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Coleção Aventuras Grandiosas Johann Wyss OS ROBINSONS SUÍÇOS Adaptação de Rodrigo Espinosa Cabral 1ª edição

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Coleção Aventuras Grandiosas

Johann Wyss

OS ROBINSONS SUÍÇOS

Adaptação de Rodrigo Espinosa Cabral

1ª edição

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�� CHACOALHOU: balançou, sacudiu�� SAFANÃO: empurrão��ESTRALO: estalido, som breve e seco��MADEIRAME: estrutura de madeira��RANGENDO: fazendo ruído áspero�� BOMBEAR: extrair, retirar líquido��VAGALHÃO: onda muito grande�� CEDIDO: partido, quedrado�� JORRO: grande saída de líquido�� BESTIALIDADE: brutalidade

Capítulo 1

Pelo menos por seis vezes a tempestade CHACOALHOU nosso navio. Omastro principal havia rachado no dia anterior e, com as sucessivas inclinações daembarcação, aquele imenso poste de madeira acabou partindo. Desabou porcima da lateral do convés, matando três pessoas e despedaçando parte doassoalho e um pouco do casco do barco.

A cada SAFANÃO das ondas, ouvia-se o ESTRALO do MADEIRAMERANGENDO e a água salgada ia penetrando lentamente no porão. Todos ospassageiros foram convocados para BOMBEAR a água, mas era uma batalhaperdida. O máximo que conseguíamos era deixar o nível da água estável. Até queuma onda maior jogou o barco para cima de outro VAGALHÃO e, na batida, umaonda percorreu o convés e a água entrou pela rachadura feita pelo mastro. Oporão inundou-se de vez. Parte da equipe que bombeava a água saiu correndo.O resto do pessoal desistiu de bombear.

Assustados, pensaram que o casco do navio havia CEDIDO e começava aafundar, mas era apenas um JORRO de água que entrara no porão. Alguns passa-geiros foram pisoteados na correria. Como não ia conseguir bombear nada sozinho,resolvi subir ao convés também. Lá em cima, um fim de tarde cinzento, comfortes ventos, e o mar revolto perturbava visivelmente os passageiros. Para protegermeus quatro filhos, pedi a minha esposa Elisabete que ficasse com eles no quarto.Naquela situação de desespero, eles corriam o risco de ser atropelados pelaspessoas em pânico.

Aquele estrondo mais forte foi o que bastou para que começassem asbrigas pelos poucos botes salva-vidas que havia no navio. Pensei em lutar também,mas de nada adiantaria, porque minha família estava na cabine. Se os trouxessepara o convés, não teria como protegê-los. Decidi ficar olhando o egoísmo e aBESTIALIDADE humana tomarem conta da situação, enquanto pensava em umaalternativa. Na cabine minha esposa rezava com nossos filhos.

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Um dos MARUJOS havia subido num mastro secundário e, de lá, quandojá era praticamente noite, começou a gritar:

— Terra à vista! Terra! Estou vendo terra à vista!O marujo apontava para o leste. Do convés olhei naquela direção e nada vi,

além de grandes ondas que pareciam imensas colinas móveis e de muitas nuvensbaixas, que fechavam o tempo e a noite que já começava a se impor. Ou eleestava mentindo, ou, lá de cima, era capaz de VISLUMBRAR um pedaço de terrapor sobre a neblina.

De qualquer forma, aquela notícia fez com que os três botes que estavamsendo disputados fossem lançados na água. Os passageiros e a tripulação lotaramas pequenas embarcações. Algumas pessoas, sem conseguir vaga no bote,atiraram-se na água mesmo assim. Por uns cinco minutos pude ver os botes seafastando e por mais algum tempo escutava suas vozes, até que se afastaram enão pude mais ver nem escutar nada além da fúria da tempestade.

Confesso que me senti um fraco e um fracassado por não ter lutado paraobter um lugar nos botes. Poderia pelo menos ter tentado salvar minha família oumeus filhos, mas era como se algo me dissesse que aquilo de nada adiantaria.Que eles morreriam naqueles botes ABARROTADOS. Pela forma insana com queas pessoas se comportavam, não seria nenhum exagero pensar que poderiaminclusive jogar as crianças do bote.

Minhas considerações a esse respeito tiveram que ser interrompidas, poiso vento havia aumentado de intensidade e a chuva voltava a cair com fortes pingos.Resolvi voltar à cabine para ver como estavam as coisas. No quarto, contei aElisabete sobre nossa grave situação e ela me convenceu a orarmos. Mais tranqüilo,coloquei as crianças na cama e pedi para Elisabete tentar dormir. Subi novamenteao convés. Estava escuro demais e o vento e chuva não davam trégua. Griteiperguntando se havia mais alguém ali, mas não houve resposta. Todos já haviampulado no mar e o navio estava à deriva naquele mar insano.

Quanto tempo será que levaria para afundar? Tentei improvisar uma janga-da com barris, cordas e madeira, mas simplesmente não conseguia me equilibrare juntar os materiais. A tempestade estava muito forte. Além disso, uma jangadafeita no escuro e às pressas não teria a menor chance contra aquele mar CAÓTICO.Por isso voltei à cabine e decidi ficar com minha família até o fim, dando apoio etransmitindo segurança para eles.

Nosso caçula Fritz dormia como se nada estivesse acontecendo. Ernesto eRudly estavam num canto, quietos e assustados. Elisabete, eu e Frederico, nossofilho mais velho, ficamos acordados por horas, até que ouvimos um grande es-trondo e o navio parou de se movimentar. Subi correndo até o convés. A tem-

��MARUJO: homem do mar, marinheiro�� VISLUMBRAR: conjeturar, entrever��ABARROTADO: cheio, lotado��CAÓTICO: confuso, desordenado

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pestade já havia passado e a noite estava no fim. Inclinando meu corpo na bordado navio, reparei que ele havia colidido com um grande recife. Eu já havia enve-lhecido uns quinhentos anos naquela noite, mas ao analisar a situação fiquei maisaliviado: não morreríamos afogados. Quando me virei e fui olhar a ESTIBORDO,tive uma surpresa que sacudiu meu coração: o dia amanhecia e tornava visíveluma bela e verdejante ilha, logo ali, há uns trezentos metros de onde estávamos.Corri para dar a notícia à Elisabete e às crianças.

Capítulo 2

Creio que ainda não me apresentei, nem contei o porquê de minha viagemFATÍDICA. Meu nome é Joe Stark, sou casado com Elisabete Stark, somos NATURAISde Berna, Suíça, onde vivemos por muito tempo numa bela casa com nossosquatro filhos. Nossa vida era simples, confortável e feliz, até que numa manhãgelada o carteiro trouxe uma carta vinda dos Estados Unidos.

A notícia de que meu primo Heinrich Jaeger havia morrido na Filadélfia nãochegou a me entristecer muito, porque fazia mais de trinta anos que ele haviaemigrado para lá e, desde então, nunca mais nos vimos. O que surpreendeu atodos nós foi a proposta que continha aquela carta, escrita pelo advogado dele.Como não tinha parentes nos Estados Unidos, Heinrich havia deixado de herançapara nós toda a sua fortuna, desde que nos mudássemos para aquele país e lávivêssemos com nossos filhos.

Durante duas semanas pensamos e discutimos muito sobre aquela propos-ta que poderia mudar nossas vidas. Gostávamos demais de Berna, onde tínhamosmuitos amigos e onde nossos ANTEPASSADOS já estavam há mais de cem anos.Contudo, a sede por aventura e a tentação de sermos ricos e de podermos darum futuro mais promissor para nossos filhos nos fez dar uma GUINADA em nossasvidas. Em dois meses, vendemos tudo que tínhamos na Suíça, estudamos inten-sivamente o básico do inglês e planejamos a viagem. Fomos até o porto de Havre,na França, onde embarcamos rumo ao Novo Mundo.

Como não existe quase nada certo nessa vida e o destino é um mestre empuxar o tapete das pessoas, nosso navio sofreu muitos danos durante uma terríveltempestade e encalhou num recife perto de uma bela ilha. Ter visto a ilha bemperto do navio foi como nascer de novo. Um tufão de energia, bom humor eesperança tomou conta de mim e de minha família. Emocionados, nos abraça-mos no convés do navio e fizemos uma oração de agradecimento ao Senhor.

��ESTIBORDO: o lado direito de um navio�� FATÍDICA: trágica, fatal��NATURAL: oriundo, proveniente��ANTEPASSADO: parente anterior aos avós��GUINADA: mudança na direção, desvio

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A ilha estava a, no máximo, quinhentos metros dos recifes onde encalha-mos. Como não sabíamos por quanto tempo o navio iria agüentar aquele ancora-douro forçado, achamos melhor arrumar uma forma de sair logo dali. Pedi para osgarotos dividirem-se e, com cuidado, procurarem botes ou materiais com osquais pudéssemos improvisar uma jangada. Elisabete ficou cuidando de Fritzenquanto eu procurava cordas, serrotes, pregos e martelos.

Logo Ernesto veio gritando:— Pai, mãe! Olha só: achei um monte de bichos lá embaixo! Tem vaca,

burro, duas cabras, muitas ovelhas e até uns porcos!Os animais não nos ajudariam a sair do navio, mas se os conduzíssemos à

praia, eles, sem dúvida, seriam valiosos. Meus pensamentos foram interrompidospor Frederico que apareceu com dois rifles e alguma munição. Elisabete ficouhistérica ao ver o garoto com as armas de fogo na mão, mas tratei de acalmá-la,dizendo que Fred estava certo em resgatar o armamento, pois a ilha deveria trazermuitos perigos para nós.

Quando Rudly chegou, suas mãos estavam vazias e um certo DESÂNIMOtomou conta de mim. Rudly bebeu um pouco de água de uma garrafa que euachei e logo falou:

— Pai! Achei muitos barris boiando na parte mais inferior do porão. Pensoque podemos fazer uma jangada provisória com eles e dar o fora daqui.

A idéia era realmente boa e ficamos animados com ela. Após alguns minu-tos discutindo o projeto da jangada, decidimos serrar os barris no meio e fazeroito grandes bacias com eles. Depois amarraríamos as bacias, formando duasfileiras com quatro tanques em cada. Por baixo dos barris cortados três ou quatroportas seriam atadas para ajudar na sustentação e na flutuação. Parecia um bomplano, mas daria trabalho e levaria algum tempo.

Minha intenção era a de que, antes do pôr-do-sol, já tivéssemos tudo pronto.Temia dormir no navio, pois não sabia quanto tempo ele agüentaria escorado nosrecifes. Se seu casco cedesse mais o madeirame poderia vir abaixo e morrería-mos afogados. Por isso pedi aos meninos dedicação total. Trabalhamos durantetoda a manhã, reunindo material, ferramentas, cordas e serrando os barris. Quan-do o sol estava bem acima de nós e a fome nos forçava a parar, Elisabete nosserviu vários biscoitos, pães e queijo, que comemos com vontade, bebendovinho e água. As IGUARIAS estavam na cozinha do navio, parcialmente destruída.

