p-335- três contra old man - h. g. ewers

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TRÊS CONTRA OLD MAN Autor H. G. EWERS Tradução RICHARD PAUL NETO (P- 335)

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TRS CONTRAOLD MAN

AutorH. G. EWERSTraduoRICHARD PAUL NETODigitalizao e RevisoARLINDO_SANOs calendrios do planeta Terra registram os meados do ms de maro do ano 2.436. Perry Rhodan e outras pessoas importantes do Imprio Solar desapareceram h vrias semanas com a Crest IV numa poca em que a prpria existncia dos terranos corre um grande perigo.

O rob gigante Old Man e o policial do tempo que controla o gigante entraram no Sistema Solar. Representam um poder contra o qual as instalaes defensivas e a frota metropolitana dos terranos so relativamente fracas. O Marechal-de-Estado Bell e os outros homens encarregados da defesa do Sistema Solar tiveram uma conscincia dolorosa dessa situao. Mas a viagem-relmpago que Bell fez ao planeta Last Hope provocou uma virada na luta contra os invasores. O Marechal-de-Estado mal conseguiu chegar em tempo com o novo gerador de multifreqncias, infligindo uma grande derrota ao policial do tempo.

Tro Khon, o nico vigilante de vibraes que escapou ao inferno criado pela Colombo, resolveu fugir do Sistema Solar. A espaonave viva de Tro Khon partiu e foi perseguida pela nave Wyoming, comandada por Don Redhorse.

Foi somente depois da ao arriscada de Don Redhorse no Arsenal dos Gigantes que o estado-maior solar se deu conta do potencial imenso dos vigilantes de vibraes.

Dois oxtornenses e um homem nascido na Terra, que se encontram no estabelecimento lemurense situado em Triton, uma lua de Netuno, no sabem disso. Mas ficam sabendo que Tro Khon abandonou o Sistema Solar. Por isso resolvem cumprir o legado dos viajantes no tempo. So Trs Contra Old Man.

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =Cronot e Perish Mokart Dois terranos nascidos no planeta Oxtorne.

Ilja Malume Comodoro de um grupo de caas-mosquito.

Einaklos Um arquiteto cuja obra durou milnios.

Rog Fanther Um morto que desperta pela ltima vez.

Reginald Bell Marechal-de-Estado do Imprio Solar.

1

... e j no h dvida de que Old Man e sua frota atacam as duas luas de Netuno... sussurrou uma voz sada dos fones de ouvido do sistema de intercomunicao da nave.

Ilja Malume quis estender a mo para ligar o aparelho na recepo. Mas no conseguiu mover um nico msculo do corpo. Era como se tivesse uma vivncia horrvel num pesadelo.

... destrudo. Todos os destacamentos da Frota Solar retiram-se para as coordenadas previstas no plano Quo Vadis. Ateno! Chamando nave porta-veculos Prometeu! Ainda no temos notcias sobre a 22a Esquadrilha. Solicito com urgncia...

A voz foi ficando cada vez mais baixa e acabou silenciando de vez. Ilja Malume teve a impresso de que acabara de mergulhar na nvoa escura que ondulava diante de seus olhos.

A 22a Esquadrilha Metropolitana Reforada de Caas-Mosquito j fora seu grupo...

As imagens dos ltimos instantes que precederam o fim iam tomando conta de sua mente com uma dolorosa nitidez.

As vozes dos comandantes dos jatos soavam que nem vozes de fantasmas, informando que as unidades tinham alcanado as coordenadas estabelecidas. De repente uma gigantesca nave esfrica apareceu na tela frontal. Seu campo defensivo hiperenergtico brilhava que nem um farol...

Preparar para o combate! ouviu Ilja a prpria voz. Como conhecia o resultado da luta, rebelou-se contra a ordem que ele mesmo acabara de dar, mas de sua garganta ressequida no saiu mais uma nica palavra. Sentiu-se impotente, presenciando a desgraa.

O gigante esfrico foi entrando na ponta da mira reflexa. O trao vermelho da telemetria foi-se aproximando da marca de fogo. Uma fora irresistvel obrigou Ilja a colocar o dedo sobre o boto acionador do canho, embutido no manche de direo.

agora!

As flores de fogo produzidas pela exploso dos projteis do canho conversor surgiram junto ao inimigo mas no mesmo instante Ilja Malume mergulhou num inferno de fogo branco-azulado...

Quando se recuperou, ouviu a voz de Reginald Bell pelo hipercomunicador. O Marechal-de-Estado pedia notcias da 22a Esquadrilha.

Acontece que a 22a Esquadrilha nunca responderia ao chamado. A nica coisa que sobrava dela era a parte anterior do jato-mosquito do comodoro que estava no comando do grupo... O Tenente-Coronel Malume viu a superfcie vermelho-brilhante de um astro pela cobertura de plstico blindado transparente da carlinga. Sabia que era a superfcie da lua de Netuno chamada Triton e que dali a pouco seu jato destroado se despedaaria de encontro a esta superfcie. Num gesto quase automtico comprimiu o dedo polegar da mo direita contra o boto do ejetor. O estampido seco da atmosfera escapando da carlinga quase o fez desmaiar. Viu como que atravs de uma nvoa vermelha que a poltrona anatmica em que estava sentado, equipada com um dispositivo de aterrissagem de emergncia, se encontrava bem longe do jato destroado. Aos poucos os contornos da superfcie de Triton foram-se tornando mais precisos. O sistema automtico de salvamento de seu assento ejetvel funcionava perfeitamente. Garantiria um pouso suave. Mas Ilja ainda viu lampejos ininterruptos mais embaixo. Sabia que em Triton se combatia violentamente. Sua vida no dependeria apenas do perfeito funcionamento do sistema automtico de salvamento, mas principalmente do lugar em que tocaria a superfcie: no meio do rugido provocado pelos projteis atmicos e das armas energticas pesadas, ou na periferia do campo de batalha.

Uma luminosidade ofuscante surgiu no espao, bem sua frente. Ilja estremeceu. Quando a luminosidade desapareceu, no enxergava mais nada. A poltrona anatmica balanava, enquanto os jatos-propulsores de estabilizao funcionavam suavemente. Uma coisa bateu com fora na braadeira direita. Ilja sentiu que estava sendo girado de lado. Em seguida a poltrona anatmica tombou pesadamente de lado...

Alguns longos minutos se passaram at que o tenente-coronel finalmente compreendesse que estava salvo, deitado na superfcie nua e rochosa de Triton, ainda amarrado poltrona anatmica.

Mas no enxergava nada.

O medo de ter sido cegado por uma descarga energtica o fez transpirar fortemente. Mas de repente uma lmpada vermelha acendeu-se sua frente. Ilja ouviu um zumbido leve. Era um sinal de que o sistema de desumidificao de seu traje de combate funcionava em regime de sobrecarga.

Ilja Malume soltou um grito. A lmpada se via a lmpada, no estava cego! Mas por que no via mais nada?

S podia ser por causa da viseira do capacete.

No ltimo instante lembrou-se de que estava num astro sem atmosfera. Por pouco no abrira o capacete.

Sua respirao era ofegante. Finalmente resolveu desatar os cintos de segurana. Bateu no mecanismo de fecho, que rolou com uma estranha lentido. As mos enfiadas em luva apalparam a rocha spera. Ilja girou algumas vezes em torno do prprio eixo e ficou deitado, quieto.

Ergueu-se cuidadosamente para ficar sentado. Sentiu-se que nem um balo inflado com gs. Mas isto no o preocupava; sabia que a gravitao de Triton era cinco vezes inferior da Terra. O que lhe dava que pensar era a impossibilidade de orientar-se. Como poderia encontrar a cidade de Triton ou suas adjacncias, se nem sequer sabia onde estava?

Refletiu um instante e tirou o faco que trazia no cinto. Passou cuidadosamente a lmina pela face externa do capacete pressurizado. Depois de alguns minutos distinguiu uma luminosidade vermelha. S podia ser a luz do sol refletida por Netuno.

Ilja acendeu a lanterna achatada que trazia no peito. Respirou aliviado ao ver a mancha luminosa que sua lanterna projetava perto dali.

De repente estremeceu.

O minicomunicador embutido em seu traje espacial, embaixo do pescoo, deu o sinal de chamada. Os fones de ouvido ligaram-se automaticamente na freqncia do sistema de intercomunicao de nave, em que estavam regulados.

... Cronot Mokart falando. Estou na cidade subtritonense disse uma voz clara sada do receptor. Providencie imediatamente para que o sistema goniomtrico de recepo dos transmissores seja ligado. Temos um passageiro que vamos enfiar dentro de instantes num transmissor lemurense, com destino desconhecido. O senhor me ouve?

Ouo muito bem respondeu algum. Mal se compreendia a voz. A pessoa que falava certamente no estava perto de Triton. Goniometria do sistema de transmissores providenciada. Marechal-de-Estado Bell avisado. Justifique a violao da proibio de comunicar-se pelo rdio.

Conseguimos prender um condicionado em segundo grau disse a voz que falara em primeiro lugar. Est na sala do transmissor, com as mos e os ps amarrados. Seus colegas andam correndo pela cidade. Certamente nos encontraro. apenas uma questo de tempo. At l o monstro deve estar fora daqui. O transmissor est funcionando. O outro terminal respondeu ao impulso de rastreamento, sinalizando que est tudo em ordem. Diga ao Marechal-de-Estado que, se quiser um condicionado em segundo grau, deve localizar a estao receptora e voar para l. Desligo.

Um instante! gritou a outra voz. O Marechal-de-Estado...

A ligao foi interrompida com um clique baixo. Ilja Malume fechou os olhos e tentou compreender o que acabara de ouvir. Um homem chamado Cronot Mokart entrara em contato com a Crest para avisar que prendera um condicionado em segundo grau. O tenente-coronel estremeceu por dentro ao lembrar-se da descrio dos monstros que se intitulavam policiais do tempo e queriam exterminar a humanidade porque, segundo afirmavam, esta teria violado as leis de um poder desconhecido. Pelo que se dizia, os condicionados em segundo grau se pareciam por fora com os halutenses e viajavam em espaonaves orgnicas que dispunham de armas terrveis. Alm disso tinham assumido o comando de Old Man. Tratava-se de um rob gigante que com seus quinze mil supercouraados representava um poder que o Imprio Solar dificilmente poderia enfrentar. Diante de tudo isso Malume duvidou que as informaes prestadas por Mokart fossem verdadeiras. Como poderia um grupo de seres humanos aprisionar um ser praticamente invulnervel? E o que vinha a ser uma cidade subtritonense? E um transmissor lemurense?

Malume afastou estes pensamentos. De qualquer maneira, a primeira coisa que tinha de fazer era ficar em segurana. Nem mesmo um traje de combate do ltimo tipo poderia mant-lo vivo para sempre. Precisava encontrar um meio de chegar cidade de Triton. Assustou-se.

O cho em que estava apoiado permanecera quieto. No tremera. E isso aconteceria fatalmente se estivesse sendo travado um conflito com armas atmicas.

Dali s se podia concluir uma coisa. Tritona e o resto da lua de Netuno estavam em poder do inimigo.

Nestas condies era duvidoso que tivesse uma chance de sobreviver em Tritona se que esta cidade realmente existia. Certamente seria imediatamente liquidado pelas tropas inimigas. Mas se realmente existiam instalaes dos velhos lemurenses no subsolo? E se havia um grupo de seres humanos que conseguira escapar priso?

