paternidade uti

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A PATERNIDADE EM CUIDADOS INTENSIVOS NEONATAIS Heloisa Ribeiro Baptista Coutinho 1 Denise Streit Morsch 2 RESUMO As autoras apresentam os resultados de um estudo que privilegiou as falas paternas surgidas a partir da experiência decorrente do nascimento prematuro do filho e do início da internação intensiva neonatal, aliado às observações realizadas em seu dia-a-dia no acompanhamento das famílias, nesta situação. Estabelecem relações com a proposição de Stern (1997) quanto a possibilidade do pai experimentar a “constelação da paternidade”, bem como relativizam o conceito de “engrossment” proposto por Klaus e Klaus (2000) ao funcionamento do pai, numa UTI Neonatal. Finalizam o artigo discutindo as necessárias e indicadas intervenções com a figura paterna nas Unidades Intensivas Neonatais. ABSTRACT The authors present the results of a study that privileged the paternal speech from the decurrent experience of the premature birth of the son and the beginning of the internment at the Neonatal Intensive Care Unit, together with the observations made day-by-day when following the families in this situation. Relations are established with the Stern proposition (1997), as far as the possibility of the father experimenting the "fatherhood constelattion" as well as relativizes the concept of "engrossment" considered by Klaus and Klaus (2000) for the functioning of the father, in a Neonatal Intensive Care Unit. The necessary ones and indicated interventions with the paternal figure in the Neonatal Intensive Units finish the article arguing. 1 Psicóloga Clínica/RJ 2 Psicóloga da Clínica Perinatal Laranjeiras/RJ 55

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UTI, paternidade e psicanálise

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APATERNIDADEEM CUIDADOS INTENSIVOS NEONATAIS Heloisa Ribeiro Baptista Coutinho1Denise Streit Morsch2 RESUMO As autoras apresentam os resultados de um estudo que privilegiou as falas paternas surgidas a partir da experincia decorrente do nascimento prematuro do filho e do incio da internao intensiva neonatal, aliado s observaes realizadas em seu dia-a-dia no acompanhamento das famlias,nestasituao.EstabelecemrelaescomaproposiodeStern(1997)quantoa possibilidade do pai experimentar a constelao da paternidade, bem como relativizamo conceito de engrossment proposto por Klaus e Klaus (2000) ao funcionamento do pai, numa UTI Neonatal. Finalizam o artigo discutindo as necessrias e indicadasintervenes com a figura paterna nas Unidades Intensivas Neonatais. ABSTRACT The authors present the results of a study that privileged the paternal speech from the decurrent experienceoftheprematurebirthofthesonandthebeginningoftheinternmentatthe NeonatalIntensiveCareUnit,togetherwiththeobservationsmadeday-by-daywhen following the families in this situation. Relations are established with the Stern proposition (1997), as far as the possibility of the father experimenting the "fatherhood constelattion" as well as relativizes the concept of "engrossment" considered by Klaus and Klaus (2000) for the functioning of the father, in a Neonatal Intensive Care Unit. The necessary ones and indicated interventions with the paternal figure in the Neonatal Intensive Units finish the article arguing. 1 Psicloga Clnica/RJ2 Psicloga da Clnica Perinatal Laranjeiras/RJ55INTRODUO Oconceitopaiapresenta-se,naatualidade,grvidodesignificaes.Maisdoque designar um papel de provedor e garantidor de limites e leis ele real, vivo, presente no dia-a-dia dos filhos. Questes sociais, culturais e mesmo econmicas mantiveram o pai, na cultura ocidental,comatradiodeocuparolugardeprovedormaterialdafamlia,mantendo-o distante dos filhos e da realidade domstica. Somente aps a entrada da mulher no mercado de trabalhoessavisoprecisousertransformada.Comportamentosetarefasmasculinase femininas mudaram na medida em que ambos necessitaram ampliar seu campo de atuao, dividir