padre josÉ geraldes freire: em louvor de nossa … · ano, no mês das flores e no ciclo da...

16
HVMANITAS- Vol. L (1998) PADRE JOSÉ GERALDES FREIRE: EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA J. PlNHARANDA GOMES Sócio correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa Num dia de Maio de 1987, pelo fim da tarde, e depois de afazeres profissionais que o haviam levado a Lisboa, o Padre José Geraldes Freire aguardava, sentado na escadaria da Faculdade de Letras, alguém que prometera ir ao seu encontro. Nunca nos havíamos avistado pessoalmente, embora a obra dele nos fosse conhecida, não toda, mas principalmente a dedicada à literatura eclesiástica dos monges e a consagrada às aparições de Fátima. Eis qual fosse o motivo do encontro: a Confraria de Nossa Senhora do Carmo de Santo António dos Cavaleiros, fundada em 1984, mas só erecta por titularidade canónica dez anos mais tarde, era então a mais jovem das fraternidades carmelitas portuguesas, e decidira comunicar os frutos da formação interna à comunidade paroquial, também jovem, nascida em 1972. O modo de comunicar os frutos expressou-se numa iniciativa anual, intitulada «Conferência de Maio, em louvor de Nossa Senhora», em que, uma vez por ano, no mês das flores e no ciclo da alegria pentecostal, a Confraria partilhasse com a comunidade um particular acto de veneração filial à Mãe e Esplendor do Carmelo. A ideia envolvia a decisão de convidar conferencistas que fossem também especialistas, e pouco acreditávamos no êxito dos nossos convites. A primeira conferência programou-se para esse mês de Maio de 1987, e achámos que deveria unir a Padroeira (Nossa Senhora do Carmo) e a motivação portuguesa de Fátima. Ε foi por isso, sabedores do envolvimento do doutor Geraldes Freire no estudo dos documentos críticos das aparições, que a Confraria o convidou a proferir a primeira Conferência de Maio, que intitulou de «Nossa Senhora do Carmo nas Aparições de Fátima».

Upload: trinhkhuong

Post on 10-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

HVMANITAS- Vol. L (1998)

PADRE JOSÉ GERALDES FREIRE: EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA

J. PlNHARANDA GOMES

Sócio correspondente da Academia Internacional

da Cultura Portuguesa

Num dia de Maio de 1987, pelo fim da tarde, e depois de afazeres

profissionais que o haviam levado a Lisboa, o Padre José Geraldes Freire

aguardava, sentado na escadaria da Faculdade de Letras, alguém que prometera

ir ao seu encontro. Nunca nos havíamos avistado pessoalmente, embora

a obra dele nos fosse conhecida, não toda, mas principalmente a dedicada

à literatura eclesiástica dos monges e a consagrada às aparições de

Fátima.

Eis qual fosse o motivo do encontro: a Confraria de Nossa Senhora

do Carmo de Santo António dos Cavaleiros, fundada em 1984, mas só erecta

por titularidade canónica dez anos mais tarde, era então a mais jovem das

fraternidades carmelitas portuguesas, e decidira comunicar os frutos da

formação interna à comunidade paroquial, também jovem, nascida em 1972.

O modo de comunicar os frutos expressou-se numa iniciativa anual, intitulada

«Conferência de Maio, em louvor de Nossa Senhora», em que, uma vez por

ano, no mês das flores e no ciclo da alegria pentecostal, a Confraria partilhasse

com a comunidade um particular acto de veneração filial à Mãe e Esplendor

do Carmelo.

A ideia envolvia a decisão de convidar conferencistas que fossem

também especialistas, e pouco acreditávamos no êxito dos nossos convites.

A primeira conferência programou-se para esse mês de Maio de 1987, e

achámos que deveria unir a Padroeira (Nossa Senhora do Carmo) e a

motivação portuguesa de Fátima. Ε foi por isso, sabedores do envolvimento

do doutor Geraldes Freire no estudo dos documentos críticos das aparições,

que a Confraria o convidou a proferir a primeira Conferência de Maio, que

intitulou de «Nossa Senhora do Carmo nas Aparições de Fátima».

1084 J. PINHARANDA GOMES

O primeiro termo do título parecia irrelevante, dado que a Senhora do Carmo só é nominalmente citada no relato de Outubro de 1917, mas a perspectiva adoptada pelo conferencista para a lição, logrou uma boa hora de conexões e de correlações entre o Carmo e Fátima, boa hora essa ainda hoje memorada por muitas pessoas que ouviram o conferencista. O sucesso desta primeira experiência, em grande parte devida ao orador, consolidou de tal modo o projecto das Conferências de Maio, que nunca mais houve interrupções, celebrando-se a décima segunda neste ano de 1998, assim se completando o florilégio das doze estrelas da aura de Maria, Nossa Senhora. Num tempo em que a Documentação Crítica de Fátima estava apenas na fase inicial de estudo, os carmelitas e os paroquianos de Santo António dos Cavaleiros tiveram o privilégio de escutar notícias que os esclareceram acerca dos enigmas sobrenaturais da Cova da Iria. Lição proferida de viva voz, julgamos que o autor não a registou por escrito.

