para entender a tv digital

130

Upload: kim-pires

Post on 06-Nov-2015

7 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

comunicação

TRANSCRIPT

  • Para entender a TV digital: tecnologia, economia e sociedade no sculo XXI

  • Conselho Editorial INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao

    Diretor EditorialOsvando J. de Morais

    PresidenteRaquel Paiva (UFRJ)

    Afonso Albuquerque (UFF)Alex Primo (UFRS)Alexandre Barbalho (UFCE)Ana Silvia Mdola (UNESP, Bauru)Christa Berger (UNISINOS)Cecilia M. Krohling Peruzzo (Universidade Metodista)Erick Felinto (UERJ)Etienne Samain (UNICAMP)Giovandro Ferreira (UFBA)Jos Manuel Rebelo (ISCTE, Lisboa)Jeronimo C. S. Braga (PUC-RS)Jos Marques de Melo (Universidade Metodista)Juremir Machado da Silva (PUC-RS)Luciano Arcella (Universidade d Aquila, Itlia)Lus C. Martino (UNB)Mrcio Guerra (UFJF)Maria Teresa Quiroz (Universidade de Lima/Felafacs)Marialva Barbosa (UFF)Mohammed Elhajji (UFRJ)Muniz Sodr (UFRJ)Nelia Del Bianco (UNB)Norval Baitello (PUC-SP)Olgria Matos (UNIFESP/UNISO)Osvando J. de Morais (UNISO)Paulo Schettino (UNISO)Pedro Russi Duarte(UNB)Sandra Reimo (USP)

  • Para entender a TV digital: tecnologia, economia e sociedade no sculo XXI

    Valrio Cruz BrittosDenis Gerson Simes

    So PauloIntercom

    2011

  • COLEO TV DIGITAL

    Direo Editorial Maria Ataide Malcher; Osvando J. de Morais; Re-gina Lcia Alves de Lima; Fernanda Chocron MirandaProjeto Grfico Rose Pepe Produes e DesignPreparao de Texto Final Maria Ataide Malcher; Osvando J. de Morais; Fernanda Chocron MirandaNormalizao Geisa F da Silva DiasReviso Final Marly C. Vidal

    VOLUME 1 DA COLEO TV DIGITAL Para entender a TV digital: tecnologia, economia e sociedade no sculo XXIAutores Valrio Cruz Brittos e Denis Gerson SimesReviso Cndida Manuela Selau LeitePesquisa Grupo de Pesquisa Comunicao, Economia Poltica e Sociedade (CEPOS)

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    B862p BRITTOS, Valrio Cruz. Para entender a TV digital: tecnologia, economia e sociedade no sculo XXI / Valrio Cruz Brittos e Denis Gerson Simes. So Paulo: Intercom, 2011. 128p. (Coleo TV Digital; 1)

    ISBN 978-85-88537-78-1 1. TV digital 2. Economia da comunicao 3. Implantao 4. Convergncia miditica 5. Brasil I. SIMES, Denis Gerson. II. Ttulo. III. Srie

    CDD 384.550981

  • SUMRIO

    Apresentao da Coleo

    Apresentao ao volume

    O contexto da televiso brasileira

    A fase da multiplicidade da oferta

    A digitalizao e a televiso

    Cadeia de valor da TV

    Digitalizao e o oligoplio das comunicaes

    Televiso, fluxo e intencionalidade

    O que a TV digital?

    Novos recursos, novas decodificaes, novas aes

    Vdeo sob demanda

    A cultura da convergncia e o imaginrio

    A iluso do buraco negro

    Um novo televisor: PluriTV

    Os sistemas e o Brasil

    A escolha do sistema

    Onde se quer chegar?

    Referncias

    Glossrio de termos

    Os autores

    O CEPOS

    A direo editorial

    7

    10

    13

    20

    27

    30

    33

    35

    40

    45

    50

    54

    59

    63

    69

    74

    76

    83

    86

    90

    93

    95

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    Apresentao da Coleo

    Em tempos de efervescncia do processo de im-plantao da Televiso digital no Brasil, consideramos fun-damental o envolvimento da sociedade civil no debate a res-peito desse novo cenrio. Como estratgia para estimular a discusso, apresentamos esta obra que integra uma srie de livros temticos, que tem por objetivo fornecer informaes fundamentais para compreenso dos rumos da televiso no pas. Apesar dos diversos estudos que antecederam o incio do processo de implantao da TV digital no Brasil, aps a adoo do modelo japons, o assunto ainda gera po-lmica e muitas dvidas no s entre membros do governo e pesquisadores das reas do conhecimento mais diretamente envolvidos, mas tambm entre os telespectadores ou futuros usurios da nova TV. A transio do padro analgico para o digital, po-rm, j est em processo e os impactos desta mudana j se fazem presentes. Alteraes significativas acontecem nas

    reas tcnica, artstica, gerencial, comercial, tecnolgica, dentre outras. E elas provocam verdadeiras transformaes na formas de fazer, organizar, veicular e fruir contedos, e redefinem diversas instncias sociais, sejam elas econmi-ca, poltica, cultural e profissional. Diante disso, que se faz

    ainda mais necessrio refletir sobre a trajetria desse meio

    no pas e o que este representa para a sociedade brasileira.

    7

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    Dessa forma, destacamos a importncia desse mo-mento para a reconfigurao do cenrio televisivo no Brasil,

    e consequentemente, de muitos indicadores sociais. ne-cessrio ampliar o debate entre as diferentes esferas envol-vidas no processo de implantao da TV Digital, a fim de

    colocar realmente em prtica os objetivos do SBTVD-T.

    Nesse contexto, que nasce a Coleo TV Di-gital, que tem o objetivo de esclarecer/informar sobre os diferentes aspectos dessa convergncia e introduzir os leito-res nas discusses sobre a nova TV, estimulando-os para a busca por mais conhecimento. A meta reunir destacados pesquisadores e pro-fissionais voltados aos estudos da TV digital no Brasil. Nes-sa parceria, pretendemos integrar diferentes competncias orientadas socializao das informaes sobre os novos rumos da televiso no Brasil. A preocupao central ser a de transcodificar a linguagem especializada para os dife-rentes pblicos que a coleo pretende alcanar, objetivando assim democratizar os conhecimentos sobre esse novo meio de comunicao. Nessa perspectiva que apresentamos aos leitores o primeiro volume da coleo: Para entender a TV digital: tecnologia, economia e sociedade no sculo XXI. Com um texto claro e de fcil leitura, Valrio e Denis inauguram as publicaes da coleo e nos ajudam a estimular algumas inquietaes necessrias compreenso sobre o processo de implantao da TV digital no pas.

    8

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    Partindo dos referenciais da Economia da Comuni-cao, os autores chamam ateno do leitor para diferentes aspectos que fomentam a discusso sobre TV digital e apre-sentam alguns dos acontecimentos que originaram o proces-so de digitalizao, resultado da necessidade de constituir um novo padro televisivo tendo em vista o vertiginoso avan-o da tecnologia, sobretudo com o advento da internet, que reconfigurou para sempre os modelos de consumo de conte-dos. Para um pblico que faz suas primeiras leituras so-bre TV digital, os autores esclarecem e desmistificam alguns

    elementos que caracterizam o Sistema Brasileiro de TV do ponto de vista tecnolgico. Alm disso, o texto convida o lei-tor a empreender um olhar crtico sobre a tecnologia, ao demonstrarem que a TV digital vai muito alm da unio de aparelhos tecnolgicos. Pelo contrrio, quando implantadas as potencialidades da nova TV, vivenciaremos a constituio de novas formas de trabalhar e transmitir contedo. E por conta do contedo, considerado pelos auto-res a chave do sucesso da TV, Valrio e Denis alertam o pblico para o fato de que no basta conhecer as mudanas que o aparelho que temos em casa sofrer. necessrio ir alm, e compreender as modificaes que acontecero no

    processo do fazer TV. A reflexo, portanto, deve residir nas implicaes do novo padro televisivo nos processos de pro-duo, emisso e recepo de contedos. Afinal, como bem

    coloca Valrio e Denis, a TV, antes considerada a rainha do lar, com a mltiplas possibilidades de fruio de contedo da PluriTV, agora ganha a condio de multipresente.

    9

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    10

    Apenas aprofundando a reflexo e com-preendendo as sensaes e interesses que configuram o

    processo de implantao da TV digital no Brasil, como co-locam os autores, ser possvel que as transformaes que estamos vivenciando, e ainda vivenciaremos nos prximos anos, no modo de assistir televiso e consumir informao no sejam reduzidas a meras modificaes tecnolgicas.

    preciso estar preparado para que a tecnologia no determi-ne o seu uso, mas o uso que dela fazemos estabelea seus avanos. Alm disso, ao mergulhar na compreenso desse cenrio de transio podemos contribuir para que os interes-ses das diferentes esferas da sociedade civil envolvidas no processo sejam pressionadas a colocar sempre o interesse do pblico frente do interesse pblico. Nessa perspectiva, convidamos voc a se aproxi-mar da discusso sobre a implantao da TV digital e a ficar

    por dentro das mudanas que esto por vir. Boa leitura!

    Direo Editorial

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    11

    Apresentao ao Volume

    O sculo XXI caracterizado por uma socieda-de muito diferente da que foi vista, em mbito planetrio, um sculo antes. A base para essa afirmao vem de um complexo nmero de fatores, considerando uma violenta mudana tecnolgica, impulsionada por necessidades, interesses, curiosidades e disputas. No possvel es-quecer as duas guerras mundiais e a Guerra Fria, soma-das a conflitos no Vietn, Ir, Iraque, Congo, Afeganisto, Coria, entre outros, que foram bero ou impulsionadores de muitos projetos de produtos, tcnicas e servios. Atra-vs de vises para a rea blica e estratgias militares acabaram, paralelamente, ocorrendo avanos em mlti-plas reas, como nas engenharias (a exemplo da aero-nutica e demais transportes), medicina, minas e energia, qumica, sociologia, comunicao e informao, entre ou-tras. O setor das comunicaes cresceu muito nes-se perodo, com a popularizao do rdio, a acelerao da imprensa, a ecloso da televiso e o surgimento da internet, sem contar a expanso das telecomunicaes, que entraram fortemente no processo de convergncia de meios. Muitos dos interesses que impulsionaram as inovaes nas comunicaes tambm vieram do mpeto militarista, como a radiodifuso, na transmisso de ideias do Estado, e, na segunda metade do sculo passado, o princpio da rede mundial de computadores, no fluxo

  • descentralizado de dados. Questes que acabaram atin-gindo, direta ou indiretamente, interesses comuns aos do capital. Agora, olhando o espao miditico global, com seus mltiplos elementos se modificando simultaneamen-te, tem destaque a expanso galopante das tecnologias digitais, que tem como principal cone o computador plu-gado internet. Nesse movimento no est excluda a televiso, que, depois de ser o meio de comunicao de maior destaque no sculo anterior, tem se mantido em constante processo de reconfigurao, diante das neces-sidades do mercado. Mais do que o equipamento se al-terar, a nova TV, a digital, que segue em construo, tem mudanas importantes no seu contedo e na recepo. A partir da digitalizao ganha impulso a PluriTV, com ou-tros monitores e suportes tornando-se tambm uma es-pcie de televisor, o que amplia os espaos do produto televisivo. A digitalizao, assim, ps em xeque o modelo da mais popular mdia da atualidade, a televiso, obrigan-do-a a se adaptar. Essas alteraes no esto s ligadas a fatores tcnicos, como renovao do equipamento, mas a questes de cunho poltico, econmico e cultural. Tais modificaes interferem no modo de produzir os progra-mas, na moldagem de novos formatos (seja de tela, seja de linguagem), em distintas formas de recepo pelo usu-rio e no cmbio de custos de produo, venda e exibi-o: esses so alguns dos pontos afetados pelo processo de digitalizao.

    PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    10

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    13

    Mas o que essa televiso digital, propriamen-te dita? O que a diferencia da analgica? Como ela fun-ciona? Quais os seus rumos? Que agentes atuam sobre ela? Que peculiaridades apresenta o Sistema Brasileiro de Televiso Digital Terrestre (SBTVD-T) frente a outros? Essas so algumas das questes tratadas neste livro, que vem a pblico em um momento de mudanas tecno-lgicas intensas, quando se anunciam tcnicas e produ-tos at aqui s imaginados em sries de fico cientfica.

    Os autores

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    15

    O contexto da televiso brasileira

    Ao tratar do tema televiso, comum vir mente uma srie de lembranas referentes a audio-visuais transmitidos por esse meio, consumidos em algum momento da vida. Isso acontece com a maioria dos cidados, que teve ou tem relao cotidiana com o aparelho e seu contedo. Teledramaturgia, noticirio, esportes, humorsticos, cultos religiosos e programas educacionais so alguns dos gneros televisivos que ocupam as grades de horrios das emissoras, muitos deles produzidos em territrio nacional, outros impor-tados diretamente ou adaptados ao pblico brasileiro. Ao final, os canais de rede aberta transmitem diaria-mente 24 horas de contedo ininterrupto, mesclando estilos e formatos, e dirigindo-se a diferentes pblicos alvos. At o incio da dcada de 1960, o rdio era o meio de comunicao hegemnico no Brasil e a tele-viso ainda buscava seu caminho para a populariza-o, iniciado no estado de So Paulo e depois Rio de Janeiro, chegando aos poucos a outras praas, como Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. No demorou para que o aparelho se difundisse, adentrasse maci-amente as residncias e as emissoras crescessem, tanto como polos de produo de contedos, quanto captadoras de investimentos publicitrios. Com a ins-taurao do regime militar, a partir de 1964, houve um impulso por parte do Estado para que a TV ampliasse sua abrangncia no pas, como parte da poltica de se-gurana nacional, e no tardou para ela estar presente na maior parte dos lares brasileiros.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    16

    Se no princpio, os contedos eram produzi-dos localmente e transmitidos ao vivo, com o avano tecnolgico dessa mdia, destacando-se a chegada do videoteipe e da rede de microondas, o cenrio mudou. A formao das redes nacionais deu impulso a uma nova estratgia de administrao das empresas midi-ticas, otimizando os custos de produo. O apoio do governo brasileiro para o desenvolvimento da TV, em-bora em troca de contrapartidas simblicas ao Poder Executivo, foi fundamental para o rpido crescimento do meio televisivo, que ultrapassou em importncia o papel do rdio. Mesmo com o fim do regime militar, em 1985, mantiveram-se muitas das relaes polticas en-tre as emissoras e o Estado, cenrio pouco alterado no sculo XXI, mesmo com a implantao de tecnologias digitais, que trouxeram mudanas no modo de fazer TV e mesmo nas demandas de recepo.

    Dentro desse cenrio de pluralidade, houve a ampliao do nmero de monitores onde possvel receber contedo televisivo, no somente o tradicional aparelho televisor. Alm da difundida TV aberta, com programao analgica ou digital de livre acesso po-pulao, com aparelho adequado para receber o sinal, tambm ganharam espao no mercado audiovisual a televiso por assinatura e a WebTV, entre outros for-matos de transmisso de informao televisiva. Com a pluralizao de contedos e modos de recepo, ficou

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    17

    mais complexa a concorrncia entre as empresas de mdia e ampliou-se o lugar da inovao, implementada como ferramenta estratgica de fidelizao de teles-pectadores.

    Atualmente, a TV aberta, transmitida pelos sis-temas VHF (Very High Frequency) e UHF (Ultra High Frequency), a que tem maior visibilidade no Brasil. Os canais mais populares so Bandeirantes, Globo, Record, Rede TV!, SBT1, sendo a maior parte da pro-gramao produzida no Rio de Janeiro e So Paulo. A emissora de maior audincia segue, por dcadas, sen-do a Rede Globo de Televiso, que no s referncia pela programao que exibe, como tambm pela sua produo de contedos, muitos deles exportados. A Record, tem se consolidado em segundo lugar, SBT e Bandeirantes, em terceira e quarta posies, lutam por melhorar seu posto no ranking, muitas vezes tenden-do a imitar o canal hegemnico, outras focando pbli-cos de base mais popular ou segmentos especficos de consumidores. A Rede TV! segue por fora dessa competio, mas disputando picos espordicos de au-dincia.

    A partir do ano de 2007, especificamente no dia 02 de dezembro, iniciaram-se as transmisses do sinal televisivo digital. A implementao, que j vinha

    1As emissoras foram dispostas em ordem alfabtica.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    18

    sendo estudada desde a dcada anterior, foi impulsio-nada pelo avano internacional do setor de televiso, que se digitalizava, e tambm pela necessidade de adequao das emissoras com a entrada de produtos e servios novos no espao comunicacional, com n-fase internet e convergncia para a telefonia mvel. Gradativamente as emissoras comearam a disponibi-lizar, paralelamente ao contedo transmitido de modo analgico, a programao pelo Sistema Brasileiro de Televiso Digital Terrestre (SBTVD-T), caracterstico da TV aberta digital.

    Concebido com base no Integrated Services Digital Broadcasting (ISDB), o padro japons de sinal de televiso digital, o SBTVD-T passou a ser o siste-ma oficial do Brasil. A escolha ocorreu aps negocia-es entre os pases fornecedores das tecnologias e o Estado brasileiro, considerando, principalmente, os interesses das empresas de TV. A disputa para impedir que novas empresas de comunicao entrem no ramo televisivo foi uma das tnicas do processo de esco-lha do sistema de digitalizao brasileiro, assim como a busca de medidas capazes de deter a migrao de espectadores da televiso para outros meios, como computadores e jogos eletrnicos. A renovao dessa mdia fez-se necessria em meio a um cenrio de forte concorrncia e de empenho para obteno de novos mercados.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    19

    A TV por assinatura segue seu processo de expanso, mas longe de alcanar ndices atingidos pela aberta. Segundo a Agncia Nacional de Teleco-municaes (ANATEL), em junho de 2010 havia um montante de 8.426.462 assinantes de servios de te-leviso paga, o que representa um crescimento verti-ginoso, se comparado a janeiro do mesmo ano, com 7.623.3892, e aos 2.734.206 de 19993. O desempenho da economia brasileira, na dcada de 2000, contribuiu para esse aumento, dando bases para que mais con-sumidores estivessem em condies de adquirir os servios. A dilatao do mercado de televiso paga tambm impulsionou investimentos no setor, tanto na programao de contedo, quanto na distribuio de servios. Com isso, passaram a ser oferecidos canais em alta definio (High Definition Television HDTV), pagos, anteriormente ao lanamento do SBTVD-T.

    Aproveitando o bom momento da TV por assi-natura, ocorreram diversas aes para tanto expandir o nmero de residncias que consomem esse servio,

    2ANATEL. Dados Estatsticos dos Servios de TV por Assinatura. Dis-ponvel em: . Acesso em: 05 out. 2010. p. 12.3BRITTOS, Valrio Cruz. Recepo e TV a cabo: a fora da cultura local. 2. ed. So Leopoldo: Ed. Unisinos, 2001. p. 162.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    20

    quanto ofertar novos produtos que usem a estrutura f-sica desse meio. Alm da programao televisiva, pas-saram a oferecer telefonia fixa e internet banda larga, o chamado triple play. Assim, atravs da convergncia de servios e redes, foi possvel ampliar o nmero de clientes e acrescer novas opes de negcios, dispo-nibilizando boa qualidade e preos atrativos, aumen-tando a lucratividade a partir do compartilhamento dos gastos com a manuteno da estrutura. Nesse cami-nho, h ainda o quadri play, com a integrao de ser-vios de telefonia mvel. Essa expanso de produtos, alm de fomentar a chamada venda casada, incenti-vando o hbito de consumir TV por assinatura em tro-ca de alcanar outras facilidades e benefcios, tambm gera a concorrncia com outras operadoras, tanto de televiso como dos demais servios ofertados.

    Diferentemente dos modelos aberto e por as-sinatura, a WebTV utiliza-se da rede mundial de com-putadores como canal de trnsito para que os dados televisivos cheguem ao espectador. uma forma de TV que est crescendo, gerando uma nova experin-cia com o audiovisual, mesmo com suas limitaes pela ainda deficiente banda larga. Esses contedos televisivos podem ser visualizados pelas plataformas de acesso internet, a exemplo do j popularizado computador, dos no menos falados dispositivos m-veis (como aparelhos de telefonia celular e Ipods) e os,

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    21

    menos lembrados, televisores convencionais dotados de conversores. A plataforma que d condies a esse sistema so os protocolos de internet, mais conheci-dos como IPs (internet protocol), que abrem possibi-lidade para a IPTV (sistema de transmisso de sinais televisivos a partir de dados na internet) e novas estru-turas de acesso ao audiovisual.

    Seja recebendo a imagem em tempo real, sincronizada com o sinal aberto, seja promovendo o download dos arquivos de vdeo, pelo computador ou outra ferramenta tecnolgica, essa nova forma de re-cepo da TV desprende o contedo do aparelho te-levisor, dando-lhe autonomia. Mesmo sem um equipa-mento de televiso, o espectador pode entrar em um endereo eletrnico especfico, clicar e assistir sua programao preferida. Nos sites, o modo de dispo-sio dos contedos geralmente como programa-o sob demanda, o telespectador pode montar sua prpria grade atravs do webcasting, onde o usurio pode clicar e assistir quilo que deseja no horrio que mais lhe convm [...])4, Atravs das tecnologias dispo-nibilizadas pela web os recursos televisivos podem ser potencializados, possibilitando novas interaes com

    4SIMES, Denis Gerson; BITTENCOURT, Mara. A televiso brasileira no processo de digitalizao. In: BRITTOS, Valrio Cruz (Org.). TV digi-tal, economia e democracia. So Leopoldo: Ed. Unisinos, 2010. p. 71-85.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    22

    recursos e servios, ainda inviabilizados no SBTVD-T, de sinal aberto.