Ilja Malume levantou resolutamente. Devia tentar entrar na cidade sem ser visto e encontrar um meio de atingir o submundo daquela lua. Era sua nica chance e l talvez conseguisse levar avante a luta contra os inimigos da humanidade.

Ilja ligou o equipamento de vo de seu traje de combate e subiu sem tirar os olhos da mancha luminosa projetada pelo farol que trazia sobre o peito. Finalmente a mancha desapareceu. O tenente-coronel sabia que as montanhas escarpadas tinham ficado para trs. S podiam ser as montanhas Scrap. Logo, Triton no podia estar longe. No demoraria a avistar as cpulas banhadas em luz vermelha ou detectar as radiaes da cratera, que era o que sobrava da cidade.

Ilja desligou o farol e voou na direo que o instinto lhe disse ser a correta.

No via nada, a no ser o reflexo vermelho lanado por Netuno. As descargas de energia que detectara pouco antes do pouso deviam ter vindo de to perto que seu capacete transparente esfrico fora atingido pelo calor e tivera a superfcie derretida. A nica coisa que conseguira fazer fora arranhar uma fresta estreita com o faco no meio da camada derretida.

Tinha voado apenas alguns quilmetros quando os detectores indicaram as radiaes remanescentes de conjuntos energticos. Era estranho: as radiaes no vinham de um ponto situado sua frente, mas de baixo.

Ilja Malume no perdeu tempo. Desligou o micropropulsor de partculas de seu traje de combate e reduziu a potncia do projetor antigravitacional. Comeou a descer devagar.

Mas seus ps no chegaram a pisar em cho firme. Uma fora irresistvel atingiu-o, fazendo girar impiedosamente seu corpo e puxando-o para baixo. Teve a impresso de estar de p ou suspenso na centrfuga de um simulador e a velocidade do movimento de rotao aumentava constantemente.

Nvoas vermelhas apareceram frente de Ilja e ele mergulhou numa profunda inconscincia...

* * *

Soltou um grito ao recuperar os sentidos. O corpo empinou para voltar a cair, exausto. Ilja Malume sentiu que estava banhado em suor.

No demorou a compreender que j no estava sendo girado numa centrfuga. Fora somente um pesadelo que, como j acontecera tantas vezes, o fizera passar mais uma vez pelas mesmas experincias que tivera quando seu caa espacial fora destroado na periferia da exploso de um projtil conversor.

Sentiu uma aresta pontuda da rocha nas costas. Estava com a cabea cada sobre o peito, de to fraco que se sentia. Teve de fazer um grande esforo para levantar a mo direita e ligar a lmpada que trazia sobre o peito.

O feixe de luz branca ofuscante rompeu a escurido com uma claridade dolorosa. Iluminou a parede oposta, permitindo que se vissem os filetes de gua que desciam por ela. O ar que Ilja respirava era fresco, mas no chegava a ser frio. Mas Malume tremia de frio, pois as ltimas calorias que conseguira introduzir no corpo h muito tinham sido consumidas. Fazia uma semana que ingerira o ltimo tablete de alimento concentrado de suas provises de emergncia. Dali em diante a fome passara a remoer suas entranhas, e h algumas horas adormecera exausto na pequena caverna em que se encontrava.

Ilja apoiou-se nas mos e nos joelhos e saiu rastejando para o outro lado da caverna. Pegou a gua lmpida com a mo em concha e bebeu-a em pequenos goles. Desceu pela garganta ressequida, fria e mida. Refrescou-o momentaneamente, mas o efeito no duraria muito, a no ser que ingerisse algum alimento.

O tenente-coronel j desistira de perguntar-se por que no subsolo de uma lua sem atmosfera com uma gravitao de apenas 0,2 gravos havia gua em estado normal e ar perfeitamente normal para respirar, enquanto a temperatura era suportvel.

Naquele momento, depois de quatro semanas do calendrio terrano, ainda no sabia muito bem o que o agarrara, fazendo-o rodopiar e arrastando-o para dentro de Triton. Depois disso um par de garras de ao sara das paredes de uma sala escassamente iluminada e empurraram-no num cubculo escuro, para retir-lo depois de algum tempo. Ilja sentira-se empurrado atravs de uma escotilha e vira-se numa caverna em forma de corredor.

Dali em diante passara a vagar pelo labirinto de cavernas subtritonenses, procura de uma sada.

De repente compreendeu que nunca mais sairia dali. Se demorasse mais um dia, a morte o libertaria da aflio.

Mas apesar disso levantou, mal acabou de beber. Andou cambaleante, apalpando a parede mida. O feixe de luz da lanterna iluminou a sada. Ficava exatamente do lado oposto da entrada pela qual viera um dia antes. Ilja Malume riu amargurado. O que significava o tempo para ele? Mas levantou instintivamente a mo e olhou para o relgio-calendrio que trazia no pulso.

Na Terra era o dia 17 de maro de 2.436, 2:38 horas, tempo universal.

Isto se na Terra ainda estava sendo registrada alguma data... O oficial estremeceu ao lembrar-se de que neste meio-tempo os condicionados em segundo grau, ajudados pelo poderio de Old Man, talvez tivessem conseguido exterminar a humanidade. Era possvel que Ilja fosse o nico sobrevivente no Sistema Solar.

Ilja esforou-se para no pensar nisso. Se acreditasse nessa possibilidade, sua vontade acabaria afrouxando de vez.

Saiu para a galeria vizinha, murmurando alguma coisa para si mesmo.

Estava caminhando h dez minutos quando teve medo de cair de to exausto que se sentia. Agarrou uma rocha saliente, pois as coisas pareciam girar diante de seus olhos. De repente ouviu um forte zumbido. Ilja Malume cambaleou. A parede que ficava sua direita cedera sob o peso de seu corpo. Continuava agarrado rocha saliente, enquanto era arrastado por uma fora irresistvel.

Finalmente a pea de rocha mvel encontrou uma resistncia, mas a fora da inrcia continuou a arrastar o corpo de Malume. O tenente-coronel deu alguns passos hesitantes, caiu de joelhos e voltou a levantar gemendo.

Pegou instintivamente a arma energtica que trazia no cinto. Mas o cano s ficou apontado para as paredes lisas e as profundezas de outro tnel. Atrs dele a porta camuflada se fechara com um forte clique.

Ofegante, Ilja apoiou-se na parede. Levou alguns minutos para voltar a pensar claramente. Percebeu que se defrontava com uma tecnologia bastante desenvolvida. As paredes do tnel estavam cobertas por uma camada fosca, to lisas que at parecia que algum as alisara com muito trabalho.

O labirinto de cavernas s poderia ter sido construdo por terranos ou lemurenses.

O fogo da esperana voltou a animar o corpo desgastado de Ilja Malume. Talvez ainda houvesse uma chance de ser salvo.

Mas Ilja logo deixou cair a cabea.

Os lemurenses, que eram os nicos que talvez poderiam ter construdo aquelas cavernas, estavam mortos h mais de cinqenta mil anos terranos. E os habitantes de Tritona no tinham sobrevivido ao ataque de Old Man, ou ento estavam em poder dos policiais do tempo.

As dores lancinantes que fustigaram suas entranhas fizeram com que o oficial dobrasse o corpo. Os lbios rachados cobriram-se de saliva, e de um instante para outro o rosto ficou plido e encovado.

Mas o acesso logo passou. Ilja Malume empurrou-se com os ombros e saiu cambaleando. A mo direita pendia flacidamente junto ao corpo, segurando a arma energtica. Ilja nem se deu conta de que no voltara a guardar a arma no cinto.

Tambm no se deu conta da fora que continuava a impeli-lo para a frente, levando-o a lutar pela vida, mesmo contrariando as leis da lgica. Devia ser uma conjugao dos efeitos de um instinto profundamente enraizado e dos anos de treino rigoroso. Os oficiais da Frota Solar eram educados para nunca desistir, enquanto ainda houvesse uma centelha de vida em seus corpos. Era este um dos motivos pelos quais os terranos se tinham imposto diante de inimigos tcnica ou numericamente superiores, sofrendo perdas relativamente baixas.

Mas naquele momento o oficial no conseguiu lembrar-se disso. Na verdade, s podia conceber uma idia clara em alguns momentos de lucidez. O esprito humano dependia do funcionamento do crebro, e este por sua vez precisava da colaborao maravilhosa do corpo e do suprimento constante de sangue fresco enriquecido com minerais e nutrientes.

Ilja Malume saiu do tnel e entrou num grande pavilho. Neste momento as foras o abandonaram. Caiu e permaneceu imvel.

Desta vez seu esprito nem sequer teve foras para tornar acessveis mente as recordaes em forma de um pesadelo. No ouviu mais nada, no sentiu mais nada e no viu mais nada. Talvez Ilja tivesse passado diretamente do sono profundo para a noite infinita da morte, se uma parte bem pequena de seu crebro no tivesse permanecido alerta.

Ilja sobressaltou-se. Virou os olhos injetados de sangue de um lado para outro. Queria descobrir o que o acordara. De repente estremeceu. Ouvira vozes, vozes confusas, mas que podiam ser identificadas como sons articulados.

Os reflexos incutidos nele durante o treinamento recebido na frota o fizeram agir com a preciso de um autmato. Agarrou a arma energtica que estava jogada no cho perto dele, levantou e caminhou silenciosamente para a abertura da qual tinham sado os rudos.

A voz silenciara, mas em compensao Ilja Malume ouvia perfeitamente os rudos de passos. Os plos da nuca se eriaram. De repente sentiu um medo terrvel de cair nas mos dos policiais do tempo. Seria prefervel morrer lutando.

De repente um vulto apareceu na luz da lanterna. Ilja segurava calmamente a arma energtica. Fez pontaria e apertou o gatilho.

A descarga energtica trovejou na caverna.2

Cronot e Perish Mokart fecharam os olhos, ofuscados, quando se viram envolvidos na torrente de luz. Deixaram-se cair instintivamente. No mesmo instante suas mos seguraram as armas energticas.

De repente Perish Mokart deu uma risada.

Cronot ergueu-se contrariado.

Qual a sua, cabea de mamute? No vejo nada de engraado. Simplesmente fomos inundados pela luz.

Perish calou-se.

Est bem, Dad murmurou. Ri de mim mesmo, porque minha reao sempre esta, embora tenhamos visto este efeito mais de uma vez.

Sentou e pesou na mo a esfera luminosa do tamanho de uma ma. Estava pensativo.

Einaklos bem que poderia ter-nos preparado para este tipo de surpresa. Conhece tudo que existe aqui embaixo.

Voc um ingrato, meu filho objetou Cronot. Por enquanto o esprito do arquiteto lemurense nos livrou de todos os perigos. Se no fosse ele, a esta hora estaramos mortos.

Perish Mokart confirmou com um aceno de cabea. Seu rosto assumiu uma expresso sombria quando recordou os acontecimentos que se tinham verificado na velha cidade de fugitivos lemurenses. Seus pacficos trabalhos de pesquisa tinham sido repentinamente interrompidos quando apareceu Old Man. Tiveram oportunidade de testemunhar num posto de tele-observao os acontecimentos verificados em Tritona e em torno da cidade. Tinham sido obrigados a ver a lua de Netuno chamada Nereide estourar sob os efeitos do bombardeio do rob gigante. Alm disso viram as defesas terranas sucumbirem dentro de alguns minutos. Viram na tela quando o comandante militar Mosh Ifros capitulou por ordem do Marechal-de-Estado Bell, quando os robs de combate de Old Man entraram nos abrigos prova de bombas em que se encontrava a populao civil de Tritona, desarmando as pessoas e trancando-as em depsitos.

