p-485 - os mutantes de erysgan - h. g. ewers

102
OS MUTANTES DE ERYSGAN Autor H. G. EWERS Tradução AYRES CARLOS DE SOUZA (P- 485)

Upload: annttonny

Post on 02-Dec-2015

63 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

OS MUTANTESDE ERYSGAN

AutorH. G. EWERS

TraduçãoAYRES CARLOS DE SOUZA

RevisãoGAETA

(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)

(P-485)

Page 2: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Na Terra e nos outros mundos do Império Solar da Humanidade os calendários registram meados de abril do ano 3.438. Deste modo, Perry Rhodan e seus 8.000 companheiros já se encontram há exatos nove meses na NGC 4594, ou Gruelfin, a galáxia natal dos cappins.

Durante estes tempos os terranos com sua nave gigante viveram um grande número de situações perigosas. E também atualmente a situação da Marco Polo é insegura, ainda que não precária. A ultranave portadora encontra-se no centro da nuvem vermelha Terosch, cercada por milhares de unidades robóticas, que após o atentado dos pedopilotos, novamente obedecem à Proto-Mãe.

Roi Danton, chefe da expedição da Marco Polo na ausência de Perry Rhodan, espera. Ele espera pelo regresso de Rhodan e Atlan, bem como dos seus pedoparceiros Ovaron e Marceile ou, pelo menos, por uma notícia dos quatro indivíduos com os dois corpos.

Mas os homens e mulheres da Marco Polo continuam na incerteza. Rhodan/Ovaron e Atlan/Marceile não podem transmitir nenhuma mensagem e muito menos voltar para a Marco Polo. Eles estão fugindo dos seus perseguidores. Embora tenham alcançado a central de evasão dos perdachistas, eles ainda não têm qualquer perspectiva de como escapar da micro galáxia Morschaztas, metida no hiperespaço, ou de lançar a Marco Polo dentro desta dimensão.

Para um projeto semelhante eles precisam da ajuda dos Mutantes de Erysgan...

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =

Almirante Farro — Um fantasma do passado — e um “deus”.

Perry Rhodan e Atlan — O terrano e o arcônida fazem contato com o “mundo subterrâneo”.

Ovaron e Marceile — Hóspedes nos conscientes do terrano e do arcônida.

Remotlas — Chefe dos perdachistas de Erysgan.

Poncruter e Lapender — Emissários do Reino dos Mutantes.

Arhaeger — Soberano do mundo subterrâneo de Erysgan.

Maischat — Primeiro Ganjator de Erysgan.

Page 3: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

1

Na guarda do meio, Gilgamesch interrompeu o sono, ergueu-se rapidamente e perguntou ao amigo:

— Amigo, você não me chamou? Por que eu acordei? Você não me sacudiu? Por que estou tão horrorizado? Passou algum deus por aqui? Por que estou sentindo esse arrepio de medo?

— Amigo eu tive um terceiro sonho e, o sonho que tive, foi terrível. Os céus gritaram, a crosta do planeta retumbou, o mar congelou, a escuridão chegou, houve um relâmpago, vi labaredas de fogo, as nuvens ficaram mais espessas, choveu morte e destruição. De repente o fogo branco incandescente se apagou, e o que caiu — lá do alto — era só cinza...

(Do poema épico Gilgamesch, quinto painel, lacunas complementadas por Elgart Gaisas.)

O rosto do Almirante Farro parecia uma máscara de pedra-solita cinzenta. Os olhos azuis-claros velaram-se momentaneamente, quando a última nuvem de gás incandescente dissipou-se no cosmo.

Eu virei o rosto rapidamente e concentrei-me nos controles, quando notei que a rigidez de máscara do Almirante Farro se desfez. O almirante não precisava saber que eu o tinha observado, enquanto a última nave de sua formação de elite era destruída, pelas unidades do cérebro-robô. Ele jamais, entenderia que a morte dos seus melhores homens não me abalava especialmente.

Talvez, se ele soubesse quem eu era verdadeiramente...Porém este era meu segredo, que eu não revelaria sem uma necessidade premente.

Os meus nomes eram tão numerosos quanto as vidas que eu tinha vivido. Eu ainda me chamava Ervelan, porém, no máximo, dentro de cinquenta anos teria que assumir uma nova identidade, se o meu segredo não devesse ser revelado.

— Quanto falta ainda, Ervelan? — perguntou o Almirante Farro, repentinamente. Eu senti o seu olhar na minha nuca.

— Falta pouco ainda, almirante — respondi, vagamente. Os meus dedos deslizaram por cima do painel de controle com suas diversas teclas

coloridas. A Saltequyn pulou para a frente, com um uivar, quando a propulsão se elevou.— O senhor está... — começou Farro, furioso. Ele emudeceu e mordeu os lábios, quando me virei, sorrindo-lhe.Logo depois as sirenes de alarme uivaram. Alerta de rastreamento. Nos monitores

de controle do sensor de objetos apareceram inúmeros pontinhos que brilhavam em verde-claro. Uma voz não modulada, mecânica, enumerou valores.

Eu desliguei o alarme. Era insignificante que as naves-robôs tivessem medido as emissões energéticas de nossos propulsores. A Saltequyn já se encontrava perto demais do ponto de transição, para que ainda pudesse ser alcançada. Ela também não podia mais ser bombardeada, pois as descargas energéticas teriam saltado para a concentração energética do ponto de transição, provocando um defeito de continuum, irreparável.

Poucos llarags mais tarde nós mergulhamos no ponto de transição. Um chamejar singular envolveu a Saltequyn. O espaço normal parecia não mais existir. Eu bati na tecla PARADA dos propulsores e as turbinas pararam, gaguejando.

Page 4: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Aquele vermelho ardente esgueirou-se formalmente através das paredes da astronave, infiltrou-se no meu corpo até que tudo estivesse preenchido por ele. Depois apagou-se, repentinamente, provocando como que um choque. Os meus sentidos precisaram de alguns llarags para se ajustar à situação modificada. Primeiramente eles registraram um silêncio que tudo abrangia, depois um vazio bocejante — e no meio do vazio o piscar nervoso de um olho controlador verde.

Perto de mim, o Almirante Farro respirou ruidosamente. Eu quis sorrir do seu nervosismo, mas notei que minhas terminações nervosas também formigavam, como se estivessem carregadas eletricamente. Não era somente a total incerteza que me deixava tão nervoso, mas também a repercussão de uma impressão desconcertante, que eu tivera durante a transição, ou seja, a impressão de estar apenas sonhando tudo isso.

Porém, era impossível que fosse apenas um sonho, para isso as realidades estavam claras demais diante do meu consciente. Tudo começara com o desaparecimento misterioso do Ganjo Ovaron. Ninguém queria, ou podia, dizer o que era feito dele. Consequentemente os boatos que falavam de um regresso do Ganjo, para o distante futuro, me pareceram inacreditáveis. Provavelmente Ovaron tinha sido eliminado por assassinos, trabalhando para o clã dos Nandor. Isso era corroborado pelo fato de que o clã dos Nandor tinha assumido o governo do Reino Ganjásico à força, logo depois do desaparecimento do Ganjo.

Uma revolta dos militares sob o Capitão Moshaken, logo depois disso, varreu novamente os usurpadores. Moshaken formou um regime militar e organizou a luta contra as frotas espaciais do povo takerer, cujo Tashkar utilizara as lutas internas pelo poder dos ganjásicos, para ampliar o seu poder às custas do Reino Ganjásico. Dentro da galáxia Gruelfin lutava-se ferozmente. As frentes se alternavam constantemente, e cada cappin que estava informado sobre os potenciais militares e econômicos dos reinos desavindos, verificaria facilmente que nesta guerra não haveria vencedores, mas apenas perdedores.

Nesta situação, a ideia de terminar com esta guerra absurda, parecia atraente demais, e exatamente isso aquele gigantesco cérebro-robô declarara como seu objetivo. Seguindo suas instruções, o povo ganjásico retirou-se sistematicamente dos seus mundos, indo colonizar mundos dentro da micro galáxia Morschaztas, enquanto a frota do império amarrava as formações da frota dos takerers em lugares dos quais eles não podiam observar a ação de emigração.

As ordens do cérebro-robô também alcançaram o grupo do povo ganjásico dos nasons, que era chefiado pelo Almirante Farro. Os nasons de há muito tempo tinham habitado a constelação globular Nasomes, uma das cerca de setecentas constelações globulares agrupadas no halo de Gruelfin. Um certo isolamento e a independência econômica conquistada a duras penas, do Reino Ganjásico, tinham feito dos nasons uma cepa orgulhosa dos cappins. Por causa disso eles não tinham se tornado renegados, mas continuavam a sentir-se ganjásicos, entretanto contrariava a sua mentalidade, de terem que obedecer às ordens de um cérebro-robô desconhecido e abandonar a sua pátria.

O Almirante Farro não pensava de modo diferente que os seus nasons. Talvez ele tivesse obedecido, se a ordem de emigração tivesse vindo do Capitão Moshaken, pois os dois homens tinham lutado juntos contra o clã Nandor, há cerca de cem revoluções planetárias. Mas Moshaken não reagia mais. Ele estava desaparecido e no seu lugar uma máquina estava dando ordens.

Farro repeliu com suas formações de frota, uma frota de naves-robôs, que tinham penetrado na constelação globular Nasomes, para forçar a evacuação dos mundos

Page 5: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

habitados. Isso acontecera a meia revolução planetária de Borghas. Entrementes descobrimos que entre o amontoado globular estelar Kamoses e o de Almaden existia um ponto de revolução, através do qual se podia alcançar as coordenadas do cérebro-robô. Este ponto de revolução era vigiado por uma frota de naves-robôs e o Almirante Farro sacrificara sua formação de elite para desviar a atenção da frota de vigilância da ação solo da Saltequyn.

E agora estávamos aqui, num cosmo sem estrelas — e o olho de controle piscando mostrava a proximidade imediata de um corpo celeste, que não era mostrado em nenhuma tela de vídeo da galeria panorâmica.

— Pouse, Ervelan! — ordenou o Almirante Farro, com voz áspera. — Pouse! Sobre o reflexo de rastreamento!

O seu rosto se parecia novamente uma máscara de pedra, mas os seus olhos revelavam insegurança.

Eu deixei os meus dedos deslizarem sobre o painel de controle. Os controles luminosos do comando manual se apagaram, em contrapartida acendeu-se o olho cor-de- -rosa do piloto automático. Trovejantes, os propulsores acordaram para uma nova vida. A Saltequyn virou-se um pouco para bombordo e depois desceu rapidamente.

Diversas lâmpadas verdes mostraram alguns llarags mais tarde, que o trem de aterrissagem tinha feito contato com um solo duro. No mesmo instante apareceu nas telas da galeria panorâmica uma massa de neblina amarela, em turbilhão. Formas destacaram- -se da mesma, primeiro indistintas, depois permitindo associações com imagens familiares.

Eu reconheci — se é que se podia chamar isto de “reconhecer” — uma floresta de obeliscos, complexos elegantes azuis-avermelhados, que se lançavam para dentro de um céu difuso. Fios brilhando prateados estavam dependurados trêmulos entre os obeliscos, e os microfones externos transmitiam um som claro de campainhas. O meu olhar caiu no chão, entre as construções esguias como agulhas. Eu engoli em seco, instintivamente, quando vi a massa negra. Ela mexia, a longos intervalos, para cima e para baixo, como se fosse a pele de um monstro respirando.

O Almirante Farro puxou o seu desintegrador e desafivelou o cinto. Ele agia decidido e consequentemente. Eu estava com medo, mas ainda assim segui o seu exemplo. A personalidade de Farro era tão forte que eu não conseguia livrar-me de sua influência.

Nós fechamos nossos trajes espaciais e nos dirigimos a eclusa de solo. Houve um sibilar quando a escotilha interna se abriu. Depois que ela se fechara novamente, o almirante tocou o comutador que impedia a aspiração do ar. Quase que imediatamente abriu-se a escotilha externa. Não houve nenhuma descompressão de câmara, consequentemente fora da nave havia uma atmosfera de aproximadamente a mesma pressão que no interior da mesma.

O Almirante Farro hesitou imperceptivelmente antes de colocar o seu pé em cima da massa negra pulsante. O chão tingiu-se de um cinza-claro, mas não cedeu. Farro soltou a barra em que se segurava. Eu o segui para o lado de fora, sem puxar o meu desintegrador. Também o Almirante reconheceu que não teria sentido, se nós nos defendêssemos contra “aquilo” sobre o que tínhamos pousado. Ele colocou o seu desintegrador de volta no cinturão.

No momento seguinte desapareceram os obeliscos. Somente ficaram os fios brilhando prateados, balouçando de um lado para o outro, em ancoragens invisíveis. O

Page 6: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

chão se dissolveu. Farro e eu caminhamos por algum tempo sobre o Nada, antes que o choque do reconhecimento nos fez estacar.

Tive a sensação de cair num abismo sem fim. Por um llarag, eu lutei para conservar o equilíbrio, antes de notar que o Nada me carregava.

De repente todos os fios prateados reuniram-se num ponto de interseção comum, se embolaram ali, formando a figura de um homem, num traje de astronauta brilhando prateado, que nos olhou através do seu capacete globular transparente.

O Ganjo!Farro gemeu, depois fez continência. Portanto ele também tinha reconhecido o

Ganjo, apesar dele — ao contrário de mim — ter sido muito jovem, quando Ovaron desapareceu sem deixar traços.

“Por que despreza as minhas ordens, Almirante?” — As palavras formaram-se dentro do meu consciente, ainda assim eu tinha a sensação de estar ouvindo as palavras de Ovaron.

— As suas ordens, Ganjo...? — repetiu Farro, perplexo.“As ordens do cérebro-robô são minhas ordens, pois eu programei pessoalmente a

Proto-Mãe.”— Isso eu não sabia. — respondeu Farro. — Naturalmente, a partir deste instante,

vou executar imediatamente as instruções do cérebro-robô.“Eu lhe agradeço, Almirante.”A figura do Ganjo dissolveu-se. Fios prateados saíram voando na horizontal, apesar

dos receptores do meu traje espacial não mostrarem nenhuma movimentação atmosférica.— Volte! — gritou o Almirante Farro.De repente também o almirante desaparecera. Os obeliscos fundiram-se e se

separaram em frias aparições luminosas. Eu me virei e vi que a Saltequyn encolheu para um ponto luminoso.

— Solte-se das amarras, Perry! — murmurou uma voz estranhamente familiar. Por cima de mim apareceu um rosto sem contornos precisos; por trás e do seu lado

balouçavam movimentos fantasmagóricos.Lentamente eu deslizei de dentro do mundo fictício de volta para a realidade...

* * *A planície de Nada pulsante transformou-se no interior de cor salmão de uma

máquina zunindo. À direita, perto e por cima de mim, eu reconheci as teclas luminosas de um painel de controle, e por cima o rosto sem contornos, que me falara com a sua voz familiar.

— Ele se identificou forte demais com Ervelan. — disse a voz de outra pessoa. — Eu não preveni sem base que não se usasse o simulador de experiências.

O simulador de vivências!Somente agora eu me dei conta de que não estivera realmente junto com o

Almirante Farro. Durante todo este tempo — um tempo que ficava quase duzentos mil anos para trás — eu estivera deitado dentro de uma espécie de máquina de sonhos, e como pessoa fictícia do mutante Ervelan assistira a acontecimentos históricos.

Não, não assistira, mas sonhara. — e os acontecimentos sonhados também não eram realidades esboçadas, mas uma reconstrução eletrônica de acontecimentos que tinham ocorrido mais ou menos assim, há cerca de duzentos mil anos atrás, quando eu observei junto com Ovaron, a chegada de Ovaron à lua de Saturno Titã.

Page 7: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

O rosto bidimensional repentinamente ganhou contornos. Eu reconheci Atlan, meu amigo arcônida. De repente mexeu-se dentro de mim alguma coisa que não estivera ali durante o jogo de sonhos.

“Ovaron!”“Sim, eu voltei, Perry!”As palavras se criaram repentinamente no meu consciente, pois o meu espírito e o

de Ovaron estavam novamente reunidos.Eu me ergui.— Finalmente, — disse Atlan. Eu vi no seu rosto que ele estava aliviado. — Nós já

estávamos pensando que você não conseguia mais se soltar da ficção.Ele estendeu-me um copo, e eu tomei o seu conteúdo de um só trago. A bebida era

fria, entretanto encheu-me de um calor, que se estendeu por todo o meu corpo reanimando os meus impulsos vitais.

— Uma bebida alcoólica. — explicou Atlan. — É mais ou menos como o bom e velho conhaque terrano. — Ele sorriu.

Eu retribuí o sorriso e deixei que me ajudassem a sair de dentro do simulador de experiências. Agora eu também pude ver a segunda pessoa presente, um ganjásico alto de rosto estreito, olhos amarelados e cabelos castanho-avermelhados que lhe iam até aos ombros: Remotlas, chefe da central dos perdachistas em Erysgan e físico de dimensões muito capaz.

Remotlas olhou-me, muito curioso.— Ficou sabendo o que queria saber, Rhodan? — perguntou ele, impaciente.— Não o bastante. — retruquei e peguei o meu uniforme. No simulador de experiências eu ficara apenas com as roupas de baixo.De repente estaquei.Não o bastante?Senti um calafrio, quando me ficou claro que eu não me lembrava apenas, de minha

aventura fictícia com o Almirante Farro, mas que eu possuía praticamente toda a memória do mutante fictício. Ervelan — e com isso dispunha de um conhecimento que englobava um espaço de tempo de duzentos mil anos. Certamente ele não era completo e em parte continha erros, uma vez que se tratava apenas de fatos reconstruídos. Quem quer que tivesse alimentado a máquina de dados, não estivera em condições de alimentar--lhe coisas, que tinham sido esquecidas no decorrer de duzentos mil anos de História ganjásica.

— Não, eu acho que sei o bastante. — disse eu, pensativo.Atlan ajudou-me a vestir o uniforme. O meu amigo ao mesmo tempo, me

observava, examinando-me atentamente. Eu achei saber, porque ele estava preocupado. A minha ligação espiritual com a pessoa fictícia do mutante Ervelan tinha sido mais íntima do que tínhamos planejado. As dificuldades que eu tivera para me apartar da ficção eram a melhor prova disso.

Eu naturalmente soubera antecipadamente que os acontecimentos fictícios dentro de um simulador de experiências encerravam o perigo de uma extinção da personalidade. Mesmo assim eu me achara suficientemente forte para lutar contra isso, com êxito. As minhas dificuldades deviam ser de natureza diferente.

E de repente eu sabia o motivo delas.Atlan olhou-me desconfiado quando eu ri baixinho.— Você agora é Ervelan ou Perry Rhodan? — perguntou ele.A constante-UBSEF de Ovaron irradiou uma risada.

Page 8: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Eu sorri, divertido.— Naturalmente que eu sou Perry Rhodan. — respondi. — É Ervelan quem luta

com dificuldades. Este mutante fictício é tão parecido comigo que a sua personalidade quase soçobrou, e isto, dentro da minha personalidade e não ao contrário.

— Isso quer dizer que o acumulador fictício de Ervelan foi apagado? — perguntou Remotlas, cortante.

O ganjásico evidentemente estava inquieto porque temia que os disquetes eletrônicos armazenados no simulador de experiências poderiam ter sido misturados.

— Acho que a coisa não é tão ruim assim. — tranquilizei-o. — A personalidade de Ervelan, no pior dos casos está modificada. Provavelmente ela agora carrega alguns traços de mim. Mas isto apenas daria na vista de um especialista.

— Para mim o senhor às vezes é sinistro. — disse Remotlas. Os seus olhos cintilaram. — Nós lhe demos informações preciosas. Já chegou a hora para que o senhor nos dê a última prova de que a constante-UBSEF do Ganjo legítimo se encontra dentro do senhor.

“Deixe-me cuidar disso, Perry.” — murmurou Ovaron dentro de mim.“Concordo.” — pensei de volta.O espírito de Ovaron impeliu o meu para trás. Eu tive a sensação de ainda estar

morando apenas num canto do meu cérebro, como testemunha desinteressada. O Ganjo fundiu-se com meu corpo para uma Unidade, ele escutava com meus ouvidos, via com os meus olhos, falava com minha voz e sentia com minhas terminações nervosas. Eu apenas era ainda um hóspede na ligação celular do terrano Perry Rhodan.

Mas espírito é função ele existe apenas na função, como o tempo só existe no movimento da matéria. Por isso eu captava tudo que se passava ao redor de mim. Eu conhecia os pensamentos de Ovaron e sabia quais ele expressava vocalmente e quais ele mantinha só para si mesmo; eu captava todas as informações que seus sentidos captavam, e sabia tudo que os seus parceiros de conversa diziam. Entretanto eram informações de segunda mão, pois elas já tinham percorrido uma avaliação pessoalmente condicionada, antes de se tornarem claramente discerníveis. Às vezes as informações até desapareciam, quando as correspondentes espirituais das duas partículas-tryzom de Ovaron faziam com que o espírito do Ganjo trabalhasse em dois planos diferentes ao mesmo tempo. Provavelmente eu perderia o juízo, se fosse obrigado a ser o hóspede passivo de um bailarino-tryzom por muito tempo.

Ovaron falava com calma superior e absolutamente pragmático. As suas explicações eram inequívocas e não permitiam qualquer mal-entendido. Caso Remotlas ainda tivesse dúvidas de que o espírito do Ganjo verdadeiro estava dentro de mim, elas agora deveriam estar definitivamente descartadas. Eu estendi os meus sensores psíquicos mais um pouco e olhei pelos meus olhos, de modo que ganhei as impressões óticas imediatas. Remotlas escutava atentamente as explicações de Ovaron, eu tinha a sensação de que ele estava totalmente sob o encanto irresistível da personalidade do Ganjo. De sua parte não teríamos mais dificuldades, disso eu estava convencido.

O rosto de Atlan continuou impassível, mas eu descobri, atrás dos seus olhos, uma centelha de ironia. O meu amigo arcônida evidentemente se divertia que o meu corpo irradiasse a aura de Ovaron.

Ainda antes de Ovaron ter acabado, por cima do console de comunicações do recinto, piscou uma lâmpada de aviso de cor laranja. Remotlas não lhe deu atenção, os olhos do chefe perdachista estavam colados no meu corpo e irradiavam um brilho fanático.

Page 9: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Eu agora entrego este corpo ao seu proprietário legítimo. — concluiu Ovaron. — Mas não se esqueça, Remotlas, que tudo que Perry Rhodan disser ou fizer, tem minha total concordância. Se ele ordenar alguma coisa, será, para o senhor, como se eu o ordenasse pessoalmente.

Remotlas acordou de sua rigidez quase hipnótica. Ele ergueu-se em toda a sua altura e bateu com o punho direito contra o ombro esquerdo.

— Eu sou o seu servo, Ganjo! — disse ele, solícito.Ovaron e eu trocamos de “lugares”. Eu apontei para a lâmpada indicadora e disse:— Estão chamando-o, Remotlas.O ganjásico virou-se rapidamente, viu a lâmpada indicadora e dirigiu-se, de pernas

rijas ainda; para o console de comunicações, apertou uma tecla e se anunciou.— Estamos captando um discurso do falso Ganjo. — disse uma voz estranha. —

Devo ativar a comutação de transferência, Remotlas?Segundos mais tarde, um cubo de trivídeo acendeu-se acima do console de

comunicações: Nós vimos um console de comando baixo e por trás, numa poltrona em formato de concha, o monstro criado artificialmente, que era a imagem do Ganjo verdadeiro. O falso Ganjo estava mais enfeitado que ginete de parada. Atrás dele brilhava o brasão de armas supradimensional do Reino Ganjásico.

— ... entrementes sabe-se com certeza... — dizia o monstro — ... que os criminosos terranos fugidos se escondem em Erysgan. Eu acho uma tragédia, que justamente nos dias nos quais, com o meu regresso, começou a renovação do Reino Ganjásico, nós nos vemos obrigados a uma ação de busca de criminosos de outra raça, em nosso mundo central. Mais trágica ainda parece-me a circunstância de que estes criminosos provavelmente conseguiram abrigo com uma organização de traidores ganjásicos.

Falo dos assim chamados perdachistas, um grupo de cabeças confusas e anarquistas, que negam toda a autoridade e que querem sepultar a ordem em nosso reino: Os pedopilotos e eu, até agora os tratamos sempre com a maior indulgência, porém agora que eles se colocaram ao lado de inimigos do Estado, eu agirei contra eles com toda a dureza da lei! Os vinte e um Ganjatores colocaram-se à minha disposição, de livre e espontânea vontade, para cooperarem na caça aos criminosos terranos e seus cúmplices ganjásicos.

