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Os usos das fotografias nos Cadernos de Sociologia, parte do programa “São Paulo faz escola”.
Aluno: Maria Cristina Stello Leite
Programa: PIC/Reitoria/USP
Orientador: Marcia Aparecida Gobbi
Resumo:
A proposta da presente pesquisa é abordar a presença das imagens
fotográficas nos Cadernos de Sociologia para o Ensino Médio, elaborados pelo
programa “São Paulo faz escola” no ano de 2009, e utilizados por toda a rede
pública de ensino do Estado de São Paulo. Como relatório final o texto que
segue irá tratar dos levantamentos bibliográficos e metodológicos mais as
análises dos Cadernos selecionados para a pesquisa.
Palavras chaves: Ensino – Sociologia - Fotografias
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Apresentação
Com o inicio da obrigatoriedade do ensino de Sociologia no Ensino
Médio a partir do ano de 2009 no estado de São Paulo, fomenta-se novamente
a discussão com relação à presença desta disciplina no currículo escolar. A
pertinência ou não do ensino de Sociologia na educação básica alimenta pouca
discussão nos meios acadêmicos paulistanos, mesmo que apresente idas e
vindas há algumas décadas no ensino público. O resultado deste descaso se
reflete nas poucas pesquisas voltadas para o estudo desta área.
O ensino de Sociologia possui seu espaço dentro das Orientações
Curriculares para o Ensino Médio. Porém, mesmo com sua relevância
destacada no documento produzido pelo Ministério da Educação, as
Orientações Curriculares Nacionais (OCN), o ensino de Sociologia se cerca de
questionamentos, tanto de especialistas quanto de pessoas que possuem
pouca autoridade para falar sobre o tema, expondo assim a posição instável
que a disciplina ocupa no currículo.
Discussões referentes a conteúdos e metodologia de ensino estão
pouco presentes no meio acadêmico das ciências sociais, o que mostra o
distanciamento ou mesmo a divisão entre cientistas sociais como intelectuais e
cientistas sociais dedicados a área de ensino, tidos por vezes de modo
pejorativo e até preconceituoso, como aqueles que ocupam lugar inferior entre
a intelectualidade. Analisando o processo de institucionalização das ciências
sociais no Brasil, sua inserção aconteceu primeiramente como parte do
currículo nas escolas básicas. Com a criação do primeiro curso superior de
ciências sociais na década de 1930, na Fundação Escola de São Paulo
(FESP), tem se inicio a formação de um campo de pesquisa no país. É a partir
da década de 1960 que ocorre um distanciamento crescente do campo
acadêmico científico dos assuntos que envolvem o ensino desta disciplina nas
escolas de educação básica. Uma hipótese, que segundo Moraes (2003),
“vincula-se aos trabalhos de Bourdieu sobre a hierarquia estabelecida entre os
campos escolar e acadêmico-científico, de modo que aquele aparece como
inferior e este como superior”.
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Estas são divisões não apenas visualizadas no espaço, já que as
pesquisas referentes ao ensino de sociologia acabam por ficar a cargo de
pesquisadores voltados para a área de educação, mas também na
hierarquização dentro do que podemos chamar os profissionais das ciências
sociais, que relegam a licenciatura um papel não reconhecido como a prática
sociológica.
Num cenário como este, em que pouco diálogo há entre intelectuais
produtores de conhecimento no campo das ciências sociais e intelectuais
voltados para o ensino, temos como conseqüência as escassas pesquisas
sobre a disciplina Sociologia no ensino básico.
Desde 2006 o Parecer 38/2006 do Conselho Nacional de Educação
(CNE) torna obrigatório o ensino de Filosofia e Sociologia no Ensino Médio de
todas as escolas públicas do Brasil, dando o prazo de um ano paras todos os
estados se adequarem ao projeto. Esta decisão acabou por gerar inúmeros
debates quanto à pertinência de se inserir disciplinas que, na opinião de alguns
intelectuais, teriam seus conteúdos postos de forma interdisciplinar no
currículo.
Buscando o histórico de institucionalização das ciências sociais,
podemos observar o contexto de surgimento no final do século XIX como um
momento em que são exigidas explicações científicas para o mundo social, na
tentativa de compreender o novo homem desta sociedade. No caso do Brasil,
esta institucionalização acontece no inicio do século XX, momento em que há
“a desagregação do regime escravocrata e senhorial e a transição para um
regime de classes”, na perspectiva de Jinkings, 2007, “quando concepções
secularizadas da existência social, explicações racionais da atividade política,
econômica e administrativa e a exploração sistemática de recursos técnicos e
científicos questionam valores vinculados à ordem vigente.” As ciências sociais
teriam, numa perspectiva educacional, a função de “desvendar” esta nova
ordem que se configura na sociedade brasileira, desmistificando processos
historicamente constituídos e possibilitando uma maior compreensão dos
processos sociais. Sendo estas ciências, Sociologia, Antropologia e Política,
reconhecidas como conhecimento especializado e institucionalizado, aparece
aqui a necessidade de um tratamento enquanto disciplina, com seus limites
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traçados e não entrelaçados com outras disciplinas, como História ou
Geografia.
À época do parecer de 2006, dezessete estados brasileiros tornavam
obrigatórias as disciplinas de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio,
reconhecendo sua institucionalização. Foi só com a entrada em vigor da Lei nº
11.684, aprovada em junho de 2008, que a obrigatoriedade deveria ser acatada
por todos os estados, inclusive São Paulo que havia vetado a obrigatoriedade
da disciplina em todo o estado.
A partir de 2009 as disciplinas de Sociologia e Filosofia passam a
compor o currículo nos três anos do Ensino Médio. Diante deste cenário, no
ano de 2009 tem-se a produção, pelo governo do estado de São Paulo, dos
Cadernos de Sociologia que passam a integrar o programa “São Paulo faz
escola”, um material que irá guiar as aulas dos professor(a)s de toda rede
pública estadual.
Neste sentido, vislumbramos com esta pesquisa uma análise sobre o
material proposto para o ensino de Sociologia. Tendo como objeto de pesquisa
os Cadernos do programa “São Paulo faz escola”, uma proposta curricular em
aplicação desde o ano de 2008, há a necessidade de discutir alguns pontos
pertinentes ao assunto, uma vez que não é possível se deter sobre os
Cadernos sem questionar o processo de sua produção e aplicação. Analisar a
proposta de ensino para São Paulo, que tem como meta a “qualidade”,
possibilita uma reflexão do que seja o sistema “apostilado” com o qual se
deseja uniformizar conteúdos, práticas docentes e pedagógicas, materiais
didáticos e avaliações, com o objetivo de melhorar os resultados do estado no
IDEB, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
No que se refere aos Cadernos para o ensino de Sociologia, eles estão
divididos em: Antropologia para a primeira série, Sociologia para a segunda
série e Política para a terceira série do Ensino Médio. Nesta proposta curricular
para a disciplina, muitas vezes referida como Sociologia, que com esta
denominação abarca outras ciências sociais, há uma breve justificativa sobre o
porquê do retorno desta ciência como parte do ensino básico, afirmando que “a
volta da Sociologia ao Ensino Médio apóia-se no reconhecimento de que a
democratização do acesso ao conhecimento científico tem na Sociologia, como
ciência humana produtora de conhecimentos específicos, uma mediação
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indispensável para atingir o objetivo de incrementar a participação consciente,
racional e bem informada dos cidadãos nos assuntos públicos”.
No desenrolar do texto é apresentado o que a disciplina Sociologia pode
oferecer para a preparação do exercício da cidadania com o desenvolvimento
da capacidade crítica no aluno, idéia que parece fazer referência as
Orientações Curriculares do governo federal. A proposta de formar um cidadão
consciente é algo presente nas OCNs, Orientações Curriculares Nacionais,
quando se refere ao ensino de Sociologia, com a intenção de que por meio dos
hábitos de leitura e escrita o aluno irá “conhecer, saber, no sentido de superar
os preconceitos, as ideologias, o senso comum”, desenvolvendo uma postura
de investigação que permita o estranhamento diante de processos constituídos
historicamente.
Os Cadernos do programa “São Paulo Faz Escola”
A proposta para o ensino de Sociologia no estado de São Paulo parte do
pressuposto enunciado nas Orientações Curriculares, que esta disciplina se
integra ao currículo relacionando conhecimentos de Sociologia e exercício da
cidadania, preocupada com uma formação política do aluno.
Com relação à elaboração dos Cadernos de Sociologia, há no material
referência aos autores, profissionais reconhecidos em sua área de atuação que
selecionaram temas e questões pertinentes à composição de um currículo de
ciências sociais para o Ensino Médio, e quanto a isso não há duvidas. Foi
elaborado um Caderno para cada bimestre, sendo um total de quatro volumes
por série do ensino médio. O material destinado ao professor(a) se difere ao do
aluno, com orientações sobre como conduzir o conteúdo em sala de aula. Há
um padrão de organização para os Cadernos: [...] são apresentadas situações de aprendizagem para orientar o trabalho do
professor(a) no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Esses conteúdos,
habilidades e competências são organizados por série e acompanhados de
orientações para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a recuperação, bem
como de sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas aulas,
experimentações, projetos coletivos, atividades extraclasse e estudos
interdisciplinares.” (Proposta Curricular do estado de São Paulo, 2008).
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É proposto que o professor(a) deva realizar “uma mediação pedagógica
entre o conhecimento e os alunos, adequando o ensino ou traduzindo para eles
os fundamentos do conhecimento científico.” Porém, o que temos é a
elaboração de um currículo, e com isso todo o poder de selecionar algumas
entre tantas possibilidades do conteúdo, sem o prévio ou constante
estabelecimento de um diálogo com os professor(a)es que porventura iriam
fazer uso do Caderno em sala de aula. Esta é uma prática um tanto quanto
antiga, que trata o professor(a) como mero executor. Observando a proposta
podemos ter acesso ao modo como o conteúdo deve ser conduzido e
trabalhado em sala de aula pelos professor(a)s de Sociologia.
Página 45 da Proposta
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Página 46 da proposta
Página 47 da proposta.
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Esta nova proposta curricular, “São Paulo faz escola”, chegou às escolas
no ano de 2008, pouco discutida com escolas, professor(a)s da rede e
entidades representativas, embora se considere que houve participação dos
mesmos na elaboração. Esta desconsideração mostra o pouco caso com que
os educadores são tratados pelas políticas da secretaria da educação, os
distanciando de suas responsabilidades enquanto profissionais da área.
Mesmo que a LDB nº 9.394/96 assegure aos professor(a)s e as escolas a
possibilidade de autonomia na elaboração das propostas pedagógicas, para a
secretaria da educação do estado de São Paulo os resultados desta autonomia
são ineficientes, e sendo assim há esta necessidade de integrar e articular
ações que organizem melhor o sistema educacional.
As “apostilas” propostas são defendidas como uma tentativa de garantir
maior qualidade de ensino, criando um distanciamento cada vez maior entre
quem pensa o ensino e quem ensina como parte de um processo de
esvaziamento da profissão de professor(a).
Sendo alvo de constantes críticas o professorado no Brasil vem sofrendo
sua desvalorização desde meados da década de 1960, com conseqüências
para seu salário e condições de trabalho, que cada vez são mais precárias.
Podemos entender esta situação como parte do processo que expande o
ensino no Brasil a partir da metade do século XX, com a pretensão de tonar o
ensino básico cada vez mais acessivo a população. Porém, sem os devidos
investimentos, o sucateamento é algo inevitável.
Junto a esta situação temos a condição da escola em nossa sociedade,
em que se apresenta destituída do monopólio sobre qualquer tipo de
conhecimento, quando as pessoas podem recorrer a inúmeros meios de
comunicação para se manterem informados. Neste processo de esvaziamento
dos diplomas, as representações sobre o trabalho docente podem ser
esclarecedoras sobre de que forma a imposição de um currículo impede a
autonomia do professor(a) em elaborar propostas para trabalhar em sala de
aula os conteúdos que lhe parecem mais pertinentes, levando em consideração
tanto as especificidades dos alunos com os quais irá trabalhar como os
saberes e experiências apreendidas ao longo de sua vida profissional.
O quase engessamento na manipulação dos conteúdos, mesmo que não
havendo uma imposição escrita da proposta, é posto a mostra quando se exige
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que o aluno domine aqueles conteúdos por meio de avaliações como o
SARESP, o que impede o “resgate da práxis na construção do trabalho
docente” que “possibilitaria a superação da homogeneização dos professor(a)s,
que oculta as diferenças sociais, os conflitos e as contradições”, segundo
Aparecida Neri de Souza (1996). Nesse sentido, o estado pretende centralizar
para melhor controlar os conteúdos e descentralizar para que gestores e
professor(a)s tenham um espaço de ação apenas quando são
responsabilizados pelos resultados obtidos. Uma contradição que não se
encerra por meio destas palavras, mas que exige maior diálogo entre
formuladores de propostas, gestores, professor(a)s e comunidade, garantindo
voz a todos os envolvidos com o sistema de ensino público.
A proposta de explanar sobre a situação do programa “São Paulo faz
escola” tem o intuito de expor alguns aspectos que circundam o campo de
pesquisa aqui selecionado. São questões relevantes para que possamos
realizar uma análise mais consistente sobre aquele que será o objeto de
pesquisa, o uso das fotografias nos Cadernos de Sociologia.
A obrigatoriedade do ensino de sociologia nas escolas levantou vários
pontos de vista quanto a pertinência ou não desta ciência no currículo do
ensino médio, discutindo quanto aos conteúdos que seriam mais apropriados
para se trabalhar em sala de aula e quais métodos seriam mais adequados.
Deve-se entender esta discussão referente a metodologia e currículo com
relação a falta de pesquisas sobre o ensino de Sociologia, devido as idas e
vindas da disciplina no currículo básico. Tal situação é abordada nas
Orientações Curriculares Nacionais de 2006, que entende a ausência da
disciplina com relação a “tensões ou escaramuças pedagógico-administrativa
que propriamente a algum conteúdo ideológico mais explicito”. Independente
do motivo pelo qual a Sociologia saiu e entrou no currículo, o certo é que as
conseqüências sobre o ensino de tal ciência é fato, necessitando de pesquisas
e discussões envolvendo um maior numero de pessoas especializadas para
que assim se aproxime de algo mais consistente quanto ao ensino desta
disciplina.
Procurou-se num primeiro momento desta pesquisa realizar um
levantamento bibliográfico que contribuísse para a discussão, aproximando
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abordagens referentes ao programa “São Paulo faz escola”, ao ensino de
Sociologia no ensino médio e a problematização das fotografias nos Cadernos.
Concluída esta primeira etapa de levantamento bibliográfico, a pesquisa
se voltou para a análise dos Cadernos propostos pela secretaria estadual de
educação de São Paulo para o ensino de Sociologia. Com algumas idas à
escola e colhendo relatos de professor(a)s da rede, a intenção de observar os
usos das fotografias em sala de aula foi descartada como parte desta pesquisa,
já que não foi possível encontrar algum docente que assim o fizesse.
Mesmo nos detendo sobre a presença das fotografias nos Cadernos,
sua disposição, seu diálogo com os textos, suas legendas e propostas de
leituras, estas nos mostram ser uma abordagem pertinente e relevante, tanto
para o desenvolvimento de pesquisas em metodologias no ensino de ciências
sociais, como para contribuir com uma discussão referente a produção deste
recurso didático, os Cadernos, e o uso proposto pelo programa do estado de
São Paulo.
Mesmo não sendo recentes as propostas de ensino de sociologia para o
ensino básico, já que há mais de um século há esta discussão, a
disponibilidade de material referente ao assunto, como pesquisas e
levantamentos estatísticos, são em numero baixo, o que nos fez recorrer a
autores que discutiram o assunto para outras disciplinas, como História. Esta
sim possuindo um material vasto e consistente com relação ao ensino,
metodologias, recursos e implicações.
Sendo uma pesquisa referente ao uso de imagens nos Cadernos de
sociologia para o ensino médio, há a necessidade de refletir sobre a leitura de
imagens num primeiro momento, principalmente no que se refere à fotografia e
algumas questões que a permeiam. Uma discussão sobre recursos didáticos
também se torna imprescindível para compreender as possibilidades do
professor(a) diante do material que lhe é apresentado.
Tendo em vista o largo alcance dos Cadernos produzidos pelo governo
do estado de São Paulo, atingindo toda a rede pública de escolas para o
Ensino Médio, e também a quantidade considerável de fotografias que um
Caderno dedicado a um bimestre contém, ressaltamos a relevância de um
estudo como este.
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1. A percepção visual, uma possibilidade de “ler” imagens.
Refletir sobre a leitura de imagens é partir da idéia de que, sejam elas
fotografias, pinturas ou ilustrações, são todas portadoras de informação.
Diferentemente das imagens que compõem livros infantis, que muitas vezes
fazem das imagens ilustrações para a história narrada, temos como ponto
inicial a imagem possuída de história, localizada no tempo e passível de
interpretação em múltiplos contextos.
As narrativas que muitas das vezes acompanham as imagens, seja por
meio da legenda, seja por meio do titulo ou de um texto explicativo, acabam por
direcionar a leitura sobre o que está diante de nossos olhos. Um exemplo que
podemos fazer uso é a televisão. Com surgimento no inicio do século XX, ela
passa a substituir o lugar do rádio no espaço que este ocupava no lazer da
população, quando até então ouvir e imaginar tinha seu lugar de destaque no
entretenimento. Com o advento da televisão temos um verdadeiro
“bombardeio” de imagens ocupando nossos olhos, sempre acompanhadas de
narrativas que conduzem nossa percepção sobre o que vemos.
