-país é superior ao grupo de países que compõe o core markets, além

de ter um nível de desenvolvimento menor. Estariam incluídos nesta categoria Cingapura, Hong

Kong, Taiwan, Coréia do Sul, Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal. A categoria emerging

markets ou mercados emergentes refere-se a países com elevado grau de risco-país e forte

instabilidade econômica. Essa última categoria seria composta pelos seguintes países: Polônia,

118 De acordo com Lowrey (2002:04) a distribuição global do mercado imobiliário comercial entre essas categorias seria a seguinte: core markets (78%), core plus market (16%) e emerging markets (6%).

Page 124: Tese Paiva,ClaudioCesarde

113

República Tcheca, Hungria, China, Tailândia, Indonésia, Malásia, México, Chile, Argentina e

Brasil.

É necessário ressaltar que a conotação “global” atribuída em vários trabalhos, como o

de Renaud (1995) e Tschabold (2003), para explicar movimentos sincronizados do capital

imobiliário em várias economias, refere-se, na verdade, a um conjunto restrito de países, cujos

mercados de capitais são complexos e organizados, e que em virtude das inter-relações

promovidas pela rápida ampliação do fluxo de capitais para o setor imobiliário tornam-se

suscetíveis ao contágio das crises imobiliárias. Com efeito, torna-se claro que o capital flui de

forma seletiva em direção a espaços urbanos que compõem o circuito mundial de

valorização patrimonial.

Segundo estimativa realizada pela Prudential Realty Group em 50 países, o mercado

imobiliário comercial global no início de 2004 era avaliado em US$ 14,133 trilhões, dos quais

US$ 5,334 trilhões correspondiam ao valor das propriedades comerciais na América do Norte,

US$ 5,287 trilhões são os valores estimados das propriedades comerciais na Europa, US$ 3,084

trilhões na Ásia e US$ 406 bilhões na América Latina, conforme mostra a tabela 3.1.

TABELA 3.1 ESTIMATIVA DO VALOR DO MERCADO IMOBILIÁRIO

COMERCIAL GLOBAL

Região Valor (em trilhões de US$)

América do Norte 5,3 Europa 5,2 Ásia 3,1 América Latina 0,4 TOTAL 14,1

Fonte: Prudential Real Estate Investors

A distribuição regional do mercado imobiliário comercial global mostra que 38% do

mercado comercial, em termos de valores, encontra-se concentrado na América do Norte, 37% na

Europa, 22% na Ásia e apenas 3% na América Latina, conforme ilustrado no Gráfico 01.

Neste contexto, é importante ressaltar que existem alguns fatores que são responsáveis

pela delimitação de certas áreas geográficas como receptoras ou não de investimentos

Page 125: Tese Paiva,ClaudioCesarde

114

imobiliários. As áreas excluídas na geografia dos investimentos imobiliários apresentariam as

seguintes características: alta instabilidade política e das condições econômicas; sistema legal

precário, sem estabilidade das leis; meio regulatório fortemente proibitivo, com severas restrições

ambientais, fortes controles do planejamento urbano (leis restritivas de uso e ocupação do solo) e

imposições ao direito de propriedade por parte de estrangeiros. Por outro lado, os investidores

estrangeiros seriam atraídos ou dariam preferência na realização dos investimentos em regiões

que transformam sua área urbana num espaço de empreendedores, fornecendo aos rentistas um

imenso potencial para a acumulação de capital, o que ocorreria, muitas vezes, por meio de

coalizões com as elites locais e com o poder público.

GRÁFICO 01 DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DO MERCADO IMOBILIÁRIO COMERCIAL

GLOBAL - 2004

Europa

37%

América do Norte

38%

América Latina

3%

Asia

22%

Fonte: Prudential Real Estate Investors

Os mercados imobiliários da Ásia, Europa e também da América Latina estão em

plena transformação com a introdução ou aprimoramento de novos instrumentos de investimentos

imobiliários que tem ampliado significativamente o universo de oportunidades do setor. Contudo,

o estudo realizado pela Prudential Realty Group mostrou que os 15 maiores mercados

imobiliários concentram quase 88% do mercado de imóveis comerciais do mundo, conforme

Page 126: Tese Paiva,ClaudioCesarde

115

dados apresentados no Quadro 02. Além disso, o referido estudo revela que esses mesmos países

são responsáveis por 84% do produto mundial, o que explicaria, por exemplo, a dinâmica da

demanda por escritórios de elevado padrão nos países desenvolvidos, especialmente nas cidades

que abrigam serviços altamente especializados e concentram o gerenciamento de operações

econômicas e financeiras globais.

Os dados apresentados na tabela 3.2 e no Gráfico 02 mostram que os Estados Unidos

concentram mais de um terço do mercado imobiliário global (35%), enquanto que o Japão possui

o segundo maior mercado, apesar dos quinze anos de deflação nos preços dos imóveis

comerciais. Quando se acrescenta a esses dois países a Alemanha, ocorre uma concentração

significativa do mercado imobiliário, dado que os três países em conjunto tornam-se responsáveis

por mais de 56% do mercado imobiliário comercial global.

TABELA 3.2 OS 15 MAIORES MERCADOS IMOBILIÁRIOS COMERCIAL DO MUNDO

RANKING PAÍSES POPULAÇÃO

(em milhões) VALOR DO

MERCADO IMOB. COMERCIAL (US$)

SHARE GLOBAL

SHARE ACUMULADO

1 EUA 290,3 4.995 35,0 35,0 2 Japão 127,2 1.935 13,7 48,7 3 Alemanha 82,3 1.085 7,7 56,4 4 Inglaterra 60,3 808 5,7 62,1 5 França 60,2 794 5,6 67,7 6 Itália 58,0 663 4,7 72,4 7 Canadá 31,6 390 2,8 75,2 8 Espanha 40,8 379 2,7 77,9 9 China 1.295,2 241 1,7 79,6

10 Coréia do Sul 47,9 234 1,7 81,3 11 Holanda 16,2 231 1,6 82,9 12 Austrália 19,9 228 1,6 84,5 13 México 103,3 189 1,3 85,8 14 Suíça 7,3 144 1,0 86,8 15 Bélgica 10,3 136 1,0 87,8

Fonte: Prudential Real Estate Investors

Page 127: Tese Paiva,ClaudioCesarde

116

GRÁFICO 02

OS 15 MAIORES MERCADOS IMOBILIÁRIOS COMERCIAL DO MUNDO

US$ bilhões

1.935

1.085808 794 663

390 379 241 234 231 228 189 144 136

4.995

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

Estados Unidos

Japão

Alemanha

Inglaterra

França

Itália

Canada

Espanha

China

Coreia do Sul

Holanda

Austrália

México

Suíca

Bélgica

Fonte: Prudential Realty Group

Todavia, também é oportuno ressaltar que um esforço importante está sendo

desenvolvido desde meados da década de 1990 pelas associações envolvidas com o mercado

imobiliário, no sentido de reduzir as barreiras que dificultam o investimento imobiliário em

muitos mercados emergentes, bem como reduzir a precariedade das informações disponíveis.

Nesse sentido, algumas empresas envolvidas com o setor imobiliário passaram a realizar um

acompanhamento mais sistemático do desempenho do mercado imobiliário em diversos países,

inclusive com publicações periódicas de relatórios, para identificar oportunidades globais de

investimento no setor imobiliário119.

No entanto, promover uma homogeneização do espaço mundial que favoreça os

investimentos estrangeiros no mercado imobiliário não é uma tarefa fácil. Segundo aponta a

análise desenvolvida por Tingley & Erb (2005), a discussão sobre uma possível globalização dos

mercados imobiliários, em especial no que tange ao mortgage finance, é extremante complexa,

119 Dentre essas empresas destacam-se: Jones Lang LaSalle Research, CB Richard Ellis Research, Prudential Realty Group, Jones Lang Wootton, International Property Bulletin, PricewaterhouseCoopers.

Page 128: Tese Paiva,ClaudioCesarde

117

em virtude da quantidade excessiva de fatores culturais, macroeconômicos e ambiente

institucional que dificultariam a implementação de tal processo. Nesse sentido, os autores

salientam de forma pragmática que: “given the complexity of real estate markets, complete

standardization is not likely (or even desirable) in the foreseeable future. Probably not even

possible. However, we have learned that homogeneous produts are easier to securitize, and

harmonized business processes improve the ability to increase operating efficiency and lower

transaction costs.” (TINGLEY & ERB, 2005: 17)

Com a ampliação do processo globalização financeira por meio da desregulamentação

dos mercados de capitais e dos mercados imobiliários para investidores estrangeiros, e com os

avanços tecnológicos nas áreas de telecomunicações, a tendência tem sido a geração de uma

fragilidade estrutural com os grandes movimentos do capital, devido a forte interação entre as

estruturas financeiras de financiamento e os processos especulativos. Com efeito, a emergência

de um ciclo imobiliário global associado aos grandes movimentos do capital de investimento na

construção e na especulação imobiliária, poderá se constituir num condutor endógeno de

instabilidade econômica e levar uma economia ao colapso econômico e financeiro.

Neste contexto, a atratividade de determinados empreendimentos imobiliários, torna-

se dependente das condições políticas locais, do ambiente macroeconômico do país e também das

oportunidades oferecidas pelo setor imobiliário em outros países. O conjunto de indicadores

financeiros construídos a partir dessas três perspectivas, possibilita aos agentes econômicos uma

avaliação mais consistente dos riscos e das possibilidades de rentabilidade do empreendimento e,

com isso, a formação do estado da expectativa a longo prazo. Nesta perspectiva, o prognóstico

sobre a performance dos investimentos no mercado imobiliário poderá ser comparado com as

expectativas de rendimentos dos demais ativos disponíveis no mercado, favorecendo a decisão do

investidor e do gerente de carteira na composição do portfólio.

3.4. Bolhas Imobiliárias: a exuberância irracional

A abordagem teórica que mostra a existência e os efeitos macroeconômicos das

bolhas especulativas nos mercados imobiliários apresenta divergências teóricas fundamentais

com a interpretação proposta pela abordagem dos ciclos imobiliários, uma vez que esses últimos

são propostos para evidenciar uma inter-relação direta entre a ciclicidade econômica e os ciclos

Page 129: Tese Paiva,ClaudioCesarde

118

imobiliários. Para os teóricos das bolhas especulativas a alta generalizada de preços dos ativos

imobiliários, causada por uma frénésie especulativa (uma exuberância irracional nos termos de

Alan Greenspan), e a subseqüente deflação nos preços desses ativos, estão associadas

essencialmente ao comportamento especulativo dos agentes econômicos, sem relação concreta

com os fundamentos econômicos.

A literatura econômica sobre a dinâmica dos mercados financeiros no capitalismo

contemporâneo, notadamente a que centraliza o debate em torno da controvérsia entre a

eficiência dos mercados de capital e a racionalidade das expectativas, tem recorrentemente

analisado os booms econômicos, derivados de bolhas nos preços dos ativos, que foram seguidos

por abruptos colapsos financeiros, como bolhas especulativas ou “economias de bolhas”.

Nesse contexto, contribuições importantes têm sido apresentadas para a compreensão

dos processos de flutuações de preços de ativos financeiros e dos impactos das bolhas

especulativas na economia, dentre as quais podem ser mencionados os trabalhos seminais de

Flood & Garber (1980)120, Blanchard & Watson (1982)121, Garber (1990)122, Stiglitz (1990)123,

Flood & Hodrick (1990)124 e Dixit & Pindyck (1994)125.

De modo geral, uma bolha especulativa pode ser definida como uma situação em

que o valor de mercado de um ativo se “descola” do preço intrínseco desse ativo, ou seja,

quando o preço de um ativo financeiro não encontra base sólida nos fundamentos econômicos

que sancionariam as taxas de retorno esperadas, o que demonstraria comportamentos irracionais

dos agentes econômicos.

Uma definição clássica de bolhas de ativos foi apresentada por Kindleberger (1992),

na qual enfatiza o papel do especulador e das expectativas na formação das bolhas, como segue:

“A bubble may be defined loosely as a sharp rise in the price of an asset or a range of assets in a continuous process, with the initial rise generating expectations of further rises and attracting new buyers – generally speculators interested in profits from trading in the asset rather than in its use or earning capacity. The rise is usually

120 Flood, R. & Garber, P. Market Fundamentals versus Price-Level Bubbles: the first tests. Journal of Political Economy, Vol.88, nº 1, 1980. 121 Blanchard, O. & Watson, R. Bubbles, Rational Expectations and Financial Markets. NBER Working Paper Series. Working Paper nº 945. National Bureau of Economic Research. Cambridge- MA, 1982. 122 Garber, P. M., Famous First Bubbles, Journal of Economic Perspectives, 1990, 4:2, 35–54. 123 Stiglitz, J. E., Symposium on Bubbles, Journal of Economic Perspectives, 1990, 4:2, 13–18. 124 Flood, R. P. & Hodrick, R. On Testing for Speculative Bubbles, Journal of Economic Perspectives, 1990, 4:2, 85–101. 125 Dixit, A. K. & Pindyck, R. S. Investment under Uncertainty, Princeton, NJ: Princeton University Press, 1994.

Page 130: Tese Paiva,ClaudioCesarde

119

followed by a reversal in expectations and a sharp decline in price of the resulting in a financial crisis.” (KINDLEBERGER, 1992:1992).

Não obstante, Stiglitz ao analisar a dinâmica macroeconômica no início da década de

1990, particularmente os ataques especulativos e crises financeiras nos mercados emergentes,

enfatiza que a percepção da existência de uma bolha especulativa ocorre da seguinte maneira: “if

the reason that the price is high today is only because investors believe that the selling price will

be high tomorrow — when ‘‘fundamental’’ factors do not seem to justify such a price — then a

bubble exists.” (STIGLITZ, 1990:13).

Uma outra tentativa de explicar a formação da bolha especulativa é dada por Richard

Koo, da Nomura Securities, ao analisar a emergência e a expansão da bolha imobiliária no Japão.

Ao ser questionado sobre a formação da bolha especulativa imobiliária, o autor declara

prontamente que: “The first question is how the bubble started. (…), when you are in the bubble

and you think it is a bubble, it will never be a bubble. The bubble happens because most people

think it’s not a bubble. Remember just a few years ago when so many people thought the it bubble

was not a bubble?” (KOO, 2004)126.

Essas definições teóricas para as bolhas especulativas tornam explícito um problema

conceitual fundamental, pois como explicar que agentes econômicos racionais atuando em um

ambiente de mercados competitivos e preços flexíveis, determinam um preço para um ativo

acima de seu valor fundamental e que este desvio não é instantaneamente anulado pela vigência

do market-clearing. Diante dessas imperfeições apresentadas pelos mercados financeiros no

processo de formação de preços de ativos, Dymski (1998) ressalta que “as bolhas apresentam um

paradoxo, já que os indivíduos de alguma forma definem o preço ‘errado’ em equilíbrio, e as

forças de mercado não o eliminam.” (DYMSKI, 1998:77).

A emergência de bolhas especulativas nos mercados financeiros revelou a necessidade

de reconsiderar os esquemas utilizados nas análises econômicas realizadas pelo mainstream, os

quais estavam baseados em três postulados: a homogeneidade dos comportamentos, o equilíbrio

geral e as expectativas racionais. Com efeito, a existência de bolhas de ativos tornou-se

126 Palestra realizada no dia 04 de junho de 2003, por Richard Koo, sobre a economia japonesa e discussão do seu livro “Balance Sheet Recession: Japan’s Struggle with Uncharted Economics and its Global Implications”, na Sasakawa Peace Foundation USA (SPF-USA). Material referente a palestra encontra-se disponível no endereço: http://www.spfusa.org/Program/av2003/jun0403.htm

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120

incompatível com a hipótese de mercados eficientes, o que tem contribuído para desnudar o

arcabouço teórico convencional ao mostrar a incapacidade da abordagem neoclássica em fornecer

um tratamento adequado a este fenômeno que tem abalado recorrentemente a macroeconomia

contemporânea.

Nesses termos, o pressuposto básico da HME de que o valor das ações representaria

todas as informações disponíveis e que, portanto, o valor das ações seria equivalente às previsões

ótimas, não se sustenta com a existência das bolhas especulativas. Nesse sentido, Plihon afirma

que “o funcionamento efetivo dos mercados financeiros desmente amplamente essas hipóteses

que fundamentam as abordagens teóricas mais usuais, em particular a nova escola clássica e a

teoria da eficiência dos mercados.” (PLIHON, 1995:72).

Na tentativa de mitigar as incongruências e as insuficiências teóricas promovidas por

este paradoxo foram desenvolvidos diversos estudos que resultaram nos modelos conhecidos

como “bolhas racionais”. Esses estudos se constituíam uma tentativa do mainstream de

compatibilizar as bolhas especulativas com a hipótese de expectativas racionais, num esforço

para encontrar justificativas teóricas para as crises financeiras que abalaram a crença na eficiência

dos mercados em várias economias emergentes. Dentre os principais trabalhos destacam-se as

contribuições de Flood & Garber (1980) e Blanchard & Watson (1982), que desenvolveram os

modelos de “bolhas racionais” para mostrar uma possível racionalidade na formação de bolhas de

preços de ativos.

Nesse sentido, esses autores procurando apresentar uma argumentação consistente

para a correlação entre bolhas especulativas e a racionalidade dos agentes econômicos,

afirmavam que nas economias onde existiam mercados secundários organizados os investidores

(especuladores) não formavam suas expectativas de retorno somente com base nos dividendos

esperados, mas também com base nas expectativas de variação futura nos preços das ações.

Dessa forma, quando o preço dos ativos financeiros se “descolavam” dos seus fundamentos, isso

não implicava necessariamente em comportamentos irracionais por parte dos agentes econômicos,

considerando que “rationality of both behavior and of expectations often does not imply that the

price of an asset be equal to its fundamental value. In other words, there can he rational

deviations of the price from this value, rational bubbles.” (BLANCHARD & WATSON,

1982:03).

Page 132: Tese Paiva,ClaudioCesarde

121

De acordo com Mishkin (2004) as bolhas especulativas são consideradas racionais na

medida em que os investidores mesmo tendo conhecimento da existência da bolha no mercado

acionário, isto é, que o preço do ativo se encontra muito superior ao seu valor fundamental,

continuam investindo nesse ativo por “acreditarem que alguém mais irá comprá-lo por um preço

mais alto no futuro. Numa bolha racional, os preços dos ativos podem, portanto, se desviar de

seu valor fundamental por um longo tempo porque o rompimento da bolha não pode ser previsto,

não havendo portanto nenhuma oportunidade inexplorada de lucro.” (MISHKIN, 2004:425).

Essa definição proposta para as bolhas racionais nos conduz ao que chamaria de

“paradoxo da racionalidade”, cuja lógica intrínseca se distancia de uma racionalidade

substantiva à la Simon127, para se basear na frágil certeza (racionalidade) de que um determinado

agente econômico será o penúltimo a deter os direitos de propriedade de determinado ativo antes

que o mercado venha promover a mudança abrupta das expectativas e executar o ajuste no preço

desse ativo. Nesta suposição os agentes econômicos estariam amparados numa frágil

racionalidade cuja base de sustentação é a “sorte”, tendo em vista que ninguém conhece o

momento exato do estouro da bolha e, consequentemente, nem o momento exato de comprar ou

vender esses ativos.

Embora se tenha, até então, conduzido o debate em torno de uma análise crítica da

teoria convencional (neoclássica) sobre bolhas especulativas, por entender que essa abordagem

apresenta limitações congênitas que dificultam a apreciação consistente para o fenômeno do

surgimento, expansão e rompimento de uma bolha de ativos, torna-se necessário mostrar que o

mainstream neoclássico apresenta duas abordagens diferentes para explicar a possibilidade de

existência de bolhas especulativas.

A primeira abordagem, segundo Oreiro (2003), é constituída pelos modelos de

equilíbrios múltiplos com expectativas racionais, que assume como principais pressupostos a

concorrência perfeita nos mercados financeiros e que os investidores possuem informações

perfeitas. Nessa abordagem, a ocorrência de bolhas especulativas é possível, mas improvável,

uma vez que a sua ocorrência só seria possível caso as economias de mercado fossem

dinamicamente ineficientes, o que não parece ser um fenômeno relevante para a realidade das

127 O conceito de racionalidade substantiva foi desenvolvido por Simon da seguinte maneira: “behavior is substantively rational when it is appropriate to the achievement of given goals within the limits imposed by given conditions and constraints . Notice that, by this definition, the rationality of behavior depends upon the actor in only a single respect – his goals. Given these goals, the rational behavior is determined entirely by the characteristics of the environment in which it takes place” (Simon, 1982: 425-6)

Page 133: Tese Paiva,ClaudioCesarde

122

modernas economias capitalistas. Com efeito, as bolhas especulativas se constituiriam apenas

“curiosidade teórica”, não possuindo nenhuma relevância para a formulação de política

econômica. Por outro lado, a segunda abordagem, inicialmente desenvolvida por Krugman, supõe

que os mercados financeiros possuem uma série de imperfeições, entre as quais se destaca o

problema de risco moral (moral hazard), derivado da existência de garantias implícitas ou

explícitas dos passivos das instituições financeiras por parte do Governo. Dessa maneira, as

bolhas surgiriam como resultado da ocorrência de transações com ativos cuja oferta não é

perfeitamente elástica como, por exemplo, ações e imóveis. (OREIRO, 2003:91)

Um exemplo clássico dessa segunda abordagem são os bancos, cujos riscos de

mercado são garantidos, em última instância, pela atuação ativa da autoridade monetária, que, por

sua vez, tem o comportamento pautado pela possibilidade de ocorrência de um contágio

sistêmico do sistema bancário e financeiro. No entanto, este esforço explícito da autoridade

monetária em sinalizar aos agentes econômicos sua função de garantidora do sistema financeiro,

tende a se tornar contraproducente, na medida em que alguns bancos se tornam suscetíveis ao

problema de risco moral (moral hazard) e de seleção adversa. Esse comportamento especulativo

ocorre, sobretudo, com os grandes bancos, que trabalham com a premissa de que são ‘grandes

demais para falir’ (too big to fail) e que os efeitos de advindos da falência contagiaria

imediatamente todo sistema financeiro. Nesse sentido, acreditam que podem realizar

empréstimos demasiadamente arriscados, pois na eventualidade de frustração de tais transações

financeiras o custo recairia sobre as autoridades monetárias.128

De forma conclusiva, Oreiro ressalta que, ainda que o mainstream neoclássico passe a

aceitar as bolhas como um fenômeno logicamente possível no capitalismo, o poder explicativo do

instrumental analítico dessa corrente para a compreensão do ciclo especulativo (surgimento,

propagação, expansão e estouro) é extremamente limitado, praticamente nulo. Dessa maneira, é

enfático ao afirmar que “a teoria neoclássica nada tem a dizer sobre os fatores que determinam o

surgimento da bolha especulativa, os mecanismos que permitem a propagação da mesma ao

longo de um certo período de tempo e as razões que levam ao seu rompimento.” (OREIRO,

2003:91).

Na segunda metade da década de 1990, com a eclosão da crise financeira do Leste

Asiático, o debate acerca das bolhas especulativas ganhou extraordinário impulso ao aparecer

128 Cf. Dymski (1998:78)

Page 134: Tese Paiva,ClaudioCesarde

123

como elemento central em duas das principais interpretações da crise macroeconômica. A

primeira interpretação, denominada por Gary Dymski de abordagem dos microfundamentos,

afirma que as “bolhas de ativos – e as crises financeiras delas derivadas – resultam de

armadilhas comportamentais às quais os sistemas econômicos humanos são cronicamente

propensos. As bolhas de ativos e as crises financeiras constituem então um padrão recorrente ao

longo da história, com equívocos que se repetem.” (DYMSKI, 1998:74).

