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DIREITO PROCESSUAL CIVIL III DIREITO EXECUTIVO PROF. LUÍS BONIFÁCIO RAMOS Faculdade de Direito de Lisboa DISCLAIMER Estes apontamentos não dispensam o estudo dos manuais recomendados pelo Professor Regente e Assistente.

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Page 1: Processo-Executivo Lara Geraldes

DIREITO PROCESSUAL CIVIL III

DIREITO EXECUTIVO

PROF. LUÍS BONIFÁCIO RAMOS

Faculdade de Direito de Lisboa

DISCLAIMER

Estes apontamentos não dispensam o estudo dos manuais recomendados pelo

Professor Regente e Assistente.

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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PARTE GERAL

1. INTRODUÇÃO

§1: NOÇÃO

Tipos de acções:

• Declarativa:

o De simples apreciação

o De condenação

o Constitutiva

• Executiva: tem por finalidade a reparação efectiva de um direito violado, e não a

declaração da existência de direitos (art. 45º, nº 2).

o Pagamento de quantia certa:

� O exequente/credor pretende obter o cumprimento de uma obrigação

pecuniária, através da execução do património do executado/devedor

(art. 817º CC).

� Pretende-se obter um resultado idêntico ao da realização da própria

prestação.

� PAULA COSTA E SILVA identifica três fases na acção executiva de

pagamento de quantia certa:

• 1. Fase liminar

• 2. Fase da penhora

• 3. Fase de pagamento

o Entrega de coisa certa:

� O exequente é titular do direito à prestação de uma coisa

determinada e pretende que o tribunal apreenda essa coisa ao

devedor e lha entregue de seguida (art. 827º CC).

� Pretende-se obter um resultado idêntico ao da realização da própria

prestação ou, se tal não for possível, a liquidação do valor da coisa

não encontrada e dos prejuízos resultantes da falta da sua entrega

(art. 931º).

o Prestação de um facto:

� Facto positivo:

• Facto fungível: o exequente pode requerer que o facto seja

prestado por outrem à custa do devedor (art. 828º CC), pelo

que serão apreendidos e vendidos os bens que forem

necessários ao pagamento do custo da prestação.

• Facto infungível: o facto não pode ser prestado por outrem

que não o devedor, pelo que se deve proceder à apreensão e

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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venda dos bens suficientes para indemnizar o exequente do

dano sofrido com o incumprimento.

� Facto negativo (dever de omissão) – art. 941º:

• As prestações de facto negativo são, por sua natureza,

infungíveis.

• Exemplo: caso da chaminé de Colmar (acto emulativo). O

exequente pedirá a demolição da obra que tenha sido

efectuada pelo devedor, à custa deste, assim como a

indemnização do prejuízo sofrido (art. 829º CC).

� Em qualquer caso, pretende-se obter um resultado idêntico ao da

realização da própria prestação ou, se tal não for possível, um seu

equivalente.

§2: FUNÇÃO

Desta primeira abordagem, conclui-se:

• A acção executiva pressupõe o dever de realização de uma prestação.

• A acção executiva visa reparar um direito efectivamente violado, pelo que não pode

ter lugar perante a simples previsão de violação do mesmo.

• A acção executiva visa a obtenção de um resultado idêntico ao da realização da

própria prestação devida (execução específica), por meio directo (apreensão/entrega

da coisa ou da quantia devida) ou por meio indirecto (apreensão e venda dos bens e

subsequente pagamento); se tal não for possível, a execução diz-se por equivalente.

• O tipo de execução é sempre determinado em face do título executivo:

o Se do título executivo constar:

� Obrigação pecuniária: acção de pagamento de quantia certa.

� Obrigação de prestação de coisa: acção de entrega de coisa.

� Obrigação de prestação de facto: a acção de prestação de facto.

• A satisfação do credor é conseguida mediante a apreensão de bens pelo tribunal para

que, em substituição do devedor, possa pagar ao credor.

§3: DECLARAÇÃO OU ACERTAMENTO

Ocorrendo num momento posterior à acção declarativa, o ponto de partida da acção

executiva coincide, precisamente, com o ponto de chegada da primeira: a declaração ou acertamento

de um direito ou de uma situação jurídica.

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Entre os dois processos (declarativo e executivo) assiste-se, geralmente, a uma coordenação

funcional, ainda que sejam estruturalmente autónomos. Esta coordenação funcional cessa quando o

título executivo não é uma sentença, em termos que veremos infra.

Ainda assim, os princípios da igualdade das partes e do contraditório não assumem, no

processo executivo, igual dimensão do que no processo declarativo: com efeito, o executado não goza

de uma posição jurídica paritária à do exequente (em termos materiais) e o seu direito à contradição

é fundamentalmente assegurando ex post, por via da oposição à execução (acção declarativa

autónoma relativamente ao processo executivo).

§4: O JUIZ E O AGENTE DE EXECUÇÃO

Antes da reforma da acção executiva de 2003, cabia ao juiz a direcção de todo o processo

executivo, sem restrições (art. 265º, nº 1), mediante o proferimento de inúmeros despachos judiciais.

A reforma surgiu da discussão entre dois modelos alternativos ao status quo vigente:

• O primeiro, mais radical, defendia a retirada dos processos de execução da esfera dos

tribunais, sem mais. A execução ficaria entregue a entidades de natureza

administrativa (modelo sueco) – desjudicialização.

• O segundo, mais moderado, defendia a manutenção do processo executivo na esfera

dos tribunais (de natureza especializada) e impunha ao exequente um maior grau de

empenhamento no sucesso da acção executiva (modelo francês: hussiers de justice) –

desjurisdicionalização. Foi este modelo que foi acolhido pelo legislador nacional.

Com a reforma, optou-se por um modelo no qual o juiz exerce funções de tutela (art. 809º, nº

1 b), c) e d)) e de controlo (proferindo despacho liminar em determinados casos, arts. 809º, nº 1 a),

812º e 812º-A). Deixou, portanto, de ter a seu cargo a promoção das diligências executivas: não lhe

cabe, em regra, ordenar a penhora, a venda e o pagamento, extinguir a instância executiva ou o

desempenho de actos instrumentais como a citação, as notificações ou as publicações.

Quando a lei não determine diversamente, a realização da maior parte das diligências do

processo cabe ao agente de execução, figura introduzida com a reforma (art. 808º, nº 1 e 6). O

agente de execução pode ser um solicitador de execução (profissional liberal escolhido pelo

exequente no requerimento executivo, art. 810º, nº 3 e)) ou, quando não haja solicitador no círculo,

um funcionário judicial (oficial de justiça que desempenha, em princípio, as mesmas funções que o

solicitador de execução). As despesas com o agente de execução são imputadas às custas.

O facto de a competência para a realização das diligências supra atribuída ao agente de

execução, não prejudica o poder geral de controlo do juiz (que pode proceder à avocação oficiosa de

processos) nem a possibilidade de oficiosamente ordenar as actuações que julgue adequadas. Para

mais, certos actos (vg tutela de direitos fundamentais) impõem a necessária intervenção do juiz, bem

como actos para os quais vigora um princípio de reserva de jurisdição quanto a todos os incidentes de

natureza declarativa (despacho liminar, oposição à execução, oposição à penhora, etc.). Por outro

lado, o juiz pode destituir o agente de execução ao abrigo do art. 808º, nº 4 (com alterações com a

Reforma a vigorar em 2009).

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Estas razões levam a que LEBRE DE FREITAS refute, contra TEIXEIRA DE SOUSA, a existência

de qualquer relação de “quase-mandato” entre o agente de execução e o exequente, uma vez que o

último não dá ordens ao primeiro.

Ainda assim, a criação desta figura implica uma larga desjurisdicialização do processo

executivo, envolvendo uma menor intervenção do juiz (e da secretaria) nos actos processuais. Por

outro lado, poder-se-á assistir a um recurso abusivo à acção executiva em situações em que falte ou

seja insuficiente o título executivo (maxime com o alargamento dos títulos executivos à generalidade

dos documentos particulares, com a reforma de 1996), caso em que a reduzida intervenção do juiz

dificultará a percepção de falhas materiais ou processuais.

Todavia, a menor intervenção do juiz em actos puramente instrumentais, como consequência

da introdução da reforma, é de louvar, uma vez que promove a desburocratização e a celeridade

processuais.

2. PRESSUPOSTOS DA ACÇÃO EXECUTIVA

§1: PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS

A exequibilidade do direito à prestação depende de duas condições:

• Título executivo: o dever de prestar deve constar de título executivo – pressuposto

de exequibilidade extrínseca do direito à prestação.

o Sob pena de: recusa do requerimento executivo pela secretaria.

• Certeza, exigibilidade e liquidez: a prestação deve ser certa, exigível e líquida –

pressuposto de exequibilidade intrínseca do direito à prestação.

o Sob pena de: não realização coactiva da prestação.

São pressupostos processuais da acção executiva, sem a verificação dos quais esta não é

admissível.

§2: PRESSUPOSTOS GERAIS

Para além dos pressupostos específicos da acção executiva, cabe verificação dos pressupostos

do processo civil, nos termos gerais:

• Competência

• Legitimidade

• Patrocínio judiciário

E, eventualmente:

• Litisconsórcio e coligação

• Cumulação de pedidos

3. O TÍTULO EXECUTIVO

§1: NOÇÃO

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Toda a acção executiva tem por base um título, através do qual se determinam o fim e os

limites da primeira (art. 45º, nº 1):

• O tipo de acção em causa (pagamento de quantia certa, entrega de quantia certa ou

prestação de facto)

• O objecto da acção

• As legitimidades activa e passiva (art. 55º, nº 1)

Esta afirmação preliminar não prejudica que o título seja complementado, maxime se a

obrigação não for certa, exigível ou líquida (arts. 802º a 805º).

A importância do título executivo resulta no patamar de segurança mínima que oferece

quanto à existência do direito de crédito que se pretende ver executado.

§2: TIPOS DE TÍTULO EXECUTIVO

O título executivo pode ser: (o que equivale a dizer “à execução apenas pode servir de

base…”, cfr. art. 46º, nº 1)

• Sentença condenatória:

• Documento exarado ou autenticado por notário

• Escrito particular assinado pelo devedor

• Título executivo por força de disposição especial (residualmente)

§2.1: SENTENÇA CONDENATÓRIA

A expressão “sentença condenatória” é infeliz: a sua noção aponta para um entendimento

lato sensu, uma vez que pode ser proferida em processo civil, penal, etc. Pretendeu-se,

originariamente, delimitar a ténue fronteira com a “sentença de condenação” (sentença proferida em

acção declarativa de condenação, apenas – no âmbito do processo civil).