    Outra plataforma que capta a imagem televi-siva, dispensando o televisor convencional o tele-fone mvel, mas no, necessariamente, limitando-se informao transmitida pelo sinal digital, ou mesmo analgico, aberto. Alm dos casos em que ele cap-ta gratuitamente o contedo de TV atravs de ondas hertzianas e consegue faz-lo visvel no display do celular, h a obteno do contedo televisivo no equi-pamento atravs do prprio sinal pago emitido pelas operadoras, pelo sistema 3G. Essa opo, como no caso da internet, viabiliza no s a chegada dos da-dos, mas tambm a existncia de um canal de retorno, em duas mos, abrindo chances de novas interaes entre emissoras e receptores.

    Por outro lado, o prprio aparelho de TV m-vel, independente de outros eletroeletrnicos, uma realidade atrativa. Seja para levar no bolso, seja para acoplar a uma sada existente em automveis, nibus, trens, avies e elevadores. Trata-se de um instrumen-to que desloca o televisor para fora das residncias ou espaos fixos, tendo na estabilidade do sinal uma vantagem, se comparado ao modelo analgico. Essa mudana de espaos pode fazer recordar a prpria transio do aparelho de rdio, que de equipamento

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    23

    residencial transformou-se em eletroeletrnico de uso especialmente no trnsito das grandes cidades.

    Percebe-se, assim, que a televiso passa, a partir do seu processo de digitalizao, a evidenciar principalmente o seu contedo e multiplicar as formas de estruturar suas bases de recepo, com a possibi-lidade de anexar-se a outros produtos fsicos e sim-blicos. O modo plural como esse meio de comuni-cao sofreu alteraes, a fim de no perder espao para as novas opes tecnolgicas que se colocaram disposio do pblico, fizeram da TV uma PluriTV. Essa nova concepo reflexo de vrios fatores: da convergncia digital, da fragilizao das empresas de mdia no novo cenrio mercadolgico, da flexibilizao geral dos meios, do reordenamento do papel da pro-gramao, da busca de novas solues para o mer-cado publicitrio, do intuito de agregar maleabilidade TV diante dos novos desafios e atender s novas demandas do pblico.

    Em um mercado mutvel, em busca constan-te de novos consumidores, multiplicam-se os tipos de produtos passveis de venda, procurando atender aos mais diferentes gostos e pblicos. Os bens simblicos e servios ganham grande destaque nesse contexto, atendendo s experincias e desejos do pblico. Ao

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    24

    passo que diminuem as relaes interpessoais, de modo espontneo (principalmente nos grandes cen-tros urbanos), aumenta o consumo de produtos indus-trializados. Todavia, no necessariamente adquirem-se bens de uma indstria de base, materiais, mas sim produtos de novas faces das indstrias culturais.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    25

    A fase da multiplicidade da oferta

    A TV digital no nasceu do nada. Antes dela, a verso analgica da televiso fez histria, seja com imagens em preto e branco, seja com a transmisso e recepo a cores. Por questes tecnolgicas, mer-cadolgicas e polticas, chegou-se necessidade de mudar os padres consagrados e propor um novo mo-delo, ainda no plenamente testado, em um contexto maior de transformaes. A televiso iniciou o proces-so de digitalizao, com seus riscos, para conseguir competir em um novo cenrio construdo, o globaliza-do, dentro de um momento histrico de rearticulaes, quando o mercado nacional necessitou enfrentar no-vas concorrncias vindas do capital estrangeiro. Mes-mo com presses internacionais dos agentes que en-travam nos negcios no ramo comunicacional, a mdia brasileira deu passos para uma nova proposta de fazer TV por necessidade, no por evoluo orgnica.

    Nesse ponto, evidencia-se o fenmeno que chegou aos bens culturais, a Fase da Multiplicidade da Oferta. Com muitas opes de produtos simblicos disponveis no mercado miditico, a partir do meio da dcada de 1990, houve uma corrida para o consumo; o aumento da concorrncia gerou mltiplos efeitos eco-nmicos, como o barateamento de preos e tambm a construo de diferenciais para distinguir marcas e

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    26

    produtos. Foi um grande investimento de tempo e fi-nanas para readequao do brasileiro a uma socieda-de globalizada e identificada com o projeto neoliberal.

    Verifica-se, assim, um conjunto de aes que ganham impulso a partir do meio da dcada de 1990, que conformam a Fase da Multiplicidade da Oferta, que sintetiza as mudanas vividas nos ltimos 20 anos na televiso brasileira (tendo comeado a se articular em 1990 e sendo definida em 1995). Ela relaciona-se com a acelerao definitiva da globalizao que, no sendo um fenmeno inteiramente novo, tem sido re-configurada na contemporaneidade. O impulso tecno-lgico provindo desse processo estimulou a conver-gncia entre telecomunicaes e informtica, criando novos equipamentos e reunindo os existentes. Com a venda das companhias integrantes das Telecomunica-es Brasileira S. A. (Telebrs), ocorreu a propagao de associaes e fuses entre empresas com base de telefonia (concessionrias e autorizadas), movimento que chegou televiso a cabo e aos provedores de acesso internet. O fornecimento de mltiplos servi-os comunicacionais por uma mesma empresa, quase sempre uma transnacional, tornou-se tecnicamente possvel e no tardou a ser ofertado ao mercado.

    Entretanto, verificou-se que o otimismo gerado pelo Plano Real, sentido at 1997, deu lugar a uma

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    27

    sequncia de preocupaes. A queda vertiginosa da demanda em um curto espao de tempo estagnou parte do mercado, que at ento ampliava seus in-vestimentos e projetava crescimentos. Isso chegou de forma rpida e direta nas mdias, especialmente aps o trmino da Copa do Mundo de Futebol de 1998, rea-lizada na Frana. Com a queda nos faturamentos das empresas, diminuram os investimentos nos meios de comunicao. Em um novo momento, os veculos precisaram se readequar a quem podia anunciar, ao oramento revisado para suas produes e para aten-der a novos pblicos espectadores com potencial de consumo. Necessitava-se urgentemente obter novos faturamentos.

    As empresas precisaram buscar novos fo-cos. A regionalizao dos investimentos publicitrios foi uma das tendncias desse perodo, mostrando-se forte at o final da dcada e incio dos anos 2000. O mesmo ocorreu com as TVs por assinatura, que inves-tiram em canais regionalizados e focalizaram pblicos segmentados. Mas os canais pagos tambm padece-ram uma estagnao nesse perodo, s retomando o crescimento aps a crise.

    Assim, dentro desse contexto, primeiramen-te, tem destaque, na dcada de 1990, uma mudana de padres, com uma expanso inicial de servios e

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    28

    investimentos em produtos diferenciados, a partir de momentos de otimismo do mercado e, depois, uma readequao das mdias, no perodo de estagnao e retrao. Simultaneamente a isso, houve o ingresso de novos agentes dentro do mercado comunicacional, com destaque para as operadoras de TV por assinatu-ra e de transmisso aberta em UHF, produtos voltados a pblicos mais fracionados. De certa forma, toda a rea comunicacional passou por esses abalos econ-micos que, ao atingirem em cheio os anunciantes, tive-ram seus efeitos maximizados nos veculos.

    A multiplicidade da oferta de produtos e servi-os ganhou evidncia dentro desse quadro conjuntu-ral, numa onda de otimismo das mdias, depois frus-trada. Com a ampliao da concorrncia no mercado de bens simblicos, ao qual foram agregados novos produtos televisivos, sem um crescimento equivalen-te de pblico consumidor, ocorreu uma mudana na audincia. A televiso cresceu, ampliou seu nmero de agentes, ficou mais complexa, ofereceu mais op-es aos consumidores e, como resposta, houve uma descentralizao de focos. Em outras palavras, a TV ganhou concorrentes altura e, mesmo no perdendo seu posto de meio hegemnico, acabou se fragilizando com a ampliao contnua dos competidores.

    A audincia da principal rede brasileira, a Glo-bo, deu indicativos desse cenrio, com uma queda

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    29

    perceptvel nesse perodo. Tomando um exemplo do decnio 1995-2005, que d incio Fase da Multipli-cidade da Oferta, enquanto suas concorrentes sofre-ram oscilaes menores, j que seus ndices eram mais mdicos, em 10 anos, a emissora lder perdeu 16,1 pontos de audincia, saindo de 72 pontos, em 19955, e chegando a 55,9, em 20056, um movimen-to que no parou at o momento. No mesmo perodo, a SBT teve um primeiro crescimento, saindo de 15 e passando para 25 pontos em 20017, algo fora do pa-dro da emissora, mas retornando ao posto de 15,1 em 2005. A Bandeirantes, nesse tempo, manteve-se dentro de uma mdia, sem grandes picos, saindo de 4 alcanando 5,1 pontos. O destaque positivo ficou para a Record, que, em meio crise, teve aporte financeiro para adaptar-se, saindo de um inexpressivo 2 pontos e chegando a 9,7 pontos na audincia.

    Dentro desse quadro conjuntural, nota-se que, matematicamente, o valor da queda de audincia da Globo no se transferiu diretamente s adversrias mais competitivas, SBT, Bandeirantes e Record, que absorveram porcentagem pequena do montante. A au-dincia dessa diferena se pulverizou nesses 10 anos,

    5GRUPO DE MDIA DE SO PAULO. Mdia dados 1996. So Paulo, 1996. p. 76.6GRUPO DE MDIA DE SO PAULO. Mdia dados 2006. So Paulo, 2006. p. 146. 7GRUPO DE MDIA DE SO PAULO. Mdia dados 2002. So Paulo, 2002. p. 170.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    30

    descentralizando um pouco os holofotes, que antes miravam praticamente um s ponto.

    Observando ndices de 2006 a 2009, verifica-se que essa tendncia na audincia do decnio an-terior persistiu, apontando, entretanto, uma migrao mais expressiva de espectadores para a Rede Record, que rapidamente ampliou sua credibilidade com o p-blico e incorporou, adaptativamente, o padro tecno-esttico da lder. A Globo em quatro anos perdeu 6,7% de sua audincia, passando gradativamente para 51,9%, em 2006, 47,6%, em 2007, 44,3%, em 20088 e 45,2% em 20099, A Record fez movimento crescen-te, saindo de 10,9% da audincia, em 2006, seguindo ano a ano para 14,6%, 16,7% e 18,1% pontos do Ibo-pe, chegando ao final de 2009 com um aumento de 7,8%. No mesmo perodo o SBT seguiu em queda, de 19,4% para 13,0%, ficando em terceira colocao das emissoras, com baixa de 6,4% dos pontos, quase a mesma que a Rede Globo. O que se verifica, na prti-ca, um maior equilbrio entre as grandes emissoras e o crescimento da pulverizao das audincias nas pequenas, j que expressivo tambm que o conjunto das emissoras menores (somando aqui a Rede TV!)