Paul Krugman apresenta no artigo “What Happened to Asia?”129, publicado logo após

a emergência da crise asiática em 1997, uma análise que se aproxima da abordagem dos

microfundamentos, sobretudo ao comparar a crise asiática com a crise da dívida externa latino-

americana dos anos 80, ou seja, ao procurar dar uma conotação de eventos que se repetem

recorrentemente na forma de crise no capitalismo. Nesse sentido, Krugman demonstra em sua

análise que a crise do sudeste asiático, decorrente do rompimento da bolha especulativa nos

mercados de ações e de imóveis, estava diretamente relacionada com a existência de risco moral

(moral hazard) no sistema de garantia de depósito e dos passivos das instituições financeiras.

Por outro lado, a segunda interpretação procura explicar a existência de bolha de

ativos e as reversões de expectativas que conduzem às crises financeiras como fenômenos

particulares no capitalismo, tendo em vista que as circunstâncias históricas em que ocorrem são

necessariamente distintas. Nesse sentido, Dymski acentua que o pressuposto básico dessa

abordagem é que “os ciclos podem se repetir na história, mas a história nunca se repete”.

(DYMSKI, 1998:74).

Não obstante, Dymski ao caracterizar as duas interpretações formuladas pelos

economistas para a crise asiática ressalta que a primeira abordagem teórica “enfatiza a constância

da insensatez humana – dos incentivos microeconômicos perversos, no jargão dos economistas”,

enquanto que a segunda abordagem “salienta o perigoso potencial desta crise, por conta das

forças macroestruturais únicas (e imprevisíveis) operando neste momento da história.”130

A aplicação da noção de bolhas especulativas aos mercados imobiliários é

relativamente recente e os estudos ainda se encontram em processo de amadurecimento teórico,

embora a relação entre bolhas especulativas e ativos imobiliários possa retroceder ao século

XVII, com a euforia especulativa gerada com bulbos de tulipas, que ficou conhecida como

129 Krugman, P. What happened to Asia? MIT Department of Economics, Jan. 1998. 130 Cf. Dymski (1998)

Page 135: Tese Paiva,ClaudioCesarde

124

“Manias das Tupilas”, cuja decadência se iniciou com os investimentos em residências na

periferia de Amsterdã, a especulação realizada com metade das terras do território americano pela

Mississipi Company ou a “mania das ferrovias” nos Estados Unidos no século XIX. Atualmente

observa-se uma concentração das contribuições teóricas e empíricas sobre efeitos das bolhas

especulativas nos mercados imobiliários para as recentes experiências de boom e crashes na

economia dos Estados Unidos, Japão e dos tigres asiáticos.

As experiências de colapsos e estouros de bolhas especulativas nos mercados

imobiliários nas décadas de 1980 e 1990 proporcionaram uma verificação empírica do poder

destrutivo das bolhas imobiliárias, porém continuam longe de um consenso os debates em torno

da seguinte questão: como e por que os preços dos ativos imobiliários podem desviar de seus

valores fundamentais? Ou de maneira mais contundente, por que as bolhas imobiliárias

surgem?

Uma resposta parcial para tal problemática foi dada quando perquirimos a natureza

dos ciclos imobiliários e afirmamos que a razão para tais flutuações nos preços dos ativos

imobiliários deveria ser procurada numa especificidade do mercado imobiliário – o longo período

de produção –, que dificultava uma resposta rápida aos choques de demanda. Todavia, isso não

responde inteiramente a questão, sobretudo quando verificamos a disseminação de novos

produtos financeiros no mercado imobiliário, em especial a securitização de ativos (mortgage-

based securities), pois a dinâmica de flutuações dos preços desses ativos passa a apresentar um

comportamento do tipo random walk, não guardando uma relação direta com os fundamentos

econômicos dos ativos reais que representa.

Neste contexto, uma pressão excessivamente altista dos preços dos ativos, devido, por

exemplo, a uma sucessão de boas notícias que frequentemente é desencadeadora de um otimismo

exagerado, faz com que ocorra um afastamento dos preços dos ativos imobiliários de seus preços

fundamentais, resultando, por corolário, na formação de uma bolha especulativa.

Mas a sucessão de boas notícias é suficiente para explicar a formação de bolhas

imobiliárias? Será que os agentes econômicos são capazes de discernir a atuação dos grandes

players, na condição de maker market, e as reais condições de mercado? O que, de fato, está na

origem dessa pressão altista nos preços dos ativos imobiliários?

Alguns economistas consagrados, como Milton Friedman, atribuem à heterogeneidade

de agentes que atuam no mercado como o fator desestabilizador dos preços dos ativos, isto é, a

Page 136: Tese Paiva,ClaudioCesarde

125

coexistência de operadores profissionais e amadores inexperientes atuando num mercado com

informações assimétricas, tende a agravar substancialmente os desvios dos valores fundamentais.

Na categoria de investidores amadores estariam contidos os chamados noise traders, investidores

curto-prazistas que acreditam saber mais do que o mercado, por isso tendem a tomar decisões a

partir de rumores e informações limitadas, o que, invariavelmente, leva esses investidores a

comprar na alta e vender na baixa. Desse modo, os noise traders, por apresentarem

comportamentos irracionais, agressivos e desinformados, sistematicamente perdem dinheiro para

os operadores profissionais. Nesse sentido, Friedman é categórico ao afirmar que, apesar do

comportamento perfeitamente eficiente e racional dos operadores profissionais, os preços dos

ativos podem divergir de seus valores fundamentais por longos períodos.

No entanto, outros economistas de tendência não-ortodoxa 131 acreditam que a

formação de bolhas especulativas não está restrita ao comportamento irracional e desinformado

de investidores amadores, mas também está relacionado com o comportamento especulativo de

operadores profissionais. Esses últimos, por gerenciarem montantes elevados de capital,

funcionam como market makers, o que provoca indução a erros expectacionais não somente de

investidores inexperientes como também de outros investidores profissionais.

Este quadro teórico em processo de construção, ainda que introdutório, permite

concluir que comportamentos especulativos de investidores profissionais associados a

comportamentos irracionais dos noise traders teriam contribuído para aumentar a volatilidade nos

preços dos ativos financeiros e, assim, inflar bolhas especulativas na segunda metade dos anos

1980 na maioria dos grandes mercados imobiliários internacionais.

No início da década de 1990, diante de uma abrupta reversão da expressiva elevação

dos preços dos ativos imobiliários em vários mercados, Stoken (1993) afirmou que um dos

principais motivos para a geração de bolhas imobiliárias e para o fracasso dos investimentos em

imóveis, encontrava-se no comportamento psicológico dos indivíduos, que não agiam com a

racionalidade de um “homo economicus” em momentos de euforia (boom) ou de depressão (bust)

dos mercados, pois se tornavam nesses períodos suscetíveis a um comportamento convencional

de manada (conventional crowd wisdom). Nesse sentido, o autor ressaltara:

131 Utiliza-se a expressão não-ortodoxa neste caso para fazer referência aos economistas que não compartilham da HME.

Page 137: Tese Paiva,ClaudioCesarde

126

‘‘Following an extended period of prosperity, men and women adopt the psychology of affluence and its by-product, economic optimism, wherein they enjoy life, have fun, and become economic risk takers. This mass psychology of optimism, once set off, takes on a life of its own and continues until people become excessively optimistic... They rationalize that what has happened will continue to happen, and thus come to see less risk than actually exists. Consequently, too many people become risk takers, which in turn creates the conditions for a big bust. This bust, or depression, then sets off a psychology of pessimism which continues until people see more risk than really exists. At that point too many people become risk averters, and this lays the foundation for a long period of economic expansion’’ (STOKEN, 1993: 83–84).

Dessa forma, muitos investidores tornam-se vítimas de suas próprias experiências no

mercado imobiliário ao agirem segundo a regra de comportamento de manada e, com isso,

contribuem para mitificar a idéia de que as flutuações no mercado imobiliário fazem poucos

investidores atingirem lucro extraordinário, enquanto que a maioria acompanha

desesperadamente o malogro de seus investimentos.

Mas, por que muitos investidores adotam a regra de comportamento de manada? Uma

das possíveis respostas para essa pergunta deve ser procurada nos recentes esforços realizados

por um novo e controverso campo de estudos conhecido como neurofinanças, cujo grande

expoente é Daniel Kahneman (Prêmio Nobel de Economia de 2002), que tem procurado integrar

a teoria econômica e a psicologia com vistas a contribuir para a compreensão do comportamento

dos agentes econômicos quando necessitam tomar decisões sob incerteza. A análise do aspecto

comportamental do mundo financeiro que vem sendo desenvolvida por Kahneman é de

importância ilimitada para o mercado financeiro e potencialmente revolucionária para a teoria

macroeconômica, já que para o mercado financeiro os avanços nas pesquisas poderiam levar os

neurocientistas quiçá a desenvolver drogas psicoativas ou neurocéticas, que tornassem os

operadores financeiros mais eficientes nas tomadas de decisão132.

Não obstante as recentes discussões acerca das redes neurais e a efetividade das

aplicações das neurofinanças, Keynes já havia contribuído para o debate sobre o enfoque

psicológico aplicado à análise do comportamento econômico ao definir a especulação como “a

132 Segundo o professor de neurociência e psicologia da Universidade de Stanford, Brian Knutson, encontram-se na mesma rede neural sensações como o prazer do orgasmo, a sensação propiciada pelo uso da cocaína e a satisfação de adquirir ações que, em seguida, se supervalorizam. Além disso, afirma que nossos circuitos primais de prazer podem superar os bloqueios impostos pela razão, que, em última instância, significa um questionamento da assunção da racionalidade econômica em algumas situações de decisão.

Page 138: Tese Paiva,ClaudioCesarde

127

atividade que consiste em prever a psicologia do mercado”133. Logo, num ambiente de forte

incerteza as expectativas se formariam num processo mimético, o que resultaria num processo de

expectativas auto-realizadoras (self-fulfilling).

Esses argumentos, no entanto, levam alguns autores a criticar o pressuposto

neoclássico de racionalidade dos agentes econômicos quando analisam o comportamento dos

preços dos ativos financeiros. O questionamento apresentado por esses autores, em especial

Kindleberger (1996), é o seguinte: seriam os mercados tão racionais que as manias –

irracionais por definição – não possam ocorrer? Kindleberger é enfático em defender a tese

de que o comportamento dos preços dos ativos financeiros só pode ser explicado pelo

reconhecimento de que os agentes econômicos agem de forma “irracional”, ou seja, o

comportamento do indivíduo nem sempre é guiado pela escolha da melhor alternativa entre um

dado conjunto de opções, em virtude de uma dissonância cognitiva – definida como a capacidade

de filtrar e processar as informações -, ou pela simples emulação, isto é, pelo desejo de imitar o

comportamento dos demais indivíduos.134

Ainda assim, a maior parte da literatura que discute o comportamento dos investidores

no mercado imobiliário tem sido extremamente restritiva, sobretudo ao tratar o comportamento

desses agentes econômicos como um exercício de análise e escolhas racionais, ou seja, as

decisões seriam tomadas com base em modelos de previsão sobre valorização do

empreendimento, que apontariam o valor presente dos dividendos futuros, e os riscos envolvidos

na operação financeira. Existem, no entanto, problemas neste processo de análise de como os

agentes econômicos formam suas expectativas a respeito dos dividendos futuros e dos riscos. A

despeito do rigor teórico e da sofisticação dos modelos econométricos utilizados, os resultados

representariam graus distintos de confiabilidade, uma vez que os dados quantitativos e

qualitativos podem diferir para cada agente econômico, o que levaria à construção de hipóteses

divergentes e avaliações heterogêneas sobre a dinâmica do mercado imobiliário.

Desse modo, uma análise determinística de comportamentos racionais ou não-

racionais dos agentes econômicos é extremamente complexa quando se trata de decisões de

investimento no mercado imobiliário, dada uma característica fundamental do setor que é a

precariedade das informações disponíveis. Sendo assim, a escassez de informações confiáveis faz

133 TG capítulo XII 134 Ver capítulo 3 e o Apêndice A, do livro “Manias, Pânicos e Crashes: um histórico das crises financeiras”, de Charles P.Kindleberger (1996)

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128

com que os investidores, em muitas ocasiões, sejam conduzidos por convenções, feeling

profissional ou algo como “market sentiment”, no momento da realização do investimento.

Assim, em virtude da escassez de informações confiáveis para a montagem de indicadores que

possam balizar a tomada de decisão, os investidores procuram encontrar parâmetros médios de

comportamentos em operações ou situações equivalentes.

Em oposição à explicação dada pela visão convencional de que os investidores agem

racionalmente de modo a maximizar sua função-objetivo, foi apresentada por Paul Gallimore,

Adelaide Gray e J.Andrew Hansz, no artigo “Sentiment in Property Investment Decisions: a

behavioural perspective” 135 , uma proposta que questiona as decisões baseadas apenas na

racionalidade dos fundamentos econômicos, já que estes não são suficientemente sólidos e

completos para justificar os investimentos no mercado imobiliário.

De acordo com a exposição dos autores, os sentimentos dos investidores e do

mercado, entendido como uma espécie de média de sentimentos136, são extremamente relevantes

quando se trata de mercado imobiliário, em virtude das discrepâncias em relação aos dados que

poderiam caracterizar a dinâmica do setor imobiliário. Nesse sentido, os autores ressaltaram que:

“When, for whatever reason, information is limited, property investors may turn to consider signals of sentiment, not so much to usurp the value of hard data but to augment what limited information is available. In such markets, where information is less than full, investor sentiment takes on a different character. It ceases perhaps to be wholly informational noise and its use may become more justifiable than in financial markets. In property markets, therefore, whether reliance on investor sentiment is rational or not may depend in large part upon the extent of information available.” (GALLIMORE, et alii, 2000:05)

As imperfeições do mercado imobiliário não se restringem à precariedade das

informações, que conduz a dissonâncias cognitivas e comportamento de manada de parte dos

investidores. É importante notar que existem ainda aqueles investidores ou promotores do

mercado imobiliário que acreditam convictamente serem possuidores da “Síndrome de Midas” e

135 Artigo originalmente apresentado na 6ª Conferência anual do Pacific Rim Real Estate Society, realizada na Austrália em 2000. 136 Essa média dos sentimentos equivale à metáfora Keynesiana dos concursos de beleza organizados pelos jornais, onde o prêmio é dado ao competidor que cuja seleção corresponda, mais aproximadamente, a média das preferências dos competidores em conjunto, ou seja, o proponente a ser o vencedor desse concurso de escolha das mulheres mais bonitas deverá escolher não as mulheres que ele considere ser as mais bonitas, mas as que lhe parecem reunir as preferências dos outros concorrentes.

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129

que seu empreendimento sempre deverá obter mais sucesso do que outros empreendimentos,

embora o mercado apresente forte indicativo de desaceleração. A forma com que este otimismo

exacerbado (ou irracional) é transmitido para os demais agentes econômicos, especialmente aos

investidores não profissionais, poderá induzir uma dissonância cognitiva no processamento das

informações sobre as perspectivas de mercado, tornando o mercado imobiliário ainda mais

instável e suscetível à formação de bolhas especulativas.

Não obstante, Keynes já havia chamado à atenção na Teoria Geral, no momento em

que discutiu o estado das expectativas a longo prazo, para o fato de que “os homens de negócio

fazem um jogo que é uma mescla de habilidade e sorte, cujos resultados médios são

desconhecidos pelos jogadores que delas participam.” A partir dessa perspectiva, Keynes

procurava ressaltar a ignorância dos investidores sobre o futuro, bem como o comportamento

especulativo desses agentes econômicos como uma atividade que consistia em prever a

psicologia do mercado, o que o levara a seguinte conclusão:

“ Além da causa devida à especulação, a instabilidade econômica encontra outra causa, inerente à natureza humana, no fato de que grande parte de nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo do que de uma expectativa matemática, seja moral, hedonista ou econômica. Provavelmente a maior parte das nossas decisões de fazer algo positivo, cujo efeito final necessita de certo prazo para se produzir, deva ser considerada como manifestação do nosso entusiasmo – como um instinto espontâneo de agir, em vez de não fazer nada -, e não como resultado de uma média ponderada de lucros quantitativos multiplicados pelas probabilidades quantitativas. O empreendedor procura convencer a si próprio de que a principal força motriz da sua atividade reside nas afirmações de seu propósito, por mais ingênuas e sinceras que possam ser. (...) Dessa maneira, ao se arrefecer o entusiasmo, e ao vacilar o otimismo espontâneo, ficamos na dependência apenas da previsão matemática e aí o empreendimento desfalece e morre – embora o temor da perda seja tão desprovido de base lógica como eram antes as esperanças de ganhar.” (KEYNES, 1985:117)

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130

3.5. A interação entre ciclos imobiliários e bolhas especulativas: algumas

considerações finais

O debate desenvolvido ao longo do capítulo teve como propósito fundamental

compreender teoricamente a dinâmica do capital imobiliário no capitalismo contemporâneo a

partir de duas vertentes analíticas básicas que têm seu foco teórico centrado no estudo das

flutuações econômicas. A tentativa de compreensão da dinâmica do capital imobiliário, embora

pautada por uma visão pós-keynesiana, não expurgou as posições do mainstream neoclássico em

relação às temáticas discutidas, antes ao contrário, preferiu-se o enfrentamento teórico, o

estabelecimento do contraditório, para mostrar os limites da análise convencional desenvolvida

pelos neoclássicos para explicar as flutuações dos preços dos ativos financeiros.

As discussões acerca dos microfundamentos que explicariam a relação entre os

agentes econômicos e o capital imobiliário possibilitaram encontrar respostas consistentes sobre

os movimentos oscilatórios dos investimentos imobiliários e, portanto, uma maior compreensão

das flutuações cíclicas e da formação de bolhas especulativas.

Ao assumir a hipótese de que os ciclos imobiliários são dependentes dos ciclos

econômicos e que existe um componente endógeno no mercado imobiliário, procurou-se

encontrar fundamentos teóricos que rompessem com a incompatibilidade dessas teorias na

interpretação da dinâmica do processo de valorização imobiliária.

Desse modo, o debate realizado propiciou a sustentação da hipótese de que, em

grande parte, os ciclos imobiliários são dependentes dos ciclos econômicos, isto é, da evolução

dos principais fundamentos macroeconômicos. Com efeito, o crescimento econômico estimularia

os agentes econômicos a ampliarem a demanda por imóveis, o que desencadearia um

desequilíbrio no mercado em virtude de uma especificidade do mercado imobiliário – o longo

período de produção –, ou o lag temporal no sentido de Rottke e Wernecke, que dificultaria uma

resposta rápida aos choques de demanda.

Entretanto, a análise do processo de investimento no mercado imobiliário também

revela a existência de um componente autônomo, que concede ao setor imobiliário uma dinâmica

específica em determinados períodos e espaços, que explicaria as alterações especulativas dos

preços dos ativos em relação aos seus valores fundamentais. Este componente autônomo no

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131

mercado imobiliário, responsável pela formação de bolhas especulativas, está associado a priori

ao comportamento psicológico de especulação dos agentes que participam do processo

imobiliário; às assimetrias de informação sobre mercados e valores de imóveis (myopic behavior

e noise traders); ao comportamento free-rider de alguns agentes econômicos e à gestão da

preferência pela liquidez.

A análise do comportamento dos agentes econômicos que participam do processo de

investimento no mercado imobiliário mostra que as capacidades explicativas dessas duas

abordagens para os movimentos dos preços podem se alternar significativamente ao longo do

tempo. Com efeito, as divergências de abordagens a partir da identificação das causas das

oscilações dos preços dos ativos imobiliários, que se constitui no divisor de águas desse debate

teórico, poderão ser minimizadas se admitido o pressuposto que essas explicações não são

necessariamente excludentes e que a integração dessas duas abordagens tornaria a compreensão

muito mais abrangente, em virtude da ampliação do foco analítico.

Na verdade, procura-se evidenciar que a grande volatilidade dos preços dos imóveis

é reflexo da atuação tanto de fatores relacionados aos ciclos imobiliários quanto de

comportamentos agressivos de investidores curto-prazistas, que são responsáveis pelo

desencadeamento de movimentos especulativos massivos. Sendo assim, as bolhas especulativas

corresponderiam às alterações bruscas nos preços dos ativos imobiliários que ocorreriam na fase

de expansão (Fase III da figura I), ou seja, as bolhas especulativas se constituiriam uma situação

particular da fase de ascensão do ciclo econômico. Portanto, em vez de estabelecer uma

fronteira teórica entre ciclos imobiliários e bolhas especulativas de ativos imobiliários a

partir das causas desencadeadoras do processo de flutuação dos preços, entende-se que

existe maior coerência em afirmar que as bolhas especulativas são manifestações que

podem ocorrer numa determinada fase do ciclo econômico. Essa junção não invalida as

explicações para as causas dos movimentos cíclicos das duas abordagens, apenas problematiza a

idéia de cindir a análise de um mesmo processo.

Essa interação entre as duas abordagens para explicar o comportamento dos agentes

econômicos e dos preços imobiliários não é possível sem o rompimento com a hipótese

neoclássica de homogeneidade de comportamentos e do reconhecimento da heterogeneidade de

agentes que atuam no mercado imobiliário, isto é, a coexistência de operadores profissionais

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132

(arbitradores) e investidores inexperientes (inclusive noise traders) atuando num mercado com

informações assimétricas e com dissonância cognitiva.

A perspectiva metodológica de partir dos microfundamentos que alicerçam as

abordagens dos ciclos imobiliários e das bolhas especulativas para mostrar a dependência dos

ciclos imobiliários em relação aos ciclos econômicos, embora tenha alcançado relativo sucesso,

ainda não permite mostrar integralmente a importância assumida pelo capital imobiliário no

capitalismo financeirizado. É necessário que uma análise baseada numa perspectiva

fundamentalmente macroeconômica seja desenvolvida, mostrando o aprofundamento das

relações entre o capital imobiliário e o capital financeiro.

Desse ponto de vista, procura-se evidenciar através da análise empírica a ser

desenvolvida no próximo capítulo que o capital imobiliário, que sempre teve considerável

importância na dinâmica do processo econômico vis-à-vis o potencial de geração de empregos no

setor da construção civil e os extraordinários efeitos multiplicadores, assumiu um papel

exponencial no capitalismo financeirizado, com novas articulações e efeitos sistêmicos.

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133

CAPÍTULO IV

A ARTICULAÇÃO ENTRE O CAPITAL FINANCEIRO E O CAPITAL

IMOBILIÁRIO: A IRRACIONALIDADE EM PROCESSO

“Os especuladores podem não causar dano algum enquanto são apenas bolhas num fluxo constante de empreendimento; mas a situação torna-se séria quando o empreendimento se converte em bolhas no turbilhão especulativo. Quando o desenvolvimento do capital em um país se converte em subproduto das atividades de um cassino, o trabalho tende a ser malfeito”

John M.Keynes

4.1. Introdução

As transformações na dinâmica de acumulação de capital ao longo das últimas

décadas têm conduzido a uma nova ordem econômica, sob o comando hegemônico do sistema

financeiro global (market led finance), cuja natureza se expressa na centralização e concentração

de capitais, na desregulamentação dos mercados domésticos, na liberalização financeira, no

regime de taxas de câmbio flexíveis, na redução da autonomia dos Estados nacionais em fazer a

gestão das políticas macroeconômicas, na volatilidade de capitais e no expressivo aumento do

risco sistêmico, que amplia absurdamente a possibilidade de que um choque adverso em algum

mercado possa ser transmitido ao sistema financeiro como um todo e conduzir a economia ao

colapso.