e compartilhar tarefas. O homem precisou assumir novas funes familiares e sociais, envolvendonovasperspectivasnodesempenhodapaternidadeoqueconseqentemente modificousuarelaocomosfilhos(Silveira,1998).J amulhernecessitouabrirnovos espaos dentro de seus afazeres domsticos bem como ampliar sua relao com o mundo extra-familiar. Desta forma a sociedade foi apresentada a novas caractersticas do homem comoa sua capacidade de ser nutridor, de oferecer cuidado e ateno para coma prole. Camus (1999) lembra que na dcada de 60 pesquisadores sociais j vinham discutindo os riscos que viviam crianasdefamliasdecompostas,especialmenteaquelasondeocorriaaausnciadafigura paterna. O resultado destas consideraes comeou a sinalizar a importncia que o pai exerce aolongododesenvolvimentobiopsicoafetivodequalquercriana,garantindoserele fundamental desde o incio da vida do filho. Uma das conseqncias destas modificaes tem sido acompanhada na participao do pai na gestao de sua companheira tornando-se imprescindvel sua presena nas consultas pr-natais e mesmo no momento do nascimento do beb. Com isto ele recebe de seu filho, muito precocemente, sinais que o apiam no desempenho da paternidade. Estudos de Greenberg e Morris mostraram timos resultados e caractersticas peculiares acerca da formao de vnculo entre estes parceiros (Klaus, Kennel & Klaus, 2000) na ocorrncia de um contato precoce entre ambos.Nestapossibilidadeencontramosumfuncionamentoespecialnafigurapaterna liberando um potencial inato para dedicar-se ao filho, denominadoengrossment3. Klaus, Kennel e Klaus (op. cit) definem o engrossment como uma poderosa resposta queospais,comfreqncia,sentememrelaoaseusrecm-nascidos(...);aexpresso significa absoro, preocupao e interesse.(p.78). Oiberman (1994) refere-se ao engrossment 56como um potencial inato do pai em relao a seu beb, que se desenvolve no momento de seu nascimento, sendo liberado quanto mais cedo se d o contato entre ambos (p.71).Sentir-se absorvido pela presena do beb, manifestar por ele preocupao e interesse, expressar intensa emoofrenteaonascimentodofilhoeaover-seconvertidoempaisocaractersticasdo engrossment.Diz a autora: Opaiseconscientizadaexistnciadofilho,percebendo-ocomo indivduo; existe, por parte do pai, grande desejo e prazer no contato fsico comobeb;ospaissoconscientesdascaractersticasfsicasdobeb, percebido como perfeito; o recm nascido provoca no pai profunda atrao, passando a focar nele seu interesse e ateno ; a paternidade vivida como uma experincia de exaltao e sensao de euforia; diante do nascimento do filho, o pai adquire maior sentimento de auto-estima. Istoacompanhadoporobstetrasepediatrassemprequeestimulamapresenado homem,construindosuapaternidade,juntoasuamulher.Nossapreocupao,nesteartigo, refere-se entretanto, ao acontecimento de um parto prematuro, com a conseqente ida do beb para uma Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal. Como fica o pai, neste momento j que somam-seaestassuasprimeirasexperincias,umestranhamento,umdesassossegoeo acmulodediferentestarefasefunes.Opaipassaaserexigidofsicaepsiquicamente. Frente ao fato de sua mulher, neste momento, estar em trabalho de recuperao ps-parto, ele o primeiro a acompanhar e cuidar do beb no ambiente altamente tecnolgico e especializado daUTIN;quemmantmosprimeiroscontatoscomasequipesdeobstetrciaede intensivismo neonatal ;cuida da mulher e companheira fragilizada, alm de assumir outras atividades domsticas e voltar rapidamente s suas atividades profissionais.EstasobservaesaliadasaconfirmaodenossaobservaodiriaemUtis neonatais,dequeopaisempreseencontramaispositivamenteenvolvidocomobebsob cuidados intensivos do que sua esposa,nos levaram a buscarconhecer melhoro que se passa, com ele, no ambiente de cuidados intensivos neonatais. Para tal realizamos este estudo atravs de observao clnica no dia-a-dia da UTI Neonatal juntamente com entrevistas com 12 pais de bebs pr-termo cujos resultados sero apresentados nesse trabalho. Nossa surpresa e grande 3 A palavra engrossment ainda no tem traduo na lngua portuguesa. 