Diante de uma cultura que privilegia a visão em detrimento dos outros
sentidos, e que, portanto, faz uso de imagens para se comunicar
constantemente, há um déficit, se é que podemos expressar desta forma, no
que se refere a “alfabetização visual”.
Pensando sobre as múltiplas possibilidades de leitura que uma imagem
pode suscitar, e se para narrá-las faz-se uso de imagens mentais, trazendo
assim elementos subjetivos, as traduções possíveis nunca serão exclusivas ou
definitivas, segundo Alberto Manguel (2001), com relação a possibilidade de
leitura sobre as imagens. Nesse sentido, não há um conhecimento
sistematizado sobre como ler imagens. No entanto, podemos fazer uso de
alguns métodos para decifrar os textos visuais, colocando-os numa condição
temporal de narrativa. O que significa fazer esta leitura a partir de um tempo
determinado e recorrendo a conhecimentos anteriores.
Se pensarmos as imagens como meio de observarmos “a experiência do
mundo que chamamos de real”, como diria Manguel, então torna-se
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imprescindível que nos inclinemos para esta discussão, expondo a importância
da percepção visual para nossa cultura. Mais ainda. Com o uso cada vez mais
acentuado de imagens como recurso didático, em que são conduzidas por
textos, elas estão informando algo mesmo quando passam “aparentemente”
despercebidas aos olhos. É diante desta situação que temos numa pesquisa
como esta, que se deterá sobre os usos das imagens nos Cadernos de
Sociologia, parte do “Programa São Paulo faz escola”, a intenção de trazer
discussões sobre os possíveis usos e leituras das fotografias. Que tipo de
conhecimento o professor(a) faz uso quando manipula estes recursos visuais?
De que forma o Caderno conduz a percepção de professor(a)s e alunos sobre
as imagens?
Organizamos este relatório final de forma a nos deteremos
primeiramente sobre teorias referentes à leitura de imagens, expondo a
metodologia que se fará uso quando analisarmos as imagens fotográficas,
transformadas ou não em recursos didáticos nas aulas, uma vez que elas estão
lá e cultivam olhares e conhecimento, como afirma Kossoy (2002), mas que o
professor(a) tem a possibilidade de ignorar. Em seguida o tema a ser
trabalhado se refere a recursos didáticos e suas possibilidade e limitações na
sala de aula, para depois iniciar a análise dos Cadernos propriamente dita.
1.1 “Ver” é “Saber”? O que podemos ler a partir de fotografias.
A falta de domínio sobre a linguagem escrita não é um empecilho para
narrar o que se vê, sendo possível construir histórias a partir de imagens. Mas
tão logo as regras são aplicadas e passamos a dominar a linguagem escrita,
compreendendo que há uma narrativa “certa” para aquelas imagens dentro dos
livros, que elas possuem um direcionamento, e agora o que importa é se deter
sobre o que está escrito. Pouca atenção é dada a uma alfabetização visual,
que talvez pudesse dizer que foi iniciada na primeira infância, mas que logo em
seguida passa a ser ignorada pelos educadores.
Esta citação é apenas um ilustrativo sobre a forma como somos
disciplinados para privilegiar a escrita enquanto linguagem digna de nossa
atenção. Mesmo sendo a visão considerada o sentido primeiro entre os outros
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cinco, e as imagens serem tomadas como um meio de informação, pouco se
detém no dia-a-dia sobre a leitura de imagens e ao tipo de sistematização que
uma leitura possa exigir.
Um dos pressupostos para iniciar uma pesquisa como esta é ter a
imagem, ou mais especificamente a fotografia, como referência de
conhecimento. Não sendo apenas um registro factual, ou um testemunho do
que foi escrito, a fotografia torna-se uma das possibilidades de leitura sobre
fenômenos sociais.
Neste sentido, a sociologia faz da fotografia um objeto passível de
leituras e análises, e a torna “matéria-prima do conhecimento”, nas palavras de
José de Souza Martins, 2008. As fotografias se mostram assim como uma
narrativa sobre os fatos ocorridos, informando a partir de uma interpretação da
realidade vislumbrada por determinado sujeito. Seja com intenção documental
ou transformada em objetos de análise posteriormente, temos como
pressuposto de pesquisa que as fotografias são parte do material possível para
o trabalho da sociologia, uma fonte que torna visíveis informações que as
outras fontes ocultaram.
Mas para compreender o uso que a sociologia faz da fotografia temos
que nos deter sobre alguns aspectos que compõe os recursos visuais.
Podemos fazer da fotografia um objeto das ciências humanas, e mais
especificamente da sociologia e antropologia, pelo fato de que por meio das
imagens identificamos ou reconhecemos algo, confrontando conhecimento e
experiência, segundo Pierre Bourdieu (1965), quando se refere as fotografias
sem intenção documental, sem preocupação estética, que se tornam objeto por
meio do sociólogo. É justamente por que reconhecemos algo que as fotografias
nos fazem falar e até mesmo pensar. Quando a mãe retira da caixa de sapato
as fotografias da família ela tem em mãos aquilo que identifica o sujeito como
pertencente a um grupo. No ato de apontar e mostrar a mãe direciona o filho,
ou qualquer um que a acompanhe, num processo de reconhecimento.
Poderíamos refletir nesta linha pensando sobre o ato do professor(a) quando
faz uso de fotografias em sala de aula. De que maneira ele conduz o
reconhecimento do aluno diante do que se olha na imagem?
Em pesquisa etnográfica realizada em 1960, “O camponês e a
fotografia”, Bourdieu volta para aldeia onde passou a infância com o intuito de
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analisar os usos e sentidos das fotografias e da prática fotográfica na
sociedade camponesa do Béarn. Nesse caso específico, em que o autor
buscou as fotografias presentes neste contexto e as descobre guardadas em
caixas de sapato, o objeto de análise não são os indivíduos retratados no papel
e sim as relações que estão impressas, valores e comportamentos aceitos
socialmente que trazem à luz a possibilidade de compreensão de contextos
passados e que ainda estão guardados.
Bourdieu também ira explorar e idéia de frontalidade, uma tentativa de
controle que o sujeito fotografado deseja sobre a recepção de sua imagem. O
olhar de frente, a postura reta, uma posição que pretende não dar margem a
subjetividades, e então uma foto de casamento imprime um ritual de
importância significativa para a vida social, avivando os valores de grupo onde
a presença individual está submetida às relações visualizadas.
Esta pretensão de controle sobre o receptor pode-se estender para
outros sujeitos e narradores da linguagem visual. A configuração de uma
determinada idéia, de um fato num papel, opera como “um corte instantâneo no
mundo”, nas palavras de Bourdieu, e como corte tem por trás sujeitos que
fazem uso de “técnicas” para alcançar o maior controle possível sobre a
recepção da imagem produzida. É nesse sentido de controle e corte que
podemos fazer da fotografia um objeto da sociologia. Sendo ela um texto
visual, podemos fazer uma leitura sobre o contexto de produção, questionar
sobre sua composição, seus cortes e as técnicas empregadas.
Porém, para realizarmos tamanha façanha necessitamos de certos
conhecimentos referentes á análises iconográficas, ter acesso às múltiplas
possibilidades de leitura e interpretação que a fotografia suscita. Um tipo de
conhecimento ignorado por muitos que fazem uso de fotografias e imagens, e
no caso aqui específico os professores, que relegam à imagem um mero papel
de ilustração do texto, como se os elementos visuais que a compõe não
interferissem na leitura da ideia apresentada.
Para nos determos sobre a análise iconográfica faremos uso
principalmente de Boris Kossoy (2002) e algumas teorias sobre leitura de
fotografias, partindo da ideia que ela é uma representação do real intermediada
pelo fotografo, ou pelo sujeito produtor da imagem. Sendo assim, o uso de
imagens e fotografias requer sensibilidade para assim alcançar o que está
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oculto, e Kossoy se refere ao resgate do ausente da imagem como forma de
compreendermos o sentido aparente, sendo desta perspectiva que
compreendemos a ideia de se fazer uso de imagens como fonte de informação.
Refletir sobre a expressão fotográfica nos leva a pensar o “processo de
construção de realidades”, usando a expressão de Kossoy, buscando
compreender os componentes culturais, estéticos e ideológicos que estão
presentes tanto na elaboração da imagem quanto na sua recepção. Neste
sentido, na tentativa de compreender o “processo de construção de
realidades”, temos a necessidade de decifrar as múltiplas interconexões
possíveis entre as teorias que pretendem dar conta deste campo do
conhecimento.
A fotografia, ou a expressão fotográfica, tanto pode ser vista como
objeto de investigações, em estudos que se referem à História da Fotografia,
quanto como fonte de informações, seguindo assim para uma Iconografia
Fotográfica. Esta ultima nos parece ser mais pertinente no transcorrer deste
relatório parcial, uma vez que temos a fotografia como fonte de informações
para as mais diferentes áreas, carregando uma força documental por conter
“elementos de fixação da memória histórica individual e coletiva”.
Pensar a fotografia como uma fonte de informação é pensá-la
enquanto representação do mundo, por isso a necessidade de compreender
seu papel cultural. O poder de informação e desinformação, sua capacidade de
emocionar e transformar, de denunciar e manipular, segundo Kossoy, faz com
que nos voltemos para uma reflexão referente aos usos e aplicações das
imagens.
Temos diante de nós uma cultura que se estrutura na percepção visual
como principal meio de apreensão da realidade, e sendo assim, problematizar
o uso de fotografias e imagens é deslocá-las de um mero papel de ilustração
para uma posição de destaque naquilo que constitui os meios de se alcançar o
conhecimento. É neste sentido que a ideia de representação do mundo contida
nas imagens é imprescindível para o tipo de abordagem proposta nesta
pesquisa.
Como representação do real, passível de inúmeras interpretações, as
imagens são vulneráveis a manipulações. Desde o tipo de enquadramento, no
caso de fotografias, na construção da legenda, que nos foca em determinada
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ideia, como também os “tratamentos” que direcionam a leitura dos receptores,
são estes elementos que criam desta forma novas realidades.
No que se refere à fotografia, visualizamos no fotografo o papel de
selecionar e interferir na realidade fixada, e por isso ela deve ser analisada
num processo de construção da representação, como uma criação e não um
registro de fatos. Esta ideia irá permitir pensar sobre um segundo ponto, o
processo de construção da interpretação, a possibilidade de diferentes leituras,
uma vez que as imagens mentais do receptor irão se confrontar com a
realidade do autor. São estes dois processos que nos permitem a
compreensão do processo de construção da realidade possibilitada pela
desconstrução da imagem, o que implicará também na forma como alunos e
alunas observarão as imagens e o que aprenderão a partir das mesmas.
1.2 Sistematizando a análise sobre as fotografias Dentro deste pressuposto de que a fotografia por si só pode ser uma
fonte de informação e conhecimento, prosseguimos neste relatório parcial de
pesquisa discorrendo sobre a metodologia que será empregada para
analisarmos as fotografias presentes nos Cadernos de Sociologia do programa
“São Paulo Faz Escola”. Devido a já citada falta de pesquisas com relação a
metodologias e práticas de ensino na área, esta pesquisa se mostra como um
grande desafio já que sem referências bibliográficas houve a necessidade de
realizar diferentes leituras para a sua concretização. O material pesquisado
com relação ao estudo sobre fotografias não traz nenhum diálogo com o ensino
de sociologia, sendo isto realizado ao longo das análises dos Cadernos.
Com o advento da fotografia no século XIX, e depois os processos de
evolução desta tecnologia, o homem passa a ter acesso a outras realidades,
visualizando o que até então ele apenas ouvira contar. Com a fotografia o
homem tem às mãos mais uma forma de conhecer o mundo ao seu redor, se
informando por meio de imagens que interpretam a realidade segundo
determinada pessoa, o fotógrafo.
Sendo um fragmento do real, selecionado por um individuo, a fotografia
desde sua concepção é manipulada, passando pelo filtro cultural do fotógrafo.
Esta ideia não parece estar presente naquilo que supõe o “senso comum”, que
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faz da fotografia uma prova da verdade uma vez que ela congela no papel uma
situação do real. Como prova da verdade, já que é evidente e instantâneo a
percepção da imagem, descarta ou se ignora o que está ausente.
Podemos nos questionar se as fotografias poderiam ser objetos de
leitura, ou de que forma poderíamos sistematizar o conhecimento para que se
realize a leitura de imagens. Se é possível realizar diferentes leituras sobre
uma imagem, então não há nada evidente quando se depara com uma
fotografia. As fotografias então podem ser tomadas como objeto de
investigação e descoberta desde que sistematizada as informações e
estabelecido uma metodologia adequada, segundo Kossoy (1989), em seu livro
História e Fotografia.
Para desenvolvermos nossa pesquisa usamos como referência a
metodologia de análise sugerida por Kossoy no livro acima citado. Porém,
faremos algumas adaptações por não ser o nosso foco o tratamento da
fotografia como documento para a História, mas sim como fonte de informação
transformada em matéria-prima do conhecimento.
O autor parte do pressuposto que os elementos constitutivos do
processo para se ter uma fotografia são: o assunto, o fotógrafo e a tecnologia.
O assunto que orienta o fotógrafo passa pelo seu filtro cultural, selecionando
apenas um fragmento desta realidade que irá se tornar expressão visual por
meio da tecnologia empregada.
Pesquisar sobre os dados específicos da produção fotográfica é pensar
sobre o processo que lhe deu origem. Para isso buscamos informações sobre o
assunto retratado, sobre o fotógrafo que “produziu” a imagem e sobre a
tecnologia utilizada para completar o processo. Investigar estas circunstâncias
nos permite compreender a produção da fotografia.
No entanto, primeiramente daremos inicio por um exercício do olhar,
observando e descrevendo o que está explicito na fotografia, relatando aquilo
que vemos no primeiro plano. Uma descrição minuciosa do objeto é de grande
relevância para que possamos perceber qual o punctum, fazendo uso do
conceito de Barthes, 1984, quando se refere ao detalhe que acaba por prender
nosso olhar diante de uma fotografia. Dado que este punctum parte da
subjetividade do receptor, ele torna-se um ponto de partida para prosseguirmos
na análise sobre a fotografia.
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A partir desta descrição feita passamos para a busca pelo contexto e
dados referentes ao tema da imagem fotográfica. Como toda a foto presente
nos Cadernos contém algum tipo de informação, seja sobre o autor da imagem,
seja um titulo ou uma legenda que a acompanha, facilita assim nossa busca
por contextualização.
Buscar informações sobre o fotógrafo pode ser relevante para observar
o tipo de trabalho desenvolvido por ele, comparando o estilo presente em sua
obra, o que nos possibilita também pensar sobre a intenção por detrás da
imagem. Buscar informação se a fotografia foi encomendada para algum meio
de comunicação, como jornal, revista, periódico, livro ou site, e dentro dessa
ideia, se ela era uma ilustração para algum texto ou era “lida” isoladamente.
Outra possibilidade é a fotografia fazer parte de uma série de trabalhos feitos
por determinado fotógrafo, e que por isso ela pode ganhar sentido diferente
quando colocada ao lado das outras fotografias que compõem a obra.
São dados que não podem ser ignoradas no momento de analisar esse
objeto. Assim, consequentemente, volta-se para o contexto do sujeito produtor
da fotografia, o fotógrafo. Buscando dados sobre seu contexto de produção,
como o local e a data, mas também sobre sua vida e o tema selecionado por
ele.
Compreender o conteúdo da fotografia buscando referência de análise
em estudiosos sobre o assunto, permitindo uma melhor observação sobre o
fragmento selecionado da realidade, apreendendo o tempo e o lugar. Esta seria
uma análise técnica que se cruzaria com uma análise iconográfica, o que seria
uma análise que se debruçaria sobre a expressão visual.
Neste sentido refletimos sobre as manipulações/interpretações, como
Kossoy sugere, que envolvem a produção da fotografia, levando em
consideração tanto o fotógrafo e quem solicitou a obra quanto quem publica e
quem “consome” a imagem, já que estes últimos também são
manipuladores/interpretadores do objeto.
Susan Sontag (1977) escreve que “apesar da presunção de
veracidade que confere autoridade, interesse e sedução a todas as fotos, a
obra que os fotógrafos produzem não constitui uma exceção genérica ao
comércio usualmente nebuloso entre arte e verdade.” Esta é uma questão que
diálogo com a ideia acima citada, pensando a relação entre produção e
19
consumo da fotografia é o que a traz para um campo objetivo de análise.
Porém, o ato de fotografar não se desvencilha do enquadramento artístico,
aquele que seleciona o melhor ângulo, o que nos faz cruzar os dados técnicos
com os dados iconográficos.
20
2. A disposição de recursos didáticos Com base na ideia proposta acima, de que as imagens também são
portadoras de conhecimento e que para serem utilizadas necessitamos de
recursos que nos permitam desconstruir a intenção por de trás delas,
passemos a analisá-las no contexto escolar, sobre seus possíveis usos no
processo de aprendizagem.