Neste contexto, observa-se a emergência de novos players (fundos mútuos, fundos de

pensão, etc.) atuando no mercado de ativos imobiliários, com grande poder de comandar

processos especulativos (market maker), dada a capacidade de agrupar e controlar grandes fluxos

de capitais. Com isso, a previsão de eutanásia do rentier e de seu poder opressor, que ocorreria,

Page 145: Tese Paiva,ClaudioCesarde

134

segundo Keynes, com o fim de uma fase transitória de atuação desse agente econômico, não

aconteceu. Pelo contrário, ocorreu o aprofundamento das práticas rentistas pelos novos

“cavalheiros das finanças”, uma vez que os rendimentos se tornaram predominantemente

financeiros, sendo auferidos através de contínuas arbitragens entre o presente e o futuro. Desse

modo, a instabilidade financeira torna-se perene no capitalismo contemporâneo em virtude da

incerteza presente no processo de arbitragem ou, nos termos de Keynes, devido às forças

obscuras do tempo e da ignorância que rodeiam o nosso futuro.

Concomitante às transformações econômicas e financeiras ocorreu um rápido

estreitamento das relações entre o capital financeiro e o capital imobiliário, com as instituições

financeiras reconhecendo na propriedade imobiliária um ativo importante na composição do

portfólio. Entretanto, não se trata de um simples estreitamento de relações como já havia ocorrido

em outras fases da história, mas de uma imbricação que se apresenta sob a tutela de um padrão de

acumulação financeirizado e, por isso, revela uma vigorosa capacidade de comandar a dinâmica

do processo de acumulação.

No âmbito desse processo verifica-se que, em muitas economias, a valorização

imobiliária tem se constituído num importante mecanismo de crescimento econômico,

considerando que as vigorosas elevações dos preços dos imóveis tenderam a resultar num

incremento significativo dos gastos dos consumidores. Os proprietários de imóveis, sentindo-se

mais ricos, passam a ampliar o consumo com base em expectativas de rendimentos futuros. Para

se ter uma dimensão desse efeito riqueza, segundo estimativa da revista The Economist, o valor

total dos imóveis residenciais nos países desenvolvidos cresceram 75% entre 2000 e o primeiro

trimestre de 2006, atingindo US$ 75 trilhões, o que corresponde a mais de 100% dos PIBs

agregados desses países.

Nesta perspectiva, encontra-se em pleno desenvolvimento uma diáspora do capital

imobiliário, uma expansão emblemática, não somente no sentido geográfico de deslocamento do

capital em busca de oportunidades globais de valorização, o que tem fomentado a criação de um

circuito mundial de valorização patrimonial, mas também uma expansão no sentido conceitual, já

que a fusão do capital financeiro com o capital imobiliário intensificou a geração de novos

instrumentos financeiros, promovendo a superação da rigidez (baixa liquidez) do ativo

imobiliário e, consequentemente, uma transformação substancial na temporalidade de reprodução

do capital imobiliário.

Page 146: Tese Paiva,ClaudioCesarde

135

Portanto, o capital imobiliário, além de não passar incólume por esses movimentos de

transformação da economia contemporânea, tornou-se, em alguns momentos, figura central do

processo de acumulação do capital, especialmente quando ocorre a formação de bolhas

imobiliárias. Um exemplo crível são os quinze anos de recessão impostos pelo estouro da bolha

imobiliária ao Japão.

Sendo assim, a despeito da natureza complexa e controversa dos debates acerca das

bolhas especulativas, bem como da fragilidade teórica dos conhecimentos cumulativos em

relação a esse fenômeno, sustentaremos, com base em evidências empíricas das duas últimas

décadas, que as bolhas de ativos imobiliários são diferentes no tempo e no espaço, e que essa

distinção não se encontra na sua natureza, revelada por uma situação em que o valor de

mercado de um ativo se “descola” do preço intrínseco, mas na interação da bolha

especulativa com as estruturas financeiras de financiamento. Nesse sentido, os efeitos

macroeconômicos advindos do rompimento da bolha de ativos tornam-se imprevisíveis, o que

denota que uma mesma bolha especulativa possa ter impactos distintos em diferentes países.

Uma das principais características que mostra a coessência do capital financeiro e

do capital imobiliário e que é reforçada com a emergência do capital financeiro imobiliário

é a natureza de valorização intrinsecamente especulativa. Obviamente, quando essas frações

do capital se colocam em processo de valorização promovem uma crescente instabilidade

financeira e podem desencadear violentos distúrbios econômicos em virtude da reduzida

efetividade dos mecanismos de gerenciamento de riscos e de precariedade das regras prudenciais.

O pressuposto básico é que a conexão entre o processo imobiliário e o capital financeiro tem

se constituído num condutor endógeno de instabilidade econômica, em virtude da crescente

interação entre as estruturas financeiras de financiamento, os processos especulativos e as

flutuações nos níveis de investimento.

Diante desse contexto de profundas transformações, o propósito do capítulo é

apreender, a partir das mudanças estruturais processadas no padrão de acumulação, o papel que

assume o capital financeiro imobiliário na dinâmica capitalista contemporânea, sobretudo quando

se estabelece uma articulação fundamental entre o capital imobiliário e o capital financeiro para

dinamizar o processo de acumulação. Para tanto, uma discussão inicial será empreendida no

sentido de elucidar as características essenciais do capital financeiro imobiliário, que surge de

novas articulações de duas frações do capital, com grande poder de dinamizar e comandar o

Page 147: Tese Paiva,ClaudioCesarde

136

processo de acumulação. Em seguida, será realizada uma breve discussão sobre as conseqüências

do capital financeiro imobiliário ao se tornar um turbilhão especulativo e seus canais de

transmissão de crise para a economia real. Na última parte do capítulo, a discussão será dedicada

à análise empírica da emergência, propagação e rompimento da bolha especulativa imobiliária no

Japão, com a preocupação de compreender os impactos negativos sobre a economia, decorrentes

do acirramento das contradições do processo especulativo, isto é, do estouro da bolha imobiliária.

4.2. O capital financeiro imobiliário e a Santa Trindade em processo -

capital imobiliário, inovações financeiras e capital financeiro

As características que delineiam a configuração econômica, financeira e política do

capitalismo contemporâneo têm contribuído para sedimentar nas duas últimas décadas o

estreitamento das relações entre o capital imobiliário e o capital financeiro. A disseminação dos

mecanismos de securitização de ativos e de outros instrumentos financeiros tem conferido maior

liquidez aos ativos imobiliários e garantido uma mobilização significativa de capital para

viabilizar novos empreendimentos imobiliários. Com efeito, observa-se que várias instituições

financeiras bancárias e não-bancárias, corporações produtivas, fundos de pensão, companhias de

seguro e outros investidores institucionais têm crescentemente ampliado os investimentos no

mercado imobiliário como parte de suas estratégias de diversificação de portfólio e como forma

de reforçar seu core business137.

Deve ser ressaltado, no entanto, que esta imbricação entre o mercado imobiliário e os

mercados financeiros não se constitui um fenômeno recente, como bem já foi demonstrado por

Harvey (1982), Massey & Catalano (1978), Haila (1991), Beitel (1994), Coakley (1994).

Ademais, existem várias cidades que as marcas dessa relação são evidentes, como é o caso de

137 Dentre inúmeros casos podem ser citados os investimentos imobiliários recentes realizados por alguns global players, como por exemplo: o Soros Real Estate Partners, através de sua subsidiária o Med Group, no litoral da Espanha; o caso da Pirelli Real Estate, que com o sucesso do Projeto Bicocca em Milão, aumentou significativamente seus investimentos no setor imobiliário, transformando-se na maior incorporadora imobiliária da Itália; a forte expansão da GE Capital Real Estate no mercado imobiliário da Ásia e Pacífico, onde atualmente é proprietária dos principais escritórios em Tóquio, Coréia e Austrália; o caso da Renta Inmobiliaria, um dos principais grupos imobiliários da Espanha, que entrou no mercado imobiliário português através da criação de uma joint venture com a Amorim Imobiliaria (um dos maiores grupos imobiliários portugueses); os mega-investimentos imobiliários do grupo português Sonae, em conjunto com a Emplanta Imóveis, no Brasil; a significativa participação dos fundos de pensão na construção de novos shopping centers no Brasil e nos Estados Unidos, etc.

Page 148: Tese Paiva,ClaudioCesarde

137

Houston, no Texas, onde o capital financeiro foi a grande fonte de recursos para investimentos no

mercado imobiliário comercial138.

Diante disso, um conjunto de indagações se apresenta para o debate sobre a

pertinência e a contemporaneidade da relação entre o capital financeiro e o mercado imobiliário.

Entretanto, o ponto de partida deve ser a resposta a um questionamento central. Se se trata de

relações históricas entre essas duas frações do capital, o que há de novo na relação entre o

capital financeiro e o capital imobiliário?

A despeito da objetividade da indagação a resposta se mostra essencialmente

complexa. O fato é que a natureza dessa imbricação contemporânea entre o capital financeiro e o

capital imobiliário, vista sob a ótica de sua complexidade (novos atores, novos instrumentos e

novos mercados) e da centralidade do mercado de propriedades de imóveis na condução da

política macroeconômica, é, sem dúvida, muito diferente do que se pode encontrar nas relações

históricas precedentes. O marco histórico dessa transformação ocorreu nos anos 80, a partir da

confluência de alguns fatores que já se encontravam em processo de mutação desde o final dos

anos 60, dentre os quais podem ser mencionados: a consolidação de um padrão de acumulação

financeirizado, o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros e a formação de um circuito

mundial de valorização patrimonial.

Entretanto, compreender a dimensão do “novo” nessa relação entre o capital

financeiro e o capital imobiliário implica não somente conhecer os novos elementos e suas

nuances, mas também enredar-se numa discussão crítica sobre atualidade dos conceitos, dado que

a formulação originária dos mesmos está diretamente relacionada com eventos e processos

historicamente determinados. Logo, com a vigência de um novo padrão de acumulação as

acepções assumidas pelos termos capital financeiro e imobiliário tem sido diversos, insuficientes

e até mesmo contraditórios.

Neste contexto, o conceito de capital financeiro proposto originalmente por Hilferding

e Hobson, que estava baseado na convergência de interesses do grande capital bancário com o

grande capital industrial, mostra-se insuficiente para a compreensão da dinâmica de um

capitalismo sob dominância financeira. Nesta ótica, Chesnais (1997) ao colocar em discussão a

atualidade do conceito de capital financeiro, em especial o proposto por Hilferding, afirma que:

138 Cf. FEAGIN, Joe R. The secondary circuit of capital: office construction in Houston, Texas. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 11, nº 2, p.172-190, 1987.

Page 149: Tese Paiva,ClaudioCesarde

138

“Continuar o trabalho sobre o capital financeiro, no sentido de Hilferding, supõe o exame das principais formas atuais de interconexão entre as finanças concentradas e a grande indústria. A entrada em cena de grandes fundos de aposentadoria anglo-saxões e japoneses, dos fundos comuns de aplicação e de gestão de carteiras de títulos (os Fundos Mútuos), assim como das companhias de seguros mais orientadas para os sistemas de seguro de vida e de aposentadorias complementares levou a mudanças importantes, e que estão longe de ser concluídas, nas formas de relações e nas modalidades de entrelaçamento entre as finanças e a grande indústria.” (CHESNAIS, 1997:35). Portanto, a noção conceitual proposta por Hilferding e Hobson no final do século XIX

e início do século XX, serve para designar um arquétipo de capital financeiro que se constituiu a

partir da interconexão entre finanças concentradas e a grande indústria na Alemanha, Estados

Unidos e Inglaterra, porém que não consegue abarcar com precisão as dimensões assumidas pelo

capital financeiro a partir do último quartel do século XX.

Nesta perspectiva, nos associamos à definição de capital financeiro apresentada por

Braga, que contempla as principais características do atual padrão de acumulação, ao interpretar

essa fração do capital, como sendo a fusão das diferentes formas de riqueza ou, genericamente, a

fusão da forma lucro com a forma juros. Essa definição, já apresentada no primeiro capítulo da

tese, revela que o capital financeiro não é unicamente aquele capital monetário que está na

circulação financeira stricto sensu, realizando ganhos derivados dos juros e de operações de

arbitragem, mas um capital que, em seu movimento de valorização, se desdobra simultaneamente

nas duas dimensões de valorização do capital, na dimensão financeira e na dimensão produtiva.

E o conceito de capital imobiliário também sofreu alguma transmutação? Há uma

ruptura com conceitos historicamente forjados?

A resposta a esse questionamento nos parece mais desafiadora, no sentido de que o

capital imobiliário encontra-se em pleno processo de transformação. O capital imobiliário tem

sido constantemente apresentado nos debates sobre a reprodução do espaço urbano,

particularmente nas discussões sobre especulação fundiária e de imóveis, como uma espécie de

“capital supremo”, onipresente, especulativo, viabilizador, nos termos de Lessa & Dain, de uma

sagrada aliança de interesses. Nesses termos, as análises têm atribuído ao capital imobiliário um

caráter genérico, auto-explicativo, quase uma entidade mediúnica, o que tem induzido reflexões

parciais e/ou equivocadas sobre fatos e políticas de intervenção.

Page 150: Tese Paiva,ClaudioCesarde

139

Em outras palavras, não basta eleger o inimigo – o capital imobiliário – como sendo o

responsável por todos os malefícios urbanos (incorporação predatória do espaço urbano, falta de

moradias, periferização, degradação ambiental, aumento da criminalidade e da marginalidade

social), é necessário qualificar o inimigo, ou seja, quem é o capital imobiliário? quais são suas

formas de atuação?

Quando nos referimos ao capital imobiliário estamos discutindo um importante

circuito de acumulação de capital, cujo processo de valorização ocorre através da

apropriação de diversos tipos de renda urbana, derivados da produção e da circulação do

ativo imobiliário (exploração via venda, locação ou arrendamento). Essa definição mostra a

complexidade do problema em procurar identificar o “inimigo”, pois poderá ser a grande

construtora, as empresas proprietárias de grandes áreas comerciais, os bancos, as instituições de

crédito, os loteadores, as incorporadoras, o grande empreiteiro de obras públicas, os proprietários

rentistas, o corretor de barracos nas favelas, o traficante, enfim, qualquer agente econômico que

exerça a função especulativa com a propriedade fundiária e imobiliária.

A diversidade de agentes econômicos atuando no circuito imobiliário mostra que a

acumulação de capital ocorre com base na existência de ciclos autônomos de capitais

especializados, cujas condições de valorização são diferentes, dada pelas funções específicas que

cada capital desempenha no circuito imobiliário (produção, circulação e crédito). Portanto, são

capitais individuais que se apropriam de formas distintas de rendas ao longo do ciclo de produção

do ambiente construído e de reprodução do capital imobiliário.

No que concerne à especialização de capitais e às condições de sua valorização nas

diferentes fases do ciclo, Topalov (1979) 139 aponta para a existência de cinco ciclos de

reprodução do capital investido na produção e circulação de habitações: o ciclo do capital

industrial (dinheiro - capital produtivo - dinheiro), o ciclo do capital de empréstimos à produção

(dinheiro - dinheiro), o ciclo do capital promocional (dinheiro - terreno-mercadoria - dinheiro), o

ciclo do capital de empréstimo à circulação (dinheiro - dinheiro) e o ciclo do capital de consumo

139 Trabalho originalmente apresentado num colóquio organizado pelo Centre d’Etudes et de Recherches Marxistes, em 1973, e publicado nos Cahiers du CERM, Paris, 1974, com o título “Capitalisme monopoliste d’État et propriété foncière”. No Brasil foi publicado em uma coletânea organizada por Reginaldo Forti, em 1979, com o título “Análise do Ciclo de Reprodução do Capital Investido na Produção da Indústria da Construção Civil: capital e propriedade fundiária”, com tradução de Maria Helena Vaz..

Page 151: Tese Paiva,ClaudioCesarde

140

da construção civil (dinheiro - meios de produção como mercadoria localizada – mercadoria -

dinheiro)140.

De modo geral, quando se discute capital imobiliário está se tratando da forma

mercantil de produção do espaço urbano (parcelamento, construção, incorporação, financiamento,

etc.), ou seja, de capitais individuais que se colocam na forma de capital mercantil imobiliário.

Entretanto, as novas relações estabelecidas entre o capital financeiro e o capital imobiliário, sob

égide de um capitalismo financeirizado, suscitou, por um lado, a obsolescência (ou insuficiência)

do conceito de capital mercantil imobiliário em captar a essência de uma nova relação muito mais

complexa e, por outro lado, contribuiu para a emergência do que denominamos de capital

financeiro imobiliário.

Não obstante, é necessário salientar que não se trata de um rompimento definitivo

com o conceito de capital mercantil imobiliário, uma vez que, na maioria das economias em

desenvolvimento, dada a pequena profundidade dos mercados de capitais, o movimento do

capital financeiro imobiliário ainda é substancialmente exíguo e, portanto, impérvio na dinâmica

macroeconômica. Ademais, a insuficiência teórica para captar os novos movimentos do capital

imobiliário não inviabiliza (e, por definição, jamais inviabilizará) as análises derivadas da

atuação do capital mercantil imobiliário, apenas impulsiona a construção de um novo conceito

mais abrangente.

O capital financeiro imobiliário, formado a partir de novas articulações do capital

financeiro com o capital imobiliário, procura criar e ampliar, sob condições de maior liquidez, as

bases sobre as quais serão apropriadas as rendas imobiliárias141. Para tanto, articula de maneira

orgânica o sistema financeiro (acesso a recursos financeiros e instrumentos de liquidez), os

grandes investidores institucionais, o setor imobiliário (especialmente o incorporador imobiliário

– que é o grande baluarte do capital mercantil imobiliário) e também o Estado.

No concernente a esse último elemento é importante ressaltar que o Estado tem um

papel fundamental no processo de acumulação do capital financeiro imobiliário, tendo em vista

que o mesmo é cooptado tanto para promover a flexibilização da legislação urbana em nome de

uma pseudo modernização, maximizadora da atratividade local para o investimento capitalista,

140 A discussão desses ciclos autônomos de capitais especializados encontra-se em Topalov (1979:60-61) 141 Considera-se a renda imobiliária as receitas provenientes da propriedade fundiária, da propriedade imobiliária (área construída) e dos direitos de propriedade. Portanto, uma definição que amplia o tradicional conceito de renda fundiária urbana.

Page 152: Tese Paiva,ClaudioCesarde

141

que transformaria áreas urbanas num espaço de empreendedores e a cidade numa “máquina de

crescimento”, quanto para manter a estabilidade macroeconômica, de modo que não ocorram

grandes flutuações na taxa de câmbio e na taxa de juros. Em outras palavras, o Estado assume o

papel de viabilizador de interesses privados sobre os ativos imobiliários e de sancionador de

lucros no circuito imobiliário.

O processo de securitização de ativos imobiliários tem se constituído a amálgama

entre o capital financeiro e o capital imobiliário ao proporcionar que um ativo físico, de baixa

liquidez e elevado custo de transação, adquira a característica de um ativo financeiro com elevada

liquidez, especialmente quando a securitização ocorre em países com mercados secundários

organizados e profundos. Com efeito, o processo de securitização ao conferir liquidez aos direitos

de propriedade sobre o estoque de capital físico promoveu uma ampliação das oportunidades para

os investidores do mercado imobiliário, uma vez que os mesmos poderão exercer sua função

especulativa não somente com a propriedade fundiária e imobiliária, mas também com os direitos

de propriedade.

De acordo com Pryke (1994) o aprofundamento nas relações entre o capital

imobiliário e o capital financeiro, que se torna claro com o envolvimento crescente das

instituições financeiras no financiamento das atividades imobiliárias, apresenta duas

conseqüências imediatas: “First, property markets present financial markets with a range of new

credits and default risks that allow scope for the transmission of specific sector risks throughout

the financial system. Second, integration may now spread property-related risks from ‘infected’

regions to those regional property markets that should otherwise remain relatively unscathed.”

(PRYKE, 1994:169).

Os apontamentos realizados por Pryke remetem para o fato de que a fusão entre essas

duas frações do capital tem sido responsável pelo aumento da fragilidade e da instabilidade

financeira ao promover o espraiamento dos riscos de crédito e de liquidez (risco de default) para

áreas e setores diversos, partindo, obviamente, da estrutura financeira de financiamento. Na

verdade, trata-se de uma fusão de frações de capitais cuja natureza individual de

valorização é intrinsecamente especulativa142, onde raríssimas são às vezes em que as bases

econômicas que poderiam sancionar o otimismo exacerbado dos agentes econômicos são

142 Segundo Nappi-Choulet nos Estados Unidos quase 70% dos imóveis construídos por promotores imobiliários são realizados sem o contrato prévio com os usuários e para uso locativo. (Nappi-Choulet, 1999:325).

Page 153: Tese Paiva,ClaudioCesarde

142

sólidas. Não obstante, verifica-se que a grande maioria dos agentes imobiliários forma seu estado

de confiança a partir de algumas convenções adquiridas com a experiência de mercado - o feeling

empresarial.

Num contexto em que o setor imobiliário emerge como alvo privilegiado do

investimento realizado por grandes investidores institucionais e por instituições financeiras

bancárias e não-bancárias, o capital financeiro imobiliário surge como resultado de uma

necessidade e de uma busca incessante para “revolucionar” as formas de acumulação de capital,

decorrentes da exploração de ativos imobiliários. Para tanto, um conjunto de inovações

financeiras são implementadas, por meio de novos instrumentos e novas formas de atuação do

capital imobiliário, no sentido de reduzir as barreiras aos investimentos em ativos imobiliários e

maximizar os lucros provenientes do mercado imobiliário. Com isso, uma sagrada trindade se

estabelece entre o capital financeiro, as inovações financeiras e o capital imobiliário.

Essa tríade tem possibilitado uma combinação extremamente eficiente entre liquidez e

rentabilidade nos países desenvolvidos, onde existem mercados secundários profundos para a

negociação de ativos de base imobiliária (mortgage-based securities). Como resultado desse

processo, os grandes empreendimentos imobiliários que apresentavam fortes entraves para a

montagem de um funding, em virtude dos longos prazos de maturação, da baixa liquidez e das

incertezas inerentes a qualquer empreendimento, ganham uma nova dinâmica de valorização com

a presença de novos agentes econômicos e com a proliferação de novos produtos financeiros.