Achámos bem rememorar este episódio, a modos de intróito, como razão para o tema que escolhemos na justa homenagem jubilar.

O exercício público do magistério universitário e o relevo de uma obra de peso específico na área das Humanidades e do Latim Medieval podem suscitar maior atracção na biografia de José Geraldes Freire. Todavia, o escorço do seu perfil fica incompleto quando se não considera o padre e, neste, o mariologista, de modo particular atento à problemática de Fátima, em que aparece mais envolvido desde que, em 1977, na carência de um filólogo, no processo da elaboração da Documentação Crítica, o Padre Geraldes Freire aceitou colaborar com o doutor Joaquín Maria Alonso na leitura dos documentos relativos às aparições da Cova da Iria.

Julgámos oportuno focar a obra mariológica do Padre José Geraldes Freire, à luz de Fátima, muito mais frequente desde então, ainda que ao tema se dedicasse no tempo em que desempenhou as funções de Redactor-chefe do semanário O Distrito de Portalegre (1951-1955) adquirido pela Diocese quando ali foi bispo o servo de Deus, D. Manuel Mendes da Conceição Santos, que se julga ter sido o primeiro bispo a admitir, sem dúvidas, a veracidade das aparições, tendo sido ele que, em 13 de Maio de 1928, antes do reconhecimento oficial do culto em Fátima, benzeu a primeira pedra destinada à Basílica1.

1 J. Pinharanda Gomes, D. Manuel Mendes da Conceição Santos, Vice-Reitor do Seminário da Guarda (1905-1916) e Bispo de Portalegre (1916-1920). Évora, Causa da Beatificação, 1996.

EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA 1085

Tentamos apenas um registo recensional, sem qualquer tentação

erudita; uma simples resenha de títulos e de notas de leitura, em que

dispensámos exaustivo resumo dos estudos fatimológicos pelo autor

publicados na imprensa, mormente em Correio de Coimbra, Diário do Minho,

O Distrito de Portalegre, e Reconquista (Castelo Branco). Tentaremos um

itinerário, em louvor de Nossa Senhora, ainda que pudéssemos intitulá-lo

«A Hora de Maria», utilizando o excelente título de um dos esparsos do

Padre Freire2.

* *

O Segredo de Fátima. A Terceira Parte é sobre PortugaPl é, fora de

dúvida, o primeiro estudo de fundo que Geraldes Freire dedica à problemática

de Fátima, sendo constituído por uma compilação revista de uma série de 35

artigos publicados no semanário O Distrito de Portalegre entre 4 de Março

e 11 de Novembro de 1977. A segunda edição (1978) inclui matérias em

parte igualmente incluídas numa série intitulada «Temas de Fatimologia»,

série essa distribuída por 21 edições do mesmo semanário, entre 18 de

Novembro de 1977 e 31 de Março de 1978.

O estudo nasceu no seu espírito quando, em Junho de 1975, orientou

um retiro espiritual na Cova da Iria para sacerdotes da diocese de Portalegre

e Castelo Branco e, com base nos relatos da Irmã Lúcia, se apercebeu ser

possível e pertinente consagrar uma terça parte do tempo de retiro à vivência

ascética da Mensagem de Fátima. Ε no quadro deste estudo que admite a

possibilidade de formular e propor algumas conjecturas sobre o conteúdo do

Terceiro Segredo (portanto: irrevelado) das aparições.

A segunda edição, que temos presente, organiza-se em três capítulos

subsequentes às Notas Introdutórias. O primeiro capítulo versa a problemática

actual do Segredo, em que sobressai a análise crítica das conjecturas

especulantes e coloca fundamentais interrogações: se o Segredo será dirigido

só ao Papa, e se ele terá a ver com a crise de fé na Igreja. No segundo

2 J. Geraldes Freire, «A Hora de Maria», in O Distrito de Portalegre, 4.5.1979. 3 José Geraldes Freire, O Segredo de Fátima. A Terceira Parte é sobre Portugal?

Santuário de Fátima, 1977. Segunda edição ampliada, idem, 1978.

1086 J. PINHARANDA GOMES

capítulo propõe uma longa e meticulosa pesquisa sobre o Segredo nas palavras

de Lúcia e de Jacinta. Estes dois primeiros capítulos funcionam como

premissas introdutórias ao terceiro capítulo, em que nova interrogativa se

propõe: se a terceira parte estará a cumprir-se em Portugal. [Através dos

factos históricos da vida portuguesa e das eventuais manifestações teofânicas,

Geraldes Freire, ouvidos exegetas e testemunhas, propõe uma conclusão:

que a terceira parte do Segredo pode conter um ou mais dos seguintes seis

pontos: apelo especial a Portugal para cumprir os pedidos de Nossa Senhora;

anúncio de que, se Portugal for infiel, poderá ser castigado depois de 1960;

a Rússia espalhará os seus erros em Portugal, provocando a independência

das Províncias do Ultramar e perseguições à Igreja; Portugal será castigado

e a Igreja perseguida, muitos se afastando do caminho da salvação; aviso de

que um sinal no céu de Portugal indicará que o domínio dos «erros da

Rússia» não terá terminado, apesar da aparente pacificação do povo; e, por

fim, a promessa de que em Portugal se conservará sempre o dogma da fé,

e que o triunfo do Imaculado Coração de Maria há-de ocorrer um dia4.

