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OS REBATIMENTOS DA OFENSIVA NEOLIBERAL NA ASSISTÊNCIA SOCIAL E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROJETO SOCIETÁRIO ALTERNATIVO Maria Vilma Vasconcelos Almeida 1 Luciene Ferreira Mendes de Carvalho 2 Resumo Este artigo trata dos rebatimentos do projeto neoliberal na política de assistência social, dada a centralidade que essa política pública atualmente ocupa no combate à questão social, através dos programas de transferência de renda. Além disso, analisar-se-á o processo de construção do projeto ético-político do serviço social, tido com projeto societário alternativo ao projeto burguês, que tem como um dos princípios a universalidade das políticas sociais. Portanto, contrário às políticas seletivas e focalizadas no atual cenário político-social. Para tanto, foi feito estudo bibliográfico, no intuito de contrapor projetos societários distintos, revelando os limites da atuação profissional. Palavras chaves: Projeto Neoliberal; Assistência Social; Projeto Ético-Político; Serviço Social. Abstract This article deals with neoliberal refutation in the social assistence policy, given the centrability which this public policy currently has in fighting social issue through income transfer programs. In addition we will analyse the social service ethical-political construction project perceived as an optioanal social project to burgeois project, which has as one of its principles the universality of social policies, therefore against the selective policies and focussed in the current social and political scenario.To acomplish this, a bibliographical study was carried out aiming to oppose different corporate project revealing the professional performance limits. Keywords: Neoliberal project; Social Assistence; Ethical- Political Project; Social Service 1 Estudante de Pós-Graduação da Faculdade Santo Agostinho FSA. Email: [email protected] 2 Professora Ms. do Curso de Serviço Social da Faculdade Santo Agostinho FSA. Email: [email protected]

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OS REBATIMENTOS DA OFENSIVA NEOLIBERAL NA ASSISTÊNCIA SOCIAL E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL COMO

PROJETO SOCIETÁRIO ALTERNATIVO

Maria Vilma Vasconcelos Almeida1 Luciene Ferreira Mendes de Carvalho2

Resumo Este artigo trata dos rebatimentos do projeto neoliberal na política de assistência social, dada a centralidade que essa política pública atualmente ocupa no combate à questão social, através dos programas de transferência de renda. Além disso, analisar-se-á o processo de construção do projeto ético-político do serviço social, tido com projeto societário alternativo ao projeto burguês, que tem como um dos princípios a universalidade das políticas sociais. Portanto, contrário às políticas seletivas e focalizadas no atual cenário político-social. Para tanto, foi feito estudo bibliográfico, no intuito de contrapor projetos societários distintos, revelando os limites da atuação profissional. Palavras – chaves: Projeto Neoliberal; Assistência Social; Projeto Ético-Político; Serviço Social. Abstract This article deals with neoliberal refutation in the social assistence policy, given the centrability which this public policy currently has in fighting social issue through income transfer programs. In addition we will analyse the social service ethical-political construction project perceived as an optioanal social project to burgeois project, which has as one of its principles the universality of social policies, therefore against the selective policies and focussed in the current social and political scenario.To acomplish this, a bibliographical study was carried out aiming to oppose different corporate project revealing the professional performance limits. Keywords: Neoliberal project; Social Assistence; Ethical-Political Project; Social Service

1 Estudante de Pós-Graduação da Faculdade Santo Agostinho – FSA. Email: [email protected]

2 Professora Ms. do Curso de Serviço Social da Faculdade Santo Agostinho – FSA. Email:

[email protected]

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I. INTRODUÇÃO

O Presente trabalho tem o intuito de analisar as implicações da ofensiva

neoliberal junto da política de assistência social, bem como analisar o processo de

construção do projeto ético-político do serviço social, contrapondo, dessa forma, projetos

societários distintos. Para tanto foi utilizado a pesquisa bibliográfica, por ser uma fonte rica

de informações e amplamente difundida nos meios acadêmicos.

