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ARALON, O CENTRO DE EPIDEMIAS Autor CLARK DARLTON Tradução RICHARD PAUL NETO Digitalização e Revisão ARLINDO_SAN (P-045)

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ARALON, O CENTRO DE EPIDEMIAS

Autor CLARK DARLTON

Tradução RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão ARLINDO_SAN

(P-045)

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As frotas de guerra estão prontas para entrar em ação. Mas os médicos galácticos não lutam com armas convencionais.

A história da Terceira Potência em poucas palavras:

1971 — O foguete Stardust chega à Lua, e Perry Rhodan encontra a nave

exploradora dos arcônidas, que realizou um pouso de emergência (vol. 1). 1972 — Criação da Terceira Potência, que enfrenta a resistência das

grandes potências terrenas e rechaça as tentativas de invasão extraterrena (vols. 2 a 9).

1975 — Primeira interferência da Terceira Potência nos acontecimentos galácticos. Perry Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura solucionar o mistério galáctico (vols. 10 a 18).

1976 — A Stardust-III chega ao planeta Peregrino, e Perry Rhodan alcança o dom da imortalidade relativa (vol. 19).

1980 — Perry Rhodan regressa à Terra e luta por Vênus (vols. 20 a 24). 1981 — O Supercrânio ataca (vols. 25 a 27). 198211983 — Chegada dos saltadores, que querem eliminar a

concorrência potencial da Terra no comércio galáctico (vols. 28 a 37). 1984 — Primeiro contato de Perry Rhodan com Árcon e sua atuação como

plenipotenciário do cérebro positrônico que governa o grupo estelar M-13 (vols. 38 a 42).

Curar e ajudar! É esta a idéia pela qual se guia a ação de Perry Rhodan, pois não é de seu feitio manter-se inativo enquanto setecentos dos seus melhores homens, apesar do sono profundo e da alimentação artificial, caminham para o definhamento lento, mas inexorável.

Acontece que só os causadores da doença podem ajudar os homens atacados de hipereuforia. E, se não querem ajudar voluntariamente, deverão ser obrigados a fazê-lo. Aralon, o Centro de Epidemias, é este o destino da Titan.

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = Perry Rhodan — Que tem à sua disposição uma frota de guerra fornecida pelo

cérebro robotizado que governa Árcon.

Julian Tifflor — Que alguém deseja colocar no álcool.

Wuriu Sengu — O espia do exército de mutantes da Terceira Potência.

Thora — A bela arcônida que ignora o próprio noivado.

Gucky — O rato-castor que se recusa a executar uma ordem. Themos — Autor da epidemia dos nonus.

Talamon — Comandante de uma frota dos superpesados.

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1 No interior do grupo estelar M-13, a aproximadamente 34 mil anos-luz da Terra, um

gigantesco planeta gravitava em torno de seu sol amarelento. Nos catálogos dos arcônidas, esse sol estava registrado com o nome de Moof e, em conformidade com as normas vigentes, o planeta era chamado de Moof VI.

Era um mundo terrível, que não oferecia nada de agradável. Quando Perry Rhodan pousou no mesmo, em fins de setembro de 1984, lembrou-se

de Júpiter, muito embora, ao contrário do planeta-gigante do sistema solar, Moof VI abrigasse seres inteligentes.

Mas que vida era essa...? Os moofs eram seres achatados, mas que mediam alguns metros de altura.

Lembravam medusas superdimensionadas. Eram inofensivos e pacíficos, comunicavam-se por meio da telepatia, não estavam interessados em criar uma civilização digna de nota e sentiam-se felizes quando eram deixados em paz.

Foi o que Rhodan fez quando constatou que os moofs nada tinham que ver com a terrível moléstia que atacara sua tripulação. Recolheu cinqüenta desses seres a bordo da nave, instalou especialmente para eles um recinto com a atmosfera de metano. No mais, esperava que a capacidade sugestiva pouco desenvolvida desses seres pudesse substituir, se necessário, a de seus mutantes, colocados fora de ação.

Antes da decolagem Rhodan reuniu os tripulantes sadios na sala de comando. Crest, o cientista arcônida, alto e de cabelos brancos, acomodou-se numa poltrona. Seus olhos avermelhados já não exprimiam muita confiança. O destino golpeara com muita força, colocando Rhodan numa situação quase desesperadora.

O tenente Tifflor não parecia levar as coisas tão a sério. Sentado diante do robô de pilotagem, aguardava calmamente as decisões de Rhodan. Muito se assemelhava ao chefe pelo aspecto exterior, embora fosse muito mais jovem.

Wuriu Sengu, o espia japonês, manteve-se de pé, humilde e quieto, conforme correspondia ao seu gênio.

Com Gucky não acontecia a mesma coisa. O rato-castor, que era o mutante mais competente de Rhodan, refestelou-se num sofá. Parecia um rato de desenho animado, grandemente amplificado com uma cauda larga que lhe servia de apoio. Possuía pêlo cor de ferrugem e um par de bondosos olhos caninos de cor castanha. As enormes orelhas e o focinho pontudo davam-lhe um aspecto engraçado, que iludiria qualquer estranho sobre a verdadeira natureza do rato-castor. Gucky era telepata, telecineta e teleportador ao mesmo tempo. Falava correntemente o intercosmo, o arcônida e o inglês.

Sua voz aguda quase chegava a chilrear na grande sala de comando da Titan, uma supernave de um quilômetro e meio de diâmetro.

— Estamos prontos para decolar, Rhodan. Quer dizer que iremos mesmo a Árcon? — Não vejo outra possibilidade. Sabemos que os aras são os causadores da

hipereuforia. Setecentos dos nossos homens contraíram a doença, entre eles os membros do exército de mutantes e Thora, sem esquecer Bell. Se alguém puder curá-los, só poderão ser os aras. Quer dizer que precisaremos colher outras informações em Árcon. Ninguém sabe onde fica o mundo central dos aras.

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— O cérebro robotizado de Árcon sabe — disse Crest. Subitamente parecia muito interessado na conversa. — Ele nos ajudará.

— Ajudará porque é do seu interesse — concordou Rhodan. — Desde o momento em que o gigantesco cérebro positrônico substituiu os arcônidas no governo do Império, as coisas melhoraram. Por quê? Porque o cérebro possui iniciativa. Tenho certeza de que reconhecerá a ameaça que os aras representam e continuará a nos ajudar. Mais alguma pergunta? Em caso negativo, vamos decolar.

O tenente Tifflor levantou a mão como um aluno bem comportado. — Não temos prisioneiros a bordo? São aras. Eles não revelaram a posição de seu

mundo? — Revelaram — confessou Rhodan. — Mas precisamos da confirmação de Árcon,

pois do contrario poderemos cair numa armadilha. Só o cérebro robotizado sabe se as indicações fornecidas pelos prisioneiros são corretas. Quer dizer que não podemos deixar de percorrer o caminho que leva a Árcon.

— O que estamos esperando? — chiou Gucky com uma seriedade fora do comum. — Vamos decolar. Até Árcon é só um pulo de gato.

— Deve ser um pulo de rato-castor — disse Tifflor, aludindo à capacidade de teleportação de que Gucky era dotado. — São algumas dezenas de anos-luz, se não me engano.

— Conseguiremos fazê-lo com a tripulação reduzida à metade — prosseguiu Rhodan em tom confiante. — Muito bem. Vamos preparar a decolagem. A Ganymed receberá as mesmas coordenadas. Voaremos juntos a Árcon.

Árcon era o centro do império estelar que abrangia o grupo estelar M-13, cujo diâmetro era superior a duzentos anos-luz. Num dos três planetas principais do sistema estava instalado o cérebro positrônico, do qual Perry Rhodan se tornara aliado.

Sua nave, a Titan, já pertencera aos arcônidas. Ele a roubara, mas num gesto de generosidade o cérebro permitiu que Rhodan ficasse com a nave, mas sob uma condição. Rhodan teria de prometer que só a utilizaria a favor do Império.

A luta contra os aras foi travada a favor do Império. A Titan era uma esfera de 1.500 metros de diâmetro. Segundo a vontade do

comando espacial arcônida, sua tripulação seria de 1.500 homens. Com uma aceleração de 600 quilômetros por segundo ao quadrado, levava menos de dez minutos para atingir a velocidade da luz. Depois disso poderia realizar a transição que a transportaria para o hiperespaço. Com um único salto através da quinta dimensão, podia vencer dezenas de milhares de anos-luz.

Antigamente a Ganymed fora a nave capitania de Rhodan. Foi com ela que viajou da Terra para Árcon. Também a Ganymed vencia as distâncias por meio da transição pelo hiperespaço. Contava com dois tipos de instalação que eram desconhecidos até mesmo ao cérebro onisciente de Árcon. O transmissor fictício era capaz de desmaterializar qualquer objeto, e fazer com que voltasse a transformar-se em matéria no ponto escolhido. Por exemplo: no interior de outra nave. Isso representava uma arma de potência incomensurável. A segunda conquista tecnológica obtida da raça dos saltadores era o compensador estrutural. Uma vez ligado, tornava-se impossível que as estações goniométricas registrassem as transições da nave. Há algumas semanas também a Titan dispunha de um compensador desse tipo.

Nas telas surgiu uma paisagem primitiva. Montanhas desnudas, cobertas de neve, subiam ao céu nevoento. Oceanos de amoníaco brilhavam sob os raios débeis do sol. Não se via nenhum sinal de vida. Depois de se despedirem, os moofs se haviam retirado. O

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grave perigo que os ameaçava fora removido. Não eram eles, mas os aras que deviam ser apontados como autores dos atos condenáveis. Os aras haviam tentado conquistar o Império de Árcon, e isso por meios baixos e traiçoeiros. No curso da luta travada contra os aras, setecentos homens de Rhodan contraíram a moléstia que costumava ser designada como hipereuforia. As pessoas atingidas por ela sentiam-se leves e despreocupadas, dançavam e cantavam. Mas não mais se alimentavam. Morriam de fome sem que o soubessem. A bem-aventurança era tamanha que os fazia esquecer tudo, inclusive a comida.

Para mantê-los vivos, Rhodan mandou que fossem colocados num estado de sonolência profunda e ininterrupta. Foram alimentados artificialmente. Mas isso não os poderia salvar, se o auxílio não viesse logo. E esse auxílio só poderia vir dos aras, pois foram eles que inventaram a toxina.

— Decolaremos dentro de dez minutos — decidiu Rhodan. — As coordenadas são conhecidas, Tiff. Mantenha contato audiovisual com o coronel Freyt.

Freyt era o comandante da Ganymed. Gucky escorregou para baixo do sofá e foi em direção à porta. — Prefiro estar no meu camarote quando começar a transição. Aqui vivem

incomodando a gente. Olharam-no com um sorriso. Só Crest continuou sério. — Perry, quero estar presente quando o senhor estiver falando com o cérebro

robotizado. — Todos participarão da palestra — prometeu Rhodan. — Só faço um pedido.

Ninguém deve mencionar o fato de que temos setecentos doentes a bordo. Só confirmarei a doença de Thora e mais algumas pessoas. O cérebro raciocina logicamente. Se achar que não estamos em boas condições de combate, poderá recusar-nos seu auxílio. E no momento precisamos desse auxílio, infelizmente.

Discutiram outros detalhes. Os ponteiros do relógio foram avançando. — Decolar! Os dois gigantes levantaram-se como se não tivessem peso, graças aos campos

gravitacionais. A Ganymed era um cilindro de 840 metros de comprimento. Os campos de propulsão só entraram em funcionamento quando as naves já se encontravam a alguma distância do solo. O mundo gigantesco dos moofs mergulhou nas profundezas do cosmo. Quando as naves atingiram a velocidade da luz, estava reduzido a uma estrela.

A seguir, as duas naves desapareceram do espaço normal. Tremeluziram ligeiramente, seus contornos apagaram-se — e repentinamente não estavam mais lá.

Haviam sido engolidas pela quinta dimensão, na qual o tempo e o espaço perdiam toda importância.

Voltaram a materializar-se num lugar totalmente diferente, e isso muito rápido, quase no mesmo segundo.

E com elas, se materializou tudo aquilo que se encontrava a bordo no momento da transição.

* * *

Árcon ficava quase no centro do grupo estelar. As duas naves emergiram do hiperespaço a três meses-luz de seu sol flamejante.

Mantiveram-se numa relativa imobilidade, preparando a nova fase de sua ação.

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Nas enfermarias da Titan, os doentes descansavam em suas camas. Dormiam profundamente e não sabiam nada do que se passava em torno deles. Os reforços chegados da Terra há pouco tempo já se haviam familiarizado razoavelmente com as instalações da nave, ocupando o lugar dos incapacitados. Para Rhodan isso representou um processo de adaptação bastante desagradável. Normalmente levaria semanas para treinar a equipe da Titan, mas nas circunstâncias em que se encontrava teve que fazê-lo em poucos dias.

Os médicos e cientistas cuidavam dos doentes. Embora conseguissem manter vivas as pobres criaturas, não descobriram o causador da moléstia nem puderam obter o antídoto.

Rhodan pediu que Crest, Tiff, Sengu e Gucky comparecessem à sala de rádio, onde o hipercomunicador já estava ligado. Na sala de controle contígua, dois médicos aguardavam, para levarem Thora, que estava apenas semi-adormecida, à presença de Rhodan quando este avisasse.

Nas grandes telas, tremeluziam as transmissões simuladas e codificadas do cérebro. Padrões coloridos mudavam de forma sem cessar, formando uma confusão ininteligível. Só um aparelho de decodificação devidamente regulado conseguiria interpretar essas imagens. Em sintonia com as imagens óticas, os alto-falantes emitiam sons incompreensíveis, que lembravam uma peça de música eletrônica.

Rhodan cumprimentou os companheiros com um aceno de cabeça e ligou o transmissor.

— Aqui fala a Titan. Comandante Thora da família de Zoltral. Perry Rhodan é o imediato. Peço confirmar a comunicação.

A antena lançou as palavras de Rhodan no hiperespaço. No mesmo instante, o receptor situado a três meses-luz de distância retransferiu-as para o espaço normal. No momento em que falava, Rhodan poderia ser ouvido a uma distância de vários meses-luz, ou mesmo de várias dezenas de milhares de anos-luz. O alcance do hiper-transmissor da Titan era inconcebível.

As imagens da tela consolidaram-se numa figura abstrata, mas esta logo se modificou. Aos poucos, foi surgindo o gigantesco pavilhão com a abóbada de metal cintilante.

Era o cérebro robotizado de Árcon, soberano de um império estelar de dimensões inimagináveis.

Uma voz fria, mecânica e impessoal saiu do alto-falante: — Identificação aceita. Faixa de onda exclusiva está ativada. Fale. Mais uma vez o cérebro providenciara para que ninguém pudesse ouvir a palestra,

que não foi codificada. Rhodan fitou a abóbada de aço que abrigava o maior cérebro positrônico do Universo. Sentia uma espécie de simpatia pelo mesmo, muito embora essa palavra nunca poderia exprimir corretamente o que sentia. De qualquer maneira, eram aliados — a máquina infalível e ele, Rhodan.

— A Titan retorna de sua missão. Infelizmente não tivemos êxito. Impedimos que o planeta Moof VI fosse destruído pela frota arcônida, mas apenas conseguimos dar um passo em direção ao objetivo. Já sabemos que os moofs não são culpados da revolução de Zalit nem podem ser responsabilizados pela hipereuforia. Não têm nada com isso, tal qual os habitantes do planeta Honur. Os únicos culpados são os aras. Estão atrás de tudo.

— Os aras são um clã dos saltadores, que também costumam ser chamados de mercadores galácticos. Não existem relações amistosas entre os dois ramos. Os aras praticamente são os médicos e biólogos do Império.

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— De qualquer maneira são descendentes dos mercadores — disse Rhodan com uma estranha ênfase. — Não vivem apenas da ciência, mas também do comércio. Não conseguem livrar-se dessa herança racial. Infelizmente não negociam apenas com medicamentos, mas também com a morte.

— Apresente provas! Rhodan suspirou. — Encontramos provas bastantes em Honur e em Moof VI. Sabemos que os aras

costumam infestar planetas inteiros para poderem fornecer o respectivo antídoto em troca de bom dinheiro. O senhor acha que esse método é correto, Regente?

O cérebro robotizado levou um segundo para formular a resposta: — É um crime contra as leis do Império. Acontece que precisamos dos aras; se não

fosse assim, ordenaria a destruição imediata de seus mundos. Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. — Concordo com o senhor. Mas deve haver um meio de obrigá-los a cumprir as leis

sem dispensar seu auxílio. Tenho necessidade urgente de um remédio contra a hipereuforia. Thora de Zoltral está doente.

Rhodan teve a impressão de perceber certo nervosismo na voz impessoal, mas era perfeitamente possível que fosse um engano.

— Thora está doente? Foi infeccionada pelos aras? Sim, já sei. O senhor já me informou. Ainda não houve nenhuma cura?

— A cura só pode ser proporcionada pelos aras. — Eles não possuem um mundo nativo propriamente dito; apenas dispõem de uma

série de bases planetárias. — Por exemplo, o planeta Aralon — disse Rhodan para atirar a isca. Quase cinco segundos se passaram antes que o cérebro robotizado respondesse: — Aralon costuma ser considerado o mundo central dos aras. Como foi que o

senhor soube disso, Perry Rhodan do planeta Terra? — Alguns prisioneiros me deram a informação. Não sabia se estavam falando a

verdade. Quer dizer que é correta? Aralon realmente é o mundo central dos médicos galácticos?

— Sim. Aralon é o quarto dos sete planetas que gravitam em torno do pequeno sol amarelo de Kesnar, cuja posição ainda lhe será fornecida. Há outros detalhes importantes. Aralon não tem armas, nem possui uma frota espacial propriamente dita. Os aras acham que não têm necessidade de defender-se contra inimigos. Há milênios cuidam para que as doenças infecciosas nunca terminem. Toda a Galáxia precisa dos aras e de seus medicamentos, motivo por que mantém com eles boas relações. Dessa forma, os aras podem ser considerados o povo mais poderoso do Império, embora não possuam armas ou naves de guerra. Ninguém pode obrigá-los a produzir ou entregar um medicamento contra sua vontade.

— Acontece que existe um meio de impedir a atuação daninha dos aras. Para o bem do Império e de todas as raças inteligentes da Galáxia esse meio deve ser empregado.

— Que meio é esse? — perguntou o cérebro. — A astúcia. — Queira explicar melhor o que quer dizer — pediu o Regente sem demonstrar a

menor emoção. — Antes de mais nada, quero mostrar-lhe o que será dos arcônidas se os aras

tiverem a idéia de levar a epidemia para Árcon — disse Rhodan e fez um sinal para Crest.

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O cientista grisalho desapareceu e pouco depois voltou com uma cama de rodas, na qual jazia Thora.

Tinha os olhos abertos e um sorriso radiante brincava nos seus lábios. O rosto parecia totalmente despreocupado, mas estava magro e flácido. Nem mesmo a alimentação artificial poderia impedir que os doentes morressem de fome aos poucos.

— Esta é Thora de Zoltral, comandante desta nave. Não sabe que está doente, mas a morte já estende as mãos em sua direção, Regente — falou Rhodan. — Ainda sorrirá no momento em que estiver morrendo. Os aras a infeccionaram, e só eles poderão curá-la.

O cérebro robotizado permaneceu calado durante quase um minuto. — Explique a astúcia que pretende empregar, Rhodan. Se conseguir convencer-me

de que um ataque a Aralon não representará qualquer perigo para o Império, colocarei à sua disposição todos os recursos que estão ao meu alcance.

Rhodan suspirou aliviado. Mandou que Thora fosse levada de volta à enfermaria, apontou para o tenente Tifflor, que se mantinha nos fundos da sala, junto ao japonês Sengu, e disse:

— Minha astúcia chama-se tenente Tifflor, Regente. Em certa oportunidade esse terrano já evitou que um mundo habitado caísse nas mãos dos mercadores galácticos. Para isso ofereceu-se para servir de chamariz cósmico.

— Chamariz cósmico? — Em seu corpo foi implantado um minúsculo transmissor, que ininterruptamente

emite seus impulsos. O fator decisivo é que esses impulsos são propagados instantaneamente, podendo ser captados até uma distância de dois anos-luz. E são captados telepaticamente, não por meio de receptores mecânicos. Quer dizer que o tenente Tifflor é um telepata artificial, que pode transmitir seus pensamentos a uma distância de dois anos-luz. E, como já ressaltei, a transmissão é instantânea.

— Para mim essa técnica ainda é desconhecida. Perry Rhodan, o senhor dispõe de certas coisas que ainda poderão ser muito úteis ao Império.

— Foi por isso que nos tornamos aliados — lembrou Rhodan e prosseguiu em tom indiferente: — Soltarei Tifflor em Aralon. Um único homem não despertará a atenção de ninguém e dificilmente será considerado o arauto de uma potência galáctica. E ele nos manterá continuamente informados sobre aquilo que acontecer em Aralon. Dessa forma teremos condições de intervir no momento adequado.

— É uma missão muito arriscada — ponderou o cérebro. — Thora precisa ser curada. E, para que isso aconteça, temos de assumir um risco.

Mas, se considerarmos que além de Thora todo o planeta de Árcon poderá ser contaminado pela moléstia, o risco não poderá ser considerado muito grande. Os aras têm de convencer-se de que poderão servir melhor ao Império se trabalharem honestamente. A fraude que cometem contra a saúde do Império equivale a um crime de alta traição.