A segunda edição inclui quatro apêndices documentais de grande

importância testemunhal, e uma exigente Bibliografia. Ε de sublinhar que o

autor, diversamente do que se lhe tem atribuído, não afirma que o Segredo

tenha necessariamente a ver com a moderna história de Portugal. Limita-se

a sustentar essa hipótese, a propor uma conjectura porque, no essencial, o

que importa é a sua convicção de que o segredo deve estar de acordo com

o conjunto da Mensagem: convite à oração, ao sacrifício, à reparação, à

consagração e à paz.

No ambiente especulativo que a imprensa sensacionalista prefere

criar quando aborda o tema de Fátima, o jornalista Fernando Dacosta atribuiu

um certo número de declarações a Monsenhor Freire5, entre as quais a de

que o Segredo estaria relacionado com a descolonização, e que um membro

do Vaticano lhe dissera para continuar a explorar essa via, por estar certa.

Ora, o que o citado jornalista omite é o facto de o Padre Freire, nas

declarações que prestou, se ter limitado a apresentar uma conjectura e não

uma afirmação de certeza, por isso que, pouco depois, e a propósito dos

noventa anos de Lúcia, achou necessário rectificar o que lhe foi atribuído,

4 Geraldes Freire, ob. cit., p. 171. 5 Fernando Dacosta, «O Terceiro Segredo já não existe» in Visão, n° 202, Lisboa,

1997, pp. 58-63. Cf. p. 63.

EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA 1087

repondo a exactidão de quanto ao jornalista dissera por via telefónica. Ε

fecha: «Temos as seis Memórias da Irmã Lúcia. Aí está o suficiente sobre

Fátima». Recordemos que, ainda não fora nomeado perito da Documentação

Crítica, no já distante ano de 1964, o Padre Freire movia os auditórios para

o essencial: a Mensagem, tema de um curso que leccionou em Paços de

Ferreira6.

O Breve Guia de Fátima1 continua a ser um título que logo se prende

às mãos dos peregrinos que, entrando nas livrarias de Fátima, ainda não

dispõem de companheiro para o caminho. Ordenado a Jesus («Jesus é quem

recebe/ em casa de Sua Mãe») o Guia, ou Roteiro, expande-se em treze

capítulos. O primeiro introduz o peregrino no Santuário e explica os valores

da Mensagem que o mesmo expira, com ênfase na oração, a conversão e a

reparação, a paz, a comunhão reparadora, a devoção ao Imaculado Coração

de Maria e «o Segredo». Os capítulos subsequentes orientam o peregrino

dentro do Santuário, na zona pastoral, numa visita à antiga vila de Fátima

(igreja e cemitério, por suas ligações à vida dos Pastorinhos) e, por fim, a

contemplação da Loca do Cabeço, das aparições do Anjo e os monumentos

sagrados construídos naquela zona da Serra d'Aire. O capítulo VII retoma as

aparições, continuadas em Espanha, com as instruções sobre a «conversão

da Rússia». O capítulo VIII, muito breve, regista as chamadas «orações de

Fátima», as orações descidas do céu e ensinadas aos Pastorinhos pelo Anjo

e por Nossa Senhora. [Nunca é demais sublinhar a extraordinária beleza e

simplicidade da primeira oração do Anjo, que, a nosso ver, constitui um dos

mais belos textos sagrados produzidos nos tempos modernos. A breve trecho

ele se tornou a palavra essencial de quantos reparam no mistério e na adoração

do Santíssimo Sacramento. Os restantes capítulos informam sobre os serviços

disponíveis no Santuário para os fiéis e peregrinos, as instituições religiosas

existentes, os estudos e difusão de Fátima e um plano das construções

previstas, algumas das quais já completadas entretanto, entre elas o Centro

de Pastoral Paulo VI. Carácter do Guia é transpor da mera informação tópica

e típica, para o convite à celebração da Mensagem, de modo especial à

mística do Rosário.

6 O Distrito de Portalegre, 19.9.1964. Convergente é o artigo «Fátima e a sua Mensagem», in O Distrito de Portalegre, 4.9.1971.

7 José Geraldes Freire: Breve Guia de Fátima. Santuário de Fátima, 1978. Composto e impresso na Fraternidade Missionária de Cristo-Jovem. Sameiro, Braga, 1978.