    8GRUPO DE MDIA DE SO PAULO. Mdia dados 2009. So Paulo, 2009. p. 215.9GRUPO DE MDIA DE SO PAULO. Mdia dados 2010. So Paulo, 2010. p. 44.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    31

    tenha alcanado um ndice acima de 20% em poucos anos, saindo de 16,8%, em 2006, e chegando a 20,6% em 2009, uma mudana de 4,2% na audincia delas.

    Nessa Fase da Multiplicidade da Oferta, com o crescimento da concorrncia e das possibilidades de acesso informao, tornou-se mais difcil promover um planejamento de negcios em longo prazo, devido s incertezas e instabilidade do mercado. Colaborou com a mudana no perodo a ampliao do nmero de canais, tanto em sinal aberto, com o maior uso do UHF, quanto por assinatura (que ainda est em processo de crescimento). Tambm como destacados indicativos de alteraes tecnolgicas esto o videocassete e o controle remoto, apresentando possibilidades de mobi-lidade do receptor face s ofertas das emissoras, em conexo com as alteraes sociolgicas, ligadas re-estruturao produtiva, que levaram a tendncia de in-dividualizao do consumo, at mesmo de contedos televisivos, em detrimento audincia familiar, prpria do perodo ureo da comunicao de massa10, O pr-prio DVD, com suas facilidades e baixo custo (mesmo que num segundo momento) alavancaram ainda mais o ingresso de novos produtos a concorrerem com os programas ofertados pelos canais abertos.

    10BOLANO, Csar Ricardo Siqueira; BRITTOS, Valrio Cruz. A televiso brasileira na era digital: excluso, esfera pblica e movimentos estrutu-rantes. So Paulo: Paulus, 2007. p. 228.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    32

    Olhando especificamente a TV por assina-tura, importante na Fase de Multiplicidade de Oferta, ela correspondeu a uma mudana na estrutura de negcios da televiso no pas. Cresceu a partir de 199311, apresentando no perodo de 1997 a 2004 uma desacelerao, para logo depois ampliar-se de modo vertiginoso, chegando, em julho de 2009, a mais de 6 milhes de assinantes12. Ocorreu, assim, a sedimen-tao de um nicho do mercado televisivo que antes no tinha grande expressividade econmica e social, sendo tambm o segmento que primeiro investiu em transmisso de contedos com sinal digital, neste caso via cabo, satlite, microondas ou mesmo rede telef-nica. Esse princpio deu base para a constituio de uma cultura de consumo de canais diferenciados, fo-cados em pblicos especficos. No se pode esquecer que a prpria TV a cabo acabou alavancando parte da internet banda larga, tambm disponibilizada pelas empresas de telefonia, ao fornec-la, utilizando-se da estrutura de cabos j instalados.

    11Como negcio, a TV por assinatura teve experimentaes na dcada de 1980 em condomnios fechados e hotis, tendo seu incio oficial em 1988, com o primeiro texto legal regulamentando o tema.12BRITTOS, Valrio Cruz; SIMES, Denis Gerson. A reconfigurao do mercado de televiso pr-digitalizao. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco (Orgs.). Histria da televiso no Brasil: do incio aos dias de hoje. So Paulo: Contexto, 2010. p. 219-238. p. 228.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    33

    Nesse perodo da multiplicidade da oferta, quando tambm est em expanso a popularizao dos computadores residenciais e a internet, fica evi-dente um aumento de disputa entre os novos meios e as empresas de televiso aberta. Mais corporaes, mais concorrentes. Faziam-se necessrias transfor-maes nas estruturas das mdias para se adequa-rem ao cenrio que se configurou aps a dcada de 1990, conturbada, de altos e baixos. Uma opo foi o alinhamento de alianas entre corporaes, gerando uma concentrao econmica, de forma que, mesmo no caso do aumento do nmero de atores dentro dos pases individualmente, o mercado global, conside-rando-se os Estados mais ricos, passa a ser dividido entre jogadores com mltiplas ligaes13. Para quem liderava audincias, houve mudanas, com o intuito de que, no fundo, no mudasse nada; aos que buscavam uma maior projeo, era o momento de ocupao de espao, em face da fragilidade das grandes empresas, o que gerou aberturas de brechas para o crescimento das menores.

    13BRITTOS, Valrio Cruz. Televiso, concentrao e concorrncia no capi-talismo contemporneo. In: BRITTOS, Valrio Cruz (Org). Comunicao na fase da multiplicidade da oferta. Porto Alegre: Nova Prova, 2006. p. 21-46. p. 26.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    34

    As necessidades acabam impulsionando as inovaes. Nesse contexto que eclode a digitaliza-o, como um dos instrumentos da readequao da televiso ao cenrio tecnolgico, mercadolgico e so-cial, buscando adaptar o meio a uma nova cultura de consumo de bens simblicos, em que a convergncia e a interatividade so temas em pauta. A formulao de novas estratgias de ao, com mltiplos dilogos com outros meios, com destaque para a internet, se-gue um processo de construo de novas alianas com os hbitos do consumidor, adequando-se a eles de um lado e buscando fideliz-los, de outro.

    A digitalizao e a televiso

    A pergunta mais direta que se pode fazer quanto televiso digital : em que ela consiste? To-davia, responder de modo simples a indagao ig-norar que TV seja analgica ou digital algo alm de um equipamento, por ser uma mdia, um meio de comunicao. Assim, acima da importncia da dispo-nibilizao de um novo equipamento, com suas po-tencialidades, est o impacto da televiso e o que lhe d estrutura de funcionamento, j que uma TV no se sustenta sem as emissoras de sinal, as produtoras de contedos, os financiadores do meio e, principalmen-te, sem os telespectadores.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    35

    Mesmo quando surgiu no Brasil, a televiso no era um simples rdio com imagens, ainda que tenha assumido grande parte do modo de fazer pro-gramao do meio radiofnico. Representou um forte carter simblico, cone de modernidade e gerador de tendncias. Alm da percepo sonora, como no ra-dinho, na televiso o espectador pode fruir dos dados imagticos. Como efeito do que ele v e percebe, pode trazer para si caractersticas da moda, imaginar-se em viagens pelas cenas apresentadas (sem sair de casa), envolver-se com a teledramaturgia e ter uma nova re-cepo das informaes como um todo.

    A questo que, diferente do cotidiano social, no qual essas percepes ocorrem de forma variada e aleatria, no aparelho de TV o contedo seleciona-do, mediado, caracterizando-se pela intencionalidade da informao oferecida. Alm do mais, sendo uma mdia de massa, os reflexos do produto televisivo so maximizados, com impactos na opinio pblica. Nessa lgica, quanto maior a parcela do pblico recebendo uma mesma informao, maiores podero ser os im-pactos provocados por ela. Por isso que, no mbito das Cincias da Comunicao, mantido um cons-tante debate quanto democratizao da informao, para que haja diferentes vozes a fazer uso desse meio, fortificando o esprito crtico e a cidadania. Entretanto,

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    36

    essa pluralizao pouco ocorreu nos canais abertos de televiso.

    Uma alterao nesse cenrio se fez com a po-pularizao de uma nova tecnologia no Brasil: a infor-mtica. A popularizao do computador, na dcada de 90, pode ser comparada ao ingresso do televisor nos anos 50 e 60, mas desta vez atendendo a segmen-tos mais amplos. O personal computer, mais conhe-cidos como PC, atingiu em cheio o modo de vida da sociedade ocidental, no lazer e no trabalho, cruzando transversalmente os mais distintos segmentos sociais. Servios bancrios de auto-atendimento, entrega de declaraes de Imposto de Renda, consulta de apro-vados em concursos pblicos, acesso a exames mdi-cos em curto tempo, boletins de notas de instituies de ensino so alguns exemplos j disponibilizados nos terminais digitais.

    Constituindo-se verdadeiras estaes mul-tifuncionais, os computadores j nasceram com o princpio da convergncia de servios, na busca pela otimizao do espao, tempo e custos. Utilizando uma linguagem digital de programao, a informtica instituiu-se ferramenta para mltiplas tarefas, entre elas, ser base para o comrcio e o consumo de bens simblicos, como som, imagem, textos e audiovisuais. O equipamento tambm permitiu maior autonomia ao

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    37

    usurio, com amplas opes de dados, os mais dis-tintos, para atender aos fins desejados, algo poten-cialmente expandido se a pessoa tiver conhecimentos avanados de computao.

    A grande revoluo do final do sculo XX foi o acesso internet. A rede mundial de computadores no s passou a atuar como espao de emisso de dados, como tambm se constituiu um canal de retor-no de informaes, gerando novos fluxos. como se fossem criadas pontes entre vrias ilhas de um arqui-plago, onde tanto as maiores poderiam remeter con-tedos s menores, como, em escala proporcional, as pequenas teriam como fazer o mesmo entre si, sem depender das vias principais. Mesmo no se tratando de um processo igualitrio, j que existem fortes rela-es de poder que a mediam, pode-se verificar que na web o potencial democrtico de um usurio sig-nificativamente maior do que o de um espectador de televiso tradicional, cujo potencial de ao bastante reduzido em face dos programas apresentados.

    O que se verifica, em mbito geral, que, a partir do processo de digitalizao, possibilitam-se di-logos entre antigos modos de fazer as coisas e os no-vos recursos disponibilizados pela informtica, embora seja uma conversa ainda mediada por muitos interes-ses e presses de vrios sentidos. No espao televi-

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    38

    sivo isso no diferente. De toda forma, a TV, ainda, no se desfigurou diante das possibilidades oferecidas pelas tecnologias do campo audiovisual, mesmo que alguns recursos acabem evidenciando potencialida-des anteriormente no exploradas pelo sinal anal-gico. Novamente chega-se ao ponto: no basta uma troca das bases de recepo, substituindo aparelhos analgicos por digitais, fundamental a adequao do processo do fazer TV s novas tecnologias.

    Cadeia de valor da TV

    A televiso, antes de ser um aparelho, a aglutinao de partes de um processo, dotado de uma cadeia de valor. S o equipamento televisivo no ga-rante que haja contedo disponvel para ser visto. Sem o sinal que chega na antena, sem o emissor do sinal, sem a informao convertida em onda, sem programa-dores de informao, sem produtores de contedo; na ausncia desses elementos no haveria ao que assis-tir em um televisor, seja ele analgico ou digital. Assim, a recepo, nas residncias ou em locais pblicos, o ltimo estgio de uma srie, formada principalmente pela produo, programao e distribuio.

    A primeira etapa, a produo, responsvel por dar forma ao programa em si. Espao dos produto-res e vrios profissionais que do corpo ao audiovisual.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    39

    Em uma telenovela, por exemplo, a produo o pon-to em que o contedo gerado, com a construo do roteiro, locaes dos espaos, organizao dos atores e a prpria edio dos materiais captados. O mesmo vale para um programa de auditrio ou de entrevistas, assim como para um desenho animado. Esse trabalho pode ser realizado por uma produtora independente ou pela equipe vinculada ao prprio canal de televiso.