A montagem da jangada nos levou a tarde inteira, sem que conseguísse-mos terminá-la de modo satisfatório. Era preciso que as amarras ficassem bemfirmes para que a jangada suportasse o peso da carga e a pressão das ondas.Depois me dei conta de que se a água entrasse pelo fundo dos barris nossa

��DESÂNIMO: abatimento, alento�� IGUARIA: comida apetitosa, mantimento

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jangada poderia afundar. Pedi a Frederico que procurasse ESTOPAS e ALCATRÃOno navio, mas já era tarde e ele nada encontrou antes do anoitecer.

Decidimos arriscar e passar a noite no navio. Pela manhã tentaríamos acharo alcatrão, afinal, todo navio deve carregar um vedante para sua madeira, casohaja algum imprevisto na viagem. Assim que o dia clareou pus toda a família àcaça de mais corda e de alguma substância capaz de vedar a jangada. Duas horasdepois, Rudly apareceu no convés com muitos metros de uma corda grossa,melhor do que a que tínhamos usado, e logo depois veio Ernesto, com as mãossujas de um material negro e viscoso. Tinha um largo sorriso no rosto e embaixodo braço trazia um pequeno barril:

— Achei a cola! Têm vários barris desses, dentro de um baú, lá no porão.VIBRAMOS com aquele pequeno acontecimento e imediatamente iniciamos

a calafetação da jangada. Enquanto os garotos passavam o alcatrão nas fendasdos barris, eu ia amarrando pela segunda vez as portas aos oito compartimentos.Elisabete e Frederico reuniam alimentos e ferramentas para usarmos na ilha. Apósamarrar a jangada, procurei facas, facões e armas que seriam usadas para a defesacontra possíveis nativos e animais selvagens na ilha. Achei muitas armas e algunsbarris de pólvora. Resolvi pegar duas espingardas, quatro rifles, um MOSQUETÃO,munição e vários facões e facas.

Após um lanche rápido, colocamos a jangada no mar com a ajuda decordas. Na empolgação, enchemos os tanques com charque, bolachas, queijos,ferramentas, anzóis, roupas, cobertores, lonas, cordas e galinhas. Havia dois cãesbuldogues no navio que ficaram nossos amigos durante as buscas por alcatrão,cordas e ferramenta. Resolvemos levá-los também. Ernesto achou gaiolas comvários pássaros, pombos e patos que resolvemos libertar na esperança de que,uma vez em terra, conseguíssemos capturá-los de novo.

Assim, entramos na embarcação e remamos, como se aquela fosse a últimacoisa que nos restasse. Caso parássemos para pensar, veríamos que remar erarealmente tudo o que tínhamos. Por sorte o mar estava muito calmo e sem corren-teza. A cada metro remado as areias da praia ficavam mais próximas e o navio,menor. Essa movimentação nos motivava muito.

Quase uma hora depois de termos saído, nossa jangada chegou ao desti-no. Elisabete chorava de emoção. Ernesto pulou na água e, caminhando, foi em-purrando nosso barco. Rudly e Frederico fizeram o mesmo e puxaram a jangadaaté a areia. Estávamos em terra firme. Os buldogues pularam na praia e começa-ram a festejar junto com os meninos. Eu não tirava os olhos da floresta que haviaassim que a faixa de areia terminava. Estava preocupado com um possível ataque

��ESTOPA: sobra de tecido��ALCATRÃO: mistura negra e viscosa oriunda de vários elementos como

petróleo e carvão�� VIBRAMOS: comemoramos��MOSQUETÃO: fuzil de pequeno porte

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de indígenas. Por isso pedi a Ernesto que pegasse um rifle e fosse até a mataverificar o território. Pedi que olhasse o solo e tentasse identificar pegadas, e quenão demorasse muito.

Enquanto isso, descarregamos nossa jangada e nos refugiamos na sombradas árvores. Estávamos moídos de cansaço físico e mental. Os dois últimos diastinham sido realmente ESTAFANTES. Ficamos olhando o navio encalhado ao longee o mar verde-claro que nos cercava. “Onde estaríamos?”, eu pensava. “Seria umailha deserta? Seria rota de navios mercantes ou, pior, de navios piratas?”

Elisabete pegou minha mão e interrompeu meus pensamentos. Fritz dor-mia em seus braços e ela disse:

— Estou orgulhosa de você, Joe. Eu teria ido nos botes salva-vidas abar-rotados, durante a tempestade, e sabe Deus qual teria sido o meu destino e odas crianças.

Eu queria conversar muito com ela, mas estava cansado demais. Então ape-nas sorri e novos pensamentos atropelaram minha cabeça: “Onde estariam osoutros tripulantes do navio? Estariam naquela mesma ilha? Teriam chegado a outrailha? Teriam morrido na tempestade? Os corpos apareceriam algum dia?”

Eram muitas perguntas sem respostas. Por isso resolvi parar de pensar nelas etratei de montar um abrigo para passarmos a noite, enquanto Rudly e Fredericotentavam pescar nas imediações da praia. Entrei um pouco na mata; com o facão,ROCEI o mato envolta de quatro árvores. Amarrei a lona nas árvores, formando umteto. Depois, com outros pedaços da lona, improvisei três paredes para a barraca.

Como estávamos numa ilha tropical, não havia necessidade de maiorproteção. Fazia muito calor e a abertura frontal da barraca seria bastante útil. Quan-do Ernesto voltou, afirmando não ter notado nenhum sinal de índios na ilha, ficamosmais aliviados. Pedi que ele limpasse o mato ao redor da barraca e que abrissemais a pequena trilha até a praia. Enquanto isso fui coletar madeira para queElisabete pudesse fazer o jantar. Além disso, pensava que uma fogueira à noiteiria nos deixar mais seguros e nos tornaria visíveis, caso outro barco ou outronáufrago passasse ali por perto. Hoje sei que foi um erro, pois caso houvesseselvagens na ilha, eles seriam atraídos pelo fogo e estaríamos em perigo.

Já estávamos preocupados, quando, um pouco antes do pôr-do-sol, Rudlye Frederico voltaram à nossa “casa de praia”. Traziam os bolsos cheios de sal,retirado das pedras que havia numa das pontas da praia, após o riacho. Na marécheia o mar cobria as pedras; quando a maré descia, sempre ficavam poçasd’água nas pedras. Assim que o sol evaporava a água, o sal aparecia sobre orochedo. Rudly também carregava uma enorme lagosta vermelha e Frederico haviausado sua camisa como saco para carregar dezenas de ostras.

Ficamos muito felizes com o empreendimento dos dois e naquela noitejantamos felizes. Parecíamos reis celebrando uma grande conquista e não náufra-

�� ESTAFANTE: cansativo, fatigante��ROCEI: cortei, derrubei

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gos perdidos numa ilha deserta. Após o jantar mandei meus filhos mais velhosrevezarem-se na vigia do acampamento e fomos dormir.

Capítulo 3

Na manhã seguinte pedi a Rudly que buscasse água doce no riacho ao sulda praia. Acompanhei Ernesto numa nova incursão pelo mato, à procura de frutas,animais e sinais de selvagens. Felizmente os últimos não foram encontrados, masvoltamos com um belo cacho de bananas e alguns abacaxis que muito deliciaramo pequeno Fritz.

Elisabete reclamou da falta de conforto e de UTENSÍLIOS domésticos me-lhores. Precisávamos também de mais roupas e ferramentas. Por isso planejei parao dia seguinte uma nova ida ao barco encalhado. Pela tarde subimos um morro,para conhecer melhor a extensão daquelas terras e na esperança de avistarmosuma vila ou, quem sabe, outros sobreviventes. Mas, lá do alto, tudo era vazio esilencioso. A olho nu, calculei as distâncias e conclui que nossa ilha tinha mais de15 quilômetros de norte a sul e uns 25 de leste a oeste. Se quiséssemos atravessá-la de ponta a ponta levaríamos dois ou três dias, dependendo das condições damata. O rio que desembocava na praia em que APORTAMOS não parecia muitoextenso, mas talvez estivesse oculto pela floresta. Embora o local fosse um paraíso,vê-lo assim do alto, cercado por um imenso oceano azul, deu-nos um sentimentode incrível solidão. Por um momento, ficamos quietos lá em cima. Apenas ovento soprava. Para animar os rapazes, falei:

— Pelos menos não existem CANIBAIS nesta ilha!Rudly riu. Ernesto disse que se os selvagens morassem ali iriam se ver com

ele. Rimos da BRAVATA do garoto, o que serviu para diminuir a tensão do momento.Depois falei:

— Filhos, se Deus preparou esta surpresa para nossas vidas, isso só podeser algo muito bom. Se você for comer uma laranja com casca e tudo, ela terá umgosto muito ruim, ácido e amargo. Mas se você desenvolver um método paradescascá-la, então seu suco será delicioso. Quero que vocês entendam esta ilhacomo um presente de Deus. Uma fruta doce e refrescante que Ele nos deu. Temosapenas que descobrir como descascá-la para tirar melhor proveito dela. Certo?

EM CORO eles responderam:— Certo!— Outra coisa – continuei. — Não sabemos quanto tempo ficaremos aqui.

Pode ser mais algumas horas. Pode ser até amanhã. Podemos ser resgatados mês

��UTENSÍLIO: objeto e instrumento com alguma utilidade��APORTAMOS: estacionamos a embarcação��CANIBAL: pessoa que se alimenta de carne humana, antropófago�� BRAVATA: fanfarrice��EM CORO: ao mesmo tempo

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que vem ou podemos ficar aqui para sempre. Por isso quero que vocês tenhammuito cuidado e aproveitem cada minuto de suas vidas aqui como se fosse oúltimo, fazendo de tudo para ajudar o outro. Estamos sozinhos e precisamosmuito uns dos outros, certo?

Novamente eles gritaram “certo”, de forma unida e feliz. Fizemos então umcírculo e, abraçados, oramos agradecendo a Deus por ter poupado nossas vidase nos dado uma ilha paradisíaca de presente. Depois descemos o morro, poisElisabete, Fritz e os buldogues nos aguardavam lá embaixo.

Antes do anoitecer, os garotos apanharam folhas secas e com elas fizemosalmofadas e travesseiros macios. No jantar tivemos siris, ostras e marisco, que opequeno Fritz achou incrustados nas rochas ao norte da praia. Naquela noite Fritzestava inspirado e resolveu batizar os cães com os nomes de Turco para o machoe Billy para a cadelinha.

Elisabete estava preocupada com nossa situação e sentia saudade de ami-gos e parentes na Suíça. Procurei lembrá-la que se o navio não tivesse rompido ocasco, estaríamos nos Estados Unidos e, portanto, longe de nossos parentes. Elaacalmou-se um pouco e deitou na cama improvisada com capim. Resolvi quetraria tudo o que fosse possível do navio para a praia e então construiria uma casa.Minha esposa não merecia dormir praticamente ao RELENTO.