— Aguarde até que consiga interpretar os dados disponíveis — pediu o Regente. O estalido do alto-falante mostrava que a comunicação acústica acabara de ser

interrompida. O quadro permaneceu na tela. Rhodan desligou o transmissor e dirigiu-se a Tifflor: — Como vê, Tiff, muita coisa o aguarda. Ainda não tenho certeza sobre todos os

detalhes de meu plano, mas já sei mais ou menos de que forma poderemos agarrar os aras. Wuriu Sengu e Thora o acompanharão para Aralon.

Crest deu instintivamente um passo para a frente. Arregalou os olhos para Rhodan. — Quer expor Thora a um risco? Um sorriso ligeiro aflorou aos lábios de Rhodan.

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— Pelo contrário, Crest. Thora será a primeira pessoa a ser tratada com o soro. E o tratamento ficará a cargo dos médicos de Aralon. Quando isso acontecer, teremos a prova de que a epidemia foi causada por eles, e ainda saberemos que é curável.

— Como pretende levar os aras a agir dessa forma? — Ainda não tenho muita certeza sobre este ponto. Porém pensarei nisso e já

deverei ter a solução quando nos encontrarmos perto de Aralon. Este mundo que tem as costas protegidas por uma potência militar capaz de fazer frente a qualquer inimigo.

— Pelo que acabamos de ouvir, Aralon não dispõe de qualquer armamento... — ...mas nem por isso estará indefeso, Crest. Acredito que os aras tenham amigos

poderosos, que intervirão na hora adequada. — Os aras têm amigos? Quem seriam? — Afinal, eles pertencem à raça dos saltadores — lembrou Rhodan, mas

interrompeu-se com um gesto apressado. O alto-falante emitiu um estalido. Ligou o receptor. Poucos segundos depois, a voz fria do Regente fez-se ouvir:

— O sol Kesnar fica a trinta e oito dos seus anos-luz de Árcon. Os outros dados conferem com aqueles que lhes foram fornecidos pelos prisioneiros. Concedo-lhe plenos poderes para agir conforme julgar acertado. Além disso, coloco à sua disposição uma frota de guerra dirigida por robôs, que por ora obedecerá exclusivamente às suas ordens. A identificação será realizada pela mesma freqüência que estou usando para falar com o senhor. Dentro de dez minutos, as respectivas unidades estarão à sua disposição. Informe-me sobre sua atuação assim que a mesma seja iniciada. Atenção, uma advertência. Não ataque Aralon enquanto não houver um motivo muito sério. Por agora não podemos dispensar os aras. Ainda existem doenças nos mundos do Império.

— É verdade, Regente. E as doenças continuarão a existir enquanto os aras puderem desenvolver sua ação nefasta.

— O senhor acaba de receber minhas instruções — disse o Regente sem demonstrar a menor emoção. — Siga-as, se quiser que continuemos como sócios. De resto, desejo-lhe êxito e muitas felicidades, Perry Rhodan. Se precisar de auxílio, entre em contato comigo. Fim.

Rhodan esperou até que a imagem se apagasse. Depois desligou o transmissor e o receptor. Com um suspiro de alívio, caiu na poltrona mais próxima. Ficou sentado por longos segundos, com a cabeça apoiada nas mãos. Ninguém se atrevia a perturbar seu descanso. Até Gucky manteve-se quieto.

Crest parecia impaciente. Finalmente Rhodan levantou a cabeça, esboçou um ligeiro sorriso e disse: — Quase chego a ter a impressão de que o cérebro robotizado me transformou numa

espécie de policial. Imponha a ordem e eu pagarei. Bem, enquanto os interesses dele coincidirem com os meus, não há nada a objetar. Mas ai de nós, no instante em que os nossos interesses entrarem em conflito. Não sei dizer o que acontecerá quando surgir essa situação.

— Nesse caso depomos o Regente e assumimos o governo — chilreou Gucky em tom confiante e escorregou do sofá para o chão. Ergueu-se e bateu no peito, onde o pêlo era mais claro. Nessa pose seu aspecto lembrava o dos velhos ditadores da Terra. — Serei um excelente ministro do exterior.

Tiff sorriu. — Acho que seria melhor fazer de você o ministro do prazer — sugeriu,

prosseguindo em tom sério. — Quer dizer que o senhor pretende largar-me em Aralon, senhor Rhodan? O que devo fazer por lá? Afinal, não conheço aquele mundo.

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— Ninguém conhece o mundo em que ficam os laboratórios médicos e bioquímicos desses seres. Aposto que saberemos muito mais a seu respeito depois que o senhor tiver passado alguns dias por lá.

— Thora irá comigo? — Terá de ir com o senhor — confirmou Rhodan. — Sem isso a missão seria inútil.

O que houve, tenente Fuchs? O oficial de meia-idade fora incumbido de observar as telas enquanto Rhodan

estivesse entretido na palestra com o cérebro robotizado, informando-o imediatamente sobre eventuais modificações. Havia ocasiões em que Rhodan preferia não confiar apenas nos instrumentos. Normalmente Fuchs exercia as funções de oficial de plantão da sala de rádio.

— Uma frota está saindo da transição. Estamos totalmente cercados. São naves arcônidas.

— Devem ser os reforços anunciados pelo cérebro — disse Rhodan com a voz tranqüila e levantou-se. Acompanhado pelos outros, foi à sala de comando e contemplou as telas panorâmicas coloridas, que ofereciam um retrato fiel do espaço que os cercava.

A visão era apavorante. Os maciços couraçados da classe da Stardust — formados por esferas de oitocentos

metros de diâmetro — mantinham-se a certa distância. Os cruzadores e destróieres estavam formados para oferecer-lhes proteção, com as bocas dos canhões apontadas para a frente. A frota era comboiada por ágeis caças.

Rhodan sabia que naquelas naves não havia um único ser humano. Os comandantes eram robôs positronizados, cujo saber programado excedia o dos cientistas terranos mais competentes. A manipulação dos controles das naves seria inteiramente automática, obedecendo a uma orientação positrônica.

A formação que se apresentava no espaço era o poder militar mais formidável que os olhos de Rhodan já haviam visto. E esse poder estava à sua disposição.

Não se sentiu tomado apenas pelo orgulho, mas principalmente pela satisfação. O homem do planeta Terra vencera. Provara que era digno das tradições de Árcon. O cérebro robotizado tratava o terrano de igual para igual, chegando mesmo a dar-lhes preferência sobre os arcônidas, que eram os fundadores do Grande Império.

O homem provara que compreendera o ordenamento divino que reina no Universo vivo.

Falando como quem desperta de um sonho, Rhodan disse com a voz embargada: — Fuchs, estabeleça contato direto pela freqüência de Árcon com a nave capitania

da frota arcônida e passe a ligação para a sala de comando. Quero falar com o comandante da frota.

O tenente Fuchs dirigiu-se à sala de rádio. Crest perguntou: — O que quer com ele, Perry? Deve ter recebido suas instruções do Regente. — A única instrução que recebeu foi a de obedecer às minhas ordens — respondeu

Rhodan. Após um minuto, o rosto rígido de um robô arcônida contemplava a sala de

comando da Titan pela tela do aparelho de comunicação audiovisual. As lentes cristálicas refletiam as luzes de controle.

— Minha frota está à sua disposição, Rhodan da Terra — disse, iniciando a palestra. — Quais são suas instruções?

Rhodan procurou disfarçar a satisfação que sentia.

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— Voaremos em direção ao sistema de Kesnar. A manobra de imersão será realizada a três meses-luz de Kesnar. Sua frota permanecerá imóvel, enquanto minhas naves prosseguirão à velocidade da luz. A partir deste momento permaneceremos ininterruptamente em contato audiovisual. Novas Instruções serão transmitidas quando necessário.

— Entendido. Dispomos de bombas gravitacionais. A qualquer momento... — Não desejo que essas bombas sejam utilizadas. Qual é sua denominação? — Meu nome é OR-775, Rhodan da Terra. — Muito bem, OR-775. Siga minhas Instruções e aguarde as coordenadas de salto,

que lhe serão fornecidas por meu oficial de rádio. A transição será realizada dentro de uma hora.

— Entendido. Ficarei na recepção. A tela apagou-se. Crest, que estava de pé junto a Rhodan, soltou um suspiro. Rhodan fitou-o com um

ligeiro espanto. — O que houve, Crest? Alguma coisa o preocupa? As coisas não estão correndo

muito melhor do que jamais ousaríamos esperar? O arcônida confirmou com um aceno de cabeça. — As coisas estão correndo bem demais — ponderou. — Sabe lá o que significa ser

comandante de uma frota de guerra arcônida? Há treze anos me confiaram o comando de uma única nave, embora fosse um membro da família governante. E o senhor, Perry, é praticamente um estranho, membro de uma raça subdesenvolvida. Pelo menos, há uma década e meia não passava disso. E hoje já está agindo como mandatário do maior império que já existiu no Universo. Perry, para todos os efeitos o senhor já está de posse de sua herança.

Rhodan sacudiu lentamente a cabeça. — Não vamos precipitar as coisas, Crest. Ninguém tem uma herança para transmitir

a mim. Mas sinto-me orgulhoso porque o cérebro robotizado me confiou a frota mais poderosa que já vi. Pode crer em mim; as unidades estão em boas mãos.

O tenente Fuchs enfiou a cabeça na sala de comando. — As coordenadas foram confirmadas. Quer que as transmita ao comandante da

frota? — Quero, Fuchs. A transição será realizada exatamente dentro de cinqüenta

minutos. Até lá atingiremos a velocidade da luz. Está na hora de elaborarmos nossos planos de guerra. Tiff, para isso não posso dispensar sua colaboração. Também preciso de Sengu. Crest, gostaria que o senhor também estivesse presente.

— E eu? — soou a voz queixosa vinda do canto em que Gucky estava deitado em sua cama, escutando a conversa. Mantinha as grandes orelhas de pé, e os olhos castanhos contemplavam o mundo metálico da nave com uma expressão de lealdade. — É estranho, mas tenho a impressão de que desta vez não terei nada a fazer.

— Pois está muito enganado, Gucky — objetou Rhodan. — Sob o ponto de vista passivo, você até vai desempenhar o papel principal. Você é o único que pode captar os impulsos mentais expedidos por Tiff. Não dispomos mais de nenhum outro telepata. É bem verdade que não poderá ir a Aralon. Mas muitas vezes a coisa mais importante não é a aventura propriamente dita. De qualquer maneira sei que posso confiar em você. Está satisfeito?

Gucky soltou um assobio estridente e pouco melódico.

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— O que posso fazer? Pois bem, explique seu plano de guerra. Estou ardendo de curiosidade.

— Está o quê? Aprendeu isso com Bell? Acho que mais uma vez você está confundindo os conceitos — Rhodan esboçou um ligeiro sorriso, mas seu rosto logo voltou a tornar-se sério. — Pois bem, prestem atenção. Vou explicar meu plano em ligeiras palavras. Entraremos em transição daqui a quarenta e cinco minutos e voltaremos a nos materializar a três meses-luz de Kesnar. Depois vamos...

Rhodan falou durante meia hora. As pessoas que o ouviam não o interromperam uma única vez.

O plano por ele desenvolvido era excitante como um romance fantástico...

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2 O sol Kesnar surgiu nas telas do aparelho de mira da Titan sob a forma de uma

pequena estrela amarela. Uma distância de três meses-luz transformaria qualquer gigante num anão, e Kesnar poderia ser tudo, menos um gigante.

A imensa frota arcônida manteve-se Imóvel em meio ao espaço. Rhodan mandou fornecer as últimas coordenadas a OR-775. Se a frota de guerra entrasse em transição, voltaria a materializar-se a poucos segundos-luz de Aralon.

A Titan e a Ganymed deslocavam-se à velocidade da luz, aproximando-se do sistema. A essa velocidade as naves levariam três meses para chegar a Aralon.

Mais uma vez chegara a hora decisiva de Tiff. Thora voltara a ser mergulhada num sono profundo. A arcônida estava imobilizada

na cama de rodas, presa por cintos de couro, para que não caísse caso houvesse um movimento inesperado.

Wuriu Sengu, o espia, um homem que pela simples força de sua vontade sabia enxergar através da matéria compacta, era, além de Gucky, o único membro do exército de mutantes que não havia contraído a doença. Naquele momento, usava o uniforme simples que o identificava como membro do exército de mutantes da Terceira Potência de Rhodan. Tiff também estava uniformizado. Não tinham a menor intenção de ocultar sua identidade.

No pequeno hangar da Titan em que a Gazela havia sido abrigada, foram discutidos os últimos detalhes. A Gazela era uma nave de reconhecimento de longa distância que tinha o formato de um disco. Seu diâmetro era de apenas trinta metros. No ponto em que ficava a nodosidade central, a altura chegava a dezoito metros. Todavia, essa pequena nave podia vencer três anos-luz com um único hipersalto e tinha um raio de ação relativo de quinhentos anos-luz.

Rhodan puxou Tiff para o lado. — Compreendeu o seu papel, Tiff? — Muitas vezes será difícil trair o senhor. — Acontece que sua tarefa será precisamente esta. Nunca se esqueça deste detalhe.

Acompanhe todas as palestras com o pensamento, a fim de manter Gucky informado sobre o que estiver acontecendo. Especialmente quando os aras estiverem falando, repita mentalmente suas palavras. Só assim Gucky estará em condições de acompanhar as palestras.

— Faço votos de que nada aconteça a Thora. — Não se preocupe, Tiff. Os aras conhecem perfeitamente o valor do refém que

acreditarão ter em mãos. Por outro lado, farão questão de provar ao senhor que possuem excelente capacidade no terreno da medicina. O senhor vai ver, tudo acabará bem, conforme planejamos. Sim, está na hora. Boa sorte, Tiff. Até a vista.

— Até a vista. E que seja quanto antes — respondeu Tiff e empertigou o corpo magro.

Um brilho resoluto surgiu em seus olhos cinzentos. Abaixou-se e acariciou o pêlo de Gucky:

— Faça um trabalho bem feito, meu chapa. Quando eu voltar, apareça. Cocarei sua nuca durante meia hora.

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— Bell já me cocou durante cinco horas — disse o rato-castor em tom de desprezo. — De qualquer maneira, meia hora é melhor que nada. Crest deu uma pancada no ombro de Tiff. — Boa sorte, tenente. Cuide bem de Thora. — Serei seu anjo da guarda — prometeu Tiff e subiu no passadiço. Sengu já o

aguardava. Acenou com a mão e a escotilha se fechou. A Gazela estava pronta para decolar. Rhodan, Crest e Gucky saíram do hangar e

voltaram à sala de comando. Acompanharam os acontecimentos pela tela de imagem. Durante trinta segundos não aconteceu nada. De súbito a Gazela penetrou rapidamente no campo de visão, vinda do lado direito. Com uma aceleração tremenda aproximava-se do sol distante. De um instante para outro desmaterializou-se. E, simultaneamente, sairia do hiperespaço a três meses-luz. Depois pousaria em Aralon.

O resto não passava da mais pura especulação. E de uma sorte imensa, se tudo corresse de acordo com os planos.

* * *

Tiff não se sentia nada bem. Ninguém sabia qual seria a reação dos aras quando uma nave estranha pousasse em

seu mundo central. Sem dúvida, eram considerados um povo pacato. Isso não significava que não saberiam defender-se, especialmente quando seus interesses estavam em jogo. De qualquer maneira, fizeram uma tentativa de submeter os habitantes do planeta Zalit ao seu controle, por intermédio dos moofs, que eram seres dotados de poderes sugestivos, a fim de destruir o cérebro robotizado instalado em Árcon e dominar o Império. Dali se concluía que os aras não eram tão inofensivos e livres de ambição como fingiam ser.

Quando a Gazela voltou a materializar-se, encontrava-se a vinte minutos-luz de Aralon. Desenvolvendo a velocidade da luz, dirigiu-se ao planeta e começou a desacelerar.

Tiff teve tempo para orientar-se através da visão ótica. Aralon estava bem na sua trajetória. Era uma estrela cintilante que crescia a cada segundo que passava.

Sengu ergueu-se do leito. Aproximou-se de Tiff e olhou para a tela. — Quando descobrirão nossa presença? — perguntou em tom preocupado. Tiff deu de ombros. — Não faço a menor idéia. Isso depende do seu sistema de comunicações. É bem

possível que nossa imagem já esteja em suas telas. — Quer que coloque o aparelho de rádio na recepção? — Isto nunca seria um erro. Talvez consiga estabelecer algum contato. Se isso

acontecer, não responda; deixe por minha conta. O japonês confirmou com um aceno de cabeça e passou a lidar com os aparelhos de

rádio. Os minutos foram passando; transformaram-se em meia hora. A velocidade já fora reduzida bastante. A Gazela deslocava-se a pouco menos de

mil quilômetros por segundo. Aralon era um planeta verde formado por continentes e oceanos. Lembrava a Terra distante.

No receptor de ondas normais, havia uma confusão de centenas de vozes. Sengu não entendeu uma palavra. A língua usada geralmente era o intercosmo, o idioma do Império Arcônida. Todas as mensagens estavam codificadas.

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Tiff lançou um olhar para as telas laterais, e viu duas naves cilíndricas que se aproximavam velozmente da Gazela. Antes que tivesse tempo de refletir sobre o que devia fazer, já tinham passado. Descreveram uma curva para a esquerda e, tal qual a Gazela, tomaram a direção de Aralon.

Tiff nunca vira uma coisa dessas. Aproximavam-se do planeta desconhecido, altamente civilizado, e ninguém lhes

dava a menor atenção. Não teve tempo para refletir sobre o fenômeno, sobre o qual Gucky já devia estar

informado, se não estivesse dormindo naquele momento. Infelizmente não havia possibilidade de receber mensagens por meio do transmissor implantado em seu corpo. Este só permitia comunicações em sentido único.

Mais três naves se aproximaram, vindas da direita. Também tinham o formato de cilindro. Passaram pela Gazela e, desenvolvendo uma velocidade tremenda, precipitavam-se em direção a Aralon. Pela tela amplificadora, Tiff constatou que se acercavam do continente principal e se preparavam para pousar.

— O tráfego por aqui é muito intenso — disse em tom indiferente, dirigindo-se a Sengu, que acompanhara a passagem das naves com o queixo caído. — Se isso não é uma camuflagem, não nos darão muita atenção.

Ainda não desconfiava quanto essa suposição se aproximava da verdade. Um vôo em torno do planeta bastou para localizar o porto espacial. Era uma área

livre coberta de plástico. Seu formato era quase circular e o diâmetro devia ser superior a trinta quilômetros.

Tiff nunca vira nada parecido fora de Árcon. As naves enfileiravam-se no campo de pouso. Eram esferas enormes do tipo

arcônida, gigantes cilíndricos e torpedos que subiam em direção ao céu. Mais de dez mil naves de centenas de tipos diferentes! As idas e vindas ininterruptas eram tão perturbadoras que Tiff teve a impressão de estar sonhando. Era mais ou menos assim que os autores fantasiosos imaginavam um espaçoporto do futuro. E todos haviam zombado deles. E agora viu que a fantasia desses autores nem sequer se aproximava da realidade.

À medida que baixava, a impressão se tornava mais intensa. As fileiras de naves se estendiam junto a verdadeiras ruas. Carros velozes corriam de um lado para outro, estabelecendo a comunicação com os edifícios que cercavam o campo de pouso em forma de anel.

Tiff continuou a descer. Descobriu um lugar livre, em que havia espaço para sua Gazela. Teve a impressão de ser um anão no meio de gigantes quando tocou suavemente o solo e desligou os propulsores.

Nenhum dos gigantes parecia ter notado sua presença. Ninguém se preocupou com ele. Era como se na Terra tivesse estacionado seu carro numa vaga, em meio a milhares de veículos.

Seu vizinho era uma nave cilíndrica com mais de trezentos metros de altura. Tiff viu alguns tripulantes descerem de elevador e entrarem num carro que os esperava. Nem sequer se dignaram a olhar para o disco.

Não conseguiu orientar-se naquela floresta de monstros metálicos. Recorreu aos instrumentos de bordo para calcular a posição aproximada dos edifícios compridos e embandeirados que vira pouco antes do pouso. Acreditava que deviam ser uma espécie de recepção.

Sengu não tirava os olhos espantados das inúmeras naves espaciais. Naquele instante, estaria calculando que o número dos pousos e decolagens chegaria, em média, a

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cinqüenta por minuto. Não se percebia a existência de qualquer tipo de controle. Talvez os aras julgassem isso tão ridículo como se na Terra alguém procurasse orientar pelo radar os automóveis que quisessem estacionar.

— Isto é uma coisa inconcebível! — gemeu Tiff e não compreendeu mais nada. — Então é assim que as coisas se passam num mundo realmente civilizado. Se me lembro que ainda há vinte anos, a simples decolagem de um foguete causava uma sensação bem maior...

— Os tempos mudam. E mudam muito depressa — disse Sengu, resumindo as idéias que lhe iam pela mente. — Aliás, o carro que deverá levar-nos já está chegando — enxergava através das paredes da Gazela. — Quer dizer que isto não é tão desorganizado como se poderia pensar.

— Um carro? — Isso mesmo. Vem sem motorista. Está sendo teleguiado. Tiff sacudiu a cabeça, mas logo se controlou. — Deixaremos Thora no camarote. Fecharemos a escotilha de entrada, para que

ninguém possa entrar. Se bem que não acredito que por aqui alguém esteja ansioso para roubar uma nave. Embora o furto talvez não fosse notado. Não levaremos armas. Afinal, a raça com que devemos entrar em contato é pacata.

Proferiu estas palavras com certa amargura na voz, enquanto bloqueava todos os controles. O camarote de Thora foi trancado. Fazia pouco tempo que a arcônida havia recebido uma injeção nutritiva. Estava dormindo. Saíram da Gazela, trancaram a escotilha e saltaram para o solo duro e liso.