Precise-se: das sentenças judiciais, apenas a sentença de condenação constitui título

executivo (LEBRE DE FREITAS). A sentença proferida em acção declarativa constitutiva produz,

automaticamente, efeito constitutivo, nada mais restando para executar. Já quando a acção seja

declarativa de simples apreciação, a sentença apenas reconhece a existência de um direito, nada

mais acrescentando.

Para que a sentença seja exequível, é necessário que tenha transitado em julgado (art. 47º,

nº 1), ie, que seja insusceptível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 677º). Todavia, se o

recurso interposto contra essa sentença tiver efeito meramente devolutivo (e não suspensivo),

entende-se que a sentença não constitui título executivo, mesmo depois do trânsito em julgado (art.

47º, nº 1, in fine). Cumpre apreciar:

• Os recursos podem ter os seguintes efeitos sobre a sentença condenatória:

o Suspensivo: os efeitos da sentença da 1ª instância ficam suspensos até

apreciação do recurso, pelo tribunal superior.

o Meramente devolutivo: é possível executar a decisão recorrida na pendência

do recurso (a decisão recorrida já constitui título executivo, enfim). A

sentença da primeira instância é devolvida ao tribunal e os efeitos totais

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estão condicionados à decisão do tribunal superior. É a regra nos recursos de

apelação (para as Relações, art. 692º, nº 1 – com a reserva das excepções que

este art. enuncia, por vezes de verificação mais frequente do que a regra) e

de revista (para o STJ, art. 723º).

Com efeito, se a acção executiva tiver sido instaurada na pendência de recurso com efeito

meramente devolutivo, a execução será necessariamente provisória, uma vez que é susceptível de

sofrer alterações em face da decisão que a causa tenha nas instâncias superiores. Quando a causa for

definitivamente julgada, a decisão proferida nas instâncias superiores terá o efeito de (art. 47º, nº 2):

• Extinguir a execução, absolvendo o réu/executado; ou

• Modificar a execução, no seu todo ou em parte, mantendo a execução (parcial) do

réu.

Se for proferida uma sentença de condenação genérica (sentença proferida sem que haja

elementos para fixar o objecto ou a quantidade, art. 661º), e se a liquidação da obrigação pecuniária

não depender de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo depois do

incidente de liquidação (em processo declarativo - é reaberta a sentença declarativa), segundo os

arts. 47º, nº 5 e 378º, nº 2. Por outras palavras, a sentença de condenação genérica é

quantitativamente indeterminada e só se torna exequível com a sentença de liquidação. A quantia a

executar diz-se ilíquida quando o montante dos danos não foi ainda apurado, vg. Compreende-se

porque constitui a sentença de liquidação condição de exequibilidade da sentença de condenação:

com efeito, a primeira complementa a segunda e, juntas, formam o necessário título executivo. Esta

afirmação não prejudica a imediata exequibilidade da parte da sentença de condenação que seja

desde logo líquida (art. 661º, nº 2).

A sentença proferida por tribunal estrangeiro é exequível após revisão e confirmação pelo

tribunal da Relação competente (revisão formal + revisão de mérito, à luz dos princípios do Estado da

recepção), nos termos dos arts. 49º e 1095º. Só assim a sentença produz efeitos em Portugal, salvo

tratado, convenção, regulamento comunitário ou lei especial em contrário (vg Convenção de Lugano,

Convenção de NY, Regulamentos nº 44/2001 (BRUX I), 1346/2000 e 805/2004 - Título Executivo

Europeu).

A confirmação depende da verificação dos seguintes requisitos (art. 1096º):

• Trânsito em julgado da sentença, segundo a lei do país em que foi proferida.

• A sentença estrangeira não pode versar sobre matéria da exclusiva competência

internacional dos tribunais portugueses, nos termos do art. 65º-A

• A sentença estrangeira não pode provir de tribunal estrangeiro cuja competência

tenha sido provocada em fraude à lei.

• Não invocação da excepção de litispendência ou de caso julgado.

• Respeito pelo direito de defesa e observância dos princípios do contraditório e da

igualdade das partes.

• A decisão não pode contrariar a ordem pública internacional portuguesa.

Não se verificando um destes requisitos cumulativos, proíbe-se a concessão de exequatur (ie,

a concessão de título executivo).

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Como supra foi indiciado, a aplicação das regras de revisão e confirmação de sentenças

estrangeiras (arts. 1094º ss) está limitada pela vigência do BRUX-I e da Convenção de Lugano, nos

quais encontra consagração o princípio do reconhecimento automático das sentenças proferidas

noutro Estado-membro/contratante, sem necessidade de exequatur (concessão de executoriedade à

decisão segundo os pressupostos formais). Com efeito, as decisões proferidas num Estado-

membro/contratante são reconhecidas em qualquer Estado onde sejam invocadas, mesmo que a

título incidental (para resolver uma questão prévia de que dependa a decisão ou para a dedução da

excepção de caso julgado). Diferentemente, se a decisão estrangeira for invocada a título principal e

houver impugnação (ie, não for aceite), o reconhecimento pode ser pedido em acção de simples

apreciação dirigida ao tribunal de comarca do domicílio da parte contra a qual a pretenda fazer valer

ou ao do lugar da execução – arts. 33º e 39º BRUX-I.

Ao credor cabe escolher qual dos regimes prefere (uma vez que o primeiro não foi revogado

pelo segundo):

• Regulamento nº 44/2001: BRUX-I

o A matéria que regula é mais ampla.

• Regulamento nº 805/2004: Título Executivo Europeu

o Respeita apenas aos créditos não contestados.

o É mais célere.

o É mais oneroso.

Em qualquer dos casos o processo de revisão e de confirmação de sentenças estrangeiras foi

simplificado: ao contrário do regime constante do Código de Processo Civil, estes Regulamentos não

prevêem revisão de mérito da sentença.

O termo “sentença condenatória” (art. 46º, nº 1 a)) abrange:

• Acórdãos (art. 156º, nº 3)

• Sentenças estrangeiras (revistas e confirmadas)

• Despachos e outras decisões ou actos de autoridade judicial que condenem no

cumprimento de uma obrigação, em termos equiparáveis (art. 48º, nº 1):

o Exemplo: despacho que impõe uma multa às partes ou às testemunhas.

• Decisões dos tribunais arbitrais (art. 48º, nº 2), inclusive as decisões de tribunais

arbitrais proferidas no estrangeiro, depois de revisão e confirmação nos termos

gerais.

• Sentenças homologatórias:

o Exemplo: sentença homologatória de transacção ou confissão do pedido (art.

300º, nº 3) – o juiz limita-se a verificar a sua validade enquanto negócio

jurídico.

o LEBRE DE FREITAS não concorda com a sua qualificação enquanto títulos

executivos impróprios ou parajudiciais, uma vez que constituem sentenças

de condenação como as restantes.

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§2.2: DOCUMENTO EXARADO OU AUTENTICADO POR NOTÁRIO

Os documentos exarados ou autenticados por notário (art. 46º, nº 1 b)) são títulos executivos

extrajudiciais ou negociais, uma vez que não se produzem em juízo e emergem de um negócio

jurídico celebrado extrajudicialmente. Constituem exemplos (art. 50º):

• Documentos autênticos, exarados por notário:

o Testamento público

o Escritura pública

• Documentos autenticados, levados ao notário para que ateste a conformidade da

vontade dos seus autores com o respectivo conteúdo:

o Testamento cerrado (art. 2206º, nº 4 CC) – escrito e assinado pelo testador ou

por pessoa a seu rogo (art. 2208º CC).

Nota: o testamento não constitui título executivo quando dele apenas se transmitem bens do

testador; já o será se o testador nele confessar uma dívida ou constituir uma dívida que é imposta ao

sucessor, casos em que a herança carece de aceitação pelo sucessor. De qualquer forma, o

reconhecimento da dívida não tem, em princípio, efeitos sucessórios, mas é válido se o testamento

for inválido (a invalidade do testamento não afecta a confissão ou o reconhecimento inerente).

Os documentos autênticos e autenticados constituem título executivo quando:

• Formalizam o acto de constituição de uma obrigação.

• Deles consta o reconhecimento, pelo devedor, de uma obrigação preexistente

(confissão do acto e reconhecimento de dívida, cfr. arts. 352º, 358º nº 2, 364º e 458º

CC).

A prova da obrigação pode ser feita através do documento original ou de uma certidão ou

cópia autenticada (arts. 383º ss CC).

O art. 50º oferece dúvidas interpretativas que devem ser analisadas em particular:

• Na sua anterior redacção, o art. 50º, nº 2 dispunha: “as escrituras públicas nas quais

se convencionem prestações futuras podem servir de base à execução [de título

executivo, enfim], desde que se prove, por documento passado em conformidade com

as cláusulas da escritura, ou revestido de força executiva, que alguma prestação foi

realizada em cumprimento do negócio” – dir-se-ia abranger os contratos de abertura

de crédito, fornecimento, empreitada e outros contratos de execução continuada. A

entidade financiadora (vg banco), o fornecedor, o empreiteiro ou outro credor que,

segundo o título executivo, tivesse que efectuar prestações futuras (posteriores à

emissão do título executivo), deveria provar tê-las efectuado por um documento

complementar (uma vez que as prestações futuras não constavam do título

executivo).

• Esta redacção colidia com o disposto no art. 804º, nº 2, o qual admitia já, para os

contratos de execução instantânea ou continuada, meios de prova mais alargados, no

âmbito da prova complementar do título executivo (a expressão é de LEBRE DE

FREITAS).

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• Contrapondo as duas normas, o regime da primeira é mais apertado do que o da

segunda, pelo que a compatibilização entre os dois preceitos passou pela restrição da

expressão “prestação futura” (art. 50º, nº 2, versão anterior), fazendo-a coincidir

com prestação constitutiva de um direito real (quoad constitutionem). Só neste caso

seria exigida a prova complementar do título executivo. Feita esta interpretação, de

entre o contrato de abertura de crédito, fornecimento e empreitada, apenas o

primeiro caberia seguramente na previsão da norma, exigindo-se a prova documental

do empréstimo mesmo quando esta fosse dispensada (art. 396º CCom). Para os outros

contratos, caberia aplicação do art. 804º.