Na verdade eu me sentia culpado por tê-los colocado naquela situação.Afinal, tínhamos uma vida excelente na Suíça, mas, mordidos pelo inseto daCOBIÇA, resolvemos arriscar tudo nos Estados Unidos. Ainda bem que o enormeprazer que nossos filhos sentiam em estar na ilha aliviava minha consciência pesada.Mesmo assim, preocupava-me o fato de eles não estarem freqüentando umaescola, não terem amigos nem uma vida em sociedade. Pensando nessas questões,adormeci, só acordando no dia seguinte.

O mar estava agitado com ventos mais fortes do que o comum, por issocancelei a ida ao navio. Mandei Ernesto e Frederico explorarem a região ao norteda praia, enquanto eu e Rudly fomos mata adentro. Fritz e os buldogues ficaramcom Elisabete, preparando o almoço. Ainda perto do acampamento, achei algunsCABACEIROS. Rudly apanhou seus frutos e com o facão cortei as cabaças e tirei-lhes a polpa. Pronto: Elisabete teria vários potes e vasilhas para guardar os alimentos.Mais adiante vimos alguns macacos no alto das árvores. Rudly pegou algumaspedras e jogou neles para se divertir. Os bichos pularam para os galhos de umcoqueiro e Rudly continuou jogando pedras neles.

Pensei em repreendê-lo e mandá-lo parar, mas Rudly era apenas um garotoe, na sua idade, provavelmente eu faria o mesmo. Além disso, caso ele acertasseum macaco, eu tinha a curiosidade de saber que gosto teria sua carne. Mas antes

��RELENTO: sereno, umidade da noite��COBIÇA: desejo voraz de possuir bens materiais��CABACEIRO: árvore baixa cujo fruto (porongo ou cabaça) é usado no fabrico

de cuias e potes

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que Rudly acertasse a pontaria, fomos surpreendidos pelos primatas, que cataramos cocos verdes e começaram a arremessá-los contra nós. Por sorte não nosacertaram. Saímos correndo e nos escondemos no mato. Quando os macacosforam embora, voltamos até o local e coletamos alguns cocos.

No jantar bebemos água-de-coco e comemos novamente ostras, mariscose siris que Elisabete e Fritz cataram. A novidade foi termos cana-de-açúcar desobremesa, iguaria encontrada por Ernesto e Frederico. Concluí que teríamosque melhorar muito nosso sistema de obtenção de alimentos, senão logo enjoa-ríamos de ostras e mariscos. Se o mar continuasse agitado, na manhã seguintefaríamos uma pescaria e à tarde tentaríamos capturar as galinhas e os patos quesoltamos do navio. Se estivesse calmo, voltaríamos ao navio.

Antes do dia amanhecer, acordei e fui até a praia. Felizmente o mar estavacalmo. Preparei um belo café da manhã com frutas e acordei o resto da família.Antes que o sol começasse a aparecer já estávamos no mar, remando em direçãoao navio. Era uma operação de risco aquela, mas era preciso voltar lá. Uma hora emeia após termos partido, conseguimos chegar até a embarcação. Assim queErnesto subiu no convés, estendeu uma corda para amarrarmos a jangada e colo-cou uma escada para facilitar a subida de Frederico, Rudly e eu.

No convés fomos “saudados” por um filhote de leitão perdido. ErnestoCOGITOU a hipótese de haver mais animais no barco. O leitão estava faminto,mas Rudly encontrou um balde de ração e deu um pouco para o animal. Sede oanimal não tinha, pois havia muita água da chuva empoçada pelos cantos doconvés levemente inclinado. De repente ouvimos os gritos de Frederico vindosdo porão. Descemos até lá. Ele havia encontrado duas vacas, um touro, quatrocabras, três ovelhas e um burro, e mais um casal de porcos no compartimento decarga do navio. Os bichos estavam com fome e sede, mas Rudly logo tratou dealimentá-los.

— Como vamos fazer para tirá-los daqui, pai? — perguntou Ernesto.— Eu não sei, filho. Alguém tem alguma idéia?Olhamos para Fred, ele era o INTELECTUAL da família e sempre tinha idéias

práticas. Ele estava concentrado, olhando para baixo muito pensativo. Quandolevantou o rosto, um sorriso abriu-se e ele disse:

— Já sei! Vamos pegar barris e atar na barriga dos bicho. Assim eles vãoflutuar e, mesmo cansados, poderão nadar até a praia.

Vibramos com a idéia. Poderia até não funcionar, mas era a única idéia quetínhamos, então resolvemos colocá-la em prática. Primeiro nos dividimos em doisgrupos. Fred e Rudly foram procurar barris e cordas. Ernesto e eu colocamosportas e madeiras sobre a escada que levava até o porão para que os animaispudessem usá-las como rampa para sair dali. Depois que os bichos estavam noconvés, amarramos os barris neles e Ernesto os tocou até uma das bordas inclinadas

��COGITOU: pensou, sugeriu�� INTELECTUAL: pessoa que tem gosto pela inteligência

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do navio, onde eles poderiam facilmente entrar na água. É claro que alguns delestiveram que ter um empurrãozinho extra para se animar. O burro foi o que maisdeu trabalho, por isso esfregamos sabão e molhamos o chão para que eleescorregasse até a água.

Fizemos um teste com o porco e o barril de tamanho médio agüentoubem o seu peso. Na água o instinto de sobrevivência do animal fez o resto e elecomeçou a nadar em direção à praia. Um por um fomos colocando nosso“REBANHO” no mar. Quando acabamos, enchemos a jangada de sementes, umbarril de manteiga, um barril de arroz e um barril de farinha, CHARQUE, panelas,talheres, louças, copos, mais ferramentas, mais armas e munições, roupas, cobertas,lonas, duas lunetas, três bússolas, muitas velas, fósforos, lampiões e alguns livros.

Já estávamos no meio da tarde e levamos quase três horas para chegar atéa praia, devido ao excesso de peso da jangada. Os bichos chegaram praticamenteconosco. Estávamos muito cansados, mas ainda amarramos o rebanho perto doacampamento e guardamos a carga antes de comer o sopão que Elisabete haviapreparado para o jantar e cair na cama. Nada mais justo que o descanso merecido.

Capítulo 4

Acho que nem preciso dizer como Elisabete ficou feliz com o novo carre-gamento. Agora ela tinha tudo o que precisava em sua cozinha (com exceção deum fogão e uma pia decentes). Ernesto CONDOEU-SE da situação e, sozinho,buscou pedras e com ela montou um fogão rústico, onde Elisabete poderia assarcarnes e pães. O APARATO tinha três compartimentos: na direita um forno paraos assados, na esquerda ele montou uma grelha com espadas velhas que achamosno navio. Na parte de baixo havia espaço para as brasas.

Enquanto Ernesto fazia o fogão, eu construía um cercado para os animais.Os garotos me ajudavam a cortar árvores, fixar os MOURÕES, pregar a cerca. Aoentardecer, tínhamos um belo curral para o touro e as vacas e outro maior para asovelhas, os porcos e o burro. Rudly ainda conseguiu capturar alguns pombos epatos, e duas das várias galinhas que havíamos soltado dias antes. Resolvemosmelhorar o chiqueiro e, no dia seguinte, fizemos uma divisão nele para abrigá-las.Mais tarde outros galos e galinhas apareceram perto do galinheiro, talvez atraídospela ração gratuita, e nós os capturamos e construímos um galinheiro maior, quenos fornecia ovos diariamente.

��REBANHO: uma porção de gado��CHARQUE: carne salgada e em mantas; carne-seca��CONDOEU-SE: teve dó, compaixão��APARATO: aparelho, instrumento��MOURÃO: pau que segura uma cerca

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Tudo ia correndo bem até que, na noite seguinte, fomos acordados peloslatidos enlouquecedores de Turco e Billy. Rapidamente peguei a espingarda quedeixava sempre ao meu lado durante a noite e saí correndo. O barulho vinha dolado do curral. Era uma noite de Lua quase cheia e pude ver, dependurado nacerca, uma espécie de lobo. Estava tentando pegar um porco. O animal gritava,pressentindo o perigo. Cheguei a uns dez metros do invasor e disparei. O bichoCORCOVEOU no ar e caiu no chão, mas se levantou rapidamente e saiu correndo,MANCANDO.

Ernesto apareceu com outro rifle e correu na direção do animal ferido, maseste entrou na mata e o despistou. Não dormi mais até o amanhecer. Quandoamanheceu, entrei no mato e após uma meia hora de caminhada, seguindo umrastro de sangue deixado pelo animal invasor, achei seu corpo: era uma CHACAL.Frederico disse que outros voltariam, então resolvemos nos preparar. Aumentei otamanho da cerca e instalei nela cordas atadas a penduricalhos barulhentos, quefuncionariam como alarme. Com as pás, fizemos um grande buraco com estacaspontudas dentro e cobrimos sua boca com uma fina armação de taquaras e, porcima delas, folhas. Em cima da camuflagem, deixamos um belo pedaço de charque.

Na manhã seguinte, encontramos um chacal morto, espetado no fundo doburaco. Resolvemos usar esse método tanto para a defesa quanto para a caça,tendo sempre o cuidado de marcar bem o local com um sinal de “X” nas árvorespróximas, para que nós mesmos não caíssemos em nossa própria armadilha. Apóso EPISÓDIO dos chacais, chegamos à conclusão de que nossa moradia não erasegura. Mesmo redobrando a VIGILÂNCIA e colocando armadilhas e aumentadoas cercas, não conseguíamos dormir tranqüilos. Por isso começamos a conversarsobre onde poderíamos construir uma casa de verdade e deixar de vez as aco-modações da barraca improvisada.

Foi Ernesto que sugeriu:— Vamos construir uma casa no alto de uma árvore!De início achei a idéia meio infantil, mas os garotos adoraram. Elisabete,

mesmo não gostando de alturas, também aprovou a sugestão de Ernesto. Comuma casa nas alturas, estaríamos seguros contra ataques inimigos e Elisabete teriaum lar com menos insetos a incomodando, também.

Passamos dois dias incursionando pela mata em busca do melhor local.Até que Fred encontrou uma grande árvore, muito alta e com dois galhos grossosparalelos um ao outro. Poderíamos usar os galhos como base para a casa, queficaria há uns dez metros de altura, dos cerca de quinze que a árvore tinha. Haviaapenas um problema: o terreno fica do outro lado do riacho e seria bem incômodo

��CORCOVEOU: pulou todo curvado�� MANCANDO: renguiando, claudicando��CHACAL: mamífero feroz, parente do lobo e da raposa��EPISÓDIO: fato notável��VIGILÂNCIA: zelo, precaução, ato de vigiar

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ter de atravessá-lo a todo instante com os materiais de construção. Elisabete entãosugeriu que fizéssemos uma ponte, antes de iniciarmos a construção da casa.Novamente os garotos vibraram com possibilidade de construir algo.