Somente ele, Perish, e seu pai, alm de um comando especial sob as ordens do Capito Arturo Geraldi tinham escapado, certamente porque os condicionados em segundo grau no conheciam a cidade lemurense. O grupo elaborou um plano arrojado de capturar um condicionado em segundo grau.

O plano fora bem-sucedido. As instalaes defensivas da cidade dos fugitivos lemurenses tinham sido automaticamente ativadas, prestando uma ajuda decisiva na captura de um dos condicionados em segundo grau.

Depois disso houvera uma perseguio implacvel. Vrios condicionados em segundo grau tinham atravessado os tubos de ligao cheios de gua que iam dar na cidade lemurense. Perish e Cronot conseguiram no ltimo instante despachar o condicionado em segundo grau feito prisioneiro por um transmissor dos velhos lemurenses, com destino desconhecido, no sem antes informar o Marechal-de-Estado Bell e pedir-lhe que tentasse localizar a estao receptora.

Os soldados do destacamento especial comandado por Geraldi tinham-se sacrificado para garantir o xito do plano. Em seguida os dois cosmohistricos oxtornenses tinham sido caados pelos condicionados em segundo grau. Puseram-se a salvo numa caverna, depois de atravessar um dos tubos de entrada do lago, e rechaaram os perseguidores com uma descarga atmica.

Isso fazia quase quatro semanas, e os dois ainda continuavam vagando pelo complicado labirinto de cavernas. Quedas de gua, tubos de enchimento subtritonenses e corredores desabados impediram-nos de chegar superfcie. Teriam perecido h muito tempo, se o esprito do arquiteto lemurense Einaklos, fechado numa esfera de prata, no lhes tivesse mostrado constantemente o caminho, alm de conduzi-los a velhos depsitos de armas e mantimentos dos lemurenses.

Mas apesar disso sua impacincia crescia a cada dia que passava sem que conseguissem chegar superfcie. No sabiam como estavam as coisas em cima, e qual era a situao no Sistema Solar. No tinham recebido nenhuma notcia. Mas dali no se podia concluir que acontecera o pior. Talvez Reginald Bell tivesse proibido as comunicaes pelo hiper-rdio ou permitia somente as hipertransmisses com antenas direcionais. Mas a incerteza desgastava os nervos dos dois oxtornenses.

Perish levantou gemendo e enfiou Einaklos na bolsa da cala de seu conjunto especial.

Vamos continuar, Dad. Quem sabe se hoje no chegamos superfcie?

Perish atravessou o pequeno pavilho circular em cujo interior tinham sido surpreendidos pela sbita luminosidade. Do outro lado havia um corredor estreito que subia suavemente. As ranhuras feitas no cho evitaram que as botas escorregassem. As paredes irradiavam uma luz fluorescente fria, que contrastava agradavelmente com a iluminao ofuscante do pavilho. Tinham caminhado duzentos metros pelo corredor, quando Perish Mokart se viu diante de uma galeria fechada.

Apoiou-se na parede e fechou os olhos.

E agora, Einaklos? perguntou em voz baixa.

Nas ltimas semanas, a comunicao puramente espiritual com a mente do lemurense que dormira cinqenta mil anos no organismo parecido com uma medusa guardado no interior da esfera de prata melhorara bastante. Einaklos ou melhor, sua mente transportada compreendia os pensamentos de Perish, desde que ele os pronunciasse em voz alta, dando-lhes forma em sua mente. Perish por sua vez era capaz de converter as percepes sonoras meldicas do arquiteto em concepes visuais, desde que fechasse os olhos e relaxasse completamente.

Tambm agora ouviu uma estranha msica de harpa, antes que uma srie de imagens definidas surgisse diante dos olhos de sua mente. Perish teve a impresso de que enxergava atravs das escotilhas de ao, embora mantivesse os olhos fechados. Atrs das escotilhas havia uma espaosa sala abobadada com numerosas telas de imagem e consoles de comando. A sala devia exercer uma atrao irresistvel sobre algum que estivesse interessado em desvendar os segredos dos velhos lemurenses.

Perish sorriu distrado ao ver a imagem da sala desmanchar-se diante dos olhos de sua mente. De repente o cho tornou-se transparente, abrindo-se que nem o obturador de uma gigantesca cmera.

Perish abriu os olhos.

Muito obrigado, Einaklos.

Ento? perguntou o pai, impaciente.

uma armadilha respondeu Perish. Se tivssemos atravessado essa escotilha, poderamos juntar os ossos mil metros mais embaixo.

Cronot sorriu com uma expresso zangada.

Os velhos lemurenses eram muito cuidadosos.

Tiveram seus motivos retrucou Perish em tom spero. Basta lembrar que o ataque dos halutenses, que se verificou h bastante tempo, fez recuar a evoluo de nossa raa em cerca de cinqenta mil anos...

Perish calou-se e deu de ombros. No adiantava pensar nisso. Tinham de encontrar um meio de subir para intervir na luta pela existncia da humanidade, seno o drama poderia repetir-se.

O pai virou-se e voltou pelo corredor atravs do qual tinham vindo. Atravessaram de novo o pequeno pavilho, seguiram mais uns quinhentos metros, atingiram uma encruzilhada e seguiram para a esquerda.

Gostaria de saber por que algumas das mquinas testadoras nos classificam como lemurenses, enquanto para outras somos seres estranhos.

Acho que a explicao fcil respondeu Perish. As testadoras positrnicas que nos avaliam exclusivamente pelo aspecto exterior s podem considerar-nos lemurenses. Alm disso o conceito do tempo como ns o conhecemos estranho aos crebros positrnicos, e por isso para eles no existe a menor contradio no fato de eles terem sido instalados h cerca de cinqenta mil anos. Acontece que as testadoras mais sofisticadas, que examinam a estrutura orgnica dos seres para estabelecer a comparao, notam imediatamente a diferena entre ns e os antigos lemurenses. Por isso existem armadilhas contra as quais devemos prevenir-nos, enquanto outras so automaticamente desativadas assim que nos aproximamos delas.

Perish ainda no acabara de falar, quando chegaram a outra bifurcao. Perish escolheu um corredor que subia ligeiramente. Desta vez caminharam quase um quilmetro sem encontrar qualquer obstculo. Finalmente outro hall de distribuio surgiu sua frente.

Por que ser que as luzes no se acendem? perguntou Perish, zangado, ao entrar no pavilho. Ligou o farol que trazia na altura do peito. As clulas de armazenamento de energia eram constantemente recarregadas pelo microrreator de fuso instalado na mochila. Por isso a luminosidade continuava inalterada desde o incio de sua odissia.

No se esquea de que as instalaes foram montadas h mais de cinqenta mil anos retrucou Cronot. possvel que depois de tanto tempo haja alguma falha.

Perish resmungou alguma coisa e dirigiu a luz do farol para o tnel mais largo que saa da sala de distribuio. Em seguida virou-se para dizer alguma coisa ao pai. Neste instante um raio ofuscante saiu do tnel.

Perish Mokart saltou instintivamente para o lado, empurrando o pai com o ombro.

O estrondo da descarga de uma arma energtica fez zumbir os ouvidos dos oxtornenses. Parte da parede do pavilho mudou de cor, brilhando numa incandescncia.

Cronot praguejou e pegou a arma energtica pesada que tirara de um rob de Old Man que fora destrudo.

Perish colocou a mo sobre seu brao.

Espere um pouco, Dad. Precisamos ver com quem nos defrontamos.

S pode ser um rob resmungou Cronot.

Se fosse, j estaramos mortos objetou Perish. No h dvida de que o outro nos viu primeiro.

Os dois ficaram na escuta. Depois de algum tempo ouviram o rudo de uma coisa se arrastando. Devia ser algum rastejando. Certamente era um combatente com muita experincia, seno faria mais barulho.

Perish Mokart j no teve a menor dvida de que no se tratava de um rob de combate. Estas mquinas caminhavam obstinadamente para a frente. Sabiam que suas reaes eram mais rpidas que as de qualquer ser orgnico. E um condicionado em segundo grau tambm no se aproximaria rastejando.

Al! gritou Perish. O senhor me ouve? Se for um terrano, no tem nada a temer.

Perish escondeu o rosto atrs do brao. Outro raio energtico ofuscante atravessou o pavilho e fez com que o ao plastificado soltasse esguichos incandescentes.

Com este cara no adianta murmurou Cronot. Por que no usa a arma paralisante, j que no quer mat-lo?

Perish recusou com um gesto contrariado.

Nem ele mesmo seria capaz de dizer por que preferia no usar a arma paralisante. Alguma coisa em seu subconsciente se rebelava contra esta idia.

Apontou com o cotovelo por cima do ombro. O pai compreendeu imediatamente. Os dois estavam to entrosados que no precisavam de palavras para comunicar-se.

Cronot Mokart correu atravs do pavilho e saltou para dentro de um corredor secundrio. Um raio energtico rugiu atrs dele.

Perish sorriu ligeiramente e ficou de costas para a parede, junto entrada do tnel do qual saam os tiros. Voltou a enfiar a arma energtica no cinto.

No esperou muito. Saiu tudo conforme ele planejara. O ser com o qual se defrontavam s vira um nico homem. Naquele momento s podia acreditar que este homem se retirara pelo corredor secundrio.

Perish Mokart viu uma figura alta iluminada pela incandescncia da parede da sala. A figura saltou do tnel e tratou de abrigar-se junto ao corredor secundrio.

Perish saltou sobre o outro e no teve a menor dificuldade em arrancar-lhe a arma. Um rosto escuro e esmaecido virou-se abruptamente para ele. O branco dos olhos brilhava de uma forma anormal. O homem parecia completamente exausto, mas apesar disso tentou agarrar com a mo esquerda o faco que trazia no cinto.

Perish segurou a mo, tendo o cuidado de no fazer muita presso. Um oxtornense precisava ter muito cuidado quando punha a mo num homem nascido na Terra.

Deixe para l disse em voz baixa. Somos amigos. Neste instante Cronot, que sara do corredor secundrio sem fazer o menor rudo, ligou o farol que trazia sobre o peito e dirigiu o feixe de luz para o rosto do filho.

Perish sentiu imediatamente que a fora dos msculos da mo do afro-terrano diminura. O homem gemeu baixo e fechou os olhos. O queixo caiu sobre o peito.

um tenente-coronel da frota espacial disse Perish, pensativo, enquanto se inclinava para examinar a placa de identificao presa manga do uniforme. Ilja Malume, 22a EMRM...

Perish pigarreou.

a 22a Esquadrilha Metropolitana Reforada de Mosquitos, Dad. Gostaria de saber como este homem veio parar aqui.

Deixemos isso para depois respondeu Cronot Mokart em tom srio. Primeiro temos de ajudar este homem, seno ele morre aqui mesmo.

3

Perish Mokart abriu os olhos e disse ao pai:

Temos de seguir para a esquerda. Foi o que informou Einaklos. Assim chegaremos ao depsito de equipamentos mais prximo, onde encontraremos as instalaes mdicas de que precisamos.