Primeiramente, abordar-se-à as implicação da ofensa neoliberal no modelo de

proteção da Assistência Social, a qual ocupa atualmente centralidade na agenda

governamental, predominando programas de transferência de renda, colocando-a como

principal política de combate às desigualdades sociais no país, com ações pontuais e

focalizadas, contrárias às políticas universalizantes, caracterizando o que Mota (2010)

chamou de Assistencialização das Políticas Sociais.

Em seguida, será colocado o processo de construção do Projeto Ético-Político

do Serviço Social, visto como projeto societário alternativo ao projeto dominante. Para

tanto, se fará a relação dos projetos societários dos projetos profissionais, bem como as

condições históricas, econômicas, políticas e sociais para a construção do projeto

profissional. Trazendo os elementos constitutivos que materializam o projeto, bem como

princípios e valores norteadores para a intervenção profissional.

II. IMPLICAÇÕES DO NEOLIBERALISMO NA ASSISTÊNCIA SOCIAL

As Políticas sociais são entendidas como campo de disputa, de correlações de

forças e são reveladoras de contradições, se tornando alvo de constantes embates entre

as forças progressistas da sociedade, incluindo a classe trabalhadora e do grande capital,

na figura da burguesia dominante, na busca incessante de acumulação de riqueza

(SPOSATI, et al. 1998; MOTA, 2010).

Assim, nesse ambiente de disputas Mota (2010), entende que a Seguridade

Social, incluindo a Assistência Social, só pode ser reconhecida como resultado histórico da

luta da classe dos trabalhadores, somente se responder as necessidades baseadas em

princípios e valores compartilhados no campo do trabalho e legitimado pelo Estado. Assim

reafirma como sendo campo contraditório:

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O campo da Seguridade Social também é um ambiente a intervenção política das classes dominantes, seja como mecanismo de integração social, seja como meio de compatibilizar capitalismo, direitos sociais e democracia. Nestes termos, a Seguridade Social é em tese um campo de disputas, seja por parte do trabalho, seja por parte do capital que continuamente tenta adequá-la aos seus interesses hegemônicos (MOTA, 2010, p. 182, grifos do autor).

Desta feita, entende-se porque a Seguridade Social, incluída a Assistência

Social, no Brasil é marcada por paradoxos e tensões à sua implementação. Após a

promulgação da Constituição Federal de 1988, essa política pública vem sofrendo o

processo de desmonte de direitos, por parte da ofensiva neoliberal, o que Behring;

Boschetti (2008) denominou de Contra-Reforma do Estado, iniciada nos anos de 1990.

O programa de publicização, expressa sobre as organizações sociais, a

regulamentação do terceiro setor, com a parceria com ONG’s e Instituições Filantrópicas, e

o estímulo da sociedade ao serviço voluntário, são exemplos das medidas adotadas pelos

governos na execução das políticas sociais (BEHRING, BOSCHETTI, 2008).

Segundo Sitcovsky (2010), esta tendência da execução da Assistência Social

pela sociedade civil, embebido de um discurso de maior participação, leva ao

aniquilamento de ações coletivas junto a projetos societários das classes subalternas,

passivando-os, perdendo suas reivindicações e resistências, ao colocá-los como

executores de políticas sociais. Além disso, as contradições e os embates desaparecem,

como se a sociedade fosse um todo harmônico, numa integração onde há uma verdadeira

reforma intelectual e moral da classe trabalhadora. E o autor acrescenta:

Indiscutivelmente, a disseminação dos ideais de participação recolocados em cena pelo protagonismo da sociedade civil, pela qual esta é convocada a assumir as funções estatais nas ações de proteção social, em nome da cidadania e de um dever cívico, promove o arrefecimento da construção de vontades coletivas por parte da própria sociedade civil, numa clara tentativa de esvaziamento da política nesta esfera da vida social. (SITCOVSKY, 2010, p. 177)