— E agora passo ao Estúdio II, onde o Primeiro Ganjator está esperando para dirigir-lhes a palavra.

A imagem do monstro desapareceu, dando lugar a um símbolo. Pouco depois apareceu a imagem de um ganjásico de cabelos brancos, no cubo de trivídeo:

— Maischat. — murmurou Remotlas, agitado. — Este é Maischat, o Primeiro Ganjator.

O ancião de cabelos brancos ergueu a cabeça. Parecia quase que ele me olhava diretamente nos olhos. Imediatamente tive a sensação de que no olhar de Maischat havia algo que pedia por ajuda. Depois o Primeiro Ganjator falou em voz baixa. Ao mesmo tempo baixou os olhos, como se estivesse lendo um manuscrito — e exatamente assim soavam as suas palavras.

— Ele não fala de livre e espontânea vontade. — verificou Atlan.— Como? — perguntou Remotlas, perplexo. — Mas isso seria terrível!Atlan sorriu vagamente. Quem conhecia o arcônida tão bem quanto eu, sabia que

meu amigo já tinha captado as ações dos seus e nossos adversários em seu planejamento.— Isso foi inevitável para os pedopilotos. — retrucou ele, ponderado. —

Entretanto, com isso eles cometeram um erro decisivo ao mesmo tempo, pois os

Page 10: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Ganjatores agora estarão sabendo que o Ganjo apresentado ao povo é falso e apenas um marionete dos pedopilotos.

Evidentemente Remotlas não entendeu logo o que Atlan pretendia dizer. O rosto do chefe dos perdachistas ardia de cólera, pois ele era um fanático, e os fanáticos quase sempre deixam de reparar no que lhes está mais próximo. Nós não devíamos deixar- nos atrelar ao seu planejamento, mas finalmente tínhamos que tomar o assunto em nossas próprias mãos.

— Atlan e eu gostaríamos de conferenciar em nosso alojamento. — disse eu. — Não empreenda nada por enquanto, Remotlas. Nossas ações terão que ser cuidadosamente planejadas e coordenadas.

O ganjásico estava indeciso. Naturalmente ele não se sentia pronto a receber ordens nossas.

Por isso eu acrescentei:— É o Ganjo que o quer assim.

* * *

Isto foi decisivo. Remotlas avisou aos guardas, dentro da base de apoio, que nós tínhamos permissão para voltar aos nossos alojamentos.

Chegados a nossa sala de estar comum, fui até a unidade de abastecimento, teclando dois obshans, e voltei com os mesmos para o confortável canto de poltronas. Obshans era uma bebida ganjásica, que se assemelhava muito com uma mistura de chá Ceylon- -Darjeeling terrana.

Atlan e eu bebericamos de nossos copos, e nos recostamos comodamente nas poltronas confortáveis. Desde que tínhamos sido transferidos de alojamento, há dois dias atrás, nesta central dos perdachistas, pela primeira vez hoje tinham-se produzido alguns pontos de partida muito prometedores. Hoje era o dia 14 de abril do ano 3.438, tempo terrano. Tenho que confessar que lentamente eu estava ficando inquieto. Nós já estávamos tempo demais longe de casa, certamente mais tempo que um chefe de governo de um reino estelar devia se permitir. Mas eu sabia que os negócios de Estado estavam em boas mãos, com o meu velho amigo Reginald Bell, além do que Billy tinha à sua disposição homens experimentados como Julian Tifflor e Galbraith Deighton. Mesmo assim, minha inquietação continuou, pois nós estávamos jogando com forças que se subtraíam amplamente de nossos controles. Precisava acontecer alguma coisa que nos permitisse conhecer a direção dos acontecimentos muito vastos na galáxia Gruelfin.

Atlan sorriu-me, ironicamente.— E então, meu amigo terrano. — começou ele. — A sua autoridade como ex-

-conselheiro do Almirante Farro será suficiente para derrubar o falso Ganjo com uma revolta aberta?

Coloquei o meu copo na mesa, depois de ter bebido mais um gole de obshans.— Uma revolta aberta não faz sentido, e isso você sabe tão bem como eu —

retruquei, mais cortante que queria. — Os pedopilotos têm o povo do seu lado. Afinal de contas, eles podem apresentar o Ganjo e dominam todos os meios públicos de comunicação. A princípio eu ainda tive esperanças de derrubar o Ganjo, com a ajuda dos perdachistas e uma organização de guerrilhas, com atos de terrorismo exatamente dosados... — Eu emudeci, resignado.

O arcônida anuiu. Ele ficara sério novamente.

Page 11: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Ou seja, um joguinho bem do jeito terrano. Infelizmente o poder dos perdachistas demonstrou-se pequeno demais, para executar um plano destes, com perspectivas de sucesso.

— Nós teríamos sofrido um lastimável naufrágio. — retruquei. — Também uma ação de propaganda extensa seria sem sentido. — Eu sorri. — Sem levar em conta que o mutante Ervelan afinal é apenas uma figura fictícia de um simulador de experiências e jamais existiu realmente. No momento estou vendo apenas um único ponto de partida, prometedor de sucesso.

Atlan olhou-me interrogativamente.— E qual é...?— A Proto-Mãe. Esse gigantesco cérebro-robô, aliás, já deveria ter reconhecido, há

muito tempo, que foi enganado.— Mas a Proto-Mãe não empreende nada contra o falso Ganjo, nem contra os

pedopilotos. — retrucou Atlan. — Ela foi iludida, com nossa colaboração involuntária, quando a estação do cérebro em Arrivanum captou os impulsos-tryzom de Ovaron, registrando-os como os do Ganjo legítimo. Como a fonte dos impulsos evidentemente não podia ser localizada exatamente, o falso Ganjo e os impulsos de Ovaron tinham que aparecer como uma unidade.

Eu sorri, pois meu amigo arcônida tinha deixado de observar uma ninharia, apesar de a ter aludido com suas próprias palavras.

— Exatamente, a chamada Proto-Mãe não empreende nada contra o falso Ganjo... — Eu curvei-me para a frente. — Mas ela também não empreende nada a seu favor, e esta seria uma maneira de agir totalmente ilógica, da parte de um cérebro-robô — a não ser que a Mãe-Ancestral tenha sido assaltada por determinadas dúvidas. De outro modo eu já teria intervindo decisivamente na ação de propaganda a favor do falso Ganjo.

— Muito bem. — respondeu Atlan, sarcástico. — Portanto vamos procurar a Proto--Mãe para esclarecer as suas dúvidas. É sabido que apenas ela pode conceder permissão para o uso do convulsador-passagem. Se conseguirmos a sua permissão, poderíamos abandonar a micro galáxia Morschaztas. Ovaron poderia voltar ao seu próprio corpo a bordo da Marco Polo, e depois precisaria apenas voltar da nuvem vermelha Terosch para Morschaztas. É bem simples, não?

Eu me recostei na poltrona e fechei os olhos. O arcônida, mais uma vez, colocara diante dos meus olhos o quanto a situação era complicada.

Naturalmente nós não poderíamos convencer a Proto-Mãe, enquanto Ovaron não se encontrasse no seu próprio corpo para apresentar-se ao cérebro-robô para um teste. Consequentemente teríamos primeiramente que voltar para a nuvem vermelha Terosch, para depois entrar em contato com a Mãe-Ancestral. Agora ninguém conseguia abandonar Morschaztas, sem antes ter recebido autorização para utilização do convulsador-passagem.

E esta autorização somente era recebida por dois grupos, conforme ficamos sabendo entrementes. Estes eram, primeiramente, os dirigentes dos “sacerdotes do Ganjo”, os pedopilotos e depois os vinte e um Ganjatores, que durante a ausência do verdadeiro Ganjo tinham dirigido os negócios de Estado.

E mesmo membros desses grupos precisavam apresentar uma motivação suficiente para quererem abandonar a micro galáxia, metida no hiperespaço. Em vista do fato de que as frotas dos takerers ainda continuavam procurando pelo refúgio dos ganjásicos desaparecidos, esta era uma medida de segurança compreensível. Para Atlan e para mim, isso significava que estávamos presos dentro de Morschaztas.

Page 12: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

“Para Marceile e para mim é bem pior, Perry.” — anunciou-se Ovaron. Eu senti, junto com os pensamentos, os impulsos de um pânico crescente. “Nossos corpos se encontram a bordo da Marco Polo...”

O Ganjo procurou inutilmente esconder de mim seus outros pensamentos. Porém, mesmo sem eles, eu teria percebido claramente por que ele se preocupava. A Marco Polo encontrava-se em grande perigo, e este perigo aumentava, quanto mais tempo a minha nave-capitânia permanecesse na nuvem vermelha Terosch, esperando por nós. Evidentemente Ovaron achava que a nave poderia ser atraída para uma armadilha, pelos pedopilotos. Eu, de minha parte, temia antes que o senhor meu filho pudesse perder a paciência, atirando-se à aventura de uma ação de busca, jogando a Marco Polo ao encontro de sua destruição. Mike era um rapaz excepcionalmente capaz, mas eu também conhecia a sua propensão para entrar em ações temerárias. Uma espera paciente não era exatamente a sua força.

Sem querer tive que sorrir quando, ao comparar nossas índoles, constatei que na minha mocidade eu também fora impetuoso. Comparado com Atlan, que como um réptil pré-histórico era capaz de esperar meses a fio por uma oportunidade favorável para agarrar sua presa, eu era tudo, menos um caçador paciente.

— Ele sorri. — observou Atlan, irônico. — Então o rasgo genial de inteligência não demora muito mais.

Eu abri os olhos, curvei-me para a frente e peguei o meu copo de chá. Devagar o esvaziei até a metade, depois coloquei-o novamente sobre a mesa.

— Nós vamos fazer um joguinho de acordo com os padrões terranos, meu amigo. — declarei.

— Ah, o Senhor Comutador-imediato! — disse Atlan. Ele me olhou com as pálpebras semicerradas, e eu vi que sua observação não fora

absolutamente irônica.— Precisamos libertar os Ganjatores. — disse eu. — Eles são as únicas

personalidades que poderão nos arranjar uma autorização para a utilização do convulsador-passagem e eles se mostrarão compreensivos aos nossos argumentos, uma vez que entrementes já devem ter reconhecido as verdadeiras intenções dos pedopilotos.

Eu esperei por uma resposta do meu amigo arcônida. Mas ela não veio. Consequentemente ele já adivinhava em que direção se movimentavam meus pensamentos.

— Como também não estamos em condições de libertar os Ganjatores com a colaboração dos atuais perdachistas — continuei — vamos ter que procurar aliados mais poderosos. Em Erysgan existe apenas um grupo que é suficientemente poderoso, para nos apoiar eficientemente — os farrogs.

Atlan anuiu, porém não deixei de notar que, quando mencionei os farrogs, ele recuara instintivamente.

— Você tem razão, terrano. — declarou ele, pausadamente.— Já o fato de que este grupo do povo se manteve autônomo na maior parte dos

planetas habitados, comprova que eles são poderosos.Atlan olhou-me fixamente.— Mas ele também comprova que os farrogs dão muito valor à sua autonomia, ao

seu isolamento. Eu não tenho certeza de que eles estarão dispostos a um trabalho conjunto conosco. Perry. Trata-se de ganjásicos mutados e inteligências desse tipo geralmente são imprevisíveis.

Page 13: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Eu levantei-me e fui até o aparador, onde uma emulsão especial nadava dentro de um cântaro. Cuidadosamente pesquei o meu simbionte, enrolado em uma bola, segurando-o na mão espalmada até que ele se desdobrou, colocando-se em volta dos meus ombros, como uma capa muito fina e cintilante.

Depois voltei-me novamente para o meu amigo arcônida e disse, em voz baixa:— Ganjásicos mutantes dificilmente serão mais exóticos do que o meu amigo do

planeta Khusal, Atlan. E com Whisper eu não apenas me entendo muito bem, nós também trabalhamos juntos, de forma impecável: Por que isso deveria ser diferente com os farrogs?

Novamente tomei um gole de chá.— O que se refere às perguntas em aberto a respeito dos farrogs, vamos fazê-las a

Remotlas. Eu tenho certeza de que ele poderá nos responder algumas delas. Depois veremos como prosseguir. Concorda?

Atlan levantou-se.— Concordo, Perry.Eu fui até o videofone e fiz uma ligação para a central de comando de Remotlas. O

perdachista mostrou-se disposto a nos visitar imediatamente. Poucos minutos mais tarde ele entrou na sala de estar.

Ele escutou atentamente minhas perguntas, depois declarou:— Conforme os senhores já sabem, o grupo populacional dirigido pelo Almirante

Farro retirou-se por último para Morschaztas. Isto aconteceu durante um tempo em que o povo ganjásico se preparava para um ataque pelas frotas takerer, e em todos os planetas povoados da micro galáxia construíram gigantescos fortes com as respectivas instalações. Quando verificou-se que Morschaztas estava em relativa segurança no hiperespaço, e provavelmente não precisava temer um ataque, os ganjásicos saíram novamente dos sistemas de fortes subterrâneos para a superfície dos planetas.

Com exceção dos descendentes daquele grupo populacional antes chefiado por Farro. Eles ficaram dentro dos sistemas de fortes, porque ali tinham possibilidade de levar uma vida relativamente autárquica. No correr dos milênios, os seus descendentes mutaram em consequência das condições de vida especiais, que reinavam nas suas esferas vitais. Com isso o seu isolamento tornou-se definitivo.

Nós sabemos que os farrogs de hoje só estão muito mal informados sobre a História do seu grupo populacional. Deste modo, através de tradição milenar oral, o Almirante Farro transformou-se no Deus Farro, que os seus discípulos adoram religiosamente.

Naturalmente gradualmente desenvolveu-se um certo trabalho em conjunto entre os farrogs e os ganjásicos que viviam na superfície do planeta. Há muito tempo até existe uma animada troca de mercadorias. Os ganjásicos da superfície fornecem principalmente víveres, enquanto os farrogs pagam pelos mesmos em minerais valiosos, e sobretudo em equipamentos técnicos que não podem mais ser construídos na superfície. Aqui em Erysgan — ou melhor, no mundo subterrâneo de Erysgan — dizem que reina uma criatura legendária chamada Arhaeger.

Eu espichei o ouvido, menos devido à “criatura legendária” do que pela menção de equipamentos técnicos que não podiam mais ser construídos na superfície. Portanto os farrogs deviam dominar técnicas que os ganjásicos do mundo superior de há muito já tinham esquecido. Isso reforçou minha decisão de entrar em contato com os farrogs locais.

— Os pedopilotos nunca tentaram dominar os farrogs? — perguntei, ansioso.Remotlas sorriu.

Page 14: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Há boatos de que há muito tempo atrás eles tentaram fazê-lo, mas foram repelidos. Fato é que tanto os pedopilotos quanto os Ganjatores respeitam a autarquia dos farrogs. Em contrapartida, os mutantes jamais se imiscuem nos assuntos dos ganjásicos da superfície. Nós tentamos atraí-los para nosso lado, mas até agora não tivemos êxito com isso.

Atlan respirou fundo. Aparentemente ele agora se dera conta, sobre o que eu construíra o meu planejamento.

— Quer dizer que o senhor mantém contato com os farrogs? — perguntei ao chefe dos perdachistas.

— Só algo muito frouxo. — respondeu Remotlas. — Nós precisamos de quase dois milênios só para estabelecer um contato.

— Neste caso, quer dizer que o senhor poderia nos levar até eles?— Eu não sei, Rhodan. — disse Remotlas. — Não existe nenhum intercâmbio de

rádio. Eu teria que mandar um mensageiro, para perguntar aos farrogs se a sua visita lhes é agradável. Às vezes esses mutantes reagem de maneira muito curiosa.

Eu respirei fundo.— Neste caso, mande um mensageiro o quanto antes. O homem deve comunicar aos

farrogs que o Ganjo legítimo está dentro de mim. Talvez então eles se mostrem mais inclinados a nos receber. Isso é importante, Remotlas.

Remotlas concordou.— Eu vou tomar todas as providências, Rhodan.Depois que ele saiu Atlan olhou-me, ceticamente.— Espero que não encontremos apenas um caminho para o mundo subterrâneo,

Perry, mas também um caminho de volta.Eu não lhe respondi. Essa era uma reflexão que no momento não levava a nada.

Page 15: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

2

O mensageiro voltou do mundo subterrâneo de Erysgan na tarde do dia 15 de abril do ano 3.438. Ele nos trouxe a notícia de que os farrogs estavam prontos a nos receber no seu mundo singular.

Entrementes nós não tínhamos ficado inativos. Remotlas se oferecera a nos acompanhar na descida ao mundo subterrâneo. Nossos trajes de combate, que ainda vinham da Odikon, tinham sido examinados, os instrumentos testados e os acumuladores energéticos alimentados. Cada um de nós possuía aparelhos de voo muito eficientes, projetores de escudos de proteção e, cada um de nós, uma arma de impulsos e um desintegrador. Dois farrogs deviam esperar por nós na entrada da escuridão, no forte Pakolan, que de acordo com Remotlas era um antiquíssimo, semiarruinado, sistema de fortes, nas proximidades do espaçoporto de Cappinoscha. Para nós, isso queria dizer que teríamos que nos esgueirar através de metade da cidade gigantesca de Cappinoscha, pois nosso paradeiro atual ficava no centro da cidade, por baixo das instalações de uma casa de banhos não mais funcionando.

— Seria um milagre se não fossem os trajes de combate. Os pedopilotos conhecem nossos dados individuais e certamente terão instalado aparelhos de busca por toda Cappinoscha.

Remotlas fechou o seu cinturão de armas.— Eu coloquei trinta e nove homens de minha Organização ao longo de nosso

caminho. Eles levam consigo aparelhos de medição, com os quais podem rastrear os goniometradores policiais. Isso lhes dá a possibilidade de advertir-nos ainda em tempo. Nós viajaremos o mais longe possível num carro-detector da administração municipal. O veículo contém inúmeros aparelhos para exames teletécnicos de ligações de fornecimento e irradia uma quantidade de energia, o que deverá dificultar o rastreamento dos seus dados individuais. Além disso, em diversos pontos de nosso caminho, há planadores estacionados, para os quais podemos fazer transbordo.

Eu anuí, impressionado.Remotlas comprovara ter uma grande medida de cautela e talento de organização.

Um certo risco naturalmente não era possível evitar. O principal era que nós não precisaríamos deixar o trecho para trás a pé, pois então certamente seriamos descobertos. Com um veículo rápido, entretanto, era possível livrar-nos de eventuais perseguidores.

Um perdachista trouxe três sobretudos cinza-escuros. Em silêncio os vestimos por cima de nossos trajes de combate. Whisper, que como antes continuava dependurado como curta capa em volta dos meus ombros, também foi coberto, o que não impedia a sua capacidade de reforçar meus fracos dons telepáticos.

Como os trajes de combate estavam equipados com capacetes-capuzes dobráveis, nós conseguimos nos tornar ainda mais inconspícuos, usando os chapéus típicos em Erysgan. Na realidade tratava-se de uma coisa intermediária entre chapéu e boné, confeccionados com um tecido plástico cinza-claro, e com protetores verdes contra a forte radiação solar.

Preparados deste modo, subimos uma escada-caracol para uma garagem ampla, onde o carro-detector esperava por nós. Naturalmente também havia elevadores antigravitacionais neste esconderijo perdachista, mas eles ficavam reservados para casos

Page 16: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

de emergência. Se eles ficassem constantemente funcionando, a polícia já os teria goniometrado há muito tempo. Desde a chegada do falso Ganjo, os perdachistas tinham que ter mais cautela que antes.

Dois guardas pesadamente armados entraram, anunciando que tudo estava calmo. Nós embarcamos no carro-detector, Remotlas tomou lugar atrás da pilotagem. Com um ruído forte o veículo subiu do chão e parou na direção da porta larga, que se abriu guinchando.

Fazia dois dias que Atlan e eu não víamos a luz do dia. Instintivamente baixamos as viseiras mais profundamente, quando a luz azul do sol muito viva de Syveron, nos inundou. Com um zunido fraco, o sistema de refrigeração do carro começou a trabalhar. Eu li as indicações do termômetro externo, e recalculei os valores na escala de centígrados — lá fora reinava uma temperatura de quarenta e oito graus.

Remotlas ligou os detectores. Blocos de antenas giraram, quadros de indicadores se acenderam. Nós não lhes demos atenção, mas olhávamos para fora, através da cúpula transparente. Em volta da casa de banhos, semidestruída, havia uma faixa de terreno baldio. Numa parte do mesmo, máquinas robotizadas estavam dando início à escavação de um poço de construção. Planadores descarregavam módulos de construção, robôs de trabalho colocavam trilhos mecânicos. Não se via cappins.

Por trás da tira de terreno baldio abria-se um terreno com pavilhões, no qual também se trabalhava. Parecia tratar-se de pavilhões de exposição, que evidentemente estavam sendo preparados para receberem alguma feira. Por trás erguiam-se silos- -garagem no céu brilhante, e ainda mais distantes erguiam-se os edifícios altos da City. A velha casa de banhos ficava no meio desse conjunto de complexos edificados gigantescos.

No horizonte distante eu descobri, aparentemente pairando sobre véus de nuvens brancas e vapor, uma serra de montanhas altas, com seus cumes cobertos de gelo. Elas faziam parte da cadeia de montanhas a cujos pés ficava a capital planetária, Cappinoscha.

Remotlas conduzia o nosso veículo nos fluxos de tráfego da City. De um segundo ao seguinte nós nos vimos rodeados de milhares dos mais diversos planadores. Nós viajamos na pista mais lenta, e éramos constantemente ultrapassados por veículos teleguiados.

Quando mergulhamos no largo túnel de uma rua, anunciou-se o primeiro dos guardas de segurança dos perdachistas, com uma série de impulsos de rádio.

Remotlas escutou tensamente, depois voltou-se para mim e disse:— O vigilante-um descobriu uma estação de goniometria volante. Vamos ter que

nos desviar pela rota de evasão três.Atlan e eu não dissemos nada. Nos concentramos observando os arredores. Caso

fosse necessário, nós lutaríamos. Não tínhamos nada a perder, pois caso os pedopilotos nos atacassem, nossa morte era certa.

No trevo de distribuição de tráfego seguinte Remotlas desviou-se para a direita. O carro-detector pairou por uma subida da estrada elevada energética acima, acelerou e depois varreu acima das torres dos edifícios mais altos. Por baixo de nós ficou o turbilhonante trânsito da City de Cappinoscha. Os microfones externos traziam para dentro um ininterrupto rugir, zunir, bater e trovejar, os ruídos de milhões de veículos e grandes instalações climatizadoras, aspiradores de pó gigantes, e as inúmeras máquinas robotizadas, que em todos os cantos da cidade, de sessenta e oito milhões de habitantes, demoliam velhos edifícios e construíam novos. Cappinoscha era um gigantesco organismo vivo, que constantemente trabalhava por sua regeneração.

Page 17: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Mais uma vez zuniram os impulsos de rádio. Eu vi Remotlas empalidecer, guiando o veículo para a esquerda.

— Veículos de medição da polícia, atrás de nós. — disse ele, em voz baixa. — Precisamos tentar entrar no escudo de proteção de algum edifício.

Atlan e eu nos entreolhamos. Puxamos nossas armas de impulsos energéticos, colocando-as sobre os joelhos. O arcônida aproximou a sua mão do comutador que ativava o equipamento de lançamento do teto da cabine de comando.

Finalmente Remotlas encontrou uma rampa energética, que levava ao telhado chato de um edifício alto redondo. Ele guiou o carro-detector para cima, e do lado que ficava defronte ao edifício, novamente para baixo, numa rua energética, cheia de curvas, que descia de forma muito íngreme.

Antes de mergulharmos na sombra contra rastreamentos do edifício, eu vi, atrás de nós, as luzes do veículo policial piscando. Ele corria pela pista rápida, e dentro de segundos desaparecera do campo de visão.

— Desta escapamos. — disse Atlan, respirando aliviado.Também Remotlas bufou. Situações como esta pareciam mexer com os seus nervos.

Meu amigo arcônida e eu, entretanto, não nos inquietávamos tão facilmente, pois com muita frequência já nos víramos em situações bem mais perigosas. Mesmo assim eu ficaria contente, se tivéssemos o nosso objetivo diante de nós.