Antes de iniciar a análise sobre o uso de imagens faz-se necessário se
deter por um momento sobre os recursos didáticos. O que define um recurso
didático? Quais recursos estão disponíveis? Que tipo de abordagem podemos
fazer por meio de determinados recursos didáticos? A fotografia é um recurso
didático? Quando estão nos livros o que é recurso, o livro, as fotografias, ou
ambos? Compreender tais perguntas permitirá um melhor entendimento sobre
os usos de imagens como recurso didático, suas possibilidades e seus limites.
Recursos ou materiais didáticos podem ser compreendidos como
facilitadores do processo de aprendizagem ou mediadores na apreensão de
conhecimento e informação, possuindo uma linguagem especifica voltada para
determinada disciplina escolar. Dentro deste universo de materiais podemos
fazer uma distinção entre aqueles que possuem uma produção direcionada,
como livros didáticos e paradidáticos, dicionários, apostilas, Cadernos e
produções multimídias, vistos como suportes informativos, na expressão de
Bittencourt, diretamente ligados a indústria cultural. São recursos dotados de
preocupação com princípios pedagógicos, uma vez que sua produção é voltada
para a escola. Neste sentido podemos abordar questões referentes à
concepção do material, sua relação de produção e consumo e finalmente o seu
uso.
Outro tipo de material didático são aqueles que não são produzidos
com fim escolar, que passam a ser usados com intenção didática
posteriormente. Estes são denominados de documentos por Bittencourt (2005),
por possuírem a intenção de atingir um público maior que o escolar, como
músicas, artigos de jornais, poemas, contos, romances, pinturas, que se
tornam materiais didáticos por intermédio do professor(a) de acordo com sua
opção de trabalho pedagógico.
21
Uma terceira possibilidade de material didático se refere àquilo que
tanto professor(a)s quanto alunos produzem, como textos escritos, jogos,
dissertações, resumos, maquetes, e outros materiais que podem ser tomados
como recursos didáticos e que nos possibilitam pensar a escola como
produtora de conhecimento, e não simples reprodutora.
Esta divisão dentro dos materiais didáticos disponíveis, proposta por
Bittencourt, facilita o tipo de abordagem possível para cada um deles.
Começando pelo livro didático, uma ferramenta presente na escola há
mais de dois séculos, há a possibilidade de observar um objeto com sua
produção totalmente relacionada ao uso escolar. Com linguagem diferenciada
dos outros livros, o didático é muitas vezes visto como referência para o ensino
tradicional, um suporte para professor(a)s na elaboração de suas aulas. São
inúmeras as pesquisas que se debruçaram sobre os livros didáticos, e que em
sua maioria revelaram as ideologias presentes nos discursos ali reproduzidos.
Neste sentido, o uso dos livros didáticos deve ser problematizado.
Como já foi dito anteriormente, este material é uma mercadoria da
indústria cultural, e como tal responde as demandas do mercado consumidor.
O conteúdo dos livros didáticos está de certa forma sob controle do Estado
como, por exemplo, no caso brasileiro em que há um Plano Nacional do Livro
Didático (PNLD) que realiza uma triagem entre os livros enviados pelas
editoras, redistribuindo para as escolas apenas aqueles que preencherem
determinados requisitos. Sendo o Estado o maior consumidor dos livros, por
atingir um maior numero de professor(a)s, as editoras acabam por se adequar
nas exigências de currículo do governo. Tendo-se em conta o alcance dos
livros didáticos, pois quando escolhidos por um professor(a) temos que ter
consciência do papel que este material exerce como parte do cotidiano de
vários alunos, sendo referência de conhecimento para ele e muitas vezes para
seus familiares também, temos aqui uma questão política que envolve a
produção do livro.
Como suporte para as aulas o livro didático é foco de críticas que
observam a forma impositiva com a qual os autores expõem o conteúdo, não
dando margem para questionamentos, tornando o livro uma referência para a
“verdade”. Juntando isso à precária formação dos professor(a)s e as péssimas
condições de trabalho que ele se encontra, sobrecarregado de horas/aula, o
22
livro didático é um material sem o qual o docente não consegue ficar, tornando-
se completamente dependente deste suporte.
Dentro do livro didático observamos outra problemática, as imagens
dispostas entre os textos. A preocupação com as imagens parte da ideia de
que elas não são meras ilustrações usadas para tornar a “mercadoria” mais
atraente e sim vistas com alto poder de informação, porém direcionadas para
determinada interpretação quando utilizadas didaticamente.
Dotadas de legendas e textos explicativos, as imagens tornam-se um
complemento do que se lê, sem propostas de atividades por parte dos autores,
muitos professor(a)s acabam por ignorar a possibilidade de leitura sobre as
ilustrações disponíveis no material, o que compromete de certa forma o uso do
livro didático.
Perde-se, neste sentido, o uso do livro didático como instrumento de
pesquisa, com o qual é necessário se preocupar com o autor, as formas de
disposição dos textos, com os profissionais da edição que interferiram na
produção, com data, índice, elementos que permitem um uso mais consciente
e autônomo do material.
Prosseguindo nossa discussão referente aos recursos didáticos, nos
voltamos agora para o uso de documentos em sala de aula, um material
produzido sem fins escolares, mas que por meio do professor(a) ele se torna
pedagógico. Dentro desta classificação temos os documentos escritos, jornais
e literatura, e os documentos não-escritos, como imagens, filmes e musicas.
Quando se trata de recorrer a jornais para abordar determinado
assunto deve-se ter em mente os aspectos que o circundam, por ser uma
mercadoria o jornal responde aos interesses de quem o produz. Porém, ele não
deixa de refletir questões e valores que estão presentes em nossa sociedade.
Nesse sentido, fazer ressalvas quanto a parcialidade da informação ali
disponível torna-se elemento imprescindível para o bom uso deste material,
que não foi produzido com intenção didática, mas que direciona a informação
ali apreendida.
A literatura também pode ser utilizada como recurso pedagógico. Fazer
usos de textos literários pode fornecer um bom ilustrativo de como questões
abordadas “academicamente” podem ser interpretadas no cotidiano de nossa
23
sociedade. Mas para tal uso deve-se ressaltar a possibilidade das múltiplas
leituras da obra, dependendo do contexto do autor e do leitor.
No que se referem a documentos não-escritos, as imagens podem ser
vistas como pinturas, fotografias, ilustrações levadas para a sala de aula como
forma de informar sobre determinado assunto. Fora dos livros didáticos, a
leitura sobre elas pode ser livremente direcionada pelo professor(a). Dentro
desta categoria de documentos não-escritos também aparecem os filmes, um
recurso bastante utilizado hoje em dia, uma vez que seu poder de
entretenimento é alto. O uso deste recurso há um tempo já vem sendo
problematizado, já que são inúmeros os aspectos que deveriam ser abordados
quando se recorre ao filme, como por exemplo: autor, produção, roteirista,
atores e, sobretudo, sua condição de mercadoria.
A música também se faz presente nas salas de aulas como um recurso
didático, mas assim como o filme, seu poder de entretenimento muitas vezes
impede que se observem aspectos relevantes para seu tratamento didático por
meio do professor(a).
Pensar sobre os recursos didáticos contemplados pela nossa
exposição também nos faz refletir sobre a excessiva escolarização que um
recurso sofre quando entra no ambiente escolar. Esta é uma questão que
importante quando se deseja fazer uso de fotografias como recurso didático,
uma vez que elas não foram produzidas exclusivamente para compor o
material ou ilustrar determinado de assunto.
Diante do acima exposto temos os Cadernos do programa da
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que por ser um material
didático que orienta as aulas, contempla dentro dele o uso dos recursos
didáticos citados. No entanto, nos interessa aqui o que se refere as imagens
em sala de aula e a presença deste recurso nos Cadernos de Sociologia. A
Orientação Curricular para o ensino de Sociologia afirma a disciplina como
“instrumento que o professor(a) maneja em sala, por intermédio da interlocução
com textos sociológicos, antropológicos e da ciência política, mas também com
materiais documentais como filmes, a literatura, obras de arte e fotografias,
entre outros, a fim de responder, com o aluno, às questões suscitadas por esse
modo de olhar a realidade.” O professor(a) nesse caso realizaria uma
mediação pedagógica entre recursos didáticos e o conteúdo.
24
Tendo em mente que o público presente numa sala de Ensino Médio é
diferente de uma sala de aula do curso de graduação em Ciências Sociais,
onde os alunos optaram por estarem lá passando por processos de seleção
como o vestibular, os Cadernos possuem a preocupação de apresentar uma
linguagem adequada ao público para o qual é destinado, alunos do ensino
básico que são obrigados a cursarem todas as disciplinas se desejarem o
diploma, fazendo dos recursos didáticos ali presentes instrumentos para a
assimilação do conteúdo. Nesse sentido as fotografias ocupam este mesmo
espaço, o de viabilizar a assimilação do conteúdo.
Por meio da exposição que vem em seguida pretende-se analisar o uso
das fotografias dentro dos Cadernos.
25
3. Analisando as imagens dos Cadernos de Sociologia Como já especificado neste relatório, os Cadernos são um tipo de
material didático desenvolvido com o objetivo de ser utilizado no período de um
bimestre. São quatro volumes por série do ensino médio, sendo um total de
doze Cadernos desenvolvidos para a disciplina de Sociologia.
Devido ao curto tempo disponível para realização desta pesquisa, fez-
se uma opção em analisar os Cadernos referentes à primeira série, num total
de quatro volumes. Os conteúdos trabalhados nesta primeira série estão em
dialogo constante com a antropologia, tratando de temas como identidade,
cultura e desigualdades.
O numero de fotografias que fazem parte dos Cadernos são em
numero significativo, e o objetivo de desenvolver a leitura de imagens é uma
das propostas do material. Sendo assim, esta pesquisa se mostra pertinente e
relevante para uma discussão sobre o ensino de sociologia.
3.1 Caderno de Sociologia, 1ª serie - volume1. O primeiro Caderno de Sociologia do programa “São Paulo Faz Escola”
tem como tempo previsto de aplicação das atividades ali propostas a duração
de oito aulas em sala de aula. É um Caderno planejado para o uso em um
bimestre, e apesar de fazer uso do nome Caderno o material se assemelha
muito a uma apostila.
O Caderno objeto desta análise se refere ao primeiro que o professor(a)
teria contato no Ensino Médio, portanto, há uma preocupação em introduzir a
Ciências Sociais, compreender o que a diferencia das demais disciplinas, por
que apesar de no material estar impresso Sociologia há uma divisão clara em
Antropologia, Sociologia e Ciência Política, correspondendo a um dos três anos
que compõe o ensino médio. Sendo que o conteúdo tratado em cada série traz
os temas clássicos de cada uma destas ciências. Neste primeiro Caderno
usado pelo aluno do primeiro ano do ensino médio, podemos observar
discussões há muito tratadas pela antropologia, como o estranhamento e a
desnaturalização de valores e comportamentos estabelecidos culturalmente.
26
No Caderno feito para o uso do professor(a) há orientações de como
conduzir o conteúdo, orientando sobre o que é mais relevante na atividade e
questões pertinentes para se fazer aos alunos. Logo no inicio do Caderno há
uma introdução presente apenas no material dos professor(a)s, indicando a
intenção da proposta. Primeiramente, a intenção é expor algumas
especificidades da Sociologia, sendo que o termo mais utilizado pelos autores
é o olhar. O olhar sociológico como diferenciado. É a partir de um olhar que
desnaturaliza e estranha a realidade que se inicia uma observação dita
sociológica. O termo olhar é colocado como central para se construir um
conhecimento científico, e é a partir de uma reflexão sobre a vida cotidiana do
aluno que se pretende trabalhar o estranhamento da realidade.
Este olhar sociológico como diferenciado é tratado por W. Mills na sua
obra clássica “A imaginação sociológica”, em que o oficio do sociólogo
pressupõe algumas especificidades, como a observação. Antes de introduzir
temas clássicos das ciências sociais, como os tratados por K. Marx e M.
Weber, a escolha do Caderno foi de abordar os elementos que singularizam
esta nova disciplina, numa tentativa de que o aluno compreenda a distinção
que se estabelece, já que temas como religião, economia e estado podem ser
abordados por disciplinas como história e geografia, mas com “olhares”
diferenciados.
O Caderno é dividido em Situações de Aprendizagem, em que cada
situação tem objetivos distintos, sendo a primeira intitulada de “O Processo de
desnaturalização ou estranhamento da realidade”. A proposta de conteúdo
como já foi mencionado é a construção do olhar, desenvolvendo um espírito
critico nos alunos, e a estratégia usada seria por meio de aulas dialogadas,
pesquisa e interpretação de imagens, sendo um dos recursos essenciais para
estas atividades o uso de imagens disponíveis no próprio Caderno.
As outras duas Situações de Aprendizagem propostas pelo Caderno
são: “O homem como um ser social”, entendendo como a vida em sociedade
permite a sobrevivência, e como essa vida em comum resulta em uma cultura
onde o homem cria e é criado o tempo todo; e “A sociologia e o trabalho do
sociólogo”, retomando a discussão do inicio do Caderno com relação ao que
distingue a ciências sociais das outras disciplinas.
27
Há habilidades, e por este termo o material compreende que seja um
tipo de conhecimento que se caracteriza por “saber fazer”, como argumentação
e expressão oral, que não são exclusividade das ciências sociais enquanto
disciplina no ensino médio. Porém, estas habilidades muitas das vezes são
tratadas como se fosse um fim a ser alcançado por meio do ensino de
Sociologia.
Iniciando esta primeira situação de aprendizagem, o Caderno propõe
uma etapa intitulada “Sondagem e Sensibilização”, que sugere ao professor(a)
falar um pouco sobre o histórico da disciplina sociologia no ensino básico. Esta
etapa de sondagem entende-se como o momento em que o professor(a) teria a
possibilidade de mapear aquilo que seus alunos sabem sobre o assunto, sendo
a partir deste ponto que se buscaria uma sensibilização, traçando conexões
com o que esta sendo proposto e aquilo que os alunos trazem. No entanto, não
se verifica qualquer tipo de orientação ou espaço para que se realize uma
“sondagem” do conhecimento, o que nos leva a pensar a eficácia de uma
sensibilização que parte do pressuposto que os alunos nada teriam a contribuir.
Com relação ao histórico sobre as idas e vindas da Sociologia no ensino
médio, o Caderno apresenta algo bem sucinto, mas ao final há sugestões de
textos que podem dar um panorama mais seguro sobre o assunto. A proposta
caminha no sentido de mostrar aos alunos que a sociologia já esteve presente
no ensino básico e que, por questões não especificadas, ela deixou por um
tempo o currículo e desde dois mil e nove volta a ser obrigatória. O texto fala
rapidamente sobre a importância de se estudar sociologia para a formação de
qualquer pessoa, e logo em seguida apresenta as ciências que compõe as
ciências sociais, dando uma definição mínima sobre Antropologia, Ciência
Política e Sociologia. Esta seria uma tentativa de o professor(a) estimular seus
alunos a se interessarem pela disciplina, que provavelmente é pouco
conhecida entre os alunos.
Quando apresentado alguns dos temas e conteúdos das ciências sociais
temos também a necessidade de distingui-la do senso comum, pelo menos é a
sequência proposta pelo Caderno. É neste ponto de distinção entre o senso
comum e as ciências sociais que o Caderno ira trabalhar a questão deste olhar
diferenciado que a ciência faz uso para construir o conhecimento, e
28
compreender este olhar nos permite fazer uso destas ciências para melhor
apreender a realidade.
Nesta proposta de treinar o olhar do aluno, o Caderno faz claramente
uma opção por trabalhar imagens como recursos didáticos na tentativa de
desenvolver uma percepção social, e neste sentido a análise das imagens que
o compõe se torna uma abordagem pertinente para pesquisa.
O Caderno possui ao todo catorze imagens, sendo que todas estão
concentradas nesta primeira situação de aprendizagem, nas outras duas
situações de aprendizagem não há mais nenhuma imagem. As imagens são de
diferentes tamanhos, sendo que há uma fotomontagem, composta por seis
fotografias. Sobre a qualidade da impressão pode-se dizer que ela não
compromete a leitura destas imagens, apresentando impressão colorida para
as fotografias, e isso será verificado nos outros volumes dos Cadernos.
Das catorze imagens, apenas quatro serão usadas como recursos
didáticos. As demais imagens entrecortam os textos, cumprindo o papel de
meras ilustrações, pelo menos é isso que parece quando não há nenhuma
menção a elas. Em alguns dos casos é até difícil entender como deveria usar
estas imagens, uma vez que estão presentes no Caderno, entende-se que são
parte do recurso pedagógico. Esta ausência de referencia ou orientação nos
permite refletir sobre a presença destas imagens. Especificando um pouco
mais, destas imagens oito são do artista M. C. Escher, com sete gravuras em
preto e branco e uma fotografia, também em preto e branco. As outras seis
imagens são fotografias coloridas, que focam apenas os olhos de pessoas
diferentes. A partir desta apresentação será analisada cada uma destas
imagens, como estão colocadas e em que parte do texto escrito estão
entrecortando.