1088 J. PINHARANDA GOMES

A primeira visita do papa João Paulo II a Portugal (12 a 15 de Maio de 1982) está na origem de um novo documento — João Paulo II Peregrino

de Fátima* — prefaciado pelo bispo de Leiria/Fátima, D. Alberto Cosme do Amaral. Crónica ou memória da peregrinação pontifícia, é sustentada por um considerável volume de recortes de imprensa, de muitos países, especialmente de Portugal, contendo noticiário, comentários e reportagens, que o cronista triou, rectificou e ampliou, onde necessário, com mais informes, pois nem sempre os jornais foram exactos, precisos ou rigorosos na descrição dos acontecimentos, na identificação de personalidades e no juízo acerca da pastoralidade da visita papal. A documentação disponível permitiu o duplo aproveitamento: primeiro, o Documentário Descritivo

propriamente dito, com o texto integral, incluindo os discursos do Papa sobre Fátima e a oração de consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria; e, em belíssimo álbum, um Documentário Fotográfico com cerca de 150 gravuras, muitas delas em quadricromia, legendadas com trechos resumidos da descrição histórica. Deste álbum foram tiradas edições nas línguas portuguesa, espanhola, francesa, italiana, inglesa, alemã e polaca9.

O Documentário descritivo incorpora também abundante ilustração fotográfica, mas sobressai a crónica da viagem peregrina, elaborada a par e passo, com todos os prmenores: cenários, locais, personalidades, cerimónias, palavras, resumos dos discursos, etc, incluindo quanto se passou além de Fátima, em Lisboa, Vila Viçosa, Coimbra, Braga e Porto. Passo chave desta crónica é o n.s 26 — a consagração do Mundo e da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, que deverá ter impressionado a alma da Irmã Lúcia, que, enfim, aceitou que essa consagração, tal como foi feita, respondeu enfim ao que ela entendera ser o pedido de Nossa Senhora, pedido esse que seria tema de uma exegese de Geraldes Freire10.

8 P. José Geraldes Freire, João Paulo 11 Peregrino de Fátima. Documentário Descritivo da Visita a Portugal 12 a 15 de Maio de 1982. Santuário de Fátima, 1983.

' João Paulo 11 Peregrino de Fátima. Documentário Fotográfico. Texto do Prof. Doutor José Geraldes Freire. Santuário de Fátima, 1983. Por gentileza do Autor possuímos a edição polaca: Jan Pawel II Pielgrzym Fatimski.

10 Dossier Irmã Lúcia, in Christus, Revista de actualidade católica, n.s 11. Lx.8, Março, 1998, pp. 20-27.

Cf. J. Geraldes Freire, «Consagração do Mundo e da Rússia», in Diário de Coimbra, 23.3.1984.

EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA 1089

O autor do texto fundamenta-o em abundantes notas de referência em pé de página, com remissão para as fontes as mais variadas, mas sempre, se necessário, com análise crítica e rectificativa.

Análogo exercício dedicou à segunda peregrinação do papa João Paulo II a Portugal (10 a 13 de Maio de 1991), no volume intitulado Segunda

Peregrinação de João Paulo II a Fátima com duas diferentes formas: a edição com o texto completo ilustrado com 45 gravuras, ou seja, o documentário descritivo, em que o relevo cabe ao texto; e a edição com relevo para o documentário fotográfico, em que o texto quase se limita a legendar as ilustrações".

A crónica-reportagem abrange os passos, as palavras e os gestos do Papa em Lisboa, Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Funchal e, por fim, em Fátima, nos dias 12 e 13 de Maio do ano indicado, em que João Paulo procedeu à renovação da consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria.

Destes documentos se conclui que sentir com Fátima é sentir com o Papa, a figura eclesial que, desde as primeiras aparições, surge nas palavras dos Pastorinhos.

Após a primeira peregrinação de João Paulo II, diversas pessoas e entidades propuseram ao bispo de Leiria a realização de uma Semana de Estudos sobre a Mensagem de Fátima, destinada a efectuar uma releitura dessa mensagem e a ajudar o povo de Deus à sua melhor compreensão. A Semana decorreu entre 17 e 23 de Abril de 1983, com a participação de mais de uma dúzia de especialistas, que olharam a Mensagem segundo os ângulos de problemática mais interpelados pelo nosso tempo12.

O Padre Geraldes Freire versou o tema «A 'Mensagem de Fátima' vista por João Paulo II», tendo a sua comunicação oral sido publicada, resumida, com base na gravação13. O texto oferece duas partes: na primeira, o autor propõe uma visão global dos diversos aspectos sob os quais se pode tratar a visita do Papa a Fátima, o que se acha implicitamente sustentado pela crónica que da viagem efectuou, como já vimos; na segunda parte,

11 Texto e selecção fotográfica do Prof. Dr. José Geraldes Freire. Santuário de Fátima, 1992. Segunda Peregrinação de João Paulo II a Fátima, Maio/1991. Documentário Fotográfico. Santuário de Fátima, 1992.