57estmulo para este estudo refere-se a semelhana de suas colocaes com os temas propostos por Stern (1997) em relao a Constelao da Maternidade, texto que utilizamos para nossa discusso. METODOLOGIA Trata-se de um estudo qualitativo, que utilizou como instrumento de coleta de dados a observaoclnicaemnossarotinadecuidadosnaUTIneonataleumaentrevistasemi-estruturada com doze pais de bebs pr-termo considerados de alto risco ao nascimento. Os entrevistados foram convidados a participar do estudo aps terem sido informados verbalmente sobreosobjetivosdomesmoequeseusnomes seriamconfidenciais.Asentrevistasforam realizadas depois de ultrapassado o perodo crtico da internao, ou seja, quando o beb no maisseencontravaemumestadoclnicograveouinstvel,oquedeterminariaporsis, maiores nveis de preocupao e sofrimento. Cada uma das entrevistas foi feita de maneira individual, dentro do ambiente da UTI Neonatal, com uma durao mdia de quarenta minutos, e as respostas registradas durante o relato dos entrevistados. Avaliamos que o uso de gravador, nestemomento,seriainadequadojquetodasestasfamliasaindapermaneceriamporum longo perodo de tempo sob nossos cuidados. RESULTADOS Todososdozepaiscontatadosaceitaramparticipardaentrevista.Opesomdiode nascimento dos bebs foi de 1202 g (variando de 575 a 1990 g). O tempo mdio de internao destes bebs foi de 92 dias (variando de 21 a 155 dias), no ocorrendo neste grupo, nenhum bito.Dosdozerecmnascidoscujospaisforamentrevistados,noverecm-nascidos internaram por prematuridade extrema; dois por prematuridade associada a gemelaridade e um por prematuridade e hipoglicemia. Todos os entrevistados estavam presentes na sala de parto quando do nascimento do beb. A idade mdia dos pais foi de 31 anos. Quatro j possuam outrosfilhos.Onzeentrevistadosvisitaramobebimediatamenteapsoparto,antesda primeira visita da mulher ao filho (a) e apenas um fez sua primeira visita ao beb ao mesmo tempo em que sua mulher; 58Comrelaossuasfalas,trspaisrelataramqueonascimentodofilhopr-termo representou um choque para eles Foi um choque, mas o choque maior foi na sala de parto, eleestavaroxo,abdmendilatado; dois relataram a experincia como traumatizante Foi umtrauma,trscomosendoemocionante;umreferiuatristezacomosentimento predominante . A presena da ambivalncia de sentimentos diante do nascimento do filho pr-termofoiapontadaportrsentrevistadosConfessoqueestavacomummistode preocupaocomfelicidade. O nascimento prematuro de um filho foi relatado como muito diferentedeumnascimentoatermo,ondetodosestofelizes;afaltadeconhecimentoda sociedade com relao a nascimentos prematuros e suas conseqncias foi colocado, por um pai, como um fator que dificulta o enfrentamento da situao: Comopoucodifundido,a sociedade no sabe o que fazer. melhor dar os parabns ou no?.A primeira visita do pai ao beb na UTI Neonatal foi avaliada por um dos entrevistados como um momento tenso Na primeira vez foi difcil acreditar que poderia dar certo, foi um momentomuitotenso.; um entrevistado referiu-se ao acontecimento comotraumatizante, chocante;umpairelatouomomentocomohorrvel,outrocomoemocionanteFoi muitoemocionante, meu primeiro filho, me senti alegre comigo mesmo, mas a questo dos aparelhoseuacheiruim. Um entrevistado definiu a experincia como ambivalente Foi legal, apesar dele estar cheio de tubo. No foi to bom quanto seria se tivesse nascido normal e fosse para o berrio. Ele era perfeito. Foi triste mas foi legal.A primeira visita da me ao beb foi vista como muito difcil para seis entrevistados na medida em que precisaram demonstrar fora para confortar a mulher, mesmo estando tambm fragilizados Para mim foi muito difcil, eu tinha que confort-la mas tinha a mesma dor que ela ; dois outros entrevistadosdescreveram o momento como muito emocionante, um como muito doloroso para ambos - Agora posso respirar mais aliviado e dizer para voc o quanto foidolorosoparamimeparaela,querendopegarnocoloafilhaquetantoamo,recebendo