Como mencionado acima, o texto parte para uma etapa de construção
do olhar, e logo em seguida há uma gravura do Escher chamada “Olho”. Ela
possui as informações de data e técnica empregada, o que permite ao aluno ter
acesso as informações da imagem. Porém, abaixo dela, o texto prossegue
como se nada o tivesse interrompido. As perguntas abaixo sugeridas se
referem a importância de se entender a especificidade do olhar sociológico,
mas como esta ideia estabelece uma relação com a gravura de Escher? O
olhar sociológico se refere literalmente ao órgão do corpo humano? O que esta
29
imagem de um olho contendo uma caveira ao fundo pode sugerir ao aluno que
está acompanhando esta discussão sobre a construção do olhar sociológico?
Prosseguindo na leitura não se encontra nenhuma referência a esta
imagem, dando continuidade à necessidade de treinar o olhar. A sugestão de
treino do olhar pode ser pensada como um exercício em que o aluno é treinado
a olhar aquilo que se coloca para ser olhado, o que se distinguiria da ideia de
um cultivo do olhar, que necessitaria de um processo de sensibilização onde o
aluno é pensado como um agente mediador na construção do saber.
Diante desta opção pelo treino do olhar, com um texto que sugere
determinado comportamento, o de estranhamento, e que, ao ser entrecortado
por uma imagem, não faz qualquer menção a ela, ou se parte do pressuposto
que o aluno já está treinando o olhar ou então que ela passou despercebida
para quem escreveu o texto. O que nos faz perguntar de que forma foi
30
planejado o uso das imagens como um recurso didático? O que se pretendia
quando se fez esta escolha? Foi um descuido o uso de imagens sem referência
ou faz parte da proposta?
Como há uma sugestão de pesquisa de campo nesta etapa, o Caderno
orienta o professor(a) a como conduzir seus alunos na realização desta tarefa.
Eles devem treinar o olhar indo a um local de escolha própria para realizar uma
descrição com relação ao que os olhos podem ver. A atividade é uma tentativa
de expor os alunos ao quanto de preconceito carregamos em nosso olhar, e
que é uma tarefa difícil estranhar aquilo que está ao nosso redor. O Caderno,
neste sentido, parte da ideia de que os alunos não irão compreender a aula
sobre estranhamento e treino do olhar, por isso pressupõe que as descrições
feitas por eles chegaram cheias de preconceitos. Em nenhum momento se
questiona se a pesquisa de campo é o melhor método para se treinar o olhar.
Será que este treino do olhar não se torna uma familiarização do que deve ser
olhado e estranhado no cotidiano do aluno?
As sugestões de atividades são excessivamente prescritivas, como se o
professor(a) não estivesse hábil a perceber as necessidades de sua sala de
aula. Há também uma prescrição para que o professor(a) defina uma data de
entrega das pesquisas feitas pelos alunos. Causa certo desconforto pensar que
os professor(a)es que irão manipular estes Cadernos não tenham noção de
como conduzir uma sala de aula. As prescrições nos Cadernos parecem
desejar dar conta de qualquer pessoa que possa porventura vir a ministrar as
aulas de sociologia. Neste sentido, podemos observar ao longo dos volumes
aqui analisados, que o tratamento dado ao professor(a) é uniforme em todos os
Cadernos. O material que é de uso apenas do professor(a) quase nada se
distingue do material do aluno, trazendo nele sugestões de como conduzir as
aulas fazendo uso dos Cadernos.
Seguindo para a outra folha do Caderno aparece para professor(a) e
aluno seis fotografias, dispostas duas lado a lado com três fileiras de
fotografias, o que seria uma fotomontagem. São imagens de olhos diferentes
uns dos outros, contendo embaixo delas a especificação de quem é o dono
daquele olhar, como por exemplo “olho de uma pessoa negra”. Além disso, são
de fotógrafos diferentes, o que nos faz pensar sobre qual foi o critério e
intenção ao produzir esta fotomontagem. Ela ocupa dois terço da página,
31
apresentando abaixo dela um pequeno texto que não faz qualquer tipo de
menção as imagens. Há ao lado apenas os nomes dos fotógrafos.
Sem qualquer tipo de menção a estas imagens que ocupam grande
parte da folha o texto prossegue, sem levantar nenhum tipo de discussão
diante do que se observa. Em um texto que esta trabalhando as idéias de
treino do olhar, o olhar diferenciado, o que podemos pensar diante destes olhos
distintos segundo etnias? Que tipo de provocação estas legendas poderia
suscitar em quem esta acompanhando a discussão? Pensar olhares
diferenciados, segundo uma classificação étnica, parece ser descabido quando
a questão a ser trabalhada é o treino do olhar para a compreensão da análise
sociológica.
Seguindo para a etapa dois desta Situação de aprendizagem, há o titulo
de “Imediatismo do Olhar”, que contrapõe o olhar do senso comum ao olhar
32
cientifico. As prenoções estariam no nosso modo de olhar a realidade. São
conhecimentos do senso comum que nos permitem compreender o mundo. O
texto coloca em seguida o conhecimento cientifico como outra forma de
pensamento, que parte do senso comum, mas que vai além. As ciências
sociais, sendo ciência, precisariam afastar-se deste modo de olhar a realidade.
A sugestão do Caderno é que o professor(a) solicite aos alunos que apontem
alguns dos problemas do senso comum, e neste sentido são enumerados
cinco: imediatista, superficial, acrítico, cheio de sentimento e cheio de
preconceitos. O olhar de estranhamento se afasta destes problemas, e evita
que a análise seja dirigida por prenoções.
Os problemas apontados como sendo próprios do olhar do senso
comum serão analisados sinteticamente um a um. Logo abaixo desta
discussão o texto prossegue sugerindo que, para se afastar dos problemas
inerentes ao senso comum, é necessário o olhar de estranhamento, e será por
meio das gravuras de Escher que terá inicio este treino do olhar. Neste
momento podemos nos perguntar o porquê desta escolha por Escher e
algumas de suas gravuras para trabalhar o estranhamento do olhar. O que na
obra deste artista evidencia o estranhamento? Não haveria a possibilidade de
trabalhar o estranhamento na obra de outros artistas, como por exemplo, as
pinturas de Pablo Picasso?
Recorrendo a Pierre Bourdieu (1998), podemos pensar as folhas do
Caderno como um campo de disputa, em que relações objetivas entre as
posições ocupadas por estes agentes determinam a forma das interações.
Neste sentido, o questionamento quanto a escolha de Escher permite recorrer
a outros elementos que influenciam a disputa na folha do Caderno. Tendo
conhecimento de quem coordenou a produção destes Cadernos de ciências
sócias para o ensino médio, uma reflexão quanto à posição e classe social dos
autores colabora para a compreensão. São professor(a)s universitários, do
curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, que ocupam papel de
destaque no departamento de Sociologia. Profissionais reconhecidos na área
em que atuam, porém, desvinculados da área de educação. Outro elemento a
ser considerado é o tempo disponível para a produção dos Cadernos, o que
influencia sobre o planejamento do material, que também exige uma estrutura
uniforme com relação à proposta do programa São Paulo faz escola.
33
Mas, uma vez feita a escolha quanto a Escher e suas gravuras, damos
continuidade a esta análise. A primeira é uma gravura, um auto-retrato feito em
xilogravura, e a outra imagem é uma fotografia em preto e branco do próprio
artista escalando uma pedra. São imagens dotadas de informações quanto a
sua produção, porém, novamente o texto prossegue sem relacioná-las ao que
esta sendo proposto. O que estas duas imagens têm a contribuir com uma
discussão que tenta distinguir o olhar do senso comum do olhar da ciência? A
impressão é de que a intenção é de apresentar esta personalidade, M. C.
Escher, mostrando um auto-retrato e uma fotografia, de primeiro. Passando
para a próxima página é que nos deparamos com uma caixa de texto em que
há um breve histórico referente ao artista. Nesta caixa de texto são dadas
informações de forma sintética, fazendo uso de uma linguagem simplista com
relação a vida de Escher, sem apresentar conflitos, como se a opção de ser
34
artista não implicasse uma série de coisas, como se ser artista fosse uma
opção entre tantas outras profissões.
Não há nenhum tipo de informação na intenção de contextualizar
historicamente o artista, o que de certo traria questões pertinentes para o
trabalho em sala de aula. As informações disponibilizadas parecem subjugar o
aluno do ensino médio presente na rede pública, como se não houvesse
espaço para tratar questões com relação à história da arte e a própria artes
visuais, negando ao aluno uma discussão interdisciplinar, oferecendo apenas
uma biografia que nada parece acrescentar à discussão sobre o imediatismo
do olhar e a possibilidade de estranhamento.
O que estas duas imagens, um auto-retrato e uma fotografia de Escher,
causam abaixo de um texto sobre senso comum? Se levarmos em
consideração os problemas do senso comum, tentando afastar-se dele,
provavelmente vamos desejar entender qual o significado destas duas
imagens.
Logo em seguida, na mesma página onde há o breve histórico do artista
plástico, há duas de suas gravuras, uma ocupando um sexto de página, e a
outra, que vem logo abaixo, ocupando um quinto de página. As duas imagens
apresentam titulo, data e autor.
A primeira, uma imagem muita conhecido, mas talvez não pelos alunos
do ensino médio, apresenta logo abaixo um texto que prossegue falando sobre
a superficialidade do olhar, mas em nenhum momento a imagem é
mencionada. Já na imagem que está abaixo, uma gravura à maneira negra, o
texto que prossegue faz uma menção à ela, mostrando que o artista está
mostrando por meio dela que há várias maneiras de se ver a mesma situação.
Bom, com isso temos a primeira imagem usada como recurso no Caderno,
depois de passar por dez imagens.
35
Há uma opção dos criadores do Caderno em direcionar a leitura sobre a
imagem, eliminando outras possibilidades de leitura para direcionar o olhar do
aluno naquilo que se observa na imagem. É curioso observar que, diante de
um texto que está expondo os problemas do imediatismo do olhar, a
necessidade de construir um novo olhar, de repente se propõe a fazer uso de
uma imagem da forma que melhor ela possa contribuir para o texto, como se
realmente ela tivesse sido feita para compor este Caderno. Observar os vários
pontos de vista, como sugere o Caderno ao usar esta imagem, é uma entre
tantas possibilidades de olhar para a gravura. Dizer que Escher colocou a
mesma situação em diferentes ângulos para se observar é uma interpretação
que faz muito sentido para quem está acompanhando a proposta do Caderno,
mas que poderia ser refutada por qualquer olhar atento destituído de
superficialidade.
36
O Caderno dirigiu o modo como se deve usar a imagem, e não traz a
possibilidade de se fazer outros usos, implicando criatividade docente e a
perspectiva pesquisadora nas práticas docentes, o que sabe-se nem sempre
estão presentes, precisando ser constantemente alimentadas. Logo abaixo
desta leitura da imagem a sugestão é que os alunos tragam situações do
cotidiano para apontarem os diferentes ângulos de uma mesma situação, como
um mesmo fato pode ser descrito de diferentes formas, dependendo de cada
um que o presenciou. Nesse sentido, a experiência do cotidiano vai reafirmar o
que foi sugerido pela discussão e reafirmando pela imagem. Parece que a
imagem serve apenas como um ilustrador daquilo que se está propondo aos
alunos, e as interpretações não podem escapar desta análise.
Na próxima página aparece outra gravura, que ocupa um quarto de
página. Ela também possui todas as informações como titulo data e autor. Com
relação a esta gravura o texto solicita que o professor(a) faça perguntas aos
alunos sobre o que está diante dos olhos. A pergunta para ser feita é com
relação ao que está errado no desenho, o que eles percebem que está
estranho na gravura. Há um roteiro de observações para o professor(a)
acompanhar.
37
Ao final a conclusão é de que a realidade social apresenta-se como
passível de muitos significados. As figuras de Escher fariam esse paralelo com
a sociologia, mostrando os vários significados que podem surgir quando
lançamos diferentes olhares para a mesma situação. Mas será que as imagens
reproduzidas em um Caderno garantem o desenvolvimento desta percepção
social? Não teríamos a possibilidade de trabalhar outras percepções que não a
da imagem? Refletindo sobre esta “ditadura” do olhar, em que se deixam de
lado os outros sentidos, é notável a contribuição que a antropologia mais
recente poderia nos trazer. As Ciências Sociais percebendo esta experiência
do real também por meio dos outros sentidos permitiria uma discussão do
quanto nossos ouvidos, por exemplo, são educados culturalmente. Nesse
sentido, a desnaturalização do cotidiano exigiria um estranhamento dos
sentidos que nos permitem apreender a realidade como um todo.
38
A outra gravura de Escher também atende as mesmas especificações
das anteriores, contendo informações da obra, sendo que esta também ocupa
um quarto de página. Os textos que fazem referência as gravuras do artista
lembram que os desenhos dele não são para serem bonitos ou feios mas sim
interessantes. E que para poder perceber o que há de curioso em seus
desenhos é preciso olhar mais de uma vez para eles.
39
A última gravura que aparece na situação de aprendizagem, e
consequentemente no Caderno, ocupa um sexto de página, apresentando as
informações da obra. A proposta de trabalho com esta imagem final é colocar
uma discussão sobre relatividade, que dependendo do modo como a olhamos
podemos pensar que a pessoa sobe ou desce as escadas. Olhando para esta
gravura, com mais cuidado, o aluno perceberia que quando focamos em uma
das pessoas na escada todo o resto será observado com relação aquele que
escolhemos como referência. Uma atividade que teria relação com a proposta
de se colocar no lugar dos outros para relativizarmos aquilo que pensamos ser
natural. O texto que prossegue também tenta trazer a questão do preconceito,
o comodismo que não permite observar a realidade de outros ângulos. Mas se
realizássemos uma leitura da imagem perceberíamos que é impossível se
40
colocar no lugar de todos ao mesmo tempo, quando elegemos um ponto de
referência faremos toda a leitura com base nele.
Nesta primeira Situação de aprendizagem, que se propõe discutir o
imediatismo do olhar como primeiro tema para se introduzir as Ciências
Sociais, estão todas as imagens concentradas do Caderno. São catorze
imagens ao todo, sendo apenas quatro as mencionadas e trabalhadas pelos
autores do Caderno. As outras dez imagens entrecortam os textos sem ao
menos serem mencionadas. Quando acompanhamos a análise das quatro
imagens parece que a intenção é o treino do olhar, aquele citado no inicio do
Caderno, e o que se observa é o direcionamento, uma padronização que
parece guiar o olhar naquilo que deve ser estranhado pelo aluno quando olha
as imagens, selecionando também quais são as que devem ser estranhadas, já
que a maioria passa "despercebidas”.
Um ponto importante deixado de lado no Caderno é pensar sobre a
técnica empregada pelo artista plástico, que poderia proporcionar outros tipos
de leitura diante da imagem, como por exemplo, o estudo realizado por ele
antes de produzir seus trabalhos. Que tipo de técnica é a xilogravura? E a
litogravura? O que significa uma gravura à maneira negra? São questões que
podem ser levantadas ao observar as gravuras dispostas no Caderno. Porém,
qualquer destas possibilidades foi anulada pela proposta, escolhendo fazer das
imagens um ilustrativo do que o texto estava tratando. Isso nos leva a refletir
sobre a proposta desta Situação de aprendizagem que pretende tornar o olhar
do aluno mais critico diante do que o cerca.
As outras duas Situações de aprendizagem não apresentam imagens
como parte da proposta. Chega a ser um tanto quanto estranho acompanhar
uma discussão sobre o treino do olhar e se deparar com a ausência de
imagens pelo restante deste volume do Caderno.
3.2 Caderno de Sociologia, 1ª serie – volume2.
Levando em consideração algumas das questões abordadas damos
continuidade à pesquisa, nos voltando para o segundo volume dos Cadernos
de Sociologia produzidos para a primeira série do ensino médio.
41
Neste segundo volume, com o objetivo de ser “consumido” durante dois
meses, a proposta do Caderno é trabalhar com os alunos a questão “o que nos
permite viver em sociedade?” A partir desta questão a intenção é fazer com
que os alunos possam estranhar a vida cotidiana, rediscutindo questões
apresentadas no volume anterior e ampliando o repertório intelectual,
abordando diferentes fenômenos humanos da vida em sociedade. A ideia de
estranhamento voltará a ser discutida, sendo possível, a partir dela,
desnaturalizar papeis que incorporamos na vida em sociedade e compreender
o caráter processual da construção da identidade.
Os termos usados acima são correspondentes aos usados na
apresentação do Caderno, assim é possível, ao analisar as três Situações de
aprendizagem que compõem o material, discutir o que está sendo proposto de
acordo com o objetivo da proposta.
Outra proposta do Caderno é apresentar uma diversidade de assuntos
“que atende à necessidade comum de ler, interpretar e dar significado ao
mundo que nos rodeia.” Esta ultima proposta deixa clara a intenção de
desenvolver habilidades entre os alunos, usando os termos das Orientações
Curriculares Nacionais, que não necessariamente sejam das ciências sociais.
Nesse sentido, poderíamos nos perguntar se esta disciplina no ensino médio é
vista como mais um “meio” de alfabetizar os alunos, já que ler e interpretar são
essenciais para qualquer disciplina e deveriam ser “desenvolvidas” ao longo do
ensino fundamental. Analisando as Situações de aprendizagem propostas
poderemos verificar as problemáticas que circundam esta disciplina.
Esclarecendo que, faz-se necessário analisar as propostas dos
Cadernos para analisarmos o uso das fotografias inseridas no material.