12 Cf. as actas em Apelo e Resposta. Semana de Estudos sobre a Mensagem de Fátima. Convento dos Capuchinhos, Fátima, 1983.

13 Ob. cit., pp. 105-115.

1090 J. PINHARANDA GOMES

analisa a forma como, por gestos e palavras, o Papa dá a entender a sua

inteligência da Mensagem, já em relação à sua própria pessoa, já em relação

à Igreja.

O tema da segunda parte institui-se no que chamaríamos a teologia da

consagração, já que o autor expõe a problemática decorrente do pedido de

consagração da Rússia pelo Papa, em união com todos os bispos, ao Imaculado

Coração de Maria. Ε conclui por demonstrar, com fundamento nas próprias

palavras do Pontífice, que este celebrou o acto de consagração inteiramente

de acordo com o pedido de Nossa Senhora, expresso no testemunho da

vidente Lúcia. De ora em diante, melhor, desde o gesto de João Paulo II, o

acto de consagração deixou de constituir problema ritual. Ele está feito em

conformidade, por um pastor que veio do Oriente, que olha para Maria como

a Esperança perfeita, mesmo de quem já perdeu a esperança. A Senhora da

Alegria é quem fomenta e garante a esperança14. O ciclo da Senhora da

Alegria inicia-se logo na primeira segunda feira de Páscoa e, com diversos

nomes e invocações, é festejada em todo o nosso país. Aliás, é neste ciclo

que ocorrem as primeiras aparições em Fátima.

Logo no dealbar das bodas de diamante das aparições, assinalou o

evento com um breve mas abrangente ensaio dirigido ao grande público15.

Nele ressaltam três vectores: a Mensagem, o Papa e o Segredo, acerca

deste conclamando como não é saudável tanta insistência ou tentação na

procura de saber o que é secreto, quando a mensagem revelada — a oração,

a penitência, a conversão, a reparação e a consagração — constitui um universo

de desafios a uma prática de vida santa que, isso sim, é decerto o maior

segredo.

O tema da visão do Inferno na aparição de 13 de Julho de 1917,

narrada por Lúcia na Terceira Memória^ e o facto de também Lúcia ter

informado que sua mãe possuía um exemplar do livro Missão Abreviada, do

Padre Manuel do Couto, levou diversos investigadores a procurar ler esse

livro, no sentido de verificar que incidências dele haveria na narrativa dos

Pastorinhos e, sobretudo na narrativa devida a Lúcia. O cónego Formigão já

conhecia o livro do Padre Couto e, por isso, indagou, quer de Lúcia, quer

de sua mãe, se lera às crianças a história das aparições de La Salette. A mãe

14 J. Geraldes Freire, «Senhora da Alegria», in Diário de Coimbra, 8.4.1988. 15 «Fátima — 75 Anos», in Diário de Coimbra, 13.5.1992. 16 Memórias da Irmã Lúcia. Vice-Postulação, Fátima, 6." edição, 1990, p. 105.

EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA 1091

de Lúcia respondeu afirmativamente ao cónego Formigão em 11 de Outubro de 191717.

A hipótese de La Salette se reflectir nas visões dos Pastorinhos em breve se considerou tese inegável, para alguns autores, enquanto outros, menos convencidos, acharam necessário localizar o exemplar que, da Missão

Abreviada, a mãe de Lúcia lhe lia, a ela e outras crianças, uma vez que, noutro interrogatório, Lúcia admite (11 de Outubro de 1917) não pensar na leitura desse livro. Ε necessário localizar esse exemplar, antes de se afirmar seja o que for acerca da necessária relação entre La Salette e a visão dos Pastorinhos. Resulta compreensível o reparo que Geraldes Freire faz ao livro Fátima — os Lugares da Profecia, que, a páginas tantas, insinua essa relação, reparo esse destinado a situar o problema no seu actual contexto: das dezasseis edições da Missão Abreviada, só trazem uma meditação acerca de La Salette as edições compreendidas entre a 2.- e a 9.a inclusive (1861 a 1873), tendo essa meditação desaparecido a partir da 10.§ edição (1861 a 1904).

A positiva confirmação dos factos carece da presença do exemplar da mãe de Lúcia, para se verificar se de facto dele constava essa meditação. Em 1988 houve alguma esperança de que o exemplar aparecesse, pois, em carta para o Reitor do Santuário de Fátima, Lúcia menciona o livro, que, todavia, tinha entregue à Superiora, não mais lhe tendo sido devolvido. Em contrapartida, ofereceu ao Santuário duas agulhas de «crochet» e o exemplar da Imitação de Cristo, que haviam pertencido a sua mãe18. Sabemos, por informação do Padre Doutor Luciano Cristino, que o Santuário estará na pista do exemplar, não constando que já tenha aparecido.