No entanto, as inovações promovidas pelo capital financeiro imobiliário não se

restringem ao aspecto de ampliação da liquidez dos imóveis através da mercantilização do direito

de propriedade, mesmo porque isso não seria suficiente para justificar uma insuficiência teórica

nas análises baseadas no capital mercantil. Há duas inovações impostas pelo capital financeiro

imobiliário que são fundamentais. A primeira refere-se ao fato do capital financeiro imobiliário

comandar, em certos momentos, o processo de acumulação vis-à-vis a bolha imobiliária no Japão

e nos Estados Unidos. A segunda característica inovadora é a capacidade de sincronizar

movimentos internacionais de boom e colapsos dos preços dos ativos imobiliários em um

conjunto de cidades que fazem parte de um circuito mundial de valorização patrimonial. Em 1987,

por exemplo, os dados sobre valorização da propriedade imobiliária comercial em algumas

cidades mostravam um crescimento nos preços dos imóveis na seguinte proporção: 61% em

Tóquio, 25% em Frankfurt, 40% em Londres, 38% em Sidney, 37% em Helsinki e 50% em

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143

Madri. Em 1992, após o estouro da bolha imobiliária, essas cidades também apresentam

uniformidade no colapso dos preços dos imóveis comerciais: -19% em Tóquio, -24% em

Frankfurt, -30% em Londres, -35% em Sidney, -20 em Helsinki e – 28% em Madri.

As flutuações nos níveis de preços dos imóveis nessas cidades estão diretamente

relacionadas à elevada disponibilidade de crédito por meio de empréstimos ou investimentos

diretos realizados pelo setor bancário e por outras instituições financeiras na propriedade

imobiliária comercial. Todavia, conforme afirmou Coakley (1994), a compreensão dessa relação

entre a propriedade imobiliária e o setor financeiro não é algo tão trivial, sobretudo quando a

natureza complexa da propriedade é reduzida a uma commodity, pois obscurece o fato da

“commercial property serves as both a use value for financial services firms and other occupiers

and as an exchange value for investors.” Não obstante, o autor conclui que “the duality of

property or real estate as both use -and exchange value is more complex than in the case of many

other commodities, partly because of its inherent nature and partly because of the increasing

integration between property and financial markets.” (COAKLEY, 1994:699).

Essa capacidade de comandar, ainda que por períodos bem definidos, o processo de

acumulação de capital e de sincronizar os movimentos cíclicos dos preços dos ativos numa

dimensão internacional, torna o capital financeiro imobiliário uma modalidade exponencial

do capital no âmbito de um padrão de acumulação financeirizado. A implicação direta desta

perspectiva é que, dada uma conjunção nacional específica de políticas macroeconômicas e de

um arcabouço institucional que favoreça o desenvolvimento de uma economia de boom, as

bolhas de ativos poderão ser infladas e desinfladas inclusive a partir de processos

transfronteiriços. Portanto, o processo de desregulamentação e liberalização financeira tende a

tornar as ações das autoridades monetárias quase inócuas, reservando a essas instituições um

papel de gestora da crise financeira.

A dimensão destrutiva do estouro de uma bolha especulativa promovida pelo capital

financeiro imobiliário dependerá do grau de integração da bolha especulativa com as estruturas

financeiras de financiamento. Essa assertiva nos parece uma hipótese fundamental e plausível

para explicar os distintos impactos sobre a economia real dos estouros de bolhas imobiliárias, a

partir do final da década de 1980, nos Estados Unidos e, em seguida, disseminando-se com

notável amplitude para outros grandes mercados imobiliários internacionais como Japão,

Inglaterra, França e Alemanha.

Page 155: Tese Paiva,ClaudioCesarde

144

Sendo assim, as flutuações conspícuas nos preços dos ativos imobiliários tende a se

tornar um condutor endógeno de instabilidade econômica e financeira ao expor as estruturas

financeiras de financiamento ao risco sistêmico, sobretudo quando ocorre a reversão das

expectativas e o descasamento entre ativos e passivos (obrigações contratuais) na carteira dos

agentes econômicos. Com efeito, amplia-se a possibilidade de que um choque localizado em

algum tipo de propriedade imobiliária (mercados residenciais, mercados de escritórios, mercados

industriais, mercados de hotéis, etc), possa desencadear uma crise do sistema financeiro e que

essa crise possa se transmitir ao sistema como um todo e, eventualmente, levar a um colapso da

economia.

4.3. Os ventos do “Moinho Satânico”: bolhas especulativas no mercado

imobiliário e os impactos na economia real

"This 'bewildering' world of high finance encloses an equally bewildering variety of cross-cutting activities, in which banks borrow massively short-term from other banks, insurance companies and pension funds assemble such vast pools of investment funds as to function as dominant 'market makers', while industrial, merchant, and landed capital become so integrated into financial operations and structures that it becomes increasingly difficult to tell where commercial and industrial interests begin and strictly financial interests end."

David Harvey (1989)

A discussão realizada na seção anterior procurou mostrar que a articulação mais

sistêmica do capital financeiro com o capital imobiliário, no âmbito de um processo de

acumulação financeirizado, foi responsável pela emergência do capital financeiro imobiliário,

cuja natureza de valorização é intrinsecamente especulativa, com o agravante que essa “nova”

modalidade do capital está fortemente arraigada com as estruturas de financiamento, o que tende

a manter constantemente a economia sob o risco sistêmico.

Assim sendo, numa economia capitalista de endividamento como a contemporânea,

cuja natureza se mostra fundamentalmente especulativa, as crises sistêmicas de reprodução do

Page 156: Tese Paiva,ClaudioCesarde

145

capital tornam-se recorrentes e severas, induzindo a precipitação de movimentos de liquidação

generalizada de ativos. Desse modo, estando a economia sujeita a uma incerteza não redutível ao

cálculo probabilístico, a dinâmica econômica torna-se dependente, adotando-se a hipótese da

instabilidade financeira de Minsky, das mudanças na preferência pela liquidez dos agentes

econômicos, ou seja, a instabilidade econômica é endogenamente gerada pela deterioração das

expectativas e pelo conseqüente processo de fragilização financeira dos agentes econômicos.

O comportamento dos agentes econômicos na composição do portfólio é classificado

por Minsky (1991:160-1) como sendo: hegde finance, especulativo (speculative finance) e Ponzi.

No primeiro caso, os fluxos de receitas são sempre superiores aos fluxos de pagamentos,

evidenciando em determinados momentos uma posição conservadora do investidor, porém o

sistema apresenta-se saudável do ponto de vista financeiro. No segundo tipo, tem-se uma postura

financeira caracterizada pela existência de déficit no início da série de tempo – apesar dos fluxos

de receitas serem suficientes para cobrir os juros nos períodos iniciais – necessitando, deste modo,

ser refinanciada. A terceira corresponde a uma estrutura financeira especulativa em que também

existem déficits nos períodos iniciais, porém, com o agravante das receitas não serem suficientes

para pagar os juros, o que resulta num aumento da dívida, dada a necessidade de uma

capitalização dos juros com o principal.

A rápida expansão da tecnologia da informação e os novos instrumentos financeiros

ao proporcionarem maior liquidez para os ativos imobiliários e mitigar os riscos envolvidos com

o empreendimento, devido a distribuição dos riscos por meio da pulverização do investimento em

títulos mobiliários, passaram a despertar o animal spirits dos investidores, que, por sua vez, se

deslocavam rapidamente de uma posição hedge para uma posição especulativa ou Ponzi. Com

efeito, não seria surpresa se alguns agentes econômicos refutassem a insígnia de especulador

inveterado através de afirmações do tipo: “eu não sou Ponzi, eu estou Ponzi”.

A decisão dos investidores de modificar a postura financeira ocorre com base na

ampliação da liquidez dos ativos imobiliários e na percepção de tendências diametralmente

opostas entre riscos e retornos, mas é potencializada pela ampliação da oferta de crédito bancário.

Essa ampliação dos empréstimos do setor bancário para transações especulativas no mercado

imobiliário, representa mais do que uma convergência de interesses entre agentes tomadores e

prestamistas de capital, significa, sobretudo, um incentivo vital para que as firmas passem a

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146

utilizar com maior freqüência os mecanismos de debt-finance no financiamento de suas inversões

(especulativas ou não).

De modo geral, em períodos de crescimento econômico, quando ocorre a confirmação

das expectativas de valorização dos ativos financeiros, os investidores são estimulados a

assumirem posições mais especulativas, bem como maior alavancagem financeira junto ao

sistema bancário. Logo, a “exuberância irracional” surge como uma tendência crônica da

economia contemporânea, cuja natureza resultará nas bolhas especulativas de ativos, isto é, uma

situação onde o preço dos ativos torna-se inconsistente com seus valores fundamentais.

Entretanto, por se tratar de transações especulativas, a possibilidade de frustrações das

expectativas é recorrente, o que pode conduzir a economia a uma crise financeira e bancária de

graves proporções, uma vez que grande parte dos empréstimos são realizados com base na

utilização de imóveis como colaterais. Sendo assim, Herring & Wachter (1999:04), ressaltam que

a “interactions between the real estate market and bank behavior can be used to interpret recent

examples of real estate booms linked to banking crises”. A despeito da constatação de uma

importante relação entre os booms imobiliários e as crises de solvência bancária, os autores

afirmam:

“Real estate bubbles may occur without banking crises. And banking crises may occur without real estate bubbles. But the two phenomena are correlated in a remarkable number of instances. The consequences for the real economy depend on the role of banks in the country’s financial system. In the US, where banks hold only about 22% of total assets, most borrowers can find substitutes for banks loans and the impact on the general level of economic activity is relatively slight. But in countries where banks play a more dominant role, such as US before the Great Depression (where banks held 65% of total assets), or present day Japan (where banks hold 79% of total assets), or emerging markets (where banks often hold well over 80% of total assets), the consequences for the real economy can be much more severe”. (HERRING & WACHTER, 1999:02-03).

Desse modo, as explicações para impactos diferenciados das bolhas especulativas

imobiliárias devem ser procuradas na interação entre os movimentos especulativos responsáveis

pela formação das bolhas e as estruturas financeiras. Contudo, o tratamento teórico dado as

bolhas especulativas tem sido bastante controverso, como ficou evidente na incursão realizada no

terceiro capítulo, embora a literatura econômica tenha repercutido de forma quase uníssona que

Page 158: Tese Paiva,ClaudioCesarde

147

as bolhas especulativas são nocivas, com base num histórico de infortúnios econômicos e

financeiros advindos de seu rompimento.

Entretanto, essa visão que tende a generalizar as análises sobre as bolhas

especulativas se mostra parcial, considerando que, na prática, muitas delas têm sido forjadas pela

própria autoridade monetária como um mecanismo anticíclico, ora para amenizar o ajuste nos

preços dos ativos, derivado de um processo de desinflação da bolha anterior, ora como propulsora

do crescimento econômico. Não é demais lembrar que o ex-presidente do FED, Alan Greenspan,

foi por diversas vezes acusado de inflar bolhas como mecanismo anticíclico da economia

americana, o que lhe garantiu a designação de “serial bubble-whistler”.

O problema de uma economia de bolhas encontra-se na reversão das expectativas, isto

é, no momento em que os investidores percebem as frágeis bases dos ciclos especulativos

alavancados pelo crédito. A mudança do estado de confiança dos agentes econômicos promove

uma ruptura com as convenções estabelecidas, o que tende a resultar no estouro das bolhas

especulativas. O ponto fundamental é que não é possível predizer o momento exato do estouro de

uma bolha especulativa, tampouco é passível de previsibilidade e de mensuração ex ante os

efeitos econômicos da desinflação de uma bolha, de onde se deduz que a emergência de uma

espécie de economia de bolhas permanente poderá resultar numa grande “ressaca”

macroeconômica.

Desse modo, quando ocorre uma frustração nas expectativas de valorização dos ativos

imobiliários desencadeia-se um processo abrupto de deflação dos preços desses ativos e um

conseqüente ajuste da riqueza financeira (efeito riqueza adverso), com impactos significativos

sobre a economia real. De acordo como Coutinho & Belluzzo “quanto mais abrupta e

‘inesperada’ a deflação de ativos, maior será o número de agentes relevantes atingidos por

severos desequilíbrios patrimoniais, que podem culminar na disrupção das cadeias de

pagamento, gerando uma crise de liquidez sistêmica”. (COUTINHO & BELLUZZO, 1996:132)

Em outras palavras, num regime de acumulação financeirizado, com predomínio de

comportamentos rentistas e alavancagem excessiva das famílias e das firmas, a instalação de um

processo cumulativo de queda de preços de ativos, tende a adquirir um caráter de crise sistêmica,

já que os contratos financeiros firmados referem-se a transações que envolvem obrigações e

direitos a serem exercidos em data futura. Desse modo, quando os agentes econômicos se

endividaram para financiar seu portfólio, assumiram dívidas e juros contratuais que não declinam

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148

com a deflação de ativos. Com efeito, os agentes racionais são pressionados a liquidar seus ativos

de maior liquidez para sair da posição de risco de inadimplência, no entanto, esse ajuste na

carteira de ativos acaba por engendrar uma grave crise macroeconômica, pois alimenta um

intenso processo de deflação nos preços dos ativos, podendo culminar teoricamente numa crise à

la Fisher.

Na prática, no entanto, as crises financeiras não têm atingido a dimensão proposta por

Irving Fisher, considerando que as crises sistêmicas têm sido amenizadas com a atuação do que

Minsky chamou de Big Government (Governo Federal) e Big Bank (Banco Central), que

conjuntamente procuram acomodar a necessidade de liquidez e evitar uma recessão

macroeconômica muito profunda. Entretanto, dada a dimensão financeira das crises

contemporâneas, nem sempre a atuação do Big Bank e do Big Government é suficiente para evitar

uma forte recessão econômica vis-à-vis a crise econômica provocada pelo estouro da bolha

imobiliária no Japão no início da década de 1990.

Os ventos do “moinho satânico” transformaram-se num turbilhão especulativo a partir

da década de 1980, provocando flutuações conspícuas nos grandes mercados imobiliários

internacionais, com forte expansão dos investimentos em imóveis comerciais e em grandes

operações urbanas, como Battery Park (Nova York), Docklands (Londres), Kop van Zuid

(Roterdã). Em muitas economias, a intensa elevação dos preços no mercado imobiliário foi um

potente motor de crescimento econômico. No entanto, o grande volume de inversões

especulativas no mercado imobiliário comercial, em especial na construção de escritórios de alto

padrão, permitiu a ampliação da oferta para um nível muito além da demanda nos principais

mercados financeiros do mundo. Com isso, a taxa de vacância se elevou bastante, precipitando no

final da década de 1980 um forte ajuste no mercado imobiliário, que teve início nos Estados

Unidos, mas rapidamente propagou-se para outros mercados como Inglaterra, Japão, Alemanha,

França, Suécia, Nova Zelândia e Canadá.

O fato é que a emergência de um processo de acumulação financeirizado acentuou nas

economias capitalistas a fragilidade e a instabilidade financeira. No epicentro das crises

econômicas-financeiras internacionais ocorridas a partir do final dos anos 80, encontra-se,

invariavelmente, o capital imobiliário amalgamado com o capital financeiro, dando organicidade

ou potencializando movimentos especulativos. Para compreender a importância que o capital

financeiro imobiliário tem assumido na dinâmica de acumulação, será realizada na próxima seção

Page 160: Tese Paiva,ClaudioCesarde

149

uma análise empírica da emergência, expansão e rompimento da bolha especulativa imobiliária

no Japão.

4.4. A Emergência e o Estouro da Bolha Imobiliária no Japão: do

capitalismo kamikaze à aterrissagem forçada

No início da década de 1990 ocorreu o estouro da bolha especulativa imobiliária no

Japão, desencadeando uma crise macroeconômica de proporções gigantescas que colocou fim ao

sonho japonês de assumir a hegemonia do Sistema Financeiro Internacional e estabelecer uma

espécie de “Pax Nipônica”.

A análise sobre a emergência, expansão e o rompimento da bolha imobiliária no Japão

é emblemática, no sentido de que, embora a relação entre capital imobiliário e capital financeiro

seja recorrente na história do capitalismo, nunca houve um país em que a tensão entre essas duas

frações do capital resultasse numa crise econômica de dimensões tão expressivas. Além disso, a

relevância da discussão dessa crise está no fato de que os elementos centrais do processo de

valorização dos ativos e, conseqüentemente, responsáveis pela emergência de uma “economia de

bolhas”, estão diretamente relacionados com os fatores condutores da transformação da economia

japonesa em potência financeira global na década de 1980. Sendo assim, a compreensão do caso

japonês é de suma importância para mostrar como os movimentos macroeconômicos reativos às

pressões e políticas adotadas pelo país hegemônico, os Estados Unidos, foram fundamentais na

geração da bolha especulativa.

No Japão a década de 1980 foi um período de transição de um modelo de

“capitalismo organizado”, onde o arcabouço institucional do sistema financeiro havia sido

direcionado pelo Estado para viabilizar fluxos de recursos ao setor produtivo, de tal modo que

permitisse a sustentação de elevadas taxas de acumulação de capital aos keiretsu143, para um

paradigma de acumulação financeirizado, onde os mercados monetários e de capitais viabilizam a

valorização fictícia da riqueza, através de operações especulativas e da instabilidade financeira.

Portanto, trata-se de uma transição de um modelo de gestão da riqueza fundamentalmente

143 O keiretsu é um complexo de empresas industriais e financeiras fortemente interligadas. Em outras palavras, refere-se à forma de conglomeração do grande capital japonês que surgiu a partir da II Guerra Mundial, onde grandes empresas se articulam em torno de um grande banco comercial. Para maiores informações a respeito da importância dos keiretsu, inclusive a análise das diferenças com os zaibatsu, ver: Torres (1983 e 1992) e Ballon & Tomita (1988).

Page 161: Tese Paiva,ClaudioCesarde

150

produtivista para um modelo de gestão da riqueza, cuja valorização ocorre num ambiente de

capitalização intrinsecamente especulativo.

É nesta nova conjuntura que ocorreu o aprofundamento das relações entre o capital

financeiro e o capital imobiliário, tendo como base de sustentação algumas transformações

institucionais como a liberalização e a desregulamentação do movimento de capitais, as múltiplas

inovações financeiras, a securitização das atividades financeiras, a monetarização das tesourarias

das empresas e a institucionalização crescente dos mercados de capitais como fonte de

financiamento de investimentos de longo prazo.

Nesse cenário, o capital financeiro imobiliário encontrou um eixo importante para a

especulação e acumulação de capital, uma vez que a terra é um ativo altamente valorizado no

Japão, tanto pelo setor corporativo quanto pelas famílias, pois é utilizada não somente para a

produção de moradias, mas também como colateral nos empréstimos realizados pelo setor

corporativo junto ao sistema bancário.

Todavia, ao abandonar o modelo de desenvolvimento produtivista, orquestrado sob

um “capitalismo organizado”, o Japão se inseriu como um verdadeiro Kamikase144 no mundo das

finanças e da especulação, do rentismo contemporâneo, onde as estratégias de valorização do

capital são ditadas por instituições de finança privada. No entanto, o rompimento da bolha

especulativa no mercado imobiliário (baburu – como os japoneses a denominam) revelou a

dimensão do turbilhão especulativo e seus efeitos nefastos para o desenvolvimento econômico do

país, o que obrigou o Japão realizar uma aterrissagem forçada.

4.4.1. O Processso de Desregulamentação Financeira e o Fim do

“Capitalismo Organizado”

Após a destruição de sua economia na II Guerra Mundial e da submissão às políticas

de ocupação do território impostas pelo Governo americano, que promoveu uma ruptura da

144 kami significando "deus" e kaze, "vento", é uma palavra Japonesa — comum por ter se tornado o nome de um tufão que se diz ter salvo o Japão de uma invasão da frota liderada por Kublai Khan, em 1281. A invasão seria realizada pelo exército chinês. Em Japonês o nome "kamikaze" é apenas usado para designar este tufão, e neste caso, pode ser traduzido como: "Vento de Deus em prol do Japão". Na língua inglesa, contudo, refere-se habitualmente aos pilotos japoneses que participaram do ataque aéreo suicida em Pearl Harbor, durante a Segunda Guerra Mundial.

Page 162: Tese Paiva,ClaudioCesarde

151

ordem política e econômica145, o Japão surpreendeu o mundo ao apresentar um longo período de

crescimento do produto nacional. No período compreendido entre 1953 e 1973, que ficou

conhecido como o “milagre econômico japonês”, a taxa média de crescimento anual do produto

nacional bruto foi de aproximadamente 10%, o que possibilitou ao país se transformar, a partir de

1968, na segunda maior economia do mundo capitalista.

O milagre econômico japonês se constituiu num dos exemplos mais interessantes da

teoria do desenvolvimento 146 , não somente porque apresentou um crescimento elevado e

sustentável por um longo período que lhe permitiu afastar-se do espectro da pobreza e do atraso

econômico, mas, sobretudo, porque as condições estruturais no imediato pós-guerra indicavam

que o Japão dificilmente ocuparia novamente uma posição de destaque entre as principais nações

industrializadas. Neste contexto, é importante salientar, embora seja de amplo conhecimento, que

o Japão era “um país dependente de importações de praticamente todos os recursos naturais

estratégicos, devastado pela Segunda Guerra Mundial, atrasado tecnologicamente, protecionista

comercialmente, avesso ao capital estrangeiro e submetido a forte intervenção estatal.”

(TORRES FILHO, 2000:06).

Todavia, o rompimento do Acordo de Bretton Woods e o primeiro choque do petróleo

colocaram em xeque o milagre econômico japonês, provocando uma forte desaceleração

econômica associada com inflação e déficit externo elevados. Com efeito, a taxa média de

crescimento anual do PNB do Japão, nas décadas de 1970 e 1980, foi de apenas 4,0%, uma taxa

de crescimento muito inferior ao período do milagre, mas ainda significativamente superior às

taxas de crescimento das demais economias industrializadas (EUA, Reino Unido, Alemanha e

França), conforme mostra os dados da Tabela 4.1.

145 Dentre as mudanças estruturais impostas pelos EUA podem ser destacadas: a democratização das instituições políticas, o aniquilamento do poder político dos latifundiários, a desmilitarização, a realização de uma reforma agrária em apenas 21 meses que beneficiou 4 milhões de famílias e a dissolução dos grandes conglomerados – os zaibatsu. O termo zaibatsu foi utilizado no Japão a partir de 1920 para fazer referência aos quatro maiores grupos econômicos do país (Mitsui, Mitsubishi, Sumitomo e Yasuda). 146 Albert Hirschman teria dito uma frase que realça essa importância do modelo de desenvolvimento japonês: “Existem duas exceções à teoria do desenvolvimento econômico: a Argentina e o Japão. A primeira tinha tudo para dar certo e deu errado. O segundo tinha tudo para dar errado e deu certo”.

Page 163: Tese Paiva,ClaudioCesarde

152

TABELA 4.1 TAXA MÉDIA DE CRESCIMENTO ANUAL DO PRODUTO NACIONAL BRUTO

(Estados Unidos, Japão e Alemanha) Em percentagem

PERÍODOS SELECIONADOS PAÍSES

1953-1973 1974-1982 1983-1991 1992-1999 ESTADOS UNIDOS 3,6 1,5 3,0 3,6

ALEMANHA (1) 5,8 1,6 3,1 1,4

JAPÃO 9,4 4,0 4,4 1,0

REINO UNIDO 3,1 1,0 2,4 2,5

FRANÇA 5,3 2,4 1,9 1,7

Fonte: Relatórios do FMI (1) dados relativos à Alemanha Ocidental

Essa taxa de crescimento da economia japonesa foi sustentada por profundas

mudanças na organização da produção e da indústria, através da especialização em segmentos

mais intensivos em P&D dos ramos de processamento e o desenvolvimento de novas técnicas

industriais que reduziram substancialmente os custos de produção e aumentaram a produtividade

e a qualidade dos produtos. Com isso, o Japão atingia seu catching up em termos de tecnologia e

estrutura produtiva, e tornava-se, em fins da década de 1970, líder em vários segmentos

importantes da indústria, como a automobilística, a eletrônica, a metal-mecânica e a de bens de

capital, transformando-se em referência de reestruturação produtiva e de modernidade em nível

internacional.