    Se comparado ao modelo de produo anal-gico, o digital acaba por exigir alguns cuidados diferen-ciados em algumas situaes. Primeiramente, no caso das gravaes em alta definio, o zelo com detalhes, de figurino, de cenografia e de iluminao, tem que ser redobrado, em busca de maior sensao de verossimi-lhana. Tambm, em meio transio da TV analgica para a digital que no Brasil est previsto at junho de 2016, quando o sinal analgico deve ser desligado , passam a estar vigentes, no mnimo, duas propores de monitores: a 4:3, tamanho clssico dos televisores de tubo, e a 16:9, dos novos aparelhos, j com telas mais retangulares e largas. Produzir contedos capa-zes de ser disponibilizados, sem grandes perdas, em ambas as janelas, no mera questo de escolha, mas de estratgia de produo.

    O segundo estgio, a programao, a estru-turao da grade de horrios, tambm chamada grade de programao. nesse ponto que o audiovisual

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    40

    planejado quanto ao modo de veiculao, consideran-do aqui a entrada de outro elemento: a publicidade. Atravs dos patrocnios ou anunciantes garantida parte, se no toda, a lucratividade do empreendimento. nesse ponto que os materiais produzidos so organi-zados. Por outro lado, com a digitalizao e a abertura de novas formas de acesso ao contedo produzido, como no caso do consumo sob demanda quando o espectador v o que quer, quando quer , essa parte do processo tende a ganhar novas configuraes, no eliminando os programas televisivos em sequncia, mas somando grade, novas possibilidades.

    A terceira etapa a distribuio, a transmisso dos dados propriamente ditos. H diferentes formas de enviar a informao, principalmente com o advento da digitalizao: pelo sinal aberto, pelas operadoras de TV por assinatura, atravs do sinal das empresas de telefonia mvel, pelas linhas de telefone fixo, pela in-ternet, entre outras.

    Aps esses trs estgios bsicos produo, programao e distribuio o contedo chega ao seu destinatrio, a quarta fase do processo: o apare-lho e o espectador. Se o ltimo, o receptor, no fruir o contedo, grande parte do trabalho se perde. No por acaso, o maior indicativo de sucesso dos programas de televiso ser o ndice de audincia. atravs dele

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    41

    que empresas medem a quantidade mdia de pessoas que assistem a determinada informao nas TVs, uti-lizando-se desse ndice, entre outros elementos, para delimitar o valor da venda de publicidade relacionada quele audiovisual. Em outras palavras, a programa-dora vende a audincia do pblico aos patrocinadores, audincia essa dada em troca da permisso de assistir ao produto simblico.

    No Brasil, diferentemente de pases como EUA, essas trs etapas, na maioria das vezes, so re-alizadas pelos mesmos agentes os canais de televi-so. Voltando ao exemplo das telenovelas, focalizando as veiculadas pela Rede Globo de Televiso, as trs partes do processo so realizadas pela emissora. Isso quer dizer que a Globo faz a produo, a programao e a transmisso. Esse mesmo procedimento ela rea-liza com outros produtos que oferece em sua grade. Se, de um lado, essa medida garante um padro de qualidade, de outro, limita a diversidade de olhares, j que gera uma barreira s produes independentes.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    42

    Digitalizao e o oligoplio das comunicaes

    O mercado comunicacional brasileiro carac-terizado, de longa data, pelo oligoplio, situao em que poucas empresas detm o controle da produo simblica maciamente consumida no pas, como a veiculada pelos canais abertos de rdio e televiso. Ao serem responsveis por todas as fases do processo de grande parte dos audiovisuais apresentados para o pblico, essas empresas acabam restringindo a diver-sidade de contedos, j que seguem padres comer-ciais alinhados s necessidades de mercado. O mode-lo assemelha-se a uma verdadeira linha de produo, em que se prima pelo custo-benefcio.

    No caso da Rede Globo de Televiso, h uma assimetria mercadolgica. Detendo, isoladamente, a liderana da audincia brasileira, com faixas de hor-rio em que chega a mais de 50% da preferncia do pblico, a Globo tem uma arrecadao publicitria ain-da maior, gerando um grande distanciamento, quanti-tativo e qualitativo, das suas concorrentes. Em outras palavras, est em posio hegemnica. Dentro do ce-nrio nacional, atravs dela que a maior parte da po-pulao se informa sobre notcias dirias (tendo como cone o Jornal Nacional) e frui do entretenimento te-

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    43

    levisivo. Com uma programao generalista, mantm h dcadas o modelo de horrio nobre, no qual inter-cala teledramaturgia, noticirios e produtos variados, garantindo uma frmula de sucesso, que se reflete em seu faturamento, com respaldo do pblico.

    Em um mercado comunicacional tradicional-mente oligopolista, em que a melhor alternativa, para quem o lidera, mudana alguma, a digitalizao aca-bou por abrir brechas para cmbios mais significati-vos do que, meramente, a melhora na qualidade de imagem e de som, ou o tamanho do monitor. A partir do avano tecnolgico, a ideia de convergncia se ex-pandiu, passando a dar chance entrada de outros agentes mercadolgicos no espao miditico, no caso, as empresas de telefonia mvel e operadoras de TV por assinatura, que buscam ampliar suas bases de ne-gcios. O ingresso de novos personagens em um setor historicamente fechado representa colocar em risco o status quo de toda uma estrutura de fazer TV.

    O que se verifica, assim, que a digitalizao no s atua na cadeia de valor da TV, mexendo na produo, programao e distribuio, como tambm expande as possibilidades de atuao mercadolgica no setor. Do outro lado dos monitores, o espectador, portador de outra bagagem de experincias, informati-zado, usurio da web, adquire novos hbitos de consu-

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    44

    mir informao, em suas diferentes linguagens. Desse modo, ocorre tambm uma alterao no pblico-alvo das empresas de comunicao, que necessitaram atualizar-se diante das novas demandas, mudanas essas j preconizadas antes mesmo da disseminao da TV digital.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    45

    Televiso, fluxo e intencionalidade

    interessante pensar, passadas dcadas da inveno do televisor e dos primeiros dispositivos transmissores de imagens e de sons, o que os faz dife-rentes de outros meios de comunicao. Antes mesmo da TV, o cinema j disponibilizava s grandes massas produes diversas, muitas vezes a baixo custo e des-tinadas a um pblico generalista, audiovisuais como os televisivos, mas que deles se distinguem. Por mais que haja uma clara diferena entre uma sala de proje-o e uma residncia, a grande distino entre ambos de contedo. Assim, observa-se que o espectador de um fil-me, na sala de exibio cinematogrfica, tem percep-es distintas das experimentadas ao assistir a uma produo televisiva, no meramente por uma diferen-a de lugar de visualizao dos dados, mas sim pelo carter do produto final de ambos: a informao. Mes-mo que o contedo da TV seja transmitido dentro de uma sala de cinema ou num grande telo ao ar livre (como os que so montados em praa pblica para exibio de jogos de futebol ou eventos), portanto fora de um aparelho televisor, o que se v no deixa de ser televiso. J o audiovisual cinematogrfico veiculado em um televisor ganha nova composio, encaixado programao (podendo ser seccionado, tendo entre os

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    46

    cortes o horrio comercial) ou trabalhado na estrutura por demanda (atravs da escolha em um catlogo tele-visivo). Nesse caso, ocorre uma migrao do filme de uma mdia para outra, alterando sua recepo pelo es-pectador, pois passa de produto principal de uma ses-so cinematogrfica para ser um dos muitos conte-dos da programao da televiso. H, sim, um cmbio de meios, todavia, igualmente relevante o rearranjo simblico dessa passagem. Por outro lado, outros ele-mentos tambm complexificam esse cenrio.

    Para elucidar isso, interessante observar ra-pidamente o caso dos cinejornais -produes visuais em pelcula, populares entre os anos 1930 a 1970, que exibiam imagens de acontecimentos de repercusso pblica, como cenas de conflitos de grandes guerras, festas e eventos futebolsticos, com a apresentao dos melhores lances, ou outros acontecimentos a n-vel nacional. Muitas dessas notcias eram produzidas como reportagens e tinham grau elevado de desatu-alizao, j que o trnsito das imagens era fsico e o processo de edio, cpia e distribuio para as di-versas salas exibidoras era demorado. Dessa forma, chegavam com grande atraso s telas. Por fim, esses produtos audiovisuais eram recebidos pelos especta-dores; todavia, o interesse no era exatamente pelo teor das notcias, as quais, em muitos casos, j haviam sido manchetes, semanas antes, nos jornais. Os es-

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    47

    pectadores queriam ver as imagens dos acontecimen-tos em movimento, com verossimilhana o que era novidade naquele perodo.

    Uma das grandes diferenas entre esses dois casos, o do filme cinematogrfico/cinejornal e o conte-do televisivo, relao com o tempo presente. Mes-mo que eles se assemelhem, por transmitirem informa-es por fluxo unidirecional (do emissor ao receptor, sem um canal de retorno de mesma intensidade), na televiso h o sentimento do contedo estar em tempo real. A TV gera uma simulao de sincronia entre a vida social e a programao, seguindo num ciclo di-rio junto ao espectador, ainda que o material simblico veiculado no seja a reproduo dos fatos daquele ins-tante. No se trata meramente da sequncia de atra-es em uma grade de horrios, mas sim do processo constante de dados em fluxo.

    O princpio televisivo passa pela ideia de conti-nuidade, de um movimento que ocorre em sequncia. Nesse caso, o espectador que assiste ao que lhe disponibilizado usufrui das possibilidades oferecidas, seja pela grade de programao, seja por demanda, indo ao encontro da base da PluriTV. Distinto do fluxo bidirecional, em que a pessoa ouve e simultaneamente responde de forma direta ao interlocutor como o te-lefone, por exemplo , a ao do telespectador, diante

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    48

    da informao recebida, limitada. A opinio do pbli-co chega emissora por e-mail, ligaes telefnicas e cartas, entre outros meios de comunicao, atravs de pesquisas contratadas ou mesmo pelas conversas de rua. Todavia, nesses casos o contato sempre pos-terior informao transmitida, sem chance de uma interferncia no produto televisivo em meio a sua vei-culao.

    Assim, h claro distanciamento entre o hbi-to de ver um programa televisivo, cujo produto j est construdo previamente, e uma conversa entre inter-nautas, por exemplo, em uma sala de bate-papo, que, mesmo podendo estar conectada a uma transmisso de udio e vdeo, tem como principal objetivo a ao interativa entre os interlocutores. Nos dois casos, o comportamento dos emissores e receptores diferen-te. Somente ver o que a TV transmite no concretiza um dilogo entre o aparelho e o telespectador, sendo, sim, o consumo de contedos por parte do usurio, com outras intencionalidades e reflexos.