Chamamos este problema ao artigo, pela simples razão de que o cónego Freire se interessou por estudar a figura do Padre Couto, enquanto o seu colega do clero de Portalegre, o Padre Joaquim Cabral (fal. 1995) decidira licenciar-se na Universidade Pontifícia Lateranese, com uma dissertação intitulada: «Missão Abreviada». Da pobreza de uma teologia ao

estigma funesto de uma Moral (Roma, 1986). Como fonte biográfica, o Padre Joaquim cabral apenas dispunha da modestíssima e incorrecta informação constante do Diccionario Bibliographico de Inocêncio, pelo que solicitou a ajuda do cónego Freire. Como fruto da investigação a que se entregou, sabemos com bastante pormenor quem foi o Padre Couto.

17 Documentação Crítica de Fátima, vol. I, p. 109. 18 Memórias da Irmã Lúcia. ed. cit., pp. 216-217.

1092 J. PINHARANDA GOMES

Mencionamos com particular interesse o artigo «P. Manuel J. G. Couto, autor da «Missão Abreviada»19, artigo esse reeditado, com importantes Notas complementares, as quais permitem, já hoje, um desenvolvimento biográfico quase exaustivo da personalidade deste missionário popular transmontano, cuja principal obra pastoral pode estar, ou não estar, ligada às aparições de Fátima.

No ano em que ocorreu o 75.s aniversário das aparições, a Comissão que assumiu o encargo de comemorar o aniversário, projectou um livro de tomo, que reunisse testemunhos e estudos de autores vários. O livro, um álbum ricamente ilustrado, intitula-se Fátima. 75 Anos20 e inclui textos de D. Manuel de Almeida Trindade, Padres Fernando Leite, Pascoal, Luís Kondor e José Geraldes Freire, e depoimentos de várias outras personalidades da nossa cultura e da nossa vida eclesial. Os estudos visam propor três dimensões específicas da história e da teologia de Fátima: primeiro, a ocorrência das aparições, terceiro, os aspectos e valores teológicos e, como segundo degrau, o estudo de José Geraldes Freire (pp. 93-146) sobre o tema «Os Papas e Fátima».

Como se sabe, as aparições aconteceram no pontificado de Bento XV, numa época de grandes dificuldades para a Igreja em Portugal. Alguns exegetas interpretaram um trecho da Carta de 29 de Abril de 1918 aos bispos portugueses, como sendo uma premunição, ou profecia, das próximas aparições. No entanto, só afortiori tal premunição se entenderá, e o autor do estudo conclui ser desnecessária essa premunição, sem prejuízo da esperança posta na protecção dispensada pela Imaculada Conceição a Por­tugal. É no tempo de Bento XV que os católicos encetam com maior vigor uma caminhada no sentido da reconquista dos direitos, liberdades e garantias, caminhada essa a que as aparições de Fátima deram, sem dúvida, um claríssimo e suplementar apoio, mas daí não se segue que Bento XV estivesse «informado» das revelações em trânsito.

Pio XI, o sucessor de Bento XV pode ser considerado como um «papa de Fátima». Foi no seu tempo que a Sagrada Congregação dos Ritos licenciou Fátima, com a permissão de se celebrar missa votiva do Santíssimo Rosário; e, em Novembro de 1927, a concessão de uma indulgência de 300

19 Cf. Diário do Minho, Braga, 5.11.1986, p. «Parábola» e Humanística e Teologia, Vol. VII, 3, Porto, 1986, pp. 369-373.

2n Santuário de Fátima, 1992, 194 pp.

EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA 1093

dias por cada vez que se rezasse a jaculatória «Nossa Senhora do Rosário de Fátima, rogai por nós». Outros gestos decisivos vieram do Papa, entre todos sobressaindo a aceitação da autenticidade das aparições pelo bispo de Leiria, em 13 de Outubro de 1930.

As intervenções de Pio XII são, porém, muito mais frequentes e, no juízo de Monsenhor Freire, «mais significativas», de onde a maior extensão de texto dedicado a este Papa (pp. 106-116) que, por isso, ganhou jus ao título de «Papa de Fátima». O texto enumera, explica e comenta todos os discursos, palavras e gestos de Pio XII. Entre tantos, memoramos apenas a encíclica Ad Cceli Reginam (1954) que aponta Fátima como solene documento da Igreja.

João XXIII merece três páginas. Ele foi peregrino de Fátima, em 1956, dois anos antes de eleito para o Pontificado. Segundo Geraldes Freire, o Concílio Vaticano II é pelo pontífice repetidas vezes colocado sob os auspícios e a protecção da Mãe de Deus, aparecida na Cova da Iria.

Paulo VI, o primeiro e real Papa a peregrinar a Fátima, em 13 de Maio de 1967, onde esteve para suplicar o inestimável bem da paz para a Igreja e para o mundo, tem jus a dez páginas de denso conteúdo.

O breve pontificado de João Paulo I justifica uma página, relembrando--se que, ainda Patriarca de Veneza, peregrinou a Fátima em 1977, tendo passado por Coimbra, onde visitou a Irmã Lúcia.