A elevação das taxas de juros pelo Banco do Japão 147 para conter a pressão

inflacionária, entre 1976 e 1979, fez ampliar a demanda por títulos japoneses, o que contribuiu

para que o país pudesse reverter os déficits nas contas externas a despeito da grande valorização

cambial. A taxa de câmbio iene/dólar que havia se mantido fixa em 360 ienes no período entre

1949 e 1971, atingiu 183 ienes em outubro de 1978, o que revelava que o aumento da

competitividade da indústria japonesa não estava baseado, como sugeria os americanos, numa

competitividade espúria, mas em ganhos de produtividade derivados de uma intensa automação e

de novos métodos de produção.

147 Bank of Japan Policy Board (BOJ)

Page 164: Tese Paiva,ClaudioCesarde

153

Em fins de 1979 o mundo é surpreendido pelas mudanças na política macroeconômica

dos Estados Unidos que procurava restaurar a hegemonia por meio da diplomacia do dólar forte.

A elevação da taxa de juros a níveis sem precedentes resultou numa forte valorização da moeda

americana, que, por sua vez, afetou a competitividade de sua indústria. Aos poucos o Japão

tornou-se um dos grandes beneficiários dos crescentes déficits comerciais americano, tanto que o

saldo comercial entre os dois países que já era superavitário em US$ 18,1 bilhões em 1982 em

favor do Japão, se elevou para US$ 51,4 bilhões em 1985.

A intensa entrada de capitais na primeira metade da década de 1980, devido ao

acúmulo de superávits em conta corrente, pressionava o mercado cambial, tornando mais

premente a necessidade de mudanças do arranjo institucional, especialmente no que tange a

flexibilização das exigências de internalização da moeda americana. A pressão sobre o Banco do

Japão era cada vez maior, pois se não ocorresse a flexibilização o BOJ seria obrigado a adquirir

um grande volume de moeda estrangeira para manter estável a taxa de câmbio, que, do contrário,

tenderia a apreciar, prejudicando o superávit. No entanto, a compra das divisas pela autoridade

monetária criaria a necessidade de aumentar o endividamento público para esterilizar o impacto

monetário expansionista.148

Diante desse quadro, Torres Filho ressalta que dois grandes desafios se apresentaram

ao Japão: “o primeiro era realizar a transferência para o exterior desses vultosos excedentes em

moeda estrangeira – basicamente em dólares americanos – minimizando os impactos negativos

sobre os mercados domésticos de câmbio, juros e ativos, bem como sobre o nível de emprego;”

ao passo que o segundo desafio “era como enfrentar as pressões norte-americanas para

liberalizar tanto as importações de bens e serviços como a conta de capital japonesa com o

exterior.” (TORRES FILHO, 2000:08).

Esses desafios eram, contudo, muito mais complexos do que aparentavam, pois

implicavam em transformações substanciais nas estratégias de desenvolvimento do país, tendo

em vista que durante o período do milagre econômico a forte regulamentação financeira se

constituiu numa estratégia fundamental no processo de desenvolvimento, sendo responsável pelo

controle e repressão dos mercados de títulos de dívida negociáveis e das emissões de ações ao

grande público149. Ademais, foi esse contexto regulatório que possibilitou aos bancos assumirem

148 Cf.Levi (1998) 149 Ver Hoshi & Kashyap (1999)

Page 165: Tese Paiva,ClaudioCesarde

154

a dominância na intermediação financeira, tanto na absorção da poupança financeira quanto na

alocação de investimento, já que as empresas tinham no crédito bancário a grande fonte de

financiamento. Apesar da rígida regulamentação do mercado de capitais permitia-se que

empresas japonesas pudessem, em algumas ocasiões, fazer captações de crédito mais baratos no

exterior com a intermediação dos grandes bancos e das securities companies do país, desde

ocorresse uma prévia autorização.

O controle exercido pela autoridade monetária japonesa consubstanciava-se num

desenvolvimento capitalista específico quando comparado a outros países avançados, em virtude

tanto da forte imbricação entre bancos e grupos industriais, através de densas relações cruzadas

(provedores de financiamento, participação acionária e administrativa), quanto dos elevados

níveis de endividamento empresarial. Essa relação entre os City Bank (grandes bancos

comerciais), que eram os principais fomentadores de crédito, e os grandes grupos industriais

japoneses, permitiu uma expansão acelerada do investimento, sem que o elevado grau de

endividamento das empresas se tornasse um vetor de instabilidade financeira.

No entanto, a nova realidade econômica imposta ao Japão pela diplomacia do dólar

forte implicava no gerenciamento dos desequilíbrios externos como forma de evitar que a grande

entrada de divisas pudesse promover uma rápida valorização do iene e, com isso, gerar fortes

desequilíbrios macroeconômicos.

Nessas circunstâncias, um conjunto de medidas foram implementadas em 1980 com o

objetivo de promover uma gradual flexibilização na regulação financeira, por meio de

modificações na Lei de Controle Cambial e do Comércio Exterior, que incluía a eliminação dos

limites a operações cambiais por parte dos bancos e das empresas, e também a autorização para

que os investidores, inclusive os institucionais, diversificassem seus portfólios no exterior. Além

disso, a liberalização dos movimentos de capitais se deu em direção a outros quatro vetores:

introdução de instrumentos financeiros denominados em moeda estrangeira no sistema financeira

doméstico; acesso de agentes domésticos a instrumentos financeiros disponíveis no exterior;

permissão para que agentes estrangeiros se utilizassem de instrumentos financeiros disponíveis

no sistema financeiro doméstico; e criação do mercado de euro-ienes.150

Essas mudanças nas regulamentações financeiras refletiam um processo gradual e

incipiente de transformação da estrutura financeira japonesa, que havia se iniciado na segunda

150 Cf. Levi (1998:312)

Page 166: Tese Paiva,ClaudioCesarde

155

metade da década de 1970151, mas que só ganhou o impulso fundamental na década de 1980. A

regulamentação vigente, até então, estabelecia que os movimentos de capitais externos (IDE,

endividamento ou concessão de empréstimos e investimento em portfólio) eram proibidos, a

menos que fossem autorizadas previamente pelas autoridades. No entanto, a liberalização das

transações cambiais possibilitou que várias corporações fizessem a emissão de títulos de dívida

nos mercados externos, tanto que, entre 1983 e 1987, ocorreu vertiginoso crescimento das

captações de recursos pelas empresas japonesas por meio desse instrumento no mercado

internacional.

Em 1985, os Estados Unidos se reuniu com os demais países do G-5 (Japão, Inglaterra,

França e Alemanha), para mostrar que o processo de retomada da hegemonia econômica havia

resultado numa grande valorização de sua moeda e na redução da competitividade de suas

empresas no comércio internacional, e que uma aterrissagem forçada do dólar traria graves

conseqüências para a economia mundial. Diante desse cenário, foi proposto uma ação coordenada

dos bancos centrais, no sentido de promover uma desvalorização controlada do dólar (soft

landing), através da valorização simultânea das moedas desses países, o que ficou conhecido

como Acordo do Plaza152.

Desse modo, os Estados Unidos submetiam novamente seus parceiros, como havia

feito no início da década de 1980 por meio da diplomacia do dólar forte, ao projeto de

recuperação de sua economia. No caso do Japão, a terceira endaka153 desde o rompimento do

Acordo de Bretton Woods promoveu uma valorização inicial de 35% do iene em relação ao dólar,

o que induziu uma forte recessão no ano de 1986 e uma brusca queda da taxa de lucro dos setores

exportadores.

Numa reunião realizada pelos Ministros das Finanças do G-7, em fevereiro de 1987,

foi assinado o Acordo do Louvre, que previa a estabilização do dólar em torno dos níveis

correntes, o que obrigava as principais economias, inclusive a japonesa, a promoverem um

151 Refiro-me especialmente as mudanças de natureza interna, como as alterações no sistema de financiamento da dívida pública e o reconhecimento oficial da existência do mercado de financiamento de posições em títulos com carta de recompra (a criação do mercado Gensaki em 1976), já que os City Banks e as Securities Companies tomavam recursos por meio de operações lastreadas informalmente em títulos públicos, dado que essas instituições eram proibidas de revender os papéis. 152 A situação que se apresentava aos países do G-5 era assumir os custos de um ajuste soft landing do dólar cortando na própria carne, através do ajuste coordenado de suas políticas monetária e fiscal, ou assumir os custos imprevisíveis de um ajuste tipo hard landing da moeda americana, cujo primeiro impacto ocorreria nas relações comerciais com a possível aprovação de uma legislação protecionista pelo Congresso norte-americano. 153 A apreciação do iene é comumente chamada no Japão de endaka.

Page 167: Tese Paiva,ClaudioCesarde

156

afrouxamento das políticas monetárias com o propósito de impedir uma crise econômica,

decorrente da perda de competitividade no mercado internacional.

A partir de meados de 1987 a taxa de câmbio passa a apresentar relativa estabilidade

no seu processo de valorização, sendo cotada a 130 ienes por dólar, uma valorização bem

superior a projeção inicial de 170 ienes/dólar.

A desaceleração econômica apresentada pela economia japonesa em 1986 seria

rapidamente dissipada com a atuação ativa do Banco de Japão (BOJ), através de uma política

monetária expansionista, sobretudo com a utilização do mecanismo de redução da taxa de

redesconto de 5% (em janeiro de 1986), para 2,5% em fevereiro de 1997. Essa redução na taxa de

redesconto, a menor taxa do pós-guerra, resultou na retomada da atividade econômica e,

consequentemente, na elevação das taxas de crescimento da economia entre 1987 a 1990154.

O propósito das autoridades monetárias era compensar a perda de dinamismo do setor

exportador, que havia garantido o crescimento do país na primeira metade da década de 1980,

incentivando a demanda do mercado interno. Neste contexto, a execução da política monetária se

mostrou bastante funcional e alcançou relativo sucesso na absorção dos impactos negativos

proporcionados pelo choque de valorização do iene vis-à-vis a aceleração do consumo privado,

do investimento e do conseqüente crescimento econômico.

Além disso, a redução dos juros internos tornou possível obter compensações

financeiras pelo endaka, através de operações de arbitragem com ativos denominados em dólar,

uma vez que os spreads de juros em favor dos ativos denominados em dólar se tornaram

extremamente expressivos.

A possibilidade de obter grandes lucros com a arbitragem nos mercados financeiros

crescentemente integrados impulsionou várias corporações produtivas à prática de operações

especulativas em busca de lucros não-operacionais. Esse processo de arbitragem realizado por

empresas não-financeiras foi denominado de zaitech, cuja função primordial era prover mais

lucros e mais liquidez as corporações produtivas. Não obstante, Torres Filho afirma que “o

zaitech cumpriu um papel extremamente funcional para as empresas durante o endaka. Diante

da queda das exportações e da redução das margens de lucro, o zaitech foi um instrumento

importante para que as empresas se mantivessem lucrativas e promovessem os investimentos de

154 Cf. Melin (1998:352-353)

Page 168: Tese Paiva,ClaudioCesarde

157

que necessitavam para revitalizar suas posições de mercado com novos produtos e novas

tecnologias.” (TORRES FILHO, 1998:395)

TABELA 4.2 PRINCIPAIS CORPORAÇÕES ZAITECH EM TERMOS DE LUCROS PRÉ-

IMPOSTOS EM 1986

EMPRESAS LUCROS (em ¥ tri)

Proporção de Lucros não-operacionais (Zaitech)

Toyoto 99,0 45,4%

Matsushita 58,1 55,7%

Nissan 53,4 151,1%

Sharp 18,2 74,6%

Sony 17,2 56,9%

Fonte: Wako Economic Research Institute apud TORRES (1998)

A gradual desregulamentação dos controles sobre os movimentos de capital associada

à redução da taxa de redesconto estimulou os investidores, especialmente os institucionais, e

também as grandes corporações a redirecionarem suas estratégias de alocação de investimentos

para ativos estrangeiros de maior rentabilidade. Neste contexto, verifica-se uma concentração

substancial dos investimentos japoneses em duas áreas: a) no setor financeiro, particularmente na

compra de títulos da dívida pública norte-americana155; e b) na aquisição de imóveis, que refletia

uma estratégia das empresas imobiliárias japonesas de diversificar suas carteiras com imóveis em

países de baixo risco, em especial nos Estados Unidos e na Europa.

O processo de desregulamentação financeira na primeira metade da década de 1980 e

a forte valorização do iene (endaka) em 1985 foram responsáveis também por uma transformação

significativa no padrão de financiamento industrial japonês, o que representava, em princípio,

alterações importantes no relacionamento entre os bancos comerciais e os grandes conglomerados

econômico-financeiros – os keiretsu.

155 A aquisição de títulos do Governo americano por japoneses chegou atingir em 1986 algo em torno de US$ 9 bilhões mensais, dos quais 70% foram intermediados pelas quatro grandes securities companies (Nomura, Nikko, Daiwa e Yamaichi).

Page 169: Tese Paiva,ClaudioCesarde

158

Nesse sentido é pertinente ressaltar que o sistema de financiamento de longo prazo no

Japão esteve apoiado tradicionalmente no crédito bancário, de tal modo que os grandes

conglomerados econômicos se articulavam em torno de um grande banco comercial (main bank).

Além disso, havia um princípio tácito no sistema financeiro japonês156 que o main bank se

constituiria o garantidor, em última instância, dos financiamentos tomados pelas corporações, já

que quaisquer dificuldades em honrar os compromissos assumidos pelas empresas o main bank

deveria atuar no sentido de sanear financeiramente tais dificuldades. Portanto, o acesso ao crédito

bancário pelas grandes corporações dependia da aprovação do seu main bank, mesmo quando

essa instituição não fosse provedora direta de funding. Como conseqüência dessa relação as

“empresas normalmente apresentavam um elevado grau de endividamento junto ao setor

bancário e tinham no ‘banco principal’ não só sua principal fonte de crédito, mas também o

fiador de fato junto ao resto do sistema bancário.” (TORRES FILHO, 2000: 14)

No entanto, a partir dos anos 80 ocorre um redirecionamento estratégico das empresas

dos keiretsu em relação ao atendimento da demanda por crédito de longo prazo, em virtude da

possibilidade de obter empréstimos a custos inferiores aos praticados pelo sistema bancário

tradicional. O mercado de capitais, interno e externo, e os bancos no exterior tornaram-se as

principais fontes de recursos financeiros para essas empresas. Em termos de mercado interno um

fator relevante desse processo foi a criação em 1987 de um mercado doméstico para commercial

papers, que ampliava as opções financiamento de longo prazo das corporações, além de

flexibilizar ainda mais as regulamentações sobre o mercado de ações e reduzir o controle dos

bancos japoneses sobre as decisões da grande corporação.

O resultado desse processo foi uma forte migração do financiamento apoiado no

sistema bancário para o financiamento via securities (títulos de dívida e ações).

Em contrapartida, os grandes bancos japoneses, diante da perda dos principais clientes,

são levados a ampliar a concessão de empréstimos para as pequenas e médias empresas e para

setores ligados ao mercado imobiliário, especialmente ao setor da construção civil e companhias

de financiamento imobiliário, que viriam a ser conhecidas nos anos 90 como bubble companies.

156 As instituições financeiras japonesas podem ser agrupadas em sete classes: 1. bancos comerciais (com duas categorias: grandes bancos - city banks - e os bancos regionais); 2. instituições financeiras de crédito de longo prazo; 3. bancos especializados em câmbio; 4. instituições financeiras voltadas para o financiamento de pequenas empresas (bancos sogo); 5. instituições financeiras para o apoio a setores especiais; 6. companhias transacionadoras com papéis (securities companies); e 7. instituições financeiras públicas.

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159

A manutenção de uma política monetária expansionista a partir de 1987, com forte

expansão do crédito e baixas taxas de juros, ampliou significativamente o processo especulativo

nos mercados de ativos imobiliários e de ações na economia japonesa. A valorização contínua

dos ativos, especialmente os imobiliários, induziu os agentes econômicos assumirem posições de

maior risco e mais especulativas, com base em expectativas de elevações futuras dos preços dos

ativos, isto é, as expectativas de ganhos patrimoniais impulsionavam os agentes no sentido de

ampliarem seu endividamento junto aos bancos. Nesse sentido, Torres Filho (1998) assinala que:

“O processo especulativo, uma vez em andamento, criou condições de sua própria reprodução em escala ampliada. A valorização dos ativos ocasionava um crescimento no patrimônio dos investidores. Este capital adicional aumentava-lhes a capacidade de endividamento junto ao setor bancário, já que, no Japão, os empréstimos são, geralmente, garantidos por ações ou terras. Muitas empresas faziam, então, uso desse novo potencial de alavancagem financeira para carrear ainda mais recursos para as bolsas e para o mercado imobiliário, ampliando ainda mais o valor destes ativos, o que realimentava o processo.” (TORRES FILHO, 1998:396).

O cenário propício para o florescimento da especulação financeira então se

completava. O aprofundamento do processo de desregulamentação financeira na primeira metade

dos anos 80 associado com a abundância de crédito, taxas de juros baixas, uma mudança

importante na mentalidade japonesa, em especial o rompimento “envergonhado” com a crença no

dogma produtivista em detrimento dos ganhos não-operacionais, e o florescimento de um novo

hedonismo oriundo de uma substancial melhora nos padrões de vida, tornaram-se elementos

fundamentais para se compreender a formação da bolha imobiliária na economia japonesa na

década de 1980.

4.4.2. O boom imobiliário, a bolha especulativa e as características

estruturais da crise

Os fatores responsáveis pela formação da bolha imobiliária na economia japonesa não

se esgotam nos movimentos monetários e nas transformações institucionais ocorridas na estrutura

do sistema financeiro, o que torna necessário ampliar o foco da análise para outros elementos

Page 171: Tese Paiva,ClaudioCesarde

160

estruturais subjacentes que contribuiram para o desenvolvimento de um imenso e nefasto

processo especulativo.

Nessa perspectiva, Oizumi (1994) ao discutir o boom imobiliário no Japão sustenta

que existem pelo menos quatro fatores fundamentais para explicar os aumentos dos preços

fundiários no Japão:

“changes in the structure of the Japanese economy since the latter half of the 1970s; the policy of ‘utilizing the ability of private enterprises’ and ‘deregulation’ which have been adopted by the government since the early 1980s; remarkably easy access to finance and the expansion of property financing since 1986; and the Japanese urban planning system (this is an institutional condition which has made the land-prices problem very serious).” (OIZUMI, 1994:200).

Ainda que esses fatores relacionados por Oizumi tenham validade para todo o

território japonês, os investidores (ou especuladores) foram seletivos na escolha do espaço

geográfico que deveriam concretizar seus aportes de capital, dando preferência para áreas de

maior flexibilidade nas regulamentações urbanísticas e de maior potencial de valorização. Nesse

sentido, os fluxos de capitais especulativos direcionados para o mercado imobiliário provocaram

duas grandes ondas de especulação imobiliária, bem definidas em termos espaciais, cuja extensão

e profundidade (em termos de arraigamento com o setor bancário) resultaram num verdadeiro

tsunami financeiro no início da década de 1990.

O crescimento dos preços dos imóveis e dos terrenos já exibia consistência desde o

início da década de 1980, no entanto, somente em meados da década é que se torna visível a

proeminência especulativa do capital imobiliário. Num primeiro momento a frénésie especulativa

esteve circunscrita ao mercado fundiário urbano de Tóquio, sobretudo na área comercial central e

em algumas áreas residenciais. A partir de 1986 se desenvolveu uma segunda onda especulativa

no mercado imobiliário japonês, promovendo forte elevação dos preços fundiários em grandes

cidades localizadas fora da área metropolitana de Tóquio.

Uma das causas do extraordinário crescimento dos preços fundiários em Tóquio

foram as políticas de desregulamentação do planejamento urbano, implementadas pelo Ministério

da Construção a partir de 1983, e a política de reurbanização da área central de Tóquio157 (Plano

157 Tóquio é uma das 47 províncias do Japão, sendo composta por 23 bairros sua área central, 26 cidades primárias e cinco cidades secundárias.

Page 172: Tese Paiva,ClaudioCesarde

161

de Reforma para a Área de Tóquio), proposto pela Agência Fundiária Nacional em 1985, que

procurava transformar a área central em um espaço high tech para os negócios financeiros

internacionais.

Em decorrência desse comportamento laxista da autoridade pública em relação a

regulação do uso e ocupação do solo, houve um crescimento significativo da área construída

destinadas a escritórios e ao comércio, especialmente nos bairros centrais identificados com a

área verde da Figura I. Entre 1983 e 1988, os bairros de Tóquio apresentaram um crescimento de

27,1% nas áreas construídas destinadas a esses empreendimentos comerciais, enquanto a área

central expandida (bairros de Chuo, Chiyoda, Minato, Shinjuku e Shibuya), destinada aos

escritórios de grandes corporações e instituições do mercado financeiro, o crescimento no período

foi de 25,1%. Um outro indicador importante é a elevação da posse de imóveis pelas corporações

na área central expandida, de 58,6% do total de imóveis de 1985 para 69,1% em 1989, enquanto

que, no mesmo período, a participação na posse de particulares caiu de 41,4% para 30,9%.

FIGURA I

ÁREA CENTRAL DE TÓQUIO

Page 173: Tese Paiva,ClaudioCesarde

162

A ampliação de mais um 1/4 (um quarto) da área comercial construída, no período de

cinco anos, em uma região totalmente urbanizada é algo realmente extraordinário e reflete uma

reestruturação econômica importante na economia japonesa, com a intensificação dos serviços de

natureza financeira e a competição interurbana por investimentos do capital financeiro

internacional. Desse modo, o incremento na área construída representava, por um lado, uma

prioridade locacional das grandes corporações, sobretudo por estar concentrado na área central o

“coração do capitalismo japonês”, isto é, bancos, escritórios de grandes financeiras, centros de

distribuição e outros serviços de natureza financeira. Por outro lado, mostrava a efervescência da

especulação promovida pelo capital imobiliário e sua cooptação do Estado vis-à-vis as ações da

Agência Fundiária Nacional e do Ministério da Construção. Não obstante, Oizumi (1994: 201)

afirma que: “It was exclusively in central Tokyo therefore that the demands for development and

construction were focused in order to create new conditions for capital accumulation and to

overcome low growth”. (grifo nosso)

Um fato simbólico que ilustra perfeitamente a euforia especulativa que assumiria o

mercado fundiário japonês na segunda metade da década de 1980, refere-se à venda de um

terreno público de 0,7 hectares, em agosto de 1985, para um importante construtor japonês

(Daikyo Kanko Company), pela quantia de 57,5 bilhões de ienes. Esse valor era equivalente ao

triplo do preço de mercado de um terreno na área central de Tóquio naquela época.

A consolidação dessa transação comercial promoveu uma mudança nas expectativas

dos principais agentes imobiliários, que passaram a apostar fortemente na elevação os preços dos

terrenos na área central. As principais companhias imobiliárias japonesas (Sumitomo Realty and

Development Company, Mitsubishi Estate Company e Mitsui Real Estate Development

Company) passaram a adquirir especulativamente terrenos na área central expandida de Tóquio.