O carro estava parado a alguns metros, aguardando-os com a porta aberta. O lugar do motorista estava ocupado por um painel automático. No assento de trás, havia lugar para seis pessoas.

Mal estavam sentados, a porta fechou-se silenciosamente. O veículo pôs-se em movimento, correu pela estrada espacial, dobrou para a esquerda e aumentou de velocidade.

A distância até a extremidade do campo espacial devia ser de vinte quilômetros, se fosse mantida a mesma direção. Tiff teve trabalho de sobra para transmitir a Gucky as impressões que desabavam sobre ele. Naquele instante, gostaria de ver o rosto do rato-castor.

Durante a viagem vertiginosa, Tiff não pôde fornecer uma descrição detalhada dos diversos tipos de nave. Contentou-se com um relato geral, e com o tempo adquiriu uma certa prática em constatar e transmitir as principais diferenças.

Sengu logo se cansou da visão monótona. Recostou-se no assento e fechou os olhos. Depois de dez minutos de viagem, o espaço entre as naves foi aumentando, até que

o resto do campo de pouso se estendeu diante dos olhos dos terranos. O carro seguiu diretamente para o edifício alongado com as bandeiras, que Tiff já havia observado do alto.

Atravessaram uma barreira. Surgiu Uma longa fila de carros parados numa espécie de área de estacionamento. Encontraram uma vaga. O veículo, que parecia ser dirigido por uma mão invisível, a ocupou. As portas abriram-se. Tiff fez um sinal para Sengu. Desceram. Ninguém exigiu qualquer pagamento. Aliás, Tiff não tinha certeza se o autômato se contentaria com a moeda arcônida, que Crest Ilhes entregara por precaução.

— E agora? — perguntou Sengu perplexo. A profusão de naves fora substituída por uma quantidade enorme de veículos estacionados. — Para onde vamos?

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Tiff ajeitou o uniforme. Conseguiu esboçar um sorriso débil e apontou para o edifício mais próximo.

— Para lá. Diante do edifício havia um grande movimento. Humanóides entravam e saíam. Por

mais de uma vez, Tiff reconheceu figuras não-humanas, mas em virtude da distância não lhe foi possível identificá-las. Um moof guardado num recipiente pressurizado passou por eles e foi introduzido no edifício que tinha o aspecto de repartição oficial. Alguns degraus largos e coloridos levavam a um portal, atrás do qual se viam certa instalações que tinham o aspecto de guichês.

Tiff retribuiu o cumprimento de cabeça de um homem alto, que parecia ter mais pressa do que eles. Quem seria? Um saltador? Ou pertenceria a outra raça aparentada com os arcônidas?

Caminhando lentamente e com um sinal cada vez maior de insegurança relativa os dois terranos aproximaram-se do edifício. Ali saberiam se a teoria de Rhodan combinava com a prática.

Um homem robusto de menos de um metro de altura, que envergava um traje espacial fechado, aproximou-se, lançou-lhes um olhar perscrutador. Depois prosseguiu no seu caminho. Tiff teve a impressão de ter visto atrás da lâmina do visor um rosto um formato de sapo, envolto por uma atmosfera verdecenta.

— Aqui é o ponto de encontro de todas as raças da Galáxia — cochichou para Sengu, que observava os arredores com os olhos semicerrados. — Nunca imaginaria que uma coisa destas realmente pudesse existir.

— Aqui o movimento é bem maior que em Árcon — disse o japonês. — Isto se parece mais com a capital de um império.

Era uma observação amarga e objetiva, cuja justeza não poderia ser contestada. Tiff reconheceu o fato em seu íntimo. Finalmente viu os primeiros aras.

Eram descendentes de colonos arcônidas, tal qual os saltadores ou mercadores galácticos. Tinham mais de dois metros de altura e eram albinos. A pele despigmentada, os cabelos brancos e os olhos vermelhos provavam esse fato. Eram de uma magreza inimaginável; pareciam feitos exclusivamente de pele e ossos.

Três dos aras lançaram olhares curiosos para os terranos, mas não demonstraram maior interesse. Usavam capas brancas com sinais dourados na altura do peito. Seu andar grave e altivo dava mostras de uma sensação de autoconfiança e superioridade.

— Eles não são nem um pouco convencidos — murmurou Sengu quando os três estavam fora do alcance de sua voz. — Para que servem essas capas brancas?

— Talvez sejam médicos — conjecturou Tiff em tom pensativo. — A presença deles num porto espacial não seria nenhuma surpresa.

Chegaram aos degraus que davam para o portal e entraram com mais alguns humanóides. Alguém teria de interessar-se por eles.

À direita e à esquerda enfileiravam-se os guichês, atrás dos quais estavam sentados aras femininos que pareciam responder a perguntas que lhes eram formuladas. Pareciam conversar com os fregueses que se encontravam diante dos guichês. Empurravam os papéis de um lado para outro e preenchiam formulários.

Os três aras de capa branca passavam pela multidão, olhando atentamente para todos os lados. Parecia que procuravam alguma coisa. Finalmente retiraram-se por uma porta situada na parte dos fundos.

Tiff deu uma pancadinha em Sengu e dirigiu-se ao guichê mais próximo. Uma bela ara lançou-lhes um olhar bastante interessado.

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Tiff pigarreou. Antes que tivesse tempo para abrir a boca e formular uma pergunta, a moça disse em intercosmo:

— Aqui está seu formulário. Faça o favor de preenchê-lo. Tiff pegou a folha de papel dobrada e por alguns segundos ficou perplexo,

examinando os caracteres que já lhe eram conhecidos. Aprendera a língua dos arcônidas através do processo hipnótico. Não teria a menor dificuldade em responder às perguntas constantes do formulário.

“Resta saber se devo responder a todas as perguntas”, pensou. Fez um sinal para a moça e juntamente com Sengu dirigiu-se a uma das inúmeras

mesas espalhadas pela sala. Um instrumento de escrita protegido por um dispositivo magnético estava à disposição do visitante.

“Quer dizer que aqui fizeram a mesma experiência que na Terra”, pensou Tiff com certa alegria. Colocou o formulário sobre a mesa, segurou a caneta e ficou perplexo com a primeira pergunta, colocada logo após o espaço reservado aos dados relativos ao nome, planeta de origem e o motivo da vinda:

1) De que tipo é a doença que o trouxe a Aralon?

(Indicar a designação local ou descrever os sintomas.) Sengu olhou por cima do ombro de Tiff e fez uma careta. — Será que essa gente acredita que todo astronauta é um doente? Tiff não respondeu. Continuou a ler:

2) Deseja obter tratamento direto seguido de alta imediata, ou planejou um tratamento mais prolongado?

3) Indique o tipo de tratamento desejado. 4) Está vinculado ao seguro-saúde Arakos ou a

qualquer outro seguro? (Favor fornecer indicações precisas.)

Tiff levantou a cabeça e seu olhar encontrou o de Sengu. — Acho que fui ao guichê errado — murmurou com a voz insegura. — Talvez

aquilo seja uma seção especial para astronautas doentes. — Pois vamos tentar em outro guichê — sugeriu o japonês. Tiff dobrou o formulário, o enfiou no bolso e, com uma expressão de indiferença no

rosto, dirigiu-se a um guichê que acabara de ficar livre. Sem olhá-lo, a ara, bela mas muito magra, empurrou-lhe outra ficha. Tiff pegou-a, embora já soubesse que era absolutamente igual à que recebera antes.

Começou a desconfiar da verdade. Voltaram à escrivaninha. Tiff pegou a caneta e começou a preencher o formulário. Nome: Thora da família Zoltral. Sistema de Árcon. Espécie de doença: hipereuforia. Local do adoecimento: Planeta Honur, sistema de Thatrel. Classe: Primeira. Seguro: Paciente particular. Espécie de tratamento: Direto, com alta imediata.

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Sengu ficou sacudindo a cabeça e olhou cautelosamente para todos os lados. Aquilo começava a deixá-lo apavorado. Ninguém se interessava por eles. Naquele recinto, as pessoas se comprimiam como numa feira. O japonês viu aras em capas brancas, que passavam devagar e em atitude altiva por entre os recém-chegados, examinando-os. Por vezes, dirigiam-se a eles, conversavam um pouco e seguiam seu caminho.

— Tiff, não estou compreendendo. Onde estamos? O que está acontecendo por aqui? Será que enlouquecemos?

Tiff colocou sua assinatura embaixo do formulário e piscou para Sengu. — Não enlouquecemos coisa alguma, meu caro. Quer saber o que está acontecendo

aqui? Pois é muito simples. Acabamos de pousar em Aralon, mundo central dos aras, que são uma raça formada exclusivamente por médicos e o respectivo pessoal auxiliar. Por isso, seria mais que natural que transformassem o planeta num único hospital. É isso mesmo, Sengu. Este pavilhão é a recepção do hospital. Qualquer pessoa que venha para Aralon está doente, quer ser curada. Acontece que a cura só pode ser encontrada neste lugar, que é a fonte de todas as doenças. Os aras querem viver, e vivem das doenças dos outros.

Parecia que uma venda caía dos olhos de Sengu. Os aras de capa branca eram médicos que caminhavam à toa, olhando os novos pacientes. Os numerosos guichês faziam a triagem dos recém-chegados segundo a espécie da doença e o poder aquisitivo do paciente.

Um planeta-hospital. — Isso... isso é uma coisa inconcebível. — Será mesmo? Pois eu acho isto mais que natural. Deveríamos ter sabido antes de

pousarmos. Bem, preenchi o formulário para Thora. Vamos entregá-lo e aguardar os acontecimentos.

— E nós? Será que não precisamos fazer algum registro? — Ao que parece não existe nenhuma obrigatoriedade de registro para as pessoas

sadias. É bem provável que uma pessoa sadia não permaneça em Aralon mais tempo que o absolutamente necessário. Trazem os amigos ou parentes doentes e dão o fora. Mais tarde vêm buscar o paciente curado. É um sistema muito simples, e provavelmente também muito lucrativo. Todo um planeta vive disto.

Um sorriso ligeiro e frio surgiu em seu rosto. Segurou o formulário, e caminhou em direção ao guichê mais próximo. Sengu seguiu-o. Tinha uma sensação estranha na região do estômago.

A ara pegou o formulário, passou os olhos e dirigiu-se a Tiff com um sorriso amável.

— Essa Thora da família Zoltral é sua parenta? A voz revelava certa dúvida. Qualquer um perceberia imediatamente que Tiff e

Sengu não eram arcônidas. No Império de Árcon havia tantas raças que a ara não poderia ter a menor idéia sobre a raça a que pertenciam os visitantes.

— É claro que não. Apenas a trouxemos a pedido da família. A moça confirmou com um aceno de cabeça e lançou uma observação no

formulário, antes de colocá-lo na mesma. Ainda não se deu por satisfeita. Sorriu mais uma vez, inclinou-se para a frente e fitou os olhos de Tiff, como se procurasse uma resposta.

— Não tenho nada com isso, mas gostaria de saber de que sistema é o senhor. Não deve ser de Heroinka.

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Tiff sacudiu a cabeça com tamanha Torça que qualquer um acreditaria que para ele Heroinka era o inferno.

— Venho do planeta Terra, sistema Sol! — disse em tom indiferente. — A senhora o conhece?

Igual a Tiff, a moça sacudiu a cabeça violentamente. — Nunca ouvi falar. Ainda não tivemos nenhum paciente de lá. Onde fica? Tiff deu de ombros. — Fica muito longe, a milhares de anos-luz. A moça fitou Tiff com os olhos arregalados. Depois soltou uma risada melódica.

Naquele instante, era bela e engraçadinha. — O senhor está brincando. Não existe nenhum sistema que fique a mais de cento e

quinze anos-luz daqui. Tiff sabia que o conceito de ano-luz era quase idêntico ao da Terra. O planeta

completava sua órbita em torno do astro central num período de trezentos e oitenta dias. — Ao menos não existe nenhum sistema pertencente ao Império. — A Terra — disse Tiff, falando devagar e com certa ênfase — não pertence ao

Império. A ara parou de rir. Escreveu algumas observações no formulário e atirou-o numa

caixa metálica. Ouviu-se um chiado, e formulário desapareceu. Abriu uma gaveta, tirou um disco metálico e entregou-o a Tiff. — Com isto o senhor pode pagar a uma ambulância que tirará Thora de sua nave.

Será levada automaticamente ao local indicado. Entregue a paciente e volte à sua nave. Desejo-lhe uma longa vida.

Dirigiu-se ao próximo visitante, que era uma coisa disforme com um traje pressurizado e uma máscara.

Tiff arrastou Sengu consigo. O disco metálico desaparecera no seu bolso. Quando se viram do lado de fora, respiraram aliviados. O ar era puro e tépido. Lembrava um dia de primavera na Terra.

— Como é difícil chamar a atenção de alguém num lugar como este — disse Tiff em tom preocupado. — Até parece um hospital da Terra. Ali também se pode entrar sem que ninguém lhe pergunte quem é e o que deseja. Isso num grande hospital, naturalmente. Mas experimente entrar num edifício de apartamentos. Todo mundo o olhará e perguntará quem é você e com quem quer falar. E o planeta em que nos encontramos forma um hospital. Não é de admirar que nem queiram saber quem somos. O que lhes interessa é que tragamos um paciente e o respectivo dinheiro...

— O que vamos fazer? Não podemos entregar Thora e voltar sozinhos. — Não tenho a menor intenção de fazer isso. A moça já colocou algumas

informações no formulário. Na central, que reúne todas as informações, começarão a desconfiar. Especialmente quando lerem a referência à Terra.

— Acredita que já ouviram falar no planeta Terra? Tiff acenou com a cabeça. — De qualquer maneira desconfiarão. Tanto faz que nunca tenham ouvido falar em

nosso planeta, ou que disponham de informações que não poderão ser nada tranqüilizadoras. Estarão muito interessados em travar conhecimento conosco. Aposto que já nos estão esperando no lugar para onde Thora será levada.

Perto do parque de estacionamento que já haviam visto encontraram outro. Havia por ali veículos dos mais variados tipos, capazes de abrigar pacientes de todas as espécies. Um deles tinha o formato de grande aquário e estava cheio de água. Tiff tinha

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uma fantasia bastante ativa para imaginar como seria o paciente transportado nesse veículo.

Tirou o disco metálico do bolso e examinou-o mais detidamente. Possuía uma marcação. A marcação, também redonda, que se via nas paredes laterais do aquário transportável, não era idêntica à de sua ficha.

Não demoraram em encontrar o carro destinado a eles. Lembrava uma ambulância como qualquer outra. No lugar da maçaneta, havia uma fenda. Embaixo, o desenho da moeda.

— É uma coisa bem bolada — murmurou Tiff. — Até mesmo um analfabeto não teria a menor dificuldade em orientar-se num lugar como este.

Enfiou tranqüilamente a ficha na fenda. A porta abriu-se silenciosamente, como se uma mão de fantasma a movesse.

Entraram. A porta fechou-se, e o carro foi posto em movimento. Saiu para o campo espacial e dirigiu-se para a rua larga que passava entre as naves estacionadas.

— Como é que o condutor automático vai saber onde fica nossa nave? — perguntou Sengu com certo ar de triunfo. — Não existe a menor indicação sobre o lugar em que a Gazela se acha estacionada. Será que existe uma explicação lógica?

— Acho que existe — respondeu Tiff e viu as naves gigantescas aproximarem-se com uma rapidez vertiginosa. Não se sentia o menor abalo. — Afinal, fomos apanhados por um carro. O cérebro positrônico registrou a rota percorrida. Basta solicitá-la, e o minúsculo cérebro robotizado do automóvel fornece os dados, que são introduzidos na programação da ambulância. Como vê, é muito simples.

O japonês desistiu. Sem dizer uma palavra, resolveu aguardar os acontecimentos. Quando o carro parou suavemente bem embaixo da escotilha de entrada da Gazela, limitou-se a soltar um ronronar de aprovação.

Thora estava acordada. Sorriu para os dois homens, sem compreender o que estava acontecendo. Como as correias a prendessem à cama, Tiff não achou necessário pô-la a dormir de novo. Por meio do antígravo portátil tiraram a cama do camarote, levaram-na pelo estreito corredor e finalmente a colocaram no automóvel que os esperava. A escotilha de entrada voltou a ser fechada. Quando os dois homens haviam entrado, as portas do veículo se fecharam e este voltou a colocar-se em movimento.

Desta vez seguiu uma rota diferente.

* * *

Saíram do campo de pouso. Após quinze minutos, chegaram a uma estrada larga que começou a descer lentamente, penetrando num túnel que mergulhava sob a superfície de Aralon.

A modificação provocou sentimentos um tanto ambíguos na mente de Sengu. — Será que isso não é uma armadilha, Tiff? Por que iriam construir o hospital

embaixo do solo? Tiff estava com os olhos semicerrados. — Não sei mas posso imaginar. Os aras não apreciam a luz do sol. Não se esqueça

de que são albinos. Conforme o tipo do paciente, preferirão que o hospital fique no subsolo. Acredito que seremos levados em primeiro lugar a um posto de triagem.

Nenhum carro os ultrapassou, mas alguns vieram ao seu encontro. A cada quinhentos metros, estradas mais estreitas saíam para a esquerda e para a direita. As lâmpadas redondas presas ao teto a intervalos regulares espalhavam uma luz mortiça.

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Subitamente o veículo reduziu a velocidade. Dobrou para a direita e desenvolveu maior velocidade.

— Não demorará muito para sabermos a quantas andamos — conjecturou Tiff. — Ficarei satisfeito quando esta incerteza tiver chegado ao fim.

— Eu também — murmurou Sengu, mas o tom de sua voz não parecia muito convincente.

Mais adiante, viu-se uma luz mais intensa. O veículo saiu do túnel, passou por uma grande praça, subiu numa rampa estreita e parou diante de uma porta. Depois de alguns segundos, esta se abriu como se estivesse sendo controlada pelos espíritos. O carro voltou a deslocar-se e estacou num pavilhão profusamente iluminado, no qual desembocavam vários corredores.

Tudo reluzia de limpeza. Aras em capas brancas andavam apressadamente de um lado para outro, conversavam animados, lançavam olhares rápidos para o centro e tornavam a desaparecer.

Cinco aras se aproximaram, vindos de outra direção. Ficaram parados junto ao carro. Seus rostos sérios pareciam um prenúncio do que os esperava, mas talvez fosse apenas uma ilusão de Tiff.

Um deles atirou uma ficha no registro automático, e a porta da ambulância! abriu-se. — Os senhores estão trazendo a paciente Thora de Árcon? — perguntou um dos

aras e lançou um olhar indagador para Tiff. Este confirmou com um aceno de cabeça. — Correto — reconheceu e desceu do carro com as pernas duras, procurando

movimentar os pés. — Esta é a seção destinada aos doentes que sofrem de hipereuforia? O ara não reagiu à pergunta. — Quem é o senhor? — Sou o tenente Tifflor, do planeta Terra, sistema Sol. Não sei se isto lhe diz

alguma coisa. — E aquele ali? — É Wuriu Sengu; também vem da Terra — informou Tiff. O ara acenou com a cabeça, como se estivesse ouvindo alguma coisa que já sabia há

muito tempo. — Então é o planeta Terra — murmurou satisfeito. — Bem que nós

desconfiávamos. Tiff não conseguiu reprimir mais a curiosidade. — Já ouviu falar no planeta Terra? Será que poderia me dizer quando foi isso? — O senhor ainda terá oportunidade para conversar conosco. Siga-nos. Tiff apontou para o carro. — E Thora? Está doente e precisa de assistência imediata. — Cuidaremos dela; não se preocupe. A peste de nonus é uma doença infecciosa

relativamente simples. Amanhã sua paciente nem se lembrará mais de que já esteve doente. Mas não vamos perder mais tempo. Acompanhe-nos; precisamos conversar com o senhor.

Tiff ainda estava hesitando. Não gostou nem um pouco da idéia de deixar Thora só. Mas não lhe deram oportunidade de empregar outras táticas de retardamento. A um sinal do ara, quatro homens robustos aproximaram-se. Em comparação com os outros nativos do planeta Aralon, eram verdadeiros atletas. Tiff e Sengu foram agarrados por dois deles. Sem a menor consideração, torceram os braços dos homens surpresos e empurraram-nos rapidamente em direção a uma porta.

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O japonês fez menção de defender-se, mas Tiff lhe disse: — Não faça isso, Sengu. Em primeiro lugar, precisamos saber o que desejam de

nós. Não se defenda. Uma porta foi aberta. Os quatro indivíduos robustos empurraram suas vítimas para o

interior da sala, e continuaram segurando-os. Três dos cinco médicos os seguiram. Atrás de uma mesa larga estavam sentados mais três aras com as costumeiras capas

brancas. Olharam Tiff e Sengu com uma enorme curiosidade. — Poderiam fazer o favor de explicar o que significa isso? — disse Tiff em tom

enérgico. — Nós lhes trazemos uma paciente e os senhores nos tratam como se fôssemos criminosos.

O mais velho dentre os aras acenou lentamente com a cabeça e lançou um olhar para a pilha de documentos que se encontrava diante dele. Voltou a levantar a cabeça e seus olhos vermelhos e inexpressivos fitaram Tiff.

— Pois é justamente isso. Os senhores só nos trazem uma paciente. Pelas informações que recebemos, deve haver algumas centenas. O que houve com os outros?