A nova redacção do art. 50º não clarificou esta questão na totalidade:

“Os documentos exarados ou autenticados por notário em que:

• 1. Se convencionem prestações futuras; ou que

• 2. Se preveja a constituição de obrigações futuras,

podem servir de base à execução [de título executivo, enfim], desde que se prove, por documento

passado em conformidade com as cláusulas dele constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de

força executiva própria, que:

• 1. Alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio; ou que

• 2. Alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.

Na primeira das situações aqui previstas (1. Prestações futuras), substituiu-se a expressão

“em cumprimento do negócio” pela expressão “para conclusão do negócio”, pelo que aqui subjaz a

ideia de exigência de prova complementar da realização da prestação constitutiva de um contrato

real prometido por documento autêntico ou autenticado. Aqui se abrangemos contratos de abertura

de crédito, de mútuo, fornecimento, comodato, depósito ou locação.

A segunda situação agora prevista (2. Constituição de obrigações futuras) abrange os casos em

que as partes não se tenham vinculado à celebração de um negócio jurídico, mas tenham previsto

apenas, em documento autêntico ou autenticado, a possibilidade dessa celebração, maxime se

constituíram logo garantia (vg hipoteca).

§2.3: DOCUMENTO PARTICULAR ASSINADO PELO DEVEDOR

Os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem a constituição ou o

reconhecimento de obrigações pecuniárias (art. 46º, nº 1 c)), são títulos executivos extrajudiciais ou

negociais, uma vez que também eles não se produzem em juízo e emergem de um negócio jurídico

celebrado extrajudicialmente.

A exequibilidade dos documentos particulares foi progressivamente generalizada com a

evolução do processo executivo: dispensou-se o reconhecimento notarial da assinatura do devedor nas

letras, cheques e livranças, de qualquer montante, e estendeu-se a exequibilidade dos documentos

dos quais conste a obrigação de entrega de coisa imóvel (com efeito, essa obrigação pode

validamente constar de documento particular, maxime quando respeite a direito pessoal de gozo).

Para que constituam títulos executivos, impõe-se:

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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• Um requisito de fundo: deles deve constar a obrigação de pagamento de quantia

determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, de entrega de coisa ou

de prestação de facto (art. 46º, nº 1 c)).

o Uma vez mais, a formalização da constituição da obrigação ou o

reconhecimento de dívida são provados nos termos dos arts. 386º e 387º CC.

• Um requisito de forma: quando se trate de documento assinado a rogo, a assinatura

do rogado deve ser presencialmente reconhecida por notário (art. 51º). Documento

assinado a rogo é aquele que é assinado por outrem que não o seu autor, se este não

souber ou não puder assinar (art. 373º, nº 1 CC).

o Apesar de o reconhecimento, pelo notário, da assinatura do devedor não

constituir hoje requisito de exequibilidade do documento particular, este

desempenha um papel fundamental quando o documento haja sido assinado a

rogo.

o Nestes termos, o termo de reconhecimento presencial da assinatura do

rogado deve conter (art. 373º CC):

� A menção de que o rogante declarou não saber ou não poder assinar o

documento.

� A menção de que o documento lhe foi lido.

� A menção de que o rogo lhe foi dado ou confirmado perante o

notário.

Os cheques, as letras e livranças merecem apreciação individualizada:

Os cheques, as letras e as livranças constituem títulos executivos segundo a acepção aqui em

apreço: são documentos particulares assinados pelo devedor, que importam a constituição de uma

obrigação ou o reconhecimento de uma dívida (cfr. art. 46º, nº 1 c)). Estes títulos de crédito não são,

em processo executivo, substituíveis por uma cópia, ainda que dotada da força probatória do original

(arts. 383º ss CC), uma vez que neles está incorporada a obrigação cambiária.

Diferenciaremos, pois, cada um destes títulos de crédito:

• Cheque: ordem de pagamento, dirigida a um banqueiro, em cujo estabelecimento

deve existir um fundo depositado. Caso contrário, o cheque diz-se sem provisão, e

cabe recurso à acção cambiária, nos termos dos arts. 29º e 40º LUCh.

o Sacado: quem deve pagar – a instituição bancária.

o Sacador: quem passa o cheque, o qual pode ser endossado a terceiro.

o Portador: à ordem de quem o cheque é passado.

• Letra: promessa de que o aceitante pagará a quantia subjacente.

• Livrança: promessa de pagamento.

Num caso em que uma obrigação seja cumprida através da emissão de um cheque, letra ou

livrança, cumpre distinguir:

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• A obrigação subjacente (vg a conta de supermercado que foi liquidada pelo cheque,

letra ou livrança).

• A obrigação cartular constante do cheque, letra ou livrança (relação cambiária).

Neste âmbito vigora o princípio da abstracção: a validade da relação cambiária não depende

da validade da relação subjacente.

Questiona-se se, uma vez prescrita a obrigação cartular constante de um cheque (prazo de

prescrição: 6 meses, art. 52º LUCh), letra ou livrança (cfr. prazos de prescrição na respectiva Lei

Uniforme, depois de devidamente invocada ao abrigo do art. 303º CC, em sede de oposição à

execução - art. 814º g)), o título de crédito poderá continuar a valer como título executivo, desta vez

enquanto escrito particular que consubstancia a obrigação subjacente (a conta do supermercado, vg).

Distinguiremos dois cenários:

• O título de crédito prescrito menciona a causa da relação jurídica subjacente:

o Neste caso, não se justifica qualquer distinção entre o título prescrito e outro

documento particular, uma vez que ambos consubstanciam a obrigação

subjacente.

• Do título de crédito prescrito não consta a causa da obrigação: pode o cheque, a letra

ou a livrança funcionar como quirógrafo (ie, documento)?

o Neste caso, LEBRE DE FREITAS distingue:

� Se a obrigação subjacente emerge de um negócio jurídico formal, e

uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial

deste, o documento não constitui título executivo (arts. 221º, nº 1 e

223º, nº 3 CC).

� Se a obrigação subjacente não emerge de um negócio jurídico formal

(a causa da obrigação não tem que constar do documento), e uma vez

que o título executivo é autónomo face à obrigação exequenda, o

documento pode ser admitido como título executivo, maxime como

reconhecimento de dívida (art. 458º, nº 1 CC). Em qualquer caso, a

causa da obrigação deve ser invocada no requerimento executivo, e

pode ser impugnada pelo executado, nos termos gerais (art. 816º) – a

conversão do cheque, letra ou livrança em promessa de cumprimento

ou reconhecimento de dívida constitui uma presunção legal que

inverte o ónus da prova mas não dispensa o ónus de alegação da

causa da obrigação, no requerimento executivo (arts. 344º, nº 1 CC e

810º, nº 3 b)).

• A isto se opõe ABRANTES GERALDES, para quem a inversão

do ónus da prova (art. 458º CC) implica necessariamente a

inversão do ónus de alegação.

Negando a exequibilidade do cheque, em qualquer caso, pronunciou-se certa jurisprudência

minoritária, para tal argumentando que este, mera ordem de pagamento, não constitui nem

reconhece qualquer obrigação. Este argumento não procede: o seu preenchimento à ordem ou a

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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entrega ao portador tem implícita a constituição ou o reconhecimento de uma dívida, a satisfazer

através da cobrança de um direito de crédito, contra a instituição bancária (LEBRE DE FREITAS).

Nota: os documentos exarados em país estrangeiro, sejam eles autênticos ou particulares,

não carecem de revisão para serem exequíveis em Portugal, mas devem ser objecto de legalização

(art. 49º, nº 2). A legalização consiste no reconhecimento da assinatura do oficial público que os

emitiu ou autenticou pelo agente diplomático ou consular português no Estado respectivo, nos

termos do art. 540º.

§2.4: TÍTULO EXECUTIVO POR FORÇA DE DISPOSIÇÃO ESPECIAL

Os títulos executivos por força de disposição especial (art. 46º, nº 1 d)) podem ser:

• Títulos judiciais impróprios:

o As contas apresentadas pelo réu no âmbito de um processo de prestação de

contas.

o O requerimento da injunção do devedor no âmbito de um processo de

injunção.

• Títulos administrativos:

o Títulos de cobrança de tributos

o Coimas

o Dívidas determinadas por acto administrativo

• Títulos particulares:

o Acta de reunião da assembleia de condóminos, assinada pelo condómino

devedor.

o Extracto de conta passado por uma sociedade com sede em Portugal.

§3: NATUREZA E FUNÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO

O título executivo é, nos casos das alíneas b), c) e d) do art. 46º, nº 1, um documento que

constitui prova legal para fins executivos.

Todavia, no caso da sentença condenatória (art. 46º, nº 1 a)), o aspecto dinâmico da injunção

ao réu para que realize uma prestação devida sobrepõe-se à sentença enquanto documento. A

sentença condenatória, enquanto paradigma do título executivo, constitui mais um acto jurídico do

que propriamente um documento.

Para LEBRE DE FREITAS, o título executivo é um documento e, no caso da sentença

condenatória, constituem título executivo as próprias folhas do processo em que é exarada.

Tradicionalmente concebeu-se o título executivo como condição necessária e suficiente da

acção executiva: condição necessária, porque não há execução sem título, e condição suficiente,

porque se dispensa qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que

se refere. LEBRE DE FREITAS defende que o carácter necessário do título executivo não oferece

dúvidas, embora apresente algumas reservas face à sua pretensa suficiência. Com efeito, a

desconformidade manifesta entre o título e o direito que se pretende fazer valer, seja no campo da

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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validade formal ou substancial, impede a realização dos actos executivos. O mesmo se diga se factos

modificativos ou extintivos posteriores à constituição do título impenderem sobre a obrigação

exequenda.

Nestes termos, toda a desconformidade entre o título e a realidade substantiva pode e deve

ser conhecida pelo juiz, desde que a sua causa seja de conhecimento oficioso e resulte do próprio

título, do requerimento inicial, da acção de oposição à execução ou de facto notório ou conhecido

pelo juiz. Esta indagação oficiosa pelo juiz deve ser ponderada, uma vez que a existência da

obrigação exequenda, conforme consta do título, se presume.

Por outro lado, o título executivo é por vezes configurado como causa de pedir na acção

executiva, e não o facto jurídico de que resulta a pretensão do exequente (art. 498º, nº 4). Uma vez

mais, esta concepção não procede face à afirmação supra (o título executivo é um documento - é

pressuposto extrínseco da acção executiva! - e não um acto ou facto jurídico, art. 810º nº 4) e face à

impossibilidade de deduzir a excepção de litispendência (diversas causas de pedir) quando um mesmo

crédito fosse representado por dois títulos executivos (vg escritura pública e sentença condenatória).