    Ainda que o espectador no seja um fantoche, pois no aceita como verdade tudo que a mdia divulga, inegvel que a televiso atua sobre comportamentos sociais, tanto pelo contedo disponibilizado, quanto pela forma como este recebido. Flusser afirma que

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    49

    os novos meios, da maneira como funcionam hoje, transformam as imagens em verdadeiros modelos de comportamento e fazem dos homens meros objetos14. Dessa forma, os meios de comunicao conduzem em um nico sentido as informaes populao, com in-tencionalidade, aes programadas e organizadas, no intuito de receberem respostas indiretas dos telespec-tadores, como a recepo a cenas de uma telenovela e, de forma conectada, de um anncio de um determi-nado produto.

    Verifica-se que a mdia televisiva organiza-se em bases de cunho social, poltico, econmico e cul-tural, paralelamente a uma grande estrutura de ordem tcnica. Por outro lado, as alteraes tecnolgicas no deixam de ser reaes dos demais fatores scio-polti-cos, como no caso do interesse por inovar. Como ob-serva Schumpeter, a inovao origina-se de mudanas em consequncia da produo, geradas por necessi-dades naturais ou extraeconmicas15. Os indivduos promovem mudanas e fazem o novo a partir de suas intenes, no que isso seja fruto de seu instinto, bio-logicamente falando.

    14FLUSSER, Vlem. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicao. So Paulo: Cosac Naify, 2007. p. 159. 15SCHUMPETER, Joseph. Analisis del cambio econmico. In.: SCHUM-PETER, Joseph. Ensayos sobre el ciclo econmico. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1944. p. 22-23. Disponvel em: . Acesso: 11 out. 2010.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    50

    A televiso digital no se desvia dos princpios bsicos do fazer TV, com seus interesses mercadol-gicos e polticos. Ela se mantm, dentre outros pon-tos, no fluxo de dados, mesmo que o tornando mais elstico. Preserva o audiovisual como seu foco, mes-mo que, atravs da convergncia, possibilite o acrsci-mo de informaes paralelas, como arquivos de texto e som. Disponibiliza, juntamente com a possibilidade da HDTV, novas estruturas de gerncia e manipula-o dos contedos. Atravs de discos rgidos, ligados diretamente aos monitores ou em receptores anexos, o espectador pode armazenar os programas enquan-to os assiste, em uma operao simultnea, permitin-do alterar a forma de recepo para si mesmo, em repetio, ou para um segundo sujeito assisti-lo pela primeira vez. Com a (re)tomada do contedo, a flexibi-lidade torna-se cada vez mais intensa, considerando-se ainda que possvel rev-lo de diversas formas, pausando-o ou acelerando-o, como num dispositivo de DVD player ou videocassete.

    Com menus digitais, apresentados na tela como os de um DVD ou videogame, o usurio pode ter acesso s informaes da programao ou referentes aos vdeos disponibilizados. como se o telespecta-dor tivesse disponvel um catlogo on-line, da internet, em que pudesse acessar os dados dos contedos exi-bidos, como a sinopse e a ficha tcnica do audiovisual,

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    51

    entre outros, mas na prpria televiso e manipulado por controle remoto. No Brasil, essas inovaes, se comparadas TV analgica, chegaram antes em sis-temas digitais de televiso por assinatura, que traba-lham para ofertar diferenciais aos usurios que pagam para ter um servio seletivo. Isso se d no s pela compra do acesso a canais extras, mas tambm por terem ao dispor novas possibilidades e interao, mes-mo sem alcanar a interatividade plena.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    52

    O que Tv digital?

    Tratar do sistema de televiso digital dialo-gar no s com tecnologias, mas tambm com interes-ses e sensaes. Mesmo que vises pessimistas ex-ponham um quadro de pequenas alteraes entre uma televiso analgica e uma digital, a prtica da fruio do espectador com o novo meio permite verificar que ocorre um conjunto de novas experincias com o au-diovisual, que mudam a sua percepo. Olhando por outro lado do processo, a digitalizao relaciona-se com as instituies que produzem, programam e dis-tribuem a informao, com novos modos de fazer TV para atender aos padres de qualidade, esttica e de-manda. O prprio mercado que consome os recursos televisivos tambm se adapta aos novos movimentos, buscando tirar o mximo de proveito dele, seja na pu-blicidade, seja na venda de aparatos para amplificar as potencialidades do equipamento.

    A digitalizao da televiso em si faz refern-cia ao processo de transformar som e imagem em da-dos codificados, dentro de uma base binria, fazendo uso de linguagem semelhante dos computadores16. Visualiza-se uma tradio de fazer TV, convergindo com as possibilidades tecnolgicas provindas da infor-mtica um movimento que demandou e ainda exige esforos, alterando toda uma realidade miditica. Um

    16BOLANO, Csar Ricardo Siqueira; BRITTOS, Valrio Cruz, op. cit., p. 95.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    53

    dos sinais de que essas mudanas no sero peque-nas a postura cautelosa das empresas de comuni-cao diante dos recursos disponibilizados e sua res-pectiva utilizao, a fim de no perder pblicos. Em um quadro de convergncia, as emissoras no tendem a se opor diretamente s inovaes, como a internet, por exemplo; por outro lado, promovem prticas que visam inibir uma migrao de seus espectadores para outros meios, j que uma fuga de pblicos fragiliza o mercado televisivo.

    A priori, a digitalizao tem a vantagem de, atravs de recursos provindos da informtica, cons-tituir novos dispositivos de fruio do audiovisual. O princpio da compresso dos dados permite ampliar a quantidade de informaes a serem encaminhadas pelas ondas, alm de pluralizar os formatos desses contedos, no necessariamente precisando ser s audiovisuais. De toda forma, cuidando em manter o espectador fiel televiso, um dos principais recursos explorados na digitalizao do sinal a qualificao da recepo da imagem e do som.

    A qualidade tcnica o primeiro fator a ser considerado quando se trata do tema digitalizao. Quanto a isso, de antemo, duas questes precisam ser esclarecidas: a primeira que o sinal digital no ne-cessariamente fornece imagens em alta definio, em High Definition Television (HDTV), pois h diferentes

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    54

    cmeras e equipamentos, que captam e transmitem contedos digitais em diversas resolues; a segunda que a HDTV pode ser analgica, por mais que no seja vantajosa, diante das facilidades da compresso de dados disponibilizadas pelos sistemas digitais. As-sim, no h relao direta entre um audiovisual em alta definio e um digital, mesmo que haja melhor custo-benefcio em faz-lo digitalmente.

    Um dado pouco divulgado pela mdia que, mesmo utilizando um sistema digital de televiso, h uma variedade de opes de qualidade de imagem para ser transmitida a um monitor, o que tambm ocor-re com o sistema analgico. Existe a definio de ima-gem padro, a Standard Definition Television (SDTV), que segue os formatos tradicionalmente utilizados pelo sistema analgico, de 525 a 625 linhas, e televisores de tubo de imagem, com proporo 4:317. A HDTV utiliza como base um maior nmero de linhas, com resoluo superior a 700, chegando, em muitos casos, a volumes superiores a 1080 linhas, alm de ter a caracterstica de apresentar o contedo em uma tela mais alarga-da, mais prxima da do cinema, de 16:9. Alm desses dois sistemas h um intermedirio, o Enhanced Defi-nition Television (EDTV), que corresponde televiso de resoluo aumentada, um sistema que caracteriza

    17BOLANO, Csar Ricardo Siqueira; BRITTOS, Valrio Cruz, op. cit., p. 97.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    55

    quadros e som superiores ao convencional18. As trs alternativas so transmitidas dentro de padres digi-tais, tendo a possibilidade de serem alteradas pela emissora do sinal.

    Analisando a televiso em alta definio, veri-fica-se que ela no dependeria da digitalizao. Trans-misses analgicas em HDTV j haviam sido feitas no Japo, na dcada de 1960, e depois em outros locais do globo, antes mesmo da disseminao dos computa-dores no mercado televisivo. No caso nipnico, a rede pblica de TV japonesa, Nippon Hoso Kyokay (NHK), realizava testes com o sistema em High Definition des-de 196419. Nos anos 70, uma parceria da emissora estatal NHK com 100 emissoras comerciais comeou a desenvolver a Hi-Vision, com 1.125 linhas e 60 cam-pos (entrelaados)20. A partir de 1989, o pas recebeu a HDTV analgica, dentro da norma Muse, inicialmente com transmisso de uma hora diria, ampliada para oito, em 1991. A Europa no ficou atrs e apresentou em seguida seu prprio sistema com 1.125 linhas e 50 campos. Enveredando por outras vias, os EUA opta-ram pelo anncio da regulao sobre a converso da televiso convencional em digital de alta definio21, no insistindo no uso de HD analgico.

    18Ibid., p. 97.19Ibid., p. 96.20Ibid., p. 98.21Ibid., p. 98.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    56

    O que diferencia, em grande parte, o conte-do analgico do digital que na segunda opo h a possibilidade de condensao dos dados em menor espao da onda hertziana, distribuindo muito mais informaes, o que facilita a transmisso em HDTV. Isso permite, simultaneamente, enviar mais dados num mesmo espectro eletromagntico, otimizando recursos. Desse modo, a chamada multiprogramao permite que, dentro da estrutura de um mesmo canal, sejam distribudos um programa em alta definio ou at seis contedos diferentes em formato standard22.

    Outro tpico importante a ser pontuado que mesmo o contedo digital em SDTV, ou em outras mo-dalidades de menor resoluo, acaba tendo melhor qualidade de som e imagem do que o disponvel pelo padro analgico. Na transmisso analgica, cerca de 50% dos pontos de resoluo de imagem se perdem; na digital, o sinal recebido integralmente23. Isso quer dizer que mesmo que um conversor transforme a ima-gem digital em analgica, a fim de ser vista num apare-lho de tubo tradicional, o programa visualizado ser de melhor resoluo, pois sofrer menos perdas.

    Diferente da recepo analgica na qual h chuviscos, chiados e interferncias na visualizao ,

    22Ibid., p. 97.23Ibid., p. 96.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    57

    dentro dos sistemas digitais ocorre uma radicalizao: ou o monitor apresenta a imagem exatamente como a enviada pela transmissora, com a devida resoluo ou, simplesmente, no exibe nada. O aparelho receptor di-gital necessita da totalidade das informaes para po-der decodificar o sinal, assim como os demais dados tambm recebidos pelo aparelho, para transform-lo em audiovisual. De certa forma, essa condio acaba garantindo ao telespectador o consumo de um produto mais prximo do concebido pela produtora.

    Entretanto, no se pode esquecer de que no mbito do processo de transio entre os sistemas h a convivncia entre receptores de televiso analgi-cos, dotados ou no de conversores digitais, e os mo-dernos aparelhos, que j recebem diretamente o sinal digitalizado. Para os aparelhos que no so dotados de receptores digitais embutidos, existe a opo do dispo-sitivo conversor, chamado set top box, anexado exter-namente, que, na prtica, um minicomputador deci-frador dos sinais digitais (no s de imagem e som) e possibilita que vrios recursos disponibilizados s TVs j adaptadas ao novo padro tenham condies de ser tambm usufrudos por equipamentos convencionais. A desvantagem, comparando-se ao aparelho novo, que o sinal volta a ser analgico aps ser decodifica-do, perdendo qualidade de udio e vdeo. Sendo esse

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    58

    recurso mais barato do que os televisores digitais, per-mite a passagem de um modelo para o outro de forma socialmente mais inclusiva.