É claro que Tiff não estava preparado para esta pergunta. Levou alguns segundos para responder:

— Talvez eu tenha um interesse pessoal apenas na cura de Thora. O velho inclinou-se para a frente. — Será? — voltou a folhear os documentos. — Os senhores vêm da Terra, um

planeta que fica a mais de trinta mil anos-luz e que ainda não teve qualquer contato com o Império. Seu comandante é Perry Rhodan, que por várias vezes entrou em choque com os mercadores galácticos. Por que acha que devíamos ter interesse em ajudar os inimigos de nossos amigos?

Por pouco Tiff não responde: Porque vocês os fizeram adoecer. Mas conseguiu controlar-se.

— Quem lhe disse que Thora é amiga de Rhodan? — perguntou. — O que dizem suas informações, além disso?

— Bastante coisa — resmungou o velho. — O senhor deve estar lembrado de que em certo planeta que os saltadores costumam chamar de Goszul, Rhodan provocou artificialmente uma epidemia a fim de apoderar-se do mesmo. Será que já está esquecido disso? Não deixará de confessar que é um método bastante condenável. Os saltadores doentes vieram para Aralon, em busca de auxílio. Foi assim que descobrimos. Felizmente tratava-se de doença infecciosa auto-curável. De qualquer maneira, essa história granjeou uma fama triste para Perry Rhodan. Já sabemos quem são os terranos.

Tiff não estava disposto a ficar calado por mais tempo. — Então já sabem quem somos? — fungou e de um golpe livrou-se das mãos dos

dois guardas. — Não preciso de vigia, seus fracalhões. Dirigindo-se novamente ao velho sentado atrás da mesa, prosseguiu: — Rhodan aplicou o mesmo método que representa o fundamento da existência dos

aras, não é? Por isso ficaram tão aborrecidos. Ou será que vocês pretendem negar que costumam espalhar pela Galáxia os germes mais perigosos, para lucrar na cura dos seres atacados pelas epidemias? Se não fossem os aras, já não haveria doenças, e vocês teriam que trabalhar de verdade para poderem viver. É assim que se pensa por aqui. No entanto, uma raça inteligente sempre teria um campo bastante amplo para o trabalho e a pesquisa. A vida artificial, a vida eterna, a eliminação da morte física... a lista não tem fim. Em vez

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disso, o que é que vocês preferem fazer? Fomentam as doenças para que este hospital nunca fique vazio. Então, o que me diz, meu velho?

O albino sentado atrás da mesa ouvira-o atentamente sem demonstrar a menor emoção. Confabulou em voz baixa com os colegas. Depois olhou para Tiff.

— Por que procura irritar-me? Quer descobrir alguma coisa? Rhodan quer descobrir alguma coisa que ainda não sabe?

— Rhodan! — Tiff proferiu este nome com tamanho desprezo que ele mesmo se assustou. — O que tenho que ver com Rhodan? Pois é ele que quer conservar Thora para si. Para ele, a doença veio muito a propósito. Os senhores conhecem os sintomas da hipereuforia, que é o nome que costumamos dar ao sorriso eterno. Serei franco com os senhores...

— Meu nome é Themos. Sou chefe deste setor e diretor científico dos laboratórios ligados ao mesmo. Prossiga.

— Era o que eu pretendia fazer, Themos. Vim contra a vontade de Rhodan. O senhor acredita que ele me teria mandado para cá não trazendo mais ninguém senão Thora? O senhor já percebeu, não é?

— Por que resolveu trazer-nos Thora contra a vontade de Rhodan? — Eu... bem, quis prestar-lhe um serviço, Themos. Tenho vários motivos para isso.

Thora é muito poderosa e poderá ajudar-me a progredir na vida, caso se sinta obrigada para comigo. Além disso, poderia convencê-la de que, para mim, sua vida é mais preciosa que para Rhodan.

Themos inclinou-se para a frente e lançou um olhar perscrutador para Tiff. — Pretende trair Rhodan? Como posso saber que não está mentindo? — Acredite ou deixe de acreditar. A decisão depende exclusivamente do senhor.

Cure Thora, se puder, e eu lhe demonstrarei minha gratidão. O velho contemplou Tiff por algum tempo. Depois olhou para Sengu, que

demonstrou um interesse surpreendente pelo solo em que estava pisando. Depois voltou a conversar em voz baixa com os outros aras.

Tiff teve tempo para enviar uma mensagem telepática a Gucky. A conferência inaudível demorou quase dez minutos. Finalmente Themos tornou a

falar: — Curaremos de Thora, mas por enquanto não podemos permitir que voltem à sua

nave. Serão nossos hóspedes. Dar-lhes-emos um quarto que não poderão deixar sem licença especial. Acreditamos que não se oporão a uma revista pessoal; queremos verificar se estão portando armas ou qualquer aparelho de comunicação.

No seu íntimo Tiff aborreceu-se com a medida; todavia, não havia meio mais eficiente para convencer os aras de que ele e Sengu eram criaturas inofensivas. Na verdade, não possuíam qualquer arma ou aparelho de comunicação visível. Depois de se convencerem disso, os aras relaxariam sua vigilância.

— É claro que não temos a menor objeção — disse Tiff com a maior tranqüilidade. — Façam o que quiserem, se isso os deixa mais calmos. Mas não gosto de ficar trancado num quarto. Quero saber o que está acontecendo com Thora. Será que realmente estão em condições de curá-la?

— Empenho minha palavra de cientista para garantir a cura — asseverou Themos com certo orgulho. — Afinal de contas a peste de nonus é uma doença bacilar criada por mim, e é claro que o respectivo antídoto também foi descoberto por mim. Amanhã Thora já estará boa — lançou um olhar penetrante para Tiff. — Aliás, ela sabe onde e por que foi infectada?

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— Como poderia saber disso? Só quando estiver curada será capaz de compreender ou de se lembrar de alguma coisa. Árcon não ficará muito satisfeito com seus métodos de causar doenças.

Themos esboçou um sorriso frio. — Providenciaremos para que Árcon nunca saiba disso. Uma vez que, segundo

afirma, o senhor é contra Rhodan, o senhor não contará nada a Thora e aos demais arcônidas, não é verdade?

Tiff não respondeu. De repente Sengu disse: — Seus laboratórios ficam bem embaixo da superfície, abaixo deste setor do

hospital, não é verdade? Themos acenou com a cabeça; parecia perplexo. — Como é que o senhor sabe disso? Todas as nossas instalações ficam abaixo do

solo, porque com o tempo o sol produz efeitos bastante desagradáveis. — Ao menos para os albinos — disse Tiff com certa ênfase. Themos não parecia ofender-se com isso. — Sim, é isso — confirmou em tom indiferente. — É por esse motivo que

permanecemos na superfície o menos possível. Sendo assim, não é por maldade que insistimos em que por enquanto fiquem aqui embaixo. Terão de aguardar nossa decisão. O grande conselho médico de Aralon cuidará do assunto nas próximas semanas. Tiff inclinou-se para a frente.

— O senhor falou em semanas? Acha que tenho tanto tempo? — Será que não tem tempo? — perguntou Themos em tom desconfiado. — Quem

poderia estar esperando pelo senhor, já que não tem a intenção de voltar para junto de Rhodan?

Tiff mordeu o lábio. — Quero levar Thora e meu amigo a um sistema isolado, que possua um planeta

bastante idílico. É lá que Thora e eu vamos nos casar. — Será? — Themos parecia surpreso. — Um certo Etztak me disse que entre

Rhodan e a tal da Thora existe um certo relacionamento... Bem, digamos, que existe um relacionamento amistoso. O que dirá Rhodan quando souber dos seus planos?

— O problema não é meu — respondeu Tiff em tom indiferente. Naquele momento, gostaria de ver o rosto de Rhodan, se Gucky o estivesse informando sobre o curso da palestra. Os planos não previam uma troca de idéias tão chocante. — Não veremos Rhodan nunca mais.

— Tenho certeza absoluta de que não o reverão, quer o estejam traindo, quer não — disse Themos com a voz fria e levantou-se. — Mas chega de conversa. Vamos agir. Serão levados aos seus quartos e revistados lá mesmo. Não ofereçam resistência e não terão problemas. Amanhã realizaremos um exame médico. Não se preocupem; é apenas uma questão de rotina. Depois disso, poderão cumprimentar uma Thora restabelecida. Então veremos o que ela acha dos seus projetos de casamento. Para o bem do senhor, faço votos de que se sinta muito feliz...

Tiff percebeu a ameaça que havia nessas palavras. Porém não teve tempo para imaginar com clareza os mal-entendidos que certamente surgiriam. Quatro braços robustos agarraram-no por trás e carregaram-no para fora da sala. Sengu teve o mesmo destino.

— A viagem nos levará para as profundezas do planeta — gritou para Tiff e sorriu, fazendo uma careta. — Receio que seremos levados a um setor muito profundo.

— Silêncio! — trovejou a voz de um dos guardas.

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— Isso não me preocupa nem um pouco — respondeu Tiff, sem dar a menor atenção à ordem do ara. — O que me deixa mais preocupado é a idéia do que dirá Thora quando souber que é minha noiva...

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3 A Titan e a Ganymed realizaram um pequeno hipersalto, que as deixou mais

próximas do sistema de Kesnar. Continuando a deslocar-se à velocidade da luz, ainda se encontravam a um dia-luz de Aralon.

O período de descanso decorrera sem qualquer acontecimento importante. Tiff informara-os de que ele e Sengu haviam sido colocados num quarto bem confortável, acrescentando que pretendiam dormir algumas horas. Na superfície de Aralon, começara a noite, e, naquele submundo, também havia uma espécie de pausa.

Gucky acordou e a primeira coisa que fez foi prestar atenção aos impulsos emitidos pelo transmissor implantado no corpo de Tiff. Os impulsos vinham a intervalos regulares, mas não traziam qualquer mensagem telepática. Concluiu que Tiff ainda estava dormindo.

O rato-castor espreguiçou-se, escorregou da cama para o chão e dirigiu-se ao compartimento contíguo, onde ficava o chuveiro. Com um pavor íntimo saltitou sob o jato de água fria, insistindo para consigo mesmo em que esse processo não só limpava seu couro, mas também era bom para a saúde. Enxugou-se sob o jato de ar quente e caminhou em direção à sala dos tripulantes.

Além de Crest e alguns conhecidos, encontrou-se também com Rhodan, que perguntou imediatamente se nesse meio tempo havia acontecido algo de novo. Gucky tranqüilizou-o e passou a dedicar-se à refeição matutina. Ficou satisfeito ao ver que em seu prato havia uma ração especial das deliciosas cenouras enviadas da Ganymed. Eram seu alimento predileto, e nem mesmo Bell conseguia fazer com que desistisse dele.

— Se os aras cumprirem a palavra, Thora estará restabelecida ainda hoje — disse Rhodan e sorveu um gole de café quente, que preferia a qualquer das bebidas concentradas. — Quando isso acontecer, saberemos que possuem o antídoto. Não haverá mais nenhum motivo para esperar.

— O que pretende fazer? — perguntou Gucky enquanto mastigava, o que não era nada fácil para o solitário dente-roedor. — Atacar?

— É claro que só pode ser isso — afirmou Rhodan. Crest baixou a mão que segurava a xícara. Seu olhar parecia preocupado. — Sabemos que Aralon é o hospital galáctico. Se o atacarmos, agiremos contra o

direito. — Um depósito de armas protegido pela cruz vermelha. Isto é uma velha história. E

aqui nos encontramos numa situação semelhante. Afinal, Tiff representa a prova de que os aras abusam do seu saber — retrucou Perry.

— Tiff está nas mãos deles — lembrou Crest em tom tranqüilo. Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. — Mas não estará por muito tempo, Crest. Gucky sabe dizer a qualquer momento

onde está Tiff, e quando nos tivermos aproximado o suficiente para que possa realizar a localização goniométrica, não haverá mais nenhum meio de esconde-lo de nós. Não pretendo tratar os aras com luvas de seda. São mais perigosos e inescrupulosos que qualquer dos inimigos do Império.

Crest ainda tinha suas dúvidas.

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— De qualquer maneira, cometerá uma injustiça aos olhos das outras raças se atacar um grupo de médicos indefesos. Não se esqueça de que muita gente vai a Aralon em busca de auxílio contra a doença e a morte. E o senhor está impedindo aqueles seres de curar os outros. Se ainda os matar...

— Nem cheguei a insinuar que pretendo matar um ara que seja — disse Rhodan em tom indiferente.

Crest suspirou aliviado. — Nesse caso está tudo em ordem, se bem que eu gostaria de saber como pretende

obrigá-los a ceder por meio de ameaças. — Veremos — disse Rhodan. — Para falar a verdade, eu mesmo ainda não sei

exatamente. De repente Gucky levantou a cabeça. O resto da cenoura caiu das suas patas e foi

parar no prato. Os olhos começaram a brilhar. Com a voz nervosa pôs-se a cochichar: — Tiff foi acordado. Vieram buscá-lo para submetê-lo a novo interrogatório...

* * *

A porta foi aberta do lado de fora e dois aras robustos entraram no quarto. Tiff e Sengu acordaram imediatamente. O processo mental normal foi reiniciado. A

vinte e quatro horas-luz de distância Gucky captava os impulsos. — Vamos, levantem. Themos quer falar com vocês. Tiff saiu da cama de lado. Não se apressou. Também Sengu lavou-se calmamente

antes de vestir o uniforme. Os dois aras saltitavam nervosamente de um pé para outro, mas deviam ter recebido instruções terminantes para não maltratar os prisioneiros.

Finalmente a limpeza matutina foi concluída. — Quando ganharemos o café? — perguntou Tiff. — Será que isto aqui não é um

hospital de verdade? — Themos responderá as suas perguntas — disse um dos guardas enquanto abria a

porta. — Virão espontaneamente? Nem Tiff nem Sengu julgaram necessário dar qualquer resposta a esta pergunta. Enfiado na capa branca, Themos estava novamente sentado atrás da mesa já

conhecida com a tampa semicircular feita de plástico. Outros aras se encontravam em sua companhia. Fitaram os dois homens com os rostos sombrios. O olhar do diretor científico não prenunciava nada de bom. Tiff esqueceu-se do café. Desconfiava do que tinha acontecido. A primeira frase dita por Themos confirmou seus temores:

— Thora está curada, terrano. Não se lembra de jamais lhe ter dado esperança de casar com, ela. Continua a dedicar toda a simpatia a Perry Rhodan. Então, o que me diz, tenente Tifflor, ou seja lá qual for seu nome?

Tiff não se apressou para responder. Repetiu mentalmente palavra por palavra da breve fala do ara, para orientar Gucky. Depois, deu de ombros e disse em tom de lástima:

— Que pena. A doença deve ter apagado parte da memória. Já não se lembra das últimas horas que passamos juntos. Posso vê-la?

— O que deseja dela? Thora é uma arcônida. Não se ligará ao senhor nem a Rhodan. Cuidaremos disso. Resolveu ficar para sempre em Aralon a fim de empenhar suas forças na cura dos doentes. Não acha que é uma bela perspectiva? De qualquer maneira, é bem melhor que a de casar com um terrano.

Tiff começou a ferver no seu íntimo. Pensou intensamente, concentrando-se totalmente em Gucky:

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— Diga a Rhodan que está na hora de agir. Ataquem. Transmitirei ininterruptamente para que você possa localizar-me. Thora será...

— Por que não responde? — interrompeu-o Themos, que não tinha mais nada do velho gentil com que falara no dia anterior.

Tiff fitou os olhos vermelhos. — Porque estou admirado com o senhor, Themos. Não trouxe Thora para cá? Só

poderia ter feito isso para afastá-la de Rhodan. E não traí Rhodan? Qual é a paga que me dão? Pretendem enganar-me.

— O senhor trouxe Thora para Aralon para conseguir medicá-la, pois somos os únicos que podem curá-la. Só nós possuímos o soro contra a peste dos nonus. E não o entregaremos a ninguém. Caso esse seu Rhodan ainda tiver doentes a bordo, terá que vir para cá se quiser curá-los. E quando isso acontecer talvez lhe entreguemos dois traidores.

Tiff não respondeu. Era mais ou menos o que esperara. Os aras só estavam interessados em Thora. A arcônida devia representar um trunfo muito forte em suas mãos. Não era de admirar, já que contara que Perry Rhodan significava alguma coisa para ela.

Themos fez um sinal para os guardas. — Levem-nos para baixo, para a estação experimental de raças extra-imperiais.

Precisamos descobrir a constituição orgânica dos terranos. Talvez consigamos verificar se descendem de antigos emigrantes arcônidas, ou se são uma espécie distinta.

Tiff e Sengu poderiam defender-se, mas seria uma luta sem esperança contra forças muito superiores. Para que enfrentar um risco desnecessário? Rhodan já captara a mensagem de socorro e não demoraria em atacar Aralon. Teria que libertar Tiff e Sengu, e principalmente Thora.

E precisava conseguir o soro. Foram empurrados para dentro de um elevador que caía com velocidade cada vez

maior para as profundezas do planeta. Os dois guardas não participaram da viagem vertiginosa.

Era uma pequena cabine quadrada de aproximadamente oito metros cúbicos. Nas paredes, ouvia-se um assobio cada vez mais agudo. Tiff percebeu que o peso de seu corpo estava reduzido à metade. A gravitação de Aralon era igual à da Terra. Isso significava que desenvolviam metade da velocidade que atingiriam numa queda livre.

— Está vendo alguma coisa? O japonês, que olhava para todos os lados, com uma expressão bastante rígida,

confirmou com um aceno de cabeça. — Passamos a uma velocidade cada vez maior por inúmeras instalações. São

instalações destinadas aos doentes. Todo o planeta deve ter sido escavado por dentro. Embaixo de mim vejo um poço cujo fim não consigo enxergar. É só o que vejo.

— Como será que conseguiram penetrar tão profundamente no solo? — Há milênios são uma raça altamente civilizada e apesar de toda a arte médica não

suportam o sol. Não tiveram outra alternativa senão viver nas camadas interiores de seu planeta. Pelos meus cálculos, já devemos estar três quilômetros abaixo da superfície.

Os segundos transformaram-se em minutos. Subitamente Tiff sentiu que estava ficando mais pesado. Tinha o dobro de seu peso normal. A desaceleração chegava a dez metros por segundo ao quadrado.

O elevador parou com um forte solavanco.

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Demorou quase três minutos até que a porta estreita se abrisse. Uma luz ofuscante inundou a cabine. Os olhos de Tiff logo se acostumaram à diferença de luminosidade. Viu os rostos resolutos de uma dezena de aras que os aguardavam.

— O que estão esperando? — perguntou um deles em tom áspero. Tiff fez um sinal para Sengu e saiu do elevador. Os aras recuaram um pouco, como

se receassem a existência de doença infecciosa. Ninguém pensou na possibilidade de que os presos pudessem fugir. Aqui, dez quilômetros abaixo da superfície, dificilmente teriam oportunidade para isso. As paredes do grande pavilhão em nada se distinguiam das situadas mais próximas da superfície. Era a mesma limpeza, a mesma claridade, a mesma desesperança para aquele que ali se encontrasse contra sua vontade.

— Sigam-nos — disseram aos terranos. Os aras caminhavam à frente. Ao que parecia, não tinham a menor dúvida de que

Tiff e Sengu os seguiam. Tiff apressou-se em enviar informações a Gucky. Descreveu a posição. Pelos seus

cálculos, deviam encontrar-se a dez quilômetros de profundidade, bem embaixo da extremidade do campo de pouso, quase exatamente do lado oposto do edifício embandeirado da administração.

Atravessaram um corredor e chegaram a uma sala ampla, na qual os cientistas aras vestidos de branco trabalhavam nas mesas e numa série de aparelhos desconhecidos. Devia ser um dos laboratórios a que Themos se referira, e que se esperava encontrar em Aralon. O coração de Tiff quase parou de bater quando viu enormes recipientes nos quais seres vivos, imóveis, boiavam num líquido conservador. As placas colocadas nos recipientes provavam que se tratava de exemplares das diversas raças que viviam fora do Império.

“Terranos conservados em álcool”, pensou Tiff enojado e já se via boiando num recipiente de vidro, onde seria conservado para as futuras gerações de cientistas de Aralon.

Mais uma vez expediu uma mensagem de socorro para Gucky: — Apressem-se, pelo amor de Deus! Pretendem fazer uma coisa horrível conosco. Tiff e Sengu não notaram que atrás deles as portas se fechavam silenciosamente.

Estavam presos na armadilha mais perfeita existente. Só tinham diante de si o caminho para a frente, e este poderia ser tudo, menos tentador.

Os aras pararam. Um deles abriu uma porta e deixou livre a passagem. — Seu quarto é este, terranos. Logo receberão comida. Não deixem que o ambiente

os perturbe. Nada lhes acontecerá, ao menos por enquanto. Em silêncio, Tiff passou por ele e entrou. Viu que realmente se tratava de um quarto

e não de câmara de tortura. Duas camas, uma instalação sanitária e uma mesa com quatro cadeiras chegavam a dar um aspecto acolhedor ao quarto, desde que se esquecesse a proximidade do laboratório. Sengu seguiu-o. A porta fechou-se com um ruído surdo.

Tiff teve a impressão de que com isso a última retirada estava sendo cortada. Suspirou e sentou numa das camas, olhando para Sengu. — Dez mil metros abaixo da superfície. Você poderia fazer o favor de dizer como é

que poderemos sair daqui? Sengu olhou para o chão. Sacudiu a cabeça. Também usou o tratamento familiar

você. — Não; é claro que não sei. Mas acho que você deve estar interessado em saber que

abaixo de nós existe outro laboratório. Aliás, parece antes um setor de embalagem. Ao

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lado dele, há um depósito com milhares de caixas e recipientes. Será que é lá que são embalados e armazenados os medicamentos?