Junto a Ernesto, entrei na mata e, à machadada, derrubamos doze belasárvores de CAULE reto e longo. A idéia era deitar os doze troncos, lado a lado,sobre o rio e pregá-los com tábuas menores atravessadas. Antes do entardecer játínhamos uma ponte e, para comemorar, comemos frango assado. Durante o jantar,comentamos que teríamos muito trabalho, carregando madeira e ferramentas parainiciar a construção. Ernesto sugeriu que amarrássemos o material numa das por-tas que havia embaixo da jangada e usássemos a porta como reboque. Seria fácilarrastá-la pela areia até a ponta da praia, onde passava o riacho. Elisabete melho-rou a idéia de Ernesto, sugerindo que utilizássemos as duas vacas e o burro parapuxar a carga.

Gostamos muito da idéia, mas resolvemos que antes teríamos que voltarao navio. Desta vez para buscar madeira de qualidade, portas, janelas, mesas,cadeiras e escadas. Passamos dois dias reconstruindo e melhorando nossa jangada.Colocamos uma vela, feita com lona, e construímos quatro remos. No amanhecerdo terceiro dia, ingerimos um reforçado DESJEJUM com suco de laranjas prove-nientes de um laranjal que Rudly havia encontrado e partimos rumo ao navio. Fritze Elisabete ficaram em casa com os buldogues.

Com a vela e os remos chegamos em meia hora até o navio, mas nossosbraços doíam devido ao esforço. Amarramos a jangada ao barco e logo tratamosde desparafusar as portas e as janelas internas da embarcação. Rudly ainda per-correu o navio buscando papéis, canetas, réguas, materiais de higiene e limpeza.Em sua busca achou uma pequena ARCA de ferro, na cabine do capitão.

Com um tiro abrimos seu cadeado e, como prevíamos, estava cheia dejóias. Fiquei pensando em como daríamos valor àquelas pedras “preciosas” seestivéssemos na Europa. Porém, naquela ilha isolada da civilização, elas não valiamnada. Os garotos pegaram algumas para se divertir. Primeiro pensei em não deixá-los fazer isso, pois se um dia fôssemos resgatados, a companhia dona do navio iaREQUERER seu tesouro. Contudo, mudei de idéia, pois se alguém tinha direito areclamar alguma perda, esse alguém era eu. Afinal, minha família estava perdidanuma ilha distante e eu havia perdido minha casa na Suíça e minha herança nosEstados Unidos.

Então, que mal faria aos garotos brincar com pedrinhas coloridas? Para nós,uma banana valia muito mais do que um rubi. Não trocaríamos uma laranja nempor dez diamantes. Ter encontrado aquele baú com o tesouro em jóias me fezrefletir muito. Cheguei à conclusão de que, em algum momento, a humanidade

��CAULE: tronco��DESJEJUM: café da manhã��ARCA: baú�� REQUERER: solicitar oficialmente

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pegou o caminho errado. No momento em que o homem passou a dar mais valora pedras e metais do que ao alimento e à amizade, ao respeito e ao amor aopróximo e às vidas animal e vegetal do planeta, começou a ser ameaçado.

Resolvemos trocar a vela de lona de nossa jangada por um pano mais pro-pício à navegação, que retiramos das velas do navio. Quando a vela estava pronta,resolvemos carregar a jangada, mas a troca das velas levou mais tempo do queprevíamos e, como a noite se aproximava, decidimos dormir no navio, deixandopara carregar a jangada pela manhã. Pedi a Fred que subisse no mastro e lá colo-casse um lampião aceso, assim Elisabete saberia que estávamos bem.

Assim que amanheceu comemos o resto do lanche que havíamos trazidoe carregamos a jangada. Já íamos pelo meio do percurso quando Ernesto avistouum tubarão com a luneta. A primeira reação dos garotos foi a de entrar em pânico.Mas gritei com eles e pedi calma:

— Silêncio! Parem de gritar e fiquem quietos!Como não é comum me verem alterado, os três aquietaram-se, então falei:— Estamos numa situação de perigo. O tubarão ainda está longe, mas está

vindo em nossa direção. Por isso temos que ficar unidos e lutar contra ele. Ernesto,pegue o rifle e fique numa posição cômoda e firme. Dentre todos nós você tema melhor pontaria. Fred, você pega a espingarda e fica na outra ponta da jangada.Só dispare após Ernesto ter atirado, caso ele erre e o tubarão continue se aproxi-mando, certo? Vocês não podem disparar juntos senão ficamos sem munição.Entendido?

— Entendido – os dois falaram.— Rudly, você e eu vamos continuar remando. Ernesto, pegue a pólvora

extra e deixe perto de você, caso precise recarregar a arma.O tubarão aproximava-se cada vez mais rápido. Quando estava há uns oito

metros de nós, Ernesto disparou, mas, devido à velocidade do bicho, errou oalvo e caiu sentado na jangada, reclamando. Frederico não disparou logo apósErnesto, porque, ao cair, seu irmão balançou nossa embarcação e impossibilitouo tiro. Nessa atrapalhada deles, o tubarão atacou a jangada com uma cabeçada eRudly perdeu o remo.

A situação estava difícil, quando Fred disparou em direção ao outro ladoda jangada e uma mancha de sangue tingiu o azul-claro do mar. Logo o bichoapareceu boiando de barriga para cima. Comemoramos muito! Rudly pulou naágua e buscou seu remo. Como o tubarão ainda estava vivo, DESFERIMOS váriosgolpes de remo nele e, assim que morreu, nós o atamos na jangada. Teríamos umbelo churrasco de tubarão para o jantar.

No dia seguinte, começamos a mudança para a região onde construiríamosa casa da árvore. O pequeno Fritz era o mais empolgado com os preparativos.Corria atrás dos pombos, patos, galos e galinhas, mas não conseguia pegá-los.

��DESFERIMOS: atiramos, lançamos

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Rimos muito de suas tentativas, até que Elisabete pegou um punhado de ração ede grãos de milho e foi espalhando pelo chão. Os animais começaram a comer ea seguir o rastro deixado por ela, até que entraram na barraca onde não tinhampara onde fugir. Lá dentro, Fritz e seus irmãos pegaram todos os bichos, amarra-ram suas patas e, com cuidado, os colocaram num caixote.

Tínhamos uma mudança razoável para quem estava há menos de um mêsnuma ilha deserta. Para carregá-la, fizemos três espécies de reboques sem rodase os atamos ao burro e às duas vacas. Deixamos o touro no cercado, porque elenão era muito DÓCIL. A parte pesada de nossa carga foi levada pelos animais.Cada um de nós carregava nos ombros um saco pendurado numa vara. Dentro dosaco, MANTIMENTOS leves e roupas. Os buldogues iam na frente com as ovelhase as cabras. Ernesto e Frederico iam com eles. Um pouco mais atrás vinha o burroe as vacas, acompanhados por mim, Elisabete e Rudly. Fritz, como era magrinho,ia montado no burro. Mais atrás, os porcos nos seguiam.

Para que os animais não se DISPERSASSEM, tivemos o cuidado de amarrá-los uns aos outros com alguma folga entre as cordas. Devo confessar que não foio melhor método. Porque várias vezes eles se ENROSCARAM e nos deram trabalhopara soltá-los. No entanto, como nenhum de nós era vaqueiro, e, dada a nossasituação, não poderíamos nos dar ao luxo de perder nenhum animal, tivemosque usar a corda. A ponte agüentou bem a passagem das vacas e nossa trilha atéo local da construção chegou a ser alargada com o tráfego dos animais.

Uma vez embaixo da grande árvore, começamos a limpar o terreno em voltadela. DESMATAMOS uma área de mais ou menos quatrocentos metros quadrados,tendo o cuidado de preservar três árvores para fazer sombra aos animais. Com amadeira faríamos cercas para os rebanhos, um galinheiro, um chiqueiro e um pom-bal. Além de uma nova barraca para nós usarmos durante a construção da casa nasalturas. O trabalho de limpeza do terreno e construção da “fazenda” durou quaseum mês. Fortes chuvas atrasaram nosso serviço em uma semana.

Quando os animais estavam bem acomodados e nosso terreno estava lim-po, iniciamos a construção da casa. Rudly teve a idéia de fazermos uma escadade cordas, para subirmos na árvore. O problema é que o galho mais baixo delaestava a uns quatro metros de altura. Resolvi atirar a corda por sobre ele para laçá-lo. Após umas vinte tentativas, consegui. Com a ajuda de toda a família, puxamoso galho; era muito duro e não se curvou o suficiente para que pudéssemos alcançá-lo. Acabamos por soltá-lo.

Ernesto teve a idéia de fazer um arco. Para tanto, escolheu uma árvoremenor, partiu um galho e uniu suas pontas com uma corda fina. Fizemos várias

��DÓCIL: calmo, meigo��MANTIMENTOS: provisões, comida�� DISPERSASSEM: espalhassem, debandassem�� ENROSCARAM: engancharam�� DESMATAMOS: cortamos, roçamos

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flechas e nelas atamos cordas. Foi difícil pegar o jeito e conseguir manejar o arcocom PERÍCIA. Somente no final do dia, conseguimos fazer com que uma dasflechas passasse por cima de um dos grandes galhos onde pretendíamos erguernossa casa. As flechas anteriores ou não atingiam a altura suficiente, ou esbarra-vam em outros galhos e folhas.

Prendi a ponta da flecha numa das árvores que não derrubamos e repeti oprocesso. A idéia era ter duas cordas paralelas descendo da árvore. Quandoconseguimos esticar a outra corda, a pior parte do trabalho estava vencida. Agoraera só amarrar pedaços de bambu entre uma corda e outra para formar os degrausde nossa escada de corda vertical.

Rudly e Frederico foram atando os degraus e subindo a escada ao mesmotempo. Elisabete não deixou que eu nem Ernesto fizéssemos esse trabalho, porsermos mais pesados. Na manhã seguinte a escada estava pronta e daríamos inícioà construção.

Capítulo 5

Logo cedo, Rudly já estava trepado nos galhos mais altos da árvore. Ernestotambém subiu. Lá de cima eles jogaram uma corda que usamos para IÇAR osmateriais. Os galhos realmente estavam bem alinhados, coisa que facilitou nossotrabalho. APLAINAMOS suas superfícies, para que o encaixe da madeira fossefacilitado e nosso assoalho ficasse o mais plano possível. No final da manhã,Rudly e Ernesto terminaram de aplainar os galhos e, então, Fred e eu subimos parapregar as tábuas que completariam o piso da casa. No final do primeiro dia deobra, já tínhamos a base da casa: dois belos tablados. No segundo dia, Frednotou que alguns galhos acima do tablado também poderiam servir como base,então nós os utilizamos e a casa ganhou um segundo piso, menor, mas igualmenteútil, que poderíamos usar como sala de estudos e biblioteca, aproveitando arelaxante vista para o mar que ele tinha.