Quando os próximos impulsos de rádio chegaram, Remotlas estremeceu tão violentamente, que ele atirou o nosso veículo para os limites energéticos de segurança da rua. No console de controle acendeu-se uma lâmpada amarela de advertência, um alto- -falante por cima do console ligou-se e uma voz impessoal de robô rangeu uma repreensão. Rapidamente o chefe dos perdachistas conduziu o carro-detector de volta para a pista de rolamento.

— O que houve? — perguntou Atlan.Remotlas não ergueu os olhos.— O carro de medições voltou no trevo seguinte, e está vindo para cá outra vez.

Provavelmente a tripulação ficou desconfiada.— Quanto ainda falta? — perguntei.Remotlas indicou a distância em conceitos de medição ganjásicos. Eu recalculei e

cheguei em duzentos e quarenta quilômetros. Isso era demais para tentarmos uma escapada final. Nós teríamos que continuar calmamente, na esperança de que eles não estivessem atrás do carro-detector.

A mão esquerda do chefe perdachista colocou-se em cima de uma placa comutadora com dois botões, os dedos apertaram nos botões em intervalos irregulares.

— O vigilante-dezessete deverá executar uma manobra para desviar a atenção. — declarou ele. De repente ele sorriu. — Ele dirige um carro-detector e possui uma fita, na qual foram gravados os seus impulsos individuais.

Atlan sorriu, bem impressionado, e também eu não pude deixar de admirar a previdência do chefe dos perdachistas. Eu apenas tinha esperanças de que o vigilante dezessete não se deixasse agarrar pela polícia. Certamente ele não estava informado sobre o nosso destino, mas naturalmente ele seria submetido a um interrogatório bastante pesado, para conseguir esta informação. Sem levar em conta que, ao final do interrogatório, viria logo a execução.

Mais uma vez atravessamos um túnel. Em seguida chegamos a uma rua onde trafegavam especialmente planadores de transporte. Os edifícios ficavam menores, quanto mais nos afastávamos do centro da cidade. Blocos residenciais, pavilhões de

Page 18: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

armazenagens e complexos fabris, alternavam entre si. Nos desviadores energéticos de nosso veículo já se formavam os primeiros fogos de santelmo. Sinais de forte atividade energética. Evidentemente nós agora estávamos nos aproximando rapidamente do espaçoporto de Cappinoscha, com seus suportes de lançamento e de pouso energético. O surdo rugir de turbinas distantes comprovavam a nossa suposição.

Mais três vezes fomos desviados, porém os postos de segurança de Remotlas não puderam impedir que uma vez entrássemos num trevo de distribuição junto com um planador de polícia. Mas ou a manobra de desvio de atenção do segundo veículo detector ainda não fora descoberta ou as muitas radiações energéticas do espaçoporto próximo se sobrepunham aos nossos impulsos individuais, pois não fomos incomodados.

Depois de algum tempo saímos da rua principal e nos movimentamos num terreno baldio em parte reflorestado, no qual, de vez em quando, saíam vapores quentes de instalações de queima de lixo, de dutos de aeração. À esquerda víamos, todos os minutos, astronaves subirem silenciosamente, ou também pousarem tão silenciosamente, mas a área do espaçoporto ainda estava oculta aos nossos olhos.

Nas proximidades da usina de reaproveitamento de lixo, Remotlas finalmente saiu da rua. Ele apontou para uma coisa que mais parecia um gigantesco túmulo de hunos: formidáveis blocos, cobertos de musgo, liquens e gramíneas baixas, podiam ser vistos numa pequena depressão arredondada do vale. O sol azul Syveron já estava bem junto do horizonte e desapareceu de nosso círculo de visão, quando tocamos o solo do vale.

— O forte Palokan. — explicou Remotlas. A sua voz soava em triunfo. Afinal de conta devíamos agradecer à sua Organização

termos chegado ao nosso destino sem sermos atacados.Ele guiou o veículo detector para baixo da copa de uma árvore, que vinha até quase

o chão, e desligou a turbina e os detectores.— Meus homens mais tarde virão buscar o carro. — explicou ele, e manipulou o

mecanismo de abertura.Nós desembarcamos e olhamos cuidadosamente em torno. Atlan e eu mantínhamos

nossas armas de impulsos nas mãos. Não queríamos ser surpreendidos ainda no último instante.

— Aqui estamos seguros. — disse Remotlas e caminhou, certo do seu objetivo, na direção de um arbusto cheio de espinhos, que crescia diante de dois blocos encostados um no outro.

Bem pouco antes dele, ele ativou o seu aparelho de voo e pairou por cima do obstáculo.

Atlan e eu seguimos o seu exemplo. Nós ligamos nossos pequenos holofotes portáteis, quando pairamos através da abertura entre dois blocos de pedra. O ar ficou úmido e fresco. Diante de nós estava uma gruta cheia de areia de aluvião e lama. As paredes cintilavam com a umidade, mas aqui dentro ainda não estavam cobertas de vegetação, de modo que ainda pude reconhecer que elas consistiam de concreto plástico cinza-claro.

Quando os cones de luz de nossos holofotes deslizaram pelas paredes eles espantaram inúmeros animais parecidos com morcegos. Por segundos o bando de animais coriáceos girou em volta de nossas cabeças, depois os animais abandonaram o seu refúgio com um bater de asas quase silencioso.

Remotlas deixou-se escorregar para o chão. Logo depois eu e Atlan nos encontramos junto dele. O chefe dos perdachistas também tinha ligado o seu holofote e

Page 19: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

dirigiu o raio de luz para uma fenda. Nós o seguimos com nossos olhos e vimos que a fenda levava a um pavilhão redondo com teto inclinado.

E vimos mais uma coisa: duas figuras fantasmagóricas que passavam, deslizantes, parecendo terem saído de um horrível pesadelo.

* * *

A mão de Atlan com a arma foi erguida rapidamente. Remotlas agarrou o braço do meu amigo arcônida e murmurou:

— Não atire! São os dois farrogs, que devem conduzir-nos ao mundo subterrâneo!Atlan deixou cair a mão com a arma e respirou fundo.— O senhor deveria ter-nos preparado para este momento, Remotlas. — disse ele,

numa censura. — Eu naturalmente estava pronto para encontrar mutantes, mas não criaturas tão singulares.

— Eu mesmo não sabia quem nos esperaria. — defendeu-se o chefe dos perdachistas.

Eu olhei bastante por entre a fenda, mas os dois farrogs tinham desaparecido. Eu esperava que a reação de Atlan não os tivesse afugentado.

— Vá na frente, Remotlas. — disse eu. — Pare, espere mais um pouco! Não precisamos mais desses sobretudos embaraçosos. Vamos tirá-los.

Nós despimos os sobretudos, depois penduramos os holofotes novamente nos suportes magnéticos apropriados a eles, no peito do traje de combate. Depois Remotlas passou através da fenda.

Eu o segui e depois olhei em torno do pavilhão redondo. O teto estava dependurado de maneira assustadora, dando a impressão de que o menor abalo o faria ruir definitivamente. No chão abria-se uma cratera de cerca de cinco metros de diâmetro, com bordas vítreas. Há muito tempo atrás uma forte descarga explosiva devia ter ido pelos ares aqui. Provavelmente tinha-se explodido o forte, com a intenção de levar os destroços, mas por motivos incompreensíveis haviam deixado de fazê-lo.

Não se via mais nada dos dois monstruosos seres viventes. Eles deviam ter deixado o pavilhão através do buraco com as bordas desmoronadas, que antes talvez tivesse sido uma porta. Cautelosamente trepamos por cima do monte de destroços e de um bolo meio fundido de metal-plástico. Bichos-sapateiro e milípedes de um dedo de comprimento fugiam da luz de nossos holofotes. Na escuridão por trás da abertura brilharam ao nosso encontro três olhos gigantescos: colônias de bactérias luminosas, envoltas numa coroa de musgo verde-claro e pequenos fetos.

Sem grandes esperanças eu sondei o plano-psi com ajuda de Whisper, e estendi meus sensores de pensamentos para todos os lados, até toparem com campos flutuantes de impulsos mentais. Eram os pensamentos de milhares de ganjásicos: condutores de planadores de transportes, técnicos de vigilância das instalações de reaproveitamento do lixo e o pessoal da vigilância do espaçoporto. Lentamente recolhi novamente meus sensores telepáticos, cruzei o espaço do terreno baldio, me vi metido nos impulsos do instinto de um animal e finalmente concentrei minha atenção psiônica no forte semidestruído.

Por um momento pareceu-me ter feito contato com um ser inteligente, depois os impulsos vagos sumiram novamente.

Eu abri os olhos, que tinha fechado durante minha concentração e encontrei o olhar interrogativo de Atlan.

Page 20: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Nada. — declarei. — Depois de ter tocado um ego, tudo passou. Afinal de contas estamos tratando com mutantes, e os farrogs evidentemente sabem escudar seus pensamentos.

Meu amigo arcônida anuiu.— Eu entendo. Só não compreendo porque esses rapazes se fazem de rogados desse

jeito. Afinal, eles deveriam entender minha reação de ainda há pouco. Eles deveriam ter se apresentado, em vez de se esgueirar a nossa volta.

Nós nos agachamos instintivamente quando diante de nós soou um assobio estridente. Atlan e eu desligamos nossas lanternas, segundos mais tarde Remotlas seguiu nosso exemplo.

— Devagar esse joguinho de esconder está me ficando bobo demais. — declarou Atlan.

Eu pensei como ele, entretanto não fiz qualquer observação a esse respeito. Por mais que os farrogs fossem estranhos, nós dependíamos deles se quiséssemos avançar alguns passos.

Quando tudo ficou quieto, nós ligamos nossos holofotes outra vez. Eu levantei-me primeiro e dei os últimos passos até a cobertura. O cone de luz de minha lâmpada bateu

em metal-plástico manchado e em cima de degraus que levavam para baixo, de forma muito íngreme. Pegadas estriadas de solas podiam ser vistas nitidamente.

Eu informei Atlan e Remotlas, murmurando sobre o que descobrira, depois desci a escada cautelosamente. A superfície dos degraus era lisa como sabão, e eu mantinha a mão no comutador de minha aparelhagem de voo, para poder evitar uma queda em tempo.

A escada terminou depois de vinte e quatro degraus no começo de uma galeria. Em parte o teto havia ruído e escorado com apoios metal-plásticos. Os destroços tinham sido removidos.

Eu não hesitei em utilizar a galeria. Ela levava em linha reta para uma escotilha blindada fechada, na qual alguém há muito tempo queimara uma abertura retangular. Eu levei o cone de luz do meu holofote através da abertura e avistei uma rampa que levava para baixo, em cujo fim havia um salão. Restos de esteiras de transporte enferrujadas cobriam o chão, e numa depressão brilhava uma poça oleosa. A visão não era exatamente convidativa, mas eu esperava que os farrogs certamente se mostrariam a nós, nos conduzindo para um mundo aceitável.

— Ainda não se pode ver nada? — perguntou Remotlas, atrás de mim.

— Eu vejo muita coisa. — retruquei irônico. — Por favor sigam-me com alguns passos de intervalo. Atlan, você assume a retaguarda.

Page 21: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Você notou alguma coisa suspeita? — murmurou o arcônida.Eu tinha uma sensação muito ruim.— Não, mas eu tenho a sensação de que lá embaixo nos espera um perigo.Atlan praguejou. Eu saltei através da abertura e corri rampa abaixo. Depois me

coloquei contra a parede úmida, e levei o cone de luz por cima do chão do pavilhão. Pouco mais de cinco passos atrás de mim, Remotlas estava encostado na parede fronteira, e de Atlan não se via nada. Ele desligara o seu holofote.

Alguma coisa no pavilhão diante de mim me inquietava, sem que eu pudesse dizer concretamente o que era. Reinava um silêncio total. Nem mesmo os animais parecidos com morcegos no teto do pavilhão se mexeram, nem quando eu iluminei alguns por mais tempo. Com as suas asas fechadas eles estavam dependurados ali tão rígidos como se estivessem paralisados.

O reconhecimento atravessou o meu cérebro como um raio.Os animais estavam paralisados!Entretanto eu não reagi com rapidez suficiente, uma vez que, apesar da descoberta

alarmante eu presumia ter diante de nós exclusivamente os dois farrogs. Quando duas figuras vestidas de preto saltaram para baixo do portal do pavilhão da direita e da esquerda, eu apenas pude me deixar cair. Um fogo escorchante passou por cima de mim, toda a abóbada foi envolvida numa luz muito forte, depois seguiu-se o trovejar de uma descarga energética.

Eu me rolei para o lado, Remotlas gritou, e novamente feixes energéticos passaram por cima de mim, desta vez vindos de direção contrária. Antes de eu estar pronto para fazer fogo, uma das figuras desmanchou-se numa descarga muito clara. O segundo vulto de preto quis fugir, e então, vindos dos fundos, vieram dois raios pálidos, envolveram o seu corpo — e então eu presenciei uma coisa horrenda.

A figura de preto encolheu, dentro de poucos segundos, para um anão do tamanho de um dedo. No começo ele ainda gritou, depois silenciou, virou e ficou deitado de costas, como uma estátua de vidro, rígida e tesa.

Eu me ergui enquanto Atlan vinha correndo da abertura. Remotlas também se levantou. Ele segurava o seu ombro esquerdo e eu pude ver que um tiro de raspão enegrecera o seu traje de combate. As dores provavelmente vinham somente da força do impacto do raio energético.

— Tudo em ordem, Perry? — perguntou meu amigo arcônida.— Mais ou menos. — retruquei, respirando com dificuldade. — Para mim também

ficou claro que nossos dois farrogs colocaram nossas vidas em jogo, para demonstrar a sua força de combate.

— Você ouviu isso, Poncruter? — ecoou uma voz borbulhante num Novo Gruelfin de conotação estranha.

— Eu não sou surdo, Lapender. — respondeu uma voz, sublinhada por ruídos sibilantes. — O terrano ainda precisa aprender muita coisa.

Atlan, Remotlas e eu levamos os cones de luz de nossos holofotes para os fundos do pavilhão, de onde tinham vindo as vozes. As duas figuras mais malucas que eu jamais vira repentinamente estavam paradas ali, iluminadas pela luz sem sombras. Só a sua aparência já comprovava que eles pertenciam aos farrogs mutantes.

Uma das criaturas tinha no máximo noventa centímetros de altura e no mínimo o mesmo de largura. Ela parava sobre pernas curtas, os seus braços pendiam tanto que as mãos tocavam o chão Por cima dos ombros largos havia uma massa gelatinosa de formato mais ou menos como de uma omelete virada só de um lado, na realidade apenas

Page 22: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

a boca saliventa na mesma revelava que se tratava da cabeça do farrog. Uma língua comprida, de formato popular com uma ponta mais grossa violeta, mexia-se de um lado para o outro, nervosamente. Vestido, o mutante estava com uma calça de fibra sintética bem apertada no corpo, sandálias de amarrar e um casaco sem mangas, que era conservado fechado por um cinturão de armas. A pele — com exceção da cabeça — parecia grossa e gretada como pele de elefante e possuía uma coloração de pus amarelado.

O segundo mutante era um pouco mais parecido com um ser humano, mesmo assim ainda suficientemente grotesco para fazer qualquer homem mediano sentir um frio na espinha ao vê-lo. Ele tinha pelo menos três metros de altura, e era magríssimo. Somente a sua barriga sobressaía, redonda. Entre os seus ombros estreitos saía um pescoço em tromba, sobre o qual havia um crânio oval, sobre o qual se esticava uma pele de grande porosidade, de um verde-sujo. Um olho facetado abaulava-se na testa como uma faiscante pedra preciosa. Poucos centímetros abaixo encontrava-se um caroço em forma de ovo, acinzentado. As pernas eram compridas e os braços inacreditavelmente curtos. O alto estava vestido exatamente como o baixinho, e na mão direita, absolutamente semelhante à mão humana, ele segurava uma estranha arma de raios.

Em nenhum dos dois mutantes eu avistei alguma coisa que nem de longe se parecesse com uma fonte de luz. Evidentemente eles podiam ver no âmbito do infravermelho. E esse caroço... — eu olhei para a pulseira do uniforme que fazia parte do meu traje de combate — ...ele transmitia impulsos de ultrassom, pois a agulha do marcador do sonar piscava em curtos intervalos.

— Indivíduos com incapacidade de viver, diria eu. — gargarejou o grandão. — Olhos atrofiados e funis comuns de captação de sons.

O baixinho mexeu a língua tubular. Saliva branca, espumosa, correu-lhe dos cantos da boca e por cima do casaco.

— Eles precisam de luz artificial, Lapender. — sibilou ele, indistintamente. — De qualquer maneira, um deles ainda há pouco reagiu muito bem.

Portanto o grandão chamava-se Lapender, e neste caso o baixinho devia ser Poncruter.

Eu abaixei o cone de luz do meu holofote e dei alguns passos à frente. Junto do atacante, que murchara para o tamanho de um dedo, fiquei parado e o virei com o cano de minha arma de impulsos. A resistência que a sua massa me opôs me surpreendeu. Aqui devia ter acontecido uma compressão das moléculas, possivelmente o processo até se estendera ao plano atômico. A criatura era dura como o melhor aço terconite, mas o concreto-plástico, em cima do qual ele estava deitado, não mostrou nenhuma modificação.

— Um raio de condensação... — constatei eu e fixei Lapender — ...que age principalmente sobre substâncias orgânicas. Interessante. Aliás, o meu nome é Perry Rhodan. — Eu apontei para os meus parceiros.

— Este é Atlan — e este é Remotlas, chefe dos perdachistas em Erysgan.— O senhor reage com muito sangue-frio. — retrucou em vez de Lapender o

mutante Poncruter. Evidentemente era ele quem dava o tom.— Mas ainda há pouco o senhor foi muito leviano. Sem a nossa ajuda os dois

agentes secretos dos pedopilotos certamente teriam matado vocês.O meu amigo arcônida passou por mim e ficou parado bem perto do anão.

Page 23: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Disto os senhores foram culpados! — gritou-lhes ele. — Em vez de se apresentarem logo, ficaram brincando de esconder conosco. Naturalmente os meus parceiros não podiam atirar logo, pois primeiro precisavam ter certeza de que não eram os senhores que tinham à sua frente. Mas em vez de matar logo os nossos adversários, os senhores esperaram até poderem aparecer como nossos salvadores. O seu comportamento me desagrada muito.

O crânio gelatinoso de Poncruter bamboleou.— O senhor é muito arrogante, verme da superfície. — sibilou o mutante.Atlan pegou o anão pelo cinturão de armas e puxou-o para cima.— Nem mesmo o meu pior inimigo pode me ofender. — resmungou ele, irado.

Entretanto eu logo percebi que a sua raiva era fingida. — Aos meus amigos eu não permito isto, muito menos. Lembre-se muito bem disso, seu gigante quebrado! — Ele o colocou no chão de novo, nada suavemente.

A tromba de Lapender mexeu-se para trás e para a frente. A boca no crânio ovoide deu sons gargarejantes de si. Não havia dúvida, o grandão estava rindo.

De repente o anão riu num tom muito alto, enquanto se coçava no peito com as mãos.

— Eu acho, Lapender, que os terranos estão em ordem. — disse ele.Atlan e eu também caímos na gargalhada. Aquilo aliviou a tensão que até agora

existira entre nós e os mutantes. Aparentemente eles tinham provocado a reação de Atlan, e estavam satisfeitos com o resultado.

Remotlas olhava, confuso, de um para o outro.Atlan pegou a mão direita de Poncruter e a sacudiu.O anão chiou e gritou:— Para que isso?— É a nossa maneira de saudarmos nossos amigos. — retrucou o arcônida,

sorrindo.

* * *

Eu tive que me lembrar, instintivamente, da Humanidade do Século Vinte. Quanta bobagem, intolerância e ódio ainda existira então, e quantas vezes homens que tinham como normal que encontraríamos formas de vida exóticas e com elas nos entenderíamos, eram tidos como produtos de uma visão distorcida da realidade. Inteligências como Poncruter e Lapender, no Século Vinte na Terra, ou seriam liquidadas ou então usadas abusivamente num espetáculo de curiosidades.

Até mesmo hoje ainda, a maioria das pessoas teria virado o rosto, horrorizadas, caso encontrassem os dois farrogs. Os dois mutantes eram demasiadamente parecidos com figuras de histórias de terror e pesadelos. Mas, no final, eles seriam aceitos.

Eu tenho que confessar, que mesmo eu, a princípio, fora atacado de uma desconfiança instintiva e de uma certa reserva. Mas agora, entretanto, depois de meia hora de nosso primeiro encontro, eu sentia até uma certa simpatia pelos dois mutantes. O seu comportamento, apesar das diferenças, era absolutamente humano, e quando não se levava em conta a sua aparência externa, era preciso qualificá-los de humanos.

Poncruter e Lapender tinham desistido de afastar dali os corpos encolhidos dos agentes inimigos. O serviço secreto dos pedopilotos, declararam eles, poderiam ficar sabendo tranquilamente que nenhuma pessoa não-autorizada poderia penetrar na zona de bloqueio, combinada com o governo da superfície, sem ser castigada. Os dois agentes

Page 24: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

tinham ferido o tratado, pois o forte em ruínas já pertencia ao território da soberania dos farrogs.

Entrementes também me ficara claro por que eu não captara os impulsos dos pensamentos dos agentes. Um exame dos corpos encolhidos demonstrou que o homem usava um capacete absorvedor. As pessoas que o tinham mandado, junto com o seu parceiro, deviam ter contado com influências parapsíquicas ou com telepatas. Provavelmente não apenas neste forte, mas também em todas as áreas de bloqueio do planeta, tinham sido colocados agentes secretos, que deveriam impedir uma tomada de contato entre os farrogs e nós, os “criminosos terranos” fugitivos.

Eu parei quando Lapender, que caminhava à minha frente, parou e se virou para mim. A cabeça balouçava sobre o pescoço de tromba como uma espiga de bambu ao vento. Nós nos encontrávamos nos degraus de uma escada-caracol que aparentemente levava até o infinito.

— Atenção, logo entraremos numa zona de armadilhas, que ainda foram colocadas pelos habitantes ancestrais. — gargarejou o mutante. — Poncruter sabe andar por aqui. Ele vai tentar passar ao largo das armadilhas, mas existem sistemas que produzem correntemente unidades móveis. Contem com surpresas.

— De que tipo são estas armadilhas? — perguntei.Lapender riu, borbulhante, e virou-se.— Você ouviu isso, Poncruter? — gargarejou ele.— Eu não sou surdo. — gritou o anão de volta, sibilando.— O terrano Rhodan é muito curioso. Espere só, Rhodan, certamente terá

oportunidade de conhecer algumas armadilhas.Eu silenciei, irritado. Os dois farrogs comportavam-se como crianças grandes.

Parecia que eles se divertiam com coisas que eu não conseguia absolutamente achar divertidas.

Nós continuamos nossa descida cansativa. Eu já estava com os músculos da parte traseira das coxas doídos, bem como dos músculos da barriga da perna. Parecia que os farrogs não se cansavam com as escadas. Eles se movimentavam, os dois, com o mesmo andar preguiçoso, que chamara minha atenção logo no começo. Poncruter, com o caminhar bamboleado de um pato gordo demais, sempre balançando os braços compridos, e Lapender com os passos parecendo afetados de um mestre de balé da corte.

— Se isto continuar desse jeito ainda por uma hora — falou Atlan atrás de mim, gemendo — eu não vou saber mais andar em linha reta. Esta escada em caracol é um verdadeiro instrumento de tortura.

Ele me tira isso da ponta da língua. Eu tinha a sensação de que já estava andando de carrossel por uma hora, ininterruptamente. A escada era uma espiral tão estreita que mais parecia um saca-rolhas.

Quando os arredores desapareceram diante dos meus olhos, primeiramente pensei que aquilo era o efeito de andar sempre para a esquerda, mas um grito de surpresa de Remotlas rapidamente me deixou claro que o fenômeno devia ter uma outra causa.

Fiquei parado, fechei os olhos e os abri novamente. A figura de Lapender parecia como se eu a observasse através de uma parede de águas em movimento. Os contornos do gigante se contorciam ininterruptamente.

— Lapender!O mutante não respondeu. Em vez disso ele desapareceu na curva seguinte. Eu me

virei cautelosamente, porque tinha a sensação de que iria perder o equilíbrio, com um movimento rápido.