Para a esquerda?... perguntou Cronot. No parecia muito alegre. Assim vamos descer. Acho que este rapaz s precisa de comida. Por que no lhe damos um pouco dos mantimentos que carregamos conosco?

Ele deve ter-se alimentado durante vrias semanas exclusivamente com alimentos concentrados retrucou Perish. Seu organismo no est mais habituado com o alimento natural.

Entrou resolutamente no corredor que ficava sua esquerda, carregando o tenente-coronel, que continuava inconsciente, sobre os braos, como se s pesasse alguns quilos. Caiu num trote ligeiro, pois estava preocupado com o estado do oficial, que certamente consumira as energias que ainda lhe restavam ao atacar aqueles que acreditava serem seus inimigos. At chegava a ser um milagre que ele conseguisse chegar a tanto.

Tinham percorrido algumas centenas de metros quando atingiram a entrada de um elevador antigravitacional. O elevador no estava funcionando, mas foi automaticamente ativado assim que Perish colocou o brao no poo.

Desceram cerca de cem metros. As esferas brilhantes dos projetores energticos brilhavam nas paredes do poo. Perish Mokart sentiu um formigamento morno na pele. Se ficassem ao alcance de uma testadora sofisticada estariam perdidos. Mas Perish disse a si mesmo que Einaklos lhes apontara o caminho, e ningum poderia estar mais bem informado sobre as instalaes que aquele que as construra.

Finalmente seus ps tocaram a placa metlica prateada do fundo do poo. Uma porta larga abriu-se sua direita. A placa movimentou-se, voou atravs da porta e acabou parando junto ao cho de um recinto abobadado.

Os extornenses iam descer da placa, quando uma abertura surgiu embaixo dela. Atravessaram-na sobre a placa e foram parar em outra sala.

Perish descobriu alguns consoles de comando, vrias telas de imagem e numerosas aberturas ovais iluminadas nas paredes. Uma placa luminosa verde estava acesa em cima de um dos controles.

Controle automtico M-9 falando disse uma voz metlica em lemurense. Os cosmohistricos felicitaram-se por dominarem a lngua antiga dos antecessores da humanidade. Ningum sabe o que teria acontecido se no fossem capazes de responder voz.

Trouxemos um fugitivo lemurense que se perdeu nas instalaes e est completamente exausto informou Perish, usando tambm a lngua lemurense.

Entendido! respondeu a voz de rob. A Seo H-5 foi notificada.

Perish Mokart no tinha a menor idia do que vinha a ser a Seo H-5, mas confiava no perfeccionismo tcnico dos antigos lemurenses.

Dali a instantes uma placa oval prateada saiu de uma das aberturas da parede. Era parecida com a placa que trouxera os oxtornenses.

Coloquem o enfermo no campo de sustentao rangeu a voz metlica.

Os oxtornenses arregalaram os olhos. Por mais que se esforassem, no viam o menor sinal de um campo de sustentao. Perish foi o primeiro a recuperar o autocontrole. Colocou cuidadosamente o corpo flcido de Ilja Malume sobre a placa transportadora. No mesmo instante percebeu que em cima da placa havia campos energticos invisveis de grande utilidade, que se adaptaram aos contornos do corpo do tenente-coronel, exercendo uma presso suave sobre ele.

Perish recuou e enxugou o suor da testa.

A placa sobre a qual se encontrava Malume movimentou-se e desapareceu atravs da mesma abertura pela qual tinha vindo.

O tratamento demorar algum tempo informou a voz automtica. Desejam alojamentos, ou preferem voltar mais tarde?

Cronot assobiou para manifestar sua admirao. Perish lanou um olhar de alerta para o pai.

Queremos ficar alojados aqui enquanto durar o tratamento respondeu. Pois no rangeu a voz metlica. A Seo D-3 foi notificada.

Os oxtornenses preferiram no fazer comentrios. Se o sistema automtico suspeitasse de que no eram lemurenses, seriam submetidos a um minucioso exame. Seria o fim.

Desta vez apareceram duas placas transportadoras ovais, e a voz pediu aos homens que sentassem nos campos de sustentao. Em seguida saram em velocidade alucinante atravs de um tnel. Uma escotilha abriu-se automaticamente, deixando passar as placas. Um buraco de pelo menos quinhentos metros de profundidade e mais ou menos outro tanto de dimetro apareceu sua frente. As placas desceram rapidamente e os dedos de Perish crisparam-se instintivamente. Chegou a pensar que fosse uma armadilha, mas logo constatou que o buraco terminava num recinto cilndrico em cujo interior estavam dispostas inmeras varandas. Atrs dos corrimes viam-se milhares de portas. Parecia ser uma espcie de um hotel gigantesco.

As placas transportadoras seguiram na direo de duas das portas e pararam frente delas.

Por alguns segundos os oxtornenses esperaram em vo um convite da voz robotizada, mas como este no veio acharam prefervel descer por iniciativa prpria. Os estranhos meios de transporte afastaram-se imediatamente.

Cronot e Perish fitaram os rostos perplexos um do outro e de repente sorriram.

Acho que aqui ningum nos incomodar apressou-se Perish em dizer, antes que seu pai pudesse fazer alguma coisa errada. Voltara a usar o lemurense, e Cronot acenou com a cabea para mostrar que tinha compreendido. Era muito provvel que os sistemas automticos do hotel subtritonense respeitassem a privacidade dos hspedes, mas no se tinha certeza absoluta.

Muito bem. Vamos dar uma olhada em nossos quartos respondeu Cronot em lemurense.

Encostou a palma da mo superfcie fria de metal plastificado. Conforme esperara, os lemurenses tinham instalado uma simples fechadura trmica, que reagia simples irradiao trmica do corpo humano. Era quanto bastava num conjunto fechado.

A porta deslizou sem o menor rudo, e Perish piscou os olhos, confuso, ao ver a sala luxuosa. A luz indireta afagava as folhagens de um verde suave e os painis de madeira sinttica. Um ar tpido, mas fresco e perfumado, acariciou o rosto de Perish.

O oxtornense entrou rapidamente. A porta voltou a fechar se silenciosamente. Um diagrama luminoso que ficava do lado oposto da porta apagou-se assim que Perish se aproximou, deixando vista a passagem para uma sala ntima semicircular. Um tapete grosso abafava o rudo dos passos, enquanto o semicrculo da parede dos fundos comeou a tremeluzir, para transformar-se na projeo perfeita de uma paisagem extica. Perish teve a impresso de que do lugar em que se encontrava via diretamente, atravs de uma lmina de glassite, uma paisagem de um planeta distante. Galhos balanavam numa brisa suave, flores perfumadas pareciam oferecer-se ao observador, e mais nos fundos uma fileira de vulces fumegantes subia ao cu prateado-fosco. O rugido abafado das erupes e o concerto de muitas vozes oferecido pelos animais completavam a impresso de que o quadro era real. Perish teve a impresso de que bastaria abrir a janela e saltar por ela para entrar na mata.

De repente uma presso na garganta o fez pigarrear.

Os velhos lemurenses sabiam mesmo viver. Que nvel de evoluo no deveriam ter atingido naquele momento seus descendentes, se seu progresso no tivesse sido abruptamente interrompido pela guerra com os halutenses?...

Provavelmente no teriam a menor dificuldade em rechaar o ataque dos condicionados em segundo grau.

Mas este tipo de reflexo no levava a nada. No se podia pensar em termos de mas e porm. Era necessrio saber lidar com o mundo no qual se tinha nascido.

Aproximou-se sorridente da miragem de um mundo extico, quando viu as ranhuras muito finas de uma porta entre dois sofs embutidos na parede. A iluso terminaria o mais tardar nesse lugar.

Mas uma surpresa estava reservada a Perish Mokart.

A porta abriu-se ao simples toque da mo, e frente de Perish estendeu-se o mundo selvtico. O concerto dos animais soava mais forte que no apartamento, e Perish sentiu perfeitamente as vibraes do cho provocadas pelas erupes vulcnicas.

Incrdulo, saiu entre dois arbustos floridos. Passou os dedos por algumas flores. Aproximou a mo do rosto e viu que estava coberta de plen amarelo.

Contemplou pensativo um ser peludo parecido com um macaquinho, que descia pelos galhos de uma rvore.

Correu na direo da rvore e viu o animal fugir tremendo.

Virou-se e abanou a cabea, estupefato.

Viu um bangal semicircular com paredes de glassite abauladas, atrs das quais as luzes indiretas da sala ntima espalhavam uma luminosidade amarela aconchegante. Viu a porta pela qual tinha sado e mais nada...De ambos os lados do bangal havia plantas entrelaadas. No havia sinal de outras construes.

Perish refletiu se devia usar a arma energtica para abrir caminho entre a vegetao, mas preferiu no faz-lo. Certamente atingiria o apartamento vizinho, alm de provocar suspeitas no sistema positrnico de vigilncia instalado pelos lumurenses.

Voltou devagar. A porta abriu-se, e Perish viu-se novamente na sala ntima de seu apartamento.

De repente as cortinas luminosas que separavam o hall se apagaram. Cronot Mokart ficou parado na abertura, olhando para o filho com uma expresso matreira.

Isto capaz de derrubar o homem mais forte, no acha? disse Cronot com a voz retumbante. Dentro do apartamento tudo no passa de iluso, mas do lado de fora certamente se fazem sentir os efeitos de um hipnoprojetor se que este no entra em funcionamento antes da sada.

Perish sorriu e deu de ombros.

Como pode ter tanta certeza? De repente bateu na testa. Fique onde est, Dad. Sairei e voc me observar sem sair do apartamento.

Boa idia! respondeu Cronot.

Perish virou-se e caminhou para a porta. Encostou a mo no lugar em que ficava a fechadura trmica. A porta abriu-se. Saiu. Um rptil brilhante de um metro de comprimento passou sua frente. Uma ave descrevia crculos no cu.

O oxtornense virou a cabea.

Voc me v, Dad?

No houve resposta. Percorreu os poucos metros que o separavam da janela e olhou para ela. O pai estava parado na sala, olhando fixamente para a porta. Perish bateu na lmina transparente da janela. Cronot no mostrou a menor reao.

De repente o velho oxtornense saiu andando, atingiu a porta, estendeu o brao e no mesmo instante ficou ao lado do filho.

O cmulo da perfeio disse em tom de elogio.

H pouco devemos ter estado aqui fora ao mesmo tempo, mas voc usou sua porta e eu a minha. Por isso no nos vimos. A paisagem a mesma. Gostaria de saber como conseguem uma coisa dessas.

Os lbios de Perish crisparam-se num sorriso pensativo.

E eu gostaria de saber o que acontecer se acionarmos os conjuntos de vo de nossos trajes e voarmos bem para a frente...

Mas acabou sacudindo a cabea.

Dei para falar bobagens. Se estivermos mesmo sob a influncia de um hipnoprojetor, teremos a sensao de dar uma volta em torno do planeta fictcio sem sair do lugar.

Mas voc saiu, Perish objetou Cronot. Logo, a paisagem deve ser verdadeira.

Voc me viu enquanto estava no apartamento, Dad?

No. Aporta voltou a fechar-se muito depressa. Quer dizer que em sua opinio fiquei sob a influncia do hipnoprojetor a partir do momento em que abri a porta?

Acho que sim. Mas isso no interessa. Nossos problemas so outros.

Colocou a mo sobre o ombro do pai e os dois voltaram ao apartamento.