Ao longo de trinta dias, trabalhamos com afinco e conseguimos terminarnossa casa. Além da biblioteca, ela tinha o quarto do casal e mais dois quartospara os meninos. A cozinha foi feita num nível apenas um metro acima do solo,pois seria muito difícil controlar o fogo num ambiente de madeira. Na cozinha donavio havia um grande fogão à lenha de metal, mas era muito grande para a casana árvore, por isso Elisabete teve que continuar cozinhando num fogão de pedramelhorado, novamente projetado por Ernesto. O banheiro foi construído a unscem metros da árvore, com o velho método de PATENTE. Quando chovia era

��PERÍCIA: habilidade, técnica�� IÇAR: levantar��APLAINAMOS: deixamos lisa e nivelada��PATENTE: latrina

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difícil fazer as necessidades ou servir uma comida quentinha, já que os alimentoseram puxados num caixote, para a sala de estudos, que usávamos também comosala de estar, devido à sua mesa para seis pessoas. Se o dia estava bonito, comíamosno pátio, à sombra de nossa casa FRONDOSA.

Elisabete tinha medo da altura do nosso novo lar, por isso aumentamos otablado e pusemos um parapeito em volta dos cômodos. A escada também foimelhorada, quando construímos um modelo fixo e, mais tarde, quando fizemosum galpão no térreo, para abrigar a cozinha e a sala de jantar de uma formadecente. Do teto do galpão saía uma nova escada. Essa diminuição na altura realda casa agradou Elisabete. Para conseguirem um rápido acesso à terra, os garotosfincaram um pau que ia do solo até a sala de estudos. Esse pau fora totalmentealisado e ensebado, para que os garotos deslizassem nele com uma velocidadeespantosa e chegassem ao solo com rapidez.

Nossa nova moradia resolveu nossos problemas relativos à segurança e, ànoite, dormíamos tranqüilos, livres de insetos, chacais e outros perigos. Um dosmomentos do dia de que eu mais gostava era quando estávamos todos reunidosem torno da mesa de jantar comendo e conversando, ou na sala de estudos,admirando a beleza de nossa ilha. Nessas conversas, resolvemos dar nomes oficiaisaos acidentes geográficos de nosso território. Assim, ficaria mais fácil para noscomunicarmos e nos divertiríamos muito em CALOROSAS discussões eACIRRADAS votações para eleger os melhores nomes.

A praia onde chegamos foi a primeira a ser denominada. Escolhemos onome de Baía da Salvação. O CÓRREGO no qual construímos a ponte ficou co-nhecido como Riacho dos Chacais, pois foi em direção a ele que as feras correramdepois de tentar atacar nosso galinheiro na casa de praia, também chamada deCasa Velha. Nosso novo lar, após muitas brigas e piadas, foi batizado de Ninhodos Falcões, e nossa ponte recebeu a ALCUNHA de Ponte da Família. Aos poucos,fazendo uso de nossa democracia familiar, fomos nomeando toda a geografia donosso novo mundo. De certa forma, essa denominação nos deixava mais íntimosdo local, como se fôssemos nativos dele e não náufragos ISOLADOS.

Nossa rotina aos poucos ia sendo facilitada pelas conquistas “tecnológicas”e pela adaptação à ilha. Contudo, algumas coisas ainda exigiam muito esforço:buscar água doce no Riacho dos Chacais e renovar as provisões de comida eramtarefas que nos ocupavam diariamente. Por isso resolvi estabelecer um revezamentoentre nós. Fazia questão de que os garotos andassem sempre em duplas. Se

�� FRONDOSA: que tem muitas folhas��CALOROSA: cheia de calor��ACIRRADA: disputada��CÓRREGO: riacho, arroio��ALCUNHA: apelido�� ISOLADO: separado, solitário

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numa semana uma dupla coletava frutas, na outra ela iria pescar, na terceira semanacaçar e na quarta, cortar lenha. Para não enjoarmos uns dos outros, também mu-dávamos as duplas. Se numa semana Ernesto acompanhava Rudly, na outra eleacompanhava Fred ou eu. Assim, mantínhamos estreitos laços de amizade dentroda família. Elisabete ficava em casa cozinhando, limpando e ensinando Fritz a ler,escrever, calcular...

Como nos deslocávamos muito pela Baía da Salvação, resolvemos fazerum trenó, que poderia ser puxado pelo burro ou por nós mesmos. Para realizarmosa invenção, tivemos que voltar ao navio, de onde retiraríamos uma madeira lisa ecurvada, que seria adaptada para o trenó. Os garotos, que já andavam chateadoscom nossa rotina de subsistência, adoraram a idéia de nos aventurarmos no marmais uma vez. Rudly confeccionou três arpões com belas pontas de pedra afiadae amarrou uma corda na outra ponta da lança: queria caçar outro tubarão. Elisabeteficou AFLITA com a idéia, mas consegui acalmá-la, dizendo que não havia perigo,pois não era comum vermos tubarões naquela praia. O ataque sofrido anterior-mente tinha sido apenas uma casualidade. Não sei se ela acreditou muito naminha história, mas pelo menos parou de reclamar e, dessa forma, conseguimospartir rumo ao navio.

Em nossa terceira viagem, já estávamos mais acostumados com a navega-ção e enfrentamos bem as ondas e manejamos bem os ventos. No navio, Fredresolveu deslacrar seis grandes caixotes que havia no porão. Para nossa surpresa,os seis caixotes continham um barco desmontado e dois pequenos canhões. Aspeças estavam todas numeradas e havia ferramentas e um livrete com desenhossobre como montá-las. Ficamos extasiados com a possibilidade de termos nossopróprio barco e, por hora, esquecemos do trenó.

Os garotos praticamente imploraram para que eu permitisse a montagemdo barco. Por saber que um barco com dois canhões melhoraria muito nossasegurança, nosso conhecimento da região e nossa capacidade de pesca, resolvicomeçar a montagem naquele mesmo instante. Além do mais, não era convenienteficar adiando projetos que envolvessem o navio encalhado, pois eu temia queele RUÍSSE de vez.

Com calma e animação abrimos todos os caixotes e começamos a juntar aspeças do casco e ATARRACÁ-LAS com as ferramentas. No final da manhã o cascoestava pronto. Fizemos um lanche e continuamos a montagem pela parte da tar-de. Como os componentes eram mais complicados, não conseguimos acabar otrabalho antes do anoitecer e tivemos que dormir no navio. Novamente pusemosum lampião no mastro para que Elisabete soubesse que estava tudo bem conosco.

Quando amanheceu já estávamos de pé. A idéia era quebrar duas paredesinternas do porão, pois à medida que o barco ia sendo montado, o espaço

��AFLITA: ansiosa, preocupada�� RUÍSSE: partisse, quebrasse��ATARRACÁ-LAS: apertá-las com força

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dentro do porão ia ficando reduzido e escuro. Refletindo melhor sobre a loucuraque fizemos, devo confessar que foi realmente uma estupidez. Mas na hora está-vamos empolgados e não pesamos as conseqüências: começamos a dar deMARRETA na parede, sem nos preocuparmos se o teto iria agüentar. Na verdade,estávamos felizes em demolir aquela divisória e, por sorte, nada desabou, mastivemos que parar quando um CAIBRO rangeu e ficou levemente ARQUEADO.

Colocamos uma ESCORA naquele ponto e, com PÉS-DE-CABRA, retiramosas tábuas da parede e retomamos a montagem do navio. No final da tarde obarco estava pronto. Se navegaria eram outros quinhentos. Mas tínhamos nosdivertido muito para montá-lo. Tanto que nos esquecemos de pensar em comofaríamos para tirá-lo do porão. Era óbvio que aquele barco não tinha sido projetadopara ser montado no fundo de um navio. Se eu fosse menos afobado, teria levadoos caixotes para terra firme e teria montado o barco lá, mas o que estava feito,estava feito. Então, ficamos debatendo sobre como tirar o barco do porão e nãochegávamos a um CONSENSO. Se quebrássemos a parede externa, o mar poderiaentrar e nos matar afogados, ou poderia deixar o navio muito pesado e fazer comque ele se partisse.

Já estávamos quase desistindo, quando Rudly deu um pulo e gritou:— Já sei! Já sei! Putz, como é que eu não pensei nisso antes!Ficamos todos curiosos e mandamos Rudly falar logo o que tinha em men-

te. O garoto disse:— Vamos explodir o convés com um tiro de canhão!Na hora, foi inevitável cair na risada, mas depois PONDERAMOS e chegamos

à conclusão de que aquela era a melhor opção. Colocamos um bela bolota demetal na boca do canhão e ela rolou até sua base, fazendo um ruído peculiar. Emseguida, enchemos de pólvora o compartimento do detonador (anterior à bolota)e ligamos o estopim nele. Rudly preparou um pavio bem longo e o acendeu. Nósjá o esperávamos na jangada e, assim que o pavio foi aceso, Rudly pulou paraonde estávamos e remamos feito loucos, para longe do navio, em direção àpraia. Um pintor teria se deliciado com o quadro: nossos rostos de esforço,apreensão e pânico, fugindo de um navio prestes a explodir e tendo como fundoum pôr-do-sol alaranjado inacreditável.

Não estávamos a mais de vinte metros quando... CABUM!!! O canhão ex-plodiu levando milhares de pedaços de madeira do casco do barco. Nós

��MARRETA: espécie de martelo com tamanho avantajado��CAIBRO: viga de madeira��ARQUEADO: curvado, torto��ESCORA: peça usada para amparar algo�� PÉ-DE-CABRA: alavanca, ferramenta��CONSENSO: mesma opinião em relação a alguma coisa�� PONDERAMOS: consideramos, pensamos

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estávamos do lado oposto à explosão, mas mesmo assim sentimos o impacto, odeslocamento de ar e uma onda oriunda do tiro agitou nossa jangada. Decidi quevoltaríamos à praia e só retornaríamos ao barco na manhã seguinte, pois as estruturasdele poderiam estar muito abaladas. Uma lenta nuvem de fumaça branca saía docasco rompido enquanto nos afastávamos.

Chegamos no Ninho dos Falcões tão cansados que só queríamos dormir.Nem demos ouvidos às reclamações de Elisabete, furiosa com nosso atraso dedois dias. Tínhamos partido apenas para buscar madeira para fazer um trenó, masvoltávamos sujos, cansados e famintos, sem nada nas mãos.