Iniciando este segundo volume com a Situação de aprendizagem
intitulada “Socialização”, o objetivo é de entender a necessidade de se viver em
sociedade. A primeira atividade apresentada ao aluno é identificar datas e
localizações, do tipo: Eu nasci no século....................., Moro na
cidade...................
Discutir socialização por meio das ideias de espaço e tempo parece
pertinente, já que somos pessoas dentro de um contexto social,
histórico,cultural, econômico, e são estes elementos que contribuem para o
inicio da proposta. Porém, a atividade se encerra por aí, e não é apresentada
42
uma discussão sobre o que se fez. Nem um tipo de texto acompanha a
atividade, o que deixa uma margem para perguntas: qual a intenção desta
atividade? Preencher um quadro destes, sem nenhuma orientação ou
discussão com relação a tempo e espaço, torna a atividade um tanto quanto
infantil, se assemelhando àquelas atividades de completar o quadro, sem
nenhuma problematização posterior.
Logo em seguida é apresentada a primeira Etapa, com a pergunta
“Quem somos”? A proposta do Caderno é que o aluno identifique, por meio das
datas colocadas nas folhas do Caderno, experiências vividas por ele que de
alguma forma mudaram a sua vida. Os períodos destas experiências são
estipulados pelo Caderno: De 0 a 5 anos, de 6 a 10 anos e de 11 a 15 anos.
Para cada um destes três períodos há uma folha do Caderno pautada para que
o aluno escreva suas experiências, fazendo deste espaço um diário.
Ao término desta atividade há uma caixa de texto solicitando que se
faça uma análise. O texto se refere à origem do termo pedagogo, que surgiu na
Grécia Antiga e denominava àquele que conduzia os jovens ao mestre. Com
esta abordagem o texto trata sucintamente sobre a educação na Grécia Antiga,
sendo que a próxima atividade solicita ao aluno falar das semelhanças e
diferenças desta com a educação dos jovens no Brasil. A atividade se encerra
assim, não há nenhuma problematização quanto aos contextos diferenciados,
por exemplo, sobre quem teria acesso à educação na antiguidade, e mais
especificamente, em Atenas. Já que se iniciou a Situação de aprendizagem
com a contextualização do aluno, solicitando dele localização no tempo e no
espaço, seria interessante fazer este tipo de exercício refletindo sobre outro
contexto, dando sequência ao que se propõe. Contexto social, político e
econômico são deixados de lado, como se não fornecessem a base para uma
discussão relacionada à socialização.
A mesma ideia prossegue quando há uma sugestão de lição de casa,
fazendo uso desta expressão. Aqui novamente é possível observar o uso de
uma linguagem infantilizada, na qual aparentemente desconsie, sugerindo que
o aluno elabore um álbum pessoal, com fotos, textos, pinturas, recortes, para
registrar experiências de sua vida, tendo como referência a divisão proposta
anteriormente: de 0 a 5 anos, de 6 a 10 anos e de 11 a 15 anos. A ideia é que
o aluno utilize as páginas do Caderno para construir este álbum, fazendo deste
43
recurso didático uma espécie de portfólio, com registros pessoais. Parece uma
tentativa de que o aluno perceba e faça uso do Caderno, um recurso didático
elaborado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo como parte do
programa “São Paulo faz escola”, como algo que seja próximo dele, conduzido
por ele.
O que fazer depois com álbum pronto? Ninguém sabe ao certo, embora
não caiba neste trabalho o caráter prescritivo, acredito que talvez transformar o
Caderno num diário individual de classe. Lembrando que estamos falando de
alunos que já completaram ou estão na iminência de completar quinze anos,
sendo este o único fator que podemos ver como comum, já que todos os outros
fatores que diferenciam estes jovens não são nem citados.
Na etapa seguinte desta Situação de aprendizagem, temos a frase “O
que aprendemos”. Um texto de dez linhas introduz o aluno em uma discussão
quanto a observar a socialização como um processo de aprendizagem, onde
interiorizamos normas, regras, valores, modo de pensar, saberes para se viver
em sociedade. Nesse sentido, faz uso de um conceito de socialização primária,
usado por Peter Berger e Thomas Luckmann no livro A construção social da
realidade. Esta informação bibliográfica está disponível no Caderno, e as
atividades que seguem se referem à este conceito.
Seguindo para a terceira etapa temos a frase “Como pensamos”, onde
é solicitado ao aluno que consulte o álbum elaborado na lição de casa. Mas
verificando as questões colocadas, não necessariamente o aluno precise
consultar o álbum para responder. Refletir sobre as fases da própria vida,
segundo a ordenação do Caderno, não exige consultar registros, até por que é
uma narração construída pelo aluno. Se voltarmos às orientações da lição de
casa para construir o álbum, as orientações são com relação às experiências
do aluno retratadas por meio de outras linguagens para expressar que não
somente a escrita. As reflexões que seguem nesta terceira etapa solicitam
comparações que não necessariamente o aluno tenha explicitado no álbum,
por exemplo, como a forma de pensar e agir se modificaram.
Ao final destas questões aparece o tópico Você aprendeu?, em que se
pede que o aluno escreva um texto dissertativo analisando seu processo de
socialização, saindo do contexto familiar para experiências vividas em outros
contextos, como escola e trabalho. Para orientar esta atividade uma caixa de
44
texto sugere leitura e análise de texto, falando sinteticamente sobre
socialização secundária. Finalizando esta primeira Situação de aprendizagem
podemos observar que em nenhum momento é solicitado ao aluno voltar a
textos lidos anteriormente, tudo que é sugerido segue com uma orientação.
Estas orientações são textos de no máximo dez linhas, em que se fala
diretamente para o aluno. Até que ponto estes textos auxiliam no processo de
desnaturalização proposto no inicio do Caderno? Um texto de cunho pessoal,
que não delimita a perspectiva de que se parte para iniciar uma discussão
referente à socialização, não dá margem à contra argumentação. O aluno é
orientado a estranhar àquilo que se deseja que estranhe, não fornecendo
conceitos que lhe permita questionar para além do que é explicitado no
material. Nesse sentido, não podemos verificar qualquer intenção de
desenvolver autonomia por meio deste recurso didático.
Passemos para a segunda Situação de aprendizagem, que propõe
como tema as Relações e interações sociais na vida cotidiana, relacionando-as
com um contexto específico.
Fazendo uso do termo estratégia o Caderno se refere a algumas que,
consciente ou inconscientemente, empregamos em nosso dia a dia. Nos textos
subsequentes parece ficar claro que o individuo possui certa autonomia para
“criar” uma imagem pessoal. A ideia apresentada se refere a preocupação com
a imagem pessoal, na intenção de interagir nos diferentes contextos, e que
nesse sentido precisamos ter conhecimento das regras do grupo. Interessante
observar esta ideia de estratégia como se pudessemos planejar, programar
nossas práticas na vida cotidiana, porém, o que verificamos empiricamente em
nosso dia a dia são práticas que nada parecem ter relação com um
planejamento. Em seu livro “A invenção do Cotidiano”, Michel de Certeau faz
uso do termo tática para expressar aquelas práticas que se utilizam de uma
lógica própria do inconsciente.
Deste modo, podemos observar em nosso cotidiano práticas que não
empregamos qualquer tipo de cálculo consciente, não planejamos o modo
como caminhamos pelas ruas ou o modo como cozinhamos, são
aparentemente ações automáticas. Quando o Caderno propõe que se deve ter
conhecimento das regras do grupo para assim empregar uma estratégia, ignora
fatores externos que nos influenciam e interferem no nosso modo de pensar e
45
fazer. Mais adiante voltarei a esta questão para melhor ilustrar com exemplos
do próprio Caderno, que faz uso de fotografias para tal.
O tema a ser discutido logo após esta introdução é uma entrevista de
emprego, apontando como aprendemos e utilizamos as regras do contexto em
que vamos “atuar”. Nesta Situação de aprendizagem figuras de linguagem com
relação ao teatro será utilizada, se aproximando da própria linguagem que E.
Goffman faz uso em seus trabalhos sobre cotidiano e a representação do “eu”.
A primeira etapa se propõe a discutir a representação de papeis sociais
em situações específicas. A interação leva em consideração uma observação
sobre o contexto, uma simulação de entrevista de emprego, e a imagem que
desejamos transmitir, já que de acordo com o Caderno nós podemos manipular
estas imagens segundo o contexto apresentado, mas também, e por ultimo, as
experiências vividas.
A execução de um papel social, determinado pela sociedade ou grupo
social, como ser aluno ou professor(a), envolvem questões do tipo classe social
e gênero, ou questões como o habitus e capital social e cultural. São questões
determinantes na execução de nossos papéis sociais, e trabalhar a ideia de
manipulação da própria imagem como guiada por um contexto determinado faz
com que as ações possam ser vistas como uma escolha consciente, ou então,
como uma prova de entendimento ou não das regras estipuladas.
Ser aluno não diz muito sobre o papel a ser executado em sala de aula.
De qual sala de aula estamos falando? Onde está localizada? Qual o
professor(a)? O aluno é no masculino ou é uma forma escolhida para tratar
meninos e meninas na sala de aula? Será que meninos e meninas se
comportam igualmente quando na sala de aula? O professor(a) faz distinções
entre alunos e alunas?
A execução de um papel, assim como o ator de teatro, não parte de
uma simples observação de experiências passadas e imitação do que é
presenciado. Ser aluno ou aluna, na periferia ou no centro da cidade, de pais
analfabetos ou de família classe média faz toda diferença na maneira como
iremos “atuar” na sala de aula.
Este talvez pudesse ser um momento de abordar relações de gênero,
já que o processo de construção da identidade é a questão a ser trabalhada
neste volume dos Cadernos. As exigências sobre uma menina são muito
46
distintas daquilo que se espera de um menino dentro do ambiente escolar. Por
que meninos aparecem como mais indisciplinados e meninas como mais
estudiosas? Esta é uma verdade incontestável ou precisamos recorrer a fatores
externos ao do contexto escolar para compreender os diferentes
comportamentos? Porém, isso será discutido no último volume desta primeira
série.
Em uma discussão quanto aos diferentes comportamentos e papéis
sociais faz se necessário, quando estamos no campo da sociologia, nos afastar
de qualquer tipo de essencialismo. Nesse sentido, problematizar a “atuação”
dos indivíduos, dando continuação aqui a linguagem “interacionista’ do teatro,
requer estranhar as práticas mais naturalizadas do cotidiano. Retomando o
exemplo do próprio Caderno, a entrevista de emprego, discutir o porquê
alguém se sai melhor que outro não significa dizer que um conseguiu
apreender melhor as regras do contexto que o outro. Discutir que trabalho era
esse, quem era o entrevistador, se os entrevistados eram do mesmo sexo,
mesma etnia, mesmo grupo social, altera completamente uma discussão com
relação a modos de agir.
Claro que o Caderno fez uma escolher entre as diferentes perspectivas
possíveis para se tratar o tema, porém, a forma simplificada com que o
conteúdo é tratado o expõe como inquestionável. Trazer Erving Goffman para
os alunos não é a questão a ser criticada aqui, mas sim a forma como se dá
esta apresentação.
Com a intenção de apresentar Goffman aos alunos tem-se uma caixa
de texto, ocupando metade da folha do Caderno, contendo a primeira imagem,
um desenho, representando o autor. Ao lado há um texto informando datas e
locais com relação a biografia dele, objetivo e metodologia de pesquisa. Qual a
relevância de se conhecer um autor por meio de um desenho para uma
discussão referente às relações e interações sociais, já que não há a
preocupação em trazer conceitos para o tema?
47
Na página seguinte é usado um termo do próprio Goffman, “teatro
imaginário”, explicando para os alunos os termos retirados da linguagem
teatral, se referindo aos dramas sociais.
Logo abaixo, nesta mesma página, há a segunda imagem do Caderno
e a primeira fotografia. Ela ocupa um terço da folha, localizando-se ao centro.
O texto orienta o aluno a observar a imagem e identificar o que ela representa.
Sendo um exercício de observação, em que o aluno deveria ler a imagem, o
que se verifica são orientações quanto ao que se deve observar na fotografia.
A fotografia é de um auditório, com platéia e palco vazios. O fotógrafo
provavelmente estava no mezanino, já que é possível observar nos cantos da
imagem lugares que estaria em outro nível, e o que poderia ser tratado como
uma questão quanto as diferentes posições que podem ser ocupadas pelos
indivíduos neste “teatro imaginário”, que implicaria na diferentes formas de ver
48
e ser visto. Também poderíamos problematizar o que confere aos indivíduos
estas posições diferenciadas no teatro. São estas questões que poderiam
surgir de uma leitura feita pelos próprios alunos da imagem, mas quando
colocamos um foco no olhar dificilmente conseguimos problematizar, já que a
questão a ser trabalhada já está dada e o que o aluno deve fazer é apenas
constatar.
O exercício de observação apresenta quatro elementos que devem ser
identificados, palco, platéia, fachada e bastidores, como se estivessem
“naturalmente” separados e diferenciados. Como diferenciar o papel
representado na fachada daquele representado nos bastidores da vida social?
Como acontece a interação da platéia com o palco? Os atores são
influenciados pela platéia?
49
A metáfora do teatro não seria um problema, se ela fosse esmiuçada e
estranhada para a discussão. O problema é que o Caderno não problematiza
questões de enorme relevância para a sociologia. O palco de estilo italiano é
um dos tantos modelos que temos disponíveis, já que há outros modos de
atuar no teatro, outras maneiras de interação entre espectador e ator. O teatro
de rua desconsidera todas estas divisões, os bastidores acontecem aos olhos
do público, que também interage e participa do espetáculo. Esta seria uma
possibilidade de trazer o relativismo cultural, como modos de analisar a vida
social.
Antes de prosseguir com as encenações da vida social, o Caderno
prescreve uma lição de casa, que traz uma charge. Esta seria a terceira
imagem que o Caderno faz uso. O aluno deverá fazer uma análise da charge a
partir da discussão feita em sala sobre as representações sociais.
50
A charge é de Harley Schwadron, que está em inglês e logo abaixo
apresenta uma tradução para o português. Ela sugere a manipulação da
imagem pessoal dentro do local de trabalho, em que é necessário ocultar do
dono da empresa certos comportamentos. Há duas questões que orientam a
análise do aluno sobre a charge, porém, nenhuma se detém sobre a ideia
central. Seria necessário refletir sobre o que uma charge se propõe, em que
normalmente a intenção é sintetizar uma ideia. A partir disso, pensar para que
tipo de público esta charge foi produzida faria todo sentido para uma
observação da imagem. Porém, o que é possível observar é o uso da charge
para reafirmar as questões trabalhadas em sala de aula, sem nenhuma
abertura para cultivar um olhar critico sobre esta nova linguagem apresentada
aos alunos.
Passando para a segunda etapa, temos a discussão sobre relações e
interações sociais na prática cotidiana. O texto retoma a discussão sobre
dramatização da vida social, sugerindo que os alunos se reúnam em grupos e
organizem encenações. São propostas cinco dramatizações, cada uma
composta de duas cenas, na tentativa de evidenciar a ideia de fachada e o
papel que exercemos nela, e bastidores, mostrando aquilo que foi ocultado
segundo o contexto representado. Por exemplo, na dramatização que se
refere ao ambiente da escola há uma primeira cena sugerida em que os
alunos/atores encenam de forma a causar boa impressão ao professor(a)/ator.
Na segunda cena, o professor(a)/ator sai da sala de aula e os alunos/atores
começam a bagunçar, fazendo brincadeiras e falando alto, evidenciando os
diferentes comportamentos entre as cenas. As outras dramatizações sugeridas
têm como contexto um comércio, outra uma festa e a ultima aconteceria em um
cyber café, expressão do próprio Caderno. As dramatizações sugeridas são
compostas de duas cenas, segundo o modelo explicitado acima.
Há uma clara intenção de se aproximar daquilo que seria parte do
cotidiano dos jovens estudantes da rede estadual de ensino de São Paulo,
ignorando que neste estado temos diferenças culturais, sociais e econômicas,
elementos indispensáveis para se pensar as diversas culturas juvenis. Quem
melhor que o professor(a) para se interar da vida de seus alunos? Qual o
sentido de falar cyber café em regiões rurais, onde o acesso à internet será
determinado pela escola? Provavelmente os alunos discordariam sobre estas
51
divisões entre fachada e bastidores, e poderiam apontar o que observam como
sendo um comportamento típico de fachada e outro comum aos bastidores de
um determinado contexto, familiar a eles.
Passando para a terceira e ultima Situação de aprendizagem, temos “A
construção social da identidade”. O objetivo é que o aluno compreenda o
caráter processual de toda construção identitária. Se a intenção nas outras
duas Situações de aprendizagem era mostrar que a sociedade define o
homem, esta ultima mostrará como o homem modifica a sociedade.
O texto de introdução do tema busca, como no primeiro volume, fazer
uma oposição entre senso comum e sociologia. Segundo o texto, para a
Sociologia a personalidade de uma pessoa só se fecha na sua morte. A
sugestão é que, em grupo, os alunos montem um painel com um herói,
mostrando as duas personalidades que possui, do estilo Clark Kent e Super-
Homem. O objetivo é mostrar a construção da identidade de um personagem
fictício, na tentativa de expor suas possíveis escolhas. Mesmo lembrando sobre
a relação com os outros e as experiências vividas, a impressão é de uma
possibilidade enorme de escolha quando pensamos na “construção” da
personalidade.