§4: CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE APRESENTAÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO

O título executivo constitui um pressuposto formal da acção executiva, pelo que deve

acompanhar o requerimento inicial de execução (art. 810º, nº 4). Dois cenários podem ser concebidos

neste âmbito:

• Caso em que o requerimento executivo esteja desacompanhado do título que lhe

serve de base.

• Caso em que o requerimento executivo esteja acompanhado de um outro título, em

nada relacionado com a execução instaurada.

Ao abrigo da anterior redacção do Código, ALBERTO DOS REIS defendeu que o juiz deveria

proferir despacho de indeferimento liminar.

Todavia, por imposição do princípio da economia processual, deve preferir-se a solução que

sustenta o despacho de aperfeiçoamento, conforme proposta por CASTRO MENDES e que hoje

encontra consagração nos arts. 812º, nº 4 e 812º-A, nº 3 b)). Cumpre apreciar:

• Falta ou insuficiência manifesta do título:

o Recusa do requerimento executivo pela secretaria (art. 811º, nº 1 b)); ou

o Indeferimento pelo juiz (art. 812º, nº 2 a))

• Falta ou insuficiência do título, não manifesta:

o O juiz deve convidar o exequente a suprir a irregularidade (art. 812º, nº 4):

� Seja mediante apresentação do título em falta

� Seja mediante correcção do requerimento inicial, por menção de

título errado

• Nos casos de dispensa do despacho liminar (arts. 812º, nº 7 e 812º-A), cabe ao

funcionário judicial suscitar a intervenção do juiz para este efeito (art. 812º-A, nº 3

b)).

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O aperfeiçoamento do requerimento executivo também terá lugar nos casos em que,

formulando-se vários pedidos, nem todos constarem do título. Caso esse aperfeiçoamento não seja

feito, o juiz deve indeferir o requerimento inicial quanto aos pedidos a descoberto, segundo CASTRO

MENDES.

Diferentemente se, constando do título uma obrigação de pagamento de 2.500€, vg, o

exequente pedir um montante mais elevado do que esse, o requerimento executivo deve ser

parcialmente indeferido (e não totalmente indeferido, por força do princípio da economia

processual): esta foi a solução defendida por LEBRE DE FREITAS, já antes da actual redacção do art.

812º, nº 3.

Em qualquer caso, devendo o requerimento inicial ter sido recusado, indeferido ou mandado

aperfeiçoar, e não o tendo sido feito, o executado pode deduzir oposição à execução, nos termos do

art. 814º a), no prazo de 20 dias (art. 813º, nº 1).

§5: FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL

O art. 449º, nº 2 c) prevê uma situação de falta de interesse processual, em termos

implícitos: sempre que o título de que o autor disponha tenha manifesta força executiva, sem

necessidade do processo declarativo, este pagará as respectivas custas e o réu não dará causa à acção

executiva. Com uma reserva: tratando-se de obrigação plural, e se o credor tiver título executivo

contra um devedor, mas não contra o outro (vg dívidas dos cônjuges), há justificação para o credor

instaurar acção declarativa contra ambos, sem que, com isso, incorra em custas.

É com base nesta norma que TEIXEIRA DE SOUSA, contra CASTRO MENDES e PAULA COSTA E

SILVA, sustenta qualificação do interesse processual enquanto pressuposto processual, uma vez que

falta, ao autor do caso previsto no art. 449º, nº 2 c), interesse em agir (interesse sério no recurso à

heterotutela dos tribunais, enfim). Esse autor seria parte legítima ao abrigo do art. 26º, nº 1 (teria

interesse na tutela favorável), mas faltar-lhe-ia o interesse consagrado no art. 26º, nº 2 (o interesse

útil em agir).

LUÍS BONIFÁCIO RAMOS discorda deste entendimento, partindo da base legal em causa (art.

449º. nº 2 c)): o legislador não recusa a interposição da acção, por falta de um pressuposto

processual, mas apenas condena o autor nas custas. O interesse em agir encontra-se, pois, na

disponibilidade das partes.

4. CERTEZA, EXIGIBILIDADE E LIQUIDEZ DA OBRIGAÇÃO

§1: CONCEITO

A existência da obrigação exequenda não é pressuposto da execução, uma vez que esta se

presume pelo título executivo e dela não há necessidade de fazer prova. Ainda assim, o juiz pode,

dentro dos limites supra, julgar oficiosamente da validade formal e substancial da obrigação

exequenda.

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O incumprimento da obrigação exequenda pode não resultar do título quando a prestação é

incerta, inexigível ou ilíquida. Cumpre, pois, torná-la certa, exigível ou líquida, sendo que só assim

poderá a execução prosseguir (art. 802º).

Apreciaremos cada uma das características da obrigação exequenda separadamente.

§2: CERTEZA

É certa a obrigação cuja prestação se encontra qualitativamente determinada, ie,

determinada mediante escolha de entre a pluralidade de prestações a realizar (art. 400º CC).

• Exemplo:

o Obrigação alternativa: o devedor obriga-se a efectuar uma de duas ou mais

prestações, segundo escolha da prestação a efectuar (art. 543º CC). A escolha

pode incumbir ao credor, ao devedor ou a terceiro:

� Escolha pelo credor: deve fazê-la no requerimento inicial (art. 810º,

nº 3 c), in fine), tornando-se certa a obrigação.

� Escolha pelo devedor: este é notificado para, no prazo de 10 dias,

declarar por qual das prestações opta (art. 803º, nº 1 e 2). A

notificação dá-se já dentro da execução, mas não constitui uma

citação, uma vez que é anterior ao próprio requerimento executivo.

� Escolha por terceiro: se este não a tiver efectuado, há lugar à sua

notificação, na fase liminar do processo executivo (art. 803º, nº 3).

Em último lugar, a escolha será feita pelo tribunal (art. 400º, nº 2

CC).

§3: EXIGIBILIDADE

A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida de acordo com estipulação

expressa (obrigações a prazo: obrigações com prazo certo) ou com simples interpelação ao devedor

(art. 777º, nº 1 CC), no caso das obrigações puras (sem prazo certo estipulado). Por interpelação

entende-se a intimação dirigida pelo credor ao devedor para que este lhe pague (art. 805º, nº 1 CC).

• A prestação não é exigível quando:

o Se tratar de obrigação de prazo certo e este ainda não tiver decorrido (art.

779º CC) – até ao dia do vencimento do prazo, a prestação é inexigível.

Volvido o prazo, fica o devedor imediatamente constituído em mora (art.

805º, nº 2 a) CC).

o O prazo for incerto, a fixar pelo tribunal (art. 777º, nº 2 CC).

o A constituição da obrigação for sujeita a condição suspensiva, ainda não

verificada (arts. 270º CC e 804º, nº 1), uma vez que até à verificação da

condição todos os efeitos ficam suspensos. Naturalmente, a questão não se

coloca no caso de condição resolutiva, uma vez que a obrigação produz todos

os seus efeitos e ao executado caberá, em sede de oposição à execução,

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provar que a condição se verificou posteriormente, com consequente

extinção ex tunc da obrigação (art. 814º g)).

o Se tratar de obrigação sinalagmática, e o credor ainda não tiver satisfeito a

contraprestação (art. 428º CC), caso em que a lei equipara essa falta de

realização da prestação às situações de pura inexigibilidade (art. 804º, nº 1).

Não se trata, proprio sensu, de um caso de inexigibilidade, ainda que lhe seja

dado tratamento semelhante.

O conceito de exigibilidade não se confunde com:

• Vencimento: uma obrigação pura (sem prazo) cujo devedor não tenha sido ainda

interpelado considera-se não vencida, ainda que a prestação seja já exigível (art.

777º, nº 1 CC). Neste âmbito, o art. 662º, nº 2 b) é directamente aplicável aos casos

de obrigação pura em que não tenha havido interpelação ou quando esta tenha tido

lugar fora do local do cumprimento, e é aplicável por analogia aos casos de obrigação

a prazo em que o credor deva proceder à cobrança no domicílio do devedor. Não

utiliza, portanto, o termo inexigibilidade no seu sentido técnico, mas como sinónimo

de não vencimento.

• Mora do devedor: a prestação pode ser exigível e a obrigação vencida mas não existir

qualquer mora do devedor, como quando, por exemplo, há mora do credor (art. 813º

CC – por não aceitação da prestação realizada, vg).

Neste âmbito releva a questão da admissibilidade do pactum de non exequendo ad tempus,

ie, o pacto pelo qual o credor e o devedor acordam em que a obrigação, já vencida, não será sujeita

a execução durante determinado prazo, ficando sujeita ao regime das obrigações a prazo. Cumpre

reter os seguintes argumentos:

• Contra: representa uma renúncia ao direito de acção, por natureza irrenunciável. É

ilícito enquanto modalidade do pactum de non petendo (CASTRO MENDES e LEBRE

DE FREITAS).

• A favor: o direito é disponível e, como tal, há espaço para o credor se vincular a

retardar a execução da obrigação. Se for entendido como estipulação de novo prazo

de cumprimento da obrigação, o pactum deve ser considerado válido (LEBRE DE

FREITAS).

A prova da exigibilidade, quando feita mediante a apresentação de documentos (prova

documental), tem que ser apresentada ao agente de execução, nos termos dos arts. 804º nº 2, 809º nº

1 c) e 812º-A nº 2 b). Se outros meios de prova forem apresentados (vg prova testemunhal), estes têm

que o ser ante o juiz de execução (segundo TEIXEIRA DE SOUSA e RUI PINTO).

Nota: quer a certeza, quer a exigibilidade, têm de se verificar antes de serem ordenadas as

providências executivas. Como tal, quando não resultem do próprio título nem de diligências

anteriores à propositura da acção executiva, é aberta uma fase liminar do processo executivo que

visa tornar certa ou exigível a obrigação que ainda não o seja.

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Contudo, quando a certeza e a exigibilidade não resultarem do título, mas sim de diligências

anteriores à propositura da acção executiva, cumpre provar, no processo executivo, essa certeza e

essa exigibilidade. Uma vez mais, é aberta uma fase liminar anterior ao início do processo executivo,

para este efeito.

Num caso ou noutro, LEBRE DE FREITAS apelida esta actividade de prova de “prova

complementar do título”, nos termos do art. 804º, nº 1 e 2. Assim:

• Quando não haja lugar a despacho liminar (art. 812º-A, nº 1), a certeza e a

exigibilidade da obrigação exequenda são verificadas pelo agente de execução, sem

intervenção do juiz.

o Quando ao agente de execução sejam suscitadas dúvidas quanto à

verificação destes pressupostos, cabe-lhe suscitar a intervenção do juiz, e

do seu inerente poder de decisão (art. 809º, nº 1 d)).