Maior espaço é devido a João Paulo II (pp. 132-145), por duas vezes peregrino, e cuja biografia ele mesmo entrosa, nos momentos difíceis, com a protecção de Nossa Senhora de Fátima. A documentação aduzida é riquíssima. A concluir, de registar o juízo do Padre Geraldes Freire: «O caminho que acabamos de percorrer mostra bem como os Papas aceitaram Fátima, recomendaram a mensagem de Fátima e eles próprios procuraram fazer, na medida das suas possibilidades de momento, o que Nossa Senhora pediu à Igreja e ao Santo Padre21».

Fátima tem estado debaixo de fogo. Só a Bibliografia de Fátima, indexada com anotações temático-téticas, poderá identificar os adversários e as antíteses, oriundos, já da Igreja, já da não-Igreja. Geraldes Freire esteve atento, bastando citar as críticas que escreveu, ou a livros favoráveis, ou a

Ob. cií., p. 145.

1094 J. PINHARANDA GOMES

livros desfavoráveis, oriundos de mui ignotas razões, interesses, subjectividades e crendices22.

No contexto das obras de Fátima, desagradável foi, decerto, o ter de, por causas morais e científicas, submeter a extensa crítica o acidentado estudo que o Padre Manuel Vilas Boas publicou com o título Fátima. Os

Lugares da Profecia (1993). Obra de um sacerdote, jornalista conceituado, dispondo de boa informação bibliográfica, e podendo sempre, em caso de dúvida, recorrer às melhores fontes, em que teria bom acolhimento, acabou por confeccionar uma obra de sugestivo título, mas em que o rigor cronológico, factológico e judicativo foi amplamente desrespeitado, transformando um livro, que tinha todas as condições de bondade e de utilidade, num documento de pouco crédito. O Padre Freire dedicou-lhe uma série de 12 artigos de fria análise23, com as inexactidões, as imprecisões e as incorrecções que infestam o texto, e que chegam a tocar as raias da inconsonância com as verdadeiras causas da fé, que move o povo para a Cova da Iria. O questionamento dos juízos subjectivos patentes no livro poderia ser de menos interesse, não se desse o caso de o questionamento sobre as datas, os factos e os contextos, se fundamentar em tantas evidências.

Os noventa anos da Irmã Lúcia (oficialmente nascida em 22, quando deveras nasceu a 28 de março de 1907) mereceram um excurso de quatro artigos, que procuram responder à pergunta que a muitos se porá — quem é, afinal, a Irmã Lúcia?24

O primeiro artigo — «Os 90 anos da Irmã Lúcia» — apresenta uma cronologia da vida, desde o nascimento até à profissão e entrada no Carmelo de Santa Teresa de Coimbra em 1949. Muitos gostaríamos de saber como se processou, na vida interior da Irmã Lúcia, a viagem das Doroteias para o Carmelo, e se a aura do culto de Santa Teresinha do Menino Jesus (sobretudo a partir de 1925) poderá ter tido algum peso na decisão. O segundo artigo trata da vida da Irmã Lúcia em Coimbra: os trabalhos e os dias, a vida

22 Cf. J. Geraldes Freire: «Crítica Literária. Martins dos Reis — Novo Livro sobre Fátima», in Reconquista, Castelo Branco, 20.7.1984; «Novos Documentos de Fátima. Outro Livro de António Maria Martins», ai Diário de Coimbra, 24.1.1985; «Estudos sobre Fátima», in Diário de Coimbra, 17.3.1989; «Os Críticos de Fátima», in Diário de Coimbra, 14.3.1989.

23 In O Distrito de Portalegre, desde 13.5. a 29.7.1994. O autor assina com o pseudónimo Miguel d'Acha. O Padre Freire é natural de S. Miguel d'Acha.

24 Diário de Coimbra, 21.3 - 16.4.1997.

EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA 1095

consagrada, as visitas de fora das personalidades mais importantes que, todavia, não afectam o regime a que a lex vitce carmelita obedece, e cujo segredo é o capítulo VII da Regra: permanecer dia e noite meditando na palavra do Senhor. O terceiro artigo expõe informação acerca dos escritos da Vidente, em primeiro lugar, as 6 Memórias (1935-1993) e, depois, a epistolografia, em que somos advertidos de que as cartas de Lúcia se contarão por milhares, não se encontrando na sua maior parte publicadas, excepto as constantes dos livros dos Padres António Maria Martins (Cartas da Irmã

Lúcia, 2.â edição, Porto, Apostolado da Imprensa, 1979, e Novos Documentos

de Fátima, idem, 1984); e Sebastião Martins dos Reis (Uma Vida ao serviço

de Fátima, Coimbra, 1974). Por fim, no quarto artigo, versa os temas da Mensagem e do Segredo, em que esclarece algumas especulações mundanas sobre o assunto, concluindo com chave de ouro: «O mais importante não é conhecer o Segredo ou até a Mensagem, é cumpri-la».