Como se não bastasse sugerir o tema, há também uma prescrição de
como realizar a atividade. O Caderno orienta o aluno sobre como deve
proceder na hora de montar o painel e quais as perguntas que ele deve fazer
para pensar o personagem. Nesse momento o professor(a) é completamente
dispensável, as orientações do Caderno são feitas diretamente aos alunos.
A ideia é traçar uma personalidade própria do herói e outra própria do
homem-comum, com um texto escrito que fala sobre a transformação por meio
de processos de socialização. Nesse sentido, o texto faz uma divisão na
construção da identidade, tendo uma dimensão individual e outra social. Para
esta divisão não se faz referência a nenhuma corrente ou pensador da
sociologia, apenas é dada esta informação.
A primeira etapa desta Situação de aprendizagem é discutir sobre os
processos de construção da identidade. Antes de qualquer texto é colocada
uma questão para o aluno, solicitando que ele identifique símbolos que
diferenciam as pessoas entre si. Na outra página há uma caixa de texto falando
sobre a diferença entre a imagem que temos de nós mesmo e aquela que o
52
Outro tem de nós. Nesse sentido, é solicitado ao aluno que observe o modo
como seus familiares o identificam, contrastando do modo como ele se
identifica. A experiência pessoal aqui é usada apenas para constatar que há
uma diferença nas identidades, sendo que esta questão em nenhum momento
é problematizada, solicitando aos alunos que identifiquem aquilo que lhes
parece ser diferente e por que.
Logo na página seguinte é sugerida outra atividade em grupo. O
objetivo é que os alunos analisem quatro fotografias e respondam duas
questões: a) o que supõe que cada uma das pessoas das imagens faz; b)
como deve ser a sua personalidade. São duas fotografias em cada página,
todas informando a fonte de onde foram retiradas, possuindo o mesmo
tamanho e apresentado ao lado um espaço para responder as duas questões
propostas pelo Caderno.
53
A primeira fotografia é de um homem branco de terno, falando ao
telefone móvel e apoiado com um dos braços numa pasta de couro. Na
questão de supor o que este homem faz está ocultado a ideia de trabalho, o
que esta pessoa executa no mercado de trabalho. Identificar a relação do
personagem da foto com o mercado de trabalho, para depois identificar como
deve ser sua personalidade. Podemos identificar isso sem apresentar outras
questões? De que modo lançar um olhar sociológico sobre estas fotografias e o
que elas representam?
A segunda fotografia é de uma mulher branca, de vestido preto,
posando para a foto. A mulher da imagem parece ser uma modelo, já que não
carrega nada às mãos e faz uma pose típica, com maquiagem e penteado. De
que forma a imagem da mulher é colocada? Se este é um tipo de “atuação”,
para usar os termos empregados pelo Caderno, própria da mulher em nossa
sociedade, o que se pode pensar com relação ao uso do corpo?
Estas duas fotografias, que ocupam a mesma página do Caderno,
podem trazer muitas das discussões presentes nas Ciências Sociais, como
relações de gênero. Temos um homem e uma mulher indicando papéis
diferentes na vida social, é o que parece insinuar as imagens. Se o objetivo é
discutir construção de identidade como não abordar as questões de gênero?
Refletir sobre gênero com uma categoria social imposta, é observar as
origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e
mulheres. Recorrendo ao texto de Joan Scott, “Gênero: uma categoria útil para
a análise histórica”, temos que: “O gênero se torna, aliás, uma maneira de
indicar as construções sociais, a criação inteiramente social das ideias sobre os
papéis próprios aos homens e às mulheres.”
Como não colocar em evidencia questões de extrema relevância como
papéis executados por homens e papéis executados por mulheres? O que nos
tem a dizer as pesquisas recentes que apontam as desigualdades no mercado
de trabalho quanto aos sexos? Mulheres que executam as mesmas atividades
que os homens são remuneradas com salários inferiores, e este é um dado que
não podemos ignorar numa atividade que se propõe a discutir os “fazeres” e a
personalidade das pessoas. A sociologia se utiliza de vários recursos para
sistematizar seus saberes, um deles são as pesquisas quantitativas, que
servem de dados para evidenciar problemas sociais. O que observamos até o
54
presente volume é a ocultação destes fatores, do diálogo da sociologia com
outras ciências.
Na próxima página temos a fotografia de uma senhora da terceira
idade, com óculos, sorrindo e segurando um bolo nas mãos. Na ultima
fotografia temos um homem negro, de boné, com uma roupa que muito se
assemelha à um uniforme de fábrica. Ele está sorrindo para a foto.
Observando as duas figuras masculinas apresentadas temos a clara
diferença de funções: um executivo e outro operário. A questão evidente que
deveria ser problematizada seria em relação a hierarquização das funções,
vistas como manuais e outras como intelectuais. Ou então refletir sobre as
diferenças com relação à cor, já que no Brasil temos uma sociedade racista
que tenta maquiar seus preconceitos. Por que os negros apresentam
escolaridade mais baixa que os brancos no Brasil? Como é possível identificar
55
um negro e um branco na nossa sociedade miscigenada? Como estas marcas
de cor interferem na construção da personalidade?
Quanto as duas figuras femininas, o que podemos observar é a
execução de papeis colados à imagem da mulher. O trabalho doméstico muitas
vezes é desconsiderado como trabalho, sendo no caso da senhora retratada o
ato de cozinhar o símbolo deste papel. No caso da mulher posando para a
fotografia, há a exibição do corpo como símbolo desta atividade que não
exigiria nenhum esforço intelectual, carregada de estereótipos.
O problema não está nas fotografias, mas sim numa ausência de
problematização quanto as possíveis hipóteses insustentáveis que podem
surgir da observação das imagens sobre a personalidade destas pessoas
retratadas. O Caderno apenas quer constatar por meio das fotografias a ideia
de que há símbolos que nos diferenciam, sem levar em consideração uma
leitura dos alunos sobre estas imagens.
Mais uma vez podemos observar a contradição quando se refere à
possibilidade de se usar textos escritos e imagens para as aulas. Se a intenção
era fazer uso das imagens para o “treino” do olhar, o que se pode notar é o sub
uso delas.
Logo em seguida o Caderno propõe uma lição de casa que traz um
trecho do livro A sociedade dos indivíduos, do Norbert Elias, falando sobre a
modificação que o tempo causa em nossa personalidade. A ideia é discutir a
questão de que a experiência não pode ser descartada.
Este segundo volume termina assim, com espaços para o aluno
preencher quanto ao caráter relacional da identidade, indicando textos que
estão no livro O que é Sociologia?, de Henri Mendras.
56
3.3 Caderno de Sociologia, 1ª serie – volume 3. Neste terceiro volume dos Cadernos serão tratados alguns temas
próprios das leituras de antropologia, a relação do Homem com a Natureza.
Fazendo uso de expressões como etnocentrismo e relativismo cultural, o
objetivo é tratar das relações que os homens estabelecem entre si em
diferentes momentos e lugares. Os alunos deverão refletir sobre o porquê
somos diferentes, na tentativa de compreender a variação nos diferentes
processos de socialização observada entre as culturas.
O Caderno também tem a intenção de trabalhar com atividades que
servirão ao aluno de referência para analisar sua realidade, e nesse sentido ele
poderia fazer uso do que foi exposto pelo material em outras situações.
Tratando de assuntos variados, segundo o que está no texto de apresentação
do Caderno, o objetivo é “atender à necessidade comum de ler, interpretar e
dar significado ao mundo que nos rodeia.”
Este volume é composto por três Situações de Aprendizagem, a
primeira tratando “o caráter culturalmente construído da humanidade”, a
segunda “Por que somos diferentes?” e a terceira “Como o Homem se tornou
Homem”. Há neste volume um número significativo de fotografias, sendo um
total de vinte e seis, sendo que elas se concentram na primeira e segunda
Situação de Aprendizagem. Dos quatro volumes propostos para análise nesta
pesquisa, este é o que possui o maior número de fotografias e também é
aquele que apresenta um maior número de exercícios que fazem uso delas.
Logo no inicio da primeira Situação de Aprendizagem, que tem como
tema o caráter culturalmente construído da humanidade, há um texto de uma
linha falando sobre o homem como ser social e o processo de aprendizagem
pelo qual ele passa para poder viver em grupo. Abaixo deste texto há uma
fotomontagem de quatro imagens, todas do mesmo tamanho. Cada fotografia
mostra um grupo de mamíferos específico, um de elefantes, outro de macacos,
outro de girafas e o ultimo de zebras. A legenda que acompanha a
fotomontagem é “Grupos de animais”.
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Seguindo para a página seguinte o texto prossegue dizendo que as
fotografias nos mostram que outros animais também vivem em grupo e,
portanto, não é a vida em grupo que diferencia os homens dos animais. Mesmo
passando por um curto processo de socialização para viver em grupo, isso
segundo o texto, os animais não podem agir segundo a sua vontade.
Interessante que para afirmar a ideia de um processo de socialização existente
também entre outros animais o texto segue dizendo que as “imagens não
mostram, mas sabemos que”. Se as imagens não mostram isso, então o que
elas estão mostrando? Segundo a legenda, são grupos de animais.
O sentido desta fotomontagem é ilustrar o texto, apresentando grupos
de animais para os alunos caso eles não tenham referência para tal. Mas o
aluno não é chamado a olhar para a imagem com estranhamento. O texto que
segue depois da imagem já dá a leitura que deve ser feita sobre ela, não
58
permitindo qualquer discussão quanto ao tipo de socialização pela qual os
animais passam, diferenciando estes animais entre si. Poderíamos pensar em
outros grupos de animais e as diferentes formas de se viver em sociedade,
tentando trazer para a discussão aquilo que os alunos têm de conhecimento
com relação à questão. Poderíamos pensar com relação ao que faz com que
os animais formem grupos para viver, numa tentativa de aproximar os homens
a sua condição de animal, que possui instintos e que em determinado momento
da história alguns grupos iniciam um processo de “construção da cultura”.
Apesar de iniciar com o tema o caráter culturalmente construído da
humanidade, pelas fotografias temos uma tentativa de diferenciar homens de
animais numa visão dualista, como se fosse uma divisão natural do mundo.
Homens e animais formam duas categorias que não se misturam, como se a
própria construção de natureza também não fosse parte da cultura.
Claro que a intenção do Caderno não é formar cientistas sociais,
quanto a isso não há duvidas. Porém, se a intenção é o desenvolvimento de
um olhar sociológico e tratar de assuntos como etnocentrismo e relativismo
cultural, que tipo de leitura deve ser direcionado sobre estas imagens de
grupos de animais? Parece algo muito natural constatar que em nada nos
assemelhamos a estes grupos.
Passando para a primeira etapa desta situação de aprendizagem, o
assunto proposto é “Os homens e a natureza”, com um texto que define os
homens com uma capacidade de se diferenciar uns dos outros. O que uniria os
homens seria o ser humano em diferentes culturas. Logo em seguida é
abordada a cultura como uma construção histórica e social, que varia no tempo
e que é compartilhada por um grupo. O texto também aborda a questão do que
é natural ao ser humano mostrando que, se algo nos parece natural e para
outras culturas não, então isso é cultural. Apenas características
compartilhadas por todos os humanos podem ser consideradas naturais.
No Caderno do professor(a) as orientações são em trazer a discussão
do que é natural ao homem, prescrevendo como deve acontecer a aula, como
escrever a pergunta “O que é natural no ser humano?” na lousa para não
dispersar a atenção dos jovens. Logo em seguida o texto diz para o
professor(a) que esta pergunta não será respondida nesta aula, e que o
59
fechamento da sensibilização deve ser feito com os seguintes dizeres “o que é
natural no ser humano: a sua capacidade para a diferenciação.”
Na página seguinte, dando continuidade a esta etapa da
aprendizagem, há uma mostra de seis fotografias. O texto do professor(a)
orienta para que ele leia para seus alunos as legendas que acompanham as
fotografias da próxima página.
Com os dizeres “não é natural:” são colocadas quatros fotografias,
todas com legendas. A primeira é uma menina sorrindo, vestindo calça jeans e
camiseta. A legenda abaixo da imagem é “vestir jeans e camiseta”, como se
estivesse completando os dizeres que estão acima dela. Ao lado há a fotografia
de um prato com arroz e feijão, também com legendas completando os dizeres
acima, “comer arroz e feijão”. A fotografia que está abaixo da menina é de um
casal de noivos no dia do casamento, com a mulher de vestido branco e o
60
homem de terno, com uma legenda “casar de branco”. E ao lado desta há uma
fotografia de cemitério, com vários mausoléus floridos, apresentando a legenda
“enterrar os mortos”.
Para o aluno que estava acompanhando o texto da página anterior,
sobre a cultura como uma construção e que tudo aquilo que achamos natural e
que não é compartilhado por outros grupos deve ser visto como cultural, as
fotografias seriam uma tentativa de ilustrar aquilo que possivelmente temos
como natural. Dizer que as imagens estão como ilustração se deve ao fato de
que elas são acompanhadas por legendas que informam o aluno. Também
está numa tentativa de prever aquilo que os alunos, do estado de São Paulo
como um todo, enxergariam como natural, novamente temos representações
de supostos alunos e alunas do ensino médio, que talvez, não correspondam
exatamente aos alunos deste nível de ensino. Merece considerá-los também
em sua diversidade regional, econômica, cultural como ponto fundamental para
se pensar e propor atividades.
Primeiro que estas fotografias já são intituladas de “não é natural:”.
Segundo que elas são acompanhadas de legendas que informam, caso o aluno
não entenda, o que é para ser estranhado nas fotografias. Será que são estas
as práticas que os alunos levariam para a sala de aula como sendo aquelas
que eles enxergam como natural? Será que são estas as práticas mais
interessantes para serem abordadas e estranhadas pelos professor(a)s de
todas as escolas da rede estadual de ensino? Não seria mais pertinente fazer
com que os alunos realizassem pesquisas de imagens com relação àquilo que
denominam como natural e aquilo que pensam ser cultural? Ou mesmo trazer
para a classe relatos de costumes e práticas que pensam serem naturais ao
homem, na tentativa de iniciar um processo de estranhamento juntamente com
os alunos.
As fotografias colocadas são uma referência à vestimenta,
alimentação, casamento e morte, elementos que podem ser verificados em
outras culturas com formas diferentes ou com significados distintos ao nosso.
Mas o que está posto para ser estranhado, o uso da calça jeans por uma
menina, por exemplo, pode ser considerado como algo inadequado em alguns
cultos religiosos e, portanto, não seria considerado como natural por alunos
participantes de determinadas religiões. Na tentativa de encontrar elementos
61
que nos une enquanto cultura nacional o Caderno traz imagens que parecem
fazer parte de um imaginário sobre o que é considerado natural, no entanto,
ignora a possibilidade de inúmeras interpretações e leituras com relação ao
formato no qual os costumes são apresentados.
Para traças um contraste com relação àquilo que parece natural, o
Caderno intitula o próximo quadro de fotografias com “Em outras culturas:”,
colocando a imagem de uma mulher vestindo um sári e, ao lado, a imagem de
um grupo indígena. Logo abaixo destas fotografias há uma legenda com os
seguintes dizeres: “O jeans e a camiseta não são roupas naturais para o ser
humano. Na Índia, por exemplo, é comum as mulheres usarem o sári; já no
Brasil, muitos povos indígenas andam nus.” Como se pode observar, a análise
sobre as fotografias já está pronta, não exigindo do aluno o mínimo de
sensibilidade diante do que lhe é apresentado. Se uma das propostas
metodológicas é a realização de leitura de imagens, como está especificado no
Caderno do professor(a) deste volume terceiro, não é isso que se verifica na
construção da Situação de Aprendizagem. Que tipo de capacidade de
observação sobre a sociedade, pretende-se desenvolver nesta proposta? A
desnaturalização dos costumes foi dada pelo Caderno de antemão, sem levar
em consideração a diversidade de costumes e práticas cotidianas.
Na outra página prossegue o contraponto, com uma fotografia de uma
panela ao fogo, improvisado num chão de areia, fritando um tipo de comida.
Abaixo da imagem acompanha a legenda: “Comer arroz e feijão também não é
algo natural. Existem grupos no deserto que se alimentam de gafanhotos, e o
escargot (tipo de lesma) é uma iguaria na França.” Finalizando o quadro de
fotografias, estão duas imagens lado a lado. Uma é de um casal, diante de uma
mesa enfeitada, em que a mulher está com uma roupa vermelha e o homem ao
seu lado está com uma roupa branca. A legenda que acompanha a imagem é:
“Na nossa sociedade, a noiva veste-se de branco, mas em muitas sociedades
a cor da roupa da noiva não é o branco.” Por ultimo, ao lado desta fotografia há
a imagem de uma fogueira, em que podemos ver apenas os pés de uma
pessoa que está sendo queimada. A legenda que está abaixo desta fotografia
diz: “Não são todos os povos que enterram seus mortos. Os indianos, por
exemplo, costumam queimá-los.”
62
Nesse sentido, a única orientação dada ao professor(a) com relação às
imagens é para que ele leia suas legendas em voz alta, de resto, nada mais é
abordado. Os alunos não são orientados a interpretá-las, mesmo sendo esta
uma das estratégias colocadas no inicio do Caderno. Mais uma vez as imagens
estão ilustrando e constatando o que o texto que as precedia estava propondo.