• Pelo contrário, quando haja lugar a despacho liminar (art. 812º, nº 1), cabe ao juiz

verificar se a obrigação exequenda é certa e exigível, em face do título executivo e

da prova documental complementar.

O executado pode contestar em sede de oposição à execução, mediante invocação do

fundamento de incerteza ou inexigibilidade da obrigação exequenda (art. 814º e)). Não se inverte o

ónus da prova dos factos: ao exequente continua a incumbir esse ónus.

Faltando, em todo o caso, a certeza e a exigibilidade, cabe aperfeiçoamento do

requerimento executivo, nos termos gerais já enunciados (art. 812º, nº 4). Não sendo o

requerimento aperfeiçoado pelo requerente, há lugar ao indeferimento do requerimento executivo

(art. 812º, nº 5). Quando a lei dispense o despacho liminar (arts. 812º, nº 7 e 812º-A), cabe ao

funcionário judicial suscitar a intervenção do juiz para esse efeito, nos termos do art. 812º-A, nº 3

b).

§4: LIQUIDEZ

A obrigação é ilíquida quando tem por objecto uma prestação cujo quantitativo não está

ainda apurado. Exemplos: do acidente de viação resulta, para a vítima, a perda de vencimentos

durante um período de doença a determinar; uma sentença condena o réu a pagar determinada

quantia, acrescida de juros legais.

• Não se confunda com obrigação genérica (arts. 539º ss CC): esta pode ter objecto

quantitativamente determinado (vg entrega de 200 kg de maçãs golden). Neste caso,

a concretização do objecto depende do acto de individualização das maçãs a colher,

para perfazer os ditos 200 kg – será, pois, uma obrigação líquida. Se a espécie de

maçãs a colher não for determinada, a obrigação é incerta e tem aplicação o regime

supra §2 (obrigações alternativas).

No âmbito de uma acção executiva pode ser feito um pedido genérico, ie, um pedido cujo

objecto consiste numa prestação indeterminada e ilíquida, concretizável em prestação determinada

mediante o incidente de liquidação (arts. 378º ss). O pedido genérico admite-se nos seguintes casos

(art. 471º, nº 1):

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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• Universalidade de facto (vg biblioteca) ou de direito (vg herança indivisa).

• Indeterminação das consequências do facto ilícito (vg acidente de viação).

• Fixação do quantitativo dependente de prestação de contas.

O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação

genérica (ie, depois da sentença no âmbito de acção declarativa), renovando-se a instância

declarativa (art. 378º, nº 2) – na fase liminar do processo executivo, portanto. Sentença de

condenação genérica é aquela que é proferida pelo tribunal quando não haja elementos para fixar o

objecto ou a quantidade: o tribunal condena a parte ilíquida em termos genéricos, no que vier a ser

liquidado posteriormente em incidente de liquidação, sem prejuízo de condenação imediata na parte

que já seja líquida (art. 661º, nº 2).

Com efeito, a reforma da acção executiva introduziu a novidade de o incidente de liquidação

da obrigação ter hoje sempre lugar na acção declarativa, renovando-se a instância. Com uma

ressalva: excepto nos casos em que a liquidação dependa de simples cálculo aritmético.

Cumpre apreciar:

• Liquidação dependente de simples cálculo aritmético (para TEIXEIRA DE SOUSA,

liquidação liminar):

o Obrigação pecuniária ilíquida: o exequente deve especificar os valores que

considera compreendidos na prestação devida (art. 805º, nº 1). Exemplos:

obrigação de pagamento de um preço a determinar de acordo com

determinada cotação (vg moeda estrangeira).

� Tratando-se de obrigação de pagamento de juros (cabe aplicação

do art. 559º, nº 1 CC, supletivamente):

• Juros que se venceram até ao requerimento inicial (juros

vencidos): a liquidação é feita pelo exequente, nos

termos do nº 1, no requerimento inicial.

• Juros que se continuem a vencer-se na pendência do

processo executivo (juros vincendos): a liquidação é feita

pela secretaria, nos termos do nº 2. Deve, pois, ser

deduzido um pedido ilíquido.

o Obrigação de entrega de uma universalidade: a liquidação deve ser feita

mediante incidente de liquidação, na acção executiva (art. 805º, nº 6).

• Liquidação não dependente de simples cálculo aritmético (para TEIXEIRA DE

SOUSA, liquidação deferida):

o O exequente especificará, no próprio requerimento executivo, os valores

que considera compreendidos na prestação devida e concluirá por um

pedido líquido (art. 805º, nº 1).

o O executado é logo citado para pagar ou contestar a liquidação (com a

reforma de 2003), em oposição à execução (art. 805º, nº 4 e 812º, nº 7 b))

– constitui um caso em que a citação prévia tem sempre lugar, sem

dependência de despacho liminar. Advirta-se que, na falta de

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contestação, e não se verificando nenhum dos casos previstos no art. 485º

(excepções ao efeito cominatório da revelia), a obrigação considera-se

liquidada nos termos constantes do requerimento executivo (efeito

cominatório pleno).

o Exemplos: acidente de viação com prejuízos controvertidos; juros

moratórios convencionais.

A liquidação por árbitros (art. 805º, nº 5) tem lugar quando uma lei especial o determine ou

quando as partes o hajam estipulado e realiza-se nos termos do art. 380º-A, quando não dependa de

simples cálculo aritmético.

Nota 1: como aferir se a liquidação depende ou não de simples cálculo aritmético?

Três critérios orientadores devem ser considerados neste âmbito:

• É necessário apurar factos que não constam do título executivo? Esses factos são de

conhecimento notório? - cfr. art. 514º.

o Factos de conhecimento notório: factos que não carecem de prova nem de

alegação. São factos do conhecimento geral e são de conhecimento oficioso.

� Exemplos: taxa Euribor (taxa de juros interbancária - empréstimos

entre bancos), decurso do tempo, etc.

� Factos como o spread (no âmbito dos empréstimos aos bancos)

constam geralmente do título executivo.

• Os valores e montantes resultam logo do próprio título executivo?

• O apuramento dos valores em falta é indispensável à quantificação da obrigação

exequenda?

Nota 2:o incidente de liquidação culminará com a decisão de mérito favorável

eventualmente proferida, decisão essa que quantifica ou especifica o objecto da obrigação e que

complementa o título executivo mediante o acertamento de um aspecto do seu objecto. Nestes

termos, a sentença de liquidação da obrigação exequenda faz caso julgado e obsta a que, em nova

execução fundada no mesmo título, se volte a discutir da liquidez da mesma obrigação.

Se não for requerida a liquidação da obrigação ilíquida, deve o juiz, nos termos supra,

proferir despacho de aperfeiçoamento e, no caso de o requerimento executivo não vir a ser

aperfeiçoado, indeferi-lo. Se não o fizer, pode haver oposição à execução (art. 814º e)).

5. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

§1: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

Se a situação jurídica em apreço for plurilocalizada, ie, se incidir sobre mais do que uma

ordem jurídica, cumpre considerar as regras de competência internacional.

Tradicionalmente sustentava-se a aplicação directa das normas do art. 65º à acção executiva.

Contra, defendeu-se a inaplicabilidade dessas normas:

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• Considerando que os tribunais portugueses apenas teriam competência internacional

para a acção executiva quando a execução devesse correr sobre bens sitos em

Portugal, nos termos do art. 94º, nº 3 (ANSELMO DE CASTRO) – se o executado não

tivesse bens em Portugal, qual o objectivo de se propor uma acção executiva nos

tribunais portugueses?; ou

• Considerando que os tribunais portugueses só teriam competência para se ocuparem

das execuções para as quais resultassem já competentes por aplicação das normas de

competência territorial (TEIXEIRA DE SOUSA, na esteira de ALBERTO DOS REIS, para

quem os critérios dos arts. 65º ss também se aplicariam à acção executiva).

LEBRE DE FREITAS refuta a primeira tese, por falta de base legal.

Influenciada pela primeira tese (ANSELMO DE CASTRO), a reforma da acção executiva

introduziu a alínea e) ao art. 65º-A, nos termos da qual, “sem prejuízo do que se ache estabelecido

em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, os tribunais portugueses têm

competência exclusiva para (…) e) as execuções sobre bens existentes em território português”.

LEBRE DE FREITAS entende que esta alínea não afasta, ainda assim, as normas de competência não

exclusiva do art. 65º. Assim, sempre que se pretenda penhorar coisa (móvel ou imóvel) sita em

território português (à data da propositura da execução), a execução deve ser proposta em tribunal

nacional, sem que outro possa ser reconhecido como competente (ver também, a este respeito, o

disposto no art. 94º, nº 4).

A previsão desta norma oferece, contudo, limitações a esta competência exclusiva, já que o

BRUX-I e LUGANO se sobrepõem às normas internas sobre competência internacional dos tribunais

portugueses. Cumpre distinguir:

• Execução de decisão proferida noutro Estado-membro/contratante: são

exclusivamente competentes os tribunais do Estado do lugar da execução (em cujo

território se situem os bens a apreender, enfim), qualquer que seja o domicílio (art.

22º, nº 5 BRUX-I).

• Execução de um título extrajudicial: aplicam-se as normas de competência gerais e

especiais do BRUX-I e LUGANO.

§2: COMPETÊNCIA INTERNA

Para aferir qual o tribunal internamente competente para a causa, cumpre atender às regras

de competência em razão da matéria, hierarquia, valor e território.

§2.1: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

A competência em razão da matéria determina-se com recurso a um duplo critério:

• Critério de atribuição positiva:

o Cabem na competência dos tribunais todas as acções executivas baseadas na

não realização de uma prestação segundo as normas de direito privado.

• Critério de competência residual:

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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o Os tribunais judiciais são também competentes para as acções executivas que

não caibam no âmbito da competência atribuída aos tribunais de outra

ordem jurisdicional (arts. 18º, nº 1 LOFTJ e 66º).

� Tribunais de competência genérica (art. 77º, nº 1 a) LOFTJ).

� Juízo de competência especializada cível (art. 94º LOFTJ).

§2.2: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA

Apenas os tribunais da 1ª instância têm competência executiva (art. 90º). No âmbito da acção

executiva, os tribunais superiores podem funcionar como 1ª instância nos casos (especiais) de

indemnização contra magistrados ou de revisão de sentenças estrangeiras, pelo que a execução

dessas sentenças também é da competência dos tribunais da 1ª instância (art. 91º).