No dia seguinte, como o navio continuava encalhado, organizei uma novaida a ele. Tínhamos muita curiosidade em ver o estado do casco e do nossobarco. Chegando lá, vimos o enorme rombo na lateral e, lá dentro do buraco,nosso barco boiava na água que havia entrado e tomava conta de cerca demeio metro de altura do porão. Comemoramos muito nosso feito e logo entramospelo buraco mesmo. A água batia em nossos joelhos, coisa que era insuficientepara fazer o barco flutuar. Com serrotes alargamos um pouco mais o buraco eaparamos algumas pontas que poderiam ser perigosas. Para transportar o barcodo porão até o mar, bastou quebrarmos um pouco mais do casco, fazendocom que mais água inundasse a sala e nosso barco boiasse por completo.Depois foi só empurrá-lo, com a água já acima de nossas cinturas. Rudly foi abordo e assim que o barco passou pela abertura, ele o amarrou no casco donavio. Nadamos até ele e logo já estávamos a bordo daquela embarcação ágil esegura.

Não é preciso dizer o quanto ficamos felizes com nosso barco e o quantoele melhorou nossa vida. Aos poucos fomos aprendendo a navegar, primeiro empequenos passeios pela ORLA e depois, sempre que o mar estava calmo, nosarriscávamos a explorar outros lados da ilha. Dessa forma conhecemos quatrooutras praias, outro córrego, um vale fértil, uma região com muitas dunas baixas eum grande mangue. De cada uma dessas regiões aprendemos a extrair benefíciose aperfeiçoamos nosso subsistência.

Seguindo pelo Riacho Novo, desembocamos na Lagoa dos Camarões,que batizamos assim por ser um grande viveiro do delicioso crustáceo. Íamospelo menos uma vez por mês até ela para pescarmos a iguaria e para nosbanharmos num bela cachoeira que desaguava numa de suas extremidades.Nomeamos a queda d’água de Cachoeira do Sol, pois era incrível a beleza doreflexo do sol no curso d’água. Fritz adorava entrar embaixo da água fria dacachoeira e depois sair correndo entre as pedras e, de um barranco, jogar-se naágua mais quentinha da lagoa.

No vale, descobrimos centenas de pés de mandioca. Para nossa sorte,Fred sabia reconhecer o tipo venenoso de mandioca (que usamos para fazerfarinha) e o tipo benéfico, que comíamos praticamente todo dia, devido a seu

��ORLA: beira, margem

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sabor e valor nutricional. Naquela mesma VÁRZEA, que aliás denominamos Valeda Comida, encontramos plantas selvagens de batatas, manjericão, tomates,melancias, além de goiabeiras, mamoeiros, ameixeiras, limoeiros, pitangueiras eamoreiras. Numa de nossas idas, levamos os buldogues, que já eram oito, vistoque nossa cadelinha dera luz à mais seis filhotinhos. Turco começou a latir parauma moita e, de repente, um porco-espinho saiu correndo dela e Turco foi atrás.À medida que corria, outros porcos-espinhos saíram de seus esconderijos etambém começaram a fugir. Ernesto deu um tiro, mas errou a pontaria. Fred foimais feliz em sua tentativa e a flecha atravessou a carne do bichinho, do qualtiramos o couro na hora, limpamos e pusemos num espeto de pau. Em menos deduas horas estávamos saboreando um gostoso churrasco de porco-espinho. Caçá-los com os cães era uma grande diversão para os garotos.

Na região das dunas não havia muita comida, mas Fritz e Rudly adoravamdeslizar duna abaixo em pranchas feitas com madeira. No mangue, Ernestoespecializara-se em catar caranguejos. As outras praias que descobrimos, emboramuito belas, não traziam grandes diferenças no “cardápio”, por isso não asfreqüentávamos muito. Tínhamos um plano de construir um barracão em cadapraia, outro na lagoa e outro no mangue, para que pudéssemos dormir comconforto em nossas andanças, mas nunca chegamos a executá-lo.

Somente na região do Vale da Comida é que construímos um galpão, ondeguardamos algumas ferramentas, pois resolvemos semear em sua terra sementesde milho, tomate, mamão, feijão e outras que não sabíamos de que alimento era,mas que estavam guardadas no navio. Como não morávamos lá, não podíamoscuidar da plantação, mas acreditávamos na fertilidade do vale para ver nossasplantas crescerem. Só o tempo diria se estávamos certos.

Capítulo 6

Já estávamos há oito meses na ilha e há seis meses vivendo no Ninho dosFalcões, quando o inverno começou. É claro que não nevou e sequer fez frio. NaSuíça estávamos acostumados a temperaturas de dez graus negativos. O proble-ma do nosso inverno eram as chuvas. Parecia que ia acabar o mundo. ChoviaTORRENCIALMENTE durante uma semana, sem parar, e os fortes ventos ameaçavamnossa casa de madeira. A grande árvore balançava e seus galhos uivavam à noite,chacoalhados pelo vento. Ninguém conseguia dormir direito, o chão ficavaembarrado e era muito incômodo sair para buscar água ou comida. RECLUSOS,acabávamos ficando de mau-humor e discutíamos uns com os outros.

��VÁRZEA: planície fértil de um vale�� TORRENCIALMENTE: em torrente, em grande quantidade�� RECLUSO: preso, confinado

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Assim que a estação das chuvas passou, começamos desesperadamente aprocurar um novo lugar para morar. Não lembro de quem foi a idéia, mas sei quefoi aprovada e nos fez rumar para as pedras à direita da Baía da Salvação. Lácomeçamos a golpear a rocha do costão do morro com picaretas. A idéia eraabrir uma cavidade e construir nossa casa lá dentro, protegidos pelas rochas. Oproblema era a dureza da pedra. Ficamos golpeando de marreta e picareta duranteum dia inteiro e só avançamos seis centímetros.

Inegável que estávamos desanimados no fim do dia, mas Rudly teve a idéiade explodir a rocha com pólvora. Com sua alma INCENDIÁRIA, Rudly sempreproporcionava grandes emoções para nós. Aceitamos sua idéia e, no dia seguinte,aumentamos o buraco, enchemos de pólvora e colocamos o estopim. Minutosdepois a rocha explodia e deixava um belo rombo. Pulamos de euforia e repetimosa operação mais quatro vezes, até que uma entrada do tamanho de duas portase um buraco interno de um metro de profundidade estivessem disponíveis.

Fred bateu com a marreta na parede ao fundo do buraco e a pedra cedeu.Lá dentro era OCO! Tínhamos descoberto uma caverna. Animados, quebramostoda a parede do fundo e, com lampiões, entramos na caverna. Era incrível comosua pedra era lisa, macia, esbranquiçada, refletindo as luzes de nossos lampiõese gerando um belo efeito de iluminação.

Durante dois meses trabalhamos na preparação da caverna para recebernossos móveis. Fizemos duas janelas, aparamos as arestas, construímos uma por-ta e fizemos uma saída para a chaminé no fogão. Lá dentro não entrava muita luz,mas a luminosidade refletia nas paredes de cristal e iluminava todo o ambiente.Trazia muita paz dormir ali. Outra vantagem da nova casa era a de estarmos pertodo mar e do Riacho dos Chacais.

Aliás, foi essa proximidade que nos levou a elaborar um engenhoso enca-namento feito com bambus. Com ele, trouxemos a água do riacho para a casa ea usávamos para limpeza da louça, da casa e para nossa higiene. Para beber,continuávamos buscando água no riacho.

De todos nós, Ernesto era o que mais gostava de andar no mato à procurade novas descobertas. Elisabete tinha medo de que alguma cobra o picasse ouque algum outro mal lhe acontecesse, mas consegui convencê-la de que éramospais dos garotos e não seus donos. Eles tinham a vida deles e precisavam aventurar-se pelo mundo sozinhos para ganhar experiência de vida. Aquela ilha era o mundodos garotos e não seria nada justo CONFINÁ-LOS em casa.

Em suas incursões, Ernesto descobriu um seringal. Fomos até lá e fizemosvários cortes nos caules das seringueiras para lhes extrair a gosma branca. Maistarde nós a derretemos para fazer um tipo primitivo de borracha que seria muito

�� INCENDIÁRIA: inflamada, revolucionária��OCO: sem nada dentro�� CONFINÁ-LOS: prendê-los, encarcerá-los

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útil para pequenos reparos no barco, em nossos sapatos e para caçar. Na verdade,nosso estoque de pólvora estava no fim, pois gastáramos muita munição explo-dindo a rocha. Por isso estávamos caçando com arcos e flechas e com armadilhas.Fred teve a idéia de irmos até o Banhado dos Patos e lá espalhar milho pelo chãoe fincar estacas BESUNTADAS com borracha derretida entre o milho. Assim queos patos notaram a ração espalhada pelo solo, voaram até ela, ficando, váriosdeles, presos nas estacas. Capturamos catorze patos com esse sistema. Oito delesforam para a panela e os outros seis nós trancamos no galinheiro da fazenda noNinho dos Falcões, que continuava ativada e cada vez maior, já que as cabras e asovelhas haviam dado cria.

Como na região da floresta estava cada vez mais difícil conseguir alimentospara nosso crescente rebanho, tivemos que transportar parte dele para o Vale daComida. Chegando lá tivemos uma bela surpresa: nossas sementes haviam cresci-do fortes e felizes com toda a chuva e todo o Sol provenientes da ilha. Colhemosmuito milho, mamão, mandioca, melancia e outros víveres durante todo o verãoe o outono.

Enquanto isso, em casa, Elisabete e Fritz descobriram uma forma de utilizara borracha para fazer velas rústicas com gravetos no lugar do pavio. Embora quei-massem com o dobro da velocidade de uma vela normal, elas garantiam umaboa luminosidade para o jantar, já que nosso estoque de velas retiradas do navioestava no final. Outra melhoria que desenvolvemos foi um sistema de correioscom o uso de pombos. Primeiro utilizamos os pombos trazidos do navio e depoisdomesticamos alguns pombos selvagens da ilha. Eles eram criados no pombal ese acostumavam à nossa companhia e às facilidades que nós lhesproporcionávamos, como um teto e comida grátis.

Quando um de nós se afastava, levava sempre um pombo acondicionadona mochila com alguns furinhos para a ave poder respirar. Se havia a necessidadede comunicar algo importante, era só escrever um bilhete, dobrá-lo e atá-lo napatinha do pombo. Assim Elisabete não se preocupava tanto quando precisáva-mos dormir longe de casa, por exemplo. Nosso sistema de mensagens permitiuque intensificássemos as explorações e conseguíssemos dar conta da plantaçãono Vale da Comida e dos animais no Ninho dos Falcões.

Como PERAMBULÁVAMOS cada vez mais por nossos domínios, acabamosaprendendo muitas coisas sobre a natureza. Encontramos centenas de floresbelíssimas, plantas exóticas e frutas que pareciam ser muito apetitosas, mas quenão comíamos de primeira porque poderiam ser venenosas. Geralmente ficáva-mos à espreita, esperando que algum animal se aproximasse. Se ele comesse,nós também provávamos e se, após um dia, não tivéssemos passado mal, entãoa fruta estava aprovada. Os macacos eram nossos cobaias preferidos para testarfrutos desconhecidos.