Cronot Mokart aspirou fortemente o ar quando a porta se abriu sua frente.

Bem no meio da sala havia um vulto de pele negra enfiado no traje de combate da Frota Solar. O vulto ps mostra duas fileiras de dentes impecavelmente brancos.

Sou o Tenente-Coronel Malume, senhores. Acho que devo agradecer-lhes por ainda estar vivo.

* * *

Os homens apertaram-se as mos.

Como foi que conseguiram cur-lo to depressa, cara? perguntou Cronot. Tive a impresso de que teria de ser internado pelo menos por uma semana.

Ilja Malume deu de ombros.

Deve ter sido o tratamento biomdico lemurense. Acho que nossos antepassados foram gente muito competente.

Malume sorriu dolorosamente. Seu rosto ainda mostrava os sinais dos sofrimentos das ltimas semanas, mas a posio firme e elstica do corpo e o brilho arrojado dos olhos eram a melhor prova de que o oficial se sentia forte e descansado.

Cronot pigarreou e fez sua apresentao e a do filho.

Malume arregalou os olhos.

O qu?... Quer dizer que Cronot Mokart?

O velho cosmohistrico piscou os olhos, alegre.

Ser que meu nome j entrou nos manuais de histria das academias da frota? No possvel que me tenha tornado to clebre.

O senhor um homem muito conhecido, mesmo que seu nome ainda no conste dos manuais de histria retrucou Ilja em tom respeitoso. No foi o senhor que prendeu um condicionado em segundo grau?

Fomos ns. O rosto de Cronot assumiu uma expresso triste. Ns e oito soldados valentes que perderam a vida. Mas como soube disso? O monstro foi encontrado?

Ouvi a mensagem que enviou ao Marechal-de-Estado Bell. De repente o rosto de Ilja voltou a ficar srio. Infelizmente no sei mais nada. Tive de abandonar meu caa destroado pouco antes de o senhor ter transmitido a mensagem. Desci em Triton com o equipamento automtico de salvamento e fui aspirado por uma espcie de campo de redemoinho que me transportou ao interior da lua. Sabe o que aconteceu com a guarnio e a populao de Triton?

Capitularam por ordem de Bell respondeu Cronot. Em seguida os robs de combate os trancaram em depsitos. Infelizmente tudo que sabemos. Faz quase um ms que vagamos pelo labirinto subtritonense. A propsito: no me chame mais de senhor, cara. Meu nome Cronot.

E meu nome Perish observou o outro oxtornense.

Podem chamar-me de Ilja pediu Malume. Os senhores no devem ser naturais da Terra.

Cronot abanou a cabea, sorriu e segurou o oficial pelo cinto. Levantou-o com o brao estendido.

Hum! fez Ilja. Se Perish no tivesse cabelos na cabea, poderia pensar que so oxtornenses...

Perish Mokart fez uma careta.

Esses malditos mdicos da USO! indignou-se. No que implantaram uma pele biogentica com razes capilares sobre o crnio de um legtimo oxtornense?

Cronot deu uma estrondosa gargalhada.

No leve a srio o que ele disse, Ilja. No fundo ele deve estar agradecendo aos mdicos da USO...

O oxtornense interrompeu-se e olhou para as pontas dos ps.

Perish tentou distra-lo. Sabia que o pai estava recordando as semanas durante as quais seu filho mais velho estava entre a vida e a morte. Depois da implantao da prtese craniana a meninge morrera e tivera de ser substituda por uma meninge artificial, criada por meio de um processo de incubao rpida.

Vejo que Ilja no domina o lemurense disse Perish. Devemos ter cuidado. Se o sistema positrnico de vigilncia perceber...

J percebeu respondeu Ilja Malume. Falei cochilando e em seguida fui interrogado. Mas parece que se deram por satisfeitos com a desculpa de que fui transferido h pouco da frota regional de uma das colnias do grupo estelar M-13 para a frota principal.

Cronot Mokart deu uma risadinha.

O senhor bem esperto, cara. Isso nos livra de uma preocupao. Vamos pensar num meio de chegar superfcie o mais depressa possvel para, com nossa atuao, forarmos a deciso da luta a favor da humanidade.

Malume deixou cair o queixo.

O qu?... balbuciou. Acha que teremos uma atuao decisiva?

Cronot Mokart empertigou-se.

Foi o que eu disse, Ilja. Se os oxtornenses intervm numa luta, sua atuao sempre decisiva. Riu ao notar o olhar desconfiado de Ilja. Acha que enlouqueci? Espere e ver. Perceber que entrou num clube de malucos.

Muito bem! respondeu Malume, que ainda continuava meio desconfiado. Vamos embora!

Um momento objetou Perish Mokart. Acho que devemos ficar mais um dia aqui embaixo. O senhor precisa descansar, Ilja, para restaurar as reservas de energia. Para um homem nascido na Terra a caminhada para a superfcie no nenhuma brincadeira. Alm disso bom que pense bem antes de resolver qualquer coisa. Se nos acompanhar, arriscar a prpria vida. Como oxtornenses temos uma grande superioridade fsica sobre o senhor, e seremos obrigados a tirar o mximo de proveito desta superioridade, seno no teremos a menor chance. No se iluda. A luta que temos pela frente exigir demais de suas foras. J perdemos oito homens que se envolveram numa operao que no correspondia s suas condies orgnicas.

Sou um oficial da frota espacial respondeu Ilja Malume em tom srio. Sei perfeitamente o que devo fazer. Os homens que serviam em minha esquadrilha arriscaram e perderam a vida. Tambm empenharei a prpria vida, seja qual for a situao. E os senhores no me impediro de fazer isso.

OK respondeu Perish em tom spero. Est disposto a obedecer s minhas ordens? Sou um especialista da USO acrescentou ao notar a expresso de perplexidade nos olhos de Malume.

Nestas condies claro que me submeterei respondeu Malume, pondo mostra a linda dentadura num sorriso largo.

O oxtornense acenou com a cabea.

Muito bem. Partiremos amanh ao amanhecer. Se no me engano, tambm obteve um apartamento no hotel...

De fato. Mas acho que deveramos partir imediatamente...

O que eu disse foi uma ordem respondeu Perish. Em seguida quis dirigir-se ao pai, mas este tinha desaparecido.

Caramba! exclamou. Por que ser que ele saiu sem avisar?

Correu para a porta, seguido por Ilja Malume.

Foram encontrar o velho cosmohistoriador em seu apartamento. O hipercomunicador de que ele se apoderara nos corredores subtritonenses encontrava-se sobre a mesa. As luzes de controle estavam acesas, mas dos alto-falantes no safa nada alm do rudo conhecido do hiperespao.

Cronot levantou os olhos entrada dos dois.

Perdo! apressou-se a pedir antes que algum pudesse dizer qualquer coisa. O aparelhozinho implantado atrs de meu ouvido deu o sinal de chamada enquanto vocs estavam conversando. Vim correndo para c sem avisar, pois imaginava que vocs viriam atrs de mim.

Chegou alguma mensagem? perguntou o tenente-coronel.

Cronot Mokart abanou a cabea.

S peguei o fim de uma transmisso. Est para vir uma mensagem importante. De onde e...

Neste instante um estalo do aparelho fez com que Cronot se interrompesse. Dali a instantes a voz conhecida do Marechal-de-Estado Bell saiu do alto-falante.

Marechal-de-Estado Bell, no momento a bordo do cruzador pesado Wyoming, a todas as unidades da Frota Solar e s guarnies das bases. Vou transmitir uma informao por ordem do Administrador-Geral.

Um grupo de quatro homens comandado pelo Coronel Redhorse acaba de regressar Wyoming. Estes quatro homens, entre os quais se encontrava o teleportador Tako Kakuta, realizaram uma misso especial a bordo de um dolan comandado pelo condicionado em segundo grau chamado Tro Khon. Conseguiram estabelecer contato com o Capito Camaron Olek, que havia sido mentalmente subjugado pelo policial do tempo para servir como primeiro cosmonauta no dolan. Enquanto estavam a bordo do dolan, entraram num arsenal dos condicionados em segundo grau que fica no interior de uma gigantesca bolha de paratron situada no hiperespao.

Apesar da perseguio imediatamente iniciada e da enorme superioridade de foras do inimigo, conseguiram fugir da bolha de paratron sob a direo do Capito Olek.

Esta operao nos rendeu preciosas informaes sobre os condicionados em segundo grau e principalmente sobre os dolans. Diante do perigo representado por cerca de dez mil policiais do tempo estacionados no interior da bolha de paratron, o Administrador-Geral julgou conveniente transmitir estas informaes imediatamente a todos os membros das foras solares.

Na verdade, o dolan no passa de um ser vivo perfeito, sinteticamente produzido, que normalmente assume uma forma amorfa. Seu grau de inteligncia relativamente reduzido, no podendo ser comparado com o dos seres humanides. Quando dado certo comando, a figura amorfa transforma-se numa esfera oca de cem metros de dimetro. Durante a converso formam-se placas de tecidos que exercem as funes de conveses, sobre as quais se encontram conjuntos de mquinas e geradores previamente instalados, de uma microestrutura que ainda no conhecamos. Desta forma o dolan transforma-se numa espaonave viva equipada com instalaes tcnicas normais, que transmite as ordens recebidas aos diversos conjuntos de mquinas.

bem verdade que a simples presena de um condicionado em segundo grau no basta para dirigir o dolan. Pelo contrrio. A experincia demonstrou que estes seres de retorta so assumidos pelos chamados executores, contra sua vontade e at contra a vontade do dono. Os executores consistem nas mentes ativas de seres inteligentes altamente especializados. Os corpos destes seres so guardados numa sala especial do dolan, onde permanecem num estado de rigidez que conserva seus tecidos celulares. Esto clinicamente mortos, mas seus corpos no entram em decomposio. Quando a mente retorna ao corpo, como aconteceu no caso do Capito Olek, seus corpos despertam para a vida.

A bordo de cada dolan existem sete executores. O executor nmero um exerce as funes de cosmonauta, o nmero dois as de tcnico de vo, o nmero trs as de tcnico de mquinas, o nmero quatro o encarregado do rastreamento, do rdio e das comunicaes, o nmero cinco especializado no deslocamento em astros dos mais diversos tipos, o nmero seis o encarregado dos armamentos defensivos e ofensivos e o nmero sete exerce as funes de registro e anlise.

As sete mentes em conjunto formam um simpsio, juntamente com o dolan, que alm disso sustenta o suporte material das mentes. O vigilante do tempo que cuida do dolan comunica-se com o simpsio atravs de um aparelho do tamanho de um ovo de galinha implantado na pele do brao instrumental esquerdo.

H outro detalhe muito importante. Cada condicionado em segundo grau possui aquilo que se chama de parceiro simboflex. Trata-se de um simbionte orgnico parecido com uma lingia, que se apia sobre os ombros, formando um semicrculo em torno da cabea. Sozinho, o parceiro simboflex no passa de uma forma animal relativamente rudimentar, mas com o crebro comum e o crebro planejador de um condicionado em segundo grau representa um suplemento ao crebro programador que torna seu dono capaz de enxergar um dcimo de segundo no futuro.

So estas as informaes sobre os condicionados em segundo grau e suas espaonaves.