visitas sem poder mostrar. Dois disseram que para a mulher esse momento foi muito difcil Para ela foi pssimo, ela quis logo ir embora.Outros dois pais falaram sobre a importncia de terem visto o beb antes de suas mulheres, j que tiveram condies de prepar-las para o momentoEutinhaconscinciaqueelaiachorareporissoiaexplicando,contando histrias,falandodasaparelhagens,tentandoexplicaralgoquenemeuconhecia;um entrevistado relatou que o fato da mulher ter visto,anteriormente sua primeira visita,uma 59fotografia do beb na incubadora tornou esse momento um pouco mais tranqilo Primeiro tiraram a foto, eu levei. O impacto foi menor, ela j viu o estado que ele estava . QUANDOAFUNOPATERNASEAPROXIMADAMATERNA,NAUTI NEONATAL. Oqueamosescutandonasentrevistas,otomdevozusado,as expresses verbais ou mesmo faciais, os gestos destes homens, comearam a nos surpreender pela semelhana com os relatos maternos, com as expresses utilizadas pelas mulheres. Tudo o queverbalizavampoderiaserencontradoemcolocaesdasmesdosbebs,ouseja, comeamos a notar uma intensa proximidade entre o discurso paterno, surgido nesse perodo, e o discurso materno. Por outro lado, suas falas nos remetiam a questes tericas como aquelas propostas por Daniel Stern (1997) em seu livro Constelao da Maternidade. Ou seja, para este autor existem na mulher preocupaes, sentimentos, idias, pensamentos prprios da poca da chegada de um filho e vamos que estes tambm pertenciam ao mundo paterno. Stern(1997)mostraque,naculturaocidental,quandoumamulhersetorname, surgem quatro temas relacionados a caractersticas maternas: vida-crescimento; relacionar-se primrio; matriz de apoio e reorganizao da identidade, cada um deles com caractersticas prprias e que configuram suas idias, suas condutas, sua forma de agir e pensar frente ao fato de gerar um beb. Em relao aos quatro temas propostos por Stern, as entrevistas mostraram que eles tambm aparecem no relato paterno. Utilizando a provocao do prprio autor que diz :se o paiocuidadorprimrio,serqueeletambmvaidesenvolverumaconstelaoda maternidade? (Stern, 1997, p. 178), passamos a estabelecer uma discusso tericoe prtica destas questes, que apresentaremos a seguir. O TEMA DE VIDA-CRESCIMENTO Neste tema, a questo central se a me sentir-se- capaz de manter vivo seu beb, fazendocomqueelecresaesedesenvolvafisicamentedeformasaudvel,semdeixar seqelas,sealimentebem,ouseja,queelesobreviva.Osdadosobtidosnasentrevistas mostraram que desde o momento do parto prematuro o pai demonstra grande preocupao com 60o desenvolvimento de seu beb, temendo que ele morra, lembrando muito as colocaes de Stern sobre a mulher. Marcos e J oo3 relataram esse medo : Tive medo de perder meu beb, de no conseguir. Tem sido muito estresse emocional, no gostaria de passar por uma perda. Foi muita gente para cima dele. Estava morto ? Alm do medo da morte existe a preocupao com o desenvolvimento fsico do beb, o receio de que esse fique com seqelas ou problemas, como disseram Maurcio, Paulo e J oo: Tinha medo dele ficar deformado, ter problemas mentais. Eu pensava se aquele beb viraria um beb de verdade. Eu me preocupava com o beb, com o que ia resultar dali. No caso dos pais de bebs pr-termo, principalmente os extremos4, o receio de que o beb pare de respirar acaba por se concretizar nas apnias5,aumentando o nvel de insegurana, preocupao e angstia . Para Carlos foi muito difcil presenciar uma parada respiratria de seu beb pr-termo: Easapnias?Elaserammuitobrabas,eupresencieiuma,estavana hora, conversando. Os pais tambm mostraram grande preocupao com a alimentao do beb, estando atentos quantidade de leite tirado pela mulher e satisfeitos quando o filho j podia comear a se alimentar com leite materno.Cuidar do leite era a nica coisa que eu podia fazer, por isso perguntava tanto, disse Mrio. O TEMA DO RELACIONAR-SE PRIMRIO Essetemaacompanhaamedurantetodooprimeiroanodevidadobeb,ondeo relacionamento desta com o filhoinclui oholding, laos de apego, segurana e afeio. Surgem preocupaes acerca da capacidade da me amar seu beb e se sentir amada por ele; de 3 Os nomes utilizados para os pais so fictcios.4Prematuridade Extrema: recm nascido com idade gestacional inferior a 30 semanas e peso geralmente menor do que 1500g. As intercorrncias clnicas ocorrem com freqncia maior e tem maior gravidade em virtude de imaturidade.