§2.3: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR

Têm competência específica em razão do valor os juízos de execução (arts. 96º, nº 1 g) e

102º-A LOFTJ). Nas comarcas em que não os haja, a execução de decisão proferida por um tribunal de

competência específica tem lugar no tribunal em que tenha corrido a acção declarativa (art. 103º

LOFTJ).

§2.4: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO

A competência para a acção executiva em razão do território encontra-se estabelecida nos

arts. 90º a 95º. No caso de cumulação de pedidos, cumpre atender ao disposto nos arts. 53º e 58º, nº

3. Estabeleceremos a seguinte distinção:

• Execução baseada em decisão condenatória:

o De um tribunal judicial:

� Acção proposta num tribunal de 1ª instância:

• É competente para a execução o tribunal do lugar onde a

causa foi julgada em 1ª instância (art. 90º, nº 1).

� Acção proposta num tribunal de 2ª instância, directamente,

funcionando como tribunal de 1ª instância (vg indemnizações contra

magistrados ou revisão de sentenças estrangeiras)

• É competente para a execução o tribunal de 1ª instância do

domicílio do executado (art. 91º). Se este não tiver domicílio

em Portugal mas aqui tiver bens, é competente o tribunal de

1ª instância da situação desses bens (art. 94º, nº 3).

• Quanto à execução de sentenças estrangeiras (art. 95º), esta

funda-se na sentença de confirmação e não na sentença

confirmada, pelo que é competente o tribunal da comarca do

domicílio do executado (nos termos do art. 91º) e, na falta

dele, o tribunal da situação dos bens penhoráveis.

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

22

o De um tribunal arbitral: é competente o tribunal do lugar do funcionamento

da arbitragem (art. 90º, nº 2).

• Execução baseada noutro título:

o Execução para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real: é

competente o tribunal do lugar em que a coisa se encontre ou situe (art. 94º,

nº 2).

o Execução por dívida pecuniária ou de prestação de facto, sem garantia real:

é competente o tribunal do lugar onde a obrigação devia ser cumprida (art.

94º, nº 1).

§3: CONSEQUÊNCIAS DA INCOMPETÊNCIA

Em processo declarativo, temos:

• Infracção das normas de competência internacional e em razão da matéria e da

hierarquia: incompetência absoluta (art. 101º).

• Infracção das normas de competência em razão do valor e do território:

incompetência relativa (arts. 100º, nº 1 e 108º).

Antes da reforma executiva, a doutrina aplicava estes artigos à acção executiva.

ANSELMO DE CASTRO sustentou, neste âmbito, a imperatividade das normas de competência

em razão do território na acção executiva (que não poderiam ser afastadas por um pacto de

competência), pelo que seriam susceptíveis de gerar incompetência absoluta do tribunal. Subjacente

está o entendimento que, na acção executiva, não está em causa o interesse particular das partes,

mas sim o interesse público.

Com a revisão do Código, acentuou-se a subordinação do regime da incompetência na acção

executiva ao regime geral da incompetência na acção declarativa, maxime através do enquadramento

dessas disposições na parte geral do Código. Nestes termos, as disposições relativas à competência

dos tribunais aplicam-se directamente à acção executiva.

Assim, as partes podem celebrar, nos termos gerais do art. 99º, pactos de jurisdição, bem

como pactos de competência dentro do âmbito prescrito no art. 110º, nº 1 a) (ex vi art. 100º, nº 1, in

fine).

Nota: o critério de atribuição da competência, constante do art. 102º-A LOFTJ, é em razão

da matéria, e não do valor ou da forma. Por isso, a incompetência daqui resultante é absoluta, e não

relativa, com consequente absolvição do réu da instância.

6. LEGITIMIDADE DAS PARTES

§1: REGIME-REGRA

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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Na acção executiva, não há que averiguar a titularidade real da situação jurídica material

invocada pelo autor: têm legitimidade como exequente e executado, respectivamente, quem, no

título executivo, figura como credor e como devedor (art. 55º, nº 1).

§2: ADAPTAÇÕES AO REGIME-REGRA

Este regime-regra carece, contudo, de adaptações:

• Sucessão mortis causa e inter vivos (vg cessão de créditos, sub-rogação, etc):

o A execução deve ser promovida por ou contra os sucessores da pessoa que,

como credor ou devedor, figura no título executivo. O exequente deverá,

para tal, alegar os factos constitutivos da sucessão no próprio requerimento

executivo (art. 56º, nº 1).

o Cumpre distinguir:

� Se o título executivo for extrajudicial: a sucessão ocorre entre o

momento da sua formação e o da propositura da acção executiva.

� Se o título executivo for judicial (sentença): a sucessão pode ter

ocorrido na pendência da acção declarativa (ie, antes da interposição

da acção executiva), caso em que a sentença produz efeito de caso

julgado perante o adquirente (ou o autor teria que propor nova acção

contra o adquirente) – art. 57º e 271º, nº 3. Está em causa o princípio

da economia processual: não há necessidade de previamente propor

nova acção declarativa, que estaria, ademais, sujeita à invocação da

excepção de caso julgado. Diferentemente, se a sucessão tiver

ocorrido na pendência do processo executivo, o incidente de

habilitação é o meio processual adequado (arts. 371º ss).

• Título ao portador (vg cheques):

o Se o nome do credor não constar do título executivo, a execução é promovida

pelo portador (art. 55º, nº2). O exequente é o portador.

§3: DESVIOS E EXCEPÇÕES AO REGIME-REGRA

A regra geral supra enunciada admite desvios e excepções:

• Desvio quanto à legitimidade passiva:

o Execução por dívida provida de garantia real que incida sobre bens que sejam

da propriedade de terceiro (art. 56º, nº 2 e 3):

� Caso: a garantia real de um crédito incide sobre bens de terceiro,

seja porque já assim tenha sido constituída, ou porque o devedor,

cujo bem foi onerado, o tenha alienado depois da propositura da

acção executiva.

� Problema: não é possível a penhora de bens pertencentes a pessoa

que não tenha a posição de executado. Logo, a acção executiva tem

que ser proposta contra o proprietário do bem.

Page 25: Processo-Executivo Lara Geraldes

Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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� Fora dos casos previstos na lei, o exequente não pode, sob pena de

ilegitimidade, deixar de propor a acção executiva contra o

proprietário dos bens, quando pretenda fazer valer o direito real de

garantia. Os casos de renúncia do credor à garantia real são:

• Hipoteca ou consignação de rendimentos: expressamente

(arts. 660º e 704º ss CC).

• Penhor: expressamente (art. 677º CC).

� Neste sentido, dispõem as normas do art. 56º, nº 2 e 3:

• Quando os bens dados em garantia pertençam a terceiro, o

exequente que queira fazer valer a garantia pode optar

entre:

o Propor a acção executiva contra o terceiro e, mais

tarde, chamar o devedor à acção (se os bens forem

insuficientes), que poderá opor-se à execução.

o Propor a acção executiva, desde logo, contra o

terceiro e o devedor, em litisconsórcio voluntário.

� Nota: se o título executivo for uma sentença, a propositura da acção

executiva contra o proprietário dos bens onerados pressupõe que

contra ele também tenha sido proposta acção declarativa de

condenação.

o Execução por dívida provida de garantia real que incida sobre bens que

estejam na posse de terceiro (art. 56º, nº 4):

� O devedor é o proprietário pleno dos bens dados em garantia, mas

estes estão na posse de terceiro: o credor pode livremente escolher

entre propor a acção executiva só contra o devedor ou contra este e o

possuidor.

� A penhora dos bens é possível em qualquer um dos casos.

• Excepções:

o Alargamento a terceiros abrangidos pela eficácia do caso julgado (art. 57º):

� Quando o título executivo é uma sentença, a legitimidade passiva

para a acção executiva é alargada às pessoas que, não tendo sido por

ela condenadas, são porém abrangidas pelo caso julgado. Neste caso,

o âmbito subjectivo da eficácia executiva do título executivo coincide

com o âmbito da eficácia subjectiva do caso julgado. Para LEBRE DE

FREITAS, a extensão da eficácia subjectiva passiva do título

executivo é de carácter excepcional (contra, TEIXEIRA DE SOUSA e

REMÉDIO MARQUES). Não abrange, por isso, o caso de transmissão da

situação jurídica do réu por acto entre vivos (caso em que se aplica o

art. 56º, nº 1).

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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� Neste sentido dispõe o art. 57º: norma excepcional, não aplicável

analogicamente ao terceiro credor que beneficie do caso julgado, vg.

Aplicar-se-á, sim, aos casos de chamamento à intervenção principal

de terceiro titular de situação susceptível de gerar litisconsórcio

voluntário passivo (art. 27º, nº 2 e 325º, nº 1). A sentença que vier a

ser proferida constituirá caso julgado perante o chamado não

interveniente (art. 328º, nº 2). No caso de litisconsórcio voluntário

passivo, embora o chamado não figure no título executivo, a acção

executiva pode ser movida contra ele ao abrigo do art. 57º. Cfr.

também arts. 271º, nº 3, 1ª parte e 55º, nº 2. Segundo LOPES

CARDOSO, este artigo aplica-se somente à acção para entrega de

coisa certa.

� Já na intervenção acessória, ao interveniente, provocado ou

espontâneo, não lhe é conferida legitimidade para a acção executiva,

ainda que seja abrangido pelo caso julgado (arts. 330º e 335º) – razão:

é um mero auxiliar da parte principal, para LEBRE DE FREITAS.

Contra, LUÍS BONIFÁCIO RAMOS considera que a intervenção

acessória também pode configurar um desvio à regra da legitimidade

na acção executiva.

§4: CONSEQUÊNCIAS DA ILEGITIMIDADE DAS PARTES

A ilegitimidade constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (arts. 494º e) e

495º). Quando insanável, e se houver lugar a despacho liminar, cabe ao juiz indeferir liminarmente a

petição inicial (o requerimento executivo, aqui), ao abrigo do art. 812º, nº 2 b) e 5. Se for sanável,

cabe ao juiz proferir despacho de aperfeiçoamento (arts. 265º, nº 2 e 812º, nº 4). Se não for sanada,

o juiz deve indeferir o requerimento executivo (art. 812º, nº 5).

Se não houver despacho liminar, cabe aplicar o disposto nos arts. 812º-A, nº 3 b) e 820º.

Se o executado for citado, não obstante uma ilegitimidade insanável, pode opor-se à

execução por embargos, nos termos do art. 814º.