Mais um comunicado. Old Man no est mais guarnecido, uma vez que Tro Khon permanece por enquanto no para-arsenal da polcia do tempo. Mas bastante que ele introduziu nos computadores positrnicos de Old Man uma programao que corresponde aos seus interesses. Por isso o rob gigante ainda deve ser considerado nosso inimigo. Mas o maior perigo so os dez mil dolans estacionados no arsenal dos policiais do tempo. quase certo que nos atacaro. Por isso o Administrador-Geral deu ordem para que todas as foras solares permaneam em estado de rigorosa prontido.Os trs homens entreolharam-se. No disseram uma palavra. O crebro de Perish trabalhava intensamente, pesando os fatos. Finalmente chegou a uma concluso.

J fiz meu plano disse, esticando as palavras. O pai ergueu os braos num gesto de recusa.

Deixe-nos em paz com seus planos, Perish. Quando vejo a expresso dos seus olhos tenho um calafrio. Quais so mesmo suas intenes?

O rosto de Perish abriu-se num sorriso frio.

Tentaremos fazer alguma coisa contra Old Man...

4

Os sons da harpa elia juntaram-se numa melodia celestial, diante da qual Perish Mokart abriu a mente.

Sentiu um xtase que o desprendeu da matria do corpo. Livre e desligado das coisas materiais, entregou-se aos vus coloridos que subiam dos acordes da harpa elia, unindo-se no espao vazio para formar quadros definidos...

Depois de alguns acordes inebriantes as coisas comearam a assumir formas definidas. Embaixo Perish viu a superfcie de Triton, marcada pela luz vermelha com suas sombras acentuadas. Em cima dele a figura em foice de Netuno estendia-se que nem um gigantesco lampio. As pontas da foice ultrapassavam Triton de ambos os lados, que nem gigantescos chifres de biso, penetrando na escurido do espao csmico.

De repente a superfcie do satlite de Netuno subiu para perto dele em velocidade alucinante. Os contornos foram-se destacando em meio ao mosaico de luz e sombra. Difusas esferas cintilantes saram do cho rochoso. Eram canhes rotativos, vibradores, hiper-rastreadores. Todo o armamento defensivo secreto instalado na superfcie da lua h mais de cinqenta mil anos foi posto mostra diante do esprito de Perish.

O quadro desapareceu de repente. Em compensao as faces de um tubo desfilaram diante dos olhos da mente de Perish. Pareciam descer numa velocidade louca. Mas Perish sabia que era ele que se deslocava no interior do tubo. Os anis de marcao azul-fluorescentes confundiram-se por causa da alta velocidade. Estes anis permitiram que Perish notasse o incio da desacelerao. O sentimento de deslocar-se em queda livre diminuiu. O tubo abriu-se numa esfera. Perish teve a falsa impresso de que dentro de um instante seus ps bateriam no cho do recinto esfrico. Mas ele o atravessou com toda facilidade, atravessou outro tubo e finalmente viu mais embaixo o cho do hall de recepo da velha base lemurense...

Neste instante o esprito de Perish voltou realidade.

Viu os rostos do pai e de Malume e notou a ansiedade que havia nos olhos dos dois.

Teve de sorrir.

Est tudo na mais perfeita ordem. A nica coisa que temos de fazer arranjar equipamentos de combate lemurenses e pegar o elevador expresso que nos levar superfcie.

Um elevador expresso?... repetiu Cronot Mokart. Pelos espritos da Barreira. Por que Einaklos no nos levou logo a esse elevador, em vez de deixar-nos vagando por a?

Perish deu de ombros.

Sei l. Talvez no subconsciente nem desejssemos chegar superfcie. Mas agora que a mensagem do hipercomunicador nos proporcionou as bases do plano que poderemos seguir, as coisas mudaram de figura.

Ilja Malume franziu a testa e ps-se a contemplar a esfera prateada do tamanho de uma mo de criana fechada apoiada na palma da mo de Perish.

Quem ou o que vem a ser mesmo o tal do Einaklos? Perish Mokart sorriu com uma expresso indefinvel e colocou a esfera na mo do afro-terrano.

Segure bem! disse ao notar que Ilja estremecera fortemente.

Est pulsando! cochichou o tenente-coronel, perplexo. E est morno, morno que nem um corpo vivo...

uma espcie de cyborg explicou o antigo especialista e atual oficial de reserva da United Stars Organization. Trata-se de um ser artificial em forma de blstula, que forma uma unidade funcional com a parte maquinal da esfera. Ao que tudo indica, a parte orgnica da esfera sustenta a mente de Einaklos, enquanto a parte mecnica desempenha as funes executivas. Sem dvida a definio que acabo de dar no completa. possvel que Einaklos acabe explicando tudo em sua lngua. Seja como for, ele transferiu a parte imaterial da mente antes da morte fsica substncia da blstula.

uma forma de existncia que me d calafrios retrucou Ilja. Mas apesar disso gostaria de saber como Einaklos veio a conhecer as instalaes mais secretas da antiga cidade de fugitivos lemurenses.

Foi quem dirigiu sua construo limitou-se Perish a responder.

O rosto de Ilja Malume desfigurou-se numa expresso de pavor e incredulidade.

Mas...! Respirou profundamente. Mas se assim, Einaklos deve ter mais de cinqenta mil anos.

Tem mesmo. E sabemos que isso no impossvel. Com os crebros conservados que se encontram em Old Man acontece mais ou menos a mesma coisa.

Acontece que a existncia prolongada destes crebros fez com que eles enlouquecessem objetou Malume.

O que no me deixa nem um pouco admirado respondeu Perish Mokart com um sorriso. O crebro humano no se presta to bem conservao de uma mente quanto uma substncia de apoio especialmente criada para esse fim. Alm disso no devemos esquecer que a mente de Einaklos dormiu durante cerca de cinqenta mil anos. Ficou desligada. S acordou quando apertei sem saber o boto de ativao.

O oficial da frota riu baixo.

No me venha com suas brincadeiras macabras, Perish! Uma mente no pode ser ligada e desligada que nem uma mquina.

Ningum diz que uma mquina objetou Cronot. Mas os cinqenta mil anos de sono so um fato. Acho que no momento no importa como isso aconteceu. Temos de ater-nos aos fatos.

Ilja Malume sacudiu o corpo.

Tento imaginar que perspectivas isso abre para o futuro. Quem sabe se nas prximas geraes as mentes dos moribundos no sero fixadas em depsitos do tamanho de uma casa, onde possam comunicar-se e talvez at estabelecer contato com o mundo exterior. Tomara que eu no chegue a ver isso.

Cronot Mokart esboou um sorriso.

Leia o trabalho de Baar Lun intitulado O Domnio Sobre os Mortos e ficar sabendo que essas coisas j existem h mais de dez mil anos. H dezenas de milhares de anos os habitantes de uma grande metrpole levaram uma vida imaterial, sem desconfiar de que fisicamente j tinham deixado de existir. Os forasteiros que chegavam l eram mortos e incorporados cidade dos espritos. Quem l isso tem uma idia da importncia daquilo que costumamos chamar de consciente ou mente.

No acredito que o futuro da humanidade esteja nesse tipo de existncia afirmou Perish Mokart em tom resoluto. Os terranos preferem viver fisicamente... um sorriso ligeiro apareceu em seu rosto ... mesmo que com algumas peas mecnicas.

Pensei que fossem oxtornenses...

Somos terranos de origem oxtornense respondeu Cronot com a voz firme. E fazemos questo de que isso fique bem claro.

Malume sorriu compreensivamente.

OK! Mas voltemos ao assunto. Onde vamos arranjar os equipamentos de combate lemurenses? Ser que realmente precisaremos deles? Quanto a mim, estou satisfeito com meu traje de combate terrano.

Ns tambm retrucou Perish. Mas por melhor que seja uma coisa, ela ainda pode ser melhorada.

* * *

Assim que entrara no apartamento, o controle automtico lhe chamara a ateno. Sabia que por intermdio dele podia mobilizar quase todos os recursos da base secreta. Mas hesitou antes de manifestar seus desejos.

Havia por l tanta coisa que a tecnologia terrana ainda no conhecia, ou que pelo menos ainda no fora construda dessa forma maravilhosa. Era um grande achado para qualquer cosmohistoriador. Perish gostaria de ficar mais seis meses nas antigas instalaes lemurenses, e sabia que a mesma coisa estava acontecendo com seu pai. Mas a superfcie de Triton era dominada pelos robs de combate de Old Man, e o gigantesco rob espacial ainda punha em perigo o Sistema Solar, que era o bero dos lemurenses, aconenses, arcnidas, aras, saltadores e de outros grupos dispersos de antigos emigrantes, alm de ser o corao da segunda humanidade.

Nestas condies qualquer desejo pessoal tinha de ficar em segundo plano.

Lanou um olhar expressivo para o pai e para Ilja Malume e encostou a palma da mo superfcie de acionamento, que funcionava segundo o princpio antiqssimo da ativao trmica.

Dali a um instante ouviu-se uma voz mecnica.

Comando automtico M-9 falando. s suas ordens.

Precisamos de equipamentos de combate completos para uma operao-comando contra os inimigos que desceram em Triton disse Perish.

Houve alguns cliques no console automtico e outra voz mecnica se fez ouvir.

Comando especial Z-l falando. Equipamento preparado. Favor acompanhar o guia de imagem amarelo.

Os trs ainda no tinham compreendido o que significava o guia de imagem amarelo, quando um ponto luminoso amarelo surgiu sua frente, saindo do nada. Flutuava livre e silenciosamente no ar, permaneceu imvel por alguns instantes e em seguida comeou a deslocar-se em direo porta do apartamento.

fantstico! exclamou o Tenente-Coronel Malume. Estendeu a mo em direo ao ponto luminoso, dando a impresso de que queria agarr-lo.

Cronot soltou um grito de alerta, mas a mo de Ilja j tinha atravessado o ponto luminoso amarelo sem que sua intensidade diminusse.

Perish deu uma risada ao ver a perplexidade de Ilja.

No se esquea de que ele nos foi oferecido como guia-imagem explicou em tom malicioso. O que poderia esperar de uma figura imaginria? Que ela lhe queimasse os dedos? Aposto que essa coisa s existe nos centros de percepo de nossos crebros.

Ilja Malume praguejou em voz baixa.

Parece que os velhos lemurenses apreciavam as brincadeiras psicolgicas resmungou Cronot.

Brincadeiras?... Perish Mokart abanou a cabea. Imagine s se algum quisesse colocar placas nestas instalaes gigantescas, que permitissem a qualquer um chegar aos mais diversos lugares. Seria confuso e pouco prtico, ainda mais se a guarnio da base fosse completa. Mas do jeito que foram feitas as coisas, mesmo que houvesse dez mil pessoas, cada um teria seu guia particular que somente ele veria. Acho que a soluo ideal. Deveria ser adotada nas grandes naves de guerra e nas bases terranas.

Ainda estavam discutindo quando saram do apartamento e entraram no corredor circular, onde j havia uma das plataformas de transporte que j conheciam sua espera. Os trs ficaram de p na plataforma e no mesmo instante foram transportados em alta velocidade para o tubo vazio que percorria o interior do hotel subtritonense. Foram envoltos num campo de conteno invisvel, que evitou que se sentissem inseguros ou perdessem o equilbrio.

Gostaria de saber como esta plataforma pode enxergar uma luz imaginria murmurou Malume, confuso.

Acho que o dispositivo positrnico que dirige a plataforma se guia pelos impulsos de nossas mentes respondeu Perish. No fundo a soluo mais simples.