A edição crítica dos documentos de Fátima é um projecto que vem de longe, ainda do tempo do bispo D. João Pereira Venâncio e cujo primeiro protagonista, atento, dedicado e incansável operário foi o Padre claretiano Joaquín Maria Alonso, falecido em 198125. Uma Comissão Científica auxiliou o Padre Alonso nos trabalhos, desde 1975, mas o novo enquadramento parece ter contribuído para o alongar da demora na publicação dos frutos do seu trabalho, uma vez que foi sugerida nova orientação para a obra26. No decurso do tempo tornou-se necessário ultrapassar as sucessivas demoras, por isso que o Secretariado Executivo foi reforçado com a função de Coordenador, integrado na Comissão Científica, o Padre José Geraldes Freire. Por fim, o fruto, o primeiro fruto do trabalho - o primeiro volume intitulado Documentação Critica de Fátima. I. Interrogatórios aos Videntes — 191727

— O volume integra os primeiros interrogatórios do Pároco de Fátima e do Padre Manuel Nunes Formigão, o chamado Processo paroquial de Fátima, os interrogatórios particulares dos Padres António dos Santos Alves e José Ferreira de Lacerda, e mais alguns documentos esparsos, do ano de 1917,

25 J. Geraldes Freire, «In Memoriam: P. Dr. Joaquín Maria Alonso», in Diário do Minho, Braga, 19.1.1982. O autor dedicou escritos a outras figuras da história de Fátima, por ex.: «Evocação do Dr. Galamba de Oliveira», in Diário de Coimbra, 4.10.1984,

26 J. Geraldes Freire, «Fátima; Monumenta Histórica», in O Distrito de Portalegre, 28.5.1978.

27 Santuário de Fátima, 1992, 443 pp.

1096 J. PINHARANDA GOMES

em que avultam duas cartas do dr. Carlos de Azevedo Mendes, dois artigos de Joaquim Gregório Tavares e uma descrição da Igreja Paroquial de Fátima, elaborada pelo Padre Formigão, aquando dos interrogatórios a que submeteu os Pastorinhos em 11, 13 e 19 de Outubro de 1917.

Além da coordenação geral, ao Padre Geraldes Freire cabem a fixação dos textos, as introduções e as múltiplas notas de esclarecimento ao texto, em colaboração com Margarida Maria Amaral Santos e com outro notável obreiro da história de Fátima, o cónego Luciano Coelho Cristino. O documento produzido é uma obra prima de pesquisa, de leitura, de interpretação e de informação, sendo, de ora em diante, fonte de primeira e necessária instância, sem prejuízo da necessidade de, com mais tempo, se publicar a Tábua cronológico-onomástica e onomástico-cronológica, por forma a evitar que, de futuro, sejam publicados livros acerca de Fátima, em que datas e nomes são corrompidos. A Documentação Crítica, cujo seguimento todos aguardamos com muita ansiedade, abre um novo período na literatura de Fátima e garante, aos seus autores, uma inconsútil ligação à história de Fátima.

*

Fenómeno singular e peculiar da nossa eclesialidade tem sido a Mariologia que, no século XX se alargou num ramo novo, a Fatimologia, ou, segundo o dizer de Joaquín Maria Alonso, a «literatura sobre Fátima», designação em que se integra uma perspectiva poligráfica, que abrange a história, a literatura e a teologia decorrentes das aparições. No estudo que ao tema dedicou, o Padre Alonso identifica quatro períodos histórico-teológicos, a partir de 1917, no último, situado entre 1946 e 1966, colocando em lugar predominante a teologia da mensagem de Fátima28. Já hoje se considera haver necessidade de abrir um quinto período, em que, a par da continuidade da reflexão sobre os nomes e os sinais - Coração Imaculado, Mensagem, Paz, Oração, Segredo, surge uma renovada Fatimologia, de maior acento na ordem da teologia especulativa e patoral, a que Luís Kondor deu primazia29. As perspectivas de Geraldes Freire nos planos da Teologia Moral,

28 Joaquín Maria Alonso, História da Literatura sobre Fátima. Fátima, Ed. Santuário, 1967. 29 Luís Kondor, A Teologia de Fátima. Santuário de Fátima, 1980. Cf. Pinharanda

EM LOUVOR DE NOSSA SENHORA 1097

da Escatologia e da Eclesiologia, garantem-lhe um lugar superior no período subsequente ao quarto, e que ora vivemos.

Professando carismática modéstia, afirmou, um dia, o grande fatimologista: «Por mim, prefiro apresentar-me como devoto de Nossa Senhora de Fátima do que como estudioso da Mensagem de Fátima»30.

Pode a devoção ser superior ao estudo, mas o estudo também revela e demonstra a devoção em acto. Ε necessário, bem o vemos agora, compilar todos os dispersos ainda não compilados do Cónego Freire em livro. Seria um acto de cultura e de justiça que o seu ano jubilar fosse assinalado por essa obra, a Studia Fatimce.

Gomes, O Pensamento Teológico Contemporâneo em Portugal. Braga, Theologica, 1991, pp. 79-83.

30 J. G. Freire, in Diário de Coimbra, 13.5.1992.