— Qual é a profundidade a partir do lugar em que nos encontramos? — Não passa de dez metros — o olhar do japonês subiu pela parede e passou ao

teto, como se acompanhasse uma mosca. — Estou vendo Thora. Está sendo levada para cima no elevador.

Quando o japonês olhava através das paredes compactas, Tiff reprimiu uma sensação estranha.

— O que veio fazer aqui? — Talvez — conjecturou Tiff — mostraram-lhe o estoque de soro, pois acreditam

que Rhodan esteja interessado. Será usada como chamariz. Ou seja, será usada para fazer chantagem contra Rhodan. Que diabo, acho que mais uma vez nossos pensamentos foram humanos demais. Estes aras não são médicos, são diabos.

Sengu continuava a olhar para o teto. — Bell me disse em certa oportunidade que saberemos enfrentar até o diabo.

Acredito piamente no que disse, Tiff. A menos de dez metros abaixo de nós está a substância de que precisamos. Eu a vejo, mas isso não basta. Mas tenho certeza de que amanhã já estará em nossas mãos. Tenho certeza absoluta...

— Você é um espia — respondeu Tiff em tom tranqüilo — mas não é nenhum profeta.

* * *

Já fazia algumas horas que Thora recuperara a consciência, no meio da noite. Tinha a impressão de que despertava de um sonho. Dirigiu os olhos para as luzes

ofuscantes embutidas no teto, bem acima de sua cama. Não sabia o que tinha acontecido. Quando o olhar se acostumou à luz, viu o rosto de um homem idoso, que a

examinava atentamente. Nós olhos dele, vermelhos de albino, havia uma pergunta muda e um interesse frio.

Sua memória começou a funcionar. Era um ara. Onde estava? O que acontecera com Rhodan? — Quem é o senhor? — ergueu-se, mas voltou a cair no travesseiro. Sentia-se muito

fraca. — Onde estou? — Está curada e em segurança — respondeu o desconhecido. Sua voz era

tranqüilizadora, mas irradiava uma frieza e uma impessoalidade que se parecia com a do quarto em que estava. — Conhece um certo tenente Tifflor do sistema Sol? Seu planeta de origem é a Terra.

Ainda confusa, Thora confirmou com um aceno de cabeça. — Eu me lembro... — Também se lembra de que pretende casar com ele? — O senhor está louco? O que deseja de mim? Onde estou e como vim parar aqui?

O que aconteceu com Perry Rho...? Entreparou de repente. O ara sorria como quem sabe de tudo. — Pode continuar. Quer saber onde está Perry Rhodan? Eu lhe contarei assim que

me disser por que não quer casair com Tifflor.

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— Quem lhe deu essa idéia maluca? Tifflor é um ótimo amigo, mas não o amo. Se é que eu amo algum homem, será...

Mais uma vez interrompeu-se. — Quem sabe se é Rhodan? — perguntou o ara. Thora não respondeu, mas a verdade estava escrita em seu rosto. O ara acenou com

a cabeça e inclinou-se sobre ela; parecia satisfeito. — Então é mesmo Rhodan. Fico satisfeito em saber disso. E Perry retribui seus

sentimentos. É excelente. Nesse caso deve estar muito interessado em recuperá-la com vida.

Thora ergueu-se. O ódio chamejou em seus olhos dourados. — Pouco importa quem seja o senhor. O braço vingador do Império o alcançará.

Seu monstro! — Então esta é a gratidão por termos curado a senhora. A senhora esteve doente,

Thora de Zoltral, muito doente. No momento, está em Aralon, o hospital galáctico dos aras. E só será livre quando Rhodan for nosso prisioneiro. Não se iluda quanto à gravidade da situação. Mais um detalhe. A senhora acaba de pronunciar a sentença de morte do tal Tifflor. Ele deixou de ter qualquer valor para nós.

— Como é seu nome? — perguntou a arcônida com a voz controlada. — Meu nome é Themos. Por que está interessada nisso? Thora respondeu sem pestanejar: — Porque neste instante acaba de ser pronunciada outra sentença de morte. Contra

certo ara chamado Themos. Asseguro-lhe que será executada dentro de vinte e quatro horas.

O rosto de Themos tornou-se ainda mais pálido do que era por natureza. Sem dizer uma palavra, fitou o rosto implacável da arcônida. Subitamente

reconheceu como essa mulher era bela... e como era perigosa.

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4 A sala de comando da Titan era grande, mas em comparação com a esfera espacial

de um quilômetro e meio de diâmetro só poderia ser considerada pequeníssima. Apesar disso, era perfeitamente possível que a presença de Gucky deixasse de ser notada por alguém que não prestasse muita atenção.

O rato-castor encontrava-se no seu lugar predileto, sobre um sofá que ficava perto do robô de navegação, que geralmente era controlado por Bell. No momento, o coronel estava sendo substituído por um jovem oficial, o tenente Bristal. O coronel Freyt tirara-o diretamente da Academia Espacial, quando veio à Terra em busca de reforços.

Rhodan estava sentado atrás dos controles por meio dos quais era dirigida a grande nave. Parecia tenso. A porta, que dava para a sala de rádio, estava aberta. Crest estava parado junto à mesma, esperando nervosamente pelas decisões que estavam para ser tomadas. Não se sentia bem com a idéia de que não havia outro meio senão a violência para libertar Thora e seus acompanhantes e conseguir o soro contra a doença que atacara setecentos homens.

Rhodan dirigiu-se a Gucky. — Então, o que houve? Nenhuma notícia de Thora? — Deve estar restabelecida. Do contrário Themos não teria descoberto a mentira. A

morte de Tiff está decidida. — Mas ainda não é um fato consumado — respondeu Rhodan com a voz zangada.

— O que diz Tiff? — Ainda estão no quarto junto ao laboratório. Acredita que a vivissecção já está

sendo preparada. — Você consegue localizá-lo? — Consigo — chilreou Gucky em tom confiante. — Tiff descreveu o aspecto da

superfície. Acredito que conseguirei encontrá-lo. É bem verdade que teremos que descer dez quilômetros. Como pretende fazer isso com a Titan? Por que não permite que eu salte sozinho?

— Para que servem os robôs arcônidas? — lembrou Rhodan. — Saberão abrir caminho embaixo da superfície. E quando esse Themos estiver nas minhas mãos, ele se sentirá muito satisfeito por não ter realizado seu intento.

Gucky não respondeu. Ergueu-se e, encostando-se à parede, ficou sentado no sofá. Escutava atentamente, de olhos fechados. Ninguém o perturbava. Na sala de comando, reinava um silêncio total. A espera durou quase três minutos.

— Está na hora — cochichou finalmente o rato-castor. — Tiff está sendo levado em primeiro lugar. Ele se defende desesperadamente, mas a superioridade dos outros é muito grande. Está descrevendo uma sala profusamente iluminada cheia de aparelhos medonhos e de instrumentos reluzentes. Tiff diz que querem operá-lo embora tenha uma saúde de ferro.

— Numa situação dessas ainda lhe resta senso de humor! — disse Rhodan surpreso. — Depressa, Gucky. Preciso dos últimos dados sobre a localização.

— Não há nenhuma alteração. Vamos agir. Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. Estava tudo preparado. O cérebro de

navegação já realizara os cálculos necessários à transição de pequena distância. A Titan

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só voltaria a materializar-se na atmosfera de Aralon. A Ganymed a seguiria com um intervalo de poucos minutos, fornecendo cobertura para o lado do Universo. Embora a velocidade já fosse bem reduzida, era uma empresa arriscada. Apenas metade da tripulação estava em condições de entrar em ação, e seu treinamento era um tanto precário. O fator decisivo do sucesso ou fracasso do plano de Rhodan não seria apenas a capacidade humana, mas também uma boa porção de sorte. Estava na hora.

A imensa nave desapareceu do espaço normal e voltou a materializar-se menos de três quilômetros sobre o campo de pouso de Aralon.

Quando a gigantesca esfera surgiu acima da massa de naves estacionadas, muitos dos visitantes galácticos ficaram sem fôlego. Ao primeiro relance de vista perceberam do que se tratava. O que é que um couraçado arcônida desse tamanho estaria procurando no planeta da benevolência e da cura?

Rhodan não se preocupou com a opinião das raças que lhe eram estranhas. Não teve mais a menor contemplação. Deixou que a Titan descesse e pousou numa das extremidades do campo espacial. Três segundos depois, as escotilhas inferiores se abriram, rampas foram descidas e os robôs começaram a marchar.

Eram gigantes de aço de quase dois metros e meio de altura, equipados com quatro braços. Os braços inferiores eram apenas radiadores de impulsos móveis, que poderiam sufocar no nascedouro qualquer resistência que se lhes opusesse. A energia desprendida por esses radiadores, devidamente enfeixada, volatilizaria qualquer tipo de matéria e a faria desaparecer. Num compasso rítmico, as pernas metálicas desceram pelas rampas, tocaram o solo de Aralon e prosseguiram em sua marcha. Os robôs formaram colunas, cuja ponta se dirigia para o grande edifício periferial sob o qual ficavam os laboratórios.

Rhodan transmitiu o último comando pelo rádio. O exército de robôs pôs-se em movimento. Paralisados de susto, alguns aras que se encontravam diante dos portais do centro

administrativo, contemplavam o espetáculo. Os cérebros recusavam-se a compreender o que os olhos viam. Mas quando a frente reluzente se aproximou, a paralisia cessou como que por encanto. Com as capas esvoaçantes, correram para dentro do edifício, fechando as portas atrás de si.

Rhodan, Crest e Gucky saíram da Titan sem carregar qualquer arma. Compenetrados e indiferentes, os dois homens caminhavam atrás dos seus robôs, sem se dignarem a olhar para as naves estacionadas por ali ou suas tripulações. Gucky, que andava com dificuldade e cujos passos arrastados poderiam ser tudo menos compenetrados, lembrou-se de sua faculdade sobrenatural. Usou sua energia telecinética para elevar-se uns dez centímetros acima do solo e planou sobre o pavimento de plástico. A visão não era apenas edificante, mas de certa forma chegava a ser apavorante.

Uns dez robôs prosseguiram tranqüilamente em sua marcha e atingiram as entradas principais do edifício da administração. Na frente dos prédios estavam estacionadas algumas ambulâncias. Rhodan viu a luminosidade de alguns feixes energéticos, e as portas deixaram de existir. Sem que ninguém os detivesse, os robôs cumpriram as instruções que lhes haviam sido ministradas, ocupando todas as saídas e os elevadores que levavam para o subsolo. A ordem expressa de não matar ninguém continuava em vigor.

Rhodan ligou o minúsculo transmissor de pulso. — Tenente Bristal? Está tudo em ordem? A resposta foi imediata.

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— Tudo bem. Ninguém se atreve a nos incomodar. Nas outras naves, não houve nenhuma modificação. Nossas peças de artilharia estão guarnecidas e prontas para entrar em ação. Aguardamos novas instruções.

— Por enquanto não há outras instruções — disse Rhodan com a voz zangada e desligou.

A uns três quilômetros de distância um cilindro de oitocentos metros de comprimento desceu lentamente sobre o campo praticamente vazio e parou. Era a Ganymed que acabara de pousar. Conforme o combinado, desembarcaria um contingente de duzentos robôs, que formariam um cordão espesso em torno da nave. Essa medida foi ordenada por Rhodan principalmente a título de demonstração de força. Os outros deviam convencer-se de que detinha um grande poder. A eventual utilização dos robôs dependeria exclusivamente do comportamento dos aras.

Crest cochichou: — Olhe! Uma nave dos saltadores. Acredito que tenha trazido doentes. Vê-se que os

aras nem sequer poupam seus próprios parentes. Rhodan olhou a nave mais detidamente. Era um dos cilindros que já conhecia. Tinha

trezentos metros de comprimento e estava apoiada sobre as aletas de popa. Seus olhos perceberam um movimento na proa. Um anel girou e deixou livre uma abertura, da qual saiu o cano em espiral de um canhão energético apontado para as colunas de robôs.

Rhodan reagiu instantaneamente. — Tenente Bristal! Dê o alarma. Há uma nave dos saltadores a duzentos metros de

distância. Na proa existe um canhão de radiações. Inutilize-o imediatamente. Destrua unicamente a proa.

Antes que o saltador pudesse disparar, viu-se um breve relampejo na Titan. Rhodan viu que a proa da atrevida nave cilíndrica entrou em incandescência e se fundiu. O perigoso canhão desapareceu. Da proa não sobrara quase nada.

— Basta, Bristal. Ajuste seu telecomunicador para a freqüência normal de Aralon e ligue um amplificador. Quero transmitir um aviso aos comandantes das naves:

Depois de alguns segundos veio a confirmação. Sem deter-se em sua marcha atrás dos robôs, Rhodan falou para dentro do

microfone: — Atenção, todas as naves estacionadas em Aralon! Aqui fala Perry Rhodan da

Terra, em nome do Regente de Árcon. Recomendo encarecidamente a todos os visitantes de Aralon que não se intrometam na ação que está em curso. Daqui em diante não terei mais a menor contemplação. Destruirei todo aquele que tentar atacar-nos ou ajudar os aras. Trata-se de uma operação policial realizada por ordem de Árcon. Repito: quem se intrometer terá que suportar as conseqüências.

Rhodan sabia que suas palavras estavam sendo ouvidas por todas, pois nenhuma das naves deixaria suas estações de rádio desguarnecidas. Todos sabiam quem se encontrava diante deles e refletiriam sobre quem poderia ser esse Rhodan da Terra. Era um nome que nunca haviam ouvido.

— Tiff está sendo amarrado à mesa — gritou subitamente Gucky em tom de pânico. — Suas mensagens estão ficando mais insistentes. Não sabe onde estamos; nem sequer tem certeza de que conseguimos ouvi-lo.

— Coitado! — murmurou Rhodan e apressou o passo. — Se fizerem alguma coisa a ele, eu mato toda esta canalhada.

A ameaça talvez não fosse tão séria assim, mas fez Crest empalidecer. A boa fama de Árcon valia mais que qualquer outra coisa.

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— Tenente Bristal. Mande a coluna de robôs da esquerda encarregar-se da vigilância do campo de pouso. A coluna da direita ficará à minha disposição. Quero falar com o comandante.

A Titan imediatamente transmitiu a ordem pelo rádio aos robôs. A ala esquerda dobrou para o lado e assumiu posição diante dos edifícios alongados. Suas armas estavam apontadas para a floresta de naves espaciais. Enquanto isso a ala direita parou. Um dos maciços robôs voltou e parou diante de Rhodan.

— Quais são as instruções? — perguntou em tom impessoal. Sua voz lembrava ligeiramente a do cérebro robotizado de Árcon. — Quero que três robôs me acompanhem. Os outros darão cobertura ao nosso

avanço para os laboratórios subterrâneos. Crest e Gucky irão comigo. — Dirigindo-se ao rato-castor, disse: — Qual é a direção? Peço uma indicação precisa.

Gucky apontou obliquamente para o solo. — Ali; numa distância de dez mil e vinte e três metros — voltou a erguer a cabeça e

dirigiu os olhos para o edifício lateral, onde se via a rampa e a porta aberta. — Ali ficam os elevadores que descem para o subsolo.

Quando os três robôs se apresentaram, Rhodan não perdeu mais tempo. As respectivas séries e números estavam gravadas em pequenas placas metálicas presas aos peitos reluzentes. Também serviam de código de comunicação.

— RK-935. Você irá à frente e eliminará qualquer obstáculo material. Não mate nenhum ser vivo; se necessário, apenas paralise-o. RK-940 e RK-999, vocês nos darão cobertura pelas costas. Avante!

A área fronteira ao edifício parecia deserta. Alguns veículos vazios e abandonados estavam por ali. A porta aberta parecia uma boca faminta. De repente Gucky chiou:

— Lá adiante alguém nos espera; também está desarmado. Querem falar conosco. Sim, um deles é Themos. Consegui identificar seus pensamentos. Quer fazer uma proposta a você, Rhodan, uma proposta traiçoeira, acredito. Sim, é um tipo de negócio que vai propor.

— Um saltador sempre é um saltador — murmurou Crest e apressou o passo para acompanhar Rhodan. Gucky correra à frente e aguardava o grupo junto à porta.

Atrás da porta, começava um corredor bem iluminado. RK-935 continuava a avançar a passos vigorosos, com os braços de armas estendidos para a frente, prontos para disparar. Seu campo energético não havia sido ativado, pois não se esperava qualquer tipo de resistência.

Entraram num pavilhão branco, que pareceria familiar a Gucky. Duas ambulâncias estavam estacionadas em nichos das paredes laterais. Havia corredores e portas que iam em todas as direções possíveis.

Um grupo de aras vestidos de branco aproximou-se de Rhodan e parou a alguma distância. Um deles, um velho albino, levantou os braços e perguntou num tom de altiva recriminação:

— Qual é a finalidade desta invasão armada no planeta da arte de curar? Pelo que vejo, esta monstruosidade está sendo praticada com o conhecimento de Árcon. Os senhores hão de permitir que peça um esclarecimento. Pergunto...

— Se alguém pode fazer perguntas por aqui, sou eu — disse Rhodan com a voz fria. — Se não me engano o senhor é Themos.

O velho ficou perplexo. Como esse desconhecido poderia saber seu nome? Não poderia imaginar que Rhodan compareceria em pessoa, ainda mais desarmado, embora acompanhado por alguns robôs.

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— Sim, sou Themos, diretor da divisão de pesquisa do setor extra-imperial. O que deseja? E quem é o senhor?

— Antes de responder a essas perguntas, quero recomendar-lhe que liberte meus homens sem demora. Faça suas experiências com quem quiser, menos com o tenente Tifflor e com Sengu.

Um sorriso fugaz passou pelo rosto do ara. — Que interesse tem o senhor por homens que quiseram traí-lo? Pouco lhe deve

importar quem os castiga... — Faça o que estou dizendo, se não quiser suportar as conseqüências. Themos hesitou. Lançou um olhar ligeiro para RK-935 e sabia perfeitamente que

dificilmente conseguiria alguma coisa pela força. — Será que Thora não vale nada para o senhor? — perguntou em tom tranqüilo. —

Nós a curamos. O senhor pode avisar Rhodan de que... — Eu sou Rhodan! Themos já o adivinhara. Não demonstrou a menor surpresa. Mas seus companheiros

pareciam encolher alguns centímetros. Gucky adiantou-se a Rhodan. Arrastou-se alguns passos para a frente, avaliou Themos com os olhos, e pôs em ação suas faculdades telecinéticas.

De repente, os pés do velho ara perderam o apoio. Ele começou a subir para o teto, sem peso e esperneando agitadamente. Quando a cabeça bateu contra a lâmpada redonda, ouviu-se um baque surdo. Para os outros aras, o espetáculo não era nada animador. Acompanharam os acontecimentos com os olhos arregalados e uma expressão de incredulidade no rosto. Themos perdeu a fala e lançou olhares assustados para o chão.

Rhodan formulou a pergunta: — Qual é o elevador que leva ao depósito de medicamentos? Quando percebeu que Themos não respondia, dirigiu-se a Gucky: — Abaixe-o. Mas não deixe que a queda seja rápida demais. De repente, Themos recuperou o peso normal e desceu os cinco metros em queda

livre. No último instante, o rato-castor freou. Mas não o bastante para evitar totalmente o forte impacto no solo.

Themos amoleceu o corpo e, soltando um grito, ficou deitado no chão. — Então, qual é o elevador? — repetiu Rhodan. Um dos aras adiantou-se. — É aquela porta — informou prontamente. Ao que parecia, compreendera que não

havia nada que se pudesse fazer contra os robôs e as forças sobrenaturais. — Mas previno-os de que é proibido...

— Raptar gente também é proibido — interrompeu Rhodan. — Ande à nossa frente e mostre o caminho. RK-940, fique aqui e cuide para que estes aras não saiam do lugar — deu uma palmadinha nas costas de Gucky. — O que está acontecendo com Tiff?

— Sengu está sendo levado em primeiro lugar. Por enquanto não existe um perigo imediato. Consegui captar os pensamentos de Thora. Está num lugar seguro. Foi trancada numa peça que fica menos de cem metros abaixo do lugar em que nos encontramos. Poderei localizá-la a qualquer momento.

O ara que devia mostrar-lhes o caminho parou diante de uma porta. Apertou um botão. Esta abriu-se para o lado. Surgiu uma cabine minúscula. Rhodan sacudiu a cabeça.

— Deve haver elevadores de carga. Este é muito pequeno. O ara deu de ombros e caminhou em direção a uma porta mais larga, atrás da qual

apareceu uma peça quadrada, que tinha o quádruplo do tamanho da outra.

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— O senhor irá conosco — ordenou Rhodan, empurrando o ara à sua frente. — E não tente outras manobras de retardamento, meu caro. O senhor sabe onde podem ser encontrados nossos homens. Se chegarmos tarde, nenhum dos senhores terá oportunidade para aproveitar a aposentadoria.

— Estou disposto a ajudar — murmurou o ara, que parecia amargurado porque não queriam reconhecer sua boa vontade. — Não acredite que por aqui todo mundo concorda com os métodos de Themos.

Rhodan olhou para Gucky. O rato-castor pesquisou o subconsciente do ara e sacudiu a cabeça. Com a voz estridente, anunciou o resultado de sua sondagem telepática.

— Está mentindo, porque não tem outra alternativa. Os aras vivem desses métodos e os consideram legais; legais no sentido que eles atribuem ao termo, evidentemente. Ninguém se revolta contra Themos. Este sujeito pretende enganar-nos. Cuidado!