A prevalência de políticas sociais focalizadas e seletivas, em detrimento de

políticas universalizantes, também são marcantes dentro da lógica neoliberal. No Brasil,

onde não se concretizou um modelo de proteção social de fato universal, os organismos

internacionais, como o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), por

exemplo, trataram logo de cortar essa possibilidade, prevalecendo estratégias focalistas e

discriminatórias nas ações sociais, num discurso de garantir de forma “equânime” os

direitos sociais às populações mais pauperizadas. Mas, na verdade uma seletividade

focalizada na pobreza extrema, e nos gastos sociais, em que os subsídios públicos,

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abarquem somente os mais necessitados, sem que os grupos considerados menos

necessitados dos mesmos, receba-os “indevidamente”. (PEREIRA; STEIN, 2010). Desse

modo, na perspectiva neoliberal a equidade é assim entendida:

Na visão dos adeptos da focalização ou de um universalismo segmentado, se considera que a atuação pública deva ser seletiva pelas seguintes principais razões: aplicam-se com mais eficácia e moralidade critérios redistributivos e igualitaristas; enfrentam-se situações de pobreza e de exclusão de forma mais orientada( sem perder o foco) e efetiva; gasta-se menos; e, tecnicamente, atua-se de forma mais eficaz na gerência de programas e projetos a serem desenvolvidos. (PEREIRA;STEIN, 2010, p. 113)

Outra implicação das ideias neoliberais na Assistência Social, e no modelo de

Proteção do Estado é que atualmente há uma centralidade da Política de Assistência

Social no país, sem que haja uma articulação com a Saúde e a Previdência Social,

trazendo uma falsa ilusão que somente a Assistência Social resolverá o problema das

desigualdades sociais (MOTA, 2010). Assim:

O argumento central é de que as políticas que integram a seguridade brasileira longe de formarem um amplo e articulado mecanismo de proteção, adquirem a perversa posição de conformarem uma unidade contraditória: enquanto avançam a mercantilização e privatização das políticas de saúde e previdência, restringindo o acesso e os benefícios que lhes são próprios, a assistência social se amplia na condição de política não contributiva, transformando-se num novo fetiche de enfrentamento à desigualdade social, na medida em que se transforma no principal mecanismo de proteção social no Brasil (MOTA, 2010, p.133-134).

Dessa forma, o mercado passa a ser uma mediação essencial. Além disso,

com a expansão da Assistência Social, há o retrocesso de direitos outrora conquistados na

saúde e na previdência, com a crescente privatização destes segmentos, tornando essas

políticas públicas precárias, agravando ainda mais a relação entre trabalho e Assistência

Social, numa era desemprego e precarização do trabalho. Portanto, fragilizando o caráter

universal da Seguridade Social no Brasil (MOTA, 2007).

Ainda segundo a autora, a Assistência Social cumpre o papel de ser a política

de proteção social, e não parte integrante da política de Seguridade Social. Esta dimensão

compensatória é redimensionada, na atual conjuntura em que predominam o desemprego

e o aumento do exército industrial de reserva, suprindo necessidades que seriam

responsabilidade de outras políticas, como o direito ao trabalho.

Nesse contexto, predominam os programas de transferência de renda, com

distribuição de benefício monetário à população indigente, a fim de diminuir a pobreza e

aliviar suas necessidades. São, portanto, ações de caráter emergencial, embora tenha sua

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importância num país marcado pela pobreza extrema e desigualdades sociais dramáticas,

contudo é matéria a ser questionada, pois não se traduz em um direito, mas mesmo assim,

tem papel de destaque na atualidade, assumindo papel protagônico (PEREIRA;

SIQUEIRA, 2010).