Nesse período a Nippon Telephone and Telegraph (NTT) inaugurou na área central de

Tóquio um moderno prédio “aranha-céu” de escritórios, custando mais de US$ 3 mil o metro

quadrado, sendo esses escritórios rapidamente adquiridos por financeiras estrangeiras, o que

garantiu ao edifício, posteriormente, o título de “Torre da Bolha”. Em pouco tempo a onda

especulativa no mercado fundiário de Tóquio, cuja maior efervescência ocorreu em 1986/87,

contagiou os preços dos terrenos nas áreas adjacentes e em outras grandes cidades do Japão.

A valorização contínua dos ativos imobiliários, promovida muitas vezes de forma

fictícia, por meio de participações acionárias recíprocas, e a abundância de crédito com reduzidas

Page 174: Tese Paiva,ClaudioCesarde

163

taxas de juros, se tornaram forte incentivo para que investidores institucionais (companhias de

seguros, companhias de leasing, companhias de financiamento habitacional, fundos de pensão) e

instituições financeiras ampliassem os investimentos especulativos no mercado imobiliário.

No caso das empresas que possuíam grandes áreas, a elevação dos preços fundiários

significou um aumento do valor de seus ativos patrimoniais, tornando mais oportuna à utilização

desses ativos como garantia dos empréstimos bancários, que, em muitas ocasiões, eram

realizados com o objetivo de reinvestir em bolsas de valores e/ou em mais terrenos. Esse

processo de valorização fundiária beneficiou sobremaneira as pequenas empresas que

tradicionalmente oferecem a terra como colateral nas operações de empréstimos de capital junto

as instituições bancárias.

Nesse sentido, Oizumi (1994) assinala que:

“(...) the rise in land prices led these enterprises and financial institutions to be more active in their treatment of land as a financial asset. For enterprises owning a huge area of land, the rise in land prices meant a rise in the value of their land assets. It was easier to use land assets as security when borrowing than other assets, and enterprises further reinvested that money in stocks and more land. Moreover, as the expansion of the stock market and the rise in stock prices made it possible to borrow at low cost through equity financing, abundant surplus funds could be raised. Thus ‘asset inflation’ by means of investment in stocks and land led to an upward spiral of land and stock prices.” (OIZUMI, 1994:203).

Esse processo especulativo no mercado fundiário japonês fomentou um crescimento

espetacular nos preços dos terrenos e dos imóveis, resultando na formação de uma bolha

imobiliária. De acordo com Torres Filho (1997), o valor de mercado de todos os terrenos no

Japão em 1985 era estimado em US$ 4,2 trilhões, enquanto que em 1990 esse valor atingiu

US$ 18,4 trilhões. Seguindo em suas ilações, o autor conclui: “para se ter uma idéia do que se

verificou em termos de valorização imobiliária, é conveniente lembrar que, em 1990, se poderia,

teoricamente, comprar todo o território dos Estados Unidos, uma área 28 vezes maior que o

Japão, com a venda de apenas um quarto do arquipélago japonês”. (TORRES FILHO,

1997:398).

Um outro exemplo que ajuda ilustrar a exuberância da bolha especulativa no mercado

imobiliário japonês é oferecido por Dehesh & Pugh (1999):

Page 175: Tese Paiva,ClaudioCesarde

164

“(...) ao final de 1991, o valor fundiário total do Japão foi estimado em quase US$ 20 trilhões. Isso representou mais de 20% da riqueza mundial ou, em outro contexto, aproximadamente o dobro dos mercados mundiais de ações ou ainda a metade dos mercados mundiais de obrigações. O valor do terreno japonês foi estimado na época ser cinco vezes maior que aquele dos EUA; o terreno do Palácio do Imperador, que equivale a 1,6 Km quadrado, é estimado ter o mesmo valor que todas as terras da Califórnia ou do Canadá. Os ativos imobiliários das empresas japonesas cresceram em US$ 2,8 trilhões de 1986 a 1988, um acréscimo aproximadamente equivalente ao tamanho do PIB” (DEHESH & PUGH, 1999:155)

A confirmação das expectativas de valorização dos ativos imobiliários intensificou a

diáspora dos capitais japoneses para além das fronteiras do país, em direção aos mercados

imobiliários estrangeiros. De acordo com informações da Kenneth Levental and Company158, a

participação dos investimentos japoneses nos mercados imobiliários norte-americanos elevou-se

de US$ 1,9 bilhão em 1985 para US$ 7,5 bilhões em 1986 e US$ 16,5 bilhões em 1988. Já os

dados do Banco da Inglaterra mostram que os bancos japoneses elevaram os empréstimos

realizados para as companhias imobiliárias britânicas de 241 milhões de libras em fevereiro de

1987 para 4,376 bilhões de libras em fevereiro de 1991159. Além de investimentos nos EUA e na

Europa, o Japão tornou-se o principal investidor no mercado imobiliário da Austrália, com uma

participação de 34% nos investimentos totais realizados no mercado imobiliário, no período de

1980 a 1991160.

Os investidores japoneses aproveitaram-se da valorização do iene para realizar

vultosas aquisições imobiliárias. A Mitsui Corporation adquiriu em 1986 a Exxon Building, em

Manhattan, por um valor recorde de US$ 610 milhões. Posteriormente, divulgou-se que o

presidente da Mitsui havia pago US$ 260 milhões acima do preço pedido pela Exxon só para ver

seu nome no Guinness Book. A Mitsubishi Estate comprou o Rockfeller Center por US$ 1,4

bilhão, e a Sony adquiriu em Hollywood a Columbia Pictures por US$ 3,4 bilhões. Além disso,

empresas de desenvolvimento imobiliário japonesas compraram a maioria dos campos de golfe

do Havaí. Em 1990, a Cosmo World, uma imobiliária que trabalhava com imóveis de padrão

médio, comprou o complexo de hotéis e campos de Pebble Beach, na Califórnia, por US$ 831

158 Kenneth Leventhal and Company. 1990 Japanese Investment in United States Real Estate. Century Park East. Los Angeles, CA. EUA. 1991. 159 Cf. Oizumi (1994:203) 160 Cf. Ângelo Karantonis. “The Rise and Fall of Japanese Investment in the Australian Real Estate Market” s.d.

Page 176: Tese Paiva,ClaudioCesarde

165

milhões. Esses são alguns exemplos que, por um lado, refletia a estratégia das empresas

imobiliárias japonesas de diversificar suas carteiras com imóveis em países de baixo risco, e, por

outro lado, revelava as manias especulativas dos investidores japoneses, que deixando de lado a

frugalidade que caracterizava a cultura nipônica do pós-guerra, passaram a realizar extravagantes

aquisições imobiliárias no exterior.

As instituições financeiras, especialmente os bancos comerciais, assumiram um papel

protuberante no boom imobiliário japonês, sobretudo ao disponibilizarem abundante volume de

crédito para financiamento imobiliário, com baixas taxas de juros e sem grandes exigências

financeiras e burocráticas. O Gráfico I apresenta o comportamento dos empréstimos bancários

para o setor imobiliário e o comportamento do preço da terra para o país como um todo,

incluindo áreas urbanas e rurais. Os dados são suficientemente claros em mostrar que se ampliou

significativamente a disponibilidade de crédito bancário para o setor imobiliário já no início da

década de 1980, mas foi nos anos de 1985 e 1987, que houve um crescimento excepcional da

oferta de crédito para o setor. Além disso, os dados apontam para o fato de que, em geral, os

empréstimos bancários para o mercado imobiliário têm conduzido o comportamento do preço da

terra no Japão.

Page 177: Tese Paiva,ClaudioCesarde

166

GRÁFICO I

EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS PARA O SETOR IMOBILIÁRIO E O

COMPORTAMENTO DO PREÇO DA TERRA

____: taxa de crescimento do preço da terra ------: taxa de crescimento dos empréstimos

bancários para o setor imobiliário

Fonte: Ito & Iwaisako (1995)

O setor bancário funcionou como um mecanismo alimentador, através da oferta

abundante de crédito, de um circuito especulativo com ativos imobiliários, promovendo um

otimismo exacerbado sobre a valorização desses ativos e fazendo com que os agentes econômicos

realizassem transações financeiras que só fariam sentido num ambiente de contínuo crescimento

acelerado. Nesse sentido, Canuto (1999) salienta que:

“(...) as bolhas de preços de títulos imobiliários e de ações foram um sub-produto do estilo peculiar japonês de adaptação gradual das finanças ao desenvolvimento de sua economia de mercado. Uma transição mais balanceada em direção às finanças ‘securitizadas’ suporia liberdade de participação plena dos bancos ou, alternativamente, um ajuste para baixo no tamanho da estrutura bancária. Como não ocorreu nenhuma das duas possibilidades e, além disso, manteve-se relativamente

Page 178: Tese Paiva,ClaudioCesarde

167

intacta a ‘rede de segurança financeira’, emergiram as bolhas especulativas apoiadas no crédito bancário.” (CANUTO, 1999:09).

Em 1989, quando a expansão imobiliária atingiu seu pico no Japão, os empréstimos

para a compra de terrenos somaram 24.3 trilhões de ienes. No entanto, ao se incluir os fundos

próprios, esse montante atinge 47.9 trilhões de ienes, o equivalente a 11% do PNB japonês. Além

disso, ao final de 1989, os empréstimos destinados para a indústria imobiliária por todos os

bancos (bancos urbanos, regionais, de depósito e de crédito de longo prazo) somaram 40.9

trilhões de ienes. Esses empréstimos representavam 11,5% do total de empréstimos concedidos a

todas as indústrias japonesas. De acordo com levantamento realizado pelo Ministério das

Finanças, no final do mês setembro de 1990, as 200 maiores companhias não-financeiras

concederam empréstimos para as indústrias imobiliárias no valor total de 20.2 trilhões de ienes, o

que representava em torno de 35,7% do valor de seus empréstimos totais (OIZUMI, 1994:205).

A ampliação de crédito bancário disponibilizado para setores especulativos,

particularmente o imobiliário, foi incentivada não apenas em função da política de reservas

bancárias do Banco do Japão, que forneceu crédito barato ao sistema bancário, mas também em

função da valorização acentuada das ações das próprias instituições bancárias nas bolsas de

valores, que aumentou significativamente o valor de seu capital, impulsionando sua capacidade

de concessão de empréstimos. Não obstante, Levi (1997) afirma que:

“constituiu-se um mecanismo de alimentação do circuito especulativo envolvendo os mercados de capitais e ativos imobiliários. Esse processo tendeu a se perpetuar à medida que o aumento dos preços no mercado imobiliário elevava o valor dos ativos dados como garantia pelos empréstimos e o aumento das ações elevava o capital dos bancos, potencializando sua capacidade de concessão de crédito”. (LEVI, 1997:51).

Ao analisar a expansão e o colapso da bolha imobiliária no Japão, Oizumi (1994)

reconhece que as bolhas especulativas nos mercados imobiliários e acionários se mostraram

extremamente importantes para a dinamização do processo acumulação de capital pelas

instituições bancárias, pelas instituições financeiras não-bancárias e também pelas grandes

corporações produtivas.

Page 179: Tese Paiva,ClaudioCesarde

168

“The high level of land prices, which were brought about through the restructuring of urban land use and the expansion of land speculation, allowed big enterprises to achieve vast income and capital gains from their landholdings. Big banks advanced directly and indirectly (through non-banks) to property markets, and shared the leading role in the property boom with property companies.” (OIZUMI, 1994:209).

Todavia, a exuberância do ciclo de valorização dos ativos imobiliários se aproximava

do seu limite em fins da década de 1980. Com efeito, as convenções estabelecidas a respeito do

crescimento dos preços dos ativos imobiliários começaram a se modificar a partir de três medidas

adotadas pelo Governo japonês: a) mudança da taxa de redesconto pelo Banco do Japão; b)

regulação dos empréstimos das instituições financeiras para as companhias imobiliárias; c) nova

regulamentação do planejamento do uso e ocupação do solo urbano (Basic Land Act e a Land

Value Tax).

Essas medidas significavam uma mudança importante nas estratégias

macroeconômicas assumidas no início dos anos 80 pela autoridade monetária japonesa como

reação as políticas adotadas pelos Estados Unidos. Além disso, as medidas representavam uma

sinalização para o mercado que o Governo japonês estava preocupado com as dimensões

assumidas pela bolha especulativa, em particular com os impactos de um possível estouro da

bolha imobiliária, e que estava disposto a promover a correção dos preços dos ativos.

Um dos primeiros indícios dessa alteração nas expectativas ocorreu no final de 1989,

quando o Banco do Japão adotou uma política monetária contracionista e começou a elevar

sistematicamente a taxa de redesconto para restringir a inflação dos ativos mobiliários e

imobiliários. Após cinco revisões para cima, a taxa de redesconto do Banco do Japão atingiu 6%

em agosto de 1990. Dessa forma, a autoridade monetária procurava combater um dos

mecanismos de alimentação do processo especulativo, por meio da revisão da política de reservas

bancárias do Banco do Japão, que forneceu crédito barato ao sistema bancário.

Todavia, o encarecimento do crédito não foi suficiente para o arrefecimento do

processo especulativo na bolsa de valores e no mercado imobiliário, o que obrigou o Ministério

das Finanças apertar o torniquete do crédito no início de 1990, através de uma forte regulação dos

empréstimos das instituições financeiras para as companhias imobiliárias e também para a

compra de imóveis por investidores individuais.

A restrição ao crédito foi um golpe fundamental nos especuladores, tanto que as

expectativas de rentabilidade dos ativos na bolsa de valores se tornaram sistematicamente

Page 180: Tese Paiva,ClaudioCesarde

169

pessimistas. Após a implementação das restrições creditícias, o índice Nikkey que havia atingido

uma valorização máxima de 38.915 pontos em fins de 1989, começa a cair e atinge em 1º de

outubro do ano seguinte 20.221 pontos, o que implicava num ajuste em que aproximadamente

“50% do valor total das ações de empresas japonesas havia simplesmente desaparecido.”161

Por fim, a emergência da bolha no mercado imobiliário havia motivado severas

críticas à política de desregulamentação do planejamento urbano que estava sendo praticada

desde 1983, pelo Ministério da Construção e pela Agência Fundiária Nacional. As críticas eram

endereçadas especialmente ao princípio que norteava o processo de desregulamentação do

planejamento urbano, na qual propunha criar um ambiente urbano atrativo para impulsionar o

empreendedorismo, por meio da habilidade da empresa privada162, e a falta de uma taxação

adequada que captasse a valorização da terra.

Diante das críticas o governo japonês anunciou a Basic Land Act, em fins de 1989,

que consistia numa nova regulamentação do uso e ocupação do solo urbano que priorizava o

interesse público. Para reduzir a especulação fundiária, a lei estava alicerçada em quatro

princípios básicos: “first, public welfare should be given priority over private profit in the

ownership and used of land. Second, land should be used in a proper and orderly fashion. Third,

land should not be an object of speculation. Fourth, landowners should return part of their

profits to the public through imposition.” (OIZUMI, 1994:210)

Na prática, entretanto, o sistema de planejamento urbano continuou bastante laxista

diante do capital financeiro imobiliário, ou seja, a Basic Land Act não passou de retórica das

autoridades públicas japonesas, uma vez que nas áreas centrais promissoras para a acumulação de

capital, particularmente em Tóquio, Osaka e Nagoya, a iniciativa privada continuou obtendo

licença de construção outorgadas sem grandes dificuldades.

No início da década de 1990 o Governo japonês anunciou uma reformulação do

sistema de tributação da terra, com o objetivo principal de desestimular o uso da terra como ativo

e, assim, suprimir a especulação e promover o uso efetivo da terra. Segundo Shigeki Morinobu,

presidente do Instituto de Pesquisa de Política Econômica, do Ministério das Finanças (MoF),

com a reforma no sistema de tributação houve a criação e o aperfeiçoamento de alguns impostos,

como segue:

161 Cf.Torres Filho (1999:244) 162 Nas palavras das autoridades japonesas: “utilizing the ability of private enterprises”.

Page 181: Tese Paiva,ClaudioCesarde

170

“Establishment of land value tax (January 1992); Higher capital gains tax: Individuals: raising tax on capital gains from land held for more than five years (1991); Companies: raising tax on capital gains from land held for a very short period (two years or less) (1991); Rationalizing land appraisals for inheritance tax purposes (1992); Revision of exceptions for inheritance tax and fixed property tax of agricultural land in urban areas (1994); Measures against tax avoidance using land (1992).” (MORINOBU, 2006:11)

O fato notório é que, a partir do final de 1989, as condições econômicas e os

elementos estruturais que viabilizaram a emergência do boom nos mercados acionário e

imobiliário não faziam mais parte da realidade econômica do Japão. A autoridade monetária

japonesa, numa ação bastante ousada tenta desinflar a bolha especulativa promovendo uma

reversão da política monetária implementada ao longo da década de 1980, mas a bolha estoura.

4.4.3. O estouro da bolha imobiliária e as conseqüências econômicas e

financeiras do fim do “mito da terra”

A deflação aguda dos preços das ações na bolsa de valores japonesa em 1990 não

contagiou, num primeiro momento, o preço da terra e dos imóveis. Com isso, muitos analistas de

mercado aproveitaram para proclamar a vigência do secular “mito da terra”, isto é, no Japão a

terra sempre foi símbolo de poder e riqueza, cuja preciosidade desse ativo estava assentada no

axioma de que os preços da terra jamais cairiam, dada a escassez desse ativo163. No entanto,

a especulação fundiária, que havia sido sustentada pela espiral dos preços dos imóveis e dos

valores das ações negociadas na bolsa, entra em colapso em 1991, promovendo um longo período

de estagnação econômica.

O rompimento abrupto com a trajetória ascendente de valorização dos preços dos

ativos imobiliários surpreendeu muitos investidores numa situação Ponzi, o que gerou severos

desequilíbrios patrimoniais, que foram seguidos por um grande número de falências entre as

companhias imobiliárias e as instituições financeiras. Além disso, famílias que haviam se

163 As estatísticas históricas corroboravam para a manutenção do “mito da terra”, através de exemplos como de um terreno em uma grande cidade japonesa que havia multiplicado seu valor 135 vezes no período entre 1955 e 1985, ao passo que um depósito de igual valor teria se multiplicado apenas 7 vezes. A respeito da ascensão e declínio do mito da terra ver: Morinobu (2006)

Page 182: Tese Paiva,ClaudioCesarde

171

endividado junto ao setor bancário para investir no mercado de ações e na compra especulativa de

imóveis, prevendo movimentos altistas dos preços desses ativos e, por conseqüência, a

valorização do seu estoque de riqueza, se tornaram vítimas da forte deflação dos ativos, cujas

conseqüências foram notórias sobre a riqueza e a renda dos agentes econômicos164.

O Gráfico II mostra o comportamento dos preços dos imóveis residenciais e dos

imóveis comerciais ao longo de três décadas. A definição do ano de 1974 como ano-base se

justifica no fato de que os preços dos imóveis estavam próximos ao preço de equilíbrio, uma vez

que já não eram mais contagiados pela efervescência do milagre econômico japonês.

Desse modo, as informações plotadas no gráfico permitem mostrar os movimentos

cíclicos dos preços imobiliários entre 1974 e 2005, cuja análise do período poderia ser realizada a

partir de quatro cortes analíticos165: a) o primeiro período estaria compreendido entre 1974 e o

final da década de 1970, período em que se observam pequenas oscilações baixistas nos preços

dos imóveis, mas que logo esboçam uma recuperação e ao final da década os preços dos imóveis

retornam ao mesmo nível de 1974; b) o segundo período (1980-1985) permite verificar que os

preços dos imóveis, especialmente os residenciais, apresentaram forte valorização em relação aos

preços do ano-base, tornando o mercado imobiliário muito atrativo para os investidores. Nesse

período, observa-se um outro incentivo importante ao investidor que é o comportamento laxista

da autoridade pública em relação ao uso e ocupação do solo urbano; c) o terceiro período,

compreendido entre 1985 e 1991, os preços dos imóveis comerciais e residenciais apresentam um

crescimento vertiginoso, sobretudo a partir dos acordos do Plaza (1985) e do Louvre (1987), e já

demonstravam a existência de uma grande bolha especulativa no mercado imobiliário japonês,

que se estenderia até 1991; d) o último período começa com o estouro da bolha imobiliária. A

partir de então, os preços dos ativos imobiliários no Japão tem apresentado quinze anos

consecutivos de declínio, com uma tendência de depreciação mais acentuada para os imóveis

comerciais.

164 De acordo com estimativas realizadas pela OECD (1998:45-47), as perdas de capital acumuladas entre 1990 e 1997 atingiram quase US$ 7 trilhões dos quais 2/3 seriam referentes a ativos imobiliários e o restante a ações; as famílias teriam arcado diretamente com 44% das perdas, as empresas não financeiras com 34% e as instituições financeiras com 18%; este valor corresponderia a duas vezes o PIB japonês ou 14% dos ativos totais do país em 1989. 165 Não se refere propriamente a cortes cíclicos.

Page 183: Tese Paiva,ClaudioCesarde

172

GRÁFICO II

COMPORTAMENTO DOS PREÇOS DOS IMÓVEIS COMERCIAIS E RESIDENCIAIS

NO JAPÃO ENTRE 1974 E 2005

Se procedermos, apenas como exercício ilustrativo, a alteração do ano-base da análise

para 1991 – período de pico da bolha imobiliária -, implicaria em afirmar que os preços

praticados no mercado imobiliário comercial japonês em 2005 eram equivalentes a 30,6% do

valor atingido no auge da valorização imobiliária, enquanto que os preços praticados para

imóveis residenciais no mesmo período seriam equivalentes a 54,2%, o que permite mostrar o

efeito riqueza negativo para aqueles investidores que entraram no mercado próximo ao auge da

bolha imobiliária.

Com o estouro da bolha imobiliária, os investidores locais viram-se diante da

necessidade de desfazer posições no exterior com o objetivo de gerar caixa, mesmo que

realizando vultosos prejuízos, em razão dos problemas de liquidez e do aumento das restrições ao

crédito pelas instituições bancárias. Neste contexto, o caso do Rockfeller Center, complexo

imobiliário situado no centro de Nova Iorque, é bastante ilustrativo. Sua aquisição pela

Mitsubishi Estate, na segunda metade dos anos 80, foi considerada à época um símbolo do triunfo

Page 184: Tese Paiva,ClaudioCesarde

173

do capitalismo japonês em relação ao americano, uma espécie de “Pearl Harbor econômico”.

Contudo, em maio de 1995, este empreendimento foi revendido aos antigos donos por um valor,

em ienes, equivalente a um terço do que foi originalmente pago. O prejuízo em dólares foi da

ordem de US$ 600 milhões.166 O mesmo ocorreu com a Cosmo World que vendeu a Pebble

Beach, com prejuízo superior a US$ 300 milhões.

O rompimento da bolha imobiliária revelou uma miríade de escândalos e de crimes de

gestão fraudulenta e de gestão temerária nas instituições financeiras japonesas, já que muitos

administradores de portfólio, diante da possibilidade de obter elevados lucros no mercado

imobiliário, foram inobservantes com a seletividade dos investimentos e com a diversificação dos

riscos. Assim, uma variedade de crimes emergiu, dentre os quais incluía certificados de depósito

falsificados, financiamentos sem garantia até casos envolvendo suborno, como o da companhia

Tokio Sagawa Express Delivery.