O ara não conseguiu disfarçar o pavor que se apoderou dele ao ver expostos seus pensamentos mais recônditos. Que ser monstruoso era este, que sabia ler pensamentos? Não haveria nada que pudesse deter Rhodan no seu propósito de destruir os fundamentos da vida de Aralon?

O ara tomou uma decisão heróica. Se não houvesse outro meio, teria de sacrificar-se por seu povo. Se morresse, e se Rhodan morresse com ele, nunca ninguém descobriria a fonte da riqueza inesgotável que a raça dos aras desfrutava.

Teve uma vantagem. Justamente naquele instante Gucky estava com a mente ocupada, procurando captar os gritos de socorro de Tiff. Sengu havia sido trazido para junto dele; sentia-se esperançoso, pois assistira à chegada de Rhodan ao edifício da administração. Seu olhar atravessou mais de dez mil metros de matéria compacta. Sabia que o auxílio não tardaria. E chegaria em cima da hora.

— Já estão no elevador — cochichou para Tiff, que estava firmemente amarrado à mesa branca. A luz ofuscante obrigou-o a manter os olhos fechados. — Dentro de poucos minutos, estarão aqui.

Gucky captou os pensamentos de Tiff e estava a ponto de informar Rhodan sobre os mesmos. De repente, o ara executou um movimento rápido com a mão, segurou a chave do elevador e, de um golpe, empurrou-a para além da marca-limite, forçando-a até quebrá-la.

No mesmo instante, os ocupantes da cabine perderam o peso. RK-999 adiantara-se para impedir que o ara tocasse na chave, já que Rhodan não

havia dado ordem para isso. Seus pés levantaram-se do chão, não encontraram a menor resistência. Libertado de seu peso, deslocou-se em direção ao ara, que o contemplava com os olhos arregalados de pavor. Gucky não teve tempo para frear o vôo involuntário da pesada máquina de guerra, que se chocou lentamente, mas com toda força, contra o ara indefeso, quebrando todos os ossos do débil descendente dos arcônidas e dos saltadores.

O traidor teve morte instantânea e indolor. Desenvolvendo uma velocidade cada vez maior, o elevador precipitava-se em

direção ao centro do planeta.

* * *

— Dentro de poucos minutos... Sengu interrompeu-se. Ninguém o impedia de falar, mas assim mesmo calou-se,

apavorado. Vira que o ara havia morrido, porém provocara a queda do elevador. — O que houve? — perguntou Tiff, forçando as correias que o prendiam à mesa. —

Por que parou de falar?

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Sengu continuava a fitar o teto. Não ofereceu a menor resistência quando o amarraram à mesa. Os aras corriam apressadamente de um lado para outro, preparando instrumentos reluzentes e conversando em voz baixa.

— O que houve? — repetiu Tiff. Um dos cientistas lançou-lhe um olhar, mas não se interessou pelos dois terranos,

que para ele já deviam estar praticamente mortos. — O elevador...! — gemeu Sengu em tom apavorado. — Está caindo. O ara

quebrou a chave de controle de velocidade. Ninguém poderá deter a queda da cabine. Tiff teve a impressão de que o pavor lhe trancava a respiração. Enquanto sabia que

Rhodan se encontrava a caminho, tinha motivo para sentir-se confiante. Mas agora, que também seu salvador caíra numa armadilha, não haveria nenhuma saída. Os aras poderiam executar seus planos diabólicos. Um belo dia também na Terra irromperiam epidemias desconhecidas, que só poderiam ser curadas com os medicamentos incrivelmente caros dos aras. O círculo se fecharia.

Entesou o corpo e, reunindo toda a força de que dispunha, conseguiu rasgar a correia que prendia seu braço esquerdo.

Imediatamente alguns aras pularam sobre ele e comprimiram seu corpo contra a mesa. Mas, mesmo dispondo apenas de um braço, Tiff era um inimigo perigoso. Sua mão tateante descobriu um objeto duro. Segurou-o e empurrou o instrumento em forma de tesoura para dentro do corpo do ara que se encontrava mais próximo. O indivíduo atingido recuou com um grito de dor e, procurando algum lugar para apoiar-se, cambaleou e caiu lentamente ao chão.

Antes que Tiff pudesse localizar outro atacante, sentiu uma dor aguda na nuca. Virou-se instantaneamente, mas a mão que segurava a seringa recuou apressadamente.

A paralisia foi imediata. Começou no cérebro e correu para os braços e as pernas. A tesoura caiu ao chão. Não ofereceu a menor resistência quando voltaram a amarrar seus braços à mesa.

Sengu não parecia ter notado o incidente. Seus olhos arregalados de pavor fitavam o teto em direção oblíqua. O olhar caminhou em direção à parede, desceu por ela e terminou no soalho.

Finalmente fechou os olhos. Ao que parecia, já não estava interessado em ver o que aconteceria dali em diante. Totalmente indiferente, deixou que um ara se aproximasse e lhe aplicasse a injeção

paralisante.

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5 Dez segundos preciosos passaram em vão. Nesses dez segundos, a cabine caíra quase quinhentos metros, e a velocidade da

queda aumentava na razão do quadrado do tempo. A resistência do ar freava ligeiramente a cabine, mas lá embaixo devia haver uma galeria de escapamento, pois do contrário o ar comprimido se teria transformado num colchão.

Rhodan flutuava no centro da cabine. Seu rosto exprimia pavor e uma momentânea desorientação, mas logo voltou a raciocinar.

— Gucky! Pare o elevador. Depressa! Mesmo quando estava levitando, o rato-castor sabia mover-se com segurança. Apesar da situação crítica, não se esqueceu da finalidade de sua presença.

— O transmissor de Tiff deixou de funcionar; não está emitindo mais nenhum impulso telepático. Apenas estou ouvindo os sinais normais. Deve estar dormindo, ou então desmaiou. Não percebo mais nada de Sengu.

— É a anestesia! — exclamou Rhodan, apavorado. — Depressa, Gucky! Uma queda de dez mil metros durará menos de um minuto. Meio minuto já se passou.

O rato-castor confirmou tranqüilamente com um gesto da cabeça e afastou RK-999, que flutuava como um balão.

O cadáver do ascensorista seguiu-o. Trinta e cinco segundos... seis mil metros de profundidade. Foi então que Gucky mostrou do que um telecineta é capaz. Seu olhar caiu sobre a chave metálica de controle, cuja ponta quebrada emitia um

brilho prateado. Concentrou-se e dirigiu os fluxos de energia telecinética sobre o pino, que não poderia atingir com a pata.

— Quarenta segundos — disse Rhodan com a voz monótona. — Quase oito mil metros.

Gucky não o ouvia. Seus olhos adquiriram uma estranha rigidez. A chave quebrada moveu-se milímetro por milímetro em direção à posição zero,

para além da qual havia sido empurrada. Ao chegar lá, não parou; prosseguiu no seu movimento.

Rhodan desceu ao chão da cabine, seguido pelos dois robôs. Sentiu que seu corpo recuperava o peso normal, que logo duplicou. A pressão crescia. Rhodan dobrou os joelhos e fez aquilo que é mais sensato numa situação como esta. Deitou de costas, com os braços e as pernas bem estendidos. Crest seguiu o exemplo.

Um minuto! Já deviam ter ultrapassado a marca dos dez mil metros, mas ainda não haviam

atingido o fim do poço do elevador. Ninguém sabia a que profundidade penetrava nas entranhas do planeta.

Gucky parecia ouvir atentamente. Não olhava mais para a chave; seu olhar caiu obliquamente sobre o teto do elevador.

— Já descemos além do lugar em que estão Tiff e Sengu, mas o elevador já está subindo de novo. Conseguimos.

— Pare assim que atingirmos a altura em que Tiff está — pediu Rhodan com a voz arquejante.

Respirava com dificuldade.

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Gucky voltou a concentrar-se. A chave arrastou-se na direção oposta. O corpo recuperou o peso normal e o elevador parou.

— Chegamos — chiou Gucky. Bastante satisfeito com o resultado de sua intervenção — Tiff não pode estar longe. De qualquer maneira, está na mesma altura em que nos encontramos.

Rhodan procurou o dispositivo que abriria a porta do elevador, mas não o encontrou. Gucky leu seus pensamentos, soltou um assobio estridente e, como sempre, pouco melódico, enquanto os cabelos da nuca se arrepiavam. Resolveu o problema à sua maneira, antes que Rhodan tivesse tempo para formular qualquer objeção.

— Cuidado, RK-999. Não se assuste! Antes que o pesado robô de guerra compreendesse o que estava acontecendo, sentiu que estava sendo levantado, deslocou-se em direção à parede dos fundos da cabine e, como uma flecha impelida pela corda do arco, precipitou-se na direção oposta. Ouviu-se um ruído de matéria sólida esfacelada, e o robô viu-se num pavilhão profusamente iluminado. Sem perder tempo, Rhodan saltou atrás dele, seguido por Crest, RK-935 e Gucky, cujo olhar radiante corria para todos os lados, como os de um vencedor que aguarda os aplausos do auditório.

Os aras que se encontravam no pavilhão não pensaram em aplaudir. O susto deixou-os gelados até a medula dos ossos. Quando viram o inconcebível, ficaram paralisados. Dois monstros metálicos, dois humanos — um deles, ao que tudo indicava, um arcônida — e um estranho ser de pequenas dimensões haviam atravessado a parede.

— Rhodan! — gritou Gucky com a voz estridente. — Os impulsos de Tiff se afastam. Não estão ficando mais fracos, mas vêm de mais longe.

— Os aras foram prevenidos — conjecturou Crest. — Os reféns estão sendo transportados para um lugar seguro.

— Gucky, siga os impulsos; rápido! — ordenou Rhodan. — Ficaremos grudados aos seus calcanhares. Não precisamos preocupar-nos com os aras que estão por aqui.

Gucky correu à frente. As portas abriram-se à sua frente como que por encanto. Quando o grupo medonho passava correndo por eles, os aras levantavam os olhos do seu trabalho e deixavam cair o queixo de pavor. Um deles, que se encontrava no segundo laboratório, fez um movimento apressado, foi atingido imediatamente pelo raio paralisante disparado por um dos robôs. Soltou um grito e tombou.

Depois de terem percorrido uns cinqüenta metros e atravessado vários laboratórios, Gucky parou de repente. Rhodan fitou as correias de couro presas nas duas mesas. Um único ara se encontrava nos fundos da sala, e estava usando o videofone.

Virou-se tranqüilamente e contemplou os intrusos com uma expressão impávida. Em seus olhos havia um brilho frio.

— O senhor chegou tarde, Rhodan. Seus amigos já foram levados a um lugar seguro.

Rhodan dirigiu-se a Gucky: — Onde está Tiff? — Está sendo levado para baixo. O lugar em que se encontra não fica longe daqui.

Neste momento, o elevador está parando. Sim, Tiff está bem embaixo de nós. São dez metros no máximo. Sua posição continua inalterada.

O ara acompanhou as palavras de Gucky com uma expressão de incredulidade. Era possível que naquele instante começasse a acreditar em bruxaria e considerasse Rhodan um super-homem. De qualquer maneira, compreendera que a medida apressada, determinada pelo comando central, fora inútil. Não saberia dizer como os desconhecidos

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descobriram o lugar em que se encontravam os prisioneiros. Sua libertação teria que ser impedida de qualquer maneira.

Antes que alguém pudesse desconfiar de qualquer coisa, empurrou para baixo um pequeno botão do videofone.

— Ordem de Themos. Os prisioneiros devem ser mortos imediatamente — gritou e correu em direção à porta aberta. Penetrou rápido no feixe de energia paralisante disparado por RK-999. Caiu ao chão como se tivesse sido atingido por um raio.

Rhodan estava prestes a sair correndo à procura do elevador quando se lembrou de uma solução melhor.

— Gucky, dez metros não são muita coisa. Tiff está bem embaixo de nós? Bem, neste caso vá buscá-lo. E Sengu também. Rápido! Só dispomos de alguns segundos.

O rato-castor não perdeu tempo para confirmar a ordem. O ar começou a tremeluzir, os contornos de seu corpo desmancharam-se como se

estivesse mergulhado na água. Gucky desapareceu.

* * *

Os efeitos da anestesia só duraram alguns minutos. Quando Tiff abriu os olhos, Sengu estava recuperando os sentidos. Estavam

deitados sobre a tampa de uma grande caixa, num recinto pouco iluminado. Aqui não se via nada da limpeza reluzente do laboratório. As paredes escuras irradiavam um frio gélido. Caixas e pilhas de pacotes enchiam o recinto. Uma fita rolante movia-se lentamente por um corredor e terminava num poço vertical, que subia à superfície.

Era um depósito. Um depósito de medicamentos. Tiff não tinha a menor idéia sobre o motivo da mudança. Há poucos segundos

estivera deitado sobre a mesa de operações e recebera a injeção paralisante. Agora via-se num depósito. Três aras vestidos de branco corriam apressadamente de um lado para outro. Empilhavam caixas diante da porta que conduzia ao exterior, como se quisessem erguer uma barreira que impedisse a entrada. Trabalhadores acorreram e ajudaram-nos no trabalho.

De repente, soou uma campainha. Uma voz forte e exaltada fez-se ouvir. Tiff entendeu tudo:

— Ordem de Themos. Os prisioneiros devem ser mortos imediatamente. Os três médicos interromperam sua atividade e trocaram olhares de espanto. Um

deles, com um movimento cansado, enxugou o suor da testa, lançou um ligeiro olhar para Tiff e Sengu e, dirigindo-se aos colegas, disse:

— De que nos servirão mortos? Como podemos estudar um organismo que não está funcionando? Já não consigo compreender as ordens de Themos. Primeiro temos de trazer os prisioneiros a este depósito, depois querem que nós os matemos...

— Themos deve saber o que está fazendo — interrompeu-o um outro, pegando uma barra de ferro que estava encostada a uma caixa. — Farei o serviço de forma que os corpos não sejam danificados.

— Sou cientista — disse o ara que falara em primeiro lugar — mas não sou nenhum assassino. Não quero ter nada com isso.

Sem dar atenção aos colegas, virou-se altivamente e caminhou em direção à parte mais escura do depósito.

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O ara que segurava a barra de ferro seguiu-o com os olhos por alguns segundos. Depois soltou uma risada cruel e lançou um olhar frio para os prisioneiros.

— Bem que preferiria que continuassem... Não pôde prosseguir. O ar começou a tremeluzir entre ele e os terranos. Um

pequeno vulto se materializou. Sentado sobre o traseiro, Gucky apoiava-se sobre o rabo, que parecia uma enorme colher. Com um simples relance de olhos, avaliou a situação e reconheceu o único inimigo que oferecia algum perigo.

O ara recuperou-se da surpresa. Não perdeu tempo em procurar a explicação do fenômeno, mas levantou a barra de ferro.

Gucky não estava disposto a permitir que lhe arrebentassem o crânio. — Sou um gnomo — chilreou com a voz doce e estendeu os braços em direção ao

ara, que estacou em meio ao movimento. Não contara com a presença do espírito falante que tivesse o aspecto de animal. Mas

logo venceu os escrúpulos. A pesada barra foi levantada. Porém ficou presa no ar, como se alguém a segurasse. E esse alguém não era ele.

A barra conquistou sua independência, turbilhonou pelo ar que nem uma hélice, executou um mergulho completo, deu uma volta pelo depósito e, atingida por forças invisíveis e inconcebíveis, assumiu a forma de um R. Que nem uma espada de Dâmocles, o R ficou pendurado acima da cabeça do ara apavorado.

Tiff viu o R metálico cair ao chão, cobrindo o ara. — Gucky! — exclamou. — Você chegou em cima da hora. — Sempre apreciei a pontualidade — disse o rato-castor com um gesto tranqüilo e

olhou em torno, à procura de um objeto com que pudesse cortar as correias. Não encontrou nada. Aproximou-se de Tiff e, dirigindo-se a Sengu, que estava deitado ao lado do jovem tenente, disse: — Não se preocupe, Wuriu. Vou levar Tiff lá para cima e daqui a um segundo estarei de volta. Estas toupeiras não se atreverão a pôr as mãos em você, senão farei chover o alfabeto inteiro em cima de suas cabeças.

Enlaçou o corpo de Tiff com os braços e desapareceu numa questão de segundos. Sengu ficou só. A demora foi maior que um segundo. Não se sentia muito à vontade. Olhou para a

porta, onde um dos cientistas continuava imóvel, como que pregado ao chão. Os trabalhadores acompanharam os acontecimentos sem compreender nada; ao que parecia, não estavam acostumados a que alguém os esclarecesse.

Gucky voltou. — Então? — chiou em tom de expectativa. — Alguém está precisando de uma

lição? — Eles se comportaram muito bem — disse o japonês em tom de alívio. — Vamos

embora. Já não suporto estas caixas. Gucky sorriu e teleportou-se juntamente com o prisioneiro, um andar para cima. Tiff

já estava esfregando os pulsos para ativar a circulação. Mas o rato-castor ainda não parecia satisfeito.

— Você pretende chamar Themos pelo videofone? — perguntou, dirigindo-se a Rhodan. Mais uma vez, andara espionando os pensamentos do chefe. Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. — Muito bem. Enquanto isso vou dar mais uma olhada lá embaixo. Esqueci uma coisa.

— Esqueceu? — perguntou Crest espantado. — Isso mesmo, esqueci — confirmou Gucky. Ninguém pôde detê-lo, pois já havia desaparecido.

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Rhodan deu de ombros e aproximou-se do videofone. Não teve maiores dificuldades em lidar com o aparelho. Comprimiu um botão e estabeleceu contato com a estação central situada na superfície. Na tela apareceu o rosto do velho ara, que logo recuou surpreso e apavorado. Tinha um calombo reluzente na testa, mas de resto a queda da altura do teto não o parecia ter afetado.

— O senhor...? — gaguejou incrédulo. — Sim, o senhor está vendo, Themos — respondeu Rhodan. — Libertamos o

tenente Tifflor e Sengu. O sacrifício de seu ascensorista foi em vão. E agora o senhor vai libertar Thora, senão passará por um mau bocado. Se alguma coisa lhe acontecer, transformaremos este planeta num inferno.

— O senhor não se atreverá a fazer uma coisa dessas, Rhodan. Toda a Galáxia se voltaria contra o senhor.

— Dificilmente, se a Galáxia souber da verdade. O senhor entende muito bem o que quero dizer, Themos. Só tenho um motivo para poupá-lo. Sua raça é inteligente e acumulou experiências extraordinárias na área da medicina. Os aras podem prestar serviços inestimáveis ao Império, sem que tenham de recorrer à fraude. Mas, se não quiserem aceitar a lição, só nos restará uma alternativa. Teremos que destruir Aralon, a incubadora de inúmeras doenças. Será que me fiz entendido?

Themos lançou um olhar odiento para Rhodan. — Afinal, quem é o senhor? Rhodan exibiu um sorriso frio. — Sou Perry Rhodan do planeta Terra, plenipotenciário do cérebro robotizado de

Árcon. Meus poderes são ilimitados, Themos. Compreendem inclusive a destruição total de Aralon. Decida logo, senão ver-me-ei obrigado a libertar Thora por minha conta. E, a esta hora, o senhor já não deve ter a menor dúvida de que eu o conseguirei.

Após isso aconteceu uma coisa muito estranha. A expressão do rosto de Themos modificou-se de uma hora para outra. Sorriu, mas

o sorriso exprimia satisfação e triunfo, o que deixou Rhodan bastante desconfiado. — Pois bem, Rhodan do planeta Terra. Libertarei Thora. Incondicionalmente. Darei

a respectiva ordem assim que concluirmos nossa palestra. Aonde devo levá-la? — Meu robô RK-940 está esperando no pavilhão. Chame-o. Após vinte segundos, Rhodan fitou os olhos cristalinos e cintilantes do robô de

guerra. — RK-940! Aqui fala Perry Rhodan. Dentro de cinco minutos Thora estará diante

de você. Leve-a imediatamente à Titan. Se dentro de cinco minutos Thora não estiver no lugar em que você se encontra, mate Themos e destrua todos os aparelhos de comunicação.

— Entendido — rangeu a voz de RK-940. Seu complicado organismo começou a tiquetaquear. O tempo estava correndo. O rosto do ara voltou a surgir na tela do videofone. — Apresse-se — recomendou Rhodan. — Cada segundo é precioso. Não acredite

que o robô lhe concederá um segundo que seja de prorrogação. Rhodan desligou abruptamente. Deixou Themos entregue ao seu conflito íntimo.

RK-940 cumpriria suas instruções com a exatidão de um mecanismo de precisão. — Onde estará Gucky? — perguntou Tiff em tom preocupado. — Gostaria de saber

o que está fazendo no porão.

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— Porão? Esta é boa! — disse Rhodan, lembrando-o de que se encontravam dez quilômetros sob a superfície. — Posso imaginar o que está fazendo lá embaixo. Pelo que diz, um dos médicos ainda está em perfeitas condições.

— Sim senhor. Será que... — É claro que sim, Tiff. Se não estou enganado, daqui a pouco Gucky aparecerá

com uma caixa muito preciosa. É a caixa pela qual nos lançamos nesta missão. Sem falar, naturalmente, da necessidade de desmascarar os aras e seus métodos criminosos perante todos os povos do Império. Acredita que não tive nenhum motivo para dar à nossa ação um caráter tão amplo e complicado?