Page 25: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Atlan e Remotlas tinham sumido. — e não só eles. A um metro acima de mim, a escada-caracol parecia como que cortada. Em seu lugar eu vi um cano comprido pulsante, com uma luz que piscava na extremidade superior.

Eu me encostei na parede úmida, e usei de minha capacidade telepática. Indistintos e contorcidos, consegui captar alguns impulsos mentais de Remotlas. Parecia que o cérebro do chefe dos perdachistas só produzia ainda fantasias febris. De Atlan não consegui captar nada. O arcônida evidentemente tinham escutado o seu espírito.

“Está na hora de fazê-lo também!” — murmurou Ovaron dentro de mim.Isso eu já havia reconhecido momentos antes, mas apesar da cooperação de

Whisper, eu tinha dificuldade de transformar o meu reconhecimento em intenção e minha intenção em ação. Fluxos desconhecidos penetravam, de fora, em meu espírito, procurando confundi-lo.

Eu tinha caído numa armadilha.Porém, por que eu não me esquivava para o corredor que se abria diante de mim a

direita?Cambaleando, com as mãos estendidas, eu tateei pelos degraus que desapareciam

abaixo. Os arredores ficavam cada vez mais confusos e parecia que as paredes estavam girando em volta de mim. Mais depressa! Finalmente eu senti com os dedos os cantos da abertura retangular. Minha lâmpada do peito iluminou o corredor e revelou paredes lisas de plástico, conservadas num verde tranquilizador.

Aqui nada estava confuso, aqui eu estava em segurança. Eu caminhei a passos largos na direção da escotilha blindada brilhante, que eu descobrira no fim do corredor. Ela abriu-se quando eu ainda estava a dois passos distante. O recinto por trás pareceu-me curiosamente familiar, um grosso tapete no chão, muito macio, abafava o ruído dos meus passos e deu-me a sensação de só ter ainda a metade do meu peso.

Quatro paredes de vidro verde, um teto brilhando fracamente em rosa e uma poltrona em forma de concha no centro da sala. Aliviado deixei-me cair na poltrona. A escotilha blindada se fechara novamente atrás de mim. Eu não dei atenção a isso, pois me sentia salvo e satisfeito. Tudo era harmonia. O Universo encheu-se de música das esferas.

“Perry!”“Quem perturba a minha paz? Foi novamente Akishon, o telepata? Por quem ele

chamou? Quem é Perry?”“O senhor é Perry! E eu não sou Akishon, mas Ovaron, o Ganjo!”Eu ri baixinho. Alguém se permitia uma piada tola. Eu não conhecia nenhum

Ovaron, nenhum Ganjo e eu não me chamava Perry, mas...Sim, como é que eu me chamo, aliás?Mas isso não é sem importância? Eu existia, e isso era o bastante, e o Universo

existia também. Esses sons...! Harmonia total, harmonia que tudo englobava!“Atlan está em perigo, seu idiota!”Repentinamente a música das esferas acabou, as paredes ruíram, o teto veio abaixo

e a luz apagou. A poltrona debaixo de mim dissolveu-se. Eu caí... e me reencontrei em cima de degraus duros. Diante de mim erguia-se um círculo claro na parede de concreto- -plástico. Eu me virei e apertei os olhos para não ser ofuscado pelo holofote que brilhava na escuridão acima de mim.

“Eu sou Perry Rhodan.” — E no Universo reinava tudo, menos perfeita harmonia! — “Ovaron?”

“Sim, Perry. Agora compreendeu?”

Page 26: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

“Muito bem até. Nós nos encontramos no círculo de ação de um destruidor de personalidade, um aparelho cujas irradiações devem apagar a personalidade. Obrigado por sua ajuda, Ovaron.”

Eu me ergui cautelosamente, mas desta vez não aconteceu nenhuma desfiguração do meio ambiente. O meu espírito pudera escudar-se com êxito contra a influência do destruidor de personalidade. Eu liguei novamente o meu holofote e subi.

Seis degraus mais acima, encontrei Remotlas. O ganjásico estava caído, todo contorcido, sobre os degraus. A sua posição se assemelhava à de um embrião no ventre materno, portanto eu precisava agir rapidamente se quisesse ainda salvar o seu espírito.

Peguei Remotlas pela parte do pescoço do seu traje de combate e bati-lhe com a mão espalmada, várias vezes no rosto. O chefe dos perdachistas gemeu, mas não abriu os olhos.

Aliás, onde estava Atlan?Olhei em volta. Ele devia estar entre a minha última localização e Remotlas. Eu

precisava procurá-lo, mas primeiramente o ganjásico precisava de minha ajuda.No meu equipamento de emergência encontrei alguns emplastros de injeção com

um alucinógeno, que de acordo com a descrição, se assemelhava ao modificado de mescalina terrana, uma droga que era utilizada para a compensação de influências mecano-hipnóticas. Se o remédio ganjásico teria efeito na forma desejada com Remotlas, era preciso esperar. Pelo menos ela não poderia fazer danos maiores do que aquele que poderia ocorrer através de um maior adiamento da ação.

Apertei dois emplastros de injeção na nuca de Remotlas. Como no momento não poderia fazer mais nada por ele, desci a escada-caracol para procurar por Atlan e pelos dois farrogs. Quando passei pelo lugar, no qual eu vira o corredor em minha alucinação, eu tateei a parede instintivamente em busca da abertura. Naturalmente não encontrei nenhuma.

— O que está procurando aí, terrano? — sibilou Poncruter.Quando me virei vi o anão parado na escada, abaixo de mim.Ele usava um capacete que brilhava prateado, sem dúvida um escudo de absorção,

que ele conseguira em algum lugar.— O senhor. — declarei, secamente. — Depois que se desfez no ar, pensei que pelo

menos encontraria uma forma gasosa dos seus despojos.A língua roliça de Poncruter estendia-se de um lado para o outro, freneticamente. O

farrog deu de si alguns sons gemidos que passaram a uma risada oca.— Eu não sei do que está rindo. — disse eu, irritado. — Seria melhor se me

ajudasse a procurar por Atlan. Aliás, onde está o seu parceiro?Atrás de Poncruter surgiu uma bola negra, abriu um focinho luzindo metalicamente,

com que tentou abocanhar as pernas do mutante e desapareceu quando Poncruter deu um pontapé para trás. Segundos mais tarde a bola preta estava perto de mim, no chão. Eu observei uma pele coriácea enrugada e diminutas pernas, cotos sobre os quais a criatura se movimentava. Tinha um diâmetro de cerca de trinta centímetros e parecia uma bola de futebol de couro preto, ressecado. Não se viam nem olhos nem ouvidos.

Cautelosamente eu tentei chutar a bola. Eu senti fracos impulsos cerebrais animais, depois a coisa desapareceu e surgiu novamente atrás de Poncruter. Como ela fazia isso eu não sei. Parecia teleportação.

O anão riu novamente, tirou um pedaço de matéria plástica do bolso do seu casaco e jogou-o para a bola. O focinho de metal relampejou e logo o pedaço de plástico sumiu. Logo depois a bola também desapareceu.

Page 27: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— O que era isso? — perguntei confuso.— Era um hullah. — explicou Poncruter, como se fosse a coisa mais normal do

mundo. — O descendente mutado de uma espécie de animal doméstico, que era criado pelos habitantes ancestrais. Por aqui há muitos desses animais. Eles são inofensivos, mas é melhor prestar atenção para que eles não lhe arranquem pedaços do seu traje de combate. Eles são loucos por matéria plástica de qualquer tipo.

Eu gemi abafadamente.Eu teria caído numa galeria de loucuras?— Por todas as ilhas estelares do Universo! — ecoou uma voz conhecida. — Você

quer me devolver minha luva?Esta tinha sido a voz de Atlan. Eu olhei para cima, mas não pude descobrir o

arcônida. Em compensação vi que Remotlas se mexia. Segundos mais tarde surgiu o meu amigo arcônida. Ele parou do lado do chefe dos perdachistas, depois descobriu a mim e Poncruter.

— Finalmente dois seres mais ou menos normais nessa casa de loucos. — disse ele, cheio de sarcasmo. — Que bolas de futebol teleportadoras são essas que roubam e comem luvas?

Poncruter explicou-lhe, enquanto eu subia até Remotlas, ajudando o ganjásico a se pôr de pé. O chefe dos perdachistas ainda estava atordoado, mas evidentemente não sofrera danos espirituais.

— Hullas chamam-se essas feras. — disse Atlan, pensativo. — Eu acabara de tirar minhas luvas, quando uma dessas bolas malucas salta em cima de mim, agarra uma luva com a bocarra e a devora como se fosse um pedaço de torta.

Ele viu o meu olhar interrogador, sorriu e apontou para o alto.— Eu recuei imediatamente quando notei a influência estranha. Por assim dizer, no

último momento eu escapei do âmbito de efeito, depois ouvi as vozes de vocês e voltei. Onde está Lapender?

— Ele foi procurar o destruidor. — retrucou Poncruter sibilando e abanou os braços.

— E achei! — gargarejou a voz do gigante, vinha debaixo.Lapender subiu os degraus. Não era propriamente subir, era bailar, enquanto o seu

ventre-bola saltava para cima e para baixo.— Eu continuo não entendendo nada. — declarou Remotlas. Suas pupilas eram do tamanho de cabeças de alfinetes e ele se movimentava como

se estivesse bêbado.— Console-se com o fato de que também nós não entendemos tudo. — disse Atlan.

— Eu só sei que seria sem sentido se ficássemos parados aqui por mais tempo. Continue nos conduzindo adiante, Poncruter, e faça o possível para que a próxima armadilha somente se feche depois que tivermos passado por ela.

— Vou fazer o que for possível. — disse Poncruter, agitou os braços e virou-se nos calcanhares.

Depois bamboleou escada abaixo.

Page 28: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

3

A descida para o mundo subterrâneo de Erysgan estava ficando cada vez mais penosa. Quanto mais descíamos mais subiam as temperaturas. Parcialmente a escada- -caracol descia através de galerias rochosas não revestidas, e nós víamos as veias de minerais e metais nas paredes.

Os gulosos hullas surgiam frequentemente. Atlan, Remotlas e eu logo conseguimos uma grande habilidade em manter os bichos longe de nós com chutes e pontapés. A princípio nos esforçávamos a não causar dores nos animais, mas depois que um deles quase destruiu um cinturão de Remotlas, nós chutávamos com mais força.

Em minha avaliação nós nos encontrávamos a oitocentos metros de profundidade, quando a escada-caracol terminou. Rochas caídas tinham atulhado o restante.

Lapender apontou para uma abertura retangular, que tinha sido queimada na parede da direita.

— Agora entraremos na Gruta da Instabilidade. Eu vou assumir a direção, uma vez que reconheço melhor os perigos ali que Poncruter.

— Não banque o sabido, Lapender! — sibilou o anão. — Na subida você nos meteu numa armadilha que não vou esquecer tão cedo.

Lapender riu borbulhante e bailou através da abertura. Eu segui os dois farrogs com sentimentos divididos. Eu nunca imaginara a descida para o Reino dos Farrogs desse jeito. Estes mutantes, nos milênios passados, certamente teriam tido tempo para afastar as armadilhas, mas eles pareciam aceitar como uma realidade irremovível que os caminhos para a superfície fossem coalhados de perigos.

— Alguém já pereceu nestas armadilhas? — perguntou Atlan.— Naturalmente. — retrucou Poncruter, impassível. — Sobretudo crianças

brincando. Às vezes são levianas. Quando eu ainda era um garotinho, certa vez fiquei trancado dentro de uma câmara pulsante durante duzentas e trinta fases unitárias. As minhas tripas tinham quase ressecado, quando consegui encontrar uma saída dali novamente.

— A fase unitária farroguiana corresponde a uma rotação planetária. — interveio Remotlas, explicando.

— Povo desleixado! — disse Atlan. — Pelo menos pelas crianças, eles deveriam bloquear essas áreas perigosas!

— Neste caso, não haveria mais uma seleção natural. — retrucou Lapender, com veemência inesperada. — Não se imiscua em coisa que não entende, Atlan!

— Está bem. — retrucou meu amigo arcônida. — Mas mesmo assim eu tenho minha opinião a respeito de vocês.

Eu não participei da discussão. Nem eu nem Atlan poderíamos modificar a mentalidade dos farrogs. Certamente eles não gostavam menos de seus filhos, de sua maneira, que nós terranos da era pré-cósmica o fazíamos, pois apesar disso milhares de nossas crianças tinham perecido nas ruas, porque não se tinham providenciado playgrounds perto de suas casas, em quantidades suficientes. Locais de estacionamento e gramados bem cuidados com placas de “Proibido!”, nesta época, tinham sido mais importantes para as pessoas do que aquilo que elas chamavam do seu “maior bem”. A

Page 29: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

mentalidade de uma sociedade sempre é, infelizmente, a imagem de sua ordem econômica.

Meus pensamentos voltaram para o presente, quando a galeria estreita desembocou numa gruta verdadeiramente gigantesca. A verdadeira extensão da gruta somente podia ser imaginada de onde eu me encontrava, pois reinava uma estranha luz crepuscular verde que vinha de manchas ardentes no teto, de saliências rochosas radiantes e de nuvens isoladas de diminutos insetos luminosos.

Os dois farrogs caminharam cerca de doze metros por cima de uma ponte vítrea iluminada fracamente diante deles, até chegarem a uma pequena plataforma rochosa semicircular, que ficava na curva inferior de um espigão rochoso em forma de U, dependurado do teto da caverna. Ali eles ficaram parados, imóveis.

Eu dei alguns passos por cima da ponte vítrea, parei e observei os arredores que pareciam irreais e sinistros.

A cerca de duzentos metros de distância eu vi uma torre rochosa de cerca de cem metros de altura, de pedra negra, que era atravessada por inúmeras veias, luzindo verdes. Enquanto ainda estava olhando, o padrão de veias modificou-se, a torre encolheu e um minuto mais tarde era apenas uma agulha brilhando num fogo verde.

— Não fiquem parados! — gritou Poncruter, estridentemente.Atlan e Remotlas, que até então esperavam na entrada da gruta, de repente

começaram a correr. Eu fiquei pálido quando descobri que a ponte se dissolvia poucos centímetros atrás do arcônida correndo. O processo de dissolução continuava irresistivelmente.

— Depressa! — gritei aos meus companheiros, voltei-me e também corri para a plataforma salvadora.

Lapender riu gargarejante, quando Atlan tropeçou rapidamente, porque a ponte de vidro se dissolvia tão depressa atrás dele, que o seu pé esquerdo por um momento ficou dependurado em pleno ar.

Finalmente nós todos estávamos de pé sobre a plataforma. Mesmo assim eu me perguntei como poderíamos prosseguir, pois não consegui descobrir nenhum caminho que levasse da plataforma para baixo ou para cima. Atlan, Remotlas e eu naturalmente possuíamos nossos aparelhos de voo, com os quais, em caso de emergência, poderiam voar através da gruta, porém eu não via nada semelhante com os farrogs.

Eu perguntei o que viria agora, e porque os mutantes não conduziam aparelhagem de voo consigo.

Lapender curvou o seu pescoço para baixo, de modo que o seu rosto ficou pairando diretamente diante do meu.

— Não é possível voar através da Gruta da Instabilidade. — gargarejou ele. — Os bulreihs nos capturariam e nos sequestrariam para o Nivloh. — Ele apontou para as nuvens de insetos luminosos. — Só quem se adapta consegue atravessar, terrano.

— Talvez os nossos visitantes preferissem voltar novamente. — sibilou Poncruter, zombeteiro. — Eles já estão suando de medo.

— Nós suamos porque aqui está quente demais para nós. — retruquei irritado. — Nem quero ouvir falar de uma volta. Nós gostaríamos é de prosseguir mais depressa, isso sim.

— Antes de mais nada o caminho segue para baixo. — gargarejou Lapender.O espigão rochoso em forma de U, na curva inferior da qual nós estávamos de pé,

dilatou-se lentamente no comprimento. Nisto tornou-se mais fina, e nossa plataforma

Page 30: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

logo estava tão estreita que apenas encontrávamos lugar em cima dela, apertando-nos muito.

— Se a plataforma ficar ainda menor, eu corto o seu ventre de abóbora com o meu desintegrador. — disse Atlan para Lapender.

O mutante pareceu ter levado a sério a ameaça zombeteira, pois fez muito esforço para encolher o mais possível sua barriga-bola.

Com isto Poncruter ficou de tal maneira descuidado que teria caído, se no último momento não tivesse se agarrado na perna da calça de Lapender. Os dois farrogs perderam o equilíbrio. Por uma questão de cautela eu agarrei o cinturão de armas de Lapender, enquanto Atlan e Remotlas me agarravam de sua parte. Nesta oportunidade eu descobri um sem-número de armas e objetos de equipamento estranhos nos inúmeros bolsos do cinturão do gigante.

Depois de alguns minutos de medo, a plataforma de vidro dissolveu-se sob nossos pés. Até então ela tinha descido tanto que nós caímos de modo relativamente suave em cima de uma corcova de vidro verde.

Infelizmente a natureza vítrea da corcova demonstrou ser uma ilusão de ótica. Na realidade a elevação consistia de uma massa gelatinosa que cedia e na qual lentamente afundávamos.

Eu me esforcei desesperadamente para soltar-me da gelatina, mas a massa era viscosa e desenvolvia uma força de sucção irresistível. Finalmente Atlan e eu puxamos nossos desintegradores e cuidadosamente afastamos, com seus raios, a gelatina entre nossos corpos.

A massa dissolveu-se numa neblina violeta espessa, que logo nos impediu a visão. Ao mesmo tempo ficou tão quente que até mesmo os farrogs começaram a transpirar fortemente. Atlan, Remotlas e eu fechamos nossos capacetes. Eu respirei fortemente, quando a aparelhagem de climatização, trabalhando a toda força, fez com que um fluxo de ar fresco, rico em oxigênio, penetrasse nos meus pulmões.

— Isso não foi inteligente, terrano. — penetrou a voz gargarejante de Lapender nos meus ouvidos, através dos microfones externos. — Somente um máximo de adaptação poderá nos ajudar.

A geleia viscosa entrementes se dissolvera quase completamente. Somente uma camada da grossura de um dedo ainda cobria o chão da caverna. Em contrapartida, a neblina roxa ficara tão espessa que eu já não via mais os dois farrogs. Somente a figura de Atlan ainda podia ser reconhecida, fantasmagórica, perto de mim.

— Por todas as ilhas estelares! — vociferou o arcônida. — Perry?— Sim? — perguntei, enquanto me esforçava para ligar a instalação de

infravermelho do traje de combate. O complexo de instrumentos trabalhava parecido com um laser na holografia, de modo que mesmo na escuridão completa ou na neblina mais densa, era possível ver uma clara imagem dos arredores, na tira especialmente preparada, que envolvia todo o capacete totalmente transparente. Mas aparentemente o meu aparelho não funcionava.

— Você já experimentou o infravermelho, terrano? — continuou o meu amigo arcônida.

— Estou tentando. — respondi. — Mas não consigo fazer a aparelhagem funcionar.— Estranho. — disse Atlan. — Eu também não. Será que esta neblina desgraçada é

culpada disso?— Provavelmente. — veio a voz de Remotlas no meu receptor de capacete. — A

minha instalação de infravermelho também não funciona.

Page 31: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Os microfones externos transmitiam uma série de ruídos mascantes, depois ecoou um grito estridente. Segundos mais tarde dissolveu-se a neblina violeta, e quase ao mesmo tempo minha instalação infravermelha começou a trabalhar. Eu vi a figura anã de Poncruter se aproximando. Os ruídos mascantes eram originados pela sucção de fina massa gelatinosa que sobrara da corcova.

— De agora em diante vou ter que conduzi-los. — sibilou Poncruter. — Lapender desapareceu.

* * *

— Como assim, desapareceu? — perguntou Atlan, cortante.A neblina violeta tinha desaparecido completamente, de modo que desliguei

novamente minha aparelhagem infravermelha.— Isso quer dizer que ele não está mais aqui. — explicou Poncruter, que

evidentemente pensava em dificuldades semânticas. — Presumo que o seu desaparecimento compensou a sua violação da adaptação.

— Por acaso deveríamos deixar-nos tragar pela montanha de gelatina? — perguntou meu amigo arconídico, surpreso. — Eu não tenho nada contra uma medida sensata de adaptação, mas existe um limite, que eu não penso ultrapassar. Realmente não tem uma ideia do que possa ter acontecido com Lapender, Poncruter?

O anão balançou os seus braços compridos, o que aparentemente devia expressar o seu pesar.

— Talvez ele tenha sido tragado por um ipp. Não faria sentido querer procurá-lo. Além disso, não podemos deixar Arhaeger esperar desnecessariamente, só porque Lapender desapareceu.

— Arhaeger vai ter que esperar. — retruquei. — Se somos culpados ou não pelo desaparecimento de Lapender, vamos procurá-lo até termos certeza sobre a sua sorte, ou podermos salvá-lo.

— Ninguém pode ajudar um desaparecido. — ciciou Poncruter. Ele parecia perplexo com minha intenção.— Talvez apenas ninguém de vocês o tenha tentado declarei, frio. Eu não deixaria

que me impedisse de fazer o que entre terranos é visto como natural.— Aliás, o que é um ipp?— Uma forma singular do defeito-tempo-espaço. — disse Poncruter. — Ele

geralmente se apresenta quando um erro de adaptação precisa ser compensado, de qualquer modo nessa caverna. Nós deveríamos continuar nosso caminho, Rhodan. Arhaeger não teria compreensão para um atraso sem razão.

— Talvez o senhor deveria dar ouvidos ao conselho de Poncruter, Rhodan. — achou Remotlas, numa advertência. — Nós perdachistas não sabemos muito de Arhaeger, mas há muitos boatos que falam de atrocidades cometidas a seu mando.

Atlan riu, irritado.— Não se esforce, Remotlas. O senhor não conseguirá fazer com que Perry Rhodan

e eu mudemos de opinião. Vamos procurar por Lapender até encontrá-lo, ou então até que tenhamos certeza da falta de sentido da sua procura.

Eu sorri, agradecido, para o meu amigo. Atlan certamente não era sentimental, mas também para ele ajuda mútua era uma lei não escrita.

O anão dirigiu a ponta engrossada de sua língua tubular primeiro para Atlan, depois para mim, em seguida ele tossiu. Parecia como se alguém estivesse soprando um trombone entupido.

Page 32: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

A procura por Lapender vai ser perigosa. — disse ele. — Precisamos tentar chegar a um ponto de adaptação, de outro modo seria inútil.

— Neste caso conduza-nos para um ponto de adaptação! — declarei.A sua língua dirigida para mim tremeu violentamente. Eu gostaria de saber o que

Poncruter pensou neste momento, mas os seus pensamentos continuavam ocultos para mim.

— Por favor, sigam-me. — disse ele, e se virou.Ele nos conduziu para fora da poça gelatinosa e por entre dois obeliscos pulsantes.

O chão abaixo de nós parecia consistir de vidro preto. Eu avistei — aparentemente muito profundamente abaixo de nós — constantes aparições luminosas, que às vezes formavam padronagens mágicas.

Um hullah atravessou nosso caminho. O animal corria, com suas pernas curtas atrofiadas por cima da superfície negra, e depois atirou-se, com sons mascantes metálicos, por cima de alguma coisa que se encontrava caída ao lado de um pedaço de rocha incolor. Eu olhei melhor e senti um frio na espinha. Aquilo que parecia uma lona plástica cinza-clara, na realidade era o traje de combate meio roído de um ser humanoide. Aqui e ali sobressaíam os ossos pálidos do esqueleto. Não era possível ver-se do que a criatura morrera, mas eu podia imaginar que sofrera uma morte cruel.

De repente uma nuvem de insetos luminosos atirou-se em cima do hullah. A criatura globular dissolveu-se no Nada e no instante seguinte passou rapidamente atrás de mim, exatamente na linha na qual ela cruzara o nosso caminho pouco tempo atrás. A nuvem de insetos luminosos entrementes tinha voado embora, e o hullah mais uma vez atirou-se em cima do material plástico do traje de combate.

— Mas isso não foi uma teleportação normal. — disse Atlan, atrás de mim. — Eu achei que o hullah talvez se tivesse colocado meio minuto no passado.

— Os hullahs são saltadores do tempo. — explicou Poncruter, sem se virar. — Aliás, eles só podem vencer curtos trechos de tempo, pelo que sabemos.