Além disso, como forma de controle social, as políticas sociais focalizadas

lançam mão de “vícios arcaicos e anacrônicos, como os constrangedores e vexatórios

testes de meios (comprovação da pobreza), a fraudemania (mania de fraude em relação

aos pobres) condicionalidades ou contrapartidas” (PEREIRA, 2007, p.3, grifos do autor)

estigmatizando assim aqueles que precisam de proteção, tirando-lhes a cidadania.

Assim, diante desse quadro, há uma discussão a respeito da atual conjuntura

do modelo de proteção da Assistência Social, nos moldes neoliberais. Indaga-se: a

Assistência Social é de fato direito ou Assistencialização (MOTA, 2011)? A autora ao

discutir esta categoria revela que Assistência Social num determinado contexto pode

tornar-se um mito. Assim a Assistência Social:

É um direito que, em determinadas conjunturas, pode se traduzir num mito pela centralidade que vem ocupando como principal meio de enfrentamento da desigualdade. Deste modo, ao ser elevada à condição de principal mecanismo de enfrentamento da desigualdade social, podemos dizer que há uma assistencialização da seguridade social. E tal assertiva não se confunde com o referencial ou que um dia chamamos de prática assistencialista, mas diz respeito à sua centralidade dentre os mecanismos de proteção vigentes (MOTA, 2011, p. 69).

Fica claro para a autora que existe atualmente uma tendência a

assistencialização da seguridade social, mas não em relação à consolidação do direito e

sim pela centralidade que ocupa atualmente, como política estruturante no enfrentamento

da questão social, ao passo em que aprofunda-se a privatização das política sociais de

saúde e previdências, como objetos de precarização.

Fica evidenciado que as políticas do neoliberalismo, como mecanismo a favor

do grande capital, usam de várias estratégias no intuito de perpetuar a dominação e gerar

maior acumulação, e o que mais preocupa é que o capital lança mão de armadilhas às

classes dominadas, numa tentativa de abafar as pressões e reivindicações dos

trabalhadores e coibir a luta por direitos na sociedade de classes, de forma consensual e

passiva. O projeto neoliberal, dessa forma, colide frontalmente com o Projeto Ético-Político

do Serviço Social, que luta pela superação da sociedade de classes numa perspectiva de

uma nova ordem societária.

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III. O PROJETO ÉTICO – POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROJETO

SOCIETÁRIO ALTERNATIVO

O processo de construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social iniciou-se

na transição da década de 1970 a 1980, momento em que a profissão rompe com o

tradicionalismo, assinalando à recusa e crítica do conservadorismo profissional. A partir daí

gestam-se as base para um projeto profissional novo, com críticas as demandas

liberais/conservadoras no processo de trabalho do assistente social, rumo a um projeto

profissional alternativo (NETTO, 1999).

Para compreender esse processo é necessário situarmos o projeto profissional

aliado aos chamados projetos societários, os quais são projetos coletivos constituídos

dentro de um universo amplo, macroscópico, em propostas para o conjunto da sociedade.

Que apresentam uma imagem de sociedade a ser construída, que necessitam de valores

para justificá-la e que evidenciam certos meios, materiais e culturais, para efetivá-los. São

projetos que também são projetos de classe, com dimensão política que envolve relações

de poder (NETTO, 1999).

Na sociedade capitalista, o projeto societário da classe trabalhadora, é

denominado de projetos transformadores, enquanto o projeto da classe burguesa busca a

conservação da hegemonia dominante. Dessa forma, “os projetos societários se

desenvolvem em meio às contradições econômicas e políticas engendradas na dinâmica

das classes sociais antagônicas“ (TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p. 188).

O Projeto Profissional do Serviço Social vincula-se a um projeto societário de

transformação social. Ao atuar no movimento contraditório das classes, na mediação das

relações sociais, o projeto profissional norteia as ações dos profissionais, imprimindo uma

direção social nos diversos espaços sócio-ocupacionais (TEIXEIRA; BRAZ, 2009).