Se isso simples, no sei o que poderia ser complicado disse Cronot Mokart.

Perish sorriu, mas no respondeu observao do pai. Talvez fosse por causa do treinamento tcnico intenso recebido na Academia da USO que ele no gostava de filosofar sobre os dados tcnicos, uma vez que estava mais interessado em compreender e aproveitar suas potencialidades prticas. Alm disso sabia que os velhos lemurenses de forma alguma tinham sido um povo decadente ou degenerado. Lutavam pela prpria existncia e aproveitavam ao mximo seu potencial tcnico, para alcanar os maiores resultados possveis com o menor dispndio. Naturalmente no pensavam em brincadeiras. Por isso suas instalaes no podiam ser nada complicadas.

Tinham viajado dez minutos quando uma escotilha se abriu sua frente. Entraram numa sala semicircular. Telas levemente abauladas brilhavam nas paredes.

Comando especial Z-l falando disse neste instante a voz automtica. Os senhores acabam de entrar na sala de tateamento. Os equipamentos especiais sero confeccionados sob medida. Os detalhes sero projetados nas telas. Peo sua ateno.

Cinco telas iluminaram-se ao mesmo tempo. Cronot Mokart soltou um grito de surpresa. Perish ficou com as plpebras semicerradas. Nem nas suas fantasias mais arrojadas seria capaz de conceber o quadro projetado nas telas.

Uma delas mostrou um conjunto de cor indefinida. Havia o abaulamento inferior caracterstico do capacete na altura do pescoo. Era um sinal de que o traje podia ser usado no espao vazio. Uma voz automtica suave explicou os detalhes. Alm do conjunto propulsor, o conjunto possua um sistema anti-rastreamento de grande potncia, formado por projetores de deflexo, dispositivos que absorviam as emisses e neutralizadores de impulsos goniomtricos que funcionavam na quinta dimenso. Perish compreendeu que a pessoa que usasse um conjunto destes no poderia ser localizada por meio de impulsos de hiper-rastreamento, nem pelos detectores de impulsos energticos ou pelos dispositivos ticos grande angulares de fita.

As outras telas mostraram, com as respectivas explicaes, armas energticas do tipo usado na Frota Solar, alm de armas vibratrias portteis de grande potncia e arremessadores de vibrao, capazes de lanar cpsulas explosivas atmicas, granadas desintegradoras e geradores de campo de rotao em mini-formato, alm de recipientes cheios de gs dos nervos. Os petardos eram transportados ao alvo atravs do espao linear. Qualquer carga transportada podia ser usada como bomba-relgio deixada em qualquer lugar.

Macacos que me penteiem! exclamou Ilja Malume. At mesmo Roi Danton empalideceria de inveja se visse este equipamento.

Perish Mokart pigarreou e disse com uma arrogncia fingida:

Eu disse que teremos uma atuao decisiva no conflito...

* * *

Gostaria de saber se estes trajes tambm possuem campos defensivos murmurou Cronot Mokart pensativo.

Apalpou a superfcie quase completamente lisa do traje, procura dos respectivos controles.

Hum! fez Perish. Tive uma idia. Que tal voc disparar a arma energtica contra mim?

O pai sorriu.

Acho que andou lendo demais Omar Hawk. O fato de voc ter recebido o treinamento especial da USO no o autoriza a brincar com a prpria vida.

Perish no retribuiu ao sorriso. Muito srio, dirigiu-se a Ilja Malume.

Faa o favor de disparar a arma paralisante contra mim, Ilja.

O tenente-coronel cocou a cabea entre os cabelos crespos.

Sei aonde quer chegar, Perish. Mas como pode ter tanta certeza de que os velhos lemurenses j dispunham de controles de premonio?

Vamos experimentar! Uma arma paralisante comum como a sua no me impressiona muito. Quando muito sentirei um formigamento desagradvel.

O rosto de Malume assumiu uma expresso alegre.

Ah, sim! Nem me lembrava disso.

Malume pegou a arma paralisante, fez pontaria para a perna esquerda do oxtornense e apertou o gatilho. Perish Mokart sacudiu a cabea.

Para que toda essa delicadeza? Aponte a arma para a cabea. No tenho nenhuma sensibilidade nas pernas. Talvez ainda no saiba que so produtos fabricados pelos bio-cibernticos da USO.

Hum! resmungou Ilja. Parece que os homens que servem sob a bandeira de Atlan vivem perigosamente.

Ilja sorriu e disparou uma carga de choque no rosto de Perish.

O antigo especialista da USO nem pestanejou.

Nada disse. Vamos experimentar com uma arma energtica.

Ilja Malume comeou a transpirar na testa. Sacudiu a cabea.

Isso eu no fao, Perish! No vou atirar em algum sem ter certeza de que o tiro no lhe far mal.

Permite que use sua arma energtica? perguntou Cronot enquanto tirava a arma energtica porttil de construo terrana que Malume trazia no cinto. Examinou ligeiramente a regulagem de intensidade do tiro e devolveu a arma. Disperso mxima e potncia mnima explicou em tom calmo. Isso um oxtornense ainda agenta. Atire em mim, Ilja.

A idia foi minha, se me permite protestou Perish Mokart.

Permisso concedida respondeu Mokart com um sorriso. Acontece que voc meu filho, e se continuar a meter o nariz onde no chamado terei de dar-lhe uma boa surra. Ilja!

Ilja Malume estava embaraado, olhando ora para o pai, ora para o filho. Tossiu baixinho.

Bobagem! objetou o velho oxtornense. Quem manda na minha famlia sou eu.

Aceitei Perish como comandante, Cronot...

Malume deu de ombros e regulou a arma energtica manual da forma que Cronot pedira. Sabia que num terrano o tiro ainda provocaria queimaduras de segundo grau, mas um oxtornense s ficaria com a pele ligeiramente avermelhada. Isso o deixou mais tranqilo.

Mas apesar disso voltou a transpirar na testa enquanto fazia pontaria em Cronot Mokart e apertava o gatilho.

No houve nada alm de uma cintilncia fraca. Teve-se a impresso de que por uma frao de segundo o velho cosmo-historiador se encontrava atrs de uma parede de vidro de qualidade inferior.

Aumente a potncia! decidiu Cronot.

Ilja Malume confirmou com um aceno de cabea. Seus receios desapareceram. Regulou o tiro para metade da intensidade mxima. A nica diferena foi que a cintilncia que surgiu entre ele e o oxtornense era mais forte.

Acho que isso confirma minha teoria afirmou Perish. A ativao do campo defensivo feita por um sistema que funciona em velocidade ultraluz. Como nenhum raio atinge velocidade superior da luz, o campo defensivo sempre ser ativado antes que o raio disparado pela arma atinja a pessoa. Desta forma economiza-se muita energia, que pode ser usada em outra parte.

Mas se o sistema de acionamento do campo defensivo apresentar algum defeito? perguntou Malume em tom spero.

No se preocupe com isso! respondeu Perish. O senhor nem perceberia.

Mas o fato de dependermos de um sistema automtico sempre provoca uma sensao esquisita murmurou Cronot.

Perish Mokart fez um gesto de pouco-caso.

Pouco importa que nosso equipamento seja automatizado em cinqenta ou em cinqenta e um por cento.

Perish ligou o equipamento anti-rastreamento. No mesmo instante tornou-se invisvel para os outros. Mas assim que Cronot e Ilja ativaram seus defletores, Perish voltou a aparecer sua frente. Estava ligeiramente deformado, como se o vissem atravs de uma camada fina de gua agitada, mas continuava perfeitamente visvel.

um efeito de compensao disse Ilja Malume. Menos vezes menos d mais. O sistema de proteo contra a viso deve incluir um dispositivo de rastreamento indireto.

Eis a uma soluo genial para um velho problema completou Perish. Tomara que depois dos combates o traje possa ser entregue intacto aos nossos cientistas.

Dar-me-ei por satisfeito se ns escaparmos sem muitos ferimentos disse Cronot em tom irnico. Ps-se a guardar o equipamento suplementar colocado sua frente por uma placa transportadora. Ficou satisfeito ao perceber que o conjunto especial de confeco lemurense lhe assentava to bem que at parecia uma segunda pele. No havia dobras nem lugares apertados. Com um olhar triste lanou o traje com que tinha vindo sobre a plataforma vazia. Bem que gostaria de lev-lo, mas possua bastante bom senso e experincia para no fazer uma coisa dessas. A carga adicional suprflua s poderia prejudicar sua atuao. Pronto! informou Ilja.

Perish Mokart examinou o tenente-coronel e seu pai com o olhar duro e objetivo de um experimentado especialista da USO. Ajustou um suporte, redistribuiu algumas cargas e finalmente acenou com a cabea, satisfeito.

Podemos ir embora disse, para acrescentar com um sorriso: um momento histrico, que ainda ser considerado o incio da grande virada.

O pai fitou-o com uma expresso zangada.

Deixe de ser cnico, filhinho, seno serei obrigado a deserd-lo.

5

O elevador expresso antigravitacional levou apenas dez minutos para conduzi-los superfcie de Triton. Seguindo as indicaes de Einaklos, no tiveram dificuldade em encontrar a entrada do elevador.

O campo energtico colocou-os numa cpula blindada to perfeitamente transparente que Ilja Malume bateu nela com o capacete pressurizado fechado.

Nada mau! elogiou Cronot. Esta cpula deve estar muito bem protegida contra qualquer espcie de deteco, seno j teria sido descoberta.

Cronot apontou para algumas cpulas vermelho-brilhantes que ficavam junto linha do horizonte.

Os homens respiraram aliviados. Tritona no fora destruda. Ao que parecia, os condicionados em segundo grau queriam fazer de Tritona sua cabea-de-ponte no Sistema Solar.

Tomara que no tenham desembarcado agentes de cristal disse Perish Mokart de si para si. Engoliu em seco. Sabia perfeitamente que se tratava de um inimigo cruel. No tinha o menor escrpulo em escravizar a populao de um planeta e faz-la enlouquecer.

Vamos usar o equipamento de transporte? perguntou Malume.

O qu? Perish sobressaltou-se em meio aos seus pensamentos sombrios. claro que vamos.

De repente sentia-se muito impaciente. Era como se cada segundo contasse, apesar de terem vagado quase um ms no subsolo de Triton.

Seu pai j descobrira como se tinha de fazer para atravessar a cpula transparente. Viu-se mais uma vez que em certas coisas os lemurenses de cinqenta mil anos atrs tinham sido mais avanados que os terranos daquela poca. Bastava ativar o sistema anti-rastreamento do traje especial e encostar-se parede invisvel. Dentro de alguns segundos a estrutura molecular desmanchou-se diante do oxtornense, para em seguida voltar posio inercial.

Cronot voltou e transmitiu o resultado de sua experincia aos outros. Mas no momento ningum estava disposto a manifestar sua admirao pela tecnologia lemurense. Todos aguardavam ansiosamente a primeira prova de fogo.

Os trs saram da cpula e olharam para trs. O terreno atrs deles era igual ao da frente, e no se via sinal da sada do elevador.

Os homens ligaram os conjuntos energticos de seus trajes e aceleraram at atingir a velocidade de quatrocentos quilmetros por hora. Sobrevoaram de forma completamente silenciosa os contrafortes das montanhas Scrap. As silhuetas das abbadas da cidade de Tritona pareciam crescer e inchar sua frente. Levaram menos de cinco minutos para atingir as primeiras construes abobadadas.