(Leone, 2001) 5Apnia: Interrupo dos movimentos respiratrios por tempo igual ou superior a 20 segundos, podendo ou no ser acompanhado de bradicardia e/ou cianose (Leone, op cit). 61sentir-secapazdereconhecereidentificarobebcomoseu;dedesenvolverumestadode sensibilidade que lhe permita identificar-se com o filho de forma a atender suas necessidades. Ospaisentrevistadosmostraram-semuitodisponveisafetivamenteparaseusbebs, sensveis ao olhar para os filhos, capazes de reconhecer suas necessidades fsicas e afetivas. J orge passava longos perodos do dia junto ao seu beb. Disse ele: A sorte que estou disponvel, esse ano, para ele. Aquelespaisquenopodiamtemporariamentepegarofilhonocoloforamvistos muitasvezeslendoseubebdentrodaincubadora,acompanhandocomoolharos movimentos, o contorno do corpo do beb, tentando descobrir suas necessidades e vontades; fazendo-lheoholdingcomoolhar,conversandocomofilho,traandoplanosparaseu futuro, reconhecendo nele traos familiares, reconhecendo-se como pai, como nos contaramRoberto e Carlo: Euestavadesconectadodascoisas:solhavaobeb,oestadodomeu beb. Eu queria pegar no colo a filha que eu tanto amo. J oocompletou:Euqueriaestaromximodetempoemcontatocomele,pegar, tocar. Aparecerampreocupaesdospaisparacomosurgimentofuturodepossveis problemaspsquicoseemocionaisnobebcomoresultadodasuainternaonaUTIN, funcionandocomomarcaspsquicasdeixadasporesseinciodiferentedevidaepelos conseqentes cuidados intensivos neonatais. O TEMA DA MATRIZ DE APOIO A principal funo do que ele denomina matriz de apoio que existam pessoas capazes de cuidar da me, provendo suas necessidades, para que ela possa, cuidada, cuidar do beb. Conformejfoidiscutidoanteriormente,onascimentoprematurodeumbebimpeao homem e pai um misto de novas tarefas, novos medos e emoes. Alm de assumir uma srie de responsabilidades, ele deve cuidar do universo afetivo inicial do beb na UTIN; proteger a dade-me-beb; continuar provendo a famlia, alm de seus compromissos profissionais. As falas dos pais nas diferentes entrevistas mostraram que tambm eles necessitam da existncia de uma matriz de apoio, de forma a ajud-lo a enfrentar suas tarefas. Carlos fala da necessidade do homem receber apoio nesse momento: 62 Nahoraemquesoubedanecessidadedetransferi-lo,choreimuito.Ficoutudo confuso,eunosabiaoquefazer,seeuvinhacomeleouatendiaminhamulher.Tinhaque buscar minha filha na escola. Liguei para a bab. Chamei meus pais. As palavras de Antnio, Marcos, J os e Thiago confirmam o quanto os pais se sentem frgeisnessahora,necessitandodemonstrarforaecoragemnamedidaemqueservemde suporte para a esposa e me.Por dentro eu estava em pedaos, mas no podia mostrar. Ou ainda: Eu, longe dela, entrava no banheiro, dizia que ia tomar banho e era para chorar, no tinha com quem fazer isso.Eu tinha que confort-la, mas eu tinha a mesma dor que ela.A genteviveemumaculturaemqueohomemdeveserforte,maseletoatingidoquantoas mulheresnessescasos.Seeudisserqueestoubempsicologicamente,noverdade.Seeu disser que no estou cansado, estou mentindo. Se eu disser que no estou no meu limite, estou mentindo. Essas colocaes e as observaes clnicas durante as visitas dos avs nos sugerem que na matriz de apoio a figura do pai-do-pai tem um significado importante para ele.O pai do beb em geral procura a proximidade de seu pai. Alm do recm feito pai tambm fazer um reajuste psquico de seu relacionamento com o seu pai e com as figuras parentais de sua vida por ocasio do nascimento de seu beb, cabe ao pai-do-paia responsabilidade de servir como referencialparaseufilho,facilitandoodesempenhodapaternagem.Duranteesteperodo escutamosporpartedeavs(paisdospais)histriasmuitointeressantescomo