Atrás deles alguma coisa caiu ruidosamente ao chão. Viraram-se ligeiros e viram Gucky que se materializava. A caixa alongada caíra de

uma altura de cinqüenta centímetros, mas continuava intacta. Gucky ergueu-se e, com o orgulho de um general vitorioso, anunciou: — É o soro contra a doença do riso. Usou o eufemismo para designar a hipereuforia,

que poderia ser tudo, menos risível. — Muito bem! — elogiou Rhodan. — Tem certeza de que o medicamento

realmente é este? — Não se preocupe — tranqüilizou-o o rato-castor e exibiu o dente-roedor, o que

era um sinal de disposição alegre. — O ara de capa branca sentiu-se feliz por poder conversar comigo. Em seus pensamentos, li a verdade. O soro que está nesta caixa é suficiente para curar mil pessoas. Basta injetá-lo nos doentes. Age dentro de uma hora.

Tiff respirou aliviado e olhou em direção à porta que dava para o outro laboratório, atrás da qual havia um silêncio suspeito.

— Pois vamos para a Titan. Resta saber como faremos para voltar à superfície. Ao que parece, o elevador precisa de reparos.

— Levarão muito tempo para reparar esse elevador — disse Gucky em tom distraído. Estava escutando. Provavelmente captava impulsos telepáticos. A suposição foi confirmada. — RK-940 acaba de receber Thora. Está bem disposta, mas preocupada, muito preocupada.

— Preocupada? — perguntou Rhodan espantado. — Por quê? — Não sei por quê. Apenas sei por quem. — Ah, é? — disse Rhodan. — É por você — disse Gucky, exibindo o dente-roedor. — Isso permite algumas

conclusões bem interessantes. Crest acenou com a cabeça e sorriu como quem compreende. Mas foi interrompido

nessa atividade, pois Gucky não perdeu a oportunidade para uma observação mordaz. — Acho que Tiff terá que procurar outra noiva. Tiff enrubesceu como um colegial. — Eu... não me lembrei de nada melhor — gaguejou muito embaraçado. —

Infelizmente. Thora não sabia disso e só poderia ficar indignada quando despertou e ficou sabendo que eu pretendia viver em sua companhia num planeta romântico.

Desta vez foi Rhodan que sorriu. — Foi uma idéia muito engraçada — confessou, mas logo se tornou sério. — Acho

que está na hora de levarmos os medicamentos a um lugar seguro. Ainda estou um pouco desconfiado dos aras.

Naquele instante ouviu-se um leve zumbido na sala. Rhodan levantou o braço e comprimiu o botão do minúsculo aparelho de rádio

embutido em sua pulseira.

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A voz do tenente Bristal repetia constantemente em tom exaltado: — Perry Rhodan, responda. Perry Rhodan, responda. É muito urgente. Perry

Rhodan, responda... Rhodan apertou outro botão. — Aqui é Rhodan. O que houve? Um momento de silêncio. Depois a voz de Bristal voltou a falar: — Alarma total! Estamos sendo atacados por uma frota. Mais de cem naves de

guerra dos saltadores cercaram Aralon. Aguardamos suas instruções. Rhodan empalideceu. Lançou um olhar apressado para Crest e respondeu: — Ativar os campos defensivos da Titan e da Ganymed. Evitar o combate enquanto

for possível. Dentro de dez minutos, estaremos aí. Agüentem. Bristal confirmou. O receptor silenciou. Rhodan virou-se lentamente e olhou para os dois robôs. Sua voz grave revelava uma

estranha frieza: — RK-999. Revogo a ordem de poupar o inimigo. Vá à frente e abra o caminho

para os elevadores. Qualquer resistência deverá ser eliminada — dirigiu-se ao outro robô. — RK-935. Para você a ordem de não matar também não vale mais. Mantenha nossas costas livres. Quem quer que nos ataque deverá ser destruído.

Depois disso falou para Crest, Tiff e Sengu: — Vocês se revezarão no transporte da caixa com os medicamentos. Gucky,

teleporte-se para a superfície e providencie para que Thora seja levada a um lugar seguro. Caso o ataque da frota inimiga já tenha sido iniciado, aguarde juntamente com ela e os robôs no edifício da administração. Será preferível ficar no pavilhão, onde terminam os poços dos elevadores.

Falando indistintamente aos circunstantes, disse: — Vamos. Não podemos perder tempo. No momento em que RK-999 arrebentou violentamente a porta, Gucky

desmaterializou-se. Dez quilômetros abaixo da superfície de Aralon, Rhodan iniciava seu avanço para a

liberdade.

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6 Quando Themos foi carregado ao seu gabinete — e os robôs de Rhodan não

impediram que seus companheiros o fizessem — só teve uma idéia: vingança! Mas sofreu um revés após o outro. Centenas de pacientes recém-chegados preferiram voltar para as suas naves, a fim

de procurar curarem-se em outro lugar. As condições reinantes em Aralon não ofereciam muita segurança.

Seguiu-se a tentativa malograda de um de seus assistentes, que tentou matar Rhodan no elevador.

Finalmente os dois prisioneiros foram libertados. Neste ponto Themos não hesitou mais. Estabeleceu contato direto com o edifício da

administração situado na extremidade oposta do campo de pouso e pediu que o ligassem com o médico-chefe que comandava todo o setor. Em breves palavras, descreveu a gravidade da situação e ressaltou que Rhodan descobrira segredos que representavam uma ameaça à existência de Aralon.

— Diz que está agindo por ordem do Império, mas tenho minhas dúvidas. O cérebro robotizado desconfia até de nós; como é que poderia confiar numa criatura estranha, que nem sequer é súdito do Império? Chame uma frota de guerra dos saltadores. Peça o apoio dos superpesados.

Estava pedindo muita coisa. Os chamados superpesados eram a força policial dos mercadores galácticos. Viviam

da guerra. Às vezes comboiavam naves que transportavam mercadorias valiosas, mas outras vezes entravam em guerra contra mundos que tinham o atrevimento de revoltar-se contra os métodos implacáveis dos saltadores. Segregados há muito tempo de sua raça, os superpesados viviam num planeta em que a gravitação era enorme. Sua altura atingia dois metros e o diâmetro de seu corpo chegava, em média, a um metro e meio. E seu poderio bélico era tão imponente como o aspecto de seu corpo. Suas frotas eram mantidas de prontidão em todos os recantos do Império. O médico-chefe hesitou.

— O senhor sabe que os superpesados são muito caros. Seu preços não são nada módicos. Não sei se sua preocupação se justifica. Talvez possamos enganar o tal do Rhodan.

— É impossível — chiou a voz zangada de Themos, que se sentiu muito contrariado por ter de admitir a derrota. — Se esperarmos mais trinta minutos, estaremos liquidados. Poderemos fechar nosso hospital. Os pacientes já não se sentem seguros em nosso mundo.

A decisão veio com uma rapidez impressionante. — Muito bem, Themos. Chamarei os superpesados pelo hiperemissor e lhes pedirei

que nos mandem imediatamente um contingente poderoso. Mas a responsabilidade será sua, Themos. Não posso isentá-lo dessa obrigação.

— Ande logo! Não temos um minuto a perder. Themos desligou o videofone. Foi despertado de suas reflexões quando ouviu o

zumbido. Quando voltou a comprimir o botão, o rosto de Rhodan surgiu na tela. — O senhor? — gaguejou espantado.

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— O senhor está vendo — respondeu Rhodan e exigiu que Thora, que representava o último trunfo que os aras tinham em mãos, fosse libertada imediatamente.

Ao concordar, sentiu uma satisfação íntima.

* * *

Os seiscentos e cinqüenta quilos do superpesado Talamon acomodavam-se junto aos controles da nave Tal VI. Estava estacionado no setor de Dragolan, a uns 47 anos-luz de Árcon, quando o receptor de hipercomunicação captou uma mensagem dirigida a ele.

Vinha do quartel-general dos superpesados. Talamon acenou com a cabeça; parecia satisfeito. — O tédio da espera chegou ao fim. Está na hora de acontecer alguma coisa, senão

serei retirado da circulação antes da hora. Seu humor era um tanto mordaz. O oficial de rádio anunciou que a ligação havia sido completada. Poucos segundos depois, respondeu o quartel-general, que não estava instalado em

algum planeta, mas numa gigantesca nave cilíndrica. — Talamon! Os aras estão solicitando ajuda militar. Planeta de Aralon, sistema de

Kesnar. As coordenadas já são conhecidas. Duas naves, uma delas de origem arcônida, devem ser destruídas. O comandante é um certo Perry Rhodan do planeta Terra. Não o conhecemos. De quantas unidades dispõe?

— Cento e oito. — Isso basta. Entre imediatamente na transição. Antes que Talamon tivesse tempo para confirmar, o quartel-general interrompeu o

contato. Talamon transmitiu as respectivas instruções aos comandantes das naves e agiu sem

demora. Enquanto a frota acelerava, ficou refletindo constantemente sobre o nome Perry Rhodan.

Era desconhecido? Não, esse nome não era tão desconhecido assim. Já o ouvira. Seria Topthor que lhe havia falado nele...? Naturalmente, foi Topthor! Em algum lugar, a mais de trinta mil anos-luz do lugar

em que se encontrava, Topthor tivera um encontro com o tal do Rhodan e levara a pior. Bem, isso não aconteceria com ele, Talamon. Esse Rhodan que tentasse enfrentar cem naves bem armadas... Pouco importava que viesse da Terra ou do inferno.

Dez minutos depois da mensagem de socorro de Themos, a frota de Talamon se materializou no sistema de Kesnar, a menos de três segundos-luz de Aralon. Espalhou-se e entrou em posição. Cinqüenta unidades pesadas bloquearam o porto espacial. Mantendo-se numa altitude de dois quilômetros, estenderam uma rede impenetrável sobre o gigantesco campo de pouso, em cuja extremidade estava pousada a gigantesca Titan.

Talamon sentiu uma pressão no estômago quando viu a gigantesca esfera. Nunca vira uma nave desse tamanho. Devia ser o produto mais recente dos estaleiros de Árcon. Bem, talvez o monstro nem fosse tão perigoso como parecia ser.

Bem, era só experimentar. Ligou o telecomunicador. — Regul, pegue dez naves e lance um ataque contra a esfera. Acione

simultaneamente todos os canhões de radiação de que dispõe para romper o campo defensivo. Destrua a esfera, se puder. Ataque daqui a um minuto. Fim.

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Regul confirmou e formou suas unidades para o ataque. Talamon continuava sentado atrás dos controles da Tal VI. Estava esperando.

* * *

Gucky se materializou. Três ou quatro aras espalharam-se apavorados, quando viram o rato-castor formar-se

repentinamente diante deles. Um deles correu com a capa esvoaçante em direção à porta. Mas só conseguiu dar alguns passos. Sentiu-se levantado e, deslocando-se que nem um torpedo, descreveu uma curva ampla pelo pavilhão, pousando com uma longa escorregadela diante da parede. Confuso, mas sem ter sofrido ferimentos visíveis, ficou deitado.

— Onde está Themos? — perguntou Gucky com a voz estridente, apontando para os dois aras que tentavam desaparecer às escondidas. — Levem-me ao lugar em que está. Rápido, senão eu os transformo em foguetes espaciais. Até que o formato de vocês ajuda.

Os dois hesitaram, mas quando suas capas conquistaram a independência e procuraram ganhar a liberdade com tamanha força que se rasgaram e, transformadas em panos de chão, executaram algumas manobras e caíram lentamente ao chão, desistiram. Resolveram obedecer. Viraram-se e marcharam por um corredor, em cuja extremidade se via uma porta de vidro opaco. O letreiro dizia que atrás dela o chefe desempenhava suas funções.

Gucky expulsou os dois aras com um movimento da mão e abriu a porta através da telecinese. A porta se abriu, como se a mão de algum espírito a tocasse. Themos estava sentado atrás de sua mesa, exausto com as medidas estratégicas que acabara de ordenar. E o calombo da testa não diminuíra.

Gucky fechou a porta atrás de si. Aliás, parecia fechar-se por si. Themos apavorou-se e chegou à conclusão de que a fase dos milagres ainda não havia chegado ao fim. Mas nem desconfiou de que os milagres mais grossos ainda estavam por vir.

— Seu monstro de ara, será que você chamou a frota dos saltadores? Fale logo, senão eu o transformarei numa espiral giratória e o farei descer ao centro de Aralon.

— Eu... eu... — Obrigado — disse Gucky. — Já basta. Sou telepata e posso ler os pensamentos

imundos que você traz na cabeça. Quer dizer que você nos traiu. E foram logo os superpesados que você mandou chamar. Rapaz, você cometeu um erro imperdoável. Já sabíamos que você estava fulo, mas nunca poderíamos imaginar que, de tanta estupidez, você não consegue enxergar mais nada. Vamos! Você virá comigo.

— Os superpesados irão... — Os superpesados podem dar-se por satisfeitos se não os despacharmos para o

inferno — interrompeu Gucky, que mal conseguia controlar-se. — Quero que você venha comigo. Preciso mostrar-lhe uma coisa. Como é, ainda não se decidiu?

Themos ergueu-se lentamente. Seus sentimentos não prenunciavam nada de bom, e não tinha a menor curiosidade de ver o que esse pequenote queria mostrar-lhe.

De repente, Gucky captou os pensamentos de Thora. Estavam carregados de medo cheio de pânico. Lá fora, no campo de pouso, estava sendo travada uma batalha encarniçada. Gucky conseguiu descobrir isso em meio à confusão. A Titan estava sendo atacada. Numa fuga desabalada Thora conseguira colocar-se em segurança no interior do edifício, depois de ter percorrido metade do trajeto que a separava da nave.

A raiva de Gucky cresceu.

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Não teve mais a menor contemplação. Submeteu Themos ao seu controle telecinético e o fez planar à sua frente, dois metros acima do chão. Quando chegou ao pavilhão, viu que Thora entrava e, exausta, se deixava cair numa poltrona. Parecia ter chegado ao fim das suas forças. Poucos segundos depois, foi seguida por RK-940, cujos braços armados ainda estavam incandescentes.

Themos aterrissou de forma nada suave aos pés de Thora. A arcônida levantou os olhos, viu Gucky e depois o ara. Seu rosto contorceu-se.

Themos levou um soco do lado, que voltou a despertar as dores já esquecidas da primeira queda. Choramingava tristemente. O robô levantou o braço armado do lado direito e apontou-o para o traidor.

— Pare! — gritou Gucky. — Rhodan deu ordem para que não matássemos ninguém.

— Themos merece a morte — disse Thora, vindo em apoio do robô. Sua raiva era ainda maior que a de Gucky, e isso significava alguma coisa. — Por que vamos poupá-lo?

— Quem vai decidir isso é Rhodan — chiou o rato-castor em tom apaziguador. — Este sujeito não nos escapará.

— Onde está Rhodan? — perguntou Thora. Só agora parecia lembrar-se dele. Gucky olhou para as entradas dos elevadores. — Deve chegar a qualquer momento. Já está a caminho com Crest, Tiff e Sengu. Os

dois robôs virão atrás deles. Vão usar o pequeno elevador de passageiros, porque o outro está estragado.

Thora levantou-se devagar e foi caminhando em direção ao elevador. Duas portas fechavam as entradas para os poços dos elevadores: uma larga, outra estreita.

— Não é essa porta — gritou Gucky, quando comprimiu um botão e a porta larga se abriu. Não se via nenhuma cabine de elevador, apenas uma abertura grande e escura. Era o poço, que descia mais de dez mil metros. — Já disse que é o elevador pequeno.

Thora deixou aberta a porta maior e dirigiu-se ao elevador de passageiros. Mais uma vez viu o poço, mas dele saiu um zumbido monótono.

Era a cabine do elevador que estava subindo. Demorou mais dois minutos até que parou. Rhodan entrou no pavilhão, seguido dos

três acompanhantes. O rosto de Thora cobriu-se com um brilho de alegria e alívio. Correu para Rhodan e segurou-lhe as mãos.

— Perry, sinto-me tão satisfeita, eu... eu... Rhodan retribuiu a pressão das mãos de Thora. — Obrigado, Thora. A senhora acaba de me dar uma grande alegria. Mais uma vez,

muito obrigado, Thora. Mas não temos tempo para tratar de assuntos particulares. Sengu, a caixa com os medicamentos. Entregue-a ao RK-940.

Gucky ergueu-se à frente de Rhodan. Pretendia dizer alguma coisa, quando Thora soltou um grito. Quando se virou a fim de voltar para sua poltrona, lembrou-se de Themos.

O ara ficara apavorado ao ver que seu inimigo saíra são e salvo do elevador, seguido pelos prisioneiros e o arcônida. Reunindo as forças que ainda lhe restavam, levantou-se de um salto e, passando por Thora, correu em direção ao elevador. Acreditava que a fuga para o labirinto subterrâneo seria a única possibilidade de escapar à vingança de Rhodan.

No seu nervosismo, confundiu as portas. Demorou um segundo para perceber o engano. Com um grito apavorante caiu no poço.

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Rhodan correu para o elevador e contemplou a profundidade abismal, como se pudesse fazer alguma coisa pelo traidor. Mas logo viu que só havia uma pessoa que poderia ajudá-lo.

— Gucky! — gritou apressadamente. — Traga-o de volta. Depressa! O rato-castor lançou um olhar rápido para Thora. O rosto da arcônida, que ainda há

pouco estava marcado pela surpresa, voltara a ficar liso e indiferente. — Gucky! — gritou Rhodan em tom mais insistente. — Será que você não ouviu? O rato-castor arrastou-se em direção a Thora e olhou para o relógio da arcônida. — Themos já está caindo há trinta segundos — constatou em tom objetivo. — São

quase cinco mil metros. Não é de supor que a queda tenha sido perfeitamente vertical. Já está morto.

— Gucky! — a voz de Rhodan assumiu um tom mais enérgico. — Faça imediatamente o que eu lhe disse.

— Quarenta segundos! — disse o rato-castor com a maior indiferença. — São oito quilômetros. Rhodan, recuso-me a cumprir a ordem. Themos é um traidor miserável, que está sendo castigado pelo destino. Ninguém tem o direito de interferir no destino. Cinqüenta segundos. Themos está morto; não existe a menor dúvida.

O rosto de Rhodan estava pálido. Em seus olhos chamejava a raiva e o aborrecimento.

— Gucky, você acaba de cometer uma insubordinação. Ainda falaremos sobre isso — interrompeu-se ao ouvir um ruído atrás das suas costas. Era apenas a cabine do elevador, que descia para trazer os robôs. Ao que parecia, o incidente estava esquecido. Apertou um botão e entrou em contato com a Titan. — Tenente Bristal? Quero um relato da situação. Rápido!

— Dez naves inimigas estão atacando. Nossos campos defensivos resistem. O que devemos fazer?

— Aguarde. Dentro de dez segundos estarei aí. Ligue o hipertransmissor. Dirigindo-se a Gucky, prosseguiu: — Leve-nos à sala de comando da Titan. Thora e Crest, daqui a pouco serão

apanhados; Tiff e Sengu também. Até já. Gucky enlaçou Rhodan com os braços curtos e desapareceu numa fração de

segundo. Os que ficaram para trás ainda chegaram a ver o brilho triunfante nos olhos do rato-castor.

* * *

Talamon se dirigiu a uma região mais elevada, para ter uma visão mais ampla. Face

ao seu caráter, o espetáculo das dez naves, que atacavam em vão a supernave Titan, não lhe trazia raiva nem ódio. Pelo contrário: sentiu certa admiração pelo tal do Rhodan.

“Deve haver alguma coisa nesse sujeito”, pensou “e nem é bom imaginar o que se poderia fazer se este Perry fosse amigo da gente.”

Mas logo se lembrou da sua missão. Devia destruir Rhodan. — Regul! — berrou para dentro do microfone. — Retire-se. É inútil atacar a esfera

com apenas dez naves. Não abriram fogo contra o senhor? — Não dispararam um único tiro! — foi a resposta um tanto incrédula. —

Limitaram-se a ativar os campos defensivos, e não conseguimos rompê-los.

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— Atacaremos com as cinqüenta naves — decidiu Talamon. — Nenhum campo defensivo, por mais potente que seja, poderá resistir ao fogo concentrado de cinqüenta couraçados. A operação será iniciada exatamente daqui a dois minutos.

* * *

Rhodan, que se encontrava na sala de comando da Titan, não conseguiu disfarçar o

espanto quando viu que de repente os atacantes batiam em retirada. Gucky materializava-se com Sengu, o último a ser retirado do pavilhão branco. Exausto, sentou em cima da caixa de medicamentos e resmungou:

— E agora? — Agora vamos fazer três coisas — respondeu Rhodan laconicamente. — Sengu,

acompanhe Crest à enfermaria e leve a caixa com os medicamentos. O Dr. Haggard será o primeiro a receber a injeção. O antídoto será injetado em todos os doentes. Em segundo lugar você, Gucky, saltará imediatamente para o edifício da administração central, situado do outro lado do campo de pouso, e fará o possível para trazer o chefe. Deve ter sido ele quem falou com Themos e alarmou os saltadores. A terceira tarefa só diz respeito a mim. Bristal, o hipercomunicador está preparado?

Gucky suspirou e desmaterializou-se sem levantar-se. Sengu segurou a caixa embaixo do braço e saiu da sala de comando, acompanhado

por Crest. Tiff e Bristal assumiram o comando da Titan. Rhodan e Thora dirigiram-se à sala de rádio.

A grande tela do hipercomunicador mostrava o espetáculo majestoso da frota robotizada do Império, que se mantinha de prontidão. Com um ligeiro movimento da chave, o quadro foi substituído pela imagem de um único robô. Rhodan reconheceu-o através da placa que trazia presa ao peito.

— OR-775! Aqui fala Rhodan do planeta Terra. Entre já em transição com toda a frota e feche hermeticamente o sistema de Kesnar. Algumas unidades vigiarão o campo de pouso; deverão destruir qualquer nave que procure decolar. Nada de ataques. Apenas deverão defender-se. Confirme.