    Os novos recursos complementares, provin-dos da digitalizao, abrem as portas para novas al-ternativas de fruio de contedo. Assim como o com-putador vem possibilitando a unio, em um mesmo equipamento, de um apanhado de recursos, a digita-lizao prev que a mdia televisiva consiga expandir sua forma de atuao, no se transformando em outro computador, mas sim dando TV novas opes de produzir, programar e difundir contedos. No se tra-ta de superestimar as suas potencialidades, mas sim apontar a viabilidade tcnica de alguns procedimentos, mesmo que outros fatores, como os mercadolgicos, impeam alguns deles de serem postos em prtica.

    Novos recursos, novas decodificaes, novas aes

    Com a transmisso dos dados codificados a partir da lgica digital, a distribuio de contedo ex-tra-audiovisual facilitada fator que amplia no s a chegada de novas informaes para o receptor, como manifesta combinaes de tecnologias convergentes. A recepo de textos na televiso, por exemplo, o ato de guiar a leitura pelo controle remoto do prprio apa-relho, um dos produtos disponveis. Sinopses da

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    59

    programao, ficha tcnica, notcias e atualidades so algumas das opes acessveis que atraem a ateno do usurio. Mesmo livros ou documentos pontuais po-dem ser lidos atravs de monitores aptos a receber o sinal digital de TV.

    Todavia, mais do que dados textuais, os no-vos recursos disponibilizam a veiculao de uma nova gama de elementos, inclusive muitas vezes dando acesso a servios presentes em outros meios, como nos menus dos DVDs players. Contedos adicionais e paralelos ao audiovisual original, que podem ser habi-litados ou no, como outros udios, vdeos e legendas: opes que alteram a percepo do espectador sobre o que ele recebe de modo bruto em seu aparelho. Um exemplo a transmisso de um filme em um canal de televiso aberta digital, incluindo tambm recursos de acesso a outras preferncias de idioma (com linhas de som extras), lista de legendas (tendo mais opes idiomticas) e elementos para auxiliar pessoas com necessidades especiais (como vdeos com a exibio da traduo em LIBRAS para ser veiculado no canto superior direito do monitor), entre outros24. Havendo possibilidade de o aparelho receptor decodificar os da-dos recebidos, multiplicam-se, em escala geomtrica, as potencialidades do sinal de TV.

    24Ibid., p. 97.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    60

    Nesse ponto h tambm outra diferena entre um televisor analgico e os novos, dotados de tecno-logia digital: o sistema de decodificao. Enquanto no primeiro caso, h uma interpretao de sinais radio-eltricos que apresentam distintas intensidades de luz, que ordenadas em linhas compem as imagens no monitor; no segundo, h a transmisso tambm de ondas hertzianas, mas contendo dados binrios, como os de um computador: os receptores necessi-tam trabalhar com programaes informatizadas para promover a leitura dos sinais recebidos. Necessitam, assim, de softwares para gerenciar os dados capta-dos, gerando nos monitores as mltiplas opes que a TV digital oferece. Os recursos da informtica, que se popularizaram principalmente a partir da dcada de 1990, possibilitaram transformar uma grande quantida-de de informao em cdigo binrio, permitindo essa convergncia de meios25, com potencialidades abertas e, muitas vezes, facilitadas pela captao em um novo formato de televisor ou equipamento que assuma sua funo.

    No Brasil, o middleware software para uso nos televisores digitais incorporado ao SBTVD-T o Ginga, desenvolvido pelos laboratrios Telemdia, da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro

    25CRUZ, Renato. TV digital no Brasil: tecnologia versus poltica. So Paulo: Ed. Senac So Paulo, 2008. p. 84.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    61

    (PUC-Rio), e LAViD, da Universidade Federal da Pa-raba (UFPB). Trata-se de um software livre, sem co-brana de royalties, aberto para que seja alterado, am-pliado e adaptado s necessidades26. atravs dele que se pretende alcanar a interatividade e ampliao das funes da TV. Por outro lado, para receber sim-plesmente a imagem da TV digital aberta, o Ginga no necessrio. At o ano 2010, a maior parte dos apa-relhos televisivos com conversores embutidos venda no mercado no estava dotado desse recurso, o que mostra que mesmo no que se refere a digitalizao dos equipamentos a escala de mudanas gradual.

    De qualquer forma, interessante observar o papel do middleware no cenrio televisivo que se de-senha, pois ele permite que o aparelho receptor no se engesse diante das potencialidades disponibiliza-das no sinal, j que o dispositivo decodificador est ligado a um aplicativo que pode ser complementado, sem necessariamente uma alterao fsica do equipa-mento. Como o sinal de transmisso do contedo da TV digital, as prprias atualizaes desse programa gerenciador podem ser realizadas por meio de ondas hertzianas, no limitando os usurios aquisio do upgrade do software por vias externas, como internet ou comrcio tradicional.

    26GINGA Digital TV Middleware Spegification. Sobre o Ginga. Dispon-vel em: . Acesso em: 05 out. 2010.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    62

    Por outro lado, ingnuo ignorar que assim como os computadores, a partir da possvel atuali-zao do middleware, abrem-se as portas para uma provvel acelerao da obsolescncia dos modelos de televisores, como hardware e equipamentos mecni-cos. No se trata de um fenmeno novo no sculo XXI, em que os aparelhos de telefonia mvel, players de msica, videogames, palmtops, e-books, entre tantos equipamentos eletrnicos dotados de tecnologia digi-tal, j nascem com um breve tempo de vida estimado. Tal fragilidade das mercadorias, diante das mudanas, fomenta a economia das empresas fabricantes desses produtos, evidenciando a lgica de consumo como um dos princpios para o indivduo se manter atualizado numa sociedade de valores altamente perecveis.

    igualmente importante evidenciar que as mesmas bases que definem um possvel envelheci-mento precoce de equipamentos que mal se popula-rizaram tambm so estruturas digitais capazes de ampliar o potencial democrtico do meio. evidente que, essa democratizao, no depende unicamente de tecnologia que no milagrosa , necessrio o acrscimo de medidas do Estado e da sociedade. Des-se modo, ampliam-se significativamente os instrumen-tos de pluralizao das vozes no ambiente miditico.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    63

    Mesmo ainda representando alteraes tmidas, a digi-talizao permite a mltiplos personagens explorarem esse espao de mudanas de parmetros estruturais, que fragilizaram os agentes comunicacionais, levando-os a cederem, mesmo que pouco, a presses sociais, dentro desse cenrio de rearranjos.

    A digitalizao no miraculosa e nem nas-ceu como estandarte da democracia. Como toda a tecnologia, seu reflexo social ocorre pela forma como utilizada. A tcnica inerte se no houver o agente que a aplique. Os interesses, que a fizeram surgir e se desenvolver, cambiaram, ou se agregaram a outros, com o passar do tempo, no sendo possvel destacar a qual deles unicamente ela atende, mas com certeza no estaria to ampliada se no atendesse estrutura do mercado, aspecto fundamental nos limites de uma sociedade capitalista.

    Todavia, desconsiderar as potencialidades de ferramentas disponibilizadas pela base digital igno-rncia, ainda mais quando as mdias esto em um pe-rodo de mudanas, o que d oportunidades de ao sociedade para que amplie seu potencial de atuao nos meios de comunicao, como afirmou Correia dos Santos:

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    64

    No foram poucos os entu-siastas que [...] enxergaram nas novas tecnologias as condies para uma nova ordem na comunicao. A rigor, as possibilidades teori-camente existem e, em certa medida, tm permitido avan-os significativos, mas longe de representar a redeno de todos os sem-voz que assistiram historicamente ao triunfo das grandes firmas comunicacionais em pleno exerccio do seu monlogo com os pblicos27.

    Verifica-se que as possibilidades construdas, atravs de inovaes pesquisadas e disponibilizadas, podem, em muitos momentos, sair do grupo de inte-resses dos agentes que as popularizaram. Nada mais normal do que a busca por adequaes das descober-tas humanas, provindas de diferentes esferas do co-nhecimento, para atender a demandas diversificadas, um fenmeno que no natural, mas usual. a par-tir das necessidades, de problemas emergentes que se buscam novas e outras solues. A digitalizao

    27CORREIA DOS SANTOS, Luciano. Interatividade na TV digital ainda no chegou. In: BRITTOS, Valrio Cruz (Org.). Digitalizao e prticas sociais. So Leopoldo: Ed. Unisinos, 2009. p. 139-154. p. 149.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    65

    apresentou-se, no sculo XX, como grande ferramenta para alcanar novos patamares tecnolgicos da huma-nidade; no sculo XXI ampliou sua presena na socie-dade, assim como nos mais diversos setores; nunca deixou de atender s pretenses de algum segmento, principalmente quando este tem poder econmico ou poltico.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    66

    Vdeo sob demanda

    Um dos desafios dos canais de TV aberta o ingresso das possibilidades de vdeo por demanda, uma espcie de audiovisual a la carte, colocando em xeque o tradicional sistema de grade de programao. Mesmo que ambos possam coexistir sem choques, um acaba alterando a forma de perceber o outro, medida que afeta o hbito do telespectador. A partir de um novo jeito de ver TV, o programador tambm necessitar rever os moldes com que trabalha a orga-nizao da grade, j que busca manter ou ampliar sua audincia.

    O sistema de video on demand, com qualidade HDTV, caracterstico dos sistemas de televiso paga. Entretanto, seus reflexos no hbito do consumidor de audiovisuais podem influenciar tambm a fruio dos produtos disponibilizados dentro de um fluxo de conte-dos em rede aberta. Isso quer dizer que, a partir de novas demandas dos consumidores, pode ser alterada a programao televisiva convencional. Durao dos programas, modos de organizao na grade e forma de colocao da publicidade so alguns dos elemen-tos passveis de mudanas. No se pode ignorar, de fato, que a internet e a multiplicidade de outros entre-tenimentos e meios de informao, crescentes, princi-palmente, a partir dos anos 1990, j vm fazendo com

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    67

    que as emissoras se readequem a novos modos de programar o material a ser exibido. Com isso, o con-sumidor cada vez menos quer se submeter aos esque-mas rgidos da TV aberta.

    Um exemplo de dispositivo que altera a per-cepo do usurio quanto programao, tangencian-do o modo convencional de ver TV, o gravador de vdeo digital. Ele possibilita sair de uma sequncia de programas predeterminada pela emissora, armaze-nando as informaes audiovisuais em um disco rgi-do, o que permite ao telespectador organiz-las da for-ma como achar mais pertinente e ver os contedos na ordem que quiser. Os dados podem ser capturados por download, como na internet (geralmente por servios pagos), ou copiados no decorrer da grade das emisso-ras, o que j era possvel fazer com o videocassete, s que agora de modo ampliado e potencializado.