conseguiram licena no trabalho para estarem prximos ao filho neste perodo; anteciparam frias, freqentaram com assiduidade maior do que suas esposas a UTI Neonatal, seja para visita ao neto seja para conversarem com o filho nos corredores ou salas de espera. O TEMA DA REORGANIZAO DA IDENTIDADE Nestetema,Sternrefere-senecessidadedamedetransformarsuaidentidade, reorganizando-a.Essareorganizaodeidentidadetraznovaspreocupaes,modificaa distribuio de tempo e energia da mulher, as atividades que exerce e conseqentemente altera todos os investimentos emocionaisda me para com o mundo.63Com relao ao pai, o autor inicialmente sugere que a situao um pouco diferente da materna.Segundoesclarece,ohomem,mesmoaquelebastanteparticipativoqueagecomo novo-pai,nopodeservirdeexemploparasuamulheroferecendoinformaes,tcnicase aconselhamento por ser to inexperiente quanto ela no que diz respeito aos cuidados com o beb, alm de no ter condies de validar e apreciar a me em seu papel de cuidadora (...) quanto uma figura materna legtima, pessoalmente selecionada(Stern,1997, p. 177). Cabe ao marido, pai e homem apoiar a mulher, fazer o holdingpsicolgico (Stern,1997, p. 177). Em contrapartida Stern deixa uma questo sem resposta. -Se o pai um cuidador primrio, ser que ele tambm vai desenvolver uma constelao da maternidade? Afinal de contas, seu cuidador primrio foi (com toda a probabilidade) sua me. Ou sua necessidade de se identificar com seu pai vai alterar muito essa situao? As respostas para essas perguntas ficaro claras com o tempo... (Stern,1997,p. 178). O que vimos em nosso estudo que o nascimento de um filho faz com que o homem tambm necessite reorganizar sua identidade atravs de intenso trabalho mental como afirma J oo: A gente passa a ter uma viso completamente diferente da vida, muda completamente. J oscomplementa:Foinessemomentoqueafichacaiu.Alieumesentipai,nsquatro juntos.Para J orge a vida passa a ter outro objetivo: Agoraestouemproldeoutroideal: minhafilhavaibem,issoofundamental.Preciseiparar,pensar,mediraminhavidaa partir daquele momento. Comoamulher,ohomempassaaolugardepai,progenitorepaidefamlia, modificandoseusinvestimentosafetivosepriorizandooutrasatividades.Foimuito emocionante, meu primeiro filho. Para mim tudo novo. Ser pai novo. Entrar na UTI novo. DISCUSSO Os dados colhidos nesse estudo sugerem que existe sim, no homem, uma preocupao e envolvimento com seu filho recm-nascido que se aproxima daqueles experimentados por sua mulher.Nonascimentodeumfilhopr-termo,almdapreocupaoedoenvolvimento prprios do engrossment, o pai experimenta um outro funcionamento especial. Neste caso ele necessita fazer um reajuste psicolgico de suas tarefas, reavaliando suas experincias em no 64esperadas funes. Essas so as questes que se apresentam fundamentais para o homem nesta situao e que necessitam uma rpida resoluo os sentimentos envolvidos e despertados pela experincia de tornar-se pai ou mais uma vez pai e suas novas experincias com os cuidados intensivos neonatais.Taisvivnciasoconduzemaumanovaprticaeaumare-organizaopsquica, necessriaparaqueelepossaidentificar-secomseufilhoecomsuamulher(sentindo-se tambmnecessitadoderecebercuidados)paracompreend-loseentenderoqueambos esperamdele.Provavelmenteapredisposiodeapaixonar-sepelobebatravsdo engrossmentlhefaciliteocuparestelugarfrenteafamliaeasociedade;comaequipede cuidados e com os amigos mais prximos. Inclui-se aqui tambm um legado social e cultural que o torna responsvel por oferecer um intenso suporte mulher neste perodo, alm de lhe exigir que desempenhe, nos momentos iniciais da internao, um funcionamento mais prximo aoditomaternal.duranteesteperodoqueapresenadopai-do-paidamaior importncia.Oapoioqueestepodeoferecernomomentoinicialdacrisefamiliarpela internao do beb traz, para o novo pai, um colo, um holding, essencial para integrar a figura paterna facilitando o desempenho de suas funes. Todososmomentosdeinternaodobebnascidoprematuramentemostraram-se dolorosos para os pais