Em todos os escândalos havia um núcleo de especuladores formado por políticos,

burocratas, empresários e gângsteres da Yakuza. O caso mais famoso foi da Recruit Cosmos, que

envolveu quase cinqüenta políticos, funcionários públicos, empresários, dentre os quais: o ex-

primeiro-ministro Nakasone, o então primeiro-ministro Nobura Takeshita, o ministro da Justiça

Takahishi Hasegawa, o ministro das Finanças, o presidente da NTT, o dono de um dos principais

jornais japoneses (Nihon Keizai Shimbum). Todos foram generosamente presenteados com ações

pelo presidente da Recruit, Hiromasa Ezoe, para que impedissem a aprovação de leis que

prejudicassem os interesses da empresa.

Não por acaso, alguns exegetas da crise japonesa apontaram as idiossincrasias do

padrão de intervenção estatal (market friendly) como um dos principais fatores responsáveis pela

crise econômica, ou seja, num ambiente econômico caracterizado por um “capitalismo de

compadres”, os agentes econômicos teriam assumido posições de elevado risco (moral hazard)

acreditando que o Estado sustentaria suas posições patrimoniais167.

A drástica desvalorização da massa de ativos especulativos que haviam sido criados

ficticiamente durante o período em que a bolha se inflou, revelou a fragilidade financeira dos

bancos, das empresas e das famílias, que sofreram elevados prejuízos patrimoniais, bem como do

166 Cf. Torres Filho (2000:22) 167 Posteriormente, esses argumentos foram utilizados para interpretar a crise asiática de 1997, bem como para dar sustentabilidade aos modelos macroeconômicos de terceira geração de Corsetti et alli (1998) e Krugman (1998).

Page 185: Tese Paiva,ClaudioCesarde

174

sistema de regulação e supervisão bancária aplicados pelas autoridades monetárias (Ministério

das Finanças e Banco do Japão).

Nesse contexto, três manifestações da crise se sobressaem: o baixo crescimento do

produto nacional; a grave e prolongada crise do setor bancário; e a baixa sensibilidade

macroeconômica aos estímulos fiscais e monetários.

A taxa de crescimento do produto da economia japonesa após o estouro da bolha

especulativa tem refletido o longo período de estagnação econômica uma vez que o crescimento

médio anual dos últimos quinze anos foi inferior a 1,5%. Em 1990 a taxa de crescimento do PIB

japonês foi de 5,26%, mas com rompimento da bolha imobiliária cai vertiginosamente nos anos

seguintes, atingindo quase zero em 1993. Com o aprofundamento da crise financeira na segunda

metade da década de 1990, a taxa de crescimento da economia continuou oscilando próximo a

zero, tendo inclusive apresentado taxas negativas nos anos de 1998 e 1999, conforme mostra o

Gráfico III.

A forte desaceleração da economia teve como conseqüência direta o aumento da taxa

de desemprego, que era de 2,1% em 1990, praticamente a taxa natural da economia japonesa, mas

que com a persistência da crise chegou a atingir 5,4% em 2002. Embora tenha ocorrido uma

pequena retração nos últimos anos a taxa de desemprego no Japão em 2005 continuou elevada

num patamar de 4,4%. O longo período de depressão associado ao crescimento da taxa de

desemprego e a elevada oferta de mão-de-obra, traz para a ordem do dia, assim como já havia

sido colocado em pauta da década de 1980, o debate sobre o fim definitivo do emprego vitalício

no Japão.

Um outro aspecto a ser ressaltado, a partir dos dados do Gráfico III, é o

comportamento da inflação no período pós-estouro da bolha imobiliária. A taxa de inflação que

era pouco superior a 3% até 1991, declina rapidamente até se tornar negativa em 1995, isto é, a

economia japonesa a partir da segunda metade da década de 1990 passou a apresentar anos

seguidos de deflação. Embora o BOJ procurasse retomar o caminho do crescimento sustentável

através de uma política monetária ativa, que incluiu muitas vezes a adoção de taxas de juros reais

oscilando em torno de zero, associada em alguns momentos com uma política fiscal

expansionista, não houve sucesso no objetivo de retomar o crescimento econômico. Assim, diante

da baixa sensibilidade da economia japonesa aos estímulos das políticas macroeconômicas,

Page 186: Tese Paiva,ClaudioCesarde

175

muitos teóricos passaram a afirmar que o Japão se tornara um caso clássico de “armadilha da

liquidez”168 keynesiana.

GRÁFICO III

COMPORTAMENTO DA TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB, DA TAXA DE INFLAÇÃO E

DA TAXA DE DESEMPREGO ENTRE 1990 E 2005

3,2

3,62

5,26

0,10

-1,18

2,872,7

3,1

-0,9 -0,9

-0,30

0,6

-0,3-0,1

0,3

0

3,4

4,7

5,4

4,4

2,1

-2,00

-1,00

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

PIB INFLAÇÃO TAXA DE DESEMPREGO

Fonte: Elaborado a partir de dados do World Economic Outlook Database 2006 do FMI

Entretanto, os impactos negativos decorrentes do estouro da bolha imobiliária se

evidenciaram principalmente no sistema bancário e nas grandes securities companies, uma vez

que a deflação dos ativos imobiliários fez com que as garantias dadas como colateral nos

empréstimos bancários perdessem valor de mercado, o que resultou num volume crescente de

168 Em relação ao debate sobre a existência da armadilha da liquidez no Japão recomenda-se a leitura dos seguintes trabalhos: Paul Krugman (1988), “It's Baaack! Japan's Slump and the Return of the Liquidity Trap”; Jan Kregel (2000), “Krugman on the Liquidity Trap: Why Inflation Won't Bring Recovery in Japan”.

Page 187: Tese Paiva,ClaudioCesarde

176

créditos insolventes (bad loans)169. Segundo Nakaso “banks in Japan were almost unanimously

exposed to the common risk arising from falling land prices, because a large part of their loans

were secured with real estate collateral.” (NAKASO, 2001:20)

Além disso, a crise bancária colocava em questionamento a ação das autoridades

monetárias japonesas que, diante das pressões do mercado e do Governo americano para

promover a desregulamentação financeira, não realizaram uma supervisão adequada do sistema

bancário japonês. Em outras palavras, a autoridade monetária não promoveu uma regulação

prudencial adequada, que garantisse que as instituições bancárias fossem geridas de maneira

prudente, no sentido de minimizar riscos em suas transações e, assim, que eventuais riscos de

colapso de alguma instituição financeira não tornassem sistêmicos.

No que tange a esse aspecto é importante ser ressaltado que nos anos 80 o processo de

desregulamentação financeira no Japão foi aprofundado, enquanto que os instrumentos de

supervisão (convoy system) permaneceram quase intactos. As autoridades monetárias tinham a

forte convicção de que os grandes bancos nunca se tornariam insolventes, o que era plenamente

justificado pela história, já que no pós-guerra não havia sido registrado nenhuma ocorrência dessa

natureza. Sendo assim, o arcabouço de regulação e supervisão do sistema bancário havia sido

estilizado para resolver os problemas de instituições depositárias de pequeno porte. No entanto, a

falência de grandes instituições financeiras a partir da segunda metade da década de 1990, fez

com que o “mito regulatório” caísse, tornando evidente as deficiências do aparato de supervisão e

regulação do sistema bancário.

Nesse sentido, Nakaso afirma que a “banking supervision and regulation was

conducted in such a way as not to undermine the viability of the weakest banks. It was implicitly

understood that the banking sector was fail-safe because the MoF, as the guardian of the banking

system, was expected to step in to find a remedy for any problem that could threaten the viability

169 É necessário fazer algumas observações em relação aos empréstimos ruins, pois sua quantificação tem sido fonte de controvérsias. Para se ter uma idéia mais acurada, basta dizer que pelos critérios do Governo os empréstimos não-recuperáveis dos 19 maiores bancos japoneses e dos bancos regionais corresponderiam a 19,5 trilhões de ienes em março de 1998, enquanto que na auto-avaliação realizada pelos bancos esse montante seria de 71,8 trilhões de ienes. A base dessa discrepância encontra-se no fato de que os bancos em sua avaliação lançavam como empréstimos ruins aqueles inadimplentes e também os que haviam sido renegociados, porém com suspeitas de não-pagamento. A partir de março de 1998, a PCA (prompt corrective action) passou a classificar os empréstimos em quatro categorias: os não-classificados, que eram os empréstimos saudáveis; e três categorias de empréstimos com problemas que dependeriam da capacidade de solvência dos prestamistas. As inspeções nos bancos realizadas pelo MOF (Ministério das Finanças) e pelo BOJ (Banco central do Japão) passaram a usar essa mesma classificação para os empréstimos.

Page 188: Tese Paiva,ClaudioCesarde

177

of a bank.170 Não obstante, o autor conclui que “when the gap between competitive pressures in

the financial markets and a “convoy” style of banking supervision and regulation that, in effect,

ensured the viability of the weakest banks became unsustainable, the crisis erupted.” (NAKASO,

2001:01)

Embora algumas instituições financeiras apresentassem sinais de insolvência logo

após o estouro da bolha imobiliária em 1991, as autoridades monetárias consideraram que se

tratava de eventos isolados, uma vez que as instituições envolvidas eram relativamente

pequenas, portanto, com implicações sistêmicas limitadas para o sistema financeiro. Desse

modo, ainda que fosse evidente o fato de que o rompimento do círculo de valorização dos ativos

pudesse provocar um contágio no sistema financeiro, o reconhecimento da seriedade do

problema pela autoridade monetária japonesa, especialmente no que tange aos empréstimos

ruins (não solváveis), só ocorreu a partir dos anos de 1992 e 1993.

As evidências sugerem que, até então, as autoridades monetárias não tinham uma

visão adequada do problema econômico-financeiro, decorrente do estouro da bolha imobiliária,

que pudesse efetivamente mostrar a magnitude potencial da crise, daí a relutância das

autoridades em admitir a necessidade de recapitalização do sistema bancário. Entretanto, essa

percepção irá se modificar em outubro de 1994, quando o então presidente do banco central

japonês, Yasushi Mieno, faz um discurso onde é enfático em afirmar que: “It is not the business

of the central bank to save all financial institutions from failure. On the contrary, failure of an

institution that has reasons to fail is even necessary from the viewpoint of nurturing a sound

financial system.”171

No início de 1993, após um acordo entre a autoridade monetária e os grandes bancos,

foi constituída a Companhia de Aquisição de Crédito Cooperativo (CCPC), com a participação

de 164 instituições financeiras. Essa companhia tinha como objetivo central promover a limpeza

dos balanços dos bancos, isto é, permitir que os bancos associados retirassem de seus balanços

ativos “podres” em troca de empréstimos à CCPC. Sendo assim, um banco que pretendesse

vender à CCPC um empréstimo irrecuperável no valor de 10 milhões de ienes, garantido por um

imóvel (terreno), formalizaria sua intenção junto a Cooperativa, que, por sua vez, contrataria

consultores independentes para avaliar o preço de mercado do bem. Com isso, a CCPC

170 Nakaso (2001:02) 171 Cf. Nakaso (2001:04)

Page 189: Tese Paiva,ClaudioCesarde

178

compraria esse empréstimo pelo valor de garantia, o que representava em 1993, em média, um

desconto de 60%, ou seja, o banco receberia 4 milhões de ienes e registraria apenas 6 milhões de

perda em seu balanço. Nos três primeiros anos de funcionamento da Cooperativa foram

realizadas 6.902 operações de compra de ativos imobiliários para limpeza dos balanços das

instituições financeiras. (TORRES FILHO, 1998:403-404)

Em fins de 1993 as autoridades monetárias japonesas passaram a participar de

maneira mais ativa junto às instituições financeiras. Num primeiro momento, procuraram

resolver os problemas de maior complexidade que estavam localizados nas Cooperativas de

Crédito e nas Companhias de Financiamento Habitacional (Jusen)172, concedendo liquidez por

meio de forte injeção de recursos públicos, o que era visto com sérias restrições pelo

contribuinte. No entanto, a atuação do BOJ não impediu que, no dia 09 de dezembro de 1994,

duas cooperativas de crédito, a Tokyo Kyowa e a Anzen, entrassem com o pedido de falência,

deixando conjuntamente um rombo financeiro de 210 bilhões de ienes, referente a créditos

tomados junto aos agentes financeiros.

Numa reunião entre as autoridades monetárias japonesas com a Tokyo Metropolitan

Office, responsável pela supervisão das cooperativas de crédito, concluíram que as perdas dos

clientes e dos acionistas, decorrentes da falência dessas duas instituições, poderiam desencadear

uma corrida de grande escala aos bancos e a outras instituições financeiras. Sendo assim, não se

poderia mais negligenciar a possibilidade de uma crise financeira sistêmica.

Dessa forma, decidiram que os depositantes seriam ressarcidos pelos prejuízos, de

acordo com os limites legais estabelecidos pela Deposit Insurance Corporation (DIC)173 e uma

outra instituição financeira deveria assumir a massa falida das duas cooperativas. Entretanto,

essa decisão encontrava alguns obstáculos, tendo em vista que não havia nenhuma instituição

financeira disposta a assumir os ativos e os depósitos dessas Cooperativas de Crédito e a atuação

da DIC poderia ser insuficiente justamente pelas limitações legais. No entanto, a eminência de

uma crise financeira sistêmica impulsionou uma ação coletiva entre as autoridades monetárias e

instituições financeiras privadas, onde não se tratava propriamente de salvar as instituições

172 As Jusen ou companhias de financiamento habitacional eram instituições financeiras não-bancárias que foram fundadas por bancos e outras instituições financeiras na década de 1970, para atender de maneira complementar os empréstimos habitacionais oferecidos pelos bancos aos demandantes individuais. 173 De acordo com a legislação japonesa que amparava a Deposit Insurance Corporation (DIC), havia duas opções de política: a) o banco falido seria liquidado pela autoridade monetária e os depósitos dos clientes estariam protegidos até 10 milhões de ienes por depositante; b) ajuda financeira para a transferência dos ativos e passivos dos bancos falidos para outras instituições financeiras interessadas.

Page 190: Tese Paiva,ClaudioCesarde

179

financeiras insolventes, mas de promover a estabilidade do sistema financeiro japonês. Com

efeito, tornou possível anunciar rapidamente um pacote de medidas, dentre as quais se

destacavam:

a) o Banco do Japão e as instituições financeiras privadas criaram um novo banco

para assumir os negócios das duas instituições que faliram. Esse novo banco foi

denominado de Tokyo Kyoudou Bank (TKB);

b) a base de capital desse novo banco foi constituída por meio de um aporte

financeiro de 40 bilhões de ienes, sendo metade subscrito pelo Banco do Japão e a

outra metade por instituições financeiras privadas;

As duas cooperativas de crédito foram formalmente liquidadas após a constituição do

TKB e da transferência de ativos e depósitos para o novo banco.

A ação conjunta entre as autoridades monetárias e as instituições financeiras privadas

para salvamento de uma instituição insolvente foi singular na história financeira precedente do

Japão e refletia uma situação de confluência de interesses públicos e privados. A atuação do

Banco do Japão era plenamente justificada no exercício da função de lender of last resort,

enquanto que as instituições privadas agiam para evitar os custos de um contágio sobre o sistema

financeiro. Segundo Nakaso “in the case of Tokyo Kyowa and Anzen, the private financial

institutions were persuaded because, by means of a collective contribution, they thought they

could prevent a contagious collapse of financial institutions including themselves.” (NAKASO,

2001:05)

A partir da segunda metade de 1995 uma nova onda de falências de instituições

financeiras ocorre no Japão, começando com a Cosmo Credit Cooperative (julho), em seguida o

Daiwa Bank (setembro), o Kizu Credit Cooperative e o Hyogo Bank (outubro). No caso da

Cosmo, a iniciativa privada mais uma vez contribuiu para a solução financeira, de modo a

permitir a transferência dos ativos e depósitos para o TKB, o que ocorreu de forma definitiva em

março de 1996. No caso do Hyogo Bank, um novo banco (Midori Bank) assumiu, injetando 80

bilhões de ienes de capital próprio. Posteriormente, o Banco do Japão proveu empréstimos de 110

bilhões de ienes para reforçar a base de capital do Banco Midori. No caso da Kizu Credit

Cooperative, a situação era muita complexa, pois as perdas com o estouro da bolha imobiliária

Page 191: Tese Paiva,ClaudioCesarde

180

excediam a 1 trilhão de ienes, o que inviabilizava a atuação conjunta da autoridade monetária e

da iniciativa privada.

Em setembro de 1995 o Daiwa Bank, um city bank com operações financeiras no

exterior, anunciou perdas de aproximadamente 1,1 bilhões de ienes, devido a conduta fraudenta

de uma funcionário na filial de Nova York. No dia 03 de novembro a autoridade monetária

americana ordenou o fechamento de todas as operações no mercado americano, prejudicando a

reputação dos bancos japoneses no exterior. Assim, os problemas bancários que estavam até

então restritos ao âmbito nacional, ganha dimensões internacionais.

As companhias de financiamento habitacional voltaram ao centro da crise em 1995,

quando uma avaliação do Ministério das Finanças calculou que as perdas agregadas de sete

Jusen em dificuldades financeiras eram de aproximadamente 6,4 bilhões de ienes. Os prejuízos

refletiam o insucesso da estratégia adotada por essas companhias na década de 1980, quando

direcionaram os empréstimos para os grandes promotores imobiliários em detrimento de

empréstimos individuais, que havia sido a razão de seu surgimento e principal cliente da década

de 1970.

O apoio financeiro as Jusen companies exigiu um pacote de recursos de 6,7 bilhões de

ienes, dos quais o Governo injetou diretamente 685 bilhões de ienes. Além disso, o mega-pacote

anunciado pelo Banco do Japão incluía a criação da Housing Loan Administration Corporation

(HLAC), que era um órgão que deveria assumir os empréstimos “podres” das Jusen. A atuação

do Governo japonês resultou em fortes críticas, pois as companhias de financiamento

habitacional não eram instituições depositárias, portanto não tinham uma relação tão direta com

a maioria dos contribuintes japoneses. Em tempo, é importante ser ressaltado que a maior parte

dos recursos dessas companhias é obtida junto a instituições financeiras de que são subsidiárias.

Em meados da década de 1990 já era patente que as inúmeras falências de instituições

bancárias e não-bancárias haviam afetado os grandes bancos, que eram o núcleo do sistema

financeiro no Japão. Diante desse quadro caótico, o Governo japonês injetou somente nos 15

maiores bancos do país uma quantia superior a 7,5 bilhões de ienes, como medida prudencial de

saneamento patrimonial174.

No entanto, no início de 1997 a crise financeira atingiu sua dimensão mais aguda, em

termos de risco sistêmico, com os graves problemas de solvência de três grandes bancos

174 Cf. UEDA (1998:254-255)

Page 192: Tese Paiva,ClaudioCesarde

181

japoneses (Nippon Credit Bank - NCB, Hokkaido Takushoku Bank – HTB e Tokuyo City Bank -

TCB) e de algumas securities companies.

A operação de saneamento financeiro do NCB, o terceiro maior banco de crédito de

longo prazo do Japão, envolveu, além do Banco do Japão, um consórcio de instituições privadas

composto por grandes shareholders (principalmente companhias de seguro) e outros dois grandes

bancos de crédito de longo prazo (Industrial Bank of Japan e o Long Term Credit Bank of

Japan). O plano de reestruturação financeira resultou na injeção de um montante de capital da

ordem de 290,6 milhões de ienes, sendo 210,6 milhões de ienes provenientes de recursos

privados e 80 bilhões de ienes de recursos do Banco do Japão. Todavia, o esforço para

recuperação do NCB fracassou dezessete meses depois do início da operação de saneamento

financeiro, o que obrigou o Banco do Japão a nacionalizar o Nippon Credit Bank.

No caso do Hokkaido Takushoku Bank tentou-se, inicialmente, uma fusão com o

Hokkaido Bank (HB), um banco de atuação regional, mas o plano de fusão fracassou. Uma

tentativa derradeira de salvar o HTB foi realizada pelo Banco de Japão, através da incorporação

do HTB pelo Hokuyo Bank. No entanto, mais uma vez não houve sucesso nas negociações e o

Hokkaido Takushoku Bank entrou em falência em 17 de novembro de 1997, entrando para a

história como o primeiro banco a falir dos chamados “Top 20” no Japão.

Aliás, o mês novembro de 1997 certamente entrou para a história do sistema

financeiro japonês como o “novembro negro”, pois ocorreram sucessivamente, semana após

semana, o colapso das principais instituições financeiras do país, dentre as quais podem ser

destacadas: a Sanyo Securities, Hokkaido Takushoku Bank, Yamaichi Securities175 e o Tokuyo

City Bank. Diante de um quadro de crise sistêmica, o Ministério das Finanças e o Banco do Japão

emitiram uma nota conjunta, onde reiteravam o compromisso das instituições públicas com a

estabilidade do sistema financeiro japonês, bem como afirmavam que o BOJ tinha fundos

suficientes para garantir todos os depósitos, inclusive o mercado interbancário. Com isso,

procuravam acalmar os mercados interno e externo, em especial os especuladores noise-traders,

sobre a solidez do sistema financeiro japonês.

Em decorrência dessas falências, tornou-se verossímil a possibilidade de ocorrência

de um credit crunch no sistema financeiro japonês, fazendo com que rapidamente o Governo

175 A Yamaichi Securities era uma das quatro maiores securities houses do Japão. Era um conglomerado que tinha subsidiárias na Inglaterra, Alemanha, Holanda e Suíça. O anúncio do colapso do negócio ocorreu em 24 de novembro de 1997.

Page 193: Tese Paiva,ClaudioCesarde

182

apresentasse um pacote financeiro de 30 trilhões de ienes, que, em seguida, se ajustaria para 60

trilhões de ienes, para proteger credores dos bancos insolventes e recapitalizar alguns bancos

solventes. Neste contexto, ressalta Nakaso que “the Bank of Japan played its role in the crisis

management as the lender of last resort on an unprecedented scale”. (NAKASO, 2001:08)

No ano de 1998 o sistema financeiro japonês é abalado novamente pelo default do

Long Term Credit Bank of Japan (LTCB), um banco de forte atuação no mercado internacional e

um dos três maiores bancos de crédito de longo prazo no Japão, com ativos superiores a 26

trilhões de ienes. A intervenção do BOJ ocorreu após o anúncio de uma inadimplência superior a

US$ 7 bilhões de empréstimos destinados, basicamente, a operações especulativas no mercado

imobiliário. Com efeito, a autoridade monetária japonesa encontrava-se diante de uma crise de

grande complexidade por se tratar de um processo de default do maior banco desde o estouro da

bolha especulativa. Inicialmente as autoridades tentaram a fusão do LTCB com o Sumitomo

Trust Bank, mas as agências de avaliação de risco e os próprios acionistas criticaram a

possibilidade de fusão, o que inviabilizou a transação, bem como uma solução privada para a

crise.

A autoridade monetária foi obrigada, então, a discutir uma solução pública, que

começou a ser viabilizada com a alteração da legislação sobre a Reconstrução do Sistema

Financeiro, em especial com a aprovação da Law Concerning Emergency Measures for the

Reconstruction of the Functions of the Financial System, que permitiu a nacionalização

temporária de instituições problemáticas. Assim, sob a vigência dessa lei, o LTCB foi

nacionalizado em outubro de 1988.