7. PLURALIDADE DE SUJEITOS E PLURALIDADE DE PEDIDOS

§1: LITISCONSÓRCIO

O litisconsórcio pode ser:

• Voluntário (art. 27º): o pedido pode ser formulado apenas por um autor ou apenas

contra um réu, mas foi deduzido por vários autores ou contra vários réus.

o Obrigação conjunta

o Garantia por bens de terceiro

o Pluralidade de credores

o Cfr. arts. 56º nº 2, 825º nº 2 e 3 e 828º nº 5.

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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• Necessário (art. 28º): a lei, o negócio jurídico ou a própria natureza da prestação a

efectuar impõem a intervenção de todos os interessados na relação controvertida.

o Entrega de coisa certa que pertença a mais do que uma pessoa

o Na falta de litisconsórcio, quando necessário, a parte considera-se ilegítima.

Havendo despacho liminar, o juiz deve convidar o exequente a requerer a

intervenção principal do terceiro (art. 265º, nº 2 e 812º, nº 4). Deverá

indeferir liminarmente o requerimento executivo no caso de o exequente não

suprir a ilegitimidade (art. 812º, nº 5). Não havendo despacho liminar, cabe

aplicação dos arts. 812º-A, nº 3 b) e 820º. Veja-se também o regime do

chamamento da pessoa em falta, art. 269º (litisconsórcio necessário

sucessivo). O executado pode opor-se à execução, nos termos do art. 814º c).

o Cfr. arts. 28º-A e 825º.

§2: COLIGAÇÃO (E CUMULAÇÃO SIMPLES DE PEDIDOS)

A coligação é admitida, em processo executivo, quando se verifiquem os seguintes

pressupostos cumulativamente (art. 58º) – cfr. também as circunstâncias impeditivas da cumulação

inicial (art. 53º):

• A espécie de acção executiva decorrente de cada um dos pedidos deve ser a mesma

(art. 53º, nº 1 b)).

• Se a execução tiver por fim o pagamento de quantia certa, as várias obrigações

devem ser líquidas ou liquidáveis por simples cálculo aritmético (art. 58º, nº 2).

• O tribunal deve ser competente internacionalmente e em razão da matéria e da

hierarquia (art. 53º, nº 2 a)).

• Cada um dos pedidos deve ter sido apreciado em processo executivo comum (art. 53º,

nº 2 c)).

• No caso da coligação passiva, a execução tem que ter por base, quanto a todos os

pedidos, um mesmo título (art. 58º, nº 1 b)).

No caso de coligação ilegal, por não verificação de um destes pressupostos, o juiz profere

despacho de aperfeiçoamento, convidando o exequente a que escolha o pedido relativamente ao qual

pretende que o processo prossiga. No caso deste não o fazer, o executado é absolvido da instância

(arts. 31º-A e 812º, nº 4 e 5). O indeferimento pode ser parcial, nos termos do art. 812º, nº 3. O

executado pode opor-se à execução, nos termos do art. 814º c).

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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PARTE II

O PROCESSO DE EXECUÇÃO COMUM

PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA

1. FASE INICIAL

§1: INTRODUÇÃO

Cumpre tecer algumas considerações preliminares, neste âmbito:

• Só os títulos dos quais conste uma obrigação pecuniária podem dar lugar a processo

executivo para pagamento de quantia certa.

o Obrigação pecuniária: obrigação de quantidade cujo objecto é um certo valor

expresso em moeda que tenha curso legal em Portugal (art. 550º CC).

o A obrigação de moeda específica dá sempre lugar à execução para pagamento

de quantia certa, enquanto que a obrigação em moeda com curso legal

apenas no estrangeiro se executa através do processo para entrega de coisa

certa.

• PAULA COSTA E SILVA identifica três fases na acção executiva de pagamento de

quantia certa:

o 1. Fase liminar

o 2. Fase da penhora

o 3. Fase de pagamento

§2: REQUERIMENTO EXECUTIVO

O requerimento executivo deve designar o tribunal em que a acção é proposta, identificar as

partes, indicar o domicílio profissional do mandatário judicial, espécie de execução, forma do

processo, formular o pedido e declarar o valor da causa (art. 810º).

Uma vez que a execução tem sempre por base um título executivo (art. 45º, nº 1), só há que

indicar a causa de pedir quando esta não conste do título (art. 810º, nº 3 b)).

O requerimento executivo deve ainda indicar os seguintes factos, quando seja esse o caso:

• A obrigação precisa de ser liquidada, uma vez que não depende de simples cálculo

aritmético (art. 805º, nº 4).

• O título carece de prova complementar, seja porque (art. 804º):

o A certeza e a exigibilidade dele não resultam

o Houve sucessão no crédito ou no débito

O não pagamento das custas deixou de constituir impedimento à propositura da acção

executiva. A taxa de justiça inicial, por seu lado, tem que ser previamente paga, nos termos gerais.

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

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O requerimento executivo pode ser recusado pela secretaria, cabendo reclamação para o

juiz, nos seguintes casos (art. 811º):

• Omissão de um requisito do requerimento executivo

• Não apresentação de título executivo ou manifesta insuficiência do título apresentado

A remissão para o art. 810º, nº 3, operada pelo art. 811º, nº 1 a) é, para RUI PINTO e PAULA

COSTA E SILVA, de constitucionalidade duvidosa, uma vez que implica o exercício do poder

jurisdicional em termos desconformes ao disposto no art. 202º CRP.

RUI PINTO designa três níveis de controlo pela secretaria:

• Requisitos externos da pretensão executiva:

o Tribunal

o Partes…

• Pressupostos processuais: art. 812º-A, nº 3 b)

• Condições da pretensão executiva:

o Pedido

o Causa de pedir…

§3: DESPACHO LIMINAR

O despacho liminar é estatisticamente uma excepção, na acção executiva. Neste âmbito

vigora o princípio da coincidência entre despacho liminar e citação prévia, princípio esse que admite

excepções (art. 812º-B). Por regra, havendo lugar a despacho liminar, cabe citação prévia do

executado.

Há dispensa de despacho liminar quando:

• A execução se funda em decisão judicial ou arbitral (art. 812º-A, nº 1 a)) ou em

requerimento de injunção.

• A execução se baseia em documento exarado ou autenticado por notário, ou em

documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor,

desde que (art. 812º-A, nº 1 c)):

o O montante da dívida não exceda a alçada da Relação (< 30.000€)

� Excedendo o montante da dívida esse valor, há ainda dispensa de

despacho liminar se o exequente mostrar ter exigido o cumprimento

por notificação judicial avulsa.

o Seja apresentado documento comprovativo da interpelação do devedor, antes

de instaurada a acção executiva.

� Mesmo que a interpelação do devedor seja frustrada por actos do

próprio devedor (negando-se a recebê-la, vg), embora a obrigação se

considere vencida (art. 805º, nº 2 c) CC), a falta de escrito que prove

estes factos não permite, ainda assim, dispensar o despacho liminar.

� Se o credor mover logo a execução, sem interpelação, só a citação

valerá como interpelação e deve ser precedida de despacho liminar.

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Direito Processual Civil III: Direito Executivo – Lara Geraldes @ FDL

29

• Independentemente da espécie de título executivo, se execute uma obrigação

pecuniária vencida (com interpelação do devedor) de valor que não exceda a alçada

da Relação (< 30.000€) – só se a penhora não incidir sobre bem imóvel,

estabelecimento comercial ou direito real menor ou quinhão (art. 812º-A, nº 1 d)).

Note-se, porém, que a dispensa legal de despacho liminar não afasta inteiramente a

possibilidade de ele vir a ser proferido, nos termos do art. 812º-A, nº 3:

• Suspeita da ocorrência de um fundamento de indeferimento liminar:

o Insuficiência do título executivo

o Necessidade de interpelação do devedor

o Insuficiência ou invalidada da interpelação ou da notificação judicial avulsa

o Excepção dilatória de conhecimento oficioso

o Irregularidade do requerimento executivo

o Manifesta inviabilidade da execução

o Insusceptibilidade de sujeição do litígio a decisão arbitral

Há ainda casos em que o despacho liminar é, em geral, dispensado, mas ainda assim tem

lugar (garantia de despacho liminar) – art. 812º-A, nº 2 (sem citação prévia - excepção ao princípio

da coincidência, art. 812º-B):

• Execução movida apenas contra devedor subsidiário (normalmente com citação

prévia deste), em que tenha sido requerida dispensa da sua citação prévia (art. 812º,

nº 7 a)).

• Prova complementar do título a produzir perante o juiz, nos termos do art. 804º, nº

2.

Havendo despacho liminar, este pode ser:

• Despacho de aperfeiçoamento:

o Quando haja despacho liminar, o juiz deve convidar o exequente a suprir a

falta de pressupostos processuais e outras irregularidades, desde que sanáveis

(art. 812º, nº 4).

• Despacho de indeferimento:

o Há lugar a despacho de indeferimento quando o exequente, tendo sido

convidado nos termos supra para suprir a falta de pressupostos e

irregularidades sanáveis, não o fizer (art. 812º, nº 5).

o Há, porém, lugar a indeferimento liminar imediato quando seja manifesta a

falta insuprível de pressuposto processual de conhecimento oficioso, e não

tendo a secretaria recusado o requerimento executivo (art. 812º, nº 2).

o Com a revisão passou a admitir-se o indeferimento liminar parcial (art. 812º,

nº 3).

• Despacho de citação:

o O executado é citado para, no prazo de 20 dias (art. 812º, nº 6):

� Pagar; ou

� Opor-se à execução

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§4: CITAÇÃO DO EXECUTADO

Proferido o despacho de citação, o executado é citado para, no prazo de 20 dias, para ou

opor-se à execução (art. 812º, nº 6).

Fora dos casos infra, a penhora é efectuada sem citação prévia do executado quando não há

lugar a despacho liminar (art. 812º-B, nº 1 - a dispensa ocorre ope legis, vs nº 2 mesmo art.). O

princípio que aqui subjaz é o princípio da coincidência (se há despacho liminar, há citação prévia).

Há lugar à citação do executado antes da fase da penhora (citação prévia à penhora), sem

necessidade de despacho liminar (art. 812º, nº 7 - excepção ao princípio da coincidência, art. 812º-B),

nos seguintes casos:

• Execução movida apenas contra o devedor subsidiário, na qual não tenha sido pedida

a dispensa da citação prévia

• Execução de obrigação ilíquida cuja liquidação não dependa de simples cálculo

aritmético

• Execução fundada em título extrajudicial de empréstimo para habitação própria,

quando o prédio por ele adquirido é objecto de hipoteca

A citação prévia à penhora é uma salvaguarda do executado: nas alíneas a) e b) do art. 812º,

nº 7 o título executivo é extrajudicial, pelo que o executado encontra-se em desvantagem por nunca

ter sido ouvido pelo tribunal.