entrevistados, mas sem dvida aqueles considerados mais difceis de serem enfrentados foram:. o parto . a primeira visita ao filho na UTI Neonatal . a primeira visita da mulher ao beb nos cuidados intensivos neonatais e. o momento de alta da mulher do hospital. Este ltimo traz consigo a conscincia da dura realidade: os braos vazios, na volta para casa, marcam concretamente o nascimento prematuro do beb. Da mesma forma, despedir-se dobebdiariamente,sadadohospital,reeditaessesentimento.Conformeospaisnos relataramnumgrupoquerealizamosapenascomeles,emambasassituaesficadifcil encontrar palavras de conforto mulher, visto estarem eles tambm tomando conscincia da realidade e de todos os sentimentos que giram em torno de uma paternidade prematura.Estaexpressopaternidadeprematurautilizadanestetexto,podesercompreendida comoum funcionamento adequado situao experimentada pelo homem que foiimpedido 65de completar a gestao psicolgica e biolgicade seu beb. Esse funcionamento no impede que o pai prematuro assuma seu papel diante das situaes e exigncias reais que a internao coloca,mastrazumsentimentodeestranhamentotemporrio.Esteestranhamentosurge porqueasrepresentaesinternasqueopaifoidesenvolvendodurantesuavidasobreo tornar-se pai,desempenhar-se como paie que agora,o orientariam, no podem ser utilizados elespossuemumoutroparadigmabaseadonumahistriadiferente,quenoincluaa passagemporcuidadosintensivosneonatais.Omesmoaconteceparatodasaquelas aprendizagens decorrentes de seu ambiente social e cultural.Ou seja, um parto prematuro e de risco muitas vezes leva o homem a sentir-se incapaz para assimilar a rapidez com que o processo do parto se inicia e o verdadeiro risco de morte do beb e s vezes, da mulher. A rapidez com que a equipe mdica precisa se reunir, algumas vezes impossibilitando a presena do profissional conhecido pelo pai; o cheiro e os barulhos caractersticos de centro cirrgico; a atuao tensa e rpida dos profissionais durante o parto; a aparncia do beb; os procedimentos de primeiros socorros visando reanimao do recm-nascido;asmanobrasteraputicasadequadas,masqueseapresentamparaopaicomo desconhecidas e assustadoras; a rpida retirada do beb para a UTI Neonatal; a preocupao com o estado fsico e psicolgico da mulher, todos esses fatores assustam demasiadamente o homem, exigindo dele fora e grande controle emocional para que possa dar conta das tarefas que lhe cabero a partir de ento. O homem,dito agora como pai, mas muitas vezes sem ainda sentir-se como tal, passa a ser o elo com a equipe, o responsvel por receber todas as notcias e por acompanhar me e beb. Todasassituaescitadasanteriormentepodemexplicarafaladospaisquandose referem ao nascimento de seu beb pr-termo como algo traumatizante ou chocante. Atravs desses vocbulos os pais tentaram representar seu sentimento de incapacidade passageiro para compreendereassimilarumacontecimentoinesperadoetointenso,inicialmente desorganizador por todas as emoes ambivalentes e medos que provoca. Outro resultado relevante desse estudo foi chamar a ateno para a importncia que os pais-dos-pais assumem no momento do nascimento prematuro de um beb, servindo como modeloefiguraderefernciaparaseusfilhos.Apresenadopai-do-paiassumemaior importncia em momentos mais crticos da internao, onde o estado clnico do beb mais instvel, inspirando maiores cuidados. Nos casos onde o pai-do-pai no foi to presente ao longodoprocessodeinternaodosbebsfoipossvelidentificar,atravsdasfalasdos 66entrevistados, maior dificuldade para lidar com o nascimento prematuro do filho e todas as exigncias impostas por esse momento. Esse tema precisa ser melhor compreendido, ficando como sugesto para novos estudos. muito importante ressaltar que a volta prematura do pai ao trabalho, aps cinco dias de nascimento de seu beb pr-termo, mostra-se produtora de sofrimento na medida em que todooolhareinvestimentopaternoencontram-sevoltadosparaaUTINeonatal,paraa mulher e para o beb , no havendo espao psquico para lidar com questes