A atividade que irá complementar esta discussão, sobre as diferenças
inerentes aos grupos humanos, pressupõe que os alunos terão dificuldade em
entender que maneiras de pensar, agir e sentir são próprias da cultura da qual
pertence, por isso o Caderno orienta um trabalho com relação ao simbolismo
das cores, pedindo que os alunos preencham os possíveis significados delas.
No Caderno do professor(a) os significados das cores já estão dados, não
exigindo dele nenhuma tentativa de pesquisa junto com seus alunos.
63
Há mais alguns exercícios nesta etapa para que o aluno entenda a
construção da cultura, pedindo uma pesquisa individual sobre o que o aluno
encontrou de roupas ou adereços próprios de outras culturas e hábitos
diferentes dos praticados pelos brasileiros. É interessante notar a delimitação
de um espaço, o país, como produtor de uma cultura homogênea.
Na segunda etapa desta situação de aprendizagem, o tema tratado
será etnocentrismo e relativismo cultural. O Caderno usa uma frase de Michel
de Montaigne para iniciar a discussão, “[...] cada qual denomina de bárbaro o
costume que não pratica na própria terra.” Mesmo o material do aluno
apresentando esta citação, o Caderno do professor(a) o orienta a escrever esta
frase na lousa e, prevendo que os alunos não entenderam o significado da
palavra bárbaro, um exercício de complete a frase é proposto. (I): a roupa é
bárbara porque é... (II): o que o homem fez é um ato bárbaro por que...
Prosseguindo, há outro texto que retoma a discussão de Montaigne por
meio da explicação do que é etnocentrismo. O texto discute a ideia de que
todos nós somos etnocêntricos, mas é uma postura que devemos evitar se
desejamos conhecer o que é diferente. Nesse sentido, devemos nos distanciar
do nosso modo de pensar e agir, na tentativa de compreender o outro, nos
aproximando de uma postura metodológica como o relativismo cultural.
Entender o outra na sua diferença nos faz pensar sobre nós mesmo, nossa
existência. O texto é todo neste tom de psicologia social, mostrando o
relativismo cultural como uma postura que as pessoas podem assumir diante
do mundo que a cerca.
As perguntas que seguiram são possíveis de serem respondidas
recorrendo apenas ao texto que está no Caderno. Para discutir melhor e de
maneira mais adequada este tratamento direcionado ao professor(a) seria
necessário um tempo maior de pesquisa, tanto para leituras específicas quanto
para uma sistematização de dados e observações que colaborassem para está
análise. Infelizmente não há tempo para esta discussão neste relatório final,
apenas deixo alguns dados para que se possa acompanhar a construção do
Caderno.
Em seguida são colocadas discussões com relação ao medo e o de
que forma este sentimento é responsável por uma postura etnocêntrica. Tenho
minhas ressalvas quanto ao tratamento dado ao medo nestes textos, já que
64
mostra o medo como responsável por esta postura, que faz com que
classifiquemos as pessoas de inferiores ou superiores. Tratar de questões
como etnocentrismo e relativismo cultural exige um mínimo de contexto
histórico para trazer questões pertinentes à discussão, como colonialismo,
expansão de mercados e imperialismo.
Esta primeira situação de aprendizagem termina com um texto de
Claude Lévi-Strauss, adaptado para o Caderno, falando sobre relativismo
cultural com base no texto “Raça e História”, de 1952.
Partindo para a segunda Situação de aprendizagem, o tema proposto é
“Por que somos diferentes?” O objetivo é afastar as idéias de determinismo
geográfico e biológico. Nas estratégias e recurso para a serem usados nesta
situação de aprendizagem não foi especificado o uso e leitura de imagens, mas
vamos observar que elas estão como parte da proposta.
Novamente o professor(a) é orientado a escrever na lousa a frase de
introdução “Por que somos diferentes?” para, a partir dela, sensibilizar os
alunos para uma discussão com relação ao tema. O texto que segue no
material irá definir o que é determinismo geográfico, mostrando a limitação que
o meio físico exerce sobre as culturas.
Na página seguinte, outro texto irá mostrar que alguns costumes não
estão de acordo com o meio geográfico, como por exemplo, o uso de terno e
gravata no Brasil. O texto é entrecortado por três fotografias, todas do mesmo
tamanho e colocadas paralelamente uma à outra. Todas são referências para o
uso de terno e gravata, como um homem de pasta nas mãos, o uso desta
roupa por motivos de trabalho, outra é um homem casando na igreja ao lado de
sua noiva, e a terceira é de um homem lendo a bíblia. As fotografias não são
mencionadas nem pelo Caderno do aluno e nem pelo do professor(a). Então
elas seriam apenas uma ilustração do uso do terno em diferentes situações?
Por que o terno é considerado uma roupa com status social? O Caderno
sugere que o status do terno se deve pelo fato de não ser uma roupa barata.
Não há outras implicações por trás do uso do terno? Se a referência do terno é
algo distante do aluno, já que deve ser por este motivo que colocaram imagens
de homens usando, então por que não problematizar um costume que seja
familiar?
65
Logo em seguida, o texto continua falando sobre os hábitos
alimentares, e mais uma vez ele é entrecortado por três fotografias. Na mesma
formatação que da primeira vez, as três paralelas uma à outra, apresentando o
mesmo tamanho. O que surpreende desta vez é o que mostra as imagens. Na
primeira há um prato, com garfo e faca ao lado, em cima de uma toalha xadrez.
A legenda é apenas “alimentação”. Na segunda fotografia há um pequeno rato
com um fundo azul. E por ultimo, há dois meninos diante de uma panela se
servindo de macarrão, sendo que um deles é loiro e o outro negro.
Acompanhando o texto não há qualquer menção as fotografias, ele
prossegue falando de alimentação. Novamente as imagens estão com a função
de ilustrar o que está sendo dito. Se esta falando de alimentação então o que
se coloca para representar é um prato junto com garfo e faca. Ao mesmo
tempo em que o objetivo é fazer com que o aluno estranhe seus costumes,
66
usa-se um prato para falar de alimentação, ignorando o fato de que este é um
símbolo comum a nossa sociedade.
No caso da imagem do rato, o texto faz menção a ele como alimento
em países como China e Camboja, mostrando que um animal presente em
diferentes países é visto de modos distintos, já que está presente no Brasil e
nós não nos alimentamos da carne deste roedor. Mesmo assim, a fotografia
está apenas como um ilustrativo do que seja um rato, como se eles não fossem
diferentes entre si.
Na ultima fotografia há a imagem mais intrigante. O que se pretende
dizer com estas duas crianças se servindo de macarrão? No texto não há nada
que possa ser relacionado à imagem, apenas a ideia de alimentação. A ideia
de um olhar sociológico também deve ser aplicada neste momento? Parece
que há momentos determinados para estranharmos as imagens, quando nada
67
for dito faz-se uso delas como meras ilustrações para confirmar o que está
sendo proposto. A ideia de colocar duas crianças, uma loira e outra negra,
acompanhando o raciocínio do texto, é que certos tipos de alimentos são
consumidos por grupos diferentes. O macarrão seria consumido tanto por
negros como por brancos, numa tentativa de refutar o determinismo geográfico.
Esta seria uma tentativa de leitura sobre a imagem, já que ela está como parte
do texto escrito e essa é a lógica proposta.
Logo em seguida são colocadas duas questões aos alunos sobre o
determinismo geográfico, com respostas que podem ser coladas do texto.
Segue na outra página um texto sobre determinismo biológico, tratando
de questões como genética e raça, afirmando a inexistência de diferentes raças
de humanos. E continuando na outra página, o texto é entrecortado pela
fotografia de um homem fazendo pão, com uma legenda “padeiro”, dando o
68
exemplo de que muitas pessoas acham que é “natural” português ser dono de
padaria, já que é tão comum. A conclusão do texto é de que só “acha isso
quem ainda não viajou pelo mundo ou quem não leu sobre outros lugares do
mundo.” Interessante que o determinismo biológico é tratado de forma muito
simplista, como se esta ideologia não estivesse em questões mais relevantes,
mascarada por meio de outras linguagens. E a imagem de um padeiro com
bigodes e chapéu para ilustrar o exemplo? É para ser estranhada? Faz parte
da leitura? O que ela tem a contribuir com uma discussão referente ao
determinismo biológico?
Mais adiante, uma caixa de texto trata de exemplos de que o
determinismo biológico é uma postura equivocada, como os hábitos de falar e
se comportar são determinados pela cultura. Um bebê que nasce na Inglaterra
e é transportado para a Bolívia, sendo criado por país deste novo país, não irá
manifestar qualquer costume que não os de seus novos pais.
69
Logo em seguida outra caixa de texto dará um exemplo sobre o
equivoco do determinismo biológico, com relação ao riso. Para isso
apresentam um conjunto de seis fotografias, três lado a lado na primeira
página, e mais três lado a lado na segunda página. A legenda que está de
baixo do quadro com as seis fotografias é: O riso.
Na primeira fotografia há uma mulher de tranças no cabelo, usando um
chapéu de palha. Ela está com um leve sorriso na boca. A imagem ao lado
mostra um homem e uma mulher rindo com a boca aberta. E completando a
fileira, há a imagem de uma menina negra, vestindo uma roupa de miçangas,
fazendo sinal de jóia para quem a está fotografando.
Seguindo para a outra fileira, há a imagem de uma senhora sentada
em um sofá sorrindo para a fotografia. Ao lado desta imagem há um grupo de
jovens reunidos para tirar a foto, sorrindo. E por ultimo, há a imagem do rosto
70
de um jovem negro sorrindo. O texto prossegue sem mencionar nenhuma das
seis fotografias que o entrecortaram. A ideia exposta é que o que parece ser
engraçado para algumas culturas pode soar sem sentido para outras. No
exemplo, para americanos “o engraçado é o gênero pastelão com tortas na
cara; na Itália, é a piada picante, com duplo sentido.” O riso condicionado por
padrões culturais, e entenda padrões culturais como delimitado pela
nacionalidade. Mas o que as fotografias nos dizem sobre o riso? Se as
observarmos, elas estão apresentando biótipos distintos, ou então, que
poderíamos classificar como distintos, segundo o senso comum. Nesse
sentido, levando em consideração o texto e as imagens, a leitura a ser feita é
que aquilo que consideramos os tipos variados de culturas apresentam o riso
como elemento característico, porém, os motivos que levam ao riso são
distintos de acordo com o país ao qual pertencem. É o país que determina a
cultura? Nesta ideia não estaria escamoteado o determinismo biológico e
geográfico ao mesmo tempo? As pessoas das fotografias parecem estar
colocadas como representantes de alguns tipos físicos, uma menina de traços
orientais, um casal de pele clara e cabelos escuros, uma criança negra vestida
com uma roupa “exótica”, uma senhora de cabelos brancos, jovens loiros e um
jovem negro com blusa.
É provável que a intenção de colocar diferentes tipos físicos de
pessoas sorrindo seja uma tentativa de mostrar que o riso é uma característica
inerente ao ser humano, e o que varia são os motivos do riso. Mas não faz
sentido, quando desenvolver um olhar sociológico no aluno é um dos objetivos
da proposta curricular do ensino de sociologia, por meio de métodos como o
estranhamento e a desnaturalização, colocar um quadro de seis fotografias
apenas como ilustração.
3.4 Caderno de Sociologia, 1ª serie – volume 4.
Com a análise deste ultimo volume dos Cadernos, planejados para a
primeira serie do ensino médio, chega-se ao fim da pesquisa.
O objetivo apresentado no inicio do Caderno é fazer uma reflexão
voltada “para as diferenças que situam indivíduos e grupos em posições
hierarquicamente superiores e inferiores na estrutura social.” O recurso de
71
estranhamento será usado para possibilitar esta reflexão, segundo o Caderno,
com a intenção de observar a existência de desigualdades com base em
atributos sociais. A questão central das três Situações de aprendizagem que
compõe o Caderno é “O que nos desiguala como humanos?” Mais uma vez o
material enfatiza a necessidade de estabelecer um olhar de distanciamento e
estranhamento, com o objetivo de compreender o outro e seus valores. No
Caderno do professor(a) há uma especificação com relação a temas e
conteúdos a serem trabalhados neste ultimo bimestre, sendo a distinção entre
os conceitos de diferença e desigualdade, tratando das desigualdades de
classe, racial, étnica e de gênero.
Neste quarto volume há um total de onze fotografias, apresentando
também o uso de gráficos e tabelas, porém que não fazem parte do objeto de
pesquisa e por isso estão fora desta abordagem. Destas onze fotografias,
apenas cinco serão usadas diretamente como recurso de aprendizagem.
A primeira Situação de aprendizagem, que tem como tema
“Desigualdade de classes”, aponta como objetivo o direcionamento do olhar do
aluno para as “diferenças que colocam as pessoas em posições desiguais no
interior da mesma sociedade”. Nesse sentido, para iniciar a discussão, o
Caderno traz duas imagens com a proposta de que se leia e analise.
A primeira fotografia, como se pode notar ao olhar o referido Caderno,
é colocada em tamanho maior em relação à outra. Esta fotografia nos mostra
um homem com traços orientais, vestindo terno e gravata, no banco de trás de
um carro olhando para seu relógio. Observando com cuidado a imagem pode-
se perceber, olhando para o vidro de fundo do carro, alguns prédios iluminados
que lembram aquilo que se pode qualificar como grande cidade. Poderíamos
ver neste homem uma ilustração de alguém que trabalha em área
administrativa, e que provavelmente não exerce trabalhos manuais. O detalhe
de olhar para o relógio lembra uma ideia de pressa, falta de tempo para realizar
todas as atividades que lhe são exigidas, e o que motivaria pensar que ele
ocupa um alto cargo é o fato de ele estar no banco de trás de um carro, sendo
conduzido por um motorista.
72
A segunda fotografia, como já mencionado, está em tamanho menor e
também traz um homem. Este homem poderia ser classificado como pardo ou
negro, dependendo do lugar de onde se fala, e está carregando uma
carrocinha de lixo com papelões usados. O homem e sua carrocinha estão
parados numa rua movimentada, próximos da calçada, de onde se enxerga
alguns edifícios que podem insinuar a ideia de grande cidade. Enquanto carros
dão a impressão de correrem pela rua, o homem carrega sua carrocinha com
as próprias mãos, o que traz um contraponto para alguém que acompanha a
discussão e já observou a primeira imagem. Vale lembrar que no Caderno do
aluno as imagens estão acompanhadas de legendas como “Imagem 1” e
“Imagem 2”. No Caderno digitalizado do professor(a) a primeira fotografia traz a
legenda “Figura 1- Executivo no carro”, e a outra “Figura 2- Catador de papel”.
73
Com esta rápida leitura sobre as duas fotografias já podemos observar
alguns elementos possíveis para uma discussão com relação a posições
desiguais dentro da mesma sociedade, contemplando a intenção de discutir
estratificação social. Porém, logo abaixo destas imagens, que se fecham numa
caixa, há três questões que pretendem direcionar o olhar sobre as fotografias.
Na primeira questão é perguntada a opinião sobre que tipo de profissão estas
duas pessoas aparentam exercer. Em seguida questiona-se quanto o aluno
acha que eles recebem pelo trabalho que fazem. Por ultimo, é perguntada qual
a diferença de condições de vida entre as duas pessoas.
O Caderno prossegue para a outra etapa sem discutir as imagens, e
tanto no Caderno do professor(a) quanto do aluno não há mais nenhuma
menção as fotografias e que tipos de leituras poderiam fazer sobre elas. Se um
dos objetivos do material é permitir ao aluno discutir a partir de imagens,
realizando leituras e analisando o que olha, então o Caderno não dá conta. As
respostas que os alunos colocaram não poderiam ser um ponto de partida para
uma discussão com relação a desigualdades e diferenças, realizando uma
situação de aprendizagem em que se estranharia a visão que se tem sobre o
tema?
Quando não se problematiza o que se lê a partir das imagens, ou
quando as mesmas já estão com uma leitura direcionada, podemos pensar que
elas estão cumprindo a função de ilustração, caso o aluno não saiba o que é
desigualdade. Refletindo sobre desigualdade de posições ocupadas
poderíamos estranhar o próprio Caderno, no sentido de pensar por que para os
textos visuais é dada pouca importância, muitas vezes até ignorado, e para
textos escritos se dedica maior tempo de discussão? Não há outros sentidos
que permitem estranhar as desigualdades? O som, o corpo, o paladar e o
olfato também permitem apreender a ideia de que há desigualdades e
hierarquização nas posições ocupadas?
Mas feita a escolha das imagens para sensibilizar os alunos, usando o
termo presente no Caderno, não é possível observar que se parte do que o
aluno traz. Para o professor(a) a única orientação é que chame a atenção dos
alunos paras as imagens.
Seguindo para a primeira etapa, parte desta Situação de
aprendizagem, é apresentado o tema “Desigualdade e diferença”. O texto
74
escrito que discute mobilidade social, diferenciando aqueles que detêm os
meios de produção daqueles que vendem sua mão de obra, o que os torna
desiguais diante da possibilidade de gerar renda. Para “ilustrar” a questão o
Caderno coloca um gráfico que se refere à distribuição de renda no Brasil.