— A transição será realizada dentro de dez segundos. Apenas nos defenderemos, nada de ataques.

Rhodan confirmou. A imagem foi substituída. Mais uma vez, o conjunto da frota surgiu na tela. Uma nave especial de rádio teve que transmitir a imagem. De repente, a tela só mostrou os inúmeros sóis do grupo estelar M-13, que emitiam um brilho frio e indiferente.

* * *

Foi nesse instante que Talamon viu destruídas todas as esperanças de um bom lucro. O alarma correu pela nave. Os campos defensivos envolveram automaticamente

todas as unidades que se encontravam em formação de ataque, aguardando apenas as respectivas instruções. As mensagens de rádio corriam de um lado para outro à velocidade da luz, atingindo também as naves que se encontravam na face oposta do planeta e na periferia do sistema.

O pressentimento transformou-se em certeza. Uma poderosa frota de guerra dos arcônidas acabara de aparecer. Era tão potente

que dentro de poucos minutos poderia transformar a frota dos saltadores num montão turbilhonante de destroços incendiados.

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Talamon avaliou a situação com uma precisão espantosa e reagiu imediatamente. Sua tremenda capacidade de reação já lhe salvara a vida mais de uma vez. Com toda certeza, isso acontecera desta vez.

— Mantenham-se em atitude passiva — berrou para dentro do microfone. — Nada de ataques. Aguardem. Procurarei negociar.

Alguém gritou na sala de rádio: — Estão nos chamando. Um certo Rhodan do... — Passe a ligação para mim — gritou Talamon espantado. — Rápido! Demorou alguns segundos até que a tela, à sua frente, se iluminasse. Surgiu um

rosto. O superpesado fitou os olhos frios e cinzentos do ser que tinha o formato de um arcônida, mas não deveria pertencer a essa raça.

— O senhor é o comandante dos superpesados? — perguntou o homem num intercosmo impecável. — Responda!

— Sou Talamon — respondeu o superpesado com um sorriso azedo. — Acho que o senhor está interpretando mal as minhas intenções...

— Se acredita que posso interpretá-las mal, terá que tornar-se mais explícito — respondeu Rhodan. — Sabe quem eu sou?

— Perry Rhodan do planeta Terra — disse o superpesado sem muito entusiasmo. — Tive conhecimento do seu encontro com Topthor.

— Pois é tanto mais surpreendente que assim mesmo tenha tentado atacar-me. Quem foi que o chamou?

— Foram os aras. Estavam em situação difícil, e era nosso dever atender ao seu chamado.

— O primeiro dever de qualquer súdito de Árcon consiste em servir ao Império. O senhor devia saber disso.

— Os aras servem ao Império. Todo mundo sabe disso. Quando solicitam auxílio, eles o fazem a bem do Império.

— Como é o nome do ara que o chamou? — Foi o médico-chefe Borat. Dirige o setor do campo espacial e... — Então foi Borat? — Talamon viu Rhodan olhar para o lado e dizer a alguém: —

O senhor é Borat? Está certo, depois conversaremos. Voltando a dirigir-se a Talamon, prosseguiu: — Sabe alguma coisa a respeito dos aras e dos métodos que usam, Talamon? O rosto do superpesado não parecia muito inteligente. Ao que parecia não sabia o

que significava a pergunta. Encolheu os enormes ombros. — Sei aquilo que todo mundo sabe. Curam os doentes e produzem os melhores

remédios. Não possuem armas de qualquer espécie e são considerados os mais pacatos dentre os moradores da Galáxia. É justamente por isso que não compreendo por que o senhor...

— Quer dizer que não sabe mais nada? Gucky, está dizendo a verdade? Talamon ficou espantado ao ver que um estranho ser peludo empurrou Rhodan para

o lado e apareceu na tela. Fitou um par de olhos castanhos e bondosos, que o examinavam atentamente. Depois disso, o ser peludo acenou com a cabeça e desapareceu. O rosto de Rhodan voltou à tela.

— O senhor está com sorte, Talamon. Realmente não está informado sobre as verdadeiras atividades dos aras. Isso explica seu procedimento. Pois eu lhe contarei tudo, a fim de que o senhor possa informar todas as raças do Império a respeito do que está acontecendo em Aralon.

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Os dez minutos que se seguiram representaram a maior surpresa por que Talamon jamais passou. Ouviu em silêncio o que Rhodan lhe dizia. O sorriso desapareceu de seu rosto, dando lugar a uma expressão de raiva.

Quando Rhodan terminou, ficou calado por algum tempo. Depois perguntou: — Por que não destrói Aralon? O ligeiro sorriso de Rhodan não poderia ser considerado muito amável. — Será que eu destruí sua frota quando fui atacado por ela? Não. Nem sempre a

morte e a destruição são as soluções finais ou, de modo singular, a melhor solução de um problema. A Galáxia saberá como a raça dos aras adquiriu sua riqueza. O segredo deste planeta deixou de existir. Se os aras não quiserem desaparecer, terão que adaptar-se utilizando seu saber para o bem geral. No entanto, se acontecer mais uma única vez que um habitante de qualquer mundo do Império contraia uma doença cuja origem deve ser procurada em Aralon, este planeta deixará de existir.

Talamon acenou lentamente com a cabeça. — Os aras descendem dos saltadores. Têm o comércio no sangue, tal qual nós, os

superpesados. É verdade que vivemos da luta, mas não da baixeza. Perry Rhodan, conte comigo sempre que a justiça não tiver forças para defender-se.

Uma expressão calorosa surgiu no rosto de Rhodan. — Obrigado, Talamon. Não me esquecerei. Reúna sua frota e lembre-se do que

acaba de prometer. Também os saltadores nem sempre têm o direito de seu lado. Receio que dentro de pouco tempo o senhor se verá diante de tarefas que representarão um pesado encargo para sua consciência.

— Eu lhe dou minha palavra, Rhodan. Sou bastante rico para recusar qualquer oferta dos meus comandantes que não me agrade. Permite que lhe dê minha freqüência de hipercomunicação? Por ela poderá atingir-me a qualquer momento.

— Terei muito prazer em fazer uso de sua oferta se um dia isso se tornar necessário. — Mais uma pergunta — acrescentou Talamon. Em seus olhos havia uma certa

timidez, que de forma alguma combinava com aquela montanha de carne. — Como se explica que de repente os arcônidas se tenham tornado tão ativos? Há milênios não se vê uma frota de guerra oficial do Império.

— Os tempos estão mudando — disse Rhodan com um sorriso significativo. — O Império encontra-se no limiar de uma nova época de sua história. Procure acompanhar essa evolução, Talamon, e o senhor ainda terá muita oportunidade de mostrar seu gênio combativo a favor da causa do Direito.

Talamon confirmou com um aceno de cabeça. — Conte comigo, Rhodan. Se algum dia seu planeta, a Terra, estiver em perigo,

chame-me. Muitas felicidades, Rhodan. Desligou sem aguardar resposta. Seus olhos pareciam pensativos. Voltou a mover a chave com um movimento vigoroso, colocando-a na posição de

transmissão. — Frota preparada para a transição — disse com a voz um tanto trêmula, que

exprimia alívio e decisão. — Coordenadas inalteradas... Depois de alguns segundos, acrescentou: — Missão cumprida! Após dez segundos a frota de Talamon desapareceu dos céus do planeta Aralon.

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7 Rhodan levou mais trinta segundos fitando a tela vazia, antes de virar-se e fitar

Gucky. — Então, meu chapa, o que é que ele estava pensando? O rato-castor sorriu. O dente-roedor escorregou para a frente, dando uma expressão

matreira ao seu rosto. O pêlo da nuca voltou a alisar-se. — Está muito impressionado. De início, apenas havia o espanto enorme provocado

pelo surgimento da frota robotizada. Não havia contado com essa possibilidade. Para ele os arcônidas são dorminhocos incapazes de qualquer iniciativa. Mas quando soube da verdade sobre os aras, suas idéias mudaram com uma rapidez espantosa. A modificação foi verdadeira e convincente. Talamon passou a ser nosso amigo. Uma coisa que também o impressionou foi o fato de não termos aproveitado nossa superioridade para castigá-lo. Não perdeu uma única nave. Rhodan, ele admira você.

— Obrigado, Gucky — respondeu Rhodan. Parecia bastante comovido. Mas só por um instante. Seu olhar logo voltou a assumir a expressão de dureza. Com a voz fria, dirigia-se a um trêmulo ara, que se encontrava entre Tiff e Sengu. Ao que tudo indicava, ainda não conseguira digerir aquela estranha forma de transporte ultra-rápido. — Borat, o senhor ouviu o que acabo de dizer ao superpesado. Não foi nenhuma ameaça. A produção de Aralon terá de ser reduzida à metade.

“No futuro, não serão produzidos mais germes causadores de doenças; apenas remédios. Todas as raças que adoeceram por causa dos preparados dos senhores receberão tratamento gratuito. Para vigiá-los e controlar a execução destas medidas, deixarei duzentos robôs de guerra em Aralon. Serão programados de tal forma que qualquer falta será castigada com a imediata destruição do culpado. Não pense que conseguirá enganar um robô equipado com um cérebro positrônico. Mesmo que estivesse em condições de destruir um dos robôs, isso não adiantaria nada. Toda a reserva energética do mesmo seria utilizada para transmitir uma mensagem de hipercomunicação dirigida ao cérebro robotizado de Árcon. A conseqüência seria o envio de uma expedição punitiva, que destruiria o planeta depois de evacuados os doentes. Será que me fiz entendido?”

O médico-chefe Borat confirmou com um forte aceno da cabeça. Em seus olhos brilhava uma expressão de pavor e de disposição irrestrita de fazer qualquer coisa que exigissem dele. No entanto, disse:

— Não posso decidir sozinho. O conselho de médicos terá que dar seu consentimento e...

— Conhece alguém que consentiria com a destruição de Aralon? — Não, é claro que não conheço, mas... — Nada de mas, Borat. Não existe outra alternativa. A possibilidade de qualquer

solução conciliatória está excluída. O erro dos senhores foi que não se deram por satisfeitos com aquilo que haviam conseguido. E outro erro foi o de me terem atacado. Mas está tudo bem. Pode sair da nave e voltar ao seu gabinete. Aguardo sua decisão pelo prazo de três horas. É mais que suficiente. Passe bem, e conserve a saúde, Borat. Tiff, leve-o até a escotilha.

Acompanhou a saída do ara com um olhar frio. Depois dirigiu-se a Gucky:

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— E agora terei uma conversa com você, meu caro. Você se recusou a cumprir uma ordem minha. Pode oferecer qualquer desculpa para esse procedimento?

O rato-castor encolheu uns vinte centímetros. Escorregou para dentro de seu próprio corpo. Lançou um olhar de súplica para Thora, que fitou Rhodan com uma expressão de desembaraço. Suas faces tingiram-se de vermelho.

— A culpa foi minha, Perry. Fui eu quem pediu a Gucky que matasse Themos. O olhar de Rhodan passou além de Thora. — Thora, uma vida humana pesa em sua consciência. — Foi um traidor, Perry. Merecia a morte. — Será que um ser humano pode tomar uma decisão desse tipo? Se quiséssemos

raciocinar dessa maneira, também Borat mereceria a morte. E com ele mais alguns milhares de pessoas. Mas, como vê, poderão ser muito mais úteis se continuarem vivos. Também Themos poderia ter oportunidade de pagar pelos seus erros.

— Fomos nós que o matamos? — disse Thora em sua defesa. — Foi ele quem saltou para dentro do poço que seria nossa armadilha mortal. Ele se suicidou. Se Gucky não o ajudou, isso pode ter sido uma omissão, mas nunca um assassinato.

— Quer dizer que existem circunstâncias atenuantes? — perguntou Rhodan em tom sarcástico, sacudindo a cabeça. — Por favor, Thora, nunca mais procure interferir nas minhas decisões. De certa forma, compreendo sua cólera. Não falemos mais sobre isto.

Inclinou-se para Gucky. — E você, meu caro, aceite isto como uma lição. É bem verdade que Thora tem

tempo para cocar seu pêlo e ir à cozinha de bordo para pedir algumas cenouras para você, mas nem por isso se justifica que minhas ordens sejam ignoradas. Entendido?

Os olhos fiéis de Gucky pareciam ainda mais fiéis. O dente-roedor arriscou o primeiro avanço para esboçar um sorriso. Acenou fortemente com a cabeça.

— Entendido, chefe! Aguçou o ouvido em direção à porta. O dente-roedor já se esquecera da repreensão.

Gucky sorria cheio de expectativa enquanto atravessava a sala de comando em passo arrastado, fazendo com que a porta se abrisse.

Um tanto espantado com a medida inesperada, Bell tropeçou no limiar da porta e olhou para Gucky, que era considerado seu amigo do peito. Os cabelos ruivos de Bell estavam tranqüilamente encostados ao crânio redondo, enquanto o rosto irradiava alegria e satisfação. Nos olhos azuis-claros, brilhava uma espécie de tristeza contida, que parecia estar em contradição com essa satisfação. Bell devia estar atravessando um agudo conflito de personalidade.

— Olá — disse, cortando o ar com um gesto da mão. — Aqui estou. Aconteceu alguma coisa?

Gucky fungou de desprezo. — Enquanto nós salvamos a Via Láctea, você ficou refestelado na cama, dormindo

e sorrindo sem dizer nada. Devemos ser gratos aos aras, que nos livraram por algum tempo da sua cara, que já estávamos enjoados de ver. E fui logo eu quem tive de arranjar o remédio que acordou você. Mas acabo voltando para lá a fim de buscar o germe da doença.

Aconteceu uma coisa totalmente inesperada. Bell agachou-se e fitou os olhos do rato-castor, que emitiam um brilho matreiro.

— Gucky, meu amiguinho e velho companheiro de lutas, você não me fará uma coisa dessas. Eu lhe garanto que já dormi bastante; estou me sentindo quase em forma. E,

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pelo que diz o tio, doutor Haggard, tenho muito tempo. São quinze dias de descanso. Imagine só, quinze dias! Terei tempo para, vez por outra, fazer-lhe o favor de...

— De coçar meu pêlo? — perguntou Gucky em tom de espanto, com o rosto radiante.— Você vai coçar meu pêlo? Combinado! Duas horas por dia...

Bell fez uma cara de quem acabara de ser condenado três vezes à morte. Mas um simples olhar para o rosto feliz do rato-castor amoleceu seu coração. Parecia conformado.

— Combinado, Gucky! Levantou-se devagar e caminhou para a poltrona mais próxima. Afundou nela com um gemido e fechou os olhos. O mundo exterior parecia não existir mais para ele.

Gucky pôs as patas superiores nos quadris. Os pêlos da nuca arrepiaram-se. Sacudiu a cabeça num gesto de perplexidade.

— O que ele acaba de dizer é muito bonito, mas o que está pensando neste momento revela tamanha baixeza e falta de caráter que é impublicável. Bem, o que importa é o que ele vai fazer. E ele vai cumprir sua promessa.

Empertigou-se e caminhou para junto de Thora, que colocou a mão sobre a cabeça dele e sorriu.

— Acontece que tem um medo terrível de mim. Um gemido comovedor veio da poltrona em que Bell estava deitado. Parecia que o

homem que acabara de sofrer uma provocação tão desavergonhada acabara de adormecer. Provavelmente era a solução que mais lhe convinha. Rhodan sorriu e fez um gesto para que o tenente Bristal se aproximasse. — Estamos aguardando notícias de Borat. Assim que chegarem, decolaremos.

Mande que a frota robotizada volte para Árcon, onde deverá continuar à nossa disposição. Fizemos dos aras nossos inimigos mortais, e ainda não sabemos qual será o resultado. É possível que o Regente conheça a resposta. Afinal, fomos os primeiros que se revoltaram contra duas raças poderosas: contra os saltadores e contra os médicos de Aralon, que se propunham a curar pessoas sadias.

Crest e Thora trocaram um olhar. Depois de Bristal se ter retirado da sala de comando, o arcônida disse:

— Os atos que o senhor praticou terão conseqüências, isso é tão claro como a água límpida de uma fonte do planeta Terra. Muita gente começará a refletir sobre quem será Perry Rhodan do planeta Terra. O senhor representa um fator adicional nos cálculos de todos os membros do Império Arcônida. Terão que aprender a incluí-lo nesses cálculos. E, uma vez que está agindo por ordem do Regente, daqui por diante também os arcônidas serão incluídos nesses cálculos. Por isso, o senhor merece nossa gratidão, Perry. Está restituindo ao meu povo a fama do poder de iniciativa, que perdemos há milênios.

Thora confirmou com um movimento resoluto da cabeça. — Se continuarmos a agir em conjunto e reconhecermos por enquanto o cérebro

robotizado como Regente, o Império de Árcon terá uma nova época de prosperidade. Também eu tenho que agradecer-lhe, Perry, por tudo que tem feito.

Mas Perry Rhodan não iria esquecer sua origem, fosse qual fosse o lugar em que o destino o colocasse. Mesmo depois daquele momento em que, treze anos atrás, pousara na Lua com um frágil foguete de combustível líquido e descobrira os arcônidas, que enfrentavam uma grave emergência. O que seria ele hoje, se não fossem esses arcônidas? O que teria sido feito da Terra? Será que alguém saberia que no Universo existem outros seres inteligentes além dos homens? Mais do que isso. Se não fosse esse o capricho, a Humanidade não se teria destruído nas chamas de uma guerra nuclear?

Sacudiu a cabeça, aproximou-se de Crest e Thora. Estendeu-lhes as mãos.

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— Não, meus amigos, não é a mim que vocês devem agradecer. Tudo que sou e que consegui fazer é devido única e exclusivamente a vocês. Serão vocês que vão salvar. Afinal, quem seria eu se não me tivessem prestado auxílio há treze anos? Não passaria de um pioneiro espacial terrano que, se não tivesse havido uma guerra nuclear, a esta hora talvez estaria pousando em Vênus ou Marte. Não, Thora e Crest, só nós três juntos representamos um fator que deve ser considerado. Se não fosse eu, vocês teriam perecido na Lua; se não fossem vocês, eu apenas seria um membro de uma raça subdesenvolvida que estaria dando os primeiros passos em direção ao cosmos. E talvez fosse até tropeçar nos astros. Reunidos, somos uma equipe que não pode ser desprezada. Formamos uma união de amigos que manterá e fortalecerá o Império.

Seus olhos encontraram os da arcônida; sentiu o sangue pulsar mais rápido. Em seu olhar não havia apenas admiração e amizade; nele também brilhava a expressão do amor genuíno, profundo. Naquele momento, compreendeu que suas esperanças secretas não seriam vãs...

O tenente Bristal entrou e arrancou Rhodan das suas reflexões. — Recebemos um chamado de Borat. O conselho dos médicos de Aralon aceitou o

ultimato. Os duzentos robôs já foram colocados em terra. A Titan e a Ganymed estão prontas para decolar. Quais são as instruções?

Rhodan olhou-o com a expressão de quem desperta de um sonho. — Minhas instruções? Transição para Árcon, evidentemente. Tiff assumirá o

comando. Tenho outra coisa para fazer. Bristal retirou-se. Alguns segundos depois, Tiff entrou e acomodou-se na poltrona

de Rhodan. Seus comandos foram firmes e tranqüilos. O tempo começou a correr. Dentro de dois minutos, as duas naves se precipitariam para o firmamento claro, deixando para trás dez mil seres pensativos e perplexos, vindos de todos os mundos do Império. Eram inteligências acostumadas a verem Árcon dormir, passivo. Porém, haviam visto com seus próprios olhos que um certo Perry Rhodan do planeta Terra tirara Árcon daquela calma aparente. Calma esta que representava uma oportunidade excelente para todos os inimigos do Império que desejassem levar avante seus projetos de domínio.

Todos eles começariam a perguntar: quem é esse Perry Rhodan? Onde fica seu mundo, o planeta Terra?

— Um minuto até a decolagem! — disse Tiff em tom indiferente. Os olhos de Thora voltaram a procurar o olhar de Rhodan. Foi quando Gucky, que até então se mantivera num estranho silêncio, deitado em

seu sofá, resolveu levantar-se. Escorregou para o chão e arrastou-se desajeitadamente para a porta, que se abriu automaticamente diante dele.

— Não tenho mais nada a fazer por aqui — chilreou e soltou um assobio agudo, que exprimia insatisfação. — Gostaria de saber quem vai coçar meu pêlo, quando o tempo de Bell tiver passado.

Depois de dizer estas palavras, lançou um olhar de recriminação para Thora, saltitou para o corredor e desapareceu.

— Decolagem dentro de dez segundos — disse Tiff sem revelar a menor emoção. Sua mão estava pousada sobre os controles.

Rhodan fez um sinal para Crest e Thora. — Vamos andando. Acho que ainda devemos refletir sobre os termos do relatório a

ser fornecido ao cérebro robotizado. Caminhou à frente dos outros. Thora lançou um olhar de súplica para Crest, antes de

seguir Perry.

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Crest foi o último a deixar a sala de comando. Seu sorriso silencioso revelava uma alegria sincera.

* * * * * *

Havia muitos observadores que acompanhavam a ação de Rhodan com uma tremenda atenção. Era a primeira vez na história do Grande Império que alguém se levantava, intervinha com mão de ferro nos acontecimentos de Aralon e dava uma lição amarga aos médicos galácticos.

Será que os aras tomarão essa lição a peito e passarão a agir exclusivamente em beneficio da Galáxia?

Em Projeto Aço de Árcon, próximo volume da série, uma estranha ameaça surge.