�� BESUNTADA: untada, lambuzada�� PERAMBULÁVAMOS: vagávamos, passeávamos

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Falando em macacos, nossas plantações eram freqüentemente atacadaspor bandos deles. Resolvemos contra-atacar e preparamos armadilhas do tipoburaco camuflado e estacas com borracha. Como isca usamos bananas. De algumaforma os macacos não caíram nos buracos, mas vários deles ficaram presos nasestacas grudentas, devido à sua pelugem ESPESSA. Nesse momento, Fritz (queaos poucos virava um pequeno bárbaro) atiçava os cães e estes estraçalhavam osinimigos primatas. Se algum sobrava, Ernesto, Rudly e Fred os espancavam comporretes. Poucos macacos sobraram e fugiram. Um deles, devia ter no máximodois meses, não conseguiu escapar e os garotos resolveram salvar sua vida, dan-do-o de presente à Fritz.

O macaquinho logo se acostumou conosco, primeiro acorrentado e depoissolto, tornou-se amigo até dos cães e virou uma excelente companhia para todos.Fritz adorava animais e, por ser nosso caçula, sempre ganhava presentes. Certavez eu capturei uma ema e Ernesto a amansou. A idéia inicial era que a ave man-tivesse a casa livre de cobras, uma vez que se alimentam delas, mas Rudly adomou e a preparou para ser montaria de Fritz. Seus cabelos loirinhos balançavamao Sol, quando o garoto galopava pelo Vale da Comida.

Os presentes naturais e vivos com os quais Fritz vivia e brincava me deixa-vam feliz. Se estivéssemos nos Estados Unidos, o moleque teria todo o tipo deTRALHA artificial como brinquedo. Na ilha, seus “brinquedos” eram também seusmelhores e únicos amigos, além da sua família. Além dos cães, da Ema e domacaquinho, Fritz também tinha um filhote de chacal (que temíamos que se tor-nasse uma fera quando crescesse, mas que TOLERÁVAMOS, pois havia salvo avida de Fritz quando nosso filho tinha caído numa AREIA MOVEDIÇA). Não fosseo chacalzinho começar a uivar para chamar a nossa atenção e depois ainda terpego um galho com os dentes e estendê-lo para que Fritz alcançasse, Fritz teriase afogado na lama. O ato do chacalzinho, como o chamávamos, foi umaverdadeira prova de amor dele pelo nosso caçula. Elisabete disse que o animaltratava Fritz como um pai, afinal, Fritz o alimentava desde muito pequeno, quandoo encontramos abandonado numa toca.

Certa vez, eu estava no Bosque dos Macacos observando um grupo deprimatas que se alimentava de uma raiz que eu desconhecia. Quando eles foramembora, fui até o local e colhi algumas raízes. Quando estava voltando, avistei umbando de papagaios voando e resolvi rumar na direção em que eles iam. Para nãoperdê-los de vista, subi numa árvore e observei seu trajeto. No dia seguinte orga-nizaria uma expedição para capturar um filhote de papagaio que pudesse nosfazer companhia e nos divertir.

��ESPESSA: grossa��TRALHA: objeto sem muita utilidade�� TOLERÁVAMOS: agüentávamos��AREIA MOVEDIÇA: areia leve que pode engolir seres que pisem sobre ela

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No jantar, perguntei se alguém conhecia aquelas raízes. Fred e Ernesto dis-seram que era ginseng, haviam aprendido na escola que aquela planta era umeficiente REVIGORANTE para o corpo, mas que não era bom comê-la sem estarmosdoente, senão o corpo se acostumaria com ela e, num momento de necessidade,seu efeito não seria sentido. Depois falei sobre os papagaios e os garotos sePRONTIFICARAM em ir atrás do bando, já na manhã seguinte.

Com três dias de busca, conseguimos localizar o território dos papagaios,onde pegamos um filhote e o levamos para a Casa de Cristal. Aos poucos a áreaem volta da nossa caverna ia virando um zoológico e isso nos deixava cheios devida e de tarefas que nos mantinham realmente muito ocupados.

Capítulo 7

Quando chegou a estação de chuvas, ficamos surpresos com o comporta-mento da nossa nova casa. Nenhum pingo d’água entrou em nosso lar e passa-mos dias agradáveis, conversando e inventando jogos e brincadeiras. O papagaioia aprendendo a imitar nossos sons e ríamos bastante com isso. Como nossarotina já estava CONSOLIDADA, os maiores eventos do nosso inverno tropicalforam quando Fred caçou uma tartaruga de um metro de comprimento nadandono mar e dela fizemos um excelente assado, aproveitando seu casco como baciae o aparecimento de uma baleia que encalhou na praia.

Lutamos muito para salvá-la. Durante dois dias cavamos a areia em volta deseus quase vinte metros de comprimento e usamos nosso barco para puxá-la,mas as cordas arrebentavam e o bicho não se mexia um milímetro sequer. Enquantouma equipe cavava, a outra mantinha a baleia molhada, para que não ressecassee morresse. No entanto, nossos esforços foram EM VÃO e aquele belo ESPÉCIMEdo maior dos mamíferos morreu.

Ficamos muito sentidos com a morte dela, mas, mesmo assim, decidi quedeveríamos retalhá-la para lhe retirar a gordura e também deveríamos aproveitarparte de sua carne, assim sua morte não teria sido inútil. Usando as vacas e oburro, pusemos a carga de gordura no trenó (que finalmente havíamos construído)e rumamos para casa. Foi muito difícil e fedorento derreter sua gordura para obterum óleo comestível, mas como nosso estoque de azeites estava no final, nãotivemos opção. Para nós, que comíamos vários tipos de peixes, além de carne decabra e de carneiro, que começavam a se reproduzir com naturalidade pela ilha,a carne da baleia não pareceu tão ruim.

�� REVIGORANTE: que revigora, enrobustece�� PRONTIFICARAM: dispuseram�� CONSOLIDADA: firme, concretizada��EM VÃO: debalde, inutilmente��ESPÉCIME: ser representativo de uma classe, gênero, espécie

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Quando as chuvas passaram, resolvi construir um CAÍQUE, a partir de umaárvore de madeira leve e resistente que encontrei na ilha. A intenção era fazerpequenos passeios solitários pelos riachos da ilha e por suas praias, já que nossobarco, embora seguro, era muito difícil de ser manejado por apenas uma pessoa.Levei um mês aplainando o tronco da árvore e transformando-o em algo navegá-vel. Porém, quando fiz o primeiro teste, a embarcação revelou-se muito instávelpara o meu peso; como resultado, entrava água por sua PROA. Irritado, decidiabandonar o projeto. Para minha surpresa, Fred o retomou e, fazendo vários testesno riacho, conseguiu remodelar a frente e tornou o barquinho muito fácil denavegar, calafetando-o por inteiro.

Fred pediu permissão para testar o caíque no mar. Olhei para o céu e noteique uma chuva tropical aproximava-se, mas para não estragar a empolgação dogaroto, resolvi deixá-lo remar um pouco, desde que não se afastasse muito. Ani-mado com a VERSATILIDADE do barco, Fred começou a remar e logo se distanciouda Baía da Salvação. Ficamos preocupados, mas decidimos voltar para casa efazer outras coisas. Se ele demorasse mais de uma hora eu iria atrás dele com obarco que montamos. Almocei e dormi um pouco após o almoço. Quandoacordei, Fred ainda não havia voltado e a chuvarada que caía tinha transformadoo mar numa superfície muito perigosa. Não era possível navegar naquelatempestade. Orei para que Fred estivesse bem, a salvo em outra praia.

Ao amanhecer, naveguei com Ernesto na direção em que Frederico haviasumido. Margeamos o costão por meia hora, remando firme e sendo impulsiona-dos pelo vento a favor. Em nossa AFLIÇÃO, acabamos pilotando o barco semmuito cuidado e uma RAJADA de vento nos arremessou contra o paredão derochas da montanha. Pensei que morreríamos ali mesmo, devido à imprudência denavegar perto do costão a grande velocidade. Nossa sorte foi uma onda que vinhano REFLUXO da correnteza. Ela acabara de estourar nas pedras e estava voltandoquando encontrou nosso barco e diminuiu muito de sua velocidade. Ernesto virouo leme a BOMBORDO, e a proa virou-se na direção do mar aberto, mas nossaPOPA ainda corria o risco de bater nas pedras. Resolvi pegar os dois remos e,quando o barco e aproximou, escorei-os contra as pedras e empurrei com toda aminha força. O barco obedeceu ao empurrão e saiu da zona de perigo, mas ao sedeslocar, ele me tirou o equilíbrio e eu caí no mar junto com os remos.

��CAÍQUE: embarcação pequena e estreita�� PROA: parte anterior da embarcação�� VERSATILIDADE: com múltiplas qualidades��AFLIÇÃO: angústia, ansiedade��RAJADA: aumento repentino da força com que o vento sopra��REFLUXO: movimento contrário ao fluxo��BOMBORDO: o lado esquerdo de uma embarcação��POPA: parte de trás de uma embarcação

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Estava tentando me estabilizar na água, quando, para piorar minha situação,uma onda veio e me jogou contra as pedras. Senti uma dor violenta nas costelas,mas tentei ignorá-la e nadei em direção ao barco. Ernesto jogou uma corda e mesalvou. Fiquei com um HEMATOMA de trinta centímetros cobrindo a lateral domeu tórax. Tínhamos aprendido a lição e começamos a navegar distantes do costão.

Para nossa sorte, assim que viramos a curva da montanha, avistamos o caíque.Fred estava pescando com o arpão. No dia anterior ele havia navegado até umapraia após aquela onde estava; quando começou a chover, resolveu se abrigar nafloresta e, na manhã seguinte, havia começado a retornar, mas parara para pescarporque estava com muita fome. Amarramos seu caíque ao barco e usamos osremos dele para iniciar a viagem de volta. Chegamos em casa bem na hora doalmoço. Felizmente, estávamos todos juntos novamente.

Fred virou um EXÍMIO navegador e costumava vagar em volta da ilha com ocaíque e, por vezes, com o barco, sempre levando um pombo-correio, a pedidode Elisabete. Foi nessas andanças que ele encontrou um albatroz com uma tira decouro amarrada na pata esquerda. Primeiro ele achou que fosse um ramo qual-quer que estivesse enganchado no bicho, mas, usando a luneta, reparou que erarealmente uma estreita tira de couro de uns quarenta centímetros de comprimen-to. INTRIGADO, preparou oito armadilhas de paus com cola pela praia ondeestava e colocou peixes crus como isca.