Assim, o Serviço Social vem construindo um novo projeto profissional

comprometido com as classes trabalhadoras. Tendo como referência o Movimento de

Reconceituação e aliado aos movimentos sociais do período de redemocratização do país,

depois de um longo período de repressão, consolida - se uma nova fase para a profissão.

Um Serviço Social renovado onde começa um processo de ruptura, política e teórica, com

as bases conservadoras e tradicionalista, típicas da origem da profissão (TEIXEIRA;BRAZ,

2009).

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É neste contexto que o histórico conservadorismo do Serviço Social brasileiro, tantas vezes reciclado e metaforseado, defrontou-se pela primeira vez com uma conjuntura em que sua dominância na categoria profissional (que ela mesma sofrendo as incidências do modelo econômico da ditatura, descobrira-se com camada trabalhadora) pôde ser contestada, porque na categoria rebateram exigências políticas e sociais postas na ordem do dia pela ruptura a ordem ditatorial (NETTO, 1999, p. 100, grifos do autor)

Politicamente, o processo de ruptura teve como marco o III Congresso

Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), em 1979, na cidade de São Paulo, quando uma

vanguarda de assistentes sociais tirara da mesa de abertura os oficiais da ditadura,

substituindo-os por nomes do movimento de trabalhadores. Esse episódio ficou conhecido

como o “Congresso da Virada”. (TEIXEIRA; BRAZ, 2009). Dessa forma, ainda que formada

pela minoria, o Serviço Social começa a se organizar como categoria, vinculando-se à luta

dos trabalhadores (BARROCO, 2008).

Mas é na década de 1990, contraditoriamente, junto aos avanços das ideias

neoliberais, que o Serviço Social, sistematizará uma reflexão ética profissional, afirmando

valores e princípios que serão operacionados em direitos e deveres éticos. Para tanto,

apropria-se da ontologia social de Marx, revelando seu compromisso com o ser humano

genérico, entendido em sua totalidade e essência, tendo o trabalho como valor primário

fundante do ser social. O trabalho pensado de forma humanizada, contrário aos valores

morais burgueses como a individualidade e o egoísmo, culminando assim com o Código de

Ética de 1993, integrando um dos pilares do Projeto Ético-Político Profissional (BARROCO,

2008).

Diante disso, o Projeto Profissional se articula em três níveis de dimensão: a

dimensão teórica, ou seja, a produção do conhecimento acumulados no interior da

profissão, tendo como parâmetro as tendências teórico-críticas do pensamento social. A

dimensão jurídico-política, que integra o aparato jurídico-político profissional, como o atual

código de Ética profissional, a Lei de Regulamentação da Profissão (lei 8.662/93) e as

Novas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Serviço Social, bem como outros aparatos

jurídico-políticos mais gerais, que são as legislações sociais, preconizadas pela

Constituição Federal de 1988, como a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei Orgânica da Saúde (LOS), etc. E por

fim, a dimensão político-organizativa da profissão, que abarcam os fóruns de deliberação

quanto às entidades da profissão, tais como o conjunto CFESS/CRESS (Conselho Federal

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e Conselhos Regionais de Serviço Social), a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e

Pesquisa em Serviço Social), além dos movimentos estudantis, a ENESSO(Executiva

Nacional de Estudantes de Serviço Social (BRAZ,2004; TEIXEIRA;BRAZ, 2009).

Objetivamente, o Projeto Ético-Político tem como valor central a liberdade,

constituindo um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos

indivíduos sociais. Dessa forma, o projeto profissional alia-se a um projeto societário que

propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de

classe, etnia e gênero (NETTO, 1999; BARROCO, 2008).