Na segunda etapa, o tema é “Classe e estratificação”, que tem inicio
com a sugestão de leitura e análise de texto.
O texto apresentado são recortes de uma pesquisa coordenada por
Marcelo Neri, intitulada “A nova classe média”, Rio de Janeiro: FGV, publicada
em 2008. A ideia que os recortes sugere é que a classe C, com renda de 2 a 5
salários mínimos, representaria a nova classe média brasileira, apresentando
um aumento de empregos formais, e por isso de renda. Por ser uma classe em
ascensão, esta camada da população está chamando a atenção de inúmeros
especialistas, não apenas de sociólogos. No Caderno do professor(a) há uma
75
introdução para orientá-lo antes de fazer uso desta reportagem, apontando
como objetivo “sensibilizar os alunos para uma das diversas formas com que
podemos diferenciar os membros de uma população segundo a classe
econômica.”
Como se pode observar na imagem acima há um conjunto de quatro
fotografias que acompanham o texto. São imagens selecionadas pelo Caderno,
compondo uma montagem que está em diálogo com os recortes da pesquisa
de Marcelo Neri.
A primeira imagem é de um computador portátil, a segunda de um
celular, a terceira de um carro popular e a ultima é de uma casa. No Caderno
dos alunos não há nenhuma referência as imagens, já o do professor(a)
apenas traz uma orientação para que ele chame a atenção de seus alunos
para as imagens. Com esta observação entende-se que as fotografias
76
colocadas juntamente ao texto não são meras ilustrações, e que foram
selecionadas intencionalmente. Sendo assim, é possível que se discuta este
pequeno texto fazendo uma leitura destas imagens. O Caderno fez uma opção
diante desta pesquisa, desejou mostrar os bens de consumo que representam
esta nova classe média. O que é possível discutir a partir desta composição? O
que diferencia uma classe social da outra é sua renda, que resulta no poder de
compra e é nesse sentido que as imagens fazem parte da leitura?
Ao término desta composição para leitura, há uma sugestão de lição de
casa com três perguntas referentes ao texto escrito, em que podem ser
encontradas as respostas. Qualquer possibilidade de trazer um diálogo entre
imagens e texto escrito foi podada, e interessante que o professor(a) é
orientado a chamar a atenção de seus alunos para as imagens. Isso é para
caso o aluno não identifique o que seja a classe C, mesmo depois de ler o
texto? Se a associação não é imediata, do que se esta tratando, seria
necessária uma conversa para que os alunos apontassem elementos que
identificam como sendo de classe média. Se este material tem como intenção
trabalhar com adolescentes com mais de quinze anos, não seria uma
dificuldade questionar os alunos com relação ao que pensam distinguir as
pessoas em classes.
Um detalhe que pode ser visto como menor é as fotografias utilizadas
para mostrar os bens de consumo, como celular e computador, que são dois
aparelhos com alta tecnologia e que constantemente saem de linha devido à
defasagem do produto. Os Cadernos, que terminaram de ser produzidos no
inicio de 2009, apresentam imagens que em 2010 podem ser vistas como
pouco representativa do que seja a classe média, ou mesmo não causem muita
identificação entre os alunos. Como todo recurso didático, os Cadernos
também deveriam passar por atualizações, levando em consideração a opinião
daqueles que fazem uso do material. Mesmo quando a preocupação é apenas
uniformizar o ensino há a necessidade de atualizações, correndo o risco de se
transformar em um material inviável para o uso em sala de aula.
Na próxima etapa, a última desta Situação de aprendizagem, será
tratada de “Teorias de classe e estratificação”. Para este conteúdo o Caderno
faz uso dos dois autores mais estudados na Sociologia, Karl Marx e Max
Weber, para estudar organização da sociedade em estratos e classes.
77
Antes de iniciar uma discussão com relação às teorias destes autores,
o Caderno orienta o professor(a) a apresentar K. Marx por meio deste quadro.
Há nesta caixa de texto uma imagem do autor, em preto e branco, com
uma legenda “Karl Marx, quando jovem”. Ao lado da imagem há uma breve
biografia do filosofo alemão, citando sobre seus escritos e as temáticas
abordadas por ele. Sendo assim, a imagem do autor tem a intenção de
apresentá-lo? O que podemos apreender de um autor por meio de sua
imagem? Qual a contribuição da leitura sobre esta imagem para compreender
as teorias com relação à divisão de classes?
No Caderno do professor(a) há algumas orientações de como abordar
o tema com os alunos, pontuando o fato de que a análise Marx é histórica,
portanto, dirigida para sociedades historicamente determinadas. Não há
nenhum tipo de discussão sugerida com relação direta ao contexto histórico do
78
autor, e tão pouco algo relacionado à imagem que o ilustra. Neste sentido, a
pergunta que fica é de qual seria a intenção ao colocar uma imagem de Marx
ainda jovem? Ela colabora no processo de apresentação do autor e o
entendimento de sua teoria? Ou esta imagem está apenas como ilustração? Já
que ao decorrer do Caderno não há referência a imagem, a hipótese de que
seja uma mera ilustração permanece.
Abaixo desta apresentação há outra caixa de texto, mas agora com um
trecho de Anthony Giddens explicando qual o sentido de classe para Marx. No
material do professor(a) há sugestões do que deve ser mais enfatizado na sala
de aula, finalizando com uma pergunta dirigida aos alunos sobre “O que você
entendeu do texto?”
Logo na página seguinte à apresentação de Marx, o Caderno
apresenta Max Weber no mesmo formato, como mostra a imagem acima.
79
Numa pequena caixa de texto há uma fotografia do autor, com uma breve
biografia ao lado.
Observando a imagem do Caderno é possível notar que o formato de
apresentação dos dois autores acontece de maneira semelhante. Do mesmo
jeito que, no material do professor(a) também são apontados alguns elementos
a serem enfatizados com relação à teoria de Weber. Sendo assim, as mesmas
questões destinadas à apresentação de Marx também podem ser feitas neste
momento. Só difere com relação aos textos que, no caso de Marx se colocou
um trecho do livro de Giddens para explicar classe social. Já para explicar o
que Weber entendia por status se coloca um trecho de Giddens, mas para
distinguir este de Marx faz uso de um trecho de R. Bryn e J. Lie.
Discutir a pertinência de se tratar Marx e Weber em uma mesma aula,
como parte da mesma Situação de aprendizagem que tem como tema
desigualdade social exigiria maior atenção sobre o currículo. Os conteúdos
selecionados para compor os Cadernos de Sociologia são parte de uma
pesquisa mais ampla e complexa com relação ao assunto, porém, a
composição de um currículo deve ser discutida e reformulada em diálogo
constante com aqueles professor(a)s que fazem uso do material. Não há
nenhuma espécie de verificação sobre a maneira que estes conteúdos são
aprendidos, mais que isso, se fazem sentido quando se esta tratando de
desigualdade social por meio de textos escritos por terceiros.
Não há consenso entre cientistas sociais com relação ao papel da
sociologia no ensino médio. Na proposta do estado de São Paulo esta nova
disciplina contribui para a formação de um cidadão critico, na medida em que o
aluno tem a possibilidade de “estranhar” seu cotidiano, desenvolvendo a
habilidade de argumentação. Portanto, não é necessário que o aluno se
aproprie das ciências sociais, mas sim de alguns dos métodos utilizados por
ela, como o “olhar” sociológico.
Seguindo este raciocínio podemos nos questionar quanto à intenção de
trazer dois teóricos como Marx e Weber para a sala de aula. A intenção é de
que os alunos compreendam estas teorias ou que apenas tenham a informação
de que existiram estes autores? Quando se destina uma página do Caderno
para cada um destes autores é possível notar a importância dada a cada um
deles, já que este espaço não será destinado a nenhum outro autor.
80
Passando para a segunda Situação de aprendizagem do Caderno, em
que o tema é “Desigualdade racial”, há uma fotografia que é para ler e ser
analisada, dando inicio à discussão.
Um pouco diferente do Caderno do aluno, o do professor(a) introduz
com um texto escrito o que será abordado nesta Situação de aprendizagem,
sendo a problemática da raça e do racismo e o modelo de relações raciais no
Brasil. O objetivo é diferenciar raça de etnia, compreendendo a origem da
concepção destes termos, para depois discutir o racismo como fenômeno
social. O professor(a) é orientando a partir da leitura da fotografia para uma
discussão sobre raça e racismo, se existe ou não diferentes raça. É solicitado
que o aluno observe a imagem e identifique quantas pessoas de cores
diferentes ele consegue ver.
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Mas antes mesmo do aluno refletir sobre a existência de raças entre os
seres humanos ele é convocado a observar diferentes cores entre as crianças
retratadas. Ao professor(a) é sugerido que, ao observar a imagem, os alunos
sejam sensibilizados para a enorme variedade de tipos humanos que podemos
identificar. Nesse sentido, a fotografia é usada para um primeiro momento de
sensibilização dos alunos, desenvolvendo a partir dela um momento de aula
dialogada. Mas o Caderno não conta com a possibilidade de uma leitura e
análise da fotografia, mesmo que use estes termos. As perguntas que seguem
logo abaixo da imagem já estão direcionando o olhar sobre o que deve ser
visto nela. Quando se pede para identificar diferentes cores ignora-se que
outras leituras poderiam ser feitas para a imagem. Se o modelo de relações
raciais que se quer tratar é o do Brasil, então é possível pensar em algumas
questões referentes à imagem utilizada. As crianças foram reunidas apenas
com o propósito de serem fotografadas juntas, representando a existência de
diferentes biótipos? Em quais tipos de situações, pensando no caso do Brasil, é
possível observar tantas crianças com perfis diferentes juntas? Elas parecem
realmente diferentes? Não parece que todas pertencem à mesma classe
social?
As possibilidades de leitura e análise sobre esta fotografia são também
de enorme variabilidade, e sendo assim é interessante notar como o Caderno
pressupõe que tipo de olhar o aluno irá dirigir sobre a imagem. Isto não se
assemelha a leitura de imagem, mas sim a constatação de algo que se quer
afirmar por meio de um texto escrito. Mais uma vez, mesmo quando o objetivo
é iniciar uma discussão por meio de uma imagem, e por isso foi escolhida
intencionalmente, é desconsiderado que os alunos possam realmente ler este
texto visual, que educa e gera argumentos.
Esta Situação de aprendizagem irá prosseguir discutindo racismo no
Brasil e desigualdade racial no estado de São Paulo, fazendo uso não mais de
imagens, mas de tabelas e gráficos, expondo os números de acesso à
educação e ocupação profissional.
Fechando este volume, e por conseqüência o material elaborado para
a primeira série do ensino médio, a última Situação de aprendizagem ira tratar
do tema “Gênero e desigualdade”. O objetivo é que ao final os alunos saibam
distinguir sexo de gênero e que consigam desenvolver um olhar crítico com
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relação ao caráter socialmente construído do gênero. Para o processo de
sensibilização dos alunos com relação ao tema o Caderno sugere que o
professor(a) chame a atenção para duas fotografias que estão no material.
As fotografias são um auxilio para o professor(a) iniciar uma discussão
sobre desigualdade de gênero. Como se pode observar há uma imagem de um
menino, deitado em um tapete, brincando de carrinhos. Atrás do menino há um
casal sentado em um sofá, onde parece ser uma sala. A fotografia ao lado é
uma menina que está sentada com uma boneca nas mãos, a qual ela brinca de
pentear. Acima da fotografia do menino há o símbolo do masculino, e da
menina há o símbolo do feminino.
No Caderno do professor(a) as orientações seguem de forma a
conduzir a aula. Este trecho é uma mostra destas orientações, que não
apresentam nenhum tipo de preocupação com relação à autonomia docente:
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Para continuar a sensibilização, a lousa pode ser dividida em duas partes: a primeira
metade com o seguinte título “Estereótipos do masculino e do feminino na nossa
sociedade” e na outra metade “Estereótipos do masculino e do feminino em outras
sociedades”. Cada metade deve ser subdividida em duas partes: uma denominada
“Homens” e a outra denominada “Mulheres”.
O objetivo com esta comparação é que fique claro para os alunos e
alunas que os estereótipos de gênero variam de uma sociedade para outra, de
geração para outra, e por isso não são naturais. As fotografias seriam um
incentivo para os alunos pensarem em brincadeiras que são ditas de meninos e
as que são vistas como própria de meninas. A ideia é que eles contribuam com
a aula falando sobre suas experiências de quando eram crianças.
Fazendo uso das fotografias ficaria claro para os alunos o que são
estereótipos. O objetivo é que os alunos possam identificar a construção social
dos estereótipos, que muitas vezes são tidos como naturais. Mas se a intenção
é sensibilizar alunos na faixa de quinze anos para a existência de
desigualdades de gênero, será que brincadeiras infantis é a melhor maneira?
As fotografias podem causar certo distanciamento sobre os alunos, que talvez
não se identifiquem com as brincadeiras ilustradas por meio das imagens
apresentadas.
A ideia de sensibilizar os alunos para um tema parte do pressuposto que
eles devem participar contribuindo para o processo de aprendizagem. Neste
sentido, quando se fala em desigualdade entre homens e mulheres e suas
identidades socialmente construídas, será que são as brincadeiras da infância
que os alunos irão apontar? A imagem de um menino brincando sozinho,
deitado em um tapete, pode causar reações distintas dependendo da região do
estado. Na própria capital temos conhecimento de que as infâncias não são
vividas de maneira uniforme, não há um padrão para ser criança. São as
condições de classe social, pensando nas temáticas já abordadas pelo
Caderno, que mostraram a experiência de infância destes alunos.
Refletir sobre que tipo de sensibilização o Caderno deseja orientar,
observando o uso destas fotografias, expõe a concepção de aluno que está
presente no imaginário daqueles que produzem o material. Ignora-se
completamente as multiplicidades presente numa sala de aula, e mais ainda,
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ignora-se a responsabilidade do professor(a) em lidar com elas. O professor(a)
é destituído de autonomia diante do projeto pedagógico, sendo tratado como
um profissional que apenas executa o que lhe foi imposto, por autoridades que
desconhecem a existência de culturas escolares.
O restante desta Situação de aprendizagem não é muito diferente do
que já foi exposto nesta pesquisa. As etapas prosseguem discutindo diferenças
e desigualdades, conforme estava na proposta. Para isso faz uso novamente
de trechos com textos do Giddens. Ao final, como em todos os volumes, há
uma bibliografia sugerida, alguns filmes e sites que possam contribuir para a
discussão.
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4 Considerações Finais Ao término desta pesquisa que teve como proposta analisar o material
didático para a disciplina de Sociologia, elaborado como parte do programa
“São Paulo faz escola”, foi possível constatar questões relevantes, porém ainda
incipientes no que tange ao estudo voltado para o ensino de sociologia no
ensino médio. Pretende-se, contudo, ser uma contribuição às investigações.
Mesmo que nos detendo sobre um objeto de pesquisa tão bem delimitado, o
uso das fotografias nos Cadernos foi necessário para o desenvolvimento da
pesquisa, analisar o material como um todo, como parte de uma proposta que
tem como meta aumentar os números do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica, o IDEB, do estado de São Paulo.
Nesse sentido, os Cadernos desenvolvidos para o programa, usados
para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio, apresentam formatos uniformes
de organização. A linguagem usada no material, tanto de professor(a)es quanto
de alunos, não se altera de acordo com a disciplina. Sendo assim, não caberia
aqui direcionar uma crítica direta aos autores que elaboraram o material para o
ensino de Sociologia.
Os usos das fotografias no material expõem uma falta de coerência
com o que esta nas propostas, já que o objetivo de “treino do olhar” se
contradiz com o direcionamento de leitura feito diante das imagens. A
desconsideração de uma autonomia do professor(a) com relação à elaboração
de suas aulas, quando prescreve suas ações dentro da sala de aula e orienta
as leituras e interpretações a serem feita, é uma mostra de como este
profissional é tratado pelas políticas públicas. Seu papel como profissional da
educação é esvaziado, com a produção de um material que pretende dar conta
de toda a diversidade e necessidade da maior rede de ensino do país. Um
material que parece ser elaborado para profissionais que não tenham
conhecimentos específicos na área, e sendo assim, não haveria prejuízos à
aprendizagem dos alunos da rede.
A alegação de que os Cadernos são apenas um auxilio para o
professor(a) em sala de aula podem ser contestadas quando são inúmeros os
relatos de professor(a)s que coagidos pela coordenação da escola à fazer uso
na integra do material. Situação que tem relação direta com as políticas de
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bônus da secretaria da educação, que paga bônus em dinheiro aos
professor(a)es, diretores e funcionários das escolas que cumprirem as metas
de ensino.
Portanto, o que poderia ser avaliado apenas como material de apoio
deve ser repensado de acordo com as políticas bonificação da secretaria da
educação. Nesse sentido, uma pesquisa que pretendia analisar o material,
refletindo sobre metodologias de ensino para ciências sociais, necessitou levar
em consideração outros elementos envolvidos na formatação de currículos e
propostas. Ainda hoje, embora considere o aumento relativo de pesquisas na
área, acreditamos ser importante avançarmos os estudos voltando-os para
questões relacionadas às práticas docentes e o que as mesmas envolvem:
recursos didáticos, relações com alunos, alunas e a cultura escolar, currículo.
Ou seja, ainda há muito o que investigar neste profícuo campo de pesquisa.
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