Havia mais uma coisa.

frente das cpulas estavam estacionados robs de combate do tipo superpesado de dois metros e meio de altura. Sem dvida tratava-se de robs de combate terranos vindos do rob gigante Old Man, que fora construdo por terranos e para os terranos.

Perish Mokart reduziu a potncia de seus propulsores e desceu frente de um dos robs. Correu em torno da mquina monstruosa, mas os rgos de rastreamento, fabricados segundo o modelo dos olhos humanos, s emitiam um brilho vermelho fraco. Os dois braos armados continuaram abaixados.

O antigo especialista da USO respirou aliviado.

A primeira experincia fora bem-sucedida. Os trajes de combate lemurenses protegiam-nos at mesmo contra a deteco pelos robs de combate.

Perish voltou a ativar seu propulsor e subiu para onde estavam os companheiros, que descreviam crculos com as armas apontadas.

Tudo OK informou atravs da maravilha de radiotransmissor que podia ser melhor definida pela palavra sub-hipercomunicador. A transmisso foi irradiada em velocidade ultraluz, atravs do conjunto espcio-temporal da quarta dimenso, o que produzia uma dilatao do tempo, compensada por meio de uma modulao do receptor. Evidentemente o aparelho no servia para as transmisses interplanetrias, quanto mais para as interestelares. Mas nas transmisses a pequena distncia apresentava uma grande vantagem. O inimigo no podia detectar a fonte da transmisso nem ouvir esta a no ser que possusse o respectivo receptor e estivesse informado sobre a velocidade da transmisso, o que de forma alguma acontecia com os robs de combate terranos.

Perish preferiu no prolongar a conversa. Estava ansioso para conhecer a situao dos habitantes de Tritona.

O grupo sobrevoou a primeira fileira de construes abobadadas. Viram que nem os edifcios nem as cpulas propriamente ditas tinham sido danificados. Robs de combate patrulhavam entre as construes. Fora disso no se via o menor sinal de vida.

Pretendiam chegar segunda fileira de cpulas. Iriam enfrentar mais uma fase crtica da operao. Teriam de encontrar um meio de entrar em uma das cpulas sem serem notados, embora as eclusas estivessem fechadas e fortemente vigiadas.

Seremos obrigados a danificar a parede de uma das cpulas, fazendo com que a atmosfera escape de seu interior. bem provvel que isso faa com que alguns robs de manuteno saiam da cpula. Enquanto isso entraremos s escondidas.

Como pretende danificar as paredes das cpulas? perguntou Cronot Mokart. Com sua arma energtica?

Perish sorriu ligeiramente.

O que o senhor usaria para danificar a parede, Ilja? perguntou.

Usaria um meteorito respondeu Ilja Malume laconicamente.

Cronot deu uma risadinha.

claro que s pode ser com um meteorito. Talvez possa usar alguma magia para trazer um do espao.

O sorriso de Perish acentuou-se.

Ilja tem razo, Dad. Qualquer coisa provocaria suspeitas nos robs. Qualquer coisa, menos alguma coisa que numa lua de Netuno deve parecer bem natural. Ilja teve uma idia genial. Ser que ele mesmo no quer p-la em prtica?

Naturalmente respondeu Ilja. Quem cozinha a sopa deve com-la.

Desceu mais e pousou num monte de escombros deixado pelos trabalhadores do servio de terraplenagem durante a construo da cidade de Tritona. Ficou procurando por alguns minutos, at encontrar uma pedra do tamanho de uma bola de pingue-pongue e quase to redonda como esta. Enfiou-a na cmara de carga de sua arremessadora linear, fez um sinal para os Mokarts e subiu ao cu vermelho-escuro que nem um projtil.

Ora, ora! disse Cronot Mokart. Esses jovens de hoje! Tm cada idia!

Os lbios de Perish tremeram. No se sentia muito vontade para demonstrar sua alegria em altas vozes. Pediu ao pai que o seguisse e foi-se afastando devagar da abbada.

Depois esperaram.

Por causa da gravitao relativamente reduzida de Triton, Malume no teria nenhuma dificuldade em subir a cerca de duzentos quilmetros. Era a distncia necessria para tornar plausvel a pretensa queda do meteorito. Da mesma forma que a Lua terrana, Triton possua uma atmosfera rarefeita, que s poderia ser considerada um vcuo perfeito se comparada com as formas primitivas de vcuo da era pr-atmica. A oitenta quilmetros de altura, sua densidade era igual da atmosfera terrana na mesma altura. medida que a pessoa se afastava de Triton, aumentava a densidade em relao da atmosfera do planeta Terra. Era por causa da gravitao reduzida, que no permitia que a atmosfera se concentrasse to fortemente junto superfcie. Por isso um meteorito que atingisse Triton ficaria incandescente, tal qual acontecia na Terra e os robs de vigilncia notariam perfeitamente se isso acontecera com o meteorito de que se tratava.

Passaram-se alguns minutos durante os quais no aconteceu nada. De repente os olhos aguados e treinados de Perish avistaram uma ligeira trilha de luz no firmamento.

Dali a instantes uma nvoa branca saiu da cpula.

Esta fora atingida pelo meteorito.

A presso interna fez com que a abertura aumentasse bem depressa. Surgiu um verdadeiro giser arremessando cristais de gelo para o espao. A reao dos robs de Old Man foi imediata. No ficaram correndo de um lado para outro. Pararam, certamente para notificar o prejuzo a quem de direito. Os guardas-porteiros s levaram alguns microssegundos para abrir as escotilhas da eclusa. A atmosfera saiu da cpula numa descompresso explosiva, evitando que a rachadura no telhado aumentasse ainda mais.

A presso tinha baixado quase para zero, quando cinco robs desarmados saram de uma casinha de elevador que ficava no interior da cpula.

Ilja Malume voltou antes que os robs de manuteno atingissem a eclusa mais prxima. Os dois oxtornenses se colocaram um de cada lado dele e entraram na cpula voando atravs de uma das eclusas abertas.

Foi um bom trabalho, Ilja elogiou Perish e quis bater no ombro do oficial. Mas sua mo foi atirada para trs.

Malume deu uma risadinha.

Ainda bem que o campo defensivo no mata quem entra em contato com ele, Perish.

Perish Mokart mordeu o lbio. Estava aborrecido por no se ter lembrado do sistema de ativao automtica do campo defensivo.

Ficaremos perto do elevador pelo qual vieram os robs de manuteno decidiu.

Deitou no cho e tentou distinguir alguma coisa no poo do elevador, que estava s escuras.

A atmosfera existente na casinha de entrada do elevador era respirvel e estava sob uma presso quase normal. A vedao das eclusas era perfeita. Mas fora do edifcio cbico ainda reinava o vcuo. Os robs de manuteno estavam reparando o vazamento no teto abobadado.

Viu que os robs so de Tritona, Perish? perguntou Cronot Mokart.

Perish acenou com a cabea.

Por que no haveriam de ser? Afinal, so especializados na tarefa e sua programao no capaz de distinguir quem amigo e quem inimigo.

Perish esforou-se para identificar os rudos vindos de baixo. Os microfones externos do traje lemurense transmitiam um barulho surdo intermitente. De vez em quando se ouvia um chiado agudo. Parecia que l embaixo estava sendo desmontada alguma coisa.

O oxtornense deu de ombros.

No adianta. Temos de descer para dar uma olhada. Aqui no se consegue ouvir o que est acontecendo.

O sistema de propulso de campo energtico de seu traje especial o nome certo seria sistema de propulso para-gravitacional, o que soaria muito complicado trabalhava silenciosamente e sem emanaes energticas detectveis. Neutralizava os efeitos da gravitao tritonense e invertia a polarizao da energia da massa transportada conforme desejasse a pessoa, tornando dispensvel o uso do sistema de retropropulso.

Os trs homens foram descendo lentamente pelo poo do elevador. Continuava escuro, o que era perfeitamente compreensvel, uma vez que no momento por ali s transitavam robs, que no dependiam da luz visvel.

Tinham descido cerca de duzentos metros quando os ps de Perish tocaram numa plataforma. O oxtornense virou-se e viu figura macia de dois metros de altura de um rob de combate terrano que se destacava na vaga luminosidade do tnel.

Sem querer mordeu o lbio. Por pouco no dirigira a palavra ao rob. A forma terrana representava um fator capaz de induzir em erro a psique de qualquer ser humano, que poderia ver no rob um amigo, quando na verdade se tratava de um inimigo implacvel.

Estas mquinas de guerra foram construdas mesmo para ajudar os homens, pensou o oxtornense. Foi somente por causa de uma srie de enganos fatais e da invaso dos agentes de cristal que a espaonave mais poderosa de todos os tempos com seus cerca de quinze mil supercouraados e milhes de robs de combate tomaram uma atitude hostil para conosco. Temos de encontrar um jeito de mudar isso!... murmurou entre os dentes.

Como? perguntou Ilja Malume. Perish Mokart riu contrariado.

Nada! No quero que ningum pense em comunicar-se com estes robs.

No estamos com vontade de morrer! retrucou Cronot aborrecido.

Perish passou cuidadosamente junto mquina colossal. Os olhos de radar emitiam um brilho fosco na escurido. As terrveis armas pareciam ameaar os homens, e Perish engoliu em seco quando teve de passar junto abertura do cano de uma arma ativada. Se o rob o localizasse naquele momento, apesar do traje especial, no teria a menor chance. O colosso abriria fogo imediatamente, no dando tempo sequer para que os homens tivessem conscincia da prpria morte.

Mas tudo saiu bem. A mquina de guerra permaneceu imvel. Perish, Cronot e Ilja aceleraram o vo, mal tinham passado pelo rob de vigilncia. Encontravam-se na rede de vias de transporte subtritonenses da cidade. Era bem verdade que as esteiras rolantes no estavam funcionando, nem os carros planadores dirigidos pelo rdio.

Quando atingiram o primeiro setor de distribuio viram cerca de vinte robs trabalhadores que estavam retirando as paredes laterais com cortadeiras energticas e desintegradores, para instalar pedaos de um tubo de um metro de dimetro.

Parece que esto construindo uma torre blindada cochichou Malume.

Perish Mokart no respondeu. Era capaz de imaginar por que estavam construindo um forte recolhvel naquele lugar. Ao que parecia, Old Man escolhera Triton para servir de entreposto para futuros prisioneiros e estava fortificando as entradas e sadas, para controlar as vtimas com o menor esforo possvel. Era um sinal de que dentro em breve haveria uma ofensiva em grande escala. O antigo especialista ficou to nervoso que sentiu um formigamento nas pontas dos dedos.

Mas no momento seu problema era outro. Tinham de encontrar um meio de passar por este lugar repleto de robs sem serem descobertos. No se via um palmo de cho livre.

O pai livrou-o das preocupaes. Cronot Mokart voou para um lugar em que trs robs trabalhadores abriam passagem com desintegradores para penetrar na parede e abrir um lugar para as peas do tubo.

O velho oxtornense atravessou com uma rapidez extraordinria os raios que dissolviam as estruturas. No sofreu ferimentos, mas houve uma forte cintilncia da nuvem de gases moleculares. Era um sinal de que o traje de proteo fora capaz de repelir as foras destrutivas.

No mesmo instante os trs robs suspenderam o trabalho. Um deles foi ao local de impacto dos raios para examinar a sbita irregularidade verificada no processo d