Portanto, não se trata de uma liberdade presente no Liberalismo, que a ver

como livre-arbítrio ou que coincide com o individualismo. Por isso, não se pode reduzi-la a

dimensão estritamente individual, pois a experiência da liberdade se constitui como uma

construção coletiva, apontando para uma nova direção social, que tenha o indivíduo como

fonte de valor, dentro da noção de que a plena realização da liberdade de cada um requer

a plena realização de todos (PAIVA;SALES, 2012). Além desse princípio, politicamente,

Se posiciona em favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são postas explicitamente como condição para a garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras. Em decorrência, o projeto se reclama radicalmente democrático – vista a democratização enquanto socialização da participação política e socialização da riqueza socialmente produzida (NETTO, 1999, p.105, grifos do autor).

Para Paiva; Sales (2012), o princípio da universalização de bens e serviços, a

favor da equidade e da justiça social, precisa ser fortalecido junto aos usuários, no intuito

que estes tenham direitos ao franco trânsito e alcance aos programas e as políticas

públicas, enquanto a primeira forma de possibilitar a distribuição de riquezas produzidas no

seio da sociedade capitalista. Por trabalhar na mediação das políticas sociais, o assistente

social muitas vezes é contratado para empreender a rígida seleção de quem é mais

necessitado, seja os carentes dentre os mais carentes, nos parâmetros da elegibilidade, de

critérios, na mensuração dos níveis de pobreza e exclusão. Porém, é dever do assistente

social não difundir esse tipo de concepção restritiva. Logo:

De modo distinto do que tradicionalmente se espera e do que se solicita ao Serviço Social, cabe-nos, no processo de implementação dos programas e políticas sociais, contribuir para a radical democratização dos critérios de elegibilidade como estratégia de inclusão de um número sempre crescente de cidadãos nessas frações do patrimônio econômico-social, coletivamente erigido (PAIVA; SALES, p.221).

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Em sua relação com os usuários, os assistentes sociais, na execução dos

serviços deve se comprometer com a qualidade dos serviços prestados à população,

inclusive a publicização dos recursos das instituições, como forma de democratização e

universalização, abrindo espaço para a participação dos usuários (NETTO, 1999). Logo,

depreende-se a partir dos princípios expostos, o Projeto Profissional do Serviço Social,

[...] não foi construído numa perspectiva meramente corporativa, voltada à autodefesa dos interesses específicos e imediatos desse grupo profissional centrado em si mesmo. Ainda que abarque a defesa das prerrogativas profissionais e desses trabalhadores especializados, o projeto ultrapassa porque é dotado de “caráter ético-político”. Ele permite elevar esse projeto a uma dimensão de universalidade, a qual subordina, ainda que não elimine a dimensão técnico-profissional, porque estabelece um norte quanto à forma de operar o trabalho cotidiano, impregnando-o de interesse da coletividade ou da “grande política”, com momento de afirmação da teleologia e da liberdade na práxis social (IAMAMOTO, 2009, p.27-28).

Percebe-se que os valores que norteiam o Projeto Ético-Político do Serviço

Social são totalmente opostos aos valores morais burgueses, os quais predominam o

individualismo, o egoísmo, o efêmero. Na ordem capitalista, as ações políticas são

baseadas em interesses hegemônicos e não por valores éticos, resultado das

necessidades materiais reproduzidas socialmente (BARROCO, 2009). Então se pode

questionar: Como os assistentes sociais puderam construir um projeto profissional tão

antagônico a realidade em que vivemos? Trata-se de puro idealismo ou não?

(TEIXEIRA;BRAZ; 2009).

É justamente nas contradições de classes que determinam a possibilidade de

realização do projeto profissional. Num ambiente democrático é que se gestam os

caminhos, as estratégias e os rumos da atuação dos profissionais, no sentido de demarcar

com clareza os compromissos ético-políticos profissionais. Logo:

Nosso projeto é expressão das contradições que particularizam a profissão e que seus princípios e valores – por escolhas historicamente definidas pelo Serviço Social brasileiro, condicionadas por determinantes histórico-concretos mais abrangentes – colidem (são mesmo antagônicas em sua essência) com os pilares fundamentais que sustentam a ordem do capital (TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p. 193).