    O principal gravador digital da atualidade o TiVo, uma marca de equipamento e servio, com paga-mento mensal. O diferencial dele para outro gravador tradicional a multiplicidade da oferta de alternativas para manipular a programao, como a possibilidade de conexo a vdeos do You Tube, fazer download de filmes (como uma vdeolocadora virtual) e programar o equipamento para construir automaticamente uma sequncia de produtos customizados (utilizando per-fis de gostos do espectador), entre outras facilidades,

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    68

    criando um novo segmento de mercado consumidor. Originalmente, o sistema permitia que fossem pula-dos trechos da programao gravada, dando a opo de suprimir os intervalos comerciais, entretanto, por presso das redes de TV, o recurso foi desabilitado embora possa ser recuperado, com reverso tcnica especfica.

    No Brasil, a televiso por assinatura Sky HDTV disponibiliza o sistema sob demanda, a Sky On Demand. Nesse caso o usurio acessa uma listagem de produtos disponibilizados por essa modalidade e pode assistir, diretamente no seu televisor, a um con-tedo gratuito ou pago28. No se trata da compra de um novo canal, como a disponibilizao de um progra-ma em um determinado horrio, como o pay-per-view, mas sim como se o espectador acessasse o conjunto de informaes da emissora e capturasse, de acordo com sua preferncia, um determinado programa ou outro vdeo, como uma vdeo locadora virtual, dotada de uma ampla programao. Os dados so recebidos pelo equipamento, transmitidos no monitor e apagados ao final do processo.

    Pensando no sistema de TV mvel, como no caso dos monitores em aparelhos de telefonia celular, o video on demand atende a outra necessidade bsi-

    28S NA SKY. Sky On Demand. Disponvel em: . Acesso em: 02 ago. 2010.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    69

    ca: ter o controle do tempo de incio e fim dos progra-mas, de acordo com a preciso do usurio. Para quem no pode definir quando e por quanto tempo poder ver televiso, por estar em trnsito, por exemplo, o sistema permite escolher o momento de incio da exi-bio, o que assistir e quando pausar, o que uma alternativa til. Para as operadoras de telefonia mvel, esse recurso tambm pode representar um acrscimo no faturamento, com a cobrana pelo servio de trans-misso de dados, pelo 3G, desde que dentro do marco legal brasileiro.

    Em uma estrutura oligopolista, como a da m-dia nacional, os efeitos do video on demand podem representar a quebra da relao histrica criada entre a emissora, atravs da grade de horrios, e o espec-tador, que segue um encadeamento planejado por ela. Como sugere Bustamante, quanto relao da grade de programao televisiva e o receptor, no sufi-ciente [...] dizer que a grade de programao coloca os programas de acordo com o tempo social cotidiano, porque contribui para recri-lo29. Tanto o canal orga-niza seus dados em funo do seu pblico como tam-bm as pessoas acabam programando-se para terem acesso ao que transmitido. O modo como as pesso-as vm TV no um processo novo, mas decorrente

    29BUSTAMANTE, Enrique. La televisin econmica: financiacin, estra-tegias y mercados. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 94.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    70

    de dcadas desse relacionamento, com cedncias de ambas as partes. Com o tempo sendo otimizado pelo pblico, atravs das possibilidades de mais escolhas dentre as opes ofertadas, tendem a ocorrer mudan-as na relao simblica entre o emissor e o receptor, j que se altera a forma de dilogo at ento estabe-lecido.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    71

    A cultura da convergncia e o imaginrio

    O atual universo televisivo no pode ser abor-dado de modo simplista, requerendo anlises mais complexas, com observao de seu discurso multi-temtico e convergente, pensado em um conjunto. Como afirma Cebrin Herreros, em sua alegoria, no se pode perder-se na caa s mariposas entre as flo-res, quando o objetivo examinar o jardim e o bosque em seu conjunto, e, segundo ele, o bosque televisivo imenso30. Herreros prope olhar o contexto televisi-vo de modo amplo, com nova profundidade, no como meio e veculos que se fazem em si mesmos, mas como participantes da convergncia de canais, sendo parte dos ns que esto entre os cruzamentos de infor-maes. A televiso est dentro de uma grande rede, atuando e recebendo influncia, com diferentes inten-sidades na dependncia das circunstncias.

    No se trata do aparelho televisor em si, mas do processo do audiovisual, em suas vrias etapas, dentro do meio televisivo que se altera diante de um grande conjunto de reorganizaes sociais, culturais, polticas e econmicas, manifestadas em grande parte na tecnologia e seus usos. A TV sozinha, por si s, no tem poder de mudana. As tcnicas precisam ne-cessariamente dos indivduos, a projet-las dentro de

    30CEBRIN HERREROS, Mariano. Modelos de televisin: generalista, temtica y convergente com internet. Barcelona: Paids, 2004. p. 22.

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    72

    suas lgicas, acrescentando-as aos seus hbitos so-ciais. A partir da proliferao de determinadas idias no imaginrio coletivo, acaba-se por gerar uma cultu-ra conectada a determinadas formas de fazer. A partir das aes, ocorrem reflexos no comportamento, que reflete no mercado e este, por sua vez, nas empresas, assim como em outras reas. Os agentes comerciais, diante desse cenrio, acabam por promover novas modalidades de organizao, na busca por estratgias de expanso de negcios31.

    No panorama da digitalizao, em meio pro-fuso de convergncias de meios, as empresas de diversos setores buscam gerar na unio de produtos e servios um elemento novo, vendvel e diferencia-do. Essas instituies, assim como os indivduos, que passam por transformaes no modo de vida, seguem as tendncias que Jenkins chama de cultura da con-vergncia, com ampliao das interaes: a conver-gncia no ocorre em meio a aparelhos, por mais so-fisticados que venham a ser. A convergncia ocorre dentro dos crebros dos consumidores individuais e nas interaes sociais com os outros32. A mudana se faz no comportamento, no contexto que se forma, ten-do influncia de vrios elementos, como do mercado,

    31HERREROS, Mariano Herreros, op. cit., p. 16.32JENKINS, Henry. Cultura da convergncia. So Paulo: Aleph, 2008. p. 28.

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    73

    onde as inovaes apresentam-se.Mas, em meio a esse processo de alteraes,

    dentro de uma ao que ruma a mltiplas convergn-cias, destacando aqui o segmento das comunicaes em especial, recorrente que a sociedade tenda a construir generalizaes. Muitos indivduos passam a sacralizar as novidades. A digitalizao, que facilita e impulsiona essas relaes entre meios, no mgica, mas sim facilitadora, ao possibilitar linguagens de pro-gramao que permitam a diferentes elementos dia-logarem dentro de bases binrias. A partir das novas relaes entre ambientes convergentes, ampliam-se as possibilidades de usos e fruies, principalmente quando se est em uma fase na qual socialmente a cultura da convergncia se faz presente: a mudana est nas tecnologias e nos indivduos.

    Inegavelmente o computador atuou funda-mentalmente nesse grande processo de transforma-o do comportamento e formas de pensar, ocorrido a partir da dcada de 1990. As lgicas vigentes nos contextos social, poltico e cultural fazem com que a convergncia transponha a simples sobreposio de utilitrios em um mesmo aparelho e faa com que eles interajam entre si. Um exemplo, facilmente encontra-do, o aparelho de telefonia mvel, que tira foto, relgio despertador, acessa a internet, calculadora,

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    74

    gravador de udio e vdeo, videogame, base de dados, recebe sinal televisivo e ainda consegue fazer uma li-gao telefnica. Seu diferencial no est s na soma de tantos recursos, mas principalmente na potenciali-dade de poder integr-los, como mandar a foto tirada pelo celular para um amigo pela internet, acessvel no prprio equipamento, s para citar um caso.

    Chega-se a novas possibilidades de integra-es e principalmente a novas lgicas. Mesmo recur-sos antes disponibilizados fora de bases digitais ga-nham projees diferenciadas, numa ao conjunta dos dispositivos que oferecem produtos convergen-tes e dos usurios detentores desses novos hbitos. Pode-se fazer relaes, dentro de suas propores e distanciamentos, com a Revoluo Industrial, na Ingla-terra, iniciada no sculo XVIII, pois a mquina a vapor j existia nos poos de extrao de minrios antes de chegar s fbricas txteis, mas l foram implantadas a partir de uma nova cultura de produo fabril, dire-cionada para ndices de produtividade: no mbito dos impulsos humanos que a tecnologia estimulada, assim como ela tambm atua sobre as aes sociais, dando subsdios a novas projees e nexos.

    Da mesma forma que novos hbitos so acres-centados sociedade a partir de lgicas que se forta-lecem, tambm so construdas projees simblicas

  • Valrio Cruz Brittos Denis Gerson Simes

    75

    de diversos elementos cotidianos. So movimentos que acontecem simultaneamente. De modo simplista, poderia se dizer que tanto h aes efetivas que se re-alizam e so pensadas, quanto conjuntamente h uma srie de crenas, factveis ou no, que atuam tambm no comportamento. Seriam elementos de base cultu-ral diretamente ligados ao modo de vida, sendo mo-dificados constantemente a partir das experincias. Exemplo o dinheiro, que pode ser percebido por seu carter de instrumento no processo de trocas, na sua relao com a sociedade, e tambm como algo que de desejo, smbolo de poder e sucesso.

    A tecnologia, a convergncia e a interatividade passam a tambm ter seu aspecto simblico. No ima-ginrio social ganham sentidos extras, expondo carac-tersticas de modernidade, fortalecendo a idia de evo-luo. Mesmo camuflado em meio lgica capitalista, em que se insere a cultura da convergncia, o culto ao poder da tecnologia tem feito diferena na sociedade contempornea, motivando o consumo, incentivando novos hbitos, atuando nas relaes interpessoais e tensionando o jogo poltico.

    O fascnio pelo novo, pela mudana, que leva a um suposto progresso, acaba por construir um im-pulso ao consumo que muitas vezes no corresponde a real eficcia prtica da inovao. Mesmo que haja

  • PARA ENTENDER A TV DIGITAL

    76

    inmeras novidades e recursos a partir das novas ba-ses tecnolgicas, como j apontado, h tambm todo um comportamento social que ocorre diante dos novos produtos oferecidos, externando a questo utilitria. A busca pelo mais moderno no significa atender exata-mente s necessidades, como no exemplo da escolha de um relgio prova dgua, em que o modelo que resiste maior profundidade no necessariamente o mais resistente ou o adequado ao comprador, da mes-ma forma que nem todo aquele que tenha mais recur-sos o ideal funo pretendida.

    O que se verifica, em geral, que, em uma cultura de consumo e de utilizao de bens materiais e simblicos, est presente a crena no novo como nor-te para o crescimento pessoal, projetando um futuro melhor. Na prtica, as inovaes promovidas no so, necessariamente, pontes para alcanar o almejado progresso, assim como a digitalizao no correspon-de soluo para todos os setores,