profissionais. CONCLUSES fundamental que desde a primeira conversa com o pai, aps o nascimento do beb, a equipemdicarelateosfatoscomverdadeeclareza.Essaatitudeporpartedaequipe duplamenteimportante.Seporumladoelafavoreceoestabelecimentodeumarelaode confianaindispensvelaolongodainternaonormalmenteprolongadadeumbebpr-termo, que inclui vrias fases algumas muito delicadas de outro ela reconhece o quanto a situao estressante. Ao agir assim, a equipe oferece ao pai a oportunidade de melhor se instrumentalizar para conhecer a realidade do filho. Ao mesmo tempo permite que ele utilize melhoresestratgiasparaenfrentarosmomentosqueseapresentameosriscospotenciais inerentes ao estado clnico de seu beb. Cabe tambm equipe de sade a importante tarefa de acompanhar a visita do pai a UTIN, tanto aquela em ele vai sozinho visitar pela primeira vez seu beb quanto a primeira visita da me criana, onde o homem coloca-se como forte e cuidador da mulher, mas necessita tambm de cuidado e ateno. O maior resultado desse trabalho foi compreender que preciso que a equipe de sade e os familiares disponibilizem um espao subjetivo suficientemente amplo no qual o homem, e pai de um neonato pr-termo, possa transitar com conforto. Esse espao permite a elano ter que assumir uma funo ou papel previamente determinado ou culturalmente esperado. Se for adequadamente olhado e cuidado nesse momento, toda sua afetividade e um grande nmero de emoes que cercam o nascimento de um filho tm a possibilidade de tornarem-se presentes.67O atendimento aos pais, em grupo, mostrou ser um espao favorvel e continente, onde medos, preocupaes, angstias e dificuldades experimentadas durante a internao de seus bebs puderam ser melhor expressadas e divididas . Longe das mulheres, as quais procuram poupareproteger,oshomensidentificaram-se entresi,utilizaram-sedamesmalinguagem, compartilharam suas vivncias . Entretanto importante ressaltar que os grupos familiares de apoio nas UTI Neonatais devem sempre privilegiar: - a participao do casal, buscando sua interao,- a elaborao da crise gerada pelo nascimento do filho pr-termo e - a reorganizao familiar. O atendimento em grupo, somente de pais, pode reforar, em alguns casais, defesas poucoadaptativasesentimentospersecutrios,devendoporissoserutilizadoemsituaes particularesesomentequandoadinmicadoscasaisdemandaressaintervenomais especfica. Foi a partir de uma clara demanda e da autorizao por parte das mulheres de um grupodepaisdaUTINeonatalquerealizamosogrupocompostosomenteporpais.Esta experinciaparticipoudoprocessodesteestudo,colaborandoparaobtermosdados significativos para nossa discusso, mas temos clareza que no deve ser uma prtica constante e sim um recurso a mais a ser utilizado em situaes especiais. A experincia mostrou que o pai se apaixona por seu beb pr-termo e admira nele sua foraecapacidadeemlutarpelavida.Apresenadoengrossmentfacilitaoprocessode interao entre um pai e seu beb pr-termo. Para que isso ocorra necessrio que o pai possa participar dos cuidados com seu beb pr-termo j a partir da sala de parto, acompanhando-o emseusprimeirosmomentosdeinternaonaUTIN.Aparticipaodaequipedesade coloca-se como condio importante e indispensvel; oprocesso de humanizao das UTINs deve possuir um olhar especialpara o pai do beb, acolhendo-oe incentivando-o a participar da internao de seu filho. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS: Camus, J . (1999). Le Pre educateur du jeune enfant, Paris, PUF. Klaus,M. , Kennell, J .,e Klaus, P.(2000). Vnculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independncia. Porto Alegre:Artes Mdicas. 68Klaus, M, Kennell, J . (1992). Pais/beb: a formao do apego.Porto Alegre: Artes Mdicas.Leone, C. R. (2001). Assistncia Integrada ao recm-nascido. So Paulo: Editora Atheneu. Oiberman , A . (1994). La relacion Padre-Bebe: una revision bibliogrfica. RevistaHosp. Ramon Sarda, XVIII, n2 Raphael-Leff, J . (1997). Gravidez: a histria interior. 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