Eu refleti, intensamente. A designação de “saltadores de tempo” lembrou-se de alguns acontecimentos perigosos, ocorridos nos tempos do Império Reunido na galáxia da Humanidade. Naturalmente não havia nenhuma relação entre os saltadores do tempo daquela ocasião e estes pequenos devoradores de plástico, mais uma vez mais me ficou claro que a natureza era capaz de dar capacidades às suas criaturas, que nós apenas conseguíamos obter com um enorme custo técnico. A multiplicidade da natureza aparentemente era inesgotável.

— Posso imaginar no que você está pensando agora, terrano. — murmurou Atlan, com um traço de ironia. — Você se acha muito pequeno diante do tamanho insuperável do Universo?

Eu sorri.— Muito ao contrário, ex-imperador — retruquei, zombeteiro. — Justamente em

vista do tamanho do Universo e da abundância da Criação, eu acho admirável como a Humanidade consegue orientar-se facilmente no seu seio. Se você quiser saber — eu me orgulho disso — e isso é uma coisa que nem o maior dos Universos pode fazer.

O meu amigo arcônida riu, baixinho. Eu senti que ele queria retrucar alguma coisa, mas neste momento Poncruter gritou-nos uma advertência.

— O próximo ponto de adaptação! Eu sinto que nos encontramos muito próximos, diante dele. O senhor quer realmente que eu o conduza para dentro dele, Rhodan?

Espantado, eu notei que o anão tremia. O seu crânio gelatinoso tremia, e a pele amarela purulenta cobriu-se de uma rede espessa de finas veias avermelhadas.

Page 33: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Ele realmente continua conhecendo você muito mal. — disse Atlan, sarcástico.— A pergunta foi supérflua, Poncruter. — respondi ao farrog, raivosamente. A observação de Atlan me irritara.O anão emitiu um som que parecia um suspiro. Ele estava parado diante de uma

galeria, um corredor de cerca de três metros de largura talvez, emoldurado por rochedos partidos, dos mais diferentes tamanhos e formatos. Eu avaliei a altura das rochas maiores em cerca de trinta metros, elas pareciam estáveis e nada ameaçadoras. Além disso, em caso de necessidade, podíamos ligar nossos escudos de proteção e nossa aparelhagem de voo.

Mas será que realmente poderíamos fazê-lo?“Poder podemos, mas não queremos.” — veio-me o impulso de Ovaron. — “O que

vale um ponto de adaptação, se não estamos dispostos a nos adaptarmos otimamente? Tenha muito cuidado, Perry!”

Eu tive que sorrir do fato de nosso amigo ganjásico ultimamente empregar cada vez mais frequentemente locuções terranas, que geralmente vinham do Século Vinte e que praticamente já não eram mais usadas no Século Trinta e Cinco.

O sorriso, entretanto, sumiu rapidamente dos meus lábios, quando Poncruter pôs os pés na galeria, e de um milissegundo para o outro repentinamente sumiu.

A minha mão direita voou instintivamente para o coldre no qual trazia minha arma de impulsos. Entretanto logo a retirei. No que poderia atirar? Enquanto ainda refletia se eram necessários valentia ou fatalismo, para se adaptar a alguma coisa, que somente era descrita apenas pouco claramente com a palavra “ponto de adaptação”, senti claramente que esse tipo de reflexão era ocioso. Eu tinha que tomar uma decisão e precisava tomá-la rapidamente, para que ela pudesse ter sentido.

Eu me controlei e segui o anão. Os rochedos à direita e à esquerda repentinamente pareciam juntar-se, depois desapareceram, dando lugar a uma substância cinzenta, que me envolveu como uma neblina espessa, mas ainda assim não me roubou a visibilidade. Pelo menos ainda podia ver minha mão, quando estendia o braço. Em algum lugar diante de mim havia um movimento difuso, uma espécie de ondear rítmico, como se a substância cinzenta envolvesse um objeto de cerca de um metro de altura, que se mexia.

Um metro?Poncruter tinha exatamente noventa centímetros de altura. Eu estava vendo a

corrente que ele provocava com a sua movimentação adiante, dentro da substância cinzenta? Mas por que eu não podia vê-lo pessoalmente?

Eu liguei o alto-falante externo do traje de combate em força máxima:— Poncruter!Nenhuma resposta.Portanto caminhei mais depressa para alcançar o mutante. Porém por mais depressa

que eu caminhasse, a distância para com aquele ondear estranho continuava a mesma. Depois de algum tempo eu duvidei de que realmente estava me adiantando.

Como é que se poderia verificar isto, se não havia pontos de referência!Será que Atlan e Remotlas me seguiram?Eu me virei.E no momento seguinte tive a sensação de que os arredores giravam comigo. De

qualquer modo aquele ondear estranho ficava constantemente diante de mim, como se girasse em torno de mim aquilo que o provocava. Não havia indícios de qualquer outro movimento, mas como é que eu poderia saber disso, se olhasse atrás de mim ou não!

Esta seria a adaptação ótima?

Page 34: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Curiosamente eu não senti medo algum. Eu estava mais com raiva, e lentamente estava ficando encolerizado. Precisei de grande controle para não ativar simplesmente o meu escudo de proteção e não ligar minha aparelhagem de voo. Nada é mais deprimente do que quando não se sabe se o próprio agir possui o menor sentido ou não.

Eu olhei para o meu cronógrafo de pulso, para pelo menos ter um ponto de referência concreto. Era o meu próprio cronógrafo, que eu tinha conservado mesmo durante os acontecimentos em Arrivanum e na astronave perdachista do agora falecido Recimoran, e fiquei contente com isso, pois o recálculo dos dados de um cronógrafo ganjásico sempre era um assunto complicado.

Na Terra registrava-se o dia 16 de abril do ano 3.438, e eram 11:53:09, hora standard.

Perplexo, fiquei parado.Mais ou menos às 12:15, hora standard, do dia 15 de abril, nós tínhamos posto os

pés no forte sem-ruído da superfície. Era impossível que já estivéssemos vinte e quatro horas a caminho. Eu tinha certeza que entrementes se tinham passado um máximo de oito horas.

Mais uma vez olhei o mostrador eletrônico.Desta vez eram 16:31:49, hora standard!Eu senti que frio e calor se alternavam na minha espinha.Com que rapidez corria o tempo nesta substância cinzenta, se é que realmente se

tratava de uma substância! Dentro das poucas reflexões era impossível que se tivesse passado quase cinco horas, de tempo standard!

Eu olhei para os controles que mostravam minha frequência respiratória, meu metabolismo basal e minha pulsação. Os valores eram normais! Portanto eu mesmo não estava submetido a esta passagem de tempo acelerada. O meu cronógrafo estaria com defeito? Não, este instrumento de precisão somente falharia com a utilização de força bruta.

Confuso, olhei para a frente.Aquele ondular estranho continuava ali, e nas cinco horas passadas, nas quais eu

não me mexera, ele não se afastara de mim mais de meio metro, se é que se afastara.Cinco horas.Um novo olhar para o cronógrafo me comprovou que desde a primeira olhada já se

tinham passado exatamente oito horas. O mostrador apontava 19:47:28 horas, tempo standard.

Eu me propus não ficar inativo mais que vinte e quatro horas. Depois disso eu empreenderia alguma coisa, apesar de ainda não saber o que.

Novamente olhei para a frente.Desta vez alguma coisa se modificara. Aquele ondular estranho desaparecera. No

seu lugar eu descobri uma luminosidade azul pulsante, que parecia estar muitos quilômetros distante. Entretanto eu não confiei em minha avaliação de distâncias, mas comecei a andar mais depressa, na esperança de alcançar a luminosidade azulada.

Poucos minutos depois eu me encontrava diretamente diante dela. Eu estendi as mãos para ela... — e senti-me agarrado por uma sucção irresistível.

Alguma coisa detonou, depois eu me encontrei, cambaleante, dentro de uma caverna cheia de luz verde, de cujo teto meneavam fios brancos muito finos.

Em meio a estes fios, entretanto, estava dependurado, estranhamente mole e como uma crisálida, o mutante Lapender!

Page 35: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Poncruter estava parado do lado e mexia nos fios. Tudo aquilo era tão irreal que mais uma vez me agarrei ao único ponto de fixação que ainda me restara, o meu cronógrafo.

Era 01:14:36 horas, e o campo de data mostrava o dia dezessete de abril!Lapender soltou-se da confusão de fios que pareciam cabelos. No mesmo instante

ele acordou de sua sonolência. O seu olho facetado observou-me, perplexo.Poncruter riu de modo selvagem e mexeu os braços compridos, como se fossem pás

de um moinho de vento. Sua boca esquisita produzia grandes quantidades de saliva espumosa, e a sua língua tubular girava.

Rápido como um raio, eu me virei quando percebi um ruído atrás de mim.Atrás de mim estava Atlan. O meu amigo arcônida primeiramente olhou os dois

farrogs, depois virou-se para mim. Ele suspirou e disse:— Você tem ideia do tempo que perdemos neste algo cinzento, Perry?Eu não pude evitá-lo, tive que rir. Com isto lentamente aliviou-se a terrível tensão, e

enquanto eu ainda estava rindo, surgiu perto de Atlan o ganjásico Remotlas.Lapender não conseguiu dizer-nos o que acontecera com ele, quando desapareceu.

A sua consciência evidentemente tinha sido desligada, até que Poncruter o retirara daquela confusão de fios.

Praticamente sabíamos apenas que através de um efeito desconhecido tínhamos perdido exatamente vinte e oito horas... — mas em contrapartida tínhamos reencontrado Lapender.

O gigante reagiu com incompreensão aos nossos esforços para encontrá-lo. Uma maneira de agir semelhante era-lhe desconhecida, e por isso mesmo também não demonstrou qualquer gratidão. Ele simplesmente estava confuso demais. Eu não pude nem verificar se ele estava contente com o seu salvamento.

Todos nós estávamos um pouco afetados pelos acontecimentos das últimas horas e decidimos fazer uma pequena pausa de descanso, antes de prosseguirmos no nosso caminho. Atlan, Remotlas e eu comemos carne enlatada, com pão marrom-amarelado que os ganjásicos da superfície utilizavam. Os dois farrogs devoraram algumas barras cinzentas, sujas, provavelmente concentrados. Em seguida nos encostamos na parede da caverna e descansamos meia hora. Remotlas inclusive dormiu um pouco e pareceu atordoado quando nós finalmente o acordamos. Os dois farrogs, entretanto, não mostravam indícios de cansaço, e Atlan e eu não cansávamos muito, devido aos ativadores celulares.

Lapender assumiu novamente a direção. Nem ele nem Poncruter perderam uma só palavra sobre nossas experiências sinistras. Os seus pensamentos pareciam exclusivamente dirigidos para aquilo que tinham à sua frente.

Depois que Lapender nos dirigiu através de uma galeria baixa, nós estávamos parados em cima de uma saliência rochosa de um metro de largura, na parede da caverna, a cerca de cinquenta metros acima do solo. Eu tentei reconhecer coisas conhecidas na caverna, porém ou tudo se modificara ou então nós nos encontrávamos numa outra gruta. Não havia nada ali que lembrasse os arredores da gruta da qual saíramos para penetrar naquela substância cinzenta.

— Que armadilhas ainda podemos esperar agora? — perguntou Atlan.Lapender revirou o seu pescoço de tromba e virou o seu rosto para o arcônida sem

entretanto mexer o seu tronco.

Page 36: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Nenhuma que ainda pudesse tornar-se perigosa para nós. — respondeu ele, balbuciando. — Basta que prestemos atenção nas consequências de campos de força.

— Aqui também, existem armadilhas convencionais? — perguntei, e quando notei que o farrog não me entendera, acrescentei: — Quero dizer armas energéticas escondidas, projetores de ácidos ou simples alçapões?

— Naturalmente também existem essas armadilhas. — respondeu Lapender. — Porém estas podem ser evitadas mais facilmente, porque não modificam a sua localização. Naturalmente alguns campos de força móveis agem como alimentadores de câmaras de descompressão e câmaras de excesso de calor, mas como se sente os campos de força antes mesmo de se entrar definitivamente na sua sucção, poderemos desviar-nos deles ainda em tempo, ao que presumo.

Remotlas gemeu baixinho. O perdachista evidentemente não achou a “suposição” de Lapender uma garantia suficiente, de que nós também venceríamos o resto das armadilhas, incólumes.

O gigante conduziu-nos pela saliência, que lentamente descia para o chão da gruta. No centro da caverna entrementes se formara uma bolha brilhando avermelhada, que em minha avaliação se curvava cem metros para o alto. Ao mesmo tempo ressoaram ruídos surdos, palpitantes, em intervalos regulares. Parecia o bater do coração de um gigante. Quando eu verifiquei que a bolha brilhante se ampliava em alguns metros a cada pulsação, chamei a atenção dos dois farrogs para a mesma.

— Esta é apenas a introdução para a próxima fase de carregamento. — explicou Lapender, secamente. — Nada poderá nos acontecer se alcançarmos a saída antes que o ulvith preencha a caverna.

Esta informação não me acalmou muito. Eu instiguei o mutante altão para que se apressasse mais, em seguida ele bailaricou um pouquinho mais depressa por cima da rocha.

Finalmente alcançamos o chão da gruta. Entrementes a bolha cintilante vermelha tinha inchado ainda mais. Parecia-me que ele não apenas se expandia a cada pulsação, mas que também se modificava no processo.

Os dois farrogs caminharam na direção de um grande portal, que se encontrava no fim da caverna, dentro da rocha. Na bolha de repente formaram-se rasgões, dos quais fluíram fios vermelhos como sangue, que escorreram pelo chão, parecendo serpentes.

Atlan atirou com seu desintegrador no fio que tentava alcançá-lo. No momento seguinte centenas dessas coisas parecidas com cobras se atiraram para nós ao mesmo tempo. Mas então já tínhamos alcançado a saída, correndo através dela. Atrás de nós a torrente de fios vermelhos como sangue atirou-se contra uma barreira invisível.

— O senhor não devia ter atirado, Atlan. — disse Poncruter, sibilante.Meu amigo arcônida ficou-lhe devendo uma resposta. O perigo ficara atrás de nós e

por isso mesmo se tornara desinteressante, neste momento. Muito mais importante era o que se encontrava diante de nós.

Eu olhei em volta.Nós nos encontrávamos no início de um túnel de cerca de cinco metros de altura e

três metros de largura. No meio do mesmo, no chão, corria um trilho baixo, brilhando prateado, e sobre ele — ou melhor, poucos milímetros acima dele — pairava um veículo de formato cilíndrico com extremidades arredondadas.

Lapender tocou a escotilha. A mesma deslizou, abrindo-se e o mutante embarcou. Poncruter remou com os braços, o que provavelmente queria dizer que também devíamos embarcar.

Page 37: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Não víamos razão para não seguirmos o seu exemplo. Um moderno meio de comunicação parecia prometer mais segurança do que escadas-caracol ou cavernas.

O interior do carro sobre trilho magnético estava mobiliado e decorado de forma luxuosa. — em comparação ao que tínhamos visto até agora no mundo subterrâneo de Erysgan. Com paredes atapetadas com coberturas de padronagens coloridas, confortáveis poltronas anatômicas e iluminação escondida no teto.

Nós nos sentamos. Remotlas fechou os olhos e adormeceu imediatamente. Lapender apertou uma placa comutadora e o carro pôs-se silenciosamente em movimento.

O carro andava em grande velocidade, e eu avaliei pelas paredes do túnel, que passavam velozmente, que ele fazia pelo menos cento e cinquenta quilômetros horários.

Depois de cinco minutos passamos, um pouco mais devagar, por uma estação. Eu vi, de passagem, cerca de uma dúzia de outros trilhos em túneis de desvio, e cerca de quarenta figuras monstruosas que se movimentavam nas plataformas da estação.

A imagem passara rápida demais, para que pudéssemos ver alguma coisa mais exatamente. De qualquer modo bastaram aquelas poucas impressões para me tranquilizar. Depois de tudo pelo que tínhamos passado, durante a descida ao mundo subterrâneo, eu tinha esperado por um mundo subterrâneo primitivo, habitado por semisselvagens. Lentamente novamente criei esperanças de encontrar uma civilização intacta.

Depois de mais cinco minutos, nosso veículo freou. O túnel alargou-se num pavilhão largo. Eu olhei em volta e vi paredes firmes de concreto de fibra de vidro, escotilhas blindadas de metal-plástico e por toda parte placas escritas em Gruelfin Antigo, que me revelavam a utilização do pavilhão e das instalações ao seu redor. Tratava-se de um forte profundo, muito antigo, mas ainda intacto, que provavelmente fora construído há cento e cinquenta mil ou mesmo duzentos mil anos atrás.

Os dois farrogs levantaram-se e foram até a escotilha, depois que o carro parou. Nenhum deles disse-nos que devíamos segui-los, provavelmente eles achavam isso natural.

Eu acordei Remotlas. O chefe dos perdachistas olhou-me fixamente, com olhos vidrados. Só muito lentamente ele encontrou-se de volta à realidade. Eu dei-lhe um estimulante ganjásico, depois o puxei comigo para fora.

Lapender e Poncruter esperava por nós diante da cabine aberta de um elevador. Eles nos deixaram passar, depois também entraram. Poncruter apertou um botão. O elevador deu partida e precipitou-se, com uma velocidade enorme, para baixo. Depois de no máximo trinta segundos, ele parou novamente.

Nós desembarcamos e nos encontramos num salão grande, esquisitamente mobiliado, no qual cinco mutantes, com figuras esquisitas, estavam de pé, formando um grupo exótico. Quando entramos eles nos observaram atentamente. Poncruter e Lapender nos conduziram pela frente deles para uma escotilha blindada, que era garantida adicionalmente por um escudo energético. O anão sibilou alguma coisa, depois o escudo energético ruiu, e a escotilha deslizou para o teto.

Nós entramos no recinto anexo e vimos, além de inúmeros consoles de controle e desconhecidos objetos da instalação, um farrog muito alto, de pé. O mutante fixou-nos com dois grandes olhos facetados brilhantes.

— Este é Arhaeger. — sibilou Poncruter.Arhaeger abriu a boca.— Então quer dizer que vieram. Aproximem-se!

Page 38: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

As palavras tinham soado tão insensíveis, que nestes segundos me pareceu que a morte me tinha soprado o seu hálito. Eu comecei a imaginar que tinha sido muito mais fácil chegar ao mundo subterrâneo, do que seria abandoná-lo outra vez.

* * *

Eu joguei meu capacete de pressão para trás, dei alguns passos para a frente e disse num tom de voz tão impessoal quanto possível:

— Nós o saudamos, Arhaeger. O caminho até o senhor foi um tanto difícil. Eu espero que pelo menos ele tenha valido a pena.

Atrás de mim os dois farrogs deram sons mascantes de si. Arhaeger não respondeu logo; ele continuou olhando para Atlan e para mim com seus grandes olhos brilhantes.

O soberano do mundo subterrâneo de Erysgan tinha cerca de 2,30 metros de altura, um torso comprido e duas pernas curtas, grossas como colunas e, em contrapartida, braços compridos como um macaco. A sua pele era branca e enrugada como a de um elefante pintado de branco, e parecia também ser tão grossa. O rosto no crânio globular, sem cabelos, trazia como sinal mais característico os dois olhos facetados, salientes em mais ao menos cinco centímetros. Na linha da risca do crânio, mais ou menos no lugar onde no terrano o osso do vértice se junta com o osso frontal, uma bolha do tamanho de um punho cerrado se abaulava com um brilho vítreo. O seu formato parecia-se com o órgão de ultrassom de Lapender, e eu achei que em Arhaeger ela cumpria a mesma função. A vestimenta não se distinguia da de nossos dois guias.

— Os senhores me deixaram esperar. — disse Arhaeger. Enquanto ele falava, tremiam os pequenos fios de pele, rosa-pálidos, que lhe caíam

dos cantos da boca até o queixo.Eu não tencionava responder-lhe a esta pergunta arrogante e Atlan certamente

também não, mas Remotlas foi um tanto solícito demais.O chefe dos perdachistas colocou-se do meu lado.— Lapender foi aprisionado. Nós o libertamos, Arhaeger.— Isso foi desnecessário. — declarou Arhaeger. Ele agitou os braços e os nossos guias deixaram o recinto.— Não para nós! — interveio Atlan. — Os terranos praticam a solidariedade, se

isso lhe é justo ou não.— O senhor é muito arrogante. — retrucou Arhaeger. Até agora ele ainda não se mexera um centímetro sequer.

Page 39: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Meu nome é Atlan. — declarou o meu amigo. — E este é Perry Rhodan, o soberano da galáxia da Humanidade. — Ele apontou para mim.

O mutante, pela primeira vez, mostrou uma emoção. A sua cabeça virou-se para mim e eu tive a sensação de que seus olhos facetados se iluminaram.

— O senhor afirma ser o portador do Ganjo legítimo? — perguntou ele.— Sou eu mesmo. — respondi. — Depois da fria recepção, aliás, eu duvido que

isso o interesse. Provavelmente lhe é indiferente se a micro galáxia Morschaztas seja governada pelo Ganjo verdadeiro ou por uma marionete dos pedopilotos.

— Está enganado, Rhodan! — retrucou Arhaeger. Desta vez pareceu-me ter ouvido um laivo de respeito na sua voz. — Eu fico sabendo de tudo que se passa na superfície. O fato dos pedopilotos terem aprisionado os Ganjatores, colocando a polícia secreta, bem como todas as forças policiais regulares, na sua busca e de Atlan, parece confirmar suas afirmações. Naturalmente ainda me falta a última comprovação.

Ele virou-se e caminhou para uma porta que ficava no lado que nos ficava defronte, no recinto. Ali ele parou e se virou. Eu vi que na parte interior de seus antebraços, marcas do tamanho de solares brilhavam.

— Sigam-me, por favor!Eu ajeitei a capa (que era Whisper) em volta dos meus ombros e segui Arhaeger.

Pareceu-me que o mutante observava muito atentamente o meu simbionte khusálico. Porém logo ele se virou abruptamente e caminhou na minha frente.

Chegamos a um corredor curto, em volta do qual havia seis farrogs. Os mutantes estavam envoltos em hábitos negros e traziam capuzes, de modo que podíamos ver deles apenas as botas e os olhos. Eles nos seguiram, depois de termos passado por eles. Provavelmente tratava-se da escolta de proteção de Arhaeger. Provavelmente debaixo de seus mantos eles mantinham armas apontadas para Atlan, para Remotlas e para mim.

No fim do corredor Arhaeger desceu uma estreita escada em caracol. Eu fiquei surpreso que ele não usasse um elevador. Depois de cinco minutos saímos para uma plataforma. Logo que nós todos nos encontramos sobre a plataforma, Arhaeger apertou um botão da aparelhagem que estava dependurada no seu cinturão. A plataforma desceu rapidamente através de um tubo de vidro. Através das paredes transparentes eu ganhei rápidas olhadelas para laboratórios e modernas estações de força. Aqui evidentemente estava-se trabalhando com uma tecnologia que não ficava nada a dever à terrana.

Quando a plataforma parou, nós nos encontramos numa câmara de eclusa. Atrás de nós baixou uma escotilha pesada, depois diante de nós deslizou uma escotilha semelhante para o alto. Uma onda de ar quente e úmido bateu-nos no rosto. Atlan abriu o seu capacete, uma vez que as paredes do globo, quase imediatamente, ficaram embaciadas. Remotlas já abrira antes o seu capacete.

Admirado, eu verifiquei que nos encontrávamos na entrada de um pavilhão com extensas plantações. Arhaeger conduziu-nos por um caminho elevado, através das culturas. As plantas eram exóticas e cresciam de dentro de buracos de uma forte placa plástica, sob a qual aparentemente se encontrava uma solução nutritiva. Do teto alto brilhavam três pequenos sóis atômicos, esquentando o ar. Nas paredes rochosas alisadas pude ver as aberturas das entradas e saídas de fornecimento de ar fresco e ventiladores de exaustores.

Interessava-me saber de onde os ventiladores tiravam a grande quantidade de ar fresco. Perguntei a Arhaeger sobre isso. O mutante respondeu-me que daqui e de outros lugares, inúmeros poços levavam à superfície. — para locais que ninguém lá em cima conhecia, conforme ele salientou. Eu achei que eles deviam ficar em algum lugar nas

Page 40: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

montanhas altas e selvagens do continente Mirago, pois conforme meus cálculos nós nos encontrávamos no mundo subterrâneo do continente principal. O pensamento de que também sob o restante das cinco massas de terra continentais houvesse mundos subterrâneos, me fascinou. Provavelmente até sob o chão dos mares devia haver colônias de fortes dos farrogs. Aqui os habitantes ancestrais realmente tinham executado uma realização técnica extraordinária.