A dispensa da citação prévia do executado pode ser requerida pelo exequente quando,

justificadamente, receie perder a garantia patrimonial do crédito (art. 812º-B, nº 2 - vs nº 1 mesmo

art.). Trata-se como que do enxerto de uma providência cautelar na fase liminar da acção executiva:

o credor serve-se da própria execução para conseguir o efeito de acautelamento do seu direito

(obstando à dissipação do património com a citação do devedor). Há periculum in mora, ainda que a

prova do fumus boni juris seja dispensada.

Não havendo lugar à citação prévia do executado, entra-se imediatamente na fase da

penhora (art. 812º-B, nº 1) e só no próprio acto da penhora é que o executado é citado (art. 864º, nº

2). O executado é citado para pagar, indicar os bens à penhora ou opor-se à execução, nos termos do

art. 833º, nº 5.

Ocorrendo cumulação sucessiva, o executado não é de novo citado, mas apenas notificado

para pagar ou opor-se à execução do segundo título (art. 864º, nº 7).

2. OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO

§1: MEIO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO

O exequente pode opor-se à execução, nos termos do art. 813º, uma vez citado ou notificado

conforme exposto supra. A oposição à execução (tradicionalmente, “embargos de executado”)

consiste no corolário do princípio do contraditório na acção executiva.

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A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual

inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção

executiva.

A oposição à execução constitui uma verdadeira acção declarativa, que corre por apenso ao

processo de execução: inicia-se com a petição inicial, que deverá ser articulada, o juiz profere

despacho liminar e, não contestando o exequente, consideram-se admitidos os factos, nos termos

gerais. A acção declarativa em causa é de simples apreciação, segundo a qual se pretende concluir

pela existência ou não do direito.

§2: FUNDAMENTOS À EXECUÇÃO

Os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença são (art. 814º):

• Inexistência ou inexequibilidade do título

• Falsidade (falsidade do processo declarativo, translado, cópia/certidão e sentença) –

art. 372º, nº 2 CC.

• Infidelidade (só para situações na acção declarativa)

• Falta de pressuposto processual geral

• Falta ou nulidade da citação (preterição de formalidade exigida por lei, art. 198º - na

acção declarativa, uma vez que na acção executiva se aplica o disposto no art. 921º)

• Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda (pressupostos

específicos)

• Caso julgado

• Facto extintivo ou modificativo da obrigação (vg prescrição ou compensação, arts.

837º ss CC - só quando verificado posteriormente ao encerramento da discussão na

acção declarativa; LEBRE DE FREITAS inclui a usucapião neste âmbito.

Os fundamentos à execução baseada à sentença são mais restritos do que os fundamentos à

execução baseada em título extrajudicial.

§3: PROCEDIMENTO

A oposição à execução deve ser deduzida no prazo de 20 dias a contar da citação/notificação

do executado (art. 813º, nº 1).

Há a possibilidade de embargos supervenientes quando o facto que os fundamenta ocorrer

depois da citação do executado ou quando este só tiver conhecimento do facto depois da citação

(art. 813º, nº 3).

Não tem aplicação o art. 486º, nº 2, a respeito do aproveitamento, pelos restantes réus, do

prazo para contestar daquele que foi citado em último lugar (cfr. art. 813º, nº 4).

A omissão de oposição à execução não conduz à revelia (não tem o efeito do art. 484º, nº 1).

Deduzida a oposição:

• E havendo lugar a citação prévia:

o A execução é suspensa: através da prestação de caução (arts. 988º e 990º)

pelo opoente ou da alegação de que a assinatura não é genuína, no caso de

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acção fundada em título particular sem a assinatura reconhecida (art. 818º,

nº 1).

o A execução não é suspensa: é a regra geral (art. 818º, nº 1).

• E não havendo lugar a citação prévia:

o A execução é suspensa com a dedução da oposição, posterior à penhora (art.

818º, nº 2).

o Se a execução for julgada procedente, o exequente responde pelos danos

decorrentes, nos termos gerais da responsabilidade civil.

Com a decisão definitiva sobre a oposição, a execução extingue-se, quando a oposição

proceda (art. 817º, nº 4).

Quanto ao efeito de caso julgado da oposição à execução:

• A favor: CASTRO MENDES

• Contra: LEBRE DE FREITAS e LUÍS BONIFÁCIO RAMOS (art. 817º, nº 2)

3. A FASE DA PENHORA

§1: OBJECTO DA PENHORA

A apreensão dos bens do executado permite que lhe seja paralisada ou suspensa a

possibilidade de dissipação do seu património. O executado fica, consequentemente, impedido de

exercer plenamente os poderes que integram os direitos de que sobre eles é titular, e os seus bens

ficam especificamente afectados à realização dos fins da execução: a satisfação do direito do

exequente através da transmissão de direitos do executado.

Neste âmbito, a penhora traduz-se na apreensão judicial de bens do executado, e consiste na

manifestação do poder coercivo do tribunal (vs penhor: garantia do património que depende da

vontade das partes). É, pois, o acto executivo por excelência, visando acautelar a viabilidade da

venda executiva.

A penhora deve respeitar os princípios de celeridade, adequação e proporcionalidade (art.

821º, nº 3), princípios esses que, segundo RUI PINTO, limitam a actuação do agente de execução.

Note-se a excepção constante do art. 834º, nº 2, com consequente favorecimento do credor.

A garantia das obrigações é, com efeito, constituída por todos os bens que integram o

património do devedor, nos termos gerais. A sua responsabilidade é, pois, patrimonial. Esta regra não

comporta excepções, embora se possam observar desvios quanto à penhorabilidade subsidiária.

Os bens de terceiro que não o devedor só podem ser objecto de execução nos seguintes

casos:

• Quando sobre eles incida direito real constituído para garantia do crédito do

exequendo.

• Quando tenha sido julgada procedente impugnação pauliana de que resulte para o

terceiro a obrigação de restituição dos bens ao credor (arts. 610º ss CC).

§2: BENS IMPENHORÁVEIS

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São bens impenhoráveis, entre outros (art. 822º):

• Bens do domínio público

o LUÍS BONIFÁCIO RAMOS questiona a impenhorabilidade destes bens, uma vez

que pode ser posta em causa através da usucapião ou por mero acto

administrativo.

• Bens inalienáveis do domínio privado (vg direito a alimentos)

• Bens cuja impenhorabilidade tenha sido convencionada pelas partes (arts. 602º e 833º

CC) – impenhorabilidade convencional.

§3: PENHORABILIDADE SUBSIDIÁRIA

Determinados bens, ou todo um património, só podem ser penhorados depois de outros bens,

ou todo um outro património, se terem revelado insuficientes para a realização do fim da execução.

Eis alguns exemplos:

• Responsabilidade dos cônjuges (art. 825º)

• Benefício da excussão prévia

• Garantia real (arts. 828º, nº 7 e 835º)

• Bens que respondem em último lugar

§4: ACTOS PREPARATÓRIOS À PENHORA

No requerimento executivo é dada indicação dos bens do executado que o exequente conheça

(art. 810º, nº 3 d)), na medida do possível, e sem vincular o agente de execução a penhorar os bens

indicados. Todavia, o agente de execução não deve proceder à penhora se o exequente

expressamente se opuser a isso (art. 812º-A, nº 1 d)).

Eis os actos preparatórios à penhora:

• Descoberta dos bens (consulta do registo informático de execuções, art. 832º)

• Autorização da penhora de certos bens, precedida de despacho judicial:

o Penhora de depósito bancário (sigilo bancário, art. 861º-A)

• Penhora de outros bens, em substituição dos inicialmente penhorados (art. 834º, nº

3):

o Por requerimento do executado

o Manifesta insuficiência

o Situação de oneração dos bens penhorados

o Embargos de terceiro contra a penhora

o Oposição à penhora com prestação de caução

o Desistência da penhora

o Invocação do benefício da excussão prévia, pelo devedor subsidiário não

previamente citado

§5: ACTO DA PENHORA

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A penhora de direitos tem lugar quando não está em causa o direito de propriedade plena e

exclusiva do executado sobre coisa corpórea nem um direito real menor que possa acarretar a posse

efectiva e exclusiva de coisa corpórea móvel ou imóvel.

A lei distingue entre:

• Penhora de bens imóveis (arts. 838º ss):

o Por comunicação à conservatória do registo predial competente

o Transferência de posse meramente jurídica

o Feitura do auto da penhora

o Afixação de um edital na porta do imóvel

o O depositário é o solicitador de execução (art. 839º: direito pessoal de gozo)

o Inscrição da penhora no registo

• Penhora de bens móveis (arts. 848º ss)

o Sujeitos a registo (art. 851º):

� Por comunicação à conservatória do registo automóvel competente

� Imobilização do automóvel

� Notificação às autoridades do controlo do navio ou aeronave

� O depositário é o solicitador de execução

o Não sujeitos a registo (art. 849º):

� Tradição material da coisa (apreensão efectiva)

� A coisa é removida para um depósito público ou não

� Lavrar-se-á auto da diligência

� O depositário é o agente de execução que efectue a diligência

Os depositários têm o dever de guarda da coisa, respondendo pelo seu perecimento nos

termos gerais do contrato de depósito civil.

A penhora do direito de crédito merece referência autónoma (arts. 856º ss):

• O devedor é notificado para que, no prazo de 10 dias:

o Impugne a existência do crédito

o Invoque excepção de não cumprimento de obrigação recíproca

o Reconheça a existência do crédito

o Faça qualquer outra declaração com interesse

o Se nada fizer: a inércia tem efeito cominatório que equivale ao

reconhecimento do crédito (art. 856º, nº 3)

A penhora de direitos pode respeitar a:

• Títulos de crédito (art. 857º)

• Frutos civis (art. 861º)

§6: EFEITOS DA PENHORA

A penhora tem como efeitos:

• A transferência, para o tribunal, dos poderes de gozo que integram o direito do

executado

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• A ineficácia relativa dos actos dispositivos do direito subsequentes (a eficácia não

pode ser oposta à execução)

• A constituição de preferência a favor do exequente (direito real de garantia) – cfr.

privilégios creditórios (gerais/especiais e mobiliários/imobiliários).