Várias gaivotas ficaram presas, mas, meia hora depois, o albatroz caiu naarmadilha. Fred foi até ele, retirou a tira e libertou a ave, bem como as gaivotas.Analisando a tira, viu que continha palavras escritas, mas não entendia o significado:

SAVE THE POOR CASTAWAY BY THE SMOKY STONE.Resignado, resolveu guardar o pedaço de couro e levá-lo para Elisabete ou

Fritz, que falavam inglês, italiano e francês, além do alemão.Ao pegar a tira, Elisabete arregalou os olhos. Depois deu um sermão em

Fred sobre a importância de aprendermos outras línguas, por fim entregou opedaço de couro para Fritz, que não saía de seu redor, pedindo para ler. Fritzpegou a tira e disse:

— Mas isso aqui é muito fácil! Até eu que mal completei dez anos sei ler!Significa:

SALVEM O POBRE NÁUFRAGO NA PEDRA DA FUMAÇA.— Pedra da Fumaça?! — exclamamos todos.Nos dias seguintes, organizamos uma grande busca. Reunimos provisões,

armamentos, pombos-correio e partimos para a Praia do Albatroz, tentando en-contrar a tal Pedra da Fumaça. Navegamos com cuidado, sempre em busca depedras, até que, no meio da tarde, achamos uma grande pedra branca, no altode um morro arborizado. Havia uma pequena fogueira sobre a pedra, mas nenhum

��HEMATOMA: mancha de sangue coagulado sob a pele��EXÍMIO: excelente, notável�� INTRIGADO: curioso, desconfiado

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sinal do “pobre náufrago”. Resolvemos ancorar o barco na praia ao lado e seguirpela mata até a pedra. Levamos meia hora nesta operação e, para nossa surpresa,descobrimos uma trilha que levava até lá. Chegando na pedra, notamos que apequena fogueira já estava morrendo. A pedra, embora fosse branca, estava todamanchada pelas cinzas e pelo carvão, na região da fogueira. Pelo desgaste, o talnáufrago devia acendê-la com muita freqüência.

Sugeri que nos espalhássemos pela mata gritando pelo náufrago e minhaidéia deu certo. Com não mais do que quinze minutos de busca, Fred achou umamenina, mas ela correu, tentando fugir dele. A coitada estava fraca e não conse-guiu correr por muito tempo. Fred a alcançou e a menina começou a gritar e achorar. Tinha os cabelos loiros longos e embaraçados. Usava roupas esfarrapadase estava muito suja. Fred tentou acalmá-la, contando a história do albatroz, mas agarota só relaxou quando Elisabete chegou e a abraçou.

Elisabete cuidou da garota durante os primeiros dias. Deu-lhe banho, con-feccionou roupas com couro de cabra e de ovelha e cuidou de vários ferimentosque a menina tinha. Depois, lavou e aparou seus cabelos, cortou e limpou suasunhas. Tratava a estranha como uma filha e assim ganhou a confiança da menina,que começou a conversar com ela. Seu nome era Jenny Montrose, era inglesa.Seu pai era viúvo e oficial da Marinha britânica. Estava a serviço na Índia e, porisso, pediu a Jenny que viajasse até lá sozinha num navio de passageiros.

Infelizmente o navio dela havia naufragado, mas ela, graças ao treinamentomilitar que seu pai lhe dera, fora capaz de manejar um bote até a mesma ilhaonde estávamos. Como sabia caçar e pescar, Jenny conseguiu sobreviver na flo-resta por um longo período, que ela não precisava quanto. Aos poucos os garotosforam se tornando amigos dela. Fritz adorava falar inglês com ela. Fred se vanglo-riava por ter sido responsável por sua descoberta, por isso também se esforçavapara falar com ela.

Jenny passava horas na cozinha e sabia fazer deliciosos pratos da culináriainglesa. Ela adorava visitar o Ninho dos Falcões e navegar no barco que montamos.A garota sentia tanta saudade de seu pai que até queria tentar atravessar o oceanonele, mas consegui fazê-la desistir da idéia, pois aquele barco não agüentaria osRIGORES do oceano. Além disso, não sabíamos onde estávamos e não tínhamosmapas capazes de nos guiar de volta à Europa ou até os Estados Unidos.

Sua saudade acabou no dia em que Jenny estava navegando com Fred eele, para impressioná-la, disparou um tiro de canhão. Ela quis aprender o meca-nismo, então dispararam outro tiro com um rochedo numa praia do outro lado dailha. Se tivessem feito isso na minha presença, eu teria colocado os dois de castigopor desperdiçarem munição e destruírem a praia À TOA. Jenny adorou o “brin-quedo” e pediu para disparar de novo. Fred deixou e, assim que dispararam,ouviram outro tiro vindo depois da curva da baía. Jenny perguntou:

�� RIGOR: dificuldade, severidade��À TOA: de modo impensado, fácil e inútil

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— É normal esses canhões terem eco?— Não é não, Jenny! Isso não foi um eco! Isso foi outro canhão! Há um

outro navio respondendo nossos tiros!A emoção tomou conta dos dois e ele içaram a vela do barco e navegaram

até a outra praia, de onde vinham os tiros. Analisando friamente, eles cometeramuma IMPRUDÊNCIA, pois se fosse um navio pirata, estaríamos perdidos... Porsorte, era um navio da Marinha inglesa, que havia sido mandado pelo pai deJenny, em busca de sobreviventes do naufrágio.

O resto da história vocês já podem imaginar. Estávamos salvos. Mas a per-gunta era: salvos de quê? Perguntei a cada um de meus filhos se eles gostariam devoltar à Europa. Ernesto e Rudly disseram que sentiam falta de muitas coisas naSuíça, mas que a ilha era o local deles e, por isso, resolveram ficar. Jenny,logicamente, resolveu voltar para Europa onde encontraria seu pai. Fred decidiuir com ela, os dois formavam um belo casal e provavelmente viveriam um grandeamor. Para a nossa surpresa, o pequeno Fritz também quis ir junto com Fred. Foium drama, tentamos fazer com que desistisse da idéia, mas ele se mostrou muitoconvincente, com seus dez anos. Portanto, deixamos que partisse. Fritz mereciaconhecer o mundo dito “civilizado” e, com as jóias que encontramos no navio,ele e Fred teriam uma vida confortável no Velho Mundo. Além disso, poderiamvoltar dali a algum tempo, caso quisessem.

No navio inglês, havia um pastor chamado Walston. Ele ficou maravilhadocom nossa ilha, com nosso modo natural de vida, nos fez centenas de perguntase, depois de conversar com sua esposa, decidiu, para nosso espanto, permanecerna ilha com ela e mais duas filhas. Não é preciso dizer que Rudly e Ernesto ado-raram a nova vizinhança. Alguns dias depois, o navio inglês partia, levando nossopequeno Fritz e o bravo Frederico, além de Jenny. Ficamos na praia, abraçados.Elisabete chorava muito. Ernesto, Rudly e eu segurávamos o choro, olhando o maraté que as velas do navio desaparecessem no horizonte. Elas levavam o nossopassado, junto com futuro de Jenny e dos garotos. Imaginei que os três estavamno convés do navio acenando para nós, igualmente emocionados. Pedi a Deusque continuasse cuidando de todos nós.

�� IMPRUDÊNCIA: sem prudência, sem precaução

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Roteiro de Leitura

1) Por que o título do livro é Os Robinsons Suíços, se na família de Joe Starknão há ninguém chamado Robinson?

2) Joe Stark agiu certo ao querer trocar Berna pela Filadélfia? O que você teriafeito no lugar dele?

3) Você gostaria de viver numa ilha isolada do resto do mundo, como a famíliados Robinsons Suíços?

4) De que coisas ou pessoas você sentiria mais falta?

5) Do que você não sentiria nenhuma falta?

6) Com qual das personagens você mais se identificou? Que semelhanças háentre vocês?

7) Com qual das personagens você menos se identificou? Que diferenças háentre vocês?

8) Que tipo de pai era Joe Stark? Você acha que ele era do tipo mais autoritárioou mais “paizão”? Dê um exemplo.

9) Qual a sua opinião sobre Elisabete? Ela é parecida com as mães do séculoXXI? Cite algumas semelhanças e diferenças.

10) Qual integrante da família Stark você acha que era mais feliz na ilha? Por quê?

11) Qual integrante da família Stark você acha que era mais infeliz na ilha? Por quê?

12) Para sobreviver, os Stark comiam praticamente de tudo. Que alimento inge-rido por eles você achou mais estranho? Qual comida descrita no livrovocê teve vontade de saborear?

13) Numa de suas idas ao navio encalhado, os Starks encontraram um tesouro.Qual foi a reação de Joe? O que você faria no lugar dele?

14) Forme um grupo de quatro alunos e debata sobre a relação dos Robinsonssuíços com a natureza. Eles tinham a preocupação de preservar o meioambiente? Cite exemplos de bons ou maus-tratos à natureza, para justificarsuas opiniões, e depois relate o ponto de vista do seu grupo para os outrosgrupos. Com seu professor(a) organize um júri para absolver ou condenara conduta da família Stark.

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15) Fritz tinha muitos animais de estimação. Você gosta de animais, tem algum?Quais dos animais de Fritz você gostaria de ter e quais não gostaria?

16) Quem era o náufrago da ilha? Como foi encontrado?

17) Quais dos garotos quiseram voltar para a Suíça? Por que você acha queeles voltaram?

18) No lugar dos garotos, qual seria a sua escolha? Você ficaria na ilha ou volta-ria para a Europa?

19) De que parte da história você mais gostou? Por quê?

20) Escolha um diálogo ou uma cena do livro e com mais dois colegas repre-sente-a para o resto da turma.

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OS ROBINSONS SUÍÇOS

Johann Wyss

BIOGRAFIA DO AUTOR

O escritor Johann Rudolf Wyss nasceu no ano de 1743 em Berna, Suíça.Concentrou seus estudos nas áreas de Filosofia e História e foi professor da Uni-versidade de Berna, mas mantinha um grande fascínio por lendas e contosfolclóricos de vários países europeus.

Quando adolescente, Wyss ficou fascinado pela história de Robinson Crusoe,escrita por Daniel Defoe em 1719. Anos mais tarde, já casado, Johann Wyssdeliciava-se contando para seus quatro filhos uma história na qual a família delessobrevivia a um naufrágio e juntos cooperavam para se adaptar àquele lugar selva-gem. Mais tarde essas histórias foram transformadas em livro e ganharam famamundial ao serem traduzidas para o francês e para o inglês, sempre sofrendoalterações.

Desde suas primeira versões, contadas por Johann Wyss a seus filhos, aidéia de uma família vivendo em comunhão numa ilha tem fascinado seus ouvin-tes e leitores. Por conta desse sucesso é que Os Robinsons Suíços ganhou váriasversões de cinema e televisão, sendo considerada uma das histórias que maisforam adaptadas na literatura mundial.

Quando morreu, em 1818, Johann havia deixado uma boa herança para ahumanidade.

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