Nas plantações somente se viam poucos farrogs. Evidentemente eles vigiavam os inúmeros robôs-operários que em parte estavam ocupados com o cultivo das plantas e também com o recolhimento da colheita. Por toda parte no chão havia outros poços, nos quais a colheita desaparecia, logo depois de recolhida.

Eu me perguntei por que o soberano deste mundo nos conduzia através das plantações — e ainda por cima a pé. Provavelmente ele queria nos mostrar que os farrogs eram absolutamente competentes para se alimentarem, mesmo sem a ajuda do mundo superior.

Levamos quase três horas para atravessar um pavilhão. Depois disso Arhaeger levou-nos para uma estação de trens pneumáticos. Aqui havia grande movimento. Constantemente chegavam farrogs com elevadores de cabine ou deixavam a estação. Curtos comboios pneumáticos partiam sibilando, ou passavam voando com um claro tilintar. Todos pairavam sobre campos de força, que eram irradiados pelos trilhos.

Diante de um comboio de três carros encontravam-se quinze mutantes. Eles estavam disfarçados do mesmo modo que nossos acompanhantes, e era fácil adivinhar que eles estavam nos esperando.

Arhaeger e nós embarcamos no primeiro carro. Os dois outros carros foram tripulados pelos mutantes encapuzados. Logo em seguida o nosso trem partiu, para dentro de um túnel escuro, que depois de algum tempo dobrou para a esquerda.

Cerca de dez minutos mais tarde passamos velozmente por paredes claras e transparentes. Novamente vimos as culturas de uma fazenda subterrânea, porém diferenciando-se das plantas das primeiras culturas que tínhamos visto, as plantas aqui eram grandes como casas, e consistiam de uma substância esponjosa vermelho- -amarelada, cuja estrutura era estranhamente ramificada.

O trem diminuiu sua marcha. Eu notei que Arhaeger não tirava os olhos de mim. Ao mesmo tempo senti uma surda pressão no meu cérebro.

“Influenciamento parapsíquico...?”Com ajuda de Whisper eu ergui uma barreira psiônica em tomo do meu espírito,

depois estendi meus sensores telepáticos, sondando a fonte da pressão.Uma torrente de sensações diferenciadas bateu-me ao encontro: moral

extremamente elevado, profunda depressão, medo, terror, desejo — uma paleta absurda de todos os pensamentos imagináveis.

Remotlas encolheu-se na sua poltrona, choramingou e levou ambas as mãos ao rosto.

Eu revidei o olhar interrogativo de Arhaeger e perguntei:— O senhor está fazendo uso de uma horda de telepatas enlouquecidos, para nos

influenciar? Com Atlan e comigo o senhor não terá sucesso com isso.O rosto de Arhaeger continuou impassível, quando ele respondeu:— Trata-se de um macro cérebro semi orgânico, em estágio de construção, Perry

Rhodan. Instalações desse tipo algum dia substituirão nossos cérebros positrônicos. Nós trabalhamos com peças de cérebros de farrogs, cujos corpos se tornaram inservíveis, peças estas conseguidas neurocirurgicamente. Além disso, utilizamos as células cerebrais

Page 41: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

e outras células nervosas de ganjásicos que tentaram nos convencer que eles tinham sido destinados a serem soberanos de todos os farrogs.

— No meu Império o senhor seria condenado por extinção de personalidade, Arhaeger. — retruquei, friamente. — Mande o trem andar mais depressa, para que Remotlas não precise sofrer desnecessariamente.

O mutante virou-se abruptamente e gritou uma ordem ao condutor. Imediatamente o trem pneumático acelerou novamente. Meio minuto mais tarde tínhamos deixado para trás o âmbito da construção mais horrenda que eu jamais encontrara.

Pouco mais tarde, o trem parou num pavilhão em cúpula, supercarregado de ornamentos. Farrogs disfarçados estavam parados junto das paredes e não reagiram quando nós desembarcamos.

Remotlas agarrou-me pela manga e puxou-me para trás, de modo que nos afastamos um pouco de Arhaeger.

— Esses fragmentos de cérebros... — murmurou ele, agitado — ...eles me lembraram de diversos boatos que correm no mundo superior. Dizem que aqui embaixo existe um cruel culto de sacrifícios, nos quais ganjásicos do mundo superior seriam sacrificados. Eu até há pouco nunca quisera acreditar nisto, mas agora...

Arhaeger parou e virou-se para nós.— Por favor, não fique para trás, Perry Rhodan. O senhor receberá a maior honra, a

de poder pôr os pés no nosso santuário.O tom de sua voz fora cínico, e de repente nossos acompanhantes disfarçados

estavam com armas de raios nas mãos. A situação mudara. Os visitantes evidentemente tinham se transformado em prisioneiros.

Eu me juntei a Atlan. Os olhares que meu amigo arcônida e eu trocamos, substituíram o fluxo acústico normal de informações. Concordamos em somente usarmos de resistência em último caso, ignorando até então as armas dos encapuzados.

Nós caminhamos através de um portal ricamente adornado, fomos levados por um curto trecho por uma esteira de transporte e depois saímos num gigantesco pavilhão com uma torre cilíndrica muito alta. As paredes do pavilhão eram de uma massa negra parecendo vidro, nas quais brilhavam fortes fontes luminosas, produzindo uma iluminação estranhamente excitante.

No centro do pavilhão erguia-se um obelisco. Eu avaliei o comprimento lateral da superfície quadrada em cinquenta, a altura da construção que se erguia pontuda em quatrocentos metros.

A cerca de trinta metros de altura, na parte do obelisco em nossa frente, estava dependurado um ganjásico. Parecia que ele estava colado na parede, e aparentemente estava próximo a morrer de sede. Os seus olhos estavam fechados, os lábios ressecados e rachados, a pele como couro esticado por cima dos ossos do rosto. Com meus sentidos telepáticos, entretanto, senti que ainda havia vida naquele homem.

Eu estava justamente querendo interpelar Arhaeger, em tom cortante, por que ele torturava um ser inteligente daquele modo, quando captei o grito espiritual de morte do ganjásico. Depois os seus impulsos cerebrais cessaram. Ele morrera.

No segundo seguinte o cadáver soltou-se da parede, caiu ao chão e foi removido por dois robôs que estavam esperando nos fundos.

Arhaeger voltou-se mais uma vez para mim. Os seus olhos facetados rebrilhavam como diamantes lapidados de muitos quilates.

— O senhor, Perry Rhodan... — gritou ele, em tom cortante — ... afirmou trazer dentro de si o verdadeiro senhor do deus Farro. O ganjásico que acabou de morrer

Page 42: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

afirmou a mesma coisa, ele era um psicopata perigoso. O tryzo-obelisco o desmascarou e o supliciou.

Dois encapuzados meteram os canos de suas armas de raios nas costelas do arcônida. Os outros homens armados se aproximaram de mim.

Arhaeger apontou para mim.— Empurrem este homem para dentro do campo de força do obelisco-tryzo! O

obelisco do Grande Farro vai decidir se ele mentiu ou se falou a verdade!Cinco encapuzados me empurraram mais para perto do obelisco. Eu não opus

resistência, apesar de não me terem tirado as armas. Contra receptores de ordens fanáticos, para os quais o seu próprio destino era indiferente, eu não tinha qualquer chance.

E agora eu também vi o cintilar fraco que envolvia o obelisco como uma pele energética. A cerca de dois metros da construção, os cinco encapuzados me deram um forte empurrão.

* * *

Eu estendi ambas as mãos. Era um movimento dirigido pelo instinto, pois contra a força de atração mortal do obelisco não havia proteção.

Minhas mãos enluvadas se chocaram contra metal vermelho-azulado que vibrava fracamente, depois eu cambaleei um passo para trás. Pude sentir o bater do meu coração como surdo rufar de um tambor, quando olhei pela parede lisa acima, esperando pelo início da força mortífera.

Quando todo o obelisco-tryzo começou a brilhar de dentro para fora, instintivamente recuei mais um passo.

Entrementes o obelisco brilhava como uma chama gigantesca. Por cima da ponta formou-se uma aglomeração energética branco-azulada, na qual começou a se formar a figura de um homem.

Uma calma extraordinária tomou conta de mim, quando no rosto da figura formada energeticamente eu reconheci aquele Almirante Farro, que eu encontrara dentro da máquina de sonhos.

— Rejubilai e alegrai-vos! — declarou a projeção de Farro com voz retumbante. — Grande felicidade foi dada a vocês, farrogs, que esperaram fielmente pelo regresso do soberano. Ao pó com vocês! Saúdem o Ganjo, que vai dirigi-los, como lhe é devido. Bem-vindo, Ganjo. Eu não serei mais necessário. Conduz os ganjásicos à nova grandeza, meus melhores votos te acompanham neste difícil caminho. Sim, ele voltou para casa, o soberano e comandante de todos os ganjásicos, aquele que irradia, como sinal infalível, os impulsos de duas partículas-tryzom.

Atordoado, eu me virei.Os encapuzados tinham se atirado ao solo, suas testas caídas sobre o frio

revestimento metálico do chão. Remotlas tinha caído de joelhos, por pura exaustão, e também Arhaeger estava deitado no chão, mas ao contrário dos farrogs restantes, o seu rosto estava voltado para a ponta do obelisco.

Só Atlan ainda estava de pé, sorrindo ironicamente.— Levantem-se! — disse eu, irritado. — Não sou nenhum deus e o Ganjo dentro de

mim também não é nada disso. Ovaron é apenas o soberano legítimo de todos os povos dos ganjásicos. Arhaeger!

Page 43: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

O soberano do mundo subterrâneo ergueu-se hesitante, enquanto os farrogs restantes não conseguiam decidir-se a isso, apenas erguendo as cabeças e olhando para mim.

Com suas maciças pernas de colunas, também o andar de Arhaeger parecia pesado. Os dois olhos facetados enormes cintilavam, e os fios de pele nos cantos da boca vibravam.

— O obelisco-tryzo... — disse Arhaeger com voz frágil — identificou o senhor como Comandante Supremo do deus Farro, mas, mesmo assim, o senhor não é o Ganjo. Eu posso, eu devo acreditar, que em algum lugar do seu espírito mora o espírito do verdadeiro comandante de todos os ganjásicos?

— Mas isso é...! — começou Atlan, mas eu fiz-lhe um sinal.“Ovaron!” — gritei eu, espiritualmente. — “Poderia assumir o incrédulo senhor

dos farrogs por alguns instantes, para provar-lhe que o senhor realmente existe dentro de mim?”

“Com prazer, Perry!” — retrucou Ovaron.No instante seguinte eu senti um repentino vazio dentro de mim, que me fez

cambalear, perturbado. Também Arhaeger cambaleou, o seu rosto se desfigurou, depois ele vacilou e teve que ser apoiado por Atlan. Logo em seguida Ovaron voltou para dentro de mim.

“Ele está convencido, Perry!” — comunicou-me ele.Arhaeger livrou-se das mãos de Atlan e cambaleou na minha direção como um

sonâmbulo. Depois deixou-se cair ao chão e murmurou:— Tu és o soberano, por quem esperamos meia eternidade, Ganjo. Dispõe de mim e

dos meus farrogs. Nós te pertencemos de corpo e alma.“Reação interessante!” — dei a entender Ovaron. — “Acho melhor que esclareça a

situação, Ovaron. Eu não me sinto autorizado a isso. O soberano é o senhor.”“Troçador impertinente!” — retrucou Ovaron, divertido. — “Concordo, Perry, eu

agora vou assumi-lo.”Mais uma vez fui repelido para um canto do meu consciente. Mas eu também

percebia tudo que Ovaron também percebia com ajuda de minhas funções físicas.O meu corpo, que agora entrara numa unidade de função com o Ganjo, abaixou-se e

levantou Arhaeger.— Eu não vim... — disse Ovaron, com meus instrumentos de fala — ...para afastar

você de suas funções, Arhaeger. Você agora está subordinado a mim, mesmo quando este corpo novamente for assumido por Perry Rhodan, mas os farrogs continuarão sob o seu comando. Os grupos étnicos dos ganjásicos, na medida do possível, deverão ficar com suas autonomias, a coordenação se dará principalmente na área das políticas externas e militares. Naturalmente no futuro vamos entrar numa cooperação mais estreita.

— Eu te agradeço, Ganjo — murmurou Arhaeger. O soberano do mundo subterrâneo de Erysgan perdera toda a sua arrogância. — Os farrogs estão prontos para receber as tuas ordens.

Os encapuzados entrementes tinham se erguido e formado um semicírculo em volta de mim e de Arhaeger. Os seus olhos brilhavam de satisfação pela volta ao lar do Ganjo, mas a sua atitude expressava que eles continuavam os recebedores de ordens de antes. Eles fariam tudo que o Ganjo ou Arhaeger pedisse deles.

“Eu acho que chegou a hora do senhor assumir o seu corpo novamente, Perry!” — murmurou o espírito de Ovaron para mim.

“Muito obrigado, Ovaron!” — retruquei.

Page 44: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Eu sorri para Arhaeger.— Agora é Perry Rhodan que lhe fala novamente. Eu não sou o seu soberano, mas

nós podemos ser aliados. — Eu estendi-lhe minha mão.— O que significa esse gesto? — murmurou ele.— Nós terranos... — expliquei-lhe — ...pegamos nossas mãos e as sacudimos, para

reforçar uma amizade, uma aliança ou um negócio. É apenas um gesto simbólico, mas também é expressão de respeito mútuo.

— Eu quis abandoná-lo à morte, terrano... — declarou o mutante, inseguro.— Isso foi uma prova, à qual o senhor tinha um certo direito. — repliquei. — Não

falemos mais disso. E então...?Cautelosamente ele agarrou minha mão com a sua direita. Eu apertei fortemente e

sacudi a sua mão, depois a soltei.— Com isto está selada nossa aliança, Arhaeger. Vamos pensar em medidas

concretas. O objetivo é desmascarar o falso Ganjo e eliminar o poder dos pedopilotos e “sacerdotes do Ganjo”. Para isso precisamos da Proto-Mãe, mas somente os pedopilotos e os Ganjatores podem entrar em contato com a Mãe-Ancestral e requisitar uma utilização do convulsador-passagem.

— O senhor quer deixar Morschaztas? — perguntou Arhaeger, assustado.Eu lhe sorri, tranquilizadoramente.— Somente para deixar o Ganjo dentro de mim voltar para o seu corpo e em

seguida convencer a Proto-Mãe que o monstro, que lhe foi apresentado como Ganjo, é apenas uma cópia de Ovaron. Se conseguirmos isto, o Ganjo legítimo finalmente poderá dar início ao seu domínio sobre o povo dos ganjásicos.

Depois de algum tempo Arhaeger disse, com voz firme:— Nós conhecemos a prisão onde os Ganjatores estão detidos, Perry Rhodan. Por

favor sigam-me para minha central de comando. Eu vou mobilizar o meu exército e libertar os Ganjatores.

— Isso não demoraria tempo demais? — interveio Atlan, zombeteiro. — Mobilizar todo um exército demanda tempo.

Pelo rosto de Arhaeger passou um brilho que eu interpretei como um sorriso irônico. Ele olhou para o arcônida e respondeu:

— Eu não me expressei com bastante clareza, Atlan. Na realidade eu imaginava que, com Perry Rhodan, tinha chegado o Ganjo legítimo. O meu exército está apenas esperando pela minha ordem para entrar em ação.

Ele virou-se e passou no meio dos encapuzados, que silenciosamente abriram caminho para ele.

— Venham, por favor!

* * *

O desfile dos soldados farrogs encheu-me de sentimentos divididos. Por um lado estes homens, apesar de suas formas físicas parecendo parcialmente grotescas, não se diferenciavam muito dos soldados espaciais terranos, por outro lado aqui a ordem não era mantida através de uma disciplina consciente, mas por algo que se poderia designar melhor como fanatismo pseudo-religioso.

Dois farrogs aproximaram-se de mim. Espantado, reconheci nos dois soldados os mutantes Poncruter e Lapender. Ambos os homens vestiam trajes de combate e no peito símbolos luminosos.

Page 45: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Arhaeger ordenou-nos acompanhar o senhor, uma vez que insistiu participar da ação. — balbuciou Poncruter.

— Queremos manter longe do senhor todos os perigos. — gargarejou Lapender.— Para isso os senhores são espertos, como já demonstrou nossa descida mútua ao

mundo subterrâneo. — interveio Atlan, sarcástico. — O que significa estes símbolos nos seus trajes de combate?

Poncruter falou de conceito, que com ajuda de Remotlas pudemos interpretar de forma que foi possível uma comparação com a terminologia terrana. Assim, o gigante e o anão eram algo assim como conselheiros táticos no Estado-Maior do exército farrog.

— Nós fomos instruídos para levá-lo para a ponta de ataque do pelotão de elite Pardosa. — disse Lapender.

O seu crânio oval, com o radiocapacete de aço, parecia ainda mais grotesco que antes.

Atlan e eu não tínhamos nenhuma objeção a isso, e Remotlas simplesmente deixou--se levar pela torrente. O chefe dos perdachistas perdera toda sua iniciativa própria. Os acontecimentos, aparentemente, tinham sido maiores que sua capacidade de compreensão.

Os dois mutantes nos levaram até um trem pneumático com dezessete carros. Com exceção de um, todos os vagões estavam repletos de soldados e equipamentos. No primeiro carro, para o qual nossos acompanhantes nos levaram, havia apenas quatro homens, evidentemente oficiais, sentados em poltronas anatômicas diante de aparelhagens de rádio.

Poncruter indicou-nos nossos lugares, depois sentou-se do lado do condutor. Logo em seguida o trem deu partida e desapareceu dentro de uma galeria escura.

Atlan, Remotlas e eu ingerimos alguns concentrados alimentícios e bebemos da água mineral vitaminada, que trazíamos conosco em frascos de cinco litros. O trem ia relativamente devagar, e de acordo com minha sensação, movimentava-se para o alto em largas espirais. Evidentemente os farrogs conheciam caminhos melhores, para o mundo superior, do que aqueles que tivéramos que utilizar em nossa descida. Talvez as dificuldades da descida tenham sido uma espécie de prova, à qual Arhaeger quisera nos submeter.

Por diversas vezes passamos por setores iluminados e pelas paredes transparentes tínhamos uma visão de estações de força, fazendas e instalações de produção. De vez em quando o trem parava.

Depois de cerca de três quartos de hora, ecoou uma violenta explosão. Nosso trem freou fortemente. Diversos abalos sacudiram o carro em que nos encontrávamos.

Um dos oficiais, que estava sentado junto à aparelhagem de rádio, gritou alguma coisa. Poncruter foi até ele, falou com o oficial em voz baixa, depois voltou até onde eu estava.

— Sinto muito. — sibilou ele. — O trem à nossa frente entrou num campo de força, que foi projetado por uma unidade de armadilhas móveis. Vamos ter que continuar a pé.

Nós desembarcamos. Também os soldados abandonaram os seus vagões e se formaram em duas filas indianas, à direita e à esquerda do trilho de campo de força. A um comando, eles se puseram em movimento. Alguns deles dirigiam pequenas plataformas antigravitacionais consigo, em cima das quais havia canhões parecendo exóticos, e outros aparelhos desconhecidos, a maioria levava rifles energéticos, parecidos com as armas de compressão, com as quais Poncruter e Lapender tinham liquidado um dos agentes secretos dos pedopilotos. Às suas costas, atrás de placas metálicas que

Page 46: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

pareciam escudos, estavam dependurados os aparelhos de aprovisionamento e de voo. Quanto a equipamento, os mutantes não ficavam atrás dos soldados espaciais terranos; como, entretanto, isso ajudaria em combates, ainda teria que ser visto.

Atlan, Remotlas e eu nos colocamos em movimento, com nossos acompanhantes, logo atrás da ponta da coluna de marcha da direita. Além de algumas ordens a meia-voz, ninguém falava nada. A cerca de quinhentos metros mais à frente, chegamos ao que sobrara do trem que ia à nossa frente. Os vagões pareciam ter sido comprimidos por um campo de implosão, os despojos dos seus ocupantes ofereciam um espetáculo horrendo.

Em parte o teto da galeria ruíra, escondendo caridosamente as imagens da morte violenta, que tinha atingido inúmeros mutantes.

Nós trepamos por cima de destroços. Eu me vi raciocinando sobre o sentido da guerra e da crueldade, e logo tive que me chamar à ordem, internamente. Esta guerra não era sem sentido, mesmo se por enquanto estava sendo feita apenas contra os sistemas de armadilhas dos habitantes ancestrais. Havia situações que somente poderiam ser limpas por golpes energéticos. Nenhuma criatura humana poderia ficar inativa, de consciência limpa, vendo como um sinistro instrumento de poder era usado abusivamente por criminosos. Neste sentido, a missão do exército dos mutantes era uma ação de polícia.

Poncruter gritou uma ordem. Quatro mutantes correram até ele e o seguiram para dentro de uma galeria lateral, cuja abertura ficava do lado do trem esmagado. Depois de poucos minutos os cinco homens voltaram. Uma explosão abafada ecoou, o chão tremeu fracamente. Relâmpagos azuis saíram da entrada da galeria, seguidos de fumaça cinzenta.

— Podemos prosseguir. — sibilou-me o anão.Nós marchamos ainda por cerca de seis quilômetros, depois Poncruter e Lapender

conduziram a tropa para dentro de um túnel largo, que terminou diante de uma parede de aço, parecendo muito estável e sem fendas. Lapender apertou com os dedos num microconsole de comutação de um aparelho pequeno e chato que trazia dependurado no seu peito. Rangendo, a parede de aço deslizou para dentro do chão.

Nós estávamos diante de um poço de cerca de cinquenta metros de diâmetro, cujo chão era formado por uma plataforma com balaustrada da altura dos quadris de um homem.

— Por favor venham comigo. — balbuciou Lapender e girou o seu comprido pescoço em tromba. — Observem Poncruter e a mim e acertem as suas ações de acordo conosco. As coisas podem tornar-se perigosas.

— Enquanto não falar de adaptação, ótimo, eu não fico especialmente inquieto. — declarou Atlan.

Poncruter deu de si alguns sons altos, estridentes, que pareciam a “risada” de hienas terranas. Entrementes os soldados e seus oficiais tinham se ajeitado sobre a plataforma. Nós fomos empurrados para a borda do outro lado. Quando todos estávamos finalmente ajustados, mal ainda nos podíamos mexer.

Lapender apertou novamente algumas teclas do seu pequeno aparelho. Ele somente podia executar os movimentos necessários para isso, devido à sua altura “predominante” e seus braços curtos. A plataforma avançou, houve um surdo trovejar, e fortes vibrações abalaram o chão. Com os sentidos tensos eu esperei pelo incidente mencionado por Lapender, mas por enquanto a plataforma subia dentro do tubo iluminado de vermelho, ainda que aos trancos.

Eu virei a cabeça para poder dar uma olhada no meu cronógrafo-pulseira. Era 00.22:54 hora standard, e na Terra registrava-se o dia dezoito de abril do ano 3.438. Ali as pessoas cuidavam de suas ocupações costumeiras, trabalhavam, estudavam, intrigavam

Page 47: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

e amavam, comiam em restaurantes elegantes ou lanchonetes automáticas superlotadas, nasciam e morriam...

Tudo isso ficava tão distante de mim, separado por abismos tão imensos, que chegava a me parecer irreal, e eu me perguntei se um mundo como a Terra realmente existia. Mas este era um capricho que não durou muito. Eu sabia que a Terra e a Humanidade existiam, pois Atlan e eu somente nos encontrávamos aqui para manter tudo isso.

Para manter e para plasmar, na medida de nossas forças...A plataforma parou com um solavanco forte. Provavelmente a maioria de nós teria

caído se houvesse lugar suficiente para isso. A multidão balançou de um lado para o outro. Atrás da cabeça de Poncruter pude ver uma parede energética transparente. Lapender manipulou novamente o seu codificador. Por cima de nossas cabeças ouviu-se um bufar crescente.

Eu olhei para cima e vi um enxame de pontos luminosos muito vivos, que lentamente desciam sobre nós, do alto. Então ouvi Lapender gritar alguma coisa incompreensível. Eu vi que ele se esgueirou até a balaustrada, trepando por cima dela, agilmente.