A partir de então, o BOJ implementou uma forte operação de recuperação financeira

da instituição, procurando resolver os problemas derivados do elevado montante de empréstimos

ruins realizados para o mercado imobiliário. Além disso, todos os contratos do banco LTCB

deveriam ser honrados, inclusive os contratos derivativos, por meios de recursos da Corporação

de Seguros de Depósitos (DIC). Em fevereiro de 2000 o LTCB, devidamente reestruturado, foi

comprado pelo New LTCB Partners, fundado pelo Ripplewood, um fundo de investimento

americano associado com outros investidores estrangeiros.

As bancarrotas de grandes instituições bancárias e as operações financeiras de

salvamento e recuperação tornaram mais emblemática a crise, tendo em vista que nenhum

grande banco japonês havia sofrido processo de falência desde o pós-guerra. De fato, a crise

Page 194: Tese Paiva,ClaudioCesarde

183

financeira dos anos 90, decorrente do estouro da bolha imobiliária, não encontrava precedentes

em termos de gravidade financeira no Japão, tanto no que se refere ao número de falências

quanto ao montante de “créditos podres”. Nesse contexto, Nakaso (2001) nos fornece uma

dimensão do que foi a administração da crise bancária:

“Up to March 2000, 110 deposit-taking institutions were dissolved under the deposit insurance system. The total amount spent in dealing with the non-performing loans problem from April 1992 to March 2000 was ¥86 trillion (17% of GDP), which included charge-off and provisioning by banks, transfers by the Deposit Insurance Corporation to cover losses of the failed institutions and capital injections to banks.” (NAKASO, 2001:02)

A tabela 4.3. mostra a relação entre perdas líquidas e o capital de instituições

bancárias falidas ao longo da década de 1990. Os dados apresentados apontam que as perdas

líquidas variaram entre 6 e 36 vezes o tamanho do capital dos bancos que faliram durante a crise

da bolha imobiliária. A menor relação entre as instituições bancárias selecionadas foi apresentada

pelo Hokkaido Takushoku Bank, enquanto que a maior relação ocorreu num banco regional, o

Kokumin Bank. O importante a ser ressaltado é que os dados são inequívocos em mostrar a

precariedade da supervisão do sistema bancário, pois uma atuação mais ativa da autoridade

monetária poderia impedir o crescimento dessa relação quiçá impedindo o default de muitas

instituições bancárias.

Page 195: Tese Paiva,ClaudioCesarde

184

TABELA 4.3

TAXA DE PERDAS DE CAPITAL DE ALGUNS BANCOS FALIDOS

(em ¥ bilhões)

CAPITAL (A) PREJUÍZOS LÍQUIDOS (B)

(B)/(A)

Bancos com atividades internacionais

Hokkaido Takushoku Bank 297 1,773 6,0

Long Term Credit Bank 157 3,588 22,8

Nippon Credit Bank 477 3,344 7,0

Bancos Regionais

Tokuyo City Bank 13 119 9,5

Kokumin Bank 5 180 36,0

Koufuku Bank 13 440 33,6

Tokyo Sowa Bank 62 700 11,2

Namihaya Bank 45 430 9,4

Fonte: Banco do Japão (BOJ)

A ascensão de uma economia de bolhas de ativos e o longo período de prostração

econômica que se seguiu após o estouro da bolha imobiliária, permitiu que o Japão sentisse com

elevada intensidade os efeitos extremos da consolidação de um padrão de acumulação

financeirizado. O rompimento da bolha especulativa conduziu a economia a uma rápida

depreciação dos ativos imobiliários, cujos efeitos deletérios sobre a estrutura financeira e

produtiva foram imensos, devido a grande conexão, direta ou indiretamente, desses ativos com as

estruturas de financiamento da economia japonesa. Desse modo, o fim da bolha especulativa

imobiliária precipitou uma crise financeira sem precedentes de insolvência de companhias

imobiliárias176 e de bancos que, por sua vez, contagiou o sistema financeiro japonês e expandiu

seus efeitos para a economia como um todo.

176 Além dos diversos casos apresentados ao longo do capítulo cabe ressaltar que o estouro da bolha imobiliária ainda continua apresentando seus efeitos. O caso mais recente foi a falência em 2006 da mais antiga construtora japonesa

Page 196: Tese Paiva,ClaudioCesarde

185

Se existe certo consenso em relação aos fatores responsáveis pela formação da bolha

especulativa imobiliária no Japão, o mesmo não ocorre no receituário de aplicação das políticas

macroeconômicas e nas explicações sobre a insuficiência dessas políticas em promover a

recuperação da economia japonesa de efeitos adversos provenientes do estouro da bolha. O fato é

que a junção do capital financeiro com o capital imobiliário, sob um padrão de acumulação

financeirizado, gerou uma crise com características sem precedentes na história capitalista,

diferente inclusive da crise das Savings & Loans ocorrida nos Estados Unidos na década de 1980.

Portanto, não se tratava de uma crise financeira comum que poderia ser facilmente debelada com

os mecanismos tradicionais de política econômica177.

A atuação do Banco Central do Japão nesse processo se mostrou ativa, no sentido de

exercer prontamente a função de gerenciador da crise financeira, porém muito limitada em

relação à dimensão da crise, devido às inadequações pregressas no processo de supervisão

preventiva do sistema bancário. Ademais, a função de lender of last resort colocou o Banco do

Japão sob o “fio da navalha”, pois ao atuar ativamente para evitar o colapso do sistema bancário e

a disseminação do risco de contágio sistêmico, poderia estar contribuindo para desenvolver o

espectro do moral hazard, isto é, incentivando instituições financeiras assumirem riscos

excessivos em suas operações. Assim, as autoridades monetárias japonesas se colocavam diante

de uma “armadilha sistêmica”, pois as ações para impedir a débâcle do sistema financeiro

criavam as condições para o aprofundamento do movimento especulativo no mercado imobiliário.

de templos – a Kongo Gumi –, após mais de 1400 anos em operação (desde o ano de 578). A empresa sucumbiu ao excesso de dívidas decorrentes do estouro da bolha imobiliária. A empresa fez na segunda metade dos anos 80 grandes empréstimos bancários para investir pesadamente na compra de imóveis no Japão, dando como garantia desses empréstimos os próprios imóveis. Quando a bolha estourou em 1991 os ativos dados como garantias das dívidas perderam valor, gerando uma situação de forte desequilíbrio patrimonial. Em janeiro de 2007 a Takamatsu, uma grande companhia de construção japonesa, adquiriu os ativos da Kongo Gumi. (BUSINESS WEEK, 16.04.2007, Special Report). 177Não obstante, uma rápida incursão no debate sobre a crise financeira japonesa revela em torno de dez hipóteses explicativas para o longo período de estagnação, com destaque para a hipótese de condução insuficiente da política monetária executada pelo BOJ (ex. Okina, Shirakawa & Shiratsuka (2001), Okina & Shiratsuka (2001), Okina & Shiratsuka (2002)) e para a hipótese de choque de eficiência, que aponta que problemas estruturais reduziram a eficiência (queda da produtividade) da economia japonesa na década de 1990 (ex. Prescott & Hayashi (2002)).

Page 197: Tese Paiva,ClaudioCesarde

187

CONCLUSÃO

“The worldwide rise in house prices is the biggest bubble in history. Prepare for the economic pain when it pops.”

The Economist (16.06.2005)

As sucessivas crises monetárias e financeiras ocorridas ao longo da década de 1990

revelaram a insuficiência dos modelos canônicos de primeira geração em responder

adequadamente as crises financeiras dos “mercados emergentes”. Por outro lado, nas economias

avançadas um componente apareceu constantemente como fulcro das crises financeiras

sistêmicas, as bolhas imobiliárias, que passaram a ser apresentadas como responsáveis pela

transmissão da irracionalidade de um mercado para todos os demais. Essas crises financeiras

ganharam notoriedade especialmente a partir do estouro das bolhas imobiliárias nos Estados

Unidos, Japão e diversos outros países da Europa.

O aspecto intrigante é que o capital imobiliário que sempre esteve circunscrito a uma

órbita de operações de valorização e acumulação de capitais nacionais - capital mercantil

imobiliário -, passou a reverberar sinais de instabilidade financeira e crises econômicas nas

principais economias do mundo. Diante disso, tornou imperativo compreender os determinantes

atuais da dinâmica do processo de valorização do capital imobiliário, bem como suas conexões

com o capital financeiro e o papel atribuído ao poder público no processo de valorização desses

capitais. A compreensão dessas relações permite revelar os impactos da nova “lógica de

investimentos” sobre a configuração do espaço urbano nas grandes cidades mundiais.

As novas dinâmicas de valorização dos ativos imobiliários e as transformações

econômicas e urbanas, ainda em processo de concretização, se constituíram as bases

motivacionais para o desenvolvimento desse estudo. Nesta perspectiva, esta tese de doutoramento

possui um caráter eminentemente exploratório e teve por fim contribuir para o preenchimento de

uma importante lacuna do debate recente sobre a dinâmica de valorização do capital imobiliário,

Page 198: Tese Paiva,ClaudioCesarde

188

dado que são raros os trabalhos desenvolvidos no país sobre a importância assumida pelo capital

financeiro imobiliário na dinâmica de acumulação contemporânea.

Nesse sentido, a problemática fundamental da tese foi compreender, a partir de

incursões teóricas e empíricas, a estreita imbricação entre o capital financeiro e o capital

imobiliário, que procuram interagir de maneira sistêmica para potencializar a acumulação de

capital. Não obstante, procuramos enfatizar em diversos momentos do trabalho que não se tratava

de uma relação nova entre essas duas frações do capital, mas de uma relação que adquire

contornos diferenciados no capitalismo contemporâneo, onde o padrão de acumulação está

baseado predominantemente na financeirização.

O capital financeiro imobiliário tem assumido um papel fundamental na dinâmica de

acumulação de capital das nações desenvolvidas. Entretanto, os momentos de mudança do

“estado de confiança” dos agentes econômicos e de acirramento das contradições entre a riqueza

real e a riqueza fictícia, quando ocorrem os ajustes provenientes do estouro da bolha imobiliária,

têm sido traumáticos para essas economias. A crise que se desenha atualmente para o setor

imobiliário aponta para um ajuste médio de aproximadamente 15% nos preços dos imóveis na

Inglaterra e nos principais países da Europa, 25% na Austrália e 10% nos Estados Unidos178.

Neste caso, como as famílias americanas têm em torno de 15 trilhões de dólares investidos em

imóveis, um ajuste médio de 10% nos preços desses imóveis resultará em perdas de 1,5 trilhão de

dólares para estas famílias. Obviamente, o efeito riqueza adverso terá impactos significativos

sobre o crescimento da economia americana e sobre os setores financeiros envolvidos com ativos

imobiliários.

O ponto fundamental é que no capitalismo financeirizado a articulação entre o

processo imobiliário e o capital financeiro tem se constituído num condutor endógeno de

instabilidade econômica, em virtude da crescente interação entre as estruturas financeiras de

financiamento, processos especulativos e as flutuações nos níveis de investimento. O

entendimento dessa relação é vital para compreender porque os estouros da bolha imobiliária

seqüencialmente em diversos países têm impactos diferenciados (i.g. Estados Unidos e Japão a

partir do final dos anos 80).

Os esforços para compreender o aprofundamento das relações entre essas duas frações

do capital permitem entender a lógica dos processos imobiliários e, portanto os movimentos de

178 The Economist (vários números)

Page 199: Tese Paiva,ClaudioCesarde

189

expansão do espaço construído. Em outras palavras, isso implica afirmar que a cidade torna-se

cada vez mais um produto da necessidade (ou obsessão) especulativa do capital imobiliário no

seu processo de valorização e não necessariamente das necessidades de expansão sustentável da

cidade. Quero enfatizar com isso que as necessidades dos especuladores têm exercido crescente

determinação sobre os destinos das cidades, especialmente as grandes e atraentes ao grande

capital, e que as sistemáticas operações especulativas em busca de lucros hipertrofiados tem

resultado não apenas na grande valorização da terra urbana, mas também em instabilidades

macroeconômicas.

Para atingir os objetivos propostos no escopo do trabalho, o estudo foi dividido em

duas partes. A primeira parte, que envolve os capítulos 1 e 2, teve um caráter bastante específico

na construção da tese, pois funcionou como uma espécie de colchão teórico-histórico para as

principais contribuições que foram delineadas na segunda parte. Entretanto, a construção desses

capítulos iniciais, em especial o primeiro, não foi pautada pela preocupação com a originalidade

das temáticas tratadas, mas tão somente de sistematizar conceitos e relatar transformações

relevantes para a compreensão dos processos recentes focados nesta tese.

Por outro lado, na segunda parte da tese (capítulos 3 e 4) foi feito um esforço

deliberado para construir debates e introduzir conceitos que pudessem contribuir para o

descortínio de novas perspectivas para a compreensão teórica da natureza e da dinâmica imposta

pela interação entre o capital financeiro e o capital imobiliário. Nesse sentido, dentre esses

esforços gostaríamos de chamar a atenção para três reflexões desenvolvidas nessa parte do

estudo: a) o rompimento da fronteira estabelecida entre os teóricos dos ciclos imobiliários e

os das bolhas especulativas no mercado imobiliário; b) a discussão sobre a emergência de

um novo conceito para analisar a dinâmica contemporânea do capital imobiliário - o capital

financeiro imobiliário –, a partir das novas imbricações do capital financeiro e do capital

imobiliário; e c) o poder destrutivo do capital financeiro imobiliário, a partir da análise

empírica da bolha especulativa imobiliária no Japão.

No que concerne à primeira reflexão sobre a incompatibilidade entre as análises dos

teóricos dos ciclos imobiliários e dos teóricos das bolhas imobiliárias especulativas, a partir das

causas desencadeadoras das flutuações de preços, procuramos encontrar fundamentos que

permitissem o rompimento com a incompatibilidade dessas teorias na interpretação da dinâmica

do processo de valorização imobiliária.

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190

Desse modo, o debate realizado propiciou a sustentação da hipótese de que, em

grande parte, os ciclos imobiliários são dependentes dos ciclos econômicos, isto é, da evolução

dos principais fundamentos macroeconômicos. Com efeito, o crescimento econômico estimularia

os agentes econômicos a ampliarem a demanda por imóveis, o que desencadearia um

desequilíbrio no mercado em virtude de uma especificidade do mercado imobiliário – o longo

período de produção –, que dificultaria uma resposta rápida aos choques de demanda.

Entretanto, a análise do processo de investimento no mercado imobiliário também

revela a existência de um componente autônomo, que concede ao setor imobiliário uma dinâmica

específica em determinados períodos e espaços, o que explicaria as alterações especulativas dos

preços dos ativos em relação aos seus valores fundamentais. Este componente autônomo no

mercado imobiliário, responsável pela formação de bolhas especulativas, está associado a priori

ao comportamento psicológico de especulação dos agentes que participam do processo

imobiliário; às assimetrias de informação sobre mercados e valores de imóveis (myopic behavior

e noise traders); ao comportamento free-rider de alguns agentes econômicos e à gestão da

preferência pela liquidez.

Desta maneira, a grande volatilidade dos preços dos ativos imobiliários é reflexo da

atuação simultânea tanto de fatores relacionados aos ciclos imobiliários quanto de

comportamentos agressivos de investidores curto-prazistas, que são responsáveis pelo

desencadeamento de movimentos especulativos massivos. Sendo assim, as bolhas especulativas

corresponderiam às alterações bruscas nos preços dos ativos imobiliários que ocorreriam na fase

de expansão, ou seja, as bolhas especulativas corresponderiam a uma situação particular na fase

de ascensão do ciclo econômico.

Portanto, em vez de estabelecer uma fronteira teórica entre ciclos imobiliários e

bolhas especulativas de ativos imobiliários, a partir das causas desencadeadoras do

processo de flutuação dos preços, entende-se que existe maior coerência em afirmar que as

bolhas especulativas são manifestações que podem ocorrer numa determinada fase do ciclo

econômico. Essa junção não invalida as explicações para as causas dos movimentos cíclicos das

duas abordagens, apenas problematiza a idéia de cindir a análise de um mesmo processo.

Uma segunda contribuição da tese para o debate refere-se à eficácia do instrumental

teórico e conceitual em captar as transformações contemporâneas, decorrentes do

aprofundamento das relações entre o capital financeiro e o capital imobiliário.

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191

Neste contexto, as novas relações estabelecidas entre o capital financeiro e o capital

imobiliário, sob a égide de um capitalismo financeirizado, suscitaram a insuficiência do conceito

de capital mercantil imobiliário em captar a essência de uma nova relação muito mais complexa,

o que nos leva a defender a noção do que denominamos de capital financeiro imobiliário.

O capital financeiro imobiliário, formado a partir de novas e complexas imbricações

entre o capital financeiro com o capital imobiliário, procura criar e ampliar, sob condições de

maior liquidez, as bases sobre as quais serão apropriadas as rendas imobiliárias. Para tanto,

articula de maneira orgânica o sistema financeiro (acesso a recursos financeiros e instrumentos de

liquidez), os grandes investidores institucionais, o setor imobiliário e também o Estado,

constituindo novos e sofisticados produtos financeiros orientados para o mercado imobiliário.

Entre estes últimos, destacamos a securitização de ativos imobiliários que tem se constituído a

amálgama entre o capital financeiro e o capital imobiliário ao proporcionar que um ativo físico,

de baixa liquidez e elevado custo de transação, adquira a característica de um ativo financeiro

(títulos mobiliários) com elevada liquidez, passível de ser absorvido pelos investidores. Mas vale

lembrar que tal securitização não acontece em qualquer território, mas especialmente em países

com mercados secundários organizados e profundos.

Um aspecto importante a ser destacado é que se trata de um processo de articulação

de duas frações de capitais, cuja natureza individual de valorização – em ambos os casos –

é intrinsecamente especulativa, onde raríssimas são as vezes em que as bases econômicas

que poderiam sancionar o otimismo exacerbado dos agentes econômicos são sólidas.

Nesta perspectiva, o capital financeiro imobiliário estabelece uma fronteira muito

tênue entre investimentos imobiliários alicerçados numa demanda por novos espaços construídos

e os investimentos especulativos. Isso porque nos principais mercados europeus cerca de 60%

dos novos empreendimentos são lançados sem estudos prospectivos de mercado, enquanto que

nos Estados Unidos esse montante se amplia para quase 70% dos lançamentos. Esses números

coadunam com as pesquisas realizadas por Fainstein (1994), que, por exemplo, ao questionar um

dos maiores construtores de Nova York a respeito das motivações para a realização de novos

empreendimentos imobiliários, recebeu a seguinte resposta: “A maioria dos construtores percebe

de forma intuitiva onde há uma oportunidade. Eles não confiam em estudos econômicos...”

(FAINSTEIN, 1994:67)

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192

Diante desse quadro, o modus operandi de atuação dos financistas no final do século

XIX, identificado por John Hobson, torna-se extraordinariamente atual, considerando que os

lançamentos de novos empreendimentos imobiliários passam a ser um trabalho para profissionais

que dominam “as artes de redigir um prospecto e de ‘fazer um mercado’”, com o objetivo

precípuo de infundir uma expectativa injustificada de rendimentos no público investidor,

provocando um boom temporário no valor das ações. Os atuais “cavalheiros das finanças”

continuam sendo negociantes de “idéias vendáveis” – tal qual os croupiers do século XIX –, mas

com o privilégio de dispor de uma infinidade de instrumentos financeiros à disposição para

realizar operações de transmutação e valorização dos lucros.

O otimismo exacerbado dos investidores em relação aos rendimentos futuros com a

valorização dos imóveis tende a gerar uma espiral ascendente dos preços dos ativos imobiliários e

fazer com que “agentes racionais” cometam equívocos coletivos, inflando bolhas especulativas. É

importante ressaltar que nesse processo a ganância especulativa não conhece estrutura social. Não

obstante, Gary Dymsky (1998) nos fornece uma arquitetura caricata, porém apropriada para

compreender esse processo:

“O primeiro elemento é a presença de vigaristas maquinando esquemas para ludibriar o público. O segundo elemento é a predisposição de alguns donos de riquezas em acreditar nos esquemas mais improváveis, com base na mais frágil das evidências. O terceiro elemento são os investidores que agem em manada, seguindo a liderança de outros como cordeiros. O cenário se desdobra então como uma

tragédia grega: o vigarista monta a armadilha, que enreda otários, que atraem

cordeiros.” (Dymski, 1998:76, grifo nosso).

Por fim, uma última contribuição que julgamos pertinente realçar é a capacidade do

capital financeiro imobiliário participar ativamente na dinâmica do processo de acumulação179 e

de sincronizar seu poder destrutivo, quando se torna um turbilhão especulativo, bem como seus

canais de transmissão de crise para o conjunto da economia. E nesta dinâmica de acumulação se

vale essencialmente da grande cidade, cujas funções de suporte à dinâmica financeira, que

inspiram a idéia de cidade global, passam a ser o outro lado da mesma moeda. Os grandes ativos

179 Segundo a revista The Economist a intensa valorização dos imóveis salvou o mundo da recessão, tendo em vista que o efeito riqueza era direcionado para o consumo das famílias. Entre 1997 e 2005 os preços dos imóveis subiram rapidamente em diversos países: Irlanda (192%), Reino Unido (154%), Espanha (145%), Austrália (114%), França (87%), Suécia (84%) e Estados Unidos (73%). Obviamente, a revista já vem alertando para o ajuste das contas, como mostra a epígrafe do início dessa conclusão.

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financeiros aplicados ou geridos por agentes concentrados na cidade global alimentam o processo

de sua valorização imobiliária.

A análise da economia japonesa é emblemática na literatura econômica focada nos

dois segmentos do capital aqui estudados, e por essa razão se torna o objeto central do Capítulo

IV. Nunca houve um país na história do capitalismo em que a tensão entre essas duas frações do

capital resultasse numa crise econômica de dimensões tão expressivas, com impactos negativos

sobre o crescimento econômico e o nível de emprego ao longo de uma década e meia. O custo do

ajuste financeiro até março de 2000 foi estimado em 86 trilhões de ienes, o equivalente a 17% do

PNB japonês, somente para recuperar o setor financeiro. Ainda assim, mais de 110 instituições

financeiras entraram em processo de falência. Além disso, a queda nos preços dos ativos,

especialmente no mercado imobiliário, reduziu o valor total de todos os ativos num montante

igual a 2,7 vezes o PNB do Japão de 1989. Essa perda foi muito maior, em relação ao PNB, do

que a sofrida pelos Estados Unidos na Grande Depressão da década de 1930180.

Por último, mas não menos importante, deve-se destacar que, em virtude das

transformações ocorridas na dinâmica de valorização do capital imobiliário, do movimento do

pêndulo em favor dos interesses rentistas e da intensificação da condição da grande cidade como

máquina de crescimento, o espaço urbano continua sendo recorrentemente transformado numa

arena de embates entre agentes econômicos com objetivos antagônicos, sobretudo em relação ao

acesso à terra urbana, que é um ativo não reprodutível, mas que necessita do atributo da escassez

como fundamento de seu processo de valorização. O poder de preservar a escassez, através da

retenção especulativa da terra urbana, continua sendo, portanto, um dos objetivos fundamentais

do capital imobiliário. Sendo assim, torna-se evidente o conflito de interesses entre a necessidade

de pensar os espaços nacionais, em geral, e as cidades, em particular, como um locus de

reprodução social ao mesmo tempo em que esses espaços são locus de reprodução do capital

financeiro imobiliário.

180 Cf. KOO, Richard. Balance Sheet Recession. publicado pela John Wiley & Sons, 2003.

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