Portanto, é preciso leitura crítica para desocultar a realidade, com indignação e

rebeldia. Conhecer as alternativas possíveis e fazer escolhas livres e conscientes.

(VINAGRE, 2004). Além disso, fazer reflexão constante dessa realidade, isto é, “uma

capacitação continuada, no enfrentamento do neoconservadorismo, do pensamento pós-

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moderno, com seu irracionalismo, seus preconceitos, sua formas morais” (BARROCO,

2009, p. 181, grifos do autor).

A responsabilidade ética profissional exige a participação ativa dos sujeitos

coletivos, engajamento, pois os mesmos são protagonistas de escolhas e posicionamentos

de valor. Assim, os valores contidos no código de ética são norteadores das ações, das

opções e julgamentos realizados no dia-a-dia dos profissionais, porém é preciso efetivá-

los, na transformação da realidade, ou seja, sejam concretizados seja em um atendimento

realizado, de uma necessidade respondida, de um direito adquirido (BARROCO, 2009).

Segundo Boschetti (2004), a Seguridade Social defendida pelos assistentes

sociais associava- se aos princípios presentes no Projeto Profissional, reconhecendo,

porém, as limitações dessa política. Dessa forma:

A Seguridade social não é vista com um fim, como um projeto em si, mas como via de ingresso, de entrada, ou de transição a um padrão de civilidade que começa pelo reconhecimento e garantia de direitos no capitalismo, mas que não se esgota nele, sob pena de limitar a cidadania ao conceito marshalliano de garantia de mínimos necessários à sobrevivência humana. (BOSCHETTI, 2004, p.120)

Reconhecer e defender a Seguridade Social no país, “não significa contentar-

se com os direitos nos marcos do capitalismo” (BOSCHETTI, 2004, p.120), mas

principalmente lutar na contracorrente por uma política de proteção dentro de projeto

societário mais amplo, com condições econômicas, sociais e políticas com intuito de

garantir a equidade, num processo que vai além da cidadania burguesa (BOSCHETTI,

2004).

III. CONCLUSÃO

O Estudo mostrou que o grande capital lança mão de diversas estratégias no

intuito de acumular riqueza, sendo a política neoliberal funcional ao sistema. Com a

centralidade que a política de Assistência Social ocupa atualmente, como principal política

no combate a questão social, faz revelar a apropriação dessa política social pelo capital,

num processo em que o mercado dita as regras. Os programas de publicização e

privatização, por exemplo, legitima o sistema perante a sociedade civil, ao tempo em que

desresponsabiliza o Estado com a área social, transferindo a responsabilidade para o

terceiro setor, ou seja, para a própria sociedade.

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O Projeto Ético-político do serviço social foi construído no sentido de vislumbrar

uma nova ordem societária, portanto alternativo ao projeto burguês. Um projeto que se alia

as demandas dos trabalhadores, tendo a liberdade como valor ético central e a

universalização das políticas sociais. Logo, é na permanente tensão e contradição que

atuam os assistentes sociais da Assistência Social, num ambiente adverso, marcado por

constantes medidas econômicas governamentais, no sentido de retirar direitos, os quais

foram conquistados com muita luta por forças sociais da sociedade brasileira.

É um grande desafio colocado aos profissionais, que devem reconhecer,

assim, seus limites, mas principalmente, reconhecer também suas possibilidades na

referida área da Seguridade Social, no intuito de concretizar de fato o Projeto Profissional,

comprometido com a população usuária da Política de Assistência Social.

REFERÊNCIAS

BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. 7.ed. São Paulo, Cortez: 2008. _________. Fundamentos Éticos do Serviço Social. In: CFESS/ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília, 2009, p.165-184. BRAZ, Marcelo. O Governo Lula e o projeto ético-político do Serviço Social. Serviço Social & Sociedade, n. 78. São Paulo: Cortez, 2004. p.48-68.

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