A parede energética se apagara. Por trás havia uma confusão de colunas, cubos e blocos que cintilavam azulados. Atlan, Remotlas e eu também já tínhamos alcançado a balaustrada. Nós não hesitamos em seguir o mutante. Além do mais, a massa de soldados nos impelia nessa direção.

Perto de mim Poncruter trepou habilmente por cima da balaustrada, e saiu rapidamente no seu típico andar bamboleado, sem se importar com o que acontecia atrás dele. Alguns dos soldados abriram fogo sobre os pontos luminosos muito fortes. O rugido tinha se avolumado ainda mais e soava bastante ameaçador.

Eu me lembrei do conselho de Lapender e procurei, na confusão de construções estranhas, pela cabeça oval sobre o comprido pescoço em tromba. Ele acabara de sumir atrás de uma coluna.

— Siga-me! — gritei para Remotlas, que ficara parado, um tanto confuso. Atlan me anuiu, ele próprio sabia o que precisava fazer.Eu alcancei Lapender e Poncruter perto de um cubo gigante. Os dois mutantes

estavam justamente falando nos seus aparelhos de rádio. Eu vi que cada vez mais soldados desapareciam nas aberturas que se tinham formado nas colunas, cubos e blocos. Também no nosso cubo abria-se uma abertura oval.

Lapender esgueirou-se, a muito custo pela mesma. Eu o segui. Atrás de mim Atlan empurrou o chefe dos perdachistas para dentro, depois veio ele próprio. A retaguarda era formada por Poncruter. Atrás dele, a abertura fechou-se outra vez. Na luz pálida azulada, no interior do cubo, o arcônida e eu nos entreolhamos. Nós dois não sabíamos o que achar da situação.

De repente a luz mortiça apagou-se. Houve uma escuridão total, somente a respiração dos homens podia ser ouvida — e um marulhar como de ondas distantes quebrando numa praia.

Repentinamente ficou claro outra vez. A fechadura abriu-se. Poncruter e Lapender desembarcaram.

Atlan, Remotlas e eu os seguimos.Lá fora o cenário se modificara. Naturalmente os cubos, blocos e colunas ainda

existiam, porém eles agora estavam dentro de um pavilhão sombrio, de cujo teto úmido

Page 48: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

somente ardiam foscamente as colônias de bactérias luminosas. De todos os lados os soldados surgiam dos seus refúgios.

— Nós nos encontramos por baixo da prisão, onde os Ganjatores foram colocados. — sibilou o anão.

* * *

O trovejar de uma explosão retumbou pela abóbada. Poeira e aparas parecendo papel choveram do teto. Lapender virou-se e bailaricou na direção do largo portal, em cuja abertura escura de vez em quando coriscava. Poncruter bamboleou atrás. Os oficiais gritavam ordens e os mutantes reuniam-se em pequenos grupos.

Atlan e eu puxamos nossas armas de impulsos. De repente também Remotlas parecia ter recuperado a sua iniciativa. Ele agitou a sua arma, depois correu atrás de Poncruter e Lapender. Atlan e eu os seguimos, um pouco mais devagar. Juntos com uma tropa de soldados, nós corremos através do portal, atrás do qual o “coriscar” entrementes cessara.

Por trás do mesmo encontramos um grupo de encapuzados, que se tinham reunido em volta dos destroços de uma máquina estranha. Entre os disfarçados, para meu espanto, eu descobri Arhaeger. Os olhos facetados do soberano do mundo subterrâneo faiscavam. Ele mantinha uma arma do comprimento de um braço, semelhante a um tubo, nas mãos.

Quando ele nos viu, virou o rosto para mim.— O primeiro guarda-robô. — disse ele, apontando para os despojos ainda ardentes

da máquina. — Ele veio ao nosso encontro, do alto. Talvez o nosso avanço tenha sido descoberto por sondas espiãs. É melhor o senhor esperar aqui. Mais para cima as coisas estarão perigosas demais.

Eu lhe sorri friamente e retruquei:— Neste caso, deixe-nos ir na frente, Arhaeger. O perigo é uma coisa que nós

conhecemos muito bem.Atlan riu baixinho.Arhaeger gritou algumas ordens, quando passamos por ele na direção da escotilha

destruída, na qual Poncruter e Lapender tinham acabado de entrar. Dez mutantes correram atrás de nós, o próprio Arhaeger os conduzia. Chegado à escotilha, eu olhei mais uma vez para trás. Os soldados restantes tinham se dividido em dois grupos, dos quais cada um corria para duas rampas, que aparentemente levavam para escadas que subiam.

Atrás da escotilha destruída mais dois pequenos robôs de combate humanoides estavam caídos. Uma matilha de hullahs estava ocupada em roer-lhes o revestimento plástico. Os animais estremeceram quando passamos por eles, mas mesmo assim continuaram firmemente o seu trabalho.

Lapender estava parado diante de uma abertura oval, e tinha metido na mesma a sua cabeça junto com metade do seu comprido pescoço-tromba. Depois de algum tempo ele puxou-a novamente para trás e disse, borbulhante:

— Um elevador antigravitacional. O campo de força está ativado. Provavelmente aqui teremos a singular oportunidade de penetrar diretamente na prisão.

Atlan empurrou o mutante para o lado e entrou no duto do elevador. Eu o segui pois, tal como o arcônida, eu achava pouco inteligente ficarmos discutindo muito tempo sobre as vantagens ou desvantagens deste caminho. Talvez os guardas da prisão ainda não tivessem notado que na sua defesa havia uma lacuna. Mas logo poderiam notá-lo.

Page 49: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

O campo de força polarizado para cima desenvolvia uma forte tração. Nós fomos literalmente arrancados para o alto. Atentamente eu olhei para cima, mas também observei as paredes lisas do poço. A cada momento, instrumentos mortíferos escondidos poderiam ser empurrados através da superfície.

Arhaeger surgiu, surpreendentemente, perto de mim. O aparelho projetor de sua instalação de voo ainda emitiu um fraco cintilar azulado, depois parou sua atividade. O mutante segurou-se em mim para não ser arrastado adiante.

— Os restantes pelotões do exército executam ataques simulados contra os transmissores de trivídeo de Cappinoscha. — murmurou ele. — Eu espero que, com isso, os pedopilotos tenham sua atenção desviada de nosso avanço contra a prisão. Mas entrementes, as primeiras brigadas espaciais de desembarque de outras partes de Erysgan estão chegando a Cappinoscha. Não temos muito tempo.

— Tente evitar o confronto aberto com as brigadas espaciais de desembarque. — disse eu. — Os soldados astronautas ganjásicos são inocentes da confusão criada pelos pedopilotos. Além disso, eles serão nossos aliados mais tarde. O senhor conhece as instalações internas desta prisão?

Arhaeger disse que não.Nós fomos catapultados dolorosamente para trás, quando o campo de força do

elevador foi repentinamente polarizado para baixo. Então ligamos nossos aparelhos de projeção e antigravitacionais de nossos trajes de combate. O poço encheu-se de uma luz brilhante e um trovejar estrondoso, quando novamente subimos para o alto.

Poncruter e Lapender atiraram com suas armas estranhas. Eu verifiquei que estávamos voando bem por baixo de uma abertura de desembarque oval e diminuí a força do meu aparelho propulsor. Logo em seguida saltamos dentro de um pavilhão em forma de cúpula. Os dois mutantes, que nos tinham conduzido para o mundo subterrâneo de Erysgan, correram pelo meio de cadáveres de policiais ganjásicos, diminuídos pelo menos em cem vezes no seu tamanho. Na outra extremidade do pavilhão eu pude ver a embocadura de dois corredores muito iluminados.

A prisão!O meu coração bateu mais forte, quando pensei que poderiam se adiantar a nós,

matando os Ganjatores ou evacuando-os. Os representantes do governo provisório ganjásico provavelmente tinham se tornado sem valor para os pedopilotos e seu marionete. Estas ideias me estimularam uma pressa ainda maior.

Na embocadura do corredor da direita surgiu uma máquina com estranhas saliências. Luzes azuladas eram expelidas dessas saliências. Dois dos soldados que nos acompanhavam foram ao chão, carbonizados.

Atlan e eu erguemos nossas armas de raios de impulsos e fizemos fogo sobre a máquina, até que ela arrebentou numa viva explosão luminosa. Bolos de metal derretido passaram voando por cima de nós.

— Ativar escudos de proteção! — gritei. — Ligar para comunicação por rádio de capacete! Lapender e Poncruter, para cá!

Eu retive Arhaeger, que queria correr para a abertura, onde até agora não se mostrara qualquer resistência. Em minha opinião devíamos utilizar o corredor no qual já havia sido quebrada a primeira resistência.

O soberano dos mutantes opôs-se por um momento contra o meu punho, e provavelmente também porque eu praticamente tinha tomado a mim o comando de nossa pequena tropa. Entretanto em minha opinião, de nós dois era eu quem tinha maior experiência nestes empreendimentos, e não me deixei levar pela sua resistência.

Page 50: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Lapender e Poncruter obedeceram e também os restantes oito soldados seguiram minhas outras ordens. Eu parei um mutante, em cujo cinturão eu vira algumas granadas, e ordenei-lhe que jogasse uma granada com ignição retardada dentro do corredor que pretendíamos usar. Depois corri, junto com Atlan, por cima dos destroços do robô, para o outro corredor.

Depois de poucos metros, descobrimos as primeiras portas. Nós as abrimos imediatamente, porém as celas estavam vazias. Evidentemente elas não haviam mais sido usadas há muito tempo, pois nos poucos móveis havia uma grossa camada de poeira.

Logo em seguida chegamos a um pavilhão de distribuição. A partir de um disco girando lentamente saíam seis esteiras de transporte através de portais, em diferentes direções. As esteiras de transporte estavam funcionando. Tarde demais eu proibi o seu uso. Um dos soldados saltou em cima de uma das esteiras e no momento seguinte encontrou-se dentro de um campo de rotação. Por segundos escutamos seus gritos horríveis, sem podermos ajudá-lo, depois ele emudeceu.

Eu apontei para o alto e me esforcei ao mesmo tempo, a não mais lançar os olhos para aquela coisa girando loucamente.

— Vamos abrir caminho a tiros, até o andar seguinte! — falei no microfone de capacete. — Somente utilizar armas frias.

Atlan e eu arrancamos nossas armas desintegradoras e apontamos os seus raios verde-pálidos para um ponto do teto do pavilhão. Remotlas, Arhaeger e dois soldados seguiram nosso exemplo. Dentro de poucos segundos tínhamos transformado parte do teto em gás. Através da abertura irregular brilhava uma luz avermelhada.

Novamente ativei minha aparelhagem de voo e subi. Logo em seguida encontrei-me num recinto cheio de máquinas de interrogatórios.

Embaixo de uma redoma zunindo fracamente estava sentado um ganjásico despido. Um olhar nos seus olhos sem brilho me mostraram que sua razão fora apagada. A língua enrolava-lhe na boca, produzindo sons balbuciantes.

Eu desliguei a máquina. Mais que isso não podia fazer pelo homem.Remotlas, que entrou na sala de interrogatórios depois de mim, deu um grito

angustiado.— Este é Govender, — murmurou ele, baixinho — o homem que dirigia o segundo

carro-detector.Eu respirei fundo. O ganjásico, portanto, pagara com a sua razão, por ter

possibilitado a Atlan e a mim a fuga para o mundo subterrâneo. Eu me senti cheio de ira contra esses ganjásicos que tinham transformado uma criatura inteligente numa criatura estúpida. Porém a ira logo deu lugar à sóbria reflexão de que, por toda parte no Universo, havia inteligências para quem o maior bem da criação nada significava.

Eu levantei o braço.— Esperem!Os soldados estremeceram. Arhaeger abriu a boca, como se quisesse perguntar alguma coisa, mas silenciou

quando viu a expressão no meu rosto.Eu fechei os olhos e concentrei-me inteiramente na aplicação dos dons telepáticos

que eu conseguia alcançar com ajuda de Whisper.Sistematicamente eu me tateei adiante, em círculos concêntricos. Esta prisão

pareceu-me grande demais para que pudéssemos encontrar os Ganjatores aprisionados por meios convencionais, se é que os encontraríamos. Eu precisava tentar determinar o local onde eles se encontravam, usando de meus dons parapsíquicos.

Page 51: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Infelizmente tive que interromper meus esforços. Um brilho vermelho-forte de repente saiu das paredes e encheu a sala de interrogatórios. Atlan ordenou aos mutantes que abandonassem o recinto, depois me sacudiu, até que voltei novamente a pensar normalmente.

Quase fora tarde demais. Aquele brilho vermelho-vivo apagou-se repentinamente. Naquela escuridão repentina eu senti o puxar de campos de força que queriam me arrastar para o meio do recinto. Alguma coisa explodiu. Eu notei que os mutantes tinham explodido uma escotilha.

— Propulsão máxima! — veio trovejante a voz de Atlan no meu receptor de capacete.

Eu liguei o meu aparelho de propulsão para força máxima, o feixe de ondas de impulsos branco-azulados bateram contra a parede atrás de mim, uma vez que eu estava deitado esticado no chão, mas mesmo assim só conseguia adiantar-me lentamente. Atlan manteve-se do meu lado. O arquejar se sobrepunha a todos os outros ruídos no receptor de capacete. De repente houve um solavanco e eu fui atirado para dentro de um tubo muito escuro. Um único holofote acendeu-se e desvendou paredes brilhando metálicas, figuras grotescas e rostos desfigurados.

Eu desliguei minha aparelhagem de propulsão de recuo. — e de repente senti um pensamento estranho na minha mente. Ele repetia sempre a mesma coisa, porém levou alguns segundos até que eu entendi o que ele estava querendo dizer.

“Maischat! Aqui é Maischat! Eu chamo Perry Rhodan!”“Aqui é Perry Rhodan!” — mandei um forte impulso telepático. — “Maischat,

consegue me captar?”Por um instante eu pairei na dúvida e no medo de que o Primeiro Ganjator não

pudesse me captar, pois normalmente um não-telepata não tem possibilidade de captar a mensagem de um telepata. Mas logo meu coração deu um pulo, quando captei a resposta de Maischat.

“Eu o estou captando muito bem, Perry Rhodan. Já há algum tempo, aliás, caso contrário eu não saberia quem o senhor é, nem que a constante-UBSEF do Ganjo legítimo se encontra dentro do senhor. Onde se encontra agora?”

— Silêncio! — ordenei, quando os mutantes de repente começaram a falar entre si. — Eu consegui uma ligação com Maischat!

Eu descrevi ao Primeiro Ganjator nosso paradeiro. Como nós nos encontrávamos nas proximidades da sala de interrogatórios, achei bastante simples informar Maischat.

A resposta me decepcionou.“Existem muitas salas de interrogatórios nesta prisão.” — informou-me Maischat.

— “Os Ganjatores restantes e eu estamos alojados em celas individuais de energia supra ordenada, em volta das quais existe uma zona em forma de concha, de diversos sistemas de armadilhas. Eu agora vou passar-lhe o número característico da energia que nos mantém presos. Se possuir bons detectores então poderá se orientar com os mesmos.”

Ele me transmitiu devagar e nitidamente alguns valores. Naturalmente eu não conhecia o sistema de números característicos ganjásicos para estruturas energéticas, porém como o meu traje de combate possuía um detector de energia ganjásico, bastava que eu simplesmente regulasse os valores correspondentes, de conformidade com os dados recebidos de Maischat. Em seguida ativei o detector. Ele mostrou uma quantidade de impulsos que me deixaram confuso.

A escala de identificação, entretanto, não se mexeu.

Page 52: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

“Provavelmente ainda está muito distante de nós.” — declarou Maischat, depois que lhe avisei da falta de sorte. — “Mas o Ganjo, entrementes, já deverá ter registrado meus dados individuais. Como é a sua ligação egopsiônica com ele, Rhodan, muito forte?”

“Se quiser saber o quanto estreitamente nossos egos estão interligados pelas vias psiônicas, muito fortemente, Maischat.”

“Isso é bom. Peça ao Ganjo para que pedotransfira para dentro de mim, então ele talvez possa conduzi-lo até nós, Rhodan.”

“Eu estou pronto, Perry.” — avisou-me Ovaron.“Boa sorte, Ovaron!” — avisei ao Ganjo. — “O Ganjo irá até o senhor.” —

comuniquei a Maischat.Eu senti como Ovaron se desembaraçava de mim. Mesmo assim, ainda perdurou

entre nós um laço indescritível, algo que com os conhecimentos da ciência hodierna provavelmente ainda não podia ser definido. De qualquer modo, isso existia, e era só isso que contava. Mesmo assim, eu já reconheci nos primeiros instantes, como seria indizivelmente difícil utilizar este laço mal perceptível, como fio de Ariadne.

Eu comuniquei aos meus acompanhantes o que Maischat, Ovaron e eu pretendíamos fazer. Os soldados ficaram entusiasmados. Nos olhos de Arhaeger pude ler algo como medo e alto respeito. Atlan, entretanto olhou-me com uma mistura de tensão e dúvida, evidentemente neste pequeno grupo ele era o único que, além de mim, conhecia as dificuldades que se colocavam no caminho de minha intenção.

Pelo que pude ver, teríamos que nos dirigir para a direita. Isso, entretanto, não era imediatamente factível, pois o tubo no qual nós nos encontrávamos, primeiramente ia em linha reta. Atlan, Remotlas e eu éramos os únicos a terem holofotes, os mutantes aparentemente só dispunham de órgãos de ultrassom, com cuja ajuda podiam orientar-se até mesmo no escuro.

Portanto, antes de mais nada, penetramos no tubo. Por diversas vezes sentimos ligeiros abalos e ouvimos o surdo trovejar de explosões. Um soldado foi um pouco apressado demais. Ele passou correndo por mim e a rampa abaixo, porém só conseguiu caminhar mais poucos passos. Então abriu-se por baixo dele um alçapão e ele desapareceu com um grito estridente.

Arhaeger quis ir em seu auxílio. Eu o detive. Ele apenas teria corrido também para dentro da armadilha. Além disso, o alçapão

entrementes se fechara novamente por cima de sua vítima. Eu ordenei aos soldados para voltarem um pouco dentro do tubo, depois tomei uma carga explosiva de Arhaeger, liguei a ignição retardada no tempo mínimo e rolei aquela coisa ovoide pela rampa abaixo. Depois recuei rapidamente. Desta vez não precisei dizer para Arhaeger como ele deveria se comportar.

Uma violenta explosão sacudiu o chão. A onda de pressão arrancou-me de cima das pernas e rugiu através do tubo, depois reinou um silêncio sinistro. Eu levantei-me e corri até a rampa. Paredes de metal-plástico erguiam-se grotescamente no ar. O alçapão estava encostado, todo vergado, numa parede. Eu me adiantei alguns passos e olhei para dentro da abertura. O que eu vi quase me virou o estômago do avesso.

A cerca de dez metros abaixo de mim, eu descobri, numa piscina, uma massa gelatinosa preta que ondulava. Por segundos eu vi o braço da vítima sobressair daquela massa, depois ela foi tragada definitivamente.

Page 53: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Eu fiquei refletindo durante alguns segundos. Depois peguei o desintegrador e disparei sobre a massa, até que ela se dissolveu em gases cintilantes esverdeados. Por baixo apareceu um chão de metal brilhante. Eu liguei o meu aparelho antigravitacional e deixei-me pairar para o chão metálico.

Na parede direita do poço havia uma escotilha blindada. Ela desapareceu ruidosamente no chão, quando disparei sobre ela com minha arma de raios de impulsos. Por trás havia um túnel largo, e por cima de um trilho magnético brilhantemente prateado, pairava um veículo aberto. A superfície de carga, semelhante a uma tina, estava incrustado de sangue coalhado, mas no lado externo havia um painel de controle e foi isso que me decidiu.

— Arhaeger, Atlan, Poncruter! — disse eu. — Vamos pegar o veículo. Os outros, sob a chefia de Lapender, seguem pelo trilho. Eu tenho a sensação de que diante de nós não há outras armadilhas, entretanto aconselho cautela.

Eu venci meu horror pela superfície de carga, que comprovava claramente o que nela fora transportado, e trepei para dentro da mesma. Poncruter emitiu sons estertorantes, quando trepou para dentro da tina, e de repente ele se curvou por cima da borda e vomitou. O rosto de Atlan ficou branco, a boca apertada. Arhaeger me olhou, aferrado.

As comutações do painel de controle eram extremamente simples, de modo que não precisei refletir muito tempo para pôr o veículo em movimento. Os meus dedos deslizaram quase que automaticamente pelas teclas e logo fomos atirados para a frente. Quando olhei para trás vi que os mutantes restantes estavam pondo-se em movimento sob a chefia de Lapender. Para nós eles eram uma espécie de posição de amortecimento, no caso de sermos catapultados de volta.

Depois disso eu me concentrei no que tínhamos pela frente. O veículo corria velozmente com um fraco zunido acima do trilho. O túnel estava iluminado, de modo que pelo menos podíamos ver para onde íamos. Pelas vibrações do estranho laço que me ligava a Ovaron, eu senti que nos aproximávamos do Ganjo e, deste modo, do local do paradeiro dos Ganjatores aprisionados.

De repente o nosso veículo freou, sem que eu o ajudasse nisso. Nós nos levantamos prontos para saltarmos, as armas nas mãos e observamos intensamente os arredores.

A tina de transporte, sempre freando mais, continuou para dentro de uma espécie de escotilha e parou. Nós continuamos esperando. Atrás de nós a escotilha se fechou. Depois abriu-se a escotilha que ficava à nossa frente, e novamente o estranho veículo pôs-se em movimento. Arhaeger e Poncruter, que tinham aberto os seus capacetes, arquejavam. O meu capacete e o de Atlan revestiram-se de um fino filme de névoa, antes dos exaustores entrarem em ação.

Os termômetros exteriores mostravam quinze graus centígrados abaixo de zero, enquanto que até há pouco ainda tivéramos trinta graus acima!

Eu já sabia onde nós tínhamos chegado, ainda antes de ver o que havia por trás da câmara da eclusa.

Um frigorífico! Tremendo interiormente, eu olhei para aqueles corpos retalhados dependurados em

ganchos móveis.Mas então a nossa tensão se descarregou numa risada libertadora. Não eram corpos

humanos e sim corpos de animais, que estavam dependurados nos ganchos. Carne fresca, como era guardada em todos os frigoríficos normais. Com isto também ficou claro que o

Page 54: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

sangue coalhado em nosso veículo não vinha de prisioneiros assassinados, mas sim de rações de carne animal, que eram jogadas ao monstro da armadilha.

Ao mesmo tempo, com estas reflexões, vieram a minha memória noções como “cozinha” e “aprovisionamento dos prisioneiros”. Novamente apertei nos botões do painel de controle. O veículo sobre trilho pôs-se novamente em movimento, pairou para a outra extremidade da câmara frigorífica e entrou numa segunda eclusa de temperatura. Os impulsos psíquicos do Primeiro Ganjator tinham ficado mais fortes e ao mesmo tempo o laço egopsiônico entre Ovaron e eu tinha aumentado de intensidade.

Nós passamos pela escotilha interna, depois pela escotilha externa. De repente uma coisa à nossa frente acendeu-se numa luz muito viva. Nós nos atiramos no chão do veículo e apontamos nossas armas.

E então Poncruter levantou-se de um salto e sibilou, muito agitado.— Não atirem! — gritou Arhaeger. — É um engano. São integrantes de minha

segunda tropa de combate.Meus dedos somente se tiraram hesitantes do disparador de minha arma de

impulsos. Eu já estava com uma figura agachada dentro da cruz de mira da minha eco- -ótica. Lentamente eu me ergui e verifiquei que tínhamos um grupo de farrogs diante de nós. Os soldados falavam agitados, em altas vozes, e eu tive que gritar por várias vezes, antes de poder me fazer ouvir. Finalmente um oficial deu um passo à frente, e relatou que a sua tropa tivera um encontro, com muitas baixas, com robôs a cerca de mil metros adiante, tendo recuado para esta área. Além disso, ele falou de campos de favos energéticos, e quando ele me indicou a direção, eu sabia que tínhamos descoberto o local de paradeiro dos Ganjatores.

— Vamos atacar novamente! — ordenei. — Encham o veículo sobre o trilho com cargas explosivas e instalem uma ignição por rádio.

Os mutantes hesitaram, e somente depois que Arhaeger lhes disse para atenderem às minhas ordens, eles colocaram cerca de sessenta quilos de cargas explosivas no carro. Eu pedi que me entregassem o pequeno transmissor de impulsos, com o qual podia ativar-se uma ignição, depois liguei o painel de controle do lado de fora. O veículo partiu rapidamente. Eu tive que saltar para o lado para não ser derrubado.

O que vinha agora continha uma certa medida de riscos incalculáveis. O trilho não ia exatamente em linha reta, mas seguia curvas mais ou menos pronunciadas. Consequentemente, eu não consegui manter o carro visível por muito tempo, apesar de segui-lo tão depressa quanto era possível. A ignição, portanto, teria que ser feita às cegas. Restava-me apenas a esperança de que eu não ativasse o impulso de ignição cedo demais ou tarde demais, mas exatamente no tempo certo, para destruir a maior parte dos robôs de combate, dos quais falara o oficial, e não perto demais do escudo de favos, para que a explosão não matasse os Ganjatores aprisionados.

Enquanto eu corria, de vez em quando olhava para o meu cronógrafo de pulso. Trinta segundos depois da partida do veículo eu parei e apertei no impulso de ignição.

Uma formidável explosão atirou-me para trás. Só o escudo de proteção de meu traje de combate livrou-me de ser esmagado contra as paredes da galeria. O chão tremia. Largas fendas de repente abriram-se nas paredes da galeria, depois grossas nuvens de fumaça foram atiradas para trás, envolvendo-nos completamente.

Eu liguei, ao mesmo tempo, minha aparelhagem de infravermelho para visibilidade e o rádio do capacete em sonoridade máxima.

— Para frente, ataque! — gritei para os mutantes, que estavam parados, meio atordoados. — Libertem os Ganjatores!

Page 55: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Eu saí correndo, sem me preocupar com as reações dos farrogs. Perto de mim Atlan corria através da fumaça. Nós dois sabíamos melhor que os outros todos, que a libertação dos Ganjatores não só era decisiva para o nosso destino, mas também para todo o povo ganjásico. Se os guardas conseguissem assassinar os prisioneiros antes de podermos tirá- -los de lá, sobre duas galáxias se estenderiam as trevas da barbárie, tanto sobre a galáxia da Humanidade, como também sobre Gruelfin, junto com a micro galáxia Morschaztas.

Depois de poucos minutos a fumaça se dissipou. De algum lugar vinha um fluxo de ar fresco. Nós alcançamos uma confusão a perder de vista, de paredes de aço destroçadas, soquetes de projetores arrebentados e os restos fragmentados de robôs de combates. O trilho de campo de força erguia-se, retorcido, no ar.

Poncruter veio bamboleando e parou do meu lado, tossindo. O crânio gelatinoso do anão pulsava em intervalos irregulares, e a língua tubular tremia convulsivamente.

Enquanto eu ainda refletia como conseguiríamos chegar aos Ganjatores através desta confusão de destroços, à direita de nós curvaram-se para os lados suportes de aço da grossura de um homem. Um pedaço de parede dissolveu-se literalmente no ar. — e de repente Ovaron estava novamente dentro de mim.

“Os Ganjatores estão chegando!” — comunicou-me ele, agitado. — “As detonações de vocês destruíram os projetores das grades energéticas. Espere aqui, Perry, o resto será liquidado pessoalmente por Maischat e os Ganjatores restantes.”

“Mas como?” — perguntei perplexo e observei sem entender as ruínas com peso de toneladas, que se dobravam para os lados por si mesmas, ou então evaporavam.

“Nós estamos usando a força do Ganjaitha, Perry Rhodan!” — responderam-me os pensamentos de Maischat. — “Todos os Ganjatores, através de um treinamento, aprenderam a utilizar, mais ou menos bem, as forças do Ganjaitha consequentemente. De outro modo, agora todos nós estaríamos mortos. Nos últimos llarags os robôs de combate tentaram nos matar.”

Eu virei-me para Arhaeger, cujos olhos facetados estavam voltados fixamente para os escombros, que se mexiam.

— Os Ganjatores estão vindo. — comuniquei-lhe e também aos outros. — Logo que eles chegarem, vamos recuar.

Um suspiro múltiplo desviou minha atenção novamente para os destroços. Entre as escoras reviradas e outras peças de metal surgiu uma figura magra, envolta num manto parcialmente em farrapos. Um olhar para os cabelos brancos e o rosto que demandava respeito, revelaram-me que eu tinha diante de mim Maischat, o Primeiro Ganjator.

Maischat veio diretamente para mim, pegou-me pelos ombros e olhou-me com seus olhos brilhantes.

— Perry Rhodan!Por alguns segundos ficamos parados assim, enquanto nossos pensamentos, sem

poderem ser ouvidos pelos outros, fluíam de espírito para espírito, misturando-se também com os de Ovaron.

Depois, à nossa volta parecia um formigueiro de mutantes e Ganjatores que se cumprimentavam — e logo depois ouvimos o ribombar e trovejar de detonações.

Arhaeger curvou-se para a aparelhagem de rádio móvel que um soldado colocara no chão. Quando o soberano do mundo subterrâneo se ergueu novamente ele disse, em voz muito baixa:

— Estamos perdidos. Um exército de elite dos pedopilotos cortou-nos o caminho de volta.

Page 56: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

* * *

A comunicação de Arhaeger foi sublinhada por uma série de explosões violentas e fortes ondas de abalos. O chão tremia e balouçava como o convés de um navio na tempestade, e os destroços se mexiam.

— Precisamos pelo menos tentá-lo. — retruquei. Porém às minhas palavras faltava a força da convicção, pois a reflexão lógica me

dizia que os pedopilotos realmente tinham tido tempo suficiente para jogar as melhores tropas de Erysgan na luta.

— Eloshan! — gritou Poncruter. — Corra até nossa reserva! Mande os homens se apressarem!

Um mutante com pernas incrivelmente compridas e um tórax abaulado saiu correndo. Ele desapareceu, com pernadas formidáveis, na curva seguinte.

O anão conseguiu se aproximar de mim.— Logo que tivermos nos reunido com a reserva, teremos que deixar os homens

para trás, como cobertura de retaguarda e tratar de nos queimar um caminho para baixo — declarou ele.

A sugestão pareceu-me tão insensível quanto sensata. Numa luta que decidia sobre o destino de duas galáxias, não se devia hesitar em colocar em segurança a vida das pessoas mais importantes às custas de outras.

— Concordo. — retruquei.Dez minutos mais tarde topamos com a reserva, do outro lado do frigorífico.

Entrementes ela ficara reduzida a quatro homens, além de Remotlas e Lapender, e se encontrava em retirada, perseguida por robôs de combate inimigos. Eu ordenei a retirada para o alto do frigorífico, porque tinha notado que dali poderíamos encontrar melhores posições de defesa. Antes de descermos às profundezas, teríamos que repelir os robôs de combate, e os quatro homens da reserva não conseguiriam fazer isso sozinhos.

Os robôs surgiram, mal nos tínhamos entrincheirado provisoriamente no frigorífico. Tratava-se de máquinas de formato elíptico, que pairavam sobre campos-ricochete e que atiravam à sua volta com uma espécie de armas de raios intervalados. Nossas coberturas dentro de segundos foram destruídas. Como as armas de raios dos mutantes não faziam efeito contra robôs, eu vi chegado o nosso fim.

Porém repentinamente os robôs incharam e arrebentaram como balões de ar, enchidos em demasia. Um silêncio sinistro se fez.

Eu olhei em volta, à procura de Maischat.— Sim — respondeu o Primeiro Ganjator, à minha pergunta muda — foi Ganjaitha

aplicada.— O que ainda estamos esperando? — perguntou Atlan. O arcônida evaporou com seu desintegrador cerca de cinquenta cadáveres

congelados, depois ele dirigiu o raio desintegrador para o chão.Remotlas e eu o apoiamos. Em menos de um minuto criou- se um buraco, através

do qual nos deixamos pairar para o andar mais abaixo, com ajuda de nossa aparelhagem de voo. Entrementes trovejava e rugia de todas as direções. Aparentemente as lutas com o exército de elite dos pedopilotos aumentavam em intensidade. Junto de nós, entretanto, tudo permaneceu quieto. Lentamente eu ganhei esperanças novamente.

Depois de termos nos queimado através de seis andares, chegamos a uma gruta muito antiga, toda de pedra. O chão era irregular e coberto de poças de água.

Quando Atlan viu as paredes quebradiças gritou alarmado:

Page 57: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Vamos sair logo daqui! O menor abalo e...Um golpe violento arrancou-me para o chão. Alguém gritou, mas aquilo foi

encoberto por um novo trovão. Ao meu redor caíram pesados blocos de pedra. Por curto tempo vi as bolas negras coriáceas dos hullahs passarem rapidamente por meu campo de visão. Depois houve silêncio novamente.

Eu me levantei cautelosamente e verifiquei que não estava ferido. Mais uma vez o meu escudo protetor me salvara. Os meus acompanhantes tinham tido a mesma sorte. Nós tínhamos escapado com o susto apenas.

Nós queríamos correr através da única abertura na gruta, quando dali veio cambaleando um mutante coberto de sangue. Quando nos viu, ele parou, vacilante.

— Os akhjis estão chegando! — murmurou ele, para depois cair por terra. — Quem são os akhjis? — voltei-me para Poncruter, que ficara do meu lado.— Idiotas. — sibilou o anão. — Condicionados psíquicos, que são teleguiados por

uma unidade de comando robótica.Então era este o exército de elite dos pedopilotos — máquinas de combate

orgânicas, que não conheciam qualquer receio, executando imediatamente todas as ordens. Provavelmente o seu valor de combate não era superior ao dos mutantes, mas quando eles atacavam em grandes números, não era de admirar que tivessem empurrado os farrogs para a defensiva e para uma retirada precipitada.

Como não era possível pensar-se numa fuga para a direção da qual viera o mutante coberto de sangue, Atlan, Remotlas e eu novamente fizemos uso de nossos desintegradores. Queimamos um buraco no chão, e passamos através dele.

Arhaeger falou pelo rádio com os oficiais de seu exército de mutantes em fuga. Eu não me imiscuí, uma vez que verifiquei por suas ordens que ele dirigia as suas tropas com muita habilidade para posições de amortecimento. Lentamente parecia que ele conseguia pôr ordem no caos, pois a sua voz soava — na medida em que eu podia julgá-lo — cada vez mais confiante.

Abaixo da gruta, entretanto, caímos novamente num sistema de armadilhas dos habitantes pré-históricos, o que custou a vida de mais dois mutantes. Da escolta original somente três soldados ainda estavam com vida.

Depois de termos finalmente passado pelo sistema de armadilhas, nos encontramos dentro de uma caverna muito ampla. Por toda parte eu vi mutantes que se preparavam para a defesa dos condicionados. Das paredes escorria rocha derretida. Eles tinham queimado cavernas nas rochas, com armas de impulsos, colocando canhões de raios nas mesmas. Visto apenas taticamente, a caverna oferecia excelentes possibilidades de defesa, mas visto tragicamente, ela era uma só armadilha. Evidentemente eu confiara demais na habilidade militar de Arhaeger.

Quando eu lhe pedi explicações sobre isto, ele apenas olhou-me com seus grandes olhos facetados, e retrucou:

— Não havia nenhuma possibilidade melhor, Perry Rhodan. O que o senhor ainda não sabe é que os akhjis nos passaram por baixo, e agora se encontram entre esta caverna e o mundo subterrâneo. Eu mandei que um exército de socorro se pusesse em marcha.

— E ele poderá estar aqui em tempo? — perguntei, um pouco acalmado.— Provavelmente não. — respondeu ele, simplesmente.Foi então que eu reconheci de que avaliação errada eu fora vitimado: os farrogs

pensavam de modo diferente de nós terranos, eles eram suficientemente fatalistas para calcularem a sua própria morte, sempre que sobrevivessem como um grupo do seu povo. Aparentemente Arhaeger queria atar os condicionados aos restos do seu exército,

Page 58: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

deixando-os penetrar pouco a pouco na caverna, e com isso dar oportunidade ao exército de socorro a encerrar os akhjis na caverna e destruí-los totalmente com armas pesadas.

Eu o perguntei sobre isso e ele confirmou minhas reflexões. Deixava-o frio, evidentemente, que todos nós não sobreviveríamos mais à vitória dos farrogs. Do seu ponto de vista, ele até que poderia estar agindo corretamente, mas isso certamente não era do nosso interesse. Aqui não se tratava, aliás, de nossa sobrevivência apenas, mas de decisões de uma dimensão bem maior.

Em algumas das entradas para a caverna saíram os primeiros tiros. Logo depois trovejava tão alto, que eu tive que desligar os microfones externos do meu capacete.

Atlan colocou-se entre mim e o senhor do mundo subterrâneo, justamente quando Arhaeger quis se afastar. O rosto do arcônida tinha o jeito de uma máscara de pedra.

— Permita-me uma pergunta, Arhaeger. — disse ele, sem qualquer emoção. — O senhor declarou ainda há pouco que os akhjis eram dirigidos por um comando robótico. Onde se encontra esta unidade de telecomando, em sua opinião?

Arhaeger fixou seus olhos facetados sobre o meu amigo arcônida.— Provavelmente em linha reta, acima de nós, na superfície, aliás. Isso fornece os

resultados de medição mais úteis à unidade.— Obrigado. — retrucou Atlan, pragmático. — Há algum caminho daqui para a

superfície?— O que quer ali, Atlan? — perguntou Arhaeger, perplexo.— Colocar a unidade de comando fora de combate e funcionamento. — disse Atlan.— Ora, eu... — começou Arhaeger, mas foi interrompido por Poncruter.— Lapender conhece um caminho lá para cima. — sibilou o anão. Ele agitou os

seus braços compridos. Entre dois grupos de soldados surgiu o pescoço de tromba com a sua cabeça ovoide. — Deixe que nós dois acompanhemos Atlan e Rhodan à superfície. No pior dos casos nós morreremos em outro local que não este aqui.

Lapender saltou por cima de uma fenda de rocha e jogou-se ao chão, quando uma série de tiros de raios foi descarregada acima de sua cabeça, batendo contra as rochas ao fundo. Abaixado, o gigante correu ao nosso encontro. Das paredes da gruta vinha o trovejar de canhões meio-pesados de raios, os ruídos de combates nas entradas da caverna estavam cada vez mais altos.

— Eu não tenho nada para objetar. — declarou Arhaeger.— Boa sorte, Perry Rhodan e Atlan. — Ele virou-se e caminhou, de ombros caídos

e sem se importar com o trovejar dos tiros de canhões de raios, que entrementes estava ficando quase insuportável, apesar dos microfones externos desligados.

Eu olhei ao meu redor. Remotlas não podia ser visto em nenhum lugar, mas também não havia nenhuma razão para levar o chefe dos perdachistas conosco. O que pretendíamos fazer era um comando-suicida. Para que, portanto, colocar mais homens que o estritamente necessário em perigo? O absurdo dessas reflexões somente me ficou consciente quando já estávamos nos esgueirando através das galerias semirruídas.

Não fazia diferença onde Remotlas morreria, se conosco ou na armadilha, em que a caverna se transformara para o exército dos farrogs.

* * *

A galeria parecia levar diretamente para a eternidade. Desde o começo tivemos que ativar nossos escudos protetores, para que eles não se descarregassem constantemente nas paredes da galeria estreita. Agora eu também abri o meu capacete e deixei o meu rosto acalorado ser refrescado pelo fluxo de ar que passava através do tubo meio ruído.

Page 59: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Um olhar para o meu cronógrafo-pulseira mostrou-me que eram 12:24:48 horas e continuava sendo o dia dezoito de abril do ano 3.438. As últimas horas, vistas subjetivamente, tinham sido meia eternidade.

De uma fenda acima de mim escorria poeira seca de pedra. Eu tossi e me esgueirei em frente. Mais que rastejar não era possível dentro da galeria. Provavelmente se tratava de um duto de ventilação esquecido dos habitantes pré-históricos.

Diante de mim estava Lapender. Com sua barriga enorme, para ele ainda era mais difícil que para nós arrastar-se através do tubo muito estreito. Poeira corria-me pelas costas, misturando-se com o suor. Um bloco de pedra soltou-se por cima de mim, e passou rente de minha têmpora direita. Se a galeria ruísse definitivamente... Mas pensar nisso seria pura perda de tempo.

Finalmente consegui ver, em perpendicular acima de mim, um brilho de luz. Como, entretanto, os dois mutantes que se arrastavam à minha frente nada disseram sobre isto, eu também silenciei. Nós tínhamos que prestar atenção para não sermos ouvidos pelos grupos isolados dos condicionados.

Quando finalmente chegamos ao fim da galeria, eu respirei aliviado. Nós nos encontrávamos evidentemente num forte em ruínas, semelhante àquele no qual tínhamos nos encontrado com Poncruter e Lapender pela primeira vez.

Lapender esticou seus braços curtos e balbuciou:— Nesta direção, Rhodan. Ali deve ficar a unidade de comando.Eu via apenas cimento-plástico mofado e alguns bichos parecidos com morcegos,

batendo as asas embaixo do teto do recinto semirruído. Atlan e eu não podíamos fazer outra coisa senão nos confiarmos ao senso de orientação dos dois mutantes. Eles tinham nos levado, certos do seu objetivo, para a superfície, tirando-nos, sem incidentes, da caverna que se transformara em armadilha. Isto era uma realização digna de elogios.

Tão silenciosamente quanto era possível, seguimos os dois através de corredores semi destroçados, trepamos por cima de placas de concreto-plástico aos pedaços e um quarto de hora mais tarde avistamos as estrelas de Morschaztas no céu noturno.

Bem perto vi um edifício alto. O fluxo do trânsito da cidade de Cappinoscha mandava até nós os seus ruídos. Nada indicava que bem fundo, abaixo de nós, dois exércitos lutavam encarniçadamente.

— Nós nos encontramos numa zona de bloqueio. — sibilou Poncruter. — É de se admitir que também a unidade de comando esteja dentro da zona de bloqueio. Os pedopilotos desejarão evitar tudo que possa inquietar os ganjásicos da superfície desnecessariamente.

— Lá, do outro lado! — disse Lapender, agitado. Ele virou- se para mim, o seu olho facetado tinha mudado de cor, e agora brilhava num vermelho-sangue como um rubi. — Rhodan e Atlan! Poncruter e eu rodeamos os postos inimigos e atacamos do outro lado, para disfarçar. Aproveitem a oportunidade — e boa sorte!

Sem esperar por uma resposta, os dois mutantes tinham mergulhado na escuridão. Por segundos achei que podia ainda perceber algum movimento à nossa esquerda, mas logo depois também essa impressão desapareceu.

Atlan e eu nos tateamos, passo a passo, para a frente. Nós não devíamos ligar nem nossos holofotes nem fazer uso da aparelhagem de infravermelho de nossos trajes de combate. Ambas as coisas poderiam ser descobertas. Sem mesmo levar em conta que luz normal imediatamente teria feito ecoar o alarme.

Alguns minutos mais tarde descobri à nossa frente um fraco brilho luminoso. Dentro dele podia perceber-se uma massa escura. De repente ecoou da mesma direção um

Page 60: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

grito estridente, depois caíram tiros de armas de raios. Três holofotes se acenderam, jogando seus feixes de luz na direção contrária à nossa.

Atlan e eu saímos correndo. Uma vez tropecei por cima de uma grande pedra. Atlan agarrou-me pelo braço e evitou a minha queda. A massa escura destacou-se dos fundos de luz muito viva dos holofotes e dos relâmpagos energéticos dos tiros. Não havia dúvida, tratava-se de uma máquina complicada.

Diante de nós surgiu a silhueta de um guarda. Atlan correu para cima dele, com um punhal vibrador puxado golpeou-o, depois continuamos nosso caminho. Segundos mais tarde estávamos diante de uma construção em cúpula de cerca de dez metros de altura. Nós encontramos a entrada, entramos correndo para dentro de um recinto que se mostrou assombrosamente semelhante à central de comando de um cérebro positrônico terrano.

Nós tínhamos achado a unidade de comando dos condicionados!Atlan e eu não perdemos tempo com exames. Rapidamente instalamos as duas

microbombas, que nos tinham sido dadas por um oficial do exército dos mutantes. Depois corremos para fora. As ignições tinham sido colocadas regressivamente num total de cem segundos. Até então teríamos que estar pelo menos a quinhentos metros de distância, jogados ao comprido no chão, ou atrás de alguma cobertura.

Mas do outro lado da unidade de comando a luta continuava. Nós não podíamos abandonar os dois mutantes valentes ao seu destino. Quando entramos no círculo luminoso dos holofotes, justamente ainda pudemos ver como Lapender foi queimado, no cruzamento de fogo de vários tiros energéticos. Nós colocamos a fonte dos tiros energéticos sob o fogo de nossas armas de impulsos e desintegradoras; depois disso reinou um silêncio somente interrompido por alguns gemidos abafados.

Um movimento à nossa frente fez-nos encontrar Poncruter. O anão estava caído ao chão, todo encurvado. O seu traje de combate estava parcialmente carbonizado, mas aparentemente ele ainda vivia. Eu o coloquei por cima do meu ombro, depois corremos na direção do forte semidestruído.

Nós tínhamos deixado cerca de dois terços do trecho atrás de nós, quando Atlan me atirou ao chão. Eu simplesmente fiquei deitado, rolei Poncruter de cima de minhas costas e apertei-o para dentro das gramíneas úmidas.

No instante seguinte, atrás de nós, nasceu um sol artificial. Instintivamente eu procurei me afundar ainda mais no chão Junto com o trovejar ensurdecedor da explosão nuclear veio a onda de pressão quente como fogo, seguida de uma curta fase de silêncio e depois um furacão soprou na direção contrária.

Depois que o furacão amainou, Atlan e eu nos pusemos de pé de um salto. Desta vez o arcônida levou o mutante. De repente ele parou. Eu quis perguntar-lhe pela razão, mas então também eu escutei o multiplicado uivar de sirenes. Logo em seguida o ar encheu-se com o ribombar de fortes turbinas.

Os pedopilotos tinham dado alerta geral. Logo isto por aqui estaria um formigueiro de tropas.

Mais tarde certamente não teria sabido dizer como no forte tínhamos encontrado a entrada da galeria estreita, ou como tínhamos conseguido carregar Poncruter conosco, apesar daquele aperto terrível. Eu só sei que estávamos banhados de suor, quando finalmente chegamos à gruta.

Arhaeger recebeu-nos junto de um grupo de oficiais e soldados. Os mutantes restantes tinham desaparecido. O soberano do mundo subterrâneo de Erysgan parecia abalado apesar de sua mentalidade estranha quando, depois de ter examinado Poncruter, se levantou novamente.

Page 61: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

— Ele está morto. — murmurou ele. — Vamos levar seu corpo conosco para baixo, para que ele possa encontrar a sua paz na Cripta dos Soberanos.

— O que há com os condicionados? — perguntei e me assustei com o tom mudado de minha voz.

— Estão todos mortos. — respondeu Arhaeger. — Tudo foi muito repentino. Quer dizer que os senhores encontraram a unidade de comando destruindo-a. Quero agradecer--lhes por isso.

Eu tinha me ajoelhado ao lado do corpo de Poncruter. O anão não tinha, externamente, muita semelhança com um ser humano, mas ele demonstrara que todas as coisas externas eram formais e insignificantes.

Eu levantei a cabeça.— Sem ele e Lapender nós jamais o teríamos conseguido.— Eu me sentia queimado por dentro e tive que fazer um esforço para poder

levantar.— E agora deixe-nos ir para o seu mundo e para os Ganjatores, Arhaeger.Dois oficiais colocaram o corpo de Poncruter sobre uma plataforma

antigravitacional, e a empurraram à sua frente. Lentamente caminhamos na direção da abertura da caverna, onde Remotlas nos esperava.

* * ** **

Com a ajuda dos farrogs, os habitantes do mundo subterrâneo de Erysgan, Perry Rhodan/Ovaron e Atlan/Marceile conseguiram libertar os Ganjatores aprisionados, colocando-os em segurança.

Com isso as próximas fases do empreendimento arriscado poderão ser iniciadas. Elas acontecerão entre o Cosmo e o Mundo Subterrâneo... Entre o Cosmo e o Mundo Subterrâneo — é o título do próximo número da série Perry Rhodan.

Page 62: P-485 - Os Mutantes de Erysgan - H. G. Ewers

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores. Não perca a chance de conhecê-lo e/ou se associar:

http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=66731&tid=5201628621546184028&start=1